RECENSÃO MARIA INÁCIA REZOLA O duplo drama Ernesto Melo Antunes, de Ernesto Uma Biografia Política

Melo Antunes Lisboa, Âncora, António Reis 2012, 792 páginas

m novembro de 2009, no Fórum Liberdade e Coe- E rência Cívica – O Exemplo de Ernesto Melo Antunes na História Contemporânea Portuguesa, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, ao comentar a comunicação da Maria Inácia Rezola, afirmei que a qualidade da sua abordagem historiográfica do papel de Melo Antunes na Revolução portuguesa anunciava uma grande biografia, que começava a fazer falta. Três anos mais tarde, a biografia, política como não podia deixar de ser, vem a público pela mão da Editora Âncora. A autora não conheceu pessoalmente Melo Antunes e, neste caso, a distância temporal e mesmo afetiva até pode ser um trunfo para uma maior objetividade na análise, sendo a falta de uma entrevista pessoal relativamente suprida pelas entrevistas tem da história do 25 de Abril, do prec e concedidas pelo biografado ao longo da do Conselho da Revolução. Um conheci‑ sua vida, e das quais se destacam as feitas mento que a habilitava especialmente para por Maria Manuela Cruzeiro para o Centro uma obra com esta dimensão e este fôlego, de Documentação 25 de Abril, por Maria embora naturalmente a biografia abarque João Avilez para o jornal Público e por um arco temporal que precede e sucede o Fátima Campos Ferreira para a rtp, e período de 74-76. ainda pelo acesso aos seus arquivos pes‑ Com efeito, toda a biografia histórica – um soais depositados na Torre do Tombo e género historiográfico bem reabilitado nos disponibilizados por Fernando Melo Antu‑ últimos vinte e cinco anos e cada vez mais nes. Mais importante que esse conheci‑ cultivado – exige um vaivém dialético entre mento pessoal, que as circunstâncias da o contexto da época e o indivíduo biogra‑ vida de cada um não proporcionou, era o fado, não podendo reduzir-se a um sim‑ conhecimento aprofundado que a autora ples reportório cronológico dos factos de

RELAÇÕES INTERNACIONAIS MARÇO : 2015 45 [ pp. 129-135 ] 129 uma vida ou limitar-se a seguir passiva‑ dimensões da personalidade e da interven‑ mente a narrativa do biografado sobre si ção de Ernesto Melo Antunes, que se vão próprio ou a dos seus contemporâneos, entrecruzando ao longo da narrativa bio‑ por muito importantes que elas sejam. gráfica. Compete ao historiador completá-las e até A primeira parte da obra, que abarca o aprofundá-las com novos dados e inter‑ período que vai até ao 25 de Abril, é dedi‑ pretações recolhidos nas suas fontes: cada ao militar oposicionista, homem de arquivos diversos, imprensa da época e cultura e revolucionário do mfa. É o Melo entrevistas a personalidades relevantes Antunes filho da geração de sessenta, apai‑ coparticipantes nas transformações histó‑ xonado pelos autores e leituras típicas ricas protagonizadas pelo biografado. desta geração, atraído pelos existencialistas Além disso, na construção da sua narra‑ e pelo neomarxismo gramsciano e rocar‑ tiva, deve ainda o biógrafo, no plano for‑ diano, devorador de romancistas e poetas, mal, saber separar o essencial do acessório, apaixonado de música clássica e revelando sob pena de a sobrecarregar com minu‑ uma multiplicidade de interesses culturais, dências que lhe cortam a desejável fluidez, que aqui nos é apresentado desde os tem‑ e conseguir articular o fio cronológico com pos da Escola do Exército, onde surge a montagem temática em torno das prin‑ como uma avis rara ao pé dos seus cama‑ cipais dimensões da intervenção do bio‑ radas de curso. Mas é também o Melo grafado, o que o obriga por vezes a Antunes que desde muito cedo procura avanços e recuos no tempo. combinar a militância oposicionista com Tudo isto procurando sempre adotar um a assunção plena de uma carreira militar, estilo discursivo a um tempo rigoroso e na convicção que também desde muito comunicativo, o que não é um desafio de cedo assume de que o Exército era uma somenos. Como também não é um desafio peça determinante para a mudança a de somenos a busca do desejável equilíbrio empreender na sociedade portuguesa, entre o distanciamento crítico e a intuição como deixa entender na intervenção que empática, não vá a biografia transmudar‑ profere na Cooperativa de Estudos e Docu‑ -se em hagiografia... mentação em 1970, a convite de Francisco Terminei a leitura desta obra de Maria Inácia Salgado Zenha, e relatada numa informa‑ Rezola com a sensação de que ela soube ção de um agente da pide/dgs. Note-se, corresponder plenamente a todos estes aliás, que o arquivo da polícia política se difíceis desafios com que o historiador‑ revela aqui como uma preciosa fonte para -biógrafo se defronta. acompanhar a sua atividade oposicionista nos Açores, onde a sua candidatura pela DO MILITAR OPOSICIONISTA Comissão Democrática Eleitoral (cde) às E HOMEM DE CULTURA eleições de 69 é recusada pela hierarquia AO REVOLUCIONÁRIO DO MFA militar, numa ostensiva discriminação em A estrutura e o conteúdo da obra assen‑ relação aos candidatos militares da União tam, naturalmente, sobre as diferentes Nacional. Mas este é também o tempo das

