5 - Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae

Itanna O. Fernandes Jorge L. P. de Souza Fabricio B. Baccaro

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

FERNANDES, IO., SOUZA, JLP., and BACCARO, FB. Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae. In: DELABIE, JHC., et al., orgs. As formigas poneromorfas do Brasil [online]. Ilhéus, BA: Editus, 2015, pp. 43-53. ISBN 978-85-7455-441-9. Available from SciELO Books .

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. 5

Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae

Itanna O. Fernandes, Jorge L. P. de Souza, Fabricio B. Baccaro

Resumo

A subfamília Paraponerinae possui uma forrageando em nectários extrafl orais e carregando série de mudanças em sua classifi cação taxonômi- pequenos invertebrados ou partes deles para o ni- ca no decorrer da história. A utilização de dados nho. Estudos indicaram que o forrageamento em P. morfológicos e moleculares em fi logenias mais re- clavata é principalmente noturno, mas pode variar centes, demonstrou que a posição de Paraponeri- entre as colônias. Sua distribuição é ampla, com nae dentro do grupo de poneromorfas ainda está registros da Nicarágua, na América Central, até o indefi nida, visto que as relações fi logenéticas com Centro-Sul do Brasil. Mapas de distribuição em lar- as subfamílias , ga escala sugerem que a ocorrência de P. clavata está e ainda não foram esclarecidas. mais correlacionada com variáveis abióticas, como Paraponerinae possui duas espécies, pluviosidade e temperatura média, que com variá- clavata, sua única espécie vivente, e veis bióticas, como tipo de vegetação. Paraponera dieteri, espécie fóssil oriunda de âmbar é conhecida por aplicar Dominicano. As principais características morfoló- ferroadas extremamente dolorosas, ocasionando gicas do gênero são, os escobros antenais em forma febre, tremores, sudorese fria, náuseas, vômito e de “v”, curvando-se detrás dos olhos; soquetes ante- arritmia cardíaca. A dor, no entanto, é o principal nais ocultos pelos lobos frontais, localizados longe da sintoma da picada, sendo extremamente violen- margem anterior da cabeça; garras tarsais com dentes ta e capaz de permanecer por períodos de até 24 pré-apicais; e nodo peciolar longo e sub-retangular. horas. O veneno da P. clavata é classifi cado como São formigas grandes, as operárias podem chegar a neurotóxico atuando diretamente no sistema ner- mais de 2,5 cm. voso central dos insetos, bloqueando a transmis- O tamanho das colônias pode variar entre são de sinapses e tem potencial para aplicação em 200 a 3000 operárias e o ninho está normalmente inseticidas biológicos. Os indivíduos de P. clavata localizado na base de árvores. As operárias esta- são popularmente conhecidos como “tocandiras belecem trilhas de forrageio estáveis, forrageando ou tucandeiras”, são utilizados como elementos ativamente tanto no sub-bosque como no dossel. O folclóricos. Na Região Norte do Brasil, índios Sa- hábito alimentar pode ser classifi cado como onívo- teré-Mawé utilizam as tucandeiras em rituais de ro, já que operárias são frequentemente observadas passagem para a vida adulta.

FERNANDES, Itanna O.; SOUZA, Jorge L. P. de; BACCARO, Fabricio B. Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae. In: DELABIE, Jacques H. C. et al. As formigas poneromorfas do Brasil. Ilhéus: Editus, 2015. p. 43-53.

Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae | 43

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 4433 113/01/20163/01/2016 11:48:311:48:37 Abstract

