ISSN 2520-5927 Diálogos Ano 5/ n.o 5/ 2020 Faculdade de Filosofa e Ciências Humanas

ComuniCaÇão SoCial e produÇão de SentidoS

Universidade Nacional Timor Lorosa’e Díli, Timor-Leste ISSN 2520-5927 Ano 5/ n.o 5/ 2020 Diálogos Faculdade de Filosofa e Ciências Humanas

Comunicação Social e Produção de Sentidos

Universidade Nacional Timor Lorosa’e Díli, Timor-Leste Universidade Nacional Timor Lorosa’e Reitor Dr. Francisco Miguel Martins Faculdade de Filosofia e CiÊncias Humanas Decano Martinho Borromeu Expediente Universidade Nacional Timor Lorosa’e Faculdade de Filosofa e Ciências Humanas Avenida Cidade de Lisboa, Díli, Timor-Leste Telefone: (670) 3324031 / e-mail: [email protected] www.untl.edu.tl Comissão Editorial Executiva Cesar Ferreira Amaral Elda Alves Sarmento Marciana Almeida Soares Conselho Editorial Francisco Miguel Martins (Reitor da Universidade Nacional Lorosa’e) Miguel Maia dos Santos (Pró-reitor de Assuntos Provedoria e Aconselhamento – UNTL) Vicente de Paula Correia (Diretor do Centro Nacional de Investigação Científca – UNTL) Vicente Paulino (Unidade de Produção e Disseminação do Conhecimento do PPGP/UNTL) Editor Alessandro Boarccaech Design Editorial Joana Saraiva Imagem da capa 407475370 lightspring/Shutterstock Projeto Gráfico Joana Saraiva e Paginaria Impressão Gráfca da UNTL Missão A revista Diálogos tem por missão ser um espaço de encontro e partilha de conhecimento por meio de abordagens que contemplem a diversidade de visões de mundo, a refexão, a troca de experiências e o aprofundamento de questões relevantes para a sociedade. Desta forma, a Diálogos valoriza a pluralidade dos saberes e busca estimular a inclusão e a interação entre investigadores das mais diversas áreas do conhecimento.

Diálogos. Universidade Nacional Timor Lorosa’e, Faculdade de Filosofa e Ciências Humanas. Ano 05, n.° 05. Díli: UNTL, 2020. Revista Anual – ISSN 2520-5927 Diálogos – Comunicação Social e Produção de Sentidos Sumário

Apresentação / 5 Komunikasaun, falácia lójika sira no indústria kulturál: estratéjia kona-ba kontrole sosial no manipulasaun informasaun nian / 9 Alessandro Boarccaech

Filozofa, serimónia kulturál no komunikasaun / 25 Natalino da Costa Soares e Martinho Borromeu

Cinema de base comunitária na contramão da boiada / 39 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa e Robson Loureiro O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado / 57 Irta Sequeira Baris de Araûjo e Vicente Paulino

Comunicação e educação: diálogos com Paulo Freire para pensar cooperações internacionais decoloniais / 75 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen e Suzani Cassiani

Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa: um estudo na Universidade Nacional Timor Lorosa'e / 93 Paulo M. Faria e Susana Soares

Reconfgurar cenários de ensino e de aprendizagem em tempos de emergência: processos de integração tecnológica na educação - perspetivas de professores / 117 Filipe Couto e Januário Gomes

Educação patrimonial como base de preservação / 129 Douglas Lima da Costa

Génese sexual da comunicação: como a comunicação depende da sexualidade ou como somos sexualmente comunicativos / 143 Carmen Inácio

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 3 Linguagem como um sistema formal e redes de práticas da comunicação / 159 Vicente Paulino

Behaviour change communication and the Catholic Church response to covid-19 in Timor-Leste: a Peircean perspective / 191 David J. Butterworth

On the enigma of the Portuguese Diamond / 215 José Pinto Casquilho

4 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 ApreSentAção

A revista Diálogos, desde a sua primeira edição em 2016, tem promovido a pluralidade dos saberes e estimulado a inclusão e a interação entre investi- gadores das mais diversas áreas do conhecimento. Isto está em sintonia com a sua missão que é ser um espaço de encontro e partilha de conhecimento, por meio de abordagens que contemplem a diversidade de visões de mundo, a refexão, a troca de experiências e o aprofundamento de questões relevantes para a sociedade. Para esta 5° edição, a revista Diálogos apresenta o tema Comunicação Social e Produção de Sentidos. Cremos ser importante pensarmos sobre a comunicação social e suas formas de manifestação, pois esta possui um papel importante na dinâmica social ao refetir ideologias, visões de mundo, bem como contribui para a produção e reprodução de sentidos em uma determinada sociedade e contexto cultural. Com a intenção de contemplar a diversidade de sentidos, consideramos a comunicação social de duas formas distintas e complementares. Pode estar associada ao processo de comunicação de massa, onde as mensagens divulgadas são direcionadas para um grande público e de maneira impessoal. Os principais meios de divulgação são a televisão, o rádio, jornais, revistas, internet, redes sociais, livros, pinturas, fotografas, jogos e etc. Consideramos, também, a comunicação social enquanto uma área do conhecimento científco (ciências da comunicação que abrange o jornalismo, a publicidade e as relações públi- cas), onde são estudados os meios de transmissão de textos, imagens, vídeos e áudios para um grande e heterogéneo grupo de pessoas. Entre os objetivos da comunicação social como ciência podemos destacar a análise dos meios de comunicação no processo de transmissão de entretenimento/diversão, educação e da informação de forma geral. O primeiro artigo, de Alessandro Boarccaech, está dividido em três partes onde o autor aborda i) a teoria da comunicação e a relação entre emissor-receptor da mensagem, bem como as dinâmicas conscientes e inconscientes que inter- ferem no processo de comunicação; ii) o signifcado de argumento, retórica,

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 5 falácias lógicas e o conceito de Dialética Erística elaborado por Schopenhauer; iii) o conceito de indústria cultural desenvolvido por Adorno e Horkheimer no âmbito da Teoria Crítica da Sociedade. Natalino da Costa Soares e Martinho Borromeu apresentam algumas considerações advindas da pesquisa realizada no subdistrito Hatulia acerca da relação entre Filosofa, cerimónias tradicionais e o processo de comunicação e transmissão de informações nesta comunidade. Para tal, realizaram entrevistas com lideranças locais, religiosos, encarregados da segurança e policiamento, entre outros. Os autores destacam a importância do diálogo entre os diferentes atores envolvidos para a conservação e divulgação dos costumes locais. Na sequência, Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira da Costa e Robson Loureiro, a partir do referencial teórico de Paulo Freire, discorrem sobre a lin- guagem cinematográfca – em especial o cinema de base comunitária – como um recurso para o olhar crítico e politicamente engajado no enfrentamento do consumo de imagens e para a mobilização de transformações simbólicas nas sociedades contemporâneas. A cibernética como um fenómeno local e global é o ponto de partida das refexões de Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino. Os autores analisam a relação que a cibernética estabelece com o ciberespaço, a intera- tividade e a modelagem no mundo virtual compartilhado. A tecnologia, nas suas variadas formas de manifestação, é apresentada como algo integrado à vida quotidiana encurtando as distâncias físicas e confundindo diferenças geolinguísticas e culturais. Patrícia Giraldi, Irlan von Linsingen e Suzani Cassiani analisam como as cooperações internacionais no âmbito da educação em ciências realizadas em Timor-Leste podem contribuir para um processo de comunicação vertica- lizado. A partir da refexão de temas referentes aos conceitos de colonialidade, decolonialidade, educação e transmissão de conhecimento os autores buscam estabelecer algumas conexões entre as bases teóricas da crítica colonial e a perspectiva conceitual de comunicação de Paulo Freire. Tendo como participantes os alunos do 1.º ano da licenciatura de Ensino da Língua Portuguesa da Universidade Nacional Timor Lorosa’e, a pesquisa conduzida por Paulo Faria e Susana Soares, refete acerca das alternativas

6 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 tecnológicas para o processo de ensino-aprendizagem, assim como para a abor- dagem multiliterácita e multimodal no ensino da língua portuguesa. Tendo o smartphone como instrumento privilegiado para as suas observações, a pesquisa apresenta dados acerca das características biográfcas e socioeconómicas, do acesso e do uso dos meios digitais e a percepção sobre essas atividades em termos de vantagens e desvantagens. Realizada em um período de educação em situação de emergência devido a epidemia do COVID-19, a pesquisa conduzida por Filipe Couto e Januário Gomes analisa os fatores que infuenciam e interferem na utilização de tec- nologias, em particular no ensino à distância, entre os professores de uma escola particular em Dili. Conforme os autores as Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC, constituem um meio privilegiado para mitigar o dis- tanciamento entre alunos, professores e o espaço escolar. Douglas Lima da Costa apresenta uma refexão sobre o papel desem- penhado pelo Património Histórico Cultural como componente simbólico representativo do poder e da identidade da memória coletiva das comunidades e do local em que constroem sua história. Para tal, o autor destaca a impor- tância da Nova História Cultural como uma fonte de registo e preservação da memória, assim como analisa a proposta de Educação Patrimonial do Guia Básico de Educação Patrimonial organizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional brasileiro. Sexualidade e comunicação é o foco do artigo de Carmen Inácio. A partir da relação entre comunicação, sexualidade e experiências individuais, a autora discorre sobre as infuências da sexualidade na maneira como nos comunicamos. Em um processo onde causa e efeito confundem-se e alternam de posição, a forma como aprendemos a nos relacionar com a sexualidade afeta a nossa visão de mundo e condiciona o olhar sobre as informações que recebemos e divulgamos acerca dos temas relacionados com a própria sexualidade. Vicente Paulino analisa a linguagem enquanto um sistema formal e uma rede de práticas da comunicação e da produção de sentidos. As suas refexões buscam compreender a produtividade e a sistematicidade da lin- guagem e os usos convencionais de muitas elocuções na produção de sentido

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 7 do ato da fala. Isto inclui a expressão ‘dizer é fazer’ em uma compreensão da linguagem enunciativa e jogos da linguagem na comunicação. Por sua vez, David Butterworth apresenta alternativas para as atividades de Comunicação para a Mudança de Comportamento. Para tal, examina as ações comunicativas empreendidas pela Igreja Católica em Timor-Leste em resposta à pandemia do COVID-19. Utilizando como referencial a Teoria dos Signos elaborada por Charles S. Peirce, argumenta que a confança de um intérprete no signo é negociada entre o Interpretante Imediato e o Interpretante Dinâmico, onde um objeto é contextualizado com os valores culturais existentes e as mentalidades do público. No artigo escrito por José Casquilho somos apresentados a história do Diamante Português, o maior diamante facetado da Coleção Nacional de Gemas do Museu Nacional de História Natural em Washington, DC. Após discorrer sobre as possíveis origens do diamante, o autor realiza uma análise semiótica acerca do Diamante Português enquanto um índice de poder que perpassa a realeza portuguesa dos Bragança no século XVIII até a democracia capitalista desenvolvida nos Estados Unidos da América.

Cesar Ferreira Amaral Elda Alves Sarmento Marciana Almeida Soares

8 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 komunikASAun, FAláciA lÓjikA SirA no indÚStriA mAnipulASAun inFormASAun niAn

Alessandro Boarccaech1

Rezumu: Ohin loron sosiedade sira iha dalan barak atu halo, fahe no simu informasaun sira. Hanesan ne’e importante tebes ita hotu hodi hanoin kona-ba komunikasaun sosiál no maneira oinsá ita-nia relasaun ho informasaun sira. Atu hanoin kona-ba asuntu ida- ne’e, artigu ne’e fahe ba parte tolu. Parte dahuluk ko’alia kona-ba teoria komunikasaun nian no prosesu entre emissor (sé maka hato’o) no receptor (sé maka simu) mensajen nian, no relasaun entre código, canal de comunicação, mensagem, referente, ruídos no subjetividade (dinámika sira consciente no inconsciente) ne’ebé fó infuénsia ba prosesu komunikasaun sira. Daruak halo análize kona-ba signifkadu ba ‘argumentu’, falácia lójika sira no konseitu kona-ba Dialética Erística hosi Schopenhauer nia hanoin. Parte ikus, artigu ida-ne’e fó hatete konseitu kona-ba indústria cultural hosi Adorno no Horkheimer sira-nia hanoin iha Teoria Crítica da Sociedade. Liafuan-xave: komunikasaun sosiál; falácia lójika; indústria kulturál; Teoria Crítica sosiedade nian; Schopenhauer; Dialética Erística.

communicAtion, logicAl FAllAcieS And culture induStry: StrAtegieS For SociAl control And mAnipulAtion oF inFormAtion

Abstract: In times when societies have numerous alternatives for the production and reception of information, it is important to think about the media and the way people relate to information. To organize these analyzes, this article is divided into three parts. In the frst section, I approach the theory of communication and the process between sender and receiver, as well as the relationship between code, channel, message, referent, noise and subjectivity (conscious and unconscious dynamics) that interfere in the communication process. In the second part of the article, I discuss the meaning of ‘argument’, the logical fallacies and the concept of Eristics Dialectic developed by Schopenhauer. Finally, I present the concept of cultural industry de- veloped by Adorno and Horkheimer within the scope of Critical Teory of Society. Keywords: social communication; logical fallacies; cultural industry; Critical Teory of Society; Schopenhauer; Eristics Dialectic. 1 Profesór iha Universidade Nacional Timor Lorosa’e.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 9 Alessandro Boarccaech

Prosesu hotu-hotu komunikasaun nian envolve relasaun entre emissor (sé maka hato’o) no receptor (sé maka simu) informasaun. Entre emissor no receptor (ne’ebé bele ema ida, grupu ida, governu ida, instituisaun ida, no seluk tan), iha código (sinál ka regra lubun ida hodi oinsá organiza mensajen, nu’udar ezemplu maka lian povu ka nasaun ida nian, no regra gramátika nian), canal de comunicação (dalan ka maneira oinsá hodi transmiti mensajen, nu’udar ezemplu hakerek, ko’alia, dezeñu, rádiu, televizaun, múzika, no seluk tan), mensagem (saida mak atu hato’o, konteúdu komunikasaun nian) no referente (kontestu, sirkunstánsia no buat hotu ne’ebé envolve iha mensajen). Dinámika ida-ne’e kompleksa, tanba iha fatór subjetivu no objetivu (consciente no inconsciente) sira-ne’ebé fó infuénsia ba maneira oinsá hato’o no simu mensajen (Sousa, 2006; Vanoye, 2007). Hosi fatór hirak-ne’e iha mós ruído ka interferência ne’ebé bele fó impaktu ba prosesu komunikasaun nian (nu’udar ezemplu, kareta nia barullu, ema barak maka ko’alia iha tempu hanesan, falla liña telefone nian ka koneksaun internet, nonook no seluk tan), relasaun sira podér nian, kbiit hodi hato’o saida maka hanoin, hatene ka lae asuntu maka refere, objetivu komunikasaun nian, far no valór hosi ema sira- ne’ebé envolve, interese pesoál, signos no mós prosesu semiose nian, númeru ema hirak maka fahe informasaun ba malu, no hirak seluk. Komunikasaun sosiál dezempeña funsaun importante iha prosesu ko- munikasaun no transmisaun informasaun sira iha sosiedade. Bele hatene ko- munikasaun sosiál liuhosi forma komplementár rua. Ida maka komunikasaun sosiál envolve comunicação de massa ka liuhosi média hodi hato’o informasaun ba sosiedade, ba ema barak no ho maneira jerál. Daruak maka komunikasaun sosiál nu’udar área ida hosi koñesimentu sientífku (siénsia komunikasaun) ne’ebé estuda kona-ba dalan sira hodi transmiti testu, imajen, vídeo no áudiu ba ema oioin no barak. Área prinsipál sira maka jornalizmu, publisidade no relasaun públika. Hosi objetivu sira komunikasaun sosiál nian, ita bele des- taka análize kona-ba meiu sira komunikasaun nian iha prosesu hodi hato’o entretenimentu/diversaun, edukasaun no informasaun sira. Ho nune’e, ko- munikasaun, bainhira nu’udar siénsia, iha objetivu no objetu ida rasik, maibé ko’alia ho siénsia hirak seluk ne’ebé estuda mós kona-ba prosesu komunikasaun hanesan psikolojia, antropolojia, sosiolojia, semiótika, linguístika no seluk tan.

10 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Komunikasaun, falácia lójika sira no Indústria kulturál

Meiu sira komunikasaun nian nu’udar instrumentu ka meiu hotu-hotu ne’ebé uza hodi transmiti informasaun ba ema barak. Hosi meiu komunika- saun prinsipál sira iha: livru, revista, rádiu, televizaun, pintura, jogu, fotografa, teatru, sinema no seluk tan. Hahú kedas hosi metade tinan-1990 nian, ema mós uza tiha internet hanesan meiu ida hodi hetan informasaun, ko’alia, estuda, halimar no seluk tan. Meiu sira komunikasaun nian bele ajuda iha edukasan, motiva hodi realiza kampaña kona-ba vasinasaun, ajuda promove dame iha sosiedade nia leet, hakbesik ema sira-ne’ebé hela iha fatin dook malu, esplika kona-ba diferensa kultura nian no seluk tan. Maibé meiu sira komunisaun nian (tanba ema mak halo) iha mós ninia ideolojia rasik, fliasaun partidu, prekonseitu, no presiza manan lukru liuhosi ‘fa’an’ informasaun hodi bele mantein funsiona nafatin. Ida-ne’e bele halo hasees sentidu loloos ka manipulasaun ba informasaun. Hosi sorin seluk, ema barak maka hetan informasaun ho maneira pasivu, ka, la halo análize ka re- fete informasaun ne’ebé sira simu no far de’it buat hotu sira hetan ne’e loos. Halo kontrolu ba informasaun, meiu sira komunikasaun nian no mono- póliu ba diskursu/narrativa ofsiál nian nu’udar baze hodi domina sosiedade. Grupu sira-ne’ebé iha podér iha sosiedade (bele iha nasaun ida ka suku ida) bele kontrola no selesiona informasaun sasá maka nu’udar importante, informasaun sasá maka fó-sai no ema ne’ebé maka bele hetan informasaun ne’e. Ho ida-ne’e, sira bele infuénsia sosiedade ho loos ka sala no oinsá ema tau-an ka hanoin. Ezemplu ida-ne’ebé ema hotu hatene maka kona-ba infuénsia meiu sira komunikasaun nian akontese iha 1938. Eskritór foin-sa’e no atór teatru norte-a- merikanu nian, ho naran Orson Welles, hato’o informasaun iha programa rádiu nian, kona-ba invazaun rai hosi alien ne’ebé hakarak domina ita-nia planeta. Ema barak maka far no lakon esperansa, tanis, halai buka fatin seguru. Bainhira ramata transmisaun, ne’ebé han oras-1, nia dehan ba ema sira katak informasaun ne’ebé hato’o tiha la loos, maibé nu’udar informasaun ne’ebé nian lee iha livru A Guerra dos Mundos hosi eskritór H. G. Wells, publika iha 1898, ka tinan-40 molok. Ida-ne’e nu’udar ezemplu simples ida, maibé meius komunikasaun nian mós bele fó infuénsia ba asuntu hirak-ne’ebé sériu. Nu’udar ezemplu, durante eleisaun prezidente nian, meiu sira komunikasaun bele asosia imajen kandidatu nian ho ema ida-ne’ebé respeita ‘kultura no tradisaun sira’, hanesan ‘eroi’ ida,

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 11 Alessandro Boarccaech

hanesan ema ‘fraku’ ida ka ‘iha interese ba an rasik’, hanesan ‘ema ida eskola ka la eskola’, ka hanesan ‘ema matenek no iha kbiit’. Bainhira repete beibeik informasaun sira-ne’e dala barak – sein iha prova ka esplikasaun kle’an – bele infuénsia ema atu vota ka la vota ba kandidatu ida. Infuénsia ida-ne’e bele mós nu’udar buat ki’ik sira-ne’ebé ita halo iha loroloron. Se ita haree ba propaganda kona-ba sigaru no tua sira, ema hirak- ne’ebé halo propaganda mesak bonita de’it, haksolok, isin-di’ak no hamnasa hela. Mensajen ne’ebé hato’o maka: se ita-boot fuma ka hemu tua, ita-boot sei sai hanesan ema sira iha propaganda ne’e. Atu fa’an produtu ruma, empreza sira hili ema famozu sira (artista, jogadór tebe-bola, polítiku no seluk tan) ne’ebé mosu iha televizaun (han buat ruma, uza sapatu, hatais kamiza, hemu ai-moruk ka uza dezodorante no seluk tan) atu manan populasaun sira-nia laran hodi sosa produtu ne’ebá. Tau atensaun took ba fraze sira tuirmai: a) peskiza ida hatete katak 3/4 hosi 1 millaun populasaun ne’ebé hela iha Timor-Leste iha eletrisidade iha sira-nia uma; b) peskiza ida dehan katak 25% hosi 1 millaun populasaun ne’ebé hela iha Timor-Leste la iha eletrisidade iha sira-nia uma. Notísia ‘A’ parese di’akliu notísia ‘B’ tanba 3/4 signifka besik ema hotu-hotu iha eletrisidade iha uma. Maibé loloos ne’e notísia ‘A’ no notísia ‘B’ hanesan hela, tanba 3/4 hosi 1 millaun maka 75%, ne’ebé signifka katak 25% maka la iha eletrisidade. Maibé se ita hakarak hamosu impaktu boot, ita bele hakerek notísia dehan katak ema 250 mil iha Timor-Leste la iha eletrisidade. Ida-ne’e iha impaktu kedas bainhira hatudu númeru ema barak maka la iha eletrisidade. Maibé informasaun ida-ne’e mós hanesan ho notísia ‘A’ no ‘B’, tanba 250 maka 1/4 ka 25% hosi 1 millaun. Maneira oinsá divulga informasaun mós depende ba saida maka hakarak atu transmiti ka la dehan sai. Ezemplu hirak-ne’e interesante atu ita haree kona-ba oinsá meiu sira komunikasaun nian infuénsia ita-nia hanoin no tau-an. Téknika sira-ne’e uza ona iha tinan rihun ba rihun molok ne’e. Faraó sira hosi Ejiptu tempu uluk sira pinta sira-nia konkista iha parede sira palásiu nian hodi hato’o ba povu kona-ba sira-nia grandeza no besik ba Maromak sira-nian. Imperadór romanu sira harii monumentu hodi hatudu sira-nia manan. Relijiaun sira hakerek sira- nia regra no obra sira hosi sira-nia lidér hodi hato’o lia-menon hosi sira-nia

12 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Komunikasaun, falácia lójika sira no Indústria kulturál

Maromak ba ema hotu-hotu. Maibé la iha ema ka grupu ida maka hakerek ka ko’alia kona-ba sira-nia lakon ne’ebé sira sofre, kona-ba krime ne’ebé sira halo, kona-ba sira-nia dúvida, kona-ba efeitu negativu hosi ai-moruk ruma, katak sapatu-foun no bonitu la iha kualidade no sei estraga iha fulan balu nia laran no seluk tan. Ohin-loron ita simu beibeik mesanjen barak kona-ba saida mak ita tenke sosa, hatais, han, ko’alia, gosta, hakarak, far no seluk tan. Husu kona-ba orijen no objetivu mensajen nian bele ajuda ita atu hanoin kona-ba maneira oinsá ita simu, hato’o no analiza informasaun sira. eStrAtÉjiA Hodi HAlo Argumentu no FALÁCIA lÓjikA SirA

En-termu-jerál, bele hatene argumentu hanesan tema ka asuntu prinsipál ida diskursu nian. Iha prosesu argumentasaun nia laran, ita iha orden/regra sira hodi hato’o enunsiadu no premisa sira ho objetivu atu informa, rejeita/la simu ka konfrma hanoin ruma. Estratéjia sira hodi hato’o argumentu ida-ne’e bele inklui falácia lógica, ka diskursu, informasaun no premissa sala sira-ne’ebé konfunde sé maka rona ka lee informasaun. Iha tinan-2400 liubá, Sócrates fó atensaun kona-ba diskursu ne’ebé la iha sentidu, be ho objetivu atu manán adversáriu ka lohi ema. Filózofu antiga Grésia nian estuda no dezenvolve ona téknika argumen- tasaun oioin. Ita mós bele haree ida-ne’e, nu’udar ezemplu, iha Zenão hosi Eleia, iha tinan-460 molok Kristu, hatudu liuhosi paradoxo no antinomias, ne’ebé argumentu ida – depende ba oinsá ita organiza no ko’alia – serve hodi hatebes ka nega buat ida-ne’ebé hanesan. Retórika, ka, arte hodi uza linguajen ho oin ida-ne’ebé moos, fasil no monu ba ema hotu nia laran, uluk uza beibeik hodi manipula argumentu sira no manán debate ida. Sofsta sira, hanesan Protágoras (490-421 m.K.) no Górgias (485-380 m.K.) hatudu mós katak ho retórika ita bele ko’alia konaba asuntu kualkér, no ho téknika ne’ebé loloos ita mós bele manán debate maske lahatene didi’ak asuntu. Iha Arthur Schopenhauer (2009 [1864]) nia ensaiu A arte de ter razão – ne’ebé inspira hosi Tópicos Aristóteles nian –, hakerek kona-ba estratéjia 38 hodi

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 13 Alessandro Boarccaech

manán debate ida, maske ita sala hela ka la hatene asuntu. Tuir Schopenhauer (2009, p. 15), atu rejeita (la simu ka la konkorda) kualkér teze, ita bele uza modu rua (“ad rem e ad hominem, isto é, demonstramos que a proposição não concorda com a natureza das coisas, com a verdade objetiva absoluta, ou com outras afrmações e assentimentos do adversário”) no dalan rua (“refutação direta e indireta. A direta ataca a tese em seus fundamentos; a indireta, em suas implicações: a direta mostra que a tese não é verdadeira; a indireta, que ela não pode ser verdadeira”). Bainhira tau modu ka dalan sira-ne’e hamosu estratéjia argumentativu 38 (Schopenhauer dehan katak iha liutan) ne’ebé ita iha atu ignora adversáriu nia argumentu sira, ataka ninia onra, fnji katak la hatene, bosok, ko’alia kona-ba buat hirak-ne’ebé la iha relasaun ho asuntu, halo nia nervozu, ameasa ema ruma ho kastigu, interpreta sala ema seluk nia argumentu no hirak seluk. Diskursu oin hanesan ida-ne’e atu lori ita manán debate lahó preokupa ho konteúdu ka kestaun sira étika nian, ne’ebé ho naran Dialética Erística. Tuir Schopenhauer (2009, p. 3) tipu dialética ida-ne’e maka “a arte de disputar, mais precisamente a arte de disputar de maneira tal que se fque com a razão, portanto, per fas et nefas (com meio lícitos e ilícitos)”. Filózofu la hakerek en- saiu ida-ne’e hodi hanorin ema atu manán debate ka manipula ema seluk. Ho kontráriu, Schopenhauer hakerek atu ema bele proteje sira-nia an hosi tipu argumentu hanesan ne’e no krítika ema sira-ne’ebé uza estratéjia hirak-ne’e atu manán ka manipula ema seluk. Maibé, iha ita-nia moris loron-loron baibain ema uza de’it argumentu no falácia atu manán ema seluk, atu manán debate, atu defende ninia ideia rasik, ka manipula opiniaun ema seluk nian. Falácia sira-ne’e bele uza bainhira ita troka mensajen ho ema seluk iha família, entre doben sira, iha rede sosiál (Facebook, Instagram, Whatsapp, TikTok no hirak seluk), hodi jornalista sira hakerek notísia, hodi ema intelektuál sira defende sira-nia teze, hodi ema po- lítiku sira ko’alia ba povu, hodi advogadu ida defende ninia kliente, hodi lidér relijiozu ida kontrola ema far igreja, ema ferik-katuas uza atu joven respeita sira-nia regra, hodi governu obriga ema atu haktuir orden, hodi emprezáriu sira hetan lukru, hodi la’en kontrola ninia feen, hodi kolega hosi eskola koko

14 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Komunikasaun, falácia lójika sira no Indústria kulturál manán debate iha sala aula nian, hodi halo ema ki’ak sira simu divizaun ie- rárkia ne’ebé eziste no hirak seluk. Tuir Schopenhauer (2009, pp. 4-5) atu manán debate ida “cada um tentará, portanto, impor sua própria asserção, mesmo quando naquele ins- tante ela lhe parecer falsa ou duvidosa”. Ho maneira ida-ne’e ema la ko’alia hodi buka “verdade, mas em defesa da sua própria tese”. Ba Schopenhauer, ema uza estratéjia sira-ne’e tanba: a) maldade (buat aat), ne’ebé hakarak de’it manán, manipula, kontrola ka prejudika ema seluk; b) atu defende-an hosi argumentu ida-ne’e kontrariu ho ninia rasik; c) vaidade inata, tanba lakohi ema haree katak menus matenek ka ninia “afrmasaun dahuluk sai sala no adversáriu nian mak loos”. Ohin-loron iha estudu sira kona-ba falácia lógica no estratéjia sira argu- mentasaun nian. Entre estudu hirak-ne’e, sira ne’ebé bele sai hanesan intro- dusaun ba tema ne’ebé ha’u temi maka Downes (s/d), Perelman & Olbrechts- Tyteca (1996), Tindale (2007), Walton (2008), Luque (2014), Huf (2019), Damer (2009) no hirak-ne’ebé temi ona Aristóteles no Schopenhauer. Iha falácia lógica barak liu tan sanulu-resin, maibé, iha-ne’e ha’u hakerek de’it falácia na’in-15 maka ema sira uza bebeik: 1) Falso dilema: enjerál aprezenta de’it opsaun rua ne’ebé halo ema tenke hili entre loos ka lae, konkorda ka la konkorda. Ho maneira ida-ne’e, ema la konsege hanoin katak iha tan opsaun seluk. Ezemplu: ita gosta Timor ka la gosta Timor; governu atu hatún saláriu traballadór sira, karik la halo ida-ne’e ekonomia nasaun sei monu; ita konkorda ho ha’u ka ita ha’u nia inimigu; ita respeita regra ka ita ema aat ida. 2) Derrapagem (bola de neve): hodi kontra ema nia argumentu hodi dehan katak konsekuénsia aat tebes no kontinua ko’alia kona-ba konsekuén- sia hirak-ne’e. Ezemplu: se ita aprova lei hodi kontra uza arma, ita sei kontra demokrasia no liberdade ema nian, tanba tuir konstituisaun ema sira livre. Tuir ida-ne’e ita bele sai ditadór. Atu ita respeita ema nia liberdade ita tenke husik livre hodi uza arma; ema ida ko’alia kontra liurai, ne’e hanesan lakon respeitu, tuir hahalok ida-ne’e ema sira seluk mós bele lakon respeitu, ne’e hanesan lakon respeitu ba ita nia tradisaun, karik ida-ne’e akontese ita la iha orden iha sosiedade nia laran no ita nia nasaun bele monu.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 15 Alessandro Boarccaech

3) Apelo à força (argumentum ad baculum): bainhira ema ida uza argu- mentu ho ameasa ruma ba ema seluk simu nia opiniaun. Ida-ne'e tuir loloos la'os falácia bainhira ita ko'alia kona-ba lei sira tanba la iha falla lójika iha argumentu (ezemplu: se ita la respeita ahi mean iha lampumera, polisia bele kaer ita nia motor). Maibe apelo à força bele falácia bainhira uza hanesan ameasa de'it atu manán debate. Ezemplu: di’akliu vota ba partidu Y, tanba se la vota ita bele simu kastigu ruma; di’akliu halo buat ne’ebé ha’u husu, se lakohi halo ita bele lakon servisu; se ita la halo tuir ha’u nia hanoin ha’u husu ba ema seluk atu mai baku ita. 4) Apelo às consequências (argumentum ad consequentiam): atu prova ka- tak ideia ida (hanoin, lójika no hirak seluk) sala ka loos, ideia ida-ne’e hatudu konsekuénsia ne’ebé la monu ba ema nia laran ka monu ba ema nia laran. Ezemplu: tenke far Maromak, tanba se lae moris ne’e la iha folin; ita tenki respeita ferik no katuas sira se lae ita nia kultura la loos. 5) Apelo ao preconceito: argumentu hirak-ne’ebé uza emosaun atu tau relasaun entre valór morál ho buat ne’ebé ita hakarak atu sai loos. Ezemplu: sidadaun ne’ebé di’ak nafatin konkorda ho lidér sira; timoroan loloos maka ida-ne’ebé terus, luta no moris durante nasaun seluk nia okupasaun; ema hosi rai-liur sira mai esplora Timor no nune’e povu la iha servisu no osan; ita ema ki’ak no la ba eskola entaun labele sai ema boot no labele lidera ita-nia grupu. 6) Ataques pessoais – ema nia an (argumentun ad hominen): ataka ema ne’ebé ko’alia no la’ós buat ne’ebé nia ko’alia. Atake hanesan ne’e bele ba ema nia onra, karatér, nasionalidade, etnia, far no hirak seluk. Bele argumenta mós katak ema hanoin de’it ka ko’alia kona-ba buat ruma, maibé iha interese ba an rasik ka iha vantajen ruma. Ezemplu: nia krítika governu tanba nia koruptu, na’okteen, no hakarak simu kontratu ka osan; nia la konkorda ho ha’u, tanba nia beik, iha iis-dois, no la hatene buat ida; feto ida-ne’e nia hanoin sala tanba la hatene buat ruma, iha ibun-boot, nia klosan no la hatene ita-nia kultura. 7) Apelo à autoridade (argumentun at verecundian): bainhira ita temi au- toridade sira ka ema boot ida (polítiku, lia-na’in, liurai, bispu, sientista, flózofu, profesór no seluk tan) atu justifka ita-nia argumentu. Ezemplu: ida-ne’e justu no di’ak ba nasaun tanba polítiku ‘Y’ dehan katak ida ne’e loos; Lia-na’in ‘X’ dehan katak ida-ne’e maka loos; flózofu ‘Z’ dehan katak dalan ida-ne’e maka di’akliu; ida-ne’e maka Maromak hakarak tanba bispu ‘M’ dehan hanesan ne’e.

16 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Komunikasaun, falácia lójika sira no Indústria kulturál

8) Estilo sem (lahó) substância: bainhira maneira oinsá aprezenta argu- mentu (liafuan maka uza, meneira maka ko’alia, no seluk tan) ka ema ne’ebé hato’o argumentu (ema bonita, uza faru kapáz no seluk tan) kontribui ba konkluzaun ne’ebé loos ka sala. Falácia ida-ne’e fó folin liu ba forma duké konteúdu. Ezemplu: ha’u sei vota ba nia tanba nia hanesan ho eroi sira nasaun nian; nia ema ida-ne’ebé hatene buat barak, tanba nia mai hosi família riku; nia ko’alia di’ak, entaun nia loos hela; ha’u gosta grupu muzikál ida-ne’ebá, sira nia oin jeitu liu. 9) Generalização precipitada: bainhira uza amostra ne’ebé ki’ik no limi- tadu, maibé uza atu justifka argumentu ida. Ezemplu: Pedro hosi Lospalos na’ok tiha fahi ida, ema sira hosi Lospalos la’ós ema atu far; João hosi Suai ko’alia la para, ema sira hosi Suai la respeita ema seluk; iha tempu sira liubá malae sira invade ita-nia rain, malae sira de’it maka esplora Timor; deputadu hosi partidu ‘K’ halo korupsaun, ema sira hosi partidu ida-ne’e sira hotu ko- ruptu; José halo kursu iha fakuldade maibé la hatene buat ruma, alunu hosi universidade sira hotu beik. 10) Apelo ao povo (argumentun ad populum): falácia ida-ne’e dehan katak argumentu ne’e loos tanba ema barak fiar katak ne’e loos ka grupu balu ne’ebé importante ka poderozu mós fiar ba hanoin ida-ne’e. Falácia ida-ne’e, dala barak, ‘apelo para a emoção’ tanba apelu sira ba emosaun iha objetivu, dala barak, atu atinji populasaun hanesan ida de’it. Nu’udar ezemplu: ema barak fiar katak Maromak iha, entaun Nia iha; veteranu sira hotu atu vota ba partidu polítiku Y sei manán eleisaun parlamen- tár, nune’e ita tenke vota ba sira tanba sira atu manán; artista famozu hotu-hotu uza shampo Z, ita-boot tenke uza shampo ida-ne’e mós atu sai bonita hanesan sira. 11) Substitui o efeito pela causa: bainhira relasaun entre kauza no efeitu troka malu. Ezemplu: halo aat feto nia isin hamosu diskriminasaun ba jéneru; joven sira la iha esperiénsia, tan nune’e ema katuas-ferik kontrola buat hotu; ema ida-ne’e la bá eskola tanba la hatene lee; ema sira uza kareta tanba iha poluisaun boot liu iha sidade. 12) Petição de princípio (petitio principii): lia-loos konkluzaun nian hatene liuhosi premisa. Konkluzaun afirma filafali de’it iha premisa ho

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 17 Alessandro Boarccaech

maneira oinseluk. Iha kazu baibain sira, premisa nu’udar konsekuén- sia konkluzaun nian. Tuir ida-ne’e konkluzaun hanesan argumentu ida atu hetan konkluzaun, ita-nia argumentu hanesan hako’ak. Ezemplu: ita hatene katak Maromak eziste, tanba hakerek iha Bíblia no saida mak Bíblia dehan maka lia-loos, tanba Maromak mak hakerek, entaun Nia iha; katuas ida-ne’e dehan de’it lia-loos no proteje ita, nia nu’udar lidér tradisionál, no ita-nia kultura dehan katak lidér sira proteje ema, entaun nia lian nafatin loos. 13) Espantalho: ema ne’ebé hato’o argumentu tuir loloos ataka argu- mentu ema adversáriu nian, maibé ataka fali argumentu seluk, ne’ebé fraku ka interpreta ho maneira oinseluk. Ida-ne’e maka téknika sira-ne’ebé uza dala barak hodi halo argumentasaun. Ezemplu: Debatedór A (ema ne’ebé halo debate): saláriu mínimu maka direitu traballadór nian, sá proposta governu nian atu hadi’ak saláriu mínimu traballadór sira-nian? Debatedór B hatán: saláriu mínimu ne’e importante tebes no governu sei mantein di- reitu traballadór nian (la hatán pergunta difsíl kona-ba oinsá sei aumenta saláriu, maibé ko’alia de’it kona-ba parte ida-ne’ebé fasíl no monu ba ema nia laran maka saláriu mínimu importante); teoria evolusaun dehan katak ema no lekirauk mai hosi beiala ida de’it, maibé ema no lekirauk la’ós hanesan, entaun teoria evolusaun nian sala. 14) Superfcialidade: bainhira argumentu ne’ebé uza tiha atu esplika buat ruma utiliza kategoria jerál no la aprezenta konteúdu atu justifka ninia hanoin. Ezemplu: ita kontra orsamentu ne’ebé governu propoin, tanba ita hosi partidu seluk; José ne’e imperialista tanba ema malae; Pedro ne’e perigozu, tanba ema loro-monu; João ne’e ema arbiru tanba fraku. 15) Defnição contraditória: argumentu ne’ebé uza tiha nu’udar kontradi- tóriu. Ezemplu: sosiedade ne’e demokrátika no ema sira livre, maibé ita presiza vota ba ema ne’ebé atu sai ita-nia lidér hodi fó orden no kontrola ema nia hahalok; ha’u kristaun no ha’u la’o tuir Kristu nia hanoin, maibé ha’u hanoin katak ita tenki baku ema sira bainhira halo buat ruma sala; Parlamentu fatin demokrátiku no hanesan uma povu nian, entaun ema la bele halo protestu kontra governu iha parlamentu nia fatin.

18 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Komunikasaun, falácia lójika sira no Indústria kulturál indÚStriA kulturál HAktuir Adorno no HorkHeimer

Teodor Adorno no Max Horkheimer publika iha 1947 livru ida ho naran A Dialética do Esclarecimento, ne’ebé aprezenta konseitu indústria cultural ho forma sistematizadu. Autór rua ne’e hola-parte iha Teoria Crítica, ne’ebé ema hotu mós hatene hanesan Escola de Frankfurt. Iha mundu akadémiku ka intelektuál nian, bainhira ita ko’alia kona-ba ‘eskola’ la presiza iha fatin ida ka instituisaun ensinu formál ida. Escola de Frankfurt – maske liga ho Institutu ba Peskiza Sosiál hosi Universidade Frankfrut, Alemaña – nu’udar mós movimentu flozofa no polítika nian ne’ebé forma hosi grupu pensadór sira (inklui Herbert Mercuse, Urgen Habermas, Erich From, no sira seluk) ne’ebé koko atu hatene realidade iha sosiedade nia laran iha sira-nia tempu no sira iha interese oioin no lahanesan kona-ba peskiza. Nune’e, ‘eskola’ mós bele signifka ideia, konseitu, métodu no peskiza lubun ida-ne’ebé hala’o hosi grupu pensadór (ka pensadór ida) ne’ebé fó infuénsia ba peskizadór sira seluk. Pensadór sira-ne’e haburas Teoria Crítica hahú hosi halo análize ba rea- lidade sosiál, polítika, ekonomia no mekanizmu sira hodi domina sosiedade. Ho oin ida-ne’e Teoria Crítica, haktuir ninia autór sira, la’ós de’it preokupa hodi hatene no analiza fenómenu sira iha sosiedade nian laran, maibé atu aje no transforma sosiedade. Hosi prinsipál infuénsia intelektuál Adorno no Horkheimer nian, ita bele temi estudu sira Max Weber nian kona-ba sistema sira hodi halo dominasaun; inkonsiente psikanálize nian; movimentu mo- dernista sira-ne’ebé propoin tiha estétika naun-formalista ba arte; konseitu kona-ba razaun Kant nian; nomós leitura krítika kona-ba dialétika Hegel nian no sosializmu Marx nian. Iha sira-nia estudu, pensadór sira-ne’e buka atu hateten-sai kona-ba deziguldade sosiál ne’ebé mosu tanba kapitalizmu, esplorasaun ba meiu sira hodi halo produsaun, imperializmu kultura nian hosi osidente ne’ebe hanehan grupu hirak-ne’ebé nakloke ba susar no terus, no vizaun naun-istórika no naun-dialétika pozitivizmu nian. Pensadór hotu-hotu ne’ebé hola-parte iha Teoria Crítica iha karaterístika ida hanesan katak ba sira iha buat rua importante atu mudansa hirak-ne’ebé mosu iha sosiedade maka dialética (halo refesaun no análize beibeik kona-ba

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 19 Alessandro Boarccaech

prátika no teoria, ne’ebé bele muda tuir tempu) no prática, tanba mudansa sira iha sosiedade la akontese mesak. Konseitu indústria cultural, ne’ebé formula hosi Adorno no Horkheimer, maske uza tiha ba analiza sosiedade europeia hafoin Funu Mundiál-II, sei na- fatin interesante atu ita hanoin kona-ba infuénsia meios de comunicação nian ohin-loron. Liafuan ‘indústria’, ba autór sira, signifka halo padronizasaun ba produtu sira no rasionalizasaun ba prosesu hodi fó-sai produtu sira. Nune’e, indústria cultural la’ós fatin atu prodús/halo objetu ruma (hanesan baibain ita uza espresaun ida-ne’e), maibé signifka katak prosesu atu buat hotu-hotu sai hanesan no tuir padraun. Objetivu maka masifkasaun produtu sira arte nian no kultura nian halakon sira-nia an, simplifka sira no adapta sira ba nesesidade ema nian no nune’e, bele fa’an ho fasil liu. Indústria cultural ida-ne’e halo liuhosi meiu sira komunikasaun nian no repete informasaun balu, aleinde hodi tenta hatán ema hotu nia hakarak, maibé mós hodi dada ema nia hakarak hodi haluha saida maka sira presiza ka importante. Tuir Adorno no Horkheimer (1985, p. 127) “os elementos irreconciliáveis da cultura, da arte e da distração se reduzem mediante sua su- bordinação ao fm a uma única fórmula falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição.” Liuhosi repete beibeik mensajen sira liuhosi meiu sira komunikasaun nian hamosu iluzaun katak bainhira ema sosa produtu balu sira sei haksolok; se hatais roupa ka se sira gosta múzika ruma sira sei sai furak; se sira repete ideia ruma sira sei sai matenek; se sira hakruuk ba lidér ruma ka tuir regra ka valór ruma, entaun ema sei simu sira no konsidera sira hanesan sidadaun di’ak; katak istória no hahalok balu nu’udar ‘kultura’ no hirak seluk la’ós, no hirak seluk tan. Dalan prinsipál sira atu haree indústria cultural maka flme, novela, múzika, teatru, dansa, jornál, livru, revista, promosaun ba produtu sira iha televizaun no hirak seluk. Ohin-loron internet bele sai hanesan meiu hodi fó-sai indústria cultural, tan ema barak liu iha asesu ba telemóvel no halo ligasaun ho ema seluk liuhosi rede sosiál. Ho masifkasaun no padronizasaun, ema bele iha difkuldade atu hanoin mesak no desidi kona-ba saida maka atu halo, hein de’it desizaun ‘grupu’ nian no repete saida mak manda sira atu halo. Ho ida-ne’e, halo ema lakon ninia an rasik, ka, ho maneira ida-ne’e ema

20 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Komunikasaun, falácia lójika sira no Indústria kulturál hanoin katak sira únika, independente no kontrola saida maka sira gosta ka halo, maibé prodús flafali maneira atu hanoin no atu tau-an ne’ebé impoin hosi indústria cultural. Tan nune’e, indústria cultural sempre kria ídolu, eroi no hatudu ema famozu sira atu ema seluk bele tuir, admira no halo tuir. Cultura de massa – hanesan padraun kultura nian ne’ebé ema lubun boot ida fahe ba malu, maka ‘produtu’ ida indústria cultural nian ne’ebé iha objetivu atu infuénsia ema sira ka grupu espesífku balu. Cultura de massa maka meiu no fn ne’ebé tau-hamutuk forma oioin espresaun arte, kultura no intelektuál, ho objetivu atu hamenus diferensa entre sira no halo sira nakloke atu ema bele hetan asesu ba sira hodi bele konsumu. Cultura de massa nu’udar produtu ida ho padraun ona no defni uluk ona atu ema konsumu kedas. Ho liafuan seluk, cultura de massa kahur elementu oioin kultura sosiedade ida nian ho objetivu atu transforma elementu sira-ne’e ba buat ida-ne’ebé simples, hanesan no sai ba produtu ida atu fa’an (merkadoria) ba ema barak. Hanesan Adorno no Horkheimer dehan “sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica” (1985, p. 114). ‘Moda’ no ‘tendénsia’ ohin -loron nian sai nu’udar ezemplu kultura masa nian ne’ebé ema hotu-hotu konsumu hanesan produtu sira, rona múzika hanesan ida, asiste programa televizaun ida-ne’ebé hanesan, tipu flme ne’ebé hanesan, iha modelu fuuk hanesan, hatais roupa atu hanesan, no hirak seluk tan. Arte, kultura no to’o mós ba espiritualidade sai tiha produtu/merkadoria ida-ne’ebé iha ligasaun ho interese sira ekonomia nian no hodi hetan lukru. Uma Lulik sai nu’udar ezemplu ida kona-ba oinsá fenómenu sira kultura nian bele padroniza tiha. Iha Timor-Leste iha diferente tipu Uma Lulik, maibé Uma Lulik Lospalos nian de’it maka – entre motivu sira seluk, haree ba ninia furak arkitetura nian – divulga hodi dada ema turista sira mai paíz. Fa’an tiha ideia ida katak Uma Lulik hotu-hotu hanesan no la hatete signifkadu kompletu ba uma sira ne’e. Ida-ne’e bele duni, tuir autór sira, tanba hahú hosi períodu iluminizmu (sékulu XVIII) fó tiha prioridade ba razaun no konsekuénsia hosi ida-ne’e maka téknika. Maibé, ho sistema kapitalizmu – iha faze revolusaun indústria nian – téknika no rasionalidade uza fali tiha hanesan meiu ida atu domina ekonomia no kontrolu ba sosiedade. Importante atu temi-sai katak bainhira autór sira ko’alia kona-ba téknika, sira la’ós ko’alia kona-ba modernidade ka teknolojia;

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 21 Alessandro Boarccaech

nune’e hanesan mós bainhira sira ko’alia kona-ba rasionalidade, sira la ko’alia de’it kona-ba razaun ka pensamentu/hanoin lójiku. Krítika sira Adorno no Horkheimer nian hato’o ba utiliza téknika lahó refesaun étika kona-ba ninia impaktu ba sosiedade, nune’e mós rasionalidade haree fla de’it ba atu hetan meiu adekuadu sira hodi to’o ba objetivu ida no manán lukru. Ba autór sira téknika no rasionalidade la’ós neutra no iha konsekuénsia prátika iha ema nia moris. Maibé, bainhira la iha autokrítika (halo análize no hanoin kona-ba an rasik), la iha refesaun kona-ba valór sira étika nian, la preokupa ho konsekuénsia hosi asaun sira, valoriza fali forma duké konteúdu, buka vantajen – liuliu ekonomia – sai nu’udar karakterístika prinsipál balu bainhira uza téknika no rasionalidade. (...) o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o carácter compulsivo da sociedade alienada de si mesma. (…) a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrifcando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social. (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 57). Ho estratéjia sira-ne’e, ema hotu-hotu bele sai hanesan, repete ideia hane- san, iha ta’uk hanesan, sosa roupa hanesan, tuir lidér ida hanesan no la hatene katak sira konsumu de’it saida maka indústria cultural determina ona. Indústria cultural, tuir Adorno no Horkheimer nia haree, reprodús fali interese hosi grupu ne’ebé iha podér ba ekonomia iha sosiedade nia laran. Ho forma hanesan ne’e indústria cultural – bainhira utiliza téknika no rasionalidade hanesan objetivu atu hetan lukru barak – transforma kultura no arte ba sasán ne’ebé hodi fa’an; koko infuénsia maneira oinsá ema hanoin; saida maka sira far; saida loos no sala; saida maka arte; saida maka kultura; no kontribui ba estrutura sosiedade nian no halo fahe podér/ierárkia kontinua hanesan nafatin.

reFerÉnSiA

Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmen- tos filosóficos. : Zahar.

22 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Komunikasaun, falácia lójika sira no Indústria kulturál

Damer, T. E. (2009). Attackimg faluty reasoning: A Practical Guide to Fallacy- Free Arguments. Sixth edition. Wadsworth Cengage Learning. Downes, Stephen. (s/d). Stephen’s Guide to the Logical Fallacies. Retrieved from https://linguistics.byu.edu/classes/elang410am/fallacies.pdf. (04 march 2020). Huf, D. (2019). Como mentir com estatisticas. Intrinsica. Luque, L. B. (2014). Falacias Y Argumentación. Plaza y Valdés Editores. Perelman, C.; Olbrechts-Tyteca, L. (1996). Tratado de argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes. Schopenhauer, A. (2009 [1864]). A arte de ter razão: exposta em 38 estratage- mas. Organização e ensaio Franco Volpi. Tradução Alexandre Krug e Eduardo Brandão. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes. Sousa, J. P. (2006). Elementos de teoria e pesquisa da comunicação e dos media. 2. Edição. Porto: editora Porto. Tindale, C. W. (2007). Fallacies and argument appraisal. Cambridge University Press. Vanoye, Francis. (2007). Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. São Paulo: Martins Fontes. Walton, D. (2008). Informal Logic: a pragmatic approach. 2nd edition. Cambridge University Press.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 23

FiloZoFiA, SerimÓniA kulturál no komunikASAun1

Natalino da Costa Soares2 Martinho Borromeu3

Rezumu: Tema hosi artigo ida mak Filozofa, ritus kulturais no komunikasaun sosiál. Filozofa refere ba prátika Filozofa pré-Sócrates ne’ebé hahú halo produsaun sientífku bazeia ba mitu sira ne’ebé ema konta hosi ibun ba ibun no hosi tempo ba tempo. Ritus kulturais refere ba prátika kulturál ne’ebé existe iha sub munisipiu Hatolia. No komunikasaun sosiál refere ba esénsia (sentidu lolos) ne’ebé Lia Na’in sira hakarak komunika ba partisipantes iha serimónia kultura laran. Liafuan-xave: Filozofa; serimónia sira tradisaun nian; komunikasaun sosiál.

pHiloSopHy, culturAl ceremonieS And communicAtion Summary: the theme of this article is philosophy, traditional ceremony and communi- cation. Te term Philosophy refers to the pre-Socratic philosophical practice. Traditional ceremonies refer to cultural practices prevailing in Hatolia sub-district. And commu- nication refers to the meaning or cultural essence that the traditional leader wants to convey to the participants who are present in a traditional ceremony event. Keywords: Philosophy; traditional ceremonies; social communication. introduSAun

Artigo ida nee mai hosi konjugasaun entre refesaun literatura flozófca ho peskiza kampu. Ekipa halao peskiza kampu durante tinan ida nia laran no adopta vizaun teoria do agir comunicativo hosi flózofu Jürgem Habermas nian4.

1 Agradese wa’in ba dosente peskizador sira Duarte da Costa Barreto, Esmeralda de Araujo, Marciana Almeida Soares, Elda Alves Sarmento, Nicolau Borromeu, Luis Maia, Moises Martins; nomos agradese ba asistente peskizadores sira Moises Soares Magno, Nilton Alves do Rosário, Cesaltino Madeira de Deus, Anita Soares, Erfna da Cruz Pinto, Cipriana Rodina. 2 Padre Diretor Escola Secundária São Francisco Xavier Hatolia. 3 Decano Faculdade Filosofa e Ciências Humanas – Universidade Nacional Timor Lorosa’e. 4 Teoria ida nee lao tuir dialogu entre ema sira hotu maka tama iha grupu ruma. Tuir ida nee buka dala ida diak wainhira rona opiniaun hosi ema sira hotu no fó folin ba hanoin sira diferente. Kona-ba teoria do agir comunicativo bele haree Habermas, 1989.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 25 Natalino C. Soares e Martinho Borromeu

Ekipa tama suku, sai suku durante tinan ida nia laran, hahu hosi jullu to’o dezembru tinan-2019 (nudar primeira faze), no janeiru to’o agostu tinan-2020 (nudar segunda faze). Iha primeira faze, peskizadore sira halo entrevista ho ema xave hosi autoridade Igreja, autoridade sivil, autoridade siguransa, Lia Na’in nomos komunidade simples balun. No iha segunda faze, peskizador ba halo fali sosializasaun, verifkasaun, konfrmasaun no afrmasaun ba informasaun ne’ebé rekolla ka halibur iha primeira faze. Liu tiha primeira no segunda faze, iha terseira faze peskizador sira banati tuir buat ne’ebé flózofu Sócrates dehan: “hanoin, hahalok no liafuan ne’ebé ema expresa ka koalia sai, sei lakon, sei naben no sei semo tuir anin, wainhira ita la rekorda liu hosi hakerek”.5 Iha artigo ida nee sei elabora konaba mitu sira, Filozofa, ritus kulturais ho nia sentido ne’ebé Lia Na’in sira hakarak komunika ba sira nia oan no bei oan iha no liu hosi serimónia ritual laran.

mitu SirA no FiloZoFiA

Iha tempo antigu liu, wainhira ema seidauk hatene hakerek no lee, buat hotu-hotu ne’ebé liga ba realidade ka verdade ruma, sempre koalia deit hosi ibun ba ibun, no hosi jerasaun ba jerasaun liu hosi historia ka aiknanoik ruma ne’ebé bele espresa ka deskreve konaba realidade ka verdade ida. Pettazzoni (1954, pp. 11-12) dehan ida nee naran mitu sira. Nia hatutan tan katak iha mitu sira nia laran existe buat los no buat falsu.6 Tuir Boarccaech (2019, p. 11) importante atu estuda mitu sira tanba mitu “fó-sai lójika, signu no valór sira sosiedade ida nian. La’ós ne’e de’it, mitu sira nu’udar metáfora ba saída mak akontese iha ita-nia moris”. Situasaun hanesan deskreve iha leten, akontese la’os deit iha Timor maibe akontese mos iha mundo grego antes Sócrates hahu Filozofa iha sékulo VI m.K. Autor sira hanesan Tales, Heráclito, Pitágoras, Permênides, no sira

5 Sócrates conhecido ho nia métodu dialogal. Iha tempo neba, nia buka verdade ka lialos liu hosi dialogo, diskurso no hakerek. 6 Bele mos halo komparasaun ho buat ne’ebé Werner Muller hakerek iha livro Die Religionen der Waldlandindianer Nordamerikas.

26 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 seluk7, koalia konaba natureza, kriasaun, deuses (maromak sira) no asunto seluk ne’ebé segredu ka misteriu ho deskrisaun ne’ebé hanaran mitu sira. Konaba ida nee Malinowski (1955, p. 108) dehan: Mitu, nudar parte importante ida ba civilizasaun ema nian. Nia toka ou koalia konaba realidade moris ida. Nia nudar relijiaun primeiro no virtude moris nian. Buat ne’ebé sira ne’ebé mai hosi mitu sira sempre refere ba misteriu boot ida ne’ebé liga direta ba ema nia moris. Hosi mitu sira ema bele hatene saida mak kultura no asaun moral nomos hanorin ema oinsa bele moris tuir valor kulturál no moral ne’ebé existe. Filózofu Martin Heidegger (1953, p. 11) dehan katak hosi historia ka aiknanoik (mitu sira) ne’ebé ema konta, ita bele hakat ba hasoru verdade ne’ebé subar iha mitu sira nee nia kotuk. Hosi buat ne’ebé ita rona, ita hakat ba verdade ne’ebé subar iha nia kotuk. Situasaun hanesan mos mosu no akon- tese iha Timor liu hosi ritus kulturais ne’ebé Lia Na’in sira halo. Katuas Lia Na’in sira hafalun sentido verdade ruma ho liafuan dadolin ne’ebé sira halo iha serimónia ritual sira. Konaba ida nee ita bele haree hosi serimónia ritual no nia sentido ne’ebé hakerek tuirmai nee.

SerimÓniA kulturál Ho niA Sentido

Iha serimónia rituál tradisionál komunidade Hatulia nian koalia mós kona-ba rituál sira hanesan: Mate keo, uma keo, kuku ou gase, gase tur no gase hamrik, saubatar, fase matan, bee manas aitukan no tiu ho naan hola barlake feto folin. Mate keo ne’e tuir Sr. Rui Monteiro8 katak: Avó sira sei jentiu ne’e bolu naran tana mate. Iha mate keo ne’e baku tanbor, bidu too semana ida ka semana rua. Uluk halo fulan ida ou fulan rua ne maka bolu mate keo ou mate jentiu” ne’e katak avo sira ne’ebé mak uluk seidauk sarani, bainhira sira mate família halibur malu hodi keo sira liu husi atividade baku tanbor no bidu”.

