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UNIVERSIDADE FEDERAL DE INSTITUTO DE GEOGRAFIA, HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

RELAÇÕES DE PODER E A ECONOMIA BRASILEIRA NA TRAJETÓRIA DO INTELECTUAL ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS

MARCOS TÚLIO FERNANDES MELO

CUIABÁ/MT 2017

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MARCOS TÚLIO FERNANDES MELO

RELAÇÕES DE PODER E A ECONOMIA BRASILEIRA NA TRAJETÓRIA DO INTELECTUAL ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação do Departamento de História, do Instituto de Geografia, História e Documentação (IGHD), da Universidade Federal de Mato Grosso, para a obtenção do título de mestre em História.

Área de concentração: Fronteiras, Identidades e Cultura. Orientador: Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges.

CUIABÁ/MT 2017 2

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte. F363r Fernandes Melo, Marcos Túlio. Relações de poder e a economia brasileira na trajetória do intelectual Roberto de Oliveira Campos / Marcos Túlio Fernandes Melo. –2017 137 f. : il. color. : 30 cm.

Orientador: Fernando Tadeu de Miranda Borges. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em História, Cuiabá, 2017. Inclui Bibliografia.

1. História Intelectual. 2. Roberto Campos. 3. Brasil. I. Título.

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte. 3

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MELO, Marcos Túlio Fernandes. Relações de poder e a economia brasileira na trajetória do intelectual Roberto de Oliveira Campos. 2017. 118p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2017.

RESUMO

Esta pesquisa procura retratar e contextualizar a trajetória do intelectual brasileiro Roberto de Oliveira Campos (Roberto Campos), do seu nascimento ao cargo eletivo como senador. Aborda a carreira construída, e a erudição adquirida no seminário. No seminário, Roberto Campos estudou filosofia e teologia, e teve como colegas, intelectuais, que serão referenciados na pesquisa, tais como Antônio Olinto, José Barbosa Rodrigues e Orlando Vilela. Formou-se em filosofia, em 1933, e teologia, em 1937. No ano de 1939, marco inicial da Segunda Guerra Mundial, conseguiu através de concurso aprovador em sétimo lugar, integrar o Itamaraty, como diplomata. Na carreira de diplomata, nos Estados Unidos da América, sentiu a necessidade de estudar economia, e anos mais tarde, "voltou" à Filosofia pela Economia. O Plano de Metas, o Programa de Ação Econômica e Governamental (PAEG), e o Plano Decenal contaram com sua contribuição. Ocupou diversos cargos na administração pública federal brasileira, foi diretor e superintendente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), exerceu o cargo de Ministro do Planejamento, durante o governo Castello Branco, cargos esses, que trazem a sua assinatura em muitas das ações. No exterior ocupou postos de Embaixador em Washington e Londres. Essa vivência fora do Brasil fez dele um intelectual conhecido, criando relações de poder em âmbito internacional, e, entusiasmado, produziu diversos artigos nos campos da economia e política, além de dezenas de livros, o que o credenciou para 5

ingressar na Academia Brasileira de Letras, em 1999, após ter sido Senador da República por Mato Grosso (1983 a 1990) e Deputado Federal pelo (1991 a 1998). Seu regresso a Mato Grosso para candidatar-se a senador da república encerra a dissertação.

Palavras-chave: História Intelectual. Roberto Campos. Brasil.

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ABSTRACT

This research seeks to portray and contextualize the trajectory of the Brazilian intellectual Roberto de Oliveira Campos (Roberto Campos), from his birth to the elective position as senator. It addresses the built career, and the scholarship acquired in the seminary. In the seminary, Roberto Campos studied philosophy and theology, and had as colleagues, intellectuals, who will be referenced in the research, such as Antônio Olinto, José Barbosa Rodrigues and Orlando Vilela. He graduated in philosophy in 1933 and in theology in 1937. In 1939, the initial mark of the Second World War, he was able to join the Itamaraty as a diplomat through an approving competition in seventh place. In the career of diplomat, in the United States of America, felt the need to study economics, and years later, "returned" to the Philosophy for the Economy. The Plan of Goals, the Program of Economic and Government Action (PAEG), and the Ten-Year Plan counted on its contribution. He held various positions in the Brazilian federal public administration, was the director and superintendent of the National Bank for Economic Development (BNDE), he held the position of Planning Minister during the Castello Branco administration, which posts his signature on many of the actions. Abroad he held positions of ambassador in Washington and London. This experience outside made him a well-known intellectual, creating international power relations, and, enthusiastically, produced several articles in the fields of economics and politics, as well as dozens of books, which accredited him to join the Brazilian Academy of Letters , In 1999, after being Senator of the Republic by Mato Grosso (1983 to 1990) and Federal Deputy for Rio de Janeiro (1991 to 1998). His return to Mato Grosso to run for senator of the republic closes the dissertation. Keywords: Intelectual History. Roberto Campos. Brazil. 7

AGRADECIMENTOS

Acredito que não há conquistas realizadas sem ajuda, e a ingratidão é um defeito que não campeia minha alma, chega o tempo de agradecer. Por mais incomum que possa parecer, penso que o momento de redigir os agradecimentos afigura-se delicado, pois sei que não conseguiria exprimir em palavras, a imensa gratidão que sinto por todos aqueles que contribuíram de alguma forma, para o cabo desta dissertação. Inicialmente, agradeço mui especialmente a meus pais, Jorge Fernando e Maria das Graças, partícipes de toda essa trajetória – por todo o empenho que impuseram em minha educação. Bem sei que não foi fácil. Meu irmão, Paulo Gustavo completou o alicerce de minha estrutura familiar, e, sem eles, seria tudo muito mais difícil. Agradeço imensamente ao meu orientador, professor doutor Fernando Tadeu de Miranda Borges, pelo admirável empenho no trabalho de orientação. Ele participou de todos os passos na confecção deste trabalho, desde a concepção até os últimos acabamentos. Com ele dividi minhas ideias, dúvidas, apreensões e pretensões. Dele, ouvi aconselhamentos e sugestões que foram fundamentais para a conclusão do trabalho. Pari passu, agradeço ao professor doutor Renilson da Rosa Ribeiro, membro do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso, à Prof. Drª. Nileide Sousa Dourado, que integraram a banca de avaliação de qualificação, em nome de quem estendo os agradecimentos aos demais professores do programa. Não poderia deixar de agradecer meus colegas mestrandos que ombrearam comigo nessa árdua jornada de estudos. 8

Por fim (e mais importante!) é sempre tempo de olhar para o alto e agradecer. Obrigado, meu Deus, pai de Abraão, Isaque e Jacó, por ter me possibilitado chegar até aqui, não seria possível tal feito sem suas bênçãos em minha vida.

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Tendo saído da filosofia pela economia, acabei voltando à filosofia pela economia.

Roberto de Oliveira Campos.1

1 CAMPOS, Roberto. Na virada do milênio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 481. 10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 17

CAPÍTULO I – DA FILOSOFIA E TEOLOGIA À ECONOMIA: A TRAJETÓRIA DO INTELECTUAL ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS...... 33 1.1 De baixo de guerra, revolução e crise: infância e juventude...... 33 1.2 No seminário: a conquista da erudição...... 40 1.3 Do egresso do Seminário à chegada ao Itamaraty...... 48 1.4 Trajetória Intelectual...... 62

CAPÍTULO II - RELAÇÕES POLÍTICAS, EMBATES E PERMANÊNCIA NO PODER...... 74 2.1 A atuação na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU).....75 2.2 Sua relação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)...... 84 2.3 Roberto Campos no governo Juscelino Kubistschek e o Plano de Metas...... 95 2.4 A chegada de Castello Branco à presidência da república, Roberto Campos no governo como Ministro do Planejamento, sua relação com a ditadura militar, as diversas reformas e sua contribuição ao Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG)...... 101

CAPÍTULO III – O RETORNO AO ESTADO DE MATO GROSSO COMO SENADOR DA REPÚBLICA...... 117 11

3.1 O senador do PIB...... 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 132

REFERÊNCIAS...... 136

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QUADRO DE SIGLAS

ABL - Academia Brasileira de Letras ANPES - Associação Nacional De Planejamento Econômico E Social BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico E Social CACEX - Câmara de Comércio Exterior CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina ESG - Escola Superior de Guerra FINAME - Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas E Equipamentos Industriais FIPEME - Financiamento para Pequenas e Médias Empresas FINSOCIAL - Fundo de Investimento Social FMI - Fundo Monetário Internacional IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática IPES - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais ONU - Organização das Nações Unidas PAEG - Programa de Ação Econômica e Governamental PDS - Partido Democrático Social PIB – Produto Interno Bruto PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PP - Partido Progressista PT – Partido dos Trabalhadores PUC - Pontifícia Universidade Católica SUMOC - Superintendência Da Moeda E Do Crédito UNE - União Nacional dos Estudantes 13

Fonte: Disponível em: http://5.fotos.web.sapo.io/i/o4714d5a8/18354903_u56yK.jpeg. Consulta realizada em: 29/01/2017

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CRONOLOGIA2

1917 - Nasceu no dia 17 de abril, em Cuiabá, Mato Grosso, e mudou-se com a família, Waldomiro Campos (pai), Honorina Campos (mãe), e Catarina Campos (irmã), nesse mesmo ano, em outubro, para São Paulo; 1922 - Falecimento do seu pai Waldomiro Campos; 1924 - A família decidiu mudar-se de São Paulo para Corumbá/MS; 1929 - Ingressou no Seminário em Guaxupé, Minas Gerais; 1932 - Concluiu o Curso de Filosofia no Seminário em Guaxupé, Minas Gerais; 1933 - Ingressou no Seminário em , Minas Gerais, para estudar Teologia, tendo se formado em 1937; 1938 - Fez concurso para o Itamarati, tendo sido aprovado em 7º lugar; 1939 - Tomou posse no cargo de Diplomata; 1940 - Casou-se com Sttela Ferrari Tambelinni; 1942 - Foi nomeado para o seu primeiro posto no exterior, em Washington; 1943 - Foi designado para participar da segunda conferência, relativa à criação da United Nations Reliefand Rehabilitation Agency (UNRRA); 1944 - Integrou a Delegação Brasileira que participou da Conferência Monetário-Financeira promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Bretton Woods (EUA); 1945 - Defendeu sua dissertação de mestrado, na Universidade de Washington, com o título “Algumas inferências sobre a propagação internacional dos ciclos econômicos”; 1947 - Foi transferido, como segundo secretário, para a Missão Brasileira junto à ONU, em Nova York;

2 Informações extraídas de: CIRO, Biderman, COZAC, Luis Felipe L. REGO, José Marcio. Conversas com economistas brasileiros. São Paulo: Editora 34, 1996; CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbook, 1994, p. 136. 15

1949 - Retornou dos Estados Unidos da América para o Brasil; 1950 - Participou da 3ª Reunião da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que foi realizada em Montevidéu; 1951- Foi promovido à primeiro-secretário e participou da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, visando o Desenvolvimento Econômico de ambos os países; 1952 - Foi designado Oficial de Ligação Econômica, no governo Getúlio Vargas; 1952 - Diretor Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico; 1954 - Publicou o livro “Planejamento do Desenvolvimento Econômico de Países Subdesenvolvidos”; 1955 - Assumiu o cargo de Diretor-Superintendente do BNDE; 1956 - Secretário-Geral do Conselho de Desenvolvimento Econômico, encerrando essas atividades no ano de 1958; 1958 - Presidente do BNDES; 1961- Embaixador do Brasil em Washington; 1963 - Publicou o livro “Economia, Planejamento e Nacionalismo”; 1964 - Apoiou o Golpe Militar, que acreditava tratar-se de uma “Revolução”, e foi Ministro do Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica no governo do General Castello Branco, até o ano de 1967, tendo sido muito atuante na criação, ao lado de Octavio Gouveia de Bulhões, do Plano de Ação Econômica Governamental (PAEG); 1964 - Publicou o livro “A moeda, o governo e o tempo”; 1964 - Publicou o livro “Ensaios de história econômica e sociologia”, pela Editora APEC; 1965 - Publicou o livro “Política econômica e mitos políticos”; 16

1966 - Publicou o livro “A técnica e o riso”, pela Editora APEC; 1967 - Publicou o livro “Do outro lado da cerca...”, pela Editora APEC; 1969 - Publicou o livro “Ensaios contra a maré”, pela Editora APEC; 1970 - Publicou o livro: “Temas e sistemas”, pela Editora APEC; 1971 - Publicou o livro “Função da empresa privada”; 1974 - Embaixador em Londres, no governo do General Ernesto Geisel; 1974- Publicou o livro “A Nova Economia Brasileira” em co-autoria com Mario Henrique Simonsen, pela livraria José Olympio Editora; 1976 - Publicou o livro “O mundo que vejo e não desejo”; 1983 - Senador pelo Estado de Mato Grosso, até o ano de 1990; 1985 - Publicou o livro “Além do cotidiano”; 1987 – Publicou o livro “Ensaios Imprudentes”, pela Editora Record; 1987 – Ingressou como membro da Academia Brasileira de Filosofia; 1988 - Publicou o livro “Guia para os perplexos”; 1990 - Deputado Federal pelo Estado do Rio de Janeiro, eleito em outubro; 1990 - Publicou o livro “O século esquisito”, pela Editora Topbooks; 1994 - Reelege-se Deputado Federal pelo Estado do Rio de Janeiro, em novembro, tendo ficado no cargo até dezembro de 1998; 1994 - Publica sua autobiografia “Lanterna na Popa”; 1995 – Ingressou como membro da Academia Mato-Grossense de Letras; 1996 - Publicou o livro “Antologia do bom senso”, pela editora Topbooks; 1998 - Concorreu ao Senado Federal, pelo Rio de Janeiro, tendo como adversário Roberto Saturnino Braga, ocasião em que não foi eleito; 1999 - Publicou o livro “Na virada do Milênio”, pela Editora Topbooks; 1999 – Ingressou como membro da Academia Brasileira de Letras; 2001 - Faleceu no dia 09 de outubro, na cidade do Rio de Janeiro.

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação busca compreender o espaço ocupado pelo intelectual Roberto de Oliveira Campos (Roberto Campos) no pensamento econômico e político brasileiro, através da análise da sua trajetória pessoal, profissional e política, tendo em conta o contexto social, político e econômico brasileiro. Mas por que estudar a trajetória do intelectual Roberto Campos? Essa foi uma questão muito indagada ao longo da pesquisa. E, a resposta centrou-se no fato do pesquisador desta dissertação ser um cuiabano adotado, que reconhece na trajetória do cuiabano com projeção internacional, objeto da pesquisa, relevância no tocante ao pensamento econômico e político brasileiro, que ajudam a compreender, sobremaneira, um período da história econômica do Brasil, sobretudo uma parte da segunda metade do século XX, cujo período, toma corpo a influência intelectual de Roberto Campos. Participou da Comissão Mista Brasil- Estados Unidos, visando o desenvolvimento econômico de ambos os países, em 1951. No ano seguinte foi designado Oficial de Ligação Econômica, no governo Getúlio Vargas, esse período que caracteriza sua inserção no cenário político nacional eclode sua influência ideológica até 2001, ano de sua morte, apesar de que suas ideias não foram enterradas com ele, perpassando até os dias atuais. O trabalho traz à voga sua trajetória até a eleição em 1982 ao senado pelo estado de Mato Grosso, não nos furtando, vez ou outra, de avançar para além desse período. Essa conjectura que se insere acerca de um biografado e sua interação com a sociedade, como um todo, é analisada por Ribeiro:

A problemática relação história-biografia ganha fortes contornos nos estudos sobre a história intelectual, quando 18

se propõe desenvolver um trabalho acerca de uma determinada personalidade política, literária ou artística. Há sempre o pêndulo oscilante entre autor-sociedade, texto-contexto, pautando os traçados da escrita.3

Ademais, busca compreender o pensamento político e econômico de Roberto Campos, como formulador e propagador de ideais de direita que suscitaram em embates com posições ideológicas diversas ao longo de sua trajetória, e que parecem estar presentes na vida política brasileira até os dias atuais. Outro aspecto que a pesquisa tentará explorar é como ele pôde ocupar espaços de poder ao longo de meio século, em governos de diferentes matizes, nos mais variados cargos, utilizando-se de situações vividas, para explicar os meandros do poder. Nesta dissertação tanto o pesquisador quanto o biografado caminham em posições de “independência”, tendo, contudo, como certo de que será impossível trazer a vida por completa de Roberto Campos, e de que muitos outros trabalhos deverão ser produzidos sob os mais variados prismas e matizes a seu respeito. De acordo com Dosse,

[...] o significado de uma vida nunca é unívoco, só pode declinar-se no plural, não apenas pelo fato de as mudanças que a travessia do tempo implica, mas também pela importância a conceder à recepção do biografado e de sua obra, que é correlativa do momento considerado e do meio que deles se apropria. A isso cumpre ainda a juntar que o biógrafo não pode pretender, mesmo ao preço de uma pesquisa tão exaustiva quanto possível, a nenhuma chave que viria saturar o significado de seu relato de vida. A psicanálise nos ensina que, mesmo por um longo trabalho sobre si, não se chega verdadeiramente a mais acesso à verdade. O biógrafo, em posição sempre exterior, apesar de sua empatia, não pode conseguir melhor, tanto que o sentido permanece sempre aberto às questões ulteriores, no tempo futuro. As hipóteses que se

3 RIBEIRO, Renilson Rosa. O Brasil inventado pelo Visconde de Porto Seguro. Cuiabá: entrelinhas, 2015, p. 54. 19

fazem no presente pelo biógrafo são sempre reconsideradas pelas gerações futuras, o que explica, aliás, por que se pode escrever indefinidamente novas biografias sobre as mesmas personagens.4

É sabido que a participação de Roberto Campos na economia e na política brasileira, desde a segunda metade do século XX, deixou marcas que ainda permanecem alimentando a mentalidade de um significativo segmento da população do país. Como ministro do planejamento e formador de opinião no Brasil, deixou sua assinatura em vários trabalhos. Dos cargos que ocupou, destacam-se ainda: Superintendente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), entre 1953 e 1954, Presidente do BNDE entre 1958 e 1959, Conselheiro Econômico da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), juntamente com Octávio Gouveia de Bulhões, dentre outros. A dissertação de mestrado de Roberto Campos defendida em Washington, em 1945, abordou os ciclos econômicos internacionais, tendo como foco as crises econômicas, os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos, sendo seu interesse compreender a propagação da “contaminação financeira” e da “contaminação comercial”, a questão financeira como resultado dos movimentos de capitais, e a questão comercial como resultado das altas e baixas dos preços dos produtos primários. Nas observações de Campos, os países subdesenvolvidos funcionavam como economias “reflexas” das economias desenvolvidas. É interessante destacar que, ainda segundo Roberto Campos, nessa época ainda não se tinha o costume de diferenciar países com fraco desempenho econômico de países subdesenvolvidos, sendo os mesmos chamados de

4 DOSSE, FRANÇOIS. O desafio biográfico. Escrever uma vida. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Edusp, 2009, p. 375. 20

“atrasados”. Essa terminologia foi alterada conforme observou a partir da criação da Organização das Nações Unidas (ONU).5 A trajetória de Roberto Campos foi analisada nesta dissertação dentro da complexidade do contexto social do século XX, século este marcado por duas Grandes Guerras e pela Guerra Fria, e também por um país que entrou “tardiamente” no capitalismo mundial.6 Para a reconstituição da trajetória do intelectual Roberto Campos, foram utilizadas entrevistas dele próprio, levantados trabalhos e discursos, e realizadas entrevistas com Dr. Gabriel Novis Neves, reitor fundador da Universidade Federal de Mato Grosso, “adversário” de Roberto Campos nas eleições para Senador por Mato Grosso, pelo Partido Democrata Social (PDS), nas eleições de 1982, do coordenador da campanha do engenheiro agrônomo Júlio José de Campos, candidato à governador de Mato Grosso, no período, o engenheiro civil Élzio Virgílio Alves Corrêa, da advogada Leila Francisca de Souza, secretária de Júlio José de Campos, e do orientador desta dissertação, Prof. Dr. Fenando Tadeu de Miranda Borges, que auxiliou na coordenação do comitê político de Dr. Gabriel Novis Neves. Jornais da época de sua eleição também foram consultados, além de diversos livros escritos por Roberto Campos e por outros autores que fundamentam a pesquisa. Com relação à escolha do termo trajetória, esta dissertação visou compreender vários aspectos durante a caminhada de Roberto Campos, tendo por perto, Bourdieu, que assim assevera, em relação à biografia,

5 BIDERMAN, Ciro; COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Márcio. Conversas com economistas brasileiros. São Paulo: editora 34, 1996, p. 33. 6 MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982. 21

[...] Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não associação a um “sujeito”, cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é, quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. Os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos na estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital, que estão em jogo no campo considerado. [...] Não podemos compreender uma trajetória (isto é, o envelhecimento social que embora o acompanhe de forma inevitável, é independente do envelhecimento biológico), sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado – pelo menos em certo número de estados pertinentes – ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.7

No que diz respeito a intelectual, esta dissertação adotará como condição, a concepção de Bobbio, que divide a categoria em duas vertentes, a dos intelectuais voltados para o lado humanista e a dos intelectuais cientistas. Segundo Bobbio,

Toda ação política, enquanto é ou pretende ser uma ação racional, necessita de ideias gerais a respeito dos fins a perseguir, que chamo de “princípios”, mas poderia também chamar de “valores”, “idealidade”, “visões do mundo”, e de conhecimentos científicos e técnicos para alcançar os fins estabelecidos. Por “ideólogos” entendo os que fornecem princípios-guia. Por “expertos”, aqueles que fornecem conhecimento-meio. A diferença entre uns e outros pode ser interpretada mediante a distinção

7 BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína (organizadoras). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 189- 190. 22

weberiana entre ações racionais, segundo os valores, e ações racionais, segundo os fins. [...] Toda sociedade em qualquer época teve seus intelectuais, ou mais precisamente um grupo mais ou menos extenso de indivíduos que exercem o poder espiritual ou ideológico contraposto ao poder temporal ou político, isto é, um grupo de indivíduos que corresponde, pela função que desempenha àqueles que hoje chamamos de intelectuais. [...] já se disse repetidas vezes que o precedente mais convincente dos intelectuais de hoje são os philosophes do século XVIII. Mas é preciso acrescentar que o aumento daqueles que vivem não apenas pelas ideias, mas também de ideias, deveu-se à invenção da imprensa e à facilidade com que as mensagens transmissíveis por meio das palavras podem ser multiplicadas e difundidas. [...] Após a invenção da imprensa, a figura típica do intelectual passa a ser o escritor, o autor de livros, de libelos e depois de artigos para revista e jornais, de volantes, de manifestos, de cartas públicas, ao qual corresponde a contrafigura do escrevinhador (pennivendelo) ou do escrevedor (pennaiolo).8

A abordagem da concepção de intelectual levará em conta também, as observações de Bauman, de que existem diversas definições, sem fechar, portanto, em um aspecto. Segundo o autor:

[...] O conceito de intelectual não se refere, nesse estudo, a quaisquer características reais ou postuladas que possam ser atribuídas ou imputadas a uma categoria específica de pessoas em sociedade – como suas qualidades inatas, atributos alcançados ou posses adquiridas. Supõe-se que a categoria de intelectuais nunca foi e nunca poderá ser “autossuficiente” [...] Nós nos abstemos aqui de qualquer tentativa de erigir uma definição coletiva de intelectual por método de “indigitação” – enumerando habilidades, ocupações, atitudes, tipos biográficos etc, os quais o tempo dado, ou numa sociedade dada, podem reivindicar pertencer, ou são pensados como pertencentes, a uma categoria. De

8 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. São Paulo: Unesp, 1997, p. 118-120. 23

forma ainda mais radical, nós nos abstemos de participar do debate (crucial, do ponto de vista político, mas secundário, da perspectiva sociológica) sobre a decisão a respeito de quais indivíduos ou grupos “ainda fazem” e quais “por pouco não fazem” parte da categoria intelectual. Em nossa opinião, esse debate é um elemento de retórica, de poder desenvolvida por alguns setores da categoria para servir aos empenhos de se “fechar”, ou o resultado da confusão advinda da retórica de poder com a análise sociológica. [...] Em lugar disso, vamos limitar nossa busca à tarefa de localizar a categoria de intelectual no interior da estrutura da sociedade mais ampla como um (trecho), um (território) dentro dessa estrutura; uma área habitada por uma população inconstante e aberta a invasões, conquistas e reivindicações legais, como todos os territórios.9

Roberto Campos manifestou em entrevista a intenção de fazer doutorado em Harvard, tendo se comunicado com Schumpeter, que o aceitou como orientando, mas acabou tendo de desistir do doutorado, para ir trabalhar em Nova York, na Missão das Nações Unidas. Seu interesse à época era compreender com mais detalhes as crises e os ciclos econômicos, tendo por perto a tese de Raúl Prebisch sobre as relações de trocas desiguais entre produtos industrializados e produtos primários. Como desabafo registrou: “Na opinião de Schumpeter, o que eu havia enviado como sumário já era praticamente uma tese de doutorado. [...] É uma das minhas frustrações não ter sido um PhD schumpeteriano”.10 Sobre a Universidade George Washington nos Estados Unidos da América, destaca a excelente qualidade dos trabalhos dos mestres e a forte inclinação para o planejamento. Percebe-se em diversos momentos da trajetória de Roberto Campos, sua profunda preocupação com a economia, campo esse que o levou a dedicar boa parte de seu intelecto e das suas

9 BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 35-36. 10 BIDERMAN, Ciro; COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Márcio. Op., cit., p. 34. 24

ações, defendendo posições e teses, que antagonizaram com diversos atores da segunda metade do século XX. Uma dessas ações com sua participação foi o PAEG (Programa de Ação Econômica e Governamental), Roberto Campos observa que a sua busca à época tinha como forte aliado o governo, e se acreditava que a estabilidade somente poderia vir a ser assegurada com injeções de capitais externos, tendo em conta o planejamento de longo prazo, e a situação no curto prazo. Essa concepção, com o passar dos anos, foi considerada por Campos bastante frágil, pelo fato de o governo, segundo assegurou, não conseguir realizar planejamento de longo prazo, devido às “pressões políticas” e à “doença da descontinuidade”. Para Campos,

É o capital privado que hoje pensa mais no longo prazo. Também o grande descobridor de oportunidades não é o governo, e sim o empresário privado. Imaginar que um tecnocrata tem uma visão melhor que a do empresário no mercado, sobre qual o desejável encaminhamento da cadeia produtiva é, ao meu ver, uma enorme ingenuidade. Mas essa ingenuidade eu cometi. Foi uma doença, uma espécie de gonorreia juvenil. Hoje acredito muito mais nas doutrinas da escola austríaca. O “descobridor de oportunidades” é o empresário privado. O que o governo tem que fazer é criar um ambiente favorável à iniciativa privada, e intervir para preservar a concorrência, não para asfixiá-la. Curiosamente, o programa que foi desenvolvido aqui 1964-1967, e surpreendentemente semelhante aos programas asiáticos.[...] o milagre brasileiro ocorreu no fim da década de 60. O milagre asiático, só viria no fim da década dos 80 – exceto no caso do Japão, cuja “virada” começara em 1960, através do plano Ikeda de duplicação da renda nacional.11

11 BIDERMAN, Ciro; COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Márcio. Op., cit., p. 46-47. 25

É interessante ressaltar que ao longo das décadas, Roberto Campos participou de vários debates, denominando os mesmos de ‘’exorcismo dos ismos’’. Para Campos:

