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TEEN AGE A Construção da Narrativa Gráfica a Partir da Autobiografia

Ana Raquel Cunha Diogo

Relatório de Projeto para Obtenção de grau de Mestre em Artes Plásticas, Especialização em Desenho

Orientador Professor Doutor Mário Moura

Porto, 2019

Agradecimentos | i

Quero agradecer ao meu orientador, Professor Mário Moura, pela sua disponibilidade em orientar-me, e acompanhar-me ao longo deste processo de trabalho.

Agradeço principalmente aos meus pais pelo apoio e esforço que sempre fizeram ao longo destes anos de estudo.

A Bárbara e Maria, que sempre me acompanharam durante este caminho e sempre me incentivaram para continuar, às suas recomendações e conhecimentos partilhados.

Ao Pedro, pela paciência e motivação, e por me ajudar a nunca desistir.

Aos meus colegas e amigos de mestrado, pelos bons e maus momentos, entreajuda, partilha de ideias e opiniões.

Resumo | ii

O presente relatório de projeto tem como principal objetivo abordar a banda desenhada autobiográfica como um modo expressivo de contar histórias aos quadradinhos em que os autores se assumem nas suas histórias como personagens, da mesma forma que se expressam perante a sociedade.

O nosso caso de estudo é a banda desenhada do movimento artístico norte-americano criado na década de 60 e chamado Comix-Underground.

A autobiografia é uma forma inevitável de exprimir o pessoal de cada um, visível ao leitor. Falamos assim de um projeto autorrepresentativo e do papel da mulher na sociedade nomeadamente na prática de skate na qual é assumida com a dominação masculina e se torna visível a desigualdade entre estes experienciando assim pequenos episódios de discriminação, preconceitos e estereótipos presentes na modalidade. A criação do objeto artístico, um álbum intitulado “TEEN AGE”, resulta da conceção de pequenas narrativas gráficas autobiográficas.

PALAVRAS-CHAVE: Autobiografia; Banda Desenhada; Comix-Underground; Quadradinhos; Histórias.

Abstract | iii

This project report aims to approach as an expressive way of telling stories to comics in which the authors assume themselves in their stories as characters, just as they express themselves before society. Our case study is the comic strip of the American art movement created in the 60's and called Comix-Underground.

Autobiography is an inevitable way of expressing one's own people, visible to the reader.Thus we talk about a self-representative project and the role of women in society, particularly in skateboarding, where male domination is assumed and the inequality between them becomes visible, thus experiencing small episodes of discrimination, prejudice and stereotypes present in the sport. The creation of the artistic object, an album titled “TEEN AGE”, results from the design of short autobiographical graphic narratives.

Keywords: Autobiography; Comics; Comix-Underground; Comics; Stories.

Índice | iv

Agradecimentos | i Resumo | ii Abstract | iii Índice | iv Índice de figuras | v

Introdução 1. Motivações | 12 2. Apresentação da investigação | 14 3. Metodologias | 15 4. Estrutura do relatório | 16

Capítulo I – A Banda desenhada autobiográfica

1. A autobiografia como género na BD | 18 2. A autobiografia na Banda Desenhada e a sua veracidade | 24 3.O que é um comic autobiográfico? | 36 3. A autobiografia nos comix-underground | 42 4. O feminismo no comix-underground | 56

Capítulo Il - Desenvolvimento do projeto prático: “TEEN AGE” 1.Enquadramento | 71 2.Metodologia | 72 3. Documentação processual | 74 3.1. Criação de uma linguagem e identidade próprias | 81 3.2. Técnicas, ferramentas, meios de produção | 84 3.3. Maquete final | 89

Considerações finais 1. Conclusão e perspetivas de trabalho no futuro | 94

Referências Bibliográficas

Índice de figuras | v

Figura1. Capa da BD “Share Your Smile “(2019) de Reina Telgemeier. Fonte: goodreads.com Figura2. Prancha do livro “SMILE” (2010) de Reina Telgemeier. Fonte:Amazon Figura.3 Maus: A história de um Sobrevivente - (1980) Fonte: http://estandybooks.blogspot.com Figura.4 "Meu diário de Nova York”, parte um" Página 3 de Fonte: www.nybooks.com Figura. 5 Prancha de BD de Seth. Fonte: digitalmediatree.com Figura.6 Entrevista com , cuja resposta ao ataque Charlie Hebdo apareceu no Libération. Fonte: /www.theparisreview.org/ Figura.7 Aline Kominsky-Crumb and R. Crumb, “Self-Loathing Comics No. 2” (1997) Fonte: hyperallergic.com Figura.8 “Fun Home”, Alison Bechedel (2012) Lisboa; Edições Contraponto, páginas 46/47 Fonte: Fun home Figura.9 “Bink Brown Meets the Holy Virgin Mary” (1972) de Justin Green Fonte: Wikipédia Figura.10 “The New Adventures of Jesus: The Second Coming” (1964) de Stack, página 114. Fonte: https://www.flickriver.com/photos/fantagraphics/317361884/ Figura.11 God Nose (1964) de Jack Jackson. Fonte: https://www.pinterest.es/pin/413134965798747577/ Figura.12 “Head First” da revista Zap Comics 2 (1968) de S. Clay Wilson Fonte: https://www.lambiek.net Figura 13. “Binky realizando um exorcismo “ (1972) de Justin Green. Fonte: http://www.closure.uni-kiel.de/closure5/thomsen Figura.14 Estudo para a capa do RAW no. 7, tencnica mista. Ca. 1985 de Art Spiegelman. Fonte: https://artillerymag.com/featured-review-art-spiegelman/ Figura 15. Vinheta da sétima parte de 'Paracuellos' de Carlos Giménez (2016). Fonte:https://elpais.com/cultura/2016/11/23/actualidad/1479926041_3036 84.html Figura 16. Vinheta da sétima parte de 'Paracuellos', de Carlos Giménez (2016)Fonte:https://elpais.com/cultura/2016/11/23/actualidad/1479926041 _303684.html Figura 17. Edição final de “Bijou Funnies” #8, publicada em novembro de 1973 de Fonte: https://comixjoint.com/bijoufunnies8- 2nd.html Figura 18/19. Capa It Aint Me Babe, publicada em julho de 1970, por and Barbara "Willy" Mendes, editora Eco-Funnie.1º, º e 3º númerosFonte: https://comixjoint.com/itaintmebabe-1st.html Figura.20 "Breaking Out" história da revista It Aint Me Babe, (1970) por Trina Robbins and Barbara "Willy" Mendes, editora Last Gasp Eco-Funnie Fonte: https://alumnae.mtholyoke.edu/blog/it-aint-me-babe-breaking-out/ Figura.21 Capa da revista “Wimmen's Comix” #1, November 1972.de Patricia Moodian. Fonte:wikipedia Figura.22 Primeiro painel de “I Had a Teenage Abortion” de Wimmen’s Comix #1 (1972). Fonte: https://womenscomix.wordpress.com/tag/wimmens-comix/ Figura.23 Capa da revista nº 17 com o nome “Wimmin's Comix” (1992) Fonte: https://www.comics.org/series/35937/ Figura. 24 Storyboards realizadas durante a licenciatura. Fonte: Arquivo pessoal Figura. 25 Imgens do interior do “Punk boy” de Felipe Almendros, edição Glénat. Figura 26. Primeiros esboços da personagem. Fonte: Arquivo pessoal Figura. 27 Esboços do estudo a personagem principal.Fonte: Arquivo pessoal Figura. 28 Desenho da artista Lela Brandão Fonte: https://www.instagram.com/lela.brandao/?hl=pt-br Figura. 29 Prancha de uma BD aleatória de Power Paola . Fonte: http://powerpaola.blogspot.com/ Figura 30 Prancha de uma BD aleatória de Marcos Farrajota.Fonte: Editora Chilli com Carne Figura 31. Estudo da personagem através uma linguagem própria Fonte: Arquivo pessoal Figura 32. Estudo da personagem através uma linguagem própria Fonte: Arquivo pessoal Figura 33. Estudo da personagem através uma linguagem própria Fonte: Arquivo pessoal Figura 34. Layouts Fonte: Arquivo pessoal Figura 35. Prancha de story board Fonte: Arquivo pessoal Figura 36. Prancha de story board Fonte: Arquivo pessoal Figura 37. Prancha de story board Fonte: Arquivo pessoal Figura.38 Estudo do espaço a cores Fonte: Arquivo pessoal Figura.39 Estudo do espaço a cores Fonte: Arquivo pessoal Figura.40 Fotos de teste a preto e branco relativamente ao tamanho A5 e A4. Fonte: Arquivo do autor Figura.41 Foto da capa cores no tamanho 20x28 Fonte: Arquivo do autor Figura.42 Imagem da alteração de alguns pormenores na capa tamanho 20x28 Fonte: Arquivo do autor Figura.43 Foto de teste a um separador em tamanho A4 Fonte: Arquivo do autor Figura.44 Foto de uma página de Bd e um separador e balonagem na finalizados em tamanhão 20x28 Fonte: Arquivo do autor Figura. 45 Foto de BD já finalizada no formato 20x28 Fonte: Arquivos do autor Figura. 46 Foto de BD já finalizada no formato 20x28 Fonte: Arquivos do autor Figura. 46 Foto de BD já finalizada no formato 20x28 Fonte: Arquivos do autor

Introdução

Motivações

Este projeto surge no âmbito do Mestrado em Artes Plásticas especialização em Desenho na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

O objetivo a desenvolver neste relatório de projeto é a construção da narrativa gráfica a partir da autobiografia, explorando assim a forma como ela possa ser contada, e a sua importância e origem como género na banda desenhada.

Durante a minha licenciatura em Banda Desenhada e Ilustração, na Escola Superior Artística do Porto – Guimarães, em propostas de algumas unidades curriculares realizava sempre, por impulso, narrativas gráficas de histórias que me tinham acontecido ou presenciado. Mais tarde, vim a dar conta que o meu foco e interesse na banda desenhada era o género da autobiografia. Tive também oportunidade de conhecer alguns autores dentro do género, o que me motivou ainda mais a continuar a fazer histórias.

