STVDIA PHILOLOGICA VALENTINA

Número 16, n.s. 13 Any 2014

De Republica instituenda: Les utopies polítiques clàssiques en la construcció de la societat moderna

DEPARTAMENT DE FILOLOGIA CLÀSSICA

UNIVERSITAT DE VALÈNCIA STVDIA PHILOLOGICA VALENTINA Departament de Filologia Clàssica - Universitat de València

Consell de Redacció

Directora: Carmen Morenilla Talens (Universitat de València) Secretari: Luis Pomer Monferrer (Universitat de València) Vocals: Carmen Bernal Lavesa (Universitat de València), Marco A. Coronel Ramos (Universitat de València), Maria Luisa del Barrio Vega (Universidad Conplutense de Madrid), Jorge Fernández López (Universidad de la Rioja), Concepción Ferragut Domínguez (Universitat de València), Carmen González Vázquez (Universidad Autónoma de Madrid), Ferran Grau Codina (Universitat de València), Mikel Labiano Ilundain (Universitat de València), Mari Paz López Martínez (Universitat d’Alacant), Mercedes López Salvà (Universidad Complutensa de Madrid), Antonio Melero Bellido (Universitat de València), Matteo Pellegrino (Università degli Studi di Foggia), Violeta Pérez Custodio (Universidad de Cádiz), Elena Redondo Moyano (Universidad del País Vasco), Lucía Rodríguez-Noriega Guillen (Universidad de Oviedo), Juana María Torres Prieto (Universidad de Cantabria) Coordinadors del volum: Delfim Ferreira Leão i Josep L. Teodoro Peris

Consell Assessor

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Maquetació: JPM Ediciones Dipòsit legal: V-887-1996 ISSN: 1135-9560 Imprimeix: Ulzama Digital ÍNDEX

Cornelli, Gabriele, «Platão contra a corrente. A imagem do navio na República»...... 5

Fronterotta, Francesco, «La Repubblica di Platone fra totali- tarismo, dissimulazione e utopia»...... 31

García Jurado, Francisco, «La Eneida como utopía regenera- dora: Pierre-Joseph Proudhon»...... 51

Jalón, Mauricio, «Formas de un sueño social: utopías y cons- trucción de la ciencia (1500-1700)»...... 69

Monserrat Molas, Josep, «La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató»...... 91

Motta, Guilherme Domingues da, «A comunidade de bens, mulheres e filhos: uma leitura sobre a natureza e o alcan- ce da utopia na República, de Platão»...... 113

Giorgini, Giovanni, «L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre»..... 141

Hernández de la Fuente, David, «La noción de koinonia y los orígenes del pensamiento utópico»...... 165

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 ISSN: 1135-9560

Platão contra a corrente. A imagem do navio na República Plato sailing upstream. The image of the ship in the Republic

Gabriele Cornelli Cátedra UNESCO Archai Universidade de Brasília

Data de recepció: 20/05/14 Data d’acceptació: 29/06/14

A Roberto, ἀληθινός κυβερνήτης

E subito riprende il viaggio come dopo il naufragio un superstite lupo di mare

(Giuseppe Ungaretti, Allegria di naufragi, 1919)

1. A moldura da imagem: o navio e a terceira onda A imagem do navio inaugura uma série de imagens centrais para a filosofia platônica, em geral, e para as fundamentais pági- nas dos livros VI e VII da República, especificamente. Lá figuram também as imagens do Sol, da Linha e da Caverna, que contri- buem para colocar os dois livros da República, já na tradição anti- 6 Gabriele Cornelli ga, pelo menos desde Proclo, entre as passagens mais estudadas e comentadas da obra platônica.1 Todavia, Keyt (2006,189) observa que, dentre essas imagens, especialmente quando comparada às outras três mais célebres, a tradição dos comentadores devotou menos atenção à imagem do navio. Ainda que lhe seja reservada quase de direito uma nota de rodapé em praticamente qualquer obra de ciências políticas, a insuficiente atenção teorética a ela reservada contrasta com o lugar central onde a imagem se encontra na obra. Esta constata- ção sugere, portanto, a necessidade de compreender melhor esta alegoria e sua importância na obra platônica. É certamente o caso de, antes mesmo de aprofundarmo-nos na imagem platônica propriamente, observar mais atentamente o con- texto que emoldura esta imagem. As primeiras páginas do livro VI inauguram um longo anexo de função narrativa e argumentativa que exerce importante papel na discussão do diálogo (Vegetti, 2003). De fato, o que está em jogo nestas páginas é a viabilidade da proposta, apresentada por Sócrates, segundo a qual os filósofos deveriam go- vernar a cidade (Resp. V 473d). Uma proposta esta à qual nos acostu- mou a longa tradição de estudos platônicos, mas que —é importante lembrar aqui— é recebida por Adimanto, o principal interlocutor de Sócrates nestas páginas, com escândalo e franca preocupação. Ao tomar conhecimento da proposta, Adimanto evoca imedia- tamente um verdadeiro levante popular armado contra Sócrates e suas palavras (Resp. VI 473e-474a). Pela verdade, Sócrates era consciente da estranheza com que seria recebida sua proposta e, de certa maneira, esperava uma reação desmedida, o que pode ser vislumbrado na forma como ele mesmo a anuncia: «chegamos fi- nalmente àquela que chamamos de onda maior. E vou falar, ainda que esta onda me faça cair no ridículo, e venha a me afundar em gargalhadas e desprezo» (Resp. V 473c).2 Sócrates enfrenta o risco do ridículo, pois pretendia que sua proposta de cidade justa, kallípolis, superasse incólume as agi-

1 Vegetti (2006, 13ss) dedica à centralidade (em todos os sentidos) destas pas- sagens uma discussão rica de detalhes e referências, para a qual remeto com satisfação. Veja-se a esse respeito também Santini (2011, 112). Para a leitura de Proclo da República cf. Abbate (1999). 2 Orig.: Ἐπ’ αὐτῷ δή, ἦν δ’ ἐγώ, εἰμὶ ὃ τῷ μεγίστῳ προσῃκάζομεν κύματι. εἰρήσεται δ’ οὖν, εἰ καὶ μέλλει γέλωτί τε ἀτεχνῶς ὥσπερ κῦμα ἐκγελῶν καὶ ἀδοξίᾳ κατακλύσειν.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 7 tações descritas por meio da imagem da terceira onda. De forma significativa, ele antecipa o imaginário náutico que será retomado algumas páginas depois com a alegoria do navio.3 A vultosa dimensão da terceira onda, que soma em sua for- ça tanto o medo do ridículo como aquele de uma reação violenta da cidade, propele Sócrates a iniciar uma longa discussão, que desemboca na imagem do navio no livro VI. Na passagem com- preendida entre as páginas 474b-487a, de fato, a discussão se concentra em questões de cunho epistemológico, todas voltadas a determinar qual seria a natureza do filósofo apontado como guar- dião da cidade. Nas palavras de Sócrates, o filósofo, ao tencio- nar sua alma para o-que-é, em lugar de prestar atenção ao correr opaco do devir, consegue alcançar a verdade, fugindo do engano da opinião. Estamos em pleno vocabulário platônico, obviamen- te. Desta contemplação do imutável, ele derivará duas condições que o qualificam para o governo da cidade: uma alma eticamente ordenada e as normas sobre o belo, o justo e o bom que são re- queridas para o governo da cidade (Resp. V 484b). Todavia, este esforço mobilizado para a definição da verdadeira natureza do fi- lósofo, ainda que muito elogiado pela força retórica, não parece alcançar o sucesso esperado. A longa argumentação desenvolvida por Sócrates não é suficiente para demover Adimanto das dúvi- das, compartilhadas pela maioria. A real oportunidade dos filó- sofos serem guardiães ainda está em questão, já que estes são vistos geralmente como pessoas excêntricas e inúteis, quando não simplesmente más (παμπόνηροι) (Cf. Resp. VI 487d). O abismo da aporia parece próximo, portanto. A insistência de Sócrates sobre a exposição de sua proposta da kallípolis ao ridículo não deve passar em segundo plano. Uma recentíssima obra de Canfora (2014) dedicada à relação entre Pla- tão e Aristófanes, pode trazer um luz especial para esta menção. Canfora defende a tese segundo a qual Platão, na República, esta- ria de fato respondendo explicitamente às criticas e ao sarcasmo com que Aristófanes, e a comédia, mais em geral, haviam tratado sua utopia da cidade justa. Não irei é claro explicitar aqui a ela- borada argumentação do historiador em favor de sua tese. Basta aqui citar, creio, o fulcro teórico dela, que passa pela revisão da

3 A primeira onda diz respeito ao papel da mulheres na cidade (Resp. V 457b), enquanto a segunda à abolição do núcleo familiar (Resp. V 457c).

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 5-30 8 Gabriele Cornelli maneira como foram geralmente entendidas pelos historiadores as formas de publicação tanto dos diálogos platônicos como das comédias. Segundo o autor, os primeiros (Canfora fala especial- mente dos livros IV e V de República) podem muito provavelmente ter circulado como panfletos separados antes de sua edição defi- nitiva, por assim dizer. As comédias, por sua vez, teriam circulado amplamente como textos, por vezes até de maneira independente de sua efetiva representação teatral. Desta forma, o diálogo entre Platão e Aristófanes pode ter acontecido em tempos e em uma modalidade de fato pouco explorados (quando não explicitamente negados) pela crítica. Se a reconstrução de Canfora está correta, o medo do ridículo expresso repetidamente por Sócrates na República, e mais preci- samente nesta passagem em questão, não obedeceria a um gené- rico topos literário que representa os risos dos não-filósofos. Ao contrário, se trataria de uma referência direta à polêmica travada com a comédia sobre a utopia. Nesta perspectiva, ainda mais especificamente, a referência se- ria à peça Ἐκκλησιάζουσαι, normalmente traduzida por A assembleia das mulheres. Na leitura de Canfora, a comédia em questão seria uma resposta direta de Aristófanes à utopia platônica, conforme expressa nos livros centrais da República. Reforçando esta percep- ção sobre a República como meio de revide ao sarcasmo de Aristó- fanes, à distância de algumas páginas das imagens náuticas aqui analisadas, encontra-se a menção de Sócrates à crítica da comédia à nudez das mulheres (nuas porque também admitidas no ginásio, ao lado dos homens) e à partilha delas (Resp. V 457a-b). A bem ver, estas são precisamente umas das principais críticas levantadas por Aristófanes na comédia citada (Canfora 2014, pos. 1652). Não é inútil destacar que este embate direto contra os ataques sarcásticos, desferidos por Aristófanes e pela comédia ateniense em geral, à sua utopia pode ser compreendido como um sinal da grande capacidade reativa de Platão. Mais ainda, sinaliza a in- serção de sua própria proposta platônica no âmbito da discussão política da Atenas nos primeiros anos do século V.4

4 Uma polêmica que explicaria também as repetidas críticas de Platão à in- fluência política do teatro (θεατροκρατία) e sua tendência a deixá-lo de forada cidade justa. Tratei mais exaustivamente este tema em outro artigo, ao qual aqui me remeto (Cornelli 2009).

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 9

Estamos na frente de um Platão navegando contra corrente, como o título deste artigo quer sugerir. Sua proposta utópica é não somen- te objeto de ridículo, mas resulta profundamente escandalosa. De fato, o debate travava-se não somente com a comédia, mas também com diversas outras agências culturais e educativas da Atenas dos séculos V e IV aEC. O retrato da filosofia dos geôme- tras da Academia, que aparece na Antídosis de Isócrates, texto que constitui-se numa espécie de autoapologia intelectual do grande orador, ilustra a vivacidade do debate em curso:

aqueles que se ocupam de astronomia, geometria e disciplinas des- sa sorte —diz Isócrates— não fazem mal. Ao contrário, trazem be- nefícios para seus alunos (...). Muitas pessoas veem nestes estudos nada mais do que tagarelice e ninharias (ἀδολεσχίαν καὶ μικρολογίαν), pois nenhuma destas disciplinas tem qualquer utilidade tanto para os negócios públicos como para os particulares (...) por serem to- talmente alheias às nossas necessidades (ἀλλ’ ἔξω παντάπασιν εἶναι τῶν ἀναγκαίων) (Isocr. Antid. 262).5

Como é sabido, Isócrates declara concordar somente parcial- mente com esta crítica de muitos à utilidade da filosofia dos geô- metras. Para ele, esta encontra utilidade somente como propedêu- tica às disciplinas mais importantes (todas elas ligadas à prática da oratória e, portanto, da política). Ainda na opinião de Isócrates, porém, aquela filosofia não é de nenhuma utilidade quando se torna vã especulação sobre questões inúteis como aquelas dos antigos sofistas que se preocupavam com temas abstratos como a infinitude do ser (Cf. Isocr. Antid. 268-9). O alvo desta crítica é obviamente a filosofia socrática e platônica. Isócrates e suaes- cola parecem estar disputando com Platão e sua Academia não somente o lugar de proeminência na formação das novas gerações atenienses (e gregas, mais geral), mas mais precisamente o que se deva entender como filosofia e qual seu papel na cidade.6

5 Nightingale (1995, 28-29) mostra que o texto da Antídosis é explicitamente construído a partir do modelo da Apologia platônica (cf. especialmente Antíd. 15), da qual empresta também motivos e temas. Constitui-se, mais um sinal, portanto, do intenso debate em curso entre as duas escolas e da clara intenção polêmica de Isócrates para com Platão. 6 A bibliografia a respeito do antiplatonismo de Isócrates é certamente muito extensa, passando por Howland (1937), Duering (1941, 143-146) até a mais recen- te Nightingale (1995, 13-59).

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 5-30 10 Gabriele Cornelli

A mesma acusação da inutilidade da investigação astronômica e geométrica ecoa nas páginas centrais da República que estamos analisando. É neste contexto, como veremos, que a imagem do navio emerge em toda sua relevância. Não somente como parte da argumentação platônica em favor da utopia proposta na Repúbli- ca, mas enquanto importante contribuição de Platão ao debate em curso em Atenas. Se esta é, portanto, a pragmática da República, é francamente surpreendente a afirmação que Sócrates, a seguir, dirige a Adiman- to: «Você crê que quem diga isso [que os filósofos são maus] está dizendo a verdade? (...) Pois me parece que eles estejam dizendo a verdade (Resp. VI 487d-e)».7 Adimanto, assim como qualquer leitor do diálogo, é obviamente surpreendido por esta inesperada mudança de ventos na argumentação de Sócrates. «Mas então — Adimanto afirma, desconsolado— como é possível dizer que as cidades não serão libertadas de seus males a menos que que os filósofos governem, se estamos de acordo que estes são inúteis?».8 Mais uma vez, a celebrada habilidade retórica de Sócrates acua o interlocutor, e utiliza-se de um estratagema aporético.9 À per- gunta de Adimanto, Sócrates responde que a única resposta pos- sível é uma imagem: «tua pergunta precisa de uma resposta dada por meio de uma imagem» (Resp. VI 487e).10 Adimanto encontra-se assim duplamente desorientado. Primei- ramente, Sócrates parecer concordar com a opinião comum da inutilidade dos filósofos para a cidade e, além disso, ao procurar explicar esta aparente contradição em sua argumentação, declara somente poder respondê-la por imagens, mudando radicalmente o curso e o estilo de sua argumentação. A nada serve, obviamen- te, o protesto de Adimanto: «Mas você normalmente não fala por imagens, creio» (Resp. 487e).11 Sócrates, no entanto, procede im- pertérrito, e não poupa ironia para com a surpresa de Adimanto

7 Orig.: Καὶ ἐγὼ ἀκούσας, Οἴει οὖν, εἶπον, τοὺς ταῦτα λέγοντας ψεύδεσθαι; Οὐκ οἶδα, ἦ δ’ ὅς, ἀλλὰ τὸ σοὶ δοκοῦν ἡδέως ἂνἀκούοιμι. Ἀκούοις ἂν ὅτι ἔμοιγε φαίνονται τἀληθῆ λέγειν. 8 Orig.: Πῶς οὖν, ἔφη, εὖ ἔχει λέγειν ὅτι οὐ πρότερον κακῶν παύσονται αἱ πόλεις, πρὶν ἂν ἐν αὐταῖς οἱ φιλόσοφοι ἄρξωσιν, οὓς ἀχρήστους ὁμολογοῦμεν αὐταῖς εἶναι; 9 Sócrates já havia sido anteriormente acusado de colocar o adversário em uma sinuca de bico, como no jogo de mesa chamado πεττεία (Resp. VI 487C). 10 Orig.: Ἐρωτᾷς, ἦν δ’ ἐγώ, ἐρώτημα δεόμενον ἀποκρίσεως δι’ εἰκόνος λεγομένης. 11 Orig.: Σὺ δέ γε, ἔφη, οἶμαι οὐκ εἴωθας δι’ εἰκόνων λέγειν.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 11 diante do anúncio de Sócrates:12 «caçoa de mim depois de ter me jogado uma questão tão difícil. Escute, portanto, esta imagem, de modo que você possa ver ainda melhor como me enrolo ao tecer imagens» (Resp. 478e-488a).13 A imagem que Sócrates anuncia e se propõe a desenhar é exa- tamente a imagem do navio. A descrição da moldura da imagem, a que nos detivemos até agora, permite uma primeira observação preliminar, por assim dizer. A imagem parece derivar sua força dramática e argumentativa exatamente desta rota longa e agitada, marcada pelo enfrentamento das ondas que impedem a constru- ção da kallípolis. Assim é a terceira e última destas ondas, a maior de todas, que diz respeito ao lugar predominante dos filósofos no governo na cidade, a explicar a relevância da utilização da imagem do navio e seu lugar nas páginas centrais do diálogo.

2. A legenda da imagem Antes mesmo de desdobrar a imagem em questão, Sócrates pa- rece antepor a ela uma legenda, uma nota, como a querer indi- car uma chave-de-leitura tanto daquilo que a imagem representa como também da técnica utilizada para sua construção:

12 A surpresa expressa por Santini (2011, 122-3) com relação a esta afirmação de que Sócrates não seria um bom produtor de imagens é substancialmente cor- reta, pois as imagens, alegorias, mitos fazem parte normalmente do repertório do Sócrates platônico. A solução por ela proposta é que criar uma imagem e colocar em prática a kallípolis não seriam percebidos, na República, como dois momentos distintos. Desta forma, Adimanto estaria levantando uma preocupação para com a escassa experiência política prática de Sócrates. Apesar de elegante, a sugestão de Santini parece não resistir tanto à história (o Sócrates histórico teve sim cargos políticos públicos) como especialmente à própria imagem que será imediatamente depois apresentada por Sócrates: como veremos, não se trata de uma proposta de colocar em prática uma cidade utópica; ao contrário, apresenta por imagens a prática política em vigor em Atenas naqueles dias, como a própria Santini acaba por reconhecer (2011, 124). Resta ainda, todavia, a necessidade de procurar uma explicação convincente para esta afirmação de Adimanto sobre o pouco costume (e não a incapacidade) de Sócrates ao lidar com imagens. 13 Orig.: Εἶεν, εἶπον·σκώπτεις ἐμβεβληκώς με εἰς λόγον οὕτω δυσαπόδεικτον; ἄκουε δ’ οὖν τῆς εἰκόνος, ἵν’ ἔτι μᾶλλον ἴδῃς ὡς γλίσχρως εἰκάζω. Traduzi o advérbio γλίσχρως com o sentido de enrolar, por aproximar-se ao significado de perda de mobilidade ou destreza do advérbio que deriva de γλία, isto é, cola. O termo γλίσχρως todavia pode ter também o significado de mesquinho (Adam 1902, 9). Mesmo esta segunda possibilidade também caberia, creio, perfeitamente na autoavaliação irônica de Sócrates sobre sua capacidade de produzir imagens (Cf. Gastaldi 2006, 193).

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 5-30 12 Gabriele Cornelli

É de fato a tal ponto insuportável o sofrimento dos mais valorosos frente à cidade, que não há outro sofrimento que possa ser igual a este. Mas é preciso que quem quiser tecer esta imagem e uma apo- logia desses valorosos, o faça compondo diversos elementos, como fazem também os pintores que desenham quimeras e figuras desse tipo (Resp. VI 488a).14

Antes de qualquer coisa, pode merecer uma observação a tra- dução que proponho de um termo central para a compreensão da passagem, que traduzi como quimeras. O termo grego τραγελάφος deveria ser traduzido mais fielmente por cabricervo, por indicar de fato uma criatura imaginária híbrida que é construída pela mistura de um cabrito e um cervo. Esse animal fantástico é já conhecido pela literatura antiga, e provavelmente presente no imaginário dos atenienses do período, por ter sido já citado nas Rãs de Aristófanes (935-39). Como o sentido do termo aqui pare- ce quer indicar mais genericamente uma imagem híbrida e fan- tástica, optei por utilizar —não sem perceber nesta opção certa ousadia— uma imagem paralela de, certa forma, mais genérica e imediatamente mais presente no imaginário moderno: a da qui- mera, portanto. 15 O que mais importa, todavia, é o sentido que a imagem assu- me enquanto legenda, como dizia, da imagem do navio: Sócrates parece sublinhar o revés do tecido da imagem: o navio como algo híbrido, isto é, anormal. Esta anormalidade, esta monstruosidade híbrida do τραγελάφος parece servir dramaticamente para eviden- ciar a anormalidade e monstruosidade da situação dolorosa (veja- se a repetição do verbo πάσχω na passagem) que os mais valorosos entre os cidadãos estão sofrendo. Uma imagem dentro da imagem, portanto, que se propõe como chave-de-leitura e como aviso: o que será mostrado é algo estranho, haverá diversos elementos na imagem do navio que contribuirão para dar a ela certa monstruosidade. O motivo pe- los quais a imagem teve de ser construída desta forma híbrida é anunciado de antemão: a realidade atual da cidade é a tal ponto

14 Orig.: οὕτω γὰρ χαλεπὸν τὸ πάθος τῶν ἐπιεικεστάτων, ὃ πρὸς τὰς πόλεις πεπόνθασιν, ὥστε οὐδ’ ἔστιν ἓν οὐδὲν ἄλλο τοιοῦτον πεπονθός, ἀλλὰ δεῖ ἐκ πολλῶν αὐτὸ συναγαγεῖν εἰκάζοντα καὶ ἀπολογούμενον ὑπὲρ αὐτῶν, οἷον οἱ γραφῆς τραγελάφους καὶ τὰ τοιαῦτα μειγνύντες γράφουσιν. 15 Para um estudo exaustivo das origens e dos usos da imagem do τραγελάφος cf. Silliti (1980).

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 13 monstruosa e estranha que obriga o recurso a este tipo de ima- gens fantásticas. Desde a legenda inicial da imagem, portanto, o leitor/observa- dor é levado a perceber que há algo nela que não-está-certo; que está, por assim dizer, de-cabeça-para-baixo. A imagem do navio é assim introduzida, desde logo, como imagem invertida (Santini 2011, 126), a representar a inversão dos papéis e dos valores da própria cidade.

3. A imagem do navio Sócrates, então, inicia a retratar o navio: «Imagine» (νοέω), não mais simplesmente «escute» (ἀκούω), como logo antes havia dito (Resp. VI 487d). Adimanto, assim, é convidado a entrar ativamen- te na imagem do navio. A imagem a ser desenhada se torna um projeto compartilhado, um esforço comum de representação, a su- blinhar sua conotação política, creio:

Imagine assim que estas coisas aconteçam em muitos navios ou em um só: um armador, maior e mais forte de todos aqueles embarca- dos no navio, mas surdo e de vista um tanto curta, e com conhe- cimentos de navegação da mesma forma limitados; os marinheiros lutam uns contra os outros para o comando do navio, acreditando que cada um deles devesse comandar, sem ter apreendido todavia qualquer arte de navegação, sem poder apresentar seu instrutor ou quando a teria aprendido (Resp. VI 488a-b). 16

A estranheza da imagem salta aos olhos pela caótica configu- ração das personagens que deveriam ser predispostas à navega- ção. Todavia, a bem ver, não há nada de surpreendente no uso de uma alegoria de navio para representar a cidade. Ao contrário, esta comparação da cidade com um navio pode até ser conside- rada consagrada por uma longa e consolidada tradição literária (Gastaldi, 2003, 193). A primeira alegoria política do navio de que temos registro na literatura grega antiga está no interior de um fragmento de Arquíloco: «Olhe, Gláucon, as ondas estão já

16 Orig.: νόησον γὰρ τοιουτονὶ γενόμενον εἴτε πολλῶν νεῶν πέρι εἴτε μιᾶς· ναύκληρον μεγέθει μὲν καὶ ῥώμῃ ὑπὲρ τοὺς ἐν τῇ νηὶ πάντας, ὑπόκωφον δὲ καὶ ὁρῶντα ὡσαύτως βραχύ τι καὶ γιγνώσκοντα περὶ ναυτικῶν ἕτερα τοιαῦτα, τοὺς δὲ ναύτας στασιάζοντας πρὸς ἀλλήλους περὶ τῆς κυβερνήσεως, ἕκαστον οἰόμενον δεῖν κυβερνᾶν, μήτε μαθόντα πώποτε τὴν τέχνην μέτε ἔχοντα ἀποδεῖξαι διδάσκαλον ἑαυτοῦ μηδὲ χρόνον ἐν ᾧ ἐμάνθανεν.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 5-30 14 Gabriele Cornelli movendo o mar profundo, e uma nuvem levanta-se em volta do pico de Gira; é um sinal de tempestade, o medo me toma repenti- namente» (105 West).17 Por sua vez, Heráclito, autor da época imperial, em seu comen- tário à alegoria homérica, cita justamente este fragmento de Arquí- loco: «foi definida alegoria a técnica expressiva de dizer uma coisa querendo significar outra. Assim Arquíloco, preso nas correntezas da Trácia, compara a guerra às ondas do mar» (Heraclit. All. V, 9). É, todavia, num fragmento de Alceu, como bem nota novamente Gastaldi (2003, 194 n15), que aparece de fato pela primeira vez uma imagem que relacione diretamente o navio e a cidade:

não compreendo a direção dos ventos/ deste lado quebra uma onda/ do outro lado outra, e nós no meio/ somos levados com o navio preto, exaustos pelo violento turbilhão/ a água do porão já cobre a base do mastro/a vela é toda um trapo transparente/ras- gada com enormes lacerações» (Alcaeus fr. 208a Voigt).18

É novamente Heráclito aqui a comentar: «quem não imaginaria imediatamente, com base na imagem marinha, tratar-se de na- vegantes aterrorizados na frente do mar? Mas não é assim. São representados Mirsílio e sua conspiração tirânica contra os habi- tantes de Mitilene» (Heraclit. All. VII). Heráclito nos fornece, por- tanto, a chave-de-leitura política da imagem, que implicitamente refere-se aos golpes tirânicos que a cidade de Mitilene sofre entre os séculos VI e V. O poeta, possivelmente no exílio, vê a tirania de Mirsílio levar a cidade ao naufrágio e alerta seus concidadãos sobre o perigo iminente.19 Contudo, a imagem mais próxima àquela de Platão encontra-se nas elegias de Teógnis, escritas ainda no VI século aEN:

Se eu tivesse, oh Simónides, as riquezas que eu tive um dia, não ficaria triste ao estar em companhia dos nobres. Porém, agora a sorte passa longe: eu a vejo passar, mas estou sem palavras pela necessidade; pois deveria ter compreendido melhor do que meus

17 Sigo em parte a tradução inglesa de Gerber (1999, 146). Gerber anota que o Gira poderia ser tanto o homônimo promontório, como uma alusão mitológica às rochas na quais Ajax Lócrio encontrou sua morte (1999, 146). 18 Sigo a edição e a tradução italiana de Gentili (2006, 294). 19 Cf. Yatromanolakis (2009, 211) para a informação sobre o exílio de Alceu.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 15

concidadãos que recolhemos as brancas velas e na noite escura es- tamos à deriva nas águas de Melos. Recusam-se a esvaziar o porão, ainda que a água esteja chegando às bordas. É difícil que alguém se salve, se fazem o que fazem. Destituíram um capitão valoroso, que vigiava sabendo o que fazia (κυβερνήτην μὲν ἔπαυσαν ἐσθλόν, ὅτις φυλακὴν εἶχεν ἐπισταμένως). Dão fundo às riquezas com a violência, a ordem desapareceu e não há mais partilha equânime dos bens. Comandam os carregadores, os plebeus mandam sobre os nobres. Temo que o navio seja tragado pelas ondas. Digo isso em enigmas (ἠινίχθω) para os nobres, mas até um plebeu (κακός) de mente obtusa as compreenderia (Theog. 667-682 Young).20

Revelando uma franca perspectiva oligárquica, a alegoria de Teógnis aparenta traços profundamente comuns com a imagem de Platão, antecipando, de fato, elementos centrais da imagem do navio, como se verá em breve. Há poucas dúvidas que o navio tracejado por Sócrates na República seja inspirado nesta anterior alegoria. Especialmente significativa, neste sentido, é a descrição da figura do capitão do navio na alegoria de Teógnis. Este é dito φυλακὴν εἶχεν ἐπισταμένως, antecipando ao mesmo tempo —como bem viu Santini (2011, 70)— tanto a imagem platônica do filósofo como guardião (φυλακὴς), como também a relação da arte do gover- no (da cidade ou do navio) com o conhecimento (ἐπισταμένως). A primeira personagem que Sócrates introduz na imagem é o ναύκληρος, isto é, o armador. Para efeito de leitura, o navio da imagem platônica em questão pode ser aproximado a um veleiro comercial, como os muitos que deviam atravessar o Mediterrâneo, provavelmente deste os tempos fenícios. O comércio marítimo no mediterrâneo antigo previa, a bem ver, uma série de figuras e pa- péis, desde aquele do importador ou exportador de mercadorias até o atacadista final. Normalmente, o exportador, que desejava vender a mercadoria além-mar, alugava um navio (ou parte dele) de seu proprietário, o armador (Casson 1959, 114). Por sua vez, ao armador pertence o navio, mas não a carga que este transporta. Ele contrata os oficiais de marinha, desde o capitão até o último dos marinheiros que irão compor a tripulação. Na passagem sob

20 Sigo a tradução italiana de Ferrari (1989), com a emenda de Bruck, que lê κακός na última linha em lugar de κακόν. No segundo caso, o sentido da passagem seria ainda compreensível, é claro: «but anyone, if he is wise, can recognize the actual calamity» (Gerber 1999, 273).

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 5-30 16 Gabriele Cornelli análise, os termos que indicam este capitanear do navio remetem todos à figura do κυβερνήτης, que reúne em si as características e funções hoje normalmente divididas entre um número maior de membros da tripulação ou oficiais de marinha mercante: o κυβερνήτης é assim ao mesmo tempo comandante/capitão do na- vio, timoneiro e navegador. Que a figura doκυβερνήτης tenha múltiplas funções é evidente, até mesmo pelo uso que Platão faz do termo no interior de sua própria obra. Enquanto no primeiro livro da República (Resp. I 341c-341d) o κυβερνήτης é apelidado de ναυτῶν ἄρχων, comandante da tripulação, no Político (272e), κυβερνήτης é o próprio timoneiro do universo, que larga a barra do leme e se retira em seu lugar de contemplação.21 A precariedade dos conhecimentos náuticos gregos, junto com os normais perigos de uma viagem por mar, tornavam a navegação algo substancialmente perigoso, sempre sujeito a desfechos dramáticos, tanto no sentido de perda do cargo como da vida da tripulação.22 O armador da imagem socrática é descrito como «maior e mais forte de todos aqueles embarcados no navio, mas surdo e de vista um tanto curta, e com conhecimentos de navegação da mesma forma limitados» (Resp. VI 488a). Esses atributos do armador fa- zem imediatamente pensar em um paralelo —amplamente lem- brado pela crítica— com a personagem de Demos, protagonista dos Cavaleiros de Aristófanes. A comédia em questão é ambien- tada numa casa e não em um navio, mas as similitudes são evi- dentes. Demos, o dono da casa, é obviamente a alegoria do Povo: «Demos soberano (literalmente, frequentador da Pníx, morro onde se realizam as assembleias), um velho intratável, e surdo» (42-43) —assim o definem seus servos.23 Na comédia, Demos é continua- mente bajulado por um servo de nome Paflagônio, curtidor de pro- fissão, alegoria do demagogo: «safado e aproveitador como é, com- preende imediatamente o caráter do dono» (46), literalmente seus τρόποι. Os outros servos, indignados, roubam o oráculo sagrado

21 Cf. Keyt (2006, 192) para outras passagens platônicas que corroboram estas múltiplas funções do κυβερνήτης. 22 Veja-se neste sentido Casson: Whether under sail or oars, working these ships was strenuous, uncomfortable, and dangerous. They were much less sturdy than the robust craft of the Vikings, and the Greeks were correspondingly far less bold than those reckless sea raiders (1959, 38). 23 Orig.: Δημος Πυκνίτης, δύσκολον γερόντιον υπόκωφον.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 17 que Paflagônio custodia a sete chaves, e descobrem que o mesmo contém profecias sobre quem irá governar a cidade: primeiramen- te um vendedor de estopa, em seguida um comerciante de gado e enfim um salsicheiro Α( λλαντοπώλης, 143). Frente à maravilha do salsicheiro, que afirma não sentir-se à altura da responsabilidade, o servo declara: «a mim parece que algo de positivo você deva ter em seu currículo: não será por acaso filho de um homem de bem? (εκ καλων εἰ αγαθων, 184). Por Zeus, não! —responde indignado o salsicheiro— sou da ralé (ει μη ‘κ πονηρων γ’, 186). E pergunta, logo mais: «mas como é que posso governar o povo?». A resposta dos servos é sarcástica:

É a coisa mais fácil do mundo (Φαυλότατον ἐργον, 213): faça como sempre fez. Misture, embrulhe todos os miúdos juntos, puxe o saco do povo sempre (αει προσποιου, 215), adoce-o com frases típicas de um gastrônomo (υπογλυκαίνων ρηματίοις μαγειρικοις, 216). As virtudes do demagogo já as tem: voz bestial, origem baixa (φωνη μιαρά, γέγονας κακως, 217). Enfim, tem tudo o que é preciso para a política (ἅπαντα προς πολιτείαν ἀ δει, 218)» (Aristoph. Equit. 213-8).

Assim, ainda que Sócrates não declare explicitamente que o armador é alegoria do povo, o paralelo com a passagem de Aristó- fanes parece apontar claramente para isso. A bem ver, há também mais dois indícios para esta atribuição. Algumas páginas depois, de fato, Sócrates fala de um animal grande e forte, que algumas pessoas (identificadas com os sofistas) criam; aprendendo suas fú- rias e desejos para melhor manipulá-lo (Resp. VI 493a-b). A alego- ria do animal é imediatamente revelada: trata-se dos πολλοί (Resp. VI 493d), isto é, dos muitos, reunidos em assembleias e teatros: o povo, portanto. Um segundo indício é a própria leitura de Aristó- teles da passagem: na Retórica, Aristóteles, ao explicar a diferença entre metáfora e alegoria, afirma que naRepública Platão desenha a imagem do povo como a de um armador (Rhet. II 4 1406b 34-6). Creio, por conseguinte, que não haja de fato melhor compreensão para a alegoria do armador que a simbolização do povo.24 Deste modo, o paralelo desvela com especial efetividade a fi- gura do armador. Ainda que maior e mais forte de todos (por ser

24 Veja-se, todavia, a sugestão de Centrone (2011, Livro VI, n12 ) que associa, diversamente, a imagem do armador àquela dos políticos atenienses da época.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 5-30 18 Gabriele Cornelli o povo, o dono da cidade-navio) é, todavia, gravemente limitado em suas competências para o governo do navio. Esta limitação é o mote dramático e teórico que anima a imagem: pois os ma- rinheiros (como os servos de Demos) se movimentam no sentido de assumir o governo em lugar do dono.25 Na imagem do navio, a falta de conhecimento da τέχνη da navegação por parte dos que aspiram a serem capitães constitui o escândalo: é impensável que os que aspiram ao governo não tenham qualquer educação. A absoluta falta de educação para a política e a afirmação sar- cástica da negação da necessidade de qualquer formação ou edu- cação para o governo constituem também uma convergência fun- damental entre as duas imagens. Certamente,a insistência na centralidade desta questão, evi- denciada no paralelo com a alegoria sarcástica de Aristófanes, conforme vimos, possui sinais textuais próprios na imagem platô- nica notadamente, a insistência sobre não poder indicar onde se graduaram capitães e quando isso teria ocorrido. Este constitui um destaque que não deve certamente surpreender: o tema da educação dos governantes é exatamente umas das questões-cha- ve da República e, mais em geral, da reflexão política de Platão. Assim, a insistência dos marinheiros em afirmar que a arte da navegação não seria ensinável não é inédita. Ela ecoa, certamente, as posições de filosofia política colocadas na boca de Protágoras no mito de origem da cidade. No início do homônimo diálogo platô- nico, a capacidade de fazer política pertence a todos os cidadãos, não requerendo, portanto, qualquer educação. Assim, a imagem do navio localiza-se precisamente no eixo central da polêmica de Platão com a retórica, a sofística e o partido democrático: a não necessidade de possuir uma especial formação política é de fato o «postulado basilar da democracia» (Gastaldi, 2003, 197). Contudo, Platão não pode aceitar a tese democrática de que qualquer um, sem qualquer educação, possa fazer política. Não

25 O armador da imagem platônica possui, além de sua tendencial surdez, tam- bém a vista limitada. Há nisso certamente uma referência à importância da vista para a navegação, mas também provavelmente um destaque todo platônico à visão como faculdade central para os guardiães, ligada exatamente ao necessário exer- cício da theoría. O navegador do navio, como o caminhador da alegoria da caverna algumas páginas na sequência, é de fato um atento contemplador do céu. Cf. Keyt (2006, 197) e Santini (2011, 129).

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 19 tanto —ou não somente— por sua fé política de clara matriz oli- gárquica. Platão está convencido que, sem uma reforma da classe política, reforma esta que passa fundamentalmente por uma edu- cação dos que serão guardiães, o único cenário possível de justiça é aquele expresso por Trasímaco no início da República, pelo qual «justo é o interesse (συμφέρον) do mais forte» (Resp. I 338c).26 É pro- curando responder a esta posição teórica que Platão parece querer escrever o restante do diálogo. O interesse do mais forte, a política pensada e vivida como prevaricação é exatamente o que a imagem platônica segue descrevendo:

Afirmam, ao contrário, que essa arte não é ensinável, e matam ime- diatamente quem afirma que seja ensinável. Se põem sempre em volta do armador suplicando e fazem qualquer coisa para que ele passe o leme27 para eles. Por vezes, ao não conseguirem persuadi- -lo, enquanto outros tiveram sucesso nisso, matam estes últimos e os jogam para fora do navio (Resp. VI 488b-c).28

A violência é, portanto, a marca deste navio, e da cidade que es- teja nas condições descritas na imagem. Impossível não reconhe- cer, na figura destroçada de quem afirma que a arte da navegação (leia-se, da política) seja ensinável, uma referência trágica e me- lancólica de Platão à sorte infeliz que tocou ao próprio Sócrates.29 Da mesma forma, é clara a referência à violência de uns contra os outros, que assume as conotações de guerra civil. Não acaso, Platão havia utilizado, logo acima, a expressão στασιάζοντας referi- da aos mesmos marinheiros em contínua luta para conseguirem o comando do navio. A referência do verbo à στάσις, à luta intestina à

26 Orig.: τὸ δίκαιον οὐκ ἄλλο τι ἢ τὸ τοῦ κρείττονος συμφέρον. 27 Traduzi o termo πηδάλιον por leme, ainda que tecnicamente os veleiros an- tigos não possuíssem ainda um leme: o πηδάλιον é mais precisamente constituído por dois remos de direção, colocados um de cada lado do navio. O leme, enquanto peça situada na popa da embarcação e a esta fixada, assim como o compasso para a navegação, foram inventados somente na Idade Média, por volta do ano 1200 EC (Casson, 1959, 246). Para uma descrição mais técnica do funcionamento e da navegação da trireme ateniense cf. Morrison & Coats (1986) e, especialmente, o instigante relatório de Coats (1989) na Scientific American. 28 Orig.: πρὸς δὲ τούτοις φάσκοντας μηδὲ διδακτὸν εἶναι, ἀλλὰ καὶ τὸν λέγοντα ὡς διδακτὸν ἑτοίμους κατατέμνειν, αὐτοὺς δὲ αὐτῷ ἀεὶ τῷ ναυκλήρῳ περικεχύσθαι δεομένους καὶ πάντα ποιοῦντας ὅπως ἂν σφίσι τὸ πηδάλιον ἐπιτρέψῃ, ἐνίοτε δ’ ἂν μὴ πείθωσιν ἀλλὰ ἄλλοι μᾶλλον, τοὺς μὲν ἄλλους ἢ ἀποκτεινύντας ἢ ἐκβάλλοντας ἐκ τῆς νεώς 29 Do mesmo aviso também Gastaldi (2006, 198).

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 5-30 20 Gabriele Cornelli cidade, à guerra civil que marca os últimos anos do século V, não passa despercebida. Santini (2011, 131) vê no termo um paralelo com a mesma situação representada no poema de Alceu, acima citado. Creio, todavia, que o termo στάσις resume mais generica- mente, na literatura do tempo, o amplo léxico da guerra civil, que constitui um evidente pano de fundo da imagem.30 Não somente pela violência física, porém, se expressa o συμφέρον, o interesse, dos mais fortes. A imagem segue descrevendo outras estratégias dos marinheiros:

Enovelando o nobre armador com a mandrágora, o vinho ou qual- quer outro expediente, tomam o controle do navio, assaltando as provisões, bebendo e realizando suntuosos festins e navegando como é de se esperar de capitães como estes. E ainda enaltecem, chamando-o de navegador, capitão e verdadeiro conhecedor das coisas náuticas aquele que é capaz de entregar-lhes o comando, que o faça utilizando a persuasão ou a violência para com o armador, censurando como inútil quem assim não age (Resp. VI 488c-d).31

A persuasão e a violência são aqui, significativamente, colo- cadas no mesmo plano de responsabilidade. A polêmica com a

30 Cf. discuti a maneira como Platão enfrenta o debate sobre a reestruturação de Atenas depois da Guerra civil num artigo recente (Cornelli & Batagello 2012). Não creio seja o caso de distinguir, como faz Keyt (2006), no interior da imagem, entre guerra civil, propriamente dita, e expulsão —por vias legais, ainda que de- magógicas— dos adversários políticos: «Plato characterizes faction (stasis) as the domestic equivalent of foreign war (Resp. V 470b4-9), he does not intend for the sailors’ rivalry to represent full-scale civil war such as that at Corcyra during the Peloponnesian War (Thucydides 3.69-85). Killing rival sailors or throwing them overboard represents the judicial murder or banishment of political rivals through the instrumentality of the popular law courts» (compare Resp. VIII 565e3-566a4) (Keyt 2006, 195). Antes de mais nada porque a própria imagem platônica pare- ce, como creio ter mostrado há pouco, articular de maneira coerente ambas as ações. A luta dos marinheiros entre eles é aproximada à στάσις e os que ganham a confiança do armador são jogados borda afora. Além disso, a guerra civil e as sucessivas expulsões dos adversários políticos são duas faces da mesma moeda na história de Atenas no final do século IV. A distinção proposta, portanto, não é necessária. 31 Orig.: τὸν δὲ γενναῖον ναύκληρον μανδραγόρᾳ ἢ μέθῃ ἤ τινι ἄλλῳ συμποδίσαντας τῆς νεὼς ἄρχειν χρωμένους τοῖς ἐνοῦσι, καὶ πίνοντάς τε καὶ εὐωχουμένους πλεῖν ὡς τὸ εἰκὸς τοὺς τοιούτους, πρὸς δὲ τούτοις ἐπαινοῦντας ναυτικὸν μὲν καλοῦντας καὶ κυβερνητικὸν καὶ ἐπιστάμενον τὰ κατὰ ναῦν, ὃς ἂν συλλαμβάνειν δεινὸς ᾖ ὅπως ἄρξουσιν ἢ πείθοντες ἢ βιαζόμενοι τὸν ναύκληρον, τὸν δὲ μὴ τοιοῦτον ψέγοντας ὡς ἄχρηστον,

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 21 retórica e a sofística não pode ser mais explícita. Mandrágora e vinho são utilizados para imobilizar o armador. O mesmo tipo de resultado narcótico pretendido tradicionalmente pela persuasão.32 O armador é dito γενναῖον, isto é nobre, bem-nascido. Ainda que possivelmente irônico, como parece entendê-lo Keyt (2006, 195), o termo pode, entretanto, remeter mais simplesmente à nobreza ou ao poder econômico de quem é proprietário do navio. Creio que seja possível concordar com o clássico comentário de Adam (1902, 9), neste sentido, segundo o qual o armador, por suas posses, se- ria fundamentalmente uma vítima da violência (e da persuasão) dos marinheiros. 33 Quem assim não age, isto é, quem não procura o poder com o engano e a violência, é chamado de ἄχρηστον, inútil. O tema da inutilidade da filosofia retorna aqui ao coração da imagem. O resultado da tomada do comando dos marinheiros é du- plamente pernicioso: a carga do navio é dissipada em festins e embriaguez, enquanto a correta navegação é consequentemente comprometida. A rota de um navio assim comandado não pode não ser trágica, tanto na imagem como naquilo que essa quer sig- nificar. Vislumbra-se, no horizonte, o perigo do naufrágio de uma cidade, resultado esperado quando se substitui a justiça por uma gestão privada imprudente da coisa pública.

4. O verdadeiro capitão Imediatamente depois da descrição em cores tão vivas da deriva da cidade, Platão, coloca finalmente em cena, como que ex machina, a utopia. Ela é representada pela figura do verda- deiro capitão:

Quanto ao verdadeiro capitão, não se dão conta que precisa se ocu- par das condições do tempo, das estações, do céu, dos astros, do vento e de todas as coisas que dizem respeito à arte da navegação, se deseja ser efetivamente um comandante de navio. Assim, para ser capitão, querendo ou não, eles não pensam ser possível adqui-

32 Veja-se, entre outros, o que diz Górgias no Encômio de Helena (14) sobre os efeitos narcóticos da má persuasão. 33 Trata assim Adam: though unwieldy, sluggish, and dull-witted (cf. Ap. 30), he is placid, and not deliberately vicious (1902, 9). Afasto-me, logo, da leitura de Santini (2011, 135) que sugere uma culpa ou, pelos menos, uma falta de responsa- bilidade do armador, que deveria estar pronto e capacitado pelo governo do navio.

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rir ao mesmo tempo a arte e a cura da navegação e com isso34 capi- tanear o navio. Quando este tipo de coisas acontece a bordo de um navio, crês que o verdadeiro capitão seria chamado, por aqueles que navegam em navios equipados desta maneira, de alguém com a cabeça nas nuvens, de tagarela ou inútil? (Resp. VI 488d-489a)35

O capitão ἀληθινός, verdadeiro, é a garantia de que a rota do na- vio não leve ao naufrágio, portanto. O jogo da imagem é consisten- te com a ideia geral destas passagens da República, nas quais os guardiães-filósofos são a única possibilidade de salvação de uma cidade de outra forma condenada ao naufrágio. O capitão verda- deiro, educado na arte da navegação, exerce fundamentalmente a ἐπιμέλεια, que traduzimos por ocupar-se de, mas cujo sentido é certamente mais complexo, articulando ao mesmo tempo a ideia do estudo/preparação com aquela da vigilância atenta e concreta. Ambas atividades facilmente atribuíveis ao ofício de um timoneiro. É o próprio elenco das atividades do capitão, entretanto, a descre- ver com maior precisão a quais objetos está dedicada esta ἐπιμέλεια: as condições do tempo, as estações, o céu, os astros, o vento. Uma atenção multíplice, portanto, esta do capitão, e que re- quer conhecimentos reconduzíveis ao âmbito de astronomia e da geometria. A formação teórica de capitão assim descrito, de fato, é completamente coberta pela astronomia, que se ocupa das es- tações e dos astros, conforme a própria descrição de Platão no Banquete (Symp. 188b). Na astronomia, assim com na navegação, revestem uma especial atenção a observação dos fenômenos celes- tes (οὐρανοῦ καὶ ἄστρων). Este olhar voltado para os céus não pode não fazer pensar nas duas alegorias centrais que irão ocupar as páginas seguintes da República: a do Sol e a da Caverna. Na alegoria da caverna, o prisioneiro libertado também olha para as estrelas à noite e para o sol durante o dia. Mais um sinal de como

34 Sigo na tradução desta difícil passagem a solução proposta por Vegetti para o sentido de ἅμα (Vegetti 2006, 46, nota 33). Mas veja-se também já Adam (1902, 12). 35 Orig.: τοῦ δὲ ἀληθινοῦ κυβερνήτου πέρι μηδ’ ἐπαΐοντες, ὅτι ἀνάγκη αὐτῷ τὴν ἐπιμέλειαν ποιεῖσθαι ἐνιαυτοῦ καὶ ὡρῶν καὶ οὐρανοῦ καὶ ἄστρων καὶ πνευμάτων καὶ πάντων τῶν τῇ τέχνῃ προσηκόντων, εἰ μέλλει τῷ ὄντι νεὼς ἀρχικὸς ἔσεσθαι, ὅπως δὲ κυβερνήσει ἐάντε τινες βούλωνται ἐάντε μή, μήτε τέχνην τούτου μήτε μελέτην οἰόμενοι δυνατὸν εἶναι λαβεῖν ἅμα καὶ τὴν κυβερνητικήν. τοιούτων δὴ περὶ τὰς ναῦς γιγνομένων τὸν ὡς ἀληθῶς κυβερνητικὸν οὐχ ἡγῇ ἂν τῷ ὄντι μετεωροσκόπον τε καὶ ἀδολέσχην καὶ ἄχρηστόν σφισι καλεῖσθαι ὑπὸ τῶν ἐν ταῖς οὕτω κατεσκευασμέναις ναυσὶ πλωτήρων;

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 23 a imagem do navio está profundamente entrelaçada com as outras imagens onto-epistemológicas utilizadas por Platão nestas páginas centrais da República. Não somente a astronomia, mas também a própria referência aos ventos,—como bem sabe o velejador— impli- ca diretamente a ciência da geometria, pois velejar é uma incessan- te procura pelos melhores ângulos entre as velas e o vento. Geome- tria e astronomia —como vimos— constituem as marcas da filosofia platônica na crítica contida na passagem de Isócrates acima citada. Como é de se esperar pela economia da imagem, o verdadeiro capitão não obteria o favor dos marinheiros descritos nas linhas logo acima: ao contrário, seria considerado por eles «alguém com a cabeça nas nuvens (μετεωροσκόπος), tagarela (ἀδολέσχης), ou inú- til». Os epítetos μετεωροσκόπος e ἀδολέσχης são frequentemente atri- buídos, na literatura do seu tempo, ao próprio Sócrates. Já nas Nuvens de Aristófanes, de fato, o mestre ateniense é chamado de μετεωροσοφιστής no verso 360 e ἀδολέσχης no verso 1480.36 Contudo, é na dupla alegoria da navegação e da medicina articulada pelo mes- mo Platão nas páginas do Político (Pol. 296e ss) que os dois epítetos encontram um paralelo mais direto. Aqui o capitão do navio é tam- bém chamado μετεωρολόγον, ἀδολέσχην τινὰ σοφιστήν (Pol. 299b), isto é alguém com a cabeça nas nuvens, um sofista tagarela.37 A expres- são paralela acima, com o acréscimo da qualificação de σοφιστής, é bastante reveladora, e manifesta a intenção de Platão de se referir, também neste caso, a Sócrates e a seu trágico destino histórico. De fato, imediatamente a seguir, esta mesma personagem, alguém que se ocupa de navegação ou medicina (ἐπιτίθεσθαι κυβερνητικῇ καὶ ἰατρικῇ) é chamada a juízo pela acusação de ser corruptor de jovens (διαφθείροντα νεωτέρους) (Pol. 299b-c). Como é amplamente sabido, a corrupção da juventude é parte central da acusação contra Só- crates (Cf. Apol. 24b-c) e a imagem deve ter sido construída para remeter o leitor imediatamente a isso.38

36 Cf. para outras referências Keyt (2006, 198). 37 A economia deste ensaio não me permite um estudo mais preciso dos di- versos e fecundos paralelos entre esta imagem da República e a dupla imagem do Político para a compreensão da proposta política platônica, de maneira especial com relação às modalidades democráticas implicadas. Espero proximamente po- der dedicar a eles um ensaio. 38 Logo, a referência ao destino de mestre é, mais uma vez, uns dos motivos centrais da construção da imagem do verdadeiro capitão. Nesta mesma referência, está implícito um dos sentidos pretendidos na alegoria: o capitão que navega com

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O terceiro epíteto com o qual o verdadeiro capitão é apelidado pela tripulação é de inútil, ἄχρηστός. O termo retorna novamen- te na imagem, como que a fechar a mesma no contexto desta já mencionada inutilidade da filosofia. Articulado com os outros dois epítetos, porém, o termo assume uma conotação ao mesmo tempo mais precisa e decisiva para a economia da alegoria. A inu- tilidade de Sócrates e dos seus é, de fato, também estritamente conectada com a tagarelice nas Nuvens de Aristófanes. A ἀδολεσχία de Sócrates e de seus discípulos é mencionada no próprio desfe- cho final da comédia, na cena do incêndio do Pensatório. Trata- se de uma crítica sarcástica bastante comum ao conteúdo dos conhecimentos teóricos (investigação das nuvens!) da filosofia e —mais precisamente— da educação socrática. Esta educação fi- losófica é percebida como enganadora por não trazer qualquer utilidade prática, da mesma forma como a educação do capitão na imagem platônica é considerada, por parte da tripulação, inú- til para a tomada do poder. Sente-se aqui ecoar a crítica geral à filosofia platônica esboçada por Isócrates na Antídosis, onde a filosofia dos astrônomos e geômetras —conforme vimos acima— é apelidada de ἀδολεσχίαν καὶ μικρολογίαν, isto é de tagarelice e ninha- rias (Isocr. Antid. 269).39 Que a tragédia política de Sócrates (e a dos socráticos com ele, entre os quais certamente Platão) esteja de fato por trás da imagem do capitão é também evidente pela passagem final, que parece querer retomar, em tom de fechamento, a legenda inicial (Resp. VI 488a) sobre os sofrimentos dos valorosos e o hibridismo da imagem:

Não creio, portanto, que você precise examinar detalhadamente a imagem para compreender que ela representa a relação das cida- des com os verdadeiros filósofos, mas você entendeu o que eu quis dizer. Antes de mais nada, portanto, explique a imagem aos que se maravilham que os filósofos não estejam na devida consideração

conhecimento da arte requerida para a navegação não precisa do consenso por parte da tripulação. Esta mesma implicação é explorada a seguir na imagem da República, assim como no próprio longo excursus do Político acima citado. Sobre os motivos da condenação de Sócrates, entre eles exatamente a corrupção dos jovens, dediquei um artigo algum tempo atrás (Cornelli-Chevitarese (2008). 39 Cf. também Gastaldi (2006, 202).