O refrão dos bons tempos era “O Brasil não pode parar de crescer”. O chato é que pode... [...] Os “ismos” que há tempos nos flagelam são: o nacionalismo, o populismo, o estruturalismo, o estatismo e o protecionismo. Enquanto não exorcizarmos esses “ismos”, continuaremos chafurdados no lodaçal da estagnação. O “nacionalismo” só é útil na fase de criação das nacionalidades e de consolidação territorial. Transposta essa fase, torna-se uma barreira à absorção de capitais e tecnologia. Passa a ser disfuncional. O nacionalismo brasileiro não integra; divide. [...] A segunda doença é o “populismo”. Foi entronizado em nossa constituição, que é um hino à preguiça. [...] Entre nós, Lula e Brizola aceitam a livre iniciativa sob a condição de que não seja livre. Este último distribui aos empresários, carícias de gato. Na esperança de que os patetas o financiem. Fá-lo-ão!... Alimentam o jacaré na esperança de não serem comidos. O terceiro dos “ismos” é o “estruturalismo”, fórmula escapista para não se combater a inflação. Segundo os estruturalistas, a inflação não é um fenômeno monetário. Suas causas são estruturais ou refletem o conflito distributivo. [...] Se fossemos esperar a solução do conflito distributivo para debelar a inflação estaríamos fritos, pois o conflito distributivo é perpétuo na humanidade e afeta imparcialmente países pobres e ricos. [...] O quarto “ismo” é o “estatismo”. Seu mais despudorado são as “reservas de mercado”. Estas não são mais que o direito dado a alguns de produzir o que os outros não querem consumir. O excesso de proteção contra a concorrência do produto importado reflete a estranha noção, de que o melhor caminho para o atletismo industrial é andar de muletas. Em matéria de liberalização comercial estamos atrasados, mesmo em relação à América Latina. [...] A evidência histórica sobre a ineficácia das “reservas de mercado” é insolente. A mais antiga delas é a da navegação de cabotagem, criada por Dom João VI. Deu no que deu... [...] O patriotismo intolerante dos ingleses [...] é surpreendentemente parecido com o nacionalismo do 26

Brasil hodierno. Aqui como lá, não há indícios de escassez de velhacos. Infelizmente...12

Bielschowsky classificou Roberto Campos, nos anos 50 e 60, como um economista desenvolvimentista não nacionalista, designação essa que se incluiriam, além dele, também os membros que integraram a delegação brasileira da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e, o ministro da Fazenda Horácio Lafer.13 E, destaca ainda três correntes desenvolvimentistas na hegemonia no pensamento econômico brasileiro: o desenvolvimentismo do setor privado, defendido por Roberto Simonsen; o desenvolvimentismo do setor público não nacionalista, representado por Roberto Campos; e o desenvolvimentismo público nacionalista, de . Segundo Simonsen:

Roberto Campos nos ensina que a arte do desenvolvimento é um segredo de polichinelo. Mas uma arte penosa, que exige polpudos sacrifícios de poupança, de formação de recursos humanos, e de racionalização da política econômica. [...] Roberto Campos prefere os caminhos mais ásperos. Na sua lógica e no seu pragmatismo, sente-se forçado a reconhecer que não há soluções fáceis para problemas difíceis, e, com isso, Campos escapa àquela definição, segundo a qual economista é um sujeito que justifica no presente, porque suas previsões para o futuro deram errado no passado.14

Uma parte dos artigos de Roberto Campos foi publicada em livros de sua própria autoria, dos quais se destacam: A técnica e o riso15, Do

12 CAMPOS, Roberto. O exorcismo dos “ismos”. In: CAMPOS, Roberto. O século esquisito. Rio de Janeiro. Topbooks, 1990, p. 92-94. 13 BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 4 ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 130. 14 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Ensaios contra a maré. Rio de Janeiro: Gráfica o Cruzeiro S/A, 1969, p. 12-13. 15 CAMPOS, Roberto de Oliveira. A técnica e o riso. Rio de Janeiro: APEC, 1966. 27

outro lado da cerca16, Ensaios contra a maré17, Ensaios imprudentes18, O século esquisito19 e Na virada do milênio20. Outro trabalho notório que expressa as suas diferentes visões de mundo foi o livro autobiográfico, A lanterna na popa21, em que revisita o passado, uma espécie de “ego- história” 22. Vale reafirmar que como toda trajetória de vida, também a de Roberto Campos, está submetida a uma cronologia de lutas e conquistas, que determinaram os caminhos percorridos. Nesta dissertação, conforme referido anteriormente, algumas das estações vividas serão abordadas, dada a quantidade de estações na sua trajetória. No Rio de Janeiro, em 24 de março de 1987, quando Roberto Campos tomou posse na Academia Brasileira de Filosofia, o mesmo fez uma reflexão sobre a filosofia na sua trajetória de vida. Formado em Filosofia, ressaltou que algumas vezes foi “infiel” com os princípios filosóficos, o que não parece ser verdade pelo fato de seus discursos estarem repletos de reflexões. E, aqui, um rápido traço de seu reencontro com a filosofia, e sua interpretação de estado, com ácidas críticas ao “mercantilismo patrimonialista”, ao “dirigismo burocrático”, ao “estado empreiteiro” e ao “estado predador”:

16 Campos, Roberto de Oliveira. Do outro lado da cerca. Rio de Janeiro: APEC, 1967. 17 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Ensaios contra a maré. Rio de Janeiro: Gráfica o Cruzeiro S/A, 1969. 18 CAMPOS, Roberto. Ensaios imprudentes. Rio de Janeiro: Record, 1986. 19 CAMPOS, Roberto. O século esquisito. Rio de Janeiro. Topbooks, 1990. 20 CAMPOS, Roberto. Na virada do milênio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. 21 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994. 22 O livro “Ensaios de Ego-História” de Maurice Agulhon e outros, publicado no Rio de Janeiro, pelas Edições 70, em 1986, na página 09, traz uma proposta diferente dos outros livros, pelo fato dos historiadores buscarem eles próprios verem-se refletidos nos seus espelhos, tendo em conta o mundo. E, no caso de A Lanterna na Popa, também Roberto Campos procurou fazer algo parecido. 28

Pois bem, foi para tentar mudar o mundo que abandonei a filosofia. Não o grande mundo externo, mas nosso pequeno mundo de país subdesenvolvido, que confunde grandeza territorial com riqueza fática e que, ao invés de cultivar a ética do trabalho, se vangloria no Hino Nacional de estar “deitado eternamente em berço esplêndido”. [...] Hegel falou de certa feita na “astúcia da razão”. Talvez tenha sido eu, não sei se vítima ou beneficiário, dessa astúcia. Tendo saído da filosofia pela economia, acabei voltando à filosofia pela economia. Após uma longa peregrinação pelo socialismo utópico e pelo dirigismo Keynesiano, acabei, já na maturidade, tendo meu encontro amoroso com a escola austríaca, na qual os grandes liberais Von Mises e Hayek analisam filosoficamente a ‘’ação humana’’, isto é, o comportamento do homem à busca de melhoria de sua condição. A economia não seria senão análise das “consequências não intencionais da ação humana’’. [...] Também na economia, o Brasil necessita de uma “transição sem transação”: transição do mercantilismo patrimonialista para o capitalismo liberal; do dirigismo burocrático para o mercado competitivo; do estado empreiteiro para o estado jardineiro; do estado predador para o estado servidor.23

Nesta dissertação será verificado Roberto Campos no mundo dos “leões” e das “raposas”, fábula esta que ressalta como os políticos se articularam para a manutenção no poder. Pela teoria das elites, segundo Neves24, os “leões” se articulavam pela “força” e as “raposas” pela “astúcia.” Para Mayer, a tradição tem força, renovando-se no poder constituído das mais diversas formas. Segundo sua análise,

[...] Em toda a Europa, não só na Alemanha, as elites pré- industriais conseguiam se manter, contendo e

23 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Na virada do milênio. Rio de Janeiro: Topbook, 1999, p. 486. 24 NEVES, Maria Manoela Renha de Novis. Leões e raposas na política de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Mariela Editora, 2001, p. 20. 29

manipulando a pressão, pela participação popular e cooptando membros das contra-elites nascentes. Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Roberto Michels, mostraram o caminho ao investigarem a dinâmica desse poder duradouro de elite. Desdenhosos e temerosos da participação e do controle populares, concentraram-se sobre o recrutamento e a renovação das classes governantes responsáveis. Enquanto mosca via nas classes sociais emergentes a provisão de novos talentos, Pareto considerava que o recrutamento era ditado pela necessidade orgânica das elites governantes, de manter um equilíbrio adequado entre “leões” e “raposas”. Inspirado por Maquiavel, Pareto moldou os leões da elite [...] Retratou-os a enaltecer as instituições e sentimentos tradicionais, a suspeitar e resistir à novidade, a empregar a prudência econômica e a sacrificar o presente ao futuro. Além disso, estavam sempre prontos a utilizar a força contra inimigos internos e externos. Quanto às raposas de Pareto, apresentavam uma imagem quase simetricamente inversa à dos leões, ou seja, a encarnação da ambição burguesa. No plano econômico, a inovação, o enfrentamento de riscos e os dispêndios seguiam lado a lado com sua busca astuta, habilidosa e flexível da transformação política gradual. Ao contrário de seus sócios-maiores, sempre cautelosos, as raposas tendiam a desconsiderar o futuro pelo presente, e a confiar mais em sua sagacidade do que em sua força física.25

É interessante observar, que para Mayer, Max Webber também tinha um pensamento que se assemelhava à teoria das elites apresentadas por Mosca, Pareto e Michels. De acordo com o autor:

Webber punha suas esperanças no ensino superior. Via na universidade o lugar onde se formariam especialistas de origem burguesa e classe média, para as equipes do aparelho de estado, seguro de que as exigências do estudo disciplinado e do serviço burocrático, subverteriam e diminuiriam a sedução da sociedade nobiliárquica, à qual ele próprio não estava imune. Como tantos elitistas liberais da virada do século, Webber não levou em

25 MAYER, Arno J. A força da tradição. A persistência do antigo regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 286-287. 30

consideração, até que ponto as instituições educacionais, eram instrumentos de reprodução, mais do que de transformação, do status quo.26

Algumas dissertações de mestrado foram produzidas, no sentido de buscar demonstrar traços do pensamento de Roberto Campos, a exemplo, o trabalho produzido por Bruno Bezerra Cavalcanti Godoi, publicado na USP em 1997, cujo tema: A influência de Roberto Campos na economia brasileira (1945-2001). Esse trabalho estudou Roberto Campos, tanto do lado acadêmico, através de suas publicações, quanto o lado profissional, por meio de sua atuação à frente dos cargos que ocupou. Além disso, o autor analisou Roberto Campos, como alguém que tinha um considerável grau de relacionamento internacional, e a maneira de como ele se utilizou desse fator para buscar assegurar o desenvolvimento do Brasil. Ressaltando, sobremaneira, o perfil de ideologia econômica entre as décadas de 50 a 70, como desenvolvimentista não nacionalista, além de retratar o perfil de um liberal econômico, num outro período da vida. Outro trabalho de dissertação, que foi identificado, foi escrito por Moisés Ângelo de Moura Reis, na Universidade Católica de Brasília, no Departamento de Economia, no ano de 2011, com o tema: Constitucionalismo e profecia em Roberto Campos: o liberal e o liberalismo na constituição de 1988. O trabalho centra-se na análise das ideias de Roberto Campos no campo político e nono campo econômico, sobretudo no período em que era constituinte, analisando seus projetos de lei, seus discursos, e suas manifestações de modo geral, não deixando de dar ênfase a Roberto Campos, como uma figura polêmica, que combateu firmemente muito dos dispositivos elencados na Constituição de 1988.

26MAYER, Arno J. A força da tradição. A persistência do antigo regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 286-287. 31

Além dessas duas dissertações mencionadas, expõe-se uma tese de doutorado, cujo tema: Institucionalização e modernização: o debate no Senado Federal entre Fernando Henrique Cardoso e Roberto Campos (1983-1989), defendida por Wanderson Fabio de Melo, no Departamento de História da PUC de São Paulo, no ano de 2009. Este trabalho estudou dois personagens contundentes no cenário nacional, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Roberto Campos, englobando suas produções acadêmicas, literárias, e suas idéias. Fernando Henrique Cardoso mais engajado nas teses marxistas, e Roberto Campos nas teses do capitalismo, como sistema econômico adequado. Analisou ainda, a campanha promovida por eles ao Senado Federal, e a forma como desempenharam seus respectivos mandatos, ou seja, Roberto Campos representando o posicionamento de setores financeiros, e Fernando Henrique Cardoso, expressando as posições dos industriais. Após estas breves considerações, cabe agora destacar que a presente dissertação divide-se em três capítulos. No capítulo I são trazidos à baila, alguns traços da trajetória de Roberto Campos, desde seu nascimento em Cuiabá, no ano de 1917 a sua formação no seminário, onde concluiu filosofia e teologia, a entrada no Itamaraty, o mestrado em economia na Universidade Washington, e algumas breves observações sobre a sua atuação como primeiro economista diplomata. No capítulo II destacam-se os cargos ocupados, a teia de relacionamentos construída como diplomata, tanto com brasileiros, quanto com estrangeiros, as relações com o poder, as “frustrações” e “esquisitices”, além da sua influência nos governos, através de algumas ações e cargos ocupados, a exemplo, a atuação na Comissão Mista Brasil- Estados Unidos, o período no BNDE, os cargos nos governos Juscelino Kubistschek e Castello Branco. 32

E, no capítulo III, o retorno de Roberto Campos a Cuiabá para candidatar-se ao cargo de senador da república, pelo partido democrático Social (PDS), eleição que disputou com grandes nomes da política local, como Gabriel Novis Neves (PDS) e Vicente Bezerra Neto (PMDB), demarcando um novo momento em sua vida, a participação direta no legislativo nacional, ao ocupar o cargo de senador da república representando o estado de Mato Grosso. Ao longo do trabalho, deve ser confirmado um aspecto tido como dos mais relevantes e presentes em Roberto Campos: a paixão pela economia, não aprofundaremos no seu conhecido posicionamento ideológico liberal, que foi sua grande marca, objeto de estudo que ficará reservado para outro momento da nossa carreira acadêmica.

33

CAPÍTULO I – DA FILOSOFIA E TEOLOGIA À ECONOMIA: A TRAJETÓRIA DO INTELECTUAL ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS

Este capítulo encontra-se subdivido em 04 (quatro) tópicos, cujo primeiro procura contextualizar a infância de Roberto Campos, no que concerne às condições de tempo e lugar, tendo em conta a permanência, pertencimento e as raízes. No segundo tópico, uma cartografia da fase seminarística em Guaxupé e Belo Horizonte, em busca da formação acadêmica, convivendo com o clássico e o popular, convivendo com mundos diferentes. O terceiro tópico destaca sua visão cosmopolita de mundo, e os motivos que levaram Roberto Campos a optar pela carreira diplomática, destacando os cargos que ocupou na diplomacia, num período em que o imperialismo estadunidense alargava sua hegemonia sobre o Brasil e vários outros países. Por fim, é destacada sua trajetória intelectual, com formação religiosa, inicialmente em filosofia e teologia, que depois vieram a somar com a economia, sobretudo numa visão linear da sua produção biográfica e sua autobiografia. Destaca-se também, sua entrada na Academia Brasileira de Letras, Academia Mato-Grossense de Letras e Academia Brasileira de Filosofia.

1.1 De baixo de guerra, revolução e crise: infância e juventude

Roberto Campos nasceu no dia 17 de abril de 1917, seis meses antes da Revolução Russa27, ocorrida em 25 de outubro. Aquele que viria ser um dos maiores críticos brasileiros do socialismo chegou ao mundo com a ironia do ano. Veio ao mundo em Cuiabá, capital do Estado de Mato

27 SERVICE, Robert. Uma história do comunismo mundial: Camaradas.2 ed. Rio de Janeiro: Difel, 2015, p. 105. 34

Grosso, em clima de “guerra” e “revolução.” Mato Grosso tinha como interventor naquela data, Camilo Soares de Moura, que governou o estado de 09 de fevereiro de 1917 a 13 de maio de 1917, em decorrência da intervenção federal de Wenceslau Brás.28 A Primeira Guerra Mundial estava em curso, viria a terminar no ano seguinte ao seu nascimento, e suas consequências resultaram dentre outras, na reformulação das fronteiras de boa parte dos países do globo e na plantação de sementes que deflagrariam uma guerra de proporções e estragos ainda maiores, cujo início deu-se em 1939, ano que para Roberto Campos foi um marco importante em sua trajetória. Filho do professor Waldomiro Campos e Honorina Campos, Roberto Campos teve uma única irmã, Catarina de Oliveira Campos. Seu pai, paulista, havia sido transferido para Mato Grosso, encarregado de realizar uma reforma no ensino do estado. Mato Grosso, nesse período, com uma economia de produção voltada para a exportação, era um estado marcado por características específicas, e não havia experimentado um desenvolvimento mais endógeno. Aliás, segundo Borges,

O que pretendemos argumentar, portanto, é que os vínculos externos de uma economia (como a de Mato Grosso) não são suficientes para explicar a manutenção das características básicas da economia (produção primária, baixa produtividade, relação de trabalho não capitalistas). Outras economias dentro do Brasil e à mesma época conseguiram alcançar diferentes graus de diversificação a partir de um vínculo externo (a exportação de um certo produto). Em suma, a existência dos vínculos externos (exportação para o mercado internacional e ou presença do capital estrangeiro) conduz a diferentes

28 SIQUEIRA, Elizabeth Madureira; ALVES DA COSTA, Lourença; CARVALHO, Cáthia Maria Coelho. O processo histórico de Mato Grosso. Cuiabá: Guaicurus, 1990, p. 163. 35

resultados em função da estrutura interna da sociedade que é objeto desses vínculos. Não se deve, pois, atribuir apenas ao caráter exportador da economia de Mato Grosso e a presença do capital mercantil e/ou do capital estrangeiro o fato dessa economia não se ter transformado no período em questão. Isso é resultado da articulação entre esse vínculo externo e uma estrutura social e econômica (interna) que não consegue fazer com que o impulso das exportações (mesmo que quantitativamente menor, em relação a outras áreas do país) resulte em pressões para a constituição de novas atividades e para mudanças nas relações de produção. A própria ação do governo estadual, muito mais voltada à manutenção da ordem, à mediação dos conflitos entre coronéis do que à promoção do desenvolvimento, expressa essa estrutura social e econômica de Mato Grosso: elevada concentração da propriedade fundiária, da riqueza e da renda que mantém o trabalhador em uma relação de quase dependência pessoal. Essa estrutura social e econômica combinada à presença dominante do capital mercantil e do capital estrangeiro, acaba por bloquear a possibilidade de mudanças mais profundas em Mato Grosso entre 1870 e 1930.29

Na historiografia mato-grossense, uma corrente advoga a falta de desenvolvimento como consequência do “isolamento”, e outra que o isolamento tratou-se de um mito. Segundo Lenharo:

Mitos tipo -isolamento- mascara a falta de discurso histórico, para não dizer que, na realidade, constituem sua própria negação. Esse tipo de produção mitológica dispensa pesquisa, breca a reflexão crítica; as explicações são dadas num plano supra-racional, que bloqueia a possibilidade de seu questionamento. Cabe ao historiador fazer a crítica do mito, inserir a razão onde ela é falta, levantar questões, lançar bases teóricas que propiciam o

29 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do extrativismo à Pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Grosso (1870-1930). São Paulo: Scortecci, 2010, p. 149-150. 36

resgate do processo histórico corrente e fundamentem a sua inteligibilidade.30

Uma contundente crítica ao “mito do isolamento” de Lenharo foi produzida em 2003, por Garcia, que acredita ter o autor construído outro mito, o“mito do não isolamento”, e que nessa concepção encontram-se presentes a crença no processo de “desenvolvimento” e “progresso social”, e outros mitos. De acordo com Garcia,

No meu campo de estudo, a história econômica de Mato Grosso, o mito parece mais onipresente do que um farol a iluminar o campo de percepção do cientista social. Nesse caso particular, não é o mito do desenvolvimento econômico que devemos estudar, mas sim um dos seus subprodutos: o “mito do isolamento”. É muito difícil encontrar um trabalho de história regional que não comece com a crítica do “mito do isolamento”, também estão associados às diversas compreensões de desenvolvimento econômico e de progresso social. [...] A moderna historiografia também criou seus mitos. Refiro- me aqui, ao “mito do reordenamento econômico do século XIX”. Este traz por premissa outros dois mitos, o “da não decadência ou estagnação econômica“ e o do “não isolamento”. [...] Lenharo ao classificar a “tese do distanciamento” como “tese do isolamento”, deu um “xeque-mate” na historiografia tradicional. Afinal, o conceito de isolamento carrega consigo tudo aquilo de depreciativo para a cultura local. Deste modo, pode-se entender por que a tese de Lenharo foi rapidamente adotada pelo meio acadêmico, tornando a tese do não isolamento um ícone teórico para a recente historiografia mato-grossense, e, logo, novo mito. [...] Desta forma, a teoria de Lenharo, era uma superação da historiografia tradicional, acabou se radicalizando. Um

30 LENHARO, Alcir. Crise e mudança na frente oeste da colonização. Cuiabá UFMT. Imprensa da universidade. PROEDI, 1982, p. 11. 37

exemplo desse “radicalismo” é o trabalho de Fernando Tadeu de Miranda Borges.31

No que diz respeito à qualificação de radical para Borges sobre a interpretação da tese do isolamento, aqui cabe a observação de que realmente o “isolamento” foi tratado como “distanciamento” pelo autor, e que na economia, a distância tem implicações e repercussões profundas. Conforme Borges,

O isolamento ou distanciamento de Mato Grosso dos centros decisórios e comerciais do país, pode ser avaliado, por exemplo, pelo fato conhecido de que a notícia da proclamação da república chegou a Cuiabá, no dia 09 de dezembro de 1889, isto é, quase um mês após.32 Todavia, segundo Alcir Lenharo, teses tipo isolamento devem ser desmistificadas, uma vez que visam apenas atribuir ‘’heroísmos’’ e ‘’virtudes ao grupo representante do poder local.33

Foi dentro de um cenário tido como “isolado” que o pai de Roberto Campos chegou a Mato Grosso, casando-se com Honorina Campos, de Cáceres, indo fixar residência, no então distrito de Livramento, terra dos Terenas. Quando Roberto Campos tinha 06 (seis) meses de idade, seu pai foi transferido de volta a São Paulo. E, no interior de São Paulo se tornou diretor dos grupos escolares de Apiaí, no Vale da Ribeira e Penápolis, no Oeste paulista.34 Sessenta anos depois, quando em campanha eleitoral para o Senado Federal por Mato Grosso, Roberto Campos

31 GARCIA, Romyr Conde. Mato Grosso (1800-1840): Crise e Estagnação do Projeto Colonial. São Paulo: Tese apresentada ao curso de Doutorado em História Econômica do Departamento de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2003, p. 26-40. 32 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Op., cit., p. 21. 33 LENHARO, Alcir. Op., cit., p. 11. 34 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbook, 1994, p. 121. 38

descobriu na cidade de Poconé, à beira do Pantanal mato-grossense, uma lembrança curiosa do professor Valdomiro, assim ressaltada em sua autobiografia:

Mostrou-me uma eleitora, que dirigia a Biblioteca Municipal. Era um pedaço de papel amarelado, na realidade uma página de um jornal local, com um edital do professor Valdomiro, diretor do grupo escolar, anunciando a criação de uma escola de taquigrafia. Aí pelas alturas de 1913, lançar-se no Pantanal, uma escola de taquigrafia era algo entre idealista e visionário.35

Em 1922, quando Roberto Campos tinha cinco anos de idade, seu pai veio a falecer, deixando desguarnecida a família. À época da morte de seu pai, cabe registrar que sua mãe não exercia atividade profissional, tendo ficado em dificuldades, e com dois filhos pequenos para criar, retornando, então, a Mato Grosso, e desta vez para Corumbá, onde residiram numa fazenda de familiares, em 1924. Confidenciou Campos, “Mamãe era orgulhosa demais para viver na fazenda como parente pobre. Eu precisava ir à escola. Aos sete anos fui para Corumbá me matricular no primário da Escola Santa Tereza, dos padres italianos.”36 Descontente, sua mãe fez uma nova viagem de quinze dias, da fazenda, no interior de Mato Grosso, a São Paulo, através de carros de bois e trens, acompanhada dos seus dois filhos. Na nova terra, decidiu aprender a costurar, e após a conclusão do curso de costura, emigrou para Guaxupé, no Sul de Minas Gerais, no ano de 1927, onde montou uma escola de corte e costura.37 Essa cidade vivia, no período, tempos de prosperidade econômica. Vale ressaltar que Guaxupé fica num entroncamento

35 Idem, p. 121. 36 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 124-135. 37 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Biografia. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=239&sid=232. Acesso em 12 jun. 2015. 39

ferroviário, e era forte produtora de café, produto este importante na geração do desenvolvimento endógeno brasileiro. Segundo Moraes,

Na realidade o café ativou direta e indiretamente a indústria em São Paulo. Inicialmente as indústrias que se organizaram foram aquelas vinculadas à produção cafeeira, como a de sacaria, embalagem, ferrovias e construção. Indiretamente, o capital acumulado pelo café, a infraestrutura de transporte, a urbanização, a mão-de- obra assalariada e o mercado interno, produzido pela economia cafeeira, permitiram a diversificação e o rápido desenvolvimento industrial da tecelagem, metalurgia, alimentos, calçados, vestuário etc. [...]o volume da produção industrial paulista em 1920 já concentrava mais de 30% das riquezas industriais nacionais. Essas tendências de crescimento manter-se-iam nas décadas seguintes, apontando para o surgimento da maior metrópole industrial do Brasil. É possível imaginar as contradições e os problemas gerados em uma cidade que, em menos de 50 anos, se transformou de um núcleo urbano tímido e ruralizado na maior cidade industrializada do país.38

O ciclo de crescimento econômico no Brasil foi impactado, em 1929, quando ocorreu o crash da Bolsa de Nova York, o início da Grande Depressão, e a crise do café, ocasionada pela baixa brusca do preço internacional do produto. Para Furtado,

[...] o fator dinâmico principal, nos anos que se seguem a crise, passa a ser sem nenhuma dúvida, o mercado interno. A produção industrial, que se destinava a sua totalidade ao mercado interno, sofre durante a depressão uma queda de menos de 10%, e já em 1933 recupera o nível de 1929. A produção agrícola para o mercado interno supera com igual rapidez os efeitos da crise. É evidente que, mantendo-se o nível da procura e represando-se uma

38 MORAES, José Geraldo Vinci de. Ambiguidades da modernização urbano-industrial no Brasil Republicano(fins do século XIX – início do século XX). In: REGO, José Marcio e MARQUES, Rosa Maria (organizadores). Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 155. 40

maior parte dessa procura dentro do país, através do corte das importações, as atividades ligadas ao mercado interno, puderam manter, na maioria dos casos em alguns aumentar, sua taxa de rentabilidade. Esse aumento da taxa de rentabilidade se fazia concomitantemente na queda dos lucros do setor ligado ao mercado externo. Explica-se, portanto, a preocupação de desviar capitais de um para outro setor as atividades ligadas ao mercado interno, não somente cresciam impulsionadas por seus maiores lucros, mais ainda recebiam um novo impulso ao atrair capitais, que se formavam ou desinvertiam no setor de importação.39

Foi num cenário de crise e criação de estratégias para a sobrevivência do capitalismo que Roberto Campos entrou no seminário de Guaxupé para estudar, no ano do crash de 1929, sem prever que a economia brasileira iria fazer parte de seu dia-a-dia, transformando-se, alguns anos mais tarde, num dos intelectuais fortes do liberalismo nacional com suas complexidades e especificidades.

