Institucionalização Do Surfe E a Participação Das Mulheres (Década De 1960)

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Institucionalização Do Surfe E a Participação Das Mulheres (Década De 1960) Institucionalização do surfe e a participação das mulheres (década de 1960) Ana Carolina Costa Cruz* Abstract Based on the concept of field sports Bourdieu (1983), we assumed that the surf so institutionalized in Rio de Janeiro took his first steps in the 1960s, just when women enter the sport. What is the participation of women in this context? Interviews were conducted with the winners of the first surfing event held on the beach of Ipanema / Rio de Janeiro in 1965: Maria Helena Beltrão, Fernanda Guerra e Heliana Oliveira, and later with Fábio Kerr, son of the founder of the Federation of Surf Carioca, founded shortly before the championship. The methodology of oral history. In conclusion, we found that certain stereotypes about women's surfing were built during the process of institutionalization, especially the professionalization of the sport. Keywords: Oral history, sports field and women. Introdução 1960 foi uma década muito curiosa, marcada por muitos exageros, mas que realmente aponta para mudanças culturais e políticas intensas no Brasil e no mundo (CARDOSO, 2005). Nessa década a ciências humanas passa a reconhecer diferentes objetos de estudos antes suprimidos pelas grandes narrativas e feitos históricos, a academia começa a valorizar as minorias sociais e a atuação na transformação do status quo, exemplo, a ascensão dos Estudos Culturais. No Brasil, a capital do país se mudara para Brasília, o inicio da década era de instabilidade, entre a guerra civil e a ditadura, culminando no golpe militar em 1964. Em meio a tudo isso, em 1965 a primeira Federação Carioca de surfe foi fundada, no Rio de Janeiro, com a participação de duas mulheres, nossas entrevistadas e competidoras. Nosso recorte temporal se justifica exatamente pelos primeiros passos de institucionalização da modalidade em questão para a formação de um campo esportivo segundo Bourdieu (1983). Mas corroboro 1 com Rafael Fortes (2009), que o surfe só se constitui com calendário específico, corpo técnico especializado e consumidores na década de 1980. *Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas, 2000. Participa do Laboratório SPORT - História do Esporte e do Lazer na UFRJ. Qual a participação das mulheres nos primeiros campeonatos da modalidade e nos primeiros suspiros de uma estruturação do campo esportivo? Foram realizadas entrevistas com as campeãs dos campeonatos de surfe no Rio de Janeiro, realizados na praia do Arpoador/RJ, em 1965 e 1966: Maria Helena Beltrão 1, Fernanda Guerra 2 e Heliana Oliveira 3, e, posteriormente com Fábio Kerr, filho do fundador da Federação Carioca de Surf, fundada pouco antes dos campeonatos. As três entrevistadas escolhidas participaram das primeiras competições de surfe, quando a modalidade se constituía por uma elite urbana. Essas mulheres viveram o momento inicial da esportivização da modalidade. 1 Maria Helena Beltrão (MH) é filha de mãe lituana e pai falecido quando tinha apenas um ano e meio. A mãe era trabalhadora, incentivadora do esporte e espectadora nos eventos de que a filha participava. Maria Helena estudou até o ginásio (atual nono ano do fundamental) no Colégio Anglo Americano. Começou a praticar o surfe pela influência da amiga de escola Fernanda Guerra. Fez propagandas para o cigarro Hollywood e diz que nem precisava sair da praia para receber novas propostas. Casou-se em 1967, aos 18 anos, com Irencyr Beltrão - praticante de caça submarina no Arpoador e um dos pioneiros na prática do surfe e na comercialização de pranchas. O casal julgou alguns campeonatos no sul, mas se afastaram da prática na década de 1970, quando, segundo a entrevistada, já existia um crowd 1 insuportável. Depois que teve seus filhos, não surfou mais e até hoje ajuda com os negócios do marido. 2 Fernanda Guerra (FG) começou a surfar no Arpoador no início dos anos 1960, com 13 anos. Morava com seus pais e sua irmã, em um sobrado em Ipanema; de sua varanda conseguia ver o mar no Arpoador. Fernanda era a única da família que surfava. Seu pai, Walter Guerra, foi vice-presidente da Federação Carioca de Surf, mas nunca surfou, jogava vôlei de praia. Casou-se em 1966 e foi morar em uma fazenda no interior de Santa Catarina e afastou-se do surfe. Mas, na década de 1980, volta a morar no Rio de Janeiro, especificamente na Barra da Tijuca, monta seu negócio de alimentos integrais e naturais, próximo de casa, e retoma a prática do surfe, mesmo que de maneira esporádica. Há quatro anos teve um problema no ombro direito. Atualmente, leva a neta para surfar e, quando se sente segura, também pratica. 