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por parte das cidades, e procure convencê-los que deveriam se ma- ravilhar bem mais se o fossem (Resp. VI 489a).40

O círculo hermenêutico da imagem, portanto, está aqui conclu- ído: estamos falando das cidades, e de maneira especial de uma cidade que não tem em qualquer consideração os filósofos, como foi o caso de Sócrates e os seus. Estamos falando de Atenas, ora. Não deve surpreender, portanto, a expressão Οὐ δή οἶμαι δεῖσθαί σε ἐξεταζομένην τὴν εἰκόνα, que traduzi por «Não creio que você precise examinar detalhadamente a imagem». Pois a alegoria do navio é a representação da realidade política de Atenas em sua nudez mais crua, a mesma que está diante dos olhos de Adimanto. Daí a ob- servação de Sócrates sobre a não-necessidade de um escrutínio muito complicado do sentido da imagem: a imagem representa o avesso da utopia que é obviamente a própria realidade histórica de Atenas, como Platão quer continuamente indicar com as refe- rências nem tão veladas à sorte de Sócrates e dos seus. O que a imagem ensina é que com atores políticos, como aqueles repre- sentados na imagem do navio, é impossível para os filósofos terem o lugar que lhes caberia.Não é preciso imaginar isso nos detalhes —parece sugerir Platão: basta olhar para a história recente e a atualidade de Atenas! Há, no entanto, um outro convite feito a Adimanto, desta vez de sinal positivo. É um convite para passar à ação, de certa maneira. Uma ação marcada por dois verbos que acompanharam todo o desenrolar-se da imagem: δῐδάσκω e πείθω. Adimanto deve explicar/ ensinar a imagem para convencer os que se maravilham que os filósofos não estejam na devida consideração, isto é, capitaneando o navio da cidade. A imagem do navio revela nesta legenda final um convite para a atividade política voltada à educação e à persu- asão. A mensagem a ser transmitida é que o avesso da utopia da cidade, onde os filósofos não são governantes, não deve surpreen- der. Trata-se, evidentemente de um convite a repercorrer e fazer repercorrer a história das últimas décadas de Atenas para con- vencer da dramática necessidade da superação das três ondas.

40 Orig.: Οὐ δή, ἦν δ’ ἐγώ, οἶμαι δεῖσθαί σε ἐξεταζομένην τὴν εἰκόνα ἰδεῖν, ὅτι ταῖς πόλεσι πρὸς τοὺς ἀληθινοὺς φιλοσόφους τὴν διάθεσιν ἔοικεν, ἀλλὰ μανθάνειν ὃ λέγω. (...) Πρῶτον μὲν τοίνυν ἐκεῖνον τὸν θαυμάζοντα ὅτι οἱ φιλόσοφοι οὐ τιμῶνται ἐν ταῖς πόλεσι δίδασκέ τε τὴν εἰκόνα καὶ πειρῶ πείθειν ὅτι πολὺ ἂν θαυμαστότερον ἦν εἰ ἐτιμῶντο.

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De maneira especial, é a terceira delas, isto é, a necessidade de confiar o governo aos filósofos, para que a cidade-navio possa en- contrar sua rota segura, aquilo que move o apelo mais premente. Uma política e uma educação que novamente se colocam contra a corrente, portanto. Este último convite, feito a Adimanto, para repercorrer (e aju- dar a repercorrer) a história recente de Atenas encerra a imagem como tal. É confiado ao leitor, desta maneira, o sentido pretendido pela imagem e sua função no interior da argumentação dos livros centrais da República: o navio/cidade demanda qualidades para seu governo só encontradas nos filósofos.

5. Conclusão Na economia dos livros centrais da República, a imagem do na- vio representa, portanto, uma tentativa derradeira de convencer o interlocutor da necessidade de confiar o governo aos filósofos. Os motivos para isso foram amplamente discutidos no excursus teórico sobre a natureza do filósofo que precede a imagem, e de- pendem do pressuposto de que somente os filósofos teriam edu- cação e conhecimentos necessários para capitanear o navio. Às formas e às modalidades desta educação dos guardiães-filósofos, são dedicadas as páginas que seguem a imagem. A gravidade da discussão —sublinhada pela necessidade de repensar a educação dos guardiães ἐξ ἀρχῆς, do zero (Resp. VI 502e)— é de certa forma consequência do impacto dramático da imagem monstruosa e hí- brida do navio à deriva. Imagem invertida, como se viu, representação do avesso da utopia que é o naufrágio de Atenas, a alegoria do navio assume assim seu lugar no interior das célebres imagens que marcam es- tes livros fundamentais da República; sol, linha e caverna. Logo, o navio resulta importante não somente porque antecipa —como vimos— temas e sugestões que reaparecerão nas ainda mais cele- bradas imagens que lhe fazem sequência, mas precisamente por- que representa uma passagem chave para o desdobrar-se da ar- gumentação. A imagem revela em tons dramáticos a necessidade da formação do verdadeiro capitão do navio, como alguém que se distingue dos outros pretendentes exatamente por ter sido educa- do na arte da navegação. Esse governo do navio, como o da cidade, requer uma ampla e significativa componente teórica: astronomia, geometria, etc. É

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Platão contra a corrente. A imagem do navio na República 27 esta primeira imagem portanto que dá o tom do restante da dis- cussão. Isso porque, ela estreia no texto o que será discutido por Sócrates a seguir, ou seja, o argumento segundo o qual a forma- ção dos guardiães precisará de um suplemento teórico. A busca é por uma garantia de que eles estejam dotados das capacidades éticas e teoréticas necessárias para a função. Esta garantia pas- sará, nos livros VI e VII da República, pela construção de um hori- zonte onto-epistemológico ao qual o capitão/guardião possa olhar ao pilotar o navio da cidade. As outras três imagens —do sol, da linha e da caverna— se inserem, certamente de forma mais celebrada pela tradição, neste esforço de consolidação do horizonte de referência dos filósofos chamados a guiar a cidade. É o avesso da utopia representado pela imagem do navio, entretanto, que inaugura, e torna necessá- rio, o desdobramento teórico e analógico deste mesmo horizonte. Ao final deste percurso, a alegoria da caverna encena significativa- mente uma reviravolta nos rumos captados pela imagem do navio: uma utopia realizada, de certa maneira, com a ação do prisioneiro que se liberta e liberta os outros. Platão parece querer assim en- cerrar o ciclo das imagens justamente na caverna. A imagem do navio, deixada em suspenso com sua carga de dramaticidade, é todavia crucial porque levanta quais são as atribulações a serem finalmente resolvidas na imagem da caverna. O avesso da utopia aqui representada na imagem do navio pa- rece desempenhar também —para além da economia própria do texto da República— um papel polêmico no interior do debate po- lítico da Atenas do IV século, imediatamente após a derrota da cidade frente às guerras civis que assolaram os últimos anos do Século V e o início do IV. Debate que já havia ganhado provavel- mente os palcos da comédia, assim como os bancos das praças e de jardins como aqueles de Isócrates e da própria Academia. Neste debate, Platão navega —como vimos— contra corrente. Enquanto sua proposta de confiar o governo aos filósofos entra em direta colisão com a ideologia democrática, o currículo da filosofia pre- tendido para a formação destes guardiães é fortemente criticado por Isócrates e outras agências de formação políticas atenienses. Platão, de um lado, utilizando os motivos de uma alegoria já consolidada entre navio e cidade, defende sua proposta oligárqui- ca de cidade justa, porque confiada ao governo dos verdadeiros capitães, isto é, dos filósofos. Por outro lado, mais uma vez, Platão

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 5-30 28 Gabriele Cornelli embute na polêmica uma referência clara ao destino trágico de Só- crates, protótipo do verdadeiro capitão. É Sócrates, de fato, quem navegou contra corrente na política e na educação atenienses, e por isso foi morto e jogado para fora do navio pela tripulação. A imagem do navio, portanto, constitui também uma renovada apo- logia da atuação do mestre e dos socráticos (entre eles o próprio Platão) nos concitados anos da guerra civil ateniense.

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Cornelli, Gabriele, «Platão contra a corrente. A imagem do na- vio na República», SPhV 16 (2014), pp. 5-30.

RESUMO

O presente artigo consiste na análise da imagem do navio, pre- sente no Livro VI da República de Platão, no contexto da principal discussão dos livros centrais do diálogo, ou seja, o governo da cidade por parte dos filósofos. Quando comparada às outras mais célebres imagens —sol, linha e caverna— que compartilham as mesmas páginas platônicas, o navio não recebeu a mesma aten- ção da tradição dos comentadores. Neste ensaio procurarei de- monstrar a relevância da imagem, fundamental tanto na econo- mia dos argumentos dos Livros VI e VII de República, como para o debate político ateniense em curso nos anos em que o Platão estava produzindo as teses contidas no diálogo.

Palavras-chave: Platão, República, utopia, alegoria do navio.

ABSTRACT

This ship simile as is shown in Book VI of Plato’s Republic will be analyzed considering its place within the discussion on whe- ther to trust the city government to philosophers, core theme of the central books of the dialogue. When compared to the other celebrated pictures —sun, line and cave— holding these Platonic pages, the image of the vessel has not received the same attention paid by the tradition of the commentators to the other images. My attempt in this paper is to show the relevance of the image in both the arguments of Books VI and VII of Republic and the Athenian political debate going on in the same years in which Plato was writing his dialogue.

Keywords: Plato, Republic, utopia, ship simile.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 5-30 Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 31-50 ISSN: 1135-9560

La Repubblica di Platone fra totalitarismo, dissimulazione e utopia Plato’s Republic among , concealment and utopia

Francesco Fronterotta

Data de recepció: 09/05/14 Data d’acceptació: 05/08/15

La Repubblica di Platone non cessa di suscitare, fra i filosofi e i commentatori, un dibattito intenso e controverso, tanto dal punto di vista del progetto etico e politico che disegna, quanto sul piano delle implicazioni psicologiche, epistemologiche e ontologiche con- nesse alla definizione del sapere dei filosofi che, secondo Platone, devono essere collocati alla guida di tale progetto. Non è questo, naturalmente, il contesto opportuno per suggerire un’interpreta- zione d’insieme del dialogo; quanto mi propongo è, più modesta- mente, di presentare e discutere alcune delle linee di analisi che la critica del XX secolo ha seguito per mettere a fuoco la dottrina etico-politica che ne emerge, assumendo come punto di riferimen- to la celebre invettiva che a tale dottrina ha rivolto Karl Popper. Una difficoltà preliminare, che va in qualche modo immediata- mente affrontata, riguarda l’oggetto del dialogo: se Diogene Laerzio non mostra dubbi nel catalogare la Repubblica fra i dialoghi politici di Platone (III 50-51), è abbastanza facile constatare come l’opera sia caratterizzata da un intreccio tematico che non si lascia sciogliere in una scansione disciplinare ben determinata, se non al prezzo di schematizzazioni in parte forzate.1 Il dialogo, infatti, si snoda come

1 Sulla composizione, l’articolazione tematica e l’unità letteraria della Repubbli- ca, si vedano per esempio Vegetti 1998-2007, vol. I (1998), pp. 15-23, Yunis 2007, Rowe 2007 e Weiss 2007. Sullo statuto dei libri I e X del dialogo, tradizionalmente 32 Francesco Fronterotta segue: mentre il libro I introduce il tema della giustizia, della sua natura e della sua definizione, con un’andatura e uno stile che ri- cordano abbastanza esplicitamente le indagine socratiche condotte nei cosiddetti «dialoghi giovanili», con la consueta contrapposizione, a tratti assai violenta, alle posizioni ascrivibili alla sofistica, a parti- re dal libro II, il problema della giustizia viene esteso, per analogia, all’ambito della costituzione e della struttura della città, forse meglio identificabile per il suo carattere concreto e storicamente determina- to (368b-369b), con il tentativo, condotto ancora nel libro III, di effet- tuare una ricognizione completa della struttura socio-istituzionale della città, con l’individuazione delle classi che la compongono e con la rigorosa ripartizione dei compiti e delle funzioni che a ciascun cittadino sono assegnati. Ma è il libro IV che produce una svolta nell’analisi, perché, riproponendo l’analogia fra l’indagine sulla giu- stizia a livello individuale e al livello della città, giunge a stabilire la sua definizione universale come consistente nell’esercizio, per ogni individuo (e per ogni componente psico-fisica di ogni individuo) o per ogni agente istituzionale (cittadino, classe sociale, città), della sua funzione propria: la giustizia è, di conseguenza, τὰ ἑαυτοῦ πράττειν (433a), in base al principio, che rappresenta un filo conduttore nar- rativo e a un tempo un nucleo teorico situato, implicitamente ed esplicitamente, al cuore della Repubblica, secondo cui l’esercizio, da parte di ogni elemento particolare di un insieme, della propria fun- zione naturale compone, garantisce e preserva l’equilibrio armonico dell’insieme, dunque, in tal senso, la sua tavxiς, che coincide di fatto con la «giustizia» della sua disposizione strutturale e funzionale. A partire dal libro V, la sfida rivolta a Socrate dai suoi interlocutori consiste nel precisare le condizioni di possibilità di una simile strut- tura istituzionale, di cui vengono fissate dapprima le «scandalose» tappe socio-politiche, con le celebri «ondate» relative alla necessità della comunanza pianificata della proprietà, della produzione dei beni e della procreazione, fino alla più ardua esigenza del governo dei filosofi.2 Particolarmente quest’ultimo assunto richiede, dall’ulti-

visti come in qualche modo distinti dal (o almeno problematicamente congiunti al) resto dell’opera, cfr. rispettivamente Kahn 1993 (da affiancare all’ancora utile sta- tus quaestionis di Giannantoni 1957), e Annas 1981, pp. 334-35, Kraut 1997, p. 263, e Vegetti 1998-2007, vol. VII (1998), pp. 16-19. 2 Si vedano in proposito, con ampia ricognizione bibliografica, Campese 2000a, Campese 2000b e Vegetti 2000b.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 31-50 La Repubblica di Platone fra totalitarismo, dissimulazione... 33 ma parte del libro V e fino al VII, una rigorosa giustificazione, che si articola attraverso un’assai complessa dimostrazione che sancisce la differenza fra il sapere dei filosofi e le opinioni degli uomini comu- ni, premessa indispensabile per spiegare e difendere il ruolo domi- nante dei filosofi nella città, e di seguito stabilisce l’opportuno cur- riculum formativo dei futuri filosofi-governanti. Il libro VIII esamina poi, con il rigore diagnostico di una vera e propria analisi sociologica della natura e delle degenerazioni del potere politico nella dialettica del suo esercizio istituzionale e sociale, le diverse forme di governo storicamente corrispondenti alle forme assunte come canoniche nel pensiero politico greco e, del resto, di fatto coincidenti con i princi- pali generi di regime concretamente prodottisi nel mondo greco, cui segue, nel libro IX, una ripresa del tema originale della giustizia, al fine di dimostrare, tornando nuovamente sul piano psicologico indi- viduale, la superiorità e la felicità del giusto rispetto all’ingiusto, in virtù del parallelismo stabilito, sul piano della forma di governo, con la relazione fra il sistema istituzionale più giusto rispetto all’ingiu- sto. Il dialogo, che potrebbe a questo punto dirsi compiuto, prosegue invece nel libro X, nel quale si torna, pur se con accenti diversi, sulla giustificazione della superiorità del sapere dei filosofi, che va assunto come paradigma pedagogico e gestionale della condotta individua- le e collettiva, rispetto al sapere comune rappresentato dalle forme abituali della cultura tradizionale, per esempio dell’arte imitativa e della poesia, epica o tragica.3 Un lungo e complesso monologo mito- logico, dedicato all’esposizione del destino dell’anima individuale nel corso della sua vicenda immortale, conclude la Repubblica, traspo- nendo di fatto l’affermazione della superiorità e della desiderabilità della giustizia rispetto all’ingiustizia, dall’ambito psico-fisiologico e socio-politico all’ambito propriamente metafisico ed escatologico. Di fronte a un’articolazione tematica così complessa, è inevita- bile chiedersi dove si collochi esattamente il nucleo propriamente «politico» del dialogo, a meno che, naturalmente, non lo si voglia identificare nella messa in scena dei personaggi, con i loro diver- si ruoli dialettici, o nella continuità della sequenza argomentativa

3 Della complessa e articolata trattazione dell’arte, e della poesia in particolare, nella Repubblica, dal punto di vista pedagogico dell’educazione dei cittadini, come anche dal punto di vista epistemologico della sua funzione puramente imitativa, si sono occupati esaustivamente Gastaldi 1998b, Calabi 1998, Schofield 2007, Ga- staldi 2007, e soprattutto, attraverso un esame sistematico, Naddaf 2002.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 31-50 34 Francesco Fronterotta che essi costruiscono,4 problemi rispetto ai quali è stata rinnovata l’attenzione soprattutto da parte degli studiosi che si richiamano al «dialogical approach» (per il quale si veda più avanti), ma si trat- terebbe, a mio avviso, di un’evidente diminutio. Del resto, come ha osservato Vegetti,5 è possibile individuare alcune linee di riflessio- ne abbastanza nette nella concezione platonica della politica: dalla definizione dello statuto del governo della città, con la determina- zione dei requisiti per accedervi, degli obiettivi da raggiungere e degli strumenti di consenso per conservarlo, alla corrispondente struttura sociale, economica e istituzionale della città, con l’esame dei rapporti di classe cui essa dà luogo e delle diverse possibili situazioni concrete in cui la città storicamente si trova (in pace o in guerra, stabilendo oppure no relazioni di scambio con altre cit- tà e così via). Il punto di partenza abituale per questa indagine è rappresentato dalla constatazione che la città esistente è «malata» (VIII 544c) e che occorre pertanto studiare le cause e il decorso di questa malattia per poterla curare e per poter infine proporre un modello istituzionale immune da tali rischi; il sintomo principale della malattia della città è il conflitto perdurante, non solo nell’A- tene di Platone, fra le sue distinte componenti sociali, la στάσις, che produce una sorta di guerra civile permanente, interna alle singole città oppure fra le diverse città del mondo greco: in questo ambito, l’imputato principale è certamente il regime democratico atenie- se, che Platone considera come ineludibilmente esposto all’esito di una degenerazione demagogica, coincidente con l’asservimento dei fini di governo alle spinte irrazionali provenienti dalla massa e dunque in contraddizione radicale con il principio platonico del perseguimento del bene, individuale e collettivo, sulla base del sa- pere.6 Si è ricordato poco sopra, nella forma sintetica e puramente riassuntiva del resoconto dell’argomento della Repubblica, quali si-

4 Il problema della forma narrativa del dialogo, con il ruolo, scenico e filosofico, assunto dei diversi personaggi che vi prendono parte, è stato oggetto, negli ultimi anni, di attenta considerazione. Basti ricordare in proposito, in termini generali, Ba- racchi 2002 e Kochin 2002; minuzioso esami dei singoli personaggi e della loro fun- zione nel confronto dialettico, con gli opportuni riferimenti bibliografici, in Campese 1998, Gastaldi 1998a, Vegetti 1998a, Vegetti 1998b, Vegetti 1998c, Stella 1998. 5 Vegetti 2009, pp. 19-24; cfr. inoltre Schofield 2006 e, più in generale in rife- rimento alla riflessione politica classica,S chofield 1999. 6 Particolare attenzione alle forme e ai contenuti della critica platonica alla de- mocrazia greca da parte di Bertelli 2005 e Pradeau 2005, pp. 85-101.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 31-50 La Repubblica di Platone fra totalitarismo, dissimulazione... 35 ano gli elementi principali della «cura» che Platone suggerisce per guarire la «malattia» della città: si tratta di stabilire un’organica distribuzione di funzioni e compiti basata sulla natura e le com- petenze di ogni individuo e di ogni gruppo sociale che componga un equilibrio efficiente e armonico. La condizione di realizzabilità di questo sistema organico viene individuata da Platone attraverso l’attribuzione del governo a un gruppo quantitativamente ristretto di «sapienti», i filosofi, che svolgono la propria funzione direttiva in virtù della facoltà e delle competenze razionali che prevalgono in loro; a questo gruppo dirigente Platone associa un gruppo più nu- meroso, composto dai «guerrieri», che, rigorosamente subordinato al primo e in esecuzione delle direttive di quello, opera le funzioni di controllo e di salvaguardia dell’ordine pubblico, come un appa- rato di sicurezza che garantisce, in virtù del proprio carattere «ag- gressivo», la conservazione dell’insieme; a un terzo e ultimo gruppo sociale, il più numeroso, appartengono infine compiti produttivi e commerciali, indispensabili al benessere della città e tuttavia necessariamente sottoposti al controllo e alla disciplina imposta dei gruppi superiori, per evitare che l’elemento individualistico e potenzialmente capace di sovvertire l’equilibrio dell’insieme, con- nesso alla produzione, all’accumulo e allo scambio di ricchezze, possa incrinare la buona disposizione della città. Da questa rigida scansione gerarchica derivano altrettante conseguenze, teoriche e pratiche, sul piano dell’ingegneria politica e istituzionale. A garan- zia dell’obiettivo generale perseguito dall’azione dei governanti, e dell’applicazione esclusiva di un criterio razionale nell’esercizio di tale azione, Platone prescrive la norma che estirpa ogni possibile fonte di interesse o inclinazione individuale nella formazione e nel- la vita quotidiana dei membri di questo gruppo: la collettivizzazio- ne patrimoniale e affettiva e, subito oltre, la durissima selezione, genetica e pedagogica, dei filosofi mirano precisamente a sancire le condizioni necessarie per l’accesso al potere e per il suo eserci- zio. E, nonostante la complessa articolazione di questo percorso di analisi e prescrizione politica, Platone avverte, e dunque fa emer- gere con acutezza, l’inevitabilità della degenerazione di ogni forma istituzionale, che, per quanto vicina al modello descritto, si trova esposta alla natura instabile delle vicende umane e della storia o, in altre parole, alla caratteristica deficienza ontologica del mon- do sensibile, irrimediabilmente vincolato al divenire in opposizione all’eterna stabilità del modello ideale intellegibile.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 31-50 36 Francesco Fronterotta

Fissato un simile quadro problematico, si comprenderà l’arbitra- rietà della scelta compiuta, e di seguito messa in atto, di presentare alcuni spunti del dibattito critico recente intorno alla Repubblica di Platone estrapolando dal suo contesto uno specifico ambito eti- co-politico e distinguendolo dall’analisi propriamente psicologica e onto-epistemologica del dialogo, una distinzione che trova tuttavia qualche fondamento nella considerazione secondo cui la politica platonica si basa su una dottrina psicologica che presuppone a sua volta un’etica, costruita in una metafisica dei valori che sussistono come paradigmi universali e immutabili della condotta individuale umana e ai quali dunque occorre rivolgersi costantemente, in vir- tù della facoltà razionale posta al vertice delle capacità dell’anima umana, sollevando l’ulteriore problema delle modalità, logiche ed epistemologiche, di accesso alla conoscenza di tali realtà.

Lo sfondo del dibattito novecentesco intorno all’etica e alla filo- sofia politica dellaRepubblica è rappresentato certamente, e tutto- ra, dalle violente accuse che Karl Popper ha rivolto a Platone in The Open Society and its Enemies (Popper 1944). Come è noto, secondo Popper, Platone avrebbe, per un verso, preteso di identificare le «leggi della storia» e, con esse, di predeterminare lo svolgimento e la realizzazione delle vicende umane e, particolarmente, della condizione dell’uomo e della sua funzione in seno alla città e allo stato; per altro verso, e di conseguenza, avrebbe costruito nella Repubblica uno schema socio-istituzionale fondato su una serie di principi a-priori che sono finalizzati alla realizzazione della felicità collettiva, a scapito di ogni forma di individualismo e di libertà o inclinazione individuale. Quella platonica si configurerebbe perciò come un’»utopia totalitaria», nella misura in cui il carattere uto- pico dipende appunto dal riferimento a un set di principi eterni e immutabili «posti in cielo», cui ispirarsi e da riprodurre nell’azione politica e istituzionale, che sfocia a sua volta in una prospetti- va totalitaria in quanto, per realizzare questo progetto, occorre piegare qualunque tendenza soggettiva dei singoli cittadini alla superiore esigenza di costituire una società perfetta, sacrificando intereressi e opzioni delle parti in nome della suprema indicazione del benessere e dell’efficienza del tutto.7 Ora, come è noto, l’accesa

7 Si vedano, per un’efficace sintesi delle accuse di Popper al progetto politico platonico, il capitolo 5 di Schofield 2006 e Vegetti 2009, pp. 109-17. Per una più

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 31-50 La Repubblica di Platone fra totalitarismo, dissimulazione... 37 requisitoria di Popper ha suscitato un’ampia serie di reazioni, per lo più dominate dall’intento, del resto in gran parte esplicito, di difendere Platone dalle accuse rivoltegli, finendo spesso, tuttavia, per optare piuttosto per uno sforzo implicito di difendere Platone da se stesso, senza invece operare un’attenta disamina, storica e filosofica, dei presupposti esegetici della ricostruzione popperiana —senza considerare, insomma, che l’estraneità di Platone alla tra- dizione etica e politica liberale o democratica, denunciata da Pop- per, potrebbe evidenziare più che un limite o una colpa da ascri- vere allo stesso Platone, un presupposto interpretativo miope, che a sua volta non tiene conto dei diversi momenti della storia del pensiero, quasi assumendo il liberalismo moderno come la dottri- na definitiva e definitivamente stabilita in base alla quale misura- re, e giudicare, i pensatori del passato. È chiaro come, adottando simili strategie difensive, ancora oggi ben presenti e documentabili negli studi recenti, si corra il rischio di indebolire e depotenziare la riflessione politica di Platone, neutralizzandola sotto ogni profilo, pur di evitare, di fronte alla constatazione innegabile che egli non fu un liberale e un democratico, di farne un nemico della libertà e della democrazia, un pensatore totalitario diretto precursore dei regimi dittatoriali del novecento.8 Si è tentato innanzitutto di mitigare l’ostilità platonica nei confronti della democrazia, attraverso una strategia composita, elaborata in particolare da Griswold 1995, da Monoson 2000 (in relazione alla Repubblica) e da Bobonich 2002 (con particolare ri- ferimento alle Leggi),9 che, da un lato, riporta l’attenzione sulla figura di Socrate, inteso come rappresentante e portavoce di una linea politica sostanzialmente individualista e libertaria, che a sua volta allora, in quanto personaggio cui Platone conferisce uno straordinario rilievo nei suoi dialoghi, e particolarmente nella Re-

ampia collocazione dei temi etico-politici della Repubblica in relazione ad alcuni autori classici, moderni e contemporanei, e comunque sulla scia dello schema in- terpretativo elaborato da Popper, cfr. Calabi 2000 e Vegetti 2000c (rispetto alla cri- tica aristotelica alla concezione politica di Platone), de Luise 2000 e Farinetti 2000 (che propongono un parallelo storico e critico, rispettivamente, con la prospettiva socio-politica di Rousseau e di Hegel e Marx). 8 Faccio ancora riferimento, in quanto segue, alla felice sintesi proposta da Vegetti 2009, pp. 122-42 e 145-67. 9 Un articolato esame, e una puntuale confutazione, delle tesi difese da Boboni- ch 2002, si trova in Brisson 2005.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 31-50 38 Francesco Fronterotta pubblica, non può essere semplicemente contrapposto al Platone totalitario, ma deve necessariamente portare sulla scena almeno una delle tendenze politiche dell’autore. Per sostenere una tesi del genere, tuttavia, occorre applicare in modo particolarmente radi- cale il cosiddetto «dialogical approach», giungendo ad affermare, contro ogni evidenza, che il principio in base al quale i personaggi dei dialoghi platonici difendono posizioni diverse, e teoricamente non ascrivibili direttamente a Platone, permetterebbe di negare l’effettiva «autenticità» platonica delle tesi totalitarie della Repub- blica. Da ciò deriverebbe inoltre il riconoscimento che, in realtà, lo stesso Platone non si farebbe davvero difensore della καλλίπολις, che considererebbe anzi, al contrario, come del tutto irrealizzabile e puramente utopica. Prova ne sarebbe che l’indicazione del libro V dell’opera, svolta nei libri VI e VII, dell’attribuzione del potere ai filosofi-re, in virtù del loro sapere compiuto, sarebbe in contrad- dizione con la concezione dei filosofi abituale negli altri dialoghi, in base alla quale i filosofi sono al massimo dei «cercatori» del sa- pere, ma non dei sofoiv in senso proprio. L’imponente costruzione politica della Repubblica mirerebbe perciò, per esempio secondo Griswold 1995 (p. 171), soltanto a porre in luce come anche un modello ideale e teoricamente perfetto, e di per sé, dunque, utopi- co, manifesti limiti e difetti assai gravi, che consiglierebbero per- ciò di volgersi piuttosto, nel Politico e nelle Leggi, alla ricerca di un regime politico più modesto, capace di fondarsi sulle concrete attitudini individuali e sull’equilibrio della loro collaborazione, in un contesto istituzionale che suggerirebbe una rivalutazione della democrazia, a sua volta in certa misura recuperata, nella forma di un regime «misto», addirittura nelle Leggi.10 Un’analoga strategia, almeno rispetto alla tesi secondo la quale non bisogna considerare come autenticamente platoniche le af- fermazioni relative alla καλλίπολις e al progetto politico della Re- pubblica, si ricollega ai nomi di due celebri filosofi del Novecento: Hans-Georg Gadamer e Leo Strauss. Gadamer (cfr. specialmente Gadamer 1934 e 1983), almeno a partire da una certa fase della sua riflessione, ha insistito sul carattere essenzialmente utopico della costruzione politica di Platone: ponendosi fondamentalmen-

10 Contro questa strategia, applicata alla Repubblica, ma anche al Politico e alle Leggi, si esprimono con forza Rowe 2001, Bertelli 2005, pp. 352-62, e Pradeau 2005, pp. 115-49.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 31-50 La Repubblica di Platone fra totalitarismo, dissimulazione... 39 te come un socratico, più attento alle esigenze del metodo della ricerca della verità che non alla determinazione di una prospet- tiva dogmatica,11 Platone avrebbe rappresentato nella Repubblica (ma ancora fino alle Leggi) una città immaginaria, edificata come fantasiosa e piacevole evasione nella mente e non certo nella con- cretezza della realtà e della storia, il cui scopo si riduce essen- zialmente al gioco puramente astratto del confronto intellettuale, così sistematicamente minimizzando i forti richiami platonici alla realtà attuativa del suo progetto politico e naturalmente tutti i riferimenti storici e biografici che testimoniano del suo specifico interesse e impegno negli eventi politici del suo tempo. Appena più avvertita nell’esigenza di un esame più accorto e verosimile dello stile narrativo di Platone si presenta la strategia esegetica straussiana, riconducibile, nelle sue linee generali, a Strauss 1964 (pp. 50-138). La ragione per cui non si deve prendere alla lettera la riflessione politica condotta nella Repubblica, secondo Strauss, non attiene ai tratti utopici del progetto che vi è disegnato, ma alla caratteristica modalità della «dissimulazione» che Platone avrebbe messo in atto, allo scopo di evitare il rischio di urtare la morale prevalente e la communis opinio dei suoi contemporanei, di incor- rere in contrasti o punizioni da parte dell’autorità. Non si tratta soltanto di nascondere, tramite prudente reticenza, le proprie tesi autentiche, ma di proporre alternativamente, dissimulandone i contenuti attraverso un complesso schema dialogico che ne cela ironicamente i contenuti effettivi, un progetto ben preciso, i cui contorni risultano identificabili e accessibili ai lettori che sappia- no oltrepassare l’immediatezza letterale di quanto Platone scrive, per cogliere i riferimenti esoterici che egli tratteggia attraverso gli articolati scambi dialogici fra i suoi personaggi. Incontriamo qui il nucleo originario del cosiddetto «dialogical approach», che prende le mosse dalla constatazione banale che Platone non si esprime mai in prima persona nelle sue opere e che pertanto, anche nell’i- potesi che egli si serva di alcuni dei suoi personaggi come propri portavoce, resta l’asimmetria o la discrasia, più o meno profonde, fra autore e attore del dialogo, più ancora nel caso di Socrate, pro- tagonista indiscusso della maggior parte dei dialoghi, il cui ruolo di portavoce di Platone deve comunque fare i conti con la ben nota

11 Si veda su questa caratteristica attitudine esegetica di Gadamer, Renaud 1999.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 31-50 40 Francesco Fronterotta attitudine all’ironia che tradizionalmente viene associata al suo nome. Questo intreccio di portavoce e di interlocutori implica la stratificazione, nei dialoghi, di punti di vista e di livelli di comuni- cazione distinti, ed è appunto dalla decifrazione di questo mecca- nismo di stratificazione di personaggi e di piani di comunicazione che dipende la possibilità di apprezzare l’autentico contenuto eso- terico del pensiero platonico.12 Nel caso specifico dellaRepubblica , essa andrebbe letta, secondo Strauss, in stretto rapporto con la commedia aristofanea, ripercorrendo così con vivace ironia i tratti esclusivamente ironici, e perciò dissimulatori, del progetto plato- nico.13 Il disegno fondamentalmente comunistico della Repubblica, che recide ogni aspirazione e dimensione individuale, trascurereb- be volutamente, e perciò ironicamente, gli impulsi riconducibili al corpo, alle differenze specifiche dei singoli cittadini e di genere fra i sessi, manifestando così il suo carattere assolutamente contro natura e perciò ideale, e in tal senso utopico, e dunque di fatto consapevolmente impossibile rispetto alla sua realizzazione con- creta. Gli stessi filosofi che dovrebbero governarla appaiono estra- nei alla καλλίπολις, dalla quale si ritirano volentieri, come mostra il libro VII, per accedere alla contemplazione delle idee. Impossibile e perfino indesiderabile, la città ideale della Repubblica avrebbe allora solo il fine di denunciare i limiti di ogni progettualità poli- tica che, secondo la nota concezione straussiana, deve astenersi dall’invadere gli spazi propri della filosofia e della teologia. Non pochi interpreti recenti, specie in ambito anglo-americano, hanno approfondito, più o meno criticamente, l’esegesi straussiana della Repubblica: chi riflettendo sulla relazione fra scrittura ironica o «dissimulatoria» e carattere utopico del dialogo;14 chi sottolinean- do soprattutto gli elementi, già indicati da Strauss, dai quali si evincerebbe l’esigenza di una comprensione esoterica del dialogo, mostrando come la repressione dell’eros, esplicitamente sancita dalla legislazione, risulti incompatibile con la naturale condizione umana e, a un tempo, con l’investimento psicologico necessario

12 Il «dialogical approach» è stato definito in modo articolato e quasi program- matico nei saggi raccolti in Press 1993, Griswold 1988, Press 2000 e infine, con l’indicazione di ulteriori spunti esegetici sul piano metafisico ed epistemologico, in Gonzalez 1995. 13 Il rapporto fra dialogo platonico, con riferimento alla Repubblica, e la comme- dia aristofanea è studiato da Beltrametti 2000. 14 Morrison 2007.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 31-50 La Repubblica di Platone fra totalitarismo, dissimulazione... 41 alla realizzazione del progetto politico;15 chi, infine, valorizzando e radicalizzando, nell’approccio straussiano, la conclusione relativa all’egemonia della filosofia (ma non della teologia!) rispetto alla politica, sostenendo la superiorità di quella rispetto a questa come oggetto privilegiato della riflessione condotta nellaRepubblica , con un’analoga e parallela valorizzazione, al livello dell’anima, della funzione razionale e conoscitiva rispetto alle altre e rispetto anche all’equilibrio dell’insieme.16 Una più matura e articolata presa di posizione è quella, recente, di Rosen 2005, che, distaccandosi in parte dalla sua interpretazione precedente (difesa in Rosen 1990), riconosce l’effettiva serietà teorica e progettuale della Repubblica, ma fissandone alcuni limiti insuperabili: ogni forma di riflessione politica, che abbia come scopo il mutamento sociale e l’instaura- zione di un nuovo sistema, è esposta al rischio, o piuttosto alla necessità, della degenerazione; la filosofia stessa, quando si as- suma il compito dell’esercizio del potere e del governo dello stato, non può che declinare verso la tirannide, quasi capovolgendo le proprie stesse premesse teoriche e ideali.17 Vi è infine un’altra strategia, che ha trovato ampia applicazio- ne nella letteratura recente, adottata nella difesa della Repubblica contro le accuse di Popper, che conviene ricordare. Tale strategia consiste nel considerare il Platone politico, per quanto paradossa- le possa sembrare, come un pensatore essenzialmente impolitico, che avrebbe subordinato, o piuttosto ricondotto, ogni considera- zione di carattere, appunto, politico all’ambito etico e psicologico. Questa interpretazione trova il suo più autorevole sostenitore in Eric Vögelin,18 che, pur senza negare l’intento e l’interesse emi- nentemente politico della Repubblica, giudica il dialogo come un sostanziale fallimento dell’impegno politico da parte del filosofo nella città (a sua volta rispecchiato nell’effettivo fallimento dei ten- tativi «politici» di cui la biografia di Platone fu apparentemente ricca), che condurrebbe a una sorta di trasfigurazione dell’impe- gno politico nel senso di un impulso etico, se non propriamente

15 Roochnik 2003, per esempio pp. 69-77; si veda inoltre, più in generale, Ludwig 2002. 16 Ferrari 2003 e, con particolare riferimento all’esame delle funzioni dell’ani- ma, Ferrari 2007b. 17 Rosen 2005, p. 229. Sul rapporto fra filosofia e politica, e particolarmente fra filosofo-re e tiranno, in riferimento alla Repubblica e più in generale nel pensiero greco contemporaneo, si vedano Vegetti 2000b e i saggi raccolti in Lisi-Pradeau 2009. 18 Vögelin 1966.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 31-50 42 Francesco Fronterotta religioso, a trasporre la città perfetta sul piano dell’anima indi- viduale, come una sorta di città interiore che prefigurerebbe l’a- gostiniana civitas dei. Negli studi recenti, questa interpretazione risulta legata, per esempio, ai nomi di J. Annas e di G.R.F. Ferrari, che hanno seguito tuttavia una linea ancor più netta, secondo la quale la Repubblica non manifesterebbe uno slittamento della riflessione dall’ambito politico all’ambito etico (e religioso), ma si costituirebbe originariamente e strutturalmente come un dialogo psicologico ed etico, le cui indagini e prescrizioni riguardano es- senzialmente l’anima individuale, solo accidentalmente esamina- ta nella sua «macro-versione» che è la città, e l’insieme di valori e norme cui trarre ispirazione per una condotta di vita felice e giusta. Particolarmente, Annas adotta un approccio abbastanza stupefacente per la sua radicalità e per la sua non grande atten- zione al testo e alla sua storia, che consiste nel liquidare come semplicemente non seri, in quanto evidentemente (sic!) ridicoli, gli argomenti propriamente politici del dialogo, dalle tre «ondate» del libro V fino alla diagnosi della degenerazione dei regimi politici nel libro VIII; l’estremismo grottesco con il quale vengono dipinte conduce le tesi sulla città della Repubblica al di fuori di qualunque riflessione politica degna di questo nome.19 Sgomberato il campo, senza troppi scrupoli di carattere storico e testuale, dal «tema» politico, resta l’indagine, avviata nel libro I, sulla giustizia, che soltanto nel libro II viene spostata dall’ambito individuale al livello della città, un’indagine che mira a definire i termini di un’etica del giusto che, stabilendo le condizioni della virtù e della felicità, permetta all’anima di riprodurre sul piano psicologico individuale l’equilibrio e la perfezione del modello ideale, solo strumentalmen- te tratteggiato nella forma «ingrandita» della καλλίπολις.20 Dal canto suo, Ferrari, più disponibile ad ammettere la presenza, nella Re- pubblica, di un genuino interesse politico, ritiene tuttavia che non vi sia una relazione diretta fra la riflessione politica rivolta alla città e la ricostruzione della psicologia individuale destinata alla fondazione di un’etica: a eccezione del regno dei filosofi e della ti- rannide, che si configurano entrambi come condizioni eccezionali, può sussistere al massimo un’analogia fra la città e l’anima, cioè

19 Si veda già, in generale, Annas 1981; poi soprattutto Annas 1997, pp. 144-45 e 152-55, e Annas 1999, pp. 82-91. 20 Annas 1997, pp. 145-46, e Annas 1999, pp. 88-89.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 31-50 La Repubblica di Platone fra totalitarismo, dissimulazione... 43 fra la teoria politica e la psicologia,21 sicché il problema centrale dell’anima, appunto in virtù di questa analogia, risulta illustrato e illuminato dall’esame politico, che ha perciò esclusivamente un valore e un fine esemplificativo e paradigmatico22 (su questo pun- to, dunque, riprendendo la tesi di Strauss relativa alla superiorità della filosofia, qui ricondotta a un’etica psicologica piuttosto che alla teologia, rispetto alla riflessione politica).

Come si vede, al centro di questi complessi, e talora assai con- torti, tentativi esegetici, si colloca, pur se con diverse sfumature e da diversi punti di vista, la questione della cosiddetta «utopia» platonica, come forma estrema di difesa, o via di fuga, dalle accu- se popperiane di totalitarismo politico. Ma, che si evochi un’uto- pia «fantastica» o un’utopia «dissimulatoria», pare impossibile non tenere conto dei numerosi richiami, contenuti nella Repubblica, all’essenziale problema della concreta realizzabilità del modello che viene via via disegnato (cfr.per esempio 450d, 458a-b, 499c etc.), anche se, appunto in virtù della differenza fra il modello ide- ale «nel cielo», eterno e perfetto, e il mondo sensibile del divenire e della storia, le condizioni di possibilità di tale realizzazione sono ardue e di difficile attuazione (cfr. per esempio 499d, 502c, 504d etc.). Il tratto utopico del progetto della Repubblica risiede allora nello iato che inevitabilmente sussiste fra la perfezione del model- lo, che nulla, tuttavia, rende di per sé oggettivamente irrealizza- bile, e le sue condizioni di possibilità, che si scontrano invece con l’altrettanto inevitabile imperfezione della sua realizzazione. Ma questo tratto utopico non dipende dal progetto platonico, la cui perfezione ideale costituisce anzi, per il suo valore paradigmatico, il principale elemento di forza e di attrattività politica, bensì dal- la dimensione pratica e concreta nella quale occorre realizzarlo, secondo un gesto filosofico non dissimile da quello che caratte- rizza il mito cosmologico del Timeo, in cui un divino demiurgo, la cui azione si basa su una perfetta riproduzione degli altrettanto perfetti modelli ideali, produce il mondo sensibile come «il miglio- re possibile» —«bello», dunque, ma «meno bello» del suo modello ideale— e ciò in ragione dei limiti e dell’imperfezione del materiale concreto di cui egli dispone per la sua opera (cfr. Tim. 29e-30b). In

21 Ferrari 2003, pp. 50-66. 22 Ferrari 2003, p. 89.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 31-50 44 Francesco Fronterotta questa misura, ed entro questi limiti, è certo possibile individuare una tensione utopica nella riflessione politica di Platone, appun- to quella tensione insopprimibile determinata dalla distanza mai definitivamente colmabile fra il modello e la sua realizzazione con- creta, e a un tempo, per converso, dall’attrazione mai sopprimibi- le che quello esercita su questa, come molti hanno recentemente sottolineato.23 Nello iato così determinato, fra il modello e la sua realizzazione concreta, si apre lo spazio per l’elaborazione di una vera e propria teoria normativa, con l’indicazione di una serie di requisiti necessari per la sua attuazione efficace, che, per quanto a loro volta di difficile applicazione, appaiono nuovamente non im- possibili, in linea teorica, rispetto alla loro esecuzione: il governo dei filosofi, o la conversione dei governanti alla filosofia, rappre- senta da tale punto di vista la prescrizione fondamentale che, ab- binata a un rigido controllo sociale, può indirizzare la costituzione della «città in terra» a imitazione della «città in cielo».24 Si noterà come, a questo punto, il quadro esegetico intorno all’interpretazione «politica» della Repubblica si collochi al di fuori della gabbia polemica costruita da Popper, ma accettata di fatto anche dai suoi critici, che intendeva imbrigliare la riflessione po- litica di Platone all’interno del confronto esclusivo con il pensiero liberale e democratico moderno e della sua contrapposizione, tutta novecentesca, alle contemporanee dottrine totalitarie; gli sviluppi più recenti fin qui descritti per sommi capi, con le relative acqui- sizioni esegetiche, ormai abbastanza diffuse, e a mio avviso assai salde specie fra gli scholars continentali, ci restituiscono un Plato- ne estraneo, perché non assimilabile neanche in linea di principio, tanto al liberalismo quanto al totalitarismo, un Platone attraverso il quale tornare a pensare ai termini generali della progettualità della politica, dei suoi requisiti normativi, giuridici e istituzionali, e alle condizioni della sua azione concreta, nella società e nella storia degli uomini.

23 Cfr. per esempio, con sfumature diverse, Burnyeat 1992, Schofield 2006, pp. 199 ff., Morrison 2007, p. 247, e soprattutto, in termini più realistici, Vegetti 2000a, Vegetti 2005, Vegetti 2009, pp. 161-67; per quanto riguarda gli sviluppi del disegno «utopico» nel posteriore pensiero politico di Platone, nel Politico e nelle Leggi, cfr. Rowe 1999 e Laks 2005; infine, per la questione più generale dell’utopia nel pensiero greco, cfr. Dawson 1992. 24 Zuolo 2009.

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Fronterotta, Francesco, «La Repubblica di Platone fra totalitari- smo, dissimulazione e utopia», SPhV 16 (2014), pp. 31-50.

RIASSUNTO

La Repubblica di Platone non cessa di suscitare, fra i filosofi e i commentatori, un dibattito intenso e controverso, tanto dal punto di vista del progetto etico e politico che disegna, quanto sul piano delle implicazioni psicologiche, epistemologiche e ontologiche con- nesse alla definizione del sapere dei filosofi che, secondo Platone, devono essere collocati alla guida di tale progetto. Quanto mi pro- pongo qui è di presentare e discutere alcune delle linee di analisi che la critica del XX secolo ha seguito nell’interpretazione e nella valutazione della dottrina etico-politica che ne emerge.

Parole chiave: Platone, repubblica, etica, politica, totalitarismo, occultamento, utopia.

ABSTRACT

Plato’s Republic continues to arouse intense controversy among philosophers and commentators, for both its ethical and

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 31-50 La Repubblica di Platone fra totalitarismo, dissimulazione... 49 political project and its psychological, epistemological and onto- logical implications for the knowledge of philosophers, who, says Plato, should be set as guides of such a project. My purpose here is to indicate some of the main lines of discussion that the critical literature has followed, in the XX century, to bring out some of the problems raised by the ethical and political doctrines emerging in the dialogue.