1.2 No Seminário: a conquista da erudição

Roberto Campos entrou no seminário de Guaxupé, uma prática muito utilizada desde o Império pelas famílias brasileiras com dificuldades financeiras. Aliás, no caso brasileiro, quem não dispunha de recursos tinha duas opções: o seminário ou o quartel. Importante observar que no caso do seminário, a educação oferecida possibilitava a conquista de uma formação em contato com as seguintes áreas, Filosofia, Teologia e Línguas. E, nesse aspecto, Campos se pronunciou:

Resolvi entrar no seminário e seguir a carreira do sacerdócio. Havia uma consideração prática importante. O

39 FURTADO, Celso. O deslocamento do centro dinâmico. In: Formação Econômica do Brasil. 19ª ed. São Paulo: Nacional, 1984, p. 198. 41

seminário era uma excelente escola e, além do mais, gratuita. Minha consideração, entretanto, era mais mística que pragmática. Acreditava-me tocado pela vocação.40

Pela declaração de Campos observa-se que o ingresso no seminário religioso tornara-se, no caso brasileiro, o caminho seguido pelos jovens de famílias com parcos recursos, e que desejavam obter uma formação escolar de qualidade, sem precisar pagar mensalidade escolar, considerada, inclusive, uma tradição herdada do período Imperial, conforme Antônio Olinto, “Seguindo tradição que vinha do Império, jovens brasileiros da classe média costumavam ser encaminhados a seminários, nem sempre em busca do sacerdócio, mais por causa da gratuidade dos estudos.”41 A erudição na formação acadêmica advinha também do contato com as seguintes línguas, latim, grego, francês, além da filosofia eclesiástica, enfatizada por Campos:

O seminário Nossa Senhora Auxiliadora, um casarão perdido nas montanhas, tinha um ensino de alto nível. O reitor e professor de filosofia, o monsenhor Faria, tinha sido treinado, no colégio Pio Brasileiro de Roma e absorvera bastante bem a filosofia escolástica, dividida em várias disciplinas, ensinadas em latim, a lógica maior, a lógica menor, a ontologia, a cosmologia e a ética. Tinha particular atração pela história da filosofia, que era a única janela através da qual nos embebíamos de Kant e de Hegel. O professor de ciências, física e química era o cônego Baffa, de bom nível intelectual.42

Nesse sentido continua:

40 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 136. 41 OLINTO, Antônio. Discurso recepção de Roberto Campos. Disponível http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=237&sid=2 Acesso em 01 jun de 2015. 42 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 136. 42

Fiz no seminário um internato de seis anos, abrangendo humanidades e filosofia. Tornei-me um excelente latinista, com tinturas de grego e hebreu, e sólida formação filosófica. Mas a melhor bagagem intelectual foi sem dúvida o aprendizado da filosofia escolástica e, sobretudo da lógica aristotélica.43

No seminário de Guaxupé, Roberto Campos conheceu Antônio Olinto, que, na década de 1990, fez a sua recepção na Academia Brasileira de Letras. Antônio Olinto foi romancista, poeta, crítico literário famoso, com livros traduzidos em muitas línguas. Ocupou a cadeira n. 08, cadeira esta que tem como Patrono o poeta inconfidente, Cláudio Manuel da Costa, sucedendo ao escritor Antônio Callado, autor de “Quarup”, livro muito importante para compreender a política brasileira nos anos 50 e 60, e que era muito lido pela intelectualidade brasileira. Campos teve ainda como colega, o intelectual Orlando Vilela, considerado, “um professor de filosofia e um escritor de mérito, mas sua excessiva rebeldia o impediu de ascender na hierarquia. Morreu apenas padre, depois de lecionar na PUC (Pontifícia Universidade Católica).”44 Foi no seminário também que Roberto Campos teve contato com disciplinas que iriam ser requeridas para o concurso do Itamaraty, para a carreira de Diplomata, destacando-se as do direito, conforme ele próprio asseverou:

A disciplina que, de futuro, me seria mais útil foi o direito canônico, pelo simples fato de que, quando deixei o seminário para candidatar-me ao concurso do Itamaraty, não tinha dinheiro para pagar os cursinhos e tive que me valer, no estudo do direito internacional público e privado, das lições de direito canônico e direito romano que aprendera nos bancos seminarísticos.45

43 Idem, p. 136. 44 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 136. 45 Idem, p. 140. 43

O Seminário de Nossa Senhora Auxiliadora tinha, segundo Campos, um ensino de excelente qualidade. O reitor e professor de filosofia, o monsenhor Faria, capacitou-se no Colégio Pio Brasileiro de Roma, e lecionava Filosofia Escolástica, dividida em várias outras disciplinas, além da presença do latim, e da lógica, da ontologia, da cosmologia e da ética. Campos tinha uma particular atração pela história da filosofia, ‘’que era a única janela através da qual nos embebíamos de Kant e de Hegel. O professor de ciências, física e química, era o cônego Baffa, italiano, de bom nível intelectual’’.46 Campos estudou várias línguas, exceto o Inglês, que mais tarde, como diplomata e economista, foi requerida. Havia, conforme relatou, momentos interessantes em que, “costumava recitar trechos das Éclogas e da Eneida de Virgílio, e três inteiros cantos da Divina comédia de Dante, com sobras para a Gerusalemme Liberata, de Tasso’’. 47 Além disso, observou que foi levado a dedicar-se ao latim, pois os livros textos de Filosofia e Teologia e as aulas, eram nessa língua. Com uma vida de seminarista marcada pela “austeridade”, também viveu a “castidade monástica”,

Naturalmente concupiscente, consegui manter absoluta castidade. Vivíamos famintos no seminário, mas isso ao invés de acalmar parecia excitar os furores da carne. Valia- me do cilício, através da dor, os pensamentos lúbricos. Acumulei assim na casta adolescência uma enorme reserva do direito de pecar.48

Interessante a referência de Roberto Campos, como que fazendo um mea culpa, ao “direito de pecar”. Como primeiro aluno da turma no seminário, Roberto Campos, contou na sua autobiografia que acabou sendo escolhido para secretário do bispo, Dom Ranulfo da Silva Farias, de

46 Ibidem, p. 136. 47 Ibidem, p. 136. 48 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 136. 44

Guaxupé, ressaltando que “O posto era desejado e alguns colegas invejosos se admiravam de que dom Ranulfo tivesse escolhido o filho da costureira.”49 E, com a forte lembrança de uma época marcada por exclusões, continuou,

Foi um alívio substancial da dieta e do confinamento, pois acompanhava dom Ranulfo nas visitas pastorais e nos banquetes da diocese. A diocese compreendia os dois ramos da ferrovia Mogiana, que se entroncavam em Guaxupé. Os limites extremos da diocese eram Passos, de um lado, e Alfenas, do outro. Viajávamos ora no trem da Mogian, ora num velho Studehaker do bispado, ora em lombo de cavalo. Fazíamos, os seminaristas, longas caminhadas em visita às fazendas da região, de onde trazíamos laranjas e bananas.50

Alguns colegas de seminário, como o Hermínio Malzone e o Gerardo Reis, ordenaram sacerdotes, e viriam a tornar-se conhecidos no mundo eclesiático. Hermínio Malzone, Arcebispo de Governador Valadares, e Gerardo Reis, Bispo de Diamantina, “Uma outra figura interessante era o José Carrato, de prodigiosa memória historiográfica, que tirou a batina ao mesmo tempo que eu, tornando-se depois professor de história em universidades paulistas’’.51 Quando eclodiu a Revolução Constitucionalista de 1932, um movimento que visava a “reconstitucionalização do país”, com a mobilização militar52, sua mãe estava em São Paulo, e em virtude da revolução, as comunicações foram interrompidas devido aos combates nas fronteiras. As forças constitucionalistas, que tinham à frente um comandante chamado “Romão”, ameaçaram invadir Guaxupé. O governo

49 Idem, p. 134. 50 Ibidem, p 136. 51 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 136. 52 GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flávio Azevedo Marques de; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997, p. 100. 45

mineiro, chefiado por Olegário Maciel, apoiou Vargas, que providenciou ajuda a Guaxupé, conforme assinalado por Campos:

Ouvia-se à distância, na fronteira, a matraca das metralhadoras e o ronco dos canhões. Não tendo para onde ir, fiquei no seminário sozinho, pois os demais alunos haviam debandado para reunir-se com suas famílias nas cidades vizinhas. Tive que conviver quase três meses, entre julho e setembro de 1932, com a soldadesca, indisciplinada e pouco higiênica, no velho prédio do seminário, comendo a horrível dieta de campanha.53

Em 1932, Roberto Campos formou-se em Filosofia pelo seminário de Guaxupé, e, no ano seguinte, foi para o seminário de Belo Horizonte, a fim de continuar a formação eclesiástica, desta vez em Teologia. No período do seminário em Belo Horizonte, foi despertado para os acontecimentos na política nacional, conforme se depreende do relato de Antônio Olinto, “Roberto Campos já se atentava para o que ocorria na seara política brasileira, era o período do estado novo, ano da promulgação da Constituição de 1937”54. Neste ano, do marco inicial do chamado Estado Novo, no governo Vargas, formou-se em Teologia. Cabe, aqui, uma observação, para ressaltar o que foi o “Estado Novo” no Brasil:

Parecia enfim que o país iria viver sob um regime democrático. Entretanto, pouco mais de três anos após ser promulgada a Constituição, o golpe do Estado Novo frustrou essas esperanças. [...] Para entender essa conjuntura, devemos ampliar nosso foco de análise e recuar no tempo, entendendo o que foi o integralismo e sua influência, o fortalecimento do exército e a Aliança Nacional Libertadora, a tentativa do golpe militar de novembro de 1935, e o plano Cohen [...] No dia 10 de

53 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 138. 54 OLINTO, Antônio. Discurso de recepção de Roberto de Oliveira Campos. Disponível em:http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=237&sid=232. Acesso em 01 jun de 2015. 46

novembro de 1937, tropas da polícia militar cercaram o congresso e impediram a entrada dos congressistas. O ministro da Guerra, general Dutra, se opusera a que a operação fosse realizada por forças do exército. [...] o estado novo concentrou a maior soma de poderes até aquele momento da história do Brasil independente. [...] a partir do estado novo, desapareceu a representação via congresso reforçando-se a que se fazia nos órgãos técnicos, no interior do aparelho do estado. [...] podemos sintetizar o Estado Novo sob o aspecto socioeconômico, dizendo que representou uma aliança da burocracia civil e militar e da burguesia industrial, cujo objetivo comum imediato era o de promover a industrialização do país sem grandes abalos sociais.[...] o estado novo perseguiu, prendeu, torturou, forçou ao exílio intelectuais e políticos, sobretudo de esquerda e alguns liberais. Mas não adotou uma atitude de perseguições indiscriminadas. Seus dirigentes perceberam a importância de atrair setores letrados a seu serviço: católicos, integralistas, autoritário, esquerdistas disfarçados ocuparam os cargos e aceitaram as vantagens que o regime oferecia.55

Embora tenha se formado em Teologia, não fez os juramentos requeridos para tornar-se sacerdote, pois como tinha apenas 22 anos, a idade o impedia de prestar os juramentos, de acordo com os regulamentos da época,56 e vale dizer que ele também, conforme registrou em sua autobiografia não tinha mais o desejo de seguir a vida monástica, assim explicando,

É interessante, eu não me arrependo de ter abandonado o seminário, porque eu seria mau padre, eu seria indisciplinado, porque eu nunca aceitei a disciplina do index librorum prohibitorum, o índice dos livros proibidos. Eu queria especular, refletir, duvidar. Não tinha a capacidade de seguir conselhos dos jesuítas: perindea ccadaver, paciente imóvel, passivo como um cadáver ante

55 FAUSTO, Boris. História do Brasil.6 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 352 -367. 56 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 141. 47

os ditames da obediência eclesiástica. Por isso, lancei-me no grande mundo.57

Conforme Campos, “Nunca tive ocasião de exorcizar os demônios bíblicos, mas em compensação especializar-me-ia depois no exorcismo dos demônios econômicos do nacionalismo, do estatismo’’,58 que em sua visão, contribuíram para o “atraso econômico” do Brasil. No mesmo ano em que concluiu o seminário em Belo Horizonte, sua mãe mudou-se para o Rio de Janeiro, trabalhando de governanta, dessa vez na casa de uma prima do pantanal, Catita, que havia ido para o Rio estudar, e acabou casando com o engenheiro Luiz Hildebrando Horta Barbosa. Campos registra em sua autobiografia que Barbosa era positivista, e que “procurou, sem êxito, converter-me do catolicismo ao positivismo, mas tornou-me um razoável conhecedor da obra filosófica de Augusto Comte.”59 Embora Campos coloque-se como um não simpatizante do positivismo, conviveu sempre com o positivismo, e deve ter sofrido algumas influências. Após estes breves relatos, observa-se que a memória possui caminhos próprios, ao mesmo tempo, em que também ajuda a compreender alguns dos traços das histórias de vida, e por isso provocam os historiadores, a voltarem sempre ao passado, sem deixarem o presente. Percebe-se, portanto, que o período no seminário, auxiliou na trajetória intelectual de Roberto Campos. Quando prestou o concurso para o Itamaraty, Campos valeu-se do estudo do direito internacional público e privado, do direito canônico e romano, que aprendera no seminário em Minas Gerais. Mas o que levou Roberto Campos a decidir-se pela carreira

57 MARTINS, Jayme. Entrevista. Disponível em http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/648/entrevistados/roberto_campos_1991.html. Acessado em 01 jun 2016. 58 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 141. 59 Idem, p. 139. 48

diplomática? Como foi sua entrada no Itamaraty? Esse é o ponto central do próximo tópico.

1.3 Do egresso do seminário à chegada ao Itamaraty

Abandonado o seminário, e a causa, segundo ele por “rebeldia intelectual, não foi nenhum problema amoroso, eu não aceitava o chamado index librorium proibitorium, senti que seria um indisciplinado na carreira”.60 Teve que procurar uma colocação profissional. Não eram muitas as oportunidades de emprego para um ex-seminarista, pois os diplomas do seminário, praticamente não eram aceitos, salvo para o magistério primário e secundário, “curiosamente o concurso que menos se exigia, em termos de documentação, eu não tinha documentação, pois o ensino de seminário não era aceito, eu era bastante erudito, mas legalmente um analfabeto”.61 No ano em que se formou em Belo Horizonte, no seminário, Roberto Campos foi para a cidade de Batatais, no interior paulista, através de um convite para lecionar no ginásio de padres espanhóis claretianos. Embora não conhecesse Batatais, a cidade localizava-se próxima a Ribeirão Preto, onde seu tio, Francisco Cardoso, era gerente do Banco de São Paulo, um parente a quem sempre visitava nos finais de semana.62 Em Batatais, veio a conhecer e posteriormente namorar, Stella Ferrari Tambellini, com quem viria a se casar e ter 03 (três) filhos, Sandra Campos, Roberto Campos Júnior e Luís Fernando Campos. Lá, por um curto período de tempo, deu aulas de grego e latim no Colégio São José. Morava

60 TV BRASIL. Roberto Campos - Conexão Roberto D'Ávila. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yuzHNpGIyFA. Acesso em 19 ago. 2016. 61 TV BRASIL. Roberto Campos - Conexão Roberto D'Ávila. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yuzHNpGIyFA. Acesso em 19 ago. 2016. 62 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 141. 49

numa república no próprio colégio São José, com mais quatro professores. Conforme Campos:

Um deles era o Jarbas Pontes, professor de português, mas realmente interessado em mecânica e eletricidade’’. Pontes era noivo da mais velha das irmãs Tambellini e, certa época, convidou Campos para conhecer suas futuras cunhadas, ocasião em que foi apresentado a Stella Tambellini, com quem dois anos depois, quando já tinha entrado para o Itamaraty, voltou a Batatais para se casar.63

Dois anos antes de casar-se, foi para o Rio de Janeiro, onde morou em uma pensão. A pensão era próxima ao complexo policial da rua Frei Caneca, que abrangia a casa de detenção e a casa de correção, eram meados de 1938, período do Estado Novo.64 Interessante ressaltar que o primeiro contato pessoal de Roberto Campos com Getúlio Vargas, só veio a ocorrer em 1952. Na pensão morou com outros três hóspedes num mesmo quarto, Aristóteles, vendedor de tecidos, Flávio, um guarda civil, além de um ex-seminarista, chamado Theófilo. 65 Nesse período, Roberto Campos procurou vários empregos, tinha, inclusive, uma carta de um parente apresentando-o a Filinto Müller66, à época, chefe de polícia, pelo qual foi recebido. Filinto Müller recebia dezenas de cartas pedindo emprego para conterrâneos mato-grossenses, conforme relatou Campos: “Naqueles tempos, o sonho dos mato- grossenses que aportavam ao Rio era arranjar um lugar na alfândega,

63 Idem, p. 143. 64 Ibidem, p. 25. 65 Ibidem, p. 26. 66 Filinto Müller, Militar e Bacharel em Direito, exerceu diversos cargos públicos. Foi procurador da República e Major do Exército, e também eleito quatro vezes Senador pelo Estado de Mato Grosso, entre 1947 a 1973. No período entre 1969 e 1973, como presidente da Arena, ocupou a Presidência do Senado Federal, em 1973. Faleceu num acidente de avião, em Paris, na França, devido a explosão do avião. 50

entrar no exército ou arrumar uma colocação com o Filinto”.67 Como não teve seu pleito atendido, resolveu então ser professor de latim e português, no curso Mattos, e segundo Campos registra em sua autobiografia, “o meu sucesso como professor não era notável. Nunca primei pela capacidade de comunicação”, descrevendo que o maior obstáculo que enfrentou foi a dificuldade em receber o salário.68 Pelo exposto, pode-se deduzir que no período do governo de Vargas, foram muitas as dificuldades que Campos enfrentou. Getúlio ficou quase 19 (dezenove) anos no poder, assim divididos, “de 1930 a 1934, como chefe do Governo Provisório pela Revolução de 1930; como Presidente eleito de 1934 a 1937 e daí até 1945 como chefe da ditadura do Estado Novo. Depois, em 1950, voltara eleito pelo voto popular”69 Descontente com essa situação de atraso no recebimento de salário, e, graças à indicação de Antônio Olinto, antigo colega de seminário em Belo Horizonte, Roberto Campos conseguiu um emprego como docente no Ginásio Santa Cecília, em São Cristóvão. Embora o salário fosse mais baixo, possuía mais regularidade, situação que o levou a procurar um emprego mais condizente com suas expectativas. Assim preconizou: “as oportunidades econômicas eram muito escassas e o governo, sem dúvida, o empregador mais importante.”70 Nessa época, ele mudou de pensão, passando a viver numa república estudantil, no Flamengo, com dois primos: Tocary Bastos e Manoel de Barros71 (o grande poeta mato-grossense),

67 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 28. 68 Idem, p. 26. 69 GREMAUD, Amaury Patrick, SAES, Flávio Azevedo Marques de, TONETO JÙNIOR, Rudinei. Op., cit., p. 102. 70 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 28. 71 Manoel de Barros, cuiabano de nascimento, formou-se em Direito, publicou diversos livros, dos quais destacam-se “Poemas Concebidos Sem Pecado”, em 1937, em 1942 publicou “Face Imóvel”, e em 1946, “Poesias”. Outros livros do autor são: ”Compêndio Para Uso dos Pássaros” (1961), “Gramática Expositiva do Chão” (1969), “Matéria de Poesia” (1974), “O Guardador de Águas” (1989), “Retrato do Artista Quando Coisa” 51

ambos, filhos de pais proprietários de fazendas no pantanal mato- grossense, os quais imputaram a ele o apelido de “cú de ferro”, pois além de lecionar durante o dia, ficava parte da noite estudando para o concurso do Itamaraty. Manoel de Barros, a quem Campos se referia como “Nequinho”, começava a dar sinais de seu talento poético, com suas frases. A forma como Roberto Campos tratava Manoel de Barros, com a alcunha carinhosamente no diminutivo, é reflexo da cultura brasileira, objeto de análise de Holanda,

No domínio da linguística, para citar um exemplo, esse modo de ser parece refletir-se em nosso pendor acentuado para o emprego dos diminutivos. A terminação “ inho” , aposta às palavras, serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração. Sabemos como é frequente, entre portugueses, o zombarem de certos abusos desse nosso apego aos diminutivos, abusos tão ridículos para eles quanto o é para nós, muitas vezes, a pieguice lusitana, lacrimosa e amarga.72

Campos honrando o ‘’mesmo sangue’’ de seu primo poeta, desde os tempos de seminarista, demonstrou interesse pela literatura. Cabe registrar que Guimarães Rosa, conforme o mesmo destacou em sua autobiografia, foi o seu escritor preferido.73 Em sua preparação como “concurseiro”, fez sua estreia para o cargo de escriturário, não obtendo sucesso, em decorrência da exigência de habilidade em datilografia. No segundo concurso, para inspetor de ensino,

(1998), “O Fazedor de Amanhecer” (2001). Reconhecido nacional e internacionalmente, recebeu prêmios, condecorações. Faleceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 13 de novembro de 2014. 72 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 170. 73 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 31./ 52

acabou desistindo, pelo fato da classificação levar em conta a titulação. Apesar da erudição acadêmica, adquirida no seminário católico, e o domínio de línguas clássicas, os estudos não eram reconhecidos. Era, “portanto, considerado um ‘‘analfabeto erudito”.74 Até que decidiu optar pelo concurso para carreira diplomática, um concurso concorrido, com provas em várias áreas das ciências humanas, com destaque para o Direito e as línguas estrangeiras. Campos, sobre essa fase, assim se referiu:

Não tendo dinheiro para pagar cursinhos, estava em desvantagem competitiva. No tocante às matérias jurídicas, Direito Internacional Público e Privado, Direito Constitucional e Direito Civil, consegui safar a onça, estudando intensamente e valendo-me do meu treinamento em Direito Romano, no Codex júris canonici e na teologia moral. Estava melhor em línguas. Dominava bem o francês e o italiano e o treinamento em latim e grego me dava flexibilidade. Faltava-me o inglês, obrigatório no exame. Li incansavelmente gramática e com o auxílio de dicionários, penetrei nos escaninhos da literatura clássica inglesa.75

Relata ainda, a dificuldade que foi ingressar no Itamaraty, devido ao Inglês, “O problema era a prova oral. Para treinar o ouvido, metia-me horas no cinema, de olhos fechados, resistindo à tentação de ler as legendas.” 76 Passou no concurso do Itamaraty, em sétimo colocado, em dezembro de 1938. Os aprovados só foram nomeados em 31 de março do ano seguinte, tendo tomado posse em 01 de abril de 1939, órgão, à época, dirigido por Oswaldo Aranha. No ano seguinte, casou-se com Sttela Ferrari Tambelinni, na cidade de Batatais/SP, sua esposa que o acompanharia por toda a vida.

74 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 141. 75 Idem, p 29. 76 Ibidem, p 29. 53

Foram aprovados nesse concurso, 15 (quinze) candidatos. Getúlio Vargas ainda nomeou mais 13 diplomatas, sem concurso, alguns deles auxiliares de carreira e outros apadrinhados políticos.77 E, aqui, neste ponto, uma explicação sobre a característica da sociedade brasileira, predominante nas relações empregatícias no serviço público da época, cuja prática tende a protrair-se no tempo, segundo Holanda,

A família patriarcal fornece o grande modelo por onde se hão de calcar, na vida política, as relações entre governantes e governados, entre monarcas e súditos. Uma lei moral inflexível, superior a todos os cálculos e vontades dos homens, pode regular a boa harmonia do corpo social, e portanto deve ser rigorosamente respeitada e cumprida.78

Ser diplomata no Brasil era considerado uma profissão da elite, o recrutamento era realizado tendo em vista a origem social do candidato, perpetuando o compromisso com a manutenção das tradições nas relações econômicas, políticas e sociais. Segundo Holanda:

Para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com assuas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no estado burocrático. O funcionalismo patrimonial pode, com a progressiva divisão das funções e com a racionalização, adquirir traços burocráticos. Mas em sua essência ele é

77 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 31. 78 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op., cit., p. 85. 54

tanto mais diferente do burocrático, quanto mais caracterizados estejam os dois tipos.79

A fim de se conhecer como eram feitos os recrutamentos para o exercício da diplomacia na República Velha, o relato do embaixador Heitor Lyra:

Formávamos então, rigorosamente falando, uma só classe, com mais ou menos a mesma mentalidade, os mesmos princípios de educação, os mesmos interesses, mesmas aspirações e mesmos ideais, dando a todos a mesma comunhão de sentimentos. Daí, a coesão, os laços de attaché e o espírito de coleguismo que nos unia. O critério de admissão ali obedecia, sobretudo às condições sociais dos candidatos, muitos dos quais descendentes de famílias do império, filhos, netos ou bisnetos de antigos ministros, ou presidentes de conselho da monarquia. Talvez por isso o Itamaraty era tido como uma casa de monarquistas.80

Na fase pós 1930, notabilizaram-se alterações no que diz respeito ao recrutamento em algumas áreas do setor público. Trata-se da época de adoção dos concursos públicos como processo seletivo para o setor público, além da transformação numa grande parte das carreiras. Segundo Gremaud e outros,

Em 1938, Luiz Simões Lopes, o primeiro presidente do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), responsável por elaborar normas de gestão pública, principalmente no que se refere à admissão e promoção do funcionalismo. A ele se devem a implantação do sistema de mérito na administração federal, o melhoramento da sistemática orçamentária e o treinamento de toda uma geração de administradores

79 Idem, p. 168. 80 ALVES, Vagner Camilo. Da Itália à Coreia, decisões sobre ir ou não à guerra. Belo Horizonte: UFMG, 2007, p. 24. 55

públicos, imbuídos do desejo de fazer uma ‘’revolução brasileira nos serviços públicos.81

Em que pese as referidas transformações para o ingresso na carreira diplomática, Campos notou a permanência da prática de indicação quanto à ocupação dos cargos iniciais, visto que a exceção dele e do colega Júlio Agostinho de Oliveira, os outros ou eram repetentes de concurso ou tinham ligações com alguém de forte influência dentro do Itamaraty. No concurso que Campos participou foram os novos diplomatas designados para os setores político, jurídico e cultural, com exceção dele e do colega, que não tinham padrinhos, designados para o almoxarifado.82 E, neste ponto, a observação de que embora a antiga prática de preenchimento de cargo, por indicação, não vigorasse mais, os detentores do poder ainda detinham forte influência na distribuição das funções. Desse modo, para que suas relações de poder pudessem ser consolidadas, tiveram de percorrer um longo caminho de construção. Logo no início de suas atividades como diplomata, Campos começou a destacar- se profissionalmente. Ao comentar sua labuta naquele período, narrou:

