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#2 Revista da Disciplina Técnica de Reportagem II • ECO/UFRJ AGOSTO/2017

(Im)previdência com o futuro Mesmo com o anúncio de mudanças na Previdência, os jovens ainda se preocupam pouco com a aposentadoria

A volta ao trabalho de quem, mesmo aposentado, não pode parar

O desequilíbrio histórico na renda de mulheres e homens

A onda do veganismo Preconceito e assédio A nova geração A sintonia do no no mundo dos games endinheirada do nas rodas culturais ANÚNCIO

2 E resultando numa apuraçãoquepedemaior número de te etemporalmente–comootemadeveserabordado, começando pelomodomaisabrangente–espacialmen- isso, umasérie de requisitos novos éexigida dos alunos, reportagens, enãomaisapenasmatériasfactuais.Com é quetodootrabalho,emequipe,feitoparaproduzir pas, gráficos,playlistsetc.). para as duas versões da reportagem (fotos, vídeos, ma- das (fontes)eostiposdeconteúdosaseremproduzidos tar quemvairesponderasquestõesaseremrespondi- cobertura, no qualéprecisoapon- é seguidadeumplanejamentoda vidade. Masaeleiçãodoassunto leitor, foioprimeiropassodaati- assim, prestar um bomserviçoao do comorecortepropostopara, problemas fundamentaisdeacor- seado noesforçoderespondera tentada porum“gancho”,ba- questão principalestivessesus- impressa eoutraonline. dação, revisão,ediçãoediagramação–paraumaversão etapas daproduçãojornalística–pauta,apuração,re- os discentesprecisaramcolocarempráticaasdiferentes senvolvido nosemestreletivode2017-1,duranteoqual e Fernando Ewerton.Arevistaresultadotrabalhode- são ministradas pelos professores Paulo César Castro téria deJornalismo,oferecidano5ºperíododocurso, O maisimportante,poiséodiferencialdadisciplina, A escolhadeumtemacuja

EXPEDIENTE (ECO) daUFRJ.Asduasturmasma- Reportagem II,daEscoladeComunicação lizada pelosalunosdadisciplina Técnica de ssa éasegundaediçãodarevistaZoom,rea- Capa Projeto Gráfico Professores responsáveis Coordenadora deJornalismo Vice-Diretora Diretor Turma 2 Turma 1

F ernand A maury

P F ernando aulo E F C stevam C ristina ernandes P aulo ésar E werton C R C ésar ego astro Avenida Pasteur, 250 As reportagensencontram-se hospedadasnositedadisciplina:www.parlamidia.com de suasreportagens M etnográfico sobreosobjetos C são provocadosaexercitar “ onteiro astro C ristiane um verdadeiroolhar EDITORIAL Os jovensestudantes ECL383 Revista daDisciplina C osta Universidade FederaldoRiodeJaneiro • Fundos E scola hop noRioatravés dasrodasculturais).Boaleitura! jogos virtuais)eCultura(anovageraçãodofunk;ohip preconceito eassédiocontraasmulheres nomundo dos Comportamento (oveganismocomoestilodevida; siguais detrabalhoerendaentremulheres ehomens), mesmo aposentado, não pode parar; e as condições de- da eofuturodosjovens;avoltaaotrabalhodequem, rubricas Economia(aposentadoria,previdênciapriva- ção, ostemas,demodogeral,estãoenquadradosnas as marcasdesseprocessodeaprendizagem.Nessaedi- que vocêencontrenasreportagensdaspáginasaseguir tados dizem; é preciso ir além, aguçando os sentidos tados dizem;éprecisoiralém,aguçandoossentidos é possívelmaisdaratençãoapenasaoqueosentrevis- um olhar mais atento durante a etapa da apuração. Não recursos literários no texto tem que ser antecedida de o ra e,paraisso,elessãoprovocadosatomarcomobase qual sejamobservadosdiferenteselementosdaliteratu- texto. Aosalunosépedidaaaplicaçãodeumestilono tualização dasquestões. entrevistados epesquisasextrasparaampliaracontex- www.eco.ufrj.br •

New Journalism . Evidentementequeaexploraçãode New PraiaVermelha de Outro aspecto central a diferenciar a reportagem é o Outro aspecto central a diferenciar a reportagem éo C ” omunicação

T écnica # JulioTrindade # GabrielleNunes # GabrielDeMartin # FernandaOliveira # FábioMarinho # DaniellaVianna # ChristianaSobral # CesarCavalcante  • Urca/RiodeJaneiro

de R Participaram destaedição: eport os objetosdesuasreportagens. verdadeiro olharetnográficosobre provocados, assim,aexercitarum ceram. Os jovens estudantes são mento emqueoseventosaconte- “transportado” aolocalemo- ce, paraque,notexto,oleitorseja a coletadasinformaçõesaconte- maior atençãoaoambienteonde formas dedizer;érequeridauma para captartambémasdiferentes Esperamos, caro(a)leitor(a), agem • II RJ # Wellerson Soares # ThamírysAndrade # NunoMedeiros # Marcello Berg # Marcella Freire # Luísa Abreu # Lucas Bettoni #2 2017-1 /agosto Tomada aérea do campus Praia Vermelha da UFRJ, na Urca, zona Sul do Rio de Janeiro

4 #2 • 2017-1 :: Agosto

Futuro e Previdência Privada Ainda são poucos os jovens que, mesmo com a reforma em discussão no 6 Congresso, já começam a investir na aposentadoria desde cedo

Economia do bico Os baixos valores pagos pela Previdência obrigam mais de 40% dos 13 aposentados com idade entre 60 e 70 anos a voltarem ao mercado de trabalho

Jornada do desequilíbrio Como as mulheres continuam ganhando menos do que os homens, 15 elas se submetem a outras atividades para obter uma renda extra

Veganismo em alta Novos empreendimentos se expandem no Rio para atender às demandas de um 18 público crescente interessado em um estilo de vida livre de consumo animal

Assédio e preconceito No mundo do games ainda impera o machismo e as mulheres 24 continuam sendo vítimas de abordagens nada respeitosas

Pancadão em metamorfose Uma nova geração de funkeiros cariocas, mais endinheirada, 28 mostra que o estilo musical mudou tanto quanto o seu público

Batalhas da cultura No ano em que o hip hop completa 44 anos, as rodas culturais do 34 Rio reúnem cada vez mais as diferentes classes pela cidade

5 Sem previsão de APOSENTADORIA FUTURO Os jovens de hoje terão o amanhã afetado com as mudanças da reforma da Previdência e muitos deles não estão ainda se adaptando à nova realidade

Cesar Cavalcante e Lucas Bettoni

Em meio à discussão sobre as mudanças que estão por vir nas aposentadorias, planos de previdência privada começam a fazer parte do vocabulário dos jovens

o início de 2016, o sentados, pensionistas e funcionários a 29 anos, que corresponde a 18% da anúncio do Governo da ativa. O Rioprevidência, fundo população brasileira, segundo o Cen- do Estado do Rio de previdenciário que contou com a con- so de 2010 do Instituto Brasileiro de Janeiro de que os salá- tribuição de Rose Flores ao longo de Geografia e Estatística (IBGE). Mas rios do funcionalismo tantos anos, já não dá mais conta de em outro quesito, ela se diferencia: Npoderiam atrasar pegou a aposentada garantir o sustento de 280 mil famílias não faz parte da metade das pessoas Rose Flores de surpresa. Aos 73 anos, como a dela. de 23 a 34 anos que não sabe sobre os 35 deles dedicados às salas de aula Trabalhadora da iniciativa priva- caminhos para a aposentadoria. Esses de escolas da rede estadual, a carioca da, a designer Érika Flores, filha de dados são a conclusão de uma pesqui- nunca tinha passado por uma expe- Rose, vê na situação da mãe uma ex- sa feita em todo o país pela Federação riência como essa. O baque foi ainda periência pela qual não quer passar. Nacional de Previdência Privada e maior quando, pela idade avançada e Há cerca de cinco anos passou a con- Vida (Fenaprevi), encomendada em necessidade de auxílio, decidiu pas- tribuir para um fundo de previdência agosto do ano passado ao Instituto sar a viver em uma casa de repouso privada. Observando o momento fi- Ipsos, poucos meses antes de o Go- em Olaria, na zona Norte da cidade, verno Federal enviar uma proposta ao onde tem companhia, cuidadores e Congresso Nacional para restringir o enfermeiros. Só o pagamento que é acesso ao benefício (também motiva- uma incógnita. Por causa da restrição do pela razão que faz o Poder Executi- financeira, algumas decisões tiveram 46% vo fluminense atrasar o pagamento da que ser tomadas. O apartamento da das pessoas entre 23 e mãe da Érika: as contas não batem). família de dois quartos, em Vila Isa- “O futuro da nossa aposentadoria é bel, também na zona Norte, que esta- 34 anos não conhecem muito incerto. A gente precisa pensar va abandonado, virou uma república os caminhos para se nisso ainda hoje”, reafirma Érika, en- estudantil. Alguns gastos tiveram quanto move um dos seus dois gatos que ser reduzidos. Só o custo dos re- aposentar de lugar, na sala de casa, no segundo médios, que passa de R$ 1 mil men- apartamento da família, perto do está- salmente, não pôde ser cortado, por dio do Maracanã, no bairro de mesmo razões óbvias. nanceiro da mãe, teve a certeza de que nome, na zona norte do Rio. A aposentadoria de dona Rose, os pagamentos mensais de R$ 100 ao Em outro ponto da cidade, após promessa de descanso e garantia para plano não podem parar. “É a garantia mais de meio minuto com os olhos muita gente, se transformou em um do meu futuro”, diz a jovem de poucas inquietos e semblante pensativo, Ale- mar de dúvidas. Cada mês é vivido e palavras, mas de olhar compenetrado xandre Caetano, estudante de publi- planejado com muito cuidado desde de quem sabe que o amanhã é incerto cidade em uma universidade pública que o Estado do Rio entrou em uma e, por isso, precisa ser minimamente na zona Sul do Rio, se dá conta de crise econômica sem precedentes. Fal- planejado. Com 24 anos, Érika faz que nunca havia ouvido falar de pre- ta dinheiro em caixa para pagar apo- parte do grande grupo de jovens, de 20 vidência privada. Ele acrescenta que é

6 Foto: Arquivo pessoal

A designer Érika Flores vai na contramão dos jovens brasileiros: aos 24 anos, contratou um plano de previdência privada

7 possível que tenha lido alguma coisa Perguntado se concorda com a refor- das para conter os rombos no fundo. a respeito em algum lugar, mas não ma da previdência em pauta no Con- Hoje, o modelo de previdência no está convicto. Essas duas palavras tão gresso, é enfático: “A reforma tem que Brasil é o de repassador de recursos, em voga nos últimos meses passaram acontecer, de um jeito ou de outro”. a partir de contribuições feitas pelos despercebidas por ele até então. “Ain- Como quem se dá conta de um ato próprios trabalhadores. E há basica- da não parei para pensar nisso.” Aos falho, de súbito reforça que a reforma mente dois modelos em vigência no 19 anos, Alexandre é um rapaz de ges- da previdência, da forma como está país: o Regime Geral de Previdência tos contidos, fala pausada, um olhar sendo proposta, prejudica grupos que Social (RGPS), operado pelo Instituto compenetrado por trás dos óculos de sempre tiveram muito pouco acesso a Nacional do Seguro Nacional (INSS) armação grossa e parece orgulhoso empregos formais. “Eu sou contrário para os trabalhadores regidos pela da longa barba que volta e meia afa- a essa reforma, essa que está aí, mas CLT (Consolidação das Leis do Tra- ga com uma das mãos. Ele começou a acho que uma reforma deve aconte- balho), e o Regime Próprio de Previ- trabalhar há apenas seis meses e não cer.” Em um edifício anexo ao prédio dência Social (RPPS), instituído por está satisfeito com a empresa, que se onde estuda Alexandre, o estudante entidades públicas como Institutos de intitula um canal de comunicação. De de Economia e estagiário de uma em- Previdência ou Fundos Previdenciá- segunda a sexta sai às seis da manhã da presa de consultoria empresarial no rios, aos quais estão associados obri- Tijuca, região norte da cidade, e após Centro do Rio Antônio Carnevale, de gatoriamente os servidores públicos uma hora em um ônibus cheio chega 23 anos, é um pouco mais pessimis- da União, Estados, municípios e do ao prédio da Universidade Federal do ta ao vaticinar o futuro. “Eu sempre Distrito Federal. Há ainda o Regime Rio de Janeiro (UFRJ), campus da fui confortável com a ideia de que eu de Previdência Complementar, no Praia Vermelha, na zona Sul. O edifí- vou ter que trabalhar para sempre, qual estão incluídos os planos de pre- cio construído no final do século XIX pelo menos eu sempre gostei da ideia vidência privada. para sediar o primeiro hospital psi- de me manter ocupado.” Carneva- Nos dois primeiros regimes, nos quiátrico do Brasil abriga há 50 anos a le parece falar medindo as palavras e quais estão também trabalhadores Escola de Comunicação, de onde saí- inicialmente se apresenta como um segurados por problemas de saúde, ram grandes nomes do jornalismo e da jovem tímido, mas é bastante seguro o volume de benefícios concedidos publicidade nacionais. ao prever que, com ou sem a reforma não tem sido suficiente, apontam os Com entusiasmo ele começa a con- da previdência, não terá descanso tão defensores da reforma. Pior do que tar que se imagina contribuindo para cedo. isso, a idade avançada da população e a sociedade de alguma forma quando O governo federal, já influencia- uma menor quantidade de trabalha- tiver idade para se aposentar. “Eu não do por previsões de déficit na Previ- dores contribuindo para o INSS têm me vejo em casa quando me aposen- dência Social (despesas maiores do feito com que as contas não fechem há tar, quero ser útil de alguma forma.” que receitas), passou a tomar medi- alguns anos. “O Brasil precisa fazer Foto: arquivo pessoal

A jornalista Camila Lua ainda tem 23 anos, mas, de olho no futuro, pensa em fazer um plano de previdência. Ela só não sabe como

8 Como aposentar-se hoje Regime Regime Geral da Previdência Social (RGPS) Regime Próprio da Previdência Social (RPPS)1 Beneficiados Trabalhadores do setor privado, empregados domésticos, Servidores públicos da União, dos Estados e dos municípios, autônomos, trabalhadores rurais e servidores públicos de 3.500 com exceção dos que estão no INSS, e militares municípios que contribuem para o INSS Nº de contribuintes 54,7 milhões 6,2 milhões Nº de beneficiários 28,3 milhões 4,2 milhões Déficit R$ 151,9 bilhões2 R$ 132 bilhões Total pago em benefícios R$ 515,9 bilhões (8,2% do PIB)2 R$ 254 bilhões (4,25% do PIB) Média das pensões e R$ 1.283,93 R$ 7.501,79 aposentadorias Aposentadoria De R$ 880 a R$ 5.189,82 (mesmo que salário na ativa seja Salário integral da ativa superior)

