JUNIA YASMIN OLIVEIRA CARREIRA

DINÂMICA TEMPORAL E SAZONALIDADE DE BORBOLETAS FRUGÍVORAS

NA MATA ATLÂNTICA

TEMPORAL DYNAMICS AND SEASONALITY OF FRUIT-FEEDING

BUTTERFLIES IN THE ATLANTIC FOREST

CAMPINAS 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE BIOLOGIA

JUNIA YASMIN OLIVEIRA CARREIRA

DINÂMICA TEMPORAL E SAZONALIDADE DE BORBOLETAS FRUGÍVORAS NA MATA ATLÂNTICA

TEMPORAL DYNAMICS AND SEASONALITY OF FRUIT-FEEDING IN THE ATLANTIC FOREST

Tese apresentada ao Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do Título de Mestra em Ecologia.

Thesis presented to Institute of Biology of University of Campinas to obtain the Master grade in Ecology.

Orientação: Prof. Dr. André Victor Lucci Freitas

Co-orientação: Prof. Dr. Cristiano Agra Iserhard

CAMPINAS 2015

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RESUMO

Os padrões de sazonalidade das populações de espécies tropicais são muito variáveis e pouco compreendidos, uma vez que a sazonalidade climática de uma região nem sempre se reflete em uma flutuação sazonal dos organismos que nela habitam. Caracterizar padrões temporais como sazonalidade requer longas séries temporais para obter informações claras e robustas. Além disso, integrar diversas escalas de ocorrência dos organismos, como tempo e espaço, permite compreender os fatores associados à distribuição e diversidade biológica. Para tanto, as borboletas frugívoras são excelentes organismos modelos para estudos ecológicos, podendo ser amostradas com armadilhas atrativas, uma metodologia padronizada e comparável nas dimensões espaço-temporais. Assim, utilizamos este grupo para descrever seu padrão de variação temporal em dois estratos de uma floresta estacional do sudeste brasileiro, onde a comunidade é estruturada verticalmente, bem como para entender quais os possíveis fatores abióticos podem explicar os padrões encontrados. Em três anos de amostragem (Outubro de 2011 a Setembro de 2014), constatamos a estruturação espaço-temporal das borboletas frugívoras na Serra do Japi, Jundiaí, SP. Existe um padrão bianual da abundância e da riqueza, com os picos coincidindo com as transições entre estações climáticas, tanto para dossel quanto para sub-bosque. A diversidade é dinamicamente estável entre anos, mas com bastante variação ao longo dos meses e estações. A diversidade decai na estação seca e fria, e também é baixa em dossel e no período entre setembro-outubro em decorrência da forte dominância de uma única espécie,

Memphis appias. Os dois estratos distinguem-se em qualquer escala temporal. Sub-bosque

é o ambiente mais estruturado temporalmente, com composição de espécies da estação seca distinta da estação úmida, e padrões de substituição em intervalos de seis meses. Meses

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quentes e secos favorecem a atividade das borboletas em geral, mas não há relação da precipitação com abundância ou riqueza nem para a comunidade total, nem para cada estrato separadamente. Analisando diferentes clados das borboletas frugívoras, é possível identificar padrões sazonais em Charaxinae, Brassolini, Morphini e Satyrini, e nenhum padrão para e Nymphalinae. Uma vez que esses picos ocorrem em períodos distintos do ano, uma relação fraca dos fatores climáticos com a comunidade total é explicada. Relações dos clados com o clima podem elucidar melhor a relação da diversidade com fatores ambientais. Todavia, os resultados sugerem que existe um ajuste da comunidade de borboletas com períodos de rebrotamento das plantas, época de maior recurso alimentar para os imaturos, um fator biótico que pode ser tão ou mais determinante para explicar as flutuações dos insetos nas zonas tropicais.

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ABSTRACT

Seasonal patterns of tropical populations are variable and poorly understood, and the climatic seasonality of a region does not always reflect in the seasonal fluctuation of organisms. To characterize temporal patterns of species requires long-term sampling and robust data that integrate different dimensions such as time and space to understand factors correlated to biological distribution and diversity. Fruit-feeding butterflies are excellent models for ecological studies and easy to sample with standardized bait traps that allow comparisons in space-time dimensions. We used this group to describe temporal variation in two vertical strata of a seasonal forest in Southeastern Brazil, where community is vertically structured, and to understand the role of abiotic factors on observed patterns. In the three-years sampling (October-2011 and September-2014), we found a spatio-temporal structure of fruit-feeding butterflies in Serra do Japi, Jundiaí municipality, São Paulo State.

There was a biannual pattern of abundance and species richness, with peaks in the climatic transitions for both canopy and understory. Diversity was dynamically stable between years, varying between months and seasons. There was a decrease of diversity in the wet-cold season, in the canopy and in the September-October period due to dominance of a single species, Memphis appias. Both strata were distinct in every temporal scale analyzed.

Understory was more temporally structured, with different species compositions during wet and dry seasons, and species turnover every six months. In general, dry-warm months favored activity, but there was no relation between rainfall and abundance or richness, neither for the total community nor for separate strata. Charaxinae, Brassolini,

Morphini and Satyrini had distinct seasonal abundance patterns whereas Biblidinae and

Nymphalinae showed no seasonal pattern. Considering the distinct temporal variation

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found for these clades, a weak relation between total community and climatic factors was explained. Analyzing the relation of clades with climatic factors separately may help understanding the association of diversity and weather. However, we suggest that a change in abundance occurs with the leaf growth phase, increasing when there is more food resources for butterfly immature stages. Biotic factors, such as host-plant, may be an important driver of population fluctuations in the tropics.

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ÍNDICE

Introdução geral 1 Objetivo da dissertação 3 Metodologia geral 4 Referências 7

Capítulo 1 - Diversidade temporal de borboletas frugívoras na Serra do Japi, Jundiaí,

SP

Resumo 11 Abstract 13 Introdução 15 Métodos 16 Resultados 20 Discussão 23 Conclusões 28 Referências 29 Anexos 32 Apêndice 32 Figuras 34 Tabelas 42

Capítulo 2 - Sazonalidade de borboletas frugívoras na Serra do Japi, Jundiaí, SP

Resumo 45 Abstract 47 Introdução 49 Métodos 50 Resultados 52

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Discussão 53 Referências 57 Anexos 60 Figuras 60 Tabelas 63

Considerações finais 65

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AGRADECIMENTOS Um trabalho intenso de dois anos como este não é possível sem o apoio da família e dos amigos, pessoas queridas que estavam comigo me ajudando, me incentivando, e me esperando voltar do Japi. Essas palavras são dedicadas a vocês!

Querida mãe, este é o fruto do todo seu incentivo, das suas broncas e dos teus sábios conselhos, que ouço desde que eu ainda precisava erguer o braço para segurar sua mão. É o resultado das minhas longas ausências, mas valeram muito a pena, né? Obrigada por tudo,

Maci!

Muito obrigada, minha querida família. Pai, boadrasta, meus grandes pequenos irmãos, tios e primos lindos, meus saudosos avós Adelaide e Etevaldo. Vocês também tiveram que esperar enquanto eu ia visitar minhas borboletas, não é? Obrigada pelo interesse pelo meu trabalho e meu futuro.

Desde que entrei para o Labbor, sabia que tinha encontrado uma nova família.

Novos pais, mães e tios que me ajudaram desde o começo e tornaram minha vida ainda mais feliz. Agradeço de todo coração ao meu querido orientador André Baku Freitas, por me mostrar como borboletas podem ser tão interessantes quanto mamíferos marinhos e por me dar a oportunidade de fazer algo que eu realmente amo. Você, Cristiano Iserhard e

Jessie Santos são meus pais científicos e aguentaram todo o trabalho que uma filha oferece, em especial uma filha como eu. Vocês não são só meus orientadores no laboratório, mas também têm me orientado para a vida. Minha mamis Tina, Ana Kristina Silva, obrigada por todos os ensinamentos, dentro e fora do mundo científico, e também por me chamar para

Just Dancear!

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Meu querido Tio Adilson, obrigada por contar histórias que eu jamais esperaria ouvir nessa vida, por todas as risadas, caronas, pelas ótimas coletas e toda a preocupação.

Meus campos não seriam tão adoráveis sem o senhor e Tia Fátima.

Aos meus queridos companheiros de laboratório e museu, André Tacioli, Artur

Fugeratti, Augusto Rosa, Danilo Ribeiro, Eduardo Barbosa, Giselle Lourenço, Noemy

Pereira, Luísa Mota, Luiza Magaldi, Lucas Kaminski, Mario Marin, Maurício Zenker,

Patrícia Gueratto, Patrícia Machado, Poliana Araújo, Rafael Andrade, Renato Rogner, Scott

Carrara e Tamara Aguiar.

Muito obrigada, querida família “biológica”! Paula Wood Prado, Ludi Dias, Beatriz

Guaxupé Magalhães, Thaís Alanis Abib e Mateus “Anti” Souza por todo o companheirismo, pela amizade sincera, pelos jantares, ceias, cinemas... obrigada por estarem comigo desde a graduação! E, claro, obrigada por me esperarem voltar do Japi e das minhas viagens surpresa.

Meus estimados auxiliares de campo, vocês estiveram comigo na chuva fria e no sol quente, atravessaram rios, percorreram montanhas, ficaram com fome, ficaram sem luz, às vezes até sem água, andaram muitos quilômetros, e, o mais desafiador de tudo, se arriscaram a comer a minha comida. Alguns serviram de alimento para asquerosos parasitas, foram picados por vespas e abelhas (algumas vezes), manejaram o estilingue com destreza

(ou não), puxaram muita corda, me ensinaram espanhol e até mesmo chinês! Vocês foram guerreiros e sem vocês este trabalho teria sido muito difícil. Muito obrigada Adilson

Moreira, André Tacioli, Augusto Rosa e Elisa Ramos, Eduardo Barbosa, Giselle Lourenço,

Noemy Pereira, Otávio “Chico” Pereira, Patrícia Gueratto, Poliana Araújo, Renata Tenório,

Roberto Greve, Tamara Aguiar e Victor Lourenço. Muchas gracias a Carlos Eduardo

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Giraldo, Mario Marin, Carlos Federico Álvarez, Maria Angelica Zapata, Jose Cabrera.

Thank you very much Greg Lamarre and Zhengyang Wang. Um agradecimento especial a

Jessie Santos, por me deixar acompanhá-lo em teus campos e me ensinar tudo que eu precisava para estar onde estou hoje, por compartilhar teus dados, e também me incentivar a cozinhar!