O projeto brasileiro mais importante, que viria depois a ocupar bastante minhas atenções no Itamaraty, era o projeto de construção da usina de volta redonda. Fora aprovada em acordo de agosto de 1940, pelo qual os Estados Unidos asseguravam um crédito de 20 milhões de dólares do Eximbank, para instalação da siderúrgica. As negociações foram ultimadas em 24 de setembro de 1940. Dois anos mais tarde, como secretário de embaixada, em Washington, a obtenção de prioridades e licenças de importação para o equipamento de Volta Redonda seria uma das minhas principais preocupações.83

81 GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flávio Azevedo Marques; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Formação Econômica do Brasil. Op., cit., p. 153.. 82 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 33. 83 Idem, p. 41. 56

Percebe-se que Roberto Campos passou a trabalhar na supervisão do comércio exterior no curso da segunda guerra mundial, sobretudo no contexto de alinhamento com os Estados Unidos, após os acordos de 1941 e 1942, quando foi acertado entre Brasil e a “América”, a implantação da indústria siderúrgica e o reequipamento das forças armadas brasileiras, condicionados, contudo, à participação dos soldados brasileiros ao lado dos aliados na 2ª Guerra Mundial. Nota-se, portanto, que Roberto Campos ingressou na carreira no mesmo período em que o imperialismo estadunidense ampliava sua hegemonia sobre o país e o mundo. Foi nesse período que os Estados Unidos começaram a despontar como principal força econômica e militar do mundo, expandindo-se para além de suas fronteiras suas multinacionais, suas músicas e filmes. Ademais, o dólar passou a ser a moeda mais usada no mundo. Era notável, através de seus escritos e de sua atuação nos cargos ocupados, que Campos era favorável ao capital externo, embora este não fosse novidade no seu tempo,

A penetração do capital financeiro no Brasil tem sua origem naqueles primeiros empréstimos concedidos pela Inglaterra, logo depois da independência, ao novo governo da jovem nação. [...] a primeira participação do capital financeiro na economia do Brasil será, como já referi, pelos empréstimos públicos. É precisamente no setor do café que a princípio o capital financeiro mais se empenhará. [...] outro campo de operações para o capital financeiro internacional no Brasil foram os empreendimentos industriais. Isso se verificou a princípio sobretudo em empresas de serviços públicos: estradas de ferro, serviços e melhoramentos urbanos, instalações portuárias, fornecimento de energia elétrica. 84

84 PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008, p. 271- 273. 57

Roberto Campos passou a exercer outras atividades no Itamaraty, trabalhou na Seção de Criptografia, tendo se dedicado aos estudos de criptologia, sem ter avançado na decifração de códigos, área de atuação, em que o Itamaraty, segundo ressaltou em sua autobiografia nunca foi forte.85 Terminado o trabalho de impressão dos códigos, ao invés de ser designado pelo correio diplomático para a entrega dos códigos na Europa ou nos Estados Unidos, prêmio que coube a outros diplomatas, sua atuação deu-se em Montevidéu, Buenos Aires e Assunção. Embarcou para Montevidéu num cargueiro frigorífico norueguês, conseguindo nessa ocasião ter contato com a vida cultural em Buenos Aires. Sua viagem finalizou em Assunção, onde chegou de navio fluvial, após quatro ou cinco dias rio acima, no Paraná e no Paraguai. No retorno dessa viagem, Roberto Campos foi designado para a Divisão “secos e molhado”’86, que consistia na supervisão de atividades de comércio exterior. Essa divisão era responsável por operacionalizar o bloqueio do comércio com os países do Eixo, cooperando estreitamente com as embaixadas norte-americana e inglesa na observância de uma “lista negra” de empresas que transacionassem com a Alemanha, a Itália e o Japão. Esse afastamento do Eixo deu-se pelo rompimento das relações diplomáticas com a Alemanha, Itália e Japão, determinado por Vargas, em 28 de janeiro de 1942.87 Em 1942 foi nomeado para o seu primeiro posto no exterior, em Washington, lá concluiu o mestrado em economia em 1943, defendendo a dissertação, na Universidade de Washington, com o título “Algumas inferências sobre a propagação internacional dos ciclos econômicos”, tornando-se o único diplomata brasileiro formalmente graduado em economia. Depois de Roberto Campos vieram, Miguel Osório de Almeida,

85 CAMPOS, Roberto. Op., cit., p. 38. 86 CAMPOS, Roberto. Op., cit., p. 40. 87 Idem, p. 40. 58

João Batista Pinheiro, Otávio Dias Carneiro e Oscar Lorenzo Fernandes, dentre outros. Roberto Campos foi designado, entretanto, para participar da segunda conferência, relativa à criação da UNRRA (United Nations Reliefand Rehabilitation Agency), realizada em 10 de novembro de 1943, no Claridge Hotel, em Atlantic City. A ata de criação da UNRRA foi assinada no mesmo mês, em Washington. O objetivo da conferência era preparar os estatutos da UNRRA, que seria a grande organização encarregada do socorro e reerguimento dos países aniquilados pela guerra.88 De 01 a 22 de julho de 1944, Roberto Campos, à época, terceiro- secretário de embaixada, juntamente com o Ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, Arthur de Souza Costa, o Professor Eugênio Gudin, de quem Campos se tornou grande amigo, participaram da conferência de Bretton Woods, com o objetivo de montar a estrutura de cooperação econômica e financeira do pós-guerra, contando ainda com a participação de Octávio Gouvêa de Bulhões, então chefe da divisão de estudos econômicos e financeiros do Ministério da Fazenda.89 Rickards preceitua o evento conhecido como Bretton Woods:

Em Bretton Woods, o dólar foi oficialmente designado como a principal moeda de reserva, posição que ocupa até hoje. Sob o sistema de Bretton Woods, todas as grandes moedas foram indexadas a partir do dólar a uma taxa de câmbio fixa. O dólar em si foi indexado em relação ao ouro, a uma taxa de $35 por onça (28 gramas). Indiretamente, outras moedas tinham um valor fixo em relação ao ouro devido à sua indexação em relação ao dólar. [...] A libra esterlina detinha o papel de moeda de reserva dominante desde 1816, após o fim das guerras

88 Ibidem, p. 59. 89 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 62. 59

Napoleônicas e a adoção oficial do padrão-ouro pelo Reino Unido. Muitos analistas afirmam que a conferência de Bretton Woods em 1944 foi o momento em que o dólar americano substituiu a libra esterlina como a moeda de reserva mundial, mas na verdade, essa substituição foi um processo de 30 anos, entre 1914 e 1944.90

Nessa conferência Roberto Campos pôde estar junto dos grandes intelectuais da economia mundial, conforme relatou, “Como modesto secretário de embaixada, só me cabia acompanhar os debates. Somente uma vez apertei a mão de Keynes, pois Gudin e Bulhões visitaram- no em seu apartamento no hotel.” 91 Em março de 1947, com dois anos de governo Truman, foi transferido, como segundo secretário, para a Missão brasileira que há pouco havia sido constituída junto à ONU em Nova York, a seu contragosto, pois após o término de sua tese na Universidade George Washington, vinha manifestando interesse em ser designado para Boston, para ser aluno de doutorado de Schumpeter. Seu pedido ao Itamaraty foi negado. A ONU estava no seu começo, tendo sido oficialmente constituída a partir da entrada em vigor da Carta de São Francisco, em 24 de outubro de 1945.92 Quando chegou a Nova York teve dificuldade com moradia, tendo vivido por dois anos de sublocações. Somente após dois anos, a ONU conseguiu alojamento para um grupo de funcionários num novo projeto residencial, Parkway Village, em Long Island.93 Instalado em Nova York, inscreveu-se na , onde contatou com dois professores que havia conhecido na Conferência de Bretton Woods, o Professor Ragnar Nurske, teórico desenvolvimentista

90 RICKARDS, James. A grande queda: como proteger seu patrimônio no colapso por vir. São Paulo: Empiricus, 2015, p. 21. 91 CAMPOS, Roberto. Op., cit., p. 62. 92 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 85. 93 Idem, p. 93. 60

e Professor James W. Angell, especializado em Comércio Internacional, e que foram seus examinadores no exame oral para o doutorado.94Na Columbia University, conheceu Arthur R. Burns, que depois veio a ser Presidente do Federal Reserve Board e Embaixador na Alemanha. Era especialista em Business Cycles. Outro docente de destaque foi o Professor Carlo Shoup, de Finanças Públicas, responsável pela reforma tributária do Japão. Um fato curioso, narrado em sua autobiografia, refere-se à primeira reunião preparatória da ONU, realizada em Londres, em 07 de janeiro de 1946, destacando-se na delegação Ciro de Freitas Valle, à época, Embaixador do Brasil no Canadá, deslocado para servir em Londres. Na reunião como nem os Estados Unidos nem a União Soviética, deram início aos debates, Ciro de Freitas Valle se inscreveu como primeiro orador, e isso marcou a tradição de ser um brasileiro o primeiro a falar nas assembleias gerais anuais da ONU.95 Nesse período que esteve em Nova York teve como chefe, Oswaldo Aranha, que passou logo a representar o Brasil no Conselho de Segurança. Aranha tinha aceitado a chefia por pouco tempo, mas acabou tornando-se o delegado brasileiro de duas das assembleias gerais, a Assembleia Especial para tratar do problema palestino, em abril de 1947, e a Assembleia Ordinária, por ele presidida, em setembro do mesmo ano, na qual se formalizou a criação do estado de Israel. No tocante à relação de Campos com Oswaldo Aranha, pode-se inferir que era de cunho apenas profissional, “Minhas relações com Oswaldo Aranha eram corretas, porém distantes, atarefado com as negociações relacionadas com a questão

94 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 91. 95 CAMPOS, Roberto. Op., cit., p. 92. 61

palestina”.96 Oswaldo Aranha desconfiou que Campos pudesse ter alguma simpatia ideológica pelas postulações soviéticas, suspeito de atitudes comunistas, chegando a interpelar Campos, o qual respondeu: “que não tinha conseguido vê-lo, apesar de vários pedidos de entrevista. E que não fazia outra coisa senão exigir que Trygvie Lie se adequasse aos ditames da Carta”.97 Foi nessa época que Roberto Campos teve uma breve passagem de 04 (quatro) meses em Havana, Cuba, com a finalidade de participar da delegação brasileira que foi à Conferência Internacional de Comércio e Emprego, entre novembro de 1947 e março de 1948, juntamente com a família, Stella e dois filhos, que tinha à época. No tocante ao período em que esteve em Havana, assim se pronunciou: “aluguei uma casa no bairro de Miramar. A rua não era pavimentada, as poças d’água eram criadouros de mosquitos.”98 Tendo cumprido a missão que lhe havia sido delegada, regressou ao Brasil, registrando, “Terminou o tempo de papar dólares. Agora é hora de roer cruzeiros. Foi assim que me recebeu Raul Fernandes, quando jovem secretário de embaixada me apresentei no Itamaraty, de volta ao Brasil, em fins de 1949.” 99 Voltava depois de sete anos de estada ininterrupta no exterior, primeiro na Embaixada em Washington, como segundo secretário, e depois em Nova York, nas Nações Unidas. Aos 32 anos, era considerado um diplomata brasileiro com grande experiência em negociações econômicas internacionais. Cabe, contudo, destacar que a volta ao Brasil, não deixou de causar a Campos algumas dificuldades, tendo em vista que

96 Idem, p. 93. 97 Ibidem, p. 94. 98 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 92. 99 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 110. 62

uma outra visão de mundo passara a comandar seus pensamentos, e que o acompanhou pela vida.100 Feitas essas observações, neste momento passemos a trajetória intelectual de Roberto Campos.

1.4 Trajetória intelectual

Roberto Campos construiu ao longo de sua trajetória sua forte participação e presença na estrutura do poder. Era um intelectual com formação religiosa, inicialmente em filosofia e teologia, que depois vieram a somar com a economia, tendo ressaltado no seu discurso de posse na Academia Brasileira de Filosofia, onde ocupou a vaga deixada pelo intelectual brasileiro Djacir Menezes,

[...] foi para tentar mudar o mundo que abandonei a filosofia. Não o grande mundo externo, mas nosso pequeno mundo de país subdesenvolvido, que confunde grandeza territorial com riqueza fática e que, ao invés de cultivar a ética do trabalho, se vangloria no Hino Nacional de estar “deitado eternamente em berço esplêndido”. Talvez inconscientemente estivesse eu me engajando numa modalidade de estilo filosófico – filosofia da práxis – a que se referiu Mondolfo, o notável historiador ítalo- argentino. Hegel falou de certa feita na “astúcia da razão”. Talvez tenha sido eu, não sei se vítima ou beneficiário, dessa astúcia. Tendo saído da filosofia pela economia, acabei voltando à filosofia pela economia. Após uma longa peregrinação pelo socialismo utópico e pelo dirigismo keynesiano, acabei, já na maturidade, tendo meu encontro amoroso com a escola austríaca, na qual os grandes liberais Von Mises e Hayek analisam filosoficamente a “ação humana”, isto é, o comportamento do homem à busca de melhoria de sua

100 Idem, p. 110. 63

condição. A economia não seria senão a análise das “conseqüências não intencionais da ação humana.” O livro seminal de Von Mises – A ação humana – é essencialmente um livro filosófico, como o são os tratados de Hayek sobre “Constituição e Liberdade”. 101

Pelas notas ressaltadas pode-se deduzir que Roberto Campos, na maturidade, passou a defender a economia centrada na total liberdade de mercado sem a intervenção do estado, destacando, inclusive, a sua chegada nessa interpretação como “encontro amoroso”. É importante destacar que Keynes e Hayek defenderam ao longo de suas vidas as economias de mercado. Keynes, uma posição intervencionista, e Hayek, uma posição não intervencionista. E, essas duas posições foram, no século XX, no desenvolvimento do capitalismo, as mais fortes defesas visando a manutenção da economia de mercado. Segundo Paulani,

[...] Hayek protagonizou a “fundação” da doutrina que veio a ser conhecida por neoliberalismo. As contingências materiais do capitalismo do último quartel do século XX fizeram reviver o espírito e os princípios dessa doutrina, que tinham ficado guardados na gaveta de idéias da História por quase três décadas. Mais uma vez, Hayek atirou no que viu e acertou no que não viu muito tempo depois. Nos dois casos, a vitória de Hayek foi tardia, mas avassaladora. 102

Quando se aproximou das ideias liberais defendidas por Hayek, trazidas de volta ao centro do debate como modelo econômico ideal, outrora na vanguarda desde os clássicos Adam Smith, David Ricardo e Thomas Malthus até o crash da bolsa de 1929, passou a dedicar seus escritos na disseminação desses ideais, como força motriz ao

101 CAMPOS Roberto. Discurso de Posse na Academia Brasileira de Filosofia. In: CAMPOS, Roberto. Na Virada do Milênio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 480-481. 102 PAULANI, Leda. Modernidade e Discurso Econômico. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 114. 64

desenvolvimento do Brasil. Sua defesa do liberalismo econômico, por meio de diversos artigos publicados, entrevistas concedidas, livros e escritos de um modo geral, além da sua atuação como parlamentar federal, primeiro como senador pelo estado de Mato Grosso e depois como deputado federal pelo Rio de Janeiro não engloba o objeto de análise de trabalho, mas que é uma das principais marcas do intelectual. Roberto Campos foi tão polêmico que Antônio Olinto, no discurso que recepcionou Roberto Campos na Academia Brasileira de Letras, assim preconizou: “Vosso lado polêmico se assemelha ao de Chesterton, que parece ter, com a realidade, um pacto, com palavras que se juntam para realçar paradoxos e convencer através de duplos sentidos”.103 Segundo Bobbio,

Toda ação política, enquanto é ou pretende ser uma ação racional, necessita de ideias gerais a respeito dos fins a perseguir, que chamo de “princípios”, mas poderia também chamar de “valores”, “idealidade”, “visões do mundo”, e de conhecimentos científicos e técnicos para alcançar os fins estabelecidos.

Roberto campos foi um indivíduo que exerceu o poder ideológico no sentido de guiar os governos aos quais se filiou, em contraposto, exerceu esse poder durante os governos em que não foi entusiasta, ora sendo aquele que concebia intelectualmente das ações governamentais, ora sendo um ferrenho crítico, formando opiniões, de um lado e de outro.104

103 CAMPOS, Roberto. Discurso de recepção de Roberto de Oliveira Campos como imortal da Academia Brasileira de Letras. Disponível em:http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=237&sid=232. Acesso em 01 jun de 2015; 104 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. São Paulo: Unesp, 1997, p. 118-120. 65

Para defender suas ideias Roberto Campos escreveu artigos e ensaios, publicados em livros e revistas, alguns acabaram transformando-se em livros, a saber: “Antologia do bom senso”, “Guia para os perplexos”, “Ensaios de história Econômica e Sociologia”, “O Século esquisito”, “Ensaios imprudentes”, “Reflexões do crepúsculo”, “A técnica e o riso, “Do outro lado da cerca”, “Ensaios contra a maré”, “O mundo que vejo e não desejo”, “Na virada do milênio.” Os anos 60, década em que os Beatles eletrizaram o mundo, década em que no Brasil a política ficou marcada por fortes traços do autoritarismo, Campos teve grande produção no que concerne à publicação de livros: Economia, Planejamento e Nacionalismo (1963), Ensaios de História Econômica e Sociologia (1964) e A moeda, o Governo e o Tempo (1964). Em 1965, publicou “Política Econômica e Mitos Políticos”. Dois anos depois lançou “A técnica e o riso e “Reflectionson Latin American Development - University of Texas Press”. Nessa década, ainda publicou mais outros dois livros, “Do outro lado da cerca” (1968) e “Ensaios contra a maré” (1969). Nos anos 1970 publicou 04 (quatro) livros: “Temas e sistemas” (1970),“Função da empresa privada” (1971),“A Nova Economia Brasileira” (1974) e “O mundo que vejo e não desejo” (1976). Em 1985, publicou “Além do cotidiano”, e em 1987, “Ensaios Imprudentes” e “Guia para os perplexos”. Já na década de 90, antes da publicação da sua autobiografia intitulada “A Lanterna na Popa”, na qual retrata não apenas a história econômica recente brasileira e mundial, como também seus feitos e suas observações sobre personalidades que conheceu ao longo de sua vida, também publicou em 1990, “O século esquisito” e “Reflexões do crepúsculo”, em 1991. Cabe registrar ainda que o livro “A Lanterna na 66

Popa” foi condecorado com o Prêmio Ermírio de Morais, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Após sua autobiografia, no exercício do mandato de Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, publicou seus dois últimos livros: “Antologia do bom senso”, em 1996, e “Na virada do milênio”, em 1998. No livro “A Técnica e o Riso”, de 1967, prefaciado por Wilson Figueiredo, Campos faz uma análise sobre diversos temas, traçando paralelos entre a sociedade brasileira e a sociedade anglo-saxônica, na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Canadá. “Do Outro Lado da Cerca” de 1968, traz uma compilação de artigos publicados em “O Globo” e “O Estado de São Paulo”, entre abril e outubro de 1967, que basicamente refletem o lado da iniciativa privada, em relação à conjuntura econômica e política. Foi prefaciado por Gilberto Paim, e o livro tece severas críticas ao nacionalismo:

Vastamente mais complexo é o problema do nacionalismo entre os países subdesenvolvidos. Ele retém importância fundamental como elemento de unificação de grupos tribais e de mobilização nacional, na primeira fase da descolonização. Nos países de descolonização mais antiga, ode reduzir a eficiência econômica em grau superior à sua virtude mobilizadora, como o exemplificam o Egito e a Indonésia.105

No ano seguinte, lançou “Ensaios Contra a Maré”, prefaciado por Mario Henrique Simonsen, que aproveitou o ensejo para prestar uma homenagem ao seu mestre, Roberto Campos,

Estou certo de que a Editora APEC, ao me pedir para prefaciar o novo livro do Embaixador Roberto Campos, quis prestar sua homenagem ao atual movimento

105 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Do outro lado da cerca. Rio de Janeiro: APEC, 1967, p. 140. 67

estudantil. Pois é a primeira vez que se vê um aluno apresentando o trabalho do mestre”.106

Esse livro é uma compilação de artigos publicados em jornais e revistas, no período que antecedeu à publicação do livro. Dentre várias abordagens do cotidiano da vida em sociedade, trata da prevalência de governos de chefia militar, na América Latina, nesse período, tentando defender o “autoritarismo”. Aborda também a questão do investimento em recursos humanos, e explora a necessidade de uma reforma na educação, adotando instrumentos como a compactação de currículos, ou seja, a criação de carreiras curtas e a não gratuidade do ensino superior:

O sistema de bolsas gratuitas para o ensino secundário e de becas financiadas para o ensino superior asseguraria a democratização do ensino, desencorajando, além disso, as duas distorções do atual sistema, o repetente profissional nas escolas e universidades e a excessiva pressão política em favor da proliferação de faculdades gratuitas.107

Ademais, ele expõe as vantagens do comércio internacional, analisa também, o conflito do Vietnã, no ensaio: “Brasil e Argentina: Desafio e Resposta”, e traz uma interpretação dos “ismos”. Faz uma análise do governo Castello Branco, fazendo perceber que neste livro, o enfoque sobre o liberalismo e o socialismo permeia o todo. No livro “Ensaios Imprudentes” de 1987, ele traz diversos ensaios, ditos imprudentes quando escritos. Revela o inconformismo de Campos com os mitos vigentes, à época, conforme relato abaixo.

106 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Ensaios contra a maré. Rio de Janeiro: APEC, 1969, p. 08. 107 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Ensaios contra a maré. Rio de Janeiro: APEC, 1969, p. 109. 68

Cabe, aliás, proceder a uma “desmistificação” do conceito de lucro, salvo em três hipóteses abaixo explicitadas, uma alta lucratividade dos capitais estrangeiros deveria ser objeto de alegria antes que de melancolia. Pois seria indicador de alta produtividade e de adequação ao mercado, representando prêmio à eficiência ou recompensa do risco, e facilitaria um contínuo afluxo de novos capitais. A situação é diferente, entretanto, se a lucratividade não se origina no teste de eficiência do mercado competitivo, mas reflete antes a) situações monopolísticas, b) excessivo protecionismo aduaneiro, c) subvenções governamentais. Nesses casos, a contrapartida do lucro anormal é um pesado custo social imposto à comunidade. Essas distorções podem e devem ser corrigidas por política internas apropriadas, e nada tem a ver com o problema do capital estrangeiro per se.108

Encontram-se também ensaios socioeconômicos com o enfoque na liberdade econômica. Ademais, faz uma análise sobre a China entre 1980 e 1986, buscando compreender sua transformação política e social. Campos publicou o “Século Esquisito”, no ano de 1990, prefaciado por Antônio Olinto, que também é uma compilação de ensaios e artigos, outrora publicados, dedicado à memória de Eugênio Gudin. Constata-se nessa obra, a ascensão e a derrocada do comunismo, do fascismo e do nacionalismo. Outro ponto a enfatizar, é o fato de que ele faz uma análise da conjuntura internacional, e um comparativo do Brasil com outras nações:

O exemplo mais bem sucedido de criação de uma sociedade multirracial estável e próspera é a dos Estados Unidos. Há um substrato cultural unificador, o ideário da democracia e do livre mercado, que permitiu absorver e homogeneizar uma enorme diversidade de traças e culturas. O Brasil é um segundo exemplo de sociedade multirracional isenta de tendências separatistas. O terceiro caso seria o do Canadá, mas este sofre de

108 CAMPOS, Roberto. Ensaios imprudentes. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 268 69

enormes tensões entre a maioria anglo-saxã e a minoria francesa.109

Analisa também como a União Soviética encontrava-se naquele período, com um artigo dotado de ironia, a começar pelo título: “A superpotência do Terceiro Mundo”.

Descobriu-se hoje que a União Soviética é uma superpotência do Terceiro Mundo. Tem vasto poderio nuclear, faz proezas espaciais e, ao mesmo tempo, seus níveis de consumo e desconforto são típicos do Terceiro Mundo. A expectância média de vida declinou no último decênio enquanto ascendia a taxa de mortalidade infantil. Sob esses aspectos, os soviéticos se inferiorizaram até mesmo em relação a vários países do Terceiro Mundo. A escassez de bens e serviços, que gerou a civilização das “filas”, são evidências de uma economia de escassez e não da economia da abundância, que Marx anteviu como meta do socialismo e que acabou sendo realização do capitalismo.110

Na virada do século XX, em 1998, Campos publicou seu último livro: “Na virada do milênio”, que foi prefaciado por Gilberto Paim. Essa obra é uma compilação de artigos escritos para jornais e revistas de grande circulação no país, e aborda a questão do liberalismo econômico, além da defesa das privatizações,

A privatização há muito deixou de ser um modismo neoliberal para se tornar parte essencial da modernização do Estado, em função de três transformações estruturais: 1) Os governos deficitários têm de concentrar recursos na área social; 2) A rápida evolução tecnologia reclama velocidade decisória inatingível nas estatais e 3) A soberania do consumidor exige diversificação dos

109 CAMPOS, Roberto. O século esquisito. Rio de Janeiro: Topbooks, 1990, p. 20. 110 Idem, p. 37, 70

produtores e contestabilidade judicial do fornecedor inadequado.111

Roberto Campos constata o desperdício no Brasil para se tornar uma grande potência, a queda do socialismo, e analisa o desemprego na economia brasileira e os primeiros anos do Plano Real. Na sua escrita estão os efeitos e as causas da crise asiática de 1997 e a russa de 1998. Nesse livro, além de uma releitura do mundo na virada do milênio, uma releitura da própria trajetória octogenária. Sem perder a capacidade de fazer profecias, Campos, atestou:

Estamos num fim de século que é também um fim de milênio. Tudo indica que se desenhe, senão para o fim deste milênio para o começo do novo, uma quarta onda, de crescimento. É importante que o Brasil dela participe. A quarta onda, além da maior globalização dos mercados, trará inovações monetárias, como a moeda única europeia, e inovações tecnológicas como a criação de mundos virtuais pela informática e pelas revoluções da biotecnologia e nanotecnologia.112

De formação inicial em filosofia e teologia, cabe relembrar que Campos resolveu se enveredar pela economia, quando estava em Washington. Estudou economia nos cursos noturnos da George Washington University. Sua dissertação de mestrado na George Washington se intitulou “Algumas inferências sobre a propagação internacional dos ciclos econômicos”, que assim descreveu:

Nessa tese, procurei examinar os mecanismos de propagação de ciclos de conjuntura, quer no campo financeiro, através de variações de taxas de câmbio, taxas de juros e movimentos internacionais de capitais, quer no

111 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Na virada do milênio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 59. 112 Idem, p. 31. 71

terreno comercial, através de flutuações expansivas ou recessivas no comércio de mercadorias. Continha também um estudo sobre Keynes e a teoria do imperialismo, depois publicado na Revista Nacional de Economia, em junho de 1950.113

Um de seus ídolos intelectuais da época era Joseph Alois Schumpeter114, que lecionava em Harvard, e que havia produzido o trabalho – Businesss Cycles, que servira a Campos de inspiração. Roberto Campos escreveu uma carta a Schumpeter, dizendo que, se conseguisse sua transferência diplomática para Boston, pretenderia concluir a tese sob sua tutela. Para sua surpresa, Schumpeter respondeu- lhe com palavras de encorajamento, chegando a dizer que o montante de pesquisas que ele já havia feito era suficiente para uma tese doutoral, ao invés de uma simples tese de mestrado.115 Com a conclusão do curso de economia, Roberto Campos tornou-se o primeiro diplomata formalmente “economista”. Portanto, a continuidade na carreira acadêmica proporcionou a ele, um preparo protocolar, que os cargos e circunstâncias da vida vinham solicitando, fortalecendo o lado técnico da diplomacia brasileira. Em 1999 foi eleito para a cadeira n. 21 da Academia Brasileira de Letras (ABL), em eleição polêmica, na qual a viúva de ameaçou retirar os restos mortais do imortal, enterrados ali, caso se concretizasse o ingresso de Roberto Campos.

