Diretora: Deolinda Almeida • Atelier de Jornalismo: Imprensa nº132117 • 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Gazeta do Cenjor Passos Coelho “preso” por 18 mil assinaturas Dívidas do primeiro-ministro à segurança social mobilizam os portugueses no apoio à petição online, motivada pela violação do princípio da igualdade, inscrita no artigo 13 da Constituição, comprometendo futuro político do chefe do Governo. O documento reuniu assinaturas suficientes para subir a plenário da Assembleia da República pág. 3 Cultura País “ Passaro Sacos da Juventude” em baixa chega a ambiente Lisboa em em alta

Abril pela mão A taxa de 10 cêntimos em vigor para os sacos de plástico leves tem leva- dos Artistas do os portugueses a reutilizar mais. Unidos pág. 4 pág. 11 Sociedade Sete mulheres, sete histórias com garra págs. 5 a 10 e 16

Desporto País Academia Sem-abrigo de esgrima de Lisboa recria convivem episódios com luxo históricos da vida págs. 14/15 dos outros pág. 2 Lazer O Corpo Nacional de Escutas tem 92 anos e não pára de crescer pág. 17 Gazeta do Cenjor 2|País 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Equipas de apoio social garantem esperança diária aos sem-abrigo de Lisboa Aqui também não há “cidadãos perfeitos”

A comunidade sem-abrigo na Baixa lisboeta é extensa e fechada, sem rumo para lá do dia-a-dia em que “tudo é um problema” e a solução complexa. Contrastes de uma vida ladeada por lojas de luxo e pessoas apressadas, enquanto outros já caíram antes de morrer

FRANCISCO LARANJEIRA Francisco Laranjeira As notícias que marcam a atua- lidade nacional, os eventos que moldam o mundo, passam ao la- do de quem monta residências de cartão, feitas de mantas velhas e sujas, onde se embrulham para esquecer os problemas e prote- ger-se de uma vida sem perspe- tiva. Nas ruas da Baixa, assim co- mo nos corredores do Palácio de São Bento, “não há cidadãos per- feitos”. Essa perseguida perfeição não é uma opção para quem a vi- da se esqueceu de sorrir. Atirados para a rua, os homens e mulheres que constroem “abrigos” diários, forrados com o desperdício dos artigos de luxo das lojas exclusi- vas, fazem da distinta avenida da Liberdade um amplo dormitório, com refeitório, ginásio e escritório. Apesar das janelas ao lado re- velarem tendências com “preços sob consulta”, os sem-abrigo de Lisboa alimentam-se pela mão vigilante das instituições de so- Não é difícil passear pela avenida e encontrar exemplos de pessoas carenciadas e dependentes lidariedade e do que conseguem amealhar durante o dia. Segundo forto’ levanta logo diversas bar- é uma população heterogénea e uma vez que não temos como pro- rias de sucesso é uma tarefa com- o último censo, realizado em 2013, reiras.” as equipas vão traçando os pla- var a veracidade das informações plicada. Afinal, o que é ou até que são 852 pessoas na capital portu- É um outro mundo, “do qual não nos de intervenção de acordo com recolhidas. Mas as doenças men- ponto podemos considerar o su- guesa em situação carenciada, de estão dispostos a sair e a perder as necessidades de quem procu- tais e a toxicodependência estão cesso de um caso? Um ano, cinco, todas as idades, sexo e problemas. a ‘sua’ liberdade”, refere a jovem ra ajuda”, frisa, enquanto aplaude no pódio das causas, certamente”, fora da rua?”, sublinham os cuida- Na Baixa não se consegue calcu- assistente, de 25 anos, que acom- a criação recente da Unidade de lamenta a jovem assistente. dores mais experientes. E surge o lar exatamente quantos fazem da panha há seis meses a comunida- Atendimento à Pessoa Sem-Abri- exemplo de um dos idosos mais zona histórica lisboeta residência de sem-abrigo residente nas zo- go, no Cais do Sodré. Adaptar estratégias carismáticos da Baixa. “Aceitou ir mas a sua presença é impossível nas antigas lisboetas. A equipa de O mundo dos sem-abrigo é fe- e ritmos para um lar, após anos de insistên- de passar despercebida. apoio na qual está integrada tem chado, por proteção própria, des- Enquanto se prepara para mais cia e consequentes recusas. Até ao O apoio prestado pelas institui- mais de uma década de experiên- confiança inata e também alguma uma noite de acompanhamen- momento é um sucesso mas não ções é essencial na vida dos ca- cia, tal como outras instituições vergonha de quem não tem a vida to nas ruas da Baixa pombalina, temos de todo certeza que não o renciados. Mas não é menos do que operam na Baixa. “Todos os nas mãos. É difícil quebrar a bar- a equipa de apoio sabe que não voltaremos a encontrar neste ou que um nó górdio. “A resistência a meses, existe uma reunião com reira que a miséria provoca. A ci- existe uma agenda certa. “O nos- noutro local novamente a pedir uma verdadeira ajuda, para alte- todas as equipas que fazem inter- dadania mostra as garras quando so dia-a-dia é sempre inesperado, esmola”, frisam. rar a situação atual, é a maior di- venção na cidade, aqui é feita dis- o medo da queda do outro a inco- pois estamos aqui para responder “As caras já são conhecidas, ficuldade”, explica uma assistente tribuição de casos para que não moda e até pode passar ao lado. às pessoas. O nosso ritmo é o seu nem mais nem menos. Não se no- social no terreno, que se prefere haja trabalho sobreposto”, lembra. Aqui nesta comunidade nin- ritmo. A nossa zona de interven- ta que tenha aumentado o núme- manter na sombra, como aliás os guém se sente como cidadão e ção é um local privilegiado, de- ro de sem-abrigo. Vão mudando sem-abrigo, que não abdicam da Quem não tem a vida procurar as origens deste círcu- vido ao movimento de serviços e de local, ‘desaparecem’ durante espessa máscara perante estra- nas mãos lo vicioso é uma tarefa complexa. turistas”, refere a assistente social. uns meses mas posteriormente re- nhos. “Em regra, os sem-abrigo Para as diversas equipas “o objeti- “As causas são muitos diferentes. Apesar de algum sentimento de gressam”, lembram, à medida que estão dispostos a satisfazer ape- vo é comum e articulado, melho- Muitos recusam explicar o moti- impotência, as comunidades de so- a noite fria vai caindo e é hora de nas as suas necessidades básicas, rar a qualidade de vida de quem vo que os levou para a rua. Se pu- lidariedade social trabalham nas ir para a rua dar o que se pode a que passam pela alimentação, co- está na rua.” No entanto, todos dermos definir um traço comum zonas históricas de Lisboa com di- quem nada tem. Porque, até ver, bertores, alguma medicação no sabem que não há fórmulas per- a grande parte dos sem-abrigo é o nâmica, embora as recompensas desistir é uma palavra que ficou local de pernoita. Qualquer ação feitas. “O trabalho com pessoas alcoolismo, embora qualquer es- sejam muitas vezes curtas, face aos esquecida no dicionário das as- que envolva sair da ‘zona de con- é extremamente complexo. Esta tudo estatístico seja pouco viável, obstáculos diários. “Falar de histó- sistentes sociais. Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 País|3

Petição online pede contas ao primeiro-ministro Serviço Nacional de Saúde sob o olhar de dois enfermeiros Passos Coelho com “Pensinhos rápidos” futuro tremido numa ferida aberta Indignação popular soma assinaturas e poderá promover dicussão na AR. O escândalo com as Salvam a vida dos outros, são elementos de coesão no todo dívidas à segurança social tem deixado a sua mancha hospitalar, mas a desmotivação e a revolta invadem os no Governo e pode marcar o debate quinzenal de amanhã profissionais de enfermagem que se sentem desvalorizados recolha de dados que apontava pa- face à responsabilidade dos seus longos dias Francisco Laranjeira, ra valores não pagos entre 1999 e DR Luís Neto 2004, dá conta das respostas de Pe- Alexandre de Oliveira e Ricardo Sobral dro Passos Coelho, que afirma nun- ca ter sido notificado e que pagou “Era um café curto, por favor”, pe- O futuro do primeiro-ministro Pe- cerca de quatro mil euros da dívi- de ao empregado de balcão en- dro Passos Coelho pode ir a deba- da de forma voluntária. quanto tira o casaco. Vida de en- te na Assembleia da República, de- “Não sou um cidadão perfeito”, fermeiro é assim, desdramatizar e pois de uma petição online ter reu- reagiu, três dias depois, Passos Coe- recuperar de mais um turno, que nido mais de 18 mil assinaturas, na lho e acaba por envolver o ex-pri- começou às 22h30 e terminou às sequência do escândalo contribu- meiro-ministro José Sócrates na po- 08h30, na Unidade de Cuidados tivo do líder do Governo. lémica ao afirmar “nunca ter usado Intensivos de Gastro e Hepatolo- “Venho pela presente, e na quali- o lugar para enriquecer”, numa alu- gia. Não quer revelar a identida- dade de autor e primeiro signatário são à investigação que levou à de- de “porque não pediu autoriza- da petição, solicitar a V. Exa., aten- tenção preventiva do antigo secre- ção aos superiores hierárquicos dendo à simples expressão numé- tário-geral do PS, que continua no e também porque a matéria é de- rica da indignação que grassa pelo estabelecimento prisional de Évora. licada”, mas os seus sete anos de país, que tome esta petição mere- António Costa, líder da oposição, experiência hospitalar em Lisboa cedora da sua melhor atenção, bem veio a público falar pela primeira deram-lhe grandes desafios diá- como que promova o seu registo e vez sobre o tema referindo que o pri- rios e um desencanto crescente. apresentação para debate na casa meiro-ministro tem “usado e abu- Já Joana Pestana não teve a mes- cujos destinos superiormente orien- sado da imunidade política” que o ma sorte. Aos 23 anos, a recém- ta”, são as palavras de Luís Moreira, “senhor Presidente da República lhe -licenciada em enfermagem está mentor da iniciativa e militante do ofereceu”, realçando o “dever de ex- desempregada apesar das múlti- Bloco de Esquerda, à presidente da plicação” do chefe de governo. No plas candidaturas, sem resposta. Assembleia da República, Assunção entanto, aguarda resposta às per- O que os separa (trabalho) é me- Esteves, o que poderá comprometer guntas entretanto enviadas pelo PS nor do que os une (uma degra- o futuro político de Passos Coelho. para tirar “ilações” sobre uma even- dada condição profissional) num A legislação estipula que “qual- tual tomada de posição. Já antes o mercado com falta de liquidez e quer petição subscrita por mil cida- antigo candidato à Presidência da muitas necessidades. dãos é obrigatoriamente publicada República, Manuel Alegre, instigou Hoje com 31 anos, o enfermeiro nal de Saúde (SNS) para ambos os lógica por parte de pacientes e, em Diário da Assembleia e quando António Costa a “exigir a demissão no activo sentiu os primeiros cor- enfermeiros. por isso, as suas reclamações não subscrita por 4 mil é apreciada em do primeiro-ministro”. tes salariais logo em 2011, altura reflectem a realidade mais dura. plenário da Assembleia da Repúbli- No passado dia 4 é lançada a pe- da chegada da troika em Portu- Recursos VS qualidade Para o profissional de saúde ca”, pelo que as mais de 18 mil assi- tição online intitulada “Demissão gal. No ano anterior decidiu com- Quem está no terreno diariamen- que vive em contexto hospitalar, naturas recolhidas, legalmente de- imediata do primeiro-ministro Pe- prar casa, graças ao acesso facilita- te convive com “a diminuição da “existe um tipo de utente com di- verão merecer a atenção dos depu- dro Passos Coelho” dirigida ao Pre- do ao crédito e ao facto de conci- qualidade dos serviços prestados ficuldades financeiras fruto da cri- tados com assento na Assembleia. sidente da República que, dois dias liar, na altura, dois contratos – um à população”, fruto de uma “ges- se económica, que não podendo A petição tinha originalmente co- depois, ultrapassava já as 4 mil as- num hospital público e outro num tão mais criteriosa” da medicação aceder ao sistema privado nem mo destinatário o Presidente da Re- sinaturas. Entretanto, Cavaco Silva lar privado. Uma vida trabalhosa, e dos tratamentos atribuídos aos suportar os custos das taxas mo- pública, Cavaco Silva, mas a adesão comenta o caso pela primeira vez mas sem grandes limitações… até pacientes. “Havia casos em que os deradoras e dos exames comple- dos portugueses, indignados com afirmando ter recebido explicações 2014. Aos 150 euros retirados do médicos investiam em pacientes mentares chega ao hospital numa estas dívidas à segurança social, do primeiro-ministro e associando seu salário desde 2011 acresce no- no fim de linhacom medicação e situação limite”. Neste quadro, a deu-lhe outro peso ao escrutínio. o tema às “lutas político-partidá- vo corte de mais 150, para além procedimentos invasivos dispen- resposta dos técnicos clínicos é Assim, a sede do debate residirá nas rias” da campanha eleitoral para de uma redução até 50% nas ho- diosos para o erário público. Ago- limitada , já que “num contexto comissões parlamentares compe- as legislativas deste ano. ras de qualidade. ra, as equipas ponderam os cus- de doença tratável torna-se difí- tentes, que têm 60 dias para apre- Na passada sexta-feira, a petição Para responder aos encargos, tos das terapêuticas que estavam cil reverter a situação”. sentar um relatório com propostas contava já com 10.500 assinaturas, candidata-se também à Unidade a ser implementadas e dos meios Joana Pestana já tomou a de- das medidas julgadas adequadas. no dia em que PS e PCP acusam o de Técnicas de Gastro e ao Ser- complementares de diagnóstico. cisão. Vai emigrar para Inglater- Dez dias de polémica primeiro-ministro de não ter res- viço de Gastro que, por falta de Por outro lado, houve uma dimi- ra e ter o apoio de amigos lá. Já A notícia lançada pelo jornal “Pú- pondido a várias das questões que pessoal, procuravam enfermeiros nuição dos cuidados prestados de- oficializou a sua inscrição nosi - blico” no dia 28 de Fevereiro sobre lhe foram dirigidas por cada parti- dos diferentes serviços do hospi- vido à falta de material, alguma te Nurses and Midwifes Council, as dívidas do primeiro-ministro à do. À hora de fecho do jornal, a peti- tal. “Faço um horário de 40 horas medicação que escasseia e pelas um organismo semelhante à Or- Segurança Social, com base numa ção contava com 18.131 assinaturas. semanais e depois tenho por mês barreiras das farmácias hospita- dem dos Enfermeiros. Aguarda a DR cinco ou seis turnos de 12 horas lares a determinados tipos de pa- aprovação da entidade para po- (cada um) de prevenção para re- cientes”, acrescenta o enfermeiro der concorrer em qualquer hos- ceber praticamente o mesmo que lisboeta. pital do Reino Unido. Por cá, o en- recebia em 2007 (quando só tinha O tipo de perfil dos utentes tam- fermeiro da UCI de Gastro e He- as 40 horas semanais e as horas bém mudou. Entre Janeiro e Ou- patologia também ponderou en- de qualidade).” tubro de 2014, o Observatório Na- contrar outras oportunidades fora Esta sobrecarga horária que cional da Violência contra os Pro- do país, mas tem esperanças que procura compensar a “grande ca- fissionais de Saúde recebeu 477 a situação melhore, embora não rência” de enfermeiros nos servi- queixas. Os números representam a “médio e longo prazo”. ços, o aumento das taxas mode- um aumento de 136% em relação Por enquanto vai ficando por cá, radoras e o “desinvestimento nos às queixas de 2013, cuja maioria num país em que gosta de viver e cuidados de saúde primários que foram injúrias, ameaça e pressão com o qual se identifica, mas te- leva às urgências casos que custa- moral, difamação e violência físi- me que nos próximos tempos só vam menos aos contribuintes se ca. Para muitos enfermeiros a to- haja “pensinhos rápidos” para os resolvidos atempadamente” reve- lerância sobrepõem-se ao descon- problemas que vão surgindo dia- lam debilidades do Serviço Nacio- forto da violência verbal e psico- riamente no SNS”. Gazeta do Cenjor 4|País 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Introdução da taxa ambiental para os plásticos leves Portal de registo Usar o sol “Saco, precisa?” e acender a luz Em , cada um de nós usa 466 sacos de plástico por ano durante cerca de 25 minutos. É esta a vida útil estimada num contexto de 100 mil milhões de sacos Joana Filipa Freitas por ano na Europa e de um milhão por minuto no mundo Os interessados em produzir elec- tricidade a partir de sistemas re- nováveis de energia podem, des- de ontem, segunda-feira, 9 de março, registar-se no portal da Direcção Geral de Energia e Geo- logia (DGEG), declarou em des- pacho o director-geral desta en- tidade. O novo regime de produção de electricidade é menos burocrá- tico e permite aos consumido- res de electricidade tornarem-se Reportagem uns quantos de casa. Até os meus escolhem as promoções com que aplicação da taxa em Portugal seja menos dependentes dos comer- pais se estão a habituar a fazê-lo”, enchem o carrinho de compras. similar em termos de resultados cializadores de electricidade, uti- Joana Filipa Freitas lembra Carina, à medida que Na caixa o operador questiona práticos e de encaixe financeiro à lizando por exemplo, pequenos No Minipreço do Largo do vai introduzindo um pacote de se precisam de sacos. “Hoje teve situação irlandesa em 2002.” sistemas de energia solar. Num Calhariz, corredores estreitos muesli, três latas de conservas e que ser, já que são as compras modelo de autonconsumo, em e atolados de prateleiras com alguns vegetais no “seu” saco. do mês...aqueles que havia lá Ganha o grande retalho que, neste caso o sistema solar, comida, bebida e afins, a maior Para esta técnica de análises por casa não chegam”, admite a Para Isabel trata-se de uma produz para satisfazer as neces- parte dos clientes que passam de só existe uma desvantagem. professora universitária, enquanto visão de negócio. “Ora, não nos sidades de consumo da residên- produtos na mão são estrangeiros. “Como usava os sacos leves ajuda o marido. iludamos. O Governo não vai cia, do estabelecimento comer- Amélia é moradora, reformada para o lixo, agora terei de gastar Isabel não se importa de arrecadar praticamente nada. cial ou da indústria, o consumi- nos seus 75 anos e está a fazer as dinheiro em sacos para o efeito”, suportar este custo. “Há que ter A taxa aplica-se aos sacos leves dor torna-se mais eficiente pois compras quinzenais. “Tenho de afirma, soltando uma gargalhada consciência ambiental e praticar e o mercado deixou, pura e passa a utilizar uma fonte inesgo- pedir dois sacos. Deram-me um provocadora. A mudança de o princípio do poluidor-pagador. simplesmente, de tê-los. Na tável, económica e não poluen- [saco] gigante mas se o encher comportamento regulamentada Temos feito um esforço para ir Irlanda, a utilização de sacos leves te. “O autoconsumo e a eficiência não aguento com o peso dele”, desde meados de Fevereiro deixando no carro alguns sacos decresceu cerca de 90% aquando energética são faces da mesma desabafa, por entre o retinir da nasce de protocolos europeus. e também tenho um na mala da introdução desta medida. É o moeda”, considera Cláudio Mon- máquina registadora, atrapalhada “Em Julho de 2014, a Quercus e para quando faço compras mais que acontecerá cá. Na realidade, teiro, professor da Faculdade de com o ritmo do operador de caixa. a Associação Portuguesa do Lixo pequenas, mas às vezes esqueço- são os super e hipermercados que Engenharia da Universidade do Os produtos vão-se Marinho (APLM) entregaram me”, confessa a professora de 50 ganham, alargando a oferta ao Porto (FEUP). acumulando no tapete e a aos vários grupos parlamentares anos. “É uma questão de hábito. consumidor de outro tipo de sacos Tomando como exemplo uma irritação de Amélia cresce. “Esta na Assembleia da República, Daqui a pouco já ninguém se e o que cobram é lucro para a residência cuja potência contra- medida é absurda. Já viu que uma proposta com várias fases, lembra da taxa e passamos a ver empresa. As empresas produtoras tada são 10,35 kVA e que se con- terei de pagar 20 cêntimos por que ia muito de encontro às de sacos de plástico leves é que somem 5.619 kWh, podem pou- dois sacos que talvez não durem metas do Parlamento Europeu. A desejada sairão penalizadas. Enfim …terão par-se cerca de 340 € na factu- muito tempo? Os sacos grandes Essa proposta passava pela de inovar e reinventar-se”, remata ra anual de electricidade aravés não servem para mim porque redução gradual do uso de redução dos Isabel. da instalação de quatro painéis ando a pé pela calçada e tenho sacos de plástico, num processo resíduos de Gilberto acena com a cabeça fotovoltaicos de 250 W, os quais de subir escadas até ao terceiro de quatro anos para o grande enquanto passa o cartão garantem a produção de 1.522 andar. O Bairro Alto não tem retalho (de 25% no 1º ano, até plástico no multibanco e espera pelo recibo. kWh. O retorno do investimen- elevadores.” O gesto da sua mão 100% de redução no 4º ano), ao “É isso. Acima de tudo está a to do equipamento ficaria asse- marcada pela idade, não deixa mesmo tempo que a população ambiente salubridade do ambiente e a gurado em oito anos. margem para dúvidas sobre o seu era devidamente informada da responde maior parte das pessoas não Em Portugal estão instalados descontentamento. progressiva aplicação desta taxa”, perde conforto ao substituir 27.342 sistemas de micro e mi- A desejada redução dos explica o investigador João Frias. à medida um saco leve por um...pesado”, niprodução solar dos quais 2.996 resíduos de plástico no ambiente, A escala desta medida adoptada conclui com o trocadilho, em Lisboa. notória desde 15 de fevereiro, ultrapassa os desconfortos enquanto guia o carrinho das A abertura do Sistema Electró- responde à medida adoptada do quotidiano. “O flagelo pelo Governo compras apinhado de sacos nico de Registo de Unidades de pelo Governo no âmbito da ambiental que o plástico no âmbito da multicores “reutilizados”. Produção (SERUP) disponível no revisão da Fiscalidade Verde. representa, nomeadamente a A medida agora apresentada sítio da internet da DGEG, aces- “O principal objetivo desta taxa sua acumulação nas praias e revisão da pelo Governo teve um apertado sível através do endereço www. ambiental resulta de um apelo nos oceanos [...]é um problema período de adaptação ao novo dgeg.pt, permitirá aos interessa- feito pelo Parlamento Europeu global, que tem forte expressão Fiscalidade quadro legal. E a Quercus dos formular os pedidos de regis- à União Europeia, em Janeiro de local e que tem impactes directos Verde sublinha algumas “falhas” desde a to ou apresentar meras comuni- 2014, no sentido de reduzir [...] o na vida marinha, na pesca e ausência de “uma forte campanha cações prévias. plástico que chega à orla costeira no turismo, com reduções de troiles originais a desfilar nos de sensibilização da população”, e aos oceanos, o denominado lixo milhões de euros em curtos super e hipermercados”, refere explicando a importância marinho” esclarece João Frias, espaços de tempo, como alguns Gilberto, engenheiro mecânico de ambiental da redução do uso investigador do MARE, FCT-UNL. estudos nacionais e internacionais 54 anos, sorrindo para a pessoa dos sacos de plástico bem como sugerem” acrescenta. atrás de si. a advertência atempada aos Adaptação de gerações Este desincentivo ao consumo retalhistas, evitando a aquisição Carina Pisco tem 33 anos e está Princípio do e à oferta de sacos descartáveis de “elevadas quantidades de sacos habituada a gerir a azáfama poluidor-pagador deu resposta às preocupações descartáveis em 2014”. típica de final do mês e do rally O parque de estacionamento da Quercus tal como referem E como estímulo para a de carrinhos de supermercado lotado prenuncia uma enchente Carmen Lima e Rui Berkemeier mudança de hábitos acresce da grande superfície da Calçada ao Continente de Massamá em nota de imprensa. E João que as receitas geradas por esta Bento da Rocha Cabral. Antes Norte. O casal Andrade tem Frias esclarece ainda: “Esta taxa contribuição ajudam as famílias e que lhe perguntem se precisa de ar domingueiro tal como a permite criar um fundo para o ambiente, porque são alocadas algum saco, retira da sua mala, generalidade das pessoas melhorar a gestão de resíduos, para reduzir o IRS das famílias um de ráfia da marca concorrente. presentes. Isabel e Gilberto, nomeadamente de resíduos em 2015 e para a protecção da “Acho que esta lei vai permitir ambos de fato de treino, deslizam sólidos. Cabe à Associação natureza que se ressente de 300 reduzir drasticamente o consumo descontraídos pelos corredores Portuguesa do Ambiente (APA) anos de rasto deste poluente tão de sacos de plástico. Trago sempre luminosos. Passo-a-passo fazer esta gestão para que a banalizado. Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 País|5

