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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito

FUNDAMENTOS PARA UM DIREITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Wladimir Rodrigues Dias

Belo Horizonte 2011

Wladimir Rodrigues Dias

FUNDAMENTOS PARA UM DIREITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito Público

Orientador: Prof. Dr. Edimur Ferreira de Faria

Belo Horizonte 2011

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Dias, Wladimir Rodrigues D541f Fundamentos para um direito das políticas públicas. / Wladimir Rodrigues Dias. Belo Horizonte, 2011. 355f.

Orientador: Edimur Ferreira de Faria Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito.

1. Direito Público. 2. Políticas Públicas. 3. Pragmatismo. 4. Estado de direito. 5. Brasil. I. Faria, Edimur Ferreira de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 342(81)

Wladimir Rodrigues Dias Fundamentos para um direito das políticas públicas

Trabalho apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito Público.

______Edmur Ferreira de Faria (Orientador) – PUC Minas

______José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior – PUC Minas

______José Adércio Leite Sampaio – PUC Minas

______Luciano de Araújo Ferraz - UFMG

______Élcio Reis – Faculdade de Direito Milton Campos

______Giovani Clark – (suplente) – PUC Minas

______Marciano Seabra de Godói – (suplente) – PUC Minas

Belo Horizonte, 29 de abril de 2011

RESUMO

Este trabalho trata de fundamentos do direito das políticas públicas. Parte de uma constatação da presença da matéria no sistema jurídico, da experiência brasileira recente de manejo da juridicidade das políticas públicas, com os problemas a ela inerentes, e de certa insuficiência da teoria jurídica para lidar com essas questões, ainda que sejam crescentes os trabalhos científicos sobre o tema. A primeira parte do trabalho está concentrada em uma tarefa de fundamentação geral, que é ponto distintivo desta tese. Começa por discutir a questão epistemológica, assumindo como base o neopragmatismo filosófico, na versão de Richard Rorty. A assunção desse referencial impõe, na sequência, o desenvolvimento do tema sob bases sociológicas, com ênfase nas obras de Anthony Giddens, Niklas Luhmann e Boaventura de Sousa Santos. Os conceitos de modernidade reflexiva, sociedade de risco e modernidade líquida são, então, trabalhados, assim como a teoria dos sistemas e a perspectiva do direito como emancipação social. Também são discutidas, nessa parte, as relações entre Estado, direito e políticas públicas. Na sequência, são exploradas questões acerca do direito, tais como as noções de norma, juridicidade e decisão jurídica, assim como o problema dos princípios. Discute-se, ainda, o constitucionalismo sob o Estado Democrático de Direito, com destaque para a trajetória do direito administrativo, e a presença de um direito das políticas públicas sob o regime juspublicista. Trata-se, ao final, das políticas públicas no direito brasileiro, com referências a sua base constitucional, seu padrão de procedimentalização via legislação, planejamento, definição de recursos e concretização, bem como se discute a judicialização das políticas públicas, fenômeno que marca o direito brasileiro nas duas últimas décadas. Conclui-se pelo reconhecimento da juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro, a demandar decisões dotadas de argumentação consistente, consoante o código específico do sistema jurídico, e legitimação em função de suas consequências, levando em consideração a complexidade de suas relações, sua macrojuridicidade, a gramática universalista que deve observar, e seu sentido em um contexto de democratização e pluralismo.

Palavras-chave : Políticas públicas, sistema jurídico, pragmatismo jurídico, judicialização da política, macrojuridicidade.

ABSTRACT

This work deals with the foundations of the public policies law. Part of a verification of the matter of the juridical system, about the recent Brazilian experience of management of the public politics legality, with the problems connected with it, and also some insufficiency of the juridical theory to manage these questions, although the scientific works about the theme are growing up. The first part of the work focuses in one task about the general substantiation, that is the distinctive point of this thesis. It starts discussing the epistemological question, assuming as base the philosophical neopragmatism, in the version by Richard Rorty. The assumption of this referential imposes, in the sequence, the development of the theme based on , with emphasis in the work made by Anthony Giddens, Niklas Luhmann and Boaventura de Sousa Santos. The concepts about reflexive modernity, risk society and liquid modernity are, then, treated, as the systems theory and the perspective of the rights like the social emancipation. Are also discussed, in this part, the relationship between the State, rights and public politics. In sequence, questions about the rights are explored, like notions of norms, legality and juridical decisions, as the principle problems. Discusses, therefore, the constitutionalism under the Democratic State of Rights, with emphasis on the trajectory about the administrative right, and in the presence of one public politics right under the juspublicist regime. In the end the public politics in Brazilian right are treated with the conditional base references , their proceduralization model by way of legislation, planning, defining resources and concretization, as well as making discussions about the public politics judicialization, phenomenon that mark the Brazilian rights in the last two decades. Recognizing the legality of the public politics in Brazilian rights we conclude, demanding decisions gifted of consistent argumentation, according the juridical system specific code, and legitmation in function of it consequences, considering the complexity of it relationships, it macrojuridicty, the universalistic grammar that needs to take notice, and it meaning in a context of democratization and pluralism.

Keywords: Public Politics, juridical system, juridical , judicialization of politics, macrojuridicity.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 1.1. Aspectos gerais do trabalho...... 07 1.2. Elementos para uma abordagem pragmatista do direito das políticas públicas...... 12

2. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS 2.1. O pragmatismo filosófico...... 16 2.2. Pragmatismo, direito e normatividade...... 20 2.3. O conceito de paradigma aplicado ao direito...... 33

3. O DIREITO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 3.1. Introdução...... 37 3.2. A sociedade moderna...... 40 3.3. A modernidade reflexiva...... 47 3.4. Individualismo, valores e o direito na modernidade...... 51 3.5. Valores e normatividade social na modernidade líquida...... 63 3.6. Normatividade e risco social...... 70

4. O SISTEMA JURÍDICO 4.1. Introdução...... 75 4.2. Sistemas sociais...... 75 4.3. O direito como sistema...... 81 4.4. Código e função do direito...... 83 4.5. A reprodução do sistema...... 86 4.6. Direito e política...... 88 4.7. Direito, contingência e risco...... 91

5. DIREITO E EMANCIPAÇÃO SOCIAL 5.1. Emancipação e regulação no direito moderno...... 95 5.2. O direito na modernidade periférica...... 100 5.3. Direito estatal e emancipação social...... 120

6. ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS 6.1. Introdução...... 123 6.2. O estado moderno...... 128 6.3. Estado e administração pública...... 132 6.4. Políticas públicas no estado contemporâneo...... 137 6.5. Democracia, cidadania e políticas públicas...... 150

7. QUESTÕES JURÍDICO-METODOLÓGICAS 7.1. Introdução...... 162 7.2. O método jurídico...... 165 7.3. O direito...... 169 7.4. A juridicidade...... 175 7.5. Sistema jurídico e decisão jurídica...... 178 7.6. A norma jurídica...... 185 7.7. Princípios e normatividade jurídica...... 190

8. ESTADO CONSTITUCIONAL, DIREITO PÚBLICO E POLÍTICAS PÚBLICAS 8.1. Direito público e Estado de Direito...... 200 8.2. Constitucionalismo e Estado Democrático de Direito...... 204 8.3. O direito administrativo no Estado Democrático de Direito...... 221

9. POLÍTICAS PÚBLICAS NO DIREITO BRASILEIRO 9.1. Introdução...... 230 9.2. Aspectos das políticas públicas no direito brasileiro...... 234 9.3. Políticas públicas na ordem jurídico-constitucional...... 247 9.4. O problema da judicialização das políticas públicas...... 261

10.CONCLUSÃO...... 286

REFERÊNCIAS...... 296

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1. INTRODUÇÃO

1.1. Aspectos gerais do trabalho

A presente tese incide sobre a juridicidade das políticas públicas, conforme os termos em que aparece no direito brasileiro. Trata, portanto, de aspectos que permitem a referência a um componente especificamente jurídico verificado nas políticas públicas, assim como à forma e aos conteúdos que definem essa juridicidade, tendo como alicerce o direito público, tal como se apresenta na experiência social e nos textos normativos presentes na trajetória do Brasil. Nas últimas duas décadas temos vivido um processo de mudanças na sociedade brasileira que, a par das semelhanças que guarda com dinâmicas sociais mais amplas, tem redimensionado de maneira significativa as ordens política e jurídica, com ênfase no Estado, que passa por relevantes alterações em sua organização interna e no âmbito das relações que estabelece com o ambiente social. As políticas públicas, tal como compreendidas nesse trabalho, são um produto desse cenário, no qual estão inseridas como elemento que redefine a organização e a ação estatal. Nessa redefinição, dois aspectos devem ser destacados, quais sejam a centralidade político-administrativa das políticas públicas que, por aliarem uma percepção procedimental a outra finalística, aperfeiçoam o modelo burocrático, e sua juridicização, movimento pelo qual o direito incorpora a matéria e possibilita sua discussão em termos de um vocabulário mais simples, com o uso do código binário jurídico/antijurídico, o que amplia sua abrangência, a possibilitar a intervenção de um contingente de atores sociais mais amplo, assim como mais meios de debate, controle, fiscalização, responsabilização e reivindicação de direitos. Além disso, esses aspectos desenham novos contornos para a tensão, explorada na análise sociológica desde Weber (1969), entre burocracia e democracia, podendo-se afirmar uma contribuição potencial de um direito das políticas públicas para a afirmação de um Estado Democrático de Direito entre nós. A juridicidade das políticas públicas é, assim, o tema desse trabalho, a ensejar o seguinte problema: em que consiste e quais as possibilidades e limites de uma abordagem jurídica das políticas públicas. Constrói-se, assim, uma 8

problemática assentada tanto em elementos teóricos quanto em uma experiência recente, que tem evidenciado uma juridicidade presente na ordem jurídica formal, mas que não se reflete nas diversas decisões tomadas nos campos de aplicação do direito. Decisões nas esferas parlamentar, administrativa e jurisdicional evidenciam, na melhor das hipóteses, uma concretização enviesada do direito das políticas públicas, já que corrompido pelo código da política. Em hipótese pior, mas não menos palpável, verificar-se-ia a matéria dotada de juridicidade meramente simbólica, o que não atenderia a seus desígnios normativo-institucionais. Comparece nesse diagnóstico uma resistência fundada tanto em uma tradição de gestão pública patrimonialista e clientelista, quanto nos marcos tradicionais do direito administrativo, a alimentar uma concepção de Estado e de administração pública que distingue o ato de governo do ato administrativo e reconhece a intangibilidade absoluta do ato discricionário. Assim é que, sobre o não reconhecimento das políticas públicas como componente singular no regime jurídico- administrativo, se erguem decisões jurídicas, no exercício das funções administrativa e jurisdicional, que não levam em consideração a perspectiva geral, macrojurídica, do direito das políticas públicas, nem a complexidade da teia de direitos que se forma em torno dela. Esta tese pretende alcançar um objetivo geral, que é o de discutir como se apresenta o regime jurídico das políticas públicas no direito brasileiro. Trata-se de, uma vez definida a sujeição dessa matéria ao direito, e previamente discutido um conceito de direito apto á utilização nesse trabalho, verificar como são organizadas políticas públicas no plano jurídico-normativo, como decisões jurídicas conduzem sua realização pelo Estado, e como devem ser pautadas tais decisões, consideradas as peculiaridades da disciplina. Vinculados ao objetivo geral estão alguns objetivos específicos, que definem a consistência e tornam possível a tese. Serão discutidos, entre outros assuntos, fundamentos epistemológicos para o conhecimento jurídico, a posição do direito na sociedade contemporânea, as relações entre direito e Estado, o sentido da juridicidade na contemporaneidade, e o perfil do direito público atual. Além disso, serão apresentadas a estrutura e características das políticas públicas sob o regime jurídico-administrativo, assim como sua principiologia, e sua posição no texto constitucional e na ordem legal.

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Amparado em uma hipótese segundo a qual políticas públicas não têm recebido o devido tratamento no direito brasileiro, a tese pretende apresentar um marco discursivo capaz de fundamentar uma compreensão adequada do direito das políticas públicas. O texto pode ser dividido em duas partes. A primeira enfoca o direito sob foco sociológico, político e metodológico, formando a base teórica do trabalho. A segunda discute o direito público e explana o regime jurídico das políticas públicas no direito brasileiro. A primeira parte se divide em seis capítulos, nos quais se pretende explicitar os pressupostos teóricos que fundamentam esta tese. Após uma introdução geral, tem-se no segundo capítulo uma discussão sobre a questão epistemológica. Toma-se como fundamento uma percepção do esgotamento da racionalidade ocidental como modelo explicativo, nos termos propostos por autores como Richard Rorty, no âmbito da filosofia, ou Boaventura de Sousa Santos, no âmbito das ciências sociais. Assume-se uma base pragmatista, por meio da qual o direito pode ser visto como linguagem, que se apresenta de forma contextual, relacional e consequencialista. Não são admitidos fundamentos metafísicos ou empiristas, tampouco a dualidade entre sujeito e objeto. O terceiro capítulo explora diferentes teorias sociológicas, com a finalidade de situar o direito na sociedade contemporânea. Localiza o direito na chamada modernidade reflexiva, cujo conceito decorre dos trabalhos de autores como Giddens, Beck e Bauman, entre outros, os quais verificam na experiência social das últimas décadas um processo de aprofundamento da modernidade. O trabalho absorve essa perspectiva e discorre sobre o papel do direito nesse contexto, a enfatizar suas especificidades e um alargamento de sua função social. Essa experiência do direito na modernidade é, também, examinada à luz da teoria dos sistemas, especialmente a partir da obra de Niklas Luhmann. Trata-se de um esforço teórico que complementa a explanação realizada no capítulo anterior, a possibilitar uma percepção mais aguda do direito contemporâneo, com a utilização de elementos teóricos derivados da gramática luhmanniana. Às análises precedentes se junta um estudo sociológico que recai sobre o conteúdo e o sentido desse direito. Neste ponto é tratada a tensão entre emancipação e regulação, presente no direito moderno, nos termos assinalados pela obra de Boaventura de Sousa Santos. Também são vistos os problemas decorrentes da aplicação, em sociedades periféricas, das tipologias estabelecidas nas ciências

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sociais a partir da ótica das sociedades hegemônicas, notadamente as da Europa ocidental e Estados Unidos. Saliente-se que o uso de um referencial teórico eclético como o presente nesses primeiros capítulos comporta algum risco de inconsistência, já que são utilizadas teorias que, muitas vezes, têm, entre si, aspectos inconciliáveis. Tal ecletismo se assenta, todavia, em uma base filosófica pragmatista, descrita no primeiro capítulo, e pretende formar uma composição harmônica, ainda que descartando, propositalmente, a adesão integral a qualquer macro vertente explicativa da sociedade contemporânea. O capítulo seguinte é dedicado à dinâmica presente nas relações entre direito e política, que têm como elemento central o Estado. É apresentado o Estado moderno, em sua matriz tradicional, de cunho monista, bem como a perspectiva alternativa, de base pluralista. Ainda assim, o estudo reconhece uma certa centralidade do Estado nas relações sociais contemporâneas, com realce para os fatores que o tornam mais permeável, a permitir disputas em torno de si. Reconhece, ademais, que o direito estatal pode, sob certas circunstâncias, produzir vertentes de ação contra-hegemônica, ultrapassando uma mera função de repercussão superestrutural. A democracia comparece como ponto de inflexão incidente sobre a teoria do Estado. Ainda nesse capítulo, é discutido o papel das políticas públicas no Estado atual, com ênfase em dois de seus aspectos mais importantes, seu componente técnico-burocrático e sua relação com a democracia. O sexto capítulo trata de questões de fundo jurídico-metodológico. São apresentados os fundamentos epistemológicos utilizados na análise jurídica que se procederá. Uma noção de juridicidade aparecerá, decorrendo da crítica às perspectivas cientificistas em geral. Admite-se o exaurimento da racionalidade tradicional, e a necessidade de uma abordagem alternativa, a possibilitar que questões jurídicas específicas sejam examinadas com a finalidade de distinguir, no plano teórico, uma linha de ação e interpretação possível na análise jurídica de políticas públicas. Aqui serão discutidas a natureza da norma, a pretensa distinção entre princípios e regras, a discricionariedade e os processos de subjetivação de direitos. Apresenta-se, logo após, um painel do direito público atual, no qual se inserirá o direito das políticas públicas. Em seguida, a caracterização do direito público, será discutida a relação desse campo jurídico com a constitucionalização dos Estados,

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tendo como norte o chamado Estado de Direito. A seguir, será problematizado o modelo constitucional do Estado Democrático de Direito, explorando-se a relação entre direito administrativo e constitucionalismo e a noção de interesse público nesse novo contexto. Ao final, será vislumbrado um painel do direito administrativo atual. Na próxima parte se delineia o regime jurídico das políticas públicas no direito brasileiro. Esse capítulo inicia com uma descrição de características do direito das políticas públicas e do confronto entre políticas públicas e institutos tradicionais do direito administrativo, especialmente o ato administrativo, o contrato administrativo e a responsabilidade do Estado por danos causados por políticas públicas. Observar- se-á dados referentes à realização das políticas públicas, a partir de sua formação, no campo legislativo, passando por seu enquadramento abstrato na ordem jurídica e sua aplicação pela administração pública. Em seguida, serão verificadas as políticas públicas no bojo da Constituição da República, com ênfase em suas relações com direitos fundamentais, separação de poderes e pacto federativo. Nesse mesmo capítulo serão assinaladas diretrizes para as políticas públicas presentes no texto constitucional. Nesse capítulo aparecem os princípios aplicáveis às políticas públicas. Trata-se da transposição atualizada de princípios do regime jurídico-administrativo, razão pela qual aos habituais princípios situados no “caput” do art. 37 da Constituição somam-se princípios específicos, como o da sustentabilidade e o da macrojuridicidade das políticas públicas. Nesse capítulo há, também, um esforço de discussão sobre os princípios do interesse público e da proporcionalidade, em vista de sua importância para o tema e sua relevância no debate acadêmico recente. Ao final, serão apresentados problemas vinculados ao direito das políticas públicas, a partir da experiência brasileira. Inúmeras situações serão abarcadas, em todas as instâncias estatais, mas aquelas relacionadas à chamada judicialização da política ganham destaque. Verificar-se-á que a maior parte dos problemas reflete tensões entre programa da norma e concretização da norma, entre ação local e responsabilidade interfederativa, e entre ação pontual e lógica sistêmica das políticas. Perceba-se, então, que a pretensão do trabalho é abordar a juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro mediante exposição de conceito, definição prévia do direito como estrutura e função social, descrição do contexto em que a

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matéria se insere, seguidos de designação das fontes jurídicas que informam um direito das políticas públicas e sua inserção no regime jurídico administrativo. O texto destaca que políticas públicas constituem categoria jurídica, a exigir tratamento pelo sistema do direito, cuja função, código e referências não se confundem com os da política. É fenômeno próprio da modernidade reflexiva, que envolve uma sociedade complexa, na qual o direito assume o papel de protagonista. A juridicidade das políticas públicas implica a necessidade de um discurso jurídico como justificativa desses atos estatais, sujeitos a instrumentos amplos de “accountability”. Esse uso do código do direito sobre as políticas públicas produz, de um lado, a possibilidade da superação de esquemas de poder fundados na autoridade tradicional ou na política, com ampliação de direitos conferidos ao cidadão e de espaços de intervenção jurídica, mas, de outro lado, importa riscos, associados às dificuldades de se reverter condutas derivadas de uma trajetória pretérita marcada pela impermeabilidade do ato político a controle jurídico, assim como ao ativismo de operadores do direito que almejam concretizar políticas públicas, sobrepondo ao critério de juridicidade o código da política. A matéria envolve uma rede normativa interconectada e pluralidade de intervenientes potenciais, a exigir uma análise jurídica capaz de sintetizar diferentes perspectivas. Essa complexidade é a medida do direito das políticas públicas e a qualidade da ação jurídica nessa seara resultará de sua observância integral.

1.2. Elementos para uma abordagem pragmatista do direito das políticas públicas

A abordagem jurídica pretendida nesta tese possui especificidade nos pontos de partida que assume, dos quais resultará uma juridicidade das políticas públicas. Assim é que uma longa primeira parte estabelecerá pressupostos para uma discussão sobre a juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro e suas consequências. Assinale-se que, nesse trabalho, tais fundamentos são essenciais, em vista do estado da arte da matéria, que, exatamente por suas deficiências de base, têm gerado toda sorte de problemas, seja na produção teórica da última década, seja na concretização normativa, especialmente nas decisões

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protagonizadas pelos tribunais. A envergadura dos fundamentos condiciona as possibilidades do empreendimento, e a base sólida pretendida tem por escopo servir adequadamente à reflexão jurídica, de maneira que vários casos possam ser trabalhados. Inicia-se essa tese pela distinção tanto de um referencial teórico de base, quanto de determinadas perspectivas acerca do direito e, mais especificamente, do direito público. Trata-se, como visto, de lapidar fundamentos, a fim de que haja consistência entre as narrativas que se estabelecerá a título de desenvolvimento e conclusão. Assinale-se, como ponto de apoio fundamental, a associação entre uma crítica da epistemologia moderna e a possibilidade de se trabalhar pragmaticamente o fenômeno do direito na sociedade. Nessa perspectiva, a atribuição de valor de verdade a qualquer enunciado é ligada a seu uso nos jogos de linguagem de que participa e sua justificação. O direito pode ser visto como evento típico da complexa sociedade contemporânea, o que lhe confere sentido específico e exige observância de tal especificidade, em uma análise contextualizada das operações jurídicas. Entre outros aspectos, rompe-se com tradicionais dicotomias, como as que dividem sujeito e objeto, ou consciência e experiência, possibilitando uma abordagem integral do direito, que afasta uma visão dual, segundo a qual o direito disporia de uma lógica interna, a impor uma análise dogmática, e uma externa, cenário de um tratamento zetético (FERRAZ JR., 2003). Assume-se, em primeiro plano, a posição pragmatista, ou neopragmatista, como ponto de partida para uma crítica da epistemologia que se caracteriza pelo contextualismo, pelo consequencialismo, pelo anti-representacionsimo, pelo anti- essencialismo, e pelo deflacionsimo, e que toma os usos da linguagem nos diversos jogos lingüísticos praticados em sociedade como fundamento para possibilidades limitadas e contingentes de conhecimento. Em uma tal perspectiva, não cabe abordar o direito sob bases metafísicas ou empiristas, mas pela prática social vinculada a seu vocabulário e aos jogos de linguagem que ele permite. Perceba-se que essa tomada de posição implica tanto a necessidade de realizar considerações acerca do direito na sociedade, quanto de examinar o sentido normativo do direito segundo suas condições práticas de linguagem aplicada. Consequência desse foco filosófico é o olhar necessário sobre a sociologia do direito. Ao contrário da economia e da política, que tendem a operar sob

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pressupostos limitados de racionalidade, na sociologia abre-se uma perspectiva mais ampla para o estudo da sociedade (HABERMAS, 1984a, p. 5). Especificamente, se tratará do direito moderno, levando em conta as questões sobre a modernidade consignadas já na sociologia clássica, mas atualizando-as segundo a conformação hipercomplexa da modernidade atual, e de forma coerente com o marco epistemológico assumido. Em uma modernidade marcada pela dessacralização das relações sociais (VIEGAS, 2009, p. 289), elementos de tensão social exarados, por exemplo, na análise weberiana (GIDDENS, 1998), como a oposição entre movimentos simultâneos de democratização e burocratização, podem ser trabalhados, a fim de se situar o direito como fenômeno peculiar de uma sociedade complexa. Realce-se, nessa análise, uma “preocupação de averiguar em que medida as relações jurídicas ou normativamente reguladas estão envolvidas nas tendências experimentadas pelas sociedades contemporâneas e de que modo se articulam com questões como as relações macro-micro, ação-estrutura, consenso-conflito, e as problemáticas das desigualdades, discriminações, entre outras” (FERREIRA, 2005, p. 37). Entre as várias interpretações da alta modernidade que possibilitam um estudo do direito, selecionou-se três vertentes que se combinarão nesse estudo. De um lado, a noção de modernidade reflexiva (BECK, GIDDENS e LASH, 1997), com as temáticas da hipercomplexidade, da liquidez e do risco, presente em autores como Giddens (1991b; 1996), Beck (1999; 2010) e Bauman (2001; 2007). De outro lado, a teoria dos sistemas na versão proposta por Luhmann (1998a; 1998b), que observa o sistema jurídico desde sua funcionalidade peculiar, sua codificação especializada, sua estruturação auto-referenciada e sua reprodução autopoiética. A essas duas óticas é somada uma discussão de conteúdo, promovida por Santos (2002c; 2009b), entre duas vocações do direito moderno, o controle social e a promoção de direitos e liberdades. Sinteticamente, poder-se-ia afirmar que o direito se apresenta na modernidade reflexiva por meio de uma organização sistêmica, cujos conteúdos comunicativos oscilam nos termos da tensão havida entre regulação e emancipação social. Perceba-se que não se trata de simplesmente colocar em discussão uma posição do direito como fato e norma, não de todo estranha ao pensamento jurídico brasileiro (REALE, 2005; MORAES Fº, 1997). Ou o direito como experiência social, lacuna verificável nos estudos jurídicos brasileiros que, aos poucos, vem sendo

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preenchida (FARIA, 1991, p. 37-38). Nem se resume a considerar que o núcleo do direito não é apenas a dogmática ou a análise jurisprudencial, mas o direito na sociedade (EHRLICH, 1986, p. 24-25). Trata-se de reconhecer que o direito é um vocabulário normativo que só pode ser manejado à luz de sua experiência social. Vale dizer que direito é linguagem socialmente utilizada, portanto, analisar normas, atos e decisões dotados de conteúdo jurídico é examinar o direito em um dado contexto de aplicação. Esse mesmo direito moderno assenta-se em uma relação com a política que passa pela forma estatal. Sem negar o pluralismo, pode-se constatar que o Estado é elemento central nas conexões que acoplam o direito à política. E, para cuidar do direito das políticas públicas é, essencial, reconhecer essa centralidade e explorar as relações entre Estado e direito, especialmente a notar que o Estado, em certos contextos, é organização revestida de certa autonomia, o que permite não só enxergá-lo como campo de disputa por diferentes concepções de boa sociedade, mas atrelá-lo a uma variante democrática. O método jurídico, por seu turno, pode ser repensado nos termos de uma epistemologia pragmatista, na qual cabem não discussões de cunho positivista, empirista ou jusnaturalista, mas questões concretas a envolver uma noção de juridicidade como elemento de linguagem apto a justificar as relações que se processam sob o sistema do direito. Cumpre, neste ponto, destacar certas análises a serem empreendidas, entre as quais a referente à aplicação do conceito de paradigma no direito, a questão da consistência da narrativa jurídica, e a função da decisão jurídica. Outras discussões que se ajustam a essa reflexão são: a identidade da norma, a concretização do direito, a discricionariedade na decisão jurídica, a distinção entre princípios e regras, e a divisão entre direito objetivo e subjetivo. Ainda nessa primeira parte, fornece-se um olhar panorâmico sobre o direito público atual. Conexões entre os fundamentos do regime jurídico-administrativo e o constitucionalismo contemporâneo, a forma assumida pelo Estado nas últimas décadas, as dimensões da experiência democrática e da noção de interesse público, possibilitarão vislumbrar um ambiente para as políticas públicas no direito administrativo. Esses pressupostos, jurídico, filosóficos e sociológicos, serão expostos de forma breve nos tópicos a seguir.

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2. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS

2.1. O pragmatismo filosófico

A discussão de qualquer questão jurídica ocorre sob fundamentos epistemológicos que lhe direcionam e estabelecem seus limites e possibilidades. Nos últimos dois séculos os discursos sobre o direito assentam-se, em geral, sobre uma base metafísica ou sobre argumento empirista. Em qualquer dos casos, o conhecimento pretendido sobre o direito reflete os rumos da racionalidade científico- filosófica presente na trajetória da moderna sociedade ocidental. Todavia, este trabalho parte da crítica contemporânea à racionalidade ocidental, que reflete um esgotamento do modelo cientificista moderno e a conseqüente assunção de outras fontes e narrativas 1. Não se pretende, então, trabalhar os problemas jurídicos sob uma perspectiva metafísica ou de uma semântica acrítica 2. Pelo contrário, o direito – e o direito público em especial – deve ser visto dotado de uma linguagem que é peculiar tão-somente enquanto interação social. Seu uso pertence aos registros de uma comunidade na qual seus membros se entendem segundo determinados hábitos lingüísticos e comportamentos. Assume-se, portanto, a perspectiva filosófica pragmatista, especialmente na versão apresentada por Richard Rorty a partir de fins dos anos 1970 (RORTY: 1979). Trata-se de um ponto de vista que não distingue sujeito e objeto, significado e significação, razão pela qual os conceitos jurídicos podem ser trabalhados de maneira pragmática, contextualista e antiessencialista. O manejo jurídico de políticas públicas parte, assim, de três premissas, quais sejam a inadmissibilidade de determinação intrínseca e não relacional da matéria; o conhecimento do tema a envolver sua relação com uma série de outros dados e temas; e o caráter contingente de sua construção, considerados a trajetória do direito e da sociedade no qual ele se insere. Essas características demarcam uma postura pragmatista, sob influência de Rorty, cujo neopragmatismo é tributário do pragmatismo clássico e da filosofia da linguagem. Cumpre, então, uma breve apresentação dessas vertentes filosóficas, com destaque para a tríade formadora do pragmatismo, Peirce, James e Dewey, e

1 Ver, por exemplo, em RORTY (1979). Em uma perspectiva diferente, SANTOS (1989). 2 Ver em QUINE (1974).

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para Wittgenstein no campo da filosofia da linguagem, todos assinalados como críticos da filosofia tradicional. O ponto central do pragmatismo é a inversão da questão do conhecimento mediante a concessão de prioridade à prática, entendida tanto como ação quanto como praticidade, a primazia do “know-how” sobre o “know-that” (HEINEMANN, 2008, p. 274 e ss). É consequencialista, na medida em que confere sentido aos fenômenos, proposições e hipóteses inclusive, a partir de suas consequências, que não são objeto de considerações “a priori”. No pragmatismo o sentido de um conceito deve levar em consideração suas consequências práticas (PEIRCE, 1965). Segundo Peirce (1965, p. 31), tratando da condição de sujeito e objeto na epistemologia moderna, os efeitos práticos atribuídos ao objeto na concepção do sujeito serão, na relação entre sujeito e objeto, exata e totalmente os efeitos a ele atribuídos pelo sujeito, sem qualquer objetividade. Tal afirmação conduz a que se trabalhe a verdade pragmática de uma proposição, que dependerá de suas consequências, de seus efeitos práticos, presumindo-se a verdade ou falsidade desses efeitos segundo um sentido comum atribuído à palavra “verdade”. Mikenberg, Costa e Chuaqui (1986) propõem que as consequências a que se refere Peirce sejam formuladas por intermédio de enunciados básicos, conducentes a que um enunciado hipotético ou teórico possa ser considerado pragmaticamente verdadeiro se suas consequências forem verdadeiras. Trata-se de uma teoria da correspondência que acentua uma quase-verdade e que, sobretudo, em decorrência dos trabalhos de Mikenberg, Costa e Chuaqui (1989) e French (1989), encontrou variadas aplicações na Teoria da Ciência. Assinale-se, nessa mesma linha, que para o matemático John Corcoran "filosofias pragmáticas enfatizam a prioridade da experiência e da ação sobre o ser e o pensamento” (apud MIKENBERG, COSTA E CHUAQUI, 1986). Esse autor ressalta que é característico das filosofias pragmáticas o fato delas estabelecerem pontos de vista claros sobre três questões, a saber, o significado, a verdade e o conhecimento. Embora rechaçando qualquer combinação desses elementos como típica, dadas suas extensas variações 3, Corcoran exemplifica, porém, fornecendo a seguinte combinação: “(1) O significado de uma proposição é identificado com seu significado experimental e prático, i.e., com a totalidade das experiências possíveis

3 Ver em Goodman (2005).

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que ela prediz; (2) A verdade de uma proposição consiste na realização no decurso do tempo (passado, presente e futuro) de seu sentido; (3) A crença na verdade de uma proposição é garantida pelo grau com que ela tem sido testada na prática e se mostrado satisfatória (pela pessoa ou comunidade que possui a crença)" (CORCORAN, apud MIKENBERG, COSTA e CHUAQUI, 1986, p. 215) . Essa descrição contém elementos de uma narrativa pragmatista que, porém, à moda peirceana, fica presa a certo empirismo, como se destacará adiante. James (1973) se propôs a recompor a proposta de Peirce, ampliando seu raio de ação para esferas não científicas, o que o sujeitou a certa crítica de base cientificista. O autor destacava que o pragmatismo se atém aos fatos, enquanto o racionalismo se apega a abstrações, razão pela qual o pensamento intelectualista repudia as narrativas pragmáticas sobre as várias possibilidades de verdade, estipuladas consoante seu uso. Conforme James (1973), o racionalista busca um representacionismo que almeja uma correspondência absoluta entre os pensamentos dos indivíduos e a chamada realidade. Assim, não apenas seria improvável e inacessível a percepção de uma essência da realidade, como o conhecimento humano não pode ser um reflexo do mundo real, senão uma prática construtiva. Perceba-se que o pragmatismo não é, propriamente, uma teoria filosófica, mas uma dimensão de sentido, na qual cabem diferentes teorias e múltiplas condições de sua aplicação. Segundo James (1973), não há uma única verdade, mas aplicações de noções com atributo de verdade, servíveis diante de problemas concretos e suas condições de uso. A noção de verdade fica ligada a funcionalidade ou uso, inexistindo subordinação entre ação e pensamento, mas atividades cujas ferramentas são conceitos, palavras, idéias ou sinais. Dewey (2008), por seu turno, sustentou uma teoria da verdade fundada em um critério de assertividade garantida (“warranted assertibility”). A idéia de “warranted assertibility” permite identificar como correta uma expressão na medida em que esta cumpre a sua função e satisfaz as necessidades devidas, sendo ligada a experiência (DEWEY, 2008). Apóia-se na contingência e na possibilidade de construções e reconstruções de narrativas. Para Dewey, o pragmático é “a função que incumbe as conseqüências como provas necessárias da validez das proposições, sempre que estas conseqüências se tenham alcançado operativamente e sejam tais que resolvam o problema específico que suscita as

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operações” (DEWEY, 1938, p. 4). O núcleo do pragmatismo deweyano é a experiência reflexiva. É no processo de inquirição, nunca previamente, que pode se formar um conceito de verdade. Para o autor, “todas as formas originam-se da operação de investigação e dizem respeito ao controle desse processo de investigação, de modo a levá-lo a produzir asserções garantidas” (TEIXEIRA, 1977). Note-se entre as características do pragmatismo clássico mantidas no chamado neopragmatismo o antifundacionalismo, o consequencialismo e o contextualismo. São traços encontrados na obra de Rorty, pelo menos desde a publicação, em 1979, de “A Filosofia e o Espelho da Natureza”. Nesse trabalho se inflige uma desconstrução da filosofia analítica e, ao mesmo tempo, procede-se a uma recomposição do pensamento pragmatista, que comparece associado a aspectos da filosofia da linguagem e da filosofia européia, fruto do diálogo com autores como Lyotard e Habermas (RORTY, 1979). Segundo Rorty há na obra um objetivo de “enfraquecer a confiança do leitor na ‘mente’ como algo sobre o que as pessoas deveriam ter uma visão ‘filosófica’, no ‘conhecimento’ como algo sobre o que deveria haver uma ‘teoria’, ou que deveria possuir fundações, e na ‘filosofia’ tal como ela vem sendo concebida desde Kant” (RORTY, 1979, p. 7-8). Trata-se de uma crítica à epistemologia hegemônica, com o objetivo de defender que a dialética no interior da filosofia analítica, a qual havia trazido consigo a filosofia da mente e a filosofia da ciência, precisa ser conduzida alguns passos adiante, a fim de “criticar a própria noção de ‘filosofia analítica’ e, naturalmente, a noção de ‘filosofia’” (RORTY, 1979, p. 7). Esse é o cenário no qual o autor defende o pragmatismo como possibilidade pós-filosófica, a lançar pontes entre literatura, teoria crítica e pensamento político e social, assim como assentar sua crença na improbabilidade de teorias e sistemas filosóficos. Para Rorty (1979), é estéril uma epistemologia que busca uma fundação para a linguagem, ou que opere sobre representações, ou se proponha a dizer algo sobre a essência das coisas. Não há ponto de partida estabelecido, algo como uma base fora da cultura e do contexto social. Em seu pensamento, antiessencialismo e antifundacionalismo levam a um tratamento de qualquer questão em termos relacionais, intermediada pela linguagem (RORTY, 1999b). O antifundacionalismo presente no pragmatismo se opõe a considerações de base metafísica e, portanto, não admite um conhecimento alicerçado em abstrações, apriorismos, entidades transcendentes, dogmatismos, leis eternas ou princípios

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últimos e absolutos. Nega que possa haver fundamentos perpétuos e imutáveis e, assim, repudia os conceitos de verdadeiro e real tal como inscritos na epistemologia tradicional. O consequencialismo se estabelece metodologicamente ao nortear a observação e as noções de certeza e verdade nela contidas pelos efeitos práticos das proposições que encerra. Um significado alcançado nesses termos será necessariamente consequencialista. E um juízo acerca das consequências decorrerá da possibilidade da construção de um discurso que antecipe essas mesmas consequências. O conhecimento pragmatista tem em conta, portanto, a necessidade de uma fundamentação de base consequencialista. Já o contextualismo admite que a boa justificação de uma crença dotada de valor de verdade considere o contexto no qual essa crença - suas consequências, portanto - se insere. Assim, produção de conhecimento será prática social, a interligar experiência, ação, comunidade de investigação e cultura. O pragmatismo clássico é a base do pensamento de Rorty, mas é possível identificar algumas diferenças entre suas posições. Afinal, a filosofia pragmatista pode ser associada ao realismo e confere primazia à experiência, enquanto que Rorty se coloca no pólo anti-realista e vincula o consequencialismo à perspectiva aberta pela filosofia da linguagem (POGREBINSCHI, 2006, P. 125). De fato, Rorty (1997b) afirma que a linguagem fornece instrumental suficiente para a vida social, nunca representação de uma realidade externa ao seu usuário. Por isso, a linguagem, e não a mente, a consciência, ou mesmo a experiência, seria o traço distintivo da humanidade. Em Peirce, James e Dewey, todavia, a linguagem é somente parte da experiência. Como se observará adiante, é na leitura de Wittgenstein que Rorty encontrará elementos para o seu pragmatismo reconstituído.

2.2. Pragmatismo, direito e normatividade

Trabalhar sob o ponto de vista do pragmatismo implica fixar um ponto de descrença nas narrativas modernas (LYOTARD, 2000) e assumir uma perspectiva que admite uma cultura pós-filosófica (RORTY, 2000), pluralista e secularizada (RORTY, 1991b), que desaloja pretensões metafísicas e fundacionalistas, características do pensamento filosófico moderno (BORRADORI, 2003, p. 147).

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Em Rorty fica evidente não só esse sentido de rompimento com a metafísica, mas também com a filosofia analítica, desde que o autor se propôs a “levar a sério” o giro linguístico (RORTY, 1992, p. 371 e ss.). Assim é que diverge de uma filosofia cujo centro é a epistemologia e seu representacionismo (RORTY, 1979, p. 328), cujo esgotamento anuncia, a indicar que a epistemologia moderna não seria apenas uma tentativa fracassada de legitimar pretensões de conhecimento do que seja o real, mas uma tentativa de legitimar a própria reflexão filosófica (RORTY, 1999b, p. 167- 169). Podem ser observados dois eixos principais na obra de Rorty, condizentes com sua postura filosófica carregada de anti-representacionismo, anti- fundacionismo, anti-essencialismo e contextualismo (GUTTING, 2003). Há um eixo negativo que se refere a sua crítica à filosofia moderna e o impele a se livrar das metáforas da mente e do conhecimento, nas quais problemas tradicionais de epistemologia e metafísica estão arraigados (RORTY, 1979, cap. 1 e 2). Outro eixo, positivo, é relativo a uma reconstrução pragmática da cultura intelectual. Observe-se que a postura pragmatista assumida neste trabalho tem como fundamento o pensamento de Rorty, do qual cabe anotar sua base estabelecida sobre o pragmatismo clássico, especialmente a obra de Dewey, o giro linguístico que se opera a partir do segundo Wittgenstein, e a discussão de Davidson sobre o problema da verdade em Quine (DAVIDSON, 2002, p. 30 e ss.). Dialogando com Dummett 4 e Nagel 5, Rorty afirma que sob o ponto de vista do Wittgenstein das “Investigações Filosóficas”, “não pode haver nada semelhante a uma ‘teoria sistemática do significado de uma linguagem” (RORTY, 1993a, p. 86). Concorda, em termos, com Putnam, que nossas normas e standards de assertibilidade justificada são produtos históricos, sempre refletem interesses e valores, e são reformáveis (RORTY, 1993b, p. 449). Para Rorty (1993b, p. 451), a contingência e a incerteza são constitutivas das condições de afirmação de verdade. A filosofia seria, então, apenas um meio para ajudar a resolução de problemas contingentes, razão pela qual pode-se afirmar sua ruptura com o padrão epistemológico tradicional. Verdade e justificação se aproximam em Rorty, eis que a maioria das crenças das outras pessoas deve coincidir com a maioria das próprias crenças, e o padrão da verdade é o padrão

4 Ver a respeito em Dummett (1978; 1986). 5 Ver a respeito em Nagel (1986).

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construído pela justificação (RORTY, 1995) 6. A linguagem, nesses termos, não é expressa como conjunto de convenções compartilhadas, mas como capacidade de convergir em teorias de passagem de enunciado em enunciado (RORTY, 2000, p. 74 e ss.). Usos e comportamentos linguísticos permitem identificar utilidade pela descrição possível de situações complexas. Com Quine, Rorty (1979, p. 170) afirma que é desnecessária uma pretensão de conhecimento como representação exata. O conhecimento é uma questão de conversação e de prática social (RORTY, 1979, p. 174). E todo olhar é parcial, toda descrição é provisória e contextual (RORTY, 1997b, p. 41 e ss.). Todavia, ele sugere que o melhor horizonte do conhecimento possível está na produção de novos vocabulários, mediante novas e frutíferas metáforas (RORTY, 1997b, p. 219 e ss.). Neste ponto vê-se em Rorty, com supedâneo em Dewey, não apenas o sujeito como construção social, enredado em práticas discursivas, mas em uma sociedade cuja finalidade deve ser construir sujeitos capazes de viabilizar formas de felicidade humana, construção social, luta democrática (RORTY, 1999c, p. 67). Rorty recebe a influência de Wittgenstein, na medida em que incorpora a linguagem em suas reflexões. Com efeito, seu pragmatismo realça a questão da linguagem e as relações linguagem-mundo, nos termos introduzidos por Wittgenstein (2005) a partir das “Observações Filosóficas”. Para esse autor, incidem sobre os jogos de linguagem práticas linguísticas aprendidas pelo uso ou pelo adestramento e organizadas com certa plasticidade por meio de regras que permitem uma margem de indeterminação, embora declináveis de um modo virtualmente infinito. Esses jogos apresentam semelhanças, mas não formam uma unidade, já que seria incompatível com a recusa de uma lógica rígida e exata, preconizada pelo autor, que defendia a necessidade de se ultrapassar o preconceito da pureza lógica cristalina por intermédio de “rodarmos completamente o eixo da nossa investigação” (WITTGENSTEIN, 2008, p. 256). Wittgenstein (2008) trabalha relações entre palavras e estados da mente, assinalando a linguagem como jogos de palavras. Em sua concepção, palavras devem ser tidas como possibilidades que são confeccionadas, tramadas nos diferentes contextos e, por isso, as palavras e suas circunstâncias constituem os jogos de linguagem. Nesse sentido, palavras são meios instrumentalizados pelo uso,

6 Ver a posição de Davidson (2002) a respeito das questões levantadas por Rorty no artigo citado.

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já que se referem a uma dada funcionalidade. Assim, o significado de uma palavra não é a referência (representação) de um objeto, mas suas condições de uso em um dado jogo de linguagem. Criticando racionalistas e empiristas, o autor esclarece que pensamentos e experiências só ganham sentido quando em determinado contexto de linguagem (WITTGENSTEIN, 2008). Perceba-se que, nessa visão, conceitos jurídicos não podem ser nada em si, mas apenas palavras cujos significados serão apreendidos em contextos específicos, com atribuição de sentido e funcionalidade a partir de condições de uso. Tal constatação permite, na presente tese, realizar contrapontos dentro de um mesmo jogo organizado conforme o vocabulário jurídico, ainda que não seja possível estabelecer taxativamente quadros interpretativos ou molduras de significados, mas apenas compor narrativas em torno de um direito sujeito a construções, reconstruções, usurpações e transgressões. Não existe, para Wittgenstein (2008, p. 518-519), uma percepção pura, neutra e passiva, como também não se pode distinguir a coisa observada do observador. Os jogos de linguagem constituem o elo básico da relação entre linguagem e mundo (HINTIKKA e HINTIKKA, 1994, p. 277). Adestra-se o aprendiz, habilitando-o a participar dos jogos, sabendo-se que relações semânticas são inefáveis e assim também o papel específico dos jogos de linguagem, conquanto seja - essa vinculação entre a linguagem e o mundo - a realidade (HINTIKKA e HINTIKKA, 1994, p. 284-285). Perceba-se que se o direito se estabelece como vocabulário, a permitir jogos de linguagem, desse dado derivam crenças acerca do que seja o verdadeiro, correto, falso ou incorreto nas relações ditas jurídicas. Tal constatação, relevante em qualquer hipótese, assume importância crucial nas sociedades complexas, que operam associando linguagens peculiares a funções sociais específicas, como a jurídica. Ainda em Wittgenstein (2008), o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem. E em um jogo de linguagem considera-se a linguagem um tipo de ação regulamentada, dotada de normatividade, portanto, acarretando o problema da adequada ação linguística, da certeza das regras e de sua aplicação (PENCO, 2006, p. 134 e ss.). Assim, “uma vez que um uso funcione em uma forma de vida, as regularidades de coordenação que implica o jogo de linguagem que lhe é associado tomam a forma de um comando e de uma obrigação” (PENCO, 2006, p. 62), sendo incompatível com essa perspectiva a existência de uma metarregra, já que a compreensão da normatividade é dada em cada contexto, caracterizado pelo uso da

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linguagem, em que pese a possibilidade de conflitos de usos (PENCO, 2006, p. 65), hipótese em que uma transgressão serve como proposta de outro uso para uma linguagem, e, evidentemente, para a regra contida no respectivo jogo de linguagem. Note-se que essa normatividade inerente ao uso da linguagem admite a associação entre elementos sociológicos e a filosofia, para uma discussão sobre norma e juridicidade (LIVET, 2009, p. 61-62), o que será explorado neste trabalho. Rorty dialoga, ainda, com o pensamento de Quine, que, aliás, possui algumas semelhanças com Wittgenstein (HACKER, 1997). Partindo de Quine (1974), pode-se dizer que a ciência não pode ser produzida mediante enunciados baseados em seu valor de verdade, empiricamente verificado, ou em um valor de verdade dado por sua lógica interna. Para o autor, “nenhuma experiência particular está ligada a um enunciado particular” no interior de um dado conjunto de crenças (QUINE, 1974, p. 252). Quine coloca o problema como um campo de força com um interior enredado e uma periferia que, quando é atingida, leva os componentes internos a passar por processos de reordenação, considerando que o campo total é indeterminado por suas condições de fronteira, a experiência, a implicar a possibilidade de tantas escolhas quanto enunciados para serem avaliados à luz de uma eventual experiência contrária. Sob tal premissa, não faz sentido distinguir enunciados sintéticos e enunciados analíticos, já que ambos estão sujeitos às mesmas contingências – processos de impacto periférico e recomposição. O conhecimento – conjunto de crenças verdadeiras – não decorre da veracidade dos enunciados que o compõem, mas de processos de reacomodação ocorridos nesse campo (QUINE, 1974, p. 252-253). O conhecimento que se afirma e os juízos feitos têm, para Quine (1974), conteúdo relacional, já que são efeitos comportamentais do meio no organismo humano. A verdade não depende de o enunciado “representar” exatamente o objeto ou evento, mas do quão facilmente ele se adapta a outros enunciados, sendo de se notar que essa adaptabilidade quineana deve estar ligada a usos, funcionalidade, consistência dos enunciados. Para Quine (1974), o julgamento de um enunciado deve levar em consideração essa adaptabilidade ao campo a que ele pertence ou no qual está colocado. Assim, qualquer enunciado pode manter-se verdadeiro, desde que se procedam às devidas adaptações. Em Quine, há um mundo naturalizado, no qual importa a ação do falante e os vários resultados que derivam dessa fala. Nele, o

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confronto do observador com uma experiência anômala tende a tornar mais complexos os enunciados observacionais e mais simples os teóricos. Para ele, a ciência avança sofisticando as especificidades e mantendo o corpo central da teoria. Perceba-se que, apesar da crítica ao empirismo e ao positivismo lógico, resta em Quine um momento empirista, resultante do fato de as formações e reacomodações dos enunciados dependerem de estímulos sensoriais, ficando o linguístico assentado no não-linguístico. Rorty (1991b), a partir da leitura particular que faz da obra de Davidson, admite, como Quine, que o conhecimento seja um conjunto de crenças cuja verdade depende de uma justificação consistente, mas atrela essa proposição a uma base pragmática. Davidson (1984) verifica em Quine que um conjunto de crenças ajusta o equipamento sensorial humano para lidar com eventos, todavia percebe Quine ainda preso ao tribunal da experiência e, nesse sentido, uma teoria da verdade remeteria a um conjunto de sentenças e enunciados - a teoria científica - que se coloca em relação com a totalidade das evidências sensoriais. Para Davidson (1984) essa definição é vazia, porque nada acrescenta ao conceito de verdadeiro, afinal o conjunto de toda experiência sensorial é o que se procura em toda evidência existente; e toda evidência existente é o que torna sentenças e teorias verdadeiras. Segundo o autor, nem a experiência, nem o mundo podem fazer uma sentença verdadeira (DAVIDSON, 1984). Que se faça referência a certos fatos, como “o universo é finito”, não torna a evidência base do valor de verdade, porque essa mesma referência é melhor expressa como sendo “o universo é finito se, e somente se, o universo for finito”. Não se trata de uma tautologia, mas de uma organização de base lógico-semântica, que presta tributo a Tarski, segundo a qual a sentença-T articula uma linguagem- objeto a uma metalinguagem dessa linguagem-objeto (DAVIDSON, 1984, p. 66). A totalidade das sentenças em uma dada linguagem fixa a extensão do conceito de verdade para essa linguagem. Ocorre que a totalidade das sentenças é, virtualmente, infinita. E carece de uma teoria finita sobre a lida com sentenças infinitas (DAVIDSON, 1984, p. 230). Essa condição, para Davidson, será dada por uma convenção. Trata-se de uma teoria semântica da verdade, mediante a qual a coerência entre linguagem-objeto e uma metalinguagem sobre si, dentro de um mesmo sistema, permitirá assinalar uma sentença como verdadeira (DAVIDSON, 2002, p. 98 e ss.).

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Com isso, Davidson permanece no ambiente linguístico e escapa da posição de Quine, cujo esquema fundamental remanesce, desde que “qualquer declaração pode ser mantida verdadeira se fazemos ajustes suficientemente drásticos em outros lugares do sistema” (QUINE, 1974, p. 252). Dada a convenção davidsoniana e seus ajustes lógicos, a verdade de um enunciado dependerá da disposição de se manter outras sentenças como verdadeiras, em um sistema de linguagem no qual as sentenças se colocam permanentemente sob condições de verdade em articulação com uma metalinguagem de sentenças, sendo supérflua a distinção entre um esquema conceitual e um conteúdo dado pela experiência. Quando se decide pela manutenção ou não de uma crença como verdadeira, delibera-se sobre o sentido, os custos e benefícios da manutenção de um dado vocabulário. Nesse ponto, Rorty (1991b) assume a posição de Davidson não como uma teoria fundada na coerência, mas em uma base pragmática. Exige, assim, não a coerência lingüística, mas uma justificação pragmática dessas decisões, afinal elas impõem consequências, condições de uso, e alteram a capacidade de agir e estruturar o mundo (RORTY, 1991). Rorty (1991) reconhece a existência de vocabulários alternativos e não pretende que haja uma plena organização entre todos eles. Antes, admite que convivam contigentemente e sejam, eventualmente, intraduzíveis. Alija, portanto, as questões de ordem epistemológica, seja de fundo metafísico, seja positivista. Trata- se de “uma tipologia contingente, com a qual podemos melhorar nossa previsibilidade sobre os acontecimentos, sabendo mais ou menos o que ocorre quando usamos a palavra verdadeiro” (GHIRALDELLI JR., 2001, P. 116). Verdadeiro é, assim, mero termo de endosso e, nesse sentido, sua percepção diverge tanto do pragmatismo clássico quanto de autores como Brandom ou Habermas, com quem compartilha espaço contíguo no pensamento contemporâneo. Note-se que qualquer vocabulário é opcional e mutável nesse neopragmatismo, no qual a noção de verdade se assemelha à de seguro, garantia ou justificação, pois não tem um conteúdo normativo profundo ou substancial. Pode- se referir somente a “explanações semânticas” e bases consequencialistas, que são oferecidas como justificação para a defesa da verdade em uma sentença (RAMBERG, 2009). A improbabilidade de uma distinção rígida entre verdade e justificação, atrelando aquela a esta, é assinalada por Rorty (1998a). Trata-se de uma verdade

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que não denota representação ou correspondência, mas relação em um dado ambiente de uso de vocabulários vários. Trabalha-se, portanto, com descrições possíveis pelos léxicos que são usados e sempre de modo relacional e contextual. Admite-se a linguagem como instrumento descritivo, a permitir narrativas justificadas e processos de convencimento e decisão assentados em um ou mais vocabulários. Verifica-se que processos de permanência e mudança, previsibilidade e contingência são trabalhados por meio de comportamentos linguísticos. E eventuais conflitos semânticos são, então, conflitos envolvendo situações concretas (RORTY, 1998a). Assinale-se que, ao mesmo tempo em que combate a metafísica, Rorty sublinha o papel dos contextos socais, refutando “tanto o conceito de realidade exatamente reproduzível sem deformações pelo ‘espelho’ ou pelo ‘olho’ contemplativo da mente, quanto o da coerência puramente lógica do raciocínio e da ação” (BODEI, 2000, p. 267). A transformação da objetividade em solidariedade compõe esse pensamento (ROUSE, 2003), no qual a verdade é função da experiência comunitária (BODEI, 2000, p. 269). Perceba-se no pragmatismo uma crítica da metafísica da subjetividade 7, eis que repudia a hipótese do sujeito da consciência como base do conhecimento e do real, bem como o conhecimento enredado em uma noção de verdade como representação (BODEI, 2000, p. 275). Nesse diapasão, mesmo a aceitação da hermenêutica como perspectiva razoável, enquanto contraponto ao comportamentalismo, se esvai quando recai nos excessos epistemológicos. Acentue-se, no pensamento de Rorty, uma posição fisicalista e não reducionista (GHIRALDELLI JR., 2001, p. 80), própria de quem se coloca mais na crítica e na promoção do debate que na construção de um grande sistema. Para o autor, importa a produção de boas narrativas, novas metáforas, vocabulários alternativos, bem como uma filosofia a serviço da democracia, sem justificativa prévia, mas pragmaticamente assumida. O pragmatismo situa-se, então, na crítica da epistemologia (HICKMAN, 2001), compartilhada, aliás, por autores como Lyotard (2000), Derrida (1991) ou Santos (1989), que a reconstruirá no bojo de um projeto radical de reinvenção da

7 Entre os primeiros críticos da subjetividade moderna, destacam-se Marx, Darwin, Nietzsche, Freud e Wittgenstein. Marx e a crítica da consciência pela ideologia; Darwin e a crítica do humanismo pela evolução; Freud como psicologia; Nietzsche e a crítica da vontade de verdade como vontade de conforto espiritual; Wittgenstein, na assunção da filosofia da linguagem em oposição à filosofia da consciência, conforme, aliás, a breve exposição a respeito feita neste capítulo.

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emancipação social (SANTOS, 2004). Percebe-se nesse último uma proposta de “reconstrução radical de um pragmatismo que procura emancipar-se dos últimos resquícios do projeto da epistemologia tradicional” (NUNES, 2009, p. 226). Utilizando o conceito de ecologia de saberes, que se aproxima da idéia de vocabulários alternativos em Rorty, Santos assinala a necessidade de combater as linhas abissais que separam a epistemologia tradicional das demais formas de conhecimento (SANTOS, 2007, p. 33). A adoção do pragmatismo gera implicações nas ciências sociais, que devem passar por uma reorientação, deixando para trás o objetivismo, o cientificismo, a pretensão de neutralidade, o distanciamento do sujeito ante o objeto, a busca da exatidão com disputas reduzidas as questões de método (RORTY, 1999b, p. 272- 273). Abre-se a possibilidade de múltiplos e alternativos vocabulários e usos, sem a pretensão de compreender a natureza dos fenômenos e controlar seus comportamentos, mas de realizar um trabalho que com eles se relaciona. Diferentemente do ceticismo, cabe no pragmatismo uma esperança injustificada e a crença na solidariedade humana (RORTY, 1999b, p. 287), uma vez que conhecimento e verdade são um adjetivo utilizável ante “crenças que consideramos estar tão bem justificadas que, no momento, não demandam justificação adicional” (RORTY, 1991b, p. 113). Parte-se, assim, de relações que não transcorrem entre sujeito e objeto, mas entre organismo e meio, tendo a linguagem como ponto mediador, em uma perspectiva contextual. Nessa linha, é perceptível que a linguagem jurídica apresenta uma determinada versão na modernidade complexa 8, cuja abordagem será centrada em “relações causais” (RORTY, 1997b), consoante o fisicalismo não- reducionista de Rorty, que não reconhece, assimilando Wittgenstein, um núcleo interior do eu, uma consciência ou uma linguagem privada, eis que “não há nenhuma razão especial para separar estados mentais de estados físicos por meio de dizer que há uma relação metafisicamente íntima com uma entidade chamada consciência” (RORTY, 1997b, p. 121). A realidade para Rorty não é composta de elementos físicos, mas de relações causais e linguagens que falam dessas relações (RORTY, 1998a). Há, sim, descrições do mundo mediante vocabulários diferentes. É

8 Neste sentido, podemos observar que autores como Giddens e Luhmann ultrapassam a perspectiva da metafísica do sujeito. Neste, já não há referência a indivíduos comunicantes ou sujeitos conscientes, mas a relação entre sistema e ambiente e a dupla contingência; naquele, em interrelação entre ação e estrutura.

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uma concepção ontologicamente neutra, o que não implica neutralidade quanto a adequação, uso e utilidade dos vários vocabulários, os quais não são substituíveis ou descartáveis, pois uns servem melhor a certos propósitos que outros e vice-versa (RORTY, 1997b). Não se descarta completamente o uso do “Eu”, mas este não comporta um enfoque do tipo “o que é o eu”, mas somente um “o que o eu tem”. A consciência, o olho interno, é substituído por “uma rede de crenças e desejos em permanente processo de reconfecção” (RORTY, 1997b, p. 123). O fisicalismo de Rorty é não reducionista exatamente porque, apesar de materialista, não pretende afirmar a verdade, a realidade “como ela é”. Não se trata de um realismo positivista, por exemplo, cujas prescrições carregam essa pretensão e reduzem o fenômeno observável, em uma metafísica invertida. Para o autor, a pretensão de conhecer alguma coisa é a pretensão de fazer algo com essa coisa, colocando-a em relação com outras coisas. Assim, podemos afirmar, por exemplo, que todo conhecimento sobre o direito é relacional e impõe reconhecer que se lida com tal fenômeno mediante interações sociais (RORTY, 1991a, p. 223 e ss.). Em Rorty, o conceito de verdade é deflacionado e somente atribuível em termos de prática. Esse deflacionismo impõe que o predicado verdade cumpra mais uma função performativa que explicativa, associada menos em dizer o que as coisas realmente são, por absoluta impossibilidade, e mais em possibilitar acordos, estabilização, redescrições, a partir de uma rede de crenças que une as pessoas e lhes permite viver em sociedade. A aplicação de tal conceito ao direito permite uma concepção jurídica acautelada de metafísicas e realismos, já que nem se afirma um direito “a priori”, nem se descreve um direito a partir de sua realização na experiência, mas assimila um direito como linguagem, crença adequadamente justificada destinada a produzir determinadas consequências. No caso de um direito das políticas públicas, acarreta tanto reconhecer que determinadas situações exigem ações justificadas conforme um vocabulário propriamente jurídico, quanto os diversos jogos de linguagem possíveis nos contextos de realização do direito e, ainda, verificar suas consequências em um ambiente de relações complexas. Aponte-se que a adoção do pragmatismo rortyano no campo do direito não engendra uma concepção de direito como a assumida pela jurisprudência sociológica 9 ou o realismo jurídico 10 que aparecem nos Estados Unidos. O principal

9 Ver, por exemplo, a obra de Oliver W. Holmes, Benjamin Cardozo, Roscoe Pound e Louis Bandeis. 10 Ver, por exemplo, a obra de Jerome Frank, John Chipmann Gray e Karl N. Llewellyn.

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ponto de divergência reside na já assinalada presença no neopragmatismo da questão da linguagem. Note-se que ante a perspectiva representacionista e objetivista, Rorty (1997b) opõe uma atitude pragmática de conceber o conhecimento como uma ferramenta que está em função dos fins e benefícios propostos pelos homens. Nesse aspecto, sob influência deweyana, admite pontos em comum com o pensamento jurídico baseado no pragmatismo clássico. Em Rorty, contudo, a contingência das crenças e das linguagens (GALVÁN, 2001) alicerça uma compreensão de processos de justificação a fundamentar pretensões de verdade. Tais processos acontecem como fatos sociais, eis que são vividos em sociedade (PENELAS, 2003, p. 130 e ss.), e mutações dessas crenças e linguagens, assim como desenvolvimentos, trajetórias, não decorrem de dados empíricos, nem significam perda de qualidade ou acréscimo evolutivo, mas alternativas que se abrem à possibilidade de concretização. Assim, o problema da verdade atrelada à decisão jurídica não é tributário nem de uma presença metafísica que fundamente a ordem jurídica, nem de decisões que se efetivam, mas da distinção de um vocabulário, cuja apropriação social permite constantes releituras e renovadas possibilidades de uso. Observe-se que um conceito minimalista de verdade como esse implica certo impacto no meio jurídico, especificamente para os temas da discricionariedade, da admissão e manejo de princípios como normas - especialmente os não expressos -, da funcionalidade do direito e da decisão jurídica. A discussão sobre o verdadeiro, no direito, assume a feição da distinção entre o jurídico e o antijurídico, a demandar justificação como adequabilidade a um vocabulário e âmbito interpretativo das práticas de uma comunidade (CRESTO, 2003, p. 154 e ss.). Assinale-se, neste ponto, a perspectiva assumida por Gutting, que almeja unir o pragmatismo de Rorty ao comunitarismo de Taylor e ao de MacIntyre (GUTTING, 1999), compactuando, em termos, com a crítica da epistemologia moderna e admitindo que a busca da verdade é empreendimento que se realiza socialmente. No autor, verifica-se menos dependência das crenças às teorias (GUTTING, 1999, p. 171), conquanto isso não represente necessidade do abandono de qualquer crença, independente de quais sejam suas fundações (GUTTING, 1999, p. 56). Enfatiza-se, outrossim, a comunidade como contexto. Esse contextualismo, a propósito, autoriza que se reconheça qualquer questão como jogos de linguagem, requerendo solução pragmatista, passível de

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associação a uma leitura sociológica do direito e a lidar com o direito sem a manutenção da suposta dicotomia entre uma face interna (dogmática) e outra externa (zetética) (FERRAZ JR., 2003). Evidentemente que, sob o pragmatismo, são desprezadas discussões sobre uma pretensa cientificidade do direito, por inapropriada em vista de uma assimilação do elemento jurídico como campo de aplicação prática, dotado de funcionalidade e vocabulário próprios. Trata-se de um direito dotado de reflexividade, que não problematiza uma suposta intangibilidade de seu vocabulário ou de sua matriz disciplinar, mas a conveniência de se alterá-lo em face dos contextos que se apresentam. A presente discussão de fundo se posta de forma estratégica nesta tese, porque ao se assumir a juridicidade como elemento nuclear das políticas públicas há que se discutir os predicados contidos em seu sentido. Cumpre afirmar que linguagem pode ser usada, sob que motivos e em torno de que consequências, quando se trata de empreender um juízo de conformidade ou não de determinada política pública com o direito. Segundo esse referencial teórico, o que o direito possa ser não se desgarra do seu uso e de sua justificação, de maneira a tornar impossível evocar um direito das políticas públicas dissociado de uma reflexão sobre o que chamamos de direito e sobre as possibilidades de uso justificado de um direito das políticas públicas. Note-se, então, o direito fundado em uma teoria de passagem, a permitir determinadas relações, traduzíveis por seu vocabulário. Assinale-se que Rorty, na trilha de Wittgenstein, pretende que se distinga entre usos de expressões linguísticas, quando necessário (RORTY, 1999b, p. 76). Dessa forma, conhecer enunciados e possíveis sentidos relativos ao vocabulário jurídico não é necessário para que as pessoas, cotidianamente, travem inúmeras relações jurídicas entre si, muitas das quais sem a menor reflexão a respeito do uso dado à linguagem jurídica ou ao seu comportamento dentro do direito. Assim como, quando uma pessoa sai andando de casa todas as manhãs ela não reflete sobre as leis de Newton. Tratam- se não propriamente de significados diferentes, diria Rorty, mas de diferentes condições de uso. No cerne da presente tese estão as condições de operatividade do sistema jurídico em matéria de políticas públicas. As decisões jurídicas na área de políticas públicas constituem usos bem ou mal justificados, portanto, adequados ou não, e geram consequências, que não são interferências na “realidade real”, mas,

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antes, usos da linguagem que afetam os demais usuários e as demais condições de uso. Em outros termos, se decisões incidentes sobre políticas públicas são tomadas pretensamente sob a linguagem do direito, a adequabilidade dessas decisões deve ser respaldada por suficiente justificação e pelas consequências visadas, considerando um dado padrão – crença justificada – do que seja característico do jurídico; se, diferentemente, tais decisões refletem um vocabulário diverso do jurídico, cabe distinguir entre um direito corrompido ou um direito em mutação, tendo em vista, de forma especial, a possibilidade de consistência nas relações entre a pretensão de verdade contida na decisão e sua justificação, e nas finalidades almejadas no discurso e as consequências de fato. O direito, sob a concepção de conhecimento e verdade presentemente trabalhada, apresenta-se em estreita conexão com a questão da democracia, que Rorty associa a sua noção “fraca” e pragmática de verdade. De um lado, verdades contingentes, despidas de argumentos decisivos e fundantes, exigem esforço narrativo contínuo e diálogo democrático. Por outro lado, a dimensão do uso dá o tom da prioridade da democracia sobre a filosofia (RORTY, 1997a). Assim, a designação de “verdadeiro” em uma dada situação decorrerá de encontrar menos resistência para ser aceito por aqueles que seguem determinadas regras históricas de verificação (RORTY, 1997b, p. 42 e ss.). São dispensáveis argumentos fundacionalistas de ordem religiosa ou filosófica, pois o equilíbrio reflexivo é o bastante (RORTY, 1997a, p. 251) em um contexto que torne possível acordos entre indivíduos sob certas tradições e diante dos mesmos problemas (RORTY, 1997b). Rorty defende a precedência da liberdade e da democracia na esfera pública, da possibilidade de crenças compartilhadas como critério asseverador de verdade, sendo certo que essa verdade será atestada por suas condições de uso e consequências práticas. Trata-se, portanto, de uma perspectiva filosófica que, exatamente por não conter os pressupostos e esquemas conceituais da epistemologia tradicional, permite-se trabalhar sobre o todo, a envolver, por exemplo, verdade filosófica, contexto social, direito reflexivo e defesa da democracia.

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2.3. O conceito de paradigma aplicado ao direito

Em Rorty, defende-se o uso acautelado do predicado verdadeiro, com evidente aplicação no campo jurídico. Não se trata de um relativismo no sentido representacionista, porque não admite várias representações possíveis, sendo indiferente o uso de qualquer delas; pelo contrário, admite a possibilidade de várias, mas se permite escolhas e não concorda com a intercambialidade de perspectivas (RORTY, 1999a, p. 15). Trata-se de uma perspectiva que se assemelha à noção de descontinuidade histórica, observada em Kuhn (1994), a admitir gramáticas concorrentes, ou à possibilidade de racionalidades rivais, na acepção de MacIntyre (1992). A noção de paradigma, ou matriz disciplinar, tal como empreendida a partir da obra de Kuhn (1994) autoriza a coexistência de vários vocabulários possíveis e utilizáveis, cada qual dotado de uma racionalidade, e consequentemente de parâmetros de refutação. Segundo Kuhn, “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (KUHN, 1994, p. 219). O instrumento que possibilita a renovação desses vocabulários é a metáfora (GHIRALDELLI JR., 1999, p. 52), narrativas que oferecem oportunidade de alteração em uma dada rede de crenças. Saliente-se, a propósito, a proximidade entre as noções de metáfora e metonímia na antropologia de Levi-Strauss (1976; 1997), e entre relações associativas e sintagmáticas em Saussure (1969). Segundo Rorty (1993a), nossas crenças são alteradas por percepção, inferência ou metáfora, sendo que nas duas primeiras não há mudança de vocabulário – altera-se o valor de verdade das sentenças, mas não o repertório das sentenças –, apenas seu espraiamento, enquanto que na metáfora há alteração no espaço lógico de alternativas (GHIRALDELLI JR., 1999, p. 57). Possibilitando, por exemplo, a crítica fora dos espaços demarcados pelo vocabulário criticado, bem como redescrições para reconfiguração de redes de crenças. Perceba-se, assim, que o direito é passível de redescrições, sabendo-se que a emergência de novos direitos muitas vezes exige novos vocabulários. Paradigma, nos termos da composição kuhniana, se refere a um conjunto de crenças, valores e técnicas compartilhado por uma comunidade de investigação (KUHN, 1994), que se apresenta voltado para o estabelecimento de condições para

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a produção do conhecimento, respondendo a problemas que aparecem no seu contexto. Ainda conforme Kuhn, paradigmas são “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1994, p. 13). O paradigma é o núcleo de uma comunidade de investigação, que recebe e aceita as realizações científicas passadas e trabalha e difunde o conhecimento produzido dentro daquela tradição. É, bem assim, elemento que permite verificar descontinuidades, conceitos trabalhados em ambientes transicionais, e racionalidades rivais que, por vezes, persistem em um mesmo ambiente (MACINTYRE, 1991). Afinal, dentro de uma tradição particular na qual se opera cabe distinguir uma posição em face das posturas pretéritas, com sua justificação a confrontar as concepções dos antecessores e as possibilidades abertas para os sucessores, nisso residindo sua própria base de legitimação (MACINTYRE, 2003, p. 201-202). Quando um paradigma é confrontado com seus próprios limites, abre-se a possibilidade de uma recomposição metafórica daquela esfera de conhecimento, daquela rede de crenças comuns, com a adoção de novo padrão de respostas para os problemas que aparecem, já em um novo contexto. Uma ruptura de paradigma ocorre “quando a comunidade científica repudia um antigo paradigma, renuncia simultaneamente à maioria dos livros e artigos que o corporificam, deixando de considerá-los como objeto adequado ao escrutínio científico” (KUHN, 1994, p. 209). Masterman (1979) evidencia algumas questões que derivam da obra de Kuhn, notadamente a multiplicidade de sentidos conferida pelo autor ao termo. A autora chega a levantar vinte e um sentidos diferentes dados por Kuhn à palavra paradigma que, na realidade, será por ele refinada nas décadas subseqüentes à primeira edição de “A estrutura das revoluções científicas”. Segundo Masterman (1979), Kuhn usou a expressão paradigma para se referir a algo concreto, tal como aos manuais ou obras clássicas, às analogias, à gramática, ao baralho de cartas anômalo, à caixa de ferramentas, à fonte de instrumentos, assim como a uma pré-definição da visão de mundo do pesquisador, seu modo de pensar, de falar e de agir, vinculando-o ao código de funcionamento da comunidade de investigação. O sentido sociológico de paradigma é observado em quatro passagens da obra de Kuhn, nas quais o termo é definido como realização científica universalmente reconhecida, como realização científica concreta, como conjunto de

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instituições políticas e como decisão judicial aceita, todas incorporáveis ao conceito de conjunto de crenças e hábitos comuns a uma comunidade científica (LAKATOS e MUSGRAVE, 1965). Rorty (2001) avalia Kuhn como analista da filosófica da ciência, que a vê dotada de historicidade e contextualização. A justificação das teorias é alimentada por pressupostos de linguagem que unem ou desatam certas comunidades de investigação em torno de determinadas matrizes disciplinares, mas sempre num plano sócio-histórico. O pragmatismo de Rorty enfatiza que não há nada na ordem social que não tenha sido ali colocado pelas próprias pessoas que a compõem: não há “nenhum critério que não tenhamos criado no decurso da criação de uma prática, nenhum padrão de racionalidade que não seja um apelo a um critério desse tipo, nenhuma argumentação rigorosa que não seja obediência às nossas próprias convenções” (RORTY, 1999b, p. 45) . Note-se que, como o neopragmatismo, a perspectiva do conhecimento como contexto e experiência histórica em Kuhn, remete a um contextualismo anti- essencialista, anti-representacionalista e anti-fundacionalista. É uma perspectiva relacional que permite à reflexão jurídica um olhar crítico sobre as doutrinas tradicionais e um trabalho de análise consentâneo com o contexto da sociedade hipermoderna em que vivemos. Perceba-se, também, que a noção de paradigma nas ciências sociais opera de forma menos rígida que em outros ramos do conhecimento (CRUZ, 2009), notadamente as chamadas ciências naturais e as matemáticas. É que nas ciências sociais não ocorre, necessariamente, o modelo de crise paradigmática seguida de novas possibilidades competindo entre si até a imposição de um enfoque mais adequado suplantando os demais e estabelecendo as bases de uma revolução científica 11 , não havendo progressividade, linearidade e homogeneidade (KUHN, 1994, p. 177). Assinale-se, então, que o conceito de paradigma é aplicável às ciências sociais e particularmente ao direito, mas com cautela (CRUZ, 2009), já que a perspectiva vinculada a um paradigma o tem como cartografia e limite. É mediante pressupostos paradigmáticos que a linguagem se torna possível. Um paradigma jurídico pode sedimentar uma visão de mundo expressa em vocabulários que

11 Observe-se a posição madura de Kuhn (2006, p. 265-273) a respeito dessa diferença, em contraste com aquela assumida na primeira versão de “A estrutura das revoluções científicas”.

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decorrem de práticas sociais naturalizadas, que operam como um filtro seletivo a condicionar jogos de linguagem e possibilitar o funcionamento do sistema do direito. Com efeito, não se percebe no direito um consenso estável sobre um paradigma de pesquisa, mas, pelo contrário, a manutenção de disputas entre concepções diferentes acerca do fenômeno jurídico. Um paradigma apresenta a questão reconstruída metaforicamente. O sintagma opera por metonímia e permite relações dentro de uma determinada base, sem a possibilidade dessas transposições. No caso do direito, a persistência de racionalidades rivais permite, talvez, a referência a uma concepção macroparadigmática fundada na constatação da peculiaridade do direito moderno como normatividade social especializada e diferenciada – juridicidade -. Cabe reconhecer, todavia, a coexistência de inúmeras gramáticas e concepções em convívio e disputa, algumas das quais contraditórias entre si. Quando se indaga, considerando o direito como linguagem, que vocabulário usamos, abre-se uma idéia geral de paradigma com aplicação complexa no campo do direito. É importante, nesse ponto, perceber a noção e, mais que isso, a percepção mais ampla contida na obra de Kuhn e autores próximos, sobre a necessidade de perspectiva para a possibilidade de jogos de linguagem. Tal percepção permite avaliar que, na coexistência de racionalidades rivais, diferentes sistemas sociais, em tese partilhando o mesmo contexto e participando dos mesmos jogos de linguagem, na realidade estão a produzir comunicação em termos enviesados, dado o fato de utilizarem vocabulários distintos. Esse descompasso fica evidente, por exemplo, na manutenção do patrimonialismo sobre a legalidade burocrática, do clientelismo sobre o universalismo da cidadania formal, e na edificação de um direito simbólico, cuja funcionalidade material é comprometida. Essas nuanças são particularmente evidentes no direito das políticas públicas e, de fato, grande parte dos conflitos e dilemas decorrem do uso de vocabulários distintos nas interações promovidas pelo sistema.

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3. O DIREITO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

3.1. Introdução

A experiência jurídica das sociedades contemporâneas é marcada por determinadas concepções e pela constatação de um direito forjado ao influxo de mudanças sociais próprias da denominada modernidade. Cumpre reconhecer nesse direito estruturas e funções que o identificam e lhe conferem sentido, bem como explorar suas consequências na prática social. Pretende-se, assim, uma análise sociológica capaz de averiguar a funcionalidade do direito e seu potencial de intervenção, os quais se conjugam com um fundamento jusfilosófico de orientação pragmatista que alicerçará o exame jurídico das políticas públicas. Esse dado sociológico permitirá uma análise na qual a atuação dos sistemas do direito e da política estará associada à chamada dogmática jurídica de forma interdependente. A referência ao direito na modernidade demanda assinalar, previamente, características das sociedades modernas. Trata-se de um elenco conceitual e factual que, em linhas gerais, expõe uma sociedade complexa, pois vivida mediante interesses, necessidades e percepções extremamente diversificados, rompida com parâmetros tradicionais, individualista, e que adota uma racionalidade do tipo instrumental como padrão de organização. Tal exposição é adequada às sociedades pertencentes ao hemisfério norte ocidental, porém, em graus diferenciados, se aplica àquelas estabelecidas em sua órbita. O direito estabelecido nessas sociedades é caracterizado pela teoria jurídica, em uma concepção habitual, como criação da ordem estatal e objeto de lei em sentido estrito (LATORRE, 2002, p. 25), no que muito se diferencia dos modelos anteriores (LATORRE, 2002, p. 39). Permanece, contudo, sendo considerado aspecto de uma realidade social mais ampla (LATORRE, 2002, p. 148). É um direito centrado na lei, e essa lei é expressão de um processo de racionalização (KELSEN, 2000, p. 39), especialização (LEVI-BUHL, 1997, p. 56) e realização social de uma função especificamente jurídica (CAVALIERI Fº, 2006, p. 198). A par das nuanças que escapam dessa perspectiva monista, nela já se percebe um direito que se distancia das formas anteriores e se adapta à sociedade moderna. Já na sociologia clássica autores como Sumner Maine (1993), Durkheim (1975) e Weber (1971), entre outros, caracterizaram a sociedade moderna

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acentuando o papel do elemento jurídico. Giddens (1993), conferindo e criticando determinados pressupostos dessa sociologia, realça a idéia de uma organicidade social nela presente (GIDDENS, 1993), bem como a perspectiva de uma modernidade racionalizada em termos weberianos (WEBER, 1969), a qual se associa a um funcionalismo (GIDDENS, 2000a) assentado na divisão do trabalho social (DURKHEIM, 1995). Sumner Maine (1993) evidencia o papel do direito na passagem de uma sociedade mediada pelo status social, para outra centrada no “contrato”, instrumento jurídico típico da modernidade capitalista (PASHUKANIS, 1989). Trata-se de um direito que aparece como reflexo da hegemonia burguesa na sociedade capitalista, mas que, como analisou Friedmann (1951) 12 , está apto a produzir modificações na sociedade, afetando a dinâmica econômica e social, tal como faz a legislação que dispõe sobre proteção social (FRIEDMANN, 1959, p. 90-91). Em qualquer hipótese, tem-se a emergir uma dimensão racional-legal imanente ao processo de modernização que, na esteira da ruptura com esquemas tradicionais de ordenação social, provoca uma tendência à burocratização da vida em sociedade. Funcionalmente, apenas a autoridade burocrática, nos termos weberianos, seria capaz de administrar os grandes sistemas sociais e as grandes organizações modernas (GIDDENS, 2000a, p. 372). Essa racionalização intensifica o componente jurídico-social e se expressa em elementos como hierarquia, impessoalidade, regras escritas, funcionários especializados e separação de tarefas (WEBER, 1971). E radicaliza-se, ainda que em contextos de abundância, no alto capitalismo vivenciado no século XX, em uma sociedade caracterizada e diferenciada socialmente pela possibilidade do consumo, em que pese situações de anomia, marcadamente as exclusões de fato, incluindo fome e penúria endêmica, mesmo em sociedades ricas (BAUDRILLARD, 1970). Trata-se de uma sociedade na qual o direito passa, paulatinamente, de circunstância superestrutural subordinada a protagonista, no bojo de um processo social que envolve, simultaneamente, burocratização, especialização e reconfiguração das noções de direito e cidadania. O direito moderno se organizou em torno de um paradigma científico submetido à hegemonia capitalista, expressão de uma dinâmica civilizatória que se

12 O trabalho do autor discorre sobre a legislação trabalhista britânica editada ao influxo das tensões oriundas das relações entre capital e trabalho no limiar do Estado social.

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dispôs a regular a vida humana no planeta (SANTOS, Theotônio, 1999, p. 9). Weber (1969, p. 209), advogando estatutos distintos para dogmática jurídica e sociologia do direito, reconhece na normatividade social contemporânea a marca da positividade estatal, elemento de racionalidade legal. O direito comparece como fato social, em conexão com os demais atores e estruturas sociais, razão pela qual o fenômeno jurídico deve ser observado de forma relacional e sistemática, como elemento que condiciona estruturas e estabelece possibilidades de ação (SALDANHA, 1970, p. 54). Em sintonia com esse processo social pode-se verificar uma sociologia do direito, dotada de autonomia epistemológica, que se distingue por seus desenvolvimentos na sociologia das organizações; pelo interesse da teoria política pelo Poder Judiciário e sua relação com a política; e pela antropologia do direito, com destaque para os mecanismos de aparecimento, mudança e operatividade do sistema jurídico nos diferentes meios sociais (SANTOS, 1994, p. 143-144). Cumpre assinalar, sob essa ótica, a distinção de um registro de investigação, de um registro de organização, e de um registro de transmissão dos estudos jurídico-sociológicos. E, além disso, o enfrentamento do “gap problem” (NELKEN, 1986, p. 191-216), que consiste na dissociação do direito das ciências sociais e a dicotomia entre uma visão interna e outra externa do direito (FERREIRA, 2005, p. 33-34), referida no capítulo anterior. Autores como Barbalet (2001) e Turner (1993) enfatizam a importância de a sociologia trabalhar conceitos associados ao direito, como norma, legitimidade e valores, todos importantes para uma reflexão sobre o direito na sociedade contemporânea (TEUBNER, 1981). Trata-se de uma vertente que não se resume a pesquisar o direito como um conjunto de fatos sociais (OLIVECRONA, 1959, p. 98), mas que identifica a sociedade humana como o meio no qual o direito aparece e se desenvolve (LIMA, 1955, p. 7), com implicações recíprocas para qualquer estudo jurídico que tenha o contexto como pólo de referência e que assuma como pólos analíticos prioritários as relações entre política, Estado e Direito, bem como a posição do direito estatal no atual estágio da modernidade (FERREIRA, 2005, p. 31-43). A proposta deste capítulo é realizar um sucinto apanhado de algumas das principais abordagens sociológicas sobre o direito na modernidade reflexiva 13 , a fim

13 O termo “modernidade reflexiva”, é adotado no trabalho, já que uma noção de modernidade aprofundada é preferível à de pós-modernidade, até porque o termo pós-modernidade esconde

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de possibilitar uma apropriada análise da recente juridicização das políticas públicas e seus efeitos.