Para minha surpresa, que me rejuvenesceu, pois ser jovem é apenas a capacidade de ter surpresa, deflagrou-se, anunciada minha pretensão à vaga de Dias Gomes, uma

113 Ibidem, p. 77. 114 Schumpeter, de origem austríaca, foi um importante economista do século XX, seus estudos ganharam repercussão internacional, com as contribuições da inovação para o desenvolvimento capitalista. Deu aula como professor emérito em Harvard. 115 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 49. 72

ridícula batalha ideológica, que, magnificada pela mídia, me transformaria numa ameaça à paz e a elegância deste cenáculo. Velho e cansado de brigas, visitei então o presidente Niskier e os membros da Diretoria, para ofertar-lhes minha renúncia à candidatura. Encontrei pronta reação dos ilustres confrades: A Academia Brasileira de Letras - disseram-me - nasceu ecumênica e assim continuará. Não aceitamos vetos de nenhuma ideologia e não há reserva de mercado para nenhuma seita política. A Academia é um templo de comunhão cultural e não uma arena de gladiadores políticos. E lembraram-me que, em seu nascimento, esta Casa fundiu numa comunhão de interesses culturais, dois grupos políticos radicalmente opostos - os republicanos e os monarquistas - sem que houvesse jamais desrespeito ao congraçamento cultural. Republicanos eram Rui Barbosa, Lucio Mendonça, Medeiros de Albuquerque e Graça Aranha. Monarquistas eram , Eduardo Prado, e Afonso Celso. Conviveram depois em plena tranqüilidade "florianistas", como Artur de Azevedo e , e "anti florianistas", como Rui Barbosa , e José do Patrocínio. - Aliás - acrescentou o presidente Niskier - essa tradição de abertura ecumênica é tão forte que se criou a liturgia de incineração de votos, convencionando-se que o candidato vitorioso foi eleito por unanimidade. Verifiquei depois, lendo a interessante auto-biografia de Dias Gomes, que ele também sofrera impugnações ideológicas, quando sucedeu a , por estar no lado oposto do espectro político. Multiplicaram-se cartas à Academia, protestando contra a sua eleição.116

Dias Gomes era escritor de peças de teatro, tinha também uma penetração em Rádio e TV. Dentre várias obras suas, se destacam: “O

116 CAMPOS, Roberto. Discurso de recepção de Roberto de Oliveira Campos como imortal da Academia Brasileira de Letras. Disponível em :http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=237&sid=232. Acesso em 01 jun de 2015; 73

Pagador de Promessas” (1959), “A Revolução dos Beatos” (1961) e “O Bem Amado” (1962).117 Na cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras estiveram presentes várias autoridades brasileiras. O governador de Mato Grosso, em exercício, José Rogério Salles, o Presidente da Academia Mato- Grossense de Letras, João Alberto Gomes Novis Monteiro e o prefeito do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde, o representante do Presidente da República do Brasil, na ocasião, Ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, que pertencia ao mesmo partido de Roberto Campos, o PP (Partido Progressista), o Senador Antônio Carlos Magalhães, Presidente do Congresso, a quem Roberto Campos prestou reverência in memorian a Luis Eduardo Magalhães, e o presidente da Câmara dos Deputados, à época, Michel Temer estiveram presentes na cerimônia, além de Stella, sua esposa, e seus três filhos, Roberto, Sandra e Luiz Fernando, e diversos familiares. Quatro anos antes, em 1995, ele tomou posse na Academia Mato-Grossense de Letras, na cadeira n. 06, cujo patrono era José Lacerda de Almeida, tendo sido recepcionado em discurso de exaltação, pelo presidente da Academia, João Alberto Novis Gomes Monteiro. Em seu discurso de posse, Campos, revisitou suas memórias, ressaltou sua trajetória e sua relação com o estado de Mato Grosso.118

117 CAMPOS, Roberto. Discurso de recepção de Roberto de Oliveira Campos como imortal da Academia Brasileira de Letras. Disponível em:http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=237&sid=232. Acesso em 01 jun de 2015. 118 Revista da Academia Mato-Grossense de Letras – Volume 01, nº 01, 2015, p. 133. 74

CAPÍTULO II - RELAÇÕES POLÍTICAS, EMBATES E PERMANÊNCIA NO PODER

Este capítulo encontra-se subdivido em 04 (quatro) tópicos, cujo primeiro destaca a atuação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), trazendo algumas de suas contribuições à política econômica brasileira, principalmente no tocante à obtenção de investimentos e financiamentos externos, para atender a projetos de infraestrutura, além da proposta de criação do BNDE, com destaque para a participação de Roberto Campos nessa comissão, e o contraponto da visão de Campos e Furtado em relação ao planejamento integral, além da atuação cepalina, no tocante ao modelo de industrialização brasileira. No segundo, aborda-se sua relação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), desde a criação, passando pelas fases que atravessou o BNDE, as prioridades observadas, além de seu primeiro encontro pessoal com Getúlio Vargas, por fim, a reflexão trazida por Campos, em relação ao período em que esteve à frente do banco. O terceiro tópico destaca o período em que Roberto Campos atuou no governo Juscelino Kubistschek, desde antes da posse, após eleito, em que colaborou na organização da viagem de presidente eleito, para o exterior, preparando documentos de trabalho sobre cada um dos países a serem visitados, destacando dados gerais, econômicos e políticos sobre cada país do roteiro. Destaca ainda o período em que o Brasil se aproxima ainda mais dos Estados Unidos da América com a posse de Juscelino. Ademais, a participação de Roberto Campos na concepção do Plano de Metas, explanando os objetivos desse plano. Por fim, porém não menos importante, traremos a participação de Roberto Campos no governo Castello Branco, as diversas reformas implementadas nesse período, sua relação com a ditadura militar e seus embates com Lacerda, sobretudo na criação do PAEG. 75

2.1 A atuação na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU)

A CMBEU promoveu algumas contribuições à política econômica brasileira, principalmente no tocante à obtenção de investimentos e financiamentos externos, para atender a projetos de infraestrutura. Ademais, destaca-se como contribuição da CMBEU, a proposta de criação do BNDE. Essa comissão era composta por membros com experiência na área econômica, tanto do lado brasileiro como do lado americano.

A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU)_foi oficialmente instalada em 19 de julho de 1951. Do lado brasileiro, o chefe, escolhido pelo ministro da fazenda, Horácio Lafer, era o engenheiro gaúcho Ari Frederico Torres, misto de empresário e técnico, ex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT). Os conselheiros técnicos eram o notável geólogo Glycon de Paiva Teixeira, ex-diretor do Departamento Nacional de Produção Nacional, e Lucas Lopes, engenheiro ferroviário, que depois se especializou em energia elétrica e foi um dos fundadores da CEMIG. O conselheiro-financeiro era Victor Bouças, presidente do Conselho Técnico de Economia e Finanças, veterano da Conferência de Bretton Woods. O secretário-executivo era Vitor da Silva Alves, ex- funcionário das Nações Unidas, que viria depois a ser nosso diretor no BIRD. Como único funcionário do Itamaraty então formalmente graduado em economia, Roberto Campos foi designado conselheiro econômico. A seção norte-americana, por sua vez, ficou sob o comando do embaixador americano Merwin Bohan, substituto de Francis Trulow, corretor da Bolsa de Nova York,119

Esse alinhamento entre os dois países deu-se no período pós- guerra, em que emergiu um mundo dividido em dois blocos, capitalista e socialista, um capitaneado pelos Estados Unidos da América e outro pela

119 GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André. Op., cit., p, 30. 76

antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Tal situação provocou um reordenamento da geopolítica mundial, que durou até a derrubada do muro de Berlim, em 1989. No ano de 1951, Roberto Campos continuava em ascensão no Itamaraty, com promoção à primeiro- secretário, ao passo que ascendia em relevância no cenário econômico brasileiro, vindo a participar da CMBEU. A essa altura, ele já se destacava como um não nacionalista em suas ações, integrar o CMBEU era uma demonstração inequívoca de que não era um nacionalista, anos mais tarde iria escrever: O “nacionalismo torna-se uma barreira a absorção de capitais e tecnologia. Passa a ser disfuncional. O nacionalismo brasileiro não integra; divide. [...]”120 Em sentido diametralmente oposto, estavam os nacionalistas, organizados em vários segmentos, como exemplo, a Frente de Emancipação Nacional (1954-1956), a Frente Nacionalista (1955), o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (1955-1964), a Frente Parlamentar Nacionalista (1955-?), a Frente 11 de Novembro (1956), o Grupo Ação Política Pró-Desenvolvimento Econômico e Social (1957), o Movimento Nacionalista Brasileiro (1957-?) e a Liga Nacionalista Brasileira (1959-?).121 Em dois anos de vigência, de julho de 1951 a julho de 1953, a CMBEU aprovou 41 projetos, que exigiriam um total de U$ 392 milhões, dos quais vieram a ser financiados U$ 186 milhões. Parte do relatório final da CMBEU foi escrito por Campos, no Rio de Janeiro, com a colaboração de Otávio Dias Carneiro, e parte em Washington, com Phillip Glaessner, o economista chefe da seção americana. Vale destacar, que a CMBEU era um

120 CAMPOS, Roberto. O exorcismo dos “ismos”. In: CAMPOS, Roberto. O século esquisito. Rio de Janeiro. Topbooks, 1990, p. 92-94. 121 MOREIRA, Vânia Maria Losada. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 01881998000100015PRADO JR., Caio." Nacionalismo e capital estrangeiro". In Revista Brasiliense. São Paulo, nº 2, nov./dez. 1955, pp. 80-93. Acesso em 13 fev. 2017. 77

órgão de planejamento, de natureza setorial.122 Bielschowky, assim conceituou o planejamento setorial:

O planejamento setorial corresponde à localização de alguns setores que constituem pontos de estrangulamento e/ou pontos de germinação da economia e à definição de objetivos setoriais, de modo que o Estado, através de uma série de mecanismo, promova uma política econômica visando garantir as taxas de investimento necessárias. Estas, porém, são calculadas de forma relativamente independente de projeções globais e de estimativas das demandas inter-setoriais da economia. Já o método da Cepal, utilizado por Furtado, pretende-se muito mais abrangente. O objetivo subjacente aos trabalhos do órgão é o planejamento global da economia. Parte-se de uma meta macroeconômica de crescimento, predefinida de acordo com o levantamento das possibilidades de expansão do sistema como um todo e calculada com base em estimativas da relação capital/produto, da taxa de poupança, e nos termos de troca. As projeções setoriais são então feitas de acordo com as taxas de crescimento previstas e levando em consideração a dinâmica da procura final e das relações inter-setoriais.123

Em contraponto, Furtado destaca as pertinências do planejamento integral, que era a visão defendida pela CEPAL, com a qual Campos tinha relativa ligação, pois houvera participado da 3ª Reunião dessa comissão em 1950, realizada em Montevidéu, mas nesse ponto divergia, ao não defender o planejamento integral:

A elaboração de um programa geral de desenvolvimento requer alguns dados prévios fundamentais. Em primeiro lugar, é necessário determinar de antemão a taxa de

122Cf. CAMPOS, Roberto. Op., cit., p, 154. 123 BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo econômico do desenvolvimento. IPEA/INPES, Rio de Janeiro, 1988, p. 181. 78

crescimento que a economia deverá alcançar durante o período de vigência do programa, assim como o volume de investimentos necessário para chegar a ela. Somente partindo desses dados básicos é que será possível cobrir as etapas seguintes do planejamento. Assim, um dos objetivos de um programa é estabelecer os investimentos que devem ser levados a cabo em cada um dos setores da economia, estabelecendo a ordem de prioridade dos diferentes investimentos. Isso exige uma estimativa antecipada, tanto da futura demanda de exportações quanto da demanda interna de bens de consumo, bens intermediários e bens de capital. Mas essa estimativa — em particular a que se refere à demanda interna — tem que se basear no crescimento provável da renda e em sua distribuição, sendo necessário, para isso, conhecer antecipadamente a taxa de crescimento da economia. O programa também tem que estabelecer a parcela da demanda que será abastecida por produtos importados e a que deverá ser atendida por produtos nacionais.124

Para Campos, o planejamento integral era ilusório, sem o “autoritarismo socialista”, e ainda que, “o autoritarismo socialista provou- se, no correr dos anos, um misto de tirania política e ineficiência econômica”.125 Ao contrário do que defendia Campos, os planejamento setoriais parece que não despertaram maiores interesses por parte de Juscelino, que segundo Campos: “era mais um tocador de obras que um estadista de perspectivas. Somente anos depois, com o PAEG e o Plano Decenal, viríamos a integrar o planejamento setorial com visões macroeconômicas.”126 Mais tarde, já como diretor econômico do BNDE, Campos viajou para o Chile, para solicitar a assistência técnica da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), mostrando de forma expressa a Raul

124 FURTADO, Celso. Introdução à técnica de planejamento. In: Cinquenta anos de pensamento na CEPAL (organizador Ricardo Bielschowsky). Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 265. 125 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 154. 126 Idem, p. 154. 79

Prebisch o desejo de contar com Celso Furtado como chefe do grupo da CEPAL.127 A CEPAL, nos anos 1950, propunha um modelo de industrialização, baseado no processo de substituição de importações, defendido também por Roberto Campos. Destarte, é inequívoca a contribuição que os estudos produzidos por Maria Conceição Tavares, nesse sentido, trouxeram ao estudo da economia. Tavares tinha sido aluna de Roberto Campos e Octávio de Gouvêa Bulhões, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O processo de substituição de importações, que visava replicar o processo de industrialização de países desenvolvidos.128 De acordo com Tavares,

O termo “substituição de importações” é empregado muitas vezes numa acepção simples e literal significando a diminuição ou desaparecimento de certas importações que serão substituídas pela produção interna. [...] a nossa tese central é de que a dinâmica do processo de desenvolvimento pela via da substituição de importações pode atribuir-se, em síntese, a uma série de respostas aos sucessivos desafios colocados pelo estrangulamento do setor externo, através dos quais a economia vai se tornando quantitativamente menos dependente do exterior e mudando qualitativamente a natureza dessa dependência. Um processo do qual resulta uma série de modificações estruturais da economia.129

A CEPAL foi criada no mesmo ano da criação do estado de Israel, em 1948.130 O Brasil buscava nesse período sua inserção internacional,

127 Ibidem, p. 164. 128 TAVARES, Maria da Conceição. Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 35. 129 TAVARES, Maria da Conceição. O processo de substituição de importações como modelo de desenvolvimento na América Latina. In: Cinquenta anos de pensamento na CEPAL (organizador Ricardo Bielschowsky). Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 228-232. 130 BÁRCENA, Alícia. Sobre a Cepal. Disponível em: http://www.cepal.org/pt-br/about. Acesso em 15 fev. 2017. 80

mesmo com um ambiente de vulnerabilidade externa, pois sua indústria estava em crescimento, assim Bresser Pereira se pronunciou,

Foi nesse período que o setor industrial ganhou grande impulso e se concretizou como o setor mais dinâmico da economia, ou seja, não mais o setor externo e a “variável exportação” condicionavam o crescimento da economia, mas sim, o setor industrial nacional e a “variável investimento”, o que significou uma mudança qualitativa no padrão de acumulação de capital brasileiro. Verificou- se que o crescimento médio anual da produção industrial, que no período da segunda guerra mundial foi de 6,2%, nos dez anos seguintes aumentou para 8,5%. Este período de prosperidade foi determinado, basicamente, pela já citada economia de divisas, que foi responsável por permitir a importações dos equipamentos industriais, e pela melhoria dos termos de intercâmbio que, entre 1946/1955 se recuperaram em 151%, devido à valorização internacional dos preços do café ocorrida no período. 131

A CEPAL passou por vários ciclos de trabalho, num primeiro ciclo, o enfoque assentava sobre a questão da industrialização na América Latina. Haffner em seu estudo sobre o desenvolvimento da América Latina e a CEPAL, assim preconizou:

Esta linha de pensamento propunha ser necessário que acontecesse na América Latina, a industrialização, porque para se manter competitiva, a nível internacional, o mundo requeria um novo referencial tecnológico que os países latino-americanos não possuíam. Os principais problemas latino-americanos são explicados pela deterioração das relações entre o centro (países industrializados) e a periferia (países não industrializados ou em vias de industrialização).132

131 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Desenvolvimento e crise no Brasil 1930-1983. São Paulo: ed. Brasiliense S.A. 1985, p. 158. 132 HAFFNER, Jacqueline. CEPAL: Uma perspectiva sobre o desenvolvimento latino- americano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996, P. 12. 81

O enfoque da CEPAL, nos anos 1950 encontrava-se alicerçado na industrialização, através do modelo substitutivo de importações, e do combate à inflação e ao desemprego. Nos anos 60, o foco recaiu sobre as reformas, a exemplo, a Reforma Agrária, e a distribuição de renda. Na década seguinte, o endividamento começou a tomar a atenção, por parte da CEPAL. Ademais, o modelo de industrialização ideal, de “substituição de importações”, parecia haver esgotado.

A partir de 1973 o modelo de desenvolvimento baseado na industrialização por substituição de importações vê esgotadas suas possibilidades de continuidade. Tanto o Brasil como a Argentina já possuíam uma indústria integrada verticalmente e os espaços para novas substituições eram cada vez mais restritos. No entanto, o Brasil com a intenção de reduzir sua dependência energética, aproveitou-se dos créditos externos e fez um último esforço no sentido de substituir importações. A crise terminal do modelo de substituição de importações veio com a elevação dos juros nos Estados unidos e com a crise do petróleo em 1979. [...] No Brasil, o fim do padrão de acumulação baseado na industrialização por substituição de importações orientada pelo Estado esteve diretamente relacionado ao crescente endividamento externo verificado desde o final da década de 1960, passando pelos anos do “milagre” econômico até a elevação da taxa de juros internacionais em 1979, quando a dívida externa brasileira atingiu patamares elevados, condicionando o crescimento econômico do país.133

O endividamento na década de 1980 era uma realidade dura de ser enfrentada. E nesse sentido, um aparte, a CEPAL desenvolveu políticas tendo na mira ajuste financeiro combinado com crescimento. De modo que, constata-se que ao longo de várias décadas a CEPAL contou com

133 JÚNIOR, José Aldoril dos Santos. Industrialização e modelo de substituição de importações no Brasil e na Argentina: uma análise comparada [monografia]. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, Curso de Ciências Econômicas, Centro Socioeconômico, 2004. 82

nomes da economia latino-americana, influiu na governança de vários países, e teve um caráter marcado pela originalidade. Bielschowsky expressou sobre esse tema com o seguinte argumento:

Em cinquenta anos de existência, a CEPAL foi a principal fonte mundial de informação e análise sobre a realidade econômica e social latino-americana. Mais que isso, foi o único centro intelectual em toda a região capaz de gerar um enfoque analítico próprio, que manteve vigente por meio século. Este trabalho tem o ponto de partida para o entendimento da contribuição da CEPAL à história das ideias econômicas, deve ser o reconhecimento de que trata-se de um corpo analítico específico, aplicável a condições históricas próprias da periferia latino- americana. [...] É possível identificar cinco fases na obra da CEPAL, em torno de “ideias-força” ou “mensagens”. Coincidentemente, as fases tiveram duração de aproximadamente um decênio, cada. Como se verá mais adiante, elas acompanham de perto a evolução histórica da região latino-americana. a) Origens e anos 1950: industrialização; b) anos I960: “reformas para desobstruir a industrialização”; c) anos 1970: reorientação dos “estilos” de desenvolvimento na direção da homogeneização social e na direção da industrialização pró-exportadora; d) anos 1980: superação do problema do endividamento externo, via “ajuste com crescimento”; ) anos 1990: transformação produtiva com equidade. Observe-se que as duas primeiras etapas enquadram-se por completo no ciclo expansivo mundial do pós-guerra, e as duas últimas na irregular etapa compreendida entre o fim daquele ciclo, em 1973/74, até os dias de hoje, na qual predominaram baixo crescimento mundial e grandes incertezas. A correspondência não é perfeita apenas nos anos 1970, devido à crise mundial de meados da década. No entanto, como se verá, a crise não impediu que a organização do pensamento cepalino mantivesse razoável grau de unidade nos temas abordados; apenas introduziu novas ênfases, adaptadas às novas ocorrências históricas.134

134 BIELSCHOWSKY, Ricardo. Op., cit., p. 15-18. 83

Cabe observar que no início Campos demonstrou certo interesse pelas ideias desenvolvidas pela CEPAL, embora tivesse algumas discordâncias. A esse respeito, Campos destacou:

Meu interesse na metodologia cepalina misturava curiosidade intelectual e ceticismo pragmático. Já àquela ocasião eu era bem menos otimista que a Cepal no tocante à capacidade governamental de coordenar racionalmente o mercado, e bem menos pessimista em relação às supostas inelasticidades da agricultura e das exportações.135

Ademais, a questão do monopólio estatal da Petrobrás, gerou grandes divergências entre o grupo da CEPAL e Roberto Campos. Com posições ideológicas distintas, acerca do tema, Furtado reconheceu a combatividade de Campos, em relação ao monopólio da Petrobrás. Para Furtado:

Esse pessimismo congênito aparecia inclusive em muitos daqueles que se empenhavam em modernizar o Brasil. Conversando certa vez com Campos sobre a criação da Petrobrás, surpreendeu-me constatar que sua posição crítica não era fruto de sua alergia a tudo o que estivesse inquinado de “nacionalismo”. Eu argumentara que a indústria petroleira era o melhor negócio do mundo, sendo grande vantagem que a tivéssemos em nossas mãos. O que mais me desagradava em um país como a Venezuela, disse, era que a indústria petroleira (controlada do estrangeiro) nenhum poder indutor exercia sobre o sistema produtivo local, tudo sendo adquirido no exterior. Controlada pelo Estado, a indústria petroleira poderia transformar-se em pólo germinativo de múltiplas atividades produtivas. Em tese, ele estava de acordo, mas observou com um gesto negligente: “O problema é que

135 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 165. 84

nós não temos capacidade para instalar e dirigir essa indústria”.136

Desse diálogo transcrito acima, pode depreender-se que Roberto Campos não via o estado como um ente capaz de liderar a indústria petroquímica brasileira, divergindo das ideias cepalinas e de Celso Furtado, que viam no petróleo, um item estratégico para desenvolvimento nacional, tendo sido Furtado anos antes, indicado pelo próprio Roberto Campos para a CEPAL, que por sua vez, respeitava as opiniões de Roberto e via nele alguém que queria a modernização do Brasil, ‘’Esse pessimismo congênito aparecia inclusive em muitos daqueles que se empenhavam em modernizar o Brasil’’. 137

2.2 Relação de Roberto Campos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)

Roberto Campos veio a conhecer Getúlio Vargas, pessoalmente, somente em 1952, portanto, somente após seu retorno à presidência da República, pelos “braços do povo”, embora tivesse exercido alguns cargos e obtido destaque nas atividades desempenhadas.138 O encontro realizou-se no Palácio do Catete, em 03 de julho de 1952, vindo a partir de então ser designado Oficial de Ligação Econômica por Getúlio Vargas. A razão do encontro, era a chegada de Dean Acheson, Secretário de Estado americano. O assessor internacional de Getúlio, Cleanto de Paiva Leite, solicitou a Campos e a Otávio Dias Carneiro, que preparassem um documento com

136 FURTADO, Celso. Obra Autobiográfica. São Paulo:Paz e Terra, 1997, p. 278. 137 Idem, p. 278. 138 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 176. 85

sugestões para a entrevista de Getúlio com Acheson. Assim, anotado por Campos:

Quando cheguei ao Catete, à hora aprazada, encontrei Getúlio na sala de despachos, andando de um lado para o outro, fumando um faustoso charuto. Convidou-me a andar com ele e perguntou-me logo que sugestões tinha para o encontro.139

Certamente, Acheson foi um grande amigo de Roberto Campos, e a relação nasceu desse encontro:

Quando deixávamos a reunião, Acheson voltou-se para mim e sussurrou-me. Nunca vi uma tradução tão imaginosa, meu caro rapaz. O senhor vai longe na carreira. Ali se iniciava uma grande amizade, que mantive com Acheson ao longo dos anos. [...] Coube-me, aliás, a desagradável tarefa de ser o intérprete das frustrações brasileiras perante dois ilustres visitantes americanos: Dean Acheson e Milton Eisenhower, irmão do presidente Eisenhower. Ambos visitaram a CMBEU. Acheson em julho de 1952, quando os trabalhos estavam em pleno curso, e Milton Eisenhower, um ano depois, quando o governo republicano, recém-chegado ao poder, decidira encerrar as atividades da Comissão.140

Campos expressou sua opinião sobre a controvertida personalidade de Getúlio, “Getúlio Vargas foi a personalidade mais complexa e cambiante que conheci em minha vida pública. Até hoje se discute a extensão e significado do nacionalismo de Vargas”.141

139 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 176. 140 Idem, p. 175. 141 Ibidem, p. 178. 86

Enquanto ascendia como técnico qualificado na lida econômica, Campos cultivava relações com grandes nomes da política, da literatura e da música, construindo as teias de suas relações de poder. Sobre o sentido de poder na sociedade moderna assim observou Priestland,

A questão do poder, e de como ele é distribuído na sociedade, está no centro do debate intelectual desde que Marx propôs sua teoria das classes, de extraordinária influência [...] Existem muitas definições de “poder”, mas sigo a de Michel Mann, usando a palavra para significar a capacidade de buscar objetivos humanos – de qualquer tipo – por meio do controle do ambiente, dominando outras pessoas ou colaborando com elas. [...] Um dos principais críticos de Marx foi o pai da sociologia, o alemão Max Weber (1864-1920). Ele aceitava que as classes fundadas em interesses econômicos podiam, por vezes, lutar pelo poder, em alguns lugares e momentos; mas insistia que o fator econômico nem sempre era fundamental, nem mesmo freqüente. Nem só de pão vivem o homem e a mulher; eles também buscam um significado na vida. [...] O que são [...] redes de poder? Weber identificou três: a econômica (exercida pelas classes), a ideológica (por grupos de status) e a política (por partidos); a maioria dos sociólogos, de todos os matizes, aceita essa divisão tripartite. Porém Mann dividiu o poder político em dois: o poder político civil e o poder militar. 142

Compreendemos a expressão weberiana ‘’lutar pelo poder’’, como uma prática que envolve a utilização de todas as armas disponíveis para a sobrevivência no poder, lutar pressupõe um embate, não nos parece que Roberto Campos tenha se utilizado de práticas espúrias para