Tempo mínimo de Homens (Por idade: 15 anos / Por tempo de contribuição: Homens: 35 anos / Mulheres: 30 anos contribuição 35 anos) | Mulheres (Por idade: 15 anos / Por tempo de contribuição: 30 anos)3 Idade mínima para Homens (Por idade: 65 / Por tempo de contribuição: não há) Homens: 60 anos / Mulheres: 55 anos aposentadoria Mulheres (Por idade: 60 / Por tempo de contribuição: não há)4 Contribuição quando Não há 11% para servidores e 7,5% para militares + 1,5% por filha aposentado 1) Servidores públicos que começaram a trabalhar em 2013 passaram a contribuir para o regime geral e para um fundo de previdência complementar (Funpresp). 2) Dez/2016 - Fonte: Secretaria de Previdência / Ministério da Fazenda. 3) O tempo mínimo de contribuição é de 15 anos para os inscritos após 25 de julho de 1991. Se a contribuição começou antes desta data, são necessárias 144 contribuições. Algumas categorias, como a dos professores, têm um tempo de contribuição diferenciado (30 anos para os homens e 25 para as mulheres). 4) Trabalhadores rurais: homens (60 anos) / mulheres (55 anos). algumas reformas para reequilibrar do de previdência particular, ela ainda a economia. A primeira é a reforma Eu sou contrário a essa não passou a contribuir. “Eu não sei da previdência, por causa das pre- quais as melhores opções para mim, os visões de grande déficit. Um ajuste “reforma, essa que está aí, planos que se encaixam no meu perfil. nela passa a ser essencial. O déficit é mas acho que uma deve Mas eu sei que é importante. Em um exponencial e, lá em 2024, se nada for momento delicado, como esse que es- feito, o governo estará gastando todo acontecer tamos passando, a melhor forma para o orçamento com esses pagamentos”, se dar bem lá na frente é se prevenir Alexandre Caetano, universitário, 19 anos explica o economista-chefe do Home ” hoje”, garante a jovem. Broker Modal Mais, Álvaro Bandeira, Camila faz parte dos 62% dos jo- de um dos escritórios do Centro Em- Interno Bruto (PIB). Para este ano, a vens entrevistados na pesquisa da presarial Mourisco, em Botafogo, na expectativa é de um novo aumento no Fenaprevi que já ouviram falar das zona Sul do Rio. déficit previdenciário. mudanças nas regras da previdência. O texto enviado pelo presidente O levantamento da federação, feito a Michel Temer ao Congresso, que esta- • Pensando no futuro pedido do jornal O Estado de S. Pau- belece novas regras, já sofre resistência Imprevisibilidade é a palavra do lo, revela que a juventude brasileira por si só e já passou por mudanças. Os hoje, para o amanhã. Mas a incógnita sabe que o futuro da aposentadoria desafios enfrentados pela equipe eco- da própria profissão é o que faz a jor- vai mudar, mas não pretende pensar nômica passam pela rejeição pública nalista Camila Lua pensar em con- muito nele. No entanto, não é só a à reforma e é influenciada, ainda, pela tribuir com um plano de previdência falta de informações que inibe a con- grave crise política, com escândalos de privada. Sentada na mesa de um bar, tratação de planos. O pesquisador corrupção envolvendo o próprio presi- no Centro do Rio, e rodeada de ami- Kaizô Iwakami Beltrão, professor de dente. A proposta inicial fixava, entre gos, ela não compartilha da opinião estatística da Escola Brasileira de Ad- outras regras, a idade mínima de 65 dos colegas de que o futuro só deve ser ministração Pública e de Empresas anos para a aposentadoria de homens pensado quando se chegar lá. “Eu ain- (Ebape), da Fundação Getúlio Vargas e mulheres, com contribuição míni- da sou nova, tenho só 23 anos, e não (FGV), observa que o fator financei- ma de 25 anos. O Congresso, no en- tenho carteira assinada. A profissão ro, hoje, também influencia na falta tanto, já reduziu a idade mínima para que eu escolhi é instável, então, se um de tomada de decisão. “Acontece que mulheres para 62 anos. “O problema dia eu for mandada embora, não sei se a manutenção dos planos depende de fica por conta da fragilidade, da baixa vou conseguir outro emprego formali- regularidade do pagamento. Sem falar governabilidade do presidente Temer. zado. Na minha área, há muita gente que os que estão no mercado têm uma Certamente, teremos uma reforma que trabalha de forma autônoma. Um taxa de administração.” Esse cus- sendo feita este ano, mas demorando plano de previdência me daria mais to analisado por Beltrão se refere ao e sendo desidratada”, comenta Álvaro segurança amanhã do que depender de que o cliente precisa pagar para que o Bandeira. No ano passado, o sistema um empregador”, conta. Mas a con- fundo administre o dinheiro aplicado. público que atende aos trabalhadores vicção de sobra da Camila ao pensar Um estudo da consultoria NetQuant, do setor privado – o RGPS – registrou no futuro ainda não é a mesma quando especializada em previdência, apon- um déficit recorde de R$ 149,73 bi- se trata de colocá-la em prática. Por ta que a taxa anual costuma ser de lhões, equivalente a 2,4% do Produto falta de conhecimento sobre o merca- 2,85%, informação desconhecida por

9 Camila Lua. “Se você conseguisse fa- Embora muitos jovens saibam tenho uma plano de previdência pri- zer um investimento por você mesmo, como fazer uma aplicação em um fun- vada, mas pretendo ter em breve um o retorno seria melhor. Só que as pes- do de previdência privada e manifes- mais simples. Acho importante ter, soas não costumam ter regularidade tem essa vontade para não depender não faço poupança pela minha situa- em investimentos assim, por diversos somente da previdência oficial, na ção de dívidas, mas assim que tiver fatores, como a falta de dinheiro”, diz prática muitos alegam falta de di- regularizado a situação, pretendo Beltrão, um dos autores do livro “Re- nheiro ou planejamento financeiro começar a poupar também por conta volução na Previdência: Argentina, para pensar mais seriamente sobre o própria. Acredito que tenho acesso e Chile, Peru, Brasil”. assunto. Thiago Vasconcelos abriu a conhecimento de outras formas de in- Fazer investimento de longo pra- primeira empresa aos 19 anos e hoje, vestir mais atrativas que previdência zo e planejar-se para o futuro não são aos 24, com três empresas abertas no privada, mas um mínimo de segurida- hábitos enraizados no Brasil, e, para currículo, foi contratado no final do de acredito ser importante.” E assim quem está entrando no mercado de ano passado para ser trainee de uma como todos os jovens entrevistados, trabalho, poupar é ainda mais com- grande companhia do setor têxtil em ele acha importante que exista uma plicado. Como a aposentadoria é uma São Paulo. Depois que a terceira em- reforma na previdência, só não con- situação distante quando se é jovem, presa que ele abriu junto com um ami- corda com a que está sendo proposta. mesmo quem se planeja pode acabar go em Americana, interior do estado, “Vejo como necessário, mas da forma vendo seus planos mudarem por ra- estava prestes a falir, ele começou a como está proposta é bastante extre- zões que fogem do controle. Assim pensar em alternativas. Formado em mo, Parte significativa da população como Alexandre, Bárbara Nóbrega é Economia pela Universidade Federal que mais precisa dessa seguridade é estudante da Escola de Comunicação de Viçosa, em , já havia impactada de forma relativamente da UFRJ. E como ele, já trabalha. O acumulado uma boa experiência como drástica.” emprego na agência de notícias Fran- empreendedor, mas o mercado de tra- ce Press é motivo de orgulho para ela. balho já não era o mesmo de quando se • O comportamento do mercado Sentada com as pernas cruzadas e sob formou, dois anos antes. No início de Mas quais são, então, as dicas para o sol inclemente do meio-dia, Bárba- setembro passado ele recebeu uma li- alguém que pensa em contratar um ra conta que vem de uma família que gação de uma empresa de recrutamen- plano de previdência particular? Por sempre valorizou a ideia de aprovei- to que o surpreendeu. A recrutadora telefone, em seu escritório, falando tar a aposentadoria livre de preocu- havia recebido uma indicação que pausadamente e dando um silêncio de pações. “Toda a minha família tem Thiago tinha o perfil adequado para cinco segundos antes de cada respos- aposentadoria pública, contribuíram um programa de trainee. Ele aceitou o ta, Beltrão observa que o contratante a vida inteira e hoje em dia recebem. convite e hoje já está prestes a ser pro- precisa, primeiro, estar atento a quan- Minha avó, por exemplo, trabalhou movido. “Foi uma alegria grande, por- to ele quer de retorno lá na frente. “É no próprio INSS. Minha família é que se fala muito de empreendedoris- preciso saber o valor presente do que muito a favor da ideia de confiar no mo, mas são poucas as empresas que você vai investir e o quanto você vai Estado, de acreditar que ele vai te dar realmente dão valor a uma experiência receber no futuro, como esse dinhei- alguma coisa no fim da vida.” Há dois genuinamente empreendedora.” ro vai se transformar. Quando você anos ela passou por uma situação pela Apesar de ter conseguido o em- transforma um aporte atual em uma qual muitas pessoas que pensam em prego dos sonhos para muitos jovens renda vitalícia, juros também são guardar algum dinheiro para o mo- em início de carreira, por conta de cobrados. Esses detalhes precisam mento da aposentadoria já viveram. algumas dívidas ele ainda não come- ser feitos, as contas precisam ser cal- Recebeu uma herança do avô e, por çou a se planejar para o futuro. “Não culadas com cuidado”, diz. Outras sugestão do gerente de sua conta, fez uma aplicação em um plano de pre- vidência do próprio banco. Algum tempo depois, porém, envolta com uma despesa inesperada, resgatou Foto: O Globo todo o dinheiro e nunca mais voltou a aplicar. No entanto, não parece que- rer seguir o exemplo que aprendeu em casa e mantém a ideia de fazer o pró- prio pé de meia pensando no futuro. “Eu gostaria de receber alguma coisa após a minha aposentadoria, mas se eu tivesse condições de receber algum tipo de previdência privada, eu prefe- riria me apoiar nisso. Eu pretendo fa- zer, eu não quero me apoiar apenas no Estado. Embora talvez eu tenha que depender do INSS, mas não é o meu objetivo.” O economista Álvaro Bandeira trata a reforma previdenciária como fundamental para a melhora nas contas do governo

10 respostas para dúvidas de jovens que querem sair da curva da imprevisibi- lidade estão em um campo que eles conhecem bem e passam boa parte do tempo: a internet. Uma busca rápida no Google com os termos “plano de previdência privada” revela, inicial- mente, resultados de fundos em busca de clientes. É um mecanismo do mar- keting se aplicando ao momento atual, de alta velocidade de informações, e que é alimentado pelas discussões so- bre o arrocho da aposentadoria. Com pouco tempo de interesse, pode-se fa- zer simulações de planos. Ainda nos resultados do buscador Google, um anúncio da Caixa Econômica Federal responde a uma das perguntas mais frequentes, o “quanto vou gastar?”. O péssimas condições. As reações às difi- do Instituto de Pesquisa Econômica pequeno texto diz: “Planos a partir de culdades financeiras são mais efetivas Aplicada (IPEA) – a taxa, entre eles R$ 35 ao mês, sem entrada. Escolha o na população economicamente ativa. subiu de 20% em 2015 para 27,2%, no seu”. Um terço do que Érika, a entre- A frase popular de que “o brasileiro ano passado –, faltam recursos para vistada que abre essa reportagem, in- não se planeja”, aos poucos, demonstra aplicação em fundos que tornem o fu- veste mensalmente. estar sendo suprimida pelos problemas turo mais previsível. A geração mais Mesmo que as movimentações do agora. Entre os jovens, no entanto, afetada pela reforma da Previdência é mais diretas do Governo Federal em essa tendência é menor. Mais afetados também a que pouco se mexe. torno das mudanças nas regras da pre- pelo desemprego, segundo um estudo Versão online: www.parlamidia.com/previdencia vidência ainda não tenham completado um ano, o mercado sabe que isso tem influenciado na decisão dos brasilei- ros para buscarem os planos privados. A tendência de crescimento é natural. “As pessoas estão passando a pensar nisso como um ‘colchão’ para se pre- servarem”, diz o pesquisador Beltrão. Já o governo tenta se desassociar dessa ideia. Na saída de uma palestra de mais de uma hora para um auditório de eco- nomistas e estudantes da FGV, o secre- tário de Previdência Social comentou o assunto, durante pouco menos de qua- tro minutos, a jornalistas. “A reforma em si não traz mudanças para os regi- mes de previdência, não cria incenti- vos tributários à previdência privada, então não é ela que leva ao aumento da procura por esses planos”, avaliou, apressado e economizando nas pala- vras, Marcelo Abi-Ramia Caetano. A última coisa que o governo do presidente Michel Temer parece querer é colocar ainda mais lenha na fogueira das discussões da reforma, como a hipótese de fundos serem be- neficiados pelas mudanças, apesar de dados do setor mostrarem que a pro- cura pelos planos cresceu nos últimos meses. No consolidado do ano passa- do, os aportes aos planos privados au- mentaram 19,9%, também segundo a Fenaprevi, mesmo com a economia em

11 O que saber sobre planos de previdência privada

Lucas Bettoni

ualquer pessoa com mais de 18 anos pode con- um pagamento único ao final, com todo o valor acumulado. tratar um plano de previdência privada, existem Por mais que uma pessoa contrate um plano de previdên- Qmuitas opções disponíveis no mercado. Quase to- cia pensando na aposentadoria, é possível fazer um resgate dos os grandes bancos – ou uma corretora independente parcial ou total do valor aplicado antes disso; basta solicitar o – oferecem o serviço e há planos a partir de R$ 30,00 por resgate antecipado. Mas como a ideia é poupar a longo prazo, mês. Algumas instituições bancárias exigem que todo o só faz sentido aderir a um plano se a intenção é não usar o di- processo de escolha e contratação sejam feitos pessoal- nheiro investido no curto prazo. Um plano de previdência é mente, outros oferecem a possibilidade de contratação basicamente um fundo de investimentos e, ao fazer uma apli- online, sendo necessário fazer-se presente somente para cação, o aplicador se torna um cotista deste fundo. A diferen- a assinatura do contrato. Conversar com o gerente ou ça é que a tributação dos lucros é diferenciada e o responsável um especialista em investimentos é uma alternativa para pelo fundo adota estratégias específicas de investimento, em quem não conhece bem o funcionamento desse tipo de geral focadas no retorno a longo prazo. Cada plano adota um serviço, ou que tem dúvidas sobre qual plano escolher. perfil mais ou menos agressivo de investimento: alguns in- Quem está interessado em um plano deve analisar os vestem apenas em títulos do Tesouro Nacional, outros diver- diferentes planos disponíveis em cada banco ou corretora sificam investindo em ações ou fundos multimercado. Para antes de optar por um deles e escolher de acordo com o seu quem é avesso a riscos, é melhor um plano com uma carteira perfil de investimento e os riscos que está disposto a correr de investimentos mais conservadora. para obter um maior retorno. Para saber o quanto aplicar Outra escolha importante na hora da contratação é mensalmente a aplicador deve estabelecer em que idade definir se o plano será VGBL (Vida Gerador de Benefí- gostaria de passar a receber o benefício, ou qual o valor que cios Livres) ou PGBL (Plano Gerador de Benefícios Li- gostaria de receber no futuro. Sempre é possível alterar o va- vres). A diferença básica entre eles é o momento em que o lor aplicado e recalcular esse montante que será recebido lá contratante escolhe para que o rendimento do plano seja na frente. A renda ganha na data estipulada para o resgate tributado pelo Imposto de Renda: se no momento do res- pode ser vitalícia, por um determinado período, ou ainda ser gate ou no recebimento da renda.

VGBL PGBL Seguro de pessoa Plano de previdência complementar O IR incide somente no momento do resgate ou do recebimento da renda Recomendado para quem faz a Recomendado para quem declara declaração completa do IR, pois o IR no formulário simplificado e o investidor pode deduzir o que também para quem é isento, não investiu durante o ano até o limite contribui para o RGPS ou RPPS de 12% da renda bruta; para quem contribui para o RGPS ou RPPS ou é aposentado Quando o dinheiro for resgatado, o O imposto incidirá sobre o valor imposto será pago apenas sobre os total a ser resgatado e sobre a rendimentos renda recebida

12 Aposentar e não parar ECONOMIA DO BICO O trabalho como obrigação e fonte de prazer

Luísa Abreu*

Mais de 40% dos brasileiros aposentados com idade entre 60 e 70 anos ainda trabalham, e a maioria volta ao mercado para complementar a renda

le não confia em despertadores, muito menos doces fabricados por eles mesmos. Com a renda e o espíri- em celulares. Afinal, para estar de pé todos to empreendedor crescendo, ele teve a ideia de expandir o os dias às 5h não há tecnologia que aguente o terreno da casa, que já era grande, e fazer um pequeno apar- ritmo da máquina chamada Carlos Eduardo tamento e uma quitinete para serem alugados. Conclusão: a Pereira. Quem lê pode até pensar que ele é renda familiar, que era de um salário mínimo da aposenta- Eum “garotão”, cheio de gás e vida pela frente. Não que ele doria, passou a ser oito vezes maior. não tenha disposição, muito menos tempo para viver, mas Apesar de todo o esforço ter valido a pena, Carlos não o “garotão” de que estamos falando tem 70 anos de muito concorda com a política atual de aposentadoria. “Acho mui- trabalho e dedicação. to injusto. Hoje eu trabalho mais do que quando não era Segundo uma pesquisa divulgada em 2016 pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Carlos faz parte dos 42,3% de aposentados do Brasil entre 60 e 70 anos que ainda trabalham. A principal justificativa desses idosos é a necessidade de complementar a renda. Para 46,9% deles, só a aposentadoria não é suficiente para pagar as contas e des- pesas pessoais. Já 23,2% dizem que continuam no mercado para manter a mente ocupada, e 18,7%, para se sentirem mais produtivos. Outros 9,1% afirmam precisar trabalhar para ajudar os familiares. É o caso de Carlos Eduardo, que se aposentou aos 65 anos, mas continua ativo no mercado de trabalho, princi- palmente por necessidade. Na opinião dele, para uma pes- soa manter o mesmo nível de vida que levava antes de se aposentar, ela tem que continuar trabalhando, porque o dinheiro que recebe do governo normalmente não paga os gastos que vai ter. “O maior motivo de eu não ter parado de trabalhar é pelo dinheiro e, depois, pela satisfação pessoal”, explica o aposentado. Pesquisas do IBGE revelam que mais da metade dos ido- sos ocupados trabalha por conta própria; Carlos é um deles. Depois de 44 anos trabalhando de carteira assinada em in- dústrias e no comércio, ele, que já estava acostumado com vendas, comprou uma franquia de doces caseiros para serem distribuídos em restaurantes e bares. A garagem virou de- pósito e o carro de passeio virou carro de entrega. Ainda não satisfeito, ele criou uma nova marca, que recebeu o nome em homenagem a sua esposa – Doces da Vovó Célia –, para os Carlos Eduardo Pereira trabalha para * Reportagem produzida na disciplina Técnica de manter o nível de vida e por satisfação Reportagem II, ministrada pelo prof. Fernando Ewerton 13 livre?’. Enfim, essa vida dedicada ao trabalho, quando interrompida, im- plica um processo de adoecimento.”