7 Atu hatene klean konaba saida mak autor sira nee nia hanoin no koalia bele lee: Bornheim (1998, pp. 24-106); Souza (1996, pp. 10-35). 8 Lia Na’in hosi Uma Lisan Batila, Aldeia Malabe, Suku Malabe, Postu Atsabe, Munisípiu Ermera. Entrevista iha foho Darlau, Leimea Leten, loron 31/08/ 2019.

o | 27 Natalino C. Soares e Martinho Borromeu

Mate keo ne’e nu’udar serimónia ne’ebé mak lisan ida halo molok hakoi mate nia isin, maibé ohin loron serimónia ne’e komesa iha mudansa hanesan Sr. Francisco Fernandes9 hatete katak: Mate keo ne’e ikus-ikus la iha ona hanesan ho uluk. uluk avó sira halo mate keo ne’e sempre too fulan 3 no bainhira uma lisan nia oan sira mai mate uma, tenke keo sira, ne’e katak fó poder ba sira liu husi dere titir. Keo ne’e mós halao ba ema umane no mane foun sira hotu iha momentu sira atu tama mai mate uma. Agora laloos nune’e ona, maibé bainhira ema ruma mate família sira lutu tinan ida. Iha momentu lutu tinan ida, ne’e preokupa liu mak hadia nia rate too hotu depois mane sanulu tur reuniaun hodi koalia kona-bá koremetan hafoin deside fahe servisu tanesan mane ida ba kasu lia ba umane, mane ida ba kasu lia ba mane foun, mane ida ba kasu lia ba maun alin, mane ida ba kasu lia ba viziñu sira, mane ida ba kasu lia ba uma lisan sira seluk ne’ebé halo maun alin, mane ida organiza aimaran sira hodi sunu no mane ida boot liu entre mane sanulu ne’e nia mak tur iha uma hodi organiza hosi inísiu serimónia koremetan too remata. Koalia kona-ba mate keo, ne’e tenke iha mós uma keo, tanba mate keo ne’e so bele keo iha uma ne’ebé mak keo. Uma keo ne’e diferensa ho uma lisan sira baibain, tanba ne’e señor Geraldo Martins10 dehan: Uma keo ne’e ita bazeia fali ba ai rin ona se ai rin ne’e mak fui makerek no kakuluk tau makerek ne’e ita bolu ona katak uma keo mais hanesan halo uma baibain airin la ke makerek kakuluk mós tau hanesan mambae nian, ne’e dehan tau duku ulun de’it, ne’e hanesan uma baibain ne’e la’os uma keo ona mesmuke uma lisan duni maibé la keo”. Uma keo ne’e nia forma diferente ho uma sira ne’ebé mak la keo no nia nu’udar kondisaun ba família sira hodi halibur mate isin sira ne’ebé mak seidauk keo atu tau hamutuk iha uma keo hodi keo, ho nune’e família sira bele hetan nafatin matak malirin hanesan la moras arbiru, la hetan dezastre arbiru no seluk tan ne’ebé mak bele prejudika sira-nia vida. Servisu balun ne’ebé importante atu halao iha uma keo bainhira se-

9 Lia Na’in hosi Uma Lisan Uma Behe, Aldeia Ailisu, Suku Laclo, Postu Atsabe, Munisípiu Ermera. Entrevista iha rezidénsia parókia Atsabe, loron 1/09/2019. 10 Lia Na’in hosi Uma Lisan Ailelo, Aldeia Betupu, Suku Ailelo, Postu Hatulia, Munisípiu Ermera. Entrevista iha rezidénsia Parokia Hatulia, loron 02/08/2019.

28 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 rimónia rituál mate keo nian, presiza mós kuku no gase. Tuir Sr. Geraldo Martins katak: Kuku no gase la hanesan no sira nain rua nia funsaun mós la hanesan. Kuku ne’e iha kbiit ida atu haree kona-ba kestaun espirituál sira. Ezenplu iha espíritu aat ruma mai estraga ema seluk nia bele rezolve liu husi oho animal ruma. Servisu ida ne’e diferente ho gase. Gase ne’e iha koñesimentu tomak kona-ba tradisaun iha uma lisan nian, tanba ne’e nia funsaun mak atu trata kona-ba kestaun hotu ne’ebé mak relasiona ho uma lisan nian. Gase nia servisu ne’e atu haree kona-ba dezde inísiu serimónia too re- mata, atu nune’e bele garante lao ho di’ak. No bainhira iha serimónia ne’e nia laran mak iha kestaun espirituál ruma, entaun kuku mak sei halo tuir. Gase ne’ebé mak atu halao nia funsaun iha serimónia rituál sira ne’e la hanesan entre gase tur no gase hamrik. Tuir Sr. Feliciano “Gase ida tur ne’e nia funsaun atu kaer bua no malus hodi hamulak ba sasan tradisionál sira ne’ebé mak dezde uluk avó sira tau iha uma lisan laran no ida hamrik ne’e nia funsaun atu hamenu mate”11. Gase iha rua ne’e atu bele kompleta far ne’ebé iha hanesan far ba sasan tradisionál sira no far ba ispíritu sira inklui matebian sira. Serimónia ida mak hanaran sau batar. Serimónia tradisionál sau batar ne’e bainhira batar isin ona mak família sira hosi uma lisan ne’e bolu malu hodi halo serimónia ne’e tuir sira-nia tradisaun. Sr. Francisco Fernandes dehan: Sau batar ne’e hanesan hosi jerasaun kain ho Abel nian ema balu hasae sakrifísiu ho batar no balu ho animal, tanba ne’e too ohin loron ita mistura tiha rituál sau batar ne’e tenke oho mós animal tuir kbiit ne’ebé iha. Animal ho batar ne’ebé isin di’ak tau hamutuk iha fatuk bosok depois kalan lori sae uma hodi tunu tau iha be ai soro leten, tunu tan animal ne’ebé mak iha tasak hotu hasai, gase hamulak tiha hafoin bolu mane no feto sira hotu hodi han. Ne’e nu’udar símbolu agradesimentu. Halao nune’e, atu dehan katak serimónia sau batar ne’e nu’udar agra- desimentu ba Maromak no natureza sira ne’ebé fó batar isin di’ak. Bainhira la halo serimónia agradesimentu ida ne’e hodi konsumu imediata de’it batar, Lia Na’in hosi lisan ne’e sei hetan moras ruma, jeralmente kastigu hanesan

11 Hameno mate haruka mate nia klamar ba hela iha fatin di’ak hanesan tuir relijiaun katólika nian karik lalehan.

o | 29 Natalino C. Soares e Martinho Borromeu

Sr. Napoleão dehan katak “Se Lia Na’in mak la halo tuir ne’e labele tanba lulik, lae nia bele hetan moras no bele mate”. Serimónia fase matan ne’e nu’udar kultura ida ne’ebé mak komunidade maioria iha Hatulia too ohin loron sei halao atu bele hosik nia inan kaer ona bee malirin. Hanesan entrevista ne’ebé halao ho Sr. Geraldo Martins katak: Fase matan ne’e hanesan ita-nia oan mane primeiru ida moris mai ne’e hanesan hatudu hodi fó hatene ba família sira katak ita-nia oan ne’e moris ona aban fase matan para hodi fó livre ba nia inan hodi bele sai ba kaer bee malirin no fase roupa. Fase matan kosok-oan nian laloos de’it razaun atu fó livre ba inan kaer bee malirin hodi halao atividade diária inan nian, maibé mós atu labarik ne’e nia matan la bele malahuk lalais hanesan Sr. Orácio Gonçalves12 hateten ka- tak “Se ita la fase labarik-nia matan, ne’e nia matan bele malahuk”. Tuir far komunidade nian katak labarik moris mai depoizde atu fó livre ba nia inan hodi kaer bee malirin, tenke fase uluk labarik-nia matan atu nune’e la bele prejudika nia matan iha futuru. Barlake feto folin tuir Napolião Noronha13, katak: Barlake feto folin ne’e tanba relasaun umane ho mane foun labele kotu i sira nain rua tane malu ho respeitu malu ne’e mak tau buat ida barlakiadu ne’e. Barlakiadu ne’e signifka alin feto ne’ebé nia lori ba ne’e nia labele halo hanesan hena ne’ebé iha merkadu ema gosta uza maka foun, maibé bainhira too bosan soe tiha. Tanba ne’e, tau baralakiadu para atu bele distingi entre hena ka kualker sasan ho ema, atu nune’e sira nain rua bele hamotuk nafatin too mate. Bee manas ai-tukan ne’e nu’udar rituál ida hosi barlake feto folin nian. Bee manas ai-tukan ne’e katak mane sira presiza fó ba inan no aman feto nian iha momentu ba koalia feto folin ka bele mós depoizde feto nia inan aman mate mak foin fó. Bainhira mane ba koalia barlake feto folin mak nia iha kbiit naton bele fó dala ida hamutuk ho feto nia folin ne’ebé feto nia tiu sira husu, nukazu mak seidauk iha kbiit, entaun bele hein depoizde feto nia inan

12 Lia Na’in hosi Uma Lisan Lihu, Aldeia Simohei, Suku Hatolia, Postu Hatolia, Munisípiu Ermera. Entrevista iha loron 16/09/2019. 13 Lia Na’in Hosi Uma Lisan Rometa Manutasi Maumanu, Aldeia Failete, Suku Asulau Saré, Postu Hatulia, Munisípiu Ermera. Etrevista iha Manutasi, loron 06/09/2019.

30 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 ka aman mate mak fó. Fó bee manas aitukan ne’e simboliza konsiderasaun ba inan-aman nia responsabilidade masima durante oan feto moris hanesan Sr. Feliciano Martins14 hateten: Bee manas aitukan ne’e kompoen hosi bee manas no aitukan. Bee manas ne’e refere ba inan ne’ebé mak hahoris oan feto, nia hemu bee manas no harís bee manas. Aitukan ne’e refere ba aman ne’ebé mak ba hili ai hodi nono bee manas”. Inan tenke hemu bee manas no harís bee manas atu bele fó susu ba oan feto iha momentu sei kosok-oan no be manas ne’ebé inan uza hodi harís no hemu ne’e, aman mak nono liu husi ai ne’ebé aman ba hili. Barlake feto folin ba bee manas aitukan ne’e depende ba inan nia baralake iha momentu aman ba hasai oan feto nia inan, hanesan Sr. Napoleão Noronha hateten: Se antes ne’e oan feto ne’ebé atu koalia nia barlake ne’e nia ama uluk oan feto nia apa fó seribu dolar ($ 1.000) hodi hasai nia inan, entaun oan feto sai ba tur fali ne’e sempre $ 2.000. $ 2.000 laloos ita faan oan feto maibé atu umane hosi feto nian no mane foun simu malu mai umane sira tau fali roupa, fahi prepara para sira mai han hemu entaun ida ne’e mak família rua ne’e tane malu aas no respeita ba malu ne’e mak sentidu loloos. Liu husi bee manas no aitukan ne’e atu ema bele rekoñese katak feto ne’ebé mak mane atu mai hasai ne’e laloos feto sira ne’ebé mak moris iha dalan no la iha ema ida mak kuidadu nia too boot, maibé nia iha inan no aman ida ne’ebé mak hadomi nia no kuida nia too boot nune’e. Ho ida ne’e, mane lori sai ba presiza mós kuidadu nafatin feto ne’e ho didi’ak. Alende barlake feto folin nian ne’ebé mak fó ba inan no aman, fó mós ba feto nia tiu no nan (maun no alin mane). Feto ne’ebé mak mane atu hasai ne’e presiza fó rekoñesimentu mós ba feto nia tiu no nan sira liu husi barlake feto folin. Ne’e importante tebes, maibé la obriga bainhira mane ne’ebé atu mai koalia barlake feto folin nian seidauk iha kbiit hanesan Sr. Francisco Fernandes hateten: Hanesan tiun ho naan ninian ne’e diferente dalaruma mane foun iha mai ita bele koalia kona-bá tiu ho naan ninian ne

14 Lia Na’in hosi Uma Lisan Raeubu, Aldeia Manulete, Suku Koliate, Postu Hatulia, Munisípiu Ermera. Enrevista iha loron 05/09/2019.

o | 31 Natalino C. Soares e Martinho Borromeu

maka tiu ida ne’ebé simu karau inan ninian ka karau aman ninian i depois naan ne’e hanesan temi uluk naan ida primeiru ne’e, se naan ida primeiru ne’e simu uluk sira ida seluk ne’e ita bele deve, importante mai ne’e tenke temi uluk tiu ho naan bainhira atu halo berlake, maibé bainhira barlake la iha ita labele ba obriga. Fó ba nia tiu ne’e hanesan atu bele hatene katak ita iha oan feto ida mak atu hatutan ona jerasaun ida ne’e. No fó ba feto nia nan ne’e hanesan durante ne’e feto ne’e nia nan mak hamotuk ho inan aman hodi kuidadu feto ne’e. Entre serimónia rituál ne’ebé deskreve iha leten, iha mos serimónia ida ne’ebé hanaran serimónia mate isin. Iha serimónia mate isin tuir tradisaun komunidade Hatulia nian ema sempre halo hodi fó valór ba ema ne’ebé mate, (Mate isin lian mambae nian dehan maet etan) hanesan ema ne’ebé mate, fami- lia sira sei rai hela iha meza leten hodi halo fukun sira, umane ho kai hamutuk hafoin mak bele hakoi tuir kustume uma lisan ida idak nian, mak hanesan tuir mai ne’e: hola mate ulun, hola mate ain, kohe, hasan rahun, badoma ka oklu, piltaun ka brinkus ba ferik sira, no estekan ka aitonka. Hanesan haktuir hosi entrevistadu ho Sr. Francisco Fernandes: Koalia-kona ba hola mate isin tanba mate isin sei latan hela iha meza entaun nia oan mane boot ho nia oan feto boot mai tuur iha ne’e dehan agora kolia kedas ho nia tiu avo sira para tiu sira hosi mane nian tiu sira hosi feto nian mai hodi rona, tanba ne’e hamotuk hodi halibur sasan ho osan hanesan balu tau lima dolar balu tau sepulu dolar hodi deside umane ne’ebé mak atu hola mate ulun no mate ain.

Hola mate ulun lian mambae dehan al maet ulun signifka atu hakoi mate ida tenke fó tiha rekoñesimentu ba nia tiu ho avó sira atu nune’e labele kona malisan iha loron ikus, ida ne’e sai hanesan tradisaun ida ne’ebé sempre akontese waihira hakoi mate ida, tanba iha hanoin katak ema moris husi ema, tenke konsidera malu, liliu iha momentu balun ema ruma mate. Hanesan haktuir hosi Sr. Francisco Fernandes: Ida atu hola mate ulun ne’e, baibain umane ida mak hola, atu hola karau hamutuk haat ka lima mós depende ba umane ida hola ulun ne’e, hanesan mane boot hosi umane nian ida mak hola, wainhira ita fó karau ida, dalaruma nia hanoin, nia bele fó fali fahi ho tais ruma mai ita.

32 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020

Hosi lia hirak ne’ebé señor Fernandes hateten ona iha leten ita bele konsidera katak umane mak poder boot liu iha tradisaun hakoi mate ruma, bele hakoi labarik ka ema boot ida mós nafatin iha umane hodi fó dalan ba jerasaun sira ne’ebé sei tuir mai. Umane atu husu sasan ruma, sira mós prepara hela sasan balun atu fó fla ba mane foun sira. Iha sorin seluk tuir Julio Soares15: Mate ne’e ita konta hanesa ita atu tau ba kaisaun, ita tenke bolu umane karau feto no karau mane, bolu mos kai boot no kai ki’ik, sira nain haat mai hamrik hotu iha mate ninia oin maka umane sira foin tesi hansa ne’e baihira mate ne’e tun ba toba hau hola hira ha’u tenke hola belak ida karau ida ne’e mak foin tuun ba kaisaun. Haree hosi señor Julio Soares ho señor Fernandes nia hanoin kona-bá oinsa hola mate ulun katak waihira mate ida kuadu hakoi tenke bolu umane ida hola ulun ne’e mai hamrik mak foin tau ba kaisaun laran no mós mane foun ne’ebé sai hanesan kai ne’e mós mai hamrik hotu mak foin tau mate ba kaisaun, too iha ne’e mós hodi kolia kedas umane ida hola ulun ne’e rona kedas atu simu saida bele osan ka animal depende ba oan mane sira mak tetu, hodi fó ba tiu ida umane ne’e hodi hola nu’udar mate ne’e nia ulun, Serimónia hola mate ain katak, fó sasan ba malu, feto san fó ba uma- ne, ne’ebé mak konsidera hanesan umane ka karau aman. Tuir señor Carlos Lopes16 nia hanoin kona-ba hola mate ain ne’e katak: Mate ain ne’e depende hanesan umane ida la’os ninian rasik ona ne’e hanesan umane ida uluk desde orijen sira hahú ne’e mak hola fali mate ain, bele fó bibi, belak ka osan uitoan de’it mós sira simu de’it tanba mate ne’e agora laloos sira nian tanba ita temi sira naran karau ita respeita sira ita fó ba mós sira simu de’it. Hanesan prosesu ida ne’ebé mak bele kompleta serimónia hakoi mate ne’e, tanba hola mate ain ne’e, haree hosi umane ida orijen maka bele hola mate ain ne’e, tanba haree husi kondisaun mane foun sira nia, se sasan barak entaun umane simu barak se uitoan mós umane simu deit, signifka fó respeitu de’it ba malu iha momentu hakoi mate ida, Borges17 haktuir katak: 15 Lia Na’in hosi Uma Lisan Totoi, Aldeai Manulete, Suku Koliate,Postu Hatulia, Munisípiu Ermera. Entrevista iha loron 05/09/2019. 16 Entrevista iha loron 30/08/2019, Aldeia Liulara, Suku Leimea Leten, Postu Atsabe, Munisípiu Ermera. 17 Lia Na’in hosi Uma Lisan Maijor, Aldeia Lublalau, Suku Manusa’e, Postu Hatulia, Munisípiu Ermera. Entrevista iha rezidénsia parókia Hatulia, loron 31/08/2019.

o | 33 Natalino C. Soares e Martinho Borromeu

Kohe ne’e hanesan fatin ida hodi tau bua ho malus iha laran no bai-bain hanaran mama fatin, maibé bainhira avó mate, ne’e tau belak mean iha laran signifka avó mate mós avó-nia klamar ne’e hela iha ne’ebá. Entaun buat hirak ne’e maka ita tau iha ne’ebá ,se nia tara hela kohe tau belak mean ka ulsuku ida ne’e temi hela avo nian, atu nune’e bainhira iha uma laran ne’e ida maka moras bele ba hamulak iha ne’ebá nia bele diak fla fali.

Bazeia ba norma tradisionál ne’ebé uluk iha ona no uja Kohe ne’e sai hanesan símbolu ida hodi rekoñese nafatin avó sira, aleinde hosi ida ne’e tau belak mean ka ulsuku iha kohe laran hodi bele fó matak malirin nafatin ba família sira no bele mós rekupera família sira nia moras bainhira sira husu tulun. Iha parte seluk tuir Lia Na’in Martins haktuir katak kohe hanesan uluk ninian ne’e husu belak ka pataka mean tomak, maibé agora ne’e husu osan hanesan 10$ ka 15$. Hasan rahun katuas nian ne’ebé mak naruk, bainhira nia mate oan sira sempre valoriza liu husi tau osan ka belak hanesan Konsellu Lia Na’in Sr. Martins18 dehan: Hasan rahun tenke tau osan mean ka belak mean, ida ne’e oan feto rasik ho mane foun maka tenke tau. Se ema husu osan entaun ida ne’e depende ba nia na’in maka husu dala ruma ema bele husu $ 50 ou bele husu $ 100. Ida ne’e hanesan kultura ida bainhira nia aman ida husik hela nia hasan rahun naruk ne’e laloos naran husik saugati de’it maibé husik para nia oan sira kesi netik belak ruma ba. Sasan sira ne’ebé matebian sira uza iha momentu sei moris no presiza kompleta molok hakoi matebian, ida rigor oituan mak brinkus (piltaun) inan nian hanesan Soares haktuir katak: Ida todan liu mak inan nian, inan ninia ne’e piltaun ne’e atu fó de’it osan mós ne’e la simu ida tanba osan ida ne’e laloos tau ba inan nia tilun, se piltaun ne’e tenke piltaun duni. Ita tenke esforso an, se ita esforsu ba mak la iha entaun hein fali desizaun hosi katuas Lia Na’in ona se nia dehan inan nia piltaun sorin fó $ 50 sorin fó $ 50 hamutuk $ 100 ida ne’e ita tenke esforsu hodi fó duni.

18 Carlos Martins nu’udar kosellu Lia Na’in hosi Uma Lisan Maulau, Aldeia Aimer-ulu, Suku Hatulia Vila, Postu Hatulia, Munisípiu Ermera. Entrevista iha loron 14/09/2019.

34 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020

Uluk badoma ne’e la iha, agora daudaun mak foin iha hanesan Sr. Valério19 hateten “badoma la iha ida. Ikus-ikus mósu badoma ba katuas sira ne’e, ne’e oan feto sira tau osan mesekana, karik osan mesekana la iha, entaun tau sepulu dolar ka lima dolar hodi reprezenta de’it”. Badoma ne’e katuas sira ne’ebé sei moris mak uza atu bele haree moos hodi halao aktividade diaria ho di’ak. No bainhira sira mate oklu ne’e sei hetan valorizasaun hosi oan feto liu husi osan hanesan señor Julio Soares haktuir katak “badoma ne’e se ita fó osan entaun sorin sepulu sorin sepulu”. Estekan ka Ai-tonka ba mane katuas, bele esplika to’ok buat sira ne’e tamba sa mak tenke fó sasan ba buat sira ne’e? Tuir Sr. Martins “ne’e hanesan uluk katuas sira sempre kaer aitonka, ida ne’e ita fó depende ba ita iha belak mutin mós ita rai ba ema foti de’it, tuir kbiit ne’ebé ita iha”. Estekan ka ai-tonka ba avó mane/katuas sira ida ne’e laloos obrigatóriu hodi fó osan ho montante ne’ebé boot no belak mean, maibé ida ne’e sei iha toleránsia bele fó tuir kbiit ne’ebé ita iha hodi valóriza aitoka ne’ebé mak du- rante katuas sei moris hodi uza. konkluZAun

Hosi peskija ne’ebé hala’o iha munisipiu Ermera, postu administrativu Hatulia, konsege hetan informasaun lubuk ida kona-bá kultura lia mate no lia moris hanesan: Uma-Lisan, serimónia rituál tradisionál, serimónia mate isin nian ne’ebé sosiedade ne’ebá sempre hala’o. Iha peskija ne’e mós konsege observa, no identifka realidade empirika ne’ebé baibain kada lisan ida idak hala’o tuir sira nia kostume ne’ebé husik hela hosi beiala sira. Parte positivu hatudu katak fnalidade hosi pratika rituál tradisionál hirak ne’e hodi fó valór ba malu no hakesi relasaun intima entre umane (karau aman no karau inan) ho mane foun (kai boot ho kai ki’ik), oan feto ho mane no feton ho naan, hodi konserva no hametin nafatin eransa eh tradisaun hirak ne’ebé iha nanis ona.

19 Valério Sipriano Lemos Soares husi Uma Lisan Maior, Aldeia Aihatadiu, Suku Koliate, Postu Hatulia, Munisípiu Ermera. Entrevista iha loron 5/09/2019.

o | 35 Natalino C. Soares e Martinho Borromeu

Iha sorin seluk, hosi observasaun empirika ne’e mós hatudu katak fnali- dade hosi hosi rituál tradisionál hira ne’e lori mós impaktu negativu ba sosiedade nia moris ho sasan sira ne’ebé tula ba malu ka obriga malu entre umane no kai sira wainhira halo lia mate eh lia moris ruma. Hosi sasan hirak ne’ebé fó ba malu implika liu ba nesesidade ekonómika uma laran, no oan sira ninia estudu.

rekomendASAun

Iha biban ida ne’e ami sei rekomenda ba parte kompetente hotu-hotu hodi hola responsabilidade ba pratika rituál tradisionál hirak ne’ebé ita pre- siza konserva no hametin nafatin, no mós tenke diminui pratika sira ne’ebé konsidera nu’udar pratika explorasaun kulturál ne’ebé la fó benefísiu no lori sosiedade ba moris iha lina kiak. 1. Ba exelénsia Sekretáriu Arte no Kultura presija tau-matan hodi fo valór no konserva nafatin rituál tradisionál hirak ne’ebé hatudu ita nia identidade nasional ba rai seluk. Iha parte seluk tenke regulariza liu husi dekretu lei ruma ba prátika hirak ne’ebé hanesan esplorasaun kulturál. 2. Ba autoridade munisipál no lokál tenke kontrola nafatin regra hirak ne’ebé hamósu ona hodi regulariza pratika rituál hirak ne’ebé la lori benefsio diak ba sosiedade. 3. Ba autoridade igreja nian tenke hola knar ida hodi akonsella nafatin sarani sira kona-ba pratika sira ne’ebé la di’ak iha kultura. No nafatin fó liber- dade ba sarani sira atu konserva no hametin nafatin esénsia hosi rituál ne’ebé halo sosiedade nia relasaun sosiál metin ho di’ak. 4. Ba akademista sira kontinua halo nafatin peskija hodi buka hatene loloos kona-ba esénsia hosi kultura no tenke elabora dokumentu ida ne’ebé sientífka ho akadémika hodi rai hela hanesan referénsia.

reFerÉnSiA

Boarccaech, A. (2019). Istória Psikolojia nian: konseitu kona-ba psyche. Revista Diálogos, n. 4, ano 4, pp. 9-30.

36 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020

Bornheim, G. (1998). Os Filósofos Pré-socráticos. São Paulo: Editora Cultrix. Habermas, J. (1989). Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Heidegger, M. (1953). Einfuehrung in die Methaphysic. Nova York: Cultic LDA. Malinowski, B. (1955). Myth in Primitive Psychology. Nova York: Cultic LDA. Pettazzoni, R. (1954). Essay on the history of the religion. Netherlands, Leiden: E. J. Brill. Souza, J. C. (1996). Os Pensadores Pré- Socráticos: Vida e Obra. São Paulo: Editora Nova. Werner, M. (1956). Die Religionen der Waldlandindianer Nordamerikas. Berlin, D. Reimer.

o | 37

Bárbara Dias Ferreira1 Rafael Nogueira Costa2 Robson Loureiro3

Resumo: O artigo conjuga a contribuição de dois grupos de pesquisa, de duas universida- des públicas brasileiras (UFRJ e Ufes), que buscam responder questões referentes à prática cinematográfca, com base no referencial teórico de Paulo Freire. Propõe o uso político e o enfrentamento ao consumo de imagens. Apresentamos três elementos para análise: i) a relação entre a indústria cultural e a disputa pelo imaginário; ii) análise do discurso dos ministros de Meio Ambiente e Educação do Brasil em uma reunião ministerial e iii) análise de uma animação que se coloca contra hegemônica sobre a história do Brasil, apesar de ser produzida com elevados recursos fnanceiros e dentro de uma estrutura hegemônica. Consideramos que o cinema crítico e politicamente engajado pode ser um caminho possível para transformar a dimensão simbólica em disputa no contexto contemporâneo. Palavras-chave: Cinema; Paulo Freire; Imaginação; Universidade Pública.

community cinenA AgAinSt tHe cAttle Abstract: Te article combines the contribution of two research groups, from two Brazilian public universities (UFRJ and Ufes), which seek to answer questions regarding cinemato- graphic practice, based on Paulo Freire. It proposes the political use and the confrontation of the consumption of images. We present three elements for analysis: i) the relationship between the cultural industry and the dispute for the imaginary; ii) analysis of the speech of the Ministers of Environment and Education of Brazil in a ministerial meeting and iii) analysis of an flm animation that is against hegemonic about the history of Brazil, despite being produced with high fnancial resources and within a hegemonic structure. We believe that critical and politically engaged cinema can be a possible way to transform the symbolic dimension in dispute in the contemporary context. Keywords: Movie; Paulo Freire; Imagination; Public University.

1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Conservação, Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade, Universidade Federal do Rio de Janeiro. https://orcid.org/0000-0002-65275270 2 Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Conservação e do Programa de Pós-Graduação Profssional em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento. https://orcid.org/0000-0003-2790-5742 3 Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo. https://orcid.org/0000- 0002-8272-5368

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 39 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

introdução

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de pes- quisar e produzir cinema na interface entre os campos da educação, sociedade e ambiente. Propõe produções coletivas de flmes contra hegemônicos com a criação de narrativas afastadas do status quo, que durante anos tem imposto formas de ver e entender o mundo. De maneira contrária à lógica do entrete- nimento produzida pela indústria cultural dominante, propomos a construção de obras audiovisuais críticas e dialógicas. O cinema do mainstream tem sido uma espécie de braço direito dos processos de alienação que difcultam o público romper com o encantamento que anestesia e entorpece a capacidade de autorrefexão e crítica, em face da realidade social injusta. Pinheiro (2018) demonstra uma conexão entre entretenimento e política. Esse autor analisa os flmes do diretor Steven Spielberg e aponta o papel histórico dos estúdios de Hollywood: [...] A história do mais conhecido centro produtor de cinema voltado para o entretenimento revela que, quando as imagens originadas no mundo histórico se tornam duras demais para serem digeridas pelo público, os estúdios de Hollywood chamam para si a responsabilidade de reestabelecer uma certa ordem imaginária, elaborar medos e angústias, e ainda dar forma ao incompreensível. (Pinheiro, 2018, p. 28). Sobre o advento da indústria cultural do cinema, difundida pelos estú- dios de Hollywood, Loureiro (2008) considera que: [...] No período da Guerra Fria, os Estados Unidos preocuparam-se com uma possível inclinação e adesão dos trabalhadores da Europa Ocidental ao comunismo. A massifcação de flmes em diversos países europeus representou uma espécie de Plano Marshall na área do entretenimento, em especial do cinema. Com os flmes, “ocupavam-se territórios” sem a necessidade de movimentar tropas [...]. Em outros termos, os flmes de Hollywood também procuravam “proteger” os espíritos europeus do comunismo. (Loureiro, 2008, p. 139). A produção de conteúdo audiovisual pode interferir diretamente no pensamento coletivo. Ela pode, inclusive, padronizar hábitos de uma par- cela considerável da população e interferir o fazer político. Nesse sentido,

40 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Cinema de base comunitária na contramão da boaiada propomos linhas de fuga para criar formas de produzir e fomentar os espaços de exibição de narrativas outras, diferentes destas capitalistas usadas para disputar nossa atenção e distração. Nossa hipótese considera que o cinema pode ampliar as potencialidades do prazer inerentes à criação coletiva e tornar essa arte um movimento político mais democrático, pois: [...] Mais do que um mero suporte técnico instrumental para se atingir objetivos pedagógicos, os flmes são uma fonte de formação humana, pois estão repletos de crenças, valores, comportamentos éticos e estéticos constitutivos da vida social. (Loureiro, 2008, p. 136). Nossa análise e propostas estão balizadas a partir dos pressupostos teórico- metodológicos do educador Paulo Freire e da Teoria Crítica da sociedade, com o escopo de responder as seguintes questões: De que forma a universidade pública pode se apropriar das contribuições de Paulo Freire para pensar e propor ações de ensino, pesquisa e extensão no campo do cinema? Quais são as potencialidades e limitações da obra Uma história de amor e fúria (2013) em relação à proposta teórica-metodológica de Paulo Freire? Além da análise do flme, identifcamos, nos discursos dos Ministros do Meio Ambiente e Educação do Brasil, a partir de um vídeo gravado em uma reu- nião ministerial e amplamente disponibilizado pela grande mídia, tentativas de redução das políticas públicas ambientais e ataque à diversidade cultural brasileira. As refexões e problematizações aqui propostas partem do acúmulo de experiências no campo do cinema, a partir de ações, como: “produção de flmes, cursos gratuitos de extensão, organização de festivais de cinema universitário” e análise de obras (Costa, Monteiro, Sánchez, 2018, p. 211).

SiStemA cArcerário de imAginAçõeS pelAS imAgenS

De acordo com Costa (2019, p. 4), “[...] a não aceitação de predetermina- ções cria nos indivíduos uma possibilidade de imaginação, que é um elemento essencial do pensamento crítico”. Por isso, apostamos no poder das imagens para produção de novas imaginações e, a partir delas, criação de caminhos para a transformação das realidades opressoras:

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 41 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

[...] pode-se admitir com facilidade que as imagens são a “matéria-prima” da atividade imaginária, embora ainda saibamos muito pouco a respeito de sua natureza e dos processos de sua elaboração, conservação e evocação. O problema da imagem, e dos modos de compreendê-la, suscita toda tensão inerente às visões sobre o funcionamento imaginário, especialmente a tensão entre reprodução da realidade e criação do novo. (Cruz, 2015, p. 364). Contudo, consideramos existir uma falência na plenitude de imagi- nar. Talvez, estejamos perdendo um pouco da dimensão criativa em nós. Isso pode estar relacionado com a qualidade e a velocidade cada vez mais acelerada com que as imagens têm sido consumidas. Isto nos remete à questão primeira desse artigo, relativa à infuência da indústria cultural e o cinema do mainstream. Para Cruz (2015, p. 373), “[...] podemos considerar que o declínio da ‘curva da evolução da imaginação’, de que nos fala Vygotsky, é produto de relações sociais determinadas”. Por isso, deve-se levar em consideração que as imagens atualmente consumidas, de certa forma, representam um modo me- cânico de observar e incorporar a realidade, além de priorizar apenas a visão de quem detém as formas de produção e controle. [...] As relações entre a atividade imaginária e a realidade [...] é a de que toda criação imaginária parte de elementos tomados da realidade e resulta em uma modificação, uma reelaboração desses elementos. Outra forma é aquela em que imaginação possibilita o conhecimento do real a partir da experiência do outro, servindo como meio de ampliação da experiência do homem. É o que ocorre quando construímos imagens de lugares, fatos e coisas que nunca vimos. (Cruz, 2015, p. 365). A imaginação de todos e todas que circulam pela esfera pública virtual tem sido disputada por poderosos conglomerados empresariais, proprietários das redes sociais online. Os mesmos nos trazem uma abundância considerável de imagens e informações. Quando nos damos conta, estamos reproduzindo padrões automaticamente, cegos de nós mesmos. Esses mecanismos podem diminuir cada vez mais nossa capacidade criativa. Em uma pesquisa feita em relação a uma suposta decadência da subjetividade das imagens, em

42 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Cinema de base comunitária na contramão da boaiada detrimento de um crescente modo de produção a partir do advento das tecnologias, Miranda (2007) coloca: [...] Parafraseando o pintor Paul Klee, que diz “agora os objetos me percebem” (citado por Virilio, 1994: 86), o autor assim refete: a um só tempo, nos tornamos cada vez mais dependentes destas máquinas de visão para percebermos o mundo e a nós mesmos e assistimos à falência da imaginação, a uma industrialização da visão, em última instância, à não-visão. (Miranda, 2007, p. 29). De fato, não signifca aqui negar a riqueza das propriedades que a câ- mera fotográfca ou o cinema nos proporcionam, ao mexer profundamente com nossos sentidos. Apenas questionamos seus modos de produção vigentes, desvinculando-os de um modelo hegemônico capitalista e retomando um fazer mais subjetivo, criativo e crítico quando se trata de produzir imagens. Como bem concluiu a autora: [...] o problema não está na relação entre subjetividade e imagem tecnológica, mas na homogeneização das imagens em padrões, gostos, impondo um referencial estético único no cotidiano. (Miranda, 2007, p. 36). Esse fato poderia passar facilmente despercebido, caso o fazer flmes fosse algo pouco relevante para a sociedade. Contudo, esperamos que fque claro a importância do cinema e das novas tecnologias, na infuência em nosso processo imaginativo. Pensar que os meios de comunicação de massa contribuem com o controle dos padrões vigentes, impostos pelo sistema capi- talista contemporâneo, nos possibilita compreender o poder que a imagem e a informação vinculada a ela é capaz de ter.

Nossa atenção, nesse item, desvia-se para a relevância da produção audio- visual no que se refere às questões socioambientais no Brasil contemporâneo. Apresentamos trechos de um ofício escrito por membros da Câmara de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural – 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – ao denunciar a postura do atual

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 43 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

Ministro de Meio Ambiente do Brasil, em reunião ministerial. O alvo são as falas do ministro, nas quais ele deixa clara sua intenção, em usar a infuência que a mídia e a comunicação exercem na distração da população, para construir um arcabouço institucional da destruição da natureza. Diante do quadro que foi evidenciado pela pandemia de Covid-19, nos últimos meses, pudemos perceber que, mesmo diante de uma doença avassala- dora que assola todo o planeta, os líderes do atual governo brasileiro preferem ignorá-la. Ou melhor, tentam se aproveitar dessa oportunidade para desestru- turar a área ambiental e abrir as porteiras para o neoliberalismo. É o que atual ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, nos confrma: [...] Nós temos a possibilidade nesse momento que a atenção da imprensa tá voltada exclusiva… quase que exclusivamente pro Covid, e daqui a pouco para a Amazônia. O General Mourão tem feito aí os trabalhos preparatórios para que a gente possa entrar nesse assunto da Amazônia um pouco mais calçado. Mas não é isso que eu quero falar. A oportunidade que nós temos, que a imprensa não tá… tá nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplifcação, todas as reformas. (Brasil, 2020). O Ministro, em seu discurso, evidencia a intenção de simplifcação das normas ambientais, baseado no momento de preocupação coletiva com a pandemia. Dessa forma, expõe os bastidores do balcão de negócios, onde a natureza é o centro de expropriação: [...] eu acho que o Meio Ambiente é o mais difícil, de passar qualquer mudança infralegal em termos de infraestrutura (…) e é instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no judiciário no dia seguinte. Então, pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa. Porque só fala de Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplifcando normas. De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplifcação regulam… é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos. (Discurso Ministro do Meio Ambiente do Brasil na reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020. Fonte: Brasil (2020)).

44 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Cinema de base comunitária na contramão da boaiada

Quando o ministro fala em “ir passando a boiada”, ele se refere à boiada neoliberal, aquela que se propõe a passar por cima de leis de demarcação das terras indígenas, por exemplo. As leis passam a favorecer os grandes proprietá- rios de terra, que transformam os ecossistemas em agronegócio. São essas leis que podem difcultar ainda mais o combate ao desmatamento na Amazônia. Na mesma reunião, o ex-Ministro da Educação, Abraham Weintraub, expõe a narrativa de ódio contra a diversidade cultural, ao falar: [...] Odeio o termo ‘povos indígenas’. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré. É o povo brasileiro, só tem um povo. Pode ser preto, pode ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Acabar com esse negócio de povos e privilégios. (Discurso do ex-Ministro da Educação do Brasil na reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020). Faz-se urgente que toda a população esteja atenta às demandas das comu- nidades vinculadas aos territórios em disputas. Mais do que nunca, precisamos dar força ao discurso daqueles que estão com a corda na mão para segurar a boiada. Comunidades autóctones, moradores das favelas, aldeias, comunida- des remanescentes de quilombo4, pescadores artesanais, ribeirinhos etc. Daí a necessidade de anunciarmos outras narrativas vinculadas aos territórios. No lugar de armas de fogo e granadas, historicamente utilizadas por governos autoritários, propomos o lançamento de flmes como forma de combate ao discurso dominante e construção de narrativas contra hegemônicas.

Criar narrativas envolve intenções e questionamos sobre as múltiplas formas de interpretar e expor os fatos. Sempre haverá intenção na construção de qualquer narrativa fílmica. Para tanto, um quefazer democrático necessita de amplo diálogo e senso de justiça. Portanto, a base teórica que sustenta essa argumentação funda- menta-se nas leituras e contribuições de trechos da obra de Paulo Freire.

4 Ver: Schmitt, Turatti, Carvalho (2002).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 45 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

Para exemplifcar, analisamos o flme Uma história de amor e fúria (2013). A animação expõe outros pontos de vista sobre a história do Brasil e revela diferentes perspectivas das apresentadas nos livros didáticos. No flme, o personagem principal narra várias passagens da sua vida ao longo de fctícios 600 anos. O protagonista se torna imortal na fgura de um pássaro que trans- cende ao tempo e vive em quatro momentos históricos no Brasil. Sua vida é marcada pelo amor que sente por Janaína e pelas lutas por justiça que cruzam gerações. A seguir, apresentamos uma leitura do flme e contextualizada a partir dos pressupostos de Paulo Freire e o cinema contra hegemônico em relação à atual situação política brasileira. O ano é 1566. Abeguar, um índio da tribo Tupinambá, vive um grande amor por Janaína e a agonia da chegada dos portugueses às suas terras. Certa noite, o pajé da tribo o guia em uma visão e ele descobre que tem a missão de combater o “império de Anhangá5”, representado pelos infortúnios que acometeriam seu território com a chegada dos europeus. Enquanto não con- seguisse combater Anhangá, continuaria a viver até ter sua missão cumprida. Dessa forma, foi construída a ideia de demônio: O demônio, na obra anchietana6, tinha papel importante no processo de catequizador dos nativos, pois era através dele que os indígenas eram acusados de infdelidade à doutrina. (Filho, 2007, p. 84). Anhangá, portanto, fez o papel de “demônio” e passou a assolar o ima- ginário do índio, sendo considerado até hoje como uma entidade maligna originária da cultura indígena. Em um ataque dos portugueses junto aos Tupiniquins, a tribo Tupinambá foi praticamente dizimada. Abeguar e Janaína conseguem se esconder na mata com algumas crianças. Porém, em uma emboscada, Janaína é morta e as crianças levadas como escravas para as plantações de cana-de -açúcar. Abeguar, sem aguentar aquela situação, salta do alto de uma mon- tanha. Cada vez que morre, o personagem assume a forma de um pássaro e

5 Termo utilizado pelos jesuítas para manter os índios em “ordem” com os pressupostos católicos. “O projeto para transpor a mensagem católica para a fala do índio demandava um esforço para penetrar no imaginário do outro” (Bosi apud Filho, 2007, p. 12). 6 José de Anchieta, foi um missionário que ingressou na Companhia de Jesus e veio ao Brasil com objetivo de catequizar os índios (Filho, 2007).

46 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Cinema de base comunitária na contramão da boaiada voa durante anos, até reencontrar Janaína em outras vidas. Em 1825, Abeguar (agora Manuel) encontra Janaína no Maranhão, no corpo de uma mulher negra. Eles se casam, têm duas flhas e Manuel se torna líder de uma grande revolta popular, que fcou conhecida na história como Balaiada. Eles vencem a batalha. Nesse momento, Manuel pensa ter derrotado as forças de Anhangá, mas não demorou muito, o governo conservador cha- ma Luis Alves para comandar o exército com a missão de “pacifcar” o local. Manuel é morto, Janaína e as flhas são escravizadas. Luis Alves é condecorado Duque de Caxias e se torna patrono do exército brasileiro. Alguns sertanejos conseguem escapar do ataque e começam a vagar pelos sertões nordestinos, marcando o início do cangaço. O terceiro momento do flme acontece no Rio de Janeiro em 1968, em plena ditadura militar, que durante vinte e um anos assolou nosso país (Zachariadhes, 2009, p. 9). Os ditadores mataram e torturaram pessoas, em sua maioria jovens que lutavam por liberdade de expressão e democracia. Nessa passagem do flme, o personagem dá aulas de História em uma favela e é morto em operação policial. No momento fnal, o diretor dá um salto para o ano de 2096, imaginando um futuro próximo, onde a água doce potável é escassa e, no Rio de Janeiro em um cenário de guerra, a empresa Aquabras detém o poder sobre o Aquífero Guarani. Em todas as vidas que assumem, os personagens estão em luta contra a opressão, contra a colonização, contra a censura. O fnal do flme deixa no ar que o “império de Anhangá” ainda domina nosso mundo através da ganância, do egoísmo, da desigualdade e injustiça social. A frase “viver sem conhecer o passado é andar no escuro” marca a animação e, curiosamente, nos remete a uma fala de Paulo Freire (2018) ao responder uma pergunta em entrevista sobre classes sociais e ideologia: [...] A História não se acabou. Segue viva e nos convida a lutar. As classes sociais não se acabaram. Estão aí, manifestando sua existência em todas as ruas do mundo inteiro, a exploração não terminou, nem os fatos são irreversíveis. Temos que compreender que as lutas dos povos atravessam etapas diferentes e essas etapas têm difculdades diferentes. (Freire, 2018, p. 49).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 47 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

A partir dessas considerações, podemos imaginar possibilidades de estender os ensinamentos de Paulo Freire e aplicá-los em áreas como audiovisual para que tenha- mos, realmente, a presença de narrativas autóctones. De acordo com Freire (2013): [...] O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a coparticipação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um “penso”, mas um “pensamos”. É o “pensamos” que estabelece o “penso”, e não o contrário. Esta coparticipação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação. (Freire, 2013, p. 57). Existem alguns caminhos teóricos metodológicos para se trabalhar o cinema, dentro da perspectiva que propomos. O primeiro deles são as situa- ções-limites, que segundo Osowski (2010): [...] são constituídas por contradições que envolvem os indivíduos, produzindo-lhes uma aderência aos fatos e, ao mesmo tempo, levando-os a perceberem como fatalismo aquilo que lhes está acontecendo. Como não conseguem afastar-se disso, nem se percebem com algum empowerment, aceitam o que lhes é imposto, submetendo-se aos acontecimentos. Eles não têm consciência de sua submissão porque as próprias situações-limites fazem com que cada um sinta-se impotente diante do que lhe acontece. (Osowski, 2010, p. 385). Outro caminho seria a produção coletiva dialógica e participativa, que Freire denomina de síntese cultural. Segundo Gustsack (2010), esta representa: [...] o momento de superação das contradições antagônicas próprias da estrutura social que obstaculizam a libertação dos homens de sua consciência ingênua. Freire nomeia como síntese cultural toda a ação cultural de caráter dialógico, que se faz com os atores em seus próprios contextos culturais, superando, portanto, a perspectiva de indução e de invasão que defnem as ações antidialógicas e dominadoras. (Gustack, 2010, p. 383). Além desses conceitos, ele traz ainda a idéia de codifcação e decodifca- ção para “[...] explicitar as condições e as possibilidades da relação dialógico- comunicativa, na perspectiva de fundamentar a educação como prática da liberdade” (Gutiérrez, 2010, p. 84). Ele separa a codifcação em pedagógica e publicitária: “Na codifcação pedagógica, há comunicação verdadeira, que é intercomunicação, enquanto a publicitária faz “comunicados”. A primeira

48 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Cinema de base comunitária na contramão da boaiada

“criticiza” e a segunda “ingenuiza” (de ingenuidade), como um dos níveis de percepção da realidade” (Freire, 2013, p. 86). Nesse ponto específco, pode-se identifcar similaridades no discurso de Freire em relação a uma comunicação publicitária unilateral e a produ- ção de flmes em uma lógica contra hegemônica, que propomos pesquisar. Além disso: [...] O insight cinematográfco de Paulo Freire nos desafa a pensar que a concepção de mundo, além do que desenvolvemos com própria experiência, não é formada apenas através do contato com outras pessoas e leituras, mas também com imagens. Entre outras expressões visuais, o cinema nos dá formas de ver e compreender a realidade participando das nossas idealizações sociais, das nossas utopias. Assistimos flmes e com a linguagem do cinema também nos expressamos, imaginária, artística e politicamente. (Berino, 2017, p. 190). Será que os cineastas e as cineastas têm se atentado para esse caráter dia- lógico do fazer fílmico? Deslocar o lugar que ocupa quem dirige o flme, como sendo o próprio entrevistado, mexe ainda mais na estrutura clássica do cinema mainstream, cujo padrão estético-narrativo ainda é hegemônico. É necessário ir à raiz das questões e romper com estruturas rígidas, geralmente impostas por setores conservadores da indústria. Isso implica propor um movimento contínuo de autor, refexão crítica sobre a atividade do docente-pesquisador, na tentativa de fazê-lo perceber o nível de soberba e arrogância com que muitas vezes essa atividade historicamente tem testemunhado. [...] A auto-sufciência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais. (Freire, 1987, p. 52). O cinema, como ferramenta de encontros e descobertas, confgura-se em uma janela de múltiplas interações. Ele pode proporcionar narrativas

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 49 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

mais democráticas e inclusivas, além de possibilitar encontros em espaços comuns, principalmente nos processos de produção e exibição dos flmes. Sem contar que ele é sempre uma produção coletiva, por isso, a possibilidade de se driblar a imposição de cânones imagéticos e formas de ler o mundo. Um dos espaços privilegiados para dar início a esse processo é a contribuição na educação dos futuros e futuras cineastas, que vislumbramos formar nas universidades públicas.

Nessa seção, trataremos da importância da universidade pública em relação ao cinema e suas múltiplas possibilidades. Para isso, apresentamos al- guns projetos de pesquisa idealizados com base crítica dialógica e libertadora, conforme refexões anteriores (Costa, Camargo, Sánchez, 2019). Nesse sentido, as instituições públicas devem produzir suas questões de pesquisa em diálogo com as comunidades situadas nos territórios. A academia tem a chance de construir pontes para que os saberes populares cruzem os limites e as barreiras ainda impostos pelo sistema, e comecem a ocupar cada vez mais os espaços de expressão e vinculação de verdades (Costa, Loureiro, Sánchez, 2020). O Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem) é um ins- tituto da Universidade Federal da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ) e está localizado no município de Macaé-RJ, Brasil. Seus principais campos de pesquisa são as Ciências Ambientais e a Ecologia. Porém, com as pes- quisas realizadas no âmbito dos programas de Pós-Graduação oferecidos pela unidade, é possível ir além das questões físicas, ambientais e biológicas propriamente ditas e ampliar o campo do saber para questões voltadas às transformações da sociedade. No Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Conservação, existe uma disciplina voltada exclusivamente para transitar pelos caminhos socioambientais utilizando as lentes do cinema. Ministrada pelo professor Rafael Nogueira Costa, a disciplina tem como pressuposto pensar um Cinema Ambiental e proporcionar aos alunos experiências de produção coletiva de flmes.

50 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Cinema de base comunitária na contramão da boaiada

A proposta é que o processo de produção fílmica seja uma espécie de “sala de aula”. Dessa forma, o trabalho fnal dos estudantes é a realização de flmes produzidos coletivamente. Os alunos da disciplina passam a ocupar o lugar de pesquisadores e aprendem com os entrevistados. Nos territórios, os protagonistas, são os condutores desse processo coletivo de aprendizagem. Uma lógica mais inclusiva e democrática, inversa da lógica tradicional. Além da disciplina, existem as ações de pesquisa e extensão, que visam investigar as contribuições do cinema para o campo da educação ambiental. Um dos projetos desenvolvidos chama-se “Personagens do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba” e tem como objetivo ampliar narrativas dos sujeitos locais. A proposta é levar para as telas o conhecimento popular. Alguns curtas-metragens produzidos apresentam confitos entre a uni- dade de conservação e os “nativos”. Outros nos apresentam a relação de afeto que alguns personagens criaram com o ambiente, como é o caso do curta Um dia novinho em folha (Gotardo et al., 2013). Esse flme retrata as atividades de arte-educação propostas por um professor da rede pública de ensino do município de Macaé - RJ (Costa; Branquinho, 2016). Nesse ponto, é importante chamar atenção para o fortalecimento das ações de Educação Ambiental que já existem nas comunidades e são tocadas pelos próprios moradores. Por exemplo, em uma Unidade de Conservação (UC), a lógica tradicional seria levar o conhecimento da universidade para os moradores do entorno. Nessa proposta, realiza-se um mapeamen- to, uma espécie de mosaico de experiências relatadas por moradores das comunidades que vivem no entorno da unidade. A ideia de mosaico traz a riqueza que existe na diversidade e, mais ainda, na união de diferentes partes. Nessa região, existem comunidades quilombolas7, de pescadores 7 Na história do Brasil, os quilombos foram reconhecidos pela administração do período colonial por sua constituição a partir das formas de resistência dos africanos ao sistema escravocrata (Carvalho & Lima, 2013, p. 330). Contudo, o conceito de ‘quilombo’ possui uma concepção de formação ainda mais ampla, como a “formação de quilombos que estão relacionados à desapropriação de terras dos jesuítas, à doação de terras como recompensa por serviços prestados a grandes proprietários, ao período de declínio dos sistemas açucareiro e algodoeiro, entre outros exemplos [...] Assim sendo, a noção de quilombo não se restringe aos casos de fuga em massa e refúgio de escravos, mas refere-se, sim, à formação de grupos familiares que, buscando uma produção autônoma e livre, baseada na cooperação, faziam frente ao sistema escravocrata. (Carvalho & Lima, 2013, p. 331).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 51 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

tradicionais e outros moradores que, por motivos diversos, estão no local antes mesmo da criação da UC: [...] Esta idéia reforça o potencial de uma articulação entre a perspectiva do cinema e o pensamento de Paulo Freire para pensar uma metodologia participativa de educação ambiental. Tal articulação destaca-se como uma alternativa metodológica para ações de Educação Ambiental em UCs e pelo reconhecimento de comunidades locais e seus representantes como detentores de conhecimentos ambientais, que podem auxiliar na construção de pedagogias atentas às leituras de mundo. (Costa, 2019, p. 14). Em um de seus trabalhos com as comunidades locais, que tem como base o diálogo entre os saberes, Costa (2019, p. 14) afrma que “[...] o conhe- cimento produzido pelo trabalho de pesquisa utilizando o cinema ambiental tem revelado o quanto estes moradores”, podem ser “atores fundamentais” possíveis “parceiros” na manutenção da biodiversidade. Contudo, há de se ter atenção para a importância do conhecimento de base comunitária quanto à conservação do ambiente e das culturas nele identifcadas. Outra importante atividade realizada pelo Nupem/UFRJ é o Festival de Cinema Decolonial, organizado anualmente por pesquisadores de diferentes áreas e de várias instituições. A proposta é reunir produções contra hegemô- nicas. Funciona também como um processo de mapeamento das produções independentes que trazem outras narrativas, diferentes daquelas produzidas pela indústria cultural hegemônica. Dessa forma, espera-se criar um espaço para o fomento de novas narrativas, situadas nos territórios.

conSiderAçõeS FinAiS

O cinema do mainstream, dominado pela indústria cultural hegemônica, fortalece o entretenimento alienante que contribui para a formatação ético -estética, perceptível na dimensão político-social, que marca nossa história a partir do modo como começamos a perceber e interagir com o outro e com o mundo. A indústria cinematográfca, ainda dominada pela estrutura hollywoo- diana, assim como parte considerável de todos outros produtos da sociedade

52 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Cinema de base comunitária na contramão da boaiada do espetáculo, é uma espécie de anti-esclarecimento que difculta empreender processos de ruptura com a lógica do status quo. Contudo, por meio de uma formação crítico-libertadora, porque demo- crática e dialógica, contrária a qualquer tipo de hierarquia verticalizada, pode-se apostar na possibilidade de se despertar do sono da razão e da sensibilidade, quase sempre perpetrado pelos gerentes, operadores e operadoras, engenheiros e engenheiras de produção, publicitários e publicitárias da sociedade do es- petáculo, cuja infuência sobre os processos de subjetivação são cada vez mais empiricamente comprováveis. Transformar as formas de enxergar o mundo não é tarefa fácil. Não resta dúvidas que há um exército que trabalha para manter a massifcação do pensamento coletivo. Desde a sua criação, ao longo desses cento e vinte e cinco anos de existência, o cinema tem sido mais do que uma indústria do entretenimento. Ele é uma máquina de produzir e desconstruir sonhos e, em vários momentos, uma peça fundamental utilizada pelos Estados-Nação colonizadores e imperialistas, na guerra cultural que não apenas formata, mas expropria a fantasia, a memória histórica, os processos de imaginação e criação das comunidades autóctones originárias, que é povoada pelas nar- rativas dos invasores. No flme Uma história de amor e fúria (2013), é possível identifcar um posicionamento político claro, a partir dos pontos de vista que, du- rante toda história do Brasil, foram encobertos e censurados. A partir da contribuição e diálogo com a flosofa libertadora de Paulo Freire, nossa “leitura” destaca que o flme propõe uma denúncia de uma história com séculos de colonialismo e opressão. Contudo, é curioso perceber como uma obra possa ter sido produzida dentro de uma arquitetura hegemônica e ter produzido um discurso contra hegemônico. Mas, isso pode ser objeto de análises futuras, que podem ser realizadas a partir de um diálogo com o diretor, ou leitura de suas obras. Nesse sentido, a proposta de um cinema inspirado em uma perspectiva crítico-libertadora aposta na utopia não afrmativa da ordem estabelecida. A partir dos pressupostos de Freire, existe um quefazer coletivo, em diálogo, em vias de concretização da síntese cultural. A proposta é convidar as pessoas para serem diretores e diretoras, atores e atrizes, protagonistas de suas próprias narra-

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 53 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

tivas. Desejo que só faz sentido no fazer coletivo, que proporciona imaginar um mundo mais humano porque fraterno, solidário, calcado no reconhecimento do não idêntico (o Outro), da promoção de políticas públicas que fomentem a justiça social ampla e irrestrita. Defendemos que a universidade, em especial as instituições públicas, tem muito a contribuir para a formação qualifcada a partir de uma perspectiva progressista passível de desformatar a dimensão sensível das próximas gerações de cineastas, atentos para trabalharem temáticas que envolvam questões sociais, tais como a educação e o ambiente. O fazer cinema, que aqui se propõe, dilui a lógica hierárquica ver- ticalizada que domina a indústria cinematográfca. Tal qual uma linha de produção de uma mercadoria que é massifcada e os operários são tão máquinas como os robôs que operam. Isso signifca se predispor a realizar uma escuta atenta das narrativas que, historicamente, têm sido soterradas. Ouvi-las é se aproximar de outros modos de viver, de se alimentar, de se divertir e de contar histórias. Por fm, com relação à realidade brasileira, assusta-nos o discurso de ódio que continua a cruzar as gerações e hoje, em pleno 2020, gestores públicos motivados por uma política ultra-pós-neoliberal, tentam driblar e revogar as conquistas legais, com a única fnalidade de benefciar grupos empresariais vinculados, em especial ao agronegócio.