A licenciatura em BD e Ilustração foi bastante enriquecedora, deu-me muita liberdade para poder construir narrativas gráficas das mais diversas formas, como nas mais distintas técnicas e materiais de produção. A realização desses projetos anteriores suscitou-me interesse na publicação independente. Mais tarde, surgiu esta ideia de fazer uma banda desenhada com histórias sobre o meu quotidiano.

Durante o meu primeiro ano de mestrado em Artes Plásticas, a ideia era fugir ou pelo menos tentar um género de narrativa gráfica diferente, mas após um período de confrontação, senti a necessidade de retornar a autobiografia, o que ao mesmo tempo ajudou a desenvolver novas técnicas e materiais.

12 Já no segundo ano de mestrado tinha uma ideia pré-definida acerca do que queria trabalhar, indo ao encontro de um antigo projeto iniciado durante a licenciatura, que era realizar uma banda desenhada sobre histórias minhas, o meu alter ego, na prática da modalidade skate e como ele afeta o meu quotidiano, as dúvidas de uma adolescente que pratica um desporto dominado maioritariamente por rapazes, a relação em casa com a família e conversas com amigas sobre dúvidas existenciais.

Ao mesmo tempo, o que me motivou foi também perceber que não havia muitas histórias sobre o mesmo tema, especialmente contadas por mulheres, e em especial praticantes da modalidade.

O facto de poder abordar e trabalhar este assunto deu-me liberdade para poder processualmente experimentar outras técnicas até chegar a um resultado final que me era satisfatório. Considero a banda desenhada a melhor forma de contar uma narrativa gráfica, pois a sua compreensão é objetiva e consegue fazer o leitor perceber o que a personagem está a passar e até mesmo colocar-se no lugar dela.

13 Apresentação do projeto

Este projeto propõe uma componente teórico-prática que tem como objetivo a construção de uma narrativa gráfica autobiográfica. A relação entre texto e imagem propõe ao leitor uma abordagem mais próxima às personagens e ao desenrolar da ação.

Procura refletir sobre o papel da banda desenhada, um género inicialmente produzido para crianças, que mais tarde, através do surgimento de novos movimentos artísticos, deu origem a banda desenhada para adultos com conteúdo provocatório.

Mais tarde, o movimento feminista deu voz a muitas artistas para poderem publicar as suas histórias reivindicando as suas contestações, tratando temas como a liberdade sexual, violência e drogas.

Serão analisadas antologias de forma a perceber qual foi a importância dos comix-underground e o seu impacto no mundo das histórias aos quadradinhos, e de que maneira a autobiografia influenciou autores a criarem as suas histórias a partir de experiências vividas.

O desenvolvimento da banda desenhada será importante para refletir acerca da relação com o público a que me quero dirigir, as personagens e na criação da narrativa visual de maneira que cative o leitor. A conceção das histórias vai de encontro às decisões tomadas pela autora.

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Metodologia

A metodologia adotada na primeira parte consiste na análise e revisão de uma pesquisa teórica acerca da autobiografia como género e de como ela pode nos dar pistas acerca da sua veracidade, e de que maneira ela influenciou vários autores, realizando assim um estudo acerca de vários artistas e antologias.

A segunda fase do projeto de mestrado consistiu na criação de uma banda desenhada autobiográfica, em que numa primeira fase houve uma seleção de histórias a serem escolhidas trabalhando assim os argumentos para cada uma. Existiu uma necessidade de procura de uma linguagem de desenho específica de acordo com o tema e o público em questão, tendo sido usado o diário gráfico para desenvolver as personagens.

Durante a concretização dos storyboard, os desenhos foram elaborados em suporte papel, através do uso de grafite e por vezes a cor, utilizando em partes distintas diferentes materiais e técnicas tais como fotografia e edição de imagem, bem como o decalque usando papel vegetal.

Na finalização da banda desenhada, pensou-se num tratamento digital, assim como a introdução da balonagem e da tipografia, realizando-se alguns testes sobre o tipo de papel e formato, estudando a melhor forma de apresentação.

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Estrutura do relatório

Este relatório divide-se em dois capítulos. O capítulo um refere-se à investigação teórica, enquanto o segundo se centra na prática da elaboração da banda desenhada e na sua construção.

O primeiro capítulo concentra-se numa breve contextualização histórica e teórica. Inicialmente abordaremos a autobiografia como género na banda desenhada e a sua veracidade, quais os fatores e pistas que levam o leitor a perceber a sua autenticidade. Esta contextualização analisa o surgimento dos comix-underground e de que maneira revolucionaram o mundo dos quadradinhos, com as suas histórias de conteúdo proibido, e a aparição de novos movimentos que trouxeram mais espaço e liberdade na criação de conteúdo.

Em relação ao segundo capítulo, apresenta-se o desenvolvimento do projeto prático e da construção da banda desenhada “TEEN AGE”. Começando pelo estudo da personagem principal e das restantes que fazem parte das histórias, sucedendo-se depois as storyboards e layouts, através de imagens que demonstram o processo, utilizando diferentes técnicas. Na sua finalização, questões como o formato, tipo de papel e tipografia são tidas em conta de acordo com a realização de testes até se chegar a um resultado final satisfatório.

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Capítulo I

A Banda Desenhada autobiográfica

A autobiografia como género na BD

Os comics1 autobiográficos nos últimos anos têm vindo a captar uma maior quantidade de atenção crítica. Há quem identifique os comics autobiográficos como um género dentro da Banda desenhada contemporânea. No livro “Alternative Comics”, Charles Hatfield (2005) afirma: “A Autobiografia, especialmente, foi o centro da banda desenhada alternativa, - quer nas histórias do picaresco shaggy dog ou o desarmante, às vezes perturbador, desenraizamento de psique […] - e isto levantou complexas questões acerca da verdade e ficção, realismo e fantasia e a sua relação entre o autor e o público.”2

Já Elisabeth El Refaie (2012) afirma: “A autobiografia tornou-se o género que mais define a produção de quadradinhos alternativa e de pequena imprensa na América do Norte e na Europa Ocidental hoje”.3

O pesquisador Thierry Groensteen (2007) também comenta que “a proliferação de histórias em quadradinhos autobiográficas é um fenómeno notável dos últimos anos, oriundo da América, onde os trabalhos de Robert Crumb, Art Spiegelman e , notavelmente, abriram as portas”.4

Os comics autobiográficos que são alvo de maior crítica são os que lidam com traumas como o Holocausto, a guerra do Iraque, genocídio, suicídio, na medida em que os comics são um meio de comunicação desse tipo de experiências traumáticas.

1 Comics- É feito o uso da palavra comics num contexto Americano. 2 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint pág 1. 3 REFAIE, Elisabeth El (2012) Autobiographical Comics. Editora: University Press of Mississippi pág 36. 4 HATFIELD, Charles (2005) Alternative Comics.University Press of Mississipp. Pag 19.

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Alguns dos casos com maior atenção estudados foram: Maus de Art Spiegelman (1986, 1991), Persepolis de Marjane Satrapi (2004, 2005), e Fun Home de Alison Bechdel (2006).

Com a combinação de elementos visuais e verbais, os comics parecem ser a forma que mais se adequa para relatar experiências do quotidiano e de comunicar, transmitir as experiências ao leitor.

Contudo os comics autobiográficos não se baseiam apenas na representação de experiências traumáticas. Muitos autores optam por abordar experiências do seu quotidiano, ou de caracter mais humorístico, podendo assim desenvolver-se uma ligação entre o autor e o leitor, ampliando a experiência de trauma ou o humor do mundano.

Scott McCloud argumenta que o estilo de desenho figurativo, que ele coloca num “plano de figuras que cobre estilos realistas, abstratos e icónicos, pode impactar o engajamento do leitor com a narrativa”5. “Quanto mais abstrata a figura, mais o leitor é ‘atraído’ pela narrativa para simpatizar com as experiências dos personagens”.6

Contudo os comics autobiográficos têm o poder de expandir e universalizar as experiências de cada autor, quer pelo estilo, quer pelos layouts e as mais diversificadas técnicas narrativas. São de facto essas histórias do quotidiano a maior porção de alguns dos mais populares comics autobiográficos, inclusive o trabalho de Harvey Pekar, Gabrielle Bell, , Julia Wertz, com uma enorme parte de comics diários e web comics.

5 MCCLOUD, Scott (1994) Understanding Comics. William Morrow Paperbacks; Edição: Reprint, pág (51–3). 6MCCLOUD, Scott (1994) Understanding Comics. William Morrow Paperbacks; Edição: Reprint, pág (29–31).

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Os comics autobiográficos enfatizados como alternativos, seguiam-se aos comics do movimento underground das décadas de 1960 e 1970, que eram produzidos em DYE (faz tu mesmo) nos anos 80s e 90s, nos quais se ofereciam aos leitores alternativas aos editores mainstream como a DC e Marvel. Nesta altura os super-heróis ocupam e dominam toda a indústria dos comics mainstream lançados por estas grandes editoras e vendidos em livrarias especializadas, mas este tipo de género de comics tem sido desafiado nestes últimos anos por géneros como terror, fantasia, ficção científica e séries publicadas pela .

No entanto todas estas editoras já referidas anteriormente, DC, Marvel e Image, são bastante limitadas em relação ao mercado. Este tipo de comics chega a lojas onde o leitor é um consumidor fiel, acompanhando sempre as mesmas séries, editores e criadores, enquanto nas livrarias convencionais é possível ter uma variedade imensa de géneros de comics como por exemplo as novelas gráficas de Raina Telgemeier (fig.1e2) que chegaram a best-seller. Como é de notar, nos últimos anos é possível ver uma maior aceitação dos comics autobiográficos, mesmo que não se reflita em todas as lojas e livrarias de comic.

Há que ter em consideração que também o mundo dos comics na internet, que atualmente tem grande audiência, produzindo diariamente os seus comics com o benefício de poder alcançar de imediato os leitores sem ter de haver uma publicação impressa.