Keywords: Plato, Republic, ethics, politics, totalitarianism, con- cealment, utopia.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 31-50

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 51-68 ISSN: 1135-9560

La Eneida como utopía regeneradora: Pierre-Joseph Proudhon* The Aeneid as a regenerating utopia: Pierre-Joseph Proudhon

Francisco García Jurado Universidad Complutense

Data de recepció: 12/05/14 Data d’acceptació: 15/06/14

1. Introducción. Ideas historiográficas Jean-Joseph Proudhon (1809-1865) fue uno de los más impor- tantes teóricos del pensamiento anarquista, junto con pensadores de la talla de Mijaíl Bakunin (1814-1876) y Pyotr Kropotkin (1842- 1921).1 A propósito del anarquismo como ideología contrapuesta al marxismo, es conocida la polémica sostenida entre Proudhon y el propio (1818-1883), quien llegó a calificar de pe- queño burgués al primero. Dado que nuestro trabajo no pertene- ce al mundo de las ideas políticas, sino a la historia cultural de los estudios clásicos, resulta realmente interesante, ya desde este punto de vista concreto, analizar los cánones de autores clásicos grecolatinos que las diferentes formas de pensamiento social han venido configurando. En este sentido, si Marx estudió y se decan- tó por antiguos autores que fundamentaban su pensamiento en

* Este trabajo se inscribe en el proyecto de investigación FFI2013- 41976, «His- toriografía de la literatura grecolatina en España 3: el “Legado Alfredo Adolfo Ca- mús” en la Biblioteca Histórica Marqués de Valdecilla» (2015-2017), financiado por el Ministerio de Economía y Competitividad. Agradezco a los informantes descono- cidos de este trabajo sus valiosas sugerencias. 1 Para una visión general del anarquismo véase Javier Paniagua, Breve historia del anarquismo, Madrid, Ediciones Nautilus, 2012. 52 Francisco García Jurado el materialismo y la oposición de contrarios, como Epicuro y He- ráclito,2 Proudhon encontró en Virgilio, como tendremos ocasión de estudiar en este trabajo, al autor clásico más apropiado para analizar la propia visión de lo que es o, más bien, debería ser, una historia de la literatura ligada a la revolución. Dentro de la variada obra de Proudhon, sus interpretaciones virgilianas pueden encon- trarse en el libro titulado De la justice dans la révolution et dans l’Église,3 publicado por primera vez en 1858. Para poder entender tal lectura, es necesario partir de algunas ideas historiográficas esenciales que definen el estudio de la lite- ratura latina durante el siglo XIX. Para ello, resulta fundamental el Estudio sobre Virgilio que compuso el crítico por excelencia de la época, Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1869).4 Proudhon aspiraba, por cierto, a que esta influyente obra se viera en la nece- sidad de ser revisada a la luz de sus propios escritos.5 Asimismo, no debemos olvidar la obra de Dèsidé Nisard (1806-1888), con- cretamente su estudio sobre la decadencia de los poetas latinos.6 En nuestra opinión, esta segunda obra resulta fundamental para comprender los planteamientos proudhonianos acerca de Virgilio, dada la repercusión estética que tuvo en la propia literatura deca- dente de la segunda mitad del siglo XIX. Concretamente, Nisard consideraba que la decadencia de la literatura, tanto la romana como la de su propia época, debía atribuirse al individualismo y la pérdida del carácter formativo de la literatura. Frente a esa de-

2 Karl Marx, Escritos sobre Epicuro (1939-1841), Barcelona, Crítica, 1988. 3 De la justice dans la révolution et dans l’Église. Neuvième Étude. Progrès et décadence, Bruxelles, Office de publicité, 1860, pp. 118-190. En adelante, todas las citas de Proudhon se harán a partir de esta edición. 4 El texto de Sainte-Beuve pertenece a las conferencias que el autor había im- partido en el Colegio de Francia en 1855, de manera que su repercusión todavía era muy reciente cuando Proudhon publica sus reflexiones acerca del propio poeta latino. Sabida es la preocupación que Sainte-Beuve tenía por la biografía de los autores, tanto que a menudo, cuando diserta acerca de Virgilio, parece que va más allá de los pocos datos comprobables que tenemos sobre el poeta y trasciende a una suerte de ficción biográfica repleta de atrevidos juicios de valor. Hemos con- sultado la siguiente edición: Sainte-Beuve, Étude sur Virgile suivie d’une étude sur Quintus de Smyrne, deuxième édition, Paris, Michel Lévy Fréres, éditeurs, 1870. 5 «C’est une tâche que je renvoie à M. Sainte-Beuve, dont la belle étude sur Virgile me semble réclamer impérieusement, après ce que j’ai dit moi-même, un post-scriptum.» (Proudhon, De la justice, p. 157). 6 Nos referimos a D. Nisard, Études de moeurs et de critique sur les poètes latins de la décadence I-III, Bruxelles, Louis Hauman, 1834.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 51-68 La Eneida como utopía regeneradora: Pierre-Joseph Proudhon 53 cadencia, poetas como Lucrecio, Virgilio y Horacio, que en opinión de Nisard constituían «la mejor poesía, la más filosófica, la que ofrece una reflexión más completa acerca del hombre, y la que contiene más enseñanzas para la conducta de la vida»,7 la litera- tura latina fue adquiriendo un absurdo individualismo que degra- daba el arte. La interpretación de Nisard aspiraba a tener carácter universal y atemporal, hecho que permitía que sus tesis pudieran aplicarse a la poesía francesa del mismo siglo XIX. Así lo vemos en el capítulo dedicado al poeta hispano-romano Lucano, cuyo título es ya de por sí toda una declaración de principios: «Lucain ou la Décadence». En este capítulo el propio Nisard extrae ciertas semejanzas entre la poesía de los tiempos de Lucano y la de su propia época, que será igualmente tachada de decadente. Nisard no sospechaba, sin embargo, que el término «decadente» iba a ser aceptado por aquellos poetas modernos a los que precisamente criticaba, adquiriendo de esta forma la llamada «decadencia» un nuevo sentido estético, ahora unido a la idea de renovación frente al academicismo y, en definitiva, quedando ligado para siempre a la modernidad. También es interesante señalar, por lo que tiene de punto de contacto con las ideas de Proudhon, que Nisard de- fendía una razón natural para la decadencia, es decir, una suerte de «ley» que venía marcada por el destino mismo. Ese es el desti- no que Proudhon invierte en sentido regenerador para hablar del cambio histórico. Por tanto, como hombre de su época, también Proudhon uti- lizará esta idea de las leyes históricas para hablar, fundamental- mente, del movimiento en la literatura, especialmente encaminado a formular la relación entre literatura y progreso. Antes de esta- blecer esta relación, Proudhon parte de dos principios básicos:

• La literatura es la libertad misma. En este sentido, la litera- tura rehace a su manera, y en vista de su propia gloria, el carácter «fenoménico» de las cosas, mediante la ejecución de diversas variaciones sobre el tema concreto de la naturaleza.8 • El arte, al igual que la libertad, tiene consecuentemente como asunto propio al ser humano y a las cosas, y su objeto

7 Nisard, Études, p. X. 8 Proudhon, De la justice, p. 120.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 51-68 54 Francisco García Jurado

es reproducirlos en su propia evolución. El fin último de esto sería la justicia.9

El arte estaría, por tanto, estrechamente ligado a la ciencia y a la justicia, de forma que también participa de la misma idea de progreso de la que participan éstas.10 Precisamente, será a partir de tales ideas cómo Proudhon explicará la misma función histó- rica de la Eneida. En cualquier caso, la relación entre literatura y progreso puede contraponerse a la relación ya comentada entre literatura y decadencia de la que nos hablaba Nisard:

• Nisard: cierta literatura es reflejo de la decadencia social • Proudhon: cierta literatura está ligada a la idea de progreso

Sin embargo, la decadencia como tal ofrece siempre una mayor fascinación estética que los discursos que enarbolan el progreso. Ya lo intuyó, sin ir más lejos, el propio Edward Gibbon (1737-1794), cuando en el foro romano, al atardecer, recibió la inspiración de escribir una magna obra sobre la caída de Roma.11 La decadencia puede parecer un hecho irremediable o una ley inexorable, como formula Nisard, e incluso puede confundirse con el fatalismo de la propia concepción dialéctica de la Historia, en particular la alema- na. Como pensador anarquista, Proudhon está naturalmente más cercano a los postulados del positivismo científico de su época y a la fe inquebrantable en el progreso de la humanidad.12 Esta con- cepción progresiva es la que va a impregnar plenamente su propia

9 Proudhon, De la justice, p. 120. 10 Proudhon, De la justice, pp. 120 y 122. 11 «Estaba en Roma, el 15 de octubre de 1764, cavilando entre las ruinas del Capitolio mientras los frailes descalzos cantaban vísperas en el templo de Júpiter (ahora la iglesia de los Zocolantes, de los frailes franciscanos), cuando me vino por primera vez a la imaginación la idea de escribir sobre la decadencia y caída de la ciudad. Pero mi pensamiento originario estaba circunscrito a la decadencia de la ciudad más bien que a la del imperio. Y aunque mis lecturas y reflexiones empe- zaron a apuntar hacia ese objeto, transcurrieron algunos años y mediaron varias ocupaciones antes de empeñarme seriamente en la ejecución de esa laboriosa ta- rea.» (Edward Gibbon, Autobiografía, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1949, p. 113). 12 Los anarquistas del siglo XIX participan, en este sentido, de los mismos presupuestos de la ideología de la clase dominante que querían combatir. Véase, en este sentido, J. de Cambra Bassols, Anarquismo y positivismo. El caso Ferrer, Madrid, Centro de Investigaciones Sociológicas, 1981, p. 57-61.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 51-68 La Eneida como utopía regeneradora: Pierre-Joseph Proudhon 55 visión de la Eneida. Debemos, pues, analizar esta interpretación de forma concreta.

2. Algunas ideas clave de Proudhon: el movimiento y la Historia Proudhon parte de una idea fundamental de movimiento que es inherente tanto a la literatura como a la sociedad, de manera que si la sociedad progresa, la literatura lo hace de manera conse- cuente con ella. Igualmente, si la sociedad es retrógrada, la segun- da también lo será.13 En lo que a la idea de movimiento se refiere, Proudhon distingue dos variedades: el movimiento evolutivo o cí- clico frente al movimiento ascensional, que es el que constituye propiamente el progreso.14 Asimismo, Proudhon considera que la libertad aborrece la uniformidad:

La liberté répugne à l’uniformité. Il répugne donc à la littérature que les mêmes formes se reproduisent éternellement, comme les sphinx de l’Égypte, toujours les mêmes, dans la même attitude […].15

Esto implica la idea de que la creación literaria es una realidad cambiante en la que pueden encontrarse largos ciclos históricos:

L’esprit grec, après avoir marché d’étape pendant cinq ou six siècles, s’arrête tout à coup sous les successeurs d’Alexandre : viennent les Romains, et la décadence sera sans remède.16

Cuando una sociedad entra en un largo ciclo de inmovilismo y se siente incapaz de encontrar una nueva expresión literaria, es entonces cuando la libertad, recuperando sus viejas formas, pre- para el camino para apropiarse de un nuevo ideal, bien a partir de géneros literarios secundarios, bien a partir de nuevos géneros.17 La nueva etapa de progreso tiene una calidad superior con respec- to a la etapa anterior. Así lo expresa el mismo Proudhon cuando compara a Homero y a Virgilio en calidad de exponentes propios de etapas históricas sucesivas:

13 Proudhon, De la justice, p. 127. 14 Proudhon, De la justice, pp. 127-128. 15 Proudhon, De la justice, p. 128. 16 Proudhon, De la justice, p. 128. 17 Proudhon, De la justice, p. 128.

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[…] sois qu’elle donne plus de hauteur et d’extension aux genres secondaires ou qu’elle en crée de nouveaux, je dis que les produits de l’époque subséquente, exprimant plus d’idées et plus de choses, seront nécessairement d’une qualité supérieure à ceux de la période écoulée ; que telle est la loi du mouvement littéraire, d’accord avec le mouvement social ; que le contraire est normalement impossible, et que si néanmoins le contraire se produit, cela tient à quelque perturbation générale dont il faut avant tout rendre compte. C’est la thèse que j’entreprends de prouver par la comparaison des deux plus grand poëtes de l’antiquité classique, Homère et Virgile.18

No podemos dejar de apreciar en este texto una idea muy cara a la historiografía de la Ilustración dieciochesca, como es la de «crecimiento histórico», no identificable sin más con la de «progre- so».19 José Antonio Maravall comenta a este respecto:

La Historia construye el presente en que estamos, merced a la or- denación y articulación lógica que lleva a cabo el pasado en noso- tros. Somos el pasado en la medida en que nos levantamos sobre el sedimento de formas de vida que han quedado detrás de nosotros, de formas culturales que otros hombres han ido ensayando y al nivel de las cuales se encuentra cada presente. Somos todo eso porque sobre ello y desde ello vivimos.20

De esta forma, centrando el asunto en la consideración de la Ilíada y la Eneida como las cabezas de sus respectivos ciclos his- tóricos, el ciclo que corresponde a la Eneida tendría esa «cualidad superior» que Proudhon atribuye al progreso y la libertad, si bien creemos adivinar tras sus palabras el criterio del crecimiento histó- rico, tan propio de una concepción positiva y liberal de la Historia. En este sentido, Virgilio asume la herencia del pasado para hacerlo suyo y, con ello, poder proyectarse hacia el futuro. Esta compa- ración entre los dos grandes poemas épicos, también propia de la propia Filología clásica durante la época de Proudhon, en especial a la hora de conferir la primacía a la Ilíada, sirve al pensador fran- cés para articular la idea contraria, es decir, la de la superioridad

18 Proudhon, De la justice, pp. 128-129. 19 La idea de «progreso» no se corresponde sin más con la imagen del «cre- cimiento» («José Antonio Maravall, Teoría del saber histórico, Madrid, Revista de Occidente, 1967, p. 247-271). 20 Maravall, Teoría, p. 245.

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«histórica» de la Eneida en calidad de poema regenerador. Proud- hon considera que el tema de la Ilíada es el de la pugna de Europa contra Asia. La importancia del poema homérico es tal que, siempre en opinión de Proudhon, toda la literatura que viene a continuación de Homero no es más que un desarrollo de la Ilíada,21 hasta que llega la Eneida. Proudhon defiende el poder regenerador de un tipo de literatura, particularmente del poema épico virgiliano, que supo- ne una evolución notable con respecto a la propia Ilíada. Según lo expuesto, consideramos que la lectura proudhoniana de la Eneida desarrolla la utópica idea del carácter regenerador de la literatura que luego vamos a encontrar, ya con el cambio de siglo, en autores tan significativos como el portugués Eça de Queiroz (1845-1900), a quien volveremos más adelante. Pero conviene tener en cuenta que la Eneida o, más bien, su razón histórica, se habría ido preparando desde el siglo IV antes de Cristo en el seno de la misma Grecia:

Au sein de la Grèce même, dès le quatrième siècle avant Jé- sus-Christ, la raison historique de l’Eneide se décèle.22

Conviene que revisemos de manera más concreta las razones de este nuevo cambio de ciclo histórico que acontece con la Eneida.

3. La Eneida. Un nuevo ciclo histórico Al margen de la exposición de las ideas, llama la atención lo efusivo que se muestra Proudhon ante el inicio del nuevo ciclo histórico que comienza con Virgilio:

Homère disparu, la Grèce littéraire et artistique s’évanouit. Que parle-t-on ici de décadence? Un cycle nouveau va commencer: gloire éternelle à celui qui le premier comprit cette immense révolution!

Magnus ab integro saeclorum nascitur ordo.23

De esta forma, si el tema de la Ilíada, según hemos señalado anteriormente, era la lucha de Grecia contra Asia, la Eneida nos va a hablar acerca de la renovación del mundo conocido:

21 Proudhon, De la justice, p. 131. 22 Proudhon, De la justice, p. 131. 23 Proudhon, De la justice, p. 135.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 51-68 58 Francisco García Jurado

Le sujet de l’Éneide es la fondation de la cité latine par Enée, en autres termes, les origines et antiquités de Rome et de l’Italie. Son objet est la rénovation du monde connu, sous l’empire et la loi de Rome.24

Así las cosas, Proudhon interpreta que Virgilio, al celebrar la grandeza de Roma en sus orígenes, desea favorecer la regenera- ción de Roma y, por medio de Roma, de la propia humanidad, en todo aquello que concierne a la religión, las costumbres, las leyes, la política, las instituciones, la ideas, la filosofía y el arte.25 Obser- va Proudhon cómo ya en la cuarta égloga virgiliana asistimos a una plena conciencia de la palingenesia social:

Virgile, on le voit dès la 4e églogue, on le sent d’un bout à l’autre des Géorgiques, avait une pleine conscience de la palingénésie sociale. En homme qui connaît son siècle, il la voulait, cette révolution, par le développement des idées que de tout temps avaient fait le patrimoine de la raison populaire, par le respect des traditions et de légendes.26

Esta lectura palingenésica es, probablemente, lo más fructífero de la lectura proudhoniana, dado que, como luego, veremos, es compartida por otros autores, como el ya citado Eça de Queiroz. También resulta, en cualquier caso, el aspecto menos comprome- tido de la interpretación que estamos comentando, pues la rege- neración no implica necesariamente la revolución. No obstante, el aspecto revolucionario de la Eneida estaría, por tanto, en el cambio de ciclo histórico y la capacidad que un hombre tiene de conocer su siglo y hacer posible que la literatura sea capaz de plasmar tal cambio:

De même qu’Homère, en fin, Virgile sert de pívot à un cycle littéra- ire, dans lequel on peut remarquer quelques lacunes et dont la du- rée fut aussi plus courte, mais dont l’inspiration est certainement plut haute, l’originalité plus puissante.27

24 Proudhon, De la justice, p. 133. 25 Proudhon, De la justice, p. 134. 26 Proudhon, De la justice, p. 134. 27 Proudhon, De la justice, p. 139.

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Sin embargo, hay en la lectura proudhoniana de la Eneida un aspecto conflictivo donde se puede reconocer perfectamente la huella del propio pensamiento anarquista. Nos referimos a la re- lación de la obra de Virgilio con el cristianismo, que merece ser tratada en un nuevo epígrafe.

4. La Eneida y el cristianismo Como hemos indicado, mucho más polémica que la propia idea de revolución puede resultar la relación que Proudhon esta- blece entre Virgilio y el cristianismo. Esta relación ya había sido avanzada escuetamente unas páginas antes de entrar en materia: «parler de Virgile, c’est parler du christianisme».28 Este aserto en realidad no comienza a comprenderse hasta que no llegamos a lo que Proudhon considera como la revelación del progreso y de la catolicidad del género humano,29 expresada mediante la unifica- ción de cultos que Augusto lleva a cabo en el panteón romano. Habida cuenta, por tanto, de que la universalidad o catolicidad de la religión parte de esta unificación de cultos dictada por Augusto, cabe ahora preguntarse qué es lo que se esconde tras el aserto que identifica sin más a Virgilio con el cristianismo: ¿quiere decir con ello Proudhon que Virgilio es un autor «precristiano», como han querido ver tantos comentaristas (el propio Dante, a la cabeza), o debe establecerse una identificación total entre Virgilio y el cristia- nismo, de manera que lo que quiere darnos Proudhon a entender es que el cristianismo nace precisamente en Virgilio? La idea de que el cristianismo no deja de ser una transposición del mundo pagano está bien asentada en el pensamiento anarquista. El geó- grafo y también anarquista Elisée Reclus (1830-1915) escribe en su magna obra El hombre y la tierra que la era cristiana no era otra cosa que una transposición de la era de Augusto:

Verdad es que esta era, denominada cristiana, fue después consi- derada como coincidente con la fecha, sea de la encarnación, sea del nacimiento de Jesucristo. Cuando fue propuesta por primera vez por el monje Denys le Petit, pronto hará catorce siglos, en el año de Roma 1278, que vino a ser el año 525 del nuevo calenda- rio, los fieles católicos la acogieron por espíritu religioso, y gracias

28 Proudhon, De la justice, p. 129. 29 Proudhon, De la justice, p. 135.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 51-68 60 Francisco García Jurado

a este mismo espíritu reemplazó poco a poco oficialmente, en los documentos políticos y administrativos, lo mismo que en la vida ordinaria, las eras precedentemente practicadas, seleuciana, julia- na o diocleciana. Pero faltaba absolutamente casi todo documento histórico sobre la vida de Jesucristo; el inventor de la era nueva no pudo establecerlo, y aun con un error probable de algunos años, sino por medio de fechas suministradas por la historia contempo- ránea en la vida de Augusto y de Tiberio: en los anales mismos del Imperio fue preciso buscar todos los elementos del nuevo cómputo. En realidad la era cristiana no es sino la era «augustiana», lo mis- mo que los antiguos meses de quintilis y de sextilis se convierten en los meses de julio y de agosto, o «Augusto». La era según la cual contaban los españoles todavía en el siglo XIV databa francamente de Augusto y celebraba la reunión de la península Ibérica toda en- tera al imperio romano.30

Es cierto que ya desde antiguo se había puesto en relación a Virgilio con el cristianismo de diferentes maneras. Quizá la gran diferencia con respecto a lo que propone Proudhon no es tanto ver en el autor latino a un precursor de la religión cristiana, en especial a tenor de lo que nos cuenta en su égloga cuarta, como en considerar la religión cristiana algo que se inspira en el espíritu renovador de Virgilio y de su época para cobrar altura universal. Sin embargo, esta renovación consiste en el paradójico juego de lo que podemos considerar la victoria en la derrota. De esta forma, la diosa Juno, siempre hostil a Eneas, es derrotada en la persona del caudillo Turno cuando éste muere a manos de su antagonista troyano; sin embargo, Juno sale vencedora al encontrar en aque- llas tierras del Lacio un nuevo lugar para su culto. De igual forma, al refugiarse los troyanos en Italia, éstos pierden su nombre y su nacionalidad.31 En este sentido, Virgilio parece decir a los roma- nos que la civilización se comunica. De todo ello, según Proudhon, habría bebido el cristianismo:

A côté de ces idées mères, qui forment la charpente et l’originalité de l’Enéide, idées dont le christianisme s’est paré plus tard comme s’il les eût trouvées de son fonds, il convient d’en rappeler quelques

30 Eliseo Reclus, El hombre y la tierra. 3. Historia antigua, Madrid, Doncel, 1975, pp. 190-191. 31 «Le refuge est accordé aux Troyens en Italie; mais ils perdent leur nom et leur nationalité.» (Proudhon, De la justice, p. 136).

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autres, d’une importance secondaire mais qui n’en font pas moins du poëme une œuvre unique en son espèce, sans modèle, comme l’Iliade, et, comme l’Iliade, inimitable.32

Si bien tales ideas resultaban del todo inadmisibles para los pensadores católicos, Proudhon ejerció un atractivo influjo, sobre todo porque conectó con el afán regeneracionista que tanto carac- terizó el pensamiento de finales del siglo XIX y comienzos del XX.

5. Proudhon y su relectura regeneracionista Una vez trazado el desarrollo histórico de dos ciclos ascen- dentes marcados por la Iliada y la Eneida, Proudhon se pregun- ta si en sus propios tiempos tiene cabida la posibilidad de un nuevo progreso en la literatura.33 El autor traza un recorrido por las mejores creaciones artísticas, especialmente de Francia, y considera que este país está preparado para lo que él llama «el gran poema»:

C’est ainsi que la France, d’abord par la spontanéité de son génie, puis par la grammaire, la dialectique, la philologie comparée, a deux fois créé sa langue et s’est préparée pour le grand poëme.34

Considera Proudhon que una de las características de los es- critores franceses es su universalismo,35 y que durante el siglo XVII se ha producido una «transfusión» del genio de los antiguos pueblos al «alma francesa».36 Por tales razones, si bien la marcha de la literatura francesa tras la revolución de 1789 había sido trazada para elevar el pensamiento público a la altura de los acon- tecimientos y convertir de esta forma la Historia universal en una verdadera epopeya,37 sin embargo, el éxito de la reacción contra- rrevolucionaria (Chautebriand) terminó conduciéndola a la deca- dencia, por lo que la literatura tiene que hacer un esfuerzo de comprensión del movimiento histórico de los últimos dos siglos.38

32 Proudhon, De la justice, p. 136. 33 Proudhon, De la justice, p. 160. 34 Proudhon, De la justice, p. 172. 35 Proudhon, De la justice, p. 174. 36 Proudhon, De la justice, p. 174. 37 Proudhon, De la justice, p. 182. 38 Proudhon, De la justice, p. 187.

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El cristianismo, por lo demás, ha perdido su ideal de justicia tras la revolución, al representar tan sólo al antiguo régimen:

Pourquoi les religions furent-elles toutes, dans leur jeunesse, si poé- tiques? C’est que le peuple voyait en elles l’expression de la Justice, dans les dieux la personnification de ses propres sentiments. Pourquoi, malgré les efforts des Chateaubriand, des Lamen- nais et de toute l’école romantique, le christianisme a-t-il perdu sa poésie sans retour ? C’est que le christianisme, depuis la Révolu- tion, ne représente plus la Justice ; el représente l’ancien régime.39

Parte de las ideas proudhonianas llamaron la atención de un intelectual italiano afincado en España, Salvador Costanzo (1804- 1866). Se trata de uno de los autores de manuales de literatura latina más sorprendentes que nos encontramos en el siglo XIX. Como pensador liberal y exiliado, en su manual de 1862, al hablar precisamente sobre Virgilio, nos ofrece esta interesante referencia a Proudhon, mediante la selección de una parte concreta de las páginas de este autor:

Sabios eminentes nos han dejado sus juicios críticos más o me- nos acertados, sobre la Eneida, haciendo alarde de profunda doctrina, de una erudición vasta, de gran sutileza de ingenio y de un refinado gusto; pero ninguno, a nuestro entender, ha sa- bido penetrar en el espíritu de su autor como Proudhon; y no- sotros, aunque estamos muy lejos de suponer con este escritor francés, que Virgilio fue el verdadero precursor del cristianismo, no vacilamos en afirmar que la Eneida nos demuestra la mucha necesidad que experimentaba ya el mundo pagano de reformas radicales, y el anhelo de los varones más ilustres de cooperar a su realización. Vamos a referir un pasaje muy notable de Proud- hon sobre este particular:

«Virgilio se propone como argumento de su poema la funda- ción de la ciudad latina, o más bien tratar de los orígenes y antigüedades de Roma e Italia. Estas primeras palabras nos revelan algo que sobresale por su fondo y forma a la Ilíada, y podemos decir con Propercio: Necio quid majus nascitur Iliade. Virgilio concibió la empresa más colosal que se haya visto en el mundo de la inteligencia: celebrando la grandeza

39 Proudhon, De la justice, p. 189.

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de Roma en sus orígenes, quiso realizar la regeneración mis- ma de Roma, y por medio de la de Roma la de la humanidad en la religión, las costumbres, las leyes, la política, las ins- tituciones, las ideas, la filosofía, el arte. ¡Cuántas cosas, me diréis, para un poema épico! Sí ¡muchas cosas! y reparad, que en todas ellas hay una multitud que los contemporá- neos de Homero no habrían sabido elevar hasta lo ideal; y la Musa griega habría retrocedido, puesta frente a frente de ellas. Todo esto, sin embargo, debía cantar Virgilio, y nada menos que este.

Virgilio tenía una plena conciencia de la palingenesia social, y como hombre que conocía su siglo, anhelaba esta revolu- ción para el desarrollo de las ideas, que habían sido en todas las épocas el patrimonio de la razón popular.

El plan de la Eneida es quíntuplo en su majestad y fuer- te unidad. Caída de Troya, esto es, decadencia irrevocable del Asia, quitándola el imperio del mundo; emigración de Eneas; la dignidad mesiánica no queda a la Grecia, anár- quica y frívola sino que pasa a la Italia grave y jurídica; es- tablecimiento de los colonos troyanos en el Lacio; iniciación de los pueblos de la Ausonia, semi-bárbaros, que pasan del estado saturniano (edad de oro y costumbres primitivas) a una civilización superior.» De la just. en la rev. y la igl. etc. tom. III. pág. 121. París, 1858.

Todas las observaciones de Proudhon sobre la Eneida de Virgilio, a excepción de muy pocas, que son el producto de sus extravíos contra el catolicismo, merecen ser leídas y estudiadas con mucha detención, y además de las que acabamos de apuntar son muy notables, y sobremanera importantes para la historia de la huma- nidad las siguientes: «El desenlace de la Eneida encierra una lec- ción profunda: Juno, vencida en la persona de Turno, en realidad triunfa: se da asilo a los troyanos en Italia, pero pierden su nombre y su nacionalidad. La Italia queda inviolada, con sus costumbres, su religión, su nombre, sus leyes y su lengua; el Asia queda ab- sorbida, y esta absorción es la gloria de Roma, la más adicta de todas las ciudades del mundo al culto de Juno. Parece que Virgilio dice a los romanos, que han llegado a ser a su vez conquistadores y colonizadores, la civilización se comunica y no quita a las razas su carácter.» Esta última idea es muy profunda; tiene en su apoyo la experiencia de todos los siglos: y bien sea que la haya concebido Virgilio, escribiendo su poema, o que pertenezca toda a Proudhon,

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no dejará de ser una verdad funesta para los que creen poder con- culcar impunemente las distintas nacionalidades de los pueblos.40

Sin embargo, a pesar del interés que Costanzo muestra por Proudhon, debemos observar cómo ha llevado a cabo un sesgado resumen de sus ideas. Naturalmente, en calidad de autor católi- co, Costanzo excluye cualquier referencia a la identificación del cristianismo con la Eneida, identificación que, a pesar de no ser citada explícitamente, es condenada como extravío contra el ca- tolicismo. Tampoco hay referencia alguna a la relación entre la revolución social y la literatura. Sí presta Costanzo, sin embargo, especial atención a la idea de que las civilizaciones se comuniquen convirtiendo a los colonizadores en colonizados, de manera que pueda preservarse el carácter de los pueblos conquistados. En este sentido, Costanzo hace una lectura patriótica del hecho pre- cisamente en una época de ebullición nacionalista italiana. En otro lugar hemos estudiado la congruencia que el escritor portugués José María Eça de Queiroz ofrece con respecto a la lectura proudhoniana de Virgilio en su novela póstuma titulada A cidade e as serras.41 Si bien la impronta proudhoniana en Eça de Queiroz es un hecho bien conocido,42 no hemos encontrado datos positivos que permitan suponer que el autor portugués leyera estas reflexiones concretas. No obstante, en tal novela, de una manera parecida, Virgilio (en este caso más como autor de las Bucólicas y las Geórgicas que de la Eneida) aparece ligado también a la regeneración social, si bien de una forma que nada tiene que ver con la revolución, sino con cierto bucólico regreso a la vida rural donde el orden social resulta completamente pre-

40 Costanzo, Manual de literatura latina, Madrid, Francisco de P. Mellado, 1862, pp. 102-105. 41 Francisco García Jurado, «A cidade e as serras de Eça de Queiroz, o «esse adorável Virgílio». Del bucolismo a la palingenesia», enviado a Estudos Ibero-ame- ricanos 40/2, 2014. 42 Sobre la relación entre Eça de Queiroz y Proudhon me informa puntualmente la dra. Paula Morao, de la Universidad de Lisboa: «Helder Macedo, Nós – Uma lei- tura de Cesário Verde, Lisboa, Dom Quixote, 1986 (3ª ed; 1ª 1975). No capítulo 1, Macedo faz um enquadramento da obra de Cesário em pensadores bastante lidos em Portugal naquela época; além de Proudhon, o mais relevante é H.Taine. Em outros trabalhos mais recentes sobre autores do século XIX, Helder Macedo tem outras referências a estas matrizes do pensamento português do último quartel de oitocentos».

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 51-68 La Eneida como utopía regeneradora: Pierre-Joseph Proudhon 65 servado. En este sentido, Eça de Queiroz conecta más con los au- tores del propio 98 español que con la literatura revolucionaria. Citamos a continuación uno de los pasajes de la novela donde, aprovechando unos versos tomados de la Geórgicas de Virgilio, el autor habla claramente de la regeneración a partir del canto a las antiguas virtudes romanas, tal como hemos visto que comentaba el propio Proudhon:43

Mas nada o enthusiasmaba como o vinho de Tormes, cahindo d’al- to, da bojuda infusa verde —um vinho fresco, esperto, seivoso, e tendo mais alma, entrando mais na alma, que muito poema ou livro santo. Mirando, á vela de sêbo, o copo grosso que elle orlava de leve espuma rosea, o meu Principe, com um resplendôr d’opti- mismo na face, citou Virgílio: —Quo te carmina dicam, Rethica? Quem dignamente te cantará, vinho amavel d’estas serras? Eu, que não gosto que me avantagem em saber classico, espane- jei logo tambem o meu Virgílio, louvando as doçuras da vida rural: —Hanc olim veteres vitam coluere Sabini... Assim viveram os velhos Sabinos. Assim Romulo e Remo... As- sim cresceu a valente Etruria. Assim Roma se tornou a maravilha do mundo!44

Estamos ante el uso de dos citas tomadas de las Geórgicas (G. 2, 95-96 y G. 2, 532). La segunda cita se amplía, asimismo, a la traducción de algunos versos más (G. 2, 532-534)45 que siguen de cerca una traducción francesa de la época, la de la Collection Panckrouke:

Ainsi vécurent les vieux Sabins, ainsi Rémus et son frère; ainsi s’accrut la vaillante Étrurie; ainsi Rome est devenue la merveille du monde […]46

43 Nos referimos, de manera concreta, al siguiente pasaje: «Virgile a formé la plus grande entreprise que se sois vue dans le monde de l’intelligence. En célebrant la grandeur de Rome dans ses origines, il a voulu opérer la régénération même de Rome, et, par Rome, de l’humanité […]» (Proudhon, De la justice, pp. 132-133). 44 José María Eça de Queiroz, A cidade e as serras, Porto, Livraria Chardron, 1901, pp. 215-216. 45 Hanc olim veteres vitam coluere Sabini, / hanc Remus et frater; sic fortis Etru- ria crevit, / scilicet et rerum facta est pulcherrima Roma (Verg. G. 2, 532-534). 46 Virgile, Oeuvres de Virgile. Traduction française (de la Collection Panckrouke), Paris, Garnier Frères, 1858.

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Lo curioso del hecho es que esta traducción venía precedida, precisamente, del citado Étude sur Virgile escrito por Saint-Beuve, que también constituyó una de las lecturas proudhonianas. Por lo demás, la elección del pasaje apunta, asimismo, a una idea cla- ramente favorable a la regeneración: sólo las costumbres sanas y puras pueden dar lugar a la grandeza de las naciones.

6. Conclusiones La lectura que Proudhon hace de la Eneida es un buen ex- ponente de la propia visión que el pensamiento anarquista hace de un autor clásico, ligándolo a la idea de revolución, justicia y renovación social. En nuestro estudio hemos contrapuesto, pre- cisamente, la visión proudhoniana de la Eneida, inseparable de la idea de progreso, a las ideas desarrolladas por Nisard en su estudio sobre la decadencia de la literatura latina. Si bien ambos autores, Proudhon y Nisard, coinciden en aspectos tales como la creencia en leyes históricas, difieren cuando el primero con- sidera que la decadencia sobreviene porque las obras literarias no están a la altura del espíritu de los tiempos, mientras Ni- sard atribuye la decadencia al individualismo y la relajación de costumbres. Por lo demás, Proudhon hace nacer el catolicismo o universalidad cristiana de las propias entrañas de la Eneida, considerada como el comienzo de un nuevo ciclo de la huma- nidad que sigue al de la Ilíada. Proudhon considera, asimismo, que la Eneida configura un nuevo espíritu de universalidad, no reñido con las diferentes costumbres patrias, y que supone, ante todo, el triunfo de la civilización como tal, y no tanto de unos pueblos sobre otros. Podemos compartir, siquiera en parte, lo que Proudhon nos expone en torno a la Eneida o disentir completamente de tales ideas, pero lo que resulta innegable es que su lectura es fruto de un anhelo regenerador y revolucionario que hoy día, cuando la literatura ha devenido en mero ocio consumista, se nos antoja como utópico.

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García Jurado, Francisco, «La Eneida como utopía regenerado- ra: Pierre-Joseph Proudhon», SPhV 16 (2014), pp. 51-68.

RESUMEN

Se analizan en este trabajo las claves de la peculiar lectura que el pensador social Pierre-Joseph Proudhon hizo de la Eneida de Virgilio como obra que inauguraba un nuevo ciclo histórico. Den- tro de lo que era una línea maestra de la historiografía literaria de su momento, la dicotomía entre el progreso y la decadencia social y literaria, el autor defiende la capacidad revolucionaria que tiene cierta literatura para fomentar el progreso social y la palingenesia. Es, precisamente, esta particular interpretación lo que entende- mos como una lectura utópica de la regeneración.

Palabras clave: Proudhon, Eneida, regeneración, revolución

ABSTRACT

In this paper we analyze the keys of a peculiar reading con- cerning to the way a social thinker like Pierre-Joseph Proudhon could read Virgil’s Aeneid in the idea of a work that inaugurated a new historical cycle. According to a guideline of the literary His- toriography of that time, i.e., the dichotomy between progress and social and literary decadence, the author defended the revolution- ary ability of some kind of Literature to promote social progress and palingenesis. We consider this particular interpretation as a utopian reading of regeneration.

Keywords: Proudhon, Aeneid, regeneration, revolution

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Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 69-90 ISSN: 1135-9560

Formas de un sueño social: utopías y construcción de la ciencia (1500-1700) The forms of a social dream: utopias and the building of science (1500-1700)

Mauricio Jalón Universidad de Valladolid (GIR Rodrigo Zamorano, Instituto Simancas)

Data de recepció: 27/10/14 Data d’acceptació: 25/11/14

1. Un gran ciclo utópico y su amortiguamiento Es difícil de percibir la dependencia mutua entre ciencia y so- ciedad. Más lo es todavía la enmarañada relación entre el desa- rrollo de la actividad científica moderna (más especializada que la sabiduría antigua) y ciertas formas ideales de la colectividad. El desarrollo de la utopía y la construcción de una ciencia nue- va —que solo a veces habían marchado en paralelo durante los siglos XVI y XVII—, siguieron procesos independientes. No obs- tante, el saber en expansión proporcionó imágenes e ideas al te- rritorio de lo utópico, y fue notable el papel político de las utopías más críticas que fantasiosas en el siglo XVI. Asimismo, hubo una dimensión civil de la revolución científica, cuyo ritmo se aceleraría en la centuria siguiente. Parece ineludible, por ello, delimitar los marcos temporales. H. Kearney, en Ciencia y cambio, 1500-1700, sitúa entre estas dos fechas los orígenes de la ciencia moderna; su fresco, una vez escrutada la primera y desgarrada centuria, resume tanto los fo- cos emergentes en el siglo XVII como la remodelación de la trama científica o su misma concepción teórica a través de los podero- sos —y aún vivos— sistemas de pensamiento. Por supuesto, las fechas de esa transformación decisiva son relativas y mudables: 70 Mauricio Jalón

R. Hall, en su excelente La revolución en la ciencia, 1500-1750, incluye medio siglo más para abarcar el dominio de Newton en las primeras Luces; o Marie Boas, añade cinco décadas preparatorias a los tiempos iniciales en El renacimiento científico, 1450-1630, y dedica un libro entero a esta primera etapa. Pues la mudanza en los conocimientos, tan radical, tuvo otros antecedentes desde mediados del siglo XV —humanistas, técnicos y artísticos, que fueron renovando las ideas de cosmos, armonía o ritmo— y la me- tamorfosis de la ciencia cobró fuerza en el llamado «Renacimiento tardío», ese período de la variedad, 1520-1630 (P. Burke), en el que se leyeron las utopías reconocidas, desde Moro hasta Andreae o Bacon. Si bien, por contraste con los cambios incesantes en la ciencia desde 1640, la invención utopizante se remansó unos años, hasta amortiguarse a finales del siglo XVII.

2. Los embajadores El escritor prolífico y juez civil Moro (1478-1535) vivió en unos años borrascosos, como Erasmo, su aliado desde 1499, y como otro interlocutor suyo, Vives. Todos padecieron las incertidum- bres del humanismo, tan visibles hacia 1492, año en que Moro ingresó en la Universidad de Oxford. Ya no era joven cuando im- primió la Utopía, su isla artificial; era una construcción mordaz, escrita básicamente en Flandes como respuesta preocupada al Elogio de la locura que le había dedicado Erasmo en 1508. Apare- ció en Lovaina, en 1516. Por entonces, el diplomático Castiglione escribía El cortesano. Utopía, escrita en el latín renovado del momento (al inglés solo se tradujo en 1551), dio nombre a un tipo de fabulación. Su rey Utopo va a ser el epónimo de toda aventura-creación utópica, ese moderno acicate cultural, de múltiples matices, que cobró carác- ter y desfalleció en tiempos de Newton, hasta reverdecer en las pri- meras Luces. Independientemente de su trazado o de sus juegos con la verosimilitud, «utopía» significará tanto una sociedad y un lugar raros e inexistentes como la descripción misma de ambos. Su éxito fue inmediato. Ese tipo de fantasía ingeniosa y calculada, que parte del mundo pero rompe con su orden, se expandió al par que se desarrollaron la literatura satírica, de matriz clásica, y la de viajes, propia de la agitación europea desde 1500. Utopía es un díptico que consta de un diálogo medio real y de un retrato del no-lugar, tras ese preámbulo. El primer tramo,

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 69-90 Formas de un sueño social 71 enjundioso, retoca una experiencia vivida por Moro (el diálogo es un recurso, muy del siglo XVI, para escalonar argumentos oídos o elaborados); el segundo es ya efecto de su imaginación y comple- jidad reflexiva. Arranca de su viaje de embajada a Flandes, junto con un archi- vero, para mediar entre su rey Enrique VIII y el príncipe castellano Carlos. Muy reales son Brujas, Bruselas o Amberes, como lo es también el encuentro con Pedro Egidio (Pieter Gillis), secretario municipal de Amberes, humanista e impresor, que será el desti- natario directo de Utopía. Su interlocutor, Egidio, introduce en el diálogo al ficticio Rafael Hitlodeo. Es éste un Odiseo-Platón que conoce la ilha del autor —Inglaterra, en guerra civil—, también la nueva anti-ilha (las Antillas agrandadas por Colón, hasta ser América), y que luego le dará noticias de una apacible y utópica não-ilha. Este «mensajero» literario relata a su vez otra conversa- ción cortesana, inglesa, plagada de hechos políticos del momento, marcados por la violencia y la pobreza. Plauto, Terencio o Séneca serán los romanos que le inciten a retocar ideas sociales platóni- cas, que aparecían en la República y las Leyes. La segunda parte, el monólogo de Hitlodeo, es la descripción «objetiva» de ciertas leyes y costumbres inventadas en un terri- torio, más que perfecto, corregido. Su isla en forma de luna cre- ciente, de 800 km y situada debajo del Ecuador, anunciaba trans- formaciones sociales al cruzar el otro mar (el Mediterráneo no era Mare nostrum, con el avance turco). Pues Utopía no significaría «enjaular» sino planificar «para la libertad» (J.A. Maravall): inter- viene en los bienes, alimentación y vivienda —comunes—, en ves- timenta y adornos, en el divorcio y también en la prostitución, que los municipios ya regulaban en parte, pues la vida sexual apare- cerá una y otra vez en ese género. Hay violencia; presos, siempre lacerantes. Hay discusiones sobre la crucial «guerra justa», y una presencia abierta y clasificada de esclavos, nada chocante (pese a R. Trousson, esta vez), pues se acentuará sobremanera en tres siglos una mentalidad esclavista no olvidada en el Medievo y que reflejan todas las utopías hasta que llegue ese 1789 que intentó liberarlos por completo. Así, Moro, conocido traductor de Luciano de Samosata —su versión latina de 1506 se reimprimió trece veces—, da un impulso a la nueva literatura al recrear un mundo extraordinario como molde de experiencias, irrealmente reformadoras: la «ciudad hele-

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 69-90 72 Mauricio Jalón nizada» que ofrece como muestra es esencialmente terrestre —no divina—, y uniforme. Marca con prefijos privativos que esa no existe (Amauroto), que su príncipe carece de pueblo (Ademo), o, en fin, que su río no tiene agua (Anidro). Como esos nombres se anulan a sí mismos en su conjetura imposible —pero no absur- da—, surgen otras tierras en un raro delirio donde los amaurotos son fantasmagóricos. No pinta seres singulares, sólo costumbres mejoradas pensando en su propia realidad.

3. Pautas para una sociedad lejana Además de la alta calidad de Utopía —el gran modelo—, hubo diversos factores «modernizadores» que influyeron en su difusión. Moro, político implicado en su tiempo, denunciaba sin ambages la situación crítica de la agricultura inglesa, ya que «el apetito insaciable» de los poderosos empezaba a deshacer la tradición campesina: con los cerramientos (enclosures) o privatización de terrenos comunales. En segundo lugar, el imaginario americano cobró una vida in- sospechada con Moro. Su marino portugués Hitlodeo, versado so- bre todo en griego, como buen humanista, había estado en Ceilán y Calcuta; pero, como aún Magallanes no había cerrado el círculo, se dirigió a América por el oeste, convirtiéndose en el compañero imaginario de Vespucci (1454-1512) durante tres viajes al conti- nente que se avistaba. Varias de las Relaciones de Américo estaban ya impresas, y en ellas hablaba de «otra naturaleza», de pueblos epicúreos, sin propiedad privada ni comercio, ajenos al oro y las joyas. Moro co- nocería otros dos textos curiosos, sutiles e inaugurales: la primera carta de Colón y el Nuevo Orbe de Pedro Mártir, que dio nombre a las ‘Indias’. El propio Hernando Colón poseyó un ejemplar de esa Utopía, que hablaba de un grupo humano con una capacidad operativa casi burguesa, y planteaba su regulación mental correspondiente, como apareció en Vives y Rabelais o en Andreae y otros de la cen- turia siguiente, cuando América tuvo ya presencia total en Euro- pa: muy tarde, hacia 1640. Y es que, al lado de los colonizadores, hubo a menudo figuras utopizantes tempranas, que recapacitaron sobre el «comunismo» de Moro y cuyas alegaciones —bastante in- fluyentes— criticaban la voluntad expansiva, febril, cruel e incon- trolada, de aquéllos.

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En el caso español, con una acción militar de conquista y tantos emigrantes allá, hubo una visión social muy directa, lo que repercutió en propuestas valerosas. Sin duda, en Las Casas (1484-1566), cuya refinada razón se opuso brillantemente a la ruptura de la tradición campesina tanto en Castilla como, luego, en Nueva España; con sus protestas imprimió fuerza a la histo- ria, sin pretender anular sus matices, y dio un impulso ejemplar que aún perdura al proclamar «utópicamente» la igualdad cientí- fica de todos los humanos. Por su parte, Vasco de Quiroga hacia 1533, que citaba a Virgilio y a Luciano, estableció comunidades en los pueblos de Santa Fe de México con una vida acaso cerca- na a la ensoñada por Moro. Desde su coetáneo Motolinía, hasta, por lo menos, Mendieta (1525-1604), muchos historiadores for- mularon allá preguntas esenciales —aunque finalmente irresuel- tas— sobre los valores de dos civilizaciones confrontadas, y en posición tan desigual. En fin, si ya Pérez de Oliva (1494-1531), había escrito laHisto- ria de la invención de las Indias —un elogiado título— y formuló una idea apropiadora («mezclar el mundo y dar a aquellas tierras extrañas la forma de la nuestra»), a lo largo del siglo XVI se llegó a expresiones más generosas y justas: Bernardino de Sahagún (sobre todo de 1560 a 1577), valoró con respeto las instituciones o el mundo simbólico-religioso nahuas y la visión indígena del en- torno natural. Su experiencia americana, excepcional por vivaz y abierta, se convirtió en la percepción apasionada de una sociedad armónica y real, ya no utópica. Por desgracia y contra su volun- tad, su Historia se mantuvo en secreto.

4. Variaciones sobre una isla Moro, trasgresor mediante la ironía, provocaba a sus coetáneos al afirmar que si algunas costumbres de su isla fingida parecían absurdas las que la realidad ofrecía no lo eran menos. Y es que las utopías que le siguieron también fueron fieles a su tiempo histórico auque se apartasen deliberadamente de la sociedad del momento. Así sucede en tierras de Lutero; en la Wolfaria (1521) de Eberlin (que viene de ‘Wohlfahrt’) aparecen luteranos furibundos, como sucede en otras utopías alemanas donde el reformismo está muy en un primer plano (L. Firpo). En la literatura castellana, a inicios del siglo XVI, suele re- cordarse el «Villano del Danubio» del poco veraz Guevara, con

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 69-90 74 Mauricio Jalón sus utópicos de una fábula muy elemental sobre lo simple y pa- radisíaco (Reloj de príncipes, 1529). Más representativa de ese Renacimiento español «intenso, precoz y de acusada originali- dad» (A. Domínguez Ortiz), sería la fantasía breve de Alfonso de Valdés, un autor más erasmista que su corresponsal Erasmo. Él va a imitar el Diálogo de los muertos de Luciano, al dar vida a un mandatario modélico, el Rey Polidoro, en su Diálogo de Mercurio y Carón (c. 1531). En Francia el logro más célebre es el de Rabelais, que tanto apreciaba a Moro: en un principio pensó llamar Utopía al país de sus gigantes, y narró en su obra maestra cómo fue asediado el territorio Amauroto o cómo Panurgo trasladó una colonia de uto- pianos. Pero antes, al final del Gargantúa (1534), había creado su lugar privativo, la jovial abadía de los thelemitas —nos descri- be su hexagonal Thélème, con torres cilíndricas en cada vértice, pero separadas—, que es un ámbito al lado del Loira, no prote- gido, excepcionalmente, marcado por el absoluto libre arbitrio y de proporciones desmesuradas como todo su libro. Su carencia de normas y su pirronismo hacen de esa ocurrencia genial un hervidero literario. En general, lo insular —en latín ínsula es lugar de gobierno de poca entidad— remite a la idea de ‘aislamiento’. Estar ‘en isla’ significa vivir aisladamente, y se convierte en emblema de cierto espacio lejano y cercado. En ese territorio insulano y enrarecido cabe idear cientos de distorsiones e inversiones que sirven para criticar circunstancias dispares del entorno real. Esto atañe no solo a las utopías: la invención de un espacio asombroso, con un horizonte desplazado o ensanchado que altera la imagen del mun- do, es «uno de los grandes temas del Renacimiento y de los dos siglos siguientes; uno de los resortes fundamentales de la revolu- ción política, religiosa, económica y filosófica» (E. Auerbach). La quiebra de la imago mundi, a la que ayudó, fue clave en la revuelta científico-cultural moderna.