142 PRIESTLAND, David. Uma nova história do poder. Comerciante, Guerreiro, Sábio. Tradução de Isa Mara Lando e Mauro Lando. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 281-282. 87

permanecer no poder. Seus embates, ao que parece, não foram para perpetuar-se no poder, porém foram decorrentes de idiossincráticas posições ideológicas, que iam de encontro com aquelas de seus adversários, e ao encontro das ideias de seus simpatizantes. Podemos depreender da análise sobre a trajetória de Roberto Campos, que ele não tinha grande poder econômico. Como é consabido, veio de família com parcos recursos, ao ingressar no Itamaraty tornou-se um servidor público, diplomata, que a despeito da importância do cargo, os vencimentos não propiciavam acumular vultosas somas de dinheiro, mas uma vida sem dificuldades financeiras. Destarte, suas relações de poder que construiu ao longo dos anos, nos cargos que ocupou, com homens de grande poder econômico, com políticos ocupantes de altos cargos públicos, artistas, escritores, isto é, formadores de opinião de um modo geral do Brasil e do exterior, não decorrem de um suposto poder econômico seu. Sua permanência nas altas esferas do poder por décadas, em governos de diferentes concepções, fosse ocupando cargo nesse ou naquele governo, fosse fora do governo, pode ser explicada por sua estrutura intelectual, naquilo que Weber especificou nas chamadas redes de poder, a ideológica, ou seja, sua capacidade de linguagem. Bourdieu assim leciona:

Ora, todas essas relações de comunicação são também, salvo convenção especial, relações de poder, e o mercado linguístico também tem seus monopólios, quer se trate das línguas sacrais ou reservadas a uma casta, quer das línguas secretas, passando pelas línguas eruditas.143

143 BOURDIEU, Pierre. O campo econômico: A dimensão simbólica da dominação. Organizado por (Daniel Lins). Traduzido por Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Papirus, 2000, p. 59-60. 88

O gosto pela literatura é traduzido pela sua admiração por Guimarães Rosa, no trecho abaixo, extraído de sua autobiografia, A Lanterna na Popa:

Um acidente feliz foi encontrar Guimarães Rosa que, já designado para o Consulado em Hamburgo, requentava ao lado a Divisão de Pessoal. Guimarães Rosa interessou- se pelo novato, sabendo-me ex-seminarista e latinista. Era um poliglota versado em latim e grego, que se tornaria conhecedor de nove idiomas, inclusive exóticos, como o húngaro, o servo-croata, o persa, o árabe, o malaio e o japonês. Tratava-se de uma coisa estranha, pois aprendera algumas dessas línguas ainda quando pacato médico do interior em Itaguara, Minas Gerais. Quando o conheci no Itamaraty, dizia-se um fabulista mercenário, pois publicara aos vinte anos alguns contos “não por amor à arte mas por amor ao dinheiro”. Em 1936, ganhara o prêmio da Academia Brasileira de Letras com seu livro de poemas Magma.144

Voltaram a ter contatos aleatórios ao longo dos anos, particularmente durante 1956, quando Roberto Campos tornara diretor superintendente do BNDE, e Guimarães Rosa, nesse mesmo ano publicara as novelas de “Corpo de Baile”, a “4ª edição de Sagarana”, além do “Grande Sertão: Veredas”.145 A criação do BNDE pela lei nº 1.628, houvera sido em 20 de junho de 1952, sob a forma de autarquia federal. LACERDA, BOCCHI, REGO, BORGES e MARQUES, destacam em “Economia Brasileira”, o processo de criação deste:

A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952, financiado por intermédio

144 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 34. 145 Idem, p. 34. 89

de um adicional sobre o Imposto de Renda, foi fundamental para o financiamento de projetos de infraestrutura de transporte e energia e, posteriormente, de projetos de implantação industrial. Em 1953, foi tomada uma iniciativa também bastante importante para a continuidade do desenvolvimento industrial posterior: a Instrução 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que condicionava as importações aos interesses industriais, mediante o leilão de divisas com câmbio diferenciado conforme a essencialidade da importação. Os leilões passaram a representar uma importante fonte de arrecadação para o Estado, além de manter a política cambial de favorecimento às indústrias substitutivas de importações.146

Na estrutura então concebida para o BNDE, os poderes não estavam concentrados na presidência e sim na superintendência. Assim destaca Giambiagi e Villela:

Atribui-se a isso, o fato de que ministro Lafer, sob cuja égide se criara o banco, desejava acumular as funções de ministro da Fazenda e presidente do BNDE, o que certamente o inibiria no exercício de funções executivas num banco ainda em formação. Por isso os estatutos previam a concentração de poderes executivos em mãos do diretor-superintendente,147

Do grupo brasileiro que trabalhou na CMBEU, três foram destacados, para participar da fundação do BNDE. Ari Frederico Torres, como diretor superintendente, e Roberto Campos, como diretor econômico. Encarregado da organização do Departamento Econômico. Ao diretor Glycon de Paiva coube a organização do Departamento Técnico.

146 LACERDA, Antônio Corrêa de; BOCCHI, João Ildebrando; REGO, José Márcio; BORGES, Maria Angélica; MARQUES, Rosa Maria. Economia Brasileira.4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 122-123. 147 GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, Op., cit., p. 31. 90

Outro técnico do grupo, Lucas Lopes, passou a fazer parte do Conselho de Administração.148 A permanência no BNDE de Roberto Campos, bem como a de Glycon de Paiva, na fase inicial da instituição, não foi de longa duração. Pouco mais de um ano depois de instalado o BNDE, apresentaram em 22 de julho de 1953, uma carta conjunta de renúncia ao presidente Getúlio Vargas. Voltariam depois, ambos, ao BNDE. “Demiti-me ao tempo de Getúlio Vargas, porque entendi que ele ameaçava politizar o BNDE. [...] Demiti-me sob Goulart, quando senti que nada poderia fazer pra deter a “engenharia do caos”.149 Após a demissão, voltaria novamente aos Estados Unidos, dessa vez no consulado em Los Angeles, mas sua estadia não duraria muito, pois, no ano seguinte, em agosto de 1954, Glycon de Paiva, logo após a morte de Getúlio, foi convidado por Gudin, então ministro da fazenda, para presidir o BNDE, sendo Campos reconvocado, deixando o consulado em Los Angeles, em março de 1955. Campos, em seu discurso de posse como Diretor-Superintendente do BNDE, em 1955, proferiu as seguintes palavras:

Não posso furtar-me, entretanto, a um breve comentário sobre o que concebo ser a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Interpreto essa instituição como tendo uma missão catequética e uma missão promocional. A missão catequética se cifra em criar, ou contribuir para que se crie, uma filosofia de desenvolvimento econômico, baseada no entendimento da problemática do nosso desenvolvimento e na adoção de atitudes intelectuais e éticas a ele conducentes. A missão promocional consiste, num primeiro fôlego, em romper gargalos da nossa economia e, num segundo

148Ibidem, p. 192. 149 CAMPOS, Roberto de Oliveira. A técnica e o riso. Rio de Janeiro: APEC, 1966, p. 89. 91

passo, em criar pontos de germinação, através de um bem gerido esforço de investimentos.150

Com a saída de Roberto Campos e Glycon de Paiva, houve mudanças substanciais nos critérios de recrutamento por concurso, através de flexibilizações. Nos registros Campos declarou, “Encontramos nos gabinetes da presidência e da superintendência um grupo de secretárias de apreciáveis qualidades estéticas recrutadas sem concurso”.151 O sistema de concurso público de provas, no âmbito do BNDE, foi restabelecido, a partir de 1956, coadunando o preenchimento de cargos, com um regime de meritocracia. Um fato curioso desse período foi a ocasião em que Roberto Campos, se preparando para efetivar as nomeações dos aprovados nos concursos de economistas e engenheiros, recebeu uma notificação da secretaria do Conselho de Segurança Nacional de que alguns dos nomeados tinham antecedentes ideológicos duvidosos, como membros ou simpatizantes do Partido Comunista, o que era repugnante para os militares, e isso durante o período do governo JK. No registro para a história de Campos, o seguinte relato:

Entre os impugnados figuravam, lembro-me, os economistas Juvenal Osório Gomes (depois presidente da CSN) e Ignácio Rangel (que servira na assessoria do Catete sob o presidente Vargas) e o engenheiro Roberto Saturnino Braga, anos depois meu colega no Senado Federal e eleito, em 1984, prefeito do Rio de Janeiro. 152

150 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Economia, Planejamento e Nacionalismo. Rio de Janeiro: APEC, 1963, p. 157. 151 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 255. 152 Idem, p. 255. 92

Tais objeções não foram observadas, pois não havia previsão no edital, para tanto. Em sua autobiografia, A Lanterna na Popa, Roberto Campos destaca as fases que atravessou o BNDE:

O BNDE atravessou várias fases. Entre 1952 e 1956 foi o banco da infraestrutura. A partir de 1956, tornou-se o banco do Plano de Metas, com importante função na expansão industrial. A partir de 1965 diversificou seu leque de atividades, passando a usar a intermediação de bancos privados para o repasse de fundos especiais, como o Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais (FINAME) e o Financiamento para Pequenas e Médias Empresas (FIPEME). No período Geisel tornou-se o banco da substituição de importações em resposta á crise de petróleo. No governo Figueiredo, pelo decreto-lei nº. 1.940, de 25 de maio de 1982, foi encarregado da administração do Finsocial, passando a chamar-se BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Subsequentemente, dedicou-se a programas de modernização e reestruturação industrial. No governo Collor, tornar-se-ia o banco das privatizações.153

As decisões sobre prioridades de investimento, na fase inicial do BNDE, eram de certa forma, pré-determinadas, o país estava consolidando seu processo de crescimento industrial, eis que a instituição surge para o fomento dos grandes projetos de infraestrutura para guarnecer o parque industrial crescente. A CMBEU havia formulado os seguintes critérios para os projetos:

deveriam ser direcionados para a eliminação de gargalos, visando a criar condições básicas de crescimento econômico; b) deveriam complementar, antes que substituir, investimentos privados; c) deveriam ser susceptíveis de implementação razoavelmente rápida; d)

153 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 261. 93

deveriam ser financiados por meios não-inflacionários. Era o que se convencionou chamar de ‘’teoria dos pontos de estrangulamento’’, que orientou as atividades do BNDE, durante quase uma década.154

Na segunda fase do BNDE, dominado pela preparação e implementação do Plano de Metas, do governo Kubitscheck, os critérios foram refinados para levar em conta os “pontos de germinação”, ou seja, as repercussões do investimento para adiante e para trás da cadeia produtiva.155 Durante o governo de Castello Branco, o banco estatal utilizou- se de bancos privados como intermediários, para repasse de fundos especiais, como o Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais (FINAME) e o Financiamento para Pequenas e Médias Empresas (FIPEME), com isso, não só as grandes empresas de infraestrutura puderam usufruir do capital, mas pequenas e médias empresas, diversificando o leque de atuação na economia. Essa diversificação de investimentos do BNDE atingiu seu ápice em 1982, no governo Figueiredo, passando a chamar-se BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, como administrador do FINSOCIAL (Fundo de Investimento Social). Ao fim de seu mandato como Diretor-Superintendente do BNDE, em 1959, fez uma reflexão sobre a atuação do banco, em seu discurso de despedida, conforme transcrevemos abaixo,

Em sua navegação pelo conturbado mar da política brasileira, logrou o BNDE escapar ao tríplice escolho em que não raro se machucam e espedaçam as nossas empresas do Estado: a politização, o empreguismo e a descontinuidade. O seu funcionalismo, recrutado por

154 GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André. Op., cit., p. 33. 155 CAMPOS, Roberto. Op., cit., p. 257. 94

concurso, alcançou respeitável nível técnico, e o caráter colegiado dos órgãos do comando reduz a insignificante nível o personalismo das decisões, ao mesmo tempo que assegurou a continuidade de métodos e programas. [...] não se desviou o banco de nenhum dos seus objetivos fundamentais, não sacrificou a prioridade ingrata pelo marginal proveitoso, não perfilhou soluções irracionais, por amor à popularidade. Mas todas, ou quase todas as atividade básicas do país devem-lhe algo, seja a título de empréstimo, seja de aval, seja de assistência técnica.156

Depreende-se, portanto, que Roberto Campos reconhece êxito na atuação do BNDE, nesse período, sobretudo na manutenção dessa instituição sem a prevalência de relações pautadas na politização dos cargos do banco, tendo em vista a adoção de concurso público para preenchimento de vagas. Outro ponto que ele destacou foi a necessidade da continuidade na metodologia de trabalho, independentemente de governo, demonstrando desejar independência na atuação do banco. Terminado essas observações, os espinhos na autocrítica de Roberto Campos:

Como presidente do BNDE, acredito que, em três pontos principais, os resultados ficaram aquém dos objetivos. Se assim ocorreu, sementes foram lançadas, pelo menos em dois casos, que espero de futuro frutifiquem. O primeiro, foi não dar adequada divulgação à obra do Banco, deixando de esclarecer suficientemente a opinião pública que, em boa parcela, tem subestimado os méritos da instituição, quando não passou ao julgamento injusto. [...] O segundo, foi não ter excogitado um sistema adequado e auxílio á pequena e média indústria. A refinada elaboração técnica e o processamento meticuloso exigido para os projetos do BNDE tornaram-se muito mais acessível à grande indústria que ao pequeno empresário, se bem que vários pequenos empreendimentos tenham sido beneficiados.

156 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Op., cit., p. 256. 95

[...] O terceiro foi a insuficiente contribuição dada à solução do fundamental problema de melhoria da produtividade agrícola. De várias maneiras, diretas e indiretas, auxiliou o BNDE as atividades agropecuárias, disso são exemplos os investimentos e silos, armazéns e frigoríficos, o financiamento da venda de tratores, através dos créditos obtidos no exterior, e as inversões na indústria de fertilizantes.157

No mesmo discurso em que ele ressaltou seus êxitos no comando do BNDE, reconheceu alguns pontos em que os resultados não foram os esperados, segundo sua visão. A publicidade da atuação do banco, o não financiamento a contento das pequenas e médias indústrias, e por fim, certa omissão no financiamento da agricultura.

2.3 Roberto Campos no governo e o Plano de Metas

Depois de eleito, Roberto Campos começou a trabalhar com Juscelino Kubitschek, enquanto perduraram as afinidades ideológicas entre ambos, conforme ele mesmo destaca “Demiti-me ao tempo de Juscelino, quando o vi embarcar numa política que levaria à interrupção do desenvolvimento, pela aceleração da inflação e pela insolvência cambial”.158 A falta de afinidade parece que estava adstrita tão somente a questões profissionais, pois Campos parecia cultivar certa admiração em relação a Juscelino Kubitschek. Desse modo, ele relata, “Quem quiser ser inimigo de Juscelino deve ficar pelo menos a seis léguas de distância. O homem é uma pilha de simpatia humana, disse-me San Tiago Dantas’’159, assim expressava o carisma inerente do ex-presidente.

157 CAMPOS, Roberto de Oliveira. Op., cit., p. 257-258. 158 Idem, p. 261 159 Ibidem, p. 255. 96

Sua relação profissional com o futuro governo de Juscelino encontrou a gênese numa reunião, para a qual Roberto Campos fora convidado, no apartamento de Augusto Frederico Schmidt, no Rio de Janeiro, então capital da República, ocasião que também estava presente Lucas Lopes, Havia, por parte de Juscelino Kubitschek, um desejo de que o Itamaraty colaborasse na organização da viagem de presidente eleito, para o exterior. A comitiva trataria, sobremaneira, de questões econômicas, para tanto, era imprescindível a participação de Roberto Campos, nome que não tinha a simpatia de Schmidt, visto os embates de ambos, é que esse opunha à reforma cambial, e às políticas anti-inflacionárias propostas por Campos:160

Schmidt era extremamente ciumento de seu relacionamento especial com Juscelino. Lembro-me da irritação com que, certa vez, me telefonou. É que Juscelino me havia pedido para preparar o texto de um discurso sobre tema econômico. Fiz uma minuta assaz ascética, indo direto à matéria. Ao lê-la, Juscelino disse: Precisamos adicionar a este seu estilo seco algumas borboletagens do Schmidt. 161

Na delegação, Roberto Campos teria o encargo da logística econômica, preparando documentos de trabalho sobre cada um dos países a serem visitados, destacando dados gerais, econômicos e políticos sobre cada país do roteiro. Campos relatou sua atribuição nessa tarefa:

Fazer briefings econômicos para Juscelino não era tarefa fácil. Impacientava-se com as minudências sobre balança comercial e contenciosos de investimentos. Eu não perdia oportunidade para vender minhas teorias sobre o combate à inflação e a necessidade de uma reforma

160 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 275. 161 Idem, p. 275. 97

cambial (liberação da taxa) para estimular exportações. Juscelino reagia instintivamente a ambas as teses. Em matéria de câmbio, Schmidt e Alkmin haviam-no intoxicado com a ideia de que ‘’reforma cambial derruba governo’’. Nunca consegui persuadi-lo de minhas teses senão por curto intervalo. As dúvidas logo voltariam.162

Cada vez mais a influência de Roberto Campos ascendia enquanto economista, suas concepções acerca da economia brasileira já se delineavam no sentido do combate à inflação e a necessidade de uma reforma cambial (liberação da taxa) para estimular exportações, ou seja, sua visão cosmopolita do mundo inseria o Brasil no panteão de países com diversificada pauta de exportação, essa preempção pela política de exportação era a refutação do protecionismo, um dos ‘’ismos’’, que ele tanto combateu. Dimana, entretanto, que Juscelino não aceitava essas concepções, a contento, fato que foi distanciando Campos do governo, não obstante ter ficado por mais de 03 (três) anos no governo. Ainda durante a fase de presidente eleito, não exercendo de fato o cargo, Kubitschek planejava visitar a Inglaterra, mas segundo Campos, ameaçava cancelar a visita se não pudesse avistar-se com a rainha Elizabeth II.163 A rainha se encontrava no Castelo de Balmoral, na Escócia. A programação teve de ser alterada drasticamente, quando, finalmente, o encarregado de negócios da Grã-Bretanha visitou Juscelino para comunicar- lhe que a rainha viria especialmente a Londres para recebê-lo.164 Roberto Campos havia preparado um documento para a viagem, com uma análise da situação e um plano de ação. A delegação de Kubitschek visitou os Estados Unidos também, numa viagem que durou quatro dias. Dali partiu para uma jornada pela Europa, passando pela

162 Ibidem, p. 277. 163 Ibidem, p. 278. 164 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 278. 98

Holanda, Inglaterra, Luxemburgo, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Vaticano, Espanha e Portugal. A intenção do presidente eleito era promover a abertura do Brasil para o mundo, sobretudo para os investidores estrangeiros. O Plano de Metas que abarcava vários setores, como indústria automobilística, aço, construção naval, e mecânica pesada, dependeria, segundo a visão da época, fundamentalmente da indução de capitais estrangeiros.165 Na chegada à Roma, Juscelino Kubitschek foi recebido pelo embaixador Alves de Souza, tendo se hospedado na embaixada do Brasil, no palácio Doria Pamphili, situado na famosa Praça Navona.166 Essa era a primeira visita à Itália de Roberto Campos, de modo que ele destacou a importância do momento: “Como ex-seminarista, bastante versador em história sacra e razoável latinista, os museus do Vaticano apresentavam para mim interesse cultural e emotivo.”167 De volta ao Brasil, no dia seguinte à posse de Juscelino, o novo presidente foi apresentado ao vice-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, que se encontrava em solo brasileiro, para a cerimônia. O Brasil era tido naquele momento como país de “terceiro mundo”, termo explicado por Campos:

A expressão Terceiro Mundo esteve em voga por cerca de três décadas. Formou-se mesmo uma doutrina, o terceiro- mundismo, que chegou a influenciar nossa política externa. Era um misto de anti-capitalismo e antiamericanismo. Os países pobres, dizia-se, tinham na raiz de sua pobreza a espoliação imperialista ea exploração capitalista. Nessa visão, mais simplória que simplista, haveria três mundos. O primeiro mundo era tripulado pelos países industrializados e ricos. Seus

165 Idem, p. 286. 166 Ibidem, p. 286. 167 Ibidem, p. 290. 99

governos aderiam, no essencial, à economia de mercado. [...] usava-se a expressão Segundo Mundo para descrever os países praticantes de variadas formas de marxismo- leninismo. [...] quem não coubesse nessas duas definições era lançado na vala comum do Terceiro Mundo.168

Com efeito, Nixon foi convidado por Kubitschek para visitar, no dia seguinte, a usina de Volta Redonda. Compôs a delegação, além dos dois, Lucas Lopes e Roberto Campos, este assumindo a função de intérprete, além de oficial de ligação da missão visitante com a equipe econômica do novo governo. Roberto Campos teve grande influência na criação do nome do principal programa de governo de Juscelino. Partiu dele, a sugestão de “Programa de Metas”. Segundo Campos: “Juscelino, como previra Lucas Lopes, preferia a palavra “plano”, mais concreta à palavra “programa”, que lhe soava demasiado tímida e genérica”.169 O Plano de Metas foi desenvolvido em sua parte industrial com grande aporte de capital externo, através da implantação de várias indústrias como a automobilística, a petroquímica e a da construção naval. Isto é, o alinhamento entre Brasil e Estados Unidos, que anos antes ganhava corpo com o CMBEU, ganhou novel força com o Plano de Metas, o qual teve como um dos principais escultores Roberto Campos, tanto no CMBEU quanto no Plano de Metas a assinatura dele esteve presente. Corroborou, para esse alinhamento entre os países supracitados, a Instrução nº. 113. GREMAUD, SAES e TONETO JÚNIOR se debruçam sobre o tema,

Acusada de representar uma desvantagem para as empresas nacionais, a Instrução nº. 113 veio a representar

168 CAMPOS, Roberto. O século esquisito. Rio de Janeiro. Topbooks, 1990, p. 82. 169 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 268. 100

contribuição fundamental para o surto industrial do período Kubitschek. Indiretamente, trouxe grande impulso ao desenvolvimento da própria indústria nacional, pois que abriu oportunidades para inúmeras empresas atuarem como fornecedores de peças ou provedoras de serviços. A indústria automobilística, por exemplo, dificilmente teria surgido com a velocidade com que surgiu, não fora a combinação de abertura de capitais de risco e a sistemática de importação sem cobertura cambial da Instrução nº 113.170

O plano de metas foi talvez, a principal contribuição de Roberto Campos, como economista, no governo de Juscelino, um dos aspectos abordados no plano, era a necessidade de investimentos em infraestrutura, sobretudo nas áreas de energia e transporte, o chamado ponto de estrangulamento. Campos abordou os seguintes pontos de estrangulamentos:

Como se pode identificar a existência de pontos de estrangulamento? Sua constatação é fácil para o industrial que hoje procura obter transporte para suas matérias- primas, ou instalar uma fábrica que dependa de energia elétrica, mas não é tão óbvia para quem simplesmente perscruta dados estatísticos. Agricultura, transporte, indústria manufatureira e eletricidade. [...] identificada a existência de gargalos, urge perquirir as suas consequências. Uma consequência óbvia é a baixa global de produtividade da economia. O ponto é meridiano e dispensa maiores comentários, bastando lembrar, por exemplo, a existência do racionamento para consumo industrial de energia. [...] uma segunda consequência, esta menos óbvia, mas tecnicamente importante, é um crescente divórcio entre o que no jargão técnico, se denomina, o “produto marginal social” e o “produto marginal privado”.171

170 GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flávio Azevedo Marques; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Op., cit., p. 133. 171 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 173. 101

No tocante às divergências entre o plano e sua concepção interior do plano, foi a construção de Brasília, considerando uma “meta faraônica’’. Para ele não era necessária a construção da cidade, para ocupação do vasto Centro-Oeste, pois este mesmo objetivo poderia ter sido conseguido se recursos equivalentes fossem aplicados na construção de rodovias e na sua produção de energia, que permitissem o desenvolvimento mineral e agropecuário da região.172 No próximo tópico, serão demonstradas ações que tiveram a insígnia de Roberto Campos, enquanto ministro do planejamento, no governo Castello Branco, com influência ainda maior nos destinos econômicos do Brasil, sendo que algumas dessas ações vigoram até os dias atuais, considerados importantes legados às gerações que sucederam à fase de implementação dessas ações, servindo esse trabalho, como registro importante empresta a perenidade destes.

2.4 A chegada de Castello Branco à presidência da república, Roberto Campos no governo como Ministro do Planejamento, sua relação com a ditadura militar, as diversas reformas e sua contribuição ao Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG)

Para compreender a chegada de Castello Branco ao cargo de presidente da República, é necessário compreender que o golpe de 64 foi um processo que explodiu a partir do cenário político global, num contexto de guerra fria. Boris Fausto expôs sua percepção sobre o período do governo João Goulart:

172 Idem, p. 313. 102

Com a eleição de João Goulart, houve na sociedade um avanço dos movimentos sociais e o surgimento de novos atores. Os setores esquecidos do campo, verdadeiros órfãos da política populista, começaram a se mobilizar. [...] o movimento rural mais importante do período foi o das Ligas Camponesas, propondo entre outros pontos defender os camponeses contra a expulsão da terra, a elevação do preço dos arrendamentos. [...] Cresceu também no governo Jango, a mobilização de outros setores da sociedade. Os estudantes, através da UNE, radicalizaram suas propostas de transformação social e passaram a intervir diretamente no jogo político. [...] ocorreram ainda mudanças importantes no comportamento da igreja Católica. A partir da década de 1950, muitos e seus integrantes começaram a se preocupar, antes de tudo, com as camadas populares que constituíam a base social. Além disso, as reformas de base incluíam medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica. No plano dos direitos políticos, sustentava-se a necessidade de estender o direito de voto a dois setores diversos, os analfabetos e os inferiores das forças armadas. É fácil perceber que as reformas de base não se destinavam a implantar uma sociedade socialista. Eram apenas uma tentativa de modernizar o capitalismo e reduzir as profundas desigualdades sociais do país. [...] enquanto ocorria o realinhamento nos meios civis, verificou-se uma mudança da maior importância nas Forças Armadas. Na medida em que o governo Goulart se radicalizava e se instabilizava, firmou-se nos círculos associados da ESG (Escola Superior de Guerra), IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais) e IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática, a convicção de que só um movimento armado poria fim à anarquia populista, contendo o avanço do comunismo. [...] Jango começou a governar com poderes restringidos pelos sistema parlamentarista.173

Roberto Campos se mostrou grande um crítico do governo Goulart, e para ele, o deflagrador da crise política fora o “populismo estatizante” e “esquerdista” do presidente. Sua divergência com o que

173 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 443-456. 103

chamava de “populismo”, consubstanciava desde Getúlio Vargas, chegando aos anos 90, onde ele invoca como representantes do populismo, as figuras de Lula e Brizola.