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Figura 1. Capa da BD “Share Your Smile “(2019) de Reina Telgemeier. Fonte: goodreads.com

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Figura 2. Prancha do livro “SMILE” (2010) de Reina Telgemeier. Fonte:Amazon

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Há que ter em consideração que também o mundo dos comics na internet, que atualmente tem grande audiência, produzindo diariamente os seus comics com o benefício de poder alcançar de imediato os leitores sem ter de haver uma publicação impressa.

O mais visível fenómeno na internet foi o meme “comics rage”, que começou em 2008: “Estes comics grosseiramente desenhados por criadores anónimos seguem um estilo e fórmula similares, onde o sujeito frequentemente experimenta uma indignidade comum que conclui com um close-up de um rosto em um paroxismo de raiva (conhecido como "rageguy") gritando "FFFFFFFUUUUUUUU". Os criadores foram capazes de produzir facilmente os seus próprios trabalhos através de "geradores de comics de raiva" (também conhecidos como "fabricantes de raiva") que virtualmente automatizam o processo de criação. Essas histórias em comics foram produzidas por inúmeros criadores anônimos e vistas por milhões de leitores por meio de plataformas como o 4chan e o reddit, tornando-as, indiscutivelmente, os comics mais populares produzidos em décadas.” 7

Os internautas foram dando asas à sua imaginação, fazendo com que o meme fosse progredindo, pegando em imagens e rostos permitindo que fossem contadas outras histórias nesse estilo, podendo-se dizer que qualquer um podia ser um cartunista autobiográfico.

Apesar de a autobiografia dominar apenas pequenas publicações e auto publicações, é definida como alternativa, é um género dominante entre os variados géneros existentes.

7 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág4.

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A autobiografia na Banda Desenhada e a sua veracidade

“Uma definição padrão para “autobiografia” vem de On Autobiography (1989) de Philip Lejeune: “Retrospetiva da narrativa em prosa escrita por uma pessoa real sobre sua própria experiência, onde o foco é sua vida individual, em particular a história de sua personalidade.” 8

Mediante a expressão de Lejeune existe uma compreensão por parte do leitor de que o autor, narrador e protagonista de uma autobiografia são a mesma pessoa num só tempo.

Muitos dos comics autobiográficos produzidos têm um único autor, em que o cartunista escreve e desenha as suas experiências. Com isto traduz que um tal acontecimento, experiência aconteceu com alguém mas é possível ser contada, desenhada por outra pessoa, tendo sempre que encarar o papel da pessoa que viveu realmente o acontecimento.

Artistas como, Harvey Pekar, , Andrew Aydine Nate Powell’s March, entre muitos outros criam as histórias, mas depositam a sua confiança noutros artistas para contarem as suas histórias e acontecimentos.

Esse tipo de trabalho demonstra novas formas de como a banda desenhada pode ser usada para relatar histórias, existindo assim uma capacidade maior de explorar novas características de comunicação que

8 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 5.

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envolvem os gestos das personagens, a fala, o texto, a sequencialidade e claro a relação com o texto-imagem.

Em “Autobiographical Comics”, Lejeun descreve:“A forma dos quadradinhos necessariamente e inevitavelmente chama a atenção, através de suas propriedades formais, para suas limitações como prova jurídica - à compressão e às lacunas de sua narrativa (representada graficamente pelo espaço entre os painéis) e às destilações icónicas de sua arte. Os tipos de alegações de verdade que são disputadas nos tribunais e na opinião pública com autobiografia baseada em texto nunca estão exatamente em questão na autobiografia gráfica.”9

Já para Jared Gardner (2008), “tanto a representação artística dos eventos no estilo individual do artista quanto a fragmentação da narrativa em painéis separados por sarjetas desafiam a verificabilidade dos eventos representados nos quadradinhos.”10

Os estudiosos de banda desenhada11 levantam questões acerca da veracidade e autenticidade do comic autobiográfico. Sendo autobiográfico, será que os textos que combinam palavras e desenhos representam a verdade? Artistas como Hatfield (2005), Gardner (2008) e Chute (2010) consideram que muitos autores de banda desenhada autobiográfica colocam essas questões de várias maneiras.

Alguns criadores, como Joe Matt, Seth, Julie Doucet, Gabrielle Bell e outros, de bom grado e divertidamente, corroem a "veracidade" de seu trabalho.

9KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 6. 10 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 6. 11 Banda Desenhada- uso da terminologia num contexto europeu. 25

Outra comparação entre prosa e quadradinhos é justificada aqui. Um autor de prosa que trabalhe em autobiografia pode usar linguagem figurada sem desafiar a veracidade da autobiografia, como por exemplo "Eu me sentia como um rato em uma armadilha" ou "Eu era um rato, preso em uma armadilha."12

Em “Maus”: a história de um sobrevivente, de Art Spiegelman (1980) (fig.3), os judeus não são como os ratos, por outro lado são representados como tal. Sabe-se que não é uma verdade literal. O processo mental em que a representação visual faz com que o leitor decifre a narrativa é diferente e mais complicado que as ferramentas que estão acessíveis ao autobiógrafo que apenas escreve.

Figura 3. “Maus: A história de um Sobrevivente” de Art Spiegelman (1980). Fonte: http://estandybooks.blogspot.com

12 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 7.

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As BDs com textos visuais fornecem uma ferramenta artística essencial para o autor que escreve uma autobiografia, criando uma ligação entre a ficção e a realidade, ajudando assim a que haja uma “verdade emocional”, onde “alguns memorialistas gráficos estão muito mais interessados em refletir os seus sentimentos em relação ao seu próprio passado de uma maneira autêntica do que em alegar retratar a 'verdade absoluta.'”13

Gardner (2008) afirma que o estilo de um artista pode atrapalhar a relação entre realidade externa e o desenho em questão se este não tiver o estilo realista.

No “The New York of Julie Doucet’s New York Diary” (1999) (fig.4) pode- se observar que toda aquela envolvência de um mundo repleto de caos, parece ter pouca homogeneidade com a realidade da cidade de Nova Iorque. A maneira como estão representadas as personagens e mesmo o estilo do artista pode influenciar e verificar a sua autenticidade autobiográfica. Por exemplo, se o estilo de um artista for muito abstrato ou pouco representativo pode dar a ideia de uma falsa verdade ou uma distante realidade. Por mais foto realista que seja, é separado da realidade do mesmo modo que todos os comics, que, por si só, ao serem meios visuais e desenhados à mão, idealizam uma perceção de realidade.

13 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 8.

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Figura 4. “Meu diário de Nova York”, de Julie Doucet. Fonte: www.nybooks.com

28 Se observamos a personagem de artistas como Seth (fig.5), esta é similar a si, com a característica do chapéu, óculos e até mesmo o jeito de vestir – o que se pode observar também em Robert Crumb (fig.6) e a sua esposa.(fig.7)

Figura 5. Prancha de BD de Seth. Fonte: digitalmediatree.com

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Figura 6. Entrevista com Robert Crumb, cuja resposta ao ataque Charlie Hebdo apareceu no Libération. Fonte: /www.theparisreview.org

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Figura 7. Aline Kominsky-Crumb and R. Crumb, “Self-Loathing Comics No.2” (1997). Fonte: hyperallergic.com

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Em “Autobiographical Comics: Life Writing in Pictures”, Elisabeth El Refaie (2012) descreve essa auto-representação repetitiva como “encarnação pictórica” e tem a vantagem de oferecer aos criadores “a oportunidade de se engajarem explicitamente com seu próprio corpo, através de imagens e com suposições e valores socioculturais que tornam os corpos significativos”.14

Como é possível verificar através da opinião de diferentes artistas, existem vários tipos de “verdade” em relação ao que os comics autobiográficos podem apresentar. Já na opinião de Gardner a representação visual estabelece uma barreira entre o artista e o sujeito, argumentando que o tema a ser desenhado pode ser completamente diferente e distinto do artista de modo considerável:

“Com os quadradinhos, a natureza comprimida, mediada e icónica do testemunho (texto e imagem) nega qualquer colapso entre a autobiografia e o assunto autobiográfico ... e a arte cómica estilizada recusa-se a qualquer afirmação da verdade "ter-sido-lá", mesmo (ou especialmente) por parte daqueles que realmente eram.”15

Geralmente a forma como é apresentada a Banda desenhada, imagem- texto, tem uma grande influência para tentar perceber a sua veracidade, os comics autobiográficos dependem muito de caixas com legendas nas vinhetas, onde a história é narrada na primeira pessoa do “eu”

14 REFAIE, Elisabeth El (2012) Autobiographical Comics: Life Writing in Pictures”. Editora: University Press of Mississippi, pág 91.

15 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 9.

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autobiográfico. Noutros casos, como One Hundred Demons (2002), de , a caixa com a narração ocupa metade da vinheta.

Já em Fun Home (2006), de Alison Bechdel, numa das partes da sua banda desenhada, a sua avó faz referência ao seu pai, e relata uma situação em que este com três anos de idade ficou preso quanto ia caminhar por um campo cheio de lama. Este relato da história contado pela avó, em que o carteiro localizou a criança no campo, é descrito em caixa de texto em vez de balões. No entanto, na sua representação visual da história é mostrado um leiteiro a puxar por Bruce Bechdel (pai de Alison) e não o tal carteiro. Num parêntesis à parte, também numa caixa de legenda, explica: “(Eu sei que Mort era um carteiro, mas eu sempre imaginei ele como um leiteiro, todo de branco - um ceifador reverso).”16 (fig.8)

Existe uma interpretação complexa entre as imagens e as palavras. Pode- se dizer que as imagens não se assemelham à verdadeira história contada pela avó de Alison, pois para Alison, que é “eu” narrador, o leiteiro de roupa branca representa o verdadeiro estado emocional sobre a história contada. Deste modo é necessária uma caixa de texto para explicar este estado de contradição entre a imagem-texto com a narrativa contada pela avó.

16 BECHEDEL, Alison (2012) Fun Home. Lisboa; Edições Contraponto, pag.47

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Figura.8 “Fun Home”, Alison Bechedel (2012) Lisboa; Edições Contraponto, páginas 46/47. Fonte: Fun home.

34 Mas afinal como se conclui a veracidade e a autenticidade nos comics autobiográficos? O que é uma Banda desenhada autobiográfica? São questões fundamentais que nos levam a questionar a compreensão padronizada da autobiografia.