5. La técnica y la ciencia ganan espacio En el siglo XV, la busca de vías marítimas se había apoyado en una mejora en la construcción de naves, en el aprovechamiento del viento con velas distintas y nuevos mástiles o en una brújula más segura, pero también en una mejor codificación de los datos astronómicos. Las conquistas de la centuria siguiente se bene-

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 69-90 Formas de un sueño social 75 ficiaron del diseño en serie de todas las piezas de un barco, de cartas náuticas con creciente calidad y de nuevos instrumentos para la navegación. Además, se desarrollaron estudios sobre el suelo o el subsuelo y para refinar la metalurgia; y se formaron arquitectos e ingenieros para construir ciudades, nuevos bastio- nes y redes de caminos. Todo ello suponía un claro avance técnico y un ideal mensu- rador, que tendría un considerable reflejo imaginario. Los moder- nos, y de modo sobresaliente Bacon, se vanagloriaron de otras invenciones además de las navieras. Si Moro ensalzó la construc- ción defensiva que permitía el aislamiento utópico, con flechas o espadas y máquinas imprecisas, Andreae y Campanella hablaron de arcabuces, catapultas y cañones, propios del siglo XVII, siem- pre en guerra. Entre las artes alabadas en las utopías, destacaron además la fabricación papelera y desde luego la imprenta: Moro las si- guió de muy cerca, como Erasmo; Andreae exaltaba la tipografía, indispensable por añadidura para difundir obras religiosas. Los impresos dieron otras «armas» al público estudioso, pues el libro, abundante y perfeccionado ya en 1500, se imprimió masivamente —aunque peor— un siglo después. Y muchas técnicas o artes se basaron en recursos geométricos (los Elementos de Euclides pro- liferaron impresos en varias lenguas) y en el avance de la medida, esto es, del número, que reflejaron los libros. En general, los sabios renacentistas intentaron abarcar todos los conocimientos, científicos o de cualquier tipo; fueron denomi- nados «cultivadores del mundo» porque no había gran división en su trabajo intelectual. En el siglo XVI, la sociedad que los rodeaba padeció unas convulsiones religiosas, político-legales o territoria- les que les perturbaron de raíz, si bien a la vez espolearon nuevas visiones en ellos. En particular, si la cultura científica suponía saber de matemá- tica, astronomía, meteorología, física medicinal, botánica y zoolo- gía, en Utopía dominaba la dialéctica, la música, la aritmética y la geometría, como los clásicos, aunque no se prestaba gran interés a la lógica tan cultivada en Oxford u otras universidades. Pero sus utopienses eran expertos en los movimientos de los orbes celestes, hasta el punto de que habían inventado instrumentos para preci- sar la situación del Sol y sus aparentes desplazamientos, así como los de «la Luna y demás astros». Rechazaban la astrología y un

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 69-90 76 Mauricio Jalón universo de simpatías astrales que todavía perduraron; en cam- bio, se fijaban en aspectos naturales muy concretos: la predicción de lluvias, el estudio de vientos y otros fenómenos atmosféricos, las mareas y la salobridad del mar. Moro además abordó cierta fisiología ordenando aspectos de la ingestión y de la expulsión de materias, fuesen éstas restos o bien secreciones de valía, como las seminales. El placer tranquilo, epicúreo, equilibrado que él busca incluye siempre la música y la liberación del dolor. Sólo en cierta medida, muestra cómo colaboban entre sí diver- sas teorías y prácticas artísticas, científicas y filosóficas; si bien se entremezclarán, en otros, con indagaciones simpatéticas que hoy llamaríamos mágicas (así, la astrología estará presente en la Ciudad del Sol de Campanella). De ahí que por sus intersticios se introdujeran otros mundos, a veces reales, como la naturale- za americana del todo desconocida u otros hábitos de vida, muy lejos de aquellos antiqui mores tan leídos. Hasta los relatos viaje- ros más evangelizadores dieron cuenta con sus observaciones de «otra» naturaleza y «otras» inclinaciones. Las costumbres novedo- sas podían valorarse favorablemente: también las que ofrecían los relatos utópicos. Los estudiosos medievales manejaron términos muy holgados y cálculos abstractos de cierto interés, aunque no pudieron tamizar bien la realidad ni controlarla. Los clásicos fueron recobrados fiel- mente por los modernos; y al adueñarse de la libertad griega, al re- nacer el filósofo y el científico antiguo pudo nacer unfilósofo y un científico antes inexistentes (E. Garin), muy entremezclados, que fueron reajustando la mirada hasta situarse en un plano del todo diferente. El dominio medicinal, matemático y filosófico se confi- guró leyendo textos sin adherencias extrañas y sobrepujándolos, con lo que al fin surgieron métodos adecuados a unos objetos que no encajaban con las abstracciones —refinadas y, en parte, suge- rentes—, del siglo XIV. La fecundidad renacentista logró tanto hacer catálogos de he- chos nuevos y reclasificarlos (las nuevas historias naturales, en sentido pliniano, desbordaron los viejos acervos), como dominar disciplinas antiguas, para retocarlas, aumentarlas o distorsionar- las en pos de una nueva verdad. En las primeras décadas del siglo XVI —cuando surgían las utopías— germinaron los avances científicos que se consumaron antes de 1550, fuesen astronómi- cos (Copérnico y seguidores), anatómico-iconográficos (Vesalio), o

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 69-90 Formas de un sueño social 77 algebraicos (Tartaglia y Cardano). Pero Copérnico se había fami- liarizado, leyendo a Plutarco, con Filolao, Heráclides o Aristarco; también Vesalio había reñido con un Galeno recién incorporado con rigor; y medio siglo después Galileo y otros utilizarían textos matemáticos cruciales, antes desconocidos (Arquímedes y Papo). La reaparición de un sabio pluralmente crítico hizo posible su- perar ciertas perspectivas de Ptolomeo, de Galeno y del Filósofo mismo, Aristóteles. Avanzado el siglo XVI se disponía de la cultura científica an- tigua, aunada a la de tipo cervantino; dicha suma desembocó en una etapa de discusión sobre lo nuevo y también de inseguridad para muchas disciplinas, incluso para las antes citadas. Llama la atención que las utopías se olvidasen en esas décadas, acaso por las censuras y condenas de la Contrarreforma, de modo que una aislada y tridentina República imaginaria, de Agostini (hacia 1580), resultó ser una ordenación inactual, alejada de la política estimulante. El optimismo matizado de Moro había estado uni- do al ideario universal renacentista. La división de la cristiandad dará origen, pronto, a utopías locales más abstractas.

6. El espacio organizado Un enorme arranque constructor influyó en la técnica y en el imaginario renacentista; otro tanto sucedió con la insólita invasión figurativa. Ambos precedieron a las revoluciones tecnológicas, y, de hecho, la educación visual se unió con eficacia a la científica. Utopía y nuevo urbanismo estuvieron muy unidos, ya que sus actores reorganizaban el espacio para cambiar la vida cotidiana. La ciudad utópica, poco descrita gráficamente, parecía sufrir una «congelación urbana», al estar varada en el tiempo. Los proyectos de ciudad ideal en el siglo XV, que tanto la influyeron, se modifica- ban si llegaban a construirse (Pienza se detuvo en su increíble pla- za, porque no creció). En dicha centuria de crisis hubo proyectos idealizadores desde Alberti hasta el minucioso orden ciudadano de Leonardo, de 1490, pasando por la Sforzinda de Filarete, que describió detalles utópicos y cósmicos en su Arquitectura (1465). El afán planificador no se detuvo, y reveló la nueva funcionalidad racional de la burguesía, el vigor de cada «burgo» desde 1500. Su plantilla o matriz básica se reprodujo en el poderoso urbanismo colonial, mediante un proceso que arranca de la plaza, el lugar de referencia, y prolifera en una red no siempre rígida.

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Por lo demás se habían creado cientos de tramas urbanas en el siglo XVI, como se esbozaba en un cuadrado de Durero cuajado de rectángulos, en 1527, o aparecía ya en un famoso recinto cerrado y uniforme para trabajadores, la Függerei de Augsburgo (1515- 1523), con 52 casas. Pasadas unas décadas cabe señalar un plan urbano unitario, iniciado en 1566, para La Valeta de Malta, que se inspiraba en el utopismo social, e intervenciones totales, como la ciudad vitruviana de nombre arenoso, Sabbioneta (1557-1584), hecha a partir de un castillo, creando una retícula mínimamente desviada, inserta en un casi hexágono: es hoy una villa inquietan- te por teatral, con monumentos bien contrapesados. A finales de esa centuria se iniciaron la friulana Palmanova, ciudad-fortaleza estrellada cuya traza parte de un círculo, como el esquema de Filarete; y, fuera de Italia, la «ciudad alegre», Freudenstadt, en la Selva Negra, de 1599, que buscó la correspondencia estética entre una utopía urbana, acaso la muy platónica narrada por Patrizi en 1553, y un procedimiento para realizarla (L. Benevolo). Pero la idea municipal de Italia —la invención urbana renacen- tista— se había transformado en una idealización neoplatónica en toda Europa del siglo XVI. En paralelo a las utopías, se produjo así una reflexión en la que colaboraron arquitectos, que dejarían de ser maestros de obras, e ingenieros militares, que tanto intervinie- ron en la construcción conquistadora. Y los utopistas los copia- ron, incluyendo su muy habitual referencia al Sol, por higiénica. Ya Utopía ofrecía 54 ciudades idénticas, muy resguardadas y en línea, aunque sin un estilo definido (los ciudadanos platónicos de Leyes eran 5.040); su vida «reformada» o código utópico era un asunto ciudadano, aunque estuviesen rodeadas de tierra cultiva- ble y todos sus habitantes pasasen un año en el campo. Entre sus seguidores, poco después de 1550, destacaron el citado Patrizi, protector de oligarcas en la hiperracionalista Ciudad feliz y, por contraste, Doni —traductor de Moro en 1548—, extravagante y burlesco en El mundo de los locos, una ciudad descrita como un alto templo central de donde partían cien calles en estrella que da- ban a otras tantas salidas en su protección externa. Allí el iguali- tarismo era total; la regulación, inexistente; la simetría, absoluta. En cada calle se instalaban casas para oficios complementarios; y solo dos de ellas eran para mujeres, comunes para todos: este aspecto de las utopías, la satisfacción sexual, fue siempre «orde- nada» unilateralmente.

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En todo caso, la usual forma ciudadana de la utopía desapare- cerá hacia 1620, acaso por el predominio ya de la forma barroca (R. Klein).

7. El mundo al fin cartografiado La idealidad geométrica pautó tanto el diseño ciudadano como la invención utópica. En el primero, móvil, cabía más la improvi- sación. En el segundo, la reglamentada descripción dominaba so- bre personajes que se reducían a puntos en lugar abstracto, poco figurado. Pero las ideas imaginarias se apoyaron en los inventivos planos de ciudades reales. Por entonces, un apoyo visual antes inexistente, un «saber con pinturas» —sinóptico y plástico a la vez—, dinamizó la cultura por completo. Fue un inmenso procedimiento expresivo que definió al siglo XVI. Afectó a las ciencias más dispares, y la imprenta ayudó a refinarlo y extenderlo en pocas décadas. Si ya el arte plástico se había reforzado con el uso de una perspectiva de múltiples bene- ficios, ahora pintura y geografía se unieron en losmapas con una eficacia insólita. La cartografía se desarrolló raudamente con la irrupción navie- ra, y aparecía bien anotada además, con marcas de costas, ma- reas, vientos o estrellas, cuya lectura jalonaba los recorridos. Su calidad y su cantidad crecieron sobremanera, lo mismo que la representación terrestre asociada. El puerto —su núcleo— había sido fluvial, luego marítimo; y su zona adyacente se agrandó al conectarse con otros lugares de portes, de modo que una telaraña de localidades, caminos, ríos, montes y otros accidentes aparecían en una figuración que coloreó la centuria. La descripción de Ptolomeo del globo terrestre, o geografía, y su corografía —una paisajística detallada de cada parte—, acabaron confluyendo en una planimetría general que afectó a tierra, mar y cielo, y que además despiezó barcos, ropas, casas, minas o inge- nios de salvaguardia. Eran éstos planes de fabricación, y el mapa o el croquis fueron documentos reales de la ideología expansio- nista durante décadas. Sus bordes se ilustraban con los distintos tipos humanos y seres vivos: pero plantas y animales, identifica- dores asimismo de lo nuevo americano, no podían ser plasmados en las abstractas utopías. Con todo, un amigo íntimo de Moro, George Lily, fue destacado cartógrafo, y la gran edición en Basilea de la Utopía (1518), llevaba

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 69-90 80 Mauricio Jalón una corografía de la ciudad imaginaria, realizada por Ambrosius Holbein, hermano de Hans, el pintor de Los embajadores, 1533; esta cumbre pictórica incluye a su vez el globo terráqueo. Al ini- ciarse el siglo XVII la representación utópica será un cuadro, y lo más «narrativo» desaparecerá de tal representación sobre todo oral, al aplanar del todo la ficción (L. Marin). Se avecina así a las nuevas figuras de la ciencia.

8. Avance del saber, avance de la ciencia Hacia 1600, hubo solo aperturas en determinados territorios del saber en general, potenciadas por autores muy dispares; pues las ciencias se hallaban en una fase de pausada transición, como sucede tras grandes agitaciones. Los cambios no fueron funda- mentales, en conjunto; se recogieron y matizaron esfuerzos de me- diados de siglo anterior y a veces hubo incorporaciones teóricas confusas, pansóficas a menudo, engastadas en especulaciones universales que pudieron servir de acicate, aunque hoy parezcan desvíos o estancamientos. La autonomía individual se realzó, si bien siempre con mu- chas cautelas ideológicas al iniciarse en el siglo XVII. La modi- ficación del conocimiento no resultó apreciable ni en el terreno medicinal o físico, ni en el cómputo del tiempo de la naturaleza o de sus cambios geológicos, donde pesaba enormemente la Bi- blia. Hubo una ebullición intelectual, pero la amenaza religiosa, la guerra continua, la política centralizadora, el Estado-Leviatán exigían precauciones. Desde el tiempo de Gilbert (1544-1603), y sus imanes, hasta la muerte de Galileo (1564-1642) —referencia usual—, se luchó contra prejuicios inmutables y se logró trabajar originalmente, con la cosmología de Kepler, la reacción química de Helmont o la circulación de Harvey: los tres habían nacido en la década de 1570. Kepler escribe un Somnium hacia 1610: un viaje a la Luna, muy influyente, que recoge la nueva astronomía, en especial a Brahe; él prefiere describir sus buenas condiciones científicas y no una vida ideal. Ya mediado el siglo XVII, tras pulirse conocimientos y endere- zarse lógicamente sus formas expresivas se aclararon amplios do- minios disciplinares, dando a la investigación un sello que se rea- firmará en el siglo siguiente. Con el empuje filosófico de Gassendi Descartes, Fermat o Borelli, nacidos a principios de la centuria, que se verá rematado por el esfuerzo de Pascal, se tendía cada vez

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 69-90 Formas de un sueño social 81 más a lo verosímil, a lo bien acotado, y asimismo a la discusión y al análisis metódicos. Este trabajo sería culminado tanto por Newton (1642-1727) como por Leibniz, su rival algo más joven, pero sin olvidar un haz de figuras que les precedieron como Boyle, Huygens, Hooke o Steno, que se ocuparon de la elasticidad del aire, lo ondulatorio de la luz, los sólidos deformables o los fósiles, entre otras cosas. La crítica radical a las quimeras y los principios inciertos se fue afirmando, pese a la persistencia de impurezas, incluso en los más grandes. Se crea, entre todos, un lenguaje distinto y específico, más efi- caz para la ciencia. De ahí, acaso, la obsesión durante más de un siglo por construir una lengua universal, manía que está presente en muchos utópicos. La formalización avanza de continuo, y las nuevas ideas se transmiten e imponen en poderosas Sociedades Científicas, que van a difundir una ciencia no universitaria, como era la moderna. Pueden verse esos organismos como verdaderas utopías secularizadas, que algunos consideraron como nidos an- tideístas. Incluso el secretario de la Académie des Sciences, Fon- tenelle, escribió una utopía, Historia de los Ajaoiens o república de los filósofos (1682). Esa gran corriente analítica y ordenadora tuvo su eco tanto en el racionalismo utópico como en las razones estatales del siglo XVII.

9. Universalismo y renovación del furor utópico Un renovado fervor se observaba en el siglo XVII, lejos de Moro y su ecumenismo prerreformista. Así, el católico disidente Cam- panella y el luterano Andreae dieron a sus utopías un aire metafí- sico-cristiano; aunque —como en la Nueva Atlántida del puritano canciller Bacon— defendieron la ciencia y su enseñanza expan- siva. Si en Utopía las conquistas espaciales eran posibles, y un barco destacaba en su frontispicio, otra nave distinta encabezaba el método científico baconiano —enLa gran restauración (1620)—, pues, sin dejar de lado el dominio mundial, subrayaba ahora las conquistas del pensamiento. La palabra ‘navegación’ aparece en la primera frase de Ciudad del sol (1602), escrita en italiano y vertida al latín en 1623 por el gran perseguido Campanella. Sobre esa ciudad perfecta (con na- ves que avanzaban sin remos ni velas), dialogan un Almirante y un Maestre Hospitalario; el primero había dado la vuelta al mundo hasta llegar a la Civitas solis: el Sol es un símbolo claro del Saber.

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Su villa ideal brota sobre una llanura elevada, cerca de Ceilán (sus habitantes habían huido de la India por temor a los «magos»). En esta «república filosófica», regida por funcionarios, los hábitos están tan calibrados que los delitos son escasos, y, por ello, los menores defectos se escrutan al detalle. Existe una comunidad de bienes y de mujeres; la sodomía se castiga levemente o con pena de muerte. Por lo demás, hay discusiones sobre astronomía anti- gua y moderna, que se alternan con cuestiones metafísicas —ani- mistas y muy naturalistas—, y la descripción de inventos. El afán por trasmitir el saber y las técnicas es manifiesto. Las fábulas topográficas se habían contagiado de las reformas de la arquitectura ideal en el siglo XVII: su organización inexpug- nable adquirió un valor más «simbólico». Sucedía en el vértigo de círculos concéntricos en Ciudad del sol, o de los cuadrados inser- tos en cuadrados en la espiritual Cristianópolis (1619) del sabio protestante Andreae, o con la evanescente, por perfecta, Casa de Salomón de la Nueva Atlántida de Bacon (c.1626). Los tres uto- pistas relacionaron ciencia y religión, y sus símbolos evocaban a menudo el marco bíblico. Así en la cima del monte solar de Campanella, allanado, se er- guía un templo redondo cuya bóveda principal ocupaba el centro, como un techo del mundo, en el cual estaban dibujadas y nom- bradas todas las estrellas. El visionario Campanella imaginaba un solo libro —Sabiduría—, para su ignota Trapobana, y tantos magistrados como ciencias: cosmografía, aritmética, geometría o medicina, las ramas que destacaba; o historia, poesía, lógica, re- tórica, gramática, política y moral. Eran materias en las que todos debían formarse; también en las artes mecánicas. Y su aprendi- zaje se hacía con pinturas murales que representaban, junto a di- versas costumbres, figuras matemáticas (de mayor número, dice, que las de Euclides y Arquímedes), piedras, minerales, aguas, tie- rras o fuentes; productos clásicos (vino, aceite, licor), elementos de meteorología, y todo tipo de plantas y de animales, incluyendo al ave Fénix. Asimismo retrataba a inventores y legisladores. El cosmos aparecía dibujado por completo, y hasta había maestros dedicados en exclusiva a explicar las pinturas, para «aprender to- das las ciencias sin esfuerzo y como jugando». Andreae, un rosacruz, construye mejor su utopía en el Antár- tico —Cristianópolis (1619)—, mediante cien capítulos bastante bíblicos. Es un «sol renacido» en la isla de Cafarsalama, es un

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ámbito pacífico, cuyo nombre, salama, deriva del hebreo shalom, ‘paz’. Esa voz se repite en la isla de Bacon, llamada Besalem, ‘hijo de la paz’; pues resaltan a menudo tres lenguas antiguas —he- breo, griego y latín—, a las que Bacon unirá el español (Rabelais añadía éste y el italiano). Andreae concibe su república lumino- sa como un «taller», con obras públicas o viviendas regidas por prefectos, y patrocina una física como «práctica», todo ello apun- tando a un mejor comportamiento: se aprecia hasta en su im- pensable alumbrado nocturno. Como pedagogo de tono modesto, se fija en la agricultura y la alimentación, en la metalurgia, la cerámica y el tratamiento del vidrio o de la sal. Andreae defiende el trato familiar con los maestros para aprender de continuo, la presencia de un teatro matemático, con un cielo estrellado, y un laboratorio-museo dotado de instrumentos científicos, con valor útil ahora, no alegórico. En fin, su texto argumenta sobre el vín- culo imprescindible entre la investigación científica y el avance industrial (L. Mumford). Un gran discípulo de la pansofía de Andreae, el didáctico pro- testante Comenio (1592-1670), propone una idea básica similar a la de su maestro en el Laberinto del mundo y paraíso del cora- zón (1631): la regeneración científico-educativa. Comenio, lector además de Vives o Campanella, y admirador del empirismo de Bacon, busca la paz, la panarmonía. Aunque presente en su pe- regrinaje un mundo caótico —ajeno a las ordenadas utopías—, subraya con los citados coetáneos que los científicos se deben entregar a la experiencia. Por su parte, en la Nueva Atlántica, la utopía inconclusa y rá- pida de un gran enciclopédico como Bacon, el aura utópica pese a su escenografía barroca se vuelve positivista. Para difundir el conocimiento le parece indispensable atesorar datos y organizar visitas a las ciudades de su reino; quiere hacer públicas las «nue- vas y útiles invenciones», reacomodar el entendimiento humano, atenerse a la observación y la experiencia calculada. Y es que las antiguas y las primeras utopías eran estáticas, revelaban escasez material y viejas fuentes de energía (M. Finley). En cambio, Bacon fuerza la mirada: quiere realizar «todas las cosas posibles», prepara cuevas artificiales para hacer coagulaciones y refrigeraciones; bus- ca abonos nuevos; construye torres meteorológicas, piscifactorías y viveros para aves y vegetales, máquinas para multiplicar vientos, baños con soluciones de vitriolo, sulfuros y todo tipo productos,

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 69-90 84 Mauricio Jalón espacios para imitar tormentas, cámaras para figurar en el aire cuerpos animales; prepara cuartos aireados para cuidar la salud con bañeras reparadoras, o capaces de metamorfosear semillas. La imagen baconiana del universo como laberinto era solo una figuración de varios recorridos en el saber, como lo evidencia su triple ordenación del árbol de las ciencias, que será clave más de un siglo después para la Encyclopédie. Su muestrario de ideas era una especie de casillero de problemas científicos y técnicos, como verdadero portavoz preindustrial que fue (B. Farrington). Condor- cet, en su utopía homónima de 1794, criticará al geocentrista Ba- con porque no propuso métodos para descubrir la verdad ni había cambiado la marcha de las ciencias. En cambio, Bacon fue el gran mentor de su institucionaliza- ción. El curioso Colegio de Filosofía, fundado por Comenio y el utopista Hartlib, en 1645, significó un peldaño inicial. Le sucedió la Real Sociedad para el Avance de la Ciencia, constituida también en Londres, en 1662, y de título baconiano (The Advancement of Learning). Miembros destacados de ella y muchos otros hablaron de la Atlántida como una profecía o como una referencia indispen- sable. Al mezclar la utilidad con el didactismo de Comenio, esa Casa de Sabios fue emulada por Academias científicas europeas. Incluso por la de París (1666), que nunca dejó de mirar a Descar- tes. Suponía el apogeo de la ciencia y también el avance de los proyectistas o arbitristas ganadores de dinero: Defoe en su Essay on Proyects, los criticaba sin dejar de imitarlos (H. Butterfield). Al tiempo, con los enormes beneficios coloniales, asomaba el pragmatismo escondido en muchas utopías; el que dominó en las relaciones crueles entre el Viejo y el Nuevo Mundo, por tres siglos, basadas en la guerra y la explotación, que «desembocarán en la gran síntesis real, histórica, universal del capitalismo occidental en el siglo XIX y de los EE UU en el siglo XX» (L. Marin). Con todo, los vislumbres pansóficos que procuraba el utopismo abundante de Leibniz, nunca publicado, tuvieron un cariz reformador de las men- tes. Seguían buscando, como Andreae, claridad y paz universal.

10. Malestar, didactismo social, invenciones El malestar mental moderno, reconocido en torno a 1600, dio pie a otro utopismo. Robert Burton (1577-1640), bibliotecario oxo- niense, mostró el reverso íntimo de los cambios en Anatomía de la melancolía, un centón médico-literario de 1621, y reimpreso hasta

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1676. Luchaba el «Montaigne inglés» con un desorden melancóli- co, una tristeza tan obsesiva desde hacía cuarenta años que pro- dujo una docena de estudios médicos maestros. En su extensa sá- tira introductoria, desdeñaba las utopías de Platón, Campanella, Bacon o Andreae, por quiméricas; pero citaba muchas ciudades ordenadas, incluyendo la ideal Palmanova. Y la anomia mental de la sociedad inglesa le exigía a Burton ofrecer una contrapartida armoniosa, una especie de estabiliza- ción normativa: nomos paliaría la tristeza, con una república aus- tral muy controlada y pacífica (W. Lepenies). No era igualitaria, pero la propiedad agraria estaría muy repartida y sus obras serían estatales; tendría una sucinta legislación y muchos supervisores. Su torrente de situaciones posibles (antítesis de la inactiva me- lancolía), y sus citas de toda la cultura antigua y moderna, per- mitirían una catarsis o acaso cierta reconstrucción interior. Esa Anatomía mental, una barroca síntesis de «melancología» occiden- tal (P. Dandrey), fue escrita cuando su contemporáneo Helmont demostraba la inexistencia de la bilis negra. En la segunda mitad de siglo XVII, se aprecia cierta fijeza utópi- ca en los ingleses, mientras que la ciencia se mueve y encumbra. Surgen mezclas narrativas y motivos nuevos, ajenos a Campa- nella y Andreae, en una secuencia divulgativa, que muestra la difusión científica y las inquietudes que rodearon a su guerra civil (1648-1649). Cierta representación del universo asomaba en Descubrimien- to del mundo en la Luna (1638) de Wilkins, que leyó con gusto el joven Newton; Wilkins, cuñado de Cromwell y autor de una len- gua analítica rescatada por J.L. Borges, sería el primer secretario de la Royal Society. En ese año, Godwin escribió una Noticia del más allá, con el viaje lunar de un hispano, Domingo González, que será pronto citado por Cyrano de Bergerac. En torno a las ciencias giraba el feliz (makarios) y tecnocrático Reino de Maca- ria (1641), redactado por el comeniano Hartlib, antes citado. Y también El mundo brillante (1668), singular cosmos subterráneo, donde Cavendish, primera mujer admitida en esa Sociedad lon- dinense, por sus estudios y teorías naturales, mezclaba temas sentimentales y técnicos. Incluso, Gott en su Nueva Solyma (1648) —un relato muy reli- gioso, puritano—, hablaba de la conversión de los judíos (su nom- bre viene asimismo de shalom), que abundaron en la Atlántida

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 69-90 86 Mauricio Jalón de Bacon. Otra Nueva Atlántida (1660), de autoría confusa y la Antifanática religión (1676), de Glanvill apelaban al método del omnipresente Bacon. Por su parte, ligado a los acontecimientos históricos, Harrington, en su Oceana (1656), dedicada por cierto a Cromwell, ofrecía un proyecto legislativo para reducir los derechos hereditarios: era una utopía de la moderación y del gobierno mixto (F. Manuel). Le secundará luego, en su lucha contra el despotis- mo, el anónimo y tardío Estado libre de Noland (1696). El peso de esa invención narrativa fue inglés e italiano (y más español que alemán al inicio), si bien reaparece en Francia la uto- pía, tras ciertas islas olvidables de comienzos del siglo XVII, con el agudo librepensador Cyrano (1619-1655), que cita a Cardano, Campanella o Gassendi contra un descarriado Aristóteles: en El otro mundo —o viaje a la Luna pasando por Québec, seguido del trayecto por los «Imperios del Sol»— desarrolla inverosímiles tra- yectos siderales. Publicado póstumamente y cercenado, desarti- cula la rigidez utópica gracias a su fuerza de escritor: aparecen seres de vidas dilatadas en el tiempo, o injertadas en otras formas, o mezcladas pastosamente con las del protagonista terrestre, que acaba viendo su Tierra como una Luna. Cerca ya del siglo de las Luces, los franceses parecen tomar el relevo ya. Fue un tiempo incómodo e incierto, con convulsiones sociales que incluían la persecución y el exilio de los hugonotes desde 1685, o la revolución inglesa de 1688, tan política como religiosa (P. Hazard). Todo favorecería el surgimiento de futuras utopías compensadoras en los años de la llamada «crisis de la conciencia europea»: 1680-1715. Bayle, en su Diccionario crítico, citó dos libros de finales del siglo XVII, utilizados por los ilustrados: La tierra austral conocida de Foigny y la asimismo austral Historia de los Sevarambios del hugonote Veiras, donde hay abundantes túneles, canales y funi- culares. Son invenciones narrativas alejadas ya de las que acom- pañaron al despegue de la ciencia. Son prefiguración de continuas utopías, con formas repetidas en autores menores e ironizadas en los mayores, que convivieron con ensayos fustigadores del orden social con aliento revolucionario.

11. Nuevas escrituras La utopía es narrativa necesariamente, dado que aparece siempre como relato, y por ello interesa recordar su estatuto

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 69-90 Formas de un sueño social 87 textual (J.-M. Racault). Desde el siglo XVI se venía desarrollan- do un género mayor, el novelístico, que en los mejores autores supuso la universalización de lo particular, como en esas fá- bulas. El tiempo de las utopías modernas coincide con el de la recreación de modelos literarios: el autobiográfico que brotó vi- gorosamente, el diálogo erudito o irónico, la burla picaresca, las paradojas, la fusión de estilos elevados y llanos, la descripción de lugares inusuales o intensos emotivamente, la extrañeza en ciertos viajes terrestres, marítimos o incluso aéreos. Alcanzaron un alto grado de elaboración hacia 1600, y sus sucesivas mo- dificaciones se reflejaron en esas piezas fantasiosas, pero con anclaje real, y medio ensayísticas. Al referirse al nacimiento de la novela moderna, críticos tan dispares como V. Sklovski o M. Robert —y, hoy, J.M. Coetzee— además de citar el caso extremo de Rabelais, destacan como hitos la modernidad del entristecido D. Quijote y la del colonizador ne- gociante e impetuoso Robinsón Crusoe: Cervantes creó a su per- sonaje a inicios del siglo XVII, cuando se renovaban las utopías desde Campanella; y Defoe concibió el suyo al empezar el siglo XVIII, cuando se relanzaba el relato utópico en las Luces. Los dos hablaron de encierros, en una ínsula ideal o en una isla uniper- sonal, que recuerdan aspectos de la utopía; si bien elaboraron, de hecho, originales contra-utopías. Las novelas —o también los relatos de «mejoras sociales»— fue- ron síntoma de otra sociedad mercantil y de otra conciencia, más escindida. Todas descentraron el Gran Discurso y multiplicaron los lenguajes posibles (M. Bajtin). Esos aspectos se vieron poten- ciados por ciertos autores que vivieron entre Cervantes y Defoe; mucho, luego, por quienes los recrearon en las Luces. Pero todos ellos serían absorbidos y ampliados en una escritura decimonóni- ca que aún nos afecta. Las utopías modernas de barniz novelesco pueden resultar hoy a veces muy metafóricas o demasiado extrañas. Se comprue- ba bien incluso en una obra inclasificable del siglo XXI donde resuenan explícitamente esos dos clásicos modernos: La infancia de Jesús (2013), de Coetzee. Sucede hacia el extremo sur chile- no, lugar supervisado por un raro Centro de Reubicación Novilla. Para unos es obra muy atractiva e inquietante; para otros, seca o incomprensible.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 69-90 88 Mauricio Jalón

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Jalón, Mauricio, «Formas de un sueño social: utopías y cons- trucción de la ciencia (1500-1700)», SPhV 16 (2014), pp. 69-90.

RESUMEN

Tanto la actividad científica moderna como ciertas formas so- ciales idealizadas fueron factores paralelos pero autónomos en el cambio radical en la cultura y en las políticas europeas nacientes. Sin embargo, destacan el papel social de la utopía en el siglo XVI y la dimensión cívica idealizada de la nueva ciencia, en el siglo XVII.

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Palabras clave: utopía, ciencia y cultura (1500-1700), literatura crítica, reforma social.

SOMMAIRE

L’activité scientifique moderne ainsi que certaines formes so- ciales idéalisées ont été des facteurs parallèles mais autonomes dans le changement radical de la culture et des politiques euro- péennes naissantes. Il convient cependant de souligner le rôle so- cial de l’utopie au XVIème siècle, et la dimension civique idéalisée de la nouvelle science au XVIIème.

Mots-clés: utopie, science et culture (1500-1700), littérature critique, réforme sociale.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 69-90 Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 ISSN: 1135-9560

La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató The corrective utopia. About Statesman’s myth

Josep Monserrat Molas Facultat de Filosofia / Universitat de Barcelona 2014SGR507: «EIDOS: platonisme i modernitat»

Data de recepció: 24/10/14 Data d’acceptació: 23/11/14

L’edat de Cronos en el mite d’El polític de Plató En la interpretació dels diàlegs platònics cal respectar la in- tegritat de cada obra si es pretén atènyer l’objectiu que cada un d’ells persegueix. Els platònics solien interrogar-se per l’skopos, el propòsit o telos de cada diàleg quan iniciaven un comentari.1 Sem- bla que la investigació sistemàtica de l’skopos dels diàlegs platò- nics va començar amb Iàmblic, tot i que els erudits alexandrins més antics ja s’havien ocupat, és clar, del tema principal en cada cas.2 Aïllar un fragment comporta un perill d’apartar-lo del paper que juga en la construcció de l’obra sencera. Tanmateix, resulta evident, sobretot en els diàlegs de major complexitat, que Plató els construïa amb peces cada una de les quals jugava el seu propi

1 Vegeu, per exemple, Procle, In Alc. 1 1-11, In Crat. 1.1-9, In Rep. I 5.6-14.14, In Tim. 1.4-4.5, i In Parm. 630-645; Hermias, In Phdr. 8.15-12.25; Damasci, In Phlb. §§ 1-6; Olimpiodor, In Gorg. prooem. 4, i In Alc. 1, 3.3-9.19. Cf. G.R. Morrow & J.M. Dillon, Proclus’ Commentary on Plato’s Parmenides, Princeton, 1987, 3-11. Però no hi ha tal argument en Damasci, In Phd., In Parm., ni en Olimpiodor, In Phd. 2 Posseïm alguns fragments dels arguments de Iàmblic entorn de l’skopos, en J.M. Dillon, Iamblichi Chalcidensis in Platonis Dialogos Commentariorum Fragmen- ta, Leiden, 1973: In Alc. I Fr.2, In Phdr. Fr.1, In Phlb. Fr.1. B.D. Larsen, Jamblique de Chalcis, exégète et philosophe, Aarhus, 1972, p. 436, assenyala que els comen- tadors anteriors a Iàmblic, com ara Porfiri i Dexippus, no fan ús del terme ‘skopos’ (mentre Porfiri usa ‘prothesis’); a la p. 437 suggereix també la influència peripatè- tica en l’ús que fa Iàmblic de l’skopos. 92 Josep Monserrat Molas paper en l’estructura compositiva.3 El que ens proposem segui- dament és una anàlisi parcial d’un dels elements que composava una de les parts d’El polític de Plató, la coneguda com el «mite d’El polític». Procurarem d’una banda entendre el mecanisme d’apro- piació i recreació que Plató fa dels elements culturals al seu abast —en aquest cas el referit a l’anomenada «edat de Cronos»—, i, per altra banda, mantindrem l’avís sobre el perill de provar-ne una interpretació que menystingués el paper que juga en el transcurs complet del diàleg. Tractarem, doncs, seguidament de l’aparició d’aquesta «edat de Cronos» en El polític de Plató.4 El regnat de Cronos és sinònim en la literatura grega d’una «edat d’or» a partir d’Hesíode.5 Empèdocles afegí a aquesta con-

3 Cf. J. Monserrat Molas, «La mesure comme principe constitutif du Politique de Platon», Revue de Philosophie Ancienne, 21 (2003), pp. 7-24. 4 Usem el text grec de l’edició d’Oxford (Platonis, Opera I: Tetralogias I-II con- tinens; recognoverunt brevique adnotatione critica instruxerunt E.A. Duke, W.F. Hicken, W.S.M. Nicoll, D.B. Robinson et J.C.G. Strachan, Oxford 1995). Les tra- duccions d’El polític que apareixen en aquest text descansen en les versions catala- na de Manuel Balasch, la portuguesa de Carmen Soares i la castellana de Francesc Casadesús (Plató, Diàlegs. XVII: El polític. Edició del text grec, traducció i estudi introductori de M. Balasch. Barcelona, Fundació Bernat Metge, 1997. Plataô, O Político. Traduçao do grego, introduçâo e notas de Carmen Isabel Leal Soares, Lis- boa, Circulo de Leitores e Temas & Debates, 2008. Platón, Critón. El político. Tra- ducción, introducción y notas de Francesc Casadesús Bordoy. Madrid, Alianza, 2008). Amb tots ells vaig poder discutir en alguna ocasió la singularitat d’aquest diàleg, fet que els agraeixo. He tingut en compte també les edicions i traduccions de P. Accatino, Platone. Politico, Bari, Laterza, 1997; S. Benardete, Plato’s States- man. Part III of The Being of Beautiful, Chicago & London, University of Chicago Press, 1984; L. Brisson / J.-F. Pradeau, Platon. Le politique. Paris, GF Flammarion, 2003; L. Campbell, The Sophistes and Politicus of Plato, Oxford. Clarendon Press, 1867; A. Diès, Platon: Oeuvres Complètes IX/1, Le politique, Les Belles Lettres, Paris, 1935; M. Migliori, Platone. Politico, Milan, Bompiani, 2001; L. Robin, Platon. Politique en Platon. Oeuvres Complètes, Paris, Gallimard, 1942; C. J. Rowe, Plato, Statesman, Warminster, Aris & Philips, 1995; M.I. Santa Cruz, Platón. Político, en Platón. Diálogos, vol. V, Madrid, Gredos, 1998; J.B. Skemp, Plato’s Statesman, New Haven, 1952 [Bristol, Classical Press, 1987]. 5 Llegint aquesta part del diàleg, cal tenir especialment present el poema d’He- síode, Treballs i dies, 109-120, tot i que parteixen d’esquemes diferents. J.-P. Ver- nant, «Le mythe hésiodique des races. Sur un essai de mise au point» en Mythe et pensée chez les Grecs. Études de psychologie historique, Paris, Maspero, 1965, p. 19-45, ho estudia i hi troba l’estructura «indoeuropea» de la divisió social, divisió que manca en el mite d’El polític. Vegeu, en general sobre el mite del Polític, L. Brisson, «Interpretation du mythe du Politique», en C.J. Rowe (ed.), Reading the Statesman. Proceedings of the Symposium Platonicum III, Sankt Agustin, Akademia Verlag, 1995) i F.L. Lisi, «El mito del Político», Études Platoniciennes, I, (2004), p.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 93 cepció la d’un cicle de canvi còsmic regular, en la seva doctrina dels cicles còsmics alternatius, d’Amor creixent i Discòrdia crei- xent, que situarien l’edat daurada de la innocència i la felicitat al principi de la nostra, quan el poder de l’Amor era més fort.6 Que era una expressió viva ho testimonia Aristòtil quan informa que la tirania de Pisístrat (561-527) fou sovint anomenada com una «vida sota Cronos».7 El regne de Cronos es caracteritza per l’absència de lluites i de guerres, per l’abundància de recursos que satisfeien les necessitats de la vida i per la bondat del clima, conformant tot plegat una mena de situació a primera vista envejable. El diàleg entre el Foraster d’Elea i el jove Sòcrates, que no s’ha de confondre amb el Sòcrates que també està present a la conver- sa i que el dia abans acabava de ser acusat de corrompre els joves i d’introduir nous déus a la ciutat, ocupa la major part d’El polític i és una continuació, amb les seves pròpies singularitats, de la recerca de la resposta a la qüestió plantejada en l’inici mateix d’El sofistasobre el problemàtic géne del sofista, del polític i del filòsof. La conversa que inicien el Foraster d’Elea i el jove Sòcrates per avançar en la resolució, un cop que el Foraster i Teetet han enlles-

73-90. Cf. sobre el mite en Plató, l’original J.-F. Mattéi, Platon et le miroir du mythe. De l’âge d’or a l’Atlantide, Paris, PUF, 1996, p. 58. Per a un panorama general de l’edat d’or, cf. H. C. Baldry, «Who invented the Golden Age», Classical Quarterly, 2, (1952), p. 83-92 i H.F. Bauzá, El imaginario clásico: edad de oro, Utopía y Arcadia, Santiago de Compostela, Universidade de Santiago de Compostela, 1993. Tanma- teix, Hesíode no en fou l’inventor sinó que recull tradicions anteriors comunes en altres cultures, com documenta per exemple A. Neyton, L’âge d’or et l’âge de fer, Paris, Les belles lettres, 1984; cf. i la rèplica de J.G. Griffiths, «Did Hesiod invent the Golden Age?», Journal of the History of Ideas, 19, (1958), p. 91-93, que és una rèplica a l’article de Baldry. Sobre el diàleg en general, en vàrem fer un tractament exhaustiu a J. Monserrat Molas, El polític de Plató. La gràcia de la mesura, Barcelo- na, Barcelonesa d’Edicions, 1999; una traducció al castellà de part dels materials corregits pot trobar-se a J. Monserrat Molas, Al margen del ‘Político’ de Platón, Barcelona: EAU, 2012. 6 Respecte això, vid. per exemple W.K.C. Guthrie, Historia de la Filosofia Griega, vol. II, Madrid, Gredos, 1986 [1965], p. 258 i ss. Juntament amb El polític, el govern de Cronos apareix en Plató a les Lg. 713a-b. Allí també Cronos designa uns genis auxiliars perquè es preocupin de l’home. El paral·lelisme amb Plt. 271d-e és estret, cf. Criti. 109b. També apareix mencionada a l’inici del mite del Gòrgias. En general pot consultar-se amb profit l’article de D. Hernández de la Fuente, «La edad de oro como utopía dionisíaca», Res publica litterarum, suplement 5, (2006), p. 1-26. 7 Aristòtil, Athen. XVI (7). Vegeu el tractament que en fa, relacionat amb El po- lític, M. Miller, The Philosopher in Plato’s ‘Statesman’, The Hague, Martinus Nijhoff, 1980, p. 42-43 [reedició a Las Vegas: Parmenides Publishing, 2005].

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 94 Josep Monserrat Molas tit el tractament del sofista, se les emprèn usant el mètode dierètic amb la figura del polític (258b). Ara bé, la dièresi o divisió es mos- tra insuficient per a definir el polític i el saber que li és associat, perquè el confon amb un pastor d’homes de naturalesa superior als homes mateixos. L’atzucac on s’arriba reclama disposar d’un altre tipus de recurs per a poder avançar. La introducció de la narració d’un mite es fa necessària perquè cal evitar el desprestigi del discurs (268d2-3), desprestigi, deshonor o vergonya que patiria el lógos si no fóra capaç d’aïllar el polític d’aquells que pul·lulen al seu voltant (comerciants, pagesos, for- ners, gimnastes, metges...). El fracàs de la dièresi exigeix dels inter- locutors l’esforç d’una nova recerca, canviant el mètode d’investiga- ció, que no és sinó encetar un nou camí (hodós) que cal emprendre des d’un principi diferent. És amb aquesta intenció que s’introdueix «quelcom que és quasi una criaturada (paidián)»8 (268d), una part important d’un gran mite. El to de la conversa fa un gir considerable i canvia a partir d’aquest moment i deixa el terreny de l’escolari- tat matemàtica i geomètrica propi de l’ensenyament de Teodor, per passar al de la infantesa i els seus contes. El Foraster recomença la recerca: «Aleshores cal començar altra vegada des d’un principi diferent (pálin ... ex álles arkhés) per un altre camí (hodós)».9 El Foraster es referirà seguidament a una sèrie d’esdeveni- ments que per primera vegada seran presentats en relació, però la seva introducció al fil de la conversa és confusa perquè, abans de parlar del phásma o portent que acompanyà la lluita entre Atreu i Tiestes, el Foraster d’Elea interroga el jove Sòcrates sobre si ha sentit dir (recordem com s’adreça el Foraster per primer cop al jove amb el mateix verb: «Sòcrates, has sentit Sòcrates?»), i si recorda el que diuen que va passar. És important notar l’oralitat de la his- tòria i el paper principal reservat al record, a la memòria, perquè després aquest aspecte comptarà amb una ocurrència destacada en el desplegament del mite a l’hora de distingir els humans d’una i altra era. El jove Sòcrates pensa que el Foraster es refereix potser (ísos) al signe (semeîon) de l’anyell d’or (perì tês khrusês arnós). «De cap manera» (oudamôs), serà la resposta del Foraster, sinó

8 Cf. Prt. 320c. 9 Traducció de M. Balasch: «Doncs ens cal fer un camí divers a partir d’un altre principi». Sobre les principals interpretacions del mite vegeu J. Monserrat Molas, «In- terpretacions del mite d’El Polític. Nota bibliogràfica», Convivium, (1999), p. 139-158.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 95 que es tracta d’un altre fet més originari que permetrà, per tant, explicar tres esdeveniments fins ara no relacionats entre si. Abans de continuar el desplegament del mite fixem-nos en el que passa en la conversa i en el que deixem de banda. El Foraster d’Elea reclama del jove interlocutor si recorda haver sentit del fenomen prodigiós (phásma) en la discòrdia d’Atreu i Ti- estes. Sembla que recorre a com s’explicava Eurípides (Or. 986ss), on s’hi narren dos fenòmens (el de l’anyell del velló d’or i el del canvi del curs del sol). El Foraster deixarà de banda el primer i es quedarà amb el segon, afegint-hi, a més, els components mítics de l’edat de Cronos i dels nascuts de la terra. Ens centrarem se- guidament en l’anàlisi d’un dels elements que entren en aquesta composició, advertint que tota conclusió a què arribem caldrà cir- cumscriure-la a aquesta parcialitat. Anar més enllà reclama afegir altres anàlisis sobre els elements que ara no privilegiem.

Els moviments de l’univers

FOR.- Escolta: aquest univers10 on som en certs temps és Déu11 mateix qui li guia la marxa i la rotació, però en altres temps l’aban- dona, quan les seves rotacions han atès ja la mesura temporal que els correspon. Aleshores l’univers s’inverteix espontàniament en direcció oposada, tal com un ésser vivent, al qual ha estat assigna- da intel·ligència12 per aquell que originàriament el conjuntà. Però aquesta reculada se li ha incorporat necessàriament per la causa següent» (269c-d).

