otany

/ B Rev. Biol. Neotrop. 7(1): 27-36, 2010 otânica B A natomia e histoquímica dos nectários florais de wallichii (Lindl.) K. Schum. e Dombeya natalensis Sond. ()

Joecildo Francisco Rocha Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Botânica, Caixa Postal 74582, Seropédica, 23890-000, Rio de Janeiro, Brasil; e-mail: [email protected]

Rafael Ribeiro Pimentel Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (Botânica) do Museu Nacional/UFRJ, Horto Botânico, Quinta da Boa Vista, s.n., São Cristóvão, Rio de Janeiro, 20940-040, Rio de Janeiro, Brasil

Maria Mercedes Teixeira da Rosa Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Botânica, Caixa Postal 74582, Seropédica, 23890-000, Rio de Janeiro, Brasil

Silvia Rodrigues Machado 27 Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Botânica, Caixa Postal 510, Botucatu, 18618-000, São Paulo, Brasil

Resumo: No presente trabalho, foram estudados os nectários florais de Dombeya wallichii (Lindl.) K. Schum. e Dombeya natalensis Sond., duas espécies de importância apícola e ornamental pertencentes à família Malvaceae. A análise dos resultados mostrou que os nectários localizam-se no cálice, na face adaxial da base de cada sépala, e que são constituídos por numerosos tricomas secretores claviformes, pluricelulares e por um parênquima subglandular vascularizado predominantemente por floema. Os nectários de ambas as espécies estudadas são estruturalmente semelhantes. Os testes histoquímicos revelaram a presença de açúcares redutores, substâncias lipídicas, polissacarídeos ácidos e neutros, substâncias fenólicas e proteínas nas células dos tricomas e do parênquima subglandular em ambas as espécies.

Palavras-chave: Ecologia, estruturas secretoras, néctar, secreção.

Anatomy and histochemistry of the floral nectaries of Dombeya wallichii (Lindl.) K. Schum. and Dombeya natalensis Sond. (Malvaceae)

Abstract: In this work we studied the floral nectaries of Dombeya wallichii (Lindl.) K. Schum. and Dombeya natalensis Sond., two species of the Malvaceae family that are important in apiculture and as ornament. The results showed nectaries in the calix, in the adaxial face of the sepal bases, and that are composed of claviform secretory multicellular trichomes and subglandular parenchyma vascularized predominantly by phloem. The nectaries of both species studied have similar structures. Histochemical tests showed the presence of reducing sugar, lipids, acid and neuter polysaccharides, phenolic substan­ces, and proteins in trichome cells in both species.

Key words: Ecology, secretory structures, nectar, secretion. Introdução Assim, os objetivos deste trabalho foram investigar a anatomia e a histoquímica, além ombeya wallichii (Lindl.) K. Schum., de observar os visitantes florais de D. wallichii conhecida como dombeia ou e D. natalensis, visando ampliar o conhecimen- Dastrapeia-rosa, é uma espécie to sobre a morfologia, o funcionamento e os originária de Madagascar, caracterizada por possíveis papéis desempenhados pelos nectá- se apresentar como arbustos ou arvoretas com rios destas espécies. flores rosas reunidas em umbelas globosas com longos pedúnculos pendentes (Lorenzi & Materiais e métodos Souza, 2001). É largamente cultivada no Brasil, apresentando destacada importância apícola e O material botânico foi coletado no Jar- ornamental, sendo utilizada em projetos de ur- dim Botânico da Universidade Federal Rural banização e paisagismo (Gonçalves et al., 2004; do Rio de Janeiro, Campus de Seropédica, em Pivetta & Silva Filho, 2002; Taura & Larroca, 5 de agosto de 2005. Exemplares de D. wallichii 2001; Toledo et al., 2003). e D. natalensis encontram-se depositados no Dombeya natalensis Sond., conhecida como Herbário RBR do Departamento de Botânica astrapeia, é uma espécie ornamental e melífe- da UFRRJ, registrados com os números RBR ra de origem africana, representada por arbus- 15947 e RBR 15948, respectivamente. tos ou arvoretas com flores brancas reunidas Para a caracterização da estrutura anatô- em umbelas (Knoll et al., 1993; Wiese, 1980). mica dos nectários, amostras foram fixadas em Nectários extraflorais e florais são de FAA 50 (Johansen, 