UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE BELAS ARTES

Henrique Roscoe Correa Pinto

Tocando Imagens – Dispositivos e Técnicas da

Belo Horizonte

2019 Henrique Roscoe Correa Pinto

Tocando Imagens – Dispositivos e Técnicas da Visual Music

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes.

Área de Concentração: Artes

Linha de Pesquisa: Poéticas Tecnológicas

Orientador: Jalver Machado Bethônico

Belo Horizonte

2019

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao meu orientador, Jalver Machado Bethônico, pelas conversas, ensinamentos e ajuda para a realização deste trabalho.

Agradeço à Danielle Curi, minha esposa e amiga, que me ajudou nos momentos difíceis de produção deste projeto, assim como em todos os momentos complicados da minha vida.

Aos meus pais, irmãos e irmã, agradeço pela contribuição para a minha formação, que me permitiu chegar até aqui.

Agradeço aos amigos com os quais troquei informações importantes, que me auxiliaram no desenvolvimento desta pesquisa, assim como na minha formação artística e profissional: Fabiano Fonseca, Patrícia Moran, Caio Fazolin, Fernando Velázquez, Luiz Duva, VJ Spetto, Sonia Labouriau, Marcus Bastos, Gabriel Menotti, Lucas Bambozzi, Guilherme Pedreiro, Carlos Marinho.

Aos professores Carlos Falci, Sérgio Basbaum e Marília Bergamo agradeço o aceite do convite para participar da banca de defesa da dissertação e da qualificação, colaborando com suas pontuações e experiência para o aprimoramento deste projeto.

Um especial agradecimento a todos os artistas e inventores da Visual Music, que são o foco desta pesquisa e foram fundamentais na construção de minha carreira artística, servindo de inspiração por meio de suas obras, escritos e vida pessoal. Obrigado! RESUMO

A pesquisa trata das diversas ferramentas tecnológicas utilizadas por artistas para criar e executar trabalhos de Visual Music desde os primeiros experimentos com Color Organs no século XVIII até a produção contemporânea, mostrando de que maneira estes instrumentos interferem no resultado artístico final. O objetivo do projeto é mostrar como cada instrumento acaba guiando a criação artística, seja por suas possibilidades, seja por suas limitações. Utilizando exemplos de trabalhos nessa área, realizados principalmente nos séculos XX e XXI, pretendemos mostrar a diversidade da produção e sua influência direta no resultado criado pelos artistas. No estudo de casos, artistas fundamentais dentro desta área foram cuidadosamente escolhidos e analisados a fim de entender de que forma os instrumentos por eles inventados concretizaram suas aspirações conceituais, ampliando seu potencial artístico e servindo de inspiração para as gerações posteriores. A pesquisa envolve ainda uma delimitação do conceito de Visual Music, sua gramática e influência sobre outros gêneros do audiovisual, apresentando possíveis desdobramentos de seus princípios. A pesquisa é embasada principalmente nos conceitos de Gilbert Simondon a respeito dos objetos técnicos, e de Wassily Kandinsky sobre os possíveis modos de relação entre som e imagem, entre outros importantes autores da área.

Palavras-chave

Visual Music, Instrumentos, Audiovisual, Objeto Técnico, Fischinger, Wilfred, Joshua Light Show. ABSTRACT

The research deals with many technological tools used by artists to create and execute works of Visual Music from the first experiments with Color Organs in the eighteenth century until the contemporary production, showing how these instruments interfere in the final artistic result. The objective of the project is to show how each instrument ends up guiding the artistic creation, either by its possibilities or by its limitations. Using examples of works in this area carried out mainly in the 20th and 21st centuries, we intend to show the diversity of production and its direct influence on the result created by the artists. In the cases study, key artists within this area were carefully chosen and analyzed in order to understand how the instruments they invented fulfilled their conceptual aspirations, expanding their artistic potential and serving as inspiration for later generations. The research also involves a delimitation of the concept of Visual Music, its grammar and influence on other genres of audiovisual, presenting possible unfolding of its principles. The research is based mainly on the concepts of Gilbert Simondon on technical objects, and Wassily Kandinsky on the possible modes of relation between sound and image, among other important authors of the area.

Keywords

Visual Music, Instruments, Audiovisual, Technical Object, Fischinger, Wilfred, Joshua Light Show. LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - de Rimington ...………………………………….……………....…..29 Figura 2 - Correspondências entre cores e notas musicais ...……………….……..…...…….32 Figura 3 - Thomas Wilfred e seu “Clavilux” ...……………………………..……....……….33 Figura 4 - “Piano Optophonique”, de Vladimir Baranoff Rossin (1924) …..…….………...35 Figura 5 - “Growth of the night plants”, Paul Klee (1922) ...…………………….…...…….38 Figura 6 – Zootropio (1889) ...……………………………………………………………….40 Figura 7 - Frame do filme “Begone Dull Care”, de Norman Mclaren (1949) ….....….…….43 Figura 8 - “Subsonic Sound Instrument”, instrumento de John e James Whitney (1944) …..45 Figura 9 - Joshua Light show fazendo as projeções para show de Frank Zappa ……...... …..47 Figura 10 - Performance audiovisual “Seismik”, de Herman Kolgen (2014) …………...…..58 Figura 11 - “TV Magnet”, de Naum June Paik (1965) …………………………………..…..61 Figura 12 - Aplicativo criado para o álbum “Biophilia”, da cantora Björk (2011) …...….....63 Figura 13 - “Objeto cinético CK-8”, de Abraham Palatnik (1966) ………………….….…...64 Figura 14 - Le Corbusier, “Poème Électronique” (1958) ...…………………………….…...66 Figura15 - Fortunato Depero, “Skyscrapers and Tunnels” (1930) ...……………………….94 Figura 16 - “The Bride Stripped Bare by Her Bachelors, Even”, de Duchamp (1915) …...... 96 Figura 17 - Jean Tinguely, “Méta-Matic No10” (1959) ...……………………….….….…...98 Figura 18 - Thomas Wilfred, “Lumia Suite, Opus 158” ...……………………….…….…..106 Figura 19 - Thomas Wilfred e seu “Clavilux Model E” ………………………….….……..109 Figura 20 - Thomas Wilfred e um modelo do “Clavilux Jr” …………………….………...111 Figura 21 - Thomas Wilfred, “Study in Depth, Op. 152”, (1959) ………………….…..…..114 Figura 22 - Frame do filme “Studie No5”, de Fischinger ...………………...……….….….117 Figura 23 - “Wax Slicing Machine” ...………………...………………………….…….…..120 Figura 24 - Imagem produzida pela “Wax Slicing Machine” ...………………………...….122 Figura 25 - “Ornament sound” ...……………………………….…………………….…....123 Figura 26 - Patente do “Lumigraph” (1955) ...…………………………………………….125 Figura 27 - James compondo no instrumento composto por pêndulos ...…….………..…...132 Figura 28 - Painel do “M5 gun controller” ...………………………..………………..…...134 Figura 29 - Frame do filme “Lapis” (1966) ...………………………………………...…...135 Figura 30 - Ilustração dos harmônicos produzidos pela “Dinâmica Diferencial” e sua relação com as notas da escala musical ...……………………………………………………….….138 Figura 31 - John Whitney com seu computador analógico ...………………….…………...143 Figura 32 - exemplo de imagem utilizando líquidos e retroprojetor ...………….………….147 Figura 33 - Performance ao vivo do Joshua Light Show ...………………………………...150 Figura 34 - Setup do coletivo Joshua Light Show em 1969 ...………………………….….151 Figura 35 - “Light Stick”, dispositivo inventado pelo coletivo ..…………………………..152 Figura 36 - Plataforma dedicada ao Lumia ...………………………………………………154 Figura 37 - Capa e página interna do “Unique Lighting Handbook”, catálogo da Edmund Scientific (1969) ...………………………………………………………………………….156 Figura 38 - Performance audiovisual “Test Pattern” (2008) ...……………………….…...164 Figura 39 - “Data.path”, instalação audiovisual (2013) ...……………………………..….165 Figura 40 - Caspar David Friedrich "Wanderer above the Sea of Fog" (1818) ...……...…..166 Figura 41 - “The transcendental (π) [nº1-a]” (2012) ...………………...………………….167 Figura 42 - “Datamatics”, concerto audiovisual (2006) ……………………….…………..171 Figura 43 - “Superposition”, performance (2012) ……………………………………...….173 Figura 44 - Performance “Synap.sys”. Festival Sonica, Escócia (2015) ………….………..177 Figura 45 - Performance “degelo” (2015) ………………………………………….…...….179 Figura 46 - Interface construída para a performance “Aufhebung” (2009) ...……….……..184 Figura 47 - Instrumento PONTO (2011) ………………………………………………...... 185 Figura 48 - “PONTO, um videogame sem vencedor” no Festival Robot. Itália, 2011 ….....186 Figura 49 - Figura 48 – Performance “Synap.sys”. Festival Sonica, Escócia (2015) …...... 188 Figura 50 - Instrumento “Synap.sys” (2014) …………………………………………..…..189 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………..…….8

CAPÍTULO 1 – Visual Music: definição, conceitos e derivações ………...………..…….15

1.1 Em busca de uma definição da Visual Music …………………....………….……...…..15

1.2 História da Visual Music ………………………………………………..……....……...27

1.3 Desdobramentos e Gêneros ……………………………….………….……….....……..52

CAPÍTULO 2 – Objeto Técnico e Invenção ………………………….………….….…….67

2.1 Introdução ………………..……………………………………………….……….……..67

2.2 Gênese e Evolução dos Dispositivos Técnicos ………….…………………....….……...68

2.3 A essência da Tecnicidade em Simondon …………………………………...…..….…..80

2.4 Invenção ……………………………………………………………………...….……...85

2.5 Definições e Categorias da Arte Maquínima ……………………………….…....……..91

CAPÍTULO 3 – Estudo de Casos ……………………………...………………...….…….103

3.1 Thomas Wilfred ……………………………………………………………....…..…..104

3.2 …………………………………………………………….….....….116

3.3 John e James Whitney …………………………………….……………….……..…....130

3.4 Joshua Light Show ………………………………………...….………………....……146

3.5 Ryoji Ikeda ………………………………………………..……………………....…..159

3.6 HOL …………………………………………………..…...... …..……….….…….….176

CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………….………...….….....192

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS …………….……………….…….....…..………..197 8

INTRODUÇÃO

Minha formação profissional foi bastante diversa. Passei pela música, engenharia, comunicação, design e programação computacional, sempre interessado no potencial artístico e criativo que cada área poderia oferecer. Mesmo nas áreas ditas mais objetivas como a engenharia, meu objetivo sempre foi ter um embasamento técnico/teórico para inventar dispositivos. Desde muitos anos antes do início de minha formação profissional, este interesse pela invenção já estava presente, aparecendo desde a infância, quando inventava instrumentos rudimentares e brinquedos. Na adolescência tive formação musical e trabalhei com profissões ligadas de alguma maneira à arte visual: publicidade e design. Anos depois, em 2004, conheci um tipo de arte que unia as duas áreas que mais me interessavam, música e imagem: o VJing. Em pouco tempo entrei para esta profissão, produzindo meu próprio conteúdo visual e executando-o ao vivo em festas de música eletrônica. Esta paixão me trouxe o interesse em estudar a fundo as relações que até então estavam baseadas na intuição e na minha experiência como músico e artista visual, tentando entender um pouco mais quais eram as formas de relação audiovisuais possíveis. Eu tocava as imagens de maneira semelhante ao que fazia na guitarra, explorando ritmos, contratempos, frases, e improvisos. Após algumas pesquisas, descobri que havia um termo que designava o que eu fazia: a Visual Music, e que este modo de pensar já era utilizado há séculos, por artistas e inventores que buscavam criar seus próprios vínculos entre som e imagem. Estudando mais a fundo a Visual Music, percebi que além de utilizar este modo de tratamento das imagens seguindo estruturas e padrões musicais, os artistas também inventavam seus próprios instrumentos, a fim de materializar suas ideias. Este estudo de vários anos foi a raiz desta pesquisa, somada a uma ampla bibliografia a respeito do tema e dos artistas que abordaremos no estudo de casos.

A Visual Music é um importante gênero do audiovisual que trata as relações entre som e imagem de maneira diferente da prática hegemônica da indústria cinematográfica. Suas composições enfatizam questões sensoriais e buscam um equilíbrio entre seus elementos constitutivos, sem priorizar narrativas convencionais baseadas na palavra. Os protagonistas são sons e imagens, que dialogam em um equilíbrio de forças, formando melodias audiovisuais que materializam as emoções e sentimentos do artista. O estudo de suas práticas recebe menos atenção que outros gêneros mais populares dentro do audiovisual, talvez por 9 não se ater a um momento histórico definido, mas por propor um modo de tratamento entre som e imagem que pode se concretizar de variadas maneiras, em diferentes épocas.

A Visual Music não é um movimento artístico, mas um modo de pensar que se materializa em composições onde os dispositivos utilizados para sua produção têm grande importância, continuamente apresentando novas potencialidades aos artistas, por meio da invenção. É um campo fluido, carente de definições precisas devido à grande diversidade de possibilidades de interação entre os elementos audiovisuais. Em português, o conteúdo disponível é escasso, deixando os interessados no assunto reféns de literatura escrita em outras línguas, em especial o inglês. Minha intenção foi então tentar trazer estas referências para o Brasil, sintetizando um conceito baseado em estudos de outros autores que coubesse no que é produzido hoje em dia, e contar a história da Visual Music e seus desdobramentos, a fim de incentivar novos artistas a conhecer melhor este campo e assim semear interesse na produção de conteúdo.

Assim, uma importante parte desta pesquisa será a delimitação de um conceito que abarque todas as possibilidades que podem ser nomeadas Visual Music, utilizando importantes estudiosos da área e referências históricas. Outros autores nos auxiliarão no entendimento dos dispositivos inventados pelos artistas, seu modo de funcionamento e influência sobre o resultado artístico final de cada um. Nosso principal objetivo será, após entender os mecanismos próprios da Visual Music, perceber de que maneira os instrumentos utilizados moldaram a prática dos artistas, apontando sua importância na história deste gênero audiovisual e em seus desdobramentos. Faremos também uma análise de outros gêneros artísticos, pensando em que medida estes se relacionam com o conceito sintetizado no início do primeiro capítulo. Esta análise servirá para apontar caminhos que já foram trilhados pelos artistas estudados e sugerir possíveis novas conexões, mesmo que distantes, mas que dialoguem com o conceito de Visual Music. Demonstraremos como cada dispositivo alterou a estética praticada por seus inventores, em função de suas funcionalidades e limitações, algumas vezes facilitando seu trabalho, em outras sugerindo caminhos não pensados antes de sua invenção.

O recorte proposto nesta pesquisa dará ênfase aos artistas da Visual Music que inventaram novos dispositivos para concretizar sua arte. Não pretendemos realizar uma retrospectiva exaustiva de todos que trabalharam neste campo, mas sim priorizar a influência 10 dos dispositivos no resultado artístico. Assim, alguns importantes expoentes desta área ficarão de fora ou serão citados brevemente, a fim de nos concentrarmos nas práticas que envolvem a invenção de instrumentos e técnicas que modificaram o modo de fazer dos artistas. Existem várias referências históricas sobre a Visual Music, em especial a que trata da produção no século XX. Já projetos mais recentes têm uma bibliografia escassa, e utilizaremos algumas vezes nossa experiência na área para chegar a algumas conclusões e completar eventuais lacunas.

Nossa pesquisa está dividida em três partes: Visual Music; dispositivos; e estudo de casos. No primeiro capítulo faremos a síntese do conceito de Visual Music, sua história e desdobramentos. Para tratar do conceito, buscaremos autores importantes na área como , Cindy Keefer, Fred Collopy, Maura McDonnell e Brian Evans. Cada autor aborda a Visual Music sob um aspecto particular, e tentaremos fazer uma síntese capaz de abarcar todas as obras que são nomeadas sob esta alcunha. Para isso dividiremos nosso objeto de pesquisa em seus aspectos teóricos e práticos, pois assim podemos separar as ideias de sua diversidade de materializações. Em seguida traçaremos um panorama histórico enfatizando artistas e trabalhos que envolvam dispositivos para produção de Visual Music. Começaremos no século XVIII pelos Color Organs, a primeira materialização da Visual Music, baseados em uma correspondência direta entre nota musical e cor. Já no século XX, uma ampla gama de dispositivos ópticos foi inventada, cada um possibilitando ao seu autor um resultado estético diferente. Talvez o mais importante gênero da Visual Music do século XX, o cinema abstrato, receberá seu valor e será abordado pela variedade de técnicas utilizadas pelos artistas a fim de subverter a utilização praticada pela indústria cinematográfica da época. Na segunda metade do século XX, surgem os Light Shows, coletivos de pessoas e objetos técnicos que projetavam imagens psicodélicas no fundo do palco durante shows das bandas da época. Com o advento do computador – analógico e depois digital – uma revolução tomou forma, fazendo surgir os VJs e as Performances Audiovisuais. Outros importantes gêneros serão tratados com detalhes no respectivo capítulo. Fechando o primeiro capítulo propomos uma divisão em três partes da influência da Visual Music, desde seu núcleo central até trabalhos que orbitam este conceito, mas com relações tênues, algumas vezes não pensadas pelos próprios autores.

O segundo capítulo tem um viés mais teórico: trata dos dispositivos, da gênese da técnica e da importância da invenção. Este capítulo nos dará um embasamento para 11 posteriormente analisar o trabalho de seis artistas. Inicialmente passaremos pela definição de dispositivo em Agamben – baseada no conceito de Foucault – e em autores que tentaram fazer uma genealogia da técnica como Bruno Latour, Lucia Santaella e Marilena Chaui, apontando os caminhos evolutivos da técnica ao longo da história da humanidade. Em seguida trataremos com mais profundidade da obra de Gilbert Simondon, que terá grande importância para nossa pesquisa, pois faz uma ontologia da técnica desde os primórdios da humanidade, com ideias que serão amplamente utilizadas no entendimento dos dispositivos e nos modos de fazer da Visual Music. Conceitos como individuação, superabundância e metaestabilidade nos mostram de que maneira os objetos técnicos evoluem, a partir de devires e apontando novos caminhos de utilização. A contraposição entre os modos menor e maior, entre o artesão e o engenheiro, também estão diretamente relacionados com nossa pesquisa, mostrando um jogo de forças entre opostos que tem potencial para fazer surgir o novo na Visual Music. Este novo se dá por saltos evolutivos baseados na invenção: a partir de um momento de metaestabilidade – uma estabilidade que contém um devir – uma ruptura se dá pela invenção, que resolve os problemas do objeto antigo e faz nascer um novo, com outras potencialidades, muitas vezes não previstas pelo próprio inventor. Os conceitos de dispositivo e invenção formam uma dupla que ajuda a entender as variações da Visual Music ao longo do tempo; uma evolução baseada na diversidade. É em grande parte pela invenção de novos instrumentos que as ideias dos artistas da Visual Music conseguem ser concretizadas, pois tratam de modos de fazer diferentes do padrão industrial, baseados na artesania e em soluções de problemas muitas vezes lúdicas, que fazem nascer dispositivos únicos, apontando caminhos distintos para cada artista.

Outro conceito fundamental em nossa pesquisa está relacionada com o mundo mágico de Simondon; um mundo primitivo, anterior à separação entre sujeito e objeto, entre o ser humano e a natureza. Neste momento, o que havia eram apenas alguns poucos pontos privilegiados, que se distinguiam do todo: o cume de uma montanha, uma grande árvore isolada, uma clareira na floresta, etc. Estes pontos formavam uma reticulação primitiva da realidade que aos poucos foi aumentando até que acontece um momento de ruptura, onde ocorre a separação entre o ser humano e a natureza. O sujeito é separado do objeto; surgem as primeiras ferramentas, a linguagem toma forma e assim o mundo mágico sofre uma cisão – ou uma defasagem segundo Simondon – entre técnica e espiritualidade, que encontrará um equilíbrio na estética. Outros desdobramentos são propostos por Simondon tanto para a 12 técnica quanto para o espiritual, mas o importante segundo ele é a busca pelo equilíbrio entre os dois lados. O que propomos neste trabalho é que a Visual Music é um tipo de arte que efetua este equilíbrio, ao unir elementos técnicos – os dispositivos, máquinas e invenções – ao lado espiritual, das emoções, do indizível, em elaborações estéticas. Neste ponto podemos ver uma proximidade entre Simondon e Wassily Kandinsky outro importante autor, fundamental para nossa pesquisa. O termo Visual Music inclusive foi empregado pela primeira vez para descrever o trabalho de Kandinsky em função das sensações espirituais que ele evocava. Kandinsky falava da importância da espiritualidade na arte, e ressaltava o valor dos sentimentos internos do artista, que poderiam ser expressos por meio de cores e formas abstratas, em um equilíbrio entre expressividade e técnica. A Visual Music portanto seria a mistura entre opostos que juntos formam algo novo, que remete aos princípios da humanidade, ao inacessível mundo mágico onde as sensações têm lugar privilegiado e importam mais do que relações simbólicas. Na Visual Music, técnica, espiritualidade e estética caminham juntos a fim de criar composições audiovisuais intermodais, onde não se pode mais distinguir seus elementos constitutivos tal sua imbricação no processo de constituição da composição artística.

Ainda neste capítulo abordaremos as categorias de arte maquínica propostas por Andreas Broeckmann, que também irão auxiliar-nos no entendimento das variações dos resultados obtidos pela mediação dos objetos técnicos. O autor traça, em seu livro “Machine art in the twentieth century”, de 2016, um panorama da arte produzida por intermédio de máquinas, das mecânicas às digitais. Broeckmann propõe uma categorização da arte produzida por máquinas dividida em associativa; simbólica; cinética; formalista; e automática. O autor também trata do conceito de cibernética, onde todos os elementos do sistema contribuem para seu perfeito funcionamento, indicando duas novas características surgidas na segunda metade do século XX: a interatividade e a autonomia.

Após a formação desta base teórica a respeito dos objetos técnicos e do conhecimento da história e conceitos da Visual Music, podemos passar para o estudo de casos, onde analisaremos artistas que trabalharam nesta área, aplicando o conhecimento adquirido nos primeiros capítulos a fim de entender de que maneira cada um trabalha com os dispositivos, como é feito o equilíbrio entre técnica e espiritualidade, e como os instrumentos inventados modificam seu resultado artístico. A escolha dos artistas se deu com o objetivo de mostrar a 13 diversidade de técnicas empregadas na Visual Music – desde as analógicas e mecânicas até as digitais – demonstrando a diferença que os objetos técnicos produzem na prática artística, especialmente neste meio onde ela é responsável diretamente pela concretização das ideias abstratas dos artistas.

Iniciamos com Thomas Wilfred, inventor do “Clavilux” e criador de um novo tipo de arte baseada essencialmente em reflexões de luz, a que nomeou “Lumia”. O artista criou sua arte baseada em formas, cores e movimentos e tinha a luz como elemento fundamental para a geração do conteúdo visual. Em seguida estudamos um dos maiores expoentes da Visual Music: o alemão Oskar Fischinger, que além de grande animador era também inventor e construiu dispositivos altamente criativos e, ao mesmo tempo, compostos por estruturas simples e de fácil manuseio. Trataremos de algumas técnicas e ideias deste mestre da Visual Music, mas enfatizaremos suas invenções: a “Wax slicing machine”; o “Lumigraph”; e sua máquina criada para fotografar desenhos de ondas sonoras a fim de gerar sons sintetizados. Ainda tratando de artistas da primeira metade do século XX, abordaremos a obra dos irmãos John e James Whitney. Estes artistas trabalharam com dispositivos baseados em computadores analógicos descartados após a segunda guerra mundial, transformando-os em instrumentos dinâmicos para controlar animações. A dupla pode ser considerada a perfeita união entre a dicotomia proposta por Simondon entre técnica e espiritualidade. A síntese dos dois irmãos gerou alguns dos trabalhos mais importantes da história da Visual Music, principalmente por criar uma estética radicalmente nova dentro da área, composta por pontos de tamanhos mínimos, somente capazes de serem produzidos pela precisão dos dispositivos por eles construídos.

Já na segunda metade do século XX, escolhemos o coletivo Joshua Light Show como representante dos coletivos de artistas e objetos técnicos surgidos nos anos 1960 que acompanhavam shows de rock da época, empregando uma estética psicodélica baseada em sobreposições de diversos tipos de imagem projetados em uma tela no fundo do palco. A criatividade destes coletivos, que subvertiam os modos de utilização de dispositivos industriais, e também a prática de compartilhamento de ideias, baseada na ideologia hippie da época, eram a base dos Light Shows. Falaremos em seguida do digital, e de que maneira seu surgimento foi responsável por um renascimento da Visual Music, especialmente em seu caráter de performance ao vivo. Como exemplo do uso de softwares para criação de conteúdo 14 audiovisual em tempo real, analisaremos o trabalho do artista japonês Ryoji Ikeda. Este artista utiliza uma estética bem peculiar, trabalhando com frequências nos extremos da audição humana e com imagens minimalistas, em sincronia precisa com o som. A invenção em Ikeda é materializada na forma de softwares que são terceirizados para programadores que produzem instrumentos virtuais de acordo com a necessidade do artista. Fechando o estudo de casos, apresentaremos o projeto HOL, produzido por mim, que dá sequência na linha evolutiva da Visual Music ao trabalhar o pós-digital: uma simbiose entre dispositivos analógicos e digitais, buscando trabalhar o melhor dos dois mundos. A presença deste projeto é relevante dentro de nossa pesquisa pois envolve elementos importantes da Visual Music como cibernética, estética de sistemas, construção de instrumentos analógicos e digitais e utilização da Visual Music de maneira ampliada, acrescentando questões simbólicas às sensoriais. Não há intenção de equiparar o trabalho pessoal à obra dos mestres da Visual Music, porém faz-se necessário citar as novas possibilidades de integração analógico-digital presentes em trabalhos do século XXI. Como a bibliografia a respeito de trabalhos recentes de Visual Music é escassa, através do projeto HOL podemos analisar procedimentos da produção contemporânea e incluir a perspectiva autoral.

Na pesquisa realizada sobre cada artista, buscamos entender sua estética, suas técnicas e modos de produzir arte. Atentamos para a invenção de novos dispositivos e de que modo eles auxiliam o artista na concretização de suas ideias em um agenciamento mútuo, que também altera a prática artística. Utilizaremos também o arcabouço teórico a fim de separar as práticas de cada um e apontar suas influências e desdobramentos, com o objetivo final de demonstrar a importância dos dispositivos na história da Visual Music. 15

CAPÍTULO 1 – VISUAL MUSIC: DEFINIÇÃO, CONCEITOS E DERIVAÇÕES

Acha-se que… as improvisações se tornam mais definidas, mais lógicas e mais intimamente ligadas estruturalmente, mais surpreendentemente belas em suas oposições de cor, mais exatas em seu equilíbrio… Elas são música visual pura; não posso mais duvidar da possibilidade de expressão emocional por meio de formas visuais abstratas (FRY, 1980, p. 168).

1.1 Em busca de uma definição da Visual Music

O termo Visual Music foi utilizado pela primeira vez em uma descrição do pintor e crítico de arte Roger Fry em 1912 a respeito das pinturas abstratas de Kandinsky. A arte abstrata dava seus primeiros passos e uma relação de proximidade com a música podia ser constatada de variados modos em obras das primeiras décadas do século XX: a música absoluta inspirava artistas que queriam se livrar da reprodução figurativa de elementos da natureza, e apontava para a essência da imagem, para seus componentes fundamentais: forma e cor. Porém, Visual Music é apenas um dos termos empregados para descrever as diversas relações possíveis entre som e imagem. Até então, este tipo de correspondência era chamada de Color Music, pois vários artistas e inventores haviam tentado criar relações diretas entre as cores do espectro visual e as notas musicais, criando instrumentos para efetuar esta associação. Além destes dois, outros nomes foram dados a este tipo de relação audiovisual: Ocular Music, música para os olhos, Lumia, Music Video, Mobile Color, entre outros. Não é de se espantar que hajam tantos termos diferentes, já que existem maneiras variadas e bem distintas de se construir uma relação entre som e imagem. Isso torna a definição de Visual Music ainda mais difícil. Vários autores tentaram elaborar um conceito que desse conta dessas inúmeras formas de diálogo, porém cada um deixa um ponto descoberto, e não se consegue chegar a uma definição que abarque todos os trabalhos produzidos nesta área. Analisaremos alguns destes conceitos a fim de apontar seus méritos e deficiências na busca por um conceito amplo de Visual Music, onde caibam todas as produções que têm afinidade com este termo, e posteriormente observar como invenções e novas estéticas fizeram surgir diferentes gêneros dentro do audiovisual, em relações de proximidade e afastamento em relação aos princípios da Visual Music. 16

Após ampla pesquisa a respeito do tema, chegamos a cinco autores que trazem as definições mais próximas de uma delimitação que consideramos adequada ao termo. Paul Friedler (MCDONNELL, 2003, p. 19) divide a Visual Music em três tipos: um modo de converter música em imagens através de um sistema ou conjunto de regras que pode ser implementado por uma máquina ou código computacional; um meio de expressar música em formas visuais envolvendo ativamente o artista para interpretar a música e encontrar meios de expressá-la visualmente; e um terceiro tipo de imagem que não tem um relacionamento com a música, embora possa ser apresentada em conjunto ou complementada por ela. Friedler fala ainda da Visual Music como uma maneira de tecer relacionamentos visuais que se alteram no tempo; algo que diz respeito às qualidades abstratas do movimento, ou alterações na forma ou cor dos elementos no tempo. Este autor enfatiza o caráter prático da Visual Music, apontando algumas maneiras pelas quais ela se concretiza. Sua definição é criada em função dos modos de associação entre imagem e música. A divisão é bem abrangente e dá conta de obras que convertem som e elementos pictóricos de maneira direta e objetiva, e outras onde a poética artística é mais presente. O terceiro tipo definido por ele apenas exclui a parte musical de alguns tipos de Visual Music, porém não explicita de que maneira as imagens são compostas quando não há uma conexão com a música. Este item provavelmente foi inserido na definição para que possam caber nela trabalhos como os de Thomas Wilfred e Stan Brackage, cujos trabalhos têm muito em comum com outros dentro da Visual Music, apesar do som não estar presente nas composições destes artistas. As delimitações propostas por este autor conseguem abarcar a maioria dos tipos de trabalho que podem ser considerados Visual Music, analisando a posteriori os resultados obtidos, sem se ater ao processo, o que deixa uma lacuna em sua definição.

Uma análise similar foi feita por Jack Ox e Cindy Keefer (OX; KEEFER, 2008), apresentando quatro maneiras de utilização de estruturas visuais que poderiam ser consideradas Visual Music: uma visualização da música através da tradução de uma composição musical específica para a linguagem visual, com sua sintaxe original sendo emulada na representação visual; uma estrutura visual narrativa baseada no tempo similar à estrutura de um tipo ou estilo musical; uma tradução direta de imagens em sons; e composições visuais não baseadas no tempo. Nesta última categoria, as autoras abrem espaço para um importante ramo da Visual Music que trabalha com imagens estáticas, buscando representar de alguma forma o dinamismo da música. Está relacionada a obras realizadas 17 principalmente nas décadas de 1910 a 1930 onde vários artistas plásticos se direcionavam para a abstração e tinham a liberdade e o caráter essencialmente abstrato da música como ideal. Apesar de pertinente, ao complementar esta categoria dizendo que este tipo de Visual Music é uma interpretação de uma música específica ele perde um pouco de amplitude. Os artistas abstratos buscavam uma relação mais ampla com a música, com seus procedimentos e estruturas, apenas em alguns casos se relacionando com uma música em especial. As outras três categorias porém, apesar de delimitarem tipos fundamentais dentro da Visual Music, trata basicamente de traduções, onde a música parece ficar em primeiro plano, na medida em que é ela o componente original que será transposto ou emulado por meio de estruturas visuais. O modo como a associação a um estilo musical específico acontece não é claro, e soa um pouco restritivo, novamente colocando a imagem a serviço da música. A terceira categoria – tradução direta de imagens em sons – se refere especificamente à técnica de desenho dos sons na banda sonora do filme, convertendo diretamente imagens em sons. Esta técnica, desenvolvida por Rudolf Pfenninger e Oskar Fischinger na década de 1930, é algo bem específico dentro da Visual Music mas poder ser extrapolada para outros tipos de conversão de imagem em som, técnica tornada comum pelo uso de softwares recentes que realizam esta operação.

Uma definição que busca mais entender do que se trata a Visual Music do que apresentar suas ramificações e possibilidades é a proposta por Brian Evans. Este autor define Visual Music como:

imagens visuais baseadas no tempo que estabelecem uma arquitetura temporal de maneira semelhante à música absoluta. É tipicamente não narrativa e não representacional (embora possa ser, em alguns casos). A Visual Music pode ser acompanhada de som, mas também pode ser silenciosa (EVANS, 2005, p. 11). Evans cita duas características importantes que segundo ele não existem dentro da Visual Music: narrativa e representação. A primeira questão é controversa, pois, apesar de não utilizar uma narrativa no sentido convencional do termo – verbal, com roteiro, personagens, etc – existe um encadeamento lógico de ações baseado em elementos estéticos que pode ser considerado um tipo de narrativa não verbal, baseado em sequências de imagens e sons. Elementos visuais se alternam no tempo, seguindo uma sequência que conduz o espectador, de maneira semelhante à narrativa tradicional literária ou cinematográfica. Já a questão da ausência da representação é fundamental para entendermos a Visual Music, que trata primordialmente das sensações causadas no espectador através das formas, cores, 18 movimentos, melodias, ritmo, harmonia, etc. Evans diz que a natureza não representacional da música e a emoção proporcionada por esta é espelhada nas imagens abstratas, que, através de seu tratamento estético, causam sensações e emoções no público. Por meio desta manipulação formal utilizando estruturas advindas da composição musical, novos tipos de relacionamento entre som e imagem podem surgir, criando uma sensação de unidade audiovisual.

O modo de pensar próprio da Visual Music está situado em um momento anterior à representação; um momento sensorial puro que antecede as ligações de significado comuns no cinema, teatro e outras áreas da arte onde a linguagem verbal ou questões conceituais são preponderantes. Seria um momento que Simondon coloca como um retorno ao mundo mágico, uma época na qual as primeiras distinções entre o ser humano e o mundo surgiam, que seria em seguida substituída pela cisão entre técnica e espiritualidade, surgindo como ponto central de equilíbrio a estética. É aí que a Visual Music pode ser compreendida com todo o seu poder: como um método artístico que busca uma igual proporção entre procedimentos técnicos, muitas vezes possibilitados por objetos construídos pelos próprios artistas, e o indizível das sensações espirituais, da ressonância interna dos elementos proposta por Kandinsky, proporcionando um resultado indivisível, maior que a soma dos elementos que o constitui. Evans propõe uma análise interessante também em relação à dinâmica da Visual Music ao caracterizá-la como algo que acontece no tempo por meio de oposições entre tensão e relaxamento, outro processo tomado emprestado da música. Essa análise é útil ao analisarmos as obras, porém não é de forma alguma restrita à Visual Music; qualquer obra de arte que se desenvolve temporalmente pode ser analisada desta forma, pois praticamente todo trabalho artístico segue uma dinâmica baseada em construção e resolução de tensões.

Maura McDonnell define Visual Music de maneira semelhante, porém um pouco diferente dos autores anteriores. Segundo ela:

Uma peça de Visual Music usa um meio de arte visual de um modo que é mais análogo ao da composição ou performance musical. Elementos visuais (via artesania, intenção artística, meios mecânicos ou software) são compostos e apresentados com estratégias e procedimentos estéticos semelhantes aos empregados na composição ou performance musical (MCDONNELL, 2009, p. 1). Como resultado, os artistas deste campo obtêm elementos visuais que acontecem no tempo de maneira similar à da música, porém utilizando uma linguagem, gramática e sintaxe próprios. Centrando sua análise em estruturas que podem ser compartilhadas por som a imagem, a autora se aproxima de uma definição mais ampla da Visual Music, que pode abranger 19 praticamente todos os trabalhos produzidos nesta área. Ficariam de fora apenas aqueles que não dependem da variável tempo, como as pinturas abstratas do início do século XX. McDonnell propõe ainda um detalhamento importante da sintaxe da Visual Music, comparando aspectos musicais que podem ser empregados de maneira visual.

Buscando também uma definição para o termo Visual Music, Cornelia Lund, em seu ensaio sobre este tema para o livro “The Audiovisual Breakthrough” faz um apanhado de conceitos úteis para nossa pesquisa. A autora cita um editorial assinado por Fox-Gieg, Keefer e Schedel, definindo Visual Music como “elementos visuais compostos como se fossem música, usando estruturas musicais” (CARVALHO, 2015, p. 27). Esta definição simples, porém potente servirá para chegarmos à nossa contribuição para a delimitação deste termo. Importante ressaltar aqui que grande parte das características pertencentes à estrutura musical é comum a outros tipos de arte que não se utilizam da palavra em suas composições. A dança é um bom exemplo, por conter estruturas ligadas ao movimento no tempo similares às da música. Talvez a análise dos componentes fundamentais deste tipo de arte possam ajudar a compreender que alguns procedimentos não são exclusivos da música; existem em outros campos da arte, porém ficam subentendidos ou mesmo abafados pela preponderância da linguagem verbal. A dança, por se tratar de um tipo de arte que não envolve a palavra, explicita – como a Visual Music – atribuições temporais que servem de sintaxe para a composição audiovisual. Em uma das mais belas composições de Visual Music, "Studie nr5" de Fischinger, formas abstratas dançam na tela ao som da música como bailarinos no palco, em movimentos fluidos e sincrônicos ao som, comprovando a proximidade com a dança. Ainda no mesmo editorial, as autoras utilizam outra definição referindo-se a uma

visualização de música, usando as estruturas de uma composição subjacente no novo trabalho. Exemplos de Visual Music incluem trabalhos que utilizam meios manuais, mecânicos ou algorítmicos de transcodificação de som para imagem, peças que traduzem imagens em som, filmes silenciosos abstratos, e até mesmo pintura performática e cinema ao vivo (CARVALHO, 2015, p. 27). A autora fala também de uma busca por equilíbrio entre forças sonoras e visuais a fim de chegar a um ponto que nenhum dos dois poderia alcançar separadamente. Este é um ponto fundamental da Visual Music, que busca tratar seus elementos constitutivos de maneira não hierarquizada, conseguindo assim uma unidade no resultado final. Nos casos em que a música não está presente obviamente este equilíbrio não pode acontecer, mas a parte sonora estaria de alguma forma presente como um modelo para se pensar a produção das imagens. Essa ideia 20 de equilíbrio entre as partes e o tratamento de imagens seguindo estruturas musicais ao longo do tempo são as definições que mais se aproximam do que tentaremos sintetizar como uma definição de Visual Music.

Nossa proposta aqui, a fim de chegar a uma definição para o termo Visual Music de maneira mais abrangente possível, é efetuar uma divisão inicial entre teoria e prática; entre um conceito e sua posterior aplicação em variadas formas artísticas que envolvam som e imagem. Dessa forma, podemos dividir o procedimento abstrato do uso concreto e assim percorrer as diversas ramificações que se formaram ao longo da história, identificando agrupamentos e divisões, a fim de entender melhor o tema de nossa pesquisa. Em termos teóricos, a Visual Music seria uma forma de tratamento dado às imagens que corresponde a procedimentos e estruturas musicais, buscando na sintaxe da música uma maneira diferente de tratar elementos visuais, enfatizando seu lado sensorial, não vinculado a significados, mas às sensações que podem produzir no espectador. A Visual Music não se interessa por narrativas convencionais, onde personagens seguem um roteiro linear vinculado à palavra, mas pelo que cada elemento em cena é capaz de imprimir na mente do espectador, suscitando sensações através de cada forma, cor ou movimento. A Visual Music se ocupa dos elementos fundamentais da imagem e de seu comportamento na tela, explicitando o que cada forma sugere e as relações possíveis entre os componentes da composição, sejam elas estáticas ou dinâmicas. Assim como na dança, onde cada bailarino interpreta a música por meio de movimentos em cena, na Visual Music as formas é que desenham um balé na tela. Fischinger inclusive descrevia as formas presentes em seus filmes como dançarinos que expressavam suas emoções através do movimento:

A música se tornou algo como uma planta arquitetônica – tempo e ritmo foram dados e o humor e sentimento foram traduzidos nos movimentos ópticos. Como na Dança, o dançarino pode ouvir seu próprio sentimento interior e expressá-lo de maneira gentil ou forte – não é necessário música. Mas o público, todo mundo ouve a música secreta interna das criações do dançarino? Não. Eles veem, mas não entendem porque não ouvem (ao mesmo tempo). Então, para ter uma sensação mais forte, um melhor entendimento das sutilezas de dança, notas acentuam a sensação de rítmo-humor, aproximando o dançarino da música – Dançando a música como modo de expressar a si mesmo (FISCHINGER, 1949b, [n.p.]). A música instrumental é baseada em uma gramática bem estruturada que tem sido desenvolvida e estudada há séculos, e são os possíveis encadeamentos entre seus elementos fundamentais que fazem surgir as mais complexas composições. O mesmo pode acontecer com as imagens, que podem sugerir variadas sensações a partir da harmonia entre seus 21 componentes dentro do quadro. Os elementos estruturais da música seriam as notas, melodias, ritmo, harmonia, andamento, dinâmica, timbre, etc. Porém, alguns destes parâmetros não são características exclusivas da música, mas sim comuns a várias expressões artísticas. Podemos pensar que em um filme, algumas destas características intermidiáticas são óbvias, como ritmo, dinâmica, andamento. Outras podem ser comparadas diretamente com elementos similares que acontecem em outra mídia, por meio de analogias. Por exemplo, em uma composição visual as notas musicais podem ser os elementos gráficos e as melodias os movimentos efetuados por estas formas na tela. Harmonia e equilíbrio são outras atribuições fundamentais em uma composição estética. Então por que deixar estas características como exclusivas do campo musical? O que a Visual Music procura é exatamente o mesmo tratamento fluido, que acontece ao longo do tempo, geralmente não verbal e com ênfase no apelo sensorial e estético de seus elementos constituintes. Podemos então propor que a Visual Music seja um procedimento que utiliza elementos imagéticos em estruturas semelhantes às da música, buscando construir um potencial estético em composições onde a sensação causada no espectador é mais importante que um eventual vínculo simbólico. Obviamente este conceito será expandido quando aplicado a diferentes possibilidades de produção audiovisual, mas o que realmente importa é a maneira musical como as imagens são tratadas dentro da composição.

A partir da definição do aspecto conceitual da Visual Music passamos para a sua aplicação prática, e aqui veremos uma grande diversidade de usos, cada um utilizando este modo de pensar de uma maneira, a fim de obter os resultados específicos buscados por cada artista. Uma primeira divisão seria entre a utilização objetiva e subjetiva deste método. Enquanto as relações objetivas seria mais fixas, literais e constantes, as subjetivas evolvem uma diversidade de opções; é a poética própria do artista que passa por sua sensibilidade, expressando seus sentimentos e emoções; são flexíveis, mais difusas e incertas. Desde os primórdios da Visual Music, quando ainda era nomeada Color Music, artistas buscaram relações constantes entre notas musicais e cores específicas. Foram construídas várias tabelas, cada uma relacionando a escala musical a uma determinada sequência de cores. Esta relação é arbitrária e constante; vale para qualquer música que for executada segundo este método. É uma relação fixa, objetiva e que não retrata todas as potencialidades da música, com suas nuances de timbres, melodias, harmonias, sensações, etc. É um uso que se aproxima da ciência, com uma objetividade que pode ser facilmente desconstruída pela simples observação 22 das variadas correspondências criadas por diversos artistas durante a história. Claro que relações diretas mais elaboradas foram construídas posteriormente por meio de variadas técnicas, mas o resultado fica normalmente aquém da diversidade de características musicais, em composições muitas vezes monótonas pela repetição de um mesmo padrão durante toda a peça. Já uma abordagem subjetiva ou poética dá margem a variações maiores e mais criativas de relações audiovisuais; consegue amplificar exponencialmente as potencialidades visuais, colocando a imagem em outras correlações com a música, permitindo uma infinidade de articulações. Relações às vezes mais próximas, outras mais fluidas e distantes, mas sempre compartilhando elementos comuns, sejam estes mais objetivos como ritmo e sincronia, ou mais poéticos como contrapontos entre melodias sonoras e visuais, ou climas criados que se unem às sensações causadas pela música e pela imagem. É este tipo de ligação mais ampla e difusa que deixa entrar a poesia na composição audiovisual, deslocando-a de uma simples correspondência preestabelecida e direta. A poesia está na variação, na potência da diversidade, na maneira específica como cada artista trata a composição; é reflexo de suas emoções e sentimentos, que são materializados em composições audiovisuais. Algumas definições de Visual Music a colocam como uma visualização da música, denotando uma subordinação a esta e não um equilíbrio entre as mídias. Fischinger dizia que este tipo de abordagem era raso e muitas vezes não valorizava o caráter artístico da parte visual da composição audiovisual; seria uma tentativa de diminuir o impacto do trabalho. Thomas Wilfred, outro artista que trataremos nesta pesquisa, exemplificava de forma bem didática esta diferença, criticando os Color Organs utilizados em sua época: dizia que se fossem dados a dez compositores um mesmo poema, cada um criaria uma música completamente diferente, seguindo seu estilo, sua poética, e o resultado seriam dez composições totalmente distintas. O mesmo pode ser aplicado às imagens, e é aí que entra a personalidade do artista; não em reproduções óbvias e diretas de correspondências matemáticas, mas no uso criativo de relações fluidas em sincronia estética com o som. Entretanto, o modo direto e objetivo de pensar relações audiovisuais pode ser utilizado em conjunto com outras estratégias mais criativas, deixando espaço para sutilezas e variações que podem tornar o resultado final mais rico e variado. Um bom exemplo seria a técnica de desenho na banda sonora do filme, utilizado por Fischinger e McLaren (entre outros), onde a imagem é ao mesmo tempo som. Neste caso, desenhos de imagens geométricas geram uma correspondência direta com o som sintético, que acaba produzindo resultados inesperados mesmo para seus criadores. Já na parte 23 subjetiva, o artista pode trilhar caminhos bem diversos, algumas vezes se aproximando das marcações e acentos das notas musicais, e em outras divergindo, tornando a relação tão sutil que quase não pode ser discernida; é aí que se consegue uma dinâmica que acrescenta um tempero especial à composição, tornando-a mais sofisticada. Caso contrário seria ciência, e não arte. Cabe aqui lembrar que esta distinção não é estanque; todas as maneiras de entrelaçamento entre as abordagens objetiva e subjetiva são possíveis.

Quanto ao conteúdo presente nas composições, algumas distinções podem ser feitas dentro do espectro da Visual Music aplicada. Podemos dividir as composições entre: representações simbólicas ou puramente sensoriais; visuais figurativos ou abstratos; e utilização de elementos verbais ou não verbais. A grande maioria das obras encontra-se na posição essencialmente sensorial, focada na percepção da imagem e do som pelo espectador; normalmente não existe um caráter simbólico nas imagens apresentadas e estas valem por si mesmo, dentro do que Kandinsky chama de ressonância interna e do caráter emocional suscitado por cada um dos elementos audiovisuais. Porém existem trabalhos onde artistas buscam criar significados, tanto a partir de imagens abstratas quanto figurativas. O mais comum neste caso é o uso de imagens figurativas para evocar determinado tema e assim tecer um comentário do artista a respeito deste, mas existem obras abstratas onde as propriedades fundamentais da imagem e do som podem criar significados e assim incorporar temáticas que acrescentam à questão sensorial da obra. Elementos sonoros e visuais podem dizer algo a partir de características próprias como andamento, timbre, cor, forma, etc. Neste caso, um vínculo com a palavra – presente no título das composições – direciona o espectador para a questão que o artista está tentando trabalhar. A divisão entre imagens abstratas e figurativas pode servir para diferenciar alguns trabalhos, apesar de ambas poderem estar presentes simultaneamente dentro da mesma obra. O animador Len Lye, por exemplo, misturava formas geométricas, texturas com figuras humanas e outros elementos figurativos em suas composições. Porém, estes elementos figurativos da obra aparecem sempre pelo seu apelo sensorial, e não representacional. Uma característica interessante pode ser ressaltada no caso das imagens abstratas: a facilidade de animação. Formas abstratas podem realizar os mais diversos tipos de movimento, não se restringindo a limitações físicas. Quando o compositor usa elementos do mundo real, através da filmagem com câmera, ou mesmo animações de personagens figurativos, seus movimentos são limitados pelos limites físicos ou mesmo pela verossimilhança, restringindo as possibilidades de animação. Já com elementos visuais 24 abstratos qualquer movimento é possível, e o animador fica mais livre para criar as sincronias e correspondências com o som que ele puder imaginar. Entretanto, alguns estilos audiovisuais são fundamentados na imagem figurativa e dela dependem para seu entendimento. É o caso do Live Cinema, gênero derivado da Visual Music que utiliza trechos de filmes, retirando-os de seu contexto original e ressaltando muitas vezes seu caráter estético e rítmico, em trabalhos com forte apelo sincrônico com o som. O uso de elementos verbais também não é muito comum na maior parte dos trabalhos ligados à Visual Music. Mais uma vez aqui a justificativa seria a intenção de priorizar a sensação estética, que seria diluída ao se acrescentar elementos verbais à composição. Obras onde a palavra está incluída normalmente tendem a monopolizar a atenção do espectador, colocando os outros elementos audiovisuais em segundo plano. Esta questão está presente no cinema (com exceção do cinema abstrato ou absoluto), onde as falas e atores são sempre protagonistas, e o cenário e a trilha servem como pano de fundo para as ações dos atores. Raramente um equilíbrio é encontrado neste caso. Já na Visual Music acontece o oposto: para enfatizar o caráter sensório dos elementos visuais e sonoros a palavra normalmente não faz parte da composição, aparecendo apenas no título das obras. Obviamente, existe uma ampla gama de variações de uso, indo desde composições nas quais a palavra nunca aparece até o extremo oposto, como no caso de poesias visuais onde o entendimento do significado dos elementos verbais é fundamental.

Outra diferenciação que pode ser feita entre as aplicações práticas da Visual Music é em função do resultado final da composição. Este pode ser estático ou ter movimento; ser pré- gravado ou executado ao vivo em performances audiovisuais. A primeira distinção – entre estático e dinâmico – diz também respeito ao conteúdo das obras, já que em composições estáticas existe ritmo mas não movimento ao longo do tempo. Os artistas precisaram então buscar maneiras de simular esta dimensão temporal através de subterfúgios como gradações de cores, posicionamento das formas no espaço para simular movimento, uso de cores que se aproximam ou afastam do espectador, etc. Estas características são bem mais difíceis de serem compostas e percebidas pelo espectador do que outras que envolvem o movimento natural de animações compostas por quadros que se sucedem. Porém era o que os pintores não representacionais do início do século XX tinham à sua disposição, quando tentavam incorporar a dimensão temporal em quadros estáticos e criar relações próximas com a música, como uma maneira também de encontrar fundamento para a utilização de formas abstratas. Além deste momento histórico onde a música servia de inspiração para as outras artes, mais 25 recentemente, com o advento do computador, novas possibilidades de traduções de som em imagem estática por meio de programas específicos têm ganhado espaço. No entanto, na Visual Music o número de composições que envolvem movimento no tempo continua sendo a grande tônica.

Com relação ao caráter gravado ou em tempo real das composições podemos novamente perceber uma grande variedade de práticas. Iniciada com a invenção do primeiro Color Organ no século XVIII, a Visual Music acontecia exclusivamente ao vivo até a primeira década do século XX, quando pintores abstratos buscaram uma aproximação com a música, interessados em seu caráter fluido e temporal e pintaram quadros que continham procedimentos e ideias advindas da música. Uma década mais tarde, começam a surgir os primeiros filmes absolutos, finalmente inserindo movimento ao abstracionismo e possibilitando a seus realizadores um meio de registrar suas composições de uma forma que sobreviveria ao instante da performance. Walter Ruttmann, Viking Eggeling e Hans Richter produziram os primeiros filmes que tinham como premissa uma maneira musical de tratar imagens, registrando suas composições em película cinematográfica. A partir daí, trabalhos performáticos e gravados aconteceram simultaneamente na história da Visual Music. Antes do advento dos computadores pessoais, artistas inventaram instrumentos e técnicas, tanto para executar ao vivo suas composições quanto para registrá-las definitivamente em alguma mídia. Alguns desenvolveram dispositivos para registro e performance ao vivo e seu uso acontecia de acordo com a necessidade do autor, através de invenções de instrumentos e aparelhos de registro ou apropriações de outros já existentes, subvertendo sua lógica. Com o surgimento do computador pessoal, já no final do século XX, tanto performance quanto gravação se tornaram digitais, facilitando enormemente o trabalho dos artistas. Este dispositivo causou um grande impacto na Visual Music na medida em que softwares podiam realizar várias funções, inclusive simultaneamente, tanto para a gravação de som e imagem quanto para sua execução ao vivo.