AgrAdecimentoS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

reFerênciAS

Berino, A. (2017). Paulo Freire esteta: arte, fotografa e cinema. E-Mosaicos – Revista Multidisciplinar de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura do Instituto

54 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Cinema de base comunitária na contramão da boaiada de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ). 6(13), pp. 182-192. DOI: https://doi.org/10.12957/e-mosaicos.2017.30478 Bolognesi, L. (Diretor). (2013). Uma história de amor e fúria [Filme]. Brasil: Europa Filmes e Legendmain Filmes. Brasil. (2020). Ministério Público Federal. Ofício nº 316/2020 - 4ª CCR. Brasília, DF: Ministério Público Federal. Carvalho, R. M. A.; Lima, G. F. C. (2013). Comunidades Quilombolas, Territorialidade e a Legislação no Brasil: uma análise histórica. Revista de Ciências Sociais, (39), pp. 329-346. Costa, R. N. (2019). Imaginamundos: O cinema socioambiental na formação inicial de professores de ciências. Anais da VII Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Florianópolis. Disponível em: https://ocs.ige.unicamp. br/ojs/react/article/view/2720. Acesso em: 13 jul. 2020. Costa, R. N.; Branquinho, F. T. B (2016). A fronteira entre a comunidade e a unidade de conservação mastigada pela formiga-onça. Revista Iluminuras, 17, pp. 527-542. DOI: https://doi.org/10.22456/1984-1191.70011 Costa, R. N.; Monteiro, B.; Sánchez, C. (2018). Refetindo sobre as rela- ções entre cinema e educação ambiental: vou para o sul saltar o cercado. In: Anne Kasisadou; Celso Sánchez, Daniel Renaud Camargo; Marcelo ArandaStortti; Rafael Nogueira Costa. (Org.). Educação Ambiental desde El Sur. Macaé (RJ): Nupem/UFRJ. Disponível em: https://www.macae. ufrj.br/nupem/index.php/novidades-slideshow/919-educacao-ambiental- desde-el-sur. Acesso em: 13 jul. 2020. Costa, R. N; Camargo, D. N; Sánchez, C. (2019). Cinema Ambiental Freiriano: diálogos, imagens e conhecimentos populares. In: Bruno A. P. Monteiro; Débora S. A. Dutra; Suzani Cassiani; Celso Sánchez; Roberto D. V. L. Oliveira (organizadores). Decolonialidades na Educação em Ciências. 1ª Ed. Livraria da Física: São Paulo. Costa, R. N.; Loureiro, R.; Sánchez, C. (2020). Da lama ao caos: Uma pro- posta para a formação de professores na interface entre educação ambiental de base comunitária, cinema e mudança climática. APEduC Revista, 1, pp. 161- 167. Disponível em: https://apeducrevista.utad.pt/index.php/apeduc/article/ view/74. Acesso em: 13 jul. 2020. Cruz, M. de N. (2015). Imaginário, imaginação e relações sociais: refexões sobre a imaginação como sistema psicológico. Cadernos Cedes, 35(spe), pp.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 55 Bárbara Dias Ferreira, Rafael Nogueira Costa, Robson Loureiro

361-374. https://dx.doi.org/10.1590/CC0101-32622015V35ESPECIAL154116 Filho, P. E. A. (2007). Tradução e sincretismo nas obras de José de Anchieta [Tese]. Universidade de São Paulo: São Paulo. Freire, P. (1987). Pedagogia do Oprimido. 17º Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Freire, P. (2013). Extensão ou comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Freire, P. (2018). Pedagogia do Compromisso: América Latina e Educação Popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Gotardo, E. V. N.; Mesquita, R. L.; Fuentes, N. M. M. (Produtor); Costa, R. N.; Alves, R. Q. (Diretor). (2013). Um dia novinho em folha. Brasil: Nupem. Gustsack, F. (2010). Síntese cultural. In: Streck, E. Redin, & J. J. Zitkoski (org). Dicionário Paulo Freire, pp. 383-384. Belo Horizonte: Editora Autêntica. Gutiérrez, H. V. (2010). Codifcação/Decodifcação. In: Streck, E. Redin, & J. J. Zitkoski (Org). Dicionário Paulo Freire, pp. 84-85. Belo Horizonte: Editora Autêntica. Loureiro, R. (2008). Educação, cinema e estética: elementos para uma reeducação do olhar. Educação e Realidade, Porto Alegre, 33(1), pp. 135-154. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/6691. Acesso em: 13 jul. 2020. Miranda, L. L. (2007). A cultura da imagem e uma nova produção subjeti- va. Psicol. clin., Rio de Janeiro, 19(1), pp. 25-39. Disponível em: http://www. scielo.br/pdf/pc/v19n1/03.pdf. Acesso em: 13 jul. 2020. Osowski, C. I. (2010). Situações-limite. In: Streck, D. R.; Redin, E.; Zitkoski, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire (pp. 385-386). Belo Horizonte: Autêntica, 2ª Ed. Pinheiro, F. F. L. (2018). O entretenimento político em Spielberg: imagem e olhar no cinema pós 11 de setembro. Revista Mídia e Cotidiano. 12(2), pp. 27-50. DOI: https://doi.org/10.22409/ppgmc.v12i2.10109 Schmitt, Alessandra; Turatti, Maria Cecília Manzoli, & Carvalho, Maria Celina Pereira de. (2002). A atualização do conceito de quilombo: identidade e território nas defnições teóricas. Ambiente & Sociedade, 10, pp. 129-136. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2002000100008 Zachariadhes, G. C. (org.). (2009). Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes [online]. Salvador: EDUFBA, 1. Acesso em 10 de julho de 2020 de https://static.scielo.org/scielobooks/3f/pdf/zacharia- dhes-9788523211820.pdf.

56 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 compArtilHAdo

Irta Sequeira Baris de Araújo1 Vicente Paulino2

Resumo: Este artigo aborda a cibernética na sociedade contemporânea como um fenómeno local e global, defnindo o que é chamado ciberespaço, interatividade, in- teração e a modelagem no mundo virtual compartilhado. A vida da nossa sociedade depende, cada vez mais, da tecnologia e todo o seu movimento cibernético, onde a fronteira geolinguística de um país cruza com outros países num só ‘clique tecnoló- gico’. Portanto, a relação intercultural começa a estabelecer-se e, ao mesmo tempo, também aumenta a crise de afrmação. Palavras-chave: Cibenética; interação; interatividade.

Abstract: Tis article talks about cybernetic in contemporary society as a local and global phenomenon, defning what is called cyberspace, interactivity, interaction and modeling in the shared virtual world. Te life of our society is, increasingly, depending on technology, and all its cybernetic movement, where a country’s geo- graphic linguistic border crosses with other countries in a single ‘technological click’, therefore, the intercultural relationship begins to establish up and at the same time the afrmation crisis also begins to increase. Keywords: Cybernetics; interaction; interactivity.

1 Doutoranda em Relações Interculturais na Universidade Aberta (UAb de Lisboa); professora do Departamento do Ensino de Língua Tétum da Faculdade de Educação, Artes e Humanidades da Universidade Nacional Timor Lorosa’e; Licenciada em Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas pela Universidade Nacional Timor Lorosa’e, e Mestre em Educação e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina. 2 Doutorado em Estudos de Literatura e Cultura/especialidade em Cultura e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Licenciado e Mestre em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Professor Convidado no Programa de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 57 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

introdução

O obstáculo maior, em termos da experiência empírica, do realismo teórico, do racionalismo conceitual e do idealismo epistemológico, está cada vez mais relacionado a evolução da cibernética, onde a fronteira geolinguística de um país se cruza com outros países num só ‘clique tecnológico’. Portanto, a relação de interculturalidade começa a estabelecer-se e, ao mesmo tempo, a crise de afrmação também começa a aumentar. Com efeito, podemos conside- rar que essa relação de interculturalidade construída no cibernético como um fenómeno local, precisa ser discutida numa perspectiva da construção social da realidade (Berger & Luckmanne, 1973) e da educação intercultural (Soares, 2017). Isto é, num plano teórico, é necessário apontar o termo epistemológico ‘intercultural’ ou ‘interculturalidade’ para uma intervenção que, no plano educacional, pretende intervir nas mudanças induzidas pelo contacto com as diversidades de leituras que sociologicamente abrangem os conhecimentos interdisciplinares, de modo a promover atitudes abertas ao confronto e conduzir o processo de aculturação a uma integração entre culturas que não ‘colonizem’ as outras fronteiras linguísticas e culturais através do cybernet. E por esta via que se estabelece também a nossa sociedade e realiza a relação interativa Uma interacção será defnida como a totalidade da interacção, seja qual for o seu momento, em que um determinado conjunto de indivíduos se encontra continuamente presente uns aos outros. (...) nas interacções em que um indivíduo apresenta aos outros um produto, tenderá a só lhes querer mostrar o produto acabado, levando-os a avaliarem-no a partir de qualquer outra coisa, retocada e condicionada. (Gofman, 1993, pp. 26-54). A afrmação de Gofman é ponto de partida para compreender o que é a interatividade e, sabe-se que a interatividade é considerada como um conceito-âncora quando se fala em relação homem-computador e ho- mem-homem. Isto é, segundo Edna Brennand e Lemos (2007), a interação entre pessoa-pessoa e pessoa-máquina, por meio de interfaces multimodais intuitivas e autónomas, permite que as pessoas aprendam e se adaptem aos ambientes virtuais, num contexto dinâmico de evolução. As interfaces deverão reconhecer reações emocionais dos utilizadores e serem capazes

58 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado de promover diálogos robustos, sem problemas particulares aplicados à voz e à linguagem.

A palavra Cibernética vem do grego ‘kybernytiky’, etimologicamente, a origem dessa palavra surge no século VI a.C., quando a mitologia grega narra que Teseu fez uma viagem a Creta. Conduzido por dois pilotos de barco pelo mar e para glorifcar os seus feitos, ele (Teseu) instituiu uma festa aos ‘ciberné- sios’ – os pilotos do mar. Por sua vez, Platão (427-347 a.C.) utilizou a palavra ‘kybernytyky’ em seus diálogos de ‘Alcebíades’ e ‘Górgias’ (com um sentido de conduzir um navio ou a um carro), em ‘Clitofo’ (com uma signifcação de conduzir homens) e na ‘República’ (governar, em geral). A cibernética surgiu como uma ciência destinada a estabelecer relações entre as várias ciências com o sentido de preencher os espaços vazios interdis- ciplinares não pesquisados por outras ciências. O movimento da Cibernética foi iniciado por Norbert Wiener em 1943 para esclarecer as chamadas ‘áreas brancas no mapa da ciência’. Antes de Wiener anunciar a sua teoria Cibernética, numa primeira fase, ele iniciou uma série de debates, em companhia de pro- fessores da Universidade de Harvard, entre os quais estavam médicos, enge- nheiros, físicos, matemáticos, entre outros. Engenheiros, fsiólogos e matemáticos estavam todos representados. O Dr. McCulloch e o Dr. Lorente de Nó, do Instituto Rockefeller, representaram os fsiólogos. [...] O Dr. Goldstine estava entre um grupo de vários projetistas de máquinas computadoras, [...] o Dr. Von Neumann, o Sr. Pitts e eu éramos os matemáticos. Os fsiólogos fzeram uma apresentação conjunta dos problemas de cibernética do ponto de vista deles; similarmente, os projetistas de máquinas de calcular expuseram seus métodos e objetivos. Ao fm do conclave, todos estavam convictos de que havia uma base substancial comum de ideias entre os pesquisadores de diferentes domínios, de que as pessoas em cada grupo já podiam empregar noções que haviam sido mais bem desenvolvidas pelos outros, e de que era preciso algum esforço a fm de chegar a um vocabulário comum (Wiener, 1961, p. 40, citado em Corrêa Chaves, 2015, p. 6).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 59 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

Parece que a partir daí Wiener começou a aprofundar o desenvolvi- mento da ciência iniciado pelos generalistas (como Gauss, Newton, Darwin, Faraday) com uma nova teoria, e por isso ele passou a anunciar a sua teoria com o livro Cybernetic or Control and Communication in the animal and Te Machine (1948) e a versão portuguesa publicada no Brasil em 1970 com título Cibernética. Dizendo que para um indivíduo, toda informação do ambiente é recebida e coordenada pelo sistema nervoso central, que seleciona, arquiva e ordena os dados, enviando ordens aos músculos, as quais voltam recebi- das pelos órgãos de movimentação, passando a combinar com o conjunto de informações já armazenadas para infuenciarem as ações atuais e futuras. Assim, o conteúdo do que permutamos com o ambiente, ao nos adaptarmos a ele, é a própria informação. O processo de receber e utilizar informações é o processo de ajustamento do indivíduo à realidade e o que lhe permite viver e sobreviver no ambiente. A única maneira de se explorar essa áreas brancas e inexploradas das ciências, segundo Wiener, é reunir uma equipa de cientistas de diversas espe- cialidades, cada qual assume a responsabilidade sobre o seu campo de atuação. A cibernética começou, assim, como uma ciência interdisciplinar, isto é, uma ciência de conexão entre as outras ciências. A primeira experiência foi com a utilização do computador para resolver o problema das equações diferen- ciais. Já em 1940, Wiener preocupou-se com os requisitos que deveriam ter os equipamentos de computação. Logo, a cibernética ampliou o seu campo de ação com o desenvolvimento da Teoria Geral dos Sistemas iniciado por Von Bertalanfy em 1947, e com a criação da Teoria da Comunicação por Shannon e Weaver em 1949. A Cibernética pode ser entendida como uma ciência da comunicação e do controlo, seja de um animal (homem, seres vivos), seja de uma máquina. Assim, segundo Abraham Kaplan (1952), a cibernética se torna relevante para o estudo do homem quando trabalha com conceitos de comunicação e controle, porque há muitos paralelos entre o comportamento humano e as máquinas de comunicação. Esse paralelo não é simples metáfora, pois consiste numa semelhança de estrutura entre os processos da máquina e os do comportamento humano. É, portanto, a informática o motor da comunicação e o computador

60 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado o controlo da comunicação. Comunicação e controlo concretizam o seu papel em processos físicos, fsiológicos, psicológicos e etc. Por isso, a transformação da informação é um núcleo dos sistemas de processamento das mensagens. Neste contexto, os computadores são condições de autocontrolo e de autorregulação.

A proclamação do ‘Ciberespaço’3 realizada por John Perry Barlow em 1996, é uma tentativa de aproximação ao problema do próprio mundo virtua- lizado, principalmente aos governos do mundo industrial, como os Estados Unidos, China, Alemanha, França, Russia, Singapura e Itália. Na sua carta, Barlow argumenta que a ordem do ciberespaço procura refetir sobre a ética da comunidade e o poder coercitivo que caracteriza a governação no espaço real. Aliás, a evolução rápida que se verifca e a explosão de informação que nós recebemos não nos deixaram outra alternativa, o que acontece com to- dos aqueles que se interessam por qualquer ramo do saber. O exemplo mais concreto é a Internet, pois ela é o nosso jornal diário, o nosso correio, o nosso instrumento de trabalho, o nosso campo de investigação ou até o nosso refúgio onde se dão grandes passeios do nosso dia-a-dia. O ciberespaço é povoado por vários visitantes – ou cibernautas. Parece signifcante, pois, a importância dada ao potencial do computador como meio de comunicação primário e secundário. Podemos observar isto nos utilizadores com alguma necessidade especial. Embora de formas e por razões diferentes, os utilizadores com necessidades especiais em áreas isoladas ou conjuntas como a comunicação, a locomoção e o atraso mental, veem ou poderão ver no computador uma ferramenta ímpar nas suas ações de auto-integração (Raposo, 2005). Deste modo, o computador e as tecnologias de apoio a comunicação não servem apenas para aumentar a inteligência do indivíduo, mas representa

3 É um termo usado por William Gibson no seu romance de fcção Neuromancer, publicado em 1948. É um termo usado para defnir um novo espaço relacional onde os indivíduos, em vez de se encontrarem fsicamente, conversam e trocam dados através de terminais e redes interpostos.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 61 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

também um meio de transmissão e exposição dessa mesma inteligência (Brett & Provenzo Jr, 1995), signifcando que o aumento da inteligência humana é também feito com o recurso dos computadores (Raposo, 2005). Todas as comunidades do mundo estão a viver nesta grande aldeia cibernética. Nesta cibersociedade, espelho deformador da vida real, ainda está tudo por fazer, inventar, organizar. É com urgência. Na verdade, longe de constituir um terreno de jogos para marginais e tecnodesviantes, o ciberespaço é, pelo contrário, um desses estaleiros do futuro que tem potencial para alterar as nossas vidas. As condições em que os cidadãos a ele terão acesso, os serviços públicos e privados que nele se desenvolverão, o modo como as redes serão geridas, como o comércio será nele organizado, como a liberdade de expressão, a vida privada e a propriedade intelectual serão – ou não – protegidas, terão uma infuência decisiva sobre a nossa civilização. (Nora, s/d, p. 11). A essencial questão que permite o ciberespaço se tornar cada vez mais familiar é que ele próprio consiste nas transações, relações e promoção das nossas redes de comunicação. E por isso, talvez, John Perry Barlow declarou a independência do ciberespaço para construir um novo sistema de poder tecnológico. Os principais atores que formularam o termo tecnológico do ciberespaço nos EUA foram advogados como, por exemplo, Cavazos e Morin e obras que tratavam dos aspectos legais do uso dos computadores. Mas não há razão para pensarmos que nós próprios – jornalistas, economistas, infor- máticos, entre outros – não possamos contribuir com as nossas preocupações e com alguns dos desafos profssionais que enfrentamos. De igual modo, a transigência do ciberespaço é uma matriz das médias atuais e a sua potencialidade já tinha sido incorporada nas atividades de con- versações telefónicas, serviço de transferência, email electrónico, transação fnanceira, informação on-line, vídeo conferência, realidade virtual. Isto quer dizer que, a aceleração tecnológica no fnal do século XX veio alterar essa concepção materialista do espaço a partir de uma formatação do novo espaço e da nova experiência de um tempo em intensifcação, de que Harvey (1993) sublinha como compressão espaço-temporal. Segundo Barlow (1996, p. 1) “Cyberspace consists of transactions, relationships, and thought itself, arrayed like a standing wave in the web of our communications. Ours is a

62 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado world that is both everywhere and nowhere, but it is not where bodies live.” Entretanto, a velocidade dos meios electrónicos instaura uma nova forma de experimentar ou experienciar o tempo, substituindo a noção de duração do tempo por tempo-velocidade e a instantaneidade das relações sociais. Em outras palavras, o ciberespaço pode ser defnido por: (…) the juncture of digital information and human perception, the ‘matrix’ of civilization where banks exchange money (credit) and information seekers navigate layers of data stored and represented in virtual space. Building in cyberspace may have more dimension than physical buildings do, and cyberspace is where you are whem you are having a phone conversation or where your ATM (automatic teller machine) money exists. It is where electronic mail travels, and it resembles the Toontown in the movie Roger Rabbit. (Coyne, 1995, p. 150). No entanto, acreditamos que qualquer alteração nos sistemas da nossa interação social está na linha do poder tecnológico de ciberespaço e a razão pela qual Lévy (1999, p. 92) defne ciberespaço como um “espaço de comu- nicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”. Quando pensamos no computador como algo que possui as suas propriedades representacionais, somos conduzidos para a ideia de que o computador é um algo que ajuda a realizar o nosso trabalho muito mais do que meramente se refere ao armazenamento de informação. Devido a isto, ele é defnido como um meio de representação que nos oferece novas possibilidades de expressão e comunicação geridas/disponibilizadas pela tecnologia digital (Disessa, 2002). O ciberespaço é tratado como um novo meio de comunicação estrutu- rado em ‘cidades de bits’ ou ‘homepages’ que se liga a realidade real e virtual. Neste sentido, o ciberespaço é entendido como um espaço que processa e trans- mite o conjunto de informações encriptadas numericamente em perímetros digitais e redes de transmissão. Por isso que segundo Nicholas Negroponte “a informática já não é uma história de computadores”, mas “é um modo de vida” (citado em Nora, s/d, p. 12) que prevalece no mundo real e virtual. O ciberespaço é entendido também como um espaço de grande dimen- são na galáxia da sociedade em rede e, assim, parece que tem sido identifcado como um espaço-físico real e virtual, no qual torna-se organizador do tempo.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 63 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

Isto é, estruturando a temporalidade em matérias diferentes e até contraditórias de acordo com o sistema de dinâmica sócio-espacial, onde o absolutismo da indústria de informação é perpetuado pela lei, por exemplo: in America and elsewhere, that claim to own speech itself throughout the world. Tese laws would declare ideas to be another industrial product, no more noble than pig iron. In our world, whatever the human mind may create can be reproduced and distributed infnitely at no cost. Te global conveyance of thought no longer requires your factories to accomplish. (Barlow, 1996, p. 2). Deste modo, a declaração de Perry Barlow não é uma simples declara- ção sobre a independência do ciberespaço ou sobre a imaterialidade de uma geografa defnida. Pois, conforme Perry Barlow: Governments of the Industrial World, you weary Giants of fesh and steel, I come from Cyberspace, the new home of mind. On behalf of the future, I ask you of the past to leave us alone. You are not welcome among us. You have no sovereignty where we gather. (Barlow, 1996, p. 1). Sendo assim, alguns estudiosos das ciências da comunicação e da ciber- nética consideram a declaração política do ciberespaço de Perry Barlow como uma declaração utópica e sem jurisdição na internet.

Em Interactivity – form new media to communication (1988) e Networked Interactivity (2006), Sheizaf Rafaeli, defne a interatividade como um processo que relata as caraterísticas comunicacionais, e esse processo é estabelecido ou realçado pelo sistema comunicacional face-a-face, isto é, falar e ouvir frente a frente. Afrma, também, que nenhum modo de aplicação deste tipo de interação pode ser chamado por medium, pois para este autor, a inte- ração não é caraterizada e conectada por medium. Pois a interatividade está no contorno das possibilidades de se associar à qualidade de mensagem que qualquer indivíduo transcreve ou envia num canal único – correio electrónico, por exemplo. Neste sentido, a complexidade da análise de Rafaeli pode ser

64 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado compreendida a partir do paradoxo de escrever e falar: (…) interactivity is indicated as a useful concept for mapping group CMC because it is (like group CMC itself) a hybrid construct. Te concept of interactivity directs our focus to the intersection of the psychological and the sociological, the bridge between mass and interpersonal communication, the meeting of mediated and direct communication, and the paradox of written vs. spoken. (Rafaeli & Sudweeks, 1997, p. 3). A interatividade é uma atividade do ser humano, isto é, uma atividade de troca comunicativa ou de partilha de informação. No círculo da globali- zação comunicacional, a interatividade torna-se cada vez mais fundamental no processo de comunicação e contribui, em certo sentido, para produzir a informação, acreditando necessariamente que o processo que se estabelece na interatividade é do tipo “das partes para o todo”, e “do todo para as partes”; ou seja, do local ao global e do global ao local. Logo, tudo está em tudo (Melo, 2002), isto quer dizer que a interatividade é uma ação de contínuo. Ou seja, como escreveu Pascal é “impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer individualmente as partes” (citado em Durand, 1992, p. 15). Portanto, segundo Medkova (2015) pensar neste tipo de continuidade ‘híbrida’ implica em abordagens interculturais, sociais, reais baseadas na inteligência intercultural4 de conhecimentos. Para este tipo de consideração, Rafaeli defende que: Interactivity varies along a continuum. At one end is declarative (one-way) communication (e.g. most radio and television). Reactive (two-way) communication is further down the road. In reactive communication, one side responds to the other side. Fully interactive communication requires that later messages in any sequence take into account not just messages that preceded them, but also the manner in which previous messages were reactive. In this manner interactivity forms a social reality. (Rafaeli & Sudweeks, 1997, pp. 3-4).

4 Inteligência intercultural apresentada neste sentido, para chamar a atenção de que é necessário tê-la num indivíduo instruído. Ao ter esta capacidade intelectual – este, por sua vez faz a melhor escolha do seu mundo real-social que pretenderia fazer na interação virtual. E cuidadosamente para não entrar nas coisas alheias ou nos eventos anestésicos como dizia Manovich.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 65 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

Manovich (2001), em Te Language of New Media, apresenta uma nova ideia chamada Myth of Interactivity. Este tipo de designação refete sobre o novo padrão que se liga diretamente ao modelo interativo sustentado pela media-computer interactivity, ou seja, de que todos os objetos exibidos em computador são defnidos como interativo. Entretanto, em maior ou menor escala, todas as novas médias têm de ser objeto editável ou mutável. Manovich apresenta ainda a operação de interatividade em dois modos: modos abertos e modos fechados. Modos fechados estão ligados à predefnição da distância, por exemplo, a escolha do jogo no computador, ou a seleção dos movimentos dos personagens. Modos abertos estão ligados à complexidade interacional entre homem e computador, mas não podemos considerar isso como pré-determi- nado de uma ação, porque a generalidade da realidade social não corresponde sistematicamente a aplicação de uma ação contínua na inteligência intercultural (Van Dyke & Livermore, 2009). Entretanto, estes dois modos levantam sempre uma questão essencial e interessante sobre a media-computer num modo mais interativo. Isto porque todos os sistemas de representação envolvem um espectador ativo para que o utilizador possa preencher o vazio da informação incompleta. No processo interativo, falar e dizer é parte integrante de uma estrutura mental da iden- tidade daquele que realiza a comunicação fomentada nas médias interativas. Isto porque, segundo Lev Manovich: Today the interactive media asks us to click on an underlined phrase in order to pass to another one. We are asked to follow pre-programmed associations, that do and don’t exist, in other words [...] we exchange the mental structure of others with our own. [...] Interactive media asks us to identify ourselves with someone else’s mental structure. (citado em Quaranta, 2004, p. 1). Manovich salienta ainda que o telespectador deve mostrar a sua movi- mentação, neste caso, deve exercer a sua função enquanto telespectador. Ao mesmo tempo pode movimentar o seu corpo inteiro para experimentar uma rotura espacial da própria atividade, alterando assim o cenário. A movimenta- ção do nosso corpo em relação a uma máquina-computador pode ser conectada por várias modalidades de interação, que são sustentadas por uma linguagem

66 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado chamada the human computer interface. Desta forma, Manovich considera a nossa interação moldada por esta interface como uma matéria-prima da psi- cologia, e não como interação física, embora a evolução da tecnologia esteja cada vez mais voltada para o modo físico entre utilizador e computador, que permite colocar a experiência real do homem à face da tecnologia computa- cional. Como sublinha Manovich em Interaction as anaestheticevent: In OS X, the interaction with the universal information processing machine of our time – the personal computer – was redefned as an explicitly aesthetic experience. Tis aesthetic experience became as important as the functionality (in technical terms, ‘usability’). Te word aesthetics is commonly associated with beauty, but this is not the only meaning, which is relevant here. Under OS X, user interface was ‘aesthetized’ in the sense that it was now to explicitly appeal to and stimulate senses – rather than just users’ cognitive processes. (Manovich, 2007, p. 4) O modo como nós pensamos sobre o que nos rodeia está relacionado a modalidade da experiência tradicional e com a modalidade da experiência moderna vs tecnológica ou digital (Rodrigues, 1996). Pois, o lugar que nós vivemos é visto como uma concepção do fragmento do espaço apropriado para o exercício da vida, não somente o lugar físico propriamente dito, mas também através dos sentidos e da percepção que constrói o lugar. Esse lugar é o próprio mundo que nós habitamos, onde se cruzam os problemas de produção do sentido interacional. Isto é o modo que nós vivemos é produzido pela nossa existência social como seres humanos. O modo de interação defnido por Rafaeli e Manovich – homem-com- putador-media –, é uma refexão sobre o pensamento do homem voltado para a cibernética e o seu comportamento de comunicação é ligado ao computador e médias. Na contemporaneidade o homem não pode deixar o seu modo de pensar a realidade real e virtual em que se move na sua vida quotidiana. Pois, a sua memorização começa a ser armazenada nas redes digitais, e para recuperar basta fazer um clique, ou para mover a nossa nova visão sobre o mundo basta, talvez, seguir alguns links das gigantescas redes. Porque a vida do mundo e do homem está atualmente ligada por milhões de redes electrónicas (telefone, internet, televisão) e a partir delas o homem partilha suas experiências, no qual Manovich defende como novo paradigma da experiência:

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 67 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

Today a typical information device such as a mobile phone has two kinds of interface. One is a physical interface such as buttons and the phone cover. Te second is a media interface: graphical icons, menus, and sounds. Te new paradigm Ta treats interaction as an aesthetic and meaningful experience applies equally to both types of interface. (Manovich, 2007, p. 3). Enquanto Rafaeli considera como uma dimensão de satisfação instruída5, na qual a qualidade da performance e motivação são factores que fundamentam a interação human-computer-media: Interactivity in communication settings is associated with the attitudinal dimensions of acceptance and satisfaction. But it is also related to performance quality, motivation, sense of fun, cognition, learning, openness, frankness and sociability (Rafaeli, 1988). Interactivity operates in a supplementation mode. Quasi-interactive (reactive) media can allow people to use the media as a substitute for sociability. (…) Allows people to use interactive media to bolster their favorable disposition toward interacting with others. Interactivity can be shown to lead to more cooperation. (Rafaeli & Sudweeks, 1997, pp. 4-5). De facto, e aliás, o fundamental processo de interação que conhecemos como homem pensa e elabora, é para conectar as ideias, imagens e memórias no seu agir comunicacional e na sua relação intercultural com o outro. Este tipo de interatividade funciona quando: um indivíduo surge na presença de outros, pretende descobrir os factos que defnem a situação em que se encontra. (…) Para descobrir na íntegra a natureza factual da situação, seria necessário ao indivíduo estar na pose da totalidade dos dados relevantes a respeitos dos outros (Gofman, 1993, p. 291). Com base nesta perspectiva, nós encontramos as respostas, e para isso, basta entrar e conectar cautelosamente, com outro espaço ou outro objeto para poder fazer o updated daquilo que nós queremos ter. Em outras palavras “um indivíduo precisaria de conhecer o desfecho efetivo ou produto fnal da atividade dos outros durante a interação” (Idem).

5 Uma satisfação que engloba o pensamento crítico e a presença do outro como uma mais valia. Isto pode promover uma mudança signifcativa e com responsabilidade. Neste sentido, a presença do outro na interação faz parte da construção de saberes cognitivamente intercultural, motivador, respeitoso e que preserva o direito mútuo.

68 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado

Vários estudos da comunicação nos levaram a acreditar que as tecno- logias da informação e comunicação são, por essência, interativas e que essa interatividade é automaticamente possível graças a democratização das mé- dias que permitem aos utilizadores serem produtores de informação. Deste modo, exprimem-se e aumentam-se mais amplamente a sua participação na vida social, e isso faz com que a interatividade tenha as condições sufcientes para permitir uma melhoria automática da aprendizagem e da produção do conhecimento. Isto signifca que a interatividade só é, no contexto epistemo- lógico multidisciplinar e nas relações interculturais, possível quando a nossa interação se estabelece de forma mútua, e ainda que necessário se condiciona com o real conhecimento (Soares, 2017), onde a aquisição da capacidade intelectual necessária para aprender ao longo da vida obtenha informação armazenada digitalmente para produzir conhecimentos necessários (Castells, 2004) na realidade real e virtual (Paulino & Fonseca, 2013). Por isso que não se pode dissociar a sociedade, a educação e o negócio com a tecnologia, porque ela é facilitadora do processo de aprendizagem, facilitadora de comunicação à distância e facilitadora da promoção na vida de negócio (Castells, 2004; Paulino, 2013; Guterres, 2019). A questão de interatividade é ainda hoje alimentada pelos grandes de- bates entre os cibernéticos e os estudiosos de ciência da comunicação e da informação. Para Lévy (1999), quando se fala em interatividade em ambientes virtuais, é necessário por um lado, compreender a necessidade de trabalhos de observação, de concepção e de avaliação dos modos de comunicação hu- mana. Por outro lado, compreender a interatividade não é apenas como uma característica simples e unívoca atribuível a um sistema específco, isto é, não se limita apenas às tecnologias digitais. Isto porque o sector do negócio e da ‘indústria’ considera o termo interatividade como uma opção para os benefícios mercadológicos e novos modelos de negócios, visando a promoção de determi- nados produtos e, vira-se assim, o termo interatividade para o marketing. Por exemplo, na ‘indústria da interatividade’ vende-se médias, vende-se notícias, vende-se tecnologias, vende-se shows e muito mais (Silva, 1998a).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 69 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

É necessário reconhecer que a interação ampliada entre os seres huma- nos e a vida artifcial é, cada vez mais, levada à intensa discussão em torno do conceito de interatividade para além do conceito de interação, o qual vem sendo utilizado nas mais variadas ciências como as relações sociais da socie- dade contemporânea, incluindo suas mútuas infuências em vários fatores de interação. Por isso que Silva (1998b) defende que a interatividade pode ser compreendida para além de sua disposição ou predisposição, de interação, isto é, para uma hiperinteração, para bidirecionalidade-fusão emissão-recepção, para a participação e intervenção. É uma percepção que Habermas (1987) já apresentou na sua tese ‘agir comunicacional’, onde considera o processo de interatividade como uma orientação racional da ação por meio do critério da coordenação comunicativa da ação. Acresce ainda ele que o entendimento racional deve estar voltado para o processo comunicativo que se realiza por meio da linguagem e para a compreensão dos fatos do mundo objetivo, das normas, das instituições sociais e da própria noção de subjetividade (Brennand & Lemos, 2007). Neste modo, o conceito de interatividade está fundamental- mente ligado à existência de uma prática argumentativa que é uma das opções para produzir entendimentos no momento em que processa informação. Assim, a interatividade como uma propriedade de uma ação que não é apenas uma troca de comunicação, mas também do conteúdo da informação partilhada pelo atributo tecnológico (Richards, 2006) e da habilidade do usuário tec- nológico em perceber a sua experiência de interação como uma simulação da comunicação interpessoal partilhada (Kiousis, 2002).

conSiderAçõeS FinAiS

Quando nós aceitamos a nova realidade educativa e crítica que está presente na nossa vida o ‘cybernet’, podemos nos sentir familiarizados com esta realidade social. A interatividade human-computer-media, é uma rede que não se pode entender separada por qualquer mudança. Aliás, o mecanismo de compensação mútua para instalar o momento presente com o passado, ou seria uma ideia de passado para formular a ideia do presente, é necessário que seja visualizada ou exibida pela via virtual, mas temos de ser cautelosos, porque

70 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado estaremos ligados por milhões de redes computacionais que ultrapassam as fronteiras linguísticas de um país, que hoje em dia é chamado cybercultura e cyberespaço (Moser e Dun, 2014). Para que haja uma saudável interação cada indivíduo deverá partici- par na interação entre pessoa-pessoa e também da interação computer media, com competência e atenção a intersubjetividade intercultural. Somente desta forma poderemos construir movimentos reais que defendam o simbólico (do glocal real e do global real) do conhecimento real e social do homem como ser racional. reFerênciAS

Barlow, J. P. (1996). A Declaration of the Independence of Cyberspace. Disponível em http://editions-hache.com/essais/pdf/barlow1.pdf. Acesso em 20 de junho de 2020. Brennand, E. & Lemos, G. (2007). Televisão digital interativa. São Paulo: Editora Mackenzie. Brett, A.; Provenzo Jr, E. F. (1995). Adaptive Technology for Special Human Needs. State University of New York Press. Berger, P. & Luckmanne, T. (1973). A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes. Corrêa Chaves, V. H. (2015). A revolução Cibernética: a nova cultura. Disponível em https://www.uff.br/ebrapem2015/fles/2015/10/gd5_viviane_ chaves1.pdf. Acesso em 20 de junho de 2020. Coyne, R. (1995). Designing Information Tecnology in the Postmodern Age. Cambridge (MA): Te MIT Press. Castells, M. (2004). A galáxia internet: refexões sobre a internet, negócios e sociedade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Durand, D. (1992). A sistémica. Lisboa: Dinalivro. Disessa, A. (2002). Changin minds, computers, learning and literacy. Massachusetts: MIT Press. Gofman, E. (1993). A apresentação do eu na vida de todos os dias. Lisboa:

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 71 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

Relógio D’Água. Guterres, J. S. (2019). Dalen no teknolojia iha ensinu aprendizajen. In Araújo, Irta B. S.; Baptista, Maria C; Brites-Dias, Cipriana S & Paulino, Vicente (Orgs.)., Leitura atuais sobre língua, ensino e didáctica em Timor-Leste. Díli: Unidade de Produção e Disseminação do Conhecimento/Programa de pós- graduação e Pesquisa da UNTL, pp. 187-200. Harvey, D. (1993). Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edição Loyola. Habermas, J. (1987). Téorie de l‘agir communicationel, vol. 2. Paris: Fayard. Kiousis, S. (2002). Interactivity: a concept explication. In New Media & Society, vol.4. SAGE Publications, pp.355-383. Disponível em https://nms. sagepub.com/cgi/content/abstract/4/3/355. Acesso em 20 de junho de 2020. Kaplan, A. (1952). Sociolgy Learns the Language of Mathematics. In Commentary, vol. 14, pp. 274-284. Lévy, P. (1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34. Medkova, K. (2015). Intercultural Competence Development Of Finnish Higher Education Personnel. In. Lahti University of Applied Sciences, Degree Programme in International Business Management. Quaranta, D. (2004). What Kind of Interaction? Interview with Lev Manovich. In Cluster. On Innovation, n. 3 (Interaction Design), pp. 30- 33. Disponível em http://manovich.net/content/04-projects/122-interview-for-cluster/14_ press_2004.pdf. Acesso em 20 de junho de 2020. Manovich, L. (2007). Information as an Aesthetic Event. Disponível em http:// manovich.net/content/04-projects/056-information-as-an-aesthetic-event/53_ article_2007.pdf. Acesso em 20 de junho de 2020. Manovich, L. (2001). The Language of New Media, The MIT Press: Cambridge/Massachusetts, London. Moser, D; Dun, S. (2014). A Digital Janus: Looking Forward, Looking Back. Interdisciplinary Press. Disponivel em http://www.inter-disciplinary.net/pub- lishing/id-press/ (acesso a 20/6/2020). Melo, A. (2002). O que é globalização cultural. Lisboa: Quimera. Nora, D. (S/D). Os conquistadores do ciberespaço. Lisboa: Terramar. Paulino, V. (2013). Breves considerações sobre a educação e tecnologia. In

72 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 O cibernético e a interatividade no mundo virtual compartilhado

Revista VERITAS, vol 1, n, 2, pp. 7-19, Díli: Programa de Pós-graduação e Pesquisa da UNTL Paulino, V; Fonseca, S. (2013). Educação na sociedade contemporânea entre a realidade real e virtual. In Revista VERITAS, vol 1, n. 2, pp. 59-71, Díli: Programa de Pós-graduação e Pesquisa da UNTL. Rafaeli, S. (1988). Interactivity: From new media to communication, In Sage Annual Review of Communication Research: Advancing Communication Science, Vol. 16, eds R. P. Hawkins, J. M. Wiemann and S. Pingree, Beverly Hills, CA: Sage. Disponível em https://gbs.haifa.ac.il/~sheizaf/interactivity/ Rafaeli_interactivity.pdf. Acesso em 20 de junho de 2020. Rafaeli, S. (2006). Networked Interactivity. Disponível em https://onlineli- brary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1083-6101.1997.tb00201.x. Acesso em 20 de junho de 2020. Rafaeli, S & Sudweeks, F. (1997). Networked Interactivity. In Journal of Computer-Mediated Communication, Disponível em https://www.academia. edu/533665/Networked_interactivity. Acesso em 10 de julho de 2020. Raposo, R. (2005). Tecnologias de apoio: um instrumento para igualdade das oportunidades de comunicar na sociedade de informação. In Miranda, José Bragança & Simões, Graça Rocha (Orgs.). Rumos da sociedade da comuni- cação. Lisboa: Veja, pp. 393-401. Rodrigues, A. D. (1996). Tradição e modernidade. Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n. 9, pp. 301-308, Lisboa: Edições Colibri. Richards, R. (2006). Users, interactivety and generation. In New Media & Society, v. 8. Sage Publications, pp. 531-550. Disponivel em https://nms.sage- pub.com/cgi/content/abstract/8/4/531. Acesso em 20 de junho de 2020. Soares, R. S. (2017). A construção social da realidade. In Revista do Direito Público, Londrina, v. 12, n. 2, p. 316-319, ago. 2017. DOI: 10.5433/1980-511X.2017v12n2p316 Silva, M. (1998a). Que é interatividade. In Boletim técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, maio/ago, pp. 27-35. Silva, M. (1998b). Um convite à interactividade e à complexidade: novas perspecti- vas comunicacionais para a sala de aula. In Gonçalves, Maria Alice Rezende (Org.)., Educação e cultura: pensando em cidadania. Rio de Janeiro: Quartet, pp. 135-167.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 73 Irta Sequeira Baris de Araújo e Vicente Paulino

Van Dyke, L.; Livermore, D. (2009). Cultural intelligence: a pathway for leading in a rapidly globalizing world. Disponível em https://linnvandyne. com/papers/Van%20Dyne_Ang_Livermore%20CCL%20in%20press.pdf. Acesso em 20 de junho de 2020. Wiener, N. (1961). Cybernetics or Control and Communication in the ani- mal and Te Machine. Cambridge, Massachusetts: Te Technology Press of Massachusetts Institute of Technology. Wiener, N. (1970). Cibernética. São Paulo: Ed. Polígono.

74 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 comunicAção e educAção: diálogoS com pAulo Freire pArA penSAr cooperAçõeS internAcionAiS decoloniAiS1

Patrícia M. Giraldi2 Irlan von Linsingen3 Suzani Cassiani4

Resumo: Ao refetirmos sobre o impacto de cooperações realizadas entre vários pa- íses e o Timor-Leste, concluímos que, muitas vezes, elas acabam estabelecendo uma relação comunicativa verticalizada. Particularmente, em se tratando de educação científca e tecnológica, as abordagens costumam ser realizadas como um monólogo de conhecimento, marcadamente eurocêntrico, em que o cotidiano e os saberes locais são silenciados, produzindo novas formas de colonialidade, epistemicídios, subalter- nidades, perda de identidade cultural, baixa autoestima, falta de pertencimento e dependência econômica. A partir dessa constatação, há que se discutir alternativas sistêmicas para a superação desse modelo de “inclusão global” que, mesmo que não seja conscientemente praticado por parte de muitos agentes diretos, promove desconstrução e imposição de uma monocultura do saber, que historicamente está associada à lógica da Apropriação e Violência no sul global. Com essa perspectiva em foco, discutimos possibilidades de alternativas aos efeitos de colonialidade para a construção de um diálogo de saberes que promova emancipação e uma cultura da paz. Nesse sentido, este artigo pretende aprofundar algumas questões sobre um projeto de internacionalização, fnanciado pela CAPES, o qual conta com a mobi- lidade internacional de professores e estudantes em vários países, projeto intitulado “Repositório de Práticas Interculturais: proposições para as pedagogias decoloniais”. A partir de refexões surgidas nesse contexto, no presente texto realizamos algumas articulações entre as bases teóricas da crítica colonial e a perspectiva conceitual de

1 Esse artigo está relacionado a um projeto em andamento, com o título, Repositório de Práticas Interculturais: Proposições para Pedagogias Decoloniais iniciado em 2019. Este foi aprovado pelo edital de Programa Institucional de Internacionalização (PRINT), fnanciado pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a qual agradecemos pelo apoio. E também ao CNPq. Para maiores detalhes, acesse o site da UFSC. http://propg.ufsc.br/internacionalizacao/print/ 2 Centro de Ciências da Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação Científca e Tecnológica – UFSC, e-mail: [email protected] 3 Centro Tecnológico – Programa de Pós-Graduação em Educação Científca e Tecnológica – UFSC, e-mail: [email protected] 4 Centro de Ciências da Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação Científca e Tecnológica – UFSC – Bolsista Produtividade em Pesquisa – CNPq nível 1C. e-mail: [email protected]

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 75 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen, Suzani Cassiani

comunicação de Paulo Freire. Os conceitos de colonialidade/decolonialidade também são importantes nesse aprofundamento, já que entendemos que o modelo dominante de educação em ciências pode estar contribuindo para reforçar as desigualdades so- ciais. Ao mesmo tempo propomos caminhos que busquem superar essas denúncias, o que inclui nosso trabalho em cooperações internacionais. Palavras-Chave: Comunicação; Paulo Freire; Decolonialidade; Educação em Ciências; Cooperações internacionais; Efeitos de sentidos; multilinguismo.

cooperAtion

Abstract: Reflecting on the impact of cooperation between several countries and Timor-Leste, we conclude that they often end up establishing a vertical commu- nicative relationship. Particularly, when it comes to scientific and technological education, the approaches are usually performed as a monologue of knowledge, markedly Eurocentric, in which daily life and local knowledge are silenced, producing new forms of coloniality, epistemicide, subalternities, loss of cultural identity, low self-esteem, lack of belonging and economic dependence. Based on this finding, it is necessary to discuss systemic alternatives for overcoming this model of “global inclusion” that, even if it is not consciously practiced by many direct agents, promotes deconstruction and imposition of a monoculture of knowledge, which historically is associated with the logic of appropriation and violence in the Global South. With this perspective in focus, we discuss possibilities of alternatives to the effects of coloniality for the construction of a dialogue of knowledge that promotes emancipation and culture of peace. In this sense, this article intends to deepen some questions about an internationalization project, funded by CAPES, which has the international mobility of teachers and students in several countries, a project entitled “Repository of Intercultural Practices: propositions for decolonial pedagogies”. From reflections arising in this context, in this text, we present some articulations between the theoretical bases of colonial criticism and the conceptual perspective of communication of Paulo Freire. The concepts of coloniality/decoloniality are also important in this deepening, since, we understand that the dominant model of science education may be contributing to reinforce social inequalities. At the same time, we propose ways to overcome these complaints, which includes our work in international cooperation. Keywords: Communication; Paulo Freire; Decoloniality; Science Education; International cooperation; Efects of senses; Multilingualism.

76 | Diálogos | Ano 05| n.o 05 | 2020 Comunicação e Educação: diálogos com Paulo Freire...

Mensagem do Terceiro Mundo Fernando Sylvan (1972)

Não tenhas medo de confessar que me sugaste o sangue E esgravataste chagas no meu corpo E me tiraste o mar do peixe e o sal do mar E a água pura e a terra boa E levantaste a cruz contra os meus deuses E me calaste nas palavras que eu pensava. Não tenhas medo de confessar que te inventaste mau Nas torturas em milhões de mim E que me davas só o chão que recusavas E o fruto que te amargava E o trabalho que não querias E menos de metade do alfabeto. Não tenhas medo de confessar o esforço De silenciar os meus batuques E de apagar as queimadas e as fogueiras E desvendar os segredos e os mistérios E destruir todos os meus jogos E também os cantares dos meus avós. Não tenhas medo, amigo, que não te odeio. Foi essa a minha história e a tua história. E eu sobrevivi Para construir estradas e cidades a teu lado E inventar fábricas e Ciência, Que o mundo não pôde ser feito só por ti. introdução

Desde 2009, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) passou a coordenar o Programa da CAPES, intitulado “Programa de Qualifcação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa” (PQLP), o qual enviava missões de até 50 professores/as cooperantes por ano para

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 77 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen, Suzani Cassiani

Timor-Leste. A atuação destes brasileiros se dava em duas frentes: na for- mação de professores, incluindo Ciências da Natureza e Ensino de Língua Portuguesa. Nesse contexto, ao aprofundarmos o impacto de cooperações na área de Educação realizadas por diversos países em Timor-Leste (Pereira, 2014; Pereira, Cassiani & Linsingen, 2015), concluímos que muitas ve- zes, por mais bem intencionadas que sejam, elas acabam estabelecendo uma relação comunicativa verticalizada com consequências indesejadas. Particularmente, em se tratando de educação científca e tecnológica, as abordagens costumam ser realizadas como um monólogo de conhecimento, marcadamente eurocêntrico, em que o cotidiano e os saberes locais são silenciados, resultando num ensino de uma ciência dada como neutra, ignorando saberes e problemas locais, promovendo (mesmo que desavisa- damente) epistemicídio, subalternidade, perda de identidade cultural, baixa autoestima, falta de pertencimento e dependência econômica, entre outros efeitos da globalização (Santos & Meneses, 2013), que se pode caracterizar como formas de colonialidade. Nesse caminhar, também acabamos por compreender que na área de Educação, bem como o campo da Pesquisa em Educação, mesmo com discursos ligados à redução e superação das desigualdades sociais, do analfa- betismo e exclusão, em prol de justiça social e da emancipação dos sujeitos, o que ocorre com frequência é a construção de um currículo que importa problemas de países tratados como “mais desenvolvidos”, focando em te- mas “universais” e que não refetem ou não se relacionam com problemas locais (Sarmento, 2016). O efeito disso, além de todas as difculdades com a língua portuguesa no caso de Timor, é que tanto o professor timorense, quanto o estudante, seja do ensino superior ou da escola básica, pouco se identifcam com os temas de ensino. Nesse processo há, muitas vezes, o reforço de um ensino baseado na memorização, como diria Paulo Freire, numa educação bancária, que despreza temas e problemas locais como a fome, a poluição, os saberes ancestrais, o funcionamento da linguagem, as histórias de lutas e resistências (incluindo o que se denominou de pedagogia Maubere desenvolvida durante as lutas de resistência à ocupação indonésia).

78 | Diálogos | Ano 05| n.o 05 | 2020 Comunicação e Educação: diálogos com Paulo Freire...

Por isso, entendemos que a Educação, apesar de almejada como um bem maior, muitas vezes pode estar contribuindo para desconstruir saberes locais historicamente construídos e reforçar a desigualdade social, tanto em nível local/regional, quanto global. A partir dessa constatação, há que se discutir alternativas sistêmicas para a superação desse modelo de “inclusão global” que, mesmo que não seja conscientemente praticado por parte de muitos agentes diretos, promove desconstrução e imposição de uma monocultura do saber, que historicamente está associada à lógica da Apropriação e Violência no sul global5 (Santos & Meneses, 2013). Com essa perspectiva em foco, discutimos alternativas para pensar uma Educação Científca e Tecnológica emancipatória e inclusiva; caminhos para a plena realização de um diálogo de saberes que permita visibilizar os efeitos de colonialidade ali presentes, favorecendo os processos emancipatórios e a construção de uma cultura da paz. A partir da explicitação dos efeitos de colonialidade, nos interessa propor alternativas à mera transferência de co- nhecimentos eurocentrados presentes na transnacionalização de currículos (conhecimentos muitas vezes apropriados das antigas colônias de países da Ásia, África e América Latina). Procurando encontrar caminhos de contraposição a esses efeitos, esse artigo busca aprofundar algumas questões teóricas sobre um projeto de internacionalização, financiado pela CAPES e CNPq6, o qual além de estudos e teorias, conta com a mobilidade internacional de profes- sores e estudantes em vários países. Intitulado “Repositório de Práticas

5 O Sul global refere-se às regiões do mundo que foram submetidas ao colonialismo europeu e que não atingiram níveis de desenvolvimento econômico semelhantes ao do Norte global (Europa e América do Norte). A sobreposição não é total porque, se por um lado, no interior do Norte geográfco vastos grupos sociais estiveram e estão sujeitos à dominação capitalista e colonial, por outro lado no interior do Sul geográfco houve sempre as “pequenas Europas”, pequenas elites locais que se benefciaram da dominação capitalista e colonial e que, depois das independências, a exerceram e continuam a exercê-la, por suas próprias mãos, contra as classes e grupos sociais subordinados (Meneses, 2014). 6 A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científco e Tecnológico (CNPq) são agências brasileiras de fnanciamento de pesquisas científcas de todas as áreas do conhecimento.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 79 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen, Suzani Cassiani

Interculturais: proposições para as pedagogias decoloniais”, o projeto tem como objetivos: 1) Aprofundar parcerias colaborativas entre professores/as de ciências de vários níveis (professores/as: formadores/as, em formação, da escola básica), a comunidade, a escola e a universidade. 2) Levantar temas locais que fomentem o desenvolvimento de intervenções pedagó- gicas e a produção de materiais didáticos, as quais visam o diálogo de saberes e a emancipação 3) Alimentação e publicização desses materiais num repositório na Internet. Adotamos neste trabalho, alguns referenciais teóricos baseados nos estudos de colonialidade e estudos latino-americanos que relacionam ci- ência, tecnologia e sociedade e teorias dos discursos para refetir e discutir a construção dessas compreensões pedagógicas, aprofundando aspectos da transnacionalização de currículo e a importância de estudos de pedagogias decoloniais, articuladas com a perspectiva conceitual de comunicação de Paulo Freire. Os conceitos de colonialidade e decolonialidade também serão importantes nesse aprofundamento, já que entendemos que é preciso refetir e fazer denúncias como afrma Paulo Freire, mas que por outro lado é preciso propor caminhos e anúncios.

Como já dissemos, o projeto em pauta tem como referência experiên- cias anteriores dos membros da equipe. De 2009 a 2016, a UFSC coordenou o “Programa de Qualifcação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa” (PQLP) da CAPES, o qual enviava missões de até 50 professores por ano para Timor-Leste. Por ser multidisciplinar, o projeto atual, “Repositório de Práticas Interculturais: proposições para pedagogias decoloniais” inclui, além da líder Pós-Graduação em Educação Científca e Tecnológica, os Programas de Pós- Graduação em Educação, Interdisciplinar em Ciências Humanas, Linguística, Psicologia e Serviço Social. Como parceiros internacionais, incluímos universidades que estão aten- tas ou conectadas aos temas das pesquisas: Te City University of New York

80 | Diálogos | Ano 05| n.o 05 | 2020 Comunicação e Educação: diálogos com Paulo Freire...

(CUNY) - Estados Unidos; University of New England: Armidale, NSW – Australia; Universidad Nacional de Quilmes – Argentina; Universidade Nacional de Timor Lorosa’e - Timor-Leste; Universidad de Cádiz – Espanha; Universidade de Valência – Espanha. Também, é importante destacar que o projeto se articula a Cátedra da Unesco “Language Policies for Multilingualism” sediada na UFSC e coorde- nada pelo Prof. Gilvan Muller Oliveira. A partir de 2020, buscamos integrar outras instituições e países que participam da Cátedra da UNESCO: Índia, França, Rússia, China, México, África do Sul. Muito embora o contexto global atual envolvendo a pandemia de Covid-19 não permita a execução do planejamento inicial, as parcerias e desenvolvimentos do projeto fcam como expectativas de prazo mais alongado. Assim, por meio de trabalhos em colaboração, há possibilidades de desenvolvimento de temáticas até então silenciadas na Educação Científca e Tecnológica. No Brasil, por conta de algumas políticas públicas na déca- da passada e das lutas dos movimentos sociais, como as cotas (ingresso nas universidades para negros(as), indígenas e estudantes provenientes de escola pública), é possível perceber a crescente presença de temáticas nunca dantes discutidas na educação escolar. Por exemplo, temáticas relacionadas à questão do racismo, classismo, machismo, LGBT fobia, entre outras opressões. Esses debates promoveram um repensar a educação e a formação de professoras(es). Entendemos que parcerias horizontalizadas, que emergem da articulação com escolas, comunidades e universidades, favorecem um diálogo de saberes, a emancipação e a não criação de dependência ou subalternização (Freire, 1978). Em trabalhos anteriores (Cassiani, 2018; Barbosa, Cassiani, Paulino, 2019; Pereira e Cassiani, 2012; Pereira, Cassiani, Linsingen, 2015; Janning, 2016), refetimos sobre os efeitos de colonialidade nos livros e materiais didáticos brasileiros e timorenses, respectivamente. A discussão se deu a partir dos pressupostos defendidos pelo grupo de estudos “Modernidade/ Colonialidade” (MC) que aprofundam e discutem aspectos curriculares e suas relações com os efeitos das desigualdades, no intuito de superá-las. Nosso objetivo era compreender os efeitos de colonialidade reproduzidos no Ensino de Ciências e Biologia, a partir da análise de livros didáticos de Ciências do

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 81 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen, Suzani Cassiani

Brasil e manuais didáticos de Ciências e Biologia do Timor-Leste, ambos países com características que os situam no Sul global. Os manuais didáticos de Timor-Leste são o principal, senão único, recurso didático impresso, utilizado por professoras(es) em sala de aula. Destacamos, além disso, que essa condição atinge principalmente comuni- dades pobres e em situação de risco nos dois países, Brasil e Timor. Assim sendo, reconhecemos nosso lugar de fala, o perigo de falar no lugar do outro e os riscos de cair em armadilhas produzidas pela colonialidade. Por exemplo, no ensino de ciências, tratar do tema “destilação” sem considerar as formas de destilação utilizadas secularmente com materiais e conhecimentos desen- volvidos no local, ou classifcar como obscurantista uma forma de medicina tradicional desenvolvida pelos ancestrais, colocando como uma “ameaça ao desenvolvimento da nação” (sic) (Cassiani, 2018). Essa tentativa de trans- ferência de conhecimentos europeus, ou de transnacionalização curricular, ensinados como únicos e verdadeiros, portanto conteúdos “universais”, neu- tros e sem história. Esses discursos presentes em livros didáticos, contribuem para a construção de silenciamentos de saberes locais, que caracterizam os efeitos de colonialidade, contribuindo para a construção de dependência, perda de autoestima, subalternidade do país, entre outros. Roger Dale (2004), em seus trabalhos de sociologia da educação, critica o pensamento comum de que a homogeneização curricular, a qual acontece devido ao compartilhamento de valores de modernidade e progresso entre países, de forma neutra, ou seja, tentativas de transferência de conhecimen- tos de um país para o outro. Como contribuição, o mesmo autor coloca que transnacionalização da educação, ou seja, essa similaridade curricular não é fruto de um compartilhamento neutro, mas de tentativas supranacionais de manutenção das estruturas capitalistas, onde os países recebem moldes e padrões de modernidade e progresso necessários para sua aceitação na co- munidade internacional. Evidentemente, isso não signifca desconsiderar a validade dos conhe- cimentos cientifco-tecnológicos ocidentais, mas entender a importância dos conhecimentos locais na construção de saberes novos, signifcantes para aquelas culturas. Ao negar o diálogo entre conhecimentos científcos e conhecimentos

82 | Diálogos | Ano 05| n.o 05 | 2020 Comunicação e Educação: diálogos com Paulo Freire... locais, mantem-se os processos de exclusão opressores. Ao abordar essas ques- tões Paulo Freire propõe o que chama de “Educação Problematizadora”, que se constitui a partir da realidade vivida pelos educandos. diAlogAr em lÍnguA portugueSA: coloniAlidAde ou reSiStênciA?

A presunção de superioridade dessa cultura ocidental, muitas vezes proporciona o gradual deslocamento da centralidade das línguas nativas, ocasionando glotocídios (assassinato de línguas) (Oliveira, 2009). No caso de Timor-Leste, entretanto, há que se considerar que os 400 anos de co- lonização portuguesa não produziu o apagamento das línguas locais que conviveram com a língua portuguesa falada por uma parcela da sociedade. Entretanto, com a invasão da Indonésia em 1975, a disputa linguística fcou concentrada nas línguas portuguesa e indonésia, sendo a língua portuguesa proibida de ser ensinada nas escolas, ao mesmo tempo que tornava a língua indonésia a única língua de ensino, tendo como base flosófca os cinco princípios da Pancasila.7 Atualmente, apesar do Tétum e do Português serem as línguas ofciais de Timor-Leste, a língua Inglesa disputa espaço, de modo que as 32 línguas nativas acabam correndo o risco de ser negligenciadas em seus importantes papéis de garantia da preservação das culturas da ilha, a exemplo do que tem acontecido em outros territórios. Na América Latina, temos problemas muito parecidos, pois cerca de 557 línguas indígenas faladas por indígenas estão em perigo de extinção, conforme aponta a fgura abaixo.

7 Após a Indonésia proclamar independência da Holanda em 1945 (reconhecida em 1949), o primeiro presidente indonésio, Sukarno, viu em suas mãos um país extremamente diverso, levando-o a criar a flosofa Pancasila. Os cinco princípios inseparáveis, infuenciados pelo monoteísmo, socialismo e nacionalismo, eram: a crença em um único Deus; humanidade justa e civilizada; unidade da Indonésia; democracia guiada pela sabedoria de representantes; e justiça social. (Janning, 2016).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 83 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen, Suzani Cassiani

Figura 1: Mapa das Línguas Indígenas na América Latina

Fonte: Atlas Sociolinguístico de Povos Indígena na América Latina. UNICEF

Essas 557 línguas nativas faladas estão agrupadas em 99 famílias que se estendem da Patagônia até a Mesoamérica8. No Brasil, as chamadas lín- guas minoritárias são faladas em todo o país. O censo de 2010 contabilizou

8 De acordo com o “Atlas Sociolinguístico de Povos Indígenas na América Latina”, publicado em 2009 sob o auspício do Unicef e da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid).

84 | Diálogos | Ano 05| n.o 05 | 2020 Comunicação e Educação: diálogos com Paulo Freire...

305 etnias indígenas no Brasil, que falam 274 línguas diferentes9. Estima-se que, à época da chegada portuguesa, falava-se cerca de 1.078 línguas indí- genas (segundo estimativas de Rodrigues, 1993, p. 23, citado por Oliveira, 2008, p. 1) no território posteriormente denominado de Brasil. Devido à política linguística do Estado Português e, após a independência, do Estado Brasileiro, de reduzir o número de línguas por meio do deslocamento linguís- tico, num processo de glotocídio, a maior parte dessas línguas desapareceu ou está em via de extinguir-se. Como patrimônio cultural que representam as línguas e a vulnerabilida- de que pode levar à extinção em muitos casos, a Unesco declarou 2019 como o Ano Internacional das Línguas Indígenas, como o direito de se utilizar o idioma de preferencia como “um pré-requisito para a liberdade de pensamento, opinião e expressão”. Por conta disso, consideramos que é extremamente necessário promover pesquisas destinadas a investigar temas, histórias e conhecimentos locais, ob- jetivando produzir materiais alternativos aos livros didáticos tradicionalmente usados e socializar essas informações num portal ou biblioteca virtual, a qual chamamos de Repositório de Práticas Interculturais (RePI), em sintonia com a perspectiva comunicativa de Freire. Ademais, entendemos que a articulação horizontalizada de saberes de diferentes origens, tratados com o devido respeito às diferenças, favorece a construção de outros saberes, com o reconhecimento das especifcidades culturais.