1940), desidratadas em série ocorrência comum em representantes da fa- etílica, incluídas em Historesin® (Leica)(Gerrits, mília Malvaceae, constituindo valioso caráter 1991) e seccionadas em micrótomo rotativo. As taxonômico e de grande importância ecológi- secções (3-6 mm) foram coradas com azul de ca (Judd et al., 2009; Vogel, 2000). Os nectários toluidina a 0,05% em tampão acetato, pH 4,3 28 florais ocorrem em ambas as faces das sépalas; (O’Brien et al., 1964) e montadas entre lâmina e na face abaxial, situam-se sobre a nervura me- lamínula com resina sintética (Gerlach, 1969). diana, enquanto na face adaxial, localizam-se Secções de material recém-coletado, não na base das sépalas (Gunning & Hughes, 1976; fixado, obtidas com auxílio do micrótomo Sawidis, 1998; Sawidis et al., 1989). Estrutural- de Ranvier, foram observadas antes da apli- mente, são constituídos por inúmeros tricomas cação de quaisquer reagentes. Para os testes secretores multicelulares e multisseriados asso- histoquímicos, as secções foram tratadas com ciados a um parênquima subglandular (Judd et Sudan IV (Johansen, 1940) e Sudan Black B al., 2009; Rocha et al., 2002; Sawidis 1991, 1998; (Pearse, 1980) para detectar a presença de li- Sawidis et al., 1987a,b, 1989; Vogel, 2000). pídeos em geral; cloreto férrico a 10% (Johan- A secreção produzida pelos nectários sen, 1940) e dicromato de potássio 10% (Gabe, constitui importante fonte alimentar de gran- 1968) para compostos fenólicos; vermelho de valor nutricional, fazendo parte da dieta de rutênio para substâncias pécticas (Jensen, de uma grande diversidade de insetos (Baker 1962; Johansen, 1940); reagente de Fehling & Baker, 1990), sendo o néctar floral o recurso para açúcares redutores (Purvis et al., 1964); mais comumente oferecido pelas plantas aos lugol para amido (Johansen, 1940); ácido pe- polinizadores (Faegri & Van der Pijl, 1980). riódico/reagente de Schiff (PAS) para polissa- O conhecimento da organização anatô- carídeos neutros (Amaral et al. 2001; Taboga mica das estruturas secretoras, associado ao & Vilamaior, 2001); ácido acético e ácido clo- estudo da composição química da secreção, rídrico para identificar cristais de oxalato de aos aspectos do desenvolvimento e da ultraes- cálcio (Howart & Horner, 1959); e solução de trutura das suas células permite avaliar o seu azul mercúrio de bromofenol para proteínas funcionamento e auxilia na elucidação dos (Mazia et al., 1953). Foi aplicado tratamento possíveis papéis desempenhados pela secre- controle para os testes histoquímicos, de acor- ção no corpo vegetal (Fahn, 1979 a,b; Macha- do com a indicação dos respectivos autores do, 2000; Roshchina & Roshchina, 1993). acima citados. As análises e as fotomicrografias foram Dombeya natalensis feitas com auxílio dos microscópios Olym- A estrutura do nectário de D. natalensis é pus CH30 e Olympus BX-51, com sistema muito semelhante à observada e descrita para de captura composto por câmera Q color 5 e D. wallichii (Figuras 1E-1H) e os testes histo- software Image-Pro Express. Quando necessá- químicos revelaram a presença das mesmas rio, as imagens foram trabalhadas no software classes de substâncias químicas. Photoshop 6.0 e as pranchas montadas utili- Com relação à visitação, as observações zando o CorelDRAW 12. de campo comprovaram que as flores de D. natalensis também são visitadas ao entardecer Resultados por lepidópteros (mariposas), além de hime- nópteros (abelhas) e hemípteros (percevejos). Dombeya wallichii Discussão Os nectários localizam-se na face ada- xial da base de cada sépala (Figura 1A) e são As flores de Malvaceae apresentam constituídos por numerosos tricomas secre- grande diversidade morfológica e atraem abe- tores claviformes, pluricelulares e por um lhas, vespas, formigas, moscas, mariposas, parênquima subglandular vascularizado pre- aves e morcegos, sendo o néctar secretado dominantemente por floema (Figuras 1B-1D). na superfície interna das sépalas (Judd et al., Os tricomas secretores são constituídos por 2009) o tipo de recompensa que mais comu- uma célula basal, um pedúnculo curto unis- mente as plantas oferecem como recurso ali- seriado, uma porção intermediária