Jerry Lewis O Rei Da Comédia Cracking Up/Smorgasbord the King of Comedy 1982, 89 Min, Livre 1983, 109 Min, 12 Anos Direção: Jerry Lewis Direção: Martin Scorsese
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1 Jerry Lewis, um artista moderno Francis Vogner dos Reis e Paulo Santos Lima e Charles Chaplin a Jim Carrey, de Mack Sennett aos irmãos Farrelly, o cinema cômico norte- Damericano conheceu sua síntese mais complexa e radical em Jerry Lewis. Ator e diretor: duas dimensões de um mesmo artista, tais como outros grandes cômicos do cinema, como Buster Keaton, Charles Chaplin e Jacques Tati, que também eram diretores. Jean-Luc Godard, no entanto, Ministério da Cultura e o Banco do Brasil apresentam o considerava o maior cineasta entre Jerry Lewis – o rei da comédia. A mostra em homenagem os cômicos que acumulavam as duas ao diretor, produtor e ator Jerry Lewis revela o poder funções. Ainda que Lewis tenha sido O criativo de um artista que revolucionou o gênero da estrela nos filmes de outros diretores, comédia. alguns mais inexpressivos, como Hal Walker, e um de primeira grandeza, Considerado um gênio do cinema moderno, ficou famoso por como Frank Tashlin, foi como diretor comédias estilo pastelão e personagens caricaturais que dos próprios filmes que a arte de Jerry serviram de inspiração para estrelas do humor como Robin Lewis alcançou um patamar único na Williams, Billy Crystal e Jim Carrey. história do cinema. Já nos filmes com Tashlin, como Bancando a Ama Seca A mostra apresenta a trajetória do artista, com ênfase em sua (Rock-a-Bye Baby, 1958) e Ou Vai ou fase mais autoral. A exibição conta com 23 filmes, variando Racha (Hollywood or Bust, 1956), a mise entre sua atuação na companhia de Dean Martin, trabalhos en scène era radicalmente orientada solos e filmes em que radicalizou o seu estilo em nível estético no aspecto performático de Jerry e nas e performático. disfunções do corpo na vida moderna. Ao lado de John Cassavetes, Jerry Lewis Ao realizar esta mostra, o Centro Cultural Banco do Brasil leva pode ser considerado a grande ruptura ao conhecimento do público o trabalho de um importante no interior da tradição cinematográfica artista para a cinematografia mundial, afirma seu compromisso americana – ambos fariam de seus com a democratização da cultura e contribui para a formação e cinemas gestos modernos incisivos, o desenvolvimento cultural da sociedade brasileira. agressivos e corajosos. Cassavetes foi acolhido como gênio do cinema Centro Cultural Banco do Brasil independente, que realizava seus filmes apartado do maquinário industrial, mas Lewis, no interior da indústria (filmava pela Paramount), foi visto como persona non grata por realizar filmes de humor nonsense e extravagante, que contrastava com o conservadorismo do público e do cinema americano da época. Pagou caro por ousar dentro da indústria de Hollywood, num gênero de apelo industrial e maquinário que Hollywood sempre aceitou como “transgressão permitida dentro da linha de montagem”; e assim teve, 2 lamentavelmente, uma curta e sazonal modo, até em obras mais “genéricas” Dirigidos, escritos, produzidos e carreira de cineasta. De grande astro ao lado de Dean Martin: Stanley Belt, interpretados por Jerry Lewis, filmes popular, se tornou um cineasta maldito o tal “otário”, é sim atrapalhado, um como O Mensageiro Trapalhão (The com direito a um filme lendário,The Day tanto ingênuo, manipulado, mas seu Bellboy, 1960), Mocinho Encrenqueiro the Clown Cried (1972), jamais exibido rosto alterna ilusão e consciência, ou (The Errand Boy, 1961), O Terror das por motivos ainda obscuros. uma constatação lúcida do absurdo Mulheres e O Otário são obras radicais e sem concessões, paradigmas não só do Como ator, Lewis é a síntese radical do mundo, que no caso é o pior dos cinema americano e do cinema burlesco, do burlesco americano, que parte de mundos, o da mídia e da indústria mas também do cinema moderno. Charles Chaplin, Harold Lloyd e Buster de entretenimento. Ele ri da própria Os filmes de Lewis se autodestroem, Keaton, passando pelo estupidez de sua condição de aceitar desde a trama que Gordo e o Magro e pelos vai se desintegrando irmãos Marx. Como todos aos poucos em favor os atores cômicos, as das imagens puras (e disfunções caóticas de absurdas), passando pelo seu corpo nos espaços e cenário que vai ruindo nas relações com objetos por intervenção do caos e seres desestabilizam encarnado por Lewis e o a ordem social, e próprio pacto de ilusão personagens de Jerry entre filme e espectador Lewis desnaturalizam que é desfeito em obras a cultura e as regras como, por exemplo, O sociais, mostrando o Otário, que no seu fim absurdo das normas, revela todo o seu aparato das autoridades e dos técnico e ficcional – assim pactos de convivência. como o fizeram outros Todos eles fizeram isso cineastas modernos, bagunçando as próprias como Godard). regras do naturalismo e da ordenação rígida da linguagem aquele jogo espúrio. Exemplo