JÉSSICA DA SILVEIRA MESSIAS

ETHOPOIÉSIS E HEAVY METAL: Subjetivação e consumo na cena de Natal-RN

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como exigência para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas

NATAL 2013

JÉSSICA DA SILVEIRA MESSIAS

ETHOPOIÉSIS E HEAVY METAL: Subjetivação e consumo na cena de Natal-RN

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como exigência para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Aprovada em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas (PPGCS/UFRN) Orientador

Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior (PPGCS/ UFRN)

Profª. Drª. Rosamaria Luiza de Melo Rocha (PPGCOM/ESPM)

AGRADECIMENTOS

Inicialmente, gostaria de avisar àqueles que estão acostumados com agradecimentos de um parágrafo, ou que acham entediante lê-los, que eu costumo ser prolixa nessa parte, então, sintam-se à vontade para pulá-la. Escrever os agradecimentos que representam uma fase que se encerra agora, mas que durou dois anos, é algo muito prazeroso, pois traz à tona várias boas lembranças! Em primeiro lugar, acho que devo agradecer ao Heavy Metal e as Ciências Sociais, pelo papel importante que têm em minha vida e por terem se entrelaçado de tal maneira, possibilitando o surgimento desse trabalho.

Minha família também merece lugar de destaque nesses agradecimentos. Meu pai, que detesta Heavy Metal, (assim como eu detesto o Nelson Gonçalves dele) por todo o apoio e carinho e por ser um pai orgulhoso, que sai espalhando aos quatro ventos que a filha dele, aos 23 anos, está terminando o mestrado. Meu irmão, que começou a ouvir Metal junto comigo. Geralmente, irmãos costumam brigar, mas nós não, nos amamos muito e não desgrudamos um do outro. Obrigada, Yuri, por ter lido o trabalho

(meio a contragosto, no início, subornado com um pouco de videogame...) e por todo o apoio e carinho. E, finalmente, obrigada a minha mãe querida que, como eu falei nos agradecimentos da minha monografia, é meu anjo! Não tenho palavra melhor para defini-la! Meu anjo que sempre está comigo, me protegendo, cuidando de mim e que fala: “Põe aquela música daquela banda que eu gosto”. (Risos) Amo vocês!

Agradeço à amiga Martha Isabelle, que sempre está lá quando eu preciso, seja para o que for! Inclusive, para ler minha dissertação, subornada com cookies e sorvete.

Amigos de verdade são assim e eu espero que você saiba que pode contar comigo para tudo, assim como eu também conto com você! Já que estou falando das pessoas que se deram o trabalho de ler minha dissertação, agradeço logo à amiga Larissa, que estará comemorando aniversário no mesmo dia que eu, na minha defesa. Obrigada por ter lido e me ajudado a revisar! Espero que tenha gostado de ser subornada com a comida da minha mãe! (Risos) Aproveito para agradecer ao chato do Gilson (brincadeira), por ter lido uma parte do terceiro capítulo e dado sua opinião. Mesmo que tenha sido aos trancos e barrancos... acho que você demorou a ler porque não teve suborno! (Risos)

Agradeço as amigas Jacilda e Jossana que, mesmo não estando tão presentes durante o processo da escrita, por estarem ocupadas com suas graduações, sempre me apoiaram com sua amizade e carinho. Afinal, 8 anos de amizade, quase 9, não são pra se desconsiderar! Amo vocês!

Aos meus amigos espalhados pelo país (principalmente em São Paulo) por tudo o que vocês representam pra mim! Valéria (morrr!), Dayt, Bimy, Maga, Yara, Grack,

Victor, Douglas, Iris, Rafa (que nunca levou o famoso doce, pra eu provar!) e o

Anderson. Gostaria também de agradecer a cidade de São Paulo, por ter acolhido tão bem essa carioca que vos fala. Todas as vezes que fui a São Paulo foram mágicas! Devo muito disso a Val, que facilitou demais todas as minhas estadias, me acolhendo em seu lar e se transformando em uma das pessoas mais queridas nesse mundo, para mim. Uma de minhas melhores amigas! Agradeço também ao meu “Alexis Sawyer”, sabor maçã verde, por tudo que houve e tudo que haverá! Amo todos vocês também!

Os eventos que participei em 2012 também significaram muito para mim e para o meu trabalho. O II SIEP consumo, na PUC de São Paulo, o VI ENEC e II Encontro

Luso-Brasileiro de Estudos sobre o Consumo, que ocorreram simultaneamente no Rio de Janeiro, organizados pela ESPM. E o I Encontro Nacional da Rede de Grupos de

Pesquisa em Comunicação, organizado pelo Filocom, em São Paulo também, belíssimo evento! (Parabéns mais uma vez, Lauren!) Em cada um desses eventos, eu pude perceber que o meu trabalho foi muito bem aceito. Tive a oportunidade de apresentá-lo e debater sobre ele com pessoas muito interessantes. Inicialmente, por ter escolhido estudar o Heavy Metal, imaginei que o trabalho não seria tão bem aceito como foi, preconceito bobo esse meu, não?

Aos amigos Ericksen e Dayana, que sempre me acompanham nos shows de

Heavy Metal e pelos quais eu tenho um grande carinho. Aos meus entrevistados, que colaboraram bastante com tudo. Ao artista, Allan Leal, que fez uma bela capa. Aos colegas da turma de mestrado, lembram-se do sufoco que enfrentamos juntos no seminário de dissertação? Agradeço também àqueles que tiveram uma participação não tão positiva na minha vida, durante esses dois anos de mestrado. Afinal, as más experiências também são engrandecedoras, a meu ver.

Bom, gostaria de encerrar agradecendo a alguns professores que foram muito importantes na minha formação, desde a graduação. Primeiro ao meu orientador, Alex, que, para além da academia, se mostrou um amigo! Obrigada pelos puxões de orelha, pelos elogios e pelo processo de orientação, em geral. À professora Norma Takeuti e ao professor Eduardo Pellejero, por terem acompanhado meu trabalho desde a pré- qualificação, dando sempre conselhos valiosos e avaliando rigorosamente. Aos que fizeram parte da minha formação, na graduação: Alípio, Edmundo, Vitullo e Willington.

Ao Orivaldo, que fará parte da banca e que é o professor do qual eu falo nas considerações finais. E também à professora Rose de Melo, por participar da banca.

Espero não ter me esquecido de agradecer a ninguém, mas, se for o caso, perdoem minha memória!

RESUMO

Nossa pesquisa visa compreender a configuração da resistência (Foucault) enquanto estilização da vida na contemporaneidade, tendo o Heavy Metal enquanto objeto de estudo específico. Acreditamos que o Metal se configure em um dispositivo ethopoiético possibilitador de práticas de liberdade frente aos hábitos morais reificados desde os primórdios da socialização do sujeito. Isso se reflete, principalmente, na criação de novas maneiras de estilizar a vida que são individuais e grupais, ao mesmo tempo. Sugerimos também uma ampliação do pensamento sobre o tema da resistência, em Foucault, tendo em vista a sociedade de consumo descrita por Zygmunt Bauman.

Nossa hipótese é a de que o contato com o mundo underground do Heavy Metal é o possibilitador de novas formas éticas (Foucault), onde há a adesão e o comprometimento do sujeito com o Heavy Metal enquanto um modo de vida. A partir daí, o consumo se torna uma palavra chave, na medida em que, participar do underground do Heavy Metal - enquanto uma prática de liberdade, um modo de existência particular – constitui também uma forma de consumo que foge às regras gerais do mercado, sendo um consumo diferenciado tanto na forma quanto na sua duração.

Palavras-chave: Heavy Metal; Resistência; Consumo. ABSTRACT

Our research intends to comprehend the configuration of the resistance

(Foucault) as the stylization of life in the contemporary world, taking Heavy Metal as the specific object of study. We believe that Heavy Metal is an ethopoietical device which admits practices of freedom withstanding the reified moral habits since the beginning of the socialization. This is reflected, mainly, in the creation of new individual and communal ways to stylize the life. We also suggest an expansion of

Foucault’s concept of resistance, considering the idea of consumer society described by

Zygmunt Bauman. Our hypothesis understands that the contact with the underground of

Heavy Metal provides new ethical manners (Foucault), where the individual take the

Heavy Metal as a way of life. At this point, the consumption becomes a “key-word” since the participation in the underground of Heavy Metal is a way of consumption out of the rules of marketing – a practice of freedom, a way of particular existence –, being different in both mode and duration.

Key-words: Heavy Metal; Resistance; Consumption.

SUMÁRIO

Introdução ...... 09

Capítulo 1 – Headbanger: Uma estilística de vida e resistência na contemporaneidade...... 14 1.1 – Resistência enquanto elaboração de novas éticas ...... 17

1.2 – Heavy Metal: liberdade, escolha pessoal e ética...... 26

Capítulo 2 – Modernidade, solidez e liquidez ...... 62 2.1 – Vida líquida e consumismo na sociedade contemporânea...... 65

2.2 – A experimentação de um consumo diferenciado a partir do Heavy Metal...... 74

Capítulo 3 – A Cena Heavy Metal, em Natal: O Heavy Metal para além dos shows...... 86

Considerações Finais ...... 128

Anexos ...... 132

Referências Bibliográficas ...... 150

Introdução

Escolhi, para esta pesquisa, ter o Heavy Metal como objeto de estudo. Mais especificamente, a cena Heavy Metal na cidade de Natal – RN. Faz-se mister, nesse espaço, explicitar as razões pelas quais se deu a escolha do meu objeto de pesquisa.

Primeiramente, gostaria de me apresentar enquanto parte integrante dessa cena que pesquiso agora. Comecei a ouvir Heavy Metal por volta dos 14 anos de idade e, desde então, esse tipo de música, além de ter mexido comigo de uma forma diferente e mais intensa, me fez parar para observar certas idiossincrasias presentes em seus apreciadores. Eu estava diante de algo novo e de uma relação diferenciada com a música, a qual eu nunca havia observado anteriormente em outras pessoas e, muito menos, vivenciado eu mesma. Tratavam-se de pessoas singulares, de alguma forma, e isso era um fato fascinante e inegável para mim. Deu-se o primeiro contato o encantamento com a cena! A partir de então fui adentrando cada vez mais nesse universo e me apaixonando mais e mais por ele. O primeiro contato se deu no ensino médio. Posteriormente, me inseri no mundo das Ciências Sociais, outro universo peculiar e não menos fascinante. A partir do contato com esses dois mundos, que têm grande peso na minha formação, tive a ideia de uni-los, de alguma forma, abordando o

Metal enquanto temática de pesquisa dentro da Sociologia. Este trabalho é uma forma de estudar algo que me fascinou, passando a limpo o porquê desse fascínio. E, mais do que isso, também é uma forma que achei de contribuir mais com a cena Heavy Metal, como terei a oportunidade de falar melhor no decorrer dessas páginas.

Agora, que já coloquei sobre a mesa a minha relação com o que pesquiso, pois quem fala, fala sempre de algum lugar, ressalto o maior grau de dificuldade da proposta 9

de falar de algo que também faço parte. Parte importante da minha pesquisa se deu na forma de entrevistas semi-estruturadas e sempre ressaltava para meus entrevistados, que além de colaboradores, são meus amigos, o fato estranho de estar perguntando sobre coisas que eu já deveria saber, que qualquer um dentro da cena sabe, e a importância disso dentro da minha pesquisa, pois, por mais que todos sempre falem de algum lugar, deve haver um estranhamento em relação ao objeto de estudo. E perguntar coisas que parecem óbvias, mesmo para quem pesquisa, é uma tarefa sempre surpreendente, pois, com o ato de pesquisar, sempre descobrimos que o que parecia óbvio, nunca o é, pelo contrário, nos revela muitas surpresas instigantes. Essa é a sensação de fazer uma pesquisa dentro de um ambiente familiar ao pesquisador e acho que ela deve estar presente em qualquer pesquisa. O pesquisador sempre constrói um projeto para sua futura pesquisa e nele lança suas hipóteses. A atividade de pesquisar deve ser encarada como um caminho, de idas e vindas, um ensaio.1 Aquele pesquisador que não constrói sua pesquisa durante esse caminho, mas que a pressupõe a partir de seu projeto fechado, não é um bom pesquisador. Muito curioso também foi o interesse, de todos os que contatei, em ajudar e contribuir para o meu trabalho, de fazerem parte disso.

Explicitadas as razões da escolha do objeto e minha relação com o mesmo, se faz necessário introduzir o leitor minimamente no universo do Heavy Metal. O Estilo começa a tomar forma no final da década de 60, a partir de influências do Blues e tendo como contexto de surgimento o período logo após o ano de 1968, marcado por protestos da juventude contra o status quo. Há controvérsias acerca do seu surgimento, que giram em torno de qual seria a primeira banda de Heavy Metal da história. Existem duas

1 Aqui, faço claras referências a dois textos que fizeram parte da minha formação acadêmica: o primeiro capítulo de Educar na era planetária, de Edgar Morin, intitulado O Método; e O ensaio como forma, de Theodor Adorno. Os dois textos propõem o ensaio como uma forma de escrita mais rica, ao contrário dos textos científicos, que restringem e enquadram a escrita. 10

opiniões mais aceitas. Alguns dizem que foi o Led Zeppelin, outros, que foi o Black

Sabbath. No geral, a versão mais aceita é a de que o Led Zeppelin trouxe muitos elementos importantes que viriam a contribuir para o surgimento do Heavy Metal, porém, que a primeira banda considerada realmente do estilo seria o Black Sabbath, com o lançamento da música que leva o mesmo nome da banda, no ano de 1970. Black

Sabbath é uma música que traz um elemento novo: o peso. As notas graves e a afinação mais grave dos instrumentos traz o sombrio como uma característica nova.

Weinstein divide a estratificação do gênero em cinco fases: erupção entre 1969 e 1972, com bandas apresentando características de um código em formação ainda sem a classificação do termo heavy metal, tais como a tríade britânica Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath, e os norte-americanos Iron Buterfly e Blue Cheer; cristalização entre 1973 e 1975, com a adoção do nome de batismo; “golden age” entre 1976 e 1979; expansão de limites geográficos de público e aumento do número de bandas e de fãs, entre 1979 e 1983, com o florescimento da New Wave of British Heavy Metal, de bandas como o Iron Maiden e o Motorhead; crescimento, incorporação de novas influências e subdivisão em múltiplos subgêneros, depois de 1983 (2000:21), com o surgimento dos subgêneros thrash, death, black, power, gothic, prog e new metal entre outros. (LOPES, 2006, pág: 120)

Falando especificamente sobre o Heavy Metal em Natal, podemos dizer que a cena é pequena e restrita, sem muita expressividade dentro de uma cidade onde predomina o gosto pelo forró, como em muitas cidades do nordeste do país. Muitas pessoas que habitam em Natal, quando souberam do meu objeto de pesquisa, fizeram o seguinte questionamento: “Mas existe uma cena Heavy Metal aqui?” Pois é, essa cena existe sim, apesar de pequena e não muito aparente. E o fato de esse estilo musical ter pouca expressividade aqui não significa que ele cumpra menos sua função ethopoiética

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para aqueles que são amantes do Metal. Ter poucos adeptos implica numa maior dificuldade da manutenção desse estilo. Gostar de Heavy Metal e, mais ainda, vivê-lo, torna-se mais complicado em um lugar onde ele é um estilo marginal, por assim dizer.

Se nos dias de hoje é complicado, quem dirá na década de 80, quando a cena começou a surgir. Porém, essa dificuldade inicial se traduzia também em um maior sentimento de união da cena, sentimento esse que, segundos os headbangers, se esvai a cada dia, principalmente com o advento da internet. A internet tem um papel fundamental no acesso a todo tipo de materiais e músicas, sem falar na comunicação com pessoas que estão distantes, o que é muito importante dentro do Heavy Metal, que é um estilo global.

Porém, a internet também causou o distanciamento e uma mudança de hábitos no que se refere às formas de socialização dos ouvintes de Metal em Natal e nas formas de compartilhamento de material. Atualmente, temos uma cena em que a velha guarda do

Metal coexiste com os mais novatos, algumas coisas mudaram desde os primórdios da cena e trataremos melhor disso no nosso terceiro capítulo.

A hipótese central desse trabalho é a de que o Heavy Metal é ethopoiético, que é um dispositivo que cumpre funções específicas de subjetivação (Foucault), que forma novas éticas, novas estilísticas de vida e isso é visto por nós como uma forma de resistência na sociedade contemporânea. E, como estamos falando de sociedade contemporânea, incluímos Zygmunt Bauman nas nossas reflexões, pois esse autor nos dá um diagnóstico, que julgamos interessante, do mercado enquanto regulador social na contemporaneidade e dos efeitos disso nas relações sociais. Bauman fala de uma sociedade consumista, pois bem, temos como hipótese que o consumo, dentro do Heavy

Metal é diferenciado, por não estar de acordo com os padrões de consumo dessa sociedade líquido-moderna descrita por Bauman. Os produtos consumidos são

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diferentes, as razões pelas quais se consome são diferentes e a duração desse consumo se diferencia também, como falaremos no nosso segundo capítulo.

No primeiro capítulo lançamos uma das bases teóricas do nosso estudo, que é construída a partir das reflexões de Michel Foucault. Bem como, apresentamos algumas partes das entrevistas que realizamos. No segundo capítulo, tratamos da outra base teórica do nosso estudo. Ela é composta principalmente pelas reflexões de Zygmunt

Bauman sobre a contemporaneidade. Esse capítulo é encerrado com o antropólogo

David Le Breton e suas ideias sobre o corpo como acessório. Em nosso terceiro capítulo discutimos de forma mais específica sobre a cena Heavy Metal de Natal, fazendo um pequeno resgate da sua história e tentando mostrar como ela funciona, o

Metal para além dos shows, pois nem só de shows se faz o Heavy Metal. Demonstrar isso é uma das nossas propostas, fazer ver que o Metal é algo para além de um estilo de música que se ouve. Finalizamos nosso terceiro capítulo apresentando de forma mais detalhada perfis de alguns headbangers natalenses que foram entrevistados durante a pesquisa. Como forma de tentar imprimir alguma musicalidade em um trabalho escrito sobre a música, produzimos um DVD que acompanha o texto da dissertação, no qual exibimos um vídeo de cada uma das bandas de Natal que foram citadas no trabalho.

Somente a primeira música do DVD é de uma banda de sueca, que também aparece no decorrer do texto.

Esperamos que este seja um trabalho que inicie aqueles que não têm contato com o universo do Heavy Metal e que, para os colegas e amigos headbangers, seja apreciado como fonte de conhecimento novo e de uma visão diferente daquilo que eles já conhecem tão bem.

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1 – Headbanger: Uma estilística de vida e resistência na contemporaneidade.

Nessa pesquisa, tomamos como objeto de estudo a cena do Heavy Metal2, na cidade de Natal – RN, no entanto, apesar de termos escolhido um objeto bem específico, temos como objetivo, a partir desse recorte, falar de questões bem mais amplas, que dizem respeito à sociedade contemporânea em geral.

Num primeiro momento, explicitaremos as bases teóricas do nosso estudo, bem como, apresentaremos essas questões mais abrangentes, que acabam, de certa forma, ultrapassando o nosso recorte. Deste modo, podemos afirmar que nosso objetivo geral com essa discussão é, a partir desse nosso objeto, suscitar questões que pensamos ser de suma importância na contemporaneidade. Este primeiro momento, representado nos dois primeiros capítulos, será, portanto, um escrito que refletirá o nosso caminho de pensamento3, onde aparecerão os autores e as questões que norteiam nossa reflexão. As bases teóricas para essa pesquisa nos foram dadas a partir da leitura de, principalmente, dois autores: Michel Foucault, pensador francês, e Zygmunt Bauman, sociólogo polonês.

O conceito de resistência, de Foucault, associado a elaborações mais tardias deste autor, que dizem respeito ao “tomar-se a si mesmo enquanto obra de arte”, na construção de novas éticas, é de suma importância na composição de nossa reflexão, como também a sociedade líquido-moderna, descrita por Bauman, nos servirá de pano de fundo.

2 Utilizamos o termo Heavy Metal aqui, de forma geral, abrangendo com isso todas as ramificações associadas a esse estilo musical. O termo Heavy Metal também pode ser utilizado quando se fala especificamente do Heavy Metal clássico, que deu origem a incontáveis subdivisões, como, por exemplo, o , o Thrash Metal, o Power Metal e assim por diante. 3 Expressão que tomamos emprestada de Heidegger, em seu ensaio “A questão da técnica”. 14

Ao longo do texto também explicitaremos nossa pesquisa empírica, que se deu na forma de entrevistas semi-estruturadas. Apesar de essa primeira parte ter um cunho notadamente teórico, nosso objetivo é fazer um trabalho que prime por uma boa relação entre teoria e prática. Então, tratar-se-á de um escrito mais teórico, onde aparecerão, também, as vozes de nossos interlocutores mescladas às vozes dos pensadores que sustentarão nossa caminhada.

Primeiramente, gostaríamos de explicitar o uso do termo cena na denominação do todo que abrange os sujeitos e as práticas relacionadas ao Heavy Metal. Além de

“cena” ser um termo amplamente utilizado pelos próprios headbangers4, o sociólogo inglês Keith Kahn-Harris propõe a utilização do conceito de cena, em detrimento do conceito de subcultura, ou do conceito de tribo urbana, de Michel Maffesoli, sociólogo francês. Para Kahn-Harris, o Heavy Metal não pode ser descrito enquanto uma subcultura, pois este conceito designa algo mais voltado para um ajuntamento com objetivos políticos, no sentido de uma resistência política contra-hegemônica. O Heavy

Metal, como discutiremos mais adiante, não é um ajuntamento com objetivos políticos, pelo menos, não no sentido usual do termo política. O movimento Punk, por exemplo, poderia entrar na classificação de uma subcultura, já que suas aspirações de cunho político e contra cultural são bem explícitas, ao contrário do Heavy Metal. Mais a frente, explicitaremos nossa proposição do Heavy Metal enquanto resistência na configuração de uma ética particular. O conceito de tribos urbanas, de Maffesoli, também é deixado de lado por esse autor, pois designa um ajuntamento que se dá

4 Headbanger é um termo que vem da língua inglesa e que traduzido literalmente significa: batedor de cabeça. Esse termo é amplamente utilizado na denominação dos fãs de Heavy Metal em geral. Está intimamente ligado ao ato de “bater cabeça”, ou seja, balançar a cabeça de acordo com o ritmo da música que se ouve. 15

somente na forma de alianças afetivas baseadas em “sensibilidades temporariamente compartilhadas”.5 (KAHN-HARRIS, 2007, pág. 18, tradução nossa).

A utilização do conceito de cena, segundo Kahn-Harris, seria no sentido de intermediar os conceitos de subcultura e tribos urbanas, já que esses dois conceitos tornam-se restritivos para falar acerca do Heavy Metal, pelos motivos descritos no parágrafo anterior. O ajuntamento proporcionado pelo Heavy Metal não se restringe a objetivos políticos, no sentido de constituir uma contra-hegemonia, tampouco baseia-se apenas em uma afetividade compartilhada. Apesar de ser constituído também das características que estruturam esses dois conceitos.

As Alan Blum has shown, scene has rich connotations of the urban and of nightlife. John Irwin notes that the term can be used in two very different ways in everyday language. It can be used in the sense of ‘that’s not my scene’, connoting vague notions of lifestyle. It can also mean something ‘subcultural’. However, the two senses of the term are not necessarily contradictory. They both connote something that is shared, something we choose or not to participate in. Scene can be both a public space and a more general way of living.6 KAHN-HARRIS, 2007, pág. 18)

O trecho citado acima, da obra Extreme Metal. Music and Culture on the Edge, de Kahn-Harris, nos traz uma definição rápida do conceito de cena utilizado pelo autor.

Cena traz o elemento urbano, que é parte integrante do Heavy Metal, e pode significar

5 “temporarily shared sensibilities”, do original, em inglês. 6 Como Alan Blum nos mostra, cena tem ricas conotações do urbano e da vida noturna. John Irwin observa que o termo pode ser usado de duas formas diferentes na linguagem cotidiana. Pode ser usado no sentido de ‘esta não é a minha cena’ implicando noções vagas de estilo de vida. Pode significar também algo ‘subcultural’. No entanto, os dois significados do termo não são necessariamente contraditórios. Os dois sugerem algo que é compartilhado, algo que escolhemos participar ou não. Cena pode ser os dois: um espaço público e um modo de vida mais geral. (Tradução nossa) 16

algo referente a uma subcultura – porém, como falamos aqui, para o autor, esses dois conceitos são distintos – ou algo relativo a um estilo de vida. O principal aspecto desse conceito, no entanto, é que ele traduz a noção de algo que é compartilhado e, como fala o autor nesse trecho citado, “algo que nós escolhemos participar ou não”.

1.1 Resistência enquanto elaboração de novas éticas.

Foucault, geralmente, é mais conhecido por suas elaborações acerca do poder disciplinar, das relações de poder, da positividade do poder na construção de corpos dóceis. Porém, para fins didáticos, costuma-se dividir sua obra em três momentos.

Primeiramente, os estudos da constituição do sujeito a partir do discurso científico e das relações entre sujeito, verdade e saber. Momento esse que tem como principal referência a obra As Palavras e as Coisas. Em um segundo momento, também o mais conhecido,

Foucault irá se preocupar com o engendramento do sujeito pelos dispositivos disciplinares, onde ele vai se debruçar sobre a questão do poder, de forma mais específica, e sobre quais instituições estão produzindo o sujeito e de que forma elas o produzem. Uma obra representativa dessa segunda subdivisão do seu pensamento é

Vigiar e Punir. Já em um terceiro momento, que não é tão conhecido quanto os outros dois anteriores, o qual nos interessa nesse trabalho de pesquisa, o pensador francês irá tomar com mais centralidade a questão do sujeito, que, segundo ele, sempre permeou suas discussões desde o início de sua obra, porém, não com a centralidade que é dada nesse terceiro momento. Nos últimos anos de sua vida, Foucault vai se preocupar com o 17

modo pelo qual o homem se torna sujeito de si através da insubmissão do pensamento, da estilização da vida, através da criação de novas éticas enquanto práticas de liberdade.

Foucault, em O Sujeito e o Poder, escrito que pertence a esse terceiro momento do qual falamos, sugere uma nova forma de proceder com a investigação dos fenômenos sociais. Ele propõe ter como ponto de partida não somente as relações de poder, mas também as formas de resistência criadas pelos sujeitos contra as diferentes formas de poder. A partir do estudo das resistências nós poderíamos analisar as relações de poder e o modo como se dão os antagonismos na dinâmica social. “E para compreender o que são as relações de poder, talvez devêssemos investigar as formas de resistência e as tentativas de dissociar essas relações.” (FOUCAULT, 1995, pág. 234)

A nossa proposta central aqui é a de que o Heavy Metal pode ser pensado enquanto uma ética, no sentido foucaultiano do termo. Desta maneira, o Heavy Metal pode ser visto enquanto uma forma de resistência, uma insubmissão do pensamento, uma prática de liberdade. Iremos falar de forma mais cuidadosa dessa questão no decorrer do texto.

Estudar as formas de resistência significa estudar as formas tomadas pelas lutas antiautoritárias, que se constituem enquanto lutas de resistência a determinadas relações de poder. Segundo Foucault, as lutas antiautoritárias têm alguns aspectos em comum.

Primeiramente, são lutas transversais, ou seja, são lutas globais. O Heavy Metal, enquanto forma de resistência, tem essa característica de ser global. O fenômeno do

Heavy Metal não se restringe a um país, nem tampouco a um continente, esse estilo é escutado e executado em quase todo o mundo. O antropólogo canadense Sam Dunn produziu um documentário que fala especificamente dessa questão, denominado Global

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Metal7. O antropólogo se coloca como questão de pesquisa como esse estilo ultrapassou as fronteiras da América do Norte e Europa, onde ele tem grande peso, e afetou culturas em torno de quase todo o mundo. Dunn fez sua jornada de pesquisa pela Ásia, Oriente

Médio e América do Sul, e passou por países em que ele, anteriormente, achava que não encontraria o Heavy Metal, principalmente, com a intensidade com a qual ele se deparou. Ele também produziu outro documentário sobre Heavy Metal, denominado:

Metal: A Headbanger’s Journey8, no qual ele faz um resgate das raízes desse estilo, fala sobre algumas controvérsias existentes e conversa com fãs sobre o significado que a música tem na vida deles.

A partir desse documentário, Dunn nos conta que teve a oportunidade de receber diversos e-mails de várias partes do mundo agradecendo pelo belo trabalho feito por ele.

Na ocasião, ele entrou em contato com pessoas de locais onde ele jamais imaginou que o estilo estivesse presente. Então, surgiu o interesse em fazer o segundo documentário falando sobre o aspecto global do Heavy Metal e questionando como as diferentes culturas assimilaram o Metal. O autor inicia seu documentário no Wacken Open Air, o maior festival mundial dedicado aos mais diversos gêneros e expressões do Heavy

Metal. Segundo o autor, a cada ano, mais de sessenta mil pessoas do mundo inteiro acampam na pequena cidade de Wacken, ao norte da Alemanha, para prestigiar seus

ídolos.

Tendo explicitado o primeiro aspecto que as lutas antiautoritárias têm em comum, podemos agora passar ao segundo aspecto, que diz respeito aos objetivos dessas lutas. Elas têm como objetivo os efeitos de poder enquanto tais. Desta forma, o

7 Metal Global, em português. Referência do documentário na parte de referências bibliográficas. 8 Metal: Uma jornada headbanger, em português. 19

objetivo dessas lutas não é atacar uma determinada instituição, ou classe, mas sim, uma forma de poder:

Esta forma de poder aplica-se a vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o a sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos. (FOUCAULT, 1995, pág. 235)

E o terceiro aspecto é o de que elas são lutas imediatas, no sentido de que não intencionam acabar com um inimigo mor e nem encontrar soluções definitivas para o futuro. Elas se diferenciam, portanto, das lutas de classe, descritas por Marx, pois estas têm um grande inimigo a enfrentar, que seria o capitalismo, e querem uma solução definitiva para o futuro, o comunismo.