bisseria- mentar na atração dos polinizadores (Faegri & da, que se torna frequentemente unisseriada Van der Pijl, 1980). na porção distal, e um ápice semigloboso uni Os nectários de D. wallichii e D. natalensis ou bicelular (Figura 1D). As células dos trico- são constantemente visitados por grande nú- mas apresentam paredes anticlinais espessas, mero de insetos, principalmente himenópte- 29 revestidas por cutícula delgada, sendo o es- ros (abelhas), fato observado por Wiese (1980). pessamento maior nas células do pedúnculo, Souza et al. (1993) citaram a coleta de pólen e e as paredes são impregnadas por substâncias néctar de D. wallichii por diferentes espécies lipídicas. Nessas células, o núcleo é evidente, de abelhas. o citoplasma é denso e notam-se numerosos Gaglianone (2000a,b) estudou a biologia vacúolos. O parênquima subglandular é cons- floral de 17 espécies de Malvaceae e verificou tituído por vários estratos celulares (Figura 1B), que estas são visitadas por 93 espécies de abe- cujas células possuem paredes delgadas e de na- lhas, as quais coletam pólen e néctar e promo- tureza pecto-celulósica; têm formas e tamanhos vem a polinização, com exceção de algumas variados, com arranjo compacto (Figura 1C). espécies de abelhas de pequeno porte. Em- Cristais de oxalato de cálcio do tipo drusa e bora as observações de campo tenham mos- prismáticos são vistos por todo o parênquima. trado grande espectro de insetos visitando os Os testes histoquímicos revelaram a nectários de D. wallichii e D. natalensis, não presença de açúcares redutores (glicose e fru- são suficientes para comprovar que estes efe- tose), substâncias lipídicas, polissacarídeos tivamente promovam a polinização. Pivetta ácidos e neutros, proteínas e substâncias fe- & Silva Filho (2002) citaram a dificuldade de nólicas nas células dos tricomas e do parên- encontrar sementes de espécies de Dombeya, quima subglandular. As substâncias fenólicas carecendo-se de dados sobre a sua frutificação detectadas no parênquima subglandular ocor- no Brasil. Esse fato pode estar relacionado ao rem em idioblastos isolados e/ou em grupos caráter exótico de ambas as espécies; porém, (Figuras 1B e 1C). para comprovar esta hipótese, são necessários As observações de campo mostraram estudos detalhados acerca de sua biologia re- grande diversidade de insetos, predominan- produtiva. temente himenópteros (abelhas) e hemípteros A presença de hemípteros (percevejos) (percevejos) visitando as flores ao longo do dia. visitando os nectários de ambas as espécies 30

Figura 1 – A-D. Dombeya wallichii. A. Detalhe do cálice mostrando os cinco nectários (setas); B. Secção transversal mostrando o aspecto geral do nectário; C. Detalhe do parênquima subglandular em secção transversal destacando floema (fl) e idioblastos de drusa (dr);D. Secção transversal mostrando detalhe dos tricomas secretores. E-H. Dombeya natalensis; E. Detalhe do cálice mostrando nectários na base das sépalas (setas); F. Secção transversal mostrando o aspecto geral do nectário; G. Secção transversal do nectário mostrando detalhe do parênquima subglandular vascu- larizado por floema (fl) e destacando idioblastos de drusa (dr); H. Secção transversal mostrando tricomas secretores. Barras: (A, E) 1,5 mm; (B, F) 100 mm; (C, D, G, H) 25 mm. pode ser atribuída à sua intensa vasculariza- registrados para diversos gêneros de Malva- ção, principalmente por floema, ou à utiliza- ceae (Rocha, 2004; Rocha et al., 2002; Sawidis, ção direta do néctar, o qual, por ser encontrado 1991, 1998; Sawidis et al., 1987a,b, 1989; Vogel, em abundância nestas espécies, pode favore- 2000). cer o oportunismo. De acordo com Edwards Nectários florais compostos por trico- & Wratten (1981), o floema é o tecido usual- mas multicelulares claviformes, os quais usu- mente explorado por percevejos, os quais bus- almente se aproximam formando um “carpe- cam uma fonte de alimentos rica em açúcares, te” de pelos e parênquima subglandular, são nitrogênio e outros nutrientes. citados por Fahn (2000) e Vogel (2000) como A visita de lepidópteros (mariposas) ex- caráter significativo de Malvaceae. clusivamente nos nectários de D. natalensis, pos- O