Uma última porém não menos importante divisão dentro da Visual Music seria entre as diversas técnicas de produção audiovisual, foco de nossa pesquisa. Por se tratar de um meio onde a invenção se faz presente em numerosos instrumentos e técnicas, não seria possível discorrer aqui sobre todas as possibilidades técnicas utilizadas ou criadas pelos artistas da Visual Music, porém falaremos sobre algumas que consideramos mais relevantes no que 26 concerne à nossa pesquisa. Iniciada com a invenção do Color Organ, a história da Visual Music se transforma a cada salto propiciado pela criação de um novo objeto técnico. Os Color Organs foram os primeiros instrumentos que conseguiram unir som e imagem. Sua abordagem era de uma correspondência direta entre som e cor, e se concretizou por meio de vários instrumentos construídos especialmente durante os séculos XIX e XX. Após o surgimento dos computadores, estes instrumentos migraram para o meio digital, e continuam sendo recriados até hoje, nas mais variadas formas.

No início do século XX outra invenção técnica cruzou o caminho da Visual Music: o cinema. Fugindo do uso convencional da película, alguns artistas criaram um novo meio de produzir filmes, pintando diretamente no filme, quadro a quadro. A grande maioria dos trabalhos relevantes produzidos neste campo no século XX está diretamente ligado ao uso da película, por meio de desenho direto no filme, stop motion ou uso de câmeras. Simultaneamente, vários instrumentos ópticos foram inventados buscando novas formas de se relacionar som e imagem. Estes instrumentos tinham normalmente uma fonte de luz, vários filtros coloridos, motores, alavancas, etc, produzindo resultados distintos dependendo dos elementos internos utilizados. Nos anos 1960, uma somatória de indivíduos técnicos trabalhando em conjunto abre novas perspectivas para a criação de relações audiovisuais ao vivo. Conduzidos por vários artistas ao mesmo tempo, uma grande diversidade de instrumentos era tocada1 a fim de criar composições visuais seguindo as bandas psicodélicas da época. Baseadas na estética hippie dos anos 60, as imagens envolviam projeções de fluidos coloridos, luzes, filmes, etc, acompanhando ritmicamente e se aproximando da estética psicodélica das músicas, criando uma atmosfera imersiva para o público, sempre em execuções ao vivo. Estes grupos moldaram a base para um movimento que aconteceria décadas depois, possibilitado pela propagação em larga escala dos computadores pessoais: o dos VJs. Mixando imagens em tempo real – loops de vídeo curtos pré-gravados – estes artistas acompanhavam a emergente cultura da música eletrônica do final dos anos 1990, em composições que seguiam ritmo e dinâmica da música (normalmente não executada por eles, assim como acontecia nos grupos dos anos 60) criando narrativas fragmentadas, geralmente abstratas. A sobreposição de efeitos e a alternância (corte) entre os loops do banco de imagem do artista desconstrói a imagem original, criando apresentações sempre únicas, sincronizadas

1 Utilizamos este termo normalmente vinculado à música para criar uma relação de proximidade com o modo de execução das imagens, que podem ser tocadas de maneira similar à música. 27 com o som. Após um período de preponderância quase integral de softwares e computadores, o pós-digital aparece mais recentemente para equilibrar digital e analógico, e trazer de volta instrumentos físicos atuando simultaneamente com os digitais. Este equilíbrio ainda não se concretizou totalmente, pois a facilidade do uso dos softwares muitas vezes é preponderante na hora da escolha da ferramenta que o artista visual utilizará ao vivo, porém pode-se perceber uma crescente volta do uso de objetos físicos nos últimos anos. Na história da Visual Music que trataremos na sequência mostraremos com detalhes alguns dos mais relevantes artistas e invenções, mostrando um pouco do resultado obtido a partir de cada novo objeto criado. Ainda nesse capítulo abordaremos as diversas ramificações da Visual Music por meio de suas aplicações práticas, traçando um paralelo entre estas divisões aqui explicitadas e as categorias audiovisuais que incorporam elementos deste tipo de pensamento.

1.2 História da Visual Music

A música é a arte em que forma e matéria são sempre uma, a arte cujo tema não pode ser separado do método de sua expressão, a arte que mais completamente realiza o ideal artístico, e é a condição à qual todas as outras artes aspiram constantemente (Oscar Wilde apud COLLOPY, 2000, p.1).

A história da Visual Music é uma história baseada em invenções. Desde o primeiro instrumento inventado com a ideia de relacionar som e imagem – o Clavecin Oculaire de Castel, em 1734 – até os dias de hoje, as rupturas efetuadas pelas invenções e a subversão de técnicas advindas de outras áreas foi fundamental para que artistas conseguissem expressar suas ideias e construir uma história rica e diversa, onde muitas vezes uma ideia concretizada em um novo instrumento serviu de ponto de partida para o desenvolvimento de um gênero inédito dentro do audiovisual. Cada novo instrumento inventado abriu portas para a criatividade de seu criador, possibilitando inovações estéticas e poéticas que não se concretizariam sem sua existência. Passaremos neste capítulo pelos principais momentos da história da Visual Music, apontando especialmente obras que utilizaram novos instrumentos ou técnicas a fim de desenvolver trabalhos inovadores dentro deste campo. Faremos um trajeto essencialmente cronológico, pois cada momento histórico permitiu um determinado tipo de relação audiovisual florescer, apontando algumas exceções quando necessário. 28

Ao longo da história humana, inúmeros pesquisadores, cientistas e filósofos tentaram entender as relações entre som e cor. Desde a Grécia antiga, filósofos como Pitágoras, Aristóteles e Platão já escreviam sobre o assunto, criando suas próprias teorias acerca da maneira como luz e som se comportam. Porém, demarcaremos como o início da história da Visual Music a publicação do livro “Opticks”, de Isaac Newton, em 1704, quando este filósofo e cientista traçou um paralelo entre os espectros sonoros e visuais a fim de criar uma relação direta entre eles. Newton relacionou cada nota musical a uma cor do espectro visível, analisando seus respectivos comprimentos de onda e criando uma escala onde cada nota musical tinha sua respectiva cor. A possibilidade de haver uma relação intrínseca e ainda com uma “comprovação científica” aguçou a sensibilidade de artistas que buscavam unir som e imagem em composições artísticas. O primeiro a pensar nas possibilidades práticas deste tipo de relação foi o matemático e padre jesuíta Louis-Bertrand Castel, em um artigo publicado em 1725. Castel posteriormente concebeu e produziu em 1734 (PEACOCK, 1988, p. 399) um instrumento chamado “Clavecin Oculaire” que permitia uma correspondência direta entre som e cor, dando início a uma longa linhagem de instrumentos que traduziam notas musicais em luzes coloridas, através das mais diversas formas de relação: os Color Organs. Seu instrumento era composto por um teclado ao qual foi acoplada uma tela contendo sessenta pequenas janelas com vidros coloridos posicionados atrás de cortinas, que eram abertas quando determinada nota era acionada no teclado, deixando passar uma luz que correspondia àquela nota. Com sua invenção, Castel buscava aproximar a pintura da música, criando sucessões de cores que acrescentavam a dimensão temporal pela primeira vez nas artes visuais.

Deu-se início assim a um novo gênero audiovisual chamado Color Music, no qual música e imagem se relacionavam por meio de instrumentos criados especificamente para este tipo de tradução. Nos séculos seguintes, outros artistas criaram suas próprias correspondências e instrumentos, cada um com sua especificidade. D. D. Jameson construiu em 1844 um instrumento similar ao de Castel, composto por doze aberturas em uma parede contendo cores relacionadas às notas musicais, controladas por um teclado de sete oitavas. O mecanismo por trás do instrumento abria as tampas das aberturas de acordo com a nota e a oitava tocada em seu teclado; quanto mais alta a nota mais o respectivo orifício era aberto deixando ver a respectiva cor. Em 1877, o norte-americano Bainbridge Bishop construiu seu Color Organ acoplando uma tela a um órgão convencional, na qual eram mescladas as cores por meio de 29 um sistema de portas e alavancas, similar aos mecanismos inventados anteriormente por Castel e Jameson, porém com o uso de luz elétrica no lugar de velas e a possibilidade de tocar sons em sincronia com as luzes.

Figura 1 - Color Organ de Rimington

Fonte: http://www.cabinetmagazine.org/issues/22/peel.php.

Alexander Wallace Rimington construiu em 1893 um instrumento para tocar cores e o nomeou “Colour-Organ”, termo que posteriormente se tornaria comum para este tipo de instrumento. O artista, inventor e professor escreveu posteriormente um livro no qual explicava as relações propostas pelo seu invento e tentava demonstrar as relações de equivalência entre os fenômenos ópticos e visuais: “Colour-Music: The art of mobile colour”, em 1911. Para definir sua escala de cores, Rimington dividiu o espectro visual visível na mesma proporção da escala musical diatônica e cada oitava era acrescida de um grau de saturação. Seu teclado tinha cinco oitavas e o mecanismo era similar aos seus antecessores, utilizando portas que se abriam para mostrar cores específicas delimitadas pelo artista. Controles manuais podiam alterar parâmetros da luz como matiz, luminosidade e croma, 30 assim como estender o espectro visual por todo o teclado, em vez de apenas uma oitava. O instrumento de Rimington não emitia sons, e era apresentado em conjunto com um piano que executava a parte sonora enquanto seu instrumento tocava as cores. Sua invenção se tornou bastante conhecida e influenciou compositores como o russo Alexander Scriabin, que foi o primeiro a inserir notações para luz como acompanhamento para a música. Sua composição “Prometheus” foi acompanhada por um Color Organ similar ao de Rimington chamado “Chromola”. Porém, o resultado não gerou críticas satisfatórias em função do fraco desempenho do instrumento: sua área de projeção era pequena e suas falhas constantes.

Já no início do século XX, Mary Hallock-Greenewalt pesquisava sobre este tema e tentou desenvolver um instrumento que sincronizava discos com luzes coloridas de modo automático. Após não ter obtido um bom resultado, a inventora e pianista construiu um instrumento que podia controlar luzes em tempo real, chamado “Sarabet”, em 1919. Greenewalt escreveu sobre um novo tipo de arte composta de luz, em seu livro “Nourathar, the fine art of light color playing”, em 1946, no qual explicava o funcionamento de seu instrumento, além de tratar de outros assuntos relacionados a uma nova arte que surgia, composta essencialmente por luz. Outros inventores criaram seus próprios instrumentos nas primeiras décadas do século XX, seguindo a lógica da relação entre notas musicais e cores, entre os mais conhecidos estão Alexander Hector, Adrian Klein, Leonard Taylor, Achille Ricciardo, Hirschfeld-Mack. É interessante notar que, com exceção de Greenewalt – que não utilizava a correspondência direta – cada artista criou uma escala própria e diferente das demais, contradizendo o suposto caráter objetivo e científico da relação entre som e luz. Desde a correspondência proposta por Newton, passando por Castel e vários outros pesquisadores e artistas, pode-se ver que nenhuma escala utiliza as cores na mesma sequência, o que demonstra que este tipo de relação é bem primária e arbitrária, não devendo ser levada tão a sério quanto seus inventores gostariam. Outra questão pertinente na correspondência entre os espectros sonoros e visuais é que enquanto as notas musicais dobram de frequência a cada oitava, o mesmo não acontece com as cores, que se apresentam em crescimento constante apenas uma vez dentro do espectro visível. Para contornar este problema, os inventores dos Color Organs procuraram saídas como relacionar as sete notas musicais com suas respectivas cores e a cada oitava estas cores eram acrescidas de branco ou de cinza, para assim poderem se estender por todo o teclado. A correspondência direta entre som e cor representa um estágio inicial da Visual Music, que vai sendo aprimorada ao longo do século 31

XX. Este estágio é marcado fundamentalmente pela sinestesia, termo emprestado da medicina que trata de fenômenos que traçam relações entre os sentidos humanos, mas aqui utilizada de maneira figurativa; são correspondências diretas entre um sentido e outro, relações onde uma pessoa ouve uma cor ou vê um som. Pesquisadores da psicologia apontaram outro tipo de sinestesia, baseada em princípios universais de relações entre os sentidos, que seriam percebidas pela maioria da população e não por uma pequena parcela como os sinestetas. Além disso, estas relações universais apontam para possibilidades de analogias entre as mídias. Artisticamente, esta relação científica levada à risca não é tão frutífera, mas utilizada de maneira poética pode abrir amplas possibilidades criativas e ajudar na composição de relações audiovisuais mais universais, perceptíveis pela grande maioria da população. As relações propostas por Kandinsky, por exemplo, entre formas mais pontudas e sons agudos, ou entre linhas horizontais com o humano enquanto verticais têm ligação com o divino são possibilidades de conexão entre som e imagem mais perceptíveis do que a arbitrária correspondência direta. Analogias ou metáforas também ampliam as possibilidades de diálogo audiovisual, vinculando características presentes em uma mídia à outra, de maneira similar à poesia realizada com palavras. Assim, utilizar as sensações causadas pelos atributos dos elementos fundamentais de som ou imagem pode conferir um caráter mais poético à composição, seja ela atrelada a questões sensoriais ou simbólicas.

A história dos Color Organs continua nos séculos XX e XXI, porém, já no início do século XX, alguns artistas não se satisfaziam mais com as duas dimensões encontradas nestes dispositivos – variações sincrônicas de cores e um movimento limitado – e passaram a inserir formas, delimitando o espaço que as cores ocupavam por meio de filtros e outras estratégias que aumentaram bastante as potencialidades das composições visuais. Thomas Wilfred foi um dos primeiros artistas a se opor à forma como os Color Organs operavam a tradução de som em cor. Segundo ele, uma sequência de cores nunca teria o mesmo efeito sobre o espectador que uma sequência de notas musicais; enquanto uma sequência de notas cria na cabeça do ouvinte uma melodia reconhecível, o mesmo não acontece com a luz, que apenas gera uma longa sequência de flashes de cores que não compõem estruturas frasais. A correspondência direta também tornava a parte visual repetitiva após algum tempo, ficando sempre aquém da poética musical. 32

Figura 2 - Correspondências entre cores e notas musicais

Fonte: http://www.marcodebiasi.info/en/a-historical-perspective-on-the-relationship-between-sound-and- colour/. Wilfred inventou então um novo tipo de instrumento, que baseava-se em três elementos: cor, forma e movimento, sendo os dois últimos considerados os mais importantes. Ele inseriu limites à cor a fim de produzir formas que teriam um efeito muito mais próximo da música e das artes visuais. Em vez de sequências de cores, seu instrumento gerava formas que se movimentavam no espaço de acordo com o que era composto previamente pelo artista. Wilfred finalizou seu primeiro instrumento, o “Clavilux”, em 1922, e com ele apresentou-se em diversos lugares nos EUA e Europa, obtendo calorosa recepção (PEACOCK, 1988). Construiu posteriormente vários modelos do “Clavilux”, alguns para concertos em grandes espaços e também versões menores, destinados a serem colocados nas casas das pessoas. Wilfred chamou esse novo tipo de arte de Lumia, diferenciando-o da Color Music produzida pelos Color Organs, e colocando-a como uma arte independente da música. O artista produziu alguns concertos com acompanhamento musical, mas dizia que este não era imprescindível, e que sua arte era inclusive melhor apreendida de maneira silenciosa. Wilfred acrescentou variáveis importantes no processo como movimento e ritmo. Apesar do ritmo já estar presente nos Color Organs, este era bastante precário, sempre acontecendo em uníssono com as notas tocadas no teclado do instrumento. Com o “Clavilux”, pela primeira vez um artista visual pôde criar contrapontos à música; melodias visuais que se diferenciam de uma simples repetição sincrônica das notas musicais. O ritmo também já estava presente de alguma forma 33 nas composições pictóricas estáticas, mas a dimensão temporal ainda não. O movimento das formas também permitia ao artista uma variedade muito maior de ações, além de resolver uma questão fundamental para todos que trabalhavam com artes visuais antes do cinema: o caráter estático das composições.

Figura 3 - Thomas Wilfred e seu “Clavilux”

Fonte: http://cdm.link/2015/08/watch-clavilux-ethereal-light-organ-100-years-ago/.

Assim como Wilfred, vários artistas construíram instrumentos semelhantes, especialmente na primeira metade do século XX, cada um com sua especificidade. Os principais foram: “Piano Optophonique”, do russo Baranoff Rossiné; “Sonchromatoscope”, do húngaro Alexander László; “Synchrome Kineidoscope”, dos norte-americanos Russell e Macdonald-wright; “Lumigraph”, do alemão Oskar Fischinger; e “Mobilcolor”, do norte- americano Charles Dockum. Todos estes artistas e inventores tentaram criar instrumentos que tratassem a imagem de maneira musical, utilizando especialmente luz como elemento gerador, que, ao passar por filtros específicos, delimitavam formas, cores e movimentos, engendrando uma relação próxima com a música, sendo na maioria das vezes executada em conjunto com ela. Um dos instrumentos mais complexos era o “Piano Optophonique”, criado por volta de 1924 pelo pintor futurista russo Vladimir Baranoff Rossiné. Este instrumento era composto por vários filtros transparentes que deixavam passar uma fonte de luz, modificando-a de 34 maneira similar aos filtros dos sintetizadores analógicos de som. Estes filtros eram vidros coloridos, prismas, lentes, espelhos, discos contendo elementos gráficos e máscaras, que se movimentavam por meio de motores de acordo com o acionamento de cada tecla no instrumento. O “Sonchromatoscope” de László era composto por um mixer, projetores de slides, spots de luz e filtros coloridos. Este instrumento foi usado em uma das primeiras performances de cinema expandido da história. Envolvendo um conjunto de dispositivos que criavam um ambiente imersivo para o espectador, o artista húngaro participou de uma turnê na Alemanha durante os anos 1925 e 1926 em parceria com Oskar Fischinger (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 216). László criou uma série de prelúdios para piano e luz em que utilizava seu instrumento e uma notação própria. Os pintores Russel e Macdonald-Wright, que haviam desenvolvido um estilo chamado Sincromismo, na década de 1910, já pensavam em relações som/imagem desde esta época, mas a falta de financiamento fez com que apenas no final da década de 1950 eles conseguissem produzir seu instrumento, chamado “Synchrome Kineidoscope”, onde três rolos de filmes pintados à mão passavam por lentes, tinham sua velocidade controlada pelos operadores e depois atravessavam filtros coloridos antes de projetarem a imagem final. Já o animador alemão Oskar Fischinger criou um instrumento relativamente simples, mas que alcançava um resultado visual bem interessante e diferente de seus colegas. No final da década de 1940 ele desenvolveu um dispositivo composto por uma moldura com uma tela elástica no centro, e luzes nas laterais. Quando o performer empurrava a tela com a mão ou outro objeto, as luzes que vinham da moldura geravam volumes na própria tela, criando sombras e imagens coloridas. Fischinger chamou este instrumento de “Lumigraph” e executou com ele algumas performances2. Outro artista e inventor importante foi Charles Dockum, criador do termo “Mobilcolor”, um novo tipo de arte baseada em formas luminosas em movimento. Dockum iniciou em 1935 sua pesquisa para a construção de um instrumento que possibilitasse o controle preciso de elementos visuais que pudessem criar composições complexas, similares às musicais, embora o artista dispensasse – como Wilfred – o acompanhamento musical para sua arte. Seu instrumento, que foi aprimorado a cada nova versão produzida, era composto por um mecanismo que misturava filmes produzidos pelo artista em diversas maneiras, atingindo resultados bem diferentes dos apresentados por cada filme separadamente. Suas apresentações tinham uma rígida estrutura, seguindo uma partitura

2 Trataremos deste instrumento com mais detalhes dentro do capítulo três. 35 composta pelo artista que incluía variações de ritmo, harmonia, movimento e dinâmica, todos tendo a imagem como elemento fundamental.

Figura 4 - “Piano Optophonique”, de Vladimir Baranoff Rossin (1924)

Fonte: http://www.audiovisualizers.com/toolshak/vidsynth/early/early.htm. Assim como estes artistas aqui citados, vários outros desenvolveram instrumentos similares, na primeira metade do século XX; instrumentos que permitiram a seus inventores concretizar suas ideias de uma arte composta por cor, forma e movimento. A necessidade de criar melodias visuais concebida em formas e cores levou estes artistas e buscar soluções que não existiam anteriormente a fim de viabilizar suas ideias. Fica claro aqui que sem estas invenções, a história da Visual Music ficaria bastante restrita ao uso dos objetos técnicos à disposição do artista em sua época, que não foram produzidos para este fim. Tentar encontrar novas formas de uso de instrumentos convencionais não deixa de ser uma forma de invenção, porém bastante restrita aos padrões que foram criados para sua execução tradicional. Utilizar um violão subvertendo seu modo usual de tocar, pode levar a resultados novos e diferentes, porém o artista está limitado às possibilidades físicas que o instrumento lhe proporciona. Com a invenção, o novo objeto técnico pode ser um espelho das necessidades de seu criador. Criado do zero, o novo instrumento pode se moldar aos objetivos do artista, encontrando os melhores caminhos para a realização de suas aspirações.

Após esta listagem de instrumentos derivados dos Color Organs, faremos um retorno cronológico ao início do século XX, em um momento fundamental para a história da Visual 36

Music: o surgimento da arte abstrata. Após o advento da fotografia, as artes visuais buscavam uma nova forma de se expressar, buscando se diferenciar do caráter figurativo que agora não fazia mais tanto sentido, já que os meios técnicos tinham capacidade para produção de imagens realistas com muito mais rapidez e eficiência. Pintores como Kandinsky, Paul Klee, Frantisec Kupka, Francis Picabia, entre outros, passaram a aspirar por um novo tipo de arte que não ficasse presa à simples imitação da realidade; que expressasse o sentimento do artista e apontasse para novos caminhos criativos e poéticos. Estes artistas buscaram então na música (instrumental) um ideal de não objetividade, onde o conteúdo não representasse nada além de si mesmo, mas, ao mesmo tempo, contivesse uma forte carga expressiva. A música, essencialmente abstrata, forneceu a estes artistas inspiração para encontrarem um caminho que se distanciasse da objetividade figurativa. Talvez o mais importante artista neste percurso tenha sido Kandinsky, tanto por seu trabalho autoral quanto pelos importantes livros que escreveu e pelas aulas que ministrou. Kandinsky buscou a essência da não objetividade por meio da relação com a música, e traçou paralelos entre estruturas musicais e pictóricas, a fim de pensar suas obras e justificar o modo de fazer da arte abstrata que estava nascendo. A música, um tipo de arte não verbal continha todas as características que os pintores abstratos buscavam, em especial um atributo fundamental que a pintura não dispunha: a dimensão temporal. Apesar de ser questionável o fato de existir esta dimensão em uma obra pictórica, pois o quadro não é assimilado instantaneamente, mas por partes, pela observação do espectador ao longo do tempo, é evidente que no caso de telas estáticas ela se encontra bastante limitada. Paul Klee dizia que

o movimento é a base de toda criação… Quando um ponto ganha movimento e se torna uma linha, demora um tempo. O mesmo acontece quando a linha se desloca para formar um plano. Igualmente, é preciso o movimento dos planos para compor volumes. Alguma pintura já foi criada instantaneamente? Não, ela é construída peça por peça (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 56). Este movimento, entretanto, está cristalizado quando a pintura está pronta. No máximo pode ocorrer pela observação da obra pelo espectador ao longo do tempo. Já na questão sonora esta dimensão está intrinsecamente presente e desta é parte fundamental: sem duração não há som e consequentemente música.

Nessa busca por uma proximidade com a música, alguns pintores passaram a inserir elementos musicais em suas obras a fim de tornar esta relação mais evidente e tentar assim tomar emprestado algumas de suas características. Estes procedimentos iam desde relações 37 mais elementares como a inserção de títulos com termos musicais como fuga, adágio, improviso, etc, inclusão de imagens de elementos do universo musical – como partes de instrumentos ou partituras – até relações mais sofisticadas como a utilização de gradações de cores e tamanhos de formas abstratas para tentar simular movimento. Esta característica presente na música mas não na pintura ou escultura era o ponto principal que se tentava alcançar. Kandinsky foi um dos principais artistas que buscou encontrar os fundamentos da imagem e tecer ligações desta com a música. Partindo de seus elementos fundamentais: ponto, linha, forma, cor, plano, o artista trilhou um caminho onde cada elemento pictórico teria sua própria ressonância interna, onde cada forma e cor sugere uma sensação e, através da composição de diversos elementos no plano e das relações entre eles, pode-se expressar os sentimentos mais profundos do artista. Kandinsky dizia que os pintores que se limitavam a uma mera imitação da natureza sempre ficariam abaixo desta, e que o verdadeiro artista, aquele que consegue unir técnica e espiritualidade, é o que busca nas formas abstratas seu substrato. Dizia que a abstração era um novo estágio para a arte, livre da imitação de elementos exteriores e voltada para dentro do artista, expressando seus sentimentos através da soma das características propostas por cada elemento pictórico.

Como além de pintor Kandinsky era também tinha formação musical, a relação entre som e imagem para ele também tinha grande relevância. O artista pensou em diversos tipos de analogia entre cor e timbre dos instrumentos musicais, além de relacionar cores a formas geométricas específicas. Para ele, o som de cada instrumento – assim como cada forma – sugeria uma cor, e assim correspondências poderiam ser feitas. Além disso demonstrou, tanto em seus textos quanto em seus quadros, as correlações possíveis entre as diversas formas dentro da composição, ao apontar as sensações que cada elemento pictórico sugere em função de sua forma ou cor. Porém Kandinsky trabalhava com um meio estático – a pintura – e isso limitava suas possibilidades, fazendo-o buscar maneiras alternativas para tentar inserir o movimento em seus trabalhos. Apesar de ter à sua disposição uma mídia estática, o artista tentou, por meio de características internas de cada elemento, sugerir movimentos dentro da composição. Chegou a utilizar títulos extraídos do universo musical em suas obras, mas a questão das cores e da ressonância interna das formas foi mais importante em sua busca por inserir movimento nas artes visuais. 38

Figura 5 - “Growth of the night plants”, Paul Klee (1922)

Fonte: https://www.are.na/block/1370702. Assim como Kandinsky, vários artistas do início do século XX buscaram novas correspondências entre imagem e música, porém ainda fora da característica musical mais importante: o tempo, fator que permite a variação nos atributos dos elementos na composição e que traria o movimento para dentro das artes visuais. Estes tentaram então encontrar meios de simular de alguma forma o movimento em suas telas estáticas. Paul Klee conseguiu isso através de gradações de cores, que sugeriam variações no tempo, como em sua pintura “Growth of the night plants”, de 1922, em que tons mais claros indicavam o crescimento vertical de formas geométricas que lembravam plantas. Klee trabalhou também com os conceitos de polifonia e contraponto, transposto da música para as artes visuais, ao utilizar vários elementos visuais com cores e formas diferentes, para sugerir ritmo em suas composições. Já Kupka simulava movimentos de discos coloridos ao pintar uma sobreposição deles, cada um em um ângulo diferente, mesclando progressivamente suas cores, em sua obra “Disks of Newton”, de 1912. O pintor russo Baranoff-Rossiné optou por relações mais óbvias ao inserir uma partitura em seu quadro “Capriccio Musicale”, de 1913. Stanton Macdonald- Wright e Morgan Russel cunharam o termo Sincromismo, um estilo na pintura que tratava som e cor como fenômenos similares, e buscava composições harmônicas visualmente de maneira análoga à harmonia musical. Os pintores criaram escalas e acordes de cor, e com eles compuseram suas “Sincromias”, ou sinfonias de cores, entre 1911 e 1914. Arthur Dove foi 39 outro pintor das primeiras décadas do século XX a tratar as imagens de maneira musical, tentando expressar, em cores e formas, movimentos relacionados à música. Em sua composição “Fog Horns”, de 1929, o artista pintou círculos concêntricos que remetiam ao som emitido por instrumentos de sopro.

Além dos citados acima, nas primeiras décadas do século XX, vários artistas tentaram criar algum tipo de relação com a música, desde as mais óbvias como empréstimo de termos e elementos musicais, relações fixas entre cores e notas, até representações mais abstratas do movimento. Porém, foi somente por meio de uma nova mídia, inventada e aperfeiçoada ao longo de décadas na virada do século XX, que os artistas visuais finalmente puderam ter à sua disposição a fluidez da música, incorporando a dimensão temporal ao processo: o cinema. Com suas raízes em inventos da primeira metade do século XIX, o cinema demorou quase um século para concretizar a individuação de um objeto eficaz que pudesse reproduzir som e imagem sincronicamente, em uma qualidade suficiente para o espectador ter a ilusão de algo realista e verossímil. Os primeiros dispositivos foram criados na década de 1830: “Estroboscópio”, de Simon von Stampfer, “Fenakistoscópio”, de Joseph Plateau e “Zootrópio”, de William Horner. Todos consistiam de discos com sequências de imagens que giravam e davam a impressão de movimento ao serem observados através de pequenas fendas. Já na segunda metade deste século, os inventores passaram a focar seus esforços em aparelhos que fossem capazes de visualizar sequências de fotografias. Eadweard Muybridge criou o “Zoopraxiscópio”, Dickson e Edison desenvolveram o “Kinetoscópio” e os irmãos Lumiére criaram o “Cinematógrafo”. Este último permitia a exibição do filme em uma tela, dando início efetivamente ao cinema, em 1895.

Essa sequência de individuações finalmente havia chegado a um dispositivo bem resolvido, que tornou possível a evolução da arte cinematográfica ao longo do século XX. Este objeto técnico, que permitia filmar e exibir imagens em movimento permitiu a libertação das artes visuais de sua estaticidade, oferecendo uma ampla gama de possibilidades aos artistas. Explorando este dispositivo, artistas começaram a criar trabalhos que envolviam movimento, filmando inicialmente imagens do cotidiano das cidades e, na sequência, passaram a encenar dramas ficcionais elaborados. Porém, alguns não estavam interessados em imagens figurativas; artistas visuais de vanguarda viram neste instrumento uma possibilidade 40 de, após séculos de pintura estática, inserir o movimento em seus trabalhos por meio de sequências de quadros.

Figura 6 - Zootropio (1889)

Fonte: http://ensembles.mhka.be/items/zootrope-cercle-magique.

Os pintores Futuristas Arnaldo Ginna e Bruno Corra foram os primeiros utilizar o aparato desenvolvido para o cinema dentro da estética da Visual Music, em 1911. Após terem construído seu próprio Color Organ, os artistas, não satisfeitos com o resultado obtido, tentaram, através do dispositivo cinematográfico, inserir movimento em suas pinturas. Esta inserção se deu de modo inventivo, subvertendo a maneira usual de utilização desta mídia e também do próprio dispositivo, que foi alterado para atingir os resultados por eles imaginados. Ginna e Corra inventaram a técnica de pintura direta no filme, quadro a quadro, criando a ilusão de movimento por meio de centenas (ou milhares, dependendo da duração do filme) de pequenas pinturas no celuloide (BROUGHER, 2005). Esta técnica seria posteriormente utilizada e aperfeiçoada por outros artistas dentro da Visual Music como Len Lye, Norman McLaren e Harry Smith. Interessante notar como esta técnica ressaltava as peculiaridades de cada autor, servindo como uma assinatura única, algo que diferenciava os artistas que a utilizavam do padrão industrial cinematográfico. Ginna e Corra produziram alguns filmes curtos que demonstraram as potencialidades do novo meio em criar sinfonias cromáticas – movimentos de formas simples e coloridas que se comportavam como música 41

(CORRA, 1973). Entre 1912 e 1914, Leopold Survage pintou uma série de aquarelas abstratas que seriam a base de um filme chamado “Rythme Coloré”. Survage desenvolveu uma linguagem de formas e cores em movimento que se tornariam padrão na Visual Music nos anos seguintes. O artista acreditava que o movimento era capaz de evocar sentimentos que a pintura estática não conseguia alcançar, e pensava que suas imagens poderiam obter os mesmos resultados psicológicos da música, moldando um tipo de arte independente, bem distante de uma simples ilustração da música. Infelizmente, por falta de financiamento, Survage não conseguiu concluir seu filme. Suas ideias acabaram registradas em 1929 no livro “The Glistening Bridge”, de Samuel Putnam.

No início da década de 1920, artistas como Walter Ruttmann, Hans Richter e Viking Eggeling estavam também produzindo experimentos com imagens abstratas em movimento, buscando romper com a imobilidade pictórica e explorar relações mais próximas com a música. Ruttmann produziu entre 1920 e 1925 seus primeiros filmes. O primeiro deles, “Lichspiel Opus I” (considerado o primeiro filme absoluto apresentado publicamente, em 1921)3 era composto por figuras abstratas movendo-se na tela em melodias semelhantes às musicais, explorando padrões rítmicos e animações de entrada e saída de elementos na tela, dando início a uma nova fase da Visual Music. Este novo momento foi marcado pela exploração do movimento de formas abstratas e pela sincronia audiovisual, possibilitada nos anos seguintes pela inserção do som no cinema, mas que já era antevista nestes primeiros filmes pelo uso de partituras para acompanhamento dos filmes. A libertação da imobilidade do quadro pictórico permitiu finalmente aos artistas criar composições fluidas, que se desenvolviam no tempo de maneira similar ao comportamento da música. Aproveitando esta potencialidade do movimento, estes primeiros cineastas abstratos se inspiraram nas estruturas musicais de ritmo, harmonia, contraponto para criar obras em que as sensações causadas no espectador seriam similares àquelas proporcionadas pela música. A orquestração dos elementos visuais no tempo; o contraste ou similaridade entre ações em som e imagem; o desenvolvimento de formas que se modificam ao longo do tempo; relações entre cor e som, ritmo e forma; foram algumas das potencialidades exploradas nessa nova era. Estava inaugurado um novo gênero dentro do audiovisual, que se utilizava das mesmas ferramentas do cinema, porém com finalidade bem diferente, por não tratar de narrativas convencionais,

3 Os artistas Bruno Corra e Arnaldo Ginna já haviam produzido filmes abstratos anteriormente, porém sua divulgação ficou restrita a poucos eventos privados, onde estes filmes eram exibidos para amigos da dupla. 42 com atores humanos, narrativas lineares e roteiros literários – a própria imagem havia se tornado protagonista, em duetos com a música: suas formas, suas cores e movimentos diziam tudo e se relacionavam harmonicamente com o som em uma unidade sem hierarquias.

Ao longo do século XX, vários artistas produziram filmes dentro da estética da Visual Music, inaugurada com o primeiro filme de Ruttmann. Hans Richter, a partir de 1921, criou uma série de filmes chamados “Rhythmus” (21, 23, 25) nos quais explorava o movimento rítmico e modulações no tamanho de formas geométricas na tela. Richter também produziu filmes utilizando elementos figurativos, porém de maneira não linear e não representativa, ressaltando o caráter sensorial e rítmico das imagens. “Filmstudie” (1925), “Inflation” (1927) e “Vormittagsspuk” (1928) são alguns exemplos. Viking Eggeling, produziu “Symphony Diagonale”, em 1924, onde formas que lembram instrumentos musicais surgem e desaparecem na tela, em um exercício rítmico em stop motion, em claras referências à estrutura musical. Oskar Fischinger, um dos mais importantes artistas dessa área, criou suas primeiras composições também nessa década, mas já com uma linguagem muito mais elaborada de animação e sincronia audiovisual.

Os filmes de Fischinger são marcados por uma precisa análise da estrutura musical para posterior sincronia das imagens, além do uso de formas simples e na maioria das vezes geométricas, que permitem criar composições mais elaboradas dentro da trabalhosa técnica de animação stop motion. Seus “Studies”, uma série de animações sincrônicas com trilhas de músicas clássicas é um dos mais belos exemplos de Visual Music já produzidos. Nelas, “corpos” seguem um roteiro complexo de transformações, seguindo rigidamente a melodia musical, porém de maneira não óbvia, deixando espaço para aproximações e afastamentos, uníssonos e contrapontos, tornando o resultado final uma unidade audiovisual poética e incrivelmente bonita de se ver. Além do trabalho como animador, Fischinger também inventou seus próprios dispositivos, que lhe permitiram alcançar resultados bem diferentes dos artistas que trabalham somente com película cinematográfica. Sua “Wax Slicing Machine” e o “Lumigraph”, além de seu processo de desenho na faixa sonora do filme serão analisados posteriormente, no subcapítulo dedicado ao artista.

Na década de 1930, Len Lye retoma a técnica de pintura direta no filme inventada por Ginna e Corra, ampliando-a e misturando elementos figurativos pré-gravados, criando uma estética nova que se assemelha à estética que marcaria o trabalho dos VJs quase setenta anos 43 depois. Além disso, Lye desenvolveu técnicas como solarização, múltiplas exposições, novas técnicas de impressão em cores, impressão óptica, travelling mattes, scratching, etc. Seus filmes apresentam composições bem coloridas e múltipla em termos estéticos, sempre em sincronia com a trilha sonora.

Figura 7 - Frame do filme “Begone Dull Care”, de Norman Mclaren (1949)

Fonte: http://berlinfilmjournal.com/2015/11/experiment-play-norman-mclarens-animations/norman-mcclaren/.

Norman McLaren, outro artista fundamental dentro da Visual Music, também subverteu algumas técnicas de animação em seus trabalhos. McLaren foi um dos artistas da área com maior variedade de ideias estéticas para sincronização entre som e imagem, expressa de maneira bastante diversa em sua vasta filmografia. O artista trabalhou tanto com imagens abstratas quanto com filmagem de atores e diversas técnicas para a produção de seus filmes como: animação sem câmera, pintura diretamente no próprio filme, stop motion, pixellation, cut-out, etc. Talvez o mais importante aspecto de seu trabalho seja a sincronia que ele fazia, indo além de uma simples visualização da música, chegando em relações transmidiáticas4 entre som e imagem onde o par constitui uma unidade inseparável. Esta sincronia vai desde correspondências diretas – onde a cada som corresponde uma imagem – até relações onde o que importa é a sensação que o conjunto audiovisual causa no espectador, utilizando soluções criativas mais sofisticadas, que criam vínculos entre elementos sonoros e visuais de uma maneira expandida e fluida, através de relações dialógicas, porém não explícitas. Seu filme “Begone Dull Care” de 1949, uma das obras-primas na história da Visual Music, demonstra bem esta variedade técnica e poética.

4 Relações transmidiáticas são aquelas em que mais de uma mídia se unem para compor uma obra, sendo que seus elementos constitutivos não podem ser separados (STRAUMANN, 2015). 44

Outro artista relevante que utilizava a mídia cinematográfica para criar Visual Music é o norte-americano Stan Brakhage. Em seus filmes, na sua grande maioria silenciosos, o artista apresenta uma narrativa fragmentada composta por cortes rápidos, demonstrando um incrível senso rítmico, que pode ser notado mesmo sem seu contraponto sonoro. Brakhage utiliza imagens filmadas por ele próprio em composições onde os elementos figurativos não têm conotação simbólica, apenas estética, e o ritmo na edição torna as imagens extremamente musicais. O artista utilizou ainda técnicas como film scratching, múltiplas sobreposições, desfoques, execução reversa, etc. Um fato interessante de seus filmes é que eles se ajustam ritmicamente a qualquer trilha sonora. “Cat’s Cradle” de 1959 por exemplo, pode ser executado em conjunto com músicas de diversos estilos e andamentos, que sempre criam relações temporais que parecem ter sido editadas especificamente para aquela música. Ainda dentro deste gênero da Visual Music que utiliza o filme como mídia, encontramos outros importantes animadores como Harry Smith, Mary Ellen Bute e Hy Hirsh, que produziram filmes experimentais entre as décadas de 1940 e 1980. Hirsh, além de utilizar técnicas comuns de animação, também explorou o uso de um dispositivo que o permitia ter imagens bastante distintas das produzidas por meio de stop motion e desenho direto no filme: o osciloscópio. Apesar de não ser o primeiro a utilizar este dispositivo, Hirsh o fez me maneira bastante criativa, mesclando suas imagens com outras obtidas através de técnicas mais convencionais. Seu filme “Eneri”, de 1953, apresenta uma estética bem diferente dos produzidos por meio de stop motion e direct painting. Mary Ellen Bute também utilizou o osciloscópio em suas composições, alguns anos depois de Norman McLaren e Hy Hirsh. A animadora já produzia filmes desde a década de 1930, focando na sincronia entre som e imagem, mas apenas na década de 1950 começou a utilizar imagens capturadas do osciloscópio. Bute utilizava diversas técnicas em seus filmes, entre elas animações stop motion, filmagens de elementos figurativos, uso de espelhos e filtros, etc. A artista buscava uma interseção entre ciência e arte, usando frequentemente fórmulas matemáticas para construir suas animações, além de sempre manter uma relação sincrônica com o áudio em seus filmes.

Diferenciando-se da grande maioria dos artistas que trabalhavam com pintura direta no filme ou stop motion, os irmãos John e James Whitney fizeram surgir uma nova vertente dentro da Visual Music: imagens produzidas por meio de computadores, seguindo relações matemáticas para criar padrões que se desenvolviam ao longo do tempo. Os irmãos já produziam animações desde a década de 1940, sempre se preocupando com relações próximas 45 entre som e imagem. John inventou instrumentos para realizar um novo tipo de estética, baseada no menor elemento visual: o ponto. Partindo deste elemento – que poderia ser comparado ao pixel da era digital – e seguindo fórmulas matemáticas, o artista desenvolveu uma linguagem única, possível apenas pelas potencialidades surgidas nos dispositivos que construiu. Imagens que lembram mandalas formadas de pontos infinitesimais se movimentam na tela em alguns de seus filmes, seguindo uma “Dinâmica Diferencial”, uma estrutura de repetições defasada de movimentos que criam um resultado fluido e complexo. John construiu instrumentos para concretizar suas ideias, entre eles uma impressora óptica de 8mm, um dispositivo composto por pêndulos e reaproveitou um computador analógico como dispositivo para criar animações.

Figura 8 - “Subsonic Sound Instrument”, instrumento de John e James Whitney (1944)

Fonte: http://www.temporarygallery.org/?p=3283&lang=en.

Cada um dos inventos modificou o resultado estético do seu trabalho e apontou para novas direções dentro da Visual Music. John detalhou sua pesquisa no livro “Digital Harmony”, de 1980, no qual explica seu método de composição. A relação com o som tendia para uma sincronia total, pelo uso algumas vezes do mesmo instrumento ou método para gerar 46 som e imagem, em composições audiovisuais unificadas, sem hierarquias entre seus componentes. Em outros filmes, porém, o artista utilizava músicas já prontas, se relacionando de forma mais difusa com a parte visual. Trataremos com mais detalhes da obra dos irmãos Whitney no terceiro capítulo, dedicado ao estudo de casos.

Na segunda metade do século XX a Visual Music passou a se aproximar da música pop, enfatizando novamente seu caráter performativo. Grupos de artistas se formaram, cada um utilizando um instrumento diferente, somando suas particularidades, e resultando em imagens e texturas elaboradas, tocadas ao vivo no ritmo da música, concretizadas pela soma das potencialidades de cada uma delas. Estes coletivos artísticos e técnicos mudaram radicalmente a estética da Visual Music. Em sintonia com a era psicodélica, voltada para a expansão sensorial e experimentos lisérgicos, estes coletivos criaram um novo gênero dentro do audiovisual ao vivo: os Light Shows. Precursores dos atuais VJs, estes grupos acompanhavam bandas de rock produzindo imagens psicodélicas projetadas em telas no fundo do palco, utilizando as mais diversas técnicas e seguindo o ritmo musical para a construção das imagens em tempo real. Um dos precursores deste formato foi o artista norte-americano Jordan Belson. Belson era cineasta e produzia animações abstratas dentro do estilo da Visual Music, tentando criar filmes onde a fluidez da imagem não permitisse ao espectador perceber exatamente sua origem, baseados em filosofia oriental, meditação e em uma estética não representacional, abstrata e cósmica. O artista se juntou ao compositor Henry Jacobs em 1957 para criar os “Vortex Concerts”, apresentações de filmes abstratos acompanhados de música eletrônica dentro do planetário de San Francisco (BROUGHER, 2005). Finalmente a Visual Music conseguia talvez o seu principal objetivo: inserir o espectador em uma unidade audiovisual, onde som e imagem criavam uma experiência sensorial única e imersiva. Estes concertos eram viabilizados por múltiplos projetores, que permitiam aos artistas ocupar todo o ambiente, além de um som dividido em vários canais, espacializando o conteúdo sonoro pelo ambiente. Para a parte visual, novos instrumentos foram criados a fim de estender as possibilidades dos artistas. Além dos projetores de filme convencionais, foram desenvolvidos outros dispositivos para criar padrões de interferência sobre a imagem, filtros de cor, e um controlador para espacialização sonora. Som e imagem eram uma mistura de elementos pré- gravados com ações ao vivo dos artistas. Estes concertos duraram apenas três anos, mas fomentaram uma nova abordagem no tratamento de imagens que se concretizariam anos depois nos Light Shows. 47

Outro precursor destas performances psicodélicas foi uma nova técnica desenvolvida pelo artista e professor Seymour Locks, ainda no início dos anos 1950, também em San Francisco. Locks criou um tipo completamente novo de imagem ao colocar líquidos coloridos em recipientes, movimentá-los e projetar o resultado por meio de um retroprojetor. O resultado eram imagens abstratas fluidas e coloridas, que combinavam perfeitamente com a estética hippie em ascensão na época. Esta técnica foi amplamente explorada nos anos seguintes por vários artistas, entre eles Elias Romero e Bill Ham, até chegar aos concertos de rock, incluído dentro do aparato dos Light Shows. Munidos de uma ampla gama de instrumentos – projetores de filme, slides, retroprojetores, Color Organs, espelhos, filtros coloridos, etc – estes coletivos de artistas tocavam imagens que ocupavam todo o fundo do palco em projeções psicodélicas em sincronia com a música. Grupos como Joshua Light Show, Light Sound Dimension, Brotherhood of Light se apresentavam de maneira fixa em teatros, criando e mixando imagens para bandas que lá se apresentassem. Um forte caráter improvisatório e a grande diversidade de técnicas e estilos eram os principais atributos destes coletivos, que duraram até meados da década de 1970. Trataremos de um destes grupos com mais detalhes – o Joshua Light Show – mais adiante, no estudo de casos.

Figura 9 - Joshua Light Show fazendo as projeções para show de Frank Zappa

Fonte: Joshua White. 48

Ainda nos anos 60, experimentos com um novo tipo de instrumento criaram uma nova estética, aplicada posteriormente em outras áreas dentro das artes visuais: os sintetizadores de vídeo. Seguindo o conceito dos sintetizadores analógicos de som, artistas e engenheiros inventaram um instrumento capaz de gerar imagens abstratas por meio de circuitos eletrônicos. Eram imagens simples de formas coloridas que podiam ser alteradas por meio de patches – conexões feitas momentaneamente entre inputs e outputs do dispositivo. Alguns destes sintetizadores também permitiam a entrada de um sinal de vídeo analógico (como o de uma câmera) e a aplicação de efeitos sobre estas imagens, a mistura com imagens sintetizadas, etc. A exploração destes instrumentos por artistas como Steina e Woody Vasulka, Stephen Beck e Nam June Paik gerou uma nova estética, baseada em deformações de imagens abstratas ou capturadas por câmera, que tem uma ligação com a Visual Music na medida em que valoriza a questão estética e uma ligação com a música.

No final dos anos 1970, a psicodelia dos Light Shows havia se “domesticado” nas luzes coloridas do movimento Disco, com luzes automatizadas e efeitos visuais repetitivos, sem a veia artística e poética dos coletivos dos anos 60. A Visual Music passaria então por um momento de hibernação, aparecendo esporadicamente em derivações de suas ideias como instalações audiovisuais e nos videoclipes, já na década de 1980. A relação que a parte imagética do videoclipe tem com a música é normalmente de subserviência, servindo como uma ilustração desta e como um meio para sua divulgação na mídia televisiva. Poucas ideias advindas da Visual Music são aproveitadas neste gênero, mais similar ao cinema convencional, com suas narrativas, atores, etc do que com os princípios fundamentais da imagem e suas possíveis relações com o som. Obviamente este novo formato não envolvia performance ao vivo e seguia padrões estéticos da época. Um dispositivo importante para esta época foi a câmera de vídeo (que já existia há algum tempo, mas havia se tornado popular a ponto de chegar à casa das pessoas). Talvez este objeto técnico tenha contribuído para uma volta das imagens figurativas para o cerne do audiovisual, pois seu formato contribuía para este direcionamento.

A década de 1990 foi marcada pela popularização dos computadores pessoais e softwares que permitiam manipulação de som e imagem (mesmo que ainda de maneira rudimentar). Apesar de já ser produzida desde os anos 1960, a arte computacional ganhou fôlego com a possibilidade da maioria das pessoas poderem ter acesso a um dispositivo que 49 lhes permitisse uma produção estética, fazendo surgir uma nova onda baseada na arte digital: a webarte. O barateamento das câmeras de vídeo e os novos softwares que entraram no mercado permitiram uma democratização dos meios produtivos, acarretando um boom de produções digitais. Dentro do escopo da Visual Music, talvez sua primeira aparição no meio digital tenha sido por meio dos visualizadores de música como Winamp e iTunes. Estes softwares se constituíam de programações que analisavam o som e construíam animações generativas a partir das frequências sonoras encontradas. Apesar de simples visualizações da música executada, estas animações eram compostas por programações complexas e muitas vezes interessantes esteticamente. A Visual Music chegava outra vez à casa das pessoas, novamente por meio de um dispositivo gerador de imagens em tempo real, acessível a qualquer portador de computador.

Nos anos 90 também surgiram vários programas para edição e composição sonora, e alguns para edição de vídeo. Os artistas podiam, utilizando o mesmo dispositivo, compor uma obra audiovisual, mesmo que com grandes limitações de qualidade e processamento. Porém, a grande revolução no meio digital veio com o advento dos softwares para mixagem de sons e imagens ao vivo, que transformaram o computador em um instrumento que podia ser tocado ao vivo. O som veio primeiro, devido à sua maior simplicidade em relação ao tratamento digital das imagens. Mas na virada para o século XXI surgiram os primeiros softwares para manipulação de imagens em tempo real, fazendo nascer um novo artista, que se baseava nos princípios da Visual Music, mas utilizava novas tecnologias: o VJ. Programas como VJam, Resolume, Arkaos, entre outros, permitiam, pela primeira vez, edição de imagens digitais em tempo real. A partir de um banco de imagens definido com antecedência, o VJ mescla várias camadas de imagem, aplica filtros, efeitos, enviando o resultado final para um projetor de maneira instantânea. Apesar de ter surgido alguns anos antes, quando os artistas mixavam suas imagens com mesas de edição convencionais utilizando videocassetes ou DVD-players, foi com os laptops mais potentes que este tipo de arte pôde finalmente de desenvolver, criando uma nova fase da Visual Music, em que som e imagem acontecem ao vivo, por meio de dispositivos digitais.

Esteticamente, o VJ surge em parte pelo espaço deixado no palco pelos Djs de música eletrônica, que, ao contrário das bandas, não ofereciam um grande apelo visual durante suas performances. O palco ficou vazio e este espaço foi a deixa para artistas visuais da época 50 ocuparem estes ambientes, criando um novo gênero, totalmente performativo e improvisado, ressignificando imagens pré-gravadas no tempo da música, criando ligações sincréticas para o clubber, que passa a ter algo para ver nas festas. O trabalho do VJ é baseado nos princípios que a Visual Music aprimorou durante mais de um século de história, em melodias visuais que seguem estruturas musicais, fundadas principalmente em ritmo, harmonia e contraponto. O VJ tem à sua disposição bancos de imagem dentro dos quais seleciona as bases que têm relação estética e temática com o estilo musical que está sendo tocado. A partir desta seleção inicial, ele passa a inserir na projeção loops curtos de vídeo em camadas, que podem ser misturadas de diversas maneiras. O ritmo é fundamental, tanto dos cortes feitos ao vivo quanto das próprias imagens dentro de cada loop, a fim de criar relações audiovisuais sincrônicas. Com o VJ, as aspirações dos artistas visuais que tentavam inserir movimento em suas obras desde a pintura abstrata, passando por diversos instrumentos inventados para este fim durante o século XX; a apropriação da mídia cinematográfica; os Light Shows; tudo agora estava inserido em uma pequena caixa que condensava as potencialidades de todos estes instrumentos: o computador digital.

