JOÃO PINHEIRO DA SILVA

Político e industrial, nasceu na cidade de Serro, Província de , a 16 de dezembro de 1860, e faleceu em . MG. a 25 de outubro de 1908, no Palácio da Liberdade, em pleno exercício do mandato de presidente do Estado que só terminaria a 7 de setembro de 1910. Filho do imigrante italiano Guiseppe Pignataro, caldeireiro de profissão, chegado ao Brasil por volta de 1848 e que abrasileirou o nome para José Pinheiro da Silva, e de Carolina Au- gusta de Morais, natural de Caeté, filha de um professor de primeiras letras. A morte de seu pai, ocorrida por volta de 1870, obrigou sua mãe a viver com pa- rentes, em várias cidades mineiras, em companhia de dois filhos menores. A educação destes foi afinal confiada ao padre João de Santo António, que os matriculou no Seminário de Mariana. O irmão de João Pinheiro, José Pinheiro da Silva (1859-1889), optou pela carreira eclesiástica, tendo falecido como vigá- rio de Jiquiri, município de Ponte Nova, MG, ao 30 anos de idade. Bom estu- dante, mas sem vocação religiosa, João Pinheiro preferiu outro caminho. A princípio, optou pela carreira de engenheiro, matriculando-se na Escola de Mi- nas de Ouro Preto, em 1881. Mas já em 1883 decidia estudar Direito em São Paulo, onde concluiu o curso em 1887. Para conseguir os meios de manter-se e custear os estudos, foi muito ajudado pelo professor Cipriano José de Carvalho, que obteve sua contratação como zelador e preparador do laboratório de Física e Química da Escola Normal de São Paulo, onde lecionava. Pouco depois. João Pinheiro foi nomeado professor substituto do mesmo estabelecimento, para que contribuiu também a ajuda de outro amigo, o professor Antônio da Silva Jar- dim. Silva Jardim e Cipriano José de Carvalho, partidários do positivismo e do republicanismo, muito influíram na formação das idéias políticas progressistas de João Pinheiro. Em 1886, alistava-se como eleitor do Partido Republicano na Cidade de São Paulo, onde passou também a apoiar a campanha do abolicio- nismo. A turma de bacharéis em Ciências Jurídicas e Sociais, que colou grau a 18 de novembro de 1887, era formada por figuras que vieram a ter relevo maior no regime republicano. Além de João Pinheiro, nela estavam Carlos Campos, Rafael de Almeida Magalhães, Nabuco de Abreu, Ataulfo de Paiva e Rivadávia Correia. Entre seus contemporâneos na Faculdade de Direito de São Paulo con- tam-se outros tantos nomes ilustres da nova ordem que se instalou no País em novembro de 1889: Pedro Lessa, Artur Ribeiro, Astolfo Dutra, Josino de Araújo, Edmundo Lins, Afonso Arinos e Afrânio de Meio Franco, Mendes Pimentel, Carlos Peixoto, João Luís Alves, Camilo Soares, , Wenceslau Brás, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, todos mineiros. De outros Estados, destacam-se Raul Pompéia, Francisco Morato, Paulo Prado, Alfredo Pujol, Wa- shington Luís e Irineu Machado. Em 1889 casou-se com sua antiga aluna da Es- cola Normal, Helena de Barros, pertencente a tradicional família de São Paulo, de fazendeiros e funcionários públicos. Pouco antes do casamento abrira escri- tório de advocacia em Ouro Preto, então a capital de Minas Gerais, em socieda- de com Francisco de Assis Barcelos Correia. Logo, porém, dedicava-se mais à atividade política e à propaganda republicana, aliando-se a Cesário Alvim, dissi- dente do Partido Liberal e adversário do Visconde de Ouro Preto. Foi um dos