Em resultado destas questões, Charles Hatfield (2005) expõe que a autobiografia em geral “inevitavelmente mistura o factual e o fictício” 17, as BDs evidenciam essa mistura em que eventualmente a única verdade é a impossibilidade total da autenticidade nos comics autobiográficos a que Hatfield qualifica “autenticação irónica”18.

17HATFIELD, Charles (2005) Alternative Comics: An Emerging Literature. University Press of Mississipp, pág 112 18HATFIELD, Charles (2005) Alternative Comics: An Emerging Literature. University Press of Mississipp, pág 125

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O que é um comic autobiográfico?

A resposta a esta pergunta parece ter uma definição bastante simples: histórias aos quadradinhos em sequência acompanhados de imagens- palavras que relatam acontecimentos da vida do autor.

Em Autobiographical Comics, El Refaie (2012) apresenta como definição “os quadradinhos autobiográficos como uma categoria solta de escrita da vida através do uso de imagens sequenciais e (geralmente) palavras. As obras individuais diferem grandemente de acordo com as condições históricas, econômicas, tecnológicas e socioculturais específicas nas quais foram criadas e, a cada mudança nessas condições, novos formatos de vida gráfica provavelmente surgirão.”19De acordo com Refaie, “Isso combina as definições padrão de cada termo: “autobiografia” como “escrita da vida” e “quadradinhos” como as duas imagens em combinações de sequência e palavra-imagem.”20

O que caracteriza então uma banda desenhada autobiográfica? De algum modo, a obra vai relevando pormenores de natureza autobiográfica, quer através o texto, ou de informações que suportam o modo da leitura de teor semântico e estético-literário, informações sobre o autor, agradecimentos, comentários, páginas de título, resumo, o título na capa como por exemplo “Tempos Amargos” ou “O Diário do Meu Pai”, a sinopse do livro pode relatar pistas óbvias, até mesmo a editora pode caracterizar o livro como uma autobiografia. A relação entre o nome de autor e características visuais da personagem principal, como por exemplo a foto do autor na contracapa, e por assim

19 REFAIE, Elisabeth El (2012) Autobiographical Comics: Life Writing in Pictures”. Editora: University Press of Mississippi, pág 48. 20 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 10.

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adiante. Um conjunto de pistas óbvias, relacionadas entre si, permitem ao leitor determinar se aquele comic é autobiográfico num entendimento comum da sua definição.

Claro que nem sempre em todos os comics autobiográficos se encontram essas características que permitem identificar quase de imediato o género a ser lido. Há quem ultrapasse esses limites convencionais tal como “Binky Brown Meets the Holy Virgin Mary” (1972) de Justin Green. À primeira vista o nome do autor e da personagem principal não são os mesmos, Green interpreta uma personagem que fala sobre neurose compulsiva com a qual lutou durante a sua juventude, culpando a educação católica na qual foi submetido à doutrina religiosa de freiras numa escola que empregava a punição corporal. Com os anos ele desenvolveu uma imagem vingativa de Deus.

Os seus pensamentos proibidos faziam-no pensar e acreditar que o seu corpo o tentava levar para o pecado e o castigo. Com isto, estabelece um conjunto de regras para se afastar desses pensamentos e fantasias e pune- se por violações. Com a aproximação da adolescência e tomando consciência da sexualidade ele não pode evitar passar horas orando a pedir perdão a Deus. Confrontando-se com a fé, espatifa um conjunto de estátuas da Virgem Maria, declarando-se assim livre da igreja e de todos os pensamentos religiosos que tinham influência sobre ele.

37 Numa das pranchas da história é possível ver Green amarrado por correntes suspenso de cabeça para baixo tentado desenhar com um aparo na prancha em que a sua tinta é sangue do pai “dad’s blood”, enquanto tem uma foice apontada entre as suas pernas. (fig.9)

Figura 9. “Bink Brown Meets the Holy Virgin Mary” (1972) de Justin Green. Fonte: Wikipédia

38 No género da autobiografia são produzidos termos como “semi- autobiográfico” e “roman à clef” para estabelecer a divisão entre a ficção e a não-ficção, pois nos comics não são claras nem evidentes essas fronteiras.

É possível anexar um prefixo “semi-” autobiográfico a “Maus” (1980) de Art Spiegelman. Porém, os seus pais não são na verdade ratos, assim como Marjane Satrapi em “Persépolis” (2003) não se encontrou com Deus.

Por exemplo alguns títulos evidenciam o género de comic autobiográfico, como: “um romance ilustrado” (Craig Thompson’s Blankets [2003]), “um livro de memórias de histórias em quadradinhos”( de [1992] e Pagando por ele [2013]), “uma narrativa em quadradinhos ”(Eu Nunca Gostei de Você [1994], de Chester Brown),“ uma novela de fotos ”(“ É uma boa vida, se você não enfraquecer ”, de Seth,“ uma conta em palavras e imagens ”) Diário de de uma adolescente [2002]), “uma família tragicómica” (Fun Home de Alison Bechdel [2006]), e “Um romance autobiográfico, com anomalias tipográficas, em que o autor não aparece como ele mesmo” (Eddie Campbell O destino do artista [2006]).”21

Os autores de “Self-Regarding Art” (2008), Gillian Whitlock e Anna Poletti “definem “autografia” como “narrativa de vida fabricada através de desenho e design usando várias tecnologias, modos e materiais. Uma prática de leitura dos signos, símbolos e técnicas das artes visuais na narrativa da vida ”.22

21 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint,pág 13. 22KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág13

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Contudo é necessário considerar que a autobiografia não é apenas limitada aos comics mas tudo que envolva elementos visuais, explorando assim possibilidades, como o grafitti, pintura, gravura, meios digitais entre muitos outros. A partir destes modos exploratórios é possível ver ou imaginar uma história.

Existem autores que recusam o termo “autobiografia”, pois lhes cria complexidade em volta do género. No ensaio “Jewish Memoir Goes Pow! Zap! Oy!” (2016) de Miriam Libicki ela fala sobre o seu tipo de comics que descreve através do termo “gonzo literary comics”, um estilo de narrativa em jornalismo que ajuda a disfarçar o comic autobiográfico, em que o autor se apresenta visivelmente dentro da sua história.

Libicki afirma que a expressão “Gonzo literary comic”, “é um híbrido de autobiografia e literatura, ou “autobiografia disfarçada de literatura”. “O componente “literário” permite ao criador alguma flexibilidade em brincar com a “verdade” de maneiras que a autobiografia normalmente não pode; além disso, a relação do leitor com o narrador num texto literário é muito diferente na autobiografia.”23

Na opinião de Phoebe Gloeckner (2011), a classificação do seu trabalho como sendo autobiográfico desvaloriza a história consideravelmente, afirmando, portanto, que: "Isto não é história ou documentário ou uma confissão, e memórias serão alteradas ou sacrificadas, pois a verdade factual tem pouco significado na busca da verdade emocional". 24

23 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 15. 24 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 15 .

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“A verdade emocional” uma vez mais é favorecida no comic autobiográfico. Apesar dos diferentes pontos de vista de vários autores em relação à sua designação genérica, a “autobiografia” como género pode ter limitações, mas como é possível ver, existem sempre alternativas que desafiam o modo como os criadores transmitem as histórias para as suas pranchas dando sempre pistas e indicações da sua veracidade.

41 A autobiografia nos comix-underground

Neste capítulo aborda-se o surgimento do comix-underground que atingiu o auge no final dos anos 60 e durante as décadas seguintes. Foi um desenvolvimento importante, parte da contra-cultura, um movimento alargado de contestação e mobilização social que, através dos novos meios de comunicação de massas, manifestações, estilos de vida alternativos, procurava mudar consciências e atitudes.

Os autores começaram a produzir as suas próprias revistas, fanzines, dando-se a conhecer a si mesmos e às suas criações, a um público que não de identificava com os comics tradicionais. Joseph Witek (1989) define “comix-underground” como “quadradinhos em preto e branco, baratos e de forma independente, que floresceram no final da década de 1960 e início da de 1970 como saída para as fantasias gráficas e protestos sociais de sua contracultura.” 25

Não se sabe ao certo quando surgiram. Há quem enuncie que terão sido auto publicadas as primeiras revistas por colaboradores de jornais e revistas de humor universitárias tais como “The Adventures of Jesus” (1964) de (fig.10) e “God Nose” (1964) de (Jack Jackson) (fig.11), ambos da Universidade do .

25 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint,pág 32.

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Robert Crumb, em 1968, lança exemplares da primeira “Zap Comix” com tiras engraçadas para crianças e jovens adolescentes que gostavam de animais e super-heróis. mais tarde, ele mudou totalmente a conteúdo e a aparência da revista, dirigindo-se ao público adulto e “projetada para expor os aspetos repugnantes da cultura de massa que todos internalizam, e fazendo isso com um senso de humor perverso.”26

Com a ascensão do comix-underground, apareceram editoras no distrito de Haight-Ashbury, em São Francisco tais como: Last Gasp Eco-Funnies, a , a e A Rip-Off Press dedicaram-se a produzir esse tipo de conteúdo.

Roger Sabin (1993) afirma que a contracultura era ao mesmo tempo um movimento social e artístico dirigido por “uma geração que via a sociedade como essencialmente reacionária e belicosa, e que se interessava em pacifismo, liberdade sexual, direitos das minorias e, talvez mais notoriamente, os benefícios (espirituais ou não) das drogas.“ 27

Já Witek (1989) esclarece que, como os quadradinhos já eram um “espaço cultural especialmente circunscrito, os primeiros criadores do submundo descobriram que “o médium dos quadradinhos oferecia um terreno particularmente proveitoso para a iconoclasma.” 28

26 FOX, Stevan (2013Zap Comix #1. https://comixjoint.com/zapcomix1-1st.html [Acessado em 3 de maio de 2019]. 27 ROGER, Sabin; Adult comics (2013) Editora:Routledge, pág 36 28 Inoclasma- crença social na importância da destruição de ícones e outras imagens ou monumentos, mais frequentemente por razões religiosas ou políticas. As pessoas que se engajam ou apoiam a iconoclasma são chamadas de iconoclastas. Comic Books as History: The Narrative Art of Jack Jackson, Art Spiegelman, and Harvey Pekar (Studies in Popular Culture) pag 50/51

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Figura 10. “The New Adventures of Jesus: The Second Coming” (1964) de Frank Stack, página 114. Fonte: https://www.flickriver.com/photos/fantagraphics/317361884/.