Foi entronizado em nossa Constituição, que é um hino à preguiça. [...] Entre nós, Lula e Brizola aceitam a livre iniciativa sob a condição de que não seja livre. Este último distribui aos empresários, carícias de gato. Na esperança de que os patetas o financiem. Fá-lo-ão!... Alimentam o jacaré na esperança de não serem comidos.174

O que pode depreender é que Roberto teve influência em vários governos, submetendo-se a embates ideológicos com aqueles que tinham uma posição diversa da sua, ao passo que conquistava seguidores, isso se protraiu nos governos Getúlio Vargas, Café Filho, Castello Branco, Costa E Silva, Médici, Ernesto Geisel, João Batista Figueiredo, José Sarney, Fernando Collor E Fernando Henrique Cardoso. Segundo Campos, “Jango não tinha mandato legítimo para promover mudanças radicais no país”.175Ao estudar a sociedade e a população brasileira nos 60, Klein e Luna observaram o seguinte:

Em 1960, o Brasil era ainda uma sociedade predominantemente rural, com altas taxas de mortalidade e de natalidade e perfil demográfico pré-moderno, tradicional. A população era jovem e, em sua maioria, analfabeta. O índice de mortalidade infantil durante o primeiro ano de vida era extremamente elevado e muitas crianças morriam antes de atingir o quinto ano, na maior parte da vezes devido a doenças provocadas pela contaminação da água, que há muito se havia reduzido como agente de mortalidade nas nações industriais mais desenvolvidas daquele período. Apesar de já existirem

174 CAMPOS, Roberto. O exorcismo dos “ismos”. In: CAMPOS, Roberto. O século esquisito. Rio de Janeiro. Topbooks, 1990, p. 92-94. 175 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 573. 104

alguns – poucos – centros urbanos modernos e de grande porte, a maioria da população vivia na zona rural, em moradias precárias, sem água potável nem saneamento básico. A maioria dos brasileiros não tinha acesso a instalações médicas modernas. O Brasil era um país dividido não apenas entre uma minoria urbana moderna e uma maioria rural tradicional, mas também apresentava diferenças profundas por região, classe social e raça.176

E continuaram,

O golpe que instaurou a ditadura em 1964 exprimiu uma heterogênea aliança, reunindo líderes políticos, empresariais e religiosos, civis e militares, elites sociais e segmentos populares. [...] Muita gente tinha medo. Haveria guerra civil? O país viraria uma imensa Cuba, dominada pelos comunistas? O catolicismo seria perseguido? As forças Armadas sobreviveriam? As hierarquias tradicionais nos campos do saber e do poder seriam respeitadas? As direitas trabalharam com eficácia estes medos. Não os inventaram, mas souberam explorá- los, exagerando-os. O medo de um processo convulsivo acionou os mais destemidos – a minoria de golpistas que passou à ação – e paralisou as grandes maiorias, mesmo as que tinham alguma simpatia ou não eram hostis a Jango. Em grande medida, este fato explica a vitória, sem luta, dos golpistas. [...] A eleição do general Castello Branco representou esta síntese. Chefe do Estado-Maior do Exército, nomeado por Jango, militar civilista, na tradição das Forças Armadas brasileiras, veterano da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, angariou apoios majoritários no Parlamento. Fez-se presidente da República, em eleições indiretas, em 11 de abril de 1964, com apoio dos militares e do Parlamento: teve 361 votos contra apenas três (72 abstenções). A esta altura, os parlamentares de esquerda mais atuantes já tinham sido afastados da vida pública, os mandatos cassados, e os direitos políticos suspensos por dez anos, mas foi expressiva a votação de Castello Branco, inclusive porque

176 KLEIN, Herbert S; LUNA, Francisco Vidal. População e Sociedade. In Modernização, Ditadura e Democracia: 1964-2010. Coordenação Daniel Aarão Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 31. 105

contou com o apoio da maioria do PSD e, em particular, de JK.177

O golpe de 64 foi alimentado por setores da sociedade que temiam a possibilidade de o Brasil vir a ser um país comunista, com a deflagração de uma guerra civil. No plano internacional o socialismo ampliava sua influência no globo, sob a vanguarda da URSS. O Golpe Militar de 1964 interrompeu um ciclo de democracia no Brasil, que permanecia desde o fim do Estado Novo e a promulgação da Constituição de 1946. Holanda se pronunciou acerca dos curtos períodos de democracia no Brasil, parecendo prever a forma de atuação da política brasileira, “A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal- entendido,”178 e que foi confirmado com o golpe de 1964 e com as constantes instabilidades trazidas pela fragilidade política. Na visão de Campos o governo Castello Branco reformou de forma impactante, no plano econômico e financeiro, quer no tocante a atitudes, quer no tocante a instituições, de acordo com o que registrou:

No plano social houve a preocupação de se formular uma política salarial compatível com o combate à inflação e, ao mesmo tempo, promover uma estratégia social através do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, do Banco Nacional de Habitação e do Estatuto da Terra. No campo político, cuidou-se da reforma eleitoral e da reestruturação partidária, assim como da reconstitucionalização do pais. No plano administrativo houve uma tríplice preocupação, a restauração da moralidade administrativa, a modernização dos instrumentos burocráticos e a implantação de técnicas de planejamento.179

177 KLEIN, Herbert S; LUNA, Francisco Vidal. População e Sociedade. In Modernização, Ditadura e Democracia: 1964-2010. Coordenação Daniel Aarão Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 33. 178 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op., cit., p. 18. 179 CAMPOS, Roberto. Op., cit., p. 574. 106

Na medida em que ia colecionando inimigos políticos, ia arregimentando amigos da arte, tornou-se amigo de Nelson Rodrigues, dramaturgo brasileiro, que carrega o espírito da época, tendo sido apresentado por seu cunhado Nelson Tamberllini, segundo registrou:

Aproximei-me bastante de Nelson Rodrigues, talvez o melhor fazedor de frases que já conheci. Nelson já tinha uma vasta e criativa bagagem, como controvertido dramaturgo. Já havia talvez transposto sua fase mais criativa que começara em 1941, com a peça A mulher sem pecado, seguido de sua verdadeira obra prima O vestido de noiva, de 1943. Quando o conheci, em 1964, suas últimas peças tinham sido Beijo no asfalto, de 1960, e ou Bonitinha mas ordinária, de 1962. Estava trabalhando numa de suas obras-primas. Toda nudez será castigada. Nelson transferia para personagens estranhas sua própria safra de tragédias pessoais. Tivera-as abundantes. A morte dos pais, Mário Rodrigues; o assassinato do irmão Roberto, o nascimento de uma filha cega e sua própria condição física de tuberculoso intermitente.180

Com eles Roberto Campos disse ter adquirido o hábito de, no final da tarde, tomar algum aperitivo para suavizar o trabalho do Ministério do Planejamento. O Ministério do Planejamento, recém-criado nesse período, não tinha uma estrutura física própria. Ele relata que teve dificuldades para escolher o chefe de gabinete, cogitou sobremaneira, o nome de Eliezer Batista, que tinha sido presidente da Vale do Rio Doce e ministro de Minas e Energia durante pouco tempo, no governo parlamentarista de João Goulart, não chegando a efetuar a nomeação,

180 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 146. 107

escolhendo em seu lugar, um funcionário do Ministério da Fazenda, Sebastião Sant’Ana e Silva.181 Portanto, no governo Castello Branco, foram implementadas, com a participação de Roberto Campos, diversas medidas institucionais, com o escopo de modernizar o Brasil. Foi àquela época promulgado o novo Código Tributário Nacional, a lei de mercado de capitais, criado o Banco Central, e o Banco Nacional de Habitação, produzido o estatuto da terra, e o FGTS, além da reforma administrativa.182 Cuidou diretamente da criação do Programa de Ação Econômica e Governamental (PAEG) entre abril e agosto de 1964. Além de Octávio Bulhões, colaboraram nesse trabalho, Bulhões Pedreira e Mário Henrique Simonsen. Campos esmiuçou o processo de elaboração do PAEG,

O PAEG foi elaborado pelo então recém-criado Ministério do Planejamento e da Coordenação Econômica. A equipe econômica do governo do marechal Castelo Branco era liderada por Roberto Campos, ministro do Planejamento, e por Octávio Gouvea de Bulhões, ministro da Fazenda. Esse plano de estabilização conseguiu reduzir a taxa de inflação de 90%, em 1964, para menos de 30%, em 1967, invertendo a tendência inflacionária que existia desde o final dos anos 1930. Entretanto, o aspecto mais importante do PAEG foi o conjunto de transformações institucionais impostas ao país, consubstanciadas nas reformas bancária e tributária e na centralização (autoritária) do poder político e econômico. O autoritarismo permitiu ao governo militar executar uma política econômica de garantia dos investimentos, estimulando ainda mais o processo de oligopolização. O PAEG mantinha os objetivos básicos dos discursos desenvolvimentistas: retomada do desenvolvimento, via aumentos dos investimentos; estabilidade de preços; atenuação dos desequilíbrios regionais; e correção dos déficits do balanço de pagamentos, que periodicamente

181 Idem, p, 572. 182 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 172. 108

ameaçavam a continuidade de todo o processo. As prioridades imediatas eram, internamente, o controle da inflação e, externamente, a normalização das relações com os organismos financeiros internacionais.183

No período que antecedeu o governo Castello Branco, Roberto Campos sugeriu a empresários paulistas a criação de uma associação de pesquisas que pudesse fazer uma avaliação permanente das políticas econômicas do governo Goulart, além de formular cenários alternativos e análises de conjuntura econômica. Desse modo foi que surgiu a Associação Nacional de Planejamento Econômico e Social (ANPES), presidida pelo empresário, Teodoro Quartim Barbosa, tendo como diretor técnico o economista Mário Henrique Simonsen. A ANPES parece ter se transformado no estágio necessário para a compreensão do privado- público-privado de três importantes ministros brasileiros – Roberto Campos, Delfim Netto e Mario Henrique Simonsen. Em sua fase inicial, na segunda metade dos anos 60, a carreira de Delfim Netto esteve ligada ao Ministério do Planejamento. Foi Campos quem o indicou para o Conselho Nacional de Economia e para o Conselho de Planejamento (CONSPLAN). Foi com Costa e Silva, no comando do governo brasileiro, que Delfim tornou-se Ministro da Fazenda.184 Destacavam-se à época os economistas, Mario Henrique Simonsen e Delfim Netto, o primeiro com um perfil bastante acadêmico, e o segundo com um perfil mais próximo das ciências sociais aplicadas. Campos descreveu em, “A Lanterna na Popa”, os objetivos e os instrumentos do PAEG:

183 Idem, p. 165. 184 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 728. 109

Os cinco objetivos enunciados eram rituais e clássicos, no sentido de que haviam norteado vários esforços anteriores de planejamento. Eles seriam: a) acelerar o crescimento e desenvolvimento econômico do país, interrompido no biênio 1961-63; b) conter progressivamente o processo inflacionário durante 1964 e 65, objetivando-se um razoável equilíbrio dos preços a partir de 1966; c) atenuar os desníveis econômicos setoriais e regionais e as tensões criadas pelos desequilíbrios sociais, mediante a melhoria das condições de vida; d) assegura, pela política de investimentos, oportunidades de emprego produtivo à mão-de-obra que continuamente aflui ao mercado de trabalho; e) corrigir a tendência a déficits descontrolados do balança de pagamento, que ameaçam a continuidade do processo de desenvolvimento econômico pelo estrangulamento periódico da capacidade para importar.185

Basicamente, o PAEG distinguia-se das recomendações do FMI:

Em primeiro lugar, este julgava necessário um tratamento de choque, por acreditar que a abordagem gradual permitiria a formação de resistência políticas, que acabariam comprometendo o plano. Na estratégia gradualista, previam-se três fases de ajustamento: a fase de inflação corretiva, a fase da desinflação e a fase de estabilidade de preços. Em segundo lugar, o FMI não aceitava a ideia da correção monetária, que o ministro Bulhões e Roberto Campos consideravam necessária, precisamente em decorrência da adoção de uma estratégia gradualista. Enquanto a inflação não fosse debelada, seria necessário um mecanismo de indexação, com quatro objetivos: a) preservar o estimulo à poupança; b) atualizar pelo seu valor real os ativos da empresas; c) desencorajar a protelação dos débitos fiscais e d)finalmente criar um mercado voluntário de títulos públicos. Uma terceira divergência com o FMI era que o ministro Bulhões e Campos relutavam em aceitar metas quantitativas estritas, quer no tocante à taxa de inflação, quer ao déficit público.186

185 CAMPOS, Roberto. Op., cit., p. 622. 186 Idem, p. 622. 110

Quando da sua criação, o PAEG fora alvo de duras críticas, recorrentemente manifestadas por Carlos Lacerda, e de objeções do professor Eugênio Gudin, sendo que estas tinham um caráter mais técnico, enquanto aquelas detinham um caráter mais político. Campos parece ter tido uma relação conturbada com Lacerda, embora tivesse por ele admiração, e reconhecia-o como um dos maiores comunicadores do país. Em sua obra A Lanterna na Popa, descreve que teve três conversas pessoais com Carlos Lacerda, duas merecendo maior destaque:187

A primeira foi em 1948, quando ele estava em Nova York, como jornalista, para cobrir a eleição do presidente Truman a pedido do Correio da Manhã. Gilberto amado convidou-nos para um drinque no hotel Sherry Netherlands. Descontraído, irônico e engraçado. Lacerda não nos deu a impressão de que, frente à máquina de escrever, ou a um microfone, pudesse se tornar possesso, com a ferocidade de um gladiador e a ira de um profeta.188

Roberto Campos, quando embaixador em Washington, ofereceu uma recepção na embaixada, para a qual convidou personalidades burocráticas e políticas. Era março de 1962. Lacerda visitava Washington, como governador do estado da Guanabara, para assinar com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um acordo de empréstimo de 45 milhões de dólares.189 Campos assim se pronunciou,

Acompanhei-o na visita ao presidente Kennedy. Fomos introduzidos no salão Oval por Richard Goodwin, assessor e em várias ocasiões ghostwriter de Kennedy. Com inoportuno sense of humour, goodwin apresentou-o a Kennedy dizendo que se tratava de formidável

187 Ibidem, p. 817. 188 Ibidem, p. 178. 189 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 818. 111

personalidade política pois, sob o vigor de suas campanhas dois presidentes haviam renunciado e um cometido suicídio. Kennedy pilheriou: bem, parece-me que o senhor é um homem perigoso, mas eu não tenho medo porque nossas instituições políticas são muito estáveis.190

Lacerda foi também, um ferrenho crítico da solução proposta pelo BNDE, em relação a um empreendimento na Bolívia, com a participação da Petrobrás. Nesse período, Campos estava à frente da estatal. Esse empreendimento gerou uma reação nacionalista por parte de Lacerda, além da mobilização estudantil, na chamada campanha “O petróleo é nosso”. De maneira semelhante se opôs ao Estatuto da Terra, proposto no governo Castello Branco. Para ele, a Reforma Agrária desorganizaria a produção agrícola, e constituía uma falsa solução para um falso problema. Era utópico, dizia ele, procurar reter as populações no campo, pois que a mecanização da agricultura e a urbanização eram tendências mundiais. Roberto Campos por quase uma década era o alvo preferido de três excepcionais comunicadores da história brasileira, Carlos Lacerda, Leonel Brizola e .191 Na autobiografia falada de Lacerda, que cobre um espaço de cerca de 30 anos, Lacerda cita Campos nada mais nada menos de 25 vezes. São agraciados apenas Getúlio Vargas (100) vezes, Castello Branco (79), Kubitschek (75), Goulart (72), Jânio Quadros (54), Eduardo Gomes (34) e o presidente Dutra (33):192

Parte da explicação, sem dúvida, deriva de que sussurrava à época que era a intenção de Castello preparar-me como seu eventual sucessor. Essa versão, por exemplo, é

190 Idem, p. 829. 191 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 818. 192 Idem, p. 833. 112

acolhida por Drault Ernnany em sua autobiografia, Meninos eu vi. Anos depois soube, por amigos comuns, que Lacerda revira suas posições a meu respeito. Em 1976, numa de minhas visitas ao Rio, quando embaixador em Londres, fui visitar Di Cavalcanti. Com extraordinária bizarria, Lacerda disse ao Di que eu tinha estragado a Revolução, mas que era ‘’sério e competente’’. 193

Lacerda descrevia o PAEG como um código de intervencionismo e dirigismo estatal, aplicado a uma economia socializante sem ser socialista, com um palavreado liberal e atos intervencionistas.194 O PAEG teve três fases de implantação, visando traçar as premissas básicas para implantação do programa, além da criação de um conselho de planejamento, além de um plano de longo prazo, que seria uma espécie de legado para as gerações futuras. Para Mantone.

No primeiro estágio de implantação do PAEG, que seria nitidamente um programa de emergência, foi feito um diagnóstico e uma declaração de política geral, desenvolvendo-se um simples programa de coordenação das atividades governamentais no domínio econômico. Os dados quantitativos globais foram utilizados a título meramente indicativo. Seria, em outras palavras, uma estratégia de desenvolvimento e um programa de ação para os dois anos (1965/1966). [...] No segundo estágio, iniciado em 02 de fevereiro de 1965, pelo Decreto nº 55.722, se criou o Consplan, Conselho de Planejamento, um mecanismo participativo baseado na consulta a setores e grupos de interesse, os quais passariam a fazer contínuas avaliações críticas do processo de implementação. [...] O terceiro estágio foi a preparação de um ‘’plano decenal’’ a título de contribuição para a continuidade de planificação nos governos seguintes. Isso incluiu uma estratégia de longo prazo de desenvolvimento, assim

193 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 838. 194 MANTONE, Celso L. Planejamento no Brasil.6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 72. 113

como o desenvolvimento de vários planos setoriais, era a concepção de um plano de estado e não um plano de governo. Esse plano foi abandonado no governo Costa e Silva.195

Uma vez caracterizada a inflação como uma das causas mais importantes na explicação das baixas taxas de crescimento do período 1962-1964, o PAEG procurou formular uma interpretação do processo inflacionário brasileiro. Inicialmente, o plano reconheceu a origem histórica do processo no aumento de custo derivado da substituição de importações. Na medida em que um produto antes importado passava a ter produção doméstica e existia uma política deliberada de industrialização, criaram-se barreiras alfandegárias para proteção do produto nacional, ainda que essa produção implicasse inicialmente em custos maiores para o consumidor do que os do similar importado. Dentro de um processo contínuo de substituição de importações, em que a cada ano vários produtos poderiam ser substituídos, a elevação dos custos internos deveria provocar uma taxa substancial de elevação de preços.196 No que se refere à distribuição funcional da renda, o plano postulava a manutenção da participação do trabalho (cerca de 65%, em 1960), no produto à custo de fatores, meta que seria cumprida através de uma adequada política salarial. Além disso, previu o aumento da parcela do produto, a preços de mercado, destinado ao Governo sob forma de tributação indireta, tendo em vista a necessidade propalada do saneamento das finanças federais. Tratava-se aqui de uma alteração do tipo de financiamento do dispêndio do Governo, em vez de o Governo gerar um déficit em seu orçamento e cobri-lo com emissões de papel-moeda,

195 MANTONE, Celso L. Planejamento no Brasil.6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 72- 74. 196 MANTONE, Celso L. Op., cit., p. 72. 114

aumentava a carga tributária na proporção do déficit previsto. A implicação imediata dessa política era a diminuição da participação dos demais fatores, exceto trabalho, na renda, pelo menos em médio prazo.197 É nítida a presença de Roberto Campos ao longo dos anos nos meandros do poder, através dos cargos públicos que ocupou. A política e os políticos sempre estiveram muito próximos de si, fazendo despertar nele a vontade de disputar um cargo eletivo, algo que viria com na eleição para Senador, nos anos 80. Ao longo de sua trajetória ocupou diversos cargos, não ficando adstrito a um só campo de atuação, de modo a se constatar que não viveu da política, mas para a manutenção de uma forma de fazer política, parecendo acreditar que auxiliava na transformação requerida. Embora um pouco distante da acepção clássica de Weber, vale trazer o pensamento sobre política weberiano que diz:

Há duas maneiras de fazer política. Ou se vive “para” a política ou se vive “da” política. Nessa oposição não há nada de exclusivo. Muito ao contrário, em geral se fazem uma e outra coisa ao mesmo tempo, tanto idealmente quanto na prática. Quem vive “para” a política a transforma, no sentido mais profundo do termo, em “fim de sua vida”, seja porque encontra forma de gozo na simples posse do poder, seja porque o exercício dessa atividade lhe permite achar equilíbrio interno e exprimir valor pessoal, colocando-se a serviço de uma “causa” que dá significação a sua vida. [...] daquele que vê na política uma permanente fonte de rendas, diremos que “vive da política” e diremos, no caso contrário que “vive para a política.198

Roberto Campos viu no golpe de 64 uma contrarrevolução. Desse modo, chegou a afirmar “as Forças Armadas, dado seu maior grau de coesão institucional e organizacional, são chamadas ocasionalmente a

197 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 75. 198 WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1968, p. 64-65. 115

exercer a restauração da disciplina social”.199Analisa, ainda, a crise politica daquele período, tentando descontruir a ideia, que essa crise se devia aos militares no poder. “Dos nossos 77 anos de vida republicana, 61 foram despendidos sob abençoada e tranquila liderança civil, [...] e 16 anos sob liderança militar”.200 Acreditava que fatalmente chegaria ao poder os comunistas, se não houvesse a intervenção militar de forma precedente. Como asseverou em entrevista concedida ao programa Roda Viva da TV Cultura no ano de 1997:

[...] é uma ilusão dos esquerdistas imaginar edilicamente que 64 havia uma opção entre uma democracia liberal e uma democracia social, não existia não, opção entre dois autoritarismos, seria o autoritarismo de esquerda, a opção era entre um idealismo de esquerda, ideológico, feroz, capaz de levar pessoas ao paredão, que levaria anos para se autodestruir, e um autoritarismo de direito, envergonhado, encabulado, que toda hora falava de eleições, que procurava manter o congresso aberto, que não falava de ditadura de proletariado.201

Numa visão retrospectiva dos fatos, tece crítica aos militares, no ponto em que não promoveram a abertura econômica no país, antes da abertura política.

Os militares erraram, e gravemente. Como? Eles deviam ter feito a abertura econômica antes da abertura política, foi o que [Augusto] Pinochet [(1915-2006), tornou-se presidente do Chile em 1973, por meio de um golpe de Estado, depois de depor Salvador Allende, o primeiro presidente socialista eleito democraticamente. Instaurou, então, a ditadura militar, que durou até 1990] fez. Ele

199 Idem, p. 18. 200 Ibidem, p. 87. 201 RODA VIVA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OSL-POF4lIE. Acesso em 23 jan. 2017. 116

primeiro abriu a economia e depois cedeu abertura política. No Brasil, o que os militares fizeram? Mantiveram por tempo demasiado a fechadura militar e não fizeram a abertura econômica. Vieram os civis e fizeram a abertura política com fechadura econômica. Então erraram os militares por não terem feito antes a abertura econômica, erraram os civis por não terem feito, depois da democratização política, a abertura econômica. Não nos iludamos. O mais potente e importante ingrediente do progresso é a liberdade do agente econômico. A liberdade do agente econômico faz milagres que os governos não fazem e sobre os quais nem sonham.202

Relativizava muitas vezes, o grau de encrudecimento do período ditatorial, separando o período em que serviu como ministro no governo Castello Branco dos outros governos. Não integrou os quadros do governo Costa e Silva, que sucedeu Castello Branco, tampouco fez parte do governo Médici. Foi no governo Geisel, que Roberto Campos se recompôs com o governo militar, dessa vez como embaixador do Brasil em Londres, na Inglaterra.

202 RODA VIVA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OSL-POF4lIE. Acesso em 23 jan. 2017. 117

CAPÍTULO III – O RETORNO AO ESTADO DE MATO GROSSO COMO SENADOR DA REPÚBLICA

Este capítulo encontra-se consubstanciado em apenas um tópico, abordando-se o período que compreendeu a fase de concepção da candidatura de Roberto Campos ao senado da república, pelo estado de Mato Grosso, após o retorno ao Brasil, depois de mais de meia década, como embaixador em Londres. Verifica-se um regresso, não só ao país de origem, mas ao estado natal, que não mais voltara, desde sua tenra infância Destacam-se alguns fatores que levaram o embaixador a imiscuir na disputa eleitoral, os candidatos ao governo do estado e ao senado, bem como os partidos políticos envolvidos, além de algumas nuancem que envolveram o período de campanha eleitoral, a exemplo, a precária malha de estradas, atenuada, em partes, pela forte estrutura financeira da campanha, destacada por dr. Gabriel Novis Neves e Élzio Virgílio Alves Corrêa em entrevista. A despeito desse poderio econômico, destaca-se a forma como Roberto Campos perpetrou na disputa eleitoral, comendo comida fora de hora, às vezes mal feita, percorrendo longas caminhadas ao longo do dia, subindo a palcos para comício ao fim do dia. O abuso de poder econômico, como prática patrimonialista atinente às velhas práticas políticas, não deixou de ser ressaltado em desfavor do embaixador. O arcabouço de referências nesse capítulo é formado por pesquisas em suas reminiscências, internet, jornais e transcrição de entrevistas com testemunhas adventícias in factum desse período. Essa última fonte é categórica em aduzir, e a penúltima corrobora, per si, uma maior cobertura jornalística em favor dos candidatos do PDS. O término da campanha eleitoral revelou a eleição de Roberto Campos, bem como Júlio Campos.

