. O CÉU É NOSSO! A Defesa Aérea Brasileira

INSTITUTO HISTÓRICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA 2018 FICHA TÉCNICA

O Céu é nosso! A Defesa Aérea Brasileira

Edição Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica

Editor Maj Brig Ar R/1 José Roberto Scheer

Autora 1º Ten QOCon Tec (HIS) Elaine Gonçalves da Costa Pereira

Projeto Gráfico Seção de Tecnologia da Informação

Capa 2S Tiago de Oliveira e Souza Foto: FLICKR FAB - Sgt Johnson

Impressão F&F Gráfica Editora

Rio de Janeiro 2018 Apresentação

esde os anos 50, que o tema “Defesa Aérea” é comentado nas lides da For- ça Aérea Brasileira (FAB), com base nas comparações das estruturas ope- Dracionais da FAB com algumas outras forças aéreas de países visitados. A partir da década de 60, o assunto ganhou a importância devida e medidas concretas passaram a ser adotadas, culminando com a criação de um sistema que absorvesse, ao mesmo tempo e com total eficiência, o controle de tráfego aéreo e a defesa aérea. Radares, aeronaves e equipamentos afins foram adquiridos, bem como pessoal foi formado e treinado para implantar e fazer funcionar o sistema. Nova estrutura passou a figurar na Instituição, para adequá-la à nova concepção e torná-la operacional, o que se tornou realidade, sendo, hoje, um modelo para outras nações pelos resultados e economia proporcionados. No que tange ao controle de tráfego aéreo, o sistema vem dando a resposta esperada, evoluindo na medida da necessidade e proporcionando a segurança, a economia e a rapidez do fluxo aéreo exigido pelo País. Quanto à Defesa Aérea, o principal intuito deste trabalho é apresentar ao leitor uma reflexão e um resumo de como se desenvolveu esta ação que visa o emprego de meios para detectar, identificar e neutralizar ou destruir vetores aéreos inimigos ameaçadores, o que tem garantido o controle do ar no nosso território. Diuturnamente, todo o universo disponível para prover a segurança da Pátria no espaço aéreo é utilizado e permanece em total prontidão para assegurar a nossa soberania. Afinal, nos somos as “ASAS QUE PROTEGEM O PAÍS”. Neste instante, o Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (INCAER) aciona o ROJÃO DE FOGO, porque ontem, hoje e sempre O CÉU É NOSSO !

Maj Brig Ar R/1 José Roberto Scheer Subdiretor de Cultura do INCAER . O Céu é nosso! A Defesa Aérea Brasileira

Elaine Gonçalves da Costa Pereira

“Não pode haver segurança sem desenvolvimento. E no mundo de hoje, não se tem desenvolvimento sem segurança: são coisas que se entrelaçam” (Oswaldo Cordeiro de Farias).

No ano de 2017, foi publicado, pelo social, ou seja, algo construído por di- Instituto Histórico-Cultural da Aero- ferentes atores. náutica (INCAER), um opúsculo que O primeiro questionamento, dentre conta de maneira magistral toda a traje- tantos que surgiram, foi: quando se viu tória dos Controladores de Operações a necessidade de pensar sobre a defesa Aéreas Militares, intitulado “Linces: aérea no Brasil? Para começar a respon- olhando além do horizonte”. Sendo as- der a esta pergunta, é de fundamental sim, esta pesquisa focará na defesa aé- importância traçar um panorama do rea no âmbito, sobretudo, da aviação de que acontecia no Brasil à época. caça e do desenvolvimento do Sistema de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (SISDACTA), visto que o nú- Os p r i m ó r d i o s mero de obras escritas sobre este tema Mundialmente, os parâmetros para ainda é escasso. pensar a segurança dos países foram Em contrapartida, a quantidade de revistos após as Grandes Guerras fontes primárias é bem ampla: decretos Mundiais. Antes, existia a ideia de “De- e leis publicadas, jornais e revistas, Li- fesa Nacional”. Corroborando com a vros Históricos das organizações mili- própria terminologia, significava que o tares, entrevistas, etc., abarcam um vas- confronto ocorria nos campos de ba- to e rico cabedal de informações para talha, longe das cidades. Porém, após futuras pesquisas. 1945, surgiu a concepção de “Seguran- O tema está completamente ligado ça Nacional”. ao desenvolvimento da ciência e da tec- Nesse ínterim, cabe ressaltar que, en- nologia. Dessa forma, e amparando-se tre outros fatores, o desenvolvimento na perspectiva de Bruno Latour, en- da aviação militar colaborou para essa tende-se o desenvolvimento da defesa mudança de paradigma. Hoje, a guer- aérea brasileira como uma construção ra não ocorre em um lugar específico, 5 mas atinge as nações como um todo. Especificamente para a Força Aérea O bombardeio “destrói os sistemas Brasileira, as décadas de 1950 e 1960 de comunicação, transportes e ataca a representaram um período de grandes população.” (FARIAS, CAMARGO e avanços, destacando-se: a criação do GÓES, 1981:408). Instituto Tecnológico da Aeronautica (ITA), também chamado de Fábrica O que se viu no mundo, durante e de Cérebros; a chegada do caça Gloster após as Grandes Guerras Mundiais, foi Meteor; o desenvolvimento da indústria um grande progresso no âmbito da ci- aeronáutica brasileira; e o primeiro voo ência e da tecnologia, fruto de estudos do Bandeirante C-95, aeronave desen- voltados para o avanço da Medicina, volvida no Brasil. Biologia, Química, como também do aprimoramento do material bélico. Viu- O Gl o s t e r Me t e o r e o Pr i m e i r o se também, nesse período, um rápido Es q u a d r ã o d e Co n t r o l e e Al a r m e desenvolvimento da aviação e da circu- lação de informações (RODRIGUES, Dois momentos da história da For- 2010). ça Aérea Brasileira foram escolhidos No Brasil, não foi diferente. Na dé- nesta pesquisa, por entendê-los como cada de 50 do século XX, o país vivia marco, para que se começasse a pensar um período de mudanças do ponto de em defesa aérea no país, ambos ocorri- vista econômico, em face de uma polí- dos ainda na década de 1950. São eles: tica desenvolvimentista que se aprofun- a criação do Primeiro Esquadrão de daria nos anos seguintes. O início desse Controle e Alarme (1º ECA) e a aquisi- longo processo ocorreu durante o go- ção dos caças Gloster Meteor. verno do Presidente Getúlio Vargas, Após a Segunda Guerra, percebeu- foi ampliado no governo do Presidente se, no âmbito da FAB, a necessidade de Juscelino Kubitschek, com o histórico criação de um sistema que fosse capaz “50 anos em 5: o Plano de Metas”, e de detectar aeronaves e que informas- prosseguiu pelos próximos governos. se aos órgãos de defesa, da época, com O crescimento da economia, durante a antecedência necessária, de modo a essa fase, foi fundamental para as For- possibilitar uma reação articulada. ças Armadas brasileiras, possibilitando, Por isso, foi criado o Primeiro Esqua- assim, maiores investimentos, que ser- drão de Controle e Alarme (1º ECA), viram para melhor equipar e moderni- instituído por meio da Portaria nº 20, zar a Marinha do Brasil (MB), o Exér- de 19 de dezembro de 1950. O 1º ECA, cito Brasileiro (EB) e a Força Aérea sediado na Base Aérea de Santa Cruz Brasileira (FAB). É importante destacar (BASC), utilizava, a princípio, equipa- que o desenvolvimento das três Forças mentos americanos oriundos de um continuou nas décadas seguintes. plano de ajuda mútua. Sendo assim, o

6 O Céu é nosso! Esquadrão contava com radares de vi- O valor pago pelas aeronaves foi de gilância, radar de aproximação (PAR), e quinze mil toneladas de algodão, que radares tridimensionais (PENTEADO, foram enviadas à Inglaterra. 2010:27). As aeronaves chegaram ao Brasil por navio e desmontadas, sendo montadas na antiga Fábrica de Aviões do Galeão. A aquisição das aeronaves Gloster Meteor foi fundamental, pois incluiu o Brasil na era a jato, conhecida como a “era das turbinas”. Com a chegada dessas aeronaves, a FAB precisou modernizar seu Parque de Aeronáutica de São Paulo e reestruturar a Base Aérea de Santa Cruz (BASC), a Base Aérea do Galeão (BAGL) e a Primeiro radar do 1º ECA. Base Aérea de Canoas (BACO), pois (Fonte: Revista Aeroespaço) as citadas Bases receberiam o novo caça. A chegada da aeronave supriu O 1º ECA tinha como missão ope- os esquadrões de caça brasileiros, do rar os órgãos do Sistema de Controle e ponto de vista operacional, com o que Alarme. Além de se constituir na unida- havia de mais moderno, na época, na de básica do Grupo de Controle Aero- América do Sul, elevando assim o tático, o Esquadrão realizava inúmeras grau de “adestramento” dos pilotos manobras e operações, tendo participa- caçadores (KASSEB, 2008:21). do inclusive de manobras reais (PEN- TEADO, 2010), e era o 1º ECA quem apoiava as atividades do 1º Grupo de Aviação de Caça (1º GAvCa), por meio de um Centro de Controle fixo. Além da criação do 1º ECA, que se- ria o responsável por controlar o espaço aéreo, viu-se também a necessidade de substituir os caças P-47 Thunderbolt e Curtiss P-40 por aeronaves mais novas. Após pesquisas, a aeronave escolhida Aeronave Gloster Meteor, modelo TF-7, foi o caça britânico Gloster Meteor. Fo- matrícula 4308, pertencente à Força Aérea ram comprados setenta aviões: sessenta Brasileira. (Fonte: http://www.aereo.jor. aparelhos F-8 monopostos e dez TF-7 br/2010/07/09/ a-aviacao-de-caca-da-forca- bipostos (LOPES FILHO, s/d: 22). aerea-brasileira-parte-1/)

A Defesa Aérea Brasileira 7 O primeiro voo ocorreu em maio de Ma l Ar Má r c i o d e So u z a e Me l o 1953 e o feito estampou os principais jor- e a reestruturaçã o d a Fo r ç a nais do país. A revista O Cruzeiro, de julho Aé r e a Br a s i l e i r a de 1953, veiculou uma matéria cujo títu- lo era “Reportagem a Jato”, informando aos leitores logo na chamada que:

Pilotados por heróis da FAB, cru- zam os céus brasileiros os primeiros aviões a jato montados na fábrica do Galeão, no Rio de Janeiro – voando a 1.000 quilômetros por hora em jatos brasileiros, os repórteres de O CRU- ZEIRO documentam, num sensa- cional ‘furo’, as vertiginosas evoluções dos moderníssimos ‘Gloster-Meteors’ – Oportuna iniciativa do Ministro Nero Moura, que marca época na aviação comercial (O CRUZEIRO, 1953:95).

Durante duas décadas, o Gloster Meteor foi o principal avião de caça da FAB. Porém, tornou-se sinônimo de aeronave de ataque. O emprego do Marechal do Ar Márcio de Souza e Melo. Gloster na caça de interceptação era mí- (Fonte: INCAER) nimo, pela falta de uma rede de alerta antecipado, uma vez que os radares de O Marechal do Ar Márcio de Souza e controle e alarme eram antigos (Aero- Melo foi uma personalidade fundamen- visão, 2011:15). tal para o desenvolvimento da defesa Como visto, a criação do 1º ECA aérea no Brasil. Na década de 1950, de- e a utilização do caça Gloster Meteor fo- signado como adido na Argentina, teve ram embriões e serviram como alerta, a oportunidade de conhecer a estrutura para que se vislumbrasse o desenvol- e organização daquela Força Aérea. As vimento da defesa aérea, pois havia a ideias existentes sobre a “aviação estra- necessidade de aperfeiçoar, melhorar e tégica e a diferenciação clara dos vários desenvolver o controle do espaço aé- ramos da aviação” lhe impressionaram reo brasileiro. (CAMBESES JR., s/d:5).