espessamento de natureza lipídica ob- sivelmente, está relacionada com a cor branca servado nas paredes anticlinais das células do das pétalas desta espécie, dado que se encon- pedúnculo dos tricomas é uma característica tra de acordo com as observações de Percival comum a muitos tricomas secretores, sendo (1965) ao relatar maior tendência de poliniza- resultado do processo de impregnação das pa- ção de flores brancas, creme e amarelo-claras redes anticlinais, similar ao que ocorre nas cé- por mariposas. Segundo Nicolson (2007), os lulas da endoderme (Fahn, 2000). Gunning & insetos das ordens Diptera, Lepidoptera e Hy- Hughes (1976) e Sawidis et al. (1987a,b, 1989) menoptera estão entre os maiores consumido- consideraram tais espessamentos em células res de néctar floral e relacionados com a poli- de tricomas secretores como uma barreira que nização de diversas angiospermas. previne o fluxo apoplástico de substâncias. Na presente pesquisa, as observações O parênquima subglandular apresenta de campo revelaram a presença de aranhas células com arranjo compacto, paredes del- visitando os espécimes estudados durante gadas, núcleo conspícuo e citoplasma denso, o perío­do de floração. Essa visitação é noto- características que as diferenciam das células 31 riamente reduzida quando os espécimes en- parenquimáticas adjacentes. Células com es- contram-se em sua fase vegetativa. Nicolson sas características foram descritas em diferen- (2007) mencionou o néctar floral como uma tes táxons (Belin-Depoux & Clair-Maczulajtys, importante fonte de água e energia para vá- 1975; Gunning & Hughes, 1976; Machado, rias aranhas. A visita das aranhas nas espécies 1999; Rocha, 2004; Sawidis et al., 1987a, 1989; de Dombeya estudadas pode estar relacionada Wergin et al., 1975) e têm recebido atenção es- com o postulado pela referida autora ou com pecial, visto que estão ativamente envolvidas a grande diversidade de insetos atraídos pelo no processo de descarregamento de fotoassi- néctar, levando a inferências sobre a função e milados, produção e transporte dos precurso- os possíveis papéis biológicos desempenha- res do néctar. dos pelos nectários. De acordo com Nepi (2007), as primeiras A grande diversidade de insetos visi- camadas desse tecido, compostas por células tando as flores de ambas as espécies possi- pequenas de paredes delgadas e citoplasma velmente está relacionada com a presença, denso, são denominadas parênquima necta- no néctar, de diferentes classes de substâncias rífero e estão diretamente envolvidas com a químicas identificadas nas células dos nectá- produção do néctar, podendo este tecido ser rios. Embora a análise química do néctar não vascularizado por floema. Ainda conforme o tenha sido realizada, os testes histoquímicos mesmo autor, o tecido abaixo do parênqui- revelaram a presença de açúcares, proteínas e ma nectarífero apresenta feixes vasculares e lipídeos, substâncias que, conforme apontado possui células maiores de citoplasma menos por Baker & Baker (1990), são de grande valor denso e espaços intercelulares maiores, sen- nutricional para diversos visitantes. do denominado parênquima subnectarífero. Os resultados apresentados mostram A presença de cristais de oxalato de cál- que os nectários de D. wallichii e D. natalensis cio em células nectaríferas é de ocorrência co- apresentam organização anatômica muito se- mum e relatada para diferentes táxons (Arbo, melhante e são estruturalmente similares aos 1972, 1973; Castro et al., 2001; Cristobal & Arbo, 1971; Machado, 1999; Paiva et al., 2001; relataram que os nectários florais tendem a Paiva & Machado, 2006, 2008; Rocha, 2004; apresentar vascularização constituída unica- Rocha et al., 2002; Sawidis, 1998). mente por floema. A formação de elementos Böhmker & Koernicke (1917, 1918 apud de floema por entre as células secretoras foi Arbo, 1972) estabeleceram uma possível rela- também observada por Zer & Fahn (1992). ção entre a secreção de néctar e a presença de Já para Frey-Wyssling (1955) e Sawidis et al. cristais de oxalato de cálcio em células nec- (1987a), há correlação positiva entre a quan- taríferas. Arbo (1972) detectou a presença de tidade