923 organizadores do Clube Republicano em Ouro Preto. Em julho de 1888 lide- rou a organização do primeiro Partido Republicano Mineiro, passando a dirigir o seu jornal, O Movimento, que começou a circular em principio de 1889. Nele, João Pinheiro discutia e esclarecia pontos essenciais do programa republicano, tais como a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade do ensino, a demo- cratização da Justiça, a federação. Proclamada a República, foi logo nomeado pelo Governo Provisório para os cargos de secretário de Estado e vice-governa- dor. A 11 de fevereiro de 1890, com a ida de Cesário Alvim para o Ministério do Interior passou ao exercício interino do governo de Minas, tendo sido confirma- do no mês de abril seguinte. Tratou rapidamente de iniciar a reorganização da administração estadual, começando pela Diretoria da Fazenda e pela nomeação de uma comisssão destinada a elaborar o projeto da Constituição do Estado. Deixando o governo, elegeu-se deputado ao Congresso Constituinte de 1890, no qual integrou a chamada Comissão dos 21 (um representante de cada unidade da Federação), à qual cabia encaminhar ao plenário o projeto constitucional. Viu-se, no entanto, forçado a renunciar ao mandato legislativo após o movi- mento de 23 de novembro de 1891, que depôs o marechal Deodoro. Com ele caiu também Cesário Alvim, a quem se se ligara quando de sua ida para Ouro Preto. Em 1893, dividia seu tempo entre a Cerâmica de Caeté e uma cátedra da Faculdade Livre de Direito do Estado de Minas Gerais. O negócio prosperou, conquistando mercado até no e em São Paulo. Entretanto, o gosto pela coisa pública renasceu com sua participação na política municipal. Em 1899, passou a exercer as funções de agente executivo e de presidente da Câ- mara de Vereadores de Caeté. A volta às lides políticas num cenário mais amplo deveu-se ao convite que o presidente do Estado, Francisco Sales, lhe fez em 1903 para presidir ao Primeiro Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de Minas Gerais. O conclave revestiu-se de importante sentido político. Em pri- meiro lugar, constituía uma reação à política recessionista posta em prática no quatriênio de Campos Sales. Buscava, também assegurar a união do empresa- nado mineiro contra a política livre-cambista que encarecia a produção e difi- cultava a exportação. Por último, o Congreso visava a levantar, de modo siste- mático, sugestões e orientações que se transformassem em políticas dinamiza- doras da economia mineira, então bastante estagnada. No discurso Curto mas incisivamente político com que encerrou o Congresso, João Pinheiro criticou a política econômica do governo federal, lamentando o domínio de "mãos estra- nhas" em certos setores da economia brasileira, numa óbvia denúncia da pre- sença de capital e administração estrangeiros no comércio, na mineração e nas finanças do País. Apelava para a retomada da "obra interrompida de realização dos ideiais republicanos". Defendeou ardorosamente o protecionismo, que con- cebia como o amparo oficial a manufaturas incipientes mas promissoras. Nesse ponto discordava da grande maioria dos fazendeiros mineiros, adeptos da tese da "vocação agrícola" do Brasil. Não se deve, no entanto, confundir a posição de João Pinheiro com uma postura sistemática de anticonservadorismo. Sempre considerou a agricultura como tivide prioritária em relação à indústria, julgando o protecionismo como necessidade momentânea, mas não como medida salva- dora capaz de transformar povos pobres em ricos. O que preconizava era a construção de base econômica mais sólida que fortalecesse o capitalismo nacio-

924 nai, surgido tardiamente e tão cheio de vícios. De fato, não entrava em choque com as elites de que era parte. Sua visão protecionista incluía a adoção de medi- das que defendessem também outros produtos agrícolas, que não só o café, como o algodão, o fundo, a carne e os derivados do leite. Foi o primeiro homem público mineiro a expor a necessidade da policultura para atender às diversida- des regionais do Estado. Em 1904, meses após a realização do Congresso, dicur- sou de novo, por ocasião do funerais de Cesário Alvim.