10 Aquest univers rep molts noms, que es corresponen als que el designen en el Timeu: pan (269c4, 270b7, 270d3, 272e3-4); ouranos (269d7, 270c1, 273c1); kosmos (269e8, 271d5, 273a1, 273b6, 273e6, 274a4, 274d6). Aquest univers és una realitat corporal, sotmesa a canvi i a moviment, i no una realitat intel·ligible, sempre idèntica i immutable (269d-6; cf. també 285d-286a). 11 Aquest univers ha estat fabricat, o sigui posat en ordre, per un déu que rep els mateixos noms que en el Timeu: theos (269c5, 269e9, cf. 272e7); demiourgos (270a5, 273b1); pater (273b2). L’activitat d’aquest déu correspon a la del demiürg en el Timeu: aplega (sunthentos, 273b7 —potser ajudat per déus inferiors), endreça (katakosmoumenos, 273a7, cf. 273d i e), produeix un ajustament harmoniós (su- narmosantos, 269d1); i engendra (gennesantos, 269d9). 12 Aquest univers té un cos (269d) que ha de presentar la forma d’una esfera; l’univers ha rebut des de l’origen la intel·ligència (269d), i una ànima (269e); és per això que és un ésser vivent que es mou per pròpia iniciativa automaton, 269c7) amb un moviment circular, que és el més apropiat a un ésser viu dotat d’intel·li- gència (269d-e). Cf. Ti. 34a1-5, el desè moviment descrit a Lg. 894c-d.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 96 Josep Monserrat Molas

El jove Sòcrates no s’està de mostrar la seva ignorància: «Per quina mena de causa, a veure?». El Foraster respon que només «als més divins de tots» correspon fer sempre el mateix i segons el mateix.13 Ara bé, l’univers està sotmès a canvi i mutació per la seva corporalitat, però com que té una ànima dotada de raó, aquest canvi serà el mínim possible: el capgirament del sentit de rotació de l’esfera en què consisteix el seu cos (269d).14 El Foraster considera quatre hipòtesis sobre la causa d’aquests canvis en el curs del moviment, però refusa les tres primeres: que el món es mogui sempre ell mateix; que sigui mogut pel déu en dues direc- cions contràries; que el moguin dos déus amb pensaments o de- signis contraris (269e-270a). La conclusió que resta, i que es dóna com a bona, és que el moviment circular del cosmos és el resultat de l’acció demiúrgica, encara que, quan després l’abandona a la seva sort, l’univers es mou a si mateix perquè està dotat d’auto- moviment i a poc a poc es degrada fins al punt que la situació esdevé tan lamentable que requereix un nou impuls. Quan el Foraster ja ha acabat de precisar la causa d’aquests dos sentits del moviment de l’univers, el jove abandona de nou el seu silenci i dóna la seva opinió favorable sobre la versemblança del que s’ha dit fins ara. El Foraster inicia aleshores «tot raonant» (logisamenoi —ara es barreja lógos al mite que calia barrejar com

13 Aquests «més divins» podria tan referir-se a les «idees» com als «gèneres su- prems» dels quals ha parlat el Foraster en El sofista. Ens decantaríem per aquesta segona opció, però, en qualsevol cas, el text no es centra en aquest àmbit ontològic sinó en allò que està sotmès al canvi. El polític tracta de la possibilitat de construir un ordre racional de la vida humana en un món canviant que no és d’antuvi propi- ci a la nostra existència en l’estabilitat. La percepció de l’estructura ontològica no té cap utilitat aparent en la solució del problema. Cf. S. Rosen, Plato’s Statesman. The Web of Politics, New Haven & London, University of Chicago Press, 1995, p. 45. 14 Paralaxis només apareix aquí i en Ti. 22d1. El verb parallatein apareix en un altre context astronòmic, R. 530b3. Tropai, canvi de la ruta del sol als solsticis, en el Ti. 39d8, 40b6. Anakuklesis apareix només a 269e3. El verb apareix només en Ti. 37a5 ‘revolució circular’. M. Miller, The Philosopher in Plato’s ‘Statesman’, The Hague, Martinus Nijhoff, 1980, p. 50, i G.R.F. Ferrari, «Myth and conservatism in Plato’s Statesman», en C. J. Rowe (ed.), Reading the Statesman. Proceedings of the Symposium Platonicum III, Sankt Agustin, Academia Verlag, 1995, p. 391, troben que la inversió còsmica emfasitza la separació entre nosaltres i l’edat d’or. H.R. Scodel, Diairesis and Myth in Plato’s Statesman, Gottingen, Vandehhoeck & Ruprecht, 1987, p. 80, interpreta la incomprensió del jove Sòcrates de manera di- ferent: la seva lectura descansa en el fet que per al Foraster, Cronos i Zeus no són déus. Per a Ferrari això no sembla rellevant en el context.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 97 un joc al lógos—), una conversa sobre el páthos («esdeveniment»)15 causant de tantes meravelles. En un breu diàleg, el Foraster fa veure Sòcrates que el capgirament dels moviments provoca grans canvis en l’univers i en la mateixa vida dels homes. Seguint la interpretació acostumada del mite, es repeteixen indefinidament períodes cíclics contraris.16 El món és un ésser viu i pensant que, en el precís moment que la divinitat el deixa lliure, comença a girar en la direcció contrària. És aleshores, en el canvi de direcció, quan es produeixen els grans espasmes que causen catàstrofes en el món i en la raça humana. Aquestes catàstrofes periòdiques que es presenten com a inunda- cions o incendis es creia que destruïen tota la civilització.17

15 M. Balasch tradueix per ‘efecte’. Preferim la traducció assenyalada, o bé ‘suc- cés’ o ‘conjuntura’ que és com Balasch mateix tradueix el mot a 296b-c. ‘Efecte’ provoca un malentès amb ‘causa’, que surt tot seguit. 16 La idea, familiar en moltes cultures, de la repetició cíclica dels esdeveniments històrics, va ser atribuïda a Grècia als pitagòrics. Cf., per exemple, M. Eliade, The Myth of the Eternal Return: Cosmos and History, Princeton, Princeton University Press, 1971. 17 La doctrina de les catàstrofes terrestres periòdiques era part de la «ciència» contemporània (Lg. 676 i s., Ti. 22ss), i fou després una important doctrina peripatètica Vegeu la nota de W.L. Newman (1922) a Aristòtil, Pol. II 5 1269a5-6. També era «científica» l’explicació del curs dels fenòmens terrestres com a causats pel moviment dels cels. És així que els fenòmens del naixement i la corrupció en la regió sublunar són explicats per Aristòtil (GC II 10 336a26). Aplegant ambdós fets, Plató imaginaria les catàstrofes produïdes pel canvi en la direcció del moviment. L’eixida occidental del sol en el mite d’Atreu li podia suggerir aquesta explicació; o potser coneixeria la tradició egípcia recollida per Herodot (II 142). Diu J.A. Stewart, The Myths of Plato, London, McMillan, 1905, p. 197: «I venture to suggest that whereas East is left and West is right as one faces the midday sun in the northern hemisphere, while East is right and West is left to the spectator in the southern hemisphere, the ‘Egyptian tradition’ was awkwardly built upon the tale of some traveller coming from south of the equator, who said truly that he had seen the sun rise on his right hand and set on his left». Aristòtil posa en relació les inundacions amb la noció d’un Gran Hivern que correspon —en major escala— a l’hivern anual (Mete. 352a28ss) a les quals només sobrevivien uns quants ignorants moradors de les muntanyes. En Plató aquests desastres naturals tornen a aparèixer en Ti. 22c i Criti. 109d, i els seus efectes es descriuen en Lg. 677a-b. Aristòtil pren seriosament la creença que tot coneixement i totes les arts s’han perdut i recuperat una i altra vegada. Amb la llegenda de Deucalió (mencionada per Aristòtil) podem suposar que aquesta creença formava part del bagatge comú de saviesa popular grega. Per a S. Rosen, Plato’s Statesman. The Web of Politics, New Haven & London, University of Chicago Press, 1995, p. 48, trobem aquí un antecedent de les doctrines revolucionàries modernes de la purga destructiva. És també, diu, la versió cosmològica de la necessitat de començar la ciutat bella amb només els menors de deu anys.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 98 Josep Monserrat Molas

La màxima expressió del capgirament és que la seqüència de la vida, el moviment del cosmos, s’atura i, després, s’inverteix. El canvi més prodigiós és el següent: homes i animals es van fent més joves, els cabells blancs s’enfosqueixen, els adults es tornen infants18 per tal de desaparèixer de la Terra, d’on neix, ja adulta, la generació següent.19 És aleshores que el jove interromp la narració demanant per la gènesi dels vivents d’aquella època: «I com era aleshores, foraster, la gènesi dels vivents? I de quina manera naixien els uns dels al- tres?» (271a). Perquè resulta que en aquella naturalesa no es do- nava res engendrat per una parella, sinó que es naixia de la terra d’aquesta manera: de vells es revivifiquen en joves i nens. També és característic que pel fet de no haver procreació —recordem que els homes neixen de la Terra— s’anul·la també la forma primera de socialització, el matrimoni i la família. Tot plegat es recorda, però, gràcies a la memòria dels primers avantpassats, que havien atès la frontera entre un sentit del gir i l’altre.20 El Foraster afirma

18 L’estranya inversió de la vida individual de la vellesa a la infantesa, apareix en un vers d’Hesíode, Op. 181, on es diu que la desgraciada «edat del ferro» actu- al acabarà quan els homes neixin amb el cap gris. Aquest text, única referència coneguda abans de Plató, no es relaciona pas amb una inversió còsmica, però la seva menció en el context d’una successió de races, que comença amb la daurada governada per Cronos, indica que Plató ha introduït en el seu entramat una altra creença antiga. P. Frutiger, Les mythes de Platon: Etude Philosophique and Litterai- re, Paris, Vrin, 1930, p. 243n., informa que Teopomp, contemporani de Plató, va escriure d’un arbre el fruit del qual feia que les vides dels homes anessin enrere. Podria ser un préstec d’El polític o potser es postula l’existència d’una font comuna. 19 Recordem també que en la conversa, que seguia tan sols el mètode dierètic, propi d’adults, el recurs al mite resulta un retrocés o inversió en el qual els par- ticipants es tornen nens i són assistits pels déus, perquè, havent-se degradat el procés de la divisió amb la catàstrofe de la identificació del polític amb el tirà, el porquerol, etc, calia una purificació des de la perspectiva del tot. Cf. R. Brague, «L’isolation du sage. Sur un aspect du mythe du Politique» en Du temps chez Pla- ton et Aristote, Paris, PUF, 1982. L. Brisson, a «Interpretation du mythe du Politi- que», en C. J. Rowe (ed.), Reading the Statesman. Proceedings of the Symposium Platonicum III, Sankt Agustin, Academia Verlag, 1995, ha criticat part d’aquest article i li retreu que perd tot interès filològic quan fa referència a un passatge pa- ral·lel (272e-273a). Amb bon humor, S. Benardete, The Being of Beautiful: Plato’s Theaetetus, Sophist and Statesman, Chicago & London, Chicago University Press, 1984, vol. III p. 99, compara els homes amb bolets i ens recorda la descripció que Teodor fa dels heraclitians els quals, sense mestres ni deixebles, broten espon- tàniament (Tht. 180c1). 20 S. Rosen, Plato’s Statesman. The Web of Politics, New Haven & London, Uni- versity of Chicago Press, 1995, fa notar que la inconseqüència de fer acabar els

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 99 que aquí s’explicarien «els nascuts de la terra» i això s’esdevindria amb tothom «excepte aquells que un déu no tombà cap a un altre destí». El jove no dóna cap importància a aquesta darrera frase: no li resulta cap problema que el déu aparti del destí comú determi- nats homes, evidentment els millors. El que li resulta problemàtic és la situació i valoració d’aquest «regne de Cronos».

L’anomenat «regne de Cronos» El jove planteja una qüestió que provoca una altra interrupció en el relat del mite, interrupció que esdevé fonamental, especial- ment perquè planteja una ambigüitat en la relació que ha fet el Foraster dels moviments de l’univers i de les èpoques de la huma- nitat: «És ben cert que això se segueix del d’abans. Però la mena de vida que dius que hi havia al regnat de Cronos, potser era du- rant aquells girs o en els d’ara? Perquè és clar que la reversió dels astres i del sol ha de coincidir amb els dos moviments» (271c). Recordem que el Foraster pretén donar una explicació de tres històries que depenen d’una mateixa «conjuntura»: com Cronos exercia el seu regnat, el naixement dels homes de la terra i, ter- cer, la reversió dels astres. El jove planteja el dubte sobre si l’edat de Cronos, l’edat de l’abundància, es donava en el sentit del gir actual, o en l’invers, on neixen els homes de la terra. El dubte resulta motivat perquè el Foraster ha donat dos tipus de moviments, un trànsit entre moviments, que es dóna al final de cada moviment, i uns homes que neixen de la terra i hi retornen sense acabar de situar-los. Segons el raonament del jove resultaria aleshores que hi hauria d’haver un moment del període dels nascuts de la terra on regnés Zeus, i un altre on regnés Cronos, i fóra preceptiu que el jove es meravelli sobre quin dels dos és el que ha estat fabulat. Cal tenir present que Zeus no ha estat fins ara anomenat, i que el Foraster parla «del déu» en la qüestió d’Atreu i Tiestes. El Foraster, però, després de la seva pretensió inicial, respon com si la totalitat del regne de Cronos fos l’edat d’or, i la totalitat del regne de Zeus, la present. L’edat «reversa», diu, era la de la gent del temps de Cro- nos, però l’actual «es diu» del temps de Zeus, pronunciant, ara sí, el nom diví (272b). Tota aquesta resposta està encapçalada amb

seus dies a la terra i no en el ventre de les seves mares es deu a la voluntat d’apar- tar Eros totalment d’aquesta època.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 100 Josep Monserrat Molas una lloança de la manera com el jove ha captat la història («Has seguit molt bé la meva explanació…»). Tal com ha anat el diàleg fins aquí ja sabem, però, que cal prendre una lloança d’aquesta mena amb precaució. ¿Fins a quin punt és el Foraster merament irònic quan lloa la captació que ha fet Sòcrates de la història? ¿Està preguntant Sòcrates quelcom tan fora d’osques com que si està ara succeint l’autogeneració de totes les coses de la terra? De fet, la qüestió del jove és legítima, i la lloança del Foraster probablement since- ra, però se li dóna una resposta elusiva. A l’inici del mite el Fo- raster mencionava la història que atribuïa a Zeus el capgirament del curs del Sol i dels altres astres. El jove Sòcrates n’havia sentit a parlar, deia, com també del regne de Cronos i dels nascuts de la terra (269a-b). Ara passa que el jove Sòcrates s’estranya que el regne de Cronos i el temps dels nascuts de la terra coincidei- xin, perquè per a ell esdevé evident que si Zeus era el déu que canviava la rotació (com diu la tradició d’Atreu), aleshores amb- dós sentits de rotació esdevenen en el regne de Zeus, i el mateix regne de Cronos estaria sota el temps de Zeus. Com diu el jove Sòcrates: «és clar que la reversió dels estels i el sol esdevé en els dos períodes» (271c).21

FOR.- Has seguit molt bé la meva explanació (tô lógo, cf. logisáme- nos de 270b3). El que preguntaves sobre el fet que als homes se’ls produïa espontàniament, això no és propi de la translació establer- ta ara, sinó que fou, també això, propi de l’anterior. Perquè ales- hores, en efecte, per damunt de tot era el déu el que tenia cura de tota la rotació, de la manera que ara localment hi ha això mateix, aleshores pertot arreu les parts del món es trobaven distribuïdes sota el govern dels déus, principalment els genis divins se’ls havi- en repartit a tall de pastors per gèneres i ramats, i cada geni era independent en tot pel que feia a aquells de qui ell es cuidava per-

21 Des de Procle (In Ti.323b) s’ha trobat en els dos períodes una transposició dels dos factors que al Timeu apareixen coexistint: raó i necessitat, moviment del mateix i del diferent. Així consta en les edicions o traduccions de Stallbaum (1841, p. 117); Campbell (1867, p. xxxviii); Diès (1935, p. xxx); Fraccaroli (1934, p. 81); Skemp (1942, p. 107), per exemple. Per a M. Miller, The Philosopher in Plato’s ‘Sta- tesman’, The Hague, Martinus Nijhoff, 1980, p. 38-39, l’autogovern del cosmos no és simplement l’oposat al govern del déu, sinó que el cosmos conté i nega el diví dins seu mateix. Vegeu encara S. Rosen, «Plato’s Myth of the Reversed Cosmos», Review of Metaphysics, 33, 1979: 59-85.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 101

sonalment, de manera que no hi hagué res salvatge, no s’entrede- voraven, no hi havia en absolut guerres ni revolucions. De la resta de coses que se seguia d’una tal disposició, se’n podria dir deu mil altres coses… (271c-271e).

La llegendària edat de Cronos és aquesta: absència d’animals ferotges, de guerres o lluites, la terra sense conrear proporciona prou aliment, no calen ni vestits ni cases, car el clima és prou be- nigne i els fa innecessaris. Cal tenir en compte que, a més, l’acla- riment del Foraster afegeix que a cada grup d’éssers, inclòs els humans, se li assigna un déu menor.22 El centre del mite l’ocupa precisament l’expressió «per damunt de tot era el déu que tenia cura de la rotació»: déu prenia cura del món, era l’abundància, no hi havia política, ni família, ni memòria, ni roba, ni cases...

…I el que hem dit dels homes que vivien espontàniament (automá- tou) s’explica com segueix: un Déu els pasturava, ell personalment els era pastor i custodi, tal com ara els homes, que són un altre és- ser viu més diví, pasturen altres gèneres inferiors a ells; els pastu- rava, i no hi havia constitucions, ni s’adquirien dones i fills, perquè tots revivien de la terra, i no recordaven res del d’abans, sinó que de tot això no hi havia res. Dels arbres i de la resta dels boscatges innúmers treien els fruits abundosos, nascuts no pas del conreu dels camps, sinó que la terra els oferia espontàniament. Anaven nus i quasi mai vivien sota teulada, perquè el temps atmosfèric era tal que no els molestava gens; el llit, el tenien prou flonjo, perquè la terra els produïa herbatges espessos. (271c-272b)

És precisament aquí on el Foraster fa una pausa en el seu relat d’aquesta mítica edat i pregunta al jove Sòcrates, adreçant-se-li pel nom i emprant el mateix verb amb què se li adreçà per primera vegada («Sents, Sòcrates?»), si aquests homes eren més feliços que no pas nosaltres. És important comprendre per què el Foraster demana que Sòcrates identifiqui els dos períodes: ha estat confús fins ara i seria una manera de veure si persisteix o no la confusió («Sents, doncs Sòcrates, com era la vida en època de Cronos; la d’ara, la de l’època que en diem de Zeus, ja la coneixes tu ma-

22 Aquests pastors fan la funció que resultava al final de la dièresi, però que allí es descartava perquè deixava l’home com a més del que és —com un déu— o menys —una bèstia—. Allà i aquí, donada aquesta supervisió directa per part d’un ésser de natura superior, es fa innecessària i inútil tota mena d’organització política.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 102 Josep Monserrat Molas teix. Podries, voldries decidir, d’aquestes quina és la més feliç?»). El jove, però, renuncia a desplegar ell la resposta («No, de cap mane- ra») i cedeix la responsabilitat de la decisió al Foraster. Aquest res- pon que si les criatures de Cronos haguessin emprat el seu lleure i la seva capacitat per a dialogar i examinar els altres homes i les bèsties de cara a la filosofia, i cerquessin si qualsevol per alguna capacitat pròpia obtingués un guany d’intel·ligència (phroneseos), haurien estat sens dubte molt més feliços. Si, en canvi, fos el cas que haguessin fet un ús limitat de les seves qualitats i virtuts, i abusat del menjar i el beure, i només s’expliquessin mites o ronda- lles, el Foraster troba la solució ben fàcil.23 ¿Amb la negativa a res- pondre, no sembla aquí el jove Sòcrates un d’aquests crònides que es conforma amb sentir rondalles i renuncia a l’exercici del seu enteniment quan no vol determinar quina de les dues èpoques re- uneix més felicitat humana? El Foraster no vol avançar per aquest camí, que d’altra banda, i sigui dit entre parèntesis, ens portaria segurament ben a prop de la ciutat que Glaucó titlla com a «ciutat de porcs» a La república 284.24 Ho deixa de banda, i recorre a l’ex- pedient gens estrany als diàlegs platònics de remetre irònicament a algú altre que explicarà millor cap a quina de les dues vessants s’inclinava el gust d’aquell llinatge pel que fa als sabers i a l’ús de la raó. Sembla clar, però, que no hi ha cap mena de nostàlgia per les formes primitives de vida: la felicitat resta lligada a l’ús de la intel·ligència. El Foraster admet que un dels motius per desvetllar el mite era la determinació de si és una vida millor la vida racional i del saber o la que no s’hi condueix (272d). Assolit l’objectiu, ni que sigui parcialment, continua.25

23 Una sèrie d’acudits d’Aristòfanes mostren que ‘crònida’ podia significar an- tiquat fins al punt de l’estupidesa. Vegeu les referències en H.C. Baldry, «Who invented the Golden Age?», Classical Quaterly, 2, (1952), p. 85. Cf. Euthd. on els sofistes insulten Sòcrates dient-li «ets un Cronos». 24 A R. II 372e-373a i Lg. 676a-681d pot pensar-se una descripció de la societat humana en aquest període inicial. 25 S. Rosen, Plato’s Statesman. The Web of Politics, New Haven & London, Uni- versity of Chicago Press, 1995, p. 64, nota aquest com el segon objectiu del mite. El primer estava abans del mite mateix, a 268b5-d2, on es requereix expiar la culpa del lógos que no sap distingir el rei dels altres nodridors del gènere humà. Altres cinc intencions del mite, fins completar el número set, són: 273e5, exhibició del rei; 274b1, propòsit de tot el mite, explicar el significat polític de la relació de l’home amb el cosmos; 274e1-275a7, per comprendre l’error comès en la dièresi; 275b1, per aclarir l’art de nodrir el ramat; 277b1ss., el mite per il·lustrar l’error de

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 103

La retirada divina i el capgirament del primer ordre Aquesta continuació de la narració repeteix algunes de les ex- plicacions que el Foraster ja ha donat abans sobre els moviments de l’univers, però cal tenir molt present que és una repetició on apareixen modificacions importants. Esgotada la naturalesa, la divinitat abandona el control del món (el mànec del timó) i es re- tira a la seva talaia, deixant el món governat pel destí i la passió connaturals.26 Les divinitats encarregades de vetllar els grups d’éssers l’imiten en la seva retirada (272e-273a). Després dels primers transtorns inevitables pel xoc dels moviments, i les con- següents pèrdues de vides i la destrucció, l’univers es recomposa i aconsegueix guiar-se ell mateix, tot recordant el mestratge del seu creador i pare.27 La seva corporalitat, la seva imperfecció, però, fa que vagi oblidant aquest mestratge (el que no deixa de sorprendre en el cas de l’intel·lecte còsmic),28 i, a mesura que

la dièresi, però s’equivoca sent massa llarg i emprant massa contingut. Conclou: «These statements are by no means inconsistent wich one another; they are rather excessive, constituting thereby a direct reflexion of the excessiveness of the myth itself». En l’economia del diàleg, l’excés analític deixa pas a l’excés mític. 26 El déu pilot (272e, 273c) és, segons L. Campbell, The Sophistes and Politicus of Plato, a revised text and English notes, Oxford: Clarendon, 1867, p. xxvii, una noció pitagòrica del governant, de la qual La república platònica en partiria parci- alment, i que seria criticada per l’idelisme especulatiu de la teoria en El polític. Es tracta de la visió evolucionista del pensament platònic. 27 «És que tots els béns els ha rebut del seu autor, però de la seva constitu- ció anterior tot en el que en el cel resulta de terrible i injust» (273b-c). Per a K. Dorter, Form and Good in Plato’s Eleatic Dialogues: The Parmenides, Theaetetus, Sophist and Statesman, Berkeley, Los Angeles, London, University of Califor- nia Press,1994, p. 195, queda clar que Plató no ha abandonat la visió de «dos mons». La distinció entre el diví i el corpori —i la polaritat entre ells i la matriu del nostre món— apareix segons Dorter aquí tan poc ambiguament com en els primers diàlegs. Aquí es veu al nostre parer un dels aspectes més criticables d’aquest interessant llibre, car Dorter renuncia als detalls que podrien invalidar la seva tesi, sense deixar parlar, com era la seva pretensió original, els textos. Hi ha un moment en les reflexions «ontològiques», «epistemològiques», «políti- ques»... on la discussió ja no se sap on està, si en els textos, en els comenta- ristes, o en qüestions que ja no es formulen i que havien estat exemplificades, que no formulades, amb l’ajuda del text platònic. Seria una bona obra ‘escolar’ resituar les qüestions allà on estan formulades. Com diu F.J. Gonzalez, «A la caça de Plató», Comprendre, (1999), p. 134: «¿[n]o seria més correcte dir que Plató no ha estat més que una sèrie de notes a peu de plana de la història de la filosofia occidental?». 28 El món sensible en El polític s’assembla a un ésser humà ja que en ell s’opo- sen la raó (phronesis, 269d1) i una inclinació epithumia, 272e6) relacionada amb

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 104 Josep Monserrat Molas l’era acaba, «l’antiga passió del desordre» del moment en què el déu abandona el cosmos es fa mestressa de tot.29 L’univers resul- ta constituït d’una naturalesa originària desordenada, posada en ordre pel demiürg. Tot el que hi ha de mal i d’injustícia en l’univers prové d’aquesta naturalesa primitiva, mentre que tot el que hi ha de bell prové del demiürg (273b-c). Hom pot pensar que aquesta part d’ombra explica el perill de dissolució que amenaça l’univers (273d-e). Ara bé, en el moment que perilla tot l’univers, a causa de la degradació i l’oblit que segueixen el temps, el déu que l’havia or- denat, preocupat que no s’enfonsés en «el mar infinit de la dis- semblança»30 reprèn el seu lloc al timó i el reendreça, tot invertint el món cap al curs anterior i el millora, fent-lo immortal i sense envelliment (273e). El text fa ús d’una imatge nàutica; ara el déu ja no abandona el navili, al qual es compara el tot de l’univers, sinó que abandona el governall de la nau i es retira a la posició de vigia (272e, 273d) des d’on pot preveure els perills. És notable que el déu ocupi una posició privilegiada des de la qual pugui ob- servar el món des d’una certa distància després d’haver-se ocupat

allò corporal. És per això que pot oblidar els ensenyaments del seu pare i demiürg (273a7 s.) quan és deixat a si mateix. Com diu L. Brisson, «Interprétation dy mythe du Politique» en C.J. Rowe (ed.), Reading the Statesman. Proceedings of the Sym- posium Platonicum III, Sankt Agustin, Academia Verlag, 1995, p. 335: «Bref, les rapports entre le mythe du Politique et le Timée sont nombreux et réels, alors que les différences sont rares et surtout relatives». Vegeu la comparació del Timeu amb el cos humà feta per R. Brague en el seu curs sobre aquest diàleg celebrat a la Societat Catalana de Filosofia (un resum del curs a J. Monserrat Molas, «Rémi Bra- gue: Introducció al Timeu», Anuari de la Societat Catalana de Filosofia, V, (1993): 221-229; vegeu ara R. Brague, Introduction au monde grec. Études d’histoire de la philosophie, Paris, Éditions de la Transparence, 2008, p. 145-194). Aquesta re- presentació de l’univers i de l’ésser humà pot posar-se també en relació amb la doctrina dels ateus exposada al desè llibre de Lg. 888d-890b. 29 Aquesta multitud creixent de problemes (273a1-7) és semblant al que s’uti- litza en Ti. 43a-44b per descriure el desordre conseqüent a la unió de l’ànima i el cos a l’infant. 30 Per a G. Reale, Per una nuova interpretazione di Platone. Rilettura della meta- fisica dei grandi dialogui alla luce delle ‘Dottrine non scritte’, Milano, Vita e Pensi- ero, 1991, p. 462-463 el gran «mar infinit de la desigualtat» resultaria una imatge de la díada indefinida (en particular en la seva dimensió sensible); mentre que el reprendre el timó expressa, en particular, la gran obra demiúrgica que domina el desordre amb l’ordre, estructurant en general i en particular el principi diàdic infinit en funció del món intel·ligible i de la seva naturalesa, que depèn del Bé (o sigui de l’u i de la Mesura).

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 105 del seu govern, i atent al seu indispensable retorn.31 El Foraster, en aquest moment, fa una nova pausa en el parlament abans de continuar tot seguit. Torna a donar un altre motiu pel qual el mite ha estat explicat. El primer era corregir el mite, el segon, determi- nar en quina època es vivia millor. Ara, com a tercer motiu, diu el Foraster que «...amb això hem explicat el final de tot: el que ens és útil per a l’exposició (apódeixis) del rei, ho trobem a bastament només que ho apliquem a l’anterior del nostre discurs» (273e). Ja hem vist que el mite ens apareix amb unes finalitats diverses, se- nyal també, de la diversitat de relacions possibles entre les coses de la realitat, en el doble sentit de relacions com lligam entre les coses i com a relat dit de les coses. El que ens ha quedat d’aques- ta secció és una nova descripció dels moviments de l’univers. Cal encara situar-hi els homes.

L’ordre restaurat com a ordre nou Havent explicat «el que és útil per a l’exposició del rei» es trac- tarà de mostrar-ho. Ara bé, fixem-nos que ara es parlarà de la nostra època («el món, tot girant pel camí actual de generació»). Si aquesta d’ara és l’època que anomenem de Zeus, qui hauria can- viat el curs dels cels hauria estat un déu més fonamental que està al càrrec dels dos períodes (tot i que té sota control estricte només un, car en aquest es manté al marge). Fixem-nos que sempre es tracta del mateix déu innominat: Cronos i Zeus resten fora de lloc, o figuren simplement com a noms que les històries parcials míti- ques han donat al veritable fenomen cosmològic que ens ocupa.32 Aquesta opinió pot defensar-se, a més, amb el fet que el déu que governa mai no abandona l’escena, i per tant, no pot ser reempla- çat per un nou déu. No abandona el vaixell de l’univers sinó que va a un lloc de vigia (272e), des del qual tornarà després al timó (273e). L’ambigüitat pel que fa al tractament de la divinitat, o l’ex- tremada cura en anomenar-la, pot tenir un motiu ben palpable

31 És interessant pensar una confrontació amb el fragment de la Carta VII on Plató, després de les seves primeres intervencions en el govern de la ciutat, resta marejat i es retira a observar i esperar el moment oportú per actuar. Vegeu sobre el paper de la teoria, el capítol de J. Sales Coderch, «El mareig del fillastre de Pirilam- pos», a Estudis sobre l’ensenyament platònic: I. Figures i desplaçaments, Barcelona, Anthropos, 1992, p. 101-110. 32 S. Rosen, Plato’s Statesman. The Web of Politics, New Haven & London, Uni- versity of Chicago Press, 1995, p. 43. El déu del mite no pot ser un déu olímpic.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 106 Josep Monserrat Molas quan es tracta de parlar dels déus en una escena on està present, en silenci, un home que ha estat acusat, com el lector sabia, d’in- troduir déus nous a la ciutat.33 L’exposició del Foraster ens situa en el nostre sentit del gir, o sigui, el del camí actual de la generació. L’envelliment del món s’atura —comença una nova era— i el món aporta novetats res- pecte l’anterior. Cal notar que allò que se’ns dóna en el mite no és la repetició constant de dues eres que se succeeixen, sinó que aquesta successió presenta novetats. El mite explica que s’ins- taura aleshores un nou ordre de les coses, on no tot sorgeix es- pontàniament del sòl (274a), sinó que les parts es regeixen per si mateixes fins on els és possible, i es disposa que concebin, parei- xin i criïn. Aquest, es diu, és «el punt on tendeix tot el relat» (274b, recordem que ja s’ha dit que el mite s’ha fet també per corregir el lógos, per determinar quan viuen millor els homes, i també per aclarir la definició del rei): deixant de banda la resta d’animals, ja que seria massa llarg el parlar-ne, cal centrar-se en els éssers humans. Aquests, establerta la generació sexual, segueixen la marxa normal de l’edat, de la infantesa a la vellesa. La situació no és fàcil, però. Empesos per la necessitat de nodriment, certs animals esdevenen perillosos i salvatges (274b-c); d’aquí la neces- sitat dels déus de donar als homes allò que els permeti nodrir-se i protegir-se, car no disposen d’instruments ni arts per obtenir de la terra allò que la terra abans proporcionava sense esforç. Mal assortits per la naturalesa, els homes han de comptar per a poder sobreviure amb les tècniques ensenyades per Hefest i Atenea (que, per cert, no és citada pel nom), amb el foc aportat per Prometeu,34

33 K. Dorter, Form and Good in Plato’s Eleatic Dialogues: The Parmenides, Theae- tetus, Sophist and Statesman, Berkeley, Los Angeles, London, University of Ca- lifornia Press, 1994, p. 194: «The peculiar form of the question and answer at 271c-272b thus points the tacit emmendation in the story. The god who is cele- brated in the myth is beyond Kronos and Zeus, who are by implications relegated to the position of subordinate gods. The reign of Kronos corresponds to the period when the divine helmsman takes charge of the tiller, and the reign of Zeus corres- ponds to the period when the helmsman has let go. These distinctions are never explicit; with Socrates’ trial in the offing, perhaps the stranger is cautious about introducing «other, new gods» in Athens.» (La cursiva és meva). 34 En El polític Prometeu té un paper més aviat reduït comparat amb el del mite del Protàgoras: en aquest el foc i les arts són robats per Prometeu, mentre que en El polític són dons. D’altra banda, en El polític no es diu res de l’art política que en el Prt. 322c-d és aportada per Zeus a tothom, mentre que les altres arts són espe-

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 107 i amb les llavors i plantes d’altres déus, déus que el Foraster no anomena.35 La revolució de l’univers i el cicle de les generacions es donen tal com les coneixem; els éssers humans s’engendren els uns als altres, imitant en això l’autonomia que és la de l’univers; i sobretot han de recórrer a les arts i a les tècniques, conjunta- ment amb una instrucció i educació necessàries (met’anagkaías didakhês kaì paideúseos). Els éssers vius han de prendre model del món quan aquest dirigeix el seu curs i ocupar-se d’ells matei- xos (274a-b). Nosaltres imitem el cosmos (274a1, 274d6-7) que al seu torn emula el demiürg (273b1-2).36 I això, perquè els éssers vius, homes i bèsties, es dissocien dels vegetals perquè ja no sor- geixen espontàniament com abans.

I totes les coses que arrangen la vida humana vénen d’aquí, perquè, tal com ha estat dit, la protecció dels déus mancà als homes, i ara ells es guien per si mateixos, i per tenir cura personal d’ells matei- xos, tal com fa la resta del món, el qual nosaltres imitem i seguim sempre durant el temps etern: ara vivim i naixem d’aquesta manera, i abans d’aquella altra. I que aquí s’acabi aquest mite (274d-e)

«I que aquí s’acabi aquest mite; fem-lo útil per veure com hi er- ràrem quan perfilàrem l’home reial i el polític en el nostre discurs precedent». A més de formular una cinquena funció del mite, com-

cialitzades (cosa que sembla que també ha de ser l’art política en El polític). Cal notar, però, que aquests dos mites que coincideixen en fer de la política quelcom que no és propi d’uns éssers especials o divins, sobrehumans, estan relatats per dos forasters. Cal consultar encara la taula annexa a la nota 1 de la p. xxxviii de l’edició de Diès, on compara Plt. 247b8-d5 amb Lg. 677b-679c, Demòcrit i Protà- goras. Subratllant les diferències, M. Narcy («La critique de Socrate par l’Etranger dans le Politique», en C. J. Rowe (ed.), Reading the Statesman. Proceedings of the Symposium Platonicum III, Sankt Agustin, Academia Verlag, 1995, p. 227-235) ha pogut parlar d’El polític com «l’anti-Protàgoras». 35 Segurament Demèter, Persèfone, Triptòlem i Dionís Cf. A. Kélessidou, «L’homme sans industrie et sans art (Pol. 274c)», Revue de Philosophie Ancienne, 11, (1993), p. 79-87. 36 G. Fraccaroli, Platone. Il sofista e l’Uomo politico, Firenze, La Nuova Italia Editrice, 1934, p. 81, i M. Miller, The Philosopher in Plato’s ‘Statesman’, The Hague, Martinus Nijhoff, 1980, p. 53, prenen el demiürg com quelcom presentat també a l’emulació humana, i amb això segueixen una tradició neoplatònica. Vegeu sobre això J. Dillon, «The Neoplatonic exegesis of the Statesman myth» i M. Erler, «Kom- mentar zu Brisson und Dillon», en C.J. Rowe (ed.), Reading the Statesman. Proce- edings of the Symposium Platonicum III, Sankt Agustin, Academia Verlag, 1995, p. 364-374 i p. 375-380 respectivament.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 108 Josep Monserrat Molas prendre el seu propòsit coincideix amb explicar el significat polític de la relació de l’home amb el cosmos quan ja estem situats en el nostre temps. La situació humana descrita perfila una antropolo- gia de l’humà que manté i guarda una distància i una diferència respecte de la naturalesa i respecte del diví. Allò més important és, però, que d’aleshores ençà la humanitat ha restat abandonada als seus propis designis i depèn d’ella mateixa per a les seves coses.37 La possibilitat humana d’una vida orientada per les seves pròpies forces se’ns ha ofert a la vegada que se’ns ha donat limitada per les forces encara més grans de la naturalesa. La renúncia del déu a portar un govern del tot, sigui personalment, sigui vicàriament a través dels genis demònics, obre l’oportunitat a l’humà de gover- nar-se a si mateix; la retirada del diví resulta una gràcia divina. La complicada narració del mite ofereix un espai difícil de com- prendre que el déu ha procurat amb la seva absència present a l’univers, un espai entre el diví etern protector que infantilitza i la naturalesa mutable inhòspita que ens devora com a lloc en- tremig on l’ordre humà és possible com a imitació d’un ordre su- perior. L’articulació dels processos còsmics en períodes diferents produïts per la presència, l’absència i la presència absent del déu, té l’efecte d’emfasitzar com nosaltres, els humans d’aquesta era actual, hem d’assumir la responsabilitat de lluitar contra la ne- cessitat per controlar les nostres vides. El mite corregeix delimi- tant l’entremig, perquè la dièresi ha partit la humanitat en déus i bèsties: la confusió analítica del pastor diví d’homes s’explica, pot corregir-se amb una superació dialèctica, i doncs, sintètica, de l’escisió. El mite ens mostra el següent: la vida política que s’està definint només és possible en l’ordre incert que existeix entre el di- namisme creatiu i ordenador del fundador de les ciutats, assimilat al seu moment diví originari, i el moment de la seva destrucció per l’augment de les passions, els desigs i l’oblit, el moment de la lluita in-civil. Situada en aquest entremig, la dimensió política no pot ser ni la saviesa divina ni l’astúcia de la lluita animal per la supervi- vència. Referir-se a un govern feliç és referir-se a la minoria d’edat: quin valor donem a l’ús de la raó per a dialogar i filosofar ens situa

37 Resulta, doncs, un cant de les misèries de la vida primitiva i els beneficis del progrés. Es repeteix l’exposició de Prt. 321c-322c que ressalta de manera especial el caràcter inconvenient de no disposar d’una art política (322b5). La millor expo- sició preplatònica es troba a Èsquil, Pr. 442-468.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 109 ja en el camí de la resposta a la qüestió de si hi ha lloc per a enyo- rar la felicitat que s’explica de l’edat de Cronos.

El moviment de la vida i l’ambivalència humana Per a l’economia del diàleg, altres lliçons manifestes del mite són que els nostres polítics són únicament humans car han que- dat molt enllà en el temps els dies en què governaven els déus. En segon lloc, que la identificació del polític amb el pastor ha provo- cat en la conversa inicial una dièresi errònia, la qual, en dur implí- cita la responsabilitat d’alimentar el seu ramat, no ha aconseguit separar el polític de classes com la pagesia, els comerciants, els moliners i forners, els metges i entrenadors. Els homes han inten- tat donar-se com a reis i polítics «pastors d’homes», rèpliques dels pastors divins, i aquesta experiència fracassa de manera mani- festa. El fracàs es deu al fet que no són déus, i la definició de l’art política com a pastoreig exigeix una diferència en la naturalesa del pastor i del ramat, diferència que no es dóna entre el polític i el ciutadà. El mite deixa clar que l’home no pot ser el seu propi pastor. Precisament, sobre això posarà l’accent el Foraster: sota el regne de Zeus, on l’ésser humà no és pasturat i nodrit com una bèstia per un déu, cal donar-se lleis dictades per l’intel·lecte, que en la nostra ànima és la part realment divina (300a-c). El mite ens ha proporcionat, també, un aclariment o enfoca- ment diferent de la mirada per tal de comprendre la situació hu- mana actual en les seves complexitats i en les seves tensions. Atenent al mite, escoltant-lo, es fa present en el diàleg una visió que pot mesurar les paraules: en termes del diàleg, l’anàlisi de la dièresi cal que estigui acompanyada per una visió del tot. El Fo- raster, però, també és conscient que aquesta aproximació al tot, no deixa de ser parcial i ambigua, com s’ha assenyalat. El mite d’El polític no significa pas un canvi lleu en la definició del polític, sinó que ens fa veure la confusió dels afers en el món i en la política tan aviat com aquests són mesurats per un estàn- dard de perfecció. Tot ordre que trobem en aquest món de confu- sió és un record d’aquesta perfecció, i mostra que la vida humana com a tal només és possible en la mesura que prenguem aquests dons divins sota la nostra pròpia cura.38 En aquesta visió del tot,

38 P. Friedländer, Platon, vol. III, Berlin & New York, Walter de Gruyter, 1960, p. 264: «Vielmehr lässt er sichtbar werden, in welcher Wirniss der Welt und des Staa-

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112 110 Josep Monserrat Molas el mite també proporciona la constatació de com la direcció dels homes ha de ser humana i no divina. La situació encara no és prou clara, però. Si bé el mite ha resultat una correcció de la di- èresi, no comporta sinó un cert aclariment parcial de la confusió, perquè en cert sentit també es pot pensar que l’Edat afortunada és la nostra, com és evident per la presència de lógos i filosofia.39 Paradoxalment, si bé l’ordre a imitar pertany a una època que no és la nostra, les eines per recordar-lo pertanyen a una era que no és la de l’ordre. El mite no resol sinó que situa la tensió constitu- tiva de l’humà.40 El mite no proporciona altra cosa que la correc- ció del resultat d’una anàlisi. És un mite corrector, però tampoc no proporciona un coneixement adequat, una síntesi, sinó només

tes wie leben, sobald man den Masstab der Vollkommenheit anlegt, wie aber alles, as an ordnung in dieser Welt des Wirrsals besteht, eine Nachwirkung von jener Vollmöglich wird, wenn wir dir göttlichen Gaben in unsere eigene Pflege nehmen». 39 Com diu S. Rosen, Plato’s Statesman. The Web of Politics, New Haven & Lon- don, University of Chicago Press, 1995, p. 61: «Gold and iron are inseparable in human existence. Philosophy is the sister of decadence. The rejuvenative function of the counternormal epoch is inseparable from a temporary suspension of our hu- manity; it is a period of forgetting and silence». El capítol de G. R. F. Ferrari, «Myth and conservatism in Plato’s Statesman», a C.J. Rowe (ed.), Reading the Statesman. Proceedings of the Symposium Platonicum III, Sankt Agustin, Academia Verlag, 1995, p. 393 n.14, es pot veure com una elaboració del paper de la memòria que S. Rosen («Plato’s Myth of the Reversed Cosmos», Review of Metaphysics, 33, (1979), p. 77-80, p. 81 n.9, p. 93 n.13) ja havia destacat. Vegeu C.L. Griswold, jr., «Politikê Epistemê in Plato’s Satesman», en J.P. Anton & A. Preus (ed.), Essays in Ancient Greek Philosophy, Albany, New York, 1989, p. 151. 40 Com es pot veure en la següent discussió: per a M. Miller, The Philosopher in Plato’s ‘Statesman’, The Hague, Martinus Nijhoff, 1980, p. 51-53, i G.R.F. Fer- rari, «Myth and conservatism in Plato’s Statesman», a C.J. Rowe (ed.), Reading the Statesman. Proceedings of the Symposium Platonicum III, Sankt Agustin, Academia Verlag, 1995, n. 31, la crítica dels súbdits de l’era de Cronos no s’ha d’estendre a la condició dels déus; com suggeriria Lg. 713c-714a, és a la condició dels déus a la qual l’home ha d’aspirar, no a la dels humans. Resulta, doncs, que es pot prendre l’era de Cronos com a representació del deus mensura. H.R. Scodel, Diairesis and Myth in Plato’s Statesman, Gottingen, Vandehhoeck & Ruprecht, 1987, p. 84 n. 14, intenta desarmar Miller argumentant que «criticism of the golden age […] must extend to the god himself. If the pursuit of philosophy is the criterion of human happiness, it is difficult to see how the god […] in the reign of Kronos can be the ‘measure’ for man». La qüestió és complexa. En un sentit, filo-sofia no és tan el cri- teri de la felicitat humana com ho és sofía (Smp. 204a). Filosofia és una aspiració al criteri de la felicitat, no la felicitat mateixa. Ara bé, si filosofiaés de fet el criteri de la felicitat humana, en el sentit que nosaltres no podem atènyer més (Phdr. 278d3- 6), pertany a la natura humana aspirar a transcendir la nostra humanitat, ço és, imitar el déu al més possible (Lg. 713e).

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 91-112 La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató 111 una mera imatge que caldrà, al seu torn, corregir. En l’economia d’El polític, la utopia correctora passarà d’immediat a ser corregida perquè no és de cap manera la darrera paraula del diàleg.41

Monserrat Molas, Josep, «La utopia correctora. A propòsit del mite d’El polític de Plató», SPhV 16 (2014), pp. 91-112.

RESUM

Cal entendre la narració del mite de l’Edat de Cronos en El polític de Plató en el marc on està situada. Serà aleshores que es podrà comprendre com Plató va composar els diferents materi- als que hi intervenen per aconseguir neutralitzar la creença que aquella edat d’or era una situació òptima.

Paraules clau: Edat d’or, Cronos, Plató, El polític.

ABSTRACT

The myth of the Age of Kronos in Plato’s Statesman must be understood in the context in which it is located. We will be able to understand how Plato composed the different materials to achieve the neutralization of the belief that Golden Age was an optimal situation.

Keywords: Golden Age, Kronos, Plato, Statesman.

41 Josep Monserrat Molas, «Naturaleza del error y sentido de la corrección de la diéresis en el Político de Platón», Daimon. Revista Internacional de Filosofía, 51 (2010): 151-169.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 91-112

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 ISSN: 1135-9560

A comunidade de bens, mulheres e filhos: uma leitura sobre a natureza e o alcance da utopia na República, de Platão The community of goods, women and children: an analysis of the nature and scope of utopia in Plato’s Republic

Guilherme Domingues da Motta Universidade Católica de Petrópolis Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Data de recepció: 19/10/14 Data d’acceptació: 03/11/14

Nenhuma abordagem sobre a real natureza e alcance da utopia da República de Platão pode julgar-se completa se não forem tra- tadas duas questões fundamentais: a extensão da comunidade de bens, mulheres e filhos e a extensão da educação. Ambas as questões são de enorme interesse e nenhuma das duas pode ser facilmente resolvida. Porém é preciso delas tratar, pois se se assume que essa comunidade e educação só se aplicam aos guardiões, então, ainda que a cidade proposta na República possa ser considerada utópica, tratar-se-á de uma utopia exclu- dente, no sentido de pretender tornar felizes e virtuosos apenas os guardiões e de instrumentalizar os artesãos. Assumindo-se que a comunidade de bens, mulheres e filhos e de educação se estenda a todas as classes chega-se, sim, a uma utopia que visa à virtude e, principalmente, à felicidade de todos os cidadãos, o que, de fato, é o que Sócrates considera que deva perseguir na cidade no logos.1

1 Cf. Platão, República, 420b-c. 114 Guilherme Domingues da Motta

Devido ao espaço de que aqui disponho não poderei abordar ambas as questões de modo exaustivo; procurarei analisar a ex- tensão da comunidade de bens, mulheres e filhos. Porém, ressalto que o tempo todo pressuponho que haja na República a extensão da educação primária2 a todas as classes, e sobre esse ponto farei uma breve apresentação do status quaestionis. Sobre a extensão dessa educação não há acordo entre os estu- diosos. A grande maioria adota a visão segundo a qual a educação primária se destina apenas aos guardiões, sem jamais questio- nar-se a esse respeito, pois dão como suposto que vise apenas a eles.3 Outro grupo de intérpretes, já bem mais reduzido, procura mostrar que não apenas se deve admitir que a educação primá- ria vise unicamente aos guardiões, mas que não pode destinar-se igualmente aos artesãos.4 A tese contrária, segundo a qual a educação primária deve ser interpretada como extensiva a todos os cidadãos, inclusive aos artesãos, encontrou, infelizmente, muito menos defensores. Mes- mo quando é defendida, o é de forma deficiente, sobretudo no que concerne ao silêncio desses estudiosos diante das objeções levan- tadas pelos comentadores do segundo grupo mencionado no pa- rágrafo acima. Outra deficiência desses comentadores é a de não procurar confrontar sua interpretação com as passagens do texto que resultariam, ao menos à primeira vista, contraditórias com a tese por eles sustentada, o que os exime, ademais, de apresentar uma possível solução para a tal contradição.5

2 Considerando-se que o modelo de educação (Paideia) proposto na obra pode ser dividido em duas etapas, chama-se aqui a primeira etapa de «educação pri- mária», em contraste com a segunda etapa, que seria uma educação superior. A primeira etapa é a educação que se dá pela mousiké e pela gymnastiké; a segunda consiste num programa de estudos de disciplinas ligadas à matemática e no estu- do da dialética, destinando-se apenas àqueles que se identificam como capazes de seguir esse tipo de estudos. 3 Neste grupo, podem ser elencados Jaeger (1995), Grube (1980); Nettleship (1920; 2003). 4 Neste grupo, poder-se-iam elencar Hourani (1949), Ferrari (2005), Strauss (1979) e Reeve (1988). 5 Neste grupo, poder-se-iam elencar Shorey (1994), Cornford (1990), Dorter (2006), Irwin (1995), Taylor (1960), Vlastos (1981) e Averróis (1998). Para mi- nha própria abordagem do tema que procura evitar as citadas deficiências, ver Motta (2010).

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 A comunidade de bens, mulheres e filhos 115

A tese, porém, que procurarei sustentar aqui é aquela segundo a qual a comunidade de bens, mulheres e filhos preconizada na República deve ser considerada como extensiva a todas as classes. Quanto aos co-partidários dessa interpretação poderia aduzir o ilustre nome de Averróis.6 O autor contemporâneo que mais aten- ção deu à questão é Robert Mayhew. Embora termine por consi- derar muito difícil, senão impossível, afirmar com certeza o que Platão tinha em mente para a classe dos artesãos, Mayhew tem o mérito não só de mostrar o quanto a questão mereceu a atenção de Aristóteles, mas também de apontar uma série de passagens da República que tornariam no mínimo problemático negar que a comunidade se estenda a todas as classes.7 Também Mario Vegetti reconhece que algumas passagens sugerem uma possível univer- salização da comunidade que há entre os guardiões, porém sem adotar a interpretação que delas proponho.8 Quase unânime é o número dos que se posicionam claramente contrários a que se considere a extensão da comunidade de bens, mulheres e filhos a todas as classes.9 Porém, ainda assim, defen- derei que uma boa interpretação da República deve levar à con- clusão de que essa comunidade proposta na República estende-se a toda a cidade. Os textos em que os termos dessa comunidade são discutidos não são incoerentes com esta interpretação, desde que se com- preenda que a cidade delineada na obra é construída progres- sivamente, de modo que o que fica dito num momento posterior do texto tem autoridade para rever o que se disse antes. Nesta construção dinâmica, não se pode negar que se parte de uma «ci- dade sã», passa-se por uma cidade «inchada de humores» até che- gar-se a uma cidade purificada. Assim, do fato de que se comece por anunciar uma comunidade entre os guardiões não se pode ou deve inferir que esta não será alargada para incluir as demais classes, conforme fica implícito mais tarde no texto. O erro da maioria dos interpretes sobre esse ponto, é, portanto, perder de

6 Cf. Averróis, 1998, p.40-41 7 Cf. Mayhew, 1997, p. 129-135. 8 Cf. Vegetti, 2000, p. 134-135. 9 Dentre esses se poderia citar Annas (1981, p. 178), Strauss (1978, p. 113- 114, Lisi (2010, p. 28), Shorey (1930, v.1, xxxiv, p. 462), Popper (1971, p. 48) e Reeve (1988, p. 184), para ficar em apenas alguns nomes.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 116 Guilherme Domingues da Motta vista o todo e pretender cristalizar certas afirmações feitas em cer- ta altura da obra.10 É necessário, primeiramente, anunciar o método que guiará a interpretação que proponho. Em primeiro lugar, é necessário considerar o todo da obra, levando em conta que o que se diz depois no texto pode modificar, alargar ou esclarecer o que an- tes se disse. Em segundo lugar, é necessário reconhecer que se se declara existirem na cidade certas características quando ao modo de vida, é preciso considerar quais são as condições de possibilidade para que se possam obter esses traços sem que pareçam artificialmente admitidos ou incoerentes com o modelo geral de cidade em questão. Esse último aspecto do método é, de certo modo, indicado pelo próprio Platão e claramente aplicável à questão em tela:

Porventura não deve ser o ponto de partida do nosso acordo per- guntar a nós mesmos qual é o maior bem que podemos apontar na organização de uma cidade, aquele que o legislador deve ter em vista ao promulgar as leis, e qual é o maior mal? E depois, em se- guida, inquirir se as instituições que descrevemos nos ajustam às pegadas do bem, e nos desviam das do mal?11

A crítica Aristotélica Um indício adicional de que a questão da extensão da comuni- dade não se trata de um problema menor, nem de fácil solução, está nas observações dispensadas por Aristóteles. Este declara no início do livro II da Política que não considera supérfluo apresentar ele mesmo sua concepção sobre a melhor forma de constituição política e propõe que se comece a investi- gação pela consideração seja daquelas adotadas em cidades bem governadas seja daquelas propostas por outros filósofos (Aristóte- les, Política, 1260b27-32). O primeiro ponto abordado por Aristóteles em sua análise o leva diretamente à República platônica, pois entende que a análise dessa obra lhe fornecerá apoio para suas próprias considerações

10 Contra essa leitura poder-se-ia citar a posição implícita ou explícita de Annas (1981), Popper (1987), Reeve (1988), Shorey (1994) e Strauss (1978). 11 Platão. República, 462a: Utilizo a tradução de Pereira, Maria Helena da Rocha (Trad.). A República. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1987.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 A comunidade de bens, mulheres e filhos 117 sobre o tema de que deve tratar em primeiro lugar: o da comuni- dade de bens (Aristóteles, Política, 1260b36).12 O Estagirita considera haver três maneiras de tratar da ques- tão: (1) todos os cidadãos têm toda a propriedade em comum; (2) não têm nada em comum; (3) têm algumas coisas em comum, e outras não (Aristóteles, Política, 1260b37-38). Nesse ponto de sua argumentação, Aristóteles afirma que, na República, Platão adotou a primeira delas como a melhor: a comu- nidade de tudo entre todos os cidadãos. É sintomático que ele não diga que a proposta da República é a de uma comunidade de tudo comum entre todos os guardiões, mas de tudo entre os todos os cidadãos (Aristóteles, Política, 1261a3-8). Embora ao longo de sua crítica Aristóteles mude de ideia e pas- se a considerar que a comunidade diz respeito somente aos guar- diões, ele não deixa de considerar essa como uma questão delica- da e fonte de possíveis incoerências da parte de Platão. Depois de suas extensas críticas, por vezes carregadas de certa dose de ironia, à República platônica, Aristóteles ataca a falta de clareza de Platão sobre pontos importantes, como o do ordena- mento da cidade para além da classe dos guardiões. Vale a pena citar o longo trecho:

No entanto, a massa de cidadãos de outras classes constitui prati- camente o grosso da cidade, e nenhuma legislação foi estabelecida para ela (por exemplo, se os agricultores também teriam as suas propriedades em comum ou se seria mantida para eles a proprie- dade privada, e também se a comunidade de mulheres e crianças deve estender-se ou não a eles). Com efeito, se houvesse a mesma comunidade absoluta para os agricultores, qual seria a diferença entre eles e os guardiões? Ou que vantagem teriam eles submetendo-se à dominação dos guar- diões? Ou ainda, que razões os induziriam a submeter-se a tal do- minação, a não ser que os guardiões adotassem algumas medidas engenhosas como as dos cretenses? Esses, de fato, concederam a seus escravos os mesmos direitos que a si mesmos, à exceção da prática de exercícios e da posse de armas. Se, porém, o modo de vida dos agricultores fosse o mesmo adotado em outras cidades, qual seria a forma de sua comunidade? Haveria inevitavelmente

12 Para a Política utilizou-se a tradução de Mário da Gama Cury (Aristóteles 1985), assim como o texto grego (Aristóteles, 2014).