State of the art of the and nectaries and carrying small invertebrates to the phylogeny of the subfamily Paraponerinae - Th e nest. studies indicate that P. clavata is Paraponerinae has experienced a series of changes primarily nocturnal, but the foraging time can vary in its taxonomic history. Indeed, morphological and among the colonies. P. clavata is widely distributed, molecular data in more recent phylogenies indicate with records from in , that the position of Paraponerinae within the through to the center and south of . Large- poneromorph group is still undefi ned, since certain scale distribution maps in suggest phylogenetic relationships with Proceratiinae, that the occurrence of P. clavata is more correlated Agroecomyrmecinae and Amblyoponinae have with abiotic variables, such as rainfall and mean not been clarifi ed. Paraponerinae has two , temperature, than with biotic variables, such as Paraponera clavata, the only living species, and of vegetation. Paraponera dieteri, a species from Dominican Paraponera clavata has an extremely amber. Th e diagnosis is the presence of painful sting, with symptoms of fever, chills, cold antennal scrobes in a “v” shape curving behind the sweats, nausea, vomiting and cardiac arrhythmia. eyes, antennal sockets hidden by the frontal lobes Th e aft er a sting is the main symptom, and located far from the anterior margin of the being extremely violent and able to remain for head, tarsal claws with pre-apical teeth and a long up to 24 hours. P. clavata is neurotoxic, sub-rectangular petiolar node. are large, with acting directly on the of workers reaching more than 2.5 cm. to block transmission at synapses, and Th e colony size can vary between 200-3000 has potential use for application in biological workers and the nest is usually located at the base insecticides. Individuals of P. clavata, locally of trees. Th e workers establish stable foraging trails, known as ‘tucandiras or tucandeiras’ are used actively foraging in both, understorey and canopy. as folklore elements. In the northern region of P. clavata has an omnivorous diet, with workers Brazil, the Sateré-Mawé Indians use tucandeiras frequently observed foraging on extrafl oral in rites of passage to adulthood.

Sistemática de Paraponerinae os gêneros Paraponera e Ectatomma estariam re- lacionados, devido à presença do lobo anal na asa A subfamília Paraponerinae possui apenas posterior em ambos os gêneros. uma espécie vivente, Paraponera clavata (FABRI- Lattke (1994) revalidou a tribo Paraponeri- CIUS, 1775), e apresenta uma série de mudanças ni através de uma fi logenia baseada em caracteres em sua classifi cação taxonômica no decorrer da morfológicos, onde a ausência do processo ante- história. Em 1954, Brown apresentou a primeira roventral póspeciolar, a presença de tumosidades classifi cação para o chamado complexo Poneroi- laterais no pronoto e o escrobo antenal bem desen- de, composto pelas subfamílias , Cera- volvidos de P. clavata a distinguia de qualquer ou- pachyinae, , e tra Ectatommini. Neste mesmo trabalho, também (Figura 5.1). De acordo com esta classifi cação, demonstrou que a tribo Ectatommini formava um Paraponera clavata foi agrupada na subfamília agrupamento polifi lético (Figura 5.2). Ponerinae, dentro da tribo Ectatommini. Keller (2000) analisou as relações existen- Brown (1958) ao estudar as relações tes entre os membros da tribo Ectatommini e su- existentes entre os indivíduos que compunham geriu um arranjo diferente do proposto por Lattke a subfamília Ponerinae propôs uma nova classi- (1994). Keller menciona que a posição do gênero fi cação, baseada em caracteres morfológicos, que Paraponera é mal suportada para uma proposta de reduziu as três tribos da subfamília Ponerinae reclassifi cação. Ao reanalisar a matriz proposta por (Ectatommini, Paraponerini e Proceratiini) a so- Lattke, observou que a posição de Paraponera mu- mente uma: Ectatommini. Concluiu também que dava à medida que o grupo externo era modifi cado.

44 | Itanna O. Fernandes, Jorge L. P. de Souza, Fabricio B. Baccaro

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 4444 113/01/20163/01/2016 11:48:3811:48:38 FIGURA 5.1 – Árvore fi logenética para as subfamílias de Formicidae proposta por Brown em 1954 (Adaptado de Keller, 2011).

FIGURA 5.2 – Relações fi logenéticas dos gêneros da subfamília Ponerinae com grupo externo representado pelo gênero (Modifi cado de Lattke, 1984).

Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae | 45

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 4455 113/01/20163/01/2016 11:48:3811:48:38 Paraponera assumia uma posição terminal quando de Ponerinae não é suportada e Ectatommini (sen- Cerapachys era utilizada como grupo externo e ba- su Lattke) continua envolvida em uma politomia. sal ao utilizar Myrmecia (Figura 5.3). Bolton (2003) desmembrou a então subfamí- Ao fi nal, Keller concluiu que Paraponera era lia Ponerinae em seis subfamílias: Amblyoponinae, grupo-irmão das demais poneríneas + Cerapachys. , , Paraponerinae, De acordo com essa análise, a classifi cação tribal Ponerinae e Proceratiinae. Neste mesmo trabalho,

FIGURA 5.3 – Relações fi logenéticas para a subfamília Ponerinae propostas por Keller (2000) com grupos externos representados pelos gêneros Cerapachys (A) e Myrmecia (B).