Um agradecimento especial aos funcionários e amigos da Base Ecológica da Serra do Japi: Seu Lauro e Ronaldo, à família da Steyse, Dona Inês e Seu Tião. Aos companheiros caninos ainda vivos Mickey, Minnie, Lilica e filhotes, Shakira, Dara e filhotes, e aos falecidos/sumidos Prejuízo e Urso. Aos amigos da Guarda Municipal de

Jundiaí, que garantiram nossa segurança, proteção da Serra do Japi, elogios à minha comida, boas conversas e risadas. Muito obrigada também aos queridos amigos Clóvis e Xuxa, que deixaram nossas noites na Serra animadas e felizes.

Agradeço também à Fundação Antonio Antonieta Cintra Godinho e à Secretaria de

Meio Ambiente da Prefeitura de Jundiaí por permitir a continuação da pesquisa na área e tornar este trabalho possível.

Obrigada colegas da Pós. Superamos as dificuldades da prova da Ecologia, da prova de inglês, do curso de campo, da qualificação e em breve seremos todos mestres! Colegas de departamento, da Ecologia e de outros programas, obrigada a vocês também. Sucesso a todos nós! Obrigada ao Leonardo Ré Jorge, por me ajudar com as difíceis estatísticas, e

Leila Shirai por toda ajuda com o inglês. Agradeço aos professores do Programa de Pós-

Graduação em Ecologia, com quem aprendi muito e tenho certeza que ainda há muito o que aprender com vocês!

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Caros examinadores da pré-banca Ronaldo Francini, Lucas Kaminski e Eduardo

Carneiro. Suas sugestões foram muito enriquecedoras para meu trabalho. Obrigada!

Um agradecimento especial à minha banca examinadora, Thomas Lewinsohn, Philip

DeVries, André Victor Lucci Freitas, Sebastian Sendoya e Ronaldo Francini. Estou muito honrada que sejam membros dessa incrível parte da minha vida!

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) pela bolsa concedida (132028/2013-1), e à RedeLep, ao programa BIOTA-

FAPESP e ao SISBIOTA/CNPq pelo apoio financeiro.

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INTRODUÇÃO GERAL

Por muito tempo, os trópicos foram considerados ambientes climaticamente estáveis, sem distinção entre estações, o que refletiria em menor flutuação das populações das espécies tropicais (Pianka 1966). Apesar de alguns ambientes tropicais serem considerados não sazonais (e.g. Kishimoto-Yamada & Itioka 2013) e da variação mensal das temperaturas ser relativamente pequena, a precipitação em regiões tropicais pode ser muito variável (Flecker & Feifarek 1994), caracterizando períodos climáticos distintos. Em áreas onde a sazonalidade climática é bem definida, as flutuações dos organismos tropicais podem ser diversas, desde padrões fortemente sazonais que acompanham as estações, até estabilidade (e.g. Ehrlich & Gilbert 1973, Denlinger 1980, Grotan et al. 2012, Kishimoto-

Yamada & Itioka 2013).

A caracterização dos padrões temporais da diversidade dos organismos é um desafio, pois exige séries temporais longas para avaliar se existem padrões de variação, como sazonalidade por exemplo. Amostragens de curto prazo são sensíveis a possíveis variações idiossincráticas entre diferentes anos e um padrão encontrado em determinado período pode não representar o real padrão de variação de diversidade do local (Hamer et al. 2005). Por outro lado, o aumento do número de espécies registrado com o aumento do número de amostras é um dos maiores desafios da análise de diversidade de espécies em comunidades ecológicas (Lande 1996).

Os insetos constituem um grupo excelente para estudos ecológicos, pois estão entre os organismos-chave para a manutenção da dinâmica e das relações estruturais dos ecossistemas (Janzen 1987, Hammond & Miller 1998), e são sensíveis a mudanças na composição da vegetação e às características físicas do ambiente, servindo como bons

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indicadores da biodiversidade (Brown 1991, Ghazoul 2002). Adicionalmente, por possuírem ciclo de vida curto, respondem rapidamente às alterações no ambiente.

Amostragens de longa duração são úteis para avaliar a diversidade de insetos tropicais nas dimensões espaço-temporais, integrando informações sobre a distribuição dos organismos nessas dimensões. Dessa forma é possível compreender os fatores associados à diversidade deste grupo através da elucidação de padrões ecológicos que determinam a diversidade, composição e estruturação das comunidades neotropicais. Adicionalmente, estudos de longo prazo servem de base para confrontar dados de levantamentos rápidos de conservação e para testar sua acurácia (DeVries & Walla 1999).

Características da história natural de uma espécie influenciam sua distribuição temporal. Nos insetos, a taxa de desenvolvimento das fases imaturas, a presença de diapausa, o voltinismo, a longevidade de adulto e a sincronização entre machos e fêmeas podem ser determinantes dos padrões fenológicos dessas espécies (Wolda 1988). Fatores extrínsecos ao organismo também podem determinar esses padrões (Wolda 1988): fatores abióticos (Kitching 1977), recursos alimentares (Brito et al. 2012), plantas hospedeiras e inimigos naturais (Muniz et al. 2012).

Variação temporal em borboletas

Dentre os grupos de insetos comumente utilizados em estudos ecológicos, as borboletas estão entre os organismos mais bem conhecidos. Pertencentes à ordem

Lepidoptera, são geralmente coloridas, relativamente grandes e de fácil amostragem, além de muito carismáticas, tendo assim um grande potencial para o estudo da diversidade de insetos e sua conservação (DeVries & Walla 1999, Brown & Freitas 2000). Segundo o hábito alimentar dos adultos, as borboletas podem ser divididas em duas guildas: espécies

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que obtêm a maior parte de sua exigência nutricional do néctar das flores, denominadas nectarívoras, e as que se alimentam dos líquidos das frutas em decomposição, seiva fermentada de plantas ou excremento de animais, conhecidas como frugívoras. Na região

Neotropical, somente representantes da família pertencentes às subfamílias

Biblidinae, Charaxinae, Satyrinae, e alguns Nymphalinae estão incluídos na guilda de frugívoras (DeVries 1988).

Borboletas frugívoras podem ser amostradas seletivamente a partir de armadilhas atrativas, que conferem um sistema mais rigoroso de comparação de diversidade entre amostras no espaço e no tempo (DeVries & Walla 1999) quando comparados aos métodos ativos, como o método de Pollard (1977), que dependem de experiência prévia do coletor.

Estudos mostram que as borboletas frugívoras têm expressivo padrão de estratificação vertical nos Neotrópicos (DeVries 1988, DeVries & Walla 1999, Ribeiro & Freitas 2012) e essa distribuição pode variar também ao longo do tempo (Molleman et al. 2005, Ribeiro et al. 2010). DeVries & Walla (2001), ao longo de cinco anos, demonstraram que a dinâmica de borboletas frugívoras é determinada tanto por parâmetros espaciais quanto temporais.

São poucos os estudos de diversidade temporal com borboletas frugívoras que consideram sua distribuição vertical e que ao mesmo tempo contemplam mais de um ano de amostragem (e.g. DeVries & Walla 2001, Molleman et al. 2005)

OBJETIVO DA DISSERTAÇÃO

Séries temporais comparáveis são difíceis de serem obtidas para diversos grupos de organismos, incluindo insetos, por serem custosas financeiramente e demandarem muita dedicação dos pesquisadores ou equipes de trabalho em campo, e também por padronização de metodologias. Os padrões de variação temporal de insetos nas zonas tropicais ainda são

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pouco compreendidos, com respostas variadas dos insetos às estações climáticas ou em regiões sem sazonalidade evidente. Em florestas tropicais estacionais, espera-se que a flora e a fauna respondam às condições de temperatura e precipitação que determinam as estações climáticas nessas regiões. Neste estudo, acreditamos que esse deve ser o padrão nas florestas estacionais do domínio Mata Atlântica. Portanto, temos por objetivo descrever padrões de variação temporal de um grupo de insetos, as borboletas frugívoras, e relacionar a variação temporal desses organismos às estações climáticas evidentes em uma floresta estacional do sudeste brasileiro.

METODOLOGIA GERAL

Área de estudo

A Mata Atlântica é uma das áreas com maior biodiversidade do mundo, mas que vem sofrendo impactos negativos associados à ação antrópica desde os primórdios da colonização brasileira. Originalmente, esse bioma estendia-se por todo litoral brasileiro, representando 12% da área do país. Porém, com grande parte da população concentrada no litoral, a expansão das cidades, os diferentes tipos de exploração dos recursos naturais e o intenso desmatamento deste bioma acarretaram uma paisagem fragmentada, cujos remanescentes somam apenas 11% da cobertura original, predominantemente em áreas menores que 10 hectares (Ribeiro et al. 2009).

A Reserva Biológica da Serra do Japi, localizada no município de Jundiaí, Estado de

São Paulo, é uma das últimas áreas contínuas de Mata Atlântica do interior do país

(Morellato 1992). A área é recoberta por floresta estacional mesófila semidecídua, com altitude variando entre 700 e 1300 metros acima do nível do mar. O clima da região é sazonal, com duas estações bem definidas: a estação seca estende-se de abril a setembro, e

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a estação úmida, de outubro a março (Morellato et al. 1989). Uma estação transicional entre estação seca e úmida é descrita por Morellato et al. (1989), na qual as variações climáticas são grandes e as plantas locais estão em fase reprodutiva e de rebrotamento.

Apesar da altura média da floresta dessa região ser menor do que na Mata Atlântica

Ombrófila ou na Floresta Amazônica, é possível encontrar condições físicas distintas entre o dossel e o sub-bosque. Nas transecções estudadas na Serra do Japi, a altura do dossel variou de 8 a 20 metros, representando um ambiente mais quente que o sub-bosque, com exposição direta à luz solar, chuva e vento. Consideramos dossel a agregação de cada copa de árvore na floresta, incluindo folhagem, galhos, ramos finos e epífitas (Nadkarni 1995), que em determinadas épocas do ano promove maior entrada de luz em decorrência da queda de folhas de algumas espécies de árvores decíduas. O sub-bosque, por sua vez, foi definido como a vegetação imediatamente acima do chão da floresta e alcançável pelo observador (Parker & Brown 2000), no caso delimitado a 1,5 metro de altura.

Modelo de estudo

As borboletas podem pertencer a duas guildas alimentares distintas quando na fase adulta. As nectarívoras utilizam o néctar das flores como fonte energética, um hábito alimentar bastante comum neste grupo. As borboletas frugívoras, por sua vez, restringem-se

à família Nymphalidae e utilizam frutos em decomposição, seiva de plantas e excrementos de animais como fonte alimentar (DeVries 1988). Na Serra do Japi, podem ser identificados seis grupos taxonômicos de Nymphalidae com hábito frugívoro: Biblidinae, Charaxinae,

Nymphalinae, e as tribos Brassolini, Morphini e Satyrini pertencentes à Satyrinae.