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 118 Guilherme Domingues da Motta

duas cidades em uma, cada uma hostil a outra, pois Sócrates fez dos guardiões qualquer coisa parecida com uma guarnição militar de ocupação, enquanto os agricultores e artífices e os outros são os cidadãos. Quanto às desavenças e questões judiciais e os outros males que segundo Sócrates existem nas cidades de hoje, todos serão encontrados igualmente entre os habitantes de sua cidade. Sócrates de fato diz que devido à sua educação, eles não necessita- rão de muitas normas, tais como as relativas à cidade e à ágora e outras da mesma natureza, embora ele estipule a educação apenas para os guardiões. Ele também dá aos agricultores a propriedade de suas terras, com a condição de pagarem um imposto, mas é provável que eles sejam muito mais insubmissos e atrevidos que os hilotas, servos e escravos em certas cidades existentes. Não foi dito expressamente em parte alguma, todavia, se a comu- nidade de bens deve ser compulsória para os agricultores, da mesma forma que para os guardiões, ou se não deve, nem é dada qualquer explicação acerca de questões correlatas (quais devem ser as funções e como deve ser a educação das classes inferiores, e as leis aplicáveis a elas). E não é fácil atinar com as respostas a essas dúvidas, mas a importância das características das classes inferiores não é pequena para a preservação da classe dos guardiões. Se Sócrates também pre- tende compelir os agricultores a ter suas mulheres em comum e seus bens separados, os homens cuidarão do campo, mas quem cuidará do lar? E quem se incumbirá disto se tanto os bens quanto as mulhe- res forem comuns? (Aristóteles, Política, 126411-b4).

As interrogações de Aristóteles ao longo do trecho citado são preciosas, no mínimo para provocar o leitor da República a tentar respondê-las. É claro que o leitor que não sinta essa necessidade acabará por juntar sua voz ao coro dos detratores ou defensores de Platão que, respectivamente, satisfeitos ou constrangidos, reco- nhecem haver na República omissões e inconsistências tanto mais imperdoáveis quanto mais numerosas e relativas a pontos cruciais. Aristóteles se revela um grande e fecundo intérprete ao denun- ciar o grau em que a obra ficaria confusa e incoerente se essas perguntas não forem respondidas. Ocorre que as questões levan- tadas por Aristóteles realmente importam e são em quantidade suficiente para que, caso possam realmente ser realmente aduzi- das contra a República, maculá-la gravemente.

O método aplicado ao texto da República O que proponho é que as perguntas de Aristóteles podem todas ser respondidas com base no texto, desde que se sigam a preciosa

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 A comunidade de bens, mulheres e filhos 119 instrução metodológica dada pelo próprio Platão, e que já foi aci- ma mencionada. Essa prescrição metodológica, se adotada, como quer Platão, exigiria perguntar quais seriam as condições de possibilidade para pelo menos dois traços importantes que Sócrates pretende que estejam presentes na cidade: a unidade da cidade, fundamentada no fato de que se eliminam nela a posse individual, a riqueza e a pobreza, sempre deletérias;13 que essa unidade vai até o ponto de os cidadãos (e não os guardiões) dizerem das mesmas coisas «meu» e «não-meu», inclusive no que se refere a prazeres e penas.14 Ora, haveria uma enorme incoerência ou imperdoável omissão em propor que esses traços existem sem a mínima preocupação com suas condições de possibilidade. Pelo menos um desses aspectos não passou despercebido para um comentador como Averróis:

Es evidente que los guardianes no deban posser bien alguno, pero convenie considerar el caso de los membros de la sociedade modelo que son artesanos e obreiros. Debe autorizáreles la possesion plena de los salários que perciben por su trabajo y que com ellos adquie- ran propriedades? En este caso el principio es idéntico al del outro, pues no hay duda de que nada hay más dañino para esta sociedade que la aparicón de la pobreza y de la riqueza. Siempre que se permi- ta a los artesanos la adquisición de bienes por médio del fruto de su trabajo, el fin de su labor será la posesión y la consiguiente obtenci- ón de riqueza. Su utilidade para los ciudadanos sería estrictamente acidental, y su trabajo no se realizaria con el fin proprio, sino con afán de lucro. Así, pues, com frecuencia errarían respecto de su auténtica finalidade, a saber, el servicio a los ciudadanos. Cuando alcanzasen holgura económica, despreciarían su trabajo hasta al ex- tremo de rechazarlo, convertiéndose em artesanos ociosos; y cuando necesitasen herramientas y otras cosas para su labor les resultarían muy caras, y su trabajo sería malo. Teniendo, pués, em cuenta o que hemos descrito, Platón mantiene que en la sociedad modelo no debe permitírsele a nadie em concreto que tenga bienes para adquirir y utilizar del modo como desee. (Averróis, 1998, p.40-41)

As questões concernentes à comunidade começam a ser trata- das no livro V, quando Adimanto, secundado por Gláucon e até

13 Cf. Platão, República, 421d-422a; 462a, 462b1, 462b2, 462c12, 547b-c; 551d5. 14 Cf. Platão, República, 462a-462e, 464a.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 120 Guilherme Domingues da Motta por Trasímaco, cobra de Sócrates esclarecimentos a respeito da comunidade de mulheres e filhos, que já tinha sido mencionada15 e que vinha causando inquietação entre os ouvintes.16 Ao tratar dela Sócrates parece referir-se à comunidade de mu- lheres, filhos e bensentre os guardiões. Porém, o que Sócrates dirá mais à frente sobre o modo de vida da cidade e sobre o que se es- pera que se passe entre os cidadãos exige que seja compreendida como implícita a extensão à toda cidade. Convém passar ao texto para verificar como essa proposta de interpretação, pela qual se estende a comunidade a toda as classes da cidade, dá a ele a coerência que não se encontra por outra via. É Gláucon, e não Sócrates, quem dá o tom do início da discus- são, colocando claramente em os guardiões:

E tu não te canses de responder, como te parecer bem, às nossas perguntas: que comunidade será essa para os nossos guardiões, relativamente a filhos e mulheres, e à criação, quando ainda são novos, no tempo que medeia entre o nascimento e a educação, e que se me afigura ser o mais trabalhoso de todos? Tenta, pois, di- zer de que maneira deve fazer-se. (Platão. República, 450b-c)

Sócrates anuncia que a questão da comunidade comporta não só a defesa de sua possibilidade, mas de que esta seja melhor,17 e, com o incentivo dos interlocutores, passa a tratar do papel da comunidade de mulheres na cidade entre os guardiões.18 Poder-se-ia justificar que o foco inicial esteja nos guardiões porque eles são o centro a partir do qual tudo irradia e a partir do qual a dissensão também dimanaria no caso de se encontrar qual- quer forma de egoísmo entre eles, cobiça por bens ou preferência por seus próprios familiares.19 Sendo os guardiões «pastores» de um rebanho,20 a análise que se fará, em última instância, diz respeito a normas que evitam a dissensão entre eles, a qual seria causa de corrupção de todo

15 Cf. Platão, República, 423e. 16 Platão. República, 449a-450a. 17 Platão. República, 450d. 18 Platão. República, 451c. 19 Platão. República, 424a, 545c-d, 547b-c. 20 Platão. República, 451c.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 A comunidade de bens, mulheres e filhos 121 modo de vida da cidade.21 Assim, pode-se admitir que os efeitos da não adoção da comunidade de bens, mulheres e filhos entre os guardiões seriam mais graves pela importância dessa classe como sustentáculo dos valores da cidade, mas isso não significa que a mesma situação não seria deletéria também para a classe dos ar- tesãos, como ressalta Averróis. No âmbito da discussão sobre a cidade, tendo sido considera- da a questão da função e educação das mulheres, uma primeira onda a ser superada, Sócrates anuncia a questão da sua comuni- dade como a segunda e maior onda. Estabelece ele que sobre essa questão a lei deveria ser a seguinte:

Que estas mulheres todas serão comuns a todos esses homens, e nenhuma coabitará em particular com nenhum deles; e, por sua vez, os filhos serão comuns, e nem os pais saberão quem são os seus próprios filhos, nem os filhos os pais. (Platão. República, 457c-d)

Não se pode duvidar aqui de que Sócrates esteja se referindo às mulheres e filhos dos guardiões, pois vinha tratando das funções dos guardiões e das guardiãs ao fazer a transição para esta nova dificuldade. Isto, porém, em nada elimina a possibilidade de que, pelo menos do ponto de vista de Sócrates, a prescrição tenha que ser ampliada. Que Sócrates seja cuidadoso e não ponha a claro o escopo da comunidade justifica-se, entre outras razões,22 pela reação de Gláucon à proposta: «Isso é ainda muito pior, quer sob o ponto de vista da inverosimilhança, quer da possibilidade e da utilidade.» (Platão. República, 457d). Sócrates propõe-se, então, a partir da suposição de que seja possível tal ordenação, a examiná-la sob o ponto de vista da uti- lidade.23 Começa sua análise considerando como se promoverá a comunidade de mulheres e propõe que não se permita que guar- diões e guardiãs procriem segundo o seu desejo, mas que suas uniões sejam promovidas pelos governantes, os quais promoverão casamentos sagrados entre os governados mediante uma «mentira

21 Platão. República, 445c-d. 22 Uma razão de que tratarei mais à frente é a de que Sócrates também exige de Gláucon (e Platão exige dos leitores) uma atitude ativa na interpretação das instituições da cidade. 23 Platão. República, 458a-c.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 122 Guilherme Domingues da Motta nobre», que consiste em fazer os guardiões pensarem que suas uniões se devem à mera sorte. O objetivo de semelhante engodo seria o de manipular os casamentos visando à eugenia tal como se dá também em relação à procriação de animais.24 Note-se que não haveria prejuízo algum na extensão dessa manipulação a toda a cidade. De fato, as mulheres seriam comuns, mas isso jamais deve ser entendido como implicando que um artesão poderá «ca- sar-se» com uma mulher guardiã, afinal, são os governantes que manipulam os casamentos (na verdade, uniões provisórias pro- movidas em datas específicas) e sabem eles perfeitamente quem querem unir com quem. Note-se ainda que ao tratar dos procedi- mentos que visam à eugenia, Sócrates afirma que a mentira será contada aos governados,25 e não aos guardiões e este pode ser um ponto de inflexão. Sócrates introduz também nesse ponto uma prescrição na ci- dade que parece ter como condição de possibilidade a extensão da comunidade de mulheres e filhos a toda a cidade, pois resultariam grandes incoerências se dissessem respeito só aos guardiões:

É preciso, de acordo com o que estabelecemos, que os homens superiores [arístous] se encontrem com as mulheres superiores o maior número de vezes possível, e inversamente, os inferiores [phaulotátous] com as inferiores, e que se crie [tréphein] a descen- dência daqueles, e a destes não, se queremos que o rebanho se eleve às alturas, e que tudo isto se faça na ignorância de todos, ex- ceto dos próprios chefes, a fim de a grei dos guardiões estar, tanto quanto possível, isenta de dissensões (Platão. República, 459d-e).

Não é preciso negar que a finalidade da manipulação dos ca- samentos seja promover o nascimento daqueles que poderão vir a ser os melhores guardiões, os quais, dada sua raridade e impor- tância estão sempre no foco da discussão. Também não é preciso negar, mais uma vez, que seja necessário, antes de tudo, evitar dissensão entre eles, porém isso não exclui que a manipulação dos casamentos e a eugenia sejam medidas úteis à cidade como um todo e pelos mesmos motivos que são úteis quando aplicadas aos guardiões.

24 Platão. República, 458c-459d. 25 Platão. República, 459c-d.

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O que a passagem citada estabelece é que se favorecerão as uni- ões dos homens e das mulheres considerados os melhores na ci- dade, permitindo-as o maior número de vezes possível em vista de criar ou promover (tréphein) uma descendência o mais numerosa possível deles, esperando que os descendentes sejam semelhantes aos pais, o que, contudo, não é garantido, embora provável.26 Inversamente, limitar-se-ão as uniões entre os homens e mu- lheres piores, permitindo-as o menor número de vezes possível, tendo em vista que não se quer criar ou promover (tréphein) a sua descendência. Ora, maior número de uniões terão os guardi- ões que se destacarem em batalha, o que não exclui que os ou- tros guardiões também terão uniões.27 E o mesmo deveria valer para todos os cidadãos dentro de sua classe. As mulheres seriam comuns, mas a manipulação dos casamentos permitiria unir os melhores guardiões às melhores guardiãs e os melhores artesãos com as melhores artesãs. Como já está sugerido pela paráfrase acima, interpreta-se aqui tréphein não no sentido de alimentar com vistas ao crescimento, mas no sentido de promover o crescimento de certo grupo com características específicas dentro da mesma espécie, tal como se dá com a criação de cavalos (hippotrophía).28 Ora, que o verbo tréphein esteja sendo usado aqui no referido sentido é sugerido não só pela coerência que se exige do texto como um todo, mas pelo próprio fato de que foi a comparação com a criação de cavalos que foi usada como justificativa para a adoção de procedimentos eugênicos.29 É certo que a palavra então usada fora gennaíon,30 mas remetida a uma atividade nobre: a criação de cavalos (hippotrophía).31 Ora, quem «cria» cavalos neste sentido não deixa de alimentar os cavalos que não sejam excelentes, mas simplesmente se esfor- ça por promover acasalamentos que produzam uma descendência excelente. Porém, nada exclui que os cavalos que não são exce-

26 Cf. Platão, República, 415a-b. 27 Cf. Platão, República, 4468c-d. 28 Sobre esse significado do verbo trépho, ver (Chantraîne, 1968, p.1133-1134) 29 Cf. Platão, República, 459a-b. 30 Cf. Platão, República, 459a. 31 Sobre o significado do composto, diz Chantraine: «l´élevage des chevaux est une activité noble, d´où l`emploi d´un composé en – tróphos». Cf. (Chantraine, 1968, p.1134)

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 124 Guilherme Domingues da Motta lentes não sejam aproveitados ou acasalados com éguas da sua categoria, visando a uma descendência de cavalos bons, embora não excelentes. O mesmo poderia ser dito sobre a passagem citada em relação ao rebanho mais amplo, que é o dos cidadãos.32 É claro que os melho- res e mais raros são os homens de ouro,33 os mais excelentes que há por natureza, que, de tão raros, exigem que todos os recursos sejam usados para «criá-los» (trépho) ou promover seu nascimento, inclusive os casamentos com as mulheres de mesma natureza. Também é claro que, mesmo tendo isso em vista, a verdade é que nascerão na cidade muito mais homens de prata, ferro e bron- ze do que de ouro. Considerando-se que esses homens são neces- sários para exercerem érga específicos na cidade, convém também permitir que vivam e procriem. Estão também, por conseguinte, incluídos entre os que são criados (trépho) na cidade. A quais homens Sócrates se refere, então, quando diz que a descendência dos piores não será criada? Só podem ser aqueles que são piores não apenas no sentido comparativo, mas piores como termo último de uma escala descendente, ou seja, ruins. Es- ses podem muito bem ser aqueles que, mesmo recebendo a edu- cação pela mousiké e gymnastiké, não se deixam retificar por ela, nem na medida necessária para fazer parte da cidade. Note-se que antes Sócrates já tinha feito menção até à pena de morte para os «incuráveis de espírito» (Platão, República, 410a). Depois de estabelecer que haverá na cidade festas para promo- ver os matrimônios nas quais se unirão noivos e noivas da forma antes estabelecida,34 Sócrates expõe como se eliminaria qualquer protesto sobre os critérios que regerão as uniões: os cidadãos se- riam levados a crer que os pares seriam formados por sorteio:

Devem fazer-se, julgo eu, tiragens à sorte engenhosas, de modo que o homem inferior [phaûlon] acuse, em cada união, a sorte, e não os chefes. (Platão, República, 460a)

32 Cf. Platão, República, 451c. 33 Num mito que os governantes contarão na cidade aos cidadãos se dirá que o Deus que os modelou misturou àqueles que eram aptos para governar o ouro. Aos auxiliares, se dirá misturou prata e que misturou ferro e bronze aos lavradores e demais artífices. Cf.P latão, República, 414d-e. 34 Cf. Platão, República, 459e-460a.

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Caso nasçam, entretanto, filhos das raras uniões de homens e mulheres inferiores (kheirónon), o seu destino, pelo que se diz a seguir, parece que será aquele que os governantes darão às crian- ças com defeitos congênitos:

Pegarão então nos filhos dos homens superiores [agathôn], e levá- -los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores [kheirónon], e qualquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como convém (Platão, República, 460c).

Esses piores (kheirónon) que se manterão separados dos ou- tros só podem ser os filhos que porventura nasçam de homens e mulheres ruins, considerados abaixo do padrão que mereça ser cultivado na cidade, ou seja, os filhos daqueles que mesmo tendo sido educados com os cuidados da educação primária, não se mostraram capazes de adquirir as virtudes cívicas fundamen- tais. Não se trata, portanto, de qualquer um que não seja filho dos mais excelentes guardiões. Isso fica claro pela já mencionada necessidade de criar e educar também os filhos de artesãos e guardiões auxiliares. Se não são os guardiões que são referidos na passagem, mas todos os cidadãos, e se não se entende, preconceituosamente, os artesãos como «piores» na passagem em que kheirónon significa claramente «ruim»,35 elimina-se esse problema. Um problema ainda maior de interpretação surgiria em relação à última passagem citada,36 pois, se no âmbito dessa discussão sobre a comunidade de mulheres e filhos se está tratando só dos guardiões, isso implicaria classificar alguns guardiões como «pio- res» a ponto de que seus filhos fossem escondidos37 num lugar interdito e oculto junto aos disformes.

35 Cf. Platão, República, 460c. Advoga-se aqui que Platão, na República, esta- belece como critério para distinguir entre «bons» e «ruins» não a classe a que os indivíduos pertencem, mas, antes, a existência de um bom ordenamento da alma com o concurso da educação primária. Assim, um artesão que tenha tido a alma bem ordenada pela educação mereceria a qualificação de «bom». 36 Idem. 37 Note-se que no Timeu, ao rememorar o que se disse no dia anterior sobre a cidade da República, Sócrates afirma que no que diz respeito a casamentos e filhos todos devem ter tudo em comum. Cf. Platão, Timeu, 18c. Este, também no Timeu, parece ser um ponto de inflexão, visto que, até então, vinha tratando dos guardi-

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Mas se mesmo de homens e mulheres de bronze pode nascer uma descendência de ouro,38 que sentido faria esconder em local interdito e oculto filhos de homens de prata ou bronze? Ora, eles poderiam ser de ouro, de prata ou os melhores entre os de bronze, tão necessários à cidade. Poder-se-ia ainda objetar que o que se tem em vista é chegar a uma geração toda de ouro, mas isso nem é coerente com a propos- ta de cidade de Sócrates, nem com o fato de que são raríssimos, nem com a premissa de que os homens são diferentes e executa- rão diferentes funções na cidade. Problema maior ainda resultaria na interpretação de trépho nas passagens supracitadas com o significado de «nutrir».39 Embora muitos vejam na expressão «kaì tôn mèn tà ékgona tréphein» uma referência à «exposição»40 dos filhos dos homens piores, é possível a interpretação alternativa dada acima, segundo a qual trépho sig- nifica «favorecer a descendência». Ainda que não fosse essa a melhor interpretação e trépho aqui significasse realmente nutrir, pareceria sem sentido que a passa- gem dissesse respeito só aos guardiões. Mais uma vez, significaria que vigora na cidade a prescrição de que não se deixe viver os filhos dos piores entre os guardiões, o que seria absurdo, pois um guardião é, por definição, bom. Por todos esses motivos parece necessário entender que houve, pelo menos do ponto de vista de Sócrates, uma transição na discus- são sobre a comunidade de mulheres e filhos e que se deixou de tra- tar unicamente dos guardiões para abordar a cidade como um todo. Poder-se-ia dizer que as intervenções de Gláucon, logo a se- guir, põem por terra a interpretação que aqui se propõe, pois ele deixa claro que entende que o que se disse antes se aplica aos guardiões: «[...] Se, realmente, queremos que a raça dos guardi-

ões. Em seguida acrescenta que se tratará de unir os homens ruins às mulheres ruins e os bons às boas. Cf. Platão, Timeu, 18d-e. Note-se ainda que afirma que os filhos dos homensruins devem ser criados separadamente. Cf. Platão, Timeu, 19a. Ora, mais uma vez, parece claro que não se trata de filhos de «guaridões ruins», mas de cidadãos ruins. A própria expressão «guardião ruim» parece ser um contra senso, uma vez que só os melhores homens podem receber esse nome. 38 Cf. Platão, República, 415a-c. 39 Cf. Platão, República, 459d-e. 40 Que Platão tenha querido esclarecer aos seus leitores que não se trata aqui de «exposição» fica claro pela retomada da questão noTimeu . Cf. Platão, Timeu, 19a.

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ões se mantenha pura» (Eiper méllei, éphe, katharòn tò génos tôn phylákon ésesthai.) (Platão, República, 460c6-7). Além disso, logo depois de ouvir Sócrates destinar às mães le- vadas ao aprisco para alimentar os filhos todas as facilidades, diz ele: «São muitas as facilidades que concedes à maternidade das mulheres dos guardiões» (Pollèn rhastonen, éphe, légeis tês paido- poiías taîs tôn phylákon gunaiksín) (Platão, República, 460d6-7). Porém, quanto às intervenções de Gláucon, a única coisa que se pode concluir delas é que ele também não interpretou as pala- vras de Sócrates conforme aqui se propõe que sejam interpreta- das. Por mais promissor que Gláucon seja, isto não significa que seja um dialético acabado, e é significativo que já tenha dado an- tes sinais de miopia, as quais voltarão a se manifestar.41 Talvez se devesse esperar que Sócrates corrigisse Gláucon em um caso assim e lançasse luz definitivamente sobre o problema, mas é o próprio Sócrates que trata essa questão como difícil,42 e, assim como é típico dele, é de se esperar que exija dos interlocuto- res que descubram por si a solução de possíveis aporias. É depois da discussão sobre a idade apropriada de procriação e sobre suas regras, no âmbito da qual faz a única prescrição clara no texto sobre a «exposição» de crianças,43 que Sócrates parece disposto a retificar qualquer coisa que tenha ficado mal compre- endida por Gláucon:

É essa, portanto, ó Gláucon, a comunidade de mulheres e filhos entre os guardiões da tua cidade. Que está de acordo com o resto da constituição e que é em muito o melhor, é o que é preciso depois disto que seja solidamente confirmado pela nossa argumentação. Ou como faremos? (Platão, República, 461e).

Que Sócrates vá a partir desse ponto começar a lançar luz so- bre o alcance dos princípios que estabeleceu, fica sugerido pela maneira como se refere à comunidade de mulheres e filhos entre os guardiões na «cidade de Gláucon». Embora Sócrates já tenha usado antes a forma pronominal «soí» para referir-se à cidade que ele e os interlocutores constroem em

41 Sobre a miopia de Gláucon, ver Motta (2006/2005). 42 Cf. Platão, República, 450b, 457d. 43 Cf. Platão, República, 461b-c.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 128 Guilherme Domingues da Motta comum, o contexto aqui parece indicar que essa fórmula antecipa os esclarecimentos necessários que dará a Gláucon de forma in- direta e que este, caso não fosse míope, deveria enxergar. Convém citar novamente, pela sua importância, uma passagem já citada. Diz Sócrates:

Porventura não deve ser o ponto de partida do nosso acordo, per- guntar a nós mesmos qual é o maior bem que podemos apontar na organização de uma cidade, aquele que o legislador deve ter em vista ao promulgar as leis, e qual é o maior mal? E depois, em seguida, inquirir se as instituições que descrevemos nos ajustam às pegadas do bem, e nos desviam das do mal? (Platão, República, 462a).

Ora, Sócrates está praticamente expondo aqui o método segun- do o qual se deve interpretar o que se disse sobre a cidade. O que quer dizer é que, partindo do que se espera encontrar na cidade, se deve perguntar se o que se disse antes estabelece as condições necessárias para que se encontre isso que se afirma estar presen- te nela. Assim, o que se diz estar presente na cidade importa, e muito, para esclarecer, retrospectivamente, sobre as instituições descritas. É o caso do que Sócrates diz na discussão sobre a uni- dade. Quando o que entra em foco é a unidade da cidade, o que se dirá sobre ela esclarece, retrospectivamente, o que se disse sobre as instituições que são sua condição de possibilidade. Sobre o maior mal e sobre o maior bem para a cidade, diz Sócrates:

Ora nós teremos algum mal maior para a cidade do que aquele que a dilacerar e a tornar múltipla, em vez de uma? Ou maior bem do que a aproximar e a tornar unitária? (Platão, República, 462a-b).

Diante da concordância de Gláucon, Sócrates acrescenta:

Logo, a comunidade de prazer e pena não os une, quando os cida- dãos, no maior número possível, se regozijam e se afligem igual- mente com as mesmas vantagens e perdas? (Platão, República, 462b4-7).

Não parece que se justificam interpretações como a de Adam, segundo a qual aqui se faz referência aos guardiões.44 Ora, o que

44 Cf. Adam, 1979, v.1, p. 305.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 A comunidade de bens, mulheres e filhos 129 a passagem refere explicitamente é uma comunidade de prazeres e penas entre «o maior número possível de cidadãos». O que sejam efetivamente cidadãos Sócrates fará questão de definir com rigor mais adiante,45 como se verá. Diante da concordância de Gláucon, pergunta ainda Sócrates:

E não é o individualismo destes sentimentos que os divide, quando uns sofrem profundamente e outros se regozijam em extremo a propósito dos mesmos acontecimentos públicos ou particulares? (Platão, República, 462b8-c1).

Contando mais uma vez com o assentimento de Gláucon, prossegue:

Ora este fato não provém de os habitantes da cidade não estarem de acordo em aplicar expressões como estas «meu» e «não meu», e do mesmo modo quanto ao que lhes é estranho? (Platão. República, 462c)

E continua Sócrates:

Logo em qualquer cidade em que a maior parte [pleîstoi] dos habi- tantes estiver de acordo em aplicar estas expressões «meu» e «não meu» à mesma coisa —será essa a mais bem organizada? (Platão, República, 462c7-8).

Ora, se a pólis no lógos é uma cidade e se é bem organizada, então seria preciso considerar que os guardiões corresponderiam nela à maioria, se se pretende interpretar que esta passagem des- creva uma comunidade apenas entre os guardiões. Mas já deve estar evidente que essa interpretação não se sustenta. É interessante que Sócrates estabeleça, no âmbito desse exa- me, e antes de tudo, uma definição do que seja um cidadão, a qual deve aplicar-se, portanto, a todas as ocorrências de «cidadão» nas passagens citadas acima. Porém, é mais uma vez sintomático que, antes disso, reafirme a necessidade de se seguir um certo método para compreender a cidade em via de construção:

45 Cf. Platão, República, 463a-c.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 130 Guilherme Domingues da Motta

Seriam horas de regressarmos à nossa cidade, e de investigarmos se o nosso discurso está em consonância com o que nela se passa, ou se se aplica antes a outra. (Platão, República, 462e-463a).

Note-se, portanto, que a coerência do argumento da República não é uma questão menor para Platão. Sobre o que sejam cidadãos, diz Sócrates: «Ora pois! Nas outras cidades há governantes e povo, e nesta também?» (tí oún; ésti mén pou kaì en taîs állais pólesin árkhontén te kaì dêmon, ésti dè kaì en taúte) (Platão, República, 463a1-2). Como Gláucon concorda, prossegue Sócrates: «E todos se de- nominam uns aos outros cidadãos?» (polítas mèn dè pántes hoútoi allélous prosepoûsi;) (Platão, República, 463a4). Frente a novo assentimento, prossegue: «Mas além do nome de cidadãos, que é que o povo das outras cidades chama aos seus governantes?» (Allà pròs tô(i) polítas tí ho en taîs állais dêmos toùs árkhontas prosagoreúei;) (Platão, República, 463a6-7). Como Gláucon responde que são chamados ou de déspotas ou de governantes, segundo se trate da maior parte das cidades ou de democracias, respectivamente,46 Sócrates acrescenta: «E que lhes chamará o povo na nossa cidade? Além de cidadãos, que dirão que são os governantes?» (tí d’ ho en tê(i) hemetéra(i) dêmos; pròs tô(i) polítas tí toùs árkhontás phesin eînai;) (Platão, República, 463a10-11). Diante da resposta de Gláucon, segundo a qual são chamados salvadores e protetores (sotêrás te kaì epikoúrous),47 Sócrates lhe pergunta como estes chamarão o povo e obtém como resposta que serão chamados distribuidores de salários e alimentação (mistho- dótas te kaì trophéas).48 É o próprio Gláucon quem admite em seguida que nas outras ci- dades os governantes chamarão o povo escravos (doúlous), e os go- vernantes, uns aos outros co-governantes (synárkhontas), enquan- to na pólis no lógos se chamarão co-guardiões (symphýlakas).49 Admite também que haja nas outras cidades governantes que tratam seus colegas de governo a uns como amigos e a outros

46 Cf. Platão, República, 463a. 47 Cf. Platão, República, 463b. 48 Cf. Platão, República, 463b. 49 Cf. Platão, República, 463b.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 A comunidade de bens, mulheres e filhos 131 como estranhos.50 Sobre esses, pergunta Sócrates: «Por conse- guinte, pensam e dizem que o que é dos amigos é como se fosse deles, o que é dos estranhos lhes é alheio?» (Oukoûn tòn mèn oike- îon hos heautoû nomízei te kaì légei, tòn d’allótrion hos oukh heau- toû;) (Platão, República, 463b14-c1). Diante do assentimento de Gláucon, pergunta: «E agora os guardiões da tua cidade? É possível que haja algum que pense ou diga que algum dos seus colegas lhe é estranho?» (Platão, Repúbli- ca, 463c3-4). Esses passos, e principalmente este último, podem levar o intér- prete a estender tudo o que se vinha dizendo aos guardiões, porém, mais uma vez, Sócrates provoca Gláucon chamando a cidade de «tua cidade», o que pode também anunciar uma nova mudança de foco que cabe ao leitor perceber, já que Gláucon não percebe a ironia. Não resta dúvida, como já se disse, de que é de sumo interesse para Sócrates tratar do que pode gerar dissensão entre os gover- nantes, e também não resta dúvida que eles são o tempo todo o foco para Gláucon. Porém, isso não quer dizer que a qualquer nova menção a guardiões possa-se voltar atrás e interpretar tudo o que ficou dito como se se referisse apenas a eles, simplesmente porque o texto ficaria incoerente numa medida inaceitável. Platão exige nesses passos uma postura maximamente ativa do leitor, como Sócrates exige de Gláucon, e se este leitor não puder enxer- gar a coerência da obra como um todo pode facilmente se perder e a considerar confusa. Ademais não foi por acaso que Sócrates deixou claro o que en- tende por «polítai». Preocupou-se em explicitar que é o conjun- to não só de governados e governantes, mas de povo (dêmos) e governantes. Isso exclui a possibilidade da interpretação forçada de que «polítai» nesses passos signifique a comunidade formada por guardiões auxiliares (governados) e árkhontes (governantes). A menos que, como percebeu Aristóteles,51 se esteja falando de duas cidades, o que o texto certamente exclui, já que ela é una e sua unidade deva ser preservada a todo custo. O que a miopia de Gláucon não o deixa ver é que os princípios de que falam foram estendidos à cidade toda e, embora Sócrates não o corrija explicitamente, o faz o tempo todo de modo implícito.

50 Cf. Platão, República, 463b. 51 Cf. Aristóteles, Política, 1264b.

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Sócrates prossegue em seu exame e na sua tentativa de fazer Gláucon enxergar:

Dizes muito bem, mas explica-me mais isto: legislarás para eles apenas quanto aos nomes de parentesco, ou para eles procederem em todos os seus atos de acordo com esses nomes: relativamente aos pais, para executarem tudo quanto é de lei em matéria de res- peito, de solicitude e de submissão aos progenitores. Ou então não ficará mais bem colocado à face dos deuses nem dos homens, pois entenderão que cometeu ações ímpias e injustas, se proceder de outro modo que não seja este? São estes ou outros os dizeres que todos os cidadãos [apánton tôn politôn] farão soar desde cedo aos ouvidos das crianças, quer sobre os pais, que lhes hão de apontar, quer sobre os demais parentes? (Platão, República, 463c8-d8).

Como querer que a expressão «apánton tôn politôn» diga respei- to unicamente aos guardiões se Sócrates acaba de definir explici- tamente «polîtai» como a comunidade de governantes e povo? O que a passagem parece indicar é que todos os cidadãos de- vem ser educados para se comportar dignamente em relação aos pais, que eles considerarão serem muitos. Sócrates, portanto, vol- ta a trazer o foco para o conjunto dos habitantes da cidade e é Gláucon quem não percebe. Sócrates continua o que parece agora já ser uma brincadeira com a mudança de foco dos guardiões (phýlakes) para auxiliares (epíkouroi) e para cidadãos (polîtai). Porém, mais uma vez fica cla- ro o que pretende ele em relação a todos os cidadãos:

Por conseguinte, nesta cidade mais do que em qualquer outra, to- dos em uníssono dirão [symphonésousin], quando acontecer algo de bom ou mau a um qualquer dentre eles, aquelas palavras que há momentos referimos, que «as minhas coisas vão bem» ou que «as minhas coisas vão mal» (Platão, República, 463e3-5).

Como Gláucon assente, Sócrates continua: «Ora nós não disse- mos que, devido a esta convicção e modo de expressão, prazeres e penas se passariam em comum?» (Platão, República, 464a1-2). Mais uma vez, com a concordância de Gláucon, prossegue:

Então os nossos cidadãos [polîtai] terão sobretudo em comum aquilo a que aplicam o nome de «meu». E, tendo isso em comum,

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partilharão acima de tudo de penas e prazeres (Platão, República, 464a4-6).

Ora, esse uníssono (symphonésousin) de todos na cidade (pa- sôn ára póleon) e que significa que os cidadãos (polîtai) terão tudo em comum não pode referir-se exclusivamente aos guardiões e, portanto, indica uma mudança de foco da parte de Sócrates, à qual se seguirá ainda outra alteração de foco que volta a visar aos guardiões: «Ora pois, a causa disto, além das demais instituições, será a comunidade, que os guardiões têm de mulheres e filhos?» (Platão, República, 464a8-9). Como Gláucon concorda, Sócrates acrescenta:

Mas, na verdade, nós assentamos em que era esse o maior bem para a cidade, comparando uma cidade bem administrada com o corpo e seu comportamento relativamente a uma das suas partes, no que toca ao prazer e à dor (Platão, República, 464b).

Com o assentimento de Gláucon, Sócrates conclui: «Por con- seguinte, a causa do maior bem da cidade afigura-se-nos ser a comunidade, entre os auxiliares, de filhos e mulheres.»P ( latão, República, 464b5-6). É interessante que Sócrates tenha atribuído à comunidade pri- meiro aos cidadãos, depois aos guardiões e depois aos auxiliares, como que jogando com a miopia de Gláucon quanto a essas tran- sições explícitas ou implícitas. Em seguida, Sócrates trata dos efeitos de tal ordenação e volta a referir-se explicitamente aos guardiões, mas mantém o tempo todo diante de Gláucon efeitos que só se explicariam pela extensão da comunidade. Os argumentos aqui aduzidos mostram que é preciso consi- derar que a comunidade de bens, mulheres e filhos se estende a todas as classes da cidade proposta na República. Admitir a hipó- tese contrária tornaria muitas passagens da obra inconsistentes além de comprometer gravemente o sentido geral da mesma. Além das passagens exploradas, não se poderia explicar, por exemplo, como seria possível que os filhos dos artesãos nascidos com «ouro» em sua natureza pudessem ser elevados à classe dos guardiões.52

52 Cf. Platão, República, 415a-c.

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Haveria ainda outros argumentos a aduzir, mas isso não poderá ser feito aqui por questão de espaço. Talvez não seja fácil aceitar que Sócrates esteja intencional- mente fazendo essas transições entre cidadãos e guardiões para provocar Gláucon. Porém, elas também têm de ser compreendidas como provocações de Platão ao leitor que ele exige que seja intér- prete, que tenha em vista o todo, e, por que não dizer, que siga suas próprias prescrições metodológicas.53 Não se pode negar que o texto indica as transições mencio- nadas e que elas clamam por uma explicação. Seria confortável afirmar que elas são sinal da falta de mestria de Platão como es- critor. Porém, o próprio grau em que essa suposta falta de mestria estaria a contaminar a obra deveria levar o leitor a considerar uma tese alternativa, como a que foi aqui proposta. Uma última questão que não seria supérfluo considerar é o próprio caráter da cidade da República, cujo único compromisso é ser a melhor possível. A cidade construída no lógos é a cidade na qual se podem promover as melhores disposições possíveis so- bre a questão da comunidade, sem qualquer amarra para o lógos. Assim, esta é a ocasião mais indicada para que se possa estender uma comunidade de bens, mulheres e filhos a todos os cidadãos. Sobre o fato de Platão considerar essa extensão o que de melhor se pode fazer na constituição de uma cidade, não seria supérfluo citar um passo das Leis no qual isso fica claro. Sobre essa questão, propõe o Ateniense:

O deslocamento a seguir, na disposição das leis, tal como no jogo de gamão, quando a pedra transpõe a linha sagrada, talvez por sua própria raridade cause no começo uma certa surpresa nos ouvin- tes; porém com um pouco de reflexão e as lições da prática, con- vencer-se-ão de que em matéria de leis nossa cidade é a segunda em excelência. É bem provável que aceitem a ideia com relutância, por não estarem habituados com um legislador não tirano. O mais certo será descrever a melhor forma de governo, depois a segunda e a terceira, deixando a escolha a critério do responsável de cada colônia. Procedamos, então, agora, de acordo com esse esquema e apresentemos, primeiro, a constituição mais perfeita, e a segunda e a terceira, confiando, desta vez, a Clínias a decisão, e no futuro a quem aceitar igual incumbência e se disponha, de acordo com seu

53 Cf. Platão, República, 462a; 462e-463e.

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temperamento, a conservar o que mais lhe agradar nas leis de sua pátria (Platão, Leis, 739a1-b7).

E continua:

Em primeiro, temos a cidade, a forma de governo e as leis ideais, confirmantes, com satisfatória aproximação, do antigo provérbio que nos mostra como tudo entre amigos é comum. Se tais condi- ções se observam presentemente em qualquer parte, ou se algum dia chegarão a concretizar-se —serem comuns as mulheres, co- muns os filhos, comuns todos os bens— no caso de ficar banida o que se chama propriedade particular, e se se conseguir, na medida do possível, tornar comum, de um jeito ou de outro, até mesmo o que por natureza é nosso, como os olhos, os ouvidos e as mãos, de forma que todos pareçam ver, ouvir ou trabalhar em comum, e que todos, a uma voz, dentro das possibilidades humanas, elogiem ou censurem as mesmas coisas, por se alegrarem ou entristece- rem com elas, e havendo, em suma, conseguido as leis amoldar a cidade na mais perfeita unidade que se possa conceber: ninguém jamais adotará critério melhor e mais acertado do que esse, para atingir o mais alto grau da virtude. Numa cidade assim constitu- ída, quer seja povoada por deuses, quer por filhos de deuses em grande número, seus habitantes viverão na maior alegria. Essa, a razão de não precisarmos procurar noutra parte a constituição mo- delo; bastará agarrarmo-nos a esta mesmo e procurar, por todos os meios, pôr em prática a que mais se lhe assemelhe. A que tentamos criar nesse momento é a que, depois de pronta, alcançará de mais perto a imortalidade e em valor merecerá o segundo lugar. A tercei- ra, querendo Deus, concluiremos a seguir. Quanto a esta, de que tratamos agora, quais são as suas características e como chegou a constituir-se (Platão, Leis, 739b8-e7).

É óbvio que não se pode aduzir uma passagem das Leis como argumento definitivo para uma proposta de interpretação da Re- pública como a que se propõe aqui, visto que, por ser um diálogo posterior, poderia veicular uma mudança de opinião de Platão. Porém, deve-se levar em consideração a referência nessa passa- gem a uma constituição e a leis as mais excelentes,54 assim como todas as ressonâncias que indicam uma referência à cidade pro- posta na República.

54 Cf. Platão, Leis, 739b8-c1.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 136 Guilherme Domingues da Motta

Ademais, tanto sob esse aspecto da comunidade de bens, como sob o aspecto da comunidade da educação e seu papel, as Leis estabelecem, no mínimo, que essas não eram considerações tão absurdas para o «aristocrático» Platão,55 como querem alguns co- mentadores de sua obra.56 Estes deveriam, ao menos em nota, lembrar a conversão do autor, ainda que tardia, nas Leis, a uma posição mais generosa em relação à maioria dos homens de uma cidade, considerando-se, claro, suas premissas sobre o que são a virtude e a felicidade. A tese que aqui se propôs, nomeadamente, a da extensão da co- munidade de mulheres, filhos e bens a todos os cidadãos da cida- de da República precisaria ser complementada por uma defesa de que a educação pela mousiké e gymnastiké também se estenda a todos os cidadãos, como nas Leis, e isso não poderá ser feito aqui. Porém, se se aceita a extensão da comunidade de bens, mulhe- res e filhos seria muito mais fácil aceitar a extensão da educação primária, pois ela se imporia como necessária, já que as crianças da cidade seriam todas criadas juntas pelos guardiões, ou sob sua supervisão, o que, é preciso ressaltar, não impediria que esses vivessem relativamente apartados dos outros cidadãos como exige o texto. A comunidade de educação é mais aceita entre os estudiosos e perfeitamente conciliável com qualquer passagem da República que pareça sugerir o contrário. O critério seria o mesmo que se defendeu quanto à extensão da comunidade. Se a educação não for estendida, uma série de passagens nas quais se descrevem instituições, características dos cidadãos e suas virtudes trariam ainda mais inconsistências à República.57 Ora, ou a República é uma obra unitária e consistente ou então inconsistente a um pon- to absurdo. Estabelecida a extensão da educação e da comunidade de bens, mulheres e filhos a toda cidade, seria então preciso reavaliar o sig- nificado da utopia contida na República e reconhecer que é ainda

55 Sobre a educação se destinar a todos os cidadãos, nas Leis, ver Platão, Leis, 665c, 770d, 804a. 56 Sobre uma leitura da República marcada pela pressuposição de que Platão escreve uma obra na qual sua visão de mundo aristocrática dá a tônica, ver Popper (1987). Ver também, Vernant (1990). 57 Sobre esse ponto, ver MOTTA (2010, 2014)

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 A comunidade de bens, mulheres e filhos 137 mais «utópica» do que se costuma admitir. Não é necessário in- sistir no quanto isso pode impactar na compreensão da proposta política contida na obra e no quanto tornará necessária uma nova interpretação da filosofia política platônica, que pela preocupação com a virtude e consequente felicidade de todos os cidadãos resul- taria inigualável em generosidade.

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Motta, Guilherme Domingues da, «A comunidade de bens, mu- lheres e filhos: uma leitura sobre a natureza e o alcance da utopia na República, de Platão», SPhV 16 (2014), pp. 113-140.

RESUMO

A extensão da comunidade de bens, mulheres e filhos na ci- dade criada no lógos por Sócrates na República de Platão é uma questão decisiva para que se determine a natureza e o alcance da utopia apresentada na obra. Embora a interpretação quase una- nimemente aceita considere que essa comunidade se estenda só aos guardiões, uma leitura atenta do texto mostra que ela recai em graves incoerências. A República é uma obra que exige interpreta- ção e o método mais adequado para abordar a questão em tela exi- ge, por um lado, que se considere que o que se diz posteriormente na obra pode esclarecer e alterar o que se disse anteriormente e, por outro lado, que se considere que certas instituições que se afirma existirem na cidade exigem, como condição de possibilida- de, a extensão da comunidade de bens, mulheres e filhos.

Palavras-chave: Platão; República; utopia; comunidade.

ABSTRACT

The extent of the community of goods, women and children in the city designed by Socrates in lógos in Plato’s Republic is a key issue in order to determine the nature and scope of the utopia presented in this work. Although the accepted reading of the work implies that this community should extend to the guardians alo-

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 113-140 140 Guilherme Domingues da Motta ne, what a meticulous reading of the text shows is that this view entails serious inconsistencies. The Republic is a work that de- mands an interpretation and the correct method to approach this question is to acknowledge, on the one hand, that what is said la- ter in the work can alter and clarify what was said previously, and, on the other hand, to acknowledge that the very existence of some institutions requires, as a condition of possibility, the extension of the community to all classes.