Entretanto, ainda havia um estágio a ser alcançado: a união conceitual das mídias audiovisuais ao vivo; um tipo de trabalho em que som e imagem são pensados conjuntamente, e apresentados em ambientes propícios para seu desfrute, em uma imersão completa. Artistas como Ryoji Ikeda, Herman Kolgen, Yro, e coletivos como Addictive TV, Coldcut, Transforma, entre outros, foram alguns dos pioneiros deste movimento. As Performances Audiovisuais surgem ainda na primeira década do século XXI como um refinamento do trabalho do VJ, um espetáculo audiovisual onde som e imagem são elaborados e executados pelo mesmo artista (ou coletivo) em trabalhos mais sofisticados do que simplesmente a utilização da sincronia audiovisual como único parâmetro. Nas Performances Audiovisuais, todo o processo é construído do zero: tanto som quanto imagem são compostos a partir de um conceito comum, tornando a performance muito mais potente. Enquanto o VJ tenta seguir a música que está sendo tocada, sem saber qual será a próxima ou o momento em que o DJ fará a transição, nas Performances Audiovisuais a Visual Music alcança seu ápice, pois detém tanto os meios tecnológicos ideais para sua composição e execução quanto a união temporal precisa entre som e imagem, pois ambos foram compostos pelo mesmo artista e seguem uma partitura onde sua dinâmica foi previamente traçada. Obviamente, há espaço também para improvisação, e o artista pode transformar completamente o trabalho a cada nova 51 apresentação. Porém, os limites estão estipulados com antecedência, e tanto som quanto imagem ficam dentro de um espectro que funcione esteticamente e faça parte do tema do espetáculo. Para que isso ocorra, há um longo processo de conceituação e composição, que segue as diretrizes da Visual Music, propondo estruturas paralelas e correspondentes entre som e imagem. Todo tipo de relação pode ser prevista, desde correspondências diretas, passando por afastamentos e contrapontos, que criam linhas similares porém não exatamente iguais entre as melodias sonoras e visuais. Novos programas facilitam e amplificam este processo. Diferentemente dos softwares para VJs, que utilizam loops de vídeo pré-gravados, software modulares como Max/Msp, VVVV, Touch Designer, etc permitem que se programe exatamente o que o artista precisa em termos de imagem, o que será executado ao vivo, quais variáveis inserem aleatoriedade ao processo, interfaces com dispositivos analógicos externos, etc, tornando a composição visual muito mais sofisticada. Com estes programas, o artista pode ter (ou perder) o controle sobre cada elemento em cena, alterando todos os seus parâmetros em tempo real. O mesmo acontece com a parte sonora: cada frequência, escala, ritmo, harmonia, enfim, todo parâmetro sonoro pode ser modulado ao vivo, durante a performance. Com estes programas, o caráter de invenção sempre presente na Visual Music ganha uma nova forma – a digital. Cada nova programação é um novo instrumento, criado de acordo com as necessidades específicas do artista, oferecendo a ele outras possibilidades sonoras, visuais e de relacionamento audiovisual. Em vez de construir engrenagens e inserir elementos físicos, agora é o código que realiza todas as operações imagináveis pelo artista. A soma das duas partes gera um espetáculo audiovisual sinestésico, onde uma ideia é transmitida por meio de narrativas fragmentadas; imagens e sons são gerados em tempo real e o improviso faz da apresentação um fenômeno único: a Visual Music em seu estado mais evoluído.

Atualmente, a configuração de uma máquina única, que conduz todo o espetáculo audiovisual está sendo aos poucos substituída por uma diversidade maior de instrumentos, alguns digitais, outros analógicos. Em função da pouca expressividade permitida pela execução de uma performance por meio de computador e mouse, alguns artistas passaram a buscar outras formas de apresentação, inventando instrumentos que explicitam o que está sendo feito no palco. O artista francês Yro, por exemplo, utiliza um aparato complexo de dispositivos para capturar e processar som e imagem ao vivo, produzindo animações stop motion em tempo real. A dupla Nonotak utiliza técnicas de video-mapping e estruturas com 52 luzes de LED e o artista Herman Kolgen traz para suas performances antenas, sensores e outros dispositivos físicos. Temos assistido à volta de aparelhos analógicos, que agora se misturam aos digitais em uma sinergia que tende a um equilíbrio, tanto no resultado sonoro e visual quanto no caráter performativo, que volta a apresentar estímulos visuais para o espectador. Seguindo a tradição de invenção da Visual Music, novos instrumentos sonoros e visuais são criados constantemente, acrescentando novas potencialidades audiovisuais para seus inventores; criando novas poéticas a partir de possibilidades e limitações encontradas em cada novo dispositivo. Com eles, a tradição da Visual Music segue viva e aponta cada vez mais para caminhos inesperados, tendo este modo de pensar como uma base conceitual, um suporte estrutural que relaciona som e imagem das mais variadas formas, e que rende frutos imprevisíveis a cada nova invenção.

1.3 Desdobramentos e Gêneros

A fim de entender a aplicação prática da Visual Music e a influência de suas ideias em outros gêneros artísticos, propomos criar uma analogia com um planeta, composto por três camadas esféricas concêntricas: partindo do núcleo, passando pela superfície e chegando à atmosfera. Quanto mais próximo do centro, maior é o campo gravitacional, ou a ligação com os princípios elementares do termo. Ao nos afastarmos do núcleo, encontramos ligações cada vez mais tênues com estes conceitos, mas ainda pode-se perceber que existe uma influência destes no resultado artístico dos gêneros analisados. Na primeira esfera, o núcleo, temos o conceito que definimos no início deste capítulo: uma forma de tratamento dado às imagens que corresponde a procedimentos e estruturas musicais, buscando na sintaxe da música uma maneira diferente de tratar elementos visuais, enfatizando seu lado sensorial, não vinculado a significados, mas às sensações que podem produzir no espectador. A segunda esfera seria composta por gêneros que foram influenciados diretamente pelas ideias da Visual Music, mas outras referências apontam para um caminho próprio. Já na terceira, mais difusa, pode-se encontrar referências às ideias aqui apresentadas, compartilhando um modo de fazer, porém sem uma ligação direta com a essência da Visual Music. Nesta última esfera, comparada à atmosfera do planeta, as conexões com a Visual Music são fluidas, e muitas vezes os próprios artistas não têm consciência delas. Porém, analisando estes gêneros, podemos ver que estes seguem alguns conceitos aqui tratados. Veremos agora como estas ideias foram concretizadas, 53 tomaram forma e influenciaram gerações de artistas, desde as primeiras relações entre cor e som até as atuais configurações digitais.

Já falamos anteriormente que a história da Visual Music é baseada em saltos evolutivos, proporcionados principalmente pela invenção de objetos técnicos que concretizaram as ideias de seus criadores, ou na subversão de técnicas utilizadas para outros fins, adaptadas para este meio. Assim, Color Organs, o aparato cinematográfico, os dispositivos diversos dos Light Shows, os computadores pessoais, cada um à sua maneira, moldaram a história da Visual Music, permitindo aos artistas desta área atingir resultados que não alcançariam sem a criação e utilização destes dispositivos. Especialmente na primeira esfera, de trabalhos dentro do cerne da Visual Music, a invenção foi fundamental e fez surgir vários gêneros ao longo de sua história. Os mais relevantes foram os Color Organs (e suas derivações), o Cinema Abstrato ou Absoluto (um desvio criativo da indústria do cinema) e os Light Shows (com sua parafernália de instrumentos executados ao vivo).

Os Color Organs foram os responsáveis pela inédita materialização das relações entre notas musicais e as cores do espectro visual, pensadas há séculos por artistas, pesquisadores e cientistas, dando início à história da Visual Music, no século XVIII. Após o “Clavecin Oculaire” de Castel, vários outros instrumentos foram criados ao longo dos séculos que se passaram para vincular cor e som, e até hoje exercem influência sobre artistas que buscam a fusão audiovisual. No século XX, os Color Organs ganharam um “upgrade” quando artistas, insatisfeitos com as limitações impostas pelo vínculo direto e fixo entre notas e cores, passaram a pensar outras maneiras de compor usando luz. A inserção de formas, nos instrumentos de Thomas Wilfred, Mcdonal-Wright, Baranoff-Rossiné, Alexander László, entre outros, trouxe um frescor a este gênero, ampliando suas potencialidades criativas. Este gênero encontra entusiastas até hoje, na era digital, por meio de instrumentos virtuais que combinam som e cor, em correspondências diretas. No início do século XX, outra importante subdivisão da Visual Music foi construída pelos pintores abstratos, em sua busca por inserir movimento em suas obras, encontrando a música como inspiração. Neste gênero, imagens estáticas se livram da obrigação figurativa e criam obras onde as formas têm um poder em si mesmas, e valem por seus elementos constitutivos, e não mais pela representação de elementos da natureza. Buscando inspiração no caráter não representacional da música 54 instrumental, estes artistas tentaram colocar em seus quadros elementos e estruturas musicais, a fim de sugerir movimento e causar sensações específicas no público.

O advento do cinema e, posteriormente, do cinema sonoro, fez nascer outro gênero fundamental dentro da Visual Music – o Cinema Abstrato. Mais uma vez viabilizado por uma invenção técnica, que finalmente permitia a inserção do movimento das imagens em cena, artistas fundiram princípios da arte abstrata com a música, construindo o gênero que talvez mais caracterize a Visual Music, devido às suas infinitas possibilidades de integração entre som e imagem. Fugindo dos padrões do cinema, fundado na continuidade da representação de roteiros literários, narrativas lineares e verbo centrismo, estes artistas buscaram subverter as técnicas desta mídia a fim de criar sua própria estética, baseada na não representação e na relação temporal minuciosamente trabalhada entre som e imagem. Além da invenção e exploração de novas técnicas, o uso dos dispositivos cinematográficos – câmera, projetores, etc – nas mãos de artistas que buscavam a musicalidade da imagem em suas obras criou um grande número de obras baseadas no filme ao longo do século XX. Explorado principalmente entre as décadas de 1920 e 1970, este modo de produzir conteúdo audiovisual foi o que conseguiu melhor definir o conceito de Visual Music, sendo citado pela maioria dos autores como a própria essência do termo, principalmente pela integração sincrônica entre som e imagem possibilitada pelos dispositivos de projeção, que dava aos artistas meios de criar complexas relações audiovisuais e gravá-las em uma mídia duradoura. Nas palavras de um dos maiores pesquisadores da área, William Moritz:

A animação não objetiva é sem dúvida a forma mais pura e difícil de animação. Qualquer um pode aprender a “muybridgear” a ilusão da vida representacional, mas inventar formas e cores interessantes, criando movimentos novos, imaginativos e expressivos – “a criação absoluta: a verdadeira criação”, como Fischinger a denominou – requer o mais alto nível mental e faculdades espirituais, assim como os talentos mais sensíveis (MORITZ, 1988a, [n.p.]). Outro importante gênero dentro da Visual Music foram os Light Shows dos anos 1960. Ancorados em uma enorme diversidade de instrumentos visuais, criados pelos próprios artistas ou adaptados das mídias tradicionais, coletivos tocavam imagens ao vivo em conjunto com shows de bandas de rock. O fundo do palco se transformava em uma tela para experimentos com diversas técnicas de projeção, em especial as projeções com líquidos, que caracterizaram a estética do movimento psicodélico hippie. O caráter performativo que não existia nas produções envolvendo película, volta com força e constrói as bases do que outro 55 tipo de artista produziria quase quarenta anos depois: os VJs. A ideia e o modo de performar dos Light Shows abriu as portas para o trabalho dos VJs, que sintetizariam todo o aparato utilizado nos anos 60 em uma única máquina, o computador pessoal. Apesar de muitos VJs não terem ciência da história da Visual Music, criaram um gênero importante dentro dela. No trabalho de mixar imagens ao vivo, alterando ritmo, efeitos, criando composições visuais que seguem a música, estes artistas conseguem concretizar o sonho de vários inventores dos séculos anteriores, de criar imagens em tempo real, sincronizadas com a música. Infelizmente, o trabalho dos VJs não foi valorizado como nos Light Shows dos anos 60, onde os artistas visuais tinham importância similar aos colegas da música, aparecendo em destaque em cartazes dos eventos da época e recebendo cachês semelhantes (ZINMAN, 2012). Talvez por uma banalização devido à facilidade de acesso a conteúdos prontos na internet, a falta de uma estética bem definida e uma desconexão com questões rítmicas vinculadas à música, os VJs não conseguiram produzir trabalhos tão impactantes e foram perdendo espaço ao longo do tempo.

No “mundo digital” encontramos alguns gêneros importantes que podem ser incluídos nesta primeira esfera de relação com a Visual Music. Já nos anos 1960, o início da utilização dos computadores para fazer arte fez nascer outro gênero baseado em invenções técnicas – a Computer Art – um tipo de arte produzida por meio de algoritmos. Após os primeiros trabalhos, resultando em imagens gráficas estáticas, com o aprimoramento dos hardwares, foi tornando-se possível a geração de sons e imagens em movimento por meio de fórmulas matemáticas, que geravam essencialmente conteúdo abstrato e não representacional. No princípio limitado pelas capacidades técnicas dos dispositivos, a arte computacional nos seus primórdios desenvolveu uma estética próxima da Visual Music, com ênfase em estruturas e variações rítmicas na composição dos trabalhos, que apresentavam grande simplicidade nas formas, em função das limitações dos equipamentos da época. Com a evolução da capacidade de processamento, a complexidade do resultado foi aumentando e, já nos anos 1970 era possível gerar som e imagem em tempo real. O primeiro sistema computacional que tinha esta capacidade recebeu o nome de VAMPIRE (Video and Music Program for Interactive Real- time Exploration/Experimentation), desenvolvido por Laurie Spiegel, entre 1974 e 1976 (DANIELS; NAUMANN; THOBEN, 2015, p. 272). Nas décadas seguintes, a arte computacional seguiu vários caminhos e obteve inúmeros desdobramentos, alguns mais próximos da Visual Music e outros bem distantes. Bem a grosso modo, já que cada 56 ramificação apresenta também uma diversidade de modos de fazer, podemos apontar a arte algorítmica, arte fractal, arte generativa e glitch art como mais semelhantes aos princípios aqui apontados, normalmente utilizando imagens não figurativas e dando ênfase na relação entre técnica e sensações causadas no espectador pelo resultado dos trabalhos. Já outros caminhos como pintura digital e webarte utilizam outros procedimentos que não têm tanta relação com nosso tema. É importante ressaltar um gênero que deriva da arte computacional dos anos 60, que é aplicado até hoje em trabalhos próximos dos conceitos da Visual Music como as Performances Audiovisuais: a Arte Generativa. Esta caracteriza-se pela utilização de fórmulas matemáticas para criar composições vivas, que não se repetem, pois um grande número de variáveis utilizadas em sua composição faz com que os parâmetros de som e imagem estejam em constante mutação, alterando sempre o resultado final. Na arte generativa, a obra artística está sempre em gestação, acontecendo ao vivo a cada nova variável gerada pelo programa. Sua utilização em Performances Audiovisuais se faz bastante presente como uma forma de tornar mais fluida a obra, ao trabalhar elementos audiovisuais que nunca se repetem e podem apresentar um resultado bastante orgânico, apesar de ser gerado por uma máquina.

Ainda dentro do escopo que pode ser considerado como a primeira esfera da Visual Music, encontramos caminhos que apontam para relações próximas entre som e imagem, possibilitados pelo advento dos computadores pessoais e softwares específicos. Nos anos 1990 surgiram os visualizadores de música, aplicativos que traduziam frequências sonoras da música executada no computador em imagens, por meio de algoritmos complexos, que permitiam uma tradução instantânea do som em imagens gráficas abstratas. Softwares como Winamp ou iTunes davam ao usuário a possibilidade de “ver” as músicas que estavam sendo tocadas e escolher entre vários modos de visualização. Apesar de automático e com um resultado relativamente genérico, estes visualizadores tiveram relativo sucesso e, mesmo em menor escala, são usados até hoje. Um gênero similar é composto pelas inúmeras tentativas de tradução de som em imagem e vice-versa, por meio de softwares muitas vezes desenvolvidos pelos próprios artistas ou aplicativos mais genéricos. Esta tradução se baseia em parâmetros de uma mídia que são transpostos para a outra, a partir de regras estabelecidas pelo artista ou programador. Estes dois gêneros situam-se em proximidade com a lógica dos Color Organs, na medida em que criam relações estáticas, diretas e fixas entre o conteúdo sonoro e o visual. Os tradutores intermídia apresentam um resultado muitas vezes duro, com caráter mais 57 pretensamente científico e analítico do que poético. Já os visualizadores de som, apesar de se utilizarem do mesmo algoritmo para qualquer música executada, oferecem um resultado mais diverso, baseado na criatividade do programador.

Passamos agora para a segunda esfera, que se afasta do conceito central da Visual Music para abarcar variações artísticas que receberam influência dos fundamentos desta estética, porém aumentada por elementos que ampliam ou se diferenciam do princípio original. Ainda muito próximo das bases da Visual Music e do trabalho dos VJs, temos uma derivação deste último nas Performances Audiovisuais. Viabilizadas pelo crescente poder de processamento dos computadores pessoais, principalmente após a virada do século XXI, as Performances Audiovisuais são espetáculos que têm início a partir do deslocamento efetuado por alguns VJs, saindo do ambiente de festas em busca de espaços onde sua arte poderia ser melhor trabalhada e percebida com mais atenção. Nos shows e festas de música eletrônica, onde a atenção dos espectadores é difusa e dispersa, o trabalho do VJ muitas vezes ocupa um lugar secundário, e alguns artistas migraram para outros ambientes, onde poderiam desenvolver melhor um conceito, criar espetáculos onde som e imagem fossem criados em conjunto, e as performances receberiam maior atenção por parte do público. O lugar encontrado foram festivais de novas mídias, que valorizavam a Performance Audiovisual como algo com mais profundidade, com tal densidade que poderia ser assistida de maneira similar a uma peça teatral ou um espetáculo de dança. Neste tipo de trabalho a Visual Music está sempre presente: no tratamento musical dado a imagens; na interação sincrônica entre som e imagem; no modo de execução das imagens, operado ao vivo; na busca por uma unidade audiovisual. Enquanto o VJ não sabe a música que será tocada em seguida, e sua relação com o som é momentânea e efêmera, nas Performances Audiovisuais som e imagem demonstram um relacionamento bem mais elaborado, por meio de uma unidade que vai desde a definição do conceito da performance, passando pela cuidadosa escolha de cada imagem e som, onde cada elemento em cena diz algo sobre o tema que está sendo tratado, até a conclusão em um espetáculo sinestético e imersivo, que envolve os sentidos do espectador criando um ambiente que amplifica o potencial audiovisual da performance. O que coloca este gênero na segunda esfera, um pouco distante do centro é a questão conceitual das performances. Este tipo de trabalho vai além da parte estética, e inclui um elemento simbólico, que é tratado por meio dos sons e imagens. Existe então um tema, que será apresentado ao público na forma de sons e imagens, expressando as ideias do artista, e as 58 questões sensoriais e estéticas não estão mais sozinhas entre as prioridades da composição. Porém, o modo como os elementos audiovisuais são tratados se assemelham muito mais ao núcleo da Visual Music do que à videoarte ou ao cinema, pois a valorização das sensações e a ênfase em estruturas musicais têm papel preponderante.

Figura 10 - Performance audiovisual “Seismik”, de Herman Kolgen (2014)

Fonte: http://metamorf.no/2016/?project=herman-kolgen.

Dentro das performances audiovisuais existem vários subgêneros, que delimitam um pouco o objetivo do artista ou o tratamento dado ao conteúdo audiovisual. O Live Cinema, (apesar de discordâncias em relação ao uso do termo5) estaria mais próximo do cinema, utilizando imagens advindas deste meio, porém retiradas de seu contexto original, servindo agora a objetivos estéticos. O grupo inglês AddictiveTV, por exemplo, faz remixes de filmes onde trechos com som e imagem são recortados e compostos para criar melodias audiovisuais, que são executadas ao vivo sobre bases musicais eletrônicas. Já os artistas do grupo alemão Transforma focam mais nas ações ao vivo, com imagens gravadas em tempo real no palco e ressignificadas por meio de mixagens. Outros artistas enfatizam o caráter abstrato de suas imagens geradas por algoritmos, que muitas vezes são geradas simultaneamente com a parte

5 O termo Live Cinema é utilizado tanto como sinônimo de performance audiovisual quanto para delimitar um gênero específico que envolve o uso de trechos de filmes remixados ao vivo sincronicamente com uma música, dependendo do autor (CARVALHO, 2015). 59 sonora. O que estes artistas têm em comum é a fonte de ideias vindo do mesmo lugar, dos princípios fundamentais da Visual Music.

Outro desdobramento da arte realizada por meios digitais que nos interessa aqui são os trabalhos que envolvem visualização de dados, principalmente a Sonificação, onde informações coletadas de variadas fontes podem ser convertidas em som, como um modo de interpretação. É comum a utilização de banco de dados em obras de arte digital, porém sua utilização se aproxima mais da Visual Music quando tenta encontrar maneiras de transformar dados em música, como nas obras que envolvem Sonificação. Neste tipo de trabalho conjuntos de dados adquiridos de variadas fontes são utilizados para controlar parâmetros musicais de uma composição. Seria uma forma de tradução de informação numérica em música. Os resultados nem sempre valorizam os dados coletados, e muitas vezes não é possível entender a relação utilizada pelo artista na transposição da informação, mas não deixa de ser um trabalho que tem ligação com a Visual Music, exatamente por tratar de relações entre mídias, concretizado em composições sonoras. A parte visual também pode estar presente neste tipo de trabalho, seguindo o mesmo padrão, porém obtendo, como resultado final, imagens geradas pela interpretação de um conjunto de dados.

Ainda dentro da segunda esfera, a videocenografia6 utiliza os mesmos princípios de relações entre som e imagem, porém de uma maneira um pouco limitada, por normalmente estar em segundo plano durante o espetáculo. Este limite se estabelece pela relação do artista visual com o músico ou banda para o qual as imagens estão sendo produzidas. O artista visual deve criar imagens que se relacionem com as músicas que estão sendo interpretadas no palco, porém sem tirar a atenção do protagonista, o músico. Esta posição subalterna enfraquece um pouco a relação de equilíbrio entre as mídias buscada pela Visual Music. Entretanto, todos os princípios de correspondência utilizados dentro desta estética continuam presentes, somente estão um pouco limitados pela hierarquia estabelecida entre o artista “principal” e aquele que fará um cenário de fundo.

Passando para relações mais distantes e tênues no que tange os princípios originais da Visual Music, podemos elencar uma série de gêneros ou práticas artísticas que utilizam alguns dos parâmetros caros a este modo de pensar, mas que se afastam de seus objetivos principais,

6 Videocenografia são cenários dinâmicos; animações de vídeo projetadas no fundo do palco em apresentações de bandas e DJs. As animações se relacionam com a música pela sua estética, temática e ritmo. 60 em especial o equilíbrio de papéis entre elementos sonoros e visuais. Alguns inclusive utilizam apenas uma pequena parte da potência da Visual Music, mas ainda pode-se ver alguma relação. Seria talvez seu legado aplicado a áreas bastante diversas, mas que ainda encontram alguma semelhança com seus princípios. O videoclipe estaria nesta categoria, pois, apesar de ser um composto audiovisual entre música e imagens especificamente criadas para ilustrá-la, o modo de tratamento destas fica mais perto da lógica narrativa cinematográfica, com atores e roteiros que ilustram a música de maneira figurativa e metafórica, e não foca nos princípios elementares da imagem para construir suas relações com o som. Este vínculo se dá basicamente pelo ritmo dos cortes na edição, e por uma condição de subserviência da imagem para com a música. O videoclipe chegou à grande mídia nos anos 807 com o objetivo de divulgar novas músicas buscando sua inserção no mercado consumidor, e na maioria das vezes mostram uma lógica repetitiva, com as imagens funcionando mais como legendas da música do que algo que valorize relações audiovisuais mais profundas. Neste sentido, se aproxima da videocenografia, porém esta utiliza imagens de maneira muito mais próxima aos princípios da Visual Music.

A videoarte, surgida nos anos 1960, também explorou diversos modos de relação entre som e imagem. Alguns artistas, com seu caráter inventivo e exploratório, aproximam-se de algumas ideias da Visual Music – como alguns trabalhos do videoartista Nam June Paik – explorando relações sinestésicas entre som e imagem, utilizados, por exemplo, na obra “Magnet TV” e no concerto “TV Cello e Vídeo Cassetes”, de 1971. Porém, a maioria dos trabalhos nesta área têm um caráter simbólico, que não está presente no cerne da Visual Music. Em comum, o forte apelo estético e a utilização por alguns artistas de imagens menos realistas, focando na sensação causada por elas. Como a câmera de vídeo é o dispositivo que define este gênero, é normal que o conteúdo seja mais figurativo, e muitas vezes enfatize ações humanas, e não na fluidez do movimento de formas abstratas, como usualmente acontece na Visual Music. Próximo da videoarte estão os experimentos com sintetizadores de vídeo realizados a partir da década de 1970, por artistas como Steina e Woody Vasulka, Stephen Beck, Eric Siegel e Nam June Paik e Shuya Abe. Apesar de realizados por artistas que também produziam videoarte (inclusive trata-se de uma forma de arte produzida por meio de equipamentos de vídeo), este tipo de trabalho se aproximava mais de experimentos

7 Algumas composições anteriores aos anos 1980 podem ser consideradas videoclipes, mas foi apenas nesta década que sua produção se tornou massiva, como um meio de divulgação de lançamentos musicais. 61 estéticos do que propriamente simbólicos e representacionais (estes mais próximos da videoarte).

Figura 11 - “TV Magnet”, de Naum June Paik (1965)

Fonte: https://whitney.org/collection/works/6139.

Duas décadas mais tarde, nos anos 1990, ainda trabalhando dentro do formato vídeo, agora convertido em digital e manipulado por softwares no computador, artistas criaram um novo gênero audiovisual ao reciclar e ressignificar trechos de vídeos ou filmes, misturando-os com músicas e acrescentando textos, normalmente com mensagens políticas. Este gênero foi chamado Video Scratching e foi o precursor do Live Cinema, que se desenvolveria poucos anos depois. Este gênero fica mais próximo do cerne da Visual Music do que a videoarte, pois a relação com a música é bem presente. O que o coloca na terceira esfera é a preponderância de um discurso político ao invés de priorizar questões estéticas, mas talvez ele possa se situar no limite com a segunda esfera.

Fechando a análise de obras que envolvem filme ou vídeo, é preciso destacar alguns procedimentos do cinema que o aproximam da Visual Music, mesmo que nesta última esfera. O cinema é extremamente diverso, e aponta para várias direções estéticas e conceituais. A parte mais importante da Visual Music inclusive se deu exatamente pela exploração desta mídia, porém de maneira diferente do modo convencional da indústria cinematográfica. Fica difícil então dizer em que medida o cinema se aproxima da Visual Music pois são vários 62 cinemas. O que podemos dizer é que nos momentos em que diretores dão ênfase a questões estruturais do som e imagem, valorizando questões estéticas e vínculos audiovisuais diferentes dos realismos diegéticos, esta relação se torna mais próxima. Um exemplo é o filme “Pi” (1998), de Darren Aronofsky, onde o som tem uma presença marcante, provocando sensações fortes no espectador, além de ser tratado com grande apelo rítmico. Algumas cenas, como a sequência de ações de abertura de trancas da porta funciona como um riff audiovisual, que combina totalmente com o pensamento da Visual Music, assim como transmite alguma informação acerca do próprio filme. Na maior parte do tempo entretanto, o roteiro tradicional e a fala estão em primeiro plano. Porém, neste filme há um equilíbrio bem maior entre palavra, som e imagem do que na maioria das produções cinematográficas. Outros exemplos de produções semelhantes seriam “A montanha sagrada” (1973), de Jodorowsky, “Enter the void” (2009), de Gaspar Noé e “Finisterrae” (2010), de Sergio Caballero.

Outra ramificação dentro da arte produzida por meios digitais são os videogames. Os games – como produto audiovisual – podem apresentar diversos tipos de relação entre som e imagem, alguns mais próximos e outros mais distantes dos princípios da Visual Music. Em sua maioria, os games têm a finalidade de entreter o jogador, e utilizam os meios audiovisuais para realizar objetivos práticos e bem definidos, se distanciando da Visual Music de um modo geral. Entretanto, alguns tipos de games, especificamente uma ramificação denominada Gameart tenta relações mais conceituais e sinestésicas com o jogador. Dentro dessa área, alguns games estão próximos da Visual Music, ao apresentar experiências sensoriais ao invés de rotas previsíveis e objetivas de se chegar a um resultado prático (ganhar o jogo). Estes trabalhos utilizam a mesma estrutura dos games comerciais, porém de outra maneira, propondo novas relações entre os sentidos do jogador. Alguns exemplos seriam o trabalho “SOD” (1999), do coletivo JODI, que transforma o jogo “Wolfenstein” em um labirinto minimalista em preto e branco, ou modificações do jogo Quake, onde texturas e elementos do jogo original são subvertidos e se tornam um ambiente abstrato que é percorrido sem o objetivo inicial proposto pelo jogo, como em “q3apd”, “maxmitex”, entre outros. Outro tipo de game que tem ligação direta com a Visual Music são os chamados Music Video Games, onde o jogador tem uma ligação próxima com o som do jogo. Uma das estratégias utilizadas pelos desenvolvedores envolve a criação de um vínculo entre ações feitas pelos jogadores e as notas ou ritmo da trilha sonora, transformando o jogador em uma espécie de coautor da música do jogo. Um exemplo deste tipo de jogo seria “Spore”, com trilha generativa 63 composta por Brian Eno. Em um subgênero dentro dos Music Video Games estão os Electronic Instrument Games, onde o jogo em si é um instrumento e sua dinâmica consiste em tocá-lo de variadas maneiras. Um dos artistas mais importantes desta área é , que criou vários games onde som e imagem se fundem em experiências sinestésicas, e por vezes o objetivo do jogo é simplesmente fazer música. Mais recentemente, após o advento dos tablets com potencial multitouch, alguns aplicativos foram desenvolvidos onde as ações do interator não têm como objetivo acumular pontos ou vencer oponentes, mas compor música e imagem em tempo real, por meio de toques múltiplos na tela do dispositivo. A cantora Björk por exemplo produziu, para o lançamento de seu álbum “Biophilia” (2011), uma série de instrumentos virtuais que geram sons similares aos que aparecem no disco, mas que podem ser tocados pelo interator gerando infinitas versões das músicas originais. Na obra “PONTO, um videogame sem vencedor”, de 2011, esta estratégia também é utilizada. Um instrumento autônomo gera sons e imagens a partir do acionamento de cada botão no joystick, permitindo aos participantes da performance compor a trilha sonora e visual do espetáculo ao vivo no palco, construindo uma narrativa abstrata de sons e imagens fundada nos princípios da Visual Music.

Figura 12 - Aplicativo criado para o álbum “Biophilia”, da cantora Björk (2011)

Fonte: https://www.nytimes.com/2011/10/25/arts/video-games/bjorks-biophilia-an-album-as-game.html.

Chegando agora à terceira esfera, propomos alguns gêneros artísticos que de alguma forma dialogam com a Visual Music, mesmo em sua maioria não fazendo a ela nenhuma referência. São estilos ou movimentos artísticos que dão importância à questão sensorial e estética, e utilizam de alguma forma estruturas musicais, deste modo apresentando 64 semelhanças que nos permitem inseri-las neste universo gravitacional que estamos traçando em torno dos princípios centrais da Visual Music. Neste sentido, talvez o mais próximo das ideias aqui propostas seja a Arte Cinética. Este tipo de arte envolve estruturas visuais abstratas nas quais forma e movimento são aspectos fundamentais, assim como o apelo à plasticidade da obra. Artistas como Moholy-Nagy, Jean Tinguely, Alexander Calder e Abraham Palatnik criaram – cada um à sua maneira – obras onde o movimento está em primeiro plano, e o prazer estético de sua observação é o objetivo principal. O desenrolar das formas em movimento cria melodias visuais que, apesar de silenciosas, tem forte apelo musical e utilizam estruturas em sua composição para gerar ritmo e harmonia entre os elementos. Este movimento artístico estaria então próximo das obras de Visual Music onde a questão sonora não está presente, porém pode ser percebida por meio das estruturas composicionais utilizadas.

Figura 13 - “Objeto cinético CK-8”, de Abraham Palatnik (1966)

Fonte: http://dasartes.com/noticias/entrevista-com-palatnik/.

De forma similar, a Op Art também pode ser colocada neste lugar, por se tratar de um estilo artístico onde a preponderância das sensações causadas no espectador pelas imagens é o mais importante na obra. Algumas inclusive criam ilusões de óptica que alteram a percepção do público, ou sugerem movimento mesmo em composições estáticas. Neste sentido podemos aqui apontar uma ligação com os pintores abstratos do início do século XX que tentavam 65 inserir o movimento e a fluidez no tempo da música em suas obras. Nos afastando um pouco mais, mas ainda apresentando ligações possíveis com a Visual Music, temos um estilo artístico também da metade do século XX com características similares: o Minimalismo. Aqui o ritmo está presente de forma primordial, em estruturas mínimas onde cada elemento diz muito, por meio de sua essência. Artistas como Sol LeWitt, Frak Stella, Donald Judd e Robert Smithson utilizaram formas geométricas abstratas simples onde o ritmo entre os elementos composicionais ganhava grande relevância. Baseado em ideias do Construtivismo Russo, este estilo envolveu artes plásticas, design e música, tendo como objetivo a ênfase em atributos estéticos de suas obras.

Finalizando as possíveis ligações com o universo da Visual Music, apontamos aqui dois modos de relação com a música propostas no livro “Audiovisuology”: as partituras visuais e a arquitetura. Partituras visuais são notações utilizadas por alguns músicos para descrever ações que devem ser executadas em uma performance. Algumas delas fogem do padrão tradicional do pentagrama com as notas escritas no papel de acordo com sua altura, fazendo uso de modos criativos de representar a música. Assim, desenhos de formas, inserção de cores, textos, etc ao mesmo tempo cria um direcionamento para os músicos e deixa livre espaço para improvisações. Em função de seu caráter utilitário e com um objetivo claro de servir como referência para uma composição sonora, sua ligação com a Visual Music se enfraquece, porém pode ser percebida de alguma forma. Já a arquitetura aparece aqui por causa de sua ligação com a música, que ocorre desde a antiguidade. Segundo Ulrich Winko (DANIELS; NAUMANN; THOBEN, 2015, p. 43), “música e arquitetura são baseadas em estruturas ordenadas que podem ser expressas na forma de relações numéricas, e que podem ser exemplificadas pela teoria de harmonia musical e na teoria da proporção na arquitetura”. Pode-se perceber também uma questão rítmica na arquitetura, na variação do tamanho dos cômodos em uma casa por exemplo. Estas relações se dão por analogia com questões estruturais presentes na música, e assim podemos perceber que existe um pouco de Visual Music mesmo em produtos tão rígidos e imutáveis como casas e prédios. 66

Figura 14 - Le Corbusier, “Poème Électronique” (1958)

Fonte: https://www.architectsjournal.co.uk/speaking-a-new-language/8606927.article.

Uma última relação se faz necessária para incluir um gênero artístico que se aproxima do nosso tema de tal forma que não é possível distingui-lo da própria essência da Visual Music: a Dança. Fischinger falava que pensava as formas de suas primeiras composições como bailarinos em cena realizando uma coreografia. Ao assistirmos um espetáculo de dança o que vemos é Visual Music pura, onde a música está transposta para o campo visual por meio dos movimentos dos bailarinos em cena. Um dos mais inspiradores filmes da Visual Music, “Studie Nr5” de Oskar Fischinger nos mostra um balé de formas efetuando movimentos que dialogam de maneira extremamente criativa com a música, por vezes em uníssonos, em outras afastamentos e contrapontos que sempre mantém um vínculo com a parte sonora. Fica difícil inclusive separar a Dança da Visual Music, pois ambos se baseiam nos mesmos princípios de orquestração de formas, movimento e tempo, além de relações próximas entre som e imagem, formando uma unidade. Talvez a única diferenciação possível seja que na dança quem faz os movimentos são pessoas e não formas abstratas na tela. Mas parece ser esta a única diferenciação possível, já que ambos valorizam questões estéticas, a ênfase no movimento e no ritmo, e tratam-se de composições não verbais onde todos os elementos em cena têm igual importância. 67

CAPÍTULO 2 – OBJETO TÉCNICO E INVENÇÃO

2.1 Introdução

A gênese dos objetos técnicos é uma questão complexa pois inclui análises históricas, sociológicas e filosóficas, passível de ser tratada sob diferentes perspectivas. Cada autor delimita seu campo de estudo de maneira particular e específica, enfocando determinado aspecto da questão, a partir do qual traça sua análise. Trataremos aqui de alguns autores que abordaram o objeto técnico, cada qual à sua maneira, chegando a resultados muitas vezes bem distintos uns dos outros. Porém, para que possamos ter uma abrangência em relação ao tema iremos propor a análise de importantes autores que trabalharam o tema: Agamben, Latour, Santaella, Chaui e Simondon, ressaltando suas particularidades e diferenças.

Após esta genealogia passaremos por uma análise mais profunda da essência da tecnicidade sob a ótica de Simondon, que possui um estudo bem detalhado de várias questões pertinentes a este tema. Faremos um estudo amplo do modo de existência dos objetos técnicos com a finalidade de traçar posteriormente um paralelo com os instrumentos desenvolvidos pelos artistas da Visual Music para criar e executar suas composições. Este estudo ajuda na compreensão da relação entre invenção e artista, explicitando as múltiplas formas de diálogo entre os objetos técnicos e o ser humano na prática artística.

Chegando a um ponto ainda mais específico, o da invenção dos objetos técnicos, veremos que maneira eles são constituídos através de saltos evolutivos, caracterizados por um problema inicial, uma quebra de paradigma e uma posterior constituição de um novo objeto. Estes saltos resolvem o problema inicial, além de acrescentar propriedades inesperadas, fato extremamente importante na criação artística, uma vez que auxilia e inspira o próprio artista em seu trabalho.

Após a genealogia e definição dos objetos técnicos e o estudo do modo como a invenção faz surgir novas potencialidades, passamos a analisar a inserção do objeto técnico no meio artístico, delimitando categorias em função da diversidade de papéis que a máquina pode exercer na composição de uma obra de arte. Estas categorias são baseadas no autor Andreas Broeckmann, que faz uma distinção entre vários tipos de arte ligadas à máquina no 68 século XX. Broeckmann traça uma ampla retrospectiva desde as máquinas mecânicas até a cibernética, passando por várias formas de relação artística entre o ser humano e os dispositivos artísticos por ele criados. Estas categorias serão úteis também no momento seguinte desta pesquisa, que analisará casos de construção de instrumentos dentro da Visual Music, que, somadas às características de gênero elencadas anteriormente, poderão dar uma visão bem definida de sua importância na composição audiovisual.

2.2 Gênese e Evolução dos Dispositivos Técnicos

Um primeiro passo para o entendimento dos objetos técnicos seria sua definição. Vários autores tentaram efetuar uma ontologia da técnica, cada um à sua maneira, partindo de pressupostos e linhas de pensamento bastante distintas. Uma trilha que configura um caminho inicial para o estudo da gênese dos objetos técnicos é a noção de dispositivo, que parte de Foucault e é desenvolvida por Agamben em seu texto O que é um dispositivo? (AGAMBEN, 2005). Este autor resume em poucas palavras o surgimento do sujeito a partir de uma cisão primordial entre seres vivos e elementos inanimados. Seria apenas através do surgimento dos dispositivos e de sua mediação que o sujeito poderia se constituir. Assim, antes deles não existia subjetivação e todas as consequências advindas da separação entre sujeito e objeto: o dispositivo seria uma máquina que produz subjetivações. Agamben continua sua descrição dos dispositivos dizendo que estes podem incluir virtualmente qualquer coisa, desde elementos abstratos como a linguagem até qualquer objeto inanimado. Divide então o mundo entre seres vivos e dispositivos. Estes têm sempre “uma função estratégica concreta e se inscreve sempre em uma relação de poder” (AGAMBEN, 2005, p. 10). O autor chama de dispositivo “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEN, 2005, p. 13), ampliando a noção do termo iniciada por Foucault. Após concluída a definição, Agamben dá um salto na história e passa a analisar a inserção dos dispositivos em nossa sociedade atual, capitalista, baseada na acumulação e proliferação desenfreada de aparelhos. Sua análise nos ajuda a pensar esta gênese do objeto técnico, aqui incorporada dentro do conceito de dispositivo. 69

Já Bruno Latour em seu texto Um coletivo de humanos e não humanos. No labirinto de Dédalo (LATOUR, 2001) tenta traçar uma linha evolutiva histórica dos objetos técnicos – nomeados por ele de não humanos – além de explicitar sua relação simbiótica com os seres humanos ao longo da história. Partindo da formação mais elementar, chamada por ele de “Complexidade Social”, marcada por interações sociais primárias, mas que já dispõe de ferramentas e técnicas, o autor passa por onze níveis do que chamou sua Pragmatogonia. Os níveis são dispostos em escala crescente de complexidade, até chegar aos nossos dias, com a “Ecologia Política”.

Em seu estudo, Latour evita colocar humanidade e tecnologia como polos opostos, deixando claro que a sociotécnica é característica elementar e fundamental de nossa sociedade. As relações sociais estão imbricadas com os objetos técnicos em um amálgama que perpassa nossa história desde sua fundação, com o surgimento da primeira ferramenta. Latour coloca os artefatos como parte de nossa cultura e não como objetos isolados: fazem parte de nós de maneira inseparável. O autor também critica o que chamou de ilusão da modernidade, que buscava uma separação bem definida entre subjetividade e objetividade, ou entre sujeitos e objetos, pois para ele a noção de progresso vinculada à idade moderna passa por uma separação que na verdade tem acontecido de maneira oposta: estamos cada vez mais próximos dos objetos e uma distinção se torna cada dia mais difícil de ser operada.

Abordando as relações entre seres humanos e objetos técnicos por um viés mais dicotômico, Lúcia Santaella traça uma genealogia das máquinas dividida em três etapas que se sucedem ao longo da história: a das máquinas musculares; a das máquinas sensórias; e a das máquinas cerebrais. Seu texto O Homem e as Máquinas (SANTAELLA, 1997) inicialmente traça uma distinção entre artefatos, utensílios, ferramentas e máquinas. Utensílios e ferramentas seriam artefatos, objetos construídos com finalidade utilitária, porém as ferramentas teriam a particularidade de ter como objetivo a realização de um trabalho ou tarefa, funcionando como um prolongamento das habilidades manuais humanas. Já as máquinas seriam um tipo específico de ferramenta, por terem embutidas em si uma certa autonomia. Buscando uma definição mais precisa, a autora propõe que o conceito de máquina “se refere a uma estrutura material ou imaterial, aplicando-se a qualquer construção ou organização cujas partes estão de tal modo conectadas e inter-relacionadas que, ao serem colocadas em movimento, o trabalho é realizado como uma unidade” (SANTAELLA, 1997, 70 p. 33). Santaella pontua o início de sua genealogia em um momento um pouco tardio da relação homem-máquina: já na Revolução Industrial no século XIX, onde as máquinas passaram a substituir o homem em trabalhos braçais, liberando-o do esforço do trabalho. Este era o período das “Máquinas Musculares”, que imitavam e amplificavam as capacidades humanas; os avanços na ciência e nas técnicas aumentou a força e o poder de ação das máquinas assim como sua precisão, efetuando uma mudança radical nos processos produtivos. Estas máquinas, porém, não tinham inteligência ou autonomia, e precisavam ser operados pela ação humana. Assim, relações homem-máquina aconteciam nas fábricas de uma maneira simplória, com os operários ajustando inputs e outputs dos equipamentos, que faziam a maior parte do trabalho. A este período, se sobrepõe o das “Máquinas Sensórias”, que funcionam como extensões dos sentidos humanos; ao invés da força, estes ampliam os sentidos humanos, em especial a visão e a audição, e passam a ser denominados pela autora de aparelhos. Estes também prolongam a ação do corpo humano, porém em uma relação mais próxima, já que partem do estudo dos órgãos sensórios humanos. Além disso, estes aparelhos não apenas amplificaram os sentidos, mas abriram novas possibilidades de percepção, que modificaram de maneira profunda nossa sociedade. Estes aparelhos, além de ampliar a capacidade do ser humano, são também criadores e reprodutores de signos. A máquina fotográfica é colocada como o principal exemplo de um aparelho que pode reproduzir um signo infinitamente, procedimento que até então dependia de recursos estritamente humanos.

Já no século XX, outra máquina alterou novamente de forma profunda nosso cotidiano: as “Máquinas Cerebrais”. Assim como os estágios anteriores (que continuam existindo simultaneamente), estas máquinas foram construídas tendo como referência o ser humano, sendo que desta vez a matriz da simulação foi o nosso cérebro. Inventada por Alan Turing, a nova máquina processa símbolos de maneira inteligente, próxima à forma que os humanos tratam a informação. O computador é o paradigma e protagonista desta nova época, que se iniciou com um instrumento de cálculo ainda na forma analógica, se atualizando e complexificando até se tornar digital e ter uma capacidade de processamento de informação infinitamente superior a qualquer ser humano. Ainda dentro desta era, outra revolução se operou em nossa história – o advento dos computadores pessoais acelerou ainda mais a já frenética fábrica de signos instituída pelos aparelhos desde o século XIX e, somado à internet, propicia uma diminuição da distância entre o ser humano e as máquinas, que agora estão por toda parte; já não se limitam a espaços ou tempos específicos da nossa existência – como a 71 produção nas fábricas ou o uso de determinada ferramenta; agora nossa imbricação com os objetos técnicos se torna tão profunda que não pode mais ser desfeita. A transformação do computador ao longo do tempo também ajudou neste processo, ao tornar as interfaces cada vez mais facilmente identificáveis e próximas do senso comum humano, ao contrário das brutas máquinas sensórias ou mesmo dos aparelhos extensivos do corpo humano, que ainda deixavam entrever algum distanciamento. Santaella fala então de um novo tipo de ecossistema sensório-cognitivo, onde máquinas e homens trabalham juntos rumo a uma nova humanidade. No paradigma das máquinas cerebrais, “é a própria noção de máquina que está sendo definitivamente substituída por um agenciamento instável e complicado de circuitos, órgãos, aparelhos diversos, camadas de programas, interfaces, cada parte podendo, por sua vez, decompor-se em redes de interfaces” (SANTAELLA, 1997, p. 41). Outra revolução que acontece de forma simultânea à dos computadores é a digital, um tipo de tratamento de dados com o poder de transformar qualquer informação em unidades mínimas, compostas de 0 e 1, e assim serem transportadas a qualquer lugar do planeta em durações infinitesimais de tempo, além de propiciar a capacidade de armazenamento muito superior aos meios analógicos. Somado ao computador e à internet, o processamento digital propicia uma revolução jamais vista na sociedade humana, onde a informação atinge quantidades inimagináveis e a relação simbiótica da máquina com o homem passa a ser irreversível: torna-se cada vez mais difícil nos separarmos delas.

A análise de Santaella, apesar de inteligente, deixa passar algumas contradições, principalmente quando não trata das relações que sempre existiram entre homens e objetos técnicos desde o surgimento da civilização, como bem apontou Agamben ao propor a gênese da subjetivação pelo surgimento dos dispositivos. É evidente que não é de agora esta relação; ela foi se intensificando e tomando conta de atores que em outras épocas não participavam tão ativamente da cena. Talvez por isso seja possível uma análise onde humanos e máquinas estejam em planos diferentes e até opostos. Porém, nos dias de hoje, é impossível esta separação.

Outro ponto de vista sobre nossa relação com os objetos técnicos vem de Marilena Chaui, em seu texto Cibercultura e Mundo Virtual (CHAUI, 2014). A autora relaciona o advento da máquina com o início do Capitalismo e da Revolução Científica ainda no século XVII. Segundo ela, o surgimento da tecnologia altera profundamente a relação do homem 72 com a técnica. Até então um conhecimento prático, transmitido do mestre ao aprendiz, a técnica se transforma em conhecimento científico, saindo das mãos dos artesãos e se tornando teórico e abstrato. Porém, mesmo baseado em princípios teóricos, o que a tecnologia buscava eram resultados práticos, a fim de efetuar uma dominação da natureza, resolver problemas da atividade humana e desenvolver projetos para a construção de máquinas e instrumentos. Aproximando-se de Santaella, Chaui também situa a Revolução Industrial como o momento de invenção de máquinas que ampliaram a força humana e permitiram seu deslocamento de maneira mais rápida no espaço. A autora cita dois momentos distintos na história humana a partir do século XVIII: o maquinismo e o automatismo. No advento das revoluções industriais, o paradigma é o maquinismo, com o protagonismo das máquinas, exemplo de “causalidades controladas, continuidades seguras e concatenações bem-sucedidas” (CHAUI, 2014, p. 214). Já a partir do século XIX, a máquina adquire a capacidade de construir novas máquinas e surge um novo paradigma: o automatismo. O autômato, diferente das máquinas que o precederam, tem o poder de autorregulação, efetua um diálogo com o mundo exterior através de seus inputs e outputs, se comunica através de movimento, energia e informação e se baseia em uma linguagem específica (que mais tarde se transformaria nas utilizadas pelos programas de computador). Estas características alteraram profundamente a maneira como estes dispositivos se relacionam com o ser humano, abrindo as portas para nossa atual sociedade baseada na informação. Saindo da causalidade das máquinas primárias que amplificam os gestos do trabalhador, passando pela noção de estrutura e organismo, até chegar ao processo informativo, estes autômatos se tornaram objetos técnicos cada vez mais semelhantes ao homem, e sua dependência destes foi diminuindo ao longo do século XX, transformando-se em uma relação de simbiose, onde ambos os lados estão em constante contato. Chaui faz também uma distinção importante que ocorre a partir da década de 1970, onde a categoria dominante é a informação:

A categoria da causalidade operava com o par substância-indivíduo; a do organismo-estrutura, com a ideia de integração funcional das partes de um todo; a da informação opera com a de processo informativo. As categorias de causalidade, do organismo e da estrutura concebiam seus projetos como totalidades que determinam as características e propriedades de um indivíduo; em contrapartida, a categoria da informação opera com a fragmentação e a dispersão de sinais reunidos pela operação de decodificação (CHAUI, 2014, p. 215). A partir daí, a autora parte para uma análise muito semelhante à empreendida por Simondon, dizendo que este paradigma baseado na informação é a base para o processo de individuação. 73

Como veremos a seguir, Simondon torna este processo bem mais claro ao analisar todos os estágios do processo de constituição e concretização dos objetos técnicos.

Para Simondon, o objeto técnico está presente desde o início da civilização humana e está em constante diálogo com o ser humano; não é uma realidade apartada da nossa, mas dela faz parte. Veremos agora de que maneira este autor traça a genealogia dos objetos técnicos, baseado principalmente em seu livro de 1958, O Modo de Existência dos Objetos Técnicos (SIMONDON, 2017). Para Simondon, o objeto técnico é algo dinâmico, sempre em processo de concretização a partir de novos elementos que atualizam sua maneira de ser, adaptando-se ao meio em que está e associando-se a humanos e não humanos para formar conjuntos de realimentação recíproca. A evolução da técnica não se dá pelo progresso visando recompensas financeiras, mas por meio de uma evolução interna passando de Elemento, a Indivíduo até chegar ao Conjunto. Este ciclo não é fechado e pode ser reiniciado uma vez que o conjunto se especialize a ponto de concretizar-se em um novo elemento, peça indivisível e com alta funcionalidade que tem potencial para se tornar a base de um novo indivíduo em um constante ciclo evolutivo.

Simondon tenta vislumbrar uma gênese do objeto técnico, mas, ao mesmo tempo, diz da dificuldade deste procedimento, uma vez que a individualidade destes objetos é alterada durante sua gênese. Diz também que não seria viável tentar classificar os objetos técnicos pela sua aplicação prática, pois esta pode variar, com objetos semelhantes tecnicamente exercendo aplicações práticas totalmente diferentes. O autor então define o objeto técnico pela sua própria gênese, analisando a maneira como ele se constitui, através da convergência e autoadaptação dentro de uma unidade estrutural, unificado internamente a partir do princípio de ressonância interna. Assim, o objeto técnico estaria em um eterno vir a ser, uma atualização constante em um processo a que chamou de concretização. O processo de concretização é para Simondon o modo de evolução do objeto técnico, através do qual este passaria de um estado abstrato – ou primitivo – onde cada elemento é um sistema fechado com elevado grau de dependência do ser humano, uma unidade tratada como absoluta, sem interações com o meio ou outros elementos, para um estado concreto de causalidades recíprocas e coerência interna, resultado de uma série convergente de adaptações, aproximando-se de um ser natural. O autor ressalta que o progresso da técnica deve ser 74 compreendido em função desta evolução dos fatores internos do objeto, e não a partir de influências econômicas externas.