Nessa ocasião, justificou seu afastamento da política, relacionando-o com certas práticas políticas que condenava por contradizerem seus ideiais. Apro- veitou a oportuniade para fazer o elogio da política de conciliação, que lhe pare- cia tão necessária naquele momento da história de Minas, em que a vida pública era conduzida por "agrupamentos feitos em torno de nomes sem programas de idéias, com o único objetivo da conquista de posições". Sentiu de novo o apelo à participação pública e nesse mesmo ano de 1904 candidatou-se ao Senado Fe- deral. Em seu manifesto eleitoral, acentuou suas convicções nacionalistas, te- cendo um interessante paralelo entre o Brasil e o Estados Unidos. Dizia que os brasileiros seguiam o modelo político do irmão do Norte, mas não seu exemplo econômico, daí a persistência da miséria, do atraso, da falta de dinamismo no progresso nacional. Reafirmava sua oposição à política recessionista de Campos Sales e Joaquim Murtinho. Suas críticas eram baseadas na leitura entusiasmada que fizera do livro de Léroy-Beaulieu, Os Estados Unidos no Século XX, onde se fazia a apologia da economia liberal e do livre-cambismo. João Pinheiro admirava o presidente norte-americano Theodore Roosevelt, que, segundo ele, representava o paradigma do presidente ideal para o Brasil, fiel executor que era de um presidencialismo atuante e dinâmico. Como Euclides da Cunha, entu- siasmou-se com os livros escritos por Theodore Roosevelt, O Ideal Americano e A Vida Intensa. A filosofia política de João Pinheiro, realista e pragmática, fez dele um lúcido precursor do que mais tarde se chamou desenvolvi mentismo. Dele Falou . "( . . .) possuiu, ao lado do senso perfeito da nossa realidade objetiva, a vigorosa imaginação do futuro, que leva o olhar do estadista muito além de seu campo visual e lhe permite intuir a Pátria de ama- nhã". Eleito para o Senado, pouco tempo exerceu as funções, pois, menos de um ano após a posse, tornou-se presidente de Minas, agora sob a égide da polí- tica de conciliação. De fato, sua ascensão deveu-se, por um lado, às notórias qualidades pessoais, mas, por outro lado, ao seu prévio afastamento da política, o que lhe assegurou uma posição de equidistância em relação às facções que se digladiavam pelo controle do novo Partido Republicano Mineiro. Sua candida- tura foi um ato de conciliação e harmonização, sem contudo impedir que João Pinheiro agisse com menos independência diante dos chefes do PRM. O próprio Francisco Sales, mentor de sua candidatura, chegou a mostrar-se preocupado com a desenvoltura de João Pinheiro na cena política. Queria renovar práticas e idéias. Não era um revolucionário, mas um decidido reformador. Eleito para o quatriênio 1906-1910, a ação de João Pinheiro na presidência do Estado coinci- diu com o domínio de mineiros no plano federal, com na presidên- cia da república e Carlos Peixoto na vice-presidência da Câmara dos Deputados. Data dessa época a atuação do movimento a princípio pejorativamente chamado

925 de Jardim da Infância, por causa da juventude dos deputados que a ele ade- riram. Carlos Peixoto, que o liderava, tinha 34 anos, tendo sido eleito presidente da Câmara por três vezes consecutivas. Como João Pinheiro e Afonso Pena, o grupo do Jardim da Infância aspirava mudar o funcionamento da República, nela introduzindo elementos de ordem ética que pusessem fim à política de con- chavos e facções. O Jardim da Infância não tinha um programa concreto, com metas definidas de ordem social ou administrativa. Pretendia, sim, a mudança das práticas políticas, julgando que desse primeiro passo decorreria natural- mente o impulso mais geral para o progresso econômico e social do País. Por causa desses pressupostos é que o Jardim da Infância, como também Afonso Pena e João Pinheiro, opunha-se duramente à influência de bastidores do gaú- cho Pinheiro Machado no Senado Federal. Entre os componentes do grupo no Congresso e no governo federal contavam-se, além de Carlos Peixoto, os mi- neiros Pandiá Calógeras, Davi Campista, João Luís Alves, Gastão da Cunha e Estêvão Lobo, o gaúcho Alcindo Guanabara e o baiano Miguel Calmon. Como comentou Afonso Arinos de Meio Franco, a preocupação aristocrática, moral e in electual do Jardim da Infância exprimia bem as condições políticas de uma época em que o povo não participava diretamente do poder e em que os seus chamados representantes sentiam-se mais obrigados a um esforço de ele- vação moral e intelectual própria do que ao empenho de procurar satisfazer às necessidades do corpo coletivo de eleitores. Como presidente do Estado, João Pinheiro dedicou-se principalmente às tarefas administrativas, buscando pôr em prática as estratégias que julgava apropriadas para tirar Minas da situação de estagnação econômica em que se encontrava. Deu inicio à reforma do ensino primário e técnico-profissional. O Decreto 1.960, de 16 de dezembro de 1906, previa modificações significativas nos méto- dos de ensino, na organização do sistema escolar e nos mecanismos públicos de fiscalização da educação. Em 1908, na mensagem anual à Assembléia Legislati- va, alegrava-se com o aumento de matrícula na escola primária, que passava de 54.825 para 95.574 alunos. Mas comentava a secular carência de recursos públi- cos que permitissem melhorar as instalações das escolas e a remuneração do magistério. Pelo Decreto n2 2.027, de 8 de junho de 1908, regulamentava o ensi- no agrícola para adultos, que passava a ser ministrado nas fazendas-modelo. Ti- nha uma visão dinâmica desse tipo de treinamento. Dizia João Pinheiro, expli- cando o sistema que começou a implantar, que "este ensino, contendo duas partes essenciais, uma teórica e outra propriamente industrial, foi dividido de modo que uma repartição especial e técnica se incumba primeira, e a divulga- ção do trabalho mecânico e dos processos úteis, aconselhados pela teoria, seja feita intuitivamente pelos mestres práticos de cultura, espalhados pelo Estado, operando industrialmente, para que os agricultores possam avaliar das vanta- gens integrais e da superioridade dos processos novos, comparados com os da velha rotina. (Nesta) medida (... ) está a base de nossa regeneração econômica, assim para o produtor como para o Estado, que da agricultura tira sua principal fonte de renda". Promoveu então a instalação de várias fazendas-modelo, entre as quais se destaca a da Gamaleira, situada bem próximo de Belo Horizonte para facilitar sua atenção constante ao projeto de formação de mão-de-obra qualifi- cada para o trabalho agrícola. Impulsionou também a construção de ramais