Keywords: Plato; Republic; utopia; community.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 113-140 Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 ISSN: 1135-9560

L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre The Aristotelian Utopia of Alasdair MacIntyre

Giovanni Giorgini Università di Bologna [email protected]

Data de recepció: 08/08/14 Data d’acceptació: 03/11/14

Un inizio aristotelico Nelle battute iniziali del libro 2 della Politica Aristotele afferma con determinazione di aver intrapreso l’indagine su quale sia il miglior regime politico non per il desiderio di cercare a tutti i costi, attraverso cavillosi ragionamenti, una forma di governo diversa da quelle elaborate o attuate nel passato bensì «perché quelle esi- stenti non vanno bene» (Aristotele, Politica II 1, 1260b 27). Questa affermazione di intenti, che segnala che il lavoro che il lettore si trova di fronte non mira a una semplice conoscenza astratta bensì ambisce a fornire un modello normativo passibile di essere attua- to nella pratica,1 potrebbe essere sottoscritta dal filosofo scozzese Alasdair MacIntyre, il quale, fin dai suoi lavori giovanili improntati al marxismo, ha sempre guardato con insofferenza ai filosofi che si limitano a descrivere il mondo senza tentare di cambiarlo.2 L’ac- centuazione di questo aspetto, la realizzabilità del miglior regime

1 Perché «bisogna sì fondare ipotesi a piacere, ma nessuna impossibile» —è la notoria critica aristotelica a Platone: Politica II 6, 1265a 19. Si veda anche Politica IV 1, 1288b38-39, dove Aristotele descrive la politica come l’arte del possibile, so- stenendo che non bisogna studiare solo la costituzione migliore ma anche quella effettivamente realizzabile. Cfr. infinePolitica VII 4, 1325b 39-40. 2 Per un inquadramento di questo eccentrico quanto profondo e originale filoso- fo mi permetto di rimandare a G. Giorgini, Liberalismi eretici, Trieste, Edizioni Go- liardiche, 1999, cap. 3. Si veda anche l’introduzione di Kelvin Knight in K. Knight (ed), The MacIntyre Reader, Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1998, pp. 1-27 e J. Horton-S. Mendus (eds), After MacIntyre, Cambridge, Polity Press, 1994. 142 Giovanni Giorgini individuato con la ragione e descritto con le parole, è di fondamen- tale importanza per distinguere questo tipo di impresa —la ricerca del miglior regime- dall’utopia politica, ossia dalla delineazione di una perfetta città immaginaria: il primo tipo di indagine è presente a partire quanto meno da Platone (se non addirittura da Erodoto), mentre il secondo genere letterario si sviluppa a partire dall’epoca ellenistica, facendo spesso ricorso a materiale mitico unitamente all’esperienza di fondazione di colonie, per erigere il proprio pro- getto razionale di città felice. Come ha ben osservato Lucio Bertel- li, il «presupposto essenziale al sorgere del progetto di una società ideale è la possibilità di pensare la realtà politica in termini di co- struzione razionale», cosa che richiede la rottura con l’immagine di un universo regolato da leggi divine.3 Tale aspetto di razionalità e artificialità è fortemente presente nel riordinamento costituzionale di Clistene (508/7 a.C.), che ebbe la singolare ventura di essere effettivamente realizzato.4 Quanto ad Aristotele, egli notoriamen- te apre la propria trattazione del miglior regime nel libro 7 della Politica con l’asserzione che «chi vuol fare una ricerca conveniente sulla costituzione migliore deve precisare dapprima qual è il modo di vita più desiderabile» (Politica VII 1, 1323a 13-14). Riprendendo l’analisi condotta nell’Etica Nicomachea, egli afferma che la vita migliore, sia per gli individui sia per le città, è quella vissuta con la virtù e provvista di mezzi adatti a compiere azioni virtuose;5 questa può consistere o in un genere di vita politica e attiva o in una vita contemplativa. La ricerca aristotelica del miglior regime è fondata su di una precedente analisi di quale sia il miglior ge- nere di vita per gli esseri umani, analisi basata sulla convinzione che esista un ergon e quindi un telos proprio dell’uomo e dunque un genere di vita felice a lui appropriata.6 La comunità politica serve pertanto a creare le precondizioni per la felicità umana, a partire dall’opera di educazione alla virtù, se non vogliamo che la città sia «tale solo a parole» (logou charin).7 Ricercare quale sia la

3 L. Bertelli, L’utopia greca in L. Firpo (ed), Storia delle idee politiche economiche sociali, Torino, Utet, 1982, pp. 463-581; cfr. in part. pp. 486-8. 4 Si veda il classico P. Lévèque-P. Vidal-Naquet, Clisthène l’Athenien, Paris, Les Belles Lettres, 1964. 5 Aristotele, Politica VII 1, 1323b 40-2; cfr. Etica Nicomachea I 9, 1099b 25. 6 Aristotele, Etica Nicomachea II, 6. 7 Aristotele, Politica III 9, 1280b 9. Sempre belle e illuminanti le osservazioni che si trovano in J. Ritter, Metafisica e politica, Casale Monferrato, Marietti, 1983.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 143 costituzione migliore significa pertanto ricercare quell’ordinamen- to «sotto il quale ognuno può stare nel modo migliore e vivere in modo beato», ossia può essere governato nel modo migliore.8 La frase stessa con cui inizia la Politica ricorda al lettore che «ogni polis è una comunità e ogni comunità si costituisce in vista di un bene»:9 per il lettore moderno, in particolare se cittadino di una società liberal-democratica, non è inopportuno ricordare che gli esseri umani non sono monadi senza porte e senza finestre bensì esseri dipendenti che vivono in comunità e che lo Stato dovrebbe non soltanto consentire loro di perseguire i propri interessi egoi- stici ma anche educarli verso una chiara nozione di bene comune. Altrimenti, senza amicizia tra i cittadini e senza un fine comune, esso appare più un’alleanza stretta per evitare aggressioni e in vista di scambi —per riprendere la nota metafora aristotelica.10 Questa attenzione per la realtà, sia dell’essere umano sia della politica, in spiccato contrasto con il maestro Platone (che non a caso viene evocato, criticamente, fin dalle battute iniziali della Politica) costituisce uno dei tratti originali della ricerca aristo- telica del miglior regime. Platone, certo, aveva aperto la strada, impostando correttamente il problema e fornendo una soluzio- ne ingegnosa (anzi più di una): egli aveva innanzitutto delineato un’immagine dell’essere umano (l’anima tripartita della Repub- blica) e aveva quindi su di essa costruito una visione della «città bella», seguendo con audacia impareggiabile il proprio ragiona- mento (logos) fino alle ultime conseguenze, senza timore del ri- dicolo a cui si sarebbe esposto. Per Aristotele, tuttavia, l’auda- cia teorica platonica andava contro l’evidenza dei fatti: la realtà stessa si sarebbe incaricata di dimostrare che egli aveva torto nei suoi ragionamenti. Egli optò pertanto per un approccio che gli consentisse di sozein ta phainomena, ossia di salvare quel mon- do di ‘apparenze’ comune a tutti, senza rinunciare a migliorarlo; partendo proprio dalle opinioni più diffuse (se tante persone pen- sano una cosa, ci sarà qualcosa di vero in essa che vale la pena esplorare) e da quelle delle persone più eminenti (gli endoxa). Proprio per questa attenzione alla realtà, che fa da contraltare al desiderio di sistematizzazione teorica, Aristotele esamina la

8 Aristotele, Politica VII 2, 1324a 23-25; cfr. VII 13, 1332a 5-6. 9 Aristotele, Politica I 1, 1252a 1. 10 Aristotele, Politica III 9, 1280b 30-42.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 144 Giovanni Giorgini questione del miglior regime a più riprese e da diverse prospet- tive, con il risultato che la soluzione finale appare tutt’altro che perspicua. Infatti, se la sua celebre classificazione delle forme di governo in base a un principio quantitativo (quanti sono quelli che governano?) e qualitativo (come governano?) e la conseguen- te elaborazione di uno schema di sei costituzioni —tre «rette» e tre «deviazioni»— apparentemente fa del regno il regime migliore (a condizione che troviamo una persona così superiore alle al- tre per virtù da sembrare un dio fra gli uomini);11 d’altra parte l’aristocrazia —il «governo dei migliori»— e una forma mista di governo (politeia) nella quale la classe media sia preponderante appaiono alla luce dell’esperienza e di altre considerazioni alter- native egualmente valide.12 Pur nella diversità degli esiti, ciò che unifica queste analisi aristoteliche è la convinzione che ricercare la miglior forma di governo nel campo di ciò che è possibile, ossia aperto all’azione degli esseri umani, sia di fondamentale impor- tanza e costituisca la precondizione per creare cittadini virtuosi e buoni esseri umani;13 nonché renderli felici. È a questa visione aristotelica dell’intreccio tra etica e politica, tra individuo e comunità, nella quale la ricerca della vita buona conduce alla ricerca del miglior regime che di quella vita buona è la precondizione e il garante, che ritorna Alasdair MacIntyre dopo un travagliato itinerario filosofico personale. In molti scritti e in diverse interviste a partire dagli anni Ottanta del secolo scorso MacIntyre ha sostenuto l’esistenza di una ‘svolta’ nel proprio pen- siero, una sorta di Ueberwindung che lo ha portato a scartare la maggior parte delle posizioni, teoriche e pratiche, che egli aveva abbracciato in precedenza.14 Già nella Prefazione a quello che ri-

11 Aristotele, Politica II 13, 1284a4-11. Cfr. II 13, 1284b25-34; III 17, 1288a15- 30; VII 3, 1325b10. 12 Aristotele, Politica IV 11, 1295b35-38. 13 Perché solo nella miglior forma di governo il cittadino virtuoso e il buon esse- re umano coincidono: Aristotele, Politica III 18, 1288a 38-40; cfr. III 1, 1275b 5-6, e III 4, 1276b 30-2 dove si dice che il cittadino è differente in rapporto a ciascuna costituzione. 14 Si veda, per esempio, A. MacIntyre, The Claims of «After Virtue» in «Analyse und Kritik» 6 (1984) pp. 3-7 e l’intervista rilasciata alla rivista «Cogito» nel numero 5 (1991), ristampata in K. Knight (ed), The MacIntyre Reader, cit., pp. 267-275. Nell’intervista con Giovanna Borradori in Conversazioni americane, Roma-Bari, La- terza, 1992, MacIntyre descrive il proprio pensiero prima della svolta come «una collezione di frammenti raffazzonati goffamente».

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 145 mane il suo capolavoro filosofico —After Virtue. A Study in Moral Theory (1981)— che ha avuto un’enorme influenza sulla teoria morale e politica successiva, MacIntyre affermava esplicitamente che l’opera prendeva le mosse dalla sua insoddisfazione per il proprio lavoro precedente, bollato come «filosofia da poltrona in stile oxoniense» per il suo carattere analitico, corrosivo e non-pro- positivo.15 A partire da quest’opera MacIntyre —che era noto a tutti gli studenti di filosofia morale per la sua incisiva A Short History of Ethics (1966) e agli specialisti per i suoi originali con- tributi su temi classici della filosofia analitica britannica (come la distinzione tra is e ought in Hume) e i suoi brillanti contrasti teori- ci con pensatori del calibro di e Peter Winch— è stato impegnato a formulare una teoria morale non relativistica di stampo aristotelico accompagnata da una proposta politica tanto coerente quanto eccentrica —un progetto che un critico non pro- prio benevolo ha scherzosamente descritto come «an interminably long history of ethics».16 Tuttavia, se è vero che After Virtue segna uno spartiacque te- orico nel pensiero di MacIntyre, perché da quel momento egli è convinto di aver trovato in Aristotele e nella visione aristotelica dell’uomo e del suo rapporto con la comunità politica la soluzione al problema della possibilità di vivere una vita buona nella società moderna che era andato cercando a tentoni per decenni, è altret- tanto vero che After Virtue riprende quelle critiche e quell’insoddi- sfazione di fondo verso la società liberale e capitalistica che Ma- cIntyre aveva manifestato fin dalle sue primissime opere, scritte quando era poco più che ventenne. Il ritorno ad Aristotele consen- te a MacIntyre di trovare una visione dell’essere umano concepito non più come individuo ma come appartenente per natura a una comunità, dalla quale deriva una lingua madre, valori condivisi, ideali di giustizia, schemi di razionalità. Ma se la soluzione ari- stotelica prospettata da MacIntyre appare estremamente utopica, questo è perché la sua visione di Aristotele è assai ‘idealizzata’: egli vede in Aristotele il pensatore che sostiene l’esistenza di un telos unico per l’uomo, che teorizza la comunità come portatrice di va- lori unitari e che educa il cittadino; egli trascura tutti gli elementi

15 A. MacIntyre, After Virtue, London, Duckworth, 1981 (trad. it. Dopo la virtù, Roma, Armando, 2007). 16 Si veda l’intervista a «Cogito» ristampata in Knight, cit., p. 269.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 146 Giovanni Giorgini chiaramente idealizzati nella visione aristotelica della polis,17 la sua caratteristica commistione di essere e dover-essere nell’espo- sizione.18 Elementi che noi cercheremo di evidenziare nelle prossi- me pagine mentre esponiamo il progetto di MacIntyre. Osserviamo intanto come questa improvvisa svolta aristotelica nel pensiero di MacIntyre si configuri come una vera e propria «crisi episte- mologica», un fenomeno da lui stesso identificato e descritto: la crisi epistemologica consiste in un momento definitorio decisivo, nel quale il paradigma di comprensione usato dal soggetto appare inutilizzabile e costringe a elaborare una nuova narrazione della propria vita che dia senso a ciò che il soggetto osserva, alle pro- prie opinioni e convincimenti, che ricostituisca le nozioni di verità, intelligibilità e razionalità;19 il momento nel quale lo schema di interpretazione della realtà fino allora usato appare inutilizzabile, rendendo necessario il ricorso a un nuovo, diverso paradigma.

Il dramma della modernità: la «compartimentalizzazione» Una delle tesi che MacIntyre ha sostenuto con più coerenza e determinazione in tutti i propri scritti è la presenza di una dram- matica suddivisione in ‘compartimenti’ dell’esistenza umana nel- le società moderne, per cui ciascun segmento della nostra vita ha norme e modelli di comportamento propri. Il lavoro è separato dal tempo libero, la vita privata da quella pubblica, ciò che ri- guarda il lavoro da ciò che è personale;20 l’infanzia e la vecchiaia sono staccate dal resto della vita con la conseguenza che si perde così di vista l’unità narrativa di ciascuna vita umana.21 È evi- dente come in uno scenario frammentato del genere le norme e i

17 Sulla visione della polis di MacIntyre si veda C. Seal, MacIntyre and the Polis in «Analyse und Kritik» 30 (2008) pp. 5-16. 18 Il suo «andare su e giù tra l’essenza e l’esistente», come lo ha appropria- tamente definito D. Sternberger, Drei Wurzeln der Politik in Schriften, Frankfurt, Insel, vol. 2, 1978, p. 32. Sull’alto grado di dover-essere e di ideologia presente nell’esposizione aristotelica della polis si veda AA.VV., L’ideologia della città, Napo- li, Liguori, 1979. 19 A. MacIntyre, Epistemological Crises, Dramatic Narrative and the Philosophy of Science in «The Monist» 60 (1977) p. 455. L’idea del mutamento di paradigma è ripresa dal classico T. Kuhn, La struttura delle rivoluzioni scientifiche (1965), Torino Einaudi, 1999. 20 A. MacIntyre, Social Structures and Their Threats to Moral Agency in Ethics and Politics: Collected Essays, Cambridge, Cambridge University Press, 2002, p. 196. 21 A. MacIntyre, After Virtue, cit., p. 204.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 147 valori della vita domestica appaiano diversi, e spesso in contrad- dizione, rispetto a quelli del luogo di lavoro in un’azienda priva- ta e ancora differenti e contraddittori rispetto a quelli dell’arena politica e delle burocrazie governative. All’interno di ciascuno di questi compartimenti esistono criteri di giudizio e procedure per giungere a decisioni che sono isolate e in contrasto con quelli di altri compartimenti. MacIntyre ritiene pertanto di poter avanzare una «cruciale generalizzazione»:

la cultura dominante della modernità post-illuministica manca di un qualunque accordo, per non parlare di qualunque accordo razionalmente fondato o anche solo razionalmente discutibile, ri- guardo a che cosa renderebbe razionale per un individuo sacrifica- re la propria vita per un altro o per gli altri, o che cosa renderebbe razionale consentire che la vita di un individuo venga sacrificata per il bene di un altro individuo o di un gruppo o istituzione;

ne deriva che in «una situazione sociale di questo tipo la ragio- ne non ha alcuna maniera efficace di contrastare le circostanze fortuite come il potere e il denaro».22 Privi di una visione del bene comune e di un’identità significativa, i cittadini hanno l’impres- sione che morire per lo Stato liberale moderno equivalga a morire per la propria compagnia telefonica!23 Questa compartimentaliz- zazione produce un Io diviso, privo di quelle virtù di integrità e costanza che ci consentono di essere veri agenti morali, perché la nostra accettazione di standard è solo temporanea e legata ai contesti. Ciò che si persegue, così, è l’eccellenza nell’eseguire la propria funzione invece che eccellenza come esseri umani. L’Io vie- ne liquidato e sostituito da una serie di ruoli che giochiamo nelle diverse aree della nostra vita, sulla scia della celebre analisi del sociologo Erving Goffman.24 Occorre invece ricostituire l’unità di una narrazione incarnata in una singola vita, secondo MacIntyre. L’Io, d’altra parte, è in misura cospicua responsabile delle proprie divisioni perché esso non si dissolve mai completamente nei ruoli che ricopre e rifiuta di mettere in questione le richieste incompati-

22 A. MacIntyre, Some Enlightenment Projects Reconsidered in Ethics and Poli- tics, cit., pp. 184-5. 23 A. MacIntyre, After Virtue, cit., p. 243; cfr. Ethics and Politics, cit., p. 163. 24 Si veda E. Goffman, La vita quotidiana come rappresentazione (1959), Bolo- gna, Il Mulino, 1986.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 148 Giovanni Giorgini bili dei differenti ruoli e delle differenti sfere. L’Io diviso è complice con altri nel determinare la propria divisione, ne è il co-autore. Ciò che è necessario, pertanto, è andare all’origine storica del pro- blema, decostruire il concetto moderno di ‘individuo’ e mostra- re come esso costituisca soltanto una delle possibili concezioni dell’Io umano.25 MacIntyre è infatti convinto che l’»individuo sia il nome di un costrutto sociale, di un ruolo sociale creato nel XVI e XVII secolo per astrarre gli esseri umani da certi aspetti delle loro credenze e delle loro situazioni».26 Per attuare questo progetto di decostruzione occorre riportare la filosofia al suo ruolo originario, che è quello di essere una visione critica dell’esistente alla ricerca della verità, contestualizzando e superando così il ruolo attribuito- le nella società contemporanea. La filosofia stessa è infatti vittima della compartimentalizzazione tipica della cultura contempora- nea, la quale mira a neutralizzare i suoi effetti corrosivi: «Nella no- stra cultura —commenta MacIntyre— ‘filosofia’ è divenuto il nome di una disciplina accademica specialistica e professionalizzata e il ruolo del filosofo professionale è socialmente definito e circoscrit- to»; rinchiudere la filosofia in un curriculum accademico smorza i suoi effetti critici in maniera più efficace persino della censura religiosa o del terrore politico.27 A questa visione moderna dell’Io diviso si può opporre l’esisten- za di due virtù senza le quali non si possono possedere le altre virtù; queste sono l’integrità e la costanza. L’integrità consiste nel rifiutarsi, ossia nell’aver educato se stessi a non essere più capaci, di essere una persona in un contesto sociale e un’altra comple- tamente differente in altri contesti. Significa aver posto dei limiti invalicabili alla propria adattabilità ai ruoli che possiamo accet- tare di interpretare.28 Anche la costanza, proprio come l’integrità, pone dei limiti alla flessibilità del carattere e richiede che coloro che la posseggono perseguano i medesimi beni per lunghi periodi

25 Su questo aspetto si veda G. Graham, MacIntyre on History and Philosophy in M.C. Murphy (ed), Alasdair MacIntyre, Cambridge, Cambridge University Press, 2003, pp. 10-37. 26 A. MacIntyre, Practical Rationalities as Forms of Social Structure in «Irish Phil- osophical Journal» 4 (1987), p. 13. 27 A. MacIntyre, Edith Stein. A Philosophical Prologue, Lanham, Rowman & Lit- tlefield, 2006, pp. 2-4. 28 A. MacIntyre, Social Structures and Their Threats to Moral Agency, cit., pp. 192-3.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 149 di tempo, senza essere distratti da contesti sociali mutevoli. Noi ci troviamo in questo modo ad abitare contemporaneamente due sistemi morali: quello dell’ordine sociale stabilito, con i suoi ruoli e responsabilità, e quello specifico del milieu in cui ci troviamo a vi- vere. Essere un agente morale significa pertanto avere la potenzia- lità di vivere e agire in uno stato di tensione, e a volte di conflitto, tra due punti di vista morali. Per essere agenti morali dobbiamo considerare noi stessi agenti morali, ossia dobbiamo considerare la nostra identità morale in qualche modo distinta e indipendente dai nostri ruoli sociali.29 In secondo luogo, dobbiamo essere in gra- do di giustificare la fiducia con cui esprimiamo giudizi sulla bontà o meno degli esseri umani e per fare questo dobbiamo essere parte di un tessuto sociale nel quale noi confrontiamo le nostre opinioni con altri ed esse sono sottoposte al giudizio critico altrui. La più importante e più significativa ‘compartimentalizzazio- ne’ prodotta dalla modernità, che MacIntyre aveva già individuato nelle sue prime opere teoriche, è però quella determinata dalla distinzione tra l’ambito del «sacro» e quello «secolare, laico». Già all’inizio degli anni Cinquanta MacIntyre sosteneva che il Cristia- nesimo borghese era stato ridotto a una questione di gusto per- sonale, a una liturgia che può essere praticata durante il fine set- timana; esso non criticava più concretamente l’ingiustizia sociale e pertanto aveva perso il contatto con l’esistenza quotidiana.30 In questo modo il Cristianesimo si era condannato da solo all’irrile- vanza, all’incapacità di critica incisiva della società e aveva segna- to il proprio destino: «dividere il sacro dal secolare significa ricono- scere l’azione di Dio soltanto all’interno di limiti strettissimi. Una

29 Ibid. p. 195. 30 A. MacIntyre, . An Interpretation, London, SCM Press, 1953, p. 18. Cfr. anche A. MacIntyre, The : A Road Not Taken in R. S. Co- hen-C. C. Gould (eds), Artifacts, Representations and Social Practice: Essays for Marx Wartofsky, Dordrecht, Kluwer, 1994. Su questa prima fase del pensiero di MacIntyre si veda P. Blackledge-N. Davidson (eds), Alasdair MacIntyre’s Engage- ment with Marxism, Leiden, Brill, 2008. Inoltre P. Blackledge, Freedom, Desire and Revolution: Alasdair MacIntyre’ s Early Marxist Ethics in «History of Political Thought» 26 (2005) pp. 696-720; vedi p. 700. Si noti come, quando ripubblica Mar- xism and Christianity (New York, Schocken Books, 1968), MacIntyre senta la ne- cessità di ammettere nella Prefazione che all’epoca in cui pubblicò il libro «aspirava a essere un Cristiano e un Marxista, per lo meno per quanto fosse compatibile con una devozione verso entrambi e con spirito di dubbio» e ora fosse invece scettico verso entrambi (p. vii).

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 150 Giovanni Giorgini religione che riconosca questa divisione, come la nostra, è una religione sul punto di scomparire».31 Così, in piena Guerra Fred- da, MacIntyre sosteneva che la visione meccanicistica della storia del marxismo ortodosso dovesse essere scartata, così come quel- la liberale che sanciva l’autonomia della morale dalle circostanze storiche, per ritornare alla concezione aristotelica dell’etica, che connette questa ai bisogni e ai desideri umani.32 Questo aspetto anti-moderno non è quindi caratteristico dell’ultima fase del pen- siero di MacIntyre ma è presente fin dalle origini. Le conseguenze della compartimentalizzazione del sacro, la sua relegazione nella sfera privata e allo status di scelta personale («ognuno è libero di scegliersi il proprio dio o demone» —come ricordava Max Weber), sono percepibili facilmente solo da chi cerca di attuare il proprio credo religioso nella vita quotidiana e realizza così i limiti della so- cietà liberale, che accetta solo preferenze religiose compatibili con la visione laica dello Stato. Questo è un punto fondamentale della critica di MacIntyre allo Stato moderno che merita di essere approfondito. A MacIntyre non sfugge, infatti, che la netta distinzione tra pubblico e privato ope- rata dal Liberalismo all’inizio dell’età moderna, e la conseguente relegazione della religione nell’ambito privato, è stato l’espediente con cui si è cercato di porre fine alle guerre civili di religione in Eu- ropa: nella classica formulazione di John Locke, al governo è stato affidato il compito di proteggere il mio corpo e la mia proprietà in questa vita, e alla chiesa di mia scelta quella di prendersi cura della mia anima e prepararla per la (vera) vita successiva.33 Tutta- via —obietta MacIntyre- lo Stato moderno che emerge dalle guerre di religione non è mai stato un arbitro neutrale tra i conflitti bensì un attore, in quanto sostenitore di una particolare immagine del bene umano, della libertà e della proprietà.34 Ne consegue che il dibattito contemporaneo avviene in un contesto liberale e sola-

31 A. MacIntyre, Marxism. An Interpretation, cit., p. 10. Sul cristianesimo di MacIntyre si veda il bel lavoro di E. Perreau-Saussine, Alasdair MacIntyre: Une biographie intellectuelle, Paris, PUF, 2005. 32 A. MacIntyre, Notes from the Moral Wilderness in «The New Reasoner» 7 (1958) pp. 90-100 e 8 (1959) pp. 89-98; ripubblicato in K. Knight (ed), The Mac- Intyre Reader, cit., p. 39. 33 Si veda J. Locke, Lettera sulla tolleranza, Roma-Bari, Laterza, 2008. 34 A. MacIntyre, Toleration and the Goods of Conflict in Ethics and Politics, cit., p. 210.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 151 mente tra persone che hanno introiettato alcuni dei principi base del Liberalismo, «liberali conservatori, liberali libertari e liberali radicali»; non vi è spazio, invece, per una messa in discussione del Liberalismo stesso. Così, in effetti, nello Stato liberale ogni serio tentativo di mettere in pratica nell’arena pubblica la propria im- magine della vita buona è proscritto ed è lecita solo l’espressione di preferenze.35 Queste preferenze, peraltro, sono tra loro in com- petizione e spesso in lotta feroce così che nello Stato liberale, scri- ve MacIntyre riecheggiando von Clausewitz, «la politica moderna è una guerra civile condotta con altri mezzi»;36 tuttavia, come Jeffrey Stout ha astutamente osservato, questa soluzione è sempre me- glio che la semplice, vecchia guerra civile, nella quale una conce- zione del bene perfettamente sviluppata, incapace però di ottenere un consenso razionale, entrava in collisione con un’altra, provo- cando assai poco bene ma un cospicuo bagno di sangue, tirannia e terrore.37 L’obiezione di MacIntyre è pertanto corretta ma questo, lungi dall’essere un problema, è proprio il punto di forza dello Stato liberale rispetto ai suoi antagonisti passati e presenti: solo il Liberalismo concepisce fin dall’inizio l’individuo come un centro assoluto di valore, portatore di diritti che è compito del governo proteggere. È pertanto evidente che la visione liberale dell’uomo e dello Stato non è neutrale: lo Stato liberale viene concepito come l’unica forma di governo che consente il rispetto dei diritti dei cit- tadini, anche dei critici (sebbene non tutti), e la sua preservazione costituisce pertanto il sommo bene della società. MacIntyre crede di attaccare il Liberalismo tout court ma in realtà attacca solo una particolare visione di esso, quella della neutralità liberale epito- mizzata nella Teoria della giustizia di John Rawls.38 Certo —MacIntyre ammette— lo Stato contemporaneo in Oc- cidente è assai diverso da quello del Settecento. In primo luogo l’importanza della religione è calata notevolmente e il problema della tolleranza è meno sentito. In secondo luogo, lo Stato stesso

35 A. MacIntyre, Whose Justice? Which Rationality?, Notre Dame, Notre Dame University Press, 1988, p. 336. 36 A. MacIntyre, After Virtue, cit., p. 236. 37 J. Stout, Virtue among the Ruins: An Essay on MacIntyre in «Neue Zeitschrift fur systematische Theologie und Religionsphilosophie» 26 (1984) p. 270. 38 J. Rawls, Una teoria della giustizia (1971), Milano, Feltrinelli, 1981; si vedano anche gli sviluppi successivi, che tuttavia confermano l’impianto dell’opera prece- dente, in Liberalismo politico (1993), Milano, Edizioni di Comunità, 1994.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 152 Giovanni Giorgini

è mutato e la sua sfera di azione si è ampliata enormemente: il numero, la grandezza e la varietà dei suoi organismi è aumentato notevolmente. Da ultimo, lo Stato contemporaneo è unito quasi indissolubilmente al mercato nazionale e internazionale, Liberali- smo e capitalismo marciano affiancati. Occorre dunque concepi- re lo Stato contemporaneo e l’economia nazionale contemporanea come un qualcosa di enorme, unico, complesso, eterogeneo e stra- ordinariamente potente. Ma, dal momento che lo Stato contempo- raneo non è neutrale, non ci si può fidare di esso e pensare che possa promuovere un insieme di valori, inclusi quelli di libertà e autonomia: ciò che abbiamo nell’Occidente —egli afferma— sono «oligarchie mascherate da democrazie liberali».39

Il disordine morale contemporaneo e l’attacco allo Stato liberale Forte di queste convinzioni, in After Virtue MacIntyre ripropone innanzitutto un’immagine ‘antiquata’ della filosofia, come indagi- ne non-specialistica della totalità del reale, atta a guidarci nella scelta della vita buona in una situazione di conflitto tra concezioni rivali e incompatibili. Conflitto che la ‘filosofia’ contemporanea, viziata di relativismo ed emotivismo, è incapace di risolvere se non rimandando alla scelta, o preferenza, personale. È, questa, una posizione alla quale MacIntyre stesso a un certo punto del pro- prio itinerario filosofico si è avvicinato.40 All’epoca di A Short Hi- story of Ethics, quando le premesse storiche e materialistiche del suo marxismo erano scomparse, MacIntyre rifiutava l’idea che la natura umana potesse servire da criterio per misurare le convin- zioni morali e si trovava pertanto a ridurre la morale individuale a una scelta esistenziale.41 In After Virtue invece, egli ritiene che sia possibile individuare uno standard condiviso per dirimere le dispute nella visione etica aristotelica, nella sua concezione della natura umana che si realizza attraverso le virtù apprese attraver-

39 A. MacIntyre, Politica, filosofia e bene comunein «Studi Perugini» 2 (1997) p. 11. 40 Che in realtà la visione di MacIntyre sia sempre stata viziata da relativismo, compresa la più recente idea di «argomentare dall’interno di una tradizione», è sta- to sostenuto da diversi critici: si veda R. Wachbroit, Relativism and Virtue in «Yale Law Journal» 94 (1985) pp. 1559 ss; R.P. George, Moral Particularism, Thomism, and Traditions in «Review of Metaphysics» 42 (1989) pp. 593-605. 41 A. MacIntyre, A Short History of Ethics, London, Routledge & Kegan Paul, 1966, pp. 268-9: «Ciascuno di noi [...] deve scegliere sia con chi desidera essere moralmente legato sia da quali fini, regole e virtù intende essere guidato».

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 153 so l’educazione e l’interazione comunitaria. Quest’opera si apre con una suggestiva «ipotesi inquietante» sulla situazione dell’eti- ca contemporanea, caratterizzata da un interminabile dibattito e conflitto tra concezioni contrapposte. Ciò che è peculiare di questo disaccordo morale contemporaneo è l’essere interminabile: secon- do MacIntyre, infatti, a differenza del passato oggi noi siamo privi di uno standard etico condiviso con il quale valutare le differenti concezioni morali e politiche in modo da fare una scelta che possa essere argomentata razionalmente. Questa nostra peculiare situa- zione è stata determinata dal «fallimento del progetto illuministico» di elaborare una morale universale non ancorata ai pregiudizi di una particolare società, all’ambizione dei filosofi dell’Aufklaerung di trovare un punto di vista esterno dal quale giudicare le morali locali. Osservando la situazione della morale contemporanea, dove regna l’emotivismo, ci rendiamo conto che il tentativo dei pensa- tori liberali di costruire una morale per individui senza tradizione è fallito;42 il più importante è stato quello di Kant, al quale MacIn- tyre dedica un esame critico assai originale.43 Questi tentativi falli- ti hanno dato origine a dispute interminabili e senza risoluzione. Il «progetto illuministico» era impraticabile perché ogni essere uma- no è inevitabilmente inserito all’interno di una comunità e di una tradizione di pensiero ed è infine crollato definitivamente sotto i colpi di maglio di Nietzsche, il quale ha messo in luce la storicità di ogni morale e ha rivelato la «volontà di potenza» sottesa a ognuna

42 Sul concetto di tradizione di MacIntyre si veda C. S. Lutz, Tradition in the Ethics of Alasdair MacIntyre, Lanham, Lexington Books, 2004. 43 MacIntyre esamina la celebre opera di Kant, Risposta alla domanda «Che cos’è l’Illuminismo?», nella quale Kant definisce l’Illuminismo l’uscita dell’uomo da uno stato di minorità, caratterizzato dall’incapacità di servirsi del proprio intel- letto senza la guida di un’autorità o di regole e formule, e reclama per i filosofi l’uso della ragione verso il pubblico generale dei lettori; ma —nota MacIntyre- egli non ci dice mai che questo pubblico è molto ristretto e caratterizzato, localizzato temporalmente e spazialmente (i lettori della rivista su cui Kant stesso e altri pub- blicavano in quegli anni) e non è l’umanità in generale. MacIntyre ricorda anche che l’articolo di Kant, pubblicato nel novembre 1784 sul «Berliner Monatsschrift», era una risposta alla domanda posta sulla stessa rivista nel dicembre 1783 dal pastore ed educatore J.F. Zoellner, a cui Moses Mendelssohn aveva risposto nel settembre 1784. Si veda A. MacIntyre, Some Enlightenment Projects Reconsidered in Ethics and Politics, cit., p. 175; egli conclude che: «Pertanto il pubblico a cui Kant si rivolgeva era costituito da una rete di lettori abbonati a riviste, membri di club e scrittori di lettere ai giornali che avevano una conversazione collettiva della quale Kant era uno dei principali protagonisti».

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 154 Giovanni Giorgini di esse. La conseguenza è stata che oggi, nella civiltà occidentale, ci troviamo privi di un telos, di un fine da perseguire nelle nostre vite: viviamo in una condizione di perenne anomia e fatichiamo a trovare il bandolo unitario delle nostre vite. Ci appoggiamo a pre- tesi ‘esperti’, come gli psicoterapeuti, che sono divenuti gli equiva- lenti degli stregoni nelle società primitive.44 Ritornare ad Aristotele significa quindi ritrovare l’idea di un fine, di una causa finale a cui tendere e in base alla quale giudicare le azioni: sapere che gli uomini, in quanto esseri razionali, hanno un fine specifico ci consente di valutare se le nostre azioni tendono a quel fine o sono in disaccordo con esso. Proprio come Aristotele, MacIntyre ritiene che occorra partire dalla concezione della «vita buona per l’uomo» per potere valutare la qualità della società contemporanea, osser- vando se in essa l’essere umano può davvero sviluppare le proprie potenzialità più tipicamente umane, realizzando quel human flou- rishing, quell’eudaimonia così ben descritta da Aristotele. Ma vi è di più. Questa critica alla situazione morale contempora- nea trova un contraltare nella feroce critica che MacIntyre avanza alla società liberale capitalistica. L’interminabilità, la caratteristica principale del dibattito contemporaneo sul bene, è in realtà stru- mentale alla perpetuazione della società liberale, che dà ai cittadini l’illusione che vi sia un dibattito pubblico in corso sul bene e la vita buona, un dibattito che cesserà solamente quando la verità fi- nalmente emergerà dallo scontro delle argomentazioni. In realtà, le élite che governano le società capitalistiche sanno bene che non vi potrà mai essere conclusione al dibattito data la mancanza di stan- dard di giudizio condivisi tra i contendenti; l’illusione però permane e l’inganno funziona. MacIntyre è persuaso, infatti, che

Il potere nelle democrazie liberali della modernità avanzata appar- tiene alle élite dei partiti politici e dei mass media e sono loro che

44 «Psychoanalysis is the folk religion of one section of the intelligentsia [urban, mid- dle class intelligentsia]» -così già sosteneva nel 1971: A. MacIntyre, Psychoanalysis: The Future of an Illusion in Against the Self-Images of the Age, London, Duckworth, 1971, p. 35. Si veda anche l’originale discussione dei Characters, i personaggi-tipo del mondo contemporaneo che reclamano un’expertise, tra cui non può mancare lo psicoterapeu- ta, in After Virtue. Qui MacIntyre mette in discussione questa nozione di ‘expertise’ e in particolare la competenza ed efficienza di manager e burocrati: essi in effetti non con- trollano la società e il potere che gli attribuiamo è pertanto non dovuto. Questa efficienza è un’ entità fittizia ma nella quale la gente crede: After Virtue, cit., p. 75.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 155

decidono in gran parte la direzione della discussione e i punti da trattare, e determinano così non ciò che il pubblico sceglie ma quali siano le alternative tra le quali vengono fatte le scelte pubbliche.45

Peraltro, i cittadini comuni sono esclusi sia dal dibattito po- litico, monopolizzato dalle élite, sia dalla scelta delle alternative tra cui scegliere, per cui si trovano per lo più ad essere spettatori politici, non attori. L’educazione stessa mira a preparare i giova- ni a vivere in una società caratterizzata da grandi diseguaglianze mentre non li prepara a una discussione su quello che dovrebbe essere il bene comune nella società. Per modificare questa situa- zione «ciò che è necessario è l’esercizio del giudizio e la coltivazione di quelle virtù necessarie per l’esercizio del giudizio».46 MacIntyre è tuttavia alquanto pessimista riguardo alla possibilità di trasfor- mare lo status quo:

Riguardo a se sia possibile escogitare una maniera per riaprire un autentico dibattito pubblico sulle concezioni rivali del bene nell’A- merica contemporanea, per non dire giungere a un’efficace conclu- sione, le prove suggeriscono, a mio vedere, che dovremmo essere profondamente pessimisti, nella misura in cui ciò è compatibile con la fede nella Divina Provvidenza.47

Ciò a cui assistiamo in America, e in generale nelle società li- berali contemporanee, è un processo di «privatizzazione del bene», tema al quale MacIntyre dedicò la propria lezione inaugurale quando prese servizio come McMahon/Hank Professor of Philo- sophy all’Università di Notre Dame nel 1990. In questa conferenza MacIntyre argomenta, sulla scia delle tesi avanzate in After Virtue e in Whose Justice? Which Rationality? e delle critiche ricevute, che nelle società liberali contemporanee non vi è una concezione pubblica e condivisa di che cosa sia il bene per l’uomo e questo comporta un’assenza di regole morali determinate e condivise, con la conseguenza che viene a mancare una sistematica discussione pubblica su questioni morali che sarebbero fondamentali per una comunità: per esempio, se l’allocazione di risorse pubbliche debba

45 A. MacIntyre, Toleration and the Goods of Conflict, cit., p. 215. 46 A. MacIntyre, Toleration and the Goods of Conflict, cit., p. 216. 47 A. MacIntyre, The Privatization of Good: An Inaugural Lecture in «Review of Politics» 52 (1990) pp. 344-77; vedi pp. 360-1.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 156 Giovanni Giorgini favorire maggiormente i neonati e i giovani o invece gli anziani. Le aree di intervento per la moralità alla fine si restringono e il dibat- tito diviene sterile perché mancano criteri condivisi per risolvere le questioni.48 Infatti, per l’individualismo liberale una comunità è semplicemente un’arena nella quale ciascun individuo persegue la concezione della vita buona che si è scelto da solo e le istituzioni politiche hanno lo scopo di fornire l’ordine necessario a questo scopo.49 Il Liberalismo

promuove una visione del mondo sociale concepito come un’are- na nella quale ciascun individuo, che cerca di raggiungere quello che crede sia il proprio bene, ha bisogno di essere protetto da altri individui attraverso la garanzia del rispetto dei diritti individuali. L’argomentazione morale all’interno del liberalismo non può per- tanto partire da qualche concezione di un autentico bene comune che sia qualcosa di più e di diverso dalla somma delle preferenze degli individui.50

Il governo e la legge sono spacciati come neutrali tra concezioni rivali del bene mentre in realtà tutto è funzionale alla preservazio- ne dell’ordine liberale. Il Liberalismo è pertanto un’ideologia come le altre e, dal punto di vista pratico, è la politica di un gruppo di élite i cui membri, attraverso il controllo della macchina del partito e dei mezzi di comunicazione, predeterminano quasi inte- ramente la gamma di scelte politiche aperte alla gran massa degli elettori comuni. A questi elettori, a parte il fare scelte elettorali, non si richiede altro che la passività. La politica e il suo ambiente culturale sono divenute aree professionali, e tra i professionisti più importanti vi sono i manipolatori professionisti dell’opinione della massa. Occorre a ciò aggiungere che l’ingresso e il succes- so nelle arene della politica liberale richiedono sempre maggiori risorse finanziarie che possono venire solo dal capitalismo delle multinazionali: in questo modo il Liberalismo assicura l’esclusio- ne della maggior parte delle persone dalla possibilità di partecipa- zione attiva e razionale alla determinazione della forma di comu- nità nella quale essi stessi vivono. Nella società moderna, non più

48 A. MacIntyre, The Privatization of Good, cit., pp. 353-4. 49 A. MacIntyre, After Virtue, cit., p. 195. 50 A. MacIntyre, Three Perspectives on Marxism: 1953, 1968, 1995 in Ethics and Politics, cit., p. 154.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 157 ordinata verso il bene comune, i valori di mercato vengono eretti a valori centrali e la pleonexia diviene la forza trainante dell’intera struttura sociale.51 Il successo nella vita diviene una questione di acquisizione con successo di beni di consumo e non è certo una sorpresa che la pleonexia, l’impulso ad avere sempre di più, venga considerata una delle virtù centrali della società liberale capitali- stica mentre era uno dei principali vizi per Platone e Aristotele.52 Il concetto marxiano di ‘alienazione’ si rivela ancora valido perché è «impossibile per i lavoratori concepire il proprio lavoro come un contributo al bene comune di una società che a livello economi- co non ha più un bene comune, a causa degli interessi differenti e conflittuali delle differenti classi».53 «Il capitalismo —MacIntyre conclude— è nocivo per coloro che hanno successo così come per coloro che falliscono secondo i suoi stessi standard, cosa che è sfuggita a molti predicatori e teologi».54 E, possiamo aggiungere, «i costi del consenso sono pagati da coloro che ne sono esclusi».55 La conclusione politica di MacIntyre è drammatica ma non sor- prendente: dal momento che non è possibile realizzare effettiva- mente la propria immagine della vita buona nello Stato liberale capitalistico, occorre cercare di creare forme locali di comunità basate su principi etici condivisi e su una concezione dell’econo- mia differente da quella capitalistica.56 MacIntyre propone quindi la creazione di una società che risulti storicamente alternativa allo Stato individualista, liberale e capitalistico e allo Stato controllore sovietico: un tipo di società che si ritrova nelle pratiche di comu- nità locali piccole, come erano le città antiche, i comuni medie- vali, alcune cooperative contadine o compagnie di pesca contem- poranee: in esse le relazioni sociali sono informate dalla comune adozione e fedeltà a beni interni alle pratiche comuni e i parteci- panti perseguono la propria immagine del bene razionalmente e criticamente, «senza essere ridotti nella condizione di strumenti

51 A. MacIntyre, After Virtue, cit., passim. Si veda anche S. Hauerwas-A. Mac- Intyre (eds.) Revisions: Changing Perspectives in Moral Philosophy, Notre Dame, Notre Dame University Press, 1983. 52 A. MacIntyre, Three Perspectives on Marxism: 1953, 1968, 1995, cit., p. 149. 53 A. MacIntyre, Three Perspectives on Marxism: 1953, 1968, 1995, cit., p. 148. 54 Ibid, pp. 149-150. 55 A. MacIntyre, The End of the End of in Against the Self-images of the Age, cit., p. 10. 56 A. MacIntyre, After Virtue, cit., p. 263.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 158 Giovanni Giorgini di un qualche tipo di formazione capitalistica».57 Per queste forme di comunità locali MacIntyre pensa anche a un modello di econo- mia alternativo, fondato sulla solidarietà e la centralità dell’uomo, sul modello della dottrina sociale della Chiesa e di autori come Chesterton o i Distributisti. Su questo punto è ancora una volta illuminante Aristotele: egli ritiene che la proprietà non debba es- sere comune perché sa bene che «di quel che appartiene a molti non si preoccupa proprio nessuno» (Politica II 3, 1261b 33-34); non gli è ignoto, inoltre, quanta gioia le persone traggano da ciò che possiedono privatamente. Egli sostiene però che essa debba diventare comune nell’uso che se ne fa, in uno spirito d’amicizia.58 È questo spirito che MacIntyre cerca di ricreare nei suoi lavori po- steriori ad After Virtue: non crede più nello Stato controllore di tipo sovietico né nella collettivizzazione dei mezzi di produzione (se mai vi ha creduto), ma è sempre critico aspro di quello Stato liberale che considera i cittadini come atomi, monadi autosufficienti ma in realtà tutti come naufraghi su di un’isola deserta, ognuno sulla propria. Vuole riprendere quell’idea di amicizia politica che figura così prominente nelle opere aristoteliche perché trasforma un co- acervo di esseri umani in una vera comunità costituita in vista di un bene comune, la ricerca della felicità.59

Il ritorno ad Aristotele completato Nelle Paul Carus Lectures, tenute nel 1999, il ritorno ad Aristo- tele appare completato. Già a partire dal titolo scelto: Dependent Rational Animals. In esse MacIntyre osserva innanzitutto come la filosofia morale, da Platone a Moore, abbia trascurato il fatto che noi esseri umani siamo vulnerabili e dipendiamo da altri per la no- stra sopravvivenza, soprattutto nella prima infanzia e in tarda età; così come viene sistematicamente obliterato il fatto della nostra corporeità: dobbiamo invece tenere presente questa identità corpo- rea e animale se vogliamo passare dalla nostra condizione animale iniziale a quella di agenti razionali indipendenti; questo passaggio è opera delle virtù, che noi acquisiamo dalla, e nella, società in cui viviamo. Essere indipendenti significa avere la capacità e lavo- lontà di valutare le ragioni addotte per le proprie azioni, il che im-

57 A. MacIntyre, Three Perspectives on Marxism: 1953, 1968, 1995, cit., p. 156. 58 Aristotele, Politica VII 10, 1329b42-1330a2; cfr. II 4, 1263a 39-40. 59 Si veda, per esempio, Aristotele, Politica II 4, 1262b 8-12.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 159 plica riconoscere come propri quelli che vengono considerati beni dalla propria società. MacIntyre può così concludere che «essere istruiti nelle virtù non significa altro che apprendere ad assolvere bene ruoli e funzioni». Sapere come agire virtuosamente, tuttavia, implica sempre qualcosa di più che seguire semplicemente una regola.60 Noi infatti apprendiamo in che cosa consiste il «bene co- mune» (e anche il nostro bene individuale) attraverso le nostre at- tività quotidiane condivise ancor più che dalla riflessione teorica. Appare evidente come l’adozione della prospettiva aristotelica, con la sua enfatizzazione della nostra dipendenza dalla famiglia e dalla comunità, abbia consentito a MacIntyre di mettere in crisi l’astrat- to ideale liberale dell’individuo autonomo, razionale e ragionevole, che si sceglie un’immagine di vita buona da perseguire e modella la società secondo il proprio desiderio.61 Nessuna di queste attività avviene, infatti, in astratto o nel vuoto pneumatico e qualunque società è fondata su alcuni, anche se pochi, valori fondamentali: la «neutralità liberale» tanto cara a Rawls è solo un’illusione. Anzi, un’illusione pericolosa perché essa secondo MacIntyre perpetua l’inganno che all’interno della società liberale si possa veramente vivere secondo il proprio ideale di vita buona mentre nella realtà occorre sempre scendere a compromessi e adattare i propri princi- pi alle esigenze del Liberalismo. È per questo che la filosofia con- temporanea trova in generale inaccettabile l’idea di un «principio primo», perché esso rimanda a un universo caratterizzato da fini fissi e inalterabili, proprio come quello aristotelico, dove il princi- pio primo del ragionamento pratico è costituito dal nostro telos, dal fine che perseguiamo come esseri umani.62 Non si può fare a meno di osservare, tuttavia, come la visione aristotelica della polis ripresa da MacIntyre presenti notevoli tratti

60 A. MacIntyre, Dependent Rational Animals. Why Human Beings Need the Vir- tues, Chicago-Lasalle, Open Court, 1999, pp. 89-93 (trad. it. Animali razionali di- pendenti, Milano, Vita & Pensiero, 2001). 61 È, questa, l’immagine resa celebre da John Rawls in Una teoria della giustizia (1971) e ribadita, con aggiustamenti e cambiamenti, in Liberalismo politico (1993). Per una critica della visione della comunità e del bene comune di MacIntyre si veda T. Osborne, MacIntyre, Thomism and the Contemporary Common Good in «Analyse & Kritik» 30 (2008) pp. 75-90. 62 A questo tema MacIntyre ha dedicato la propria Aquinas Lecture del 1990: First Principles, Final Ends and Contemporary Philosophical Issues, Milwaukee, Marquette University Press, 1990; cfr. p. 7.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 160 Giovanni Giorgini di idealizzazione, mescoli la realtà della prassi politica greca con ciò che secondo il filosofo di Stagira sarebbe auspicabile. La lettu- ra delle Elleniche di Senofonte o delle commedie di Aristofane, per non parlare della Storia della guerra del Peloponneso di Tucidide, ci fornisce un ritratto più realistico di come si comportava il citta- dino comune e di come agissero le comunità politiche greche. Inol- tre, uno degli aspetti più sorprendenti della concezione politica di Aristotele, che pure fu il precettore di Alessandro il Grande, è l’es- sere incentrata sulla polis concepita ancora come il luogo naturale della vita politica e della «buona vita» (eu zen) ossia della felicità umana. Mentre Aristotele scriveva e insegnava questo, Alessandro allargava a dismisura l’orizzonte politico greco e creava un impero basato sul superamento della contrapposizione ideologica tra Gre- ci e ‘barbari’, promuovendo una fusione tra le classi dirigenti gre- che e quelle persiane. Quanto di più lontano dal consiglio che se- condo la tradizione gli avrebbe fornito Aristotele: «comportati con i Greci come un re e con i barbari come un padrone (despotes)». La sua visione della piccola comunità dotata di un ethos compatto, che permetteva al singolo cittadino di eccellere e realizzare le pro- prie potenzialità più tipicamente umane era già nei fatti un ricordo del passato; anzi, era sempre stata un’utopia. Peraltro, Aristotele non dipinge la situazione etica della polis greca con gli stessi tratti usati da MacIntyre, il quale appare fortemente influenzato da He- gel nella propria interpretazione. Come ha ricordato Martha Nus- sbaum, l’Etica Nicomachea si apre con una scena di dibattito su cosa sia il bene per l’uomo: tutti lo chiamano «felicità», ma quando si chiede una definizione di essa le opinioni variano.63 MacIntyre legge acriticamente l’esposizione aristotelica, non per mancanza di acume filosofico e scaltrezza filologica, bensì perché ciò è funzionale al suo progetto di riproposizione dell’aristotelismo in morale e, ancor più discutibilmente, in politica.64 Che la sua sia una lettura ‘ideologica’ è confermato dal fatto che nelle opere successive a After Virtue egli si sia concentrato sull’aspetto morale della visione aristotelica e abbia lasciato in disparte quello politi- co, perché ovviamente di difficile e discutibile realizzazione nella

63 Si veda M. Nussbaum, Recoiling from Reason [recensione a Whose Justice? Which Rationality?] in «The New York Review of Books» 36 (7 dicembre 1989), n. 19. 64 Un’intelligente critica all’utopismo di MacIntyre in T. Chappell, Utopias and the Art of the Possible in «Analyse & Kritik» 30 (2008) pp. 179-203.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 161 realtà contemporanea, dal momento che già lo era alla fine del IV secolo a.C. Anzi, già a partire da Whose Justice? Which Rationa- lity? appare evidente che MacIntyre legge Aristotele attraverso le lenti di Tommaso d’Aquino,65 pensatore che riprende ma trasforma notevolmente il pensiero di Aristotele: per lui, infatti, la societas politica è inserita all’interno della metafisica cristiana (nella quale vi è un Dio creatore e l’uomo ha un fine soprannaturale) e que- sto determina un cambiamento radicale di orizzonte della politica. Questa convinzione è rafforzata dalla successiva importante opera di MacIntyre, Three Rival Versions of Moral Enquiry: Encyclopedia, Genealogy and Tradition,66 nella quale egli sostiene la superiori- tà del tradizionalismo tomista, che combina filosofia aristotelica e rivelazione cristiana, esemplificato dall’Enciclica Aeterni Patris (1879) di Leone XIII, su altre tradizioni quali il positivismo pro- gressista incarnato da Adam Gifford e dalla IX edizione dell’En- cyclopaedia Britannica e lo storicismo genealogico di Nietzsche. Un approccio che troviamo anche nelle opere successive, fino alla sua recente Sacks Lecture, nella quale esamina la convergenza tra il luterano danese Knud Eiler Logstrup, il tomismo francese e il pensiero di Levinas.67 Quanto all’aristotelismo di MacIntyre, il prospettato ritorno a forme di piccole comunità locali nelle quali viga una morale con- divisa sembra apparentemente riprendere l’idea aristotelica della città perfetta che deve poter essere abbracciata con un solo sguar- do (Politica VII 4, 1326b 25). Aristotele, tuttavia, è assai critico di Platone e dell’eccessiva ricerca di unità presente nel suo progetto politico: troppa unità fa regredire la città e la trasforma in una grande famiglia (Politica II 5, 1263b 7ss), che era probabilmente l’i- deale che Platone aveva in mente ma che è scartato con decisione dall’allievo. È sufficiente, inoltre, un rapido sguardo storico retro-

65 Al termine delle oltre 400 pagine del libro MacIntyre afferma che la vera e migliore concezione della giustizia, tra le tradizioni rivali da lui prese in conside- razione, è la sintesi «dialettica tomista»: Whose Justice? Which Rationality?, cit., p. 402. Sul peculiare tipo di tomismo di MacIntyre si veda J. Coleman, MacIntyre and Aquinas in J. Horton-S. Mendus (eds), After MacIntyre, cit., pp. 65-90. 66 A. MacIntyre, Three Rival Versions of Moral Enquiry: Encyclopedia, Genealogy and Tradition, Indianapolis, University of Notre Dame Press, 1990 (trad.it. Enciclo- pedia, genealogia e tradizione, Milano, Massimo, 1993). 67 A. MacIntyre, Danish Ethical Demands and French Common Goods: Two Mor- al Philosophies in «European Journal of Philosophy» 18 (2010) pp. 1-16.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164 162 Giovanni Giorgini spettivo per notare che le piccole comunità che coesistono l’una a fianco all’altra sono sempre state in guerra tra di loro: è questo il caso delle poleis greche così come dei comuni italiani del Rinasci- mento e l’esperienza recente nella ex - Yugoslavia mi sembra di- mostri che le cose non sono cambiate né tanto né in meglio. È vero che MacIntyre pensa probabilmente a forme più ‘blande’ di comu- nità indipendenti, come gli Amish della Pennsylvania o i Mormoni dell’Utah (o magari gli Scozzesi in Gran Bretagna o i Sud-Tirolesi in Italia), i quali godono di una certa indipendenza e possono se- guire pratiche tradizionali condivise che includono scelte etiche e politiche importanti; queste comunità, tuttavia, sono parte di uno Stato sovrano che in caso di necessità impone la pace o le difende da attacchi esterni. Si può notare, inoltre, come anche in una società fortemente individualistica come gli Stati Uniti, con il suo culto dei mavericks, gli individui rispettano le leggi e la pre- sunta anomia sociale non si trasforma mai in guerra civile. Da ultimo, possiamo osservare come l’idea stessa di fuoriuscire dalla società liberale di MacIntyre sia un prodotto del Liberalismo: è il Liberalismo, infatti, che ha concettualizzato l’essere umano come ‘individuo’, dotandolo anche del diritto di scegliersi dove essere fe- lice; un’opzione che non viene certo concessa nei regimi totalitari, che hanno sempre sparato ai pazzi che scappavano dalla ‘società perfetta’ o condannato a morte l’apostasia di coloro che si allonta- navano dalla ‘vera fede’.