Foucault define três tipos de lutas antiautoritárias: as lutas contra as formas de dominação; – que pode ser étnica, social ou religiosa, por exemplo – as lutas contra as formas de exploração que separam os indivíduos daquilo que eles produzem; e as lutas contra a submissão da subjetividade. E, apesar de essas três formas de luta coexistirem sempre, Foucault ressalta que, conforme o contexto histórico, uma delas se sobressai.

Em nossa época, apesar de existirem paralelamente essas três formas de luta, sobressaem-se as lutas contra a insubmissão da subjetividade. A razão que Foucault dá para que esse tipo de luta apareça com mais destaque na contemporaneidade está refletida na forma política vigente, o Estado, que se caracteriza como uma forma de governo que combina de maneira astuciosa técnicas de individualização e

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procedimentos de totalização. Sobre o Estado moderno: “[...] uma estrutura muito sofisticada, na qual os indivíduos podem ser integrados sob uma condição: que a esta individualidade se atribuísse uma nova forma, submetendo-a a um conjunto de modelos muito específicos”. (FOUCAULT, 1995, pág. 237)

Segundo Foucault, o Estado moderno ocidental incorporou uma antiga tecnologia de poder proveniente das instituições cristãs: o poder pastoral, que, com o enfraquecimento da instituição religiosa, ampliou suas funções para fora da instituição eclesiástica. Deste modo, o Estado passa a ser a nova forma do poder pastoral.

O poder pastoral tem algumas características específicas: tem a salvação do indivíduo como objetivo; cuida tanto da comunidade, de forma geral, quanto do indivíduo; é oblativo; e, por fim, “esta forma de poder não pode ser exercida sem o conhecimento da mente das pessoas, sem explorar suas almas, sem fazer-lhes revelar seus segredos mais íntimos. Implica um saber da consciência e a capacidade de dirigi- la”. (FOUCAULT, 1995, pág. 237) Porém, houve algumas atualizações desse poder pastoral quando, ultrapassando a instituição eclesiástica, ele foi incorporado pelo Estado moderno ocidental. A salvação, que antes era prometida para um período de além-vida, agora passa a ser esperada para o período em que se vive. O Estado tem o papel de assegurar a salvação dos indivíduos neste mundo, na forma de segurança, bem-estar e no estabelecimento de uma ordem. A normalização do social é feita a partir do Estado e de suas instituições, como a polícia, que tem como função assegurar a manutenção da higiene, da saúde e de padrões urbanos.

Todo o nosso trabalho, até o presente momento, foi focado na contextualização da proposta de Foucault de estudarmos o fenômeno das resistências. Destacamos que as lutas contra a submissão da subjetividade se sobressaem na contemporaneidade, 21

enquanto resistências que se configuram a partir do modelo político vigente, o Estado.

Isso porque o Estado, enquanto agente do processo civilizatório, estabelecia os padrões de conduta morais a serem seguidos. Essas lutas enquanto resistências se manifestam na elaboração de novas formas de viver, novas experimentações, novas éticas.

A ética enquanto prática de liberdade aparece como algo para poucas pessoas, uma moral de grupo que faculta a adesão, baseada em um estilo de vida, uma espécie de subcultura elitista, nesse sentido, algo com um caráter bem nietzschiano. No caso dos headbangers, podemos notar que esse elitismo aparece na medida em que há uma diferenciação, feita pelos headbangers, entre eles, enquanto grupo que faz parte da cultura Heavy Metal, que seria uma cultura mais rica e elevada, e os outros que não fazem parte desse grupo ético. Esse aspecto pode ser melhor visualizado pelo leitor no decorrer do texto. Porém, outro fator que ressalta o caráter elitista do Heavy Metal, é o fato de este ser um estilo de música onde as canções são compostas com a intencionalidade de serem escutadas, apreciadas e entendidas, principalmente, por aqueles que fazem parte desse grupo. Não se compõe Metal com a intenção de que ele seja popularizado. Em algumas vertentes do Metal, notadamente no chamado Metal

Extremo, os logotipos das bandas são sempre idealizados com fontes que dificultam a compreensão do nome destas. Só quem conhece o logo da banda, consegue ler o nome que está escrito. É importante ressaltar que a principal diferença entre moral e ética é que a moral tem como função fornecer modelos de comportamento para o todo social. A moral é baseada também no compartilhamento por todos daquilo que aparece como certo ou errado, ela cria valores. Ela faz o papel de “cimento social”, é o que dá o caráter maciço que compõe a sociedade.

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Sobre a moral, Nietzsche aponta o fato de que os seres humanos precisam criar causas, fato esse que decorre de sua necessidade psicológica de explicar as coisas do mundo em que vive. O ser humano sempre precisa achar uma razão que explique o seu estado atual, não bastando a constatação desse estado.

Segundo Nietzsche a criação de causas é imaginária. As causas só são criadas pelo homem para explicar uma situação atual, um problema que ele vivencia. A partir de uma experiência que se vive, e sobre a qual não se tem ainda uma explicação, busca- se uma causa. Têm-se aí, então, interpretações que o ser humano faz de fenômenos, os quais vivencia, e que são tomadas como causas destes mesmos fenômenos. Nas palavras de Nietzsche: “As ideias produzidas por uma certa condição foram mal-entendidas como causas dela”. (NIETZSCHE, 2006b, pág. 42). A partir daí o homem dá um sentido ao acaso.

Há nesse processo uma confusão temporal entre causas e efeitos, uma vez que, a partir de certo fenômeno, o homem cria uma causa que lhe seria anterior, porém, na medida em que a suposta causa é imaginada pelo homem após o fenômeno, ela não é anterior a este, mas sim posterior, pois é uma causa imaginada pelo homem, não devendo ser confundida com a causa real, que provêm do acaso. As causas criadas pelo homem não deveriam ser vistas enquanto causas, pois não são nada além de produtos dos fenômenos vivenciados por estes. Portanto, os efeitos vêm antes das causas, que são uma resposta do homem a estes mesmos efeitos. Temos aí o erro da confusão entre causa e consequência. A este erro da confusão entre causas e consequências Nietzsche dá o nome de moral: “... esse erro está entre os mais antigos e mais novos hábitos da humanidade: ele é até santificado entre nós, leva o nome de “religião”, “moral”. Cada tese formulada pela religião e pela moral o contém. ”(NIETZSCHE, 2006b, pág.39)

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“É conveniente usar causa e efeito só como conceitos puros, como ficções convencionais, para fins de terminologia, entendimento, e não de explicação.” (NIETZSCHE, 2006a, pág. 26)

A partir desse trecho de Além do bem e do Mal, podemos verificar que Nietzsche não critica, de modo algum, o fato de o homem criar causas, visto que essa é uma necessidade psicológica do homem. O problema apontado por ele está, antes de mais nada, no fato de o indivíduo utilizar essas causas criadas enquanto explicações da realidade, fazendo com que as supostas causas, por ele criadas, sejam vistas e confundidas com a própria realidade, na forma de imperativos.

Desta forma, a moral é da ordem do que é imperativo, daquilo que se deve ou não fazer. Ela categoriza o que é bom e o que é mau e isso, através do que Nietzsche descreve como a confusão entre causas e consequências, acaba aparecendo como natural e necessária.

A ética, como nos fala Foucault, é uma prática de liberdade. A partir do momento em que o homem percebe o caráter arbitrário da moral – que é construção humana, ou seja, não é natural nem anterior ao homem – e, de acordo com Nietzsche, assume sua natureza, que é a criação de valores, ele pode tomar a si mesmo enquanto obra de arte e constituir-se a partir de experiências éticas. A ética, assim como a moral, envolve códigos que organizam a vivência. A diferença basilar entre essas duas categorias é que a ética não aparece enquanto imperativo, não se apresenta como natural e necessária, mas sim, como uma alternativa. A ética faculta a adesão do sujeito, ou seja, ele tem a escolha de se submeter ou não a essa nova experienciação. Por isso que a

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ética é uma prática de liberdade. “A partir da ideia de que o indivíduo não nos é dado, acho que há apenas uma consequência prática: temos que criar a nós mesmos como uma obra de arte.” (FOUCAULT, 1984, pág. 50)

Segundo Foucault, a liberdade só existe, enquanto prática, na forma de

“experimentações éticas”. Não existe um estado de liberdade total do sujeito, já que este vai sempre ser constituído por padrões morais de comportamento. Não há um lado de fora do poder, pois, para Foucault, não há o poder enquanto coisa, mas, relações de poder, que constituem o sujeito, e resultam na positividade do poder. O sujeito sempre vai estar atravessado por relações de poder. A liberdade é uma agonística, uma luta sem fim. O sujeito só pode experimentá-la praticando-a através da ética, que pertence ao campo da escolha, é um problema de escolha pessoal, de adesão consentida. A ética é algo restrito a poucas pessoas, a uma elite, é a busca de estilos de vida diferenciados. A prática de si é produzir-se a si mesmo, dentro de um grupo ético, reinventando a existência a partir de novas produções de sentido.

A conclusão seria que o problema político, ético, social e filosófico de nossos dias não consiste em tentar liberar o indivíduo do Estado nem das instituições do Estado, porém nos liberarmos tanto do Estado quanto do tipo de individualização que a ele se liga. Temos que promover novas formas de subjetividade através da recusa deste tipo de individualidade que nos foi imposto há vários séculos. (FOUCAULT, 1995, pág. 239)

Pensando, desta forma, as experiências éticas como práticas de liberdade, a partir de Foucault, nossa hipótese principal é a de que o Heavy Metal, além de um estilo musical, constitui um conjunto de regras particulares que caracterizariam uma ética. O

Heavy Metal vai aparecer como um dispositivo de subjetivação. Entendemos 25

subjetivação em um dos sentidos dados ao termo por Foucault. A subjetivação se dá na formação de subjetividades a partir dos dispositivos de subjetivação, dos dispositivos de poder, das mais diversas instituições sociais. A segunda acepção desse conceito trata o próprio sujeito enquanto “mestre de obras” na construção da sua subjetividade, do tomar-se a si mesmo como obra de arte na experimentação de novas formas éticas. Esta

é a melhor definição que se aplica em nosso trabalho.

1.2 – Heavy Metal: liberdade, escolha individual e ética.

Através das entrevistas que realizamos, pudemos observar uma atitude consensual entre os entrevistados. Sempre que perguntávamos algo relacionado às influências que o Heavy Metal poderia ter no modo de agir, ou pensar dos entrevistados, eles faziam questão de frisar que não agiam ou pensavam de determinada forma por causa do Heavy Metal, que não era uma relação de passividade, onde a música e as práticas grupais poderiam determinar certas atitudes e pensamentos. Todos que colaboraram com a pesquisa afirmaram de modo categórico que o Heavy Metal era algo que abria os campos de possibilidades de pensamento. O contato com esse determinado tipo de música e com toda a carga cultural que “vem no pacote” tem a função de mostrar diversos caminhos e possibilidades de se pensar diferente, potenciais inventivos, em contraponto aos padrões morais a que somos habituados e a partir dos quais somos construídos desde o momento em que nascemos. As principais bandeiras levantadas pelo Heavy Metal são: a liberdade e escolha pessoal.

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Eu acho que essa é a principal mensagem que o Heavy Metal passa: Não seja um alienado, tenha sua própria opinião, tenha sua própria atitude. Você tem sua liberdade (...) você tem que fazer o que você quer, não o que os outros fazem (...) você pode ter religião, ou não. O importante é isso, você ter essa liberdade de pensamento (...) O que é possível fazer, você pode fazer. No geral, é evitar a alienação. Pessoas que ouvem Heavy Metal são bem mais esclarecidas9, são pessoas que procuram ler mais, estudar mais, que tem uma cultura, em geral, muito maior. (Ericksen Lima10)

Se houvesse uma relação de passividade onde, aquele que ouve, assimilaria determinados hábitos somente pelo fato de ouvir a música, seria, no mínimo, contraditório, pelo fato de que, segundo nossos entrevistados, a principal função do

Heavy Metal é desconstruir aquilo que os valores morais nos apresentam como sendo natural. A primeira coisa que pudemos observar claramente com o trabalho de pesquisa empírica foi justamente essa repulsa ao que é inculcado de forma passiva. Por esta razão, grande parte diz não ter religião. Desta maneira, para aqueles que entrevistamos, o Heavy Metal não pode ser visto como semelhante a uma religião, onde há essa relação de passividade.

Em A Hermenêutica do Sujeito Foucault se ocupa em fazer um estudo das práticas de si na Antiguidade com a intenção de analisar o problema da subjetivação moderna. Para uma melhor análise das práticas de si, da ética do cuidado de si, tomaremos algumas passagens desta obra para fundamentar melhor nossa hipótese do

Heavy Metal enquanto um grupo ético.

9 Podemos remeter esse trecho da fala do nosso entrevistado ao que colocamos anteriormente sobre a questão do elitismo dentro da prática de si, no caso particular que estamos estudando: Os headbangers enquanto um grupo que pratica a liberdade através de uma ética. 10 Headbanger natalense, 26 anos. Ouve metal desde pequeno, por influência do pai, que é comerciante e vende camisas de banda em um bairro comercial da cidade, o Alecrim. Ouve todos os estilos de Heavy Metal e Rock’n Roll, tendo preferência declarada pelo chamado Heavy Metal tradicional. Estuda Ciências da Computação. 27

Várias expressões são usadas na caracterização do cuidado de si, dentre elas, algumas se referem basicamente à construção, pelo próprio sujeito, de uma fortaleza de si mesmo. “Instalar-se a si mesmo como em um lugar refúgio, uma cidadela bem fortificada, uma fortaleza protegida por muralhas, etc.” (FOUCAULT, 2006, pág. 105)

Logo após referir-se a essas expressões, em uma nota, Foucault faz uma citação de

Sêneca, para explicitar melhor o sentido delas: “Que a filosofia erga em torno de nós a inexpugnável muralha que a Fortuna ataca com suas mil máquinas, sem abrir passagem.

Mantém uma posição inatingível a alma que, desligada das coisas de fora, defende-se no forte que ela mesma construiu para si.” (FOUCAULT, 2006, pág. 124)

Seguindo pelo texto, podemos perceber que construir essa fortaleza para si mesmo, enquanto uma característica do cuidado e da prática de si, significa também corrigir-se11. Mas corrigir-se em relação a que? Aos hábitos morais impostos desde a mais tenra infância.

Na prática de nós mesmos, devemos trabalhar para expulsar, expurgar, dominar este mal que nos é interior, nos libertar e nos desembaraçar dele (...) certamente, é muito mais fácil corrigir-se quando se assume este mal no período em que se é ainda jovem e tenro e o mal não está ainda incrustrado. (FOUCAULT, 2006, pág. 116, grifo nosso.)12

Tendo como base a parte que destacamos nessa citação, podemos perceber que o mal que Sêneca fala é proveniente da socialização do sujeito dentro das regras morais.

Portanto, a prática de si diz respeito a construir uma fortaleza de nós mesmos

11 Essa forma do cuidado de si que exploramos em nosso texto é característica do período Helênico, séculos I e II. Para Foucault, este é o período mais representativo do Cuidado de si, pois é um momento em que a prática de si torna-se geral, na população Greco-romana. 12 Nessa citação d’A Hermenêutica do Sujeito, Foucault fala sobre a prática de si em Sêneca. 28

expurgando e corrigindo os males da moral que age em nós e, desta forma, reivindicando-nos a nós mesmos enquanto sujeitos artistas de nossas próprias existências. “... a prática de si tornar-se-á cada vez mais uma atividade crítica em relação a si mesmo, ao seu mundo cultural, à vida dos outros.” (FOUCAULT, 2006, pág. 114) Trata-se, ademais, de “endireitarmos o nosso espírito”, como fala Foucault, tomando as palavras de Sêneca13. O objeto da prática de si é o si mesmo, o sujeito assujeitado às determinações sociais que, tendo cuidados consigo mesmo, pratica a liberdade na medida em que, sabendo de sua natureza de sujeito humano criador de valores e tendo consciência de que foi constituído enquanto sujeito a partir de hábitos gerais que podem ser mudados, começa a trabalhar enquanto mestre de obras na correção de si mesmo.

[...] reforma de si que tem por critério uma natureza – mas uma natureza jamais dada, jamais manifestada como tal no indivíduo humano, de qualquer idade –, tudo isso assume, muito naturalmente, a feição de um desbaste em relação ao ensino recebido, aos hábitos estabelecidos e ao meio. (FOUCAULT, 2006, pág. 117)

A partir disso, podemos concluir, primeiramente, que a prática de si, diz respeito a essa não alienação do sujeito à moral reificada, em um movimento no qual o mesmo constrói para si uma fortaleza de sua própria alma recusando aquilo que é imposto socialmente pela moral, na normatização da normalidade e escolhendo a que regras ele pretende se submeter. Os headbangers aparecem como um grupo que, tendo como ponto de partida o Heavy Metal, constrói para si essa fortaleza, já que, como falamos no

13 Essa ideia de corrigir-se e desaprender os hábitos morais não aparece somente em Sêneca, ela está presente em todo o período Helênico. Pode ser encontrada também, principalmente, nos cínicos e nos estóicos. 29

início desse tópico, o primeiro dado da nossa pesquisa foi a repulsa dos ouvintes de

Metal àquilo que é inculcado de forma passiva, isso se reflete, principalmente, na criação de novas maneiras de estilizar a própria vida que são individuais e grupais ao mesmo tempo.

Com relação a essa reforma de si, esse corrigir-se que é parte integrante do cuidado de si, podemos afirmar que ela tem por motivação se instaurar no sujeito frente ao que Sêneca vai chamar de “o pior estado em que se poderia estar, que é, na verdade, o estado no qual se acha quem não começou ainda o percurso da filosofia nem o trabalho da prática de si” (FOUCAULT, 2006, pág. 162). Esse estado é a stultitia. Pois bem, como é o stultus, ou melhor, quais as características principais do indivíduo stultus, ou, se preferirmos, desse estado que é a stultitia, que é o total oposto da prática de si? O stultus é aquele indivíduo completamente aberto às influências exteriores, aquele que não as filtra, que deixa que elas se façam partes integrantes de seu espírito.

Não possui capacidade crítica para constituir-se a si mesmo a partir dessas influências, filtrando-as e escolhendo as referências que acha pertinentes para a elaboração de si mesmo, o indivíduo stultus não é capaz de “querer livremente”. “Entre a vontade e o eu há uma desconexão, uma não conexão, um não pertencimento que é característico da stultitia”. (FOUCAULT, 2006, pág. 164) Sobre essa questão da stultitia, que corresponde ao não querer livremente, pela falta de senso crítico formado, de um filtro que aja sobre as influências exteriores, podemos inserir uma fala de um entrevistado acerca da questão do querer, dentro do Heavy Metal, que, segundo ele, seria um querer livre, ou seja, embasado em uma opinião crítica bem fundamentada constituída por aqueles que ouvem Heavy Metal e saíram desse estado de stultitia, ou seja, praticam a si mesmos.

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No metal, como as pessoas têm uma opinião muito bem formada, elas têm um gosto pessoal e gostam daquilo porque realmente gostam... e isso não se muda... isso é uma coisa que você se identifica e fica pra você pelo resto da vida... por isso, existem bandas clássicas, que jamais são esquecidas. (Ericksen Lima)

Os participantes da cena do Heavy Metal admitem seguir alguns padrões que seriam parte do que é ser um headbanger, como podemos exemplificar aqui, com pequenos trechos de conversas dos nossos entrevistados:

Ser headbanger é uma questão de atitude. [...] O Heavy Metal além de ser um estilo musical, tem essa parte ‘filosófica’, digamos assim, de passar uma ideia, de passar um conhecimento [...] aborda vários assuntos, como política e religião, por exemplo. (Ericksen)

É a denominação de um estilo, de um padrão, de um comportamento que a gente segue, dentro de um determinado gênero. (Gerson14)

Porém, apesar de admitir essa questão de um estilo comum, de um determinado comportamento e de certas ideias que são passadas pelas músicas, os entrevistados sempre acabam frisando a questão da não passividade deles em relação aquilo que eles ouvem, até mesmo pela proposta do Heavy Metal, que consiste na recusa de valores instituídos pela moral. Eles sempre tentam ressaltar certa tomada de consciência daquele que ouve, que os diferenciaria daqueles que não ouvem, no sentido de proporcionar uma

14 Headbanger natalense, 36 anos. Vocalista da banda Primordium, de Death Metal, formado em pedagogia. É policial militar. 31

“mente mais aberta”. Desta forma, devemos encarar o Heavy Metal não como um estilo de vida, mas como uma estilística.

A ideia mesmo do headbanger - eu, pelo menos, penso assim – é aquele cara que, realmente, ele não é um alucinado, não é um lunático... ele tá ali dentro consciente do que ele faz... ele é um sujeito tanto ativo, quanto passivo dentro do estilo musical. (Gerson)

Chega um cara aqui, ‘bombadinho’, com um abadá, daí você olha e diz: “é forrozeiro!” O ‘bicho’ que curte axé, do mesmo jeito... é a mesma coisa o headbanger... vai tanto do modo como você se veste, do que você escuta e até mesmo do seu estilo de vida, de você não seguir padrões que a sociedade te impõe. (Wolfera15)

A partir desses dados, é importante ressaltar duas coisas: Primeiramente, cuidado de si é uma prática que só se realiza enquanto prática de grupo. E, a partir disso, podemos também afirmar que o cuidado de si é, na verdade, uma moral de grupo bem rigorosa. Trata-se de um exercício de prática da liberdade, ou seja, procura-se a libertação dos hábitos morais reificados que aparecem enquanto naturais e necessários perante o todo social, porém, estamos nos referindo a práticas de liberdade, não a uma liberdade total de qualquer forma de submissão a regras de comportamento, até mesmo pelo fato de esta liberdade total não existir de fato. O sujeito sempre será atravessado por relações de poder, sejam elas quais forem, pois são as relações de poder que o constituem enquanto sujeito. Não existe um lado de fora onde não possamos ser perpassados pelas relações de poder. Portanto, praticar a liberdade trata-se de escolher quais regras morais e relações de poder o sujeito quer se submeter para constituir-se. A

ética é nada mais do que uma moral de grupo, a qual o indivíduo escolhe se vincular

15 Headbanger nascido no Mato Grosso do Sul, reside em Natal há bastante tempo. Baixista da banda Primordium , de Death Metal . 32

para, a partir dela, constituir-se enquanto sujeito. Desta forma, o elemento grupal é imprescindível na prática de si. Admitir isso, significa também encarar que a prática de si não deve ser vista como uma solução em face de uma moral problemática, pois, sendo uma moral de grupo, vão existir conservadorismos e preconceitos como em toda e qualquer moral. A importância do cuidado de si, de vincular-se a um grupo e a partir dele constituir-se enquanto sujeito que pratica a liberdade frente a moral que, a primeira vista, aparece como necessária e indispensável, está justamente no fator da escolha, onde reside a prática da liberdade. A prática de si e a ética do cuidado de si envolvem a escolha do indivíduo de se submeter às regras criadas por um determinado grupo. A

ética nada mais é do que uma moral grupal que se apresenta enquanto alternativa.

[...] é uma partilha operatória entre os que são capazes e os que não são capazes [de si]. [...] É a relação consigo, a modalidade e o tipo de relação consigo, a maneira como ele mesmo será efetivamente elaborado enquanto objeto de seus cuidados é aí que se fará a partilha entre alguns poucos e os mais numerosos.” (FOUCAULT, 2006, pág. 147)

Assim, é preciso dizer que o cuidado de si sempre toma forma no interior de redes ou de grupos determinados e distintos uns dos outros, com combinações entre o cultual, o terapêutico16 e o saber, a teoria, mas [trata-se de] relações variáveis conforme os grupos, conforme os meios e conforme os casos. De todo modo porém, é nessas separações, ou melhor, neste pertencimento a uma seita ou a um grupo, que o cuidado de si se manifesta ou se afirma [...] Somente no interior do grupo e na distinção do grupo, pode ele ser praticado.” (FOUCAULT, 2006, pág. 145)

16 Terapêutico no sentido que Foucault trabalha com o termo, que é amplamente discutido na obra em questão. Resumidamente: “... essa cultura de si tem uma função curativa e terapêutica. Está muito mais próxima do modelo médico que do modelo pedagógico. É preciso, sem dúvida, lembrar fatos muito antigos na cultura grega: a existência de uma noção como a de páthos, que significa tanto a paixão da alma quanto a doença do corpo; a amplitude de um campo metafórico que permite aplicar ao corpo e à alma expressões como cuidar, curar, amputar, escarificar, purgar. É preciso lembrar também o princípio familiar aos epicuristas, aos cínicos e aos estoicos de que o papel da filosofia é curar as doenças da alma.” (FOUCAULT, 2006, pág.602) 33

No caso do Heavy Metal, a dimensão cultual é refletida no culto às bandas.

Aqueles que gostam de uma determinada banda sempre a ouvem, vestem sua camisa, para homenageá-la, vão aos seus shows, que é o espaço onde podem se reunir com outros que, assim como eles, gostam das mesmas bandas. “As pessoas que curtem

Heavy Metal de verdade, cultuam isso e passam pras próximas gerações ... e daí você tira o valor que esse estilo tem.” (Ericksen Lima) Não raro, podemos ver nos shows os headbangers discutindo entre si sobre as músicas de uma determinada banda ou de outras que lhes aprazem, sobre a banda em questão, ou mesmo outras bandas, no que se refere à história, formação, temáticas abordadas por elas em suas músicas, práticas dos membros da banda, etc. Muitas vezes os shows acabam servindo como lugares para se discutir acerca do conhecimento que cada headbanger detêm do Heavy Metal, além de um espaço para se reunir com os iguais, prestigiar as bandas que se gosta e descarregar sua energia excedente, como diria Bataille. Bater cabeça, pogar17, cantar as músicas desse ritual, ou simplesmente assistir ao show calado, com uma postura reservada, tudo isso pode ser visto dentro de um show de Metal. Poderíamos dizer que dentro do Black

Metal18 essa dimensão cultual é mais forte, na medida em que algumas bandas desse estilo pregam o satanismo, o paganismo, o ocultismo ou simplesmente o anti- cristianismo. Algumas se utilizam de sangue de animais nos shows. Bandas

17 Pogar é fazer parte de uma roda de pogo, que consiste na formação de grandes rodas, durante os shows, onde simulam-se brigas de acordo com o ritmo da música enquanto giram, para dar o movimento circular à roda. 18 Black Metal é uma das derivações do Metal, que está contemplada aqui com o uso do termo Heavy Metal que, como falamos nas primeiras páginas deste trabalho, está sendo usado de forma geral, enquadrando, assim, os estilos que, como o Black Metal, derivam deste. Essa vertente do Metal teve início nos anos 80 e grande destaque nos anos 90, com o Black Metal norueguês, famoso por ser mais radical e por diversos eventos como incêndios criminosos tendo como alvo igrejas católicas, assassinatos de membros de bandas desse estilo por outros membros de bandas do mesmo estilo, suicídios também de membros de bandas desse estilo. São famosos por incorporar em suas letras temas como satanismo, paganismo e ocultismo, tem um som pesado com vocais guturais e habitualmente se apresentam com pinturas em branco e preto, principalmente na área do rosto, denominadas “corpse paint”. 34

norueguesas de Black Metal da década de 1990, consideradas as fundadoras do estilo, são famosas pelo seu radicalismo anticristão, pois promoveram a queima de várias igrejas católicas. Assassinatos cometidos por membros das bandas, como por exemplo, o famoso caso do assassinato de Euronymous (nome original: Øystein Aarseth, na

época, guitarrista da banda Mayhem) pelo seu colega Varg Vikernes (da banda Burzum e, na época, baixista da banda Mayhem também). Suicídios de integrantes de bandas desse gênero também eram bastante comuns. Um dos mais famosos também envolve a banda Mayhem e é anterior ao assassinato do guitarrista Euronymous. Trata-se do suicídio de Per Yngve Ohlin, mais conhecido como Dead, que na época era vocalista da referida banda. Ele cometeu suicídio cortando os pulsos e desferindo um tiro contra a própria cabeça. Ao se deparar com o cadáver, o guitarrista Euronymous comprou uma câmera fotográfica e registrou a cena, transformando uma das fotos na a capa de um disco da banda, o Dawn of the Black Hearts. (Imagem 01)

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Imagem 01: Capa do disco Dawn of the Black Hearts, da banda de Black Metal norueguesa Mayhem, que retrata a cena de suicídio do vocalista Dead.

Focando na dimensão cultual da qual estamos falando, resolvemos trazer aqui a letra de uma música de Black Metal, da banda sueca Dissection, entitulada Maha Kali.

Há boatos dentro da cena Heavy Metal de que o vocalista Jon Nödtveidt teria composto a referida música como prelúdio de seu suicídio. Jon cometeu suicídio em 2006. Ele foi encontrado morto com um tiro, em seu apartamento, cercado por um círculo de velas acesas e junto ao corpo estava uma espécie de Bíblia satânica. Pouco antes de cometer

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suicídio, Jon Nödtveidt publica sua última entrevista respondendo a perguntas de fãs em um fórum. Nessa entrevista, o vocalista fala sobre a forma como se dá o trabalho de composição das suas músicas que, segundo ele, têm como objetivo transmitir sua religiosidade. Na resposta do vocalista, podemos notar elementos que figuram às três esferas, das quais falamos, que compõe as práticas de si nos grupos: a cultual, a terapêutica e a esfera do saber.