3.2. A sociedade moderna

Inicie-se a explanar as características das sociedades modernas e do direito na modernidade. Uma sociedade que se apresenta sob o modo de produção capitalista, politicamente centrada na figura estatal, estabelecida consoante o padrão racional-legal, especializada funcionalmente, dotada de múltiplos atores e estruturas sociais, organizados na forma de sistemas comunicativos que operam nos termos de linguagem específica e autorrefenciada. Um direito que se mostra como direito escrito, estatal, constitucionalizado, prescritivo, prospectivo, criado e legitimado segundo procedimentos pré-estabelecidos. É certo que essa forma exemplar ocorre principalmente nas sociedades situadas nos Estados centrais do sistema capitalista. As sociedades postadas em sua periferia assimilam esses atributos de maneira desigual e parcial, o que ocasiona processos sociais enviesados, com resultados diversos daqueles apontados em determinadas análises e tipologias clássicas, que enfocam, essencialmente, sociedades que vivenciam o alto capitalismo, mormente em sua versão pós-industrial (ECHEVARIA, 1967, p. 65-71). Segundo Gellner (1971), é peculiar da sociedade moderna o caráter secularizado, naturalista, voltado para a mudança, dinâmico e reflexivo acerca de suas próprias condições. Para esse autor, sociedades em transição passam por uma experiência metamórfica, marcada por desorientação, desordem, crise de identidade, sensação de caos e busca de ordem, de segurança, de direção, de auto- imagem determinada (GELLNER, 1964). É um percurso tingido por crise moral e existencial, com perda de identidade. As mudanças permanentes, sucessivas e crescentes vividas na modernidade impõem uma inversão na seleção de valores, que da tradição passam à experiência da mudança. Também a legitimidade, no sentido político, se coloca em aberto, na medida em que a política se torna mais reflexiva (GELLNER, 1974). O reassentamento exigido pelo mundo moderno

disputas internas sobre concepções diversas acerca de interpretações sobre a modernidade, conceito que permanece dominante (GUTTING, 1999, p. 3) e possibilita uma melhor demarcação do direito. Ver, a respeito no item 3.3., a seguir.

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pressupõe que as mudanças inerentes à transição de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial são incompatíveis com a preservação das formas sociais e crenças da anterior, exigindo outro padrão de justificação (GELLNER, 2006, p. 62 e ss.). O mundo que se forma a partir do século XIX e ao longo do século XX aprofunda e amplia os efeitos da modernidade. É, nesse sentido, significativa a paisagem traçada por Hobsbawn acerca do cenário verificado em fins desse período:

“O grande paradoxo de fin-de siècle do século XX era que, por todos os critérios mensuráveis de bem-estar e estabilidade sociais, viver numa Irlanda do Norte socialmente retrograda mas tradicionalmente estruturada, sem emprego, e após vinte anos ininterruptos de algo semelhante a uma guerra civil, era melhor, e na verdade mais seguro, do que viver na maioria das grandes cidades do Reino Unido. O drama das tradições e valores desmoronados não estava tanto nas desvantagens materiais de não ter os serviços sociais e pessoais outrora oferecidos pela família e pela comunidade. Estes podiam ser substituídos nos Estados de Bem-Estar prósperos. (...) Estava na desintegração dos velhos sistemas de valores e costumes, e das convenções que controlavam o comportamento humano. Essa perda foi sentida”. (HOBSBAWN, 2000, p. 334).

A interpretação da modernidade é tributária da obra de alguns pensadores que se dedicaram a analisá-la, diagnosticando a mudança e projetando possibilidades. Entre os principais autores desse período destacam-se Marx, Durkheim e Weber. Da mesma época é Sumner Maine 14 , precursor nos estudos de sociologia do direito, cuja teoria social evolucionista data da segunda metade do século XIX e constitui, por exemplo, influencia para Durkheim em sua análise da transformação das sociedades de solidariedade mecânica e direito repressivo em sociedades caracterizadas pela solidariedade orgânica e pelo direito restitutivo. Outros autores, como Hobhouse 15 e Tarde 16 , que notará a passagem das sociedades alicerçadas em um sistema de costumes para um fundado na norma artificial (TARDE, 1947), também determinarão um olhar sociológico sobre o direito moderno, que vai ser tomado de modo mais influente nas obras de Durkheim e Weber. Marx dedica sua obra ao estudo da sociedade capitalista, na qual enxerga uma estrutura de dominação baseada no poder do capital, a constituir um esquema

14 Sobre o autor, ver, por exemplo, em MAINE (1993). 15 Sobre o autor, ver em HOBHOUSE (1922; 1924). 16 Sobre o autor, ver em TARDE (1947; 1969; 2007).

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não completamente hierarquizado e destituído de mediações sociais do tipo tradicional, próprias de sistemas como o feudal ou o escravista (MARX, 1946). Nessa ordem, são marcantes o uso do Estado como meio de regulação social, o controle do trabalho pelo capital e um direito liberal voltado para os interesses da burguesia (PASHUKANIS, 1989). Apesar dessas marcas, o autor nota um Estado desgarrado do poder personalizado e organizado mediante instituições permanentes e duradouras (MARX, 1986), o que lhe conferirá uma trajetória peculiar, a ser explorada adiante neste trabalho. Caracteriza esse Estado uma contradição entre espaços público e privado e interesses gerais e particulares, assim como uma administração formalista, em relação com uma sociedade civil fundada no reconhecimento político-jurídico de direitos do homem, como fundamento estruturante da ordem capitalista, na qual privilégios feudais foram abolidos e dissolvidos (MARX, 1966, p. 11-17). Também na obra marxiana há o relato da divisão do trabalho como fruto da racionalização presente na organização social moderna, ditada pelas relações de produção capitalistas e que, de resto, permeia as demais relações sociais (MARX, 2009, p. 25-26). Um movimento de contínua autodestruição inovadora (BERMAN, 1987, p. 97 e ss.) marca essa sociedade, afetando o direito nela produzido e vivido, em geral, por meio de parlamentos (KELSEN, 2000, p. 47), órgãos especializados segundo um princípio de divisão do trabalho, a produzir material legiferante em escala industrial. Esse o ambiente relatado por Marx e Engels:

“O constante revolucionar da produção, a ininterrupta perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação distinguem a época burguesa de todas as épocas anteriores. Todas as relações fixas, imobilizadas, com sua aura de idéias e opiniões veneráveis, são descartadas; todas as novas relações, recém-formadas, se tornam obsoletas antes que se ossifiquem. Tudo o que é sólido desmancha no ar ...”(MARX e ENGELS, 1998, p. 11).

Nos trabalhos de Marx fica esboçada uma sociologia do direito, mormente em seus textos sobre as relações entre o modo de produção econômico e estruturas ideológicas, como o próprio Estado nacional. Entre outros autores, Phillips (1970), Cain e Hunt (1979), Michel (1983), e Lascoumes e Zander (1984), explorando diferentes sendas, apontam a contribuição de Marx para um primeiro olhar sobre o direito da sociedade moderna. A crítica marxista ao capitalismo é importante, ainda hoje, como fonte para uma análise dos usos sociais do direito, inclusive em

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perspectivas que o autor não poderia suspeitar quando da publicação de seus trabalhos. Na abordagem de Durkheim (1995), o direito já assume certa centralidade na sociedade contemporânea, especialmente em sua teoria da consciência coletiva e das solidariedades sociais. O autor descreve a emergência do que denominou solidariedade orgânica na sociedade moderna, em oposição à solidariedade mecânica própria das sociedades tradicionais. Nessas, predomina um direito repressivo, derivado de grande coesão social e forte consciência coletiva. Na modernidade floresce um direito dito restitutivo, fruto de uma frágil consciência coletiva, subordinada ao individualismo (DURKHEIM, 1995). A influência durkheimiana é marcante na análise sociológica do direito, merecendo destaque sua influência nos trabalhos de Hauriou (1896), Duguit (2005), Renard (1935), Lévy-Bruhl (1997) e Carbonnier (2004). propõe uma teoria compreensiva da sociedade, na qual o direito é ponto distintivo (PARSONS, 1965, p. 174 e ss.). Em sua concepção, direito, política, moral e economia assumem feição singular na sociedade moderna, que se distingue pela substituição de esquemas tradicionais de dominação pela lógica da autoridade racional-legal (WEBER, 1971). Em Weber (1969) as relações entre direito e poder político e econômico se sofisticam e escapam tanto do determinismo econômico quanto do idealismo jurídico. Sobressai sua percepção do direito como função social específica. O autor expõe suas tipologias acerca do poder na sociedade mediante as formas de dominação predominantes em cada padrão de organização social, bem como os modelos de administração pública, entre os quais o burocrático, próprio da modernidade (WEBER, 1969). Percebe-se que, mais que tipos sociais, Weber procura compreender as formas de estruturação das sociedades conforme o grau de complexidade de cada uma delas. Relacionando dominação e legitimidade, conceitos típicos de sua gramática, Weber (1969) evidencia o direito como mecanismo de legitimação de regras, instituições e autoridades nas relações sociais modernas. Tal legitimidade, porém, é dotada de natureza probabilística. Essa dominação racional “repousa sobre a crença na legalidade de ordenações instituídas”, já que se obedece a “ordenações impessoais e objetivas”, legal e formalmente instituídas (WEBER, 1969, p. 173-174). O direito goza de presunção de racionalidade, sendo abstrato, geral e formal e

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“pretensão de ser respeitado” por aqueles a que se dirige. É um direito que assume a função de mediação universal das relações sociais, legitimando-as nos espaços público e privado (WEBER, 1969). Na obra weberiana a racionalização da sociedade moderna envolve um arranjo complexo, no qual três fenômenos importantes se relacionam: o desencantamento do mundo, decorrente da intelectualização; a racionalidade instrumental, orientada por relações entre meios e fins; e uma ética voltada para objetivos racionalmente fixados (GIDDENS, 1998, p. 55). Tal racionalização é necessariamente vinculada a aspectos jurídicos, eis que a burocratização depende do desenvolvimento de normas racionalizadas e formais do tipo dogmático-legal (GIDDENS, 1998, p. 61). Nesses termos, acentua Giddens (1998, p. 62), “o advento da lei racional sinalizava uma diminuição do poder desses sistemas tradicionais de dominação”. Os modelos explicativos propostos nessas teorias servem de suporte para que, ao longo do século XX, a análise da sociedade moderna fosse aprofundada, no mesmo passo em que as consequências dessa modernidade atingem um grau de aprofundamento por elas não abrangido. Não apenas se vive a desagregação do mundo da tradição (LIPOVETSKY, 1986), mas predomina uma descrença na promessa emancipatória liberal. A vida é vivida sob a tensão, o medo, e o risco, em um “ambiente social agressivo” (LIPOVETSKY, 2004, p. 21), no qual um amplo processo de dessacralização de valores sobrecarrega o papel social do direito, cuja normatividade se subdivide por esferas como família, produção, mercado, comunidade, cidadania e mundo (SANTOS, 1996). Tem-se, modernamente, uma organização social que, assim, se distingue:

“Os sistemas sociais assentam em práticas de socialização que fixam valores e orientações a valores, distribuindo uns e outras pelos diferentes espaços estruturais de relações sociais, segundo as especificidades destes, elas próprias fixadas segundo critérios de especialização funcional socialmente dominantes” (SANTOS, 1996, p. 55).

Ao contrário das sociedades anteriores, vive-se no futuro, não no passado (GIDDENS e PIERSON, 2000, p. 73). E “viver após o fim da tradição é essencialmente estar em um mundo onde a vida não mais é vivida como um destino” (GIDDENS e PIERSON, 2000, p. 141). Trata-se de uma sociedade moderna cuja feição apresenta um conjunto de atitudes perante o mundo, como a possibilidade de

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intervenção humana sobre todos os aspectos da vida; a provisão de bens e serviços orientada pela produção industrial e pela economia de mercado; e um complexo de instituições políticas, cada vez mais juridicizadas. A esse relato se soma a perda da tradição como orientação sólida e geral e, com ela, a perda da moral como normatividade social, especialmente afetada pelo individualismo e pelas formas sociais crescentemente especializadas e complexas, a gerar focos de valores, necessidades e interesses dispersos e desconexos. A menção de Weber a um desencantamento do mundo com a extinção das formas tradicionais de autoridade e conhecimento, e a análise marxiana do capitalismo, ressaltando aspectos como a alienação e a ideologia produzidas pela dinâmica do sistema sócio-econômico, são recolocados em outros termos na sociedade pós-industrial, a refletir ampliação de perspectivas e possibilidades e aprofundamento de riscos, instabilidade e consequências em geral. Analista desse processo, Habermas percebe na sociedade ocidental moderna a ocorrência de múltiplos processos de diferenciação, mediante os quais sistemas sociais cada vez mais estruturalmente complexos e funcionalmente especializados se dissociam dos processos de comunicação presentes no chamado “mundo da vida” 17 (HABERMAS, 1984, p. 153). Cada um desses sistemas foi se diferenciando e se apartando do mundo da vida. Viram-se dotados de codificação própria, a compartilhar uma possibilidade de ação comunicativa capaz de sintetizar essa diversidade e produzir situações de consenso ou conflito regrado. Essa diferenciação sistêmica possui lógica diversa da que permeia o mundo da vida, no qual inúmeras situações exigem entendimento mútuo como forma de socialização e coordenação da ação social (HABERMAS, 1984, p. 330), e gera pontos de tensão entre uma racionalidade instrumental e princípios que regem a interação social. Para o autor, há uma relação entre mercado, burocratização e mundo da vida, cada qual com a sua racionalidade, a produzir um espaço público favorável à democracia (AVRITZER, 1996, p. 18), que comparece escorada no constitucionalismo moderno, se vincula à lógica interacionista do mundo da vida e se opõe à especialização e aos

17 O termo é usado por Habermas como referência a um horizonte de crenças socialmente compartilhadas por uma dada comunidade linguística, “modelos consentidos de interpretação, lealdade e práticas” (HABERMAS, 2002, p. 86). Remonta a Husserl, e denota um espaço de experiências, certezas pré-categoriais, relações intersubjetivas e valores que são familiares no trato cotidiano. Não se refere ao mundo natural, mas ao mundo histórico-cultural, com seus usos e costumes, valores e saberes, contra o qual se opõe uma imagem de mundo estabelecida pelas ciências. Ver em PIZZI (2006).

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meios de controle do mercado (lucro) e à burocracia que organiza o poder político (HABERMAS, 1984, p. 345). Esse diagnóstico da modernidade funda a teoria social habermasiana que reúne razão comunicativa, direito e democracia. Em que pese o potencial pragmático contido na reflexão do autor, sua crença em um discurso intersubjetivo produzido a partir das possibilidades de comunicação entre indivíduos o conduz à reconstituição de um fundamento metafísico para o conhecimento. Há um conflito entre o exercício de papéis sociais primordiais por sistemas especializados, a definir a sociedade em termos funcionais especificamente codificados, e uma ação comunicativa de base individual, resolúvel apenas mediante a crença em uma razão comunicativa hipostasiada. A estrutura dos sistemas sociais tende a condicionar lingüisticamente a comunicação, de maneira que, mais que intersubjetividades discursivamente produzidas, temos papéis desempenhados por sistemas sociais autopoiéticos e autorreferenciados, nos quais a ação individual é circunscrita, total ou parcialmente, ao indivíduo enquanto sistema fisiológico e instrumento comunicativo. A racionalidade individual se ajusta em acoplamento estrutural com a racionalidade estrutural, de maneira a condicionar os discursos socialmente possíveis. Observando os processos de produção e aplicação do direito, pode-se afirmar que o direito é produzido pela ação que ocorre dentro de estruturas jurídicas - o sistema do direito - que são dotadas de racionalidade (código/função) especial. Isso não significa nem que seu conteúdo não possa ser discutido, permanecendo, contudo, jurídico, nem que a ação jurídica individual não possa irritar o sistema do direito. Giddens (1992) assinala, ainda, a pertinência da questão espaço-temporal. O autor compara sua reorganização nas primeiras civilizações de escrita e de filosofia e a experiência de reorganização da sociedade da informação atual. Observe-se que essa análise permite uma visão do direito, segundo a qual se percebe no primeiro caso a emergência de leis escritas e da organização das profissões jurídicas e de um sistema de direito, embora ainda imerso em multifuncionalidade social. No período presente o direito aprofunda seu papel social e assume posição central, porque almeja alcançar uma pluralidade de eventos comunicativos percebidos em um ambiente composto por crescentes sistemas especializados. Não é mais um direito que dá sentido e reflete uma comunidade, mas um direito que agrega e filtra diversas concepções de sentido, tradições e valores e lhes possibilita um uso instrumental.

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O elemento jurídico na sociedade moderna (CARBONIER, 2004, p. 303 e ss.) é posicionado segundo sua especificidade, em espaço normativo de caracterização incerta, a demandar o estabelecimento de critérios de diferenciação (CARBONIER, 2004, p. 318). Verifica-se alguma plasticidade nesse direito, cujas formas básicas se adaptam a diversas ordens sociais concretas, mas características específicas como o constrangimento da norma e a produção predominantemente estatal e complexa (CARBONIER, 2004, p. 331 e ss.). Perceba-se que o direito não é mera expressão de uma base econômica ou social dada, mas se vincula a relações sociais concretas. Deriva dessa premissa que o direito possui uma “dinâmica própria” e não é apenas um meio de conservação de certa organização sócio-econômica (LOPES, 1997, p. 34), já que pode, sob certas circunstâncias, ser instrumento de mudanças. O direito moderno traz em sua gramática a mutabilidade - diferentemente do direito tradicional, fundado sobre o passado - estatuindo, ainda, a própria normatização que rege os procedimentos de mudança. Considera-se, entretanto, que há limites de sentido a envolver essa possibilidade de mudança (LOPES, 1997, p. 29). Afinal, como atentou Parsons, o direito é instituição integradora, que padroniza outras relações sociais de significância, pretendendo-se a expressão de uma vontade social (PARSONS, 1964, p. 50-68).

3.3. A modernidade reflexiva

Mais especificamente, este trabalho adota uma determinada concepção acerca da sociedade moderna presente nas obras de um conjunto de autores contemporâneos que definem o período atual a partir de sua peculiar aplicação reflexiva do conhecimento sobre o mundo social (BECK, GIDDENS e LASH, 1997). Em vez de afirmar uma passagem da modernidade à chamada pós- modernidade, autores como Giddens (1996) e Beck (1997) preferem considerar uma modernidade reflexiva, na qual as consequências da modernidade são radicalizadas e, tendencialmente, universalizadas (GIDDENS, 1991b). Trata-se de um processo contínuo de transformações sociais sucessivas, tendente à autonomização, que coloca em conflito antigas convicções e novas perspectivas em grau mais acentuado que nas primeiras etapas modernas, obrigando aos agentes e estruturas sociais uma

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permanente atitude reflexiva (GIDDENS, 1991b). Provoca, portanto, um agir voltado para o futuro, na medida em que as práticas sociais estão sendo reexaminadas e reformuladas consoante o fluxo crescente de informações geradas por sistemas sociais cada vez mais complexos (GIDDENS, 1991b). A modernidade - o ser moderno - tem como característica principal o rompimento com o passado, em uma sociedade que não está mais sujeita às tradições, costumes, hábitos, rotinas e crenças que caracterizavam sua história (BECK, GIDDENS e LASH, 1997). Não se nega a existência das tradições, mas se percebe que seu papel foi alterado. Elas passam a concorrer com diversas outras perspectivas de guia da ação social (GIDDENS, 1991a). Inúmeras tradições compõem um vasto mosaico na ordenação da ação social. Os recursos dessas, antes vinculantes em uma situação espaço-temporal rígida e determinada, agora são flexíveis, plásticos e moldáveis, a estabelecer fontes alternativas de conhecimento e valores em contextos contingentes de tomada de decisões. Não é uma sociedade tradicional, mas composta de várias tradições e uma abertura sem precedentes, já que “quando o passado perde sua influência, ou torna-se apenas uma razão entre outras para alguém fazer o que faz, os hábitos preexistentes representam apenas diretrizes limitadas para a ação, ao passo que o futuro, aberto a numerosos cenários, torna-se irresistivelmente interessante” (GIDDENS, 1994a, p. 92). A referência passa a ser “uma modernidade elevada à potência superlativa”, pois “longe de decretar-se o óbito da modernidade, assiste-se a seu remate” (LIPOVETSKY, 2004, p. 53), assentado na ruptura com contrapesos sociais, contramodelos e contravalores que ainda enquadravam a modernidade. Agora, “nem todos os elementos pré-modernos se volatilizaram, mas mesmo eles funcionam segundo uma lógica moderna, desinstitucionalizada” (LIPOVETSKY, 2004, p. 54). A modernidade reflexiva ou de risco difere da chamada pós-modernidade, porque nesta assume-se a transposição do momento moderno com suas características, e a superação do político - ou político-jurídico - como mediação social. O conceito de modernização reflexiva, ao contrário, pressupõe e gera uma política. Conforme estabelece Giddens, “a reflexividade social se refere a um mundo que é cada vez mais constituído de informação e não de modos preestabelecidos de conduta. É como vivemos depois que nos afastamos das tradições e da natureza, por termos que tomar tantas decisões prospectivas” (GIDDENS, 2000b, p. 88).

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A passagem de uma modernidade simples para uma modernidade reflexiva (BECK, 1997) reflete um processo de radicalização, com acentuada erosão da tradição, a obrigar uma ação reflexiva, que impacta e é impactada por processos estruturantes. Enfrenta, pois, um futuro incerto e problemático (GIDDENS, 2000b, p. 87). Não é pós-moderno, porque os princípios dinâmicos da modernidade ainda estão presentes (GIDDENS, 2000b, p. 88), embora possa haver uma transição (SANTOS, 2009b). Modernização reflexiva possui caráter normativo e trata não de mera reflexão, mas de (auto) confrontação da modernidade com a própria modernidade. Passa-se de um destino produzido metassocialmente para um destino produzido socialmente (GIDDENS, 1991a, p. 122) e, a partir desse “sequestro da experiência”, podem se associar uma relação instrumental do homem com a natureza e uma perspectiva científica com exclusão da dimensão ética (GIDDENS, 1996, p. 41). Vê-se que a expansão de opções não se dissocia da atribuição de riscos (BECK, 1997), pois a modernidade também “produz diferença, exclusão e marginalização” (GIDDENS, 1996, p. 39). Nessa modernidade se possibilita a cada indivíduo a construção de sua identidade, seu estilo de vida, que será autodefinido conforme mais ou menos constrangimentos e oportunidades, em relação com uma auto-atualização humana nos níveis individual e coletivo, como derivação da promessa emancipatória da modernidade. Isso exige novas formas de compromisso político e de enfrentamento de dilemas morais específicos que afetam as questões existenciais (GIDDENS, 1996, p. 43). Nessa sociedade moderna a institucionalização de sistemas burocráticos e tecnológicos cumpre a função de sedimentar uma estruturação capaz de manter essas diferentes possibilidades. Na modernidade reflexiva, caracterizada pela radicalização dos atributos da modernidade em extensão e intensidade, há menos limites externos à ação social, no entanto, exatamente porque a sociedade moderna é cada vez mais moldada pelas suas próprias ações, há mais riscos e oportunidades, envolvendo escolhas que devem ser feitas a cada momento. Os riscos e condicionantes naturais cedem aos riscos produzidos socialmente e as identidades sociais são cada vez mais ambíguas, porque não se sustentam mais apenas em tradição, valores, parentesco e culturas compartilhadas. E o direito deve dar conta dessas situações, estabelecendo meios para condicionar

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socialmente comportamentos e reduzir riscos, o que lhe acarreta a necessidade de produzir jogos mais ou menos complexos, de acordo com certas finalidades socialmente ‘produzidas’, a fim de induzir a possibilidade de adesão a determinados padrões de conduta. Sistemas sociais compreendem ajustes entre relações espaço-temporais (GIDDENS, 1981). Toda sociedade histórica codifica relações de espaço e tempo em suas instituições, costumes e práticas (GIDDENS, 1984). Toda ação social está localizada no tempo e no espaço, mas, simultaneamente, dá substância ao tempo e ao espaço. Nas sociedades tradicionais, pré-modernas, tempo e espaço estão acoplados e presos a um lugar físico, um contexto espacial limitado. O ‘quando’ e o ‘onde’ estão juntos. Na atual modernidade isso não ocorre mais, porque tempo e espaço se dissociam. O computador e a televisão desafiam a distância e permitem sucessivas reprises e revisões. Transações são feitas à distância em tempo real. Toda a ação social ocorre no tempo e espaço, mas na modernidade elas impactam a organização de tempo e espaço de maneira diferente das tradicionais (GIDDENS, 2000b). Perceba-se, especialmente na obra de Giddens (1984), consoante os eixos centrais nela fixados 18 , que essa ordem social multidimensional é caracterizada pelo capitalismo, industrialismo, vigilância e poder militar (GIDDENS, 1991b), cada uma comportando uma dinâmica de risco respectiva, na crise econômica, degradação ecológica, totalitarismo e guerra geral. Reflexividade entra como categoria chave para a compreensão da sociedade moderna, na qual o direito comparece como “mecanismo de desencaixe”, a permitir que os vínculos sociais e a sensação de pertencimento a uma comunidade sejam sobrepostos e coexistam com meios que deslocam as relações sociais de contextos locais de interação (GIDDENS, 1991b, p. 29). De forma peculiar, o direito adota a forma de “fichas simbólicas”, meios de intercâmbio que circulam indiferentes a estruturas e grupos sociais determinados 19 . Assume, simultaneamente, a forma de “sistema perito”, que é um “sistema de excelência técnica ou competência profissional que organiza grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje” (GIDDENS, 1991b, p. 35). Apresenta-se, pois, como mediação especializada e universalizada, compondo, por

18 A obra de Giddens compreende três aspectos principais: uma reconstrução da teoria social; uma reinterpretação da modernidade; e a reformulação de uma teoria crítica da política. 19 Como também o dinheiro, por exemplo.

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exemplo, mecanismos de resistência dos Estados nacionais em face da globalização ou possibilidades emancipatórias vivenciadas nos diálogos múltiplos e mais intensos que passam a se realizar em redes cada vez mais abrangentes e complexas.

3.4. Individualismo, valores e o direito na modernidade

Um dos aspectos mais proeminentes da modernidade é o individualismo. É perceptível nas sociedades contemporâneas, em seu estágio reflexivo e globalizado, uma tendência à individualização da vida social e à segmentação social, fenômenos que se conjugam a processos mais ou menos amplos de corrosão das estruturas de coesão interna dessas mesmas sociedades. A esses processos pode-se acrescentar um aprofundamento da dinâmica de diferenciação social e especialização funcional que, por vezes, se associam ao crescimento de desigualdades e marginalização de camadas social e economicamente frágeis, além de gradual esfacelamento das solidariedades sociais. Pode-se afirmar que o individualismo contribui para o agravamento do risco social e da relativa invisibilidade deste risco (HESPANHA, Pedro, 2002). Explica Hespanha esse duplo movimento:

“Por um lado, um efeito de segmentação social, consistindo na descolagem dos segmentos mais débeis dos grupos sociais situados na base da sociedade e na promoção dos mais fortes situados no topo. Por outro, um efeito de individualização da vida social, ou seja, uma maior autonomia dos indivíduos relativamente às estruturas coletivas de autoridade baseadas na tradição ou no poder do Estado”. (HESPANHA, Pedro, 2002, p. 22).

Os sistemas jurídico e político são colocados em face da necessidade de incorporar em seus arranjos institucionais, especialmente aqueles pelos quais o Estado envolve grupos sociais mais amplos, a compreensão de que “qualquer tentativa de criar um novo sentido de coesão social tem de partir do reconhecimento de que o individualismo, a diversidade e o cepticismo estão inscritos na cultura ocidental” (BECK e BECK-GERNSHEIM, 2002, p. 23). Giddens e Pierson (2000, p. 49), ao analisar a obra de Durkheim, realçam seu exame do advento do individualismo moderno, relacionado a desigualdades e a formas de solidariedade social (GIDDENS e PIERSON, 2000, p. 47). Em Durkheim

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há o reconhecimento do problema moral moderno, decorrente da passagem de um padrão de moralidade comunitária para uma ética individualista, cuja melhor expressão e possibilidade de superação o sociólogo percebia nos ideais do esclarecimento (DURKHEIM, 1975, p. 191-199). Etzioni (2001) critica tal concepção, notando que se amplificam as consequências da erosão da vida em comunidade e da ausência de coesão social quando cruzadas com o individualismo contemporâneo. O enquadramento, na presente tese, de uma discussão sobre o individualismo em face do direito na sociedade atende a uma necessidade de problematização do comportamento das pessoas e das estruturas jurídicas diante de fenômenos que só podem ser compreendidos coletivamente e em sua complexidade. É o caso das políticas públicas, que somente podem ser manejadas se consideradas em conjunto, seja sob o aspecto das várias operações interligadas que engendra, seja porque seus resultados devem ser vistos como bem coletivo. Um dos principais problemas para o direito moderno é a tarefa de designar expectativas de conduta de forma generalizada a destinatários que estabelecem uma relação com o mundo em termos cada vez mais individualistas e, consequentemente, dispersos no plano da eticidade. É uma incumbência que envolve tanto a produção de crenças estáveis sobre conteúdos coletivamente apropriáveis, quanto sobre regras de processamento do dissídio, fundado nessa diversidade de crenças, interesses e pretensões (MOUFFE, 2000). O direito produzirá bens coletivos na medida em que realizar bem essa função, o que implica, como visto, certa crença socialmente compartilhada no bem coletivo 20 como elemento que supera e não se confunde com a soma de bens individuais, e na legitimidade de seus conteúdos. Um dos grandes problemas para o sistema do direito no trabalho com políticas públicas é um evidente descompasso entre ser projetado como espaço juridicizado (políticas públicas) cujo sentido radica em uma racionalidade macrojurídica e, ao mesmo tempo, ser utilizado pelos diversos operadores segundo uma racionalidade microjurídica, firmada no conflito entre uma suposta objetividade do ordenamento e subjetividades dos indivíduos. Com efeito, parte das divergências no direito das políticas públicas se refere a jogos de

20 Discute-se, no campo teórico, a relevância de se trabalhar com o conceito de bens coletivos puros, que produz modelos abstratos incidentes sobre a realidade, ou de se priorizar o enfoque direto sobre a realidade, distinguindo possibilidades de bens coletivos impuros. Ver, a respeito, em Orenstein (1993).

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linguagem filtrados pelo sistema jurídico segundo vocabulários rivais, um, o direito moderno, de base individualista, outro, um direito que, na modernidade reflexiva, impõe a adoção de uma compreensibilidade complexa, capaz de abarcar a matéria trabalhada nas múltiplas dimensões que assume. Metaforicamente, poder-se-ia apresentar o direito moderno assemelhado a uma pintura constituída em um plano unidimensional, em contraste com um direito reflexivo análogo a um quadro gravado em um campo tridimensional. O direito, em relação com a política (LOPES, 1997, p. 156), encontra sentido em uma lógica da ação coletiva que se opõe a outra, individualista, pela qual “os interesses individuais a curto prazo, que condicionam a vida individual, contradizem os interesses gerais e de longo prazo” (LOPES, 1997, p. 142). Consigne-se que um bem coletivo puro seria o produto da ação ditada pelo setor público, dotado de indivisibilidade, não exclusividade e possibilidade de uso ou apropriação social ou coletiva (OLSON, 1993). Por indivisibilidade entende-se o fato de o consumo do bem não afetar a possibilidade de consumo pelos demais interessados. Por não-rivalidade compreende-se o fato de o benefício gerado para um cidadão não se alterar pela percepção do mesmo bem pelas outras pessoas. Não-exclusivo é o bem público impróprio para a oferta seletiva. Perceba-se que políticas públicas são, neste sentido, bens coletivos de composição mais complexa do que, por exemplo, igualdade perante a lei. Conforme Olson (1993), há um problema de ação coletiva quando essa ação é requerida para a formação de um bem público. É que se deve assegurar suprimento indivisível e geral por meio de escolhas realizadas por agentes que, mesmo quando situados na esfera pública, se dispõem a atingir objetivos pontuais e específicos (OLSON, 1993). O conflito entre posições comunitárias e individuais pode gerar um modelo predatório de relação entre os diversos atores e estruturas sociais, muitas vezes presente na sociedade contemporânea (SANTOS, Wanderley G., 1994, p. 72). Os bens privados, ao contrário dos públicos, são divisíveis, rivais e exclusivos. Problematizar o individualismo e sua projeção sobre o direito é importante no estudo de políticas públicas porque, muitas das vezes, a realização do bem coletivo será empreendida em vista da geração de benefícios privados, o que pode comprometer a ação estatal e acarretar um prejuízo coletivo. É, por exemplo, o que ocorre quando decisões judiciais de cunho individualista comprometem parcela

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significativa da receita pública com a aquisição de medicamentos para destinatários específicos, em detrimento de toda a população. Em casos assim, a intervenção especial prejudica a ação geral e o bem coletivo planejado deixa de ser produzido. Note-se que as crenças, constrangimentos e oportunidades presentes no sistema jurídico conduzem os embates que nele ocorrem sob determinados padrões dominantes, os quais podem se manter ou não (ORENSTEIN, 1993, p. 65), a depender das condições em que esses jogos se repitam (KARLIN e TAYLOR, 1975). A discussão sobre uma concepção individualista pairando sobre o direito das políticas públicas é parte das condições para a manutenção ou superação das abordagens subjetivistas e particularistas que recaem sobre si, já que os operadores do direito partem de uma crença bayesiana primária 21 acerca dos efeitos benéficos dessas abordagens. O individualismo é fenômeno social intenso na modernidade, a redefinir identidades. Por identidade entenda-se, consoante Castells (2003), um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, que operam como fonte de significado e experiência de um povo. Modernamente, o sentido de indivíduo e a complexidade dos sistemas sociais forjam a possibilidade de identidades múltiplas, fonte de tensões e contradições nas auto-representações sociais que transcorrem no bojo de processo sociais intricados e diversificados (CASTELLS, 2003). Identidade implica relacionar confiança e ação cotidiana (GARFINKEL, 1963) 22 , eis que a vida cotidiana necessita certa ordem para a ação trivial e essa ordem, composta de convenções, depende de inúmeros pressupostos, variáveis e interpretações simbólicas (GIDDENS, 1996, p. 44-45). As frágeis identidades comunitárias verificadas na sociedade de risco, na qual a posição individual conta mais que a posição da comunidade, engendram um problema adicional para o direito, que, de um lado, fica instrumentalizado por uma racionalidade individualista, e, de outro, passa a principal fonte de normatividade social, na ausência de uma ética compartilhada e de uma sociedade coesa.

21 Na análise bayesiana (de Thomas Bayes: 1701-1761), o agente parte de probabilidades apriorísticas, antes de uma etapa de testes, decorrentes de suas crenças estabelecidas e das informações de que dispõe. O jogador bayesiano age sem especular acerca da possibilidade de se encontrar um equilíbrio no jogo, embora aja sempre revisando suas crenças desde os resultados alcançados a posteriori. Na análise bayesiana é possível se ligar a inferência racional à crença subjetiva. Ver, por exemplo, em Skirms (1998). 22 Ver também em Heritage (1984).

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Na origem da modernidade está o individualismo, trazendo “novas valorações sociais ligadas a uma nova posição e representação do indivíduo em relação ao conjunto coletivo” (LIPOVETSKY, 1989, p. 59). Fomenta-se uma sociedade de consumo na qual processos de alienação e anomia são acentuados (BAUDRILLARD, 1970). Verifica-se um individualismo institucionalizado como elemento de uma sociedade na qual a tradição não mais compõe identidades coletivas e traz consigo a questão da responsabilidade. Tem-se um individíduo dissociado das normas tradicionais e calcado em valores efêmeros (CHARLES, 2004, p. 24-25), fruto da “dinâmica de individualização e de pluralização de sociedades” (LIPOVETSKY, 2004a, p. 51) que alcançam uma “modernidade de novo gênero” (LIPOVETSKY, 2004a, p. 52). Nesse ambiente, o risco cerca as relações sociais de “mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de ímpeto técnico científico, tão carregado de promessas quanto de perigos” (LIPOVETSKY, 2004a, p. 53). O individualismo é propulsor de um racionalismo instrumental, que permeia relações sociais atomizadas em uma sociedade em que nem todos os elementos pré-modernos foram extintos, mas seu lugar na sociedade obedece à racionalidade moderna, desinstitucionalizada, desregulada, já que sem amarras na tradição. O direito, ao mesmo tempo em que é convocado a cumprir o papel de redutor de riscos, é espremido entre as demandas de reforço e contenção de uma modernidade alicerçada no mercado, na eficiência técnica e no indivíduo (LIPOVETSKY, 2004a, p. 54). Nela convivem ordem e desordem, moderação e excesso (LIPOVETSKY, 2004a, p. 56), já que, conforme Beck, trata-se de uma modernidade que continuamente se moderniza, a demandar normas sociais mais flexíveis, com espaço para individualidades cada vez mais específicas, já que as referências passadas se esvaem pelo “enfraquecimento do poder regulador das instituições coletivas e pela autonomização correlativa dos atores sociais em face das imposições de grupo”, quaisquer que sejam (LIPOVETSKY, 2004a, p. 45-47). O individualismo se caracteriza, ainda, pela primazia do cotidiano, da vida doméstica, da esfera privada. Gera uma normatividade social meramente procedimentalista e instrumental (TAYLOR, 1997), na qual o direito deve cumprir papel aglutinador, a organizar a dispersão por meio de burocratização e, paradoxalmente, democratização (GIDDENS, 2001, p. 45-47). Envolve a perspectiva de uma coesão social restaurada por uma teia de relações entre comunidades,

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grupos e indivíduos capazes não só de gestar interesses, mas de assumir responsabilidades. Em uma modernidade caracterizada por reflexividade e autocrítica, racionalidade auto-centrada e funcionamento autorreferenciado (LIPOVETSKY, 2004a, p. 97), o individualismo se expressa, consoante Bauman (2001), por uma ansiedade que almeja o futuro e sente a perda do passado. Nesse contexto, as mensagens que vêm do poder público pedem mais flexibilidade como solução para uma já insuportável insegurança e, assim, trazem o prospecto de ainda mais incerteza e mais privatização dos problemas (BAUMAN, 2001). O individualismo é fenômeno que afasta possibilidades de condução comunitária da vida em sociedade e torna problemática a construção histórica de um direito cujo sentido antropológico, antes vinculado a um senso de justiça, agora exige ótica relacional, no âmbito de uma série de instrumentos sociais de gestão da vida em sociedade (SUPIOT, 2005). Tem-se, de fato, um dilema que liga ao individualismo a questão da formação de identidades sociais e da ação coletiva, na medida em que as formas sociais de associação e conduta são afetadas por mudanças estruturantes na sociedade (TILLY, 2002). Assim, processos como democratização e juridicização de espaços sociais alteram as condições de percepção identitária e de comunicação, assim como permitem verificar graus diferenciados de autonomização entre as estruturas presentes no ambiente social (COHEN e ARATO, 1994). Hespanha (2002) associa individualização com fraturas sociais que explicam, nas sociedades periféricas, o aumento da desigualdade social e a apropriação diferenciada dos bens e riquezas e dos espaços público-estatais institucionalizados (HESPANHA, Pedro, 2002, p. 26). O processo de individualização compreende um nível ascendente de incerteza e de subjetivação dos riscos (BECK e BECK- GERNSHEIM, 1995) e, nesse sentido, convalida a produção de um concerto hegemônico, proporcionado por um cenário marcado por heterogeneidade social e debilidade institucional, aprofundados pela globalização (SANTOS, 1993). É um problema que decorre da necessidade de compor identidades e prover relações sociais em um contexto no qual “a vida perde o seu caráter evidente por si mesmo”, e, sem as certezas da tradição, a ação social não possui mais as indispensáveis rotinas sobre as quais se assentar (BECK e BECK-GERNSHEIM, 1995). Entre outras análises, a problematização do individualismo na modernidade é empreendida por autores que discutem o fenômeno associado a componentes

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ideológicos que residem nas estruturas sociais contemporâneas. A obra de Adorno e Horkheimer (1991) é exemplar, nesse sentido, já que enfatiza o papel social da prática atrelada a uma perspectiva que reúne sujeito e objeto (MUSSE, 1998, p. 29) e atinge “o próprio princípio organizador da civilização ocidental: a cultura do iluminismo e as perversões provocadas por seu desenvolvimento” (GUIMARÃES, 1998, p. 168). É um pensamento que pode ser expresso nos seguintes termos:

“Se os homens no capitalismo podem igualar-se entre si, pois as relações de mercado, na maioria das vezes dispensam saber suas origens sociais, e se esse fato possui uma dimensão positiva se comparado com as rígidas estruturas sociais feudais, por outro lado, os indivíduos enquanto consumidores se afastam do controle de suas potencialidades, já que são subsumidas aos objetos produzidos pelos próprios homens e se transformam em mercadorias intercambiáveis”(PUCCI, 2000, p. 51-52).

Perceba-se, nesse enfoque, uma sociedade contemporânea que se reproduz através de hábitos e práticas consubstanciados especialmente na tecnocracia e no consumismo, eliminando a distância entre conhecimento e ideologia (JAMESON, 1997, p. 53), cuja tematização se recoloca (ZIZEK, 1999). É apresentada uma teoria que sente dificuldades em formular uma alternativa, talvez até pela abrangência de sua teoria crítica (THERBONR, 1995, p. 237 e ss.), que, insistia Adorno, deveria atingir toda a realidade social 23 . Com toda dificuldade, todavia, há uma clara proposta de resgate do valor, enquanto categoria do pensamento e da prática (JAMESON, 1996). Note-se que teorias desse naipe, a par da aguçada percepção crítica, não conferem ao direito senão papel subordinado em uma sociedade cuja possibilidade de resgate emancipatório reside na perspectiva de uma postura ético- política contra-ideológica, como se verifica, por exemplo, em Chauí (1998, p. 33). Em outra vertente, Taylor, assumindo premissas tocquevilleanas, recorda a necessidade de um conjunto de condições para o êxito de uma sociedade autogovernante, entre os quais “uma forte sensação de identificação dos cidadãos com suas instituições públicas e seu estilo de vida político” (TAYLOR, 1997, p. 645), a envolver certa descentralização e a opção por estruturas burocráticas não muito distantes. Segundo ele, “essas condições estão em perigo em nossas sociedades

23 Note-se essa questão no cerne da divergencia entre Adorno e Popper, que entendia que o objeto da crítica deveria ser não a totalidade social, mas apenas as soluções propostas para os problemas científicos.

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extremamente concentradas e voláteis, tão dominadas por considerações instrumentalistas” (TAYLOR, 1997, p. 645). Sob uma percepção individualista da vida em sociedade, as pessoas tendem a apoiar “políticas que as corroem”, como as de oposição a políticas sociais, tendentes a erodir a base de identificação comunitária. Bellah, em linha semelhante, associa o individualismo à desvalorização do político, a perceber uma contradição entre a posição assumida pelo indivíduo na modernidade ocidental e a busca da recuperação de uma linguagem de comprometimento com a comunidade política (BELLAH, 1991, p. 111 e ss.). Essa visão é ampliada pelo comportamento burocratizante das estruturas estatais (TAYLOR, 1997, p. 645), a construir um horizonte de improbabilidade de uma noção do bem comum como possibilidade de adesão cívica (MACINTYRE, 1991, p. 372-373). Segundo Taylor:

“O atomismo obscureceu tanto nossa percepção de vínculo entre ato e consequência na sociedade que as mesmas pessoas que, por seu estilo de vida móvel e voltado para o crescimento, aumentaram em grande escala as tarefas do setor público, são as que mais protestam por ter de pagar sua parte nos custos desses serviços” (TAYLOR, 1997, p. 645).

Verifica-se em MacIntyre (2009) outra fonte de crítica à modernidade e ao individualismo como racionalidade limitada (MACINTYRE, 1992, p. 90-91) e insuficiente para responder aos problemas morais contemporâneos (GONÇALVES, 2007). Para o autor, o liberalismo e suas instituições não constituem um contexto de racionalidade para a construção de uma ordem social estabelecida sobre a perspectiva de um bem comum. Em sua ótica, o cultivo e o exercício de virtudes são fermento para a busca do bem comum (MACINTYRE, 2009), cuja consecução não se resolveria apenas sobre instituições, mas em uma experiência de cultura compartilhada (PUTNAM, 1996). Gutting (1999) salienta, contudo, possibilidades de síntese entre o comunitarismo e o liberalismo neopragmatista, na medida em que a reflexividade existente nessas concepções aponta elementos críticos e prospectivos aptos à convergência. Tanto quanto Rorty traz da fonte quineana a possibilidade da intraduzibilidade de vocabulários particulares, a permitir seu neopragmatismo, MacIntyre se permitirá assumir que mundos intelectuais e morais são intraduzíveis, o que impossibilita a conversão de um em outro. Em termos claros, valores liberais e

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comunitários guardam incompatibilidades, mas não impedem de forma absoluta a convivência entre perspectivas distintas, plano sobre o qual se pode construir um direito reflexivo. Semelhantemente, assinala Borradori (2003), sintetizando ponto de conjugação entre Rorty, Kuhn e MacIntyre, “que também a ciência, como a filosofia, a cultura e a ética, é constituída por uma sucessão, e muitas vezes uma coexistência de paradigmas, molduras mentais independentes e, no máximo, intraduzíveis” (BORRADORI, 2003, p. 42). Nesse panorama social, no qual se formam laços de palavras, entre os quais os da lei (SUPIOT, 2005), o direito cumprirá determinada função social, participando da construção de identidades, por meio de uma linguagem fundada em certa racionalidade e uma noção de autonomia. Note-se que o direito, na modernidade reflexiva, é chamado a atender uma demanda de enraizamento dos indivíduos no meio social, embora sem os exageros que possam eliminar pretensões, conflitos, reivindicações (WRONG, 1994). Um direito com potencial de amálgama social, confrontador do individualismo, erguido sob uma premissa da incapacidade de atos de troca individual conseguirem compor uma visão geral de valores e culturas (ELSTER, 1989). Cabe notar, a partir da noção de modernidade reflexiva observada em Giddens, que esse direito se constitui paralelamente à instabilidade da moral como lugar da normatividade social, especialmente em suas conexões moral-direito e ética-política, já que a reflexividade de um direito que é cada vez mais “poiesis” e menos “práxis” - nem recolhido na tradição, nem maturado na experiência - gera toda sorte de perplexidades, principalmente porque a subversão de um tempo- espaço tradicional implica relações e consequências diferentes das tradicionais. Assim a substituição de determinada forma de ação social no tempo-espaço, em decorrência da própria desestruturação das condições tempo-espaciais das sociedades tradicionais, dificulta ou impossibilita a manutenção dos resultados habitualmente vistos nessas sociedades, tais como os relativos a coesão social ou a adesão coletiva à normatividade social. O problema é que, diante de uma nova relação tempo-espaço, compondo um novo contexto, velhas demandas e respostas tradicionais não são mais possíveis. Em outras palavras, a subversão da tradicional relação espaço-temporal no direito moderno gera uma subversão na relação dos indivíduos e dos sistemas sociais com esse direito, que não mais apresentará as propriedades estruturantes tradicionais, embora seja direcionado para esse resultado. Assim, tanto o direito deve se recompor a partir de uma modernidade

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distinguida por relações instáveis e líquidas, individualismo e risco, quanto deve ser orientado em vista desse contexto. Como afirma Bauman (2001, p. 17), a individualização é inescapável, ainda que a ação individual seja despida de consciência a esse respeito, já que é componente indissociável da experiência de vida em sociedade. Para Beck e Beck- Gernsheim (2002), a busca por crescente autonomia individual, “o zelo, o receio e o entusiasmo, a astúcia e a determinação com que tanta gente se preocupa e luta por ‘sua própria vida’” (BECK e BECK-GERNSHEIM, 2002, p. 22), são explicáveis tanto pela diferenciação interna das sociedades e pela especialização dos sistemas sociais modernos, quanto pela instabilidade decorrente da debilidade das instituições que modernamente substituem a racionalidade presente em um ethos tradicional, mediante o qual o indivíduo estabelecia laços sociais e definia padrões de comportamento com base em valores que lhe forneciam certo padrão de segurança e orientação, muitas vezes sem os bônus da promessa moderna de liberdade, autonomia e bem-estar social (BECK e BECK-GERNSHEIM, 2002, p. 22 e ss.). Beck (2010) observa que na modernidade as instituições constituídas sob padrões de racionalidade instrumental integram os indivíduos apenas em aspectos parciais e efêmeros, razão pela qual em inúmeras situações o agir individual implica a assunção de incertezas e riscos. O indivíduo se percebe como produtor de sua vida, dinâmico e ativo, e não mais reflexo, produto de um dado ambiente social que o envolve, o que se lhe impõe uma sobrecarga de responsabilização pessoal tendente a transformar questões sociais contidas em sua experiência de vida em disposições psicológicas, como culpas, ansiedades e conflitos. Problemas sociais se convertem em crises individuais, mediados por uma normatividade jurídica de conteúdo meramente instrumental. Nesse contexto, a relação do indivíduo com as instituições, especialmente o Estado e a burocracia, assume aspectos conflituosos e reativos. Uma consequência desse processo de crescente individualização é a corrosão e lenta desintegração da cidadania, vinculada ao atrofiamento do espaço público. Para Bauman (2001), o espaço público tende a ser ocupado por esses interesses individuais atomizados, detentores de pretensa legitimidade e sob rivalidades que sintetizam não um interesse público, mas somas de interesses privados. Segundo o autor, “o ‘público’ é colonizado pelo ‘privado’; o ‘interesse

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público’ é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte da vida pública é reduzida à exposição pública de assuntos privados e à confissão pública de sentimentos privados (quanto mais íntimos melhor). As ‘questões públicas’ que resistem a essa redução tornam-se incompreensíveis” (BAUMAN, 2001, p. 18). Trata-se de um individualismo que, distingue Beck (2010), não se confunde com o simples individualismo liberal de mercado e representa uma ameaça para as solidariedades sociais, especialmente porque nem forja laços sociais sólidos, nem permite ao Estado uma ação que ultrapasse a esfera do indivíduo. Ao contrário, o Estado tende a contribuir para o naufrágio dos tradicionais esquemas de solidariedade social, com menor ênfase das políticas estatais orientadas para as famílias, os grupos e as comunidades, com as reciprocidades entre indivíduos se esgarçando simultaneamente à consolidação de um padrão de cidadania que se afirma somente na relação entre indivíduos e entre indivíduo e Estado. Santos (1994, p. 220) assume análise mais contundente e afirma que esse processo de individualização reduz uma aspiração emancipatória de autonomia, criatividade e reflexividade. Verifica, na modernidade tardia, padrões de cidadania vinculados a consumo individual, a produzir uma subjetividade sem cidadania e a sobreposição do consumismo à solidariedade social. Para Habermas (2002), é marca da sociedade moderna a diferenciação entre sistema e mundo da vida, entre unidades de ação funcionalmente especializadas, que demarcam a sociedade e a cultura, e um mundo de “modelos consentidos de interpretação, de lealdade e de práticas” (HABERMAS, 2002, p. 86), cada vez mais racionalizado e dessacralizado. O aumento da complexidade, a diferenciação sistêmica e a perda da força orientadora do mundo da vida em relação à ação e como fonte de consenso (HABERMAS, 2002, p. 97) são elementos que se agregam e provocam o direito a comparecer como fator destinado a estabilizar relações autonomizadas e dotadas de racionalidade própria (HABERMAS, 2003, p. 44-45), cumprindo função de mediação social estratégica (HABERMAS, 2003, p. 111). Remanesce o problema do individualismo para a esfera pública como questão para o direito, mormente um direito que edifica políticas destinadas à apropriação coletiva. A incorporação jurídica das políticas públicas pode ser vista como um meio de se recuperar uma linguagem de comprometimento com o conjunto social. Problemas relacionados a perda do significado de valores e a fragmentação de

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interesses são reunidos sob um direito apto tanto a pressionar o individualismo moderno, quanto a arrostar as persistentes formas tradicionais de dominação, como o patrimonialismo e o clientelismo. Em uma tradição de comunidade política solapada ou desaparecida, “precisamos de novas linguagens de ressonância pessoal para ressuscitar bens humanos cruciais para nós” (TAYLOR, 1997, p. 654), os quais não serão providos por uma via meramente individualista, cuja racionalidade centrada apenas em idéias de realização pessoal, impossibilita a defesa de causas gerais e não suporta compromissos sociais mais amplos (TAYLOR, 1997, p. 657). O individualismo tem fomentado mudanças sociais profundas, relacionadas, por exemplo, a família ou estilo de vida, que tornam os resultados das decisões individuais nos vários espaços da vida cotidiana incertos, instáveis, imprevisíveis, com elevado grau de risco (GIDDENS, 1999, p. 28). O sistema jurídico, para amparar essas situações, deverá superar padrões tradicionais e incorporar a complexidade exigida por esses processos sociais. Políticas públicas são inviabilizadas em uma sociedade pluralista dotada de absoluto relativismo moral (COOPER, 1990, p. 31-33), na qual a ausência de uma normatividade agregadora implica, na esfera público-estatal, o risco presente de conflitos éticos, corrupção, captura e descaracterização da representação (COOPER, 1990, p. 35-51). A questão do individualismo se envolve, amplamente, com o direito das políticas públicas. Primeiro, porque o direito pode receber o impacto desse fenômeno, embora possa servir de contraponto a certos efeitos do mesmo; segundo, porque ao se pretender intervenções jurídicas como contraponto ao individualismo, permitindo ao direito contribuir para amalgamar alguma solidariedade social, deve-se reconhecer a necessidade de, em certos casos como o das políticas públicas, se assumir a insuficiência do padrão subjetivista da tradição jurídica ocidental e buscar soluções que incorporem a dimensão complexa da modernidade.

3.5. Valores e normatividade social na modernidade líquida

O ponto de equilíbrio das sociedades modernas reside não mais na solidez das tradições e valores legados pelo passado, mas na instabilidade e liquidez de um

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mundo dessacralizado, aberto a múltiplas possibilidades em condições de espaço e tempo redimensionadas. O conceito de modernidade líquida, tal como trabalhado na obra de Bauman (1998; 1999; 2000; e 2007), permite ampliar a abordagem acerca do direito na sociedade moderna, presente neste trabalho, já que oferece um ponto de vista relacionando a liquidez e o risco, traços do cenário social atual, ao sentido de sua normatividade social (BAUMAN, 2000). Modernidade líquida é referência ao progressivo desdobramento dos sistemas sociais, a projetar uma permanente dinâmica de mudanças e reconstruções e tornar improvável a estabilização da sociedade moderna (BAUMAN, 2007, p. 3-4). A noção de liquidez é ligada aos conceitos de modernização reflexiva e modernização tardia, presentes na filosofia e na teoria social nas últimas três décadas (BAUMAN, 2007). Na dualidade tempo-espaço o tempo se vincula à flexibilidade e à mobilidade, fomentando uma sociedade líquida, na qual a informação é processada e se move, rapidamente, confrontando o poder territorialmente estabelecido. O espaço é atado a uma noção de extraterritorialidade, impondo fluxos de direitos e obrigações diversificados, razão pela qual a primazia do direito estatal é colocada em risco, a induzir a possibilidade de distanciamento territorial por parte dos detentores do poder e produzir crescente liquidez social (PRIBAN, 2007). Nesse contexto são verificáveis, por exemplo, movimentos de desconexão entre as normas juridicamente estabelecidas e a concretude da vida social (GIDDENS, 1992; 1994a). Bauman (1999) invoca uma modernidade estabelecida em uma divisão entre Estado e economia. Citando Sennett, destaca que políticas públicas voltadas ao bem-estar social não mais dependem apenas do controle estatal sobre o mercado, que resta mais limitado em tempos de globalização (BAUMAN, 1999, p. 63). O autor foca o enfraquecimento do Estado nacional e aponta o caráter contingente e contextual de fenômenos que anteriormente pareciam firmemente controlados ou tecnicamente controláveis (BAUMAN, 1999, p. 65). Assim é que descreve a globalização como um contexto de indeterminação e indisciplina (BAUMAN, 1999, p. 67), no qual instituições estruturadoras da modernidade ocidental, como o direito e o Estado, são colocados em risco e sua funcionalidade sob suspeição. Para Bauman, “o significado de Estado foi precisamente o de um agente que reivindica o direito legítimo de estabelecer e impor as regras que ditavam o rumo dos negócios em um certo território e se gabava dos recursos suficientes para fazê-lo”

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(BAUMAN, 1999, p. 68). Estado, então, “é uma entidade separada da coletividade e instituída de tal modo a garantir a permanência dessa separação” (CASTORIADIS, 1990, p. 124). E o direito estatal, especialmente o direito público, seria, neste caso, fonte de regras que deveriam transformar contingência em determinação, ambivalência em clareza, acaso em regularidade. Ocorre que a tarefa de produzir essa ordem jurídico-política sólida requer substanciais esforços para manejar o poder social, “exige recursos consideráveis que somente o Estado, na forma de um aparelho burocrático hierárquico, é capaz de reunir, concentrar e usar” (BAUMAN, 1999, p. 71). O Estado moderno, em sua busca de afirmação da ordem, afastou, pelo menos em parte, os poderes intermediários das comunidades e tradições, o que permite que indivíduos se vejam desencaixados (GIDDENS, 1991b) ou desimpedidos (MACINTYRE, 2009) para “escolher a espécie de vida que desejam viver, bem como controlar e administrar a sua existência na estrutura das normas legais reconhecidas pelos únicos poderes de legislação legítima, os do Estado” (BAUMAN, 1998, p. 30). Identidade passa a ser projeto de vida. E essa identidade deveria ser construída em uma sociedade edificada solidamente, isto é, ela própria dotada de certos atributos capazes de conferir segurança ao desenvolvimento e à execução do projeto de vida de cada um (BAUMAN, 1998, p. 31). Havia, portanto, um vínculo sólido entre um projeto individual definido e uma ordem social como projeto concreto, a requerer “esforços coletivos com o fim de assegurar um cenário de confiança duradouro, estável, previsível para os atos e escolhas individuais” (BAUMAN, 1998). Instituições e poderes que sustentam a vida coletiva pareciam suficientemente sólidos para isso, mas não é o que se viu no percurso moderno, no qual a solidez pretendida aparece como liquidez, eis que não constitui “nenhum terreno estável em que se acomodem uma âncora” (BAUMAN, 1998, p. 31-32). Instala-se a incerteza quanto à própria configuração do mundo e, consoante Giddens (1991b), o “desencaixe” patrocinado pelo individualismo moderno é sucedido por esforços de “reencaixe”, na constatação de que “o mundo pós- moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível” (BAUMAN, 1998, p. 32). Percebe-se nesse estágio da modernidade demandas oriundas de setores hegemônicos por um Estado restrito em seu papel regulador, circunscrito a funções

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básicas de lei e ordem para resguardar as elites e impor controle sobre os demais (BAUMAN, 1999, p. 111). O direito é peça importante nessa arena de conflito, pois se pode admitir que o espraiamento do direito, com a juridicização de novos temas a ensejar novas possibilidades de cidadania, imponha mais controle sobre o Estado, retirando-o, ao menos potencialmente, do controle absoluto das elites e permitindo que uma pluralidade de atores possa interagir nas diversas estruturas sociais, disputando diferentes conteúdos. Evidentemente, que toda essa arquitetura dinâmica só faz sentido em um contexto de possibilidade contra-hegemônica, no qual atores insurgentes possam efetivamente disputar projetos de sociedade. É crível, não obstante, que a repetição de jogos envolvendo concepções alternativas de vida em sociedade implique não apenas comportamentos estáveis e previsíveis, mas, antes e complementarmente, aprendizados que levem a variáveis outras que, se não modificarem estruturas gerais, pelo menos poderão, em prazos mais ou menos alongados, gerar um jogo mais incerto para as camadas dominantes. Dialogando com autores inseridos no pensamento comunitarista, Bauman reconhece o papel de valores concretos pertencentes a uma dada comunidade, qualquer que seja o modo como tenham se conformado e fixado, na composição de um cenário no qual escolhas em torno de bens coletivos acontecem. Reconhece, bem assim, a lei como mecanismo que assegura a ‘lealdade’ das pessoas a certos ‘valores’ (BAUMAN, 1998, p. 236), mas enfatiza a necessidade de meios de negociação para defesa da liberdade pacífica (BAUMAN, 1998, p. 248). Como Taylor, Bauman (1999) percebe a importância de tradições, instituições e valores constituídos comunitariamente como espaço de resistência que, restringindo o horizonte da liberdade individual, fornece sustentação para essa mesma liberdade, fincado como pano de fundo sobre o qual escolhas individuais podem acontecer. Para Bauman, os problemas levantados por liberais e comunitaristas 24 são sintetizados no ‘desencaixe’ produzido pelo “colapso das estruturas em que as identidades eram habitualmente inscritas” (BAUMAN, 1998, p. 238), contra o qual o Estado nacional fracassou, eis que não atingiu o objetivo de sua sobreposição por uma ordem geral racionalmente organizada. Citando Beveridge, Bauman conclui que “a liberdade individual precisa de proteção coletiva” (BAUMAN, 1998, p. 253), que não pode ser atingida somente por

24 Ver, a propósito, em KYMLICKA (1991).

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ações individuais, mas pela intervenção de sistemas mais amplos, como a política (BAUMAN, 1998, p. 255), estabelecida como “superfície discursiva e não como um referencial empírico”, e operando em torno de uma idéia de bem comum “concebido como um ponto de fuga, alguma coisa a que devemos constantemente referir-nos, mas que pode não ser alcançada nunca” (MOUFFE, 1993, p. 81). O papel do direito resta evidente nesse concerto, como possibilidade de “imposição de poderes indesejados sobre alguns, mas também na prática reiterada dos poderes de todos” (BAUMAN, 1998, p. 256). A liquidez propalada por Bauman é apanágio de um “mundo que é fragmentado, episódico e hostil à ação constante e consequente”, e sua “experiência gera uma necessidade aguda de restabelecer a confiança, o que na sociedade contemporânea é procurado em dois tipos de autoridade – a autoridade dos especialistas, ou a autoridades dos números” (BAUMAN, 1998, p. 242). E, embora a liquidez seja propícia à ampla possibilidade de escolha, não é menos certo que permanecem diferenças colossais entre escolhas possíveis e recursos para escolher (BAUMAN, 1998, p. 243). Trata-se, afinal, de uma sociedade hipermoderna caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela flexibilidade, em cuja pauta de demandas sociais permanecem questões políticas, jurídicas e morais, entre as quais emergem pleitos por negociação, confiança, diálogo e autonomia nas dimensões privada e pública do mundo social. Também nesse ambiente vê-se uma pretensão à democracia, que modela novas formas de organização social (GIDDENS, 1992). Nessa linha, Giddens acredita em um “processo de democratização” como via para a organização das esferas pública e privada contemporâneas, a implicar um liame forte entre reflexividade e democracia. Segundo Giddens (1992), na modernidade tardia a tradição não mais garante a confiança social, tampouco assegura indivíduos e instituições. Na falta da solidez dada pela tradição, resta o recurso à autonomia pessoal ante expectativas socialmente estabelecidas, o que torna procedimentos democráticos indispensáveis para a vida em sociedade. Afinal, não há um sistema estabelecido de normas de comportamento e, neste caso, o direito só pode se constituir como diálogo ou violência. Note-se que Giddens realiza um esforço para atualizar a experiência da política em comunidade, conquanto o faça atribuindo relevância ao elemento privado

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e à autonomia individual, constitutivos da modernidade. Apresenta-se a reflexividade de uma modernidade dispersa a substituir as experiências comunitárias pretéritas. Para o autor, “quem for capaz de comunicar-se efetivamente no plano pessoal, provavelmente, estará bem preparado para cumprir as obrigações e responsabilidades da cidadania” (GIDDENS, 1994a, p. 16), ressaltando, também, a necessidade de as estruturas públicas se deslocarem de uma visão autocentrada para uma preocupação com os problemas sociais (GIDDENS, 1994). Giddens conduz seu raciocínio conforme sua teoria da estruturação 25 , que admite a dualidade da estrutura. De um lado, atores reflexivos, imbuídos de subjetividade, mas à mercê de hábitos e estruturas. De outro lado, estruturas definidoras de normas e padrões e estabilizadoras de relações sociais, o que induz a reprodução do mundo social por meio de regras que devem ser reconhecidas e obedecidas e recursos que devem ser utilizados, a possibilitar não só essa reprodução, mas a própria condição de mutabilidade (COHEN, 1989). Na modernidade líquida, um direito reflexivo vinculado a democracia e cidadania alargadas é colocado como alternativa instrumental para a condução dos dilemas de sua liquidez e do risco a ela inerente. Bauman assinala, em sua análise da modernidade, a transformação ocorrida desde os anos 1970, nos termos expostos por Polanyi. O autor destaca no limiar dos trinta anos de crescimento capitalista que marcaram o pós-guerra o otimismo desenvolvimentista que acompanhou o desmantelamento do sistema colonial, o surgimento de novos Estados e o início do processo de globalização, bem como um consumismo acentuado no hemisfério norte e o aprofundado senso de desespero e exclusão numa larga parte do planeta (BAUMAN, 2000). Afirma Bauman (2000) que esse processo de transformação ainda não foi analisado a fundo, dada a proximidade da mudança que torna todos os julgamentos parciais e provisórios. Todavia, um dos aspectos desta transformação que foi detectado rapidamente e largamente documentado foi a passagem de um modelo de estado social de comunidade inclusiva para o um modelo neoliberal, centrado no desfazimento dos compromissos com o bem-estar social e no aprofundamento de um Estado excludente, cuja expressão mais clara talvez seja sistemas de justiça criminal e controle social cada vez maiores (BAUMAN, 2007).

25 Ver sobre a teoria da estruturação em GIDDENS (1979; 1984; 1987).

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Esse modelo repressivo, buscando recompor aspectos de “indeterminação e maleabilidade do mundo” (BAUMAN, 1998, p. 36), submete-se, ao fim e ao cabo, à lógica do espetáculo e à hipertrofia simbólica da repressão a situações pontuais equivalendo a uma sensação de controle (BAUMAN, 1999, p. 126 e ss.). Bauman analisa, nesse cenário, certa defesa de uma sociedade desregulamentada como sintoma e problema, já que “meio de vida, posição social, reconhecimento de utilidade e merecimento da auto-estima podem todos desvanecer-se simultaneamente da noite para o dia sem se perceber” (BAUMAN, 1998, p. 35) nesse tipo de sociedade. Cenários contraditórios se formam, assinalando tanto a necessidade de afirmação e reconhecimento da diferença e das singularidades como única forma possível de convivência, quanto a transmutação dessa perspectiva pluralista em possibilidade de exclusão (BAUMAN, 1998, p. 45 e ss.). Bauman (2007) problematiza os limites do direito e da democracia, nesse contexto, entendendo que o aprimoramento jurídico dos meios de regulação social desenvolve uma trajetória pressionada pela herança do Estado social e por uma disputa que concentra no pólo hegemônico um pleito de dupla face, por menos controle do capital e máxima repressão penal, a produzir um sentimento ideologizado de defesa de um estado penal inflado (BAUMAN, 2007). Democracia e a liberdade são possibilidades fragilizadas (BAUMAN, 1998, p. 82) e, dado o caminho de transposição das escalas temporais e territoriais modernas trilhado desde as últimas décadas, que torna mais contundentes os conflitos sociais, o futuro da democracia e da liberdade só poderia ser garantido em uma escala planetária ou não poderia ser garantido de forma nenhuma (BAUMAN, 2007). Perceba-se que o pano de fundo do dilema exposto por Bauman é o problema ético na modernidade, que não se apresenta como fonte unívoca do direito. Em um tempo não muito distante o desenvolvimento desigual das possibilidades de ação humana em confronto com os limites morais comunitariamente compartilhados impunha uma estrita regulamentação normativa sobre essa área. Sob uma modernidade líquida e reflexiva, esses processos carecem de base ético-normativa e enfraquecem “a idéia de norma como tal” (JONAS, 1984), atingindo mesmo o sistema jurídico. Bauman admite a possibilidade de reconstrução ética a instaurar novos padrões de convivência social, eis que considera que apesar da improbabilidade de uma moral abrangente, nota-se hoje maior sensibilidade para questões morais

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(BAUMAN, 1998, p. 85), dando razão a Walzer, quando afirma que a moralidade é, e sempre será, algo em torno do qual ter-se-á que argumentar (WALZER, 1987, p. 32). Explorando senda aberta por Rorty, o autor especula sobre a possibilidade de uma política centrada em campanhas específicas, não em movimentos, fragmentada e pontual, institucionalizando pontos de agenda, ante a evidente fragmentação da própria sociedade e da experiência individual (RORTY, 1995). Uma atividade focada na resolução de problemas específicos, não no desvendamento das grandes questões (BAUMAN, 1998, p. 89), respondendo, de alguma forma, ao tempo achatado e ao espaço reduzido (BAUMAN, 1998, p. 87) que se reconfiguram na liquidez moderna. Observe-se que a posição de Bauman permite algumas conexões com o tema das políticas públicas. No que tange à posição da matéria no centro das relações entre direito e democracia, pode-se perceber que a juridicização de políticas públicas se contrapõe ao modelo neoliberal de Estado penal, pois constitui reforço a uma concepção de Estado Democrático de Direito que se legitima no cumprimento material de pressupostos democráticos, instaurando processos de participação política, apropriação coletiva de direitos e accountability. Ainda no plano do Estado nacional, políticas públicas funcionam, também, como afirmação de autonomia residual e resistência a imposições da economia globalizada. A recepção de direitos pelos cidadãos, decorrendo de um direito das políticas públicas, em um ambiente radicalmente democrático, pode dar a medida das possibilidades de tensionamento entre espaços sociais e poderes estatais e globais. No que toca a dimensão da ética possível, o direito das políticas públicas pode traduzir as aspirações do autor, na medida em que políticas públicas constituem soluções de médio alcance, aptas a produzir espaços de normatividade complexa, a envolver compromissos e vínculos específicos, sob um referencial ético mínimo a tangenciar os sistemas da sociedade.

3.6. Normatividade e risco social

Aberta a mais alternativas, já que despida dos fundamentos sólidos que definem as relações sociais pré-modernas, a sociedade contemporânea instala-se sobre um futuro opaco e incerto, uma “pluralidade de cenários futuros” permeados pelo risco e pelo medo (CHARLES, 2004, p. 28). Não existe conduta livre de riscos

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na modernidade tardia (LUHMANN, 1993a), porque na mesma medida em que se eliminam incertezas criam-se novas incertezas (GIDDENS, 2000c, p. 143). O direito na sociedade de risco é tentativa securitária, já que destinado a dotar situações futuras de certa previsibilidade, conquanto seja ele mesmo - o direito moderno - fundamentalmente instável. Numa sociedade de risco, sem o peso sustentador da tradição, há mais possibilidades de escolha e de oportunidades, as quais, todavia, são distribuídas de forma desigual, de acordo com diversas variáveis sociais (GIDDENS, 2000c, p. 143). Isso implica confronto de valores e consequentes disputas e barganhas. “Confiança e risco são formas de organizar o tempo futuro” (GIDDENS, 2000c, p. 77) e o direito, a fim de permitir uma coesão social mínima, vale, principalmente, por sua legitimidade formal-instrumental, não pelos valores que resguarda. O risco se apresenta na modernidade como secularização da ‘fortuna’ (BERIAN, 1996). Assim, pode-se afirmar que o direito organiza o risco das condutas sociais, como secularização de um destino social anteriormente fundado na tradição. Direito que nas sociedades tradicionais é tradição em um esquema multifuncional, na sociedade moderna torna-se objeto de especialização funcional e organização do risco, e se aprofunda na reflexividade contemporânea em uma sociedade que subverte as percepções antigas de tempo e espaço. Conforme Beck (2010), a sociedade de risco possui algumas características marcantes, a saber: a) a modernidade produz uma dinâmica a partir de uma sociedade de classes, mas não se esgota nesta; a par de estamentos que persistem, aparecem movimentos como cidadania da mulher, ambientalismo, direitos de imigração, conflitos étnicos e religiosos; b) há uma redefinição da família, do matrimônio, da paternidade, da sexualidade, inclusive em função de diversos contextos; c) repensa-se a sociedade industrial a partir do trabalho, reconhecendo a flexibilização espaço-temporal do trabalho e limites entre trabalho e não-trabalho; d) emerge um pensamento científico que não se pretende verdadeiro e certo em termos absolutos; e) amplia-se a noção de democracia, com participação e representação associadas e reivindicações sobre as promessas não cumpridas da democracia, especialmente aquelas que impactam a vida social. A atual sociedade de risco coloca em causa os fundamentos e categorias tradicionalmente usados no pensar e agir, tais como espaço e tempo, trabalho e ócio, mercado e Estado, nação e globalização (BECK, 2010, p. 27). Os “riscos

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vividos pressupõem um horizonte normativo de certeza perdida” (BECK, 2010, p. 33), implicando a racionalização do risco e seu tratamento técnico (BECK, 2010, p. 35), com relevância no papel do Estado e do direito na gestão do risco social (BECK, 2010, p. 281-285). Na modernização reflexiva a política é contingente e as soluções políticas são sempre várias possíveis, não havendo uma melhor solução previamente dada. Remanesce uma idéia de centralidade da ação estatal (JESSOP, 2007), mas Beck acentua a “perda do poder de intervenção estatal e deslocalização do Estado” (BECK, 2010, p. 285). A política não se reduz à aplicação de modelos, nem à mera coordenação da ação coletiva, pois há pretensão de “aprendizado coletivo” e “criação coletiva” (BECK, 2010, p. 286). Beck indica, na modernidade de risco, uma pressão por democratização e ampliação do espaço político para além da esfera estatal, com mais participação nos negócios públicos e dilatado potencial de tensões no sistema político-democrático, que, todavia, se abre a mais possibilidades de consensos (BECK, 2010, p. 287). Beck (2010) assume, em termos, a tensão weberiana entre burocratização e democratização e verifica que a complexidade das organizações modernas, com destaque para o Estado e sua presença na vida cotidiana, torna inúmeras atividades objeto de especialistas, os quais deslocam para sua atuação atividades tradicionalmente realizadas de outra forma (GIDDENS, 2000a, p. 371). Especialização e burocratização, com riscos de insulamento, derivam de uma razão instrumental e se estabelecem mediante critérios de organização, ordem e funcionalidade. Tal componente convive com sistemas democráticos nos quais uma cidadania ampliada abrange mais direitos e reivindicações. Percebe-se uma democracia vivida gerando demandas e escalas novas, com certo esvaziamento da grande política, centrada no Estado, e fortalecimento da política cidadã, vivida cotidianamente (BECK, 2010, p. 288). Trata-se de uma política mais complexa, que por vezes se acopla ao direito, igualmente mais complexo. Políticas públicas é tema emblemático, neste sentido, já que envolve variadas possibilidades de organização burocrática, exercício de direitos vinculado a uma concepção ampla de cidadania, e democratização da esfera pública; padece, outrossim, do risco de seu uso

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meramente simbólico ou como instrumento de manutenção de situações de exclusão social 26 . Sociedade de risco, na acepção de Beck (2010), mostra-se não como perigo, mas como preocupação com o risco e com o futuro. Refere-se a uma atividade exploratória com intento de normalizar e controlar situações (GIDDENS, 2000c, p. 143). Essa noção é importante porque permite perceber o direito na modernidade reflexiva, na qual a sociedade e as pessoas não contam mais com a segurança normativa da tradição e são obrigadas a se aventurar em cenários contingentes desenvolvendo projetos de vida individualizados, tuteladas por um direito que busca normalizar e controlar sem fornecer a antiga solidez à sociedade. Mais complexo, o direito não é, contudo, mais eficaz, eis que o risco perpassa sua natureza contingente e reflexiva. Para a burocracia o risco é aceitável desde que as instituições disponham de rotinas de controle (BERIAN, 1996, p. 24). Já a autoridade dos sistemas expertos age sobre uma diversidade de opções e possibilidades (GIDDENS, 1996, p. 35), a partir de linguagem específica e presunção de legitimidade. Note-se uma relação de interdependência entre segurança e risco, que deverá ser articulada de forma estratégica. Wildavsky (1988) explora estratégias para obtenção de segurança contra o risco e descreve possibilidades vinculadas à atuação do direito, que opera consoante uma lógica de ‘capacidade adaptativa’ e ‘antecipação’. Permite movimentos de expansão e restrição, inclusive autorestrição, que são estratégias derivadas do risco (ELSTER, 1979) e relacionam, dialeticamente, força e fragilidade, risco e contingência. Para Beck (2010), o direito assume papel preponderante na sociedade do risco e a tutela jurídica assume novos contornos, especialmente sob a égide da sustentabilidade e da precaução (HENKES, 2007, p. 159-160). A sociedade de risco não decorre de uma escolha consciente, mas do processo de construção da modernidade, com consequências imprevisíveis e irreversíveis (HENKES, 2007, p. 114-116). Difere do risco nas sociedades tradicionais, marcado por forças sobrehumanas, pois na modernidade tardia o risco tanto assume proporções inimagináveis, quanto é fruto da ação humana e, portanto, sujeito ao controle e à responsabilização jurídicos (BECK, 1999, p. 78).

26 Ver, neste trabalho, as seções 4.7 e 5.2.

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Recorde-se a posição do direito na gestão do risco social vinculada ao problema da confiança nas relações sociais. Nota Giddens (1996) que a confiança básica decorre de elementos cognitivos e emocionais com origem remota, a produzir uma sociabilidade inconsciente, cujas principais conexões se estabilizam na rotina, na reprodução coordenada de convenções somada a um sentimento de segurança ontológica nas relações sociais. Para o autor, que invoca Wittgenstein, “as rotinas cotidianas expressam profundas ambivalências” porque essas atividades rotineiras nunca ocorrem de modo realmente automático (GIDDENS, 1996, p. 46-47). A confiança é importante na relação com o risco e na definição do que fazer, já que implica o recurso ao hábito e sua posição seguradora. Giddens (1996), com Wittgenstein, admite que “há um mundo universalmente experimentado da realidade exterior, mas não é diretamente refletido nos componentes significativos das convenções com as quais os atores organizam seu comportamento”. O significado nem consiste em descrições da realidade exterior, nem em códigos de significação ordenados independentemente de encontros do indivíduo com a realidade. O que não pode ser expressado por palavras constitui a condição necessária do que pode ser dito e dos significados implicados na consciência prática (GIDDENS, 1996, p. 51). Significados seriam, então, marcos de diferenças e “as rotinas que os indivíduos seguem, entendidas como suas trajetórias espaço-temporais nos contextos da cotidianidade, fazem da vida algo normal e previsível” (GIDDENS, 1996, p. 57). A posição do direito é, porém, instável, já que a confiança inerente a sistemas abstratos não equivale completamente à que deriva da prática social. Assim, afirma Giddens:

“Os sistemas abstratos que dependem da confiança, apesar de tudo, não conferem nenhuma das recompensas morais que seriam obtidas da confiança personalizada, muito comum em contextos tradicionais, fixados axiologicamente. De outra parte, a total penetração dos sistemas abstratos na vida ordinária cria riscos a que o indivíduo há de fazer frente de uma posição mais vantajosa” (GIDDENS, 1996, p. 69-70).

Para Giddens (1996), hoje é impossível dominar o risco completamente. Na idade média, por exemplo, recorria-se a um critério externo e se lidava com a insegurança; hoje não se lida completamente com o risco. O direito, sistema abstrato, permite algum manejo da incerteza e concede opções múltiplas em situações que aferem confiança e risco (GIDDENS, 1996, p. 36). A confiança

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ensejada por sistemas abstratos implica compromissos práticos e, no caso do direito, pretende estabilização de expectativas de comportamento, comparecendo como modo de redução de risco que, paradoxalmente, pode aviar novos riscos. No caso das políticas públicas, o sistema jurídico introduz, por meio de sua normatividade específica, uma mediação conhecida na disputa por benefícios materiais estatais, transformando-a e reduzindo-a a um jogo diferente do que aconteceria apenas no sistema político. Esse jogo deve ser, em princípio, aceito e o risco é perceptível no plano das intervenções que continuam a se realizar nesse campo, seja pelo governo, seja pelos juízes, seja pelas pessoas; por um sistema do direito eventualmente corrompido, reduzido a uma dimensão simbólica ou deficitário em acoplamento estrutural com a política ou com a economia. O direito coloniza essa área, mas não sem riscos, embora com perspectivas e novas opções que podem se traduzir em emancipação social e cidadania, expandidas se comparadas a práticas e estratégias do tipo tradicional ou pré-jurídico.

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4. O SISTEMA JURÍDICO

4.1. Introdução

Integra-se a este trabalho uma compreensão do direito como sistema social. Com efeito, se ao direito compete determinada função (FERRARI, 1989), a qual realiza por meio de várias operações organizadas consoante certo vocabulário, cumpre delimitar de maneira mais clara as características principais desse sistema. A teoria dos sistemas, tal como estabelecida a partir da obra de Luhmann, permite uma análise funcional do direito, a evidenciar suas nuanças operacionais, seus mecanismos institucionalizados e normativos, dotados de conteúdo simbólico (MUENCH, 1987, p. 77-78). Trata-se de um veio teórico que permite diversas conjugações com outras perspectivas epistemológicas, notadamente com as teorias acerca da modernidade tardia, entre as quais se insere, e o neopragmatismo filosófico. Sociologicamente, sistemas são relações organizadas como práticas sociais regulares (GIDDENS, 1994). Luhmann admite três tipos de sistemas, os biológicos, os psíquicos e os sociais, que são sistemas comunicativos, todos caracterizados pelo modo autopoiético de reprodução (LUHMANN, 1996a). O direito, na acepção do autor, configura um sistema singularizado por função social e código específicos (FERRARI, 1989, p. 84 e ss.), que adquire centralidade na sociedade moderna em vista de sua capacidade de sintetizar situações distintas, na condição de meio de comunicação simbolicamente generalizado (LUHMANN, 2005). A possibilidade de consistência do sistema jurídico, tendo como medida sua função, seu código e a argumentação que cerca as decisões em si fundamentadas (LUHMANN, 1998b, p. 1720181), é uma das bases desta tese.