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Figura 11. “God Nose” (1964) de Jack Jackson. Fonte: https://www.pinterest.es/pin/413134965798747577/.

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Dentro das revistas de comix-underground não havia limitações em relação ao temas e assuntos abordados tais como violência, drogas, sexo explícito, resistência, guerra. Todo o tipo de tabus e conteúdo proibido era exposto - o que era irónico pois os comix eram um meio que normalmente estava associado a crianças, com conteúdo próprio dirigido a elas. A forma de distinção entre os comics tradicionais e os de conteúdo adulto como a pornografia era o uso de uma espécie de sinalização através de um “x” no final da palavra “comix”. uma das figuras mais importantes do comix-underground norte americano na década de 60 clarifica “Conseguimos chutar o desprezível Código de Quadradinhos nos dentes.”29

“Head First”, de S. Clay Wilson, publicado na Zap Comics 2 (1968) apresenta histórias com conteúdo violento, impróprio, obsceno, sobre piratas perversos, bêbados, prostitutas, travestis e por aí fora - em duas vinhetas retrata um pirata a cortar e a comer o pénis de outro pirata (fig.12). O autor afirma ter um "fascínio mórbido pelo desvio": "Tenho a certeza que um psiquiatra chamaria um figo à oportunidade de descobrir por que eu fiz isso. Eu apenas acho divertido. As pessoas podem pegar ou largar."30

29 GARCIA,Santiago (2010) On the . Editor: ASTIBERRI pág 30. 30 KNUDDE,Kjell (2018) Clay S. Wilson .https://www.lambiek.net/artists/w/wilson.htm,[Acessado em 6 de maio 2019].

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Figura 12. “Head First” da revista Zap Comics 2 (1968) de S. Clay Wilson. Fonte: https://www.lambiek.net.

"Eu acho que uma história em quadradinhos, tal como o jazz, é bem americana. As variações de quanta coisa você pode empinar numa história de quadradinhos ou o quão longe você pode esticar a corda numa forma de música ou numa história em quadradinhos é interminável. Você está limitado apenas pela sua imaginação. Você tem debates estéticos e nuances de detalhes e merdices. Mas basta chamar-lhe filho da puta e deixar os argumentos para depois."31

Charles Hatfield em “Alternative Comics” (2005) argumenta que viu um desenvolvimento nas histórias autobiográficas enquanto conteúdo para histórias de banda desenhada: “Foi através dos comix-underground que as histórias aos quadradinhos por si só se tornaram um meio adulto, e desenvolveram a natureza auto-suficiente dos quadradinhos. Esses 'livros' ... tornaram o meio numa plataforma ideal para tipos de expressão que eram escandalosamente pessoais e egoístas.”32

31 KNUDDE,Kjell (2018) Clay S. Wilson .https://www.lambiek.net/artists/w/wilson.htm,[Acessado em 6 de maio 2019].

32 HATFIELD, Charles (2005) Alternative Comics: An Emerging Literature. University Press of Mississipp, pág 7.

47 Autores que produziam conteúdo underground começaram a ter os seus trabalhos cada vez mais procurados por leitores, tornando assim os seus comix progressivamente populares, tais como Robert Crumb, com Corn Fed Comix, e em Fabulous Furry Freak Brothers. Com o auge dos comix-underground, editores clandestinos começavam a traçar métodos e estratégias, encorajando criadores independentes a poderem publicar as suas histórias pessoais de modo que os comix independentes mais populares iam surgindo com mais frequência em lojas e bibliotecas devido ao processo mais facilitado de impressão, ao contrário dos comix periódicos que saiam mensalmente de grandes editoras.

Justin Green, enquanto estudava na Rhode Island School of Design, teve acesso a um jornal clandestino americano, e ao ver o trabalho de R.Crumb mudou completamente, deixando assim as artes plásticas e dedicando-se aos quadradinhos, o que o fez mudar para São Francisco, fazendo parte da geração dos comix-underground: “Mal sabia eu que havia um cartoon de um sujeito chamado Crumb que mudaria a minha vida.”33

Em "Binky Brown conhece a Santa Virgem Maria", Green interpreta o seu alter ego Binky. São retratados os seus conflitos de infância em relação ao seu transtorno obsessivo compulsivo ligado ao catolicismo, a sexualidade, a sua doença mental e a sua obsessão por pensamentos imorais e obscenos direcionados à Virgem Maria, os quais se propagam ao seu pénis, traduzindo-se em experiências invulgares e surreais de delírio e

33 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 35.

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loucura. Em várias vinhetas é possível observar e analisar esses pensamentos que irradiam do seu órgão genital. (fig.13) Parece que a personagem está a sofrer uma espécie de exorcismo rodeado de Virgens Marias, em que partes do seu corpo são pénis e deles saem raios como se estivesse a deitar todas as suas maldições para fora - “Green utiliza um estilo simbólico ou alegórico como meio de expressão autobiográfica: os seus medos e obsessões são lateralizados nas imagens do livro.”34

Figura 13. “Binky realizando um exorcismo “(1972) de Justin Green. Fonte: http://www.closure.uni-kiel.de/closure5/thomsen.

34 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint, pág 35.

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Vários autores começaram a produzir histórias autobiográficas. R, Crumb juntamente com Aline Kominsky-Crumb produziam-nas em colaboração ou em separado, como em “More of the Bunch”, publicado em 1 (1976). Aline inspira-se no trabalho de Green e nas suas experiências, criando assim histórias onde ela é a personagem principal, afirmando: “Ei, isso é uma merda pesada. Essa criança tem problemas ... e eu também!"35

Green tornou-se uma influência para vários criadores, os quais mais tarde se tornaram editores marcantes do underground e pós-underground de algumas das mais importantes compilações de histórias aos quadradinhos autobiográficas publicadas.

Robert Crumb editou a antologia “” (1981–93), antologia de quadradinhos repleta de histórias do seu interesse pessoal. Aline Kominsky-Crumb fez parte da edição nº 18. Art Spiegelman e publicaram trimestralmente “Arcade” (1975–6) em sete edições, uma revista importante com a colaboração de vários artistas contendo relevante trabalho autobiográfico, e editada pela Print Mint, uma editora e distribuidora underground de São Francisco, a primeira a investir nos comix-underground. Mais tarde, Art Spiegelman editou “Raw” (1980–91) Juntamente com Françoise Mouly, juntos produziram esta antologia emblemática dos comix- underground que serviu como um contraponto entre “Weirdo” de Robert Crumb.

“Raw” era vista como uma revista, de grande variedade gráfica e literária abrangendo assim um maior número de leitores. Mouly influenciado pelas

35 KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint,pág 36.

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revistas punk e design gráfico de diferente formato começou a experimentar as mais variadas técnicas de impressão e encadernação. (fig.14) Juntamente com Spiegelman produziram a revista “Raw” de forma ousada e inovadora, nela colaboravam tanto artistas americanos como europeus criando assim uma mistura de estilos diversificados. Eram produzidas histórias aos quadradinhos bem como, as mais diversas produções de artistas mesmo não sendo comix. O trabalho mais famoso e conhecido na “Raw” foi a produção de “MAUS” de Spiegelman, tendo se tornado a primeira novela gráfica a ganha um prémio Pulitzer.

Figura 14. Estudo para a capa “RAW” no. 7, técnica mista. Ca. 1985 de Art Spiegelman. Fonte: https://artillerymag.com/featured-review-art-spiegelman/

51 Séries de revistas aos quadradinhos tais como “Wimmen’s Comix”, “Tits & Clits”, “Twisted Sisters”, e “”, eram histórias que, mesmo não sendo de carácter autobiográfico, são referentes a tópicos pouco tratados nos comix-underground, habitualmente comandados por homens, a menstruação, violência doméstica, mulheres lésbicas e gays, sexualidade de uma perspetiva feminina, expondo assim aos leitores histórias pessoais, ao contrário dos homens, cuja temática era violenta e machista.

Um outro exemplo é Carlos Giménez artista espanhol que cresceu e viveu durante anos num orfanato, ele criou “Paracuellos” (2016) documenta histórias da sua vida e do quotidiano das crianças que viviam do mesmo modo que ele, crianças abandonadas e órfãs devido à guerra civil, retratando fome, solidão e violência. (fig.15 e 16) O próprio título das suas histórias “Paracuellos” remete para a localização de um dos lares de assistência social onde viveu.

“Nestes últimos livros, que eu escrevi e desenhei recentemente, neste que apareceu agora e no que será publicado a seguir, eu me concentrei em falar mais sobre os relacionamentos e sentimentos das crianças entre eles e as suas famílias, em vez de recontar as punições e crueldades que já foram narradas. Eu já sei que a violência, e especialmente aquela exercida sobre as crianças, produz mais emoções e, portanto, é mais comercial, mas não me cabe insistir nesse assunto, então eu não paro nos detalhes da surra que Pablito recebe. O leitor já sabe, por ter sido informado de antemão, como são essas punições." 36

36ALTARES, Guillermo (2016) Carlos Giménez dibuja un ‘Paracuellos’ menos mísero https://elpais.com/cultura/2016/11/23/actualidad/1479926041_303684.html, [Acessado em 10de abril de 2019].

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Figura 15. Vinheta da sétima parte de “Paracuellos” de Carlos Giménez (2016). Fonte:https://elpais.com/cultura/2016/11/23/actualidad/1479926041_3036 84.html.