• Mais idosos, mais gastos Não há dúvidas de que a população brasileira está envelhecendo. Pelo que o IBGE mostra, em 40 anos a popula- ção idosa vai triplicar no país e passará de 19,6 milhões (10% da população brasileira), em 2010, para 66,5 milhões de pessoas, em 2050 (29,3%). Parale- lamente a isso, para acompanhar essa Do ócio ao trabalho rentável: grupo de mudança na nossa pirâmide etária, au- mulheres do projeto Canoas de Pano mentaram também os gastos na Previ- dência: de 0,3% do PIB, em 1997, para projetados 2,7%, em 2017. Em 2016, aposentado. O governo deveria ban- jeto vendendo bolsas de pano reciclado o déficit do INSS chega aos R$ 149,2 car isso. Se trabalhamos a vida intei- em feiras e na própria comunidade. O bilhões (2,3% do PIB) e, em 2017, está ra, deveríamos chegar à terceira idade sonho delas é transformar a salinha estimado em R$ 181,2 bilhões. A so- e descansar, mas somos ‘obrigados’ do curso em uma grande confecção. lução que o governo propõe para esse a continuar trabalhando”. Ele ainda “Nosso trabalho cria, inova, junta as problema é a Reforma da Previdência, completa: “Esse trabalho deveria ser pessoas e se torna um local para a gente que inclui a definição da idade mínima muito mais por lazer e não por neces- falar das nossas ideias e sonhos”, conta de se aposentar – 65 anos para homens sidade. Deveríamos usar o dinheiro da a aposentada Lúcia Oliveira, 51 anos, e 62 anos para mulheres – e acaba com a aposentadoria para viver o que ainda que, embora seja formada em Psico- possibilidade de aposentadoria exclusi- não vivemos, não para sobreviver”. logia, trabalhou até se aposentar como vamente por tempo de serviço no INSS. técnica de enfermagem. Além disso, eleva o tempo mínimo de • O prazer de se sentir útil contribuição de 15 anos para 25 anos. Mesmo frente a esse cenário nega- • “Mente vazia, oficina do diabo” Para João Saboia, professor do tivo, a pesquisa do SPC e do CNDL Um estudo publicado pelo centro Instituto de Economia da UFRJ e mostra que 70,7% dos aposentados que de estudos Institute of Economics pesquisador de economia do trabalho, ainda trabalham têm sentimentos posi- Affairs (IEA), com sede em Londres, uma mudança neste momento em que tivos sobre a situação. Entre essas pes- mostrou que a aposentadoria leva a vivemos é necessária, mas faz uma soas, 38,8% dizem ter satisfação pessoal um “drástico declínio da saúde” a mé- ressalva: “É inegável que estamos vi- por trabalhar, enquanto 19,7% afir- dio e longo prazos. Segundo o IEA, vendo mais, porém, a nossa qualidade mam sentir orgulho. Afinal, por meio a aposentadoria pode elevar em 40% de vida ainda não chega nem perto das do trabalho o ser humano estabelece as chances de desenvolver depressão, nações desenvolvidas como a Suécia, planos, metas e aspirações, constrói enquanto aumenta em 60% a possibi- que tem um dos maiores Índices de seus laços afetivos, exerce sua criativi- lidade do aparecimento de algum pro- Desenvolvimento Humano (IDH) dade e, principalmente, sente-se útil. blema físico entre homens e mulheres. e taxações de impostos mais altas do Em Vila Canoas, uma comunidade A psicóloga Cirlene Christo, dou- mundo. O que diferencia o Brasil des- em São Conrado, zona Sul do Rio de tora em Psicologia Social e professora ses países é o uso dos impostos. No Janeiro, com cerca de 3 mil morado- de Psicologia do Trabalho da UFRJ, Brasil não há um retorno — saúde res, há seis senhoras que passaram a explica essa pesquisa segundo aspec- pública, educação, segurança, infraes- desfrutar todos esses prazeres do tra- tos culturais e sociopolíticos. Para trutura etc. — para a sociedade, logo, balho. Há dois anos, a Enactus UFRJ ela, a sociedade capitalista, baseada os resultados dos altos impostos são – uma organização mundial sem fins na obtenção de dinheiro, faz com que insatisfatórios para a terceira idade”, lucrativos que conta com a participa- fiquemos muito vinculados ao tra- A psicóloga Cirlene Christo con- ção de mais de 1.700 universidades balho e acaba que não aprendemos corda com o economista e comple- envolvidas em projetos, impactando a outras formas de sociabilidade. “Em menta: “Hoje está começando a se de- vida de mais de 1 milhão de pessoas – uma sociedade em que você é, vive senvolver uma indústria para atender criou um projeto chamado Canoas de e respira trabalho, se algum dia você à crescente demanda dos idosos, mas Pano, que tirou senhoras ociosas de deixar de trabalhar, então o que você até agora tudo foi pensado em uma casa para um curso de corte e costura. vai ser? Daí surge uma crise de identi- perspectiva comercial e mercadológi- Inicialmente, todos os produtos dade e uma dificuldade de se recolocar ca. Falta olhar para os idosos não só feitos por elas eram apenas motivo de no meio social, uma vez que os ami- como um mercado em potencial nem orgulho e de satisfação pessoal, de- gos eram os amigos do trabalho, logo, como um estorvo para o nosso sistema pois perceberam que poderiam tornar passa a não ter amigos; a vida e o tem- previdenciário, mas como uma cama- aquele trabalho rentável. E não deu ou- po gastos eram com o trabalho, ‘agora da da sociedade que precisa de políti- tra! Hoje, todas elas lucram com o pro- o que eu faço com todo esse tempo cas públicas e mais atenção.”

14 Com rendimentos, em Mulher e geral, menores do que os dos homens, o gênero extra renda feminino se submete a trabalho jornadas duplas

Daniella Vianna*

Em média, o salário delas é quase 25% menor do que o deles, segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2016

ostureira, vendedora, ca- têm um emprego formal e comple- questão recorrente na história do Bra- beleireira e contadora. A mentam a renda com outra atividade. sil. Apesar de representarem 52,2% lista de profissões com re- Principalmente, as mulheres que, em das pessoas em idade para trabalhar, gistros e sindicatos é gran- geral, ganham menos que os homens. apenas 43,0% das mulheres ocupam as de. Hoje, no Brasil, são Para Jussara Barreto, 61 anos, ven- vagas disponíveis. A desigualdade de C2.422 registradas pelo Ministério do dedora da Casa Machado, uma loja gênero também é presente nos rendi- Trabalho e Emprego (MTE) e, destas, de aviamentos em Duque de Caxias, mentos. Os índices da Pesquisa Men- 68 exigem algum tipo de especializa- a atividade extra é necessária, mas sal de Emprego (PME), 2016, apon- ção. Mas, para Jussara, Flavia e Vera não prejudica o trabalho formal. Ela tam que as mulheres recebem, em Lucia, essa renda não é suficiente. vende produtos cosméticos e lingerie média, 75,4% do salário dos homens. Elas têm um emprego formal, porém nas horas vagas. Nessa ocupação ex- Segundo a Pnad de 2012, são gas- esse salário não consegue mantê-las e tra, usa os catálogos da Avon, Natura, tas por semana 37,1 horas no trabalho precisam complementá-lo com outras Abelha Rainha e DeMillus. “Eu con- principal e outras 20 horas com afaze- atividades. As estatísticas do Instituto res domésticos. Os homens realizam, Brasileiro de Economia da Fundação em média, 10 horas no serviço domés- Getúlio Vargas (Ibre/FGV) apontam: Os meus clientes tico no mesmo período. A referência é mais de 10 milhões de brasileiros tra- de pessoas com 16 anos ou mais ocu- balham na informalidade. antigamente“ estavam padas na semana da pesquisa. Sobre a O problema da desvalorização empregados. Agora, rotina com um trabalho complemen- do serviço feminino, associado à crise tar, Jussara diz: “Chego em casa, às econômica no país, resulta em mui- metade deles ficou vezes estou cansada, tenho que entrar tas mulheres com jornadas duplas desempregada e não no site, colocar os pedidos, separar os ou até triplas de trabalho. Segundo a produtos. Porque aqui a gente tem Pesquisa Nacional por Amostra de pode comprar os lanches uma jornada grande, de 10h da manhã Domicílio (Pnad) de 2012, realizada comigo até 19h em pé”. pelo Instituto Brasileiro de Geografia O dia a dia de Flavia Oliveira, 20 e Estatística (IBGE) e publicada no anos, também inclui várias ativida- Flavia Oliveira, 20 anos Relatório Anual Socioeconômico da ” des. A jovem trabalha como auxiliar Mulher (RASEAM), o rendimento de professora, de 7h30 às 17h30, no -hora de trabalho principal tem uma sigo conciliar bem, porque a Avon, Centro Educacional Souza Bello, em diferença de R$ 2,2. Enquanto os ho- por exemplo, me traz o material e en- Duque de Caxias. À noite, estuda Di- mens ganham R$ 12,2 a cada hora, em trega na casa do meu filho”, diz a ven- reito na Universidade Estácio de Sá, média, as mulheres recebem R$ 10,2. dedora, que está em uma faixa menor em Vilar dos Teles, São João de Meriti. Quando se leva em conta os anos de de população ocupada, a de pessoas Seu turno na faculdade é de 18h30 às estudos, a partir de 12 anos ou mais a com 60 anos ou mais. Segundo dados 22h20. Na sexta-feira e fins de semana diferença aumenta. Nessas condições, da PNAD Contínua, referente ao úl- ajuda a mãe em um carrinho de lan- mulheres ganham R$ 19,6, enquanto timo trimestre de 2016, são 8% na re- ches em Belford Roxo. As três cidades os homens R$ 29,6. gião Sudeste. fazem parte da Baixada Fluminense É difícil mensurar quantas pessoas A mesma pesquisa confirma uma O trabalho começa por volta das

* Reportagem produzida na disciplina Técnica de Reportagem II, ministrada pelo prof. Fernando Ewerton 15 19h e vai até as 23h ou meia-noite. estava grávida de Kênia, hoje com 25 ziu muito. O movimento não é mais Nesse dia, sua grade na universida- anos. Na transportadora, trabalha no o mesmo”, afirma Flavia. O número de está livre. “É bem desgastante, departamento pessoal, mas, aos fins de desempregados no Brasil chegou a cansativo mesmo. Eu não descanso, de semana, com a ajuda de Jessica, 14,2 milhões no mês de março. A taxa nada”, comenta sobre os dias em que sua cunhada, faz a decoração de pe- de 13,7%, divulgada pelo IBGE no dia se divide entre a venda de lanches e quenas festas no Parque Fluminense. 28, é a maior da série histórica iniciada o trabalho na escola. Essa atividade é O negócio começou como um hobby em 2012. complementar para a mãe de Flavia e virou fonte de renda. “Eu sempre O círculo de amigos em atividades também. Durante a semana, Luzine- fazia bolos para a família. Aí de re- informais pode ser forte, para criar te Oliveira, 53 anos, trabalha como pente, apareceu uma pessoa na inter- uma rede de pessoas que trabalha na vendedora de planos funerários na net, vendendo algumas coisas. Eu me mesma área. “Há uma troca de clien- empresa RioPax. Sua carga horária é interessei. Vou investir, vou trabalhar tes que indicam pessoas distantes para de 9h às 17h de segunda a sexta. Em com a família”, diz Vera sobre o início comprar com a gente. Da mesma for- alguns fins de semana, trabalha como do negócio. ma existem outros estabelecimentos cabeleireira e maquiadora em festas Devido à crise econômica, mesmo que nós indicamos”, disse Flavia, que de 15 anos e casamentos. com um emprego formal, a vendedo- vende lanches. Já para Vera Lucia, No relatório “Gênero e Autono- ra de produtos de beleza sofre conse- isso não é comum. Segundo a técnica mia Econômica para as Mulheres”, quências no trabalho complementar. em contabilidade, o mercado de fes- divulgado pela ONU Mulheres em “As vendas ficam oscilando muito. tas é muito competitivo e dificilmente 2016, foi observado que 37,3% das Tem períodos que sobe um pouqui- ocorre alguma indicação. “Tem uma famílias no Brasil eram chefiadas por nho, mas bem pouco. Do período em certa concorrência. Está meio difícil. mulheres. Elas são a principal renda que eu comecei a vender, há 20 anos, a As pessoas hoje estão pensando só em familiar, ou seja, as responsáveis pela venda caiu muito”, afirma Jussara. si. Não tem muito isso no ramo. É di- casa. É o caso de Luzinete, divorciada Assim como a venda de cosmé- fícil.” e mãe de Lucas, 13 anos. ticos e lingeries, os lanches tiveram Em artigo publicado pela Orga- Vera Lucia Venâncio, 48 anos, fortes perdas com a crise econômica. nização Internacional do Trabalho também é chefe da família. Quando “Os meus clientes antigamente es- (OIT), agência das Nações Unidas, jovem, a técnica em contabilidade na tavam empregados. Agora, metade José Manuel Salazar-Xirinachs, di- transportadora Alegrense largou a fa- deles ficou desempregada e não pode retor regional da OIT para América culdade de Administração. Na época, comprar os lanches comigo. Redu- Latina e Caribe, estima que aproxi-