4.2. Sistemas sociais

O pensamento sistêmico luhmanniano desenvolve-se como uma teoria das sociedades modernas que explica sua complexidade e diferenciação a partir de sua lógica interna. É uma teoria compreensiva de máxima extensão, despida de pretensão normativa, por se referir aos processos de organização social sem

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qualquer apelo a uma normatividade fundante, e destituída de um sujeito epistêmico na descrição da dinâmica social (SERMEÑO, 2001, p. 152-154). O funcionalismo de Luhmann recebe influência direta de Parsons (CUBEIRO, 2008), cuja noção de ação social supõe situações físicas, sociais, culturais, caracterizadas por valores e motivações comuns e por uma relação interdependente com o ambiente. A sociedade que se organiza em sistemas e evolui de maneira adaptativa. O sistema se estrutura mediante especialização funcional e institucionalização de papéis, mas opera de forma aberta. Em Parsons, o direito compõe um sistema relativo a meios de socialização, com aberturas e interações (ROCHER, 1976, p. 73), concebendo tensões entre universalismo e particularismo, e entre desempenho (fins, valores pela utilidade) e qualidade (meios, valores em si), adotando, para fins de análise, determinadas variáveis padrão 27 . Em que pese aspectos da sociologia parsoniana na obra de Luhmann, como a questão da dupla contingência, o desenvolvimento da teoria dos sistemas realizado por esse último, mormente após o chamado giro autopoiético, é significativo, inclusive em termos epistemológicos. Luhmann (1996a) não admite a idéia de sujeito do conhecimento presente na epistemologia moderna, como também rechaça uma pretensão de conhecimento vinculado a uma consciência individual, assumindo uma postura de tipo antifundacionalista e antirrepresentacionalista (LUHMANN, 1996a). Ao invés, reconhece processos sistêmicos de comunicação e a figura do observador, distinguindo a observação de primeira e segunda ordem. A observação de primeira ordem ocorre pela percepção e descrição do mundo e do sistema, desde o interior do sistema. A de segunda ordem consiste na observação da observação de primeira ordem, é reflexiva e se destina a descrever o observador em suas operações comunicativas. Também ocorre no interior do sistema, mas permite processos de diferenciação e estabelecimento de novos sistemas. A observação de segunda ordem equivale ao conhecimento dito científico, a implicar que toda teoria seja assim concebida (LUHMANN, 1998c, p. 14). Comunicação é o último elemento operativo do sistema e compreende três fases, emissão do ato comunicativo, informação e compreensão da diferença entre o

27 Como, por exemplo, afetividade x neutralidade; especificidade (parcial) x difusão (todo); universalismo x particularismo; qualidade (é) x desempenho (faz).

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ato e a informação. Segundo Luhmann, “todo evento comunicativo fecha e abre o sistema” (LUHMANN, 1998c, p. 58). Luhmann (1996a) enfatiza, contudo, o paradoxo do conhecimento, que é improvável, porque não se poderia, de fato, conhecer qualquer objeto, mas também é necessário, porque a possibilidade de conhecimento é fator da reprodução do sistema. Todo sistema opera no tempo, conduzido por expectativas de situações futuras com base em resultados passados em contextos semelhantes. Quando isso não ocorre, há uma irritação no sistema, que tende a produzir novas respostas e ajustes de expectativas (LUHMANN, 1996a). O conhecimento estaria no cerne da relação entre expectativas e irritação, a reunir tempo, linguagem e contingência na produção de conhecimento. Tem-se uma verdade instrumental, que opera nos limites de um dado código associado a um sistema social. Na confecção de sua teoria geral dos sistemas, Luhmann, dialogando com Parsons, e, depois, com Varela e Maturana, distingue os sistemas de sentido como aqueles que operam por redução de complexidade, a partir da diferença constitutiva existente entre sistema e ambiente. Atribuição de sentido é uma tentativa de redução de complexidade que apresenta um sistema a seu ambiente, constituído por outros sistemas, igualmente autorreferenciados e operacionalmente enclausurados (LUHMANN, 1998a, p. 287). Luhmann distingue, entre os sistemas de sentido, os psíquicos e os sociais, entre os quais aparecem, modernamente, as organizações, os sistemas de interações e os sistemas societais, que se constituem comunicativamente (VERGARA, 2001, p. 120), sendo operativamente fechados e cognitivamente abertos. A teoria dos sistemas percebe a complexidade como atributo da sociedade contemporânea, que se diferencia para lidar com essa complexidade (LUHMANN, 2005). Diferenciação é, assim, mecanismo de organização social, que parte da percepção das relações entre sistemas e ambiente, cuja formação ocorre exatamente a partir desses processos de diferenciação, a tornar cada sistema específico, diferenciado e auto-referenciado, gerando, pois, uma sociedade mais complexa. É paradoxal, porque as possibilidades das operações que gera são, ao mesmo tempo, afirmação e não-afirmação, e as condições de operação são, ao mesmo tempo, condições de não-operação. Assim, o direito, por exemplo, é visto como direito e não-direito (sistema-ambiente). Pela autopoiese o sistema busca superar o paradoxo, reenviando-o.

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Modernamente, então, os sistemas sociais se auto-organizam a partir de um processo de especialização funcional, promovida por sua distinção com o ambiente, e mantêm sua organização interna de forma auto-referenciada, com vistas a redução de complexidade, mas com geração de mais complexidade (LUHMANN, 1995). Cada sistema é concebido como comunicação, e se organiza por diferenciação, detendo um código próprio, que o habilita a operações autopoiéticas, baseadas em distinções que se realizam a partir desse vocabulário codificado de forma especializada, e a avaliar observações como verdadeiras ou não. A dualidade composta por identidade e diferença compõem a regência do movimento de especialização funcional, que aparece como meio de redução de complexidade e define um modo de agir sistêmico (LUHMANN, 1998c, p. 26-27), fornecendo sentido a uma modernidade e definindo características valorativas mediante observação de identidades que se estabilizam (LUHMANN, 1998c, p. 19). A diferenciação acontece por intermédio de operações por meio das quais um sistema se constitui diferenciando-se do ambiente (LUHMANN, 1983c). Diferenciação gera mais reflexividade (LUHMANN, 1998c, p. 11 e 15) 28 e, recorda Luhmann citando Parsons, ao se processar a diferenciação há um movimento de ampliação e generalização de recursos semânticos (LUHMANN, 1998c, p. 169). Na modernidade, secularização cultural e diferenciação estrutural se unem (JESSOP, 1972, p. 76), a permitir um nível alto de generalização para a legitimação de novas estruturas (JESSOP, 1972, p. 11), como o direito em sua versão moderna. Em Luhmann, a sociedade não é composta por indivíduos, por um agregado de sujeitos psíquicos, mas por sistemas que são comunicação (LUHMANN, 1995). A improbabilidade da comunicação é função dos níveis de seleção exigidos pela sociedade complexa, que obriga a diferenciação, a codificação específica, o fechamento operacional (LUHMANN, 1993c). A comunicação não é, portanto, garantia de performatividade da linguagem utilizada pelos sistemas, por isso, a formação dos meios de comunicação simbolicamente generalizados, que operam como espécies de substitutos das linguagens, a garantir a operatividade dos sistemas (LUHMANN, 1993c) e uma certa autonomização e autorreferenciamento das mesmas linguagens. Entre esses meios simbolicamente generalizados podem ser mencionados o dinheiro, o poder ou o direito.

28 Ver, a propósito, em Jessop (1972, p. 76).

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Na teoria dos sistemas não há a intersubjetividade (LUHMANN, 1998c, p. 31- 32), tida por improvável em um contexto de sistemas que se comunicam e pessoas que se acoplam estruturalmente a sistemas, permitem a comunicação, mas não definem as manifestações sistêmicas por relações entre sujeitos. Luhmann trabalha as relações entre sistema e ambiente, em vez da intersubjetividade (LUHMANN, 1998c, p. 10 e 34). De Parsons, Luhmann utiliza a idéia da dupla contingência para explicar a formação dos sistemas sociais. Como duas pessoas desconhecidas que se encontram em um lugar desconhecido. A contingência é dupla, porque um não sabe o que esperar do outro. Qualquer ação de um gerará uma ação do outro, aleatória, a princípio, mas, eventualmente, realizando uma acomodação, uma ordem. O sistema se mantém, entretanto, enquanto esfera comunicativa, operacionalmente fechado e autopoiética, e a evolução do ambiente é um processo contínuo, a problematizar o funcionamento do sistema, que filtra a comunicação do ambiente, mas, cujas operações, ocorrem independentemente (ESTEVES, 1993). Nessa dinâmica sistêmica, o risco é inerente à ordem social, e se eleva na medida em que se torna complexa a modernidade tardia (LUHMANN, 1993a). Os sistemas reagem ao risco na forma de expansão e restrição (autorestrição) (ELSTER, 1979, p. 36 e ss.). Não se colocam contra o risco, já que seu funcionamento é inerente à contingência, mas os assume. No caso do direito esse fenômeno fica evidente, uma vez que o uso do direito tem crescido na medida da percepção social do risco 29 . Assiste-se uma expansão do direito em várias dimensões, notadamente nas áreas que passam a ser absorvidas pelo controle jurídico, mas também mediante possibilidades ampliadas de argumentação. Pode-se perceber que o risco se eleva nesse movimento e o direito das políticas públicas é exemplar neste sentido. É, afinal, uma área que tradicionalmente afeta à política, e aparece na dinâmica de racionalização da gestão pública, recebendo, posteriormente, ingerência legal. Sua incorporação pelo sistema jurídico mostra uma expansão do direito para conter riscos sociais vinculados ao uso abusivo de recursos públicos por governantes e administradores. Paradoxalmente, esse movimento cria novas oportunidades de ação, desta vez por intermédio do sistema jurídico, e tais possibilidades,

29 Ver a respeito em BAUMAN (2007).

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especialmente quando cruzadas com o alargamento das perspectivas jurídicas de argumentação, aumentam o risco imensamente, até porque a produção de mais direito impõe, paralelamente, mais possibilidades de não-direito. Note-se que a reação do sistema a esse aumento de risco não será um retorno a formas anteriormente adotadas, como pretende certo discurso juspositivista 30 . O comportamento do sistema jurídico será o de lidar com o risco recém-incorporado, numa segunda fase, talvez com recursos de autorrestrição. Perceba-se que, a par de uma concepção de sociedade (LUHMANN, 1998c, p. 11) que produz sistemas diferenciados funcionalmente mediante distinção (LUHMANN, 1998c, p. 54), também o paradoxo é constitutivo dessa ordem social moderna, e se apresenta quando as condições que concorrem para a ocorrência de uma operação, ao mesmo tempo, a obstaculizam. Situações paradoxais aparecem na medida da complexidade social, hipótese em que todos os elementos de uma unidade estão em relação com eles mesmos, a demandar atualizações constantes mediante seleções (LUHMANN, 1998c). Note-se que no direito, mais elementos presentes no sistema permitem mais relações jurídicas, o que provoca mais complexidade. É visível que o aumento da complexidade nas relações jurídicas demanda novos padrões de solução, eis que a seletividade suficiente para casos menos complexos não necessariamente pode ser aplicada sem atualizações a novos casos. Os sistemas sociais operam com meios de comunicação simbolicamente generalizados, que são estruturas particulares que induzem, tornam provável, a comunicação, porque tornam provável o dado, de outra forma improvável, de uma seleção ambiental ser aceita de maneira sistêmica. A normatividade jurídica, como o dinheiro, por exemplo, é dos principais meios dessa natureza. A moral, todavia, conquanto se estabeleça de forma normativa, não constitui sistema especializado e, por outro lado, os sistemas especializados não se apresentam dotados de moralidade. Luhmann reconhece que apenas em sociedade é possível uma reflexão moral, razão pela qual “quem investiga sobre a moral não pode evitar fazê-lo como comunicação societal” (LUHMANN, 1998c, p. 207). Assim, tanto valores éticos dificilmente são reconhecidos como meios de comunicação

30 Ver, por exemplo, em RAMOS (2007; 2010).

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simbolicamente generalizados, quanto o dever-ser ético é muito mais dificilmente absorvido em uma sociedade dividida em sistemas funcionalmente especializados.

4.3. O direito como sistema

O sistema do direito é, portanto, autônomo e determinado por suas próprias influências constitutivas (GIDDENS, 1996, p. 38). O recurso à referência interna exclui do campo jurídico a dependência direta de valores morais ou decisões políticas, ainda que se possa advogar o papel de uma ética tangencial presente no ambiente ou de decisões políticas acontecendo em nível de acoplamento estrutural. Há uma substituição de consensos morais por funções sistêmicas (LUHMANN, 1998c, p. 15-16), o que confere centralidade ao direito, que, nesse cenário de diferenciação funcional e impossibilidade de integração moral (LUHMANN, 1998c, p. 203), comparece produzindo normatividade. Inexistem identidades substantivas, mas apenas funcionais (LUHMANN, 1998c, p. 19). Autorreferenciado e enclausurado (LUHMANN, 1998c, p. 44-45 e 55), o direito expressa uma normatividade universalizante, com seleção e qualificação de situações e elementos, a limitar condições de entropia, isto é, a operacionalidade do sistema (LUHMANN, 1998c, p. 27). A organização do sistema do direito gera, assim, um espaço operativamente fechado, que usa suas próprias operações para edificar estruturas, que serão utilizadas segundo a conveniência do sistema, já que é próprio de si a auto- organização, observando uma codificação e programação que lhe são inerentes (LUHMANN, 2000, p. 185). A estrutura tem por função tornar possível a reprodução autopoiética do sistema, havendo uma exclusão de conteúdos a partir da estruturação seletiva, bem como possibilidade de conexões (CARVALHO, 2005, p. 167), a processar redução de complexidade e contingência, em que pese a manutenção da de incerteza e do risco. O direito resolve problemas temporais, quando a comunicação por outras formas não basta a si mesma (LUHMANN, 2005), e estabelece expectativas, no sentido sistêmico, em uma esfera temporal igualmente referenciada pelo sistema. Reconhece-se, pois, que o direito tem a função de estabilizar expectativas (LUHMANN, 2005, p. 92-93), e que “o significado social do direito é reconhecido

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quando provoca consequências sociais devido precisamente a que se tenham estabilizado as expectativas temporais” (LUHMANN, 2005, p. 93). O direito é, portanto, um sistema social destinado a manter expectativas de comportamento socialmente generalizadas. Tais expectativas têm caráter normativo e se constituem pela aplicação do código jurídico/não jurídico. A variação evolutiva do sistema será constituída por comunicação de expectativas normativas não atendidas, a gerar novas hipóteses de seletividade. O sentido do sistema mostra-se, assim, de maneira atual e como potência, revelando instabilidade e incerteza (LUHMANN, 1998c, p. 28-29). Em um processo de criação contínua, são processados movimentos de construção e reprodução da ordem a partir de uma tensão dual entre ordem e desordem presentes em um horizonte sistêmico (LUHMANN, 1998c, p. 30), no qual, repise-se, relações sociais são verificadas na percepção de sistema e ambiente, preferíveis a uma improvável pretensão de intersubjetividades comunicativamente relacionadas (LUHMANN, 1998c, p. 31-33). Ordem e desordem estão, portanto, presentes na ordem como atualidade e potência. Tal constatação nos permite, por exemplo, com Santos (2003b, p. 4-12), enxergar nas operações do direito moderno a tensão entre uma possibilidade regulatória e outra emancipatória, bem como discutir o problema da exclusão nas manifestações do sistema. Note-se que o direito pode ser observado como um sistema que opera em termos mais autorreferenciados que os demais, especialmente se verificarmos o processo de positivação vivido pelo sistema jurídico desde o último século. Pretende-se, nessa ótica, uma reflexão jurídica que renuncia à referência externa e opera de forma mais simétrica (CORSI et alii, 1996, p. 29). Deve-se considerar, todavia, que, conquanto seja em parte acertada essa observação, não é menos adequado se perceber a justificativa externa mesmo nesse ambiente juspositivista, seja em uma idéia transcendente de norma fundamental, seja no Estado que, mesmo sendo fundado como ordem jurídica sob o normativismo, não se descola de argumento político. Produto típico do sistema jurídico, a norma é medida temporal da segurança jurídica da sociedade (LUHMANN, 2005, p. 96), que induz decisões tomadas segundo o vocabulário do direito. Decisões que, embora contingentes e incertas, devem ser selecionadas guardando relação de consistência com decisões

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precedentes realizadas pelo sistema (LUHMANN, 2005, p. 190), a evidenciar a ligação direta entre código e função do sistema.

4.4. Código e função do direito

É crucial que se perceba a peculiaridade da função do sistema do direito e do código que embasa suas operações. É indissociável da modernidade uma análise funcional do direito (FERRARI, 1989), que envolve, entre outras questões, as referentes à orientação social, inclusive o equacionamento da tensão contingente entre continuidade e conflito na trajetória sistêmica (FERRARI, 1989, p. 154 e ss.), à procedimentalização e regulação de situações diversas, à legitimação jurídica do poder (FERRARI, 1989, p. 197 e ss.), ou às relações entre o jurídico e o Estado (FERRARI, 1989, p. 67). A questão se refere a investigar “que problemas da sociedade se resolvem mediante o processo de diferenciação de normas especificamente jurídicas e de um sistema jurídico determinado” (LUHMANN, 2005, p. 86). Cuida, pois, da resolução de problemas de comunicação mediante um código diferenciado, que tende a gerar expectativas consistentes. Trata-se de mediação social diferenciada, especializada, como normatividade social que substitui as fórmulas tradicionais típicas de sociedades ditas pré-modernas. Não se trata, portanto, de controle social ou integração, como na sociologia tradicional, mas de processo comunicacional que se refere à estabilização de expectativas temporais (LUHMANN, 2005). Luhmann não nega a importância de se discutir os problemas decorrentes desse direito moderno cada vez mais especializado, como são colocados, por exemplo, pela crítica marxista ou pelo “critical legal studies”, mas prefere a ênfase na dimensão temporal das tramas comunicacionais (LUHMANN, 2005). O código jurídico estabelece os jogos de linguagem possíveis dentro do direito. Para Teubner (1993), na perspectiva sistêmica a moldagem do direito moderno correlaciona-se com a trajetória da sociedade moderna, com “afinidades eletivas”, a propiciar um direito reflexivo, que se apresenta como programa relacional.

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Segundo Giddens (2000b), coordenado pela perspectiva aberta por Wittgenstein, é próprio dessa modernidade reflexiva traduzir a experiência de modo relacional e lingüisticamente mediado. Para esse autor, é significativa a perspectiva de uma realidade, cuja possibilidade de acesso comum seja “condição de nosso mútuo entendimento”, já que “temos acesso a ela através de nossas experiências rotineiras, as quais não só a pressupõem como são por ela pressupostas” (GIDDENS, 2000b, p. 107). O código do direito, em Luhmann, é referência a conteúdos linguísticos que, atuando como regra de duplicação, estabelece uma linguagem que permite relacionar todo enunciado positivo a um enunciado negativo. Com fundamento na linguagem, pode-se trabalhar, de forma simplificada e objetivando reduzir complexidade, todos os sistemas funcionais diferenciados por meio de códigos binários. Trata-se de técnica que permite o funcionamento do sistema, ao reduzir a complexidade contida em seu processo de diferenciação e especialização (LUHMANN, 1996a), como na comunicação em geral (LUHMANN, 1998c, p. 56 e ss.). É por meio dessa linguagem que processos de fechamento operacional, abertura cognitiva e acoplamento estrutural podem ocorrer (LUHMANN, 1998c, p. 62). Linguagem é, portanto, “médium”, instrumental que tem a função de tornar provável a comunicação, servindo-se de generalizações simbólicas. Fundamental para as operações do sistema, essa linguagem permite, também, a “interpenetração”, que se discutirá adiante. O direito trabalha com um código binário (VERGARA, 2001, p. 120-121), que permite duas imputações básicas, quais sejam a conformidade ou a não conformidade ao direito. O código permite uma posição inicial de comunicação, e possibilita as operações e os cálculos a elas inerentes (NARRAFATE, 2000, p. 147). O código binário é manejável segundo sua lógica interna, com função performativa, a permitir o ordenamento das diferentes situações absorvidas pelo sistema. Tudo recebe e ordena, mas exclui terceiras possibilidades, que não pode classificar conforme o esquema binário de compreensão. É o código que possibilita a comunicação e se ele não mais funciona faz-se necessária nova diferenciação. Sua compreensão não é de base semântica, mas, principalmente, pragmática, e vincula- se às contingências que envolvem o sistema, a sua funcionalidade e suas consequências.

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O código permite a comunicação porque processa o ambiente sob a forma de informação para o sistema, segundo sua funcionalidade. Assim, “a forma do código define o princípio segundo o qual o código, apesar de suas diferenças internas, estabelece uma unidade no campo que regula” (LUHMANN, 1986, p. 43). Tal unidade se refere a uma função e determina o que pode ser comunicado e o que cada época e situação confere sentido. Dessa forma, características tidas como definidoras do direito, como a coerção, não são fundamentais e necessárias, mas estruturais e contingentes. O sistema jurídico opera de forma seletiva e a coleta de informação é evento que seleciona os estados passíveis de admissão pelo sistema, pois distingue possibilidades estruturantes. Operação e observação aparecem como distinções básicas no funcionamento sistêmico, com desdobramentos em uma estrutura social e uma semântica (LUHMANN, 1998c, p. 131-132). Tem-se, aqui, a resolução dos problemas descritivos em um esquema temporal, com um “constante engendrar uma diversidade de realidade” (LUHMANN, 1998c, p. 133). Autorreferenciado, o direito é sistema que opera conforme referências estabelecidas por si mesmo (LUHMANN, 1990). Tais referências implicam atributividade, ou seja, a realização de seleções mediante atribuição de sentido (LUHMANN, 1998a, p. 201-213). As dimensões do sentido se distinguem entre atualidade e potência, possibilitando a criação seletiva, e autorreferenciada, de novas formas sociais e psíquicas, sendo, nesse sentido, premissa para a elaboração da diferença. Verdade, nesse contexto pragmático, é apenas um meio de comunicação simbolicamente generalizado, que se assenta em código, programa e função. Apesar de os sistemas, tendencialmente, serem autorreferenciados e fechados, sob uma base referencial, em tese, simétrica, na realidade, a fixação de pressupostos para a ação autorreferencial envolve uma assimetria, já que coloca um ponto externo à lógica operativa do sistema (LUHMANN, 1999, p. 15-26). Possui dimensões temporal, social e relacional entre sistema e ambiente. A necessidade de construir assimetrias é importante para o estabelecimento dos sistemas sociais, porém, alguns sistemas funcionalmente diferenciados podem construir meios de tornar suas operações fundadas em uma base tautológica, como o direito (LUHMANN, 1990).

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A reflexividade do sistema implica, por seu turno, auto-observação do próprio sistema, que intenta distingui-lo do ambiente e considerá-lo como um todo. Essa propriedade reflexiva conduz a dinâmica do sistema, pois permite mudanças de rota. Para tanto, considera o programa, elemento associado ao código, que orienta seu uso e dá condição para corrigir o funcionamento do sistema. Compensa a rigidez do código e possibilita, para além de relações dicotômicas simples, a perspectiva do terceiro excluído. O código permite ao sistema lidar com a irritação originada do ambiente como sensibilidade do sistema ao ambiente. Permite a “absorção de incerteza através de graus de seleção, que constitui o sentido do processo jurídico, torna necessária uma restrição em relação ao ambiente de informações, que não pertençam ao processo, e condiciona uma certa autonomia do processo de decisão” (LUHMANN, 1980, p. 43). Seu critério de verificação e de correção não é uma verdade definitiva, mas sua consistência atrelada à possibilidade de solução de problemas sociais.

4.5. A reprodução do sistema

O sistema jurídico produz comunicação e se reproduz em um processo autopoiético, selecionando decisões contingentes, nos termos de seu código e sua função. A autopoiese é traço distintivo dessa concepção do sistema jurídico (KNODT, 1995) e implica em que somente o sistema jurídico produza o direito. Pelo comportamento autopoiético o direito pode gerar redução de complexidade por meio de atribuição de sentido (LUHMANN, 1998c, p. 28), conquanto haja o rico da alopoiese, que será abordada no próximo capítulo (NEVES, 2007). A autopoiese ocorre como processo social comunicativo, exclui, portanto, qualquer enfoque individualista dos fatos sociais (TEUBNER, 1989, p. 730 e ss.), e demanda estruturas que delimitem o âmbito de relação das operações do sistema, isto é, as condições para a reprodução autopoiética. Note-se que autopoiese não é processo de autocriação por si mesmo ( creatio ex nihilo ), mas instrumento operacional, envolvido em negociações temporais que implicam a manutenção de operações sucessivas de performances operacionais autolimitadas (CLAM, 2005, p. 103), já que dotadas de função e código específicos, autorreferenciadas e operacionalmente fechadas. É a organização e reprodução do

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sistema por seus próprios fundamentos e segundo seus próprios instrumentos comunicacionais. Afirmar a autopoiese do sistema jurídico impõe reconhecer que se, no bojo do processo de acomodação da sociedade moderna, o direito se torna um espaço funcionalmente especializado, diferenciado e dotado de código peculiar, suas condições de reprodução passam a depender de seus próprios fundamentos, pois, se assim não fosse, sua caracterização deveria, necessariamente, ser outra, como, por exemplo, indistintamente em uma sociedade multifuncional, ou por subordinação, atrelado a um sistema principal. O direito forma-se, portanto, segundo processos juridicamente reconhecíveis. A formação da lei positiva, ou a tramitação de procedimentos judiciais podem ser tomados como processos de diferenciação, seletivos, “orientados por regras e decisões próprios do sistema”, de maneira que o ambiente só aparecerá após a devida “filtragem de informações” pelo sistema jurídico (LUHMANN, 1980, p. 53). O direito na sociedade moderna (MATHIS, 2008) oferece produtos específicos, que não apenas permitem traduzir valores e princípios em programas de decisão (CORSI, 2001, p. 77), mas tornam possíveis, pela incorporação de conteúdos, intervenções sobre determinadas questões sociais segundo um vocabulário distinto. Entre as singularidades desse direito moderno destaca-se a adoção de uma constituição como norma escrita de base. A Constituição permite ao direito, e à produção normativa, inclusive, uma elevada margem de liberdade de ação, sabendo-se, todavia, que "no plano do sistema jurídico, compreendido em sua complexidade, a regulamentação (da Constituição) é possível apenas se é aceita sua auto-referência: normas que programam normas - inclusive a si mesmas” (CORSI, 2001, p. 174-175). Estruturalmente acoplada à política, somente se prende às conexões estritas dos vínculos que organizam e referenciam o sistema jurídico, e às conexões largas dos direitos fundamentais (CORSI, 2001, p. 184). Como esclarece Luhmann:

“Existem normas que normatizam a normatização, as quais, por exemplo, fixam processos e certas condições parametrais da ação legislativa. Essa normatização pode, mas não precisa, assumir a forma de hierarquia. Em todos os casos ela amplia o âmbito das normatizações possíveis; ela possibilita a compatibilização da segurança e da expectabilidade com uma maior liberdade da normatização e da alteração de normas, mobilizando amplamente um complexo normativo e ao mesmo tempo mantendo-o sob

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controle. Uma ‘Constituição’ não se fixa, em algumas de suas determinações, antecipadamente a uma forma determinada do direito, mas apenas regulamenta a forma de seleção do direito variável” (LUHMANN, 1983, p. 15) .

Observe-se que uma concepção do sistema jurídico como essa permite um norte para o presente trabalho, já que torna factível analisar a incorporação das políticas públicas pelo direito, bem como examinar as formas de sua realização, entre as quais discursos argumentativos, atos e decisões, e respectivas consequências.

4.6. Direito e política

Constatar o fechamento do sistema jurídico implica enfrentar o problema das relações entre direito e política na modernidade tardia, sendo especialmente relevante para o estudo da juridicidade das políticas públicas. Há algumas questões que decorrem da incorporação do tema pelo direito, entre elas a posição de inúmeros autores a sustentar que a ação jurídica sobre políticas públicas envolve opções políticas 31 , o problema da ação política de fato em contextos de juridicização simbólica (NEVES, 2007), e as situações de corrupção do sistema (LUHMANN e DE GIORGI, 1993). Outras discussões, envolvendo os conceitos de acoplamento estrutural e dupla contingência, também se inserem na dinâmica dos sistemas jurídico e político. Conforme foi salientado, o sistema só existe enquanto se diferencia do ambiente, dos outros sistemas, senão perde a funcionalidade e a capacidade de produzir comunicação diferenciada (CUBEIRO, 2008, p. 43). Assim, estabelece-se modernamente o sistema da política, tendo como função decidir de maneira coletivamente vinculante. Sua função é a tomada da decisão, não o conteúdo da decisão, e seu código de diferenciação é o poder (RODRIGUEZ e ARNOLD, 1999, p. 151). Cabe, então, ao sistema político produzir e impor decisões vinculantes. Considere-se, contudo, que, na medida de sua especialização funcional, poderes de natureza não política também se estabelecem, como o econômico, gerando mais

31 Ver, por exemplo, em BUCCI (2002).

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complexidade no jogo do poder (MATHIS, 2008), em vista dos possíveis estados de acoplamento provocáveis por decisões vinculantes, comunicativas, observáveis por outros sistemas funcionais (LUHMANN, 1993b, p. 95). Trata-se, aliás, de uma dimensão da burocratização experimentada pela modernidade, que aparece como “consequência direta das crescentes prestações políticas no âmbito das quais se podem obter resultados recorrendo exclusivamente, ou ao menos de modo primário, à produção de decisões vinculantes” (LUHMANN, 1980, p. 96). A unidade do sistema político demanda uma autodescrição para fins de ponto de referência para o processamento autorreferenciado de informações (LUHMANN, 1998c, p. 411).O Estado aparece como autodescrição do sistema político. O sistema utiliza o vocabulário próprio das relações de poder, que em termos binários se expressa como poder/ não poder. Poder é referência a absorção de segurança, imposição de sanção positiva ou de negativa. A absorção de insegurança, por seu turno, relaciona-se com distribuição de competências e responsabilidades. O poder é ‘meio de comunicação simbolicamente generalizado’, que torna facilita o manejo do sistema político (LUHMANN, 2001), especialmente porque fomenta situações de acoplamento estrutural, tornando provável a incorporação de suas decisões, comunicativamente produzidas, pelo ambiente. Note-se que o exercício de poder político conduz à realização de seleções, procedimentos como espaço de justificação e legitimação das decisões, que, muitas vezes são juridicamente fixados. Essa fixação jurídica acontece para justificar de forma legítima o exercício da autoridade e para possibilitar a redução da complexidade inserta em processos dessa natureza. Em uma sociedade na qual a verdade não se estabelece dotada de certeza comunitária ou intersubjetivamente reconhecida, mas é pragmaticamente utilizada para reduzir complexidade e conferir êxito à ação do sistema (LUHMANN, 1980, p. 26-27), essa ação simultânea dos sistemas do direito e da política reivindica alguma reciprocidade, o fenômeno do acoplamento estrutural (LUHMANN e DE GIORGI, 1993, p. 149 e ss.). Acoplamento estrutural se refere a relações de interdependência recíproca, regulares, relacionando sistema e ambiente, que não estão aptos operacionalmente a uma ação conjunta, mas, cognitivamente, podem pressupor a ação ambiental. São operações que impõem alta seletividade e não afetam a autorreferencialidade do sistema (LUHMANN, 1997, p. 67). É que, no acoplamento estrutural, dois sistemas

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autopoiéticos demandam, em termos, a ação um do outro para o seu funcionamento (MATHIS, 2008). Acoplamento estrutural traduz, portanto, uma relação entre o sistema e seus pressupostos presentes no ambiente (LUHMANN, 1996a). É uma situação de acoplamento de indicadores significativos autorreferenciais e referidos ao ambiente (LUHMANN, 1998c, p. 61), que requer condições estruturais especiais (LUHMANN, 1998c, p. 411), como, por exemplo, os procedimentos para a produção do direito positivo ou de decisões administrativas e judiciais. Luhmann descreve a possibilidade de integração entre sistemas como limitação recíproca entre sistemas estruturalmente acoplados (LUHMANN, 1998c, p. 168-169), a preservar as características de ambos. Aduz, contudo, a existência de casos de interpenetração, que constitui um modo específico de acoplamento estrutural, por meio do qual dois sistemas partilham uma evolução simultânea e recíproca, de maneira que hajam ações intensamente relacionadas e, mesmo, que um sistema não possa existir sem o outro. O exemplo marcante, aqui, é o do acoplamento entre indivíduos (sistemas psíquicos) e sistemas sociais. Pode-se, entretanto, assinalar casos de interpenetração entre direito e política. Perceba-se, então, que nas relações entre direito e política não cabe a sobreposição de um código sobre o outro, conquanto reste, como risco ou disfunção consolidada, a possibilidade de sobreposição da política ao direito, que fica à mercê do risco de usurpação pelo código da política (MÜLLER, 1998, p. 96). O acoplamento se produz em virtude de relações com o ambiente que engatilham o sistema que, não obstante, permanece operando sob referência interna. Os atos de irritação produzidos pelo ambiente e processados pelo sistema são importantes nessa atividade. Irritação é ocorrência externa cujo registro acarreta diferenciação e comparação com estruturas (expectativas) internas, tornando-se produto do próprio sistema (LUHMANN, 1997, p. 68), embora tenha origem remota. Recorde-se que a produção da lei, do direito formal, ocorre de forma procedimentalizada e deve obedecer a um preceito de fundamentação, legitimando a política e criando o direito. Luhmann reconhece que “o processo legislativo tem de dominar uma complexidade extremamente elevada, pois trata o direito como variável” (LUHMANN, 1980, p. 161-162). Semelhantemente, em decisões jurídico- administrativas e nas decisões judiciais inseridas na chamada ‘judicialização da política’, nas quais a justificação jurídica está acoplada a processos políticos

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simultâneos, e nas quais é alto o risco de corrupção do sistema, deve-se atentar para o manejo específico do direito. Tal justificação, em Luhmann, possui natureza relacional e, diferentemente dos métodos tradicionais de interpretação, que consistem em operação mental de um leitor individual, pode ser referida como argumentação, processo que transcorre como operação interna do sistema jurídico, no qual alternativas a partir de um vocabulário são confrontadas, tendo em vista a “busca de consistência” nas decisões jurídicas. Atua como mecanismo de controle interno, para assegurar coerência ao sistema, enquanto provê o sistema de uma racionalidade que admite alternativas (MAGALHÃES, 2002, p. 146). Perceba-se que a transformação dos sistemas sociais está na análise luhmanniana como possibilidade, dentro de ciclos de autorreferencialidade (ESTEVES, 1993). A teoria se abre, assim, a múltiplos conteúdos, acobertando, por exemplo, a dialética entre regulação e emancipação que permeiam a trajetória do direito moderno (SANTOS, 2002c), disputas entre concepções hegemônicas e opções contra-hegemônicas, discursos ideológicos e narrativas contra-ideológicas. A lógica operacional do sistema é auto-referenciada, portanto, seus conteúdos serão dados na medida de suas condições de comunicação. Ampliar o vocabulário do sistema jurídico, observando o código do direito, pode ser uma perspectiva de emancipação social, hipótese em que, provavelmente, o sistema passará a se reproduzir levando tais variáveis em consideração, isto é, sua trajetória incorporará uma gramática emancipatória.

4.7. Direito, contingência e risco

O risco é inerente aos sistemas sociais. O sistema do direito é, marcadamente, sujeito à incerteza e ao risco. Suas operações comunicativas refletem suas estruturas, mas também nelas interferem, consoante observações e pontos de observação possíveis. Em Giddens (1984), a teoria da dualidade da estrutura, descreve as estruturas como condição e resultado da ação, como situação de constrangimento e possibilidade de agir 32 .

32 A esse respeito, verificar o conceito de ‘dependência de trajetória’, brevemente referido no próximo capítulo, que permite uma compreensão interessante desse aspecto do comportamento do sistema do direito. Sobre o tema, ver em FERNANDES (2002, p. 82).

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A estrutura tem por função tornar possível a reprodução autopoiética do sistema, havendo uma exclusão de conteúdos a partir da estruturação seletiva, bem como possibilidade de conexões (CARVALHO, 2005, p. 167). Estruturas são regras e recursos, um conjunto de relações transformacionais, organizado como propriedade de sistemas sociais. São regras e recursos agregados e lingüisticamente experimentados (GIDDENS, 1984, p. 32). Estruturação são as condições que governam a continuidade ou mudança das estruturas, portanto, a reprodução dos sistemas sociais (GIDDENS, 1984), é compreendida na forma autopoiética. Em Durkheim, o sistema produz os constrangimentos físico e moral. Em Parsons, o quadro de referência da ação, comportando elementos normativos, seja o externo – consenso moral integrador – seja o internalizado – motivação do ator. Nele a conduta dos atores passa por determinações sociais, preponderantes em virtude do elemento normativo, e psicológicas. A partir de uma analítica da ação, na qual se incluir a temporalidade no agir humano e o poder como integrante das práticas sociais, o lugar da atividade social é situado temporalmente, paradigmaticamente e espacialmente. Giddens (1984) propõe incorporar a questão paradigmática, formando uma tridimensionalidade em dois eixos: um eixo sintagmático, que se ocupa de tempo e espaço, e um eixo paradigmático, que compõe um espaço-tempo virtual ou estrutura. A ação comparece como “fluxo constante de conduta” (GIDDENS, 1984, p. 14), como “corrente de intervenções causais, concretas ou projetadas”, a refletir uma intencionalidade do agir no processo (GIDDENS, 1984, p. 16). Estruturas, sistemas e estruturação se relacionam com a temporalidade. Substituem o “retrato” da sociedade dinâmica e revelam instabilidade entre posições de diacronia e sincronia. Estruturas sociais, como as presentes no sistema do direito, padronizam a interação e permitem a continuidade da interação no tempo, observadas as componentes sintagmática e paradigmática, que Giddens apresenta sob influência de Levi-Strauss. As relações entre ação e estrutura, verificáveis no eixo giddeniano, podem, em termos, ser relacionadas à questão da contingência em Luhmann (1998c, p. 18). O problema da dupla contingência tem origem em Parsons (1964) e o conceito de contingência remete ao de incerteza, de abertura a possibilidades, e exclui o de necessidade. Entende-se por contingente o que torna possível que algo seja

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diferente de como se apresenta. O verificável em uma situação mostra, igualmente, a sua possibilidade de se constituir sob diferentes possibilidades. A seletividade dos sistemas é contingente e a contingência é o principal problema de coordenação no campo das seletividades. Contingência significa incorporação do risco e da possibilidade de o sistema produzir expectativas frustradas. A constituição do mundo social apresenta, portanto, dupla perspectiva, que se mostra como ação e potência, e implica a necessidade de inclusão da perspectiva do outro na sua própria, com os problemas de seletividade dele decorrentes. A especialização sistêmica ocorre para atender a uma necessidade de alguma segurança e certeza diante da contingência (LUHMANN, 1998a). A ação produzida pelo sistema do direito é orientada por um sentido de contingência e permite ampla seleção de alternativas (MAGALHÃES, 2002), que, uma vez escolhidas ou eventualmente redefinidas, alterarão o próprio sistema e suas condições de operação. Código e função são elementos de consistência do sistema (LUHMANN e DE GIORGI, 1993), e se movem consoante posições paradigmáticas possíveis. A busca de consistência no direito enfrenta o risco e a contingência, sabendo-se, contudo, que as escolhas que realiza implica, também, formas de inclusão e de exclusão duplamente contingentes. Vale dizer, o alcance do sistema tem tais decisões paradigmáticas como base e limite referencial de comunicação. Entre os riscos a que o sistema do direito está exposto, dois merecem destaque. De um lado, o risco de corrupção, quando um sistema se deixa corromper pelo código alheio ou se dirige à função de outro sistema (LUHMANN, 1998c). De outro lado, a constitucionalização simbólica que, conforme Neves, acontece quando um aparato semelhante àquele próprio de um sistema funcionalmente especializado se ergue, contudo não opera cumprindo os fins formalmente a si designados, mas funções ligadas a interesses estranhos ao sistema, que pretendem reduzi-lo a um registro meramente simbólico (NEVES, 2007). É o que acontece, por exemplo, quando se estabelece um aparato jurídico-constitucional formal, com o objetivo de apenas simbolizar socialmente a existência de um sistema capaz de conferir determinados direitos às pessoas, como sói acontecer nas sociedades periféricas. Nesses casos, o sistema não atua de forma autopoiética, mas alopoiética (NEVES,

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1996). Nos casos de corrupção, diferentemente, o sistema opera conforme seu código e função, mas, eventualmente, é sobreposto pela racionalidade de outro. Todos os atos necessários à vida em sociedade apresentam uma identidade fundada na força do imaginário social, ocasionando uma articulação entre o simbólico e o material. Assim, “a satisfação das necessidades está sempre permeada e configurada pelas exigências da expressão simbólica” (NEVES, 2007). Ocorre que com a dessacralização da sociedade moderna, gerando aviltamento do mundo simbólico, profanização da vida social e hipertrofia do sistema de produção material da vida, ao qual se sujeita o universo simbólico, à unidade orgânica da sociedade tradicional sucedeu, modernamente, uma sociedade que se unifica na linguagem, nas expressões de seu imaginário, e nas possibilidades de comunicação. Abrem-se processos de operações materiais e simbólicas, com os riscos a elas inerentes.

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5. DIREITO E EMANCIPAÇÃO SOCIAL

5.1. Emancipação e regulação no direito moderno

O problema da exclusão no âmbito da contingência própria do sistema jurídico obriga a uma discussão acerca dos conteúdos passíveis de serem abrangidos pelo direito, bem como de suas condições de operatividade. Cabe, neste ponto, ampliar a percepção a respeito da ordem jurídica, mediante o cruzamento de duas variáveis fundamentais, quais sejam a tensão entre regulação social e emancipação presente no direito moderno e as peculiaridades de um sistema jurídico formalmente estabelecido consoante uma lógica de diferenciação e especialização, quando inserido em um contexto de modernidade periférica. Avaliar esses aspectos permite uma abordagem jurídica de linha pragmatista, e, mais especificamente, permite avaliar o discurso produzido em torno das aplicações do direito das políticas públicas em termos de juridicidade, de funcionalidade e de inclusão, considerando que cumpre à análise jurídica distinguir entre condutas conforme ou não ao direito, levando em consideração sua consistência argumentativa, suas consequências e sua capacidade de universalizar conteúdos. Observe-se que não cabem, nessa perspectiva, reflexões jurídicas do tipo tradicional, escoradas em relações entre sujeito e objeto, fundacionistas e representacionalistas, com apelo a uma base metafísica ou empirista. Não se trata de rechaçar a primazia do direito positivo na modernidade, ou a importância do reconhecimento de direitos fundamentais, ou, ainda, a normatividade jurídica dos princípios. A questão reside na abordagem, que pode incorporar todos esses elementos, assumindo uma perspectiva relacional, consequencialista e dotada de solidez lingüística. A conjugação de sociologias com diferentes matizes neste trabalho 33 permite uma densidade de conteúdo, já que se pressupõe que um direito das políticas públicas esteja em mútua dependência com um ambiente de aprofundamento democrático, e que democracia, consoante as exigências de uma modernidade reflexiva, só faz sentido como abertura pluralista, que permita, por exemplo, um

33 A possibilidade de alinhavar aspectos do pensamento de N. Luhmann e B. S. Santos foi explorada por alguns autores, como, por exemplo, em CAMPILONGO (1997).

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Estado mais permeável. Um Estado que, conquanto suas emanações permaneçam, por óbvio, estatais, possa nelas conter expressões plurais, a alimentar uma autodescrição não mais de viés monista, mas pluralista, que permita uma aproximação do público com o estatal, com articulação entre representação e participação. Uma porosidade estatal conjugada com reconhecimento de espaços de produção do direito não-estatal, como se verifica, por exemplo, no campo da democracia participativa, com processos de escolha social acoplados a políticas públicas, construção de espaços mistos de decisões socialmente vinculantes, tais como conselhos de políticas sociais ou orçamento participativo, com regramento e possibilidade de definição normativa de prioridades em políticas públicas formuladas a partir do braço social não estatal. A posição epistemológica presente na obra de Boaventura de Sousa Santos é coerente com esse referencial, e permite explorar o direito a partir da oposição entre regulação e emancipação e de uma “sociologia das ausências” em confronto com uma “sociologia das emergências” (SANTOS, 2002c). Serão, ainda, expostas algumas das questões que tangenciam o direito nas sociedades periféricas, entre as quais a juridicização simbólica, com ênfase nas especificidades brasileiras. Para tanto, serão apresentadas vertentes das ciências sociais nacionais que tematizam o patrimonialismo e o clientelismo, tradições que, agravadas por um cenário de desigualdades sociais, impõem um olhar mais atento aos processos de modernização vividos na trajetória brasileira, relevantemente a implementação da burocracia na administração estatal. Estruturas como o patrimonialismo e o clientelismo, que tornam indistintos os espaços público e privado e induzem decisões de cunho particularista, constituem racionalidades tradicionais e amplas, que se opõem ao universalismo ínsito ao direito moderno, à cidadania como status de igualdades e a um Estado que administre por meio de políticas públicas dotadas de macrojuridicidade e vinculadas à produção de bens coletivos. Observe-se, na trilha inaugurada por Santos (2002b), uma denúncia dos limites da racionalidade científica moderna, e as perspectivas abertas pela modernidade radical ao aparecimento de novos paradigmas, conforme a definição de Kuhn (SANTOS, 2000, p. 65) 34 . Assume-se, portanto, um viés pragmático e de ruptura, em termos, com a epistemologia ocidental, verificado na defesa de um

34 Sobre o conceito de paradigma na obra de , ver a discussão no capítulo 2.2.

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“conhecimento prudente para uma vida decente”, e no repúdio a um conhecimento científico reducionista, mísero em conteúdo e fonte de empobrecimento do saber, contra o qual opõe a emergência de vários saberes (SANTOS, 2000, p. 69-70), em um horizonte pluralista e aberto. Santos reconhece que “só a partir da modernidade é possível transcender a modernidade” (SANTOS, 2000, p. 71), contudo, atenta para projetos inacabados da modernidade, subjugados por interesses hegemônicos, tais como os vinculados a uma noção de comunidade e a um horizonte de emancipação social. Ao investir nessa vereda, o autor destaca uma racionalidade estético-expressiva no domínio da emancipação, contraposta à dimensão restritiva da regulação, ambas a compor um direito moderno de feição monista e instrumentalizado por uma razão colonialista (SANTOS, 2009b). Percebe, ademais, um direito atrelado à regulação social, que se ergue conforme dois pilares regulatórios restritivos, o mercado e o Estado (SANTOS, 2000, p. 71), apesar do discurso de universalidade que os cerca. Duas dimensões da comunidade, participação e solidariedade, são igualmente, negligenciadas por uma modernidade excludente e individualista (HESPANHA, Pedro, 2002). O autor ressalta tensões dialéticas que marcam a modernidade ocidental (SANTOS, 2000), entre as quais um direito emancipatório e outro regulatório (SANTOS, 2000, p. 129 e ss.); entre público e privado, Estado e sociedade; e entre Estado-nação e globalização (SANTOS, 2001, p. 8-9). Perceba-se, aqui, um Estado potencialmente apto a maximizar suas ações, reconstruindo-se na medida em que sua relação com a sociedade passa a ser não de contraposição, mas de complementaridade. O direito moderno é repositório dos conflitos decorrentes dessa tensão. De uma concepção política monista, que reconhece o monopólio estatal sobre o direito da sociedade, alinha-se sua vertente regulatória, ao passo que o veio emancipatório se abre a partir de uma racionalidade pragmática, na qual se encontram desde aspectos estético-expressivos relacionados às artes até a própria razão prático- moral situada na justificação do direito e nas teorias da justiça (SANTOS, 2001). Note-se, então, que essa tensão produz um direito vinculado a forças sociais hegemônicas, controlador e regulatório, e um direito capaz de alargar cidadania e contribuir para a emancipação social. No âmbito do direito público, tem-se, no primeiro caso, controle sobre a sociedade; no segundo caso, controle da sociedade sobre processos sociais mais amplos.

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Santos salienta, também, paralelismos entre alterações nas condições sociais e nas condições de produção do conhecimento, produzindo relações dialéticas em face do paradigma anterior, a permitir fragilidades evidenciadas e possibilidades de mutação. Rejeita o racionalismo cientificista, ressaltando que a consistência das relações em um dado sistema não podem ser logicamente comprovadas, e a contingente possibilidade de formulação de situações indisponíveis a uma única decisão, que não podem nem ser absolutamente refutadas ou demonstradas, mas que se sujeitam a operações de seletividade (SANTOS, 2000, p. 66-67). Dialogando com concepções de análise sistemática, Santos (2000, p. 68) questiona os conceitos de “causalidade e lei”, e desmistifica a pretensão de exatidão no manejo do direito, opondo-se ao positivismo jurídico e realçando que as pretensões de segurança e certeza inerentes à concepção moderna de ordem jurídica estão, a todo momento, confrontadas com expressões da crise de paradigma científico que as sustentou (SANTOS, 2000, p. 68-69). Na provisoriedade da ciência e na precariedade das normas, probabilísticas e aproximativas, Santos designa o declínio da idéia de legalidade associado ao declínio da idéia de causalidade, a impor uma redefinição metodológica, com revisão das idéias de causalidade, verdade e certeza (SANTOS, 2000, p. 73). A modernidade fixa determina linhas de exclusão, e, para tanto instrumentaliza seus elementos, como o direito e a ciência, que operam demarcando um fosso que inclui, de um lado, uma modernidade hegemônica e, de outro, as demais alternativas, por exclusão. O pensamento abissal moderno se destaca pela capacidade de produzir e radicalizar distinções (SANTOS, 2009b, p. 23). Nesse sentido a possibilidade de uma ecologia de saberes funciona como contra-epistemologia, como reconhecimento da possibilidade de discursos não informados pelo paradigma cientificista ocidental (SANTOS, 2009b, p. 46-47), como “pragmatismo epistemológico”, justificado pela experiência inclusiva, a abranger não uma lógica causalista, mas consequencialista e contextualista (SANTOS, 2009b, p. 51). Tem-se na ecologia dos saberes “uma epistemologia desestabilizadora, na medida em que se empenha numa crítica radical da política do possível, sem ceder a uma política impossível” (SANTOS, 2009b, p. 54). Percebe-se um uso do tipo ideológico da ciência, com a transformação do conhecimento científico em conhecimento regulador hegemônico, cujo hiperdimensonamento restringiu o potencial emancipatório da revolução científica

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moderna. Note-se, com Badiou (1993), que uma ênfase ideológico-regulatória restringe o alcance das promessas da modernidade, pois substitui a ação positiva e emancipatória, que determinaria a autoconstrução do agente ético, pela omissão, desde que a imagem do mal passa a determinar a imagem do bem, restrito ao não- mal. A hegemonia do conhecimento-regulação significou a hegemonia da ordem em detrimento do conhecimento-emancipação e das formas de solidariedade social (SANTOS, 2000, p. 111). Tomando emancipação como utopia e como pragmática (SANTOS, p. 162 e ss.), Santos (2000, p. 112) observa que “também o direito perdeu de vista, nesse processo, a tensão entre regulação e emancipação social” e que a recuperação dessa vocação emancipatória 35 implica uma revisão do direito moderno. A compreensão do direito, para Santos (2000, p. 183-191), implica explorar sua cartografia, assimilando itens de escala, projeção e simbolização, assim como mecanismos destinados a impor representações e distorções da realidade. Impõe, outrossim, a crítica à autonomização do direito, pela referência monista ao direito estatal, que oculta outros arranjos normativos não modernos, conquanto admita uma “capacidade de adaptação do campo jurídico às novas condições de regulação social” (SANTOS, 2000, p. 149). Segundo o autor, a crise do direito regulatório coincide com a crise do monismo jurídico e com a crise de um certo modelo de Estado, pois, “o que está em causa na sobre-juridicização da vida social, ou, como prefiro dizer, da utopia jurídica de engenharia social através do direito, é a avaliação política de uma determinada forma de Estado, o Estado-providência que, no pós- guerra, surgiu numa pequena minoria de países, os países centrais do sistema mundial” (SANTOS, 2000, p. 151). Consoante o autor, perspectivas de recomposição do direito podem se articular com a dimensão comunidade, em suas possibilidades de solidariedade e participação, a aprofundar compromissos democráticos e pluralistas (SANTOS, 2000, p. 73). A dimensão das políticas públicas se insere, nessa reflexão, abrindo alternativas que passam tanto por um Estado mais permeável como pela ação gerada diretamente pela esfera societal (SANTOS, 2000, p. 73-74). Observe-se que, sob esse enfoque, ficam em choque conhecimento regulação e conhecimento emancipação, e ao direito estatal, especificamente na incidência sobre políticas

35 Cuja origem é explorada pelo autor. Ver em SANTOS (2000, p. 112 e ss).

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públicas, cabe admitir, especialmente na complexidade de um contexto como o brasileiro, componentes democratizantes, solidaristas e pluralistas (SANTOS, 2000, p. 75), a fim de que o sistema do direito seja um espaço em que, de maneira potencialmente inclusiva, se relacionem direitos (SANTOS, 2002a). Assinale-se uma perspectiva de construção do jurídico a partir de uma narrativa que supere os discursos tradicionais, jusnaturalista, realista e positivista, todos fruto de epistemologias dotadas de semelhantes problemas, sem pretender, com isso, superar a presente função jurídica, diferenciada e específica, verificada na modernidade complexa, já que não se antevê no horizonte meio funcionalmente sucedâneo. Não se invoca, tampouco, a submissão do direito à política ou à força, ou a prevalência de formações sociais pré-modernas, tendentes a ratificar situações de exclusão, mas um direito que reconhece outras possibilidades de direito e que duvida das suas próprias decisões, da sua própria racionalidade, mas que, ainda assim, se constrói, comunicativamente, refletindo a partir das suas próprias referências. O âmbito de atuação do direito, nessa perspectiva, será ditado, ainda que se tratando do direito estatal, por uma rota emancipatória (SANTOS, 2001, p. 9- 10) e pela possibilidade de pontos de percepção alternativos, vale dizer, pelo reconhecimento da validade de discursos vários, o que não implica, contudo, o reconhecimento de qualquer discurso como discurso jurídico. Note-se que o conceito de política da vida, de Giddens, como, de resto, outras perspectivas sociológicas, se associa, em termos, à idéia de um direito emancipatório na sociedade contemporânea, já pretende renovação dos processos de decisão política, com ampliação das esferas da liberdade e da participação comunitária na esfera pública (GIDDENS, 2001, p. 40).

5.2. O direito na modernidade periférica

A aplicação de teorias estabelecidas a partir da experiência do ocidente europeu em sociedades como a brasileira não pode acontecer sem a devida atenção para algumas circunstâncias a serem ressalvadas. Se, de um lado, deve ser evidenciado o espraiamento da modernidade pelas sociedades postadas nos limites do capitalismo central, de outro lado há que se considerar as peculiaridades dessas

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sociedades que, na maior parte das vezes, importam estruturas para a organização dos seus sistemas sociais. Para Bauman (2007), essa modernização tem raízes no avanço global do moderno “way of life”, que atinge todo o planeta e rompe a divisão entre centro e periferia. Nessa ótica, formas sociais tradicionais ou pré-modernas são, aceleradamente, substituídas por instrumentos sociais próprios da modernidade. A distinção entre periferia e centro teria acompanhado os primeiros estágios da modernidade, a fase em que as transformações modernas eram confinadas a reduzidos espaços sociais, ainda que crescentes. Conforme o citado autor, essa distinção primitiva corresponde a uma fase acentuadamente predatória, protagonizada pelas sociedades desenvolvidas em detrimento das demais, que hoje perde espaço em função de uma reconstituição espaço-temporal que, virtualmente, abriga todas as sociedades em um mesmo ambiente (BAUMAN, 2007) 36 , e induz um comportamento isomórfico no plano institucional. Note-se, contudo, que a experiência das sociedades periféricas colonizadas é diversificada e não corresponde ao padrão eurocêntrico (QUIJANO, 2009, p. 85). Nelas, a dicotomia regulação e emancipação se traduz nas dicotomias apropriação e violência (SANTOS, 2009, p. 24), e inclusão e exclusão. O modelo colonial se constitui, originariamente, como espaço sem lei (SANTOS, 2009b, p. 28), e as dinâmicas excludentes dele derivadas redundam, muitas vezes, e ainda hoje, em largos espaços não atingidos por um direito diferenciado funcionalmente. Na passagem de regimes autoritários para sistemas constitucionais democráticos, as sociedades periféricas e semi-periféricas realizaram uma contradição em termos, já que consagraram em um mesmo diploma fundamental direitos que nos Estados centrais foram reconhecidos ou conquistados ao longo de um processo histórico (SANTOS, 2001, p. 20). Tem-se, por exemplo, uma tensão entre Constituições avançadas e sociedades ‘atrasadas’ (SANTOS et alii, 1996, p. 37). Perceba-se, nesses casos, que a possibilidade emancipatória do direito deve incorporar a perspectiva das culturas nas quais ele se insere (SANTOS, 2009a, p. 103 e ss.), e que o reconhecimento da possibilidade de pluralismo dentro da ordem estatal (SANTOS, 1999, p. 31) pode resultar na possibilidade de um Estado

36 Ver, especialmente, o capítulo intitulado “incerteza e outros líquidos e modernos medos”.

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heterogêneo (SANTOS, 2003a) e um direito plural. Essa hibridação jurídica deveria levar o Estado, de forma descentrada, às relações sociais onde ele nunca se fez presente, especialmente, por meio de abertura à participação e à incorporação à agenda pública de demandas antes inexistentes, e da universalização de políticas públicas. Uma linha de continuidade entre passado e presente vincula diferentes frações da sociedade entre si e diferentes esquemas de organização (MENEZES, 2009, p. 179), entre os quais tradicional e racional-legal, patrimonial e estatal, autoridade moral e autoridade estatal-legal, normatividade jurídico-estatal e normatividade decorrente de sistemas sociais multifuncionais. Nas sociedades periféricas o tempo do direito aparece de forma diversa para estratos diferentes da sociedade. O direito das camadas subalternas não necessariamente se afirma como concretização e, apesar da capa jurídica formalmente universalista, vários segmentos mantêm-se invisíveis ao sistema do direito. Pode-se perceber um direito que se assenta em uma “sociologia das ausências”, que une diferentes e complementares lógicas de produção de não- existência, a saber, a monocultura do saber, própria do cientificismo ocidental, a monocultura do tempo linear, que impõe o não reconhecimento da diversidade de heranças culturais, a lógica de classificação social, que envolve um liame entre segmentação de fato e pretensão de universalização jurídica, e a lógica da escala dominante, que permite uma comunicação eivada de ideologia e compromissos hegemônicos (SANTOS, 2002c, p. 247). Observe-se que o caráter excludente do tipo de desenvolvimento presente na trajetória brasileira (CASTRO, 2001, p. 268-269) e dos países de modernidade tardia é refletido no plano das estruturas sociais, como, por exemplo, a produção de um direito de base mais frágil, despido de potencial emancipatório e subordinado a esferas tradicionais de cominação. Myrdal, a esse respeito, assinala que na relação de subordinação instaurada entre os países do capitalismo central e os periféricos e dependentes, a habitualidade do uso das oligarquias dominantes, eles próprios interessados na manutenção, no plano interno, de seu “status quo” (apud CASTRO, 2001, p. 268). Esse desenvolvimento peculiar, fruto de diferentes processos sociais, exige uma crítica adaptada ao seu contexto (MARIÁTEGUI, 2008), no curso da qual temas como a feição do sistema jurídico, o papel do Estado ou as formas de disseminação de cidadania, serão tocados segundo suas múltiplas matizes.

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O estabelecimento do sistema jurídico nas sociedades de modernidade periférica, segundo um princípio de especialização funcional, mostra problemas de funcionalidade e de inclusão social no âmbito do sistema (LUHMANN, 1998c, p. 176- 177). Nota-se incongruência entre os processos de incorporação de direitos e densificação de cidadania e de formação de estratificação social (LUHMANN, 1998c, p. 177-181), em provável decorrência de um percurso sócio-cultural herdado, que obriga a confrontação entre estruturas pré-modernas e hipermodernas, com a possibilidade de esquemas adaptativos oportunistas, mediante os quais uma fachada moderna permite, às vezes aprofunda, exclusões derivadas tanto da organização social tradicional, quanto da pressão oriunda das relações entre centro e periferia. Inclusão e exclusão aparecem como formas, interna e externa, de indicar o contexto comunicativo do ser humano (LUHMANN, 1998c, p. 172). As relações entre inclusão e exclusão são importantes para fins de controle de consequências. Nas sociedades tradicionais, multifuncionais, há certas regras para inclusão e exclusão que são diferentes das existentes na sociedade moderna, diferenciada (LUHMANN, 1998c, p. 173-175). No primeiro caso, há estruturas para inclusão compulsória, ao passo que na modernidade pretende-se a formação de sistemas de inclusão potencialmente generalizada, que funcionam por meio de fichas simbólicas, como a lei, passíveis de serem apropriadas por todos. A exclusão de esferas sociais dos sistemas funcionalmente diferenciados gera, portanto, mecanismos oportunistas, formas não previstas de estabilização social (LUHMANN, 1998c, p. 180-181), entre as quais se destacam, no Brasil, clientelismo e patronagem, com redes de reciprocidade paralelas às convencionais (LUHMANN, 1998c, p. 181). A capacidade de respostas pelo sistema do direito segundo o código jurídico/não jurídico (LUHMANN, 1998c, p. 182) convive com a permanência de estruturas tradicionais de dominação ou com a emergência de novos mecanismos indiferenciados. Nesse contexto, o direito, desde sua base constitucional, fragiliza-se funcionalmente, já que não produz as consequências inclusivas objetivadas (MÜLLER, 1998), e se abre a processos de juridicização como a “constitucionalização simbólica”, a que se refere Neves (2007), por meio do qual um sistema funcionalmente especializado não cumpre sua função senão simbolicamente, a reforçar poderes políticos e econômicos que dependem de um direito subordinado e da exclusão social para se manter. Com efeito, se a dupla

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determinação das possibilidades apresenta limites entre concretude e potência, baseados, por exemplo, em uma organização excludente do “status quo” (SARTRE, 1973, p. 159), o sistema jurídico será contraditório em sentido performativo, pois ao não incorporar a exclusão, mantendo-a como terceiro alijado dos processos contingentes por ele operados, o que lhe imporá a tarefa adicional de universalizar o “possível social” (SARTRE, 1973, p. 159) como juridicização alargada. Essa percepção é fundamental para uma análise consequencialista do direito das políticas públicas, já que permite contrapor a seus processos de decisão jurídica evidências de um direito mais ou menos inclusivo, como jurídico ou não jurídico segundo a consistência argumentativa presente no uso do seu código e conforme a extensão de sua funcionalidade. Verifica-se, pois, um descompasso entre os conflitos sociais juridicizáveis decorrentes da modernidade tardia e as estruturas jurídico-legais formalmente acopladas ao Estado (FARIA, 1991, p. 23-24). Note-se que o problema da constitucionalização simbólica (NEVES, 2007) está inserido em um contexto de trajetória dependente, no qual a tradução institucionalizada de idéias importadas das sociedades centrais cumpre um papel de resistência à modernização (SCHWARZ, 1992), havendo, neste caso, o legal como simbólico do real, a alopoiese (NEVES, 2007) como prevalência de esquemas tradicionais de dominação e como fator de mediação arraigado. Na legislação simbólica há textos institucionalizando um espaço jurídico formal, servindo a finalidade alheia ao sistema do direito (PIMENTA, 1999, p. 219). É perceptível o predomínio da legislação simbólica na atividade legiferante (NEVES, 2007, p. 26), ficando a lei como expressão ideológica de uma dominação escondida sobre si, mas também no exercício da jurisdição ou na administração pública, atividades nas quais diferentes racionalidades discricionárias cumprem, ao fim e ao cabo, semelhante papel. Não se trata, para Neves (2007), de mera corrupção do sistema, já que o direito não cumpre, nesse caso, a função a que se dirige, porque seu sentido normativo é mera aparência (NEVES, 2007, p. 31), eis que a “produção de textos cuja referência manifesta à realidade é normativo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normativo- jurídico” (NEVES, 2007, p. 32). Para o autor, na constitucionalização simbólica “as Constituições nominalistas dos Estados periféricos implicam a falta de concretização

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normativo-jurídica do texto constitucional em conexão com a relevância simbólica do mesmo discurso constitucionalista do poder” (NEVES, 2007, p. 152). Atrelado a essa especificidade está, conforme já salientado, o problema da exclusão. Direitos não são uma dimensão da vida de grande parte das pessoas colocadas em uma posição social na qual mais recebem limitações do sistema que usufruem possibilidades de demandas e reivindicações em torno de direitos dele decorrentes (MÜLLER, 1998, p. 95). Com suporte em Luhmann, Muller afirma que, nesses casos, “a diferenciação funcional da sociedade moderna gera uma diferença nítida entre inclusão e exclusão, mas acaba solapando a diferenciação pelo fato de não incluir grandes contingentes populacionais na comunicação dos sistemas funcionais” (MÜLLER, 1998, p. 93). O autor denuncia a inexistência de um “’continuum’ hierárquico” respeitado, mediante o qual o sistema do direito cumpriria seu papel, vigendo efetivamente (MÜLLER, 1998, p. 96). E, com Neves (2007), acentua, ainda, que “o código direito/ não-direito (Recht/ Unrecht) continua aqui existindo como o código hierarquicamente mais elevado para o sistema jurídico na esfera nacional: a saber, o código constitucional/ inconstitucional. Mas, “para grupos populacionais excluídos essa questão tem reduzida importância em comparação com o que a sua exclusão lhes impõe” (MÜLLER, 1998, p. 94). Cabe, nesse ponto, analisar esse processo segundo a ótica do neoinstitucionalismo histórico, que permite à análise social um enfoque histórico- cultural, a perceber nas estruturas e na dinâmica social a presença de elementos passados na reflexividade contemporânea. Constitui reconhecimento do peso de determinado legado socialmente construído (PUTNAM, 1996), a impactar o funcionamento dos sistemas sociais. Reconhece-se, assim, não apenas a presença do sistema social estruturado em termos modernos, mas de uma modernização que, ao mesmo tempo em que aprofunda sua própria perspectiva e suas consequências, recolhe, igualmente, elementos da tradição e de modos de dominação pré- modernos. Nesse sentido é que este trabalho assume, vinculado a uma análise da sociedade moderna, a desigualdade social, o patrimonialismo, a patronagem e o clientelismo como elementos-chave para uma compreensão do direito das políticas públicas, eis que sua introdução permitirá uma crítica que, a par da utilização de fundamentos teóricos gerais, aplicáveis a qualquer unidade social, permitirá um foco mais próximo da questão brasileira. Pretende-se, com essa estratégia, que certas questões decorrentes da juridicização das políticas públicas não sejam apenas

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problemas da modernidade tardia ou da complexidade do direito, mas também dados de um cenário específico. O neoinstitucionalismo histórico (HALL e TAYLOR, 2003), no qual se situa o conceito de dependência de trajetória, tem suas características essenciais e funcionalidade realçadas por Steinmo (2001, p. 10-13), e se diferencia do institucionalismo tradicional, já que não se funda em teorias da escolha racional, dedutivas e sistemáticas (GREENER, 2005, p. 62 e ss.). Tópico e indutivo (STEINMO, 2001), centra o valor de sua aplicação em estudos de casos (GREENER, 2005, p. 25-47), refletindo relações contingentes (ROSS, 2000, p. 17), que se apresentam cultural e historicamente contextualizadas (MAHON, 2001). Por isso, aliás, a facilidade de sua inserção nesta tese em cruzamento com teorias de longo alcance e macrovisão dos fenômenos sociais. Observando-se historicidade e contingência no funcionamento do sistema jurídico brasileiro, deve-se levar em consideração a funcionalidade e diferenciação do sistema em uma compreensão vinculada mais à interpretação de uma situação do que a um cálculo instrumental (FERNANDES, 2002, p. 82). É sabido que o neoinstitucionalismo histórico se presta bem a estudos de casos que têm unidades de análise específicas e instituições intermediárias como variáveis independentes (FERNANDES, 2002), como é o caso do sistema do direito. A partir de conceitos derivados desse veio teórico, absorvem-se, no trabalho, diferentes e complementares hipóteses envolvendo percursos sociais e legados políticos (HALL e TAYLOR, 2003) ante a uma racionalidade moderna indutora dos sistema do direito, em uma narrativa analítica dirigida, pragmaticamente, pelo problema a ser enfrentado (BATES, 1998). O conceito de dependência de trajetória implica o reconhecimento de que a história é um elemento importante (NORTH, 1995, p. 25) na análise de processos sociais (PIERSON, 2000b, p. 476). Enfatiza-se, nesse caso, que condicionantes presentes na trajetória social brasileira opõem à perspectiva de modernização um custo, que será tanto mais alto quanto mais arraigadas elas estiverem (LEVI, 1997, p. 28-29), a promover, nesse processo, uma seletividade distinta da que ocorre, por exemplo, nas sociedades centrais. Não se pretende, com esse enfoque, que sejam fixos os padrões determinados por esses interesses, tradições ou estruturações passados, que, afinal, podem ser modificados (PIERSON, 2000a, p. 252), mas que certas

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tendências presentes em determinada trajetória não podem ser facilmente alteradas (MCNABB, 2004, p. 23), mesmo quando, na origem não se pretendesse esse resultado 37 . É o que ocorre quando decisões jurídicas, produzidas como comunicação em sistemas formalmente semelhantes e com base em um texto análogo, têm aplicações diferentes, conforme, por exemplo, um contexto de comunidade jurídica mais ou menos elitista, de aprendizado e práticas mais apegadas à norma ou a resultados, de justificação mais ou menos rigorosa. Ao se introduzir o conceito de dependência de trajetória neste estudo, admite- se como alicerce teórico que a evolução de um processo é condicionada, em larga medida, pela sua própria história, e que escolhas e estruturas derivadas de circunstâncias pregressas incentivam uma ação social que reforce a trajetória em curso, ainda que agregando, não como ruptura, mas como continuidade, elementos novos. A construção de cenários futuros, em tais hipóteses, seria inferida a partir desse estado de confiança, construído sobre o passado irreversível e o porvir incerto e desconhecido (FERRARI Fº, 2001, p. 107), em uma estratégia contrafactual de manejo do risco inerente à modernidade reflexiva. A literatura especializada elenca diversas fontes de retornos crescentes, entre as quais os casos em que quanto mais agentes usam certa técnica, mais vantajosa ela se torna, gerando, inclusive, a possibilidade de haver adesão generalizada, uma vez que a vantagem aumenta a cada acréscimo de usuários. Também acontece quando seu uso pode afetar a escolha de instituições (NORTH, 1990) 38 , além de incidir sobre economias de escala, possibilitando aprendizado e coordenação entre os agentes e interação técnica e estratégica (ARTHUR, 1994). Perceba-se que retornos crescentes não são necessariamente virtuosos, do ponto de vista da finalidade expressa em uma determinada ação. Pelo contrário, referem-se a um processo de acomodação, a um jogo cujas regras foram moldadas à luz do comportamento dos jogadores. Assim, por exemplo, pode-se observar a incorporação da judicialização da política na produção de políticas públicas pela Administração pública, tanto quanto emendas parlamentares são incorporadas,

37 É o famoso caso do teclado qwerty, elaborado por volta de 1870 e utilizado pelas máquinas de escrever Remington e pelas que se seguiram. O aprendizado dos usuários fez com que essa estrutura apresentasse alto grau de irreversibilidade. Na década de 1930, por exemplo, A. Dvorak criou o chamado teclado dsk, o qual, segundo inúmeras pesquisas, permitia uma velocidade de digitação maior com menor número de erros. Apesar das vantagens evidentes, sua produção em massa nunca foi efetivada. 38 Ver, especialmente, o Capítulo XI da obra citada.

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ambas com enfoque particularista, a gerar o reforço de comportamentos pretéritos, inclusive uma juridicização simbólica da matéria, já que um resultado na forma de inclusão e disseminação de direitos, em vez de entregas pontuais de benefícios, não ocorre. A existência de retornos crescentes deve condicionar o olhar do analista (ARTHUR, 2004, p. 28), impondo-lhe uma “análise dinâmica”. Sai-se, assim, de um esquema determinista para a necessidade de um acompanhamento da trajetória como meio de se tentar estabelecer possibilidades geradas por eventos ocorridos em meio a elas, que, dessa forma, não podem ser pré-determinadas (DURLAUF, 1993). Permite-se, bem assim, o exame de tendências de longo prazo, que emergem após o transcurso de um número suficiente de períodos, de forma a eliminar as flutuações transitórias. Como esse trabalho percebe a peculiaridade do direito das políticas públicas em sua complexidade e sua macrojuridicidade, impõe-se algum aprofundamento nas tramas do patrimonialismo, da patronagem, do clientelismo e arranjos particularistas, em geral, cuja base tradicional tem sobrevivido adaptada a esquemas pseudomodernos, como a constitucionalização simbólica, ou, em geral, relações caracterizadas pela presença formal ou potencial de cidadania e por espaços paralelos de ação social (CAMPILONGO, 1997, p. 93-96). Nessas hipóteses, remanescem padrões tradicionais de ordem social que se conectam com instituições modernizadoras e geram um tipo peculiar de desenvolvimento dos sistemas sociais, no qual algumas questões são realçadas, tais como as relações envolvendo o Estado e as condições de concretização do direito. Em breve apanhado, serão apresentadas algumas vertentes teóricas que permitem vislumbrar alguns problemas relativos à implementação de um sistema jurídico especializado funcionalmente, do tipo moderno, em uma sociedade periférica, com resquícios de padrões tradicionais de relações sociais, como a brasileira. Concorrem para essa formulação duas categorias teóricas básicas, quais sejam a referente ao patrimonialismo como vertente explicativa do papel desempenhado pela burocracia na trajetória brasileira, e a que remete ao clientelismo como forma básica de mediação social no Brasil. Os empecilhos para a implementação de instituições modernas, do tipo racional legal, aparecem na obra de Sérgio Buarque de Holanda, segundo a qual a formação brasileira, fundada na cordialidade e no paternalismo (BUARQUE DE

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HOLLANDA, 1995), tem como dado característico a primazia dos afetos pessoais sobre as formas racionalizadas de solidariedade impessoal. Em sua ótica, o ingresso tardio dos países ibéricos em um modelo de organização social europeu pós- medieval repercutiu em suas formações sociais, assinalando peculiaridades em sua trajetória e nos componentes valorativos que forjou. Com efeito, o autor afirma que nesse percurso se estabelece a originalidade luso-brasileira, na qual o setor público- estatal opera movido por sentimentos, emoções e uma razão particularista (BUARQUE DE HOLLANDA, 1995). A sociedade brasileira teria se formado sob o signo da cordialidade (BUARQUE DE HOLLANDA, 1995), com a precedência das relações domésticas sobre as razões de uma ordem geral impessoal (BOSI, 1983, p. 51). Com base em Ribeiro Couto, que designa a cordialidade como principal contribuição do latino- americana à civilização 39 , Sérgio Buarque destaca a importância da noção de "homem cordial" (AVELINO Fº, 1990), que pressupõe, não boas maneiras ou polidez, mas lhaneza no trato, hospitalidade e generosidade (BUARQUE DE HOLLANDA, 1995, p. 146-147). Nesse traço podem ser apontadas raízes das dificuldades para a implementação de processos modernizadores no Brasil, com relações afetivas de cunho doméstico se opondo a uma modernidade burocratizante e individualista. Perceba-se essa especificidade, por exemplo, na tensão entre uma cultura patrimonialista e personalista e a adoção formal do modelo burocrático nas organizações da administração pública ao longo de quase um século. A solidariedade de cunho personalista seria, sob tal compreensão, singularidade cultural brasileira, que antepõe, tradicionalmente, sentimentos contra uma razão ordenadora, racional e disciplinadora, implicando experiências híbridas de organização política e administrativa pública, em geral, fundadas na importação de modelos, o que repercute na forma de virtudes e vícios igualmente peculiares. Sérgio Buarque de Hollanda realça a dificuldade para, nesse ambiente, se alcançar cooperação disciplinada e eficiente para atividades de caráter coletivo, as quais ocorrem mais conforme sentimentos e emoções que segundo um planejamento frio (BUARQUE DE HOLLANDA, 1995). Nesse tipo de empreendimento, conta menos o resultado material, o bem coletivo, que se pretendia alcançar, que os sentimentos e inclinações que levaram à tomada de decisão (BUARQUE DE HOLLANDA, 1995, p.

39 Ver, a respeito, em BEZERRA (2005).

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30). A gestão pública não decorrerá, nesses termos, de programação sistemática ou de interesses gerais, mas de um sentimento de dever de socorro ao amigo. A supervalorização da esfera familiar induz o esvaziamento da pública, tornando instáveis as condições de aplicação de leis ou convenções (BUARQUE DE HOLLANDA, 1995). A análise de processos envolvendo a atividade administrativa do Estado brasileiro deve, assim, levar em consideração a perspectiva de coexistência tensionada de valores próprios da burocracia modernizante com um pano de fundo sentimental, a promover, pela primazia dos afetos pessoais, condições de sobrevivência para arranjos patrimoniais e clientelistas. Nesse sentido, Nunes (2003) apontará na convivência entre burocracia profissionalizada e ação clientelista uma gramática específica da experiência administrativa brasileira. Saliente-se que em uma sociedade mais complexa os vínculos tradicionais tendem a enfraquecer e ao indivíduo é dada formal liberdade de escolha (WEFFORT, 1978, p. 54), em um cenário de crescente institucionalização com viés burocratizante. Essa “multiplicidade de instituições conduz esquematicamente a duas alternativas básicas”, individualização extrema ou perda da individualidade (VELHO, 1981, p. 23 e 25), razão pela qual, em uma modernidade desencantada e racionalizada 40 , presa em sua própria armadilha individualista e despersonalizadora, o vínculo pessoal formaria uma defesa do indivíduo contra essa dimensão da vida contemporânea, uma arma para combater a impessoalidade, a massificação (DULCI, 1984), o risco e a incerteza. Ribeiro (1995) observa, contudo, que as especificidades brasileiras representam tanto alternativa criadora quanto possibilidade de manutenção de relações sociais excludentes, historicamente fixadas. Lembra o antropólogo que, entre nós, “as instituições republicanas são adotadas formalmente para justificar e perpetuar o exercício do poder pela classe dominante”, inviabilizando a vida democrática e a cidadania e alimentando o fenômeno clientelista (RIBEIRO, 1995, p. 204-6 e 218). Nesses casos, iniciativas tendentes a fomentar associação entre burocracia e democracia, como a potencialmente contida na juridicização das políticas públicas, encontraria barreiras na disfuncionalidade estatal 41 , como imagem distorcida de um direito não concretizado em um contexto de modernização

40 Ver em WEBER (1999). 41 Como acentua, por exemplo, SANTOS (1985, p. 90-91; 1988).

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periférica associada a clientelismo e patrimonialismo. Sobre essas duas questões, cumpre anotar, de forma um pouco mais precisa, algumas distinções exploradas no plano teórico, ainda que sua aplicação demande eventuais críticas e modulações. O patrimonialismo se insere no pensamento social brasileiro através da obra de Faoro (1991). Usando categorias presentes na sociologia weberiana, Faoro reconstrói a formação do país a partir da herança da administração colonial 42 . O termo aparece em Weber, como “dominação primariamente orientada pela tradição, mas exercida em virtude de um direito próprio”, que se distingue pela existência de um quadro administrativo, conquanto não se trate de organização racional e não exija respeito a regras objetivas (WEBER, 1969, p. 182-3 e 185). Conforme a matriz weberiana, o patrimonialismo pode ser do tipo patriarcal ou e estamental, segundo a relação entre a autoridade assenhoreada do poder e seus servidores. Na estrutura patriarcal, há dependência pessoal, inexistindo direito do servidor sobre o cargo ou honra estamental, com possibilidade da ação arbitrária por parte do senhor. A estrutura estamental provê relativa independência dos servidores ante o senhor, eis que há investidura nos cargos, que são concedidos por privilégio ou seleção, os quais integram o patrimônio do funcionário, que exerce sua função por conta própria dentro de sua esfera de competência (WEBER, 1969). Faoro (1991) acentua que o patrimonialismo ibero-americano é centralizado e hierarquizado, e exerce força centrípeta sobre os domínios imperiais. Com essa estratégia, o estamento acostado á monarquia mantém consigo uma reserva de decisões e recursos. Conforme o autor, o patrimonialismo brasileiro possui dinâmica intrínseca que lhe confere certa plasticidade, possibilitando-lhe adaptação a ambientes diversos, e mesmo certa posição privilegiada na condução do processo de inserção da sociedade brasileira no capitalismo mundial, o que evidencia uma face contraditória, ao mesmo tempo, ligando aspectos aparentemente inconciliáveis de tradição e modernização (FAORO, 1991). Saliente-se que especialmente as versões weberianas do patrimonialismo como sultanato ou estamento permitem tanto explorar nuanças da máquina burocrática quanto a vertente do mandonismo, que tem na descrição do coronelismo

42 “Os Donos do Poder” foi publicado originalmente em 1957, recebendo edição definitiva, de certa forma reconstituída, em 1975. Nela, o autor se propunha a “abarcar, num lance geral, a complexa, ampla e contraditória realidade histórica” brasileira, em um “longo período, que vai do Mestre de Avis a Getúlio Vargas”, valorizando “as raízes portuguesas de nossa formação política”, “desprezadas em favor do passado antropológico e esquecidas pela influência de correntes ideológicas, originárias da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos”.