RELAÇÕES INTERNACIONAIS MARÇO : 2015 45 130 três comissões de serviço de Melo Antunes III Governo Provisório, onde se distinguirá em entre 1963 e 1973, que lhe com a apresentação do Programa de Polí‑ valem vários louvores e a profunda admi‑ tica Económica e Social (ppes). De salien‑ ração dos homens que comandou, como tar, neste período, as suas reservas ao António Lobo Antunes testemunha no Pacto MFA/Partidos, que aceita como belíssimo prefácio que escreveu para esta «menor dos males» e a defesa das eleições obra: «Ao contrário do que muitos supõem para a Assembleia Constituinte, opondo-se o Ernesto não era um civil fardado: era ao voto em branco. profundamente militar… no sentido da Depois das eleições para a Assembleia servidão, da camaradagem e lealdade. Em Constituinte (25 de abril de 1975), iguais Angola, o Melo Antunes era adorado e reservas manifestará relativamente ao respeitado.» Até pela coragem extrema que Plano de Ação Política (pap) do mfa, onde manifestava na frente de combate em este é definido como «movimento liberta‑ zonas particularmente perigosas. O que ção povo português» («não tive nada a ver não o impediu de experimentar e confessar com o pap», p. 299). Seguem-se a elabo‑ o trauma de quem se sentia combater do ração do Documento dos 9 (ver adiante o lado errado, trauma só superado pela con‑ ideólogo modelo socialista), a aproxima‑ vicção já aqui referida de que a revolução ção ao ps e a questão da liderança da resis‑ se faz por dentro… tência ao gonçalvismo: quem criou A aproximação de Ernesto Melo Antunes condições para a liderança de quem? Acusa com o Movimento dos Capitães é progres‑ Mário Soares de achar que «tudo o que siva e cautelosa. Só em meados de feve‑ aconteceu de importante foi feito pelo ps reiro de 74 supera as suas dúvidas e passa e por ele próprio» e não hesita em afirmar a empenhar-se a fundo, decisão esta que que «o que aconteceu no Verão de 1975 foi teve o cuidado de transmitir ao Sottomayor muito mais aquilo que foi impulsionado Cardia e a mim próprio numa reunião que pelo chamado Grupo dos 9, do que o quis ter connosco na redação da revista resto» (opinião também do entrevistado Seara Nova. Data de então o seu envolvi‑ Silva Lopes). Neste ponto, a biógrafa mento na redação do programa do mfa assume um distanciamento crítico, cha‑ (inspiração da experiência oposicionista), mando a atenção para a necessidade de após o documento de (5 de março relativizar estas interpretações (de Mário de 1974). Soares e Melo Antunes): «mais que atribuir Depois do 25 de Abril de 1974, a sua inter‑ uma relação de causa-efeito a esses dois venção enquanto revolucionário do mfa e processos (contestação socialista-rutura político estratega acentua-se. Primeiro, no dos 9) há que referir o desenvolvimento imediato pós-25 de Abril, no âmbito da de dois projetos paralelos, que mutua‑ Comissão Coordenadora/mfa; enquanto mente se reforçam» (p. 327). ministro sem pasta do II Governo Provi‑ No mesmo período destacam-se ainda o sório, após oposição de Spínola à sua seu afrontamento com Vasco Gonçalves nomeação para primeiro-ministro, e no na assembleia de Tancos; o seu papel na