118

3.1 O Senador do PIB

Findado o tempo de papar libra esterlina, era chegada a hora de roer cruzeiros novamente, e dessa vez em seu estado natal, do qual tinha saído ainda criança, com sua mãe e sua irmã, em busca de oportunidade de trabalho para a matriarca sustentar a família, sem a figura do pai. Depois da partida, não mais retornara a Mato Grosso. Roberto Campos, ao longo das últimas décadas havia desenvolvido relacionamentos em nível nacional e internacional. Deixara a embaixada brasileira em Londres, que ocupou de 1974 a 1982, onde conheceu de perto o governo de Margareth Thatcher, e com a crise econômica da Inglaterra, nos anos 70, passou a crer que o intervencionismo estatal podia produzir crises, passando com isso a defender, de forma mais intransigente, a economia de mercado. Em 1982, logo depois de Roberto Campos deixar a embaixada brasileira em Londres, chegando ao Brasil, resolveu aconselhar-se com Jânio Quadros sobre política, uma vez que pensava em candidatar-se a Senador por Mato Grosso, recebendo um conselho inusitado do mato- grossense, que foi compartilhado por ele num artigo “Saudades de Merquior...”, publicado no Jornal Folha de São Paulo, e que transcrevemos, a seguir:

Ao deixar a embaixada, em 1982, para me lançar candidato ao Senado por Mato Grosso, procurei aconselhar-me com um velho amigo e guru político, Jânio Quadros. Não bastava conhecer as leis da política. Era preciso informar-me sobre a tecnologia eleitoral. Como conquistar votos e adquirir o “cheiro de povo”, indispensável nos comícios? Num almoço com Jânio, em sua casa de Guarujá, procurei ansioso abeberar-me dos ensinamentos desse gênio político. “A receita é simples”, disse-me Jânio. “Faça coisas chocantes e inesperadas. Por 119

exemplo: dê caneladas na imprensa bisbilhoteira, maltrate os funcionários públicos que tiranizam os contribuintes e passe pito nos bispos que se metem na política em vez de cuidar das almas. Na televisão, fale com voz escandida, como se fosse dono da verdade.” Saí desanimado. A receita era altamente idiossincrática. Funcionava para o Jânio, proprietário de carisma e inquilino do exótico. Seria desastre certo para um ex-seminarista e encabulado tecnocrata. Não segui a receita e consegui eleger-me a duras penas. Após várias experiências eleitorais, não posso senão concordar com o que nos disse, a Merquior e a mim, num coquetel na embaixada em Londres, um parlamentar inglês que acabava de sair, financeiramente falido, de uma campanha eleitoral: “A democracia é uma coisa muito boa. Mas tem um defeito fatal: a gente tem de arranjar votos. Está ainda por surgir o maior dos gênios políticos: aquele que inventar a democracia sem votos.” Merquior morreu aos 49 anos, colhido pelas Parcas no auge de uma brilhante carreira acadêmica e diplomática, com obras seminais sobre sociologia e política, concebidas num ritmo de produtividade impressionante. A vida é injusta. 203

A fase de concepção de sua candidatura surgiu de um encontro promovido pelo ex-governador de São Paulo, , em sua casa, reunindo Roberto Campos e Frederico Campos, que governou Mato Grosso de 1979 a 1983, corroborando a impressão que suas relações de poder construídas ao longo de décadas, faziam-no estar em permanente contato com figuras de representatividade popular, fosse no campo das artes, no campo da política, no campo da economia, no campo da academia, enfim, suas relações extrapolavam os pares que ombreavam com ele, nesse ou naquele momento. O trecho abaixo extraído de suas reminiscências traz seu aconselhamento com Paulo Maluf:

203 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/10/29/brasil/4.html. Acesso em 29 jan. 2017. 120

Em 1980, Sarney aconselhou-me a voltar aos pagos, transferindo meu título eleitoral para Cuiabá, poucos dias depois num jantar em sua casa em São Paulo, Paulo Maluf apresentou-me ao novo governador de Mato Grosso, Frederico Soares de Campos, o primeiro governador de Mato Grosso do norte após a partição. Maluf sugeriu minha candidatura ao senado, ideia pressurosamente acolhida pelo governador.204

Interessante ressaltar que o pretenso candidato a senador, pelo estado de Mato Grosso, trocou o nome do estado para Mato Grosso do Norte, uma demonstração inequívoca de ausência de familiaridade com o estado. Teve de transferir seu título para Cuiabá, porque desde que saíra criança de Mato Grosso, nunca mais havia retornado. A oficialização de sua candidatura deu-se dois anos depois, pelo Partido Democrático Social (PDS), “num almoço na próspera cidade do norte de Mato Grosso, Sinop, colonizada por paranaenses, gaúchos e catarinenses”.205 Mato Grosso nessa época possuía uma precária malha de estradas asfaltadas, de tal sorte que era difícil percorrer o estado em campanha política. Em contrapartida, essa circunstância era atenuada pela estrutura financeira que a campanha de Roberto Campos tinha, conforme relatou o engenheiro Élzio Virgílio Alves Corrêa, coordenador geral da campanha, “Com a abertura democrática, realmente, o dinheiro correu a rodo”.206 E, ainda acrescentou:

Um homem acostumado com o conforto dos grandes centros, tendo que comer comida fora de hora, comida mal feita, complicado, pegar uma campanha eleitoral e ele suportar tudo isso. Isso de dia, e ao final da noite ainda

204 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbook, 1994, p. 1064. 205 CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbook, 1994, p. 1066. 206 CORRÊA, Élzio Virgílio Alves: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 121

tinha o comício de encerramento daquela região, depois ainda tinha o jantar, o pessoal que tinha bebido demais.207

Com seu sotaque inglês, iniciou a campanha no estado de Mato Grosso, com o número 11 (onze), de legenda. Era conhecido pela população, de maneira geral, através da alcunha de “embaixador”, e conforme manifestou Élzio Virgílio Alves Correa,

Era uma pessoa extremamente humilde, simples, cativante, com uma cultura extraordinária, com conhecimento histórico e econômico, com uma facilidade de fazer amizades, era um pouquinho calado, e sofreu bastante em uma campanha que ele não estava acostumado, diretamente com o povão, se alimentando de uma comida difícil,208

Nas eleições de 1982, Roberto Campos dividiu a pretensão senatorial por Mato Grosso com personagens políticos proeminentes no cenário regional. Pela mesma sublegenda, o PDS, disputava o médico e reitor fundador da Universidade Federal de Mato Grosso, Gabriel Novis Neves209, com grandes serviços prestados à região. Segundo Fernando Tadeu de Miranda Borges, que comandou o comitê central de campanha de Dr. Gabriel Novis Neves, numa residência situada na Rua Barão de Melgaço, em frente à antiga residência dos governadores,

207 Idem. 208 CORRÊA, Élzio Virgílio Alves: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 209 Cuiabano, do lado Neves, sua bisavó era uruguaia e seu avô era do Rio Grande do Sul, e do outro lado, Novis, eram judeus que vieram para a Bahia, e depois com a Guerra do Paraguai, seu bisavô, ficou aqui com a família, sua avó era carioca, o marido dela veio fazer uma obra em Cuiabá, a praça Alencastro, trouxe filha única, viu um sujeito bem arrumado, o nome dele Gabriel, seu pai, dono do bar, meu pai era um homem interessante, que não estudou, mas ele sabia que precisava estudar, tanto que tinha um bar ali no centro, acho que quando nasci Cuiabá tinha uns 15 mil habitantes, camarada quando era assassinado era conversa para o ano todo. E eu servia mesa, era um grande centro de convivência, 122

[...] foi um momento muito rico, porque ali estava Dr. Gabriel Novis Neves, candidato a senador pelo estado, que entregara sua vida à educação, além de grande médico, e de ter criado a Universidade Federal de Mato Grosso. Mesmo sendo economista, em nenhum momento vacilei no apoio ao reitor fundador da Universidade Federal de Mato Grosso. Perder, ganhar faz parte do jogo político. Nem sempre ganhamos, nem sempre perdemos na vida, contudo, quando acreditamos em um projeto, isso é o que conta. Acreditei no projeto defendido por Dr. Gabriel Novis Neves, defendi o projeto, e não entrei em ataques pessoais contra nenhum dos candidatos adversários, ressaltando sempre os projetos e o melhor do candidato que apoiava. O voto na época era fechado, de modo que participamos das eleições com muita ética e respeito. Foram as nossas primeiras eleições, após alguns anos de autoritarismo. Algo indescritível, emocionante, e acompanhei tudo até o momento final da apuração no Ginásio da Lixeira. Perdemos as eleições, mas ganhamos novas experiências.210

Pelo PDS, o candidato ao governo do estado foi Júlio José de Campos, tendo como vice-governador, Vilmar Peres de Farias. Do lado do PMDB, o candidato ao governo foi o padre Raimundo Pombo, tendo como candidato a vice-governador, Louremberg Nunes Rocha, e como candidato ao senado, José Garcia Neto, que nunca havia perdido uma eleição, seu suplente era Aecim Tocantins, o outro candidato da legenda era Vicente Bezerra Neto, um jurista que havia ocupado o cargo de senador, entre 1963 e 1971. O candidato a governador pelo PT (Partido dos Trabalhadores) foi o professor José Antônio Cabral de Monlevade, e a candidata a vice- governadora, Dafne Andrade da Silva, tendo como candidato ao senado, Astério Franco. E, ainda o candidato a governador pelo PDT, Anacleto

210 Borges, Fernando Tadeu de Miranda (jan. 2017). Entrevista concedida a esta dissertação. 123

Ciocari, que teve como vice-governador, Olímpio Arruda, como senador, Edvaldo Campos Filho.211 Importante salientar, que dr. Gabriel Novis Neves tinha expressiva aceitação nos grandes centros, conforme ele mesmo relatou em entrevista “apoiado pelos grandes centros, não precisava nem ir aos pequenos”. Com efeito, sua plataforma de campanha, tinha como carro chefe, segundo ele, “a derrubada dos currais, com oportunidade para todos”.212 Fez uma campanha com poucos recursos financeiros, segundo o próprio,

Barra do Garças tinha 11 vereadores, 10 me apoiavam, um dia antes da eleição recebo uma ligação, olha, chegaram aqui e estão oferecendo para cada vereador isso e aquilo, e queríamos ver se o senhor cobre e tal, aí eu dizia, não, pode ficar!213

Nesse sentido, prosperavam velhas práticas da política, que à época, tinham mais facilidade em ser perpetradas, face a uma diminuta fiscalização e um conjunto de institucionalidades que não evitavam a contento, o abuso de poder econômico. Em oportuno, nos dias atuais, vez ou outra, testemunhamos como adventícios in factum, essas horrendas práticas. Com efeito, dr. Gabriel Novis Neves nunca havia ocupado cargos políticos eleitorais, sendo essa sua primeira disputa eleitoral, em entrevista afirmou: “Nunca fui filiado a partido político, detestava a UDN, me

211 TRE-MT registrou os candidatos do PMDB. O Estado de Mato Grosso. Cuiabá/MT, 11 de novembro de 1982, p. 01. 212 NEVES, Gabriel Novis: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 213 NEVES, Gabriel Novis: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 124

aproximava muito ao PTB da época”. 214 Outrora havia sido escolhido para implantar a universidade, cuja nomeação foi através de uma portaria do ministro da educação, indicando-o interinamente, na mesma época em que estava começando a fazer o campus de Brasília. Dr. Gabriel Novis Neves, era à época, como o é hoje ainda, médico conhecido na cidade de Cuiabá/MT, fez muito pré-natal e partos, além de ter construído, como reitor, prédios da UFMT no campus de Cuiabá, e criado o campus de Rondonópolis e de Barra do Garças. Uma informação interessante revelada em entrevista por dr. Gabriel Novis Neves foi o fato de que:

A UFMT era uma chácara enorme, tinha vaca, o sujeito tirava leite, etc. e essa chácara era bem afastada de Cuiabá, então o dono dessa chácara morava no Porto, e coincidentemente veio para cá muito cedo, se apaixonou e nunca mais voltou, engenheiro construiu o Palácio da Instrução. Eu havia ido para a Romênia e via o tamanho das fazendas lá, tudo de 20 hectares, e pensei, vou comprar 3 fazendas da Romênia para a UFMT, ela começou com 60 hectares e hoje tem 80.215

Com a estrutura financeira mencionada alhures, Roberto Campos ajudou financeiramente na campanha ao governo de Júlio Campos. Essa estrutura refletia numa maior cobertura dos jornais de Mato Grosso à campanha de Roberto Campos, em detrimento de Gabriel Novis Neves. Contudo, pudemos constatar em pesquisas nos jornais da época, O Estado de Mato Grosso, Diário de Cuiabá e Jornal do Dia, que as manchetes e coberturas jornalísticas, davam mais destaque ao candidato ao governo, Júlio Campos, à exemplo da manchete do jornal Diário de Cuiabá, ´´Júlio

214 NEVES, Gabriel Novis: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 215 NEVES, Gabriel Novis: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 125

Campos é aclamado por 30 mil pessoas no Dutra``216, não ressaltando na manchete a presença de Roberto Campos, que também se encontrava presente no evento. Élzio Virgílio Corrêa frisou em entrevista, uma maior cobertura midiática para Campos em face de dr. Gabriel:

Havia uma tendência natural de dar maior cobertura a Campos, nesse ponto Gabriel se sentiu prejudicado, ele manifestou durante a campanha esse mal estar, e infelizmente era inevitável, era um processo partidário.217

Gabriel Novis Neves via Roberto Campos, como o candidato do capital, com apoio estrangeiro, o definindo como “candidato do PIB”. Em entrevista manifestou suas impressões da época:

O governo militar e a federação das indústrias, os homens do dinheiro, precisavam de um senador que fosse defendê-los, porque o senador, é do Brasil, não é do estado, tinha que ser um homem brilhante, que conhecia o mundo, que poderia entrar no banco mundial, entrar na ONU, falar com a princesa da Inglaterra, e esse homem era Roberto Campos. Ele saiu daqui e nunca mais voltou. No final, fizeram um ajuste, e ele não foi candidato de Mato Grosso, foi candidato do PIB.218

Segundo Gabriel Novis Neves, que conviveu com Roberto Campos durante um ano. ´´O conhecia anteriormente de nome no Rio de Janeiro, quando ainda era garoto e ele já era um homem famoso, era o Bob Fields”.219 Depois conviveu com ele, “vi que ele era de uma cultura impressionante, era um dos homens mais cultos que eu já vi, como senador trouxe muito dinheiro para Mato Grosso, e eu sou um admirador do

216 Júlio Campos é aclamado por 30 mil pessoas no Dutra. Diário de Cuiabá. Cuiabá/MT, 12 de novembro de 1982, p. 04. 217 CORRÊA, Élzio Virgílio Alves: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 218NEVES, Gabriel Novis: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 219 CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 392. 126

Roberto Campos, tornei-me amigo dele”. 220 De tal sorte, pode-se depreender que Roberto Campos não demonstrava ter alguma animosidade em relação ao dr. Gabriel Novis, conforme o mesmo relatou em entrevista extraída do Jornal do dia: ‘’O embaixador roberto campos, por outro lado admitiu que Gabriel Novis não é seu inimigo , mas sim mais um companheiro que ajudará a eleger Júlio campos ao palácio paiaguás’’.221

Ao lado de Júlio Campos e de Roberto Campos, outros candidatos do PDS às eleições dia 15, o ex-reitor da Uniselva, Gabriel Novis Neves, que postula uma cadeira no Senado da República , garantiu ontem perante mais de 05 mil pessoas na praça Barão de Rio Branco, em Cáceres que nunca pensou em abandonar a campanha eleitoral, porque ela foi um compromisso assumido com a gente livre e soberana de Mato Grosso. 222

Um fato curioso, é que a eleição de 1982 não contou com debates entre os candidatos, Desse período de campanha, constata-se ainda, que o candidato ao governo do estado, Júlio Campos, e os candidatos ao senado dr. Gabriel Novis Neves e Roberto Campos, subiam, em determinados eventos, ao palanque juntos, a exemplo, a ocasião em que estiveram em campanha na cidade de Cáceres, e o Jornal do Dia, reportou a notícia: “Gabriel, Júlio e Roberto foram aclamados em Cáceres”.223 Nos últimos dias da campanha eleitoral, um boato se espalhou pelo estado, dando conta que dr. Gabriel Novis Neves, supostamente havia desistido da candidatura, isso provavelmente trouxe prejuízos, em termos

220 NEVES, Gabriel Novis: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 221 Gabriel, Júlio e Roberto foram aclamados em Cáceres. Jornal do Dia. Cuiabá/MT, 11 de novembro de 1982, p. 03. 222 Idem, p. 03. 223 Gabriel, Júlio e Roberto foram aclamados em Cáceres. Jornal do Dia. Cuiabá/MT, 11 de novembro de 1982, p. 03. 127

de votação, tendo em vista o sistema de comunicação da época, não ter a penetração nas camadas da sociedade, como tem hoje. Isso obrigou o candidato vir a público desmentir as inverdades, ratificando seu compromisso de permanecer na disputa até o fim:

Sou candidato e pra ganhar, junto com meu líder Julinho. Desabafou Gabriel, classificando em seguida, de calúnia e maldade oposicionista, os rumos surgidos nas últimas horas em Cuiabá, anunciando sua renúncia à disputa eleitoral. Não sou covarde e além do mais, minha proposta é estourar os currais e sepultar as oligarquias do velho Mato Grosso, para que prospere nesse terreno fértil do novo estado, uma geração de homens conscientes. 224

Ademais, os candidatos do PDS, detinham um diferencial em relação aos candidatos dos outros partidos, pois, o governador em exercício da época, era Frederico Campos, do partido supramencionado, circunstância que propiciava aos candidatos, a possibilidade de acompanhar a inauguração de obras e ações do governo, servindo como vitrine aos pretensos governantes:

No domingo passado, autoridades estiveram participando da inauguração de uma agência do Banco do Brasil em Várzea Grande. Estiveram presentes várias autoridades do estado, dentre elas, o governador Frederico Campos, o futuro governador Júlio José de Campos, atualmente deputado federal, o embaixador Roberto Campos, o presidente da Associação Comercial de Mato Grosso, Joel Bulhões o gerente do Banco do Brasil da capital, Elias Rayel.225

Da citação acima, subjaz ainda, o dado trazido ao trabalho, de que alguns jornais da época, faziam uma cobertura jornalística da

224 Idem, p . 03. 225 Inauguração. Jornal do dia. Cuiabá/MT, 09 de novembro de 1982, p. 04. 128

campanha, de forma tendenciosa, aos candidatos do PDS, referindo-se a Júlio Campos, como ´´o futuro governador``. Como não é dado ao homem, o dom da profecia, ou da futurologia, reveste-se a matéria jornalística de manifestação pessoal, com o intuito de declarar seu candidato de peremptório, situação que destoa do bom jornalismo, a saber, imparcial. Passado esse período de campanha, no dia 15 de novembro de 1982, a população de Mato Grosso dirigiu-se às urnas para exercer o jus suffragium, enquanto os candidatos exerciam, concomitantemente, o jus honorium, isto é, o direito de votar e de ser votado, respectivamente. O Jornal do Dia, registrou no dia da eleição, o voto de Roberto Campos: “O professor roberto campos, candidato ao senado da república, foi o primeiro a votar Às 09h10min, na 137ª seção eleitoral, que funciona na Delegacia Regional do Trabalho”. 226 Ao serem abertas as primeiras urnas, o cenário que foi se desenhando em relação à eleição ao senado, de forma provisória, consumaria ao cabo da apuração. O jornal Diário de Cuiabá noticiou dois dias após o dia da votação, um panorama parcial da apuração:

Campos lidera para o senado com um total de 7.187 votos em todo o estado, Roberto Campos candidato do PDS ao senado, lidera as eleições em Mato Grosso com uma boa margem de diferença sobre o seu mais sério adversário Garcia Neto, que tem na soma geral 4.245 votos. Gabriel Novis, o outro candidato do PDS tem um total de 3.172 votos no interior e na capital, e Bezerra Neto o companheiro de Garcia Neto na chapa do PMDB, tem até agora 2.306 votos, apuradas 132 urnas, em Cuiabá e no interior.227

226 O voto dos candidatos. Jornal do dia. Cuiabá/MT, 16 de novembro de 1982, p. 02. 227 Diário de Cuiabá. Cuiabá/MT, 17 de novembro de 1982, p. 05. 129

A apuração final contabilizou um total de 147.203 (cento e quarenta e sete mil duzentos e três)_votos, para o candidato eleito Roberto Campos, na mesma legenda dr. Gabriel Novis Neves alcançaria 51.428 (cinquenta e um mil quatrocentos e vinte e oito) votos. Noutro plano, José Garcia Neto, obteria 106.734 (cento e seis mil, setecentos e trinta e quatro) votos, enquanto que Vicente Bezerra Neto totalizaria a quantidade de 71.850 (setenta e um mil oitocentos e cinquenta) votos.228 Quando Campos chegou ao senado, suas principais bandeiras de luta foram a defesa da liberdade econômica, no momento em que se discutia a abertura para a democracia, Roberto Campos quis trazer a discussão da liberdade econômica do controle inflacionário, a crítica às diretas já, mostrou-se um ferrenho crítico da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, a qual julgava intervencionista. Com o mesmo entusiasmo que se opôs à constituição de 88, defendeu a aprovação da lei da informática, e criticou muito a constituição cidadã de 1988. No período em que Roberto Campos ocupou uma cadeira no senado, ombreou na tribuna com nomes de projeção na política nacional, eleitos no mesmo pleito que ele: Álvaro Dias - PMDB/PR, Itamar Franco - PL/MG, Jorge Bornhausen - PFL/SC e - PFL/PE. Em 1986 foram eleitos nomes como: Affonso Arinos - PFL/RJ, Edison Lobão – PFL/MA, Fernando Henrique Cardoso - PMDB/SP, Jarbas Passarinho - PDS/PA, Mário Covas - PSDB/SP e Teotônio Vilela Filho - PMDB/AL. Durante o mandato de senador, Roberto Campos veio a Mato Grosso algumas vezes, mas raramente foi ao interior, entretanto, colaborou

228 Resultado da eleição para senador. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_estaduais_em_Mato_Grosso_em_1 982. Acesso em 12 fev. 2017. 130

com emendas para que fosse construída a BR-163.229 Ao fim do mandato, de 08 (oito) anos, resolveu candidatar-se à deputado federal pelo Rio de Janeiro, o que causou estranhamento e dúvidas sobre a motivação dele ter deixado Mato Grosso, tentando entender tal situação, suscitamos um trecho da entrevista com o coordenador da campanha da época Élzio Virgílio Corrêa:

Esse relacionamento com as grandes empresas internacionais, ele tenha provocado muito ciúme, ciúme que ele ficou até certo ponto marginalizado, marginalizado principalmente pela classe política, medo infantil, dele ser um homem de grande expressão internacional e estar em Mato Grosso, e isso com um tempo gerou o afastamento dele, perdemos ele para outro estado e Mato Grosso perdeu com esse afastamento, infelizmente. Eu acredito que ele se sentiu mal colocado, não sei até que ponto ele se sentiu hostilizado, era evidente que deveria ter uma ciumeira da classe política.230

Gabriel Novis Neves trouxe a seguinte frase sobre a fase em que Roberto Campos decidiu não se candidatar pelo estado de Mato Grosso, “aqui não dava mais, porque os camaradas quando iam pedir alguma coisa para ele, ele falava assim, oh: eu paguei todos os votos que recebi, não devo mais nada”.231 Enfim, não é objeto do presente trabalho, imiscuir na seara em que Roberto Campos mais se notabilizou, como liberal econômico, uma voz quase solitária no senado federal, ao defender as causas liberais. A partir dos anos 80, após seu regresso da Inglaterra e a eleição como senador da república, que ele passa a ter militância, vindo a ser um dos maiores

229 CORRÊA, Élzio Virgílio Alves: depoimento [ago. 2016]. Entrevista concedida a esta dissertação. 230 Idem. 231 Ibidem. 131

representantes do liberalismo econômico brasileiro. Destarte, cumpre analisar essa sua vertente, talvez no trabalho de conclusão de curso da economia, que defenderemos em 2017/2018, ou num eventual doutorado, em sendo obtido êxito na defesa desse trabalho.

132

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar a dissertação, observa-se que Roberto Campos, que anos mais tarde passou a ser considerado um dos grandes intelectuais brasileiros do século XX, amado e/ou odiado, veio das camadas de baixo da sociedade, de baixo de guerra, de baixo de revoluções. Filho de classe média, seu pai professor, e sua mãe, dona de casa, teve uma vida “aparentemente” sem maiores dificuldades, pelo menos até a morte do pai, ocorrida em São Paulo, deixando a todos inseguros. Diante da nova realidade, sua mãe decidiu retornar para Mato Grosso, indo residir numa fazenda em Corumbá, não satisfeita, resolveu voltar para São Paulo, com os filhos e fazer um curso profissionalizante de corte e costura. Com a nova profissão, Honorina Campos, vislumbra em Guaxupé, Minas Gerais, uma terra que poderia possibilitar à família, melhores condições. E foi em Guaxupé, que, aos 12 (doze) anos de idade, Roberto Campos entrou para o seminário. A impressão que se tem, a partir de uma visão retrospectiva da história de vida de Roberto Campos, é que esse período de formação acadêmica no seminário, durante a adolescência e parte da juventude, foi a base da construção da sua intelectualidade. A desenvoltura trazida pelas leituras, a dedicação aos estudos, a determinação e a disciplina o levou a percepção de um mundo possível de ser conquistado com determinação e luta. Nessa época, as pessoas de poucos recursos estudavam nos seminários ou partiam para a carreira militar. Sua inquietação intelectual, a ampliada visão de mundo adquirida, e a não vocação para o sacerdócio, o levaram a deixar o seminário. Contudo, o conhecimento adquirido na filosofia, na teologia e na 133

economia o acompanhou para o resto da vida. Os anos de estudos no seminário parecem ter influenciado na sua erudição, e a facilidade com as seguintes línguas: latim, grego e francês facilitou sua internacionalização. Uma preparação que sugere haver sido decisiva para sua aprovação no concurso para a diplomacia, em 1939. Ao ingressar na diplomacia, percebe a vocação para a Economia, campo esse que ocuparia grande espaço nos seus estudos, e tornaria seu objeto maior de investigação no dia a dia ao longo dos anos vividos, além do desafio que colocou em construir um mundo alicerçado no liberalismo econômico. Roberto Campos viveu uma vida vivida dentro de suas crenças, teve momentos de auge e dificuldades, apoiou o golpe de 64, defendeu o governo dos militares e o capitalismo como sistema econômico ideal. Trata- se, portanto, de um intelectual considerado de “direita”, que lutou em defesa da liberdade do mercado. Na fábula das elites foi do grupo dos leões e das raposas, e jogou no mundo da “força” e da “astúcia”. Teve muitos amigos e inimigos, e sua entrada na política brasileira foi um recompor-se com as forças do mercado em um novo momento, dessa vez através do voto, como representante do capital internacional. Foi um velho momento considerado novo na forma de agenciamento da política brasileira, depois de 20 anos com os direitos sequestrados, congresso fechado, atos institucionais, perseguição política, direitos cerceados, estudantes perseguidos. Observa-se, portanto, que Roberto Campos ocupou uma posição de “raposa”, defendendo o capital estrangeiro como instrumento de desenvolvimento nacional, e de “leão” na defesa ao golpe de 1964. Roberto Campos não pregou a prudência econômica e o sacrifício do presente ao futuro, e não demonstrou ao longo dos anos um viés de luta pelos 134

excluídos. Foi astuto, esteve do lado da burguesia nos planos econômicos, defendeu a inovação, e possuiu flexibilidade nos cargos em governos civis e militares. Roberto Campos, autor de uma autobiografia pareceu saber da relevância de se produzir uma memória, tendo em conta a história, ao ressaltar o que disse Oscar Wilde, “nosso único dever para com a história é reescrevê-la. Estou fazendo a minha parte...”.232 Construiu, através da escrita de si, verdades sobre ele mesmo, cabendo ao historiador a devida relativização dos escritos, confrontando, na medida do possível, com documentos e escritos, para que se extraia a intencionalidade recôndita. Ademais, seus escritos, ao longo de décadas, revela ao leitor, o seu pensamento político, econômico e social. Compreender o processo histórico econômico no período abarcado nos anos de atividade de Roberto Campos torna-se fundamental no momento que estamos vivenciando, com as eternas indefinições sobre o papel do estado, mais presente ou menos presente, ou mais público ou menos público, ou ampliado ou enxuto, ou mais protecionista ou menos protecionista, ou mais nacionalista ou menos nacionalista, ou mais internacional ou menos internacional ou com mais “ismos” ou menos “ismos”. Depreende-se conclusivamente que Roberto Campos trabalhou durante décadas para fazer do Brasil um país concatenado aos interesses do capitalismo, embora, “nossa política externa tenha sido burra, feita por homens inteligentes.”233

232 Campos, Roberto. A História teria sido outra. In: Na virada do milênio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 457. 233 CAMPOS, Roberto. Os órfãos da História. In: O Século Esquisito. Rio de Janeiro: Topbooks, p. 62. 135

Foi quando atuou como embaixador do Brasil na Inglaterra, entre 1975 e 1982, ao vivenciar a crise econômica inglesa daquele período, que passou a combater o intervencionismo estatal, e que levou a sua “filiação’’ aos ideais liberais propagados nas colunas dos principais jornais e revistas do país. Essa dissertação buscou ir um pouco além dos trabalhos que produziu, quando trouxe à discussão, o seu retorno a Mato Grosso para se candidatar a senador da República, com a entrevista de seu principal opositor ao cargo, durante a campanha eleitoral, Gabriel Novis Neves, além dos coordenadores de campanha, Élzio Virgílio Corrêa Filho e Fernando Tadeu de Miranda Borges. Registra-se que temas importantes na trajetória de Roberto Campos ficaram de fora, sendo impossível abarcar o seu complexo mundo, sobretudo o período em que foi deputado federal nos anos 90. A opção em não tratar de alguns assuntos se fez devido ao corte temporal, e o tempo para analisar minuciosamente toda a documentação. Os tópicos desconsiderados não põem em xeque o ponto nevrálgico da presente dissertação, podendo ser trabalhados noutro momento, noutro texto, talvez num doutorado, sem prejuízo à reflexão que agora se apresenta.

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FONTES E REFERÊNCIAS

1. FONTES 1.1 ENTREVISTAS

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1.2 JORNAIS

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138

Jornal do dia. [nov. 1982]

O Estado de Mato Grosso. [nov. 1982]

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