de açúcar no néctar e a quantidade de grande quantidade de cristais de oxalato de elementos de floema presentes no nectário. cálcio no parênquima subglandular dos nec- Nos nectários de D. wallichii e D. nata- tários extraflorais de Byttneria; entretanto, de lensis, no presente estudo, foram detectados acordo com suas observações, não há relação açúcares redutores, substâncias lipídicas, entre os cristais de oxalato de cálcio e o tecido substâncias fenólicas, compostos proteicos e nectarífero, visto que os cristais também são polissacarídeos ácidos e neutros. De acordo abundantes em outras regiões da folha que com Fahn (1979a), os constituintes mais co- não são secretoras. Webber (1938) verificou, muns do néctar são sacarose, glicose e fruto- em nectários extraflorais de espécies de Gossy- se, sendo o néctar extrafloral de composição pium, que a presença de cristais de oxalato de similar ao floral (Koptur, 1992). No entanto, cálcio do tipo drusa é particularmente abun- outras substâncias, como aminoácidos, proteí- dante no tecido subglandular. Machado (1999) nas, mucilagens, lipídeos, alcaloides, substân- também observou abundância de cristais de cias fenólicas, terpenoides, glicosídios, ácidos oxalato de cálcio nos nectários extraflorais orgânicos, íons minerais, vitaminas, antibióti- de Citharexylum mirianthum. De acordo com cos e antioxidantes, são relatadas por diversos a autora, a presença desses cristais somente autores como parte integrante da composição nas células nectaríferas, provavelmente, está do néctar de diferentes táxons (Baker & Baker, 32 relacionada com processos metabólicos dife- 1983, 1990; Fahn, 2000; Nicolson & Thornburg, renciais de tais células, corroborando as ob- 2007; Roshchina & Roshchina, 1993; Stefano et servações de Böhmker e Koernicke (1917, 1918 al., 2001). apud Arbo, 1972). Nas células dos nectários das espécies Rocha (2004) e Rocha et al. (2002) men- estudadas, foram detectados açúcares redu- cionaram que, em Hibiscus pernambucensis e tores (glicose e frutose). De acordo com dife- Hibiscus tiliaceus, os cristais de oxalato de cál- rentes autores (Butler et al., 1972; Hanny & cio não ocorrem exclusivamente nas células Elmore, 1974; Leitão et al., 2005; Reed et al., nectaríferas, porém são mais abundantes em 1971; Scogin, 1979), o néctar floral e extrafloral tais células, concordando com as interpreta- de é composto por maior concentra- ções feitas por Böhmker e Koernicke (1917, ção de glicose e frutose em relação à sacarose, 1918 apud Arbo, 1972) e Machado (1999). Nas além de apresentar aminoácidos, proteínas e espécies estudadas, em relação aos cristais de flavonoides. oxalato de cálcio, foi observada situação seme- Os polissacarídeos presentes nas células lhante à descrita por Rocha (2004) e Rocha et dos nectários podem ser de grande valor, não al. (2002) para os nectários de H. pernambucen- somente nutricional, mas também por desem- sis e H. tiliaceus e por Paiva & Machado (2006) penhar importante função para as estruturas para os nectários de Hymenaea stigonocarpa. em desenvolvimento, protegendo-as contra a Nos nectários florais de D. wallichii e dessecação, conforme postulado por Lüttge & D. natalensis, notam-se feixes vasculares com Schnepf (1976) e Meyberg (1988). Além das re- predominância de floema vascularizando o feridas funções, a mucilagem pode funcionar parênquima subglandular. Característica se- na preservação de alguns componentes da se- melhante foi relatada para os nectários florais creção exposta na superfície (Machado, 1999). de Hibiscus rosa-sinensis por Sawidis (1998) e Ao descrever o tecido subglandular dos nec- Sawidis et al. (1987a,b) e de H. pernambucensis tários de H. rosa-sinensis, Sawidis (1991, 1998) por Rocha (2004). Metcalfe & Chalk (1979) observou a presença de células mucilaginosas e células com óleo. De acordo com o autor, a Referências mucilagem tem importante papel na regula- ção da economia de água, que é decisiva na Amaral, L. I. V., M. F. Pereira & A. L. Corte- secreção do néctar, e o óleo protege principal- lazzo. 