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realizada por Nunes Leal (1997) importante ponto de apoio. O autor apresenta o coronelismo como forma decadente de mando nas instâncias locais, e explica com detalhes sua rede verticalizada de relações fundidas em um esquema tradicional de dominação. A face do clientelismo se mostra, então, admitindo-se no citado arranjo "o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais" (NUNES LEAL, 1997, p. 41). Note-se que, apesar de fenômeno datado, o coronelismo não é tradição que se perdeu completamente, mas, ao contrário, tende a perdurar (QUEIROZ, 1976) em esquemas ecléticos de organização social. Observe-se, assim, que, postada na periferia da modernidade capitalista, a sociedade brasileira se viu marcada por uma dinâmica de inclusão e exclusão, com uma trajetória que abrange sucessivas levas mais ou menos modernizadoras entremeadas com estruturas sociais herdadas do regime escravocrata, mediações de cunho tradicional, cidadania regulada e segmentada, com o direito cumprindo papel auxiliar e majoritariamente subordinado a arranjos político-sociais tradicionais (RAMOS, 1957, p. 44-51), ainda que eventualmente tenha sido usado como espaço de resistência ou modernização. O agir social básico nesse processo evidencia que, “carecendo a sociedade brasileira de pautas institucionais suficientemente dotadas de conteúdo consuetudinário, os grupos e facções eram forçados a apelar para as fórmulas feitas, as quais, na verdade, instrumentalizavam segundo os seus propósitos” (RAMOS, 1957, p. 51). Sem aderir a suas conclusões, pode-se concordar com a disparidade apontada por Oliveira Viana (1939) entre Brasil legal e Brasil real. Descompassos dessa natureza explicam, em grande medida, contradições e dilemas próprios da trajetória brasileira (BOSCHI, 2004), notadamente a prevalência histórica do patrimonialismo, mas também do clientelismo, alimentado pela sobreposição do favor particularizado ao direito universalizado. Uma estrutura clientelista é constituída, tradicionalmente, por preceito informal (SILVA, 2001, p. 46), mediante o qual um benfeitor em posição social superior oferece benefícios, não necessariamente econômicos, em troca da lealdade política do outro (LANDÉ, 1977, p. 13), considerado cliente, o que lhe outorga legitimidade e poder. Observe-se que o clientelismo tem como pano de fundo valores, práticas reiteradas e tradições, às vezes aplicados de forma enviesada ou deturpada, e incide, eventualmente com ares de legitimidade, sobre os procedimentos

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institucionalizados (ELY, 1980, p. 60). Assim, a juridicização de certa questão social resultará práticas diversas, conforme a presença forte desses elementos particularistas ou a abertura a uma perspectiva de apropriação do direito generalizante e horizontalizada 43 . Ressalte-se que esse tipo de arranjo remonta a ordens sociais dotadas de posições fixas, adesão compulsória e operatividade multifuncional, e, contemporaneamente, na ausência de segurança quanto à percepção generalizada dos benefícios da modernidade, sintetiza cultura cívica (PUTNAM, 2000, p. 347) e instituições, conferindo confiança recíproca às transações (ARROW, 1972, p. 357) que ocorrem entre os diversos atores sociais. Opõe-se, evidentemente, à perspectiva de um sistema jurídico especializado e impessoal. Abre-se ao risco de institucionalização de “uma capa formalmente poliárquica e moderna”, somada a um exercício de autoridade dissonante desses objetivos formais, enunciados no aparato institucional legal (AZEVEDO, 1999, p. 134), como reforço de uma recorrente e persistente “cultura de modernização nacional patrimonialista” (MARTINS, 1997, p. 172), tendente à autonomização (O´DONNELL, 1998, p. 44). A ação clientelista se notabiliza por ser assimétrica, personalizada e informal, e por resultar de algum tipo de permuta (FARINETTI, 2000). É fenômeno que se verifica no corpo estatal, incidindo sobre a coordenação da partilha de bens públicos e privados socialmente demandados (KRAAN, 1996, p. 33), especialmente quando combinado a regras de disputa política ou de funcionamento administrativo dos poderes estatais (JACOBSON, 1997, p. 185 e ss.) que favorecem a ação particularista (MAYHEW, 1974, p. 115). Trata-se de “um sistema de controle de fluxo de recursos materiais e de intermediação de interesses, no qual não há número fixo ou organizado de unidades constitutivas” (NUNES, 2003, p. 40). Sua característica é a formação de redes de relações pessoais com base em troca generalizada 44 , a disputar, freqüentemente, o controle do fluxo de recursos dentro de um determinado espaço. Para Nunes, “a participação em redes clientelistas não está codificada em nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierárquicos no interior das redes estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico” (NUNES, 2003, p. 40-41). Trata-se, então, de “mecanismo de coordenação

43 Ver, como exemplo, em Sigaud (1996) a experiência de introdução da legislação trabalhista em uma região de engenhos pernambucana. 44 Troca que envolve promessa e expectativa de retorno futuro, ao contrário da específica, na qual o negócio se esgota em si mesmo, sendo dispensável a qualificação das partes.

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interpessoal fundado na tradição, como expectativa normativa que se sustenta à margem dos incentivos institucionais 45 , como o princípio da impessoalidade referido na Constituição da República, e que emerge e persiste à base de valores morais fomentados pela prática social (SUGDEN, 1998), deixando, no caso brasileiro, indelével marca nos negócios públicos” (DIAS, 2010). No Brasil, clientelismo e patronagem remontam à racionalidade do antigo regime (CARVALHO, 2000) e implicam poder tanto para o patrono, cujo senhorio é legitimado, quanto para o cliente, que usufrui uma relação especial com o Estado, com direito a tratamento especial, equivalendo a dignidade social diferenciada (DA MATTA, 1997, P. 241), além de proteção contra regras formais, gerais e impessoais, inspiradoras de pouca confiança (BARBOSA, 2002, p. 52). Assim, tem-se uma cidadania fundada no favor, não no direito, e mesmo procedimentos jurídicos que seguem padrões estritamente formais são relatados como relações pessoais. O recurso à decisão particularista da autoridade, que assume superioridade hierárquica em escalas de cidadania, é sempre preferível a um direito que, aparentemente impessoal, será manejado não como elemento jurídico (dando direito a quem tem direito), mas como poder político ou econômico. Partilha-se uma percepção de que vínculos pessoais asseguram tratamento especial junto à administração pública (BEZERRA, 1995, p. 35). Agentes públicos em geral não se inibem ante preceitos de impessoalidade e se esmeram no atendimento a pedidos localizados, creditando dívidas morais, estabelecendo uma relação de dependência pessoal (BEZERRA, 2000, p. 33), e legitimando seu exercício de poder. Perceba-se que esse uso do poder, mesmo decorrendo da aplicação de textos jurídicos, é contraditório com a fixação de um sistema jurídico especializado, universalizado e impessoal, razão pela qual, em muitas das vezes, decisões aparentemente jurídicas constituem reforço ideológico de uma juridicização simbólica, ou revelam a corrupção do direito pelo código de outro sistema, ou, ainda, podem expressar a manutenção pura e simples de esquemas tradicionais de dominação. No plano teórico, o clientelismo se distingue em dois modelos básicos, um dito tradicional e outro moderno. A forma clássica do clientelismo 46 , que em algum grau perpassa as sociedades em momentos de sua trajetória (EISENSTADT e

45 Não que em alguns casos os incentivos institucionais não sejam suficientes. Young (2003) cita casos de menor complexidade, como as convenções que indicam a mão de direção dos automóveis. 46 Geralmente associada a sociedades rurais. Ver em NUNES (2003, p. 26)

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RONINGER, 1984, p. 116), traduz uma relação entre patrono e cliente que envolve compromisso e lealdade mútua (HAMBURGER, 1985, p. 3), ainda que firmadas sob assimétricas condições de pactuação (CÓRDOVA, 2002). Ocorre em sociedades tradicionais, multifuncionais, e possui sensível apelo moral, permitindo a obtenção, pelo patrono, de apoio popular a baixo custo econômico (GILIOMEE e SIMKINS, 1999, p. 11); afinal, neste caso, os sentimentos morais amalgamam compromissos, dando consistência, no tempo e no espaço, àquele elo 47 . Nunes Leal (1997), ao abordar forma específica de clientelismo tradicional no Brasil, esclarece que se trata de vínculo assimétrico que enlaça toda as dimensões da vida das pessoas, em um compromisso que gera dependência nos planos social, econômico e político e tem como pressuposto a indistinção entre os âmbitos público e privado. É parte da trajetória social brasileira arranjos dessa natureza, nos quais interesses particulares se imiscuem na arena pública 48 , a assegurar que o Estado brasileiro, mesmo formalmente adstrito aos princípios da legalidade e da impessoalidade, fruto de adesão institucional ao regime jurídico-administrativo e ao modelo burocrático de administração, permanecesse vulnerável a interesses decorrentes de vínculos pessoais (VELLHO, 1976, Cap. VIII), obstaculizando um processo mais amplo de burocratização (NUNES, 2003, p. 33). Esse fenômeno torna-se complexo na medida em que a sociedade brasileira passa por etapas de modernização, com modificação de estruturas sociais e econômicas, a alterar as condições de reprodução do clientelismo. Inicialmente elaborado sob sociedades tradicionais, autoritarismo político, atraso social (BANFIELD, 1958) e subdesenvolvimento econômico (LEGG e LEMARCHAND, 1972), o clientelismo passa por mutação na modernidade. Em uma paisagem marcada por industrialização, urbanização e difusão dos meios de comunicação, entre outros aspectos, ocorre uma perda dos laços tradicionais e emerge um individualismo “que substituiria gradativamente as relações mais pessoais de sociedades tradicionais” (OLIVEN, 2002, p. 40). Nesse espaço é que entraria um sistema jurídico diferenciado e especializado funcionalmente. Para Roniger (1994), a extensão dos direitos da cidadania a todas as camadas da população deveria levar à extinção dos vínculos personalizados e verticais

47 Frank (1992) apresenta o caso de uma pessoa que se comporta honestamente, mesmo sabendo que poderia cometer fraude sem ser descoberta, e que, por isso mesmo, é tida em sociedade como sendo confiável e parceira preferencial em empreendimentos que requerem confiança. 48 Ver as relações entre a “casa” e a “rua” em DA MATTA (1997, p. 241).

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(EISENSTADT e RONINGER, 1984). No Brasil, levaria à passagem do modelo tradicional do coronelismo para uma democracia representativa (LAMOUNIER, 2005), com aumento da participação popular no processo político e à adoção de adequadas instituições formais 49 . Perceba-se, porém, que, obedecendo a um desenvolvimento contingente e não linear (POLANYI, 2000, p. 200-202), a construção da democracia e a extensão da cidadania no Brasil apresentam percurso instável (CARVALHO, 2004). O exercício da cidadania permanece incerto, uma vez que “embora, na lei, tenhamos, de um modo geral, definidos direitos e liberdades extensivos a todos os membros da sociedade brasileira, na prática temos cidadãos de primeira, segunda e terceira classes, e mesmo não-cidadãos” (VELHO, 1981, p. 146), em uma constitucionalização simbólica e excludente. A ambigüidade hierarquia- individualismo e o autoritarismo estatal se combinam para tolher a cidadania (VELHO, 1981, p. 148), valendo-se para isso, muitas vezes, de dribles às regras que impõem isonomia e impessoalidade. Patrimonialismo e clientelismo atrelados a uma estrutura social escalonada em níveis de desigualdade crescente concorrem para que etapas de potenciais mudanças na trajetória social do Brasil compareçam como “modernização conservadora” 50 , mediante a qual as elites funcionam como agentes promotores e conferem ênfase aos aspectos regulatórios e repressivos nela contidos (FERNANDES, 1981). Tem-se, nesses casos, a política como espaço restrito e o direito como tutela repressiva, mantendo-se sob um direito simbólico (NEVES, 2007), a cumprir função associada à política, camadas excluídas da cidadania, somente dotadas de “‘atestados de pobreza’” que permitem o acesso a precários e mal financiados serviços públicos “(SOARES, 2000, p. 72). Dificuldades e custos para modificar tradições como o clientelismo e a patronagem (BELLAH, 1992, p. 131) se traduzem em transições lentas e incertas, com a convivência dessas tradições com a adesão a valores constitucionais, institucionalização da atividade legiferante (BELLAH, 1992, p. 137-8) 51 e oportunidades paralelas de reivindicação de demandas perante o setor público

49 Ver sobre a questão das instituições em ETZIONI-HALEVY (1982, p. 18). 50 O termos foi utilizado originalmente por António Gramsci, para estudo do “risorgimento” italiano. Posteriormente foi incorporado ao vocabulário dos estudos sociais incidentes sobre a modernidade periférica. 51 O autor trata do caso norte-americano, mas seu raciocínio pode ser aproveitado, em parte, para aplicação no caso brasileiro.

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(BELLAH, 1992, p. 132) 52 . É habitual que coexistam uma “consciência incipiente de direitos” e uma “atuação pragmática através da utilização de canais semelhantes aos da barganha clientelista” (SOMARRIBA, 1993, p. 13), como quando o cidadão que reivindica políticas públicas, em geral, como educação e saúde, em situação específica utiliza meios heterodoxos para conseguir atendimento particularizado, dissonante da regra geral. Perceba-se, nesse espaço de transição, um descompasso entre o sistema do direito e seus pressupostos estruturais de funcionamento, notadamente as operações geradas no sistema da política, impedindo que normatividade jurídica e legitimidade política se acoplem em um mesmo diapasão, e que uma cidadania se efetive na democracia (HABERMAS, 1997, p. 171). Assim é que, contraditoriamente, o alargamento meramente formal da cidadania, em um contexto de modernização estrutural do Estado e da sociedade, pode invocar a ação particularista, pela qual o cidadão recorre ao “padrinho” para “enfrentar as dificuldades que a vida põe em seu caminho” (DA MATTA, 1997, p. 240). No Brasil, a desagregação do antigo patronato não cede espaço para uma cidadania ampla, antes permite novas modalidades de ação clientelista, fundada nem tanto sobre lealdades, mas sobre benefícios personalizados (LAMBERT, 1972, p. 247). O clientelismo perdura mediante distribuição particularizada de recursos públicos, intermediando os conflitos presentes em um contexto de pluralidade de interesses (DULCI, 1999, p. 113), unindo elementos que remontam a sua forma tradicional e redes de clientela, especialmente nos centros maiores, que esgotam o espaço público no marco paroquialista (DULCI, 1984, p. 25). Roniger esclarece que o clientelismo cumpre uma função contraditória em alguns Estados democráticos (RONINGER, 1994, p. 217), já que, integrando o processo de negociação política, imporá à agenda pública uma racionalidade particularista, em vez de pautar a esfera particular pelas decisões públicas. Essa relação instável e incerta entre comportamentos oriundos de arranjos tradicionais e instituições burocráticas e democráticas (PIATTONI, 2001, p. 3) evidencia que cada trajetória recebe diferentes impactos de sua estrutura e de seu ambiente, que são historicamente construídos (MUSELLA, 2000, p. 15). Assim, embora, aparentemente, o espaço público se democratize e se conduza conforme o direito,

52 O autor se refere aos americanos, que teriam significativa capacidade de mobilização, seja através de lobbies, seja de movimentos populares.

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permanece, como dado fundamental nas relações sociais, a lógica clientelista (MUSELLA, 2000, p. 17), consistindo, genericamente, em intercâmbio que torne provável a percepção de um benefício com expectativa de reciprocidade (LINDBLOM, 1981, p. 44), com redução de risco na medida em que o comportamento das partes for consistente com seu compromisso (GAUTHIER, 1996, p. 242), excluídos dessa equação os possíveis efeitos marginais da generalização dessa prática. Observe-se que, no caso brasileiro, a “burguesia converge para o Estado e faz sua unificação no plano político”, ao contrário do que ocorre em outros lugares, e faz do político a base para o esquema de dominação social (FERNANDES, 2004, p. 426-427), embora sua fisionomia não seja uniforme nos diferentes lugares (FERNANDES, 2004, p. 71 e ss.). Trata-se de um Estado no qual a burocracia formal é combinada com “uma forma personalizada e informal de resolver os problemas que a própria modernidade coloca no dia-a-dia” (OLIVEN, 2002, p. 40), que se curva ante uma exigência de correção de um descompasso entre as instituições erigidas e o capital social existente (PUTNAM, 2000, p. 288). Nunes se refere à experiência de introdução da burocracia no Estado brasileiro, a explorar o importante dilema contido em sua implementação, que é a convivência entre uma base patrimonialista, associada a relações sociais de cunho particularista, como o clientelismo e a patronagem, caracterizadas pela desigualdade entre os atores sociais, pela personalização das relações, pela troca específica de favores e lealdades; e uma plataforma burocrática, introduzida organicamente a partir da década de 1930, cujas marcas são o universalismo, a impessoalidade, a troca generalizada sob regras racionalizadas (NUNES, 2003). A implementação da burocracia no Brasil (PAIVA, 2009), como, em geral, nos processos de modernização que ocorrem nas sociedades periféricas, é marcada por contradições (PAIVA, 2009, p. 780-781). Saliente-se, não obstante, seu contraste com o patrimonialismo e suas especificidades e nuanças (PAIVA, 2009, p. 778 e ss.). Nunes nota bem que o modelo burocrático não ultrapassa a herança patrimonialista e clientelista, mas as duas perspectivas, com racionalidades distintas, convivem no cenário político-administrativo brasileiro, disputando espaço (NUNES, 2003). Um eventual declínio do clientelismo (ZALUAR, 1985), ou sua paulatina superação pelo exercício da cidadania (CARDOSO, 1988, p. 375), em benefício de um padrão de negociações em sociedade do tipo moderno (CARDOSO, 1983, p.

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226), é possibilidade que não se confirma, ainda que mutações sejam registradas, com alteração de atores sociais relevantes e comportamentos. Estima-se que sua decadência (BRIQUET, 1997) siga trilha inversamente proporcional à da efetividade das instituições formais (SILVA, 2001, p. 46), que supõe uma concatenação entre a formação de sistemas sociais especializados e sua funcionalidade. Note-se que essa equação fornece a medida da instabilidade e do risco presentes nessa hipótese, na qual são contingentes e não propriamente excludentes clientelismo e cidadania, com suas múltiplas fórmulas híbridas e intermediárias (SILVA, 2001, p. 45) 53 , que decorrem de combinações derivadas de interações estratégicas (DINIZ, 1982) 54 próprias da complexidade moderna, e permitem que perdure o clientelismo e a patronagem (NUNES, 2003) e em uma aparentemente improvável convivência com padrões modernos de relações sociais (VELHO, 1981, p. 18). Na produção e distribuição social de políticas públicas esse fenômeno se evidencia a toda prova, seja na manutenção de práticas de discricionariedade administrativa que permitem atendimentos paroquiais, seja no padrão de decisões particularistas que têm sido registradas no recente processo de “judicialização da política” (VIANNA, 1999). Perceba-se, nesse exemplo, uma revivida tensão entre insulamento burocrático e clientelismo (NUNES, 2003) na dinâmica da administração pública brasileira, a se relacionar com um incipiente direito das políticas públicas e produzir movimentos e contra-movimentos em torno de possibilidades de sua juridicização concreta, com democratização, inclusão e universalização. Note-se, afinal, que uma análise pragmatista do direito no Brasil implica tanto observar o sistema jurídico na modernidade reflexiva, quanto reconhecer peculiaridades contidas na trajetória da sociedade brasileira. Um estudo consequencialista do direito das políticas públicas, tal como compreendido nesta tese, não pode prescindir desse enfoque. Pelo contrário, o vocabulário usado pelo sistema do direito, sua funcionalidade, consequências e capacidade de inclusão, enfim, tudo o que permite considerar determinados comportamentos jurídicos ou antijurídicos, somente receberão argumentação consistente se incorporarem especificidades do percurso social do Brasil.

53 O autor nota que o clientelismo é tradição que ainda pode perdurar associado aos negócios públicos brasileiros. 54 Sobre as oportunidades para práticas corruptas nesse contexto, ver em Geddes e Ribeiro Neto (2000).

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Note-se, sobretudo, que essa compreensão permite abordagem que alcance questões derivadas de uma situação de juridicização simbólica ou de corrupção do sistema jurídico, bem como de predominância do direito como regulação social. Permite, bem assim, uma argumentação jurídica que incorpora a perspectiva de universalização do direito por meio de um discurso reflexivo e inclusivo, atrelado à possibilidade de apropriação generalizada de direitos pelas pessoas.

5.3. Direito estatal e emancipação social

A juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro requer, portanto, uma análise contextual, na qual caibam possibilidades do direito estatal em um horizonte de emancipação social. Tal exame do campo jurídico requer um conceito de direito suficientemente amplo e flexível, de modo a captar a dinâmica socio-jurídica em diferentes enquadramentos espaço-temporais. Tornar claro o papel do Estado para a produção de políticas públicas, pressupondo um relacionamento denso entre direito e democracia é particularmente importante, já que possibilita descortinar relações sociais de poder que ultrapassam as possibilidades da teoria jurídica convencional (SANTOS, 2009b; SCOTT, 1998; MENESES, 2007) com benefício para um direito que seja não apenas efetivo, mas sobretudo realizado conforme a complexidade e amplitude das relações que engendra na modernidade brasileira. Trata-se de reconhecer complexas estruturas políticas profundamente acopladas a processos jurídicos (WILLIAMS, 2004), tanto a permitir reconfigurações de sentido jurídico (MACKINNON, 1995, p. 445), quanto a verificar, sob o sistema do direito, vínculos entre lutas sociais e lutas culturais, políticas de redistribuição e políticas de reconhecimento (FRASER, 2003), a gerar mais complexidade jurídica e demandar mais direito. Percebe-se que o sistema jurídico em sociedades modernas instaladas na periferia ou semi-periferia do capitalismo mundial, como o Brasil, padece de alguns problemas adicionais aos que encontraria, segundo as teorias sociológicas que enfatizam modelos explicativos gerados com base na experiência européia e norte- americana (SANTOS e MENESES, 2009). Determinadas questões presentes na modernidade reflexiva, tais como as dinâmicas de contingência e risco, ou a centralidade do direito estatal em uma perspectiva de democratização, assumem

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aspectos diferentes nas sociedades periféricas, já que, habitualmente, aparecem em um contexto de transposição de estruturas sem correspondência nas bases material e cultural de sua incorporação na ordem social. A tensão entre regulação e emancipação no sistema jurídico brasileiro possui, então, determinadas nuanças, já que impõe considerar cenários mais amplos, não alcançados pelo monismo jurídico e pela política estatal. Estruturas, instituições, e cultura convergem para a formação de diferentes espaços de risco, podendo-se afirmar certo descompasso entre os fundamentos conceituais das instituições e as relações sociais (RICÚPERO, 2008, p. 60). Residem aqui paradoxos diversos daqueles verificados nas sociedades centrais, como, por exemplo, uma fusão entre a mediação jurídica impessoal e a cultura do favor (SCHWARZ, 1992), práticas patrimonialistas sobrepostas à burocracia racional-legal, relações clientelistas mantendo-se preferíveis ao exercício autônomo de direitos (DIAS, 2010). Em um contexto contingente, o direito não incorpora dimensões verdadeiramente plurais e permite a permanência de pontos de exclusão, abrangendo hipóteses que não se enquadram nas contingências reciprocamente formadas em torno de uma relação entre sistemas especializados. Mais que casos de corrupção do sistema jurídico pela economia ou pela política, a ordem jurídica brasileira consolida estratégias de juridicização simbólica, que não apenas mantêm a prevalência de racionalidades contrapostas à moderna em uma trajetória que se auto-alimenta, como implicam a constatação de um direito subordinado a uma racionalidade do tipo ideológica, que, em última análise, remete o direito à política e à economia, já que, mesmo sendo composto em termos diferenciados e especializados, o sistema jurídico fica preso a função alheia aos fundamentos de sua estruturação. Entre outros aspectos relevantes para esta tese, merece realce a presença de clientelismo e patrimonialismo na esfera público-estatal, cujo impacto pode ser sentido no sistema do direito, principalmente nas decisões que tocam as relações entre Estado e sociedade, incluindo as tomadas pela administração pública e as manifestações jurisdicionais. Especialmente no plano das políticas públicas, certas contradições se fazem sentir, decorrentes da associação entre modos anacrônicos de argumentação jurídica, focados em uma premissa de intersubjetividades simples, e formas tradicionais de comportamento, como a gestão patrimonialista e a troca clientelista. Essa combinação gera, na melhor hipótese, um direito que, muitas

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vezes, reduzido a disputa política ou estamental, produz decisões de cunho particularista, a revelar, no seio das relações sociais a que se dirige, uma juridicização imprópria, a persistência de focos de exclusão sistêmica, e uma apropriação desigual de direitos de cidadania. Juridicização, em sociedades como a brasileira, deve constituir não só um elemento formalmente modernizador, mas uma possibilidade de contraposição emancipatória a meios tradicionais de dominação historicamente fixados. Deve, assim, ser composta a partir de um processo de democratização, incorporado pelo sistema do direito, que permita modificar a trajetória pretérita ao assumir, em um direito reflexivo, os horizontes impostos pela complexidade da sociedade moderna e por suas demandas de cidadania. A fim de desenvolver essa questão, passa-se, no capítulo seguinte, a uma análise das relações entre Estado e direito.

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6. ESTADO, DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

6.1. Introdução

A análise jurídica de políticas públicas é diretamente balizada pelas relações entre direito e Estado, já que se trata de matéria que, circunstancialmente, afeta aos sistemas jurídico e político. Note-se que essa referência direta remete à equação contida na fórmula “Estado de Direito” (VERDU, 2005), a pressupor os elementos político e jurídico condicionados por uma determinada forma estatal e um direito peculiar (CANOTILHO, 1998). Importa, para essa análise, estabelecer conceitual e criticamente o Estado moderno, bem como, na perspectiva do pluralismo jurídico, sua posição em face dos demais espaços de produção do direito, a conferir-lhe centralidade político-jurídica na sociedade contemporânea. Cumpre, além disso, observar o Estado como campo de disputa, a abrigar focos de tensão entre posições políticas hegemônicas e contra- hegemônicas, entre a defesa de um direito regulatório contra seu potencial emancipatório, entre a inclusão e a exclusão (SANTOS, 2006). Essa observação permite vislumbrar as possibilidades no campo das políticas públicas, as quais são objeto da ação estatal, mas comparecem em um contexto fundado em uma pretensão de juridicidade e democracia. É, pois, função deste capítulo, designar aspectos das relações entre direito e Estado que impactam diretamente a elaboração e concretização de políticas públicas, incluídas no âmbito da função jurídica. Assim, após uma breve descrição acerca das características que tornam historicamente peculiar o Estado moderno, verificar-se-á as relações entre direito e Estado sob a fórmula “Estado de Direito” (VERDU, 1986), com especial atenção para a perspectiva de Neumann (1968), cuja análise apresenta essa forma de organização política em sua ambivalência, e permite explorar suas dualidades contingentes, entre as quais um direito entre a emancipação e a regulação, entre a legalidade e a legitimidade, a faticidade e a validade, entre a inclusão e a exclusão. Tem-se, assim, uma abordagem do Estado que nem se esgota em um esquema meramente descritivo e normativo, nem o submete a uma análise determinista qualquer, antes salientando suas possibilidades, especialmente na dinâmica de risco da modernidade reflexiva. A esse viés se associa o problema da

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autonomia estatal. As análises críticas do Estado, tradicionalmente, encontram-no assentado em patamar superestrutural, o que tornaria suas operações e iniciativas condicionadas por interesses e valores das camadas sociais dominantes 55 . Verifica-se, todavia, que, no avançar da modernidade se ligam movimentos complementares tendentes a evidenciar que, pelo menos parcial ou potencialmente, o Estado está sujeito a autonomização (JESSOP, 2007). De um lado, porque sua lógica de operar induz um comportamento autoreferenciado, e, de outro, porque cada vez menos homogênea é a estrutura social das sociedades contemporâneas, mormente aquelas que já ultrapassaram adequadamente os desafios de implementação da cidadania social. Essa constatação de um Estado potencialmente autônomo e insubmisso permite vislumbrar, em um cenário de democracia e pluralismo, sua centralidade no desenvolvimento social. Alternativamente a uma concepção monista, oligárquica e excludente, na qual o Estado é instrumentalizado segundo interesses alheios sobrepostos a si, nessa perspectiva o Estado pode ser assumido como elemento nuclear exatamente em função de sua permeabilidade, o que o torna não apenas mais legitimo, mas campo aberto à disputa entre vários discursos contingentemente prevalecentes. Trata-se de uma perspectiva que implica a necessidade de se discutir, com mais detalhes, os temas da democracia e da cidadania, a fim de fechar o capítulo mostrando políticas públicas no cerne da dupla congruência entre Estado e cidadania, isto é, como juridicidade que se contrói participativamente e como direito universalizável. Para essa discussão, também será necessária uma exposição acerca da atividade estatal na produção de políticas públicas, incluindo racionalização de procedimentos, juridicização pela via legislativa-democrática, não pela via administrativo-burocrático, a revelar a possibilidade de um processo diferente de concretização das políticas públicas, o que equivale a dizer, juridicização como conquista em um Estado cada vez mais democrático, plural, poroso e, portanto, mais disputável em seus conteúdos. O Estado apresenta múltiplas facetas, a evidenciar não apenas sua centralidade nos processos sociais contemporâneos, mas a complexidade funcional dessa estrutura, que se vincula a distintos campos, como a política, o direito e a

55 Como se encontra, por exemplo, em tendências distintas como as pertencentes à tradição ou à chamada “sociologia das elites”.

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economia; o indivíduo e a sociedade; a projeções simbólicas e materiais. É uma estrutura vinculada a determinadas funções sociais, com organização complexa, estruturada segundo a racionalidade burocrática, que reflete juridicamente relações sociais, influi nas diversas esferas de exercício do poder, e impacta as possibilidades de exercício de direitos. Perceba-se que a uma tradicional problematização do Estado como unidade política, no cerne da qual residem dilemas relativos à conjugação de um imperativo de totalização e um imperativo de articulação (BERCOVICI, 2006), soma-se uma possibilidade de análise a partir da percepção do Estado como campo concreto de jogos e disputas. Na primeira concepção, sobressai o problema da soberania una e indivisível, que se projeta sobre a sociedade, pretendendo o monopólio da ordem, que se consubstancia sob uma noção de lei e direito formada conforme uma racionalidade ocidental que atribui ao jurídico o papel de instrumento que exclui e subordina, sem preocupação de harmonização (SUPIOT, 2005). Colocar em causa essa perspectiva é crucial para se discutir as possibilidades de um Estado democrático ligado a um direito reflexivo, no qual o problema da inclusão e das relações entre público e privado esteja mais bem equacionado, conforme aponta Bignotto:

“Em grande medida a crise das sociedades industriais implicou, justamente, o esfacelamento das certezas que guiavam o pensamento político do século XIX, em muitas de suas expressões, no que diz respeito às tarefas e funções do Estado e da sociedade civil. Por isso ela preferiu tratar o problema a partir da oposição entre o público e o privado e não mais entre o Estado e a sociedade civil. De outro lado, a segunda ilusão, contra a qual ele lutou, foi a de que é possível falar de vida em comum apenas a partir das atividades produtivas, ou do que ela chama de labor. Ora, o que distingue o público do privado é justamente o fato de que as ações públicas pretendem ter validade universal e não simplesmente representar o interesse de grupos sociais delimitados” (BIGNOTTO, 1994, p. 19).

Verifica-se, de um ponto de vista histórico, o Estado como formação política que acompanha processos sociais mais amplos ocorridos a partir da experiência européia ocidental que transcorre desde a baixa idade média. Rosanvallon (1992, P. 11) aponta, a esse respeito, a diversidade de tipos e modelos que concretamente tiveram ou têm existência histórica, a par dos modelos gerais unificadores. Tem-se, então, o Estado como produto de uma dada contingência histórica (HESPANHA, 1999, p. 137), a compor uma estrutura específica, que não se confunde com formas políticas produzidas em outros contextos (BÖCKENFÖRDE, 1991) e, consoante

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Hespanha, assume, nos últimos dois séculos, especificidade simultaneamente a processos sociais mais amplos nos quais se insere (HESPANHA, 1978). Típica de uma visão que condensa no direito embates políticos, legitimando- os formalmente por meio da lei positiva, é a posição normativista acerca do Estado como ordem jurídica (KELSEN, 2003, p. 18). Em Kelsen, direito, Estado e democracia se vinculam estreitamente. O autor afirma que o Direito é um sistema normativo, dotado de normas válidas e coercitivas, que compõem um "esquema de interpretação", a conferir sentido jurídico aos diversos atos (KELSEN, 1998, p. 4). Direito e Estado se fundem, levando à afirmação de que “o Estado é aquela ordem da conduta humana que chamamos de ordem jurídica, a ordem à qual se ajustam as ações humanas, a idéia à qual os indivíduos adaptam sua conduta” (KELSEN, 1990, p. 190). Assim, “o poder do estado é o poder organizado pelo direito positivo – é o poder do direito, ou seja, a eficácia do direito positivo” (KELSEN, 1990, p. 192). Essa concepção, na tradição positivista, reconhecerá o Estado tão-somente na condição de ordem jurídica e realidade totalizadora (BURDEAU, 1971). Nesses termos, toda definição do Estado é uma definição jurídica (BODENHEIMER, 1996), e o Estado constitui-se como unidade do sistema jurídico, nele ocupando posição central (DEL VECCHIO, 1957, p. 24). Nawiasky aponta, também sob lente jurídica, uma dupla face do Estado que, a par de ser a ordem jurídica geral, entabula relações jurídicas como sujeito de direito (NAWIASKY, 1962), gerando dubiedades e o risco da interpolação alternativa (VILHENA, 1996, p. 38 e ss.) 56 , por meio da qual um agir estatal é confundido com outro. Em Jellinek (2002) pode-se notar a procura de um conceito de Estado capaz de abarcar tanto sua dimensão jurídica quanto sua materialidade nas relações sociais, a reforçar, nesse dualismo, a idéia de Estado de direito, uma ordem política que cria o direito e por ele se limita (JELLINEK, 2002). Trata-se de um Estado que, conforme Heller (1968), pode ser observado como estrutura e função, e que encontra sentido na fórmula “Estado de direito” (NOVAIS, 2006). Note-se, assim, que na noção de Estado de direito coexistem uma estrutura formal do sistema político, vinculada à garantia de direitos e liberdade fundamentais, com a aplicação da lei geral e abstrata por juízes independentes, uma estrutura material do sistema jurídico, a permitir e regular as relações entre pessoas

56 Ocorre a interpolação alternativa quando se toma um agir estatal por outro, v. g., quando se revindica um direito à Administração Pública (Estado administrador, sujeito de direito) motivado por modificação legislativa (obra do Estado ordem jurídica).

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dotadas de capacidade jurídica, uma estrutura social do sistema jurídico, vinculada à universalização do bem-estar e à solidariedade social, uma estrutura política do sistema jurídico, a organizar estruturas de distribuição do exercício do poder (NEUMANN, 1986). Agrega-se a essa noção mais densa de Estado de direito uma atualização do princípio da separação dos poderes, segundo a qual “é preciso que o funcionamento de um Estado democrático obedeça a um princípio específico, capaz de proteger o cidadão contra qualquer forma de arbitrariedade. Em outros termos, que o poder de fazer leis (Poder Legislativo), o poder de aplicá-las (Poder Executivo) e o poder de punir as infrações às leis (Poder Judiciário) sejam exercidos por pessoas ou instituições separadas – e, além disso, independentes umas das outras” (DELACAMPAGNE, 2001, p. 49). Estado de direito e separação de poderes consolidam-se na modernidade sob formas burocráticas, que unem Estado burocrático racional-legal e burocracia profissional (WEBER, 1974, p. 162). Aponte- se que se trata de um Estado cada vez mais sofisticado do ponto de vista organizacional, a travar relações com interesses, valores e posições presentes em uma modernidade radicalmente complexa, que, sob determinados contextos, pode se abrir à disputa social mais ampla sem perda de funcionalidade. Em Neumann (1968), essas possibilidades que se abrem em cenários menos pré-condicionados são antevistas e perspectivas tradicionais são absorvidas e recompostas à luz da teoria crítica frakfurtiana (NOBRE, 1998), cuja ortodoxia também foi objeto de sua divergência (JAY, 1996). Segundo o autor, o direito é parte da dimensão do Estado (SONTHEIMER, 1971, p. 22), e, apesar de sua vocação ideológica atrelada a processos de dominação de classe, em contextos de autonomização estatal e expansão de direitos, como na concretização do Estado Social, o Estado pode assumir, por meio da juridicização de hipóteses contrafactuais relativamente à lógica de dominação, um papel contra-hegemônico. Perceba-se já um Estado vinculado a relações sociais (LUHMANN, 1993a; 1998a; 1998c), e que pode compartilhar dimensões diversas (KEANE, 1996) de um espaço público potencialmente aberto a disputas entre projetos hegemônicos e contra hegemônicos (JESSOP, 1990) em um contexto de democracia ampliada (LACLAU e MOUFFE, 1987) e intensa (SANTOS, 2006).

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6.2. O Estado moderno

Denomina-se Estado moderno o modo de organização política da sociedade caracterizado pela centralização do poder, que se consuma sob a moderna noção de soberania, em um dado território e mediante vinculação jurídico-política a um dado conjunto de cidadãos (GIDDENS, 1998). Esse modelo de organização política aparece na Europa em fins do período medieval, a gerar um ciclo longo de mudanças, uma transição (LE GOFF, 1969) política que se consolida apenas na sequência das revoluções burguesas (ANDERSON, 1993). Com efeito, o Estado se molda nos séculos recentes como fruto da perspectiva racionalista iluminista (BOBBIO e BOVERO, 1996, p. 65). O contratualismo e o consenso e a questão do Estado republicano ante a sociedade, são exemplos das relações empreendidas a partir de sua edificação (SOUZA, s/d), na qual ocorre, no plano formal, a substituição da vontade do soberano pela norma geral e abstrata, expressão da vontade geral (COMPARATO, 1998, p. 40), que, no esquema tripartite de Montesquieu (1973), implica a edição da regra por um órgão e seu cumprimento por outro. Trata-se de uma conformação que, de um lado, permite a dissociação entre os espaços público e privado, entre política e economia, entre direito e moral (HESPANHA, 1999), e, de outro, torna o direito apanágio de um Estado que se pretende monopolizador do uso legítimo da força (WEBER, 1993). Hespanha (1999), em uma abordagem fundada em Weber e Marx, percebe o Estado como fenômeno recente, caracterizado como a entidade que permite a separação entre público e privado; autoridade e propriedade; política, direito e economia. Como a unidade que promoveu a concentração de poderes em um único pólo, eliminando o pluralismo político-jurídico presente, ao menos em parte, até o antigo regime. A entidade que instituiu um modelo racional de governo, funcionando sob uma constituição e um princípio de legalidade, normas gerais e abstratas (HESPANHA, 1999, p. 2-5). O autor indica, em sua reflexão sobre o Estado moderno, o problema do uso dos temos, como liberdade e democracia, e seu significado em contextos diferentes (HESPANHA, 2003, p. 19-20), a produzir discursos que, no processo de sedimentação do Estado, conferiu à lei estatal o papel de legitimação de desigualdades (HESPANHA, 2003, p. 241 e ss.), a evidenciar um Estado apresentado como expressão da sociedade e tutor do

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interesse geral e ocultar, de fato, uma instância capturada pelas elites (HESPANHA, 2003). Note-se que o Estado é uma formação histórico-social que se reveste de uma condição institucional com uma estruturação que dela decorre. É fato social que compreende fundamentação ética, política e jurídica, o que permite sua análise por diferentes ângulos. Perceba-se que na sociedade moderna o Estado não apenas assume uma configuração que reflete um processo histórico adaptativo, como se coloca em uma posição central, na medida em que seu papel concerne a fundamentais mediações sociais, entre as quais as que envolvem política, economia e direito. Mesmo por isso, ao Estado é possível se relacionar com a sociedade de maneira geral, alcançando, potencialmente, todas as esferas da vida das pessoas. Estado de Direito, anota Canotilho (1998), aparece como tentativa de “domesticação do domínio político pelo direito”. O autor percorre as várias tradições que permeiam o termo, para fixar uma noção contemporânea que absorve e reconstitui conteúdos oriundos da trajetória do constitucionalismo ocidental, tais como o devido processo legal, a prevalência das leis sobre o arbítrio do poder, a igualdade no acesso à jurisdição, o direito do povo definir suas leis, a juridicidade do poder vinculada à justificação do exercício do poder, a presença de tribunais como garantia para os cidadãos, a legalidade em um plano normativo hierarquizado e a administração pública sob a legalidade (CANOTILHO, 1998, p. 87-92) 57 , entre outros. Contemporaneamente, esses conteúdos presentes na formação de um direito burguês sofrem adaptações contextuais e apropriações diversas, que tornam incerta sua classificação como mero instrumento de classe. Canotilho, como Bobbio (1995), afirma no Estado de direito sob o constitucionalismo a primazia do governo de leis sobre o governo de homens. É um conceito insuficiente, mas ilustrativo, para fins de análise jurídica, já que se sustenta em uma versão liberal de democracia que, todavia, possui plasticidade suficiente para se recompor associado a uma concepção de democracia ampliada, expressada no conceito mais abrangente de Estado Democrático de Direito, que, nota Faria, amplia as exigências sociais do Estado de Direito (FARIA, 2004, p. 131). Aponte-se, ademais que o Estado moderno ocidental formou-se com a contribuição de três bases distintas, que modernamente se complementam

57 O autor explica esses conteúdos vinculados a conceitos como o inglês “rule of law”, o americano “always under law, o francês “l’état legal”, e o alemão “rechtsstaat”.

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(BIGNOTTO, 2000), quais sejam o liberalismo, o republicanismo e a democracia, cuja convergência marca o Estado democrático deste início de século XXI (O’DONNELL, 1998b, p. 30). O’Donell (1998) explica que há um nexo de causalidade entre o vigor desses três componentes em uma sociedade e o funcionamento adequado dos mecanismos de responsabilização mútua entre os atores presentes na arena pública. O autor salienta a importância da tensão produzida por esse fenômeno, que orienta formas institucionais e experiências sociais, entre as quais uma organização estatal dotada de mais permeabilidade à participação e controles. Weber (1969) explora, na formação multifacetada do Estado em vista das peculiaridades da sociedade moderna, possibilidades distintas de legitimidade na ação estatal, a configurar crença estável na autoridade e em suas decisões. As várias possibilidades de organização do Estado, à luz do modelo geral consolidado, provoca, como salienta Dahl (1990, p. 58-59), diferenças estruturais entre sistemas políticos concretos (DAHL, 1997), condições sociais e institucionais, que o autor analisa a explorar possibilidades de democracia 58 , que, modernamente, aparecem em arranjos nos quais os sistemas político e jurídico atuam acoplados (LUHMANN, 1998c). No bojo de uma crítica mais ampla à sociedade capitalista, Marx (2005) aduz que o Estado, ao refletir os interesses dos proprietários não pode servir para atender à sociedade em geral. De fato, na crítica marxista às instituições da democracia burguesa (LÊNIN, 1979, p. 21), o Estado converte-se em importante instrumento ideológico, na proporção em que identifica os interesses da classe dominante proprietária com os interesses da sociedade em geral (PASHUKANIS, 1989). Nessa perspectiva, o conjunto de direitos universalizável e os meios de apropriação de direitos são tidos como constitutivos de uma vontade geral, que, materialmente, contudo, atende aos interesses de grupos sociais hegemônicos. O Estado sujeito de direito, ou seja, a Administração, age consoante uma pretensa vontade pública, ideologizada, consbstanciada na vontade da lei, que cumpre a função de apresentar como direito de todos os interesses de poucos. Em uma tal

58 No conceito de poliarquia de Dahl uma democracia minimalista deveria contar, pelo menos, com liberdade de associação, liberdade de expressão, direitos de voto, elegibilidade, direito de lideranças políticas competirem por apoio, existência de fontes alternativas de informação, eleições livres e limpas, instituições que tornem políticas governamentais dependentes de votos, controles e manifestação de preferências entre eleições.

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condição as estruturas estatais, o direito inclusive e especialmente, aderem a estratégias de dominação de classe (PASHUKANIS, 1989), já que “é a criação de uma ordem que legaliza e consolida essa submissão, amortecendo a colisão de classes” (LÊNIN, 1979, p. 10). A burocracia se apresenta “acima da sociedade”, dotada de “inviolabilidade”, escorada em uma idéia de cumprimento de função a espelhar o interesse público que justifica uma idéia de “poder público separado da sociedade e situado acima dela” (LÊNIN, 1979, p. 15-16). Essa crítica, que hoje não se sustenta descontextualizada, fornece suporte ao pensamento social que rediscute a democracia em termos de densidade e alcance, bem como de adaptação a cenários periféricos e multiculturais. Realce-se, nesse grupo, trabalhos que buscam rediscutir o Estado, verificando na abertura a novos arranjos institucionais e diferentes práticas de ação estatal, a possibilidade de um Estado, e um direito (SONTHEIMER, 1971, p. 22), que se justifiquem a refletir o potencial de democracia e inclusão social presentes nos paradigmas que emergem na modernidade tardia. Giddens (1998, p. 46) aponta em Marx e em Weber uma concepção das relações entre política e economia implicando a subordinação daquela a esta, que atualmente comporta revisão, não para negar essa possibilidade, mas para reconhecer inúmeras alternativas contingentes. Em termos weberianos, o Estado é uma organização que compulsoriamente organiza uma sociedade, monopolizando, em seus limites, o direito e o controle do uso legítimo da força (GIDDENS, 1998, p. 47). O Estado racional-legal enquadra-se no paradigma geral da progressão da divisão do trabalho no capitalismo moderno, em movimento de burocratização, que, em certa medida, revela na obra do autor possibilidade de autonomização do espaço político-administrativo (GIDDENS, 1998, p. 47). Tem-se o Estado como elemento central, mormente no mundo ocidental, para a transição de esquemas tradicionais de dominação para a dominação racional-legal, que alimenta uma aliança entre Estado, política e direito (GIDDENS, 1998, p. 61), cuja complexidade na modernidade reflexiva abre arranjos indeterminados previamente. O Estado, assim, apresenta múltiplas facetas, a evidenciar não apenas sua centralidade nos processos sociais contemporâneos, mas a complexidade funcional dessa estrutura, que se vincula a distintos campos, como a política, o direito e a economia; o indivíduo e a sociedade; a projeções simbólicas e materiais. Perceba-se, ademais, o Estado moderno como aparato político de governo, que rege sobre um território dado, e cuja autoridade está respaldada por um sistema

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jurídico e pela capacidade de usar a força para implementar suas ações e políticas (GIDDENS, 2000a), tendo a si vinculada uma organização burocrática, admitida em termos weberianos, capaz de operacionalizar de forma eficiente a sua função (GIDDENS, 2000a). Conquanto em qualquer período da história se possa falar em uma administração da esfera pública, os contornos precisos do que chamamos administração pública indicam um modelo organizacional, e um ramo do conhecimento, específicos, que aparecem a partir de fins do século XIX, no bojo de um processo mais amplo de reconstrução do Estado em bases liberais.

6.3. Estado e Administração Pública

Administração Pública é termo usado para significar tanto um campo de estudos, quanto o setor administrativo ligado aos negócios do Estado (WALDO, 1955). O termo aparece na obra de Wilson (1887), que cunha a conhecida expressão “administração pública é a execução detalhada e sistemática do direito público”. Administração Pública pode ser descrita, assim, como o campo da administração que compreende o exercício da função administrativa pelo Estado 59 e que se caracteriza por uma rigorosa definição normativa acerca de atos e procedimentos possíveis e de deveres e responsabilidades do administrador. Opera relacionando Estado e sociedade, bem como objetivando eficiência na ação governamental. Delimita princípios e métodos que permitem às organizações públicas serem dirigidas, coordenadas e controladas (WHITE, 1955) segundo uma razão superior que se denomina interesse público (BANDEIRA DE MELLO, 2005). A moderna concepção de administração pública aparece, concomitantemente, com a teoria da administração (MORGAN, 1996), sendo evidentes, por exemplo, pontos de contato entre os trabalhos de Weber e Wilson. Note-se que Administração Pública compõe uma lógica organizacional que permeia a estruturação do Estado moderno, associada a outros elementos como o conceito de Estado de Direito, a separação dos poderes, o federalismo e as técnicas de desconcentração e descentralização administrativa, além das estratégias intervencionistas geradas pelo Estado Social. Perceba-se que a administração pública deve ser instrumento que

59 Nos termos da distinção estabelecida por Montesquieu.

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atende a objetivos políticos e sociais, explicitados pelo direito (SANTOS, Reginaldo, 2002, p. 935), no entanto, tende a se autonomizar em determinados contextos. A relação da administração pública com o direito passa pelas relações que decorrem do Estado de direito, especialmente marcado pelo constitucionalismo e pela noção francesa de legalidade, cuja experiência possibilitou a emergência institucionalizada de um modelo de estrutura tripartite, centrada em controles jurídicos, consoante o regime de direito público. Note-se que, sob o liberalismo, a administração pública se vincula a uma ordem jurídica que ratifica e reforça interesses regulados pela mão invisível smithiana, que “se expressava em termos de ordem, segurança e paz. Ordem, então, quer significar preservação de estruturas” (GRAU, 2000, p. 41). Com o Estado social a administração é composta noutros termos (GRAU, 2000, p. 42), mantida sob o regime jurídico administrativo (LOPEZ, 2001, p. 363 e ss.), mas entremeando seu componente técnico a relações jurídicas e políticas tensionadas (CORREAS, 1995, p. 94). Essa situação se torna ainda mais complexa nas últimas décadas do século XX, sob os auspícios do Estado democrático de direito e da modernidade tardia, ambiente no qual Estado e administração pública são instados a conjugar fórmulas mais ambiciosas de síntese da tensão weberiana entre democracia e burocracia. A incorporação dos conceitos de governança e “accountability” à gramática da nova gestão pública tem permitido às ciências sociais um instrumento de análise mais vigoroso, especialmente importante para a análise de políticas públicas. Estado e administração pública podem ser observados com certas nuanças quando analisados segundo esses instrumentos da chamada “nova gestão pública” 60 , governança e “accountability” 61 . Governança e accountability constituem não apenas um aparato técnico-conceitual, mas componentes de uma imagem de Estado que deve ser construído sob o paradigma democrático. Este dado outorga centralidade a esses dois elementos, os quais pertencem a uma descrição de Estado que somente pode existir relacionado com uma esfera pública democratizada. Trata-se de reconhecer que ao espaço público não é apenas

60 Termo utilizado para distinguir os modelos de administração pública que emergiram na passagem da forma burocrática para o enfoque gerencial ou pós burocrático. 61 Embora “accountability” seja termo da língua inglesa, optou-se, em vista de seu uso recorrente no texto e por pressupô-lo suficientemente familiar na literatura técnica, por não grafá-lo em itálico ou entre aspas.

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conveniente, mas indispensável, a presença dos atributos que definem governance e accountability. Dois eventos ocorrem a partir de fins da década de 70 do século XX e se consolidam no início dos anos 90, atingindo, em diferentes níveis, os Estados nacionais: o compromisso com um regime político que tem como matriz comum o modelo de democracia representativa liberal e a reformulação das estruturas burocráticas de administração do setor público (ABRÚCIO, 1999, p. 1). Vinculados entre si, estes eventos, mormente no caso brasileiro, induzem à procura de instrumentos de gestão a eles adequados. Pretendeu-se, nessa perspectiva, organizar o setor público levando-se em consideração sua necessidade de responder satisfatoriamente às demandas da sociedade, de maneira eficiente e eficaz, em um contexto de complexidade e risco (RUA, 1997, p. 136). Nesse sentido, é priorizada a presença, no meio interno e em face do ambiente, de uma teia de responsabilização recíproca, capaz de persuadir os agentes estatais a realizar suas obrigações, e somente elas, de modo adequado. A produção de políticas públicas em uma sociedade democrática passa, necessariamente, pela promoção de governos aptos ao exercício dinâmico do ato de governar” (FRISCHATAK, 1994, p. 195), característica que envolve capacidade de discernimento e de decisão jurídica compatíveis com a dimensão intervencionista do Estado. Abrange também preceituar incentivos e sanções para que governo, burocracia, sociedade e cidadãos exerçam bem o papel que a cada um cabe nesse arranjo (PRZEWORSKI, 1999, p. 68). A afirmação legítima das políticas públicas requer um desenho institucional em que a juridicização dessas políticas seja concomitante com a possibilidade de equilíbrio entre democracia e burocracia, e de os cidadãos controlarem e participarem dos negócios públicos (PRZEWORSKI, 1999), não necessariamente estatais. Trata-se de os sistemas da política e do direito operarem de maneira estruturalmente conforme suas funções, o que envolve o reconhecimento da importância de peculiaridades contextuais incidentes sobre o desenho institucional (AZEVEDO, 1999, p. 112). Governança é expressão que foi forjada no bojo da corrente democrático reformista que comparece no cenário mundial das últimas décadas. A um só tempo, oferece contraponto e complementa a noção de governabilidade, mais antiga, cujo sentido faz remissão às condições institucionais e sistêmicas sob as quais se exerce

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o poder, tais como a forma de governo ou o sistema político (DINIZ, 1997, p. 38). Trata-se, pois, de um estado sobre o qual se desenvolverão possibilidades operacionais (FRISCHATAK, 1994, p. 195), com inegável apelo para as políticas públicas, especialmente, quando notamos que tanto essa matéria quanto tradicionais funções de governo passam a orbitar o sistema jurídico (FARIA, 2004). Remetendo a uma associação entre capacidade governamental e democracia política (DINIZ, 1997), governança 62 é um termo que, conforme Diniz, possui três dimensões essenciais, quais sejam a de comando e direção do Estado, a de coordenação entre políticas e interesses em jogo e a da implementação das decisões governamentais (DINIZ, 1997). Destaca a autora que a existência de meios de accountability é essencial à governança, que requer “condições financeiras e administrativas de um governo para transformar em realidade as decisões que toma” (RUA, 1997, p. 136). Frischatak (1994, p. 196) percebe, na idéia de governança voltada para a produção de políticas governamentais, quatro elementos constitutivos: coordenação, liderança, capacidade de implementação e produção de credibilidade. Vê-se, então, que governabilidade é referência a uma condição estática, ao passo que governança implica o comportamento governamental, apresentando característica dinâmica. À configuração formal da governabilidade a governança adiciona possibilidades múltiplas, exatamente porque leva em conta a ambição contida no desafio democrático (CLAD, 2000, p. 18), a complexidade social crescente e o papel do direito na gestão material da coisa pública. Assinale-se que governança é dimensão atrelada à maneira pela qual o poder é exercido na esfera pública (AZEVEDO, 1999, p. 131). Seu sentido é vinculado à democracia, responsividade e juridicidade, porque o giro metodológico que realiza, obrigando que a sociedade passe a ser a medida do desempenho estatal, somente faz sentido em um ambiente no qual se consagra a inclusão social e a universalização de direitos como valor preferencial na realização do interesse público. Mais que mera capacidade de administrar a seara pública 63 , governança identifica um jeito de exercer o poder que transforma, de obstáculo em alavanca, a incerteza e o risco próprios da democracia.

62 O termo vem traduzido do inglês “governance”. Também é traduzido como “governação”. 63 No sentido proposto, entre outros, por Samuel Hutington.

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Accountability, por seu turno, é expressão que traduz uma idéia de responsabilização e dever de prestar contas. Chama-se vertical a accountability exercida pela sociedade sobre os organismos públicos, entre os quais se destaca a eleição de representantes pela população para o exercício do poder político. Accountability horizontal reside na existência de agências públicas, estatais ou societais, que têm o dever legal, os meios adequados e a disposição para controlar e responsabilizar outros agentes ou agências estatais (O’DONNELL, 1998b, p. 40). Uma das principais questões levantadas em torno da accountability diz respeito à relação entre governantes e burocracia (MELO, 1996, p. 73) na produção de políticas públicas. A possibilidade de o governo, e em última instância o povo, controlar a burocracia estatal é de suma importância para o Estado moderno e, mais que isso, é um ingrediente sem o qual não haverá que se falar em democracia. Accountability e governança são, portanto, elementos da organização estatal que, eivados de juridicidade, permitem, na medida de sua concretização, um direito das políticas públicas mais efetivo, porque atrelado a democracia e cidadania, o que coloca a organização estatal a operar em vista de seu ambiente social, a submete a um direito de alcance mais profundo e à obrigação de dele prestar contas à sociedade (CLAD, 2000, p. 31). Observe-se que políticas públicas passam a integrar a administração pública brasileira, de forma sistematizada e juridicamente amparada, no mesmo período de incorporação desses novos instrumentos de gestão pública, coincidindo, também, com redemocratização e reforma do Estado que ocorrem, sob diferentes formas, nos últimos vinte anos. A capacidade de governança se verifica quando há segurança quanto à prevalência de regras universalistas nas transações sociais, políticas e econômicas; promoção de arranjos cooperativos, com punição para os comportamentos refratários; e redução dos custos de transação. Implica, ainda, o funcionamento dos sistemas jurídico e político consoante seus respectivos código e função, a resistência do espaço público à captura por grupos de interesse e sua capacidade de adaptação a modelos institucionais e promoção de accountability (MELO, 1996, p. 69). A noção de governança, enquanto modo de governar, origina-se na política, contudo, o reconhecimento de que a administração pública recebe intensa e totalizante atenção do sistema jurídico obriga a que se recontextualize afirmações

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que dão conta da gestão púbica como política (RUA, 1997, p. 137) aliada à técnica e administrar. Inclui-se, pois, no conceito amplo de governança, a juridicidade, a adequação ao sistema do direito. Perceba-se que governança se harmoniza com accountability, sendo ambos componentes democráticos juridicizados da atividade e da organização estatal (DINIZ, 1997). Intervenções de agência burocráticas insuladas, ou de órgãos impermeáveis a controles, como o Ministério Público e o Judiciário, podem afastar a democracia, a perspectiva pluralista, e a possibilidade de equilíbrios complexos na arena pública. O campo das políticas públicas é arena que demanda os sistemas político e jurídico, estruturalmente acoplados, os quais se colocam diante do dilema (BOSCHI, 2002, p. 230)) que se encerra na tensão entre burocracia e democratização da gestão pública. O desafio pautado se refere a modular o padrão das políticas públicas, com a introdução de meios indutores de correspondência entre a ação do interveniente que define e concretiza juridicamente as políticas e a delegação que lhe é outorgada pela sociedade, que tem a primazia em uma relação do tipo “agente e principal” (PRZEWORSKI, 1999, p. 45). Trata-se de construir arranjos institucionais que contenham restrições e incentivos (PRZEWORSKI, 1999, p. 52) indutores das várias interações que ocorrem nessa seara, contribuindo para a produção de governança, com acréscimo de accountability horizontal e submissão à accountability vertical. Verifica-se que a gestão pública no Brasil enfrenta questões mais sensíveis à governança que à governabilidade (AZEVEDO, 1999), mais afetas à “accountability” que ao estrito controle de meios. Tal constatação tem como pano de fundo o já referido “processo histórico social” (AZEVEDO, 1999, p. 134) brasileiro, que envolve uma dada experiência de administração pública e reforça um movimento enredado de disfuncionalidade recíproca (MARTINS, 1997, p. 175) que atinge o direito, a administração e a política.

6.4. Políticas públicas no Estado contemporâneo

Políticas públicas são instrumentos que, com a conotação empregada neste trabalho, estão ligados à noção de Estado Democrático de Direito, desde que se

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toma como premissas que fundam essa constatação a complexidade da sociedade hipermoderna; a diferenciação, especialização e clausura operacional como tipicidade do sistema jurídico na modernidade; as tendências pluralistas, democratizantes e emancipatórias presentes no contexto atual; o Estado constitucional como dinâmica construtiva que juridiciza relações sociais em geral e político-estatais em especial; o Estado como campo potencialmente autônomo e disputável; cidadania como possibilidade de incorporação crescente, em volume e complexidade, de direitos. Políticas públicas são funções socialmente relevantes (BUCCI, 2002, p. 242) sob a incumbência da administração pública, que as executa de forma planejada, coordenada, programada e vinculada a resultados (SANTOS, Marília, 2002, p. 268). Além disso, na ordem constitucional vigente, apresentam-se submetidas ao direito. Essa juridicidade aparece na esteira de um movimento geral, vivido contemporaneamente, de alargamento da fronteira jurídica sobre as várias dimensões da vida em sociedade, a ocupar tanto o espaço dos déficits no campo ético, quanto dos excessos na seara política. Ao direito é atribuído o papel de estabilizar expectativas generalizadas de comportamento (LUHMANN, 2005), em um contexto de modernidade reflexiva (GIDDENS, 1991b), no qual a vida em sociedade transcorre sob risco (BECK, 1992; 1999) e fluidez (BAUMAN, 2007) 64 . É, assim, o principal fator de mediação em uma disposição social hipercomplexa, na qual sistemas marcados por estruturas e funções especializadas operam fechados em relação ao ambiente, ainda que se abram à comunicação. Nessa perspectiva, direito e política aparecem como sistemas autopoiéticos que, todavia, percebem a comunicação derivada da ação um do outro e, por vezes, se acoplam estruturalmente. O Estado é estrutura de ligação entre esses sistemas, que, entre outras funções, define políticas públicas por meio de direito formalmente legislado. Políticas públicas aparecem como blocos de atividades realizadas pelo Estado, por meios normativos e materiais. No moderno Estado constitucional o

64 Como já assinalado, para o autor a sociedade contemporânea se caracteriza pela liquidez e flexibilidade, que lhe ditam o movimento e impedem o enraizamento de estruturas e instituições, por uma instabilidade nas referências valorativas e um distanciamento dos agentes do poder das instancias locais de sua concretização. Entre outros aspectos o autor destaca a passagem de um modelo de estado social de comunidade inclusiva para o modelo individualista neoliberal, de justiça criminal em um estado excludente. Perspectiva semelhante a esse aspecto em particular pode ser encontrada na visão de Santos (2000), citado no capítulo 5, sobre a prevalência de modelos jurídicos regulatórios e restritivos na modernidade, com o abandono de estratégias jurídicas emancipatórias.

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balizamento genérico para esses programas e ações é fornecido pela Constituição, que apresenta uma ordenação primária da matéria, dotada de certa plasticidade, a permitir, na sequência, a escolha entre alternativas possíveis (DYE, 1981, p. 19 e ss.). Escorados em lei formal 65 , determinados agentes, investidos de competência e poder discricionário, concretizam políticas públicas. Percebe-se, na base desse arranjo, um Estado enredado em relações sociais múltiplas (LUHMANN, 1993; 1998a; 1998b), comportando disputas (JESSOP, 1990; 2007) em torno de projetos políticos diversos. Um Estado que, constitucionalizado e dirigido normativamente para um comportamento democrático, ocupa sem exclusividade, mas com centralidade, o espaço público. É, pois, estrutura que condiciona o comportamento dos agentes, e, simultaneamente, descortina possibilidades de ação 66 , especialmente ao fazê-lo por intermédio do direito, que opera sob um código mais simples e direto que, por exemplo, o da política. As políticas públicas são expressão jurídica da ordem estatal, o que impõe sua submissão a um diálogo propriamente jurídico, do qual decorre a possibilidade de seu controle pelo direito. O regime de direito público, que se ocupa das relações entre Estado, interesse público e direito (LOPEZ, 2001, p. 363 e ss.), incide sobre a matéria, determinando não só a ação da Administração estatal, como intervenções possíveis a outros agentes. Constata-se, outrossim, que o problema da implementação de políticas públicas afirmadas como finalidade do Estado está condicionado a relações de poder, o que equivale a dizer que esses fins seriam dados, também, ao cabo de processos de confrontação e embates políticos (REIS, 1975), externos, mas pressupostos pelo sistema jurídico. É, aliás, recorrente nos estudos da administração pública o problema das relações entre política e administração, permeando o vínculo, regulado juridicamente, entre governo e administração (MEDAUAR, 1992, p. 137-140), e a contingência que envolve a perspectiva de dependência e autonomia recíprocas (MEDAUAR, 1992, P. 139). Note-se que o dado matriz para a discussão das políticas públicas é a burocracia como fenômeno da modernidade, que incide sobre a configuração estatal e interfere nos processos sociais. Secchi (2009) explora a questão na discussão sobre o modelo burocrático e as tentativas de superá-lo, destacando os modelos

65 No caso brasileiro, necessariamente fundado em lei, nos termos dos art. 37, “caput”, e 84, IV, da Constituição da República. 66 Estrutura como um sistema de imposição de regras e disponibilização de recursos. Ver o sentido específico adotado para a relação entre ação e estrutura em Giddens (1984).

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apresentados nas propostas de reforma mais recentemente ocorridas no Brasil. Embora o autor se refira a dois “modelos” e um “paradigma relacional”, pode-se perceber que seu foco alcança, de fato, duas alternativas à burocracia, uma, o “gerencialismo” (BRESSER-PEREIRA, 1996), associada à defesa do Estado neoliberal, e outra, a “governança pública” (DE PAULA, 2005), que seria a adaptação, ou superação dialética, do modelo burocrático à luz do Estado Democrático de Direito. Políticas públicas se enquadram nesse contexto de transição (SECCHI, 2009, p. 365), e se colocam em torno de certas questões, entre as quais, considerada sua juridicidade, a submissão a controles (SECCHI, 2009, p. 362), enfatizados no modelo burocrático e suas derivações (SABEL, 2001) e a responsabilização. A distinção tradicional entre política e administração, levantada por Secchi (2009, p. 365), compõe um cenário no qual responsabilidades política e administrativa são objeto do direito. Da mesma forma, o relacionamento entre os ambientes externo e interno à administração (SECCHI, 2009, p. 362) merece relevância, na medida em que políticas públicas exigem uma gestão mais permeável ao diálogo com a sociedade, o que implica a necessidade de superação do insulamento burocrático, mas, igualmente, das formas patrimonialistas resistentes à modernização. Observe- se, contudo, que na gestão gerencial o cidadão é mero cliente e o compromisso do gestor é com resultados, para cuja consecução ele pode, inclusive, flexibilizar regras e ignorar procedimentos (BRESSER-PEREIRA, 1998), o que não só obstaculiza uma disputa democrática por políticas públicas e orientação da atividade estatal, mas abre flancos para o chamado neopatrimonialismo (SCHWARTZMAN, 1988). A democratização das relações entre Estado e sociedade é vital para a universalização de políticas públicas como direitos, o que demanda, em termos semelhantes aos preconizados por Tilly (1981) neste particular, o alargamento da esfera pública e a presença do Estado como mobilizador de recursos para a ação social. Para Cohen e Arato (1994), Tilly evidencia que o desenvolvimento da autonomia social e de espaços políticos dentro da sociedade devem estar promovidos por conjuntos de direitos, embasados por uma cultura política democrática e por instrumentos institucionais de democracia (TILLY, 2002). Esses instrumentos se referem às tradicionais formas de representação, calcadas na tensão entre representante e representado, entre a autonomia política do mandatário (PITKIN, 1985, p. 157 e ss.) e as prerrogativas do representando,

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outorgante, sujeitas a análises formalistas (PITKIN, 1985, p. 41), descritivas ou simbólicas, sabendo-se que os representantes representam interesses, antes que o povo (PITKIN, 1985, p. 201). Pitkin (1985, p. 252) salienta que representação envolve multiplicidade de interesses e concepções, e várias formas, e nenhum arranjo institucional pode garantir a substância da representação, que, não obstante, deve ser buscada, ao se construir instituições e treinar indivíduos para se compromissar com elas (PITKIN, 1985, p. 265-267). A mesma autora, em trabalho mais recente, além de admitir os limites da democracia representativa defende mecanismos diretos de participação democrática, como meio de mitigar as deficiências da representação (PITKIN, 2006, p. 40-43). A questão democrática é relatada por Avritzer (1996, p. 120-121), que inventaria modelos de democracia a partir de uma prévia discussão sobre bem comum e racionalidade. Lembra o autor que a ciência política elitista não enfrenta essa questão “normativa” de fundo, que, é, contudo, contemporaneamente, apresentada por autores como Dahl (1990), cuja concepção de poliarquia é vinculada a pressupostos de racionalidade individual. Avritzer (1996, p. 121) nota, não obstante, que o crescimento da burocracia no interior do Estado e a impossibilidade de uma idéia substantiva de bem comum conduzem Habermas a uma trilha que une, em termos que descendem de Weber, burocratização com racionalidade comunicativa 67 , na produção de um discurso intersubjetivamente compartilhado. Tem-se a concepção de democracia como processo de institucionalização de procedimentos e condições de comunicação (HABERMAS, 1997, cap. 8), com sua validade atrelada à validade da argumentação como discurso intersubjetivo, em um sistema democrático dependente de redes de comunicação presentes em uma esfera pública ampliada (HABERMAS, 1985). Em que pese a divergência exposta neste trabalho à pretensão habermasiana de intersubjetividade comunicativa, cabe notar que Avritzer parte deste ponto para defender um modelo de democracia participativa. Note-se que gestão pública e políticas governamentais se inserem em um contexto de democratização perpassado por disputas entre concepções hegemônicas e contra-hegemônicas de democracia (SANTOS e AVRITZER, 2005, p. 43 e ss.), envolvendo, entre outros tópicos, as relações entre burocracia e

67 Nos termos da “teoria da ação comunicativa” desemvolvida por Habermas (1984a).

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democracia, e entre democracia e representação (SANTOS e AVRITZER, 2005, p. 46-50), bem como a idéia de democracia participativa (SANTOS e AVRITZER, 2005, p. 55), já nos termos expostos por Santos 68 , que implica cidadania alargada e, por isso mesmo, se conecta ao tema das políticas públicas. Note-se que essa dimensão participativo-democrática possui estreita ligação com um constitucionalismo associado a compromissos sociais (BONAVIDES, 2009, p. 203-204), na esteira do qual emergem políticas públicas (COMPARATO, 1985, p. 409) não apenas como meio de legitimação, mas de fomento à cidadania, em uma rede intricada de relações sociais. Utiliza-se, neste trabalho, uma definição de políticas públicas como estratégias e programas de ação governamental, escolhidos para solucionar problemas específicos de natureza pública (FREY, 2000). Sob tal percepção a dimensão discricionária aparece, ao menos potencialmente, em duas diferentes etapas da realização de políticas públicas: na escolha da pauta a ser executada e na dos instrumentos utilizáveis, eis que se reconhece a possibilidade de múltiplos modelos fornecendo diferentes tipos de análise (DYE, 1981, p. 19 e ss.). Tais políticas se referem a programas e atividades efetivados pela administração pública 69 , eis que o regime jurídico administrativo comparece na definição normativa da programação governamental, em sua efetivação 70 , e em sua fiscalização e controle. A política é pública em virtude do impacto que gera sobre a sociedade (VAISON, 1973, p. 661-664), e o “policy making process” deve ser analisado como um processo uno, porém, complexo, que pode ser visto de forma segmentada, mas permite uma visão geral (BALLART, 1992, p. 43). Cumpre estabelecer os aspectos mais importantes a serem considerados no processo de formulação da agenda de problemas públicos, definindo conceitos e esclarecendo conexões entre elementos como sociedade e Estado, tipos de

68 Ver no Capítulo 5 deste trabalho. 69 No E.U.A., onde se estuda políticas públicas desde a primeira metade do século XX, diferenciam-se os termos “polity”, “politics” e “policy”. “Polity” refere-se à dimensão institucional do sistema político- administrativo, tal como definida em regras jurídicas. “Politics” dá a dimensão processual da política, tratando dos meios utilizados para se estabelecer os objetivos e decisões atinentes à persecução do interesse público pelo Estado. “Policy” se refere aos conteúdos concretos dos programas políticos determinados. Ver, a propósito, em VIANNA (2000); também em WINDHOFF-HÉRITIER (1987). 70 Que em nossa prática difere da programação formalmente legislada, cujo teor autorizativo permite à Administração, em muitos casos, uma reorientação completa após a aprovação da lei orçamentária anual. Ver a respeito no Capítulo 9.

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recursos disponíveis e sua importância para a definição da agenda pública, bem como os conflitos de interesses e as relações com a base de apoio. Segundo Meny e Thoening (1992), a agenda de problemas públicos é matéria que envolve complexidade e nuanças derivadas dos interesses que atinge e das relações que tangencia. Nesse sentido, a realização da agenda pública implica, necessariamente, escalonamento de prioridades, uma operação que não se refere simplesmente ao uso do poder ou à aplicação de determinada regra, mas, essencialmente, ao modo de estabelecer relações político-jurídicas e de tomar decisões levando em consideração interesses e interessados, recursos a serem alocados e demandas passíveis de serem atendidas. Inúmeras, portanto, são as dimensões da agenda de políticas públicas, cabendo diferenciar entre agenda e não-agenda e entre o fazer e o não-fazer em um dado contexto (MENY e THOENING, 1992). Entrar na agenda pública implica reconhecer politicamente que a matéria demandada é dotada de interesse público e objeto de atenção da autoridade, razão pela qual será traduzida em termos jurídicos. É uma operação relativamente mais simples que a decisão de executar certo ponto de agenda. A efetivação de uma medida, pelas implicações fáticas que impõe, obedece a uma lógica que decorre do conflito de diferentes conexões, as quais vinculam-se a disputas por poder político ou econômico ou, ainda, por espaço hegemônico no ambiente sócio-cultural (MENY e THOENING, 1992, p. 95-96). É importante que ao situar as esferas de interesse consideradas na formulação e manejo da agenda pública, vislumbre-se, com a maior clareza possível, o contexto geral e as peculiaridades da arena política, as quais, sob tensões do tipo sociedade x Estado; econômico x político; mercado x espaço público; individual x social; eficiência x equidade, bem como sob o influxo de disputas conceituais acerca de idéias como as de interesse público, vontade popular ou justiça, definirão as vicissitudes e possibilidades que concorrerão para a formação, priorização e efetividade da agenda do setor público (MENY e THOENING, 1992, p. 98). Note-se que a questão das políticas públicas demanda marco conceitual que possibilite problematizações. Trata-se de noções de base com a finalidade de fomentar posterior discussão sobre razões e condições que levam à adoção de certas políticas, com exclusão de outras, no enfrentamento de problemas sociais (SANTOS, Wanderley, 1994a).

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Política Pública, consoante Meny e Thoenig (1992, P. 99-100), pode ser entendida como um programa de ação governamental que incide sobre certo segmento da sociedade ou espaço geográfico. Observa-se, desde esta definição, que a conexão entre Estado e Sociedade é um dado fundamental a ser considerado em se tratando de políticas públicas e, como se verá adiante, apresenta dinâmica variada e múltiplas nuanças. De uma maneira geral, uma política pública se assenta sobre cinco características, a saber, um conteúdo, um programa, uma orientação normativa, um fator de coerção e uma competência social. Com essa definição, os autores redefinem em termos mais precisos conceito amplo em demasia oferecido por Dye (1981), segundo qual “uma política pública se compõe de ‘tudo aquilo que os atores governamentais decidem fazer ou não fazer’”. É saliente, portanto, o aspecto macro de uma política pública, que opera a partir de marcos gerais, bem como uma orientação teleológica evidente, fundada sobre pré-definições jurídicas que informam a atividade pública em dado contexto, um raio social de incidência e um conteúdo concreto, identificado nos meios mobilizados para sua geração. Além disso, deriva de autoridade que deve possuir legitimidade e, por via de conseqüência, poder de coerção, isto é, de fazer valer suas decisões, inclusive mediante uso da força. Note-se, ademais, a necessária distinção entre a gestão de políticas públicas e a administração interna do Estado. Nos atos relacionados a esta última predomina o interesse interno e sua relevância para as políticas públicas aparece apenas na função de administrar recursos e meios para possibilitar a efetivação da política estabelecida. Cumpre definir, neste compasso, uma autoridade pública como “organismo que concede e administra os bens coletivos” (MENY e THOENING, 1992, p. 103). Deve dispor, enquanto órgão, de procedimentos específicos, aparato organizado e competência para o exercício de seu mister. Esses bens coletivos possuem três peculiaridades, quais sejam a impossibilidade de sua provisão adequada pelo mercado, a potencial disponibilidade de atendimento a todo cidadão igualmente e a indivisibilidade. Uma política pública se deixa conhecer pela normatividade que organiza suas diretrizes e sua programação, e é passível de avaliação concreta a partir de elementos empíricos dispersos, entre os quais os efeitos que geram. O impacto de uma política pública indica seus níveis de adequação e eficiência, tendo em vista,

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também, o comportamento de quem a executa e de quem a recebe, bem como o contexto em que ela se insere. Um sistema de ação é como pode ser vista a política pública. Há uma dinâmica que envolve atores, atividades e o processo que os relaciona. Este processo se compõe de cinco fases típicas, quais sejam a identificação do problema, a formulação de soluções, a tomada de decisões, a execução do programa estabelecido e sua finalização, quando seus resultados são vistos (MENY e THOENING, 1992, p. 109). Note-se que todas essas fases estão à mercê de normas jurídicas, que, em alguma medida, as orienta, embora, com diferentes graus de incidência. Nesse ponto fica evidente a importância do levantamento de problemas públicos e a formulação de uma agenda como elementos cruciais para o estudo de políticas públicas. Perceba-se que, no caso brasileiro, esse processo decisório já deriva do sistema jurídico, eis que existem previsões constitucionais que devem ser consideradas, algumas mais restritivas, como os percentuais mínimos de recursos que devem ser aplicados em educação e saúde, outras mais extensas, como os objetivos inscritos no art. 3º da Constituição. A inserção de problemas públicos na agenda estatal aspira à transformação de determinadas preferências encontradas em dado segmento da arena política em políticas públicas. Verifica-se, neste campo, a existência de certa tensão relações travadas entre sociedade e Estado, e entre atores que se movem no seio deste. Fundamentalmente, acontecerão disputas mais ou menos amplas, inclusivas ou democráticas, conforme as condições concretas de seu funcionamento. Remetente e destinatário de políticas públicas se relacionam no espaço público, a oferecer possibilidades de uma agenda pública matizada, cujo tamanho será fixado em função dos conflitos e das capacidades hegemônicas em jogo. Também é considerável o papel desempenhado pelos recursos disponibilizados, já que maiores recursos tendem a compatibilizar maior quantidade de conflitos de interesses e a agregar maior base de apoio. Observe-se, contudo, que o funcionamento devido do sistema do direito é peça essencial nessas relações, já que a concretização jurídico-normativa das políticas públicas condiciona as demais. Note-se, porém, que por maior que sejam as disputas estabelecidas na arena política em torno da dinâmica da agenda pública, em geral, essa agenda redundará em produtos ou serviços de natureza pública, a

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qual responderá, espera-se, a determinada demanda, solucionando-a e plasmando de legitimidade a ação pública. Como afirmado acima, importa, nesses casos, a forma de lidar com as forças conflitivas que envolvem a autoridade pública, pois que este modo permitirá a adequação da agenda, e de suas conseqüências materializadas, a imperativos de juridicidade e legitimidade política. Saliente-se, consoante a análise de Rua (2001), que políticas públicas (“policy”, “policies”) são “outputs” que compreendem o conjunto de decisões e ações relativas à alocação imperativa de recursos públicos. Resultam atividade política (“politics”) (RUA, 2001), estruturalmente, acoplada ao direito, que, cada vez mais, incide sobre esse processo decisório. Cumpre distinguir entre política pública, política e direito. Uma política pública envolve mais que uma decisão, produzida por distintos sistemas, e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para sua implementação. Uma decisão política corresponde a uma escolha entre um leque de alternativas, conforme a hierarquia das preferências dos atores envolvidos, expressando, em maior ou menor grau, uma certa adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis (RUA, 2001). Ressalte-se que essa decisão ocorre com fundamento no código da política, que remete ao poder de tomar decisões vinculantes, e que, nestes casos, opera estruturalmente acoplado ao sistema jurídico, que conferirá juridicidade ou não às decisões tomadas com base em seu próprio código, um pressupondo o comportamento do outro. Note-se que embora uma política pública implique decisão política, nem toda decisão política constitui uma política pública. Uma das suas características centrais é o fato de que são decisões e ações revestidas da autoridade do poder público e envolvem, portanto, atividade política (RUA e AGUIAR, 1995). Conforme Easton (1970, cap. 7), resultam do processamento, pelo sistema político, dos “inputs” originários do ambiente e, freqüentemente, de “withinputs”, demandas originadas no interior do próprio sistema político. São elementos das decisões políticas, segundo Rua (2001), a existência de relações envolvendo apoios específicos e genéricos, e uma pauta de demandas, que podem ser novas, recorrentes ou reprimidas. Observe-se que, sendo as políticas públicas alvo do direito, tal constatação impõe uma coordenada adicional para o processo político que, atuando em situações de acoplamento estrutural, ficará

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obrigado a pressupor comunicação em certo sentido pelo sistema jurídico, e filtrar eventuais irritações de conteúdo jurídico. Uma vez que um problema qualquer tenha se tornado prioridade governamental, é iniciado o processo de formulação de alternativas. Existem diferentes formas de processar a solução para um “input” de demanda, com destaque para o modelo incremental, o modelo racional-compreensivo e uma síntese dos dois denominada "mixed-scanning". O modelo incremental, consoante Lindblom (1959; 1981), opera de forma gradualista, sem introduzir grandes modificações nas situações já existentes, e sem provocar rupturas de qualquer natureza. Em vez de especificar objetivos e de avaliar decisões que possam atender a esses objetivos, a decisão incide sobre alternativas comparáveis mediante estimativa de resultados esperados. Assim, a melhor decisão não é aquela que maximiza os valores e objetivos dos tomadores de decisão, mas aquela que assegura o melhor acordo entre os interesses envolvidos. O modelo racional-compreensivo considera a possibilidade de conhecer o problema de tal forma que se possa tomar decisões de grande impacto. Neste modelo, a tomada de decisão passa pelo estabelecimento prévio de valores a serem maximizados, e de alternativas selecionáveis para sua execução. A seleção ocorre segundo análise abrangente e detalhada de cada alternativa e suas conseqüências. No “mixed-scanning” há uma composição das duas primeiras fórmulas e, conforme Etzioni (1967), implica que as decisões sejam fundamentadas tanto em uma ampla revisão do campo de decisão, sem análise detalhada de cada alternativa, ponto em que diverge do modelo racional-compreensivo (RUA, 2001). Trata-se de perspectiva que permite que alternativas de longo prazo sejam examinadas e levem a decisões estruturantes. As decisões incrementais ficariam vinculadas e essas decisões estruturantes e envolveriam análise tópica de alternativas específicas. Outra abordagem é o "modelo de política burocrática" que, nos termos definidos por Allison (1960), rejeita a idéia da racionalidade linear em relação a uma política específica, em vista da complexidade das relações sociais. Essa abordagem permite, por exemplo, que aparentes disfunções sistêmicas sejam explicadas nos termos de referências, códigos e objetivos que, aparentemente inexistentes na normatividade institucional das políticas públicas, constituem, na realidade, poderoso pano de fundo a condicionar a comunicação.