O processo de composição tem para mim uma função espiritual em um nível pessoal uma vez que são hinos para os diferentes poderes e princípios, os Deuses das Trevas, que são uma parte central da corrente 218. Liricamente as músicas são baseadas em invocações e fórmulas que foram vinculadas nas letras para evocar os poderes que as representam. A teoria ocultista musical foi aplicada no processo de escrita da canção como um meio de carregar simbolicamente suas estruturas. Elas também foram escritas inspiradas por ideias científicas, como a teoria das cordas etc. As canções foram todas escritas com a intenção de usar sons e vibrações como ferramentas Anti-Cósmicas e todas elas foram conscientemente criadas para serem os vasos para esses poderes. (Fonte: Dissection: a última entrevista com Jon Andreas Nödtveit http://whiplash.net/materias/entrevistas/137038dissection.html#ixzz2L EEIC8FW)

Maha Kali é uma deusa da cultura hindu que representa, dentre outras coisas, a morte. Nessa música podemos ver explicitamente como a dimensão cultual aparece de forma clara.19

19 Disponibilizaremos um vídeo dessa música tocada ao vivo no DVD que acompanha a dissertação. 37

Maha Kali20

Dissection

Maha Kali, dark mother dance for me Let the purity of your nakedness awaken me Yours are the fires of deliverance which shall bring me bliss Yours is the cruel sword which shall set my spirit free

Devourer of life and death who rule beyond time In thy name I shall fullfil my destiny divine Maha Kali, formless one, destroyer of illusion Your songs forever sung, the tunes of dissolution

Kalika, black tongue of fire, embrace me Make me one with your power for all eternity Awaken within me the reflection of your flame Kiss me with your bloody lips and drive me insane

Jai Kalika! Jai Kali! Make me one with your power for all eternity Maha Kali come to me

Smashana Kali, I burn myself for thee I cut my own throat in obscene ecstasy I make love to abominations, embrace pain and misery Until my heart becomes the burning ground and Kali comes to me

O dark mother, hear me calling thee Mahapralaya, bring to me Through all illusions I shall see I shall cremate this world and set my essence free

20 Tradução: Maha Kali, mãe sombria dance para mim/Deixe a pureza de sua nudez me acordar/Você é o fogo da libertação que me trará felicidade/Você é a espada cruel que libertará meu espírito/Devoradora da vida e da morte que governa além do tempo/Em teu nome eu devo completar meu destino divino/Maha kali, senhora sem forma, destruidora da ilusão/Seus cânticos para sempre cantarão, os tons da dissolução/Kalika, negra língua flamejante, envolva-me/Faça-me um com seu poder por toda a eternidade/Desperte o reflexo da chama no meu interior/Beije-me com seus lábios sangrentos e leve-me à loucura/Jai Kalika! Jai Kali!/Faça-me um com seu poder por toda a eternidade/Maha Kali venha a mim/Smashana Kali, queimo a mim mesmo por ti/Corto minha própria garganta em êxtase obsceno/Faço amor com abominações, envolvo dor e miséria/Até que meu coração torne-se o chão flamejante e Kali venha até mim/Oh mãe sombria, escute meu chamado a ti/Mahapralaya, traga até mim/Através de todas as ilusões eu devo ver/Eu devo cremar esse mundo e libertar minha essência/Jai Kalika! Jai Kali!/Sem medo eu dançarei com morte e miséria/Maha Kali, venha até mim/Oh Kali, tu és apreciadora dos campos queimados/Então eu tornei meu coração em um, para que vós podeis dançar lá incessantemente/Oh mãe, eu não tenho nenhum outro desejo amoroso em meu coração./Fogo de uma pira funeral está queimando lá/Voz Feminina:Jai Maha Kali,/Jai Ma Kalika/Jai Maha Kali, Jai Ma Kalika/Kali Mata, namo nama/Kali Mata, namo nama/Jai Kalika! Jai Kali!/Em sua mão direita pela incessante vitória/Maha Kali, venha a mim/Jai Kalika! Jai Kali!/Mahapralaya libertará nossos espíritos/Maha Kali, venha a mim.

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Jai Kalika! Jai Kali! Without fear I will dance with death and misery Maha Kali, come to me

O Kali, thou art fond of cremation grounds So I have turned my heart into one, that thou may dance there unceasingly. O mother, I have no other fond desire in my heart. Fire of a funeral pyre is burning there.

Voz Feminina: Jai Maha Kali, Jai Ma Kalika Jai Maha Kali, Jai Ma Kalika Kali Mata, namo nama Kali Mata, namo nama

Jai Kalika! Jai Kali! At your left hand for endless victory Maha Kali, come to me.

Abda Medeiros, em seu trabalho de mestrado, também fala dos shows de Metal na perspectiva do ritual. Segundo ela, o show de Metal, enquanto ritual, começa quando o headbanger se arruma em casa para ir ao show. Esse é um fato que podemos chamar de relevante, principalmente no caso de Natal. Em uma cidade como São Paulo, é comum ver headbangers compondo a paisagem urbana, todos os dias, principalmente na região do centro da cidade, onde se situa a Galeria do Rock. Em qualquer dia, qualquer pessoa que vá ao Centro de São Paulo pode visualizar vários headbangers.

Estar “no visual” é algo comum para o dia a dia daqueles headbangers que frequentam uma cidade como São Paulo. Como eles compõe a paisagem urbana, não aparecem como algo chocante para os transeuntes, por estarem vestidos de maneira peculiar. No caso de Natal, ressaltamos a importância de incorporar o visual de headbanger para ir aos shows como parte inicial do ritual, porque muitos dos headbangers da cidade não adotam o visual característico cotidianamente. Há aqueles que, assim como eu, costumam se vestir sempre como headbangers. Mas, no caso específico de Natal, pude 39

observar que a maioria dos ouvintes de Metal não adota o visual no seu dia-a-dia.

Alguns alegam sentir-se constrangidos com o olhar do outro, outros ressaltam o fato de

Natal ser uma cidade muito quente para se vestir sempre de preto. Para estas pessoas, vestir-se para ir a um show, é uma parte importante do ritual. Falaremos mais especificamente do caso de Natal no terceiro capítulo desse trabalho.

Passaremos agora para outra esfera das práticas de um grupo ético, a dimensão do saber, ou a dimensão teórica. Uma prática comum nos espaços onde se reúnem os headbangers, seja em um show, seja em uma mesa de bar, é a discussão acerca de diversas temáticas referentes ao mundo do Heavy Metal. Mais adiante, explicitaremos melhor um hábito que constitui a prática de si dentro da cena underground do Metal e que faz parte dessa dimensão relacionada ao saber ligado ao cuidado de si nos grupos

éticos: o hábito de estar sempre pesquisando sobre o Heavy Metal. Uma das razões pelas quais (e, talvez, a mais importante), para os entrevistados, o Heavy Metal aja no sentido de desconstruir valores morais impostos como naturais e proponha novos caminhos para pensar, é o fato de as músicas abordarem diversas temáticas diferenciadas, variando de acordo com as bandas e com o estilo. Podemos notar isso também através da fala de nossos interlocutores21:

A nossa cultura22, é uma cultura global... a gente trabalha com a tradição que existe entre celtas, dos vikings, dos índios. A gente pode trabalhar um conto do Marquês de Sade... Edgar Alan Poe, como o Iron Maiden23 faz... (Gerson) / Você pega o Black Metal, os caras usam o que? Filosofia, física quântica, astronomia... Música, pra mim, fora do rock, fundamento cultural, não tem... é mais pra alienação.”

21 Essa fala foi retirada de uma das entrevistas que foram realizadas, essa entrevista, assim como algumas outras, foi realizada com duas pessoas simultaneamente, Gerson e Wolfera. 22 O entrevistado se refere aqui, com o termo cultura, a cultura do Heavy Metal, ou, ao Heavy Metal enquanto uma cultura. 23 Iron Maiden é o nome de uma conceituada banda de Heavy Metal. 40

(Wolfera) / Eu sou etnocêntrico, a minha cultura é melhor, a minha cultura não se prende a algo inútil... existe um questionamento... existe uma profundidade, dentro da filosofia, da sociologia, da antropologia, do que a gente quiser conversar aqui... [...] eu não vejo outra música trabalhar com isso...24 (Gerson)

A poesia do Heavy Metal informa, diferente das poesias de outros segmentos musicais. A partir do momento que você tem conhecimento... o conhecimento é tudo... você é uma pessoa livre. Então, eu sou superior a fulano? Não, não sou, mas eu tive a oportunidade de conhecer isso, fui adiante nisso, pesquisei, li, assisti... E, isso sim, me torna uma pessoa, digamos, diferenciada. Eu vou indagar as coisas. Existem milhares de bandas de Heavy Metal que são bandas conceituais, que têm discos conceituais25, que falam de temas literários, de temas históricos, folclores, daí você vai ler sobre isso.” (Hervall26)

O metal oferece um leque de assuntos que nós não encontramos muito em outros estilos que as letras não dizem nada com nada. O axé, por exemplo, “olha a água mineral”... No metal você encontra assuntos relacionados à política, protesto, mitologias, ocultismo, muitas coisas... Ele consegue abrir os seus olhos para facilitar o seu caminho e ver em qual desses ramos você se identifica. (Marcelo27)

A partir dessas falas que apresentamos, pudemos observar uma diferenciação feita pelos próprios headbangers, entre eles próprios e aqueles que não escutam Heavy

Metal. Tal diferenciação é feita no sentido de uma apreciação da “cultura headbanger”

24 Mais uma vez, com a fala de um dos entrevistados, temos um exemplo do elitismo de grupo, caracterizado pelo fato de que os integrantes desse grupo ético se veem como uma elite no sentido de uma cultura mais elevada. 25 Um álbum conceitual é um álbum que conta uma história, onde todas as músicas integram essa história construída com base em uma temática específica escolhida pelos compositores. No Brasil, um dos álbuns conceituais mais conhecidos é o Temple of Shadows, da banda de Power Metal Angra. Nesse álbum é contada a história de um cavaleiro convocado pelo Papa para participar da Primeira Cruzada. Ao longo do álbum, o ouvinte se defronta com os dilemas vividos por esse cavaleiro. 26 Headbanger nascido no RJ, reside em Natal há bastante tempo, 33 anos, vocalista da banda Comando Etílico, de Heavy Metal tradicional. 27 Headbanger nascido em Belém, reside em Natal há bastante tempo, 33 anos, baterista da banda Expose Your Hate, de Death Metal. 41

em detrimento da cultura de forma geral e também de uma relação mantida com a música que, segundo eles, é diferenciada.

Ter como objeto de estudo um grupo específico e analisá-lo a partir do conceito de ética em Foucault, significa levar em consideração a esfera do micropolítico. Tomar- se a si mesmo como obra de arte é uma atitude da ética, ou da micropolítica. A micropolítica, segundo Gilles Deleuze, pertence à esfera do molecular, daquilo que é flexível, oposto ao molar, ao duro, à esfera da macropolítica. No início desse trabalho, colocamos que, diferentemente do movimento Punk, o Heavy Metal não se configura em um ajuntamento com objetivos políticos, pelo menos não no sentido usual do termo política. Com isso, pretendemos afirmar que o Heavy Metal, enquanto uma ética, faz menção ao político, mas não ao macropolítico. Ele pode ser visto dentro da esfera da micropolítica, daquilo que pulula dentro do social. Quando falamos desse movimento das práticas de si, que é molecular e micropolítico, falamos de resistências, falamos de linhas de fuga. Porém, atuar na esfera do molecular, através de linhas de fuga, não significa ter a solução definitiva ou libertar-se de uma vez por todas do molar, do macropolítico. O macropolítico não pode ser dispensado, pois macro e micropolítica se complementam. A micropolítica incorpora também o fascismo. Aliás, o fascismo nasce na micropolítica, enquanto microfascismo e está presente no nosso dia a dia de uma forma muitas vezes sutil, todos temos nossos pequenos fascismos. A ética é uma moral de grupo, uma moral alternativa praticada por um grupo que a escolhe frente à moral que nos é imposta desde a ocasião do nosso nascimento e primeira socialização. A ética comporta microfascismos e não seria diferente no caso do Heavy Metal

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Vencemos o medo, abandonamos as margens da segurança, mas entramos num sistema não menos concentrado, não menos organizado, um sistema de pequenas inseguranças, que faz com que cada um encontre seu buraco negro e torne-se perigoso nesse buraco, dispondo de uma clareza sobre seu caso, seu papel e sua missão, mais inquietantes que as certezas da primeira linha. (DELEUZE, 1996, pág. 111)

Ainda sobre o trecho acima, podemos dizer que a ética reflete isso também: “um sistema não menos concentrado, não menos organizado” e que dispõe de uma certeza inquietante de que o seu modo de vida é o correto. Podemos relembrar a frase de um de nossos entrevistados, Gerson, que exemplifica claramente a dimensão inerente à esfera da ética enquanto micropolítica (e também microfascismo): “Eu sou etnocêntrico, a minha cultura é melhor, a minha cultura não se prende a algo inútil... existe um questionamento...”, e ainda outras frases que já foram citadas como, por exemplo:

“Música, pra mim, fora do rock, fundamento cultural, não tem... é mais pra alienação.”

(Wolfera), ou ainda: “A poesia do Heavy Metal informa, diferente das poesias de outros segmentos musicais.” (Hervall). O microfascismo pode ser visualizado nesse elitismo inerente ao Heavy Metal, do qual falamos. Aliás, o microfascismo (apesar de parecer uma palavra forte) sendo inerente ao micropolítico, pode ser encontrado mais comumente do que imaginamos, em pequenos comportamentos e ações do dia a dia.

Aqueles que ouvem Heavy Metal aparecem também como tendo uma relação diferenciada e mais íntima com a música. Essa relação se caracteriza tanto pela frequência com que a música é ouvida, como pela forma como ela é ouvida. Todos os nossos interlocutores afirmaram não conseguir passar um dia sem ouvir, pelo menos, um disco de Heavy Metal. Acreditamos que aí se encontra a outra dimensão que constitui as práticas de si dentro de um grupo ético: o terapêutico. A prática de ouvir

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música age como uma terapia que cura ou corrige o espírito daqueles que a escutam e há uma dependência desse remédio da alma, que precisa ser “tomado” todos os dias. Os headbangers não conseguem passar um dia sem ouvir pelo menos um CD de Metal.

Podemos visualizar esse aspecto corretor (terapêutico) na parte que destacamos, em negrito, da última fala que apresentamos, do entrevistado Marcelo. Ouvir Metal aparece como uma terapia que corrige (abre os olhos, nas palavras do entrevistado). Mas, é importante ressaltar, essa correção não se dá no sentido de constituir uma identidade grupal fixa e dura, mais uma vez, nessa última fala que destacamos, o entrevistado quer dizer que cada um, a partir do Heavy Metal, escolhe uma maneira de estilizar sua própria existência. Como pesquisadora e ao mesmo tempo parte integrante da cena, tenho um exemplo particular que demonstra o que pretendo ao dizer que o Heavy Metal também possui uma esfera terapêutica referente às práticas de si. Um amigo me receitou ouvir Heavy Metal para raciocinar melhor sobre as coisas e ter uma postura mais adequada em algumas situações particulares. A música aqui serve como terapia. Nesse caso, não seria importante prestar atenção nas letras, pois esse exemplo não se encaixa na esfera do saber, mas sim, ajustar o estado de espírito, a fim de enfrentar melhor uma determinada situação, a partir da escuta de um determinado estilo de música, o Heavy

Metal. Em outra conversa particular com meu irmão, que também é headbanger, ele me relatou que sempre gosta de escutar Heavy Metal antes de apresentar algum seminário na instituição em que estuda, pois isso o deixa mais confiante em suas falas.

Tomaremos como exemplo outra fala do entrevistado Marcelo que reflete de forma explícita esse aspecto terapêutico do Heavy Metal para os headbangers, que se manifesta tanto na receptividade para com a música, na escuta, quanto na própria expressão do sujeito enquanto músico, que é o caso dele.

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É através da música que eu faço a minha espécie de meditação particular, que é quando eu paro realmente, penso sobre as coisas, reflito, escolho as minhas ações, decisões, atitudes... Então, assim como eu chego num estágio de concentração onde eu absorvo conhecimento, eu também me manifesto através dela [da música], através de emoções, tocando, participando, ouvindo, curtindo aquilo. Então, eu curto a energia que a música me passa, algo muito particular. [...] Eu, particularmente, acho que eu interajo [com a música] com uma certa intensidade, é uma paixão, eu sinto isso, principalmente, quando eu toco, porque ali é o resultado final de tudo que eu ouvi, de tudo que eu to colocando pra fora, de todas as técnicas que eu desenvolvi, de todo o meu trabalho, etc. É na própria composição que eu faço, ali na bateria, que eu percebo o quanto ela [a música] me faz bem e o quão ela me faz evoluir. (Marcelo)

Algumas pessoas afirmam ouvir em todas as ocasiões possíveis durante o dia. A forma como a música é apreciada também é diferente. Grande parte dos entrevistados afirmou gostar de Heavy Metal por se tratar de um tipo de música muito trabalhada, algo que, na opinião deles, não é tão comum nos estilos musicais mais veiculados na indústria fonográfica. Quando questionados sobre a relação deles com outros tipos de música, todos responderam que apreciam outros estilos de música, contanto que sejam músicas complexas e bem elaboradas. E, mesmo assim, a relação não é igual a que eles têm com o Heavy Metal. O entrevistado Cláudio Slayer afirmou que a relação dele com os outros estilos de música que ele ouve é utilitária, por exemplo, ele ouve outros estilos de música para aprimorar suas técnicas no baixo, já que ele é baixista. O entrevistado

Marcelo, que também é músico, alegou assistir concertos de Blues e Jazz, na TV, com a mesma finalidade de descobrir novas técnicas, no caso dele, de bateria. Dentre os outros estilos que foram citados pelos entrevistados como fazendo parte do que eles apreciam além do metal, surgiram coisas como: Música erudita, Rock’n Roll, Blues, Jazz, Ópera, algumas coisas dentro da MPB, algumas coisas dentro do Pop, Brega e Chorinho.

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O playboyzinho não vai pra um show de forró pra estar sacando a banda, nem pra estar prestando atenção na música... ele vai aprender até a cantar, mas não sabe nem o que é que aquilo tá passando pra ele... ele vai pra pegar mulher... [...] Enquanto no meio mais underground, como a gente chama, é diferente... Normalmente as pessoas vão com os amigos, mas pra curtir a banda, curtir o som... namorar, se possível, mas não com essa ideia... (Ericksen)

Acreditamos que esse tipo de relacionamento com a música, que implica até em uma espécie de ascese, só se torna possível quando o sujeito que escuta Heavy Metal passa a penetrar o chamado underground, saindo, desta forma, da esfera mainstream.

Leonardo Carbonieri Campoy, em sua dissertação de mestrado, nos propõe critérios de caracterização da divisão desses dois termos que se mostram bastante úteis, mas que precisam de uma pequena problematização. A diferenciação que o autor faz dá-se por meio de dois critérios básicos: a produção e divulgação, que dialoga ou não com a esfera comercial (o metal enquanto produto comercial ou como “sentimento”); e os estilos, sendo o Heavy Metal considerado mais “leve” próprio da esfera do mainstream e o metal extremo mais “pesado” relegado ao campo underground. Pretendemos trabalhar em cima do primeiro critério de diferenciação proposto na dissertação, problematizando o segundo critério, para, a partir daí vermos como o metal se torna um fenômeno ethopoiético.

Acreditamos que as esferas mainstream e underground sejam um fator de suma importância no que se refere à diferenciação da relação dos sujeitos com a música.

Aqueles que mantêm um contato somente com o Heavy Metal amplamente divulgado na mídia, ou seja, o mainstream, geralmente são aqueles para quem o Heavy Metal é considerado apenas uma fase, que passa. Porém, quando o sujeito entra em contato com

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as camadas mais profundas, começa a pesquisar sobre bandas que estão fora da mídia, e ao conhecer o underground, pratica uma espécie de ascese. Em geral, o Heavy Metal passa a ser ethopoiético, interferindo na constituição das escolhas desse sujeito e na construção de seu modo de agir e pensar, isso porque adentrar no underground significa partilhar de um conjunto de hábitos. No entanto, essa relação não se dá de forma passiva. O Heavy Metal aparece para desconstruir hábitos morais impostos pelo processo de socialização e sugerir diversos caminhos de pensamento na construção de novos ethos e novas potencialidades inventivas, justamente pela variedade infinda de temáticas e de formas de abordagem dessas temáticas.

Porém, a divisão feita por Campoy não nos é satisfatória no segundo aspecto apresentado. O underground não se restringe somente ao chamado Metal Extremo28.

Podemos observar essa relação ethopoiética com a música, que inclui uma ascese, mesmo nos mais variados estilos que fazem parte do Heavy Metal. Podemos observar que existem inúmeras bandas, que não fazem parte do Metal Extremo, mas que não tem uma relação comercial com a música que fazem, assim como muitas bandas do chamado Metal Extremo tem uma forte divulgação na mídia. Segundo a pesquisa de

Campoy, essas bandas de Metal Extremo que tem contato com o mainstream não seriam true29. True significa verdadeiro. Existe uma grande discussão dentro da cena Heavy

Metal que gira em torno dessa palavra. Quem são os trues? Quem não é true? Ou mesmo se a categoria true é válida. Dentro das perguntas que fizemos em nossas entrevistas, estava incluída a seguinte questão: “O que é ser true e qual a sua opinião sobre isso?” As respostas para essa pergunta foram bem semelhantes. No geral, nossos

28 Metal extremo é um agrupamento de algumas subdivisões derivadas do Heavy Metal, a saber: Thrash Metal, Doom Metal, Death Metal e Black Metal. Esse agrupamento de estilos se dá por eles terem uma característica em comum, o maior peso e agressividade em relação aos outros estilos do Heavy Metal. 29 Geralmente, a grafia de true dentro do meio headbanger é modificada para Tr00. 47

interlocutores disseram que true foi uma categoria criada por alguns para separar o que seria o verdadeiro headbanger do falso, porém nenhum dos entrevistados acha viável a utilização dessa categoria pela mesma questão de a proposta do Heavy Metal, enquanto uma ética, ser a abertura e não o fechamento.30

Desta forma, cada um experiencia o Heavy Metal de uma maneira particular, dada as infinitas possibilidades de experienciação e o estímulo a essa diversidade.

Portanto, não existe o verdadeiro e o falso headbanger. Mas, ressaltamos aqui, há diferenças entre aqueles que se detêm somente ao mainstream, que tem uma relação mais comercial com a música, e aqueles que penetram no underground. Outra exceção a essa regra é o caso do chamado White Metal, ou Heavy Metal Cristão, que causa muita polêmica dentro da cena. Recentemente houve uma reunião dos headbangers de Natal no intuito de fomentar a organização de uma associação do Heavy Metal potiguar, visando promover o Heavy Metal no estado e facilitar a organização de eventos. Até o presente momento, aconteceu apenas uma reunião, onde uma das pautas principais foi sobre a participação ou não das pessoas envolvidas com White Metal na associação. A maioria argumenta contra a participação, já que seria inadmissível dentro do Heavy

Metal bandas que preguem ideais cristãos em suas músicas, pelo fato de esses ideais serem totalmente contrários aos do Heavy Metal.

A igreja é vista como uma forma de dominação não aceita de maneira alguma e totalmente contrária à liberdade aspirada pelo Metal e, segundo as pessoas que têm esse posicionamento, bandas de White Metal iriam se utilizar dos shows como espaço de

30 A não viabilidade da utilização do termo “true” para separar os verdadeiros dos falsos headbangers foi algo que observamos em nossas entrevistas e que é predominante na cena Heavy Metal em Natal. Vale ressaltar que o mesmo pode não valer para outros estados, visto que, na dissertação de mestrado de Leonardo Carbonieri Campoy, essa categoria aparece como válida para alguns grupos pesquisados por ele dentro do chamado Metal Extremo. 48

pregação religiosa. Outro argumento utilizado contra a participação dos Whites é que eles teriam patrocínio de suas igrejas, diferente do Metal underground que não conta com apoio financeiro algum. E este é um dos objetivos da associação, viabilizar recursos públicos para a organização de shows de Metal em Natal. Do outro lado da discussão temos pessoas com um posicionamento menos radical que dizem que discutir a participação ou não dos Whites não tem nada a ver com os objetivos iniciais da associação e que há questões mais importantes referentes à organização da mesma que estão sendo deixadas de lado. E também que esta deveria ser uma forma de unir pessoas em torno do Metal, não de separá-las. Essas pessoas também argumentam que o Heavy

Metal tem como ideal a liberdade e que isso inclui o fato de você poder escolher o

Heavy Metal Cristão como forma de se expressar musicalmente dentro do estilo. 31

Uma característica peculiar à cena Heavy Metal de Natal, pelo que pudemos observar é que, pelo fato de a cena ser pequena, restrita, não há muito espaço para uma grande diferenciação e isolamento dos ouvintes de diferentes estilos dentro do Metal.

Em grandes cidades, por exemplo, onde a cena é maior, existem certas fronteiras demarcadas separando e diferenciando aqueles que ouvem diferentes estilos. Como não há espaços para separatismos, a cena em Natal é mais fluida. Existe uma grande separação, por exemplo, entre o grupo daqueles que ouvem Metal Extremo e os estilos mais leves, como o Metal Melódico ou Power Metal, onde o vocal costuma ser feito com base em tons mais agudos, sem a utilização de vocais guturais ou rasgados e as músicas são uma adaptação mais melódica e rápida do Heavy Metal tradicional. Em

Natal, indo aos shows e convivendo com os apreciadores do Metal, notamos que cada um tem preferência por determinado estilo, porém, comumente, vemos apreciadores de

31 As discussões sobre a criação da Associação do Metal Potiguar podem ser acompanhadas no grupo de discussão do facebook: https://www.facebook.com/groups/483246415019959/ 49

Metal Extremo prestigiando shows de bandas fora do estilo. Afinal, se os headbangers de Natal fossem somente a shows do estilo que preferem, ficariam boa parte do ano sem sair de casa, devido ao espaço restrito que o Heavy Metal ocupa na agenda cultural da cidade, onde predomina o gosto pelo forró.

Existem algumas características da ascese daqueles que fazem parte do underground do metal. Pesquisar sobre as bandas que se ouve é uma delas e podemos localizá-la naquela divisão que fizemos anteriormente dos três aspectos que compõe a prática de grupos éticos, sendo esta característica da esfera do saber e da teoria. Essa é uma atitude bem comum aos headbangers, inclusive, aqueles que não o fazem são chamados de posers, no sentido de ter somente a pose de um headbanger, mas não o ser de fato, por não ter conhecimento das bandas e, mais ainda, sobre o Heavy Metal.

Geralmente, aqueles que são chamados de posers são os que se restringem a escutar apenas o Heavy Metal mainstream, que tem maior veiculação na mídia e que não têm o hábito de pesquisar sobre as bandas que ouvem, ou de procurar saber sobre outras bandas para conhecê-las.

Eu costumo dizer que o Heavy Metal exige todo um estudo. Você tá ali em casa ouvindo direitinho, sacando o trabalho, você tá lendo... ao mesmo tempo indo atrás das discografias, tá indo descobrir mais material sobre aquela banda, ou bandas do mesmo estilo. (Ericksen)

Você quer saber de onde a banda é, o que é que os caras fazem, tem gente que é radical mesmo e não escuta uma banda por determinada postura de um membro. (Cláudio Slayer32)

Ainda sobre essa característica de pesquisar sobre as bandas e ler sobre Heavy

Metal, podemos citar uma discussão que ocorreu em um grupo de uma rede social33

32 Um dos headbangers mais conhecidos na cena natalense, 40 anos, baixista da banda Expose Your Hate, de Death Metal. 50

denominado Natal Metal. Um dos integrantes do grupo postou o documentário Global

Metal, do antropólogo canadense Sam Dunn. Logo em seguida, outros participantes do grupo começaram a comentar que já conheciam há muito tempo esse documentário e que ele era um péssimo ouvinte de Metal, por só ter tido contato com ele agora, pois, segundo um deles: “Todo metaleiro34 que se preze, já assistiu Global Metal pelo menos uma vez”. Reclamaram, ainda, do fato de o colega que postou o vídeo não ter o hábito de pesquisar coisas sobre o metal. Faz parte dessa ascese headbanger o hábito, que se tornou mais fácil a partir do acesso à internet, de pesquisar sobre as bandas, as letras das músicas, a história das bandas, dos integrantes e, por vezes, do país de origem de determinadas bandas.

Em geral, bandas do chamado Folk Metal suscitam interesse naqueles que as escutam de pesquisar sobre a cultura do país do qual a banda provêm. Muitas delas falam sobre antigas tradições e mitologias em suas letras. Vale ressaltar que o berço dessas bandas está situado, na maioria das vezes, nos países nórdicos. Um fato interessante a se ressaltar também é que desse hábito de pesquisar, surge também o hábito de traduzir as letras das músicas, e, a partir disso, vemos muitos apreciadores do metal que nutrem um profundo interesse no aprendizado de novos idiomas. Tivemos a oportunidade de ter contato com pessoas que já aprenderam, ou estão interessadas em aprender, idiomas como inglês, alemão, finlandês e russo, por causa do Heavy Metal.

Entramos em contato com muitas pessoas interessadas em pesquisar coisas sobre história, principalmente história medieval, pois é uma temática bastante recorrente em letras de música dentro de alguns estilos do Metal. Temos uma frase curta do entrevistado Cláudio Slayer que remete a esse aspecto: “O Metal é um universo muito

33 Falamos aqui do Facebook, mais especificamente, do grupo Natal Metal, não colocamos o endereço eletrônico aqui pelo fato de a visualização do conteúdo do grupo ser restrita aos seus membros. 34 Metaleiro é um termo utilizado como sinônimo de headbanger. 51

vasto, então você aprende a lidar com coisas que, se eu tivesse em outro meio, eu não teria muito contato, né? Até história e outras culturas diferentes.” Inclusive, uma das bandas que entrevistamos, o Primordium, tem como temática principal na composição de suas letras o Egito antigo. Vale relembrar que uma das características mais importantes que constitui essa ascese headbanger também, como já falamos, é a relação diferenciada que se mantêm com a música.