2001. Formação das substâncias de mente os tecidos que contêm açúcares contra reserva durante o desenvolvimento de herbivoria. Além da função atribuída pelo sementes de urucum (Bixa orellana L. – Bi- referido autor, as substâncias lipídicas, pro- xaceae). Acta Bot. Bras. 15: 125-132. vavelmente, apresentam grande valor nutri- Arbo, M. M. 1972. Estructura y ontogenia de cional na dieta dos insetos visitantes (Baker los nectarios foliares del gênero Byttineria & Baker, 1990). Machado (1999) afirmou que (Sterculiaceae). Darwiniana 17: 104-158. os lipídeos detectados nos nectários de Citha- Arbo, M. M. 1973. Los nectarios foliares de rexylum mirianthum servem como fonte de Megatritheca (Sterculiaceae). Darwiniana energia e/ou de reserva; ademais, podem fun- 18: 272-276. cionar na atração ou repelência de visitantes Baker, H. G. & I. Baker. 1983. A brief histori- (Rodriguez et al., 1984). cal review of the chemistry of the floral Os compostos fenólicos identificados nectar, p. 126-152. In: B. Bentley & T. S. nas células dos nectários das espécies estuda- Elias (Eds), The biology of nectaries. New das podem oferecer proteção contra herbívo- York, Columbia University Press. ros, micro-organismos, excesso de radiação Baker, H. G. & I. Baker. 1990. The predictive ultravioleta e, ainda, proteger o protoplasto value of nectar chemistry to the recogni- celular mantendo sua integridade quando su- tion of pollinator type. Israel J. Bot. 39: jeito ao estresse hídrico (Fahn, 1979a; Paiva & 157-166. Machado, 2008; Taiz & Zeiger, 2002). Belin-Depoux, M. & D. Clair-Maczulajtys. Diante do exposto, pode-se concluir 1975. Introduction a l’étude des glandes que a presença de tricomas secretores, com- foliaires de l’Aleurites moluccana Willd. II. 33 pondo os nectários florais de D. wallichii e D. Aspects histologiques de la glande pétio- natalensis, está de acordo com as observações laire fonctionnelle. Rev. Gén. Bot. 82: 119- registradas para diferentes espécies da família 155. Malvaceae, constituindo uma das característi- Butler, G. D., G. M. Loper, S. E. McGregor, J. cas que corroboram seu estabelecimento como L. Webster & H. Margolis. 1972. Amounts um grupo monofilético (Judd et al., 2009). A and kinds of sugars in the nectars of cotton secreção produzida pelos nectários está envol- (Gossypium spp.) and the time of their se- vida na manutenção de interações com amplo cretion. Agron. J. 64: 364-368. espectro de insetos visitantes, o que constitui Castro, M. A., A. S. Vega & M. E. Mulgura. um bom modelo para a realização de estudos 2001. Structure and ultrastructure of leaf experimentais com abordagem ecológica. and calix glands in Galphimia brasiliensis (Malpighiaceae). Am. J. Bot. 88: 1935- Agradecimentos 1944. Ao Pesquisador do Instituto de Pesqui- Cristobal, C. L. & M. M. Arbo. 1971. Sobre sa Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Massi- las especies de Ayenia (Sterculiaceae) con mo Giuseppe Bovini, pela identificação das nectarios foliares. Darwiniana 16: 603-612. espécies. À Professora Marilena Menezes da Edwards, P. J. & S. D. Wratten. 1981. Ecolo- Silva Conde pelo auxílio prestado e bibliogra- gia das interações entre insetos e plantas. fia cedida. Ao Dr. Max Valério Dória Barbosa Tradução Vera Lúcia Imperatriz Fonseca. pela versão do resumo em inglês. À Fundação Editora da Universidade de São Paulo, Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do São Paulo, 71 p. Estado do Rio de Janeiro (FARERJ) pelo auxí- Faegri, K. & L. Van Der Pijl. 1980. The prin- lio financeiro para o desenvolvimento de pro- ciples of pollination ecology. Pergamon jetos na área de anatomia vegetal. Press, New York. Fahn, A. 1979a. Secretory tissues in . Johansen, D. A. 1940. microtechnique. Academic Press, London. MacGraw-Hill, New York. Fahn, A. 1979b. Ultrastructure of nectaries in Judd, W. S., C. S. Campbell, E. A., Kellogg, P. relation to nectar secretion. Am. J. Bot. 66: F. Stevens & M. J. Donoghue. 2009. Siste- 977-985. mática vegetal: um enfoque filogenético. 3. ed. Artmed, Porto Alegre. Fahn, A. 2000. Structure and function of secre- Knoll, F. R. N., L. R. Bego & V. L. Imperatriz- tory cells. Adv. Botan. Res. 31: 37-75. Fonseca. 1993. Abelhas em áreas urbanas: Frey-Wissling, A. 1955. The phloem supply to um estudo no Campus da Universidade the nectaries. Acta Bot. Neerl. 