Flavia Oliveira em frente ao carrinho de lanches

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37,3% 43% 70% aproximadamente das das famílias no Brasil dos empreendedores mulheres latino-americanas eram chefiadas por no Brasil são do gênero trabalham nos setores de mulheres, em 2016 feminino comércio e serviços

madamente 70% das mulheres lati- ca outras fontes de renda. “Aluguei realizada em parceria com o Serviço no-americanas trabalham no setor de a casa como complemento. Comprei Brasileiro de Apoio às Micro e Peque- comércio e serviços. Só o comércio, uma máquina de algodão doce. Faço nas Empresas (Sebrae). O relatório em 2015, correspondeu por 26,5% pirulito de chocolate, maçã, alugo as era focado nas empresas com até cinco da composição de ocupação urbana toalhas, faço kits, adesivos para as funcionários. no setor de atividade econômica. Em pessoas fazerem as lembrancinhas”, Durante cerca de dois anos foi pu- relação à população ocupada por ramo comenta a técnica em contabilidade blicado um índice que buscava traçar de atividade econômica, o comércio sobre como faz para aumentar seu sa- um panorama da condição feminina corresponde a 28,3% do trabalho fe- lário mensal. no Brasil, o Relatório Anual Socioe- minino em 2015. Os dados são do Pa- Ao contrário de Jussara, a ren- conômico da Mulher (RASEAM) norama Laboral da América Latina e da dos lanches vendidos por Flavia no qual foram compilados dados de Caribe em 2016. é maior do que o seu salário de auxi- diversos órgãos de pesquisa, desde o liar de professora, atualmente de R$ Departamento Intersindical de Es- • Empreendedorismo 900. Na pesquisa publicada em mar- tatísticas e Estudos Socioeconômicos O mesmo relatório da ONU de ço pelo Centro de Políticas Públicas (Dieese) até o IBGE. Em 2016, o re- 2016, sobre autonomia econômica da Fundação Getúlio Vargas (FGV), latório não foi divulgado. Mas, em ju- para as mulheres, divulgou que 43% foi observado que, embora tenham nho, a Câmara dos Deputados publi- dos empreendedores no Brasil são do rendimentos menores, a renda das cou o estudo “Mulheres no Mercado gênero feminino. Porém, apenas 20% mulheres decresceu menos em 2016. de Trabalho: onde nasce a desigualda- delas têm rendimentos mensais acima Elas perderam 2,8%, contra 5,1% dos de?”, com consultoria de Tânia An- de R$ 30 mil. Esse desejo de empreen- homens. drade. No estudo, fez-se uma síntese der é frequente nas brasileiras. “A mi- Tanto Flavia quanto Jussara já dos avanços e retrocessos na condição nha vontade mesmo era ter um negó- conseguiram comprar bens semidurá- econômica da mulher brasileira. Em cio próprio. Até mesmo para vender veis com os “bicos”. “Já compramos ambos os documentos as mulheres esses produtos”, diz Jussara, sobre os muita coisa, a reforma da casa, paga- negras e empregadas domésticas tive- cosméticos e lingeries. mentos da faculdade, eletrodomés- ram uma análise aprofundada. As dificuldades em abrir o próprio ticos”, diz a estudante de Direito. Já Apesar das dificuldades, Jussa- negócio impedem um investimento Vera Lucia, no último ano, conseguiu ra tem prazer no trabalho extra. “O maior no emprego informal, já que a comprar um terreno ao lado de sua vínculo de amizades que a gente faz CLT proporciona segurança e esta- casa com o dinheiro das festas. é muito grande com as vendas. As bilidade. “O trabalho regular sempre Diferentemente de Jussara, Fla- pessoas pedem, elas precisam da mer- é mais seguro. Tem carteira assinada, via não pretende viver dos lanches. cadoria. E a gente está sempre ali dis- você sabe o que vai receber”, afirma A jovem de 20 anos afirma que, caso posta a entregar um folheto, a merca- Jussara. Os trabalhadores formais têm ganhasse mais no emprego formal, doria”, afirma. direito atualmente a férias, 13º salário, deixaria de trabalhar com a mãe no Vera Lucia também comenta que FGTS, entre outros benefícios carrinho. A estudante, no momento, gosta da rotina e das atividades que A relação de inconstância da infor- está na faixa de trabalhadores ocupa- faz. “Eu não dispensaria nenhum dos malidade é apontada pelas três mulhe- dos com ensino superior incompleto, dois. Essa parte da decoração eu faço, res como um obstáculo para viver ape- que correspondem a 5,4% das pessoas porque eu gosto. Não sou hipócrita. Eu nas com o “bico”. “Na escola eu tenho ocupadas na região Sudeste, segundo ganho um dinheirinho, mas é por pra- um salário fixo para receber todo mês, a última Pnad Contínua. zer mesmo.” Para o futuro, a decora- posso pagar minhas contas. E traba- O mercado informal apresenta dora de festas pretende parar de traba- lhando com lanches é incerto. Porque poucas pesquisas específicas sobre o lhar e viver com outra fonte de renda. tem dias que você ganha um dinheiro tema. A última divulgada pelo IBGE “No futuro eu pretendo não trabalhar legal, mas tem outros que não”, diz a respeito do mercado de trabalho para ninguém. Meu planejamento é Flavia, que, assim como Jussara, teme informal foi em 2003, ou seja, há 14 fazer quitinetes no terreno e alugar. Eu a oscilação da informalidade. anos. Na época a pesquisa foi chama- trabalho desde os 13 anos, está na hora Além de decorar festas, Vera bus- da de Economia Informal Urbana e de parar. Estou cansada.”

17 A vez do O movimento saudável que tomou conta do VEGAN Rio de Janeiro

ESTILO DE VIDA & negóicos ESTILO DE VIDA Gabrielle Nunes e Fábio Marinho

Fotos de Gabrielle Nunes e Marcella Freire

Com cada vez mais adeptos, o veganismo marca presença em feiras e restaurantes, afirmando-se na cena cultural carioca e alimentando um mercado crescente

Saudação de boas-vindas na feira Beer Verg

a sala de um aparta- pesto de shiitake e uma variação do veganos, a Zupaleca. Apesar do nome mento de classe média, molho Alfredo, cuja base costuma diferente, as zupalecas, um tipo de no Humaitá, bairro da levar leite animal mas foi substituída alimento criado pela garota, nada são zona sul do Rio de Ja- por um leite feito de castanhas. “Ima- além de bolinhos veganos que podem neiro, uma jovem de ginei que a Cat fosse implicar com os ser compostos de grãos, legumes, ver- N23 anos oferece um jantar para quatro cogumelos”, ela explicou, referindo- duras, frutas, sementes e condimen- amigos. O mês de fevereiro já estava se a uma de suas amigas. Os pratos tos. Com opções salgadas e doces, são na segunda quinzena, quando a at- pouco tinham em comum, sobretudo oferecidos em diversos sabores, como mosfera de Carnaval toma a cidade, e no apresentação, mas uma coisa os croquete alemão, limão siciliano e pa- o jantar escapava à folia que começa- une: nenhum animal foi morto ou ex- çoca. va a pipocar pelas ruas. “Espero que plorado para sua elaboração. Finalizado o jantar, a jovem levan- vocês gostem”, disse ela, aparentando Cientes da proposta do jantar, tou-se de sua cadeira, a mais próxima estar um pouco ansiosa. Sobre a mesa os convidados ouviram-na, atentos da cozinha, e para lá se dirigiu, pela di- circular estava o que restou da entra- e curiosos, explicar o que estava nas reita, passando por entre a cristaleira e da, uma terrine, tira-gosto similar ao duas travessas de vidro e como ela a cômoda de madeira adjacentes à porta patê comumente servido em fatias. O cozinhou cada uma daquelas comi- que lhe dava acesso à geladeira, de onde prato pode ser elaborado com diver- das. Barbara Fürst, a jovem anfitriã, é ela trouxe a sobremesa. As zupalecas sos tipos de carne, mas esse, diferen- vegana há aproximadamente um ano de limão siciliano serviram de base temente das receitas tradicionais, era e, para além de uma confraternização para o “cheesecake”, a receita ameri- feito de castanhas de caju. Próximos ordinária, a reunião com os amigos cana de torta de creme de queijo, mas à vasilha onde estava o quase finado tinha o objetivo de apresentar-lhes que, em vez do produto de origem ani- terrine, havia uma massa com as duas seu novo empreendimento, criado mal, levavam um creme de castanhas possibilidades de molho que compu- em parceria com o namorado, João sob uma cobertura de pasta de amen- nham o cardápio principal da noite: Castro Silva: uma marca de alimentos doim. “João, essas são para eles, não é

18 para você comer”, disse ela, enquanto incluía no cardápio da sobremesa al- gumas zupalecas de cacau com laranja. Barbara e João, graduanda em psicolo- gia e recém graduado em jornalismo, respectivamente, ambos pela PUC -Rio, são apenas mais um exemplo de jovens que encontraram no veganismo uma alternativa profissional. Motiva- dos pela escassez da oferta de alimentos veganos diversos e partindo da própria experiência com a procura por esse tipo de produto, o casal encontrou uma oportunidade de entrada em um mer- Aline Duarte, Evânia Prata e cado que, acompanhando um público Cláudia Chagas (da esq. para dir.), progressivamente mais interessado no clientes do Açougue Vegano veganismo, cresce a cada dia. Pesquisa realizada pelo Instituto Ibope, em 2012, revelou que existem cerca de 16 milhões de vegetarianos no Brasil. Ou seja, 8% da população vende de churrascos e linguiças a co- da. uma cozinha comunitária que, a total no país. Não há pesquisas que xinhas de jaca, tudo 100% de origem cada dia, recebe um chef ou um cozi- indiquem o número de veganos no vegetal. O menu busca agradar aos nheiro para preparar sua especialida- Brasil, mas, a título de comparação, clientes veganos e também àqueles de culinária. No dia vegano as opções nos Estados Unidos 50% dos vegeta- que nunca cogitaram deixar de comer foram espetinhos veganos, hambúr- rianos são veganos; já no Reino Uni- carne. Esse é, inclusive, um dos obje- guer de shiitake e a clássica coxinha de do, eles representam 33% das pessoas tivos da loja: aproximar aqueles que jaca. Evânia Prata, vegetariana há 30 que não comem carne. Se essa razão não conhecem o veganismo e apre- anos, aproveitou a oportunidade para fosse transposta para o Brasil, seria sentá-los a novas opções de receitas provar novas receitas com a amiga possível dizer, através de uma esti- - sem nenhum ingrediente de origem Cláudia Chagas. Aline Duarte, vege- mativa conservadora, que ao menos animal. O Açougue Vegano se fez tariana havia dois meses, também foi 5 milhões de brasileiros são veganos. presente no espaço associado da Void experimentar as variações veganas do Além disso, segundo a Sociedade Ve- General Store e da House of Food, Açougue e considera eventos como getariana Brasileira (SVB), o número em Botafogo, também na zona Sul. A esse uma oportunidade de aprender de buscas pelo termo “vegano” no primeira empresa é uma das franquias mais sobre a culinária vegana. O chef Google cresceu 1000% entre 2012 e da loja-conceito que combina moda, Celso Fortes, um dos criadores do 2016. Acompanhando a tendência, o itens de conveniência e bar, e a segun- Açougue Vegano, aposta que inicia- mercado de comidas veganas também tivas como essa ajudam a levar infor- vem se expandindo. A SVB estima mação a pessoas que nunca ouviram que já existam mais de 240 restauran- falar de veganismo. tes vegetarianos e veganos no Brasil, além de diversas opções de produtos • As feiras veganas sem ingredientes derivados de ani- No fim da tarde do primeiro sá- mais em restaurantes e lanchonetes bado de maio, o sol já se punha na não-vegetarianos. Aos menos 25 res- capital fluminense, mas o Beer Veg taurantes exclusivamente veganos estava apenas começando na rua São ou vegetarianos estão localizados na Clemente, em Botafogo. Em um ter- cidade do Rio de Janeiro. Embora a reno amplo, com uma cobertura de maior parte deles esteja localizada no lona azul e branca e dezenas de bar- eixo Centro-Zona Sul, também há op- raquinhas de pequenos produtores ao ções nas zonas Norte e Oeste. redor, a feira de alimentos veganos e Versões veganas de produtos ori- cervejas artesanais já estava cheia. O ginalmente cárneos ou lácteos, como DJ garantia a boa música enquanto coxinhas, queijos, quibes e linguiças, o público se deliciava com os doces e enchem as prateleiras de mercados salgados totalmente veganos. Barbara e lojas. A demanda por esses produ- e João vendiam o alimento que elabo- tos cresce tanto que têm surgido lojas raram para sua marca. Começaram a especializadas em versões veganas de frequentar as feiras como consumido- diversos alimentos. É o caso do Açou- Anúncio de produtos res, mas, após a criação do empreen- gue Vegano, no Rio. Criado em 2017, do Açougue Vegano dimento, passaram a estar atrás das a empresa fica na Barra da Tijuca e barraquinhas como produtores. Os

19 Foto: Gabrielle Nunes

As feiras, como a Beer Verg, têm sido espaços importantes para os empreendedores, mas também para o público degustar os produtos veganos

bolinhos, que começaram a ser ven- inovação e ressignificação podem ser a em feiras e eventos veganos todos os didos em um estabelecimento na zona chave. Foi o que aconteceu com os ir- meses. Anelise Kaippert (vegetaria- Sul, hoje são também comercializadas mãos de criação João Vitor dos Anjos na há 6 anos e vegana desde janeiro) em redes de lojas de produtos naturais Reis e Catherine Fischer, ambos de e Ysis Neves (vegetariana desde 2001 e estão marcando presença em várias 24 anos, que também expunham na e vegana havia 2 meses) são as ideali- feiras por todo o Rio de Janeiro. Bar- Beer Veg. Nenhum dos dois é vegano, zadoras e organizadoras do Beer Veg, bara acha que eventos como a Beer mas João Vitor é vegetariano há 5 anos com o objetivo de unir pequenos pro- Veg propiciam benefícios para o ne- e Catherine, há 2. Quando a mãe e a dutores veganos e cervejeiros artesa- gócio que vão muito além da prospec- irmã dela decidiram também parar de nais. Empreendedora, Ysis já havia ção da marca. “Acho que é muito bom comer carne, surgiu a ideia de criar organizado, em março de 2016, o En- para o pequeno produtor, tanto pela receitas veganas. As criações deram contro Veggie, também motivada pela possibilidade de visibilidade dian- tão certo que em setembro de 2016 os falta de produtos veganos nos merca- te do público, como pela rede que se irmãos decidiram abrir a Marajaca, dos. Anelise acredita que os eventos cria, de contatos com organizadores, especializada em alimentação vegana aproximam o veganismo do público outros expositores et cetera”, afirma. - tudo à base de jaca. Desde o lança- leigo, mas critica produtores e orga- A incidência de eventos voltados mento da marca, eles estão presentes nizadores que entram no mercado para gastronomia vegana, que po- dem ser periódicos ou esporádicos Foto: Marcella Freire Foto: Marcella Freire e ocorrem em quase todos os fins de semana, é tão grande que ela afirma que, por limitação de pessoal, acaba recusando convites de exposição em uma feira por já ter presença confir- mada em outra. Entretanto, ela alerta que, apesar de poder parecer o contrá- rio, a inserção nas feiras pode não ser tão fácil. “Depende da feira e do que você expõe. Por exemplo, brownies e hambúrgueres já estão sendo suficien- temente explorados. Mesmo assim, toda hora surge uma nova marca de brownie e hambúrguer, e aí acaba não Barbara Furst e João Anelise Kaippert e Ysis tendo espaço para todo mundo, por Castro Silva, donos Neves, idealizadoras e ser repetitivo.” da Zupaleca organizadoras do Beer Veg No mercado de comida vegana,

20 Veganismo: 73 anos de história

O termo veganismo foi criado em 1944 por um grupo de “seis vegetarianos não lácteos”, convocados para uma reunião pelo inglês Donald Watson. No encontro em Bir- mingham, no Reino Unido, incomodados com a definição longa de seus hábitos alimentares e estilos de vida, eles es- colheram a palavra “vegan” a partir da combinação das três primeiras com as duas últimas letras da palavra “vegeta- rian”. No mesmo ano foi criada a Vegan Society. Quando a associação tornou-se uma instituição de caridade, em 1979, o veganismo foi definido como “uma filosofia e modo de vida que procura excluir – na medida do possível e do praticável – todas as formas de exploração, e crueldade, de animais para alimentação, roupas ou qualquer outro propósito; e, por extensão, promove o desenvolvimento e o uso de alternati- vas livres de animais em benefício dos seres humanos, dos animais e do meio ambiente. Em termos alimentares, deno- ta a prática de rejeitar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais”. Para celebrar o 50º aniversário da há a People for the Ethical Treatment of Animals (Peta) instituição, em 1994 foi adotado o 1º de novembro como Dia e a Vegan Action. No Brasil, as empresas podem recorrer Mundial Vegano. à certificação da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), A Vegan Society é responsável pela certificação de mais com quase 30 empresas autorizadas a usar o Selo Vegano. de 22.000 produtos e serviços em todo o mundo. Feita uma A diferença entre o vegetariano e o vegano é que o pesquisa no site da organização, apenas uma empresa bra- primeiro, apesar de não se alimentar de carne, consome sileira pode usar o selo de produto 100% vegano (imagem produtos de origem animal (ou composto por eles), como ao lado), a Duprata Alimentos, criada em 2013 na cidade de ovos e laticínios. Além de não comer quaisquer produtos Prata (Minas Gerais), fabricante de barras de frutas natu- que tenham causado sofrimento animal, o vegano é con- rais e barras de amendoim. Entre as várias instituições que tra todo tipo de exploração dos animais, como em toura- certificam produtos e serviços livres de crueldade animal das, circos, jardins zoológicos, pesca, caça e outros.

apenas em busca de lucro: “Eu noto distâncias para ter acesso à culinária muito que às vezes as feiras crescem Acho que é muito bom vegana. A pioneira das feiras para por razões oportunistas, porque está os cariocas foi a Primavera Vegana, “para o pequeno produtor, na moda. Mas qual é a motivação da que acontece quinzenalmente em pessoa? As minhas motivações para tanto pela possibilidade Botafogo. Além dos expositores de fazer o Beer Veg foram duas: um por- alimentos veganos, a Primavera vai que eu apóio o veganismo e gosto de de visibilidade diante do mais a fundo e conta com vendedores fazer coisas relacionadas a isso e rela- de roupas e itens de higiene pessoal cionadas à proteção animal; e o que fa- público, como pela rede livres de crueldade animal. O que zia muito sentido para mim era poder que se cria. parece ser consenso entre produto- reunir o pequeno produtor de bebida, res e organizadores de eventos é que no caso o cervejeiro artesanal, com o Barbara Fürst, empreendedora vegana as feiras veganas contribuem para a de comida. O vegano quer muito sa- ” diminuição do preconceito que mui- ber o que ele está comendo, e ele tam- tas pessoas ainda têm em relação ao bém quer saber o que está bebendo”. sível ao público, a empresária deter- veganismo. Nas feiras, o público en- Embora as feiras se concentrem mina que o valor de cada comida não tra em contato com a filosofia vegana majoritariamente na zona Sul, elas pode exceder a quantia de R$ 20,00 e de proteção animal e entende que o têm se espalhado cada vez mais para a renda obtida é revertida para a cau- veganismo não é apenas uma dieta outras regiões da cidade. O Veg Borá, sa animal. Outros eventos de grande restritiva, mas um estilo de vida que também organizado por Ysis, é um dimensão, que inclusive transcendem preza pelo respeito à natureza. O chef dos exemplos. Realizada com fre- os limites da capital fluminense, têm Celso Fortes, um dos criadores da quência na zona Norte, a feira, que ocorrido em Niterói, como o festi- marca, estava presente e garante que hoje é mensal, surgiu da demanda do val Veggo e a feira Itacoatiara Vegan, iniciativas como essa ajudam a levar público por eventos maiores. Na in- evitando que os moradores da cidade informação a pessoas que nunca ou- tenção de manter o veganismo aces- vizinha precisem atravessar grandes viram falar sobre veganismo.