Emigração jovem em crescente Há mar e mar, há ir… e não voltar

Europa, África e Médio Oriente, eis os destinos de três jovens portugueses que emigraram à procura de um futuro prometedor. Uma geração sem bilhete de regresso, que só leva uma certeza na bagagem: abraçar a aventura de uma vida melhor

muito tempo fora. Sinto falta da Mariana Figueiras minha família, dos meus amigos, São 6h30 em Rødøy, na Noruega, aniversários e do Natal… da co- e estão 5 graus. Soraia Baptista, 25 mida… do cheiro do peixe a gre- anos, sai de casa para o trabalho lhar na rua lá em Sesimbra.” Vol- que começa às 6h45. “Não está tar para Portugal ainda não es- muito frio”, diz, afinal, os termó- tá no seu horizonte. “Gostava de metros chegam facilmente aos 30 investir no meu país, mas o nos- graus negativos no Inverno. A ne- so objectivo é viajar e encontrar ve já não cai, mas a paisagem ao um sítio quente e que tenha boas longe está coberta de branco, ain- condições de saúde. Para já, só da que algumas montanhas dei- de férias em Portugal.” xem à vista o castanho da terra A distância que separa Lisboa neste pequeno município. e Mayotte é atenuada pelas novas Na fábrica onde trabalha, a tecnologias e pelas encomendas sua tarefa é descascar camarão das mães que aconchegam a bar- “o mais rápido que conseguir”, riga e a alma. “Do que sentimos porque ganha ao quilo. O traba- mais saudades é da família, dos lho termina às 15h30. Quando há amigos e da comida”, diz Nuno. vieiras, é ela a responsável pelo E Raquel lamenta: “Para além de transporte dos bivalves e o dia es- ir à praia, aqui não há nada para tende-se até às 22h. E tem, ain- fazer”. Nuno aproveita para fazer da, aulas de norueguês. kayake , jogging ou slackline. Tal Soraia e Jorge Marcelo, o seu como o que acontece com Soraia namorado, voaram para a Norue- e Jorge, ir ao cinema ou sair à noi- ga em 2012 para não mais voltar. te deixaram de fazer parte do dia- “Não foi fácil, tinha borboletas na -a-dia destes jovens. barriga nos primeiros dias”, ad- “Todas as dificuldades vale- mite, “mas valeu a pena.” ram a pena. Neste momento não “Vivemos no meio da Norue- pensamos em voltar para Portu- ga, temos que apanhar um com- gal, porque não íamos conseguir boio do aeroporto à cidade mais construir esta vida a três com a próxima. São cerca de 14h. Lem- mesma qualidade”, conta Nuno. bro-me de olhar para a Lua, já de No Dubai, a vida promete-se madrugada e pensar que podia entusiasmante. Mas nem sempre nunca mais ver parte da minha é assim. “Aqui existem maiorita- família. Chorei. Estava com me- riamente pessoas da Índia, Pa- do do que tinha ficado para trás quistão ou Bangladesh. São cul- e ainda mais do que estava para turas muito diferentes da minha, vir. O que me acalmou foi pen- acabo por não fazer assim tantas sar que tinha o Jorge ao meu la- amizades e sentir-me um pouco do”, conta. sozinho.” Francisco ainda não sa- A principal razão porque deci- Nuno e Raquel em Mayotte, Soraia e Jorge na Noruega e Francisco no Dubai fizeram uma aposta be se volta daqui a dois, a cinco diram sair do país foi o sistema de de vida longe de Portugal ou a dez anos. “Sei que um dia saúde. “O Jorge tem uma doença vou voltar. Mas não por enquan- crónica e, para nós, é uma prio- O dia começa às 6h30 para Nu- dade, as pessoas, os olhares, as à meia-noite e termina às 10h. to. Já vivi tanta coisa … a baga- ridade. Sabíamos que aqui não no (em Portugal são mais três ho- diferenças… sentia que estava só Já de manhã, apressa-se a tirar o gem cultural e intelectual que nos ia faltar nada, enquanto em ras), que faz fisioterapia ao domi- de passagem. Só no dia seguinte uniforme e vai para a praia. Por esta experiência me proporcio- Portugal se morre nas urgências cílio até às 14h. Raquel fica a tomar é que me apercebi que ia ficar lá, as temperaturas rondam os 28 na faz com que todos os dias va- à espera de atendimento…” conta de José, o primeiro filho do seis meses sem voltar a casa e graus no Inverno e podem chegar lham a pena.” casal, e à tarde os papéis invertem- que aquela seria a minha nova aos 40 no Verão. A saudade mesmo assim esprei- A praia aqui ao lado -se. A decisão de terem sido pais vida”, recorda. A falta de condições monetá- ta, quando se lembra “da comida Nuno Barreiros, 27 anos e Ra- é uma consequência desta esco- rias foi determinante para a sua portuguesa e, especialmente, da quel Tavares, 30, partiram há já lha. “Queríamos começar uma vi- partida. “Sou muito independen- óptima comida dos pais.” dois anos para Mayotte, uma pe- da em conjunto e ao mesmo tem- “Se tivesse te. Ficar em casa dos meus pais Todos estes jovens emigraram quena ilha entre Moçambique e po economizar algum dinheiro, e e depender deles para tudo não para destinos que não fazem par- Madagáscar. São ambos licencia- sabíamos que em Portugal não era tido uma era uma opção. Mas se tivesse tido te do conjunto de países de emi- dos em fisioterapia pelo Institu- possível fazê-lo”, explicam. oportunidade uma oportunidade em Portugal, gração mais procurados. No topo to Superior de Ciências da Saú- Francisco Motta mudou-se em não tinha vindo”, explica. dessa lista estão o Reino Unido, a de Egas Moniz e antes já tinham 2013 para o Dubai. Tem 26 anos, em Portugal, Suíça e a Alemanha. E Francisco emigrado para França – o que tor- viveu toda a vida em Lisboa on- não tinha As saudades moram cá e Soraia fogem às estatísticas que nou a integração mais fácil, uma de esperava permanecer. “Cresci Para Soraia, viver em Rødøy é revelam que a maioria dos jovens vez que o francês é a língua ofi- a pensar que ia arranjar um em- vindo”, “exactamente como nos dese- que emigra é qualificada. cial de Mayotte. prego para a vida, no meu país. nhos animados da Heidi.” A sua A emigração portuguesa atingiu Aqui, as temperaturas rondam Mas quando acabei o curso [de desabafa casa está emoldurada por mon- números que ultrapassam o má- os 30 graus e a humidade é pró- fotografia] apercebi-me de uma Francisco tanhas, vales, fiordes, água e as ximo histórico registado nos anos pria de um país tropical. “Onde realidade bem diferente”, diz. Um renas passeiam à porta. Ocupa o 60, em plena guerra colonial. Os é que viemos parar? Isto é África dia a oportunidade bateu-lhe à Francisco é assistente de em- tempo a pescar e passear pela na- últimos dados do Relatório Esta- no seu estado mais puro… África porta. “Foi a decisão mais difícil barque numa conhecida compa- tureza que a rodeia. tístico da Emigração Portuguesa que conhecemos dos filmes”, con- da minha vida. Ao mesmo tempo, nhia aérea. Acorda às 22h30 e de- Mas nem tudo é fácil e mági- - realizado pelo Centro de Inves- tam. E acrescentam: “Mas apai- a falta de emprego em Portugal mora cerca de 30 minutos de car- co, como as auroras boreais que tigação e Estudos de Sociologia xonamo-nos logo pela paisagem, não me deu alternativa.” ro (que comprou orgulhosamen- vê com frequência. As sauda- (CIES) do ISCTE-IUL, mostram o calor…” Os casacos e os cache- Umas semanas depois estava te com as suas poupanças) até ao des apertam. “É incrível do que que em 2013 saíram do país cer- cóis ficaram em Portugal. no Dubai. “O movimento da ci- aeroporto. O seu turno começa se tem saudade quando se está ca de 110 mil portugueses. Gazeta do Cenjor 6|Mundo 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Uma ucraniana na Moita “Sou de lá e sou de cá”

Iryna Schevchyshyn tem o coração dividido entre Portugal e a Ucrânia. Apesar de viver na Moita há 13 anos, esta estudante de Comunicação sente saudades da sua primeira casa, dos avós que por lá ficaram e da neve. Mas agora Portugal é também a sua casa