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Coleta de dados

Foram realizadas coletas mensais de outubro de 2011 a setembro de 2014, somando três anos completos, utilizando cinquenta armadilhas atrativas distribuídas em cinco transecções na Serra do Japi. Os dados de outubro de 2011 a setembro de 2012 foram cedidos por Jessie Pereira dos Santos e compõem sua tese de mestrado (Santos 2013). O período de amostragem concentrou-se no início de cada mês, entre o quinto e o décimo primeiro dia. No primeiro dia, era realizada a iscagem, e nos quatro dias subsequentes, faziam-se revisões de 24h. No terceiro dia, a isca era reposta para garantir sua atratividade.

Assim, obtivemos um esforço amostral de 172.800 horas-armadilha.

As armadilhas, modelo van Someren-Rydon, seguem o modelo descrito por Uehara-

Prado et al. (2007). Em cada uma das cinco transecções, dez armadilhas foram dispostas alternadamente em dois estratos da vegetação: sub-bosque (1,5 m acima do solo) e dentro do dossel (8 a 18 m), distantes aproximadamente 30 m entre si, totalizando 270 m de comprimento por transecção. Pela característica da própria vegetação, as armadilhas do estrato superior ficavam entre das copas das árvores, expostas direta e indiretamente ao sol.

Um conjunto de cinco armadilhas representava uma unidade amostral em cada ambiente, de forma a reduzir vieses relacionados à posição de amostragem. A isca consistiu de uma mistura de banana e caldo de cana fermentada por 48 horas antes do início da execução dos trabalhos em cada mês.

Cada indivíduo foi identificado em campo, marcado com um número de referência espécie-específico, e posteriormente liberado. Aqueles cuja identificação demandava maior esforço ou eram registros novos foram coletados, identificados em laboratório e serão depositados no Museu de Zoologia “Adão José Cardoso” do Instituto de Biologia da

Universidade Estadual de Campinas (MZUEC).

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Capítulo 1 Diversidade temporal de borboletas frugívoras na Serra do Japi, Jundiaí, SP

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RESUMO

Para entender os padrões de diversidade biológica, é importante considerar as diferentes escalas em que ela se distribui, tanto espacial quanto temporalmente. A sucessão temporal e a estratificação vertical das florestas tropicais favorecem uma distribuição diferencial dos organismos nessas dimensões, e ambas resultam em estruturação das comunidades de artrópodes tropicais. Assim, o objetivo deste capítulo foi analisar os padrões de variação da diversidade das borboletas frugívoras ao longo dos anos e das estações, considerando dois estratos florestais (dossel e sub-bosque). O estudo foi conduzido ao longo de três anos

(Outubro de 2011 a Setembro de 2014) na Reserva Biológica da Serra do Japi (Jundiaí, SP), uma área recoberta por Mata Atlântica do tipo estacional semidecídua, com duas estações climáticas bem definidas, período seco e úmido, e uma estação transicional relacionada ao rebrotamento das folhas. Cinquenta armadilhas atrativas, iscadas com mistura fermentada de banana e caldo de cana, foram distribuídas em cinco transecções. Em cada transecção, cinco armadilhas foram dispostas em sub-bosque (1,5 m acima do solo) e cinco em dossel

(8-18 m), alternadamente, e todas foram revisadas quatro vezes após a iscagem, em intervalos de 24h. Os indivíduos capturados foram identificados, marcados e soltos.

Medidas de temperatura e umidade relativa foram aferidas em cada ponto de amostragem.

A temperatura da base das armadilhas foi aferida para diferenciação dos estratos quanto às suas condições climáticas. Consideramos duas escalas temporais: três anos e quatro estações climáticas (seca, úmida e duas transições). Foram registrados 4837 indivíduos de

93 espécies, estruturadas temporal e espacialmente, apresentando dois picos de abundância e de riqueza entre setembro-outubro e fevereiro-abril. Dossel apresentou o dobro de indivíduos em relação ao sub-bosque. Dossel e a transição entre período seco e úmido

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(setembro-novembro) apresentam riqueza menor do que o esperado para a comunidade, em função do número inflacionado de borboletas (forte dominância de Memphis appias), e a estação seca também registrou menor número de espécies devido ao clima frio, desfavorável para as borboletas. A substituição temporal em sub-bosque é sazonal, enquanto em dossel essa dinâmica é mais estável. A composição de espécies não se diferencia entre anos, mas sim entre as estações, e também entre estratos. A composição em dossel não varia nas diferentes escalas temporais, e em sub-bosque a composição é distinta a cada seis meses. Esses resultados ressaltam a necessidade de incluir amostragens de dossel para avaliar a “real” diversidade local, não evidenciada em estudos prévios na área.

Porém, o sub-bosque é mais diverso, com grande flutuação da diversidade ao longo das estações, sugerindo a necessidade de ao menos duas amostragens por ano na Serra do Japi.

Não foi detectada uma relação da abundância e da riqueza totais e de cada estrato com precipitação mensal, mas temperatura e umidade relativa influenciam a diversidade de borboletas frugívoras diferentemente entre os estratos. De maneira geral, meses mais quentes e menos úmidos mais favoráveis para as capturas. A ausência de relação da abundância e riqueza com precipitação, fator comumente associado à diversidade tropical, sugere outros fatores estejam determinando a diversidade na Serra do Japi.

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ABSTRACT

In order to understand the patterns of biological diversity it is important to consider different scales in which diversity is distributed, including space and time. Temporal succession and vertical stratification contribute to differential distribution of organisms in these scales and the structure of tropical communities. The aim of this chapter was to analyze variation patterns of fruit-feeding butterfly diversity throughout years and seasons considering two forest strata (canopy and understory). Fieldwork was done for three years (from October 2011 to September 2014) in the Serra do Japi Biological Reserve

(Jundiaí municipality, São Paulo State), an area covered by seasonal semideciduous

Atlantic Forest with two distinct seasons, wet and dry, as well as a transitional season related to leaf growth. Fifty traps baited with a mixture of banana and sugarcane juice were distributed in five transects. In each transect, we placed five traps in canopy and five in understory alternately. All traps were checked four times every 24 hours. Captured individuals were identified, marked and released. Temperature and relative humidity was measured at each sampling point. The temperature of the trap bases was used to differentiate climatic conditions in canopy and understory. We considered two temporal scales: three years and four seasons (wet, dry and two transitions). We recorded 4,837 individuals from 93 species, structured in space and time that showed two peaks of abundance and species richness in September-October and February-April. We sampled twice the number of butterflies in canopy than the understory. With respect to the total community, canopy and dry-wet transition (September-November) were less rich than the expected because of the high number of Memphis appias (dominant species), and we also recorded low number of species in dry season because of the adverse cold weather.

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Temporal turnover in the understory was seasonal while this dynamic was more stable in the canopy. Species composition in canopy did not vary at the three temporal scales, except understory that showed differences among two seasons. Although both strata were sampled, we found that understory was more diverse, showed greater fluctuation of diversity and distinct species composition among seasons. This shows the necessity of sampling during the seasons at Serra do Japi. There was no relation of monthly rainfall to total abundance and richness in either each stratum. Butterflies responded distinctly to temperature and humidity between strata, and captures were favored by warm-dry months. Although rainfall is commonly associated with tropical butterfly diversity, we found no relation between abundance, richness, and rainfall. This suggests that other factors may drive diversity in

Serra do Japi.

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INTRODUÇÃO

Estudos descritivos dos padrões de distribuição e composição das comunidades das florestas tropicais têm sido cada vez mais necessários devido ao intenso impacto antrópico sobre essas regiões (DeVries & Walla 1999). Medições em diferentes estratos, áreas e períodos fornecem uma descrição da diferença relativa da diversidade ao longo das escalas vertical, horizontal e temporal de uma comunidade (DeVries & Walla 2001). A integração das informações nessas diferentes dimensões permite desvendar e melhor compreender a

“real” diversidade dos organismos, através da elucidação de padrões ecológicos que determinam a diversidade, composição e estruturação das comunidades.

As florestas tropicais apresentam acentuadas diferenças nos gradientes bióticos e abióticos ao longo de sua dimensão vertical (Basset et al. 2003a). A estrutura vertical resulta em camadas vegetais distintas ocupadas por diferentes conjuntos de organismos, influenciando assim a distribuição das espécies nesse plano (Schulze et al. 2001). Pode-se então definir estratificação vertical como a distribuição dos organismos ao longo do plano vertical, e essa é uma das características-chave das florestas tropicais. Entre os estratos de dossel e sub-bosque, existe clara mudança da arquitetura das árvores, fisionomia vegetal e recursos alimentares, bem como da quantidade de luz, umidade relativa, temperatura do ar, entre outros parâmetros (Basset et al. 2003a).

A sucessão temporal de espécies é um importante componente na estruturação das comunidades de artrópodes tropicais (Denlinger 1980), já que muitas espécies utilizam temperatura, umidade e condições de luz como sinais para iniciar ou mudar o seu desenvolvimento. Esses fatores abióticos e também os bióticos influenciam a biologia e história natural de artrópodes, controlando sua dinâmica populacional como um todo

(Basset et al. 2003b). A mudança estacional das condições climáticas, particularmente a

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disponibilidade de água, tem claro efeito sobre a vegetação e pode ser crucial para determinar a dinâmica das assembleias de artrópodes (Basset 1991, Wagner 2003, Grotan et al. 2012). As características de suas plantas hospedeiras, como fenologia, taxa de crescimento e padrões de senescência, parecem ter uma influência importante na sua dinâmica temporal (Muniz et al. 2012).

Temos por objetivo geral analisar a variação temporal de borboletas frugívoras, relacionando dois estratos verticais (dossel e sub-bosque) da Mata Atlântica do sudeste brasileiro, a fim de testar as hipóteses de que i) abundância, riqueza e composição das borboletas frugívoras variam ao longo de anos e determinadas estações climáticas são mais favoráveis para a atividade desses animais; ii) a variação temporal em dossel é menor do que em sub-bosque; iii) elevadas temperaturas favorecem a diversidade de borboletas frugívoras, assim como meses úmidos não chuvosos.

MÉTODOS

Área de estudo

As amostragens foram realizadas na Reserva Biológica da Serra do Japi, no município de Jundiaí, SP. A área é recoberta por floresta estacional semidecídua (Morellato et al. 1989) e apresenta sazonalidade climática evidente: um período frio e seco de abril a setembro, e um período quente e úmido de outubro a março, além de um período transicional entre setembro e outubro (Morellato et al. 1989). A altitude varia entre 700 e

1300 metros acima do nível do mar e as temperaturas médias anuais são de 15,7ºC e 19,2ºC nas partes mais altas e mais baixas, respectivamente (Pinto 1992). A variação anual de fotoperíodo é baixa, com máxima de 13:30 h de sol em dezembro e mínima de 10:30 h em junho, aproximadamente (Sun Earth Tools 2015).

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As variações de temperatura mensal média e precipitação mensal para o período estudado encontram-se na Figura 1. A temperatura em cada armadilha, uma aproximação para caracterização do ambiente físico de ambos os estratos, foi mensurada a partir de setembro de 2012 e sua variação está ilustrada na Figura 2. Os locais de amostragem restringiram-se a altitudes entre 880 e 1100 m, com declividade pouco acentuada.