21 rães, de Salvador, conversava com o marido Paulo Victor Guimarães so- Mídia e veganismo bre antigas comunidades no Orkut. Uma dessas comunidades se chamava Ogros Vegetarianos e, pesquisando no m uma cozinha bem equipada, mais de 1,6 milhões de visualizações e Facebook, o casal percebeu que fal- bem decorada e bem arquiteta- mais de 21 mil compartilhamentos. A tava um grupo parecido voltado aos Eda, uma moça prepara um pra- receita apresentada por Hilbert, mes- adeptos do consumo que exclui todos to de macarrão de abobrinha com pesto mo não levantando a bandeira do ve- os produtos de origem animal. Cria- de nibs de cacau (pequenos fragmentos ganismo, reflete as novas demandas de ram, assim, o Ogros Veganos, com o da amêndoa da fruta usada para produ- uma parcela do público. objetivo de compartilhar fotos e recei- zir o chocolate). Trajando um vestido Esses são alguns indícios de que as tas de comidas veganas e promover o mesclado de estampas coloridas varia- investidas no meio vegano por parte dos veganismo. Hoje o grupo conta com das e um colar de muitas voltas em seu programas de culinária apresentados mais de 150 mil membros – e cerca de pescoço, ela prepara cada ingrediente na TV são tentativas de acompanhar mil novos seguidores são adicionados pontuando todos os benefícios que as mudanças no comportamento de um a cada semana. Ellen, que deixou de eles podem oferecer. Na concepção do segmento do povo brasileiro. E até já comer carne em 2005 e se tornou ve- prato, não consta nenhum produto de existe um programa exclusivamente de- gana em 2012, acredita que o mercado procedência animal. A personagem dicado a receitas veganas de alimentos e mudou muito nesse período. descrita é Bela Gil, nutróloga, chef de cosméticos. O Diário de uma Vegana, A facilidade de encontrar produ- cozinha e apresentadora do programa apresentado por Alana Rox também no tos veganos, segundo ela, aumentou Bela Cozinha, no GNT. Apesar de GNT, é a garantia de espaço na mídia bastante, criando um ambiente mais não ser vegana, a maioria das receitas para um estilo alimentar e de vida que favorável àqueles que decidem viver da filha de Gilberto Gil não contém antes estava restrito à pouca expres- sem consumir produtos de origem ingredientes de origem animal – entre são. Além do programa na TV, Alana animal. A moderadora do grupo tam- todas as listadas no canal do programa, tem um portal sobre veganismo, o The bém opina sobre a aproximação dos apenas 12% delas têm ovo, queijo, mel Veggie Voice, no qual compartilha re- simpatizantes com o movimento: “São ou aliche, sendo estes ingredientes de- ceitas e dicas. Em sua conta no Insta- pessoas que estão abertas a conhecer talhes substituíveis nos pratos prepara- gram, na qual se dedica a dar esclareci- o novo, provar e até incluir refeições dos, em muitos dos casos. mentos sobre o veganismo, ela é seguida vegetarianas em sua rotina. Eu acho No programa Tempero de Família, por mais de 130 mil pessoas. isso muito legal porque, ainda que aos do canal de TV a cabo GNT, o mode- As redes sociais também são uma poucos, vai mudando o inconsciente lo Rodrigo Hilbert ensina como fazer ótima plataforma para quem quer coletivo da sociedade”. Além de se- requeijão vegano. A clássica ressigni- saber um pouco mais sobre o tema e rem criadores do grupo Ogros Vega- ficação de alimentos lácteos chega às trocar experiências. Além da possi- nos, Ellen e Paulo Victor abriram em telas de um veículo de grande projeção bilidade de divulgação de eventos, dezembro de 2016 um empório 100% com o potencial de fazer os espectado- lojas e restaurantes, existem fóruns vegano em Salvador, chamado Vegan- res menos antenados se questionarem: específicos para quem se interessa za Empório. Lá, eles vendem exclusi- mas para que inventar um requeijão pelo veganismo, seja adepto ou ape- vamente produtos de origem vegana que não leva queijo? No Facebook, nas simpatizante. O grupo Ogros e promovem atividades como rodas onde um trecho do programa foi pu- Veganos surgiu meio por acaso, em de conversa e exibição de filmes, além blicado, até o momento o vídeo tem maio de 2014, quando Ellen Guima- de incentivar a adoção consciente de

Reprodução: GNT animais e a discussão de temas como testes em animais para a produção de remédios, xampus, sabonetes, ma- quiagens e cosméticos em geral. Versão online: www.parlamidia.com/veganismo Reprodução: GNT

Bela Gil e Rodrigo Hilbert comandam 22 programa no canal GNT 1 • Prana 12 • Hare Burger - Ipanema 23 • Gouranga Veggie Rua Ererê, 11D. Praça São Judas Avenida Henrique Dumont, 68 Avenida Gomes Freire, 625 - 2º Tadeu, Cosme Velho - loja G andar - Lapa

• Vegana Chácara • Restaurante Vegetariano • Hare Burger - Leblon 24 2 Rua Hans Staden, 30. Botafogo 13 Tempeh Avenida Ataulfo de Paiva, 1235 - R. Primeiro de Março, 24 - • Biocarioca Lojas A,B e C Centro 3 Rua Xavier da Silveira, 28. Copacabana • Green Restaurante 14 • Hare Burger - Shopping Rio Sul 25 Rua Lauro Müller, 116 - 4º Piso R. do Carmo, 38 - Centro • Spazziano 4 Rua Prudente de Morais, 729 - 26 • Lapamaki - Lapa Ipanema 15 • Hare Burger - Tijuca Rua Riachuelo, 67. Centro Rua Santo Afonso, 445 - Loja G 5 • Ró - Raw & Wine Rua Pacheco Leão, 102 - Jardim 27 • Lapamaki - Copacabana Botânico 16 • Hare Burger - Península R. Bolívar, 7 Avenida Flamboyants da • Vegetariano Social Clube Peninsula, 855 - Loja 110 6 28 • Lapamaki - Ipanema Rua Conde Bernadotte, 26, loja R. Vinícius de Moraes, 124 L - Leblon • Bardana 17 Praça Ana Amélia, 9 - Centro 29 • Brasil Vegetariano 7 • Vegan Vegan Rua Buenos Aires, 53. Centro Rua Voluntários da Pátria, 402 - • Reino Vegetal Loja B - Botafogo 18 R. Luís de Camões, 98 - Centro 30 • Radhe Shyam - Refeitório Vegan e Lacto Vegetariano • Refeitório Orgânico 8 19 • Restaurante Natural Vegecoop R. Felipe Camarão, 140 - Vila Rua Dezenove de Fevereiro, 120 Rua da Carioca, 54-A - Centro Isabel - Botafogo

• Dona Vegana • Ninho Vegano • Rio Vegano 20 31 9 Av, Marechal Floriano, 13, Tv. Barros Leite, 109 - Quintino Rua Barata Ribeiro, 806 - Bocaiuva Copacabana Centro • .Org Bistrô • Naturalie Bistrô • Veggie Govinda Sabor da Índia 32 10 21 R. Rodrigo Silva, 6 - Centro Av. Olegário Maciel, 175 - Loja Rua Visc. de Caravelas, 11 - G - Barra da Tijuca Botafogo • Metamorfoses 22 • Casa Vegana Caminho do Mar 11 • Hare Burger - Barra R. Santa Luzia, 405 - Cj 207 - 33 Estr. do Pontal, 3091 - Recreio Avenida Lucio Costa, 1976 - Centro dos Bandeirantes Loja A

23 MULHERES COMPORTAMENTO & GAMES Mesmo com o crescimento da participação feminina no ambiente dos jogos virtuais, elas continuam sendo vítimas de preconceito e assédio

Christiana Sobral, Fernanda Oliveira e Nuno Medeiros

O machismo e a violência de cunho sexual seguem fortes e a competência das jogadoras é constantemente colocada em xeque

manda Abreu é uma imagens que remetem ao feminismo. aguenta olhar pro computador e tem dessas meninas que Orgulhosamente, Amanda retira-as que passar seis horas treinando. Mas é impressionam. A ju- do lugar para mostrar mais de perto, e realmente um sonho, porque tudo que ventude de seus 22 anos acrescenta: ”Eu sou muito feminista, eu tenho em retorno compensa todos falha em mostrar toda faço questão de mostrar, olha aqui”. os sacrifícios.” Aa experiência que já adquiriu em suas A cor vermelha predomina no am- Amanda é apenas uma dentre mi- viagens pelo mundo. Ela nos recebeu biente, inclusive iluminando o teclado lhares de mulheres praticantes de ga- em sua casa, na Baixada Fluminense, do computador. E mais do que apenas mes no Brasil hoje. E a presença femi- no Rio de Janeiro, com uma simpatia a cor do seu time de coração e do seu nina nesse universo não é pequena. A acolhedora e conversa fácil, de short e patrocinador, Amanda defende que a Pesquisa Game Brasil 2017, realizada camisa do Flamengo, time pelo qual tonalidade representa ”a mulher que é pela agência de tecnologia Sioux em diz torcer desde pequena, e de óculos parceria com a Blend New Research de grau, necessidade por passar em e a Escola Superior de Propaganda média seis horas por dia na frente de e Marketing (ESPM), aponta que, uma tela de computador. Mas Aman- Eu gosto de assustar o dentre as pessoas que declaram jo- da não despende esse tempo apenas “homem que tem medo de gar algum jogo eletrônico, 53,6% são por ser uma jovem que gosta de aces- mulheres (em 2016 esse número era sar a internet. Ela é jogadora profis- mulher segura de 52,6%). Dentro desse universo, sional de Counter-Strike: Global Of- seis em cada 10 mulheres se definem fensive (CS:GO), uma jogo de tiro da Amanda “AMD” Abreu,” 22 anos como jogadoras casuais e preferem a modalidade FPS (First Person Shoo- plataforma mobile (smartphones, ta- ter), ou, em português, Tiro em Pri- blets, computadores de bolso, PDAs meira Pessoa, e treina todos os dias. segura”. “Eu gosto de assustar o ho- etc.). As mulheres gamers possuem ”Como em um emprego normal”, faz mem que tem medo de mulher segu- um perfil específico: jogam de 1 a 3 questão de ressaltar. ra”, revela. E Amanda treina exaus- horas por semana em média e pre- Seu quarto e espaço de treino tivamente. Diante do computador, ferem jogos de estratégia, aventura, denunciam sua personalidade for- bem em frente a sua cama, a jogadora cartas, Match 3 (em que é preciso re- te, confirmada por suas declarações do time Alientech, de Portugal, tem unir três ou mais peças seguidas para contundentes e sua luta pela igual- passado pelo menos um quarto de seu a obtenção de pontos, como nos jogos dade entre homens e mulheres, es- dia em preparação para um campeo- Bejeweled e Candy Crush) e trívia (do pecialmente dentro do mundo dos nato na Suécia. “É cansativo, exausti- tipo em que os jogadores testam seus games. Além dos quadrinhos e fotos vo, psicologicamente é muito compli- conhecimentos sobre temas de inte- que emolduram a parede, há também cado, porque tem dias que você não resse geral, a exemplo de Quiz). Já a