8 O Céu é nosso! Ao retornar ao Brasil, o então Briga- O Major-Brigadeiro Márcio sempre deiro Márcio fez uma apresentação ao usava as seguintes palavras ao se referir Ministro Nero Moura e aos oficiais do à Força Aérea Brasileira: Gabinete do Ministro, discorrendo so- bre os pontos positivos da Força Aérea A Força Aérea sobreviverá como Argentina. poder uno e indizível, como Força sin- gular, na medida em que se dedicar e O Coronel Costa e Silva foi adido cuidar de seus dois pilares inquestio- no exterior no mesmo período em que náveis, quais são a capacidade de ação o Brigadeiro Márcio estava na Argenti- estratégica e a capacidade de policiar o na. Alguns anos depois, como General céu, de defender o céu. Se não for isso, e e nomeado Ministro da Guerra, Costa e se a Força Aérea abdicar desses dois pi- Silva convidou o já promovido Major- lares, ela está condenada ao desapareci- Brigadeiro Márcio para desenvolver um mento do cenário militar da nação como projeto de reorganização da Força Aé- força singular (INCAER, s/d.). rea, vislumbrando torná-la moderna e eficaz. Projeto pronto e entregue, o Ma- As mudanças ocorridas na FAB fo- jor-Brigadeiro Márcio foi convidado, em ram profundas e significativas. Destaca- dezembro de 1964, pelo Presidente Cas- se a criação dos Grandes Comandos, telo Branco, a ser Ministro da Aeronáu- do Primeiro Centro Integrado de De- tica, ficando apenas 22 dias na função e fesa Aérea e Controle de Tráfego Aé- reassumindo a pasta entre 1967 e 1971. reo (CINDACTA I) e da Base Aérea de Um dos principais focos daquela re- Anápolis (BAAN), sendo esses dois úl- estruturação era fazer com que a FAB timos cruciais para o desenvolvimento deixasse de ser vista como força auxiliar da Força Aérea Brasileira neste tema. e se tornasse gestora do poder aéreo. A Os chamados Grandes Comandos reestruturação da FAB proposta pelo Major-Brigadeiro Márcio tinha dois pila- foram o pontapé inicial para a reforma res: a ação aeroestratégica e a capacidade do Ministério da Aeronáutica. Eles fo- de intervir no espaço aéreo, realizando ram criados pelo Decreto nº 60.521, de inclusive a defesa aérea. Desses dois pi- 31 de março de 1967, que instituiu os lares, apenas o segundo foi autorizado Comandos-Gerais do Ar (COMGAR), pelo Governo. Sendo assim, o Major- do Pessoal (COMGEP), de Apoio Brigadeiro Márcio se empenhou, en- (COMGAP), de Pesquisa e Desenvol- volvendo também todo o Ministério da vimento (COMPED) e as Zonas Aére- Aeronáutica para cumprir o que se alme- as. Tais Organizações Militares (OM) java, ou seja, um sistema de controle do foram criadas a partir de um estudo da espaço aéreo com meios a ele integrados, aviação argentina, que funcionava de que permitissem a proteção do espaço forma estratégica, acompanhando sem- aéreo brasileiro (INCAER, 2015). pre a evolução da aviação mundial.

A Defesa Aérea Brasileira 9 O mencionado decreto determinava exemplo, que se pagasse gratificação que: extra aos tripulantes que viajavam para o Brasil, dados os perigos da viagem O Ministério da Aeronáutica ad- e a deficiência do controle do espaço ministra os negócios da Aeronáutica aéreo frente a outros países (INCAER, Militar e Civil. Tem por finalidade o s/d:92). estudo e a consecução da Política Ae- ronáutica Nacional em seus aspectos Paralelamente, a evolução paulatina militar e civil e a sua direção técnico- da aviação aumentou, significativamen- administrativa, a promoção do forta- te, o volume do tráfego aéreo. Logo, lecimento do Poder Aéreo Nacional, fez-se necessária uma reavaliação, para o desenvolvimento dos seus elementos que este novo fluxo de aeronaves fosse constitutivos, a preservação de sua inte- absorvido de maneira adequada. gridade e a preparação da Aeronáutica Para sanar o problema, em 05 de ja- para a sua destinação constitucional. neiro de 1968, o Ten Brig Ar Márcio de E ainda que: Souza e Melo enviou ao Chefe do Esta- do-Maior da Aeronáutica (EMAER) o A Fôrça Aérea Brasileira (FAB) Memorando R-001/GM3, determinan- é o instrumento militar do Poder Aé- do que fossem iniciados estudos para a reo Nacional, competindo-lhe executar criação e implementação de um sistema as ações militares aéreas e espaciais ne- de proteção de voo que fosse eficaz. cessárias à Segurança Nacional. Para que essa missão fosse cumpri- da, o EMAER, por meio da Portaria Essas medidas corroboravam a ideia nº R004/GM4, de 06 de fevereiro de de que a Força Aérea Brasileira fosse 1969, criou um grupo de trabalho para vista e reconhecida como uma força estudar um sistema de defesa aérea. O armada independente e detentora da grupo era formado pelos seguintes mi- guarda do espaço aéreo. É importante litares: Brig Ar Alfredo Gonçalves Cor- ressaltar que, dentre as unidades criadas rêa, Brig Ar Mário Paglioli de Lucena, e subordinadas ao COMGAR, estava o Cel Av Aldemar Antunes Pinheiro, Cel Comando de Defesa Aérea (COMDA), Av Alberto Bins Neto, Cel Av José de que recebeu a missão de dar apoio até Almeida Borda, Cel Av Paulo Delvaux, que o sistema de defesa fosse comple- Ten Cel Av João Luiz Moreira da Fon- tamente implementado. seca, Ten Cel Av Hildebrando Pralon Ferreira Leite, Maj Av Osires Silva, Maj SISDACTA Av Ernani Ferraz D’Almeida e Cap Eng Antonio Jacylino Alves Salgado. O controle de tráfego aéreo no Bra- sil nasceu para suprir a deficiência bra- O resultado do estudo foi enviado ao sileira neste quesito. Era comum, por EMAER: 10 O Céu é nosso! O Estudo apresentou cinco soluções, Os estudos gerenciados pelo mas todas elas propuseram dividir o COMDA seguiram durante dois anos. país em regiões de defesa aérea, mais Foram analisadas as propostas de im- ou menos coincidentes com as FIR já plantação do sistema no âmbito técni- existentes. O trabalho foi tão coeren- co e operacional de dez empresas. As te com as necessidades da FAB que, empresas deveriam apresentar em suas até hoje, é mantido. Entre as cinco propostas dados como: o custo estima- alternativas apresentadas, foi escolhi- do e o modo de pagamento do projeto, da a 2ª solução, alternativa essa que a qual firma de planejamento brasileira tinha como área o quadrilátero unindo estaria associada e um projeto de finan- Brasília: a , ao Rio de ciamento (MOREIRA, 2004:37). Janeiro, a São Paulo e a Brasília, num Os resultados foram levados ao Minis- 6 total aproximado de 1,5x 10 km². tro da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro O volume obtido acima do quadrilá- do Ar Márcio de Souza e Mello, por meio tero foi destinado aos controladores de de uma apresentação do que seria o sis- tráfego e defesa aérea, dividido vertical- tema, os custos e quanto tempo levaria mente em FIR (até 20.000’) e UIR para ser implementado. O Ministro, por (acima de) e compunha uma região de sua vez, determinou, em 20 de agosto de Defesa Aérea (RDA) (MOREIRA, 1970, que, das dez empresas em ques- 2004:36-37). tão, duas empresas, a Raytheon/Scandia e Thomson-CFS/ Hidroservice, apresentassem, Cabe ressaltar que o resultado desse em um prazo de seis meses, propostas de estudo foi fruto de outra pesquisa, ini- um sistema que integrasse a defesa aérea ciada, anteriormente, na Escola de Co- e o controle de tráfego aéreo, a priori, o mando e Estado-Maior da Aeronáutica Sistema CTA/DA. Determinou ainda (ECEMAR) por cinco coronéis, instru- que a avaliação dos projetos ficasse sob a tores da disciplina Defesa Aérea daquela responsabilidade do COMDA. Escola e, entre esses, estavam Alberto Bins e Paulo Delvaux. Esses estudos Sendo assim, em maio de 1971, foi serviram de base para que se pensasse instituída uma comissão que era encar- um sistema de defesa aérea no Brasil regada de avaliar os projetos apresenta- (INCAER. s/d). dos pelas duas empresas e indicar aque- la que melhor apresentasse condições Além dos fatores apresentados na para a implementação do Sistema. Após proposta enviada pelo EMAER ao Mi- a apresentação dos projetos das empre- nistro da Aeronáutica, a conclusão que se sas, a comissão iniciou os trabalhos. chegou sobre o desenvolvimento de um sistema de defesa é a de que seria mais Em agosto, a comissão apresentou viável, economicamente, que fossem in- um estudo ao Ministro da Aeronáuti- tegrados, na mesma infraestrutura, a de- ca, concluindo que a empresa Thomson- fesa aérea e o controle de tráfego aéreo. CFS/ Hidroservice era a mais indicada A Defesa Aérea Brasileira 11 para a implementação do Sistema. Em Com o resultado desses estudos, ou- 2 de setembro de 1971, por meio do tras pesquisas foram iniciadas em 1972. Ofício nº 067/CMDO-069, o Coman- Porém, dessa vez, para a implementa- dante do COMDA informou a decisão ção do Sistema. A criação da Comissão do Ministério da Aeronáutica à empresa de Implantação do Sistema de Defesa que foi escolhida, para dar continuidade Aérea e Controle de Tráfego Aéreo aos estudos do Sistema CTA/DA até a (CISDACTA) foi aprovada em maio de efetivação. 1972, por meio da Portaria nº 35/GM4, assinada pelo Ministro da Aeronáutica, Dessa maneira, a Portaria nº S-009/ Tenente-Brigadeiro do Ar Joelmir Cam- GM4, de 4 de outubro de 1971, consti- pos de Araripe Macedo. tuiu uma nova comissão, para dar seg- mento aos estudos de implantação do A Comissão foi instituída como uma Sistema. Dentre as funções determina- Unidade Administrativa que estava dire- das, a comissão deveria estabelecer um tamente subordinada ao Comando-Ge- diálogo com a empresa Thomson-CFS/ ral de Apoio (COMGAP). A principal Hidroservice, a fim de que fosse estabe- função dessa Comissão, como o próprio lecido um projeto definitivo do Siste- nome sugere, era a implantação do inti- ma, oferecer opções e alternativas às tulado Sistema de Defesa Aérea e Con- propostas apresentadas, coordenar a trole de Tráfego Aéreo (SISDACTA), com o intuito de colocar o Brasil ao lado parte financeira, estudar e submeter ao das nações mais desenvolvidas, no que Ministro da Aeronáutica soluções para tange às questões referentes ao controle os seguintes problemas: de tráfego aéreo e de defesa aérea. Pri- 1. Administração do Sistema; meiramente, protegeria a nova capital do Brasil, Brasília, e os Estados de São 2. pessoal para a operação e a manu- Paulo e Rio de Janeiro e, posteriormen- tenção do Sistema; e te, todo o país. 3. obtenção de receita para cobrir A efetiva e gradual implantação do parcialmente os elevados custos ope- SISDACTA, finalmente, representou racionais do Sistema (INCAER, um grande avanço da defesa aérea na- 1971:472). cional, bem como para a Força Aérea Brasileira, possibilitando a execução de Os estudos e reuniões da comissão e duas funções importantes para o país: da empresa Thomson-CFS/ Hidroservice, o controle do espaço aéreo brasileiro continuaram pelos meses seguintes. Foi e a defesa aérea em uma única rede de estabelecido nas reuniões que seria ela- radares, telecomunicação e computado- borado um documento de referência, res. Viabilizou, assim, a almejada inte- que foi denominado Documento Bási- gração entre equipamentos, funções e co do Sistema CTA/DA e apresentado, recursos humanos, além de uma consi- oficialmente, em novembro de 1971. derável redução de custos. 12 O Céu é nosso! Essa integração foi vista com bons trole de Tráfego Aéreo (CINDACTA) olhos pelo Ministério da Aeronáutica: que coroou de êxito os trabalhos da defesa aérea brasileira. O CINDACTA Por conta das suas incontáveis van- surgiu a partir do Decreto nº 73.160, de tagens, como os meios de detecção, de 14 de novembro de 1973. O texto do telecomunicações e de tratamento de Decreto estabelecia que o CINDACTA dados comuns às duas atividades; os tinha como missão vigiar e controlar a recursos humanos otimizados; o apro- circulação aérea, bem como conduzir as veitamento dos mesmos recursos ma- aeronaves. teriais, técnicos, operacionais e admi- O Decreto ainda criava os Destaca- nistrativos; e a minimização de custos mentos de Proteção ao Vôo, Detecção (PENTEADO, 2010:34). e Telecomunicações (DPV-DT), desti- Cabe ressaltar que a automatização nados a operar e manter os equipamen- do controle de tráfego aéreo permitiu tos de detecção e telecomunicações do a elevação da segurança de voo, a re- SISDACTA. Dessa maneira, tanto o dução no consumo de combustíveis e CINDACTA quanto os DPV-DT eram o controle das missões de defesa aérea, peças essenciais, para que se montasse possibilitando a conquista da efetiva so- o quebra-cabeça do Sistema de Defesa. berania do espaço aéreo com a constan- O documento ainda definia a im- te e contínua vigilância de aeronaves. plantação do Núcleo do Centro Inte- grado de Defesa Aérea e de Controle de Pr i m e i r o Ce n t r o In t e g r a d o d e Tráfego Aéreo (NuCINDACTA), que De f e s a Aé r e a e d e Co n t r o l e tinha como atribuição “promover os d e Tr á f e go Aé r e o (CINDACTA I) estudos e elaborar os atos necessários à organização e instalação do Centro In- Para que o Sistema de Defesa Aé- tegrado de Defesa Aérea e de Controle rea e Controle de Tráfego Aéreo de Tráfego Aéreo”, assim como “rece- (SISDACTA) funcionasse a pleno, foi ber e preparar o pessoal civil e militar necessário que se montasse uma estru- destinado a lotar o Centro e os demais tura física para melhor gerenciamento órgãos integrantes do Sistema Integra- do Sistema. Esse local foi denominado do (sic) de Defesa Aérea e de Controle de Centro Integrado de Defesa Aérea de Tráfego Aéreo.” (BRASIL, 1973). e Controle de Tráfego Aéreo, o conhe- cido CINDACTA. O processo de consolidação do CINDACTA como Organização Mili- O SISDACTA, que, conforme visto, tar ocorreu até o ano de 1976, quando passou por uma série de estudos e pes- foram efetivadas as atividades daque- quisas, finalmente, começou a ser ativa- le Centro, cuja sede ficava em Brasília. do com o início das operações do Cen- Quando o Núcleo foi desativado, em tro Integrado de Defesa Aérea e Con- 1980, o CINDACTA já operava a pleno. A Defesa Aérea Brasileira 13 A Portaria nº 464/GM3, que desativava conforme mencionado anteriormente, o Núcleo, concedia autonomia admi- foram também utilizadas para missões nistrativa ao Centro. de ataque ao solo, exigindo um esforço maior das aeronaves e, consequente- O Regulamento do CINDACTA o mente, acarretando desgaste e alteração definia como um órgão do Ministério na vida útil. da Aeronáutica cuja finalidade, como já dito, era o controle da circulação aérea No decorrer do ano de 1966, a geral “e a condução das aeronaves que operação com os F-8 e TF-7 parecia têm por missão a manutenção da inte- normal, até que, durante as revisões gridade e da soberania do espaço aéreo periódicas, inúmeras aeronaves passa- brasileiro na área definida como de sua ram a apresentar fissuras e rachaduras responsabilidade.” (INCAER, 1980:69). em partes estruturais de importância, O Centro era diretamente subordi- como as longarinas, o que representava nado à Diretoria de Eletrônica e Pro- um gravíssimo problema. No início, teção ao Voo (DEPV), OM criada em foi um fato a ser estudado, mas rapi- maio de 1972, que tinha como missão damente se chegou a um diagnóstico a consecução dos objetivos da Política catrastrófico. Era o começo do fim... de Apoio Logístico do Ministério da (KASSEB, 2008:21). Aeronáutica, especificamente, nas áre- as de Eletrônica, Telecomunicações e A Força Aérea Brasileira precisava Proteção ao Voo, sendo subordinada ao recompor, de maneira rápida, os Esqua- COMGAP. E, no que tange às questões drões de Caça, e esta missão se tornou de controle de aeronaves e operações primordial no âmbito do Ministério da militares, o CINDACTA vinculava-se, Aeronáutica, que não abria mão de uma operacionalmente, ao Comando-Geral aeronave supersônica, alavancando, as- do Ar, por meio dos Comandos Aéreos sim, mais ainda o poder da aviação de envolvidos. caça brasileira. Houve contato com em- presas americanas, canadenses, suecas, O CINDACTA tinha especificado, entre outras, porém sem sucesso. em seu regulamento, nove competên- cias que, em resumo, visavam a gerên- Cumpre destacar que, ainda em 1967, cia, o controle e a coordenação das o Tenente-Coronel Lauro Ney Menezes questões que envolviam o tráfego aéreo e o Major Ozires Silva foram desig- e a defesa aérea. nados, pelo Ministro da Aeronáutica, para ir à cidade de Dijon, na França, Mi r a g e III EBR – DBR: para estudar a aeronave Mirage. “Com u m l u t a d o r i m p l a c á v e l e i n t oc á v e l a finalidade de cumprir a determina- ção ministerial, foram visitados vários Com a implantação do novo sistema estabelecimentos industriais, ligados à de defesa, havia a necessidade de substi- produção de aviões, além da Base Aérea tuição das aeronaves Gloster Meteor, que, de Dijon”, tendo, inclusive, o Tenente- 14 O Céu é nosso! Coronel Menezes a oportunidade de dor implacável e intocável” e, dentro da voar a aeronave, tornando-se, assim, o definição do próprio Marcel Dassault, primeiro brasileiro a voar o supersôni- criador da aeronave e proprietário da co Mirage III B (BRASIL, 2010:7). Dassault Aviation: “o Mirage é invulnerá- Na ocasião, a orientação dada pelo vel aos golpes do inimigo como a mira- Ministro Márcio era que o voo fosse gem é ilusória aos viajantes do deserto” feito à Mach1 2, ou seja, duas vezes a ve- (KASSEB, 2008:30). locidade do som, e que a aeronave fos- O relatório que foi feito pelos oficiais se utilizada, testada e avaliada nas mais e entregue ao Ministro da Aeronáutica variáveis situações. O Tenente-Coronel, justificava a escolha da aeronave da se- por sua vez, depois de um período de guinte maneira: adaptação da aeronave, cumpriu a or- dem, voando a Mach 2,03 e enviando 2 – De ordem interna ao Ministro a seguinte mensagem “Asas a) A necessidade de equipar a brasileiras cruzam a França a Mach 2” FAB com uma Unidade de Defesa (Revista Asas, 2013:76-77). Aérea, com o fim de constituir um Em 1969, um grupo de oficiais, entre núcleo de adestramento e elaborar a eles o Tenente-Coronel Lauro Ney Me- doutrina de emprego nessa atividade, nezes, o Tenente-Coronel Ozires Silva tem sido orientação pessoal estabelecida e o Major Ivan Moacyr da Frota, foi pelo Excelentíssimo Senhor Ministro enviado à Europa com a missão de visi- da Aeronáutica para o problema de tar indústrias aeronáuticas e retonar ao reequipamento das Unidades de Caça Brasil com uma avaliação de aeronaves da FAB. supersônicas. Foram avaliados cinco b) As premissas básicas utilizadas modelos de aeronaves: Dassault Mirage para os estudos que se processaram fo- III E, English Eletric Lightning, Lockheed ram estabelecidas segundo a condição F-104 Starfighter, Saab Draken e Northrop de se obter uma aeronave nova (sem F-5A. uso, supersônica, de interceptação a A aeronave escolhida pelo grupo foi média e alta altitude, de relativa- a francesa Dassault Mirage III E, uma mente baixo custo operacional, capaz versão mais atual do que a pilotada pelo de operar a infraestrutura brasileira, Tenente-Coronel Lauro Ney Menezes. capaz de ser mantida em condições Ela voava em Mach 2.2, contava com operacionais na FAB com o mínimo uma turbina Snecma Atar 09C7 e era ca- de modificações dos recursos de apoio paz de carregar 3.900 kg em armamento existentes, etc. Evidentemente, todos e cargas explosivas. O supersônico era estes itens, contraditórios entre si, di- tido pelos fabricantes como “um luta- ficilmente poderão ser harmonizados,