Figura 16. Vinheta da sétima parte de “Paracuellos”, de Carlos Giménez (2016). Fonte:https://elpais.com/cultura/2016/11/23/actualidad/1479926041_3036 84.html

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C. Giménez é visto como parte da história dos quadradinhos tendo lhe sido concedido no Festival Angoulême o Prêmio Patrimônio. Explica que não é necessário ter vivido num certo tempo para conhecer as histórias: "Não é necessário ter vivido a ditadura de Franco para ter a sensibilidade de valorizar essas histórias [.] Se uma história, seja ela qual for, chegar até você e lhe interessar, não importa se você viveu o tempo em questão ou não, é por isso que podemos ser apaixonados por uma história do Ocidente ou dos Vikings sem ter vivido esse tempo. Nós conhecemos esses tempos precisamente porque lemos essas histórias. " 37

No início dos anos 1970, as vendas do comix-underground caíram significativamente, o que fez com que as distribuições fossem reduzidas e com isso a suas produções de quadradinhos.

Desse modo foi o fim para algumas revistas aos quadradinhos de comix- underground como “Bijou Funnies” (1973) (fig.17), em que a editora no último número, pedia aos leitores para contestar a decisão do tribunal sobre o conteúdo obsceno das revistas, pois com esta decisão jurídica a possibilidade de continuar a publicar conteúdo seria reduzida levando assim ao fim da publicação.

Contudo a publicações de comix-underground não terminaram. Várias séries de antologias apenas publicadas ocasionalmente e revistas pequenas independentes de imprensa como “Weirdo”, e “Wimmen”, outras séries de antologias do mesmo modo que “Comix”,” Tits & Clits” e “Gay

37 ALTARES, Guillermo (2016) Carlos Giménez dibuja un ‘Paracuellos’ menos mísero https://elpais.com/cultura/2016/11/23/actualidad/1479926041_303684.html, [Acessado em 10de abril de 2019].

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Comix”, prosseguiram as suas publicações ate o final de 1980 início de 1990. Essas publicações serviram para proporcionar a autores das seguintes gerações uma visão alargada acerca dos quadradinhos que não se inseriam no mainstream, dando-lhes a liberdade de poderem criar as suas histórias abordando qualquer tipo de tema livremente sem censura.

Figura 17. Edição final de “Bijou Funnies” #8, publicada em novembro de 1973 de Harvey Kurtzman. Fonte: https://comixjoint.com/bijoufunnies8-2nd.html

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O feminismo no comix-underground

Este capítulo foca-se na importância do feminismo a partir da década de 1960, e do seu impacto na banda desenhada norte-americana. Várias criadoras sentiam-se excluídas pelo movimento comix-underground, visto que era dominado por homens abordando muitas vezes temas de violência contra as mulheres. Em resposta ao que consideravam ser a misoginia do meio, muitas delas começaram a criar coletivos e a produzir quadradinhos que abordavam assuntos ligados às suas experiências e à luta contra o estigma social, tendo conseguido abrir espaço no mundo dos comics. Algumas revistas e antologias de grande importância serão analisadas de modo a perceber como é que as mulheres conseguiram estes espaços, e qual a inovação que trouxeram aos comix-underground.

Hillary Chute em “Autobiographical Comics” (2017) explica a importância do comix para mulheres: “O crescimento do movimento comix underground estava ligado ao feminismo da segunda onda, o que permitiu que um corpo de trabalho que era explicitamente político brotasse: se ativistas do sexo feminino se queixassem da misoginia da Nova Esquerda, isso se espelhava nos quadrinhos clandestinos, levando as mulheres cartunistas a estabelecer um espaço específico para o trabalho das mulheres. Foi apenas nos quadradinhos que os EUA viram pela primeira vez um trabalho substancial das mulheres para explorar seus próprios impulsos artísticos e, além disso, mulheres organizando coletivos que se comprometiam a articular os desafios e objetivos de cartunistas especificamente femininas.” 38

38 CHUTE, Hillary L (2010) Graphic Women -Life Narrative and Contemporary Comics. Columbia University Press, pág 20.

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Com o crescimento e produção de quadradinhos produzidos por mulheres, elas uniram-se em coletivos criando revistas com temas que abordavam questões ligadas ao género, classes, sexualidade, retratando as suas experiências demonstrando o seu descontentamento com a desigualdade, lutando assim para serem reconhecidas pelo seu trabalho da mesma forma que os homens.

Os comix realizados por mulheres representavam a ideia de mulher realmente como ela é. Quando a mulher era representada em histórias de super-heróis, a sua forma corporal não era realista. O movimento feminino nos comix conseguiu demonstrar um realismo corporal nunca presente em histórias produzidas por homens. As artistas desenhavam todos os detalhes do corpo feminino, pêlos e sangue, expondo e expressando a realidade das mulheres. Trina Robbins, foi uma das primeiras mulheres a fazer parte do comix- underground nas décadas de 1960/70, lembrando que nessa altura “Curiosamente, o crescimento do movimento feminista se assemelhou ao do novo movimento dos comix- underground.”39

“It Aint Me Babe” (1970) (fig.18) foi a sua primeira antologia produzida somente por mulheres juntamente com Barbara “Willy” Mendes editada pela Last Gasp. Vendendo mais de 20.000 cópias, esse número permitiu a publicação da segunda e terceira impressões. (fig.19) O que distingue as duas últimas impressões da primeira são as cores da capa. Nestas, o fundo é azul e verde escuro enquanto na primeira é lilás e azul.

39 KIRTLEY,Susan (2018) “A Word to You Feminist Women”: The Parallel Legacies of Feminism and Underground Comics”https://www.cambridge.org/core/books/cambridge- history-of-the-graphic-novel/word-to-you-feminist-women-the-parallel-legacies-of- feminism-and-underground-comics/A89F976609EDF36DAED1CBDE9EFDFE76/core- reader# , [Acessado a 4 de junho de 2019].

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Na capa são ilustradas mulheres tais como, Olivia Palito, Mulher Maravilha, Sheena - a Rainha das Selvas, Mary Marvel, Luluzinha, o que sugere através da ilustração que todas se juntam numa espécie de revolução de libertação, uma “Women’s Liberation”. Toda a revista é produzida somente por mulheres, abordando histórias sobre heroínas, lutadoras destemidas, com temas sobre mulheres vítimas de preconceitos que lutam para se tornarem independentes e poderosas numa revolta revolucionária.

Personagens femininas da banda desenhada sempre foram influentes. Muitas super-heroínas ou até mesmo vilãs apareceram em destaque em capas de revistas - de acordo, claro, com a imagem que o homem fazia dela. Mesmo assim elas já interpretavam um papel importante nas histórias de quadradinhos. A Mulher Maravilha é vista como um dos símbolos mais representativos que apareceram no mundo dos comics em 1941. As suas histórias eram publicadas pela editora DC Comics. Foi criada por William Moulton Marston. Na sua primeira aparição era uma princesa chamada Diana vinda de uma ilha habitada por amazonas, tendo sido treinada para se tornar numa guerreira, em que a sua tiara dourada contém superpoderes e o laço da verdade é usado para destruir os vilões e inimigos, sendo capaz de lidar com ameaças do sobrenatural e qualquer tipo de crime.

Marston, o seu criador, afirma: “(Ela) incentiva as mulheres a defenderem-se, a aprenderem a lutar e a serem fortes, para que não precisem de ter medo ou de depender dos homens.”40

40 (2019) “10 mulheres influentes na banda desenhada americana” https://www.catawiki.pt/stories/4449-10-mulheres-influentes-na-banda-desenhada-americana [Acessado a 5 de junho de 2019].

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A personagem foi progredindo ao longo dos anos, tendo tido o seu impacto cultural e tornando-se num ícone hoje em dia.

“It Ain't Me Babe” foi como um abrir de portas para todas as artistas da época. Como já referido, era produzida totalmente por mulheres, tendo sido um sucesso. Serviu também de modelo para a produção da revista aos quadradinhos “Wimmen's Comix” (1972), tendo sido publicadas 17 edições ao longo de 20 anos, o que se tornou claramente inspiração para várias mulheres das gerações seguintes, tendo podido seguir uma profissão em que a aceitação de mulheres nesse meio era um tabu e meramente dominada pelo sexo masculino. “As mulheres estavam provando que elas também se interessavam por quadradinhos, mesmo que as grandes editoras estivessem cegas para isso”41, alega Trina.

"Breaking Out" (fig.20), uma das histórias com quatro páginas onde Luluzinha, Juliet Jones, Betty, Veronica, Super Mulher e Petúnia Pig recusam a personagem que interpretam, a de mulher perfeita na sociedade, e começam-se a exaltar, mudando as suas vidas. As suas ações de rebeldia são demonstradas de forma engraçada e bom humor. No final, a “rebelião feminista está rastejando por toda a terra”42 despertando assim para o movimento de libertação das mulheres.

Ainda em relação ao estilo e estética da revista, com exceção da capa a cores, tudo o resto é a preto e branco. O estilo do desenho é simples, por vezes subjetivo e de carácter simbólico em que a maioria dos rostos são caricaturais e não realistas, o que parece dar a ideia de todo um conjunto

41(2017)” Vermelho” http://www.vermelho.org.br/noticia_print.php?id_noticia=303876&id_secao=11, [Acessado a 10 de junho de 2019] 42 ROBBINS, Trina (1970),” It Ain't Me, Babe” editora: Last Gasp.

59 de mulheres diversificadas como na vida real, mas que se relacionam, lutando em conjunto para se libertarem do estigma social, graças ao movimento feminista.

Figura 18/19. Capa “It Aint Me Babe”, publicada em julho de 1970, por Trina Robbins and Bárbara "Willy" Mendes, editora Last Gasp Eco-Funnie.1º, º e 3º números. Fonte: https://comixjoint.com/itaintmebabe-1st.html.

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Ainda em relação ao estilo e estética da revista, com exceção da capa a cores, tudo o resto é a preto e branco. O estilo do desenho é simples, por vezes subjetivo e de carácter simbólico em que a maioria dos rostos são caricaturais e não realistas, o que parece dar a ideia de todo um conjunto de mulheres diversificadas como na vida real, mas que se relacionam, lutando em conjunto para se libertarem do estigma social, graças ao movimento feminista.