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Rua (2001) leciona, ainda, que decisões são, primariamente, intenções, programas que, não necessariamente, serão materializados. A implementação de uma política pública envolve problemas de formulação que reaparecem, assim como novas situações de interação e conflito, e novas necessidades de negociação e fixação de compromissos. A autora enumera condições para que haja uma implementação adequada das políticas públicas (RUA, 2001), entre as quais um diagnóstico adequado da questão a ser enfrentada e correspondente remédio eficaz, resistência a circunstâncias externas (PRESSMAN e WILDAVSKY, 1973), suficiência de tempo e recursos, que devem estar disponíveis globalmente e para cada etapa de implementação, unidade de ação com minimização das situações de interdependência entre executores, especificação de procedimentos, comunicação coordenada e plena compreensão, pelos atores envolvidos, da situação, consenso quanto à atitude a ser tomada, e obediência à cadeia de comando (RUA, 2001). Perceba-se um processo decisório no qual a interferem na aplicação normativa tradições de gestão (GEVA-MAY, 2003, p. 65 e ss.), culturas organizacionais (THOMPSON e WILDAVSKY, 1986) e de governo no âmbito das políticas públicas (FREY, 2000, p. 242-247). O acompanhamento e controle das políticas deve incluir, assim, o tipo de política e de arena política; o contexto inter e intra-organizacional dentro do qual ocorre a implementação, e o mundo externo sobre o qual a política deverá exercer o seu impacto (RUA, 2001). Requer, assim, a compreensão de que muitas políticas representam compromissos entre valores e objetivos conflitantes; muitas políticas envolvem compromissos com interesses poderosos dentro da estrutura de implementação; muitas políticas envolvem compromissos com interesses poderosos sobre quem será afetado pela implementação; muitas políticas são formuladas sem que tenha sido dada a atenção necessária ao modo pelo qual forças poderosas, particularmente, as forças econômicas, poderão impossibilitar a sua implementação. Recorde-se, a propósito, a posição de Crozier (1981), para quem toda dominação consiste na busca de uma estratégia essencialmente semelhante, qual seja a máxima liberdade de manobra ao dominante e as restrições mais estritas possíveis à liberdade de decisão do dominado. Tal consideração, à luz das especificidades das políticas públicas, permite verificar a habitual estratégia governamental no campo das políticas públicas - máxima discricionariedade movida por todas as possibilidades no planejamento, somada a ampla mobilidade

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orçamentária e a desconsideração das normas definidoras de políticas públicas -, que, embora alimentada pela omissão parlamentar (DIAS, 2010), tem sido, em alguma medida e vulnerável a inúmeros efeitos perversos marginais, contrabalançada pela ação de Ministério Público e Judiciário, que intervêm judicializando a política. Examinando modelos de políticas públicas, Franco explana sobre determinadas tensões entre tipos dominante e emergente, em apreciação que concorre para a compreensão dos dilemas de concretização vividos pelo direito das políticas públicas (FRANCO 1996). Consoante esse autor, duas disputas são travadas no campo da institucionalidade, entre exclusividade da ação burocrática e pluralidade de agentes sociais a participar, e entre centralismo e descentralização. No processo decisório, entre o atendimento a procedimentos e uma lógica de ação por projetos, com uma disputa entre um enfoque de meios e outro de fins. No financiamento, entre fonte estatal e cofinanciamento, e entre fomento estatal à oferta ou à demanda, dividindo-se a postura quanto a indicadores entre montante da despesa pública e relação entre custo e benefício social. No campo das finalidades e do estabelecimento de prioridades, entre universalismo da oferta e universalidade da satisfação, entre ampliação progressiva do bem estar e prioridade para os mais necessitados, entre atendimento a classes médias e interesses organizados e grupos pobres e excluídos (FRANCO, 1996, p. 5-16). As consequências são expostas pelo autor:

“En consecuencia, la postergación de políticas sociales que expandan la posibilidad de ampliar el capital humano ya no es sólo una falta a la ética, sino un error económico, que priva a la sociedad de recursos calificados y flexibles para adaptarse a la veloz incorporación de progreso técnico en los procesos productivos. La política social se vuelve así un prerrequisito tanto de la economía como de la política. Pero esa función debe llevarse a cabo en una situación de escasez de recursos y de limitaciones derivadas de la competencia. Por ello es tan importante analizar las posibilidades de reformar y explorar nuevas alternativas de política social” (FRANCO, 1996).

Note-se, entre as dicotomias enunciadas por Franco (1996), um relevante instrumento de análise para o direito das políticas públicas, especialmente na parte que tocam opções que decorrem de possibilidades de concretização normativa enviesadas pela incapacidade de se estabelecer uma macrovisão sobre as políticas.

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6.5. Democracia, cidadania e políticas públicas

Políticas públicas no Estado democrático de direito implica um eixo de análise que abranja a questão da democracia associada à da cidadania e ao problema da exclusão social. Implica assumir que a ampliação do tradicional modelo de democracia, em especial na sua versão brasileira, é imperativa para a afirmação de um sistema jurídico que opere de forma adequada e responda eficazmente às demandas geradas pela introdução em seus domínios de um direito das políticas públicas. Cumpre, assim, delinear alguns contornos dessas questões. Recorde-se, com Beck (2010, p. 38), que na modernidade reflexiva abre-se a perspectiva de reinvenção da política, com um Estado em mudança, não apenas mediante estruturas que refletem adaptativa diferenciação orgânica para o desempenho de suas funções (CORREIA, 2001, p. 13), mas mediante o redimensionamento das instâncias de realização da democracia, reconhecendo-se os limites do modelo representativo que, desde Burke (1982), procura afirmar o dever de o parlamento agir em benefício e em nome do interesse geral, sob a premissa de que o parlamentar deve representar e se reportar a toda a sociedade e não apenas com às comunidades parciais que o elegem (MANIN, PRZEWORSKI e STOKES, 2006, p. 116). A representação democrática, já em Madison (2001)71 , obrigaria o mandatário a atuar em defesa do representado, a sociedade, acima do autoritarismo das facções e das bases eleitorais, em vista da realização do bem comum (LAVALLE, HOUTZAGER e CSTELLO, 2006, p. 54 e 58), o que justifica um modelo fundado em controles e responsabilização (PITKIN, 1967, p. 209), especialmente o voto (LAVALLE, HOUTZAGER e CSTELLO, 2006, p. 61-62). O Estado democrático de direito procura ampliar essa noção importante, porém, restrita de democracia, ancorando-se, ainda, na ampliação do princípio democrático, a começar pelo reconhecimento de direitos de cidadania e pela adoção de instrumentos de democracia participativa. Nesse contexto alguns itens apresentam-se de forma saliente, entre os quais a afirmação universalizada de um conjunto de direitos fundamentais, o regramento da produção legislativa e a adoção do princípio da soberania popular (CANOTILHO, 1998, p. 94), consignando-se,

71 Ver especialmente o Artigo n.º 10.

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ainda, condições poliárquicas (DAHL, 1990) que permitam fixar a indeterminação desejável nas democracias, isto é, a possibilidade permanente de a vontade pública se deslocar de posição (PRZEWORSKI, 1991, p. 173). Perceba-se que essa a ambição democrática está concatenada com uma sociedade complexa e especializada funcionalmente (LUHMANN, 2001), que demanda meios eficazes para solucionar seus conflitos, por coerção ou consenso (RUA, 2001). A democracia, como o sistema jurídico que a tangencia, é uma “aposta institucionalizada”, que envolve, de maneira especial, um tipo de limitação sobre o Estado e os governantes, que consiste na programação, em documentos normativos, dos quais o mais importante é a Constituição, de suas possibilidades de atuação, servindo, ainda, para aferição da efetividade do sistema legal (O’DONNELL, 1999), eis que em um Estado democrático de direito democracia é poder, mas é manejada pelo sistema do direito. Entre as reflexões sobre democracia vinculada a cidadania, cabe indigitar a posição de Santos, que diferencia, entre as manifestações do Estado e da sociedade, as de baixa intensidade, desenvolvidas pelas elites, e as de alta, que geram movimentos sociais de baixo para cima (SANTOS, 2008). Em Laclau e Mouffe (1987) se verifica a defesa da democracia radical, desenvolvida nos marcos do pós-marxismo, que alia a crítica marxista do capitalismo à crítica filosófica, especialmente de Wittgenstein e de Heidegger. Os autores rechaçam o essencialismo da ortodoxia marxista para assimilar o papel da linguagem na estruturação das relações sociais, e substituir a categoria de “sujeito” na constituição de identidades coletivas pela percepção de sujeitos descentrados, constituídos por unidades relativas e debilmente integradas na forma de uma pluralidade de “posições de sujeito” (LACLAU e MOUFFE, 1987). Sublinhando a importância do contexto social, percebem a generalização de fenômenos de desenvolvimento descontínuo e desequilibrado no capitalismo tardio, e reconhecem a noção de hegemonia como lógica orientadora de um projeto de recomposição do social, partindo de um contexto de fragmentação e dispersão (LACLAU e MOUFFE, 1987). Assumem, em conclusão, a idéia de democracia radical, como utopia social possível no contexto da modernidade tardia. Um tal sentido de democracia envolve, necessariamente, uma concepção reforçada de cidadania (MOUFFE, 1993b) e de

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sistema jurídico como assegurador de direitos a ela referidos, em uma acepção que ultrapassa os termos tradicionais da relação entre indivíduo e Estado 72 . No âmbito da discussão democrática, Keane (1984) critica a burocratização e a estatalização das sociedades e, em contrapartida, realça as dimensões da democracia e da sociedade civil, já que assimila democracia como descentralização do poder decisório e pluralidade de esferas públicas (KEANE, 1984). Harvey (1992), no mesmo passo em que crítica o Estado, redefine as perspectivas de reestruturação social exatamente em função do Estado. Na crítica de autores desse naipe se percebe o dilema do Estado na democracia, cuja resolução passa pela porosidade de suas estruturas à participação, a envolver compartilhamento de ações e de agenda (RUA, 2001, p. 5-6 e 9-10), mas também aspectos da noção de dignidade humana (BAUMAN, 1999), em parte vinculados a fenômenos como a progressividade das políticas sociais, exemplificada pela experiência brasileira pós 1988 (RAMOS, 2001, p. 189 e ss.), na qual parcelas mais pobres da população têm se beneficiado das políticas públicas ligadas ao bem estar social (PNAD, 1998, IPEA...). Trata-se de cidadania e democracia em relação interdependente, no mais das vezes juridicizada, podendo-se afirmar, por exemplo, uma correlação entre as dimensões da cidadania na obra de Marshall (1967) e as sucessivas ondas de direitos (VASAK, 1967), a vincular o jurídico à cidadania. Na obra seminal de Marshall pode-se perceber a cidadania repartida em três dimensões distintas e complementares entre si, quais sejam a civil, a política e a social. Tais dimensões são pelo autor compreendidas no contexto da modernidade ocidental, mais especificamente britânica, na qual são consagrados, desde fins do século XVII e até o século XX, sucessivamente, os direitos civis, políticos e sociais. Os primeiros absorvem a perspectiva da liberdade individual e da igualdade formal. Os políticos se referem à possibilidade de participação nos negócios do governo, direta ou indiretamente. E com os direitos sociais, ancorados em uma concepção alargada de justiça, cuida-se de oferecer a todos, indistintamente, um padrão de bem-estar razoável, segundo o ponto de vista prevalecente na sociedade (MARSHALL, 1967). Essas três dimensões da cidadania se sucederão mediante um desenvolvimento progressivo, linear e logicamente encadeado, que Marshall (1967)

72 Ver, por exemplo, em Jellinek (2002, p. 245).

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evidencia. Conforme sua narrativa, em dado contexto foi possível o reconhecimento dos direitos civis, produzindo um ambiente no qual homens livres e iguais em interação conduziram-se à reivindicação de direitos políticos. Liberdade individual, igualdade jurídica e participação política geraram, por seu turno, um movimento na direção de assegurar a todos um patamar adequado de dignidade e de bem-estar, sem o qual ficariam comprometidos os direitos precedentes. Observa-se que, na análise de Marshall, contextualizada sobre a experiência da Grã-Bretanha, sobressai o impulso dos direitos civis para a construção de uma sociedade político-jurídica mais igualitária (VIEIRA, 1997). Exatamente por ser fixada em um contexto determinado e peculiar, a obra de Marshall oferece dificuldades de transposição (DIAS, 2007). É que poucos povos alcançaram os direitos de cidadania segundo a matriz marshalliana. A experiência do Brasil, quando confrontada com o esquema do autor, revela um percurso absolutamente distinto daquele traçado pelo citado pensador (CARVALHO, 2004, p. 219), o que dificulta o exame do caso brasileiro pela lente de Marshall, especialmente, considerando sua relação com a concretização do direito das políticas públicas como possibilidade de geração de direitos de cidadania. Origem de amplo debate, a concepção de cidadania de Marshall tem sido visitada por diversos autores, que apontam questões deixadas em aberto ou tratadas de maneira equivocada pelo autor. Entre esses diálogos, destaca-se o foco sobre a relação entre a cidadania social e o sistema de classes capitalista, desenvolvido por Mishra (1983), que avalia as contradições entre políticas estatais de tendência igualitária colocadas sobre um sistema econômico que se assenta na desigualdade. A crença de Marshall em uma tensão rumo à igualdade como principal característica da cidadania implica haver uma harmonia político-social a possibilitar a emergência, no plano jurídico, das distintas dimensões da cidadania. Giddens (1987; 1994b) assinala, em sua reflexão sobre o tema, a questão das lutas e reivindicações por direitos. Segundo ele, somente edificaram-se direitos civis, políticos e sociais à custa da ação, organizada ou não, de expressivos segmentos sociais. Verifica-se, então, um potencial de conflito permanente em uma sociedade jungida pelas inconciliáveis lógicas do sistema capitalista e da cidadania (ZOLO, 1994, p. 39). Os direitos à liberdade e, seu corolário, à propriedade, estão postados em oposição à busca da igualdade substantiva. Por isso, aliás, é que Zolo

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(1994) critica a perspectiva de Rawls, que tenta, sob bases contratualistas, conciliar igualdade e liberdade em uma sociedade democrática. Roberts (1997) se refere, noutra vertente, à tensão entre as três dimensões da cidadania, ao contrário do desenvolvimento harmônico relatado por Marshall. Vinculadas a diferentes tradições (O’DONNELL, 1998b), essas dimensões, por vezes, concorrem entre si, especialmente os direitos civis e os sociais, que envolvem uma contradição aparente entre liberdade e igualdade. Mishra (1983, p. 29-30), neste ponto, afirma que a discussão da cidadania social deve ser balizada pela lógica do conflito e da tensão, na medida em que se refere à distribuição de recursos da sociedade. Estabelece o autor uma diferença entre os direitos sociais e os civis e políticos, já que estes carecem apenas de regulação e aqueles da materialização de políticas públicas. Modelos de cidadania são contingentes e que seu conteúdo não pode ser dado senão a partir de relações sociais concretas, razão pela qual deve ser manejada como conceito aberto e de conteúdo principiológico, produto de conflitos que acontecem em determinados ambientes sociais e sob perspectivas teóricas e políticas peculiares. E, assim sendo, só pode ser definida em termos relacionais e contingentes. Observe-se, em um esforço para recompor a idéia de cidadania em bases atualizadas, que Zolo (1994, p. 4-5) afirma se tratar de um conceito que, reelaborado à luz do vazio teórico e político acarretado pelo eclipse da utopia comunista, tem ocupado lugar central no debate democrático contemporâneo, abrangendo três vias principais, quais sejam uma relacionada ao funcionamento efetivo das instituições democráticas presentes no setor público, outra associada à garantia dos direitos subjetivos universalizados em um ambiente de formação e consolidação de identidades coletivas e uma terceira tematizando a tutela dos direitos subjetivos em face das questões postas pela globalização e pelas relações entre etnias e minorias sociais. Além disso, o autor enfatiza que a cidadania deve ser vista em termos de efetividade, salientando o problema da aparência e do formalismo, que é marcante no caso do Brasil (ZOLO, 1994). Carvalho (2004, p. 225-228) ressalta os desafios da cidadania em face de possibilidades de ampliação do espaço público, de complicações advindas do cenário internacional mundializado da cultura do consumismo que concorre com a da cidadania. Held (1987), analogamente, indica a necessidade de utilização de um

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conceito ampliado de cidadania, a envolver questões como as decorrentes do reconhecimento dos direitos difusos ou relacionados às novas tecnologias. Não por acaso Mishra (1983, p. 36-37) enfatiza as possibilidades diversificadas de conteúdo que o termo encerra. Um significado contemporâneo de cidadania no Estado democrático de direito deve ser perpassado por forte conteúdo republicano (ZOLO, 1994, p. 18), o que implica ênfase nos direitos políticos e no desenvolvimento de instâncias mediadoras, no direito e na política, como sugerem, respectivamente, Bobbio (1992) e Ladriere (1979). Walzer (2003), em uma perspectiva de republicanismo cívico, enfatiza a idéia de necessidade de envolvimento do cidadão nos negócios públicos para a configuração da cidadania. Observa-se que a discussão acerca da cidadania implica incorporar a questão da tensão e do conflito, que se apresentam externa 73 e internamente 74 , e, com isso, reconhecer e lidar com o risco. Cumpre assinalar, ainda, a dinâmica da cidadania associada à da exclusão que marca a trajetória da sociedade brasileira, a partir da constatação de que o crescimento do rol de políticas públicas sob o Estado Social não significou, entretanto, uma situação de apropriação homogênea de direitos, já que apesar do generalizante dos direitos de cidadania social, sua concretização é variável (DULCI, 1997, p. 9), evidenciando, outrossim, a hipótese de que, mesmo com a universalização de direitos constante de texto normativo, aplica-se de forma extraviada alguma estratégia de seletividade (DULCI, 1997, p. 13). Os rumos da cidadania no Brasil têm sido discutidos em inúmeros trabalhos que procuram situar seu estágio de desenvolvimento no país, sobre bases que incorporam nosso processo histórico (DIAS, 2007). É o caso de Wanderley Guilherme dos Santos (1994a), que sob o conceito de “cidadania regulada”, envida esforços para explicar que o aparecimento de direitos de cidadania no Brasil obedece não à universalização de valores e direitos, mas à lógica de um sistema social estratificado, no qual os direitos são direcionados pelo Estado de forma seletiva, não jurídica, com o fim de mediar o conflito social e fomentar o sistema econômico. Essa prática compromete, por exemplo, a concretização da cidadania sob as bases formuladas na Constituição de 1988, já que são mantidos cidadãos de

73 Conflito diante do sistema capitalista e seu conjunto de mecanismos e de valores indutores da desigualdade. 74 Conflito entre as dimensões civil, política e social da cidadania.

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segunda categoria, que ao contrário dos de primeira classe, remanescem dependentes do favor estatal particularizado, que não incorporam direitos, mas ficam sob o rigor da lei, muitas vezes sobre a massa de não-cidadãos, excluídos dos direitos de cidadania (CARVALHO, 2004, p. 221 e ss.). Observe-se que não houve, no Brasil, a sucessão de direitos vislumbrada por Marshall, pois sobressaem os fracos vínculos horizontais presentes na sociedade, que exigem um Estado presente, o qual, historicamente, menos que assegurar direitos, regula a sua distribuição, desconhecendo, via de regra, as relações necessárias entre as dimensões civil, política e social da cidadania, em que pese suas nuanças e sua diversidade (ROBERTS, 1997, p. 5 e 12). Com efeito, o trajeto da cidadania no Brasil é perpassado por certos fenômenos, tais como uma dissonância entre cidadania formal e cidadania efetiva, avanços e retrocessos em determinados períodos históricos, em um movimento marcado por alto desnível entre os diversos segmentos sociais, compostos por cidadãos supostamente iguais. Santos relata que a idéia de cidadania no Brasil remonta à origem imperial, mas, afora componentes meramente formais, somente começa a vingar após a Revolução de 1930, nos termos da mencionada “cidadania regulada” (SANTOS, Wanderley, 1994a). Conforme o autor, o sistema surgido na Era Vargas pode ser visto como “um bem coletivo produzido via setor público” (SANTOS, Wanderley, 1994b, p. 23), na medida em que favoreceu a organização da classe trabalhadora, ou de parcela dela, por meio de regulação do trabalho e do sindicalismo e de mecanismos de proteção social. Note-se, contudo, que tal sistema, a par de introduzir uma idéia de cidadania, de relações horizontalizadas e comandadas pelo direito, deixou um legado sob o qual as relações de poder na sociedade ainda requeriam instrumentos de mediação vertical, fruto de um processo histórico no qual a relação de direito foi introduzida sobre uma anterior e sólida relação de favor e de dependência (WEFFORT, 1978, p. 73). Há, com efeito, uma fundamental discrepância entre o modelo de construção da cidadania nas sociedades centrais da modernidade ocidental e os caminhos da cidadania no Brasil, eis que o aparecimento dos direitos sociais ocorreu em um ambiente despido de direitos civis e políticos. Esse fenômeno aliado à tradição de “cidadania regulada” conforma um risco com o qual temos convivido ao longo de nossa história constitucional, o qual consiste na possibilidade de manutenção de padrões de cidadania estratificada e fragmentada, mediante regras e procedimentos

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formalmente diversos, com eventual substituição de atores sociais, mas com efeitos análogos aos das antigas instituições 75 . Embora se reconheça uma significativa variação entre os modelos de Estado de bem-estar (DRAIBE, 1990, p. 4), assim como sua complexidade adicional nos marcos do Estado democrático de direito, percebe-se, na especificidade histórico-social do Brasil, a implementação, em distintos momentos, de direitos de cidadania sob a forma das tipologias residual, particularista corporativo, particularista clientelista e redistributivo (DRAIBE, 1990, p. 6). A problemática engendrada pelo direito das políticas públicas, tal como projetado a partir da Constituição de 1988, que consolida e amplia a idéia de um estado de bem-estar no Brasil (SPOSATI, 1995), implica intervir na experiência histórica brasileira em sentido contrafactual, comprometido com a redução das desigualdades e com a extinção da pobreza e da marginalidade, mediante o reconhecimento de direitos civis, políticos e sociais como direitos fundamentais, e o desenvolvimento de políticas públicas juridicamente reguladas. Observe-se, todavia, que a persistência de significativo contingente de excluídos e de cidadãos de segunda classe torna estruturalmente árdua e complexa a construção democrática, já que os influxos comunicativos produzidos por esses sub-cidadãos de segunda e terceira categoria não se fazem sentir juntos às elites, que permanecem impermeáveis, na maioria das vezes (CARVALHO, 2004, p. 225). Impõe-se, assim, uma discussão mais clara sobre o problema da exclusão social, já que, provavelmente, o sentido mais importante de se discutir a juridicidade das políticas públicas é a possibilidade de afirmar direitos a elas relacionados como estratégia de inclusão. A pobreza e a exclusão social são fenômenos que crescem de modo especial no capitalismo periférico e têm recebido, nas últimas décadas, renovada atenção, tanto por parte de estudiosos quanto das instituições, estatais ou não, que são incumbidas de lidar com a questão (ESCOREL, 1999). Viu-se, ao longo do século XX, a institucionalização de políticas sociais gerais e especiais, destinadas a atacar situações variadas nas quais a população fica exposta a risco. Entre essas políticas pode-se observar desde aquelas relacionadas

75 Observe-se, por exemplo, que o judiciário e o ministério público, após 1988, têm se credenciado para cumprir esse papel (VIEIRA, 1997) adotando um padrão de intervenção que pode reduzir as possibilidades de a cidadania se realizar consoante processos participativos com ampliação do espaço público. Ver, a propósito, em VIANNA (1999).

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à oferta generalizada de serviços públicos relativos a educação, saúde e previdência, até as especificamente formuladas e aplicadas em função de debilidades peculiares encontradas em certos grupos populacionais (OLIVEIRA, 1997). Percebeu-se, então, que camadas sociais diferentes absorvem diversamente os benefícios advindos das políticas sociais, com melhor aproveitamento ocorrendo nos setores mais favorecidos, o que impõe a necessidade de um modelo de atendimento diferenciado para os grupos social e economicamente mais vulnerabilizados. No mesmo período assistimos, também, ao crescimento simultâneo de uma percepção mais aguda acerca da conformação e dinâmica das questões sociais e da necessidade e alcance das políticas a elas relacionadas, e de um refinamento nas técnicas de análise desses fenômenos (ESCOREL, 1999). Observou-se, ainda, nesse mesmo tempo, que benefícios sociais derivados do crescimento econômico não se espraiaram igualmente por todas as camadas sociais (RACZYNSKI, 1999). Mormente nos países subdesenvolvidos, com tardia incursão no capitalismo industrial, verificou-se o agravamento das situações de miséria, pobreza e desigualdades sociais, mesmo em momentos de pujante crescimento da economia, com a possível exceção nesta última década, ainda passível de mais estudos. A soma de todos esses aspectos, os quais possuem inúmeras nuanças, tem exigido não apenas atitude mais vigorosa diante dos problemas sociais mais sensíveis, como os referentes à pobreza, à exclusão social e às desigualdades, mas um significativo esforço teórico na busca, por um lado, de maior rigor científico e precisão conceitual em temática tão complexa e matizada, e, por outro, de alternativas para o aperfeiçoamento das políticas sociais que são empregadas em ambientes marcados por essas formas extremas de iniqüidade social (OLIVEIRA, 1997). Autores como Escorel (1999) e Oliveira (1997), a par dos ângulos concretos que abordam, se dedicam a traçar um conceito sociológico de “exclusão social”, apto à utilização pelo direito. Cuidam, também, da metodologia de análise do fenômeno “exclusão social” (ESCOREL, 1999), conforme suas manifestações materiais, bem como da forma mediante a qual ocorre a introdução do tema perante a sociedade, e da formulação e execução de políticas públicas apontadas para a redução ou extinção da exclusão, para a “inclusão dos excluídos”.

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Raczynski (1999), semelhantemente, aborda a trajetória percorrida pelas políticas sociais no último século, destacando três modelos distintos historicamente hegemônicos na esfera das políticas sociais realizadas para e na América Latina, tanto quanto enfoca aspectos conceituais da pobreza, evidenciando suas múltiplas dimensões. A autora estabelece uma perspectiva histórica a partir de modelos de políticas públicas e, nesse diapasão, firma suas observações teóricas (RACZYNSKI, 1999). Cumpre salientar que a questão central em matéria de exclusão social, qualquer que seja a abordagem assumida pelo autor, se refere à condição do fenômeno no capitalismo periférico. Situações típicas de exclusão social, associadas às representações sociais ou às políticas públicas que sobre elas incidem, são objeto de políticas sociais, com resultados, por vezes, duvidosos, em especial em função de sua juridicidade, isto é, de sua concretização normativa em termos de apropriação de direitos pelos cidadãos. Raczynski (1999), significativamente, discute alternativas para o enfrentamento à pobreza mediante o exame de possibilidades em termos de modelos de políticas de proteção social. Para tanto, procede a análise crítica dos modelos que denomina “velho modelo”, “modelo neoliberal” e “modelo emergente”. Neste último caberia, segundo sua compreensão, a formulação de políticas de enfrentamento da pobreza conectadas com as estratégias de desenvolvimento, com uma definição relativa ao papel do Estado em um contexto de economia de mercado e democracia política, e com as possibilidades e limites decorrentes da inter-relação entre políticas econômicas e sociais (RACZYNSKI, 1999). Para isso, haveria que se dimensionar adequadamente as diversas feições da pobreza, nas quais se inclui a exclusão social, cujo tratamento seria realizado por intermédio do cruzamento de programas gerais associados a programas e ações tópicas (RACZYNSKI, 1999). A citada autora realça, ainda, a insuficiência dos parâmetros exclusivamente econômicos para mensuração da pobreza, dado, aliás, reconhecido por Escorel (1999) e Oliveira (1997), e acentua, enfim, para a necessidade da aplicação de programas que possam combater os fatores que produzem ou facilitam a proliferação da pobreza. Oliveira (1997) indaga sobre a existência dos excluídos. Já não fala de pobres, mas de indivíduos reduzidos à ação de preservação biológica, apartados que estão do exercício das potencialidades da condição humana, conforme a

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tipologia de Hannah Arendt, utilizada por Escorel (1999). Aduz, nesse contexto, o risco de uma assimilação dualista da exclusão social pela sociedade, que terminará por se organizar em torno de uma relação permanente entre incluídos e excluídos (OLIVEIRA, 1997). O autor, como Escorel (1999) e outros, tem a pretensão comum de construção epistemológica, mediante a qual, sob pressupostos relacionais, poder- se-á fundar e dar sentido ao conceito de exclusão social. Por caminhos diversos, ambos atingem ponto semelhante, segundo o qual a exclusão será a vedação a que indivíduos ou grupos possam desfrutar de “um modo de viver humano” (OLIVEIRA, 1997). Há, pois, uma sucessão de rupturas sociais que se materializam tragicamente na vida de cada excluído, desligando-o de atributos humanos como o trabalho, a cultura e a política. O excluído é, então, um sujeito sem lugar no mundo (ESCOREL, 1999). A análise de relações entre desigualdade, pobreza e exclusão, revela a importância de se evidenciar as diferentes dimensões da pobreza e sua representação social, bem como a complexidade instalada em contextos nos quais as discussões sobre direitos não chegam àqueles que mais deles precisam. Não por acaso, tanto quanto a dinâmica do favor nas relações sociais, na judicialização da política casos exemplares registram a condição do excluído, alijado das contendas judiciais nas quais sujeitos individuais, à revelia da sociedade, lutam contra o Estado por direitos subjetivos cuja apropriação individual resultará no reforço de sua exclusão. Escorel (1999) distingue, a propósito, os conceitos de marginalidade e de “underclass”, demarcando fronteiras entre esses termos e a expressão exclusão social. Ao final, tem-se uma análise acurada do vocábulo exclusão social, desde suas origens, passando por modelos e teorias propostos, a qual resultará em uma proposta conceitual e metodológica que, como já assinalado, afirma o primado dos valores humanos na conceituação da exclusão social, que é vista como privação de um lugar social, qualquer que seja ele, e não só de meios materiais para viver, o que limita o viver ao ato de sobreviver. Também com alicerce em Arendt, Oliveira (1997) ruma a um conceito de exclusão que se edifica sobre a constatação da ausência de pertencimento a algum lugar social. A este dado o autor adiciona uma preocupação que se apresenta no plano da representação social da exclusão e que pode mesmo transformar a natureza da sociedade que estamos, no Brasil, construindo. Trata-se do risco de se

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conceituar, sob pressupostos de unidade ou dualidade estrutural, a exclusão social como componente jungido à realidade social e carecedor de um olhar dirigido por imperativos éticos e por um projeto político democrático e humanista (OLIVEIRA, 1997). A reflexão sobre a necessidade de se empreender a descrições da exclusão social, como das demais dimensões da pobreza, a partir de perspectivas próprias das sociedades democráticas contemporâneas, importa tanto quanto a precisão conceitual e metodológica dela decorrente (RACZYNSKI, 1999), para fins não só de reconhecer o fenômeno, mas de desenvolver políticas públicas adequadas a seu combate, munidas de uma juridicidade efetiva em suas múltiplas dimensões. Em um contexto no qual o Estado é chamado a cumprir um papel na prestação de bens sociais (BOBBIO, 1994), especialmente, se comprometendo com a materialização de políticas públicas tendentes à realização de direitos fundamentais (NOBRE JR. 2006, p. 1248), ainda que reconhecidos limites de atuação (CEVA-MAY, 2003, p. 69), cabe enfatizar a importância de um direito das políticas públicas íntegro, como experiência de direitos universalizáveis sobre uma base jurídica complexa. Juridicizar políticas públicas implica adotar uma fórmula de lidar com a contingência no campo da ação governamental, de definir limites entre o que é necessário - administrativamente vinculado - e o que é ilícito. Sai-se de um ‘imperativo político’, decidido segundo o código do poder, para se tentar ordenar possibilidades de ação, conforme o direito, ou antes, passando por um momento de acoplamento estrutural. Necessidade de estruturas simbólicas diretivas de comunicação, para responder aos níveis novos de combinação de expectativas e operatividade estrutural dos sistemas (LUHMANN, 1996a). Com a codificação o sistema pode desenvolver programas de ação coerentes com sua posição- diferenciação funcional (LUHMANN, 1993c).

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7. QUESTÕES JURÍDICO-METODOLÓGICAS

7.1. Introdução

Em que pese a adoção de um referencial teórico geral, determinadas questões relacionadas ao direito remanescem, na medida em que são fundamentais para a compreensão de tópicos específicos do trabalho, no direito das políticas públicas. Referem-se ao método jurídico, no qual determinados fundamentos da linha de investigação adotada serão explicitados, e incidem sobre pontos específicos, entre os quais as noções de juridicidade e de norma, os problemas, relacionados, da decisão jurídica, da discricionariedade e da consistência argumentativa, assim como o papel dos princípios na ordem jurídica e a dicotomia entre direito objetivo e direito subjetivo em um cenário de relações jurídicas complexas. Note-se que a discussão desse temas, além de conferir certa unidade de vocabulário ao trabalho, prepara certas problematizações, que ocorrerão sobre pontos específicos da juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro. Assim, por exemplo, é que a abordagem acerca de princípios jurídicos aplicáveis á matéria, de âmbito da decisão jurídica, ou de reconhecimento de direitos subjetivos, que se realizará na segunda parte desta tese, fica vinculada à discussão prévia empreendida nesse capítulo. O capítulo se organiza a iniciar por um enfoque introdutório do método em face do referencial teórico adotado, nomeadamente as implicações do pragmatismo e da sociologia jurídica sobre a linha de pesquisa jurídica adotada (CASTANHEIRA NEVES, 1993). Avalia-se o impacto dessa opção metódica sobre o trabalho, e, explorando o direito com lente pragmatista, pode-se antever possibilidades e limites no trato da matéria examinada (AROSO LINHARES, 2007). Cabe assinalar que, entre as implicações dessa base epistemológica fixada no método jurídico, está a perspectiva de um direito como possibilidade de narrativas alternativas em um horizonte contingente. Um direito que se assenta em determinadas condições de linguagem e, no plano social, encontra sentido em uma certa funcionalidade, atrelada a certas concepções de vida em sociedade que orientarão escolhas em casos concretos. Estima-se a possibilidade e necessidade dessas narrativas, em vista de uma melhor vida em sociedade, tendo no direito

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orientação e horizonte utópico. Note-se, nos vocabulários utilizáveis pelo direito, a fixação de certos paradigmas, que fundamentam possibilidades de uso e argumentação, os quais, tanto quanto possível, serão tomados na presente tese em seu sentido consagrado, conquanto passíveis de provocar resultados diversos dos ordinariamente esperados. Não se pretende, portanto, a fundação de um novo paradigma para a compreensão de políticas públicas ou do direito administrativo 76 , pelo contrário. A alusão a termos como juridicidade, discricionariedade, regime jurídico administrativo, não obedecerá nem a uma postura canônica, em sentido estrito, nem a uma posição iconoclasta (LEVINSON e BALKIN, 2000, p. 400 e ss.). Repise-se, este trabalho assume um diálogo com a tradição, notadamente com aquelas vertentes que se vinculam a um direito de Estado, o constitucionalismo e o direito administrativo. Essa posição dialógica não implica, contudo, a adoção de métodos de trabalho tradicionais, de cunho positivista ou jusnaturalista, por exemplo. Tampouco resulta desconsiderar a complexidade do contexto hodierno. Contrariamente, é no campo das relações sociais a que se dirige o direito, nas quais reside o direito como normatividade social efetiva, que as peculiaridades do trabalho aparecem, fornecendo, talvez, algum olhar significativo para o direito das políticas públicas. Consigne-se, ademais, a impossibilidade de se realizar uma discussão ampla sobre o método jurídico, cuja abordagem fica circunscrita ao balizamento necessário ao desenvolvimento do presente trabalho. Registre-se, todavia, que a visão de método jurídica esposada nesse capítulo é tributária de alguns autores em especial, além daqueles designados nos capítulos em que fundamentos filosóficos e sociológicos foram desenvolvidos. O uso de aspectos da obra desses autores não implica, contudo, uma adesão geral a seu pensamento. O problema da juridicidade é levantado, para fins de posterior exame de hipóteses determinadas. Explanar-se-á uma compreensão básica acerca do que se pode afirmar com referência a juridicidade, enfatizando a possibilidade de reconhecimento, segundo a linguagem própria do direito, de situações passíveis de serem taxadas como jurídicas ou não-jurídicas (LUHMANN, 2005), assim como a possibilidade de mudança em face de contextos novos e rupturas com vocabulários antigos, a formar, eventualmente, novas opções discursivas (LEVINSON e BALKIN,

76 Ver, a propósito, em Bucci (2002).

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1998). Prevalecerá uma noção de juridicidade como sentido de um direito diferenciado socialmente e linguagem que se especifica para dar conta dessa função social. A consistência argumentativa (MAGALHÃES, 2002) é outra questão que se impõe, a reger eventuais confrontos de narrativas em torno das possibilidades que o uso do conceito de juridicidade encerra. Perceba-se que, consoante os fundamentos teóricos esposados neste trabalho, consistência narrativa envolverá análise dos argumentos jurídicos conforme lhes possa atribuir conformidade ou não com o código do sistema jurídico, mas, igualmente, suas consequências no plano social. Não se trata de mera consistência semântica, mas de reconhecer que possibilidades contingentes, a envolver alternativas, não se resolvem nem no exame de textos, nem na decisão, senão na análise de consistência da decisão normativa (MÜLLER, 2000), ela própria passível de análise. A impossibilidade de certeza e verdade não permite a fixação de um único ponto arquimediano (RORTY, 2007, p. 927), mas envolve a necessidade do encadeamento dessas decisões e narrativas de suporte (justificação), e é esse envolvimento, que conduz, inclusive, múltiplas negociações espaço-temporais, a possibilitar que se avalie a consistência de decisões jurídicas. As decisões jurídicas, frise-se, deverão ser avaliadas no bojo de uma concepção de direito como sistema social. Consistência e funcionalidade se atrelam, assim como a temática do risco, especialmente de corrupção sistêmica e juridicização simbólica. Além disso, as decisões jurídicas poderão ser examinadas na perspectiva da dupla contingência e da dinâmica entre exclusão e inclusão nas relações do sistema jurídico. A posição da norma no sistema jurídico é outra questão importante, já que a afirmação de um direito das políticas públicas se traduz em forma normativa. Entre outros aspectos, serão observados a norma jurídica na modernidade e seu sentido imanente a necessidades sociais, bem como a tendência moderna à positivação da norma em texto escrito com chancela estatal. Neste ponto, contar-se-á com a configuração dada à norma na metódica de Müller (2000), pois se trata de uma perspectiva de análise conjugável com a base pragmatista e sistêmica adotada, assim como se trabalhará com a distinção entre discursos jurídicos de fundamentação e aplicação da norma (HABERMAS, 1997). Outros pontos a serem destacados se referem a princípios, discricionariedade e subjetivação de direitos. Eventual distinção entre princípios e regras será

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explorada para fins de discussão, na sequência, de condições para aplicação do direito das políticas públicas. Serão apresentados problemas como a normatividade jurídica dos princípios e o reconhecimento de princípios não expressos em texto positivado. A discricionariedade jurídica também será abordada, como ponto de apoio para a discussão específica da discricionariedade administrativa. Em um contexto de alta complexidade nas relações sociais, serão problematizadas as noções de direito objetivo e direito subjetivo e suas relações possíveis. O problema será apresentado a partir dos debates que fomentaram sua fundamentação doutrinária clássica, mas a tradicional dicotomia também será averiguada a partir de sua dificuldade de aplicação em contextos complexos.

7.2. O método jurídico

A definição de uma linha de investigação condiciona os caminhos da análise jurídica, suas possibilidades de abordagem. Tradicionalmente, se discutem, na base de um trabalho de pesquisa, questões metodológicas e de método que previamente estabelecem uma concepção da plataforma sobre a qual a investigação será realizada. Qualquer noção de método passa por sua indicação como caminho ou guia da atividade qualificada como científica. Pearson afirma, nesse sentido, que “a ciência não são os fatos, mas o método com que são tratados” (PEARSON, 1941, p. 12). Perceba-se diferentes possibilidades e envolver a noção de método, entre as quais as relacionadas a certeza e verdade, teoria e prática, certeza e probabilidade, uso e compreensibilidade. Tem-se um sentido geral que conflui para uma noção de método como conjunto de procedimentos técnicos e de controle de determinada disciplina. Trata- se de conceito sob inspiração kantiana, segundo a qual o método é elaborado no interior da disciplina científica e tem como objetivo garantir à disciplina o uso cada vez mais eficaz das técnicas de procedimento de que dispõe. O método trata, assim, de elaboração de conceitos e sistemas de conceitos, permitindo, em tese, um conhecimento generalizado e abrangente. Seu funcionamento obedece a um esquema básico que se apresenta, seqüencialmente, compreendendo proposição, construção do modelo teórico, dedução de

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consequências particulares, e introdução das conclusões na teoria. Trata-se de um padrão convencional, que desconhece problemas mais complexos, como a função do paradigma nas possibilidades de linguagem da ciência, ou a improbabilidade da representação determinada pela consciência, ou, ainda, a descoberta de verdades certas e absolutas. Nesse sentido é que Reale estabelece, referindo-se ao direito, que “método é o caminho que se deve percorrer em busca da verdade, ou por outras palavras, de um resultado exato ou rigorosamente verificado” (REALE, 1986, p. 10). Método é tradicionalmente aceito como ordem de procedimento científico (FERRAZ JR., 1980, p. 9-10), podendo ser descrito como um “procedimento segundo certos princípios e conforme normas relativamente invariáveis” (DEL CAMPO, 1969, p. 271). A idéia de método científico é estreitamente ligada à da adoção de técnicas ou orientação de pesquisa e, conforme o pensamento científico moderno, remete a uma idéia de descoberta (POLYA, 1978), do estabelecimento de leis gerais, da possibilidade de conhecimento certo e verdadeiro. Pode representar tanto uma linha de investigação, quanto um particular procedimento científico. Método é, nesse aspecto, ordem de procedimento científico, e, em certo sentido, doutrina igualmente. Kant (1974) definiu o método como um conjunto de procedimentos técnicos e de controle de determinada disciplina. É elaborado no interior da disciplina científica e tem por objetivo garantir à disciplina o uso cada vez mais eficaz das técnicas de procedimento de que dispõem. Opondo ciências do espírito a ciências da natureza, Kant (1974) associa a estas a idéia do fenômeno, conhecido por meio dos sentidos, e àquelas a de númeno, cujo objeto é inteligível. Ferraz Júnior (1980), ao discutir o método jurídico, admite, igualmente, uma distinção fundamental entre ciências humanas e ciências naturais, percebendo em ambas a característica explicativa. As ciências humanas seriam acrescidas, entretanto, do elemento compreensivo, de cunho axiológico. Ferraz (1980, p. 12) enxerga na natureza compreensiva e valorativa o traço distintivo do método jurídico. O autor enfatiza a distinção entre método e técnica, e afirma que a disciplina científica possui muitas técnicas e um só método. Conceitua método como “conjunto de princípios de avaliação da evidência, cânones para julgar a adequação das explicações propostas e critérios para selecionar hipóteses” (FERRAZ JR., 1980, p. 11). Técnica seria um “conjunto de instrumentos, variáveis conforme os objetos e temas” (FERRAZ JR., 1980, p. 11). Percebe-se, no autor, que a validade do método

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se vincula à validade das valorações utilizadas para a compreensão científica. Não há neutralidade axiológica, o que acarreta a possibilidade do componente ideológico em uma metódica destituída da pretensão de neutralidade, coincidente, por exemplo, com a posição de Feyerabend (1974, p. 35-38), segundo o qual a seleção do método não se desvincula de condicionamentos ideológicos. Entende-se por metodologia, a razão intencional de um método (CASTANHEIRA NEVES, 1993, p. 9), que tem por finalidade, no caso da pesquisa jurídica, a investigação de dado aspecto da realização do direito, cuja implicação será a adoção de uma racionalidade, um pensamento sobre os métodos (“modus” ou processo) mediante os quais se efetivará esse trabalho (CASTANHEIRA NEVES, 1993, p. 10). Pode-se afirmar que “metodologias são guias ‘a priori’ que programam as investigações, ao passo que o método que se desprende ao longo do nosso caminho será uma auxiliar da estratégia” (MORIN, 2002, p. 29). Essa afirmação, no entanto, não deixa de ser metodológica, desde que considerada a possibilidade de uma metodologia crítico-reflexiva (CASTANHEIRA NEVES, 1993, p. 12). Segundo Castanheira Neves (1993), os tipos metodológicos se dividem em prescritivo, como relação de exterioridade construtiva, sendo o método objeto da razão que o confecciona instrumentalmente; descritivo, como imanência constitutiva, em que a razão se atrela à experiência e o método é verificado em momento posterior; e a reconstrução crítico-reflexiva, na qual se reconhece a racionalidade metódica em uma prática que se assume como intencionalidade e em torno de um certo sentido, cuja condução nem obedece a um método pré-definido, nem é descoberta após a experiência, mas que permite um trajeto sob permanente reflexividade em vista de uma prática. Essa, aliás, sua principal divergência, com Dworkin (CASTANHEIRA NEVES, 2003), cujo método de trabalho no direito centrado na interpretação (DWORKIN, 1999, p. 488) se mostra insuficiente. Perceba-se que o Método Jurídico se vincula à teoria jurídica, e opera na composição do pano de fundo sobre o qual a teoria, que se apresenta como observação de segunda ordem (LUHMANN, 2007), cumprirá exigências de consistência argumentativa, funcionalidade e consequências. Assinale-se, ademais, que uma metódica pragmatista permite verificar no próprio método suas relações prévias e intenções. Esse trabalho pragmático envolve os usos a que o direito se destina e, pois, à ideologia presente nessa metódica. Cumpre reconhecer, assim, a formação na sociedade moderna de um método jurídico baseado no cientificismo

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ocidental moderno para justificar um direito que com ele se identifica (SANTOS, 1989). Trata-se de um direito sujeito à ideologia. Ideologia que se apresenta não como verdade, mas como mecanismos de influenciar as crenças de um grupo (CHAUÍ, 1981), tornando-as assimiláveis por um outro grupo, em detrimento dos interesses desses últimos, segundo o que se possa tomar como sendo interesse nas crenças dos dois grupos. Perceba-se que as chamadas ciências da sociedade constituem meios para a ideologia hegemônica, influindo na definição metodológica da investigação científica (ROBINSON, 1971, p. 1). Rechaça-se, portanto, a possibilidade de uma teoria cientifica destituída de qualquer conteúdo político- ideológico (SCHUMPETER, 1984, p. 884-885), nos termos admitidos, por exemplo, em Schumpeter, segundo o qual o fato de uma teoria, dentro de uma lógica restrita, poder ser considerada “ideologicamente neutra”, não quer dizer que diversas condicionantes, especialmente políticas, não tivessem influenciado seu aparecimento e aperfeiçoamento (MEEK, 1971, p. 267). Sob a ótica das possibilidades de mudanças no sistema social, cientistas e suas teorias se posicionam em campos delimitados e, uma busca por princípios absolutos e estáveis tende a encobrir os “perfis históricos especiais das situações reais” (ROBINSON, 1960, p. 14), justificando a regra posta, orientando a consciência individual à obediência (ROBINSON, 1960, p. 13), possibilitando que, na sociedade, “seus membros possuam sentimento comuns sobre a maneira correta de conduzir seus negócios, expressados em ideologias” (ROBINSON, 1960, p. 4). Para Robinson (1976, p. 473), a função da ciência social é “fornecer à sociedade um órgão de autoconsciência”, fomentando a consciência social (ROBINSON, 1976, p. 474). Há, em regra, uma correspondência entre a ação dos operadores do direito e os interesses da fração hegemônica, refletindo as necessidades da classe dominante relativas à conservação de seu “status quo” (POULANTZAS, 1975, p. 198). Utilizando-se de tipologia proposta por Gramsci, Poulantzas (1975, p. 243) percebe relações entre estruturas econômicas, políticas e ideológicas, e estabelece a existência de um equilíbrio instável de compromisso entre bloco hegemônico, onde se encontra o pensamento jurídico, e o aparelho do Estado associado ao capital monopolista, incluindo-se, ai, o Poder Judiciário e demais segmentos jurídicos (POULANTZAS, 1975, p. 174). Em uma perspectiva contra-hegemônica, conforme

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Santos (1994, p. 33), “importante não é ver como o conhecimento representa o real, mas conhecer o que determinado conhecimento produz na realidade; a intervenção no real”, em uma “concepção pragmática do saber”. Cumpre, afinal, admitir, com Müller (2005), que a metódica jurídica não fornece ao direito um catálogo exaustivo e perfeitamente confiável de técnicas aplicáveis, e, tampouco, um esquema sistematizado de hipóteses de trabalho passíveis de aplicação generalizada e dotadas de canonicidade a partir de sua sacralização no texto normativo. Um método jurídico pragmatista, que vincule teoria a uma práxis e que permita um olhar construtivista para o direito, encampa tanto as necessidades do trabalho inerente ao sistema jurídico, quanto as vicissitudes contingentes a suas operações, como a corupção ideológica do sistema. Nesse estudo assume-se uma perspectiva que reconhece outras possíveis, e que se coloca em relação com um determinado contexto, objetivando uma forma crítica e construtiva de trabalho, que leva em consideração os fundamentos linguísticos do direito, mas indaga, igualmente, quanto ao seu uso.

7.3. O direito

Da discussão sobre o método pode-se perceber a necessidade de uma reposição do conceito de direito, de forma tal que permita a abordagem pragmatista pretendida, o que exclui um fundamento do tipo positivista, e abrange aspectos concretos da experiência jurídica. No positivismo, a norma define o direito, e o traço distintivo deste é o ordenamento (BOBBIO, 2008; KELSEN, 1985). Para Hart (2007), essa distinção está na estruturação dos ordenamentos e sua composição por normas primárias, que definem as fontes normativas e como elas operam, e secundárias. O direito seria organizado em um ordenamento composto de normas dotadas de caráter prescritivo, imperativo e coercitivo, a compor da norma. Unidade e coerência do ordenamento jurídico estatal. Kelsen (1998, p. 4) afirma que o direito é um sistema normativo, dotado de normas válidas e coercitivas, que compõem um "esquema de interpretação", a conferir sentido jurídico aos diversos atos. Estabelece, assim, um direito autônomo,

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afastado de qualquer conteúdo axiológico (KELSEN, 1985, p. 18-21), assim como ponto de condensação da política, já que, em sua teoria, direito e Estado se fundem, levando à afirmação de que “o Estado é aquela ordem da conduta humana que chamamos de ordem jurídica, a ordem à qual se ajustam as ações humanas, a idéia à qual os indivíduos adaptam sua conduta” (KELSEN, 1990, p. 190), razão pela qual “o poder do estado é o poder organizado pelo direito positivo – é o poder do direito, ou seja, a eficácia do direito positivo” (KELSEN, 1990, p. 192). Engisch, de forma análoga, descreve o direito como conjunto ordenado e harmônico. Sob influência do positivismo jurídico, afirma o “caráter legalista do direito” (ENGISCH, 2001, p. 15), que se mostra como hipótese legal, e produção de consequências jurídicas, repousando sua natureza na identificação do “dever ser de certa conduta” (ENGISCH, 2001, p. 26-27 e 35). A respeito do positivismo, recorda Hespanha o seguinte:

“Todas estas formas de positivismo têm em comum a recusa de quaisquer formas de subjetivismo ou de moralismo. O saber jurídico (agora, a ciência jurídica) deve cultivar métodos objectivos e verificáveis, do gênero dos cultivados pelas ciências duras, dela devendo ser excluídas todas as considerações valorativas (políticas, morais). Estes juízos de valor em matéria jurídica teriam, decerto, o seu lugar. Mas esse não era o da ciência jurídica, mas sim o da filosofia do direito ou da política do direito.” (HESPANHA, 2003, p. 375).

Bobbio (1995), também alicerçado em argumento positivista, atenta, contudo, para a historicidade do direito na sociedade. Invocando Savigny, aponta a importância de se perceber o caráter histórico do Direito, eis que, conforme a escola histórica, “o Direito não é fruto de uma avaliação e de um cálculo racional, nascendo imediatamente do sentimento de justiça” (BOBBIO, 1995, p. 51). Não por acaso, Savigny é também apontado como precursor na defesa de concepções jurídicas menos apegadas à norma (MAYNEZ, 1973, p. 348). Verifica-se, então, que, composto por normas, o direito tem por característica a regulamentação e direção social (DINIZ, 1996, p. 20). Mas, especificamente, cumpre-lhe estabilizar expectativas de comportamento generalizas socialmente (LUHMANN, 2002). Não pode, assim, ser tratado como mera forma, inerte e limitada (VILHENA, 1996, p. 18), mas socialmente dinâmica. Merquior (1986, p. 133) assinala que a virtude do direito é sua capacidade de “combinar mudança com permanência”. Fundamenta-se em Levi, para quem os casos conduzem a normatividade, “porque o

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escopo de uma regra jurídica, e, portanto, o seu significado, depende da determinação” dos fatos (LEVI, 1949, p. 1-2). Lembra Saldanha (1992, p. 146-147), que “o Direito aparece, tanto histórica quanto sistematicamente, como algo posto entre ética e política”, e que, “na verdade o Direito aparece nas sociedades históricas como uma explicitação normativa das relações de mando e obediência, vigentes em cada ordem social autônoma (politicamente autônoma)”, o que lhe consigna uma “aura de coisa sagrada” (SALDANHA, 1992, p. 16), mesmo na modernidade dessacralizada. Ainda para o citado autor, “não se pode imaginar a realidade jurídica sem as conotações que a ligam ao fenômeno do Poder e também a vinculam ao plano dos valores”. Para ele, “uma ordem é, obviamente, sistema e na qual se incluem regras (normas); na qual se encontra sem dúvida uma dimensão de instituição e em cujo âmbito social se alojam as condutas, e, com estas as vontades e os valores”. Assim, o direito se apresenta como ordem Jurídica que, genericamente, pode ser tomada como “um conjunto de regras oficializadas pelo grupo”, o que fornece ao direito uma “dimensão oficial e explícita das normatividades mais relevantes para o grupo em termo de controle e certeza” (SALDANHA, 1992, p. 140-141). Perceba-se que “o Direito é um instrumento de organização social” (GRAU, 2000b, p. 1), e constitui-se como um “conhecimento tecnológico, prático, voltado para a decidibilidade de conflitos”, com o objetivo de solucionar casos concretos (ANDRADE, 1992, p. 21), e que, longe de ser o resultado funcional de uma realidade social objetiva, atende a demandas específicas do ambiente em que é gerado, seja nos seus conteúdos, seja na racionalidade que engendra, como, por exemplo, o positivismo para a modernidade capitalista (GORDON, 1984, p. 103). Note-se, a propósito, que a trajetória do direito, e método jurídico, nos últimos duzentos anos corrobora a assertiva acima formulada (HESPANHA, 2007, p. 50 e ss.). O cientificismo jurídico e sua pretensão de impessoalidade, universalidade e neutralidade apenas escondiam e convalidavam, desde a definição do método até as condições concretas de uso, situações de dominação social e privilégio. Assim é que a discussão contemporânea acerca do direito sugere a pretensão de um método que supere as noções de neutralidade e cientificidade do direito (HESPANHA, 2007, p. 10), dada a dificuldade para se afirmar validade e hierarquia das normas em si (HESPANHA, 2007, p. 57), senão tomando algum

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ponto de referência, em qualquer hipótese arbitrário, embora sujeito a legitimação social (HESPANHA, 2007, p. 99). Nesse contexto é que aparecem as tendências ditas pós-positivistas no direito, as quais permitem ao “direito, na sua atual conformação tecnológica”, adotar “fórmulas abertas” em vista de um dever de decisão” (SOUZA, 1993, p. 150). Trata- se de um direito atrelado à experiência, motivo pelo qual a ordem jurídica, que prefigura uma dada visão de mundo, deve ser observada como concretização, uma vez que “a noção de experiência permite colocar dentro de uma mesma estrutura a ordem e a interpretação, que, no caso, se entendem como coisas reciprocamente referidas” (SALDANHA, 1992, p. 120). Segundo Camargo (2001, p. 261), “ao contrário das posições monolíticas, o que se aponta agora, sob o viés da pós-modernidade, é que, no lugar do universal, encontra-se o histórico; no lugar do simples, o complexo; no lugar do único, o plural; no lugar do abstrato, o concreto; e no lugar do formal, o retórico”. São tematizadas questões como a relação entre princípios e regras (HESPANHA, 2007, p. 116 e ss.), discricionariedade e risco (HESPANHA, 2007, p. 131), e a questão da decisão jurídica (HESPANHA, 2007, p. 265 e ss.). É característico da epistemologia dita pós-positivista negar a sistematicidade do direito, tida como pedra angular do pensamento positivista, que compõe, de forma lógica, uma ordem jurídica harmônica e sem contradições. Essa perspectiva, diferentemente, enxerga no direito o conflito, próprio de uma sociedade plural e heterogênea (GALUPPO, 2005). Calsamiglia (1988, p. 210) estabelece que o pós- positivismo se diferencia do positivismo pela defesa da teoria das fontes sociais do direito e pela relação entre direito, moral e política. Trata-se de um rol de teorias nem sempre congruentes umas com as outras. Freitas (2001), por exemplo, propugna por uma ordem hierarquizada na interpretação dos valores 77 . No pós-positivismo, todavia, a noção de ordem jurídica como estrutura hierárquica não subsiste como conceito unívoco e não problemático, em vista da complexidade e das teias de relações jurídicas verificáveis no ordenamento (GUASTINI, 1995, p. 257). Sanchís Prieto relata as seguintes características:

77 Ver, a respeito, em Maynez (1973, p. 120).

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“Mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos minimamente relevantes, em lugar de espaços extensos em favor da opção legislativa ou regulamentadora; onipotência judicial em lugar da autonomia do legislador ordinário e por ultimo coexistência de uma constelação plural de valores, por vezes tendencialmente contraditórias, em lugar de uma homogeneidade ideológica em torno de um pequeno grupo de princípios coerentes entre si e em torno, sobretudo, das sucessivas opções legislativas” (SANCHÍS PRIETO, 2000, p. 132).

Sob um enfoque que almeja escapar às concepções de direito, inclusive de matiz dito pós-positivista, de base metafísica, cumpre afirmar nesse trabalho fundado em uma perspectiva pragmatista do direito, consoante explicitado no capítulo 2. Associam-se uma concepção que percebe o direito não a partir de textos normativos, mas segundo as consequências de suas decisões (SULLIVAN, 2007, p. 35), e como “estrutura de um sistema social que se baseia na generalização congruente de expectativas comportamentais normativas” (LUHMANN, 1983, p. 121). Nessa acepção pragmática, toma-se o direito como reflexo de seu tempo e sua sociedade, e verifica-se sua tendência à autonomização sistêmica somada a sua possibilidade de universalização, com abertura para disputas no plano interno e permeabilidade estrutural, permitindo um direito de feição pluralista e democrática. Trata-se do manejo do direito a partir de possibilidades argumentativas, em uma comunicação relacional, que ocorre mediante operações internas ao sistema, e em um plano contingente. Um direito que se determina “por auto-referência, baseando-se na sua própria positividade” (TEÜBNER, 1989, p. 2). Conforme Teübner:

“O Direito retira a sua própria validade dessa auto-referência pura, pela qual qualquer operação jurídica reenvia para o resultado de operações jurídicas. Significa isto que a validade do Direito não pode ser importada do exterior do sistema jurídico, mas apenas obtida a partir do seu interior. Nas palavras de Luhmann, “não existe direito fora do direito, pelo que sua relação com o sistema social, o sistema jurídico, não gera nem inputs nem outputs (...) “O Direito constitui um sistema autopoiético de segundo grau, autonomizando-se em face da sociedade, enquanto sistema autopoiético de primeiro grau, graças à constituição auto-referencial dos seus próprios componentes sistémicos e à articulação de um hiperciclo” (TEÜBNER, 1989, p. 2 e 53).

Reconhece-se, ademais, na arena jurídica uma pluralidade de linguagens, equivalendo a múltiplas situações institucionais, nas quais circulam textos,

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programas, processos construtivos e reconstrutivos, regras procedimentais e, nos termos assinalados por Levinson e Balkin, materiais canônicos, a fixar com mais ou menos força as possibilidades de concretização de uma dada alternativa jurídica. Perceba-se uma práxis na qual expectativas de decisão e decisões se cruzam em tensão, conforme expressam os autores.

“Uma divergência crescente na construção do cânone entre grupos sociais de operadores do direito pode ser sintoma de uma crescente diferenciação entre perspectivas de acadêmicos, advogados e juízes (para além da diferenciação profissional, que sempre existiu entre os juristas e os cidadãos). Cada comunidade interpretativa pode ter o seu próprio cânone (ou conjunto de cânones), e embora estes cânones certamente se sobreponham, eles também podem divergir em aspectos particulares”. (LEVINSON e BALKIN, 2000, p. 11).

Note-se o pluralismo canônico, exporado por Levinson e Balkin (2000), a apresentar uma perspectiva plural e identificar uma operação interna, no sistema jurídico, de redução de complexidade mediante especialização e diferenciação no trato do direito. Entre outros veios que se abrem, destacam-se a ausência de primazia do discurso judicial, a possibilidade de múltiplas apropriações da linguagem jurídica, a variabilidade e risco em uma comunidade ampliada de intérpretes que, não obstante, trabalhará como mecanismos redutores de complexidade para conseguir manejar o direito. Disso decorre, por exemplo, no direito das políticas públicas, a possibilidade de equiparação entre a decisão administrativa e a judicial, sem que a diversidade de discursos jurídicos impossibilite a aplicação do direito. Trata-se de um direito que, todavia, tem um sentido próximo ao da idéia dworkiniana de “romance em cadeia” (DWORKIN, 1999), ainda que sem os argumentos metafísicos e a centralidade do Judiciário vistos naquele autor. Um direito que é coordenado mediante a concatenação de episódios, com continuidades e rupturas interpenetradas em tramas linguísticas contingentes. Percebe-se, nessas operações, potencialmente, uma procedimentalização ocorrendo dentro do sistema para tentar compatibilizar linguagens e incluir possibilidades, o que acontece principalmente através de textos e de decisões justificadas, com a possibilidade de um equilíbrio residual decorrendo do funcionamento adequado do sistema. Note-se a ausência de uma justificação metafísica ou empirista para o que se pode designar por conteúdo da juridicidade. Assim, jurídico será aquilo que uma comunidade

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aberta de intérpretes entender como tal, ainda que com abertura para recomposições e adaptações construtivas.

7.4. A juridicidade

O trabalho proposto nesta tese, na medida em que invoca um conteúdo especificamente jurídico para as políticas públicas, necessita aplainar o conceito de juridicidade. Uma definição tautológica, conceituando juridicidade como qualidade do relativo ao direito explica pouco. Mais útil é apresentá-la como atributo relacional, próprio das situações comunicativas produzidas pelo sistema jurídico, que se compõe de forma codificada e se estrutura em vista de uma função social. Assim, juridicidade não é apanágio da norma abstrata ou da ordem objetiva, mas de um direito aplicado e justificado, compreendido em seus jogos de linguagem e em sua capacidade de, contingentemente, universalizar e estabilizar expectativas de comportamento jurídico. Algumas questões se colocam neste ponto. Entre elas, destacam-se o modo de relação entre juridicidade e expectativas; a juridicidade entre a decisão e o processo normativo-decisório; a juridicidade em face da noção de norma jurídica e a atribuição de valor de juridicidade a hipóteses (abstratas) de aplicação normativa; a juridicidade como autopoiese e comunicação sistêmica; a juridicidade no programa e âmbito da norma e nas consequências da normatividade. A juridicidade se afirma, portanto, como prática comunicativa, atributo do jurídico, estrutura formal válida de um grupo social (MACEDO, 1977). Trata-se de fenômeno que se coloca em termos especificamente modernos, porque no direito pré-moderno, as regras “encontravam fundamentação, em última análise, em um amálgama normativo indiferenciado de religião, direito, moral, tradição e costumes transcendentalmente justificados e que essencialmente não se discerniam” (CARVALHO NETTO, 1999, p. 476). E que se apresenta como relações sociais, uma vez que “as mudanças da e na cultura jurídica dizem respeito ao valor atribuído aos conflitos e à forma de processá-los” (LOPES, 1997, p. 107), com abertura para adaptações que confiram sentido renovado a conceitos antigos e possibilidades mais amplas de apropriação social de direitos (DELACAMPAGNE, 2000, p. 135).

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Observe-se, na doutrina de Castanheira Neves, a ênfase na possibilidade de superação da referência a juridicidade como metafísica normativista, sem cair em uma hermenêutica dissociada do dado prático, mas a vincular a peculiar normatividade jurídica a uma prática que se constitui como juridicidade. Trata-se de uma perspectiva que se ergue sobre a crítica e a problematização, que se compromete com a dimensão concreta das decisões (CASTANHEIRA NEVES, 1993). Tem-se uma noção de juridicidade na afirmação de uma dada questão como uma questão de direito (CASTANHEIRA NEVES, 1967), o que implica um problema metodológico, no qual residem certas questões, entre as quais a juridicidade como elo unindo fato e interpretação (CASTANHEIRA NEVES, 1967). Para o referido autor, na prática se consolidam os atributos relacionados ao direito, razão pela qual o direito deve ser entendido por meio da idéia de problema jurídico. O direito, assim, não se apresenta como um dado prévio, mas uma totalidade das soluções nos problemas jurídicos ensejados em uma práxis (CASTANHEIRA NEVES, 2003). A juridicidade é característica presente no discurso jurídico que o torna específico e permite justificar situação de conformidade ao direito em oposição a casos de antijuridicidade. Decorre da performance comunicativa do sistema do direito e é verificável na medida em que código e função são observados. O código binário (juridicidade/antijuridicidade) e o desempenho funcional sistêmico são avaliados a fim de assegurar consistência ao sistema, mediante a aplicação de operações especificamente jurídicas. Perceba-se que o código é novamente aplicado na auto-observação e, embora, não se reconheça provável um único método como “verdadeira” chave para elucidar a “verdadeira” juridicidade, deve-se admitir que o desenvolvimento de procedimentos formais, como operação que encerra tentativa de redução de complexidade, é válido e o ato de creditar determinada plataforma de reconhecimento da juridicidade fixa padrões que tornam possível a autopoiese do sistema jurídico, assim como permitem sua observação e análise operacional. Rorty (2007), em comentário sobre Posner, advoga para o direito uma pragmática que admite a possibilidade de progresso moral, conquanto tal fenômeno não seja constatável mediante científica prova cabal, mas como horizonte estabelecido na prática social e, portanto, móvel funcional. Quer com isso o autor discutir que, a par as mudanças e seu caráter contingente, que impede uma

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verificação de rumo, critérios de relevância para sua avaliação continuarão a ser utilizados, justificados consoante modos de linguagem e em face de finalidades (RORTY, 2007). Pode-se depreender o uso da juridicidade como a medida de sua possibilidade, já que, conforme Dewey e Khun, “critérios de relevância e, portanto, de racionalidade, são normas sociais” (RORTY, 2007, p. 927). Não como metafísica, mas como práxis, sabendo-se o direito imperfeito. Uma juridicidade que se apresenta como direito por meio de narrativas que sedimentam condições de verdade para proposições jurídicas, metonímica ou metaforicamente, em face de variados contextos de aplicação.

7.5. Sistema jurídico e decisão jurídica

O direito opera a produzir comunicação que, atribuindo juridicidade, induz uma normatividade social apta a generalizar, de modo congruente, expectativas de comportamento em sociedade. Verifica-se que, para tanto, operações internas ao sistema ocorrem, procedimentos que permitem decisões com base no código do direito. Cumpre indagar, todavia, o que torna uma decisão adequada do ponto de vista jurídico, observando-se, de forma pragmatista, sua condição de processo comunicacional envolvendo relações sociais (SKIDMORE, 1976, p. 270 e ss.), sob a perspectiva da compreensibilidade geral (RORTY, 1993a). Sullivan (2007), na defesa ortodoxa do pragmatismo jurídico como consequencialismo, com base em Dewey e em uma leitura pragmática da obra de Ackerman 78 , afirma na decisão jurídica a possibilidade de reinvenção de direitos subjetivos, mais alargados em face de exigências contemporâneas de democracia. O autor, de forma condizente com a tradição pragmatista 79 , enfatiza a necessidade de direitos individuais para um direito vinculado à democracia (SULLIVAN, 2007, p. 9), ainda que seu subjetivismo se coloque dentro de um projeto social, em relação com as noções de interesse público e de Estado (SULLIVAN, 2007, p. 24), a

78 Ver, por exemplo, Ackerman (1980; 2006). 79 Ver, a respeito, em Rorty (1997, p. 235-269). Anote-se, contudo, a posição divergente de Sullivan (2007), mais apegada ao pragmatismo clássico. Ver, a respeito da posição de Rorty ante o pragmatismo clássico no capítulo 3 (SULLIVAN, 2007).

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permitir, também, uma reconstrução filosófica dos fins e ideais da comunidade (SULLIVAN, 2007, p. 92). Para Sullivan (2007), a decisão jurídica deve ser tomada no caso concreto, almejando o melhor futuro, as melhores consequências, e sua noção de consistência não pode se escorar em equações fixas. Lembrando Dewey, o autor afirma que ser “bom” é ser “melhor”, de maneira que a análise deve ser relacional (SULLIVAN, 2007, p. 35) e a decisão pragmatista tomada tendo o passado como plano referencial, mas observadas as consequências. Há um sentido de continuidade e construtivismo e, conforme Peirce, uma preferência por hipóteses que signifiquem continuidades, ao invés de disjunções entre significados, de maneira que as decisões de mudanças não sejam, em geral, propriamente rupturas, mas extensões evolucionárias (SULLIVAN, 2007, p. 39). Assim é que, avaliando posições possíveis, o autor citado aponta os riscos da revisão judicial (SULLIVAN, 2007, p. 99) e sua possibilidade de superação nos termos da leitura promovida por Ackerman acerca da trajetória constitucional- democrática americana, que confronta diferentes genealogias, narrativas contingentes e versões historicamente rivais (SULLIVAN, 2007, p. 113), não se esgotando na posição de uma maioria circunstancial, mas alimentando uma dinâmica plural dotada de dimensão espaço-temporal extensa e não necessariamente linear. Em uma análise como essa toda instituição jurídica é dinâmica, e se posta em constante processo adaptativo, a comportar diferentes e sucessivas leituras. A revisão judicial também é abordada por Unger (1996), que questiona a primazia da decisão judicial. Para o autor, a manutenção do trabalho jurídico centrado na decisão judicial expressa a permanência de teorias tradicionais (UNGER, 1996, p. 107 e 113), calcadas na pretensão de objetivismo como crença em uma ordem jurídica inteligível, autossuficiente, cuja experiência denota um corpo de técnicas, fundamentos e critérios normativamente admitidos, somado a constrangimentos empiricamente constatáveis de forma objetiva (AROSO LINHARES, 2007). Para Unger (1996), esse compromisso formalista pressupõe, inexoravelmente, uma objetividade representada em “uma ordem prática ou moral exibida, no entanto, ambígua, pelos materiais legais em si mesmos”, que se apresenta na busca de uma linguagem jurídica dotada de inteligibilidade universal,

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que se estabelece como estrutura organizacional e se coloca em confronto com a democracia ou como contraponto entre uma política fundante e uma política ordinária (WALTON, 1999). O autor denuncia vãs tentativas nesse sentido, atribuindo a autores como Posner e os seguidores de sua análise econômica do direito, ou Dworkin, em seu movimento em torno de princípios e direitos fundamentais, construtos formalistas e objetivistas. Unger (1996) apresenta como alternativa a idéia de “análise jurídica como imaginação institucional”. Passar-se-ia da crítica ao formalismo para uma versão expandida da doutrina jurídica, com uma etapa de diagnóstico e mapeamento capaz de abranger a complexidade das práticas juridicamente relevantes, em suas dimensões textual-prescritiva e empírica, com ênfase na relação contingente entre os princípios tradicionalmente explicitados e seus contraprincípios. Seguir-se-ia um segundo momento de caráter crítico, apto a uma análise político-social desses conflitos. Haveria, enfim, um terceiro passo, reflexivo e tensionado, no qual os conflitos já antes explicitados permitiriam um olhar para o direito como um campo de disputas e controvérsias insolúveis, irredutíveis e permanentes, contudo, assimilável em uma prática social do direito com potencial criativo e, eventualmente, transformador (UNGER, 1996). Perceba-se na crítica de Unger um horizonte pragmático para o direito, contudo, recorda a concepção sistêmica de Christodoulidis (1998, p. 242 e ss.), corre o risco de reduzir o direito à política e, assim, perder em vigor propositivo. Walton (1999) recorda, todavia, que o reconhecimento de relações entre direito e política não implica, necessariamente, subordinação ou desqualificação do jurídico. Além disso, uma abordagem sistêmica admite a perspectiva do acoplamento estrutural e, mesmo de interpenetração (LUHMANN, 1998, p. 168-169) 80 . Não obstante, é importante destacar as peculiaridades da decisão conforme o sistema jurídico, bem como o risco de se assumir um funcionalismo material que reduza o jurídico a assessório do político, conforme atenta Castanheira Neves (1998), na crítica a Wassermann:

“O ‘funcionalismo jurídico político’ compreende o direito como um instrumento político, em sentido estrito, e numa intenção expressa de politização da juridicidade. E exactamente neste sentido: o direito assumiria um programa finalístico de carácter político, os seus critérios seriam políticos e as suas decisões também de sentido político. Não se limita, pois,

80 Ver a respeito no capítulo 5 deste trabalho.

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a sublinhar a função política que o direito sem dúvida sempre desempenha, enquanto um dos mais relevantes elementos de organização, de garantia e de solução, de definição e de tutela dos padrões da existência e da vida comunitária, enquanto é ele um capital elemento estruturante da ‘polis’ – nem era outro o autêntico sentido de ‘dikaion politikon’, traduzido para o latim por ‘jus civile’ (ius da civitas); ou sequer significa apenas o reconhecimento dos efeitos políticos que a existência e a realização do direito decerto também produzem ao intervirem na vida social, tomando posição perante ela ou orientando-a num certo sentido; visa sim afirmar que ao direito compete imediatamente e no seu específico sentido um objectivo político – o seu objectivo constitutivo seria a realização normativa de um particular projecto e de uma teleologia políticos – e ainda que, já por isso, os seus critérios seriam, a todos os níveis da ordem jurídica, critérios políticos, assim como as decisões jurídicas da sua realização concreta não menos, em último termo, do que decisões políticas, decisões de compromisso político” (CASTANHEIRA NEVES, 1998).

Na teoria dos sistemas a decisão jurídica é, fundamentalmente, comunicação em vista de uma função social, que não decorre de qualquer instância fundante, como um fundamento formal-positivista. As operações do sistema jurídico apontam a possibilidade de abordagem linguístico-pragmática, segundo a qual o direito pode ser compreendido no bojo de relações sociais, nas quais a distinção entre jurídico e não jurídico induz a estabilidade de expectativas de comportamento em sociedade. Positividade, juridicidade e contingência são, todavia, traços característicos do direito moderno (MAGALHÃES, 2002, p. 129-130), a influenciar a interpretação e aplicação jurídica, que, na perspectiva luhmanniana, deve operar recompondo a relação entre direito e sociedade, perdida no positivismo jurídico. Direito é contexto comunicativo, no qual um discurso adquire sentido e o intérprete não comparece a revelar o direito, mas como participante em sua construção, mediante práticas e narrativas que estabelece nas diversas circunstâncias vividas, compondo uma decisão que não consiste em ato isolado, mas dimensão processual. Filtrando elementos comunicativos, o sistema jurídico produz o direito (LUHMANN 1998c, p. 140), e, dessa forma, a decisão jurídica não é mais que contexto comunicativo, mediado pela linguagem. Nesse sentido é que Luhmann poderá afirmar a normatividade incidente sobre a normatização como meio de redução de risco e seletividade (LUHMANN, 1983, p. 15). A decisão jurídica decorre de procedimentos de argumentação, por meio dos quais sua justificação implicará consistência sistêmica (LUHMANN, 1983, p. 190). Argumentação, ao contrário do ato individual de interpretar, é processo seletivo que transcorre como operação interna do sistema jurídico, atuando como controle de

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consistência das decisões (MAGALHÃES, 2002, p. 146 e ss.). É comunicação, que percorre alternativas em “busca de consistência das decisões jurídicas” (MAGALHÃES, 2002, p. 149), apresentando-se como uma operação de auto- observação do sistema jurídico, que reage em seu contexto comunicativo a uma divergência sobre atribuição de valor jurídico/não jurídico (LUHMANN, 1998b, p. 174). Para Luhmann (2005), a decisão jurídica, e especificamente a tarefa dos tribunais é decidir em conformidade com o sistema jurídico, de maneira que a decisão seja consistente com o sistema. Validade do direito e argumentação jurídica se entrelaçam, a produzir direito novo e assegurar as condições de reprodução do sistema (LUHMANN, 2005). Não se tratará, portanto, de questão ética, valorativa, ou de eficiência econômica, por exemplo, mas de argumentação jurídica, que não deve ser julgada por suas “boas razões” (boas intenções ou apelo moral), mas por sua “funcionalidade”, seu respeito à codificação (LUHMANN, 2005). Tem-se, assim, limitação de alcance à interpretação (MAGALHÃES, 2002, p. 154), conquanto se conjugue tal baliza com uma opção pragmatista e um princípio de contingência ligando passado e futuro (LUHMANN, 1982, p. 302). Perceba-se que a decisão jurídica parte de operações sistêmicas que traduzem valores e princípios em programas de decisão (LUHMANN, 1982, p. 177). A relação com a política não ocorre senão como acoplamento estrutural (LUHMANN, 1983, p. 149 e ss.) ou corrupção, com a politização do direito (CAMPILONGO, 2002), ainda que se tome o poder como referência a absorção de segurança e, portanto, imposição de sanção positiva ou de negativa, o que permite verificar na atuação do sistema jurídico a possibilidade de pressupostos facilitadores do manejo do sistema político (LUHMANN, 2001). Essa possibilidade de assentamento do direito em uma medida autorreferenciada de consistência é que não se encontra, por exemplo, no pragmatismo de Posner (1993). Esse autor teoriza fundamentando a ação do juiz maximizador de resultados na suposição do indivíduo utilitarista sujeito da escolha racional (POSNER, 1993). Nessa pragmática que, no limite, se reduz a um cálculo utilitarista, tem-se a improbabilidade de consistência das decisões (AROSO LINHARES, 2002, p. 65 e ss.), o que torna o direito dependente e indistinto. É uma visão que, contudo, explora relevantes questões metódicas envolvendo, por

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exemplo, o confronto de racionalidades entre o “common law decisions” e “statutory or constitutional decisions”. Uma versão pragmatista mais assimilável neste trabalho é a que aproxima direito a literatura ou a arte dramática (AROSO LINHARES, 2004), especialmente nos termos colocados por Levinson e Balkin (1998). Os autores discorrem sobre o sentido e as possibilidades do direito como relação triangular, nas quais coexistem “textos-notação”, “intérpretes” e “auditórios”, em relação dinâmica e apropriação generalizada e não hierarquizada do direito. Balkin (1993) admite uma abordagem heterogênea, capaz de, em sua ótica, aliar ética da alteridade, cognitivismo realista e crítica da ideologia, ante pretensões redutoras do direito a uma perspectiva interna, assumindo, assim, a complexidade do direito na teia de relações que tece e nos fins que seus processos envolvem, submetidos a diversas formas de compreensão, mediante práticas e teorias juridicamente relevantes 81 . Levinson e Balkin (1998) discutem o problema da decisão jurídica a partir de possibilidades de interpretação segundo sua “canonicidade”. Para os autores, “os problemas de desempenho (do direito) estão relacionados ao status canônico do trabalho a ser executado”. Assim, o que as pessoas (ou o sistema) consideram como parte do cânone, é, por parte delas indisponível e deve ser realizado (LEVINSON e BALKIN, 1998). O fato de se considerar determinado dado como parte de um cânone, torna sua realização uma obrigação socialmente expectável. Haverá uma expectativa fundada de comportamento quanto ao cumprimento dessa obrigação, ou contrafactualmente, o cânone poderá gerar um movimento contínuo de sucessivas tentativas de mudança ou aperfeiçoamento a partir daquela base (LEVINSON, 1988). Note-se que a capacidade de revisão jurídica depende do vocabulário e das tradições consentidas no âmbito do sistema, podendo-se tomar a juridicidade, o reconhecimento do direito como tal pelo próprio sistema, como canonicidade. A performance da norma está envolvida em uma teia de canonicidade e a possibilidade de rupturas paradigmáticas e continuidades construtivas é resultado da manipulação adequada desses cânones. Levinson defende, ainda, tanto uma

81 O autor se refere especificamente a “the plurality of forms of legal understanding”.

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pluralidade canônica 82 , quanto a ausência de hierarquia entre decisões jurídicas, na medida em que um direito democrático permita uma apropriação social generalizada do elemento jurídico (LEVINSON, 1995). A consistência da decisão jurídica não se reporta a uma operação lógica de enquadramento do caso á norma, mas a um juízo de adequação. Em Müller (2007), essa adequação consiste no próprio processo de produção da norma de decisão. Para Günther (1993), a decisão jurídica é um discurso, construído pela aplicação da norma mais adequada ao caso concreto, o que demanda avaliação da situação na qual se pretenda aplicação de texto normativo. Souza Cruz (2007) une a perspectiva de Günther à idéia de Dworkin de conexão entre as decisões, formando um “romance em cadeia” (DWORKIN, 1999). Afasta, assim, positivismo e jurisprudência de valores, e prega que “o operador do direito deve examinar integralmente o conjunto de normas “prima facie” diante do conjunto de circunstâncias concretas do caso em si que concorrem numa espiral hermenêutica para a definição da norma jurídica definitiva, ou seja, aquilo que se tem por resposta correta” (SOUZA CRUZ, 2007). E complementa afirmando que “a busca da resposta correta, que para na coisa julgada de cada feito, prossegue em um processo infinito de reconstrução do direito”, favorecendo um processo de aprendizagem cognitiva e reforçando o caráter de falibilidade e provisoriedade da decisão jurídica (SOUZA CRUZ, 2007). Outra questão relevante é a discricionariedade na decisão jurídica. A questão é posta, nos marcos do positivismo, como a relação entre as possibilidades emolduradas na norma e a decisão do aplicador. Assim, se expressa Kelsen a respeito:

“A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem o mais pormenorizada possível tem de deixar àquele que a cumpre ou executa uma pluralidade de determinações a fazer” (KELSEN, 1985, p. 364).

Larenz (2000) esclarece, em linha semelhante, que cada norma tem um sentido possível, um conjunto de possibilidades, consoante o uso lingüístico que seus termos comportam, razão pela qual a aplicação do direito demanda ao

82 O autor faz uma analogia entre o sentido de canonicidade para católicos e protestantes, verificando nesses últimos a metáfora jurídica pretendida.

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aplicador estabelecer “qual, de entre as múltiplas variantes de significado que podem corresponder a um termo segundo o uso da linguagem, deva em cada caso ser considerada”, já que não há “qualquer relação hierárquica fixa, no sentido de que o peso dos critérios particulares fosse estabelecido de uma vez por todas” (LARENZ, 2000, p. 387 e 390), cabendo ao julgador escolher e à aceitação da decisão a sua legitimidade. Buscando conciliar normativismo e realismo, Hart (2007) admite que na maioria dos casos há uma aplicação do direito conforme as balizas traçadas pela norma, mas em determinados casos, duvidosos ou complexos, a decisão judicial singular impera, sendo improvável que se assegure consistência entre elas (HART, 2007, p. 139-140). Dworkin (1999, p. 377-492), em tom jusnaturalista, apresenta a tentativa de superação desse limite através do juiz-hércules e da única possibilidade de decisão em cada caso (DWORKIN, 2000b, p. 175-216), formando-se, outrossim, a idéia do romance em cadeia (DWORKIN, 200b, p. 221), que conforme Gyôrfi (2009) almeja reposicionar nos seguintes termos:

“Vou argumentar que existe uma forte relação entre o nosso ponto de vista da autoridade e a conveniência de razões de preferência. Mais especificamente, temos fortes razões para considerar as normas legais como razões de preferência somente se aceitarmos a concepção de serviço da autoridade. Sugiro, no entanto, que uma explicação alternativa de autoridade - que chamaria de árbitro modelo - dá-nos uma melhor explicação do que implica a autoridade legal e como ela opera. (...) eu sugiro que devemos reformular o debate entre o direito como integridade de Dworkin e o positivismo normativo como um debate entre duas diferentes tentativas de colocar carne nos ossos do árbitro como modelo de autoridade” (GYÔRFI, 2009) .

