AÇORIANO ORIENTAL SÁBADO, 29 DE NOVEMBRO DE 2014 Sábado 33 José Carlos Ary dos Santos: o poeta de canções DIREITOS RESERVADOS Vozes femininas em homenagem José Carlos Ary a Ary dos Santos esteve dos Santos sempre à frente do seu tempo, e mesmo Editado em , “A Rua da Sau- hoje teríamos de dade” é um disco de homenagem a Ary dos Santos. correr atrás dele Pelas vozes de Mafalda Arnauth, Viviane, Susana Félix e Luanda LÁZARO RAPOSO Cozetti chegam até nós alguns [email protected] dos poemas menos mediáticos de Ary dos Santos, revestidos com No Meia de Rock fala-se de mú- uma sonoridade atual. sica. Seja de que estilo for. De gui- Temas como “Cai Cai”, “Rock tarristas virtuosos, de vocalistas Choc”, “O Café”, ou as mais conhe- glamorosos, de êxitos e dissabo- cidas “Estrela da Tarde” e “ Cavalo res. Música. Mas, e os restantes à solta” encontram-se perfeita- 50% da equação? Falo da letra, do mente representados. poema, da mensagem. Quantas e Um total de onze temas num belo quantas vezes uma canção nos é disco de música e poesia! querida e especial por causa da magia das palavras de alguém? Com isso, gostaria de lembrar final “talvez a Júlia vá casar com José Carlos Pereira Ary dos San- o irmão dela”. Realço a relação profícua com . De todos aque- Que outra pessoa teria a les que deram voz aos poemas de ousadia de começar um Ary dos Santos, Tordo foi, na mi- poema com dois versos nha opinião, aquele que melhor “Rua da Saudade” deu nova vida ao repertório de Ary dos Santos (ver caixa) conseguiu musicar e interpretar completos a enunciar as suas palavras. um nome próprio? valo à Solta” no panorama lite- a enunciar um nome próprio: bota e o papá na algibeira (…) que Muito mais haveria para di- rário, poético, revolucionário e “Dona Amélia Gerivaldo Antu- apodrece no tempo e não cheira”. zer... Evitei falar dos temas mais musical neste nosso país. Crítico nes Castro Girão”? Que, refira- Tudo isso no cenário criado n’ “O populares, porque esses já têm tos, um grande ‘poeta de canções’, social de uma acidez tão dissi- se, “do alto de um salto alto caiu Café”. mediatismo suficiente, procurei que arrisco a apontar como mui- mulada, e no entanto tão óbvia, redonda no chão”. Ary dos Santos, que “até gosta- enunciar temas menos conheci- to à frente do seu tempo. Mesmo como se comprova na “” Já na sua altura, Ary dos Santos va do rock”, “só não queria que lhe dos, mas de igual ou maior qua- hoje em dia teríamos de correr ou em “Cai Cai”. Aliás, este últi- professava que “Gente a cair é o lixassem a vida”, foi pessoa de lidade. atrás dele. mo tema é um exemplo da sim- que há mais”. Não vos parece ex- “nunca andar a reboque”. José Carlos Pereira Ary dos San- Como escrever sobre o homem plicidade genial que Ary dos San- tremamente atual? Com o seu talento, Ary desfaz tos foi um poeta de excessos, com que devia ensinar todo tos imprimia nos seus poemas. A sua capacidade de observa- os complexos enredos de uma um excessivo talento. Ouvir, ou a escrever? Nascido da alta bur- Que outra pessoa teria a ousadia ção e descrição do meio envol- “novela” e através de um poema ler, Ary dos Santos dá-nos sempre guesia e homem de excessos, Ary de começar um poema com dois vente é fenomenal: “Chegam os coloca Portugal inteiro em frente “tempo para nascer, para viver, dos Santos era um autêntico “Ca- versos exclusivamente dedicados meninos de mota, com a china na à “Telé-Telé”, para revelar que no para existir”. // Cabine de Som António Zambujo Tiago Bettencourt “Rua da Emenda” “Do Princípio” 2014 2014

Embora tenha começado a carreira a cantar fado tradicional, É de 1, mas foi lançado já há alguns meses, e embora há muito que António Zambujo decidiu percorrer outros ca- não tenha recebido o destaque merecido, “Do Princípio” é minhos. Ao sexto disco o músico alentejano já não tem afirmação de Tiago Bettencourt como um dos artistas mais “emenda”: a abordagem quase jazzística, a influência da interessantes da atualidade. Ouvindo a discografia de Tiago música brasileira e as letras atrevidas sobre as coisas sim- Bettencourt fico mesmo com a sensação que o seu trabalho ples da vida nos nossos dias já fazem parte da sua identida- é subvalorizado. Pode parecer exagero, mas penso em Tia- de. Do fado, ficou a guitarra portuguesa e um certo modo de entoar as palavras. “Rua go Bettencourt como uma espécie de da nova geração de músicos portu- da Emenda” já está disponível nas lojas e nas plataformas de streaming. Mesmo a tempo de ou- gueses. Há nos seus trabalhos um espírito livre que se manifesta nos poemas, na rouquidão vir e decorar alguns refrões. É que é já no próximo dia 1 de dezembro que o músico atua no da voz e na transgressão das “regras” da música mais comercial, que “impõe” estruturas bási- Teatro Micaelense. Além dos temas do novo disco, “Chamateia” será música obrigatória. Zam- cas e previsíveis. Um dos singles do disco, “Aquilo que eu não fiz”, é um grito amargurado de bujo é responsável por uma versão impressionante deste tema emblemático dos Açores, grava- revolta sobre a situação atual do nosso país. Uma autêntica música de intervenção do século do com um coro feminino de música tradicional da Bulgária. JOÃO CORDEIRO XXI. JOÃO CORDEIRO