A importÂnciA de temAS locAiS

O que é um tema local e por que é tão importante? Os temas locais, ou temas que sejam de interesse das culturas particu- lares (locais) são de importância vital, na medida em que se identifcam com

9 Número este colhido em auto-declarações de falantes, sendo 180 o número aceito na pesquisa linguística universitária, de acordo com Gilvan Müller de Oliveira, Linguista da Universidade Federal de Santa Catarina (NEP/UFSC) e pesquisador associado do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 85 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen, Suzani Cassiani

as pessoas em suas vivências comunitárias. Freire nos ajuda nessa percepção, ao tratar do assunto no seu livro Pedagogia do Oprimido de 1975. Naquilo que se chamou de método Paulo Freire, incluindo a investigação temática como forma de construção dos temas de interesse local, ou temas relevan- tes para as comunidades, que depois eram trabalhados pedagogicamente. Trata-se, em última instância, de abordar questões problemáticas que não são percebidas pela comunidade, ou seja, tratar de explicitar/identifcar/construir um problema a partir de um não-problema, isto é, o que é um não-problema para a comunidade que, entretanto, sofre seus efeitos (exemplo: verminose e mortalidade infantil provocada por falta de saneamento básico, que ao se tornar problema remete para a busca de solução, combinando reivindicação política com conhecimentos e práticas locais de resolução). Em se tratando de ensino de ciências, é ademais necessário construir uma aproximação ao local, o que pode ser feito através do que Freire denomina de temas gerado- res, ou seja, a negociação/aproximação de um tema/problema considerado relevante pela comunidade, com os princípios científcos que podem lhe conferir sentido explicativo. Nesse contexto, o grupo de investigadores vinculado ao projeto vêm desenvolvendo pesquisas que abarcam a articulação entre ciência e silen- ciamentos locais, através do diálogo de saberes e visando a construção de processos emancipatórios. São alguns exemplos de temas de pesquisas em desenvolvimento no Brasil: estudo do movimento do feminismo agroecológico em comunidades indígenas e quilombolas; estudo sobre a branquitude nos currículos de ci- ências; as contribuições dos Indígenas Guarani no território do Morro dos Cavalos em Florianópolis; a exploração do trabalho de crianças e mulheres; a problemática da alimentação e o silêncio sobre a fome nos currículos de ciências; a construção de “autoria” em escolas para Jovens e Adultos (Ensino Recorrente). No Timor-Leste, tem-se buscado construir articulações signi- fcantes dos estudos sobre colonialidade na educação em ciências. Assim como no Brasil, há muitas outras questões, ou situações-problema a serem abordadas no ensino de ciências, que estão mais próximas da realidade ti- morense. Exemplos: verminose, lixo, produção agrícola, violência doméstica,

86 | Diálogos | Ano 05| n.o 05 | 2020 Comunicação e Educação: diálogos com Paulo Freire... questões de gênero, que são incluídas aqui como possibilidades temáticas a serem construídas como problemas para serem trabalhados no ensino de ciências desde uma perspectiva dialógica. Enfm, esses estudos requerem repensar a educação, sua história, seus efeitos de colonialidade e subalternidade dos povos que foram submetidos à colonização e escravização. Requer abordar dialogicamente novas formas de enfrentar os problemas da sociedade brasileira e quem sabe timorense, numa atitude antirracista e decolonial. O levantamento de temas locais contribui substancialmente para o de- senvolvimento de intervenções pedagógicas e produção de materiais didáticos. o repoSitÓrio de práticAS interculturAiS

Considerando a importância da Comunicação nos dias atuais, ainda mais em tempos de pandemia, pensar o conceito de diálogo é fundamental. Ao realizarmos os nossos trabalhos de pesquisa, ensino e extensão em Timor-Leste, principalmente ao “conversar” com Freire sobre a perspectiva da extensão, acabamos percebendo que o diálogo é imprescindível, ou seja, a horizontalização de saberes, sem a arrogância da universidade, com vistas à emancipação dos sujeitos. Em concordância com Freire há que se considerar, em primeiro lugar, que o termo extensão que se utiliza corriqueiramente no tripé ensino-pesqui- sa-extensão que sustenta a universidade possui, normalmente, na perspectiva do extensionista, no trabalho de extensão, o sentido de substituição de co- nhecimentos tradicionais das culturas (considerados inferiores ou menos im- portantes) por outro conhecimento: os seus. Assim, nas ações de cooperação é possível perceber uma incompatibilidade entre o signifcado de “extensão” e a ação educativa de caráter “libertador” (Ibidem). Uma das características drásticas da ideia “de levar conhecimento ao outro”, por melhor que seja a intenção da ação extensionista, é a “invasão cultural” que provoca, como consequência, a construção da não existência do outro, uma gradual desconstrução das culturas. Indícios dela são encontrados

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 87 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen, Suzani Cassiani

na superposição de seus sistemas de valores aos indivíduos e a redução dos humanos “do espaço invadido a meros objetivos de sua ação” (Freire, 1985, p. 26). Para o autor “toda invasão cultural pressupõe a conquista, a manipulação e o messianismo de quem invade” e isso se contradiz com o ato de perceber e considerar o humano “como sujeito, engajado na ação de optar, decidir, de transformar a realidade” (p.27). Por outro lado, a perspectiva dialógica freireana adotada, trata do encon- tro de saberes e realidades sociais distintas. É o processo de interação de sujeitos sociais, que com vontades, interesses e conhecimentos próprios, acabam por expressar suas intenções, escutam as vozes dos outros e refazem seus saberes. A dialogicidade é visualizada como um processo que se inicia da observação, cruza a refexão para assim chegar à ação transformadora, partindo das práticas sociais, dos valores, da leitura de mundo dos agentes envolvidos, do universo linguístico dos sujeitos sociais, do trabalho para compor consciências críticas e refexivas sobre os contextos socioculturais e históricos nos quais vivem. Portanto, a dialogicidade é uma possibilidade pedagógica e política que pode gerar caminhos para a emancipação. Sempre nos questionamos de quão importante é a perspectiva dialógica na construção de sentidos sobre o conhecimento. Em sintonia com Freire: Parece-nos, entretanto, que a ação extensionista envolve, qualquer que seja o setor em que se realize, a necessidade que sentem aqueles que a fazem, de ir até a “outra parte do mundo”, considerada inferior, para, à sua maneira, “normalizá-la”. Para fazê-la mais ou menos semelhante a seu mundo. (Freire, 1985, p. 13). Um dos objetivos do projeto é a alimentação e publicização desses materiais num repositório na Internet, no sentido de comunicação de Paulo Freire, ou seja: Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de signos linguísticos. O mundo humano é, desta forma, um mundo de comunicação. (Freire, 1985, p. 19). Nesse sentido, o título conferido a este artigo – Comunicação e Educação: Diálogos com Paulo Freire para pensar cooperações internacio-

88 | Diálogos | Ano 05| n.o 05 | 2020 Comunicação e Educação: diálogos com Paulo Freire... nais decoloniais – expressa e reafrma o compromisso de que as ações de cooperação internacional desenvolvidas através do projeto Repositório de Práticas Interculturais sejam conduzidas como comunicação em sentido freireano e não com o de extensão usualmente concebido nas relações ver- ticalizadas de saber/poder.

AlgumAS conSiderAçõeS

Discutir sobre o papel de um projeto de cooperação internacional na promoção de perspectivas mais dialógicas na educação em ciências, nos leva a considerar distintos aspectos que estão, de nosso ponto de vista, intrinse- camente articulados. Assim, questões de linguagem e políticas linguísticas, a abordagem de temas locais, os trabalhos em parcerias colaborativas, são parte fundamental do par denúncia-anúncio. O projeto Repositório de Práticas Interculturais: proposições para pedagogias decoloniais, que articula diversos pesquisadores, professores e estudantes dedicados à temática decolonial em seus respectivos países, permite uma troca de conhecimentos e saberes potenciali- zando formas dialógicas de compreensão da relação entre ciência, tecnologia, cultura e educação fornecendo subsídios teóricos para as abordagens de temas locais e para a transformação de ações educativas e escolares. Nesse contexto são destacadas as abordagens decolonial e dialógica que partem dos problemas, dos saberes, conhecimentos, formas de trabalho, cultura e produção da vida local para compreender e ampliar o conhecimento científco, tecnológico e o ensino, com vistas ao desenvolvimento de uma sociedade pautada nos direitos humanos (Mignolo, 2003; Castro-Gómez y Grosfoguel, 2007; Walsh, 2008). A abordagem teórica que subsidia as ações desenvolvidas no projeto busca denunciar as relações coloniais engendradas historicamente e que sustentam perspectivas racistas em suas diferentes dimensões, nos colocando como desafo o trabalho de construção de um acervo a partir da memória e da cultura local acerca de diferentes saberes e conhecimentos, que serão mapeados, catalogados e publicados em Tétum, Português, Espanhol e Inglês, além de permanecer disponível num repositório online em desenvolvimento. Além disso, como

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 89 Patrícia M. Giraldi, Irlan von Linsingen, Suzani Cassiani

parte do que denominamos de anúncios, inspirados em Paulo Freire, temos como objetivo a divulgação e construção de materiais didáticos dialógicos que contemplem elementos da cultura, do conhecimento e tecnologia local para subsidiar processos de ensino. Enfim, trabalhos com essa perspectiva serão disponibilizados no Repositório de Práticas Interculturais multilíngue e apresentadas em eventos acadêmicos para a comunidade internacional. Por fm, indicamos que o estudo e a pesquisa de aspectos socioculturais das regiões que historicamente sofreram e sofrem processos colonizadores são sumamente importantes para superar a colonialidade do saber/poder/ ser/viver e reconhecer as formas ancestrais de trabalho, produção da vida, da cultura e da tecnologia, contribuindo para a perspectiva de um trabalho que envolva as cooperações Sul-Sul com solidariedade e uma educação para a paz (Freire, 1978).

reFerênciAS

Barbosa, A.; Cassiani, S.; Paulino, V. (2019). A implementação do Currículo do Ensino Secundário geral em Timor-Leste: desafos e possibilidades. Perspectivas Educativas, Colômbia, v. 8, pp. 304-324. Cassiani, S. (2018). Refexões sobre os efeitos da transnacionalização de currí- culos e da colonialidade do saber/poder em cooperações internacionais: foco na educação em ciências. Revista Ciência e Educação – Editora da Unesp Bauru, vol. 24, n. 1 (aguardando publicação). Castro-Gómez, S.; Grosfogel, R. (2007). El giro decolonial Refl exiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo Global. Panamericana Formas e Impresos S.A. Bogotá. Dale, R. (2004). Globalização e Educação: Demonstrando a Existência de uma “Cultura Educacional Mundial Comum” ou Localizando uma “Agenda Globalmente Estruturada para a Educação?” Educação e Sociedade. Campinas, SP, v. 25, n. 87, pp. 423-460, mai./ago. Freire, P. (1978). Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

90 | Diálogos | Ano 05| n.o 05 | 2020 Comunicação e Educação: diálogos com Paulo Freire...

Freire, P. (1985). Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra. Freire, P. (2008). Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra. Janning, D. P. (2016). A codocência em ciências da natureza na Universidade Nacional Timor Lorosa’e: refexões sobre colonialidades na formação de professores. 164f. Dissertação de Mestrado em Educação Científca e Tecnológica – Programa de Pós-Graduação em Educação Científca e Tecnológica: UFSC, Florianópolis. Meneses, Maria Paula. (2014). Diálogos de saberes, debates de poderes: pos- sibilidades metodológicas para ampliar diálogos no Sul global, Em Aberto, v. 27, n. 91, pp. 90-110. Mignolo, W. D. (2003). Histórias locais/Projetos globais. Belo Horizonte: Editora da UFMG. Oliveira, G. (2008). Plurilingüismo no Brasil. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (IPOL). https://unesdoc.unesco. org/ark:/48223/pf0000161167. Oliveira, G. (2009). Brasileiro fala português: Monolingüismo e Preconceito Lingüístico. Revista Linguagem, 11 ed., UFSCAR. Pereira, P. B. (2014). O Programa De Qualifcação De Docentes E Ensino De Língua Portuguesa No Timor Leste: Um Olhar Para O Ensino De Ciências Naturais. Tese de doutorado, UFSC. Pereira, P. B. & Cassiani, S. (2012). Ser x Saber – Efeitos simbólicos da colonialidade nas relações entre os sujeitos e o conhecimento científco. Atas do VIII Enpec. Pereira, P. B.; Cassiani, S.; Linsingen, I. (2015). International educational co- operation, coloniality and emancipation: the Program Teacher Qualifcation and Portuguese Language Teaching in East Timor and the teacher education. RBPG. Revista Brasileira de Pós-Graduação. v.12, pp. 1-21. http://ojs.rbpg.capes. gov.br/index.php/rbpg/article/view/499/pdf. Santos, B. S. & Meneses, M. P. (2013). Epistemologias do Sul. Coimbra: Ed. Almerinda. Sarmento, V. (2016). O currículo de biologia em Timor-Leste: um estudo de caso na escola 12 de Novembro – Becora, Díli. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação Científca e Tecnológica, UFSC. Walsh, Catherine. (2008). Interculturalidad, plurinacionalidad y decoloniali- dad: las insurgencias político-epistémicas. de refundar el Estado. Tabula Rasa. Bogotá - Colombia, n. 9, jul-dez, pp. 131-152.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 91

trAnSFormAção comunicAcionAl nA AprendiZAgem nAcionAl timor loroSA’e

Paulo M. Faria1 Susana Soares2

Resumo: O contexto coloca sempre renovados desafos a professores e alunos. Também o processo de ensinar e aprender está cada vez mais associado à utilização de recursos digitais, que se traduz numa abordagem multiliterácita e multimodal no ensino da língua. No contexto de ensino superior da Universidade Nacional Timor Lorosa’e, o smartphone é um recurso que se privilegia em diversas tarefas desenvolvidas nas sequências didáticas de uma unidade curricular de 1.º ano do ensino de língua portuguesa. Quanto à metodologia, optou-se por realizar um estudo que incide numa abordagem de natureza qualitativa, embora se apresentem resultados estatísticos decorrentes dos dados recolhidos por questionário e por diário de bordo. Os instru- mentos de recolha de dados possibilitaram identifcar i) as características biográfcas e socioeconómicas do grupo; ii) o acesso a meios digitais e o uso que deles é feito; iii) as atividades para as quais se recorreu ao telemóvel em contexto de sala de aula e iv) a perceção sobre essas atividades em termos de vantagens e desvantagens. Deste artigo, que constitui a primeira fase de um estudo mais amplo, pode concluir-se que, apesar de a utilização de meios digitais colocar exigências suplementares à docência, esse é um caminho sem retorno. Por conseguinte, a necessidade de desenvolver nos alunos novas competências de análise discursiva, a ponto de os capacitar para representar o mundo a partir de diferentes modos semióticos, deve constituir um ponto central na organização e dinamização das atividades pedagógicas. Palavras-chave: Português LNM; multiliteracias; multimodalidade; Timor-Leste; Digital.

communicAtionAl trAnSFormAtion in portugueSe lAnguAge leArning: A Study At tHe nAtionAl

Abstract: Te real context always poses renewed challenges to teachers and students. Also, the process of teaching and learning is increasingly associated with the use of digital resources, leading into a multiliteracy and multimodal approach to language

1 Coordenador Científco-Pedagógico para o Ensino de Português, FOCO.UNTL Centro de Língua Portuguesa - Universidade Nacional Timor Lorosa’e | Camões, I.P. E-mail: [email protected] 2 Agente de Cooperação no Projeto FOCO.UNTL Centro de Língua Portuguesa - Universidade Nacional Timor Lorosa’e | Camões, I.P. E-mail: [email protected]

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 93 Paulo M. Faria e Susana Soares

teaching. In the context of higher education at Universidade Nacional Timor Lorosa’e, the smartphone is a resource that focuses on several tasks developed in the didactic sequences of a 1st year course of Portuguese language teaching. As for the metho- dology, it was decided to carry out a study that focuses on a qualitative approach, although statistical results from the data collected by questionnaire and logbook are presented. Te data collection instruments made it possible to identify i) the group’s biographical and socioeconomic characteristics; ii) the access to and use of digital media; iii) the activities for which the cell phone was used in the classroom and iv) the perception of these activities in terms of advantages and disadvantages. From this article, which constitutes the frst phase od a broader study, it can be concluded that, although the use of digital media places additional demands on teaching, this is a path with no return. Terefore, the need to develop, in students, new skills in discursive analysis, so they can be able to represent the world in diferent semiotic ways, must be a central point in the organization and dynamization of pedagogical activities. Keywords: Portuguese NNL; multiliteracies; multimodality; Timor-Leste; digital.

introdução

Partindo de uma leitura global de indicadores nacionais e internacionais que confguram o perfl de Timor-Leste, poderá concluir-se que o país eviden- cia carências em praticamente todos os parâmetros societais. Atente-se, por exemplo, ao índice de desenvolvimento humano, cujas fragilidades, extremas nalguns casos (encontrando-se na posição 131 do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU3), são o panorama real. O índice de pobreza é ainda muito elevado, com 41,8% da população a viver abaixo desse limiar, de acordo com os dados mais recentes4. Ao longo de toda a escolaridade, a esmagadora maioria dos alunos tem um acesso muito limitado a livros, bibliotecas e outros meios de informação. Quando ingressam no ensino superior, as condições socioeconómicas não se alteram substancialmente, mas pode verifcar-se que uma larga maioria dos estudantes possui smartphone. Embora não se conheçam estudos com-

3 Disponível em http://hdr.undp.org/sites/default/fles/hdr_2019_overview-pt.pdf. 4https://www.unicef.org/timorleste/media/2631/file/SDG_English_Final%20 Artwork_0423_web.pdf.

94 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa... provativos dos índices da sua utilização, o facto não passará despercebido e pode ser facilmente testemunhado por meros transeuntes em qualquer um dos campus universitários. Ora, perante este cenário, o presente artigo pretende contribuir para encontrar soluções que sirvam como contributo aos professores de portu- guês do ensino superior em Timor-Leste. A intenção é procurar um papel mais interventivo, no sentido de facilitar processos de (re)construção e (trans)formação do pensamento e da ação dos estudantes, enquanto instru- mento de combate à ignorância, às desigualdades e à exclusão (Morgado, 2019). Para alcançar estes objetivos gerais é necessário, em primeiro lugar, compreender a importância do contexto, fundamental para a compreensão dos fenómenos, tendo presente que os signifcados são criados nos con- textos sociais (Neuman, 2013), o que implica que o investigador “... não pode esquecer-se de que não é um mero participante que investiga, mas um investigador que, para o ser, assume também participar”, segundo as palavras de Alarcão (2014, p. 114). Neste quadro, este artigo pretende discutir e apresentar cenários de aprendizagem inovadores para o desenvolvimento de uma abordagem multiliterácita e multimodal no ensino da língua. Atendendo às limita- ções infraestruturais, materiais e humanas, utilizou-se o smartphone como recurso privilegiado em diversas tarefas desenvolvidas nas sequências di- dáticas de uma unidade curricular de 1.º ano na docência de uma UC na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL). Quanto à metodologia, optou-se por realizar um estudo que privilegia uma abordagem de natureza qualitativa, embora se apresentem resultados estatísticos decorrentes dos dados recolhidos por questionário e pelo diário de bordo. Os instrumentos de recolha de dados possibilitaram identifcar: i) as características biográ- fcas e socioeconómicas do grupo; ii) o acesso a meios digitais e o uso que deles é feito; iii) as atividades para as quais se recorreu ao telemóvel em contexto de sala de aula; iv) a perceção sobre essas atividades em termos de vantagens e desvantagens. Deste artigo, que constitui a primeira fase de um estudo mais amplo desta matéria, pode concluir-se que, apesar de

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 95 Paulo M. Faria e Susana Soares

a utilização de meios digitais colocar exigências suplementares à docência, esse é um caminho sem retorno. Especifcamente, este artigo pretende identifcar problemas e presu- míveis soluções a partir dos dados recolhidos: i) delimitando e descrevendo problemas; ii) explicando o processo de implementação e de validação das práticas; iii) discutindo e analisando os dados recolhidos numa abordagem qualitativa. Assim, este artigo pretende, sem pretensões de generalização, mas com o intuito de partilha e de refexão, apresentar e analisar práticas que potenciem uma abordagem pedagógica alinhada com as teorias mais recentes de ensino e aprendizagem no mundo digital e, simultaneamente, que promovam a autonomia e as competências digitais no âmbito das multilite- racias dos aprendentes, utilizando apenas o material de que estes dispõem. Por conseguinte, a necessidade de desenvolver nos alunos novas compe- tências de análise discursiva, a ponto de os capacitar para representar o mundo a partir de diferentes modos semióticos, deve constituir um ponto central na organização e dinamização das atividades pedagógicas.

O estudo que agora se apresenta, no quadro do Programa Estratégico de Cooperação entre Portugal e Timor-Leste para os anos 2019-2023 (PEC) e no âmbito da implementação do Projeto FOCO.UNTL (Formar, Orientar, Certifcar e Otimizar com a Universidade Nacional Timor Lorosa’e), progra- mado para 2019-22, tem por missão contribuir para a melhoria da qualidade do ensino em Timor-Leste e a consolidação da língua portuguesa como instrumento para aquisição e acesso ao conhecimento. No que respeita à caraterização do contexto educativo, a Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), única universidade pública de Timor- Leste, não é alheia a todo um conjunto de limitações que o país ainda enfrenta, concretamente a escassez de recursos infraestruturais, materiais e humanos. A sobrelotação dos espaços condiciona a organização e gestão

96 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa... das salas de aula, da biblioteca e de outros espaços. O acesso à informação documental é limitado a bibliotecas generalistas não catalogadas e sem ser- viços operacionais de pesquisa. Assim, o acesso a material de estudo em suporte físico está claramente limitado, seja porque não existe nas bibliote- cas, seja porque o que existe está frequentemente desatualizado, seja ainda por difculdades de consulta do material existente, decorrentes da falta de organização de bibliotecas. A tudo isto acresce o custo de reprodução de material de estudo em fotocópias, que muitas vezes não é comportável pelos alunos e suas famílias. Embora recentemente tenha sido criada uma biblioteca digital de acesso restrito, fundamentalmente para a consulta de livros digitalizados, não se disponibiliza ainda o acesso a revistas especializadas nas várias áreas ou o acesso a bases de dados referenciais de texto integral, editoras de revistas, coleções, etc. Apesar das muitas limitações já elencadas, o público-alvo de interven- ção do projeto FOCO.UNTL apresenta algumas características que permi- tem uma abordagem diferenciada e mais centrada em práticas de ensino e aprendizagem com recurso ao digital. Relativamente aos estudantes, trata-se de jovens adultos que, em muitos casos, se encontram deslocados da sua área de residência, tendo como único meio de comunicação com as suas famílias o telemóvel. Além disso, o telemóvel é o meio privilegiado para pesquisa e partilha de informação em rede, através da Internet e das redes sociais, elemento central de difusão de informação, inclusivamente da comunicação social e da maioria dos organismos estatais. O facto de as instalações da UNTL terem eletricidade e várias tomadas disponíveis para o carregamento (a custo zero) das baterias dos telemóveis permite considerar estes aparelhos como ferramentas válidas para o trabalho pedagógico. Por outro lado ainda, o FOCO.UNTL é um projeto que visa contribuir para a consolidação da formação inicial de professores timorenses, num mundo cada vez mais digital. Nos últimos anos, a rede de Internet tem melhorado por via de proto- colos estabelecidos com empresas de telecomunicações, facultando aos alu- nos um acesso generalizado à rede. Apesar de limitada em ações que exijam

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 97 Paulo M. Faria e Susana Soares

maior largura de banda, os alunos utilizam-na massivamente através dos seus smartphones. Não se conhecem, todavia, estudos que mapeiem o seu número nem as fnalidades da sua utilização, pessoal e académica, sendo certo que praticamente todos os alunos possuem telemóvel, como aliás comprovam os dados recolhidos pelo estudo agora apresentado. Os dados foram recolhidos numa das cinco turmas do 1.º ano da li- cenciatura de Ensino de Língua Portuguesa do Departamento de Língua Portuguesa da UNTL, no ano letivo de 2019. A turma, constituída por 68 alunos, teve uma média de assiduidade de 89,5%. No dia em que foi passado o inquérito (20 de novembro de 2019) esti- veram presentes 60 alunos (88,2% do número de alunos inscritos). Dada a falta de hábito no preenchimento de inquéritos, a que se somam as difculdades no domínio da língua portuguesa, aquando da distribuição dos inquéritos, a docente explicou o conteúdo das questões. Ainda assim, houve várias respostas inválidas, por incompreensão ou por contradição. Nesses casos, as respostas foram consideradas nulas. No tratamento dos dados, optou-se por contabilizar apenas as respostas afrmativas. 1.1 Caracterização do grupo por género e por idade Assim, o grupo é composto por 60 indivíduos (9 do sexo masculino, 49 do sexo feminino e dois indivíduos não responderam), entre os 18 e os 23 anos, com uma média de idade de 20 anos (3 indivíduos não responderam). 1.2 Características da habitação em tempo de aulas e acesso a meios digitais Na casa onde vivem durante o período escolar, em Díli, quase todos têm acesso a água e a eletricidade (respetivamente 96,7% e 98,3%), mas pouco mais de metade tem televisão (56,7%) e menos ainda têm computador (51,7%). De entre os que têm computador, o sistema está maioritariamente em inglês (48,4%), tendo algum relevo o português (29%), e 77,4% têm acesso à internet. 1.3 Uso dos meios digitais O computador é usado sobretudo para fns académicos, como traba- lhos para a universidade (100%) ou pesquisas (83,9%), mas também para

98 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa... atividades lúdicas, como ver vídeos (77,4%), usar redes sociais (71%), ler (61,3%) ou jogar (41,9%). Já o acesso ao telemóvel é muito superior, pois 98,3% dos inquiri- dos dispõem deste aparelho, e todos têm acesso à internet via telemóvel. Curiosamente, o sistema destes dispositivos está maioritariamente em por- tuguês (59,3%), ao contrário do que se passa com os computadores, em que o inglês prevalece. Por outro lado, o tipo de uso do telemóvel aponta para uma relação mais próxima do que a que existe com o computador, valorizando a ver- tente lúdica deste dispositivo, mas sem dispensar as mais-valias associadas ao estudo e ao saber. Também as aplicações instaladas nos telemóveis revelam a importância deste dispositivo no dia-a-dia dos inquiridos, não apenas ao nível das suas relações interpares, mas também com o mundo, estando ao mesmo nível o uso do dicionário e do Facebook (94,9%), seguido pelo WhatsApp (93,2%) e pelo SHAREit (74,6%). Destaca-se, pela negativa, o número de inquiridos que refere utilizar correio eletrónico (47,5%), fruto da baixa efcácia de uso desta ferramenta de comunicação em Timor-Leste5.

Parte-se da premissa de que os alunos, para aprender, devem observar, memorizar, compreender, mobilizar, estabelecer metas e desenvolver mecanis- mos autónomos para gerir a sua própria aprendizagem. Ao mesmo tempo, os professores são desafados a desenvolver contextos de ensino e aprendizagem que fomentem o desejo da descoberta, da criação pela execução de tarefas individuais, colaborativas, em constante interação com os seus pares, tornando -os membros ativos e críticos na construção do seu conhecimento. Será, pois, um processo centrado tendencialmente no aluno e em situações do mundo real com vista à resolução de problemas do quotidiano, em vez de privilegiar

5 Na UNTL, a forma mais efcaz (e preferencial) de contacto, mesmo entre docentes, é através da criação de grupos de whatsapp.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 99 Paulo M. Faria e Susana Soares

a memorização de conceitos ou regras sobre a língua e o seu funcionamento. Efetivamente, a planifcação e a proposta de atividades de aprendizagem de- vem ajudar a implementar as abordagens inovadoras descritas em cada cenário através de propostas práticas para uma aprendizagem ativa, permitindo-lhes o desenvolvimento das competências requeridas (Lewin, et al., 2014; Comissão Europeia, 2007). Ao mesmo tempo, “os cenários devem estimular o pensa- mento crítico e criativo que permita sair-se das formas pré-estabelecidas de planeamento das ações…” (Wollenberg et al., 2000, p. 2). Este é, aliás, o enquadramento que subjaz ao Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (Conselho da Europa, 2001; 2018), quando se defende uma abor- dagem orientada para a ação: “Te CEFR presents the language user/learner as a ‘social agent,’ acting in the social world and exerting agency in the learning process.” (Conselho da Europa, 2018, p. 26). O que são e como podem então ser defnidos os novos cenários de aprendizagem a propor para o ensino do português na UNTL? Em primei- ro lugar, entende-se que os novos cenários de aprendizagem devem estar estreitamente ligados à prática docente, devendo refetir a necessidade de inovar por parte do professor (como é que poderei ajudar os meus alunos a aprender?) e contar com o envolvimento e colaboração dos alunos na procura de respostas para um domínio profciente da língua; o cenário deve igual- mente contemplar os interesses e necessidades dos alunos (o que exige um conhecimento aprofundado do contexto, dos interesses e das suas necessida- des), possibilitando-lhes o acesso a modos de aprendizagem mais próximos daqueles que são característicos do mundo digital em que nasceram e vivem (Matos, 2014; Wollenberg, et al., 2000). O desenho de cenários de aprendizagem dependerá essencialmente do conhecimento do contexto em que se realiza a aprendizagem, dos conheci- mentos e competências que os alunos devem adquirir, das metodologias e das estratégias a adotar, das motivações e dos recursos de que se dispõe na sala, mas também deverá atender às condições domiciliárias que globalmente possuem estes alunos. Por fm, as ferramentas a selecionar devem atender a todos os pressupostos enunciados para que o modelo de avaliação refita também as metodologias que se adotaram (Matos, 2014).

100 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa...

Dentro deste quadro teórico, e confrontados com diferentes formas de comunicar e de produzir sentido, registam-se cada vez mais meios emergentes que colocam exigências suplementares à docência. É neste enquadramento que surge a necessidade de desenvolver nos alunos novas competências de análise discursiva, a ponto de os capacitar a representar o seu mundo através de modelos no campo das multiliteracias e da mul- timodalidade no âmbito da pedagogia educacional (Cope & Kalantzis, 2009; Williams, 2008). Se, no passado, os procedimentos pedagógicos estavam centrados num paradigma comunicacional praticamente restringido a modelos de ensino e aprendizagem grafocêntricos, a proposta é, agora, redirecionada para uma abordagem multimodal, de forma a que se combinem e articulem meios de comunicação e interação linguística, visual, áudio e vídeo, como é sustentado por vários investigadores (Coiro, Knobel, Lankshear & Leu, 2008; Cope & Kalantzis, 2000, 2009; Kress e Van Leeuwen, 2001). Desta leitura, salientamos um movimento com sinais evidentes nesta investigação, no sentido de encontrar estratégias pedagógicas para que os professores consigam, em primeiro lugar, envolver e, depois, comunicar de forma mais efciente com os seus alunos. Também outros autores, como Amasha (2012), ao referirem-se à introdu- ção do termo multiliteracia, salientam o grande impacto que este tem colhido, globalmente, no universo internacional da investigação, ao partir da premissa de que é necessário, cada vez mais, ter em conta que os múltiplos canais de comunicação originam formas de comunicação cada vez mais diversas. A autora acrescenta que, neste panorama, a continuidade e a perseverança nos modelos de ensino tradicionais estão a limitar a participação dos alunos numa sociedade pluralista. Perspetivar uma metodologia pedagógica através do desen- volvimento de multiliteracias capacitará os alunos, não só para a análise mais aprofundada e certeira de textos multimodais, mas, também, para a produção nesta nova abordagem textual. O conceito de multiliteracia vai ocupando um espaço cada vez mais relevante na agenda pedagógica internacional, visando redesenhar o cenário educacional.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 101 Paulo M. Faria e Susana Soares

Por conseguinte, desenhar cenários de aprendizagem com estas ca- raterísticas contribuirá para o desenvolvimento, por parte dos alunos, de competências de linguagem mais complexas, e que promoveria uma di- mensão e sentido crítico no seu futuro enquanto profssionais (Cope & Kalantzis, 2006). Existem, porém, várias controvérsias assinaladas quando se passa para a operacionalização de práticas multiliterácitas em ambiente académico. Em primeiro lugar, a polémica do valor textual dos textos que pertencem ao câ- none literário emerge como que um libelo antigo; outra discórdia reside na defnição dos limites e na redefnição dos papéis do estudante e do professor; fnalmente, e por último, os limites e potencialidades de uma pedagogia multiliterácita suscitam, ainda, muitas dúvidas no processo de operaciona- lização, pois reivindicam uma pedagogia ativamente crítica, aberta, sempre numa perspetiva transformadora (Abraham & Williams, 2011; Mills, 2009). Nesta ambivalência, situada entre as reservas de novas propostas e o con- sagrado pelo tempo e pela tradição, a pedagogia das multiliteracias envolve quatro componentes: “situated practice, overt instruction, critical framing and transformed practice” (Mills, 2009, p. 108). Relacionada com estes conceitos, a revisitação da Taxonomia de Bloom, na proposta de esquematização de Ron Carranza (2016), contribui para que o desenho dos novos cenários de aprendizagem represente uma oportunidade para ultrapassar a conceção instrumental dos meios digitais e atender às novas exigências do mundo atual. Guinchon e Cohen (2016) sublinham três competências, dentre as listadas por Erstad (2011, p. 107): “comunicar-se por diferentes meios de mediação; cooperar em redes; e criar diferentes formas de textos multimodais”. Essas competências digitais destacam a importância de uma abordagem de alfabetização multimodal, neste caso na aprendizagem da língua portuguesa. Para isso, a revisitação da Taxonomia de Bloom contribui para percecionar a ampla diversidade de estratégias, de ações e de vários níveis de exigência cognitiva, como assinala o quadro a seguir.

102 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa...

Figura 1. Taxonomia Digital de Bloom6

Neste âmbito, ensinar hoje desafa a que, segundo a proposta de Dudeney, Hockly e Pegrum (2013), se equacionem quatro áreas: i) linguagem; formação; conexões; e (re)design (Dudeney & Hockly, 2016, p. 117). Os autores sustentam que a profciência em língua, por exemplo, adquire uma amplitude que passa por saber ler e criar textos online; conhecer as regras e normas da língua para redigir mensagens; compreender e produzir efcaz- mente textos com hiperligações; compreender e produzir mensagens com uma variedade de multimodalidade semiótica; navegar na Web e entender como usar a geolocalização e como a tecnologia móvel e a hiperconectividade podem contribuir para comunicar de forma mais efciente. Acrescentam ainda que a aprendizagem de uma língua exige competências integradas relacionadas com a pesquisa, distinguindo e fazendo referência a fontes credíveis. Outras áreas são também abordadas pelos autores, como a segurança e a capacidade de participar em debates na rede, mas que por uma questão de espaço não podem ser aqui desenvolvidas. 6 Infográfco: Carranza, 2016. https://libguides.bc.edu/c.php?g=628962&p=4506921

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 103 Paulo M. Faria e Susana Soares

Em suma, verifca-se a necessidade de repensar (e transformar) o papel do professor, pois o “papel do professor é encontrar maneiras de capitalizar essas habilidades e canalizá-las para experiências de aprendizagem reais e envolver os alunos em tarefas de solução de problemas que maximizem o pensamento crítico e a criatividade” (Bustamante et al., 2012, p. 109).

O plano de ação que agora se apresenta decorre dos registos provenientes do Diário de Bordo elaborado pela professora ao longo do segundo semestre de 2019, no âmbito da unidade curricular de Ofcina de Língua Portuguesa, UC do 1.º ano da Licenciatura em Ensino de Língua Portuguesa da UNTL. Nesta unidade curricular, optou-se pelo uso do telemóvel em contexto de sala de aula em diversos momentos, como forma de potenciar o desenvolvi- mento das distintas competências linguísticas que constituem a competência comunicativa em língua (Conselho da Europa, 2001, pp. 156-157; Conselho da Europa, 2018, p. 130). Das diversas atividades e tarefas propostas, apre- sentam-se aqui alguns exemplos. Para o desenvolvimento das competências lexical e semântica 3.1 O professor usa o seu próprio telemóvel e o Google imagens como ferramenta de apoio no esclarecimento de signifcados. Muitas vezes, os estudantes não compreendem o signifcado de determi- nados termos ou expressões, seja por simples desconhecimento do vocábulo, seja por falta de referências que permitam aceder ao sentido desses termos ou expressões. Por outro lado, o acesso à internet é algo que não está disponível para todos os estudantes, porque isso implica custos que nem todos podem comportar, para além de nem todos terem smartphones. Neste contexto, o uso do telemóvel do professor e do Google imagens como ferramenta de apoio permite que, através da identifcação de imagens, todos os alunos possam ra- pidamente compreender o signifcado de termos ou expressões desconhecidas e esclarecer dúvidas na correspondência entre signifcante e signifcado, sem que o professor tenha de recorrer à tradução.

104 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa...

3.2 Em grupo, os alunos fazem um jogo que permite, por um lado, o alargamento de léxico e, por outro, a verifcação da compreensão de diferentes traços semânticos associados ao nome enquanto classe de palavras. Na UC de Ofcina de LP, o programa prevê trabalhar as regras de concordância interna no grupo nominal, o que implica, necessariamente, o reconhecimento do nome enquanto classe. Daqui decorre a necessidade de explicar as características de um nome. Sendo praticamente isenta de problemas a distinção entre nome próprio e nome comum, até porque também existe no tétum, é difícil, para a maioria dos aprendentes timorenses, a identifcação de nomes abstratos enquanto elementos pertencentes à classe do nome, bem como a diferenciação quer entre nomes e adjetivos, quer entre nomes e verbos. 3.3 Esta difculdade decorre do facto de, em tétum, as formas lexicais de adjetivos que denotam estados e os nomes que lhes correspondem terem formas demasiado próximas, assim como acontece entre verbos que denotam eventos e os nomes que lhes correspondem. “Do ponto de vista semântico, é possível estabelecer um número pra- ticamente indefnido de classes de nomes, refetindo a diversidade ontológica do mundo e a maneira como os falantes o percecionam e conceptualizam” (Raposo et al., 2013, p. 949). Não obstante, e a partir das várias possibilidades elencadas em Raposo et al. (2013, pp. 714; 738; 744; 952; 986; 988) optou-se por trabalhar as seguintes subclasses semânticas: nomes que denotam animais; objetos; lugares ou espaços; elementos da natureza; alimentos; profssões; emo- ções, sentimentos e sensações; ideias, valores e conceitos abstratos; áreas do conhecimento e artes; qualidades e propriedades; acontecimentos e atividades. Se as primeiras seis subclasses não apresentam difculdade, por ser fácil criar uma representação mental dos nomes que as integram, nas restantes já não se passa o mesmo. Assim, podemos adaptar um jogo conhecido em muitos países, que em português se chama stop e em Timor-Leste é conhecido como panca sila, lima dasar (nome indonésio). O jogo consiste em escrever palavras começadas por determinada letra, de acordo com categorias previamente defnidas. No caso desta atividade, as

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 105 Paulo M. Faria e Susana Soares

categorias são as onze subclasses acima elencadas. Para que seja clara a ativi- dade, a letra A pode servir de ponto de partida. Em grupo-turma, discutem-se as propostas apresentadas pelos alunos e pela professora, registando no quadro as palavras nos devidos lugares. Dado que as turmas são muito grandes (a turma que foi alvo deste plano de ação tinha 63 alunos), podem ser constituídos grupos de dois ou três elementos, fcando cada grupo com uma letra do alfabeto (não são distribuídas as letras K, Q, W, X, Y e Z). Para cada subclasse, podem ser apresentadas, no máximo, três palavras. Cada palavra corretamente co- locada valia um ponto, desde que o grupo saiba explicar o signifcado da palavra que apresenta. Ganha o grupo que obtém mais pontos. No quadro, vão sendo registados os resultados por equipa, o que fomenta a atenção e, ao mesmo tempo, uma competição muito saudável. Para a realização desta atividade, os grupos têm um tempo-limite de 45 minutos para realizar a prova e podem recorrer a qualquer material para encontrar as palavras pre- tendidas. Alguns dos alunos usaram fchas de trabalho onde tinham listas de palavras, outros usaram o dicionário mas a maioria usou o telemóvel - para aceder a aplicações de vocabulário temático já instaladas, como o Learn Portuguese da Fun Easy Learn, a dicionários online ou simplesmente ao motor de busca do Google. No fnal da aula todos os grupos entregam os seus trabalhos, que a professora corrige e avalia (com avaliação formativa). Para o desenvolvimento das competências fonológica, ortográfca, or- toépica e gramatical 3.4 O aluno usa o smarthphone para registar a sua própria produção oral, com vista ao reconhecimento e autocorreção dos seus erros. Sendo a oralidade a forma mais imediata de comunicação, é também, e por isso, a que mais está sujeita a incorreções. No contexto educativo de Timor-Leste, o erro é entendido como estig- matizante e é fortemente penalizado (Freitas, 2016). Consequentemente, as atividades de produção oral acarretam um índice elevado de desconforto para os alunos, o que, por sua vez, potencia o erro.

106 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa...

Tendo estes factos em consideração, a proposta é que os alunos gravem, no seu telemóvel, as suas próprias intervenções (no caso de não terem telemóvel, podem usar o do colega) para que, posteriormente, façam a transcrição do seu próprio texto, do oral para a escrita. Ao apresentar a atividade, o professor recorda que qualquer pessoa que use o modo oral para comunicar numa língua diferente da sua tende a cometer mais erros do que se o fzesse no modo escrito, e que, por isso, pretende saber quais os erros que os alunos seriam capazes de corrigir e quais têm de ser objeto de intervenção explícita em aula. Assim, aquando da transcrição, o aluno deverá sinalizar os erros que cometeu e, à parte, apresentar a sua própria errata. Enquanto os alunos intervêm, o professor faz os registos possíveis, mas difcilmente conseguirá identifcar os vários erros cometidos. O facto de a atividade consistir numa transcrição do texto pelo próprio permite ao professor, mais tarde, recuperar o contexto das suas anotações. Por outro lado, o facto de ser uma tarefa de autocorreção retira a preocupação com o julgamento dos seus pares, e mesmo do professor, dado que o exercício permite ao aluno provar que sabe mais do que aquilo que mostrou. A potencialidade da aplicação SHAREit no contexto de ensino e apren- dizagem na UNTL, uma aplicação gratuita, compatível com os sistemas Windows, Windows Phone, Android e iOS, permite transferir diretamente ar- quivos de qualquer tipo entre dispositivos que suportam o protocolo Wi-Fi, bastando uma rede sem fo ad hoc. O utilizador apenas tem de escolher entre “Enviar” e “Receber”, sem que seja necessário estar ligado à rede. O recurso a esta aplicação permite, por um lado, facilitar o acesso a material de estudo, nomeadamente bibliografa e, por outro, disponibilizar material didático para uso em contexto de sala de aula (antecipadamente ou na própria aula) ou para consolidação de aprendizagens em trabalho autónomo. Num contexto como o de Timor-Leste, são várias as vantagens desta aplicação, dado que permite a desmaterialização e, por outro lado, garante o acesso e uso independentemente do local, da possibilidade de acesso à internet ou de condições económicas seja para descarregar fcheiros, seja para a reprodu- ção de material em suporte físico. No contexto de sala de aula, a possibilidade

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 107 Paulo M. Faria e Susana Soares

de disponibilizar material didático e/ou fchas de trabalho, antecipadamente ou na própria aula, evita a falta de condições para a realização de atividades e tarefas por esquecimento ou falta de dinheiro para pagar as fotocópias, além de ser uma mais-valia em termos ambientais. Por outro lado, atendendo à quantidade de alunos por turma, é possível planifcar atividades diferenciadas e trabalhos de grupo, partindo da partilha de documentos diferentes. Permitindo a transferência de fcheiros de qualquer tipo, esta aplicação permite desenvolver atividades comunicativas de compreensão, de expressão e de mediação, tanto no modo oral como no modo escrito. Uma das tarefas realizadas em aula com recurso ao SHAREit, que teve por objetivo o desenvolvimento de diversas competências linguísticas a partir de atividades de compreensão e expressão oral e escrita, tinha por base uma história sem palavras, intitulada Te Red Book, de Barbara Lehman. Não existindo o livro em suporte físico, recorreu-se à digitaliza- ção das imagens e à sua organização num fcheiro em formato PDF (por ser dos mais leves), com a devida identifcação dos direitos autorais. No início da aula, a professora partilhou, através da aplicação, o fcheiro com alguns alunos que, por sua vez, partilharam o fcheiro com outros colegas, e assim sucessivamente, e no espaço de cinco minutos cerca de 50 dos alu- nos presentes tinham acesso, no telemóvel, ao fcheiro. Nalguns casos, os alunos não tinham instalado o leitor de fcheiros em PDF, o que acabou por reduzir o número de dispositivos disponíveis para o trabalho. De qualquer das formas, como as atividades propostas eram em dinâmica de grupo, esta situação não foi impeditiva da sua realização. A tarefa proposta consistiu na escrita em grupo de uma história, origi- nalmente apresentada apenas em formato pictórico, utilizando corretamente os tempos verbais do pretérito perfeito simples e do pretérito imperfeito do modo indicativo. Para tal, num primeiro momento, os alunos leram a história e, em grupos, foram comentando entre si a sequência de imagens. No mo- mento seguinte, e de modo a verifcar a compreensão da leitura, a professora colocou oralmente várias perguntas, usando sempre formas verbais ancoradas no presente, para centrar a atenção, numa primeira fase, no léxico, ao mesmo tempo que garantia que os alunos estabeleciam as relações entre as imagens e,

108 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa... portanto, que todos compreendiam a história. Todas as palavras que apresen- tavam difculdade para os alunos foram registadas no quadro, com a devida identifcação da classe a que pertenciam. No caso dos nomes, a isto acresceu a referência ao género através de determinantes artigos. Seguidamente, e por se tratar de uma história que podia ser contada a crianças, a professora convidou os alunos a escrevê-la. Para tal, perguntou se conheciam a forma tradicional de iniciar uma história para crianças em língua portuguesa. Ao usar a estrutura formulaica “era uma vez”, necessariamente todo o texto surge ancorado num momento anterior ao da enunciação, o que implicou a revisão não só dos tempos verbais de pretérito perfeito simples e pretérito imperfeito do indicativo (não havia a necessidade de outros tempos), mas também, e sobretudo, a identifcação das circunstâncias que permitem a sua utilização numa narrativa. Assim, foi feita uma explicação centrada na distinção semântica (ainda que superfcial e sem recurso a metalinguagem ou terminologia linguística específca) entre estados e eventos e, dentro destes, entre os valores aspetuais associados à duratividade e à telicidade. Depois de alguns exercícios de verifcação da compreensão e de consolidação da aprendizagem, realizou-se uma atividade de escrita coletiva, em que os alunos propuseram uma redação para a sequência das imagens correspondentes à introdução e ao início da ação. Depois de corrigidos e explicados os erros cometidos, os alunos voltaram a trabalhar em grupos de três e redigiram a continuação da narrativa, com o suporte do fcheiro PDF que tinham no telemóvel e com o acompanhamento da professora. No último momento da aula, retomou-se a escrita coletiva do texto, tendo cada grupo apresentado o texto correspondente a uma sequência específca. A correção do texto foi feita pelo grupo-turma, e depois validada (ou retifcada) pela professora.

4. metodologiA

O estudo realizado parte de uma problemática que se centra sintetica- mente em intervir e avaliar as potencialidades digitais do uso do smartphone no ensino do português como língua não materna na UNTL. Ora, a investigação já produzida (Te Digital Competence Framework for Citizens in 2013, with

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 109 Paulo M. Faria e Susana Soares

updates in 2016 and 2017; Te European Framework for Digitally Competent Educational Organizations Framework, DigComp Org., 2015; Te European Framework for the Digital Competence of Educators, DigCompEdu, 2017) revela um amplo consenso no sentido de que o acesso aos meios digitais só pode gerar profciência linguística e conhecimento através da redescoberta de técnicas, estratégias e metodologias que ultrapassam a questão do acesso aos meios digi- tais, exigindo deste modo o desenho de novos ambientes pedagógicos assentes num pensamento renovado sobre o ato de ensinar e aprender. Para o desenvolvimento deste estudo, partiu-se de uma caracterização elementar do contexto e dos intervenientes envolvidos. Realizou-se um ques- tionário que pretendeu identifcar: i) as características biográfcas e socioeco- nómicas do grupo; ii) o acesso a meios digitais e o uso que deles é feito; iii) as atividades para as quais se recorreu ao telemóvel em contexto de sala de aula; iv) a perceção sobre essas atividades em termos de vantagens e desvantagens. A par disso, foram recolhidas informações através de um diário de bor- do, tendo-se registado o grau de satisfação e a perceção que os alunos revela- vam no decurso de cada aula e também através da observação direta. Estes instrumentos permitiram recolher as vantagens, a satisfação e o interesse, simultaneamente com a avaliação da evolução das competências defnidas antecipadamente na planifcação realizada. Situado no âmbito do paradigma crítico, a natureza deste estudo insere- se do domínio da Pragmática (Creswell, 2014), tendo em conta que não tem a pretensão de alcançar leis gerais. O seu intuito é, acima de tudo, aprofundar o conhecimento sobre o trabalho realizado e fornecer orientações práticas para os docentes do Centro de Língua Portuguesa da UNTL. Como foi defnido na problemática do estudo, pretende-se encontrar alternativas aos modelos tendencialmente grafocêntricos e centrados no professor. Tem-se também como objetivo responder aos desafos suscitados por uma nova abordagem pedagógica, visando também analisar, refetir e perspetivar novas abordagens no seio do grupo de docentes desta instituição. Embora apresente dados quantitativos, este estudo privilegia uma abor- dagem de natureza qualitativa, porque valoriza a recolha e análise de dados numa situação particular (Coutinho, 2015).

110 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa...

Por último, os investigadores deste estudo partilham a observação par- ticipante, tendo presente que é a modalidade de recolha de dados que me- lhor responde às necessidades e preocupações dos investigadores em Ciências Humanas e Sociais (Morgado, 2019, p. 89). Aliás, “é uma tentativa de tornar signifcativo o mundo que está a ser estudado na perspetiva dos que estão a ser observados (Denzin, 1989, p. 42), o que implica que o investigador assuma, em simultâneo, o papel de participante nos cenários e atividades que pretende estudar e de observador. 4.1 Uso do telemóvel em sala de aula Dos inquiridos, 61,7% referem ter já usado o seu telemóvel em aula, sobretudo na UC de Ofcina da Língua Portuguesa (91,9%), sendo residual o uso noutras UC (LP: 10,8%; Informática: 8,1%;Tétum: 5,4%; Bases de Análise Gramatical e Métodos e Técnicas de Observação e Estudo: 2,7%). Relativamente ao uso dado ao telemóvel (próprio ou de outro colega) em aula, as respostas obtidas revelam as potencialidades do uso deste tipo de dispositivo, seja para pesquisar informação ou esclarecer dúvidas, seja para desenvolver tarefas em contexto de aula, seja para registar dados relevantes, para a aula ou para trabalho posterior, seja para arquivar e/ou partilhar material relevante, nomeadamente num contexto socioeconomicamente desfavorecido, em que o acesso a material de trabalho e estudo implica um gasto que nem todos os alunos podem fazer. 4.2 Perceção das vantagens e desvantagens no uso do telemóvel em sala de aula Por fm, é de destacar a avaliação positiva que é feita das potencialidades do uso do telemóvel em contexto de sala de aula, concretamente em termos de poupança e de efcácia no armazenamento (desmaterializado) de material de apoio ao estudo, seguido das valências no âmbito da didática, da motivação e da organização do trabalho. O facto de só depois se valorizar a vertente lúdica ou o reforço da autoconfança dos aprendentes no contexto de aprendizagem reforça, parece-nos, a perspetiva de que o uso do telemóvel em contexto de sala de aula é, mais do que uma moda pedagógica, uma ferramenta que potencia a democratização do acesso ao saber, sobretudo em contextos socioeconomica- mente deprimidos, como é o caso do contexto universitário em Timor-Leste.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 111 Paulo M. Faria e Susana Soares

5. ApreSentAção de reSultAdoS e diScuSSão doS dAdoS

Tal como foi apresentado, o intuito deste artigo é proporcionar uma refexão a partir da análise de práticas de sala de aula para que potencie uma abordagem pedagógica alinhada num quadro teórico robusto que fomente um ensino e aprendizagem através de metodologias ativas e, simultaneamente, que promova a autonomia e as competências digitais no âmbito das multiliteracias e consequente maior profciência no domínio da língua portuguesa. Na apresentação e discussão dos dados, estipulam-se dois planos: a partir do quadro teórico enunciado, compreender e descobrir o potencial pedagógico do uso de smartphones no contexto descrito e, num segundo plano, compreen- der o conjunto de estratégias usadas para o desenvolvimento de multiliteracias pelo recurso a uma multimodalidade de meios para o ensino do português como língua não materna. Como se reafrma, as sequências didáticas foram concebidas para o desenvolvimento de multiliteracias e ao mesmo tempo para a exploração de re- cursos digitais que agilizassem o acesso ao conhecimento e domínio da língua. Por conseguinte, a necessidade de desenvolver nos alunos novas competências de análise discursiva, a ponto de os capacitar para representar o mundo a partir de diferentes modos semióticos, constituiu um ponto central na organização e dinamização das atividades pedagógicas. A partir do referencial proposto na Taxonomia de Bloom, constata-se que a proposta de atividades letivas contribuiu para que o desenho de novos cenários de aprendizagem represente uma oportunidade para ultrapassar a conceção instrumental dos meios digitais e dinamizar atividades com graus de exigência cognitiva diferenciados. Simultaneamente, recupera-se o quadro avançado por Guinchon e Cohen (2016), cujas competências listadas por Erstad (2011, p. 107): “comunicar-se por diferentes meios de mediação; cooperar em redes; e criar diferentes formas de textos multimodais”. 5.1 Em primeiro lugar, o cruzamento do quadro teórico de Bloom e Erstad - O professor e os estudantes usaram o telemóvel e pesquisaram no Google imagens como ferramenta de apoio no esclarecimento de signifca-

112 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa... dos [compreender]. Este contexto permitiu que, através da identifcação de imagens, todos os alunos pudessem rapidamente compreender o signifcado de termos ou expressões desconhecidas e esclarecer dúvidas [analisar] na correspondência entre signifcante e signifcado, sem que o professor tivesse de recorrer à tradução. 5.2 Em grupo, os alunos fzeram um jogo que permite, por um lado, o alar- gamento de léxico e, por outro, a verifcação da compreensão de diferentes traços semânticos [análise] associados ao nome enquanto classe de palavras [lembrar]. 5.3 O facto de ser necessário identifcar e distinguir formas lexicais do português que, em tétum, são sintaticamente polivalentes permitiu aplicar os conhecimentos previamente adquiridos. 5.4 Discutiram-se as propostas apresentadas pelos alunos e pela profes- sora, registando no quadro as palavras nos devidos lugares [avaliar] 5.5 Para o desenvolvimento das competências fonológica, ortográfca, ortoépica e gramatical, os estudantes usaram o smarthphone para registar a sua própria produção oral [analisar], com vista ao reconhecimento e autocorreção dos seus erros [avaliar]. A utilização de recursos, como o SHAREit, teve por objetivo o desenvolvimento de diversas competências linguísticas a partir de atividades de compreensão e expressão oral e escrita [aplicar]. 5.6 A tarefa proposta consistiu na escrita em grupo de uma história [criar], originalmente apresentada apenas em formato pictórico, utilizando corretamente os tempos verbais do pretérito perfeito simples e do pretérito imperfeito do modo indicativo. Os resultados decorrentes deste artigo revelaram que se construíram cenários de aprendizagem colaborativos com intermediação digital do smar- tphone, através do desenho de atividades com graus de difculdade cognitiva diferentes, cujas competências digitais no âmbito das multiliteracias foram conseguidas em simultâneo com o aumento de níveis de profciência no do- mínio da língua portuguesa. Por último, e pelas evidências recolhidas, não poderíamos deixar de mencionar o desenvolvimento de uma consciência metalinguística pela im- portância da consciência do erro e da sua correção.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 113 Paulo M. Faria e Susana Soares

concluSão

Em 2018, numa atualização do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR), a fm de incluir parâmetros de tecnologia da infor- mação, foi enfatizado o aspecto multimodal da comunicação online que deve ser abordada na aprendizagem das línguas. Este artigo tenta demonstrar que é possível e é necessário conceber e executar novos cenários de aprendizagem num contexto que se carateriza por evidenciar muitas limitações de acesso a recursos materiais. A emergência e práticas inspiradas no princípio BYOD (Bring Your Own Device) resulta como uma alternativa viável e com potencial pedagógico que deve ser explorada na continuidade de estudos a realizar posteriormente. Sublinha-se nestas notas fnais que o recurso ao smartphone possibilita combinar diferentes modos semióticos, como a fala, a imagem e a música num artefacto comunicativo, como fcou provado nos exemplos apresentados. É nossa intenção aprofundar este estudo no decurso do projeto FOCO. UNTL (2019-2022).

reFerênciAS

Abraham, L. B., & Williams, L. (2011). Expanding Discourse Options Trough Computer-Mediated Communication: Guiding Learners Toward Autonomy. Foreign Language Annals, 44(4), pp. 626-645. Alarcão, I. (2014). “Dilemas” do jovem investigador. Dos “dilemas” aos problemas. In Costa, A., Neri de Souza, F., & Neri de Souza, D. (orgs.). Investigação Qualitativa: inovação, dilemas e desafos (pp. 103- 124). Oliveira de Azeméis: Ludomedia. Amasha, A. (2012). Te multiliteracies classroom. Language and Education, 26(5), pp. 473-476. Bustamante, C., Hurlbut, S. & Moeller. A. (2012). Web 2.0 and language learners: Moving from consumers to creators In T. Sildus (Ed.) Touch the World: Selected Papers from the 2012 Central States Conference on the Teaching of Foreign Languages (pp. 109–131). Richmond: Robert M. Terry.

114 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Transformação comunicacional na aprendizagem da língua portuguesa...