Percebe-se, nas posições narradas, os seus próprios limites e a dificuldade para lidar com os limites que a contingente condição do sistema jurídico impõe. Discricionariedade não poderá ser conceito que circunscreve opções a partir do texto normativo, tampouco, o conteúdo da decisão, nem, ainda, a perspectiva da única decisão correta. Trata-se de composição argumentativa de narrativas consistentes que levam à concretização normativa. Tem-se, assim, discricionariedade como contingência, capacidade de inclusão no discurso, possibilidade de recomposição narrativa e trânsito nos jogos de linguagem. Toda discricionariedade, nesse sentido, envolve responsabilidade e possibilidade de contraponto. A discricionariedade não decorre da lei, mas da linguagem e do contexto, e se constitui como uso nessa situação determinada, sabendo-se que o uso do código do direito se relaciona com a

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margem de escolha. Não há espaço para o chamado “indiferente jurídico” (ARAÚJO, 1992), já que o sistema jurídico não opera situações externas, e o controle do ato discricionário decorrerá, em geral, de conhecimento do tipo apofático nas circunstâncias de possibilidade do discurso jurídico. Assume-se, portanto, uma noção de discricionariedade como decisão conseqüente e bem justificada, para cuja concretização concorrem âmbito e programa da norma, invocando a necessidade de justificação e a possibilidade de questionamentos e revisão (GYÔRFI, 2002, p. 355- 368).

7.6. A norma jurídica

A questão da norma vincula-se ao problema da decisão jurídica, eis que este trabalho adotará uma peculiar concepção de norma jurídica, presente na obra de Müller (2009), que a compreende como processo, a envolver aspectos contextuais, textos normativos e circunstâncias de aplicação. Tal perspectiva atende a uma necessidade de considerar o substrato fático no direito (REALE, 1986, p. 65), já que, acentua Günther, “se pudéssemos prever todos os interesses que serão afetados pelas repercussões da aplicação de uma norma em todas as situações de aplicação, nós não só teríamos à nossa disposição um conhecimento infinito sobre os mundos objetivo e social, como também seríamos transparentes para nós mesmos” (GÜNTHER, 1993, p. 35). A norma se faz na prática, uma vez que não pode previamente regular a sua própria aplicação e que é validada apenas e na medida em que sua justificação permanece sendo acreditada. Descarta-se, portanto, a dogmática positivista (FERRAZ JR., 1980), tal como no normativismo kelseniano, presente também na obra de Bobbio (2001, p. 23), para quem direito é, fundamentalmente, norma, o que permite afirmar que “a experiência jurídica é uma experiência normativa”, que atende a uma função prescritiva do Direito (BOBBIO, 2001, p. 146). É um foco fundado em uma suposição básica acerca da completude, precisão e coerência da ordem jurídica positiva, sugerindo o primado da lei abstrata sobre o fato e desconsiderando a questão da justiça, que neste caso, supõe-se dada (SOUZA, 1993, p. 47-50), Assenta-se o positivismo, mesmo em sua forma Kelseniana, metodológica, no que Bobbio (2001) denominará como positivismo ideológico, na pretensão de que,

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sendo válida a norma será necessariamente justa. Kelsen (1985) supõe um fundamento de validade originário, despido de concretude. Mas, à norma fundamental kelseniana se sobrepõe uma estrutura social complexa e diversificada (NINO, 1974, p. 86-87). O positivismo, conforme Bodig (2002, p. 141 e ss.), carrega uma pretensão de dominar aquilo que é e aquilo que não é. Para esse autor, todavia, o direito não é uma questão de técnica (BODIG, 2002, p. 143), razão porque, apoiado em Habermas, afirma que a juridicização consiste em “dar forma jurídica a mais e mais elementos de ação” (BODIG, 2002, p. 148). Trata-se de perceber no direito inúmeros jogos de linguagem, conducentes a um sentido de normatividade (WITTIGENSTEIN, 2008), em termos wittgensteinianos, que permitem localizar na fonte das comunicações emanadas do sistema jurídico contextos de significados (DAVIDSON, 2002). Não se trata, assim, de intersubjetividade, mas de contexto de comunicação, a induzir uma superação da pretensão analítica de possibilidade de, sob determinadas premissas e apresentada a comprovação, decorrer uma única conclusão, com a vitória dos argumentos de um interlocutor sobre o outro. Compreende-se, com Günther (1993), uma distinção entre um discurso de justificação e um discurso de aplicação, conforme se trate de narrativa exposta na produção do texto legal ou na aplicação do direito, considerando-se, todavia, certa interpenetração entre essas dimensões, especialmente em casos nos quais não fica clara a natureza do discurso empreendido. Em Müller (2000), o conceito de norma é desenvolvido a partir de sua “metódica”, que envolve processos relativos a metodologia, métodos de interpretação e possibilidades de concretização do direito. A questão nuclear se refere à constatação que a “concretização prática da norma é mais do que a interpretação do texto” (MÜLLER, 2000, p. 22). Segundo sua metódica concretista, são indissociáveis, texto, programa e âmbito da norma (SOUZA CRUZ, 2004, p. 390), motivo pelo qual a decisão jurídica conjuga elementos da norma com seu contexto de aplicação. Na base da concepção do autor está a crítica do positivismo, principalmente à obra de Kelsen e a seu esforço teórico de dotar o direito de uma cientificidade que teria isolado o conceito de norma à esfera restrita do dever-ser. Para Müller (2000), o positivismo peca por processar a norma em termos unilaterais de uma “imputação”, com

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significados extraídos de enunciados lingüísticos normativos, contra os quais se enquadrariam os fatos. Ainda conforme o aludido autor, Kelsen separa ser e dever-ser de forma tão rígida que o impede de verificar a conexão entre textos normativos e situações fáticas. A teoria pura se equivoca ao pressupor que a norma que rege um caso é apenas e tão-somente um texto normativo a ela referido. Assim, o foco da teoria estruturante incide sobre problemas práticos a serem resolvidos pelo direito, que se colocam como elementos de um processo que conduz à decisão jurídica. A norma aplicável em cada caso não decorre apenas de textos de lei, extraíveis segundo métodos tradicionais de interpretação, mas de um trabalho de construção, ou concretização, dessa norma. A norma é, portanto, norma construída segundo materiais legais, contextos e circunstâncias específicas. Essa constatação, como afirma Müller (2000), é mais evidente no direito constitucional:

“No direito constitucional evidencia-se com especial nitidez que uma norma jurídica não é um ‘juízo hipotético’ isolável diante de seu âmbito de regulamentação, nenhuma forma colocada com autoridade por cima da realidade, mas uma inferência classificadora e ordenadora a partir da estrutura material do próprio âmbito social regulamentado. Correspondentemente, elementos “normativos” e “empíricos” do nexo de aplicação e fundamentação do direito que decide o caso no processo de aplicação prática do direito provam ser multiplamente interdependentes e com isso produtores de um efeito normativo de nível hierárquico igual. No âmbito do processo efetivo da concretização prática do direito, “direito” e “realidade” não são grandezas que subsistem autonomamente por si. A ordem (Anordnung) e o que por ela foi ordenado são momentos da concretização da norma, em princípio eficazes no mesmo grau hierárquico, podendo ser distinguidos apenas em termos relativos” (MÜLLER, 2000, p. 58).

Tal seleção não reconhece a “força normativa do fático”, mas enfatiza que dados situacionais interagem com os textos em linguagem prescritiva, tendo como fim um direito como práxis (MÜLLER, 2000, p. 58-59). Para Müler:

“A metódica estruturante analisa as questões da implementação interpretante e concretizante de normas em situações decisórias determinadas pelo caso. Ela apresenta a hierarquia igual de elementos do programa da norma e do âmbito da norma. Ela procura desenvolver meios de um trabalho controlável da decisão, fundamentação e representação das funções jurídicas. Com isso ela se move na direção da exigência de encontrar graus de interpretação ‘à maneira’ de Savigny, que sejam conformes o direito constitucional atual” (MÜLLER, 2000, p. 69).

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Pode-se dizer, então, que a teoria da norma de Müller (2000) parte do pressuposto de que as normas jurídicas não são puro dever-ser. O autor propõe a norma jurídica como uma noção composta de ser e dever-ser, de dados lingüísticos e dados reais. Ademais, a norma jurídica não se identificaria ao texto da norma. A norma jurídica seria estruturada na conjugação do programa da norma (“Normprogramm”) com o âmbito da norma (“Normbereich”). Segundo Müller, “os enfoques fundamentais da ciência jurídica distinguem-se quanto ao posicionamento das suas concepções diante da norma jurídica” (MÜLLER, 2007, p. 9). São as transformações no conceito de norma que definem as transformações da ciência jurídica. Como forma de contornar o que julga uma incorreção, Müller (2007) sugere uma mudança no enfoque indagativo a respeito do lugar epistemológico da ciência do direito e também da metódica jurídica. Muller (1995, p. 12-13) propõe o abandono do questionamento “que tipo de ciência é a ciência jurídica?”, pois tal pergunta não conseguiria responder em maiores detalhes o papel da ciência jurídica e da sua metódica na realidade social. Ao contrário, Müller procura, antes de tudo, desvendar a estrutura da norma e da normatividade jurídica tal e como ela se apresenta na aplicação prática do direito. Para solucionar esse problema, Müller (1995, p. 13) propõe a seguinte indagação: “o que ocorre efetivamente, quando se pode afirmar de um determinado ordenamento jurídico que ele funciona?”. Müller pretende superar as posições tradicionais do positivismo normativista, na linha de Kelsen, para quem o texto normativo fixa os limites, emoldura as possibilidades de decisão, e o jurista atua nas lacunas que o silogismo jurídico não alcança, permanecendo, contudo, um enfoque segundo o qual a norma é dada previamente. Pretende, também, superar o decisionismo schmittiano, em cuja percepção a decisão não se relaciona com os textos normativos, nem no tocante a validade, nem quanto ao sentido do texto e à justificação da decisão (ADEODATO, 2006, p. 237). Müller (2000, p. 53) recorda que um texto constitucional, por exemplo, é mera forma preliminar, um dado de linguagem, eis que “o teor literal de uma prescrição juspositiva é apenas a ponta do iceberg”. Nele está um texto com um programa normativo, não a norma jurídica propriamente (MÜLLER, 2007, p. 275). O texto é um

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elemento no processo de concretização, findo o qual aparece a norma. O texto, linguagem para a comunicação, refere-se apenas ao programa da norma, razão pela qual o autor afirma que a “positividade do direito não é idêntica à positividade dos textos normativos” (MÜLLER, 2009, p. 209). A teoria estruturante de Müller (2007) compõe um modelo dinâmico que configura a norma jurídica mediante um processo de concretização. Norma, então, não é texto, mas concretização normativa procedimentalizada. Normatividade não é simples decorrência do texto da norma, mas de sua concretização. O autor afirma, nesse sentido, que “o que se pode ler nos códigos são somente os textos das normas – dito de outro modo, textos que ainda devem, pela concretização, ser transformados em normas jurídicas” (MÜLLER, 2007, p. 274). Perceba-se que a metódica estruturante não absorve uma interpretação do tipo positivista, realizada conforme um silogismo envolvendo norma e fato, porque, conforme o processo de concretização, não sendo o texto realmente norma, sua aplicação lógico-dedutiva resta inadequada. A estrutura da norma jurídica, em Müller (2007), é composta pelo programa da norma, composto por elementos de linguagem, pelo âmbito da norma, que compreende dados sociais, e sua avaliação agregada a um contexto no qual ocorrerá a realização da norma jurídica, fonte da norma de decisão. Perceba-se que a norma é, assim, linguagem e contexto, e o decisionismo do autor não é imperativo, como em Schmitt, mas aberto a confrontos. Müller salienta, a propósito, que no Estado democrático de direito não há força normativa no fático, mas “só fatos relevantes para o programa da norma e fatos conformes ao programa da norma podem determinar o conteúdo da decisão” (MÜLLER, 2007, p. 154). Note-se, enfim, que um esquema simples de formação da norma ocorreria, nos termos da metódica estruturante, começando pelo relato do caso, seguido da transformação, pelo operador do direito, dessa narrativa em circunstâncias do caso. O âmbito da matéria, isto é, a relação entre narrativa e texto de lei, ocorreria a compor o âmbito do caso. Em seguida ter-se-ia a determinação do programa da norma e do âmbito da norma, que formam a estrutura da norma. Determinada a norma jurídica em face da situação concreta, tem-se, afinal, a chamada norma de decisão (MÜLLER, 2007). Recorde-se que o programa da norma é constituído dos textos normativos aplicáveis ao caso e expressa a ordem jurídica tal como exposta em texto. O

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programa da norma filtra os dados reais aplicáveis ao caso, já o âmbito da norma é o “recorte da realidade social na sua estrutura básica que o programa da norma ‘escolheu’ para si ou em parte ‘criou’ como seu âmbito de regulamentação” (MÜLLER, 2000, p. 57). O âmbito da norma “entra no horizonte visual da norma jurídica, bem como da norma de decisão, unicamente no enfoque indagativo, determinado pelo programa da norma” (MÜLLER, 2000, p. 59). Estabelece, pois, condições de aplicação normativa, pois trata de dados materiais com que se relacionam os textos que compõem o programa da norma. Programa e âmbito da norma são, um e outro, vistos à luz do caso, mas não são constitutivos do caso. A norma surge no processo de concretização, a partir da formação de sua estrutura e a implicar uma decisão, admitindo-se, outrossim, que nem toda previsão normativa esteja em texto legal estatal.

7.7. Princípios e normatividade jurídica

Uma das novidades vividas nas últimas décadas pelo direito é a incorporação dos princípios à linguagem jurídica usual, correntemente, veiculada pelos operadores do direito e, em parte, pelos demais atores sociais. Trata-se de uma inovação que produz consequências importantes, não porque se trata de um instituto jurídico inteiramente novo, mas porque, associado a um determinado contexto, tem provocado consequências as mais diversas, dotando a arena jurídica de mais possibilidades e riscos. A experiência com os princípios tem, igualmente, engendrado um esforço teórico no que se refere a sua justificação e condições de aplicação, além de intermináveis debates sobre sua natureza. É uma questão jurídica importante para a análise do direito das políticas públicas, que tanto sofre sua incidência direta, quanto no controle da aplicação das regras. Conforme a perspectiva epistemológica adotada nesse trabalho, afasta-se a discussão sobre uma eventual natureza última dos princípios, que não possuem condição essencial nem existência ontológica, mas são enunciados socialmente utilizados para determinadas finalidades e em determinados contextos. No vocabulário jurídico, princípio assume, contemporaneamente, caráter normativo, com pretensão de aplicação direta.

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Entre as principais questões que suscita, está a diferença com as regras e suas distintas condições de concretização. É improvável uma distinção cabal entre princípios e regras, que se lhes distinga e separe naturezas singulares. Ambos são normas e operam juridicamente mediante o mesmo critério de análise contido no código binário atinente ao sistema do direito. Diferem, é certo, quanto à forma do enunciado, mas, para além de questões apenas semânticas, o problema dos princípios jurídicos deve se ater a seus contextos de aplicação e ao uso que tem recebido, com alguns problemas que sobressaem, como o reconhecimento do princípio não expresso em texto normativo estatal e, em geral, suas condições de aplicação na relação com as demais sentenças normativas e suas prescrições mais ou menos abertas. Conforme Silva (2003) a doutrina jurídica se divide em três posições básicas no tratamento dos princípios, as quais, segundo o autor, promovem uma distinção forte ou fraca entre princípios e regras ou não distinguem os dois institutos. Cabe, nesse ponto, alguma observação, afinal, talvez a questão não deva ser colocada nesses termos. Pontue-se que princípios e regras são normas, e isso equivale a dizer que ambos operam concretizando situações de juridicidade ou antijuridicidade. Os dois são, igualmente, expostos por meio de enunciados que configuram uma dada programação normativa. Pode-se afirmar, todavia, que, em geral, considera-se que princípios são apresentados como sentenças mais abstratas, gerais e abrangentes, enquanto regras seriam mais específicas. Ora, mesmo esta última possibilidade de diferenciação não é mais que um critério arbitrário, que implica a necessidade de definição de graus e níveis de generalidade, abstração e abrangência, todos de improvável fixação. Admita-se, contudo, uma consagração pelo uso de ambos os termos e, nos princípios, um componente genérico e estruturador do sistema, ao passo que regras seriam específicas e mais próximas da decisão normativa concreta. Essa concepção se afasta de posições como a de Silva (2003) que, apoiado em Alexy, defende uma concepção de princípios como “mandamentos de otimização”. Para o autor, a diferença entre regras e princípios reside em sua estrutura, e difere das teorias que se fundam em critérios materiais (SILVA, 2003). Nos termos propostos por Alexy (1993), e também por Dworkin (2000b), qualquer distinção do tipo hierárquica ou por grau de abstração é insatisfatória, já que a distinção seria estrutural. As contradições entre regras se resolveriam no plano da

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validade e os conflitos nos princípios por “relações condicionadas de precedência”, porque esses são mandamentos de otimização, observadas condições fáticas e jurídicas de cada caso concreto. Princípios seriam, então, normas que exigem que determinada previsão nela contida seja realizada na maior medida possível. Ao contrário, as regras seriam realizadas por completo, desde que válidas. O método de composição de princípios seria o sopesamento, que não se confundiria com a cláusula de exceção da interpretação jurídica tradicional 83 . No caso das regras o resultado seria sempre o mesmo, afirma Alexy (1993), mas no dos princípios, não, já que “as condições sob as quais um princípio precede a outro constituem o suposto de fato de uma regra que expressa a conseqüência jurídica do princípio precedente” (ALEXY, 1993, p. 94). Perceba-se nessa concepção não apenas o resquício positivista, mas a própria contradição em seus próprios termos, desde que se nota que na regra o resultado somente será o mesmo se a justificação da decisão e o contexto forem os mesmos. Perceba-se, ademais que, em Alexy, sobressai o problema axiológico e sua suposição de valores comunitariamente compartilhados, distinguindo-o de autores que enfatizam a questão deontológica, como Habermas, Rawls e Dworkin, que separam princípios de valores e abrem uma perspectiva valorativa pluralista, que comparecem como condições de aceitabilidade geral das justificações contidas nesses princípios normativos. Conquanto, pressuponha algum acordo social, essa vertente se aparta de Alexy, que confunde os discursos de justificação e de aplicação, porque não distingue normatividade jurídica, que pode ser racionalizada segundo certos procedimentos por meio de um sistema especializado, de axiologia, supondo, ele, a existência de valores socialmente vividos por todos. Não distingue, então, a validade da norma de sua aplicabilidade. A seguir, trecho em que Habermas (1997) explicita sua posição:

“Princípios ou normas mais elevadas, em cuja luz outras normas podem ser justificadas, possuem um sentido deontológico, ao passo que os valores têm um sentido teleológico. Normas válidas obrigam seus destinatários, sem exceção e em igual medida, a um comportamento que preenche expectativas generalizadas, ao passo que valores devem ser entendidos como preferências compartilhadas intersubjetivamente. Valores expressam preferências tidas como dignas de serem desejadas em determinadas coletividades, podendo ser adquiridas ou realizadas através de um agir direcionado a um fim. Normas surgem com uma pretensão de validade binária, podendo ser válidas ou inválidas; em relação a proposições

83 Em sentido contrário, conferir em Raz (1972, p. 832-833).

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normativas, como no caso de proposições assertóricas, nós só podemos tomar posição dizendo "sim" ou "não", ou abster-nos do juízo. Os valores, ao contrário, determinam relações de preferência, as quais significam que determinados bens são mais atrativos do que outros; por isso, nosso assentimento a proposições valorativas pode ser maior ou menor. A validade deontológica de normas tem o sentido absoluto de uma obrigação incondicional e universal: o que deve ser pretende ser igualmente bom para todos. Ao passo que a atratividade de valores tem o sentido relativo de uma apreciação de bens, adotada ou exercitada no âmbito de formas de vida ou de uma cultura: decisões valorativas mais graves ou preferências de ordem superior exprimem aquilo que, visto no todo, é bom para nós (ou para mim)” (HABERMAS, 1997, p. 316-317).

Ávila (2005) percorre senda na qual desenvolve uma teoria metafísica dos princípios que parte de uma classificação que distingue axiomas, postulados e normas-princípios. O axioma é admitido como uma afirmativa aceita por todos, que decorreria do simples raciocínio lógico, sendo autoexplicativa e não aberta ao debate. O postulado seria uma condição de possibilidade do conhecimento de determinado objeto, considerando-se, porém, que tal objeto não poderia ser compreendido senão através do próprio postulado (ÁVILA, 2005). Na presente tese uma tal classificação, de base kantiana, seria carecedora de sentido, eis que pressupõe um sujeito consciente que diferencia enunciados de acordo com a sua natureza essencial. Pressupõe uma natureza ontológica de base essencialista incompatível com uma visão pragmatista do direito, segundo a qual não há, em si, princípios, axiomas ou instituto jusfilosófico que seja, fora dos termos e condições dos jogos de linguagem e vocabulários a que se vinculam e dos contextos sociais a que pertencem. Axiomas são enunciados incompatíveis com a presente abordagem. Sucintamente, um axioma ou um postulado, tal como expostos por Ávila, são categorias úteis apenas sob uma epistemologia de base metafísica, que preferimos desconsiderar, assumindo os termos da crítica moderna a tais posições, conforme descrito no capítulo 2. Quanto ao princípio como norma, o citado autor pretende que encontre “seu fundamento de validade tão somente no direito positivo, de modo expresso ou implícito” (ÁVILA, 1999, p. 104), não obtendo, portanto, fundamento de validade evidente em si como o axioma, razão pela qual pode-se dizer “que os princípios, à diferença das metanormas de validade, instituem razões ‘prima facie’ de decidir”. Ainda para o autor, “os princípios servem de fundamento para a interpretação e aplicação do Direito. Deles decorrem, direita ou indiretamente, normas de conduta ou instituição de valores e fins para a interpretação e aplicação do Direito” (ÁVILA,

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2005). Ávila (2005) sai-se com uma posição que remete a elementos de Hart e de Alexy, já que afirma que a norma depende de normatividade decorrente de possibilidades normativas advindas de outros princípios, com possibilidade de derrogação no caso concreto, e que havendo a chamada colisão de entre princípios, dever-se-á recorrer a regras de dominância para o caso, não se admitindo qualquer definição prévia de supremacia. A proporcionalidade, habitualmente tida como princípio, seria, na realidade, condição para a concretização do direito e, nesse sentido, não equivaleria a uma norma-princípio, mas estaria qualitativamente acima destas, já que não busca concretização de si mesma, não prevalece sobre os demais, mas possibilita a aplicação da teia normativa (ALEXY, 1993). Trata-se, com efeito, de uma concepção que sugere não apenas distintos níveis normativos, como leva à ponderação de valores e ao sopesamento de princípios, estratégias de abordagem jurídica que, já se explicou, remetem à crítica geral do pragmatismo às linhas epistemológicas fixadas pelo pensamento moderno. Freitas (1995, p. 57-71) aborda o problema dos princípios de forma um pouco diversa, enfrentando a questão das antinomias ancorado no chamado princípio da hierarquização axiológica (FREITAS, 1995, p. 80-90), condizente com sua posição de assimilação da normatividade não só dos princípios, mas dos valores 84 , ligado à questão da Justiça (FREITAS, 1995, p. 90-102). O autor, de modo mais interessante, invoca o cruzamento dos métodos tópico e sistemático (FREITAS, 1995, p. 102- 110), e, apoiado em Canaris (2007), apresenta sua interpretação sistemática do direito, que não assimila o unilateralismo do direito livre, mas sintetiza posições derivadas da hermenêutica filosófica e da crítica das ideologias (FREITAS, 1995, p. 130). Para o autor:

“A essencial identidade do pensamento sistemático e da tópica, bem assimilada, oferece-nos fundadas razões para reiterar que o Direito não pode ser somente forma, sob pena de perecer com ela”. “harmonização de múltiplos conteúdos da vontade jurídica, certo que nunca haverá interseção plena entre o sistema aberto e o positivado, sobretudo quando, acertadamente, não se concebe o sistema como estaticamente realizado” (FREITAS, 1995, p. 133).

Posições como as estabelecidas por Bandeira de Mello (2005), que confere significância aos princípios e opta por uma distinção fraca, quase instrumental, ou Canotilho e Moreira (1991, p. 49), que admitem princípios como núcleos de

84 Observe-se a crítica de Eros Roberto Grau ao autor no Prefácio da obra (FREITAS, 1995).

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condensações são, porém, preferíveis, mesmo porque se compreende que o uso de uma distinção permite certa seletividade exigível em situações complexas pelo sistema jurídico (TAVARES, 2006, p. 94). Entre algumas características a serem destacadas, deve-se salientar que princípios são normogenéticos (CANOTILHO, 1998, p. 1067), isto é, são fundamentos para as regras (LOPEZ, 2001, p. 56-57). Podem gerar eventuais conflitos e possibilitar controle negativo da aplicação de regras. Nesse sentido, e sem adentrar nos traços positivistas presentes na obra do autor, a adequada definição dada por Bandeira de Mello (1995):

“Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.

Tem-se, então, que princípios são normas e não diferem de regras senão por condições de aplicação. Sendo usualmente tomados como mais genéricos e abstratos em sua formulação, atingem mais casos. Somente no contexto se pode afirmar a juridicidade de seu uso. Têm múltipla função, cabendo-lhes desde a indução da produção legiferante, passando pelo controle de juridicidade e chegando a situações de aplicação direta, no que, aliás, não diferem, de fato, das regras. Importante também é distinguir a confusão que se faz quando se pretende que princípios dêem conotação valorativa ao ordenamento jurídico. Tal afirmação não deve ser abraçada, senão em usos específicos e devidamente justificados. Embora possam ser vistos como uma tentativa de resgate do lastro ético perdido, princípios nada mais são que normas jurídicas, e nascem sem o elemento que seria a peculiaridade ética, a crença na normatividade fundada em uma justificação de base comunitária e a capacidade de atribuir sentido de certo e errado, bem e mal a determinada situação. A boa justificativa ética é fundamentalmente diferente da jurídica, esta racional e tecnicista, aquela tradicional e referida a um ethos que, como tal, só pode ser vivido. A ética decorre, pois, de uma ‘práxis’ ligada a um “ethos” na ‘polis’, ao passo que o direito moderno se estabelece de forma poiética, norma que se concretiza. Na realidade, valores transformados em normas jurídicas são

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fenômenos típicos de uma modernidade solapada pelo individualismo 85 , na qual, no dizer de MacIntyre (1991), racionalidades éticas rivais disputam a primazia e inviabilizam o consenso ético, vale dizer, qualquer compartilhamento de valores mais vasto e uniforme. Embora alguma eticidade tangencial possa irritar o sistema jurídico, a permitir operações de criação de princípios jurídicos, princípios presentes no ordenamento são meramente jurídicos. Princípios expressos em texto legal possuem, exatamente, essas características indigitadas, ainda que se encontrem em diferentes situações de uso, o que leva alguns à busca da precisão terminológica que se pode reputar dispensável no mais das vezes. Afinal, saber se o princípio da motivação é regra ou se o princípio da razoabilidade é técnica de interpretação é pouco relevante para fins práticos, ao passo que concluir pelo seu estabelecimento no direito brasileiro faz diferença concreta, já que implica novos jogos de linguagem segundo o vocabulário jurídico, ora encorpado, e novas exigências de uso e justificação do direito. Princípios implícitos são mais complexos, porque demandam justificação adicional e a admissibilidade de uma base jurídica pluralista. Segundo Perelman (1998), aliás, não se deve identificar o direito com a lei formal, “pois há princípios que, mesmo não sendo objeto de uma legislação expressa, impõem-se a todos aqueles para quem o direito é a expressão não só da vontade do legislador, mas dos valores que este tem por missão promover, dentre os quais figura em primeiro plano a justiça” (PERELMAN, 1998, p. 95). Princípios implícitos não são menos importantes ou hierarquicamente inferiores, tampouco, são axiomas, mas carecem de adequada justificação para se estabelecerem legitimamente no sistema do direito. Tal legitimidade é dada tanto pela justificação quanto pelo uso. Assim, é irrelevante discutir a existência, por exemplo, do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular no direito administrativo, uma vez que tal enunciado compõe a linguagem jurídica e foi coletivamente apropriado e juridicamente decodificado. Se a filtragem de novos princípios implícitos desafia novas operações do sistema jurídico 86 , deve-se perceber, no entanto, que a resposta autopoiética dada pelo sistema tem sido, crescentemente, a formalização dos princípios mediante texto expresso. Tal

85 Ver seção 3.4 neste trabalho. 86 Ver a questão dos limites que o sistema impõe à decisão jurídica, ao discurso de aplicação, em Sampaio (2005, p. 437).

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tendência, porém, não exclui o problema, que não se reduz ao positivismo realista hartiano (HART, 2007), mas deve, pragmaticamente, ser comunicativamente assumido e realizado pelo sistema do direito. Uma eventual distinção entre princípios e regras, por seu turno, não diz respeito à natureza de ambas as categorias, não se podendo afirmar, cabalmente, a distinção entre enunciados normativos, bem como quaisquer consequências peculiares ou diferenças procedimentais dela decorrentes. Recorde-se a já assinalada posição segundo a qual regras “devem sempre ser realizadas por completo”, mas “o grau de realização” dos princípios pode variar, o que apenas reposiciona uma condição gradualista, como se uma regra não pudesse ser aplicada parcialmente. Nos termos da metódica esposada nesse capítulo, e suas conseqüentes conotações de direito e decisão jurídica, falece sentido a afirmações do tipo “um princípio pode ser aplicado parcialmente, mas uma regra não”, que acarretam a necessidade de distinção material acerca de graus, total ou parciais, de realização normativa. Ou, ainda, expressões como “regra contra regra é tudo ou nada”, se o resultado nos casos de aparentes conflitos entre regras é imprevisível, e a ninguém é dado afirmar com certeza a declaração de validade de uma e de invalidade de outra, já que a decisão só ocorrerá no caso concreto. Observe-se que o uso das normas comporta múltiplas possibilidades de decisão, como, por exemplo, nos casos em que, em 2007, o Supremo Tribunal Federal (2007) decidiu a questão da “fidelidade partidária” nos casos do representante que muda de partido político. Na ocasião haveria um conflito entre normas que enunciavam, concorrentemente, “não existe pena para o mandatário que muda de partido” e “o partido é dono do mandato”. Entre as aplicações possíveis, decidiu-se que o comportamento apontado como inconstitucional em alguns casos seria possível e noutros não. Foi decisão judicial, a afirmar que a primeira regra é aplicada em alguns casos e a segunda em outros, conforme o contexto. Na realidade, as regras se alteraram com a aplicação de outra regra, criada a partir do caso, qual seja, “não existe pena para quem muda de partido com justa causa”. E conceito e texto normativo referentes à matéria foram inteiramente inventados pelo Judiciário, segundo o qual a regra passaria a ser “o partido, sob certas circunstâncias, é dono do mandato”. Günther (1993, p. 273) consigna, a esse respeito, que “só podemos supor aquelas situações de aplicação que podem ser imaginadas em um determinado

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presente ou ponto no tempo com base em nossa experiência conosco mesmos e com os mundos objetivo e social” (GÜNTHER, 1993, p. 34). Na aplicação é importante verificar a relação adequada da norma à situação específica. Por isso, é que coexistem normas válidas no sistema, a disputar entre si a regência de cada caso (GÜNTHER, 2000, p. 90-91), de maneira que hipóteses de eventual colisão de normas não se referem a sua validade, mas a sua adequação, ao sentido de sua aplicabilidade, assistindo razão à metódica concretizante de Müller (2007). Princípios e regras são, ambos, normas; de ambos são extraíveis regras e ambos exigem argumentação suficiente e uma concepção do direito como prática interpretativa, no bojo de uma cadeia de argumentações e decisões entrelaçadas. Nenhum assegura uma decisão prévia qualquer (LOPES, 2003, p. 49 e ss.), mas teorias, como a de Dworkin, que incorporam a questão dos princípios à possibilidade de um discurso moral no direito, são tomadas para tingir de juridicidade qualquer finalidade pretendida pelo intérprete ou aplicador do direito (LOPES, 2003, p. 50). Ao contrário, “aplicar regras e aplicar princípios é algo semelhante” e sua diferenciação não reduz em nada os problemas jurídicos, antes permite disfunções (LOPES, 2003, p. 58-60). Recorde-se, neste ponto, passagem veiculada por Black (1970), na qual o magistrado afirmava que conceitos amplos, como o de devido processo legal, servem bem para amparar não a defesa da Constituição e da ordem jurídica, mas o direito de juízes que “perambulam como querem, no terreno ilimitado das suas próprias crenças, e pela racionalidade, chegam a escolher idéias políticas, cuja responsabilidade a Constituição confia aos representantes legislativos do povo” (BLACK, 1970, p. 56). Note-se, na aguda percepção do autor, a presença do risco de superposição de códigos, a possibilidade de corrupção sistêmica ou de juridicidade simbólica, vale dizer do discurso jurídico despido de suficiente justificação, mas efetivo em termos de uso e capacidade de sobreposição do código do direito pelos códigos da política ou da economia. Perceba-se, então, que há um vocabulário do direito que se sofistica, quando, por exemplo, trabalhamos mais com texto escrito, ou quando associamos princípios e regras, mas, no cerne, estamos falando de um código que identifica o direito e o distingue do não direito. São normas “dotadas de alto grau de generalidade” (TAVARES, 2006, p. 92), o que permite sua concretização em contextos diversos e implica considerá-las superior hierarquicamente (CANOTILHO, 1998), ainda que tal

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hierarquização não conduza à desconsideração das regras (DWORKIN, 2000a, p. 43), ou ao reconhecimento de diferença de estrutura lógica, princípios e regras se orientando para diferentes objetivos (DWORKIN, 2000a, p. 42-43). Por hierarquia pode-se entender tão-somente distinção segundo sentenças de justificação ou necessidade de consistência entre estruturas semânticas mais gerais e abrangentes e enunciados específicos. A importância dos princípios (GRAU, 2000, p. 98) é contextual e relacional, em função de determinados objetivos, como a juridicidade e conteúdos desejáveis em um projeto normativamente adotado.

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8. ESTADO CONSTITUCIONAL, DIREITO PÚBLICO E POLÍTICAS PÚBLICAS

8.1. Direito público e Estado de Direito

Entre as consequências que se pode extrair da base admitida nesse trabalho para o estudo da juridicidade das políticas públicas, uma das mais importantes é a vinculação da matéria ao chamado direito público. A distinção entre direito público e direito privado (VILHENA, 1996) obedece a uma racionalidade estruturante que, notadamente, a partir do século XIX (SOUSA e MATOS, 2008, p. 102 e ss.), rompe a unidade do direito romano sobre o espaço europeizado (RIVERO, 1995, p. 32), não apenas conferindo autonomia ao direito administrativo (DUPUIS, GUÉDON e CHRÉTIEN, 2007, p. 12-13), mas, sobretudo, percebendo, em um contexto de modernidade complexa guiada pela dicotômica relação entre Estado e mercado (VERDU, 2007), um regime jurídico dotado de racionalidade diversa (RENAUT, 2007) daquela fundada no direito romano reconstituído a partir da passagem da idade média para a era moderna (LOPES, 2009). Sobre a divisão entre direito público e privado, Faria esclarece que a ordem jurídica é una, inexistindo, assim, diferentes direitos (FARIA, 2004). A divisão, contudo, se justifica por existirem diferentes níveis de relação jurídica, vinculando os cidadãos entre si, e tratando das situações em que aparece o Estado, a administração pública, ou o interesse público. As relações entre particulares ficam sujeitas à racionalidade do direito privado, ao passo que aquelas com a presença estatal ou afetas à esfera pública são pautadas pelo regime de direito público. De fato, a noção de direito público passa, fundamentalmente, por uma compreensão de que as relações sociais que envolvam aspectos coletivos da vida em sociedade, especialmente aquelas nas quais, direta ou indiretamente, comparece o Estado 87 , geram problemas específicos e distintas formas de trabalhá- los (DAVID, 1998, p. 67 e ss.), razão pela qual devem receber um tratamento jurídico diferente do que é conferido a situações que envolvam pessoas individualmente (MORAND-DEVILLER, 2005, p. 16 e ss.). Conquanto se possa, de um lado, argüir a historicidade do legado formador do regime de direito público 88 , e, de outro, objetar

87 Ver sobre as peculiaridades da formação estatal em Von Creveld (2004). 88 Ver, por exemplo, sobre a concomitante formação do Estado, do direito romano e de instituições formadoras do direito público em Lopes (2009), Renaut (2007), Wieacker (2005), Skiner (1995).

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que distinções como essa sempre trazem algum componente arbitrário (VILHENA, 1996), deve-se reconhecer que o sistema jurídico absorveu a diferença internamente, mediante uma operação de redução de complexidade que redefiniu o direito estabelecendo um campo dotado de elementos peculiares para cuidar de relações nas quais o Estado participa ou, de alguma forma, paira uma noção de interesse público 89 . É possível indagar se um direito das políticas públicas estaria abrangido pelo regime de direito público ou, antes, se é instrumento capaz de redefini-lo (BUCCI, 2002). O direito público, especificamente o direito administrativo, tem passado por inúmeras mudanças nas últimas décadas (MEDAUAR, 1992), refletindo um contexto social no qual seus elementos de base, nomeadamente o Estado e a idéia de interesse público (BRESSER-PEREIRA, 1999), têm sido objeto de sucessivas propostas de reconfiguração (SCHNEIDER e HEREDIA, 2003), rompendo com um padrão de compreensibilidade forjado nas fundações do regime juspublicista. Alguns têm apontado uma mudança de paradigma (ARAGÃO, 2007), calcada na perspectiva da emergência de um novo paradigma de Estado constitucional, dito Estado Democrático de Direito (CARVALHO NETTO, 1999). Políticas públicas é tema que interage com essas perspectivas recentemente abertas, comportando caminhos especulativos os mais variados. Cumpre, assim, verificar o lugar das políticas públicas entre as divisões do direito. Três questões prévias se impõem. Determinar a manutenção do direito público como regime jurídico distintivo e derrogatório do direito comum (GORDILLO, 2000); estabelecer o significado do Estado Democrático de Direito para o constitucionalismo e seu impacto no direito público; verificar eventuais mutações no direito administrativo em decorrência desse novo contexto jurídico-social 90 . Feita essa análise prévia, poder-se-á aduzir a posição das políticas públicas no regime jurídico administrativo. Essas três questões deverão ser apresentadas consoante uma compreensão dos processos de mudança no sistema jurídico, mediante a qual modificações no direito ocorrem de maneira autopoiética e a construção social de uma política constitucionalizada prefere mudanças que carreguem consigo continuidades em sua

89 A respeito do conceito de interesse público, ver neste trabalho a referência ao princípio do interesse público. 90 Ver, por exemplo, em Canotilho (2008) e Sampaio (2004).

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estrutura de significados, a produzir não rupturas, mas extensões evolucionárias (sullivan, 2007, p. 39). Nesse sentido, a manutenção do regime de direito público como base linguística é importante para permitir reconfigurações em seus termos 91 consoante um dado contexto e consequências visadas, ainda que coordene um movimento de superação de sua forma original. Note-se que a performance do direito público, especialmente a do direito administrativo, tem passado certa crise de canonicidade, o que tem gerado aplicações desiguais do direito, e mesmo um certo déficit de concretização, que têm como contraponto certa hipertrofia de outras fórmulas agir jurídico ou pseudojurídico. A manutenção da perspectiva juspublicista permite, com uma manipulação adequada de seus cânones (LEVINSON, 1988), uma operatividade do sistema jurídico capaz de manter em cena a tematização de certos aspectos ainda importantes para a vida em sociedade, tais como os limites e possibilidades do estatal e do público, bem como as formas de construção do interesse público em uma democracia, os quais, com toda probabilidade, não serão alcançados por um regime jurídico baseado em relações entre indivíduos e na impossibilidade de uma razão pública, qualquer que seja. Perceba-se, nos termos sugeridos por Levinson e Balkian, que a inserção de políticas públicas no direito gera problemas de canonicidade, os quais passam pela resistência à sua assimilação pelos cânones estabelecidos na tradição do direito administrativo, pela incompreensibilidade das situações de atributividade complexa de direitos, contrapostas a canonicidade da dicotomia entre direito objetivo e subjetivo, e, também, pela negativa de sua juridicidade, que fomenta a ruptura com o cânone por meio de decisões pseudojurídicas, formuladas em termos políticos, morais ou econômicos. Sustenta-se, neste trabalho, a conveniência de se trabalhar a partir dos cânones na construção de canonicidades alternativas, sem deturpação do direito, mas com o reposicionamento de certas questões em termos contextualizados. Uma abordagem jurídica das políticas públicas somente é possível em um contexto que se lhe confira sentido. Assim é que a consagração dessa juridicidade é fenômeno que se inscreve em uma órbita larga, na qual devem ser percebidos, em uma linha temporal mais ou menos extensa, alguns fatores, quais sejam: o paradigma do Estado Democrático de Direito, a reconfiguração do espaço público, o

91 Ver, a respeito de mudanças no campo jurídico, considerações feitas no próximo capítulo. Ver em Balkin e Levinson (2000).

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aparecimento da nova gestão pública, um conceito mais extenso e denso de cidadania, e o pensamento jurídico pós-positivista. A inserção das políticas públicas na seara jurídica ocorre, assim, como prolongamento de idéias e práticas contemporâneas que conduzem as relações entre política, sociedade e direito. Trata-se, entre outros aspectos, de perceber o sistema jurídico como instrumento de serviço à coletividade, por meio do Estado 92 . Um Estado que se compromete a realizar certas atividades (MORRIS, 2005, p. 382), e que deve ter no direito seu fio condutor, inclusive no âmbito de prestações sociais básicas (VERDU, 2007, p. 122-123). Um Estado de Direito que decorre de uma visão mais ampla do princípio da legalidade, a qual inclui e traduz juridicamente o espectro axiológico que tangencia a ordem jurídico-constitucional (CAMARGO, 2002, p. 370 e ss.). Perceba-se a importância desse contexto, que genericamente poderíamos classificar como de democratização do Estado, para um tratamento jurídico das políticas públicas. Afinal, há no modelo anterior um Estado administrativo guiado pela ação política discricionária 93 , que é razão suficiente de si mesma e, portanto, seu parâmetro intangível de avaliação, fundado juridicamente em autorizações legais meramente formais. Nesse Estado não havia lugar para o exame jurídico de situações cujo conteúdo o próprio direito não reconhecia 94 , como a formulação e execução de políticas públicas. O Estado trabalha com a imposição do direito sobre a política, sistemas estruturalmente acoplados, e fornece, comunicativamente, respostas jurídicas para questões a si submetidas. Perceba-se que o papel social do Estado é aberto a disputas (JESSOP, 2007), tanto se prestando à disseminação do “mal” (YOUNG, 2007), quanto a soluções democráticas e emancipatórias (SANTOS, 2003), com redefinição de identidades coletivas, de novas fronteiras políticas e jurídicas, e presença de uma pluralidade de atores relevantes (MOUFFE, 1993b, p. 3). Abre-se, nessa perspectiva, um renovado interesse pelo funcionamento do Estado de Direito (ARNAUD e DULCE, 2000).

92 Essa atuação estatal pode ocorrer de forma mais ou menos direta, mas sempre relacionada com o Estado. 93 Ver, a propósito, em Antunes (2000). 94 Direito esse ainda produzido sob um paradigma político-estatal diverso, que tem como característica a impossibilidade de o ato político ser alcançável pelo direito e, assim, controlado juridicamente.

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Conforme Neumann (1986), pode-se consentir na forma Estado de direito como realização parcial da utopia socialista, desde que concretizada em termos que permitam apropriação crescente de direitos pelos cidadãos, em situação oposta à dos regimes totalitários e autoritários. Lembra Fuller (1969) a esse respeito, que mesmo que algumas leis da Alemanha nazista houvessem passado pelo procedimento devido, não havia um verdadeiro sistema legal, no sentido de um Estado de Direito, porque não havia distinção entre decisões jurídicas e decisões políticas e a violação do direito pela força da autoridade política era habitual. Neumann (1986) afirma certa autonomização do direito moderno, vinculado à democracia representativa e ao Estado de direito, que dissocia de uma subordinação automática e necessária da economia capitalista e da política estatal. Para o autor essa união, que ocorre em um dado momento da história, é circunstancial e, em muitas das vezes, ofende interesses dos poderes político e econômico. Atenta, no entanto, para o fato de um Estado de direito requerer respeito à regra do jogo, razão pela qual o exercício legítimo do poder pela autoridade deva pressupor respeito a essa condição básica, mas não suficiente, considerando-se, além disso, que a própria justiça substantiva depende da ordem legal e legítima para se impor em um Estado de Direito (MERQUIOR, 1983, p. 133).

8.2. Constitucionalismo e Estado Democrático de Direito

Políticas públicas é tema que aparece juridicizado em um cenário contemporâneo ao qual acorrem certas tendências, entre as quais Estados constitucionalizados, constituições abrangentes e indutoras da ordem social, direito complexo, teoria jurídica tendente a ruptura com o positivismo jurídico, ativismo judicial e o chamado neoconstitucionalismo, ou, preferivelmente, um constitucionalismo reflexivo 95 . Nesse contexto sedimenta-se o conceito e a experiência do constitucionalismo sob a denominação do Estado Democrático de Direito, cuja influência se faz notar no regime jurídico administrativo e no direito das políticas públicas.

95 A adoção de termo específico serve, neste trabalho, para demarcar as diferenças do autor ante a visão habitualmente atribuída ao novo constitucionalismo, que se explicitará logo adiante.

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Estado constitucional que, conforme Hesse, se apresenta como ordem histórica e material, ligada a relações sócio-culturais que em um tempo presente pretendem a direção e programação do futuro, sem perda das influências do passado e da tradição (HESSE, 1998). O citado autor inadmite reconhecer, em abstrato, um conceito de Constituição, que, em seu foco, aparece sendo ordem fundamental jurídica de uma comunidade. Em Hesse, Estado, burocracia e sociedade se relacionam, com precedência desta última, ainda que verificável uma interação bipolar estabelecida entre o societal e o estatal. A sociedade é fonte de legitimação para as ações estatais, enquanto que cabe ao Estado, no plano fático, o exercício do poder por meio de intervenções concretas, em torno de fins orientados pelos princípios estabelecidos na Constituição (HESSE, 1998, p. 32-33). A Constituição traça uma direção que confere à sociedade unidade política e ao Estado programas e planificação de metas (HESSE, 1998, p. 32). Hesse (1998, p. 40) abraça uma concepção de Constituição dirigente, pela qual normas programáticas predefinem a ação estatal mediante organização da administração pública, fundamentação da ordem jurídica, procedimentos de legitimação democrática e de mediação de conflitos, e uma ordem de valores com uma dinâmica, mutável e aberta, que admite a complexidade, as lacunas, a normatividade implícita ao texto (HESSE, 1998, p. 39 e 44), aliada a um núcleo mínimo de estabilidade (HESSE, 1998, p. 28 e 40). Trata-se de uma Constituição aberta, que desenha grandes parâmetros (HESSE, 1998, p. 39 e 46), e, todavia, assume a forma escrita, a reforçar sua função socialmente estabilizadora de relações sociais juridicamente mediadas, mormente porque referencia possibilidades de concretização constitucional (HESSE, 1998, p. 43), em que pese a inafastável iminência de contextos contingentes. Em resumo, Hesse define o sentido de Constituição:

“A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se unidade política e tarefas estatais ser exercidas. Ela regula procedimentos de vencimento de conflitos no interior da coletividade. Ela ordena a organização e o procedimento da formação da unidade política e da atividade estatal. Ela cria bases e normaliza traços fundamentais da ordem total jurídica. Em tudo, ela é o plano estrutural fundamental, orientado por determinados princípios de sentido, para a configuração jurídica de uma coletividade” (HESSE, 1998, p. 37)

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Ainda conforme o aludido autor, “a Constituição cria regras de atuação e decisão política; ela dá à política pontos de referências dirigentes, mas ela não pode substituí-los”, o que resulta em influências mútuas (HESSE, 1998, p. 42). A esse respeito, Castanheira Neves (1998, p. 90) realça que “no plano da determinação, ou do conteúdo que o jurídico será chamado a objetivar e a atuar, o decisivo estará na intencionalidade definida por um ‘zweckprogramm’ (programa finalístico ou programa de fins-objectivos seleccionados e postulados)”. Hesse vai trabalhar, sob influência de Müller 96 , a noção de concretização da norma constitucional. Para tanto, desenvolve os conceitos atrelados à metódica concretista. Para Hesse, o direito se destina à solução de problemas concretos, o que permite a criação normativa na aplicação do direito e implica não só uma atividade tópica, mas condição efetiva de decisão, sempre embasada em argumentação em torno dos casos e enredada com situações análogas e precedentes (HESSE, 1998, p. 63). Hesse (1998, p. 66-67) admite o apelo à lógica do razoável, à proporcionalidade e à pesquisa comparativa, prudência que se efetivará ante situações concretas, nas quais não são completamente afastados os métodos tradicionais de interpretação (HESSE, 1998, p. 60-62). Citando Müller, Hesse atribui centralidade a seu conceito de norma como concretização jurídica, admitindo as idéias de programa e âmbito da norma, unindo aspectos histórico- concretos relativos ao contexto e texto normativo dotado de possibilidades semânticas em uma relação de mútua dependência e vinculadas ao caso concreto. A concretização da Constituição ocorre, para o autor, desde que esses elementos agregados e em sintonia permitem uma adequada decisão (MÜLLER, 2000). Hesse (1991, p. 23 e ss.) adere a essa noção de concretização constitucional seu princípio da força normativa da Constituição, segundo a qual as decisões em matéria constitucional devem contribuir para a estabilidade e vigor da Constituição. Defende que as decisões nesse campo sejam marcadas pela “vontade de Constituição”, tendo em vista estabelecer uma ordem normativa estável, ampliar os processos de legitimação democrática, implementar a programação constitucional e assegurar a abstenção de condutas movidas por interesses específicos e circunstanciais alheios à direção constitucional, reconhecendo os limites que a própria Constituição impõe a sua apropriação social (HESSE, 1991, p. 23-26). O

96 Ver Capítulo 8 desta tese.

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autor preleciona, ainda, que entre esses limites estejam a prevalência da posição emanada da representação democrática, com a lei sendo presumivelmente constitucional, e a contenção dos tribunais aos objetivos de suas atribuições funcionais (HESSE, 1998, p. 74), com equilíbrio entre meios de controle abstrato e difuso e restrição a declarações de inconstitucionalidade aos casos evidentes (HESSE, 1998, p. 71). Perceba-se, um conceito de Estado como diferenciação funcional (POGGI, 1981, p. 28) e de Constituição como aquisição evolutiva (LUHMANN, 1996b), reconhecendo-se, ademais que a teoria constitucinal não se desenvolve senão em um contexto, histórico e social (BARACHO, 2002, p. 271) . Um Estado constitucional que reflete uma noção forte de Constituição afirmada desde as últimas décadas do século XX (FERRAJOLI, 1996, p. 69), que visa aprimorar a histórica relação entre constitucionalismo e direitos humanos (HESPANHA, 2007, p. 285). Nesse quadro apresenta-se, com impacto direto nas políticas públicas, o problema da constituição dirigente (STRECK, 2009), descrito na primeira versão de Canotilho (1998) como projeto a ser alcançado, e em sua revisão como construtivismo e reflexividade (CANTILHO, 2006). Foco de tensão entre os que advogam a inexistência de um sentido dirigente na Constituição (ARAGÃO, 2007) e os que mantêm a defesa de um dado papel do Estado como tarefa constitucional (BERCOVICI, 2006), o dirigismo constitucional evoca, bem assim, outra tensão, entre constituição e democracia (ROSENFELD, 2003), deixando latente ainda disputas por direitos inerentes às formas de apropriação social da constituição (SUNSTEIN e HOLMES, 1999). Constituição se apresenta, assim, como crença “nas possibilidades de as formas jurídicas, assentadas em um padrão de valores e crenças positivadas, mediarem os conflitos sociais” (SAMPAIO, 2004, p. 59), e a adoção de um caderno de direitos sociais nas Constituições, com as dificuldades práticas de sua efetivação (SUNSTEIN, 2004), recorda que questões constitucionais são, afinal, questões sobre atribuição de direitos em sociedades que divergem sobre valores e bens coletivos (SUNSTEIN, 2006). Tal complexidade torna admissível, sob uma concepção pragmatista do sistema do direito, um modelo pluridimensional de Constituição, que considera, reflexivamente, a Constituição como práxis lingüística (SAMPAIO, 2004), aberta às disputas próprias das ambições democráticas instaladas na modernidade tardia.

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A noção de Estado Constitucional vem sendo desenvolvida evidenciando as faces politica e jurídica da sociedade moderna, de modo a identificar em um o outro, nos termos formulados por Canotilho (2003, p. 142), percebendo-se em uma ordem jurídica constitucionalizada um Estado dotado de certa fundamentação dada pelo direito, ainda que um direito com estatura superior àquela verificada no direito ordinário (HÄBERLE, 2000). O conceito possui uma trajetória na qual a apropriação social da Constituição vem sendo, paulatina e crescentemente, dada pelo sistema jurídico. Caminham em paralelo, nesse processo, elementos como a estrutura do Estado constitucional, os textos constitucionais e a produção da doutrina jurídica, podendo-se afirmar um constitucionalismo fruto desse contexto, que hoje se apresenta de forma eclética, mas dotada de certas peculiaridades, que serão objeto de breve análise crítica. De uma maneira geral pode-se apresentar o Estado constitucional caracterizado pela adoção de constituições rígidas, com um catálogo de direitos fundamentais e suscetível de controle de constitucionalidade (ZAGREBELSKY, 2003, p. 37). A experiência constitucional contemporânea tem revelado dinâmica voluntarista, que pretende contrapor um projeto constitucional a pretensões de hegemonia política e cooptação ideológica (ARIZA, 2003, p. 251), prevalecendo-se de texto abrangente, instrumentos de intervenção suficientes e doutrina apta a justificar tais intervenções. No caso Brasileiro, a Constituição de 1988 ampliou, de forma significativa, o âmbito da dos direitos fundamentais, da cidadania social e da democracia, conferindo ao direito protagonismo historicamente singular. Esse conjunto associado a uma organização do Estado que favorece o ativismo judicial, estabeleceu um terreno propicio à eclosão do chamado neoconstitucionalismo. Segundo Maia (2007), as expressões neoconstitucionalismo e pós-positivismo são equivalentes, embora no Brasil prevaleça a segunda nominação. O autor destaca a posição geral dessa corrente de oposição ao positivismo que dominou o pensamento jurídico no século XX, contudo, outros admitem compatibilidade entre neoconsitucionalismo e positivismo jurídico (COMANDUCCI, 2003, p. 165), enxergando naquele um aperfeiçoamento deste. O termo tanto pode se reportar a aspetos doutrinários ou metodológicos do direito, quanto a elementos estruturadores de um tipo de Estado constitucional (COMANDUCCI, 2003).

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O chamado neoconstitucionalismo tem sido intensamente discutido desde a década de 1990 (VALE, 2007, p. 68), e sua inspiração está em uma obra variada, não necessariamente congruente, de autores como Dworkin (2002), Zagrebelsky (2003), Alexy (2004), Prieto Sanchís (2003), Nino (1989; 2003), ou Ferrajoli (2002; 2004), entre outros, os quais, todavia, compõem um conjunto que teria estabelecido um novo paradigma no constitucionalismo (ATIENZA, 2004), consubstanciado na experiência constitucional recente, a comportar denominações como “Estado Constitucional de Direito” (FERRAJOLI, 2004), ou “Estado Democrático de Direito”, que, para Baracho Júnior (2000), sintetiza dimensões do Estado e da sociedade, “esferas complementares e essenciais uma à outra para configuração do regime democrático”, uma vez que “o grau de complexidade a que as sociedades modernas chegaram, não mais permite que o Direito seja justificado a partir da autonomia privada, consoante o paradigma do Estado de Direito ou Liberal, nem a partir de uma autonomia pública em nível do Estado, conforme o Estado Social” (BARACHO JR., 2000, p. 166-168) 97 . Esse novo constitucionalismo, de feição pós-positivista, teria, algumas características fundamentais, entre as quais merecem destaque (POZZOLO, 1998, p. 340 e ss.), o reconhecimento da normatividade jurídica de princípios e valores e suas interações com a base constitucional; o reconhecimento de uma interpenetração entre direito, moral e política; o uso de ponderação e proporcionalidade como método de interpretação e aplicação do direito, nomeadamente na resolução de conflitos jurídicos; uma abordagem totalizante da Constituição, que, como Lei Fundamental, inundaria todas as áreas do direito com sua força normativa, condicionando todo o âmbito da juridicidade, assim como relações ético-políticas, em geral; e o protagonismo do Judiciário, como autêntico conformador do direito. Prieto Sanchís (2003, p. 101) resume a matéria da seguinte forma: mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; mais Constituição que legislação; mais juiz que legislador. Trata-se de uma percepção da Constituição como “invasora” das demais esperas do direito e da política, conforme Guastini (2003, p. 153), que assume o “modelo axiológico de Constituição como norma” (POZZOLO, 1998, p. 342). Note- se, nas palavras de Torres (2005), esse sentido de novo constitucionalismo como

97 Perceba-se, todavia, nos termos expostos pelo autor, uma posição que não se enquadra exatamente nos termos gerais aplicáveis ao novo constitucionalismo.

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superação do positivismo e resgate de certo conteúdo moral na normatividade constitucional (HESSE, 1991):

"De uns trinta anos para cá assiste-se ao retorno aos valores como caminho para a superação dos positivismos. A partir do que se convencionou chamar de ‘virada kantiana’ (kantische wende), isto é, a volta à influência da filosofia de Kant, deu-se a reaproximação entre ética e direito, com a fundamentação moral dos direitos humanos e com a busca da justiça fundada no imperativo categórico. O livro A Theory of Justice de John Rawls, publicado em 1971, constitui a certidão do renascimento dessas idéias" (TORRES, 2005, p. 41).

Segundo Barroso (2006), o novo constitucionalismo é demarcado historicamente pelo constitucionalismo do pós-guerra, que se inicia na Alemanha e Itália (ENTERRIA, 1991), se espraiando, posteriormente, por Espanha e Portugal. O autor lembra que, no Brasil, esse movimento toma corpo após a democratização nos anos 1980, que teve como marco a Constituição de 1988. No plano teórico, o novo constitucionalismo presta tributo ao pós-positivismo, desde que busca superar os limites do constitucionalismo exarado sob influência positivista ou jusnaturalista, com algumas implicações relevantes, entre as quais, conforme já indigitado, a força normativa da Constituição, a expansão da intervenção jurisdicional, e o desenvolvimento de uma metodologia de interpretação mais aberta e flexível, conforme aponta Calsamiglia (1998, p. 209):

"En un cierto sentido la teoría jurídica actual se pude denominar postpositivista precisamente porque muchas de las enseñanzas del positivismo han sido aceptadas y hoy todos en un cierto sentido somos positivistas. (...) Denominaré postpositivistas a las teorías contemporáneas que ponen el acento en los problemas de la indeterminación del derecho y las relaciones entre el derecho, la moral y la política".

Cumpre assinalar que o novo constitucionalismo não se refere a um movimento coeso ou a um pensamento homogêneo, mas a posturas admitidas por um grupo significativo que se empenhou para fornecer novas formas de tecer a experiência jurídica nos Estados constitucionais, especialmente naqueles organizados após a segunda grande guerra, cujas constituições se caracterizaram por marcante conteúdo de direitos fundamentais, neles incluídos os sociais e pela previsão de controle judicial da constitucionalidade. Assinale-se, resguardando-se as especificidades teóricas do vasto e heterogêneo grupo usualmente mencionado como neoconstitucionalista, algumas questões que esse bloco teórico suscita. Assumindo-se uma crítica geral aos

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excessos do positivismo jurídico, cabe examinar determinados fundamentos e consequências desse novo constitucionalismo pós-positivista, sem, contudo, adentrar os meandros dos embates teóricos que derivem de tal exame, eis que nos primeiros capítulos desta tese essa discussão de fundo já foi enfrentada. Do ponto de vista epistemológico, a reação pós-positivista, em muitos dos casos, se assenta em veios teóricos assemelhados ao jusnaturalismo ou a fundamentos, em alguma medida, metafísicos. Uma visão fundamentalista acerca de princípios, valores e direitos, e a defesa de um uso indiscriminado desses elementos, consoante critérios abertos de decisão jurídica, são apenas algumas dessas manifestações. Assumir, indiscriminadamente, que direito, moral e política constituem campos interseccionados, é desconhecer o específico processo de diferenciação social vivido pelas sociedades modernas. Com efeito, a dificuldade de distinção desses campos, percebida na obra de muitos dos chamados novos constitucionalistas, reflete, mais que uma complexidade escapando à análise, um resultado que, por uma via, reduz o direito a posição assessória, perfazendo um retorno a modelos pré- modernos de organização social, e, por outra, conduz a um sistema jurídico mais instável e a tradicionais mediações não jurídicas para a aquisição de direitos. Consigne-se, então, uma relação entre democracia e Constituição que não decorre de um conjunto dogmático assentado na hierarquia entre as fontes do direito, mas de um elemento político central, o sentido de “Estado democrático” (HESPANHA, 2007, p. 283), que tem na juridicidade sua peculiaridade mais sensível. Uma juridicidade que se espraia por todas as esferas do funcionamento estatal, nomeadamente nas políticas públicas, eis que um Estado constitucional compromissado com direito e democracia é indissociável do acesso dos cidadãos a direitos, abrangidas as tradições liberal e social (HESPANHA, 2007, p. 303-307), além dos novos direitos (LIMA, 2007). Cumpre, pois, tecer algumas considerações sobre o chamado Estado democrático de direito, que, em termos paradigmáticos, está inserido em uma trajetória histórica que, desde o ciclo das revoluções burguesas, tem trabalhado, sob sucessivas modelagens e tipologias, a idéia central, paradigmática, de Estado constitucional. . Observando as considerações de Kuhn (1994) sobre paradigmas

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científicos 98 , percebe-se que não há, de fato, com o novo constitucionalismo e a emergência do Estado democrático de direito, uma ruptura paradigmática, com a adoção de uma nova linguagem e de novas condições de compreensibilidade pela comunidade de investigação científica, mas tão-somente mudanças ocorridas dentro de um mesmo percurso, como ordinariamente acontece nos diversos campos do conhecimento. Como paradigmático, no direito, foi o surgimento do regime de direito público, por exemplo. É preferível considerar o constitucionalismo como definição paradigmática que cobre o Estado soberano em sua feição assumida na modernidade, na linha que limita direito e política, ou que os acopla estruturalmente em sistemas especializados e diferenciados. É uma perspectiva que, ademais, está em harmonia com a opção metodológica que permeia este trabalho, de admitir uma modernidade reflexiva preferivelmente à noção de pós-modernidade. O Estado democrático de direito se apresenta como síntese das contradições dialéticas percebidas entre os Estados liberal e social, no âmbito paradigmático do Estado constitucional. O Estado liberal, ancorado no iluminismo, no contratualismo jusnaturalista, nos ideais burgueses. Um Estado mínimo, nos termos smithianos, contudo “insubstituível na prestação de algumas atividades para as quais o indivíduo isolado, ou voluntariamente associado, é impotente” (BASTOS, 2001, p. 11-12), um gendarme, portanto, no serviço da sociedade que o capitalismo concorrencial e as revoluções industriais forjou (HOBSBAWN, 1995). O Estado social, provedor de bem estar geral e compromissado com uma idéia de cidadania social (MARSHALL, 1967); articulador de prestações nas áreas da saúde, educação, previdência ou habitação; contraponto aos excessos do liberalismo, a perceber que sem um mínimo de igualdade material a liberdade só alcança as elites (SILVA, 1998, p. 102; RAMOS, 1988, p. 46 e ss.). Estado interventor, a desconfiar, à moda keynesiana, da mão invisível do mercado e do capitalismo monopolista. O Estado Democrático de Direito busca superar essas duas formulações anteriores. Cuida, assim, da manutenção dos direitos alcançados sob os tipos estatais liberal e social, enquanto repudia o reducionismo neoliberal. Almeja a superação da dicotomia entre público e privado, assume a perspectiva do “público

98 Ver, a respeito, no capítulo 2.

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não-estatal”, e investe em um Estado mais permeável às demandas sociais, submisso a imperativos de governança e accountability. Investe na democratização das relações sociais, amplia os meios de democracia direita e participativa, ao mesmo tempo em que aperfeiçoa os controles sobre a representação. Reconfigura a administração burocrática, assimila parcerias com o terceiro setor e reconhece limites à intervenção no domínio econômico. Reconhece novas gerações de direitos. A Constituição de 1988 demarca a construção do Estado Democrático de Direito no Brasil, sinalizando a esse respeito já no preâmbulo e no título primeiro, mormente nos fundamentos e objetivos da República, e adensa tal propósito ao longo de seu texto, induzindo um horizonte de efetiva vivência constitucional. Uma experiência constitucional dinâmica e assentada em práticas socialmente relevantes abre a possibilidade de um Estado democrático de direito fincado em uma perspectiva de vivência de Constituição construtiva e reflexiva. Dessa forma, consente-se a convivência de cânones normativos alternativos, conquanto se reconheça a necessidade de uma práxis fundada na consistência entre direito, democracia e decisões jurídico-constitucionais. Canotilho, nesse sentido, anuncia um horizonte de contratualismo constitucional, reconhecendo uma concepção de Constituição como documento que determina organização e direção da comunidade política e o estatuto de seus membros (CANOTILHO, 2006, p. 26). O autor indica no conceito de democracia representativa a síntese de elementos republicanos e deliberativistas e, apoiado em Sunstein, advoga a ampliação das condições operacionais de realização constitucional sob o Estado democrático (CANOTILHO, 2006, p. 8-9), esclarecendo que “os tempos da Constituição nunca poderão ser tempos de irreversibilidade, irrevogabilidade ou perpetuidade” (CANOTILHO, 2006, p. 15). Neste ponto cabe refletir sobre o sentido de Constituição, na passagem de um fundamentalismo para um contratualismo democrático mais claro, pluridimensional e reflexivo, capaz de proteger suficientemente seus principais pontos de risco, justamente os direitos fundamentais e a democracia, que somente são assegurados pelo uso, afastando-se, em qualquer hipótese, qualquer pretensão de legitimidade a simulacros constitucionais, cartas que residem na força traduzida politicamente em esquemas autoritários e, por isso mesmo, sem relação com uma perspectiva de constituição assentada em algum contrato social ou em um conjunto de direitos fundamentais.

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Democracia e republicanismo se fundem nessa concepção moderna de ordem política fundada em direitos fundamentais (BIGNOTTO, 1994), a justificar uma república deliberativa baseada na confiança, que agrega legitimidade a contratualismo, mas que se expõe a riscos de corrupção e crise de legitimação (CANOTILHO, 2006, p. 20), que se abrem a partir dos paradoxos que sintetizam democracia e constitucionalismo. Ely (1980, p. 4-5), nessa seara, propõe um constitucionalismo sóbrio, vinculado à idéia de democracia, o que deságua em um procedimentalismo que atribui primazia às escolhas políticas empreendidas pelos representantes eleitos, e a uma revisão judicial minimalista, atrelada ao controle do processo democrático e do exercício legítimo das funções estatais (ELY, 1980, p. 101 e ss.) e à defesa dos direitos fundamentais. Compatibiliza de forma satisfatória, em sua teoria, democracia e constituição, afastando, outrossim, alternativas de fundo jusnaturalista, como as esposadas por Rawls (1980) ou Dworkin (2000a). Para o autor aludido decisões judiciais que substituem decisões de representantes eleitos são incompatíveis com a democracia, que pretende conciliar consentimento da maioria com proteção das minorias (ELY, 1980, p. 7-8). Critica, ademais, um sistema jurídico baseado em decisões principiológicas e valorativas, na defesa de um direito dissociado da filosofia moral, ainda que isso não signifique a defesa de uma sociedade amoral. Observe-se os termos em que anota sua posição:

“Nossa sociedade não admite, certamente que não, a noção de um descobrível e objetivamene válido conjunto de princípios morais, pelo menos não um conjunto que pudesse plausivelmente servir para sobrepor às decisões de nossos representantes eleitos” (ELY, 1980, p. 54).

Perceba-se que a perspectiva de Ely, a par de conferir melhor resolutividade à paradoxal relação entre constitucionalismo e democracia, presta-se diretamente à avaliação da juridicidade das políticas públicas, especialmente via judicialização da política, na medida em que repudia a dominância da revisão judicial sobre a representação democrática, mas também na crítica que faz à subordinação dos atos emanados dos poderes eleitos às decisões justificadas por valores e princípios que, ditos gerais, geralmente são fruto de uma ação voluntarista particularizada, ditos jurídicos, são, de fato, sobreposição da política sobre o direito. Acentue-se, também, posições como a de Levinson (1988) e Balkin (2003, p. 553 e ss.), que chamam atenção para os limites intencionais da Constituição, que se

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apresenta como programa e texto a ser não só interpretado, mas concretizado, o que implica um dado contingente, com a possibilidade de alternativas e a perspectiva do pluralismo que, de certa forma, renovam o poder constituinte enquanto operam essa realização constitucional. A dimensão da “real Constitution”, tal como assumida por Levinson (1988), conduz menos à mediação pela revisão que pela visão cidadã dos fenômenos jurídico-constitucionais. Aponte-se, como elemento agravante, que a discussão sobre o constitucionalismo no Brasil não pode prescindir de certas reservas, a considerar aspectos ideologizantes de nossos processos político-jurídicos (SCHWARZ, 1992), ou a perspectiva analítica aberta por Neves (2007, p. 93-94), da constitucionalização simbólica, mediante a qual o direito se despe de sentido específico e se torna meio de imunização de certa política (NEVES, 2007, p. 89-90), traduzindo um movimento de pseudomodernização que não se reduz a mera questão de corrupção sistêmica ou ineficácia normativa (NEVES, 2007, p. 92). Observe-se a posição do jurista:

“Embora constituintes, legisladores e governantes em geral não possam, através do discurso constitucionalista, encobrir a realidade social, totalmente contrária ao welfare state previsto no texto da Constituição, invocam na retórica política os respectivos princípios e fins programáticos, encenando o envolvimento e o interesse do Estado na sua consecução. A constituição simbólica está, portanto, estreitamente associada à presença excessiva de disposições pseudoprogramáticas no texto constitucional. Dela não resulta normatividade programático-finalística, antes constitui um álibi para os agentes políticos. Os dispositivos pseudoprogramáticos só constituem ‘letra morta’ num sentido exclusivamente normativo-jurídico, sendo relevantes na dimensão político-ideológica do discurso constitucionalista-social” (NEVES, 2007, p. 104).

Pode-se referir à falta de concretização de normas constitucionais programáticas como constitucionalização simbólica, como expõe Pimenta (1999, p. 230-231), todavia, cabem alguns cuidados e reparos a essa vertente analítica. Na medida em que se admite Constituição como uso de uma dada linguagem e consequências práticas; normas constitucionais como comunicação especificamente jurídica e processo concretizante; discurso constitucional como práxis reflexiva e construtiva, deve-se admitir que a Constituição, programa e âmbito da norma experienciados contingentemente, possa conter possibilidades jurídicas além daquelas de cumprimento imediato e de materialização direta. Não obstante, é principalmente no campo das políticas públicas que tais disposições constitucionais devem se densificar e, de fato, a não concretização dessas normas, seja por

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corrupção sistêmica seja por constitucionalização simbólica, é um dado significativo, pois expõe concordatária a possibilidade de direitos regidos por um Estado Constitucional. A questão aqui se reporta a um estágio de transição vivido pelo Brasil. Mais especificamente, se refere à implementação do Estado Democrático de Direito previsto na Constituição de 1988. De um lado, não se pode afirmar a completa subordinação da Constituição jurídica à Constituição simbólica, pois a construção constitucional dos últimos vinte anos evidencia não só o cumprimento, ainda que parcial, de determinados compromissos sociais constitucionalizados (MONTEIRO, 1998), mas uma apropriação do discurso constitucional pelo sistema jurídico, que vem se estabelecendo a par da manutenção de esquemas tradicionais ou corrompidos de dominação. Assim, não se pode afirmar, categoricamente, que a Constituição cumpre exclusivo papel simbólico ou ideológico, embora não se possa olvidar uma experiência recente ainda marcada por decisões, legislativas, administrativas e judiciais, de caráter pseudojurídico, a revelar tramas decodificáveis pelas linguagens da política ou da economia. Igualmente, não é possível enfatizar somente esse último aspecto, já que, em um processo tormentoso de democratização, o sistema do direito tem se aproximado de sua função socialmente desejável, na medida em que, mesmo de forma incipiente, um arcabouço normativo tem traduzido em termos jurídicos a dimensão das políticas públicas que, pouco a pouco, vêm sendo juridicizadas de fato, o que se pode notar na normatização de diretrizes, políticas setoriais e regionais, princípios orientadores, além de planos e orçamentos, nos quais normas programáticas são densificadas, permitindo que a ação da administração seja sindicada e que haja uma apropriação socialmente generalizada de um discurso jurídico das políticas públicas, ainda que entremeado a discursos tradicionais, de cunho clientelista ou patrimonialista, ou sobrepujado por um discurso ideológico, forjado, principalmente, pelos campos da economia e da política. Resta pendente, entretanto, a defesa de posições menos centradas no Judiciário. A uma, porque um órgão burocrático não deve se ocupar, senão como controlador, de negócios atribuídos à resolução democrática. Essa constatação não invalida sua contribuição à democracia, vinculada à universalização do acesso ao direito, mas implica uma correção de rota em suas intervenções. A duas, porque o

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Judiciário não é a instância mais apta a lidar com questões de Estado complexas, o que fica patente em inúmeras decisões precariamente justificadas, ora discursos políticos travestidos, ora decisões jurídicas particulares aplicadas a relações sociais gerais. A três, porque decisões judiciais não são sindicáveis, inexistindo freios e contrapesos para equilibrar o alargamento e aprofundamento da revisão judicial. A quatro, porque provocam disfunções sistêmicas, na política, com a obrigação de reprogramação sem planejamento, e no direito, pela eventual atribuição de direitos sem direito para a sociedade. Perceba-se, ainda, que um Judiciário hipertrófico coíbe hipóteses de apropriação democrática da Constituição e do direito (LEVINSON e BALKIN, 2000, p. 400 e ss.), na forma preconizada, por exemplo, por Haberle (1999). Em Levinson (1988), a par de certo reconhecimento das relações entre direito, política e moral, há, como principal referência para a normatividade, não os tribunais, mas a “mediação comunitariamente plural e heterogênea que constrói essa ordem e que incessantemente a transforma” (AROSO LINHARES, 2008). Tal posição é coerente com sua defesa da pluralidade canônica, razão pela qual uma posição como a da Suprema Corte não é mais que, contigentemente, um discurso possível, entre outros, o que se lhe não retira legitimidade, mas, tampouco, torna menos possível e desejável que outras narrativas sejam oferecidas em uma experiência constitucional diversificada, em uma espécie de protestantismo constitucional (BALKIN, 2003, p. 553 e ss.). Por “protestantismo constitucional” Levinson (1988) entende em cada cidadão o dever de interpretar a Constituição. Com isso, não apenas os tribunais são investidos de legitimidade para definir a juridicidade da decisão jurídico- constitucional, mas todos os indivíduos, de forma não hierarquizada (BALKIN, 2003). Essa perspectiva confronta uma do tipo católico, que circunscreve decisões dogmáticas acerca dos fundamentos e práticas constitucionais às Cortes. Tem-se, então, uma forma descentralizada de experiência constitucional, que percebe a legitimação de sua normatividade não apenas na palavra de tribunais ungidos, ou mesmo na legislação e na burocracia, mas no agir individual (LEVINSON, 1988). Observe-se que todas essas tendências referentes a um Estado democratizado e uma normatividade constitucional mais influente e concretizável evidenciam uma revitalização da noção de Estado de direito, a implicar mais abrangência de um princípio da legalidade recomposto sobre uma base

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principiológica mais ampla (CAMARGO, 2002, p. 370 e ss.). Percebe-se, nessa arena, uma constitucionalização do direito, como espraiamento do direito constitucional sobre outros ramos do direito, na medida do alargamento do rol de direitos fundamentais e seus efeitos horizontais (SILVA, 2005). Emerge um Estado que deve se abrir às demandas populares (GORDILLO, 1997, p. 98), mormente em face dos desafios impostos pela ordem social constitucionalmente estipulada (GORDILLO, 1997, p. 73-74). É, aliás, no texto constitucional que se encontram definições prévias, de forma e conteúdo, acerca de políticas públicas, o que torna mais sensíveis os jogos políticos desenvolvidos dentro do Estado (REIS, 1975), mas, sobretudo, torna mais complexo o direito púbico. Essas previsões constitucionais são estruturantes em um sistema “autorizativo” de decisões governamentais (SALISBURY, 1968, p. 154), o que evidencia sua posição de base e sua função de predefinir juridicamente espaços de atuação estatal por meio de políticas públicas, sabendo-se que “no plano do sistema jurídico, compreendido em sua complexidade, a regulamentação (da Constituição) é possível apenas se é aceita sua auto-referência: normas que programam normas - inclusive a si mesmas” (CORSI, 2001, p. 174-175). Note-se que essa configuração constitucional tanto dá margem a que se absorva, com Neumann (1968, p. 30), por exemplo, o papel da lei como configuração de direitos, e as possibilidades de uma atuação judicial vinculada a um sentido de atributividade previsto nas leis (NEUMANN, 1968, p. 27). Trata-se de uma visão segundo a qual a construção democrática demanda vivência constitucional por meio de procedimentos juridicizados, com a participação de atores sociais compromissados com a regra do jogo (ELY, 1980). De maneira contrastante, autores como Barroso (2006) ou Streck (2009, p. 18-19), em diferentes vertentes teóricas, consideram que decisões que promovem a incidência direta da constituição sobre situações particulares e concretas respondem aos apelos de uma concepção larga de democracia, e, conforme Streck (2009, p. 15), ensejam um ativismo que se conecta a uma proposta de um constitucionalismo brasileiro fundado em uma hermenêutica da faticidade. Em que pese a suposta efetividade e, por que não dizer, simplicidade da defesa da aplicação direta, principiológica do texto constitucional, cabe considerar que tal aplicação deveria observar o programa normativo constitucional de maneira mais atenta, avaliando suas possibilidades de construção discursiva não apenas a

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partir de suas elevadas aspirações, mas dos procedimentos juridicamente determinados para a busca desses fins. Assinale-se, a esse respeito, que tanto quanto é importante associar modelos democráticos de Estados constitucionais a enunciados normativos de reconhecimento e garantia de direitos fundamentais, também o é, e talvez mais intensamente, a implementação de políticas que defendam, de fato, os interesses das pessoas (FREEMAN, 2006), políticas essas que, mais que contraponto democrático a um certo tipo de legalismo, sendo juridicizadas são, igualmente, contraponto jurídico a um certo tipo de democratismo.

