Revista DEP06 Portuges.Pdf
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A revista DEP – Diplomacia, Estratégia e Política é um periódico trimestral, editado em português, espanhol e inglês, sobre temas sul-americanos, publicado no âmbito do Projeto Raúl Prebisch, com o apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE/Funag – Fundação Alexandre de Gusmão/Ipri – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais), da Construtora Norberto Odebrecht S. A., da Andrade Gutierrez S. A. e da Embraer – Empresa Brasileira de Aeronáutica S. A. Editor Carlos Henrique Cardim Endereço para correspondência: Revista DEP Caixa Postal 2431 Brasília, DF – Brasil CEP 70842-970 [email protected] www.funag.gov.br/dep Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) DEP: Diplomacia, Estratégia e Política/Projeto Raúl Prebisch no. 6 (abril/junho 2007) – . Brasília : Projeto Raúl Prebisch, 2007. Trimestral Editada em português, espanhol e inglês. ISSN 1808-0480 1. América do Sul. 2. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela. I. Projeto Raúl Prebisch. CDU 327(05) D E P DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA Número 6 Abril / Junho 2007 Sumário 5 Realidade da Argentina e região Cristina Fernández de Kirchner 15 Diplomacia para a vida Pablo Solón 35 Brasil 2007: pronto para crescer novamente Guido Mantega 49 A integração regional: fator de desenvolvimento sustentável Emílio Odebrecht 61 Em busca do crescimento com eqüidade Ricardo Ffrench-Davis 76 Colômbia: desafios até 2010 Álvaro Uribe Vélez 91 Um plano para o Equador Rafael Correa Delgado Identidade cultural e creolização na Guiana 97 Prem Misir Paraguai: Estado patrimonial e clientelismo 109 Milda Rivarola Colonialidade do poder, globalização e democracia 132 Aníbal Quijano Combate ao narcotráfico no Suriname 180 Subhaas Punwasi Mercosul: projeto e perspectivas 193 Luis Alberto Lacalle de Herrera Acerca da grandíssima importância de um partido 202 Hugo Chávez 229 Guayasamín por ele mesmo Realidade da Argentina e região* Cristina Fernández de Kirchner* P ara mim não é apenas uma honra, mas também um momento muito grato em termos humanos e políticos haver sido convidada pela FLACSO. O senhor mencionou minha participação em numerosos foros e espaços acadêmicos e institucionais. A maioria delas se deu em espaços do chamado primeiro mundo, onde as categorias de pensamento muitas vezes não conseguem decodificar a realidade de uma região tão complexa e tão castigada como tem sido a América Latina. Há poucos instantes, conversando com o diretor da FLACSO, ele se queixava, sorrindo, que vários de seus professores emigraram para formar parte do novo governo. Eu lhe disse que não se queixasse, que isso é muito bom. É muito bom que a FLACSO proporcione pensamento crítico aos governos da região, que durante tanto tempo receberam pensamentos alheios e muitas vezes contrários aos interesses de seus países, produto de outras usinas intelectuais que não respondem exatamente aos interesses da região. Assim, creio que em boa hora estão soprando novos ventos na região latino-americana. E minha presença aqui tem a ver com uma dupla abordagem que pretendo realizar esta tarde, aqui * Conferência realizada na FLACSO-Quito, em 21 de março de 2007. ** Senadora da República Argentina. [email protected] DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2007 Realidade da Argentina e região em Quito, no Equador. Por um lado, a experiência argentina, não como uma espécie de receita ou de modelo a ser seguido. Creio nas experiências próprias de cada país, de cada sociedade, de cada governo, simplesmente porque a Argentina, tal como o restante da América Latina, teve processos históricos semelhantes, em termos de interrupções institucionais por governos de facto e ao mesmo tempo, talvez mais que qualquer outra, junto com o Equador, experimentações de construções intelectuais que não correspondiam precisamente aos interesses do país e de seus povos. Por isso, com este breve esclarecimento, de que não pretendemos converter-nos em professores e nem ditar cátedra, embora estejamos em uma universidade, é que queremos trazer-lhes a experiência argentina depois de quase quatro anos de governo do Presidente Kirchner. Faltam poucos dias para que em meu país se registre, no próximo sábado, 24 de março, outro aniversário, o do último golpe militar, semelhante a tantos outros na região, e que teve efeitos devastadores em termos políticos, econômicos e sociais. Para citar alguns números: no momento do golpe, em 24 de março de 1976, os trabalhadores, a massa assalariada de meu país, participava com pouco mais de 48 por cento do PIB. Quase o fifty-fifty que o justicialismo sempre propugnou. Faltavam, além disso, muito poucos meses para as eleições seguintes, ou seja, para que o povo voltasse a decidir. Todos