DR Marta Silva pais estão sempre a arranjar formas Conflito de ajudar os soldados de lá, sem- Alta, loira com traços típicos de Les- russo-ucraniano pre a angariar dinheiro para com- te, Iryna tem apenas 23 anos, mas já O confronto entre ucranianos prar roupa. O meu pai inclusive re- tem muitas estórias para contar. Des- e russos arrasta-se há cerca novou uma carrinha velha e man- contraída, até no cabelo apanhado de dez meses e já morreram dou-a para a Ucrânia para ser útil na e no pullover informal, compreen- cinco mil pessoas na Ucrânia. guerra.” Iryna também se junta aos de-se que é uma cidadã do mun- Em Minsk procura-se uma progenitores nas iniciativas e todos do e que a sua nação não é apenas solução diplomática para os meses enviam roupa, luvas e cal- uma. Aos 10 anos deixou a Ucrânia o conflito mas o cessar-fogo çado especial que consiga suportar e rumou para Portugal. Iryna fala ainda não foi cumprido em as baixas temperaturas. entusiasmada sobre as memórias todo o país. No entanto, o Para além das tradições, ficam na que guarda da sua terra natal. “Fiz próprio nome do território memória as histórias contadas pela lá a primária. Lembro-me da minha (Ucrânia significa fronteira ou família. Em especial, uma história da casa e que as aulas eram exigentes, confim) mostra que o país bisavó polaca e do bisavô ucraniano mais do que cá. E sinto falta da ne- procura a sua identidade, já que, durante a 2º Guerra Mundial, ve, dos meus avós, dos gelados.” MARTA SILVA que esteve sujeito a vários se viram obrigados a fugir da loca- A mudança foi um grande choque, domínios ao longo da sua lidade onde viviam por se tratar de mas a deslocação de pátria simboli- história. Começou por ser um um território disputado já na épo- zou um novo nascimento. “A cultu- estado polaco-lituano, depois ca pelos russos. E, apesar de todo o ra era muito diferente e, como cresci pertenceu à Rússia dos Czares, drama, Iryna sente orgulho nos bi- na Ucrânia, tinha lá todos os meus ao Império Austro-Húngaro e ao savôs que deram a volta por cima e amigos e quando cá cheguei não co- Império Otomano. Sob o regime quando chegaram a um novo territó- nhecia ninguém nem sabia falar a soviético voltou a ser um todo, rio ucraniano construíram uma casa língua.” Ainda que esteja longe, a es- mas apenas aparentemente. de barro onde viveram até morrer. tudante não deixa de mostrar o seu A Ucrânia Ocidental está mais “No dia em que os meus bisavôs apoio pelo país de origem que neste ligada à Polónia e a herança iam fugir, uns vizinhos iam também momento vive um conflito “muito austríaca enquanto que na com eles. A minha bisavó estava a sentido por todos os ucranianos” e zona russófona há uma clara acabar de costurar um casaco para que parece que não finda. Para Iry- ligação à Rússia. a minha avó, que tinha 2 ou 3 anos, na “o cessar-fogo não está a ser cum- mas como era uma altura perigosa, prido nem vai ser porque existe uma em que cada minuto contava para a guerra acesa que não terá um fim Tal como viveu a manifestação xe muito com os sentimentos.” Para A mãe confeciona alguns pratos sobrevivência, esta disse aos amigos para breve”. de Kiev, Iryna também vive com Iryna “as pessoas ainda não se recu- ucranianos como o borsch, uma so- vizinhos para irem andando primei- A aluna de Ciências de Comuni- preocupação o actual conflito peraram da quebra da União Sovié- pa típica de coloração vermelha, ou ro. Eles saíram passado meia hora, cação procura marcar presença nas tica e já estão a sofrer outro conflito o perohê, uma espécie de pastel. E o com a minha avó já com o casaco iniciativas dos seus compatriotas co- pessoas. Esse dia foi repleto de sim- por parte do país que, supostamen- pai, por vezes, surpreende-as com novo. Iam sempre por florestas e por mo na recente cerimónia para hon- bologia. “O que eu senti foi um es- te, devia ser um aliado.” produtos de Leste, desde rebuçados, bosques, evitando as estradas prin- rar a centena de mortos que houve panto porque nunca tinha partilha- uma variante de trigo, vodka, pick- cipais. Ao passarem numa floresta nas manifestações de Kiev, há preci- do uma coesão tão grande na minha Tradições e les, tudo sabores tipicamente ucra- viram toda uma família enforcada samente um ano. Na cerimónia, a es- vida. Viam-se os mais novos a cons- memórias vivas nianos. Mas a mãe já não resiste às em árvores. Eram os vizinhos que tudante e cerca de 50 ucranianos reu- truírem barreiras de proteção contra Iryna fala com especial carinho influências portuguesas. “Hoje, a saíram meia hora mais cedo.” niram-se junto do Padrão dos Desco- os guardas e os mais velhos a servi- sobre as tradições que os pais lhe comida que da minha mãe é uma Esta viagem ao passado familiar brimentos, com bandeiras e fotos dos rem chá e sandes para os mais no- transmitiram e sobre os adereços mistura da comida ucraniana com arranca-lhe um “Slava Ukraini!” jovens falecidos. Iryna diz com algu- vos porque na altura estavam me- que dão vida à casa e a fazem sen- a portuguesa, já não tem uma ori- [Glória à Ucrânia], mas é em Por- ma tristeza que “já passou um ano e nos de 30 graus”. tir-se como se estivesse num lar gem específica de lá nem de cá. Usa tugal que já criou outras raízes. “Não ainda ninguém foi responsabilizado”. Tal como viveu a manifestação de ucraniano. “Desde a bandeira, às os pratos de um lado com truques voltaria, esta agora é a minha casa!” E já no ano passado, a comuni- Kiev, a estudante também vive com flores amarelas e azuis, aos qua- de outro.” Apesar do mergulho que faz nas fé- dade ucraniana se reuniu para ho- alguma preocupação o conflito que dros e aos bordados típicos.” Para Caracteriza os pais como patrio- rias ucranianas frequentes, Iryna não menagear as vítimas no mesmo lo- decorre atualmente na Ucrânia. “As os seus pais é fundamental a tele- tas, sublinhando o esforço destes pa- consegue dizer se o seu coração é cal. Mas dessa vez, Iryna estava na pessoas quando saem do seu país visão estar ligada em canais ucra- ra ajudar o seu país, sobretudo o pai mais amarelo/azul ou mais verde/ manifestação original em Kiev on- ficam mais patriotas e tudo aquilo nianos. “Os meus pais estão sem- que quer ir no Verão para a guerra, vermelho. “Considero-me ucraniana de se mobilizaram cerca de 200 mil que acontece no país de origem me- pre a ver as notícias locais de lá.” já tendo até a mala feita. “Os meus e portuguesa, sou de cá e sou de lá.”

Mais uma cidade histórica atacada Estado Islâmico arrasa património

Filomena Silva pré-islâmicas do Museu Mosul. -Baghdadi, é um movimento que bia Saudita e do Qatar, como for- lamic State of Iraque and Syria). A ONU anunciou que 28 mil ocupa grande parte do território ma de atacar a Síria. Mais de 60 países ou Estados Nimroud, uma cidade histórica pessoas fugiram da cidade de Ti- do Iraque e da Síria onde se aplica A maioria dos militantes são uniram-se numa coligação pa- do norte do Iraque começou a ser krit, a 160 km da capital, Bagdad, uma versão extremista da lei is- árabes das comunidades do ra lutar contra o EI. A maioria, destruída pelo Estado Islâmico na onde as forças governamentais lâmica. Todos os não-sunitas são Iraque e da Síria e muitos es- incluindo Portugal, fornecem passada quinta-feira, com recur- lançaram uma ofensiva contra o perseguidos e o movimento atua trangeiros. Estima-se que exis- apoio moral e logístico. Os jiha- so a bulldozer. Os ataques ocorre- Estado Islâmico (EI). Ainda não é como um estado autoritário. As tam ainda cerca de 2500 tuni- distas promovem ataques contra ram uma semana depois de ter si- possível “medir a amplitude dos origens do grupo não são claras, sinos, 500 britânicos e 100 ci- os países do ocidente, principal- do publicado um vídeo que mos- danos” , segundo fontes oficiais. mas há indícios de que tenha si- dadãos americanos. O grupo mente aos que fazem parte da co- trava a destruição de esculturas O EI, liderado por Abu Bakr al- do formado com o apoio da Ará- prefere a sigla inglesa ISIS (Is- ligação internacional. Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Sociedade|7

FILOMENA SILVA Mulheres desempregadas mais dependentes da relação conjugal Íntima violência

Para a socióloga Joana Patrício existe uma ligação estreita entre a decisão de terminar uma história conflituosa ou violenta e as condições económicas individuais

“Estudem ou escolho-vos um marido”, diziam os pais de Dinasvari Joana Filipa Freitas panheiro violento, atrasando a namentos conflituosos ou vio- saída de casa. No entanto, o mo- lentos assumem como pressu- As estatísticas apontavam para um mento da decisão, é demarcado posto uma relação de poder, de Dinasvari Lacmane, engenheira biofísica número significativo de casos de pela saturação por parte da vítima uma ou de ambas as partes. E assédio sexual a mulheres mais seguido de um pico de violência, tem vindo a aprofundar esta teo- jovens e atos de violência física e ou seja, quando o agressor bate ria, estudando casos em jovens, Mulher, hindu sexual a mulheres adultas e casa- pela primeira vez à frente dos fi- para fundamentar a sua reflexão das. O ‘Inquérito Nacional sobre a lhos, quando é agressivo com as no tema da violência nas rela- e independente Violência exercida contra Mulhe- crianças ou quando sente a sua ções de intimidade. res e Homens’ da Comissão para a vida em risco. Para a socióloga é difícil afir- Cidadania e Igualdade de Géne- mar onde são mais frequentes os ro (CIG), foi o mote para a inves- O poder da agressão atos de violência: se em relações O casamento pode ter sido adiado, mas permanece tigação de Joana Patrício na área Neste contexto, o extrato social hetero ou homossexuais, se em o sonho de gerir uma escola própria que defenda da violência e género. “Como fa- determina em absoluto a toma- mulheres ou em homens. Porém “a cultura e a língua indianas em paralelo com zia parte da equipa, usei os resul- da de decisão da mulher sujeita a está certa de que “as mulheres o ensino português” tados de entrevistas a mulheres e violência, sendo que, com o cres- falam mais e aceitam mais facil- desenvolvi uma tese de mestrado cimento do desemprego têm-se mente denunciar à polícia que Depois, somou o curso de ope- Filomena Silva dedicada à violência sexual femi- constatado mais casos de mulhe- são vítimas. Por vezes, o orgulho ração e instalação de sistemas in- nina. No fundo, contei a história res dependentes da relação con- masculino impede-os de falar”. Manhã quente de Inverno à espreita formáticos realizado na Comunida- da Eva e da Maria: a Eva anda na jugal, sublinha a socióloga. O V Plano Nacional de Preven- junto à Quinta Pedagógica dos Oli- de Hindu de Portugal. Distinguiu- rua sujeita ao assédio sexual por “As casas de abrigo podem ção e Combate à Violência Do- vais, encontro marcado no centro -se dos demais e foi convidada para parte dos homens e a Maria está ser uma boa solução mas não méstica e de Género 2014-2017 comercial. O cheiro das castanhas leccionar matemática, com habi- em casa, cuida dos filhos eé siste- resolvem o problema” refere ain- (V PNPCVDG) sob a coordena- paira no ar. “Adoro castanhas”, con- litação própria. “Dava explicações maticamente agredida pelo mari- da. Existem 37 casas de abrigo ção e monitorização da CIG, a fessa Dinasvari Lacmane, engenhei- gratuitas de matemática aos miú- do”, explica Joana Patrício, numa em Portugal e muitas estão lotadas qual tem um vasto trabalho nes- ra biofísica, 39 anos, em Portugal dos do bairro e, com o tempo, foram analogia às diferenças entre a vio- porque as mulheres levam tam- ta área, prevê cinco áreas estra- desde 1984, exilada de Moçambi- aparecendo mais cursos na Comu- lência na rua e em casa. bém os filhos. Apesar de terem si- tégicas num total de 55 medi- que. Trinta anos depois, continua nidade. Aceitei e o meu gosto pela O crime de violência domés- do criadas vagas de emergência, das. ‘Quem te ama, não te agri- dividida entre duas culturas, a cul- matemática foi crescendo e nunca tica assume proporções bastan- tenta-se que a vítima seja acolhida de!’ é a nova campanha contra tura indiana e a ocidental, “uma in- mais larguei esta área. Ensinar ma- te mais graves, “Habitualmente, por familiares ou amigos. a violência no namoro e advém decisa” porque não sabe escolher temática é a minha paixão!” no caso de agressão no femini- Para Joana Patrício, os relacio- das direcrizes do V PNPCVDG . uma delas “de uma vez por todas, Em 2006, abriu uma empresa no, a mulher deixa de trabalhar JOANA FILIPA FREITAS a 100%.” de construção de espaços verdes, porque o homem a obriga. Nes- Reconhece as plantas pelos no- em sociedade com um dos seus sas situações, fica em casa com mes científicos e o azevinho e a azi- irmãos, e mais tarde lançou-se na os filhos tornando-se totalmen- nheira são as espécies que mais a área da formação com um centro te dependente. Por outro lado, fascinaram e que jamais poderá es- de explicações e de estudos. “Neste quando há lugar a denúncia, as quecer. “Eu tenho uma paixão pela momento tenho muitos miúdos a autoridades não retiram imedia- flora portuguesa natural. Qualquer quem posso cobrar o mínimo e às tamente o agressor de casa”, diz a planta por si própria não é impor- vezes posso não cobrar nada, mas socióloga, referindo que ainda há tante, mas sim o seu lugar na socie- são pessoas que eu sei que necessi- grandes lacunas legais para pro- dade das plantas. Em fitossociologia tam e não tem apoio. Eu posso fazer tecção de vítimas nesta situação que é a sociologia das plantas reve- a diferença na vida deles.” particular. la-se esta leitura e este tipo de ni- Em casos extremos, o crime de chos é que é interessante investigar.” O melhor de dois mundos violência doméstica termina em A família é oriunda de Diu, na Ser uma mulher independente no homicídio, sendo que, em 2014 fo- Índia. Tem cinco irmãos e é a mais seio da Comunidade Hindu em Por- ram registadas 40 mortes e desde velha de três irmãs. Veio para Por- tugal garante aos dias de Dinasvari o ínicio do ano cinco. tugal poucos anos depois da inde- a complexidade de escolhas apa- pendência de Moçambique. “Quan- rentemente contraditórias. Desemprego do viemos, eu tinha 8 anos, quase Na tradição hindu, quando a mu- e dependência que estávamos a ser empurrados de lher casa, passa logo a pertencer à A socióloga Joana Patrício con- um sítio para o outro mas não nos família do marido e é nela que sur- duz as sessões de inquérito à porta fez diferença, desde que os nossos gem as prioridades como cuidar da fechada. “Só eu e o entrevistado”, pais estivessem connosco… fomos casa e dos sogros. “Os nossos pais reforça, num tom calmo e sereno. viver para uma barraca, lá se passa- sempre nos disseram: estudem mas A seguir estuda o caso e acerta o ram 15 anos, e foram os melhores não chumbem, porque se chum- guião das perguntas viáveis. “Não tempos da minha vida”, confessa. barem eu escolho-vos um marido.” consigo ultrapassar determinadas Estudou cinco anos na Universi- Dinasvari chegou a pensar em ca- barreiras impostas por elas [mu- dade de Évora e descobriu que mais sar. “Encontrei a pessoa da minha lheres entrevistadas]. Aceito o que uma vez essa saída da sua zona de vida”, conta. Mas a família do rapaz me dizem e não peço mais infor- conforto lhe fez bem. “Quem é de não a aceitou por ser uma mulher mação por se tratar de um assunto culturas fechadas ou vive em am- independente. “Fui a primeira da demasiadamente íntimo”, esclare- bientes muito rígidos, terá uma ex- minha casta a entrar para a faculda- ce. “Quando o caso é muito difícil periência fora do comum.” Candi- de o que fez com que muita gente tento sempre puxar pela positiva datou-se a arquitectura paisagística, pensasse que era mais dificilmente mas por vezes as pessoas choram e mas foi a engenharia biofísica que manipulável. Sempre quis estudar não é nada confortável”, confessa. a recebeu. “Escolhi um curso pró- e ter um casamento, mas sinto que A investigadora, entende que ximo do ambiente por considerar falhei nessa parte porque gostaria para uma mulher com filhos, é A investigadora Joana Patrício adverte para o sofrimento das crian- que era nessa área que eu poderia de mostrar que é possível ter am- muito mais difícil deixar o com- ças no seio de uma relação conjugal violenta e desregulada fazer alguma diferença no mundo.” bos”, sublinha. Gazeta do Cenjor 8|Sociedade 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Empreendedorismo Carla Fernandes, o Exército no feminino “Aqui o desemprego Anatomia de uma é sinónimo mulher de armas de luta”