A música pra mim é como se fosse uma dependência... Eu não consigo ficar sem tocar, eu não consigo ficar sem escutar... Eu não consigo ficar sem viver nesse meio... (Wolfera)

E na minha brincadeira, de 90, já vou em 22 anos... Eu acordo, eu almoço, eu janto e vou dormir curtindo metal. (Gerson)

A música tá o tempo todo na minha vida... quase vinte e quatro horas ouvindo, ou tô lendo algo sobre heavy metal, ou tô discutindo com alguém, conversando, como agora... (Ericksen)

Podemos observar também, a partir das entrevistas, que nossos interlocutores afirmam o Heavy Metal enquanto ethopoiético, ou seja, algo que ajudou na constituição deles enquanto sujeitos. Alguns depoimentos podem ser colocados aqui para ilustrar isso de forma bastante clara.

Tudo o que eu sou e o que eu penso hoje, eu dou graças a esse estilo de música. Questão de comportamento, questão de atitude, forma de pensar. Na época, (que ele começou a ter contato com o estilo) eu era monitor de pedagogia na universidade. Eu levei a proposta de mostrar como seria um educador que curte metal, como seria a educação pensada pelo metal, de uma forma mais crítica. [...] Se a gente vai ensinar sobre a Macedônia, eu vou colocar Alexander the Great, do Iron Maiden... é uma aula. Se eu quero trabalhar com a Idade Média,

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com os trovadores, eu coloco Imaginations from the other side, do Blind Guardian.35 (Gerson)

Esse estilo de vida que eu tomei pra mim, ainda na minha infância, foi o que, particularmente, mudou a minha vida, é o que eu sou hoje como pessoa, como cidadão e como profissional. Hoje eu sou publicitário, sou diretor de arte de uma agência de propaganda e tudo isso se deve à minha infância dentro do Heavy Metal, dentro da estirpe headbanger. E essa estirpe mudou em mim o que? E eu costumo ser bem prático respondendo isso... Se eu não desenhasse as capas do Iron Maiden quando eu era moleque, nos meus cadernos, nas minhas cartolinas, eu hoje não estaria numa agência de propaganda desenhando pra grandes empresas e não teria esse direcionamento para a arte. (Hervall)

Isso acaba fazendo parte da sua personalidade, né? Então você cresce, amadurece, com aquelas ideias. E a música, querendo ou não, acaba influenciando de alguma forma na sua vida, principalmente no meu caso, porque eu cresci ouvindo aquilo. A música tá o tempo todo na minha vida, quase vinte e quatro horas ouvindo... Ou eu tô ouvindo, ou lendo algo sobre Heavy Metal, ou discutindo com alguém, conversando, como agora, sobre Heavy Metal. (Ericksen)

Aí foi quando eu comecei a frequentar mesmo e, quer queira ou não, é quando você começa a interagir com o grupo de diversas formas... Não só ouvindo mais, trocando material... Começa a se vestir, a ler as letras mesmo... começa a raciocinar em cima da ideologia e, quando você vê, já tá vivendo, respirando aquilo. (Marcelo)

Uma característica interessante dessa ascese também é que, aqueles que se envolvem com o underground do Heavy Metal, acabam sentindo a necessidade de dar alguma contribuição ao estilo. Essa contribuição pode ser dada de várias formas.

Existem aqueles que sentem a necessidade de contribuir para o Heavy Metal indo sempre aos shows, dando apoio às bandas, ou comprando CDs. Outros escrevem sobre o metal, fazem blogs com resenhas de shows ou de CDs, outros produzem shows e outros resolvem se tornar músicos, objetivando contribuir com a cena. Nestes casos, em

35 A música Alexander the Great, do Iron Maiden, se encontra no álbum Somewhere in Time, de 1986. Imaginations from the other side, do Blind Guardian, é um álbum, de 1995. 53

que o headbanger se torna músico para dar sua contribuição a cena, que não são nem um pouco raros, desenvolve-se outra prática ascética, pois tornar-se músico implica numa vida voltada aos exercícios de prática musical.

Guitarristas, baixistas, bateristas e vocalistas acabam tomando para si uma vida devotada aos constantes exercícios de prática provenientes da música. Algumas das pessoas que entrevistei dedicam horas, todos os dias, para treinar com seu respectivo instrumento musical. Vale ressaltar que não falo de músicos profissionais, ou seja, daqueles que tomaram a música como profissão para o seu sustento. Falo de pessoas que têm na música o seu hobby e a sua maneira de contribuir com a cena Heavy Metal de Natal. Uma prática comum na cena underground do Heavy Metal é a produção de fanzines. Fanzines são revistas de baixa circulação produzidas por fãs, que podem versar sobre diversos temas, incluindo resenhas, críticas, apresentação de demos de bandas, dentre outros. Podemos exemplificar esse sentimento que se expressa na necessidade de dar contribuições à cena Heavy Metal a partir do depoimento de um de nossos entrevistados, onde ele fala claramente sobre isso.

Comecei, como muitos, comprando material... depois eu achei pouco... Eu disse: “quero dar uma contribuição para o estilo de som que eu gosto, vou escrever um fanzine!” Daí, eu escrevi um fanzine. Aí, eu comecei a ter contato com pessoas de outros estados e até de outros países da América do Sul. Então, eu pensei, eu posso dar uma contribuição maior... o que eu posso fazer além de um fanzine? Daí eu pensei, eu posso lançar uma compilação com bandas, e fiz isso, comecei a ter contato com as bandas. O tempo passou, aí eu disse: “Eu tenho que dar uma contribuição maior, vou produzir um show! Depois, eu resolvi fazer um programa de Heavy Metal dentro de uma rádio comunitária. Então, qual poderia ser a próxima contribuição? Montar uma banda! E ainda fui ser redator de um webzine, o Skyhell. Quando você começa a ter consciência dentro do estilo, dentro do movimento, você começa a querer dar alguma contribuição. (Gerson)

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Em relação a essa questão da necessidade de dar uma contribuição, é importante ressaltar que, ao dar essa contribuição, não se espera retorno financeiro em troca, essa é uma característica recorrente e marcante em relação a isso. As pessoas que produzem fanzines, o fazem apenas para contribuir, não tendo retorno financeiro algum com essa atividade. A mesma coisa pode ser observada no que diz respeito às bandas. As bandas que tivemos a oportunidade de entrevistar se dividem, basicamente, em dois grupos: as bandas autossustentáveis e aquelas que dão prejuízo.

Algumas bandas em Natal cobram cachê para se apresentar, mas trata-se apenas de um valor simbólico, que, segundo os músicos dessas bandas, serve apenas para fazer com que a banda se torne autossustentável, ou seja, que eles não precisem ter gastos para manter a banda, porém, não há lucro com essa atividade. Vale ressaltar também que, as bandas que cobram cachê, são a minoria. Tivemos informações de que apenas quatro bandas, em Natal, cobram cachê para se apresentar, três das quais, tivemos a oportunidade de entrevistar. São elas: Expose Your Hate, Deadly Fate, Sunset

Boulevard e Comando Etílico36, destas, a única banda que não entrevistamos foi o

Deadly Fate, por questões de dificuldade de comunicação e tempo. As outras bandas, que não cobram cachê, são mantidas pelos próprios membros. E é muito dispendioso manter uma banda, os músicos entrevistados nos falaram que são gastos consideráveis, divididos entre todos os integrantes da banda. A maior parte dos gastos se dá com aluguel de estúdio para ensaios, compra e manutenção de instrumentos, produção de material gravado (CDs, videoclipes), confecção de camisas e adesivos com o logo da banda e também de material de divulgação.

36 Colocaremos um anexo com uma biografia resumida dessas bandas. 55

Um de nossos entrevistados, Hervall Padilha, vocalista de uma banda de Natal, o

Comando Etílico, fala que manter essa banda é como um hobby, mas um hobby que é levado a sério, de maneira profissional. É algo lúdico, em oposição ao trabalho formal dos integrantes, mas que feito com dedicação e seriedade, no intuito de ter uma banda que seja reconhecida pela qualidade das músicas, uma banda considerada profissional. E o que move os headbangers a terem gastos mantendo uma banda é essa necessidade, da qual falamos, de dar alguma contribuição ao Heavy Metal, de participar da cena de modo mais ativo, de ajudar a construir e reconstruir a cena, de se sentir parte disso.

Podemos afirmar que este é o objetivo de construir esse trabalho de pesquisa também.

Queremos destacar esse último elemento sobre o qual dissertamos um pouco como sendo algo que merece um destaque a mais. A prática que se desenvolve em meio ao underground do Heavy Metal, que consiste nessa necessidade dos participantes da cena de darem a sua contribuição – cada qual do seu modo particular, mas visando o bom funcionamento do grupo como um todo, que, sem esse esforço dos headbangers não teria como se manter – se configura em um dispositivo de suma importância no que diz respeito à resistência, pois trata-se de um agir criativo que foge à lógica social instaurada, a lógica de mercado e, a partir daí, já podemos estabelecer conexões com a segunda parte desse trabalho que está por vir e que toma em lugar de destaque as elaborações de Zygmunt Bauman acerca do consumismo e da lógica de mercado na

Contemporaneidade como pano de fundo da nossa análise. Desde já, então, começaremos a introduzir a segunda problemática que norteia nossas elaborações sobre o Heavy Metal, tendo como ponto de partida essas práticas. Primeiramente, podemos destacar que essas contribuições ao underground do Heavy Metal começam pela parte do consumo. Em uma primeira instância, contribuir com o Metal é adquirir os CDs,

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DVDs, camisas e acessórios das bandas que prestigiamos e, mais que isso, ir aos shows.

Desde já, podemos destacar que trata-se de consumo, porém, um consumo voltado para o underground, ou seja, aquilo que não é consumido em larga escala, poderíamos chamar de uma forma de consumo marginal, no sentido de que se encontra às margens.

O agir do underground começa passando pelo consumo, mas não é qualquer consumo, ele escapa aos desejos que são criados pela indústria mercadológica. Outra dimensão desse consumo que podemos dizer que é mais significativa que essa que acabamos de expor, é uma diferenciação da lógica temporal na qual essa forma de consumo do underground se insere, esse tema será melhor desenvolvido no próximo capítulo desse trabalho, pois para explorá-lo melhor precisamos explicitar primeiro alguns conceitos chave na obra de Bauman.

Esse agir não se manifesta somente no consumo diferenciado. Poderíamos dizer que ele se caracteriza por um querer mais intrínseco a vontade do sujeito, quem sabe um querer mais livre, onde a vontade individual (ou grupal) destoa dos quereres mais gerais, ou da esfera do stultus e passa a ter uma relação mais íntima com o si mesmo e mais distanciada de um querer imposto pelo mercado. Mas, passando adiante essa primeira manifestação desse habitus dos headbangers de contribuir com a cena underground, podemos avançar falando sobre aqueles que dão uma contribuição mais maciça escrevendo sobre a cena em fanzines, blogs e até em dissertações de mestrado, como esta, além daqueles que se tornam músicos, na maioria das vezes não de forma profissional, mas, nem por isso são menos competentes musicalmente falando, ou menos engajados em fazer um bom trabalho com a música. E, aqueles que se tornam músicos profissionais, não podem levar o Heavy Metal como profissão, são obrigados a trabalhar como músicos dentro dos mais diversos estilos para poder arcar com os custos

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de suas sobrevivências. Como foi falado, dar essa contribuição, trabalhar em prol do underground do Metal, não tem ligação alguma com a obtenção de lucro, até pela questão de isso ser quase impossível, dada a marginalidade do Heavy Metal enquanto um estilo pertencente ao underground, salvo as exceções das grandes bandas já imortalizadas nas décadas de 70 a 90, principalmente, onde o estilo estava em ascensão midiática. No Brasil (mas talvez possamos dizer em quase todo o mundo, salvo o caso da Finlândia37) o estilo se tornou marginal e, desta forma, torna-se cada vez mais complicado para uma banda ter um grande alcance. Portanto, quando alguém decide se tornar músico de Heavy Metal, já é pressuposta a falta de ganhos financeiros para esta atividade. E os mais radicais ainda afirmam não almejar de modo algum esse sucesso financeiro, pois o lugar do Heavy Metal seria o underground, as sombras. Uma prática costumeira da cena também diz respeito ao repúdio dado às bandas que viraram

“modinha”, aquelas que, por algum motivo, ganharam reconhecimento da mídia e que passam a ser apreciadas pelo público em geral, essas deixam muitas vezes de “merecer” o respeito daqueles que integram o underground por terem se tornado populares.

De qualquer forma, o mais importante a se dizer sobre essa questão é que o funcionamento das práticas do underground do Heavy Metal foge a essa lógica de mercado por ir de encontro com seus pressupostos mais significativos e se configurar como experimentações diferenciadas em relação ao consumo e ao modo como se trabalha em prol de alguma coisa visando não o lucro, mas o engajamento pessoal em um movimento grupal para o bom funcionamento deste.

Um último elemento referente às práticas de si que não podemos deixar de destacar aqui é a necessidade de uma relação com o outro. As práticas de si, como já

37 O Heavy Metal é um estilo de música muito popular na Finlândia. 58

falamos anteriormente, constituem-se a partir de um estado que se caracteriza como seu extremo oposto, a stultitia. Pois bem, sair da stultitia, começar a cuidar de si mesmo, é uma tarefa na qual a participação de um outro é imprescindível.

Sair da stultitia, na medida mesma em que ela se define por essa não relação consigo, não pode ser feito pelo próprio indivíduo. A constituição de si como objeto suscetível de polarizar a vontade, de apresentar-se como objeto, finalidade livre, absoluta e permanente da vontade, só pode fazer-se por intermédio de outro. Entre o indivíduo stultus e o indivíduo sapiens, é necessário o outro. (FOUCAULT, 2006, pág. 165)

Visto que para a prática de si o outro é imprescindível, resta dizer quem se configura no outro do cuidado de si dos headbangers enquanto um grupo ético.

Pudemos identificar duas formas nas quais esse outro do cuidado de si se manifesta no nosso caso específico. Primeiramente, o outro dessa relação – ou seja, aquele que cuida do cuidado dos headbangers e, ainda, aquele que faz com que se possa emergir do estado de stultitia que, como falamos, é um estado do qual não se pode sair sozinho – é personificado nas bandas de Heavy Metal. A partir dessas bandas o indivíduo stultus vai se configurar em sujeito de si. Já ressaltamos anteriormente a importância das letras de músicas no que se refere à formação desses sujeitos e aquela que cria e fornece essas letras, assim como a música em toda a sua dimensão, é a banda, são os artistas. Porém, observando mais de perto e com mais cuidado essa questão, podemos afirmar que esse outro não está refletido somente nas bandas. Essa dimensão formativa que se constitui na relação com o outro, pode ser observada de perto, dentro do próprio grupo. Aquele sujeito que está sendo iniciado dentro do mundo do Heavy Metal sempre vai começar a conhecer o material, as bandas, a partir de outros headbangers mais experientes. Talvez

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o primeiro contato possa ocorrer de qualquer outra maneira, mas a continuidade de um indivíduo dentro desse grupo e seu mergulho na dimensão do underground só se dará a partir do momento em que algum amigo mais experiente começa a apresentar, ao iniciante, material novo. Essa prática não ocorre somente quando uma pessoa está adentrando no estilo, ela continua sempre, porém, é esperado de um headbanger que ele desenvolva o hábito de pesquisar material novo. Essa relação de apresentar coisas novas para veteranos só se dá quando se descobre algum material que seja quase desconhecido, o que não é raro, devido à música underground permanecer sempre nas sombras. E, vale ressaltar, achar material raro é sempre visto de maneira extremamente positiva dentro da cena Heavy Metal underground.

***

Pretendemos também, com esse estudo, sugerir uma ampliação da reflexão de

Foucault a partir do pensamento de Zygmunt Bauman. Para Foucault, as lutas contra a submissão da subjetividade são centrais na modernidade em decorrência da forma política estabelecida, o Estado, que toma o lugar de excelência, antes ocupado pela igreja com o poder pastoral. Nossa proposta é falar da configuração dessas lutas, ou seja, da elaboração de novas éticas – no caso deste trabalho, tomando o Heavy Metal como exemplo prático – a partir da obra de Bauman, onde ele fala que a sociedade deixa de ser regulada pelo Estado e passa a ser regulada pelo mercado, através da lógica consumista. Conforme mencionamos, pretendemos explicitar minuciosamente nossas bases teóricas aqui. Passaremos então a falar da reflexão de Bauman sobre a sociedade contemporânea, para desta forma uni-la ao pensamento de Foucault sobre as resistências enquanto elaborações de novas estilísticas de vida, novas éticas. Buscaremos responder como se configuram essas novas formas de resistência que são constituídas a partir de

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uma sociedade regulada pelo mercado tendo como exemplo o Heavy Metal.

Utilizaremos também as reflexões do antropólogo David Le Breton quando ele fala do corpo como acessório. Já que o corpo é o nosso acessório onde imprimimos nossa subjetividade afim de que ela se torne visível para os outros, para sermos reconhecidos e existirmos, o consumo é, mais uma vez, uma parte fundamental da ética headbanger.

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2 – Modernidade, solidez e liquidez.

Bauman em “O Mal-estar da Pós-modernidade” vai falar da passagem da modernidade para a pós-modernidade. Para ele, modernidade e civilização são sinônimos e a expressão “civilização moderna” é vista como um pleonasmo. Isso ocorre porque a sociedade moderna é a única que se caracteriza como um projeto de civilização. O projeto moderno visava o estabelecimento de uma civilização bela.

Enquanto uma atividade da cultura, o projeto de civilização moderno queria o estabelecimento da ordem, da limpeza e da beleza.

O Estado vai aparecer como instituição asseguradora e organizadora dos ideais modernos. Através da ordem, da limpeza e da beleza, o Estado iria garantir a segurança ontológica aos indivíduos. Outro aspecto, que também é de grande importância no estabelecimento da segurança para os indivíduos da sociedade moderna, é a duração desses ideais no tempo. Tudo era construído com a perspectiva da durabilidade, para aplacar as possíveis inseguranças que poderiam advir de caprichos do futuro. Assim, o

Estado moderno tinha a função de promover não só a segurança, mas garanti-la a longo prazo. Porém: “Qualquer valor só é um valor (como Georg Simmel, há muito tempo, observou) graças à perda de outros valores, que se tem de sofrer a fim de obtê-lo”.

(BAUMAN, 1998, pág. 10)

Desta forma, o Estado oferece a segurança em troca das liberdades individuais, aparecendo, assim, enquanto um poder totalizador. Só é possível a garantia da segurança e da ordem em troca da submissão do pensamento, que era calcada na

“padronização e rotinização do comportamento individual” (BAUMAN, 2008, pág. 42).

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A partir daí, resgatamos o que foi dito anteriormente por Foucault, que as lutas contra a insubmissão do pensamento só ganham destaque na modernidade em decorrência da forma política vigente, o Estado. Se as formas de resistência são constituídas a partir de uma determinada configuração das relações de poder, as lutas contra a insubmissão do pensamento só poderão se constituir frente a um contexto em que as relações de poder se configuram, principalmente, na forma da submissão do pensamento. Neste caso, a submissão do pensamento se dava no processo de constituição de uma ordem, pelo

Estado, para o cumprimento do projeto civilizatório, que era a principal aposta da modernidade.

Esse conflito que acabamos de descrever, o conflito moderno entre segurança versus liberdade, foi o que Freud chamou de O Mal-estar da Civilização:

“A civilização se constrói sobre uma renúncia ao instinto.” Especialmente – assim Freud nos diz – a civilização (leia-se: a modernidade) “impõe grandes sacrifícios” à sexualidade e agressividade do homem. “O anseio de liberdade, portanto, é dirigido contra formas e exigências particulares da civilização ou contra a civilização como um todo.” E não pode ser de outra maneira. Os prazeres da vida civilizada, e Freud insiste nisso, vêm num pacote fechado com os sofrimentos, a satisfação com o mal-estar, a submissão com a rebelião. (BAUMAN, 1998, pág. 8)

Contrariamente à instituição eclesiástica, o projeto moderno, que tinha o Estado

à sua frente para realizar-se, prometia “liberar o indivíduo da identidade herdada”

(BAUMAN, 1998, pág. 30). A identidade passa a ser entendida enquanto uma construção humana, portanto, passível de ser modelada. No entanto, a construção da identidade individual deveria estar atrelada ao projeto moderno da ordem social. Não se negava uma identidade herdada e imutável para dar lugar ao indivíduo de construir-se a

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si mesmo segundo seus padrões de escolha, na forma de uma prática de liberdade. A intenção era que os indivíduos se construíssem, mas de acordo com os padrões civilizatórios ditados pela instituição estatal.

A identidade deveria ser erigida sistematicamente, de degrau em degrau e de tijolo em tijolo, seguindo um esquema concluído antes de iniciado o trabalho. A construção requeria uma clara percepção da forma final, o cálculo cuidadoso dos passos que levariam a ela, o planejamento a longo prazo e a visão através das consequências de cada movimento. Havia, assim, um vínculo firme e irrevogável entre a ordem social como projeto e a vida individual como projeto, sendo a última impensável sem a primeira. (BAUMAN, 1998, pág. 31)

Desta forma, o conjunto das instituições sociais que pautavam a criação e manutenção da ordem aparece enquanto estrutura fixa e rígida que submete a liberdade individual, o pensamento, em favor da segurança. É em contraponto a essa solidez tipicamente moderna que Bauman vai falar da liquidez pós-moderna.

A modernidade sólida, que constitui uma sociedade de produtores, tinha como principal valor a busca da segurança. Essa busca era atrelada a perda das liberdades individuais e daí provinha o mal estar da civilização moderna. Já em um contexto de pós-modernidade, ou de modernidade líquida, a liberdade individual é o valor que orienta todos os outros valores, tudo passa pelo crivo do princípio do prazer, contido na liberdade individual. Portanto, num contexto onde há a supremacia das liberdades individuais, abre-se mão da segurança proporcionada por uma ordem, que escapava ao individual. A ordem e a segurança que advêm dela só podem ser alcançadas em um contexto de projetos políticos que são orientados para o futuro.

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O desvio do projeto da comunidade como defensora do direito universal à vida decente e dignificada para o da promoção do mercado como garantia suficiente da universal oportunidade de auto- enriquecimento aprofunda mais o sofrimento dos novos pobres, a seu mal acrescentando o insulto, interpretando a pobreza como humilhação e com a negação da liberdade do consumidor, agora identificada com a humanidade. (BAUMAN, 1998, pág. 34)

A partir dessa citação de Bauman constatamos que um movimento importante na configuração desse novo contexto é a passagem da regulação da vida do Estado (que representa a ordem, a política, a segurança) para o mercado (que representa a liberdade individual, a auto-regulação, a insegurança). A partir daí instaura-se a incerteza como modo de vida, nada mais é sólido, tudo é líquido, fluido, escapa por entre os dedos.

Nenhuma posição social é segura, nada é garantido, instaura-se uma insegurança ontológica, os laços sociais não são duráveis, tudo e todos se tornam descartáveis.

2.1 – Vida líquida e consumismo na sociedade contemporânea.

De acordo com o Sociólogo Zygmunt Bauman, nós vivemos atualmente em uma

época denominada por ele de modernidade líquida. E a modernidade líquida, por sua vez, se caracteriza pela vida líquida. Mas, o que vem a ser essa modernidade líquida?

Na modernidade dita líquida, as palavras de ordem são: fluidez, leveza flexibilidade, inconstância e rapidez, tudo isso em relação aos fenômenos sociais, aos

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laços sociais. Em oposição, temos a modernidade sólida, da qual acabamos de falar, que suscita palavras como peso, dureza, inflexibilidade, constância e durabilidade. A modernidade sólida é baseada na lógica produtivista, a modernidade líquida é orientada pelos valores do consumismo. A primeira é constituída por produtores, enquanto a segunda constitui-se de consumidores.

A partir daí, temos uma categoria chave na obra de Bauman: o consumo, que é um pilar nas sociedades moderno-líquidas. Consumidores existiram desde sempre, aliás, poderíamos dizer que o consumo é algo sem o qual o ser humano não existe, o consumo

é uma condição de existência do homem. A ideia de consumo antecede e muito a prevalência da modernidade líquida, porém, Bauman destaca a configuração do consumo na contemporaneidade, que se desenha diferentemente das épocas precedentes, nas quais, o consumo pode ser observado sem modificações significativas. Ele quer observar, mais especificamente, o delineamento do que ele chama de síndrome consumista, característica marcante do fenômeno da liquidez moderna. Falar em síndrome consumista, para Bauman, é falar de uma sociedade de consumidores, onde o todo social deve ser considerado como objeto de análise, o que significa ultrapassar uma análise da lógica de consumo, como categoria individual, e considerar o consumo enquanto estruturante do todo social, dos laços sociais. O consumo, em sua configuração atual, o consumismo, deve ser tratado como um fenômeno social e deve, portanto, ser estudado enquanto tal. Deve passar de uma categoria individual para uma categoria social. Falar de uma sociedade de consumo é levar em consideração: “uma sociedade que julga e avalia seus membros principalmente por suas capacidades e sua conduta relacionadas ao consumo.” (BAUMAN, 2007, pág. 109). O consumo, na

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modernidade líquida, trabalha como um fixador de padrões e condutas na atividade humana, como uma forma específica de convivência, portanto, seu caráter social.

Bauman fala de um ponto de ruptura, que separaria o consumo em sua face líquido-moderna daquele que seria observado em épocas precedentes: a revolução consumista, que marca a passagem do consumo ao consumismo “quando aquele, como afirma Colin Campbell, tornou-se “especialmente importante, se não central” para a vida da maioria das pessoas, “o verdadeiro propósito da existência.” (BAUMAN, 2008, pág. 38). Devemos, a partir de agora, separar esses dois fenômenos: o consumo passa a ser consumismo, ou melhor, o consumismo é a configuração atual do consumo, é quando este passa a ter uma centralidade na existência que reflete a ordenação das relações de convivência e das relações do sujeito com ele mesmo. O consumo é uma categoria individual e o consumismo é, necessariamente, social.

Pode-se dizer que o “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, “neutros quanto ao regime”, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais. O “consumismo” chega quando o consumo assume o papel-chave que na sociedade de produtores era exercido pelo trabalho. (BAUMAN, 2008, pág. 41, grifo nosso)

No trecho citado acima destacamos uma frase no sentido de reforçar que o consumo, em sua configuração atual, o consumismo, tem também determinado um papel importante nos processos de subjetivação. Da mesma forma que o consumismo

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trabalha na construção de sujeitos moldados nas fôrmas da lógica consumista, ele também constitui as formas de resistência que nascem em contraposição a essa mesma lógica. Trazemos Bauman e seu diagnóstico da sociedade contemporânea para essa discussão no sentido de fazer uma atualização da reflexão foucaultiana, na medida em que o mercado toma para si o papel de regulação do social, antes realizado pelo Estado.

A normalização do social era feita a partir do Estado e de suas instituições, como a polícia, que tinham como função assegurar a manutenção da higiene, da saúde e dos padrões urbanos. Com o mercado, a normalização se dá com a padronização das condutas a partir da criação constante de necessidades de consumo que, apesar de se apresentarem enquanto diversificadas e darem a impressão de uma total liberdade de movimentos dos indivíduos consumidores que escolhem o que querem consumir, são pré-selecionadas e limitadas. Portando, queremos ver como se constituem as resistências a partir dessa nova configuração. Para tanto, nos utilizaremos do Heavy

Metal enquanto uma proposta de ética, um dispositivo que vai orientar práticas de liberdade individuais e grupais no sentido de uma insubmissão do pensamento à lógica totalizadora do mercado e do consumismo. Essa prática ética proporcionada pelo Heavy

Metal, enquanto um estilo de vida, passa também pela constituição de um consumo diferenciado. Passaremos agora a uma breve descrição dos principais aspectos que constituem o diagnóstico formulado por Bauman da sociedade consumista líquido- moderna.

***

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A sociedade de consumo não é baseada na acumulação de bens, como se pode pensar a uma primeira vista. A palavra de ordem nessa sociedade é a descartabilidade. E essa descartabilidade é construída a partir de promessas de satisfação dos desejos, que permanecem promessas irrealizadas, tornando permanente a insatisfação. Esta só é amenizada por novas promessas, que novamente não serão cumpridas, configurando, assim, a insaciabilidade das necessidades. É nesse ciclo que se implementa a descartabilidade de coisas e pessoas, a sua transitoriedade. Como vimos anteriormente, com o advento do mercado enquanto regulador social tem-se a perda da segurança, em favor da instabilidade, porém, a segurança continua aparecendo nessa nova configuração social, sendo que agora na forma de promessas. A ilusão da segurança aparece transfigurada nas promessas de realização dos desejos criados por essa lógica consumista. É uma segurança frágil e quebradiça que se sustenta na esperança de felicidade. A busca da segurança vira a busca da felicidade, sustentada pelas promessas da indústria de consumo.

A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua a não-satisfação de seus membros ( e assim, em seus próprios termos, a infelicidade deles). O método explícito de atingir tal efeito é depreciar e desvalorizar os produtos de consumo logo depois de terem sido promovidos no universo dos desejos dos consumidores. (BAUMAN, 2008, pág. 64)

Mas como essa lógica pode se sustentar se a não satisfação dos sujeitos consumidores é perpetuada? Porque continuar insistindo? Simultaneamente ao processo de depreciação dos produtos que já foram adquiridos pelos consumidores dá-se a criação de uma gama imensa de novas oportunidades que se apresentam como

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melhores. Desta forma, o fracasso não é encarado enquanto derrota, mas sim, como a possibilidade de uma nova tentativa de acerto. O excesso de novas promessas vai anular a frustração com o produto que já foi consumido e a confiança na busca pelo produto que trará felicidade pode permanecer existindo.