A concretização corresponde à passagem de um modo de produção artesanal para o industrial. No estágio abstrato, o objeto é aberto a novas possibilidades, porém contém ainda partes não essenciais em sua constituição, prejudicando sua estabilidade e voltando-se essencialmente para o exterior, sem coerência interna; apesar de simples em termos lógicos, ele é mais frágil e complicado tecnicamente que o objeto concretizado. O isolamento dos seus sistemas constitutivos é um problema na medida em que uma falha de funcionamento ameaça o sistema como um todo. O objeto técnico primitivo segundo Simondon está longe de se constituir em um sistema natural; é apenas a tradução de conceitos científicos separados entre si. Já após sua concretização, cada elemento não apenas cumpre a função imaginada pelo seu criador, mas passa a fazer parte de maneira integrada de um sistema de forças composto por mecanismos de autorregulação e coerência, aproximando-se do modo de existência dos objetos naturais, ao incorporar aspectos do meio no qual está inserido; ao evoluir, este objeto perde seu caráter artificial, e se integra cada vez mais ao ambiente. Apesar desta evolução, o objeto técnico sempre será artificial e precisará de alguma atuação humana para existir, em maior ou menor grau.

A evolução do estado abstrato para o concreto se dá por estágios onde há um crescente aumento da coerência interna a fim de estabilizar o sistema. Os limites de operação de determinado dispositivo são alcançados quando este atinge um estado de saturação de seus elementos constitutivos, causando um obstáculo ao seu bom funcionamento. É o que Simondon chama de metaestabilidade: um equilíbrio somado a um devir; uma potência para se tornar algo além de sua constituição atual. A estabilização completa acarretaria uma paralisia e não levaria a lugar algum, assim como uma completa instabilidade levaria a incapacidade do indivíduo técnico de se manter coeso. O objeto então, para evoluir, necessita quebrar esta estabilidade e realizar um salto operado pela invenção, que propicia uma mudança nas relações entre função e estrutura dentro do objeto a fim de resolver um ou mais de seus problemas, através de uma solução que aumentará seu grau de concretização, diminuindo seus conflitos internos. É pelo descobrimento das sinergias entre os elementos internos do dispositivo que este vai evoluindo, passando por sucessivos estágios, ou de maneira mais abrupta, através do rompimento de sua ordem natural. Algumas vezes esta 75 evolução lenta pode mascarar as imperfeições do sistema, prejudicando seu progresso, podendo ser tão vagarosa a ponto de inviabilizar o objeto. Assim, é através de melhorias descontínuas, de saltos evolutivos que o objeto técnico consegue evoluir de forma mais rápida e intensa. Este salto proporcionado pela invenção é fundamental não só na evolução do objeto técnico, mas também na arte. Esta questão será tratada com mais detalhes mais adiante neste capítulo.

Algumas características presentes na fase abstrata do dispositivo, tratadas como prejudiciais ao objeto técnico, podem entretanto ser interessantes ao objeto criado com intenção artística. Na fase “primitiva” marcada pela criação dos objetos técnicos de forma artesanal, é fraca a relação com a ciência e a tecnologia, enquanto que o objeto concretizado está diretamente relacionado ao modo de operação industrial, da produção em série, que necessita de objetos bem-acabados com todos os seus componentes otimizados tanto na forma quanto na função executada. Ao criar uma obra de arte, o artista está na fase abstrata, criando associações em sua cabeça e pensando novas formas de atingir seu objetivo. Ao construir um objeto, esta abstração começa a se concretizar, perdendo parte de sua indeterminação. No contexto industrial, este processo deveria continuar até que este objeto fosse o mais funcional possível, sem brechas para o improvável. Porém, na arte é exatamente o oposto que se procura: o imponderável, o aleatório que muitas vezes dá ao artista pistas de caminhos a trilhar. Assim, em nossa análise, ao artista o processo de concretização não é um objetivo preponderante, mas se torna útil na medida em que resolve problemas internos do objeto e melhora seu funcionamento.

Outro conceito que o autor traz para explicar a concretização dos objetos técnicos é a individuação. É por meio dela que os objetos adquirem uma existência e se concretizam; aumentam sua coerência interna e se relacionam com o meio associado, adquirindo um grau de autonomia que faz com que ele possa existir como um ser destacado da ação humana. A articulação entre seus componentes internos não depende mais tanto dos objetivos traçados por seu inventor, mas de relações com o meio que criam ligações sinergéticas e imprevistas. A individuação é um devir constante, um processo no qual o objeto mantém uma relação com seu meio associado tornando-se indivisível e cada vez mais plurifuncional. No processo de individuação, a máquina se transforma de um ser estagnado a um que segue estágios semelhantes aos propostos pelas teorias de evolução como a de Darwin. O objeto técnico em 76

Simondon é um ser resultante de uma evolução técnica que o transforma de elemento em indivíduo, adquirindo estabilidade e autonomia, pronto para fazer parte de algo maior, o conjunto técnico; é a passagem de um estado pré-individual (o do elemento) ao individual, apontando para o transindividual (o dos conjuntos).

A primeira etapa no desenvolvimento da tecnicidade – obviamente a forma como os primeiros objetos técnicos surgiram em nossa sociedade – é a do elemento técnico: são as ferramentas que têm por objetivo realizar tarefas simples: utensílios e aparatos que ajudam o ser humano no cotidiano desde eras remotas. Os elementos técnicos são pura funcionalidade, são altamente dependentes do ser humano para realizar suas tarefas e detém um alto grau de especificidade. Para alcançar o segundo estágio de evolução, o elemento técnico deve passar por um processo de individuação, viabilizado pela somatória de suas causalidades internas recorrentes – sequências repetitivas de ações que dependem umas das outras – com um meio associado. O meio associado é criado pelo objeto no momento de sua individuação que o condiciona ao mesmo tempo em que é por ele condicionado; é ao mesmo tempo técnico e natural, e oferece as condições para seu perfeito funcionamento. Este meio efetua a mediação entre os elementos fabricados e os naturais, formando o cerne do indivíduo técnico. Simondon coloca que este tipo de objeto técnico não pode ser concebido através de sucessivas fases de evolução, mas só se torna possível através de um salto evolutivo, que cria as condições para a existência do meio associado, além da atualização das qualidades técnicas do objeto; somente quando todas suas partes internas e seu meio associado entram em uma operação de causalidade circular o indivíduo consegue ser constituído. Já a terceira etapa evolutiva do objeto técnico é a dos conjuntos, ou ensembles. Estes seriam a soma dos indivíduos técnicos, cada qual com seu respectivo meio associado, atuando juntos com uma determinada finalidade. No conjunto técnico, cada indivíduo mantém sua independência e autonomia; não é necessário que se constitua um meio associado neste tipo de formação, pois o que interessa é o resultado de cada funcionamento tomado individualmente. Entretanto, Simondon diz que os conjuntos não são o estágio final do objeto técnico, pois estes podem, pelo uso e aperfeiçoamento, se transformar em elementos técnicos, reiniciando o ciclo. Esta passagem ocorre quando o conjunto atinge um nível de indivisibilidade e perfeição de funcionamento que tem o potencial para se tornar a base de uma nova linhagem evolutiva. É através destes novos elementos formados a partir de conjuntos perfeitamente adaptados que se dá o progresso dos objetos técnicos, pois desta forma podem ser transmitidos entre gerações e 77 reagrupados em novos indivíduos e conjuntos. Segundo o autor, os elementos técnicos que se constituem a partir de conjuntos através da fabricação de uma ferramenta têm maior nível de tecnicidade do que seus estágios anteriores de evolução: são as sementes que passam de geração em geração.

Deslocando esta genealogia dos objetos técnicos para a percepção humana, Simondon destaca dois modos de apreensão da tecnicidade: o modo menor e o modo maior. No modo menor, o objeto técnico é percebido em função de sua utilidade; é o modo relacionado à infância que se caracteriza por uma abordagem intuitiva, não reflexiva e baseada no hábito. Já o modo maior corresponde à reflexão e consciência do adulto; dá-se através do conhecimento racional mediado pelas ciências. Partindo desta divisão, o autor opõe o artesão ao engenheiro, mas mantém uma característica comum a ambos: a responsabilidade por inserir o objeto técnico na cultura através de uma virtual compatibilidade entre o pensamento intuitivo e o racional, fato que até os dias de hoje não se efetivou. Enquanto o artesão está no mundo concreto, dominado pelos objetos, o engenheiro é quem os domina, baseado na abstração do pensamento científico. A cisão entre os que estão em posição inferior e superior em relação aos objetos parece intransponível, porém somente um equilíbrio poderia tornar efetiva a inserção dos objetos técnicos na cultura.

Simondon mantém esta dicotomia ao tratar do modo como a técnica é absorvida pela criança e pelo adulto. O contato que a criança tem com a tecnologia é pelo uso, pela aplicação prática e de forma lúdica, enquanto ao adulto são ensinadas as técnicas que permitem a este entender de maneira mais profunda o objeto técnico. O autor diz que este aprendizado intuitivo e operacional é difícil de ser transmitido por ter um caráter quase mágico, não tradutível em palavras. Já o ensino ao adulto é o oposto – se dá na forma escrita, científica e conceitual, podendo ser ensinado através de gerações. Apesar da divisão dicotômica, Simondon afirma que ambos os tipos de conhecimento são importantes e fundamentais para se chegar a um entendimento mais abrangente em relação aos objetos técnicos e assim operar sua inserção de modo definitivo na cultura. Historicamente, o autor destaca três momentos onde o modo maior alcançou um alto nível de importância em nossa sociedade: Renascimento; Iluminismo e Modernidade. No Renascimento, houve uma valorização da racionalidade, em um movimento contrário ao dogmático poder religioso reinante, com a técnica passando a ser valorizada como um paradigma e um meio de expressão. Marcado por 78 um retorno à filosofia clássica, este movimento entretanto ficou limitado pela baixa capacidade técnica da época; a ciência ainda estava em estágio inicial de desenvolvimento e os meios intelectuais para formalizar a técnica ainda eram precários. Porém, foi a partir do Renascimento que passou-se a ter uma atitude mais positiva em relação à técnica, permitindo seu posterior desenvolvimento.

Já no século XVIII, o Iluminismo marca um ponto de ascensão do modo maior, efetuando uma transição importante entre o conhecimento transmitido por via oral, o conhecimento intuitivo e “mágico” e aquele sistemático, científico e escrito, estruturado na forma de um livro: a Enciclopédia, de Diderot e D’Alambert. Esta publicação baseava-se em um conhecimento universal, racional e adulto, buscando resultados práticos através de cálculos, medidas exatas e objetividade; o mundo técnico deixa de ser refém da religiosidade e todos podem finalmente ter acesso às técnicas em uma dinâmica que revolucionaria o mundo; a ideia de progresso transladado da ciência para os elementos técnicos ganha força e inúmeras invenções surgem neste período. Os esquemas contidos neste livro operaram um salto qualitativo em relação às antigas tradições orais, que tinham dificuldade em transmitir o conhecimento através das gerações. Por meio dos esquemas, a princípio qualquer um poderia ter acesso ao conhecimento científico e aplicar o conhecimento técnico. Claro que nem todos tinham acesso a esta obra, muito menos condições plenas de realizar seus ensinamentos, mas foi um grande passo na humanidade rumo a uma independência em relação aos então detentores do conhecimento. Entretanto, a partir do século XIX, com a Revolução Industrial a ideia de progresso fica abalada na medida em que os indivíduos técnicos – as máquinas – passam a tomar o lugar dos seres humanos nas fábricas. A valorização do modo maior sofre novo golpe na virada do século XX, onde acontece um retorno à primazia da tradição oral, em detrimento da escrita, operada pelos meios de comunicação como rádio, televisão e telefone. Além disso, esta época é marcada pela escravização do ser humano que transforma-se em máquina para atender a objetivos alheios a ele; ao trabalhar como um operador de ferramentas, ele se assemelha às máquinas que estão à sua volta, porém não de uma forma dialógica e simbiótica, mas executando movimentos repetitivos sem um real conhecimento em relação aos procedimentos que está realizando. Ocorre uma separação entre ser humano e técnica, que dele se afasta; a escala industrial não é mais humana, está acima de sua compreensão e isso leva a uma crescente alienação. Por meio de uma gradativa especialização de funções técnicas, ocorre uma separação entre o operador e quem ajusta a máquina: somente 79 o segundo detém algum conhecimento técnico em relação ao dispositivo, enquanto o operador apenas executa sua função de uma maneira rotineira e alienada. Assim como a máquina, o trabalhador torna-se um escravo de resultados financeiros e das impossíveis metas de produtividade. Porém Simondon oferece uma saída para equilibrar esta situação: a Cibernética. Por se tratar de uma teoria que pensa o conjunto e suas realimentações, permitiria ao ser humano uma compreensão maior do sistema no qual está envolvido, pensando seu papel e suas relações mútuas com os outros elementos, tanto técnicos quanto sociais. Para o autor, a compreensão da Cibernética garantiria aos humanos “um novo tipo de maioridade, que penetra as relações de autoridade distribuindo-se ao longo do corpo social, descobrindo a maturidade da reflexão que vai além da maturidade da razão, dando ao homem, além da liberdade de agir, o poder de criar uma organização voltada para finalidades preestabelecidas” (SIMONDON, 2017, p. 120).

A dicotomia apresentada por Simondon entre os modos menor e maior, entre a criança e o adulto, entre o artesão e o engenheiro entretanto representa apenas o estágio atual em que nossa sociedade foi capaz de chegar até hoje, porém para ele não é o estado ideal. Um “enciclopedismo genuíno” seria aquele que unisse as duas pontas, que contivesse a intuição da criança aliada à racionalidade do adulto, que misturasse o desenvolvimento através de sucessões de etapas evolutivas com a ruptura da invenção, entendendo que a técnica é um constante devir, um amálgama entre passado, presente e futuro; uma evolução constante que universaliza o conhecimento em teoria e prática atuando conjuntamente a fim de criar soluções para os problemas que são apresentados cotidianamente. Apesar de referir-se estritamente ao desenvolvimento técnico, aqui Simondon abre caminho para uma análise que vai além dos objetos técnicos e pode ser extrapolada para o mundo da arte, especificamente na construção de objetos técnicos no âmbito da Visual Music. Na invenção dos instrumentos é fundamental esta simbiose entre os dois modos: uma interação entre intuição e racionalidade que permite encontrar caminhos até então não trilhados, encontrar novas soluções e posteriormente concretizá-las em objetos técnicos, que apresentem novidades na produção de resultados estéticos e que cumpram sua função de maneira satisfatória. Um instrumento tradicional, mesmo tocado de maneira diferente da convencional, repete procedimentos que contribuem para a continuidade de uma estética já formalizada e muitas vezes estagnada e repetitiva, ao utilizar um modo de fazer pouco fértil em novas ideias. Por outro lado, através da invenção, o artista passa a ter em suas mãos um objeto técnico novo, com potencialidades 80

– assim como restrições – inéditas, materializado a partir da união entre os modos artesão e engenheiro, entre intuição e lógica, concretizada pelo artista inventor em um novo instrumento.

O criador de um novo dispositivo pode transitar por uma ampla gama de possibilidades de concretização após a construção de seu objeto, desde mantê-lo escasso, único, até inseri-lo no paradigma industrial de proliferação infinita. O que percebemos entretanto nos instrumentos criados para a Visual Music é que a maioria pertence a este caráter de unicidade, com exceção talvez de alguns digitais construídos por software. O “Lumigraph” de Fischinger, o instrumento composto por pêndulos de John Whitney e o “Clavilux” de Wilfred são alguns exemplos deste modo de produção, onde o artista cria um objeto único para concretizar suas aspirações artísticas, que não poderiam ser materializadas com os instrumentos já existentes. Eles atendem ao parâmetro de escassez, talvez nem tanto por motivos comerciais, mas pelo fato de necessitarem de um artista altamente especializado para operá-los. Existe sim uma evolução destes instrumentos, onde problemas são resolvidos e atributos são inseridos de modo a aperfeiçoá-los continuamente, porém a lógica de reprodução industrial em larga escala não está presente. Com o advento do digital e posteriormente dos programas e aplicativos, os instrumentos passam a ser reproduzidos em maior número, porém, ainda se mantém distantes dos dispositivos de produção em massa. Trataremos das diferenças entre cada instrumento criado para se produzir Visual Music na análise de casos, explicitando o local onde cada um se encontra na linha evolutiva dos instrumentos técnicos, assim como sua aplicação estética, criativa e prática.

2.3 A essência da Tecnicidade em Simondon

Ampliando sua análise da gênese da tecnicidade para uma camada mais ampla, Simondon realiza um importante trajeto filosófico em que busca traçar a essência da tecnicidade, percorrendo o caminho histórico da humanidade desde sua constituição, ainda antes do surgimento da técnica e das religiões. Este percurso passa por pontos fundamentais para nossa pesquisa, onde tentaremos fazer uma conexão entre a primeira divisão de fase operada entre técnica e espiritualidade como o lugar da Visual Music, o lugar de uma estética que enfatiza o sensorial, não se importando com significações, interpretações, explicações. 81

Simondon inicia sua análise a partir do conjunto primordial formado pelo ser humano e pelo mundo na forma de um sistema simples baseado na relação entre ser vivo e o meio; seria a unidade do real, um momento anterior a qualquer distinção entre categorias, de instituição de sentido ou qualquer tipo de divisão; o que existe é uma indistinta continuidade espaço-temporal. Neste momento, o homem relaciona-se com o mundo da mesma forma que os animais, sem capacidade de separar sujeitos de objetos, tempo e espaço. Deste mundo primitivo surge a primeira diferenciação operada pelo ser humano: a distinção entre figura e fundo, modo através do qual o ser se individualiza ao mesmo tempo em que penetra no mundo, organizando um modo de existência básico. Esta diferenciação ocorre através de uma reticulação da realidade, a partir da qual surgem pontos-chave que passam a dividir o mundo em momentos e lugares privilegiados. Assim surge o mundo mágico, etapa ainda anterior à divisão entre sujeito e objeto, mas que já apresenta diferenciações entre alguns elementos, apesar de ainda não haver uma distinção clara entre a realidade humana e a dos objetos; é uma união primitiva entre subjetividade e objetividade. Este mundo é composto de nós que unem duas realidades: a humana e a do mundo, cada um significando um ponto no espaço ou um momento no tempo em que fenômenos extraordinários acontecem. É uma busca por uma quebra na continuidade do real através da inserção de momentos especiais: lugares, datas, acontecimentos que se repetem, limites, formas naturais expressivas, etc. É difícil definir estes pontos, pois eles são anteriores à capacidade significativa do ser humano; eles existem e têm uma força diferente, fora do comum, o que os torna diferenciáveis em relação ao resto do mundo; são passíveis de ser sentidos, mas não explicados. Nessa relação de pontos-chave, o ser humano ainda não está destacado da natureza mas existe uma relação de estranhamento, que propicia a formação desta rede de pontos-chave.

No mundo mágico, figura e fundo ainda não se separam completamente, mas quando esta estrutura reticular sofre uma alteração de fase surge a primeira bifurcação: entre técnica e espírito. Os pontos-chave – as figuras – se objetificam, tornam-se instrumentais, mediadores entre o ser humano e o mundo, transformando-se em objetos técnicos, afastando-se do meio. Por outro lado, o fundo se estende por todo o espaço-tempo, se subjetivando na forma do divino, do sagrado. A técnica, na forma de objetos, perde sua relação com o fundo e pode se deslocar livremente no espaço. Já o outro lado se torna abstrato, contínuo e eterno; representa a completude indivisível do pensamento religioso. Assim se faz a separação, a partir do mundo mágico, entre objetividade e subjetividade, figura e fundo, técnica e espiritualidade. 82

Um lado extremamente fragmentado e o outro baseado na universalidade; um personificado nos primeiros objetos técnicos enquanto seu oposto aparece na divindade. Esta separação simétrica entre sujeito e objeto também opera o afastamento entre ser humano e o mundo, que passam a se comunicar por meio da mediação de objetos técnicos. Assim, o pensamento técnico é caracterizado pela objetividade, pela separação do mundo em pequenas unidades destacadas do fundo, que podem se transformar em variadas formas, materializadas no objeto técnico. Seu oposto, o pensamento religioso, busca a totalidade no espaço e no tempo, aparece no mundo mediado por sujeitos reais ou imaginários, divindades e padres. Outra diferenciação feita pelo autor entre pensamento técnico e o religioso é que o primeiro parte dos elementos e vai se complexificando até atingir seu objetivo, por exemplo, a criação de um indivíduo ou conjunto técnico; é um tipo de pensamento que tem alto poder inventivo de concatenação entre partes para chegar ao todo. Já o pensamento religioso usa da estratégia oposta, partindo do todo para chegar às partes: é um pensamento que marca pontos no espaço-tempo a fim de mediar a totalidade com o ser humano finito e limitado. Estes pontos aparecem na forma de ritos e figuras sagradas. Assim, A tecnicidade abraça a figura e se torna a parte objetificada da estrutura, enquanto a religiosidade gera a subjetividade e se concentra no fundo.

A mudança de fase no modo mágico de existência concretizada pela cisão que faz surgir a tecnicidade e a religiosidade, alcança um equilíbrio através de um ponto neutro: o Pensamento Estético. Esta divisão se efetiva através de uma alteração de fase entre seus elementos constituintes, ou seja, ambos continuam existindo e dependem um do outro, alcançando um equilíbrio em um ponto neutro onde se equivalem. Para Simondon, este ponto neutro que une técnica e espiritualidade é o pensamento estético. Este mantém uma memória do todo, antes da divisão do mundo mágico nas duas fases, redescobrindo uma universalidade, ao mesmo tempo em que é constituído por múltiplos elementos figurais. A obra de arte, imersa no modo estético, não consegue fazer o completo retorno ao mundo mágico: a estética nela contida funciona como uma mediadora entre o mundo atual e aquele primitivo, ao qual não mais temos acesso; é uma ponte de acesso ao que foi quebrado no momento em que a primitiva reticulação do mundo tornou-se distante a partir da divisão entre o técnico e o espiritual. O pensamento estético traz consigo a mistura entre objetividade e subjetividade, situando-se em um lugar mais próximo do mundo ao se mostrar um modo de organização da realidade. Assim, a estética remeteria a uma totalidade ao mesmo tempo em que é composta por nós que a ancoram na realidade fragmentada humana: 83

Em vez de subjetivar o mundo como o pensamento religioso ao universalizá-lo, em vez de objetivar o mundo ao inseri-lo na ferramenta ou no instrumento, como o pensamento técnico faz baseado em estruturas figurais dissociadas, o pensamento estético se limita a concretizar as qualidades do fundo através das estruturas técnicas, situando-se no espaço entre subjetivação religiosa e objetivação técnica: ele portanto constrói a realidade estética, uma nova mediação entre homem e o mundo, um lugar intermediário entre o homem e o mundo (SIMONDON, 2017, p. 194). Há uma diferença sutil entre um objeto técnico e o estético; enquanto o primeiro tem o comportamento exclusivamente de ferramenta, o objeto estético além de cumprir uma função técnica também se insere no mundo, estendendo-o, concretizando um modo de expressão próprio, assim como os pontos-chave do mundo mágico se relacionavam com o mundo, no momento em que a ele se integram. Simondon fala que esta questão de integração com o meio no qual está inserido pode também acontecer em alguns momentos com o objeto técnico, porém esta não seria uma característica intrínseca deste; ele torna-se belo apenas no momento em que encontra um ponto singular de destaque no mundo e exerce sua função adequadamente. Já a obra de arte – o objeto estético – não seria apenas uma lembrança do mundo mágico, mas uma maneira de unificar a divisão entre o pensamento técnico e religioso, criando uma nova reticulação que se sobrepõe à primitiva do mundo mágico.

Parece não ser coincidência que Simondon fale que o encontro entre o pensamento técnico e o espiritual acontecem no pensamento estético. Podemos pensar que na obra de arte sempre existem os dois lados, um compondo a parte objetiva, concretizada através das formas no quadro, e outra subjetiva, indizível, inexplicável, que surge a partir da observação sensível da obra de arte. Esta divisão entre técnica e espírito, onde ambos se relacionam e precisam um do outro para formar uma unidade aparece também em Kandinsky, no seu livro Concerning the Spiritual in Art (1977). Apesar de utilizarem lógicas bastante diferentes, tanto Kandinsky quanto Simondon percebem que cada um dos lados precisa de seu oposto para chegar em algum lugar destacado e relevante. Se a obra de arte contém apenas técnica, ela é vazia, sem sentimento; enquanto que algo totalmente espiritual ou conceitual, sem sua definição formal não pode ser concebido artisticamente. Kandinsky fala do lado espiritual da arte, que tem um poder transcendental, onde o verdadeiro artista é aquele que consegue expressar em sua arte uma necessidade ao mesmo tempo interna e universal. Para ele, o artista deve se abster de tentar imitar a natureza – uma tentativa sempre frustrada, já que sua totalidade, beleza e complexidade é impossível de ser capturada – e se voltar para a composição através de formas não figurativas, enfatizando a ressonância interna de cada elemento pictórico. Seria uma 84 tentativa de encontrar um caminho espiritual na arte buscando no poder das formas, em sua ressonância interna mais do que representar algo, como no caso das pinturas figurativas, mas expressar sentimentos universais. A questão espiritual e a pictórica fazem um amálgama indissolúvel para Kandinsky, e aí estaria o poder mágico da arte, de ir além da representação e atingir um estado contemplativo proporcionado de maneira mais efetiva pela obra de arte abstrata. Pensamento semelhante está contido na análise de Simondon quando este diz que esta relação entre figura e fundo, entre parte e todo, concreto e espiritual é o que caracteriza a mediação entre o ser humano e o mundo, viabilizada desde os primórdios da civilização pelo modo mágico.

Podemos então pensar que o cerne da Visual Music seria um lugar marcado essencialmente pelo pensamento estético; pelo fato de tentar se manter próximo ao antigo mundo mágico, unindo técnica e espiritualidade na busca por estimular as sensações no espectador, porém sem passar para outros estágios da arte onde representação e simbolismo somam-se aos aspectos estéticos na constituição de uma obra de arte. Na Visual Music o que importa é algo indizível, antes de qualquer operação da mente em busca de significados para o que está sendo apresentado; uma busca por sensações, ampliada pelo acoplamento sinestésico e transdisciplinar entre som e imagem. É uma mistura entre a objetividade da técnica e da construção de objetos que irão posteriormente possibilitar a produção da obra com uma sensibilidade transcendente, antes das palavras, baseada em um todo que causa a sensação de completude no espectador; é uma busca por aquele momento primitivo perdido, onde ser humano e natureza tinham uma relação de proximidade que os unia, e que foi se perdendo ao longo da história humana pelos posteriores desdobramentos dos pensamentos técnico e religioso. Podemos perceber a aplicação destas ideias no trabalho dos artistas aqui estudados. Thomas Wilfred por exemplo criou uma arte transcendental composta exclusivamente de luz, onde buscava impactar as sensações do espectador, em composições com enfoque espiritual, viabilizadas pelo seu “Clavilux”. Os filmes da dupla John e James Whitney também contém um forte caráter meditativo e transcendental, unindo técnica e espiritualidade. Em ambos os casos, o que se vê na tela é algo indizível, que não deve ser interpretado, mas sentido pelo espectador. Na Visual Music, o que se busca é um equilíbrio entre os opostos propostos por Simondon entre objetivo e subjetivo, entre técnica e espírito, um apelo às sensação buscando o sublime tecnológico que se materializa em sons e imagens. 85

2.4 Invenção

Um dos pontos mais importantes de nossa pesquisa é a questão da invenção. Todos os objetos que serão analisados no estudo de casos foram inventados e posteriormente utilizados na composição de obras de Visual Music como uma maneira de introduzir algo novo, através da diferença no seu modo de funcionamento e do surgimento de diferentes potencialidades em relação às que existiam anteriormente. Mais uma vez, Simondon pode nos ajudar neste trajeto, oferecendo algumas ideias a respeito deste conceito. Para o autor, a filosofia da técnica é basicamente uma filosofia da invenção, ação colocada como o próprio modo de ser do objeto técnico. É por meio da invenção que o objeto técnico se constitui, para posteriores desdobramentos, avanços, ajustes, concretizações, até o momento em que um novo salto se efetivará por meio da resolução das questões internas e externas em outra invenção. É uma forma de solução de problemas surgidos durante as mediações entre o ser humano e o mundo, sendo estes internos – na constituição e compatibilidade entre os elementos do próprio objeto – ou externos, em sua relação com o meio. Quando determinado objeto está saturado, quando seu funcionamento chega a limites intransponíveis por simples adaptações, torna-se necessária a invenção, um salto evolutivo para quebrar os limites estruturais do objeto e de sua relação com o entorno. A superação da descontinuidade e incompatibilidade deve passar pelo constante engendramento entre dois parâmetros que precisam estar sempre em evolução: a autocorrelação, que busca uma coerência interna, resolvendo problemas de funcionamento na própria estrutura do objeto; e as adaptações que visam o mundo exterior, buscando inserir o objeto da melhor maneira no ambiente. Apesar de pequenos ajustes serem possíveis durante o processo, Simondon diz que é pela invenção que o verdadeiro progresso se faz presente; é pelos saltos efetuados durante o processo de concretização dos objetos técnicos que se pode ver uma evolução destes, integrando elementos previamente incompatíveis; tornando coerente uma soma de fatores ou elementos que até então não faziam sentido juntos e não tinham consistência para alcançar resultados práticos funcionais. Assim, todo o processo de concretização dos objetos técnicos é sempre um processo dependente de invenções, resultado de uma série convergente de ações que tornam o objeto técnico plurifuncional – aberto para novas aplicações por meio da superabundância – e ao mesmo tempo unificado, um organismo estável capaz de realizar sua função de maneira autônoma. O autor faz ainda uma diferenciação entre invenção e criação, colocando o primeiro como o mais importante no processo de individuação dos objetos técnicos. Enquanto a invenção teria como finalidade a 86 solução de problemas específicos, com o objetivo de aprimorar o funcionamento de determinado dispositivo, as criações não teriam este pragmatismo, podendo existir apenas em forma abstrata e não concluída. Assim, é pelo caráter essencialmente prático de resolução de problemas nos objetos através da concretização que se dá o desenvolvimento técnico.

Um importante aspecto “colateral” da invenção é o que Simondon nomeou de superabundância: funções complementares; características inesperadas; abertura para novas potencialidades que não eram o objetivo inicial do inventor, mas que aparecem após a concretização do objeto. Apesar de se constituir em um sistema fechado, o objeto contém uma abertura para o novo, para uma interação fértil de novas potencialidades de uso. Qualquer invenção tem um foco, um problema a ser resolvido e também uma margem de indeterminação dentro do próprio objeto que permite o surgimento de características que vão além da simples solução do problema inicial. Resultados inesperados podem surgir a partir de mudanças na ordenação ou da inserção de novos elementos, amplificando o poder individual de cada um deles separadamente. Assim, cada invenção traz elementos não previstos em seu resultado final que excedem a formulação original, ultrapassando a expectativa de seu criador. Apesar de ser o resultado necessário causado por um momento de instabilidade ou impasse nas relações internas ou externas de um objeto, a invenção não realiza apenas um efeito pensado a priori, ela faz nascer características secundárias, às vezes sem importância vital, mas que em alguns casos podem se tornar primordiais após a constituição do novo objeto. É o poder do inesperado, do imponderável que traz surpresas ao inventor, fato muito bem-vindo no mundo da arte; é a criatividade aliando-se à imprevisibilidade que oferece estas possibilidades não previamente imaginadas. A superabundância é um fator importantíssimo em nossa análise dos instrumentos da Visual Music, pois é o momento sublime onde a soma de dois elementos faz surgir um terceiro, maior do que se esperava no início. Estes atributos inesperados às vezes se tornam – especialmente na arte – diferenciadores fundamentais que alterarão de modo crítico o resultado artístico produzido a partir da utilização destas invenções. Dependendo das funcionalidades permitidas pelo novo instrumento, uma mudança radical na produção artística pode ser obtida, chegando-se a resultados impossíveis antes de sua existência. A invenção então, além de funcionar como resolução de um problema, ultrapassa e amplifica o objeto anterior, resolvendo o problema e oferecendo novas possibilidades ao artista. Este salto evolutivo cria estruturas mais ricas – em função da 87 superabundância, que insere elementos não previstos no sistema – e plenas de potencialidades que auxiliam seu criador a encontrar caminhos inéditos para sua arte.

A questão da metaestabilidade presente em Simondon também perpassa de maneira importante as invenções, já que este estado, que acumula estabilidade e devir, é o substrato para o novo; é onde tanto os problemas internos de determinado objeto quanto suas soluções estão imbricadas em um conjunto instável que deve ser resolvido por meio da invenção. Enquanto um equilíbrio total geraria uma estabilidade completa levando o ser à morte, também um desequilíbrio muito grande afeta sua capacidade de se preservar, caindo no caos da entropia. Assim, este tipo de equilíbrio é bem delicado, mas também fértil em devir. A metaestabilidade é um reservatório de novas potencialidades de individuação, através das quais um ser vivo ou objeto modifica sua relação com o meio visando uma melhor adaptação em relação a ele, bem como alterações internas que consigam resolver eventuais problemas dos seus elementos constitutivos e das relações entre eles. Estas individuações nunca cessam de se concretizar, em uma evolução permanente marcada por momentos alternados de estabilidade e instabilidade.

Obviamente, o ser humano ocupa um papel fundamental no processo inventivo. É devido à capacidade de antecipação e simulação do sujeito que algo pode ser inventado. Aqui, Simondon diferencia o indivíduo do sujeito, colocando o segundo como superior, como um conjunto entre o indivíduo e o pré-individual que une presente e passado: a necessidade atual com a soma de conhecimento adquirido pelo ser humano ao longo de sua história. Para o autor é a partir de uma base pré-individual formada pela natureza que é possível o processo de individuação, aliando as características humanas com as do meio associado no qual este se insere. O objeto técnico, por sua vez, exterioriza este estágio pré-individual e dá suporte para o transindividual, estabelecendo modos de existência segundo os quais os seres humanos podem se relacionar. A relação transindividual vai além do indivíduo e cria relações sociais a partir dos elementos pré-individuais contidos na natureza, somados às individualidades compartilhadas. No objeto técnico está contida a essência da natureza humana, presente em sua relação com o mundo que universaliza suas relações por todos os seres humanos. Assim, invenções técnicas não sairiam do nada, de um insight genial de um indivíduo iluminado, mas dessas intrincadas relações transindividuais disponíveis a partir da fértil e inspiradora 88 linhagem de experimentos realizados por outros seres humanos ao longo da história da humanidade.

Outra questão trabalhada por Simondon e que será importante em nossa posterior análise dos instrumentos da Visual Music é a autonomia dos objetos técnicos. Na ontologia dos seres técnicos, o autor traça uma linha evolutiva passando pelos estágios do elemento, do indivíduo e do conjunto. A transição entre elemento e indivíduo através dos processos de individuação e concretização torna o objeto técnico mais autônomo e independente do ser humano. Enquanto os elementos técnicos dependem da ação humana para exercer sua função, o indivíduo técnico já tem um nível maior de autonomia, conseguindo trabalhar por conta própria e adaptar-se ao meio sem precisar tanto do auxílio do ser humano. O indivíduo é composto por várias entradas e saídas em constante troca de informação e matéria com outros indivíduos e com o meio associado. Seu grau de autonomia pode ser medido através de uma proporção direta em relação às trocas que o objeto faz com o meio; quanto menos trocas, mais automático será, e mais fechado em relação ao exterior. Aí reside uma importante diferença de terminologia, entre autonomia e automatismo. No processo de evolução, o objeto técnico ao se individuar pode obter um grau maior de autonomia, conseguindo funcionar de maneira mais independente. Porém, se este processo diminuir sua interação com o meio, aumentará o seu automatismo e a etapa evolutiva seguinte – a dos conjuntos técnicos – ficará prejudicada. Máquinas autômatas, mais fechadas, com número de inputs e outputs mínimo, tendem à estagnação e extinção pois realizam apenas uma única função; são desvios evolutivos e tendem a desaparecer ao longo do tempo pois têm baixo nível técnico, são pouco versáteis. O automatismo seria um caminho contrário à evolução rumo à perfeição técnica de determinado objeto, fechando as portas para o mundo exterior. Apesar de estável e de ter baixa entropia, o autômato realiza poucas trocas com o seu meio associado, realizando suas funções de maneira independente. Este fator em alguns casos pode ser interessante, mas Simondon diz que a evolução só acontece onde há indeterminação e uma certa instabilidade; é na troca com o meio que novas funções ou problemas podem surgir; uma autorregulação é bem-vinda, mas o isolamento completo é mortal para o objeto técnico. Já os objetos com maior margem de indeterminação são mais abertos, mais propensos às variações externas e assim trocam mais informações com o meio. Seu funcionamento é menos automático e mais autônomo, sensível ao diálogo com o exterior, e tem o poder de tomada de decisões durante sua atuação, regulando-se e adaptando-se ao ambiente. A máquina fechada seria o aparelho, uma caixa- 89 preta que não permite o entendimento do seu funcionamento nem qualquer alteração interna por parte do usuário. O objeto técnico autônomo, ao contrário, necessita da ação humana para seu melhor funcionamento, organização e evolução; deixa as portas abertas para o novo, porém sem abrir mão de sua individualidade. O indivíduo técnico de Simondon se oferece para trocas de informação com o ser humano e o meio, em um diálogo que o faz avançar evolutivamente, se tornando cada vez mais funcional e adaptado. Assim, o ideal seria o estabelecimento de uma relação de trocas constantes entre a máquina, o ser humano e o meio, sendo que cada interação teria poder de modificar todos os elementos do sistema. O ser humano pode alterar o funcionamento do dispositivo, mas este também altera o ser humano, em uma via de mão dupla, ou tripla, já que o meio em que ambos estão inseridos também tem o poder de modificá-los. Este modo de pensar está diretamente associado às questões tratadas pela cibernética, que preocupa-se especificamente com os mecanismos de realimentação dentro de um sistema: todos os elementos trocam informação entre si e se alteram dinamicamente a fim de manter a estabilidade do conjunto.

Daí vem uma questão fundamental para nossa análise no momento em que a transpomos para o mundo da arte: não é apenas o artista que detém o poder exclusivo sobre a obra de arte: o objeto também exerce influência sobre o seu criador, em uma sequência de trocas e feedbacks até a concretização do resultado final. Podemos destacar aí uma diferença marcada por Simondon entre ferramentas e instrumentos: enquanto ferramentas são objetos que servem como um prolongamento do corpo humano com o objetivo de desempenhar melhor uma função, os instrumentos, além de prolongar nosso corpo, são dispositivos sensíveis, que trocam informações com quem o utiliza. Quanto mais complexa é a ferramenta, mais o operador se afasta dela, enquanto que no instrumento a relação é inversa: é a relação próxima com o usuário que torna mais interessante o seu uso. Por este viés podemos entender que os instrumentos inventados por artistas da Visual Music – assim como qualquer outro instrumento inventado – atua diretamente sobre seu criador (ou operador), exercendo sobre este uma força que modificará seu modo de uso, permitindo novas possibilidades de expressão e alcance durante o processo criativo, assim como sobre os resultados finais. Além deste diálogo entre dois, o terceiro elemento – o meio – também entra na equação tornando o sistema ainda mais complexo, pois este tem a capacidade de alterar propriedades tanto do objeto quanto do ser humano. Em uma apresentação audiovisual, um ambiente escuro e fechado causa uma sensação de imersão no espectador completamente diferente do que se esta 90 fosse apresentada em uma sala clara, com vários ruídos interferindo no som da performance. Em outro caso, de acordo com a sala em que está situado, um instrumento pode ter sua sonoridade totalmente modificada, solicitando do intérprete uma alteração no modo de tocar. Dessa forma, o artista precisa se adaptar e trocar informações, não só com o instrumento mas também com o meio, em uma relação dinâmica de realimentações recíprocas. Quando o instrumento é um indivíduo que contém em seu interior uma grande quantidade de elementos e interações, este conjunto torna-se ainda mais complexo. Portanto, não é apenas o artista que toca o instrumento, mas é também por ele tocado, em uma troca sensível com alto potencial criativo a ser explorado. Assim, quanto mais aberto, mais amplo em potencialidades for o instrumento, maiores serão as incertezas que ele teria capacidade de produzir, enriquecendo sobremaneira o resultado artístico.

Uma última questão presente em Simondon que nos auxilia no entendimento das relações homem-máquina é a da memória. O autor diferencia dois tipos de memória: a da máquina, que funciona melhor na multiplicidade e na desordem; ao passo que a humana tem melhor desempenho no entendimento da unidade das formas e em sua organização. Em procedimentos onde é importante uma análise semântica dos dados, onde um pensamento de análise do significado de cada elemento e de suas relações é primordial, a memória humana tem desempenho superior à da máquina, enquanto que na análise sintática, ou seja, na busca por elementos a fim de compará-los a partir de uma regra fixa, é a máquina que se sobrepõe ao humano. Enquanto a máquina consegue analisar uma quantidade de dados infinitamente superior àquela possível para o ser humano, pode estabelecer vínculos entre elementos simultâneos e coordená-los com grande precisão, o pensamento humano consegue extrair elementos de um todo a partir de determinado contexto, criar novas relações e esquemas a partir de memórias anteriores; seu funcionamento é de sobreposição, onde novas informações vão se somando às anteriores através de significados. Pode-se dizer que o pensamento maquínico se detém aos detalhes, à figura, enquanto que o humano leva em consideração o todo, o fundo.

Pode-se ver claramente que humanos e máquinas são seres complementares que podem contribuir de maneira igualitária a fim de otimizar processos e alcançar determinados fins. Mas a conexão entre os dois só alcança uma verdadeira simbiose na medida em que cada um controla a parte do processo que faz melhor, cada parte ajudando a compor o sistema de 91 maneira inteligente, relacionando-se por meio de trocas e regulações mútuas. Na arte, tais sistemas permitem ao artista um incremento nas possibilidades tanto criativas quanto performáticas, já que este pode se concentrar em algumas atividades enquanto a máquina realiza outras. Os dispositivos criados por John Whitney, por exemplo, facilitaram enormemente a produção de seus filmes, automatizando um tedioso e repetitivo trabalho manual. Nos Light Shows, resultados inesperados surgem a cada inserção de um novo elemento na composição, e requerem repostas imediatas do artista. No mundo digital esta complementariedade se torna ainda mais presente, com o computador executando várias tarefas em tempo real enquanto o performer improvisa no palco. No modo ideal, a ação de cada um dos elementos constitutivos do sistema produziria uma faísca inspiradora para novos rumos, ou seja, o humano pode se inspirar por determinado som ou imagem inseridos durante a apresentação pela máquina, ao mesmo tempo em que a máquina se altera a partir dos elementos executados pelo artista, em um diálogo de autoria compartilhada. Esta é a base das performances audiovisuais generativas, onde o ser humano está em constante diálogo criativo com o dispositivo. Acrescentado o meio em que ambos estão inseridos, temos o conjunto completo e complexo de elementos, ações e possibilidades infinitas propiciadas pela interação homem-máquina, fundamental para a criação de composições e performances de Visual Music.

2.5 Definições e Categorias da Arte Maquínica

Outro autor fundamental para auxiliar-nos na compreensão da diversidade das possibilidades interativas entre o ser humano e os objetos técnicos no universo artístico é Andreas Broeckmann, especialmente em seu livro Machine Art in the 20th Century (2016). O autor traça um perfil histórico da arte produzida com o auxílio de máquinas ao longo do século XX, mostrando uma importante transição entre objetos mecânicos que posteriormente se transformam em digitais, pontuando os principais artistas que se aventuraram por esta relação e propondo uma categorização para os tipos de obras artísticas em que a máquina está presente de maneira primordial na constituição da obra. O autor nos traz uma análise da máquina especificamente voltada para seu uso no meio artístico, mostrando diversos tipos de relações entre esta e o artista por meio de uma categorização dos objetos técnicos e sua aplicação prática na arte. 92

Inicialmente, Broeckmann discorre acerca de alguns conceitos utilizados por autores do século XX para delimitar o universo dos dispositivos. Gotthard Günther, aproximando-se das ideias de Simondon, fala da relação do ser humano com o meio ambiente e sua transformação através das ferramentas. O humano consegue desenvolver ferramentas autônomas – uma forma de existência independente – e destacadas da natureza, que atingem um alto grau de autonomia nas máquinas. Enquanto uma ferramenta é manipulada, a máquina pode ser apenas supervisionada, pois detém uma certa independência do ser humano, que apenas realiza ajustes específicos em seu funcionamento. Günther faz uma separação entre as máquinas clássicas, que funcionam a partir do movimento de partes mecânicas; e as transclássicas, que já não têm partes móveis e funcionam alimentadas por corrente elétrica. Este novo tipo de máquina foi chamado também de máquina cibernética, um dispositivo que funciona por meio de trocas de informação internas e externas, com capacidade de processar dados e atuar na regulação de seu próprio funcionamento. O termo cibernética, desenvolvido por Norbert Wiener na década de 1950, tentava deslocar o paradigma de opressão relacionado às máquinas para o de cooperação e integração; este autor dizia que apenas enquanto rígidas e inflexíveis, as máquinas teriam um comportamento adverso em relação ao ser humano, enquanto que as máquinas cibernéticas estariam ao lado do homem, ajudando-o na realização de tarefas.

Já o historiador americano Mumford tem uma abordagem mais pessimista: fala das máquinas sob uma perspectiva mais ampla, como sinônimo de um complexo tecnológico completo a que chamou megamáquina, que compreende técnicas políticas, econômicas e militares em uma multiplicidade de processos que se mantém invisíveis para o cidadão comum. A megamáquina inclui em um todo vários tipos de ferramentas, instrumentos e máquinas, em conjunto com relações sociais e políticas. Neste sentido, este termo se aproxima do dispositivo, de Foucault, atualizado por Agamben e que foi tratado anteriormente nesta pesquisa.

Outro conceito de máquina foi proposto pelo matemático Alan Turing, na década de 1930: a máquina universal, um dispositivo capaz de simular todas as outras máquinas e que resolveria qualquer tipo de problema por meio de um número finito de passos programáveis. Através da programação, Turing foi capaz de abstrair a mecânica por meio de números e cálculos e pensou no algoritmo como o fundamento para uma máquina universal que 93 possibilitaria cálculos extremamente complexos, impossíveis para o ser humano. Esta máquina posteriormente se transformaria no computador moderno.

Nos anos 1960, Maturana e Varela criaram o conceito de máquina autopoiética para tratar de uma capacidade dos seres vivos de produzir a si mesmos. Este ser faz parte de sistemas que têm poder de autorregulação e autoprodução visando à sua conservação e adaptação ao ambiente. Conceito bem próximo do indivíduo de Simondon, este foi tomado emprestado por Deleuze e Gattari já nos anos 1970 para extrapolar a sua aplicação para as máquinas, que também teriam a capacidade de autoprodução e reprodução. Deleuze e Gattari criaram o conceito de máquina desejante que vinculava à máquina um processo de subjetivação. Dessa forma, a relação com os seres humanos se transforma de um confronto ou correspondência mútua para relações mais integradas, onde o humano faz parte da máquina, assim como outros seres vivos e objetos.

A partir do estudo destes filósofos, chegamos à primeira categorização operada por Broeckmann a respeito dos modos de existência e uso da máquina, que seria dividida em: mecânica; cibernética; totalitária; matemática; e heterogenética. Obviamente algumas destas características podem se sobrepor, atuando em conjunto durante a ação da máquina ou ocorrer em momentos específicos do processo. Somado a esta primeira divisão, baseada em estudos filosóficos preocupados com a inserção das máquinas na vida do ser humano nas mais diversas esferas, veremos agora a categorização efetuada por Broeckmann mais especificamente voltada para a arte, denominada por ele de “Estética da Máquina”. O autor divide em cinco os aspectos de utilização da máquina de forma estética nas obras de arte do século XX: Associativo, fazendo referência a aspectos sociais da tecnologia e provocações sobre o papel do artista; Simbólico, que descreve aspectos da psicologia e cultura humana de maneira mecânica por meio de metáforas e analogias; Formalista, ligado à beleza das formas funcionais das máquinas; Cinético, como uma forma de ampliação dos potenciais expressivos da escultura através do movimento; e Automatismo, que trata da independência das máquinas para com o ser humano. Dois outros aspectos são citados pelo autor separadamente, pois tomam forma mais para o final do século, a partir do desenvolvimento da cibernética: a Interatividade, que proporciona uma relação de proximidade muitas vezes lúdica e prazerosa entre o humano e o dispositivo; e Autonomia, que torna a relação homem-máquina ainda mais próxima, em um regime de trocas e valorização da subjetividade do objeto técnico. 94

Apesar dos objetos técnicos e especificamente as máquinas já fazerem parte do nosso cotidiano há séculos, até o início do século XX muito pouco era produzido tendo este tema como mote para a criação artística. Alguns artistas construíram autômatos no século XVIII, outros poucos inseriam temas relacionados ao universo maquínico em pinturas no século XIX, porém foi apenas com o advento de um objeto técnico específico – o automóvel – no início do século XX que a máquina definitivamente se tornou o centro de atenção do mundo da arte. Mesmo o ser humano tendo estado em contato com diversas máquinas, principalmente após as revoluções industriais, apenas com a velocidade do automóvel essa relação passou por uma significativa ruptura, alterando a relação entre humanos e máquinas de tal maneira que este tema se torna preponderante em vários movimentos artísticos do início do século XX. A velocidade da máquina, que ainda estava velada pelo caráter estático da fábrica agora pode se deslocar livremente no espaço, alterando sobremaneira a percepção humana e abrindo as portas para novos tipos de arte. O dinamismo desta e de outras máquinas inventadas na virada do século XX inspirou artistas a inserir elementos tecnológicos em suas obras, algumas vezes de forma otimista e até ingênua, em outras crítica e distópica; porém é inegável a profunda alteração estética causada pelo advento destes objetos na arte, seja na temática, no uso dos materiais ou na postura crítica em relação a eles, materializadas em diversas obras de arte. A tecnologia passou a ser considerada não apenas por seu aspecto funcional, superando a separação entre cultura e indústria e inserindo questões referentes às máquinas no mundo da arte.

Figura 15 - Fortunato Depero, “Skyscrapers and Tunnels” (1930)

Fonte: https://perryjgreenbaum.blogspot.com/2014/06/futurism-nihilism.html. 95

O primeiro momento em que esta mudança pôde ser observada foi no Futurismo, movimento artístico fundado pelo Italiano Filippo Marinetti, em 1909. Defendendo uma ruptura radical com velhas e obsoletas tradições artísticas e culturais, o Futurismo apontava para uma nova estética, baseada na velocidade, no perigo e na energia, aspectos presentes na máquina e que agora passavam a ser tema para a poesia e a pintura. Foi uma reação entusiasmada às novas tecnologias que surgiam na vida moderna, plenas de movimento, dinamismo e novidades, personificadas nos mais diversos dispositivos: carros, locomotivas, aviões, navios, etc. Este movimento marca um dos tipos de relação homem-máquina no século XX: o modo Associativo, no qual características técnicas da máquina serviam como inspiração e tema para os artistas. O significado e o impacto sociocultural efetivados pelas máquinas era tomado como sinônimo de futuro, de transgressão frente ao passado que ainda se baseava em representações bucólicas e imitativas da natureza, especialmente na pintura. Simultaneamente aos Futuristas, outros dois movimentos artísticos da época também se alinharam a esta postura associativa: Construtivismo e Dadaísmo. Ambos buscavam uma liberação dos formatos e temas artísticos obsoletos, mas cada um apresentava sua relação própria com as máquinas. Os Construtivistas valorizaram as características técnicas da máquina como uma ferramenta para moldar o mundo e operar uma transformação social, e, buscando uma horizontalidade própria das aspirações revolucionárias da época, abandonaram o status do artista considerado gênio, dotado de um dom e superior aos outros, inspirando-se na impessoalidade da máquina. Já para os Dadaístas, a associação com a máquina visava uma quebra nas convenções culturais da velha ordem social, muitas vezes com inclinações distópicas em relação à tecnologia.

A segunda categoria proposta por Broeckmann é a Simbólica, que se constitui na utilização de uma iconografia técnica para descrever fenômenos da vida cotidiana. Neste caso, a máquina não está presente como uma ideia a ser seguida, mas por princípios operativos, de valorização de determinadas imagens técnicas e sua inserção em obras de arte através de um simbolismo que as relaciona com o ser humano. É uma referência baseada em alegorias, onde as semelhanças entre um objeto técnico e o tema que se deseja representar acontece por meio de similaridades simbólicas. Estas obras não pretendem questionar a tecnologia, mas apenas utilizar suas imagens e conceitos sobre o modo de funcionamento das máquinas para representar aspectos da vida humana. Exemplos deste tipo de trabalho são a fase mecanomórfica de Francis Picabia e alguns trabalhos de Marcel Duchamp, especialmente a 96 obra “The Bride Stripped Bare by Her Bachelors, Even”, na qual o artista pinta mecanismos que lembram engrenagens e objetos geométricos para representar a complexidade da relação entre homem e mulher.