Metodologia

Campanhas mensais de cinco dias foram realizadas no início de cada mês ao longo de trinta e seis meses consecutivos, de outubro de 2011 a setembro de 2014. Este trabalho foi iniciado por Jessie Pereira dos Santos, em uma amostragem de doze meses mostrando a estratificação vertical das borboletas frugívoras na Serra do Japi (Santos 2013). Cinquenta armadilhas atrativas modelo van Someren-Rydon foram dispostas em cinco transecções, alternadamente entre dossel (8-18 m acima do solo) e sub-bosque (1,5 m). A isca constituiu uma mistura de banana e caldo de cana, fermentada 48 horas antes de cada campanha. As armadilhas foram iscadas no primeiro dia e a isca foi reposta no terceiro dia.

Realizamos revisões a cada 24 horas a partir do dia da iscagem. Cada borboleta na armadilha foi identificada, marcada com um número espécie-específico com caneta de retroprojetor, e posteriormente liberada. Aqueles indivíduos que não puderam ser identificados em campo ou representavam novo registro para o estudo foram levados ao laboratório para devida identificação e serão incorporados à coleção científica do Museu de

Zoologia “Adão José Cardoso” do Instituto de Biologia da Unicamp (MZUEC).

Durante as campanhas, medidas de temperatura e umidade relativa foram tomadas em todos os pontos de amostragem, no interior da floresta, com o termo-higrômetro digital

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Instrutherm THAL-300. Valores mensais precipitação para a região foram obtidos de resenhas agrometeorológicas da CIIAGRO (CIIAGRO 2014).

Para caracterizar os dois estratos, medimos a temperatura da base da armadilha

(polipropileno) com um termômetro infravermelho Incoterm ScanTemp ST-600. A exposição direta à incidência solar, tanto em dossel quanto em sub-bosque, aumenta a temperatura da base, mas condições de chuva e ventos podem levar à sua diminuição.

Assim, acreditamos que a temperatura da armadilha é uma boa aproximação do microclima de cada ponto de amostragem e esta é uma medida comparável entre os ambientes.

Análise dos dados

Foram definidas duas escalas temporais de análise e uma espacial. As escalas temporais foram os anos (n = 3) e as quatro estações climáticas, a saber: transição 1

(setembro-novembro), úmida (dezembro-fevereiro), transição 2 (março-maio) e seca

(junho-agosto), correspondentes às estações geográficas e baseadas em Morellato et al.

(1989). O espaço foi considerado ao separar os estratos de dossel e de sub-bosque. Em todas as análises, os dados foram agrupados por meses. A representatividade da riqueza encontrada foi calculada pelo índice de Chao 1.

Para comparar a riqueza de espécies entre as diferentes escalas, realizamos uma rarefação baseada em indivíduos (com 95% de intervalo de confiança) para os dados totais.

Os dados de abundância e riqueza das escalas temporais e espacial foram plotados no mesmo gráfico e considerados subconjuntos da comunidade total, seguindo Grotan et al.

(2012).

Para comparar a diversidade, foram gerados perfis de diversidade baseados nos números de Hill (Hill 1973), que numa escala q incorpora a riqueza de espécies (q = 0), o

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valor exponencial de Shannon (q = 1) e o inverso do índice de Simpson (q = 2). O aumento da escala q representa um aumento do peso conferido às espécies comuns nos índices de diversidade (Magurran & McGill 2011), e assim podemos identificar como se dá a ordenação da diversidade e se ocorrem mudanças em relação às espécies dominantes e raras

(Tóthmérész 1995).

Para identificar substituição de espécies em diferentes intervalos de tempo, realizamos uma análise de beta-diversidade e similaridade entre os meses de amostragem, separadamente para os dois estratos. Maior similaridade indica menor substituição de espécies. Utilizamos o índice de Morisita, que é quantitativo e considera a identidade e abundância de cada espécie, com baixo efeito das espécies raras, ainda que sejam muitas

(Jost et al. 2011).

Para identificar diferenças na composição de espécies entre anos, estações climáticas e estratos, foram utilizados escalonamentos multidimensionais não-métricos

(NMDS) baseado também no índice de Morisita, com significância das comparações entre os grupos acessada por PERMANOVA (Anderson 2001).

Para entender a relação de efeitos abióticos sobre a abundância e riqueza das espécies no total e em cada estrato, realizamos regressões múltiplas com as médias mensais de temperatura e umidade relativa dentro da floresta como variáveis preditoras. As significâncias das variáveis em cada modelo de regressão foram acessadas por ANOVA. Os valores de abundância foram transformados para log + 1. As regressões foram feitas para medidas abióticas tiradas no mesmo mês, e para um e dois meses anteriores, a fim de entender em qual período de tempo as borboletas respondem às condições climáticas da

área.

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Foram utilizados os softwares EstimateS 9.1 (Colwell 2013) para as rarefações e perfis de diversidade; PAST 3.04 (Hammer et al. 2001) para análises de beta-diversidade, gráficos de NMDS e testes de PERMANOVA; e o R (R Development Core Team 2013) para as regressões.

RESULTADOS

No total, foram registrados 4837 indivíduos de 93 espécies (Apêndice 1), homogeneamente distribuídos entre os três anos de amostragem, mas de maneira não uniforme entre as estações e os estratos da floresta (Figura 3). O índice Chao 1 estima 20% de espécies não amostradas, o que deve totalizar 110 espécies de borboletas frugívoras na

área. As subfamílias foram desigualmente representadas na amostragem: Charaxinae com

47,5% (2296 indivíduos), Satyrinae:Satyrini com 22,5% (1086), Biblidinae com 14,6%

(708), Satyrinae:Brassolini com 8,1% (393), Satyrinae:Morphini com 4,9% (238) e

Nymphalinae com 2,4% (116). No geral, no dossel foram amostrados 3329 indivíduos de

74 espécies, uma abundância duas vezes maior do que aquela registrada no sub-bosque, onde 1508 indivíduos de 67 espécies foram registrados. Os táxons distribuíram-se diferencialmente entre os estratos: Biblidinae, Charaxinae e Satyrini ocorreram em maior abundância no dossel (72,1%, 82,8% e 71,5%, respectivamente), enquanto Brassolini e

Morphini predominaram em sub-bosque (83,1 e 96,6%, respectivamente). Para

Nymphalinae, não foi possível observar associação com algum estrato como nos demais clados.

As assembleias de borboletas frugívoras apresentaram estruturação espaço-temporal.

Abundância e riqueza variaram temporalmente de forma bimodal (Figura 3), com picos correspondentes aos períodos entre setembro e outubro (muito marcado para abundância) e

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em fevereiro-abril. Os períodos de dezembro-janeiro e junho-julho foram aqueles com menos indivíduos registrados (com ressalvas para o ano de 2014, ver a seguir). O padrão de ambos os parâmetros se manteve para os dois estratos da floresta, mas em magnitudes distintas (Figura 3). Os valores de abundância e riqueza foram maiores para dossel, mas ocorreram inversões entre fevereiro e março.

A variação temporal na abundância das espécies comuns (n > 120 indivíduos), está ilustrada na Figura 4. Diversos padrões de distribuição temporal podem ser observados apenas com essas espécies: 1) espécies com picos de abundância em setembro-outubro

(Memphis appias, Hamadryas epinome e Forsterinaria necys); 2) espécies com dois picos marcados em setembro e março, sendo que os picos podem ser ambos evidentes (Morpho helenor) ou um dos picos mais evidente do que o outro (Archaeoprepona chalciope);

3) espécies com um único pico na época úmida (Opoptera syme, provavelmente univoltina); e 4) espécies onde nenhum padrão claro é observado (Fountainea ryphea, Eteona tisiphone e candrena). Apesar da grande variação, os picos entre setembro-outubro e fevereiro-março são recorrentes entre as espécies mais abundantes.

Os pontos referentes às escalas temporais e os estratos ficaram dentro do intervalo de confiança da curva de rarefação da comunidade total e assim representaram subconjuntos da comunidade total (Figura 5), à exceção dos pontos de dossel, transição 1 e seca. Estes três conjuntos apresentam riqueza de espécies inferior à riqueza total.

Os perfis de diversidade em todas as escalas analisadas apresentam comportamento descendente ao diminuir a relevância das espécies raras e aumentar o peso das espécies comuns (Figura 6). Quando q = 1, as espécies raras inflam a diversidade, uma vez que possuem mesmo peso que as espécies comuns (Magurran 2011). A queda abrupta das curvas ao longo da escala indica efeito de dominância. A diversidade no Ano 3 foi maior

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que no Ano 2 que, por sua vez, foi maior que no primeiro ano. Quando os anos foram particionados em quatro estações, ocorreu grande perda de diversidade na transição 1, indicando uma forte dominância que pode ser conferida à M. appias (Charaxinae), que representou sozinha 41,7% de todos os indivíduos amostrados nessa época (somando todos os anos). O efeito de M. appias é claro quando ela foi excluída das análises e a configuração dos perfis foi muito alterada, com a curva da transição 1 passando a se comportar de maneira semelhante à estação úmida e à transição 2 (Figura 5C). A estação seca apresentou-se como a menos diversa.

O padrão temporal de substituição de espécies foi distinto entre os estratos. Isso ficou claro quando a similaridade média das assembleias foi comparada em diferentes intervalos de tempo (Figura 7). Em sub-bosque, as similaridades médias decresceram com o aumento dos intervalos de tempo, chegando a um mínimo com seis meses de intervalo, aumentando abruptamente até um período de 12 meses. Este padrão se repetiu de modo similar com os intervalos maiores, sempre voltando a um valor alto quando o mesmo mês foi comparado em diferentes anos (exceto para aqueles intervalos com poucas repetições no final do gráfico). Por outro lado, o dossel apresentou similaridade média alta e relativamente constante ao longo de todos os intervalos de tempo (Figura 7). A variação de similaridade foi maior em sub-bosque do que em dossel, indicando maior substituição e estruturação temporal de espécies no estrato inferior.

A composição de espécies da comunidade total não diferiu entre anos (F = 0,77, p = 0,613, Figura 8A), mas se distinguiu quando consideradas as quatro estações (F = 4,96, p < 0,001, Figura 8B). Dossel e sub-bosque foram distintos entre si em todos os anos, mas dentro de cada ambiente, a composição interanual foi similar (Figura 8C, Tabela 1). A composição da transição 1 se assemelhou à da estação seca, e a transição 2 e estação úmida

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também foram similares entre si (Tabela 2), de forma que podemos dividir a composição entre apenas duas estações climáticas: seca e úmida. A comunidade de dossel não foi alterada significativamente entre as estações, porém no sub-bosque a comunidade pode se diferenciar a cada seis meses: entre úmida e seca e entre transições (Figura 8D, Tabela 3).