A vida líquida se configura em uma sucessão de reinícios. A categoria tempo se reflete nessa descartabilidade e transitoriedade. Na sociedade de produtores, a chamada modernidade sólida, a resposta ao fracasso era o “tente outra vez”, já na sociedade de consumidores, que Bauman chama de modernidade líquida, essa resposta poderia ser resumida no imperativo: “parta para outra”. Tudo o que é consumido, dentro da lógica da fluidez moderna, tem um prazo de validade estabelecido e esse prazo é curto, tudo é transitório, tudo é fluido, tudo é passageiro. Há uma re-significação do tempo, que passa a ser “pontilhista”, categoria que Bauman toma emprestada de Michel Maffesoli. O tempo pontilhista é marcado pela descontinuidade, pela falta de coesão entre os pontos, pela “profusão de rupturas e descontinuidades” (BAUMAN, 2008, pág. 46).

O tempo pontilhista é fragmentado, ou mesmo pulverizado, numa multiplicidade de “instantes eternos” – eventos, incidentes, acidentes, aventuras, episódios –, mônadas contidas em si mesmas, parcelas distintas, cada qual reduzida a um ponto cada vez mais próximo de seu ideal de seu ideal geométrico de não dimensionalidade. (BAUMAN, 2008, pág. 46)

Pelo fato de tudo ser passageiro, tudo também é inseguro, o desapego torna-se uma constante, assim como a insegurança e a ansiedade. Podemos falar de um contexto de fragmentação, de falta de solidez, de falta de chão. Estabelece-se uma insegurança ontológica na fluidez moderna, a incerteza como modo de vida, em contraposição à

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segurança ontológica que outrora era oferecida pelo Estado no projeto civilizatório da modernidade. A fluidez faz com que não se estabeleçam rotinas, permanências, muito menos hábitos, tudo é muito passageiro, tudo é muito inconstante e a incerteza se torna uma constante. Talvez por isso, cada vez mais pessoas procuram terapeutas e analistas, para lidar com a dificuldade da falta de chão moderna. Mas porque algumas pessoas precisam aprender a lidar com isso, se tudo é fluido? Exatamente pelo fato de que nem tudo é fluido. Modernidade líquida e modernidade sólida coexistem. Apesar de a modernidade líquida ser a principal categoria na construção dos valores e na configuração das relações sociais.

A estratégia da atenção contínua à construção e reconstrução da auto- identidade, com a ajuda dos kits identitários fornecidos pelo mercado, continuará sendo a única estratégia plausível ou “razoável” que se pode seguir num ambiente caleidoscopicamente instável no qual “projetos para toda a vida” e planos de longo prazo não são propostas realistas, além de serem vistos como insensatos e desaconselháveis. (BAUMAN, 2008, pág. 66)

Talvez o fato da coexistência das modernidades sólida e líquida seja um fator determinante no processo de constituição de resistências na contemporaneidade, pois torna o tecido social não homogêneo. Apesar de a liquidez, através da cultura consumista, ser o principal elemento estruturante dos modelos de convivência sociais, a solidez aparece também como algo que impede a totalização do processo de liquidez na contemporaneidade. Não estamos com isto valorando liquidez ou solidez, que são, apenas, características da atualidade. Não objetivamos uma volta aos antigos valores que seriam melhores. Não há valores melhores ou piores, nos ocupamos nesse trabalho apenas de descrever como se dá o jogo de forças no que diz respeito à subjetivação. A

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lógica consumista tem sido a principal criadora e estruturadora de valores, de forma quase total. Porém, não queremos aqui simplificar a configuração do social, a qual acreditamos estar atravessada também por elementos da solidez moderna que descrevemos aqui, embora tenhamos plena ciência de que o papel desempenhado pela lógica consumista seja muito mais amplo e eficaz na constituição das formas de agir e pensar.

Tendo em vista que a lógica consumista é o principal elemento na estruturação da sociedade, devemos ressaltar que também é através dela que se dá a normalização do social. Dentro da sociedade de consumo os indivíduos são julgados, antes de mais nada, enquanto bons ou mau consumidores. Tendo como pressuposto a descartabilidade de pessoas e coisas da qual já falamos aqui, que é um dos principais pilares de sustentação da lógica consumista, o bom consumidor, para Bauman, não é aquele que traz muitas sacolas, quando vai as compras, mas sim, aquele que torna cada vez menor a distância entre o momento em que são realizadas as suas compras e o momento em ele deixa de lado aqueles produtos que foram comprados. Descarta esses produtos em favor de novas oportunidades de consumo que aparecem no horizonte. Os indivíduos considerados maus consumidores são aqueles que não conseguem – por motivos financeiros, por exemplo – ou não querem acompanhar a rapidez exigida pela sociedade atual no que se refere ao consumo. São também aqueles que se recusam a fazer escolhas, se recusam a escolher dentre as opções dadas pelo mercado. Deixar de fazer escolhas não é uma opção, pois deve-se fazer escolhas para acompanhar o movimento incessante.

Toda essa lógica de funcionamento da passagem da regulação da vida para o mercado possibilita o afrouxamento dos elementos estruturantes do social, onde os sistemas de coerção social perdem força e dão lugar a uma espécie de liberdade do

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sujeito. Essa liberdade se traduz no fato de o sujeito fazer suas escolhas de vida, porém não se trata de uma liberdade de fato, na medida em que o sujeito é obrigado a fazer escolhas. Assim como aquilo que está disponível à escolha é algo pré- selecionado, dado. A questão da liberdade, como falamos anteriormente, também é tratada por

Foucault e é uma questão bastante delicada. Para Foucault, não existe a liberdade total do sujeito, existem as práticas de liberdade. A liberdade é uma agonística, uma luta sem fim. O principal problema na era consumista é a liberdade se apresentar como um dado, que faz oposição às coerções da modernidade industrial, e não existir de fato.

Os maus consumidores são os estranhos da nossa sociedade, criados através da lógica consumista. Os estranhos são aqueles que “não deveriam estar” presentes na sociedade, pois não corroboram com a lógica organizadora dos padrões sociais, atrapalham o funcionamento e a totalização dessa mesma lógica, são a sujeira dentro de uma ordem estabelecida como natural. Se determinada maneira de organização do social fosse natural, por que existiriam estranhos, que escapam a essa ordem? Eis a questão.

Os estranhos de todas as sociedades existem para comprovar que nenhuma ordem estabelecida, por mais que pareça natural, o é. Eis novamente a reificação da moral da qual Nietzsche nos fala, onde causas são trocadas por consequências e, por esta razão, a moral, ou a lógica como se organiza o todo social e que age como imperativo, se estabelece enquanto natural, imutável e necessária.

Alguns estranhos não são, porém, os ainda não definidos; são, em princípio, os indefiníveis. São a premonição daquele “terceiro elemento” que não deveria ser. Esses são os verdadeiros híbridos, os monstros – não apenas não classificados, mas inclassificáveis. Eles não questionam apenas uma oposição aqui e ali: questionam a oposição como tal, o próprio princípio de oposição, a plausibilidade da dicotomia que ela sugere e a factibilidade da separação que exige. Desmascaram a frágil artificiabilidade da divisão. Eles destroem o 73

mundo. Estendem a temporária inconveniência de “não saber como prosseguir” a uma paralisia terminal. Devem ser transformados em tabu, desarmados, suprimidos, física ou mentalmente exilados – ou o mundo pode perecer. (BAUMAN, 1999, pág. 68)

2.2 – A experimentação de um consumo diferenciado a partir do Heavy Metal.

É partindo dessa contextualização que pensamos o Heavy Metal enquanto um modo de vida particular que se baseia também na experimentação de um consumo diferenciado. Desta forma, a vivência ética que o Heavy Metal pode proporcionar tem como um de seus pontos fortes a resistência a essa lógica consumista, a partir da qual ela nasce e se constitui. Uma vez que os adeptos do Heavy Metal têm anseios diferenciados de consumo e, mais ainda, uma diferenciação na lógica temporal que rege esse consumo, que se configura a partir da vivência do Heavy Metal enquanto um modo de vida particular. De forma geral, os produtos consumidos por aqueles que escutam

Heavy Metal são diferentes daqueles normalmente encontrados nas prateleiras, que são produtos pré-selecionados de acordo com as tendências do consumo e que dão a falsa ilusão da liberdade de escolha do consumidor. O choque dessa falsa liberdade de escolha só pode ser sentido na medida em que se anseia por coisas diferentes das que estão predispostas nas prateleiras. Um CD, uma camisa de uma banda específica, roupas e acessórios que não são encontrados em todos os lugares. Aqueles que não consomem os produtos que estão disponíveis em larga escala nas prateleiras, são consumidores falhos, são estranhos. Partindo desse viés, os headbangers se constituem em estranhos,

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na sociedade contemporânea. No caso da cidade de São Paulo – SP existem saídas para esses consumidores específicos da cena Heavy Metal, em geral, considerados falhos: a

Galeria do Rock, que é uma espécie de Shopping Center com artigos direcionados a esse público. No entanto, continuam sendo artigos pré-selecionados, que, às vezes, não satisfazem as necessidades de consumo desses consumidores em questão. No caso de

Natal, pelo que pudemos observar na pesquisa, os consumidores encontram saídas comprando o material que desejam fora da cidade, ou, no caso de roupas e acessórios, mandando confeccionar por pessoas específicas.

Tivemos a oportunidade de entrevistar uma headbanger que trabalha com a confecção de roupas específicas para os apreciadores do metal, a Lucy. Ela tinha algum conhecimento de costura e, por gostar de ouvir metal, ao ver pôsteres e revistas especializadas no gênero onde apareciam algumas bandas com vocais femininos, se interessou pelo modo como as cantoras do metal se vestiam. A partir daí, como em

Natal não se acha peças de roupas semelhantes as que fazem parte da indumentária das vocalistas em questão, ela se propôs a fazer por conta própria. Uma das peças que mais chamou a atenção da nossa entrevistada, na época, foi o espartilho, ou corset38. Desta forma, nossa interlocutora resolveu tentar aprender por conta própria como confeccionar corsets, e teve sucesso. Começou fazendo encomendas para as amigas próximas, que escutavam metal e procuravam um visual diferenciado e, hoje em dia, faz corsets e roupas mais específicas e singulares para um público bem maior. Sua clientela começou a surgir a partir do momento em que suas amigas, que foram as primeiras a encomendar suas peças, iam a shows e, a partir daí, eram vistas por outras pessoas do meio que ficavam interessadas. A maior dificuldade da nossa entrevistada é conseguir certos materiais específicos para a confecção de corsets principalmente, que não são

38 Fotos de alguns modelos de corsets, fabricados por ela, nos anexos. 75

encontrados em Natal, e, como precisam ser encomendados de outras partes do país, tornam o custo das peças maior, dificultando também a venda mais ampla. Embora as apreciadoras de Heavy Metal saibam da dificuldade de se conseguir um corset e também do alto custo, ainda assim, continuam comprando. Vale ressaltar que a renda da nossa interlocutora não advêm somente da venda de roupas exclusivas para os amantes do Heavy Metal, pois, ela trabalha também com a confecção de todos os tipos de roupa.

Agora, para as consumidoras e consumidores, ela é uma das únicas opções de um visual singular, tão almejado dentro da estética do Metal.

Imagem 02: Foto do primeiro corset confeccionado pela Lucy. Nos anexos constam fotos de modelos atuais. Fonte: arquivo pessoal de Lucy.

Na sociedade contemporânea, a prática de mandar confeccionar roupas já se mostra como algo que não é comum e não pertence à lógica de mercado, uma vez que, se nos dias de hoje alguém procura os serviços de uma costureira para a confecção de 76

roupas, é pelo fato de que essa roupa específica não pode ser achada nas lojas. E o mercado, inicialmente, aparece como aquele que é capaz de satisfazer os desejos de todo e qualquer consumidor. Uma particularidade interessante da nossa entrevistada, a

Lucy, é que ela procura, na medida do possível, não repetir os modelos das peças que ela confecciona, ou seja, são peças quase sempre exclusivas. Segundo ela, aconteceu de uma cliente gostar muito de uma peça que foi feita para outra pessoa e encomendar uma peça igual, Lucy, porém, sempre “desobedece” os clientes que fazem isso confeccionando uma peça diferente, de um modelo parecido, mas tendo o cuidado de diferenciá-la no que se refere aos detalhes. Isso se reflete na quebra de outra característica inerente à lógica de mercado, pois, para o grande mercado, as peças são produzidas em série, em larga escala, para o consumo da massa. O consumo de peças exclusivas (ou quase exclusivas) pode ser observado, em geral, nas camadas mais ricas da sociedade, o que não reflete o caso dos consumidores que estamos analisando, os headbangers.

Há também uma loja especializada, no centro da cidade, que trabalha com a venda de CDs, DVDs, camisetas de bandas, alguns acessórios e excursões para shows, a

Loja Records, uma loja virtual, a DyingMusic39, e uma banca localizada em um bairro de comércio popular da cidade, o Alecrim. Nessa banca são vendidas camisas de bandas que o proprietário encomenda na cidade de Fortaleza. Um detalhe interessante em relação à banca é que o seu proprietário só comercializa aquilo que é aprovado por ele.

Em certa ocasião que pude observar, quando um cliente perguntou por uma camisa do

Ozzy Osbourne, o comerciante retrucou: “Dessa vez, eu não peguei nenhuma camisa do

Ozzy não, não aprovei as estampas, só vou pegar camisas do Ozzy quando tiverem estampas decentes!” Isto demonstra um diferencial em relação ao comércio em geral,

39 http://www.dyingmusic.com/site/dying-music.php (endereço eletrônico da loja.) 77

onde costuma-se vender artigos que correspondam àquilo que os consumidores procuram mais. Ozzy Osbourne é um ícone na tradição do Heavy Metal, portanto, supõe-se que suas camisas sejam amplamente procuradas. No entanto, o comerciante se recusou a encomendá-las naquele determinado momento, porque as estampas que estavam saindo de camisas do Ozzy, mostravam o cantor de forma “afeminada”, segundo o comerciante. Talvez alguns consumidores nem se importassem com esse fato, porém o dono do comércio se recusou a vendê-las por causa de suas convicções daquilo que seria adequado para a estampa de uma camisa de Heavy Metal.

Algo interessante que podemos ressaltar sobre o comércio de produtos dentro do

Heavy Metal é que aqueles que comercializam esses produtos não estão dentro dos padrões estabelecidos pela lógica de mercado. Partindo dessa lógica, o consumidor é que escolhe o que quer comprar. No caso da corsetmaker Lucy, ela não confecciona produtos iguais, mesmo que seus clientes o peçam. No caso da banca que vende camisas, no Alecrim, o dono decide quais estampas ele vai ou não comercializar, independente da procura dos clientes.

Como já falamos anteriormente, outro fator relevante na criação de estranhos na sociedade contemporânea pela lógica consumista é o não acompanhamento da rapidez proposta pelos ditames do consumo. Tendências de consumo são criadas e se acabam em um tempo cada vez mais ínfimo. A efemeridade e a volatilidade dos produtos sustentam o consumismo. O consumismo enquanto lógica valoriza sempre a novidade, tudo aquilo que é durável aborrece, é entediante. Não é a acumulação de bens ou de relacionamentos que visa o consumismo, mas sim o seu descarte, sua rotatividade. Um fator observado no decorrer da pesquisa é que os headbangers, ou fãs de Heavy Metal, não acompanham a rapidez ditada pela sociedade de consumo. A partir das entrevistas

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que realizamos, pudemos observar que os gostos por determinadas bandas e as tendências de consumir determinados produtos permanecem por um tempo considerável, ou são até cristalizados. Uma expressão interessante que exemplifica isso

é: “Headbanger não usa camisa preta, usa camisa cinza, por que o preto se tornou cinza, com as lavagens”.40

O exemplo da Galeria do Rock, na cidade de São Paulo, pode ser retomado aqui, pois das vezes que pudemos observar os produtos disponíveis para venda nesse local, chegamos à conclusão de que não existem ciclos de venda das mercadorias em geral, como acontece com o fenômeno da moda, onde as tendências têm prazo de validade.

Falando de forma geral, na Galeria do Rock, os produtos destinados ao público headbanger, são basicamente sempre os mesmos. No caso de Natal, apesar de termos citado o fato de o comerciante não querer trabalhar com uma determinada estampa de camisa, isso não se deve ao fato de esta estampa em específico estar fora de moda, muito pelo contrário, aquelas estampas rejeitadas pelo comerciante refletiam as camisas que sempre têm um alto índice de procura, devido à popularidade da figura pública estampada nas camisas em questão, Ozzy Osbourne. Ele as descartou por uma questão de escolha pessoal. Essa questão de uma mudança na lógica temporal do consumo dos headbangers talvez seja o fator mais importante na ressignificação que há no consumo feito por esse grupo.

Ressignificar modos de agir e de pensar é o objetivo da resistência que se constitui a partir de grupos éticos. Sair do estado de stultitia significa ter cuidados com o si mesmo a ponto de fazer escolhas a partir de um querer livre, ou seja, um querer que surge a partir de um filtro que o sujeito constrói para si mesmo e que não o deixa querer

40 Trata-se de um bordão bastante comum entre os headbangers. 79

alguma coisa sem motivos inerentes ao eu. O querer mais geral e também o ritmo com que se quer é algo construído e que muda de acordo com os tempos e com as lógicas que normalizam o social. Com o mercado enquanto instaurador de uma lógica consumista, temos a ilusão de uma liberdade do querer, mas esse querer é pré- selecionado pelo mercado e não querer, ou não querer com a frequência que se demanda, é se constituir em estranho. Os headbangers fazem essa escolha de não querer cosumir o que está amplamente disponível nas prateleiras e, mais ainda, escolhem consumir de acordo com o tempo que eles acham viável para o seu consumo. Na entrevista com o Hervall, vocalista da banda Comando Etílico, ocorreu um episódio interessante que demonstra isso. Na ocasião, eu fui vestida com uma camisa do

Metallica41, mais especificamente, a camisa do álbum And Justice for all. O entrevistado olhou minha camisa, disse que tinha gostado da minha escolha e comentou que tem uma camisa desse álbum há muitos anos, mas que a camisa estava tão velha que, recentemente, ele precisou comprar uma camisa nova, porém igual a anterior. A partir desse exemplo podemos observar melhor como se dá essa temporalidade do consumo headbanger. Comumente, levando em consideração a lógica de mercado, não se usa uma camisa por tanto tempo, pois há a lógica da descartabilidade dos produtos consumidos e, mais ainda, quando o produto é trocado por um novo, o novo produto adquirido, dificilmente vai ser igual ao anterior. Pois, se nos desfazemos de um determinado bem que foi consumido, é no sentido de adquirir outro que foi lançado posteriormente e que passa a ser o objeto de desejo daquele que consome.

41 Banda que representa um grande expoente do Thrash Metal, e mais ainda, é considerada uma das criadoras desse estilo. 80

Abda Medeiros, fala da categoria tempo em seu trabalho de dissertação sobre o

Heavy Metal. O habitus dos headbangers nos shows de Metal são também cristalizados.

Segundo a pesquisadora:

O caráter circular do tempo se expressa nas formas de se vestir a cor preta, cantar com vocais agudos, guturais ou rasgados e gesticular com a mão o formato de um chifre que sempre podem ser percebidos nos shows desde os anos 1960, quando o Metal se firmou como estilo de vida, até os dias de hoje. São elementos exibidos a cada show ainda que constantemente (re) significados conforme o contexto histórico e cultural no qual os grupos que freqüentam esses shows estão inseridos. (MEDEIROS, 2008, pág.43)

Como último ponto que justifica a entrada da categoria consumo em nosso trabalho gostaríamos de levantar as reflexões do antropólogo David Le Breton acerca do corpo enquanto acessório. Em seu livro Adeus ao corpo, ele fala, dentre outras coisas, do “desinvestimento dos sistemas sociais de sentido” como uma característica da contemporaneidade. Esse desinvestimento pode ser visto como uma fragmentação, a liquefação desses sistemas sociais de sentido, uma descentralização política, que tira de cena os grandes projetos políticos, que envolviam as massas, orientados para o futuro e coloca no centro o sujeito, a ação ética. Com Le Breton, mais uma vez, vemos que o

Estado deixou de ser o regulador do social. O antropólogo não fala no mercado, mas diagnostica da mesma forma o afrouxamento dos laços, que para Bauman, decorre do fato de termos o mercado enquanto regulador social, no lugar do Estado. Em Bauman, a modernidade líquida, erigida sobre o consumismo, não visa projetos para o futuro, o que importa é o presente, tudo é transitório, por isso a impossibilidade de se estabelecer projetos. Esses dois autores dialogam, ainda, com Michel Maffesoli, que estabelece um vínculo entre ética e estética, onde há um predomínio da estética, a não atividade política, diversas formas do cuidado de si e do culto ao corpo, como formas de

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contemplação do mundo, além do presenteísmo. Le Breton fala que com a dissolução dos sistemas sociais de sentido, não resta nada ao sujeito, senão seu corpo, portanto, a relação entre o sujeito e seu corpo, passa a ser uma relação de domínio, como coloca o autor, já que a única coisa da qual o sujeito tem domínio, é o seu próprio corpo. A partir do domínio de si, o sujeito constrói o próprio corpo, o sujeito é o “mestre de obras que decide a orientação de sua existência” (BRETON, 2003, pág. 31) através das modificações que ele imprime ao corpo. Talvez essa seja uma das formas de escape que o sujeito encontra, em um contexto de modernidade líquida, para alcançar alguma solidez, a partir do domínio do corpo. Le Breton coloca como uma questão primordial em sua obra a separação que se dá entre o sujeito e o corpo. A partir dessa profunda separação, o sujeito pode constituir seu corpo como acessório. O sujeito tenta imprimir o seu eu das mais diversas formas no corpo, transformando-o em um acessório a ser personalizado. O corpo aparece, então, como um recipiente vazio a ser preenchido com a subjetividade do eu. Tornar o corpo em acessório de si é um fator primordial da existência. “A vontade está na preocupação de modificar o olhar sobre si e o olhar dos outros a fim de sentir-se existir plenamente” (BRETON, 2003, pág. 30). O sujeito só existe na medida em que é reconhecido pelo olhar do outro, a existência só é possível através do olhar do outro. A sociabilidade é baseada na sedução. E o corpo é o cartão de visitas do sujeito, é a forma dele se apresentar perante os outros. Tratar o corpo como acessório é a tentativa de imprimir uma identidade a esse corpo, que devido à separação entre sujeito e corpo, torna-se vazio sem ela. Porém, essa construção de identidades também pode ser fluida, pode se dar de acordo com o momento presente vivenciado pelo sujeito, amanhã pode ser descartada e, em seu lugar, erige-se uma nova, o que reflete bem os ciclos da moda, nos quais o mercado vende pacotes identitários conforme a estação. Trata-se do jogo de coexistência entre modernidades líquida e sólida. No caso 82

do Heavy Metal, com o qual trabalhamos aqui, ressaltamos mais uma vez que pudemos observar uma cristalização dos objetos de consumo que vão moldar esse corpo e imprimir nele uma subjetividade carregada da estética do Heavy Metal, que é constante, cristalizada. O consumo é essencial na moldagem desse corpo e a visibilidade é essencial, já que para existir, precisamos ser reconhecidos pelos outros. E é sempre importante que os outros nos reconheçam da maneira como queremos ser vistos, por isso, o corpo é o acessório que garante a nossa visibilidade e, no caso dos headbangers, a identificação dentro do grupo e fora dele como alguém que faz parte da cena.

O que pudemos observar a partir das entrevistas realizadas foi que, para todos, a questão do visual é essencialmente vinculada ao sentir-se bem por estar vestido de determinada maneira, isso de forma geral, para todos que foram questionados. Agora, as respostas também se dividiram em dois grupos: algumas pessoas responderam que, para elas, é importante chocar as outras pessoas, que não vivenciam o Metal, através do visual. Desta forma, são pessoas que usam determinadas roupas vinculadas a estética do

Heavy Metal por dois motivos, para se sentir bem, por estarem usando algo que gostam, mas também para chocar a sociedade de alguma forma. Já outras pessoas responderam que, para elas, não importa o olhar do outro, ou seja, não usam uma determinada roupa no intuito de chocar. Usam apenas aquilo que as fazem se sentir bem. Esse sentir-se bem com aquilo que se veste, que foi um dado geral nas entrevistas, tem a ver com o que Le Breton fala sobre a separação que foi construída ao longo dos tempos entre o corpo e a alma, ou a subjetividade. Portanto, quando o sujeito se veste de determinada forma para sentir-se bem, é na tentativa de imprimir essa subjetividade ao seu corpo, que, inicialmente aparece como desvinculada dele. Isso se torna mais forte naquelas pessoas que alegaram querer chocar o outro, através das roupas. Podemos constatar aí

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uma presença mais aparente da preocupação em relação ao olhar do outro, apesar desse olhar estar presente em qualquer circunstância e ser condição sine qua non da existência.

Eu consumo tudo... Camisas, acessórios, patches... (Cláudio Slayer)/ Tudo o que o bolso permitir... (Marcelo)/ Eu também... tudo. (Cláudio Slayer)/ O que sobra, é pra pagar as contas... (risos) (Marcelo)/ [...] Se aparecer uma cueca de banda... (risos) (Cláudio Slayer)

O visual não é para aparecer, mas por uma questão de gosto pessoal, satisfação pessoal. Eu me identifico, acho legal estar usando uma camiseta de uma banda que eu curto e é uma forma até de homenagear... (Ericksen)

Quando você sai para um bar, pra um show, é importante a gente abrir o armário, olhar as camisetas e perguntar: “Pô, qual herói eu vou usar hoje? (Hervall)

É lógico que, quem me ver de camisa preta, vai ver, “ah, esse cara deve ser metaleiro!”, mas eu não ligo. (Marcelo)

Eu faço questão mesmo de ser associado ao Heavy Metal, eu sinto essa necessidade. Pra mim, faz parte do show. Eu gosto de ter meu nome associado ao metal... Não é que eu gosto, é que eu preciso, acho que me completa! [...] Eu vou trabalhar de camisa de banda. (Cláudio Slayer)

Para os homens, no que se refere ao visual, o elemento mais representativo é a camisa de banda. É o elemento básico que serve para identificá-los enquanto headbangers e é também usado, como já falamos, para homenagear as bandas que se ouve. Quando os homens não estão vestindo camisas de banda, geralmente vestem camisas pretas, mas há predileção pelas camisas de banda. No geral, a preferência é pelas calças jeans básicas, calças pretas, ou calças camufladas, pois podemos observar

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como parte integrante da estética do Heavy Metal elementos que foram integrados a partir de adereços tipicamente militares, como peças de roupa camufladas, cintos, pulseiras ou braceletes que imitam um ajuntamento de balas de fuzil e coturnos. Os coletes e jaquetas jeans ou em couro também compõe o visual do headbanger.

As mulheres também usam camisas de banda, porém, há um leque mais variado de opções para compor o visual. Muitas têm ou gostariam de ter um ou mais corsets, que é uma peça chamativa e que não é muito utilizada pelas mulheres que não ouvem

Heavy Metal, em geral. Os corsets, ou espartilhos, podem ser confeccionados em vários materiais, os mais vendidos, segundo a corsetmaker que entrevistamos, são feitos em cetim, vinil e crepe. As rendas também são bastante exploradas nessas e em outras peças que fazem parte do visual headbanger. As cores predominantes são o preto, o vermelho e o roxo. Peças em couro também são bastante visadas dentro do meio. Vestidos, calças e corpetes em lycra cirré são muito utilizados para compor o look, pois esse tecido tem a aparência de vinil ou couro, porém como Natal tem um clima quente, que não favorece a utilização de roupas em couro ou vinil, a lycra cirré torna-se uma alternativa bastante viável. Saias longas e curtas, geralmente nas cores citadas, também são muito comuns. E os mais diversos acessórios vêm para completar e tornar o modo de se vestir das headbangers mais idiossincrático ainda. Apesar de o clima de Natal não favorecer a utilização de roupas de inverno, o sobretudo também é uma peça bastante visada, principalmente por aqueles (homens e mulheres) que seguem uma linha mais gótica.

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3.0 – A Cena Heavy Metal, em Natal: O Heavy Metal para além dos shows.

Esta parte do nosso trabalho vai ser dedicada a falar mais especificamente sobre o Heavy Metal em Natal, que é o berço do nosso estudo. Não pretendíamos fazer uma dissertação falando somente da cena Heavy Metal em Natal. Muito provavelmente, o leitor deve ter notado nosso esforço em falar do Metal de maneira geral e como ele pode ser ethopoiético, como ele age na constituição de novas estilísticas de vida através do reflexo da ética do grupo como possibilitadora de práticas de liberdade ao mesmo tempo individuais e grupais. É de suma importância ressaltar, mais uma vez, que praticar a liberdade através de uma ética de grupo não significa experimentar de um modo de agir completamente transgressor que seja totalmente oposto à moral, da qual se tenta escapar e, por consequência, livre de coerções, perfeito. Todos nós somos constituídos e atravessados por relações de poder das quais é impossível nos desgrenharmos completamente. Toda e qualquer forma de resistência só se constitui a partir de um determinado jogo de poder. Uma vez que a resistência, as práticas de liberdade, só se constituem a partir de relações de poder, pois não há um lugar fora daquele em que se dá o jogo de poder que nos constitui, logicamente, qualquer forma de resistência não pode ser considerada como completamente liberta das práticas das quais e contra as quais ela surge.