Carranza, R. (2016). Technology Tools for Lesson Plans: Bloom’s Taxonomy & Technology Integration. Disponível em https://libguides.bc.edu/c.php?- g=628962&p=4506921 acedido em 17/12/2019. Coiro, J., Knobel, M., Lankshear, C. & Leu, D. (Eds) (2008). Handbook of Research on New Literacies. New York: Lawrence Erlbaum Associates. Cope, B., & Kalantzis, M. (2009). “Multiliteracies”: New literacies, new learn- ing. Pedagogies: An International Journal, 4(3), 164-195. Coutinho, C. (2015). Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas: Teoria e Prática (2nd. Ed). Coimbra: Almedina. Comissão Europeia (2007). Competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida. Um quadro de referência europeu. Luxemburgo: Serviço das Publicações Ofciais das Comunidades Europeias. http://goo.gl/qQM2bx Creswell, J. (2014). Research Design: Qualitative, Quantitative and Mixed Methods Approaches (3rd ed.). Los Angeles: Sage Publications. Conselho da Europa (2018). Common European Framework Of Reference For Languages: Learning, Teaching, Assessment. Companion Volume With New Descriptors. Disponível em http://rm.coe.int/cefr-companion-volume-with- new-descriptors-2018/1680787989, acedido 1/12/2019 Conselho da Europa (2001). Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Aprendizagem, ensino, avaliação.Lisboa: Edições Asa. Denzin, N. (1989). Interpretative interactionism. New York: Sage. Dudeney, G. & Hockly, N. (2016). Literacies, technology and language teach- ing. In F. Farr & L. Murray. Te Routledge Handbook of Language Learning and Technology (pp. 115-126). Abingdon & New York: Routledge. Erstad, O. (2011). Citizens navigating in literate worlds: the case of digital literacy. In M. Tomas (Ed.), Deconstructing Digital Natives: Young People, Technology and the New Literacies. (pp. 99-118). New York: Routledge. Faria, P. (2014). Tecnologias digitais e práticas comunicativas multiliterácitas e multimodais: um caminho para a inovação educativa. Tese de doutoramento. Universidade do Minho, Braga. Freitas, O. (2016). Perceções sobre o erro no ensino da escrita - um estudo compa- rativo com professores de São José Operário, Díli, e estudantes fnalistas do DLP da UNTL. Monografa de licenciatura. Díli: UNTL

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 115 Paulo M. Faria e Susana Soares

Guinchon, N. & Cohen, C. (2016). Multimodality and CALL. In F. Farr & L. Murray (Eds). Te Routledge Handbook of Language Learning and Technology (pp. 509-521). Abingdon & New York: Routledge. Kress, G., & Van Leeuwen, T. (2001). Multimodal Discourse: Te Modes and Media of Contemporary Communication. London: Arnold. Lewin, C. & McNicol, S. (2014). Criar a Sala de Aula do Futuro: conclusões do projeto iTEC. http://fcl.eun.org/itec [2] Matos, J. (2014). Princípios orientadores para o desenho de Cenários de Aprendizagem. Project Learn Report. Morgado, J. (2019). O Estudo de caso na investigação em educação. Santo Tirso: De Facto Editores. Neuman, L. (2013). Social Research Methods: Qualitative and Quantitative Approaches (7a ed.). Harlow: Pearson Education Limited. Williams, P. (2008). Leading Schools in the Digital Age: A Clash of Cultures. School Leadership & Management, 28(3), pp. 213-228. Raposo, et alii. (2013) Gramática do Português – Volume I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Wollenberg, E., Edmunds, D., Buck, L. (2000). Anticipating change: Scenarios as a tool for adaptive forest management – a guide. Indonesia: Center for International Forestry Research. (pp. 1-7) Disponível em http://www.cifor.org/online-library/ browse/viewpublication/publication/744.html acedido a 7/12/2019.

116 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 reconFigurAr cenárioS de enSino e de AprendiZAgem em tempoS de emergênciA: proceSSoS de integrAção

Filipe Couto1 Januário Gomes2

Resumo: Surgido num momento de educação em situação de emergência – a ausência de ensino presencial em Timor-Leste provocada pela existência da pandemia mun- dial covid-19 – este artigo explora fatores, intrínsecos e extrínsecos, aos professores, que infuenciam e interferem na utilização de tecnologias, em particular no ensino à distância. Procuram-se assim, indicadores e (re)confgurações que permitam (re) colocar professores e alunos em condições de momentos fdedignos de ensino e de aprendizagem, numa perspetiva de acesso à educação em que ninguém pode ser deixado para trás. Palavras-Chave: tecnologias em educação; educação em situações de emergência; educação à distância.

reconFigure teAcHing And leArning ScenArioS in emergencieS periodS: tecHnologicAl integrAtion

Abstract: Occurring during an education in emergencies (EiE) moment – the absence of face-to-face education in East Timor caused by the global pandemic covid-19 – this article explores intrinsic and extrinsic factors’ that infuence teachers in their use of technologies, particularly in distance education. We seek indicators and (re) confgurations that allow (re)placing teachers and students in meaningful teaching and learning conditions. Tis seek is carried with an access to education perspective that no one can be left behind. Keywords: education technologies; education in emergencies (EiE); distance education.

1 Professor no Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Nacional Timor Lorosa´e. 2 Professor na Faculdade de Educação, Artes e Humanidades da Universidade Nacional Timor Lorosa´e.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 117 Filipe Couto e Januário Gomes

introdução

O conceito de acesso à educação tem vindo ao longo dos anos a ser cada vez mais mutável e ultrapassa a oportunidade de um aluno se inscrever num determinado programa de formação. A oportunidade de um aluno se inscrever, assistir e concluir sem obstáculos práticos, fnanceiros, físicos, relacionados com segurança, institucionais ou socioculturais é uma conceção de acesso à educação que vem a ganhar cada vez mais sentido (INEE, 2010; Couto e Casquilho, 2014). No período a que suporta este estudo, sem o acesso aos espaços físicos escolares de aprendizagem, por parte de alunos e professores, devido à pandemia Covid-19, o conceito de acesso à educação apela a outros fatores que permitam garantir uma aprendizagem com sucesso. (Re)colocar os alunos em condições de aceder à educação reclama a (re)confguração do próprio conceito de acesso à educação, sem lhe retirar a essência do seu sen- tido, o acesso a uma educação intencional com o recurso a tecnologias que proporcione aprendizagens signifcativas. Sem desvalorizar outros domínios assumimos, neste estudo, as tecnologias, em particular as Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC, como meio privilegiado para mitigar o distanciamento, diminuindo “distâncias” entre alunos, professores e espaço escolar. Deste modo, identifcar, refetir e analisar a integração tecnológica, através da perspetiva dos professores, revela-se para nós fundamental. Nesta perspetiva, num primeiro momento, efetuamos a nossa refecção em torno de fatores, intrínsecos e extrínsecos, que infuenciam a utilização das tecnologias por parte dos professores. Num segundo momento analisamos as perceções de professores da Escola Portuguesa de Díli, para que, de um modo construtivo, possamos efetuar considerações que apoiem reconfgurações “eco- lógicas” do cenário educativo.

A discrepância entre a retórica sobre a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC na educação, bem como o seu nível de

118 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 integração em ambientes formais de aprendizagem tem conduzido a diversas investigações que se focam nos professores, em particular nas difculdades que estes encontram ao integrar ferramentas de TIC nas suas práticas de ensino (Pelgrum, 2001; Drent & Melissen, 2008; Hsu & Sharma, 2008; Player-Koro, 2012). Os fatores que identifcam e explicam a utilização das TIC são vistos como uma maneira de responder a questões como: que fatores infuenciam os professores na utilização de tecnologias para proporcionarem aprendizagens signifcativas? E em que medida?. Esses fatores geralmente são características dos professores relacionados à tecnologia, onde, os diversos fatores, intrínsecos e extrínsecos, facilitam ou condicionam a utilização de tecnologias. A atitude dos professores face à utilização de tecnologia no processo de ensino demonstra-se determinante para alguns autores (Cox, Preston & Cox, 1999; BECTA, 2004; Bingimlas, 2009; Player-Koro, 2012). Os professores difcilmente mudarão a sua maneira de ensinar se não estiverem convencidos sobre a utilidade da mudança para eles como indivíduos ou para os seus alunos. Os mesmos autores referem que professores podem formar uma atitude em relação a uma determinada tecnologia devido à idade, sexo, experiência ou mesmo área de especialização. Contudo, estes fatores podem variar de contexto para contexto, bem como alterarem-se ao longo do tempo. Na viragem do século verifcava-se a existência de um fosso digital entre professores antigos e jovens, em particular no que diz respeito às suas formações académicas. No entanto a formação contínua tem surgido como possibilidade de diminuir essa lacuna. Como aponta Delors (1996, pp. 159- 160) a qualidade de ensino por parte dos professores pode ser determinada tanto ou mais pela sua formação contínua do que pela sua formação inicial. Esta pertinência da formação contínua ganha ainda maior relevo no domínio das tecnologias que têm vindo a evoluir e a fazer parte do quotidiano das pessoas nas últimas décadas. Neste âmbito, desenvolverem-se programas de formação contínua de professores através de tecnologias de comunicação ade- quadas e que, ao mesmo tempo promovam a familiarização dos professores com os últimos progressos da tecnologia da informação e comunicação, são caminhos recomendados pela UNESCO (Delors, 1996).

o | 119 Filipe Couto e Januário Gomes

Além de fatores intrínseco, que interferem na integração e utilização das TIC pelos professores, existem difculdades e oportunidades na integração tecnológica que dependem de modo mais patente de fatores extrínsecos. Se por um lado a formação inicial e contínua infuenciam intrinsecamente as capacidades e convicções dos professores face às tecnologias, por outro lado a formação inicial e contínua está condicionada pelas autoridades educativas e instituições que as preparam, autorizam e disponibilizam. Também a existência de recursos tecnológicos nas escolas afeta a adoção de tecnologias processo de ensino e aprendizagem, assim como o seu plane- amento e acesso são fatores que para alguns autores (BECTA, 2004; Sicilia, 2005) interferem no sucesso da integração de tecnologias por parte dos pro- fessores. Do mesmo modo, como indicam Korte & Husing (2007), recursos como conectividade à internet e software educativo interferem e infuenciam a utilização da própria tecnologia. Em BECTA (2004) analisamos que se não existir suporte técnico disponível numa escola, e consequente falta de manutenção das tecnologias, então é provável que a utilização das tecnologias tenda a desaparecer. No entanto, de acordo com Balanskat, Blamire e Kefala (2006) a aces- sibilidade aos recursos de TIC nas escolas não é garantia de que serão bem- sucedidos no processo de ensino e aprendizagem, em particular no ensino não presencial. Nem todos as famílias possuem condições económicas para garantir os recursos tecnológicos aos seus flhos. Em particular no contexto do sistema educativo português, verifca-se que com apoios das autoridades educativas é possível criarem-se condições e obterem-se resultados, quando os projetos são acompanhados. Mouta, Paulino, Ferreira & Couto (2015a) referem, para um projeto de integração tecnológico realizado num Território Educativo de Intervenção Prioritária em Portugal, que a literacia mediática tornou-se uma competência visível na maior parte dos alunos, sendo possível reconhecer essa evidencia nos comportamentos dos alunos na utilização dos seus computado- res, e respetivos recursos, mesmo em contexto familiar. Contudo, Balanskat et al. (2006), reforçam que a acessibilidade aos recursos de TIC, dentro e fora da escola, não é garantia de que serão bem-sucedidos no processo de ensino e aprendizagem. A aprendizagem, gerada através de uma ação pedagógica in-

120 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 tencional, só ocorre quando diversos domínios estão devidamente preparados para respostas educativas signifcativa. Apuramos assim a existência de diferentes fatores interligados e mesmo dependentes que condicionam uma integração de tecnologias na educação. Capacidades científcas e pedagógicas não são por si só sufcientes para responder a desafos como os colocados contemporaneamente. Competências tecnológicas são chamadas a intervir, sem hipótese de se tornarem signifcativas se existirem atores no processo que não tenham acesso à tecnologia. Diferentes domínios são chamados a articularem-se, em que cada um desempenha o seu papel sem, no entanto, poderemos obter resultados sem a existências dos outros domínios. Em particular para os professores, como nos apontam Mouta, Paulino, Ferreira & Couto (2015b), no processo de integração tecnológica em ambiente escolar, a pedagogia é inevitavelmente reconfgurada, sendo para os professores a única maneira pela qual sua própria perfetibilidade pode ser pensada.

Fonte: Mouta et al. (2015b)

o | 121 Filipe Couto e Januário Gomes

A integração tecnológica, em contextos educativos, requer e revindica uma estrutura que concebe a signifcação como o único produto compreensível de um esforço coletivo. A mudança que assume uma inovação educacional ecológica cria a oportunidade de reconfgurar visões, papéis e tarefas.

contexto e metodologiA

Esta pesquisa desenvolveu-se na Escola Portuguesa de Díli, em Timor- Leste. Todo o processo de ensino e aprendizagem no 3.º período escolar do ano letivo 2019-2020 desenvolveu-se em regime não presencial devido à pandemia Covid-19. A escola conta com cerca de 1000 alunos, do ensino pré-escolar ao ensino secundário, e um total de 74 professores e educadores. Através de questionários aplicados a 50 professores da escola, procurou-se aferir a sua concordância em relação a aspetos relacionados com a integração e a utilização de tecnologias no processo de ensino e aprendizagem, em parti- cular no processo de ensino e aprendizagem à distância. Para isso, recorremos a afrmações que corroboram: com as atitudes e motivações dos professores face à educabilidade, quer na capacidade de ensinar, quer na capacidade de aprender por parte dos alunos; com o domínio tecnológico, quer o adquirido na sua formação inicial, quer na sua formação contínua; com o seu acesso aos recursos tecnológicos; e, com o acesso dos alunos aos recursos tecnológicos. Na elaboração do questionário utilizamos uma escala de Likert de cin- co pontos. Para analisarmos os resultados procederemos à determinação das médias e dos desvios-padrões. A média permitiu aferir o grau de concordância geral dos professores em relação a cada uma das afrmações. O desvio-padrão indica-nos a dispersão das respostas dos professores relativamente à média da pontuação obtida nas respostas, de modo a percecionar se as opiniões são mais diversifcadas, ou não, comparativamente à pontuação média obtida. Ainda, para cada afrmação, defniu-se um índice de concordância (c), que apresenta a percentagem de professores que concordam ou concordam totalmente com a afrmação apresentada.

122 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020

AnáliSe doS reSultAdoS

1 2 3 4 5

C Desvio-padrão Discordo Totalmente Discordo Neutro Concordo Concordo Totalmente Média Gosto de ensinar através do ensino não presencial. 6 18 16 9 1 2,62 0,98 20% Consigo ensinar bem através do ensino não presencial. 2 22 17 9 0 2,66 0,82 18%

Já utilizei técnicas de ensino à distância antes do 30% Covid-19. 18 10 7 10 5 2,48 1,40

Aprendi a utilizar tecnologias na minha formação 44% académica inicial. 16 6 6 12 10 2,88 1,56

Aprendi a utilizar tecnologias de ensino à distância na 12% minha formação académica inicial. 28 11 5 4 2 1,82 1,14

Aprendi a utilizar tecnologias na minha formação 78% contínua. 5 3 3 22 17 3,86 1,23

Aprendi a utilizar tecnologias de ensino à distância na 46% minha formação contínua. 13 6 8 16 7 2,96 1,43

Procurei obter formação de ensino à distância neste 52% período de Covid-19. 7 9 8 13 13 3,32 1,39

Foi-me disponibilizada formação de ensino à distância 10% neste período de Covid-19. 23 11 11 2 3 2,02 1,17 Sei utilizar tecnologias de apoio ao ensino. 0 0 5 29 16 4,22 0,61 90% Sei utilizar tecnologias de apoio ao ensino à distância. 0 3 8 34 5 3,82 0,68 78%

Os alunos aprendem bem através do ensino não 10% presencial. 6 21 18 5 0 2,44 0,83 Os alunos têm acesso à educação não presencial. 2 19 18 9 2 2,8 0,92 22% Os estudantes têm acesso à internet. 0 14 18 18 0 3,08 0,80 36% Os estudantes realizam as tarefas não presenciais. 0 6 20 22 2 3,4 0,75 48% A escola está preparada para educação não presencial. 1 24 15 10 0 2,68 0,81 20%

Tenho os recursos materiais necessários para 48% implementar ensino à distância. 1 6 19 20 4 3,4 0,87 A escola fornece-me os recursos materiais necessários 9 16 13 8 4 2,64 1,18 24% para implementar ensino à distância.

As atitudes e motivações dos professores face ao processo de ensino e apren- dizagem não presencial revelaram-se pessimistas. Apenas 20% dos professores atestam que gostam de ensinar através de ensino não presencial e 48% referen- ciam o contrário. No caso específco da educabilidade, só 18% dos professores mencionam conseguir ensinar bem através do ensino não presencial, e apenas 10% indicam que os alunos aprendem bem através do ensino não presencial.

o | 123 Filipe Couto e Januário Gomes

Dos professores inquiridos 44% referem ter aprendido a utilizar tecno- logias durante a formação académica inicial, no entanto apenas 12% referem ter aprendido a utilizar tecnologias de apoio ao ensino à distância no mesmo período. Para o período de formação inicial dos professores, quando relaciona- mos a idade dos professores com a aprendizagem de tecnologias e de tecnologias no ensino à distância verifcamos a existência de uma relação negativa forte, ou seja, de um modo geral quando menor é a idade do professor maior é a aprendizagem realizada na sua formação inicial.3 No que se refere à formação contínua verifcamos que 78% dos profes- sores aprenderam ou reforçaram as suas aprendizagens a utilizar tecnologias e que 46% dos professores aprenderam a utilizar tecnologias de ensino à distân- cia. Neste período de ensino não presencial 52% dos professores procuraram formação para o ensino à distância, no entanto apenas 10% dos professores indicam que a formação lhes foi disponibilizada. Contrariamente ao que verifcamos na formação inicial dos professores, para o conjunto de professores que participaram no questionário, a idade não está relacionada com a formação contínua dos professores no domínio tecnolgico4. A procura de formação ou a realização de formação contínua no domínio tecnológico apresenta-se similar, independentemente da idade dos professores. Ainda no domínio tecnológico 90% dos professores concordam que sabem utilizar tecnologias de apoio ao ensino e, 78% concordam que sabem utilizar tecnologias de apoio ao ensino à distância. Apenas 22% dos professores concordam que o acesso à educação não presencial por parte dos alunos acontece. Refra-se que neste item, 42% dos professores têm opinião contrária e que 36% têm opinião neutra. No

3 Coefciente de correlação linear para a relação: “idade”/“aprendi a utilizar tecnologias na minha formação académica inicial” r= - 0,62476726. Coefciente de correlação linear para a relação: “idade”/ “aprendi a utilizar tecnologias de ensino à distância na minha formação académica inicial” r= - 0,549702065. 4 Coefciente de correlação linear para a relação: “idade” / “aprendi a utilizar tecnologias de ensino à distância na minha formação contínua” r = 0,179168286. Coefciente de correlação linear para a relação: “idade” / “Aprendi a utilizar tecnologias de ensino à distância na minha formação contínua” r = - 0,00473321. Coefciente de correlação linear para a relação: “idade” / “Procurei obter formação de ensino à distância neste período de Covid-19” r = - 0,16579593.

124 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 que concerne ao acesso à internet, 36% dos professores indicam a existên- cia de acesso por parte dos alunos, com 28% dos professores a indicarem opinião contrária. No que diz respeito aos recursos materiais necessários para implementar o ensino à distância, 48% dos professores referem possuir os recursos, opinião que é contrariada por 10% dos professores. Neste domínio 24% dos professores certifcam que os recursos materiais necessários para implementar ensino à distância são garantidos pela escola. Metade dos professores, ou seja 50%, consideram que a escola não está preparada para o ensino presencial, opinião apenas contrariada por 20% dos professores. conSiderAçõeS

Embora as convicções dos professores em relação às suas capacidades de utilizar tecnologias de suporte ao ensino e de suporte ao ensino à distância se revelem otimistas, as suas crenças face ao alcance dos objetivos – propor- cionar um bom ensino e uma boa aprendizagem – são bastante negativas. Urge, neste sentido, reforçar a crença antropológica de educabilidade em que é possível desenvolver aprendizagens signifcativas através de atos peda- gógicos intencionais. Como nos referem Mouta et al. (2015b), para a integração de tecnolo- gias em contextos educativos a pedagogia deve torna-se a techné dos profes- sores através da qual uma visão prospetiva pode ser conduzida. Ao mesmo tempo que a pedagogia também pode dar aos professores a confança para trabalhar com os desafos que uma forte e pluridinâmica viragem tecnológica se prevê nos diferentes contextos educativos mundiais. O reforço de formação contínua, no domínio tecnológico, de modo específco no ensino à distância, desempenha um papel reconfgurador do professor como ser humano em busca da sua perfetibilidade, em particular para os professores que ainda não vivenciaram essas oportunidades durante todos os períodos das suas formações.

o | 125 Filipe Couto e Januário Gomes

A garantia do acesso à educação por parte dos alunos revela-se um grande desafo nestas circunstâncias e neste contexto. A abonação de recursos tecnológicos capazes de permitir o acesso a aprendizagens signifcativas requer um envolvimento amplo de toda a comunidade educativa. Autoridades educa- tivas, escola e famílias desempenham papeis fundamentais neste âmbito, não só pelo esforço económico que a tecnologia aporta por si só, mas também ao papel facilitador de aprendizagens que as famílias são chamadas a fortalecer. Neste âmbito, o papel facilitador das famílias é exigente e, quanto menor for a autonomia de aprendizagem do educando e quanto menor forem as suas capacidades digitais, maior será o apoio que a família deverá dar. Esta refexão em torno das perspetivas dos professores aponta caminhos, mas só perspetivas e compromissos mais amplos, que envolvam toda a comu- nidade educativa, serão capazes de encontrar respostas para um desafo que envolve vários domínios e diferentes intervenientes.

reFerênciAS

British Educational Communications and Technology Agency (BECTA) (2004). A review of the research literature on barriers to the uptake of ICT by teachers. http://www.becta.org.uk Bingimlas, K. (2009). Barriers to the Successful Integration of ICT in Teaching and Learning Environments: A Review of the Literature. Eurasia Journal of Mathematics, Science & Technology Education, (3), pp. 235-245. Balanskat, A.; Blamire, R.; & Kefala, S. (2006). Te ICT Impact Report: A Review of Studies of ICT Impact on Schools in Europe. EuropeanSchoolnet: http://ec.europa.eu/education/pdf/doc254_en.pdf. Couto, F. & Casquilho, J. (2014). Apontamentos sobre a evolução do Ensino Secundário Técnico Vocacional em Timor-Leste. “Timor-Leste nos estudos in- terdisciplinares”. Díli: Unidade de Produção e Disseminação do Conhecimento do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa (PPGP) da Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL), pp. 219-234. Cox, M.; Preston, C.; Cox, K. (1999) What Factors Support or Prevent Teachers

126 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 from Using ICT in their Classrooms? University of Leeds: http://www.leeds. ac.uk/educol/documents/00001304.htm. Delors, J. (Coord.). (1996). Educação um tesouro a Descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Paris: UNESCO. Drent, M., & Melissen, M. (2008). Which factors obstruct or stimulate teacher educators to use ICT innovatively? Computers & Education, 51, pp. 187-199. Hsu, P. & Sharma, P. (2008). A case study of enabling factors in the technology integration process. Educational Technology & Society 11(4), pp. 213–228. Korte, W. & Husing, T. (2007). Benchmarking access and use of ICT in European schools 2006: Results from Head Teacher and A Classroom Teacher Surveys in 27 European countries. eLearning Papers, 2(1), pp. 1-6. Mouta, A.; Paulino, A.; Ferreira, J.; Couto, F. (2015a). Empoderamento Comunitário: o reforço de transferência de aprendizagens de uma metodologia pedagógica signifcativa. Educação, Territórios e Desenvolvimento Humano., Universidade Católica Portuguesa, 1, pp. 201–203. Mouta, A.; Paulino, A.; Ferreira, J.; Couto, F. (2015b). Pedagogy as a Techné: Meaningful ICT integration in formal learning scenarios. Expanding learning Scenarios – Out the educational landscape, 1. Barcelona: European Distance and E-Learning Network, pp. 64 –72. Rede Inter-Institucional para a Educação em situação de Emergência (INEE). (2010). Requisitos mínimos para a Educação – Preparação, Resposta e Reconstrução. Nova Iorque: INEE. Pelgrum, W. J. (2001). Obstacles to the integration of ICT in education: Results from a worldwide educational assessment. Computers & Education 37, pp. 163–178. Player-Koro, C. (2012). Factors Infuencing Teachers’ Use of ICT in Education. Education Inquiry, 3(1), pp. 93–108. Sicilia, C. (2005). Te Challenges and Benefts to Teachers’ Practices in Constructivist Learning Environments Supported by Technology. Unpublished master’s thesis, McGill University, Montreal.

o | 127

Douglas Lima da Costa1

Resumo: O presente artigo objetiva conduzir à refexão sobre o papel que desempe- nha o Patrimônio Histórico Cultural como componente simbólico representativo do poder e da identidade da memória coletiva das comunidades e do local em que constroem sua história. Pontua a contribuição oferecida pela Nova História Cultural como elemento de registro para a identifcação e a preservação da memória, sobretudo, das classes populares e dos locais onde constroem sua cultura bem como, analisa a proposta de Educação Patrimonial contida no Guia Básico de Educação Patrimonial organizado pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Palavras-chave: Patrimônio Histórico Cultural; Memória; Educação Patrimonial.

Abstract: Tis article aims to refect on the role played by Cultural Historical Heritage as a symbolic component representative of the power and identity of the collective memory of the communities and the place where they build their history. It points out the contribution ofered by the New Cultural History as an element of registration for the identifcation and preservation of memory, above all, of the popular classes and the places where they construct their culture, as well as analyses the proposal of Education Patrimonial contained in the Basic Guide of Patrimonial Education organized by IPHAN – Institute of National Historical and Artistic Heritage. Keywords: Cultural Historical; Heritage Memory; Patrimonial Education.

Em seu signifcado mais primitivo, a palavra patrimônio tem origem atre- lada ao termo grego pater, que signifca “pai” ou “paterno”, ou seja, tal qual um pai transmite ao flho seus bens, essa foi a ideia que se relacionou ao patrimônio como legado ao povo. O Patrimônio Histórico e Cultural é o conjunto de bens materiais e imateriais arraigados de valor simbólico para uma dada comunidade, diz respeito a memória que foi valorizada e materializada ao longo do tempo.

1 Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Federal de Sergipe. Advogado e presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/SE. Email: [email protected].

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 129 Douglas Lima da Costa

Essa noção de patrimônio ganhou força no século XIX, quando a Revolução Francesa ressaltou a necessidade de elencar monumentos que refu- tassem o esquecimento do passado. Nesse período a preservação do passado colocava-se presa a uma noção de “melhoria”, “evolução” e “progresso”, pro- messas da Revolução. As sociedades sempre deixam marcas no lugar onde se estabelecem que identifcam a sua história, materializam sua identidade, tradições e seus cos- tumes. Como afrma Susana Gastal (2006, p. 101) nestes ambientes estão “as marcas do local construídas no tempo”. Neste sentido, entende-se que todos os lugares trazem traços peculiares do modo de ver e viver da população que habita ou habitou o local. Para Gastal (2006, p. 101), “o Lugar seria o Locus, no tempo e no espaço, do acúmulo de experiência em forma de história e de tradição, a segurança da identidade”.

Figura 1: A liberdade guiando o povo de Eugène Delacroix

Fonte: . Acessado em: 20 jul. 2018.

130 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Educação patrimonial como base de preservação

Já Bartholo (2005, p. 19) afrma que “o lugar é produzido na relação com o espaço construído socialmente, mediante uma rede de signifcados e sentidos que são historicamente e culturalmente tecidos”. Astor Antônio Diehl (2002, p. 112) entende a construção da memória dos lugares “como um processo dinâmico da própria rememorização” do passado histórico. Para o autor, essa reconstrução histórica produz um novo sentido e signifcação da história de modo a possibilitar os grupos perceberem futuro no seu passado. Assim, as comunidades, enquanto oriundas de um processo de materia- lização e reunião de um passado, constituem verdadeiras fontes documentais da história do local. Para Diehl (2002, p. 116), a memória “constitui-se de um saber, formando tradições, caminhos – como canais de comunicação entre di- mensões temporais –, ao invés de rastros e restos como no caso da lembrança”. Em continuidade, o autor afrma que a formalização do passado deva cumprir também o papel de identifcação cultural dos indivíduos já que “o ato de rememorar produz sentido e signifcação através da ressubjetivação do sujeito e a repoetização do passado, produzindo uma nova estética do passado” (p. 114). Assim, a memória torna-se fator de identidade e valorização da cultu- ra dos mesmos. Conforme Andrade (2008, p. 570) estes lugares de memória “são verdadeiros patrimônios culturais, projetados simbolicamente e podem estar atrelados a um passado vivo que ainda marca presença e reforça os traços identitários do lugar". Além de ser arquivos da memória coletiva de um povo, os lugares tam- bém representam a memória coletiva de uma comunidade que pode ser reco- nhecida também em objetos, festas, músicas, danças, práticas alternativas de medicina, técnicas, culinária e diversas outras representações que estão tomadas de signifcação das diversas formas de viver que constituem as culturas dos povos. Referindo-se sobre este patrimônio, apesar de não ser como afrma Fonseca (2005), feitos de “pedra e cal” também são memórias que podem interligar diálogos entre as gerações. O objeto, afrma Debary (2010, pp. 38-39), “guarda consigo uma história que é retomada com ele” e é um teste- munho que funciona “como um transmissor de história” que é reativado com as lembranças que ele traz ao indivíduo ou sociedade.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 131 Douglas Lima da Costa

Portanto, o objeto “fala sempre de um lugar, seja ele qual for, porque está ligado à experiência dos sujeitos com e no mundo, posto que ele representa uma porção signifcativa da paisagem vivida” (Silveira e Lima Filho, 2005, p. 40). Os autores acrescem que: É nesse sentido que é possível falar numa memória que impregna e restitui “a alma nas coisas”, referida a uma paisagem (inter) subjetiva onde o objeto (re) situa o sujeito no mundo vivido mediante o trabalho da memória, ou ainda, é da força e dinâmica da memória coletiva que o objeto, enquanto expressão da materialidade da cultura de um grupo social remete à elasticidade da memória como forma de fortalecer os vínculos com o lugar, considerando as tensões próprias do esquecimento. (Silveira e Lima Filho, 2005, p. 39). É importante ainda tratar, brevemente, sobre o desgaste sofrido pela memória com o passar do tempo. Diehl (2002, p. 118) nomeia este processo de “corrosão temporal” da memória. Para Diehl, quanto mais distante do fato, ou da época, ou do contexto tomado como objeto de investigação, mais desgastada a memória estará. A memória “vai perdendo força, capacidade explicativa, capacidade de informar, tornar-se transparente, sem pontos de referência substantiva para manter suas funções (...)” (p. 118). Dihel (2002, p. 119) aduz então, que a memória seja “refrescada constantemente” e que seja grafada, narrada ou tornada uma fonte histórica ou ainda que seja trans- formada em Patrimônio Histórico Cultural da coletividade. Mas o que deve ser visto como memória a fim de haver a preocu- pação de ser guardada? Chartier (1991) acredita que existem esquemas geradores das classificações e das percepções, que atuam como verdadeiras instituições sociais criadoras do mundo social ou das representações coleti- vas. Para o autor em comento nem sempre a representação é o representado e o signo é o significado. Bourdieu (1989, p. 12) aplica a expressão poder simbólico como sen- do aquele que é capaz de construir uma realidade. O autor acredita que “o campo da produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes” e que ele é uma forma transformada, irreconhecível, transfgurada e legitimada, das outras formas de poder. E mais:

132 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Educação patrimonial como base de preservação

O poder se vê por toda parte e é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (Bourdieu, 1989, pp. 7-8). Para Langer um monumento “não é simplesmente o que restou do tem- po, é o que deve permanecer na História” (1997, p. 121) porque nele a sociedade pode reconhecer-se nele e os poderes nele constituídos, revelados. Aliado ao conceito de patrimônio histórico está o de patrimônio cultural. Segundo o artigo 216.º da Constituição brasileira, o patrimônio cultural repre- senta os bens: “(...) de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Canani (2005, p. 3) afrma que o termo patrimônio “pode ser entendido como um conjunto de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa e seja suscetível de apreciação econômica”. Desse modo, o termo patrimônio cultural está relacionado a um bem paternal, de tamanha valia que justifca sua herança. O roteiro histórico da construção do conceito Patrimônio Cultural no Brasil está vinculado ao pertencimento do patrimônio como um bem. O decreto-lei que Getúlio Vargas assinou em 1937 utiliza este vocábulo. O decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, além de criar o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), defniu que patrimônio é o “conjunto de bens móveis e imóveis de interesse público” que possuam “excepcional valor arqueo- lógico ou etnográfco, bibliográfco ou artístico”. No Brasil, este patrimônio histórico é gerido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o qual está atualmente vinculado ao Ministério do Turismo, sendo anteriormente vinculado ao extinto Ministério da Cultura que fora transformado em Secretaria da Cultura pela Lei 8.028 de 12 de abril de 19902. Ele foi criado em 1937 pela Lei n.º 378 no governo de

2 Em 2019, a estrutura da Cultura foi incluída no Ministério da Cidadania por meio do Decreto Nº 9.674, de 2 de janeiro. O Ministério da Cidadania ainda incorporou as pastas de Desenvolvimento Social, Esporte, e parte da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Disponível em http://cultura.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/historico/ Acesso 19 maio. 2020.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 133 Douglas Lima da Costa

Getúlio Vargas. Ribeiro (2005, p. 52) afrma que, no Brasil “a atribuição de valores aos bens segue a tradição européia, em que os patrimônios nacionais são constituídos a partir das categorias de história da arte”. E acrescenta: “na prática, as ações são direcionadas para a proteção da cultura da elite”. Nesse sentido, com relação à preservação, quando os bens são tomba- dos pelo órgão responsável, signifca que possuem estimado valor histórico e cultural. Essa intervenção tem como objetivo preservar o patrimônio, uma vez que depois do tombamento eles não podem ser demolidos ou reformados. Abaixo, segue imagem da Praça São Francisco que é uma praça localizada no centro histórico de São Cristóvão, no estado de Sergipe. A Praça foi fundada junto com a cidade em 1607, e seu entorno possui edifcações construídas entre os séculos XVII e XIX. Foi protegida em nível estadual e nacional e designada Patrimônio da Humanidade em 1º de agosto de 2010 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. Todo mês de agosto são feitas manifestações para que a população possa se sentir inserida nesse complexo patrimonial e sinta o interesse de protegê-lo como algo de sua identidade. Normalmente a praça é palco de várias manifestações artísticas e culturais como uma forma de apropriação do local.

Figura 2: Praça São Francisco, São Cristovão - Sergipe

Fonte: . Acessado em: 20 jul. 2018.

134 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Educação patrimonial como base de preservação

Não obstante, o compromisso de preservação não diz respeito apenas ao ente público, Lemos (1981, p. 29) em seu livro sobre “O que é Patrimônio Histórico” sugere que preservemos para “garantir a compreensão de nossa memória social preservando o que for signifcativo dentro de nosso vasto repertório de elementos componentes do Patrimônio Cultural”. E acrescenta Assim, preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivos, mesmo que alterados, usos e costumes populares. È fazer, também, levantamentos, levantamentos de qualquer natureza, de sítios variados, de cidades, de bairros, de quarteirões signifcativos dentro do contexto urbano. É fazer levantamentos de construções, especialmente aquelas sabidamente da especulação imobiliária. (Lemos, 1981, p. 29). Portanto, uma vez ampliada à concepção de patrimônio através das possibilidades de preservação a partir da nova Constituição de 1988 resta o desafo de estabelecer uma nova política e consciência de como preservar, um caminho apontado é a participação da comunidade na tomada de decisões com relação à preservação do patrimônio cultural, sensibilizando-as inicialmente a fm do inventário participativo, conforme orientado pela cartilha do IPHAN, esse trabalho possibilita uma identifcação, reconhecimento e autovalorização dos cidadãos como artífces da identidade social. Assim, a construção de uma identidade, ligada ao patrimônio cultural necessita de um importante cuidado “ao modo como esse objeto tem sido construído e ideologicamente elaborado por determinados sujeitos sociais, que têm tido, no Brasil, o monopólio dessa construção” (Fonseca, 2005, p. 28). Fonseca ainda considera o valor do patrimônio nacional, mas tem se tornado pesado e mudo: Pesado, não só por sua monumentalidade, pela solidez dos materiais e pelo lugar que ocupa no espaço público. Pesado porque mudo, na medida em que, ao funcionar apenas como símbolo abstrato e distante da nacionalidade, em que um grupo muito reduzido se reconhece, e referido a valores estranhos ao imaginário da grande maioria da população brasileira, o ônus de sua proteção e conservação acaba sendo considerado como um fardo por mentes mais pragmáticas. (Fonseca, 2005, pp. 26-27).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 135 Douglas Lima da Costa

Neste contexto surge a Educação Patrimonial como um instrumento pedagógico efcaz e capaz de efetivar a identifcação, a valorização e a preser- vação do Patrimônio Histórico e Cultural dos lugares de memória. Assunção (2003, p. 55) entende que “o patrimônio cultural constitui uma herança histórica, deixada pelas gerações anteriores, que cabe a todos preservar para que seja transmitida às gerações vindouras”. A autora acredita que por aproximar o indivíduo com o patrimônio, a Educação Patrimonial Contribui para a formação de um cidadão consciente dos seus direitos e deveres, que compreenderá a importância da preservação dos bens culturais para a preservação da memória e da identidade de um povo ou nação e da necessidade da ação de proteger e escolher seus bens patrimoniais. (Assunção, 2003, p. 51). Segundo Horta (1999) a proposta de Educação Patrimonial surgiu efe- tivamente e foi organizada em termos conceituais e práticos no Brasil, a partir de 1983, quando no Museu Imperial de Petrópolis, RJ, ocorreu o I Seminário de Educação Patrimonial. Para a autora, a Educação Patrimonial, além de ser uma meta da educação contemporânea e dos órgãos responsáveis pela preser- vação patrimonial, torna-se, [...] um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o a compreensão do universo sóciocultural e da trajetória histórico- temporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural. (Horta, 1999, p. 6). Neste viés, o IPHAN elaborou um Guia Básico de Educação Patrimonial, que auxilia todas as unidades do país no desenvolvimento de atividades que contribuem com o trabalho educacional em museus, monumentos e sítios históricos, trabalhando com conceitos ligados ao patrimônio além de sugerir metodologias para o desenvolvimento das mesmas. As bases conceituais e práticas da metodologia da Educação Patrimonial objetiva orientar, em especial os professores e profssionais responsáveis pela preservação da cultura, em como preservar os bens cul- turais e do meio ambiente histórico em que estão inseridos considerando a Educação Patrimonial como “um processo permanente e sistemático de

136 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Educação patrimonial como base de preservação trabalho educacional” (Horta, 1999, p. 6), a partir da observação direta dos bens culturais. Este é o ponto que dá centralidade a todo o trabalho de Educação Patrimonial sugerido pelo IPHAN.

Figura 3: Slogan do IPHAN – principal autarquia sobre patrimônio no Brasil. Fonte: . Acessado em: 20 jul. 2018.

A partir da concepção de que todo e qualquer objeto cultural é uma fonte primária de conhecimento, o IPHAN estruturou uma metodologia específca que possibilita a percepção e a compreensão dos fatos e dos fenômenos sociais estudados para que os professores se apropriem dos objetos culturais “na sala de aula ou nos próprios locais onde são encontrados, como peças chave no desenvolvimento dos currículos e não simplesmente como mera ilustração das aulas” (Horta, 1999, p. 9). Assim, o Patrimônio Cultural da comunidade ganha vida através da valorização da história do seu espaço além de provocar nos alunos sentimentos de curiosidade essencial para que adquiram habilidades e conceitos relaciona- dos ao Patrimônio Cultural. Essa aproximação, segundo Assunção (2003, p. 51) desperta quatro atitudes: a observação e a refexão sobre o bem cultural; a manifestação das impressões sobre o mesmo; a capacidade de pesquisa e discussão sobre os resultados e a apropriação de um novo signifcado do bem para cada um que participa da proposta. Assunção (2003, p. 51) entende que os projetos de Educação Patrimonial desenvolvidos nas comunidades devam procurar “envolver o indivíduo e a comunidade como agentes ativos, na preservação sustentável e na gestão do patrimônio cultural”. Assim, é indispensável que a comunidade participe de todas as etapas do processo de seu amadurecimento cultural na área da preser- vação de seus bens patrimoniais.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 137 Douglas Lima da Costa

A utilização da metodologia do Guia Básico de Educação Patrimonial sugerida pelo IPHAN nos programas curriculares do sistema educacional contribue para o diálogo e enriquecimento de dois segmentos que quase nun- ca estão conectados: os órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio histórico e cultural e as comunidades que o produziram. O patrimônio cultural tem que ser considerado um instrumento valioso das experiências humanas, mas a participação popular não pode mais ser ignorada pelo poder público. Aos indivíduos que são excluídos desse processo, a educação patrimonial deve ser uma prática de participação social. E essas práticas políticas que envolvem a experiência da sociabilidade, exigem de todos os envolvidos uma compreensão do uso social do espaço de convívio entre os indivíduos que compõem àquela comunidade. (Certeau, 1996, p. 233).

Desse modo, seria relevante que a Figura 4: Cartilha educação patrimonial estivesse presente de Educação Patrimonial nos currículos escolares, nas ações edu- cacionais, nos mais variados espaços e de outras instituições e atividades de educação informal, de forma interdis- ciplinar. Assim, é necessário entender o pa- pel que o Patrimônio Histórico Cultural desempenha no resgate e valorização da identidade de cada indivíduo e da coleti- vidade que constrói num mesmo local a sua história. Este é também um desafo que a escola deveria imprimir. Dessa forma, os bens culturais adquiririam a conotação de bem públi- Fonte: < https://issuu.com/letiz/ co, ou seja, que pertence ao povo, e não docs/educa_o_web>. Acessado em: ao Estado ou a uma restrita parcela da 20 jul. 2018. sociedade, e a preservação ganharia um novo olhar da comunidade.

138 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Educação patrimonial como base de preservação

Portanto, o Patrimônio Cultural deve ser visto como um conjunto de coisas da invenção do homem para o próprio homem sejam elas para facilitar a vivência em grupo e presença nos espaços. É ainda, resultante de construções da coletividade através dos tempos e um determinado espaço, esse vínculo direto com a memória e a construção de uma identidade deve ser tratada como material a ser preservado. Para isso, a educação patrimonial cumpre o papel aproximador e sensibilizador. Em um movimento de continuidade, a preservação e a conservação dependem da participação de todas as pessoas, independente do grupo social e do papel que exerçam. Assim sendo, enxergar-se nos elementos compostos do passado e no passado, gerará no indivíduo o senso de comprometimento em olhar o preté- rito como elo de compreeensão do presente e respeito para com a história e o povo que a constrói. reFerênciAS

Andrade, Cyntia. (2008). Lugar de memória... memórias de um lugar: patri- mônio imaterial de Iguatu, Andaraí, BA. Passos Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, v.6, pp. 569-590. Assunção, Paulo de. (2003). O Patrimônio. Edições Loyola. Bartholo, Roberto. (2005). Turismo e Sustentabilidade no Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acessado em: 28 jul. 2011. Bourdieu, Pierre. (1989). O Poder Simbólico. Editora Bertrand Brasil S.A. Disponível em: . Acessado em: 25 jul. 2011. Brasil. (1937). Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2018. Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2018.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 139 Douglas Lima da Costa

Brasil. (1990). Lei nº 8.028 de 12 de abril de 1990. Dispõe sobre a organiza- ção da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 19 maio. 2020. Brasil. (2019). Decreto nº 9.674, de 2 de janeiro de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9674. htm. Acesso em: 17 jun. 2020. Canani, Aline S. K. B. (2005). Herança, sacralidade e poder: sobre as dife- rentes categorias do patrimônio histórico e cultural no Brasil. Horiz. antropol. [online], vol. 11, n. 23, pp. 163-175. Disponível em: . Acessado em: 26 jul. 2011. Certeau. Michel de. (1996). A invenção do Cotidiano 2 (morar, cozinhar). Rio de Janeiro: Editora Vozes. Chartier, Roger. (1991). O mundo como representação. Estudos Avançados [online] vol. 5, n. 11, pp. 173-191. Disponível em: . Acessado em: 30 jul. 2011. Debary, O. (2010). Segunda mão e segunda vida: objetos, lembranças e foto- grafas. Revista Memória em Rede, Pelotas, v. 2, n. 3, ago.-nov. 2010. Disponível em: . Acessado em: 21 jul. 2011. Diehl, A. (2002). Teorias da História . Cultura historiográfca (memória, iden- tidade e representação). Bauru: EDUSC. Fonseca, M. C. L. (2005). O patrimônio em processo. Rio de Janeiro: UFRJ / Minc - IPHAN. Gastal, Suzana. (2006). Alegorias urbanas: o passado como subterfúgio tempo, espaço e visualidade na pós-modernidade. Papirus Editora. Disponível em: . Acessado em: 03 jun. 2011. Horta, M. L. P. (1999). Guia Básico de Educação Patrimonial. – Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial. Langer, Johnni. (1997). Mitos arqueológicos e poder. Clio – Série Arqueológica (UFPE), Recife, v. 1, n. 12, pp. 109-125. Lemos, Carlos A. C. (1981). O que é patrimônio histórico. São Paulo: Editora Brasiliense S.A..

140 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Educação patrimonial como base de preservação

Ribeiro, Sandra Bernardes. (2005). Memória, cidadania e gestão do patrimônio cultural. São Paulo: Annablume. Silveira, F. L. A.; Lima Filho M. F. (2005). Por uma antropologia do objeto documental: entre a “alma nas coisas” e a coisifcação do objeto. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 11, n. 23, jan/jun, pp. 37-50.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 141 gÉneSe SexuAl dA comunicAção: como A comunicAção depende dA SexuAlidAde ou como SomoS

Carmen Inácio1

Resumo: Este artigo é uma refexão sobre a comunicação, de forma geral, e como isto pode estar conectado com as nossas experiências pessoais. Durante esta refe- xão realizada em pleno estalar da pandemia do COVID-19, surgiu-me esta ideia (provocada e recalcada pelos caminhos da minha Vida, a que, nestes dias, venho, consequentemente, também, dedicando particular refexão): a Sexualidade afeta a Comunicação. Este artigo é, portanto, uma contemplação sobre como a comunicação depende da sexualidade. De como somos sexualmente comunicativos. De como a sexualidade afeta o nosso Ser. De como isso se manifesta. Tacitamente. Palavras-chave: sexualidade; comunicação; corpo; conhecimento; desenvolvimento.

Abstract: I was proposed to write about communication, possibly based on my experience. In refecting on the accepted challenge, and in the midst of the rising of the COVID-19 pandemic, this idea came to me (provoked and repressed by the paths of my Life to which I have been consequently also dedicating my deepest thought): Sexuality afects Communication. Tis article is therefore a refection on how communication depends on sexuality. How sexually communicative we are. How sexuality afects our Being. How it manifests. Tacitly. Keywords: sexuality; communication; body; knowledge; development.

Disseram-me um dia – não sei precisar quem, nem quando, mas não foi há mais de uma dúzia de anos – que: “A comunicação está diretamente relacionada com a sexualidade”.

1 Comunicadora.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 143 Carmen Inácio

Esta premissa foi-me oferecida era eu já profssional do ramo há mais de duas décadas. E a lógica que lhe está inerente teve, em mim, o mesmo impacto que a lógica apresentada pela minha professora de Alemão, – há coisa de trinta anos – para explicar como a língua iria ser “fácil” de aprender. Tinha os meus 15 anos. A idade das grandes descobertas, – sobretudo sexuais, curiosamente! – e da decisão tácita, desde sempre latente, de que, – eu... já naquela altura... muito social – acabaria por seguir pela comunicação, como via profssional. Portanto, eu, comunicadora de profssão, – mais do que jornalista – com uma considerável experiência em vários ramos da área, – menina da rádio, por onde comecei a contar “histórias” à hora certa... (quase) as mesmas que continuo a ouvir hoje em dia, curiosamente, mas com nomes diferentes, exceção para a Covid-19, que é coisa nunca ouvida na Nossa História... (quer dizer, até é. E recente, se pensarmos bem: Ébola, HIV, peste bubónica, negra, suína, pneumónica, e por aí fora); também repórter de TV, com documentários à mistura; produtora em programas vários; anotadora; produtora de teatro, publicidade... enfm, tudo missões de fazer comunicar – tenho vindo, então, a refetir sobre o signifcado, diria, profundo, de – Eu – ter uma atividade... ligada à sexualidade! Dependente da sexualidade. – Sub-repticiamente – condicionada pela sexualidade! Pela minha sexualidade! Esta epifania surgiu, também, furtivamente. Foi intuída, sem percepção clara do que estava a “ver”. Algo que foi crescendo em mim como a Luz das sensações cada vez menos recalcadas, mais encaradas. – acho que também mais sofridas, curiosamente. E, curiosamente, tam- bém, de uma forma mais distante, mais... perspetivada! – Enfm, a questão é que o intrincado

144 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Génese sexual da comunicação...

– sexualidade e comunicação – tem vindo a operar, em mim. De uma forma furtiva, às vezes. Como num sonho daqueles... revelado- res. Que teima em repetir-se nas noites menos esperadas. Um déjà vú. De forma mais (e)vidente, noutras. Como no perfume de um flho chegado pela primeira vez aos braços. Em encontros de Amor maravilhoso, intenso, profundo, que todos devem ter... – Deveriam ter! – Em encontros com a Natureza maravilhosa, que num pôr do sol subli- me, numa igreja ou mesquita ou templo qualquer, num banho apetecido de Pacífco, no voo de uma andorinha, no canto repetido sete vezes de um Toke2... nos levam ao sagrado, nos deixam um rasto de sensações e Luz e energia que – se eu deixar... e já experimentei – perduram em mim. Se transformam numa remanescência de algo que eu vejo dentro da minha alma. Dentro da alma de todos. De toda a Vida. De todos os Seres. O Amor. Puro. Esse Bem tão mal tratado, por ser (quase) sinónimo de sexualidade. Fiz algumas reportagens sobre temas considerados “quentes”, sobretudo para o programa Bem-Estar, do já extinto Canal Saúde da Televisão por Cabo, quando isto “da cabo” começou a dar, em Portugal... Claro que as reportagens que fz durante cerca de quatro anos para a Rádio Renascença (RR), Emissora Católica Portuguesa, minha casa mãe nisto do jornalismo, – mais do que da comunicação, tentarei demonstrar mais à frente – distinto órgão de comunicação social, que, à época, (antes do século XXI, ali na década de 90)

2 O Toke (Varanus timorensis) é um réptil que pode atingir até 70 centímetros de comprimento. Na sua comunicação, o Toke produz repetidamente este mesmo som: “toke”. De acordo com a crença popular, quem ouve sete “toke” seguidos, num só chamamento de um Toke, tem ou terá sorte! Em 2010, foi “cara de selo” nacional, como se pode ver em http://timor-leste.gov.tl/?p=4343&lang=pt.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 145 Carmen Inácio

era campeã de audiências. (Grande entrada, a minha, nisto do jornalismo!). Mas, na RR, por mais “quentes” que pudessem ser, os temas congelavam ainda antes de chegar à redação, logo ali à entrada da – para mim... e para muita gente, creio...ali mesmo por trás de onde nasceu o nosso grande Fernando Pessoa! – mítica Rua Ivans. Antes de chegar ao Chiado, já o “quente” tinha sido expurgado, esma- gado pelo peso da Instituição... Lembro-me da questão do aborto, da despenalização da prática do abor- to... tema quente, quentíssimo!, que começou a ser aprofundado, debatido publicamente, em Portugal, já no virar do século, deste último milénio, já perto de 2000 (Alves et al., 2009; Monteiro, 2012). – Procurando na Internet sobre a história da descriminalização da prática do aborto em Portugal, para verifcar em que ponto da “novela” nos encontrávamos quando eu me sentava todos os dias aos microfones, no nú- mero 14 da Rua Ivans, para... comunicar notícias, confrmei que o primeiro referendo sobre esta “matéria” foi feito precisamente em 1998. O primeiro referendo realizado em Portugal! – Importa perceber que até 1984, a prática do aborto era crime. Fosse por que motivo fosse. A Lei n.º 6/84 (Diário da República, 1984) introdu- ziu a possibilidade de... vamos dizer as coisas como elas são: “introduziu” a possibilidade de a Mulher fazer aborto, mas apenas: em casos de absoluto perigo para a mulher; – com minúscula, de tão minúsculas que estavam – malformação do feto; e “violação”... sendo que esta era – continua a ser – coisa não fácil de evidenciar. Em 1997, com a aprovação da Lei n.º 90/97 (Diário da República, 1997) os prazos para a Mulher poder fazer um aborto, nas exceções introduzidas em 1884, foram alargados. Confere. Sentava-me já confortável na redação do palacete do Chiado para dizer as notícias no início do período quente de discussão sobre o aborto.

146 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Génese sexual da comunicação...

Encontrei também um trabalho3 interessante, de 2010, feito por alunos do 12.º ano (na tal idade das descobertas!). Portanto, por alturas da segunda metade da última década do século passado, os “senhores” que fazem as notícias, – não me refro aos jornalistas, não senhor!, que esses apenas as contam... ou devem, pelo menos assim aprendi!, com excelentes professores, diga-se de passagem – os “senhores” que fazem as notícias começaram, então, a trazer “o pro- blema do aborto ilegal” para a luz do dia. – Um problema grave, que custou já muitas Vidas. Desnecessariamente... Não só neste “quintal”, onde a situação está longe de ser positiva, mas por toda a “quinta”, que é a “nossa” Terra Mãe (Ministério da Saúde, 2018; Diário de Notícias, 2019). E a matança continua, para que conste! Refro-me sobretudo às mulheres que são quem mais sofrem com tudo isto... vejam-se estatísticas publicadas pela Revista Exame, em maio de 2018, que referem que “dentre os 56 milhões de abortos registados no mundo entre os anos 2010 e 2017, 45% dos procedimentos aconteceram em más condições e 97% desses foram feitos em países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina” (Ruic, 2018). Mulheres que têm que (“que”, e não “de”, porque poderia/deveria ser de outra maneira!) recorrer a formas desesperadas e inumanas para cumprirem o que lhes vai no Livre-arbítrio... Não desvalorizando, nunca desvalorizando, as “estrelinhas”, que [através da sexualidade, lá está O tema!] são “chamadas” aqui à “quinta”... cumprindo (certamente, creio eu), também, um propósito... – E os senhores que contam as histórias, claro, – tão envolto em trevas! – no cumprimento da obrigação do rigor e de... toda a cartilha concentrada na Lei de Imprensa (Diário da República, 1999) que rege os jornalistas, onde cabe, na mesma medida, – dependendo do subjetivo, claro... – a “garantia da liberdade” expressa no artigo 1.º e o “compromisso” do esta- tuto editorial incluído no artigo 17.º, da mesma Lei (Diário da República, 1999).

3 https://abortosimounao.webnode.com.pt/aborto/etica%2c%20religi%c3%a3o%2c%20 politica%20e%20aborto/

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 147 Carmen Inácio

Aqui se vê a inesgotável capacidade humana para se concentrar no seu – no de cada um: cerca de oito mil milhões, nestes dias – próprio umbigo. – deveria ser mais abaixo: na sexualidade!... digo eu, na minha subjeti- vidade da qual também não prescindo. Durante muito tempo esta questão da “sexualidade” foi, então, sendo processada no meu cérebro com o fltro dos absurdos. Como o Alemão, aos 15 anos. Com a língua estrangeira, a questão foi simples de ultrapassar: tendo eu queda para a comunicação, tenho, naturalmente, apetência para línguas, e... depois de estranhar um bocadinho, a tal (i)lógica gramatical, entranhou. E até me saí bem, na nota. Com a “sexualidade”, o que deveria ser logicamente natural revelou-se absurdamente estranho. Lembro-me de, criança ainda, no meu primei- ro reinado de baloiços, para onde me escapava porque naqueles tempos podíamos, com o vestido lavado pela minha mãe, à mão, no tanque da roupa, porque ainda não havia lá em casa máquinas nem outras mãos para a roupa suja, pensar: – “por que não andamos todos despidos?! Seria muito mais fácil! E está calor...”! E depois, as primeiras sensações... e (não) perceber (por)que a “sexu- alidade” não é, afnal, apenas o sexo, ou o género... aquele órgão central, alinhado com o outro, ali um pouco mais abaixo (Laqueur, 2001; Salles & Ceccarelli, 2010). E ir percebendo isso ao mesmo tempo que aprendia a linguagem (que é menos palavras do que corpo, ver Cukiert, 2004; Paviani, 2011). – e o corpo ia-se fazendo – E eu entranhando também este ilógico absurdo... A Vida não foi tão simpática comigo como a professora Odete (de Alemão). Ou talvez até tenha sido. A Vida deixou-me, afnal, resultados bem marcados no meu ego. Não um 17 como nota (porque a Vida tem outras cota- ções), mas inúmeras sombras e cicatrizes que vou ganhando com a tarimba. E algumas epifanias, como a constatação de que nos está na natureza. É inegável.

148 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Génese sexual da comunicação...

O ser humano é comunicador – sexual – por natureza. Uns mais, – mea culpa – outros menos. Temos de comunicar. Nem que seja com um qualquer “Sexta-feira”, – especialmente nas travessias de desertos interiores (ou em naufrágios!) – nem que seja com um eu, mais (ou menos) assumido. Temos de comunicar. Por Ser racional – e, sobretudo, social – que somos, a preferência cai, obviamente, sobre os outros. Aprendemos a comunicar com o outro sem ter ainda consciência de nós próprios. “Sorrimos” para os que cuidam de nós, (ver Cukiert, 2004; Paviani, 2011) – deseja-se que sejam os progenitores, mas tantas vezes não! – sorrimos os primeiros sorrisos, sem emoção... Suspeito, no entanto, que haja, já, sensação! Há seguramente intensão. E é efcaz, funciona perfeitamente. O cuidador acolhe os sinais todos. Segundo especialistas, trata-se de um movimento refexo, uma “ferra- menta” natural de sobrevivência. – “Se eu agradar, saio-me melhor... sobrevivo. Portanto, ´vamos comunicar!”. E, descobriram também os especialistas que começamos logo a ensaiar ainda antes de nascer (Azevedo & Moreira, 2012). No útero, estagiamos os sorrisos, os toques, os trejeitos que nos serão fundamentais para seduzir o outro. Começamos a comunicar de uma forma tão íntima... tão tudo aquilo que nos tem sido repetidamente reprimido desde que começamos a ter... in- tenção, emoção, e – aqui seguramente! Não são precisos estudos para o confrmar – sensação, conscientemente assumidas. Nestes tempos sui generis que vivemos, – têm sido todos, sempre. Mas estes são os verdadeiramente globais:

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 149 Carmen Inácio

não há, agora, redutos longínquos e inacessíveis dos das outras “situações” mundiais (de alguns quintais!...) – agora, em pleno “futuro”, o bicho está a conseguir chegar a todo o lado. – talvez se escape uma qualquer tribo da já quase extinta Amazónia; ou uma qualquer família “miserável” que viva numa qualquer montanha sem riquezas para sacar; ou um qualquer “louco” que aspire a transcendência... uns “alguéns” que são quaisquer “ninguéns” porque não constam em registos, se é que isso é possível, neste agora! Estes [“felizardos”] talvez se escapem a contágios – Nestes tempos sui generis que vivemos, – voltando à comunicação e à sexualidade... se é que alguma vez saímos delas!? – somos bombardeados com imposições – muitas vezes mascaradas de conselhos – antinaturais. Distância. Nada de toque. Morte à intimidade! Não é isto que a Vida nos pede – exige! – desde a concepção! Mas tem sido exatamente isto que tem vindo a ser praticado desde há milénios a esta parte, nos tais quintais! Os quintais “civilizados”, que têm vindo a infetar... a infetar... até chegarmos a isto! A ideia é simples: – e complexa. Como nós, Vida! Toda a Vida. Não só a dos quintais: não só a minha ou a tua, também a desta Mãe Terra, a desta galáxia, a das outras. O Universo! Tão simples assim. Com toda esta complexidade! – O sexo (ou a sexualidade) faz parte de mim. De ti. Da Mãe Terra. – que faça parte do Universo, não posso afrmar, mas não parece a teoria do Big Bang uma espécie de orgasmo?! Deu, de resto, nome a uma popular série cómica televisiva4, que gira precisamente à volta das relações e da sexualidade – Faz tanto parte como respirar, comer, beber... o sexo é tão meu como o meu coração, os meus rins, pés, olhos... 4 Para uma análise da série televisiva e sua infuência na percepção social acerca dos métodos científcos, das mulheres cientistas, assim como das questões de género, sexualidade e identidade masculina conferir Petroski (2018).