idem é o A mostra Jerry Lewis - O Rei da Comédia do cinema americano, assim como de Errado pra Cachorro (Who’s Minding busca abranger o máximo da carreira de viram a sociedade como um simulacro the Store?, Tashlin, 1963), Lewis Jerry Lewis e chamar especial atenção de absurdos. Mas Lewis utiliza um fazendo um vendedor que só parece para o seu trabalho de diretor, não só repertório mais amplo e ousa nas bobo porque a loja de departamento como autor cômico e americano, mas medidas (os desenhos de Chuck Jones, é a usina desse absurdo travestido de sobretudo como autor moderno que a art pop na sua capacidade de delegar funcionalidade (afinal, precisamos dialoga diretamente com diretores a uma cor ou objeto cotidiano toda uma mesmo dum eletrodoméstico ou de um radicais como Charles Chaplin, Jacques dissertação sobre o funcionamento colchão novo?). Os personagens de Tati e os primeiros Jean-Luc Godard, do mundo), pendendo entre detalhes Jerry Lewis se embananam menos por dos anos 1960. O público brasileiro, milimétricos (algum índice manifestado incapacidade e mais porque o mundo principalmente aquele com mais de pelo rosto, por exemplo) e a hemorragia tecnológico é potente em seus vazios 30 anos, conhece Jerry Lewis através (as cores, os sons volumétricos), entre o e disfunções, uma teia de embaraços e dos filmes bem que, bem populares, plano-detalhe e o plano geral que situa absurdos. eram muito reprisados nas tardes da a diegese num contexto inesperado, TV nos anos 1970 e 1980. Talvez não mesmo sendo do cinema e do mundo Como diretor, Lewis levou ao paroxismo se lembre do nome de muitos filmes, (O Terror das Mulheres/The Ladies esses predicados do cinema cômico a mas suas imagens (e seu humor) são Man, 1961, é grande exemplo). O rosto partir das rupturas de linguagem do estampas marcadas na memória. As de Jerry Lewis, uma plataforma de cinema moderno. Seu cinema pode ser novas gerações terão a oportunidade revelação (denúncia?) dessa dinâmica comparado ao jazz americano, do bebop, de conhecer este que não é apenas do mundo moderno, mascarado de passando pelo jazz modal e chegando ao um dos grandes atores e diretores do ordem mas que na verdade oprime o free jazz. Como um intérprete/músico cinema, mas também um grande artista homem através dum caos e dum vazio de jazz, nos seus filmes ele pode alterar americano moderno que dialoga com a de espírito bestiais, mostra-se em sua harmonias e fórmulas rítmicas. Ainda tradição cômica do cinema americano, plenitude em O Otário (The Patsy, 1964), como um músico de jazz, ele abandona a com a pintura abstracionista americana, onde o Lewis-diretor pauta o Lewis-ator noção estrita de progressão harmônica, a arquitetura funcionalista, o jazz, a a radicalizar o uso facial que já fazia nos os acordes, as escalas e a métrica ficção visual das animações dos anos trabalhos dirigidos por Tashlin e, de certo rítmica. 1940 e 1950, a HQ e a performance. 3 Jerry Lewis e a enredo é mínima, mas o detalhamento Otário ou o caos promovido em todas as dos aspectos visuais e sonoros das gags sequências na loja de departamento de comédia moderna é tão minucioso que perfaz um roteiro Errado pra Cachorro (Who’s Minding the Luiz Carlos Oliveira Jr. de 170 páginas para apenas 70 minutos Store?, Frank Tashlin, 1963). de filme. A outra premissa que Lewis assume lá o começo de O Mensageiro Construindo O Mensageiro Trapalhão e no prólogo de O Mensageiro Trapalhão Trapalhão (The Bellboy, 1960), O Terror das Mulheres quase como uma é o distanciamento. Trata-se de afirmar primeiro filme dirigido por Jerry mera sucessão de gags, Lewis recupera e deixar claro que “isto é um filme”. A Lewis, um homem se apresenta algo das primeiras comédias burlescas, comicidade de Lewis funciona fora do N em que a narrativa decorria muito processo tradicional de envolvimento como produtor executivo da Paramount e avisa ao espectador que este filme não mais da exploração sistemática das do espectador. Eis um dos traços da sua é como a maioria. Aqui, não há trama possibilidades cômicas de um espaço modernidade: questionar e deslocar, nem enredo, mas apenas “uma série de do que de uma estrutura dramática como o cinema moderno faria ao longo sequências idiotas”, uma sucessão de preconcebida. Esse cinema de colagem dos anos 1960, a relação convencionada situações cômicas provocadas por um anárquica de ideias cômicas era um entre plateia e filme. Isso o levará – sem funcionário de um hotel. atentado involuntário à tradição que seja preciso abrir mão da comédia clássica da obra de arte harmoniosa física em seu funcionamento mais e coesa com partes organicamente básico e elementar – à adoção de formas articuladas num todo. Não por acaso, cômicas sofisticadas, balizadas não conquistou a admiração de muitos somente pela performance burlesca, artistas e intelectuais de vanguarda mas também pela excelência técnica e (André Breton, Antonin Artaud, Bertolt estilística, o que resulta numa grande Brecht).