O duplo drama de Ernesto Melo Antunes António Reis 131 tentativa de formar o Governo Fabião; a e o Governo ad mas também a posição sua oposição à nomeação de Pinheiro de que assume relativamente à revisão cons‑ Azevedo para primeiro-ministro mas, tam‑ titucional de 1982, minimizando a retirada bém, o papel de mediador (que partilha da palavra socialismo do artigo 2.º da com Mário Soares) na formação do VI Constituição, e congratulando-se com a Governo Provisório; o regresso ao Minis‑ criação do Tribunal Constitucional e do tério dos Negócios Estrangeiros (ver Conselho de Estado. adiante política externa); e, finalmente, os Extinto o Conselho da Revolução (1982) acontecimentos do 25 de novembro (opõe‑ transita para o Conselho de Estado onde -se à retirada para o Norte e à autossus‑ permanece até à eleição de Mário Soares pensão do VI Governo Provisório mas como Presidente da República. Da sua recua; encontro, por sua iniciativa, com intervenção nesta década destacam-se o Álvaro Cunhal; a sua declaração à rtp a apoio à dissolução da Assembleia da Repú‑ 26 de novembro sobre a necessidade de blica contra parecer do Conselho de Estado manter o pcp na revolução e as reações). (1983); a participação em reuniões e docu‑ Superada a crise do 25 de novembro, Melo mentos preparatórios do prd; o apoio à Antunes é uma figura central em alguns dissolução da Assembleia da República dos debates que acompanharam a revisão após a demissão de Mário Soares do do Pacto MFA-Partidos (assegurando, por Governo do Bloco Central; o não apoio a exemplo, que o Conselho da Revolução (cr) Maria de Lourdes Pintasilgo mas sim a terá as funções de Tribunal Constitucional Francisco Salgado Zenha nas presidenciais por via da Comissão Constitucional); par‑ de 1986. ticipa ativamente no debate sobre a can‑ Finalmente, já na década de 1990, adere ao didatura presidencial em que, apesar de ps, então dirigido por , após reunir condições para ser o candidato do eleições perdidas em 1991 («manifestação mfa (cf. Eanes: «era ele que melhores con‑ de indignação e revolta para salvar o que dições tinha para ser candidato»), apoia era salvável da ideia socialista», segundo Eanes (que é sensível ao seu apoio). Jorge Sampaio); integra a comissão de Depois desta revisitação ao Processo Revo‑ honra da recandidatura de Mário Soares à lucionário em Curso, por via do papel de Presidência da República e, de novo, o Melo Antunes, o político estratega perma‑ Conselho de Estado (1996); apoia a moção nece ativo e interveniente. Foi presidente de Alegre no Congresso do PS de 1999. da Comissão Constitucional (papel bri‑ lhante reconhecido pelos vários quadran‑ O IDEÓLOGO tes), conselheiro especial do Presidente da Outra dimensão central do perfil de República, Ramalho Eanes, dentro do cr, Ernesto Melo Antunes é a do ideólogo defi‑ e uma voz atenta e crítica ao progresso da nidor de um modelo de sociedade conce‑ jovem democracia portuguesa. Data de bido a partir da sua formação cultural então o seu envolvimento na guerrilha ins‑ combinada com a experiência da intervenção titucional entre a Presidência da República política ao longo do prec, a busca de uma