24 Foto: Arquivo pessoal

Amanda “AMD” Abreu treina para torneio mundial feminino de CS:GO

pesquisa Youtube Insights, divulgada valores chegam a ser 400% menores escolha para se vestir, ela acredita em julho, mostra que 80% do público do que em torneios masculinos do que a indumentária explica porque que joga games de celular no Brasil é mesmo nível. A paixão de Amanda sofre pouco assédio no ambiente dos formado por mulheres. pelo jogo começou como a de qual- games. Porém, avisa que não tem ne- As cifras movimentadas pela in- quer jovem que frequentava as clássi- nhum problema com as mulheres que dústria dos games em todo o mundo cas lan houses na primeira década dos utilizam roupas consideradas mais têm demonstrado a força do setor. Se anos 2000. “Eu fui criada com três ”provocantes” e condena o assédio so- em 2016 o setor da música faturou primos na minha casa e eu nunca fui frido por elas. “Eu não tenho um pin- US$ 15,7 bilhões, os games rende- muito menininha. Eu cresci jogando go de vaidade com roupas, estou sem- ram sete vezes mais, ou US$ 108,9 futebol, bolinha de gude. Nessa época pre de boné, mas as meninas que têm bilhões. E o Brasil não deixou de dar que o CS estourou na lan house, eles um jeito mais vaidoso sofrem muito sua contribuição nessa área: cerca de pararam de ir pra rua jogar futebol e e são muito xingadas por se vestirem 56 milhões de brasileiros consomem ir pra lan house jogar. E teve um dia da forma que elas querem. Isso me in- conteúdo de games online, tendo mo- que eu bati o pé e falei ‘ah, eu quero ir, comoda muito, porque a sociedade se vimentado com os jogos, em 2016, vocês não brincam mais comigo’. Isso incomoda muito com o que você está quase US$ 1,5 bilhão. As cifras co- eu devia ter uns 15 anos. E fui. Foi a vestindo. Elas estão ali para mostrar locam o país como 11º no ranking primeira vez que eu joguei CS. Eu era seu jogo e as pessoas as julgam por mundial e 1º na América Latina. E em a única menina da lan house, a única. suas roupas.” número de jogadores é o 4º do mundo. Passei lá um dia inteiro e eu me apai- A consolidação do crescimento do xonei pelo jogo.” • Gamergate público feminino é ligada especial- O jeito pouco “menininha” fica O machismo no mundo gamer mente à imagem, já que as jogadoras evidente no jeito moleque e brinca- ganhou visibilidade em 2014 após o profissionais estão ocupando um es- lhão de Amanda e no boné que adorna episódio que ficou conhecido como paço grande em divulgação. Os ho- sua cabeça junto ao fone de ouvido, Gamergate. O escândalo foi o resul- mens, no entanto, ocupam um lugar seus fiéis companheiros em momen- tado de uma onda de cyberbullying de destaque com torneios bem estru- tos de treino e partidas. Apesar de a provocada pelo ex-namorado da de- turados e com gordas premiações. Os maquiagem estar sempre presente nos senvolvedora de games Zoë Quinn, campeonatos femininos no mundo momentos sob holofotes, ela ressalta que criou um blog destinado a difamá todo ainda são escassos. Poucos pos- que suas roupas de jogo são sempre -la, afirmando que a designer trocava suem prêmios e, quando os têm, os blusas e calças. Apesar de serem sua críticas positivas de jornalistas espe- 25 de videogame. Renata conta que o pre- Foto: Arquivo pessoal conceito acontece até mesmo com sua mãe, iniciante na modalidade e que joga apenas por diversão. “Até com a minha mãe, você acredita? Minha mãe faz umas lives (transmissões online ao vivo) de vez em quando e tem gente que vem xingar ela, tipo ‘o que você tá fazendo, vai assistir novela, sua velha’. As pessoas não têm limite na internet, é ridículo. Ela entra e joga CS. Ela não é boa, ela tá aprendendo agora a jogar, e aí ela entra às vezes no competitivo e o povo fica ‘meu Deus, por que você tá jogando? Vai fazer comida, vai fa- zer janta’. Nada a ver, sabe?”, conta. “Outro dia a gente tava fazendo live tranquilamente, até que chegou um cara e começou a xingar muito ela. A gente dava ban (abreviatura de banned, que significa banido), ele criava outra conta e ficava xingando, sabe? Até ela Renata “Reeh Redwish” Bagnato fechar a live mesmo, o cara ficava fa- já foi vítima de preconceito na zendo isso”, relata Renata. plataforma Twitch • Assédio indiscriminado Idade realmente não parece ser impedimento para xingamentos, as- cializados sobre seu novo jogo – De- Bagnato, conhecida no mundo dos ga- sédio ou comportamento grosseiro no pression Quest – por sexo. A situação mes como “Reeh Redwish”. Jogadora mundo dos games. Um caso recente chegou a um ponto em que todas as amadora de CS:GO e começando seu ficou bastante famoso por conta jus- mulheres que a defenderam sofreram primeiro time, ela é figurinha carimba- tamente da pouca idade da jogadora ataques, assédio e ameaças, chegando da em streams (ambientes online para que sofreu violência virtual. Um pai ao ponto de Zoë e suas amigas mu- transmissão de jogos em tempo real). foi às redes sociais pedir que sua filha, darem de endereço e se esconderem Por estar em uma plataforma pública e de apenas 10 anos e jogadora de Over- por medo. O acontecimento chamou gratuita – o Twitch, da Amazon –, Re- watch (jogo de FPS semelhante ao a atenção da mídia para o sexismo e nata está um pouco mais sujeita a lidar CS:GO), pudesse jogar em paz. Eros para a agressividade com que as mu- diretamente com preconceito e assédio Reis fez um apelo – que viralizou na lheres são tratadas no mundo gamer, o através da sessão de comentários e dos internet – simples: “Logo de cara irei que é corroborado por Amanda mes- jogadores do sexo masculino. “Com pedir ajuda. Minha filha mais velha mo quando se trata do ambiente ama- certeza (eu sofro preconceito). Isso gosta muito de jogar Overwatch no dor dos jogos: “Tenho amigas que não ocorre tanto no jogo quanto na própria PS4 (PlayStation 4, um console de vi- são profissionais, que jogam só para se stream, na própria Twitch. As pessoas deogame), é uma boa menina educada divertir e que sofrem 24 horas por dia chegam e falam ‘nossa, mostra os pei- e gentil, tem 10 anos, mas sempre que com pessoas aleatórias mandando elas tos’, porque mulher é sinônimo de ob- tenta usar o H7 (modelo de headpho- irem lavar louça ou sendo chamadas jetificação, né?” A jogadora ainda res- ne) é bombardeada por xingamentos e de vagabunda simplesmente porque salta que o problema não se encontra pedidos desrespeitosos. A quantidade elas jogam melhor do que eles”. nas roupas ou na jovialidade da mulher de mensagens pedindo fotos e outras Um desses casos é o de Renata por trás do computador ou do console coisas é desanimador.” O caso da filha

Os prêmios nos poucos 53,6% 80% torneios feminimos são das pessoas que jogam do público que usa jogos

games no Brasil são eletrônicos no celular são 400% menores que os dos mulheres do público feminino masculinos

26 de Reis não é isolado. De acordo com equipes vencedoras do torneio Power plo de Amanda, começado a fazer suas uma pesquisa feita pela Universidade Lounge Cup Feminina. A iniciativa, partes. Outra iniciativa da união femi- Estadual de Ohio em 2016, nos Es- que foi anunciada ndas redes sociais nina no meio é a organização Women tados Unidos, 100% das gamers que com a hashtag #CSGirls, previa que Up Games, fundada em 2014 pela jogam 22 horas por semana ou mais já as jogadoras vendessem camisetas e se empreendedora e designer de games sofreram assédio no ambiente virtual. organizassem para jogar por 24 horas Ariane Parra. Ela, através de pales- Apesar do assédio não ser restrito (com substituição de jogadora a cada tras, campeonatos e workshops para apenas às mulheres, a predominância três horas) durante uma semana, num mulheres gamers, busca aumentar a da violência contras o gênero femini- total de 168 horas ininterruptas, in- inclusão de mulheres no mundo dos no assusta. Os tipos de assédios mais clusive com a participação de alguns games, inclusive incentivando as que frequentes detalhados pela pesquisa jogadores homens apoiadores da cau- têm interesse em trabalhar no meio envolvem pedidos sexuais, piadas sa. Também contou com o apoio de com desenvolvimento e desenho de com estupro, além de xingamentos de alguns programas de TV especializa- jogos. Aluna de Engenharia de Produ- cunho sexista, relacionados à aparên- dos no assunto, como o EI Games, do ção e com um certificado em Gestão e cia da jogadora. canal Esporte Interativo. “Eu fiz um Liderança pela Universidade de Pitts- Mesmo diante do quadro geral projeto porque nenhum campeonato burg, nos Estados Unidos, em 2009, muito desanimador, através de relatos brasileiro teve premiação no femini- Ariane tem como meta empoderar as e pesquisas que confirmam o precon- no. Então eu fiz uma maratona que mulheres através da tecnologia. ceito e o assédio tanto contra gamers durou sete dias, com todas as mulhe- Mas a luta pela igualdade na área amadoras quanto profissionais, as jo- res do cenário, pra gente fazer streams dos games pelo jeito apenas começou. gadoras não parecem estar dispostas a 24 horas e nós arrecadamos 10 mil Para Amanda, ser campeã mundial desistir da luta por espaço e igualdade. reais para o campeonato feminino”, nem é tão importante. O sonho dela, de E Amanda Abreu é um dos principais conta, orgulhosa, a jovem. Renata e de todas as mulheres gamers é exemplos disso. Na briga por melho- Ainda que as cifras que envolvem o mesmo: o fim dos ataques gratuitos res prêmios para ela e suas companhei- o mundo dos games sejam bilionárias, de preconceito e assédio somente por ras de competição, a jovem iniciou em o cenário feminino é carente de apoio elas serem mulheres e de que, na vida 2017 a campanha “Fechada com as por parte de patrocinadores e investi- e no jogo, todos sejam iguais, indepen- Minas”, para arrecadar fundos, cujo dores. Por isso, as próprias jogadoras dentemente do gênero sexual. objetivo é aumentar os valores para as têm arregaçado as mangas e, a exem- Versão online: www.parlamidia.com/gamefemme

Foto: Site E-Sports

Torneio feminino da EWSC, empresa especializada na realização de eSports

27 “O equipamento está montado / Eu tô testando o som (...) Pra abalar, abalou / É o It’s only Baile do Dendê na Ilha do Governador.” É com a música , “Pra Balançar”, de Marcio PANCADÃO do Cacuia, que a pista de dança se abre. Homens e mulheres, em sua maioria but I like it jovens brancos, bem vestidos, amontoam-se em uma casa O passado e o presente do de shows na Lapa, zona central do Rio de Janeiro. Seguranças vestindo terno e gravata, ar condicionado Julio Trindade, Marcello Berg e gelando, chapelaria (para Thamírys Andrade as mulheres guardarem suas Fotos de Julio Trindade bolsas caras e garantirem que não vão perdê-las), combos de vodka importada e energético, ritual começa cedo: é fumódromo (com cigarros preciso ajeitar o cabelo, liberados e proibidos), escolher a melhor rou- pa, passar a maquiagem ou de protesto, deu es- banheiros prontamente limpos e começar o “esquenta”, paço para a sensualidade, por uma faxineira que fica Oque é basicamente beber para já ir sexualidade e irreverência entrando no clima. “Mas tem que ter em suas canções, tendência a postos a noite toda. Assim cuidado para não queimar a largada”, em quase todos os gêne- como nos morros cariocas dos adianta Silvania Melo, moradora do ros musicais nas paradas. anos 1990 e 2000, as galeras Morro do Dendê, na Ilha do Essas mudanças também Governador, bairro da zona Norte atraíram novos ouvintes continuam indo às festas, que do Rio de Janeiro. Loira, de estatu- e amantes do ritmo, fa- outrora ganhavam o nome ra mediana, Silvania é uma daquelas zendo com que os mais de baile, para curtir o funk, mulheres que chamam a atenção por saudosistas dos clássicos onde passa, seja pela sua simpatia e dêem espaço para uma ritmo nascido nas que sua personalidade forte, seja pelos nova geração de funkei- ganhou espaço nas boates do seus looks. Nascida, criada e ainda ros e seus ídolos. O pu- asfalto, porém o ambiente morando no Dendê, Bê, como é co- blico de fato mudou. E nhecida, sempre curtiu os bailes que embranqueceu. E en- parece ter mudado. Os negros, acontecem no bairro. “Sexta-feira riqueceu. E a mídia é que eram maioria nos bailes rola um pré-baile, que não enche tan- uma grande responsá- to. É no sábado que o bicho pega”, vel por tudo isso. das antigas, agora estão em afirma. “O funk de hoje perdeu um Em 1994, o Brasil outros papeis. Muitos prestam pouco a essência. Eu ainda vou ao estava aos pés de uma serviço de segurança, atendem baile, mas não mais com a mesma rainha, apesar da mo- frequência que eu ia antes. O publico narquia não ter voltado no bar, atuam na faxina, mudou, as letras mudaram. Antiga- a governar o país. A re- são responsáveis por receber mente a gente ia pra dançar, curtir os presentante da realeza os pagamentos dos clientes. amigos, fazer as coreografias. Hoje em questão era uma só tem música pra rebolar a bunda”, loira de 1,78 metros Mas será que só o público aponta a insulana, dona de uma em- que reinava absoluta na mudou ou o funk passou por presa de aluguel de materiais para televisão e nos corações eventos. O funk do passado, com le- dos brasileiros. Seus sú- transformações com o passar tras mais românticas, que retratavam ditos eram baixinhos todos anos? a realidade dos moradores das favelas e ela atendia pelo 28 CULTURA PANCADÃO,

Silvania Melo (com o copo de cerveja na mão) não vê com bons olhos o funk atual: “Hoje só tem música pra rebolar a bunda”

29 singelo nome de Xuxa. Nome forte te. “Os cantores que vieram do funk na TV Globo, a gaúcha era sucesso É som de preto / de e estão na mídia hoje se renderam ao de audiência com o seu Xuxa Park, pop. MC Ludmilla deixou de ser MC. que liderava as manhãs na emissora. favelado“ / mas quando toca MC Nego do Borel passou a se cha- Amante do funk, Xuxa passou a de- / ninguém fica parado mar só Nego do Borel. O MC Naldo dicar uma hora do seu programa aos fez questão de tirar o MC e colocou o sábados para o ritmo e chamou Fer- Benny, pra ficar com mais cara de ar- nando Luís da Matta, ou DJ Marl- ” tista pop”, aponta MC Leonardo, que boro, para comandar o “Xuxa Park saídas para divulgar o funk”, ressalta faz questão de manter o MC e defen- Hits”, como foi chamou o quadro. o MC, que é um dos idealizadores da der a bandeira do funk. Como destaca o jornalista Silvio Es- Associação dos Profissionais e Ami- “A galera esqueceu o funk de fave- singer no livro “Batidão: a história do gos do Funk (Apafunk), organizada la e passou a ir para um funk mais pop, funk”, ali começou o sonho doura- para ajudar os funkeiros e divulgar a mais branco, um funk mercadologica- do dos funkeiros, que entraram pela cultura dos bailes. mente mais interessante, mais lucrati- porta da frente no maior veículo de “A gente perdeu os espaços para vo. A gente não pode medir o funk por comunicação do Brasil. Mas o funk cantar. Os artistas da velha guarda não esses caras. A gente não pode medir o passou por mudanças até chegar nos cantam com a mesma frequência que funk pela novela. A gente tem que me- dias de hoje, com um espaço mais cantavam antes porque o baile funk dir pelo espaço que ele está ganhando estabilizado na grande mídia. “Acho tradicional não existe mais. Quem e perdendo nessa cidade. Nunca vi- que havia uma ingenuidade maior nas tem equipamento de som hoje no Rio, vemos um momento tão ruim para o letras e uma busca por um estilo que se faz uma festa no sábado, não sabe funk como agora”, avalia MC Leo- ainda não estava muito bem defini- se vai poder fazer no final de semana nardo. Ele fala ainda sobre a proibição do. Hoje o funk já está estabelecido, seguinte, porque a polícia pode vir e por parte da policia e as constantes com suas vertentes bem definidas, e interditar, quebrar tudo. Essa é a rea- denúncias sobre fechamentos de bai- as portas para o pop e o mainstream lidade de hoje em dia aqui no estado”, les funks, principalmente em favelas foram abertas por quem veio antes”, lamenta Leonardo. O cantor também ocupadas pelas Unidades de Polícia avalia Essinger. Mas quem foi que explica que a mudança do cenário mu- Pacificadora (UPPs). Pesquisa da veio antes? sical afeta os artistas. Quem não aceita Fundação Getúlio Vargas, realizada abrir mão do título “funkeiro” acaba entre 2007 e 2008, apontou que o funk • Do “Parapapapapapa” para a perdendo espaço na mídia, ele garan- movimentava cerca de 10 milhões de Câmara Municipal Ali, na entrada lateral da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, no centro da cidade, uma das figuras mais emblemáticas da música carioca nos esperava para um papo rápido. Entre um fã e outro que ocasionalmente pa- rava para cumprimentá-lo, o assessor do vereador Renato Cinco, parlamen- tar do PSOL, não demonstrava ser o lendário MC Leonardo, funkeiro que, junto com o irmão, MC Junior, enfileirou hits nos anos 1990 e se con- sagrou como um dos maiores nomes do funk carioca. Entre seus destaques estavam o , que listava uma série de armas recorrentemente citadas nas páginas policiais, e “En- dereço dos Bailes”, que apontava os principais bailes do Rio. “Eu sou re- sultado daquilo que vivi e não daquilo que estudei.” Essa frase do MC reitera o que o jornalista Silvio Essinger colo- cou no seu livro: que Leonardo Perei- ra Motta é um dos mais articulados e cultos MCs do universo funk. “E não é de ar- Leonardo, um dos autores do hit “Rap ticulação polí- das Armas”, é considerado um dos mais tica, não. É da articulados e cultos MCs do universo funk variedade de