Figura 16 - “The Bride Stripped Bare by Her Bachelors, Even”, de Marcel Duchamp (1915)

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/The_Bride_Stripped_Bare_by_Her_Bachelors,_Even.

Já a lógica da categoria Formalista se baseia essencialmente na reprodução de formas dos objetos técnicos, encaradas como esteticamente belas sem incluir ou questionar seu uso ou função. Enquanto a relação simbólica se refere a princípios de funcionamento mecânico das máquinas, e a associativa generaliza noções amplas a respeito da tecnologia, a formalista tende a mostrá-los de uma maneira mais realista e direta, preocupando-se essencialmente com a parte estética dos objetos retratados. Este aspecto estava presente em algumas obras futuristas (além da questão associativa) e tem Fernand Léger como um dos expoentes, com trabalhos como “Propellers” e “The machine”, nos quais retrata temas técnicos com um toque cubista, e “Ballet Mécanique”, filme no qual o artista valorizava os elementos na cena – carros, máquinas, formas geométricas de objetos – em função de sua beleza estética, sem se importar com suas características funcionais.

A inserção de movimento mecânico faz surgir um novo tipo de arte, a Cinética, que dá nome à quarta categoria de Broeckmann. Após séculos de arte estática baseada na pintura e escultura, com o uso dos objetos técnicos tornou-se possível uma mudança de paradigma fundamental para a arte. Além das obras cinéticas de artistas como Jean Tinguely, Bruno 97

Munari, Moholy-Nagy, o movimento entrou no mundo da arte através de outros objetos técnicos: a câmera e o projetor de cinema, permitindo a gravação e posterior projeção de sequência de quadros, finalmente possibilitando a entrada da cinética nas obras de arte. No início do século XX, o movimento Futurista e pintores como Kandinsky e Paul Klee se debatiam contra este caráter estático da pintura. Porém foi só com o auxílio de objetos técnicos que ações dinâmicas puderam ser embutidas nas obras, principalmente na construção de objetos cinéticos que acrescentavam a variável tempo ao trabalho, ressaltando a importância de um processo de desdobramento que acontece na frente do espectador, e permitindo aos artistas a abertura para novas potências criativas. Este modo de operação fez surgir novos elementos nos trabalhos artísticos: ritmo, repetição, recorrência de ações, possibilidades e limitações mecânicas, etc. Estas características foram usadas pelos artistas de diversas maneiras, desde um despretensioso e puramente estético entendimento em relação à obra, até elogios ou críticas ao modo de funcionamento das máquinas – e também do ser humano moderno – através da repetição e automatismo. Alguns destes atributos já estavam na mira da arte abstrata e podiam ser encontrados em algumas pinturas no início do século XX, mas com o uso da máquina, estes podiam ser mais explicitamente utilizados. Jean Tinguely, um dos principais expoentes da Arte Cinética, dizia que a máquina era um instrumento que o permitia ser poético e buscava em suas obras uma certa libertação da máquina por meio de sua relação com o ser humano. Tinguely criou na década de 1950 várias esculturas em movimento, entre elas máquinas que “tomavam” o lugar do artista colocando-se como autoras da obra. Estas obras tinham o nome de “Drawing Machines” e eram compostas por vários elementos metálicos e motores que movimentavam uma caneta sobre um pedaço de papel, criando talvez as primeiras obras generativas produzidas de maneira autônoma por objetos técnicos. Tinguely colocava uma certa ironia neste trabalho na medida em que os resultados se pareciam um pouco com as obras do expressionismo abstrato, porém a interpretação de suas obras é ampla e pode ser vista – além da exclusão da autoria humana na obra – pelo seu potencial estético, tanto do objeto quanto do resultado pictórico final. Em outros trabalhos, como “Heureka” de 1964, o artista já mostrava uma certa insatisfação com o modo como a tecnologia passou a dominar o ser humano, e tentava explicitar isso pela exibição das entranhas da máquina, exposta como um mostro, um potencial perigo para o ser humano. Outro importante artista nesta área, o Húngaro Moholy-Nagy criou esculturas em movimento com o auxílio de motores, materiais industriais e luzes, como em seu trabalho “Light Prop for 98 an Electric Stage”, de 1930. Suas obras não tinham um caráter crítico em relação à tecnologia, ele apenas a usava para atingir suas metas; era pelo uso das máquinas que ele conseguia o resultado artístico que buscava, em uma aplicação mais estética da técnica.

Figura 17 - Jean Tinguely, “Méta-Matic No10” (1959)

Fonte: https://www.myswitzerland.com/pt/meta-matic.html.

A quinta categoria de Broeckmann foi uma consequência direta da inserção do movimento na arte, aliada à possibilidade de independência das máquinas em relação ao ser humano. Automatismo é uma nova categoria na qual artistas já detém uma postura mais distante e crítica em relação à máquina, levando em conta um crescente e muitas vezes mal visto desenvolvimento tecnológico exacerbado no decorrer do século XX, que aliena o homem e muitas vezes o substitui, através dos movimentos repetitivos dos autômatos. Alguns artistas que incorporaram automação em suas obras são Robert Breer, Nicholas Shöffer, Gordon Pask e Hans Haacke, cada um tratando desse tema à sua maneira. Exemplos do uso de máquina automáticas são: “Floats” (1965) de Breer, que consiste em objetos motorizados que seguem rotas randômicas; “CYSP1” (1956), uma escultura cinética autônoma de Shöffer; a escultura de gelo formada em torno de uma estrutura de refrigeração “Ice Stick” (1966), de Hans Haacke; e o “Musicolor” (1953), instrumento que gerava luzes a partir do movimento de motores, criado por Gordon Pask. O conceito de automação, conforme vimos anteriormente, é próximo de autonomia, porém o primeiro tem um caráter mais fechado, independente, e não realiza muitas trocas com o exterior, enquanto que objetos autônomos têm capacidade de tomar decisões e se autorregular, porém são abertos a relacionamentos com 99 o meio. Apesar da categoria formulada por Broeckmann ser nomeada “Automático”, alguns exemplos citados por ele estão mais próximos da autonomia, e também não refletem muito o espírito crítico em relação ao “desenvolvimento tecnológico desumano”. Assim, ampliaremos esta categoria para inserir qualquer tipo de máquina com comportamento próprio, seja ele automático ou autônomo.

Após a delimitação destas categorias, baseadas principalmente em princípios mecânicos e em obras da primeira metade do século XX, Broeckmann apresenta outros quatro tipos de máquinas, mais próximas do mundo digital e cibernético, e que também serão importantes para nossa análise. São elas as Máquinas Algorítmicas, Imagéticas, Corpóreas e Ecológicas. As Algorítmicas, possibilitadas pelo advento da linguagem digital na segunda metade do século XX, são objetos nos quais a manipulação da informação é o cerne de seu funcionamento. Através de regras definidas que conduzem uma série de operações matemáticas, os algoritmos processam informação binária que pode ser transformada posteriormente em qualquer tipo de ação, dentro ou fora da máquina. O Autor afirma que os algoritmos funcionam como uma máquina, uma vez que “são compostos de vários componentes simbólicos, letras, palavras e números, e processam estes componentes de acordo com regras aritméticas ‘mecânicas’ a fim de completar determinada tarefa” (BROECKMANN, 2016, p. 89). A mais comum e genérica dessas máquinas – o computador digital – baseia-se em conjuntos de algoritmos que conduzem a informação, aplicando-a em diversos processos dentro do aparelho. Pela lógica digital, no processamento da informação através dos algoritmos vários outputs podem ser disparados, por meio de processos eletrônicos, físicos e mecânicos. As máquinas algorítmicas, transladadas para o universo artístico, fazem nascer um novo tipo de arte: a computacional ou digital, que deu seus primeiros frutos já na década de 1960. Ao contrário do paradigma mecânico da primeira parte do século XX, este tipo de arte se baseia em processos invisíveis ao espectador, fechados em caixas-pretas que permitem a visão apenas de seus inputs e outputs. Este caráter de invisibilidade interna dos processos das máquinas digitais levou a vários questionamentos por parte dos artistas desde seu surgimento, levantando novas potencialidades artísticas. Fechado e basicamente imutável em termos físicos, o computador permite a síntese de infinitas outras máquinas funcionando em seu interior, criando uma abertura praticamente ilimitada a novas programações e funcionalidades, chegando ao que Turing chamou de Máquina Universal. 100

O digital tem também ligação direta com outras questões abordadas anteriormente como Cibernética e Autonomia, tornando dinâmicas as relações entre as categorias propostas. O entrelaçamento entre diversas fontes de informação dentro de um sistema e deste com o exterior formam a base da teoria Cibernética, primordial para o entendimento deste tipo de dispositivo. Baseada em princípios de realimentação a fim de promover a estabilidade de um sistema, a Cibernética se preocupa com a troca de informações dentro de determinado meio, seja ele natural ou artificial. Utilizada anos depois de sua concepção, esta teoria se torna o fundamento para o conceito “Estética do Sistema” (BURNHAM, 1968) proposto pelo curador Jack Burnham como tema da exposição “Software”, realizada em Nova Iorque, em 1970. Trazendo conceitos da teoria dos sistemas para a arte, a este tipo de estética o que importa é o equilíbrio das relações entre os componentes do conjunto, baseado na troca de informações através de algoritmos dentro de um sistema que pode ser composto por inter-relações recíprocas entre máquinas, seres humanos e o meio; é o processo de desenvolvimento das ações que importa, mais do que um resultado final fechado e acabado. Burnham aponta três características fundamentais para este tipo de arte: é Ambiental na medida em que depende do meio em que está inserido; é Interativo, composto por vários atuadores se relacionando em trocas mútuas; e é Autônomo, pois possui poder de ação próprio. Seguindo esta lógica, pode- se perceber que à estética do sistema importa a interdependência entre os agentes, sejam eles humanos ou não, rejeitando a noção da máquina em oposição ao ser humano: ambos estão lado a lado interagindo e compondo a obra de arte.

Já as Máquinas Imagéticas, como o próprio nome indica, se especializam na manipulação de imagens de diversas formas: ora funcionam como inputs de informação advinda do mundo exterior para dentro da máquina; ora geram ou manipulam imagens visando uma saída da informação na forma visual; ora operam a manipulação de dados imagéticos com variados fins. Estes dispositivos ópticos funcionam como olhos, captando imagens e convertendo esta informação em dados – analógicos ou digitais – para uso posterior, dentro da própria máquina ou exportando o conteúdo capturado para outro dispositivo. Quando operam com foco na saída do aparelho, têm duas funções bem distintas: gerar imagens de maneira sintética, através de algoritmos, sem a necessidade de um input; ou manipular material visual nela armazenada visando sua exibição. O terceiro tipo de atuação, que na verdade está presente de alguma forma nos dois anteriores é o de manipulação da informação, através de softwares ou hardwares que têm capacidade de: manipulação da 101 imagem capturada em tempo real com finalidade de extrair elementos e usá-los dentro do próprio sistema; manipulação de imagens internas na forma de vídeos, permitindo sua edição, mixagem, aplicação de efeitos, etc. em tempo real; disponibilização da saída de várias maneiras, mapeando-a em nichos espaciais específicos; geração de imagens sintéticas através de algoritmos; recepção de informação de sensores e através de programação usar estes dados para modificar imagens; entre outras aplicações diversas, em tempo real ou não.

Atualmente, todas estas funções se encontram condensadas em uma única máquina, com capacidade de entrada, manipulação e exibição de imagens em tempo real: o computador. Com o uso de softwares – fechados ou compostos pelo próprio artista – é possível gerar imagens de alta complexidade, manipular vídeos em alta resolução e exibir o conteúdo em vários formatos e dispositivos diferentes. Não é à toa que o advento dos computadores portáteis a partir dos anos 1980 e seu posterior barateamento e aumento de capacidade de processamento efetuou uma mudança radical nas artes visuais, especialmente nos últimos 20 anos. Inicialmente com memória limitada e baixo processamento, os primeiros computadores permitiam apenas manipulações simples de áudio e imagens gráficas elementares, mas não ao vivo. Porém, com os constantes avanços tecnológicos, foi possível aos poucos a manipulação de imagens em tempo real, com cada vez mais qualidade e possibilidades. Vários programas surgiram nos primeiros anos do século XXI como Resolume, Arkaos, Modul8, que permitiam ao artista mixar loops de vídeo curtos e aplicar efeitos ao vivo, oferecendo alternativas criativas praticamente ilimitadas de análise, tratamento e composição de imagens durante uma performance. Trataremos de alguns exemplos de artistas da Visual Music que se utilizaram do computador como uma ferramenta de produção de imagens, assim como outros dispositivos criados com a finalidade de compor imagens através das mais variadas formas; invenções criativas que deram fôlego a seus criadores na composição de suas obras audiovisuais.

Os dois tipos de máquina restantes na perspectiva de Broeckmann seriam a Máquina Corpórea e a Máquina Ecológica. A Máquina corpórea seria aquela que está em uma relação tão próxima com o humano que ambos já fazem parte do mesmo ser; a máquina funciona como uma extensão ou assume funções próprias do corpo humano, em uma integração indissolúvel. O exemplo mais notório citado pelo autor é do artista Espanhol Stelarc, que aparece em seus trabalhos sempre em conexão direta com máquinas, perdendo o controle sobre o próprio corpo ou expandindo-o com a ajuda de próteses. Não se sabe mais qual parte é 102 humana e qual é máquina; ambos fazem parte do mesmo organismo durante a performance. A Máquina Ecológica, por seu lado, está bem próxima de outros temas já abordados anteriormente, como a Estética dos Sistemas e a Cibernética. Seria composta por obras de arte que se preocupam com a interconexão entre cada elemento que constitui o trabalho: o ser humano, máquinas, animais, meio ambiente, etc. Este tipo de arte está normalmente em conexão direta com a natureza e se preocupa com a forma como o ser humano ocupa o planeta. Estes dois tipos de arte estão um pouco mais distantes do tema de nossa pesquisa, por isso serão tratadas apenas superficialmente, como simples fechamento das possibilidades criativas e metodológicas da arte maquínica apontadas por Andreas Broeckmann.

As categorias de Broeckmann serão utilizadas em conjunto com a análise feita pelos outros autores citados anteriormente a fim de delimitar e entender o percurso de alguns artistas fundamentais na Visual Music, escolhidos de modo a retratar a diversidade de técnicas e práticas criativas dentro desta área. No estudo de casos que faremos a seguir poderemos perceber que algumas destas categorias estão mais presentes, como a formalista e a cinética. A questão formalista é óbvia pois todos os artistas em questão trabalham com imagem, explorando conteúdos formais em suas obras. Esta questão porém sempre vem aliada a discussões mais poéticas e espirituais, não deixando o trabalho cair no vazio da manipulação puramente técnica de formas gráficas. A cinética é outra categoria que abarca grande partes dos trabalhos analisados, pois estes advêm de procedimentos mecânicos para atingirem seus resultados. Apenas com a advento dos computadores que esta questão perde força, mas continua presente no resultado final dos trabalhos: as imagens em movimento na tela. As categorias relacionadas com sistemas, autonomia e relações matemáticas também têm grande importância, aparecendo mesmo antes dos dispositivos digitais. Wilfred, nas primeiras décadas do século XX já criava instrumentos autônomos como o Clavilux Jr, que funcionava dinamicamente com pouca ou nenhuma interação humana. Os irmãos Whitney, com seus computadores analógicos, baseavam suas animações em fórmulas matemáticas e sistemas envolvendo conjuntos técnicos complexos. Já outras categorias como a associativa e a simbólica aparecem raramente nos casos analisados. De qualquer forma, esta divisão operada por Broeckmann nos ajuda a traçar um panorama da arte produzida pela mediação das máquinas, contribuindo para o entendimento de seu uso dentro da Visual Music. 103

CAPÍTULO 3 – ESTUDO DE CASOS

Após a análise filosófica e histórica apresentada por Agamben, Latour, Santaella e Chaui, o entendimento de conceitos importantes sobre a gênese e o modo de existência dos objetos técnicos trazidos por Simondon, e a sistematização das categorias artísticas produzidas em conjunto com as máquinas proposta por Broeckmann, formamos uma sólida base para uma análise aprofundada de alguns instrumentos e técnicas presentes na Visual Music. Podemos agora efetuar uma análise de casos envolvendo dispositivos desde sua invenção até sua aplicação prática, explicitando suas características técnicas e poéticas, em que lugar se situam em relação a outros trabalhos artísticos desenvolvidos ao longo do século XX, os modos de relacionamento com o artista, e as linhas de força criados por cada um visando uma possível linhagem evolutiva dentro da Visual Music.

Trataremos de artistas fundamentais dentro da Visual Music nos séculos XX e XXI, com enfoque naqueles que produziram seus próprios instrumentos. Artistas do século XX como Thomas Wilfred, Oskar Fischinger, John Whitney, e o coletivo Joshua Light Show, terão suas obras analisadas a fim de buscar a peculiaridade de cada uma e também elementos comuns. Já no presente século, terão destaque o artista Ryoji Ikeda e meu projeto pessoal HOL que utilizam meios digitais na composição de suas obras. Através de uma análise mais aprofundada da obra destes artistas, a intenção será explicitar comportamentos que indiquem o direcionamento do trabalho em função das possibilidades e limitações das ferramentas utilizadas por cada um.

Thomas Wilfred foi um dos grandes criadores de instrumentos visuais, sendo o mais importante deles o “Clavilux”, com o qual realizou uma série de concertos e criou um novo tipo de arte a que chamou “Lumia”. Será tratada a individuação dos objetos técnicos efetuada por ele, concretizada em seus diversos instrumentos e ressaltada uma característica importante de sua obra: a independência em relação ao acompanhamento musical em suas performances. Já Oskar Fischinger receberá atenção não só pela excelência criativa e utilização com maestria de técnicas comuns à sua época como a pintura frame a frame na película, mas principalmente seus estudos da relação entre som e imagem por meio da técnica de Ornamentos Sonoros, desenhos criados por ele para transformar imagem em som; e pela construção de seus instrumentos “Wax Slicing Machine” e “Lumigraph”. O trabalho dos irmãos John e James Whitney é outro fundamental na área de construção de instrumentos, onde fica clara a 104 diferenciação dos resultados obtidos a partir deles, se comparados com tudo que havia sido feito até então, criando as bases para o uso criativo e consistente de efeitos especiais digitais no cinema: uma mudança estética radical possibilitada essencialmente pelas máquinas por eles construídas. Fechando o grupo de artistas analisados dentro do século XX, o coletivo Joshua Light Show aparece como exemplo de ensembles técnicos utilizados para performances ao vivo em grande escala. Esta variedade de instrumentos e técnicas é fundamental para entender o que os VJs fariam a partir da virada do século XXI, já no ambiente digital. Além disso, a ampla gama de objetos técnicos utilizados pelo grupo fazem com que sua presença seja relevante neste projeto.

Passando para o século XXI, um dos artistas investigados será Ryoji Ikeda, em função do uso de programações generativas sofisticadas para realizar uma sincronia fina entre som e imagem, com uma precisão nunca antes alcançada. Sua música composta de elementos com notas de durações mínimas, frequências nos limites extremos do espectro audível e andamentos ultrarrápidos pede um aparato especial, que ele constrói utilizando-se de softwares programados do zero para cada uma de suas performances. Este procedimento, usado também por outros artistas audiovisuais contemporâneos, permite um controle completo de cada elemento em cena, além de uma velocidade só possível pelo uso da máquina. Fechando o estudo de casos, tratarei do meu projeto audiovisual HOL. Nele é possível perceber uma somatória de técnicas como: construção de instrumentos, relações abstratas e simbólicas entre som e imagem, estética dos sistemas, mistura entre analógico e digital, arte algorítmica, etc, em uma somatória que aponta para novos caminhos da Visual Music, aplicada a performances audiovisuais.

3.1 Thomas Wilfred

Richard Edgar Løvstrøm nasceu em 18 de Junho de 1889 em Naestved, na Dinamarca, mais tarde mudando seu nome para Thomas Wilfred. Músico e inventor, Wilfred inicialmente ganhou a vida como cantor, acompanhado de seu alaúde, realizando performances em vários países da Europa. O artista também tinha interesse pelas artes visuais e teve aulas de pintura quando jovem, desenvolvendo um crescente interesse pelo uso da luz em composições visuais. Wilfred conta que sua primeira memória, ainda com dois anos de idade, era do dia em 105 que entrou no escritório de seu pai e este usou um prisma para refletir os raios de sol no teto da sala, gerando formas coloridas em movimento. Desde então, seu pai sempre tinha que repetir o procedimento, tornando cada vez maior o interesse de Wilfred pelo comportamento da luz. Durante a parte de sua vida em que se apresentava como cantor, tentava juntar dinheiro para começar seus primeiros experimentos com luz. Apesar de desencorajado por seu professor de pintura após mostrar o resultado de seus primeiros testes, o artista seguiu em frente e conseguiu ao longo de anos criar um novo tipo de arte baseado essencialmente em cores, formas e movimentos usando como substrato apenas raios de luz. Wilfred deu a este novo tipo de arte o nome de Lumia, inventou vários instrumentos para executar suas composições e obteve grande sucesso durante boa parte de sua vida, participando de concertos e exposições nos Estados Unidos e na Europa.

O processo de Wilfred para chegar ao Lumia começa ainda em Aristóteles, momento do primeiro registro na história humana de uma possível relação entre cores e notas musicais. Estavam criados os princípios da Color Music, séculos antes de sua primeira concretização através do “Clavecin Oculaire”, de Castel, em 1734. Vários outros artistas construíram sua própria relação entre som e cor a partir de então, mas Wilfred não estava satisfeito com este tipo de correspondência arbitrária e mecânica entre os meios; dizia que a relação deveria ser de outra ordem – poética – e não algo baseado puramente em princípios racionais e objetivos. Mais próximo de Goethe, que em 1810 já rechaçava qualquer tipo de correspondência deste tipo dizendo que som e cor são como dois rios que descem uma montanha simultaneamente, porém cada um com suas respectivas especificidades, Wilfred tentou encontrar seu próprio caminho, não se importando com este tipo elementar de relação.

Outro fator criticado pelo artista é o resultado prático da execução de várias cores se alternando na tela de maneira estroboscópica, irritando o espectador, em vez de proporcionar a este uma experiência agradável e poética (BETANCOURT, 2006). Para ele, ao contrário da música, onde uma sequência de notas juntas formam na mente do ouvinte uma melodia agradável, a sequência de cores não tem este poder de criar continuidade e se torna simplesmente uma sequência de flashes coloridos pouco identificáveis e desconexos. Wilfred, então, resolveu desenvolver sua arte baseada em outros princípios: cor, forma e movimento, sem tentar correspondências fixas destes com o som. Inclusive, uma das principais diferenças entre suas composições e as criadas até então pelos Color Organs era o fato delas não 106 necessitarem do acompanhamento sonoro. Para o artista, Lumia era uma arte completa; uma arte feita de luz, que não necessitava nenhum complemento. Ele muitas vezes apresentou suas composições em conjunto com bandas e orquestras, porém sempre frisava que a música não era preponderante para a apreciação de suas composições. Outra questão primordial para ele era evitar qualquer tentativa de relação direta entre som e luz, quando estes eram executados conjuntamente. Wilfred dá o exemplo de um poema que é oferecido a dez compositores, dizendo que cada um criará uma música particular, de acordo com a poética própria (BETANCOURT, 2006, p. 35). Ou seja, ao criar uma composição utilizando cores, mais interessa a maneira poética como estas configuram o resultado do que a realização de uma correspondência fria e arbitrária. Também não gostava da ligação da arte com a ciência, considerando a primeira um meio de expressão individual das emoções, portanto descartando qualquer vínculo rígido baseado em regras científicas na criação de suas composições.

Figura 18 - Thomas Wilfred, “Lumia Suite, Opus 158”

Fonte: http://www.getty.edu/publications/keepitmoving/case-studies/4-snow/.

Então, aos poucos, foram amadurecendo os pilares de um novo tipo de arte chamado Lumia, uma arte baseada no movimento de imagens abstratas exibidas dinamicamente em uma tela utilizando a reflexão e filtragem de feixes de luz. Wilfred faz aí um contraponto com a pintura e sua estaticidade. Apesar de alguns pintores no início do século XX tentarem criar movimento em suas obras por meio de gradações de cores e pela disposição de elementos no quadro, na pintura o elemento cinético era apenas imaginário, não acontecia plenamente. 107

Assim, era necessário um tipo diferente de arte que inserisse o movimento na equação. O cinema foi um meio viabilizado por objetos técnicos que possibilitaram o movimento dos quadros no tempo. Porém, segundo o artista, sua resolução temporal de 24 quadros por segundo não era suficiente para exibir movimentos de maneira suave, atrapalhando a experiência estética do espectador e por isso não se interessou pelas potencialidades técnicas e estéticas desta mídia, então em formação. Além disso, considerava inconsistente em termos qualitativos a gravação de imagens luminosas por meio desta mídia, por pensar que era impossível representar a luz por outro meio além dela própria. Então Wilfred criou sua própria forma de arte, uma que permitia ao artista criar coreografias de elementos visuais em movimento, alternando cores e formas em um balé dinâmico e com aspirações místicas, mais próximo da dança do que da música. A este novo tipo de arte chamou Lumia, definindo assim os requisitos para criação de suas composições:

Vamos supor que você é familiar com as belas artes mais antigas, porém não sendo um profissional em nenhuma delas. No Lumia, seu único meio de expressão é a luz. Você deve modelá-la em forma, cor e movimento através de um instrumento controlado por um teclado similar ao dos órgãos musicais; você deve projetar sua sequência visual em uma tela branca com habilidade de maneira que eles pareçam ter volume, e se mover através de órbitas tridimensionais no espaço (BETANCOURT, 2006, p. 39). Estes instrumentos citados por Wilfred seriam construídos por ele próprio, ao mesmo tempo em que desenvolvia as teorias e a poética de uma nova arte da luz, concretizando suas ideias em um objeto que moldava os raios de luz segundo a vontade do artista, em composições abstratas e sensoriais, visando uma experiência estética única para o espectador.

Para Wilfred, cada elemento composicional – forma, cor e movimento – pode ser dividido em quatro partes formando um total de doze subfatores que seriam os atributos passíveis de modificação em uma composição. A forma se subdivide em: posição (onde ela está?); volume (qual o tamanho?); contorno (o que é?); e personalidade (do que se trata?). A cor é dividida em: matiz (a tonalidade); croma (quanto de cinza foi acrescentado à cor pura); valor (quanto de branco há neste cinza); e intensidade (quão forte é a luz que ele emite). Já o movimento é composto em: órbita (para onde está indo?); tempo (qual sua velocidade?); ritmo (ele se repete?); campo (ele é sempre visível ou parte dele está fora do campo de visão?) (BETANCOURT, 2006). O “Lumianista” deve então, a partir destes elementos, extrair todo o potencial expressivo das formas e cores se deslocando no espaço visível da tela por meio do instrumento criado por Wilfred. Nessa equação, o tempo tem uma importância fundamental, 108 pois além de viabilizar a alternância das formas, permite ainda a criação de ritmos, sequências de movimentos, como melodias visuais que tocam o espectador de maneira semelhante à música. A partir destes princípios, Wilfred criou uma arte baseada na luz como matéria-prima, da mesma maneira que “o músico utiliza o som, o pintor o pigmento e o escultor o mármore” (BETANCOURT, 2006, p. 34). Sua arte se fundava nos princípios plásticos do uso da luz como um meio para modelar formas, cores e movimentos no espaço e nos princípios físicos da luz como matéria atuando no espaço. A luz é controlada através de instrumentos inventados por Wilfred, em composições autorais, onde o fator improvisatório está sempre presente como uma possibilidade para o artista de chegar a lugares que ele não havia pensado previamente. Instrumentos estes que materializaram a existência deste novo tipo de arte, construídos especificamente para a modelagem dos raios de luz de diversas maneiras a fim de criar composições estéticas interessantes para o público.

Desde o início de sua pesquisa, Wilfred queria trabalhar com luz e cores, mas não da maneira como era feito até então, onde não havia uma delimitação das formas, apenas uma mudança abrupta entre cores que ocupavam todo o espaço. A questão poética da composição não era enfatizada pelos artistas e inventores que haviam construído os primeiros Color Organs, mais baseados em princípios pretensamente científicos de correspondências do que em termos artísticos e estéticos. Obviamente não haviam instrumentos que permitissem criar composições dentro dos padrões que ele havia imaginado para seu Lumia, então foi necessário criar o seu. Wilfred foi para os Estados Unidos em 1916 e lá priorizou sua pesquisa para o desenvolvimento deste primeiro instrumento. Entre 1919 e 1922 conseguiu finalmente construir e concluir sua invenção a que chamou de “Clavilux”, tocando-o em público pela primeira vez em 10 de Janeiro de 1922, na Neighborhood Playhouse, em Nova Iorque (SCATTERGOOD-MOORE, 2012). Sua apresentação obteve boas críticas e ele recebeu propostas para tocar em várias cidades dos Estados Unidos. Este foi o início de uma série de invenções e aperfeiçoamentos que permitiram ao artista executar sua arte de uma maneira cada vez mais próxima ao que ele imaginava. O “Clavilux” – cujo nome significa “luz tocada por teclas” – era composto por uma série de componentes através dos quais a luz passava e era filtrada, refletida e tonalizada, e então projetada em uma tela. Discos coloridos pintados à mão eram responsáveis pelo delineamento das imagens e sua rotação permitia misturas e sobreposições que mudavam suas formas. Botões e faders controlavam a velocidade de rotação, parâmetros das cores e velocidade. 109

Figura 19 - Thomas Wilfred e seu “Clavilux Model E”

Fonte: http://images.library.yale.edu/madid/showThumb.aspx?qs=46&qm=15&q=thomas+wilfred.

A primeira versão do “Clavilux”, patenteada por Wilfred em 1919, consistia em um sistema composto por uma lâmpada incandescente, uma lente, pequenas telas retráteis coloridas, um conjunto de discos móveis, espelhos e um motor, todos inseridos em uma caixa fechada com algumas alavancas responsáveis por controlar a posição de cada elemento. A emissão de luz era feita por uma lâmpada incandescente, cujo filamento definia a forma inicial projetada na tela. Esta lâmpada podia ser movimentada para os lados, para cima e para baixo e para frente e para trás, por meio de alavancas, ou ter seu movimento automatizado pelo uso de um motor posicionado na parte inferior da estrutura. A luz emitida passava por uma lente, que também podia ser movimentada manualmente em todas as direções – além de ter a possibilidade de automatização – até chegar a um orifício situado na saída da caixa, que possuía três anteparos de vidro coloridos nas cores amarela, vermelha e azul. Estes anteparos moviam-se para cima e para baixo por meio de alavancas, entrando e saindo da frente do feixe de luz. Já na parte exterior da caixa, uma estrutura também controlada pelo motor movimentava um ou mais discos transparentes pintados à mão que tinham a função de criar sombras em determinados momentos ou colorir parte da saída dependendo da imagem que passava na frente do feixe de luz. Sua velocidade era controlada por um reostato ligado ao motor, que conjuntamente modificava a velocidade do movimento da lâmpada e da lente. Estes discos eram os principais responsáveis pelo resultado imagético final projetado na tela, junto com o desenho do filamento da lâmpada. Completavam a estrutura pequenos espelhos dispostos na frente dos discos, que podiam criar efeitos caleidoscópicos ou espelhamento da imagem em determinados ângulos (BETANCOURT, 2004). 110

A performance era executada a partir de um planejamento anterior colocado em um gráfico temporal para ser executado pelo Lumianista, como uma partitura musical, onde a variação de posicionamento de cada estrutura podia ser delimitada anteriormente. Pelo uso das alavancas e do reostato, o instrumento podia gerar uma infinidade de variações, inclusive deixando espaço aberto para a improvisação, característica muito importante para Wilfred em uma performance. O resultado na tela era fruto direto da ação de quem tocava o instrumento, além de conter uma parte randômica proporcionada pela relação entre as ações executadas e as automatizadas. Na tela, as formas aumentavam e diminuíam de tamanho, tinham sua cor alterada em partes da imagem ou em espaços específicos refratados pelos discos e pelas telas coloridas; tinham seus movimentos acelerados ou retardados, em um conjunto de ações que proporcionavam um resultado final de grande beleza e dinamicidade (MORITZ, 1997a).

Este foi apenas o primeiro instrumento criado por Wilfred, de uma série que inventou ou aprimorou durante toda a sua vida. O artista criou primeiramente dispositivos para serem executados em grandes performances, em teatros para um grande número de espectadores. Estes tinham alta potência de luz e sua estrutura era composta de modo a propiciar a melhor usabilidade do instrumento ao vivo. Os primeiros instrumentos envolviam essencialmente elementos técnicos simples controlados por alavancas mecânicas, que foram ao longo do tempo sendo substituídas por componentes elétricos. Wilfred criou para estas performances oito modelos diferentes, cada um acrescentado funcionalidades ao anterior ou aprimorando seu funcionamento interno, em um constante processo de individuação e concretização. Seus instrumentos eram máquinas robustas e dinâmicas que o acompanharam durante as várias performances que executou nos EUA e Europa.

Um desdobramento destes primeiros instrumentos acontece quando Wilfred decide mudar o foco de atuação de seus inventos, partindo para um formato próximo das instalações, aonde a atuação presencial do artista não seria mais necessária. Foram inventados então os modelos Junior do “Clavilux”, que funcionavam de maneira mais autônoma, com pouca ou nenhuma interferência advinda do meio externo. Seu objetivo era levar o “Clavilux” para a casa das pessoas, tornando-o um objeto ao mesmo tempo artístico e decorativo, instalado em gabinetes que se aproximavam dos usados por outros aparelhos domésticos como a televisão. O “Clavilux Junior” era bem menor que seus “antepassados” voltados para performances em grandes telas e se individualizou de maneira diferente, perdendo algumas possibilidades de 111 interação com seu executor e aumentando seu grau de automação. Alguns modelos tinham um controle remoto com botões para controlar o tempo e a mudança de cores, enquanto outros eram totalmente automáticos. Todos continham uma tela embutida, tornando os objetos ainda mais independentes de seu meio, pois não dependiam de uma tela externa que poderia ter formatos diversos, nem tinha sua imagem esmaecida devido à eventual claridade do ambiente. Para este novo formato, Wilfred passou a criar composições denominadas Opus, onde cada instrumento construído executava apenas uma única composição, assemelhando-se de certo modo à pintura e à escultura. Seu formato externo também mudava a cada novo indivíduo concretizado. O nome de cada um destes instrumentos era dado em função de suas possibilidades imagéticas, sendo que algumas receberam nomes remetendo a elementos figurativos como “Nocturne” e “Spacedrift” (WILFRED, 1971), apesar do resultado sempre abstrato que era impresso na tela. Dessa forma, Wilfred conseguiu uma ampla gama de inventos para expressar sua arte, o Lumia, sendo que alguns eram mais automáticos e outros mais abertos, cada um com uma característica compositiva e formato único.

Figura 20 - Thomas Wilfred e um modelo do “Clavilux Jr”

Fonte: https://www.vice.com/en_au/article/bmdakq/original-creators-thomas-wilfred-the-father-of-multimedia.

Wilfred se importava muito com o caráter espiritual de suas composições, e toda a base de seu pensamento tinha aspirações místicas. Por outro lado, as questões técnicas sempre foram fundamentais, inclusive para a própria viabilização das composições. Pode-se pensar o 112

Lumia em um equilíbrio dentro da divisão traçada por Simondon entre técnica e espiritualidade, a partir de uma mudança de fase dentro do mundo mágico após a separação primordial entre sujeito e objeto. Aqui pode-se perceber uma obra de arte que contém ambas as fases de maneira igualitária, dentro de um pensamento estético bem pensado que consegue expressar as aspirações do artista. É somente pela soma dos atributos técnicos e espirituais que o trabalho de Wilfred pode ser compreendido, em um diálogo que remete aos primórdios indistintos do mundo mágico. O resultado visual das composições inclusive lembra elementos do mundo natural: o fundo colocado por Simondon como o todo; a base de onde as primeiras reticulações figurais emergem. Não é à toa que podemos comparar as imagens geradas por seus instrumentos com elementos da natureza como a aurora boreal, ou o reflexo da luz nas ondas em uma piscina. Um de seus instrumentos chegou a ser pensado para ocupar o lugar de uma lareira na casa das pessoas. Sua obra não deve ser compreendida pelo viés racional, objetivo; está inclusive distante disso, muito mais ligada às ideias dos pintores abstratos do início do século XX. Aproxima-se de Kandinsky pelo fato de ambos buscarem este equilíbrio entre técnica e espírito e de Malevich, fundador do Suprematismo, que almejava a não objetividade das formas, a sensação pura causada por cada elemento pelo seu valor próprio, e não pela imitação de elementos externos da natureza.

Analisando os instrumentos inventados por Wilfred segundo as categorias de Broeckmann, podemos situá-los principalmente no campo da Arte Cinética, já que seu resultado advém de movimentos dos elementos dentro do aparelho, assim como das formas resultantes na tela. O próprio artista dizia que se uma composição sua fosse congelada no tempo, o resultado não faria tanto sentido como em uma pintura, mídia onde todos os seus elementos estão em harmonia em termos de tamanho, equilíbrio das formas, posição dos elementos, etc. É apenas por meio do movimento ao longo do tempo que se poderia ter a real sensação proporcionada por este tipo de arte. Segundo ele, a composição só faria sentido “quando vista na forma de ligações entre o que veio antes e o que vem a seguir” (BETANCOURT, 2006, p. 52). Outra categoria de Broeckmann na qual os instrumentos criados por Wilfred se encaixam seria a da Automação, já que alguns deles – em especial o “Clavilux Jr” – tinham um funcionamento quase totalmente autônomo, seguindo um movimento programado pelo seu inventor em composições cíclicas, sem início ou final, onde a soma das variações de movimento de cada elemento contribuía para uma ampla gama de possibilidades exibidas na tela, realizadas de maneira independente pelo próprio instrumento. 113

Outro aspecto importante no Lumia é a questão formalista. Para Wilfred o que importava era o resultado das formas projetadas, porém não buscando uma apreciação vazia da forma, mas se importando com seu caráter espiritual e estético, onde a beleza das formas na tela remetia ao universal, ao indizível. O movimento das formas coloridas na tela seria para ele uma janela aberta para o infinito; um modo de expressão não objetivo que despertaria a espiritualidade do espectador, uma consciência cósmica; uma ligação entre o ser humano e uma fluidez rítmica transcendental. Não foi à toa que o artista escolheu a luz como matéria-prima: seu caráter de infinitude, de movimento eterno no espaço casava perfeitamente com suas aspirações místicas. Wilfred inclusive participou durante algum tempo de um grupo chamado Teosofistas, que tinha um forte apelo espiritual e ritualístico. Ainda dentro das categorias de Broeckmann, podemos situar os instrumentos inventados por Thomas Wilfred como Máquinas Imagéticas. A questão imagética é óbvia, já que a principal característica destes instrumentos é a geração de imagens, através do uso de um conjunto de elementos mecânicos embutidos em seu interior. Estes elementos manipulam a informação luminosa, moldando-a e exibindo-a posteriormente em uma tela. Outra categoria que poderia ser pensada para estes instrumentos seria a algorítmica, já que as versões criadas para o formato instalativo tinham um modo de funcionamento automático, seguindo uma série de regras preestabelecidas para chegar ao resultado final. Porém esta questão algorítmica é delicada, pois estes objetos não eram compostos por software, nem se articulavam por meio de cálculos matemáticos, apesar de seu autor ter pensado minuciosamente no imbricamento espaço-temporal entre todos os elementos físicos constitutivos destas máquinas a fim de realizar composições visuais interessantes.

Sob a ótica de Simondon, podemos perceber várias relações importantes com a obra de Thomas Wilfred. Uma característica fundamental em todos os trabalhos aqui analisados é a questão da invenção. A partir de suas divergências em relação aos Color Organs, Wilfred teve que buscar uma solução ainda não existente, para conseguir resolver seu problema e concretizar sua ideia de um novo tipo de arte abstrata baseada na luz. O artista juntou uma antiga memória de seu pai usando objetos para refletir a luz no teto de seu escritório quando ele era ainda criança com uma necessidade de unir cor, forma e movimento em uma composição. Isto só se tornaria possível por meio do dispositivo inventado por ele e de suas funcionalidades, que foram sendo alteradas e aperfeiçoadas ao longo do tempo, por tentativa e erro, até a concretização de um objeto estável, que permitia ao artista realizar seu intento, 114 porém mantendo um certo nível de indeterminação, caro ao procedimento artístico, especialmente em função da fluidez e delicadeza necessárias para a prática da improvisação criativa. A variedade de possibilidades tornava o resultado obtido pelo instrumento imprecisa e fugaz, não totalmente controlável mesmo pelo seu inventor. O processo de individuação destes instrumentos passou pela organização interna de elementos técnicos dentro de um aparelho que opera com certa autonomia, mantendo uma relação direta com seu operador por meio dos controles disponibilizados por seu criador. Sua concretização o tornou um objeto replicável, permitindo posteriormente a Wilfred construir vários Opus – instrumentos personalizados onde cada indivíduo executava uma composição única a partir de variações simples em alguns elementos que constituíam a máquina, principalmente pelo uso de diferentes desenhos pintados à mão nos discos que filtravam a imagem. Poderíamos pensar estes indivíduos como seres da mesma espécie, reunindo atributos que se assemelham enquanto estrutura, porém cada um com sua personalidade única. Seus instrumentos também sofreram alterações devido a fatores externos, principalmente a guerra mundial, que tornou escassos tanto a matéria-prima para construção dos instrumentos quanto os lugares para sua exibição, levando Wilfred a direcionar seus esforços para construções menores e que não necessitavam de sua presença para funcionar.

Figura 21 - Thomas Wilfred, “Study in Depth, Op. 152”, (1959)

Fonte: http://www.artnews.com/2017/07/17/coming-to-light-long-lost-new-media-pioneer-thomas-wilfred- dazzles-in-yale-retrospective/.

Outro aspecto interessante na obra de Wilfred é a junção que ele efetua entre os modos técnico e espiritual, onde ambos tem papel fundamental no equilíbrio do resultado. São obras estéticas no sentido discutido por Simondon quando fala desta como um equilíbrio entre as 115 duas fases, divididas após a saída do ser humano do mundo mágico. Este mundo anterior às significações parece ser o de Wilfred, onde as sensações puras causadas por um elemento primordial da natureza – a luz – transporta o espectador para lugares ancestrais e universais: o fundo sendo reticulado pelas figuras etéreas na tela. Suas composições existem de maneira cíclica, sem um princípio ou fim, em uma continuidade que aponta para a completude, bem como para vários processos existentes na natureza, porém não de uma maneira imitativa, como na pintura figurativa: o artista buscava uma ligação mais próxima com a natureza, através de seus princípios elementares, da experiência subjetiva que ele propiciava ao espectador, seguindo a trilha de artistas abstratos como Kandinsky e Malevich.

Pensando em termos históricos, Thomas Wilfred foi responsável pela criação de um novo tipo de arte, que influenciou várias gerações de artistas, sendo admirada e estudada até hoje. Podemos citar sua grande influência sobre importantes artistas que trabalharam posteriormente com luz como Joshua White e James Turrel, além do uso de uma de suas composições no filme “Árvore de Vida” (2011), de Terrence Malick. Sua obra não apenas seguiu um caminho já traçado no mundo da arte, mas efetuou uma ruptura gerando um novo gênero dentro da Visual Music nomeado por ele de Lumia. Diferentemente do gênero Color Music, sua obra não se limitou ao uso da cor em uma correspondência fixa com o som como haviam feito vários artistas desde o século XVIII, mas em uma forma de arte pura, com existência própria, independente de vínculos com outras mídias. Efetuou a gênese de um novo ramo dentro da Visual Music baseado em formas luminosas que dançam coreografias belas e sutis sobre uma tela, tomando emprestado fundamentos da dança e da música. Aliás, Wilfred sempre fez referência à música como uma inspiração para a construção de sua obra, muito em função de seu caráter abstrato e de sua fluidez ao longo do tempo. Compartilhava com esta mídia uma questão espiritual, pelo fato desta também se fundar em um elemento essencial da natureza: o som. Apesar desta proximidade, realizou poucas performances em conjunto com apresentações musicais pois preferia o silêncio como acompanhamento para a sua arte. Wilfred até vislumbrava um novo tipo de música que poderia ser fundada a partir dos princípios do Lumia, em que não existiriam “escalas ou intervalos fixos, tocados por instrumentos que ainda serão concebidos” (BETANCOURT, 2006, p. 34). Esta dinâmica também se aplicava ao Lumia, pois era pensado por seu criador como uma forma de arte ainda em sua infância. Dizia ele que muito ainda havia para ser feito até se chegar ao pleno potencial de uma arte da luz e deixou indicações em seus textos de um passo a passo do 116 processo de composição para uso em seus instrumentos ou pelos que surgiriam eventualmente por meio de outros inventores e artistas. Wilfred chegou a criar um instituto para desenvolver esta nova arte, ensinando artistas nas técnicas e na poética composicional de seus instrumentos, porém, a falta de verbas e as guerras impediram sua continuidade.

3.2 Oskar Fischinger

Oskar Fischinger foi um dos principais expoentes da história da Visual Music, tendo produzido mais de cinquenta filmes, inclusive alguns dos mais importantes do gênero. Foi também pioneiro no uso de técnicas como Graphical Sound e desenvolveu uma gramática particular para a sincronia audiovisual. Fischinger foi ainda o primeiro artista a criar instalações audiovisuais imersivas, além de ter construído instrumentos visuais que amplificaram seu potencial criativo, apontando novos caminhos para a Visual Music. Fischinger nasceu na Alemanha em 1900. Ainda adolescente teve formação musical e foi aprendiz de construção de órgãos, aprendeu desenho técnico e fabricação de ferramentas. Em 1922, tornou-se engenheiro (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 42). Em paralelo com esta formação técnica, Fischinger tinha também seu lado poético e artístico, concretizado em seus filmes e invenções. Participou do grupo de artistas que produziram os primeiros filmes absolutos, a partir da década de 1920, em Berlim e foi um dos principais desenvolvedores de uma linguagem cinematográfica não verbal, composta de imagens abstratas e relações dialógicas com o som, priorizando o ritmo e o movimento dos elementos em cena. A obra de Fischinger poderia ser definida como cinema não fotográfico, arte não objetiva, ou mesmo “ritmo óptico”, como o próprio se referiu a um de seus trabalhos (FISCHINGER, Film Notes,

[s.d.]), mas o artista preferia o termo filme absoluto para tratar sua arte, fazendo referência ao compositor Richard Wagner, que utilizava a expressão para designar uma linguagem musical livre das palavras (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 34). As animações de Fischinger estavam livres da representação semântica da literatura, da imitação fotográfica ou de qualquer simbolismo metafórico; buscavam um modo de expressão que tratasse das questões internas do artista, suas emoções e sentimentos mais íntimos, conforme dizia Kandinsky ao se referir à arte abstrata. Seus filmes não buscavam uma imitação figurativa da natureza, mas, ao mesmo tempo, não se distanciava dela. 117

Por meio das formas abstratas, Fischinger e outros artistas da época buscavam uma ligação espiritual com o mundo; não com sua aparência, mas com sua essência. Esta relação se dá muito mais por fatores sensíveis que visam uma harmonia entre os seres e destes com o mundo em que vivem, retratando suas forças, sua dinâmica, seu funcionamento implícito e explicitando a beleza contida em cada elemento da natureza. Diferenciando-se do caráter estático da pintura, Fischinger dava importância central ao movimento em seus trabalhos. O ritmo de suas animações, suas correspondências e contrapontos com o andamento e as melodias musicais eram questões primordiais em seu trabalho. A utilização de formas abstratas simples também era uma característica marcante nos filmes do artista, que assim podia produzir mais facilmente os movimentos que desejava, além de permitir a ele criar qualquer figura que desejasse. Fischinger elaborou assim uma linguagem de formas elementares, que lhe propiciava retratar movimentos complexos compostos por vários elementos, seguindo preceitos que Paul Klee havia criado alguns anos antes, ao tentar inserir movimento em sua pintura. Esta linguagem tinha forte influência musical e não foi à toa que Fischinger e outros artistas da época nomearam seus filmes de absolutos, em uma associação direta com a música absoluta.8

FIGURA 22 – Frame do filme “Studie No5”, de Fischinger

Fonte: https://vimeo.com/258726727.

8 Música absoluta não faz referências a outros elementos que não sejam musicais, seguem a ordem e a estrutura musical sem envolver narrativas ou descrições. 118

Com o advento do cinema sonoro, Fischinger pôde concretizar suas aspirações artísticas de uma conexão mais profunda entre som e imagem, onde a parte visual seria para a música como as asas para um pássaro, enfatizando e potencializando seus efeitos (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 165). Ao contrário do que diziam alguns críticos, Fischinger não fazia visualizações da música, mas algo muito mais potente, profundo e sofisticado. A música servia mais como um atrativo didático para o público não iniciado conseguir perceber uma arte que priorizava movimentos rítmicos de formas abstratas na tela. A relação com a música em seus filmes não era ilustrativa, e muito menos figurativa; era por meio de construções audiovisuais elaboradas que correspondências entre os movimentos sonoros e visuais eram traçados, onde o caráter emocional da música intensificava as sensações causadas pela dança dos elementos visuais na tela. Inclusive a relação de suas animações com a dança era fundamental. Fischinger dizia que um bailarino expressa seus sentimentos internos por meio do movimento, sem a necessidade do acompanhamento musical. Mas, para que o público possa entender melhor estes sentimentos, as marcações, o ritmo e a emoção gerados pela música são importantes, na medida em que ressaltam e amplificam os movimentos dos dançarinos. Porém, mesmo com o acompanhamento musical, a dança tem seu próprio modo de expressão. Fazendo uma analogia com seus filmes, Fischinger então diz que:

O mesmo acontece com o filme absoluto; música é usada como sobreposição, mas o desenvolvimento da expressão óptica, a invenção de novas formas de movimento em coordenação com o ritmo dado na música… a invenção de novas formas de movimento é a principal… ideia, a força principal (FISCHINGER, 1949b). Fischinger traçava um plano preciso de sincronia audiovisual ao analisar cada trecho da música e colocar no papel não apenas as durações dos compassos e frases melódicas, mas também a sensação que cada parte suscitava nele. A música era uma espécie de “planta baixa arquitetônica”, que servia de molde para as posteriores animações. Com o auxílio da música, o artista diz ter sido capaz de chegar mais rapidamente a novos procedimentos visuais, ao aplicar regras e estruturas musicais aos seus elementos gráficos. Fischinger mantém uma relação próxima com a música em toda a sua carreira, materializada nas mais diversas formas de relação audiovisual. Como exemplo, faz uma analogia com um passeio às margens de um rio:

A parte ótica não é uma sincronização perfeita de todas as ondas do rio – é uma caminhada muito livre, nada é forçado, nada é sincronizado exceto em larga escala. O filme está em algumas partes perfeitamente sincronizado com a música, mas em outras partes ele corre livre – sem se importar muito com a música – é como uma 119

agradável caminhada ao lado de um rio – se o rio surge, nós não fazemos com que ele surgisse – mas seguimos nosso próprio caminho – às vezes até mesmo nos afastamos um pouco do rio e depois voltamos para ele e o amamos muito mais – porque estávamos longe dele (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 166). Podemos ver então que Fischinger não utilizava apenas uma estratégia simples de correspondência arbitrária ou de tradução entre som e imagem; suas composições são mais elaboradas, mantendo vários tipos de relação, onde os elementos visuais participam do ritmo da música mas têm vida própria, se relacionam entre si e também com o som, em uníssonos e contrapontos; uma sinfonia visual de múltiplas camadas, na qual a estrutura dos elementos gráficos dialoga com aquela apresentada pela música. Fischinger normalmente utilizava músicas eruditas como acompanhamento sonoro, talvez para ter mais opções de sincronia e de ideias para compor suas animações, devido à complexidade melódica e harmônica deste gênero musical. Em seu filme “Alegretto”, podemos ver várias camadas de imagem, movimentando-se ritmicamente para formar uma base sobre a qual outros elementos pictóricos aparecem como protagonistas, de maneira similar à harmonia e melodia musical. Já em “Radio Dynamics”, um filme sem som, os elementos pictóricos seguem os mesmos procedimentos de tratamento imagético dos filmes sonoros, mostrando mais claramente o poder expressivo das imagens, por não estarem vinculados à dinâmica de uma música específica. Para definir este filme, o artista utilizou o termo “ritmo óptico” (FISCHINGER, Film Notes, [s.d.]), em clara referência aos procedimentos musicais, transpostos por ele para o mundo visual. Fischinger também estava interessado no poder interno de cada elemento. Influenciado pelos estudos de Kandinsky e Klee, pela espiritualidade do Budismo e dos Teosofistas, ele buscava trazer à tona a “personalidade” de cada forma, algo único que se expressava pelo desenho de cada elemento, sua cor e pelos movimentos que realizava na tela. Fischinger atingiu o ápice deste pensamento por meio de seus ornamentos sonoros: o desenho de elementos abstratos na banda sonora do filme que teria o poder de liberar o som de cada forma, constituindo uma unidade audiovisual indivisível. Porém, este tipo de tradução fixa entre som e imagem não era sua principal preocupação e estes experimentos não foram muito desenvolvidos durante sua carreira. Outra técnica que teve influência direta sobre o trabalho do artista foi o Gasparcolor, um processo de impressão em três vias que permitia a inserção de cores nos filmes. As filmagens eram realizadas utilizando três filtros de cor simultaneamente, cada um resultando em um filme monocromático, que posteriormente era revelado utilizando, cada um, uma das três cores primárias e depois sobrepostos para atingir o resultado colorido final (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 107). Composto por três 120 camadas, cada uma com sua própria cor, este processo permitia tanto a colorização dos filmes quanto outros procedimentos mais criativos, como defasagens no tempo de cada camada, gerando sobreposições e continuidades no movimento das formas na tela. Este processo também pode ser relacionado à polifonia musical, aqui representado na simultaneidade das cores impressas em cada camada do filme.

