Estudo De Caso Sobre O Disco Roots Da Banda Sepultura
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1 2º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 07 de dezembro de 2016 – ANAIS Artigo Impactos das apropriações culturais à luz da etnomusicologia: estudo de caso sobre o disco Roots da banda Sepultura Flávio Garcia da Silva1 Resumo: A partir de um foco descritivo e analítico na obra Roots, da banda belo horizontina Sepultura, buscamos aqui contribuir para a discussão central na etnomusicologia brasileira dos últimos anos em torno da ideia de “apropriação musical”(cf. CARVALHO, 2010, entre outros). A origem da banda Sepultura é muitas vezes descrita em dissonância com a música popular brasileira produzida em Minas Gerais por uma geração imediatamente anterior, bem como com imagens e valores a ela associados. O álbum Roots opera justamente uma aproximação alternativa a uma imagem de brasilidade, através da utilização superficial de símbolos sonoro-visuais afrobrasileiros e ameríndios, especificamente da tribo Xavante e do grupo Olodum, o que se traduz em uma visibilidade de caráter mundial. Tentamos assim colocar em diálogo materiais tanto sonoros quanto políticos, visuais, históricos ou mercadológicos, em uma leitura crítica de um capítulo da música heavy metal no Brasil. Palavras-chave: Heavy Metal no Brasil. Apropriações culturais afrobrasileiras. Apropriações culturais ameríndias. Álbum Roots, Sepultura. Impacts of cultural appropriations in the light of ethnomusicology: case study on the Roots of the Sepultura disk band Abstract: From a descriptive and analytical focus on the Roots work of the Belo Horizonte band Sepultura, we seek to contribute here to the central discussion in the Brazilian ethnomusicology of recent years around the idea of "musical appropriation" (Carvalho, 2010, among others) . The origin of the band Sepultura is often described in dissonance with the Brazilian popular music produced in Minas Gerais by an immediately previous generation, as well as with images and values associated with it. The album Roots operates just as an alternative to an image of Brazil, through the superficial use of Afro-Brazilian and Amerindian sound-visual symbols, specifically the Xavante tribe and the Olodum group, which translates into a world-wide visibility. We try to put into dialogue both sound and political, visual, historical or market materials, in a critical reading of a chapter of heavy metal music in Brazil. Keywords: Heavy Metal in Brazil. Afro-Brazilian cultural appropriations. Amerindian cultural appropriations. Album Roots, Sepultura. 1 Graduado em Música (Licenciatura) pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix - IMIH, [email protected] . 2 Nas Nuvens...: <http://musicanasnuvens.weebly.com/> 2 2º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 07 de dezembro de 2016 – ANAIS Artigo Introdução Trata-se aqui de uma pesquisa em estágio preliminar, no qual abordo a questão das apropriações culturais. O objetivo é pesquisar e aprofundar o tema em uma dissertação de mestrado na área de música e cultura. O objeto em estudo é o disco Roots (1996) da banda Sepultura, um álbum com grande projeção na mídia, e com sucesso de público e crítica especializada. Este álbum estampa na capa e na contracapa figuras indígenas e utiliza nas músicas temas que remetem às estéticas ameríndias e afrobrasileiras, contando com: participações da tribo xavante; do grupo baiano Olodum; do percussionista e produtor Carlinhos Brown. Servirá como referência de raciocínio, dentre outros textos, o artigo de José Jorge de Carvalho (2010) sobre a “espetacularização” e “canibalização” das culturas populares na América Latina, assim como Sandroni (2008) e Carneiro da Cunha (2001). Carvalho aponta que quando a moda e os clichês ditados pela indústria começam a declinar, há uma procura da própria indústria por novas culturas descritas como exóticas, transformadas em um novo produto para o mercado. Neste sentido, observamos que este tipo de apropriação é mais comum do que possamos imaginar – um exemplo disso, dentre tantos, seria o disco “Tambores de Minas” (1997) de Milton Nascimento, que conta com elementos da música popular mineira, como o congado, apenas como mais um componente em meio à coreografia, iluminação, cenário e figurino apresentando um discurso ecológico e cultural (cf. PACHECO, 2014). Ora, considerando o exemplo acima e o objeto de estudo daqui, vem à tona a seguinte pergunta: a apropriação musical de elementos da cultura ameríndia e afrobrasileira em Roots (1996), comparada com o processo criativo do “Tambores de Minas” (1997), não seria, muito mais do que uma síntese ou diálogo estético, uma apropriação assimétrica que remete a uma leitura estereotipada?2 1 Um breve contexto histórico-cultural: movimento metal versus Clube da Esquina Podemos dizer que, historicamente, quase duas décadas demarcam dois célebres movimentos da música popular mineira. A Rua Divinópolis, esquina com a Rua Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, zona leste de Belo Horizonte, capital do estado 2 Leitura estereotipada refere-se a um pressuposto sobre determinado grupo ou cultura, muitas vezes, sendo um conceito infundado e depreciativo. 