30 reais por mês só na Cidade Maravi- casamentos. Um dos segredos, ele ga- Comunicação da Universidade Fe- lhosa, dando ocupação a mais de 10 rante, é acompanhar as mudanças do deral do Rio de Janeiro (UFRJ), Mi- mil pessoas, entre empregos diretos e gênero. “O público hoje em dia curte cael Herschmann nos aguarda para a indiretos. Como os comandantes das mais o funk atual, já que a maioria dos entrevista. Doutor em comunicação, UPPs têm o poder de autorizar e proi- frequentadores é a galera mais nova e Herschmann escolheu o funk e as ma- bir os bailes nas comunidades, o funk não conhece tanto os clássicos do rit- nifestações culturais, principalmen- voltou para a informalidade, perden- mo. Não acredito que o público tenha te as dos anos 1990, como objeto de do o espaço que era seu por direito, perdido a identidade de favelas, mas estudo, publicando alguns livros na desde o nascimento. O Rio de Janeiro acho que ele é mais aceito pela socieda- área. Mas ressalta que, apesar de não tem 38 favelas com Unidades de Po- de por estar presente na mídia, nas no- trabalhar com o funk há mais de uma lícia Pacificadora, porém em apenas velas. O funk entrou em locais que há década, ele ainda faz parte do seu inte- uma, na UPP dos Tabajaras, em Co- cinco, seis anos era praticamente im- resse, mesmo acompanhando de lon- pacabana, zona Sul, o baile funk con- possível de entrar. Não acho que a es- ge. “As expressões culturais tem um tinua acontecendo. sência tenha se perdido, só os tempos dinamismo da mudança”. Para o his- Espeta os pendrives no mixer, ajei- que são outros”, afirma o DJ. “Youtu- toriador, à medida que ganhou espaço ta o fone de ouvido personalizado, liga no meio musical, o funk deixou de ser o celular e já se prepara para fazer uma demonizado. Mesmo assim, ele acha transmissão ao vivo, mandando beijos Tá todo mundo aqui / que ainda há preconceito social con- e abraços para os assíduos espectado- Prontinho“ pra zuar / Libera tra o funk, mesmo não sendo possível res em sua conta no Facebook. Com a dizer que as mudanças de rumo de ar- destreza de um maestro, mas usando a energia que o planeta vai tistas como Anitta, Naldo e Nego do bermuda e boné, Anderson Lorca, o girar Borel sejam conseqüências da, ainda DJ Cocamá, já está pronto para co- existente, discriminação. O desejo dos mandar seu programa Caldeirão Ilha artistas por visibilidade também pode Mix, na Rádio Ilha Mix, emissora ” ser, defende Herschmann, um fator online. Suas transmissões alcançam be, celulares, Spotify, Facebook... Você importante para que eles busquem quase mil visualizações nas redes so- consegue ouvir funk em qualquer lu- ainda mais proximidade com a músi- ciais, onde ele toca e mixa as músicas gar, a qualquer hora. A gente não ti- ca pop. “Não estou dizendo que não ao vivo. Cocamá é um dos muitos ca- nha isso tempos atrás e hoje essas são seja, mas jogar isso (as mudanças no sos de artistas do funk que buscam as as nossas principais ferramentas para gênero) só na questão do preconceito redes sociais para se destacar. manter o sucesso e seguir vencendo no pode ser um erro. Quando o Naldo e a Com 14 anos de carreira, o DJ, que funk”, finaliza Cocamá. Anitta invadem outros mercados, eles também é produtor e empresário, faz estão, de alguma forma, abrindo espa- em média 15 festas por mês e consegue • A fluidez do funk ço para outros artistas”, completa. viver exclusivamente do funk. Além Brinco na orelha, blusa social do- A facilidade encontrada pelos ar- de comandar aos sábados as pistas de brada acima dos cotovelos e uma pos- tistas de hoje para se auto-divulgarem, uma boate carioca, é presença constan- tura informal. Em uma sala de aula em comparação com os do final dos te em diversos clubes, além de receber do Programa de Pós-Graduação em anos 1980 e durante os anos 1990, é convites para tocar em aniversários e Comunicação e Cultura da Escola de um fator de extrema relevância. Com

31 a internet, eles perceberam que, para a estrutura empresarial era diferente. Já os dinossauros do funk, como fazer sucesso nos palcos, é preciso an- As condições sócio-econômicas dos MC Leonardo e seu irmão, Mr. Catra tes marcar presença na web. Canais artistas de antigamente faziam com (“Ô simpático, para de arrumar caô”), do Youtube, como do produtor pau- que, mais facilmente, eles aceitassem Tati Quebra Barraco (“Não adianta, lista Kondzilla, o Rei do Funk Osten- de qualquer forma, eu esculacho”) e tação, têm mais de 10 milhões de vi- William & Duda (“A de Abalou”), sualizações. Não é à toa que os artistas Vamo mandar um alô ainda resistem firmes, aproveitando a que fazem parte do canal estão entre onda saudosista dos anos 1990, parti- os mais ouvidos das rádios, como é o “pra rapaziada cipando de eventos dedicados à época, caso dos MC Kevinho e MC Livinho. casamentos e participações em “As tecnologias ajudam. Os garotos de outros artistas. O funk é cultura, e do passinho (artistas de funk que fo- qualquer show. Já os de hoje,” a não ser cultura nunca morre. Ele sempre fará cam mais na dança do que na música que estejam desesperados, dificilmen- parte da história do Rio de Janeiro e propriamente dita) tiveram quase 10 te vão ser explorados, o que valoriza isso é imutável. milhões de visualizações. Além disso, as apresentações”, aponta o professor. Versão online: www.parlamidia.com/funk

Saddam vs ECAD: uma batalha sem fim

auricio Carneiro, ou Saddam, radialis- ta, produtor e DJ, é o autor de “Calça Mda Gang”, sucesso dos anos 1990. Mes- mo assim, ele reclama de não ter sido remunerado de acordo com as execuções do funk em rádios e boates de todo o país. E a fonte de seu incômodo é o Escritório Central de Arrecadação e Distribui- ção (Ecad), órgão responsável pelo recolhimento dos direitos autorais de músicas e por repassá-los aos artistas. Com mais de 20 anos de carreira, o DJ segue na luta, com um programa semanal na rádio dedicado ao hip-hop e fazendo festas e eventos pelo Brasil - inclusive, é responsável por do Ecad trimestralmente, algo em torno de R$ 700. Não um baile na zona Sul do Rio. A seguir, ele conta dá pra viver só com uma música de funk no Brasil. Eu sua experiência, nada boa, com o Ecad. tenho um outro , de hip-hop, que eu lancei uma música chamada “VIP” que rendeu muito mais em di- • Como você entrou no funk? nheiro do que “Calça da Gang”. Mas praticamente nin- Eu tocava em uma boate na Gávea e sempre via com guém conhece. Quando eu gravei a música, eu pensei que meus amigos as mulheres usando a, chamada na época, conseguiria comprar até um apartamento com o dinheiro calça da Gang, que, como a propaganda dizia, deixava do Ecad, mas quando recebi o primeiro cheque, foi uma a bunda em pé. Na época, a calça custava 200 reais e, decepção: R$ 157. com essas informações, acabei fazendo o funk “Calça da Gang, toda mulher quer. 200 reais pra deixar a bunda em • Qual foi a explicação que o Ecad deu para isso? pé”. Somente essa frase com essa batida virou um suces- Eles alegaram que a música não tocou tanto assim nas so naquele verão (dos anos 1990). rádios. A medição do Ecad é muito ruim. Na época, se baseava pelas paradas de sucesso das rádios e televisão. • Essa música foi seu único sucesso, um one hit won- “Calça da Gang” não tinha tanta reprodução nas rádios, der. Lá fora, artistas como Vanilla Ice, MC Ham- mas ela era tocada em tudo quanto é lugar, até em enter- mer, Suzanne Vega e Ricky Astley também ficaram ro. O Ecad cobra uma taxa de qualquer lugar que esteja conhecidos como “artistas de uma música só”, mas com uma música tocando, mas não faz a separação cor- ficaram ricos. O que essa música rendeu a você? reta para qual artista está tocando. Em 20 anos de carrei- Foram feitas quase 200 montagens como essa música. ra como DJ, com quase 2 mil sets, acho que só preenchi Só oficiais, eu lancei 7 discos. Até o Tchan regravou essa umas 20 relações de músicas para o Ecad. É por essas lis- música. Diferente lá de fora, eu só recebo uma merreca tas que eles fazem os pagamentos.

32 ANÚNCIO

33 Através das rodas MúSICA Hip Hop culturais, o movimento sintoniza pessoas de diferentes idades, culturas e estilos de vida no Rio pela cidade

Gabriel De Martin e Wellerson Soares

Um projeto em tramitação na Assembleia Legistativa busca o reconhecimento da manifestação artística popular como patrimônio cultural imaterial do Estado

m pequeno galpão lo- durante as quais acontecem batalhas Federal Fluminense (UFF). As in- calizado na Rua da de rima, de breaking e de grafite e en- formações levantadas pela docente Lapa, 107, na zona contros de DJs e beatmakers – como e pelos alunos do curso de Produção central do Rio de Ja- um dos meios de divulgação do hip Cultural da UFF no campus Rio das neiro, reunia por volta hop, considerando-as como “um dos Ostras (cidade da Regiãos dos Lagos) Udas 20h do dia 25 de maio cerca de principais fenômenos culturais de foram organizadas no “mapa das ro- 40 representantes de diferentes rodas ocupação do espaço público nos dias das”, ferramenta com qual é possível culturais e vertentes do hip hop es- de hoje”. Se for transformada em lei, a saber onde estão as rodas culturais palhadas pelo Estado. Eles discutiam iniciativa garante que as rodas cultu- (ativas e inativas) do Estado do Rio. o projeto de lei nº 2799/2017, pro- rais sejam dispensadas de prévia auto- A reflexão sobre a ocupação artística posto pelo deputado estadual Mar- rização das polícias militar e civil e do no espaço urbano e sobre as relações celo Freixo no último dia 10 de maio Corpo de Bombeiros para serem reali- entre os produtores e agentes culturais com o objetivo de declarar o hip hop zadas, desde que não haja montagem com o poder público, através de políti- patrimônio cultural imaterial do Es- de palcos, arquibancadas e camarotes. cas públicas, repressão, silenciamento tado do Rio de Janeiro. Em frente ao As rodas culturais são o tema do e resistência, é o objetivo principal do galpão, na mesma rua estreita e pou- projeto de pesquisa “Arte de rua e re- projeto, segundo informações do site co iluminada, acontecia o confronto sistência”, coordenado pela professo- www.artederuaeresistencia.com.br. entre manifestantes contra o governo ra Rôssi Alves, do Programa de Pós- Expressão das ruas do bairro do Temer e a Polícia Militar. Os sons de Graduação Stricto Sensu em Cultura Bronx, em Nova York, no início dos explosões e tiros causavam espanto, e Territorialidades, da Universidade anos 1970, o hip hop é uma cultura mas não impediam o mediador da reunião, Diego Moreira, de 27 anos – ou DJ Tecnykko, como gosta de ser chamado – de enfatizar a importância de organização de mobilizações para a aprovação do projeto, que ainda está em tramitação na Assembleia Legis- Soares Foto: Wellerson lativa fluminense. A proposta, além de atender a ou- tras reivindicações, prevê que o hip hop e todas as suas manifestações ar- tísticas (breaking, grafite, rap, MC e DJ) devem ser asseguradas e fomenta- das pelo poder público sem qualquer discriminação. Em sua justificativa MCs reunidos na Lapa discutem o Projeto de Lei que busca o para apresentar o projeto, o deputado reconhecimento da cultura do hip hop do PSOL defende as rodas culturais –

34 Foto: Reprodução/Facebook

Os Arcos da Lapa é o principal local de encontro de artistas do hip hop, vindos de diversos pontos do Rio

subdividida em quatro manifestações: os DJ, os MCs, os b-boys (e as b-girls) As rodas culturais são uma teia de artistas e e os grafiteiros – sendo o rap (acrônimo de rhythm and poetry) mais conhecido trabalhadores“ independentes, como poetas, fotógrafos, MCs, pelas duas primeiras. No último dia 11 músicos, grafiteiros, artistas plásticos, artistas circenses, de agosto aconteceu o 44º aniversário do hip hop, nascido da inovação do atores, profissionais do audiovisual, esportistas urbanos etc. DJ jamaicano Kool Herc, nome artís- Essa rede unifica, intensifica e expande a sustentabilidade tico de Clive Campbell. Numa festa em 1973, ao invés de tocar as músicas da cultura de rua dos bairros cariocas, unindo pessoas de completas de sua playlist, ele execu- diferentes classes, em um grande intercâmbio cultural, tou apenas as seções instrumentais delas – ou os breaks –, permitindo que onde todos estão convidados a interagir com qualquer tipo as pessoas dançassem por mais tem- de arte que fortaleça essa grande conexão entre a rua e po. “Quando eu aumentei o break, as pessoas ficaram extasiadas, porque seus artistas urbanos independentes no palco mais vivo, essa era a melhor parte da música para verdadeiro e democrático existente, a rua dançar”, disse Herc em 1997. O nome do movimento é a expressão das festas Trecho da descrição das rodas culturais na página oficial do CCRP no Facebook desse período, nas quais os participan- ” tes movimentavam os quadris (hip) e saltavam (hop). Foi a partir daí que duzir novos sons a partir do stracting needle rocking (a produção de eco en- nasceu o estilo breakdance. (o arranhar da agulha no disco de vinil tre duas picapes onde são colocados Usando vinis que estavam sendo no sentido anti-horário), do phasing os vinis). Apesar de ser considerado descartados, os DJs começaram a pro- (a alteração da rotação do disco) e do o pai do hip hop, Kool Herc não teve sucesso comercial porque seu trabalho nunca foi gravado. Ele, Afrika Bam- baataa e Grandmaster Flash são con- siderados a santíssima trindade do hip hop. Bambaataa, também chamado de Foto: The Guardian Amen Ra (deus egípcio) da cultura hip hop, começou a realizar eventos cultu- rais como forma de retirar adolescen- tes da rua e acabar com a violência das gangues, e criou a Universal Zulu Na- tion, um grupo que reunia dançarinos, grafiteiros e DJs. O hip hop, segundo o rapper americano, foi uma reação à massiva execução da disco music em Foi com suas festas no Bronx que meados da década de 1970, que levou Kool Herc inovou e deu início ao que o funk e a de James Brown, hoje é chamado de hip hop Sly & The Family Stone e Parliament

35 cias e estudos na área da cultura do hip hop, que deram no livro “O funk e o

Foto: Gabriel de Martin hip hop invadem a cena”, lançado em 2000. Por isso, diz, vai contra o pen- samento que afirma que o movimento começou com um caráter apolítico. “Eu acho que a música desempenha um papel político, eu estou discor- dando deles diretamente. Mesmo o funk, que era considerado um entre- tenimento inconsequente, ele era po- lítico.” Herschmann defende também que o hip hop deu voz aos moradores de favelas e periferias, além de ter sido importante para a revitalização do mo- Os contornos do grafite feito por Ramon Vellasco vimento negro. Ele acredita que du- aos poucos ganham forma, durante reunião na Lapa rante os anos 1990 o ritmo serviu para que essas pessoas marginalizadas so- cial e culturalmente pudessem ter ex- a perderem espaço nas rádios. O rit- simples, que desenvolvem a arte do pressão. Mesmo acreditando que hoje mo chegou ao Brasil nos anos 1980, grafite no Rio que é permitida por le- em dia o movimento tem mais legiti- primeiramente por São Paulo e Rio de gislação municipal”, declarou ele, em midade, o pesquisador teme que possa Janeiro, mas só ganhou identidade e entrevista ao portal G1. haver um retrocesso na garantia dos organização, ainda que bem mínimas, “O movimento nunca se juntou direitos sociais – por causa da política no final da década seguinte. No Rio, para lutar pelos seus direitos. A ideia conservadora dos governos vigentes. as raízes do movimento podem ser é fazer com que o governo, os depu- pesquisadas nos encontros que acon- tados saibam que existimos. A cultu- • Batalha de rimas teciam na rua 24 de maio, no bairro do ra do hip hop não é legitimada como Em meados dos anos 1990, quan- Riachuelo, na zona Norte. patrimônio cultural, é apenas custo- do surgiram as batalhas, um grupo O DJ Tecnykko diz que “é preciso mizado.” Essa é uma das primeiras de jovens se reunia e formava rodas dar uma nomenclatura à demanda do reinvindicações da proposta, já proto- nas ruas, em praças ou espaços públi- movimento e à necessidade de união colada na Assembleia Legislativa do cos, para um duelo de “estilo livre”, para lutar contra a repressão sofrida, Estado do Rio de Janeiro (Alerj), em que consiste basicamente em um MC como no caso do mano do Saara”. O 10 de maio de 2017. Diego Moreira já “atacando” o outro com rimas. Ao fi- acontecimento mencionado por Tec- está na “cena” – como costuma se re- nal, é o público quem decide sobre o nykko é de janeiro de 2016, quando ferir ao movimento – desde os 15 anos vencedor. Foi em 2003, com a Batalha três jovens grafiteiros confundidos e lembra que, quando começou a fre- do Real (BDR), na Rua Riachuelo, com vândalos – todos de Duque de quentá-la, o hip hop tinha um perfil na Lapa, região central do Rio, que Caxias, cidade da Baixada Fluminen- bem diferente do atual. “O hip hop as rodas começaram a criar uma certa se, à epoca com idades entre 21 e 24 no início dos anos 90 não tinha caráter regularidade e organização, chamando anos – foram agredidos por seguran- político ou levantava qualquer ban- cada vez mais atenção para si. Alguns ças da região do comércio popular da deira. A função das batalhas (como dos MCs da região decidiram trans- Saara, no Centro do Rio, enquanto chamam o evento) era pacificar con- formar a brincadeira em evento, com pintavam paredes. Entretanto, gra- flitos entre gangues e tribos rivais.” palco, microfones e caixas de som, fitar locais previamente autorizados, Ele ainda ressalta que, no Brasil, o ainda que fossem equipamentos ama- como postes, colunas, muros cinza estilo musical, diferente dos Estados dores. Além do mais, a frequência de (desde que não sejam considerados Unidos, é de cunho educacional e cul- encontros era semanal e era dado um patrimônio artístico), paredes cegas, tural, e atualmente reúne adeptos de “prêmio” ao vencedor com o dinhei- pistas de skate e tapumes de obras, todas as classes e esferas políticas. ro arrecadado a partir da cobrança de além do muro da Linha 2 do metrô, é Mas há quem divirja do DJ, como entrada, de R$ 1,00 a R$ 2,00. Desde permitido pela Prefeitura desde 2014, o pesquisador e professor da Escola de o começo a BDR se deslocou algumas quando o então prefeito Eduardo Paes Comunicação (ECO) da Universida- vezes para diferentes espaços da Lapa, assinou o decreto GrafiteRio. A mes- de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e até se transformou em outro evento, ma lei instituiu o Dia do Grafite em Micael Herschmann. Sentado numa a Liga dos MCs. Só voltou a ser o que 27 de março. A violência contra os cadeira em frente ao computador, com era em 2016, apesar de, em 2003, já ser três rapazes foi, inclusive, motivo de uma camisa social azul-marinho e o considerada um espetáculo, a vanguar- manifestação do presidente da Co- queixo apoiado na mão esquerda, ele da do que hoje são as rodas culturais. missão de Direitos Humanos da Or- nos recebe com um sorriso no rosto, Era no Centro Interativo de Cir- dem dos Advogados do Brasil (OAB), mostrando-se bem educado e solícito co (CIC), na Fundição Progresso, seção Rio, Marcelo Chalréo. “São me- durante o tempo todo. E assim, então, que os b-boys, grafiteiros e DJs, além ninos pobres, humildes, de famílias ele começa a falar sobre suas experiên- dos MCs, se reuniam e organizavam