3 Heliana Oliveira (HO) morava em um prédio na R. General Osório, com seu pai, mãe e irmão. Em 1963, com seus 13 anos, ia com a prancha na cabeça até o Arpoador. Seu irmão também surfava. Heliana surfou até os 18 anos, quando já cursava Letras na UERJ. Quando casou com um diplomata, interrompeu o curso e foi para a Europa, onde morou por vinte anos e onde teve dois filhos. Separou-se, retornou para o Brasil e, treinando no Flamengo, conheceu Cris Stocker, surfista de ondas grandes, que a reiniciou no surfe, durante sua estada em uma clínica para mulheres, promovida por Andrea Lopes. Heliana contratou um professor e voltou a surfar há uns oito anos. Como diz: “Meninas, éramos poucas. Na minha escola ninguém surfava. Na praia, a maioria era homem”. 2 A metodologia utilizada é a da História Oral. Segundo Verena Alberti (2005), trata-se de um método que privilegia a realização de entrevistas como forma de aproximação do objeto de estudo. A história oral permite que os fenômenos subjetivos sejam reconhecidos, através de representações, que devem ser apuradas e ouvidas. Não se trata de uma história diferente, nem alternativa, ou que rompa com a história institucional, mas sim, da relativização da política/ contexto a partir da lembrança dos entrevistados, dando importância aos aspectos culturais e às sensibilidades vividas. Além disso, esse método estabelece uma relação original entre o historiador e os sujeitos da história, em uma construção histórica participativa. Diria que é antes um espaço de contato e influência interdisciplinares; sociais, em escalas e níveis locais e regionais, com ênfase nos fenômenos e eventos que permitam, através da oralidade, oferecer interpretações qualitativas de processos histórico-sociais. (LOZANO, 2005:16). Suspiros para a institucionalização da modalidade Desde a década de 1950, no Rio de Janeiro, jovens que importavam uma nova modalidade esportiva, com uso de prancha, eram envolvidos em um momento de valorização do prazer e de namoros típicos de uma turma de bairro, onde todos se conheciam. Só quem morava na zona sul da cidade surfava. Especificamente no Arpoador, praia entre Copacabana e Ipanema, foi um dos palcos do surfe nacional, local onde filhos de estrangeiros, de classe alta, envolvidos com as produções e os movimentos internacionais, começaram a praticar a modalidade. Essa ambiência criou as condições para que o surfe brasileiro começasse a se sintonizar com o movimento de popularização mundial do esporte (DIAS, 2008). Desde o início do século XX, campeonatos na costa leste dos EUA já eram realizados 4. As pranchas eram grandes e feitas de madeira pesada, o que limitava o ato de surfar a deslizar pelas ondas em um sentido retilíneo. Árias (2002) diz que as demonstrações 4 Em 1915, na praia de Waikiki, foi fundado o primeiro clube de canoagem e surfe do mundo (BOOTH, 2001). 3 de surfe nos EUA juntamente com a publicação da revista Tom Blake 5 inspiraram a prática entre os jovens de classe média americana nas décadas de 1920 e 1930, que passaram a construir suas próprias pranchas. Formavam-se assim os primeiros grupos de surfe dos EUA no litoral californiano. No Brasil, mesmo na década de 1960 ainda não existiam clubes específicos de surfe, como na Califórnia e na Austrália. Para estruturar um campeonato era preciso ter uma Federação, e, para se ter uma Federação era preciso clubes filiados. A solução foi a associação de clubes cujos filiados já buscavam o mar como lazer, assim, o Esporte Clube Radar, o Marimbás, o Iate Club do Rio de Janeiro e o Clube Universitário estavam envolvidos para garantir a fundação da Federação Carioca de Surf, no dia 15 de junho de 1965 (JB, 16/06/1965). Mas, segundo Fábio Kerr, filho de Yllen Kerr, esses clubes não tinham muitos filiados que eram surfistas: O pessoal ia pra lá, pra deixar a família no clube e sair para ir para as ilhas, para as costas, para mergulhar. Já era uma coisa que estava desenvolvida. O surfe era um esporte de maluco, a verdade era essa, garotão doidão, todo mundo começou a deixar o cabelo crescer, drogas misturada no negócio etc e tal e que os praticantes não eram sócios desses clubes. Um, dois, eram, porque o pai era, mas quem era sócio do iate era velejador, mergulhador, não era surfista... A Federação teve caráter extraoficial, com um número pequeno de atletas filiados. No entanto, teve sua importância, uma vez que através dela foi idealizado o primeiro campeonato de surfe do Brasil (ARIAS, 2002). Os campeonatos se realizaram logo após Walter Guerra, pai de Fernanda, e Yllen Kerr fundarem a Federação. Fernanda Guerra e Maria Helena fizeram parte dessa fundação, embora digam não terem tido real participação e que só surfavam. Agora quem mexia mais com isso era meu pai. Eu não me lembro, não me envolvia muito nisso. Eu era garota. E como a gente não tá muito preocupado, nem pensava que no futuro teria muita gente pedindo informação. A gente faz uma coisa por 5 A publicação das etapas de construção desse novo modelo de pranchas em uma revista americana de mecânica proporcionou a introdução e o desenvolvimento da prática em outros lugares do mundo, inclusive no Brasil (Revista Fluir, n.180, 2000).
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