2 Nas Nuvens...: <http://musicanasnuvens.weebly.com/> 3 2º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 07 de dezembro de 2016 – ANAIS Artigo de Minas Gerais se tornou palco do primeiro deles, batizado como “Clube da Esquina”. O momento da política nacional era bastante conturbado, em plena ditadura militar. Jovens músicos, compositores, letristas e poetas buscavam criar uma música que expressasse o sentimento dos mineiros e da cidade naquela fase. Misturavam instrumentos do pop mundial como guitarra, contrabaixo elétrico e bateria com a viola caipira; importavam ritmos e melodias. Foi na harmonia inusitada e sofisticada com as letras engajadas de Márcio Borges e Fernando Brant que emergiu tal música, em interpretações de Milton Nascimento, Lô Borges e Beto Guedes. Com o fim da ditadura, em meados dos anos 1980, a música do Clube da Esquina já não era mais a mesma, não era aquela de oposição e sim corroborava com movimentos neoliberais. Milton Nascimento abraçou a Nova República, traduzindo sua música em símbolos de fraternidade e caridade (AVELAR, 2003). O contraponto disso aconteceu a algumas ruas de distância da famosa esquina, com a banda de metal Sepultura, que ganhou uma notoriedade mundial assim como a música de Milton Nascimento e companhia. O segundo movimento a que nos referimos, que surge em Belo Horizonte e exporta o nome da cidade para o mundo, nasce mais pulverizado pela capital e neste contexto embrionário do metal, destaca-se o fato de sua música contradizer todos os ideais, em todos os aspectos, daquela do Clube da Esquina. A negação ao regionalismo, ao catolicismo tradicional mineiro e às políticas opressoras da mídia serviram como alavancas do sentimento juvenil da época que encontraram, segundo Oliveira (2003), em grupos semiestruturados formados por indivíduos com identificação proximal comum em rituais e elementos culturais, as chamadas tribos urbanas, um ponto de apoio para expressar seus ideais. Essas tribos são comunidades empáticas que compartilham gostos e lazer. No caso, do movimento metal, o objetivo era transgredir os padrões sociais ditados na época, respondendo em forma de ruídos, guitarras distorcidas, cantos guturais e bateria com batidas “agressivas” acompanhando toda essa catarse contra um ideal imaginário da música mineira que já não era mais aquela transgressora dos anos 1970. Neste cenário, um grupo de garotos, do já musicalmente reconhecido bairro de Santa Tereza, formam uma banda de metal, sendo apenas mais uma dentre várias outras naquela época. Sepultura foi o nome escolhido pelos irmãos fundadores, Massimiliano Antônio Cavalera (Max) e Igor Graziano Cavalera, respectivamente com 13 e 12 anos de idade. Dentre várias dificuldades do início de formação, esse primórdio se estabiliza com 2 Nas Nuvens...: <http://musicanasnuvens.weebly.com/> 4 2º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 07 de dezembro de 2016 – ANAIS Artigo Jairo Guedez, na guitarra, Paulo Xisto Pinto Jr. no contrabaixo, Igor Cavalera na bateria e Max Cavalera na guitarra e vocais. Surge então o apoio de uma pequena loja de discos especializada em rock e metal internacional – Cogumelo – que se tornaria uma gravadora, distribuidora e primeiro selo independente no cenário de música punk e metal nacional do país. Como gravadora, a Cogumelo incentivou vários grupos a se desenvolverem e a profissionalizar suas execuções musicais transformando-as em um produto de consumo para aquele nicho de mercado. A Cogumelo contratava as bandas, ajudava na produção dos discos e vendia na própria loja, além de distribuir para outros estados exportando as bandas de Minas. Nesse molde, a banda Sepultura evolui e assina contrato com a Cogumelo, lançando três discos, Bestial Devastation (1985), um split album com a banda conterrânea Overdose (neste formato cada banda utilizando um lado do LP); Morbid Visions (1986); primeiro disco solo e Schizophrenia (1987). Os dois primeiros discos adotam uma temática – visual, verbal – antirreligiosa e apocalíptica refutando toda a tradição mineira católica e cristã, além das letras das músicas em inglês, como se previssem uma carreira internacional. Mas tirando este fato da língua que perdura até hoje, os temas não permaneceram ao longo da carreira, a banda mudando e reinventando de forma inquieta seu trabalho dentro do estilo a cada disco subsequente: um exemplo disso já aparece no terceiro álbum, trazendo temáticas sociais e psicossociais além da mudança estrutural de formação com