Mariana Figueiras Longe de ser um sonho, o Exército surgiu por acaso, como tudo na vida de Carla, A ideia inicial era fazer sabonetes para uso próprio, mas seis meses que confessa que até agora nunca fez o que tinha planeado. Nestes cinco anos depois já domina o processo de pro- como militar “o tempo tem passado a voar” e a oficial até anseia por outras dução e as vendas impuseram-se. “Continuo a achar que é um hobby. missões mais exigentes É algo que me dá muito prazer fazer FILIPA BERNARDO e se puder aliar o prazer a ganhar algum dinheiro... óptimo!” Filipa Bernardo Durante décadas na área da con- Começou por tentar a sorte na For- tabilidade, decide fazer uma licen- ça Área, mas não passou nos psi- ciatura aos 50 anos, “porque era um cotécnicos. Depois chegou a su- sonho de sempre e não tinha tido gestão familiar de ingressar no essa oportunidade em mais jovem”. Exército e na preparação para as Quando os filhos já estavam autó- provas físicas percebeu que não nomos, Maria Alves achou que era teria qualquer dificuldade. “Às ve- “a altura certa”. E também porque a zes, acho que fui um desperdício nível profissional sentiu “a necessi- no atletismo”, ironiza. dade de ter uma licenciatura” para Carla Fernandes, natural de poder ser técnica oficial de contas. Gueifães, na Maia, tem hoje 30 Mas a vida deu uma volta inespera- anos e licenciou-se em Recursos da e o desemprego bateu-lhe à por- Humanos. Não conseguia empre- ta numa idade em “que ninguém go na área, apenas estágios não responde à chamada”. remunerados, esteve desempre- Fruto da sua motivação e da ne- gada durante dois anos até que cessidade de criar “coisas suas” tem decidiu procurar alternativas. Fez apostado no estudo, na aprendiza- a recruta em Agosto, em Vendas gem e uma nova oportunidade no Novas, e o que lhe “custou mais mercado de trabalho. E os seus sa- foi habituar-se ao calor”. “O meu bonetes até lhe dão direito a aro- cabelo mudou de cor, tornei-me Carla Fernandes vive há cinco anos em Queluz, mas gosta de bons passeios na baixa lisboeta mas no ar. “Quis saber como é que ruiva por ter o cabelo queima- se faziam sem a utilização de quí- do... Apanhei logo um escaldão têm que estar numa tenda à par- uma mulher tenente-coronel e litares que morreram num incên- micos industriais, uma vez que é no pescoço”. te, nunca podem tomar duche no existem militares do sexo femini- dio nos idos de 60”. um produto que está directamente No seu pelotão houve uma de- mesmo sítio, há sempre essas es- no que integram as tropas espe- O novo Estatuto dos Militares em contacto com a nossa pele. Co- sistência, no outro foram três ou pecificidades e é muito mais com- ciais, principalmente no ramo do das Forças Armadas (EMFAR) pre- mecei a aprender, a experimentar… quatro, no entanto, para Carla plicado para uma mulher ir nu- paraquedismo. No entanto, ainda vê alterações profundas no Exér- E acabou por se tornar uma forma “o que afeta mais é o psicológi- ma missão…” Mais tarde até pode há duas forças em que não há ne- cito. Carla diz que “estão a trans- de terapia. Gosto de estudar coisas co, mas se se focar num objetivo mesmo ser prejudicial na progres- nhum elemento feminino: os Co- formar o exército em função pú- novas, novas fórmulas.” e quiser as coisas, aguenta-se a são de carreira, visto que, quan- mandos e as Operações Especiais. blica” e apesar de concordar com Quando o retorno aos primeiros parte física”. Recorda esses tem- do são obtidas as mesmas classi- “Eles têm orgulho nisso, e dizem algumas medidas como “subirem sabonetes se tornou positivo abriu pos da recruta com nostalgia, em ficações nos testes, o desempate mesmo que uma mulher nos co- por mérito”, discorda veemente- portas para um novo projecto, “por- que se criou um “grande espírito é feito através dos louvores e das mandos: nem pensar!” mente de outras, como os 22 dias que também é uma forma de ocu- de união e camaradagem”, já que missões realizadas. de férias. par o tempo e a mente. O impor- hoje o quartel é “um trabalho nor- O facto de as provas físicas se- Trabalho de Equipa Realça que um militar está de tante é não parar e não baixar os mal, a diferença é a farda militar”. rem diferentes, com outros valo- Em Julho de 2012, um incêndio serviço 24 horas. “Se nós formos braços”. E até estudou o processo res, cria mais desigualdade entre devastou a zona de Tavira du- chamados não podemos recusar, químico da saponificação que se Ser mulher num homens e mulheres no Exército. rante quatro dias. O Regimen- estamos disponíveis 24 sob 24”, en- dá pela reacção química de um hi- mundo de homens “Eles dizem que as flexões são em to de Artilharia Antiaérea 1, ao quanto “os funcionários públicos dróxido (como a soda cáustica, por Foi em 1992 que ingressaram as maior número para os homens qual pertence Carla, enviou aju- não fazem isso e até podemos ter exemplo) com uma gordura. “Essa primeiras militares do sexo femi- porque para eles é mais fácil, mas da imediata para a fase de rescal- a mesma entidade empregadora gordura pode ser de origem animal nino no Exército Português. Se- também dizem que é mais fácil os do. Estava num casamento em mas o que fazemos é completa- (como é feito na indústria) ou, se- gundo dados apresentados pela abdominais para as mulheres do Santo Tirso quando foi convoca- mente diferente”. gundo algumas lendas, até humana. Revista Militar, em 2009, regis- que para os homens… Então por- da para auxiliar no combate às Carla confessa que o que gos- No meu caso, só uso gordura vege- tou-se o maior número até à da- que é que as mulheres não têm chamas, com a máxima urgência, ta menos no exército é quando os tal: azeite 100% virgem, óleo de co- ta do efetivo feminino, 3209, ou maior número de abdominais?” o que a obrigou a percorrer os seus superiores “confundem as co ou óleo de amêndoas.” seja 18%, um marco significativo - questiona a militar. cerca de 700 km da forma mais funções e usam o seu posto para Obtida a base de glicerina (à qual de evolução em contraste com os Nas relações entre as mulhe- rápida possível. impor ideias”. Apesar de respeitar pode ser adicionado leite de cabra, 3,5% de 1993. Em 2011,encontra- res militares entre si, principal- “Eis uma altura em que tive a hierarquia e a responsabilidade leite de coco ou óleos essenciais, vam-se no ativo 2520 militares do mente entre subordinadas e su- mais orgulho em ser militar”, so- dos oficiais que “têm que planear”, dependendo da função refrescan- sexo feminino. periores, também se verificam bretudo pelo contacto com a po- até porque “se alguma coisa cor- te, hidratante, desinfectante de ca- Passados 23 anos, a luta pela disparidades. Carla fala de uma pulação local. Devido à experiên- re mal, a culpa é do graduado e da sabonete), adiciona um coran- igualdade entre géneros nas for- capitã que “era mil vezes pior pa- cia, chegou a ponderar trabalhar o graduado assume essa culpa”. te alimentar (para evitar alergias) ças armadas trava-se diariamente. ra as mulheres que para os ho- na Proteção Civil. “Estava mes- Estas exigências do seu trabalho e escolhe o formato. Carla é da opinião que “a mulher mens, para os quais parecia que mo a sentir-me útil… era um alí- diário treinaram-na “a fazer a ges- “Para além do aspecto funcio- tem sempre mais algo a provar” o se derretia…” vio terem lá a presença de milita- tão de pessoas de feitios comple- nal do sabonete, também dou mui- que é “um bocado injusto, não po- Se as primeiras mulheres “anda- res, estavam gratos connosco.” O tamente diferentes”. E acrescen- ta importância à questão estética, de estar demasiado à vontade, se- vam maquilhadas, todas arranja- seu regimento tem “uma relação ta: “Não gosto daquele ambiente aos pormenores. E quero continuar não é mal interpretada, mas tam- das”, agora existe um estatuto que muito estreita com a comunida- em que se obedece só porque sim, a pesquisar outras fórmulas, outros bém se for demasiado distante po- estipula que “podem usar brincos de ao redor desde Queluz a Sin- só porque eu digo, por isso vejo ingredientes com outras funções, de criar anti-corpos”. desde que sejam pequenos e usar tra…” e, em conjunto com o mu- a minha função como um traba- experimentar outros produtos co- Ainda persiste a ideia “que as maquilhagem desde que seja dis- nicípio, fazem limpezas na Ser- lho de equipa, temos que contar mo gel de banho (que já estou a fa- mulheres se forem para uma mis- creta ou deixar crescer o cabelo, ra de Sintra. Todos os anos par- com as pessoas com quem traba- zer) e, eventualmente, cosméticos são ou algum exercício no campo se o usar amarrado”. ticipam na cerimónia no Pico do lhamos, sozinhos não vamos a la- naturais. É uma aventura!” são mais fracas, menos resistentes, O Exército português já tem Monge “em homenagem aos mi- do nenhum.” Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Saúde|9

Nuno Faria, investigador, revela origem da pandemia do VIH Doenças infecciosas A luta Viagem dos vírus continua

Stefka Dias no tempo Mariama Seidi Dias, assistente hospitalar no serviço de doenças infecciosas no Hospital Fernando da Fonseca (Amadora- Sintra), nasceu na Bulgária, Sofia, mas a A revista Science partilhou a metodologia de Nuno Faria, um investigador sua nacionalidade é portuguesa e português em Oxford que se interessa por descobrir, em amostras de o seu coração está na Guiné- Bis- sau. Aos 39 anos, formada na Fa- laboratório, indícios que ajudem a compreender a história da humanidade culdade de Ciências de Medicina da Vila Clara, em Cuba, a especia- DR Ricardo Sobral complexas de vários ângulos di- lização em Imuno depressão no ferentes, inclusive o histórico. Hospital Santa Maria, em Lisboa, “Era acima de tudo uma curiosi- Nós usamos a história para tentar trouxe-lhe uma diversificada ex- dade histórica” a motivação que explicar os resultados que temos periência diária. “O meu projeto levou o investigador português a na genética, ou para pôr hipóte- futuro essencial é conseguir um desenvolver o estudo que permi- ses, mas trabalhamos com espe- programa estável de intervenção tiu localizar no tempo e no espa- cialistas no campo, historiadores na Guiné para combater a proble- ço o início da pandemia do VIH, e médicos”. mática do VIH/SIDA que ainda vírus responsável pela doença da está longe de se controlar. O que SIDA. Sabemos agora que terá Ébola também mais me motiva é esse regresso começado na década de 1920 em localizado porque temos lá muitas dificul- Kinshasa, capital da República Mudanças históricas como a ex- dades em termos diagnósticos, Democrática do Congo, e que pansão urbana e a melhoria das em termos de terapêuticas, é um a partir dos anos 60 acelerou a redes de transportes na cidade grande desafio também para ou- sua expansão até ser finalmente de Kinshasa ocorridas na Re- tras doenças como o ébola.” identificado nos EUA, em 1983, o pública Democrática do Congo, O primeiro caso do vírus Ébola que permitiu iniciar a investiga- desde a década de 1960, forne- surgiu na região do Sudão e no ção para o seu tratamento. ceram a Nuno Faria e restante Zaire, atual República Democrá- Por videoconferência a partir equipa de investigadores novas tica de Congo, em 1976, e cerca de Oxford, onde reside e traba- interpretações na disseminação de 1716 pessoas foram infectadas. lha, Nuno Faria explica o que do VIH e consequente pande- Em 2014, voltou o surto da doença diferencia o seu estudo de ou- mia a nível mundial. Segundo e cerca de 22,5 mil pessoas foram tras investigações na área dos o investigador, “isto abre portas infetadas sendo que mais de 9 mil vírus emergentes, esses micror- para trabalhos mais aplicados. A já morreram segundo a Organiza- ganismos “que emergiram há abordagem matemática e gené- ção Mundial da Saúde (ONG). O relativamente pouco tempo, es- tica que usamos aqui pode ser (e país mais atingido pela febre he- pecialmente em populações hu- já foi) aplicada para tentar des- morrágica é a Libéria com cerca de manas”. O investigador optou por cobrir de onde o vírus do ébola 3750 mortos, Serra Leoa com cer- centrar-se naquilo que podemos surgiu e como esta estirpe se está ca de 3270 e a Guiné cerca de 1950. aprender com o estudo da evo- a transmitir”. “O ébola é um vírus da famí- lução e disseminação dos vírus, Apesar de tanto o VIH como o lia filoviridai com uma estrutura que se distingue das investiga- ébola serem “vírus que evoluem pequeníssima, de nanómetros ções focadas na cura. rapidamente e que emergiram praticamente só visível através O artigo publicado na revista de populações animais na Áfri- do microscópio, mas que provoca Science, do qual Nuno Faria é o ca Central”, Nuno Faria esclarece grandes danos nos seres huma- autor principal, abre novas por- que são poucas as semelhanças nos, através da troca dos fluidos tas à compreensão de uma das entre ambos: “Não emergiram na corporais (a saliva o sangue, o sé- doenças que continua a desafiar mesma altura e os reservatórios men). Em África, os tradicionais a ciência e a preocupar popula- animais [do ébola] são diferentes rituais fúnebres fizeram a doença ções e governos à escala global. do VIH pandémico. O modo de se propagar mais rápido, já que “É vital saber como, quando e transmissão dos dois vírus é tam- envolve o contacto das famílias “Sempre me dediquei mais a questões que me puxam genuinamente onde começou uma das epi- pela curiosidade e criatividade”, revela o cientista português bém completamente distinto”. com os corpos das vítimas mor- demias mais devastadoras da Contudo, foi graças à meto- tais infetados pelo vírus”, esclarece humanidade, que já causou 75 “Usamos a quê eles se dispersam no espaço dologia usada pelo investigador Mariama. milhões de infecções no mundo e como é que de uma epidemia português que se conseguiu lo- O observador alemão, Walter inteiro e que surgiu em popula- história para local se chega a uma pandemia, calizar a origem do actual surto Lindner, alertou no início de Fe- ções humanas no início do sécu- tentar explicar quais é que são os factores que do vírus que desde o ano passado vereiro que o número de infec- lo XX”, diz o cientista. determinam as diferentes escalas já fez mais de 9500 vítimas mor- ções poderia subir novamente. os resultados epidemiológicas resultantes de tais no continente africano, de No entanto, após retornar de uma Cruzar a genética que temos uma transmissão”, remata. acordo com o mais recente rela- viagem a Serra Leoa, mostrou-se com a história Nuno Faria acredita que o seu tório da Organização Mundial de esperançoso: “Pela primeira vez, Até publicar este trabalho, as ori- na genética, mais recente trabalho pode aju- Saúde (OMS). Nuno Faria explica estamos vendo uma luz no fim do gens do VIH continuavam pouco ou para pôr dar a esclarecer o público geral que “após uma recolha e sequen- túnel. Mas ainda há um monte de claras para a comunidade cien- e a desmistificar um tema que, ciamento genético de amostras potenciais perigos.” tífica, mesmo passados 30 anos hipóteses, mas para alguns, ainda é tabu na so- de pacientes infectados pelo Também para Mariama o sobre a descoberta do vírus. “Quis trabalhamos ciedade. “É um patógeno, tem ébola, feita no terreno desde os combate continua activo. “Neste perceber como os vírus saltam uma origem, sabemos de onde primeiros surtos em 1976, con- momento a doença está contro- de umas espécies para as outras com veio, sabemos como apareceu”, seguiu perceber-se hoje quais lada mas não significa que não e quais são os processos envolvi- especialistas acrescenta, esperando agora que são as estirpes circulantes. Isso há risco ou possibilidade de nova dos nesta adaptação dos vírus aos “a informação seja disseminada”. foi importante para desenhar a epidemia. Por isso temos todos novos hospedeiros”, explica Nuno no campo” Compreender a dispersão de vacina que está a circular na Ser- que trabalhar em função da pre- Faria, que tem trabalhos publica- um vírus implica cruzar dados ra Leoa e Libéria, por exemplo”. venção que é a parte principal dos sobre a evolução de outros de várias áreas e é aqui que entra Apesar de ainda não ter traba- do tratamento porque só assim vírus, como o dengue e a gripe. a ciência histórica e a curiosida- lhado directamente com o vírus poupamos vidas e dinheiro que “No caso do VIH e da gripe, vírus de do investigador Nuno Faria. do ébola, Nuno Faria não fecha será muito útil em outras tarefas, que evoluem rapidamente, [trata- “Gosto da multidisciplinaridade a porta a futuras investigações como o avanço das vacinas, ainda -se de compreender] como e por- e de tentar perceber questões nessa área. experimentais.” Gazeta do Cenjor 10|Saúde 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Joana Nobre Silva instagrammer e líder de alimentação saudável Vegan ao natural

A revista Time Out Lisboa elegeu-a uma das dez pessoas com quem jantar em 2014. Hoje continua empenhada em mostrar que ser saudável não é um bicho de sete cabeças, com a publicação do seu primeiro livro de receitas já no próximo Verão

FOTOS: DR Entrevista tenho esta visibilidade por isso; se Alexandre de Oliveira as publicações não correm bem, apago e melhoro a favor de mais Sabe que transformou as suas qualidade. fraquezas na sua maior força, O que fascina tanto as pessoas e talvez por isso, influencia na sua alimentação? dezenas de milhares de pessoas Mostro que uma alimentação com as suas publicações online. saudável, à base de frutas e Joana Nobre Silva, 25 anos, é vegetais, pode ser colorida e Licenciada em Audiovisuais e divertida. Numa dieta assim, Multimédia pela Escola Superior o consumo de frutas deve ser de Comunicação Social. Em 2013, sempre muito elevado, mas insatisfeita com o seus hábitos depois há opções igualmente alimentares, decide mudar o seu importantes como a quinoa, estilo de vida substituindo os a pitaya, o trigo sarraceno, a alimentos processados, aditivos, alfarroba, os quiabos. Sem químicos e açúcares artificiais por esquecer os alimentos sem produtos naturais. Começou por glúten, o cacau puro, as sementes partilhar os seus breakfast cups de chia, as leguminosas ou os nas redes sociais e tornou-se um frutos secos. sucesso lá fora, sendo várias vezes Os produtos que consome são citada em publicações como a difíceis de encontrar? Fitness Magazine, Complex ou a Não são tão acessíveis quanto revista Activa. os de uma alimentação dita É conhecida no Instagram por “Há sentimento quando cozinho”, confessa Joana Nobre Silva “normal”. Felizmente temos cada Felt by heart… só faz sentido vez mais lojas com produtos cozinhar se for com paixão? a leva hoje a ser seguida por naturais e é relativamente fácil Sim, claro. Acho que quando as quase 40 mil pessoas? fazer encomendas online de coisas são feitas e sentidas com Há dois anos, quando fiz essa produtos com qualidade. Mas é o coração têm outro significado. mudança alimentar, pensei que raro fazer encomendas online, as Sempre que as fazemos dessa podia inspirar outras pessoas minhas compras são feitas nos forma, são muito mais bem feitas. com a partilha da minha nova mercados e sempre que posso Eu sempre gostei de cozinhar. comida e com o meu próprio vou aos produtores. Os produtos Sempre fez parte da minha vida prazer de fotografar o que eu mais específicos como o trigo e de mim. Comecei a cozinhar ia comer… e eis os primeiros sarraceno, a quinoa, o cacau puro desde muito cedo. Agora claro posts sobre batidos e sumos. ou as sementes de chia encontro- que há sentimento quando E trabalhei sempre para ter as os em lojas de produtos naturais. cozinho. melhores fotografias. Aquele Qual é o custo de uma Na adolescência teve uma cliché que “a imagem vale mais alimentação como a sua… relação conflituosa com a que mil palavras” e que “os olhos difere muito de uma dieta alimentação (sofreu anorexia também comem” é mesmo comum? nervosa)... Mas gostava de verdade. Não, não difere. O que gasto comida? Fez sucesso primeiro lá fora mensalmente ronda os 120/130 Bom… [hesitante] na altura, claro e depois é que a imprensa euros e em comparação com que foi uma fase complicada… nacional se começou a o meu irmão, que tem uma porque via a comida como um interessar por si… alimentação dita comum, não inimigo e portanto cozinhar, É bastante normal no nosso gasto mais do que ele. O gasto para mim, nem sequer era país e, no meu caso, até talvez que eu tenho em produtos mais interessante. Não olhava para um pouco por culpa minha por caros como os frutos secos, a comida da mesma forma que partilhar sempre em inglês. Mas as sementes, os cereais ou os olho hoje. De todo! A comida “Tinha uma ainda consumia produtos de agora tenho tanto seguidores produtos sem glúten acaba por não tinha significado. Tinha uma origem animal, apenas cortei estrangeiros como portugueses. compensar os que não tenho em alimentação completamente alimentação todos os processados. O ano E emociono-me com certas carne, peixe, leite, biscoitos ou desequilibrada. Era tudo ou completamente passado decidi torna-me mensagens que recebo… de bolachas. nada. Eu e algumas amigas vegan, ou seja, eliminar todos apelo, de agradecimento, de Quais foram as alterações que sempre sofremos muito com as desequilibrada. os produtos de origem animal. insatisfação, mas sinto que são sentiu com essa dieta? imagens ilusórias de mulheres Era tudo ou Não foi como vegetariana pessoas que partilham a sua O que nós comemos é o nosso extremamente magras de um que os meus seguidores experiência. A responsabilidade combustível e, portanto, mundo da moda que faz com que nada” me conheceram, mas neste começa a ser cada vez maior… da influencia a nossa maneira de tenhamos uma percepção muito momento é assim que me defino. fotografia ao texto, porque hoje viver. Se o que se come é natural, desfigurada do corpo da mulher. Agora, a minha dieta baseia-se em dia no meio online tudo se a própria vida acaba por ser Acho que foi essa fase que “Levo isto como em ingredientes 100% naturais. sabe, se vê e se espalha. muito mais positiva e optimista. passei… de descoberta do meu um estilo de Eu não consumo produtos As críticas condicionam o seu Uma alimentação com excessos corpo e da ideia que os media e enlatados e que tenham corantes trabalho? de químicos, toxinas, enlatados a moda transmitem às pessoas vida que alio ao ou conservantes, portanto a Claro. Primeiro tento sempre e conservantes acaba por ter nem sempre é real. A minha exercício físico primeira regra é que o produto afastar-me de qualquer juízo de uma influência muito grande no alimentação era errada e fui-me seja natural e que não passe por valor e ter a consciência que é nosso cérebro. Prestar atenção ao abaixo, mas a partir daí consegui e à meditação” nenhuma fábrica. São alimentos apenas um comentário. Tento ver nosso corpo é alimentar-nos da ver a minha vida e a comida de frescos, frutas, vegetais, isso como uma boa oportunidade forma mais natural, recorrendo outra forma. leguminosas, tubérculos...tudo o para crescer… há certas imagens aos alimentos da própria terra. Quais são as suas opções que a natureza nos dá. que publico e que depois me Levo isto como um estilo de vida alimentares? Como é que começou esta arrependo. Já não gosto, porque que alio ao exercício físico e à No início, já lá vão dois anos, aventura do Instagram que sou muito exigente e, se calhar, meditação. Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Cultura|11

“Doce Passaro da Juventude” chega a Lisboa em Abril “Nós somos assim!”