Os resultados dos modelos significativos de regressão com temperatura e umidade relativa foram sumarizados na Tabela 4. As relações entre abundância e riqueza e fatores climáticos medidos em meses anteriores não foram significativos. O aumento da temperatura tem efeito positivo para o número de indivíduos registrados na comunidade total e em sub-bosque, mas não em dossel. Já a umidade atua de forma negativa para o total e para dossel, não tendo efeitos significativos em sub-bosque. A temperatura também age diretamente sobre a riqueza de sub-bosque, enquanto uma elevada umidade decresce o número de espécies no total da comunidade e em sub-bosque (Figura 9).

Nenhum modelo de regressão relacionando precipitação e os parâmetros de diversidade da comunidade de borboletas foi significativo para o mês de medição ou para um e dois meses anteriores, à exceção da fraca relação obtida com a riqueza de dossel

(R = 0,11, p = 0,03).

DISCUSSÃO

As borboletas frugívoras na Serra do Japi mostraram uma clara estruturação espaço- temporal de diversidade. Apesar das grandes flutuações de abundância ao longo dos meses, a diversidade de borboletas frugívoras na Serra do Japi se manteve ao longo dos anos, de maneira dinâmica em cada ano.

O padrão bimodal é congruente às condições climáticas menos restritivas ao longo do ano, com chuvas menos intensas e temperaturas elevadas, típicas de transição entre

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estações. Nossos resultados contrastam com os de Grotan et al. (2012), que não encontraram ciclos anuais na abundância de borboletas frugívoras no Equador.

Uma alta riqueza em dossel também foi observada em outras florestas tropicais, mas com menor número de indivíduos (Costa Rica: DeVries et al. 2012; Amazônia: Ribeiro &

Freitas 2012; Uganda: Molleman et al. 2005). A estratificação vertical das borboletas frugívoras na Serra do Japi foi primeiramente demonstrada por Santos (2013), que sugere que a maior abundância encontrada em dossel seja por condições microclimáticas associadas à geografia da Serra do Japi. O presente estudo mostrou a preponderância da abundância de borboletas frugívoras no dossel ao longo do tempo, principalmente mantida pelo número de indivíduos de Charaxinae e Satyrini.

Brown (1992) relatou os ciclos anuais de diversos taxa de borboletas na Serra do

Japi. Com registros feitos a partir de observações e rede entomológica em sub-bosque, ele averiguou um único pico em fevereiro-março para Nymphalidae. Porém, no nosso estudo, a maior parte da diversidade está abrigada no dossel, principalmente em setembro-outubro, indicando que o método de amostragem com armadilhas garante acesso a informações da diversidade “escondidas” em locais da floresta difíceis de serem acessados. As amostragens de Brown revelaram o pico do final da época chuvosa, que inclui as espécies fortemente sazonais restritas ao estrato mais baixo da floresta (Brassolini), momento que pode registrar inversão de abundância e riqueza entre estratos da vegetação.

Inversões da abundância e riqueza também foram observados no Equador por

DeVries & Walla (2001), mas em sentido oposto a este estudo. Entre a estação seca e a chuvosa (fevereiro a maio), eles encontraram maior riqueza e abundância de borboletas no dossel, contrário ao resto do ano. Neste estudo, em fevereiro e março (transição da época chuvosa para a seca – oposto a DeVries & Walla) foi registrado o sub-bosque, normalmente

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pobre e pouco abundante, ultrapassando dossel (Figura 3). O incremento no número de espécies é decorrente da atividade das espécies sazonais restritas a esse curto período do ano.

Comparando os três anos de amostragem, não houve diferença na riqueza, abundância (assim como DeVries et al. 2012) e composição das espécies, de forma que os padrões encontrados para cada ano são comparáveis entre si.

Quando as curvas das ordenações de diversidade se cruzam, elas não são passíveis de comparação (Tóthmérész 1995), porém fica claro o forte efeito de dominância de M. appias na estação transicional. Excluindo-a das análises, as curvas se comportaram de maneira muito parecida, à exceção da estação seca, que foi menos diversa que as demais. A dominância de M. appias também foi clara no dossel, onde a abundância foi inflada e a diversidade diminuiu, já que com o aumento de indivíduos amostrados, a probabilidade de amostrar M. appias é muito grande. O frio típico do início da estação seca (junho e julho) é restritivo à atividade das borboletas (Ribeiro & Freitas 2010), principalmente no sub- bosque (Figura 9, Tabela 4), e mantém as populações com baixo número, registrando poucos indivíduos somente das espécies mais comuns no local. O efeito em dossel foi menor, pois esse ambiente comumente se mantém mais quente em relação ao estrato inferior (Figura 1).

Dada a natureza dinâmica das comunidades ecológicas, um aumento do intervalo entre amostras pode em muitos casos refletir uma maior substituição de espécies (Magurran

2011). Nossos resultados não suportam essa afirmação. Na Serra do Japi, o dossel mostrou- se um ambiente estável, com baixa substituição de espécies, mas o sub-bosque apresentou picos de similaridade a cada 12 meses (o mesmo mês comparado em diferentes anos). Esses resultados contrastam com os obtidos na Costa Rica (DeVries et al. 2012), que obteve

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maior substituição de espécies em dossel. Além disso, os resultados sugerem um padrão sazonal de substituição da fauna bem estabelecido na comunidade: a substituição de espécies apresenta padrão cíclico, identificado pela diminuição da similaridade com aumento dos intervalos de tempo de até seis meses (maior substituição), e máximo de similaridade quando um mesmo mês é comparado em anos distintos.

A estruturação temporal foi percebida a partir das comparações entre estações.

Mesmo com a divisão em quatro períodos, a composição de espécies é distinta em apenas duas estações do ano: dezembro-maio (úmida) e junho-novembro (seca) (Tabela 3). Não conseguimos identificar uma resposta específica ao rebrotamento (estação transicional) na composição de espécies, embora o efeito dessa estação seja muito evidente com o aumento da abundância das borboletas neste período. Apesar da flutuação temporal de abundância e riqueza ser bem definida para os dois estratos, o sub-bosque apresentou maior estruturação temporal que dossel, com pronunciada alteração na composição de espécies ao menos entre dois períodos do ano.

Em zonas temperadas, a variação temporal dos insetos usualmente responde à temperatura e ao fotoperíodo, enquanto em regiões tropicais, os determinantes dessa variação parecem ser mais complexos, com a forte sugestão de que precipitação é em geral o fator mais importante para definir as flutuações desses organismos (Denlinger 1980,

Hamer et al. 2005). A umidade, por exemplo, é uma característica climática saliente definindo sazonalidade nos trópicos (Flecker & Feifarek 1994). Os presentes resultados mostraram a temperatura bem como umidade relativa afetam a comunidade de borboletas na Serra do Japi, mas diferencialmente entre estratos. A direção do efeito de ambos os fatores é igual: temperaturas elevadas favorecem sucesso de captura, como demonstrado

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por Ribeiro & Freitas 2010, enquanto a alta umidade influencia negativamente a comunidade. Porém, esses fatores atuam diferencialmente entre os estratos.

Meses quentes são positivos para abundância e riqueza em sub-bosque, mas não há qualquer relação para dossel, provavelmente porque o estrato mais alto recebe luz ao longo do ano todo (mesmo nos meses frios), o que pode mitigar os efeitos de temperatura nesse ambiente. Manchas de sol no interior da floresta podem ser um recurso escasso, mas se o ambiente está mais quente, a atividade de voo pode ser facilitada.

A elevada umidade é negativa para a comunidade como um todo, mas afeta a abundância no dossel e a riqueza em sub-bosque. Os períodos mais secos devem desfavorecer o amadurecimento dos frutos ainda na planta-mãe, aumentando a atratividade das armadilhas em dossel. Já em sub-bosque, a umidade deve ser maior por ser mais sombreado, provendo as condições necessárias para apodrecimento de frutos. Maior umidade dentro da floresta pode também favorecer mortalidade das lagartas e pupas pelo ataque de fungos.

Além disso, as espécies univoltinas presentes em sub-bosque iniciam suas atividades apenas no período de chuvas, como é possível observar para Morpho helenor e

Opoptera syme na figura 4. Com desenvolvimento mais lento das espécies sazonais, períodos com oferta de recursos para os estágios iniciais de desenvolvimento devem ser determinantes para o sucesso reprodutivo dessas espécies. Como o rebrotamento das

árvores na Serra do Japi ocorre na transição da estação seca para a úmida, pode haver um ajuste das espécies univoltinas com suas plantas hospedeiras.

A precipitação tem sido um fator climático recorrente explicando a variação da diversidade de borboletas frugívoras, mas pode afetar diferentemente abundância e riqueza

(DeVries et al. 2012) ou não haver relação entre esses fatores (Molleman et al. 2006), como

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neste estudo. Fatores distintos devem atuar sobre a diversidade de insetos em diferentes florestas tropicais, devendo ser considerados tanto os fatores climáticos quanto os bióticos.

CONCLUSÕES

O dossel representou um importante componente da diversidade de borboletas frugívoras, mantendo elevada riqueza e abundância ao longo do tempo, e acumulando espécies mais rapidamente. Por outro lado, o sub-bosque foi o ambiente mais diverso, e com maior flutuação da diversidade ao longo dos meses e mudança da diversidade entre estações seca e úmida.

O melhor período de amostragem de borboletas na Serra do Japi é entre fevereiro e abril, que registra o mesmo número de espécies que o período de outubro-setembro, mas com metade do número de indivíduos. Ao menos uma amostragem na estação úmida e uma na estação seca são necessárias para acessar as diferenças de composição de espécies associadas a esses períodos.

Ocorre forte dominância de uma espécie, M. appias, que diminui a diversidade no dossel e na estação transicional.

Em geral, altas temperaturas e baixa umidade tem efeito positivo para as atividades das borboletas, mas os efeitos desses fatores são diferentes entre dossel e sub-bosque.

Efeitos de temperatura são expressivos somente em sub-bosque, enquanto a umidade influencia abundância em dossel e riqueza em sub-bosque, sugerindo filtros ambientais diferenciais entre os estratos.

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ANEXOS

Apêndice 1. Lista de espécies de borboletas frugívoras registradas entre outubro de 2011 e setembro de 2014 na Serra do Japi, Jundiaí, SP.