A

B

46 | Itanna O. Fernandes, Jorge L. P. de Souza, Fabricio B. Baccaro

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 4466 113/01/20163/01/2016 11:48:3811:48:38 usou pela primeira vez o termo “poneromorfas” Keller (2011), utilizando caracteres morfo- para o agrupamento informal recém-criado. lógicos, propôs uma nova fi logenia para a famí- A utilização de dados moleculares em lia Formicidae, com especial ênfase nas ponero- filogenias mais recentes (BRADY et al., 2006; morfas. A análise com pesagem implícita indicou CROZIER, 2006; MOREAU et al., 2006; OUL- que Paraponerinae seria grupo-irmão do clado LETTE et al., 2006; RABELING et al,. 2008) Proceratiinae (I), myrmicomorfas (G, H) e dorylo- (Figura 5.4) demonstrou que a posição de Pa- morfas (N) (Figura 5.5). raponerinae dentro do grupo de poneromorfas Schmidt (2013), utilizando dados molecu- está indefinida, visto que a subfamília possui re- lares, também encontrou difi culdades ao tentar lações filogenéticas ainda não resolvidas com a defi nir o grupo-irmão da subfamília Ponerinae. subfamília Proceratiinae. Apesar de suas análises indicarem uma possível

FIGURA 5.4 – Filogenia para as subfamílias de Formicidae, modifi cada de Rabeling et al., 2008, (BPP: Probabilidade Posterior Bayesiana; ML BP: Máxima Verossimilhança e Bootstrap Proporções.

Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae | 47

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 47 113/01/20163/01/2016 11:48:3811:48:38 FIGURA 5.5 – Filogenia de consenso estrito com pesagem 2013; MOREAU; BELL, 2013) divergem nos re- implícita proposta por Keller (2011), com destaques para sultados, principalmente se considerarmos a pre- posição de Paraponera clavata (modifi cada de Keller, 2011). sença e ausência de determinados grupos como Proceratiinae e Agroecomyrmecinae nas análises.

Taxonomia

Paraponerinae é uma subfamília monotípi- ca, representada pela espécie vivente Paraponera clavata (FABRICIUS, 1775), e Paraponera dieteri Baroni Urbani, 1994, espécie fóssil oriunda do âm- bar Dominicano. Emery (1901), em sua classifi cação da sub- família Ponerinae, salientou a importância dos caracteres morfológicos do gênero Paraponera e o alocou em uma tribo monotípica, Paraponeri- ni. Brown (1958) transferiu o gênero para a tribo Ectatommini. Mais tarde, o gênero foi separado da tribo Ectatommini por Lattke (1994) e elevado à subfamília por Bolton (2003). A subfamília teve um histórico taxonômico conturbado, como men- cionado acima. O gênero possui como diagnose a presen- ça de escrobos antenais em forma de “v”, curvan- do-se detrás dos olhos; soquetes antenais ocultos pelos lobos frontais, afastados da margem anterior da cabeça; garras tarsais com dentes pré-apicais; e nodo peciolar longo e sub-retangular. São formi- gas grandes (operárias com mais de 2,5 centíme- tros) (Figura 5.6). Paraponera clavata foi descrita em 1775 por Fabricius, designada originalmente como Formica clavata, sendo mais tarde transferida para o gênero Paraponera por Fr. Smith, em 1858. Paraponera dieteri, tem uma história taxo- nômica um pouco mais conturbada. Wilson, em 1985, destacou a existência de um fóssil não iden- tifi cado do gênero Paraponera em âmbar Domini- cano. Esse exemplar, uma operária, estava em pés- simas condições, o que permitiu apenas o desenho relação de parentesco entre Ponerinae e Parapone- da garra tarsal anterior e parte do último somito do rinae + Agroecomyrmecinae, o autor se manteve gáster (WILSON, 1985). Baroni Urbani, ao exami- cético e preferiu não afi rmar essa relação entre as nar a coleção do Museu de Stuttgart (Alemanha), subfamílias. Já Moreau; Bell (2013) encontraram mencionou a existência de uma operária intacta de uma forte relação entre as subfamílias Parapone- Paraponera em âmbar Dominicano. Essa operária rinae e Agroecomyrmecinae, ao utilizarem dados foi descrita sob o nome Paraponera dieteri Baroni moleculares para inferir a diversifi cação evolutiva Urbani, 1994. e biogeográfi ca em formigas. Paraponera dieteri foi designada por carac- As relações de parentesco de Paraponeri- teres morfológicos altamente variáveis, como: es- nae permanecem não resolvidas. As fi logenias pinho no pronoto espinho no pronoto curto, cabe- utilizando dados morfológicos (LATTKE, 1994; ça longitudinalmente rugosa e estreita, e tamanho KELLER, 2000) ou moleculares (SCHMIDT, comparativamente menor (P. di ete r i : 19.8 mm e P.