926 ferroviários e tomou as primeiras providências para a implementação de rodo- vias permanentes no Estado, que substituíssem as estradas carroçáveis, intran- sitáveis na época das chuvas. Introduziu interessante inovação administrativa - o governo intinerante - que lhe permitia presidir congressos municipais em dife- rentes regiões do Estado. Com essa prática, aumentava seu grau de informação e conhecimento direto dos problemas de Minas. Preocupou-se igualmente com a esrutura e funcionamento do Poder Judiciário, reorganizando-o integralmen- te, bem como a Policia Civil e a Força Pública. Foi o precursor da política de in- centivos fiscais, ao introduzir uma série de leis destinadas a estimular industriais e agricultores a investirem em regiões e atividades ainda pouco desenvolvidas, porém promissoras. Não era dogmaticamente contra a presença de capital e técnicos estrangeiros em Minas Gerais. Julgava que poderiam transformar-se em fatores de dinamização da economia estadual desde que devidamente con- trolados por leis benéficas. Assim é que em sua mensagem ao Congresso Mi- neiro, em 1907, anunciava ter o governo concedido terras à empresa norte- americana Empire Fibre Company, que fora habilitada a funcionar no Brasil por decreto federal de 6 de abril daquele ano. A empresa comprometia-se a in- troduzir em Minas a cultura industrial do arroz, empregando máquinas aperfei- çoadas para o cultivo e o beneficiamento. A concessão obrigava a empresa a re- ceber dez aprendizes por ano, indicados pelo governo estadual. Jamais foi fa- vorável ao protecionismo excessivo do café, por juglar que tal orientação era a responsável pela excessiva concentração de recursos produtivos numa única atividade. Defendia a policultura como base mais estável do capitalismo agrário que favorecia. Como dizia, esse caminho libertaria o País "da triste dependência da importação de gêneros de primeira necessidade e abrir-se-ia, para a ativida- de agrícola, novo e largo horizonte". Citava o exemplo a ser seguido, da Argen- tina, que considerava um modelo de agrarismo moderno, dinâmico e expansio- nista. Citava também os Estados Unidos, onde eram pródigas as dotações orça- mentárias para o ensino e a pesquisa na área da agricultura. Tirava conclusão que não o desanimava, apenas mostrava o quanto cabia ao Estado fazer, para mudar a situação: "em matéria de ensino técnico e profissional, num país que vive quase que exclusivamente da agricultura, como o nosso, nada, é a triste verdade,, temos feitos até agora". Na indústria de laticínios, procurou implantar experiência pioneira, cuja curta duração a impediu de produzir mais frutos. Tal setor passava por período de expansão graças à proteção alfandegária que o go- verno mineiro conseguira aprovar no Congresso Federal. João Pinheiro havia convencido alguns empresários do setor a se aparelharem para o ensino prático de técnicas mais avançadas na indústria alimentícia. O governo se comprometia a conceder auxílio financeiro e isenções fiscais, como contrapartida. Um dos pontos que acentuava, era a política de melhoramento dos estoques bovinos, com a importação de reprodutores de raça. Por outro lado, lá apontava a neces- sidade de ampliar o rebanho de gado de corte, fonte potencial de grande riqueza para Minas, dada a dimensão do mercado consumidor representado pelo Dis- trito Federal. Como outros governantes que o antecederam, compreendia que o progresso desse setor dependia da construção de uma boa rede de transportes e de frigoríficos, que pusesse fim à venda do gado em pé, fonte de tantos prejuí- zos para os criadores. Havia muito que fazer para modernizar Minas Gerais. A