Desta forma, praticar a liberdade através do Heavy Metal ou de qualquer outro agente possibilitador de alguma forma de prática de liberdade não significa criar uma nova ética que esteja livre de todos os preconceitos da moral. Como já ressaltamos, o consumo é uma esfera importante dentro da ética do Heavy Metal. Tornaremos a utilizar esse exemplo para explicitar melhor o que queremos dizer. As práticas de consumo dos

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headbangers se constituem de uma forma diferenciada das práticas descritas por

Bauman que são comuns na contemporaneidade, porém, continua sendo consumo, de qualquer forma. Não há como sair do alcance do consumo, pois ele está presente desde os tempos primórdios como uma ação humana, não há como simplesmente deixar de consumir. Alimentação é consumo e é essencial para a vida humana. O que podemos dizer é que, a partir da configuração atual que se dá o fenômeno do consumismo, as práticas de consumo dos headbangers se tornam singulares e configuram uma forma de resistência a essa configuração tomada pelo consumo na contemporaneidade. Ou seja, não deixa de ser consumo, mas se conforma em uma prática de liberdade frente ao modo como se dá o consumo na atualidade.

Apesar de intencionarmos falar do Heavy Metal de uma maneira mais geral, mostrando seu caráter ethopoiético, nosso estudo parte de um lugar. Ainda que eu, enquanto pesquisadora e parte integrante da cena que investigo agora, conheça minimamente a experiência do Heavy Metal em outros lugares do Brasil, por tê-los visitado e participado um pouco de outras cenas, ou por ter amigos headbangers espalhados por várias partes do país, o fato é que minha pesquisa se deu na cidade de

Natal – RN. Todas as pessoas que entrevistei e a maior parte da minha vivência dentro do Metal se situam aqui, portanto, faz-se necessário que se fale especificamente do caso de Natal. Coube citar anteriormente nesse trabalho a Galeria do Rock, que se localiza na cidade de São Paulo e se configura na “Meca” dos headbangers de todo Brasil, porém falar do caso específico da cena Heavy Metal de São Paulo me levaria a um trabalho bastante diferente, pois, comparado a São Paulo, o caso de Natal se torna bem particular, com suas idiossincrasias.

Inicialmente, falemos um pouco das entrevistas e dos entrevistados. Como acabei de falar, todas as entrevistas para esta pesquisa foram realizadas em Natal, com 87

headbangers residentes em Natal e, apesar de alguns deles terem nascido fora da cidade, assim como eu, todos estão morando em Natal há vários anos. Foram entrevistas semi- abertas, guiadas por um roteiro feito por mim. A minha intenção com essas entrevistas, enquanto pesquisadora, era ter o roteiro elaborado por mim apenas como algo que servisse para suscitar uma longa conversa com cada um dos entrevistados focada no

Heavy Metal, de uma forma geral, e também naquilo que o Metal representa para cada um deles e como isso faz parte de suas vidas. Preferi entrevistar um número mais restrito de pessoas e apostar na maior profundidade das conversas. Foram entrevistadas

10 pessoas com uma faixa etária que varia entre 20 e 40 anos de idade, residentes em locais variados da cidade, ambos os sexos, porém, a maioria do sexo masculino. Grande parte dos entrevistados é composta de ateus, porém, se formos considerar um panorama mais amplo, pode-se dizer que o número de headbangers que se dizem agnósticos também é relevante. As entrevistas correram como o planejado, a partir das minhas perguntas, os entrevistados falavam à vontade e, na maioria das vezes, extrapolavam a temática da pergunta. Estas tomaram vida própria, como eu queria, e se tornaram mais ricas em informações que eu, muito provavelmente, não obteria se trabalhasse com um roteiro fechado. Ainda falando um pouco acerca da metodologia empregada, pude observar que as entrevistas fluíram de uma maneira ainda melhor quando eram feitas com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, pois aí sim, tornavam-se conversas de fato e minimizavam significativamente o constrangimento do gravador sempre presente.

Algo a ser ressaltado sobre os entrevistados é que todos contribuíram prontamente quando souberam da minha intenção enquanto pesquisadora e ficaram muito felizes com o fato de eu estar contribuindo desta forma com a cena. Posso resgatar aqui, para lembrar o leitor, o tópico 1.2 deste trabalho, mais especificamente quando falamos na sede de contribuir com a cena que é uma característica sempre 88

presente na constituição do underground do Metal. Todos quiseram contribuir da melhor forma possível com esta pesquisa, pois enxergaram com orgulho a contribuição de uma headbanger empenhada em formular um trabalho sobre o Heavy Metal e ainda, particularmente, sobre o Heavy Metal em Natal.

Um fato a ser destacado acerca das entrevistas é que quase todas elas foram realizadas em mesas de bares e regadas à cerveja. Consumir bebidas alcoólicas e encontrar os amigos em botecos é quase que uma lei para os headbangers. Poucos são aqueles que não bebem. Apenas duas de nossas entrevistas foram realizadas fora de um bar. Uma porque o entrevistado, Paulo42, não consumia bebidas alcoólicas. Apesar disso, ele se prontificou a marcar em algum bar, se fosse o caso de facilitar as coisas.

Acabamos fazendo essa entrevista em um Shopping Center, pois além de ser um ponto de encontro acessível, não iria constranger o entrevistado. A outra entrevista que realizamos fora de um bar foi com a headbanger e corsetmaker Lucy. Apesar de consumir bebidas alcoólicas, nossa entrevistada iria participar de um curso de aperfeiçoamento de costura e modelagem logo após a entrevista e não poderia consumir bebidas alcoólicas naquele momento, desta forma, escolhemos como ponto de encontro uma lanchonete.

Cada uma de nossas entrevistas teve, pelo menos, uma hora e meia de duração.

Quando era o caso da entrevista ser realizada com duplas, esse tempo era bem superior.

A grande maioria delas se deu em um bar chamado Whiplash Bar – localizado no bairro de Lagoa Nova, zona sul da cidade – que é o ponto de encontro dos headbangers de

Natal. Lá só são executadas músicas de Metal ou Rock’n Roll. Geralmente, o dono põe pra rodar DVDs de bandas conhecidas pelo seu público, ou seleções aleatórias de clipes

42 Paulo é um de nossos entrevistados. Headbanger natalense, atualmente, atua como tecladista de uma banda local, o Sunset Boulevard. Faz atuações em outras bandas locais menos conhecidas que trabalham com covers também. Trabalha com edição de imagens. 89

de bandas de Metal. É um ambiente pequeno, todo decorado com fotos antigas dos headbangers de Natal e pôsteres de bandas de Metal, onde a cerveja e os produtos oferecidos no cardápio estão a um preço acessível. O proprietário do bar, Júnior, é irmão de um dos fundadores da cena Heavy Metal de Natal, Luziano, que veio a falecer há alguns anos em decorrência de uma leucemia. Luziano foi a primeira pessoa a montar uma loja especializada na venda de material para os headbangers de Natal, no ano de 1987, a Whiplash Discos Ltda (Imagem 03).

Cláudio Slayer, nos disponibilizou material para esta pesquisa, inclusive elementos de um blog de autoria dele que, infelizmente, já foi desativado. Nesse blog havia um pequeno texto produzido por ele sobre a saudosa Whiplash Discos, escrito como uma homenagem ao seu fundador, Luziano. Achamos que é interessante transcrever de forma literal aqui esse pequeno texto que retrata um pouco do que a

Whiplash Discos e seu fundador representaram para a cena local.

Luziano Augusto, proprietário da Whiplash Discos, costumava receber os amigos em sua casa para trocar informações e materiais, pois lá era ponto de encontro da galera metálica na década de 80. Já comercializava em sua residência discos usados e novos, zines, patches, posters, etc... Então, com o passar dos anos, resolveu em 1987 inaugurar a loja para oferecer melhores condições aos seus clientes. Não imaginava ele que estaria criando um dos maiores empreendimentos do rock pesado que o Nordeste já teve. O batalhador Luziano dedicou toda sua vida ao rock, em especial ao heavy metal. Sua loja virou ponto de encontro, lá tínhamos acesso a todos os lançamentos nacionais e importados, além de obter informações do que rolava na cena nacional através dos muitos contatos que o mesmo sempre teve pelo Brasil. Mas quem pensa que suas atividades se limitavam a loja, se engana. Editamos juntos o Fanzine Whiplash, de 88 a 91, ele organizou vários shows, inclusive trazendo bandas expressivas como Hammerhead (SP), Vodu (SP) e Sex Trash (MG) até Natal. Foi vocalista do Reator, e posteriormente, do Hammeron. Sem contar que em 1990, realizou seu sonho de tornar a Whiplash uma gravadora, a pioneira no nordeste. Neste ano faz seu primeiro lançamento, a coletânea Whiplash Attack Vol. I com as bandas locais Hammeron, Auschwitz, Croskill e Deadly Fate. Daí em diante seguiram-se vários lp's e compactos de bandas de todo Brasil, como:

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Nephastus (PB), Shock (PB), Gladiator (RS), Morpheus (PA), Overthrash (SP), Mordeth (SP), Insanity (CE), Megahertz (PI), etc... A Whiplash já havia se tornado referência e era respeitada em todo território nacional. Em 1992, Luziano dava continuidade aos seus projetos com seu empenho característico quando, para choque de todos, descobre quase por acaso estar com leucemia. Nesta época, trabalhei para ele na loja e infelizmente acompanhei de perto todo o drama de sua doença. Viajou até Recife para se tratar, e lá faleceu poucos meses depois. Natal perdeu aquele que sem dúvida alguma, proporcionou ao metal natalense seus melhores dias. Seu irmão tentou manter a loja em atividade, mas após alguns anos seu fechamento foi inevitável. Além das boas lembranças, resta àqueles que conviveram com Luziano, a saudade e o eterno respeito. (Cláudio Slayer)

Imagem 03: Foto na Whiplash Discos. Ano: 1992. Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado Cláudio Slayer.

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A respeito do texto escrito por Cláudio Slayer que acabamos de apresentar, podemos ressaltar algo interessante. Com a chegada do Heavy Metal em Natal, nos primórdios da cena local, era costume dos headbangers reunirem-se na casa de alguém para beber, escutar Heavy Metal, confraternizarem-se entre si e trocar material. Segundo o texto acima, a casa do Luziano, antes da inauguração da Whiplash Discos, era um ponto de encontro importante para os headbangers natalenses. Isso era muito comum por não haver shows de Metal na época. Através de alguns entrevistados que vivenciaram essa época pudemos saber dessas práticas. Os headbangers natalenses denominavam essas reuniões de “sessions”. Além da ausência de shows de Metal na cidade, outro fator que maximizava a importância das sessions era a dificuldade na obtenção de materiais de consumo do Heavy Metal. Quando falamos aqui de materiais de consumo, nos referimos às músicas, fanzines, patches e pôsteres que são mencionados no texto do nosso colaborador Cláudio Slayer. O objeto de consumo mais importante e desejado nesses encontros entre headbangers era a própria música. Era difícil de adquirir os lançamentos que iam acontecendo no mundo do Metal e, além da dificuldade na obtenção desse material, outro fator que dificultava o acesso dos headbangers à música que era produzida na cena Heavy Metal mundial era o preço dos

LPs. Segundo um de nossos entrevistados, que frequentava essas sessions, Hervall, geralmente os headbangers faziam acordos entre si. Cada um comprava um LP e compartilhava com os demais, já que sairia muito dispendioso que cada headbanger comprasse todos os LPs que desejava possuir. Os headbangers levavam fitas cassete para gravar o conteúdo dos LPs que não possuíam, mas que um amigo havia comprado.

O principal objetivo dessas sessions era o compartilhamento da música. Sempre que alguém fazia uma nova aquisição, compartilhava com os amigos. Como não havia 92

shows de Metal na cidade, os headbangers simulavam estar em um show, durante as sessions, ouvindo Metal e batendo cabeça, como se estivessem em frente à própria banda, em um show.

Nos anos 80, a gente fazia muito isso porque não tinha show... Não tinha banda, não tinha show. A gente chamava de session. Então, escolhia a casa de uma pessoa, um dos caras, “sábado a session vai ser na casa de fulano”... Cada um levava cinco vinis, levava birita... e lá a gente se comportava como se fosse um show, um palco imaginário, todos batendo cabeça, como se fosse num show, porque não tinha show. (Cláudio Slayer)

Atualmente, com a internet, o acesso às músicas assim como seu compartilhamento foi muito facilitado. Para o nosso entrevistado, Hervall, isso fez com que a união que havia entre os headbangers antigamente ruísse. Antes, pessoas se reuniam com o objetivo comum de compartilhar música. Agora, cada um, em seu respectivo computador, baixa sua própria música. Na verdade, a forma de sociabilidade dos headbangers natalenses mudou. Eles continuam se encontrando, de fato, não do jeito como acontecia no início da cena, porém, não há como valorar essa situação positiva ou negativamente. Os headbangers apenas mudaram sua forma de socializar acompanhando a evolução da tecnologia, assim como todas as pessoas. A internet ajuda muito na obtenção de material. Nos dias de hoje, pode-se achar bandas de diversos lugares do mundo em alguns minutos de busca pela rede. Muitas vezes, os fãs de Metal acabam achando boas bandas por acaso, em buscas aleatórias e despropositadas. O compartilhamento de música entre os headbangers ainda existe, só que não da mesma forma que se dava nas sessions. Compartilhar a música nova a que se tem acesso ainda é uma prática muito recorrente, essa prática só mudou de configuração com o advento da 93

internet. Quando falamos que a internet facilita a busca de material, nos referimos principalmente à música, mas também não somente a ela. Os headbangers se utilizam da internet como ferramenta de pesquisa não só de música. Falamos no ponto 1.2 desse trabalho sobre uma das características dos fãs de Metal, que é pesquisar sobre as bandas.

A internet também facilita muito esse trabalho. Porém, pensar sobre a internet, não somente em relação ao caso do Heavy Metal, mas como um todo, significa pensar na

“mão dupla” que essa ferramenta traz. Sobre essa questão da internet, outro de nossos entrevistados, Ericksen, comentou que a facilidade de pesquisa sobre as bandas que temos atualmente, também engendra headbangers mais preguiçosos em se engajar nessas pesquisas infindáveis sobre as bandas, justamente pela facilidade trazida pela internet. Quando não havia essa ferramenta de pesquisa, os fãs de Metal tinham um trabalho muito maior em saber sobre as bandas que gostavam. Faziam isso através de revistas, principalmente os fanzines, que são revistas de menor circulação e produção independente. O acesso à internet também trouxe a comodidade e talvez um menor engajamento nessa pesquisa. Porém, podemos dizer que isso é uma característica geral de toda sociedade e uma discussão que envolve os estudos sobre a internet e as modificações que ela trouxe no comportamento dos indivíduos e na relação destes com a informação. Aprofundar-nos nessa questão não é nosso objetivo, mas achamos importante pontuar esse fato, já que ele se configura em um fator importante na evolução da cena Heavy Metal. Antes de deixarmos a internet de lado, é importante falarmos sobre outra faceta importante dessa ferramenta no que diz respeito ao Heavy

Metal em Natal.

Uma grande fonte de observação do comportamento dos headbangers para essa pesquisa, além da convivência, foi o exame de um grupo existente em uma rede social, o Facebook, que reúne os fãs de Metal em Natal, denominado Natal Metal. É de suma 94

importância a existência desse grupo para o andamento da cena local. Lá são divulgados de shows que ocorrerão, compartilhados vídeos de músicas que algum headbanger que achou interessante compartilhar com os demais, são divulgadas novidades sobre o Metal no mundo e também postagens recentes de pessoas que mantém blogs sobre a cena local. Nesse ambiente, muitos headbangers interagem em longas discussões sobre as mais diversas temáticas, sendo uma das mais polêmicas e que mais rendem postagens, a religião.

Um fato importante a se observar também sobre os headbangers, de uma forma geral, é que eles apreciam ter os CDs originais das bandas que admiram, mesmo tendo acesso a esse material gratuitamente através da internet. Alguns, como o nosso entrevistado Gerson, chegam a ter grandes coleções de CDs e DVDs, com a discografia completa de diversas bandas. Como essa não é uma questão que depende somente da vontade do headbanger, mas também de recursos financeiros, para compor uma coleção de CDs, muitos não são capazes de ter os CDs originais, apesar de terem muita vontade.

Novas formas de sociabilidade foram criadas para suprir a necessidade dos encontros face a face. Atualmente os headbangers podem se encontrar nos shows de bandas locais, que são bem mais frequentes ou no Whiplash Bar, ponto de encontro dos ouvintes de Metal, na cidade. Eles também se reúnem, por vezes, com os amigos em suas casas para beber e ouvir Metal, no entanto, essas reuniões não chegam a ter o peso e a importância simbólica que tinham anteriormente. E nem se dão pelos mesmos motivos e da mesma forma que as chamadas sessions. Os shows de Metal, em Natal, ocorrem, em sua maioria, em um bairro denominado Ribeira. As casas de shows onde se concentram a maioria dos eventos relacionados ao Metal se localizam principalmente na

Rua Chile, uma das ruas do bairro histórico da Ribeira, situado na região central da cidade. 95

Geralmente, antes de cada show, podemos ver os headbangers, em sua maioria de preto, bebendo cerveja na entrada do espaço que irá abrigar o evento para o qual eles vieram. Muitos, quando estão sem dinheiro ou quando não apreciam muito as bandas que comporão o espetáculo, vão apenas para permanecer em frente ao local do show, beber e conversar com os amigos.

Os shows na Ribeira costumam ocorrer a partir das 21hs, porém, o atraso do início das apresentações já é algo esperado por todos. Os shows costumam ter fim por volta das 03hs da madrugada. Muitos headbangers costumam esperar amanhecer em frente ao local do show, ainda bebendo, pois dependem do transporte público para voltar para suas casas. Alguns organizadores de shows da cidade já tentaram solucionar esse transtorno realizando shows a partir das 17h, com término previsto entre as 22 e

23hs. No entanto, muitos reclamam desse horário por ser demasiado cedo e impossibilitá-los de participar dos shows, em razão de seus empregos ou estudos. Beber em frente aos shows, antes, durante ou depois destes, já é uma prática fixa e faz parte da sociabilidade dos headbangers em Natal.

Uma característica importante de se ressaltar sobre os shows, não só de Natal, pois se trata de um fato geral na cena Heavy Metal, é a crescente participação das mulheres na cena. Todos os headbangers do sexo masculino que tivemos a oportunidade de entrevistar, afirmaram estar achando um fator positivo esse crescimento, pois antigamente as mulheres não costumavam frequentar os shows, eram poucas as que compareciam nesses eventos. O Heavy Metal surgiu como uma música mais voltada para o público masculino. Participar de shows de Metal era complicado, no início, para as mulheres. As chances de ser confundida com uma groupie43 eram bem

43 Groupie é uma palavra com origem na língua inglesa e serve para designar mulheres que frequentam shows somente pelo interesse sexual nos músicos. As groupies costumam seguir os músicos pelos quais desenvolvem interesse por todos os seus shows, usualmente vestem-se de forma provocante, posicionam- 96

significativas. Talvez por isso, muitas das headbangers mais antigas ou tradicionalistas evitem se vestir de forma mais provocante, adotando, desta forma, um visual considerado mais masculinizado.

Segundo os headbangers natalenses mais antigos que entrevistamos, a participação feminina em shows era muito restrita. Isso era resultado também do preconceito dos homens em geral. Na sua época de surgimento, o Heavy Metal era visto como um estilo masculino, onde as mulheres não eram levadas a sério. Tratava-se de um estilo machista. A participação intensa das groupies também comprometia a imagem das mulheres que não compactuavam com as práticas destas e frequentavam os shows pelo fato de realmente apreciarem a música, a princípio, sem interesse sexual nos músicos. A imagem delas era comprometida, frente aos headbangers, no sentido de muitas vezes as mulheres não terem sido levadas a sério como fãs de verdade do estilo.

Com o passar do tempo, o Metal foi se tornando mais acessível para as mulheres, principalmente depois que passou o furor midiático que ele causou nos anos

80. Os headbangers puderam entender que existiam mulheres que realmente apreciavam a música pesada. De uns tempos pra cá, a participação feminina vem aumentando bastante, não só nos shows, mas também no Whiplash Bar, que já mencionamos aqui como um ponto importante de encontro dos fãs de Metal na cidade.

E o mais interessante a ser mencionado sobre essas mudanças do imaginário sobre as mulheres dentro do Heavy Metal é que, todos os nossos entrevistados homens apoiaram bastante essa participação feminina e incitam as mulheres headbangers para que elas se vistam de “forma feminina” e sensual, sem um visual masculinizado, como as mulheres desse estilo preferiam adotar antigamente, para se distinguir das groupies.

se o mais perto possível do palco, para atrair a atenção dos músicos e tem um comportamento bastante eufórico, em relação à banda. 97

Esse machismo irradiado pelo Heavy Metal, principalmente em seus primórdios, era praticado tanto pelos homens, como pelas próprias mulheres, que repudiavam a conduta das groupies e faziam de tudo para diferenciar-se delas. Isso acontecia tanto pelo próprio machismo interiorizado nelas e neles, quanto para conseguir legitimidade dentro do estilo. Indo aos shows locais e aos pontos de encontro dos headbangers natalenses, pudemos observar que as mulheres estão deixando de ter essa preocupação de se distinguir das chamadas groupies e estão se vestindo cada vez mais de uma

“forma mais feminina”. As camisas de banda em tamanhos grandes, que escondiam as formas do corpo feminino, combinadas com calças largas, estão sendo deixadas de lado em favor das saias (curtas ou longas), calças coladas, corsets e acessórios. As camisas de banda ainda são muito utilizadas pelas mulheres headbangers, porém, estão sendo adotadas em tamanhos menores, proporcionais ao corpo daquela que as usa.

O discurso dos headbangers homens, sobre as mulheres do Metal, mudou. Eles costumam afirmar por todos os lugares que a sensualidade das headbangers não é vulgar e chegam até a fazer comparações com outros estilos musicais marginalizados por eles como, por exemplo, o funk. Podemos notar aqui que o Heavy Metal, enquanto

ética de grupo, tem seus conservadorismos e esse é um deles. As mulheres do Metal usam decotes, saias curtas, botas, espartilhos, meias-calças,roupas em couro e vinil, provocantes, logicamente, de uma forma diferenciada das mulheres do funk, que também costumam utilizar roupas curtas e provocantes, pois há dissemelhanças visuais notáveis entre a maneira de se vestir dos dois estilos. Por mais que as duas sejam provocantes, são diferentes. Mas a sensualidade das headbangers é vista de uma maneira positiva, pelos fãs de Metal, enquanto as funkeiras são vistas como vulgares.

98

Mencionamos anteriormente nesse trabalho, mais especificamente no primeiro capítulo, que a cena Heavy Metal em Natal tem alguns aspectos bastante idiossincráticos que a caracterizam como, por exemplo, o fato de ser uma cena fluida e menos separatista, dado o seu tamanho restrito. A cena local é pequena, quando comparada às cenas de grandes capitais do Brasil, ou do Mundo. Esse fato permite uma maior fluidez desta em relação às demais. É comum em cidades maiores que os fãs de

Heavy Metal sejam mais fiéis a alguma determinada subdivisão do Metal, só escutem esse subestilo, só frequentem os shows desse estilo e só interajam com pessoas que partilham do mesmo gosto. Isso ocorre principalmente com aqueles que têm uma preferência pelo chamado Metal extremo. Geralmente, os fãs de Metal extremo não costumam frequentar shows de outros estilos que não o de sua preferência, seja o Black

Metal, o Death Metal, o Thrash Metal ou qualquer desses estilos que incorporam um peso maior em sua musicalidade. O máximo que o apreciador de um desses subestilos faz é frequentar shows que sejam de bandas de uma das subdivisões do Metal extremo, que não a sua favorita. Podemos observar nessas práticas mais uma vez o que Deleuze vai chamar de microfacismos. Já mencionamos os microfacismos, discutidos por

Deleuze, no primeiro capítulo desta dissertação e reafirmaremos que estes estão sempre potencialmente presentes na micropolítica.

Falar desse tipo de microfacismo especificamente não nos interessa aqui, pois mencionamos essas práticas justamente com o intuito de dizer que em Natal elas são quase inexistentes, dada a fluidez da cena local. Por ser uma cena pequena e restrita, os headbangers acabam frequentando shows dos mais diversos subestilos dentro do Heavy

Metal, até mesmo daqueles que não gosta. Na entrevista com Gerson e Wolfera, os dois comentaram um pouco sobre esse assunto em específico. Não que esse assunto estivesse no meu roteiro, mas, simplesmente, surgiu no decorrer da conversa. Os dois 99

entrevistados falaram que em Natal um músico não pode ser pedante ao ponto de dizer que tem fãs, pois a cena natalense é quase como uma comunidade de irmãos, onde os amigos, por vezes nem tendo preferência pelo estilo da banda que irá se apresentar, vão prestigiá-la, em nome da amizade e da comunidade que é a cena local, onde uma banda dá suporte a outra. É importante ressaltar que, apesar do fato de os headbangers frequentarem os shows que ocorrem na cidade independentemente do subestilo de Metal a ser executado, até mesmo como uma forma de apoiar a cena local e suas bandas, isso não significa que esses microfacismos existentes entre os subestilos não continuem existindo, de forma mais suave, entre os headbangers de Natal. Mesmo frequentando shows de subestilos dos quais eles não gostam, os headbangers continuam tendo restrições a estes e manifestando seus rancores a determinados subestilos através de piadas, por exemplo. A rixa entre subestilos não deixa de existir, ela só se torna mais suave pelo fato de os headbangers natalenses acabarem frequentando shows independentemente do estilo a ser executado no mesmo.

Falamos anteriormente que os shows de Metal em Natal se concentram na

Ribeira e que, além dos shows, os headbangers costumam frequentar o Whipash Bar, para seus encontros e conversas face a face. Vale lembrar que existem bares e pubs na cidade, voltados para um público de maior poder aquisitivo, onde a consumação tem um valor mais alto, que são conhecidos por tocar Metal. Podemos citar como exemplos o

Gringo’s Bar e o Whiskritório Pub, localizados em Ponta Negra e Capim Macio, respectivamente, bairros da zona sul da cidade. Esses lugares são conhecidos por tocar

Metal tanto no som ambiente, quanto em apresentações de bandas ao vivo. Acontece que, no geral, esses locais não são frequentados pelo público headbanger. Isso se deve ao fato de que uma grande parcela do público frequentador é formada pelo que os headbangers chamam de playboys. No geral, os chamados playboys são pessoas que 100

têm um poder aquisitivo um pouco maior, sem muitas restrições musicais, a maioria não presta muita atenção no que está tocando como som ambiente e frequenta esses locais para beber e encontrar com os amigos, pois são ambientes que fornecem uma infraestrutura razoável e contam com uma boa reputação na cidade, são os points de

Natal.

Alguns headbangers são inflexíveis quanto a esses lugares e não os frequentam por não quererem estar no mesmo ambiente dos playboys. Acham o ambiente muito elitizado e o tratam com certo desdém. Outros headbangers são mais flexíveis quanto a isso, frequentam esses lugares e gostam deles, mesmo não abrindo mão de ir ao

Whiplash ou aos shows na Ribeira. O décimo quarto aniversário da loja especializada em Heavy Metal mais conceituada de Natal, a Records, foi no Whiskritório Pub, contando com a presença de algumas das bandas locais mais conceituadas, como

Deadly Fate, Expose Your Hate e Comando Etílico, contou ainda com a presença do

Black Sabbath cover, banda formada por alguns músicos conceituados na cena local.

Nessa ocasião especial, pude ver a presença de muitos headbangers que não costumam frequentar o local, aliás, no espaço destinado a apresentação das bandas, só se via pessoas de preto.

***

Para finalizar o nosso trabalho, resolvemos trazer os perfis um pouco mais completos de alguns dos headbangers que entrevistamos. Focaremos a construção desses perfis principalmente na história de como se deu o primeiro contato desses fãs de 101

Metal com a música pesada e como a relação deles com o Metal foi se construindo.

Escolhemos cinco headbangers que aparecem bastante nesse trabalho, para falar um pouco mais sobre a relação deles com o Metal: Cláudio Slayer, Marcelo, Gerson,

Wolfera e Hervall. Nosso critério de escolha dos perfis foi dar preferência aos entrevistados que atuam como músicos.

 Cláudio Slayer

Imagem 04: Cláudio Slayer. Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Slayer.

Cláudio Slayer é um dos headbangers mais conhecidos em Natal. Atualmente, é baixista da banda Expose Your Hate, uma das mais conceituadas da cidade44. Começou a escutar Metal quando criança e continua até hoje, aos 40 anos de idade. O músico

44 Biografia do Expose Your Hate disponível nos anexos deste trabalho. 102

também atua como baixista no Black Sabbath cover e colabora tocando em eventos como o Metal Jam United, que vem ocorrendo anualmente e só é possível graças à colaboração dos músicos que se dispõe a tocar apenas por diversão. Nesse evento, são executados covers de bandas já imortalizadas no Heavy Metal mundial. A proposta do evento é colocar os músicos que resolvem colaborar tocando as músicas que eles escolhem, formando assim, agrupamentos de músicos que só irão atuar como banda no dia do evento. Esse tipo de dinâmica caracteriza o show como uma Jam.

Além de atuar como músico, Cláudio Slayer é professor de educação artística e, como já mencionamos anteriormente em nosso texto, vai trabalhar vestindo camisas de bandas, pois não se desvincula nunca do visual. Além das camisas de suas bandas favoritas, ajudam a compor o visual suas inúmeras tatuagens (Imagem 04). O headbanger imprime sua subjetividade no corpo, como nos propõe Le Breton, através desses elementos.