48 | Itanna O. Fernandes, Jorge L. P. de Souza, Fabricio B. Baccaro

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 4488 113/01/20163/01/2016 11:48:3811:48:38 FIGURA 5.6 – (A) Paraponera clavata em vista frontal; (B) em vista lateral. Foto: April Nobile, disponível no site , acessado em 28 de abril de 2015

A B

clavata: 22.7 – 25.1 mm de comprimento total). Historicamente, a distribuição dos ninhos Outro caráter pouco evidenciado é o processo de P. clavata e a ocorrência da espécie em escala subpeciolar, encoberto pelo fêmur em vista lateral, local receberam mais atenção dos pesquisadores. e parcialmente visível em vista ventral e obliqua P. clavata nidifi ca no solo, na base de árvores de (BARONI URBANI 1994) (Figura 5.7). fl orestas tropicais. No entanto, ninhos já foram encontrados em forquilhas ou ocos de árvores Biologia e distribuição (BREED; HARISON, 1989). Localmente, P. cl av a - ta parece preferir locais relativamente mais secos, Paraponera clavata está provavelmente construindo seus ninhos em encostas com mais de entre as formigas mais conspícuas das fl orestas 5° de inclinação e posicionados no lado descen- tropicais. Esse fato não está relacionado com sua dente da árvore, possivelmente usando o tronco abundância local, que raramente é considerada como um escudo contra o escoamento de água alta, mas sim com o tamanho das operárias e o durante chuvas fortes (ELANI, 2005). Por causa da local de forrageio. Operárias de P. clavata podem forte relação com plantas, muitos pesquisadores ser encontradas forrageando sobre a vegetação, investigaram a possível associação entre P. cl av a - muitas vezes na altura dos olhos (BAADER, 1996). ta e espécies de plantas em diversas localidades da Consequentemente, espécimes de P. clavata são América Central (BENNETT; BREED 1985; BELK frequentemente coletados e depositados em cole- et al., 1989; BREED et al., 1991; THURBER et al., ções zoológicas, fornecendo informações impor- 1993; PEREZ et al., 1999; DYER, 2002). Em Barro tantes para documentar sua ocorrência. A distri- Colorado, no Panamá, ninhos de P. clavata foram buição dessa espécie é ampla, com registros desde frequentemente encontrados na base de Pentacle- a Nicarágua, na América Central, ao Centro-Sul do thra macroloba (BENNETT; BREED 1985). Um Brasil, na América do Sul. Mapas de distribuição pequeno experimento demonstrou que rainhas em em larga escala sugerem que a ocorrência de P. cl a - processo de fundação de colônias tendem a prefe- vata está mais relacionada com variáveis abióticas, rir tubos de ensaio com material de Pentaclethra como pluviosidade e temperatura média, do que macroloba (HÖLLDOBLER; WILSON, 1990). No com variáveis bióticas, como o tipo de vegetação entanto, a associação entre P. clavata e Pentaclethra (MURPHY; BREED, 2007). Locais com maior plu- macroloba pode ser restrita a algumas localidades. viosidade a noroeste, bem como locais com tempe- Também no Panamá, Belk et al. (1989) encontra- raturas mais altas, no extremo leste da Amazônia ram relações positivas entre ninhos de P. clavata brasileira, aparecem como as áreas com maior pro- na base outras espécies de árvores e de palmeiras. babilidade de ocorrência de P. clavata (MURPHY; O tamanho das colônias pode variar entre BREED, 2007). 200 a 3000 operárias (BREED; HARRISON, 1988).

Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae | 49

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 49 113/01/20163/01/2016 11:48:3811:48:38 FIGURA 5.7 – (A) Vista frontal da cabeça de Paraponera dieteri (holótipo); (B) Vista dorsal. Foto: Vincent Perrichot, disponível no site , acessado em 28 de abril de 2015

A

B

As operárias estabelecem trilhas estáveis forrage- até 40 m da entrada do ninho (BAADER, 1996; ando ativamente tanto no sub-bosque como no FEWELL et al., 1992). Como forrageiam em trilhas dossel da árvore a qual o ninho está associado e estáveis nos galhos das árvores e arbustos, operá- nas árvores ao redor. Estudos sobre forrageamento rias de P. clavata mais ativas durante o dia também indicaram que P. clavata é principalmente noturna podem usar marcos visuais para facilitar o retorno (MCCLUSKEY; BROWN, 1972), mas a atividade ao ninho (BAADER, 1996). pode variar entre as colônias (HÖLLDOBLER; O hábito alimentar e as estratégias de forra- WILSON, 1990). A área de forrageio pode chegar geamento de P. clavata também foram relativamen-

50 | Itanna O. Fernandes, Jorge L. P. de Souza, Fabricio B. Baccaro

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 5500 113/01/20163/01/2016 11:48:4011:48:40 te bem estudados. Apesar do tamanho e do potente da informação básica partir de pessoas que não têm ferrão sugerir que essa espécie seja exclusivamente um vínculo acadêmico e obviamente não fazem as predadora, a maioria dos trabalhos aponta para identifi cações com base em critérios taxonômicos. uma dieta ao menos em parte vegetariana. Ao lon- A confusão mais recorrente é a identifi cação de P. go do tempo, P. clavata foi classifi cada como pre- clavata como sp. e vice-versa, porém dadora (WILSON, 1971), nectarívora oportunista formigas com biologia e comportamento bem dife- (HERMANN, 1975; YOUNG, 1977), generalista rentes, como as pertencentes ao gênero Atta já fo- (YOUNG; HERMANN, 1980) e herbívora (BRE- ram associadas ao nome tucandeira (ver HADDAD ED; BENNETT, 1985). No entanto, a proporção de Jr. et al., 2005 e BOTELHO; WEIGEL, 2011). isótopos de nitrogênio “pesado” (N15) de operárias As tucandeiras são conhecidas por aplicar de P. clavata é similar ao de espécies de formigas ferroadas extremamente dolorosas. Os principais predadoras (DAVIDSON, 2005). De maneira em sintomas relatados, tanto em trabalhos científi cos geral, operárias da mesma colônia podem ser ob- como em experiências pessoais, são febre, tremo- servadas forrageando em nectários extrafl orais res, sudorese fria, náuseas, vômito e arritmia cardí- e carregando pequenos invertebrados ou partes aca, (HADDAD Jr. et al., 1996, HADDAD Jr., 2001). deles para o ninho (YOUNG; HERMANN, 1980). A dor, no entanto, é o principal sintoma da picada, Por causa disso, sua posição na cadeia trófi ca pode sendo extremamente violenta e capaz