BIBLIDINAE Siderone galanthis (Cramer, 1775) Ageroniini Zaretis strigosus (Gmelin, 1790) Ectima thecla thecla (Fabricius, 1796) Hamadryas amphinome amphinome (Linnaeus, Preponiini 1767) Archaeoprepona amphimachus (Fabricius, 1775) Hamadryas arete (Doubleday, 1847) Archaeoprepona chalciope (Hübner, [1823]) Hamadryas epinome (Felder & Felder, 1867) Archaeoprepona demophon (Linnaeus, 1758) Hamadryas februa februa (Hübner, [1823]) Archaeoprepona demophoon (Hübner, [1814]) Hamadryas feronia feronia (Linnaeus, 1758) Prepona laertes demodice (Godart, [1824]) Hamadryas fornax fornax (Hübner, [1823]) Prepona pylene pylene Hewitson, [1854]

Biblidiini NYMPHALINAE Biblis hyperia nectanabis (Fruhstorfer, 1909) Coeini Historis acheronta acheronta (Fabricius, 1775) Callicorini Historis odius odius Lamas, 1995 Callicore hydaspes (Drury, 1782) Diaethria candrena candrena (Godart, [1824]) Nymphalini Diaethria clymena meridionalis (H. Bates, 1864) Colobura dirce dirce (Linnaeus, 1758) Diaethria eluina eluina (Hewitson, [1855]) Smyrna blomfildia blomfildia (Fabricius, 1781) Haematera pyrame pyrame (Hübner, [1819]) Paulogramma pyracmon pyracmon (Godart, SATYRINAE [1824]) Brassolini Blepolenis batea (Hübner, [1821]) Epicaliini Caligo arisbe fulgens Rothschild, 1916 Catonephele numilia penthia (Hewitson, 1852) Caligo beltrao (Illiger, 1801) Catonephele numilia neogermanica Stichel, 1899 Caligo brasiliensis brasiliensis (C. Felder, 1862) Catonephele sabrina (Hewitson, 1852) Catoblepia berecynthia unditaenia Fruhstorfer, Cybdelis phaesyla (Hübner, [1831]) 1907 Eunica maja maja (Fabricius, 1775) Dasyophthalma creusa (Hübner, [1821]) Eunica margarita (Godart, [1824]) Dasyophthalma rusina (Godart, [1824]) Eunica tatila bellaria Fruhstorfer, 1908 Eryphanis reevesii reevesii (E. Doubleday, [1849]) Myscelia orsis (Drury, 1782) Narope cyllastros E. Doubleday, [1849] Opoptera sulcius (Staudinger, 1887) Epiphilini Opoptera syme (Hübner, [1821]) Epiphile hubneri Hewitson, 1861 Opsiphanes cassiae crameri C. Felder & R. Felder, Epiphile orea orea Hewitson, 1861 1862 Temenis laothoe meridionalis Ebert, 1965 Opsiphanes invirae (Hübner, [1808]) Opsiphanes quiteria meridionalis Staudinger, CHARAXINAE 1887 Anaeini Consul fabius drurii (A. Butler, 1874) Melanitini Fountainea ryphea phidile (Geyer, 1837) Manataria hercyna hercyna (Hübner, [1821]) Hypna clytemnestra huebneri A. Butler, 1866 Memphis acidalia victoria (H. Druce, 1877) Morphini Memphis appias (Hübner, [1825]) Morpho aega aega (Hübner, [1822]) Memphis arginussa arginussa (Geyer, 1832) Morpho helenor achillaena (Hübner, [1823]) Memphis moruus stheno (Prittwitz, 1865) Morpho portis thamyris C. Felder & R. Felder, Memphis otrere (Hübner, [1825]) 1867 Memphis philumena corita (Fruhstorfer, 1916) Memphis polyxo (H. Druce, 1874)

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Satyrini Atlanteuptychia ernestina (Weymer, 1911) Capronnieria galesus (Godart, [1824]) Carminda griseldis (Weymer, 1911) Carminda paeon (Godart, [1824]) Eteona tisiphone (Boisduval, 1836) Euptychoides castrensis (Schaus, 1902) Forsterinaria necys (Godart, [1824]) Forsterinaria pronophila (A. Butler, 1867) Forsterinaria quantius (Godart, [1824]) Godartiana muscosa (A. Butler, 1870) Hermeuptychia atalanta (A. Butler, 1867) Hermeuptychia gisella (Hayward, 1957) Hermeuptychia sp. Moneuptychia soter (A. Butler, 1877) Pareuptychia ocirrhoe (Fabricius, 1776) Paryphthimoides grimon (Godart, [1824]) Paryphthimoides phronius (Godart, [1824]) Paryphthimoides poltys (Prittwitz, 1865) Pharneuptychia sp. Pierella nereis (Drury, 1782) Praepedaliodes phanias (Hewitson, 1862) Splendeuptychia doxes (Godart, [1824]) Splendeuptychia libitina (A. Butler, 1870) Taygetis acuta Weymer, 1910 Taygetis laches marginata Staudinger, [1887] Taygetis virgilia (Cramer, 1776) “Taygetis” yphtima Hübner, [1821] Yphthimoides angularis (A. Butler, 1867) Yphthimoides borasta (Schaus, 1902)

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Figuras

Figura 1. Diagrama de Walter mostrando variação de precipitação e temperatura na Estação Jundiaí ETEC, nas proximidades da Serra do Japi, entre setembro de 2011-2014. Períodos superúmidos: área em preto; períodos de seca: área pontilhada abaixo da linha da temperatura. Períodos secos ocorrem entre os meses de julho e setembro e períodos de seca atípicos foram registrados no ano de 2014.

Figura 2. Médias de temperatura da base da armadilha de dossel (círculos brancos) e sub- bosque (círculos pretos). As barras indicam o desvio-padrão; áreas em cinza indicam estação úmida (Morellato et al. 1989). Linha contínua representa a temperatura média mensal para a região da Serra do Japi.

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Figura 3. Variação mensal da abundância (A) e riqueza (B) das borboletas frugívoras em dois estratos da floresta da Serra do Japi, Jundiaí, SP. Azul: dossel; vermelho: sub-bosque; área sombreada em cinza: período úmido segundo Morellato et al. 1989.

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Figura 4. Variação mensal da abundância das espécies com mais de 120 indivíduos. Áreas sombreadas em cinza indicam período úmido, segundo Morellato et al. (1989).

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Figura 5. Rarefação baseada em indivíduos (95% de intervalo de confiança) para a comunidade total. Os pontos representam os conjuntos temporais (anos e estações) e espaciais (dossel e sub-bosque).

120

100 Ano3

80 Transição 2 Úmida Dossel Transição 1 60 Ano2 Ano1

Riqueza Sub-bosque Seca 40

20

0

Abundância

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Figura 6. Perfis de diversidade, baseados nos números de Hill, para: A) Anos; B) Estações climáticas, com Memphis appias; e C) Estações climáticas sem Memphis appias.

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Figura 7. Beta-diversidade de borboletas frugívoras entre intervalos de meses de amostragem baseado no índice de Morisita. A substituição de espécies é periódica em subosque, enquanto dossel apresenta variação relativamente constante. Linha tracejada: dossel; linha contínua: sub-bosque.

1.0

0.8

0.6

0.4 Similaridade 0.2

0.0 0 5 10 15 20 25 30 35 Intervalo de tempo (meses)

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Figura 8. NMDS baseado no índice de Morisita para: A) Anos (círculo: Ano 1; triângulo: Ano 2; quadrado: Ano 3); B) Estações climáticas (triângulo: seca; quadrado: úmida; losango: transição 1; círculo: transição 2); C) Anos por estrato (pontos brancos: dossel; pontos pretos: sub-bosque); D) Estações climáticas por estrato (pontos brancos: dossel; pontos pretos: sub-bosque; círculo: transição 1; triângulo: úmida; losango: transição 2; quadrado: seca). Testes de significância estão nas tabelas 1 a 3.

40

41

Tabelas

Tabela 1. Valores de significância (corrigidos por Bonferroni) obtidos por PERMANOVA comparando a composição de espécie dos estratos entre os anos (F = 8,62; p < 0,001). d: dossel, sb: sub-bosque, os números correspondem aos anos de amostragem.

d1 d2 d3 sb1 sb2 d2 1 d3 1 1 sb1 0,001 0,001 0,001 sb2 0,001 0,001 0,001 1 sb3 0,001 0,001 0,001 1 1

Tabela 2. Valores de significância (corrigidos por Bonferroni) obtidos por PERMANOVA comparando a composição de espécie das quatro estações climáticas (F = 4,96, p < 0,001).

úmida transição 2 seca úmida transição 2 0,352 seca 0,001 0,032 transição 1 0,001 0,011 0,118

Tabela 3. Valores de significância (corrigidos por Bonferroni) obtidos por PERMANOVA comparando a composição de espécie dos estratos entre as estações climáticas (F = 11,07; p < 0,001). d: dossel, sb: sub-bosque.

d-umida d-trans2 d-seca d-trans1 sb-umida sb-trans2 sb-seca d -trans2 0,949 d-seca 1 1 d-trans1 0,644 0,137 0,655 sb-umida 0,003 0,006 0,003 0,003 sb-trans2 0,006 0,003 0,003 0,003 1 sb-seca 0,006 0,008 0,014 0,003 0,011 0,078 sb-trans1 0,003 0,003 0,003 0,006 0,076 0,034 0,101

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Tabela 4. Valores dos modelos de regressão múltipla significativos e dos fatores climáticos em relação à abundância e riqueza totais e para cada estrato. A abundância foi transformada para escala log(N+1). Os fatores com efeitos significativos (p > 0.05) estão destacados em negrito.

Modelo R ajustado P Fatores F p Abundância Total 0,293 0,003 temperatura 6,11 0,019 umidade 11,21 0,002 Dossel 0,289 0,003 temperatura 1,75 0,194 umidade 15,22 < 0,001 Sub-bosque 0,351 < 0,001 temperatura 17,77 < 0,001 umidade 3,65 0,065 Riqueza Total 0,161 0,035 temperatura 3,88 0,057 umidade 5,68 0,023 Sub-bosque 0,356 < 0,001 temperatura 16,50 < 0,001 umidade 5,34 0,027

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Capítulo 2

Sazonalidade de borboletas frugívoras na Serra do Japi, Jundiaí, SP

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RESUMO

Sazonalidade é definida como a distribuição temporal de um fenômeno cujos picos de expressão se deem de maneira previsível e no mesmo determinado momento a cada ano que ocorre. Assim, acessar padrões de sazonalidade necessita de amostragens de longo prazo.