Depois de “Gata em Telhado de Zinco Quente” e antes de “A Noite do Iguana”, os Artistas Unidos continuam a viagem pela trilogia de Tennessee Williams eleita por Jorge Silva Melo. Mergulho no universo nostálgico e decadente da dor de viver

JORGE GONÇALVES Reportagem João Carlos Martins Autores unidos Sobem-se umas escadas apertadas e abre-se um enorme Jorge Silva Melo armazém com uma fachada Encenador, cineasta envidraçada onde, ao fundo, Jorge e crítico, frequentou a Silva Melo aguarda os actores para Faculdade de Letras da mais um ensaio. Na secretária, Universidade de Lisboa, estão algumas peças em tradução onde integrou o Grupo de francesa do autor americano, Teatro de Letras. Em 1969, folhas de anotações, vários maços com o apoio da Fundação de tabaco, cinzeiros que vão Calouste Gulbenkian, sendo despejados ao longo da vai estudar Realização tarde, e o chá que acompanha o na London Film School, e encenador nesta longa jornada. depois passa por Berlim Demasiado pequeno para e por Milão, onde estuda conter a dimensão cénica de Teatro. Em 1973 funda o Tennessee Williams, os Artistas Teatro da Cornucópia, com Unidos abandonaram o espaço do Luís Miguel Cintra, donde Teatro da Politécnica, ao Príncipe sai em 1979. Em 1995 Real, e é frente ao rio, entre cria os Artistas Unidos, Santa Apolónia e o Oriente, que onde permanece como pousaram armas e bagagens para director artístico desde a segunda paragem no autor de a estreia de “António, “Doce Pássaro da Juventude”. um Rapaz de Lisboa”. Depois de uma “Gata em Telhado de Zinco Quente” ter feito um percurso “ao contrário” porque “normalmente, o que se faz é ter um sítio onde o espectáculo ganha uma Alexandra Del Lago (Maria João Luís) e Chance Wayne (Rúben Gomes) entre o torpor alcoólico velocidade de cruzeiro e depois e o recobro da realidade vem a digressão”, este nunca Referência incontornável teve isso. “Fizemos a ‘Gata’ dois onde nasceu para reencontrar Rodrigues tomam notas enquanto com encenação de Ana Luísa da dramaturgia dias em Viseu, seis em Lisboa, Heavenly (Catarina Wallenstein), a cenógrafa e figurinista Rita Guimarães, Teatro D. Maria II, contemporânea nas um em Leiria, um na Guarda. a namorada que deixou quando Lopes Alves avalia a enorme 2011/2012), Maria João Luís terá duas últimas décadas em Só no Porto é que tivemos 14 foi tentar a sorte como actor em mala de viagem que guarda a que abraçar “uma actriz que já teve espaços como “A Capital” representações seguidas. E os Hollywood, acompanhado de máscara e garrafa de oxigénio uma carreira, que está a ser atirada (Teatro Paulo Claro), Teatro actores estavam radiantes porque uma actriz envelhecida que foge que acompanha Alexandra Del para fora e que ainda tem hipóteses Taborda ou Teatro da tinham, finalmente, a capacidade da decadência artística através do Lago (Maria João Luís) nas suas de voltar. É uma mulher, não no fim Politécnica, o encenador de desenvolver o trabalho e não só álcool e das drogas. viagens entre o torpor alcoólico e da vida, no fim duma carreira ou revisita agora Tennessee chegar, representar, desmontar e Frente ao encenador, os o recobro da realidade. não”, sublinha o encenador. Williams. Uma aposta num voltar para casa, o que era muito protagonistas Rúben e Maria Em tom suave mas firme, dos maiores dramaturgos cansativo e, às vezes, ingrato”, João estão no momento preciso Frente a frente ouve-se um “muito bem”. Silva americanos, autor de sublinha Silva Melo. para “fazer os grandes papéis do de monstros Melo incentiva os actores nesse “Um Eléctrico Chamado A exigência do encenador é repertório que são feitos em todo Com o cabelo curto e umas pernas mergulho decadente e aposta Desejo”, “ conhecida e está sempre presente o mundo. Gostei muito de fazer de menina numas leggings pretas, na ponte que se fará com os Zoológico de Cristal”, “Estava bem e correu bem, mas ‘a Gata’ e achei que conseguimos é difícil ver Maria João Luís no espectadores. “Vocês, senhores “Gata em Telhado de Zinco é difícil fazer melhor sem ter não só uns protagonistas rosto cansado que Geraldine Page espectadores, também são Quente”, “Doce Pássaro conquistado a maturação que uma brilhantes como um conjunto de eternizou no filme de Richard chantagistas, são decadentes, da Juventude” e “A Noite carreira dá.” Um caminho diferente actores ou seja, uma Companhia. Brooks. Mas, depois do diálogo mesquinhos. A parte difícil do Iguana”. Aclamado terá o “Doce Pássaro da Juventude” E vai ser engraçado agora no inicial entre Rúben Gomes dos actores é conseguir que os na Broadway e celebrado que vai estar em cena entre 10 e ‘Doce Pássaro’ vermos quase (Chance, o prostituto) e Pedro espectadores não estejam a acusá- em Hollywood, escreveu a 14 de Abril em Lisboa, antes de todos os actores que estavam Carraca (no papel do médico los. Nós também já abandonámos sua vida nas peças e nas percorrer Portugal e chegar ao na ‘Gata’, a fazer outros papéis… que é chamado de urgência), a os amores em nome de outra peças podemos encontrar Teatro Nacional São João, no Porto, parecidos ou opostos.” actriz levanta-se da cama e quem coisa.” a sua vida, como dele em Janeiro de 2016. Os actores começam a chegar. pisa o tapete é Alexandra Del Daqui a um mês, o palco do disse Elia Kazan, um dos De capacete preto e fato de treino Lago. Como Wiiliams escreveu, Teatro São Luiz, recebe o vestido realizadores que eternizou Momento perfeito antracite, Rúben Gomes confirma “quando um monstro encontra amarrotado da actriz e o laço o universo nostálgico e de actores as suas disponibilidades para outro, um tem de ceder”. E Chance preto desfeito entre a camisa decadente no imaginário O cenário com telões que tocam os próximos dias, articulando cede, com a placidez de um jovem branca e o tronco nu do prostituto. da cultura popular do o tecto, em verdes e castanhos os ensaios com as gravações em Gregory Peck, que foi a cara que Por enquanto, Rúben Gomes século passado. florestais, e recortam o quarto televisão. Maria João Luís fuma Deus deu a Rúben Gomes, atento veste um casaco de um pijama de hotel, com cama e toucador um cigarro, enquanto acertam e reverente à explosão de uma antigo, azul-cinza, e Maria João em madeira cor de pérola e uns mais uma vez o começo da actriz que se chega à janela para Luís um robe de listas bordeau tantos dourados, será a arena primeira cena em repetição, ver o mar que, afinal, termina na e azul-marinho no qual se para Chance Wayne (Rúben seguida do primeiro acto mesa do encenador. aconchega, enquanto ouvem Gomes) e Alexandra Del Lago corrido. Ao lado de Silva Melo, os Depois de Virginia Woolf esse homem, seu encenador, (Maria João Luís). Um jovem assistentes de encenação Leonor (“Quem tem medo de Virginia que não quis que “estes” actores prostituto que regressa à terra Carpinteiro e Nuno Gonçalo Woolf” de Edward Albee perdessem “estes” papéis. Gazeta do Cenjor 12|Cultura 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Conservatório Nacional de Música em luta A idade não perdoa nem aos edifícios

Há 70 anos, no Conservatório respirava-se história, arte e notas musicais fluíam no ar. Atualmente, a história é bem diferente. Pedaços de tetos e varandas que caem, água que pinga e mofo que se acumula nas paredes deste edifício sem obras desde 1947

FOTOS: MARTA SILVA surgiu no seguimento de outras queremos poder estudar com Reportagem manifestações que, no dia 16 de condições básicas, poder Marta Silva Fevereiro, atingiram um extremo aprender sem que haja um teto e levaram a Câmara Municipal de ou chuva que nos possa cair na Durante décadas, o Lisboa a encerrar dez salas. cabeça”, explicita Ana Raquel Conservatório tem contribuído A luta pela renovação do Tavares, presidente da Associação de forma marcante para formar edifício, que completa este ano de Estudantes. E em cartazes, profissionais na área das artes. 180 anos, já é longa e antiga. “As os alunos prestaram luto às Agora, torna-se difícil assegurar condições têm vindo a degradar- salas que já não se encontram as aulas diárias. Revoltados, se, mas os alertas ao Ministério [da em funcionamento: “Rest In professores e alunos expressam- Educação] têm sido constantes ao Peace 316”, sublinhando a se através da música porque longo destes últimos 20 anos, em vulnerabilidade da escola. somente as palavras já não sucessivas direções da escola que bastam para mudar o curso da têm pedido a atenção da tutela Rota de ruínas degradação das instalações. para a necessidade de se fazerem De sala em sala, o guardião E foi essa sonoridade musical obras com alguma dimensão”, das chaves Francisco Ricardo que a comunidade escolar explica o professor e presidente vai rodando, com alguma transportou para o Largo Camões, da Associação Amigos do dificuldade, as fechaduras já a 5 de Março, onde foram dadas Conservatório, José Brandão. No perras e mostrando os tetos diferentes aulas ao ar livre. “Há fundo, todos apelam ao mesmo: abertos, as janelas sem vidros, 500 alunos por semana que ficam querem obras e obras sérias não o chão estragado e o perigoso sem aulas porque não temos apenas remendos ou obras de circuito elétrico. O funcionário espaço para lecionar… temos que maquilhagem para prevenir as do Conservatório sabe bem o vir para a rua porque não temos próximas chuvadas. percurso que faz e que salas estão uma casa para trabalhar,” revela o A ação promovida pelos em piores condições, parece professor de violino, Luís Cunha. estudantes tinha como objetivo, acostumado com o caminho e Trazer o Conservatório para a para além de alertar para com esta rota de ruínas. “De há rua não foi uma iniciativa isolada. as condições deficientes do três anos para cá, já vieram tantos Desde o início do ano lectivo, os estabelecimento, criar um cordão jornalistas e deputados… estão docentes têm chamado a atenção humano que abraçasse todo fartos de saber como isto está!” da tutela para a deterioração o edifício. Um abraço literal e O funcionário mostra o seu pesar das condições de trabalho e metafórico dado por todos os por não poder participar no abraço da qualidade de um ensino que apoiam a instituição, todos mas alguém tem de estar a proteger artístico que exige investimento. os que são #Conservatório o que ainda resta, sobretudo depois Na mesma semana, os alunos Nacional. O propósito era mostrar de os alunos terem “roubado” carregaram um caixão e fizeram a importância do edifício que os algumas chaves. Apesar de não um simbólico cortejo fúnebre estudantes consideram como a ter “muita esperança” que as contra o “enterro da música”. sua casa, um lar que não querem obras sejam feitas, confessa que No final de Fevereiro, as notas que se desmorone. “é importante que se faça alguma de música também ecoaram “Nós queremos condições, coisa”. E lamenta também o gritos de esperança e as palavras estado deteriorado do edifício, escritas nas paredes já gastas Conservatório Nacional de fundado em 1836 sob o reinado Música sai à rua depois de um abraçaram o edifício. “Temos de D.Maria II. “É uma pena, isto abraço dos seus aprendizes o direito de estudar música tem uma história fantástica, já foi e artistas. Os protestos da sem levar com um tijolo na um convento”, sublinha Francisco comunidade escolar exigem cabeça”, advertiam os alunos, Ricardo. a reabilitação urgente do simbolicamente munidos de A professora de violino, Rosa histórico edifício do Bairro Alto coletes e capacetes amarelos num Sá, lamenta as condições em que protesto à entrada do edifício labora mas sobretudo preocupa-se ao qual se juntaram professores com a impossibilidade dos alunos e pais. “Estamos em obras, se sentirem seguros. “Antigamente queremos obras, o Conservatório sentia-me segura, agora olho para precisa de obras”, sublinhavam o céu através das telhas.” numa metáfora óbvia. O alvo dos alunos é sobretudo o Ministério da Educação. “Dêem “O sonho é meu, ao Conservatório o que ele é, não o estragues” a melhor escola do mundo”, Foi com essa vontade e esperança reclamam já posicionados num numa remodelação do edifício abraço em torno do edifício. “O que a comunidade escolar, e em que queremos? Aulas! O que não geral, se reuniu, a 26 de Fevereiro, queremos? Faltas!”, gritam de à porta do Conservatório, na mãos dadas, enquanto insistem Rua dos Caetanos, e exigiu obras que “basta de ignorar a cultura”. no edifício que consideram Alguns mais corajosos usam que não tem condições para o humor como arma. É o caso continuar aberto. “O abandono de uma das manifestantes que chegou a um extremo tal que é se encontra num parapeito do impossível nós continuarmos edifício com um cartaz em que a dar aulas e os miúdos a se lê “Basta (C)RATO”. Também receberem as aulas regulares”, dentro da escola, numa parede, reiterou a professora de canto uma pequena frase alerta: “Acham Rute Dutra que já soma 15 anos a educação cara? Experimentem a na instituição. Esta manifestação ignorância”. Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Cultura|13