de permane- variar entre localidades. cer por períodos de até 24 horas (HADDAD Jr. et al., 1996). Paraponera e o Folclore: Ritual dos Sateré-Mawé O veneno de P. clavata é classifi cado como neurotóxico (HERMANN et al., 1984, MORGAN, Os indivíduos de P. clavata são exemplos 1996, HADDAD Jr. et al., 1996, HADDAD Jr. 2001) dos poucos insetos utilizados como elementos fol- atuando diretamente no sistema nervoso central clóricos. Na Região Norte do Brasil, índios Sateré dos insetos, bloqueando a transmissão de sinapses -Mawé, que vivem entre o Amazonas e Belém do (HERMANN et al., 1984). Trata-se de uma mistura Pará, utilizam as formigas tucandeiras (como são proteica complexa, onde um pequeno neuropeptí- conhecidas localmente) em rituais de passagem deo chamado poneratoxina (potx) afeta os canais para a vida adulta. de sódio (Na) e tem uso potencial para aplicação Somente os homens vivenciam este ritual, em inseticidas biológicos (BLUM; HERMANN, que se inicia na infância e se repete por inúmeras 1978, DUVAL, 1992, PIEK et al., 1991, SCHMIDT, vezes até a idade adulta. Esse rito assinala a passa- 1990, SZOLAJSKA et al., 2004). gem da criança ao adulto e consiste, basicamente, na experiência de colocar a mão em uma luva de Referências palha trançada com indivíduos de P. clavata apri- sionados com os ferrões voltados para a face inter- BARONI URBANI, C. Th e identity of the na do artefato. Para não serem ferroados durante a Dominican Paraponera (Amber Collection Stuttgart: preparação da luva, os índios anestesiam as formi- , Formicidae. V: Ponerinae, partim). gas usando água e folhas de cajueiro (Anacardium Stuttgarter Beiträge zur Naturkunde. Serie B (Geologie und Paläontologie). v. 197, p. 1-9, 1994. ocidentale L.). Ao colocar a mão dentro da luva, o iniciante sofre dolorosas ferroadas enquanto são BAADER, A. P. Th e signifi cance of visual landmarks realizados cânticos e danças (BOTELHO; WEI- for navigation of the giant tropical , Paraponera GEL, 2011; ROQUETTE-PINTO, 1915). clavata (Formicidae, Ponerinae). Insectes Sociaux, v. Existe uma tendência entre os mirmecólogos 450, p. 435–450, 1996. de considerar como tucandeiras (ou tocandiras) verdadeiras indivíduos de P. clavata e como fal- BELK, M. C.; BLACK, H.L; JORGENSON, C.D.; HUBBELL, S.P.; FOSTER, R.B. Nest tree selectivity by sas-tucandeiras espécimes de , the tropical ant, Paraponera clavata. Biotropica, v. 21, e . Em- p. 173-177, 1989. bora alguns trabalhos relacionados a interações en- tre as tucandeiras e os humanos façam esta distin- BENNETT, B.; BREED, M. D. On the association ção entre tucandeiras verdadeiras e falsas, equívo- between Pentaclethra macroloba (Mimosaceae) and cos nas identifi cações taxonômicas ainda são come- Paraponera clavata (Hym: Formicidae) colonies. tidos. Isto acontece muito provavelmente por conta Biotropica, v. 17, p. 253-255, 1985.

Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae | 51

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 5511 113/01/20163/01/2016 11:48:4111:48:41 BLUM, M.S.; HERMANN, H.R. and venom DYER, L. A. A quantifi cation of rates, apparatus of the Formicidae: Mymerciinae, Ponerinae, indirect positive eff ects on plants, and foraging Dorylinae, Pseudomymercinae, Mymercinae and variation of the giant tropical ant Paraponera clavata. . In: BETTINI, S., ed. Arthopod venoms. Journal of Science, v. 2, p. 1–7, 2002. New York, Springer Verlag, p. 843, 1978. ELAHI, R. Th e eff ect of water on the ground nesting BOLTON, B. Synopsis and classifi cation of Formicidae. habits of the giant tropical ant, Paraponera clavata. Memoirs of the American Entomological Institute, v. Journal of Insect Science, v. 5, n. 34, p. 34, 2005. 71, p. 1–370, 2003. EMERY, C. Notes sur les sous-families des dorylines BOTELHO, J. B.; WEIGEL, V. A. C. M. Comunidade et ponerines. Annales de la Société Entomologique sateré-mawé Y’Apyrehyt: ritual e saúde na periferia Belge, v. 45, p. 32-54, 1901. urbana de Manaus. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 18, p.723-744, 2011. FABRICIUS J. C. Systema entomologiae, sistens insectorum classes, ordines, genera, species adiectis BRADY, S. G.; SCHULTZ, T. R.; FISHER, B. L.; WARD, synonymis, locis, descriptionibus, observationibus. P. S. Evaluating alternative hypotheses for the early Flensburgi et Lipsiae: Korte, 832 pp, 1775. evolution and diversifi cation of ants. Proceedings of the National Academy of Science of the United FEWELL, J. H.; HARRISON, J. F.; STILLER, T. M.; States of America, v. 103, p. 18172–18177, 2006. BREED, M. D. Distance eff ects on resource profi tability and recruitment in the giant tropical ant, Paraponera BREED, M.D.; BENNETT, B. Mass recruitment to clavata. Oecologia, v. 92, p. 542–547, 1992. sources in Paraponera clavata: A fi eld study. Insectes Sociaux. v. 32, p. 198-208, 1985. HADDAD Jr., V. - Acidentes por formigas. In: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por BREED, M. D.; HARRISON, J. Arboreal nesting in the Animais Peçonhentos. Brasília, Fundação Nacional da giant tropical ant Paraponera clavata (Hymenoptera: Saúde, 2001. p. 65-66. Formicidae). Journal of the Kansas Entomological Society. v. 62, p. 133-135, 1989. HERMANN, H.R.; BLUM, M.S.; WHEELER, J.W. et al. - Comparative anatomy and chemistry of BREED, M.D.; STILLER, T.M.; FEWELL, J.H.; the venom apparatus and mandibular glands in HARRISON, J.M. Intercolonial interactions and Dinoponera grandis (Guérin) and Paraponera clavata nestmate discrimination in the giant tropical ant (F.) (Hymenoptera: Formicidae: Ponerinae). Annals of Paraponera clavata. Biotropica, v. 23, p. 301-306, 1991. the Entomological Society of America, v. 77, p. 272- 279, 1984. BROWN, W. L., JR. Remarks on the internal phylogeny and subfamily classifi cation of the family Formicidae. HADDAD Jr., V.; CARDOSO, J.L.C.; MORAES, R. H. Insectes Sociaux, v. 1, p. 21–31, 1954. P. Description of an injury in a human caused by a false tocandira (Dinoponera gigantea, perty, 1833) with BROWN, W. L., JR. Contributions toward a a revision on folkloric, pharmacological and clinical reclassifi cation of the Formicidae. II. Tribe aspects of the giant ants of the genera Paraponera Ectatommini (Hymenoptera). Bulletin of the Museum and Dinoponera (sub-family Ponerinae) Revista do of Comparative at Harvard University, v. Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, v. 47, p. 118, p. 173–362, 1958. 235-238, 1996.

CROZIER, R. H. Charting uncertainty about ant HERMANN, H. R. Crepuscular and nocturnal origins. Proceedings of the National Academy of activities of Paraponera clavata (Hymenoptera: Sciences (USA), v. 103, p. 18029–18030, 2006. Formicidae: Ponerinae). Entomological News, v. 86, p. 94-98, 1975. DAVIDSON, D. W. Ecological stoichiometry of ants in a New World rain forest. Oecologia, v. 142, p. 221–31, HOLLDOBLER, B.; WILSON, E. O. Host Tree 2005. Selection by the Neotropical Ant Paraponera clavata (Hymenoptera: Formicidae). Biotropica, v. 22 n. 2, p. DUVAL, A.; MALÉCOT, C.O.; PELHATE, M.; PIEK, T. 213–214, 1990. Poneratoxin, a new toxin from an , reveals an interconversion between two gating modes of the KELLER, R. A. Cladistics of the Ectatommini Na channels in frog skeletal muscle fi bres. Pfl ügers (Hymenoptera: Formicidae): A reappraisal. Insect Archiv, v. 420, p. 239-247, 1992. Systematics and Evolution, v. 31, p. 59–69, 2000.

52 | Itanna O. Fernandes, Jorge L. P. de Souza, Fabricio B. Baccaro

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 5522 113/01/20163/01/2016 11:48:4211:48:42 KELLER, R. A. A phylogenetic analysis of ant RABELING, C.; BROWN, J. M.; VERHAAGH, M. morphology (Hymenoptera: Formicidae) with special Newly discovered sister lineage sheds light on early ant reference to the poneromorph subfamilies. Bulletin of evolution. Proceedings of the California Academy of the American Museum of Natural History, v. 355, p. Sciences of the United States of America, v. 105, p. 1-90, 2011. 14913–14917, 2008.