Trina Robbins comenta que hoje em dia vê o seu trabalho e de outras artistas que fazem histórias aos quadradinhos como um dos principais fatores que levaram à quebra do mito em que narrativas gráficas só podiam ser produzidas por homens “Sinto que as editoras estão mais interessadas nas histórias e na qualidade da arte do que no sexo ou raça de seus criadores. No passado, você só podia publicar em grandes editoras se fosse homem e branco. O mundo das histórias aos quadradinhos nunca esteve melhor, a meu ver, para mulheres e para todos nós.”43

“Wimmen's Comix” (1972–1992) (fig.21) é uma antologia de comix- underground publicada entre novembro de 1972 e 1992, num total de 17 edições publicadas pela Last Gap. Foi influenciada por "It”s Ain't Me Babe”. Era uma revista também produzida inteiramente por um grupo de mulheres artistas em que o seu objetivo era produzir histórias aos quadradinhos nas quais pudessem ser remuneradas tal como os homens.

432017)”Vermelho”http://www.vermelho.org.br/noticia_print.php?id_noticia=303876&id_se cao=11, [Acessado a 10 de junho de 2019] ROBBINS, Trina (1970),” It Ain't Me, Babe” editora: Last Gasp.

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Figura 20. "Breaking Out" história da revista “It Aint Me Babe”, (1970) por Trina Robbins and Barbara "Willy" Mendes, editora Last Gasp Eco-Funnie. Fonte: https://alumnae.mtholyoke.edu/blog/it-aint-me-babe-breaking-out/

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Figura 21. Capa da da revista “Wimmen's Comix” #1, November 1972. de Patricia Moodian. Fonte:wikipedia

63 Trina Robbins descreve que “Wimmen's Comix” teve uma grande ascensão, "Como resultado do movimento das mulheres, havia uma crescente conscientização sobre as mulheres em todas as áreas das artes, bem como um mercado em desenvolvimento para o trabalho das mulheres na área editorial, então era a hora certa para uma história em quadradinhos só para mulheres. "44

O grupo de artistas reuniu-se com regularidade em São Francisco. As críticas e apreciações de todas eram de grande importância. Cada revista era editada por duas mulheres diferentes, deste mesmo modo não havia uma liderança forte nem muito controle sobre a mesma.

A revista aos quadradinhos incluía diversos assuntos, temas e géneros, e grande diversidade a nível estilístico, tendo sido a antologia que mais se destacou na época com tópicos autobiográficos relacionados com o feminismo, em particular o aborto, a maternidade a liberdade sexual, os problemas com o corpo, a descriminação, sexismo e o assédio nas ruas. Muitas dessas histórias aos quadradinhos tinham um ponto de vista político apesar de serem histórias divertidas e inteligentes de se ler. As artistas estavam a expressar os seus sentimentos e sabiam que de alguma forma iriam refletir-se noutras mulheres.

No momento em que saiu a primeira edição de “Wimmen's Comix” em 1972, o aborto ainda era ilegal na maioria dos estados norte-americanos no total de trinta dos cinquentas estados. Só era permitida em algumas exceções que envolvessem violação, incesto, ou outras circunstâncias

44 MIER, Samatha (2014), Between Feminism and the Underground https://www.hoodedutilitarian.com/2014/02/between-feminism-and-the-underground/ [Acessado a 11 de junho de 2019].

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atenuantes. Inúmeras mulheres daquela época sofreram ou morreram ao serem sujeitas ao aborto ilegal. A história inicial da primeira edição produzida pela artista Lora Fountain’s expõe a história de uma adolescente grávida que rouba 300 dólares para poder pagar por um aborto clandestino. Durante a operação, não lhe dão nada para suportar a dor, apenas um gole de gim. Quando ela procura ajuda médica devido a complicações derivadas do procedimento, o médico intimida-a, dizendo que iria chamar as autoridades. (fig.22) A artista em 1972 também editou uma revista aos quadradinhos dedicada unicamente à educação sexual chamada “Facts O’ Life Sex Education Funnies”.

O sociólogo Paul Lopes anota: “Tal como todos os artistas de comix- underground que testavam os limites das normas convencionais aceites, as mulheres artistas desse movimento que se identificavam como feministas nos anos setenta apresentaram uma política mais coerente na sua intervenção. Elas concentraram-se em posições políticas feministas relacionadas com o sexismo, homofobia, abuso físico e aborto. Como outras artistas clandestinas, a política delas era a sua prioridade e era, por assim dizer, frontal”.45

Ou seja, as histórias aos quadradinhos produzidas por mulheres com temas tabus eram vistas como um avanço, por académicos bem como radicais. Assuntos como a saúde sexual da mulher e do homem tornaram-se uma questão discutida abertamente.

45 (2013) “On Teenage Abortions and the Facts O’ Life: An Interview with Lora Fountain” https://womenscomix.wordpress.com/2013/03/03/on-teenage-abortions-and-the-facts-o- life-an-interview-with-lora-fountain/ [Acessado a 12 de junho de 2019]

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Figura 22. Primeiro painel de “I Had a Teenage Abortion” de “Wimmen’s Comix” #1 (1972). Fonte:https://womenscomix.wordpress.com/tag/wimmens-comix/

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Lee Binswanger, outra das artista que integrava o coletivo, relembra: "O grupo Wimmen's Comix nos anos 80 era formado de novatas (eu, , Terry Boyce, Kathryn LeMieux, Caryn Leschen e Phoebe Gloeckner, para começar), e a dinâmica de todo o grupo foi provavelmente menos política do que nos anos 70. O grupo parou por muito tempo após o número sete; as pessoas simplesmente não se estavam a dar bem. De repente, havia sangue novo em São Francisco, e Trina Robbins e Dori tiveram a ideia de recomeçar (embora qualquer um do grupo pudesse ... elas simplesmente não o fizeram) então tivemos uma reunião e começou a chegar a um consenso. Era um grande grupo, e muitas de nós não nos conhecíamos. Eu estava animada, pois foi a primeira vez para mim.”46

Na edição número 17, (fig.23) o título “Wimmen's Comix” foi mudado para “Wimmin's Comix”, tendo “men”s” – que pertence aos homens - deixado de integrar o título depois de uma discussão sobre a politica de gênero.

Em 1992, ainda na edição 17, o grupo perdeu o impulso devido a problemas financeiros. Lee Binswanger assegura que os editores tiveram dificuldades em pagar mais de 50 dólares por página, e que as artistas mais velhas não queriam trabalhar abaixo desse valor. Com o aumento de espaços para novos artistas independentes, chegou assim o fim dessa série de quadradinhos.

46 COMICS HISTORY WIMMEN'S COMIX (1970 - 1991), https://www.lambiek.net/magazines/wimmenscomix.htm, [Acessado a 16 de junho de 2019]

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Figura 23. Capa da revista nº 17 com o nome “Wimmin's Comix” (1992) Fonte: https://www.comics.org/series/35937/

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Melinda Gebbie, Penny Van Horn, M.K. Brown, Dot Bucher Chris Powers, Willy Mendes, “Hurricane Nancy” Kalish, Malinda Gebbie, Maria Fleener, , Dori Seda, Phoebe Gloeckner e Lynda Barry, , Carol Tyler Aline Kominsky-Crumb, Lee Mars, Alison Bechdel, Leslie Ewing e entre muitas outras, foram artistas que colaboraram aos longo dos anos na revista “Wimmin's Comix,”

Muitas artistas underground e alternativas tiveram as suas carreiras lançadas nas páginas da revista. “Wimmin's Comix,” estimulou o crescimento de títulos femininos autopublicados desde a época dos anos 70 até hoje - tais como Tits & Clits, Dyke Shorts, Twisted Sisters, Dynamite Damsels, em que as artistas eram as mesmas que tinham colaborado anteriormente em “Wimmin's Comix,”.

Claire Bretécher (1940) foi também uma figura importante dentro da banda desenhada francesa, ela retrata temas relacionados com questões de género e mulheres. Bretécher teve um perfil elevando na década de 1970 devido a ser única mulher a colaborar em clássicos periódicos franco-belga, tendo assim ganhado vários prémios importantes inclusive, o grande Prémio de Angoulême. Ao longo da sua carreira colaborou com várias revistas ao mesmo tempo que trabalhava em publicidade produzindo ainda várias obras.

Uma das suas personagens mais conhecidas é “Cellulite” (1996) é uma personagem cansada de estar à espera do seu príncipe encantado que corre atrás de todos os homens, tratando-se assim de uma paródia. Ainda bem antes em 1988 ela produziu a revista “Agrippine “, que falava acerca da vida de adolescente e as suas frustrações, em 2011 essas histórias passaram para desenhos animados televisivos.

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Capítulo ll

Desenvolvimento do projeto prático: “TEEN AGE”

Enquadramento

Este capítulo fala acerca de todo o percurso desenvolvido relativamente a execução prática da banda desenhada “TEEN AGE” e da sua construção, considerando o estudo e investigação efetuados no capítulo anterior, na tomada de decisões ao longo do seu processo.

O estudo em torno das histórias sobre outros autores ou representação dos mesmos fez-me ver as possibilidades de elaboração de soluções usadas na interpretação a nível tanto gráfico como concetual, explorando assim os processos e meios de produção necessários para a sua concretização.

O principal objetivo é a criação de uma Banda de Desenha autobiográfica como objeto final, dividida em pequenas histórias acerca do seu quotidiano nomeadamente o do seu alter algo, na prática da modalidade de skate, e em torno das dúvidas de uma adolescente, a relação em casa com a família e conversas com amigas sobre problemas existenciais.

Partindo assim de uma necessidade pessoal de transpor esses episódios, a banda desenhada foi o meio que mais se identificou para traduzir essas histórias, criando uma abordagem gráfica diferente e explorando pontos de vistas antes por realizar. Deste modo, procurou-se criar uma BD que se possa adaptar a qualquer tipo de público, principalmente ao juvenil, e que consiga captar o seu interesse ao reverem se nas histórias.

Com este projeto pretendeu-se demonstrar algumas situações recorrentes no quotidiano neste caso de uma adolescente, transpostas em banda desenhada, criando uma abordagem própria de forma expressiva.

71 O título “TEEN AGE”, (adolescência) está de acordo com as situações retratadas na banda desenhada, todas elas se passaram na adolescência, a idade do surgimento das dúvidas e do desenvolvimento individual e cognitivo de cada um.

