Artilharia E Morteiros Na Grande Guerra (1914-1918)
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Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra – Um Século Depois”, Academia Militar, 2015, pp. 47-76. O conceito de Apoio de Fogos: Artilharia e Morteiros na Grande Guerra (1914-1918) Pedro Marquês de Sousa Tenente-Coronel Academia Militar 1. Introdução A grande guerra (1914-1918) foi o primeiro conflito em que se observou de forma decisiva o potencial de fogo de novos sistemas de armas como a metralhadora, a artilharia, os morteiros, as granadas de mão e de espingarda, o lança chamas, o torpedo bengalório, o carro de assalto (tank) e uma grande diversidade de munições de artilharia (gás, fumos, iluminantes, de alto explosivo e shrapnel). Foi neste conflito que se assistiu ao desenvolvimento da modalidade de “tiro indirecto.”1 cujos efeitos causaram grande parte das baixas, dando origem a novos equipamentos de proteção, como o capacete e a mascara anti-gás. O apoio de fogos afirma-se como uma nova função de combate, com os morteiros, a artilharia ligeira e os sistemas pesados operando numa gama de alcances que deram origem à nova dimensão do “combate em profundidade” em que os meios de artilharia causaram a maior parte das baixas, na ordem dos 58% dos mortos em 1 No tiro indirecto o efeito do tiro no objectivo (alvo) não é observado da posição de onde é disparado (na posição onde está posicionado o sistema de armas lançador). Na modalidade de tiro directo o objectivo é visto da posição onde estão as bocas de fogo podendo ser regulado e observado na posição da bateria. 48 Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra: Um Século Depois” combate. Herdeiro do positivismo da escola militar prussiana do final do século XIX, o exército alemão foi pioneiro na criação de um sistema de apoio de fogos que se afirmou logo no início da guerra com os morteiros, a artilharia pesada e os métodos de cálculo do tiro científicos, componentes que os seus adversários não dispunham de modo tão desenvolvido. Além da diversidade e quantidade dos meios, o exército germânico revelou uma estrutura orgânica inovadora, dotando os diversos escalões tácticos com meios de apoio de fogos próprios, desde os baixos escalões de infantaria, com morteiros ligeiros, ao escalão Corpo de Exército com artilharia pesada. No decorrer da guerra os aliados vão também desenvolver um sistema de apoio de fogos, com morteiros e artilharia, criando a estrutura que permanece válida na atualidade, constituída pelos três sub-sistemas: Aquisição de objectivos (os olhos e os ouvidos do sistema); o sub-sistema “Comando, Controlo e Coordenação” (o cérebro dos sistema) e o sub-sistema “Armas e Munições” (os músculos executores). 2. O novo conceito dos fogos indirectos A origem do tiro indirecto de artilharia é controversa, havendo autores que referem o seu aparecimento na 2ª Guerra Anglo Boer (1899-1902)2 e outros que consideram ter sido usado pela primeira vez na guerra Russo-Japonesa (1904-1905), mas sabemos que esta modalidade só foi amplamente usada na 1ª guerra mundial3. O “tiro indirecto” usado pela artilharia de campanha pressupunha que o tiro era feito sobre objectivos não observáveis da posição de onde era realizado o tiro, alterando profundamente as técnicas de observação e de regulação do tiro, que deixou de ser observado e regulado da posição da bateria, exigindo a presença de elementos destacados na frente para observarem a zona de objectivos situada a grande distância da bateria que executa o tiro. Relativamente aos equipamentos de artilharia, a grande novidade foi a generalização dos sistemas com ligação elástica (sistema amortecedor do recuo do tubo e de recuperação da massa recuante) permitindo aumentar muito a cadência de disparo mantendo a precisão do tiro. O primeiro equipamento dotado de ligação elástica e de um aparelho de pontaria adaptado ao tiro indirecto, foi a peça francesa 75mm S.Canet (1897)4 que assumiu por isso a nomenclatura de TR (tiro rápido) qualidade usada inicialmente para o tiro directo. Este conceito de utilização da artilharia com sistemas mecânicos avançados mas vocacionada para o tiro directo, traduzia os princípios da doutrina táctica francesa antes da guerra, que considerava o emprego da 2 Frank W.Sweet, The Evolution of Indirect Fire, Backintyme,2000.p.28. 3 Os estudos e a doutrina da técnica do tiro indirecto começaram a ser desenvolvidos pelos aliados, depois dos alemães já terem desenvolvido doutrina sobre esta modalidade de tiro na sua artilharia e para os seus morteiros, sistema em que foram pioneiros. Só em 1906 o exército Britânico começa a estudar esta modalidade e o exército dos EUA em 1907 (Field Artillery Drill Regulation). 