8.3. Estado Democrático de Direito e Direito Administrativo

A forma elementar assumida pelas intervenções materiais promovidas pelo Estado de direito constitucionalizado é a atividade administrativa submetida à legalidade estrita. Sob tal noção estabeleceu-se desde o século XIX o chamado regime jurídico administrativo (RIVERO, 1995). Definir o regime juspublicista implica operar seus cânones, cujos alicerces permanecem, ao menos em parte, válidos para a compreensão contemporânea das relações jurídicas que envolvem o Estado e o interesse público. Tais fundamentos fornecem importante substrato para se trabalhar juridicamente relações sociais que envolvem questões gerais e bens coletivos, como as políticas públicas. Permitem, bem assim, que esse ramo jurídico seja objeto de apropriação societal republicana e democrática, ainda que se reconheça em sua origem o estado polícia e a justificação da política hegemônica e da autoridade burocrática. Essa reconfiguração hodierna ocorre em torno da perspectiva de um Estado poroso e aberto a uma sociedade plural, da possibilidade de construção dialógica do interesse público, e da colonização pelo direito dos espaços estatais tradicionalmente circunscritos às racionalidades política e administrativa, inclusive e especialmente aqueles alvo do patrimonialismo e do clientelismo. O regime jurídico administrativo é fundado sobre determinados princípios fundamentais (ROCHA, 1994), fontes normativas (FARIA, 2002) e uma racionalidade essencialmente instrumental (FIGUEIREDO, 1994). Seu núcleo, conforme Bandeira de Mello (2005), é a noção de interesse público, que, de um lado, consigna a medida de relações jurídicas que se estabelecem sobre equilíbrio peculiar, e, de outro,

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impõe à administração pública constrangimentos singulares. Estritamente, é um conjunto de traços, de conotações, que tipificam o direito administrativo, colocando a Administração em uma posição privilegiada, vertical, na relação jurídico- administrativa, resultando em um conjunto de prerrogativas e sujeições (DI PIETRO, 2001). Cyrne Lima (1982) se referirá a uma normatividade em cujo cerne o âmbito da norma indicará uma posição privilegiada da entidade estatal, que se presume estruturada ao influxo de uma finalidade cogente, predefinida na lei. A especificidade do direito administrativo é discutida pelo menos desde a polêmica suscitada por Dicey e sua posição, inspirada em Tocqueville, de defesa da sujeição da administração à “rule of law”, e consequente crítica com imputação de autoritarismo ao sistema juspublicista, objeto da defesa então efetuada por Jeze (CASSESSE, 2000). Longas discussões foram travadas, desde os autores clássicos, para se estabelecer critérios de cunho ontológico ou teleológico, metafísico ou empirista, capazes de fixar um raio de ação desse ramo do direito consagrado pelo uso e por um vocabulário dotado de inovadores jogos de linguagem. Hauriou (1932) considerava que o critério deveria observar a pessoa administrativa e a noção de serviço público. Em Zanobini (1946), o regime juspublicista incidirá sobre toda e qualquer expressão do exercício da função administrativa. Segundo Alessi (1971), no entanto, deveria prevalecer o critério material, centrado no Estado. Gordillo (2000), por seu turno, advoga um critério eclético, pendendo para uma acepção pragmática, que engloba os enfoques material e funcional, enquanto Cassagne (2001) aponta a complexidade derivada da contemporânea “ruptura da equação entre administração e direito administrativo”. Verifica-se, não obstante, o regime jurídico administrativo como pano de fundo de um cenário no qual um vocabulário distinto proporcionará, via de regra, a concretização de uma normatividade caracterizada por soluções diversas daquelas próprias do direito comum. Sob ótica pragmatista é indubitável a singularidade desse ramo jurídico, assim como nele se percebe a tipicidade da organização da sociedade moderna em sistemas sociais especializados e diferenciados, sendo o direito público uma expressão da redução de complexidade que ocorre no interior do sistema. Trata-se, pois, de um regime jurídico peculiar (BANDEIRA DE MELLO, 1999, p. 27- 28), historicamente sedimentado (NIETO, 1986, p. 11 e ss.) a partir do Estado liberal

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(ENTERRIA, 1981), e, no caso brasileiro, constitucionalizado em suas linhas básicas desde 1988 (ROCHA, 1994, p. 15), com inclusão das políticas públicas (RUA, 2001). A administração pública é considerada o instrumento fundamental por meio do qual o Estado realiza suas tarefas. O termo Administração Pública pode designar pessoas e órgãos públicos, no sentido formal, como pode descrever a própria atividade administrativa, em sentido material (MEIRELLES, 1999, p. 79). Segundo Faria (2002), “a Administração Pública, em sentindo amplo e do ponto subjetivo, formal e orgânico, compreende os três órgãos do Estado: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. Nessa macrovisão da Administração Pública, pode-se dizer que o Estado é administrado pelos aludidos Poderes, sendo que o Executivo detém a primazia dessa atividade”. Em um contexto democrático, a administração pública deve estar vinculada à realização de objetivos socialmente relevantes. Trata-se, assim, de mecanismo burocrático-estatal destinado à gestão de bens, serviços e interesses da coletividade, atividade que deve transcorrer conforme o direito (KELSEN, 1985, p. 278-280 e 309), salientado desde longa data por vasta doutrina. Pode-se afirmar que o principal problema colocado para o direito público refere-se ao estabelecimento de um equilíbrio entre a autoridade do Estado, o respeito ao interesse público e às necessidades coletivas, e a garantia dos direitos inerentes à cidadania. Esse aparato, que se dirige à execução da função administrativa assume forma distinta consoante o modelo constante na programação constitucional, o que implica disputas jurídicas relevantes, assim como normatização a refletir situações de alta interatividade entre direito e política (DIAS, 1999). Com efeito, nos últimos quinze anos assistimos, no Brasil, a disputas em torno de concepções de administração pública, desde a denominada “Reforma do Aparelho do Estado” (BRESSER-PEREIRA, 1995), promovida por Bresser-Pereira, que se dedicou menos a discutir o papel do Estado, para debater o tamanho do Estado, como se possível fosse estabelecer, de forma cabal, um tamanho ótimo e um conjunto limitado de funções estatais (OLIVEIRA, 1998, p. 56). Sua proposta teve por objetivo a passagem da administração pública brasileira do modelo burocrático para o gerencial 99 , o que gerou reações de toda sorte (DIAS e SORBILLI Fº, 2003) e revelou, além de evidente compromisso

99 Confira-se no Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995).

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ideológico, desconhecimento da concepção weberiana de burocracia como especificidade moderna, e do patrimonialismo como peculiaridade brasileira. O paradigma burocrático se baseia em uma descrição geral de Weber acerca das características da modernidade, que envolve uma dada racionalidade e distintas formas de organização social, com ênfase na especialização e nos procedimentos. Sua aplicação nas teorias da administração é coincidente com as fundações desse campo teórico em suas concepções clássicas e científicas, esposadas por autores como Taylor, Fayol e, no caso do setor público, Wilson. Alicerça-se, essencialmente, na separação da administração da tomada de decisões políticas (WILSON, 1887), pelo estabelecimento de métodos eficazes de execução da atividade administrativa (TAYLOR, 1991) e pela aplicação de regras de impessoalidade, racionalidade e organização no estabelecimento de uma burocracia profissionalizada e permanente (WEBER, 1964, p. 1968; GERTH e MILLS, 1982, 264-265). Weber (1999) enquadra a teoria da burocracia em sua teoria social, ancorada na possibilidade de produção de uma ciência compreensiva. Parte, portanto, de verificações acerca de acontecimentos e estruturas, contextualiza continuamente, capta a interação necessária entre homens em sociedade e valores presentes no ambiente cultural. O sentido da ação social é buscado mediante essa ótica compreensiva, reveladora de comportamentos, valores, conexões e regularidades, e que permite a interpretação racional dos fenômenos estudados. O modelo burocrático não é criado por Weber, mas tem nele seu mais destacado pesquisador, que procurou observá-lo com o rigor científico possível em seu tempo. Coube-lhe, pois, estabelecer possibilidades relativas ao modelo ideal, as quais ganharam concretude, gerando modelos adaptados, distorcidos ou corrompidos, conforme as condicionantes histórico-culturais presentes nas sociedades contemporâneas a que se submeteram. Pode-se, a partir do próprio trabalho de Max Weber (1999), verificar alguns elementos, de natureza histórico-cultural, tendentes a relacionar administração pública, governo e Estado ao termo burocracia. Esclarece Girglioli (1992, p. 124 e ss.) que o termo burocracia foi empregado pela primeira vez no século XVIII, em sentido negativo, por certo economista fisiocrata, para designar o corpo de funcionários do Estado . O uso do termo nesse sentido se popularizou ao longo do século XIX, sendo usado, por exemplo, por Balzac: “Em França se redige um milhão de memorandos por ano: aqui impera a burocracia”. No mesmo sentido o termo foi apropriado pela tradição marxista. Vê-se que, embora se trate do mesmo

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signo, estamos diante de significados diferentes, com trajetórias autônomas (GIRGLIOLI, 1992). Weber (1964) escreve, pois, sobre décadas de experiência de burocratização do setor público. Seu uso do termo é bem diferente, vinculado à necessidade de expressar tecnicamente determinada tendência ou modelo de administração, e de dominação social, que verificou ajustado ao mundo industrializado da virada do século XX. Observe-se que o modelo burocrático, conquanto pudesse ser igualmente aplicado nas searas pública e privada, como sempre acentuou Weber (1964, p. 147), guarda estreita relação com o moderno Estado, que se cristaliza a partir de fins do século XVIII. No bojo da crítica ao Estado social, o modelo burocrático de administração estatal foi tido como lento, ineficiente, improdutivo e pouco responsivo, quando não discriminatório e corrupto (OSBORNE e GAEBLER, 1995; BENH, 1998), deixando transparecer preconceituosa impressão de que a administração burocrática seja, necessariamente, marcada por tais atributos. No caso brasileiro são temerárias tais afirmações, já que burocracia sempre foi experiência entremeada por patrimonialismo 100 e clientelismo (NUNES, 2003). O cruzamento entre as perspectivas abertas pelo Estado democrático de direito e as da nova gestão pública (PAULA, 2005) tendem a fornecer novos contornos para o direito administrativo, que fica encarregado de responder satisfatoriamente aos problemas trazidos por novas formas de organização na sociedade pós-industrial. Os limites e as possibilidades da Administração Pública traçados a partir da normatividade constitucional, dependem tanto do comportamento da sociedade, quanto da dinâmica interna do aparelho estatal, com destaque para os dilemas contidos na estipulação de fronteiras exatas para a aplicação de princípios e regras na atividade da administração pública, considerando, inclusive, que a efetividade desse direito é duvidosa, em vista de situações complexas (BOBBIO, 1979, p. 76) e incertas (PEDERIVA, 1998, p. 22). Nesse sentido, é fundamental discutir a idéia de interesse público, vetor do direito administrativo.

100 Ver, a propósito, o texto seguinte, em Oliveira Viana (1987): ”Tudo o que na Europa estava dependente de uma decisão de tribunal popular, do povo da aldeia ou do domínio, seja assembléias ou corte judicial, sempre de origem eletiva, era aqui, de norte a sul, por toda parte, ato exclusivo e unilateral, arbitrário e irrecorrível do senhor da terra ou do senhor de engenho” 100 .

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O conceito de interesse público 101 tem sido objeto de debate histórico (MOREIRA NETO, 2003, p. 139-140) 102 e pode, hoje, ser analisado a partir de fundamentos constitucionais, conquanto seja, em geral, criticado pelas ciências sociais de orientação liberal que, mais ou menos influenciadas pela idéia de escolha racional individual, não admitem macro categoria sociais, mas defendem a primazia de relações interindividuais, preferencialmente no mercado. Assim, é que embora a questão fundamente o regime jurídico administrativo e esteja no cerne do controle jurídico das políticas públicas, cuja manipulação não mais ocorrerá apenas ao sabor de sentimentos morais ou como expressão de uma disputa política, autores como Ávila (1999) pretendem rediscutir a noção de interesse público, desvinculando-a da atividade estatal e estabelecendo que o público se constrói a partir de relações privadas (ÁVILA, 1999, p. 10 e 14). Sundfeld (1997, p. 145), a esse respeito, assinala que na lei se conforma o conceito de interesse público. Segundo o autor, o Estado só tem poder em função de interesse público, e tais poderes devem ser claramente conferidos pelo ordenamento. Além disso, em caso de oposição entre o interesse público fornecido pelo direito e o entendido como tal por eventual ocupante do poder, deve prevalecer a primeira concepção. Sobre o assunto, Borges (2003, p. 115-116) advoga a existência de “um interesse público contido e delimitado pela Constituição e pela lei”, o qual apresenta a forma de conceito indeterminado, ou “noção ideológica” que será preenchida “para cada sociedade e para cada tempo”, em uma avaliação na qual “não deve entrar nenhuma dose de discricionariedade do governante” (BORGES, 2003, p. 116). Note- se, todavia, que a identificação do que seja “interesse público” é complexa e improvável em termos essencialistas, e qualquer que seja seu conteúdo 103 , estar-se-

101 Para Bandeira de Mello (2005), por exemplo, "interesse público é a qualidade da coisa essencial ou relevante à realização ou manutenção do bem-estar e desenvolvimento da sociedade ou parte preponderante desta e que, ao mesmo tempo, seja ética, eqüitativa, imparcial, honesta e organizada, aloque eficazmente os recursos e seja eficiente na diminuição dos custos sistêmicos". 102 O autor afirma que, em nosso Estado democrático e fruto da evolução do constitucionalismo pós- positivista, com a afirmação da “regra da eficácia geral dos comandos constitucionais” houve um deslocamento para a sede constitucional da dicção fundamental do interesse público. Para ele não cabe restrição ao elenco de interesses públicos que devem ser atendidos pela Administração, mas tão somente uma avaliação de possibilidade e uma hieraquização desses interesses públicos. 103 Quanto à atribuição de certeza ou verdade para o que seja o conteúdo do interesse público, preferimos uma posição pragmatista, conforme explicitado no cap. 2. Descarta-se pretensão de verdade sobre o sentido de interesse público, criado ou revelado. Isso não impede, contudo, o manejo do termo e seu preenchimento de conteúdo, em vista de condições as mais variadas e, necessariamente, provisórias e reflexivas.

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á diante de uma possibilidade de escolha, que deverá ser enfrentada por meio de um discurso jurídico, e não apenas político. O sentido de juridicidade da matéria obriga a seu exame segundo o discurso possível pelo direito. Saliente-se, então, que não é mais suficiente legitimar políticas públicas na competência da autoridade de que emanam e na regularidade formal dos atos que a produzem. Adiciona-se tanto a dimensão de juridicização das modernas sociedades complexas, quanto uma pretensão republicana de bem comum como pano de fundo da ação estatal e societal, que, no caso do Brasil, têm como principal base o documento constitucional 104 . A política pública se organiza em função de bens coletivos a serem alcançados, e será definida em procedimentos determinados, que ocorrem em arenas institucionais aptas a promover a interação entre poder público e sociedade (COHEN e ARATO, 2000). Sua tradução pelo sistema jurídico ocorre através de atribuição de juridicidade, que deve acontecer mediante lei editada sob razoáveis condições poliárquicas (O´DONNELL, 1998a), a fim de gozar de legitimidade tanto para assegurar seu “enforcement” e consequente impacto social (VAISON, 1973, p. 661-664), quanto para ser reconhecida como expressão de um ideal republicano, expressão do bem comum (BIGNOTTO, 2000), que ultrapassa uma visão de sociedade como ajuntamento de indivíduos e de poder público como espaço neutro. Com a inserção de políticas públicas no regime jurídico administrativo atrela- se esse poder público a fins constitucionais e parâmetros legais, ainda que se reconheça ser essa normatividade de difícil concretização em certos casos (SHEPSLE e BONCHEK, 1997, p. 80 e 93). Aperfeiçoa-se a proteção da coisa pública pelo potencial de controle sobre a ação político-administrativa do Estado (DI PIETRO, 1998, p. 130), no qual se insere uma programação governamental (BIN e PITRUZZELLA, 2005, p. 182) guiada por princípios jurídicos superiores (COMADIRA, 2003, p. 757). Revela-se em sua inteireza e complexidade o conjunto de relações e estruturas administrativas a que se refere Juarez Freitas (1999, p. 96- 97), regido por princípios e regras que exigem interpretação, simultaneamente,

104 Note-se que aqui ficam atreladas dimensões distintas do direito, nota própria da modernidade, que o apresenta em termos de especialização funcional e instrumento de reflexividade, como visto, p. ex., em Luhmann e Giddens, citados, e outra assentada em uma concepção republicana, que deriva de suas origens (BRUGGER, 1999) e ecoa na versão contemporânea do republicanismo, como se vê em Bignotto (2000).

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tópica e axiomático-dedutiva, a sindicar as opções do administrador e a própria racionalidade das suas decisões (ELSTER, 1989). Alguns autores têm explorado as possibilidades de um novo direito administrativo, ao influxo do novo constitucionalismo. Para Barroso (2009), as novas tendências se orientam pela limitação à discricionariedade, imposição de deveres de atuação ao administrador, e o fornecimento de fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário. O autor ressalta, ainda, três alterações de grande importância, a saber, a redefinição da idéia de supremacia do interesse público sobre o interesse privado, a vinculação do administrador à Constituição e não apenas à lei ordinária, e a possibilidade de controle judicial do mérito do ato administrativo (BARROSO, 2009, p. 50). Note-se que, em consonância com esse movimento, verifica-se tanto a recomposição da idéia de espaço público 105 , quanto, seu corolário, a perspectiva da nova gestão pública (SHEPARD, 1996; DINIZ, 1999; FLYNN e STRHEL, 1996; KETTL, 1998; HOOD, 1998) e do ideal de boa governança (DINIZ, 1997, p. 1-15; 2005; ARAÚJO, 2002; CATALÁ, 1998), que arrostam o modelo burocrático estático e a noção estreita de governabilidade como estabilidade. Nessa perspectiva, o direito fornece, desde a matriz constitucional, os parâmetros para uma ação administrativa pautada tanto pelo planejamento quanto pelo controle de resultados, por meio do qual o gestor público classifica opções, mensura possibilidades e ordena preferências em sede de políticas públicas (SANTOS, Wanderley, 1985, p. 43 e 57). É nesse direito das políticas públicas que se percebe a regulação mais relevante da atividade estatal, a qual permite a concretização de certas alternativas políticas (SUNSTEIN, 1999, p. 111 e ss.). Sundfeld (2009, p. 87) salienta, a propósito, que a tradicional preocupação com os institutos típicos - atos, contratos, entes e procedimentos - e com classificações, foi sucedida pelo direito dos princípios. Lembra o autor que o operador do direito se tornou um “abstracionista prático”, gerindo as dúvidas do cotidiano com sentenças vagas, como “a dignidade da pessoa humana a tudo prefere”, ou “o interesse público prefere o privado”. Caminha-se do legalismo para a

105 Ver, como exemplo, Giddens (1998; 2001), Habermas (1997; 2002) e Santos (2006). Há nesses autores, entre outros, apesar da evidente divergência teórica, a preocupação com a reconstituição, em termos ampliados, do espaço público, que é o traço que se está a salientar.

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substantivação, conforme Moreira (2003, p. 73), que acentua a preferência à legalidade da Constituição pela constitucionalidade das leis, tendo como “conseqüência da afirmação de um princípio da constitucionalidade” o abandono, de uma vez por todas, do critério meramente literal de interpretação da lei, ante a constatação de que “obedecer a lei não é homenagear-lhe a forma, mas reverenciar- lhe o conteúdo”. Nessa matéria, recorda Binenbojm (2009) que o direito administrativo ficou, durante muito tempo, vinculado à idéia de que “administrar é aplicar a lei de ofício”, caminhando, hoje, para uma vinculação da atividade administrativa ao ordenamento jurídico como um todo (bloco de legalidade), não a uma espécie normativa específica (lei formal), com a Constituição se tornando “o elo de unidade a costurar todo o arcabouço normativo que compõe o regime jurídico administrativo”, e possibilitando a “superação do paradigma da legalidade administrativa” com a “substituição da lei pela Constituição como cerne da vinculação administrativa à juridicidade”. Similarmente, Freitas (2009, p. 312) propõe que o princípio da boa administração conduza à efetivação de um “direito fundamental à administração eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas”. O povo deve ter direito a “governo honesto, obediente à lei e eficaz” 106 . O direito administrativo deve ser seu principal meio de garantia desse direito. Com isso, pretende-se sugerir que não apenas pode se prestar, enquanto programa da norma e possibilidade de concretização, à transformação social, como também que devem, operadores do direito, administradores e cidadãos, assumirem empreitada diversa do mero auxílio acrítico a um Estado 107 dedicado a reprimir ou manipular os anseios populares e subsidiar as classes dominantes (FREITAS, 2000, p. 151), ainda que remanesça uma questão acerca das condições para que ocorra, de forma equilibrada, a concretização do direito administrativo em sintonia com os princípios maiores que informam esse regime jurídico (COMADIRA, 2003, p. 757).

106 Tal como escrito no art. 13 da Constituição do Estado de Minas Gerais. 107 Ver, a propósito, em Chauí (1982, p. 21). Para a autora “através da ideologia, são montados um imaginário e uma lógica da identificação social com a função precisa de escamotear o conflito, dissimular a dominação e ocultar a presença do particular, enquanto particular, dando-lhe a aparência do universal”.

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O direito administrativo assume, assim, características um pouco alteradas sob o Estado Democrático de Direito, não rompendo com seus institutos tradicionais, mas possibilitando novas leituras e aplicações. Entre as novas características, pode- se destacar a adoção de um conceito de legalidade ampla, a participação da sociedade nas decisões estatais, o controle societal sobre os negócios públicos, a possibilidade do controle judicial do mérito administrativo, as parcerias com o segundo e terceiro setores, a dimensão da accountabilty, a necessidade de argumentação específica para os casos de intervenção no mercado, a juridicização das políticas públicas. Além disso, vê-se mais reflexividade e o uso da discricionariedade como decisão dialógica e adequadamente justificada. O que torna uma decisão, um discurso decisório, melhor são suas consequências, sua justificação, sua consistência dentro de certo vocabulário, no caso o código do direito. Ter-se-ia, no mesmo sentido, e diferentemente do que preconizam, por exemplo, Barroso, Sarmento e Binenbojm, a precedência do administrador sobre o Juiz, não por dar a última palavra, mas por dar a aplicação normativa e contribuir cotidianamente para a fixação de sentido da juridicidade. A superação da decisão jurídica como subsunção do fato à norma, especialmente em se tratando de casos complexos é outra característica. Nesse mesmo cenário, se insere o concerto da separação dos poderes, que permite não só que se discuta a produção de políticas públicas (ROSE-ACKERMAN, 1992), mas fazê-lo sob a ótica de seu ideal de “independência e harmonia”, considerando a racionalidade da programação governamental (BIN e PITRUZZELLA, 2005) e as possibilidades de intervenção do Legislativo e do Judiciário nas políticas desenvolvidas pelo Executivo (SCHWARTZ, 1991, p. 9 e ss.), elementos relevantes para a proteção da coisa pública e para a efetividade dos controles (DI PIETRO, 1998, p. 130) que devem ser exercidos sobre a ação político- administrativa do Estado (FARIA, 2004). O direito das políticas públicas pode ser visto como possibilidade de contraponto às tradicionais formas de se exercer a administração pública. É fator de permeabilização da ação estatal, já que atua nos dois pólos do direito administrativo, ampliando as garantias do cidadão, possibilitando mais interferências em geral (mais instabilidade no campo das demandas, portanto, o que deverá ser trabalhado juridicamente para redução de complexidade e fornecimento de decisões

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consistentes) e de pauta para o agir da administração, na medida em que são reforçadas essas pautas e permitida mais “accountabilitty”.

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9. POLÍTICAS PÚBLICAS NO DIREITO BRASILEIRO

9.1. Introdução

A presença das políticas públicas no direito brasileiro é fenômeno que se distingue no curso da experiência de democratização verificada nas últimas décadas, destacadamente influenciada pela edição da Constituição vigente. Cabe, pois, evidenciar suas características principais, seus contornos e fundamentos, assim como problemas decorrentes das perspectivas de concretização normativa abertas. Designar a juridicidade das políticas públicas implica não só admitir sua referência em determinado tipo de estrutura social, mas, sobretudo, apontar sua fonte imediata, sua caracterização e sua localização no sistema do direito. Políticas Públicas são blocos de atividades realizadas pelo Estado, por meios normativos e materiais, entre os quais as atividades de planejamento, coordenação, programação, monitoramento, avaliação e controles, a envolver todas as funções estatais, legiferante, administrativa e jurisdicional. Note-se que se trata de conteúdo macrojurídico, uma vez que a complexidade das relações que constrói obriga o olhar geral, capaz de enxergar sentido em programas, atividades e projetos concatenados e orientados para determinada finalidade. Políticas públicas, neste aspecto, não se confundem com atos, procedimentos ou contratos administrativos, embora tais elementos concorram para sua implementação. No entanto, da mesma maneira que deles se distingue, uma política pública somente pode receber cuidado jurídico se analisada em sua integridade, não sendo possível se afirmar, então, que a juridicidade das políticas públicas se resuma a um somatório de atos administrativos. Perceba-se, então, que a abordagem jurídica das políticas públicas evidencia não apenas uma atividade governamental sujeita a controle de juridicidade, mas um elemento da administração pública próprio do ambiente que se forma nos termos da nova gestão pública, com o modelo burocrático assimilando ideais de “accountability” e governança, bem como substituindo os tradicionais controles de meios por macrocontroles de resultados verifiáveis no âmbito das políticas públicas. Nesta seara cabem o exame da legitimidade das intervenções estatais e societais, a análise do processo de produção das políticas públicas e as condições

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para intervenções jurídicas sobre políticas públicas, compreendendo, de forma especial, o risco da antijuridicidade contida na intervenção pontual, particularizada, própria do controle do ato administrativo. Os contornos gerais da juridicidade das políticas públicas se mostram a partir de uma principiologia que interage com a produção normativa, mas também na configuração de um espaço de macrojuridicidade, que se consubstancia em vasta legislação, a definir tanto orientações e diretrizes permanentes, quanto planos temporários e meios para cada exercício fiscal. Tem-se, contando com esse programa normativo, múltiplas possibilidades de concretização jurídica das políticas públicas, alcançando alternativas e os limites da discricionariedade. Perceba-se que a juridicidade das políticas públicas se funda no Estado democrático de direito, e que, sob o princípio democrático e suas derivações que conformam o regime jurídico administrativo, observamos tanto um princípio do interesse público 108 , quanto um princípio da juridicidade (DIAS, 1999), que devem pautar as atividades administrativas do Estado 109 . A esses princípios se juntam outros, notadamente no caso brasileiro, em cujo ordenamento estão, em grande parte, positivados. De uma maneira sintética se pode afirmar que as opções políticas nesse modelo constitucional democrático 110 deverão ser filtradas pelo direito 111 . O direito opera, neste caso, como redutor da complexidade e coloca em termos mais claros e passíveis de controle ações originariamente processadas pelo código do poder político. Trazer determinado conteúdo do sistema da política para o do direito significa, especialmente em um ambiente democrático, proporcionar uma disputa em termos de um código distinto, no qual o poder não é mais o elemento distintivo, mas o direito, a identidade jurídica ou não de uma decisão. Isso acarreta, por exemplo, a possibilidade ampla de discussão sobre políticas públicas, com objeções e reivindicações a ela inerentes, envolvendo um diálogo no qual participam vários

108 Assume-se que um princípio dessa natureza está implícito e concreto em qualquer documento constitucional que consagre um Estado democrático de direito. A propósito, ver a noção predominante entre nós em Bandeira de Mello (2005). Para um visão alternativa, ver em Ávila (2001). 109 Segundo Reginaldo Santos (2002, p. 935), a Administração Pública é instrumento que serve a determinados objetivos políticos, os quais devem ser explicitados em forma jurídica e ecoam certos valores e compromissos ideológicos socialmente constituídos. 110 Que é potencialmente apto a transformar o caráter meramente regulatório do direito moderno em direito emancipatório, no sentido proposto por Santos (2003b). 111 Ver, em termos gerais, nas obras citadas de Luhmann e De Giorgi (1990), e, em uma concepção que aborda a disputa no campo político, conferir a abordagem de Jessop (1990), construída tanto sob a influência da teoria sistêmica, quanto pela obra de Poulantzas (1981).

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atores, porque deve ser democrático, no qual se constrói e reconstrói uma noção instrumentalizável de interesse público, e que se realiza, como processo e como produto, por meio do sistema jurídico 112 . No âmbito do direito brasileiro, verifica-se que as políticas públicas têm lugar no chamado direito público, ou, mais especificamente, no regime jurídico administrativo, próprio dos ordenamentos de base romano-germânica (DAVID, 1999), que institucionalizam a opção dicotômica entre direito público e direito privado 113 . Isso acontece porque tanto constitui matéria relacionada ao Estado, que, direta ou indiretamente, decide sobre sua formulação e execução, quanto é, por definição, ligada ao interesse público, o que justifica um tratamento jurídico peculiar, aplicável aos fatos que envolvem a atividade administrativa do Estado 114 . Assim é que serão trabalhados aspectos do regime jurídico das políticas públicas no direito brasileiro, discorrendo-se sobre a inserção de políticas públicas na estrutura do regime jurídico-administrativo, com uma explanação sobre suas características, estruturas e elementos. Na sequência, serão vistas as políticas públicas na organização da administração pública e em relação com a atividade administrativa estatal. Suas relações com o ato administrativo serão analisadas, com ênfase na discussão entre ato de governo e ato administrativo e no problema da discricionariedade. Da mesma forma se discutirá a influência das políticas públicas nas contratações e nos procedimentos administrativos. A responsabilidade civil do Estado no âmbito das políticas públicas será, enfim, discutida, à luz da experiência recente e do tratamento do tema, em geral, no direito administrativo. Saliente-se, ainda, para a presença de políticas públicas no texto constitucional, a induzir uma dinâmica construtivista, por meio da qual seus programas se desdobrarão, especialmente aqueles que relacionam direitos fundamentais a políticas públicas, aqueles que estabelecem diretrizes gerais, assim como os que definem a distribuição das políticas públicas pela dinâmica federativa. Outro ponto a ser abordado é a principiologia que cerca a matéria. Reafirmando a posição expressada no capítulo 7, não se distingue uma natureza de

112 Embora não o seja sempre e exclusivamente. Mediante a análise sistêmica aqui esposada, pode- se notar pelo menos o seguinte: que o funcionamento do sistema jurídico não exclui o sistema da política (mas com ele não se confunde); e que, eventualmente, esses sistemas podem funcionar em um esquema funcional pressupondo um a operatividade do outro, no fenômeno que Luhmann denominou acoplamento estrutural. 113 Para uma discussão sobre o tema, ver, entre outros, Vilhena (1996). A propósito da discussão recente no direito público, ver em Estorninho (1996). 114 Ver, por exemplo, Rivero (1995, p. 95-97).

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princípios e regras, mas se reconhece naqueles uma finalidade de alicerçar o ordenamento, orientando a produção de outras normas ou sua compreensão, razão de ser de sua confecção semanticamente aberta. Com princípios as possibilidades de controle ficam mais claras, inclusive no processo legiferante, conquanto os riscos fiquem patentes em algumas situações, especialmente quando da concretização jurídica mediante a aplicação direta de princípios. Entre os princípios aplicáveis às políticas públicas citem-se o princípio do interesse público, síntese entre republicanismo e democracia aplicada às necessidades do direito administrativo; o princípio da legalidade, que contemporaneamente alcança a idéia mais ampla de juridicidade; o princípio da impessoalidade, vital para a interpretação das complexas teias de relações jurídicas engendradas pelas políticas públicas; o princípio da publicidade, cuja não aplicação a contento permite o desconhecimento geral sobre a matéria; além dos princípios, também previstos no texto constitucional, da moralidade e da eficiência. Além disso, se aplicam às políticas públicas dois princípios específicos, os da responsabilidade social e da sustentabilidade, assim como outros três vinculados às condições gerais de sua efetividade, quais sejam o da macrojuridicidade, que veda intervenções pontuais em matéria de políticas públicas, o da motivação, que obriga a justificação adequada, inclusive com a apresentação de amplos diagnósticos, projeções e metas, e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que se fundem em um bloco que, algumas vezes, serve para isoladamente justificar qualquer opção, jurídica ou não, tomada pelo administrador ou por seus controladores com capacidade de intervenção, notadamente o judiciário. A normatização jurídica das políticas públicas passa pela produção legislativa, por sua inserção na agenda governamental e por etapas de execução orientadas pelo planejamento, estipulado nos termos do regime de direito público. Passa, ainda, pela consolidação de direitos inerentes às políticas públicas, com reflexo na cidadania e na democracia. Problemas e comportamentos antijurídicos relacionados à produção e execução das políticas públicas são observáveis desde a arena parlamentar, com destaque para fenômenos como o planejamento ilimitado, a lei orçamentária inócua, a desvinculação das receitas da União, o descumprimento das leis de planos e diretrizes para políticas públicas, o planejamento e orçamento desconexos, a autorização legislativa absoluta somada à ampla discricionariedade, os controles e

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responsabilização ineficientes, as restrições de fato opostas aos meios de controle interno, os limites do controle de contas e da fiscalização parlamentar, a posição por vezes dúbia do Ministério Público, que promove a defesa do indivíduo contra o Estado e seus excessos no campo dos ajustamentos de conduta, semelhantes aos vistos no Poder Judiciário com a judicialização da política, no curso da qual se discute o chamado possível orçamentário, reducionismo técnico que minimiza as relações jurídicas complexas envolvidas nas políticas públicas.

9.2. Aspectos das políticas públicas no direito brasileiro

Apresenta-se os principais aspectos das políticas públicas no regime jurídico- administrativo, a partir de uma exposição de seus elementos estruturantes e característicos. Trata-se de uma abordagem geral da matéria, pela qual serão apontados elementos que permitam identificar políticas públicas não só na atividade administrativa do Estado, mas na forma de sua normatividade no direito brasileiro. Observe-se que o tema em foco coloca em causa uma tradicional abordagem jurídica, que se resumiria a afirmar o texto constitucional como carta de intenções e o direito administrativo como forma subordinada. Nessa ótica, políticas públicas não possuiriam caráter jurídico, pois seriam impróprias ao código do direito, que, como visto, se aplica mediante distinção de juridicidade em cada caso. Manter-se-ia uma dualidade, segundo a qual o direito aplicável à atividade da Administração Pública, reconheceria, de um lado, a juridicidade de atos, contratos e procedimentos administrativos e, de outro, discricionariedade política na definição e realização de políticas públicas. Desconsidera-se a possibilidade de concretização, pelo manejo da função jurídica, de políticas previstas na Constituição, as quais são delineadas a partir de princípios aplicáveis à administração pública e de normas que tangenciam a matéria mediante diretrizes, programas, planos e designação de recursos. O desafio de se trabalhar com políticas públicas sob o direito público 115 demanda tanto enfrentar uma concepção limitada do regime jurídico-administrativo, quanto reconhecer a ampliação das fronteiras do direito sobre o campo da política, conforme se observou nos capítulos anteriores. Neste passo, a questão da

115 Ver a respeito, por exemplo, em BANDEIRA DE MELLO, 2001.

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discricionariedade, oriunda da tensão entre a escolha pública e uma programação normativa contida no direito positivo, deve ser encarada em vista de sua importância, em matéria de políticas públicas, reconhecendo-se, com Faria, suas linhas assumidas no contexto da democracia. Note-se que o problema não é apenas o reconhecimento formal da juridicidade das políticas públicas, mas a afirmação da possibilidade de se definir como jurídicas ou não situações que envolvem sua formulação e execução, bem como as conseqüentes condições de limitação, fiscalização e controle, em face do interesse público 116 . Nesse ponto devem ser percebidos dois riscos. De um lado, o de se proceder ao exame da política pública com os instrumentos de análise do ato administrativo; de outro, o de se utilizar o código da política a pretexto de agir juridicamente 117 . A criação de políticas públicas como função governamental precisa e permanente coincide com o aparecimento da sociedade capitalista moderna e se consolida no Estado Social 118 em paralelo com o alargamento dos direitos de cidadania 119 . Uma Administração Pública de moldagem racional-legal apresenta à sociedade inúmeras atividades prestadas por um aparato burocrático que age nos limites e prerrogativas que lhe conferem um regime jurídico excepcional, estipulado em nome do interesse público. E que hoje é envolvida por valores próprios do Estado Democrático de Direito, e se apresenta à sociedade, sob o prisma macrojurídico, por intermédio de políticas públicas. A concentração do direito público nos tradicionais controles do ato administrativo é insuficiente se as políticas públicas, que afetam à sociedade como um todo, permanecem sendo geridas sem controle (BANDEIRA DE MELLO, 2001).

116 Schwartzman (1996), por exemplo, indaga, no cerne de sua reflexão sobre a reforma administrativa brasileira da década de 90, ‘como controlar as instituições de modo a que façam bom uso dos recursos públicos?’ Para o direito, esta questão, que é um problema concreto, se reveste de uma discussão sobre os limites e direcionamentos jurídicos que são impostos à ação do administrador público, inclusive e especialmente no que se refere à definição e execução de políticas públicas. 117 Não se trata, repita-se, de negar as relações entre esses dois campos, mas, antes, de se distinguí- los a fim de estabelecer suas funções e pretender a boa realização de cada uma delas. Só se justifica a juridicização de certo campo em virtude da possibilidade de uma ação jurídica. 118 Embora desde a antiguidade se possam destacar, em sentido amplo, atuações dos órgãos políticos caracterizáveis como políticas públicas. 119 As dimensões da cidadania dadas por Marshall e o conceito de gerações de direitos - criticável na medida em que é redudicionista, e compartimentaliza direitos que devem ser percebidos em unidade sistêmica – são úteis para efeito de visualização da introdução do conceito de políticas públicas no período recente. Sobre o conceito ver em Bobbio (1992) e Vasak (1984, p. 837-850).

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Note-se que esse enfoque tradicional, a reconhecer que a Administração Pública age por meio de atos ou de contratos administrativos (TÁCITO, 2002, p. 143), reduz-se à análise de um exercício da função administrativa subordinado ao princípio da legalidade, que dimensiona a legitimidade da atuação do administrador, na qual se insere a discricionariedade para a tomada de decisões (TÁCITO, 2002). Não admitiria a categoria políticas públicas, fenômeno ligado a outros campos do conhecimento que, no plano jurídico, se expressaria atomizado em atos ou contratos administrativos. Nessa tradição, os atos seriam ponto jurídico de confluência de três princípios historicamente atrelados à idéia de Estado de Direito, a saber, a tripartição do poder, a legalidade dos atos da administração e sua possibilidade de controle jurisdicional, em sentido amplo (CORREIA, 2001, p. 10). O controle jurídico ocorreria sobre essas atividades (ato e contrato), nunca sobre a política como um todo. Assim, políticas públicas ou não seriam matéria jurídica, ou no direito estariam ao abrigo da discricionariedade. É que, dada a impossibilidade de se considerar, em princípio, que todas as políticas públicas possíveis podem ser adotadas simultaneamente pelo administrador 120 , os operadores jurídicos têm entendido que o direito vigente confere larga margem de discricionariedade nesse campo 121 , razão pela qual as leis de planejamento e orçamento seriam meros rituais destituídos de conteúdo efetivo e as políticas públicas realizadas não se conectariam ao direito. Araújo (1992, p. 86-87), por exemplo, afirma que “a discrição caracterizará dado aspecto do ato administrativo sempre que a norma de direito positivo regulá-lo de modo a transparecer que, na apreciação do direito e das circunstâncias em que este se faz aplicável, está o administrador diante de um número determinado ou indeterminado de opções que se caracterizam como indiferentes jurídicos, pelo que a consideração axiológica da melhor alternativa se fará por meio de outros critérios que não de direito”. À noção positivista esposada pelo autor escapa a juridicidade necessariamente contida na decisão discricionária, que não se apresentará como resposta unívoca e absoluta, mas, pragmaticamente, como resposta do sistema

120 Porque, do ponto de vista lógico, algumas são contraditórias entre si; e do ponto de vista prático, quer em vista da escassez de recursos, quer em vista da demanda, que é tendencial, são alternativas e, então, concorrentes entre si. 121 A tendência a se adotar um planejamento de políticas públicas aberto à demanda crescente é entendida, por alguns autores em teoria da administração, como March e Simon (1979), como benéfica, a par de sua insustentabilidade defendida por outros, em vista de imposições derivadas da gestão fiscal.

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jurídico que se legitimará nos termos de seu corpo linguístico e de suas consequências em vista da função do direito. Além disso, segundo essa mesma perspectiva tradicional, a ação estatal na seara das políticas públicas decorreria não de atos administrativos, mas de atos de governo, cujo núcleo seria intangível juridicamente. Nos termos empreendidos neste trabalho, políticas públicas aparecem como conformadoras de uma noção atualizada de Estado constitucionalizado, caracterizado pelo componente democrático aliado à ação dos poderes estatais, à noção de juridicidade se sobrepondo à de legalidade estrita e à possibilidade de múltiplos controles. Consigne-se que no direito brasileiro a opção do administrador público, como quer que se considere a sua natureza 122 , passa por um balizamento normativo que confere juridicidade a essa ação e possibilidade de avaliação e controle segundo o código do direito 123 . Demanda-se, todavia, uma superação de elementos analíticos tradicionais, como a intangibilidade do ato discricionário, e as dicotomias entre Estado e sociedade (SANTOS, 1999), legalidade e legitimidade (GARCIA, 2000), ato administrativo e ato de governo (GARCIA DE ENTERRIA, 1981) 124 , além da exploração de possibilidades conceituais acerca da noção de interesse público, a ser utilizada como fundamento para a análise jurídica de políticas públicas. Essa juridicidade pode ser percebida no plano do direito legislado, já que um exame atento das normas constitucionais e legais nos permite inferir que não se produzem políticas públicas senão pelas mãos do direito, porém, incorpora-se a um espectro mais amplo de redimensionamento de estruturas sociais, no bojo do qual o direito assume uma função destacada, na medida em que substitui ou condiciona a política por meio de instrumentos mais precisos que o mero jogo do poder, tendentes a operar de maneira mais adequada a redução de complexidade exigida pela sociedade contemporânea (LUHMANN, 1998b). Nesse sentido, não apenas políticas públicas constituem matéria de natureza jurídica, como sua análise deve ser empreendida levando-se em consideração a especificidade do código jurídico e da função do direito, quais sejam, afirmar o direito

122 E, neste sentido, nos se afasta uma infrutífera discussão sobre uma improvável distinção, de natureza, entre atos de governo e atos administrativos, e se concentra a discussão em uma prática orientada pelo código que identifica a realização da função jurídica e suas consequências práticas. 123 Sobre a noção de direito aqui utilizada ver, por exemplo, em Luhmann (2002); De Giorgi e Luhmann (1990); Ferrari (1987); Teubner (1993). 124 Para uma visão diversificada: García de Enterría (1981); Mayer (1949); Cuenca (1998); Irujo (1989); Cugurra (1973); Carlassare (1974); Sousa e Matos (2008); Queiro (1969).

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mediante diferenciação entre o que é jurídico e o que não é, e estabilizar expectativas gerais de comportamento (LUHMANN, 1998b; FERRARI, 1987). Observe-se que essa peculiaridade tende a escapar à doutrina, na qual ainda se percebe a adoção de “uma concepção de políticas públicas em direito” que “consiste em aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídica e política” (BUCCI, 2002, p. 241), admitindo-se, aliás, que “na discricionariedade há convivência entre essas duas lógicas (política e jurídica), haja vista a mesma constituir um processo jurídico de decisão que admite a inserção controlada de elementos políticos na formação e concretização da norma jurídica” (FRANÇA, 2000, p. 40). Ora, um direito que opera sob uma lógica política despe-se de sentido, já que fica inapto ao cumprimento de sua função 125 . Se uma decisão jurídica pode ser tomada conforme a política, não é necessário o direito 126 . Entendemos, pois, que a análise jurídica de políticas públicas é possível e deve ser realizada conforme o direito, ainda que se admita que o sistema jurídico colhe o que lhe comunicam os outros sistemas, e que algumas vezes direito e política atuam em acoplamento estrutural (LUHMANN, 1998a; PIRES, 2003). Políticas públicas devem ser analisadas sob um enfoque jurídico e sistêmico, incorporando o componente político que há no conceito, para delimitar sua esfera de abrangência, evidenciando a especificidade do direito e os riscos de deturpação da lógica que preside sua racionalidade pela política. Assume-se haver um espaço de atuação propriamente jurídico, impondo uma análise de políticas públicas que obedeça a uma linguagem apropriada, já que dela dependem eficácia e legitimidade dessa intervenção. Mesmo reconhecendo os notórios pontos de contato entre direito e política (CORREAS, 1995, p. 94), seus conteúdos devem ser depurados em benefício da precisão na indicação e manejo de um código diferenciador do direito 127 . É necessidade que se coloca desde uma suposição segundo a qual é exatamente a nebulosidade que cobre essa interpenetração entre política e direito que torna

125 Na realidade, o direito retornaria ao papel que tinha em organizações sociais do tipo tradicional (Weber), nas quais somente pode ser visto em esquemas multifuncionais (Parsons). 126 Ver, a propósito, como podem se relacionar tais elementos, na abordagem sobre o uso político das finanças públicas, em Pardini e Amaral (1999, p. 109-110). Não se nega o elemento político, apenas se defende que direito e política operam de forma distinta e que controle jurídico não se confunde com opção política. 127 Ver, a propósito, a posição de Barcelos (2005).

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possível o frágil tratamento jurídico tradicionalmente dispensado à questão. No Brasil é, acima de tudo, porta aberta para que o direito se esquive de cumprir uma função emancipatória (SANTOS, 1999) e permaneça a reforçar esquemas de funcionamento internalizados no campo da política, que obstaculizam mudanças (AMES, 2003, p. 18) e permitem a manutenção do favor sobre o direito, do clientelismo sobre a impessoalidade (DIAS, 1999). Perceba-se que a realização de políticas públicas é parte da função administrativa desempenhada pelo Estado. Esse liame funcional permite o estabelecimento de uma determinada morfologia, que será explorada a título descritivo, com o auxílio de termos jurídicos consagrados, sem a pretensão de estatuir uma identificação exata e absoluta. O primeiro elemento estruturante das políticas públicas é sua matéria. Na medida em que se adota uma ótica contextual para indicar as características do Estado, tal pressuposto é refletido no conteúdo possível das políticas públicas. Nesses termos, toda matéria é, em tese, passível de engendrar a formação de uma política. Em que pese essa possibilidade geral de incorporação de temática variada nas políticas públicas, deve-se assinalar que a escolha desses conteúdos obedecerá a uma dada ordem de escalonamento. É na base constitucional que aparecem certas matérias que, necessariamente, deverão ser organizadas juridicamente como políticas públicas (FREITAS, 2003, p. 174). Transparece, nesse reconhecimento de prioridade, a tensão entre constitucionalismo e democracia (ROSENFELD, 2002), a exigir tanto que se compreenda a concretização dessas políticas em um movimento longo de construção constitucional (CANOTILHO, 2008), quanto que essa dimensão jurídico- política de fundo permita, simultânea e permanentemente, uma experiência e uma atitude reflexiva sobre seus próprios fundamentos (ACKERMAN, 2006). Observa-se, assim, a presença de determinados temas relativos a políticas públicas no texto constitucional redunda em consequências significativas, a serem exploradas. Não menos importante, todavia, é a forma. Nesse campo, o direito brasileiro não abre margem à imprecisão formal. Pelo contrário, é mesmo a Constituição que determina padrões formais para a organização das políticas públicas sob o direito (COMPARATO, 1995). No plano legal, um modelo de composição jurídica de políticas públicas é disposto em normas permanentes, que tratam de finanças públicas, gestão orçamentária e responsabilidade fiscal, e em normas temporárias,

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que disporão sobre planos, diretrizes, objetivos, metas e prioridades da administração pública, e sobre receitas e despesas a serem realizadas anualmente pelo poder público. A juridicidade de tais políticas implica, pois, a observância de uma esfera de legalidade estrita, que compreende o atendimento à forma, a qual, todavia, não se resume à mera produção de autorizações legislativas amplas e imprecisas. Não se admite, assim, que pela expressão políticas públicas possa se designar todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social, conforme pretende Grau (2000, p. 21). Ou, ainda, que seja qualquer ação do Estado destinada a efetivar direitos fundamentais ou o Estado Democrático de Direito (FREIRE JR, 2005, p. 47). Trata-se de uma forma específica, que agrega a ação governamental segundo seu sentido geral de atuação e que “não consiste, portanto, em normas ou atos isolados, mas sim numa atividade, ou seja, numa série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conjugados para a realização de um objetivo determinado” (SILVA, 2004, p. 103). Verificada a juridicidade dos procedimentos que atuam sobre as definições de forma e matéria das políticas públicas, não é admissível desconsiderá-la, nem por meio da sobreposição de razões político-governativas sobre as jurídico- normativas 128 , nem pela afirmação de haver uma principiologia, de fundo constitucional, que traça a programação das políticas governamentais. Afirmar que no conjunto de princípios presente no ordenamento é possível se extrair um programa de ação apto a ser reivindicado (DWORKIN, 1977, p. 11) é desconsiderar que a densificação normativa imposta a tais princípios é intrumento de garantia. Afinal, a possibilidade de aplicação direta de princípios em matéria de políticas públicas encerra uma contradição possível, nos termos da própria base principiológica, e outra contradição, inafastável, consoante a lógica de construção da política pública. De um lado, deriva do conjunto de princípios inscrito no ordenamento brasileiro uma concepção, também principiológica, de políticas públicas procedimentalizadas. É improvável uma aplicação bem justificada de princípios relativos a conteúdos de políticas públicas, que desconsidere sua dimensão procedimental.

128 Ver a discussão sobre as possibilidades de corrupção do sistema jurídico ou de sua instrumentalização via normatização simbólica na seção 4.7.

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De outro lado, o que se denomina políticas públicas, em um sentido rigoroso, só pode ser concebido mediante a composição de um conjunto de ações e programas sobre determinada esfera de atuação estatal, estando bem definidos fundamentos, objetivos e metas. Como já afirmado, essa estrutura complexa não é fortuita, mas condizente com um Estado que se pretende democrático e permeável às disputas oriundas do campo social, na medida em que permite uma administração justificada, transparente e, em determinadas situações, dialógica. Se uma intervenção estatal direta, realizada por qualquer dos Poderes, desconsidera esse feitio, não apenas essa atividade não caracterizará uma política pública, quanto carecerá de elementos de “accountability” e democracia integrados ao direito. A complexidade das políticas públicas não permite a identificação, no plano da administração, de um único agente responsável por sua implementação. Por um lado, como sua concretização demanda uma rede de agentes a produzir atos, contratos e procedimentos administrativos, pode-se captar, na especificidade dessas atividades, uma pluralidade de competências a exercer funções vinculadas às políticas públicas. Por outro lado, como são perceptíveis em nível macro, pode-se, também, imputar ao Chefe do Executivo tal competência. Há, porém, a possibilidade de previsão jurídica específica 129 , hipótese em que a competência fica claramente identificada, encorpando-se o processo de accountability. Note-se que a identificação de um agente responsável pela política pública oferece um ponto de partida para a análise da mesma, já que todas as atividades a ela vinculadas se sujeitam aos seus termos. Para fins de controle e fiscalização, percebe-se uma dimensão abrangente, que condiciona atos, contratos e procedimentos de uma política a sua racionalidade macro, e permite um eventual, porém improvável, controle da juridicidade pelo foco do agente. Essa improbabilidade, aliás, tem em vista o fato de, no mais das vezes, a gestão da política pública ocorrer por meio de atividades microjurídicas (GRAU, 1981, p. 26 e ss.). As políticas públicas, como é próprio do regime jurídico-administrativo, devem ser ligadas a motivos e fins. Dada sua instrumentalidade, podem ser vistas como elo entre causas e consequências. Tema caro ao direito público, o motivo, originalmente discutido na teoria do ato administrativo (FARIA, 2002), é categoria aplicável às

129 Observe-se, por exemplo, o caso da saúde (Lei 8.080, de 1990), ou o planejamento plurianual do governo federal (Lei nº 11.653, de 2008, especialmente o Anexo III; Decreto nº 6.601, de 2008).

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políticas públicas. Razões alicerçadas em objetivos compatíveis com uma noção de interesse público ou bem coletivo a serem alcançados, constituem elemento indispensável às políticas públicas. Observe-se que, como as políticas se desdobram em programas, atividades e projetos, seus motivos devem ser, igualmente, desdobráveis. Formalmente, o motivo encontra razão na norma de direito, do qual não pode se desgarrar. Materialmente, o motivo de uma política pública deve ser consubstanciado em dados, diagnósticos, opções de governo (COMADIRA, 2003, p. 48), que devem ser objeto de análise jurídico-política, reconhecendo-se, nessa área, uma situação de acoplamento estrutural entre os sistemas do direito e da política. Resende (1996, p. 174), apoiado em Laubadere, acentua a importância do motivo, como elemento essencial à ação estatal, eis que é o núcleo da justificação, a definição do âmbito da norma, “o motivo de fato e de direito” (FARIA, 2004, p. 135), que permitirá, associada ao programa da norma, a sua concretização (MÜLLER, 2007). O motivo possibilita conferir legitimidade à política pública, caracterizando uma ação estatal subordinada ao interesse público (SEABRA FAGUNDES, 1967, p. 38). Ressalte-se, enfim, que o reconhecimento do motivo como indispensável às políticas públicas implica uma relação mais estreita entre aspectos ditos materiais e formais, eis que a plataforma normativa deverá ser coberta por descrições de cenários e projeções de situações concretizáveis. Diagnósticos e análises prospectivas devem compor leis e regulamentos que tratam de políticas públicas, justificando-as e possibilitando seu controle jurídico. Note-se que instrumentos tradicionalmente tomados como destituídos de valor jurídico, constituindo, no máximo, boas cartas de intenções, como a mensagem e o plano de governo previstos no art. 84, XI, da Constituição da República, os relatos contidos nas leis ou atos administrativos de planejamento setorial, regional ou plurianual, e mesmo, em alguma medida, as propostas de atuação defendidas por candidatos, com previsão no art. 11, IX, da Lei 9.504, de 1997, podem ser trabalhadas segundo enfoque jurídico, isto é, são dotados de normatividade e devem ser observados, implicando sua eventual violação as consequências próprias de um registro de antijuridicidade, entre as quais a responsabilização de agentes e a invalidação de atividades em geral.

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Assim como o motivo, a finalidade da política pública a caracteriza. Trata-se, nesse caso, das consequências buscadas com a implementação da política, as quais devem ser identificadas nas projeções e metas afirmadas nas leis de planejamento e orçamento. Objetivos e metas expressos distinguem os fins almejados e possibilitam controle e responsabilização. Conforme Silva, a finalidade é que dá sentido a esse complexo de ações que constitui a política pública, ligada que está a motivos originados de deveres do Estado, a limites fáticos, e a possibilidade ampla de controles (SILVA, 2004, p. 103). Ávila (2004, p. 21) associa finalidade a impessoalidade e enfatiza a importância do aludido princípio em casos envolvendo políticas públicas, associadas a metas e à finalidade pública (ÁVILA, 2004, p. 3 e 22), a implicar um dever de objetividade, imparcialidade e neutralidade (ÁVILA, 2004, p. 46-50; 51-66; e 67-74), que, ainda que improváveis de forma absoluta, devem ser buscados no planejamento (ÁVILA, 2004, p. 172). Perceba-se, nessa seara, a relação umbilical entre motivo e finalidade (SEABRA FAGUNDES, 1967), o que alarga sua juridicidade. A finalidade pública deve ser verificada segundo os marcos de cobertura social e territorial e os controles temporais a que se sujeitará a política pública, mas sua expressão concreta não pode ser desconsiderada. Vale dizer, uma política pública estabelecida a pretexto de determinados resultados que, em seu curso ou ao final se vêem frustrados, pode, em tese, ser invalidada, com efeitos imprevisíveis e responsabilização necessária. Igualmente, situações de inexistência de finalidades definidas ou de finalidades múltiplas concorrentes entre si, de impossível concretização, devem ser repudiadas pelos controles jurídicos. Note-se, pois, que a possibilidade de desvio de finalidade (BANDEIRA DE MELLO, 1998) é patente nas políticas públicas, desde que finalidades nominais possam escorar uma gestão governamental alheia a tais propósitos, ou que a formalização de uma finalidade possa esconder um objetivo encoberto. Bucci pretende que se funde em políticas públicas um novo paradigma distintivo do regime jurídico administrativo (BUCCI, 2002). Observa-se, contudo, que a incorporação das políticas públicas ao direito ocorre dentro do processo de formação do direito público, como prolongamento de uma trajetória que, desde o século XIX, marca relações nas quais o comportamento estatal ou a noção de

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interesse público vinculam certas situações a um direito que não se confunde com o direito privado. Não se trata da incorporação do fenômeno a um direito administrativo liberal, e, paradoxalmente, por vezes justificador de um Estado autoritário, com governo irresponsável juridicamente e burocracia insulada. Mas de verificar a assimilação do tema em um direito administrativo democrático, marcado pela cidadania e por um espaço público que não se resigna ao Estado, no qual políticas públicas assumem roupagem jurídica. Há, nesse caso, uma adaptação evolutiva do direito administrativo, em face de um contexto em mutação. Políticas públicas, em uma abordagem pragmática e construtivista, se insere no regime jurídico-administrativo como elemento reagente, provocando alterações em conceitos e práticas, a reforçar, entretanto, seus fundamentos específicos, sobre os quais a comunidade jurídica opera, inclusive seus pontos de referência doutrinária e metódica. Em outra vertente, Grau, na medida em que percebe o direito como função, especialmente vinculado a um Estado intervencionista, pretende compreensão das políticas públicas no bojo de uma concepção do direito como estrutura dotada de potencial de transformação social, a atuar mediante formas de persuasão e convencimento. O autor situa-se, contudo, vinculado a um enfoque econômico e a uma teoria do direito na qual dificilmente se distingue nas relações ensejadas pelas políticas públicas a especificidade funcional do direito. Políticas públicas compõem a atividade administrativa do Estado, como os atos administrativos, os contratos e os procedimentos, ainda que possua certa singularidade 130 . Tal constatação implica relacionar discricionariedade, governança, democracia e interesse público, em uma análise abrangente. E vai de encontro à tradição da doutrina juspublicista, segundo a qual a Administração Pública age por meio de atos ou de contratos administrativos (TÁCITO, 2002, p. 143), submissa apenas à legalidade formal. Há uma tendência de deslocamento da supremacia da legalidade sobre a ação do Executivo, centrada na equação “lei-ato administrativo”, para a “dimensão global ordenamento-Administração” (MEDAUAR, 1992, p. 144). Se não perde a validade a afirmação de que o ponto distintivo do direito administrativo é sua

130 Sobre tal especificidade ver em Garcia (2009, p. 156 e ss). A autora pretende, contudo, certa autonomização da matéria.

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regência pelos princípios da indisponibilidade do interesse público pela Administração e pela supremacia do interesse público sobre o particular (BANDEIRA DE MELLO, 2005), é certo que o conteúdo dos conceitos que informam esses postulados resta mais encorpado. Mantém-se, de um lado, a Administração como sujeito de prerrogativas especiais, que a colocam em posição de privilégio frente às regras do direito comum; e de outro, sua sujeição à realização de deveres em vista de finalidades que lhe são peculiares. Contudo, o deslocamento ocorre no interesse público, elo de ligação entre os nomeados princípios fundamentais, que se corporifica em políticas públicas passíveis de contenda não apenas segundo as regras do poder, mas consoante o direito. É um interesse público que se propõe a ser disputado em um ambiente democrático e traduzido juridicamente, com redução da discricionariedade e expressão concreta em políticas públicas e condições de governança 131 . A propósito, é da tradição do direito administrativo, considerar, com Cyrne Lima (1987), que a relação de administração estrutura-se ao influxo de uma finalidade cogente, de natureza pública, de forma a que inexista a vontade do administrador, mas o dever e a finalidade, expressões do interesse público previamente legitimadas pelo direito. Freitas (1995, p. 12-13) procura atualizar essa constatação e, apesar de sua noção de valores como direito, percorre a trilha dos princípios, o que imporá à Administração “princípios superiores”, destinados a resguardar o interesse público. Daí se afirmar que ao direito, em uma sociedade democrática, cabe legitimar o exercício do poder pelo Estado (RIVERO, 1995, p. 37), o que fará estabilizando expectativas socialmente relevantes que cercam a atuação estatal. Na medida em que o direito administrativo se concentra nos fenômenos próprios de seu regime jurídico peculiar, observando-os apenas de maneira unitária, isolada, sua atividade fica restrita ao universo microjurídico (GRAU, 1981). Este tratamento, talvez adequado às relações entre particulares 132 , não se amolda à medida do direito administrativo, que deve responder à dinâmica ampla da administração pública. A definição e a execução de políticas públicas são atividades administrativas que só podem ser percebidas a partir de uma perspectiva

131 Sobre o conceito de governança, depois revisto por diversos autores, ver Banco Mundial (1992). 132 Ainda assim aquelas que poderíamos indicar como sendo relações privadas “puras”, ou seja que são indiferentes ou insignificantes para o interesse público.

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panorâmica, que permita a observação de sua dimensão complexa e múltipla. Segmentadas, se reduzem a um amontoado de atos e procedimentos administrativos que, apesar de merecer cuidado jurídico, não alcançam a generalidade da política pública. Situações singulares sob a tutela da administração pública se resolvem por meio de atos e procedimentos. Agregados em categorias por semelhança a centenas de outros, esses casos revelam a realização de políticas públicas pela Administração. Perceba-se que a reivindicação jurídica específica somente poderá se concretizar depois de definida a política pública geral; o ato administrativo que a ela corresponde deve decorrer da política pública previamente estabelecida pelo direito 133 . Note-se que o “policy making process” aparece como um processo uno, porém complexo, que pode ser visto de forma segmentada, mas permite uma visão geral (BALLART, 1992, p. 43). Sob tal ótica pode-se verificar que as políticas públicas reorientam a organização da administração pública, já que se espraiam pelas estruturas do aparelho estatal. Desse movimento resulta, entre outros aspectos, mais complexidade das relações engendradas pelo Estado, com a participação de vários atores, e adoção de estratégias administrativas de desconcentração, descentralização (SOUZA, 2001) e parcerias, além de intersetorialidade, com articulação entre as políticas públicas através do desenvolvimento de ações conjuntas, transversalidade, característica de uma política que perpassa as demais, e interfederatividade, com políticas sob responsabilidade de várias unidades federativas. Observe-se, então, que são traços jurídicos característicos das políticas públicas, conforme o tratamento que a matéria recebe no direito brasileiro, os seguintes: 1) Circunscrição à esfera estatal, para fins de execução direta, indireta ou associada; 2) Conteúdo material definido em lei, considerados objetivos, prioridades e pré-definições de ordem constitucional; 3) Previsão legal a respeito de forma e procedimentos a serem observados; 4) Identificação de ações e programas, atividades e projetos, a serem desenvolvidos pelo Estado segundo objetivos, prioridades e metas determinadas juridicamente; 5) Distribuição complexa de

133 Ressalte-se, novamente, que a afirmação do estabelecimento da política pública pelo direito não desconsidera suas demais faces, política, econômica, etc. Recorde-se, também, os casos de omissão no campo da produção da política pública, que ensejará solução pela via dos controles.

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competências, nela incluídas estratégias interfederativas, intersetoriais, transversais e de descentralização e desconcentração administrativas; 6) Mensurabilidade, em termos de custos, abrangência, objetivos e metas; 7) Sujeição a mecanismos complexos de fiscalização e controles, abrangendo aspectos quantitativos e qualitativos, procedimentos e resultados; impacto econômico, responsabilidade social e eficiência financeira; e realização por órgãos internos e externos, vinculados aos três Poderes, ao Ministério Público, aos tribunais de Contas e à sociedade presente em entidades governamentais e não-governamentais.

9.3. Políticas públicas na Ordem jurídico-constitucional

A Constituição brasileira expressa relações sociais e se apresenta tanto como possibilidade emancipatória quanto como campo de disputa e núcleo de resistência (SANTOS, Reginaldo, 2002, p. 938) em sua trajetória (CANOTILHO, 2006). Carrega consigo a idéia de “promessas constitucionais” e a perspectiva de políticas públicas como “fórmula que permita acomodar deveres legais, demandas sociais e limitações econômicas” (BUCCI, 2002, p. 226). Assumidamente democrática, a Constituição prefigura políticas públicas em termos materiais e procedimentais. Em uma democracia constitucional, a escolha de políticas públicas é condicionada por normas (FEREJOHN e PASQUINO, 2003, p. 23) e o sistema jurídico que a permeia, é uma “aposta institucionalizada”, que envolve, de maneira especial, limitação sobre o Estado e os governantes a partir da predefinição, em documentos normativos dos quais o mais importante é a Constituição, de suas possibilidades de atuação, o que permite aferir a efetividade do sistema legal (O’DONNELL, 1999b) e da democracia, e sujeitá-los a controle jurisdicional, interferindo na proteção de minorias e mudança política (ELY, 1980, p. 148). Na Constituição alinham-se políticas públicas, que, para Monteiro (1982), compõem o compromisso constitucional. Explorando tipologia consagrada por Lowi (1966), o autor discute o sentido das políticas em seus marcos jurídicos, recordando que as chamadas políticas “constitucionais”, políticas públicas que estabelecem regras sob as quais outras políticas serão selecionadas (MONTEIRO, 1982, p. 23), definem a legislação infraconstitucional que permitirá o desenvolvimento efetivo de

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políticas públicas (MITNICK, 1997). Em ótica semelhante, Britto (2003) afirma o dirigismo constitucional sobre as políticas públicas. Pode-se, com efeito, perceber o espraiamento das políticas públicas pelo texto constitucional, a condicionar suas condições de concretização em torno de uma idéia de cidadania social (COMPARATO, 1985, p. 409). O Estado Democrático de Direito (CARVALHO NETO, 1999) delineado pela Constituição de 1988 demarca, assim, um compromisso constitucional, e na normatividade que dele decorre, estão as bases para as políticas públicas, como, de resto, para as demais atividades governamentais (LOWI, 1966). A juridicização das políticas públicas acontece, pois, em um movimento de reconstrução de relações sociais sob o Estado democrático de direito, que alicerça uma ordem na qual pontificam um sentido de participação democrática, derivado do reconhecimento da soberania popular 134 , de responsabilidade social e sustentabilidade (CANOTILHO, 2003; BOSSELMANN, 2008; KAHL, 2008; FRENZEL, 2005; FREITAS, 2007), e um princípio de juridicidade, que acolhe o agir da administração pública em um direito admitido em sentido amplo, que não se esgota na letra da lei (FIORAVANTI, 1983, p. 606 e ss.), e é sindicável (FARIA, 2004), já que passível de controle amplo pelos meios que proporciona 135 . O marco democrático estabelecido na Constituição se caracteriza por uma concepção de Estado e sociedade relacionados de maneira harmônica e juridicamente equilibrada. Defere à Administração Pública não apenas um rol de princípios, procedimentos e controles obrigatórios, mas prevê também que a Administração atue de maneira planejada e ordenada. Nessa democracia constitucional (FEREJOHN e PASQUINO, 2003, p. 23) se discriminam atividades prioritárias 136 e se condiciona a produção de políticas públicas. Desse arranjo derivam um direito administrativo que não se resume a atos e procedimentos, uma Administração organizada de forma sistêmica e programada, e um governo eficiente e responsivo. É um perfil sob o qual a escolha pública incidente sobre as políticas desenvolvidas pelo Estado fica passível de intervenção jurídica (FARBER e FRICKEY, 1991, p. 132).

134 Ver, por exemplo, a discussão em Arato (2002) e Held (1989). 135 Ver, a propósito, em Antunes (2000) e Leisner (1997). 136 Como, por exemplo, o atendimento à criança e ao adolescente ou a educação, que inclusive dispõe de percentual orçamentário mínimo assegurado.

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É significativo, pois, na discussão do regime jurídico administrativo, o marco principiológico determinado tanto pela Constituição de 1988, quanto pela evolução da teoria do direito desde a última quadra do século XX. Uma compreensão do direito que, como observado nos capítulos anteriores, ultrapassa os marcos do positivismo que perpassou a razão jurídica no último século tem sido indispensável para a análise de fenômenos complexos como as políticas públicas, já que permite considerar o potencial de realização contido na programação governamental (DWORKIN, 1977), e tal empreendimento não é alcançável satisfatoriamente sem uma interpretação jurídica capaz de articular comportamento jurídico-estatal, relações sociais e políticas públicas (VIEIRA, 2008). É que uma análise de legalidade centrada apenas na regra, que autoriza ou abre a margem de discricionariedade para a definição da política pública, carrega os riscos da superficialidade, da ineficácia ou da exclusão da matéria do campo jurídico, o que se evita com a análise mais ampla aludida (VIEIRA, 2008). Mencione-se, nesse mesmo contexto, a ampliação de uma noção de cidadania, simultânea ao reconhecimento de um conjunto crescente de direitos fundamentais (LIMA, 2008). Tanto quanto reconhece tal dimensão da cidadania e direciona políticas sociais, a Constituição atribui a um crescente número de atores sociais o direito ou dever de agir em vista de políticas públicas jurídica e socialmente demandadas ( 137 . No Brasil, a Constituição não somente predefine políticas públicas, como, entre elas, prioriza as políticas sociais, reconhecendo o déficit nacional nessa área mediante princípios e diretrizes claros (BONAVIDES, 2002). É uma normatividade que se apresenta de forma abstrata e aberta, suficiente, todavia, para orientar as instituições sub-constitucionais e dar-lhes consistência (TRIBE e DORF, 2007, p. 148). Verifica-se certo dirigismo constitucional 138 sobre as políticas públicas (BRITTO, 2003), na medida em que se impõe em termos jurídicos o compromisso do Estado com programas atrelados à cidadania (COMPARATO, 1985, p. 409).

137 É o caso do papel desempenhado por Ministério Público, Defensoria Pública, Ongs, e pelos próprios cidadãos. A respeito da evolução do direito processual nesse campo, ver em Mancuso (2002, p. 751-798). Para o autor, deve-se destacar aqui a inserção de uma dinâmica processual diferenciada para os interesses difusos e coletivos, e o crescimento da judicialização do ato discricionário mediante controle da razoabilidade, além de outros como inversão do ônus da prova, desconsideração da pessoa jurídica, e o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para o âmbito das ações individuais e os juizados especiais. 138 Sobre o conceito, ver em Canotilho (1994). Sobre a posição do autor, revista, ver em Canotilho (2006b). Sobre a questão especifica, ver em Dantas (2007).

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Note-se que essa concepção ampla de cidadania (MARSHALL, 1967) 139 consiste não apenas no alargamento do conjunto de direitos fundamentais (LIMA, 2008; BOBBIO, 1982), mas em suas possibilidades de efetivação, exatamente por meio de políticas públicas. Seja no plano da eficiência da programação governamental, seja no da eficácia para seus destinatários, essas políticas somente podem ser tratadas como direito se juridicizadas. Do contrário, permanecerão como força, favor ou barganha, passíveis de discussão apenas em termos morais ou políticos. Nesse raciocínio, a juridicidade das políticas públicas é imperativo de um sistema social caracterizado pela síntese de elementos republicanos, democráticos e liberais (O’DONNELL, 1998b), em uma teia de vínculos, na qual sociedade e cidadania são sujeito da ação e o Estado a estrutura relacional central 140 . Dessa premissa conclui-se que a juridicização das políticas públicas alarga tanto as condições de exercício da cidadania quanto a legitimidade da atuação estatal. Assinale-se, ainda, que, no cerne da opção entre um Estado juridicamente vinculado e orientado para políticas públicas e um Estado manejado apenas pela política e avesso a programação, está a alternativa entre, de um lado, modelos tradicionais de organização social, baseados em relações sociais verticais e em desigualdade entre as pessoas, e, de outro, formas tendentes a conferir horizontalidade social e cidadania enquanto status universalizável. No caso brasileiro, se trata de enfrentar o patrimonialismo incrustado na burocracia oficial e a permuta clientelista que permanece instrumento de mediação relevante, senão fundamental (BAHIA, 2003, p. 143 e ss.). A juridicidade das políticas públicas e sua possibilidade de controle e reivindicação oferecem não um maneirismo jurídico adicional, mas a oportunidade de opor uma gramática universalista, democrática e republicana, a práticas políticas e administrativas dissonantes da orientação constitucional (NUNES, 2003; DIAS, 2007), que, presume-se, expressa um projeto legítimo e preferível a estratégias socialmente excludentes. Afirma-se, portanto, que políticas públicas contribuem para uma cidadania emancipada, na qual cada cidadão é crescentemente protagonista no ambiente

139 A propósito da discussão sobre o tema, ver em Dias(2007b). Para o caso brasileiro, ver em Carvalho(2001). 140 Afinal, é o elemento em relação ao qual ocorrem atribuições de sentido normativo e reivindicações de direitos e de legitimidade política.

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social, e que a possibilidade de seu controle jurídico é vital para sua efetividade. Na prática, que é melhor uma sociedade na qual o atendimento no posto de saúde não dependa de um bilhete do vereador, mas de prioridades e procedimentos comuns a todos; a vaga na boa escola pública seja uma questão impermeável à vontade de um burocrata, parlamentar ou quem quer que seja; e que, na quebra dessas regras ou procedimentos, possam o cidadão, o promotor de justiça ou o defensor público, atuar na defesa dos direitos ameaçados ou violados. Políticas públicas tornam-se jurídicas em um Estado democrático porque nessa circunstância não podem ser mero favor, mas direito. Não por acaso, políticas públicas se relacionam a direitos fundamentais, compondo, não obstante, uma juridicidade complexa, já que a subjetivação de direitos depende da política pública generalizada e qualquer tratamento exclusivista, a pretexto de garantir o direito, nega-o quando nega o componente universalista e macrojurídico da política pública. A Constituição do Brasil, ao dispor sobre um extenso rol de matérias, consigna em seu corpo inúmeras diretrizes, mais ou menos bem delineadas, sobre políticas públicas. Perceba-se que tal dimensão comparece carregada de juridicidade, a colocar em pauta tanto o problema da reivindicação direta pelo cidadão de direitos previstos na Lei Fundamental, quanto a questão do caráter cogente dessas diretrizes, a obrigar a ação dos poderes constituídos. Diretrizes são linhas ao longo das quais se fazem correr outras linhas, ou segundo a qual se traça um plano de qualquer trajeto. Diretrizes constitucionais definem forma e conteúdo das políticas públicas, seja impondo rigor na definição de planos, meios e objetivos públicos, seja tratando de vasta gama de temas, como a política econômica, aludida nos arts. 170 a 179, na qual as diretrizes para políticas públicas ficam sujeitas a níveis de planejamento, geral, regional e setorial, como também a princípios. Setores específicos são, igualmente, afetados pela Lei Fundamental, entre os quais destacam-se as políticas urbana, agrícola e agrária; a política de seguridade social, desdobrada nas políticas públicas de previdência social, assistência social e de saúde; a política de saneamento e a de habitação; as de educação (CURY, HORTA e FAVERO, 2001), de cultura, de ciência e tecnologia, de esportes e de Lazer. Ainda são mencionadas a política ambiental (FERREIRA, 2001, p. 123), a de defesa do consumidor e a política de comunicação social. Além disso, a política de

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proteção da família, de promoção do deficiente, do idoso, indigenista, de proteção à infância e à adolescência, de igualdade racial e de promoção da juventude. Pode-se afirmar, portanto, que a Constituição estabelece inúmeras definições prévias no campo das políticas públicas, as quais ficam postas de forma normativa, o que equivale a dizer que seus destinatários devem observá-las. Isso deve implicar direitos e obrigações, além de eficaz responsabilização. Esse modelo de organização do Estado e da Administração Pública exige variados mecanismos de planejamento e execução de atividades e programas, que consubstanciam as políticas públicas (TORRES, 2000, p. 60). Observamos políticas públicas a partir da Constituição, na qual são referidas em diversos momentos. Na repartição federativa de competências, aparecem nos arts. 21, 25, 30 e 23 141 . Incluem-se, não obstante, na definição de objetivos republicanos e na declaração de direitos, seja nos direitos individuais 142 , seja nos sociais 143 . Além disso, em inúmeras outras cláusulas constitucionais há uma direção para as políticas públicas, destacando-se saúde, educação, assistência social, previdência, meio-ambiente, urbanismo, reforma agrária, desenvolvimento, cultura, bem como a própria administração, tratada no art. 37 e seguintes. Na medida em que atribui ao Executivo a tarefa de executar políticas públicas conforme a lei, a Constituição não permite que falte o lastro jurídico 144 . Pelo contrário, ordena que sua definição ocorra de forma específica e determinada, desde que induz seu raio de abrangência temática e impõe que o planejamento público funcione em termos precisos 145 . Note-se, assim, a regulação, em termos relativamente precisos, da atividade estatal que leva à concretização de certas opções políticas (SUNSTEIN, 1990, p. 111 e ss.), e que torna possível haver balizas jurídicas para operações de

141 Respectivamente responsabilidade sobre políticas públicas da União, dos Estados, dos Municípios e as comuns. Recorde-se, nesse último, a inconstitucionalidade por omissão que permanece em face da inexistência da lei complementar a que se refere o parágrafo único do art. 23. 142 Embora o art. 5.° se refira mais claramente às cha madas liberdades negativas, conforme a clássica definição de I. Berlin, podemos verificar na garantia da função social da propriedade ou da defesa do consumidor a indução de políticas públicas. Além disso, é nele que se encontra a garantia da jurisdição, permitindo que toda questão jurídica seja jurisdicionável, tornando possível, no extremo, que a discussão sobre políticas públicas chegue aos tribunais. 143 Ver o art. 7.°, que demarca um extenso programa so cial, na linha do que vem desde a Constituição de 1934, inclusive nas cartas ditatoriais. 144 Ver os arts. 37, “caput” e 84, IV, que expressam essa juridicidade. Ver também em Dias (1999). 145 Dispõe o art. 165 da Constituição sobre a matéria, embora deixe o detalhamento para lei complementar. Em seus parágrafos a norma determina que o plano plurianual estabeleça as diretrizes, objetivos e metas da administração pública, inclusive os programas de duração continuada. A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração, e a lei orçamentária anual tratará das atividades que concretizarão os planos. Além disso, menciona a necessidade de harmonizar essa programação com os programas nacionais, regionais e setoriais.

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classificação e mensuração de políticas públicas, com o ordenamento de preferências a que se refere Santos (1985, p. 43 e 57). Perceba-se, ademais, que um juízo jurídico deve levar em conta as possibilidades contidas nos programas de ação governamental 146 , à luz de diretrizes e princípios (VIEIRA, 2009) a envolver a escolha pública juridicamente condicionada (FARBER e FRICKEY, 1991, p. 132). Na medida em que se sustenta uma juridicidade das políticas públicas e se enuncia sua fonte constitucional geral, cumpre, na sequência, traçar de forma mais clara o enquadramento normativo da matéria no direito brasileiro, afinal é à legislação que cabe o seu trato imediato (MITNICK, 1997). É, também, abaixo do patamar constitucional, que se instauram disputas políticas, conflitos sociais, relações as mais diversas, implicando perdas e ganhos para os atores sociais envolvidos, as quais não “se resolvem nunca no círculo rarefeito dos elegantes sistemas conceituais, mas na efetiva disputa em torno de políticas específicas” (SANTOS, Wanderley, 1994, p. 12). No plano infraconstitucional observamos as políticas públicas inseridas, necessariamente, nas normas de natureza financeira. Programação governamental com arrimo parlamentar, o plano plurianual, e as leis de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual devem conter, partindo de elementos mais gerais até os mais específicos, quantitativa e qualitativamente, as políticas públicas. Embora a tradição brasileira seja a de tratar essa programação como meras autorizações genéricas, deve-se atentar para a inconstitucionalidade desse procedimento, pois a orientação constitucional é justamente no sentido oposto, da perfeita determinação do planejamento e do orçamento, com atividades, projetos, metas e recursos descritos da maneira mais adequada possível, com respeito, também, ao princípio da publicidade, que obriga a que esses textos sejam compreensíveis pelo cidadão. A balizar a feitura dessas normas estão a Lei n.° 4.3 20/64 e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesse sentido, deve-se ressaltar que a ordem jurídica repudia, por inconstitucionais, as meras aberturas de janelas no orçamento, as autorizações para atividades gerais ou as regras exorbitantes de suplementação, que equivalem, na prática, à inexistência de orçamento público e, portanto, da possibilidade do manejo de políticas públicas (ou de sua inexistência) ao bel prazer do governante.

146 Ver a posição de Dworkin (1977) e o problema, a ser ressalvado, da menção do autor à relação entre direito e política quase como unidade.

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Há, ainda, um conjunto de normas, mais ou menos heterogêneo, que define políticas públicas, de caráter nacional 147 , regional ou sistêmico 148 e, ainda, planos setoriais 149 . Existem, bem assim, leis que tratam de diretrizes para a realização de políticas públicas 150 . Observe-se, ainda, em normas mais gerais, como a Lei de diretrizes e bases da educação (CURY, HORTA e FAVERO, 2001), o Código de Defesa do Consumidor, e os Estatutos da Criança e do Adolescente ou do Idoso, a presença de diretrizes para políticas públicas. Essas normas representam um importante condicionamento jurídico para a administração pública, e refletem nos direitos do cidadão. Devem, em qualquer caso, estar presentes na discussão sobre políticas públicas que ocorre quando algum dos instrumentos de controle é acionado. Permitem o discurso jurídico, que, embora complexo, coloca a matéria não apenas a serviço de disputas argumentativas, mas de concretas reivindicações por direitos. Conduzem, enfim, a difícil realização de transações intertemporais por parte da Administração, que é agente, frente ao Legislativo, e, especialmente, ao povo, que comparece como principal (SOLA, 2006, p. 884) 151 . É, porém, por meio do planejamento que o Estado fixa suas diretrizes e metas de trabalho. No direito brasileiro a adoção de um documento formal de planejamento plurianual, contendo as bases da ação governamental em cada quatro anos, é obrigatória, por força do disposto no art. 165 da Constituição da República e na Lei Complementar nº 101, de 2000. Em Minas Gerais, além desse planejamento quadrienal, a Constituição estadual prevê a necessidade de um planejamento de longo prazo, que permite projetar estrategicamente a atividade estatal por um período que incorpora o exercício de vários mandatos eletivos no Poder Executivo. O planejamento se corporifica nos orçamentos anuais, os quais são balizados, de forma imediata, pelas leis de diretrizes orçamentárias, todos previstos na Constituição. Pode-se afirmar que em um contexto de complexidade crescente, no qual o Estado realiza inúmeras atividades, cada qual com a sua especificidade, o planejamento se apresenta como função essencial, a permitir uma ação organizada,

147 P. Ex.: Lei n.° 6.938/81, que define a Política Na cional do Meio Ambiente. 148 P. Ex., as que definem o SUS (Lei 8.080/90) e o SUAS (Lei 8.742/93). 149 P. Ex., a lei n.° 10.172/2001, que dispõe sobre o Plano Nacional de Educação. 150 P. Ex., a Lei n.° 11.326/2006, que estabelece dire trizes para a política de agricultura familiar. 151 A abordagem do autor parte da distinção entre principais e agentes, estes subordinados àqueles, mas com margem de manobra em sua atuação.

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integrada (COMPARATO, 1995, p. 75 e ss.) e indutora do desenvolvimento. Note-se que “o planejamento coordena, racionaliza e dá uma unidade de fins à atuação do Estado” (BERCOVICI, 2006), razão pela qual deve constituir obra precisa e ajustada, sendo medida de racionalidade da intervenção estatal (GRAU, 2000), juridicamente constituída, eis que “é a condição do plano enquanto lei, debatida e aprovada pelos representantes do povo, que dá o caráter democrático ao planejamento” (BERCOVICI, 2006, p. 155), o que obriga à administração o respeito a hierarquias, prioridades e estratégias, tal como definidos no planejamento (BERCOVICI, 2006). Perceba-se que essa “hipercomplexidade” se apresenta no direito das políticas públicas (GARCIA, 2009, p. 124) e implica a necessidade de compreensão da matéria como “macropolítica pública” (GARCIA, 2009, p. 156), admitindo-se a obrigação de planejamento e orçamento como decorrência do regime jurídico das políticas públicas (SILVA, 2004, p. 123 e ss.). A juridicidade do planejamento impõe a possibilidade de se exigir determinados comportamentos em vista de sua previsão normativa (SOUTO, 1997, p. 43-44). Há necessidade, porém, de o plano refletir uma verdadeira estratégia de concretização de políticas públicas (SOUTO, 1997), devendo-se considerar, portanto, a relação com o princípio da eficiência (FREIRE JR., 2005, p. 82-85) e a possibilidade de controle nos casos de disfunção estatal (FREIRE JR., 2005, p. 68-71). O caso da saúde é exemplar nesse sentido, já que se trata de uma estratégia de política pública interfederativa, podendo-se citar o caso da divisão da responsabilidade pela distribuição de medicamentos entre os entes federativos, nos termos da Portaria n.º 2.981, de 2009, do Ministério da Saúde (SANTOS JR., 2010, p. 644), em que pese decisões judiciais tanto corroborando os termos da medida administrativa 152 , quanto em sentido divergente 153 . Observe-se que a intervenção no campo da saúde ocorre rotineiramente, mas, em outras áreas assemelhadas, não acontecem. Não se conhece, por exemplo, decisão judicial que tenha alterado o valor do benefício previsto na Lei nº 10.714, de 2003, ainda que a lógica de intervenção sobre a política pública pudesse ser a mesma. De fato, o corte linear promovido no campo da assistência é mais respeitado que o verificado na saúde, embora se trate de dimensões similares da política social (ORTIZ JR., 2006, p. 100).

152 Ver, por exemplo, na decisão do TJRS no Agl 70019855113 (Relator: Des. Araken Assis. J. em 26.09.2007). 153 Ver a decisão do STF em STA 328-AgR (Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, J. em 24.06.2010, Plenário, DJE de 13-8-2010).