FILIPA BERNARDO Ópera no São Luiz Um festim judeu

Marta Silva

A ópera “Ester”, sob a direção musical de Jan Wierzba, mar- cou a abertura da temporada do mês de março no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa. A esta peça de Diogo Dias de Melgás junta-se a contemporâ- nea leitura de Sara Ross criando uma fusão inesperada de duas obras portuguesas de diferen- tes séculos. Composta em 1786 por Antó- nio Leal Moreira e apresentada à corte da rainha D.Maria, esta oratória bíblica remonta ao livro de “Ester”, esposa do rei persa Assuero. A ópera centra- -se na mensagem de um dos li- vros do “Tanack” (o equivalente judeu ao “Antigo Testamento”), no qual a rainha Ester é uma personagem central, sobretudo por ter levado o marido a revo- O Museu dos Coches despede-se do Picadeiro Real do Palácio de Belém em maio gar a lei que decretava o exter- mínio de todos os judeus. A rainha é celebrada também, Trio Arte Antiga, Coches e Jerónimos bate recordes ao longo da peça, por um coro ativo que representa o povo de Israel e comemora a tradicio- Um dia no museu nal festa judaica, o Purim. Ves- tidos de cores escuras, cantam a “Lamentação de Jeremias” Há nove meses que os museus nacionais são gratuitos apenas nos primeiros numa versão do século XVII de Melgás, agora revitalizada. Esta domingos mensais, mas os Coches ganham casa nova em Maio nova encenação da obra clássi- ca foi o mote que juntou profis- Desde 1 de junho de 2014 en- homenagem à emblemática obra mos com mais umas pessoas, vie- sionais e alunos do Estúdio de Filipa Bernardo traram em vigor os novos preços atribuída a Nuno Gonçalves, Os mos porque moramos aqui perto”. Ópera da Escola Superior de Abrem-se as enormes portas ver- de admissão nos museus e monu- Painéis de São Vicente de Fora. O Museu Nacional dos Coches, Música de Lisboa. des às 10h, e pouco tempo depois mentos da DGPC, ficando esta- que no passado era o que atraía os corredores do museu ganham belecido que o primeiro domingo Casa nova para os Coches mais público, registou 206.887 en- vida. “Agora até está calmo, de- do mês é o único em que os visi- A abertura das novas instalações tradas, um aumento relativamen- 15 anos de Monstra pois da hora de almoço há mais tantes podem usufruir de entrada do Museu dos Coches, também te às 189.088 de 2013. Por seu lado, gente”, comenta uma funcionária gratuita durante todo o dia, já que em Belém, está agendada para 22 o Mosteiro dos Jerónimos, nos logo à entrada do Museu Nacional antes todas as manhãs de domin- de maio deste ano, data em que monumentos, é o espaço mais vi- Ovelha de Arte Antiga (MNAA). Neste do- go eram livres o museu faz 110 anos. Mellissa e sitado com 807.845 ingressos. mingo é permitido aos visitantes a filha têm uma particular fasci- Choné e ingressar pela entrada principal Museus sinónimo nação pelo antigo Picadeiro Real Viver o momento deste antigo palácio dos condes de diversão do Palácio de Belém, que alberga O Mosteiro dos Jerónimos é se- homenagem de Alvor sendo o acesso regular Mellissa Tavares, 35 anos, brasilei- uma coleção única no mundo de nhor e rei de Belém, maravilha e pago ao museu feito através da ra e moradora em Lisboa há três viaturas de gala e de passeio dos com a sua magnanimidade e de- à América porta em frente ao Chafariz das anos, fez-se acompanhar pela fi- séculos XVII ao XIX, proveniente talhes desenhados na fachada e Latina Janelas Verdes. lha de 13 anos e foi aproveitar o dos bens da coroa ou proprieda- não deixa ninguém indiferente. Este edifício amarelo com pe- dia de entrada livre para visitar o de particular da Casa Real portu- Classificado como “Património dras talhadas a branco, dos finais MNAA “porque ainda não conhe- guesa e temem que o novo espaço Cultural de toda a Humanidade”, do século XVII, que tem vindo a cia”. Ambas partilham o gosto por “possa ser mais descaracterizado”. desde 1983 pela UNESCO, é um Inês Conde Rodrigues ser ampliado, esconde no seu in- “museus, palácios, igrejas, con- Neste espaço em que o doura- ponto de visita incontornável, evi- terior o maior espólio de arte dos ventos e tudo o que está relacio- do predomina e o fresco do teto dente na fila com muitos estran- O Festival de Cinema de Ani- séculos XII a XIX em Portugal e é nado com história”. se funde com as peças expostas, geiros que se aglomera às suas mação de Lisboa, Monstra, faz o mais visitado dos museus na- Mãe e filha riem-se, tiram fo- sente-se, respira-se e ouve-se his- portas. 15 anos e apresenta a partir cionais. Em 2014 teve 221.675 vi- tografias e comentam o que vão tória. “Sabes que este carro ain- Contrastando com o deslum- de dia 12, cerca de 500 filmes sitantes, segundo a Direção-Geral vendo. Uma descontração que da sai à rua nas procissões?” Nos bramento que a Igreja lança a em homenagem ao cinema da do Património Cultural (DCPC), ainda não é bem recebida pelos Coches fala-se maioritariamente quem caminha por baixo do seu América Latina e a estreia do números que se devem também funcionários que lá vão advertin- português, e apesar de haver mui- teto, nos Claustros ouvem-se filme de animação “A ovelha à mostra de exposições tempo- do com os habituais “não pode ti- ta diversidade etária, as crianças múltiplas conversas e gargalha- Choné”. rárias como “Rubens, Brueghel, rar fotografia com flash” ou “têm destacam-se naturalmente. “Ima- das, uns posam para a fotografia, O festival decorrerá em Lisboa, Lorrain. A Paisagem Nórdica do que desocupar a passagem, já es- gina-te com um daqueles vestidos outros seguram telemóveis e câ- de 12 a 22 de março, centrado no Museu do Prado” e “Os Saboias. tiveram aqui muito tempo”, mes- compridos a descer dali ao chegar maras fotográficas, existem inclu- Cinema São Jorge, mas com ses- Reis e Mecenas (Turim, 1730- mo em espaços vazios. Mas visi- ao Terreiro do Paço”, propõe Me- sive alguns selfie-sticks no ar. Há sões também em Almada. 1750)” que são o resultado direto ta ao MNAA só termina quando lissa à filha. quem se sente na relva, nas esca- Até Julho estão previstas de parcerias com produtoras pri- se chega a uma ampla sala bran- Duas senhoras septuagenárias das, nos bancos corridos no inte- umas passagens breves pelo vadas como a Everything is New e ca no piso superior, que se torna caminham de braço dado e mos- rior a toda a volta ou quem olhe Porto, por Coimbra, Portalegre, agora a UAU. Presentemente aco- pequena perante a amplitude dos tram um entusiasmo genuíno para baixo desde o rebordo do Santarém, Ponta Delgada, Gou- lhe a “FMR. A Colecção Franco seis painéis que dominam a sua nessa viagem ao passado. “Des- piso superior, em amena cava- veia e, no resto do ano, estão Maria Ricci” que estará patente parede central, onde o devoto vi- cobrimos hoje através da internet queira ou em introspeção – o im- programadas sessões progra- até dia 12 de Abril. sitante se senta e presta a devida que não se pagava, e até comenta- portante é viver o espaço. madas em vários países. Gazeta do Cenjor 14|Desporto 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Academia de esgrima histórica treina a próxima geração de praticantes Artes marciais, históricas e ocidentais

Competições desportivas, metodologias de ensino e palestras temáticas fazem os dias mais vibrantes nas salas de armas nacionais. Vestidos a rigor, os esgrimistas recriam episódios lusos com técnicas seculares dos tratados portugueses

um entusiasta da epopeia Brecha, até aqui o mestre de Reportagem portuguesa. Junta a este armas passa a capitão-mor de Luís Neto conhecimento o seu gosto pela um grupo de “soldados”, infantes, Final de tarde de terça-feira, partilha e envolvimento na arqueiros, besteiros e diversos cerca de duas dezenas de esgrima histórica como arte atores vestidos a rigor que vão companheiros juntam-se no marcial. A pesquisa, prática, vibrar em mais uma recriação Colégio Vasco da Gama, em estudo e interpretação das artes histórica. Meleças, numa das Salas de marciais históricas ocidentais Armas da Academia de Esgrima em especial as de origem Espírito de corpo Histórica, para praticarem portuguesa anima os seus dias A Companhia Livre é uma esgrima e viajarem até outro quer nas salas de armas do associação sem fins lucrativos tempo. Colégio quer no Museu Militar que tem como objetivo a “Atenção à técnica”, repete o de Lisboa. divulgação e recriação da mestre para os “mais pequenos”, história medieval. ”Estarmos já que “estes são o futuro da Um mesmo mestre juntos debaixo de uma bandeira, esgrima histórica”. Na luz fria do Ao entrar nas “caves manuelinas” vestidos de medieval, é apenas pavilhão do Colégio, o mestre de do Museu Militar mergulha-se um pretexto para estarmos todos armas Fernando Brecha dirige numa viagem pela História, juntos” realça Fernando Brecha, a Academia e estas aulas onde contada por um grupo de o capitão-mor destes “soldados” alunos e membros seniores elementos da Academia de da Idade Média. da Academia se dedicam com Esgrima Histórica. O silêncio é Este grupo dedica-se ao empenho à modalidade. interrompido pelo som metálico estudo da história medieval Em dois grupos, “os mais das espadas e das vozes que dão e renascentista da Península novos “ que estão a terminar instruções. Ibérica, quer do quotidiano o treino e os “crescidos” que Os esgrimistas evoluem entre civil, quer do militar. Entre as preparam o aquecimento, veículos e artefactos antigos atividades civis destacam-se a vai crescendo o incentivo de uma exposição descritiva culinária, tecelagem, costura, aos mais novos, sendo os da evolução da Artilharia em olaria, medicina e alfageme veteranos árbitros dos combates Portugal, na qual sobressai, pelas (espadaria). São cerca de 150 recreativos que encerram o suas grandes dimensões, o carro elementos em Portugal, entre treino e servem para aplicar as que serviu para transportar as civis, atores, infantes, arqueiros, técnicas. colunas de pedra do Arco da besteiros, cavaleiros e 14 cavalos, Nesta sala de armas os Rua Augusta, com os respetivos sublinha o capitão-mor. Unidos pelo espírito de Estas aulas terminam sempre esgrimistas executam o treino cadernais (roldanas gigantes). Do Renascimento ao início grupo, pelo rigor e pelo com visitas guiadas pelas das técnicas da esgrima É uma das habituais sessões de do século XIX, não ignorando companheirismo várias requintadas salas do Museu portuguesa, de entre o final do sábado, em que um grupo da as práticas medievais, aplicam gerações viajam Militar numa viagem histórica século XV e o início do século Academia de Esgrima Histórica “em combate os tratados pela História através com os protagonistas na primeira XIX para a poderem aplicar vai desenvolvendo uma série de que caracterizam a Esgrima da esgrima pessoa, em que os atores, e adaptar, depois, nas suas técnicas de esgrima portuguesa, Portuguesa como uma arte vestidos à época representam demonstrações e recriações equipados de calças de treino e distinta das demais”. e “ que raramente se personagens ilustres como Luís históricas. Concentrados, camisolas brancas. A Companhia Livre é composta vestem de medieval, que não de Camões e de Vasco da Gama. rapazes e raparigas, só param No fim da aula, o adágio por três grupos de trabalho com aparecem em público mas que A esgrima histórica é um à voz do mestre, que mantém repete-se. “Aos nossos diferentes tipos de participação: aconselham na arte de vestir, de desporto exigente física e o apelo à “atenção” e ao “uso antepassados, que o meu a recriação histórica com idades reparar armaduras ou espadas, psicologicamente, já que além correcto” da técnica. braço seja forte/Aos meus entre os 12 e os 60 anos; os nas técnicas de culinária, olaria dos treinos para os combates, Fernando Brecha tem um companheiros, eu vos saúdo.” E músicos, bailarinos, malabaristas, e outros mesteres para que a os alunos da academia também mestrado em História e é tudo se transforma. Fernando cuspidores de fogo e cavaleiros recriação histórica seja fidedigna”. praticam combates recreativos. Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Desporto|15

LUÍS NETO Rodrigo Silva, estudante e aprendiz de esgrima “Espero participar este ano, em Aljubarrota”

Respeitam-se na arena como companheiros, assumem-se amigos e cúmplices. E o gosto pela arte que é desporto e história faz deles mosqueteiros do século XXI a determinadas épocas ou acon- tenciar a agressividade num jo- Luís Neto tecimentos históricos , também vem, para Rodrigo a questão es- fazemos apresentações perante a tá clara. “Como o meu professor Rodrigo Silva divide-se na sua ro- escola de esgrima portuguesa des- diz, a violência não vale a pena, tina diária entre o 7º ano numa es- de a época dos descobrimentos, a violência é uma coisa estúpida. cola de Sintra e a natação, o ténis final do séc. XV até ao séc. XVIII.” A esgrima transmite mais auto- e a esgrima histórica. “A natação é E o manejo das armas não o confiança e autodisciplina e is- uma disciplina curricular na minha assusta, sabe que lhe acrescenta so ajuda-nos a ter controlo tam- escola, pratico os outros dois des- coordenação motora e auto-con- bém. Sinto-me muito bem e sou portos mais a sério, como ativida- fiança. “Usamos sempre o mesmo bem aceite por eles.” des complementares, porque gos- tipo de arma, a rapier, é uma es- to muito deles.” pada de copo ou de taça, que foi Disciplina e interacção Afinal, há sete anos que o ténis utilizada desde os finais do séc. As regras nas aulas são mui- faz parte do seu calendário. Aos XIV até ao princípio do séc. XIX, to apertadas, quando não cum- 12 anos, abraça História, Ciências por altura das invasões francesas. prem lá chegam as penalizações. da Natureza, Inglês, Alemão, Físi- Por vezes, usamos outros tipos de “Chão, dez flexões de braços, é co- co-Química e Matemática com a armas, como a adaga, mas a nossa mo na tropa.” certeza de ganhar “uma mais-valia espada é a rapier. Houve um ano Num universo de diversas ida- para o mundo”, porque “ajuda a ter que além da esgrima também tí- des a troca de experiências e re- o conhecimento para novas des- nhamos aulas de arco medieval… gistos de vida também atrai es- cobertas”. Por isso, tem prioridades era muito bom para descontrair.” tes jovens, curiosos e ainda pré- definidas. “No início ia a torneios, A escolha da esgrima históri- -adolescentes. “Tenho um colega mas agora já não, porque coinci- ca nasceu afinal de necessidade que é do terceiro ano que come- de muito com os testes na escola. de conciliar desporto e arte. “Sen- çou muito pequeno e tenho cole- LUÍS NETO Costumo participar em estágios de ti curiosidade de saber como era gas até do 12º ano. Mas há muitas na deslocação a Santiago de final e de início de época, mas não a modalidade, pela sua compo- idades, já pratiquei com um ho- Compostela, na Galiza. escolhi a competição”. nente do arco, que me interessa- mem de mais de 60 anos… o pro- Já vai em três anos de treinos de va e havia no início mas também fessor tem a Companhia Livre que De fábrica a museu esgrima histórica e apesar de ser por gostar de História. Ver como faz eventos de recriação histórica No local em que hoje se uma modalidade praticada com era difícil a luta naqueles tempos por todo o país e, por vezes, faze- encontra o Museu Militar de uma arma sabe que o perigo po- e também por ser uma arte, por- mos esgrima com outros elemen- Lisboa, foram construídas, no de ser controlado. “Tudo depende, que a esgrima não é só uma mo- tos. Na escola somos 12, na Com- tempo do Rei D. Manuel I, umas se não usarmos máscaras, prote- dalidade, é uma arte.” panhia Livre há cerca de 150 ele- edificações designadas por ções para o peito e luvas pode ser E se dúvidas houvesse sobre se mentos desde infantes, arqueiros, Tercenas das Portas da Cruz. mais arriscado, mas temos de estar a prática de um desporto de com- besteiros, cavaleiros civis e 14 ca- Nelas se construíam toda a sempre muito atentos e concentra- bate, com uma arma, pudesse po- valos. A Companhia Livre está as- espécie de barcos utilizados na dos... e as pontas das espadas estão sociada a várias companhias eu- época. Ao mesmo tempo, foram protegidas para não magoar”, refere. ropeias que somam mais de 5 mil estabelecidos depósitos para Consciente da exigência despor- membros.” guardar e conservar o material de tiva, valoriza a disciplina necessária Nos treinos de Rodrigo, o equi- guerra, e montadas oficinas para ao bom desempenho da esgrima. pamento é descontraído. “Basta a fabricação de pólvora. “Não podemos ter a espada apon- uma camisola de manga compri- Em 28 de Dezembro de 1640, tada para cima, quando estamos a da, uma máscara, umas calças de face à crise que se avizinhava, praticar não podemos executar gol- treino, luvas, uns ténis, a Compa- como consequência da pes acima do pescoço ou da linha nhia fornece o resto e as armas.” A independência adquirida dias, dos ombros, tem algumas regras de oportunidade de participar numa a prioridade de uma defesa segurança e fazemos um aqueci- recriação histórica como a batalha mais eficaz criou a Tenência, mento intenso para evitar lesões.” de Aljubarrota, como previsto este à qual competia o fabrico, Técnicas à parte, os combates po- ano, traz-lhe um sorriso cúmpli- aquisição, guarda, conservação dem garantir viagens ao passado. ce. E relembra o espírito da sau- e distribuição de armas ligeiras, “Treinamos as técnicas, às vezes fa- dação na esgrima, qual mosque- artilharia e outro armamento. zemos combates e ensaiamos ce- teiro de outros tempos. “(Primei- Este novo órgão tinha as suas nas teatrais de esgrima histórica.” ro coloca-se a espada em frente dependências por cima das Para Rodrigo, as diferenças entre a do nariz) Aos meus antepassados, oficinas da Fundição de Baixo, esgrima histórica e a esgrima tradi- (depois estica-se a espada para a isto é, onde hoje se encontram a cional ou clássica estão muito cla- frente e diz-se) que o meu braço Direção e os Serviços do Museu. ras. “A esgrima histórica faz-se de seja forte, (de seguida volta-se a “Aqui a capacidade de improviso No primeiro quartel do século acordo com um livro do séc.. XV de “Houve um pôr a espada em frente do nariz), é uma mais-valia e a diversão é XVIII, alguns edifícios das Tomás Luís, em que praticamos es- ano que além aos meus companheiros, (final- garantida”. Simulam-se assaltos Tercenas das Portas da Cruz foram grima portuguesa de acordo com mente, num movimento lateral e ofensas à honra e as lutas destruídos por incêndio e, mais os movimentos dessa época. A es- da esgrima descendente com a espada) eu são feitas com espadas de tarde, completada esta destruição grima clássica tem de se ter aque- vos saúdo.” madeira. Homens e mulheres, pelo terramoto de 1755, já no la fatiota toda e seguir umas regras também Descontraído, confessa ainda às vezes lado a lado, às vezes reinado de D. José. Em 1760, D. de etiqueta mais de acordo com a tínhamos que divide paixões. “Leio muito… frente a frente, lutam como José deu início à reconstrução esgrima francesa.” para praticarmos esgrima históri- noutros tempos, na Sala de de todos os edifícios destruídos aulas de arco ca temos de saber História… ain- Armas do Museu Militar. A e, quatro anos mais tarde, ficou Desporto, arte e histórias medieval… da recentemente falámos de Aní- academia tem mais cinco Salas concluído o restauro do edifício A par das aulas durante a sema- bal, um general cartaginês de an- de Armas espalhadas pelo país em que hoje se encontra parte na, a prática da esgrima garan- era muito tes de Cristo, mas também jogo e procura estimular tertúlias do museu. Em 1905, é criado o te outras descobertas. “Por vezes bom para um bocadinho”, confessa, dividi- com associações congéneres Museu Militar com a configuração vamos ao Museu Militar para fa- do entre paixões como o futebol como recentemente aconteceu actual. zermos visitas temáticas, ligadas descontrair” e o paintball. Gazeta do Cenjor 16|Cidade 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Entrevista Inês Andrade, presidente da “Renovar a Mouraria” A moda volta Construção a Lisboa A 44ª edição da ModaLis- boa apresenta sexta-feira, às em progresso 18h00, as novas coleções dos criadores portugueses para o Outono/Inverno de 2016. Nos dias 13, 14 e 15 de março o evento dá a conhecer aos “Um percurso feito de persistência e ansiedade” é assim que Inês Andrade convidados o melhor que a caracteriza a associação que é uma das traves-mestras do processo de indústria da moda portugue- sa tem para oferecer no Pátio revitalização da histórica Mouraria. Do “jantar atravessado” ao “café da Galé. O dia da abertura oficial, 13 de Março, conta suspenso”, os dias querem-se de partilha no coração de Lisboa com a apresentação de San-