Metodologia

Na elaboração deste projeto de mestrado existiram várias etapas até à sua conclusão final. Foi pensada uma metodologia que ajudasse a investigar as várias etapas na criação e no desenvolver de uma banda desenhada autobiográfica.

A primeira etapa começou pelo estudo e conhecimento acerca de bandas desenhadas autobiográficas, da escrita do argumento de cada história, adequando-se assim ao tema, e a compreender as características da BD para definir um método na sua construção.

No diário gráfico começou-se por fazer os primeiros esboços da personagem principal, pensando no desenho em relação ao tipo de história a representar e ao público-alvo, desenvolvendo melhor a personagem e a criação das restantes.

Depois, desenvolveram-se os storyboards, e pensou-se nos aspetos técnicos da construção de uma banda desenhada como os layouts a sequência da narrativa, transição de tempo, relação entre texto e imagem, temporalidade e ritmos.

72 A seleção de materiais a usar foi uma decisão importante. Começou com o do lápis, seguindo-se a caneta e, posteriormente, a pintura a digital, tendo havido antes uma procura de materiais como a tinta da china para testar outras opções. Esteticamente o resultado da pintura digital ficaria mais consistente. A sua facilidade de edição bem como a sua rapidez de concretização ditaram a sua escolha.

Na parte final do projeto, realizaram-se testes de impressão, do tipo de papel e formato até se chegar a um resultado satisfatório, apresentando assim uma proposta da sua maquetização.

73 Documentação processual

Como já foi referido anteriormente este projeto surgiu de uma necessidade pessoal, que tinha sido já anteriormente impulsionada na cadeira de Projeto II durante a Licenciatura de BD/ Ilustração, na qual surgiram storyboards usando como técnica final o lápis 8B bem afiado para dar texturas e um tom bem escuro, mas que não saísse por fora dos limites do desenho usando como inspiração a técnica do artista Felipe Almendros .

Figura 24. Storyboards realizadas durante a licenciatura. Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 25. Imagens do interior do “Punk boy” de Felipe Almendros, edição Glénat.

75 No desenvolver deste projeto de mestrado começou-se por realizar os primeiros desenhos para a criação da personagem autobiográfica, o que levantou algumas questões relacionadas com o tipo de desenho em relação ao tema do projeto e ao tipo de leitor a quem se quer dirigir.

Os primeiros desenhos realizados, como é possível ver nas figuras, apresentam um especto um pouco infantil, o que provocou uma reflexão acerca do tipo de leitor a que esta narrativa gráfica se destina.

Figura 26. Primeiros esboços da personagem. Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 27. Esboços do estudo a personagem principal. Fonte: Arquivo pessoal

77 Ao longo do tempo, e usando um diário gráfico, começou-se a tentar criar uma linguagem própria e singular para as personagens. Como referências e inspiração no desenvolver das mesmas seguem-se alguns nomes tais como Lela Brandão, Power Paola, Marcos Farrajota.

Figura 28. Desenho da artista Lela Brandão. Fonte: https://www.instagram.com/lela.brandao/?hl=pt-br

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Figura 29. Prancha de uma BD aleatória de Power Paola. Fonte: http://powerpaola.blogspot.com/

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Figura 30. Prancha de uma BD aleatória de Marcos Farrajota. Fonte: Editora Chilli com Carne

80 Criação de uma linguagem e identidade próprias

Através do uso da fotografia, comecei a fazer alguns dos esboços e criar uma linguagem própria para as personagens, utilizando o lápis em diferentes ângulos, até selecionar o mais adequado, passando de seguida a papel vegetal com uma caneta.

Até esta altura, escreveu-se e reescreveu-se o argumento de cada história, passando assim para a concretização do storyboard, em que começaram a surgir os primeiros problemas relativamente à organização de cada prancha, pois a ideia é ter histórias curtas, sucintas e com mensagem a transmitir. Com a ajuda dos layouts, fez-se uma planificação mais clara de cada prancha tendo em conta todo o argumento, uma estratégia bastante útil.

Figura 31. Estudo da personagem através uma linguagem própria. Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 32. Estudo da personagem através uma linguagem própria. Fonte: Arquivo pessoal

Figura 33. Estudo da personagem através uma linguagem própria. Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 34. Layouts. Fonte: Arquivo pessoal

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Técnicas, ferramentas e meios de produção

Nos storyboards, é possível ver no processo uma diversidade de mistura de técnicas, desde o uso da fita cola como suporte de texto ou balão, a colagem e sobreposição com papel vegetal e o uso de manipulação de imagens fotográficas no Photoshop, que foram surgindo experimentalmente a nível processual, o que veio a interessar para criar uma linha de trabalho mais consistente em relação ao trabalho final.

Em relação às imagens fotográficas manipuladas, é necessário entrar em campo ir aos lugares, não recriar o momento exatamente dito, mas fazer um apanhado fotográfico daquele pequeno momento que nos ficou na memória. Outra questão ainda por decidir é o uso da cor nas restantes vinhetas em cada prancha, pois a cor assume-se como um elemento importante na interpretação de cada história. Estas dúvidas vão surgindo à medida em que mentalmente se idealizam as pranchas finais. Considerou- se que o preto e branco tornaria a história um pouco pesada e daria a um ser certo drama e exagero a narrativa, o que a cores não acontecia. Com tons certos para cada momento da história - por exemplo, escolhendo uma cor como o vermelho e trabalhar com os tons que se associam a ela, apesar de ser apenas uma questão gráfica, é significante visualmente.

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Figura 35. Prancha do storyboard. Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 36. Prancha do storyboard. Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 37. Prancha do storyboard. Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 38. Estudo do espaço a cores. Fonte: Arquivo pessoal

Figura 39. Estudo do espaço a cores. Fonte: Arquivo pessoal

88 Maquete final

A finalização da Banda desenhada a partir dos storyboards, tal como a balonagem e tipografia foram realizadas por meios digitais (Photoshop e mesa gráfica) o que tornou mais simples e clara a decisão acerca do uso de cor durante a fase de testes e da sua maquetizaçao. Foram realizados alguns testes em torno do formato e tipo de papel, até se chegar a um resultado visualmente satisfatório.

Figura 40. Fotos de teste a preto e branco relativamente ao tamanho A5 e A4. Fonte: Arquivo do autor

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Figura 41. Foto da capa cores no tamanho 20x28cm. Fonte: Arquivo do autor

Figura 42. Imagem da alteração de alguns pormenores na capa tamanho 20x28cm. Fonte: Arquivo do autor

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Figura 43. Foto de teste a um separador em tamanho A4. Fonte: Arquivo do autor

Figura.44 Foto de uma página de BD e um separador e balonagem na finalizados em tamanhão 20x28cm. Fonte: Arquivo do autor

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Figura 45. Foto de BD já finalizada no formato 20x28cm. Fonte: Arquivos do autor

Figura 46. Foto de BD já finalizada no formato 20x28 Fonte: Arquivos do autor

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Figura 47. Foto de BD e separar pormenorizada. Fonte: Arquivos do autor

93 Conclusão e perspetivas de trabalho no futuro

Desenvolver este projeto de investigação de mestrado foi uma experiência importante e bastamente gratificante, quer a nível pessoal como profissional. Com a realização deste projeto de investigação, foi-me possível adquirir novos conhecimentos na construção e no desenvolver de uma banda desenhada. Tendo aprendido a planear o meu tempo e a definir metas que me permitissem ser uma pessoa mais metódica e organizada durante todo o processo de trabalho. Apesar do mundo da banda desenhada não me ser estranho, a concretização deste projeto fez com que houvesse uma ambição maior, não apenas pelo tema em si, mas pela forma de encontrar e explorar formatos e novas soluções com possibilidades infinitas.

Em relação ao projeto TEEN AGE, pretendo dar continuidade realizando algumas modificações, novos arranjos e acrescentando novas histórias para que pudesse ser publicado.

No futuro, gostaria de continuar a fazer banda desenhada dentro do género da autobiografia, tentando explorar outros caminhos dentro da mesma e procurar fazer disso uma atividade profissional.

94 Referências bibliográficas

BLANCHARD, Gérard (1974). Histoire de la bande dessinée. Verviers: Marabout. COTRIM, João Paulo; CORBEL, Alain; BURGOS, Pedro; SILVA, Jorge (2001). Hoje, a BD: colóquios: 1996-1999. Lisboa: Bedeteca. CHUTE, Hillary L (2010) Graphic Women -Life Narrative and Contemporary Comics. Columbia University Press. DEUS, A. D. (1997). Os comics em Portugal: uma história da banda desenhada. Lisboa: Edições Cotovia, Bedeteca de Lisboa. FERRO, J. P. (1987). História da banda desenhada infantil portuguesa: das origens até ao ABCzinho. Lisboa: Editorial Presença. FOUCAULT, Michel (2012). O que é um autor? Lisboa: Nova Veja. GARCIA, Santiago (2010) On the Graphic Novel. Editor: ASTIBERR. HATFIELD, Charles (2005) Alternative Comics: An Emerging Literature. University Press of Mississipp KUNKA, Andrew J (2017) Autobiographical Comics. Bloomsbury Academic; Edição: Reprint. MAGALHÃES J. (1987). A história de Portugal e a banda desenhada. Cadernos de Banda Desenhada. MCCLOUD, Scott (1994) Understanding Comics. William Morrow Paperbacks; Edição: Reprint. REFAIE, Elisabeth El (2012) Autobiographical Comics: Life Writing in Pictures”. Editora: University Press of Mississippi SABIN, Roger (1993) Adult Comics. Editora: Routledge SABIN, Roger (1996) Comics, comix & graphic novels Editora: Phaidon STEIN, Daniel; LINK THON, Jan-Nöel (2015). From comic strips to graphic novels: contributions to the theory and history of graphic narrative. Berlin: De Gruyter.

WEBSITES

Cambridge Core: https://www.cambridge.org/ Divulgando BD: http://divulgandobd.blogspot.pt/. El País: https://elpais.com/cultura/ Tesouro de banda desenhada em língua portuguesa: http://repositorio.ul.pt