927 filosofia progressista de João Pinheiro, que ele mesmo denominou economis- mo", representava uma visão pragmática e conservadora do papel do governo na promoção do desenvolvimento econômico. Pensava em reformas institucio- nais de métodos e de atitudes sempre dentro do "senso grave da ordem", ex- pressão com que procurou sintetizar o espírito do povo mineiro. Não era um po- sitivista ortodoxo, menos ainda um positivista religioso, pois casou-se na Igreja Católica e nela batizou os onze filhos que teve, educando-os nos princípios do cristianismo. Não era um rígido seguidor de Augusto Comte, como o "científico" representado por um tipo como o líder gaúcho Júlio de Castilhos, que não es- condia seu desprezo pelos "liberais empíricos". João Pinheiro ficava no meio- termo, por assim dizer. Admirava Castilhos, com quem havia convivido no Con- gresso Constituinte, como admirava o pragmático ditador mexicano Porfirio Diaz, que se cercou de "científicos" e promoveu a modernização da economia e da máquina administrativa do país. João Pinheiro defendia políticas que levas- sem à consolidação do capitalismo brasileiro, apenas entrevisto na miragem do encilhamento, nos primeiros anos do novo regime. A República havia prometido o progresso e não tinha sido ainda capaz de trazê-lo. João Pnhcro tinha bem clara uma concepção do que era preciso fazer. Em entrevista ao redator do jor- nal O Pajz, a 17 de setembro de 1906, pouco depois de sua posse, externava sua idéias: "O meu pensamento capital 1 - 1 é a organização econômica. Dizendo isto, devo acrescentar que o fato principal para mim não é a questão industrial, mas a questão agrícola; e dentro desta o desenvolvimento da pequena agricul- tura. A questão industrial é importante, não resta dúvida, e sou partidário deci- dido da proteção do Estado à indústria, enquanto esta não se acha bastante forte para lutar com vantagens com as indústrias estrangeiras, melhor aparelhadas do que ela. Mas, tratando-se de reorganizar o trabalho com base na fortuna pública, o que se impõe naturalmente, sobretudo, é a reorganização daquela que repre- senta a parte maior dessa fortuna. Essa é, incontestavelmente, em nosso pais, a agricultura. A indústria manufatureira beneficia um certo número de habitantes, mas a agricultura é que beneficia a grande massa, não só oferecendo o trabalho mais espontâneo e mais fácil ao número maior, como fornecendo ao país em geral os efeitos precisos de suas necessidades imediatas". Tratava de expor sua concepção do problema agrícola que, segundo João Pinheiro, abrangia duas questões essenciais: a fixação do trabalhador ao solo e a educação profissional do agricultor. Para o primeiro problema, propunha um tipo de reforma agrária que dividisse o solo "possuído em comum", aí incluídas as terras devolutas. Para o segundo, preconizava ampla reforma no sistema educacional, incluindo tanto o treinamento profissional desde a escola primária, ao lado do ensino da leitura, escrita a aritmética, como a multiplicação de pequenas fazendas-modelo, onde a aprendizagem se desse na própria prática, dirigida por técnicos habilita- dos. Sua morte prematura interrompeu esses experimentos, que já entusiasma- vam os mineiros. O desaparecimento quase simultâneo de João Pinheiro e Afonso Pena repre- sentou um momento de grande frustração no processo de renovação da política brasileira. Afonso Pena Júnior, falando do vôo interrompido de João Pinheiro, que certamente o teria conduzido à presidência da República, assim se expres-

928 sou: "Quantas coisas teriam amanhecido mais cedo, e sob clima melhor, se os destinos nacionais estivessem então nas mãos do incomparável animador, da- quele que se orgulhava de ter vindo das mais profundas raízes populares. Suas concepções sobre o papel do Estado como ativo promotor de condições propí- cias à expansão da economia, bem como uma série de estratégias que pôs em prática para estimular investimentos e inovações tanto na agricultura como na manufatura, inspiraram alguns dos governantes mineiros que o sucederam. Durante a gestão de Benedito Valadares, seu filho Israel Pinheiro, na Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho, buscou realizar alguns dos pro- jetos interrompidos pela prematura morte do pai, como, por exemplo, a criação da Cidade Industrial de Contagem. Mais tarde, como governador de Minas de 1966 a 1970, Israel Pinheiro prosseguiu a obra de modernização da máquina administrativa e deu seqüência a projetos iniciados durante a gestão de Outro "administrador pinheirista", o governador Juscelino Kubitschek. Outros paren- tes de João Pinheiro, além de seus filhos e Paulo Pi- nheiro da Silva, atuaram na política: seus genros Caio Nelson de Sena e Derme- vai José Pimenta, seus netos Raul Bernardo Nelson de Sena, Israel Pinheiro Fi- lho e João Pinheiro Neto.

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