conhecem, não vou aprofundar-me sobre um processo que devastou cultural, moral, econômica e socialmente o país, além da desaparição de 30 mil argentinos, do encarceramento de outros, da tortura, do vexame no exílio, etc. Um panorama e uma paisagem que não ocorreram unicamente na República Argentina, mas que pode ser observado na história de toda a região. Em seguida, durante a década de 80, sobreveio a abertura democrática. Fundamentalmente, ela também se acentua a partir da queda do muro de Berlim, que como sabem rompeu o processo de bipolaridade, e então a doutrina de segurança nacional já não era necessária na região. É preciso abordar de maneira crítica o processo pelo qual se desenvolve e se desemboca na democracia para entender que também os primeiros passos dessa democracia foram talvez os de uma construção que teve a ver com concordar com o que chamo governabilidade corporativa, sobre a qual me estenderei mais adiante. Acordar com os diferentes setores do poder das sociedades a fim de tornar governável o país é uma verdadeira contradição do que significa a construção democrática. A construção democrática é fundamentalmente construção de cidadania, participação cidadã. E também, essencialmente, representação dos DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2007 Cristina Fernández de Kirchner interesses das grandes maiorias nacionais por parte daqueles que ganharam lugares ou espaços institucionais em processos eleitorais. Muitas vezes, na democracia, esses processos não ocorreram, seja pela conversão ideológica daqueles que chegavam ao governo em nome de idéias, projetos e princípios e acabavam executando projetos, idéias e gestões diametralmente opostos aos que haviam sustentado historicamente antes de aceder ao governo, seja por debilidade, imperícia ou falta de capacidade de gestão. Em certo momento começavam também a questionar a democracia na América Latina como fonte eficaz para solucionar problemas e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Há muita crise, muita instabilidade na região. Não vim aqui para contar aos equatorianos o que significou a instabilidade institucional, produto das grandes crises econômicas e sociais. O ano de 2001 impressiona em meu país, quando a Argentina praticamente parecia desintegrar-se. Havia uma grave crise de representação, a sociedade argentina havia apostado fortemente no governo da aliança que chegou em nome de um programa de governo e o que executou foi exatamente uma continuidade do que vinha acontecendo. Vemos, então, que as crises econômicas e sociais recorrentes são fatores de ruptura institucional, de instabilidade institucional e essencialmente de ausência de construção democrática. Qual é o diagnóstico do Presidente Kirchner e do espaço político do qual faz parte, e do qual obviamente faz parte quem lhes fala? Assumimos o governo em 25 de maio de 2003. Antes de tudo, havia nos governos da região uma profunda dissociação entre a legalidade institucional e a legitimidade política e social. Que significa isso? Que os processos eleitorais eram ganhos em nome de projetos, plataformas, representações políticas, e se fazia exatamente o contrário. Chegou a haver um Presidente em meu país que disse que se revelasse o que ia fazer, teria perdido as eleições. Essa crise entre legalidade e legitimidade, que significa a eficácia e não somente cumprir com o enunciado em uma plataforma eleitoral durante um processo eleitoral, mas também, além disso, com o que foi enunciado e aplicado para que tenha o resultado desejado. Porque, em última análise, política é resultado. Podemos ter as melhores idéias, podemos ter os melhores projetos, mas se não conduzirem de forma eficaz a resultados verificáveis e quantificáveis na qualidade de vida de nossos compatriotas, de nossos concidadãos, poderão atestar a profunda honestidade intelectual de quem formulou e cumpriu esses passos, mas não a eficiência do governo e a construção da gestão democrática. DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2007 Realidade da Argentina e região Digo, portanto, que essa foi a primeira questão que decidimos, a de que a legalidade e a legitimidade não poderiam estar dissociadas, e que por isso a governabilidade não era uma governabilidade corporativa, de pactuar com as corporações, e sim, fundamentalmente assumirmos os compromissos de cidadania que a sociedade e os argentinos exigiam em matéria econômica, e principalmente no papel do Estado – porque, afinal, nós que militamos em política e concorremos em processos eleitorais democráticos, plurais e abertos, estamos tomando a iniciativa política no Estado para levar adiante um projeto e uma gestão. É isso o que está em jogo em um processo eleitoral. Um grupo político, em nome de um sistema de idéias, em nome de uma representação que deseja exercer, se apresenta aos