Para Fischinger, a técnica precede a poética (FISCHINGER, 1949c). Depois de experimentos com a técnica é que surgem as questões internas do artista, que assim utiliza seu domínio técnico para expressá-las. Fischinger deixa isso claro na sequência que dava aos títulos de seus primeiros filmes, que inicialmente eram nomeados “experimentos”, depois “estudos”, para finalmente chegar ao domínio técnico que o possibilita expressar fluentemente suas ideias. Nesse momento, segundo ele, as questões práticas passam para um segundo plano e as ideias poéticas e estéticas podem fluir livremente. Fischinger exemplifica esta ideia quando fala dos instrumentos musicais: “antes que uma sinfonia pudesse ser escrita por Bach ou Beethoven, os instrumentos tiveram que ser inventados e desenvolvidos” (FISCHINGER, Film Notes, [s.d.]).

Figura 23 - “Wax Slicing Machine”

Fonte: Center for Visual Music. 121

Seguindo esta lógica da técnica como plataforma potencializadora da criatividade artística, Fischinger iniciou sua carreira como animador já de maneira inusitada e criativa. Em vez de utilizar a película para a produção de seus primeiros experimentos, ele inventou e construiu uma máquina chamada “Wax Slicing Machine”, com a qual obtinha um resultado completamente diferente de seus colegas da época. Esta máquina fatiava pedaços finos de um bloco de cera, que eram fotografados por uma câmera, posteriormente permitindo a montagem sequencial de imagens que mostrava o processo.

Vários tipos de imagem podiam ser produzidos, inclusive coloridas, moldando-se as formas dentro do bloco de cera em variações longitudinais, que, ao serem reveladas a cada corte, criavam animações. Este procedimento propiciava a criação dos mais variados tipos de imagem: círculos, pirâmides, espirais, etc. Após “composta” a animação por meio da modelagem física de nuances de cor em cera que delimitavam as formas e suas variações, o bloco era colocado na máquina para ser fatiado, revelando a “animação”, quadro por quadro. Este dispositivo foi construído em 1919 e com ele Fischinger produziu seus primeiros filmes. Uma invenção simples mas genial, que permitiu ao artista criar um tipo de imagem completamente diferente de tudo que já foi feito até hoje.

Em sua época, o resultado de seu instrumento era ainda mais incrível, dadas as limitações e os poucos experimentos que já haviam sido feitos até então. Walther Ruttmann, outro pioneiro da Visual Music, tomou conhecimento da máquina e pediu a Fischinger que construísse uma para ele produzir seus filmes. Porém, com os recursos escassos do pós- guerra, esta parceria não foi adiante. A invenção foi limitada também pela precariedade dos dispositivos cinematográficos da época, que não dispunham de cor, e assim as variações possíveis se restringiam a nuances de preto e branco quando transpostas para o filme. Fischinger realizou seus primeiros trabalhos utilizando esta máquina, entre 1919 e 1926, colocando-se como um dos primeiros a produzir filmes absolutos, no mesmo período daqueles criados por Walther Ruttmann, Hans Richter e Viking Eggeling. Posteriormente, Fischinger passa a criar seus primeiros estudos, já utilizando a mídia cinematográfica como suporte. Embora a “Wax slicing machine” fosse uma incrível invenção e permitisse a geração de um tipo de imagem totalmente inédito, suas potencialidades eram limitadas, e restringiam o que o artista podia fazer em suas animações. O filme seria então a mídia abraçada por Fischinger na maior parte de seus trabalhos. 122

Figura 24 - Imagem produzida pela “Wax Slicing Machine”

Fonte: https://dcairns.wordpress.com/2013/02/09/waxing-lyrical/.

Estes primeiros experimentos ganharam um grande “upgrade” quando Fischinger fez uma parceria com o músico e também inventor Húngaro Alexander László, em 1926. László, que havia criado um instrumento chamado “Farblichtklavier” em 1924, realizava performances nas quais tocava sua música acompanhada de projeções de luz, slides e formas abstratas. Fischinger juntou-se a ele e criaram as primeiras apresentações de cinema expandido da história, nomeadas “Raumlichtmusik”, décadas antes do surgimento do termo. Nestas apresentações, eram usados três projetores posicionados lado a lado, exibindo os filmes produzidos pela “Wax Slicing Machine” e outros experimentos de Fischinger acrescidos de filtros de cor, acompanhados pela música de László. A parceria teve curta duração, mas Fischinger continuou a realizar performances multimídia com até cinco projetores de 35 mm, filtros de cor e slides nos anos seguintes. A respeito do projeto, o artista dizia: “…nesta arte tudo é novo e ao mesmo tempo antigo em suas leis e formas. Artes plásticas – dança – pintura – música se tornam um. O mestre desta nova arte cria trabalhos poéticos em quatro dimensões… cinema foi o começo… Raumlichtmusik será sua completude” (KEEFER, 2009, p. 2). Utilizando este setup, Fischinger criou algumas performances nos anos seguintes chamadas “Fieber”, “Vakuum”, “Macht”, e “R-1 Formspiel”, apresentando-as na Europa até o início da década de 1930. Estes trabalhos pioneiros influenciariam outro importante artista da Visual Music – Jordan Belson – a criar os “Vortex Concerts”, experiências sensoriais imersivas realizadas em um planetário em San 123

Francisco a partir de 1957, onde imagens 360 graus e som espacializado inseriam o espectador em um mundo à parte, construído a partir de sons e imagens abstratas.

Outra técnica da qual Fischinger foi um dos pioneiros é o desenho de formas na banda sonora da película, criando sons sintetizados. Conhecida pelos nomes “Graphical Sound”, “Drawn Sound”, “Direct Sound” ou “Ornament Sound”, sendo este último utilizado por Fischinger, consistia no desenho de formas no papel, que eram posteriormente fotografadas e inseridas na banda sonora do filme permitindo ao artista criar sons sintéticos, muitas vezes com resultado imprevisível, dependendo da complexidade do desenho. Por outro lado, para se conseguir um som mais próximo dos instrumentos convencionais – que geram frequências sempre dentro da escala diatônica – desenhos simples eram usados, levando a resultados específicos e mais previsíveis: triângulos e quadrados desenhados no mesmo tamanho e em sequência geravam respectivamente ondas sonoras triangulares e quadradas, e podiam ser dispostas de modo a obter uma afinação com a escala musical temperada, e utilizadas para criar melodias. Os primeiros experimentos com este procedimento foram realizados quase simultaneamente na Rússia e Alemanha, no início da década de 1930. Três artistas estavam pesquisando nesta época o desenho de formas gráficas que se transformariam em som quando aplicadas à banda sonora do filme: o russo Abraamov e os alemães Pfenninger e Fischinger (KEEFER, 2009).

Figura 25 - “Ornament sound”

Fonte: http://www.biyografya.com/biyografi/18911. 124

Fischinger estava bastante animado com a novidade e previa que o compositor do futuro não precisaria mais da notação musical tradicional, que estava sujeita a execuções diferentes por cada intérprete, e poderia agora ter um controle preciso sobre a parte musical da composição, compondo-a por meio de sobreposição de ornamentos fotografados diretamente na parte da película dedicada ao som. Ele via neste processo uma independência do artista visual que agora podia sintetizar sua própria música, composta de figuras que inclusive poderiam refletir as exibidas na parte visual do filme. Tornava-se possível uma conexão direta entre som e imagem, onde a segunda gera a primeira, por meio de ornamentos gráficos que eram posteriormente lidos pelo dispositivo de reprodução cinematográfico. Além de definir a frequência do som, era possível também controlar seu volume, ao diminuir ou aumentar a opacidade destas formas. Acordes podiam ser criados pela sobreposição de mais de uma camada de desenhos. É interessante notar que alguns conceitos expressos pelos teóricos da arte abstrata como Kandinsky podiam ser relacionados a este processo. Por exemplo, formas pontiagudas geram sons mais ásperos, enquanto as arredondadas estão relacionadas a sons mais suaves (KANDINSKY, 2001). A opacidade da cor está diretamente relacionada com o volume do som, enquanto a quantidade de elementos repetidos no quadro é proporcional à frequência da nota. Fischinger inicialmente tratou este modo audiovisual de compor com grande entusiasmo. Porém, em pouco tempo percebeu a enorme dificuldade de se produzir sons interessantes por este método. Enquanto frequências puras e sobreposições simples são facilmente executadas, sons mais elaborados requerem uma precisão muito maior do que a permitida pelos equipamentos da época. Além disso, esta correspondência fixa e direta entre som e imagem não contemplava a multiplicidade de ideias que o artista desejava concretizar. Assim, Fischinger realizou poucos filmes utilizando esta técnica, que foram exibidos em 1932 com o nome de “Ornament sound experiments”. Entre 1948 e 1955 o artista voltou a se interessar por este processo, explorando melhor seu potencial. Estes últimos experimentos porém tiveram pouca repercussão.

A volta de Fischinger a trabalhar com os sons sintéticos está diretamente relacionada com outra de suas invenções: a “Synthetic Sound Machine”, construída em 1948. Este dispositivo foi criado com o objetivo de facilitar a produção de música sintetizada, pelo simples posicionamento de desenhos com as formas de onda a distâncias diferentes em relação à câmera para gerar cada frequência. Seu funcionamento é extremamente simples. Sobre uma estrutura de madeira horizontal são marcadas várias linhas paralelas, 125 perpendiculares à sua extremidade, onde fica posicionada uma câmera, enquanto travas verticais em suas laterais servem como suporte para as chapas de vidro. Em cada uma das travas podia ser colocada uma chapa de vidro transparente onde as tiras contendo imagens das formas de onda eram fixadas. Desta forma, o mesmo desenho podia ser usado para gerar diferentes frequências, de acordo com a posição em que a chapa era colocada. A estrutura também permitia a polifonia, ao se colocar mais de uma chapa com a mesma onda em posições diferentes simultaneamente. Também era possível compor harmônicos do som por síntese aditiva, ao sobrepor vários desenhos de onda diferentes na mesma chapa. Muito pouca informação está disponível sobre este dispositivo, mas pode-se perceber a genialidade do artista ao criar algo extremamente simples, mas que permite uma ampla gama de possibilidades de criação sonora.

Figura 26 - Patente do “Lumigraph” (1955)

Fonte: http://www.centerforvisualmusic.org/Fischinger/Lumigraph.htm. 126

Outra importante invenção de Fischinger – e talvez a mais interessante, voltada para a performance ao vivo – foi um instrumento para tocar luz chamado “Lumigraph”. Também criado a partir de uma ideia simples, mas genial, este dispositivo era composto por uma tela flexível de látex, presa a uma estrutura de madeira de aproximadamente 120 por 90 cm. Nas laterais, uma pequena fresta de cada lado permitia que a luz de lâmpadas neon passassem, paralelas, a poucos centímetros da frente da tela, de modo que ela só aparecia quando o tecido era empurrado para frente. O instrumento era tocado empurrando a tela com as mãos (ou outros objetos) de modo que a luz produzisse imagens de acordo com o volume criado no tecido. Em frente à luz, placas de vidro colorido eram posicionadas em uma estrutura vertical giratória, de modo que cores diferentes podiam ser geradas, rotacionando-se a estrutura (FISCHINGER, 1979). Foram construídas três versões do instrumento, sendo que a primeira precisava de duas pessoas operando: uma fazendo a performance e outra alterando as cores a partir dos comandos do Fischinger. Nas duas posteriores, motores e pedais tornavam este processo mais simples, podendo ser operado por apenas uma pessoa. O instrumento não emitia som, e normalmente era acompanhado de músicas pré-gravadas, escolhidas antecipadamente por Fischinger. Como a execução do instrumento era instantânea, sem tempo para modificações, era importante conhecer a música, para assim criar movimentos interessantes e relacionados com o som. O artista escolhia também as cores para cada momento da música, dando instruções prévias para as transições para quem estive ajudando-o na performance.

O “Lumigraph” era tocado normalmente com as mãos, criando uma dança de luzes coloridas na tela. Algumas vezes, objetos eram acrescentados para gerar formas diferentes; em outras, ondulações eram produzidas na tela quando o performer batia nela com força em um ponto específico. Fischinger se vestia totalmente de preto, com luvas brancas. Em alguns momentos, a tela de látex era retirada e ele ficava movimentando as mãos em frente ao feixe luminoso, criando resultados diferentes (FISCHINGER, 1979). O instrumento também tinha um conjunto de espelhos, que eram posicionados de maneira que quem estivesse tocando podia ter ideia do resultado, vendo imagens refletidas do mesmo ângulo de visão dos espectadores. As imagens geradas pelo instrumento eram compostas apenas por luz e sombras; cores em movimento em uma dança sincronizada com a música e improvisada ao vivo. O gesto – tanto musical quanto corporal – era o fator mais importante para a dinâmica da apresentação. Novamente Fischinger retorna à sua ideia de Visual Music como uma dança 127 de elementos na tela, fator fundamental em seu trabalho e presente em todas as suas obras. O “Lumigraph” foi inventado em 1950, recebendo a patente final em 1955. Foi utilizado em performances em museus e festivais, e aparece em um trecho do filme “The time travellers”, de 1964 (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 197).

Analisando a obra de Fischinger sob a ótica de Simondon, podemos situá-la em algum ponto harmônico entre técnica e espiritualidade; entre artesania e engenharia; entre os modos maior e menor; no equilíbrio onde nasce a estética, efetuando como poucos a utopia de Simondon de inserção dos objetos técnicos na cultura. Fischinger conseguia transitar com facilidade entre os dois lados do espectro: entre a objetividade técnica, que o permitia concretizar suas ideias em objetos técnicos funcionais; e a poética artística, com fundamentos espirituais. A beleza de seu trabalho reside no fato dele conseguir este balanço entre técnica e poética, permitindo que suas ideias pudessem se concretizar funcionalmente e, ao mesmo tempo, oferecer ao espectador um resultado de incrível lirismo, expressando os sentimentos de seu autor. As máquinas de Fischinger são relativamente simples; são aparatos que se baseiam em ótimas ideias, resolvendo problemas de forma simples e criativa. A partir de problemas que aparecem em seu cotidiano artístico, soluções inovadoras realizam uma ruptura em relação a um padrão, chegando a resultados inéditos. Sua “Wax Slicing Machine”, o “Lumigraph” e a “Synthetic Sound Machine” são exemplos de invenções baseadas em construções descomplicadas, que propiciaram ao artista ir além dos padrões estéticos da época, gerando novos tipos de imagens e sons. Estes dispositivos operam os saltos evolutivos tratados por Simondon, resolvendo um problema inicial baseado em um sistema metaestável, chegando a resultados que, além de solucionar o problema inicial do artista, proporcionam algumas propriedades inesperadas que acrescentam ao indivíduo técnico produzindo uma abertura muita bem-vinda quando se trata da poética artística. É por meio da superabundância que surgem procedimentos como a retirada da tela do “Lumigraph” – elemento principal do instrumento – para que Fischinger pudesse, com as mãos calçadas de luvas, desenhar um balé de movimentos no ar resultando em uma estética diferente da alcançada com a presença da tela.

A simplicidade das invenções de Fischinger nos remete ao modo artesanal proposto por Simondon, pois o objeto técnico produzido não é reprodutível em grande escala e nem tem necessidade de um acabamento rígido e finalizado, sem abertura para imprevisibilidade. 128

Alguns até pretendem realizar algo mais exato, como no caso da “Synthetic Sound Machine”, onde a precisão é fator preponderante no resultado. Porém, nos outros instrumentos, a abertura para novas propriedades tem caráter substancial. Ainda assim, instrumentos como o “Lumigraph” foram aumentando seu grau de individuação ao longo do tempo, com as versões posteriores resolvendo pequenos problemas de performance. Sua concretização em poucas versões diz muito sobre o caráter artesanal de seus inventos, não projetados com a intenção de reprodutibilidade em escala industrial. Suas invenções partiram de uma inspiração intuitiva, colocada por Simondon no modo menor, do artesão ou criança, onde a liberdade de criação é plena. Porém, como Fischinger domina também o lado oposto – o modo maior, científico, objetivo – suas ideias conseguem ser concretizadas em indivíduos técnicos de elevada funcionalidade, mantendo ainda alguma indeterminação, abertos para a improvisação artística. Fischinger consegue assim equilibrar técnica e espiritualidade, chegando a resultados onde o mundo mágico pode ser de alguma forma revisitado. O mundo perdido após a cisão entre sujeito e objeto, lugar frequentemente visitado pelos artistas da Visual Music, parece estar mais próximo no trabalho de Fischinger, pela excelência com a qual realiza seus trabalhos, não se fixando em formalismos vazios, nem divagando em aspectos idealizados mas não materializáveis. Não é à toa que o artista tem uma relação próxima com questões espirituais da arte, que buscam a essência dos elementos visuais ou sonoros, tratadas por Kandinsky, Klee, Malevich, entre outros. É exatamente este equilíbrio que Fischinger procura: de uma espiritualidade moldada em formas abstratas, viabilizada por meio dos objetos técnicos inventados pelo artista. Obviamente, não foi só através de suas invenções que Fischinger se destacou no mundo da arte; sua produção com a mídia cinematográfica obteve maior repercussão e não dependia de instrumentos criados por ele. Porém, mesmo nas questões poéticas presentes em sua obra, o artista subverteu técnicas convencionais para chegar em resultados únicos, que inspiraram inúmeros artistas ao longo da história.

Analisando os dispositivos inventados por Fischinger em função das categorias propostas por Broeckmann, podemos ver que o artista não tinha uma relação de idolatria com a máquina, como nos modos associativo ou simbólico. Suas invenções tinham uma objetividade própria, de resolução de problemas encontrados por ele na criação de suas animações. O lado formalista está sim presente, porém sempre aliado à questão espiritual, de expressão dos sentimentos internos do artista e não pela simples beleza da forma. Fischinger se importava muito com o resultado formal de suas composições, mas por trás destes sempre 129 havia uma vontade de se relacionar com os princípios elementares da natureza; não tentando imitar sua superfície, mas se interessando por comportamentos, forças, modos de atuação, em uma busca por relações gerais, por leis que regem o funcionamento universal das coisas. O caráter cinético também está presente, pois o movimento era a principal preocupação de Fischinger, e aparece explicitamente em seus filmes, assim como em suas invenções, nas mãos do performer do “Lumigraph” ou no deslocamento do bloco de cera para ser fatiado em sua “Wax Slicing Machine”.

O legado de Fischinger para a arte não pode ser precisamente delimitado. O artista influenciou não apenas animadores, mas artistas sonoros, plásticos, digitais, inventores, principalmente os que utilizam princípios da Visual Music em seus trabalhos. Fischinger foi o pioneiro na produção de instalações imersivas, com o seu “Raumlichtkunst”, mais de trinta anos antes desse tipo de arte se desenvolver, a partir das décadas de 1960 e 70. Os Vortex Concerts por exemplo, projeções multimídia imersivas realizadas por Jordan Belson e Henry Jacobs no planetário em San Francisco a partir de 1957, têm influência direta de Fischinger. Belson teve contato com seu trabalho em exibições de filmes e compareceu a uma das performances com o “Lumigraph” em San Francisco, em 1953 (KEEFER, 2009, p. 3). Os Light Shows dos anos 60 também remetem aos primeiros experimentos do artista com uma multiplicidade de objetos técnicos compondo um ensemble9 que viabilizava suas aspirações por uma arte completa, unificando os sentidos do espectador. Sua estética de imagens abstratas desenhadas à mão, dialogando ativamente com o som influenciou gerações de artistas que trabalham com animação, cinema e audiovisual em geral. Produziu alguns dos primeiros efeitos especiais do cinema, como no filme “A Mulher na Lua” (1929), de Fritz Lang. Influenciou também outro grande expoente da Visual Music – Norman McLaren – que além de utilizar alguns procedimentos do artista em seus filmes, utilizou a técnica da qual Fischinger foi pioneiro, Ornament Sound, em alguns de seus trabalhos, especialmente o filme “Synchromy” (1971), onde o procedimento de desenho na banda sonora é o mote principal.

As pesquisas de Fischinger com os ornamentos sonoros influenciaram também músicos como John Cage, principalmente nas ideias do artista sobre o som interno presente em qualquer objeto10, que podia ser ouvido ao se desenhar sua forma na banda sonora do

9 Technical Ensemble é um termo utilizado por Simondon quando trata da evolução dos objetos técnicos, podendo ser traduzido por conjunto técnico. 10 Fischinger encontrou-se com John Cage em seu estúdio algumas vezes, em 1930. A respeito das ideias de Fischinger sobre o som interno dos objetos, John disse: “Quando fui apresentado a ele, ele começou a 130 filme. Fischinger é reconhecido como o pai da Visual Music, o avô dos videoclipes e o bisavô dos motion graphics (KEEFER, 2009, p. 1), um artista além de seu tempo, que conseguiu unir técnica e espiritualidade, levando quem assiste a seus filmes em uma viagem rumo a um mundo perdido, antes das palavras, que tocam o espectador de maneira única e indizível. Além de realizador de mais de cinquenta filmes, também deixou um legado de invenções que abriram novos caminhos para sua arte, conseguindo por meio destas resultados únicos, baseados nas potencialidades surgidas por meio da invenção.

3.3 John e James Whitney

Os irmãos John e James Whitney são um exemplo de complementaridade na Visual Music. Enquanto John era mais ligado às questões técnicas, tendo inventado vários instrumentos e técnicas, James personificava o lado espiritual, orgânico e poético. Juntos, os irmãos escreveram uma importante história na animação mundial, servindo de inspiração e modelo para as gerações seguintes, tanto por seus filmes quanto pelas técnicas que desenvolveram, tornando-se um dos precursores dos efeitos digitais no cinema. Apesar de trabalharem juntos por mais de dez anos, os irmãos também desenvolveram carreiras separadas, cada um explorando suas potencialidades particulares. Analisaremos aqui o conjunto da obra de John e James, ressaltando a simbiose que acontecia entre os dois, que pode ser colocada como complementar, termo utilizado por John para tratar das relações entre som e imagem, que segundo ele utilizam estruturas semelhantes e preenchem eventuais espaços vazios deixados tanto pela parte musical quanto pela visual, em contrapontos audiovisuais (WHITNEY, 1980). Enquanto John inventou instrumentos, subverteu o uso de aparelhos industriais, desenvolveu técnicas e novos modos de relação entre som e imagem, criando importantes conceitos dentro da animação gráfica, James ficava focado no lado espiritual das composições, pensando os temas e traduzindo suas ideias inspiradas na filosofia oriental em composições audiovisuais elaboradas, com finalidade de levar o espectador a um estado de elevação de consciência. Juntos, concretizam a dualidade proposta por Simondon quando este fala do desdobramento da estética em técnica e espiritualidade; um defasamento estampado nas personalidades dos dois irmãos, que juntos conseguem produzir obras que

falar comigo sobre o espírito que está dentro de cada um dos objetos do mundo. Então, ele me disse que tudo o que precisamos fazer para liberar esse espírito é passar pelo objeto e extrair seu som” (KEEFER; GULDEMOND, 2013, p. 140). 131 remetem a este estado perdido, mágico, proposto por Simondon como uma época anterior à separação primordial entre sujeito e objeto, entre figura e fundo.

John nasceu na Califórnia, em 1917. Tinha formação musical básica e se interessava por questões técnicas ligadas aos dispositivos de gravação de imagem cinematográficos. Em uma viagem à Europa em 1939 onde estudou fotografia, tomou conhecimento dos procedimentos seriais que o compositor Arnold Schoemberg aplicava em sua música e, quando voltou aos Estados Unidos, resolveu aplicar estas ideias em sua arte (YOUNGBLOOD, 1970, p. 207). De volta à Califórnia, John trabalhou na Lockheed Aircraft Factory, onde teve contato com computadores analógicos que ele criativamente transformaria em instrumentos para produzir seus trabalhos alguns anos depois. John também se interessava pela produção de filmes abstratos e, junto com o irmão James, realizou seus primeiros experimentos nesta área, misturando música serial com cinema abstrato no final da década de 1940. Porém, ele não se interessava pelos modos de filmagem utilizados na época e nem pelos procedimentos de associação direta entre cores e sons dos Color Organs. O artista optou então por construir seus próprios instrumentos, para assim obter resultados estéticos inovadores. John tinha grande habilidade em desconstruir o uso dos dispositivos industriais, e foi este método que utilizou já em suas primeiras composições, em parceria com James. Juntos, eles construíram um aparelho chamado “Subsonic Sound Instrument”, composto por pêndulos e um conjunto de mecanismos que permitiam a gravação de sons sintéticos na película cinematográfica. Também desenvolveram uma impressora óptica para produzir, aplicar efeitos e gravar as imagens de seus filmes. Com estes dois dispositivos, os irmãos realizaram uma série de experimentos audiovisuais chamados “Five Film Exercises”, entre 1943 e 1944 (WHITNEY, 1980), com uma estética bastante diferente das produções de outros artistas que trabalhavam com pintura direta no filme ou stop motion na mesma época. Por meio da impressora óptica e máscaras recortadas que eram sobrepostas à luz do aparelho, os irmãos Whitney retratavam a fonte luminosa, filtrada por anteparos em movimento. Já no final da década de 1950, John continuou seu processo criativo de subversão do uso de aparelhos ao ter a ideia de utilizar um instrumento militar para combate antiaéreo chamado “M5 Gun director” para animar suas composições visuais. Este computador analógico foi reformulado para, com o auxílio de uma câmera, traçar intrincados movimentos seguindo uma lógica que o artista chamou de “Dinâmica Diferencial”11, um conceito que utilizou durante toda a vida para

11 Este conceito será explicado em detalhes nas páginas seguintes. 132 compor seus filmes. Com este instrumento, John realizou a abertura do filme “Vertigo” (1958), de Alfred Hitchcock, além de outros projetos comerciais. Em 1960 fundou uma empresa para produzir efeitos especiais para cinema e publicidade chamada “Motion Graphics Inc.”, na qual utilizava seu instrumento baseado no M5 para produzir animações (YOUNGBLOOD, 1970). Em 1966 entrou para o mundo digital, após ser chamado para uma residência artística na IBM, onde tinha acesso aos computadores mais potentes do mundo, além do suporte de programadores como Jack Citron, que criava os softwares para John utilizar artisticamente. Foi um longo período de aprendizagem e adaptação a este novo meio, onde Whitney pôde desenvolver e aplicar mais precisamente suas ideias sobre “Dinâmica Diferencial” na composição de suas animações. John voltou-se quase que exclusivamente para os computadores digitais, explorando suas potencialidades e usando criativamente suas limitações ao longo de várias décadas até a sua morte, em 1995.

Figura 27 - James compondo no instrumento composto por pêndulos

Fonte: https://publishing.cdlib.org/ucpressebooks/view? docId=ft5p30070c&chunk.id=d0e5968&toc.depth=1&toc.id=d0e3957&brand=ucpress.

Já a vida de James Whitney é bem mais pacata e simples, sendo ocupada com a produção de seus filmes, com a meditação e estudo de religiões orientais e com a produção de cerâmicas. Após a volta da Europa em 1940, trabalhou como desenhista técnico no California 133

Institute of Technology e realizou seus primeiros filmes, em parceria com o irmão John. James era o lado mais poético da dupla, preocupado com questões espirituais e mais voltado para os trabalhos manuais. A sensibilidade de James não conseguia lidar com a dureza da máquina e após o uso dos instrumentos criados por ele e seu irmão em seus primeiros filmes, buscou outras maneiras menos tecnológicas de produzir sua arte. Em entrevista, seu irmão John chegou a dizer que o aparelho que usaram para a produção do filme “Lapis” fazia mal a James, e este em certo momento atingiu um estado de saturação em que não conseguia mais sequer estar no mesmo ambiente que a máquina. James então voltou-se para a pintura, realizando seus filmes posteriores por métodos convencionais de composição quadro a quadro, fotografando seus desenhos. Suas aspirações místicas não podiam ser retratadas com palavras, e o cinema abstrato foi a melhor maneira de tentar mostrar ao público suas ideias. Em toda a sua vida, James produziu apenas sete curtas-metragens, demorando por volta de cinco anos para concluir cada um (MORITZ, 1986).

Quando analisamos a filmografia de John e James Whitney, podemos ver claramente os interesses e potencialidades de cada um. Enquanto os filmes de John eram quase que simples demonstrações das funcionalidades de seus instrumentos, os de James levavam o espectador a um estado de meditação por meio de repetições de padrões executados por longos períodos de tempo, imagens simples e minimalistas, variações de tensão e relaxamento, levando o espectador a uma viagem cósmica e reflexiva. Como síntese podemos perceber a potente estética criada pela dupla. Esta mistura se iniciou com os cinco filmes que fizeram utilizando o instrumento composto de pêndulos inventado por John, onde ambos exploraram pela primeira vez a mídia cinematográfica. Após estes experimentos, no primeiro filme de James, “Yantra”, os irmãos também trabalharam juntos, porém todo o trabalho artístico foi desenvolvido por James, enquanto John ficou a cargo das funções técnicas de utilização dos instrumentos para gravação, aplicação de efeitos e finalização do filme na impressora óptica. “Yantra” tem um forte apelo transcendental, composto a partir de centenas de placas pintadas à mão por James, que, quando animadas, criavam variações de movimentos contínuos e circulares, convidando o espectador à meditação. Neste filme, James tentou codificar uma gramática visual para expressar suas ideias, chegando ao conceito do ponto como a forma elementar mais simples, que seria empregada na animação como uma unidade mínima a partir da qual se desdobra toda a narrativa (MORITZ, 1984). A estrutura da animação, composta por milhares de pontos que se movimentam na tela em momentos de 134 aproximação e afastamento, de tensão e ressonância, tem ligação direta com o nome do filme: “Yantra”, que significa “máquina sagrada”, em Sânscrito. Para o autor, os movimentos das formas na tela expressam sua espiritualidade, referindo-se aos mínimos elementos que constituem o universo. Sua trilha sonora foi acrescentada posteriormente e era constituída por um raga indiano. Porém, James não considerava o som adequado e pretendia lançar outra versão sem som ou com outra música, mais sincronizada com as imagens. Este filme foi produzido em cinco anos, entre 1950 e 1955 (MORITZ, 1984).

Figura 28 - Painel do “M5 gun controller”

Fonte: http://rhizome.org/editorial/2013/may/9/did-vertigo-introduce-computer-graphics-cinema/.

Em seu próximo filme – “Lapis”, James também utilizou a estética do ponto como unidade mínima, porém agora seus movimentos em cena eram coreografados por uma máquina: o “M5 gun controller” que seu irmão John havia transformado em um instrumento para gerar animações e gravá-las em filme. Com este instrumento, a precisão das animações aumentou muito, e orquestrações de movimento e forma bem sutis podiam ser realizadas. As imagens originais foram pintadas à mão por James, porém o resultado não faz referência a esta fonte, pois são totalmente transformadas ao passar pelo sistema de animação, em um diálogo onde cada lado – humano e máquina – acrescenta uma característica particular à obra. O mais interessante no filme é o movimento das partículas no espaço, formando mandalas com um grande variedade de interações entre seus elementos constitutivos, buscando gerar estados meditativos transcendentais. O final do filme remete ao começo, fechando um loop que remete à eternidade. Porém, mesmo sendo uma grande facilitadora para o artista atingir os resultados que almejava, James achava que a máquina restringia sua criatividade e tinha 135 problemas constantes com ela: “A máquina me restringia; minhas fantasias não podiam fluir. É claro que estamos nos estágios mais primitivos da arte cibernética, mas minhas imagens internas desapareceram quando minha capacidade de controlar o instrumento se desfez” (YOUNGBLOOD, 1970, p. 227). Podemos perceber que, mesmo auxiliando o artista nos procedimentos práticos de animação e filmagem, o dispositivo deixava pouca abertura para variações criativas, e acabavam limitando o potencial poético de James, além de ser um instrumento de difícil manipulação. Após terminar este filme, em 1965, James retirou o instrumento de seu estúdio e ficaria anos sem produzir animações, dedicando-se à cerâmica e à meditação. Após quase dez anos de intervalo, James volta a produzir filmes e cria uma trilogia baseada nos princípios da religião Tao: “Dwija” (1973), “Wu Ming” (1977) e “Kang Jing Xiang” (1982), sendo este último completado por colaboradores próximos depois de sua morte. Esta trilogia já não utiliza meios técnicos complexos como nos filmes anteriores, e são constituídos de animações simples, novamente remetendo a princípios espirituais, em movimentos elementares que simbolizam importantes conceitos do Taoísmo.

FIGURA 29 - Frame do filme “Lapis” (1966)

Fonte: http://www.johncoulthart.com/feuilleton/2006/11/10/lapis-by-james-whitney/.

Enquanto James se preocupava com suas aspirações espirituais, John trabalhava em projetos mais comerciais e práticos. Durante a década de 1950, produziu animações e efeitos especiais para comerciais e filmes publicitários e somente no início dos anos 60 lança um filme autoral: “Catalogue”. Segundo John, este filme não seria propriamente um trabalho 136 artístico, mas apenas uma compilação de resultados obtidos por meio de seus objetos técnicos, demostrando suas potencialidades: “Eu não entrei em competições com ele e nunca pensei nele como uma obra de arte. Era o que era – um catálogo. Eu usei como uma demonstração do meu trabalho” (WHITNEY, 1980, p. 180). De fato, o filme não apresenta uma unidade temática ou conceitual, sendo mais um apanhado de efeitos e exercícios utilizando as ideias de “Dinâmica Diferencial” de John. O trabalho foi também utilizado como portfólio para clientes comerciais que buscavam efeitos especiais para seus filmes. Mesmo assim, “Catalogue” é um bom exemplo da estética desenvolvida pelo artista desde seus primeiros experimentos, onde a repetição de padrões elementares que se movimentam circularmente na tela diferem radicalmente de tudo feito até então na Visual Music.

Em 1968, John lança seu primeiro filme realizado por meio de técnicas digitais, utilizando computador e um software chamado GRAF (Graphic Additions to Fortran) especialmente programado para ele por Jack Citron, da IBM. “Permutations” explora mais uma vez a técnica desenvolvida pelo artista em seus trabalhos com meios analógicos – a de repetição de elementos defasados em termos de raio e ângulo – que geram tensões e relaxamentos ao se encontrarem e se afastarem. Assim como no filme “Lapis”, feito em parceria com o irmão James, o ponto é o elemento fundamental de sua gramática, que vai construindo palavras e frases por aglutinação. As animações do filme são baseadas em estruturas musicais de ritmo e harmonia, criando contrapontos entre os elementos que o artista chamou de “polygraphic phenomena”, um tipo de polifonia concretizado em imagens (YOUNGBLOOD, 1970, p. 215). Porém, apesar das referências constantes ao universo musical feitas pelo autor, sua trilha sonora não tem grande ligação com as imagens, servindo mais como fundo para o balé dos elementos gráficos.

A partir de “Permutations”, John utiliza exclusivamente o meio digital para produzir suas obras: “Matrix I” (1971), “Matrix III” (1972) e “Arabesque” (1976). Nestes trabalhos, o método de animação baseado em fórmulas matemáticas de Whitney se torna cada vez mais preponderante, sendo meticulosamente programado via software. A partir da década de 1980, John busca uma aproximação maior com a música, concretizando suas aspirações de relações audiovisuais mais elaboradas por meio de contrapontos entre som e imagem. O artista passa a utilizar suas próprias músicas em seus filmes, produzidos agora por meio de um software 137 chamado RDTD, programado por Jerry Reed (WHITNEY, The Official John Whitney Sr. Site, [s.d.]). São exemplos desta fase os filmes “Spirals” (1988) e “Moondrum” (1989-1995).

O software utilizado por John em seus últimos projetos – RDTD – resume o pensamento desenvolvido pelo artista ao longo de toda a sua vida: o da “Harmonia Digital”, título de seu livro, no qual busca explicar as variações possíveis de animação por meio da “Dinâmica Diferencial” (WHITNEY, 1980). Podemos interpretar o conceito “Harmonia Digital” como a versão de Whitney para a Visual Music, transposta para a era digital na forma de relações matemáticas de similaridade entre som e imagem. Para John,

algum dia, o termo “Harmonia Digital” poderá ser uma expressão comum associada a uma grande evolução do século XX, uma tecnologia. Por causa da “Harmonia Digital”, a música se torna visível. A performance escapa à escravidão do tempo. O tempo atinge uma condição totalmente nova de substancialidade (WHITNEY, 1980, p. 115). Ou seja, por meio de estratégias criativas baseadas em regras matemáticas, em um primeiro momento realizadas por meios analógicos até a chegada do computador digital, o artista busca criar relações próximas entre som e imagem, utilizando estruturas advindas da música para a manipulação de suas imagens. Este conceito de “Harmonia Digital”, uma relação profunda entre som e imagem, só pôde finalmente ser concretizada no trabalho deste artista pelo uso do computador digital, e a “Dinâmica Diferencial” de John tem relação direta com as ações permitidas pelos objetos por ele construídos, que direcionavam a produção para movimentos circulares defasados no tempo e espaço. Todo o trabalho de John é baseado em repetições de movimentos de uma forma inicial, que é multiplicada e defasada em relação às outras. A “Dinâmica Diferencial”, um modo de construir animações extremamente complexas a partir de regras simples, baseava-se em variações do ângulo e do raio de cada um dos elementos constitutivos da obra. Por meio desta ideia simples, importantes desdobramentos foram feitos pelo artista.

O primeiro foi inspirado no tonalismo da música, no movimento entre tônica e dominante que alterna momentos de tensão e relaxamento. Para Whitney, o relaxamento se dá pela ressonância que ocorre no encontro dos elementos da composição, animados em movimentos cíclicos e circulares. A tensão cresce à medida que estes pontos se afastam, gerando vários campos de força entre eles, e vai diminuindo à medida que estes se aproximam novamente. Também a partir de uma inspiração na música, John pensou nestas relações como similares à escala musical, estruturas que delimitam o tempo e o espaço e possibilitam o 138 enquadramento dos elementos da composição em posições específicas, agora transpostas para o espectro visual. Whitney ressaltava a importância da escala na composição musical: “Uma melodia é uma entidade muito maior que a soma de suas notas. O objetivo do design melódico é uma totalidade estrutural cujo progresso do começo ao fim é uma continuidade indivisível” (WHITNEY, 1980, p. 54).

Figura 30 - Ilustração dos harmônicos produzidos pela “Dinâmica Diferencial” e sua relação com as notas da escala musical

Fonte: Whitney (1980).

Como suas animações são constituídas por loops onde movimentos circulares dos elementos propiciam encontros a cada ciclo, John pensou neste momento de fechamento como a oitava musical: a partir de uma tônica, um elemento passa por variações de tensão pelo aumento da distância em relação aos outros componentes – os modos subdominante e 139 dominante da música – até voltar a se tornar um ponto único, no encontro temporal e espacial de todos os elementos. Este ponto foi chamado por ele de ressonante, que seria a tônica, de acordo com o campo harmônico musical. Partindo deste princípio, John relacionou os movimentos de objetos na animação com as notas da escala musical. Esta divisão foi feita a partir da duração do ciclo de cada elemento na composição: a tônica serve como referência de uma unidade cíclica; um segundo ponto teria como duração a metade deste ciclo, o terceiro teria 1/3 desta duração e assim por diante, até chegar à divisão de 1/12. Desta forma, Whitney conseguiu relacionar som e imagem de uma maneira nunca antes imaginada, pensando em tensões e relaxamentos causados pelo movimentos circulares dos elementos em cena, criando uma “ressonância harmônica” onde a harmonia musical corresponde à harmonia visual (WHITNEY, 1980). Por meio de sua “Dinâmica Diferencial”, o artista inventou uma nova forma de se produzir Visual Music, onde variações na duração da rotação dos elementos e no tamanho de seus raios propiciam um resultado extremamente complexo e visualmente coerente. John já realizava este procedimento com seu instrumento baseado no computador analógico M5, que permitia variações circulares de movimento. Porém, foi com o advento do computador digital que sua estética pôde ser concretizada com maior precisão, e relações mais próximas com a música puderam ser feitas com mais facilidade. Estranhamente, apesar de todas as conexões pensadas por Whitney com a música, são raros os seus filmes onde ela realmente acontece; a maior parte de suas composições têm trilhas mais genéricas, que não utilizam este procedimento desenvolvido por ele.

Apesar de inovadoras, suas ideias são baseadas em padrões cíclicos repetitivos e exatos, algumas vezes tornando o resultado de suas animações um pouco previsíveis. John justificava a repetição de padrões pela busca por uma similaridade com a música, que normalmente tem estruturas que se repetem na composição. Podemos pensar também nesta forma de pensamento como a construção de um alfabeto visual, que ainda está para ser ampliado e desenvolvido, acrescido de outros modos de fazer. Uma crítica que John fazia aos artistas da Visual Music, em especial os que trabalhavam com Color Organs, era a rigidez das relações. Porém, de alguma forma, seu trabalho também é constituído por relações formais e fixas entre os elementos composicionais, apenas mais complexas e elaboradas. Podemos pensar também que a complementaridade entre som e imagem proposta pelo artista em seus textos é fundamental, e assim é necessária a presença de um outro, responsável pela parte espiritual, que complementará a metade técnica à qual John normalmente está restrito. Nos 140 filmes que produziu com seu irmão James, esta complementaridade parece presente, em um equilíbrio entre o formalismo técnico de John e a espiritualidade de James, concretizando o defasamento de Simondon que se equilibra na estética, ponto fundamental da Visual Music.

Assim como outros artistas da Visual Music, os irmãos Whitney pensam a técnica como uma base, um fundamento para a liberação criativa do artista. John propõe que a ênfase da arte seja colocada na expressão do artista, ao mesmo tempo em que coloca a máquina como um importante instrumento para a concretização de suas aspirações artísticas. Podemos ver claramente em sua na obra que os objetos técnicos por ele inventados ou adaptados para seus objetivos o ajudam a materializar suas ideias:

…as formas de arte ocidentais não foram menos determinadas e limitadas por seus meios criativos do que nosso trabalho é limitado e seu caráter é determinado por nossos meios mecânicos. Nosso próprio domínio da ação criativa está implícito na máquina (WHITNEY, 1980, p. 147). John também dizia que sua “arte sem precedentes” necessitavam de novas ferramentas, que precisavam ser inventadas. O computador – analógico ou digital – foi fundamental para que suas ideias sobre “Dinâmica Diferencial” e “Harmonia Digital” fossem colocadas em prática e outros objetos técnicos tornaram possível a criação de um novo tipo de cinema abstrato.

Inicialmente trabalhando no universo analógico, os irmãos produziram seus primeiros experimentos por meio de dois instrumentos, que deslocaram o modo de geração de imagens na mídia cinematográfica: O “Subsonic Sound Instrument” e uma impressora óptica. O primeiro foi uma invenção dos irmãos Whitney para compor a parte sonora de suas composições e o segundo uma adaptação de um equipamento industrial feita por John para manipular imagens, aplicar efeitos e gravar o resultado em película.

O “Subsonic Sound Instrument” era composto por uma série de pêndulos e tinha como objetivo gerar sons sintéticos por meio de seus movimentos, que eram registrados na película por meio de um dispositivo similar ao de gravação sonora convencional.

Nosso dispositivo caseiro de trilha sonora consistia em uma série de pêndulos que eram afinados pelo ajuste de pesos, assim como os pêndulos do relógio. A qualidade do som produzido por este instrumento primitivo, que não produz nenhum som em si (suas frequências são subsônicas), compara-se com a música eletrônica pioneira produzida após a introdução da síntese musical… (WHITNEY, 1980, p. 93). A frequência de movimento dos pêndulos era cem vezes menor do que seu resultado final, e tinha que ter sua velocidade alterada para se tornar audível. Após realizadas as gravações, o 141

áudio podia ser finalmente escutado inserindo a película em um projetor convencional. Efeitos inesperados surgiram a partir deste procedimento, já que frequências muito baixas, produzem um batimento rítmico antes de se tornar diferenciável em termos de pitch. Com este instrumento, os irmãos Whitney conseguiam uma precisão de quartos de tom ou até maiores em durações tão pequenas quanto um frame, permitindo aos artistas um total controle sobre a melodia final. É interessante perceber que os sons gerados estavam relacionados com movimentos similares executados pelos elementos pictóricos da dupla, criando um vínculo audiovisual altamente sincronizado. O instrumento era bastante precário e sua utilização demandava um esforço criativo por parte dos artistas para conseguir algo sonoramente interessante. Algumas funcionalidades foram sendo descobertas com seu uso, como a manipulação de attack e decay das notas ao iniciar ou parar o movimento dos pêndulos de forma suave ou abrupta, ou a sobreposição de camadas para criar harmônicos. Infelizmente, este instrumento foi utilizado apenas para a composição dos “Five Film Exercises” entre os anos 1943 e 1944 e não foi explorado em todo o seu potencial. O processo era trabalhoso e demorado, sendo que eram precisos 16 minutos para gravar apenas dez segundos de áudio. O fato de o resultado não poder ser ouvido em tempo real também contribuiu para que ele não fosse mais utilizado pela dupla.

Outro dispositivo utilizado pelos irmãos em seus primeiros filmes foi uma impressora óptica construída por John. Este aparelho é composto simplesmente por uma câmera acoplada a um projetor, e é utilizado para fazer cópias ou inserir elementos gráficos em um filme. Porém, o artista acrescentou um conjunto de espelhos, lentes e filtros de cor, além de um dispositivo que permitia o movimento da câmera. Com este instrumento, John podia

reprocessar imagens básicas gravadas em preto e branco, manipulando variações de tamanho, velocidade, cor, etc. James criou um sistema de stencils, através do qual as imagens podiam ser traçadas ou pintadas por meio de spray no filme, gerando formas com contornos duros ou mais suaves (MORITZ, 1984, [n.p.]). Os resultados foram tão promissores que John desenvolveu posteriormente outro modelo, agora gravando em 16 mm (a anterior gravava em 8 mm). Assim como os pêndulos, as possibilidades propiciadas por este dispositivo eram escassas, e a criatividade dos Whitney era fator primordial para se chegar a resultados inovadores.

Após a produção de “Yantra”, John percebeu que as possibilidades de animação feitas com a impressora óptica eram muito limitadas; que demandavam uma operação muito 142 trabalhosa e complexa para atingir resultados básicos de animação, que poderiam ser obtidos mais facilmente com outras máquinas – um osciloscópio por exemplo. Então, no final da década de 1950, John teve outra ideia de subversão do uso de um objeto técnico industrial. Desta vez, a “fonte” utilizada foi um aparelho militar da segunda guerra mundial chamado “M5 Gun Controller”, criado inicialmente para combate antiaéreo. Com o fim da guerra, estes objetos de milhares de dólares de repente se tornaram sucata e eram vendidos a preços baixíssimos. John viu nestas máquinas uma maneira de aprimorar suas animações; um meio mecânico automatizável para realizar funções complexas e precisas. Um destes dispositivos foi adquirido por ele; era um computador analógico, que permitia uma variação em sua saída em função de uma entrada predeterminada, a partir da qual cálculos complexos eram realizados:

Minha próxima máquina empregou hardware que se tornou sucata de guerra: motores Selsyn para intertravar funções de câmera com movimentos das fontes de imagem; “ball integrators” para programação de alguns movimentos; e conjuntos diferenciais para controlar o avanço incremental dos movimentos à medida que cada frame avançava (WHITNEY, 1980, p. 184). Com ele, John podia traçar movimentos elaborados e aplicá-los em suas animações, por meio de um vínculo mecânico entre a máquina e uma câmera. Assim, a partir de imagens simples pintadas à mão por James, o instrumento realizava uma série de movimentos circulares baseados em fórmulas matemáticas que traçavam trajetos complexos, resultando em animações elaboradas. Com os outros componentes do dispositivo, era possível acrescentar outras camadas, criando assim a “Dinâmica Diferencial” pensada por John e presente em todos os seus filmes. O que era feito até então pelos irmãos por meio de um controle manual dos movimentos da câmera, agora podia ser automatizado mecanicamente utilizando a invenção de John.

Posteriormente, John aumentou seu instrumento ao acrescentar outra máquina, o M7, chegando a um híbrido de mais de três metros de altura. Com este instrumento, John produziu alguns filmes autorais – “Lapis” e “Catalogue” – além de vários projetos comerciais, pela sua empresa Motion Graphics Inc. É interessante notar o processo de individuação dos objetos técnicos de John. Durante os anos em que utilizou seu instrumento para a produção de animações, várias partes foram instaladas e outras removidas; foi acrescentado ao dispositivo inicial M5 outro mais complexo, o M7, chegando a um objeto que ocupada praticamente toda a sala onde foi construído. Este objeto técnico poderia ser considerado um ensemble, em 143 função do acoplamento de duas máquinas sofisticadas, além da inserção de uma câmera e outros dispositivos colaterais, todos funcionando juntos, porém mantendo suas características iniciais. Este processo de individuação durou praticamente todo o tempo no qual o instrumento foi utilizado, com refinamentos e atualizações constantes, até seu abandono quando John passou a trabalhar com os meios digitais.

Figura 31 - John Whitney com seu computador analógico

Fonte: https://www.tested.com/art/movies/512325-whitney-family-pioneers-computer-animation/.

Em 1966, John foi selecionado para uma residência artística na IBM, onde passou a trabalhar com computadores digitais. Na residência, o artista teve contato com o mais moderno em termos de tecnologia digital, utilizando potentes mainframes e dispositivos recém-inventados como o Program Function Keyboard (PFKB), uma interface gráfica com 36 botões que controlavam parâmetros específicos dos programas. Sem formação em 144 programação, os softwares que o artista utilizou foram desenvolvidos por outras pessoas. Na IBM, Jack Citron desenvolveu uma linguagem chamada GRAF (Graphic Additions to Fortran), que visava facilitar o uso do computador, para que pessoas que não soubessem programação pudessem criar conteúdo artístico. Utilizando esta linguagem, Citron criou dois softwares, a partir de conversas com John, para que pudessem contemplar as necessidades do artista:

o “Polar Geometric Display Program”, que exibia geometricamente uma equação matemática para estudo da própria equação ou para produzir desenhos artísticos; e o “Animated Design Program” que permitia que o computador fosse usado para criar imagens em movimento em função do tempo, adequadas para criação das animações (STAMP, 2013, [n.p.]). Com estes programas, John realizou os filmes “Homage to Rameau” (1967), “Permutations” (1968) e “Osaka 1-2-3” (1968). John considerava o programa criado por Citron como um instrumento: “Em termos de software, o programa que o Dr. Citron desenvolveu para mim é como um piano. Eu poderia continuar a usá-lo criativamente toda a minha vida” (YOUNGBLOOD, 1970, p. 217). Com estes programas, o artista foi um dos primeiros a utilizar o computador como uma ferramenta artística. Como fizeram outros artistas pioneiros da área na década de 1960, John criou maneiras diferentes de utilizar o hardware, mais voltado para a arte do que aplicações práticas e objetivas. Porém, pelo fato dos softwares terem sido criados especificamente para Whitney, de acordo com seu estilo de composição, seus trabalhos têm um caráter único e autoral, em função da parceria próxima entre o artista e os programadores que o ajudaram no processo.

A carreira dos irmãos Whitney – em especial a de John – é marcada por uma forte ligação com os objetos técnicos. A máquina é vista como ponto de partida e suporte para a criação artística, além de concretizadora das ideias abstratas da dupla, em um embate entre as potencialidades surgidas a cada invenção e as limitações apresentadas por estes mesmos dispositivos. Os sistemas compostos para a produção de seus filmes levaram o autor Gene Youngblood a rotular sua obra como “Cinema Cibernético”, onde um intrincado ensemble de indivíduos técnicos trabalha em regime de realimentação contínua de modo a manter uma coerência responsável pelo resultado final das composições. O método executado por John de misturar máquinas, criando híbridos que trabalham em um grupo coeso com uma finalidade comum nos remete aos conjuntos técnicos propostos por Simondon. Esta forma de trabalho fundada em sistemas estáveis que se realimentam mutuamente foi responsável por grande 145 parte do resultado artístico da dupla. Infelizmente, estes ensembles não chegaram a se tornar elementos técnicos, fechando o ciclo, alcançando um nível de resolução de suas compatibilidades internas a ponto de se transformar em um novo elemento técnico, que poderia ser utilizado por outros artistas.