Nas zonas tropicais, os fatores que determinam sazonalidade nos insetos ainda são pouco definidos. Utilizando borboletas frugívoras como modelo de estudo, temos como objetivo entender os padrões de sazonalidade dos insetos em uma floresta estacional e relacionar o grau de sazonalidade com a variação interanual da abundância. O estudo foi realizado na

Reserva Biológica da Serra do Japi, Jundiaí, SP, tipicamente recoberto por Mata Atlântica estacional semidecídua. A região apresenta duas estações bem definidas: período seco de abril a setembro, e período chuvoso de outubro a março. Realizamos coletas mensais utilizando cinquenta armadilhas atrativas durante trinta e seis meses consecutivos (Outubro

2011 a Setembro 2014). As armadilhas foram dispostas em cinco transecções distintas, posicionando cinco em altura de dossel e cinco em sub-bosque de maneira alternada. Como isca, utilizamos uma mistura de banana e caldo de cana fermentados por 48h antes das amostragens, expostas por 96 horas/mês. As borboletas foram identificadas em campo, marcadas e liberadas. Para verificar os padrões de sazonalidade, utilizamos análises circulares, plotando as abundâncias mensais em um histograma circular e obtendo valores de vetor médio e comprimento do vetor para cada clado em cada ano. Caso os vetores apontem para o mesmo período de tempo, podemos sugerir um padrão sazonal de abundância dos clados de borboletas frugívoras. Também fizemos uma regressão entre a variação da abundância entre anos e o comprimento do vetor médio de cada clado para testar a hipótese de que espécies sazonais apresentam maior variação anual da abundância.

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Foram registrados 4837 indivíduos de 93 espécies, distribuídos de maneira não uniforme ao longo dos meses. A comunidade como um todo é pouco concentrada, ocorrendo picos entre agosto e novembro. Padrões sazonais foram evidentes para Charaxinae (setembro-outubro),

Brassolini (fevereiro-março), e para Morphini (dois picos, entre outubro-novembro e fevereiro-março). Apesar dos picos pronunciados de Satyrini em agosto-setembro, algumas espécies típicas de inverno são comuns em maio-junho (início da estação fria-seca).

Biblidinae e Nymphalinae ocorreram de forma mais homogênea ao longo dos meses. Todos os picos correspondem aos períodos de transição climática. Entre a estação seca e a úmida, ocorre intensa produção de folhas, o que sugere um ajuste das borboletas frugívoras com suas plantas hospedeiras, o que pode ser decisivo para os estágios imaturos. Espécies sazonais não variaram em abundância de um ano para outro. No terceiro ano de amostragem, a área passou por um período de seca que parece ter favorecido o aumento do número de borboletas em janeiro e fevereiro, e também o registro de espécies típicas de

áreas abertas. O aumento da temperatura e a baixa umidade devem ter favorecido a atividade dos adultos e diminuído mortalidade dos imaturos.

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ABSTRACT

Seasonality is defined as the temporal distribution of a phenomenon whose peak of expression is predictable and occurs at the same time of the year, each year that it occurs.

Thus, we need long-term sampling to describe seasonality patterns. In the Tropics, the factors that drive insect seasonality are not well understood. Using fruit-feeding butterflies as study models, we aimed to understand the patterns of seasonality of insects in a seasonal forest and to relate the degree of seasonality with abundance variation between years. This study was conducted in Biological Reserve of Serra do Japi, Jundiaí municipality, São

Paulo State, typically covered by seasonal semideciduous Atlantic Forest. There are two marked seasons in the region: a dry season from April to September and a wet season from

October to March. We used fifty bait traps in five transects for thirty-six month samplings

(October 2011-September 2014). In each transect, five traps were placed in canopy and five in understory. The bait was a mixture of banana and sugarcane juice fermented by 48 hours before each fieldwork and kept exposed for 96 hours per month. Butterflies individuals were identified, marked and released. To verify seasonal patterns, we ran circular analyses, plotting monthly abundance in a circular histogram and calculating mean vector and length of mean vector for each fruit-feeding butterfly clade in each year. If vectors point to the same direction, we can suggest a seasonal pattern of abundance for each clade. We ran a linear model between coefficient of variation of abundance and the length of mean vector of each clade to test the hypothesis that seasonal species show greater annual abundance variation. We recorded 4,837 individuals of 93 species distributed unevenly throughout months. Butterfly community was less concentrated and its vector pointed to August-

November. Clear seasonal patterns were shown by Charaxinae (September-October),

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Brassolini (February-March) and Morphini (two peaks: October-November and February-

March). Even with marked peaks for Satyrini in August-September, some winter species were common in May-June (beginning of dry-cold season). Biblidinae and Nymphalinae distributions were uniform. All peaks corresponded to climatic transitions. There is intense leaf growth between dry-wet seasons (September-October), suggesting an adjustment of fruit-feeding butterflies to their host-plants, what could benefit immature stages. Seasonal species did not vary in abundance from one year to another. In the third year of sampling, the region suffered an intense dry period and it seemed to favor a higher number of individuals in January and February as well as the occurrence of typical open area butterflies. High temperature and low humidity could drive a higher adult activity and lower immature mortality.

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INTRODUÇÃO Sazonalidade foi definido por Wolda (1988) como a distribuição temporal de um fenômeno cuja a máxima expressão ocorre de maneira previsível e aproximadamente na mesma época do ano, em cada ano que ocorre. Esta definição, inevitavelmente, sugere a necessidade de estudos de longo prazo, que são custosos financeiramente e demandam muita dedicação dos pesquisadores ou equipes de trabalho em campo, mas que são necessários para obter padrões claros e avaliar a ocorrência de sazonalidade. Apesar das dificuldades, o número de estudos com este enfoque vem aumentando, prezando pelo entendimento, modelagem e predições dos efeitos das estações e do clima no ciclo de vida das espécies (Saphiro et al. 2003), em especial em meio ao cenário de mudanças climáticas das últimas décadas.

Nos Trópicos, os fatores que determinam sazonalidade dos insetos ainda não estão bem compreendidos. A temperatura é considerada um dos principais determinantes nas zonas temperadas, mas sua variação parece não ser útil como pista sazonal nos trópicos

(Wolda 1989), apesar de alguns insetos responderem a esse fator (e.g. Denlinger 1978,

Beck et al. 2011). Vários estudos mostram uma relação entre precipitação e abundância de insetos (Denlinger 1980, Basset 1991, Wagner 2003, Grotan et al. 2012), mas as respostas variam entre os grupos. E ainda, presença de recurso alimentar e de inimigos naturais podem determinar o período de atividade dos insetos (Morais et al. 1999, Muniz et al.

2012).

Dentre os insetos, as borboletas tem sido amplamente utilizadas como modelo de estudos ecológicos em função da sua sensibilidade à mudanças ambientais e ciclo de vida curto, o que resulta em respostas rápidas, permitindo a identificação das alterações ambientais em curto período de tempo (Brown & Freitas 2000, DeVries & Walla 2001,

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Bonebrake et al. 2010). Em especial, borboletas frugívoras, que retiram seus recursos energéticos de frutos em decomposição, seiva de plantas e excremento de animais (DeVries

1988), podem ser amostradas por métodos padronizados e comparáveis. Utilizando borboletas frugívoras como modelo, nosso objetivo foi responder as seguintes questões:

1) os clados apresentam padrão de sazonalidade na Serra do Japi? 2) Os picos são congruentes entre os clados? e 3) O padrão de variação na abundância está relacionado com o grau de sazonalidade de cada grupo?

MÉTODOS

Área de estudo

O estudo foi conduzido na Reserva Biológica da Serra do Japi, no município de

Jundiaí, SP. A região é recoberta por Mata Atlântica do tipo estacional semidecídua, apresentando duas estações climáticas definidas: verão quente e chuvoso de outubro a março, e inverno frio e seco de abril a setembro (Morellato 1992). Uma época transicional entre setembro e outubro foi descrita por Morellato et al. (1989), no qual as variações climáticas são grandes e as árvores exibem intenso rebrotamento de folhas. A altitude varia entre 700 e 1300 m acima do nível do mar (Pinto 1992), com média anual de temperatura de 15,7ºC (Morellato 1992).

Metodologia

Para amostrar as borboletas frugívoras, utilizamos cinquenta armadilhas atrativas modelo van Someren-Rydon, distribuídas alternadamente em cinco transecções, e iscadas com mistura de banana e caldo de cana fermentada por 48h antes do início de cada saída de campo. As armadilhas foram alternadas entre dossel (8-18 m acima do solo) e sub-bosque

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(1,5 m), distantes aproximadamente 30 m entre si. Cada armadilha ficou operante por 96 h/mês ao longo de três anos consecutivos (de outubro de 2011 a setembro de 2014), sempre no início de cada mês (entre o quinto e o décimo-primeiro dia).

As borboletas foram identificadas em campo, marcadas com caneta de retroprojetor e liberadas. As recapturas foram excluídas das análises. Para aqueles indivíduos de difícil identificação em campo ou que representavam registro novo para o estudo, eles foram coletados, identificados em laboratório e serão incorporados à coleção científica do Museu de Zoologia “Adão José Cardoso” do Instituto de Biologia da Unicamp (MZUEC).

Análises

Para verificar se toda a comunidade e os grupos taxonômicos apresentam padrões de sazonalidade, realizamos análises circulares, cujas métricas estatísticas permitem identificar picos de abundância e testar sua significância. As abundâncias da comunidade total e de cada clado foram plotadas em histogramas circulares, distribuídas ao longo dos 360 graus.

Um vetor médio µ aponta para um ângulo médio (data média) no qual os pontos se concentram, e seu comprimento r representa o coeficiente de concentração que varia de 0, quando os pontos estão uniformemente distribuídos pelo histograma, e 1, quando a concentração é máxima em uma única direção (Zar 2010). Assim, o coeficiente r é uma medida da concentração dos dados, no caso, a concentração da abundância em um determinado período. A significância foi acessada pelo teste de espaçamento de Rao (U) que permite analisar dados circulares polimodais e é mais sensível a diferenças nos tamanhos das amostras, evitando erros do tipo I e II (Bergin 1991). Todos os testes e histogramas foram elaborados na versão de teste de Oriana 4.02 (Kovach 2013).

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Wolda (1996) encontrou fortes evidências de que há uma relação inversa entre o comprimento do período em que as espécies estão presentes e a variação da abundância entre anos, ou seja, quando as espécies ocorrem por um longo período de tempo (menos sazonais), há uma menor variação no número de indivíduos observados entre anos consecutivos. Para testar a hipótese de Wolda, fizemos uma regressão linear entre o coeficiente de variação da abundância dos clados nos três anos de amostragem (variável resposta) e o coeficiente r correspondente de cada clado quando considerados os três anos em conjunto (variável preditora). Para tanto, utilizamos o software R (R Development Core

Team 2013).

RESULTADOS

No total, encontramos 4837 indivíduos de 93 espécies distribuídos de maneira não uniforme entre os clados taxonômicos e dentro de cada ano. Apesar das variações observadas, a ordem de representatividade de cada clado foi a mesma nos três anos:

Charaxinae foi a subfamília mais abundante, seguida de Satyrini, Biblidinae e Nymphalinae

(Tabela 1).