4: 358-369. de São Paulo, p. 31-42. In: J. R. Pirani & M. Gabe, M. 1968. Techniques histologiques. Cortopassi-Laurino (Eds), Flores e abe- Masson & Cie, Paris. lhas em São Paulo. São Paulo, EDUSP/ FAPESP. Gaglianone, M. C. 2000a. Biologia floral de Koptur, S. 1992. Extrafloral nectary-mediated espécies simpátricas de Malvaceae e suas interactions between insects and plants, abelhas visitantes. Biociências 8: 13-31. p. 81-129. In: E. Bernays, (Ed), Insect- Gaglianone, M. C. 2000b. Behavior on flowers, plant interactions. Boca Raton, CRC. structures associated to pollen transport Leitão, C. A. E., R. M. S. A. Meira, A. A. Aze- and nesting biology of Perditomorpha bru- vedo, J. M. Araújo, K. L. F. Silva & R. G. nerii and Cephalurgus anomalus (Hyme- Collevatti. 2005. Anatomy of the floral, noptera: Colletidae, Andrenidae). Rev. bract, and foliar nectaries of Triumfetta Biol. Trop. 48: 89-99. semitriloba (Tiliaceae). Can. J. Bot. 83: 279– Gerlach, D. 1969. Botanische Mikrotechnik. 286. Georg Thieme Verlag, Stuttgart. Lorenzi H. & V. C. Souza. 2001. Plantas orna- 34 mentais no Brasil: arbustivas, herbáceas Gerrits, P. O. 1991. The application of glycol e trepadeiras. 3. ed. Instituto Plantarum, methacrylate in histotechnology: some Nova Odessa. fundamental principles. Department of Anatomy and Embriology, State Univer- Lüttge, U. & E. Schnepf. 1976. Elimination sity of Gröningen, Gröningen. processes by glands. Organic substances, p. 244-277. In: V. Luttge & M. G. Pitman Gonçalves, E. O., H. N. Paiva, W. Gonçalves (Eds), Transport in plants. II. Encyclope- & L. A. G. Jacovine. 2004. Diagnóstico dia of plant physiology. New York, Sprin- dos viveiros municipais no Estado de Mi- ger-Verlag. nas Gerais. Ciênc. Flor. 14: 1-12. Machado, S. R. 1999. Estrutura e desenvolvi- Gunning, B. E. S. & J. E. Hughes. 1976. Quan- mento de nectários extraflorais de Cithare­ titative assessment of symplastic trans- xylum mirianthum Cham. (Verbenaceae). port of pre-nectar into the trichomes of Tese de livre docência. Universidade Es- Abutilon nectaries. Austr. J. Plant Physiol. tadual Paulista, Botucatu. 3: 619-637. Machado, S. R. 2000. Aspectos subcelulares Hanny, B. W. & C. D. Elmore. 1974. Ami- da secreção, p. 90-94. In: T. B. Cavalcanti no acid composition of cotton nectar. J. & B. M. T. Walter (Coords), Tópicos atuais Agron. Food Chem. 22: 476-478. em botânica: Palestras convidadas do 51° Congresso Nacional de Botânica. Brasília, Howart, W. O. & L. G. G. Horner. 1959. Prac- DF, Embrapa Recursos Genéticos e Bio- tical botany for the tropics. University of tecnologia/Sociedade Botânica do Brasil. London, London. Mazia, D., P. A. Brewer & M. Alfert. 1953. The Jensen, W. A. 1962. Botanical histochemistry: cytochemistry staining and measurement principles and pratice. W. H. Freeman & of protein with mercuric bromophenol Co, San Francisco. blue. Biol. Bull. 104: 57-67. Metcalfe, C. R. & L. Chalk. 1979. Anatomy of Purvis, M. J., D. C. Collier & D. Walls. 1964. the dicotyledons. v. 1. 2. ed. Clarendon, Laboratory techniques in botany. But- Oxford. terworths, London. Meyberg, M. 1988. Cytochemistry and ultras- Reed, M. L., N.Findlay & F. V. Mercer. 1971. tructure of the mucilage secreting tricho- Nectar production in Abutilon. IV. Water mes of Nymphoides peltata (Menyanthace- and solute relations. Aust. J. Biol. Sci. 24: ae). Ann. Bot. 62: 537-547. 677-688. Nepi, M. 2007. Nectary structure and ultras- Rocha, J. F. 2004. Estruturas secretoras em tructure, p. 129-166. In: S. W. Nicolson, Hibiscus pernambucensis Arruda (Malva- M. Nepi, & E. Pacini (Eds), Nectaries and ceae): anatomia, desenvolvimento, histo- nectar. Dordrecht, Springer. química e ultra-estrutura. Tese de Douto- Nicolson, S. W. 2007. Nectar consumers, p. rado. UNESP, Botucatu. 289-342. In: S. W. Nicolson, M. Nepi & E. Rocha, J. F., L. J. Neves & L. B. Pace. 2002. Es- Pacini (Eds), Nectaries and nectar. Dor- truturas secretoras em folhas de Hibiscus drecht, Springer. tiliaceus L. e Hibiscus pernambucensis Ar- Nicolson, S. W. & R. W. Thornburg. 