JOÃO CARLOS MARTINS gue Novo, desfiles de novos João Carlos Martins mecenato, e que será uma grande talentos do mundo da moda ajuda”, segundo Inês Andrade. visto que o encontro funciona Um apoio à comunidade através também como uma platafor- da ajuda no preenchimento de A virtude das ma de apoio aos estilistas. documentos como a declara- novas gerações ção de IRS, o encaminhamento Entre as várias iniciativas de 2015, jurídico, o apoio ao estudo para a presidente da Renovar a Moura- Refeições crianças e jovens, as traduções, ria” elege “o projecto de formação essenciais num local onde se cru- de guias-imigrantes que é finan- corpulentas zam várias nacionalidades e mais ciado pela Comissão Europeia, no Príncipe de 50 culturas, marcam os dias da o Migrant Tour, e o Refaz, um Associação “Renovar a Mouraria”. projecto apoiado pelo programa Real Acrescem os cursos de alfabeti- Escolhas, que têm o objectivo de zação para adultos e os cursos “formar jovens para ofícios e artes A Taberna dos Gordos é o (gratuitos) de português para tradicionais e dar-lhes preparação novo restaurante de comida estrangeiros, “sempre bastante para criarem os seus próprios ne- caseira e tradicional portugue- participados” além das aulas de gócios”. Aliás, o Escolhas define-se sa. A ideia para este espaço, Yoga, ballet para crianças, danças como um programa governamen- sediado no Príncipe Real, sur- latinas e guitarra ou as oficinas tal de âmbito nacional, criado em giu da mente dos jovens Tiago de tapeçaria e de ilustração para 2001, promovido pela Presidência Marques e Ricardo Marques. famílias. Ou ainda o inovador do Conselho de Ministros e inte- Um espaço simples e peque- projecto de saúde em medicinas grado no Alto Comissariado para no mas que promete deixar alternativas, com acesso gratuito a Imigração e Diálogo Intercultu- qualquer um de água na boca. ou a preço acessível comportado Renovar Mouraria celebra sete anos no próximo dia 19 de Março ral, “cuja missão é promover a in- Sopa de caldo verde, moelas pelo banco de tempo em que a clusão social de crianças e jovens ou uma tábua de enchidos são consulta será gratuita e, depois, casa comunitária, a Mouradia. A passa, deixar um café pago, uma de contextos socioeconómicos alguns dos exemplos que pro- prestado um serviço em troca”. construção, localizada no Beco sopa ou uma sandes para quem vulneráveis, visando a igualdade vam que esta é com certeza No princípio, em 2008, foi um do Rosendo, é o cais da institui- não o possa fazer”, revela Inês. de oportunidades e o reforço da uma taberna portuguesa. Rua grupo de nove amigos que esco- ção, funciona como um ponto coesão social”. do Monte Olivete, 63 (Prínci- lheu a Mouraria como a sua casa e de encontro na cafeteria. “É aqui O ano de utilidade pública A inclusão e convívio entre ge- pe Real), Lisboa. De segunda decidiu “chamar a atenção para o que desenvolvemos a maioria das Neste início de ano, a presidente rações como bússolas desta orga- a sábado das 12h00 às 15h00 e estado do bairro e contribuir com actividades como o “jantar atra- sente falta “da consolidação do nização comunitária procuram das 19h00 à 00h00 algumas dinâmicas que ajudas- vessado”, onde juntamos comidas adquirido, tantas coisas a aconte- uma gestão da convivência mul- sem a revitalizar este território”. de todo o mundo confeccionadas cer, sendo que a maior dificulda- ticultural e das diferenças civili- Sete anos depois, a presidente da por moradores que querem mos- de é a falta de espaço”. As neces- zacionais. “Não é fácil porque os “Renovar a Mouraria”, Inês An- trar a sua herança gastronómica, sárias obras exigem um trabalho autóctones são muito territoriais Bollywood drade, define essas dinâmicas em além de reforçar o seu orçamen- que passa também “por procurar o que, às vezes, gera situações de no Martim “duas áreas bem consolidadas: a to familiar… ou ciclos de cinema, diversificar as fontes de financia- posse, de ciúme, entre eles vizi- cultural e a da intervenção social”. tertúlias, música ao vivo e o “café mento para garantir a entrada de nhos e que é visível no Rosa Ma- Moniz suspenso” onde se propõe a quem dinheiro, sempre muito tardia nos ria, porque vêm cobrar porque é Do medo ao café suspenso apoios institucionais, o que a nível que apareceu este e não apareceu O Festival das Cores, co- Na área cultural, projectos-âncora de tesouraria implica dificuldades aquele (no jornal) ou porque é nhecido por Holi, que surgiu como a rota das tasquinhas e res- A aposta na nos salários e nos impostos dos 13 que são só pretos ou só chineses.” como promotor da paz e pre- taurantes, o jornal local Rosa Ma- renovação das colaboradores a tempo inteiro e Uma situação também recor- tendia a integração de diferen- ria, o Há Fado na Mouraria, um outros em prestação de serviços”. rente na exposição de fotografia tes culturas chega este mês a concurso de temas inéditos que relações, mais O caderno de encargos já vai (transmouraria), recentemente Portugal. No dia 14 de Março deu origem a um áudio-livro, e o inclusivas, é longo desde o primeiro dia a 19 de inaugurada na Bem Formosa Pra- das 16:00 às 20:30 vai Mouraria para Todos, visitas guia- Março de 2008 até ao passado dia ça. “São os próprios imigrantes, ficar preenchida de música e das com o objectivo de mostrar um desafio 27 de Janeiro no qual a Renovar a agora integrados, que vêm recla- cores, no Mercado Fusão na o bairro são apostas já ganhas. O Mouraria foi declarada, em Diário mar porque é que está lá o fula- Praça do Martim Moniz. Esta objectivo tem sido “recuperar a para Inês da República, instituição de utili- no e não estou lá eu. Eu também celebração tem a sua origem história e desmistificar a imagem Andrade dade pública pelo seu “relevante quero aparecer”. Estas queixas são na Índia e assinala a chegada de medo e insegurança” e que re- contributo a comunidade onde também riscos assumidos numa da Primavera entre os meses sultaram numa espécie de farol se insere desenvolvendo, na zona comunicação mais fácil como re- de fevereiro e março. No pró- para que “centenas de pessoas da Mouraria, diversas atividades sultado de uma estratégia de pro- ximo sábado, as ruas e as pes- quererem procurar casa porque de revitalização do tecido social, curar que as pessoas conheçam a soas enchem-se de pós colori- não conheciam o bairro e agora de integraço das diversas comu- cultura dos outros. “E, de alguma dos e a diversão é assegurada adoram”, recorda Inês Andrade. nidades migrantes presentes no forma, fazemos isso, através do com música e gastronomia. Enquanto relembra esses dias bairro e de atraço de turistas”. O convite dos vizinhos para cozi- Na capital portuguesa preten- de “humor, optimismo e since- que permite vantagens como “a nhar, cantar ou falar das suas cul- de-se recriar o conceito origi- ridade”, as qualidades que mais isenção de IRC (Imposto sobre o turas, tendo consciência que é um nal. Ao ar livre e com entrada aprecia nos seus amigos, Inês Rendimento das Pessoas Colec- processo muito longo de renova- gratuita, a festa não deixa nin- viaja até 8 de Dezembro de 2012 tivas), a consignação de 0,5% em ção que terá efeito nas gerações guém de fora e quer colorir quando a sua canção favorita IRS (Imposto sobre o Rendimento mais novas”, sublinha a presidente a cidade de diferentes tons. “Construção” se materializou na Singular) e os apoios através de da “Renovar a Mouraria”. Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Lazer|17

Prática do escutismo nacional em alta “Cansada” apoia as Uma vez escuteiro, vítimas de violência escuteiro para sempre doméstica “Cansada” com letra e mú- sica de Rodrigo Guedes de Carvalho, reuniu oito gran- Em Portugal existem mais de 69 mil escuteiros, boa parte em idade adulta, des vozes de Portugal: Aldina que continuam a guardar três horas aos fins-de-semana para “partilhar a Duarte, Ana Bacalhau, Cuca Roseta, Gisela João, Manuela alegria de deixar o mundo melhor” Azevedo, Marta Hugon, Rita Redshoes e Selma Uamusse INÊS CONDE RODRIGUES Inês Conde Rodrigues foram as intérpretes escolhi- das para dar voz ao tema. Os pássaros já se ouvem lá fora, apesar do frio que se faz sentir em plena planície ribatejana, perto Leonor do Rio Sorraia em Coruche. São sete da manhã e os campos estão Andrade cobertos de uma fina camada de geada, fazendo com que as folhas vence Festival da erva pareçam tão frágeis que da Canção com um leve toque se dissipam sob os passos dos caminhantes. 2015 Ouve-se um apito três vezes a soar ao longe, anúncio de “um O tema “Há um Mar que universo único que conjuga o nos Separa” interpretado por sentido de sobrevivência com a Leonor Andrade venceu o responsabilidade social e os valo- Festival da Canção 2015 no res morais”. E sobretudo, “a von- sábado passado. O público tade de querer ser mais e melhor escolheu o tema de Miguel sem perder o contacto com a na- Gameiro para representar tureza”. Portugal na Eurovisão que A região de Évora está em ati- terá lugar em Viena, Áustria. vidade de Caminheiros, aque- les dos 18 aos 22, “os mais ve- lhinhos” como são chamados. Escuteiros da região de Évora reunidos em Cenáculo Os caminheiros que participam no encontro de Cenáculo discu- descanso possível. “Quem cor- que lhes dá mais prazer na vida. me prazer organizar e realizar ati- tem desta vez problemáticas co- re por gosto não cansa e temos Enquanto chefe de escuteiros, vidades de contacto com a natu- mo os Direitos Humanos, Plura- muito tempo para descansar de- João Ferreira reconhece também reza, para que os jovens estejam lidade Religiosa e Escutismo em pois”, revela José Soeiro, um dos que ”este modo de estar exige mais predispostos a cuidar dela e Sociedade. participantes. uma enorme disponibilidade, a até mesmo a ganharem consciên- João Ferreira tem 25 anos, é es- O encontro do Cenáculo é bem que se junta uma constante aten- cia das suas ações, nunca esque- cuteiro há 19 e chefe há dois, e mais calmo do que os acampa- ção às mudanças da sociedade cendo o que nos rodeia e quem gosta do desafio constante des- mentos, já que os caminheiros e às necessidades das crianças nos rodeia…”, esclarece. te modo de vida e de voluntaria- tem uma vertente de responsa- e jovens com quem se trabalha Para David ser escuteiro é ter do de dia para dia. “Um chefe de bilidade social e de valores de no nosso dia-a-dia”. “um modo de vida que se rege por Português escuteiros deve ser um educador, liderança, e esta atividade ser- A paixão pelo escutismo é tanta uma lei e princípios que lembram ganha um irmão mais velho, o qual atra- que João nem consegue explicar a importância de crescer saudável vés da sua experiência transmi- Desde maio bem como é que se mantem “a e completo, é ter uma missão… euromilhões te pelo exemplo os ideais do mo- chama” acesa. “É algo que já faz dar aos outros sem esperar nada vimento.” de 1923 que parte de mim”, confessa. E tam- em troca, é estar ao serviço do Apenas um totalista acertou Afinal, o fundador do movi- o CNE, corpo bém sabe que “a exigência para próximo, dos jovens, da comu- na chave vencedora arrca- mento, sir Robert Baden-Powe- a realização de um bom traba- nidade, da paróquia, da pátria.” dando o jackpot de 100 mi- ll, deixou escrito na última car- nacional de lho enquanto dirigente é cada vez Desde Maio de 1923 que o Cor- lhões de euros que estava em ta que dirigiu aos escuteiros do escutas, forma maior”. Ser chefe foi um desejo po Nacional de Escutas (CNE) for- jogo. O apostador pertence à mundo inteiro a seguinte frase: que João sempre teve, por con- ma jovens, quase todos desde os cidade de Felgueiras, Porto e “Contentai-vos com o que tendes jovens para siderar que um dos sucessos do 6 anos, para uma vida mais ativa a população saiu à rua para e tirai dele o maior proveito que uma vida mais método escutista é a convivên- com base na fidelização a princí- celebrar e acolher o vencedor. puderdes. Vede sempre o lado cia e cooperação entre diferen- pios e um lema: “uma vez escu- melhor das coisas e não o pior.” ativa com base tes gerações. teiro, escuteiro para sempre “. Pa- Os horários de atividade são rí- ra David e para João este é o mo- gidos, às sete e meia estão todos em princípios Missão comunitária te que faz com que continuem a A cada a levantar-se, há que aproveitar e leis David Branco tem 29 anos é es- querer abraçar a organização de os segundos porque não é todos cuteiro há 22 e chefe há seis. “A atividades após tantos anos a re- caloria um os dias que têm a hipótese de es- ve como um treino. E sabem pessoa que sou hoje, sou graças presentar o CNE. desconto tarem reunidos com os compa- que se continuarem o seu per- a esta vida feita com muito entu- O Corpo Nacional de Escu- nheiros e também nem sempre curso no movimento, dentro de siasmo e aos diversos dirigentes tas – Escutismo Católico Por- Move Bonus é uma pla- se podem dar ao luxo de mergu- alguns anos, muitos deles esta- que tive comigo nesse caminho. tuguês nasceu em Braga há 92 taforma portuguesa que lhar na natureza. rão no lugar de chefes que pre- Poderia fazer esse serviço fora do anos pela mão do arcebispo Ma- atribui pontos que lhe dão zam e talvez também “não con- movimento claro, mas identifi- nuel Vieira de Matos e de Ave- acesso a descontos median- Voluntariado activo sigam explicar o que é isto de co-me com os ideais e métodos lino Gonçalves, mas foi funda- te as calorias perdidas no São 35 os que vieram para a ati- não desistir daquilo que mais do escutismo e isso faz-me con- do por Robert Baden-Powell em dia-a-dia. A aplicação gra- vidade, seguem para o peque- lhes dá prazer na fase adulta tinuar iluminado por esta cha- Inglaterra, em 1910. Em Portu- tuita será lançada no dia 19 no-almoço ainda estremunha- da vida em que as escolhas são ma” , sublinha. gal tem atualmente cerca de 69 de março e o objetivo é aca- dos com as poucas horas de so- tantas e a sociedade exige tanto O sentido de missão também mil escuteiros, dos quais 12.689 bar com o sedentarismo em no que tiveram e também porque dos seres humanos”. Talvez se- acompanha esta entrega ao cres- são pessoas acima dos 24 anos, Portugal. dormir no chão não dá o melhor ja por isso mesmo, porque é o cimento do grupo. “ Dá um enor- os chefes. Gazeta do Cenjor 18|Lazer 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Associação Portuguesa de Snooker – Cue Action anima jovens e mais velhos Já alguma vez jogou pool?

Uma mesa, uma bola branca, sete bolas coloridas, mais sete listadas e uma bola preta. Snooker? Não, na verdade é pool português

FILOMENA SILVA Reportagem Filomena Silva Tarde de Domingo, na Amadora. Diego Sousa, João Gonçalves , Tomás Santos e Diogo Badalo chegam às instalações da Associação Portuguesa de Snooker – Cue Action, para mais um treino de snooker semanal. “Já aqueceram?”, pergunta o treinador Nelson Baptista. A aula dura cerca de uma hora e já é compromisso assente na agenda dos jovens atletas. Aqui não existe música de fundo ou televisores. Não há bebidas sobre as mesas nem cheiro a tabaco. Respira-se concentração e foco. O coacher pede a cada um que enumere cada passo para a colocação da bola. A posição do corpo é ajustada em conformidade. Uma boa postura e pés bem assentes no chão são ingredientes essenciais para um treino de sucesso. Diego Sousa tem nove anos, mas já tem uma bola branca Association). É treinador a abertura da primeira escola de e têm o poder de cativar da sua preferência. “É a minha tempo inteiro e responsável O snooker snooker na Amadora há pouco as camadas mais jovens bola da sorte”, diz com um pela única academia de snooker é jogado mais de um ano. da sociedade. Os blogues sorriso. Começou a jogar desde em território nacional. “Toda a gente já jogou pool, especializados não se cansam cedo e treina na Cue Action há Interessou-se pelo snooker numa mesa pelo menos uma vez na vida, de elogiar os seus benefícios. dois meses, influenciado pelos desde cedo e quando surgiu a de maiores como amador, em salões ou Prevenção da rigidez muscular jogos de snooker que via na televisão por cabo conseguiu cafés… o que eu pretendo e lesões ao longo da coluna televisão. O pai também joga e acompanhar os jogos dimensões oferecer é algo diferente”, refere vertebral, recuperação de acompanha-o todas as semanas. internacionais. Pesquisou e com 15 bolas Nelson Baptista, que pretende reflexos e redução do stress João Gonçalves e Tomás quando completou os 18 anos dissociar a modalidade do são algumas das vantagens Santos, amigos de 13 e 12 anos, pôde finalmente jogar em cafés vermelhas, seis tradicional ambiente recheado frequentemente apontadas. também foram influenciados e salões. “Antes disso o meu pai de barulho, bebidas alcoólicas Por ser um jogo praticado pela televisão. Começaram por não me deixava entrar”, conta. coloridas e uma e fumo. por mais do que um jogar em mesas de brincar até Mas nem por isso perdeu a bola branca Quando pensamos em atleta, permite um maior que surgiu a primeira academia motivação. Exemplo disso é a snooker, pensamos em desenvolvimento das que lhes permitiu “jogar a sete bolas coloridas e sete competências sociais. Um grau sério”, conta Tomás Santos, que bolas listadas… “Não, isso é elevado de concentração é apesar de ser esquerdino refere Pool português VS snooker pool português”, esclarece o exigido para a sua prática, logo, não estar em desvantagem em treinador. Ambos são jogados permite desenvolver também relação aos seus colegas destros. A história do snooker na do triângulo entre as bolas em mesas semelhantes, “mas o processo cognitivo e maior Diogo Badalo é o mais velho sua vertente profissional em coloridas. Utilizando um taco, são muito diferentes”, clarifica capacidade de concentração, do grupo. Tem 14 anos e joga Portugal iniciou-se na década o objetivo é tacar uma bola Nelson Baptista. O pool é um ingrediente necessário há cerca de um ano. “Tentei de 80. O aparecimento das branca para introduzir as jogo mais fácil. “Toda a gente para o desenvolvimento de experimentar a apaixonei-me antenas parabólicas permitiu bolas coloridas nos respetivos consegue meter bolas numa estratégias. pelo jogo... Acho que devia ter aos portugueses ter acesso buracos e marcar pontos. mesa de pool. O snooker já não “Esta é uma modalidade começado mais cedo para poder às transmissões de jogos de “O pool português só existe é bem assim”, indica. que traz um maior impacto chegar a um nível mais exigente”, snooker através do canal em Portugal”, clarifica Nelson Um dos objetivos é levar escolar, comparado com diz. Atualmente faz parte do televisivo Eurosport. Mais tarde, Baptista, indicando que as o snooker às escolas como outras modalidades” já que plantel de pool e snooker com o crescimento da televisão mesas do pool português são atividade extracurricular. Deseja melhora a motricidade fina, a masculino do Sport Lisboa e por cabo, o snooker chegou mais pequenas do que no pool formar outros treinadores e coordenação de movimentos, Benfica e revela-se “grato pela a muitos mais portugueses tradicional. criar oportunidades para que a atenção e a concentração e oportunidade.” Treina cerca e rapidamente surgiram as O snooker, por sua vez, é novos talentos sejam recrutados aumenta o aproveitamento de três vezes por semana na primeiras competições. jogado numa mesa de maiores nas escolas para integração escolar. “Tenho um aluno Cue Action Academy. “O Diogo O pool português, erradamente dimensões. Sobre a baeta em campeonatos nacionais e que consegue fazer os testes tem muita maturidade, que é chamado de snooker, é o que (pano verde) são colocadas 15 internacionais. “Mas a maior facilmente porque está muito bastante importante na prática mais se joga em Portugal. bolas vermelhas, seis coloridas dificuldade começa nas câmaras mais focado e concentrado”, desta modalidade” salienta Dentro de um triângulo são e uma bola branca. O objetivo municipais. Há muita burocracia revela Nelson Baptista. Nelson Baptista. colocados dois grupos de é igualmente introduzir as bolas e lentidão do processo” refere Outros elementos que podem sete bolas coloridas e uma e marcar pontos. Nelson Baptista. beneficiar com esta prática são O sonho de uma academia bola preta. As bolas de 1 à 7 Ambos são jogados por dois ou os idosos. “Tenho aqui pessoas Nelson Baptista é o único são unicolores e as de 9 à 15 mais jogadores que realizam Faz bem ao corpo à mente a aprender com 60 e tal e 70 técnico português de snooker são listadas. A bola preta, ou partidas individualmente ou em O snooker e o pool são anos que vão ganhando um credenciado pela EBSA bola 8, é colocada no centro equipas. desportos acessíveis a homens maior controlo de movimentos”, (European Billiards & Snooker e mulheres de qualquer idade sublinha. Gazeta do Cenjor 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Media|19