1 Mach é uma medida de velocidade baseada na velocidade do som.

A Defesa Aérea Brasileira 15 mas admitidos certos prejuízos uma da Aeronáutica. Nas palavras do Briga- solução de compromisso, certamente deiro Lauro Ney Menezes: poderá ser obtida. c) O programa de reequipamento da [...]De toda a análise, nós reco- FAB, nos últimos anos, foi criando mendamos o Mirage, pois ele era um uma situação de desarmamento pro- avião de manutenção simples, mono- gressivo, que, apesar de não ser um es- motor, custo operacional baixo, tinha quema voluntariamente seguido, hoje, todas as características para se adaptar apresenta uma Força Aérea transfor- à estrutura logística, de manutenção e mada em instrumento secundário de operacional da FAB, inclusive o aco- apoio e cooperação. Isso teria raiz nos plamento com o Sistema de Defesa cursos crescentes dos aviões e principal- Aérea que estava sendo usado. E a mente daqueles destinados ao emprego nossa sugestão foi o Mirage III com militar, cujos equipamentos envolvem, algumas incorporações propostas, que em geral, pesados encargos financeiros. deram ao Mirage III EBR, e o nos- so Mirage III ficou muito próximo do d) As dificuldades, já aventadas, australiano, que nós usamos até como para a substituição dos Gloster F-8, referência na época...Fizemos o relató- cuja mortalidade já determinou a ino- rio e fizemos uma apresentação de alto perância de Unidades Aéreas, pode- nível...nós conseguimos vender o nosso riam, agora, ser superadas pela aquisi- peixe e o dinheiro para a implantação ção do equipamento francês, a qual vem do sistema e aquisição dos aviões foi acompanhada com toda uma possibili- conseguido. O pacote dos aviões Mirage, dade de um amplo plano de assistência que eram dezesseis, mais o simulador e técnico-industrial capaz de, se conve- mais o armamento, dava um total de nientemente explorada, criar condições 59 milhões de dólares. Cada avião cus- básicas essenciais para a implantação, tou um milhão, cento e cinquenta mil no Brasil, de uma indústria aeronáuti- dólares (INCAER, s/d). ca compatível com as determinadas ne- cessidades da FAB e no mercado civil (BRASIL, 2010:11-12). O contrato firmado entre a FAB e a empresa francesa foi assinado em maio No âmbito da Força Aérea Brasilei- de 1970. Foram compradas doze aero- ra, além das particularidades do Mirage, naves monoposto Mirage III E, que que atendiam as necessidades da FAB e receberam a designação de F-103E, e as tratativas amigáveis com os franceses, quatro biposto Mirage III D, que re- o valor unitário de cada Mirage foi um ceberam a designação de F-103D e diferencial bastante considerado. Era foram utilizadas para transição e ins- uma aeronave com um custo benefício trução. As aeronaves ainda receberam superior às outras avaliadas e possuía o uma série de adaptações e configura- desempenho esperado pelo Ministério ções diferenciadas, para atender às exi- 16 O Céu é nosso! gências brasileiras e melhor se adaptar ao sistema de defesa em desenvolvimento no Brasil, tanto que os modelos entregues à FAB se chamaram Mirage III EBR e Mirage III DBR, respectivamente.

Pr i n c i pa i s c a r a c t e r í s t i c a s d o F-103 Mi r a g e

Tipo Monoplace, asa delta, monoreator. Motor Turbojato SNECMA ATAR 9C, de 13.320 libras (6.200 kg) de empuxo (com utilização de pós- combustor). Envergadura 8,22 m Comprimento 15,03 m Altura 4,25 m Peso máximo de decolagem 13.500 kg Peso Vazio 7.050 kg Velocidade máxima Mach 2.2 (± 2.400 km/h) acima de 11.000 metros de altitude ou 750 nós (± 1.500 km/h) abaixo de 11.000 metros. Teto máximo de operação 22.000 m Alcance máximo 3.000 km Autonomia 00:45 h a 02:45 h Armamento 2 canhões DEFA de 30 mm, com 125 cartuchos cada, e capacidade de transportar até 1.360 kg de bombas. Distância mínima de decolagem 1.000 m Paraquedas Freio Utilizado para diminuir a distância percorrida durante o pouso. Velocidade de pouso 340 km/h Voo supersônico Ocorre quando a velocidade ultrapassa Mach 1.0 (± 1.200 km/h). O piloto não sente absolutamente nada e somente sabe que está em voo supersônico por meio da indicação de instrumentos. Cadastro Histórico da BAAN, 2007. (Fonte: INCAER)

Ao longo de todo o ano de 1971, foram estabelecidas tratativas com a Dassault Aviation. A aquisição dos Mirage foi amplamente planejada e discutida com a em- presa. As aeronaves começaram a chegar ao Brasil em 1972, desmontadas e perso- nalizadas com leme e cauda nas cores da bandeira brasileira. A Defesa Aérea Brasileira 17 Aeronave Mirage F-103E da Força Aérea Brasileira. (Fonte: KASSEB, 2008:30)

O transporte das aeronaves da trutura de suporte (KASSEB, 2008:30). França para o Brasil foi feito em aero- Cabe frisar que a aquisição das aerona- naves C-130, transportando duas aero- ves representava uma mudança no con- naves por mês. Tal decisão foi tomada ceito de defesa aérea e colocava o Brasil porque o Mirage III não fazia abaste- no grupo da aviação supersônica. cimento em voo. Dessa maneira, não As aeronaves Mirage foram utilizadas atravessaria o Oceano Atlântico. Por pela FAB durante 33 anos, passando por meio de um estudo realizado, perce- um processo de modernização em 1989, beu-se que a maneira mais econômica com a inclusão de superfícies “canard”, e viável era transportar as aeronaves que melhoraram a manobrabilidade das desmontadas, sendo remontadas no aeronaves. Havia também a necessidade Brasil, sob a coordenação de um enge- de que o Mirage passasse mais tempo em nheiro da Dassault Aviation. voo. Por isso, uma das aeronaves foi equi- Dentro do novo conceito de defesa pada com sistema de reabastecimento em aérea, no qual o Mirage estava incluído, voo, mas o elevado custo não permitiu a dois terços dos custos iniciais da im- implementação na frota. As atividades do plantação do Sistema foram gastos com Mirage foram interrompidas em 2005, sen- o supersônico e o restante com infraes- do assim substituídos pelos Mirage 2000.