2007. ruda. Rev. Univers. Rural, Série Ciências Nectar chemistry, p. 215–264. In S. W. Ni- de Vida 22:43-55. colson, M. Nepi & E. Pacini (Eds), Necta- Rodriguez, E., P. L. Healey, & I. Mehta. 1984. ries and nectar. Dordrecht, Springer. Biology and chemistry of plant tricho- O’Brien, T. P., N. Feder & M. E. McCully. mes. Plenum, New York. 1964. Polychromatic staining of plant cell Roshchina, V. V. & V. D. Roshchina. 1993. walls by toluidine blue. Protoplasma 59: The excretory function of higher plants. 368-373. Springer-Verlag, Berlin. Paiva, E. A. S., H. C. Moraes, R. M. S. Isaias, Sawidis, T. H. 1991. A histochemical study of 35 D. M. S. Rocha, & P. E. Oliveira. 2001. nectaries of Hibiscus rosa-sinensis. J. Expe- Occurrence and structure of extrafloral rim. Bot. 24: 1477-1487. nectaries in Pterodon pubescens Benth. and Sawidis, T. H. 1998. The subglandular tissue Pterodon polygalaeflorus Benth. (Fabaceae- of Hibiscus rosa-sinensis nectaries. Flora Papilionoideae). Pesq. Agropec. Bras. 36: 193: 327-335. 219-224. Sawidis, T. H., E. P. Eleftheriou, & I. Tsekos. Paiva, E. A. S. & S. R. Machado. 2006. Onto- 1987a. The floral nectaries of Hibiscus gênese, anatomia e ultra-estrutura dos rosa-sinensis. I. Development of the secre- nectários extraflorais de Hymenaea stigo- tory hairs. Ann. Bot. 59:643-652. nocarpa Mart. ex Hayne (Fabaceae-Cae- Sawidis, T. H., E. P. Eleftheriou, & I. Tsekos. salpinioideae). Acta Bot. Bras. 20: 471-482. 1987b. The floral nectaries of Hibiscus ro- Paiva, E. A. S. & S. R. Machado. 2008. The sa-sinensis L. II. Plasmodesmatal frequen- floral nectary of Hymenaea stigonocarpa cies. Phyton 27: 155-164. (Fabaceae, Caesalpinioideae): structural Sawidis, T. H., E. P. Eleftheriou, & I. Tsekos. aspects during floral development. Ann. 1989. The floral nectaries of Hibiscus rosa- Bot. 101: 125-133. sinensis. III. A morphometric and ultras- Pearse, A. G. E. 1980. Histochemistry theore- tructural approach. Nordic J. Bot. 9: 63-71. tical and applied. v. 2. 4. ed. Longman, Scogin, R. 1979. Nectar constituents in the London. genus Fremontia (Sterculiaceae): sugars, Percival, M. 1965. Floral biology. Oxford, Per- flavonoids and proteins. Bot. Gaz. 140: gamon. 29-31. Pivetta, K. F. L. & D. F. Silva Filho. 2002. Ar- Souza, V. C., M. Cortopassi-Laurino, R. Si- borização urbana. Boletim acadêmico Sé- mão-Bianchini, J. R. Pirani, M. L. Azou- rie Urbanização Urbana UNESP/FCAV/ bel, L. S. Guibu & T. C. Giannini. 1993. FUNEP, Jaboticabal. Plantas apícolas de São Paulo e arredores, p. 43-67. In: J. R. Pirani & M. Cortopassi- & Y. Terada. 2003. Plants and pollinating Laurino (Eds), Flores E ABELHAS em bees in Maringá, state of Paraná, Brazil. São Paulo. São Paulo, EDUSP/FAPESP. Braz. Arch. Biol. Technol. 46: 705-710. Stefano, M., A. Papini, C. Andalo & L. Bri- Vogel, S. 2000. Floral nectaries of the Malva- ghigna. 2001. Ultrastructural aspects of ceae sensu lato – a conspectus. Kurtziana the hypanthial epithelium of Selenicereus 28: 155-171. grandiflorus (L.) Britton & Rose (Cactaceae). Webber, I. E. 1938. Anatomy of leaf and stem Flora 196: 194-203. of Gossypium. J. Agric. Res. 57: 269-286. Taboga, S. R. & P. S. L. Vilamaior. 2001. Ci- toquímica, p. 19-27. In: H. F. Carvalho &. Wergin, W. P., D. Elmore, B. W. Hanny & S. M. Recco-Pimentel (Eds). A célula 2001. B. F. Ingber. 1975. Ultrastructure of the Barueri, Manoli Ltda. subglandular cells from the foliar nec- taries of cotton in relation to the distri- Taiz, L. & E. Zeiger. 2002. Plant physiology. 2. bution of plasmodesmata and the sym- ed. Sinauer Associates, Sunderland. plastic transport nectar. Am. J. Bot. 62: Taura, H. M. & S. Larroca. 2001. A associação 842-849. de abelhas silvestres de um biótipo urba- no de Curitiba (Brasil), com comparações Wiese, H. 1980. Nova apicultura. Porto Alegre espaço-temporais: abundância relativa, Agropecuária, Porto Alegre, 482 p. fenologia, diversidade e explotação de Zer, H. & A. Fahn. 1992. Floral nectaries of recursos (Hymenoptera, Apoidea). Acta Rosmarinus officinalis L. Structure, ultras- Biol. Par. 30: 35-137. tructure and nectar secretion. Ann. Bot. Toledo, V. A. A., A. E. T. Fritzen, C. A. Neves, 70: 391-397. M. C. C. Ruvolo-Takasusuki, S. H. Sofia

36 Recebido em 21/IX/2009 Aceito em 1/II/2010