Esta inclusive é uma questão colocada por John quando reclama que não existiam instrumentos criados anteriormente que pudessem ser usados pelos artistas para a produção de filmes abstratos:

As pessoas tentaram todas as diferentes técnicas no cinema abstrato, e é estranho que ninguém tenha realmente inventado algo que outro cineasta experimental possa usar. Deve se começar de novo toda vez. Jim e eu estávamos tentando fazer alguma coisa e não havia uma máquina disponível para fazer isso (YOUNGBLOOD, 1970, p. 214). Mas talvez seja esta uma das características mais importantes da Visual Music – a invenção de novos instrumentos para a concretização de cada nova ideia imaginada pelo artista. É o caráter artesanal da arte, que não tem aspirações em larga escala; sua produção se diferencia da industrial, da produção em série e da fragmentação do trabalho. É pelo inesperado que aparece após a invenção de um novo instrumento que novas potências surgem: a partir da metaestabilidade, a ruptura faz surgir a superabundância, presente nos assemblages dos Whitney pela sobreposição de funcionalidades de diversos objetos colocados para funcionar em conjunto. E, após estabilizada a invenção, a poética toma conta do processo e faz nascer o trabalho artístico. Nos irmãos Whitney, a parceria aparece como uma unidade estética, um equilíbrio entre a técnica de John e a espiritualidade de James. Enquanto trabalharam juntos, produziram seus principais trabalhos, talvez em função do equilíbrio presente nesta defasagem proposta por Simondon.

Podemos perceber uma grande diversidade de atuação dos irmãos dentro do espectro proposto por Broeckmann. Os artistas se enquadram dentro da arte produzida por máquinas mecânicas, cibernéticas e matemáticas, transitando fluidamente por uma ou mais categorias ao longo se suas carreiras. O caráter cinético e automático está presente principalmente na primeira parte da carreira de John, que inventava dispositivos mecânicos para realizar movimentos de câmera e assim expressar suas ideias de “Dinâmica Diferencial”, em sistemas autônomos que, a partir de uma primeira interação humana, passam a funcionar por conta própria até atingir o resultado desejado pelo artista. Na segunda parte da carreira de John, o mecânico dá lugar ao digital, e os algoritmos passam a ser os responsáveis por este processo. 146

Neste momento, deixam de existir as questões mecânicas e cinéticas para a produção do resultado final, que agora são sintetizadas dentro do computador digital, responsável por todo o processo anteriormente produzido de maneira analógica (a questão cinética então aparece apenas no resultado final). A relação da dupla com a máquina, seja ela analógica ou digital, serve sempre de suporte para a criação autoral: a questão espiritual se torna preponderante a partir do momento em que os instrumentos são capazes de fazer o que as artistas necessitam. Há também uma simbiose entre as ideias conceituais e as possibilidades e limitações propiciadas pelos instrumentos, que se realimentam gerando terreno fértil para os artistas criarem suas obras. O equilíbrio entre invenção e uso destes objetos técnicos aliada à espiritualidade presente nos temas dos filmes, também aponta – assim como nos outros artistas estudados neste trabalho – para o mundo mágico de Simondon, um momento baseado nas sensações que não podem ser expressas em palavras. A este respeito, é interessante o comentário de um jornalista do New York Times a respeito dos filmes da dupla: “…no jogo formal das figuras, havia uma alegria inocente, que evocava o sentido de como deve ter sido ver o mundo pela primeira vez” (PATTERSON, 2009, p. 50).

3.4 Joshua Light Show

Os Light Shows dos anos 60 foram um breve porém importante momento na história da Visual Music, onde artistas conseguiram captar a atmosfera de uma época e, agrupados em coletivos que utilizavam uma ampla gama de objetos técnicos, desenvolveram um estilo único, baseado em sobreposições de imagens coloridas advindas de diversas fontes, projetadas no fundo do palco em apresentações de bandas de rock. O gênero tem suas raízes nos “Vortex Concerts” realizados em San Francisco a partir de 1957, além de questões culturais que estavam em voga na época, como referências a religiões orientais, valorização da natureza, e uso de drogas psicodélicas para expansão da consciência. Os Light Shows foram a cara da contracultura hippie, que nasceu na costa oeste dos Estados unidos nos anos 60, e estavam sintonizados com as aspirações dos jovens da época, que buscavam experiências sensoriais completas, ao som de rock e de drogas alteradoras da consciência, especialmente o LSD. Os Light shows foram o elo que faltava para a união entre literatura, música e artes visuais, transformando os eventos em experiências sinestésicas que ajudaram na formação de uma 147 linguagem própria que caracterizou o final dos anos 60, de expansão da consciência coletiva e afastamento dos meios de comunicação de massa (OPPENHEIMER, 2009).

Figura 32 - Exemplo de imagem utilizando líquidos e retroprojetor

Fonte: http://kidskunst.info/17/12294-trippy-light-show.htm. Antes de se tornarem praticamente obrigatórios em qualquer apresentação musical da época, os Light Shows surgiram em pequenas apresentações artísticas onde as imagens eram combinadas com shows de Jazz e performances, ainda em 1952. O pioneiro foi o professor Seymour Locks, que inventou um procedimento estético que se tornaria o mais característico dos Light Shows: a manipulação ao vivo de líquidos se movendo na tela em explosões de cores que se aproximam e afastam, se misturam e escorrem para fora da tela, criando efeitos visuais inéditos e cativantes para o público (BROUGHER, 2005, p. 159). Locks utilizava como estrutura um prato transparente com água sobre um retroprojetor, sobre o qual pingava tintas e óleos de diversos tipos, que eram projetados sobre os performers e nas paredes do ambiente. O próprio movimento das tintas afundando no prato já criava uma dinâmica interessante, sendo amplificada por outras técnicas como soprar dentro do recipiente, girar o prato, etc. A mistura de vários tipos de pigmentos, gels e óleos criava projeções multicoloridas, formando texturas que encantavam os espectadores. O resultado deste experimento se tornou o cerne da estética psicodélica da época, e foi posteriormente somado a outras técnicas e meios de produção de imagens para formar os Light Shows no início dos anos 60. Elias Romero, aluno de Locks, foi um dos pioneiros do gênero, misturando as 148 projeções de líquidos com trechos de filmes 16 mm, ao som de música eletrônica experimental. Com o pintor Bill Ham, Romero criou o primeiro Light Show, em San Francisco, em 1962 (BROUGHER, 2005, p. 159).

Na metade da década, os Light Show já haviam se tornado uma febre e existiam centenas deles na costa oeste dos Estados Unidos. Agora transformados em coletivos compostos por vários artistas, cada um operando um sistema de projeção diferente, os Light Shows se transforaram em um ensemble técnico e artístico, unindo elementos de artes visuais, cultura popular, física, óptica, tecnologia, criando colagens psicodélicas em performances ao vivo. Suas apresentações eram sobreposições de imagens, que se harmonizavam na tela em sincronia com a música. Em um famoso artigo na revista New York Time em 1969, a jornalista Barbara Bell tentou descrever a profusão de imagens dos Light Shows como:

Tabuleiros de xadrez estilo Mondrian, campos de morango, pomares de limão, joias antigas, galáxias de luz sobre um vazio preto puro e, outras vezes, abstratas, eróticas, formas e cores para alegrar as pessoas – a visão de um instante, envolto em grandes ondas de som… jovens cambaleiam deslumbrados, balbuciando para si mesmos sobre as amebas em água colorida (ZINMAN, 2012, [n.p.]). Este resultado “descrito” por Bell era obtido por um ensemble técnico complexo composto por inúmeros elementos, operados de modo a criar composições harmônicas na tela. Eram utilizados projetores de filmes 16 mm, retroprojetores, projetores de slides, color wheels, conjuntos de espelhos, Color Organs, Lumia, caleidoscópios, entre outros. Entretanto, mais importante que a diversidade dos dispositivos era a capacidade dos artistas de subverter seu uso, criando novas técnicas que levariam a lugares totalmente diferentes dos obtidos pelo seu uso convencional. Os retroprojetores por exemplo, eram usados em conjunto com grandes vidros de relógios para exibir os Wet Shows – as misturas de pigmentos inventada por Seymour Locks – ou padrões transparentes de imagens que eram movimentadas à mão pelos artistas ou por motores acoplados ao equipamento. Os projetores de slides eram utilizados para funções completamente distintas de seu uso tradicional, criando fusões, desfoques, efeitos ou mesmo servindo como refletores de iluminação colorida para o palco. Outros dispositivos eram inventados pelos artistas em uma constante concretização de suas ideias, buscando novas formas de composição. O resultado desta pesquisa eram imagens psicodélicas em movimento, sincrônicas à música, que agradaram em cheio aos jovens da época. Os Light Shows chegaram a se tornar tão importantes quanto as bandas que eles acompanhavam, recebendo cachês similares. O fenômeno dos Light Shows se espalhou rapidamente pelos 149

Estados Unidos, e centenas de grupos de formaram. Na costa oeste, alguns dos principais grupos foram The Single Wing Turquoise Bird, Black Shit Puppy Farm, Light Sound Dimension (de Bill Ham), Brotherhood Of Light, e, na costa leste, Joshua Light Show, Lux Sit and Dance e The Union Light Company, além do Exploding Plastic Inevitable, projeto de Andy Warhol com a banda Velvet Underground. Trataremos com mais profundidade do trabalho de Joshua White, em seu coletivo Joshua Light Show, considerado um dos mais importantes e elaborados do gênero.

Joshua White nasceu em 1942 e teve formação em engenharia elétrica, teatro e cinema. Quando adolescente, teve seu primeiro contato com arte baseada em luz com o trabalho de Thomas Wilfred, inventor do Lumia, em visitas ao Museu de Arte Moderna onde havia uma obra do artista instalada (NADEL, 2011). Em 1965 começou a trabalhar em festas, aprendeu técnicas de iluminação cênica e logo fundou sua própria empresa para realizar eventos chamada Sensefex, em 1966. Pouco tempo depois, White teve contato com os Light Shows em um evento no qual trabalhou em 1967, que contava com um grupo da Califórnia chamado Headlights e passou a se interessar pelo gênero, fundando, no mesmo ano, o coletivo Joshua Light Show. Com o novo grupo, que contava com seis a oito membros, Joshua passou a fazer apresentações frequentes e, em 1968, foi convidado pelo empresário Bill Graham para ser residente da versão “east” da famosa casa de shows de San Francisco Filmore West. Na Filmore East, em Nova Iorque, Joshua se apresentou com os mais importantes artistas da época, trabalhando ininterruptamente, duas vezes por semana, até o fechamento da casa, em 1971. Além da residência fixa, o Joshua Light Show também participou do Festival Woodstock, de um projeto com New York Symphony no Carnegie Hall, do filme de John Schlesinger “Midnight Cowboy”, de 1969, entre outros. Após este intenso período, que coincidiu com a explosão e declínio dos Light Shows nos Estados Unidos, o artista foi trabalhar com projeções de vídeo para grandes shows durante os anos 1970 e dirigiu programas de televisão como “Max Headdroom” e “Seinfeld”, nos anos 80 e 90 (NADEL, 2011). Neste período, Joshua ficou afastado dos Light shows, mas voltou a realizar apresentações com o coletivo em 2005, em eventos com foco intermídia como Mutek e Transmediale, além de performances em museus e planetários. 150

Figura 33 - Performance ao vivo do Joshua Light Show

Fonte: Joshua White.

Em relação aos dispositivos utilizados nos Light Shows, podemos pensá-los como elementos técnicos que são difundidos e compartilhados amplamente entre vários coletivos de artistas formando uma base sobre a qual a poética de cada grupo floresce. Estes elementos técnicos têm um acabamento – e ao mesmo tempo uma abertura a novos usos – que fez com que a estética dos Light Shows se espalhasse rapidamente. São dispositivos físicos, técnicas e ideias reutilizadas, após sua invenção, por outros artistas, que podem ressignificá-los, aplicando seu estilo próprio, porém mantendo um modo de fazer semelhante. Podemos pensar como elemento técnico base dos Light Shows o retroprojetor. Este equipamento foi inicialmente projetado para apresentações com transparências em eventos corporativos e educacionais, mostrando imagens, gráficos e textos, porém foi tomado emprestado pelos artistas dos Light Shows para criar uma estética completamente nova, de exibição de líquidos em movimento. Este dispositivo, ao contrário da grande maioria dos inventados ao longo da história da Visual Music, era fabricado em escala industrial e podia ser apropriado por outros artistas, que faziam uso dele aproveitando sua potência de ferramenta técnica, porém moldando-o para aplicações específicas para cada coletivo. Os Color Wheels, dispositivos circulares compostos de filtros coloridos que eram colocados na frente dos projetores para alterar dinamicamente a cor da projeção são outro exemplo. Provavelmente todo coletivo que 151 trabalhava com projeções na época tinha o seu, criado a partir de princípios comuns, porém individualizado de acordo com as necessidades criativas e estéticas de cada grupo. O número de cores, o desenho de cada faixa de cor, a distribuição das cores, entre outras características, mudavam de grupo para grupo, mas sempre mantendo a ideia inicial de um dispositivo dinâmico para alterar a cor da projeção. Desta forma, os coletivos podiam compartilhar ideias seguindo os ideais da época, de fraternidade e cooperação mútua, baseado em preceitos de harmonia e sociabilidade que compunham os princípios da comunidade hippie e das religiões orientais, em alta no período.

Figura 34 - Setup do coletivo Joshua Light Show em 1969

Fonte: https://www.morrisonhotelgallery.com/photographs/NZMMSD/Joshua-Light-Show-with-equipment- Fillmore-East-1969. A espiritualidade era o contraponto da técnica, e estava presente na tentativa de ampliação dos limites perceptivos por meio de drogas psicodélicas que visavam a comunhão do homem com a natureza, refletido na multidisciplinaridade das apresentações artísticas da época, que inseriam o público em um transe quase místico. Esta busca espiritual pela expansão dos limites cognitivos e sensoriais humanos tinha como aliado os objetos técnicos inventados ou que tiveram seu uso subvertido pelos artistas dos Light Shows, formando, em 152 parceria com a música, a estética que se tornou característica do período, e que posteriormente influenciou outras gerações de artistas.

Analisando os objetos técnicos utilizados pelo coletivo Joshua Light Show, podemos ver uma semelhança com setups de vários outros grupos da época, mesmo que o resultado final fosse bastante distinto. Isso se deve à utilização criativa dos instrumentos, onde cada coletivo desenvolvia suas técnicas próprias a partir de um elemento técnico comum. No caso específico do Joshua Light Show, sua configuração básica era composta por três projetores de filme; três retroprojetores; oito projetores de slides modificados; centenas de Color Wheels e geradores de strobo; diversos refletores motorizados compostos por papel alumínio, espelhos e outros materiais reflexivos; dois secadores de cabelo, aquarelas, óleos coloridos, álcool e glicerina, cinzeiros de cristal, e dezenas de vidros de relógio (ZINMAN, 2012). Os instrumentos eram normalmente dispostos em duas plataformas, sendo a superior destinada à criação dos Lumias, contendo variados dispositivos de reflexão e refração de luz, e a inferior para todos os outros equipamentos. O coletivo dividia os dispositivos por grupos em função da imagem que produziam, e estes eram manipulados pelos artistas especializados em cada área.

Figura 35 - “Light Stick”, dispositivo inventado pelo coletivo

Fonte: Joshua White. 153

Existiam basicamente quatro grandes grupos (ZINMAN, 2012) que se complementavam mutuamente criando na tela uma unidade por meio da coordenação das ações de cada artista, orquestrada por Joshua. O primeiro grupo era focado no controle de cor, e utilizava vários dispositivos de manipulação cromática, desde os mais elaborados como os Color Wheels motorizados até objetos do cotidiano como cinzeiros transparentes e outros elementos que criassem uma reflexão interessante da luz. O segundo grupo utilizava imagens figurativas, executadas por meio de projetores de 16 mm, na forma de loops filmados pelo próprio coletivo ou pintados à mão; filmes antigos; e algumas vezes transmissões ao vivo em circuito fechado. Utilizando projetores de slides modificados com motores, lentes diferentes e uma variedade de objetos acoplados, o grupo usava vários tipos de slides: “…pintados à mão, ou com padrões geométricos, com pinturas de Goya e Manet e outros com frases e textos, como a atribuída a Warhol e McCluhan, ‘A arte é tudo o que você pode fazer’, ou o autorreflexivo ‘The Joshua Light Show: A Product of Stoned Age Technology’” (ZINMAN, 2012, [n.p.]). O terceiro grupo era talvez o mais importante e característico dos Light Shows: o chamado “Wet Show”, composto por diversos tipos de líquidos, misturados entre duas camadas de vidros de relógio, que eram posicionados sobre um retroprojetor. Com este setup simples, inúmeros tipos de imagem podiam ser produzidos: trilhas de cores; ilhas coloridas se movimentando no espaço; misturas lisérgicas de tintas e óleos; formando texturas dinâmicas indescritíveis. Ao colocar sobre um vidro de relógio dois líquidos que não se misturam e depois sobrepor um segundo vidro, os artistas podiam controlar o movimento e a pulsação das imagens, permitindo assim uma sincronia fina com o ritmo da música. Os artistas responsáveis por esta parte do show tinham à sua disposição um arsenal composto por uma grande variedade de tintas, óleos, glicerina, ácidos, etc, que eram inseridos na cena por meio de seringas, conta-gotas, canudinhos e recipientes plásticos. Como o coletivo foi residente da casa de shows Filmore East por três anos, eles tinham uma estrutura fixa na qual podiam trabalhar, e constantemente novas ideias surgiam. A experimentação com materiais era frequente e o número de elementos utilizados era regularmente expandido, buscando sempre a obtenção de novos e criativos efeitos visuais. O quarto grupo de dispositivos era o responsável pela arte de reflexão da luz – Lumia. Joshua foi fortemente influenciado por Thomas Wilfred e não podia faltar uma referência ao trabalho deste artista em seu coletivo. Seguindo as ideias de Wilfred, porém concretizando-as de maneira particular, Thomas Shoesmith – o artista responsável por esta área no Joshua Light Show – inventou uma ampla gama de dispositivos 154 utilizando conjuntos de espelhos, lentes, folhas de materiais reflexivos, motores, etc. Como um maestro, Joshua conduzia cada um dos artistas ao vivo por meio de comunicação via rádio, incentivando a continuidade de determinadas ações e cortando outras, de modo que o resultado exibido na tela fosse sempre esteticamente interessante. Apesar de alguns dispositivos ou técnicas já existirem anteriormente, seu uso em sincronia, formando um ensemble técnico e criativo nunca havia acontecido até o advento dos Light Shows, que conseguiram personificar a questão da harmonia e cooperação entre indivíduos proposta pelas ideias da época.

Figura 36 - Plataforma dedicada ao Lumia

Fonte: Joshua White. O modo de operação do Joshua Light Show – assim como a grande maioria dos coletivos da época – era baseada em ideias simples, porém criativas. Excluindo os elementos técnicos industriais como projetores de slides, de filmes e retroprojetores, o restante do aparato utilizado era criado dentro do próprio grupo, baseado na artesania, e mesmo na “gambiarra”. Muitas vezes durante a performance mãos ou objetos utilizados para despejar os líquidos apareciam na projeção. Porém, para Joshua, isso fazia parte do show; era um modo de mostrar o caráter humano da performance, e que tudo aquilo estava sendo executado ao 155 vivo, por pessoas, não se tratando de uma simples exibição de material pré-gravado. Objetos do cotidiano eram frequentemente testados em função de seu potencial “escondido”, ressignificando-os para gerar imagens e testes baseados em tentativa e erro eram a prática comum para se encontrar novos caminhos. Ou seja, partindo de elementos técnicos comuns, cada coletivo individualizou seus dispositivos à sua maneira, acoplando motores, lentes e os mais variados tipos de objetos que propiciavam tipos diferentes de imagem, acrescentando potencialidades ao repertório.

Um bom exemplo é o projetor de slides. O aparelho tradicional projeta slides de 35 mm, que são dispostos em uma bandeja circular rotatória, e exibe um slide por vez. Artistas dos Light Shows subverteram seu uso por meio de diversas técnicas e pelo acréscimo de suplementos que realizavam funções específicas, modificando de variadas maneiras o resultado final. Desde ideias simples como o desfoque do dispositivo para criar imagens etéreas e amorfas ou criar transições; o hackeamento do aparelho para alterar o disparo e a dimerização da lâmpada; até “módulos” compostos por discos motorizados que interferem de diversas maneiras na imagem original do projetor, alterando completamente o resultado. Estes módulos podiam ser feitos à mão por algum material transparente ao qual eram aplicados pigmentos para gerar formas ou alternâncias de claro/escuro para criar efeitos estroboscópicos ou então utilizados discos de “efeitos especiais” que eram vendidos pelas empresas produtoras de projetores para acrescentar funcionalidades a estes. Uma marca específica de projetores – a Edmund Scientific – facilitava este processo, pois a própria estrutura de seus projetores permitia a inserção de um disco entre a lâmpada e o slide. Estes discos eram criados especificamente para gerar efeitos sobre as imagens dos slides e podiam ser controladas manual ou mecanicamente (EDMUND, 1977). Além disso, estes projetores dispunham de dois parafusos em sua parte superior que podiam ser utilizados para acoplar elementos diversos inventados pelos artistas. Utilizando estes dispositivos, com funções extras acopladas e uma infinidade de slides, contendo desde imagens abstratas até referências figurativas a elementos da cultura pop, os projetores de slides eram uma das peças mais importantes dos Light Shows. A própria empresa desenvolveu um manual para se fazer Light Shows, no qual mostrava, além do uso de seus projetores, outras técnicas criativas e lúdicas para se criar imagens ao vivo. O manual listava vários efeitos que podiam ser obtidos por meio dos módulos extras vendidos pela empresa, como caleidoscópios, efeitos de fogo, nuvens, 156 galáxias, etc. Com ilustrações, o impresso sugeria maneiras de deformar a imagem usando os módulos, e também dava ideias para os artistas construírem seus próprios dispositivos.

Figura 37 - Capa e página interna do “Unique Lighting Handbook”, catálogo da Edmund Scientific (1969)

Fonte: Edmund Scientific Co.

Outro objeto técnico fundamental, o retroprojetor, foi o responsável pelas imagens mais marcantes dos Light Shows, aquelas geradas pelas misturas de líquidos. A partir de sua composição estrutural – uma superfície transparente sobre a qual eram posicionadas imagens que seriam projetadas na tela por meio de uma lâmpada e um conjunto de espelhos – seu uso criativo permitiu aos artistas dos Light Shows desenvolverem diversas técnicas de manipulação de imagem, obtendo resultados bem diferentes com cada uma. Os Wet Shows eram os tipos de imagem que tinham maior número de técnicas para sua produção: procedimentos usando seringas para inserir cores e controlar o movimento dos líquidos na tela em função da velocidade de aplicação; misturas de óleo e pigmentos para criar “ilhas” flutuando no espaço ou elementos imiscíveis que “duelam” pelo espaço em cena; uso de elementos efervescentes para criar bolhas e dar movimento à composição; sobreposição de dois vidros de relógio intercalados com líquidos para criar dinâmicas de mistura rítmicas; e até a inserção de peixes vivos no recipiente, em conjunto com tintas não tóxicas, para 157 acrescentar um elemento realista às imagens (EDMUND, 1977). Além destas citadas acima, cada coletivo criava as suas próprias estratégias, experimentando até chegar em resultados considerados interessantes pelos seus criadores. O processo era bem artesanal e lúdico, como todos nos Light Shows, e a improvisação na criação das imagens tinha grande importância, como Joshua White gostava de ressaltar. O artista fazia uma analogia com o Jazz, onde cada músico “precisa ser bom o suficiente para tocar com os outros da banda e todo mundo precisa conhecer a música. Somos basicamente artistas de jazz visual com nossos próprios instrumentos” (WHITE, 2012). A relação com a música não fica apenas na questão da improvisação do Jazz; Joshua fala também nas maneiras como a imagem pode se relacionar com a música que está sendo tocada: não é uma sincronia perfeita; tende a ser algo mais fluido onde som e imagem estão em constante diálogo, e o cérebro do espectador se ocupa de criar as possíveis relações. O artista também não gostava de relações óbvias e diretas entre o conteúdo que produzia e a música: a literalidade era considerada uma subestimação da capacidade do espectador, fato que, segundo ele, acontecia muito em outros grupos. Joshua buscava uma unidade entre som e imagem, onde o sentimento da música estivesse presente nas imagens criando um amálgama inseparável. Quando esta unidade não acontecia, Joshua dizia que as imagens se tornavam um papel de parede sem alma, resultado que deveria ser evitado.

Os Light Shows são ensembles formados por vários indivíduos técnicos trabalhando em sintonia, cada um tocado por um artista especialista, que utiliza estes dispositivos para criar imagens que vêm do interior. O conjunto não é apenas de dispositivos, mas também de humanos, membros do coletivo. Mesmo utilizando algumas vezes imagens figurativas, os elementos mais presentes nestes trabalhos são abstratos, e fazem referência às aspirações internas dos artistas, que expressam suas emoções e sentimentos por meio de formas, cores e movimentos, como proposto por Kandinsky no início do século XX.

É no diálogo com a música que os artistas dos Light Shows expressam suas emoções, conjugadas com as de cada elemento de seu coletivo, e o resultado depende da soma do que cada um está fazendo naquele momento. Os objetos técnicos utilizados pelos coletivos de Light Show estão em constante processo de individuação, alterando-se a cada nova descoberta de um modo diferente de fazer ou de um dispositivo que pode acrescentar potencialidades ao conjunto. A harmonia acontece de maneira suave entre elementos industriais e artesanais – 158 mesclados de modo a expandir constantemente as potências artísticas do projeto – e também entre técnica e espiritualidade. Pode-se perceber uma consciência de compartilhamento no modo de fazer dos Light Shows, que se multiplicaram pelos Estados Unidos a uma velocidade sem precedentes, talvez exatamente por este espírito fraterno, de cooperação mútua. Por isso os objetos técnicos utilizados pelos Light Shows se parecem, como se parecem os formatos das bandas que eles acompanham. São informações compartilhadas permitindo a democratização do meio e fazendo surgir uma cena intensa e única, que infelizmente teve curta duração.

Como apontado pelo escritor Tom Robbins (OPPENHEIMER, 2009), os Light Shows têm uma ligação próxima com a Cibernética de Norbert Wiener, pois se constituem de sistemas compostos por vários elementos que buscam uma estabilidade, materializada continuamente pelas imagens projetadas na tela. Este equilíbrio, no entanto, não depende somente dos elementos técnicos, mas principalmente de seus operadores; é pela observação do que cada artista está fazendo com seu setup próprio que interações criativas surgem, como no improviso das bandas de Jazz citado por Joshua White. Este movimento se distancia dos grupos de vanguarda do início do século XX que tinham ligações de idealização em relação à máquina, enfatizado nos modos associativo e simbólico propostos por Broeckmann. Os Light Shows, porém, têm como tema a cultura pop e utilizam os aparatos técnicos como ferramentas para construir seu universo único. Como a maioria dos gêneros da Visual Music, eles têm ligação direta com questões da forma e do movimento. Inclusive, vários elementos ligados à Op Art e Arte Cinética como padrões de moiré e ilusões de óptica tem presença constante nas performances dos Light Shows. A questão ecológica apontada por Broeckmann ganha aqui um significado expandido: além de serem compostos por um sistema que envolve várias pessoas, buscando uma harmonia e um equilíbrio estético entre eles, questões ambientais e de preocupação com a preservação do meio ambiente também criam uma ligação profunda e direta dos Light Shows com a natureza. Não a natureza figurativa retratada em seu aspecto exterior, mas algo mais abstrato, que visa entender a própria essência do mundo por meio de suas forças constitutivas, presente nos Light Shows nos movimentos caóticos dos líquidos, nas reflexões de luz dos dispositivos de Lumia e na ênfase nos aspectos mais primordiais da cognição humana. Desta forma, também podemos dizer que os Light shows fazem parte da síntese proposta por Simondon entre técnica e espiritualidade, gerando uma estética própria que remete ao mundo mágico, ao qual estes artistas tentavam chegar por meio de suas 159 experiências psicodélicas; uma linguagem ancestral em busca da expansão de consciência coletiva.

3.5 Ryoji Ikeda

Com o advento dos computadores digitais pessoais e sua posterior popularização a partir da década de 1990, o modo de se produzir Visual Music foi drasticamente alterado. Os dispositivos mecânicos deram lugar às “máquinas cerebrais” de Santaella, e os processos artesanais de criação e manipulação de objetos físicos se tornaram abstratos e digitais, tornando o processo criativo menos manual e mais intelectual. Agora uma única máquina convergia a criação e produção de som e imagem, substituindo mecanismos analógicos pelos digitais. Com o computador, artistas podiam criar com muito mais facilidade seus trabalhos, economizando tempo e alcançando resultados impossíveis antes do advento da mídia digital. O processo de produção de imagens dentro da Visual Music seguiu esta tendência e passou a ser criada por meio de softwares específicos, programados para realizar funções anteriormente baseadas em procedimentos trabalhosos e demorados, como a pintura quadro a quadro dos filmes abstratos da primeira metade do século XX. Agora, por meio de softwares, a ideia do artista podia ser mais facilmente executada, contribuindo para uma popularização do processo criativo. Esta mudança radical de paradigma tecnológico foi responsável – entre outros fatores – por um ressurgimento da Visual Music, agora amparada pelos processos digitais dos softwares, que permitiam a edição de imagens em tempo real. A complexidade técnica dos Light Shows se condensou em um único dispositivo; por meio do simples aperto de um botão se tornava possível alcançar resultados similares aos que anteriormente necessitavam de uma equipe e de uma infinidade de objetos mecânicos complexos atuando em conjunto para acontecer.

Programas como Resolume, Arkaos, Modul8, VDMX, entre outros, permitiam ao artista a inserção de loops de vídeo e sua edição em tempo real, aplicando efeitos, alterando cores, sobrepondo camadas, etc. Estes softwares retiraram a ênfase da Visual Music da invenção de novos dispositivos, agora realizada pelos programadores, canalizando o potencial criativo para o campo da composição, pois agora passava a existir um dispositivo “completo”, no qual cabia tudo e a princípio o artista podia se dedicar exclusivamente à criação do 160 conteúdo artístico. Foi isso que possibilitou o surgimento dos VJs, na virada do século XXI; praticamente qualquer pessoa podia baixar um programa de mixagem ao vivo, alguns loops da internet e começar a fazer apresentações em festas e eventos, produzindo imagens ao vivo como fundo para apresentações musicais. Apesar dessa democratização dos meios produtivos apresentar grandes vantagens em relação aos processos analógicos do passado, seu uso também gerou uma uniformização dos resultados, devido à rigidez dos programas, que tinham uma interface fixa e consequentemente um número limitado de possibilidades (mesmo que existentes em grande número). Esta limitação logo fez surgir clichês no meio, como o uso excessivo de alguns efeitos e a repetição padronizada de alguns procedimentos de mixagem. Após um início promissor nos primeiros anos da década de 2000, o VJ foi aos poucos sendo relegado a um plano inferior ao da música, servindo muitas vezes apenas como pano de fundo para as apresentações musicais. Talvez o próprio fator que permitiu o surgimento dos VJs – a facilidade de produção e manipulação da informação gráfica – tenha surtido efeito contrário, ressaltando um caráter de inferioridade do artista em relação à própria ferramenta, que muitas vezes falava mais que ele próprio. Esta facilidade também inseriu no mercado pessoas sem o apuro estético necessário para a produção de conteúdo relevante, fazendo decrescer o interesse do público em relação aos visuais, cada vez mais uniformes e sem criatividade.

A saída encontrada por alguns artistas foi operar um deslocamento para outros ambientes e ferramentas, que possibilitassem uma produção mais autoral, mais elaborada e que também suscitassem maior atenção por parte do público, unindo som e imagem em produções multimodais e transmidiáticas. Com as performances audiovisuais – que aconteciam em ambientes diferentes das festas de música eletrônica – propostas artísticas onde conexões entre som, imagem e conceito se tornaram muito mais sofisticadas, criando aos poucos um modo de relação diferente das fugazes conexões entre DJs e VJs. Criadas normalmente do zero a partir de um conceito ou tema, som e imagem são compostos pelo mesmo artista ou coletivo, tornando o resultado mais unificado, resultando em espetáculos que agora aconteciam em teatros ou outros locais onde o público assistia assentado, em um ambiente controlado e imersivo, com sua atenção focada no conteúdo audiovisual exibido ao vivo na tela. Os elementos técnicos acompanharam este deslocamento, e começaram a surgir softwares que permitiam aos artistas produzir sua própria programação, tornando a criação mais personalizada. Programas como Max/Msp, Processing, VVVV, Open Frameworks, Touch Designer, entre outros, proporcionava aos artistas a criação de programações únicas, 161 personalizadas de acordo com as necessidades do artista. Assim, cada nova performance podia ter seu próprio programa, seu instrumento único, construído para executar exclusivamente aquelas funções desejadas pelo seu criador naquele momento. Esta transformação ampliou mais uma vez os horizontes da Visual Music, finalmente propiciando aos artistas um possível controle sobre todos os elementos audiovisuais em tempo real, diminuindo a uniformidade causada pelos softwares com interface fixa e tornando as performances mais autorais e próximas das necessidades e expressividade de cada artista. Obviamente existem exceções e nem sempre o uso de um programa de VJ leva a um resultado padronizado, porém com os softwares onde se pode criar programações específicas para a necessidade de cada um, a diversidade de resultados se torna muito mais presente.

Estes programas que permitem ações procedurais ou generativas também transformam o resultado artístico, passando de uma lógica de mistura entre camadas de vídeos pré- gravados para a manipulação de cada parâmetro dos elementos gráficos ou sonoros em tempo real. Mesmo os softwares de VJ oferecendo uma ampla gama de possibilidades, o input será sempre algo já finalizado – um loop de vídeo – sem chance de alteração em cada um de seus elementos constitutivos. E é exatamente isso que os programas generativos permitem: manipular ao vivo os elementos fundamentais de som e imagem, chegando aos limites composicionais, onde o artista consegue alterar cada parâmetro de sua composição em tempo real. Traçando um paralelo com a música, com os softwares procedurais o artista tem controle pontual dos elementos pictóricos da mesma forma que o músico consegue alterar durante a execução de uma peça cada elemento sonoro, cada nota ou acorde e não apenas repetir e misturar frases já prontas ou loops (no caso dos DJs). Com estes softwares, o digital retorna de alguma forma ao seu modo artesanal, afastando-se do caráter industrial e padronizado dos programas fechados. São com eles que os artistas audiovisuais conseguem imprimir uma personalidade própria e única ao trabalho, como a assinatura do artista presente quando este pintava diretamente na película.

Esta liberdade e unicidade dos programas generativos só é superada quando se tem a possibilidade de construção do próprio software, utilizando linguagens de programação como C#, C++, Java, etc. Programado do zero, sem utilizar outras plataformas que acrescentam alguns padrões de desenvolvimento, o resultado se torna ainda mais personalizado e específico, indo além de qualquer direcionamento que marca um programa já constituído, nos 162 quais as funcionalidades são fixas e instituídas pelos desenvolvedores do programa. Com softwares programáveis, o artista consegue um poder de processamento superior aos programas mais genéricos, reduzindo seu tamanho, ampliando sua capacidade de processamento e tornando o resultado final ainda mais único.

Ryoji Ikeda, o artista que escolhemos como expoente da utilização dos meios digitais para se produzir audiovisual ao vivo, utiliza este procedimento, criando um novo software do zero para cada nova performance, conseguindo assim um resultado que expande os limites da percepção visual e sonora, viabilizada por objetos técnicos digitais de grande capacidade e softwares personalizados. Ryoji Ikeda nasceu em 1966, em Gifu, no Japão e atualmente mora na França. O artista trabalha

...as características essenciais do som e da imagem como luz, por meio de precisão e estética matemática. Ikeda ganhou uma reputação como um dos poucos artistas internacionais trabalhando de forma convincente na confluência das mídias visuais e sonoras. Ele orquestra sons, imagens, materiais, fenômenos físicos e noções matemáticas em performances imersivas ao vivo e instalações (CASTELLI, 2012, p. 9). Ikeda divide seu trabalho em composições com registro físico (em CD, DVD ou livros) e performances e instalações generativas, tendo participado de inúmeros eventos, exposições e festivais em todo o mundo. Com exceção da produção musical materializada na forma de CDs, o artista sempre envolve som e imagem em seus trabalhos, em composições sincrônicas onde a precisão temporal é fator primordial, utilizando uma linguagem própria que explora os limites da percepção humana. Seus temas estão sempre ligados à ciência, em uma busca por entender os princípios fundamentais da natureza por meio de fórmulas matemáticas e visualização de dados. Alguns de seus principais trabalhos são “Datamatics” (2006-), “Test Pattern” (2008-), “Spectra” (2001-), “Superposition” (2012-), “Supersymmetry” (2014-) e “Micro|Macro” (2015-). O traço após o ano de criação de cada performance indica o caráter dinâmico, em constante concretização de seu trabalho; foram compostas em uma data específica, mas continuam vivas, se desenvolvendo, amadurecendo. Este dinamismo tem ligação direta com o modo digital de produção, permitindo que atualizações sejam feitas facilmente nos programas, resolvendo conflitos e criando novas funcionalidades sempre que o artista desejar; são as individuações de Simondon onde uma relação de trocas constantes com o meio permite ao objeto técnico se aperfeiçoar frequentemente, em sucessivas concretizações. Em termos conceituais e estéticos, esta atualização também se mostra 163 presente, com novas performances se desdobrando a partir de ideias anteriores, sendo exploradas de modo diferente, mas criando uma sequência contínua que liga todos os trabalhos do artista.

Com exceção do início de sua carreira, quando atuava como DJ e artista sonoro, Ikeda sempre trabalhou em grupo. Mesmo quando assina suas composições sonoras ou audiovisuais, sempre existe um suporte técnico de programadores, arquitetos e engenheiros para o desenvolvimento de softwares ou hardwares que o artista utilizará no palco. Sua carreira começou com participação no coletivo multimídia japonês Dumb Type, no início dos anos 1990, onde criava as trilhas para os espetáculos do grupo. Simultaneamente, Ikeda criava suas primeiras composições sonoras, lançadas pela gravadora Touch, entre 1996 e 2002 (HAMMOND, 2015). São desta época os discos “+/-” (1996), “Time and space” (1998), “Matrix” (2000) e “Op” (2002). Após sua saída do selo Touch, Ikeda foi para a Raster Noton, importante gravadora de música experimental Alemã, pela qual lançou seus trabalhos audiovisuais “Dataplex” (2005), “Test pattern” (2008), “Dataphonics” (2010) e “Supercodex” (2013). Ikeda foi aos poucos inserindo elementos visuais em suas apresentações, logo se tornando um dos mais importantes artistas trabalhando com performances audiovisuais do mundo, sempre mantendo uma estética minimalista que utiliza os elementos fundamentais do som e da imagem: linhas, pontos, formas geométricas em preto e branco e frequências puras, explorando os limites da percepção do espectador. Sua linguagem audiovisual trabalha na parte sonora com frequências situadas nos limites da percepção humana, em composições onde o ruído convive harmonicamente com frequências puras, buscando novos tipos de relacionamento entre os elementos sonoros. No aspecto visual, o resultado é sempre calcado em números, que se apresentam na tela na forma de visualizações de dados, aparecendo aos milhares, ou ficam “escondidos” nas programações generativas. O resultado obtido é quase sempre materializado em imagens em preto e branco, com mínimos elementos de cor para ressaltar algum dado. Blocos monocromáticos destacam o caráter digital do trabalho do artista, onde não há cinza, mas sempre a oposição binária entre 0 e 1; ligado e desligado; preto e branco. A precisão no tratamento dos parâmetros audiovisuais e a sincronia também são aspectos fundamentais de seu trabalho e estão presentes em todas as composições, enfatizando o caráter matemático de sua obra. 164

Figura 38 - Performance audiovisual “Test Pattern” (2008)

Fonte: Site do artista. Foto: Liz Hingley. O trabalho de Ikeda busca os fundamentos da percepção humana, tentando evocar sensações puras utilizando mínimos blocos de som e luz. Por meio de imagens abstratas e sons sintéticos, em uma mistura de desorientação e ordenamento, combinado de prazer e desprazer, caos e ordem, o artista conduz o espectador rumo a um estado de transe, anterior a qualquer tentativa de significação. Seus trabalhos ressaltam o caráter físico do som por meio de frequências subgraves que afetam o corpo do espectador, enquanto imagens estroboscópicas causam vertigens pela velocidade com que aparecem na tela. A intenção de Ikeda é criar ambientes imersivos com alta potência e densidade audiovisual, que o público deve experienciar sem necessariamente ter que entender os conceitos com os quais o artista está trabalhando. Seu fluxo constante de informação expresso em células sonoras com durações mínimas, números e elementos gráficos é um convite à transcendência, desestabilizando o espectador e deslocando-o para um novo universo, baseado em fórmulas matemáticas que tentam expressar as forças internas da natureza, concretizando-as em som e imagem. Para Ikeda, assim como para vários artistas da Visual Music, o mais importante é a sensação que seu trabalho causa; é a experiência pura de sons e imagens que afetam nossos sentidos, sem representações. Mesmo que o que se esteja vendo na tela sejam dados que se referem a análises de padrões e estruturas reais, seu fluxo em alta velocidade retira qualquer tentativa de um entendimento lógico, baseado em interpretações do que está sendo projetado; pelo contrário, a extrema rapidez com que sons e imagens surgem e desaparecem só dão 165 espaço para uma relação primária, de impacto sensorial, que deixa pouco espaço para conexões interpretativas.

Figura 39 - “Data.path”, instalação audiovisual (2013)

Fonte: Site do artista. Foto: Fernando Maquieira. Apesar de trabalhar quase exclusivamente com imagens abstratas, Ikeda tem uma forte ligação como a natureza. Não aquela dos pintores figurativos, mas outra, que vai buscar os fundamentos e leis que regem seu funcionamento. Ikeda se aproxima de Kandinsky quando cria este vínculo com o mundo a partir de seus elementos fundamentais, utilizando frequências puras e blocos em preto e branco, de maneira similar àquela que o pintor russo tratou o ponto a linha como princípios elementares que farão nascer todas as outras formas (KANDINSKY, 2001). Esta ligação com a natureza o aproxima também do mundo mágico de Simondon, o estado perdido anterior à significação, onde os sentidos percebem apenas alguns pontos em destaque na reticulação do mundo. A extrema velocidade dos elementos audiovisuais cria um continuum que impede qualquer divisão do tempo e do espaço ou separação entre figura e fundo, que se alternam em altíssimas frequências a ponto de não poderem ser distinguidas. Não há divisão entre som e imagem, nem entre o espectador e a obra; tudo está fundido em uma rede de dados que se relaciona com a natureza criando novas relações, transportando o espectador para este momento primitivo da história humana, antes das ferramentas e da linguagem, onde o ser humano conseguia diferenciar apenas alguns pontos-chave, em uma relação próxima com a natureza. A utilização do ruído por Ikeda 166 também pode ser entendida como esta tentativa de aproximação com a natureza, decodificando o teor caótico do universo, composto por infinitos elementos, frequências, formas e movimentos que são materializados simultaneamente em som e imagem.

Figura 40 - Caspar David Friedrich “Wanderer above the Sea of Fog” (1818)

Fonte: https://www.thinglink.com/scene/658225006207041537. Ikeda transforma a natureza em dados: em vez de “landscapes” temos “datascapes”, paisagens compostas por infinitos dados que hipnotizam o espectador em uma estética do indizível. Salomé Voegelin, em um artigo sobre o trabalho de Ikeda chamado “Inhabiting a world of Numerical Things” (VOEGELIN, 2016) compara o quadro do pintor Caspar David Friedrich “Wanderer above the Sea of Fog” (1818) – em que uma pessoa no cume de uma montanha olha para “o vazio entre homem e natureza, contemplando o terror esmagador do mundo exterior em sua extensão infinita” (VOEGELIN, 2016, p. 34) – com a obra de Ikeda. Em ambos a sensação de infinito está presente, sendo que, no caso de Ikeda, o personagem que está à beira do abismo é o próprio espectador. Voegelin situa o trabalho de Ikeda entre a mensurabilidade e o incontrolável, um lugar do pré-humano ou do pós-humano, tornado visível por meio de uma enxurrada de números que o espectador não consegue compreender. De fato, as visualizações de dados do artista envolvem uma enorme quantidade de números, ou algumas vezes números com tantos dígitos que sua apreensão se torna impossível para o ser humano, como na obra “V≠L”, onde conjuntos de impressões exibem sequências numéricas compostas por milhares de algarismos. Sendo confrontado com algo em escala 167 muito superior à sua compreensão, algo que vai além da experiência humana, o espectador se sente insignificante, de maneira semelhante a quando ele contempla a infinitude do universo. A obra de Ikeda extrapola os limites humanos e de qualquer representação, remetendo a um mundo ancestral e primitivo, mesmo utilizando as mais modernas tecnologias.

Figura 41 - “The transcendental (π) [nº1-a]” (2012)

Fonte: Site do artista. Foto: Ryuishi Maruo. Nessa busca por entender a natureza e a própria constituição do universo, Ikeda se baseia sempre na ciência e na matemática, utilizando fórmulas que conseguem tratar um grande número de dados, tornando-os visível e audíveis, por meio de softwares. Similar às ideias de John Whitney, que via beleza e uma certa espiritualidade nas relações matemáticas entre os inúmeros pontos constitutivos de suas composições, Ikeda bebe na fonte da ciência em sua busca pela precisão e beleza das formas puras; uma busca pelo sublime, que segundo ele pode ser alcançado por meio de relações matemáticas:

Para mim, a beleza é cristalina: racionalidade, precisão, simplicidade, elegância, delicadeza; o sublime está no infinito: no infinitesimal, na imensidão, no indescritível, no inefável. Para mim, a mais pura beleza é o mundo da matemática. Seu conjunto perfeito de números, grandezas e formas persistem, independente de nós. A experiência estética do sublime na matemática é inspiradora. É semelhante à experiência que temos quando nos confrontamos com a vasta magnitude do universo, que sempre nos deixa boquiabertos (VOEGELIN, 2016, p. 30). Este sublime buscado por Ikeda pode ser relacionado ao “sublime computacional” proposto por Jon McCormack e Alan Dorin no artigo “Art, Emergence, and the Computational Sublime” (MCCORMACK; DORIN, 2001). É uma mistura entre prazer e medo causado pela tecnologia; é a síntese entre o “prazer de saber que podemos estar conscientes do que não 168 podemos experimentar e do medo de que existem coisas que são muito vastas ou poderosas para nós experimentarmos.” (MCCORMACK; DORIN, 2001, p. 11). Os autores citam Kant e sua divisão entre o sublime matemático, que pode ser concebido simbolicamente por meio da matemática, mas não pode ser experienciado sensorialmente e o sublime dinâmico, ligado ao poder da natureza, que está além da compreensão humana. Ikeda parece fazer desaparecer esta dicotomia em seu trabalho, tentando entender a natureza por meio de fórmulas matemáticas. A matemática tem tanta importância em seu trabalho que, quando questionado sobre suas influências, Ikeda não cita artistas, mas cientistas e matemáticos: Leibnitz, Cantor, Godel, Grothendieck (IKEDA, 2008). Entre 2014 e 2015 o artista foi residente no acelerador de partículas CERN, e várias de suas obras contam com parcerias interdisciplinares com cientistas como David Edwards e Benedict Gross. Na era da informação, Ikeda utiliza partes do turbilhão de dados disponíveis em nossa sociedade tornando-os sensíveis, perceptíveis na forma de som e imagem, mas que ao mesmo tempo apontam para algo impossível de ser apreendido: a infinitude do universo.

Nesta busca, Ikeda não está sozinho; todos os seus trabalhos são produzidos por uma equipe coordenada por ele. Ikeda normalmente é responsável pelo conceito do trabalho e pela composição sonora, delegando questões técnicas para outras pessoas. Ele sempre trabalha com jovens artistas que fazem esta parte do trabalho, a partir do conceito desenvolvido por ele. Estas colaborações são inevitáveis, já que Ikeda, mesmo trabalhando essencialmente com tecnologia, fórmulas matemáticas e código, não é programador. O artista chega a se contradizer quando afirma que o trabalho artístico é fruto de um único artista (IKEDA, 2008), pois sempre atua em conjunto com programadores, engenheiros e arquitetos. Aqui podemos ver uma questão importante surgida após o advento do digital: a parceria entre o artista, que cuida da parte conceitual, e o programador, que concretizará as ideias do artista por meio do código. Esta parceria nem sempre é equilibrada, e o artista normalmente recebe todo o mérito pela obra, mesmo que inúmeros aspectos do trabalho final dependam da forma como a programação foi executada. A questão estética especificamente depende muito da habilidade artística do programador, que oferece ao artista potências que só ele conhece, e pode chegar a resultados inesperados no processo de composição da programação que não foram previstos pelo artista que solicitou o trabalho. Entretanto, estas questões são frequentemente ignoradas e apenas o artista que idealizou a obra é valorizado. Como temos explicitado em todos os casos analisados nesta pesquisa, o lado técnico sempre influencia no resultado artístico final. Logo, 169 os programadores – como os outros indivíduos técnicos humanos integrantes do processo – são responsáveis por importante parte da obra. Falamos sempre do lugar da Visual Music como o ponto de equilíbrio entre técnica e espiritualidade, e a relação programador / artista não seria exceção.

Os programadores são os responsáveis pela invenção dentro do ambiente digital, que agora acontece na forma dos softwares: são os programas, principalmente aqueles criados do zero utilizando linguagens de programação, que operam os saltos evolutivos que fazem surgir novas potencialidades para o artista. Enquanto que na era analógica o artista era responsável pela invenção de seus dispositivos, no meio digital esta função é frequentemente terceirizada, deixada a cargo de profissionais especializados que criam novos dispositivos digitais baseados nas necessidades do artista. Este procedimento de trabalho em grupo é efetuado por Ikeda, que atua em parceria com programadores que ficam a cargo da manipulação e visualização gráfica de dados, de programas que fazem a sincronia audiovisual, do gerenciamento do sistema, etc. Outros parceiros do artista – engenheiros e arquitetos – trabalham com questões mais materiais, construindo hardwares ou desenhando projetos arquitetônicos para suas instalações. Esta divisão do trabalho permite a Ikeda concentrar-se nas questões conceituais de seu trabalho, que vão muito além do código, mas que dependem dele para sua concretização.

Mesmo não sendo programador, Ikeda tem uma sensibilidade para questões relativas ao digital e estas permeiam toda a sua obra. A questão da precisão viabilizada pelo digital, por exemplo, é fundamental em seu trabalho, e só se torna possível pela utilização de computadores e softwares específicos. A dicotomia binária que alterna entre 0 e 1, ligado e desligado, auxilia na precisão milimétrica de suas obras, que não seriam viáveis se produzidas de modo analógico. O absoluto controle sobre cada elemento sonoro ou visual é imprescindível para a materialização das ideias do artista. Porém, ao mesmo tempo, a aleatoriedade também faz parte de seu trabalho, em um embate de forças antagônicas que se revezam:

Eu tento controlar a aleatoriedade. Este é um grande contraponto, o encontro de aleatoriedade e controle. O contraste é mais interessante. Se você realmente controla um milissegundo, existem outras possibilidades, mesmo que sejam microscópicas. Você não pode perceber a mudança diretamente, mas se você prestar muita atenção, toda a composição muda. Então, tento adicionar aleatoriedade e gosto de ver o contraponto, o contrapeso (WEIBEL, 2014, [n.p]). 170

Ikeda tem um grupo de colaboradores frequentes que o auxilia desde a época em que trabalhava no coletivo Dumb Type. Seus trabalhos da virada do século como “Matrix” tinham participação de Shiro Takatani (vídeo), Hiromasa Tomari (vídeo) e Takayuki Fujimoto (iluminação). Nesta época, Ikeda trabalhava com vídeos pré-gravados, sincronizados via timecode com o som (IKEDA, 2001). Já obras mais recentes envolvem programações generativas executadas ao vivo por meio de programas criados pelos programadores Norishimi Hirakawa, Tomonaga Tokuyama e Yoshito Onishi, que também se revezam em outras funções técnicas dentro da equipe formada por Ikeda.