Rui Malheiro comenta as exigências do jornalismo desportivo Antecipação e criatividade são armas na Redação

Olheiro desportivo, analista e amante do futebol, Rui Malheiro, defende que se no futebol qualquer partida começa com 0-0 em busca de muito jogo, na imprensa desportiva há pouco espaço para goleadas

DR Entrevista de um jornalista na área televisão, rádio, imprensa Francisco Laranjeira desportiva faz-se no relvado ou escrita e internet, diferem na ao computador? abordagem e na mensagem No campo de treinos do Rio Ave, Hoje, terá de o ser nos dois conforme o meio? com 16 anos, passando depois espaços. Mesmo sabendo que A minha abordagem é similar para a análise de jogadores e o seu acesso ao relvado é cada na televisão, rádio e imprensa hoje comentador desportivo vez mais limitado, o que cria a escrita. Mesmo não convivendo em televisão, rádio, imprensa obrigação de fazer a diferença bem com a ditadura do espaço escrita e internet. Uma vida de quando o pisa, até porque as e/ou do tempo, procuro atacar futebol … oportunidades são escassas. o que é fulcral – com uma Foi, acima de tudo, uma O jornalismo desportivo dos mensagem limpa para ser surpresa. Tinha 16 anos quando grandes mestres e sem ditadura percetível a todos os recetores. comecei a trabalhar no futebol espacial está quase ferido Como gosto da pequena história, profissional, uma oportunidade de morte, mas o jornalismo do detalhe, procuro fazer alguma incrível a um “júnior de desportivo exige antecipação ginástica mental para os inserir primeiro ano”, sem experiência que mais do que trabalho e no essencial, pois acho que pode como futebolista federado, na paixão exige especialização e ser o fator diferenciador. Aliás, área de análise de adversários e criatividade, algo que as quatro acaba por ser aquilo que o recetor observação de jogadores (hoje, paredes não conseguirão inibir. fixa com mais interesse. Claro definida através do anglicismo- para fazer bem aquilo que E, afinal, os jornalistas que há mais tempo para pensar chique de scouting), que, há 22 me é incumbido. Por vezes, é andam de cabeça erguida na imprensa escrita do que na anos, ainda era muito enevoada complicado, já que os caminhos ou limitam-se a fechar televisão e na rádio, onde, muitas e pouco notória. Para além são excessivamente ínvios, e conteúdos? vezes, sou obrigado a dar uma da capacidade de trabalho, o não nego que, ao longo destes Uns levantam e trabalham, resposta imediata. Na internet, elevado número de jogos que 22 anos no futebol, pensei já outros não. Parecem-me respira-se melhor, já que ainda é via no terreno, ao lado de Duarte numa mudança de rumo. Só duas grandezas interligadas possível trabalhar sem a ditadura Sá, antigo capitão do Rio Ave e que a paixão acabou por falar, e muitos jornalistas não do espaço e do tempo, o que me meu mestre na interpretação sempre, mais alto. precisam de levantar a cabeça, agrada bastante. do jogo, e em casa, através de Agora que passou dos porque nunca a baixaram ou Na televisão, o desporto-rei está uma velhinha antena parabólica relvados para os gabinetes, a colocaram entre as pernas. concentrado em dois temas: rotativa, o que me permitiu, a existe, nas redações, a Em relação ao trabalho, acho golos e casos de arbitragem. partir dos 13 anos, ver futebol “regra dos cifrões”, que que é necessário fazer bem Acha esse esquema redutor em de diferentes latitudes, foi uma coloca cada vez mais os mais. Mesmo entre quatro relação ao que é o desporto? importante mais-valia. jornalistas fechados dentro de As crónicas de Rui Malheiro, como paredes, é determinante pensar Não consigo enquadrar esse Essa proximidade com o quatro paredes, fazendo uso O Olheiro, analisam atentamente e criar formatos, e fomentar tipo de programas dentro do meio desportivo dotou-o de das redes sociais e do telefone o fenómeno desportivo a criatividade na abordagem desporto-rei. Se o fizesse, estaria contactos únicos o que sempre para cobrir o dia-a-dia. Isso aos temas, não os abordando a desrespeitar o futebol. Nem ajuda… é a morte do jornalismo dois anos, acompanho, desde pela rama, procurando sempre consigo chamar-lhes programas A proximidade abre e fecha desportivo? há três décadas, o dia-a-dia fazer mais e melhor… um de entretenimento, ao nível de portas com imensa facilidade. Vivemos um período complicado de um jornalista desportivo. aspeto determinante para um qualquer reality show, já Nunca fui por esse caminho, do ponto de vista financeiro, que O jornalismo desportivo, na fazer a diferença. A qualidade que acabam por ser pontas-de- pois acho-o fácil e uma forma obriga a imensa ginástica, mas sua essência de trabalho de e assertividade na escrita é lança em fomentar guerras e de sermos associados a x, y e z, acredito que se pode sempre campo, está muito limitado. A determinante, assim como a guerrinhas, discussões laterais e o que nos retira [a] identidade. fazer mais, e que, em várias invenção de departamentos de vontade de aprender todos os a clubite aguda (não confundir Apenas o trabalho – mesmo, com situações, essa acaba por ser comunicação nos clubes é uma dias, não adormecendo num com paixão!), esquecendo ou alguma obsessão excessiva, já uma “desculpa”. Mesmo não barreira duríssima, que distancia universo em permanente desprezando, sobretudo por falta que não consigo estar parado sendo jornalista, e de me só ter o público dos protagonistas. mutação. de conhecimento, a essência: o – tem sido o meu único meio dedicado a esta área nos últimos A exigência de desempenho As suas participações em jogo.

O renascer dos blogues: “Um Canudo & um Par de Sapatos” “Para se ter um blogue tens de ser tu próprio”

Tudo começa com a definição do que se quer mostrar ao mundo e depois concretizar essa linha editorial. E não deixar o blogue cair na rotina, gerir o imprevisto e fazer o máximo de publicações possíveis pode ser o segredo

Inês Conde Rodrigues ter um blogue, acima de tudo, tens Gosto de agarrar em aconteci- seguidores.” Dado que o número considera bem sucedidos como o de ser tu próprio”. mentos noticiosos ou anúncios de de visitantes é uma das variáveis decano e feminino “A pipoca mais Mariana de Almeida é licenciada O seu intuito era obrigar-se a televisão e refletir sobre eles, com mais importantes para possíveis doce”, a versão masculina do “Ar- em Ciências da Comunicação e praticar a escrita, dado que é li- um pouco de humor à mistura.” patrocinadores, o tempo que este rumadinho” ou o mundo de pais criadora do blogue “Um Canudo cenciada em ciências da comuni- Mariana prefere marcar a dife- tiver também influencia a abertu- e filhos espelhado no “Blogue da & um Par de Sapatos”. Já não é uma cação, já em mestrado de jornalis- rença através de um registo mais ra de portas. Carlota”. estreante neste mundo. Depois de mo, mas, também porque quis ter pessoal na sua escrita. “Hoje é A atualização continua das pá- Mas para Mariana, “o mais im- experimentar a blogosfera, deci- um espaço onde pudesse ter a li- cada vez mais difícil conseguir vi- ginas com várias publicações ao portante é completar a escrita no diu que era o que lhe dava gozo berdade de fazer crónicas sobre as ver de um blogue, pois é uma pla- longo do dia, adaptadas às ten- blogue com uma boa campanha fazer e criou o seu terceiro blogue mais diversas tarefas do quotidia- taforma cada vez mais requisitada dências e ao inesperado ou origi- de publicações que incentivem a já com uma prespetiva definida e no. “Não existe um tema fixo, gosto e consequentemente com menos nal pode “marcar modas quer seja leitura nas redes sociais, porque com a consciência de que é preci- de escrever sobre acontecimentos qualidade, mas um nome origi- no humor, na moda, na comida e hoje ninguém vai à procura de um so manter uma linha editorial mi- que vão desde um simples pintar nal, que reflita o seu conteúdo, irá até mesmo nos animais a ter como blogue de livre e espontânea von- nimamente regular. “Mas, para se de unhas até a uma ida ao futebol. facilmente agradar aos possíveis domésticos”. E cita blogues que tade, tem de existir um chamariz”. Gazeta do Cenjor 20|A fechar 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015

Barbearia Figaro’s suscita debate público Asilo em Portugal Protecção “Menina não entra!” solidária Stefka Dias O grupo activista permanece anónimo duas semanas após ter invadido A três meses da celebração do dia internacional dos refugiados, Móni- a barbearia lisboeta que proíbe a entrada a mulheres. Frontais, feministas ca Frechaut, coordenadora do Con- e com “pêlo na venta” selho Português para os Refugiados (CPR), sabe que pode ser “uma RICARDO SOBRAL oportunidade única para sensibili- zar a população da situação dos re- fugiados em Portugal e no mundo”. A 20 de Junho quer “valorizar a problemática das famílias e as suas dificuldades de integração em con- texto de asilo”, com a determinação de um novo olhar na imagem e nas mensagens de uma abordagem in- clusiva que tem marcado os últimos anos em Portugal. “Especificamente o que nós fazemos aqui é seguir a orientação do Alto Comissariado das Nações Unidas para o Refu- giados (ACNUR), um organismo internacional humanitário e estrita- mente apolítico que tem por missão proteger e ajudar os refugiados em todo o mundo”, refere. O estatuto da ACNUR atribui-lhe duas funções principais: assegurar a “proteção internacional” dos refu- giados e procurar “soluções perma- nentes e duradouras” para os seus problemas. E a experiência de uma organização não-governamental para o desenvolvimento como o CPR, no terreno há 24 anos, procura rein- ventar “esse objetivo essencial de de- fender o direito ao asilo em Portugal”. O CPR trabalha directamente com esta população em Portugal e gere rio: neste espaço podem entrar machismo do quotidiano”, dizem, ginásio Vivafit [conhecido espaço dois centros de acolhimento para re- Ricardo Sobral homens e cães, mulheres não. considerando-se por isso “longe de exclusividade feminina]”. fugiados: um no parque da Bela Vista No final de Fevereiro, um de desejar cumprir uma agen- dedicado ao menor não acompa- “É para cortar o cabelo?” A per- grupo feminista invadiu o local da política”. Querem, afinal, uma Humor e ódio nhado, “que só acode a crianças que gunta surge mal a porta se abre, numa acção de protesto e a po- participação “mais regular e nor- Um casal jovem de braço dado re- tenham chegado sozinhas, enquanto enquanto atarefado um dos bar- lémica estalou nessa semana. As mal”, até porque não lhes parece para no sinal da discórdia e ali se menores requerentes do estatuto de beiros de serviço logo responde respostas (por email) do colecti- interessar tanto celebrações de detém. À porta da barbearia, a ra- refugiados” e o centro de acolhimen- também. “Hoje não, já estamos vo reflectem já o debate gerado efemérides como o Dia Interna- pariga ri-se e aponta, o rapaz sor- to para famílias, na Bobadela, “com cheios”. Falta menos de uma hora durante esse período. cional da Mulher”. E esclarecem: ri, partilhando o momento com capacidade para 42 adultos, mas para o fecho e há sete homens de “Esta acção reequilibrou-nos a menor efusão, antes de seguirem que recebe atualmente 65 pessoas”. meia-idade e outros mais novos Mulheres como cães flora vaginal com excepção de caminho rua abaixo. “Para nós, Neste centro existe uma clara mul- em espera, sentados ao longo da Queriam, não sem ironia, “aja- três [participantes], simplesmen- e para muito boa gente, as liber- ticulturalidade ao nível das naciona- parede oposta à bancada. “Cos- vardar um discurso javardo”. Pre- te porque não têm flora vaginal”. dades conquistadas não acabam lidades mas também das religiões e tuma estar assim a esta hora”, pararam-se para agir como cães Provocadoras, confessam partir entre quatro paredes. Para além tradições culturais, já que a situação continua, sugerindo que regresse e disfarçaram-se enquanto tal, nozes com as mãos enquanto res- de um discurso destes ser com- política internacional determina no dia seguinte às onze, “quando farejando, ganindo e sexualizan- pondem às perguntas por email. pletamente político e, nesse senti- estes pedidos de asilo. “Em 2013, a a loja abre”. do pernas alheias, pode ler-se na “Nenhuma de nós tem vontade do, público”, analisa o grupo que, maioria dos refugiados vinham da Dois funcionários de bata primeira comunicação do grupo, de usufruir dos serviços do esta- após a invasão, se tornou alvo de Síria e desde 2014 vêm da Ucrânia, branca orbitam os seus clientes, replicada em blogues já depois da belecimento. Quisemos demons- ódios. “O volume de comentários o que se reflete no total das 105 pes- os olhares cruzam-se no espe- intervenção. Talvez pelo carácter trar que este discurso é inadmis- misóginos, insultuosos, machis- soas de 20 nacionalidades diferen- lho, o ambiente é tenso, talvez irónico do protesto, a reacção dos sível”. Para algumas, esta foi a tas e violentos demonstram a evi- tes que albergamos actualmente.” a memória dos acontecimentos barbeiros tornou-se surpreen- segunda acção do género, depois dência da necessidade da acção.” O centro do acolhimento oferece recentes tenha invadido as pa- dente pela sua agressividade. de em Dezembro se terem mani- A gerência do espaço defende-se ajuda aos refugiados em todas as redes. Afinal, os troféus de caça “Bastou pouco para passarem da festado numa iniciativa da Dress dizendo que o sinal à porta “é hu- vertentes da sua integração, desde espreitam as tesouras neste clu- sua ‘representação’ de gentlemen, for Success, associação que ajuda morístico”, mas talvez haja quem os primeiros documentos à auto- be masculino que até podia ser esses homens à ‘moda antiga’, mulheres desempregadas a al- nele se reveja com mais seriedade. rização de residência humanitária cenário de época. para grunhos com paus na mão. cançar sucesso profissional. Para “Decidimos usar máscaras e, como ou estatuto de refugiado, não igno- Ainda sem completar um ano Não há estética sem ética.” estas feministas, promovia-se a a reacção dos barbeiros bem de- rando o apoio jurídico, psicológico e de existência, a barbearia Figaro’s O grupo esclarece que se cons- ideia “de que a mulher se pode monstrou, não são alheias as ques- educacional. “A repatriação não está deu nas vistas em Outubro quan- tituiu apenas para esta acção, à resumir a um adereço de prazer tões de segurança”, advertem as excluída, se a pessoa assim o enten- do, após surgirem as primeiras qual chamaram “Ninguém nas- no trabalho” e, sendo o alvo uma activistas. Entretanto, o PCP apre- der terá ajuda para regressar ao seu denúncias, se percebeu que o ce cão”. Alguns são autores do organização de mulheres, “esta sentou um requerimento à Câmara país de origem, mas claro que assim cartaz colocado na porta não era blogue feminista “Interpolação”, é uma boa resposta a quem nos Municipal de Lisboa questionando perde a proteção internacional”, es- apenas decorativo ou provocató- que “surgiu da ideia de discutir o bombardeou com exemplos do sobre a legalidade desta prática. clarece Mónica Frechaut.

Atelier de Jornalismo: Imprensa nº132117 • 9 de Fevereiro a 10 de Março de 2015 Diretora: Deolinda Almeida Editora: Cristina Guerreiro Grafismo: Marco Ferreira Paginação: Ana Carvalheiro e Marco Ferreira Redação: Alexandre de Oliveira, Filipa Bernardo, Filomena Silva, Francisco Laranjeira, Inês Conde Rodrigues, Joana Filipa Freitas, João Carlos Martins, Luís Neto, Mariana Figueiras, Marta Silva, Ricardo Sobral e Stefka Dias Secretário de redação: Francisco Laranjeira

www.cenjor.pt Agradece-se aos formadores Francisca Leal, Isabel Gorjão Santos e José Peixe