18 O Céu é nosso! O Tenente-Brigadeiro do Ar Anto- para a missão foram: Coronel Antonio nio Gomes Leite Filho, em entrevista ao Henrique Alves dos Santos, Tenente- INCAER, pontuou que a aquisição da Coronel Jorge Frederico Bins, Tenente- aeronave Mirage 2000 teve por objetivo Coronel Ivan Moacyr da Frota, Major cobrir uma lacuna temporal deixada pela Ronald Eduardo Jaeckel, Major Ivan desativação do Mirage III. Sendo assim, foi Von Trompowsky Douat Taulois, Ma- escolhido, após estudos realizados pelo jor Lúcio Starling de Carvalho, Major Estado-Maior da Aeronáutica, por melhor Thomas Anthony Blower e o Capitão atender as necessidades da Força Aérea. José Isaías Vilaça, grupo que ficou amplamente conhecido, no âmbito da Di j o n Bo y s FAB, como Dijon Boys. O curso, bastante intenso, teve a Com a escolha da aeronave, era ne- duração de seis meses e foi realizado cessário capacitar os pilotos da FAB para na Base Aérea de Dijon, onde estava operá-la. Aos olhos do Ministro da Ae- localizado o 2/2 Escadron de Chasse, ronáutica Márcio de Souza e Mello, os local onde os Mirage ficavam sediados. pilotos supersônicos deveriam ter uma O treinamento dos pilotos não se res- nova mentalidade. A questão é que ne- tringiu apenas às aeronaves. Eles pu- nhum piloto da FAB havia voado em um deram conhecer o funcionamento das avião que rompesse a barreira do som. unidades de caça francesas, bem como Dessa maneira, foram designados adquirir conhecimentos de intercep- oito experientes militares, que, em tação e caça, manobras de combate e maio de 1972, embarcaram rumo à conhecimentos sobre ataque ao solo Dijon, na França, a fim de conhecer (KASSEB, 2008:41). e aprender sobre o Mirage e ainda de O curso foi dividido em duas etapas transmitir os ensinamentos aos outros que se encerrariam, em agosto, com um pilotos da FAB. Os oficiais escolhidos voo solo. Após isso, os quatro mais an-

Os Dijon Boys. (Fonte: KASSEB, 2008) A Defesa Aérea Brasileira 19 Ainda na França, brasileiros (oficiais de cobertura) e franceses posam para foto na asa do Mirage. (Fonte: KASSEB, 2008) tigos iriam à cidade de Colmar, locali- pilotos eram praticamente escalados zação do 2/13 Escadron de Chasse, para na hora (INCAER, 2015). realizar o Curso Operacional de Defesa Ao retornarem ao Brasil, no final de Aérea na aeronave Mirage III E. Essa es- agosto, um longo trabalho recomeçou. pecialização teve carga horária de vinte Os pilotos tinham de 25 a 30 horas de horas e focava em missões de intercep- voo no Mirage e tinham a responsabili- tação. Os outros quatro ficariam em Di- dade de ensinar aos novos pilotos e au- jon, dois fazendo o curso de Instrutor xiliar na implementação do sistema de de Adaptação Básica na aeronave Mirage defesa da Força Aérea Brasileira. III B e outros dois fazendo Curso de Simulador da aeronave Mirage III. Os Dijon Boys ficaram seis meses sem voar no Mirage, pois as aeronaves Uma curiosidade é que a rotina estavam sendo montadas. Em março, de voo do 2/2 Escadron de Chasse era o piloto de provas da Dassault, Pier- bastante diferente daquela que os re Varrault, voou nas 16 aeronaves já pilotos brasileiros estavam acostu- montadas e, com ele, veio um instrutor mados. No Brasil, havia uma escala para “ressolar” os pilotos brasileiros. O com previsão de voo e, na França, os primeiro voo militar do Mirage no Brasil

20 O Céu é nosso! Primeiro voo do Mirage no Brasil, em março de 1973. (Fonte: Acervo da BAAN) foi realizado em abril de 1973, com seis Mirage, este cronograma sofreu algumas aeronaves Mirage, matrículas 4900, 4901, modificações que otimizaram a apren- 4910, 4912, 4913 e 4914, em formação dizagem dos pilotos. e lideradas pelo Coronel Antônio Hen- Se, por um lado, esses pilotos utiliza- rique. Somente após esse período de re- vam aeronaves novíssimas, com todo o adaptação à aeronave é que os Dijon Boys suporte técnico e bons suprimentos, por começaram a preparar outros pilotos da outro, tiveram que conviver com situa- Força Aérea para operar o novo super- ções bastante atípicas, entre elas, treinar sônico (INCAER, 2015). em um ambiente que era um verdadeiro Os novos pilotos do Mirage III eram canteiro de obras ou passar pela experi- experientes e bem formados. Não ti- ência de ser orientado por um controla- veram dificuldades no aprendizado e o dor que passava os comandos de dentro curso, ministrado pelos Dijon Boys, se- de uma Kombi, pois não havia torre de guiu o mesmo cronograma de instrução comando. Esse ambiente de treinamento do curso aplicado em Dijon. Porém, era onde se situava a Primeira Ala de De- devido à agilidade e habilidade dos pi- fesa Aérea (1ª ALADA) e onde foi insta- lotos brasileiros em aprender e operar o lada a Base Aérea de Anápolis (BAAN).

A Defesa Aérea Brasileira 21 Não apenas a estrutura de voo era pre- Anápolis como a melhor escolha para a cária para esses primeiros pilotos. Não construção. A Cidade se encaixava no havia rancho ou hospital. Porém, havia requisito de localização estratégica, por material humano, pilotos experientes e estar localizada a 140 km de Brasília, o aprendizes dispostos a cumprir a missão que permitia uma melhor proteção da para a qual foram designados. Cabe fri- Capital, e a população de Anápolis foi sar que houve uma mudança cultural nos bastante solícita à construção. pilotos que serviram em Anápolis, cau- Convém observar que a aquisição dos sada, em parte, pela chegada do francês Mirage acelerou o processo de construção Mirage: “novos nomes para instrumen- de um espaço adequado para o recebi- tos, partes do avião, manobras, novas mento dessas aeronaves. Esse local deve- músicas, queijos e vinhos, etc” (LIMA, ria ser, geograficamente, bem localizado 2008). Tais costumes criaram uma iden- e conter toda a infraestrutura necessária tidade própria dos pilotos de Anápolis. para o recebimento das aeronaves.

Ba s e Aé r e a d e An á p o l i s e a Pr i m e i r a Um grupo de trabalho foi formado Al a d e De f e s a Aé r e a em agosto de 1969, sendo intitulada Comissão de Estudos da Unidade de Defesa Aérea e sendo comandados Como visto até o momento, para que pelo Major-Brigadeiro do Ar Joléo de o novo sistema de defesa da FAB fosse Veiga Cabral e pelo Brigadeiro do Ar implantado, um trabalho grandioso foi realizado, que contou com muito estudo Antonio Raymundo Pires, que coorde- e muita mão de obra empenhada. A Base navam mais de dez oficiais, entre avia- Aérea de Anápolis (BAAN) é um dos pi- dores e engenheiros. A principal missão lares desse Sistema e foi berço de toda da comissão era elaborar e concretizar a parte operacional do SISDACTA, a os projetos da nova Unidade de Defesa casa da Primeira Ala de Defesa Aérea (1ª Aérea (KASSEB, 2008:44). ALADA), e construída para ser a guardiã O Decreto nº 67.203, que criava a dos tão sonhados caças Mirage. BAAN, foi publicado em 15 de setem- Para remontar a história da BAAN, é bro de 1970, e o Núcleo da Base Aérea preciso retornar ao ano de 1969, quando, de Anápolis foi criado dois dias depois em maio, foi determinado, pelo Ministro e ativado em 28 de outubro de 1970, da Aeronáutica, que fosse feito um estu- por meio da Portaria nº 067/GM7. do das cidades de Anápolis e Planaltina, O Núcleo ficou diretamente subordi- para definir onde seria mais bem instala- nado ao Comandante da Sexta Zona da uma unidade aérea. O minucioso rela- Aérea. A Portaria ainda previa que era tório apresentado pelo Coronel Aviador o Comando Aéreo de Defesa Aérea o Walter Chaves de Miranda e pelo Major responsável por programar, projetar e Aviador Ary Granja apontava os prós e supervisionar a construção da BAAN. contras de ambas as Cidades, e indicava O Comando-Geral de Apoio também 22 O Céu é nosso! ficaria responsável pela execução e fis- calização das obras destinadas à ativa- ção da BAAN. Tais ações deveriam ser coordenadas juntamente com a Sexta Zona Aérea. Construir algo nessa magnitude de- manda muito trabalho e estudo. No caso da BAAN não foi diferente. Estu- dos topográficos, geotécnicos e geográ- ficos foram realizados, além dos conta- tos e acordos que foram feitos com a Prefeitura de Anápolis, uma vez que era o local a receber a nova Base Aé- rea. Um levantamento aerofotogramé- trico da região foi feito pelo Primeiro Esquadrão do Sexto Grupo de Aviação (1º/6º GAv) e ainda foi realizado um estudo sobre a necessidade de pessoal Construção da pista de pouso da BAAN. e de habitação para os militares que ne- (Fonte: Acervo da BAAN) cessitassem de moradia. Além disso, foi O atraso no cronograma de obras montado todo um cronograma para a foi um dos motivos que levou o Mi- construção da Base. Depois de estudos, nistério da Aeronáutica a instituir essa a Construtora Rabello S.A. foi a res- Comissão. O texto da Portaria discorria ponsável pela obra, sendo o contrato assim: assinado em 27 de julho de 1970. Em agosto de 1971, a Portaria nº 069/ O Ministro de Estado da Aeronáu- GM4/PDACTA instituiu a Comissão de tica, considerando que por diversos mo- Construção da Base Aérea de Anápolis tivos de natureza administrativa e buro- (CCBASAN), presidida pelo Coronel crática, aliados às naturais dificuldades Aviador Jaime Silveira Peixoto que, na consequentes da reestruturação porque passa o Ministério da Aeronáutica, época da designação, acreditava não ser as atividades e/ou eventos relacionados capaz de cumprir a missão, uma vez que com a construção da futura Base Aérea não era engenheiro. Por determinação do de Anápolis encontram-se atrasados em Ministro da Aeronáutica, o Coronel tinha função dos cronogramas pré-fixados. como responsabilidade dar maior veloci- Considerando ainda que, dado o vul- dade ao andamento das obras, visto que to do empreendimento, como um todo, a chegada do primeiro Mirage estava pro- torna-se aconselhável o seu equaciona- gramada para julho de 1972 (BASE AÉ- mento de maneira mais dinâmica atra- REA DE ANÁPOLIS, s/d:09). vés de uma concentração de esforços. A Defesa Aérea Brasileira 23 O documento ainda previa que a A história da BAAN está totalmente Comissão tinha como função planejar, relacionada a da 1ª ALADA. Enquanto fazer estudos e projetos, bem como as obras da Base estavam aceleradas, fiscalizar e coordenar a execução das foi aprovado, por meio do Decreto nº obras e dos trabalhos específicos, como 69.898, de 5 de Janeiro de 1972, o “Re- a construção da pista de pouso, da pis- gulamento de Ala”. Este decreto defi- ta de táxi, de pátios de estacionamento, nia a Ala da seguinte maneira: de prédios, de hangares, de instalações, bem como da urbanização e do plano Ala é a Unidade Aérea Isolada, habitacional da BAAN, ou seja, era a integrada, que reúne, sob um mesmo CCBASAN a responsável por todo o Comando, meios aéreos de idêntica planejamento e a execução da cons- missão, de valor mínimo de um Es- trução da Base e também a de fazer quadrão Aéreo e máximo de um gestões para que fossem instalados os Grupo Aéreo, meios de apoio de su- serviços públicos necessários para o primento e de manutenção e meios de funcionamento da mesma. A partir de apoio auxiliar e administrativo, de então, os trabalhos de construção da mesmos valores, para fins de adestra- nova Base seguiram a pleno vapor. mento, de treinamento e/ou emprego, Porém, mesmo com todo o esforço em operações independentes, conjuntas por parte do presidente da CCBASAN, e/ou combinadas; cabe-lhe, também, o número de engenheiros não era sufi- participar em Ações de Segurança In- ciente para projetar e fiscalizar as obras terna.... Art. 3º. A Ala é Unidade dentro de um curto espaço de tempo. Administrativa Após consultar a Diretoria de Enge- nharia e verificar que não seria viável Para preparar o terreno e organizar transferir oficiais engenheiros, a deci- a primeira unidade de interceptação da são adotada foi contratar uma firma de América do Sul, o Núcleo da 1ª Ala de consultoria. Defesa Aérea (NuALADA) foi criado Essa empresa trabalhava com dois ou em 9 de janeiro de 1972. A principal três turnos de arquitetos, engenheiros e função do Núcleo era elencar e organi- desenhistas, para elaborar os projetos zar as necessidades da Unidade. O Nú- em um curto prazo. Mesmo com a em- cleo foi comandado pelo Major Avia- presa, houve o assessoramento por par- dor Piragibe Fleury Curado. te dos oficiais engenheiros. Eram eles O ano de 1972 foi bastante agitado, que passavam as necessidades militares tanto na pequena cidade de Anápo- e as exigências técnicas para a empre- lis quanto no âmbito da Força Aérea. sa (BASE AÉREA DE ANÁPOLIS, Em 5 de abril, foi realizado o hastea- s/d:09). A obra durou mais alguns anos. mento do pavilhão nacional pelo Major A BAAN foi inaugurada e começou a Aviador Piragibe Fleury Curado, data funcionar como tal sete anos depois. esta considerada como aniversário da 24 O Céu é nosso! 1ª ALADA e da BAAN. Outro evento Pr i m e i r o Gr u p o d e De f e s a Aé r e a ocorrido foi a inauguração da pista de (1º GDA) pouso em 23 de agosto, marcada pelo pouso de uma aeronave C-45, pilotada O Primeiro Grupo de Defesa Aérea pelo Comandante do COMDA, Briga- (1º GDA), denominado Grupo Jaguar, deiro do Ar Paulo Costa. é responsável por executar as operações de defesa aérea, impedindo assim que A chegada dos Mirage, conforme o espaço aéreo seja utilizado de forma visto anteriormente, também ocorreu irregular e de modo que traga perigo no ano de 1972, em 1º de outubro. O ou de maneira contrária aos interesses primeiro supersônico chegou ao Brasil nacionais. a bordo da aeronave C-130, matrícula 2456. E ainda nesse agitado 1972, no Com relação a relevância da implanta- dia 23 de outubro, a Portaria nº 024/ ção da Unidade no âmbito da Força Aé- GM3 desativava o NuALADA e ativava rea, o Tenente-Brigadeiro Leite, que foi a 1ª ALADA, cuja missão específica era Comandante do 1º GDA, afirmou que: a de realizar operações aéreas de defesa no território brasileiro. O primeiro Co- A implantação do 1º GDA ocorreu mandante foi o Coronel Aviador Hen- com a criação da 1ª ALADA (Pri- rique Alves dos Santos. meira Ala de Defesa Aérea). Essa concepção de emprego foi muito feliz, Em março de 1974, a Portaria nº 32/ porque estava nascendo um sistema GM4 extinguia a CCBASAN, e, logo, de defesa aérea, o qual englobava um foi criada a Comissão de Obras da Base conjunto de radares e vetores (aviões Aérea de Anápolis, por meio da Porta- Mirage), cujos operadores e apoiadores ria nº 060/GM4. Esta Comissão ficava (logístico e administrativo) implanta- subordinada à 1ª ALADA e tinha como ram, criaram doutrina e transforma- missão coordenar, administrar, fiscali- ram a Força Aérea Brasileira, dando zar e executar o programa de trabalho. condições para que chegasse ao estágio Ressalta-se a participação da 1ª atual (LEITE FILHO, 2017). ALADA na Operação Cobaia e na Operação Paulicéia, ambas ocorridas Os pilotos do seleto e bem prepa- em 1977. Tais Operações tinham como rado Grupo passavam por um proces- so de treinamento rigoroso e ficaram objetivo adestrar as equipes de comba- conhecidos como Jaguares. Tal título te das aeronaves Mirage e testar o Siste- inspirou-se no felino jaguar, que, no ma de Defesa Aérea. Planalto Central, bem como em toda a No ano de 1979, a 1ª ALADA foi América, é considerado a fera mais te- desativada e, em seu lugar, foi ativado mível, um constante caçador, ágil, veloz o Primeiro Grupo de Defesa Aérea e a e temido pelo seu bote rápido, preciso e Base Aérea de Anápolis. mortal (INCAER, 1979:178). A Defesa Aérea Brasileira 25 dissimilares, em interceptações reais, assim como em missões de escolta de honra, como a realizada na chegada do Papa João Paulo II ao Brasil e de outras autoridades. O Grupo também parti- cipou de manobras de defesa aérea e campanhas de tiro aéreo e terrestre. O Tenente-Brigadeiro Leite ainda considera que o sucesso na implantação do 1º GDA foi fruto de um planeja- mento “sério, global e continuado”. Os esforços despendidos foram grandes e estavam sempre associados ao Sistema de Defesa Aérea como um todo. Por fim, “se uma parte não atingisse o seu Emblema do 1º GDA. objetivo, o sistema de defesa não fun- (Fonte: http://1gda.baan.intraer/) cionaria.” Isso demonstra o quanto o Sistema era integrado e o quanto que Quando da sua ativação, o 1º GDA todas as esferas deveriam ser minima- contava com as aeronaves modelo mente engrenadas para fazer com que F-103 D e F-103 E Mirage III e esteve tudo funcionasse dentro do previsto presente em campanhas de combates (LEITE FILHO, 2017).