O normal, pra mim, é estar com camisa de banda. Eu só estou sem camisa de banda quando faço uma concessão. (Cláudio Slayer)

Falaremos agora sobre como ele começou a escutar Heavy Metal. Para tanto, nos utilizaremos de um trecho da entrevista realizada com o headbanger. Ao ser questionado sobre o seu primeiro contato com a música pesada, ele nos respondeu:

Eu comecei, eu era criança ainda. A primeira magia que aconteceu foi em dezembro de 1983, tinha 11 anos, quando o Kiss veio ao Brasil pela primeira vez. Me impressionou muito, aí eu pedi um disco do Kiss de presente. Em 1984, eu tinha um primo mais velho, que é da 103

primeira leva das pessoas que começaram a ouvir Heavy Metal em Natal. Eu frequentava a casa dele e ele me mostrou uns discos e eu comprei um disco do Iron Maiden, então foi a partir daí que eu me envolvi de cabeça mesmo e, como eu era muito novo, tinha 13 anos isso me pegou num momento que formou minha personalidade, meu caráter, acabei me formando dentro do Metal, junto com o Metal. Em 85, eu já era headbanger mesmo, comprava material, saia pra shows, fazia fanzines. Aí foi... tô nesse negócio até hoje, não consigo me desprender. Quem sou eu sem o Metal? (Cláudio Slayer)

Após sabermos, em nossa entrevista, como se deu o primeiro encontro de

Cláudio Slayer com o Heavy Metal, perguntamos ao headbanger o porquê de ele continuar ouvindo Metal e colaborando com a cena, desde a década de 80 até os dias de hoje. O que fez com que ele se apaixonasse pelo Heavy Metal e mantivesse um casamento tão bem sucedido durante esses quase 20 anos. Como resposta a esses questionamentos Cláudio Slayer comentou que entende o fato de muitas das pessoas que começaram a ouvir Metal na década de 80 terem desistido desse estilo, pois, nessa

época, houve uma explosão midiática do Heavy Metal em todo o mundo, tratava-se do surgimento desse tipo de música e muitas pessoas começaram a escutar para testar, depois, resolveram que não se identificavam e deixaram de ouvir a música pesada.

Cláudio Slayer respondeu o porquê de ter continuado escutando Metal da seguinte forma:

Me identifiquei primeiro com a música e com a estética, começa com a rebeldia típica de adolescente e depois você vê que é identificação. Porque os mesmos aspectos também fascinam você na literatura, que não tem nada a ver com o Heavy Metal... também vão fascinar você em outros ramos da vida que, se você for ver, tem uma coisa similar. É algo que faz você se sentir bem, que faz você produzir, que faz você crescer... No caso da gente [a entrevista foi realizada em conjunto com o Marcelo], fez a gente virar músicos. O Metal que me fez abrir minha mente pra certas coisas também. Como eu falei, o Metal é um universo muito vasto, então você aprende a lidar com coisas que, se eu 104

estivesse em outro meio, eu não teria muito contato, né? Até história, culturas diferentes... (Cláudio Slayer)

Para o nosso entrevistado, o fato de ele ter continuado a escutar Metal por tanto tempo tem a ver com uma questão de identificação com aquilo que o Heavy Metal passa. Inicialmente, ele afirma ter achado interessante a sonoridade e a estética e que isso talvez tivesse relação com alguma rebeldia adolescente. Porém, segundo ele, esse contato inicial passou de algo superficial para uma questão de identificação com os ideais dele. Uma via de mão dupla, onde ele é formado pelo Heavy Metal e, ao mesmo tempo, identifica no Metal aspectos que estão de acordo com sua visão de mundo. As coisas que chamaram a atenção do headbanger no Heavy Metal são as mesmas que chamam sua atenção na literatura e em diversos outros aspectos. A estética e a sonoridade continuam chamando sua atenção até hoje, mas, a partir de um contato inicial superficial com tudo isso, foi construída uma forte relação com esses elementos e todo um conjunto de práticas, que compõe o seu caráter até os dias de hoje.

Outra etapa dessa entrevista que queremos trazer aqui, tem relação com o porquê de Cláudio Slayer ter se tornado músico. Obtivemos, de seu arquivo pessoal, uma foto de 1985, onde ele toca uma guitarra de isopor, feita por ele mesmo. A foto está publicada no Facebook do nosso entrevistado e resolvemos incluir essa foto em nosso trabalho com a mesma legenda que o headbanger colocou em sua página na rede social em questão. Cláudio Slayer nos respondeu sobre os motivos que o levaram a se tornar músico de forma bem direta. Abaixo, transcrevemos sua resposta e ainda algo que ele acrescentou a sua fala que também tem relação com a temática que abordamos nesse parágrafo.

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Eu comecei a tocar porque eu queria ter uma banda de Metal, só por isso. Eu queria ser igual aos meus ídolos. Eu nunca quis ser músico até eu começar a escutar Metal. (Cláudio Slayer)

Nunca pensei em viver do Metal não. Tanto que eu estudei, fiz concurso, pra viver de outra coisa. Minha relação com a música, como músico, dentro do Metal, não foi para que o Metal me desse emprego. Se acontecer, massa, mas não era a minha intenção. (Cláudio Slayer)

Imagem 05: “Outubro de 1985 - 13 anos, Guitarra de isopor, camisa do Iron

Maiden pintada à mão, peruca e correntes. Começou assim e acabou dando no que deu hoje...rsrsrs...e a coitada da minha mãe falava que era uma fase...hehehe”. (Cláudio Slayer) Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Slayer.

Imagem 06: Quarto de Cláudio Slayer. Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Slayer.

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Com orgulho, o músico disponibiliza fotos de seus baixos em sua página no facebook:

Imagem 07: Os três baixos que compõe o “arsenal” musical de Cláudio Slayer. Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Slayer.

Podemos notar que Cláudio Slayer, desenvolveu um interesse em se tornar músico, a partir do seu contato com o Metal, para ser igual aos seus ídolos. Ele queria ter uma banda de Heavy Metal. Porém, de uma maneira peculiar, esse interesse surgiu desvinculado de qualquer iniciativa profissional. Como o headbanger afirma, ele nunca pensou em ter um emprego que viesse através do Metal. Apesar de ser um excelente baixista, considerado um dos melhores de Natal, ele não é músico profissional, não levou a música, ou mais especificamente, o Heavy Metal para o lado profissional. Ele trabalha como arte-educador e tem na música a sua segunda atividade, que não chega a ser lucrativa, porém é levada a sério da mesma forma que um emprego.

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O headbanger se declara ateu e afirma não gostar de Glam Metal45, nem de

Metal Melódico. Quando o questionamos sobre quais seriam suas bandas favoritas, ele respondeu que, as que mais o influenciaram em sua formação foram: Black Sabbath,

Napalm Death e Slayer. Essas bandas, ele considera como sendo clássicas e também suas favoritas. Porém, o headbanger afirma que não ouve as mesmas bandas o tempo inteiro. Ouve bandas antigas e também dá espaço para conhecer bandas mais novas. Ele varia o repertório que ouve de tempos em tempos, dependendo do seu estado de espírito.

 Marcelo

Imagem 08: Marcelo. Fonte: Arquivo pessoal de Marcelo.

45 Derivação do Heavy Metal, em que os músicos das bandas desse gênero costumavam ter aparência andrógina, usar maquiagem feminina e compor o visual com peças bastante coloridas, brilhantes e chamativas. Esse estilo teve seu auge entre as décadas de 80 e 90. 108

Marcelo é um headbanger nascido no Pará, porém reside em Natal há vários anos. Ele tem 34 anos, atua como baterista na banda Expose Your Hate e é, portanto, companheiro de banda e amigo de Cláudio Slayer. A entrevista dos dois headbangers e amigos foi realizada em conjunto. O plano inicial era nos encontramos no Whiplash

Bar, porém, este estava fechado por alguma questão pessoal do proprietário. Por esse motivo, tivemos que procurar algum outro bar nas redondezas para a realização de nossa entrevista.

Além do Expose Your Hate, Marcelo também é baterista do Sanctifier46, outra banda de Death Metal da cena local, e do Sex’n Roll, uma banda que executa covers de músicas que ficaram famosas no Rock’n Roll dos anos 80. O Foco principal do Sex’n

Roll é tocar em Pubs, trata-se de uma banda formada única e exclusivamente para tocar na noite. Marcelo vê sua atividade no Sex’n Roll enquanto um emprego, pois as músicas executadas pela banda não são o estilo favorito do músico e trata-se de uma banda puramente comercial, que objetiva o lucro.

Além de sua atividade no Sex’n Roll, Marcelo atualmente trabalha na loja

Records, a única loja física especializada em material sobre Heavy Metal existente em

Natal, pois, como já mencionamos anteriormente nesse trabalho, existe também a Dying

Music, que funciona como loja virtual. Na imagem abaixo, podemos visualizar Marcelo e Adriano Dio, que é o proprietário da Records, trabalhando na catalogação das mercadorias.

46 A biografia do Sanctifier também consta nos anexos. 109

Imagem 09: Marcelo e Adriano Dio na loja Records. Fonte: Arquivo pessoal de Marcelo.

Marcelo também teve seu primeiro contato com o Metal quando criança e nos relatou um pouco dessa história durante a entrevista. Assim como no caso de Cláudio

Slayer, foi um encontro com a música que foi se construindo em algumas fases. Outra coincidência interessante, no caso dos dois heabangers, que conheceram o Metal em locais diferentes, pois Marcelo ainda residia no estado do Pará e Cláudio Slayer em

Natal, foi que o primeiro contato de ambos se deu a partir de grandes eventos de Rock ocorridos no Brasil. No caso de Cláudio Slayer, foi a primeira vinda da banda Kiss ao

Brasil. No caso de Marcelo, foi o Rock in Rio de 1985. Abaixo, nas palavras do próprio entrevistado, poderemos ver como foi a história de seu encontro com a música pesada.

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Na verdade, o que influenciou mesmo foi o Rock in Rio, que foi em 85 e, até então, eu tinha 6 anos. Eu nem escutava música, só que, eu não sei, foi um evento muito grande realmente, que passou em todas as TVs do Brasil, né? E, quer queira ou não, como foi um evento de grande porte, movimentou muita gente... Eu era moleque, ia pra frente da TV e foi quando... tipo assim... parece que foi o primeiro som que entrou mesmo. Daí passou, né? Eu fiquei com aquilo na cabeça. Meu pai dava umas moedas pra minha irmã e, automaticamente, me dava. Eu me lembro bem que, eu tinha um trocado, não sabia o que fazer, não sabia o que comprar. Minha irmã foi numa loja de discos e tinha um vinil lá, do Iron Maiden... daí eu nem lembrava que aquela banda tinha tocado no Rock in Rio... eu vi a cara lá do monstro47 e resolvi comprar. Quando eu cheguei em casa, comecei a escutar e aquilo começou a “desenrolar”. No ano seguinte, eu entrei numa escola de música, foi quando eu comecei a aprender. E daí, eu fui pegando outros discos. O segundo disco que eu peguei foi o Beneath the Remais, do Sepultura.48 Lembro bem, na época que eu peguei, eu não entendia nada... Não conseguia entender nada do que os caras faziam, mas aí eu fui pegando outros discos emprestados com amigos: Accept49, Ratos de Porão50, a coleção do Iron Maiden também, daí foi “desenrolando”. [...] Mas, até então, eu não vivia exatamente no meio, ficava em casa escutando. Eu fui no primeiro show quando eu tinha 13 anos, aí foi quando eu comecei a frequentar mesmo e, quer queira ou não, é quando você começa a interagir com o grupo de diversas formas. Você acaba ouvindo mais, trocando material, começa a ler as letras mesmo, começa a raciocinar em cima da ideologia e, quando você vê, você já tá vivendo, respirando aquilo. (Marcelo)

Podemos perceber também que há outra coincidência nos dois relatos, de

Marcelo e Cláudio Slayer. Os dois entrevistados afirmam que só se tornaram headbangers de fato no momento em que eles começaram a frequentar shows e interagir de forma mais direta com os outros fãs de Metal. Os dois começaram a ouvir música pesada na infância, a partir de um grande evento ocorrido no Brasil, depois continuaram ouvindo Metal em casa, mas afirmam terem se tornado headbangers realmente depois de irem a shows de Metal. A partir desses dados, podemos deduzir até agora que o

47 Todas as capas de CD do Iron Maiden incluem o mascote da banda, Eddie, que é um monstro. 48 Sepultura é uma banda de Death Metal Brasileira. 49 Accept é uma banda de Heavy Metal tradicional alemã. 50 Ratos de Porão é uma banda brasileira com influências do punk. 111

“tornar-se headbanger” é composto de três fases: o primeiro contato do sujeito com a música, seguido de uma fase onde se ouve Metal sozinho em casa e, só depois, passa-se a frequentar os shows, fase esta que nossos entrevistados consideraram como sendo o

“tornar-se headbanger de fato”. Isto só nos mostra, mais uma vez, como as práticas de si só se realizam na esfera grupal. De acordo com os relatos dos nossos entrevistados, ter o hábito de só ouvir Metal sozinho em casa é uma coisa, passar a ir aos shows e interagir com o grupo de fãs é outra coisa. Eles só se consideraram headbangers de fato quando passaram a interagir com o grupo. Desta forma, vemos que é a partir do contato com o grupo e, consequentemente com o underground, que os hábitos ligados à ascese headbanger são incorporados. Destacando o último trecho da fala de Marcelo, que exemplifica o que acabamos de expor: “Eu fui no primeiro show quando eu tinha 13 anos, aí foi quando eu comecei a frequentar mesmo e, quer queira ou não, é quando você começa a interagir com o grupo de diversas formas. Você acaba ouvindo mais, trocando material, começa a ler as letras mesmo, começa a raciocinar em cima da ideologia e, quando você vê, você já tá vivendo, respirando aquilo.” (Marcelo)

Agora, passaremos a questão de como Marcelo se tornou músico. Quando o entrevistado fala acerca de seu primeiro contato com o Metal, ele menciona o fato de ter entrado para uma escola de música, ainda criança. Porém, queremos saber como

Marcelo começou a tocar, especificamente, o Heavy Metal. Mais uma vez, iremos transcrever abaixo, nas palavras do entrevistado, a história de como ele se tornou músico.

Na verdade, na escola de música clássica eu estudava instrumento de percussão e flauta transversal e doce, mas, à medida que a coisa foi ganhando força, fui comprando mais discos de Rock, de Metal, aí teve uma época que eu parei de estudar percussão e flauta e comecei a aplicar em bateria. Mas é lógico que, como houve uma diferença muito grande de instrumentos, eu tive que recomeçar a tocar. Essa parte instrumental foi uma opção mesmo, tipo... “Não, eu quero 112

mesmo aprender a tocar isso!” Tentei aprender a tocar guitarra, mas não me identifiquei muito, gostava mesmo de bateria... e foi quando isso começou a fazer parte realmente do meu dia a dia... Enfim, fui tocando, daí, quando ouvia um disco antigamente, eu tinha a música de uma maneira geral e, a partir daí, eu passei a ouvir a música de uma maneira mais centrada na bateria. [...] Eu, no início, pensava em tocar, mas não pensava muito em banda não... e, assim mesmo, quando veio a ideia de banda, tipo assim, veio: “Ah, banda, deve ser uma reunião só... pra galera brincar ali...” Mas com o tempo que a coisa foi ganhando força e ficando: “Não, banda é outra coisa!” No início eu não queria ser “rock-estrela” não, só queria tocar. (Marcelo)

Marcelo começou aprendendo música erudita, em uma escola de música, tocando percussão e flauta. Depois de um tempo, sentiu necessidade de tocar outro instrumento que acabou o satisfazendo melhor enquanto músico, a bateria. Depois de começar a tocar bateria, ele pôde se encaixar melhor no estilo musical que realmente o interessava, o Metal. Não que ele não pudesse tocar Metal usando flauta, ou algum instrumento de percussão. Existem subestilos do Heavy Metal, como o Folk Metal ou o

Symphonic Metal, por exemplo, em que são utilizados vários instrumentos mais ligados

à música erudita, que são escolhidos dependendo da sonoridade que a banda quer produzir. Porém, Marcelo diz se identificar mais com o Grind, com o Black e o Death

Metal, que fazem parte do chamado Metal extremo. Dentro desses subestilos, a instrumentação utilizada é a básica na formação do Heavy Metal: Uma ou duas guitarras, baixo e bateria. Talvez por isso o músico tenha escolhido tocar bateria, para poder executar músicas no seu estilo favorito.

Tornar-se músico de Heavy Metal, para Marcelo, modificou também os hábitos dele ao escutar canções. Ele passou a incorporar uma ascese que, além de fazê-lo ensaiar, como todo músico, o fez mudar seus hábitos ao escutar música, como ele mesmo fala. Passou a ouvir as músicas centrando-se na bateria, para aprender novas técnicas e aperfeiçoar-se. É notável o seu contentamento ao tocar bateria nos palcos. 113

Como bandas favoritas, Marcelo citou: Behemoth, Dark Funeral, Belphegor e Nile. E ainda complementou: “Eu posso escutar os discos delas cem vezes ao dia e não enjoo!”

(Marcelo) Assim como Cláudio Slayer, ele afirma variar as bandas que ouve de tempos em tempos, dando lugar a bandas antigas e novas em seu repertório de músicas, mas essas que foram citadas são as que o headbanger está sempre ouvindo.

Sobre o visual, Marcelo afirmou ser “um pouco mais louco” nesse ponto, pois nos relatou que tudo o que ele tem é preto: Camisas, cuecas, sapatos, meias, etc. As camisas, para Marcelo, também são preferencialmente de bandas. Outro elemento que se destaca em seu visual, assim como no de Cláudio Slayer, são suas inúmeras tatuagens espalhadas pelo corpo inteiro e que configuram esse corpo em seu acessório, onde o headbanger imprime sua subjetividade em forma de tatuagens e roupas pretas. Em sua página de Facebook, Marcelo mantém um álbum de fotos específico para mostrar suas tatuagens e sempre participa de convenções da área. Ao contrário de Cláudio Slayer, que possui tatuagens Black and Gray e coloridas, Marcelo deu preferência a padronizar todas as suas tatuagens no estilo Black and Gray, que, como diz o nome, é composto por trabalhos somente em preto e cinza, chamado, por alguns, de sombreado.

Imagem 10: Nessa imagem, podemos ter uma visão geral das tatuagens de Marcelo, todas em Black’n Gray. Além dessas que aparecem na foto, o headbanger possui tatuagens nos dois braços e nas duas pernas, tendo seu corpo 114 quase todo tatuado. Fonte: Arquivo pessoal de Marcelo.

 Gerson

Imagem 11: Gerson. Fonte: Arquivo

pessoal de Gerson. (Foto por Karen Pedregal.)

Gerson, headbanger de 36 anos, nascido em São Paulo, reside em Natal há bastante tempo e é vocalista da banda natalense Primordium. Atua como Policial Militar e fez pedagogia. Apesar de ser integrante de uma banda de Death Metal, afirma que sua permanência no Metal por todos esses anos que escuta, se deve ao fato de ele ser bastante eclético dentro do Heavy Metal, não se restringindo a escutar somente um ou outro determinado subestilo.

Quando questionamos sobre o seu primeiro encontro com a música pesada,

Gerson nos respondeu:

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Eu sempre gostei de Rock, mas minha experiência com o Metal mesmo se deu em 1990, com o lançamento do vinil do Rock in Rio. [...] Tinha duas bandas ali que marcaram. Uma música do lado A do vinil, que se chamava Painkiller. Daí quando eu ouvi, cara, que monstruosidade, como é que o cara toca isso? E do outro lado do vinil, tinha uma música chamada Holy Wars, do Megadeth. O primeiro contato que eu tive com o Metal, foi com essas duas bandas... e eu fico feliz porque[...] ver o Megadeth tocar o Rust in Peace ao vivo e ver o Judas tocar Painkiller ao vivo foi uma experiência única. [...] Eu nunca imaginei que curtiria Death Metal na minha vida, eu detestava Death Metal. Mas uma banda fez eu mudar minha concepção, foi o Carcass, com um álbum chamado Heartwork. Esse álbum me dez mudar [...] isso em 1995... em 1999, eu fui pra um show do Krisiun, em Natal... Krisium e Expose, lembro disso como se fosse hoje... eu disse: Cara, ainda vou tocar nesse palco! Não tinha nem ideia ainda de montar uma banda. (Gerson)

No caso de Gerson, o primeiro contato se deu a partir do encontro dele com o vinil do Rock in Rio, em 1990. Um detalhe interessante é que todos os headbangers entrevistados até agora se lembram com detalhes de como se deram suas primeiras experiências com o Metal, quais foram as primeiras bandas, ou as primeiras músicas que fizeram com que eles adentrassem para este universo. No caso específico de

Gerson, ele afirma ter sido uma grande realização poder assistir o show ao vivo das bandas que fizeram com que ele começasse a escutar Metal: Megadeth e Judas Priest.

Gerson é uma figura interessante do Metal natalense, pois ele é um dos headbangers que mais preza por colecionar itens relacionados às músicas que ouve. Como já mencionamos anteriormente, Gerson tem uma coleção expressiva de CDs e DVDs originais, de bandas de Metal. Questionamos o entrevistado sobre um número aproximado dos itens de sua coleção e ele nos respondeu:

Tenho uma coleção pequena e modesta, acho que próximo aos 700 CDs, 75 DVDs, 155 demos (formato CD-r e fita K7) e pouco mais de 12 blu-rays. Todos os itens originais e que ralei pacas para comprar. 116

Cada qual com uma história... rsrs Existe um rack feito especificamente por encomenda para guardar o material. Nele ainda existem prateleiras em que tenho um Home Theater, TV Led, Blu-ray e o meu som. O melhor canto do mundo para mim. Nele existe uma história criada por muitos anos. Tanto que tenho muito carinho pelo meu quarto... (risos) (Gerson)

A pedido meu, o headbanger fotografou o rack que se configura em um lugar especial que representa a história de suas aquisições de Heavy Metal que formam uma coleção pela qual ele tem muito carinho e que, segundo ele mesmo, foi bastante trabalhosa de montar:

Imagem 12: Vista frontal do Rack. Imagem 13: Um dos Fonte: Arquivo pessoal de Gerson. compartimentos aberto, mostrando parte da coleção. Fonte: Arquivo pessoal de Gerson.

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Imagem 14: O outro compartimento aberto, mostrando o restante que compõe a coleção de Gerson. Fonte: Arquivo pessoal de Gerson.

Questionamos ao Gerson porque ele começou a cantar. O vocalista do Primordium afirmou que “uma banda é a materialização do sonho de qualquer cara que curte som” e nos contou resumidamente como ele se tornou vocalista de Metal.

Meu desejo era ser baixista, mas, por ironia do destino, em 96 eu comecei a estudar canto gregoriano... gostei. Fiquei até 2000, que foi quando eu saí do coral de canto gregoriano para cantar numa banda de Death Metal... tudo a ver! O escroto é que, uma coisa que eu levo do gregoriano pro Metal é que, quando você canta em coral, você usa o diafragma e eu canto Death Metal usando o diafragma. (Gerson)

As bandas que Gerson citou como sendo suas favoritas são: Mercyful Fate, King

Diamond, Judas Priest, Iron Maiden, Kreator, Megadeth, Morbid Angel, Nile,

118

Amorphis e Rotting Christ. Podemos perceber que, como Gerson nos relatou, seu gosto dentro do Metal é bem diversificado, pois, dentre suas favoritas, ele nos cita bandas de

Heavy Metal tradicional, Thrash Metal, Death Metal e Black Metal. Além disso, sabemos que sua coleção de CDs e DVDs é composta pelos mais variados subestilos do

Metal.

Sobre o visual, Gerson costuma usar camisa preta e calça ou bermuda no dia a dia, preferencialmente camisas de banda. Nos shows ele comentou que costuma incluir mais alguns itens. Ainda sobre a questão do visual, o entrevistado afirma não ligar muito pra isso, porém acha que o visual headbanger é essencial nas mulheres, podendo ser um pouco deixado de lado pelos homens, no sentido de que os homens não devem levar tão a sério a questão do visual, usando somente o básico e não se preocupando, por exemplo, em deixar o cabelo crescer somente pelo fato de ser headbanger. No que se refere à religião, Gerson afirma estar entre o agnosticismo e o ateísmo.

 Wolfera

Imagem 15: Wolfera. Fonte:

Arquivo pessoal de Wolfera. 119

Wolfera é o apelido do heabanger sul-mato-grossense chamado Kleyber.

Wolfera tem 25 anos e também reside em Natal há bastante tempo. Atuava como baixista do Primordium até o início de 2013. Quando realizamos a entrevista, o headbanger ainda era encarregado do baixo na banda Primordium e sua entrevista foi realizada no Whiplash Bar, em conjunto com o vocalista da referida banda, Gerson.

Ele também nos relatou sua história de encontro com o Heavy Metal, que transcreveremos aqui, de forma literal, assim como as anteriores:

Eu tinha 8 anos de idade, mais ou menos, minha irmã mais velha tinha uma coleção de uns 40 vinis de música erudita... eu ficava escutando aquilo ali... pirralho, brincando, enquanto ela tava estudando alguma coisa. Daí, o namorado dela levou um CD do Angra, o Angels Cry. Se eu falar que foi outra coisa, não foi, foi Angra...51 os caras fazem aquelas coisas que lembram música erudita. Os solos lembram aquelas coisas de violino, mais Paganini da vida. Daí ele me mostrou o Theatre of Fate, do Viper, daí quando eu escutei, o bicho até leva um pedacinho de alguma coisa... leva Moonlight Sonata na introdução e tal, tinha o Allegro inacabado... Daí eu falei: Cara, esse é o som que eu quero pra mim! Quando eu via os motoqueiros, os shows de Metal, eu achava bonito... Daí, quando eu escutei, aí pronto! Fui conhecendo mais bandas, banda mais pesada, foi o Kreator e Slayer... aí eu: Porra! Isso é bem melhor! Aí quando eu escutei Canibal Corpse, eu falei: Não, é isso que eu quero pra mim! Quando eu conheci o Death Metal, aí pronto! Passei boa parte da minha vida, até agora, escutando Death Metal. (Wolfera)

O interesse inicial de Wolfera pelo Heavy Metal se deu por influência do seu contato anterior com a música erudita. Muitas pessoas especulam sobre a relação estreita existente entre o Metal e a chamada música erudita, pelo fato de as duas músicas

51 Wolfera aprecia mais os estilos ligados ao Metal extremo, principalmente o Death Metal e o Grind. Angra é uma banda brasileira famosa por tocar Metal Melódico que, muitas vezes, é rechaçado por fãs do Metal mais extremo. Por esta razão Wolfera fala que começou a ouvir Metal a partir do Angra desta forma: “Daí, o namorado dela levou um CD do Angra, o Angels Cry. Se eu falar que foi outra coisa, não foi, foi Angra...”, querendo dizer com isso, que sua iniciação no meio do Metal não foi com bandas que ele considera boas, hoje em dia. 120

serem bastante trabalhadas e também por serem preferência de certo tipo de elite cultural. Os apreciadores de música erudita, assim como os de Heavy Metal, consideram seu gosto musical como sendo superior. Talvez, essa similaridade se dê pela qualidade e complexidade musical desses dois mundos. Vários headbangers que entrevistamos são apreciadores também da música erudita. Wolfera afirmou, na entrevista, já ter tentado sair com outra “galera” que não fosse a do Metal, porém, que só consegue se sentir à vontade em meio aos headbangers pelo fato de que, segundo ele, o nível cultural de quem ouve outros tipos de música mais populares em Natal, como forró, axé, etc. é inferior. Ele afirma não conseguir manter uma conversação que ele considere de conteúdo com pessoas dessas outras “galeras”.

Falando sobre suas preferências dentro do Heavy Metal, Wolfera nos diz que aprecia o que é mais “tecnicamente trabalhado”, como o Technical Death Metal. Suas bandas favoritas são: Necrophagist, Decaptated , Beneath the Massacre e Death. Ao ser questionado sobre como começou a tocar baixo, ele nos respondeu que, na verdade, queria ser guitarrista, por gostar muito dos solos de guitarra, porém, só se encaixou no baixo. Ele aprendeu a tocar a partir do som que ouvia e o baixo foi o que deu mais certo.

Quando Wolfera comprou um baixo, começaram a surgir convites para bandas. Ele afirma ter tocado pela primeira vez em um cover do Iron Maiden, que só tocava na garagem e nunca chegou a fazer shows. Depois de ter tido essa experiência, Wolfera resolveu que queria realmente tocar e passou a aceitar diversos convites para fazer parte de bandas de Metal. Segundo ele, isso o fez crescer como headbanger.

O primeiro contato de Wolfera com o Heavy Metal aconteceu por intermédio da música clássica, a partir de um CD do Angra trazido pelo namorado da irmã mais velha dele. Assim como os headbangers dos perfis anteriores, ele passou algum tempo ouvindo o som sozinho em casa e conhecendo melhor o estilo. Ele afirma que o que o 121

fez crescer como headbanger foi o fato de ter passado de ouvinte a executor das músicas que gostava e, mais ainda, de ter participado de inúmeras bandas, aprimorando suas habilidades como músico e passando a ter um contato mais íntimo com a esfera grupal do Heavy Metal. O “tornar-se headbanger de fato” aparece mais uma vez aí, como sendo ligado ao pertencimento do sujeito ao grupo. Em sua página do Facebook,

Wolfera disponibiliza um quadro com todas as bandas das quais já fez parte, com todos os momentos nos quais atuou como músico, incluindo nesse quadro até uma Jam.

Abaixo, o quadro feito por Wolfera:

1999-IRON WARRIOR,(IRON MAIDEN COVER) 2003-PARA-NOIAR,(HC/CRUST) 2003-DIABULLUS,(BLACK METAL) 2004-DAMNED,(DEATH METAL) 2005-SHAPE/OVERSICK,(HC) 2005-DELIGHT REQUIEM,(THRASH OLD SCHOOL) 2007-DISPLAY OF DESTRUCTION,(THRASH) 2007-SADISTIC PLEASURE,(GRIND/DEATH) 2007-THE VIOLENT NOISE OF SHIT,(GRIND) 2008-CATHARSE,(GOTHIC-PROG) 2008-DARKOLD,(GOTHIC-PROG) 2008-PUREZA GENOCIDA,(GRIND) 2009-RED LIGHT HOUSE,(ROCK'N ROLL) 2009-MANIFESTO ANTI HUMANO,(GRIND/DEATH) 2009-STOIKHEION,(PROGRESSIVE) 2010-VICTORIAN,(GOTHIC-PROG) 2010-METAL JAM UNITED,(JAM) 2010-DESECRATOR,(THRASH/DEATH) 2010-SMOKED NEURONS,(TECNICAL DEATH) 2011-PARANÓIA SATÂNICA,(GRIND) 2011-OF SINS AND LIES,(SYMPHONY-X COVER) 2011-METAL JAM UNITED,(JAM) 2011-PRIMORDIUM,(DEATH METAL) 2012-SPIRIT CRUSHER, (TRIBUTE TO DEATH)

Quadro 01 – Fonte: Arquivo pessoal de Wolfera. 122

Sobre o visual, Wolfera foi bem direto e preciso: camisa de banda e bermuda.