A comunidade como um todo apresentou-se pouco concentrada, com vetores apontando para o período de agosto a novembro, porém os clados separadamente apresentam padrões distintos (Figura 1, Tabela 2). Charaxinae, Brassolini, Morphini e

Satyrini puderam ser considerados grupos sazonais, com picos de abundância bem marcados e sincronizados entre os anos. Charaxinae ocorreu majoritariamente na estação transicional de setembro-outubro. Brassolini foi o grupo com sazonalidade mais evidente

(valores de r superiores a 0,65), com picos entre fevereiro e março. Morphini e Satyrini foram considerados sazonais, mas com padrão bimodal: picos em outubro-novembro e

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fevereiro-maio. As espécies de Morphini estiveram presentes estritamente nesses períodos, enquanto alguns Satyrini puderam ser registrados em outros meses. Biblidinae e

Nymphalinae foram relativamente bem distribuídos ao longo do ano, mas seus vetores apontam majoritariamente para época transicional.

Não houve relação entre a sazonalidade e o coeficiente de variação da abundância entre anos das diferentes subfamílias (F = 0,47, p = 0,531, Figura 2).

DISCUSSÃO

Diferentes clados de borboletas frugívoras concentraram-se em diferentes períodos do ano, mas em geral foram muito abundantes e exibiram elevada riqueza de espécies nas

épocas de transição climática (setembro-outubro e fevereiro-março). Ribeiro et al. (2010) e

Brito et al. (2014) também encontraram padrão de concentração de setembro a maio para as borboletas frugívoras de outras regiões de Mata Atlântica do sudeste brasileiro, com ligeira queda em novembro e dezembro para a maioria dos grupos. Maiores abundâncias em setembro-outubro e fevereiro descritas nesses trabalhos coincidem com nossos resultados, apesar da representatividade dos clados ser distinta.

Os picos de ocorrência de Charaxinae e Satyrini, e o início das atividades de

Morphini, são bem marcados e congruentes ao estudo de Ribeiro et al. (2010). Na Serra do

Japi, esse padrão coincide com a estação transicional descrita por Morellato et al. (1989), que é caracterizado pelo intenso brotamento de folhas nas plantas arbóreas. A sincronia dessas borboletas com a periodicidade de produção de folhas deve favorecer a reprodução no período com elevada oferta de recurso alimentar para as lagartas (folhas). Apesar de estarem presentes o ano todo, os frutos zoocóricos também aumentam em número nesta mesma época (Morellato et al. 1989), e servem potencialmente como recurso alimentar

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para os adultos. A relação entre abundância e produção de folhas foi relatada para artrópodes de dossel (Basset 1991) e borboletas (Muniz et al. 2012). Borboletas nectarívoras univoltinas também tem sua atividade de voo associada à disponibilidade de recurso para o adulto (Shapiro et al. 2003). Em contrapartida, se a presença de alimento é persistente ao longo de todo o ano, as flutuações sazonais podem não ocorrer (Novotny &

Basset 1998). Esses estudos em conjunto com nossos resultados sugerem a fenologia das plantas como possível determinante para a distribuição temporal dos insetos tropicais e são indicativos de como interações bióticas podem exercer importante pressão seletiva sobre a dinâmica de insetos tropicais (Denlinger 1986).

Existe uma relação entre tamanho e a sazonalidade de borboletas frugívoras

(Ribeiro & Freitas 2011). Borboletas com tamanho corporal maior apresentam períodos de voo mais restritos que borboletas menores. Isso, associado à sincronia com os recursos alimentares, pode determinar os padrões fenológicos observados nessa guilda. Por exemplo, muitos Brassolini utilizam bananeiras como planta hospedeiras (Beccaloni et al. 2008) e as lagartas desenvolvem-se ao longo de todo o ano. De acordo com Manica (1997), em condições de altas temperaturas e fornecimento hídrico adequado, uma bananeira emite uma folha a cada 5 a 8 dias, sendo que este período se amplia à medida em que as condições climáticas se afastam da ideal. As condições associadas à intensa produção de folhas pela bananeira são características da estação úmida da Serra do Japi que, portanto, representa um período favorável para atividade de adultos de Brassolini e sua reprodução, como observado aqui, uma vez que os imaturos, que demandam grande quantidade de recurso por longos períodos, terão folhas em abundância para utilizarem como recurso alimentar.

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Algumas espécies de Satyrini apresentam um ou mais picos de abundância em períodos contrastantes, o que pode causar ruído nas análises e um consequente padrão de dispersão sazonal neste grupo. Os satyríneos Eteona tisiphone, Forsterinaria necys, F. quantius, F. pronophila e menos marcadamente Carminda paeon foram registradas como espécies bianuais, com pico mais evidente em setembro. Porém, as espécies de

Forsterinaria estendem-se até o início da época fria, quando, inclusive, exibem variação no seu padrão de coloração.

A ausência de relação entre sazonalidade e variação interanual da abundância das borboletas frugívoras contrastam com os resultados obtidos por Wolda com Homoptera no

Panamá (Wolda 1996). A diferença mais perceptível de variação na abundância que tivemos foi em relação ao Ano 3, no qual a área de estudo (e boa parte do sudeste do Brasil) passou por um período drástico de seca em janeiro-fevereiro, com médias de precipitação muito inferiores às dos anos anteriores. Isso foi acompanhado por um aumento no número de indivíduos registrado nos meses de janeiro (quatro a cinco vezes maior que nos anos anteriores) e fevereiro (duas vezes e meia maior). A seca parece ter favorecido o aumento da abundância de borboletas frugívoras na área de estudo, incluindo espécies de áreas abertas, como Historis acheronta, Eunica maja e Hamadryas februa. Os fatores que levaram a este aumento de abundância neste período ainda não são conhecidos, embora o aumento da temperatura média certamente deve estar relacionado a uma maior atividade das borboletas e à maior atratividade da isca (Ribeiro & Freitas 2010, Freitas et al. no prelo). Adicionalmente, a baixa precipitação, resultando e menor umidade relativa do ar, pode ter diminuído o ataque de fungos e outros patógenos aos imaturos, levando a um maior recrutamento de adultos neste período.

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Com este estudo, constatamos que os clados de borboletas frugívoras na Serra do

Japi apresentam padrões de flutuação sazonal distintos entre si, mas sem grande variação de abundância anual. Sugere-se a sincronia das borboletas frugívoras com o recurso alimentar de imaturos e adultos como um fator importante de sazonalidade neste grupo. Além disso, a seca acentuada na área de estudo parece ter favorecido o registro de um elevado número de borboletas possivelmente por permitir maior sobrevivência de imaturos e atividade dos adultos.

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ANEXOS

Figuras

Figura 1. Histogramas circulares de abundância de grupos taxonômicos de borboletas em três anos. As setas vermelhas representam o vetor médio (µ). Janeiro está representado pelo 0º e os meses seguintes estão representados em intervalos de 30º em sentido horário.

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Figura 1 (cont.). Histogramas circulares de abundância de grupos taxonômicos de borboletas em três anos. As flechas representam o vetor médio (µ).

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Figura 2. Modelo linear entre sazonalidade dos clados de Nymphalidae e o coeficiente de variação da abundância em três anos consecutivos. Nenhuma relação significativa foi observada (F = 0,47, p = 0,531).

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Tabelas

Tabela 1. Número de indivíduos registrados em cada clado nos três anos de amostragem. As subfamílias foram distintamente representadas.

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Total N % N % N % Biblidinae 144 10,0 302 16,6 262 16,5 708 Charaxinae 755 52,5 899 49,5 642 40,5 2296 Nymphalinae 38 2,6 43 2,4 35 2,2 116 Satyrinae 500 34,8 571 31,5 646 40,7 1717 Brassolini 130 9,0 89 4,9 174 10,9 393 Morphini 66 4,6 77 4,2 95 6,0 238 Satyrini 304 21,2 405 22,3 377 23,8 1086 Total 1437 1815 1585 4837

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Tabela 2. Análises circulares e teste de Rao (U) para a comunidade total e os clados de Nymphalidae. µ = vetor médio; r = comprimento do vetor.

µ Mês r U P Total Ano1 271,61 Outubro 0,336 348,48 < 0,01 Ano2 240,86 Ago-Set 0,241 350,88 < 0,01 Ano3 310,04 Novembro 0,262 349,33 < 0,01

Biblidinae Ano1 215,38 Agosto 0,100 301,40 < 0,01 Ano2 245,51 Setembro 0,360 315,98 < 0,01 Ano3 302,16 Novembro 0,322 318,47 < 0,01

Charaxinae Ano1 272,20 Outubro 0,608 339,02 < 0,01 Ano2 247,92 Setembro 0,337 341,98 < 0,01 Ano3 286,92 Outubro 0,410 334,25 < 0,01

Nymphalinae Ano1 294,44 Outubro 0,516 261,92 < 0,01 Ano2 248,09 Setembro 0,180 246,75 < 0,01 Ano3 25,29 Janeiro 0,368 243,33 < 0,01

Brassolini Ano1 62,81 Março 0,772 316,53 < 0,01 Ano2 47,08 Fevereiro 0,676 301,85 < 0,01 Ano3 41,11 Fevereiro 0,776 322,64 < 0,01

Morphini Ano1 28,81 Janeiro 0,337 315,44 < 0,01 Ano2 15,19 Janeiro 0,361 309,81 < 0,01 Ano3 355,59 Dezembro 0,489 315,83 < 0,01

Satyrini Ano1 236,29 Agosto 0,390 319,35 < 0,01 Ano2 201,41 Julho 0,316 320,89 < 0,01 Ano3 259,97 Setembro 0,230 318,83 < 0,01

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As borboletas frugívoras da Serra do Japi apresentam sazonalidade evidente, com flutuações de abundância e riqueza previsíveis ao longo do ano e os dois picos estão relacionados aos períodos de transição climática: setembro-outubro (muito marcado para abundância) e fevereiro-abril. Os clados apresentam padrões distintos de flutuação temporal, desde sazonalidade evidente, como Brassolini, Charaxinae, Morphini e Satyrini, até padrões menos claros como em Biblidinae e Nymphalinae. A composição de espécies distingue-se em apenas duas estações, úmida e seca.

Existe uma clara estruturação espaço-temporal das borboletas frugívoras. A variação temporal difere entre o dossel e o sub-bosque da floresta em termos de magnitude, mas os picos de abundância e riqueza são congruentes. A composição de espécies entre os estratos

é similar entre os anos, mas mantém-se distinta e bem estruturada quando consideradas as estações climáticas. A substituição de espécies é maior em sub-bosque e isso reflete em uma similaridade cíclica no estrato inferior da floresta.

A temperatura e a umidade relativa locais influenciam a atividade das borboletas frugívoras tanto temporal quanto espacialmente, sugerindo pressões ambientais seletivas diferenciais na dimensão vertical da floresta. A sazonalidade das borboletas frugívoras já foi descrita em outros locais, mas os fatores climáticos relacionados a esse padrão são contrastantes. Nossos resultados não mostram relação da diversidade desse grupo com a precipitação, mas sim entre temperatura e umidade relativa de forma diferencial entre os estratos, e sugerem que pode haver um ajuste temporal entre as borboletas frugívoras e a disponibilidade de alimento para os imaturos.

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