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Levando-se em consideração condicionantes constitucionais e legais, os objetivos do poder público, dentro de um dado período, são definidos no planejamento, os quais devem ser priorizados e traduzidos em programas e atividades, com especificação de metas, valores e prazos. É no planejamento, como já visto, que as políticas públicas se delineiam e são dimensionadas. A partir desse instrumento é possível se aferir o sentido das políticas públicas a serem realizadas pelo Estado, com identificação de custos, compromissos políticos e públicos a serem beneficiados (CAMARGO, 2006, p. 190). No planejamento se coloca uma discussão sobre políticas públicas, que envolve disputas a partir de variadas concepções de Estado e sociedade, e define uma pauta de atuação estatal na qual a produção de bens coletivos, de direitos e benefícios a grupos determinados, deve ficar expressa. Observe-se, por exemplo, que, via de regra, o debate sobre o custo dos direitos relacionados à atividade estatal é guiado segundo a ótica das elites 154 , que não discutem o gasto público inerente aos bens coletivos que lhes interessam, dados como certos e evidentes 155 , mas somente aqueles que tem o potencial de colocar em risco o seu modo de vida, notadamente os direitos e políticas sociais. Um planejamento apresentado de forma adequada exporá, de maneira clara, que políticas serão desenvolvidas pelo Estado. Políticas públicas se relacionam a direitos e estratégias de inclusão social (SUNSTEIN e HOLMES, 1999, p. 196 e ss.). Assim, a despesa pública orientada para prioridades sociais é justificada por seu potencial de reversão em benefícios gerais (SUNSTEIN e HOLMES, 1999, p. 197). Cumpre ao planejamento estabelecer as possibilidades de intervenção estatal (SUNSTEIN e HOLMES, 1999, p. 205), uma vez que determina as prioridades que se pretende atingir 156 . Na legislação que define o planejamento público devem ser encontrados as possibilidades e limites da ação governamental (SUNSTEIN e

154 Sobre o tema, ver, por exemplo, em Wright Mills (1981); Poulantzas (1982); Mosca (1982); Michels (1982); Putnam (1976); Stanworth e Giddens (Eds.) (1974); Heinz (2006). 155 Perceba-se a relação das elites, na sociedade capitalista, com princípios e direitos liberais, que, a par de se estabelecerem sobre um discurso de ação estatal negativa, na realidade também demandam custos, eis que a máquina pública é colocada a serviço da defesa da propriedade, dos contratos, do mercado em geral e, portanto, não da sociedade como um todo, presente apenas em um discurso universalista, mas daqueles que, concretamente, ocupam as posições mais favoráveis no sistema econômico. 156 O autor (p. 220) afirma, por exemplo, que “private liberties have public costs”, explicando, em seguida, que levar a sério o custo orçamentários de todos os direitos assegurados pelo estado (os sociais e os liberais – positivos e negativos) implica considerar objetivos e riscos envolvidos na prestação desses direitos, sob uma noção de bem estar social definida pelo direito.

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HOLMES, 1999, p. 9), tidos como razoáveis ou necessários (SUNSTEIN e HOLMES, 1999, p. 111).

Note-se que o planejamento guarda estreita relação com o princípio da eficiência. Trata-se de uma juridicidade que, de fato, associa legalidade estrita e eficiência, a permitir novas modalidades de ação administrativa, pautadas tanto pela prevalência do consenso sobre a imposição unilateral, quanto pelo controle de resultados sobre os de procedimentos (MEDAUAR, 1992, p. 198 e ss.), somados à idéia de participação popular, embora, muitas das vezes, na administração pública, a manutenção de práticas antigas se evidencie (DI PIETRO, 1997). Uma das maneiras mais comuns de se burlar o planejamento é revesti-lo de forma e despi-lo de conteúdo. Tal operação ocorre por meio de um estratagema simples. Oferece-se um planejamento no qual cabem todas as políticas públicas. Nele, quaisquer ações e programas, projetos e atividades, são admitidos. Em geral, todos esses itens são colocados de forma bem aberta e genérica, incluindo todas as possibilidades. Como os recursos são escassos, a projeção orçamental desse planejamento apresentará valores irreais, para mais ou para menos. Nesse caso, o administrador, na gestão desse planejamento, utilizará ampla margem de escolha, e, no uso dessa discricionariedade ilimitada, definirá políticas públicas não conforme o direito expresso na lei de planejamento, mas conforme os seus próprios interesses. Muitas das vezes, não haverá qualquer política pública, já que o método de administração será pautado pelo patrimonialismo, informado pelas necessidades das redes clientelistas presentes na órbita das autoridades públicas. Perceba-se que, em casos como o relatado nesse capítulo, o planejamento, de fato, não existe, como não existirão políticas públicas. Quando muito, haverá políticas que extrapolam uma única esfera de governo, como a de saúde, cuja dinâmica interfederativa tende a forçar, minimamente, a existência da política pública em todas as unidades da federação, independentemente de sua adequada previsão no planejamento público. Verifica-se, enfim, que a inexistência, de fato, do planejamento, tende a obstaculizar a efetividade jurídica das políticas públicas, mesmo porque, repise-se, nesse caso é forte o risco de não haver tais políticas. Cumpre, nessa hipótese, afirmar a juridicidade das políticas públicas por meio dos instrumentos de fiscalização, controle e responsabilização dos agentes que, dolosa ou culposamente,

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contribuíram para a inefetividade da prestação estatal. No plano dos direitos individuais, a inexistência de planejamento torna complexo o reconhecimento de direitos subjetivos e sua reivindicação na esfera jurisdicional. Isso não significa, entretanto, uma impossibilidade absoluta, mas uma necessidade adicional de justificação, sob pena de o comportamento jurisdicional equivaler ao administrativo na negação das políticas públicas. O orçamento seria a última etapa na definição legiferante das prioridades do Estado em sede de políticas públicas (PINTO, 2008). Afinal, políticas públicas se referem a “processos estatais de planejamento, de alocação de recursos e de efetivação das ações que lhe correspondem” (PIRES, 2008, p. 177), respondendo a incentivos, especialmente no tocante a recursos públicos (KRAAN, 1996, p. 33 e ss.), e evidenciando a centralidade da questão governamental na discussão jurídica das políticas públicas (BUCCI, 2008, p. 251). Tanto quanto o planejamento, também a lei orçamentária pode apresentar problemas para a efetividade das políticas públicas. É que, para haver política pública deve haver orçamento de fato. No orçamento, como no planejamento, o principal meio de violação é a produção de um instrumento formal sem o correspondente conteúdo. Orçamento Público pode ser conceituado como o ato por meio do qual o Poder Legislativo autoriza a despesa pública em um dado período e, considerada a estimativa de receita nele fixada (BALEEIRO, 1987). Observe-se que a peça orçamentária é uma lei, em sentido formal, mas, materialmente, é uma autorização parlamentar dotada de certa normatividade. Não vige, no Brasil, o princípio do orçamento imperativo (LIMA, 2005), mas poder-se-ia extrair do orçamento programas de ação reivindicáveis juridicamente, sem para isso adotar o modelo imperativo (NASCIMENTO, 1995) ou violar o princípio da não-vinculação (PIRES, 1996). O orçamento público é, então, positivado pela Lei Orçamentária Anual, influenciada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e pelo Plano Plurianual. Ele contém a previsão das receitas, a autorização das despesas, busca o equilíbrio financeiro e publica o demonstrativo de custos, a avaliação dos exercícios anteriores e a estratégia para os próximos exercícios. De acordo com Bastos (2001), a finalidade do orçamento público é “se tornar um instrumento de exercício da democracia pelo qual os particulares exercem o

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direito, por intermédio de seus mandatários, de só verem efetivadas as despesas e permitidas as arrecadações tributárias que estiverem autorizadas na lei orçamentária”. Recorde-se que, a par da programação da despesa com políticas públicas, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, em seu anexo de riscos fiscais, tem contido os chamados riscos de dívidas, onde são estimados os títulos vincendos. Os precatórios são previstos na Lei Orçamentária Anual. Não se consegue, contudo, operar prevendo as sentenças de pequeno valor e, especialmente os gastos com decisões judiciais, que tendem a desequilibrar o gasto público. Políticas públicas devem ser compostas de forma organizada, como, por exemplo, definido na Lei n.º 11.653, de 2008, que, ao definir o planejamento plurianual da União, estabeleceu, em termos conceituais para fins de efetivação do planejamento, os principais itens das políticas públicas. Tem-se, duas categorias, o programa e a ação. O programa é tido como um instrumento de organização da ação governamental que articula um conjunto de ações visando à concretização do objetivo nele estabelecido, sendo classificado como programa finalístico, quando por sua implementação são ofertados bens e serviços diretamente à sociedade e são gerados resultados passíveis de aferição por indicadores, e programa de apoio às políticas públicas e áreas especiais, aqueles voltados para a oferta de serviços ao Estado, para a gestão de políticas e para o apoio administrativo. A ação é instrumento de programação que contribui para atender ao objetivo de um programa, podendo ser orçamentária ou não-orçamentária, sendo a orçamentária classificada, conforme a sua natureza, em projeto, instrumento de programação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou aperfeiçoamento da ação de governo; atividade, o instrumento de programação para alcançar o objetivo de um programa, o qual pode envolver operações que se realizam de modo contínuo e permanente, das quais deve um dado produto; e a operação especial, que são despesas que não contribuem para a manutenção, expansão ou aperfeiçoamento das ações governamentais. Perceba-se, todavia, que essa previsão rigorosa ainda é, via de regra, burlada. Prevalecendo uma concepção de que políticas públicas são realizadas em harmonia com as normas referidas, mediante obediência meramente formal ao princípio da legalidade, traduzido em leis autorizativas que, no mais das vezes, conferem ampla discricionariedade ao administrador que as ordena, tem-se um

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cenário no qual nessas disputas políticas se exaurem as definições sobre políticas públicas. É a perspectiva tradicional e autoritária. Adotando-se, porém, uma concepção de políticas públicas juridicizadas, o elemento político não esgota as possibilidades de ação da sociedade sobre as mesmas. Pelo contrário, em muitos dos casos o embate principal deverá ocorrer na arena jurídica. Note-se a necessidade de a programação governamental atender às diretrizes constitucionais acerca de políticas públicas, especialmente aquelas referidas a direitos fundamentais (VALLE, 2009). Assinala Valle (2009, p. 116) que a normatização das políticas públicas deve conter a indicação de resultados, o que deve ser observado, por exemplo, quando decisões judiciais interferem em alguma política, especialmente com impacto orçamentário. Embora a autora sustente a possibilidade de ampla intervenção judicial na defesa de direitos fundamentais de segunda geração, enfatiza a dimensão do resultado como atrelada à motivação da decisão, argüindo a adoção de critérios técnicos no controle jurisdicional (VALLE, 2009, p. 116-117). Perceba-se, neste ponto, o aprofundamento da sindicabilidade dos atos administrativos (FREITAS, 2009), com possibilidade de controle de mérito (FARIA, 2004), em contraste com a posição tradicional de defesa da maior discricionariedade de que gozaria o ato político (CAVALCANTI, 1955, p. 49), que, consoante Pontes de Miranda (1970, p. 267), permitiria ao Chefe do Executivo realizar atos de comando político não sindicáveis, com a fixação dos objetivos do Estado (MEIRELLES, 1990). Nessa visão, desconsidera-se a incidência do direito sobre política e administração (MEDAUAR, 1992, p. 141) e afirma-se que competências de governo derivam diretamente da Constituição e não poderiam ser judicializadas (MALBERG, 1922, p. 525), ficando fora do direito, o que contradiz a dinâmica da ordem democrática (HESSE, 1998, p. 398-399). Afinal, não se pode admitir ausência de controles em um Estado Democrático de Direito, que demanda freios e contrapesos políticos, mas também e, fundamentalmente, é conduzido por operações manipuladas pelo sistema do direito.

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9.4. O problema da judicialização das políticas públicas

O cenário jurídico alterado pelas políticas públicas gera inúmeras situações novas, com diferentes arranjos a produzir possibilidades de intervenção que se distinguem, porque revelam um escopo jurídico ampliado, na medida em que o sistema do direito se assenhoreia de áreas antes restritas à política. Entre essas situações, destaca-se a denominada “judicialização da política”, que tem refletido, também no plano das estruturas estatais (e não apenas no dos subsistemas sociais), um deslocamento de instâncias de atuação, que visa a atender esse movimento de juridicização da política mediante uma atuação intensa do Poder Judiciário. Trata-se de um contexto que tanto abre possibilidades quanto aumenta o risco, especialmente, ao se observar que, nessa alteração de papéis sociais, muitas das vezes os elementos juridicizados terminam apenas “judiciarizados”, verificando-se tão-somente a sobreposição da política sobre o direito e a transferência das funções política e administrativa para o Judiciário 157 . Em nossa história recente temos, pois, assistido sucessivas e crescentes incursões do Poder Judiciário sobre as políticas públicas 158 , invertendo o que caracterizamos como a concepção tradicional. Por mais que sejam, por vezes, auspiciosas essas intervenções 159 , cabe notar que, em inúmeros casos, são realizadas sem o devido apuro. Ao contrário, escoram-se em um ativismo voluntarista, sobre uma base jurídica frágil, e promovem resultados sociais duvidosos. Inúmeras decisões judiciais interferem em políticas públicas desconsiderando a juridicidade da matéria e as exigências dialógicas impostas por sua normatividade. Consigne-se que políticas públicas resultam de atividades políticas e decisões jurídicas, e consistem em programas e ações, com o uso de recursos públicos. São um meio para a constituição de direitos e efetivação da cidadania, tendo como fundamento orientador o atendimento à sociedade como um todo, atingindo aos grupos e cidadãos em geral (rua, 2001). A judicialização das políticas públicas, face da Judicialização da Política, ocorre sempre que o Poder Judiciário toma decisões

157 Essa transferência deve incluir, igualmente, o Ministério Público, cujo protagonismo na experiência recente brasileira é saliente e, em termos, torna-a peculiar. 158 E, eventualmente, do Ministério Público, mediante termos de ajustamento de conduta oferecidos ao Executivo e com ele firmados. 159 Conforme se assinala, por exemplo, em Santos (2007).

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que interferem nas atividades juridicamente planejadas pelo poder público, que devem ser concretizadas por meio de políticas públicas. A conceituação de judicialização é ampla e vista por diferentes ângulos, conforme a análise teórica proposta. Para Santos (2003), em conceito que sintetiza a idéia geral do termo, “há Judicialização da Política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política”. Recorda, ainda Santos (2007, p. 24-25) que sistemas judiciais são orientados para dar previsibilidade às relações sociais, razão pela qual atributos como legitimidade, independência e capacidade são questões chave (SANTOS et alii, 1996, p. 20-21). Lembra, também, o autor, que nível de desenvolvimento sócio- econômico afeta o desempenho dos tribunais, pelo tipo e grau de litigiosidade e pela estabilidade ou instabilidade política que o cercam (SANTOS et alii, 1996, p. 35), muitas vezes conferindo função política aos tribunais, que assumem o encargo de “representação substitutiva”, com sobrecarga de trabalho (SANTOS, et alii, 1996, p. 53-55). De forma análoga, Luhmann (1998a, p. 96) esclarece que, sendo o direito vinculado à função de estabilizar juridicamente a sociedade, decisões judiciais, mesmo sendo contingentes, devem guardar relações de identidade com outras semelhantes (LUHMANN, 1998a, p. 190). Note-se, contudo, que embora atreladas ao código jurídico/antijurídico, essas decisões, não raras vezes, são inconsistentes entre si e desligadas do direito, impondo que não apenas se considere que decisões judiciais muitas vezes não recebem a justificação devida, e que refletem menos técnica que noções presentes no senso comum (KESLOWITZ, 2008), mas a possibilidade de corrupção sistêmica, quando passam a utilizar a linguagem da política. Note-se que o controle judicial da administração é apanágio do Estado de direito e se desenvolve desde as fundações do regime juspublicista, especialmente sob a noção de legalidade. Carvalho, por exemplo, lecionava que o princípio da legalidade admite tanto a ação legislativa quanto intervenções do Judiciário para fixar a inteligência da lei (CARVALHO, 1951, p. 15-16). Decisões judiciais assinalam uma busca de compatibilidade entre o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional com o da tripartição de poderes, a fim de dar efetividade ao controle

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jurisdicional da atividade administrativa não vinculada 160 . São percepções centradas no ato administrativo, cuja doutrina avançou na elaboração teórica e na prática dos tribunais, como ensina Faria:

“Os atos decorrentes do poder discricionário são vinculados aos motivos determinantes, à razoabilidade, à proporcionalidade, à finalidade, à capacidade e ao interesse público. Essa vinculação é suficiente para concluir-se que todos os atos administrativos, independente da margem de liberdade do agente, podem ser controlados pelo Judiciário, ressalvado, pela maioria dos autores, a sindicabilização do mérito do ato. (...) A posição atual sobre o assunto é no sentido de que entre as várias opções disponíveis ao agente somente uma atende à vontade da lei. (...) Assim, se a escolha não for a melhor, o Judiciário poderá declarar a nulidade do respectivo ato” (FARIA, 2004, p. 137-138).

Note-se que a judicialização da política passa não só por texto normativo, mas por práticas e por uma consciência doutrinária que alargam o campo jurídico e impelem o sistema do direito a abranger toda a esfera de atuação do Estado, sobressaindo, nesse contexto, a emergência das políticas públicas, a acentuar esse processo. Decisões judiciais, cada vez mais, investem contra decisões administrativas, provocando consequências marginais as mais variadas, ainda que com o intuito de favorecer o acesso à justiça como “garantia de efetividade dos direitos individuais e coletivos” (CAPPELLETTI e GARTH, 2002). Saliente-se, ainda, que as decisões que caracterizam esse ativismo judicial oscilam (FARBER e FRICKEY, 1991, p. 63-85), a evidenciar seus próprios limites (ELY, 1980), bem como a necessidade de se examinar criticamente decisões tomadas com base em princípios largos e inconsistentes (BLACK, 1970). É que, ao contrário, por exemplo, do que defende um autor como Posner (1993), para quem essa instabilidade gera um pluralismo que favorece o funcionamento do sistema, o direito deve, mesmo operando em uma dimensão contingente, comportando necessariamente alternativas, buscar tal estabilização, o que ocorre mediante a observância do código direito/não direito e pelas consequências produzidas a partir dessa comunicação específica, produzida pelo sistema. A possibilidade de intervenção judicial sobre as decisões e a execução de políticas governamentais é decorrência do Estado democrático de direito (MASHAW, MERRIL e SHANE, 1998, p. 744 e ss.). Em uma democracia constitucional, a escolha de políticas públicas é condicionada por normas (FEREJOHN e PASQUINO,

160 Ver, a propósito, em Moraes (1999, p. 99 e ss).

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2003, p. 23), o que implica a eventual ação judicial nesse campo (CLARK, 1978), que alcança, inclusive, sua elaboração no processo legislativo, especialmente mediante intervenção de tribunais constitucionais (FIGUERUELO BURRIEZA, 1993), cuja margem de atuação é, por vezes, bastante extensa (CAMARGO, 2004, p. 379- 380). Democracia envolve controle jurisdicional, já que se refere a proteção de minorias e alterações nas regras de decisões políticas (ELY, 1980, p. 148), assim como à dimensão da cidadania social, que abre um amplo espaço para as intervenções dos tribunais (SANTOS, 2007, p. 20). Santos (2007, p. 21) percebe, nesse cenário, um deslocamento da legitimidade do Estado dos poderes Executivo e Legislativo, para o Judiciário, já que se espera deste último a solução de problemas que o ‘sistema político’ não consegue resolver. Lembra o autor que “como me referiu um magistrado deste país, uma boa parte do seu trabalho é dar medicamentos”, eis porque “temos, assim, o sistema judicial a substituir-se ao sistema da administração pública, que deveria ter realizado espontaneamente essa prestação social” (SANTOS, 2007, p. 19). Note-se, nessa sobreposição funcional, o risco de, no processo de aplicação normativa, o código jurídico ser usurpado pelo código da política (MÜLLER, 1998, p. 96), assim como o cuidado que se deve ter para correlacionar o papel de grupos ocupantes do Poder Executivo e suas políticas com o comportamento de mais ou menos independência do Poder Judiciário (HANSSEN, 2001). Campilongo (2002) explora essa questão, tratando do aparelho judiciário sob aspectos políticos e jurídicos, baseando-se na teoria dos sistemas, ainda que com traço normativista. Segundo o autor, a figura do “juiz-político” “sugere a des- diferenciação do direito e a quase identificação entre o sistema político e o sistema jurídico”, com “a ‘dupla interdependência’ e o ‘acoplamento estrutural’ dando lugar a uma sobreposição pura e simples dos dois sistemas” (CAMPILONGO, 2002, p. 102). Lembra o autor, porém, que a possibilidade de revisão judicial é inerente ao sistema, sabendo-se que “o juiz encontra a consistência de suas decisões no ordenamento jurídico. Suas justificativas devem, obrigatoriamente, estar fundadas em provas e em argumentos processados segundo o código direito/ não direito” (CAMPILONGO, 2002, p. 104), razão da finalidade limitada da magistratura judicial e do caráter casuístico, descontínuo e fragmentário de suas tarefas, uma vez que, na sua ótica, “o sistema político trata de decisões globais e o sistema jurídico trata de decisões

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isoladas” (CAMPILONGO, 2002, p. 10). Esse é, certamente, ponto decisivo da questão, já que a coerência do sistema passa por um Judiciário cujas decisões possam captar a macrojuridicidade das políticas públicas. Segundo Appio (2005, p. 233), “através do Poder Judiciário demandas de natureza social e econômica poderão ser problematizadas a partir de discursos ancorados na Constituição”. O autor considera que intervenções judiciais em políticas públicas decorrem de uma visão de democracia encorpada (APPIO, 2005, p. 37 e ss.), que combina participação e representação, todavia, problematiza, como o faz Valle (2009, p. 114), a legitimidade para a formulação de políticas públicas, pois o órgão possui olhar parcial, e os juízes não estão sujeitos a controles democráticos, já que o desenho constitucional dos freios e contrapesos não atinge a magistratura judiciária (APPIO, 2005, p. 235). Appio discorda, assim, da possibilidade de judicializar a formulação de políticas públicas, admitindo, contudo, o “controle da execução das políticas públicas já previstas na Constituição e na própria lei, pois a incumbência constitucional dos juízes é a de concretizar as normas constitucionais” (APPIO, 2005, p. 236). O que o autor não compreende é que as etapas de formulação e execução são indissociáveis. E que, de fato, não existe formulação de políticas públicas no texto constitucional, mas tão-somente a prévia definição de orientações e diretrizes a serem seguidas, todas capazes de suscitar controles. Ainda assim, sua formulação teórica percebe a necessidade de a aplicação do direito edificar um discurso que abranja “um exame de todos os elementos específicos envolvidos no caso” (APPIO, 2005, p. 236), de forma a privilegiar antes um denso tratamento a partir da casuística que uma jurisdição principiológica fixa (APPIO, 2005, p. 237). O pano de fundo de uma compreensão tanto da possibilidade de intervenção judicial nas políticas públicas, como a vinculação de sua linha argumentativa a aspectos globais de uma juridicidade que não se esgota em relações bilaterais, a envolver Estado e cidadão, é uma “idéia de que a Constituição é um sistema de normas e de que a interpretação constitucional deve ser uma interpretação sistêmica”, que deveria constar, por exemplo, nos trabalhos do Supremo Tribunal (BARACHO JR., 2004, p. 510). As Cortes deveriam considerar que “existem normas que normatizam a normatização” (LUHMANN, 1983, p. 15) fixando, por exemplo, procedimentos que viabilizam a produção de regras para a concretização do direito, e que, portanto, intervir sobre um direito material será intervir sobre toda essa

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procedimentalização. Na Constituição define-se “a forma de seleção do direito variável”, pois “ela amplia o âmbito das normatizações possíveis; ela possibilita a compatibilização da segurança e da expectabilidade com uma maior liberdade da normatização e da alteração de normas, mobilizando amplamente um complexo normativo e ao mesmo tempo mantendo-o sob controle” (LUHMANN, 1983, p. 15). Assim, afirmar que direitos sociais teriam aplicação imediata (KRELL, 2002), desconsiderando os procedimentos que legitimam qualquer política pública é negar a possibilidade macrojurídica desse instituto, vale dizer, a sua condição de direito generalizável e passível de apropriação universalizada. É o que ocorre, por exemplo, quando em recente decisão, relatada pelo Min. Cezar Peluso, o STF (2010) reafirma posição, segundo a qual o poder público deve fornecer determinados medicamentos, ainda que não disponha de recursos para tanto, recordando, aliás, que a decisão de origem delimitou os beneficiário conforme indicação médica:

"Para obtenção de medicamento pelo Sistema Único de Saúde, não basta ao paciente comprovar ser portador de doença que o justifique, exigindo-se prescrição formulada por médico do Sistema". (STA 334-AgR, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, julgamento em 24-6-2010, Plenário, DJE de 13-8- 2010.)

Santos, a esse respeito, consigna que direitos sociais constitucionais seriam “direitos ‘prima facie’”, na medida em que apresentam razões que podem ser suplantadas por outras razões opostas” (SANTOS, Fernando, 2007, p. 226). O autor concorda com Krell no que diz respeito aos chamados direitos mínimos como direta e imediatamente exigíveis (SANTOS, Fernando, 2007, p. 228-229), e admite a exigibilidade imediata de um genérico “direito à saúde” (SCHWARTZ e BORTOLOTTO, 2008). Foge à defesa da aplicação direta desses direitos a percepção da necessidade de compatibilização da complexa teia de procedimentos que se deve tecer em torno de uma política pública. Somente com uma abordagem que alcance toda essa dimensão pode o Judiciário intervir sem quebra da juridicidade, o que envolve, é certo, mais trabalho judicante, com decisões mais bem justificadas, mas também controle e responsabilização mais amplos. Em vez de meramente realizar uma operação lógica e dela derivar um direito subjetivo, trata-se, em políticas públicas, de proceder a amplos rearranjos, porque quem altera a destinação de

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recursos limitados deve não apenas justificar essa alteração, mas motivar e explicitar todas as demais alterações dela decorrentes. Não se trata, então, de usar argumentos como a “reserva do possível”, que se apresentaria como impossibilidade prática (FREIRE JR, 20005, p. 75) e limite material (BARCELOS, 2002), já que a própria definição do “possível” ficaria à mercê da decisão concretizadora do direito. E tal concepção não reduz a crítica a esse argumento, como o faz Krell (2002, p. 51-52), que simplesmente o critica como falacioso e inservível quando a discussão de políticas públicas passa por direitos relativos ao mínimo existencial. Como se da constatação de um mínimo não atingido brotassem recursos. Mais equilibrada é, por exemplo, a posição de Lima (2004), que, embora não aponte a necessidade de intervenções responsáveis, vinculadas à política pública como um todo, afirma a validade do argumento, mas a necessidade de sua demonstração. O problema da judicialização resvala, outrossim, na questão da centralidade dos tribunais na sociedade contemporânea. Uma sociedade democrática e pluralista dificilmente será escorada em um direito cuja centralidade repousa em decisões judiciais. Pelo contrário, a consistência do discurso jurídico deverá decorrer de apropriações várias do direito estabelecidas em discursos socialmente construídos, a partir de uma cidadania que toma para si a definição do sentido da experiência constitucional. Cabe, pois, a crítica ao papel dos tribunais como intérpretes principais do direito (SUNSTEIN, 1999; BALKIN e LEVINSON, 1998; TUSHNET, 1999). Levinson (1995) recorda que o sentido dos dispositivos constitucionais deve receber alguma consistência argumentativa, o que impõe limites à decisão, até porque, em se tratando de matéria constitucional, não haveria, do contrário, diferença entre interpretar, aplicar e alterar uma Constituição. Assim se refere o autor a respeito da interpretação constitucional e do controle judicial de constitucionalidade:

“Talvez o mais forte argumento em prol do controle judicial devesse ser rotulado ‘visão judicial’, ao invés de ‘revisão judicial’. Como apontou Charles Black, em muitas situações os tribunais examinam atividades em que ninguém se envolveu na contemplação refletida das exigências constitucionais antes de agir. (…) É certamente um pré-requisito do constitucionalismo que os agentes públicos dêem a devida consideração aos constrangimentos a eles impostos antes de agirem. Na ausência dessa consideração, o controle judicial oferece a única garantia de que ‘A Constituição” será de algum modo considerada” (LEVINSON, 1988, p. 49).

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Segundo Levinson (1988), o problema da decisão judicial que define um sentido de constitucionalidade aparece quando cidadãos, ou instituições, como a administração pública, reivindicam capacidade de análise refletida sobre o que a Constituição deles requer. A solução simples, lembra o autor, seria reconhecer que o Judiciário dispõe de autoridade e capacidade técnica para uma interpretação constitucional superior à dos demais atores sociais. O problema que decorre dessa solução é que rompe-se uma premissa por meio da qual se reconhece que a Constituição é destinada a cidadãos que devem ser capazes de bem aplicá-la. Como afirma Levinson (1988, p. 50):

“Em razão de que os tribunais podem avistar apenas uma porção muito pequena dos atos oficiais, é crucial à manutenção de uma ordem constitucional em que os indivíduos acreditem em si próprios como julgadores conscientes, mesmo na ausência dos constrangimentos coercitivos fornecidos pelos tribunais”.

Além disso, todo o cuidado dirigido aos poderes Legislativo e Executivo deveria ser destinado ao Judiciário, uma vez que “as razões para a cautela podem se aplicar também aos tribunais, uma vez que eles são em última instância criaturas das estruturas políticas locais, estaduais, e nacionais que geram os agentes do Legislativo e do Executivo” (LEVINSON, 1988, p. 50). Por isso, recomenda Levinson que “a ‘revisão cidadã’ é uma necessidade vital para qualquer comunidade política que se proponha a chamar a si mesma constitucional, em oposição àqueles regimes que (…) simplesmente usam ‘A Constituição’ como um símbolo ideológico para legitimar seus exercícios próprios de poder (LEVINSON, 1988)”. Em autores como Levinson e Balkin é perceptível a preocupação com a estruturação de modelos dinâmicos, a possibilitar metáforas multidimensionais que incidam sobre os mecanismos complexos de ação presentes na sociedade moderna. Especificamente na crítica ao Judiciário, não só reclama freios e contrapesos, mas que controles societais se façam mais efetivos, o que implica a assunção de um mais contundente compromisso democrático. Note-se que a judicialização das políticas públicas tem produzido multifacetado conjunto de decisões, salientando-se a diferença na aplicação de direitos inerentes à cidadania civil e política (RINELLA, 2006). Observe-se a decisão a seguir, na qual o STF defere direito a educação infantil é, textualmente, se refere à

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ausência de vínculo entre a justificação de sua decisão e os argumentos porventura usados pela administração:

"A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo poder público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da CF. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da administração pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental." (RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-05, 2ª Turma, DJ de 3-2-06). No mesmo sentido: RE 464.143-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15- 12-09, 2ª Turma, DJE de 19-2-10; RE 594.018-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-6-09, 2ª Turma, DJE de 7-8-09; RE 463.210-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 6-12-05, 2ª Turma, DJ de 3-2-06).

No mesmo sentido as decisões abaixo, que intervêm em políticas públicas de educação e saúde:

“A jurisprudência do STF firmou-se no sentido da existência de direito subjetivo público de crianças até cinco anos de idade ao atendimento em creches e pré-escolas. (...) também consolidou o entendimento de que é possível a intervenção do Poder Judiciário visando à efetivação daquele direito constitucional.” (RE 554.075-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 30-6-2009, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009.) No mesmo sentido: AI 592.075-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 19-5-2009, Primeira Turma, DJE de 5-6-2009; RE 384.201-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26-4-2007, Segunda Turma, DJ de 3-8-2007.

“O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço.” (AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8- 2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.)Vide: RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-05, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006; RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000.

Perceba-se nessas decisões a onipotência de um Judiciário que, a pretexto de aplicar diretamente o texto constitucional, se arroga o direito de decidir desconsiderando regras de procedimento e a idéia de interesse público indisponível.

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Note-se que enquanto o controle sobre a administração impõe a esta motivação suficiente, com narrativa de fundamentos de fato e de direito capaz de designar programa e âmbito da norma em termos de legalidade e interesse público, nos exemplos citados isso não acontece. Todo o ritual que envolve planejamento, orçamento, levantamento de dotação orçamentária, verificação de plausibilidade da despesa, análise da circunstância, é desconsiderado. Não se pretende, com isso, que a decisão judicial citada esteja “certa” ou “errada”, mas verificar que carecem de juridicidade, exatamente porque não decorrem de argumentação consistente em torno do código jurídico/não jurídico, tampouco, exploram consequências para além do plano individual, reduzindo a complexidade das políticas públicas a simples operações de subsunção de um fato individual à norma. Contra a generalidade do programa da norma sai-se com uma decisão particularista, que pouco difere das decisões clientelistas encontráveis no Executivo e Legislativo. Nesse contexto algumas situações “sui generis” são registradas, entre as quais a que decorre do art. 208, §1º, da Constituição da República, cujo texto é copiado no art. 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no art. 54, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse texto dispõe que “o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo”. Ora, direito subjetivo não nasce da lei, mas da situação concreta de normatividade. A situação nasce de um programa e âmbito da norma. Assim, por exemplo, direitos subjetivos públicos dependem não penas de enunciados em texto, mas de meios concretos. No aspecto textual, deve haver previsões legais quanto ao aspecto geral de incidência do preceito, quanto aos meios para sua efetividade. Ambos compõem o programa da norma e a codificação jurídica. Controle de constitucionalidade e controle de legalidade, quando se refiram especificamente às leis de planos e meios, aos atos e procedimentos que consubstanciam as políticas públicas, demandariam intervenção incidental, pano de fundo que, nesses casos, deve ocorrer sobre a lei ou sobre o ato, reorientando-os, realocando decisões, remanejando previsões em geral, já que se trata de uma situação complexa. A justificação de uma decisão dessa natureza nunca será apenas sobre o caso individual, mas sobre o caso individual em face do todo, ou seja, não é confronto entre texto e caso, mas entre textos e casos entrelaçados em rede. Afinal, é a própria Constituição quem obriga que a configuração de um direito público subjetivo dependa dessa procedimentalização.

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A judicialização da política é fenômeno que atinge várias sociedades, a promover experiência diversificada, além de variada conceituação pelos autores que tratam do tema. Como já referido, trata-se de fenômeno vivido nas últimas décadas, pelo qual se verifica um “protagonismo social e político dos tribunais” (SANTOS, 1996, p. 19), que deixam o espaço periférico e de suposto não envolvimento em questões políticas e sociais relevantes, com a assunção de novos papéis e estratégias (VIANNA, 1999). Santos e outros (1996), investigando os tribunais nas sociedades contemporâneas, notam que esse protagonismo é um fenômeno cíclico, sobre o qual três questões importantes se colocam, a saber, a de sua legitimidade, a relativa à capacidade do Judiciário, além da questão da independência para decidir (SANTOS et alii, 1996, p. 20). Lembram, ademais, que o problema da legitimidade é acentuado em regimes democráticos, já que a representação política nesse tipo de regime é obtida eleitoralmente, e como magistrados não são escolhidos por eleição, mas por seleção burocrática, sua legitimidade democrática é colocada em causa (ELY, 1980). A questão da capacidade diz respeito aos recursos que os juízes possuem para julgar e fazer cumprir suas decisões. Tribunais dispõem para fazerem cumprir suas decisões. Santos et alii (1996, p. 20) fazem este questionamento por duas vias: os recursos infraestruturais e humanos dos tribunais são limitados, assim, uma procura exagerada da intervenção judiciária pode causar o bloqueamento da oferta; por outro lado, os meios para executar as decisões tomadas não são próprios dos tribunais, pressupondo-se, então, uma prestação ativa de outro qualquer setor da Administração Pública. Assim, os serviços utilizados pelo Poder Judiciário para levar a cabo suas decisões não estão sobre sua jurisdição, o que pode repercutir direta e negativamente na eficácia da tutela judicial. A questão da independência, ao contrário das anteriormente expostas, tende a ser levantada pelo próprio Poder Judiciário, já que é um princípio constitucional, como pode ser notado logo no segundo artigo da Constituição Federal brasileira de 1988. A dita questão surge apesar da diferença de quem a invoca, intimamente ligada às questões de legitimidade e de capacidade. No primeiro caso, o questionamento pelos outros poderes da legitimidade de decisões tomadas por magistrados os leva a tomar medidas que estes últimos entendem como mitigadoras da sua independência. No segundo caso surge sempre que o Poder Judiciário se vê dependente dos outros poderes financeira e

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administrativamente para dispor dos recursos considerados adequados para o desempenho de suas funções. Para fins de análise de políticas públicas esses três elementos são fundamentais. A legitimidade é questão que se impõe desde logo, já que pela judicialização da política, muitas vezes a revisão judicial se transforma em usurpação de funções do Legislativo e Executivo pelo Judiciário, com quebra da consistência operativa do sistema jurídico, que é corrompido pela política. A capacidade é outro ponto que se evidencia, desde que o conjunto de decisões que expressa a judicialização das políticas públicas no Brasil revela a absoluta incapacidade de o Judiciário compor, minimamente, os arranjos complexos relativos a essas políticas, limitando-se a nelas interferir de forma particularista, sem preocupação com seus efeitos gerais. A independência, por seu turno, revela, de um lado, amplas prerrogativas para o exercício do múnus público, as quais, todavia, não são suficientes para uma intervenção mais incisiva no campo das políticas públicas. Compare-se, por exemplo, a postura do STF em alguns casos, o primeiro deles tratando de uma questão particular, os outros de questões gerais:

"Fornecimento de medicamentos a paciente hipossuficiente. Obrigação do Estado. Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita. Obrigação do Estado em fornecê-los. Precedentes." (AI 604.949-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-10- 2006, Segunda Turma, DJ de 24-11-2006.) No mesmo sentido: AI 553.712- AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 19-5-2009, Primeira Turma, DJE de 5-6-2009; AI 649.057-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-6-2007, Segunda Turma, DJ de 17-8-2007.

"Sistema único de saúde: reserva à lei complementar da União do estabelecimento de ‘critérios de rateio dos recursos e disparidades regionais’ (CF, art. 198, § 3º, II): consequente plausibilidade da argüição da invalidez de lei estadual que prescreve o repasse mensal aos municípios dos 'recursos mínimos próprios que o Estado deve aplicar em ações e serviços de saúde'; risco de grave comprometimento dos serviços estaduais de saúde: medida cautelar deferida para suspender a vigência da lei questionada." (ADI 2.894-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 7-8-2003, Plenário, DJ de 17-10-2003.)

Ação direta de inconstitucionalidade por omissão em relação ao disposto nos arts. 6º, 23, V; 208, I; e 214, I, da Constituição da República. Alegada inércia atribuída ao Presidente da República para erradicar o analfabetismo no país e para implementar o ensino fundamental obrigatório e gratuito a todos os brasileiros. Dados do recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística demonstram redução do índice da população analfabeta, complementado pelo aumento da escolaridade de jovens e adultos. Ausência de omissão por parte do chefe do Poder Executivo Federal em razão do elevado número de programas governamentais para a área de educação. A edição da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e da Lei 10.172/2001 (Aprova o Plano Nacional de Educação) demonstra atuação do Poder Público dando cumprimento à

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Constituição. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão improcedente." (ADI 1.698, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-2- 2010, Plenário, DJE de 16-4-2010.)

Todos os casos foram decididos nesta década. O primeiro caso é relativo a fornecimento de medicamentos. Trata-se de situação particular, cuja decisão não passou por princípios como legalidade, impessoalidade, interesse público ou planejamento. Aparentemente, fazer o bem específico161 e próximo 162 é mais simples. Nas demais, estavam em causa, respectivamente, uma lei estadual que regulamentava a aplicação de recursos públicos em saúde, e a omissão governamental para a erradicação do analfabetismo no país. No primeiro caso, a solução cômoda foi reforçar o centralismo federativo, impedindo que a política pública de saúde avançasse, com a regulamentação da matéria no plano estadual, à luz do conceito de competência supletiva, estabelecido na Constituição, negando aplicação ao art. 24, § 3º c/c inciso XII. Deve-se explicar que no primeiro caso a despesa pública seria concentrada em um único caso e o efeito perverso sobre a política pública seria provavelmente suportado orçamentariamente. A lógica é mais ou menos a mesma que aquela utilizada por um agente político quando interfere em uma política para beneficiar um “cliente”. Em ambos os casos as decisões contrariam a racionalidade geral da política pública, mas conta-se com a elevada probabilidade de o tesouro se acomodar. No segundo caso, a validação da lei implicaria reconhecer determinada padronização para o gasto público, afinal, possibilitaria que o art. 198 da Constituição, no que se refere a conteúdos e a forma da aplicação mínima de recursos em saúde, fosse concretizável. Recorde-se que os entes federativos, em geral, destacadamente União e Estados 163 , usam a ausência de regulamentação para não assumirem o compromisso de dispêndio mínimo. Perceba-se que, tomando a sério a questão da política pública de saúde, a segunda decisão seria muito mais importante que a primeira. No terceiro julgado, há uma ação requerendo uma medida judicial contra a omissão governamental na erradicação do analfabetismo. Proposta em 1997, a ação

161 Ver, a propósito, em Levitt (2005). 162 Ver em Souza (2005); Cunha (2010). Note-se que, paradoxalmente, o exercício de atividade “legislativa” pelos tribunais ocorre, mais freqüentemente, em tribunais superiores (RIGAUX, 1997, p. 288). 163 No caso dos Municípios os controles dos tribunais de contas e as regras do SUS minimizam o prejuízo.

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foi julgada em 2010, 13 anos depois, ainda que na petição inicial se afirmasse a necessidade de decisão urgente. Mais uma vez, em casos gerais sobre políticas públicas, o Judiciário se encolhe. A decisão, ao final, é tão interessante quanto a demora, já que considera a edição de leis critério satisfatório para comprovar a licitude do comportamento governamental. Exemplos como esses deixam antever que a judicialização das políticas funciona bem quando o Judiciário se permite desconsiderar essas políticas. Desautorizado pelo direito, age, no entanto, contra a procedimentalização constitucional atinente ao tema. Perceba-se que em qualquer dos casos exemplificados o Judiciário poderia, no exercício da jurisdição e desde que verificada situação antijurídica na política pública, intervir. O que está em discussão é a forma antijurídica dessa intervenção. Seja quando concede benefícios de forma particularista, agindo sob um tipo de interpretação patrimonialista da Constituição, seja quando se omite na discussão geral da política pública. A análise de desempenho do sistema judiciário é explorada por inúmeros autores (OLIVEIRA e CARVALHO NETO, 2006), entre os quais Cappelletti (1988), que vincula a judicialização ao ativismo judicial, Garapon (1996), que pontua não propriamente o aumento da litigância, mas um alargamento do sistema jurídico, a criar mais textos legais e demandas por direitos, ou Tate (1995) e Vallinder (1995), que salientam uma nova disposição dos tribunais judiciais no sentido de expandir o escopo das questões sobre as quais devem formar juízos jurisprudenciais, vertente também explorada por Rigaux (1997) Vianna indica, na judicialização, a relevância do controle do Judiciário sobre a vontade da representação eleita, resultante, de modo especial no caso brasileiro, da adoção do modelo de controle abstrato de constitucionalidade das leis (VIANNA, 1999). Segundo o autor:

A formação da vontade do legislador constituinte, nessas condições, não teria como ser fruto de uma ação hegemônica, mas da composição e das soluções de compromisso entre forças díspares, cuja unidade se exercia melhor sobre temas tópicos do que na formulação de uma concepção sistemática e coerente de um novo projeto para o país. José Afonso da Silva, que, como constitucionalista, esteve próximo aos tomadores de decisão na Assembléia, pôde caracterizar a nova Carta como distante do ideal de qualquer grupo nacional, compreendendo tanto as suas virtudes quanto os seus defeitos como decorrentes do seu processo de elaboração. (Vianna et alii, 1999, p. 39).

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Esses vários entendimentos doutrinários podem ser divididos em um eixo procedimentalista, no qual se encontram autores como Habermas e Garapon, e um substancialista, com trabalhos como os de Cappelletti e Dworkin. Sob o procedimentalismo O Estado Social, com a questão dos direitos para o exercício da cidadania social, teria colocado os cidadãos uma excessiva dependência do Estado, ao mesmo tempo em que não contribuiu para comportamentos orientados para uma vida associativa, o que induziu a formação de uma espécie de cidadão-cliente. A judicialização da política, neste sentido, é resultado das contradições desse modelo, talvez exacerbadas em contextos de sociedades periféricas, a serem enfrentadas por meio de democratização das relações sociais. Para Garapon (1996), na raiz da judicialização da política está a condição do indivíduo na modernidade, cujos vínculos comunitários se perdem no esgarçamento dos vínculos sociais e a ação substitutiva e verticalizada do Estado Social. O Judiciário entra nesse cenário no vácuo deixado pelo Estado Social, que é reduzido nas últimas décadas. Trata-se de um proceder que, de um lado, revela o funcionamento das instituições, com o Judiciário sendo escalado a cumprir este papel, e, de outro, evidencia, nos termos colocados pelo autor, a necessidade de correções e reformas por meio da representação de interesses e da deliberação democrática. De maneira semelhante, mas passando por uma redefinição de marcos filosóficos e sociológicos 164 , Habermas (1997), assentado em racionalidade pragmático-comunicativa, pretende que a democracia deliberativa e a representativa se vinculem sob procedimentos a partir dos quais fluxos comunicativos regrados induzam um comportamento democrático. Impende observar que a democracia entendida dessa forma opõe restrições à judicialização da política, já que o Poder Judiciário ao cumprir funções próprias dos poderes políticos interferiria na racionalidade do processo democrático. Justifica-se, assim, uma precedência da atuação judiciária a partir de casos concretos, que o controle abstrato de normas. Diferentemente, o eixo substancialista, assume perspectiva segundo a qual o foco da judicialização deve ser a disposição dos sistemas legais e suas condições de funcionamento da sociedade moderna. Para Cappelletti (1988), a reestruturação do papel do Judiciário e a invasão do direito em áreas onde antes sua presença não era notada são nada mais que uma extensão da tradição democrática a setores

164 Ver comentário a respeito nos capítulos 2 e 3.

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pouco integrados a sua ordem. Assim, valoriza o ativismo judicial, ao considerar os juízes depositário de princípios e valores que alicerçam a vida comunitária, no mesmo passo em que duvida que os poderes Executivo e Legislativo possam se comportar como instituições de vocalização da vontade popular. O autor admite, antes, que nesses poderes há uma complexa estrutura política, na qual grupos rivais lutam por vantagens particulares. Em sua ótica seria o Judiciário o espaço de acolhimento dos grupos marginais, que poderiam vocalizar suas expectativas. Dworkin (2000), por seu turno, afirma que a criação jurisprudencial tem seu fundamento na Constituição, e pelo poder decidir sobre a constitucionalidade das leis e atos de governo, o Judiciário pode criar uma sociedade mais justa do que a resultante dos atos das instituições majoritárias, que nem sempre representariam de fato a vontade dos cidadãos. As tendências doutrinárias e os autores citados expressam o reconhecimento contemporâneo do papel social dos tribunais e, conquanto tenham contribuições importantes, não se aprofundam em certas questões, especialmente no que toca ao regime jurídico das políticas públicas. Com efeito, uma abordagem pragmatista e sistêmica dessa matéria implica não apenas reconhecer a judicialização como fenômeno social, mas, por meio da crítica, discutir sua experiência e os pontos sobre os quais determinadas intervenções se apóiam. No caso brasileiro deve-se realçar, além disso, o contexto específico no qual ocorre a judicialização da política, que não apenas ocorre sobre situações próprias da modernidade instalada nas contradições da periferia do sistema capitalista, como no bojo de um processo de redemocratização que tem como marco institucional a Constituição de 1988. Perceba-se que, naquela altura, a Assembléia Constituinte opta por compensar um déficit geral de cidadania por meio de uma declaração dos direitos fundamentais que incorpora inúmeros itens não redutíveis a conquistas substanciais de alcance imediato, deixando para o porvir sua concretização, que seria induzida por novos mecanismos institucionais, entre os quais o papel da sociedade no controle abstrato de normas, o mandado de injunção, o desenho institucional do Ministério Público e do Judiciário, entre outros. A experiência a parir da década de 1990 evidencia uma crescente valorização dos aludidos institutos constitucionais, com participação da sociedade, como comentam Vianna e outros (1999, p. 42-43), nas passagens seguintes :

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Têm sido igualmente relevante para esse resultado (o da valorização dos institutos previstos constitucionalmente) a crescente internalização, pelo Ministério Público, do seu papel nas ações públicas, quando em muitos casos, atua como instituição que mobiliza a participação de grupos sociais, as mudanças ocorridas no Poder Judiciário, quer por influência de pressões democratizadoras externas a ele, quer por movimentos originários da própria corporação e, last but not least , as transformações por que tem passado o imaginário da sociedade civil, especialmente dos seus setores mais pobres e desprotegidos que, depois da deslegitimação do Estado como instituição de proteção social, vêm procurando encontrar no Judiciário um lugar substitutivo, como nas ações públicas e nos Juizados Especiais, para as suas expectativas de direitos e de aquisição da cidadania. (...) De fato, a Judicialização da Política e das relações sociais, se significar a delegação da vontade do soberano a um corpo especializado de peritos na interpretação do direito e a “substituição” de um Estado benefactor por uma justiça providencial e de moldes assistencialistas, não será propícia à formação de homens livres e nem à construção de uma democracia de cidadãos ativos. Contudo, a mobilização de uma sociedade para a defesa dos seus interesses e direitos, em um contexto institucional em que as maiorias efetivas da população são reduzidas, por uma estranha alquimia eleitoral, em minorias parlamentares, não pode desconhecer os recursos que lhe são disponíveis a fim de conquistar uma democracia de cidadãos. Do mesmo modo, uma vida associativa ainda incipiente, por décadas reprimida no seu nascedouro, não se pode recusar a perceber as novas possibilidades, para a reconstrução do tecido de sociabilidade, dos lugares institucionais que lhe são facultados pelas novas vias de acesso à justiça.

Observe-se que a judicialização da política ocorre simultaneamente ao processo de construção de políticas públicas no Brasil, reflexo tanto da redemocratização quanto das iniciativas de nova gestão pública verificadas em todas as instâncias de governo, entre as quais a organização de sistemas interfederativos, como o sistema único de saúde, a implementação de formas de participação popular, como o orçamento participativo, e novos métodos de administração, como a gestão por projetos. Verifica-se que a judicialização de conflitos envolvendo políticas públicas não observa, necessariamente, o trajeto da matéria na experiência governamental recente, o que tem produzido determinados impactos, entre os quais o comprometimento de recursos não com as políticas, mas como decisões judiciais. As prestações positivas requeridas judicialmente do Estado são, em geral, atendidas para execução em um intervalo de tempo inferior a um ano, não sendo, portanto, objeto de orçamentação prevista em lei, mas, pelo contrário, obrigam realização da despesa pública sem a respectiva previsão. As situações mais complicadas são as que envolvem tutela antecipada, como explica Piola (2008, p. 125):

“Adicionalmente, na maioria dos casos, os juízes vêm concedendo tutela antecipada, o que implica que o medicamento ou serviço será entregue imediatamente, ainda que depois a ação seja julgada improcedente. Isso

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porque a maioria das ações judiciais confere à norma constitucional no campo da saúde o status de norma de eficácia plena, na medida em que interpreta que desta deriva a garantia da plena efetividade do direito à saúde e sua aplicabilidade imediata”.

Em julgado do STF a Min. Gracie explica que quando os magistrados decidem sobre ações que ensejam prestações positivas do Estado, procedem a uma análise de cada caso, em concreto (CASTELO BRANCO, 2007), e, assim, “se restringem ao caso específico analisado, não se estendendo seus efeitos e suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual” ( 165 . É a postura, já comentada, do julgador que somente se preocupa com o benefício particular, desconhecendo a teia de direitos envolvidos em sua decisão. Assim, ao afirmar que “Incumbe ao Estado proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente”, e que “o SUS torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 166 ", obrigando o gasto público com, por exemplo, a garantia de medicamento ao cidadão sem que haja previsão para tanto 167 , o Judiciário não age de forma responsável, porque, em inúmeras situações, não se preocupa com o resultado para além dos autos. Uma das diferenças de se pretender uma abordagem pragmatista, e, portanto, consequencialista, do direito, é a necessária inclusão dessa dimensão na análise jurídica. A questão do impacto dessas decisões sobre a realização da política pública tem sido observada por inúmeros estudiosos. Entre os meios de judicializar políticas públicas, destacam-se as concessões de medicamentos que não constam da relação do sistema de saúde 168 . A prática começa com demandas de antirretrovirais para pacientes portadores do vírus HIV, na década de 1990, e se generalizou na época subseqüente (PIOLA, 2008). Trata- se de evento verificável no Brasil como um todo. Exemplificando, no DF, o número de mandados judiciais relacionados a medicamentos aumentou de 281, em 2003, para 682, em 2007 (ROMERO, 2008). Na Bahia, passou de seis ações, em 2003,

165 Ver a decisão em STF. SS 3350 GO. J. 16.08.2007. 166 Ver a decisão em STF. RE 195.192, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.2.2000. 167 Ver a decisão em STF. STA 328-AgR, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, j. em 24.6.2010. 168 Ver, a respeito, em trabalho de conclusão de curso de graduação realizado sob orientação do autor, no curso de Gestão Pública do Centro Universitário de Belo Horizonte. SOUZA, Aline Marcelle de. A judicialização da política e seus impactos na Administração Pública. Disponível em . Acesso em 12.9.2010.

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para 112, em 2007 (COSTA, 2008). No Rio Grande do Sul, onde o processo começa antes, em 2002 já havia 1.846 ações, chegando a 4.550 em 2008, cerca de 3.500 relativas a medicamentos (NAUNDORF, 2006). No Rio de Janeiro, passa de 713 para cerca de 2.500, entre 2001 e 2005, um crescimento de mais de 350%. Esse desempenho se reflete nos tribunais superiores, com registro, no Superior Tribunal de Justiça, de dois processos em 2001, para 672 em 2004 (PIOLA, 2008). O impacto financeiro dessas medidas é considerável, sendo tão expressivo que em alguns orçamentos, como o do Estado de Minas Gerais (2009), existam rubricas orçamentárias especificamente para tais medicamentos, com 12% do orçamento do Estado para a assistência farmacêutica destinado a pagamento de ações judiciais. Ainda em Minas Gerais (PIOLA, 2008), em apenas 12 meses de 2007 o Estado gastou mais de US$ 5 milhões com três medicamentos para atender 217 pacientes que obtiveram o direito por via judicial. Ferreira apresenta estudo sobre o caso de pedido por vias judiciais de medicamentos antirretrovirais e exames utilizados no caso de tratamento de portadores do vírus HIV, no estado de São Paulo, no período compreendido entre 1997 e junho de 2004 (FERREIRA, 2004). Foram selecionadas e analisadas 144 decisões colegiadas e, examinados também os fundamentos levados em consideração no momento de tomada de decisão, tendo como variáveis o critério financeiro, no que tange ao impacto da decisão no orçamento público, a relevância social, no que se refere ao impacto para a coletividade do desvio de recursos públicos para o atendimento individual, e o impacto nas políticas públicas, observando-se sua organização e funcionamento. Quando negam a prestação pedida, 76,2% dos magistrados consideram que os recursos públicos são escassos, muitas das vezes sob o argumento do “possível orçamentário”, e que a administração está vinculada à previsão orçamentária. Nos casos de concessão do benefício, apenas 8,9% admitem considerar o elemento financeiro, ou seja, entendem que o direito vale em qualquer hipótese, cabendo ao poder público, de alguma forma que não interessa à decisão, prover o direito material (FERREIRA, 2004, p. 23). Sobre os impactos sociais da decisão, 66,7% dos juízes que não concederam referiram-se aos prejuízos para a coletividade, enquanto que nos casos de concessão em apenas 4,1% (FERREIRA, 2004, p. 25). A consideração simultânea desses três fundamentos, importante elemento para a fixação do âmbito da norma, não ocorreu em 96% dos casos, ao passo que em 62%

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dos casos de negativa, foram analisados por todos esses ângulos. Observe-se os gráficos a seguir:

Gráfico 1: Fundamentos Jurídicos. Fonte: Ferreira et alii , 2004, p. 25.

Gráfico 2: Fundamentos Jurídicos – prestações concedidas. Fonte: Ferreira et alii , 2004, p.26.

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Gráfico 3: Fundamentos Jurídicos – prestações não concedidas. Fonte: Ferreira et alii , 2004, p. 26.

Perceba-se, a partir do julgado a seguir, do STF, o raciocínio que move o julgador nesses casos. Da decisão, consta o seguinte:

"O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art.196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/Aids, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF”. (RE 271.286-AgR, Rel. Min.

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Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma,DJ de 24-11- 2000.). No mesmo sentido: STA 175-AgR, Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes, julgamento em 17-3-2010, Plenário, DJE de 30-4-2010. Vide: AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.

Tratou-se de uma decisão agravada pelo Município de Porto Alegre, que, em suas razões, expôs o seguinte:

“Determina a Constituição Federal que são de iniciativa do Poder Executivo as leis que estabelecem os orçamentos anuais e é nessa lei que deverá ser previsto o orçamento da seguridade social, consoante o inciso III, do § 5.º, do art. 165 da Constituição de 1988. Assim, quando decide o acórdão com base na Lei 9.313/96, que estabelece que as despesas para aquisição de medicamentos para a AIDS serão financiadas com recursos da seguridade social da União, Estados e Municípios, deixou de considerar que a própria lei no seu art. 2.º remete sua eficácia à norma regulamentar, pois se assim não fosse, estaria a norma federal violando o art. 165, III, § 5.º, da CF de 1988”. (fl. 1413).

Apesar de ser uma argumentação totalmente baseada em texto legal, é, igualmente, uma argumentação que, se não defende bem o seu ponto de vista, explora devidamente a insuficiência da conduta judicial, de desconsideração da lei e adoção de critério que lhe possibilitou tal escolha. A referência do Min. Celso Mello a que “entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde (...) ou fazer prevalecer (...) um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana”, não pode enganar pelas belas palavras. Compreender o direito à vida como “direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República”, como faz o magistrado, e desconsiderar não só o contexto geral de aplicação, mas também todos os procedimentos que a Constituição define para a política pública, é atitude de um Judiciário que não está só apegado à análise solipsista, mas que joga com a ausência de responsabilização. Perceba-se no voto citado que nenhuma das três considerações propostas na metodologia de análise de Piola ocorreu, já que se considerou apenas a “inalienabilidade” do direito. Há muitos casos socialmente relevantes e doutrinariamente instigantes a serem trabalhados nessa área. Recorde-se, ainda, pela estatura hierárquica que detém, a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 45, na qual se firmou entendimento segundo o qual o tipo de ação manejado é “instrumento idôneo e apto

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a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política”, pois “a dimensão política da jurisdição constitucional” conferida àquela Corte, impunha o “gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais” previstos na Constituição, “sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional” 169 . Em breve comentário, e sem adentrar o mérito da questão tratada na ação, ou desvalorizar o sentido geral desse reconhecimento de competência, cabe apontar que o STF se equivoca, ao menos em parte, na compreensão de seu papel e da função do direito, assim como da juridicidade das políticas públicas e dos direitos delas decorrentes. A dimensão política da jurisdição constitucional, que merece referência em sentido amplo, porque todos os temas podem ser políticos e sua inserção em Constituições e leis é prova disso, ou, radicalizando na expressão sartreana, porque “tudo é política”, não é tecnicamente correta. O STF é órgão do Poder Judiciário, conforme o texto constitucional 170 , e é estrutura estatal incumbida, primordialmente, de decidir confitos jurídicos no exercício da função jurisdicional 171 . Qualquer decisão política do STF é, nesse sentido, uma disfunção e corrompe o sistema do direito. Indaga-se: se é para decidir politicamente, qual o sentido da baliza jurídica? A função social do direito é afirmar o jurídico ou o antijurídico, a fim de estabilizar expectativas generalizadas de comportamento. Em se tratando de políticas públicas, cumpre averiguar a juridicidade levando em consideração todo o aparato normativo incidente sobre a questão, não cedendo à tentação de decidir escorado em apenas um dispostivo, tanto mais quando se trata de tema constitucional, que requer interpretação sistemática, guiada pelo sentido de unidade da Constituição. Insista-se no cuidado, porque a Constituição deve ser preservada não apenas na efetividade dos direitos sociais mediante políticas públicas, mas também no respeito ao princípio democrático e à independência e harmonia entre os poderes. A intervenção judicial em políticas públicas implica um trabalho de desconstrução da decisão administrativa atacada, que considere todos os seus aspectos, porque

169 A passagem é feita em ‘obliter tantum’, com o evidente interesse de demarcar posição. 170 Art. 92, I da Constituição da República. 171 Evidentemente que não são desconsideradas as funções outras do Supremo, inclusive as políticas, como a iniciativa no processo legislativo.

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políticas públicas implicam custos, são interdependentes e intercambiáveis; e envolvem uma reconstrução posterior da mesma envergadura. Não se trata, aliás, de reduzir o problema à reserva do possível. Na mesma decisão, afirmou o STF que “a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”. A dicção da Corte é truncada, já que se vale de ressalva em conceito aberto e desconsidera que, na maioria dos casos, haverá uma situação complexa, com direitos e políticas constitucionais em rota de colisão. A reserva do possível é uma forma de controle ou de balizamento (TORRES, 2000, p. 61) que só faz sentido em uma análise integrada que envolva a política pública como um todo e no conjunto geral da programação governamental. A judicialização da política envolve, especialmente, as relações entre os sistemas do direito e da política, em situações nas quais o poder de decidir atribuído ao Judiciário traz consigo o risco de decisões políticas a pretexto do exercício de função judicante, que deve operar conforme o código jurídico/ não jurídico. Envolve reconhecer que não há correlação funcional entre Executivo e Judiciário, como diferem a conduta dos grupos ocupantes do Poder Executivo e suas disposições políticas e o comportamento, de mais ou menos independência, do Poder Judiciário (HANSSEN, 2001), cujos juízes operam com a norma aberta, mas segundo a possibilidade de sua adequação aos casos concretos (LEVI, 1949). Também para o Judiciário, o exercício legítimo do poder pressupõe respeito à regra do jogo e a própria justiça substantiva depende da ordem legal e legítima para se impor em um Estado de Direito, no qual “ninguém, nem mesmo os juízes, pode sentir-se acima da lei” (MERQUIOR, 1983, p. 133). Assim, mesmo admitindo o controle dos chamados atos de governo pela jurisdição, tal procedimento não autorizaria a decisão judicial politizada (PALU, 2004), desde que não houvesse o direito na decisão, mas, antes, um tipo de retorno a métodos tradicionais, pré- modernos, de composição de conflitos. Assinale-se que o direito, dotado da função de estabilizar expectativas (LUHMANN, 1998c, p. 92-93), deve realizar seu ofício a partir de seus próprios

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parâmetros, razão pela qual afirma Luhmann que “o significado social do direito é reconhecido quando provoca consequências sociais devido precisamente a que se tenham estabilizado as expectativas temporais” (LUHMANN, 1998c, p. 93). Na sociedade brasileira atual, notam Grau e Beluzzo (2001, p. 112), há o risco da substituição da insensibilidade própria da racionalidade formal do direito moderno pela racionalidade de conteúdo, assumida pela opinião pública, especialmente pela mídia, que se resolve no bojo da dicotomia violência/direito, com primazia daquela. Cabe, nesse ponto, mencionar o problema da legitimidade de um órgão burocrático-aristocrático, ante os poderes considerados democráticos. Se, de um lado, é evidente essa legitimidade, decorrente de preceito constitucional que configura o Judiciário, de outro, essa mesma legitimidade repousa não em mandatos transitórios, renováveis ou não, mas em um critério burocrático e de mérito, que só vale na medida em que sua racionalidade jurídica for observada. Ou seja, no Executivo e Legislativo a legitimidade repousa no exercício do mandato, ao passo que no Judiciário a legitimidade reside no exercício da função. Essa é uma distinção que não pode passar desapercebida, já que a assunção de uma judicatura alargada implica, além do dever de justificação suficiente e de decisão conforme o direito, a implementação de novos mecanismos de freios e contrapesos.

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10. CONCLUSÃO

Esta tese reconhece políticas públicas como matéria sujeita ao sistema jurídico, bem como admite existirem problemas concretos associados a sua introdução no direito brasileiro. Não apresenta, contudo, nem uma definição precisa acerca do que seja esse fenômeno, nem uma solução pronta e acabada para os problemas a serem enfrentados. Fazê-lo seria contradizer os fundamentos que assume e desenvolve. Assumindo o risco, a incerteza e a complexidade, aponta, não obstante, certas possibilidades de abordagem, em uma percepção pragmatista do fenômeno jurídico na sociedade. O esforço de redescrição teórica presente nesta tese é seu componente mais importante. Como o título deixa antever, há uma preocupação central com fundamentos que possam alicerçar de maneira consistente o estudo do direito das políticas públicas. Considera-se que as situações problemáticas vividas no âmbito dessa matéria tenham origem nesse ponto, e são resultados induzidos pela permanência de uma razão metafísica, positivista ou empirista no direito, a produzir gramáticas desconexas e diálogos enviesados. Assim, o sistema do direito, por vezes, produz comunicação dissonante de seu código peculiar e de sua função social. Note-se que essa centralidade conferida às discussões de fundo está conjugada com o problema explorado, qual seja o referente a possibilidades de uma abordagem especificamente jurídica das políticas públicas. A adoção, na tese, de uma posição pragmatista tenciona não apenas uma atualização epistemológica de cunho reflexivo, mas sobretudo conferir às políticas públicas um tratamento pelo sistema jurídico que leve em consideração a complexidade do cenário em que estão inseridas. A urdidura do presente trabalho recai sobre temas fundamentais, e toca menos a superfície das políticas públicas, não em função de um intuito manifesto e deliberado de aluir a teoria jurídica tradicional ou de uma provocação iconoclasta. Na realidade, as diversas tradições jurídicas são respeitadas e consideradas como fontes indutoras de jogos de linguagem, conquanto se reconheça a falência de sua base epistemológica e a insuficiência de sua pretendida racionalidade para lidar com as situações complexas geradas pelo sistema do direito na alta modernidade.

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Não se trata de produzir um direito mais idôneo, capaz de vislumbrar a juridicidade das políticas públicas despida de turvação e incerteza. Pelo contrário, o que se insinua pragmaticamente é que o direito das políticas públicas se distingue pela dúvida, pela complexidade, pela contingência. É um direito que não será amansado ou enquadrado, mas sujeito à lida firme e incessante. Nessa peleja, cumpre ao operador do direito agir com esmero na atualização de descrições e narrativas, sabendo-as, todavia, fugazes; zelo na percepção dos contextos espaço- temporais nos quais a normatividade jurídica se processa; atenção reflexiva para as consequências sociais que legitimarão a concretização da norma. Tratar a fundamentação do direito das políticas públicas de maneira pragmatista implicou, no alinhavar desta tese, percorrer determinadas veredas do pensamento filosófico, jurídico, político e sociológico, enredando-as. Admitir o fundamento que decorre dessa construção envolve certas consequências, as quais foram também exploradas no trabalho. Argumentou-se que políticas públicas constituem categoria jurídica e, nessa condição, demandam uma abordagem específica pelo sistema do direito, cuja função social, código e referências não se confundem com os da política (LUHMANN, 2002). Esse fenômeno decorre de um dado desenvolvimento social, no qual sobressaem traços característicos da modernidade reflexiva associados a componentes próprios das sociedades periféricas, em um contexto de democratização e peculiar experiência constitucional 172 . Dele decorre, por exemplo, a necessidade de um discurso jurídico a justificar os atos estatais, os quais ficam sujeitos a sindicabilidade ampla. Admite-se que o direito das políticas públicas está inserido na órbita do regime jurídico administrativo, que vem se reestruturando nas últimas décadas a partir do diálogo com a teoria social contemporânea, com o constitucionalismo democrático e com a nova gestão pública. No direito brasileiro, as políticas públicas são mencionadas no texto da Constituição de 1988, no qual há referência a princípios e diretrizes que alcançam grande parte dessas políticas; repartição de competências federativas, muitas das quais indutoras de um arranjo institucional que enreda e obriga todos os entes da federação com determinadas políticas; e definição rigorosa de procedimentos e

172 No sentido que pode ser visto, por exemplo, em Neves (2007) ou em Canotilho (2006a, p. 121- 122).

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formas que devem ser respeitados para a elaboração, execução e controle de políticas públicas. A par dessas grandes linhas normativas, observa-se no plano infraconstitucional a edição de legislação que estabelece políticas - gerais, setoriais e regionais -, diretrizes específicas para determinadas áreas, planos setoriais temporalmente demarcados, organização do serviço público para a realização das políticas, disciplina de repartição de recursos públicos e ordenação de despesas, além da legislação periódica que define planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais. Essa ordem normativa é própria de uma sociedade complexa e exige uma manipulação jurídica reflexiva, com instrumentos que ultrapassam os limites das tradicionais vertentes de interpretação jurídica. Além disso, essa juridicidade das políticas públicas encontra respaldo em um desenho institucional cuja trajetória, sob o constitucionalismo de 1988, reconhece a legitimidade de um amplo rol de atores sociais para intervir juridicamente e acrescenta novos instrumentos ao repertório do direito processual. Há, de um lado, a instauração de um sistema de controles e responsabilização que envolve mecanismos internos e externos à Administração e articula os Poderes do Estado. A criação de órgãos de controle interno, de auditorias permanentes, de ouvidorias, a organização da advocacia de Estado, e os controles parlamentar e das Cortes de Contas, evidenciam aperfeiçoada “accountability”. Um Judiciário encorpado e cercado de prerrogativas, em uma lógica organizacional extensiva ao Ministério Público, realça, em uma crescente atuação, as possibilidades de aprofundamento democrático que essas inovações encerram. De outro lado, verifica-se a ação da sociedade, que tanto é chamada a compor órgãos oficiais de deliberação e monitoramento de políticas públicas, quanto a participar de várias delas associada ao setor estatal. O cidadão e entidades podem, ainda, contribuir para um controle mais efetivo, já que, na maior parte das situações, têm meios de apelar ao controle judicial. Note-se que, ao mesmo tempo em que essa normatividade relativa a políticas públicas possibilita a juridicização das mesmas e a consequente subjetivação de direitos, ela acarreta também a necessidade de um diálogo jurídico que considere a sua macrojuridicidade, sob pena de o controle jurídico ser corrompido, prevalecendo

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a linguagem de outro sistema, como o político, com prejuízo social em termos de funcionalidade e alcance do direito. Exemplo eloqüente é o direito coletivo à política pública de saúde enlaçado ao direito de cada cidadão a atendimento adequado no sistema público de saúde. Este depende daquela, ou seja, o direito individual a determinada prestação do SUS é vinculado ao direito coletivo à política pública de saúde. Quando um controle jurídico põe em causa um conflito entre essas duas dimensões da política pública, compete ao analista dialogar tanto com o pretenso direito do indivíduo, quanto com o direito da sociedade à política pública, para fixar a estrutura normativa de aplicação. Nesses casos cabe não apenas reconhecer que a operação jurídica envolve mais que um silogismo básico, por meio do qual se extrairia o enquadramento da situação dentro de certa moldura normativa, mas o exame de um direito à luz do outro, e ambos em um dado contexto. Um pretenso direito individual pleiteado poderia ser deferido 173 se, e somente se, houvesse deficiência jurídica na formulação ou execução da política pública, a determinar, em vista disso, um rearranjo da mesma. Neste ponto cabem duas observações: uma, a regularidade jurídica da política pública, conforme já se argumentou, não decorre apenas da formalização de atos normativos e administrativos, mas de aspectos substanciais vinculados a sua execução; duas, tanto quanto a análise que apontar uma antijuridicidade, também o rearranjo da política pública deve obedecer a um sentido macrojurídico, respeitando a complexidade da matéria em seu contexto de concretização. Os inúmeros casos vistos no Brasil incidentes sobre a concessão de medicamentos para usuários do sistema de saúde mediante ato judicial em geral padecem, segundo a visão abrigada neste trabalho, de evidente antijuridicidade, já que não tocam na questão geral e, potencialmente, prejudicam a sociedade para garantir um direito individual. Essas decisões só seriam jurídicas se respeitassem o aspecto sistêmico que a questão contém. Vale dizer, nessas decisões dever-se-ia tanto apontar a falha jurídica da política pública – que não é a mera negativa do medicamento, pois esse ato é simples “manifestação” da política pública, não “é” a política pública –, quanto decidir também como ficaria a política pública, quando menos traçando as diretrizes

173 Pela Administração, via de regra; excepcionalmente pelo Poder Judiciário.

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para o seu rearranjo. Note-se, ademais, que, hipoteticamente, em ações desse tipo outro cidadão qualquer, também usuário do sistema, poderia defender juridicamente que se negasse o medicamento, em face do seu direito à manutenção da política pública tal como concebida e em execução. A juridicização das políticas públicas é, a um só tempo, fenômeno indutor e resultado de um processo de mudança e reacomodação que ocorre na sociedade e atinge o exercício da cidadania e a esfera público-institucional. Essa dimensão comporta riscos, alguns dos quais foram apontados, especialmente os vinculados a uma reconhecida, porém delicada, possibilidade de intervenção judicial sobre as decisões que envolvem políticas governamentais. A judicialização da política vem acompanhada da semente da politização da justiça e envolve, de um lado, um cuidado para que autoridades aptas a decisões jurídicas não operem consoante o código da política, e, de outro lado, uma atenção para a preservação da harmonia entre os poderes, que implica parcimônia nessas intervenções judiciais. A análise jurídica de políticas públicas é matéria complexa, porque envolve uma teia normativa interconectada, pluralidade de intervenientes potenciais, e interesses diversos, razão pela qual é impossível se alterar a parte sem afetar o todo. Essa complexidade é a medida do direito das políticas públicas e a qualidade da decisão jurídica nessa seara resulta da juridicidade das políticas públicas observada em sua integridade, a exigir justificação suficiente conforme a linguagem do direito e consequências devidamente consideradas. Procurou-se, neste trabalho, apontar fundamentos relevantes para uma compreensão jurídica das políticas públicas no direito brasileiro, com o objetivo de contribuir para tornar mais denso o estudo do tema, e conferir mais efetividade a suas aplicações, cuja intensidade social (SANTOS, 2009a) será diretamente proporcional às formas de sua apropriação pela sociedade. Cumpre, enfim, assinalar algumas questões sob a ótica dos fundamentos aqui esposados. A primeira questão decorre das dificuldades de processos de mudança em uma dada trajetória. O direito das políticas públicas se distingue por conferir abrangência jurídica a um tema tradicionalmente ligado apenas à política, por exigir tratamento macrojurídico, por induzir um Estado mais democrático e permeável, por afetar a relação entre os Poderes estatais, por produzir relações jurídicas complexas. Os operadores do direito trabalham com vocabulários herdados, preconceitos e tradições próprios, além daqueles presentes no contexto brasileiro.

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Seu comportamento, a permitir que o sistema do direito se comunique, parte de tais elementos, que compõem suas crenças e, na prática cotidiana, reduzem seus custos de transação. Modificá-los é oneroso e demanda conciliar respeito às tradições e práticas habituais, e uma pedagogia de abertura à ação reflexiva e pragmatista, que supere tanto posturas conservadoras quanto as meramente voluntaristas. A questão do respeito ao código do direito sobressai nesse intento. Cabe reconhecer que as intervenções no campo das políticas públicas exigem justificação jurídica e resultados especificamente conforme o direito. Trata-se de um meio de controle das decisões estatais, legiferantes, administrativas ou judiciais. Casos como a partilha de emendas parlamentares individuais, a ação administrativa clientelista, fonte de prendas para afilhados de agentes estatais, ou as decisões judiciais particularistas em matéria de políticas públicas, como a distribuição de medicamentos, são exemplos de corrupção do código do direito pela política. Despreza-se, nessas situações, a linguagem do direito, inexistindo a justificação jurídica e, igualmente, consequências socialmente desejáveis. Obstaculiza-se a produção de bens coletivos e a universalização das políticas públicas. A observância de uma razão jurídica no âmbito das políticas públicas impõe o reconhecimento de sua macrojuridicidade. Qualquer decisão estatal – lei, ato administrativo, sentença – tomada nessa seara deve levar em consideração aspectos gerais da política atingida, especialmente sua programação no texto normativo, seus objetivos, suas metas quantificadas. Qualquer intervenção implica necessidade de reacomodação, de maneira que não haja a ação pontual, mas, sempre e necessariamente, um proceder macrojurídico. Essa constatação leva a determinadas consequências, entre elas um Estado aberto, inclusivo e democratizante, a afetar diretamente os processos de escolha pública e a utilização da discricionariedade. Em políticas públicas, não cabe o agente estatal, administrador ou juiz, decidindo com base em uma razão política ou a partir do caso isolado. Cumpre-lhe justificar macrojuridicamente sua decisão, apresentando dados relativos a textos normativos incidentes sobre o caso, contexto de aplicação normativa, consequências gerais previsíveis ou projeções de resultados. Não há que se falar em indiferentes jurídicos, tampouco no ato discricionário como reserva de escolha ampla ou ação política do agente público, pois está o Estado, com suas políticas públicas, submetido ao sistema jurídico.

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O direito das políticas públicas é parte do regime jurídico administrativo e, nessa condição, se sujeita a princípios como os da impessoalidade e da supremacia do interesse público. Assim, são antijurídicas as decisões, administrativas ou judiciais, de cunho personalista e as que não levam em consideração o bem coletivo a ser produzido pelo Estado. Que, eventualmente, prevaleçam pela força política da autoridade que as impôs é outro problema. A orientação jurídica individualista, de matriz liberal, não tem lugar no direito das políticas públicas. Assim também, as reivindicações de direito subjetivo público nessa esfera nunca serão pretensões exauríveis em uma relação jurídica simples, do tipo bipolar. Ao contrário, a subjetivação de direitos oriundos de políticas públicas deve obedecer a um processo de análise do direito requerido em vista de uma complexa teia de direitos, que deve ser tecida segundo critérios de impessoalidade, generalidade e universalidade. A referência a um direito das políticas públicas impõe a existência de controles jurídicos para a matéria. Esses controles devem partir do cidadão e das organizações da sociedade civil, cuja interação com o Estado deve lhes permitir vocalizar preferências e acompanhar o agir estatal, nos termos da principiologia jurídica que rege o Estado brasileiro. Trata-se não apenas de alargar instrumentos de democracia participativa mas, de forma especial no campo das políticas públicas, dar publicidade à ação estatal. A densificação de um direito das políticas públicas exige que essas políticas sejam apresentadas de forma clara e explícita à sociedade. Assim, as primeiras formas de controle devem ser a verificação da existência da política pública na programação governamental e de sua publicidade, com a consequente compreensibilidade. Ao Ministério Público compete um controle que incida mais sobre as políticas públicas que sobre casos individuais 174 . Verificando-se as deficiências existentes na formulação, publicização e execução dessas políticas, haveria um amplo espaço de atuação, seja para assegurá-las, seja para responsabilizar os agentes incumbidos de sua realização. Os tribunais de contas, por sua vez, para atuarem no controle de políticas públicas, deveriam deslocar seu foco da fiscalização financeiro-contábil

174 Observando-se a trajetória institucional brasileira após 1988, pode-se aventar uma possível ênfase do Ministério Público nas políticas públicas e questões gerais, ficando a tutela de problemas individuais sob responsabilidade da Defensoria Pública.

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para análises operacionais e de resultados. Não deveriam, outrossim, admitir a juridicidade de peças orçamentárias meramente formais. O problema das leis de planejamento e orçamento, já referido neste trabalho, merece mais controle. Orçamentos repletos de janelas orçamentárias, com altas margens de suplementação e sem definição clara de ações, projetos, fins e metas, devem ser objeto de controle mais eficaz, com possibilidade de sua desconsideração, total ou parcial, cabendo, por exemplo, a glosa de rubricas incompatíveis com seu escopo ou autorizações por demais genéricas. O Poder Legislativo deveria exercer o controle mais efetivo sobre as políticas públicas, afinal analisa-as antes de torná-las texto legal. Não é o que ocorre, todavia (DIAS, 2010). Ao contrário, aliás, os parlamentares, usualmente, optam por assegurar, à margem das políticas públicas ou a elas entremeados, benefícios estatais específicos para suas “bases”. Cabe ao Legislativo, todavia, acompanhar políticas públicas, inclusive intervindo nas situações em que o Executivo é omisso ou extrapola no exercício da administração estatal. O controle efetuado pelo Poder Judiciário é, atualmente, o mais controverso. Inúmeras são as interferências desse Poder sobre o funcionamento das políticas públicas. Note-se que não se trata de ingerência na política pública, de ação macrojurídica. São decisões específicas, particularistas, que garantem um direito individual em detrimento da racionalidade coletiva que permeia as políticas públicas. Nesse agir, residem alguns problemas. É que essas decisões raramente têm, de fato, fundamento jurídico. Escoram-se, no mais das vezes, em princípios genéricos e em normas constitucionais que projetam direitos passíveis de individualização tão- somente no bojo da execução de políticas públicas, o que é solenemente ignorado. Decisões judiciais desse naipe não são, realmente, decisões jurídicas, mas atos de poder que, politicamente, se impõe. Há um evidente problema de letigimidade nessas ações, já que a função do Poder Judiciário é a emissão de decisões juridicamente justificadas. A usurpação de atribuições dos demais poderes evidencia-se, aprofundando o por demais conhecido processo de judicialização da política. Incidindo sobre a microjuridicidade de situações que envolvem relações complexas, essas decisões provocam, além disso, toda sorte de efeitos colaterais, já que o atendimento a essas medidas judiciais particularistas obriga à Administração pelo menos redimensionar a política pública afetada.

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Não se trata de negar o controle judicial sobre as políticas públicas, mas de perceber problemas decorrentes dessa prática, que não vem se realizando, na maioria das vezes, da maneira devida, com análise macrojurídica, justificação fundada no código do direito, e consequências vislumbradas atreladas a uma idéia de interesse público e de produção de um bem coletivo, que não se resume à soma de benefícios particulares. É desejável que o Poder Judiciário intervenha no âmbito das políticas públicas, contudo essa intervenção, além de parcimoniosa, em atenção ao equilíbrio entre os poderes, deve ocorrer observando características que singularizam e tornam árduo o manejo do direito das políticas públicas. Agindo de forma particularista o juiz apenas repete, em outros termos, uma tradição paternalista e patrimonialista que a administração pública busca superar. O móvel desta tese foi o fato da juridicização das políticas públicas, com os vários problemas e desafios a ele inerentes. A opção por um trabalho centrado nos alicerces que suportam a matéria vem ao encontro da necessidade de, simultaneamente, se reconhecer sua complexidade e instabilidade e as dificuldades geradas por sua introdução ao sistema jurídico, e fornecer uma narrativa capaz de facilitar seu manejo, tornando-o juridicamente consistente e consequencialista. Trata-se de um percurso que explora fundamentos, a fim de possibilitar resultados práticos diversos dos que hoje ocorrem, a permitir um direito das políticas públicas democrático, inclusivo e universalizável.

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