36 debates, exposições, oficinas, dentre Além disso, atualmente, outros en- pos, alguns uniformizados da escola ou outras atividades que estimulavam a contros, que acontecem semanalmen- vindos do trabalho, outros apostam em produção cultural e unificavam o hip te no Méier, Vila Isabel, Olaria (zona roupas com menos extravagância, mais hop. A cada dia da semana alguns Norte) e Recreio (zona Oeste), tam- “normais”, e há também os bem arru- desses projetos aconteciam. Em um bém fazem parte do núcleo da organi- mados, no estilo hip hop nova-iorqui- deles havia a Batalha do Conheci- zação. Os demais eventos – segundo o no: camisas largas, bermudas caídas, mento, que, diferentemente da BDR, site “Artes de Rua & Resistência”, são bonés, relógios e cordões. tinha como proposta fazer com que os mais de 80 espalhados pelo município O hip hop atual, defende Hers- MCs rimassem a partir de um tema – também são abraçados pelo CCRP, chmann, vem atraindo bastante a aten- previamente estabelecido, sem que fazem parte da agenda, mas não res- ção das pessoas, não só as marginaliza- descambassem para ofensas pessoais. pondem por ele. das, pela necessidade que elas têm de O administrador do CIC, Gerard O hip hop se mostra eficiente transgredir, de se opor. “Eu acho que, Miranda, considerava o local como a quando se trata de unir pessoas, prin- pela maneira como é construído o rap, “casa do hip hop carioca”, pois dava cipalmente as que não se sentem con- ele tem uma estrutura que permite a espaço para todas as expressões do fortáveis com a grande mídia ou, mais você fazer um discurso verborrágico movimento. Em 2009 houve um in- amplamente, com o sistema – conside- muito poderoso, tudo isso cativa os cêndio no CIC e, mais uma vez, os rado como o conjunto das ideias, regras, jovens”, avalia. Ele afirma que, por artistas se sentiram órfãos, pois não leis e das instituições sociais, econômi- tais características, o ritmo atrai outros tinham mais um local de encontro. cas, morais, políticas e culturais de uma movimentos sociais, para além dos Eles então voltaram para a rua e orga- sociedade, às quais as pessoas se subor- da periferia, que se identificam com nizaram rodas culturais. Alguns MCs dinam. E não são só os jovens da peri- a rebeldia e a afronta ao sistema. Sem de outras batalhas e artistas de outros feria que frequentam o espaço. Uma excluir os que estão há mais tempo no encontros começaram a participar e visita a uma roda cultural mostra que o cenário, o professor da ECO também perceberam que poderiam transfor- movimento atrai pessoas de idades, cul- fala sobre “um núcleo mais tradicio- mar aquilo em um circuito, não só turas, experiências e estilos de vida di- nal” que vive o hip hop para combater pela Lapa, mas em outros bairros da versos. Mas quando o objetivo é assistir os ataques da hegemonia e defender as capital, surgindo, assim, através de ou participar do evento, todos parecem minorias do preconceito. uma união entre as rodas, o Circuito estar sintonizados. O “ritual” é quase Carioca de Ritmo e Poesia. sempre o mesmo: antes das atrações • Um casamento cultural O CCRP começou como uma co- começarem, o DJ aquece o público, Na roda cultural, enquanto a mú- laboração em conjunto entre os encon- ainda muito tímido, com uma setlist de sica toca, o grupo de b-boys se apre- tros da Lapa, Botafogo (zona Sul da rap nacional e internacional. As pessoas senta, nada muito formal, cria-se uma cidade), São Cristóvão/Manguinhos, vão ouvindo o som e se aproximam, pequena roda em volta deles e o públi- Bangu (zona Norte) e Freguesia (zona outras são atraídas pela curiosidade, co aprecia a arte. A dança flui natural- Oeste). Dropê Comando Selva, poeta, algumas que já conhecem o evento es- mente com o ritmo; uma coisa parece produtor cultural e coordenador do peram uma maior movimentação para ser feita para a outra, como em um circuito, é quem organiza o projeto. aparecer. Mas a maioria chega em gru- casamento de culturas. O DJ impro- Foto: Wellerson Soares Foto: Wellerson

Duelo de MCs, cercados durante “Batalha de Sangue”, no Méier 37 visa nos beats e mixes e os b-boys nas cipal palco da cena hip hop na região, acrobacias e expressões corporais. Os O hip hop deu voz conta Felipe Broa. organizadores dão o ponto de partida para as “batalhas” chamando atenção aos“ moradores de favelas • De Magno a Magnata do público para o centro do evento. e periferias, além de ter Magno Alexandre, de 21 anos, às Os MCs inscritos (geralmente há uma voltas com o estúdio em Nilópolis, lista de inscrição no próprio dia para sido importante para a na Baixada Fluminense, grava mais quem quiser participar) se preparam revitalização do movimento um som que, segundo ele, “prome- para o show, os grupinhos que, até te”. Apesar de garantir que está em então, estavam separados na chama- negro uma fase mais madura, Magnata MC, da panelinha – um grupo fechado de Micael Herschmann como prefere ser chamado, diz que a pessoas com maior proximidade umas ” inquietação, enquanto estava sentado das outras – se transformam numa no sofá do estúdio para dar entrevis- grande plateia. Eles esperam o sinal balho, nós íamos de metrô ou ônibus ta, revela a preocupação em coorde- que indica o começo da batalha e já e todo esse percurso era um mundo nar as respostas às perguntas com o se preparam para gritar juntos, come- estranho, porque uma hora a pintura pensamento dividido no projeto final morar e, por ser uma decisão de voto estava lá e na outra, não”, ele relem- do curso de Letras na Universidade popular, elegerem o campeão da se- bra. Morador da zona norte do Rio Estácio de Sá em Nova Iguaçu, cida- mana da batalha de MCs. desde a infância, Ramon conta que só de vizinha a sua, e a produção de um Outra vertente do hip hop também se profissionalizou no grafite em sua novo hit, denominado “Dissabafo”. está presente no ambiente, mas geral- passagem pelo sul do país, quando foi Com o visual habitual de todo mente no plano de fundo. O grafite se morar lá. “No Rio Grande do Sul eu Mestre de Cerimônias – camisa do mostra espalhado por toda parte, in- fui me descobrindo e vendo que podia jogador LeBron James, do Cleveland dependentemente de onde seja a roda. fazer e aprender muito com Cavaliers, time da principal liga ameri- Se há espaço para pintar, os grafiteiros isso. E o momento foi muito impor- cana de basquete, boné oficial da NBA vão atuar. Nas rodas que acontecem tante pra eu colocar pra fora as coisas e um longo calção da seleção espanhola sempre em um mesmo espaço, a arte que eu estava sentindo.” de futebol –, o jovem contou que atua deles já está estampada. São poucos, Em outro lugar da cidade, mais há nove anos dentro do movimento hip atualmente, os muros que não tenham uma roda cultural tem início. Às noi- hop como MC. Desde garoto já acom- alguma intervenção dos artistas, mas, tes de quarta-feira no Meier, bairro da panhava a cena cultural, e, a partir dos caso seja um evento de intercâmbio zona Norte, na praça que leva o nome 12 anos, começou a compor as próprias cultural, será fácil ouvir os sons de la- do evento cultural, os personagens letras, para expressar suas ideias. Ele tas de jet balançando e do spray saindo principais da noite de batalhas chegam fala que, passados os anos, conquistou delas para chegarem ao encontro das por volta das 20h30, apesar do evento amadurecimento com o hip hop, a que “telas” em branco e transformarem- ter como horário inicial oficial as 19h. chama de “válvula de escape”; e tam- nas em uma obra-prima urbana. Comandados pelo ritmo do DJ Felipe bém sobre como a expressão musical Usando muletas por ter se aciden- Broa, os 32 MCs duelam na modali- lhe possibilitou compreender a socie- tado pintando em uma incursão pelo dade “Batalha de Duplas”, criada pelo dade e a ser mais empático. A histó- Morro da Providência, Ramon Vellas- Mestre de Cerimônia Dom Negrone. ria de Magnata se confunde com a de co, 22 anos, com o casaco azul e a ber- Com a pompa de verdadeiros pugilis- diversos personagens do movimento. muda larga sujas de tinta, relembra os tas, os jovens vão chegando, cumpri- O que difere é o acesso ao ensino su- setes anos de sua trajetória como gra- mentando uns aos outros e aquecendo perior, possibilitando maior fonte de fiteiro. A pausa na pintura para res- para mais uma noite de entretenimen- conhecimento na hora da “batalha”. ponder às perguntas permite que os to. O espaço, que antes era dominado Fã de política, usa a credibilidade ad- presentes na reunião vejam os primei- por moradores de rua, hoje é o prin- quirida com a fama para expressar ros traços do que em poucos minutos se tornaria o rosto de um homem. “Eu faço grafite há quase 7 anos. Comecei em 2010, mas na verdade eu me vejo dentro dele desde os 6, 7 anos de ida- de. No movimento hip-hop eu posso dizer que participo desde 2010 mes-

mo, quando eu comecei a ouvir mais a Foto: Reprodução/Facebook história e as experiências de quem me introduziu ao graffiti.” Tentando se equilibrar sobre o pé direito enquanto fala, o rapaz tam- bém diz como se tornou um adepto do Magnata (3º da esq. para a dir.) ao lado movimento cultural. “Eu sempre tive dos integrantes do Bonde da , essa curiosidade pelas intervenções. antes de abrir o show do grupo em Magé Quando acompanhava meu pai ao tra-

38 Foto: Reprodução/Facebook DJ Tamy: ‘o hip hop não é só uma modinha’

Wellerson Soares

ntre uma pickup e outra, Tamyres Reis entre- tém o público jovem da roda do viaduto Negrão Ede Lima, em Madureira, na zona Norte. Aos 28 Desde 2007, Tamy Reis se apresenta em bares e rodas culturais anos, ela relembra com semblante sereno e de gestos con- tidos, adquiridos com longos anos na cena hip hop, os por mês. Agora toco mais em boates e faço eventos cor- primeiros passos no movimento e afirma ser fiel ao antigo porativos também”, completou. Para a DJ, o movimento pensamento do movimento cultural. “O hip hop é uma hip hop não mudou, continua o mesmo. A diferença, se- filosofia. Não é só uma cultura ou modinha, ele direciona gundo ela, é a vertente mais conhecida dentro do gênero, as pessoas; aquela filosofia de de ‘Não o rap. Em sua opinião, este agora é mainstream – termo às drogas, vamos ser sociais, va- inglês que expressa uma tendência mos respeitar e amar todo mun- ou moda dominante –, tornou-se do’. A galera jovem de hoje em A cultura do hip hop não a mais popular dentre as manifes- dia gosta, mas não sabe o que é. tações do movimento, tocando em Nesse ponto eu sou old, sou bem é“ machista, mas infelizmente rádios e com novas melodias. antiquada e acredito nisso”, dis- quem produz é Convicta defensora da cena, se. O casaco do time americano Tamy fala sobre os desafios de ser de basquete Los Angeles Lakers, uma mulher atuante dentro de a saia preta e a meia calça meio ” uma cultura predominantemente rasgada são partes da indumentária que Tamy diz gostar masculina. Mas ela afirma que o cenário tem mudado e de vestir. a diversidade é uma conquista da qual tem orgulho. “A Desde adolescente já militava e se envolvia com cul- cultura do hip hop não é machista, mas infelizmente tura. Somente aos 18 anos criou coragem, deixou o ca- quem produz é. Nós, mulheres, estamos nos organizando belo black power crescer e começou a carreira como DJ. e reivindicando nosso espaço, fazendo barulho e partici- Atualmente faz sucesso no segmento, sendo uma das pando. A representatividade hoje de ‘minas’, principal- mais requisitadas para trabalhar em grandes eventos, mente no break, é muito grande”, analisa. Tamy acredita como casamentos e festivais de música. “Hoje é muito di- que, no futuro, o movimento será mais feminino, quase fícil eu ir a rodas, estou sempre trabalhando. Vou uma vez uma religião. pontos de vista a respeito da situação preferência a outros ritmos e não con- geral. Se antigamente os grupos ti- atual do país. Apesar de muito jovem, tribuem para a difusão do trabalho dos nham seus ganhos baseados na venda já fala com a propriedade de um ve- artistas. “Todo mundo que chega nas de fonogramas, atualmente eles têm terano sobre as transformações que rodas com respeito é bem recebido pe- origem nos shows e nas apresentações pôde presenciar no hip hop. “Na época los MCs da região e pelo público. Nos- e nos serviços de streaming que estão que comecei, nem havia esse circuito sa representatividade é bastante signi- se estruturando agora no mercado. O de rodas que ocorrem hoje. Só havia ficativa, é ela que faz a cultura de rua professor explica que, antes, as grava- uma batalha no Rio, que era nos Ar- sobreviver.” E mesmo não tendo tanto doras conseguiam produzir CDs que cos da Lapa, toda quinta-feira. Lá, se espaço na mídia tradicional ou nas ca- atingiam vendas expressivas e deu encontravam MCs de diversos pontos sas de shows populares, ressalta que a como exemplo o quinto disco de es- do estado. Hoje há rodas por toda a ci- união dos artistas dá oportunidade aos túdio do grupo Racionais MC’s, “So- dade. Fora o crescimento exponencial MCs para se apresentarem, evoluírem, brevivendo no inferno”, que, mesmo do público, diferente da época em que “solidificando o rap nas cidades”. tendo sido lançado por uma gravadora comecei, aonde haviam mais MCs do Micael Herschmann, aliás, tam- independente, vendeu cerca de 1,5 mi- que ouvintes nos eventos.” bém trata das mudanças no mercado lhão de cópias. “Hoje o músico de hip Entre uma resposta e outra, faz uma fonográfico nos últimos anos. Au- hop, mais do que nunca, depende das pausa para conferir o processo de pro- tor de artigos e outros livros que têm suas redes [sociais] e dos fãs. Assim, o dução da música. Mas não esquece de a cultura como tema, ele fala sobre grande trabalho que tem que ser feito exaltar a união dos movimentos e a hu- como os artistas são remunerados por hoje pelo artista é o de manter o seu mildade dos integrantes, e de fazer crí- seus trabalhos não apenas a partir da prestígio junto aos fãs”, explica. ticas às casas de shows e boates que dão cena do hip hop mas da música em Versão online: www.parlamidia.com/hiphop

39 Escola de Comunicação UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 50 anos