150 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Génese sexual da comunicação...

Mas para tudo isto há tratados, teses, estudos, dissertações. Falamos abertamente sobre respirar, comer, beber... o coração, os rins, pés, olhos... Do sexo, não. Vão dizer-me: “Ah, mas agora é diferente... até já as criancinhas (ao que isto chegou!), estudam isso – (a palavra técnica é reprodução... por via do SEXO!... e não só!) – na escola..”. – o que, diga-se de passagem, se tornou uma útil-agradável forma de manter o tabu para os educadores (que deveriam ser os pais... mais uma vez, no plano idealista) que deixaram de ter que se preocupar com a fase da história da cegonha e das abelhinhas – Pois. Mas o SEXO continua a ser TABU. O SEXO continua a ser escondido, maltratado, violado... É disso evidente o facto (inegável!) de só já neste milénio... só já no século XXI... ter sido devidamente “visto”... o clitóris! Sim, o CLITÓRIS! Um órgão tão importante como o nariz, a boca, a bexiga... o coração, os rins, pés, olhos... Já o Homem – a “civilização” – tinha: pisado a Lua, – essa entidade tão feminina... mas isso é tema para um qualquer outro artigo – inventado a bomba atómica, – essa forma tão efcaz de MATAR a Vida de forma rápida, excruciante e também prolongada... outro artigo! – tinha feito [pelo menos] duas Guerras Quintais. – perdão, Mundiais!... – Mas a real representação do clitóris (só!) agora está a SER realmente descoberta5.

5 Conferir Stringer & Becker (2010); Mazloomdoost & Pauls (2015); O’Connell et al. (2005).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 151 Carmen Inácio

É verdade. A “coisa” começou a ser sistematizada por Hipócrates (400 a.C.), de uma forma, digamos, lata! Estava ali. Era inegável. E os seus escritos conseguiram chegar até nós. Mas, O CLITÓRIS. Especifcamente, foi... “descoberto”, já corria o século XVI. E de alguma forma conseguiu não ser abafado, aniquilado. Assim como conseguiu sobrevi- ver a Terra redonda... que começou a deixar (de novo) de ser plana! Quando deram por “ele”, já os “civilizados” tinham descoberto um (dos) Novo(s) Mundo(s); faziam (ainda) caça às bruxas; e escravizavam e violavam “selvagens” a rodos... – “E muito bem!... que nem gente eram...com os seus hábitos... selva- gens... todos nus... e a fazer... coisas porcas, assim à vista de todos, e... valha- nos... credo!”, dir-me-iam alguns. Que fque claro que eu não penso nada disto, mas sei de quem (ainda, infelizmente, isso sim, sinto: infelicidade) assim pense! – A sua real dimensão (falo ainda o clitóris) foi vista há coisa de 15 anos. É verdade. Só há quinze anos é que a real representação deste órgão feminino começou a ser desvendada. O “boneco” da “coisa”. Assim como o “boneco” do coração e dos rins e do fígado, que todos nós conseguimos visualizar. E o clitóris?! Essa coisa porca, pecado original! Consegues visualizar?! – eu ajudo: vai à ligação clitóris e orgasmo feminino (Mdresselhaus, 2017) nas referências!... está lá o “boneco” todo – Para compor esta ideia que tive, – de que a comunicação depende da sexualidade ou que somos sexual- mente comunicativos – procurei informação na Internet. Escrevi: “comunicação e sexualidade”. O que surge, na grande maioria, são textos educativos para adolescentes, so- bretudo textos escolares – seja como for, é já bastante positivo – um ou outro programa televisivo, com uma rubrica a apimentar as audiências – cheio de risinhos e semblantes carregados de suspeição... ainda assim, também positivo –

152 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Génese sexual da comunicação...

um artigo interessante, – ali entre o técnico-institucional/opinativo-quase-arrojado (Nobre, 2019) com alguma informação interessante – e, na sequência deste, cheguei a referências mais institucionais, sobretudo da Organização Mundial de Saúde (2006, p. 1), que só já em pleno século XXI tornou público e assumido que a sexualidade é “um aspeto central do ser humano ao longo da vida e inclui sexo, identidades de género e papéis, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução”, e assumiu que a saúde sexual é “um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social relacionado com a sexualidade”. Grosso modo, é isto. E eu não podia estar mais de acordo! E descobri, também que a Associação Mundial pela Saúde Sexual (WAS) desenvolveu uma declaração de Direitos Sexuais, em 2014. E, à medida que fui entrando na descoberta, cheguei aos estudos do clitóris, e a dois vídeos muito interessantes: "Le Clitoris" (uma animação muito bem conseguida, com o “boneco” como personagem principal), e uma ex- posição da jornalista Peggy Orenstein, no TED (que aborda esta questão da sexualidade e da comunicação, e o drama que a ignorância do tema representa para as jovens norte-americanas). Enfm! Nestes meus pensamentos sobre a questão, que me têm vindo a acompa- nhar no confnamento que vivemos nestes dias sui generis, passou-me pela ideia – que começou, de resto, a fomentar esta minha teoria – de que se olharmos para nós – inteiros: com próstatas e clitóris assumidos – sem fltros, tabus ou preconceitos, vamos ver o peso que esses mesmos fltros, tabus e preconceitos têm na nossa existência. E de como isso nos “abre” ou “fecha” a comunicação. – isto sem qualquer base científca, porque não consegui encontrar ne- nhuma tese ou estudo ou escrito de qualquer género específco sobre o assunto, apenas as alusões dispersas que referi. – Senão vejamos, e de uma forma... simples: – dentro de toda esta complexidade aqui exposta –

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 153 Carmen Inácio

1 – no sentido mais geral: os povos com uma sexualidade culturalmente mais assumida são mais comunicativos, mais... extrovertidos, reivindicativos. Por oposição, os mais “oprimidos” nesta realidade, são... uma massa muitas vezes inócua e sem grandes “rasgos”; – salvos algumas exceções que obviamente se destacam, porque (feliz- mente) de génios e loucos está a humanidade bem fornecida! – 2 – No sentido mais particular: as pessoas com uma sexualidade mais assumida tendem a ser naturalmente mais comunicativas, extrovertidas, rei- vindicativas, e esclarecidas e interessadas... Por oposição, as mais... – só me surge a palavra – “empoeiradas” (nesta realidade), são... – e mais uma vez vacilo sobre que palavras (preciosas palavras) usar... e surge-me em língua inglesa (apesar de a nossa língua portuguesa ser riquíssima e ter provavelmente a expressão ideal, mas só me surge) – ... “pain in the arse”! – e acho mesmo que a expressão cai que nem uma luva neste tema! – Ainda assim, e por mais simplesmente que queira colocar esta complexa ideia, não posso ignorar as “sombras” que pairam sobre os mais “assumidos”. Lembro apenas o crescimento exponencial da taxa de natalidade nove meses após o carnaval, – no plano geral – sem consciência das consequências (das vidas produzidas), tão concen- tradas que estão no umbigo, em vez da sexualidade! Ou os excessos pornográfcos, – particulares – que tanto custam em psicólogos e outros tratamentos de saúde (públi- ca)... ao ego (umbigo) 6. Portanto, e com base nesta simplicidade, acho mesmo que quanto mais abertamente aceitarmos a sexualidade, – individual, em primeira instância: a tal do clitóris e da próstata; e

6 Conferir Ferreira (2013); Diehl, Vieira, Suares (2013); Netto & Cardoso (2013).

154 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Génese sexual da comunicação... depois, consequentemente, a geral: a de todos e cada um, do Universo – mais corretamente conseguimos ver as coisas, e, portanto, compreendê -las, aceitá-las e comunicá-las. O salto – para a comunicação efcaz, para o desenvolvimento – está na mudança de paradigmas. Deixar de vestir tanto a culpa instituída, para... simplesmente despir! Desnudar. Camada a camada. Até ao centro. Ao princípio. Ao útero. Àquele “lugar” que todos temos, onde nos levam as pequenas – grandes – coisas, que – por vezes, por breves instantes – conseguimos vislumbrar: aquela tal sensação plena do primeiro beijo, do nascimento de flhos, de um pôr do sol. Até ao sexo. – buraco negro de transporte direto para Luz. Para a clarividência. Para o Todo. Que exponencia – ao invés de condicionar – a comunicação. reFerênciAS

Alves, M.; et al. (2009), A despenalização do aborto em Portugal – discursos, dinâmicas e acção colectiva: Os referendos de 1998 e 2007. Ofcina do ces, 320 Azevedo, E. C.; Moreira, M. C. (2012). Psiquismo fetal: um olhar psicanalítico. Diaphora, 1(2), pp. 64-69. Cukiert, M. (2004). Considerações sobre corpo e linguagem na clínica e na teoria lacaniana. Psicologia USP, 15 (1/2), pp. 225-241. Diário da República. 1984. Lei 6/84 de 11 de maio. Exclusão de ilicitude em al- guns casos de interrupção voluntária da gravidez. I Série-A, n. 109, pp. 1518-1519. Diário da República. 1997. Lei n. 90/97 de 30 de Julho. Altera os prazos de

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 155 Carmen Inácio

exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez. I Série-A, n. 174, pp. 3930-3931. Diário da República. 1999. Lei 2/99 de 13 de janeiro. Aprova a Lei de Imprensa. I Série-A, n. 10, pp. 201-208. Diehl, A; Vieira, D. L; Suarez, M. C. S. (2013). Compulsão sexual. In: Diehl, A; Vieira, D. L. (org.). Sexualidade do prazer ao sofrer. São Paulo: Roca, pp. 285-292. Ferreira, C. B. (2013). A emergência da adiccao sexual, suas apropriações e as relações com a produção de campos profssionais. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana, n. 14, Dossier n. 2, ago. 2013, pp. 284-318. Jornal de Notícias. (2019). Interrupção voluntária da gravidez está em queda desde 2011. In: https://www.jn.pt/nacional/interrupcao-voluntaria-da-gravidez -esta-em-queda-desde-2011-11663058.html. 31 de dezembro de 2019. Acesso em 20 de junho de 2020. Laqueur, T. (2001). Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará. Mazloomdoost, D.; Pauls, R. N. (2015). A Comprehensive Review of the Clitoris and Its Role. Female Sexual Function. Sex. Med. Rev., v. 3, pp. 245-263. Mdresselhaus. (2017). Clitóris e orgasmo feminino. Como a ciência aborda estes assuntos?. In: https://cientistasfeministas.wordpress.com/2017/06/26/clitoris-e-or- gasmo-feminino. Acesso em 20 de junho de 2020. Ministério da Saúde. 2018. Relatório dos registos das interrupções da gra- videz, 2018. Direção-Geral da Saúde – Divisão de saúde sexual reprodutiva infantil e juvenil. Monteiro, R. (2012). A descriminalização do aborto em Portugal: Estado, movi- mentos de mulheres e partidos políticos. Análise Social, 204, XLVII, pp. 586-605. Netto, N. K. P; Cardoso, M. R. (2013). Colapso de eros nas adicções sexuais. Tempo psicanalítico. Rio de Janeiro, v. 45(1), pp. 383-400. Nobre, Pedro. (2019). A importância da sexualidade no bem-estar e qualidade de vida. Público, 17 de marco de 2019. In: https://www.publico.pt/2019/03/17/ impar/opiniao/importancia-sexualidade-bemestar-qualidade-vida-1865496. Acesso em 4 de maio de 2020. O’Connell, H. E.; Sanjeevan, K. V.; Hutson, J. M. (2005). Anatomy of the

156 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Génese sexual da comunicação...

Clitoris. Journal of Urology, v. 174, pp. 1189-1195. Paviani, N. M. S. (2011). Corpo, linguagem e educação. Do Corpo: Ciências e Artes, v. 1, n. 1, jul./dez, pp. 1-9. Petroski, H. (2018). Trough the lens of the Big Bang Teory. American Scientist, v. 106, n. 2, DOI: 10.1511/2018.106.2.80. Acesso em 20 de junho de 2020. Ruic, Gabriela. (2018). Como o aborto é tratado pelo mundo. Revista Exame online, 26 de maio de 2018. In: https://exame.com/mundo/como-o-aborto-e- tratado-pelo-mundo/. Acesso em 20 de junho de 2020. Salles, A. C.; Ceccarelli, P. R. (2010). A invenção da sexualidade. Reverso, Belo Horizonte, ano 32, n. 60, pp. 15-24. Stringer, M. D; Becker, I. (2010). Colombo and the clitoris. Eur. J. Obstet. Gynecol. Reprod. Biol., v. 151, pp. 130-133. World Association for Sexual Health. (2014). Declaration of sexual rights. In: https://worldsexualhealth.net/wp-content/uploads/2013/08/Declaration-of- Sexual-Rights-2014-plain-text.pdf. Acesso em 4 de maio de 2020. World Health Organization. (2006). Defning sexual health: report of a tech- nical consultation on sexual health, 28–31 January 2002, Geneva.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 157

linguAgem como um SiStemA FormAl e rede de práticAS dA comunicAção

Vicente Paulino1

Resumo: Neste artigo pretende-se falar da linguagem como um sistema formal e uma rede de práticas da comunicação e da produção de sentidos. Procurando defnir o que é a comunicação e a linguagem, do mesmo modo, a forma como se produz o sentido do dizer de um algo, ou querer dizer (signifcar) um algo. Pretende-se explicar a produtividade e a sistematicidade da linguagem e os usos convencionais de muitas elocuções na produção de sentido do ato da fala, in- cluindo ‘dizer é fazer’ numa compreensão da linguagem enunciativa e jogos da linguagem na comunicação. Palavras-chave: Linguagem; comunicação; jogos da linguagem; querer-dizer; dizer é fazer.

prActiceS communicAtion

Abstract: Tis article intends to speak of language as a formal system and a ne- twork of communication practices and the production of meanings. Seeking to defne what communication and language is, in the same way, the way in which the meaning of saying something is produced, or wanting to say (signify) some- thing. It is intended to explain the productivity and systematicity of language and the conventional uses of many utterances in the production of the meaning of the speech act, including “saying is doing” in an understanding of enunciative language and language games in communication. Keywords: Language; communication; language games; wanting to say; saying is doing.

1 Doutorado em Estudos de Literatura e Cultura/especialidade em Cultura e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Licenciado e Mestre em Ciências da Comunicação pela Faculdadde de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; professor convidado no Programa de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 159 Vicente Paulino

introdução

O homem é feito pela linguagem, como dizia o próprio Aristóteles (1963), o homem é um ser dotado de linguagem, desde o primeiro instante de vida até ao seu último suspiro. Por isso que a linguagem forma as coisas, pois nela surge o nome das coisas. Isto é, as coisas são nomeadas pela linguagem. A linguagem proporciona a comunicação intersubjetiva na sociedade. Sem esta possibilidade de comunicação com os outros, somos privados de uma série de experiências, conhecimentos, valores, de outros sujeitos, o que nos tornaria ainda mais incompletos e fechados. A nossa abertura ao mundo e aos outros e a todo o universo de sentimentos e pensamentos passa fundamentalmente por uma ponte que é a própria linguagem. De um modo geral, a linguagem é o único modo de ser do pensamen- to, a sua realidade e a sua realização (Kristeva, 1974). A linguagem permite dar nomes a tudo o que nos rodeia, tomar consciência do mundo através do sentido que está associado às palavras. A linguagem é, assim por dizer: uma condição necessária, mas não sufciente, para a construção das operações lógicas. É necessário, pois sem o sistema de expressão simbólica que constitui a linguagem as operações permaneceriam no estado de ações sucessivas, sem ter integrado em sistemas simultâneos ou englobando simultaneamente um conjunto de transformações solidárias. (Piaget, 1999, p. 85). É através da linguagem que estruturamos o nosso pensamento, que nos apropriamos da realidade. Sendo assim não inventamos a linguagem, por norma, ela está materializada numa língua, num código comum, numa determinada sociedade. Isto remete-nos para o outro aspeto fundamental da linguagem produzida a partir do ato da comunicação estabelecido entre seres humanos: a “mediação”. Signifca que o papel indispensável da linguagem é de mediação, pois com ela que o homem mensura o mundo da vida com ideias, tanto com a ideia de ciência como a ideia flosófca (Husserl, 1965; 1986). Tudo isso está na origem da elaboração do sentido que o mundo tem para o homem.

160 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

O homem é um ser para a comunicação. A capacidade de sua comu- nicação associa-se ao seu modo de pensar, fundamentalmente na capacidade cognitiva. O homem é também um ser social, por isso que pela sua natureza de interação necessita de outras pessoas para realizar a comunicação, seja co- municação interpessoal ou intergrupal. O homem usa preferencialmente uma língua para comunicar com os outros, cheia de signifcações e que permite expressar sentimentos. Podendo dizer também que a comunicação humana evoluiu bastante nas últimas décadas com o desenvolvimento das ciências da linguagem, da semiótica e da pragmática da comunicação. Afnal uma combi- nação de disciplinas na defnição do processo da comunicação produz sentidos comuns na construção da realidade social e do mundo do conhecimento. O homem cria e utiliza os sistemas de linguagem para se comunicar. Comunicar com outros é uma necessidade de impulsionar o seu desenvolvi- mento cognitivo. A comunicação torna-se afetiva quando a sua realização é impulsionada pela racionalidade e intencionalidade de experiências e de pensa- mentos. Deste modo, a comunicação e a cognição podem ser compreendidas a partir do estudo pragmático comunicacional de Dan Sperber e Deirdre Wilson (1995). Estes autores fazem uma crítica ao “modelo do código” que funcio- na na teoria matemática da comunicação, na qual teorizada por Shannon e Weaver nos anos 1949, para garantir um funcionamento de mensagem enviada. Mensagem encodifcar e decodifcar é como uma conotação comunicativa, deixando a fonte da mensagem produz-se um pensamento irrealista, assim há um uni-código entre emissor e receptor na comunicação. Acerca disso, podemos recorrer a semiótica para compreender a codif- cação de um modelo comunicativo. Todo o processo da comunicação é codi- fcado por um código encriptado linguisticamente, e isso signifca impulsionar o acesso ao sistema comunicacional a partir de uma racionalidade e inten- cionalidade encriptada por um código linguístico, como defende Vygotsky: Tat understanding between minds is impossible without some mediating expression is an axiom for scientifc psychology. In

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 161 Vicente Paulino

the absence of a system of sign, linguistic or other, only the most primitive and limited type of communication is possible. Communication by means of expressive movements, observed mainly among animals, is not so much communication as spread of afect… Rational, intentional conveying of experience and thought to others requires a mediating system, the prototype of which is human speech. (Vygotsky, 1962,– citado por Sperber & Wilson, 1995, p. 6). Aliás, o semiólogo Ferdinand Saussure, propunha que a comunicação no modo semiótico é codifcada por um sistema formal da linguagem, por isso que para ele: A linguagem é um sistema de signos que exprimem ideias, e é comparável ao sistema de escrita, aos alfabetos dos surdos- mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais dos militares etc., mas ela é apenas o principal desses sistemas. Uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social. Ela constituiria uma parte da psicologia social, chamá-la-emos de semiologia. (Saussure, 2001, p. 16). Deste modo percebe-se que as coisas manifestam-se na linguagem, por isso que a linguagem é usada como um órgão mental do pensamento humano no desenvolvimento do ato de pensar em e sobre um determinado algo. Linguagem é um sistema de ideias que produz sentidos as coisas, por- que através dela nomeamos o nome de um algo ontologicamente, explica- mos em seguida com a percepção epistemológica e fundamentamos como a “argumentação válida e correta” (Penco, 2004). E assim um algo pode ser compreendido da seguinte forma: O que é isto? (é uma pergunta simples que procura obter ontologicamente uma resposta sobre o algo perguntado); Como vocês sabem? (epistemologia – procura saber a certeza de uma reafrmação sobre aquilo que é respondido ou justifcado anteriormente) Porquê assim? (argumentação – a importância e a função de um algo mencionado ou apresentado). Simplifcando com um exemplo concreto: O que é isto? Isto é um marcador (é a origem do nome de um algo nomeado pela linguagem ontologicamente); Como vocês sabem? Sim, sabemos que isto é marcador (é uma reafr- mação sobre a condição de sua validade da verdade);

162 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

Porquê assim? Porque tem uma função para escrever, embora a sua forma física de representação bem diferenciada (por exemplo, cores), contínua a ser um objeto que facilita todo o indivíduo na sua atividade de aprendizagem ou de atividade de outras naturezas. Partindo destes pressupostos, compreende-se que a concepção raciona- lista da flosofa tradicional procura separar a ontologia (aquilo que existe) da epistemologia (o modo como conhecemos). Conforme Gödel (citado por Searle, 2000) a verdade seria uma questão de correspondência entre os factos. Se uma afrmação como “isto é um marcador” é verdadeira, quando alguma resposta epistemológica como “sim, sabemos que isto é marcador” vem reforçar que tal afrmação de forma correta e assim aceite sua condição de verdade. Portanto, os fatos dependem daquilo que existe, da ontologia. Demonstrabilidade e ve- rifcação dos fatos com claras argumentações são uma questão de descoberta da verdade fundamentada na base da explicação epistemológica. Todas as ideias relacionadas com a compreensão de um algo são ba- seadas na linguagem e com ela produz o sentido daquilo que é nomeado ou defnido, pois todas elas (ideias) são fundamentadas pela lógica de relevância e de defnição numa perspectiva pragmática da comunicação (Watson, 1995; Rodrigues, 2005). Por isso que as formas mais elevadas da comunicação hu- mana são possíveis quando a capacidade cognitiva dos comunicantes refete, sobretudo, realidades conceptualizadas (isto é, sobre aquisição do conheci- mento), razão pela qual certas ideias podem ser transmitidas ou comunicadas quando os receptores estão preparados para entrarem na dimensão globalizante da sociedade de informação. Dan Sperber e Deirdre Wilson, ainda por sua vez, fundamentam a sua ideia com a formulação de Ferdinand Saussure e do psicólogo Lev Vygotsky, nomeadamente no que diz respeito ao sistema de códigos e ideias de linguagem. Entretanto, Sperber &Wilson (1995, p. 7) sublinham que Te recent history of semiotics has been one of simultaneous institutional success and intellectual bankruptcy. On the one hand, there are now departments, institutes, associations, congresses and journals of semiotics. Semiotics has failed to live up to its promises; indeed, its foundations have been severely undermined.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 163 Vicente Paulino

Sperber e Wilson referem ainda que a estruturação da linguagem apli- cada pelos linguísticos Roman Jacobson em sua obra Linguistics and poetics (1960) e Noam Chomsky em Syntactic Structures (1980 [1957]), que falam sobre nova dinâmica de concorrência da linguagem na construção sui generis como fundamento do sistema do código, pelo que Ferdinand Saussure explicita de seguinte forma: By studying, customs, etc. as signs, I believe that we shall throw new light on the facts and point up the need for including them in a science of semiology and explaining them by laws. (citado em Sperber & Wilson, 1995, p. 8). Enquanto isso, Sperber & Wilson criticavam o “modelo do código” aplicado à comunicação e Paul Grice (1989), por sua vez, criticava o “modelo inferencial” da linguagem aplicado no momento em que se realiza um agir- comunicacional. No modelo inferencial, Grice fala também de uma “evidência humana” que se transforma em premissas comunicativas, a qual essas pre- missas têm a sua fnalidade comum de que ele defne como uma “conclusão evidencial”. O problema deste modelo é não explicar o sentido do signifcado com base no que uma pessoa quer dizer, mas também não pode ser um modo comunicativo. Por isso que Grice (1989) refere ao sentido do signifcado, como algo que queria-dizer mesmo um “sentido”. Para ele, signifcado é ‘querer-dizer’, querer dizer alguma coisa, essa coisa é uma distinção primária. Em virtude disso pode-se dizer que as coisas, por si só, não têm sentido, pois elas ganham signifcado quando relacionadas com outras coisas. Da mesma forma como não conseguimos pensar em algo fora do espaço e do tempo, “também não podemos pensar em nenhum objeto fora da possibilidade de sua ligação com outros (Wittgenstein, 2002 - 2.0121, p. 30). Por isso que só com as palavras podemos nomear, identifcar e defnir as coisas. Elas só adquirem signifcado quando inseridas em uma frase, para saber se são verdadeiras ou falsas. Dizer, por exemplo, “cadeira” é algo que carece de complemento para se tornar uma unidade signifcativa. É somente quando alguém apresenta uma frase como “a cadeira está na cozinha”, de fato há uma conexão, mas essa proposição pode signifcar algo verdadeiro ou falso. Trata-se de uma probabilidade, e não de uma certeza de que “a cadeira está na cozinha”, porque a “cozinha” na sua

164 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal... maioria é equipada com os acessórios da cozinha, muito menos a “cadeira”. Sendo assim, não pode recusar a possibilidade de que há “cadeira na cozinha”, embora necessita alguma prova de que alguém possa dizer “em algumas casas há cadeira na cozinha”. Desta forma, a análise da linguagem é, do ponto de vista linguístico, uma forma representada de todas as referências materiais. Evidentemente, no caso de estruturação da matéria linguística comunicacional ou flosófca comuni- cacional. Realça-se que a linguagem representa fonética, e fonética representa os vários códigos da linguagem, do qual no centro dos códigos há a variável de que os linguísticos chamam ‘sintaxe’, que permite-nos criar a semântica da linguagem. Por exemplo, “o quadro nas salas de aula tem preto e branco”, ou “o livro do João é verde e branco”. A pergunta é a seguinte: “o quadro nas salas de aula”, ou “o livro do João” tem seu contexto ou não? Se tem o seu contexto, qual o seu sentido? Claro que tem seu contexto, pois o enunciado em si mesmo está a dizer tudo aquilo que pretende “o quadro nas salas de aula”, ou “o livro do João”, isto quer dizer que não explica apenas o sentido do próprio “quadro nas salas de aula” ou “o livro do João”, mas explica também as cores do “quadro” e do “livro”. Estes exemplos são, em si mesmos, úteis para compreender os fundamentos da teoria e a relevância da comunicação.

comunicAção

O carácter científco da linguística fundamenta-se em dois princípios básicos: o empirismo e a objetividade. A linguística é empírica porque traba- lha com dados verifcáveis por meio da observação; é objetiva porque examina a língua de forma independente, livre de preconceitos sociais ou culturais associados a uma visão leiga da linguagem. Os diversos desdobramentos que o funcionalismo apresenta na atualidade concordam com o fato de que a língua é, antes de tudo, instrumento de interação social, usado para estabe- lecer relações comunicativas entre os usuários. Nesse aspecto, aproximam-se do ponto de vista sociolinguístico ao incluir o comportamento linguístico

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 165 Vicente Paulino

na noção mais ampla de interação social (Saussure, 2001; Chomsky, 1999). Língua/linguagem na sua natureza normativa de produtividade refete- se a um falante que é capaz de produzir um número infnito de frases (bem formadas de acordo com as regras sintaticas e com o signifcado), por exemplo.2: “O homem mordeu o cão”. “O homem mordeu o cão que mordeu o gato”. “O homem que gosta de gelado de baunilha mordeu o cão que mordeu o gato”. “Ninguém acredita que o homem que gosta de gelado de baunilha mordeu o cão que mordeu o gato na casa de massagens”. Na perspectiva de sistematicidade, os elementos das frases podem ser reaproveitados em outras frases, de acordo com as regras sintáticas, ou seja, se um falante compreende a frase: “O João ama a Maria” (João hadomi Maria) Também é capaz de compreender a frase “A Maria ama o João” (Maria hadomi João), ou pode ser “Maria é amada por João” (Maria hetan domin husi João). Com os exemplos dados, podemos perguntar a nós mesmos: como podemos explicar a produtividade e a sistematicidade? A proposta mais viável é através da composicionalidade sintática e composicionalidade semântica, onde se combina a estrutura de uma frase pelos seus constituintes (compo- sicionalidade sintática) e pelos signifcados dos seus constituintes (composi- cionalidade semântica), como exemplo a seguir.

2 Todos os exemplos relacionados com a natureza normativa de produtividade e de sistematicidade aqui apresentados são buscados no dossiê de disciplina “Filosofa da Comunicação” do Professor Luís Baptista que frequentei em 2007 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Além disso, pela pesquisa bibliográfca encontra-se estes exemplos neste site http://iflnova.pt/fle/uploads/ d8f1bfae7bf1095c40b2df4a252a04cb.pdf (acesso e,m 12/4/2016).

166 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

Figura 1 - Estrutura sintática da frase “O Pedro partiu para Paris às dez horas” (Faria, et al. 1996).

F: Frase N: Nome (“substantivo”) SN: Sintagma Nominal V: Verbo SV: Sintagma Verbal SPREP: Sintagma preposicional DET: Determinante PREP: Preposição

Tais exemplos são simplifcados pelas regras sintáticas da seguinte forma: F → SN SV (toda frase é composta por um sintagma nominal e um sintagma verbal) SN → (DET) (SADJ) N (SADJ) (um sintagma nominal é composto por um nome, que pode ser opcio- nalmente precedido por um determinante e um sintagma adjetival, e opcio- nalmente precedido de um sintagma adjetival). SPREP → PREP SN (um sintagma preposicional é composto por uma preposição e um sintagma nominal). SV → V (SN) (SPREP) (um sintagma verbal é composto por um verbo, opcionalmente seguido de um sintagma nominal, que pode ser opcionalmente seguido de um sintagma

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 167 Vicente Paulino

preposicional) (Faria, et al. 1996). Não é de estranhar que as frases, ou os enunciados podem ser constituí- dos a partir das “regras de reescrita” (Penco, 2004), de certeza que vão formar o conjunto das frases nucleares da língua em que tais frases ou enunciados são escritos. A partir do conjunto de frases que, portanto, é possível derivar regras de transformação, desde de vários tipos de frases simples até complexas (interrogativas, passivas, relativas, frases compostas, etc.). Por exemplo, ao dizer “uma menina come a maçã” é um enunciado simples e a sua estrutura sintática pode ser apresentada/reescrita da seguinte maneira:

Figura 2 - Estrutura sintática da frase “Uma menina come a maçã”

É uma árvore semântica que apresenta a estrutura sintática do enuncia- do “uma menina come a maça” e em termos de aplicação pode ser reescrita seguindo algumas séries de regras que correspondem a uma parentetização: F[GN[Art[uma]N[menina]]GV[V[come]GN[Art[a]N[maçã]]]] A este enunciado reescrito pode-se aplicar a regra de transformação do passivo, ou a fórmula do passivo, substituindo o dizer “uma menina” por X e “a maçã” por Y. A transformação desta pode ser compreendida, quando dois segmentos linguísticos são intercalados por um verbo transitivo ativo e podem ser invertidos, isto é, substituindo a forma verbal no ativo por uma forma verbal no passivo com o uso da preposição “por”. Assim, a transformação resultante desta forma: “a maçã é comida pela menina” (ver Penco, 2004).

168 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

Certo que os exemplos dados “o Pedro partiu para Paris às dez horas” e “uma menina come a maça” são – na natureza do signo linguístico de Saussure – construções do discurso persuasivo em dupla face: o signifcante e o signif- cado. O signifcante é o aspeto concreto do signo, é a sua realidade material, ou imagem acústica de uma dada realidade. O que constitui o signifcante é o conjunto sonoro, fónico, que torna o signo audível ou legível. O signifca- do é o aspeto imaterial, conceitual do signo que nos remete a determinada representação mental evocada pelo signifcante. Por exemplo, o que acontece com a palavra cabeça.

Figura 3 – Palavra cabeça

Nesta presente exposição ocorre-se o mútuo conjuntivo de relaciona- mento entre o signifcante e o signifcado que são aspetos constitutivos de uma mesma unidade quando se diz “cabeça do homem” e se dizemos “pensar com a cabeça”, signifca que a palavra cabeça em si possui uma signifcação diferente. Contudo, os objetos são identifcados por nomes e tais identifcações se relacionam através do sentido, como se pode constar no esquema a seguir.

Figura 4

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 169 Vicente Paulino

Assim sendo, podemos constatar que para assegurar o seu relaciona- mento é necessário compor os aspetos compositivos básicos das palavras no seu carácter simbólico, pois as palavras estão sempre conectadas em lugar das coisas e não nas coisas (Citelli, 1986). Trata-se de uma composição básica das palavras, que pela sua natureza de construção dos sentidos, refete a uma prá- tica da leitura semiológica que noutros domínios apresentam a confguração da linguagem em sistema semiótico com a consonância de rotação dos signos de coisas nomeadas (Benveniste, 1992). Podemos encarar aqui a língua como “sócio-semiótica-linguística” que fornece as diferentes classes da estrutura lin- guística com a classifcação de signifcados convencionais para formar aquilo que Paulino & Santos (2014, p. 26) chamam zoológica linguística ou zoopedia linguística na fala e na escrita. Como adverte Roger Fowler: O uso da língua é uma actividade essencialmente pessoal e, na verdade, a maior parte dos manuais de linguística apresentam a interação verbal em termos diálogo entre indivíduo, por exemplo, entre o falante A e o falante B ou o Martinho e a Martinha. De igual modo, o conhecimento linguístico é encarado como propriedade de um indivíduo, por exemplo, o “falante-ouvinte ideal” de Chomsky. É portanto, apesar das pessoas se conhecem e utilizam a língua, muitas vezes, têm muito pouca liberdade para inventar ou alterar sentidos linguísticos (sentidos semânticos, sentidos fonéticos e fonológicos) de um dado discurso estabelecido no campo linguístico. (Fowler, 1994, p. 47). A zoológica linguística ou zoopedia linguística é valorizada e legitima- da à medida que as crianças crescem, estas vão tomando contato com uma língua ofcial de signifcados legitimados através dos jornais, de flmes, da televisão e dos meios de comunicação que são geridos por grandes empresas comerciais e estatais (Paulino & Santos, 2014, p. 26). É portanto, apesar de variedade sucessiva do aparato técnico na confguração do uso de língua em atividade essencialmente pessoal, no campo linguístico, verifca-se que na variação dá-se a passagem de um modelo de regras para o modelo de princípios e parâmetros.

170 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal... linguAgem como rede de práticAS dA comunicAção e dA produção de SentidoS

Na flosofa da linguagem encontra-se a resposta sobre a consideração dada a linguagem como rede de práticas da comunicação e da produção de sentidos, porque a flosofa da linguagem é conhecida como um campo de pes- quisa da flosofa, da linguística e da comunicação, porque não é propriamente um campo que somente estuda ou analisa a inter-relação entre pensamento e linguagem, mas se evidencia o papel constitutivo da linguagem, da palavra e da fala às diferentes formas de discurso, à cognição e às estruturas da cons- ciência e do conhecimento (Flahault, 1979; Bakhtin, 2006; Martinet, 1978). No pensamento clássico da flosofa encontra-se a tematização da pro- blemática da linguagem em dois ângulos de visão: a) a explicação da gênesis da linguagem, em que foram apresentadas duas concepções alternativas – o surgimento da linguagem pela natureza (concepção desenvolvida inicialmente pelos sofstas e pelos estoicos e, posteriormente, no Iluminismo) e por con- venção (Platão, Aristóteles, J.J. Rousseau); b) a inter-relação entre linguagem e pensamento, que apesar da grande variedade de concepções dedicadas a esse conjunto de problemas, há uma visão comum que considera a língua como uma espécie de material útil para expressar uma ideia ou um pensamento, aliás, é tratada como instrumento da construção do ato da fala e de sentidos produzidos no momento em que ocorre a conversa entre os falantes. E assim a língua pode ser defnida como um objeto-ideal para produzir signifcados idênticos na realização do ato da fala. Na percepção de John Locke (1999), a mente humana não é propria- mente uma tábula rasa na qual os eventos externos registram sua própria história, porque e pelo fato, a mente humana está equipada com o ferramental necessário para compreender a determinada realidade. O homem adquire esse ferramental com a sua capacidade de pensar e de agir, e isso se estabelece ao longo de sua evolução desde criança até ao seu estado de velhice. Signifca que a estrutura lógica de sua mente se prevalece desde que ele começa a pensar em algo e procura realizá-lo de imediato, e claro que se baseia também nas experiências dos outros. O homem não é, segundo Ludwig von Mises (2010),

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 171 Vicente Paulino

apenas um animal totalmente sujeito aos estímulos inevitáveis que determinam as circunstâncias de sua vida. É também um ser agente. E a categorização de sua ação é racionalmente antecedente a qualquer ato concreto, no momento em que se realiza o ato da fala, isto é, o agir-pensar é fundamentalmente co- locado no primeiro plano antes de realizar o ato da fala ou agir-comunicativo. A intencionalidade da consciência de viver socialmente está na capa- cidade, na competência, na habilidade e no hábito de como fazer um algo (Searle, 2001). Todos os estados mentais do homem estão na sua capacidade de pensar e esse pensar só funciona dentro de uma rede de linguagem que dá suporte a funcionalidade das práticas da comunicação e da produção de sentidos. Por exemplo, há uma festa popular na cidade vizinha, e se deseja ir até lá, então apanha um táxi; signifca que escolhe alguma intencionalidade dentro de outras possibilidades para chegar até lá. Mas mantendo o táxi como um transporte de preferência que pode levar até a festa, signifca que existe uma festa e se faz necessário explicar ao motorista o caminho e que a festa está na cidade vizinha. Trata-se de uma intencionalidade comunicativa que prevalece desde a saída de casa até ao local da festa, o táxi e o motorista são a rede de intencionalidade no ato de realizar um algo.

jogoS dA linguAgem nA comunicAção e nA produção de SentidoS

Quando Ludwig Wittgenstein inicia a sua abordagem sobre Investigações Filosófcas com o pensamento de Santo Agostinho destacado em Confssões (I.8) Quando eles (os meus pais) diziam o nome de um objecto e, em seguida, se moviam na sua direcção, eu observava-os e compreendia que o objecto era designado pelo som que eles faziam, quando o queriam mostrar ostensivamente. A sua intenção era revelada pelos movimentos do corpo, como se estes fossem a linguagem natural de todos os povos: a expressão facial, o olhar, os movimentos das outras partes do corpo e o tom de voz, que exprime o estado de espírito ao desejar, ter, rejeitar ou evitar uma coisa qualquer. Assim, ao ouvir palavras repetidamente empregues nos seus devidos lugares em diversas frases, acabei por compreender que objectos é que estas palavras designavam. E depois de ter habituado a minha

172 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

boca a articular estes sons, usava-os para exprimir os meus próprios desejos” (Santo Agostinho, Confssões; citado em Wittgenstein, 2002, p. 171-172). Nestes enunciados agostinianos encontram-se uma certa particularidade da essência da linguagem humana, nomeadamente no que diz respeito as pala- vras que designam objetos como um algo a signifcar ou um algo signifcado. Ou seja, pode dizer-se que cada palavra exprime uma ideia que indica um signifcado, ou tem uma denotação. Portanto, o objeto defnido com o nome que a palavra representa carrega em si um signifcado. Ludwig Wittgenstein apresenta a visão geral da linguagem “agostiniana” supracitada com as seguintes considerações (Glock, 1998, p. 370): a) cada palavra tem “um signifcado”; por exemplo, acender (palavra) que signifca iluminar ou colocar fogo, simplifca-se assim “a luz da sala está acesa”; b) todas as palavras são nomes, isto é, são sucedâneos de objetos; por exemplo: o quadro, a pintura, a caneta; c) o signifcado de uma palavra é um objeto do qual ela está represen- tada; por exemplo, brincar, nadar, comer (palavras) que signifcam “divertir-se – vamos divertir hoje na praia, divertir-se é uma palavra que exprime a alegria de uma pessoa”, “banhar-se", “alimentar-se" – vamos nos alimentar com os peixes do mar; d) a conexão entre palavras (nomes) e os seus signifcados (referentes) é estabelecida por defnição ostensiva, o que estabelece uma associação mental entre palavra e objeto; por exemplo, livro (palavra) e João (nome), verde e bran- co (signifcados) – “o livro do João é verde e branco” (frase), isto é, o objeto (“livro”) se conecta a uma pessoa (João), e este por regra constitutiva tem o livro na sua pose e de preferência “verde e branco”; outro exemplo, ao dizer “a professora Irta tem um marcador para escrever no quadro” – a professora é “uma pessoa” e tem na sua posse “um marcador”, e este tem o signifcado do uso porque representa função de “escrever”; e) frases são combinações de nomes; por exemplo, loja, João, pão (pala- vras ou nomes) – simplifcando em frase “João vai a loja para comprar o pão”; f) a única função da linguagem é representar a realidade: as palavras referem, as frases descrevem; por exemplo: Casa (palavra) – a casa de Matilde é branca (frase);

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 173 Vicente Paulino

g) a criança pode estabelecer a associação entre palavra e objeto apenas através do pensamento, o que quer dizer que ela deve já possuir uma linguagem privada, para poder aprender a linguagem pública.

Sendo assim, o pensamento flosófco de Ludwig Wittgenstein referente às ideias de “denotação”, “nome”, “representação” não remetem à “essência” da linguagem, porque de fato estão ligadas a determinados jogos de linguagem. Existe, porém, um número indefnido de possíveis jogos de linguagem. É por isso que jogos de linguagem são defnidos como complexas redes de práticas “imperadas” por regras (que não têm de ser explicitamente formuladas), e devido a tal fato, John Searle averigua a natureza das regras linguísticas com a base de distinção feita por John Rawls (1955, p. 3-32; 1993, p. 57) sobre regras constitutivas e regras normativas, entretanto, segundo Adriano Duarte Rodrigues (2005, p. 123): Enquanto as regras normativas se aplicam a uma actividade preexistente, determinado a maneira como deve ser desempenhada, as regras constitutivas fundamentam a própria existencia da actividade. As regras de futebol são constitutivas e podem ser enunciadas do seguinte modo: “ao fazer X, está- se realizar o acto Y”, ao passo que as regras da etiqueta, por exemplo, são normativas e podem ser enunciadas com o imperativo: “faça X”. Portanto as regras essenciais que regem os atos de linguagem são, para John Searle e explicitadas por Rodrigues (2005, p. 123), regras constitutivas, que podem ser formuladas do seguinte modo: “ao dizer X, está-se a fazer Y”, “ao dizer: prometo estar aí quando chegares”, e portanto aqui, o locutor está a prometer. É necessário perceber que há uma distinção das regras constitu- tivas e regras normativas no jogo da linguagem, averiguada por Searle que tem correspondência com a teoria dos jogos de estratégia de Jaako Hintikka, que estabelece regras defnidoras e regras estratégicas inspiradas no jogo. Isto é, defnir as regras de um jogo e suas regras estratégicas para ganhar o jogo. Portanto, a distinção das regras constitutivas (regras defnidoras) e das regras normativas (regras estratégicas) encontram-se claramente em jogos, particu- larmente no jogo de xadrez (Rodrigues, 2005, p. 123).

174 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

O “signifcado” de uma palavra, expressão ou frase é determinado pelo modo como é usada num jogo de linguagem, ou pelo papel que desempenha. De forma análoga, aprende-se jogar xadrez, não associando cada peça a um objeto, mas aprendendo como as peças podem mover-se no contexto das regras do jogo. Assim, o signifcado de um algo determinado por uma palavra ou frase tem apresentado vários sentidos, porque pode representar simultaneamente o ato de pensamento e de linguagem de onde decorre o ato comunicativo. Por isso que na natureza semântica e pragmática, o funcionamento e a estrutura da linguagem na comunicação e na produção de sentidos são fundamentalmente inter-relacionados. Não há uma defnição rigorosa de “jogo de linguagem”. O que há, en- tretanto, são apenas exemplos. A palavra “jogo” não pode ser objeto de uma defnição em termos de condições necessárias e sufcientes que especifcam o que é comum a todos os jogos, mas só pode ser compreendida através da observação de vários jogos e das suas “semelhanças de família”. O mesmo seria o caso com a noção de “linguagem”. Mas será mesmo assim? É possível fazer uma defnição clara sobre o “jogo”, possível sim, mas apenas uma parte de sua existência na linguagem, pois o “jogo” é tratado como uma atividade imperada por regras, com objetivos fxos, que são de pequena ou nenhuma importância para os participantes fora do seu contexto (cf. Hans-Joann Glock, A Wittgenstein Dictionary, 1998). Aliás, segundo Ludwig Wittgenstein (2002, p. 189, 192 e 197): A expressão jogo de linguagem deve aqui realçar o facto de que falar uma língua é uma parte de uma actividade ou de uma forma de vida (§ 23). Dar ordens, fazer perguntas, narrar, conversar, pertencem tanto à nossa história natural como andar, comer, beber, brincar (§ 25). Com sentido, só pergunta pelo nome de uma coisa quem já sabe o que vai fazer com ela (§ 31). É possível fazer uma replicação de perguntas pelo nome para compre- ender a sua resposta, por exemplo: onde está agora o João? Pode “estar em casa”, “estar a andar na rua”, “estar no local do trabalho”, mas se a pergunta é: “o João já saiu do local do trabalho às 10h? De certeza que “o João já saiu”, e para onde foi? Claro para casa, portanto, o João já saiu e foi para casa. Mesmo que com estes exemplos possivelmente produzem uma defnição tão precisa, porém,

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 175 Vicente Paulino

não é necessário para compreender sobre a forma como funcionam os jogos da linguagem na produção de sentidos no ato do agir comunicativo. Por isso que segundo Ludwig Wittgenstein (2002 - § 18, p. 183). A nossa linguagem pode ser vista como uma cidade antiga: um labirinto de travessas e largos, casas antigas e modernas e casas com reconstruções de diversas épocas; tudo isto rodeado de uma multiplicidade de novos bairros periféricos com ruas regulares e as casas todas uniformizadas. Ser for assim, a linguagem é pela sua classifcação natural como órgão mental e rede de práticas da comunicação e da produção de sentidos, cor- responder a um nome que está a ser identifcado por palavra e apresenta um sentido. Isto quer dizer que “o sentido de uma palavra é o seu uso na lingua- gem” (Wittgenstein, 2002 - § 43, p. 207) e toda a regra de aplicação é postada sempre a meio caminho em busca da verdade, porque “o sinal postado a meio do caminho funciona quando, em circunstâncias normais, preenche a sua fnalidade” (Wittgenstein, 2002 - § 87, p. 245).

diZer É FAZer numA compreenSão dA linguAgem

É difícil compreender o sentido de “dizer é fazer” na linguagem enun- ciativa de John Austin, porque na realidade ninguém consegue aplicar o ato do “dizer é fazer” com a vontade de fazê-lo. Se colocar o ato de “dizer” no entendimento de “não é fazer”, certeza que toda a gente sabe e considera como apenas uma ideia de senso comum. O ato de “dizer não é fazer” exprime uma realidade que não justifca a sua própria ação, por exemplo, L1: quero que vocês coloquem todos estes materiais do colóquio na pasta; L2: não se preocupa, nós vamos fazer já direitinho; L1: Já está pronto; L2: Desculpem-nos que ainda não fzemos. Compreende-se que nesta conversa há uma falha na realização do ato “dizer é fazer”, porque “eles falam, falam, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada”, logo, os comprometidos estão no “dizer não é fazer”, isto signifca que

176 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal... alguém que fala muito, ou disse que sabe e pode fazer tudo, não é confável pelo fato de não fazer aquilo que pretende fazer. Para John Austin (1970) e John Searle (1969), falar (dizer algo) é um tipo de ação, por isso, entendiam a linguagem como uma forma de ação, pois “todo dizer é um fazer”. Deste modo, John Searle adverte que não existe uma linha divisória nítida entre a flosofa da linguagem e a linguística, mas a flosofa da linguagem lida com fatos empíricos, e geralmente associa-se ao “signifcado” e à “signifcância” das coisas, subjacente ao agir-comunicacional. Fazer crítica a uma ideia de que um discurso (seja oral, ou escrita) consiste essencialmente em relatar/constatar/descrever o que é verdadeiro ou falso (privilégio das afrmações, nomeadamente no que diz respeito à “falácia descritiva”), dependendo do “critério de sentido” impulsionado ou determi- nado pelo sentido da palavra (Austin, 1970). Imagina que numa cerimónia de casamento: L1: António aceita Antónia como sua mulher? L2: Sim, eu aceito! L1: Antónia aceita António como seu marido? L3: Sim, eu aceito! L1: Eu vos declaro marido e mulher. Aqui há uma regra que fundamenta a comunicação ritual, ou na per- cepção de Erving Gofman (2011) como um “ritual de interação face a face” em torno da realização de uma “união do facto”, pela qual tudo se processa no sentido de “faz-se acontecer” com palavra anunciada, isto é, afrmar algo a signifcar ou algo signifcado para “aquele ato realizado”. Assim, o ato do dizer “eu vos declaro marido e mulher”, automaticamente entra em ação o “fazer-acontecer”, porque a tal enunciação é fundamentada a partir de uma aceitação voluntária no dizer “sim, aceito” por parte daqueles que celebram o matrimónio. Portanto o que se constata aqui é uma aprovação espontânea e testemunhada por várias entidades que valida a verdade do ato. Há também enunciados que têm sentido mas que não descrevem um estado de coisas exterior a eles. Sendo assim produzem efeitos imediatos sobre um determinado estado de coisas, no momento em que o próprio ato proferido obedeça a certas regras convencionais e seja feita nas circunstâncias apropria-

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 177 Vicente Paulino

das. Deste modo, o “dizer é fazer” encontra-se na ação imediata e concreta, pois o poder de enunciação faz validar o compromisso do “dizer”, baseado no princípio colaborativo. Assim, o “dizer é fazer” como uma condição para confrmar aquilo que é declarado ou prometido por alguém. Exemplos: 1. Eu vos declaro marido e mulher; 2. Prometo ser fel até a morte; 3. Peço desculpa; 4. Eu batizo este navio Berlin-Nakroman. Nestes exemplos, não se está a descrever ou relatar que se está a celebrar um casamento, a fazer uma promessa ou a pedir desculpas; mas está-se efeti- vamente a mostrar uma consciência de fazer um algo que pode ter um efeito de imediato, no momento em que se pronuncia o enunciado “dizer é fazer”. De um modo geral, nos casos apresentados, percebe-se que o mais pertinente não é saber se aquilo que dizem é verdadeiro ou falso, mas saber se foram proferidos pelas pessoas e nas circunstâncias adequadas e se pro- duzem o efeito pretendido pelo locutor (Rodrigues, 2005, p. 111). Portanto aqui a categoria performativa dos enunciados se fundamenta ou se realiza nos casos de pedidos, promessas, doações, contratos, nomeações, apostas. Em virtude das enunciações performativas, John Austin (1962, p. 5; 1970, p. 40) adverte que: Todas estas enunciações apresentarão, como por acaso, verbos comuns, na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, voz activa. É que podemos encontrar enunciações que satisfazem estas condições e que, no entanto,

Não “descrevem, não relatam, não constatam absolutamente nada, não são “verdadeiros nem falsas”, e são tais que

A enunciação da frase é a execução de uma ação (ou uma parte desta execução) que não poderíamos, repitamo-lo, descrever muito simplesmente como sendo o acto de dizer qualquer coisa. (apud Rodrigues, 2005, p. 112).

Entretanto ainda nos casos como “eu vos declaro marido e mulher”, “prometo ser fel até a morte”, “peço desculpa” e “eu batizo este navio Berlin-

178 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

Nakroman”, claro que estes enunciados estão na base da distinção de John Austin (1970) entre “enunciados constatativos” (que constatam um determi- nado estado de coisas, podem ser verdadeiros ou falsos, porque fazer pro- messa ou pedir desculpe não é um ato defnitivo, mas um ato que se repete mediante, talvez, do mesmo caso) e “enunciados performativos” (que podem produzir um determinado estado de coisas e não são nem verdadeiros nem falsos, mas efetivos ou não efetivos – o que importa é dizer um algo, como no caso “eu vos declaro marido e mulher” que pode ser uma autorização ou nomeação do ato de “união do fato”, mas não garante que seja efetivo, porque no meio do caminho aquele que se compromete, pode quebrar tal compromisso do “dizer é fazer”. Assim, o desenvolvimento das ideias de John Austin (1962, 1970) vai no sentido de considerar também os enunciados constatativos como atos – que, tal como os performativos, também têm de obedecer a certas condições para serem bem-sucedidos (p.ex., pressuposição e implicação). Assim, também aqui, dizer é fazer. E tanto os performativos como os constatativos podem “falhar” caso as suas enunciações sofram diversos tipos de “infelicidades” do ato enunciativo (Austin, 1962, p. 25) e para que um enunciado performativo seja bem-sucedido é preciso que ele cumpra as seguintes condições defendidas por John Austin (1962, pp. 14-15; 1970, p. 49): (A.1) deve existir um procedimento, reconhecido por convenção, dotado por convenção de um determinado efeito, e compreendendo o enunciado de determinadas palavras por determinadas pessoas em certas circunstâncias. Além disso,

(A.2) é preciso que, em cada caso, as pessoas e as circunstâncias particulares sejam as que convêm para que se possa invocar o procedimento em questão.

(B.1) O procedimento deve ser eecutado por todos os participantes, ao mesmo tempo, correctamente e

(B.2) integralmente. (Rodrigues, 2005, p. 112). É portanto “aquilo que confere sucesso ou efcácia de um enunciado performativo é o facto de haver uma convenção aceite, de maneira explícita

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 179 Vicente Paulino

ou implícita, pelos interlocutores, segundo a qual proferir esses enunciados equivale a realizar a ação que eles dizem” (Rodrigues, 2005, p. 113). Como se pode observar no exemplo a seguir:

L1: António aceita Antónia como sua mulher? L2: Sim, aceito! L1: Antónia aceita António como seu marido? L3: Sim, aceito! L1: Eu vos declaro marido e mulher.