A trajetória do artista acontece em simultaneidade com algumas tendências e mediações técnicas específicas que serviram de suporte para a arte digital entre o final da década de 1990 e os dias de hoje. Iniciando com material pré-gravado de áudio e vídeo sincronizado, passando por programações digitais generativas e atualmente incluindo elementos analógicos e até performers em cena. Analisaremos algumas de suas obras e de que maneira os aspectos conceituais se relacionam com os técnicos no trabalho de Ikeda.

Até “Matrix” (2000), o artista utilizava procedimentos mais ligados ao vídeo do que às tecnologias de geração de imagem em tempo real. Softwares como ProTools, Cubase, After Effects e Photoshop, que constam no rider técnico desta performance (IKEDA, 2001), eram os responsáveis pela exibição de sons e imagens durante a performance, sincronizados via SMTPE. Este trabalho também aconteceu na forma de instalação, onde 5 alto-falantes direcionais Meyer SB-1 tocavam as frequências puras do disco de mesmo nome do artista. A partir de 2006, com a performance “Datamatics”, baseada nas composições do disco “Dataplex”, lançado pela gravadora Raster Noton, Ikeda passou a utilizar sistemas mais complexos de tratamento de dados e softwares generativos para a concepção das imagens, porém o resultado ainda era exibido de maneira convencional, com imagens e sons pré- gravados e sem participação do artista no palco: o artista ficava responsável pela montagem e acompanhava a apresentação junto com a equipe técnica. Nesta performance, a manipulação de dados obtidos a partir de erros do disco rígido do computador faz nascer sons e imagens, tornados sensíveis por meio das programações sob supervisão de Ikeda, que depois são gravados em sequências de imagens. Como vários trabalhos do artista, a constante atualização faz surgir novas potencialidades, exploradas de maneiras diferentes de acordo com o local onde será apresentada a obra: 171

Cálculos de programas em tempo real e varredura de dados são empregados para criar uma nova sequência estendida que é uma abstração adicional do trabalho original. A dinâmica técnica da peça, como seus framerates extremamente rápidos e bit depths variáveis, continua a desafiar e explorar os limites de nossas percepções (IKEDA, 2006, [n.p.]).

Figura 42 - “Datamatics”, concerto audiovisual (2006)

Fonte: Site do artista. 172

Tentando tornar visível o invisível, “Datamatics” utiliza pontos, linhas e números, sem precisar de onde estes vêm, funcionando mais como apelo visual estético do que algo que deva ser interpretado pelo espectador. A incrível velocidade das partículas sonoras e visuais está vinculada à capacidade técnica dos hardwares e softwares utilizados por Ikeda. A exploração de limites na obra do artista não acontece somente no conteúdo audiovisual apresentado, que utiliza frequências quase inaudíveis e milhares de elementos visuais simultâneos, mas também na exploração dos limites de processamento dos objetos técnicos. Este trabalho não poderia ter sido feito há dez anos simplesmente porque os computadores da época não conseguiriam rodar imagens com esta resolução e neste framerate. Esta dependência dos objetos técnicos de última geração, capazes de reproduzir sons e imagens em alta resolução e qualidade é marca registrada de Ikeda.

A performance “Test Pattern”, de 2008, segue o caminho de visualização de dados presente em várias obras do artista, mas agora utilizando uma extrema economia de elementos gráficos, materializados na tela em sequências de retângulos em preto e branco animados em sincronia com a música, em clara referência ao universo binário da mídia digital. É por meio de zeros e uns que a informação circula no trabalho de Ikeda, desta vez com a presença do artista em cena. Não é possível identificar exatamente o que o artista faz ao vivo, pois o setup composto por dois laptops e mixer tornam as ações do performer pouco visíveis para o público. O mais importante no caso de Ikeda entretanto é a preparação do sistema, onde infinitas variáveis moldam o conteúdo audiovisual, concretizado em animações e loops sonoros. É por tentativa e erro que o processo se dá, mas estes “erros” são retirados do processo antes que o artista finalize o trabalho para apresentá-lo em uma performance ou instalação. É importante notar que o caráter improvisatório não está presente, talvez pela rigidez imposta pelo digital e pelos formatos de execução do conteúdo. Tudo é pensado com antecedência a fim de otimizar o resultado final.

Em seus trabalhos mais recentes, entretanto, a participação de performers e instrumentos analógicos mais aparentes no palco tem oferecido um pouco mais de informação visual ao espectador, além de uma maleabilidade maior no conteúdo. “Superposition”, de 2012, apresenta uma mudança significativa no percurso de Ikeda. A obra é inspirada em conceitos da mecânica quântica, e busca 173

entender a realidade da natureza em uma escala atômica. Este projeto foi inspirado nas ideias matemáticas e noções de campo quântico que lida com essa característica particular da natureza: só se pode descrever completamente o comportamento de uma única partícula em termos de probabilidades (CASTELLI, 2012, p. 2).

Figura 43 - “Superposition”, performance (2012)

Fonte: Site do artista. Foto: Fidelis Fuchs. Esta mudança de paradigma do digital para o quântico é radical, abrindo novas portas para o trabalho do artista. Saindo da dualidade binária, Ikeda agora se interessa pelo que há entre o zero e o um, algo muito mais próximo do mundo analógico, e que trará alterações importantes em todo o seu processo criativo. Agora as imagens não são mais pretas ou brancas; existe uma gama de intensidades e variações de tons que amplia sua paleta visual. A linguagem utilizada não é mais o BIT, mas o QUBIT (Quantum Binary Digit), zero e um ao mesmo tempo, além de todos os possíveis intervalos entre estes dois dígitos; é o continuum próprio da natureza que remete ao infinito, conceito sempre presente na obra de Ikeda, mas que antes encontrava- se fragmentado pelo digital. Nesta performance aparecem imagens do mundo real, intercaladas com as cachoeiras de dados comuns ao trabalho de Ikeda: paisagens, palavras- cruzadas, fotos, texturas e até uma câmera ao vivo capturando ações dos performers trazem uma diversidade relacionada ao tema que o artista está tratando: a mecânica quântica, um mundo de incertezas, probabilidades e simultaneidades. Agora não é mais o paradigma digital que reina absoluto, mas interferências do mundo real se tornam parte importante do trabalho. A inserção de dois performers no palco ressalta esta tendência de inserção de elementos analógicos que podem acrescentar variações com algum grau de imprevisibilidade ao sistema. 174

Metrônomos, aparelhos de telégrafo modificados, máquinas de escrever, diapasões, entre outros são “tocados” ao vivo, alterando o som e a imagem da performance por meio da digitalização destas ações e sua conversão em tempo real por softwares específicos, criados pelos colaboradores Tomonaga Tokuyama, Norimichi Hirakawa e Yoshito Onishi. Além de servir como dados para a performance, a imagem capturada das ações dos performers é também exibida na tela em alguns momentos, intercalada ou sobreposta ao restante da informação digital.

Seguindo esta trilha híbrida entre digital a analógico, Ikeda produziu em 2017 uma obra chamada “A [for 100 cars]”, atualização de um trabalho do artista de 2000. Inicialmente composto por frequências puras emitidas por alto-falantes direcionais, a obra ganha outra proporção quando Ikeda resolve criar cem dispositivos que emitem unicamente uma frequência, instalá-los cada um em um carro, e assim criar uma sinfonia minimalista onde variações mínimas de volume e alterações nas oitavas – multiplicando ou dividindo a frequência central – criam texturas sonoras que saem dos alto-falantes de cem carros estacionados em um pátio. Mais uma vez, as questões técnicas – neste caso a construção dos instrumentos físicos idealizados por Ikeda – ficaram a cargo de um convidado do artista: o engenheiro de sintetizadores Tatsuya Takahashi, que desenhou o projeto dos dispositivos em conjunto com empresa alemã E-RM Erfindungsbüro. Os instrumentos criados para a instalação eram simples geradores de ondas senoidais puras, que emitiam variações em torno da frequência padrão de afinação de instrumentos em voga atualmente: 440 Hz. A intenção de Ikeda neste trabalho é mostrar, de maneira poética, as variações neste padrão ao longo dos séculos, concretizada nas pequenas diferenças de frequências emitidas por cada sintetizador. Cada dispositivo tinha também a possibilidade de alterar a oitava do som emitido e, por meio de um timer, o participante podia seguir a partitura criada por Ikeda. Mais uma vez, a precisão tão cara ao artista é posta “em risco” pela delegação do poder performático a outras pessoas, neste caso cem indivíduos que devem seguir uma sequência de ações, mas que se transformam em potenciais pontos de erro – ou variação – em função da imprecisão humana. A mudança das frequências pode ser feita um pouco fora do tempo estipulado, o participante pode se perder na leitura das instruções, entre outras “imperfeições” que trazem um lado humano e menos rígido para a performance. Este diálogo entre precisão e aleatoriedade traz novos ares ao trabalho do artista, que alterna agora entre a lógica binária e a quântica. 175

Em 2018, Ikeda levou esta tendência rumo ao analógico a um ponto extremo na parceria firmada com o grupo de percussão Suíço Eklekto. Na performance chamada “Music for Percussion”, não há nenhum elemento digital ou eletrônico, apenas as ações dos músicos no palco. Partes do corpo e instrumentos percussivos são tocados a partir da partitura de Ikeda, lembrando aspectos musicais de seu trabalho, como a utilização de notas muito curtas e composições minimalistas, porém agora concretizados sem computadores, softwares ou qualquer instrumento digital. Porém, mesmo executada por meios analógicos, a música lembra as texturas criadas por Ikeda em seus outros trabalhos, que utilizam uma lógica minimalista de exatidão eletrônica, que agora é tornada maleável pela interpretação de seus convidados.

Em sua carreira, Ikeda percorreu um caminho conceitual voltado para exploração dos limites da percepção humana, em uma busca pelo sublime, viabilizado pela tecnologia em parcerias com programadores, engenheiros e arquitetos. Seus parceiros ficaram responsáveis pelas invenções presentes em seus trabalhos, normalmente na forma de softwares personalizados, deslocando o caráter artesanal que vimos nos artistas analisados anteriormente para uma lógica mais industrial, de divisão de trabalho e utilização de tecnologias padronizadas como computadores. A diferença então fica restrita às questões conceituais e aos programas criados especificamente para cada performance. As várias versões de trabalhos antigos feitas por Ikeda ressaltam o caráter dinâmico da mídia que o artista explora: o digital, que permite grande facilidade de atualização, colocando seus trabalhos em uma dinâmica de constante individuação. Cada transformação pode melhorar uma obra ou fazer surgir uma nova, com os poderes da superabundância, que apontam outros caminhos ao artista.

A estética de Ikeda busca uma relação com a ancestralidade, com o pré-humano, por meio da mais avançada tecnologia, em uma busca pelo indizível. Sua espiritualidade é baseada na matemática, que tenta explicar o universo através de fórmulas e visualizações de grandes quantidades de dados, que impactam o espectador em relações de prazer e desprazer. Ao sair do paradigma mecânico, vigente até o advento do computador digital, Ikeda passa a percorrer outros caminhos, agora digitais, onde o processo é menos visível e apenas o resultado audiovisual final está disponível para o espectador. O digital acontece de forma oculta, dentro da máquina, e já mostra o resultado pronto, saído de uma caixa-preta que faz tudo e está à disposição do artista por meio da programação. É um desdobramento da máquina 176 matemática de Turing em versão digital, que tem um grande poder de processamento, e assim serve às ambiciosas questões levantadas pelo artista em sua procura pelo entendimento do universo. Ikeda explora máquinas algorítmicas para criar imagens e sons, frutos de programações e análises de conteúdo de bancos de dados, algo que só se tornou possível pelo grande aumento na potência dos computadores pessoais, já no século XXI. É pelo código digital que conjuntos de números inapreensíveis pelo ser humano se tornam arte. Como em todos os artistas da Visual Music, o caráter formal das composições é preponderante, mas sempre vem aliado a questões transcendentais, em um amálgama entre técnica e espírito que equilibra o resultado final. Os sistemas digitais de Ikeda ao longo de sua trajetória vão se misturando com analógicos, criando ambientes interativos que podem ser explicados pela cibernética, onde o equilíbrio das diversas forças presentes no sistema atuam em conjunto para se chegar ao resultado pretendido pelo artista: o alcance do sublime, viabilizado pela técnica.

3.6 HOL

Fechando a sequência cronológica de artistas e seus dispositivos criados para produção de Visual Music, trataremos de meu projeto audiovisual HOL, que se inspirou em diversos artistas e técnicas característicos deste tipo de pensamento para chegar a uma síntese que aponta para o equilíbrio entre meios analógicos e digitais; entre som, imagem e conceito, materializados em performances generativas improvisadas ao vivo. Criado em 2008, HOL foi a evolução natural do meu trabalho como VJ, iniciado em 2004. Aos poucos percebi que no ambiente de festas a importância dada às imagens era sempre inferior à da música, e que qualquer narrativa visual construída em um local onde a prioridade é o som passaria despercebida pela maioria do público. Desde que comecei a trabalhar como VJ, percebi que tocar imagens era algo natural para mim, em função de minha formação musical e em artes gráficas. Colocar as imagens em sincronia com a música, improvisando misturas de camadas de loops de vídeo ao vivo era algo muito simples e até óbvio. Talvez em função de um background como instrumentista, sempre utilizei interfaces que me permitiam ter uma postura musical perante o conteúdo visual, mixando imagens ao vivo por horas como se estivesse tocando um instrumento em uma banda. Porém, várias limitações me levaram a buscar outro ambiente para mostrar meu trabalho, lugares onde projetos mais conceituais pudessem ser 177 desenvolvidos e onde o público estivesse disposto e focado em assistir um espetáculo audiovisual. Assim nasceu o projeto HOL e as primeiras composições foram peças curtas onde som, imagem e programações eram criados do zero, permitindo a manipulação de vários parâmetros audiovisuais ao vivo. Estes primeiros instrumentos que foram construídos – inicialmente concretizados na forma digital – tinham uma programação que propiciava o controle de cada elemento sonoro ou visual em tempo real, alterando parâmetros definidos previamente no código. Os programas utilizados para os visuais – VVVV e Max/Msp – me possibilitavam também criar interfaces com o mundo físico, e logo passei a produzir instrumentos concretos, que podiam ser manipulados ao vivo e controlar cada elemento da performance. A invenção se expandiu então do mundo digital para o analógico: simultaneamente aos novos instrumentos que criava em software, outros passaram a ser produzidos em hardware, utilizando o microcontrolador Arduino como ponte para acessar as variáveis dos programas no computador.

Figura 44 - Performance “Synap.sys”, Festival Sonica, Escócia (2015)

Fonte: Divulgação. Foto: Tommy Ga-Ken Wan. Após experiências no formato dos shows com sequências de composições audiovisuais curtas, similares a composições musicais, em pouco tempo percebi que a melhor maneira de expressar minhas ideias seria por meio de composições conceituais mais longas, que tivessem um tema que poderia ser desenvolvido em som e imagem ao longo de trinta a quarenta minutos de apresentação. Surgiu então a primeira performance audiovisual do HOL: “Aufhebung”, de 2009. A partir deste momento, todas as composições do projeto seguiram 178 esta formatação, na qual um tema é desenvolvido em várias partes, cada uma tratando de um aspecto da questão escolhida. A esta primeira, seguiram as performances “x=x” (2010), “PONTO, um videogame sem vencedor” (2011), “Synap.sys” (2014), “degelo” (2015) e “Dueto” (2015).

As performances do HOL seguem os princípios da Visual Music de tratamento da imagem de modo musical, seguindo estruturas similares às da música para produzir imagens onde a questão sensorial tem grande apelo, assim como a sincronia com a música. Apesar de ser fundamentado na Visual Music, o projeto busca acrescentar camadas ao núcleo que a define, dando espaço para questões simbólicas e metáforas. As sensações causadas pelas imagens abstratas fazem nascer associações e analogias que são vinculadas ao tema de cada composição, criando narrativas que conduzem o espectador no entendimento da obra. Assim, apesar de a parte estética ser trabalhada com grande apuro, ela não é o cerne do trabalho, pois o importante é transmitir a mensagem poética através dos elementos audiovisuais. Diferentemente dos padrões da Visual Music, cada um destes elementos tem uma razão de existir que remete ao tema proposto e nada acontece somente pelas questões estéticas e sensoriais. Essa seria uma camada extra, acrescentada sobre as estratégias da Visual Music, compartilhando de suas ideias, porém adicionando um elemento simbólico. Estas questões simbólicas surgem a partir dos princípios elementares de som e imagem, de sua própria constituição e das sensações que cada um produz. A agressividade de um som ruidoso, a repulsão sugerida por imagens pontudas; a suavidade ou opressão causada por determinada cor; a calma proposta pelo silêncio; a esquizofrenia de luzes estroboscópicas; o estranhamento causado pelo uso de notas ou acordes dissonantes; entre uma infinidade de outras relações, são os blocos de significado com os quais é construída minha linguagem audiovisual, onde a escolha da utilização de cada elemento visual ou sonoro implica em um direcionamento conceitual, buscando criar narrativas audiovisuais que passam uma posição pessoal a respeito de determinado tema; sem palavras, porém dizendo muito.

A escolha dos elementos audiovisuais que serão utilizados em cada composição passa sempre por três etapas: a inicial, que procura sons e imagens que podem transmitir informações a respeito do assunto que está sendo tratado por meio das sensações que cada elemento visual ou sonoro causa no espectador; a segunda, que questiona se aquele som ou imagem é relevante esteticamente; e uma terceira etapa onde é feita a sincronia audiovisual. 179

Todos os elementos audiovisuais imaginados para compor uma performance devem passar pelas três etapas, ou não serão incluídos no projeto final. Ou seja, uma imagem bonita, mas que não diz nada será descartada, assim como uma melodia sonora, por mais interessante que seja, deve cumprir papel relevante no roteiro, ou será excluída da composição. A segunda e terceira etapas são comuns à Visual Music, enquanto que a primeira é o acréscimo que venho tentando fazer, buscando a elaboração de uma linguagem audiovisual ao mesmo tempo simbólica e estética, que se preocupa com questões conceituais, mas que não deixa de lado o equilíbrio harmonioso entre as forças visuais e sonoras da composição.

Figura 45 - Performance “degelo” (2015)

Fonte: Arquivo pessoal do artista. Foto: Glênio Campregher. A utilização de elementos abstratos também é fundamental no projeto, pois desta forma o espectador pode concentrar sua atenção nas formas, cores e movimentos que fazem parte da composição, para assim assimilar melhor as sensações por eles causadas. Mesmo quando são utilizados trechos de vídeos pré-gravados, mais importante que a questão figurativa é o poder sensorial que deles emana. Além disso, nos raros momentos em que existem imagens pré-gravadas, estas são ressignificadas ou desconstruídas por meio da programação, tornando-se quase abstratas. Inclusive a própria desconstrução envolve um elemento simbólico, no modo como é realizada. Assim como os artistas da Visual Music, que priorizam elementos gráficos abstratos em suas composições pela maior liberdade que isso 180 proporciona, a utilização deste tipo de imagem no HOL também visa a uma maior facilidade tanto de animação quanto de geração das imagens, não ficando limitado às restrições de movimento de elementos realistas ou do caráter fixo das imagens pré-gravadas.

Outra questão fundamental dentro deste projeto é o modo como o conteúdo é gerado. Em todas as performances do HOL, som e imagem são construídos de modo generativo ou procedural, por meio de algoritmos que controlam cada parâmetro dos elementos audiovisuais. Os softwares utilizados no projeto são inclusive diferentes dos que uso para VJing: em vez de programas que tocam trechos de vídeo em loop, são utilizados softwares que geram o conteúdo em tempo real, de acordo com minha programação. Desta forma, é possível intervir em uma escala micro, alterando as características visuais dos componentes como tamanho, cor, posição, quantidade, deformação, etc e, na parte sonora, frequências, timbres, samples, sobreposições, ruídos, enfim, qualquer parâmetro que constitua cada elemento audiovisual. Com isso é possível um controle muito maior sobre cada som ou imagem do que o permitido pelos softwares de VJ, que já oferecem uma ampla gama de possibilidades. Porém, o controle total não me interessa; pelo contrário, em todas as performances do HOL, a imprevisibilidade é fator primordial. Para solucionar esta questão, inúmeras variáveis randômicas são inseridas na programação de cada instrumento digital, fazendo com que a aleatoriedade esteja sempre presente. Desta forma, é impossível que uma imagem se repita em qualquer momento de qualquer performance, pois estas variáveis tornam o trabalho dinâmico, modificando-o a cada nova apresentação. Assim como é possível o controle sobre todos os parâmetros dos elementos visuais da composição, também é possível o descontrole, a perda de estabilidade excluindo a repetição, que agora acontece apenas em termos mais gerais, submetidos à lógica simbólica da narrativa. Com as variáveis randômicas a performance é sempre um improviso e acontece de maneira diferente a cada vez que for executado o programa. Entre a precisa rigidez de Ikeda e a improvisação ao vivo dos Light Shows fico com a segunda, que oferece uma gama muito maior de possibilidades e variações, desafiando o artista a cada performance. Este desafio da improvisação é o que torna a obra viva e dinâmica, instigando tanto o artista quanto o público e valorizando a apresentação ao vivo. O processo de individuação passa a acolher estas potenciais variações criativas, e não somente as técnicas que constituem os dispositivos. O que acontece quando a obra é composta de maneira generativa é uma parceria muito próxima entre o artista e a máquina, pois o input de cada lado é matéria-prima para novas direções. Uma imagem gerada pelo programa pode 181 inspirar o artista a percorrer outros caminhos, ao mesmo tempo em que suas ações modificam instantaneamente o fluxo de dados da máquina, deslocando-a de seu curso original. Desta forma, é possível falar de uma coautoria entre ser humano e dispositivo técnico, sendo que o segundo deixa de ser um objeto passivo que reponde às ações humanas para atuar ativamente no desenrolar da performance. Tudo isso em um diálogo ágil que modifica o conteúdo audiovisual instantaneamente, tornando cada performance singular, não passível de ser repetida. Entretanto, mesmo com toda esta liberdade das funções aleatórias, minhas performances sempre têm uma estrutura rígida que será seguida em todas as apresentações; uma partitura de ações que devem ser seguidas a fim de guiar a narrativa que discorre sobre o tema da performance.

É importante frisar que no HOL som e imagem têm exatamente a mesma importância e são gerados ao mesmo tempo, ao vivo. Diferentemente do cinema onde a imagem é preponderante sobre o som, ou no videoclipe onde ocorre o inverso, neste projeto não há hierarquias; todos os elementos dialogam entre si, unindo-se e criando texturas onde não existe integrante mais importante que outro. Este é o equilíbrio proposto pelas performances audiovisuais e o ponto que a distingue de outros gêneros do audiovisual. Esta dinâmica é acentuada pelo advento do digital, que finalmente proporcionou aos artistas a possibilidade de criar som e imagem em tempo real, por meio de softwares, no computador. A translação dos instrumentos físicos para dentro desta “máquina universal” tornou muito mais fácil sua produção e atualização, permitindo o surgimento de uma nova onda na Visual Music. Agora todo o aparato técnico dos Light Shows foi condensado em um só programa, e as demoradas pinturas quadro a quadro são automatizadas, diminuindo enormemente o tempo de produção. Com os softwares generativos como VVVV, Max/Msp, processing, etc, o resultado é visto em tempo real, podendo ser aprimorado instantaneamente. Este paradigma é extremamente importante no processo composicional do projeto, pois inúmeras variações podem ser testadas até se chegar a algo satisfatório, além de permitir a execução das programações como se fossem instrumentos.

A criação de obras únicas, diferentes das realizadas por quem utiliza as mesmas ferramentas é questão fundamental no HOL. Pela utilização de programas cuja composição parte do zero, de uma tela em branco, esta diferenciação já se torna maior, mas dentro deste projeto, outra questão me auxilia na obtenção de resultados originais e diferentes dos usuários 182 das mesmas ferramentas: a construção de instrumentos físicos que dialogam com o computador funcionando como interfaces, que transformam ações analógicas em digitais. Mesmo antes de começar a trabalhar como VJ, sempre ficava entediado com o setup laptop + mouse presente na grande maioria das apresentações que envolvem eletrônica. Talvez pela minha formação musical, geralmente me interessam mais performances onde o que o artista está tocando fosse visível. Com os computadores realizando a maioria das tarefas sem tanta necessidade de intervenção humana, a utilização de interfaces simples como mouse ou teclado são suficientes para a maioria. Porém, no caso do HOL, estas interações são muito mais complexas e muitas vezes simultâneas, impossíveis de serem feitas por interfaces tradicionais. Resolvi então, tanto para ampliar as possibilidades quanto para mostrar ao público o que estava sendo realmente executado ao vivo durante a performance, começar a construir meus próprios instrumentos, desenhados de acordo com a necessidade de cada trabalho. Este movimento trouxe ainda mais a questão da invenção para dentro do projeto. Agora ela acontecia não apenas nos softwares, mas também em dispositivos físicos que me auxiliariam na execução da performance.

Antes de criar o projeto HOL, já havia produzido alguns instrumentos utilizando Arduino, para VJing e também para instalações digitais interativas. Porém, no HOL a invenção ganhou um novo contexto: tornou-se atrelada ao conceito da cada performance, e não um objeto genérico, que poderia ser utilizado em outros lugares. Assim, cada novo instrumento inventado no HOL tem uma relação direta com o tema que está sendo tratado, tanto no formato físico quanto nas funcionalidades. Por exemplo, para a performance “Synap.sys”, que trata da memória e das conexões entre os neurônios, foi criado um instrumento de formato esférico com conectores em sua parte superior, que lembra o exame EEG. A ligação entre cada conector por meio de jumpers controla as ações da performance. Já para a obra “PONTO, um videogame sem vencedor”, construí um console vintage similar aos videogames dos anos 70/80; um instrumento autônomo que gera sons e imagens a partir da manipulação de dois joysticks de Supernintendo hackeados. A escolha por este formato se deu em função das possibilidades extremamente limitadas de geração de som e imagem em tempo real que o instrumento permite, pois este não conta com o suporte de um computador: é um dispositivo autônomo composto por um microcontrolador com processamento precário, e não apenas uma interface. Este procedimento tornou-se padrão no projeto e, a partir de 2010, a criação de todas as performances incluiu a invenção de um instrumento autônomo ou uma 183 interface analógico/digital que controla os softwares no computador. Desta forma, não só o espectador pode ver todas as ações praticadas no palco, como a estética dos instrumentos cria uma unidade visual e conceitual para cada performance, criando diferenciais que vão além do conteúdo gerado pelo sistema.

Veremos agora com mais detalhes a prática criativa do HOL, analisando algumas performances e seu conteúdo poético e técnico, bem como a invenção dos instrumentos físicos e virtuais e a maneira como estes dialogam com o conteúdo audiovisual de cada uma. A primeira obra produzida no formato de um tema único foi “Aufhebung”, de 2009, baseada em um conceito filosófico de mesmo nome proposto por Hegel em sua “Fenomenologia do Espírito”. Este termo, que tem significado dúbio mesmo na língua original, pode ser traduzido como cancelamento e manutenção de algo existente. É, ao mesmo tempo, afirmação e negação; ser e não ser. Hegel o utiliza para ilustrar o processo de desenvolvimento de todas as coisas, através da tríade tese/antítese/síntese. “Aufhebung” seria o processo de evolução no qual coexistem forças positivas e negativas; um processo dialético que carrega elementos de uma situação inicial e do seu oposto, permitindo ao resultado ter características de ambas as partes e, ao mesmo tempo, diferir destas. A apresentação de 30 minutos trata este tema usando imagens abstratas e sons, ambos gerados em tempo real, através de instrumentos customizados construídos em software e uma interface com sensores, por meio da qual a performance é executada. Em termos narrativos, o conceito é ilustrado em cinco partes, em um crescendo onde som e imagem vão se complexificando, partindo de formas simples em preto e branco e frequências puras até elementos tridimensionais e harmonias e ritmos musicais sofisticados. No final, uma fusão metafórica entre duas esferas simboliza um renascimento, a partir de elementos opostos que se unem para gerar o novo.

O instrumento inventado para esta performance é constituído por quatro sensores de distância posicionados na base do objeto e dois sensores de torção. Os sensores de distância medem a variação vertical de êmbolos situados dentro de cilindros, que parecem gerar cores puras quando levantados, em função de LEDs coloridos que estão situados também no fundo do objeto, junto com os sensores. Cada um dos quatro cilindros tem uma cor: vermelho, verde, azul e branco, simbolizando o padrão RGB+alpha dos monitores. No início da performance eles estão abaixados, e nenhuma cor está visível, inclusive na tela, onde os elementos gráficos não têm saturação. À medida que cada êmbolo é levantado, as cores 184 surgem no instrumento e também na projeção. Esta primeira correspondência mais literal entre as ações no instrumento e o resultado na tela posteriormente dá lugar a outros tipos de relação, mais fluidas, que acontecem ao longo da performance. Mesmo não tendo uma conexão tão direta nos outros momentos da performance, as cores servem como metáfora de misturas entre elementos, criando uma unidade entre o objeto técnico e o conteúdo da performance. As quatro variáveis controlam a maior parte das ações do espetáculo, tanto em som quanto imagem. Dois sensores de torção complementam o instrumento, responsáveis por gerar frequências sonoras em uma das partes da performance. Além deste dispositivo inventado exclusivamente para este trabalho, completam o setup dois laptops – um para som e outro para imagem – conectados por uma placa de áudio que serve como ponte de informação MIDI entre os computadores e também envia o áudio para a mesa de som. Na parte de imagem, instrumentos em software programados em VVVV geram todo o conteúdo visual ao vivo, enquanto que no computador responsável pelo som, outros instrumentos criados no Max/Msp produzem a parte sonora.

Figura 46 - Interface construída para a performance “Aufhebung” (2009)

Fonte: Arquivo pessoal do artista. Na performance “PONTO, um videogame sem vencedor” (2011) o funcionamento técnico é completamente diferente, apesar de utilizar os mesmos procedimentos conceituais do trabalho anterior. Neste trabalho, o computador é utilizado apenas para a programação do 185 instrumento, que posteriormente opera de modo autônomo, gerando todos os sons e imagens exibidos na performance. Durante a pesquisa foi percebido que o máximo que conseguiria ser gerado sem o uso de um computador seriam imagens e sons bem simples, em baixa resolução e com poucas possibilidades de animação. A partir daí todo o projeto foi direcionado para a estética e formato dos primeiros videogames dos anos 70/80 – como o Atari – pois assim estas limitações poderiam ser exploradas como partes intrínsecas ao projeto. A ideia então foi subverter a lógica dos games antigos, mas usando sua estética, sons 8 bits e elementos gráficos característicos. Novamente foi utilizado como hardware o Arduino e então foi criado, montado e programado, do zero, o instrumento, que é controlado por dois joysticks vintage de Super Nintendo hackeados.

Figura 47 - Instrumento PONTO (2011)

Fonte: Arquivo pessoal do artista. Composto por sons e imagens 8 bits, o instrumento sintetiza todo o conteúdo em tempo real, sem usar samples ou presets. Em termos de imagem, sua limitação se dá pela baixa resolução e pelo fato de permitir o uso de poucas cores e elementos gráficos. Cada botão do controle pode gerar uma nota musical, acionar um loop, ou controlar um elemento visual, de acordo com a parte que está sendo executada. Sua programação generativa permite que a apresentação nunca aconteça duas vezes da mesma forma, pelo uso de variáveis randômicas e pela própria ação de quem está tocando o instrumento. O dispositivo foi programado no ambiente de programação do Arduino, e todos os sons foram sintetizados de maneira aditiva, construindo cada timbre a partir unicamente de variações de ondas senoidais 186 e de ruído. No projeto não existem notas dentro da escala temperada, mas frequências que se mesclam de maneira não convencional. Em termos de imagens, cada sprite12 foi desenhado no Photoshop e depois transformado em linguagem hexadecimal, para ser inserido na programação. O projeto evoluiu para a performance audiovisual “PONTO, um videogame sem vencedor”, executada com a participação do público, que “joga” comigo no palco, criando toda a trilha sonora e as imagens em tempo real. Cada parte da performance faz uma crítica aos próprios videogames e a aspectos do comportamento humano, utilizando-se de metáforas e simbolismos criados pelos elementos fundamentais de som e imagem como ruídos, escalas, frequências, cores, formas e movimentos.

Figura 48 - Performance “PONTO, um videogame sem vencedor” no Festival Robot, Itália, 2011

Fonte: Arquivo pessoal do artista. Foto: Bruna Finelli. Em termos simbólicos, este trabalho utiliza a mesma lógica de narrativa abstrata fundada em metáforas baseadas nas sensações que elementos visuais e sonoros têm no espectador. Como exemplo podemos citar a cor vermelha e ruídos que são gerados pelos “jogadores” que desenham linhas denotando rastros de sangue, remetendo à violência dos videogames (na parte 1, Estilhaço); o acúmulo de elementos gráficos na tela até que não haja mais espaço para o “jogador”, como analogia ao modo de operação do capitalismo (na parte 3, Capital), e as ilusões de óptica causadas por elementos que ora se misturam com o fundo ora se destacam, na parte chamada mimetismo, uma crítica à moda e ao comportamento de

12 Sprites são os componentes visuais que, repetidos, formam a imagem final ou elementos gráficos dinâmicos. 187 imitação (parte 4). neste trabalho, assim como em todos do HOL, a palavra só está presente no início de cada parte, e o espectador deve utilizá-la como referência para entender o que está sendo tratado.

Na performance “Synap.sys” (2014) retomo o uso do computador e dos instrumentos virtuais criados em software, mas a lógica de invenção de instrumentos físicos analógicos e digitais se mantém. Dividida em três grandes partes, a apresentação cria uma narrativa abstrata e fragmentada que busca trilhar um caminho iniciado pela passagem da informação do mundo exterior ao interior; o processamento destes dados construindo a personalidade do indivíduo; e finalmente o retorno destas informações na forma de memórias. Cada parte tem sua narrativa abstrata própria, usando elementos fundamentais de som e imagem para criar as metáforas que vão contar a “história”. A performance trata das sensações e sentimentos que de alguma forma passam pela memória, através de abstrações, imagens e sons que fazem parte do processo de formação destas lembranças, que durante a vida moldam nossa personalidade e afetividade. A questão simbólica aparece nas imagens de maneira similar às outras performances deste projeto. Assim, na primeira parte, linhas tortuosas descendentes surgem na tela remetendo à entrada da informação no corpo através dos sentidos e em seguida formas vermelhas e pretas lembram pilhas de informação que se acumulam. Na segunda parte, que trata do processamento dos dados pelo cérebro, uma esfera que simboliza os instintos ganha apêndices pontudos que simbolizam a cultura, a informação adquirida pelo indivíduo que extrapola sua carga genética; em seguida, imagens de pregos sendo entortados por marteladas são uma metáfora para um padrão vertical ideal que nunca é atingido. Na terceira parte, filmagens antigas de família são sobrepostas e perdem partes da imagem, remetendo a falhas na memória, enquanto que no final da performance, elementos pontiagudos que reagem ao som vão ficando cada vez menores, indicando o final da vida. Neste trabalho, excepcionalmente, imagens de vídeo são utilizadas, em duas das oito subpartes. Uma delas foi filmada por mim e outra vem de antigos filmes super 8 de família. Ambos são totalmente desconstruídos pelo programa que escolhe os frames que serão exibidos, o recorte de partes da imagem e seu posicionamento na tela. Nas outras partes, imagens generativas são compostas em tempo real, criando as narrativas audiovisuais traçadas no roteiro. 188

Figura 49 - Performance “Synap.sys”, Festival Sonica, Escócia (2015)

Fonte: Divulgação. Foto: Tommy Ga-Ken Wan. Além dos instrumentos virtuais, dois outros foram inventados para esta performance: um que controla a maior parte das ações e outro composto por lasers e motores. O instrumento principal simboliza as ligações que acontecem no cérebro humano: as sinapses, que fazem as ligações entre neurônios a fim de permitir a codificação de informações adquiridas pelos nossos sentidos, a gravação destas ao longo do tempo além de servir de fonte para nossas lembranças. Composto por uma semiesfera contendo vinte conectores em sua parte superior e um braço de madeira com três cordas de guitarra, este instrumento é responsável pela manipulação da maioria das ações audiovisuais da performance, bem como produzir sons analógicos que integram a parte musical da composição. A informação gerada pela ligação entre os conectores vai para o computador, onde é analisada por um patch do Max/Msp, e transformada em ações visuais dentro do próprio programa, além de acionar sons em um software de composição musical, o Ableton Live. Neste programa, sintetizadores, loops e trilhas MIDI formam a base sonora da performance. Nos visuais, a informação que chega do instrumento altera o algoritmo de diversas maneiras: selecionando a parte que será executada; disparando sequências de ações, ligando e desligando loops de vídeo, etc. O som analógico deste instrumento também é inserido no sistema e utilizado em uma das partes como fonte de frequências, transformadas em variáveis que controlam o tamanho de diversos elementos em cena. 189

Figura 50 - Instrumento “Synap.sys” (2014)

Fonte: Arquivo pessoal do artista. Foto: Eduardo Magalhães. Outro instrumento inventado para esta composição foi uma caixa com cinco laser pointers acoplados a pequenos servomotores que são acionados pelo sistema, gerando rastros de luz que acrescentam tridimensionalidade à obra. Um patch no Max/Msp recebe uma trilha MIDI do programa Ableton Live, que aciona cada um dos cinco lasers de acordo com uma composição preestabelecida. A posição dos motores é escolhida pelo patch do Max/Msp, de modo aleatório. Ambos os instrumentos foram construídos utilizando a plataforma Arduino. Em termos de software, além do Max/Msp que comanda as ações e as distribui, temos o Ableton Live para a parte sonora e o Resolume, que foi usado para os trechos que envolvem vídeo, em função de sua melhor performance em altas resoluções. Completam o sistema um pequeno controlador MIDI para manipular parâmetros extras no Ableton; uma placa de áudio que recebe o som do instrumento transformando-o em fonte de dados; e um pedal de guitarra colocado na saída do instrumento principal. Todos estes elementos formam um sistema complexo onde a informação circula por diversos caminhos, sempre buscando uma estabilidade entre seus elementos constitutivos. 190

Por esta performance é possível perceber como questões de trocas de informação dentro de um sistema são importantes dentro do projeto. A cibernética é o modo de organização que permite que tantos elementos atuem e interajam simultaneamente, sem que haja uma ruptura no processo. Nesta performance, o cérebro é o patch do Max/Msp, que trata as informações e as envia para os outros indivíduos do sistema, mantendo tudo funcionando. Porém, todas as partes são fundamentais no conjunto e, se uma parar de funcionar, todo o sistema estará comprometido. Isso vale para todas as performances do HOL, que se baseia em um equilíbrio dinâmico entre todos os elementos que constituem o sistema. Dispositivos artesanais se misturam aos industriais, e o digital interage em harmonia com as partes analógicas do sistema. Todos os elementos têm importância similar no trabalho, porém o caráter artesanal deve ser ressaltado. Este procedimento lúdico, indicado por Simondon como relacionado à intuição é o ponto de partida e chegada, pois é por meio dele que novas ideias surgem, estando presente também no resultado final, que é sempre renovado pela improvisação. Alguns dispositivos industriais estão presentes no palco, como os computadores e placas de áudio. Porém, mesmo quando o computador está presente, este é deslocado de centro de atenção pelos instrumentos personalizados, que se tornam protagonistas pelo seu vínculo formal e pragmático com o tema da composição.

A invenção ocupa um lugar central no projeto, tanto no meio digital quanto no analógico; instrumentos virtuais e físicos são os responsáveis pela concretização das ideias conceituais, permitindo a materialização de sons e imagens pensados para criar uma narrativa abstrata sobre determinado tema, explicitando meu ponto de vista ou expressando sentimentos e emoções. A superabundância também é presença constante, nos resultados inesperados que surgem a cada invenção, alçando o trabalho a novos patamares, seja por propriedades que auxiliam na performance quanto por limitações que definem os caminhos da composição. Com a constante atualização dos elementos do sistema, a metaestabilidade também aparece, uma estabilidade dinâmica que é frequentemente desafiada pelo improviso na execução das performances, muitas vezes dando sinais de novos caminhos a serem percorridos, devires a serem materializados.

No HOL, a Visual Music serve como suporte para uma viagem até o mundo mágico de Simondon, o mundo ancestral das sensações, que neste projeto é acrescido da defasagem entre técnica e espiritualidade, somado a uma linguagem que passa a criar simbolismos que vão 191 além da percepção de pontos-chave primordiais. O equilíbrio estético entre técnica e espírito aparece claramente na comunhão entre os dispositivos inventados e os conceitos que eles ajudam a definir; nos algoritmos e fórmulas em harmonia com questões filosóficas e críticas ao comportamento humano. Objetos autônomos convivem com interações humanas em relações de trocas recíprocas que conduzem o resultado final a caminhos não previsíveis, guiados pela improvisação e aleatoriedade. Unindo digital e analógico, artesania e engenharia, técnica e espírito, o projeto aponta para novas linguagens possíveis para a Visual Music. 192

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta pesquisa, tivemos a oportunidade de entender melhor os procedimentos e técnicas da Visual Music, percorrendo sua história e analisando artistas importantes da área. Este percurso me fez aprender ainda mais sobre artistas que admirava, suas invenções e práticas. Aprendi também que estes artistas tinham uma formação muitas vezes similar à minha, multidisciplinar, com conhecimentos em música, artes visuais e engenharia e que o resultado obtido na Visual Music é baseado na soma destas habilidades. Mesmo quando um único artista não domina todas estas áreas, uma equipe é formada para dar conta de atribuições tão diversas, mas complementares, envolvendo técnica, criatividade e poética. É desta mistura que nasce a estética da Visual Music: da conexão entre a técnica e as questões internas do artista, concretizada em trabalhos não objetivos, onde som e imagem dialogam de maneira fluida, tendo como suporte dispositivos que permitem ao artista uma criação diferenciada dos padrões do audiovisual. Analisar a Visual Music sob a perspectiva dos dispositivos mostrou como estes são importantes para a materialização deste tipo de arte.

Percebemos durante este trajeto que as ideias da Visual Music aparecem em vários momentos da história da arte, não se fixando em movimentos artísticos ou épocas específicas. Ela é um modo de pensar que trata imagens a partir de estruturas musicais, por meio de variadas conexões audiovisuais que acontecem de maneira diferente em cada momento histórico, em sintonia com as potências tecnológicas de seu tempo. Em seus primórdios, ainda no século XVIII, os meios mecânicos foram o suporte para as primeiras invenções – os Color Organs – e posteriormente para outros dispositivos ópticos que se moviam por meio de máquinas mecânicas rudimentares, porém altamente criativas. Também neste período, importantes objetos técnicos para a prática audiovisual foram inventados e aprimorados, viabilizando o surgimento do cinema. Os artistas da Visual Music exploraram criativamente estes dispositivos, inventando técnicas alternativas para a composição de suas animações utilizando a mídia cinematográfica. Ao longo do século XX, os meios digitais foram aos poucos ocupando o espaço dos analógicos, transferindo os complexos procedimentos mecânicos para dentro de uma única máquina: o computador. E assim um novo modo de produzir Visual Music surgiu, gerando resultados bem diferentes. O digital trouxe novas possibilidades estéticas, simplificou o trabalhoso processo de produção analógico e trouxe um dinamismo maior na materialização das obras, porém, por outro lado, acarretou uma 193 uniformização maior dos resultados, que passaram a ser produzidos por meio do mesmo dispositivo.

Observando o percurso histórico da Visual Music obtivemos substrato para entender suas variações e possibilidades de concretização, tornando mais fácil a identificação de padrões que nos ajudaram na definição do termo. Com o auxílio de importantes estudiosos da área, chegamos a um conceito que abarcou todas as possíveis variações presentes em trabalhos do gênero. Para chegar a este conceito fizemos uma importante divisão entre as ideias e práticas da Visual Music, separando questões abstratas das concretas; o modo de pensar imagens baseado em estruturas musicais de suas variadas materializações. Pelo lado abstrato, percebemos que sua estética enfatiza questões sensoriais e o tratamento dialógico entre som e imagem, utilizando na maioria das vezes elementos visuais abstratos a fim de chegar aos princípios elementares do movimento, enfatizando-o em animações onde a narrativa não é linear nem utiliza personagens humanos, mas consegue produzir um encadeamento lógico de ações estéticas, estimulando a percepção sensorial do espectador. A utilização da palavra é escassa, muitas vezes se resumindo ao título da obra, deixando espaço para os elementos visuais e sonoros se tornarem protagonistas.

Já na aplicação prática de suas ideias, o lado concreto da Visual Music, relacionamos modos de fazer próprios, tentando abarcar todas as suas possíveis formas de materialização. Analisamos os modos objetivo e subjetivo de produção; a presença de conteúdo puramente sensorial contraposto à inserção de elementos simbólicos; a utilização de elementos abstratos ou figurativos; a inserção de elementos verbais e não verbais; as possibilidades de aplicação ou não do movimento; e o caráter ao vivo ou gravado das composições. Estes modos de utilização apontaram para estéticas particulares e gêneros específicos dentro da Visual Music, que foram posteriormente analisados e dispostos em três esferas, de acordo com sua conexão com o núcleo do conceito. Nossa proposta foi que alguns artistas estão mais vinculados às ideias propostas pela Visual Music, enquanto outros, mesmo não tendo conhecimento deste campo, ainda mantém com ele algum tipo de ligação, em função da utilização de um modo de pensar imagens baseado em estruturas musicais e da procura por um modo de comunicação por meio de linguagens não verbais que buscam retratar o indizível.

Estas questões presentes na maioria das obras de Visual Music nos fez pensar em uma conexão com o mundo mágico de Simondon; uma ligação com o real, antes das palavras; 194 lugar primitivo, onde ainda não havia separação completa entre o homem e a natureza. Pensamos que este lugar, agora inacessível, pode ser revisitado de alguma forma por meio das práticas da Visual Music, da imersão sensorial transmidiática que une os sentidos e transporta o espectador para um mundo mágico, primordial. A utilização de elementos abstratos e a ênfase em seus movimentos têm um sentido amplo de buscar a essência da natureza, utilizando seus procedimentos universais. A Visual Music tenta conectar-se com a natureza não de uma maneira imitativa, retratando sua superfície, mas tentando entender suas leis e seu modo de funcionamento, exprimindo-os por meio de elementos audiovisuais. Esta relação com o mundo mágico de Simondon foi uma das principais elaborações desta pesquisa, pois remete ao que há de mais profundo no ser humano, a algo primitivo que foi perdido com a chegada dos dispositivos e a consequente separação entre o ser humano e a natureza, entre sujeito e objeto, figura e fundo. Apesar de não ser mais possível um retorno completo a este estado primordial de unidade com a natureza, os artistas da Visual Music tentam refazer de alguma forma esta conexão, inventando universos próprios, que duram apenas por um pequeno instante, na apresentação do trabalho.

A Visual Music seria então uma tentativa de conhecer a fundo os princípios naturais, buscando nas sensações, nos movimentos, tensões e cores as bases que compõem o universo. Esta busca se dá pela mistura equilibrada de técnica e espiritualidade, concretizada de maneira diferente por cada artista. Enquanto o espiritual, as emoções e sentimentos são o que move a prática artística, a técnica é o que permite sua materialização. Em nossa pesquisa vimos que os artistas analisados pensam a técnica como um suporte, uma base sobre a qual o lado poético pode florescer. Na Visual Music esta proposta é plena de sentido, pois é no equilíbrio entre a competência técnica e a criatividade artística que os melhores trabalhos são produzidos. Sem o lado poético, espiritual e sensível, não existe obra de arte, apenas formalismos vazios, enquanto que sem a técnica, o artista não consegue expressar seus sentimentos. Assim, é no equilíbrio balanceado entre opostos que surge a estética característica da Visual Music. Ela aparece na junção entre artesão e engenheiro, entre intuição e ciência, entre técnica e espírito.

Outra significativa conclusão a que chegamos foi a importância fundamental da invenção para a Visual Music. Ela é responsável pela concretização das ideias dos artistas, que imaginaram conceitos que não podiam ser materializados pelos instrumentos então existentes. 195

São os saltos evolutivos propostos por Simondon que geram o novo, pleno de potencialidades a serem exploradas. As ideias de Thomas Wilfred, por exemplo, só puderam ser concretizadas após a invenção do “Clavilux”, enquanto que a estética dos irmãos Whitney só se tornou possível pelos dispositivos desenvolvidos pela dupla. A invenção também é importante no desenvolvimento de novas técnicas, que subvertem padrões tradicionais a fim de chegar a resultados diferentes. O uso criativo de retroprojetores nos Light Shows, a técnica de desenho na banda sonora do filme e a apropriação de computadores analógicos – antes utilizados com finalidade bélica – para compor animações são exemplos desta prática. A invenção também faz surgir o sublime, o inesperado, tão caro à prática artística. Cada dispositivo inventado oferece ao artista novas potencialidades, algumas não previstas, que o auxiliam na criação de suas obras. Sem ela, boa parte da diversidade da Visual Music não aconteceria; os artistas estariam utilizando dispositivos semelhantes, resultando provavelmente em obras mais similares esteticamente. É importante frisar que na Visual Music, o equilíbrio entre a técnica e a poética é fundamental. Já em outros gêneros artísticos a invenção de objetos técnicos talvez não seja tão preponderante sobre o resultado final, principalmente em casos onde a técnica não é fator tão relevante dentro da obra.

A principal questão levantada na proposta inicial desta pesquisa – a importância dos objetos técnicos na prática da Visual Music – pôde ser constatada observando-se a grande diversidade de resultados estéticos obtidos pela utilização de cada dispositivo. Tanto na retrospectiva histórica quanto no estudo de casos, vimos trabalhos onde os resultados audiovisuais são bastante distintos, em função da invenção ou utilização de instrumentos específicos. O Lumia de Wilfred gera um tipo de imagem completamente diferente do obtido pela “Wax Slicing Machine” de Fischinger, que difere radicalmente dos procedimentos baseados em computadores dos irmãos Whitney. O tipo de imagem produzido por meios analógicos também é distinto dos obtidos por dispositivos digitais, bem como o próprio modo de criação de conteúdo possibilitado por cada uma destas mídias. Percebemos que o objeto técnico molda o resultado artístico, oferecendo potencialidades e limitações, em uma troca mútua, que também modifica o modo do artista de produzir seu trabalho. Não é só o artista que toca o dispositivo, mas é também por ele tocado, influenciando suas decisões e auxiliando-o na concretização de suas ideias. A superabundância, conceito proposto por Simondon, também é parte importante do processo: é por propriedades inesperadas que surgem após a invenção de um objeto técnico que novos caminhos podem surgir para o 196 artista, ampliando seu repertório. Outro conceito importante para pensarmos a importância dos dispositivos na prática artística é o da Cibernética. A relação entre o artista e seu instrumento é dinâmica, em um processo de constante individuação por parte dos dois lados, em um jogo de trocas mútuas. Após o advento do digital, este conceito ficou ainda mais relevante, pois as obras se transformaram em sistemas que envolvem vários elementos em constante atualização. Se alguma das partes não realizar seu papel, o resultado final estará comprometido. A máquina pode também ajudar o artista, tanto na composição quanto na improvisação. Por meio de programações generativas, variáveis randômicas tornam o resultado não totalmente previsível, acrescentando um frescor à obra, que acontece de maneira diferente a cada nova apresentação. O artista atua diretamente sobre os dispositivos do sistema, mas também pode se inspirar por algo “proposto” por eles, em uma troca criativa que poderia ser considerada como uma autoria compartilhada. Assim, podemos perceber que cada vez mais o artista e os dispositivos por ele utilizados estão imbricados em um relacionamento simbiótico, que oferece novas ideias em processos de constante atualização.

O entendimento destes processos foi extremamente importante para mim, tanto como artista quanto pesquisador. Após a finalização desta pesquisa, entendo muito mais os procedimentos da Visual Music e acredito ter sistematizado as ideias de forma que outras pessoas possam ter uma visão detalhada sobre os processos deste gênero do audiovisual. Vários pontos nebulosos que tinha em relação ao tema, foram esclarecidos, definindo melhor meu objeto de estudo. Isso certamente irá me auxiliar também em minha prática artística, apontando alguns percursos e me inspirando a seguir produzindo. Espero que esta pesquisa seja relevante também para outros artistas e pesquisadores interessados nas diversas possibilidades de conexão entre som e imagem, e nos dispositivos que as viabilizam. A valorização dos objetos técnicos na produção artística, especialmente no caso da Visual Music ficou evidenciada, onde o uso de novos dispositivos têm conexão direta com a diversidade do resultado final. O criador de instrumentos Suíço-brasileiro Smetak dizia que “a humanidade precisava de uma nova música, e, para isso, era preciso novos instrumentos”. Acrescento à sua afirmação a questão visual, que também depende da invenção de novos instrumentos para se materializar e assim dialogar de maneiras diferentes com a música, a fim de ampliar as potencialidades da Visual Music. 197

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