Aeronave Mirage, no 1º Grupo de Defesa Aérea. (Fonte: Acervo 1º GDA)

26 O Céu é nosso! A p r i m e i r a i n t e r c e p t a ç ã o r e a l ficou aguardando o OPO que era quem d a h i s t ó r i a d a FAB buscaria os dois pilotos de alerta.

Em abril de 1982, ocorreu a pri- Ao chegar na Base Aérea de Anápo- meira interceptação real da história do lis, o OPO se dirigiu ao Centro de Con- 1º GDA e do CINDACTA. O evento trole para estabelecer a comunicação ocorreu em uma noite de condições com Brasília e, assim, receber a missão meteorológicas muito adversas (muita do Centro de Operações de Defesa Aé- chuva, nuvens pesadas, além da falta de rea (CODA), enquanto os dois pilotos energia elétrica), o que levou a BAAN a foram se equipar. Em pouco tempo, utilizar geradores. Além disso, era Sexta- os dois estavam no hangar de alerta, feira Santa, na semana da Páscoa. prontos para decolar e em alerta dois minutos. O chefe do Centro de Operações Militares (COpM) do CINDACTA , na A aeronave incursora era um ocasião o Major Aviador José Orlando ILYUSHIN-62, de fabricação soviéti- Bellon, estava em casa quando recebeu ca e com tripulação cubana. O contato o comunicado de que uma aeronave ha- com a aeronave invasora foi feito por via invadido o espaço aéreo brasileiro. terra pelo controlador, avisando que a O Major, ainda de casa, ordenou o acio- aeronave adentrara, sem permissão, no namento de duas aeronaves do 1º GDA espaço aéreo brasileiro. O piloto cuba- e, então, seguiu para o COpM. A equipe no foi informado de que não possuía do CINDACTA estava de prontidão e um plano de voo e que deveria pousar informou ao chefe, assim que o mesmo em Brasília para prestar explicações. chegou na Unidade, que as aeronaves Porém, o piloto não obedeceu aos co- estavam prontas. mandos dos controladores e respondeu Enquanto isso, no 1º GDA, estavam que não cumpriria as ordens do Centro de alerta o Capitão Aviador Roberto de Controle. de Medeiros Dantas, que era o Oficial Os pilotos, no 1º GDA, tomaram ci- de Permanência Operacional (OPO), ência do que se tratava a missão e já es- o Major Aviador Paulo Cézar Pereira tavam prontos para decolar, porém cho- e o 1º Tenente Aviador Eduardo José via muito. O temporal era tamanho que Pastorelo de Miranda, que eram os pi- impedia a visibilidade, atrasando assim a lotos do alerta. O Major estava em casa, decolagem. Durante o tempo que espe- quando o seu bip de alerta foi acionado ravam as ordens para seguir na missão, com a informação de que uma aerona- houve um forte estrondo e as luzes da ve havia invadido o espaço aéreo brasi- Base se apagaram. leiro. Ele ligou para o Centro de Ope- rações Aéreas (COA) e confirmou a in- Desta maneira, o gerador de emer- formação de que se tratava de um alerta gência entrou em operação e a comuni- real. O Major se trajou rapidamente e cação com o OPO passou a ser feita pela A Defesa Aérea Brasileira 27 torre. O sistema de energia alternativo Jaguar Negro Dois era quem realizaria a da Base funcionou muito bem, porém interceptação. Porém, Thor não contava os hangares (inclusive os dois de alerta), que as nuvens dificultariam totalmente as pistas de acesso e o sistema de baliza- o contato com a aeronave. mento eram novos e ainda não estavam Quando finalmente conseguiram se incluídos nesse sistema de iluminação aproximar da aeronave, por ordem do (Revista Força Aérea, 2000:45). Era controlador de Brasília, o Mirage do Ma- nessas condições de chuva torrencial jor Paulo Cézar acendeu as luzes de na- e com a equipe trabalhando às escuras vegação e se aproximou da asa esquerda que os pilotos aguardavam autorização da aeronave cubana. Na sala do COpM, para decolagem. em Brasília, contatos continuavam a ser Em entrevista à Revista Força Aérea, feitos com o piloto cubano, para que ele em 2000, o Major Paulo Cézar afirmou: pousasse em Brasília. O piloto, por sua vez, continuava a se negar a aceitar as Nosso código de chamada seria Ja- ordens estabelecidas. guar Negro. Devido ao estado do tem- Nesse momento, o Major Bellon re- po, Thor (nome-código do controlador portou o que ocorreu à cadeia de co- do radar de Defesa Aérea) considerou mando. A aeronave, até então, estava o risco da missão, o que retardou um sendo acompanhada pelo controle de pouco a decolagem deixando-nos em tráfego aéreo normal, sem que a defesa, suspense. Mas, finalmente Brasília mesmo com os pilotos a postos, entras- autorizou a decolagem e vimos o Be- se em contato com ele. Com a intransi- mvindo e o permanência girando suas gência do piloto cubano, iniciou-se uma lanternas no sinal de partida. demonstração ostensiva de que ele esta- va sendo interceptado. Na hora da decolagem, o sistema de À vista disso, os dois Mirages rece- navegação do Tenente Pastorelo, o Ja- beram ordens para se aproximarem do guar Negro Dois, deu pane e, até que se avião, simultaneamente. O Tenente Pas- resolvesse, ele acabou decolando atra- torelo relatou como ocorreu de fato a sado. O Major Paulo Cézar, por sua vez, interceptação: decolou com o Mirage na frente e foi lí- der da missão. Já em voo, os problemas Encostamos no avião, juntos. [...] o causados pela tempestade continuaram. meu contratempo empatou com o con- O Identification Friend or Foe (IFF)do líder tratempo que ele teve com o IFF e na não era detectado por Thor, enquanto interceptação autônoma. Eu cheguei o do ala da missão estava funcionando. para a interceptação um pouco aber- Sendo assim, Thor passou a plotar e a to pela esquerda. Pelas seis horas você controlar o Mirage do Tenente Pastore- não tem noção de aproximação. Com o lo. O líder foi assim informado que o alvo na diagonal frontal fica mais con-