Ora bem, aqui há uma generalização da hipótese de afrmação mais abrangente ao conceito dos atos de fala (speech acts), e devido a isso, John Austin defende que toda enunciação é um ato de fala que, por sua vez, consiste em três actos: a) Ato locutório: o que se diz (locução) – é de certeza que se liga ao “sen- tido de dizer uma coisa é para fazê-la”, por exemplo, dizer algo como “isto é uma cadeira”, e fazer algo como “vamos comer alguma coisa”, simplifcando-se o dizer algo e fazer algo em “vamos sentar na cadeira e comer alguma coisa”. Portanto aqui entende-se que o primeiro “dizer algo” é simplesmente dizer, pois não faz nada, enquanto o segundo “fazer algo” é uma ação associada a pensar em uma coisa que chega a ser examinada por o dizer algo em conso- nância com o “fazer algo”. Isto é, concretização de um algo com apenas de um dizer-fazer. E assim “dizer algo é precisamente e de maneira necessária fazer algo” (Austin, 1962; 1970, p. 107 ), todos os sentidos do dizer estão reunidos na plena acepção do ato de fala, e todo o acto de fala consiste em três atos de “dizer algo” (Austin, 1962; 1970, p. 108): a) ato fonético: produção de uma sequência de fonemas, e a enunciação é uma fonação (phone); b) ato fático: produção de uma sequência de vocábulos estruturados sintaticamente; c) ato rético: produção de palavras e frases com signifcação (“sentido” e “referência”) (Rodrigues, 2005, p. 117). b) Acto ilocutório: o que se faz no dizer, de uma forma convencional e de acordo com regras sob a designação de constatativos como aqueles a que dá o nome de performativos. Assim, o ato ilocutório é para John Austin (1970,

180 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal... p. 113 – citado por Rodrigues, 2005, p. 119) como “um acto efectuado ao dizer algo (in saying), por oposição ao acto de dizer algo. E chamarei à teoria das diferentes funções linguísticas que estão aqui em questão de teoria dos ‘valores ilocutórios’”. c) Ato perlocutório: o que se faz através do dizer; efeitos não necessaria- mente convencionais, mas provoca determinados efeitos, tais como sentimen- tos, pensamentos, comportamentos, quer sobre os nossos interlocutores, quer sobre nós próprios. Assim, por exemplo, ao dizer algo como “cuidado com o cão” na ocasião da chegada de um hóspede na nossa casa, que pelo facto o locutor pronuncia este enunciado como um “aviso” que produz o correspon- dente ato ilocutório (Rodrigues, 2005, p. 119). O conceito central nestes três atos da fala está no ato ilocutório, que para John Searle – na sua reformulação e sistematização da teoria dos atos de fala – o ato ilocutório é “a unidade básica da comunicação linguística”, por isso que os atos ilocutórios são convencionais e desempenham a sua função de acordo com as regras constitutivas. Sabendo que na pragmática da comunicação ou na flosofa da lingua- gem, as regras constitutivas têm geralmente a forma “X conta como Y no contexto C”, ou seja, X equivale a Y em C, por exemplo, “esse pedaço de papel, fabricado pela Casa da Moeda, equivale a dinheiro, para todos os fns que a moeda legal se destina” (Carvalho, 2019). Trata-se de um exemplo formado por regras constitutivas, que são constituídas pelas atividades institucionais que regulam. Distinguem-se assim das regras meramente regulativas, que regulam atividades preexistentes, como sublinha William P. Alston (1964) que o signifcado de uma determinada sentença consiste no conjunto de regras regulativas, exigindo aquele que faz o discurso para realizar o ato sobre: a) a execução do ato; b) o que se diz; c) o critério de demarcação entre ilocutório e perlocutório, que está claramente visto no pensamento de Searle, “o conhe- cimento é simplesmente sua compreensão do que foi dito, não é nenhuma resposta ou efeito adicionais (…) o efeito sobre o ouvinte não é nem uma crença nem uma resposta. Consiste simplesmente na compreensão” (Searle, 1969, p. 54). Todavia, John Searle faz uma crítica sobre a distinção que John Austin faz ao ato locutório e ilocutório, especialmente no que diz respeito ao

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 181 Vicente Paulino

ato rético (produção de palavras e frases com signifcação), onde a especif- cação da signifcação das frases já inclui elementos ilocutórios, pela qual se fundamenta nos “atos proposicionais” (os atos de expressar uma proposição) e nos atos ilocutórios propriamente ditos (Rodrigues, 2005). Importante realçar que no ato da comunicação ou da conversa, expressar uma proposição (realizar um ato proposicional) não é necessariamente o mesmo que afrmar uma proposição. Nos exemplos abaixo, as frases expressam a mes- ma proposição (que Matilde vai à escola), mas com diferentes formas de dizer: a) Matilde vai a escola. b) Matilde vai à escola? c) Matilde, vai à escola! Pelo facto, todas estas enunciações realizam o mesmo ato proposicional. Mas apenas a primeira proposição do ato de “dizer é um fazer” expressa, ou tem a força ilocutória de uma afrmação. A “força ilocutória” refere-se aos enuncia- dos produzidos com o mesmo “conteúdo proposicional”, mas têm diferentes forças ilocutórias (Austin, 1990). Exemplo: “Está um lindo dia”, trata-se de um mesmo ato locutório que pode ter a força de uma afrmação, um convite, uma resposta a uma pergunta, uma ameaça, ou um número indefnido de outros atos ilocutórios, dependendo do contexto da enunciação (Rodrigues, 2005). O enunciado “Está um lindo dia” é um exemplo que, em certos casos como uma afrmação assertiva, e possivelmente tornar explícita mediante da força ilocutória (“Eu afrmo que está um lindo dia”). No entanto, num convite para sair, tal não é possível – embora a força ilocutória seja a de um convite, ela não é convencionalmente determinada. Nestes casos, são as intenções dos falantes (e não as convenções ligadas a um ato ilocutório) que desempenham um papel decisivo. É portanto o enunciado “Está um lindo dia” é uma afrmação assertiva que refete, sobretudo, o céu está limpo sem sombras-cinzas das nuvens; mas isso não signifca que “vamos sair para algum lugar”, porque o conteúdo é apenas um convite e não uma intenção para sair. Se for o conteúdo do enunciado “Está um lindo dia, vamos a praia”, é claro que aqui há um convite com a intenção de “vamos a praia”. Deste modo, o mesmo enunciado proferido pode adquirir um valor ilocutório acrescentado em relação ao aquilo que o locutor a profe-

182 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal... re, e “como uma advertência em função das situações da sua enunciação” (Rodrigues, 2005, p. 119).

comunicAção

A teoria de Paul Grice (1982) é muito importante para compreender a lógica conversacional no ato da fala, ou a lógica da expressão e do signifcado (Searle, 1979) nomeadamente no que diz respeito ao “querer-dizer” um algo em termos de intenções. Pois, a principal ideia de Grice é procurar explicar a signifcação de “querer-dizer” em termos de intenções, do “signifcado das frases” ao “signifcado do falante”, embora esse último se associa a noções psicológicas. Como por exemplo ao imaginarmos um “jogo” com os diferentes sentidos do substantivo inglês meaning (“signifcado”) e o verbo to mean (“signifcar”, mas também “querer dizer”), é claro que sabe-se logo a primeira distinção entre o “Signifcado natural” e o “Signifcado não-natural”. Deste modo, para a produção do sentido do enunciado contribuem processos de inferência que os interlocutores são levados a realizar, tanto a nível do signifcado natural como a nível do signifcado não-natural, dependendo do contexto em que o interlocutor apresenta a intenção de procurar saber, por exemplo, “que horas são?”, e pelo que saiba a natureza dessa pergunta é uma possibilidade de o alocutário dizer as horas pedidas (Rodrigues, 2005, p. 147). Se, entretanto, há um entendimento mútuo entre aqueles que entram no ato da fala, provável que o princípio de cooperação conversacional é alcançável sem impedimentos, por exemplo: L1: Que horas são? L2: 14h! Ou L1: Se não se importa dizer-me a que horas são? L2: São 14h! Estas conversas resultam de um princípio de cooperação que contribui para o sucesso da comunicação/interação, é um princípio que contribui para o

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 183 Vicente Paulino

sucesso da conversa, nomeadamente no momento em que ocorre a troca verbal entre os falantes (Grice, 1982, p. 86). Deste modo, a contribuição conversa- cional requerida pelos respectivos falantes na sua conversação/comunicação é para obter a máxima quantidade de informação e se isso sucede com sucesso, signifca que o princípio de cooperação funciona mesmo no momento em que se realiza o ato da fala. Se toda a atividade linguística corresponde à transmissão de determinada quantidade de informação que produz um sentido mais amplo, provável que esta informação apresenta não apenas uma realidade, mas outras realidades associadas. Imagina-se, por exemplo, uma situação em que, encontrando uns amigos de manhã cedo, em vez de lhes dizer “bom dia!” decido dirigir-lhes os versos de La Jeune Parque: Salve! Divindade pela rosa e o sal E os primeiro deleites da jovem luz (obs cit Flahault, 1979, p.29). Do ponto de vista da teoria da informação, segundo François Flahault (1979, p. 29), este tipo de saudação contém mais informações do que o simples “bom dia”. Enquanto do ponto de vista linguístico no agir do dizer, acrescenta o autor que, a saudação corresponde a um ato de linguagem socialmente de- fnido, que não tem como objetivo a transmissão da informação (no sentido vulgar do termo). Portanto aqui percebe-se que, segundo Roman Jakobson (1960), esta situação se realiza sempre dentro da comunicação verbal.

zIt is important to recognize these maxims as unstated assumptions we have in conversations. We assume that people are normally going to provide an appropriate amount of information […]; we assumed that they are telling the truth, being relevant, and trying to be as clear as they can. Because these principles are assumed in normal interaction. Além disso, para que a conversação ou a comunicação fque bem- sucedida é necessário que os falantes não cumprem apenas os princípios normativos do sistema conversacional/comunicacional, mas também se fun- damentam nos princípios de cooperação como ponto de partida da ética da comunicação. Como adverte Paul Grice (1982, p. 91):

184 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

Gostaria de mostrar que a observância do Princípio de Cooperação e das máximas é razoável (racional) da seguinte forma: pode-se esperar que quem quer que se preocupe com os objetivos que são centrais na conversação/comunicação (por exemplo, dar ou receber informações, infuenciar ou ser infuenciado por outros) tenha interesse, dadas as circunstâncias apropriadas, em participar de conversações proveitosas, somente supondo que elas são conduzidas de acordo com o princípio de cooperação e as máximas. Se uma conversa se realiza em torno do “signifcado natural” do dizer um algo é, certeza que tem a sua verdade, mas isso depende a sua correlação factual entre eventos. Por exemplo, “Aquelas pintas vermelhas na pele são um sinal/sintoma de dengue”. É apenas uma expressão que diz respeito a um algo que representa um sinal/sintoma de uma doença, e não especifca quem apanha “aquelas pintas vermelhas”. Se o fato de que “uma pessoa tem aquelas marcas indica que tem dengue” e entre outras características indicativas podem, cer- teza que, ter uma correlação factual entre eventos; isto é, “aquela pessoa tem dengue”, mas pode não ter “dengue”, mas apenas “simples borbulhas na pele”. Assim, não se pode dizer o fato de que “a pessoa tem aquelas pintas vermelhas indica que tem dengue”, mas sim, “a pessoa não tem dengue”. Enquanto no “signifcado não-natural” envolve a intenção do comunica- dor, porque “querer-dizer” um algo que não seja convencional, mas certos gestos podem colocar o “signifcado não-natural” seja convencional. O “signifcado não-natural” é bem visível ou bem-visto na comunicação verbal, por exemplo, ao dizer a frase “Sara está apaixonada pelo Si-Doel”, e “Atun por sua vez quis agradar o seu irmão, sugerindo que Sara tem muito bom aspecto”. Aqui de facto não há uma correlação factual entre eventos, e assim não seja convencional. Se for assim, pode dizer-se em outra forma como por exemplo, “Atun disse que Sara está apaixonada pelo Si-Doel, mas Sara não está apaixonada pelo Si-Doel (quem está é a Zaenab)”. No caso deste há uma correlação factual entre eventos, porque de facto, certos gestos do “Si-Doel” mostram que ele se apaixona pela Zaenab, deste modo, o “signifcado não-natural” é convencional. O “querer-dizer” no âmbito da comunicação produz sempre um signi- fcado a partir do “signifcado do falante” e do “signifcado da frase”, embora existe uma diferença entre:

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 185 Vicente Paulino

(1) F (o falante) quis dizer com x que p. (2) x signifca p.

Por isso que muitas vezes, o signifcado do falante e o signifcado da frase não coincidem, porque numa dada circunstância o falante quer dizer mais do que aquilo que diz (ou algo totalmente diferente). Entretanto, Paul Grice (1989) na sua primeira formulação da análise refete sobretudo o “que- rer-dizer” um algo a partir de uma intenção, ou “querer-dizer” é uma razão para produzir o sentido de um algo apresentado, ou questionado. Se assim, a fórmula é seguinte: para querer-dizer (signifcar) algo com a elocução x, o falante F deve ter a intenção de que: 1. A elocução de x por F produza uma certa resposta r numa audiência A; 2. A audiência A reconheça a intenção (1); 3. O reconhecimento, por A, da intenção (1), constitua ao menos parte da razão de A para produzir a resposta r.

Porém, aqui é pelo fato, Grice refere que há uma diferença de “trans- missão de informação comunicacional”, porém, a intenção comunicativa é auto-referencial ou refexiva que envolve a intenção de ser reconhecida como intencionalmente reconhecida. Se a audiência reconhece a intenção comuni- cativa nos termos 1, 2 e 3, então a comunicação é bem-sucedida, e chama-se de performance communication (Sperber & Wilson, 1995). Para que a comunicação seja bem-sucedida é necessário, portanto, produzir um “conhecimento mútuo”, para dar alguma explicação do “sig- nifcado do falante” em termos de intenções encontra-se alguns problemas. O mesmo se verifca em relação a forma como explicar o “signifcado das frases” em termos do “signifcado dos falantes”. Por isso que Grice não consegue oferecer uma formulação satisfatória desta redução, mas Searle dispõe de uma ontologia de pensamento que consiste inteiramente na mente para fazer um inventário de estados mentais referente à Intencionalidade da comunicação. Dizendo que: Toda Intencionalidade consciente – todo pensamento, percepção, compreensão etc. – só determina condições de satisfação relativamente a um conjunto de capacidades que não

186 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

são e não poderiam ser parte desse mesmo estado consciente. Por si só, o conteúdo efetivo é insufciente para determinar as condições de satisfação (Searle, 1997, p. 270-271). Além disso, há uma componente “estrutural” na signifcação das frases que não se deixa reduzir a termos estritamente psicológicos. Torna-se difícil, assim defender a ideia de que “o que as frases signifcam” é uma função do que “as pessoas querem dizer com elas” na sua comunicação e/ou conversa com outros seus semelhantes. Mesmo que “(…) Algumas de nossas capacidades nos permitem formular e aplicar regras, princípios, crenças etc. em nossas atividades conscientes. Ainda assim, porém, estas precisam de capacidades de Background para sua aplicação” (Searle, 1997, pp. 271-272), ou seja, usando o Background para descobrir a mente na realidade corrente da intenção comunicativa. concluSão

Conclui-se que na flosofa da linguagem ou na pragmática da comu- nicação encontram-se várias fórmulas do dizer um algo para ser realizado, ou dizer é para fazer um algo. John Austin, por exemplo, foi quem primeiro utilizou o termo “atos de discurso” em Quando dizer é fazer (Austin, 1990). Ele usa vários atos para concretizar o dizer ou o falar. Por exemplo, ao dizer a frase “feche a porta”, pode ser proferida como um pedido, como uma or- dem ou simplesmente como uma sugestão. Isto é, proferir a mesma sentença para fazer coisas diferentes. No exemplo utilizado percebe-se que esta ordena alguém para realizar/fazer o ato do dizer “feche a porta”, ou pode sugerir a alguém que “feche a porta” ou pede a alguém que “feche a porta”. Estes atos são realizados ou feitos no âmbito do dizer algo, e Austin considera isso como um ato ilocutório. É necessário saber que o estudo do uso da linguagem sempre diz respeito ao lugar da linguagem num sistema de estruturas que representam aquilo a que se tem chamado “competência pragmática”, assim como estruturas que se relacionam com aspectos factuais ou da crença. É necessário perceber que os seres humanos desenvolvem as suas estruturas intelectuais, de uma maneira mais ou menos uniforme, com base em dados escassos. Porém, aprendem

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 187 Vicente Paulino

qualquer coisa de forma signifcativa relativamente à sua natureza humana que não é senão a natureza do seu estado inicial. Quanto ao desenvolvimento, a linguagem desenvolve-se na criança atra- vés da simples exposição a um ambiente linguístico não organizado, sem treino, ou mesmo sem qualquer cuidado especifcamente linguístico. A linguagem é uma propriedade humana bastante antiga e complexa que se desenvolveu muito tempo depois da separação dos seres humanos dos outros primatas (Clarke, 1995). E fnalmente, as regras da comunicação e/ou da conversação são geradas pela linguagem. Sabe-se que as regras linguísticas determinam o ato da fala, nomeadamente no que diz respeito ao “dizer é fazer” e ao “querer-dizer” um algo com um número ilimitado de frases. Conclui-se, entretanto, as pessoas podem, em princípio, compreender e dizer frases de extensão e complexidade arbitrária (Chomsky, 1984)

reFerênciAS

Alston, William P. (1964). Linguistic acts. In American Philosophical Quarterty, v.1, n. 2, pp. 138-146. Aristóteles. (1963). Categories and de Interpretatione. Translated with Notes by J. L. Ackrill. Oxford: Clarendon. Austin, John Langshaw. (1962). How to do things with words. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press. Austin, John Langshaw. (1970). Quand dire c’iest faire. Paris: Ed du Seuil. Austin, John. (1990). Dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas. Bakhtin, Mikhail. (2006). Marxismo e flosofa da linguagem: problemas fun- damentais do método sociológico da linguagem. São Paulo: Hucitec. Benveniste, Émile. (1992). O homem na linguagem. Trad. Isabel Maria Lucas Pascoal, Lisboa: Veja. Carvalho, Cristiano. (2019). Teoria de decisão tributária. Coimbra: Grupo Almedina.

188 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Linguagem como um sistema formal...

Chomsky, Noam. (1999). O programa minimalista. Trad. Eduardo Paiva Raposo, Lisboa: Editorial Caminho. Chomsky, Noam. (1957 [1980]). Estruturas sintácticas. Lisboa: Edições 70. Chomsky, Noam. (1984). Linguagem. In Enciclopédia Einaudi – linguagem -enunciação. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 11-56. Clarke, Robert. (1995). O nascimento do homem. Trad de Fernando Cascais Franco, Lisboa: Edição Gradiva. Citelli, Adilson. (1986). Linguagem e persuasão. São Paulo: Editora Ática. Faria, Isabel Hub. et al. (1996). Introdução à linguística geral e portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho. Flahault, François. (1979). A fala intermediária. Lisboa: Via Editora. Fowler, Roger. (1994). Crítica Linguística. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Grice, Paul. (1996). Cooperation and implicature. In Yule, George. Pragmatics. New York: Oxford University Press. Glock, Hans-Joann. (1998). Wittgenstein Dicionary. Publisher Wiley-Blackwell Gofman, Erving. (2011). Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Petrópolis: Vozes. Grice, Paul. (1989). Studies in the way of words: Cambridge: Harvard University Press. Grice, Paul. (1982). Lógica e conversação. In DASCAL, Marcelo. (Org.). Fundamentos metodológicos da linguística, vol. IV, Campinas: [s.n.]. Husserl, Edmund. (1965). A Filosofa como ciência de rigor. Coimbra: Atlântida Husserl, Edmund. (1986). A Ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70. Jakobson, Roman. (1960). Linguistics and poetics. In Sebeok, pp. 350-77. Kristeva, Julia. (1974). La révolution du langage poétique. Paris: Seuil. Locke, John. (1999). Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Editora Nova Cultura. Martinet, André. (1978). Elementos de línguística geral. Lisboa: Livraria Sá da Costa.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 189 Vicente Paulino

Mises, Ludwig Von. (2010). Ação humana: um tratado de economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil. Paulino, Vicente & Santos, Miguel Maia dos. (2014). Metodologias e estratégias de Aquisição da leitura aos alunos do Ensino Básico. Díli: Unidade de Produção e Disseminação do Conhecimento/Programa de Pós-graduação da UNTL. Penco, Carlos. (2004). Introduzione alla flosofa del linguaggio. Roma-Bari: Laterza & Figli Spa. Piaget, Jean. (1999). Seis estudos da psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Rawls, John. (1993). Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença. Rawls, John. (1955). Two Concepts of rules. In Te Philosophical Review, vol. 64, nº 1, pp. 3-32. Rodrigues, Adriano Duarte. (2005). A partitura invisível para a abordagem interactiva da linguagem. Lisboa: Edições Colibri. Saussure, Ferdinand. (2001). Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix Searle, John R. (2001). Intencionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Searle, John R. (2000). Mente, linguagem e sociedade. Rio de Janeiro: Rocco. Searle, John R. (1997). A redescoberta da mente. São Paulo: Martins Fontes Searle, John R. (1969). Speech acts. Cambridge University Press. Searle, John R. (1979). Expression and meaning. Cambridge University Press. Shannon, C. E. & Weaver, W. (1949). The mathematical theory of communi- cation. Illinois: University of Illinois Press. Sperber, Dan & Wilson, Deirdre. (1995). Relevance: communication and cog- nition. Oxford Uk & Cambridge USA: Blackwell Publishers. Watson, Richard . (1995). Relevance and defnition. In Journal of Child Language, nº 22, pp. 211-22. Wittgenstein, Ludwig. (2002). Tratado Lógico-Filosófco e Investigações Filosófcas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

190 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020

David J. Butterworth1

Abstract: A key challenge for development aid organizations is to clearly commu- nicate messages about their programs in diverse socio-cultural contexts. Behaviour Change Communication (BCC) activities are designed to attempt a persuasive con- nection with project benefciaries for whom the development message is usually new or otherwise difcult to understand. One strategy to achieve this connection is to leverage an infuential institution whose standing in the community can give development messages authoritative backing. Tis article draws lessons for BCC programs about building the trustworthiness of new messages by examining the communicative actions of the Catholic Church in Timor-Leste in response to the COVID-19 pandemic. Te analysis elaborates Charles S. Peirce’s theory of signs wherein the communication between utterers and interpreters is transacted along a continuum that links objects, signs and interpreters. It is argued that an interpreter’s trust in the sign is negotiated between what Peirce calls the Immediate Interpretant and the Dynamic Interpretant, where an object (such as a BCC activity) is contex- tualized to existing cultural values and mind-sets of the audience. Keywords: Anthropology; Behaviour Change Communication; ritual; semiotics.

comunicAção pArA A mudAnçA de comportAmento e

Resumo: Um dos desafos fundamentais para as organizações de ajuda ao desen- volvimento é a comunicação de mensagens claras sobre os seus programas em di- versos contextos socioculturais. As atividades de Comunicação para a Mudança de Comportamento (CMC) são projetadas para tentar uma conexão persuasiva com os

1 David Butterworth is an anthropologist with a focus on governance, education and ritual & religion in eastern Indonesia and Timor-Leste. He is also a development practitioner specializing in monitoring & evaluation, cultural heritage conservation, and non-formal education. He has a Ph.D. in Anthropology from the University of Melbourne (2008) and is currently Board Secretary for the Timorese NGO Edukasaun ba Moris and M&E Advisor for GIZ’s Partnership for Sustainable Agroforestry.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 191 David J. Butterworth

benefciários do projeto, para os quais a mensagem de desenvolvimento é geralmente nova ou difícil de entender. Uma estratégia para alcançar essa conexão é utilizar uma instituição infuente, cuja posição na comunidade pode dar mais autoridade às mensagens de desenvolvimento. Este artigo reúne lições para os programas de CMC sobre a construção da credibilidade de novas mensagens, examinando as ações comunicativas da Igreja Católica em Timor-Leste em resposta à pandemia do COVID-19. A análise discorre sobre a teoria dos signos de Charles S. Peirce, na qual a comunicação entre enunciadores e intérpretes é realizada ao longo de um continuum que vincula objetos, signos e intérpretes. Argumenta-se que a confança de um intérprete no signo é negociada entre o que Peirce chama de Interpretante Imediato e Interpretante Dinâmico, onde um objeto (como uma atividade de CMC) é contextualizado com os valores culturais existentes e as mentalidades do público. Palavras-chave: Antropologia; Comunicação para a mudança de comportamento; ritual; semiótica.

introduction

A clear communication of messages among large numbers of people requires a commonality among the audience of interpreters and a capacity of the utterer to identify with this commonality. A fundamental problem for development aid organizations is to construct messages about their pro- grams for socio-cultural contexts where the unity of the audience can be difcult to defne. Te ideas, values and practices of benefciary populations who historically have been marginalized from the production of mainstream development aid models can appear opaque, strange or counter-productive to development agents. For example, World Bank Group (2015, p. 18) research has found that “development practitioners are not always good at predicting how poverty shapes mind-sets [of the poor]”. Te problem of cross-cultural (mis)understanding is magnifed when the communication aims not just to broadcast information, but to establish durable beliefs and practices. Development aid programs often seek to change the behaviour of their benefciaries. In some cases the evaluation of program success is tied to this objective rather than to the distribution of material benefts. A sustainable behaviour change requires some change in culture so that the ideas and values

192 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication...

(as well as supporting socio-economic structures) associated with the beha- viour enter into the normal practice of benefciary communities. A water and sanitation project, for instance, might aim to change behaviour from open defecation to the use of toilets. In addition to the provision of toilets (or the training and tools to build toilets), the project must establish the proposi- tional belief among community members that ‘it is good to use a toilet’. In attempting this, the project designs its Behaviour Change Communication (BCC) – whether through trainings, events, literature or broadcast – to afect a persuasive connection with its audience. Strategies such as the translation of materials into local languages, adaptations of images, diagrams and metaphors to refect local characteristics, and sensitivity to local hierarchies, tastes and knowledgebase can contribute to making the messages meaningful. One strategy, also often used by advertisers, is to leverage an agent that has some kind of authority or afnity with the audience to carry the message. Tis may take the form of ‘champions’ or ‘ambassadors’, such as the use of the boxer and politician Manny Pacquiao for the ‘Safe Steps’ campaign, or in the context of Timor-Leste, the singer Marvi as UNICEF’s youth advocate. In community settings, champions may be early adopters or good exemplars of the behaviour sought, such as people designated as ‘lead farmers’ in agricultural programs (see for example Fisher, Holden & Katengeza, 2017). Alternatively, appending development messages to commercial products takes advantage of their household familiarity. Nixon’s (2018) ‘companion product’ method, im- plemented with the Papua New Guinea National AIDS Council, piggybacked on the ubiquity of toothpaste to distribute condoms. Finally, just as messages can be attached to people and products, so can they be attached to organiza- tions. Tat is, the infuential agent may take the form of an institution whose standing in the community gives the message an authoritative backing, such as a religious organization like the Catholic Church. Tis strategy is the topic of the present paper. Te focus on an organization (rather than an individual) draws attention to the array of ideas and practices that are deployed by the organization as trusted values attached to a new behaviour, thus encouraging its uptake. New messages can be inserted into an existing, trusted utterer-in-

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 193 David J. Butterworth

terpreter relationship and thus be imbued with a similar sense of reliability as a settled belief. In approaching this issue, the article outlines the import of Charles S. Peirce’s semiotic, or theory of signs, for BCC. Peirce’s position suggests that communication between utterers and interpreters is transacted along a continuum that links objects, signs and interpreters (or rather, an aspect of interpreters that Peirce calls ‘interpretants’). Te paper discusses how trust in a sign by an interpreter is negotiated between what Peirce calls the Immediate Interpretant and the Dynamic Interpretant, where an object (such as a BCC value) is contextualized to existing cultural values and the mind-sets, or habits of thought, of the audience. Te exposition of a Peircian framework for BCC is informed by an anthropological perspective. From this disciplinary stance, the article aims to draw lessons about behaviour change from the communicational activities of a non-development aid organization that has a deeply established connection with a particular community. Instead of delving directly into a treatment of BCC as it is practiced by development aid groups, it is useful to frst apply and test the framework with the actions of another organization that has existing cultural authority and trust. Te semiotic process engaged by such an orga- nization to cause behavioural changes is an important point of comparison, especially in view of the evaluation of BCC projects that aim for similar levels of infuence. To this end, the article examines a method of communication deployed by the Catholic Church in Timor-Leste which aimed to support a behavioural change in the local community in the context of the COVID-19 pandemic and the consequent national state of emergency. Regulations entailed the closure of churches to large gatherings, and many regular liturgical activities, such as the Eucharist, were thus suspended. In response, churches across the country began to perform and amplify various prayers and messages related to the coronavirus to surrounding communities using loudspeakers. Te intention of this communication entailed a multi-layered public health message. Te Church showed support for government regulations by adapting its own practices to comply with physical distancing guidelines.

194 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication...

By bringing part of the ‘church experience’ to the community it sought to discourage people from breaking regulations to visit churches or by holding their own community prayer groups. By including specifc messages about COVID-19 alongside prayers it sought to educate and provide moral support to listeners. Te Peircian framework explains how these intentions, as objects in the semiotic process, and all as novel responses spurred by the coronavi- rus, could be interpreted with confdence and trust by community members because of their habituated beliefs about the Church.

Tere are numerous theoretical frameworks to guide the various BCC strategies used by development practitioners for planning interventions and designing BCC activities. Each framework posits some explanation for how beliefs and behaviours become fxed as part of culture and also provide va- rious roadmaps to achieve the desired outcomes. Morris, Marzano, Dandy & O’Brien (2012, p. 20) review several frameworks and conclude that they are “diverse and sometimes confictual” but from which some “central cross- cutting insights” can be found for use in behaviour change interventions.2 Foremost among these insights is that individuals and society develop in co- operation with each other, where individuals have agency but are also subject to structural pressures that enforce change. Secondly, the threats or problems that the development intervention seeks to overcome should be manifestly real and meaningful in peoples lived experience for change to be motivated. Te World Bank Group’s 2015 World Development Report distils a similar explanation of the co-production of individual and society. Tey argue

2 Frameworks reviewed by Morris et al., include the ‘Teory of Planned Behaviour’ ‘Teory of Reasoned Action’, ‘Health Belief Model’, ‘Stages of Change (Trans-theoretical Model)’, ‘Social Practice Teory’ and ‘Difusion of Innovation Teory’. Tey also show the multiplicity of frameworks at the level of ‘integrated tools’, where theoretical models are interpreted and simplifed into practical implementation steps, often created for specifc sectors or institutional environments (for example, the ‘MINDSPACE Approach’, the ‘Energy Cultures Framework’ and the ‘4 E’s Model’).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 195 David J. Butterworth

that people think both automatically and deliberatively with ‘mental models’ that are built in relation to external conditions (such as society and the phy- sical environment). Te defnition of the relationship between mental models and societies’ prescriptions for thought and action is, however, fraught. In the World Bank Group’s (2015, p. 62) view mental models are not the same as ‘social norms’ because “mental models, which need not be reinforced by direct social pressure, often capture broad ideas about how the world works and one’s place in it. In contrast, social norms tend to focus on particular behaviours and to be socially enforced”. Yet, the World Bank Group (2015, p. 63) also asserts the importance of social norms in the construction of mental models, writing that since “we are social animals, our mental models often incorporate the taken-for-granted beliefs and routines of the culture in which we were raised”. From these statements it would appear that peoples’ deeply ingrained ideas and behaviours are at once a feature of mental models (‘broad ideas about how the world works’) and social norms (‘beliefs and routines of the culture’). Such categories ofer a dualistic assessment of behaviour wherein the mental models of individuals and norms of society are separate entities, albeit mutually constructed. A question that emerges for BCC practitioners is how does this mutual construction function? How do changes in the domain of mental models impact on that of society, and vice-versa? What is the thread of continuity that breaks down the duality and unifes these domains, and how is it manifested in the lives of project benefciaries? In practical terms, the BCC practitioner must be able to identify the settled mental models and social norms of a given society, isolate the communicative mechanisms that connect and reinforce them, and insert changes (such as new ideas or new mechanisms) that will achieve durable improvements. No easy task. Peirce’s semiotic ofers a path to explain how mental models and so- cial norms – those beliefs and habits of individual and community life that BCC seeks to infuence – emerge in the communicative actions of signs. In its broadest sense Peirce’s semiotic involves an encompassing philosophy of representation, such that all thought, emotion and behaviour grow from and produce signs. By using a Peircian framework BCC practitioners are able to

196 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication... analyse the existing signs of a community (for example, their speech, pictures, and performances) to identify the objects of the signs (things which the sign seeks to represent, and which can be intentional, such as a prescription for a behaviour). From this position the analysis moves to the meaning of signs as they are interpreted. It is at this stage that questions arise concerning correct or mistaken interpretation and the relevance or irrelevance of the sign and object – questions which are key to BCC. Te scope of Peirce’s theory is vast, and only a start can be made in this article to articulate its importance to BCC. It is important to note that Peirce developed his ideas over several decades and made no defnitive statement of his theory. Scholars rely on a smattering of published articles and lectures, and his personal notebooks and letters, to interpret and build upon the Peircian semiotic. Quite diferent interpretations of the semiotic can be made depending on where one chooses to delve into Peirce’s writing. For example, in Peirce’s early formulations he posited that the efect of the sign on a person (via the interpretant) involves an endless series of signs interpreting signs. Short (2007, p. 45) describes how Derrida took up this early formulation to describe thought in terms of the ‘limitlessness of play’, that puts Peirce in a Saussurean theore- tical context where thought proceeds unanchored from an objective ground. Tis was something that Peirce later rejected when he stated a real connection between object and the interpreter based on a full and correct interpretation (the Final Interpretant). Te role of philosophers and semioticians in presenting Peirce’s work to scholars in other disciplines is thus crucial. Te present analysis relies a great deal on the work of Short (2007) and Jappy (2017; 2018), who have elucidated Peirce’s three typologies of sign classes: the early ten-class typology, the middle 28-class typology, and the later 66-class typology. Te transition from the ten-class to the 28-class typology is particularly signifcant for the present discussion because it introduces the concept of the sign as a medium that communicates the ‘form’ of an object to an interpreter. Te semiotic process is constituted by a triad (object, sign and interpretant) through which the object’s form fows. For Peirce, an object is classified into a Dynamic Object and an Immediate Object. Te Dynamic Object is the real object. It exists but is

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 197 David J. Butterworth

not directly accessible to our perception. Our perception of something is always as a sign and our knowledge of a Dynamic Object is always through its efects (this pragmatic principle is for what Peirce is perhaps best known). Te Immediate Object is that part of the Dynamic Object that is represented in the sign, and it is here that we can begin to detect the communication of the object’s form from Dynamic to Immediate Objects. For example, take a photograph of soapy hands under a running tap. Te Dynamic Object could simply be a person washing their hands, or if the photo was contextualized to certain other collateral information the object could be an imperative ‘wash your hands!’ Te Immediate Object is the hands, soap and water, which are those parts of the Dynamic Object that are actually represented in the sign. To understand this sign, the interpreter would need to have the facility to extend a perception of the picture of detached hands to the form of the Dynamic Object. If someone (or some other intelligence) could not make that connec- tion, their interpretation of the sign would be mistaken. Interpreters themselves are not technically part of the Peircian semiotic analysis. Instead the concept of ‘interpretant’ is used. An interpreter may be human, animal, or another form of cognition, such as an artifcial intelligence, and they might have very diferent physical states and capacities. But what they all have in common as participants in semiosis is that at some point they embody an interpretant. For the most part, an interpretant is another sign that emerges in response to the perception of the initiating sign. In Peirce’s the- ory these interpretant signs can be ‘emotional’ (feeling, including sensations like pain), ‘energetic’ (actions, such as movement or reaction), or ‘logical’ (inferential thoughts). And in practice, it is likely an interpreter will embody a combination of all three. For example, to continue with the hand washing photograph, somebody who views the photo might feel guilty (emotional interpretant), think to themselves ‘I should have washed my hands already’ (logical interpretant), and then proceed to get up and go wash their hands (energetic interpretant). Tese interpretants are all themselves signs that evoke further interpretants for the person in question, and perhaps also for others, in the continuing fow of life.

198 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication... communicAtion, truSt And interpretAntS

According to Peirce, interpretants (whether emotional, energetic or lo- gical) progress through the semiotic process from Immediate to Dynamic and, lastly, Final Interpretant. Tis section examines the roles played by these latter kinds of Interpretants in making clear and trusted connections between utterers and interpreters. When a sign is perceived the process of interpretation moves through three phases. At frst, with the Immediate Interpretant, there is consideration of the possible interpretations that are presented by a sign. Just as the Immediate Object defnes possible connections between the Dynamic Object and the Sign, the Immediate Interpretant defnes possible connections between the Dynamic Interpretant and the Sign. Te second phase of interpretation, the Dynamic Interpretant, involves the enactment or embodiment of the actual interpretation. It is the emotion, movement or thought that actually occurs. As the process of interpretation moves from the Immediate to the Dynamic Interpretant there is progress from the collection of possible interpretations that could be made from the sign to the real interpretation that somebody makes at a certain time and place. At the third phase, the Final Interpretant, the meaning of an object is obtained such that no further interpretation is needed to improve this meaning. In other words, it is the form of the object, communicated through a sign, and without error, as it is interpreted. Tis concept equates to the ultimate goal of BCC, whereby the object of a message is an intention to change a certain kind of behaviour, and if that behaviour is indeed changed, the benefciary has thus embodied the Final Interpretant. Te embodiment itself is not the Final Interpretant, rather it is the Dynamic Interpretant. Tus, an interpretant can be both Dynamic and Final when the complete form of an object is embodied by an interpreter. But, and of most concern for the present discussion, an in- terpretant can also be Dynamic only, such as when an interpreter embodies an emotion, movement or thought which does not completely accord with the object’s form. A Final Interpretant is by no means guaranteed, and peoples’

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 199 David J. Butterworth

Dynamic Interpretants about a great many things are merely a partial or mistaken apprehension of the object’s true form. It is the Immediate Interpretant with which development practitioners must frst engage as they design and implement their programs. Peirce (1931- 58 [CP 8.315])3 writes that an Immediate Interpretant is the “Quality of the impression a sign is ft to produce, not any actual reaction”. Impressions that a sign is ‘ft to produce’ evokes all the possibilities for interpretation that could come before any interpreter. Much depends on the object, and on the way the sign is constructed. A piece of art, for example, may take a complex object, wrap it in a deceptively simple sign, and elicit many diferent possibilities for interpretation. An abstract expressionist painting, whose object is perhaps only known by the artist, could be interpreted diferently by everyone who sees it. Whereas a civic sign, such as trafc lights, has a relatively simple object (stop or go), and is signifed in as clear a way as possible (coloured lights), and is designed to have a very limited set of possibilities for interpretation. In fact, it is hoped that every driver will have the same Dynamic Interpretant of it – they will either press the brake or accelerator. In many ways it is the task of development practitioners to make signs of complex objects that are ft to pro- duce a limited set of possibilities, namely, the desired outcomes of the project. Peirce’s concept of Immediate Interpretant can be likened to ‘afordan- ces’, an idea developed by the psychologist James Gibson (1966; 1979), and more recently taken up by anthropologists (see Ingold, 2000; Keane, 2018). Te term ‘afordance’ refers to the things that an object ofers, or ‘afords’, someone who perceives it. Ingold (2018, p. 39) describes afordances as “the ways in which things come into the immediate presence of perceivers, not as objects-in-themselves, closed in and contained, but in their potential for the continuation of a form of life”. Although Ingold defnes afordances as a pre-semiotic type of perception (direct and unmediated), which on its surface does not ft with Peirce’s view, the term is nonetheless a useful way of thinking about the Immediate Interpretant. Te Immediate Interpretant is constituted

3 Peirce’s Collected Papers referenced here are conventionally cited using the Volume Number and the Paragraph number (thus, CP 8.315 refers to Collected Papers, Volume 8, Paragraph 315).

200 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication... by potentialities, and as a more direct, as yet unanalysed apprehension of the possibilities of the sign is made at this stage, it does involve a kind of prepa- ratory stage for the eventual interpretive act (of the Dynamic Interpretant). In what way, then, do the afordances of the Immediate Interpretant, as possibilities of interpretation, become fxed in the Dynamic Interpretant as actual interpretation? Whether the interpretation be an emotional, physical or intellectual response to the sign, it is made as the interpreter selects some mea- ning out of the total set of afordances furnished by the sign. Te constitution of the Immediate Interpretant is thus a key point of analysis for development practitioners. And this analysis must be complemented by a consideration of the ways in which individuals select the afordances that are meaningful to them. In the design of BCC activities mistakes can be made when a sign is constructed to ofer an Immediate Interpretant that afords meanings drawn from the socio-cultural context of the development practitioner, rather than from that of the intended audience. For example, a WASH project would frst seek to understand how ideas and practices about cleanliness and water use are represented locally before cre- ating their own BCC strategy. If not, signs that have a particular meaning for the project might be misconstrued by the project benefciaries. To illustrate the point, imagine a culture for whom defecation is normally an outside activity, perhaps done in certain areas of the surrounding felds or forest. Value laden metaphors that link certain outside areas to contamination and places inside village boundaries and houses to cleanliness are expressed locally in language and perhaps even ritual practice. In this case, a WASH project’s BCC activity would not simply post pictures of people sitting on an inside toilet with a big green tick and the imperative ‘Stop Open Defecation!’. Tis sign could throw up all sorts of unintended consequences. Tis sign’s Immediate Interpretant might aford negative responses for the project benefciaries, contrary to the intentions of the project’s actors. For example, a diagram of an individual sitting on a toilet might not aford a model of good behaviour as intended, but present interpretive options informed by the cultural norms of defecation and waste disposal mentioned above. Options might include it being a model of what not to do; or a joke; or an attack on

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 201 David J. Butterworth

one’s local practices; or, indeed, as something that is necessary to do, regar- dless of how one actually feels about it, because it carries the imprimatur of a development program. From this array of Immediate Interpretants might come Dynamic Interpretants such as emotional responses of disgust, guilt or confusion. Or perhaps energetic responses of attempts to use an indoor toilet, or laughter. Logical interpretant responses might include a thought to learn more about toilets, or, in a diferent scenario, a thought to disrupt the program. In this way, the socio-cultural context of the sign provides information to the Immediate Interpetant that sets the defnition of afordances. But the interpreter’s selection of information from the Immediate Interpretant’s afor- dances must also occur in concert with the interpreter’s mental habits. A sign might furnish a wide range of afordances, but not all of these will become manifest in the Dynamic Interpretant if the interpreter does not have the facility to make a connection with these afordances. Some afordances for one person might not even be apprehended as an option for interpretation by another person. For instance, a person listening to another speak in a foreign language does indeed perceive the signs (they hear the sounds), but they do not perceive the meanings of the words because they perceive nothing of the form of the objects to which the words refer. To use the World Bank’s ter- minology, this interpreter’s ‘mental model’ does not facilitate understanding. In the Peircian framework a mental model sets some of the conditions for the move from the possibilities of the Immediate Interpretant to the reality of the Dynamic Interpretant. In other words, a mental model contributes to the form of the object that the sign afords to an interpreter. Tus, a mental model takes part in the Immediate Interpretant during semiosis. Both social norms and mental models act upon the form of the object in the Immediate Interpretant and are thus equally part of the sign’s context. In sum, the utterance and interpretation of a sign within a Peircian framework proceeds from a real object (the Dynamic Object) to some form of the object that can be expressed in the sign (the Immediate Object). Te sign itself then moves from the utterers’ domain to that of the interpreters with the emergence of the Immediate Interpretant, which is constituted by all the possible afordances of the sign. Te specifc afordances for

202 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication... diferent interpreters are settled in a negotiation between the sign and the context of the sign, which includes both social norms and mental models. Dynamic Interpretants take shape as certain afordances of the Immediate Interpretant are selected and expressed in the emotions, actions and thou- ghts of interpreters. With some signs the scope for interpretation might be strict, where the form of the object moves through to the Immediate Interpretant with more completeness. For example, a footprint in the sand is an indexical sign of a person having stepped there at one point in time. And smoke is a sign of fre. Tere are not a lot of other interpretations that could be made. With others signs an interpreter might have a wide scope to intentionally select certain afordances over others, analysing options and exercising agency. Such is the case with symbols, where only conventional practice ties an object to its sign. However, given the right context at the Immediate Interpretant level this freedom can be very much constrained, such as when belief in religious pro- positions is established in ritual (see Rappaport, 1999; Butterworth, 2011). Together the sign and the context of the sign (those social norms and mental models that coalesce with the form of the Dynamic Object in the Immediate Interpretant) can be constructed in such a way to produce predictable Dynamic Interpretants. In other words, when the form of an object represented in a sign aligns just right with the form of certain social norms and mental mo- dels, a belief and trust between utterer and interpreter is promoted. In the next section, this point will be discussed in relation to the Catholic Church’s response to COVID-19.

Te Catholic Church in Timor-Leste is a useful point of comparison for development aid BCC. Te Church’s missionary work sought to introduce new ideas and practices to the region and (through its own prism of personhood, ethics and cosmology) improve lives. Although it was a powerful force acting in coordination with the Portuguese colonial government, during much of the

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 203 David J. Butterworth

colonial period it found it difcult to make headway among the indigenous population (Gunn, 1999). At the cusp of the Indonesian invasion in 1975, less than 30% of the population were baptized Catholic. Te Church then grew signifcantly during the Indonesian period and became widely infuential. Administrative factors, including Indonesian law requiring citizens to identify with a world religion, contributed to this growth. And importantly, as Hodge (2013) emphasizes, the Church forged emotional and intellectual legitimacy and trust during the occupation and became a key factor in ameliorating the sufering experienced by the people of Timor-Leste. Nowadays, according to the most recent population census, 97.57% of Timorese identify as Catholic (GOTL, 2015). However, it must also be recognized that the Church itself has been subject to infuence from indigenous religious precepts, values and ritual (see for example McWilliam, Palmer & Shepard, 2014; Bovenspien & Delgado Rosa, 2016). Te Church is woven into the contemporary cultural fabric of the country, having both provided new inputs, and itself adjusted to some existing conditions, over the course of centuries. When COVID-19 threatened Timor-Leste, it was clear that the Church would, as it did during the Indonesian resistance period, have an important role to play. On March 21, 2020, the frst person in Timor-Leste tested positive for the coronavirus. Te sense of unease was palpable in both Dili’s streets and corridors of power. At that time news of the dire situation in Italy dominated the media. Te authorities quickly realized that the poorly resourced health system in Timor-Leste would not be able to cope with a similar outbreak. On March 22 all schools were closed and a 14-day quarantine enforced for all international arrivals. A state of emergency was declared from March 28 which entailed border closures, physical distancing regulations and the suspension of non-essential services. Many people living in Dili left for their ancestral homelands outside the capital. A second COVID-19 case was confrmed on April 10 and by April 24 the last case was confrmed (as of June 15). All cases were among those arriving from overseas and placed in quarantine and there was no community transmission. According to WHO’s June Situation Report for Timor-Leste, only 24 positive cases were recorded, all of whom recovered (World Health Organization, 2020). Te lockdown had worked.

204 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication...

Restrictions on religious services were a key part of the physical distan- cing regulations. Article 4 of the State of Emergency Decree 29/2020 involved the following regulation: Freedom of worship, in its collective dimension: the necessary restrictions may be imposed by the competent public authorities to reduce the risk of contagion and carry out measures to prevent and combat the epidemic, including limiting or prohibiting religious celebrations and other worship events that involve a gathering of people. (GOTL, 2020). Immediately upon news of the frst case of coronavirus the Archdiocese of Dili suspended church activities, including Masses and the Way of the Cross. Marriages and funerals, a constant beat in the social and ritual lands- cape of the community, usually with hundreds and sometimes thousands of participants, were curtailed. Archbishop Virgílio do Carmo da Silva stated “I take these steps to avoid the further spread of the coronavirus in the commu- nity” (Ora, 2020a). Soon after, as the state of emergency was enacted and it became apparent the lockdown would last months, rather than weeks, the Archbishop requested that Catholics pray at home, stating that “[p]eople can celebrate in their own homes via radio and television. Although they will not receive Holy Communion, they can [unite] through a prayer of spiritual communion” (Ora, 2020b). While Masses were broadcast on television and radio, another more immediate solution was put into practice for local communities. Churches and chapels throughout the country began to erect loudspeakers on the top of roofs or nearby trees and amplify prayers performed to the surrounding community. Tis particular form of mass communication is the subject of the present analysis. In my inner-city neighbourhood of Taibessi the Exaltação da Santa Cruz Chapel amplifed prayers, hymns and some speeches for approxi- mately two hours in the morning (usually from 6am to 8am) and two hours in the evening (5pm to 7pm). Te evening prayers involved the Holy Rosary performed by members of the local congregation on a rotational basis. In the mornings, when a priest was available to participate, the chapel would conduct Mass (but, according Diocese guidelines, without the standard communion rite). Te bulk of the ceremonial activity involved the formulaic prayers, scrip-

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 205 David J. Butterworth

ture readings and hymns that the majority Catholic population of Timor- Leste know well. At times, however, such as preceding the Holy Rosary or during the sermon after the Liturgy of the Word, explicit mention was given to COVID-19 and the state of emergency. Tis would usually only be one or two sentences re-expressing the reason for the lockdown and the hope that Timor-Leste would remain safe from harm. Te ceremony as a whole can be taken as a unifed sign consisting of the many sub-signs of the Holy Rosary and the Mass. For expediency in this paper, the overall communicative per- formance will be called the ‘COVID-19 rite’. A Peircian analysis of the Church’s broadcast of prayers from loudspeak- ers can shed light on how the Church, as the utterer of the sign in this case, was able to communicate so clearly and authoritatively to the surrounding community. It is perhaps too easy to take the Church’s actions and people’s acceptance of them as natural. But the Church in Timor-Leste had never communicated in this way before. On certain occasions, like popular services during Christmas and Easter, loudspeakers are used to ensure the gathered crowd outside Church buildings can hear the services. But a regular twice daily broadcast of prayer, loud enough to be heard hundreds of meters away and continued without break over several months, was new. If another or- ganization, even the government, had undertaken the same communication tactic for their own messaging, I would hazard to guess that it would not have been accepted so charitably. Te Catholic Church holds a privileged position in Timorese society, and the Peircian framework helps elucidate how this privilege is built and deployed. Te Dynamic Object of the Church’s communication was the intention outlined by Archbishop da Silva. Te Church amplifed prayers to the sur- rounding population with the objective of supporting the state of emergency regulations by communicating liturgical activities into people’s homes. Tis was made under the assumption that the people needed, or at the very least appreciated, the prayer and ritual to maintain their spirits throughout the lockdown. Skipping forward in the semiosis to the Final Interpretant, with the caveat that this conclusion is made without the beneft of a more thorough survey, it would seem that the true form of the Dynamic Object was achieved

206 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication... in people’s Dynamic Interpretants. In the neighbourhood surrounding the Taibessi chapel I only ever heard positive responses to the broadcasts. At times people would joke about those who performed, such as the sound of someone’s singing voice or a mispronunciation, but this was more by way of friendly engagement with the communication, rather than any criticism. And, perhaps most importantly, people stayed at home peacefully, thus embodying the Church’s intention. Te Immediate Object involved a maze of other signs collated for the single purpose of the Dynamic Object. When considering the Dynamic Object in a propositional form as ‘stay at home and the Church will help you make it through the lockdown’, the Immediate Object at frst appears tangential and redundant. After all, a more efcient mode of communication might have been simply to state the proposition in a letter circulated to households with a diocese letterhead. Tis would communicate the same form of the Dynamic Object. Instead, the Immediate Object included an intensive per- formance of up to four hours of prayers each day, various hymns, homilies and introductory statements. Each of these signs, when taken separately, could be analysed with Peirce’s semiotic. For example, prayers on their own are signs with Dynamic Objects concerning cosmological and moral ideas, and produce various Interpretants for those at prayer or listening. But when taken together in the special performance of the COVID-19 rite, they also served to enrich the afordances of the Immediate Interpretant produced by the rite in its capacity as a sign of compliance to the state of emergency regulations. Te Immediate Interpretant presented to the audience of the COVID-19 rite aforded reference to their experiences with Catholic ritual. Te meanings attached to prayers and other ritual components, as well as those meanings attached to the voices of the performers, whether it was a family member or neighbour, or a local priest, could evoke a lifetime of participation in masses, weddings, funerals, baptisms and other assorted Catholic ceremonies that punctuate daily life. Te belief in the tenets of Timorese Catholicism are complemented by the experience of these tenets being efective as the Church regulates the rhythms of their existence. Te Church efects great change throughout peoples’ lives, and this power is largely unquestioned in Timor-

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 207 David J. Butterworth

Leste. For instance, transformation from ‘unmarried’ to ‘married’ is a status change that is facilitated by the Church and has manifest impacts on peoples’ lives. Over time, belief promotes more belief as the efcacy of the Church is reinforced self-referentially, whether it be through ritual or bureaucratic action. Of course, if an interpreter does not have this background, diferent afordances of the COVID-19 rite might arise and be selected. For example, a critical interpreter might form a Logical Interpretant that the Church, by maintaining a strong presence in peoples’ lives with twice daily high-volume broadcasts throughout the lockdown, sought primarily to strengthen its claim as a leading community organization. But given the preponderance of Catholicism in Timor-Leste it can be asserted with confdence that the mental models of the audience listening to the COVID-19 rite involved deeply held beliefs in the Church and its authority. Tus, there is emotional and intellectual depth to the afordances of the COVID-19 rite but little possibility for the perception of alternative or contrary afordances that would be considered a ‘mistake’ given the intention of the sign. Of all the afordances, only the statements about COVID-19 and the lockdown were new, potentially untrustworthy and in danger of misinter- pretation. But the rite arrayed trusted meanings to enfold the new message. Te clarity of the message to adhere to the lockdown regulations, and indeed the acceptance of the adjustment of the Church’s standard ritual procedure, was underwritten by the truths, self-evident to the audience, which saturated the Immediate Interpretant.

concluSion

Te Church’s ability to advocate a public health message and engage the community’s trust appears a simple matter. In a novel communicati- ve act, it uttered a new message within a setting of existing beliefs so that the audience could make their interpretations with confdence. Te Peircian framework explains the progress through semiosis of the form of the object of the communication, which was to support the state of emergency and

208 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication... encourage people to stay at home. Te COVID-19 rite, as a sign of this ob- ject, involved the assemblage of several component signs, such as prayers and hymns, as the Immediate Object. Te standing of the Catholic Church as an institutional norm, as well as the deeply held beliefs of interpreters about its authority, framed the set of afordances of the Immediate Interpretant. Tese afordances channelled the Dynamic Interpretants of the audience listening to the COVID-19 rite into a predictable interpretation: Te message was clear. Although BCC activities cannot aim to establish belief as do religious orga- nizations, which deploy metaphysical propositions, sanctifcation and ritual, certain general mechanisms are instructive. Te Dynamic Object and the Dynamic Interpretant can be considered as two poles, wherein the form of the object at one pole is refected in the other. If the refection is correct, the Dynamic Interpretant can be defned in the Peircian framework as the Final Interpretant, and the communication is meaningful in its true sense. It should not be underestimated how distant, and prone to error, these two poles can be when a Dynamic Object is crea- ted (or selected) via the interpretation of a development practitioner and the Dynamic Interpretant is embodied by project benefciaries. Tis equation is known to development practitioners who are now taught and encouraged to know the ‘other’. Formative research, community and government consulta- tions, partner workshops, pilot studies and various monitoring and evaluation activities should contribute to reducing error in development interventions. In the design of interventions, the semiotic movement of the form of the object through to the benefciaries should be considered as important as the object, or goal, of the intervention. Te Church’s communicative response to COVID-19 involved the in- troduction of a ‘new’ object (the COVID-19 message) couched in a dense formation of ‘old’ objects (prayers, hymns). Te semiotic movement of the old objects was a known quantity and correct interpretation could be assumed. And even though the very existence of the COVID-19 rite was due to the new object, the Church nonetheless allocated substantially more time and efort towards communicating the old objects. In other words, an easily followed

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 209 David J. Butterworth

path was beaten between the Dynamic Object and Dynamic Interpretant with these well-practiced ritual actions. Te new object needed only to fall into line. Tis was unlikely an intentional strategy on the part of the Church, it was just the way they do things. Development practitioners will sufer the redundancies and inefciencies that are commonplace in their interactions with partners and benefciaries. A meeting with community stakeholders might involve twice as much time and efort spent on ceremony, introduc- tions, seemingly irrelevant comments and questions and of-topic discussions than on the intended core message. But these tangents can be eforts to fnd commonality, to set a groundwork of shared understanding and trust before any novelty is introduced. Project staf will probably understand this on a human level, but the strictures of a heavy project work plan and fnances will, unfortunately, be less forgiving. The Church produced a sign with affordances of the Immediate Interpretant that ensured clarity and engendered trust. Tis was only pos- sible because that set of afordances, built through the Church’s long-term engagement with the community, was available to be called on. A development intervention, and BCC as a specifc type of intervention, will probably not have this capacity. In an environment where development projects are normally implemented over comparatively short periods (years, not decades), it is difcult to establish a comprehensive set of afordances that can be represented at will. Even large development aid organizations, like unilateral and multilateral aid agencies, or major international non-government organizations with a constant stream of projects, can become isolated and segmented. For example, they usually do not take signs that might aford trust from a previous project and deploy them in a current project. Tere are exceptions, such as the use of characters from CARE’s Lafaek educational magazine for their partnership with GIZ in producing BCC ma- terial for the Partnership for Sustainable Agroforestry. But, in general, the im- plementation modalities of individual projects do not facilitate this method. In the COVID-19 rite, a ritual action, such as the Holy Rosary, was able to be moved about and positioned in place as needed to aford collateral support to the rite’s primary object. Development practitioners need to look outside

210 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication... of their own project space to achieve similar levels of fexibility. Te stock of afordances for BCC activities can be added to by implementation partners. Te Church was supporting the government’s state of emergency regulations with its COVID-19 rite, thus drawing on a political legitimacy. Development agencies will often themselves partner with religious organizations and gover- nment. BCC projects can look even further into the worlds of their audiences and seek out those social norms and mental models that furnish trust to the Immediate Interpretants of their signs. reFerenceS

Bovensiepen, J. M. & Delgado Rosa, F. (2016). Transformations of the Sacred in East Timor. Comparative Studies in Society and History, 58(3), pp. 664-693. Butterworth, D. J. (2011). Ritual Preparation for Living: Education in the social memory of an eastern Indonesian people. Indonesia and the Malay World, 39(113), pp. 49-67. Fisher, M., Holden, S. T., & Katengeza, S. P. (2017). Adoption of CA technologies among followers of lead farmers: how strong is the infuence from lead farmers? CLTS Working paper, 2017(7). Norwegian University of Life Sciences. Gibson, J. J. (1966). Te senses considered as perceptual systems. Boston: Houghton Mifin. Gibson, J. J. (1979). Te ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifin. Government of Timor-Leste (GOTL). (2015). Census 2015: Nationality Citizenship & Religion. Government of Timor-Leste (GOTL). (2020). Decree of the President of the Republic No. 29/2020 of March 27. Gunn, G. (1999). Timor Loro Sae: 500 years. Macau: Livros do Oriente. Hodge, Joel. (2013). Te Catholic Church in Timor-Leste and the Indonesian Occupation: A Spirituality of Sufering and Resistance. South East Asia

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 211 David J. Butterworth

Research, 21(1), pp. 151–170. https://doi.org/10.5367/sear.2013.0134 Ingold, T. (2000). Te perception of the environment: Essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge. Ingold, T. (2018). Back to the future with the theory of afordances. HAU: Journal of Ethnographic Teory, 8(1/2), pp. 39-44. Jappy, T. (2017). Peirce’s Twenty-Eight Classes of Signs and the Philosophy of Representation. London: Bloomsbury Academic. Jappy, T. (2018). Intentional Signs from a Peircian Perspective. Language and Semiotic Studies, 4(1), pp. 80-99. Keane, W. (2018). Perspectives on afordances, or the anthropologically real. HAU: Journal of Ethnographic Teory, 8(1/2), pp. 27-38. McWilliam, A., Palmer, L., & Shepherd, C. (2014). Lulik Encounters and Cultural Frictions in East Timor: Past and Present. Australian Journal of Anthropology, 25(2), pp. 304-20. Morris, J., Marzano, M., Dandy, N., & O’Brien, L. (2012). Teories and models of behavior and behavior change. UK: Forest Research. Nixon, R. (2018). Papua New Guinea Companion Product Condom Distribution Project: Final Evaluation Report. Social Science Dimensions. Ora, T. (2020a). Dili Archdiocese cancels Masses after frst Covid-19 case. UCANews, March 23, 2020. Retrieved June 6, 2020, from https:// www.ucanews.com/news/dili-archdiocese-cancels-masses-after-frst-covid- 19-case/87519 Ora, T. (2020b). Timor-Leste bishops suspend Easter celebrations. UCANews, March 26, 2020. Retrieved June 8, 2020, from https://www.ucanews.com/ news/timor-leste-bishops-suspend-easter-celebrations/87553 Peirce, C. S. (1931–1958). Hartshorne, C., Weiss, P., & Burks A. W. (Eds.), Collected Papers of Charles Sanders Peirce, 8 Volumes. Cambridge, MA: Harvard University Press. Rappaport, R. A. (1999). Ritual and Religion in the Making of Humanity. Cambridge: Cambridge University Press. Short, T. L. (2007). Peirce’s theory of signs. Cambridge: Cambridge University Press.

212 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 Behaviour change communication...

World Health Organization. (2020). Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Situation Report 40 Timor-Leste. Retrieved June 14, 2020, from https://www.who. int/docs/default-source/searo/timor-leste/05-06-2020-tls-sitrep-40-ncov-eng.pdf World Bank Group. (2015). World Development Report 2015: Mind, Society, and Behavior. Washington, DC: World Bank.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 213

on tHe enigmA oF tHe portugueSe diAmond

José Pinto Casquilho1

Abstract: Te Portuguese Diamond is the largest faceted diamond in the National Gem Collection of the National Museum of Natural History, Washington DC; with an emerald cut at 127.01 carats is almost a perfect octagonal gem. Its name was given by the last private owner, Harry Winston, on the basis that once it had belonged to the Portuguese . Yet, the mystery follows in that several authors say, with greater emphasis nowadays, that the name “Te Portuguese Diamond” came from a mistaken legend. Te frst goal of this paper is to show that there is strong iconic evidence that the diamond belonged to King José I of Portugal in the eighteenth cen- tury and, presumably, with a lesser degree of certainty, to other following sovereigns of the house of Bragança (Braganza). Subsidiary goals are the disambiguation with some other Brazilian precious stones mentioned in news or other sources. One will also look for establishing a plausible documented origin of the Portuguese Diamond, then giving some possible clues on the fate and oblivion of the diamond for about a century, until its resurgence in the USA. Last, it is sketched a framework of its se- miotic convolution as an object of desire and an index of power, from the Portuguese royalty into the veil of secrecy, and then to the American capitalist democracy. Keywords: Portuguese Diamond; King José I of Portugal; Brazilian Gems; Braganza Diamond; Veil of Secrecy; American Ownership; Semiotic Convolution.