Ele afirma ser criticado por alguns headbangers por costumar tocar em shows vestindo bermudas, pois estes o criticam dizendo que bermuda é coisa de “pinta”.52 Ele diz não se importar com isso e continuar vestindo bermudas para tocar nos shows. Em relação à religião, Wolfera se declara Ateu.

 Hervall

Imagem 16: Hervall. Fonte: Arquivo pessoal de Hervall.

52 Pinta é uma expressão utilizada em Natal para designar malandros. O pinta natalense tem até uma espécie de tipo ideal: Está sempre usando boné, vestindo bermudas e usando óculos escuros com lentes espelhadas. 123

Hervall é um headbanger nascido no Rio de Janeiro, mas que também mora em

Natal há bastante tempo. Tem 38 anos de idade e é o vocalista da banda natalense

Comando Etílico. Trabalha como diretor de arte em uma empresa de publicidade e, como ele nos fala, em um trecho de sua entrevista, que já incluímos no tópico 1.2 deste trabalho, o Heavy Metal teve influência direta em seu direcionamento profissional.

Hervall nos contou detalhadamente como veio a se encontrar com a música pesada e transcrevemos sua fala abaixo:

Ainda na infância, acho que com 8, 9 anos, eu já era muito ligado em filmes, então as trilhas sonoras dos filmes eram sempre regadas a Rock’n Roll e sempre nos corredores daquelas escolas (nos filmes) passavam caras de jaqueta, um patch costas, um cabelo estranho. Você acaba achando que aquilo tudo é ficção, mas, um dia, com mamãe... falecida já, saudosa dona Lourdes... nas lojas Americanas aqui do Centro da Cidade, fazendo compras com ela, passando na seção de discos, tinha lá um cara exatamente da mesma forma que eu via nos filmes: cabelos compridos, jaqueta jeans, escolhendo uns discos. Esse cara, eu viria a conhecer posteriormente... é o DD Thrash, que, na minha opinião, é o marco zero do headbanger potiguar. Foi aí que eu vi que isso existe mesmo, não é só ficção, não está só no cinema. É algo que você pode viver fora (do cinema) também. Em Parnamirim, que eu morava lá na época, existia uma turma de roqueiros na escola que eu estudava e esses caras já chocavam, no melhor sentido da palavra, o ambiente. Porque eles eram diferentes dos demais... nas atitudes, nas roupas... todo mundo usava uniforme, mas eles usavam jaquetas por cima do uniforme, cabelos compridos. Eu consegui conhecer esses caras e de lá conheci as primeiras bandas de Rock pesado da minha vida. A primeira banda que eu conheci foi o Deep Purple, o álbum In Rock, e eu fiquei chocado. Eu não entendia como o Gillan fazia aquilo com a voz. Eu não entendia como um cara tocava bateria tão rápido como o Ian Paice, essas coisas... e também não entendia como aquelas músicas me tocavam tanto... Fui atrás disso em sebos. [...] Indo numa festa do boi com meus amigos, ainda nos anos 80, eu lembro que tava parado num parque de diversões eu e o Nilson, um amigo meu, de visual e tal... passaram por nós Kléberson, Ana Cláudia e Gerd. Esses dois caras, eu viria a tocar com eles no Insane Death de 1989, até 92. Eles passaram... e passaram de novo e ficaram olhando. Eu disse: Pô, esses caras devem curtir som também, o visual dos caras é muito massa! A gente não tinha camiseta de banda naquela época, as camisetas da gente eram pintadas à mão. Pegava o visual das capas e pintava. Eles já tinham camisetas elaboradas, feitas por empresas, industrializadas. E eles pararam numa dessas passagens, olharam pra nós e perguntaram: “– Vocês sacam som? – Pô, a gente saca! – Legal e tal, vamos conhecer uma turma 124

ali?” Daí a gente foi pra outro local, da mesma festa, e lá estavam cerca de 60 a 80 bangers aqui de Natal. Foi daí que eu conheci o termo headbanger, que eu soube que existia a Whiplash Discos que, além de loja de discos, era point da galera também. (Hervall)

No relato detalhado de Hervall, podemos ver como funcionava a cena Heavy

Metal natalense, em seus primórdios. Poucas pessoas vestidas como headbangers, que acabavam chocando, mais do que nos dias de hoje, os habitantes de Natal. Por serem poucos, na época, os headbangers procuravam conhecer todas as outras pessoas que gostavam do estilo para socializarem-se. Facilmente identificáveis, em um ambiente no qual qualquer diferença estética é facilmente notada. Importante notar também o hábito de pintar camisas de bandas à mão, pela falta de acesso às industrializadas. Ser identificado enquanto headbanger era uma questão importante, assim como o gosto de poder usar uma camisa que retratasse um disco que se considera precioso. Essas questões perduram até os dias de hoje. Como já destacamos, muitos headbangers, atualmente, dizem não se importar com a questão de serem identificados através do visual, que utilizam-se da estética do Metal apenas por satisfação pessoal. Talvez a questão da identificação fosse mais necessária em uma época na qual os “iguais” eram poucos, para um headbanger.

Perguntamos ao entrevistado acerca de suas principais influências. Prontamente, nossa questão foi respondida com outra pergunta. Hervall questionou se estávamos querendo saber de suas influências pessoais ou o que o influenciava enquanto vocalista.

Optamos por saber as duas coisas. As bandas que o headbanger citou como sendo suas principais influências pessoais foram: Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath, o que ele chama de “a santíssima trindade do Rock inglês”.

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Eu venho de uma escola inevitavelmente setentista, pela época que nasci e pela época que comecei a ouvir. Então, a santíssima trindade do Rock inglês está na minha pele, nas minhas entranhas. Como influência de voz, eu não nasci vocalista , até hoje, eu não sou vocalista. Eu dou uns berros, os meninos acharam legal, e eu tô lá. Falando sério, eu me formei como baterista, aprendi a tocar legal e decidi cantar, largar as baquetas e ir lá pra frente, porque todas as bandas que eu tocava, os vocalistas eram muito estáticos. Era aquela coisa... 30kg de chumbo em cada pé e ninguém se movimentava... eu ficava muito chateado com isso. Quando eu chegava em casa, dos shows, ia assistir fitas VHS, shows de bandas que eu gosto e via que os vocalistas extravasavam... e muitas vezes eles nem eram grandes vocalistas, não tinham uma voz aveludada, mas tinham técnicas maravilhosas. Decidi trocar as baquetas por um pedestal. Nesse sentido, (de influências) ninguém foi tão avassalador quanto o David Coverdale e o Whitesnake. [...] Nunca fiz aula de canto, não quero fazer. Eu não sei cantar, eu acho que eu nunca vou aprender a cantar, mas eu não quero perder o que eu já sei... que é a fúria necessária que um cara tem que ter num palco quando tá lá na frente. (Hervall)

Pode-se ressaltar aí, mais uma vez, a questão do exercício de ser músico. Até a performance, extrapolando a questão da técnica, faz parte da ascese praticada pelo músico. Todo músico tem sua ascese, independente do estilo que toca, mas, tornar-se músico de forma não profissional, não objetivando lucrar com essa atividade – porém, tratando esse hobby de forma profissional, incorporando toda uma ascese que vai da performance à técnica – somente no intuito de realizar-se tocando a música que gosta de ouvir e, ao mesmo tempo de colaborar com o funcionamento e manutenção da cena local, pode ser visto como exclusividade do Heavy Metal.

Hervall relatou que iniciou sua vida de músico tocando bateria. Sobre como começou a tocar, ele nos falou que, por volta dos 8 anos de idade, brincava com um amigo, com uma bateria improvisada por ele, feita com tonéis, galões de tinta e um tambor de água. Ele tomava conta da bateria, enquanto seu amigo o acompanhava em um instrumento feito por eles a partir de um braço de violão, achado no lixo, unido ao

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corpo de uma guitarra quebrada. Hervall nos falou também que montou uma banda com os amigos em 1989, quando tocaram pela primeira vez em um show de Metal.

Sobre a questão do visual, Hervall diz estar quase sempre usando camiseta de banda, jeans e um tênis surrado. E, quanto à religião, o headbanger se declara ateu, assim como os outros entrevistados dos perfis anteriores.

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Considerações Finais

Certa vez, no início da graduação, um professor que admiro muito falou para a turma algo que julgo ser de extrema importância para quem escolhe ser pesquisador. Ele disse que todos nós devíamos ter uma farpa em nossas mentes. Uma questão que sempre nos incomodasse e que orientasse o rumo de nossas pesquisas. Penso que todo bom pesquisador tem essa farpa que o incomoda e faz com que ele siga uma linha, em sua carreira acadêmica. Eu, particularmente, tive a sorte de ter a minha farpa desde cedo, sempre martelando. Acho que ela começou a surgir na metade da graduação, quando passei a ter um contato mais aprofundado com as leituras de Foucault, em um grupo de estudos sobre esse autor. A princípio, quem olhar desatentamente minha trajetória, que ainda está se iniciando, talvez não consiga enxergar a linearidade nos meus interesses de pesquisa, mas eu afirmo que ela existe, por mais esquizofrênica que possa parecer.

Posso afirmar que minha farpa tem relação estreita com a configuração das formas de resistência na contemporaneidade. Na relação entre a ética, nos termos de

Foucault, e a política. E, mais ainda, a ética vista como uma forma de política, a micropolítica, da qual Deleuze nos fala. Tudo o que se relaciona com esse movimento de construção social da realidade me fascina como questão de pesquisa. Ter trabalhado o Heavy Metal nesses termos foi algo muito prazeroso e penso que uma forma de ampliar esse trabalho pode ser utilizar-me do pensamento deleuziano. Ele teve uma participação bem discreta nesse texto, que foi necessária, porém, não foi ampliada, para que não houvesse uma perda do foco.

Nossa pesquisa poderia ter várias ampliações interessantes. A questão da religião para os headbangers poderia ser estendida. A dimensão cultual do Heavy Metal 128

enquanto prática de si esboça uma fonte de pesquisa muito rica, bem como a religiosidade dos próprios headbangers. Para tanto, estudar de forma mais específica o

Black Metal seria bastante frutífero. Outra opção seria ampliar nosso estudo focando a dimensão teórica do Heavy Metal. Fazendo uma análise minuciosa das letras dos mais diversos gêneros do Metal e apontando algumas das direções nas quais o Heavy Metal influencia na constituição do ethos dos headbangers, nos questionando quais seriam alguns desses caminhos de possibilidades de pensamento para os quais esse estilo de música orienta os seus ouvintes.

Como finalizei o texto da dissertação colocando os perfis de alguns headbangers que foram entrevistados, penso que seria interessante para o leitor conhecer um pouco do meu perfil, então, termino as considerações finais com um perfil resumido da minha história com o Heavy Metal.

 Jéssica

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Minha história de primeiro encontro com o Heavy Metal, infelizmente, não é tão bonita quanto às dos headbangers que eu disponibilizei os perfis. Meus pais não ouviam

Heavy Metal, nem meus primos mais velhos, meu irmão é mais novo que eu e começou a ouvir música pesada junto comigo. Nós dois descobrimos o Metal assistindo MTV, vimos clipes de algumas bandas que estavam na moda (coisa que geralmente não é vista com bons olhos, pelos headbangers). No meu caso, após ter contato com algumas bandas através da MTV, comecei a me interessar pelo som e a querer descobrir outras bandas, foi quando passei a ter contato, no ensino médio, com os headbangers da minha escola. Como falo na introdução, fiquei impressionada tanto com a música, que me fazia muito bem, mais do que nenhuma outra já havia feito, e com essas novas pessoas que eu estava conhecendo. Eu podia notar que elas eram diferentes de alguma forma, só não sabia explicar qual. Eu sempre gostei muito de roupas pretas e acho que tomei o Heavy

Metal como desculpa para usá-las o tempo todo. Ainda aos 15 anos, surgiu um interesse de aprender a tocar guitarra, o instrumento que mais me fascina. Porém, por não ter o instrumento em casa e poder praticar somente uma vez na semana, acabei não evoluindo e desisti. Mesmo assim, ainda lembro como era boa a sensação de tocar algumas notas de qualquer música conhecida. Hoje que posso ter uma guitarra, não tenho tempo.

Comecei a frequentar shows depois de bastante tempo e lembro-me de ter ido ao show do Deadly Fate, um dos meus primeiros, e finalmente lembro-me de ter me sentido parte do todo que representa a cena. Posso afirmar que os dois fatores que mais influenciaram na minha formação (e que são as minhas paixões) são o Heavy Metal e as

Ciências Sociais. Desta forma, unindo a minha primeira percepção em relação aos headbangers, que eles de alguma maneira eram diferentes das outras pessoas que eu conhecia, ao meu encanto com a Sociologia, resolvi fazer esse estudo para

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problematizar aquela minha primeira percepção e, ao mesmo tempo, dar a minha contribuição a cena.

Quanto às minhas preferências, costumo dizer que gosto de bastante coisa dentro do Metal. Ouço desde o Metal Melódico até as bandas de Metal Extremo, que têm sido minhas favoritas, juntamente com as de Heavy Metal Tradicional, ultimamente. Tenho uma tatuagem nas costas, com um trecho da partitura para guitarra de uma das músicas do Metallica, banda de Thrash Metal, e pretendo, futuramente, incluir novos trechos de partituras, de outras músicas, de outras bandas, em futuras tatuagens.

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Anexos:

Biografias de algumas bandas de Natal:53

Expose Your Hate:

O Expose Your Hate foi criado em julho de 1999, com a intenção de resgatar uma das principais características do cenário natalense no início dos anos 90: a existência de bandas com uma proposta musical voltada para a agressão sonora. Sua formação conta com músicos que fizeram parte de bandas locais como Insane Death,

Lord Blasphemate, Sanctifier e Hellspawn. O Expose Your Hate encontra suas referências musicais no death metal e grind core, mesclando as influências de cada membro do grupo, sem preocupar-se com rótulos ou definições pré-estabelecidas para

53 Textos retirados da internet, disponibilizados na rede pelas próprias bandas.

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sua música. Em março de 2001 e com a seguinte formação: LuZDetH (vocal), Cláudio

Slayer (baixo), Alexandre Emerson (guitarra) e Victor Fábio (bateria), o Expose Your

Hate grava sua primeira demo-tape intitulada "In god we crush" com sete composições, tal trabalho obteve uma grande aceitação dentro do underground nacional e no exterior.

Em Agosto/2002, o guitarrista Alexandre Emerson decidiu deixar o Expose Your Hate para dedicar-se a sua outra banda, o Sanctifier. Em seu lugar entrou o guitarrista

Fernando Lima (que também faz parte da banda Primordium) para dar continuidade aos trabalhos. O Expose Your Hate já teve oportunidade de dividir o palco com nomes expressivos da cena brasileira como também com os poloneses do Vader e os americanos do Incantation e Master. As letras da banda são baseadas num posicionamento crítico diante da caótica e odiosa realidade em que vivemos. Em Agosto de 2004 a banda finalizou as gravações do seu debut-cd intitulado HATECULT, que conta com 17 músicas que expressam todo o ódio interior pela hipocrisia do mundo moderno, numa catarse enfurecida através da música, sendo o cd lançado em 2005 pela

Black Hole Productions e masterizado por Mieszko Talarczyk (Nasum) no Soundlab

Studios (Suécia). Após as gravações do cd HATECULT o baterista Victor Fábio é substituído por Felipe Nolla(OUTSET, ex-NIGHTBREATH). Em maio de 2006, Flávio

França (OUSET) entra para ocupar o lugar de segundo guitarrista no Expose Your Hate.

Após dois anos trabalhando com a banda, Felipe Nolla decide deixar o grupo. Seu lugar foi ocupado por Marcelo Costa (SANCTIFIER) em Novembro/2007. Em outubro de

2009, Fernando Lima deixa a banda que volta a ser um quarteto por alguns meses, sendo seu lugar ocupado por Herman Souza (Nightbreath/Sanctifier) em

Fevereiro/2010.

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Formação atual:

LuZDetH (Vocal) Cláudio Slayer (Baixo) Flávio França (Guitarra) Herman Souza (Guitarra) Marcelo Costa (Bateria)

Disponível em: http://www.exposeyourhate.com.br/bio.htm

Deadly Fate:

Em 1990 surge a Deadly Fate, que teve sua primeira formação com Oruam (voz e guitarra), Neto (voz e guitarra), Janilson (Baixo) e Ricardo (Bateria), com o intuito de realizar um sério trabalho em cima do Heavy Metal tradicional. Neste mesmo ano teve 134

sua primeira participação em disco junto com outras três bandas Potiguares de Heavy

Metal na coletânea Whiplash Attack Vol. 1, com o lançamento de duas músicas:

"Beyond the Sea, Across the World" e "Black Helmet".

Depois de dois anos afastado do cenário Underground, a banda volta a ativa em

1993 com outra formação (Oruam - Vocal/Guitarra; Neto - Vocal/Guitarra; Franklin -

Baixo; Eduardo Banana - Teclado; Wilberto - Bateria), onde surge, no ano seguinte, sua primeira demo-tape intitulada "Outside of your World", contendo sete faixas a qual teve uma excelente repercussão em Zines, Rádios, e principalmente entre o público nacional e estrangeiro. Com essa formação, participam de outra coletânea, a "Brasil Alternativo

5", com a música "Rich In Spirit".

No final de 1995 saem Franklin e Eduardo, entrando Marcos Flávio no Baixo; formação que vem até os dias de hoje, compondo músicas no estilo Metal Melódico.

Agora em 2000, a banda lança seu primeiro CD intitulado " Shine Again ", que é resultado de uma grande evolução musical e busca inspirações desde a música clássica até as diversas inovações musicais. Gravada em seu próprio Home Studio, Shine Again conta com grandiosos corais, percussões eruditas e a grande participação do maestro da orquestra sinfônica do Rio Grande do Norte, Oswaldo D'Amore, executando os

Violinos. Deadly Fate caracteriza-se por apresentar um estilo próprio que envolve influências de várias bandas, transparecendo em suas músicas e letras uma forte poesia e harmonia com a natureza.

Disponível em:

Deadly Fate – Matérias eBiografias http://whiplash.net/materias/biografias/038641- deadlyfate.html#ixzz24XNxCw7Z

135

Comando Etílico:

Fundada em 2003 ao norte da cidade do sol, a banda COMANDO ETÍLICO é o que se pode chamar de resistência contemporânea à moda antiga. Formada pelos irmãos

David e Lucas Praxedes que aliados a Kleber Barbosa e Hervall Padilha fecham a atual formação, trazem em sua bagagem doses engarrafadas de nostalgia oitentista claramente influenciados por grupos da estirpe do STRESS, HARPPIA, TAURUS, KAMIKAZE,

SODOMA(RN) dentre outros baluartes do Heavy Metal feito no Brasil na década de 80.

Em sua adega metálica, o COMANDO ETÍLICO conta com o EP "Metal e Prazer"

(2007) e com seu Debut-CD homônimo "Comando Etílico" (2010). Vocais densos, 136

guitarra certeira e cozinha crua segundo a crítica especializada, são apenas alguns dos elementos desta banda que já é destaque no cenário underground brasileiro.

Disponível em: http://www.comandoetilico.com/site/release

Primordium:

Banda Brasileira de Death/Thrash formada em 2000 na cidade de Natal/RN por

Gerson Carvalho e Alexander Pereira (antigo baixista). Após um ano de várias modificações na formação, em 2001 a banda entra em estúdio e grava o demo-ensaio:

The Grand Elevation Of Pagan Temple, material que conta com quatro composições:

The Grand Elevation Of Pagan Temple, Bathory..s Throne, The Wings Of The Hydra

(Therion) e Soldiers Of Hell (Running Wild). No ano de 2002 a banda entrará

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novamente em estúdio, desta vez, para gravar o debut-demo The Sacred Valley Of The

Kings. Este material conta com quatro novas composições: Aton (God Of Light),

Twilight Of The Gods, The Sacred Valley Of The Kings e Osiris Tribunal; tendo toda a temática toda voltada para o Egito Antigo. Em janeiro de 2007 a banda começa a produção de seu debut-album intitulado "Todtenbuch", trabalho conceitual e baseado no

Livro dos Mortos do Antigo Egito. Este novo petardo contará com 12 novas composições e uma regravação da demo (Osiris Tribunal). A previsão de lançamento é para o primeiro semestre de 2009 via Skull Music. Material Gravado: * The Grand

Elevation Of Pagan Temple - Demo Ensaio (2001) *The Sacred Valley Of The Kings -

Demo Oficial (2002) *Todtenbuch - Debut Cd (Em processo de gravação)

Formação atual: Gerson Carvalho - Vocais Thiago Varella - Guitarra Denilton Falcão - Guitarra João Felipe Santiago - Baixo Augusto Oliveira - Bateria

Influências King Diamond, Mercyful Fate, Iron Maiden, Judas Priest, Kreator, Slayer, Metallica (old), Destruction, Sodom, Sepultura (Old) Death, Deicide, Cannibal Corpse, Nile, Morbid Angel, Vader, Obituary, Monstrosity, Incantation, Unleashed, Acheron, Hypocrisy, At The Gates, The Crown, Amorphis, Therion, Emperor, Immortal, Rotting Christ, Marduk, Dark Funeral, Septic Flesh entre outras.

Disponível em: http://www.myspace.com/primordiumbr; http://dapesadarn.blogspot.com.br/2011/12/primordium.html

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Kataphero

Dizer que o Kataphero é uma banda nova é uma meia verdade. O projeto de fato nasceu com Paulo em 2010, mas os membros já tocam, viajam, bebem, brigam, desbrigam e bangueam juntos em bandas diversas aqui e ali há mais de 10 anos.

Kataphero é efetivação dessa década de estágio e processo de amadurecimento. É a banda definitiva para os 4 caras que começaram na cena de metal natalense antes de terem os primeiros fios de barba na cara. O som é na maioria das vezes classificado como Death Metal, ou "Death Melódico" mas a preocupação da banda não está em se apegar a este estilo, mas nos sentimentos em que esse som ao mesmo tempo pesado, melódico e denso proporciona.

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Formação atual:

Paulo Henrique Santiago (Vocals/Guitar) Phelippe Melo (Bass) David Cantídio (Guitar) Rafael Borges (Drums)

Disponível em: http://www.myspace.com/kataphero

Sanctifier

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O Sanctifier teve inicio em 1989, sob o nome Intense Gore, sendo formada por

Alexandre Emerson e Victor Fábio que, juntamente com Marcos Flávio e Luiz Cláudio, criaram o núcleo do que viria a ser um nome respeitado dentro da cena Death Metal nacional. Com esta formação, em 1991, gravaram a demo-ensaio "Into the Eternal

Perversity", logo após essa gravação, a banda procurou um segundo guitarrista. Com a entrada de Julio Resende, a banda começa a ganhar projeção local, lançando assim a 2ª

DT ensaio "Pact With The Evil" em Julho de 1992. Depois de algum tempo, Julio Skull decide sair da banda e em seu lugar entra Kleberson Porpino, vindo do recém extinto

Insane Death. Foi com este line-up que adquiriram um grande status dentro da cena

Death Metal nacional, tocando com bandas expressivas da cena como: Dorsal,

Headhunter, D.C., Medicine Death, Obskure, Terrorzone, Krueger, etc. Impressionando a todos com sua música brutal e técnica, fortemente influenciada por bandas como

Morbid Angel, Immolation e Acheron. Em 1993 gravaram a demo-tape "Ad perpetuam rei memoriam", que se tornou um clássico com as músicas: Unholy Ancient Masters,

The Cycle of The Entity e Archon tõn daimõnion, logo após esse lançamento o

SANCTIFIER decidiu mudar o nome para HELLSPAWN, por achar que se encaixava mais na proposta da banda. Foi quando receberam a proposta da gravadora Grega

Molon Lave (Ancient Rites, Rottig Christ, Necromantia, Varathron...etc) de lançar a

Demo Tape Ad Perpetuam Rei Memoriam em formato 7" EP, sendo a única banda brasileira a ter lançamento naquele país. Em 1994, o vocalista Luiz Cláudio deixa a banda, logo após esse fato, a banda se desfaz, voltando no ano de 1995 e contando com

Alexandre e Marcos como membros da formação anterior. Fazem parte da banda em

1995: Mitchell Ângelo (Guitarra), Wellington Barbosa (Bateria) e Fábio Brayner

(Vocal).

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Em Maio de 1995 Gravam a DT "Hymns of Hipocrisy" com duas músicas:

Hymns of Hipocrisy e a regravação de The Cycle of The Entity. Com essa demo tape o

Sanctifier ganha bastante terreno no exterior e recebe 100% de resenhas positivas nos

Fanzines mais expressivos da cena.

No final de 1995 a banda sucumbe em uma crise interna por falta de seriedade entre os membros e Alexandre decide dar um tempo nas suas atividades. No ano 2002 a banda volta a suas atividades tendo como carro chefe o antigo nome SANCTIFIER pelo fato de uma outra banda ter surgido com o nome Hellspawn. Com a formação quase estabilizada, o Sanctifier decide contribuir com duas músicas no tributo ao Rotting

Christ. "An evil existence to rotting christ" e gravam Archon e Nom Serviam, com

Alexandre tocando as guitarras, baixo e vocal e Victor na bateria. Logo após alguns shows, Victor decide sair da banda e em seu lugar entra Paulo "The Predator" Chaffin, também não durando muito tempo, por ser músico profissional, gravando apenas o promo CDR "Zi dingir kia kanpa" que seriam as músicas do debut CD. Logo após a saída de Paulo, Alexandre recruta o amigo Rafael-Wild e grava o CD Awaked by

Impurity Rites, com 9 músicas próprias e um cover do Acheron "Thou art lord" somando 10 músicas. Esse cd despertou interesse no Japão através da Gravadora Weird

Truth sendo lançado uma prensagem de mil cópias naquele País, enquanto no Brasil a

Dyign Music se encarregou de prensar 1000 cópias também.

Formação atual:

Flávio Diabulus - ( Baixo ) Alexandre Emerson - (Guitarra) Daniel Guerra- (Vocal) 142

Marcelo Costa - (Bateria) Herman Souza- (Guitarra)

Disponível em: http://www.sanctifier.net/

Sunset Boulevard:

• Cinco cabeças destinadas a tocar Hard’Heavy e que fazem uso da música como

instrumento difusor de anseios, sempre defendendo a ideia de serem faces

visíveis no meio musical. As influências dos mais plurais estilos musicais, 143

passando do Classicismo ao Barroco, do Hard ao Rock, do Metal ao

Progressivo. É desse sincretismo que flui a linha musical do Sunset Boulevard.

Uma banda que por onde passa deixa uma marca musical e performática que não

será esquecida!

• O Sunset Boulevard iniciu os seus trabalhos em janeiro de 2005.

• Formação original: Marcelo Torres (vocalista), Phillip Cézar (baixista), Diego

Mafra e Vítor Santiago (guitarras) e Leandro Gurgel (bateria).

• Formação atual: Marcelo Torres (vocalista), Bruno Campello (baixista),

Rêmullo Costa (guitarra), Paulo Bristofem (teclado) e Matheus Medeiros

(bateria)

• O Sunset Boulevard acaba de lançar o seu primeiro álbum, A Way Of Life,

contendo 10 (dez) faixas autorais, o qual condiz com a idéia da banda no sentido

de unificar suas influências em sua música, agradando assim a uma

universalidade de gostos e apreciadores do rock. O referido fora gravado no

Estúdio Eletromusic, em Natal-RN, mixado e masterizado no Estúdio de Mattias

Reccius na cidade de São Paulo-SP, sendo prensado na Zona Franca de Manaus,

pela empresa SONY.

Disponível em: http://www.myspace.com/bandasunsetboulevard; http://zonamidia.blogspot.com.br/2012/01/entrevistando-banda-sunset-boulevard-o.html

***

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Algumas imagens sobre o Heavy Metal, em Natal:

Recorte do jornal Tribuna do Norte, da cidade de Natal, falando sobre o lançamento da coletânea Whiplash Atack Vol. I, produzida pela Whiplash Discos, na década de 90. Fonte: Arquivo pessoal de Mitchel Pedregal, headbanger que reside em Natal e coleciona todo tipo de material sobre o Metal na cidade. Também disponível no blog de autoria dele: http://rockinnatal.blogspot.com.br/

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Cartaz antigo de um show de Metal, em Natal, datado do início da década de 90. Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Slayer.

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Cartaz de um show que ocorrerá em Março de 2013, de uma banda internacional muito admirada em todo o mundo, denominada Rotting Christ. Trazer esse evento para Natal inaugura a possibilidade de crescimento da importância da cidade dentro da cena nacional, abrindo caminho para outras bandas de renome mundial fazerem shows na cidade.

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Foto do show do Viper, banda de renome nacional, ocorrido em Natal, em julho de 2012. Fonte: Arquivo pessoal de Mitchel Pedregal.

Foto da Rua Chile, onde estão concentradas algumas das casas conhecidas por

abrigar shows de Metal na cidade. 148

Peças confeccionadas pela nossa entrevistada Lucy. Na primeira imagem, um corpete de couro sintético e um cinto com uma bolsinha. Na segunda imagem, um corset e uma calça em lycra cirré customizada por ela.

149

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