28 O Céu é nosso! fortável a visada, pois se está olhando era tamanho que o pouso foi feito por para frente com um leve desvio lateral. instrumentos. Ao taxiarem, os Coman- Nós demos uma geral no avião. Cor- dantes da BAAN e do 1º GDA, além remos ele todo para olhar a cabine, ver do efetivo, estavam aguardando ansio- os pilotos. Mas, lembrem-se de que o sos os militares responsáveis por reali- mau tempo é preciso entrar em uma zar aquela que foi a primeira missão de posição favorável. interceptação real da história da FAB. Essa missão ficou conhecida como Eu cheguei na asa esquerda e o lí- batismo de fogo e serviu para que a der na direita, e aí entramos em mau FAB comprovasse a eficácia das aero- tempo de novo, só que aí já na ala. naves, o preparo dos pilotos e, princi- Quando você está longe, com o alvo no palmente, do CINDACTA. radar e direcionado pelo Thor é uma coisa. Agora a partir de uma milha ou duas do alvo, o Thor já não está mais A d e f e s a a é r e a g a n h a o Br a s i l o diferenciando. As informações dele Os eventos narrados até aqui foram já são imprecisas e aí a interceptação o embrião de como a defesa aérea, nos é contigo. Naquele momento voáva- moldes atuais, foi estabelecida no âm- mos os três numa formatura cerrada bito da Força Aérea Brasileira. Pode-se entre os CBs (Revista Força Aérea, afirmar que os testes realizados, afim 2000:47). de implantar a defesa aérea e defender a Capital Federal e os estados do Rio Na ocasião, os pilotos brasileiros de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, passaram as luzes de sinalização de Dim-Steady (baixo e constante) para foram bem executados, tudo fruto de Flash-Bright (intermitente e brilhante). anos de estudos e muito trabalho. No O Major Bellon sugeriu ao cubano que entanto, era hora de o Sistema DACTA olhasse para a asa do ILYUSHIN-62. E ser implantado em todo o território na- comunicou ao piloto cubano que ele ha- cional e mostrar a que veio, integrando e via sido interceptado e que, por ordens centralizando a defesa aérea e o controle do governo brasileiro, ele devia pousar de tráfego aéreo. em Brasília. Ao perceber a situação, o Entre os eventos relacionados à De- piloto cubano respondeu prontamente fesa Aérea, destaca-se a criação do Sis- aos controladores brasileiros, solicitan- tema de Defesa Aeroespacial Brasileiro do informações sobre como proceder. (SISDABRA), em 18 de março de 1980, A aeronave foi interceptada e força- como um passo fundamental para um da a pousar na Base Aérea de Brasília melhor gerenciamento de todo o segui- (BABR) (LORCH, 1993:114). Os dois mento da defesa aérea. O SISDABRA Mirages acompanharam o ILYUSHIN- pode ser definido como um sistema que 62 até que a aeronave pousasse. Ao gerencia todas as unidades de caça, arti- retornarem para Anápolis, o temporal lharia antiaérea, reconhecimento eletrô- A Defesa Aérea Brasileira 29 nico e reabastecimento em voo contra Defesa Aérea e Controle de Tráfego ameaças aeroespaciais. Essas unidades Aéreo (NuCINDACTA II) que deveria são chamadas de elos e fazem parte de coordenar as medidas necessárias para um sistema único. a instalação do CINDACTA II. Esse Núcleo foi instalado no Rio de Janeiro Esse Sistema, que foi resultado de uma e transferido, em março de 1983, para concepção posterior ao SISDACTA, sur- o Paraná. O Núcleo foi desativado em giu com a criação do Núcleo do Coman- fevereiro de 1985, quando foi ativado o do de Defesa Aeroespacial Brasileiro CINDACTA II. (NuCOMDABRA), em 1980, com o intuito de substituir o COMDA. Trata- Apenas em novembro de 1983, por se de um sistema específico de defesa meio da Portaria nº 1.391/GM3, é que aérea que funciona como um braço do ficou instituído, efetivamente, o Sistema SISDACTA. de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (SISDACTA), depois de anos Ressalta-se ainda a criação da Co- sendo estudado e analisado. A finalida- missão de Implantação do Sistema de de do Sistema era a de dirigir coordenar Controle do Espaço Aéreo (CISCEA), e controlar as atividades integrantes de também em 1980. Essa Comissão ti- defesa aérea e controle de tráfego aéreo nha como principal missão implantar do Ministério da Aeronáutica. as bases operacionais que propiciavam o controle do espaço aéreo brasileiro, Essa Portaria instituía, como órgão ou seja, os CINDACTA, os Centro de central do Sistema, a Diretoria de Ele- Controle e de Aproximação, os sistemas trônica e Proteção ao Voo (DEPV), que de tratamento e visualização de dados, era a responsável pela orientação norma- radares e os sistemas de telecomunica- tiva, a coordenação e o controle das ati- ções aeronáuticas (CISCEA, s/d). vidades do Sistema, tendo, como órgãos executivos, os CINDACTA, os Destaca- Em 18 de outubro de 1982, a mentos de Proteção ao Voo, Detecção e Portaria nº 1.224/GM3 alterou o Telecomunicações (DPV-DT), as Unida- nome do CINDACTA para Primeiro des Isoladas de Telecomunicações (UT), Centro Integrado de Defesa Aérea bem como os órgãos de comunicações, e Controle de Tráfego Aéreo controle e alarme. (CINDACTA I). Logo em novembro, Dando prosseguimento à implan- foi criado o CINDACTA II, como tação do Sistema em todo o país, em mais um elo do Sistema. Esse Centro 1988, foi criado o Terceiro Centro In- seria o responsável pela proteção do tegrado de Defesa Aérea e Controle Paraná, de Santa Catarina e do Rio de Tráfego Aéreo (CINDACTA III) e Grande do Sul. o Núcleo desse Centro, cuja sede seria O processo era o mesmo de qual- em . A missão era a mesma dos quer unidade da FAB. Criou-se o Nú- outros CINDACTA, porém, a área de cleo do Segundo Centro Integrado de vigilância abarcaria do Sul da Bahia ao

30 O Céu é nosso! Maranhão e toda a Região Nordeste, O controle dessa Região se tornou em particular, a área oceânica. um desafio para o SISDACTA. As pro- vidências e tratativas para sanar essa Os CINDACTA estavam monitoran- questão iniciaram em 1992, quando foi do, praticamente, todo o espaço aéreo publicada a Portaria nº 444/ GM3, que brasileiro. Porém, tal como aconteceu atribuía à CISCEA a responsabilidade com o SISDABRA no âmbito da Força de elaborar um projeto, bem como de Aérea, viu-se a necessidade de criação executar a implantação do denomina- de outro sistema que integrasse e con- do Sistema de Vigilância da Amazônia trolasse todos os órgãos e sistemas que (SIVAM). participassem do controle da circulação aérea. Nesse ínterim, em 1990, foi de- Sendo assim, em novembro de 1993, senvolvido o Sistema de Controle do foi criada a Comissão para Coorde- Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB), nação do Projeto do Sistema de Vigi- com a missão de gerenciar, controlar e lância da Amazônia (CCSIVAM), para manter seguro o espaço aéreo brasileiro coordenar as ações relativas ao SIVAM. e funcionando também como um braço Essa Comissão seria sediada no Rio de do SISDACTA. Janeiro e subordinada diretamente ao Ministro da Aeronáutica. O NuCOMDABRA, do qual se tra- tou anteriormente, foi substituído pela Esse Sistema seria inserido como um elo dentro de um sistema maior ativação do Comando de Defesa Aero- que visava a proteção e a observação espacial Brasileiro (COMDABRA), em da Amazônia, o Sistema de Proteção 1996. Esse Comando tinha como mis- da Amazônia (SIPAM), coordenado são “realizar a defesa do território na- pela Secretaria de Assuntos Estratégi- cional contra todas as formas de ataque cos e que incluía diversos órgãos go- aeroespacial, a fim de assegurar o exercí- vernamentais, incluindo o Ministério cio da soberania do espaço aéreo brasi- da Aeronáutica que ficou responsável leiro” (INCAER, s/d), cabendo, assim, por compor a parte de infraestrutura ao COMDABRA, como órgão central, do SIPAM, sendo desenvolvido assim prover meios necessários para o cum- o projeto SIVAM. primento da missão do SISDABRA. Em suma, o SIVAM foi concebido A concepção do SISCEAB e como um sistema nacional de vigilân- SISDABRA foi fundamental para um cia, que tinha como propósito o moni- melhor gerenciamento do SISDACTA, toramento da Região Amazônica, uma que, pelos idos dos anos 1990, era um vigilância no sentido lato da palavra, Sistema que cumpria perfeitamente a por meio de uma rede de satélites e missão que lhe foi imputada, porém, sensores que forneceriam informações ainda havia um grande desafio pela sobre a Amazônia, tais como: desma- frente, controlar a Região Amazônica. tamentos, queimadas, tráfego aéreo,

A Defesa Aérea Brasileira 31 fronteiras agropecuárias e localizações de vigilância e controle aéreo, o EMB- indígenas que não foram contatadas. 145 AEW&C, cuja designação na FAB (BARBOSA, 1999:192). é R-99 A, o EMB-145 RG/AGS, de- signado como R-99 B. Essas aeronaves O contrato do SIVAM iniciou em comporiam os mecanismos de defesa julho de 1997, tendo cinco anos para do Sistema e trouxeram a concepção de a completa implementação. Em 1999, foram iniciadas as obras de três Centros avião radar. Regionais de Vigilância - um em A Força Aérea Brasileira foi fun- (AM), um em Belém (PA) e outro em damental nesse projeto que envolveu Porto Velho (RO); um Centro de Vigi- uma grande estrutura governamental. lância Aérea em Manaus; uma Unidade A concepção do projeto foi feita pela de Vigilância em Jacareacanga (PA); seis Secretaria de Assuntos Estratégicos da Unidades de Vigilância Transportáveis; Presidência da República, juntamente e seis Unidades de Telecomunicações. com o Ministério da Justiça e o Minis- O SIVAM foi muito importante no tério da Aeronáutica, cabendo a esse desenvolvimento da indústria aeronáu- último o desenvolvimento do progra- tica brasileira, pois duas aeronaves fo- ma de implantação do Sistema. Missão ram desenvolvidas pela EMBRAER, cumprida, a FAB entregou o projeto utilizando a plataforma do EMB-145, SIVAM ao Governo Federal, em 25 de para auxiliar no Sistema: uma aeronave julho de 2002.

Alcance dos radares de proteção com a implementação do SIVAM (Fonte: https://pt.slideshare.net/edniparanhos/sivam-apresent-comfirem-embaix-br-008) 32 O Céu é nosso! Também no início do século XXI, O Centro também ficou responsável mais precisamente em 2001, a Direto- pelas tarefas antes imputadas à Força ria de Eletrônica e Proteção ao Vôo Aérea Brasileira dentro do SIVAM, entre (DEPV) foi extinta, sendo criado o elas a de vigiar uma área de 5,5 milhões Departamento de Controle do Espa- de km². As missões do CINDACTA IV ço Aéreo (DECEA), situado no Rio de “são as de defesa aérea, controle de trá- Janeiro, subordinado diretamente ao fego aéreo, monitoramento de navega- Comandante da Aeronáutica e absor- ção fluvial, observações ambientais por vendo todas as atribuições da extinta sensoriamento remoto, etc.” (RAMI- DEPV. O DECEA tem como missão, RES, 30 e 31:2010). planejar, implantar, integrar, normati- zar, coordenar e fiscalizar as atividades Ma n t e n d o a s ob e r a n i a n o a r de controle do espaço aéreo em todo o Brasil, mantendo-o seguro e confiável. Do ponto de vista da aviação de Tudo isso é feito por meio dos órgãos caça, era importante o aparelhamento que a ele são subordinados, o que inclui dos grupos de aviação de caça da FAB todos os CINDACTA. com aviões modernos e bem equipa- dos. A aquisição dos Mirage representou Do ponto de vista específico da um marco na história da Força Aérea proteção aérea da Região Amazônica, Brasileira e da defesa aérea, além de o Quarto Centro Integrado de Defe- representar uma peça chave na monta- sa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo gem do grande quebra-cabeça que era (CINDACTA IV) foi criado em 23 de o SISDACTA. novembro 2005, por meio da Portaria nº 1.156/GC3, de 11 de outubro de 2005. O uso de aeronaves supersônicas era Instalado na cidade de Manaus, a Por- fundamental para a defesa aérea, e logo taria previa que o CINDACTA IV se- se fez necessária a equipagem de outros ria ativado em 1º de janeiro de 2006. O esquadrões de caça com esse tipo de ae- ronave, visando a proteção do espaço novo Centro absorveu as atividades que aéreo brasileiro. Dessa maneira, pelos antes eram do Serviço Regional de Pro- idos da década de 1970, a FAB iniciou teção ao Voo de Manaus (SRPV-MN), os estudos e as tratativas para a compra uma unidade criada em 1983 e que tinha de outra aeronave supersônica. A aero- como função prover os serviços de tele- nave escolhida foi o americano Northrop comunicações e de apoio à navegação aé- F-5 Tiger, ou simplesmente F-5, como rea nos Estados do Amazonas, do Acre, ficou conhecido no âmbito da Força de Rondônia e de Roraima, bem como Aérea. de executar as atividades relacionadas ao Sistema de Proteção ao Voo, estando as- Em um intervalo muito curto, a FAB sim subordinado à DEPV. adquiriu dois aviões de “primeira linha”,

A Defesa Aérea Brasileira 33 como são chamados os supersônicos Mirage e os F-5 e que eram completamente dife- rentes em conceito, desenho, performance e logística. Nota-se que uma das caracterís- ticas que diferenciavam os aviões da Northrop era a capacidade de reabastecimento em voo. Foram adquiridos quarenta e dois F-5, além dos dezesseis Mirage (INCAER, s/d).

Aeronave F-5 realizando reabastecimento em voo. (Fonte: Agência Força Aérea)

O Mirage desempenharia a função de defesa aérea, porém, era necessária uma aeronave para realizar as missões de interdição e superioridade aérea, imputadas ao F-5. Dessa maneira, foram encomendados, à empresa Northrop, trinta e seis aero- naves do modelo E mais seis do modelo B. O processo de adaptação dos pilotos à

Chegada dos primeiros F-5 ao Brasil. (Fonte: Acervo 1º GDA) 34 O Céu é nosso! aeronave foi parecido com o dos Dijon Boys. Em 1974, os pilotos foram enviados ao 425th Tactical Fighter Training Squadron, sediado na Williams AFB nos EUA, para treinar, conhecer e se habituar ao novo supersônico. Os primeiros F-5 chegaram ao Brasil em fevereiro de 1974 e os últimos chega- ram em fevereiro de 1976. Seis F-5B e mais vinte e quatro F-5E foram enviados para os esquadrões de caça sediados na Base Aérea de Santa Cruz (BASC) e os doze supersônicos restantes foram enviados para a Base Aérea de Canoas (BACO). Na década de 1980, a FAB adquiriu mais vinte e dois F-5E e quatro F-5F, esse último com características superiores ao F-5B. As novas aeronaves começaram a chegar ao Brasil em 1988, quando seis aeronaves chegaram à BASC e as restantes foram trasladadas para a BACO.