RELAÇÕES INTERNACIONAIS MARÇO : 2015 45 132 terceira via entre o socialismo coletivista lar e antidemocrático, a proposta dos 9 burocrático e a social-democracia de pen‑ suscita reservas junto dos partidos legi‑ dor neoliberal (influência psu/Rocard e do timados eleitoralmente, que desconfiam eurocomunismo gramsciano), conferindo de uma tutela militar suprapartidária de ao Estado um papel regulador sem elimi‑ legitimidade exclusivamente revolucioná‑ nar o mercado. ria a arvorar-se em portadora de um pro‑ Melo Antunes tem uma importância deci‑ jeto próprio e autónomo, concepção esta siva na elaboração do Programa de Política que para os socialistas chega a roçar a Económica e Social (ppes, dezembro de ingenuidade. 74-fevereiro de 75) com uma equipa de luxo (Rui Vilar, Silva Lopes, Maria de Lour‑ O ATOR CENTRAL DA DESCOLONIZAÇÃO des Pintasilgo), cuja opção pela não nacio‑ Esta é a terceira dimensão da intervenção nalização da banca privada e por evitar o política de Melo Antunes que Maria Inácia capitalismo de Estado com direção central Rezola analisa exaustivamente. Desde a da economia, azeda as relações com o pcp sua oposição imediata ao projeto federa‑ e o gonçalvismo (que o acusa de reacioná‑ lista de Spínola ao papel muito importante rio e social-democrata inveterado). Nos que desempenha no processo descoloni‑ depoimentos que, a este respeito, a autora zador de Angola, com relevo para a lide‑ recolheu, destacam-se os testemunhos de rança das negociações que conduzem ao Diogo Freitas do Amaral e de Silva Lopes Acordo de Alvor, de cujo falhanço no ter‑ afirmando que a evolução da nossa eco‑ reno assume a responsabilidade por não nomia teria sido bem melhor se o ppes ter previsto a luta pelo poder entre os três não tivesse sido ultrapassado pelas nacio‑ movimentos de libertação. Maria Inácia nalizações desencadeadas na sequência do Rezola acompanha ao pormenor o esforço 11 de março. desesperado de Melo Antunes para tentar Finalmente, ainda neste domínio, é incon‑ o entendimento entre os três movimentos tornável fazer uma referência ao Docu‑ de libertação e evitar o êxodo dos colonos, mento dos 9, um projeto nacional de aliás elogiado por Almeida Santos. Um transição para um socialismo assente esforço que não o inibe de criticar o mpla numa democracia representativa pluralista pela sua dependência da urss e o leva a realizar, gradualmente e pacificamente, inclusive a promover a aproximação deste aos ritmos adequados à realidade social movimento à Unita para afastar a fnla e portuguesa, sob a direção do mfa visto que só não resulta por culpa da Unita e da não tanto como uma vanguarda revolucio‑ pressão norte-americana sobre ela. Parti‑ nária mas sobretudo como catalisador e cular atenção é dada à sua argumentação para garante desse projeto de transformação da justificar a necessidade de um rápido reco‑ sociedade portuguesa. Apresentando-se nhecimento do governo do mpla pelo Estado como uma alternativa ao Documento-Guia português após a proclamação da indepen‑ da Aliança Povo-MFA, visto como defensor dência em 11 de novembro de 75. A polémica de um socialismo assente no poder popu‑ da descolonização desencadeada com um