Resumo: O Diamante Português é o maior diamante facetado da Coleção Nacional de Gemas do Museu Nacional de História Natural, Washington DC; com um corte de esmeralda de 127,01 quilates é quase uma gema octogonal perfeita. Seu nome foi atribuído pelo último proprietário privado, Harry Winston, com base no facto de ter pertencido às joias da coroa portuguesa. No entanto, segue-se o mistério de que vários autores dizem, com maior ênfase hoje em dia, que o nome de “O Diamante Português” veio de uma lenda equivocada. O primeiro objectivo deste artigo é mostrar que há fortes evidências icónicas de que o diamante pertenceu ao rei José I de Portugal no século XVIII e, presumivelmente, com menor grau de certeza, a outros soberanos seguintes da dinastia de Bragança. Ainda, metas subsidiárias são a desambiguação com algumas outras pedras preciosas brasileiras mencionadas em notícias ou outras fontes. Procurar-se-á também estabelecer uma origem plausível documentada do

1 Universidade Nacional Timor Lorosa’e, Programa de Pós-Graduação e Pesquisa (Vice- Reitor interino).

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 215 José Pinto Casquilho

Diamante Português, fornecendo algumas pistas possíveis sobre o destino e o esque- cimento do diamante por cerca de um século, até ao seu ressurgimento nos EUA. Por fm, é esboçado um quadro de sua convolução semiótica como objeto de desejo e índice de poder, da realeza portuguesa ao véu do segredo e, depois, à democracia capitalista americana. Palavras-chave: Diamante Português; Rei José I de Portugal; Gemas Brasileiras; Diamante Bragança; Véu do Segredo; Propriedade Americana; Convolução Semiótica.

introduction

Famous diamonds, besides being exceedingly valuable, bear proper names and a history linked to their trajectory of ownership, even if concealed, since they appear as indices of wealth and status or, more generally, of power. In fact, to get possession of such a stone and preserve it can summon large resources, not only fnancial, but, as history shows, also political and military. More frequently a combination of those operates resulting in a capacity to hold, or retrieve, a remarkable gem. Garcia de Orta, a Portuguese physician employed by the viceroy of Goa, was the frst to describe diamonds (Crider, 1924, p. 177). As Pole (1861, p. 3) said, commenting on diamonds in the nineteenth century: “Te highest potentates of the earth esteem them as their choicest treasures, and kingdoms have been at war for their possession”, still remarking “light was the frst and fairest gift of heaven to man; the diamond is fairer than light itself; it is light, only seven times beautifed and refned”. From objects of desire diamonds became symbols of power and, throughout successive centu- ries, the crown jewels of European nations have furnished the chief outlet for gems of abnormal size and value (Phillips, 1887, p. 438). By the middle of the nineteenth century, before the Koh-i-Noor enters in possession of the British crown in 1849, quite large diamonds were rare in Europe; Cattelle (1911, p. 20) stated that concerning stones over 100 carats, there were two each in the crown jewels of Russia and Portugal, besides the Austrian “Florentine” and also the “Regent” of the French crown. As such, a famous diamond behaves as a noticeable semiotic resource, a symbol whose name becomes an attribute of identifcation and property,

216 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond even when related with some particular physical quality like the colour, and an index of potency: its possession and exhibition transforms into a salient object attached to a ‘pregnance’ (e.g. Tom, 1994, p. 164), which could be interpreted as the capacity of the realm to maintain its possession or the strength of the attractor’s domain in a dynamic system’s terminology. Te same diamond can change its name as it changes ownership and thus, along history, can hold diferent names: for example, the Hope diamond is the ancient Bleu-de-France and before that it was called the Tavernier Bleu; the Florentine was also known as the Grand Duke of Tuscany and, later, the Austrian Yellow; much more examples could be given (e. g. Balfour, 2000). When changing its ownership it is not only the name of the stone that can be modifed, but frequently the gem is also recut, reducing the weight and modifying the shape so that the new owner makes its proper mark, also allowing for obscuring the previous origin, because famous diamonds are typically object of greed and so often they change hands through secret transactions. Te secrecy attribute is related with the fact that transactions of famous diamonds are often illicit or dishonourable mainly for those who sell or pawn them – whom are dropping out ancient legacies – and also inconvenient or even illegal for the new owners. Tus it happens that most stories concerning notable diamonds are obscure or falsifed, since the true history is just to be known by few – and secrecy, either related to exclusiveness of singular information or to the particular dimension of the veridictory square concerning what is [true] but does not seem to be, becomes a valuable resource, an added value. An exemplifcation is seen in Popular Mechanics Magazine, 1924, (v. 41, n. 5, p. 686) where there is a news item entitled “Biggest diamonds of history are hidden from sight”, showing the sketch of the Portuguese Diamond, which didn’t bear yet that name, and stating: Weighing 127 carats, what is said to be the world’s largest blue diamond has been ofered for sale for $300,000 by an American frm. Appearance of the gem, larger than the Koh-i-noor of England, in a public market, emphasized the fact that most of the large diamonds of history are now seldom seen, but are hoarded among the prized crown jewels of European monarchies.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 217 José Pinto Casquilho

Te frst goal of this paper is to show that there is strong iconic evi- dence that the diamond belonged to King José I of Portugal in the second half of the eighteenth century and, pre- sumably, with a lesser degree of certainty, to other following sovereigns of the hou- se of Bragança (Braganza). Subsidiary goals are the disambiguation with some other Brazilian precious gems or stones mentioned in news or other sources. One will also look for establishing a plausib-

le documented origin of the Portuguese Figure 1 – Sketch of the Portuguese Diamond, then giving some possible clues Diamond in 1924, mentioned like on the fate and oblivion of the diamond the world’s largest blue diamond. for about a century, until its resurgence in the USA. Last, it is sketched a framework of its semiotic convolution as an object of desire and an index of power, from the Portuguese royalty into the veil of secrecy, and then to the American capitalist democracy.

In general it was said that diamonds were discovered in the commen- cement of eighteenth century, during the reign of King João V (John V) of Portugal and that the frst man who sent diamonds into Portugal was Sebastião Leme do Prado in 1725, though they found no sale and the same happened to Bernardo da Fonseca Lobo in 1727, who hit upon a large specimen amongst others in Cerro do Frio (Jones, 1880, pp. 252-253). But Svisero, Shigley and Weldom (2017) state that as far as the last quarter of 16 th century there were al- ready reports mentioning stones identifed as possible diamonds, and following that clue one can fnd that at least since 1714 was acknowledged the existence of diamonds in Tijuco (Pires, 1903, p. 99) even if only in 1729 the news were ofcially communicated to the king of Portugal by the Governor Lourenço de Almeida (Rabello, 1997, p. 23); the king, in a letter dated from 1730, instruc-

218 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond ted to be paid “the ffth” that was accountable to the crown. Alfred Phillips (1887, p. 441) says that the discovery of diamonds in Brazil about 1720 was followed in 1721 by the export of 173,000 carats to the European markets. We would note that large diamonds in Brazil should be considered rare, Brazil being mentioned to have produced few large stones (Cattelle, 1911, p. 99) and, like Burton (1869, p. 135) specifes, 1000 octaves hardly produce a single gem of one octave (about seventeen and a half carats); also it was es- tablished that those which weigh more than one octave would belong to the crown treasury and the slaves who found and delivered them would be free (Rabello, 1997, p. 38). In August 11, 1753, it was enforced the law establishing a monopoly on diamonds in Brazil: Ley do Contrato dos Diamantes do Brasil. Jefries (1751, p. 69) tells that about 1733-34, when he was staying in , the production of Brazil was so high that the traders were “so apprehensive of the Brazil mines producing an inexhaustible store, judging from thence the world would scarcely think diamonds worth any consideration (…)”. Boxer (1964, p. 224) reports that the Brazil feet of 1732 had brought to Lisbon 300,000 carats of diamonds worth fve millions cruzados, and the next year about the same quantity, which was about four times the amount that usually come from India. Te naturalist Domingos Vandelli (1899, p. 281) clarifed that the most common colouring of the diamonds from Brazil is a yellowish green relative to the presence of iron and Andrada (1797, p. 25) said that the fgure of the diamonds of Brazil varied, some being octahedral formed by the union of two tetrahedral pyramids, others are nearly round and lastly some are oblong, those being found in the beds of rivers. Even with the huge amount of losses in the earthquake of 1755 (e.g. Goudar, 1756, p. 212), when King José I died in 1977, the Marquis de Pombal reported that in the treasury existed seventy eight millions of cruzados and a vast amount of diamonds in the king’s cabinet (Vidal, 1877, p. 295), what is also mentioned in a news item of Te Public Advertiser from London, May 13, 1777 (page 3). But, by the end of eighteenth century the Gazette of the United States and Philadelphia Daily Advertiser of April 16 1798, tells in a news article that the diamonds of the Queen of Portugal [Maria I] sent to England for sale to the value of £35,000 sterling, are now at Amsterdam for sale.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 219 José Pinto Casquilho

Ten, there is a long history concerning diamond production in Brazil, trade and smuggling, which is not to be told here, except to remember the brief episode of the War of the Oranges, between the alliance of Spain and France on one side, and Portugal on the other, where further negotiations led to the Treaty of Madrid signed on 29th September 1801 and, for Portugal, the price of peace included keeping her ports closed to British ships until a fnal settlement in Europe was negotiated, and the payment to France of a war levy of ten million cruzados, the equivalent of more than 11 million guilders (Buist, 1974, p. 384); one of the dealers, Labouchère, made the payments conditional upon the handing over of the diamonds: 4 ½ million guilders following the signing of the contract and the depositing of 114,000 carats, and 2 million guilders upon the arrival and transfer of the Brazilian portion of the security, which was estimated at about 100,000 carats (idem, p. 391). Even so, John Mawe (1812, p. 259) said that the collection of diamonds in the possession of the Prince Regent [future king João VI of Portugal] was unequalled in number, size and quality, by that of any potentate in the world; and claimed being credibly informed that it exceeds in value three million sterling. Also, Batchelor (1840, p. 31) pointed out that the Royal Family of Portugal are immensely rich in diamonds, and those in the treasury of the Brazils are beyond doubt the most superb of any crown possessions. Still, Hamlin (1891, p. 221) said that Portugal, by virtue of its inheritance, was re- corded to own immense numbers of the gem, and only a certain quantity are to be sold from time to time according to the demands of the market – and in corroboration of this report he said that the Banco de Lisboa sold, in 1863, rough diamonds to the value of 1,800,000 francs out of the collection brought from Brazil by João VI in 1821, also stating that the value of the remainder was estimated at 35,000,000 francs at the time.

tHe myStery oF tHe portugueSe diAmond

Te Portuguese Diamond is the largest faceted diamond in the National Gem Collection in the National Museum of Natural History, Washington

220 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

DC, with an emerald cut at 127.01 carats, almost a perfect octagonal gem. Te diamond measures 32.75 x 29.65 mm and is 16.01 mm deep (Fryer and Koivula, 1986). Concerning optical properties it is stated that: the Portuguese diamond, though very slightly yellow, is famous for its strong blue fuores- cence, which can be seen easily in ambient light and it is the combined efect of its large size with its fuorescence is what makes this diamond so notable (Eaton-Magaña et al, 2007). It was acquired by the Smithsonian Institution in 1963 from Harry Winston, who gave the actual name of the diamond; from the U.S. National Museum Annual Report, one can read, relative to Accessions (Taylor, 1964, p. 43): “Received from an anonymous donor was the Portuguese diamond, a very fne step-cut stone weighing 127.01 carats. Te Portuguese diamond is the largest cut diamond from Brazil and the 13th largest in the world. In the 1920’s it was recut to its present shape from a 150 carat cushion-shaped stone. Details of its early history are unknown, but it is said that it was once owned by the royal family of Portugal”; and then, in the end of the Report concerning the Donors (p. 159) one reads: “Harry Winston, Inc. New York: Octagon emerald-cut diamond known as the Portuguese diamond”. Harry Winston acquired the diamond from Peggy Hopkins Joyce in 1951, who owned it since 1928, having bought it from New York jewellers Black, Starr and Frost – a news item in the New Britain Herald, of March 13, 1928 (p. 15) says that Peggy Hopkins Joyce has bought a 127-carat diamond, described as “the largest blue diamond in the world, more than an inch square (…)”; a previous news of Te Republican Journal, September 07, 1926 (page 8) stated that “the largest perfect blue diamond in world is now in New York and for sale; it weighs 127 carats. Price: $300,000.” Also, from news published in 1947, April 17 (p. 3) in Fort Covington Sun, one can see that a 127-carat emerald-cut gem in a necklace of small dia- monds presented in the American Gem society meeting in Chicago was valued at $650,000. On June 20, 1956, in Te Pittsburgh Press (page 27), we see news reporting that the “Great Brazilian Diamond”, valued at $1,250,000, is for sale – a necklace with the centre stone of approximately 130 carats in weight in a chain set with baguettes. Also, in a news article on Sponsor, December

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 221 José Pinto Casquilho

28, 1957 (p. 59), it is said that Harry Winston, famous New York jeweller, is ofering to Texas oilmen a product only millionaires can buy, “It’s the 127 carat, blue Portuguese Diamond, largest emerald cut diamond in the world. Price quoted in the copy: $1 million.” Here one can see that as far about 1957 the gem was already mentioned as the Portuguese diamond. In the periodical Broadcasting Telecasting (1958, January 13, p. 38) there is a news feature referring to a diamond of 127 carats that Harry Winston Inc., would have for sale for $1 million, which had been dug up in Brazil and once owned by the Portuguese royal family. Te mystery follows in that several authors say, with greater emphasis nowadays, that the name ‘Portuguese Diamond” came from a mistaken le- gend that the gem would had belonged to the crown jewels of Portugal (e.g. Proddow and Fasel, 1996, p. 66). In the same sense Balfour (2000, p. 216) states that no information has been uncovered to substantiate its ownership by the Portuguese kings, and that it has been asserted that it was recut to its present shape from a cushion shape that had weighed 150 carats, obtained from a rough gem unearthed in South Africa in 1910 or 1912. In fact, even the Gemological Institute of America (GIA) states2: “Of South African origin, the Portuguese Diamond weighs 127.01 ct. (…)”; or, quoting another GIA statement3: Strangely enough, the 127.01-carat famous diamond called Te Portuguese seems to have no connection to its namesake country. At one point, legend claimed that the diamond was found in Brazil in the mid-18th century and became part of the Portuguese crown jewels. However, with no known substantiation to this story, the legend has been discredited. A more explicit account is given in the National Gem Collection, where more detailed information is presented, from which I transcribe excerpts (Post, 1997, pp. 36-37): Te Portuguese Diamond at 127.01 carats is the largest faceted diamond in the National Gem Collection. Its near fawless clarity and unusual octagonal emerald-cut make it one of the world’s most magnifcent gems. It is perhaps more than a little 2 https://www.gia.edu/famous-diamonds 3 http://4cs.gia.edu/en-us/blog/famous-diamonds-portuguese/

222 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

surprising, then, that so little documented information exists about its origin and early history. (…) Te diamond owes its current name to one such legend according to which the diamond was found in Brazil in the mid-eighteenth century and became part of the Portuguese Crown Jewels. Tere is no documentation, however, that substantiates a Brazilian origin or connection to Portuguese royalty, nor it is clear where or from whom this story originated. As is discussed below, the diamond most likely was found at the Premier mine in Kimberley, South Africa, early in the twentieth century.

Interestingly the extensive media coverage that followed exhibitions of the diamond around the country during 1946- 47 made no reference to the diamond by its current name or to a Portuguese or Brazilian connection. (…) Most accounts indicate that the diamond, which was owned at the time by a syndicate of American diamond dealers, had mysteriously appeared in Amsterdam some years earlier as a rough cut, cushion-shaped stone weighing 187 carats, which was recut into its present form. Tey also state that diamond dealers all over the world were puzzled by the diamond’s lack of history and had tried to trace its origin without success. (…)

One part of the diamond’s history that is well documented is that in February 1928 Peggy Hopkins Joyce acquired the diamond from Black, Starr & Frost. She traded a $350,000 pearl necklace for the diamond and $23,000 in cash. (…) Te jewelry frm’s spokesperson at the time indicated that the diamond was found at the Premier mine, Kimberley, South Africa, in 1910, and that the frm had obtained it shortly after its discovery. (…)

Harry Winston acquired the Portuguese Diamond from Miss Joyce in 1951, and for the next several years it traveled around the country as part of his “Court of Jewels” exhibition. In 1957, Winston sold the diamond to an international industrialist, who then traded it back in 1962. In 1963, the Smithsonian acquired the Portuguese Diamond from Mr. Winston in exchange for 2,400 carats of small diamonds. Te Portuguese Diamond strongly fuoresces blue under ultraviolet light. A soft fuorescence is visible even in daylight or artifcial light and gives the stone a slight bluish haze, enough so that it was once advertised as the “largest blue diamond in the world”. In fact, if not for the fuorescence, the diamond would appear slightly yellowish. Also, Feather II (2014) says: “Te diamond’s name comes from a claim

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 223 José Pinto Casquilho

that it once was believed to have been from Brazil and had been in the pos- session of Portuguese royalty. Tat claim proved untrue, and we now know that the diamond originated in South Africa.” Is it so?

oF portugAl

After 1640, Portuguese sovereigns were enthroned in what was known as an acclamation act (Auto de Levantamento e Juramento). In Figure 2 it is partially represented the portrait of the “Alegoria à Aclamação do Rei D. José I de Portugal” (allegory to the acclamation of King José I of Portugal), which was painted ca. 1750, attributed to Joana do Salitre (Gonçalves, 2013, pp. 410-416)4 of the school of Vieira Lusitano. It is a quite large painting (248cm x 320cm) and is not on public display, staying in one of the noble rooms of the ancient Royal Palace of Necessidades, which serves nowadays as he- adquarters of the Portuguese Ministry of Foreign Afairs. Being an allegory, the painting is an elaborated iconic metaphor and contains real and imaginary features – some we can check because the detailed report of the acclamation act it- self – which happened on the 7th Figure 2 – Excerpt of the Allegory of the Acclamation of King José I of Portugal, with his wife of September 1750, is available Queen Mariana Victoria de Bourbon (ca. 1750) 4 Other state that it was authored by Vieira Lusitano or co-authored by both.

224 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

(e.g. Azevedo, 1954); for instance, relative to the clothing of the king, it is stated he was wearing a grey silk suit with diamond buttons and also the badge of the Cross of Christ with remarkable diamonds – like the painting shows – and other jewellery. Tat suit of diamond buttons was famous even eighty years later, as Murray (1831, p. 55) points out: “Te buttons on the silken stole of King José I of Portugal, worn as a court dress, are twenty in all, each a brilliant; the aggregate value of these amount to £100,000 (…)”. But we should focus on the clasp-brooch of the mantle depicted in Figure 3. I believe that there is no doubt that there appears as central a quite large bluish octagonal stone, compatible with what would be the case for a cushion cut gem with rounded corners – surrou- nded by several white diamonds. It is like an enhanced version of the Mirror of Portugal – the brooch that contained the homonymous diamond (e.g. Casquilho, 2005). Comparing dimensions, in Figure 4 it is shown the parallel of the stone in the clasp of the mantle of the king and the Portuguese Diamond itself worn by Peggy Joyce; one can check that the size of the stones seems quite compatible, though in the clasp-brooch of the king the main axis of the stone is horizontal, while as a pendent in the platinum choke in the photograph it appears vertical. We can proceed a little further using the interpupillary distance (ID), which is considered to be a proper metric Figure 3 – Above: clasp-brooch for horizontal measures (Deza and Deza, of the mantle of King José I of Portugal; Below: Te Portuguese Diamond (pho- 2013, p. 595) for an average estimation; to: https://museumofdiamonds.org/ if we consider that the ID of the king products/portuguese-diamond) is the mean value for men, ca. 65 mm

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 225 José Pinto Casquilho

(Dodgson, 2004), and measure the horizontal and vertical axis of the gem proportionally, one gets the estimated results: 32.50 mm for the horizontal axis and 29.25 mm for the vertical axis, which are very close to the actual dimensions of the diamond.

Figure 4 – Comparing the dimensions of the clasp-brooch of José of Portugal with the diamond acquired by Peggy Joyce (photo: http://blackstarrfrost.com/timeline-2/); below at right: the Portuguese Diamond (http://geogallery.si.edu/index.php/10002688/portuguese-diamond)

Yet, there is another iconic sign showing that the king owned a large octagonal stone in the eighteenth century. Te equestrian statue of King José I of Portugal located in Praça do Comércio (previously known as Terreiro do Paço) was unveiled on the king’s birthday in 1775, twenty years after the devastation of Lisbon by the huge earthquake in 1755, casted by Joaquim Machado de Castro after drawings prepared by Eugénio dos Santos. A closer look to the head and shoulders of the statue as it is shown

226 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond in Figure 6, provides no dou- bt that the clasp of the mantle that appears in the right shoul- der – behind the Sceptre with the Eye of Providence – mi- mics an octagonal large stone surrounded by other compa- ratively smaller; I am claiming that the central stone can be no other than (a replica of) the Portuguese Diamond.

Figure 5 – Equestrian statue of King José of Portugal, 1775

Figure 6 – Te brooch-clasp on the right shoulder in the equestrian statue of king José of Portugal, 1775; Te Portuguese Diamond (photo: Chip Clark - http://geogallery.si.edu/index.php/10002688/portuguese-diamond)

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 227 José Pinto Casquilho

Queen Maria I was daughter of King José I and became the frst un- disputed queen regnant of Portugal in 1777. We also have the report concer- ning the Acclamation Act (Auto de Levantamento e Juramento) of Queen Maria I and his husband and uncle Pedro III (Peter III) written by António Pedro Vergollino (1780) and the des- cription of the diamonds that the que- en and his husband the king consort Pedro III were using is overwhelming, though one can’t fnd an explicit men- tion relative to a specifc big diamond. For instance it is told there: “Te he- address pretended to mimic an im- perial crown woven of innumerable diamonds (...) which appeared to be made of one stone without a similar in preciousness”. In Figure 7, the queen is shown with in a portrait of unknown Figure 7 – Portrait of Queen author, dated from the second half Maria I of Portugal, late eighteenth century (presumably before 1789) of eighteenth century – but previous from an unknown author, in Museu to 1789, when the ribbon became da Inconfdência Mineira (Ouro Preto, Brazil) tricolored – on display in Museu da Inconfdência Mineira (Brazil) and one can see that on her right shoulder there is a clasp with three “Barroco” pearls attached to a stone that could be the Portuguese Diamond; using the ID te- chnique, assuming that the interpupillary distance of queen Maria Francisca

228 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

Isabel is the average value for women which is 62 mm (Dodgson, 2004), the estimated dimensions of the shoulder diamond are ca. 29mm x 26mm, which seems smaller than those estimated relative to the stone previously discussed (Figure 4). I consider this approach inconclusive. Tere are at least two other portraits of the queen that should be inves- tigated, namely the one in Bemposta, authored by Giuseppe Trono, ca. 1791 (e.g. Raggi and Degortes, 2018). Queen Maria I died in Brazil (Rio de Janeiro) in March 20, 1816. Since May 13, 1777, she had been Queen of Portugal and the Algarves and, from December 16, 1815, until her death, she was Queen of the United , Brazil and the Algarves. She was succeeded by her son João, Prince Regent de facto since 1792 and de jure since 1799.

After about two years of mourning the death of his mother, King João VI was enthroned in February 6, 1818, at Rio de Janeiro, Brazil. Te pain- ting of Jean Baptiste Debret is dated from 1817, and shows the king in court dress with regalia (Figure 8). Te mantle is closed by a clasp-brooch with a noticeable big stone, although it doesn’t appear clearly defned with a crisp boundary; yet, the engraving done by Pradier after the painting of Debret, shows a remarkable gem with a global size compatible with the Portuguese Diamond, except that it seems rectangular and not almost quadrangular as it was supposed. Also, in the inventory of the jewels made after the death of the king in Portugal, and then in the judicial sentence for sharing the legacy assets (Soriano, 1887, pp. 698-711), there is no record relative to such a singular stone – contrary to what happens with the stone which is explicitly mentioned as the rough diamond of 135 ct. – but for the item named “prezilha rica” is said to have three diamonds, two encircled by rings and a major central one “muito rico” what is also stated to be a crown jewel – could that be the clasp of the in Figure 8? I believe, from the painting of Debret, it would be so.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 229 José Pinto Casquilho

Figure 8 – King João VI, painted by Debret in 1817, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Brazil (left); right: a detail of the painting; centre, a detail of the engraving done by Charles Pradier (ca. 1820) after the painting of Debret – the clasp in the mantle shows a large octagonal stone.

Still, from the painting of Debret, and using the interpupillary distance of the king to be the average value for men, I estimate the dimensions of the central stone, though perceived with fuzzy limits, to be around 27 x 23 mm, what is smaller than the size of the Portuguese Diamond. With the ambiguity emerging from the engraving of Pradier, I also fnd this approach inconclusive.

From the evidence previously pointed out, was claimed that the Portuguese Diamond is the gem appearing in the brooch of the Allegory of the Acclamation of King José, ca. 1750, is. So, one must look to (documen- ted) news concerning Brazilian diamonds, relative to a compatible stone, before that date. It should be recalled that an octave was a Mexican-Brazilian measure of weight for diamonds equivalent of ca. 17 ½ carats (Mawe, 1812, p. 224; Manutchehr-Danai, 2009, p. 612).

230 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

A diamond of nineteen octaves (ca. 1732) Rabello (1997, p. 77) tells that a beautiful Brazilian diamond of nine- teen octaves (so, weighing ca. 333 carats) appeared clandestinely in Europe, from what resulted the arrest of Manoel Alvares de Matos who had received the stone from Manoel Mendes de Vasconcelos in 1732. In the same book, from the table with the names of known smugglers, we can see it is the only case relative to a large stone mentioned before 1750. Since the history is well documented it can be presumed that the diamond was recovered by the king.

Te stolen diamond of an original stone of twenty-six octaves (ca. 1736) Tere is also a report published by Veiga (1897, pp. 286-287), relative to an ofcial petition addressed to the King João V of Portugal and signed by Manoel Caetano Lopes do Lavre, concerning a diamond “as big as an egg”, that was stolen from Manoel Rodrigues Nunes, living in Rio de Janeiro; it was in 1730 that it came to him a rough diamond weighting twenty-six octa- ves – as such, the diamond would weigh about 455 carats – that was cleaved into two stones by the jeweller Francisco Payva, as a result of an experiment to test whether it was a proper diamond, one part being considerably larger than the other – and then he found that it had disappeared from his house in 1735 and subsequently, in 1736, he made a complaint to the king promising to give the stone to the sovereign as, he said “the stone was the biggest and the better ever found and there will be no other comparable in Europe” – if he could retrieve it from the robber, whom he accused to be António José de Banhos Motta, saying also that he had brought it into the reign (Portugal). We don’t know the exact rough weight of the bigger stone but is acceptable to think of something like more than 300 carats (2/3 of the total). So, in any of those two cases above reported, there are stones likely to become what would be an octagonal cushion gem of ca. 150 carats, or even a little more, as it is known the general rule that when cutting the rough stone in general it loses about half, or more, of its original weight. We should em- phasize that in eighteenth and nineteenth centuries, a diamond like that – an octagonal cushion shape of ca. 150 ct. or more – would in fact be the greatest in Western Europe, greater than the Regent of France and the newly cut Koh-

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 231 José Pinto Casquilho

i-Noor of Great Britain, just being surpassed by the Orlov diamond with ca. 190 carats which adorned, since 1774, the sceptre of the Emperor of Russia.

tHe portugueSe diAmond

Tere are several other famous Brazilian gems that should not be con- fused with the Portuguese Diamond, from what follows some short remarks on the subject.

Te Braganza stone Te Braganza (Bragança) stone, a name that began being used in late 1800’s, previously known as the great diamond of the King/Queen of Portugal (e.g. Bomare, 1791, p. 127) or the great Brazilian diamond (Jameson, 1816, p. 13), and also called the large uncut Diamond of Portugal (Murray, 1831, p. 43), is reported to have been found in 1741, and in fact one can fnd a me- moire in Journal Oeconomique of July 1751 (pp. 143-144), mentioning the diamond found in Brazil and its weight of 1680 carats, including a sketch; that stone was referred to be instead a white topaz, even since the 18th century by Romé de l’Isle (1783, p. 208), and then many other. Bensaúde (1893) gives an interesting and developed account on the subject. Te Braganza stone was recently claimed to being probably an aquamarine by Galopim de Carvalho (2006), an hypothesis that was already presented previously (Bruton, 1986, p. 193) since there is such a gem still present in the royal collections of Ajuda Palace weighing 342 gr. – and, before standardization, Portuguese/Brazilian carat weighted ca. 205 mg (e.g. Streeter, 1882, p. 42; Valladares and Valladares, 1868, p. 118) what makes the weight convertible to about 1670 old carats which is very close to the more common reported fgure. Yet, Manutchehr- Danai (2009, pp. 56-57) makes a distinction that may become relevant: he distinguishes the Braganza stone (mentioned with 1640 carat), which he calls the Braganza topaz, from the Braganza diamond (which he also names the “Portugal diamond”) with ca. 144 ct.

232 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

Te Regent of Portugal Another issue at stake is that gemmologists Fryer and Koivula (1986) report the Portuguese Diamond as being the Regent of Portugal diamond, saying it nearly weighted 1 ounce troy (ca. 156 ct.). In fact, one can retrieve a report published in the late XIX century (Veiga, 1897, pp. 41-44) of the diamond found in the headwaters of river Abaeté, relative to a stone weighting 7 ¾ octaves, thus ca. 135 ct. – also mentioned as having 138 ½ ct concerning the diference in carats weight; in fact, from the inventory of the crown jewels made after 1910 one can see the report of a rough diamond weighing 27.7 grams, what would become 138 ½ standard carats – delivered to the crown treasury by a military company which found it, from what, by the order of Queen Maria I, they were rewarded: a set of 43 men received a total amount of 10,400$000 distributed according the ranking, which included the pay- ment for the freedom of 14 black slave men. Tat report is signed on the 6th of July 1797. Tat diamond was later designated “the great diamond of the crown of Portugal” (Lima, 1843, p. 243; Valladares and Valladares, 1868, p. 119). Also, Pereira and Rodrigues (1912, p. 149) mention the “Regente” as the name of the great diamond of the Portuguese crown. One of the Crown Jewels of Portugal stolen in the mysterious and suspicious robbery of Te Hague Museum, 2002, was a rough diamond with 135 ct - thus the Regente de Portugal (or Abaeté) diamond.

Te Portugal diamond One can read in the memories of Laura Junot – whom was also entitled Duchesse of Abrantes – the following (Junot, 1833, p. 115): “But the cabinet of Natural History at Lisbon was furnished with a fac-simile of the famous Portugal diamond, as large as an apricot, cut in white wood and inscribed with the exact weight of the original stone”; and, in a letter written by Junot to his wife, transcribed in the same book, it is said by him (Junot, 1833, p. 194): “(…) you may remember to have seen in the cabinet of Natural History at Lisbon, the exact imitation of the famous Portugal diamond, which, but for one discolored speck, would be the fnest jewel in the world.” Also, we can go further in the description of the fac-simile by Laura Junot (1837, p. 819):

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 233 José Pinto Casquilho

“(…) cut like a half-cone like it, and having the same spherical and conical shape as the diamond. It was as big as an apricot”. In fact Roset (1856, p. 16) refers to a stone which seems compatible, saying that that: “the sixth diamond of note belongs to the King of Portugal. It weighs ninety-three and three- quarters carats. It is about an inch and a quarter long, by an inch in width and in thickness.” It could be the diamond mentioned by Rebello (1829, p. 249), saying that in 1786 it was found a whole large diamond which by its weight was evaluated in many millions of cruzados and sent into the museum in Lisboa at that time. I think that the diamond mentioned by Rosas Júnior (1954, p. 15) like “grande brilhante torrado” with ca. 32 ct. is the remnant of the Portugal diamond recut, and, compatibly, Mawe (1823, p. 46) mentioned a diamond from Brazil weighing above 90 carats, which, when cut into brilliant weighed nearly 32 ct.

Star of the South Last, there is another famous Brazilian diamond, discovered after in- dependence of Brazil at Bagagem in 1853, which later would become known as the Estrela do Sul (Star of the South) cut into a dodecahedral oval cushion of 128.5 ct. with 35 mm long and 29 mm wide (e.g. Farrington, 1929, pp. 25-26) also known as the “Great Brazilian diamond”, which is a misleading name because it was also applied to the Braganza stone (e.g. Jameson, 1816, p. 13) and to the Portuguese Diamond as well. Tough its main dimensions and weight are similar to the Portuguese Diamond the main diferences are that it has not an octahedral emerald cut, instead being dodecahedral oval, and bears a pinkish-brown hue.

As Smith (2003) points out, famous diamonds often have complex and even controversial histories, because of the secrecy and legend associated with them. On the June 21, 1956, Te Pittsburgh Press (p. 18) reports a comment of Joan Herkold saying:

234 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

Around my neck was the sky blue Great Brazilian diamond, 130 carats and $1,250,000 worth; (…) True origin of the Brazilian is lost in antiquity. First record of it is 150 years ago when it left the ancestral crown of the Portuguese emperor for sale in Brazil. From there it traveled to many crown heads, people of fortune and outstanding families (…). Like all other famous stones, the emerald-cut Brazilian has become a part of world gem history. Te “sky blue” and the “emerald-cut” mentions leave no doubt it is the Portuguese Diamond, before bearing that name, and in fact we can see in Manutchehr-Danai (2009, pp. 213-539) that he refers to the Great Brazilian diamond as a stone of ca. 130 ct. weight cut, that belonged to the Crown Jewels of Portugal. Also, Copeland and Martin (1974, p. 188) say that the Great Brazilian diamond is a 130-carat diamond which was once part of the Crown Jewels of Portugal, and in 1956 it was claimed to have been set in a $1,250,000 diamond necklace and exhibited at Sears Roebuck stores. Te comment of Joan Herkold has some historic imprecisions – for instance, the only kings of Portugal whom were ofcially named Emperor of Brazil are João VI from 1825 until his death in 1826 (e. g. Soriano, 1887, pp. 668-673) and his son Pedro from March to the beginning of May, 1826 – but gives the most probable clue on the subject: the diamond would have travelled with the royal family in 1807/08 from Portugal into Brazil and from there it went away, being pawned or sold. Also, Elsa Maxwell in a book frst published in 1957 states she wore once, in a party, the Portuguese Diamond then saying (Maxwell, 1957, p. 25): “(…) at Mr. Winston’s suggestion, I also wore the Portuguese diamond which one of the Kings of Portugal had sent into Brazil, and which fnally reached New York.” José Rosas Júnior (1954: ix) says that in 1801 the Portuguese crown took out a loan of 12 million forins with the companies Hope in the Netherlands and Baring in London, giving Brazil’s diamonds as the main guarantee. It is also known that around 1807 the Marquis of Marialva was sent to Paris provided with full powers and a large portion of diamonds, to deal directly with Napoleon (Soriano, 1867, p. 661). In the judicial sentence for sharing the legacy assets of King João VI it is said that in the years 1809 and 1813 (thus, the Portuguese royal family was in Brazil) the Prince Regent sent to London

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 235 José Pinto Casquilho

the amount of 27,000 carats of cut diamonds to pay for the debts of the crown. Also, it is known that when King João VI returned into Portugal in 1821, he had left diamonds of the royal treasury, and also crown jewels, in the Bank of Brazil, as mentioned by Pereira da Silva (1877, p. 320). Even so, one can point other possibilities. It is written there was a huge treasure of diamonds in the , hidden at the orders of the queen consort Carlota Joaquina de Bourbon whom, when dying, told its location to his son Miguel – at the time, the king of Portugal – and that he could have and use it if extremely needed, what he proceeded (Berardo, 1840, p. 249); that subject is also confrmed by the Baron de Saint-Pardoux (1836, pp. 63-64) whom further states that the treasure, valued in many million, was delivered to captain Elliot in order to get an armada from England what, after all, didn’t happen; about the same is stated by Soriano (1885, p. 139) and the story of a hidden treasure in Queluz is mentioned too by John Latouche (1875, pp. 68-69). If the Portuguese Diamond would have been in that treasure, then it would have escaped from the ofcial inventories of crown jewels. Also, it is said that the Infanta Regente D. Isabel Maria gave to his brother king Miguel, fve or six bags of brilliants, the property of the state and not that of the sovereign (Murray, 1839, p. 78). I could not fnd any reference relative to a gem compatible with the Portuguese Diamond in diferent inventories of Portugal crown jewels. In a memory published in Archivo Pittoresco (1860, p. 22) there is a list of the crown jewels at the time with the corresponding monetary valuations, and one can’t identify a gem that could be the diamond. Yet, there are several news that can give some hints on the subject: in the Chicago Daily Tribune, August 21, 1863 it is said that the King of Portugal [Luís I at that time] was making continual sales of crown diamonds; in the Daily National Republican, April 09, 1864, it is stated that a great number of precious stones have been purchased by the French government from that of Portugal; in a news item of Te Sun, July 8, 1892 (p. 4), it is said that King Carlos (Charles) of Portugal possesses a fne diamond of 205 carats. Portugal was declared bankrupt by international news in the 1840’s going on intermittently until the 1890’s; one can read in a news article of New-

236 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

York Daily Tribune, May 23, 1842 (p. 2) a mention saying “poor, bankrupt Portugal”; in the same newspaper of August 4, 1843 (p. 2), reads that the fnances of Portugal appear to be utterly bankrupt; yet, in Te Daily Phoenix, January 19, 1873 (p. 3) a news report states that Spain, Portugal and Mexico are virtually bankrupt; a similar utterance is stated in Te Sun, May 10, 1891 (p. 19); also in the Mohave County Miner, February 27, 1897 (p. 2) one can read that “Portugal is bankrupt; she has repudiated 50 per cent of her public debt, and now her ministry has retired after trying in vain to provide the treasury with a revenue adequate to its needs”; In another account of Te Chicago Eagle, January 04, 1896 (p. 7) it is said that one of the objects of the visit of the King of Portugal [Carlos I] to London was to consult a jeweller as to the proper maintenance of the crown jewels; but, in Te Hope Pioneer, December 6, 1895 one can read that king brought the royal crown with him: It was ofcially announced that he wished to consult London jewelers concerning repairs to be made to the crown, but the truth is that he is desirous of realizing a considerable sum of ready money on the bauble (…). Te crown of Portugal is the most valuable in Europe, although little has been heard about it. It´s valued at $8,000,000. (…) Te jewels in the crown consist of diamonds, rubies, pearls, sapphires and emeralds, set in solid gold. Its weight is three pounds fve ounces troy.

On the news of New Ulm Review, September 8, 1896 one can fnd: Portugal’s national debt is about $750,000,000, payable in gold in accordance with the refunding laws of October 30, 1893. Te principal holder of the debt is the house of Rothschild, acting as trustee for British investors. Te original debt dates from 1850 and the national bond issues were on a silver basis. About twenty-three years ago Portugal was placed on a gold basis at a meeting of the national creditors held in the bank of England. (…) In January, 1892, the King of Portugal was forced to relinquish a ffth of his civil list to cut down expenses and avert a revolution. His pawning of the crown jewels in London attracted worldwide attention a year or more ago. Ten, many newspapers report about the same king having pledged the crown jewels in London; the Evening Star, May 11, 1901 (page 20) mentions he received the amount $4,000,000 or 20,000,000 francs; another news from

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 237 José Pinto Casquilho

the Minneapolis Journal, September 3, 1902 (page 13), says that the jewels pawned included the diamond encrusted sceptre valued at $5,000,000, and that the gems embedded in the royal crown are said to be taken out and paste substituted, what is also stated in Te Washington Times, September 3, 1903 (page 1); in Te Pacifc Commercial Advertiser, October 25, 1902 (page 11), says that the crown of Portugal has been in the keeping of Rothschild London branch since 1894, when the king borrowed 5,000,000 francs for it, about 1/8 of its value; in Te Seattle Star, August 25, 1902, it is said that the crown jewels of Portugal were recently sold to cover a big royal debt, the money being due to a foreign banking frm, and the jewels had been replaced by imitations; in Te River Press, October 22, 1902 (page 3) it is said that King Carlos I of Portugal, has pawned the crown jewels, including the sceptre of Dom Pedro IV, valued at millions of dollars, and the Braganza diamond; also, in the New- York Daily Tribune, September 20, 1907 (page 7) it is said that for some years ago it was found necessary to sell the whole of the crown jewels of Portugal, some of which are now in America. In fact, at least some of the crown jewels were sold by King Carlos I with the tacit consent of the Government of Portugal, but not of the Parliament. After the death of King Carlos in the regicide (1908), he was succeeded by his son Manuel II, the last king of Portugal. In a news item of Te Sun, April 25, 1908 (page 3) it is said that King Manuel II ordered an inventory to be made and it was discovered that a magnifcent belt studded with diamonds and rubies, several bracelets and a pearl necklace worth $750,000 were mis- sing; Te Evening World, April 24, 1908 (page 11) reports the same amount, based on the Portuguese Republican press, saying that the jewels were secretly sold by King Carlos to meet debts, and having charged that absolute proof existed of the fact that a large portion of these jewels had been sold without the consent of Parliament.

From what was accounted in this paper, it is claimed there is sufcient iconic evidence that the Portuguese Diamond belonged to King José I of

238 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

Portugal and, presumably, though with a lesser degree of probability, also to his successors, Queen Maria I and King João VI. Still, it should be noted that the stone being rough-cut in a cushion is quite compatible with a Brazilian origin: Shipley et al. (1948, p. 31) say that “Brazilian cut brilliant” is a cushion-shaped diamond, also known as “old mine cut”. I couldn’t fnd any documented evidence relative to when the diamond left Portuguese royalty, and where it went and to whom. Maybe, as other have said, and was previously reported in this paper, the diamond was in Brazil and from there went to England, then Holland to be recut, and at last New York. Could it be the diamond of 205 (or 215) carats mentioned in posses- sion of King Carlos, then pawned and/or sold among other crown jewels? A news item in Mohawk Sentinel, March 17, 1825 (p. 4) reports the Brazilian diamond belonging to the King of Portugal [João VI at the time] weighing 215 carats. Tat diamond, which I couldn’t fnd mentioned in the inventories of crown jewels, seemed to be consistently documented since one can read in Jannettaz et al. (1881, p. 225) that the King of Portugal has a large diamond which Petzholdt assessed the weight as 205 carats; and Barbot (1858, p. 256) also mentions it with the weight of 215 ct., a fgure that was already stated previously by Romé de l’Isle (1783, p. 209) and then Batchelor (1840, p. 33); yet, that diamond is mentioned by Murray (1839, p. 70) as the round brilliant of Portugal – and the author claimed he had a model – also, presumably, was kept in the Brazilian treasury after independence (idem, p. 73). In fact I don’t know, but that reveals another vertex of this work which is the veil of secrecy, so common when crown jewels change ownership in a mysterious gizmo. Te fact that the diamond was initially described as the “unknown” in the Smithsonian collection as told by Balfour (2000, p. 216) can be a meanin- gful ellipsis, when it is known that Harry Winston named it the Portuguese Diamond. Winston amassed a gem collection that ranked second only to that of the British Crown, and of some 300 major diamonds ranked by the Gemological Institute, at one time he had owned 60 (Gerber, 1995, p. 848). Another meaningful curiosity: a condition of his insurance policy with Lloyds of London, the largest gem policy ever issued in Lloyds’s 275-year history, was

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 239 José Pinto Casquilho

that he never be photographed (Bruton, 1986, p. 223). Balfour (2000, p. 216) also says that the February 1924 issue of Vogue carried an advertisement for the New York jewellers, Black, Starr & Frost, which stated the following: Another historic jewel is the Black, Starr and Frost diamond. It is a blue diamond, of particular intensity of color, and weighs 127 carats – larger than the Koh-i-noor. More than that, it is the largest blue diamond ever discovered. It is absolutely perfect in every way, and it is the largest diamond of any kind which is ofered for sale. Price $300,000. So, the jewellers Black, Starr & Frost claimed at that time it was a “historic jewel” then informing later it was mined in South Africa about 1910 or 1912? Tose can be curious dates too, since in 1910 the Portuguese monar- chy was destitute, replaced by the republic, and in 1912 there was the public sale of the jewels of Queen Maria Pia of Portugal. Concerning that subject, a news story in Te Daily Evening Telegraph – Philadelphia of August 19, 1867 (p. 8) reported the dress Figure 9 - Te gizmo of the Portuguese Diamond and the jewels of Queen Maria Pia of Portugal at a prom in Paris, saying “(…) but the immense number of diamonds on her neck and shoulders must have been somewhat heavy. A large diamond square in par- ticular, a snap, called in French ‘ferret’ was more like a dazzling star.” In fact some newspapers at the time, like Te San Francisco Call, January 28, 1912 (p. 22), claimed that it was the sale of crown jewels of Portugal, and from the catalogue issued by Banco de Portugal at the time, one can see mentioned some major pieces of jewellery.

240 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

Anyway, what seems certain is that there is a secrecy pending on the transaction of the Portuguese Diamond, and then it appears in the twenties in New York for sale and is bought by Peggy Hopkins Joyce. Concerning this last transaction Jefrey Post (1997, p. 37) clarifed: Miss Joyce was a dazzling blonde who performed in the Ziegfeld Follies, a true glamour girl of the 1920s. She had six husbands, at least fve of whom were men of wealth, and claimed to have been engaged ffty times. She was said to be almost as fond of jewels as of men. Sometime prior to 1946 Miss Joyce placed the diamond on consignment to the group of jewelers mentioned above, in an unsuccessful attempt to sell it. Josephy and McBride (1931, p. 176) said at the time: “Peggy Hopkins Joyce got her 127 carat diamond from Black, Starr and Frost and paid $300,000 for the huge, square thing, hung on a fexible diamond necklace which ftted into the hollow of Peggy’s white expensive throat.” One could say: an epiphany of the American Dream. So, the diamond goes from a legacy of the Portuguese royalty, then, and through the veil of se- crecy, some decades later became a commodity that is to be sold and bought, though, curiously, either in the case of Peggy Joyce or later of Harry Winston, the transaction is mainly made in exchange of other gems, not cash. It is also known that Winston was fascinated by the history of ownership, as well as the intrinsic value of the gems, and he used these histories to enhan- ce interest in the stones (Gerber, Figure 10 – Excerpt of the painting of Peggy 1995, p. 848). Fortunately, then, Hopkins Joyce with the Portuguese Diamond we owe to Harry Winston that the (by Raymond Perry Rogers Neilson)

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 241 José Pinto Casquilho

diamond did not lose its historic root, after all kept with the proper name. It is possible that previously the name was the “Braganza diamond” – not the Braganza stone as discussed – but that would be a somehow critical issue, or an unlucky name, since there were news at the time like the one in Te Washington Herald, December 11, 1910, mentioning the “Braganza curse”. Yet, the diamond in its singularity as perceived by humans, found its own way to become an institutional symbol again: now the largest faceted diamond in the National Gem Collection of the National Museum of Natural History in the United States of America. Te Portuguese Diamond is a proper, suitable name, for the gem. Names are identity signs (Danesi, 2018, p. 38) and, at least for some, nomen est omen.

reFerenceS

Andrada (e Silva), José Bonifácio D.’ (1797). An Account of the Diamonds of Brazil. Journal of Natural Philosophy, Chemistry, and the Arts (Ed. G.G and J. Robinson), v. 1, pp. 24-26. Azevedo, Aroldo de. (1954). O Auto de Aclamação d’El-Rei Dom José I. Revista de História, v. 9, n. 19, pp. 221-247. Balfour, Ian. (2000). Famous Diamonds (4th Edition). Christie, Manson and Woods, Ltd. London, England. Barbot, Charles. (1858). Traité Complet de Pierres Précieuses. Paris: Lacroix et Baudry. Batchelor, S. (1840). Te Cabinet of Gems or the Vocabulary of Precious Stones. Knaresborough: W. Langdale. Bensaúde, Alfredo. (1893). O diamante. Revista de Sciencias Naturaes e Sociaes, v. 2, n. 8, pp. 159-184. Berardo, José de Oliveira. (1840). Revista Histórica de Portugal – Desde a Morte de D. João VI até ao Falecimento do Imperador D. Pedro. Coimbra: Imprensa de Trovão. Bomare, Jacques Cristoph V. de. (1791). Dictionaire Raisonné Universel d’ Histoire Naturelle (4th Ed.), Tome Sixième, Lyon: Bruyset Frères.

242 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

Boxer, Charles Ralph. (1964). Te Golden Age of Brazil: 1695 – 1750. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press. Boxer, Charles Ralph. (1969). Te Portuguese Seaborne Empire: 1415-1825. London: Hutchinson & Co Publishers Ltd. Bruton, Eric. (1986). Legendary Gems or Gems that Made History. Radnor, Pennsylvania: Chilton Book Company. Buist, Marten Gerbertus. (1974). At Spes non Fracta: Hope & Co. 1770-1815. Te Hague: Springer, Martinus Nijhof. Burton, Richard F. (1869). Te Highlands of Brazil (vol. II). London: Tintley Brothers. Carvalho, Rui Galopim de. (2006). Te Bragança “Diamond” Discovered? Gems & Gemology, v. 42, n. 3, pp. 132-133. Casquilho, José. (2005). Os diamantes do Venturoso. História, v. XXVI, n. 75, pp. 44-47. Cattelle, W.R. (1911). Te Diamond. London, New York: John Lane Company. Copeland, Lawrence; Martin, Jeanne. (1974). Diamonds. Famous, Notable and Unique. Los Angeles: Gemological Institute of America. Crider, H. D. (1924). Te Story of the Diamond. American Midland Naturalist, v. 9, n. 4 pp. 176-191. Danesi, Marcel. (2018). Of Cigarettes, High Heels and Other Interesting Things – An Introduction to Semiotics (3rd Ed.). New York: Palgrave Macmillan. Deza, Michel Marie; Deza, Elena. (2013). Encyclopedia of Distances (2nd Ed.). Heidelberg, New York: Springer, London: Dordrecht. Dodgson, Neil A. (2004). Variation and extrema of human interpupillary distance in Proc. SPIE Vol. 5291, Stereoscopic Displays and Virtual Reality Systems XI, (Eds: A. J. Woods, J. O. Merritt, S. A. Benton and M. T. Bolas), 19-22 January 2004, San Jose, California, USA, pp. 36-46. Eaton-Magaña, Sally; Post, Jefrey E; Heaney, Peter J; Walters, Roy A; Breeding, Christopher M; Butler, James E. (2007). Fluorescence Spectra of Colored Diamonds Using a Rapid, Mobile Spectrometer. Gems & Gemology, v. 43, n. 4, pp. 332-351.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 243 José Pinto Casquilho

Farrington, Oliver C. (1929). Famous Diamonds. Geology-Leafet #10. Chicago: Field Museum of Natural History. Feather II, Russell C. (2014). Beyond Hope: Some Other Notable Diamonds at the Smithsonian Institution - Part 1, Rocks & Minerals, v. 89, n. 1, pp. 27-29. Fryer, C. W.; Koivula, J. I. (1986). An Examination of Four Important Gems. Gems & Gemology, v. 22, n. 2, pp. 99-102. Gerber, Barbara L. (1995). “Harry Winston”. In Dictionary of American Biography – Supplement 10: 1976-1980 (Jackson, K. T, Markoe, K. E. and Markoe, A. Eds). Charles Scribner’s Sons: New York Gonçalves, Suzana C. N. (2013). A Arte do Retrato em Portugal no Tempo do Barroco (1683-1750) – Conceitos, Tipologias e Protagonistas. Tese de doutoramento em História. Universidade de Lisboa. Goudar, Ange. (1756). Rélation Historique du Tremblement de Terre Survenu à Lisbonne. La Haye: Philanthrope. Hamlin, Augustus C. (1891). Leisure Hours among the Gems. Boston and New York: Houghton, Mifin and Company; Cambridge: Te Riverside Press. Jameson, Robert. (1816). A System of Mineralogy (2nd Ed.) vol.1. Edinburgh: Neil & Company. Jannettaz, Pierre Michel; Vanderheym, Émile; Fontenay, E.; Coutance, A. (1881). Diamants et Pierres Précieuses. Paris: J. Rothschild, Éd. Jefries, David. (1751). A Treatise on Diamonds and Pearls (2nd Ed.). London: C. and J. Ackers. Josephy, Helen; Macbride, Mary Margaret. (1931). New York is Everybody’s Town. New York, London: G. P. Putnam’s Sons. Jones, William. (1880). History and Mystery of Precious Stones. London: Richard Bentley and Son. Junot, Laura. (1833). Memoirs of the Duchess D’Abrantès (vol. VI). London: Richard Bentley. Junot, Laura. (1837). Mémoires de Madame la Duchesse D’Abrantès (vol. 2, 4th Ed.). Bruxelles: Hauman, Cattoir et Compe. Latouche, John. (1875). Travels in Portugal (2nd Ed). London: Ward, Lock and Tyler, Warwick House.

244 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

Lima, José Inácio de Abreu e. (1843). Compendio da História do Brasil com Retratos. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. L’Isle, Jean Baptiste Louis de Romé de. (1783). Cristallographie ou Description des formes propres à tout les corps du Regne Minéral Tome II (2nd Ed.). Paris: L’Imprimerie de Monsieur. Manutchehr-Danai, Mohsen. (2009). Dictionary of Gems and Gemology (3rd Edition). Berlin, Heidelberg: Springer. Maxwell, Elsa. (1957). How to Do It, or, Te Lively Art of Entertaining. Boston: Little, Brown and Company. Mawe, John. (1812). Travels in the Interior of Brazil. London: Longman, Hurst, Rees, Orme and Brown, Paternoster-Row. Mawe, John. (1823). A Treatise on Diamonds and Precious Stones (New Edition). London: Longman, Hurst, Rees, Orme and Brown, Paternoster-Row. Murray, John. (1831). A Memoir on the Diamond. London: Longman, Rees, Orme, Brown & Green. Murray, John. (1839). A Memoir on the Diamond. Including its Economic and Political History (2nd Ed.). London: Relfe & Fletcher, Cornhill. Pereira, Esteves; Rodrigues, Guilherme. (1912). Portugal - Diccionario Historico, Chorographico, Biographico, Bibliographico, Numismatico e Artistico (vol. VI). Lisboa: João Romano Torres e C.ª – Editores. Phillips, Alfred. (1887). Te Application of Gems to the Art of the Goldsmith. Journal of the Society of Arts, Vol. XXXV, pp. 438-455. Pires, Antonio Olyntho dos Santos. (1903). Mineração – Riquezas Minerais (Memória). Bello Horizonte: Imprensa Ofcial do Estado de Minas Geraes. Pole, William. (1861). Diamonds. London: Reprinted from Te Transactions of the London and Middlesex Archaeological Society, Vol. I. Post, Jefrey I. (1997). Te National Gem Collection. New York: Harry N. Abrams, Inc. Proddow, Penny; Fasel, Marion. (1996). Diamonds: a Century of Spectacular Jewels. New York: Harry N. Abrams Publishers. Rabello, David. (1997). Os Diamantes do Brasil na Regência de D. João, 1792- 1816: um Estudo de Dependência Externa. São Paulo: Editora Arte & Ciência.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 245 José Pinto Casquilho

Raggi, Giuseppina; Degortes, Michela. (2018). A Pintura de Giuseppe Trono na Capela do Paço da Bemposta – Academia Militar. Lisboa: Edições Colibri. Rebello, Domingos José António. (1829). Corographia (ou Abreviada Historia Geographica do Imperio do Brasil). Bahia: Typographia Imperial e Nacional. Rosas Júnior, José. (1954). Catálogo das Jóias e Pratas da Coroa. Lisboa: Palácio Nacional da Ajuda. Roset, Hipponax. (1856). Jewelry and the Precious Stones. Philadelphia: John Penington & Son. Saint-Pardoux, Baron de. (1836). Campanhas de Portugal em 1833 e 1834. Lisboa: Tipographia de J. P. F. Telles. Shipley, Robert Morril; Wigglesworth, Edward; Beckley, Anna McCornell. (1948). Dictionary of Gems and Gemology - Including Ornamental, Decorative and Curious Stones. Los Angeles: Gemological Institute of America. Silva, João M. Pereira da. (1877). História da Fundação do Império Brasileiro – Tomo II. 2a Ed. Rio de Janeiro: B. L. Garnier. Smith, G. (2003). Te allure, magic and mystery—A brief history of diamonds. Te Journal of Te South African Institute of Mining and Metallurgy, v. 193, n. 9, pp. 529-534. Soriano, Simão José da Luz. (1867). História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal (Tomo II). Lisboa: Imprensa Nacional. Soriano, Simão José da Luz. (1885). História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal (Tomo V). Lisboa: Imprensa Nacional. Soriano, Simão José da Luz. (1887). História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal (Tomo VI). Lisboa: Imprensa Nacional. Streeter, Edwin W. (1882). Te Great Diamonds of the World – Teir History and Romance (Ed: José Hatton & A. H. Kane). London: George Bell & Sons. Svisero, Darcy P., Shigley, James E., Weldon, Robert. (2017). Brazilian Diamonds: A Historical and Recent Perspective. Gems & Gemology, v. 53, n.1, pp. 2-33.

246 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 On the enigma of the Portuguese Diamond

Taylor, Frank A. (1964). Te United States National Museum – Annual Report for the Year Ended June 30, 1964. Washington, D.C.: Smithsonian Institution. Thom, René. (1994). Reflections on Hansjakob Seiler’s continuum, In Continuity in Linguistic Semantics (Eds: Catherine Fuchs; Bernard Victorri). Amsterdam/Philadelphia: John Benjamin Publishing Company, pp. 155-166. Valladares, Gualdino; Valladares, Augusto. (1868). Almanach Familiar para Portugal e Brazil, 1º Anno. Braga: Typographia de Antonio Bernardino da Silva. Vandelli, Domingos. (1899). Memoria sobre os Diamantes do Brazil. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, v. XX, pp. 279-282. Veiga, José Pedro Xavier da. (1897). Revista do Archivo Publico Mineiro, Anno II. Ouro Preto: Imprensa Ofcial de Minas Gerais. Vergollino, Antonio Pedro. (1780). Auto de Levantamento e Juramento de D. Maria I e D. Pedro III. Lisboa: Regia Ofcina Typografca Vidal, Eduardo. (1877). História de Portugal (5º vol.). Lisboa: Ofcina Typographica de J. A. de Mattos.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 247

diretriZeS pArA AutoreS

1) Diálogos é um periódico publicado anualmente pela Faculdade de Filosofa e Ciência Humanas da Universidade Nacional Timor Lorosa’e. Tem como objetivo promover a partilha de conhecimento por meio de artigos, ensaios e resenhas inéditos e que apresentem relevância académica e social. 2) Os trabalhos submetidos à publicação deverão ser originais e inéditos. 3) A revista Diálogos publica trabalhos em Português, Inglês e Tétum. Sendo assim, os manuscritos submetidos deverão ser escritos em uma destas variantes linguísticas. 4) Os originais deverão ser submetidos diretamente na secretaria da Faculdade de Filosofa e Ciência Humanas ou pelo email: [email protected] 5) Os artigos passarão pela apreciação da Comissão Editorial Executiva, que irá avaliar a viabilidade da sua publicação. A avaliação será realiza- da de forma cega por, no mínimo, dois pareceristas, que enviarão suas considerações para a Comissão Editorial, que decidirá quais artigos serão publicados em cada edição. 6) Para assegurar a avaliação cega, os pareceristas não serão informados sobre os dados do(s) autor(es). No entanto, os autores são responsáveis por garantir que não haja menções no corpo do texto que possam identifcar a autoria. 7) Critérios avaliados nos artigos submetidos à publicação: a. Estrutura: a estrutura precisa apresentar uma lógica interna com relação aos tópicos abordados; b. Redação: o texto precisa apresentar clareza, qualidade ortográfca e gramatical, argumentação consistente com o assunto abordado; c. Aspectos técnicos e teóricos: o texto precisa apresentar o uso corre- to dos conceitos abordados, bem como demonstrar domínio sobre os mesmos; d. Originalidade: será considerado a originalidade, o ineditismo, o nível de inovação apresentado, bem como a pertinência para a área de estudo do trabalho.

Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020 | 249 8) Todos os textos apresentados para apreciação deverão conter: título com- pleto do trabalho em português, inglês ou tétum. O resumo deverá ser apresentado no idioma original do trabalho, bem como uma versão em inglês contendo entre 100 e 150 palavras, com espaço simples. Os trabalhos também devem conter no máximo quatro palavras-chave escritas no idioma original e uma versão em inglês. Os trabalhos deverão ainda conter o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es) e sua(s) titulações máximas. 9) Após a avaliação dos pareceristas, a Comissão Editorial irá informar o autor principal se o texto foi aceito para publicação, se foi aceito com alte- rações ou se foi recusado. A Comissão Editorial reserva-se o direito de não devolver os manuscritos recebidos. 10) Os artigos devem seguir um padrão uniforme na sua formatação gráfca. Para isto sugerimos que os manuscritos enviados sigam as seguintes diretrizes: a. Fonte Times New Roman 12, justifcado, formato A4 (210x297), espaço de 1,5 e conter no máximo 8 mil palavras para os artigos e 4 mil palavras para as resenhas, incluindo título, resumo, palavras-chave, referências e notas; b. Itálico: para palavras estrangeiras, títulos (livros, eventos, etc.) e ênfase; c. Deve-se evitar os marcadores em negrito e sublinhado. 11) Para citações bibliográfcas, os autores deverão seguir as normas do sis- tema APA de referências. 12) Os autores que publicam na revista Diálogos deverão concordar com os seguintes termos: a. Os autores mantêm os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação; b. Os autores podem realizar a distribuição ou a republicação do artigo (como capítulos de livros, em sites ou blogs, por exemplo), desde que mantenham a autoria e as referências de publicação inicial nesta revista. 13) Política de Privacidade: os nomes e endereços dos autores serão utilizados exclusivamente na edição da revista onde seus artigos foram publicados, não sendo disponibilizados para outras fnalidades ou a terceiros.

250 | Diálogos | Ano 05 | n.o 05 | 2020