LATTKE, J. E. Phylogenetic relationships and SCHMIDT, C. Molecular plylogenetics of ponerine classifi cation of Ectatommine ants (Hymenoptera, ants (Hymenoptera: Formicidae: Ponerinae). Zootaxa, Formicidae). Entomologica Scandinavia, v. 25, p. v. 3647, n. 2, p. 201-250, 2013. 105–119, 1994. SCHMIDT, J.O. - Hymenopteran venoms: striving MCCLUSKEY, E. S.; BROWN, W. L. Rhythms and toward the ultimate defense against vertebrates. In: other biology of the giant tropical ant Paraponera EVANS, D.L.; SCHMIDT, J.O., ed. Insect defenses, clavata. Psyche, v. 79, p. 335-347, 1972. adaptive mechanisms and strategies of prey and predators. Albany, State University of New York Press, MOREAU, C. S.; BELL, C. D.; VILA, R.; ARCHIBALD, 1990. p. 387-419. B.; PIERCE, N. E. Phylogeny of the ants: diversifi cation in the age of angiosperms. Science, v. 312, p. 101–104, SMITH, FR. Catalogue of hymenopterous insects 2006. in the collection of the British Museum. Part VI. Formicidae. London: British Museum, 216 pp, 1858. MOREAU, C. S.; BELL, C. D. Testing the museum versus cradle tropical biological diversity hypothesis: SZOLAJSKA, E.; POZNANSKI, J.; FERBER, M.L.; phylogeny, diversifi cation, and ancestral biogeographic MICHALIK, J.; GOUT, E.; FENDER, P. ; BAILLY, I.; range evolution of ants. Evolution, v. 67, n. 8, p. 2240- DUBLET, B.; CHROBOCZEK, J. - Poneratoxin, a 2257, 2013. from ant venom. Structure and expression in insect cells and construction of a bioinsecticide. MORGAN, R.C. - Quest for the giant tropical bullet European Journal of Biochemistry, v. 271, p. 2127- ant, Paraponera clavata. In: Invertebrates in captivity 2136, 2004. conference, Tucson, Sonora Studies Institute, 1996. Proceedings. p. 13-20. THURBER, D.K., BELK, M.C., BLACK, H.L., JORGENSEN, C.D., HUBBELL, S.P., FOSTER, R.B. MURPHY, C. M.,; BREED, M. D. A predictive Dispersion and mortality of colonies of the tropical ant distribution map for the giant tropical ant, Paraponera Paraponera clavata. Biotropica, v. 25, p. 215-221, 1993. clavata. Journal of Insect Science, v. 7, n. 8, 2007. YOUNG, A.M. Notes on the foraging of the giant OUELLETTE, G. D.; FISHER, B. L.; GIRMAN, D. tropical ant Paraponera clavata (Formicidae: J. Molecular systematics of basal subfamilies of Ponerinae) on two plants in tropical wet forest. Journal ants using 28S rRNA (Hymenoptera: Formicidae). of the Georgia Entomological Society, v. 12, p. 41-51, Molecular Phylogenetics and Evolution, v. 40, p. 1977. 359–369, 2006. YOUNG, A. M.,; HERMANN, H. R. Notes on PEREZ, R.; CONDITT, R.; LOA, S. Distribution, Foraging of the Giant Tropical Ant Paraponera clavata mortality and association with plants of Paraponera (Hymenoptera: Formicidae: Ponerinae). Journal of the clavata (Hymenoptera: Formicidae) nests in Barro Kansas Entomological Society, v. 53, n. 1, p. 35–55, Colorado Island, Panama. Revista de Biologia 1980. Tropical, v. 47, p. 697-709, 1999. WILSON, E. O. Th e Insect Societies. Harvard PIEK, T.; HUE, B.; MANTEL, P. ; NAKAJIMA, T.; University Press. 1971. 562p. SCHMIDT, J.O. – Pharmacological characterization and chemical fractionation of the venom of the WILSON, E. O. Ants of Dominican amber ponerine ant, Paraponera clavata (F.). Comparative (Hymenoptera: Formicidae) 4. A giant ponerine in the Biochemistry and Physiology - Part C: Toxicology; genus Paraponera. Israel Journal of Entomology, v. 19, Pharmacology, v. 99, 481-486, 1991. p. 197- 200, 1985.

Estado da arte sobre a Filogenia, Taxonomia e Biologia de Paraponerinae | 53

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 5533 113/01/20163/01/2016 11:48:4211:48:42