4 Frank W.Sweet, The Evolution of Indirect Fire, Backintyme, 2000.p.20. O conceito de Apoio de Fogos: Artilharia e Morteiros na Grande Guerra (1914-1918) 49 artilharia, apenas como um complemento da infantaria. A doutrina francesa considerava que a infantaria continuava a ter a missão principal e a artilharia tinha apenas a missão de apoiar a sua manobra, fundamento que fazia a grande distinção relativamente à escola militar alemã, que no inicio da guerra já valorizava os fogos de artilharia em profundidade sobre a artilharia inimiga e sobre os postos de comando, comunicações e órgãos logísticos do inimigo. No inicio da guerra o exército alemão tinha uma grande superioridade em artilharia pesada, tendo quase sete vezes mais bocas de fogo de artilharia pesada do que os exércitos aliados. O Relatório Britânico sobre as Lições aprendidas durante a Grande Guerra5 destaca o grande poder de fogo e os efeitos morais e materiais do obus alemão 150 mm logo no inicio da guerra em 1914, na batalha das fronteiras na frente ocidental, mostrando como este sistema motivou posteriormente o desenvolvimento dos sistemas de artilharia média e pesada que tiveram grande protagonismo no conflito. Obus alemão 150 mm em 1914 (5.9 in Howitzer) No inicio da guerra em 1914 a artilharia francesa dispunha de cerca de 3800 peças de artilharia ligeira (75mm) e apenas 384 bocas de fogo de artilharia pesada. O exército alemão dispunha de cerca de 2000 bocas de fogo de artilharia pesada e um sistema vocacionado para bater objectivos em profundidade, apoiado por métodos de cálculo do tiro mais avançados, de base cientifica, com o apoio da topografia e da meteorologia, criando a estrutura do sistema de artilharia de campanha tal como conhecemos na atualidade, constituído pelos três subsistemas, interligados entre si, basicamente por meios TPF, (ainda que já tenha sido usado o sistema TSF entre aeronaves e balões para postos terrestres): 5 Report of the Commitee on The Lessons of the Great War, War Office,1932.pp.13-14 50 Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra: Um Século Depois” • Aquisição de objectivos (observadores, aeronaves e balões) • Comando e Controlo (postos de comando da artilharia e de morteiros) • Armas e Munições (sistemas de armas de artilharia ligeira, pesada e morteiros) Na sua classificação das guerras em quatro gerações, William Lind6 caracteriza a 1ª Grande Guerra como a guerra de 2ª geração através da expressão “A Artilharia conquista e a Infantaria ocupa” para destacar o “Poder de Fogo” como a principal característica desta guerra que se distingue da geração anterior (massa humana) e da 3ª geração (manobra). Logo no inicio da campanha militar em Agosto de 1914 na ofensiva sobre a Bélgica, os alemãs demostraram o poder da sua artilharia pesada nas operações de cerco a Liége e a Namur, usando a poderosa “Big Bertha” (420 mm) e o morteiro pesado austríaco “Emma” (305 mm) produzido pela Skoda, usando já espoletas de percussão de atraso nas granadas explosivas, destinadas a detonarem após a penetração nas fortificações. O pensamento militar em França apesar da experiencia da Guerra Franco- -Prussiana, acreditava que a guerra no futuro seria fundamentalmente protagonizada pela infantaria, sendo a artilharia apenas um complemento da manobra, vocacionada para o apoio directo à infantaria. Este conceito dos franceses antes da guerra, é confirmado pelo facto da França em 1914 dispor de reduzidos meios de artilharia pesada relativamente às suas peças ligeiras (75mm), realidade reveladora de um conceito de apoio de fogos ultrapassado, dedicado apenas ao apoio próximo à infantaria. Os ingleses na sua experiencia na guerra Boer também consideravam a artilharia para aumentar o poder de fogo da infantaria não desenvolvendo a prática do tiro indirecto7. No entanto alguns autores como Thomas Pakenham, referem que na 2ª Guerra Anglo Boer (1899- -1902) as forças inglesas foram pioneiras na utilização do tiro indirecto e das barragens de fogo de artilharia, nomeadamente na batalha de Tugela Heights..8 No inicio da Guerra o exército alemão já usava o apoio de fogos em proveito da mobilidade sendo a artilharia essencial na ofensiva usando obuses para neutralizar a artilharia francesa (75mm) e a artilharia pesada para destruir as fortificações francesas e belgas segundo um conceito de atacar o inimigo com fogos de massa, planeados e controlados de forma centralizada em elevados escalões (Divisão e Corpo de Exército) o que os aliados só fizeram mais tarde. Este novo conceito de apoio de fogos implicava uma centralização do comando e controlo, o que levou à organização de escalões de comando para a artilharia, como o Comando da artilharia Divisionária, de Corpo de Exército e superior, para dirigirem também a exigente logística da artilharia, principalmente o reabastecimento de munições. 6 William S. Lind, “The Changing Face of War: Into the Fourth Generation,” Marine Corps Gazette, October 1989. 7 Apesar de reconhecerem a vantagem do tiro indirecto e de observarem a suas vantagens na guerra russo-japonesa (1904-1905), a escola inglesa considerava que esta modalidade implicava um elevado consumo de munições perante os efeitos obtidos. 8 Thomas Pakenham, The Boer War, Abacus, 2004, designa esta Guerra como a primeira guerra moderna “the first modern war”, destacando estas inovações da artilharia.