Ro j ã o d e fogo ! E o Si s t e m a d e De f e s a é p o s t o a p r o v a

A capacidade dos F-5 foi deveras posta a prova no ano de 1982, quando ocorreu a segunda missão de interceptação real e a primeira com as aeronaves da Northrop. O contexto era a Guerra das Malvinas, um conflito armado ocorrido de abril a junho, envolvendo o Reino Unido e a Argentina pela posse do território das Ilhas Malvinas/Falklands. Os ingleses realizaram uma série de missões de bombardeio que visavam im- pedir que os jatos da aviação argentina utilizassem a pista de pouso do aeroporto de Port Stanley, capital das Ilhas Malvinas/Falklands. Essas missões foram chama-

Imagem da Vulcan XM597. (Fonte: Revista Força Aérea) A Defesa Aérea Brasileira 35 das de Black Buck e iniciaram na noite Em Brasília, na sala do CINDACTA de 30 de abril para 1º de maio, quando I, uma chamada foi feita na frequência de 21 bombas foram despejadas por uma emergência. Era o pedido de ajuda emi- aeronave Avro Vulcan. Ao todo, ocor- tido pelo Vulcan, que se repetiu até que reram seis operações Black Buck, que o controlador do Setor Rio respondesse ficaram conhecidas como as missões de a chamada. E, ao mesmo tempo em que bombardeio de maior alcance da histó- o Centro de Brasília tentava dar assis- ria da aviação militar. tência ao piloto, o Centro de Operações A sexta missão dessa operação ocor- Militares (COpM) acompanhava o epi- reu na noite de 2 para 3 de junho de sódio, aguardando pela identificação da 1982. Cabe ressaltar que, nessa missão, aeronave que em um primeiro momento a aeronave Vulcan XM597 era guia- se apresentou como uma aeronave civil, da pelo avião de reconhecimento e de fato este que trouxe uma “atmosfera de patrulha marítima Nimrod MR2, cujo desconfiança aos operadores de defesa papel era auxiliar na localização, e pela aérea” (COELHO, 2017). Nesse ínte- aeronave Victor, que o reabasteceria. rim, o COpM acionou o 1º Grupo de Aviação de Caça (1º GAvCa) para uma Porém, no momento do reabasteci- missão de interceptação real. Com isso, mento, o probe foi arrancado da fusela- o 1º GAvCa começou a tomar as pro- gem do Vulcan, o que se transformou vidências necessárias para a realização em um verdadeiro problema para a tri- da missão. pulação da aeronave, visto que sem o probe o reabastecimento era impossível. Quando ocorreu o chamado, o ofi- Além disso, havia um vazamento de cial escalado para o serviço de alerta a combustível em um dos tanques loca- tempo estava envolvido em outro acio- lizados no bomb bay do avião. namento. E, nesse momento, os Capi- tães Aviadores Raul José Ferreira Dias Tais panes exigiam decisões urgen- e Marco Aurélio dos Santos Coelho ti- tes dos pilotos. Uma delas foi a tenta- nham acabado de fazer o check externo tiva frustrada de se livrar dos mísseis de dois supersônicos F-5E, pertencen- que estavam acoplados na aeronave, os tes ao 2º Esquadrão do 1º Grupo de quais estavam travados. A outra decisão Aviação de Caça (2º/1º GAvCa). Os seria subir e voar em ar mais rarefeito oficiais guarneciam as suas aeronaves e para, assim, economizar combustível. se preparavam para realizar uma missão Enquanto subia, o piloto do Vulcan so- de navegação a baixa altura com tiro licitou uma proa do aeródromo mais foto. próximo e a resposta foi: Rio de Janei- ro. Sendo assim, as aeronaves Victor e Percebendo que um dos mecânicos Nimrod acompanharam o Vulcan até o correu para abrir o cofre da sua aerona- limite do espaço aéreo brasileiro (Revis- ve e dar o golpe no canhão, o Capitão ta Força Aérea, 2007/2008:50-52). Dias indagou ao mecânico sobre o que 36 O Céu é nosso! estava acontecendo e teve como respos- Sendo assim, os dois capitães par- ta que ligasse o rádio. Ao fazer isso, es- tiram para a missão de interceptação. cutou um apelo quase que desesperado O Capitão Dias foi o líder da missão do Oficial de Permanência Operacional e afirma: (OPO), conhecido como Joca: - Espa- das (Esquadrilha de Espadas do 2º/1º Uma coisa que me marcou foi que GAvCa), é o Joca! Espadas, é o Joca! o PRIMAV (indicativo da torre de Ao responder que estava na escuta, o Santa Cruz) nos passou direto para Capitão ouviu do outro lado da linha: o Thor (indicativo da Defesa Aérea “Rojão de Fogo!” (Revista Força Aérea, do CINDACTA I, em Brasília) sem 2007/2008:50-52). nos passar antes para a Taba (código da aproximação em Santa Cruz) ou pelo Controle Rio, e Thor pediu ‘ Subi- da PC Maxi, deu nos o bearing (dire- ção magnética) tal, anjos (nível de voo) três dois zero.’ (Revista Força Aérea, 2007/2008:54).

Mesmo se preparando a vida inteira e treinando diariamente para realizar esse tipo de missão, a adrenalina corre pelo Os capitães Marco Aurélio dos Santos Coelho e Raul José Ferreira Dias. corpo do piloto, porém todo o preparo (Fonte: Revista Força Aérea) vem à tona e as ações são tomadas quase que instintivamente (COELHO, 2017). Na época, havia uma prancheta do Após a decolagem, os pilotos brasi- alerta com todos os códigos do dia, in- leiros buscavam encontrar a localização clusive os códigos do abate. E os pilotos do Vulcan. De acordo com o líder da tinham um bip, que ao tocar, alertavam- missão: “A primeira informação que nos do acionamento. Depois de aciona- chegou de Thor era mais ou menos a do e chegando ao esquadrão, o piloto seguinte: eram três aviões não iden- já tinha diretriz preestabelecida. Como tificados que estavam seguindo para exemplo, se recebesse uma orientação o Rio de Janeiro.” (Revista Força Aé- como: “decolagem - rojão simulado”, o rea, 2007/2008:54). Enquanto isso, o piloto sabia que ia fazer uma intercepta- COpM acompanhava aquela aeronave, ção para treinamento. No caso da missão sem muitas informações sobre o real que envolveu a aeronave Vulcan, o códi- problema do jato. Logo, a decisão foi go de acionamento do alerta “Rojão de a de orientar o avião que seguisse para Fogo” era o indicativo de que se tratava o Galeão, tarefa essa coordenada pelo de uma missão real (COELHO, 2017). Centro de Controle.

A Defesa Aérea Brasileira 37 Já com a localização dos três aviões, o Foi quando o Capitão Dias notou Centro de Brasília ordenou ao Vulcan que que o probe de reabastecimento da ae- curvasse para um melhor ajuste de apro- ronave estava quebrado. O líder da mis- ximação direta para a pista 14 do Galeão. são, em contato com Thor e o piloto Nesse momento, os dois outros aviões do Vulcan, definiu que a aeronave seria que escoltavam a aeronave recuaram e acompanhada até o pouso, em seguran- deixaram o espaço aéreo brasileiro. ça, na pista 32 do Galeão. Quando o Capitão Dias e o Capitão Após acompanharem o Vulcan e Coelho localizaram a aeronave, ela já cumprirem a missão estipulada, os pilo- voava só. A partir disso, os pilotos se- tos brasileiros retornaram à Base Aérea guiram o protocolo já estabelecido. O de Santa Cruz, fizeram o pilofe (mano- líder da missão comandou o cheque de bra própria de avião de caça) e vieram armamento, ligaram os canhões e de- para o pouso. Após isso, foram recebi- ram as rajadas padrões (Revista Força dos por todo o efetivo da BASC que Aérea, 2007/2008:54). Após finalmente aguardava curioso para saber detalhes se aproximarem da aeronave, os pilotos da primeira missão de interceptação começaram a executar os procedimen- real do 1º Grupo de Aviação de Caça. tos previstos em uma interceptação e, As aeronaves F-5B foram desativa- ao mesmo tempo, o líder chamava a das em 1996 e as F-5E e F-5F operam aeronave invasora na frequência 121.5. na FAB até os dias de hoje. Atualmente, O piloto do Vulcan, por sua vez, não aguarda-se, com ansiedade, a chegada das atendia ao chamado. Após uma mano- novas aeronaves Gripen (CUNHA, s/d). bra do Capitão Dias, o piloto do Vulcan respondeu ao chamado. É importante frisar que foi a partir dos episódios do ILYUSHIN-62 e do Vulcan que se viu a ne- cessidade de refletir acerca das missões de interceptação e, sobretudo, da missão da Força Aérea Brasileira. A dis- cussão durou anos e culminou em legislações que versam, entre outros assuntos, sobre a responsabilidade que seria imputada à FAB, cuja missão, em suma, era a de manter a soberania do espaço aéreo Imagem da aeronave Vulcan no pátio do Aeroporto brasileiro com vistas à defesa Internacional do Rio de Janeiro. (Fonte: Revista Força Aérea) da pátria. Destacam-se, entre 38 O Céu é nosso! essas legislações, a Lei Complementar pela Academia da Força Aérea (AFA) nº 97, de 9 de junho de 1999, e seus estão aptos a seguir na aviação de caça. ajustes subsequentes, e, ainda, a Política Para isso, são necessários pré-requisitos Nacional de Defesa, a Estratégia Nacio- intelectuais, psicomotores e disciplina- nal de Defesa e a Política e Estratégia res dos pilotos, além de estarem aptos Setorial de Defesa. nas inspeções de saúde. As qualidades Dando apoio a essa missão e refletin- desses alunos são apontadas pelos ins- do acerca das missões de interceptação, trutores ainda na AFA, e somente aque- a FAB pôde contar, conforme a Lei nº les aspirantes aviadores cujo perfil se 9.614/1998, com a regulamentação da enquadre na caça são selecionados. possibilidade de adoção da medida de Depois de formados na AFA, os pilo- destruição de aeronave hostil que incluiu tos seguem para a cidade de Natal/RN, no Artigo 303, da Lei nº 7.565/1986 para mais um ano de estudos e voo no “Código Brasileiro de Aeronáutica”, o Curso de Especialização Operacional parágrafo segundo, dispondo que: “Es- na Aviação de Caça (CEO-CA), reali- gotados os meios coercitivos legalmen- zado no 2º Esquadrão do 5º Grupo de te previstos, a aeronave será classificada Aviação (2º/5º GAv), conhecido como como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do Esquadrão Joker. A Instrução Técnica caput deste artigo e após autorização Especializada dos alunos é realizada do Presidente da República ou autori- na aeronave, A-29, Super Tucano. Os dade por ele delegada”. pilotos recebem treinamento em voo visual diurno e noturno, voo por ins- Como providência para fortalecer a trumentos, formatura básica e navega- segurança do espaço aéreo brasileiro, ção rádio, interceptação, combate e tiro que está cercado por países reconhe- aéreo, ataque ar-superfície, defesa aé- cidamente produtores de drogas ilícitas, rea, escolta e reconhecimento armado o Decreto nº 5.144/2004 regulamentou (ICA 37-550/2017). a destruição de aeronaves hostis ou sus- peitas de tráfico de substâncias entor- O estagiário que conclui o curso pecentes e drogas afins. com aproveitamento recebe a qualifi- cação operacional de Piloto de Caça e A fo r m a ç ã o d e u m c a ç a d o r e o s é classificado em uma unidade aérea, e s q u a d r õ e s d e c a ç a n o s d i a s a t u a i s onde permanecerá por, no mínimo, três anos. Nessas unidades aéreas, é realiza- Para voar um avião de primeira linha, da uma formação complementar do pi- como foi o Mirage e como são o F-5, e loto. São realizados cursos específicos, o A-1, o piloto passa por um longo pe- entre eles, o de Líder de Esquadrilha de ríodo de estudos e preparação. Nem to- Caça. Depois de formado neste último dos os pilotos que se formam aviadores curso e servindo há dois anos na unida-

A Defesa Aérea Brasileira 39 de, o piloto pode ser movimentado para ministrar instrução de voo no 2º/5º GAv ou na AFA. A tabela a seguir lista os esquadrões de caça que os pilotos poderão servir ao longo da carreira:

Sigla Esquadrão Cidade Aeronave Criação A-29 A/B 1º/3º GAv Escorpião Boa Vista Super 5 de abril de 1995 Tucano A-29 A/B 28 de setembro de 2º/3º GAv Grifo Porto Velho Super 1995 Tucano A-29 A/B Campo 28 de janeiro de 3º/3º GAv Flecha Super Grande 2004 Tucano Northrop 9 de fevereiro de 1º GDA Jaguar Anápolis F-5EM 1972 Tiger Northrop 13 de julho de 1º/4º GAv Pacau Manaus F-5EM 1947 Tiger Jambock Northrop Rio de 18 de dezembro de (1º/1º F-5EM/F Janeiro 1943 1º GAvCa GAvCa) Tiger Northrop Pif Paf (2º/1º Rio de 17 de agosto de F-5EM/F GAvCa) Janeiro 1944 Tiger AMX A-1 1º/10º GAv Poker Santa Maria 24 de março 1947 A/B AMX A-1 10 de novembro 3º/10º GAv Centauro Santa Maria A/B de 1978 Northrop 24 de março de 1º/14º GAv Pampa Canoas F-5EM 1947 Tiger Quadro elaborado a partir de dados da Revista Aeroespaço, Edição Especial - Esquadrão Profeta. (DECEA, 2010)

40 O Céu é nosso! O preparo e o aperfeiçoamento de supersônicas. No fim, o que realmente um piloto caçador são constantes. Há conta para a seleção desses pilotos é de estar preparado física e psicologica- a experiência e, sobretudo, o aperfei- mente para voar uma aeronave de caça. çoamento, já que o preparo para este O piloto é exposto a situações adversas fim ocorreu durante anos e anos. O o tempo todo. O espaço da aeronave é Coronel Aviador Luiz Carlos Barbosa reduzido e desconfortável; o voo exige Lopes, Jaguar 95, em entrevista ao Ins- movimentos bruscos, em curvas e ma- tituto Histórico-Cultural da Aeronáu- nobras acentuadas e o corpo do piloto tica (INCAER), ressaltou que, embora recebe toda a carga dessas variações. não haja grandes diferenças entre um Durante o voo um piloto de caça é sub- piloto de uma aeronave subsônica e metido à gravidade, a força G. De uma supersônica, esse último precisa estar maneira geral, o fruto disso é que o ca- melhor preparado fisicamente, pois a çador tem elevado o peso do próprio carga G de uma aeronave supersônica corpo de maneira colossal. O corpo é é muito alta, e um bom preparo auxilia comprimido violentamente contra a ca- e ampara o piloto para receber os efei- deira, a pressão no corpo é imensa. O tos no corpo. piloto também precisa estar preparado para as adversidades que podem ocor- O f u t u r o c h e go u : Gr i p e n , o c a ç a rer durante um voo. O simples fato de i n t e l i g e n t e pousar uma aeronave de caça ou de se ejetar, em caso de emergência, tomam As tratativas para a compra de um outras proporções quando se trata de novo caça iniciaram ainda na década uma máquina que atinge altíssima velo- de 1990. O Jornal do Brasil noticiava, em cidade (LORCH,1993). abril de 1999, matéria cujo título era “Ae- Corroborando com essa ideia, o Te- ronáutica vai trocar os aviões de guerra”. nente-Brigadeiro Leite acrescenta que o A matéria falava do “Programa Fênix”, preparo psicológico está muito relacio- um programa de reestruturação da For- nado ao tipo de missão. Quanto mais ça Aérea e do Programa F-X que substi- arriscada, maior deve ser o preparo psí- tuiria as aeronaves de caça nas próximas quico do piloto, sendo de responsabi- duas décadas. A matéria ainda falava da lidade das unidades aéreas propiciarem disputa de empresas estrangeiras em se todo o aparato necessário para que o colocar bem posicionadas na corrida piloto se sinta apto a cumprir uma mis- pela compra de um novo avião de caça. são de combate. A competição para vender caças ao Somente após todo esse treinamen- Brasil era acirrada. Países como Esta- to, o piloto de caça está apto a pleitear dos Unidos, Rússia, França e Suécia uma posição nos chamados esquadrões ofereceram seus produtos ao governo de primeira linha e pilotar as aeronaves brasileiro e à Força Aérea. A concorrên-

A Defesa Aérea Brasileira 41 Maquete da Aeronave Gripen exposta em Brasília. (Fonte: https://www.flickr.com/photos/portalfab) cia foi amplamente divulgada pela imprensa que acompanhou a escolha dos aviões da FAB de perto. A princípio, estimava-se que a chegada dos novos equipamentos fosse realizada no ano de 2005. Porém, o processo de escolha do supersônico de- morou anos, por razões, sobretudo, políticas. A decisão pela compra do caça veio finalmente em 2014, quando a escolha estava apenas entre três opções. Uma era de fabricação francesa, outra americana e a outra, de fabricação sueca, sendo esta última escolhida pelo governo, cuja aeronave era o Gripen. Em 19 de dezembro, o Jornal do Commercio anunciava: “Caça sueco vence a concorrência da FAB - Depois de 12 anos, a novela da compra dos supersônicos para defesa do espaço aéreo chegou ao fim: 36Gripen serão adquiridos por 4,5 bilhões.” O contrato com a fabricante Saab foi assinado em outubro de 2014. A empresa, por sua vez, deveria desenvolver e produzir 36 caças para a FAB. A encomenda incluía 28 aviões monopostos, e oito bipostos, custando cerca de 5,4 milhões de dólares. Entre as exigências do governo brasileiro, era que a fabricação das aero- naves fosse realizada em território nacional, tendo assim a EMBRAER como uma parceira estratégica, e que existisse a transferência de tecnologia da aeronave para o Brasil (FERNANDES, 2014).

42 O Céu é nosso! Cap Fórneas e seu instrutor sueco no simulador do Gripen. (Fonte: https://www.flickr.com/photos/portalfab/)

Com o contrato assinado, a Força Aérea Brasileira designou, no segundo semestre de 2014, os Capitães Gustavo de Oliveira Pascotto e Ramon Lincon Santos Fórneas, a fim de aprender, na Suécia, sobre o Gripen. Em entrevista ao Instituto Histórico-Cultural da Ae- ronáutica (INCAER), o Capitão Gusta- vo disse que a experiência de ir à Suécia foi gratificante e profissionalmente en- Os Capitães Fórneas e Gustavo após voo solo riquecedora. na aeronave Gripen. (Fonte: http://www.defesanet.com.br/ O curso empregado tinha uma meto- gripenbrazil/noticia/18072/Gripen---Voo-solo- dologia conhecida como ‘Z”, o que sig- na-Suecia/) nifica: “aula teórica – simulador – voo”. O Capitão ainda destacou a qualidade e eficiência dos simuladores, que reprodu- ziam totalmente a condição do voo real.

A Defesa Aérea Brasileira 43 O primeiro contato dos pilotos com a diversas especialidades, trabalhem no aeronave ocorreu no final de 2014, após Projeto, atuando no “gerenciamento concluírem praticamente todo o pacote da aeronave, gerenciamento de projeto, de aulas teóricas iniciais. E, assim, final- desenvolvimento de simuladores e certi- mente experimentarem voar no Gripen ficação, dentre outras atividades” (FAB, na nacele traseira (Demo Flight). 2016). O novo caça foi apresentado, ofi- cialmente, em maio de 2016. No início do ano seguinte, os pilotos iniciaram o curso básico da aeronave, o A aeronave possui um motor poten- Convertion Training, que consistia na adap- te, tendo uma performance significativa tação ao Gripen e na realização de voos e possibilitando o voo supersônico em solos. O próximo passo era o curso de altas altitudes. O Gripen possui um mo- combate ar-ar, que contemplou missões derno sistema de comandos de voo, pi- de combate WVR (Within Visual Range) loto automático e auto throttle, facilitando e combate BVR (Beyond Visual Range). assim a própria condução. Esse avião ainda é capaz de operar em pistas curtas No ano de 2016, os primeiros enge- com baixo quantitativo de pessoal. Cabe nheiros brasileiros foram à Suécia para destacar que o Gripen possibilita atualizar auxiliar no desenvolvimento do Gripen. e melhorar os sistemas de maneira con- Vivian Lawrence e Marcelo Takase fo- tínua, sem a necessidade de grandes gas- ram os primeiros, de um grupo de 46 tos orçamentários (PASCOTTO, 2017). engenheiros brasileiros, enviados para participar do Projeto Gripen. A previsão A tabela a seguir elenca as principais é que mais de 350 brasileiros, das mais características do Gripen:

Comprimento: 14,1 m / envergadura: Dimensões 8,4 / altura: 4,5 m Peso 16,5 ton (máximo na decolagem) Velocidade Mach 2 (super cruise mach 1.2) 1 turbina GE F-414G, com empuxo de Propulsão 22.000 ib (98 KN) Manobrabilidade Máxima de 9 g 6.000 kg (em 10 estações sob asas e Carga Bélica fuselagem) Alcance 4.000 km (máximo de translado) Distância para pouso Cerca de 500 m Substituição da turbina Cerca de 1 h Cerca de 10 min (reabastecimento e Tempo de imobilização no solo rearmamento) Fonte: http://www.militarypower.com.br/frame4-projetofx.htm 44 O Céu é nosso! O Capitão Gustavo ainda destacou sistema de encriptação, e destruição de que a aeronave sueca é muito mais que mensagens, sensores infravermelho de uma plataforma, mas um sistema que visa busca e salvamento, além de ligação a eficiência operacional com baixo custo. por datalink, recurso que permitirá Verificou-se que as funções do radar, o ao caça ‘conversar’ por meio de sinais sistema de navegação e a interface de ar- eletrônicos com outros aviões e torres de mamentos são fruto de um trabalho con- controles (VINHOLES, 2016). tínuo de “atualização e aprimoramentos operacionais” (PASCOTTO, 2017). Entre as alterações da versão bra- A aeronave possui total integração sileira, o Gripen virá com um recurso dos sistemas e sensores que são ge- que minimiza a assinatura do radar, di- renciados pelo Gripen. Os comandos ficultando assim a localização e a iden- e funções são computadorizados e as tificação da aeronave, além também do informações do display fazem com que capacete do piloto ter óculos acopla- o piloto tenha uma elevada consciência do, chamado “Helmet Mounted”, e que da situação. funciona como um monitor de ataque e reconhecimento de alvos (VINHO- O Gripen é uma aeronave com maior LES, 2016). performance e autonomia que os F-5M existentes na FAB. Para além da quali- A entrega das aeronaves deve ocor- dade e eficiência do motor, a quantidade rer entre 2019 e 2024 e a expectativa de combustível permite que as missões criada, tanto na aviação de caça quan- de defesa aérea sejam realizadas com to no SISDACTA, é enorme, trazendo maior eficiência. As versões brasileiras grandes esperanças para o futuro da do Gripen virão com algumas diferenças defesa aérea nacional. Assim como nos das aeronaves operadas pelos Capitães idos dos anos 1970, quando a Primeira na Suécia. Ala de Defesa Aérea (1ª ALADA) foi Entre as exigências das aeronaves que guardiã dos tão sonhados caças Mirage, virão para o Brasil, destaca-se o tanque hoje, esse papel é atribuído à Base Aé- de combustível maior, visando prin- rea de Anápolis (Ala 2), que, a princí- cipalmente cobrir o tamanho do país, pio, será a responsável pela guarda dos o que levou a Saab a instalar um trem primeiros Gripen, e ao 1º Grupo de de pouso maior. Outra novidade é um Defesa Aérea (1º GDA), cujos jaguares painel panorâmico Wide Area Display terão a responsabilidade de operar essa (WAD,) reunindo todas as informações poderosa aeronave, honrando, assim, a necessárias ao piloto em apenas uma missão da primeira Unidade criada, es- tela. O sistema de comunicação conta pecificamente, para efetuar operações com dois rádios e também um: de defesa aérea.

A Defesa Aérea Brasileira 45 Os desafios atuais são parecidos com os anteriores, afinal os trâmites da imple- mentação de um novo vetor são enormes e representam uma quebra de paradigma. É preciso preparar os pilotos, os mecânicos e o efetivo, de uma maneira geral, além de modernizar e ampliar as instalações. A aquisição do Gripen coroa e corrobora o sucesso do magistral Sistema de Defesa Aérea e do desenvolvimento desse campo da aviação, que foi projetado, montado, e executado por profissionais, muitas vezes, visionários, cuja empatia com a FAB e o respeito à missão da Instituição, de manter a soberania do espaço aéreo e integrar o território nacional, levou-os a escrever um importante capítulo da história da Força Aérea Brasileira.

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A 1º Ten QOCon Tec (HIS) Elaine Gonçalves da Costa Pereira pertence ao efetivo deste Instituto e integra a equipe do SISCULT.

A Defesa Aérea Brasileira 51 Conectando o passado, o presente e o futuro da cultura aeronáutica . 54 O Céu é nosso!