O duplo drama de Ernesto Melo Antunes António Reis 133 célebre artigo de António José Saraiva no uma Europa unida a servir de contrapeso Diário de Notícias, em janeiro de 79, e ao aos dois blocos; b) por uma aproximação longo da qual Melo Antunes é alvo dos aos países não-alinhados sem nunca ques‑ mais torpes ataques, é também merece‑ tionar a nato, ponto de vista algo contra‑ dora da sua análise. Ao longo da polémica, ditório para Kissinger; c) pela importância Melo Antunes reconhece erros, uns inevi‑ da diversificação das relações externas táveis, outros consequência da complexi‑ (Terceiro Mundo, Leste europeu, China); dade do prec, outros ainda das d) pela importância do apoio da Europa insuficiências humanas, assumindo a sua Ocidental e cee à consolidação da demo‑ quota parte de responsabilidade (cf. entre‑ cracia portuguesa, com elogio ao papel de vista ao Expresso de 17 de fevereiro de 1999). Mário Soares na Internacional Socialista E acentua que «se houve um evoluir da (is); e) por uma nova ordem internacional situação que objetivamente favoreceu o mais justa. campo comunista, isso verificou-se contra A sua intervenção em termos de política nossa vontade». Para Melo Antunes, no externa foi alvo de intensas críticas, entanto, a descolonização não foi a pos‑ nomeadamente no contexto da guerrilha sível como muitos passaram a dizer, foi a institucional Belém-São Bento (dado o seu que devia ser feita e foi uma obrigação papel como enviado especial de Eanes ou histórica. O que não o impede de reconhe‑ o desenvolvimento de iniciativas próprias), cer que foi uma tragédia. Tal como foi uma nomeadamente pela direita e setores atlan‑ tragédia a colonização (cf. entrevista à rtp tistas do ps. em 24 de abril de 1999). A carreira internacional surge como uma consequência natural da sua experiência O ARTÍFICE DA POLÍTICA EXTERNA como ministro dos Negócios Estrangeiros, PORTUGUESA E O DIPLOMATA destacando-se, neste domínio, a sua can‑ Ministro dos Negócios Estrangeiros nos didatura a secretário-geral adjunto da onu iv e vi governos provisórios (ano e meio), para a Ciência e Tecnologia (anulada por este é um domínio em que a história não Diogo Freitas do Amaral, ministro dos lhe fez justiça. No entanto, a sua impor‑ Negócios Estrangeiros do Governo AD) tância foi fundamental, ao lutar por uma – e a sua nomeação para conselheiro e nova visão para o lugar de no subdiretor-geral/diretor do gabinete da mundo, apresentando-o como uma ponte por Amadeu M’Bow. entre a Europa e o Terceiro Mundo com Terminada a leitura deste livro, confesso prioridade para o Mediterrâneo (tese ingé‑ que fiquei a admirar ainda mais a per ‑ nua para Kissinger), que partilhava com sonalidade de Melo Antunes e o seu Jorge Sampaio e ex-mes. Pronuncia-se papel na História, apesar das reservas ainda a) pela defesa da independência críticas que me mereceram no passado nacional num mundo dividido entre os algumas das suas teses, nomeadamente dois blocos das duas superpotências, na sobre o papel do mfa. Desta biografia busca de uma terceira via e no âmbito de ressalta claramente o duplo drama que

RELAÇÕES INTERNACIONAIS MARÇO : 2015 45 134 Ernesto Melo Antunes viveu e que tantas consentâneas com o seu pensamento de incompreensões e mesmo ódios lhe valeram: sempre, como hoje fazem tantos dos seus camaradas do mfa. Mas também creio que, • o drama histórico da descoloni‑ lá onde o seu espírito permaneça, não dei‑ zação tardia com o seu cortejo de xará de sorrir com alguma ironia para um violências e injustiças; mundo onde os países emergentes do seu • o drama ideológico de um socia‑ amado Terceiro Mundo dão cartas no tablado lismo democrático que fosse capaz internacional invertendo posições do pas‑ de combinar a democracia represen‑ sado em relação aos países do Primeiro tativa dos partidos e do Parlamento Mundo. com a democracia participativa, mas Seria, porém, imperdoável terminar esta também o papel regulador e distri‑ recensão sem uma referência ao extraor‑ buidor da riqueza do Estado com o dinário prefácio de António Lobo Antunes, papel do mercado na dinamização que nos dá por palavras de que só ele é do crescimento. capaz o melhor retrato da grandeza de carácter de Ernesto Melo Antunes: Antes de concluir, apetece perguntar o que diria hoje Ernesto Melo Antunes do País e «Um homem profundamente bondoso do mundo em que vivemos, a tantos títu‑ e, em boa parte por culpa sua, frequen‑ los, bem diferentes daqueles do dia em temente mal entendido […] possuía que nos deixou catorze anos atrás. A morte uma grande capacidade de tolerância poupou-o, é certo, aos desvarios do tempo e um genuíno amor aos homens que presente, que o levariam a empenhar-se, a postura severa e a austeridade dos sem dúvida, na busca das alternativas seus modos ocultavam.»

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