Giorgini, Giovanni, «L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre», SPhV 16 (2014), pp. 141-164.

RIASSUNTO

In questo saggio Giovanni Giorgini analizza il progetto filosofico e politico di MacIntyre, cercando di trovare unità e coerenza nella sua critica allo Stato liberale e nella sua proposta di creare forme di comunità locale basate su valori comuni in modo che i cittadini possano vivere una vita autentica e dotata di significato. Sulla scia di Aristotele, MacIntyre ritiene che per la realizzazione del- le nostre potenzialità umane sia necessario vivere in una società buona e critica pertanto lo Stato liberale in quanto non avrebbe

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 141-164 L’utopia aristotelica di Alasdair MacIntyre 163 una nozione di bene comune e non consentirebbe in realtà ai cit- tadini di vivere secondo la propria immagine del bene. Il progetto di MacIntyre, tuttavia, incontra gli stessi problemi di quello di Ari- stotele: unisce aspetti descrittivi e prescrittivi, idealità e realtà, e non prende in considerazione i mutamenti nel contesto storico (le conquiste di Alessandro, nel caso di Aristotele, e i cambiamenti intervenuti con la modernità politica, nel caso del filosofo scozze- se). Le visioni politiche di Aristotele e di MacIntyre hanno pertanto una vena utopica in comune.

Parole chiave: MacIntyre, Aristotele, Utopia, Liberalismo, Co- munità, Felicità.

ABSTRACT

In his essay on The Aristotelian Utopia of Alasdair MacIntyre Giovanni Giorgini investigates MacIntyre’s philosophical and po- litical project, trying to find unity and coherence in the Scotti- sh philosopher’s critique of the liberal State and in his proposal to create local forms of community based on shared values so that citizens may live an authentic and meaningful life. Following Aristotle, MacIntyre believes that a good political arrangement is conducive to human flourishing and criticizes the liberal State for lacking an overarching notion of the good and for not allowing ci- tizens to actually live according to their vision of the good. MacIn- tyre’s project, however, faces the same difficulties as Aristotle’s: it mixes reality and ideal and does not take into account the chan- ges in the historical context (Alexander’s conquests on the one hand, the novelties of political modernity on the other). Aristotle’s and MacIntyre’s political visions share thus a utopian vein.

Keywords: MacIntyre, Aristotle, Utopia, Liberalism, Communi- ty, Human Flourishing

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 141-164

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 ISSN: 1135-9560

La noción de koinonia y los orígenes del pensamiento utópico The concept of koinonia and the origin of utopian thought

David Hernández de la Fuente UNED

Data de recepció: 01/09/14 Data d’acceptació: 24/10/14

En esta contribución, a modo de una recopilación de notas crí- ticas y metodológicas, nos proponemos repasar las implicaciones del vocablo griego koinonia en la historia del pensamiento utópico griego. La palabra koinonia evoca un antiguo debate conceptual en torno a la comunidad de bienes y familia en el grupo humano, pero también en cuanto a la política antigua, la sociedad civil y su cohesión y relaciones internas desde el mundo clásico hasta el grupo socio-religioso en la época cristiana. Es un término de larga trayectoria, pero especialmente usado en la discusión sobre la co- munidad política ideal, que aun hoy centra el debate en el campo de las utopías antiguas por su uso en el Pitagorismo primitivo y en los primeros teóricos de la política, sobre todo en Platón y Aristóte- les. Su uso gira en torno a la noción de compartir la propiedad de la tierra y la hacienda (el oikos) y también la comunidad familiar. Es un término importante además por sus connotaciones, en ám- bito religioso, de vida en común ascética y comunitaria: así se ve desde el mundo pitagórico, espejo para la filosofía neoplatónica de cenobitismos posteriores. La cuestión de la koinonia y del koinon bios, no en vano, marcará posteriormente, ya en el mundo cristia- no, tanto el primer monacato como incluso el concepto cristiano 166 David Hernández de la Fuente de la comunión.1 La discusión que proponemos aquí parte de la relectura de varios textos clave en torno a este concepto que se encuentran en las fuentes del antiguo pitagorismo y en el pensa- miento de Platón y Aristóteles y, en segundo lugar, de la reconsi- deración de una monografía ya clásica para la idea de comunismo y comunidad de bienes y de familias en el pensamiento utópico griego, el libro de D. Dawson, Cities of the Gods: Communist Uto- pias in Greek Thought.2 Como se ha podido constatar en esta sucinta presentación, el vocablo koinonia evoca conceptos de enorme importancia en la historia del pensamiento político y en las ciencias sociales. De- jando aparte las hondas implicaciones sociológicas de la idea de la «vida común» o la «comunidad de vida» que, para los grupos religiosos representan algunas de las postrimerías de este debate, nos centraremos ante todo en su vertiente política y, en concreto, en la historia de la formulación teórica de modelos alternativos a la comunidad política tradicional. Puede decirse que el surgimien- to del estado, que encuentra su base en la Grecia clásica, se fun- damenta en un triple sentido de la polis: el físico, el constitucional y el comunitario. En ese último sentido se hablaba de koinonia en el origen del estado democrático como la comunidad solidaria de hombres y mujeres nacidos o radicados en la polis. De ahí la gran relevancia histórico-política del término koinonia en los orígenes de las ciencias sociales y también en la filosofía política. Valga como ejemplo la polisemia y los múltiples matices que presenta la palabra en griego antiguo: si en el mundo pitagórico se subraya especialmente el valor de la koinonia en el hecho de compartir la vida con los miembros de la escuela, en Platón designa no solo una comunidad humana como prerrequisito de la amistad3 o la educación en la filosofía,4 sino también a la sociedad en su con-

1 Vaya por delante que este término, sobre el que disertaremos a continuación, da nombre, por cierto, al grupo de investigación interdisciplinario y consolidado de la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), bajo la denominación concreta de Koinonía. Grupo interdisciplinario de investigación sobre Trabajo Social, Historia, Derecho e Intervención Social (Ref. GI62: ), en el que se enmarca una sección de la línea de investigación sobre historia social e historia cultural del mundo antiguo de la que forma parte este trabajo. 2 Dawson 1992. 3 Platón, Gorgias 507e. 4 Platón, Leyes 861e, Simp.188c.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 167 junto.5 En su uso por Aristóteles, como se verá, se concreta la acepción del término que pasa a significar sobre todo la comu- nidad ciudadana y política.6 Además del sentido filosófico, otras acepciones de este término griego se refieren al ámbito del derecho griego (comunidad de matrimonio o de propiedad) y, en época más tardía, cobrará también un sentido teológico, como comunión con lo divino, en el griego neotestamentario. Hay que añadir, por últi- mo, que autores como Eurípides recogen la acepción de «comercio sexual» igualmente.7 Propiedad, sexo, familia y vida en común ten- drán relevancia a la hora de examinar las implicaciones utópicas de este término, como veremos. En primer lugar, en efecto, cabe recordar que el término koino- nia, sustantivo del adjetivo koinon («común»), es la palabra griega por excelencia que designa la «sociedad» o la «comunidad» huma- na, en el sentido de convivencia y apoyo mutuo entre un grupo de personas identificadas política y socialmente. El propio adjetivo koinon tiene también una importante acepción política que sale a la palestra con la consolidación de la polis como estado de ciuda- danos iguales con conciencia comunitaria y colectiva. Con esta vi- sión se consolida la revolución sociopolítica paralela al surgimien- to de la guerra hoplítica, un cambio en el que, como tantas veces, la transformación en los medios de producción y su control por la fuerza, cambian la faz de la sociedad. Frente a la tradicional ma- nera de luchar de las elites griegas anteriores en duelos singulares de aristoi8 la introducción de la falange de ciudadanos libres e iguales, propietarios de pequeñas haciendas familiares, va a revo- lucionar las condiciones de acceso al poder político y a sentar las bases de la sociedad de la ciudad-estado griega durante al menos dos siglos. Todos los ciudadanos que forman la koinonia politike en pie de igualdad, tanto aristócratas y medianos propietarios, como modestos campesinos, son iguales en el campo de batalla y en la lucha hoplítica en la que cada ciudadano cubre a su compa- ñero. Ya no luchan los nobles a la imagen de los héroes homéricos que, como Héctor, Ájax o Aquiles, peleaban por alcanzar una fama individual, el kleos inmortal, sino que los ciudadanos en armas

5 Platón, Político 276b. 6 Aristóteles, Política 1252a7. 7 Eurípides, Bacantes 1276. 8 Como han señalado autores como Hanson 1989 o Keegan 2014.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 168 David Hernández de la Fuente de la falange hoplítica luchan en defensa de lo común (to koinon). Más allá de los modelos de la épica antigua en busca de la gloria del héroe aristocrático, sacrificar de la vida del ciudadano en be- neficio de la comunidad política y social, la koinonia, que agrupa ambos sentidos inseparables en la antigua polis, se convierte en una gesta digna de ser recordada en la posteridad, la única haza- ña ciudadana merecedora de tal nombre, independientemente del estatus social del implicado. Así, puede inferirse de la ideología que transmiten los versos de ciertos líricos arcaicos.9 El trasfondo de esta nueva guerra es, como recuerda también Hanson (1995), económico y agrícola, dando fe de la relevancia de las explotaciones agrícolas en la civilización griega, pero tam- bién derivado de un cambio de paradigma político. Y asimismo la comunidad hoplítica de ciudadanos libres se engendra sobre la suma de núcleos que suponen las haciendas particulares de los ciudadanos libres e iguales, entendidas como las unidades con comunidad de propiedad y familia que son los oikoi.10 Corre pa- rejas el nuevo sentido de comunidad en pie de igualdad en los años de la consolidación de la falange hoplítica con la idea de «lo común». Así se ve, por ejemplo, en la notoria proliferación de inscripciones legislativas a lo largo de los ciento cincuenta años posteriores a la implantación del régimen democrático en Atenas. Se puede decir que configuran un espacio público, siguiendo la terminología de Jürgen Habermas, en la polis de Atenas marcado por el uso público de la escritura y, en otro sentido, de la oratoria oficial. Destaca en estas manifestaciones de la voluntad política el empleo de términos como koinon o demosios en referencia a la comunidad política. A la vez, el espacio público en el sentido de discusión sobre la politeia abunda tanto en el ágora como en la oratoria y la filosofía. Los elitistas simposios y las aristocráticas y contestatarias hetaireiai de índole oligárquica y conspirativa, a su modo, también constituyen un ejemplo de espacio público para el debate político en torno a la mejor koinonia.11

9 P.e. Calino 1 W = 1 D, 5-9, 14-19. 10 Es conocida la tesis de Hanson (1995) sobre la importancia de la «granja» como elemento constitutivo del despegue político de occidente frente al mundo del antiguo Oriente. 11 Puede verse el reciente tratamiento de Canfora (2014) para el ambiente de debate en torno a la comunidad política en los diversos niveles del espacio público ateniense, desde las asambleas a las hetaireai.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 169

Tras la isonomia de los ciudadanos-soldados, la milicia en de- fensa de lo común (koinon) y el espacio de lo público (demosios), la noción de koinonia aparece también en el discurso económico y social a la hora de plantear la administración de la hacienda u oikos, tanto de los bienes muebles o inmuebles, como de la familia extensa que conlleva esta unidad básica de la polis. No de forma sorprendente, a partir de estas reflexiones sobre cómo adminis- trar el propio oikos, mezcladas con noticias variadas de los viaje- ros e historiadores que referían otros modelos de gestión familiar y política, van a surgir cuestionamientos del orden político e ideas para su mejora y reforma. A la par que los griegos fueron cono- ciendo noticias de allende los mares, de las colonias de nueva fun- dación o de los pueblos con los que se encontraron, se procedió a redefinir la propia identidad por el contraste, mientras surgía a la vez el interés por una teoría política. Tras la consolidación de la polis, no es extraño que, en sus orígenes, los primeros esbozos de una teoría política griega se localicen en el contraste con el otro: los diálogos de Creso y Solón y el logos tripolitikos que transmite Heródoto dan buena cuenta del uso de la ficción del bárbaro para teorizar sobre los modelos políticos.12 En todo caso, las ideas de reforma de la polis, a partir de las premisas que otorga la noción de koinonia, se centran en una me- jora de la sociedad reforzando la cohesión entre sus miembros y se relacionarán a menudo en el pensamiento político griego con el ideal de una vida en comunidad en cuanto propiedad comunal, comunidad de familia o comunidad política de especial refuerzo y excelencia. Tal es también la suma de connotaciones que para Dawson supone la característica más destacada de la génesis del pensamiento utópico, en cuanto a las ideas comunistas, en la Gre- cia antigua.13 Esto acaso se puede explicar mediante la conexión cultural que existía entre la palabra griega koinonia y el concepto de oikos, pues en el seno del oikos griego, entendido como familia extensa y a la vez como hacienda que gestionaba el lote de tierras hereditarias (kleros), se encontraba esta juntura fundamental en- tre la comunidad de bienes y la comunidad familiar. Como se ve, se trata de un debate conceptual muy relevante en el que hay que partir de las nociones básicas a la hora de entender

12 Cf. en general, Barceló y Hernández de la Fuente 2014, en esp. 217 ss. 13 Dawson 1992, 8 ss.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 170 David Hernández de la Fuente qué debemos comprender como koinonia. Desde la idea de oikos y kleros a la propia noción extensa de la polis o las reglas y condicio- nes que marcan la pertenencia a un cuerpo de ciudadanos (politai) y en el marco de una constitución política de la ciudad estado (poli- teia). Luego, ante los problemas que se plantean en la ciudad-esta- do tradicional, esta comunidad familiar y de propiedad daría lugar en el pensamiento utópico a una evolución hacia un modelo de re- forma política: la noción de reformar la polis desde el oikos surge a partir de modelos de la historiografía, la religión o la comedia sobre todo durante la Guerra del Peloponeso y culmina en la propuesta que acaso sea su cúspide absoluta o quizá más conocida, la famosa koinonia de mujeres e hijos que se da en la República de Platón. En el acervo del saber común de los griegos había ciertos lu- gares comunes, bien estudiados por Dawson, que inducían a dar crédito a unas koinoniai utópicas que pudieran mejorar la comuni- dad política, a partir de la perfección de una vida común en cuan- to a propiedades o familias. Estas nociones provenían de campos muy diversos. En primer lugar, los griegos habían oído también ciertas noticias —transmitidas por los escritores de viajes, los ora- dores y los historiadores— sobre comunidades fantásticas y utó- picas allende el mundo griego que ponían en común propiedades y familias, notablemente algunos bárbaros remotos que se supone que compartían sus bienes y sus mujeres. Tales ejemplos eran referidos con cierta admiración o como prueba de la convenciona- lidad de las leyes y de las costumbres por ciertos sofistas, como Protágoras de Abdera, que los asociaban a sus teorías sobre la convención frente a la naturaleza y los relacionaban con la situa- ción sociopolítica de la Atenas democrática. En efecto, se contaba acerca de las costumbres de ciertos extranjeros que eran conoci- dos por su koinonia de mujeres: la tribu nómada de los agatirsos, relacionada con los tracios, es descrita por el historiador Heródoto como un pueblo polígamo, tatuado y amante del lujo que vivía en la llanura del río Maris.14 Las fábulas sobre la promiscuidad de las mujeres bárbaras, su polyandria o, lo que es más atractivo, la imagen de unas mujeres poderosas y masculinizadas que ejercen el gobierno (gynaikokratia) encuentran múltiples reflejos en la mi- tología y en la literatura, si se tiene en cuenta en la leyenda la gran

14 Herodoto IV 104.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 171 cantidad de noticias disponibles sobre las Amazonas, los tracios, ilirios o chipriotas (incluso sobre nuestros cántabros se contará la leyenda del gobierno matriarcal en tiempos posteriores). Otro elemento importante eran los ecos de las supuestamente excelentes constituciones dorias, como las de Creta y Esparta, y de instituciones como las comidas en común o el epiklerato más favorable a la mujer. En cuanto a lo primero, hay que recordar que la legendaria legislación de ambos lugares —de origen supuesta- mente divino, pues en Creta se decía provenir de Zeus a través de Minos y en Esparta de Apolo mediante Licurgo— conformaba las constituciones más conocidas del mundo griego y casi todas las investigaciones sobre la ley en la literatura antigua hacían uso de ellas como modelos.15 Incluso en el propio Platón, pese a sus dis- tancias críticas, el comienzo de las Leyes no deja dudas al respec- to, cuando el extranjero ateniense comienza con el juicio crítico de las constituciones de Esparta y Creta,16 y hay otros ejemplos en la obra del filósofo en los que se alaba la idiosincrasia de espartanos y cretenses,17 su sistema educativo y social o se pondera positiva- mente la tradición de sus gobiernos aristocráticos.18 Especialmen- te se valoraba en el debate político la costumbre edificante de las comidas en común, amenizadas por cánticos patrióticos. En cuanto a la especial situación de la mujer doria hay que recordar que, a las muchachas o viudas con herencia, figura del derecho griego llamada epikleros, literalmente «la que está sobre la herencia», se las denominaba en Esparta y Gortina, muy signi- ficativamente,patrouchoi (es decir «las que poseen el patrimonio»): aunque estaban en general obligadas a casarse con alguien lo más cercano posible a la sangre de su padre, en los estados dorios es- tas mujeres tenían cierta independencia y poder en la gestión del patrimonio y en la toma de decisiones sobre su vida (a la influen- cia negativa del excesivo poder femenino achacará Aristóteles la decadencia de Esparta). Por ello, la evocación de las poderosas mujeres dorias —junto con otros aspectos de la vida comunal es- partana, como las comidas en común— era uno de los leitmotiven más presentes para la reformulación utópica de las koinoniai.

15 Brisson - Pradeau 2006, vol. l, 334. 16 Hernández de la Fuente 2010. 17 Platón, Protágoras 342a ss. 18 Platón, Rep. VIII 544. Cf. también Heródoto I 65.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 172 David Hernández de la Fuente

En un tercer punto, estaba la religión, con los conceptos tra- dicionales sobre la edad de oro como utopía en un pasado legen- dario (como evocaba Hesíodo en Trabajos y días) o en el más allá de los misterios, que prometían un mundo mejor en otro lugar, y una felicidad que a veces regresaba pasajeramente, a lo que acaso dedica menos atención Dawson. Los hombres de la edad de oro pasaban su vida en ausencia de dolor, penas y conflictos, eterna- mente jóvenes y gozando de comidas comunes que se les daban espontáneamente.19 El viejo mito de las edades de Hesíodo, y su variante mistérica de las islas de los bienaventurados que aparece en Píndaro y otros autores, se actualiza en la polis y vuelve a los hombres gracias a la compasión de los dioses. Este mito cíclico y recurrente de la edad de oro es de interés para el pensamiento utópico por la idea de su retorno prometido, ya circular, ya pe- riódico. Los textos sagrados del orfismo también hablaron de la posibilidad de alcanzar la edad de oro paradisíaca para los justos bajo el gobierno del viejo Crono en un más allá utópico y es Dio- niso el dios que parece regir ese mundo áureo del más allá en sus regresos periódicos al nuestro.20 Como quiera que sea, el debate sobre la reforma de la sociedad a partir de una aplicación al conjunto de la polis de recetas utó- picas basadas en sus elementos básicos, se agudiza en la época de la guerra del Peloponeso, sobre todo en su fase final. Sus ejemplos afloran especialmente en Atenas, que es el laboratorio de toda esta génesis del pensamiento utópico, en un momento marcado por el declive de la ciudad en la guerra, condicionado por la sofística y para el que la comedia de Aristófanes es un testimonio clave. La necesidad de cambiar los mecanismos polí- ticos saltaba a la vista en este momento. El gobierno del demos a partir del sistema asambleario clisténico había caído en la para- doja de tornarse ciertamente tiránico para muchos de los griegos sometidos a su imperio, siguiendo la famosa expresión tucididea que haría de Atenas una «ciudad tirana».21 Este momento cru- cial es abordado por Aristófanes echando mano del recurso a los temas utópicos, como se ve en la comedia Lisístrata. En ella se debate acerca de la Tagespolitik ateniense, sí, pero también

19 Hes. Erg. 117-118. 20 Hernández de la Fuente 2009. 21 Barceló y Hernández de la Fuente 2014, 248 ss.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 173 se abordan temas de interés general para la koinonia futura: y su reforma, no por casualidad, se efectúa en el plano literario a partir del oikos y de sus tareas típicas y en torno al papel de la mujer como gobernante del mismo. Así, para su reforma política, la Lisístrata aristofánica ideará una utopía de un gobierno ba- sada en las technai típicas de las mujeres, es decir, las artes del telar. De tal manera se podrá obtener una mayor cohesión social, como tejiendo una tela:22

Πρῶτον μὲν χρῆν, ὥσπερ πόκον, ἐν βαλανείῳ ἐκπλύναντας τὴν οἰσπώτην ἐκ τῆς πόλεως, ἐπὶ κλίνης ἐκραβδίζειν τοὺς μοχθηροὺς καὶ τοὺς τριβόλους ἀπολέξαι, καὶ τούς γε συνισταμένους τούτους καὶ τοὺς πιλοῦντας ἑαυτοὺς ἐπὶ ταῖς ἀρχαῖσι διαξῆναι καὶ τὰς κεφαλὰς ἀποτῖλαι· εἶτα ξαίνειν εἰς καλαθίσκον κοινὴν εὔνοιαν ἅπαντας καταμειγνύντας· τούς τε μετοίκους κεἴ τις ξένος ᾖ φίλος ὑμῖν, κεἴ τις ὀφείλῃ τῷ δημοσίῳ, καὶ τούτους ἐγκαταμεῖξαι· καὶ νὴ Δία τάς γε πόλεις, ὁπόσαι τῆς γῆς τῆσδ’ εἰσὶν ἄποικοι, διαγιγνώσκειν ὅτι ταῦθ’ ἡμῖν ὥσπερ τὰ κατάγματα κεῖται χωρὶς ἕκαστον· κᾆτ’ ἀπὸ τούτων πάντων τὸ κάταγμα λαβόντας δεῦρο ξυνάγειν καὶ ξυναθροίζειν εἰς ἕν, κἄπειτα ποῆσαι τολύπην μεγάλην κᾆτ’ ἐκ ταύτης τῷ δήμῳ χλαῖναν ὑφῆναι.

Primero habría que, como el vellón en la pila, sacando con el lavado la grasa de la ciudad, sobre una cama varearla hasta echar fuera a los malos y quitar las cerdas, y a esos que se conglomeran y se apelmazan por los cargos, separarlos cardando y quitarles ... las cabezas; luego cardar, en una cestilla, la buena voluntad recíproca mezclando; y a los metecos y si hay algún extranjero amigo vues- tro y si alguno debe al tesoro, a estos también meterlos juntos; y, por Zeus, las ciudades que son colonias de esta tierra, reconocer que son para vosotros como copos de lana, cado uno en su sitio; y luego, cogiendo los copos de todos ellos, traerlos y reunirlos en un montón, y hacer así una gran pelota y luego con ella tejer un manto para el pueblo.

Aristófanes, Lisístrata 575-587. Traducción de F. Rodríguez Adrados

Si la Lisístrata finaliza con una utópica comida en común entre atenienses y espartanos, propiciada por la insólita gynaikokratia

22 Platón usará también el símil del tejedor en su Político.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 174 David Hernández de la Fuente que ha conducido, por medio de una huelga sexual, al fin de las hostilidades, en otra célebre comedia, Las asambleístas, se repite el esquema del gobierno femenino. Hay que pensar que el pro- pio título de la obra era una enorme paradoja, pues el rol social de las mujeres les impedía participar en la asamblea política: su papel estaba ceñido al mantenimiento y conservación del oikos y sacarlas de ese ámbito era el juego utópico que nos ofrece el comediógrafo. Desde luego que es fantástico aplicar las artes de las mujeres —el tejer, como en el caso de la Lisístrata— al juego de la política ideal o de las propuestas utópicas, basadas en las mencionadas nociones como pilares básicos. No por casualidad está relacionado el poder femenino —y su metafórica traslación al plano político— con el tejer. Tampoco es ocioso que se relacione con la idea de las relaciones sexuales que, como vemos desde los modelos evocados de la barbarie hasta la República de Platón, es- tán en el trasfondo del debate utópico sobre la koinonia familiar y la comunidad de mujeres. En Las asambleístas las mujeres dan un paso adelante para regir la política de la ciudad y se visten como hombres: la propues- ta que se hace en la asamblea política es muy notable y la recoge aquí Praxágoras.

μή νυν πρότερον μηδεὶς ὑμῶν ἀντείπῃ μηδ᾽ ὑποκρούσῃ, πρὶν ἐπίστασθαι τὴν ἐπίνοιαν καὶ τοῦ φράζοντος ἀκοῦσαι. κοινωνεῖν γὰρ πάντας φήσω χρῆναι πάντων μετέχοντας κἀκ ταὐτοῦ ζῆν, καὶ μὴ τὸν μὲν πλουτεῖν, τὸν δ᾽ ἄθλιον εἶναι, μηδὲ γεωργεῖν τὸν μὲν πολλήν, τῷ δ᾽ εἶναι μηδὲ ταφῆναι, μηδ᾽ ἀνδραπόδοις τὸν μὲν χρῆσθαι πολλοῖς, τὸν δ᾽ οὐδ᾽ ἀκολούθῳ: ἀλλ᾽ ἕνα ποιῶ κοινὸν πᾶσιν βίοτον καὶ τοῦτον ὅμοιον.

Atención, y que nadie me contradiga ni me interrumpa antes de dar a conocer mi pensamiento y de haberme oído hablar. Propongo que todos los bienes sean comunes (koinonein) y que todos parti- cipen por igual de ellos y vivan de ellos, y que no sea uno rico y otro pobre, ni cultive uno un campo enorme y otro no tenga dónde caerse muerto; que no haya quien tenga cien esclavos y quien ca- rezca de uno solo servicio: sino que establezco una vida común e igual para todos.

Aristófanes, Las asambleístas 588 ss.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 175

En línea con las ideas del comunismo utópico, se propone que todas las cosas sean comunes, es decir, que se cree una koinonia global, agrupando todos los oikoi en una sola gran hacienda co- mún: el estado. O, como dice más adelante Praxágoras, «hacer de nuestra ciudad una sola morada, derribando todas las paredes.» También, al modo dorio, los ciudadanos comerán en esas grandes comidas que eran el modelo de gran parte de esta corriente de de- bate utópico que trasluce en la comedia, o, en palabras de Praxá- goras «todos los pórticos y tribunales se convertirán en comedo- res». Dawson ha notado sagazmente que la clave de la cuestión y de este debate utópico reside en resolver la pregunta de por qué la koinonia de propiedad deriva necesariamente en el pensamiento utópico griego en una koinonia de mujeres, es decir por qué de la hacienda se pasa al sexo.23 Dawson piensa con mucha razón que tal vez aquí confluyan varias tradiciones míticas del conglomerado heredado relacionadas con la Edad de Oro (frecuentemente paro- diada en la comedia)24 y con la idea del gobierno femenino. En todo caso hay que recordar también que ya Aristóteles, al trazar una breve historia de las doctrinas políticas griegas, presenta una in- teresante subdivisión entre constituciones teóricas de pensadores que incluyen la comunidad de bienes y la igualdad entre los sexos —en referencia a su maestro Platón— y las teorías de otros, tal vez no filósofos, que conservan la propiedad privada y las distinciones entre sexos, permaneciendo más cerca del actual estado de la po- lítica en las ciudades-estado griegas. Es interesante comenzar la discusión sobre el nacimiento de la utopía en torno a la koinonia griega con la obra de Aristófanes, pues, pese a ser un testimonio, el de Las asambleístas, relativa- mente tardío, está ofreciendo un tratamiento cómico y popular de algunos de los temas que, heredados de la génesis de la teoría po- lítica en Heródoto y de su desarrollo en la sofística, estaban espe- cialmente vivos en el debate ciudadano de la época final de la Gue- rra del Peloponeso y sobre los que una década después volvería la República de Platón. Las diferencias, ciertamente, son claras, pero salta a la vista incluso en un tratamiento paródico como este (o el de la Lisístrata y las Tesmoforiantes anteriormente), la relevancia del tema de la comunidad familiar (i.e., sexual, de mujeres) y la

23 Dawson 1992, 38-39. 24 Cf. de nuevo Hernández de la Fuente 2009, 108.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 176 David Hernández de la Fuente de la gynaikokratia. Sobre esto último, aunque ciertamente muy atenuado, también volverá Platón cuando atribuya a la mujer un papel importante, tanto en la República como, especialmente, en las Leyes. Pero mucho antes de Aristófanes o Platón, tal vez la primera escuela filosófica que trata el tema de lakoinonia fuera la secta pi- tagórica, que más que una escuela en el sentido posterior del tér- mino —derivado, por cierto, del griego schole, como el ocio elevado en el debate, a menudo político, entre hombres de bien— se apro- xima a un modo de vida común: el bios pitagórico, al que dedican sendos libros los neoplatónicos Porfirio y Jámblico, no es sino una comunidad de vida, o una vida en común (koinos bios), al margen de la polis en general, que debía incluir cierto modo de comuni- dad de propiedades y también de familias, aunque sobre estos se discute mucho.25 No cabe descartar que en la redacción de las biografías de los mencionados filósofos neoplatónicos que hemos conservado, y que datan muy verosímilmente del siglo IV, haya in- fluido de alguna forma el debate contemporáneo del ascetismo y el cenobitismo cristiano. Sin embargo, tanto Platón como otras fuen- tes antiguas certifican que la vertiente política de Pitágoras y su escuela, aparte de centrarse en las teorías de proporción matemá- tico-musical que podrían ser aplicadas a la comunidad humana, estaba especialmente enfocada en el modo de vida pitagórico como koinonia tou biou:26 así aparece en la única mención a Pitágoras en la República de Platón (600 ab), que subraya precisamente el concepto de la synousia, en el sentido de la vida en común de los miembros de la escuela del sabio de Samos.27 Frente a las propuestas de reforma utópica posteriores que surgen del contraste con otros modelos, el pitagorismo tiene muy clara la necesidad de una segregación del grupo cenobítico de la sociedad general para intentar refundarla. Lo primero para lograr la mejor sociedad es la «comunidad de vida», el koinon bios, del gru- po. Se basa en parámetros ascéticos, rigoristas, de implicaciones científico-religiosas, que primero constituirán la sociedad interior y perfecta y luego cambiarán la sociedad general. Quizá sigan ahí

25 Véase la primera parte de Hernández de la Fuente, 2011 [20142]. 26 Dawson 1992, 16 ss. 27 Aunque esta palabra implica mucho más, como se analiza en Hernández de la Fuente 2010, 110-112, en el plano mítico en Platón.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 177 los modelos que los estudiosos de la sociología de la religión han planteado para la dicotomía iglesia-secta.28 Hay que subrayar la implicación política de la comunidad de vida pitagórica —frente a la falta de interés de otros grupos religiosos como los órficos, por ejemplo, en la polis— que hace de esta escuela algo más que un grupo sapiencial y religioso y lo hace susceptible de comparación, en cierta manera, con la forma en que las elitistas hetaireiai trata- ron de interferir en el curso de la política de la sociedad general. La concepción de la amistad (philia) de los pitagóricos, una fuerte solidaridad interna que llegaba a poner en común no solo inte- reses filosóficos sino también políticos y económicos,29 convirtió a sus comunidades en la Magna Grecia en verdaderos grupos de presión con influencia más allá de sus esferas particulares, lle- gando a dominar la política de las ciudades de la zona, como se ve en ciertos episodios clave en los que se consulta a Pitágoras sobre cuestiones de política tanto interior como exterior y de mediación social en casos de conflicto entre ciudadanos. Pitágoras aparece como un legislador de cara al interior de su escuela y pronto será imitado en el exterior, como recoge Jámblico, admirado como me- diador y líder carismático.

νόμους τε παρ’ αὐτοῦ δεξάμενοι καὶ προστάγματα ὡσανεὶ θείας ὑποθήκας, ὧν ἐκτὸς οὐδὲν ἔπραττον, παρέμειναν ὁμονοοῦντες ὅλῳ τῷ τῶν ὁμιλητῶν ἀθροίσματι, εὐφημούμενοι καὶ παρὰ τῶν πέριξ μακαριζόμενοι, τάς τε οὐσίας κοινὰς ἔθεντο […] πολιτεία δὲ ἡ βελτίστη καὶ ὁμοδημία καὶ ‘κοινὰ τὰ φίλων’

Recibieron leyes de él y mandatos como si fueran preceptos divi- nos, fuera de lo cual nada se hacía, y vivían juntos en comunidad de espíritu toda la congregación de acólitos, bendecidos y estima- dos felices por los que les rodeaban, puesto que tenían todas las cosas en común […] Y también la mejor constitución y la concor- dia, la «comunidad de los amigos».

Jámblico, Vid. Pit. VI 30, 32.

Hay quien quiere localizar el origen de ciertas nociones básicas del pensamiento político griego, como la del equilibrio y la armonía precisamente en la escuela de Pitágoras. Según la teoría que se le

28 Burkert 1982. 29 Cf. Konstan 1997.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 178 David Hernández de la Fuente atribuye en torno a la ordenación armónica de las series numéri- cas y los intervalos que condicionan cualquier relación matemáti- ca o composición musical, la armonía entre los seres humanos se configura, en su teoría de la amistad, como una auténtica política pitagórica, enunciada por vez primera en el discurso dirigido a la asamblea de Crotona por Pitágoras, que recoge su tradición bio- gráfica.30 Ahí estaría la idea de la armonía política que hace de los conciudadanos, miembros de la koinonia pitagórica, auténticos amigos, en un orden (kosmos) proporcionado. La interacción entre ellos conforma un equilibrio áureo, un logismos («cálculo» o «razo- namiento») que aparecerá más tarde en uno de los más célebres pitagóricos posteriores, Arquitas de Tarento.31 En efecto, la idea de regular la koinonia mediante la proporción geométrica aparece por primera vez en el fragmento 3 de Arquitas —un pensador que real- mente llegó a tener responsabilidades políticas en su ciudad—, en lo que representa una aplicación del equilibrio áureo a la política. No es ocioso pensar que luego recogerá estas ideas probablemente el Platón de la República. La koinonia defendida por los antiguos pitagóricos en sus comu- nidades del sur de Italia, en lo que de ellas podemos conocer, se vio reflejada tanto dentro como fuera de su sociedad carismática, por seguir la terminología de Max Weber. En primer lugar, cabe destacar la fuerza de ley de los dicta pitagóricos. La relación entre Pitágoras y la ley divina en que se convierten al instante las pala- bras inspiradas del maestro —el ipse dixit— se pone aquí de mani- fiesto. En la historia de la legislación griega se puede comparar con los orígenes religiosos de la ley, por ejemplo, en figuras míticas de legisladores como Minos o Licurgo. En la vertiente política Pitágo- ras aparece como legislador en los fragmentos de los aristotélicos Dicearco de Mesina y Aristóxeno de Tarento.32 Para Dicearco, Pi- tágoras es ante todo un guía político y moral. Para Aristóxeno, en cambio, es un mítico educador político de todo el mundo antiguo. Pero, en segundo lugar, cabe recordar que la secta pitagórica tuvo funciones de mediación social también entre los ciudadanos

30 Cf. Kahn, 2001, 47; Konstan, 1997, 115. Para una interpretación de la ver- tiente política del antiguo pitagorismo, combinada con su faceta religiosa, véase Hernández de la Fuente, 2011 [20142], 120-132. 31 Estrabón I 3 4. Cf. Huffman 2005. 32 Cf. Dicearco F 33 W, Justino XX 4.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 179 de la polis crotoniata y de otras poleis, que se sometían volunta- riamente a sus arbitrajes, como confirma algún otro pasaje de Jámblico.33 También ha quedado atestiguada en las fuentes por varios episodios, como la recepción de embajadores de Síbaris por Pitágoras en nombre de Crotona,34 la evidente influencia política que tuvo el pitagorismo sobre la sociedad exterior. Los miembros de dicha escuela, al decir de Jámblico «hicieron guardar las leyes y dirigieron algunas ciudades de Italia, revelando y aconsejando las mejores medidas que pudieron concebir, pero absteniéndose de recibir un sueldo público… [los itálicos] quisieron que los asun- tos constitucionales fueran administrados por aquellos. En esta época parece que las mejores constituciones se dieron en Italia y Sicilia.»35 Aunque no parece que ni Pitágoras mismo ni sus segui- dores hubieran desempeñado cargos públicos, sí cabe decir que el maestro y sus seguidores eran consultados como consejeros políticos de primer orden en asuntos públicos cuya importancia lo requiriese.36 Desde luego que la herencia más importante que se le atribuyó a la koinonia pitagórica advino con la idea común de que había sido adaptada en el comunismo de Platón, como figura en este pasaje de Jámblico:

ἀρχὴ τοίνυν ἐστὶ δικαιοσύνης μὲν τὸ κοινὸν καὶ ἴσον καὶ τὸ ἐγγυτάτω ἑνὸς σώματος καὶ μιᾶς ψυχῆς ὁμοπαθεῖν πάντας, καὶ ἐπὶ τὸ αὐτὸ τὸ ἐμὸν φθέγγεσθαι καὶ τὸ ἀλλότριον, ὥσπερ δὴ καὶ Πλάτων μαθὼν παρὰ τῶν Πυθαγορείων συμμαρτυρεῖ. τοῦτο τοίνυν ἄριστα ἀνδρῶν κατεσκεύασεν, ἐν τοῖς ἤθεσι τὸ ἴδιον πᾶν ἐξορίσας, τὸ δὲ κοινὸν αὐξήσας μέχρι τῶν ἐσχάτων κτημάτων καὶ στάσεως αἰτίων ὄντων καὶ ταραχῆς· κοινὰ γὰρ πᾶσι πάντα καὶ ταὐτὰ ἦν, ἴδιον δὲ οὐδεὶς οὐδὲν ἐκέκτητο. καὶ εἰ μὲν ἠρέσκετό <τις> τῇ κοινωνίᾳ, ἐχρῆτο τοῖς κοινοῖς κατὰ τὸ δικαιότατον, εἰ δὲ μή, ἀπολαβὼν ἂν τὴν ἑαυτοῦ οὐσίαν καὶ πλείονα ἧς εἰσενηνόχει εἰς τὸ κοινὸν ἀπηλλάττετο. οὕτως ἐξ ἀρχῆς τῆς πρώτης τὴν δικαιοσύνην ἄριστα κατεστήσατο.

Así pues, el principio de la justicia es la comunidad y la igualdad, que se debería experimentar de la misma manera que si se tuviera un mismo cuerpo y una sola alma, llamando con igual nombre lo mío y lo ajeno, como atestigua también Platón,37 que lo aprendió de

33 Jámblico, V. Pyth. 124 34 Jámblico, V. Pyth. 133, 177. 35 Jámblico V. Pyth. 129. 36 Cf. Riedweg 2002 [2005], 60-61. 37 El comunismo de las obras políticas de Platón encontraría, según los neopi- tagóricos, un precedente en Pitágoras. Cf. Platón, Resp. 462b ss.

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los pitagóricos. Pitágoras, pues, logró esto entre los seres humanos de la mejor manera, tras expulsar de los caracteres todo lo privado y acreciendo lo común incluso en cuanto a las posesiones más bá- sicas, por ser causa de discordias y disturbios civiles. Pues [entre los pitagóricos] las cosas eran comunes y las mismas para todos y nadie adquiría nada de forma privada. Y si alguien estaba a gusto en la comunidad, hacía uso de las cosas comunes de la manera más justa, pero si no lo estaba, tomaba de nuevo su patrimonio y lo recuperaba incluso acrecentado para marcharse. De esta forma Pitágoras estableció así la justicia de una manera excelente desde su primer principio.

Jámblico, Vid. Pit. XXX 167-168

Hay que recordar ahora el comunismo que evoca el dicho koi- na ta philon, que tal vez evoca la feliz edad de oro del mito o de la religión antigua, con abundancia y felicidad común.38 Este céle- bre motto, procedente de la paremiología, también sería adapta- do por la política ideal de Platón no solo en la República sino en las Leyes y habría de devenir también posteriormente un tópico literario y filosófico en relación con la edad de oro y el communis usus omnium rerum.39 En cuanto a lo que quería decir este modo de vida pitagórico Dawson afirma que no es el modo de vida casi monástico que describe muchos siglos después Jámblico: inclu- so el círculo interior de los pitagóricos —que en cierto modo coin- cide con los cenobitas cristianos— parece vivir su fraternidad en comidas en común y tiempo en común, más bien que viviendo juntos en un sentido literal, y seguramente la koinonia de vida hay que entenderla así, con mantenimiento de su propiedad y vida privada.40 Se puede argumentar, contra lo que aduce Dawson, que sí existía una cierta comunidad de bienes, puesto que, además del koina ta ton philon de los pitagóricos, hay que señalar la existen- cia de las magistraturas intrapitagóricas de los llamados «econó- micos» (oikonomikoi) o administradores de bienes y los «políticos» (politikoi). En el marco de la koinonia pitágorica, como analizare- mos a continuación, sí parece haber existido un tesoro común

38 Hesíodo, Op. 112, Píndaro, Ol. II 68 ss. 39 Ovidio, Met. I 135, Seneca, Ep. CX 38, Octavia 403. 40 Dawson 1992, 44, n. 5.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 181 administrado por estos personajes. De nuevo, el aspecto econó- mico de la idea de koinonia resulta clave aquí, en cuanto que los llamados oikonomikoi ponían en común las propiedades. Según se deduce de varios testimonios de Jámblico parece que unos se dedicaban a gestionar el oikos pitagórico, es decir, la vivienda y el patrimonio común, mientras que los segundos tenían parte en las relaciones del grupo con la sociedad externa.41 Veamos uno de los textos en cuestión:

καὶ ὅντινα δοκιμάσειεν οὕτως, ἐφίει τριῶν ἐτῶν ὑπερορᾶσθαι, δοκιμάζων πῶς ἔχει βεβαιότητος καὶ ἀληθινῆς φιλομαθείας, καὶ εἰ πρὸς δόξαν ἱκανῶς παρεσκεύασται ὥστε καταφρονεῖν τιμῆς. μετὰ δὲ τοῦτο τοῖς προσιοῦσι προσέταττε σιωπὴν πενταετῆ, ἀποπειρώμενος πῶς ἐγκρατείας ἔχουσιν, ὡς χαλεπώτερον τῶν ἄλλων ἐγκρατευμάτων τοῦτο, τὸ γλώσσης κρατεῖν, καθὰ καὶ ὑπὸ τῶν τὰ μυστήρια νομοθετησάντων ἐμφαίνεται ἡμῖν. ἐν δὴ τῷ χρόνῳ τούτῳ τὰ μὲν ἑκάστου ὑπάρχοντα, τουτέστιν αἱ οὐσίαι, ἐκοινοῦντο, διδόμενα τοῖς ἀποδεδειγμένοις εἰς τοῦτο γνωρίμοις, οἵπερ ἐκαλοῦντο πολιτικοί, καὶ οἰκονομικοί τινες καὶ νομοθετικοὶ ὄντες.

Después de ponerlos así a prueba, les dejaba en observación du- rante tres años, a fin de probar que tenían firmeza y una verdadera buena disposición para el aprendizaje y si estaban suficientemente preparados para la fama de forma que pudieran despreciar todo honor. Después de esto ordenaba a los que llegaban ante él que guardaran silencio durante cinco años, poniendo a prueba la re- sistencia que tenían, pues esta es la más difícil de todas las formas de dominio de uno mismo, el control de la lengua, según se nos ha revelado por quienes han establecido las regulaciones de los miste- rios. Durante este período los bienes de cada uno de ellos, es decir sus posesiones, quedaban en común y eran entregados a los dis- cípulos destinados a ello. Estos recibían el nombre de «políticos», expertos unos en administración de bienes (oikonomikoi) y otros en legislación (nomothetikoi).

Jámblico, Vid. Pit. 72.

Seguramente la realidad se descubra analizando con algo de detalle la escala jerárquica como la transmiten las fuentes acer- ca de los pitagóricos. Dentro del grupo hay que mencionar cier- tas distinciones que se refieren a la actividad filosófica y política.

41 Jambl. Vit. Pyth. 72, 74.

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Por un lado, aquellos miembros más cercanos al maestro eran los llamados «pitagóricos» y se ocupaban especialmente de política, además de sus estudios sobre religión y matemáticas.42 A ello hay que añadir la progresión sapiencial desde la iniciación en el grupo, pues los principiantes comenzaban atendiendo las palabras del maestro desde fuera de una cortina, sin poder verle en absoluto: tales eran los «exotéricos». Luego, si los jóvenes superaban todas las pruebas, pasaban al interior del círculo y a convertirse en ho- makooi, o «cooyentes», nombre genérico para los seguidores de Pi- tágoras, que le «escuchan conjuntamente». Esto sugiere un nuevo grado de división jerárquica dentro de la secta entre los esotéricos y los exotéricos (los de dentro y los de fuera).43 En tercer lugar se ha hablado de los «matemáticos» frente a los «acusmáticos», sien- do los primeros quienes conocían los mathemata de Pitágoras y eran capaces de racionalizar sus teorías y dichos, y los segundos quienes simplemente memorizaban los akousmata a modo de con- juros o letanías, sin penetrar en su significado.44 En todo caso, reforzando la argumentación frente a la tesis de Dawson, lo anterior parece señalar que las propiedades en común eran administradas por estos magistrados y hay que dar por hecho que al entrar en la secta el patrimonio de cada cual quedaba pues- to a disposición del «tesoro común» pitagórico, bajo la administra- ción de una categoría especial llamada politikoi o «administrado- res», en su doble subdivisión de «económicos» y «legisladores», que muy verosímilmente se ocupaban del patrimonio interno de la sec- ta y de regular sus relaciones con el exterior, respectivamente. En esta dinámica entre mundo exterior e interior cabe interpretar el testimonio de Focio45 acerca de la subdivisión del grupo: afirma el Patriarca de Constantinopla, en su epítome de la vida pitagórica, que existían grupos de «reverentes» para la contemplación, «mate- máticos» para las doctrinas esotéricas y que «los que se ocupaban de los asuntos humanos se llamaban políticos». Es de notar esta suerte de comunismo primigenio en los miembros de la sociedad, que para unos autores se sigue de la máxima de «las cosas de los

42 Jámblico, Vit. Pyth. 80. 43 Jambl. Vit. Pyth. 89. 44 Para los diversos grupos de la secta, cf. Burkert 1962a [1972], 192 ss. y Hernández de la Fuente 2011 [20142], capítulo 2 epígrafe 3 de la primera parte. 45 Focio, Bibl. cod. 249.1.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 183 amigos son comunes» y para otros simplemente refleja la amistad pitagórica como solidaridad sectaria.46 En todo caso, más adelante Jámblico dice que los bienes depositados en el periodo de prueba para ingresar en la escuela eran devueltos con creces si el proceso no culminaba con bien, aunque no hay que descartar que hubiera un tesoro común pitagórico más allá de la fase de admisión en la secta. Parece que unos se dedicaban a gestionar el oikos pitagóri- co, es decir, la vivienda y el patrimonio común. Se puede hablar tal vez de un plano más racional y filosófico en la escuela, encarnado por los matemáticos y políticos (que se rigen por las enseñanzas o mathemata y practican la politike te- chne), frente a otro más irracional o místico, que representan los acusmáticos (que siguen los akousmata y la mantike techne).47 Las subdivisiones jerárquicas de los pitagóricos que se han transmi- tido —en las que las clases superiores y más cercanas al saber puro viven en común— se pueden ciertamente asociar al modo de vida que practica solamente una elite en lo que Platón refleja en la República: es decir, que semejaría la vida de los guardianes, la clase de los sabios gobernantes de Platón, que podría estar aso- ciada directamente con el modo de vida pitagórico, casi como una forma de ascetismo individual.48 Más adelante Aristóteles también discutirá a los precursores de la koinonia de Platón en el libro se- gundo de la Política, pero curiosamente no menciona a Pitágoras, en la línea de la suerte de damnatio memoriae que a veces parece haber sufrido este sabio y su escuela primitiva, a los que se sue- le englobar en la obra de Aristóteles con la cómoda etiqueta de «los llamados pitagóricos». En todo caso, interesa aquí subrayar la idea de que, pese a la incertidumbre que rodea todo lo que está re- lacionado con el primitivo mundo pitagórico, desde muy temprano les pareció a muchos autores —incluso antes que Jámblico— que había un vínculo entre la elite política de la República de Platón y el precedente de la vida común pitagórica. Ciertamente había di- ferencias obvias también, puesto que el comunismo pitagórico no parece haber tenido ningún papel constitucional, ni parece haber existido una comunidad de mujeres.

46 Cf. Konstan 1997, 115, 82. 47 Cicerón, De leg. I. 12, De Off. I 7; Diog. Laercio VIII 10. 48 Cf. para el comunismo pitagórico, de nuevo, Dawson 1992, 16-18.

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En todo caso, las herencias pitagóricas en la teoría política de Platón siguen el hilo de la discusión en torno a la koinonia de bienes y familia. No es este ciertamente el lugar para exponer la teoría política platónica en torno a estos temas —ni mucho menos la compleja e irresoluble cuestión de la influencia del pitagorismo en el filósofo ateniense—49 sino solo para esbozar algunas ideas sobre el particular. Desde luego que la República puede leerse como una aplicación teórica hasta el último extremo de la idea de justa proporción natural a la política. Platón, como catalizador de las doctrinas políticas anteriores, y seguramente de la indaga- ción cósmica de los pitagóricos, presenta la idea de la armonía, la amistad y la proporción (philia) en la buena distribución de los tipos de hombres como base del sistema de la República (524b), en la creencia de que un fundamento filosófico-racional y un equili- brio áureo es el mejor esquema tanto para el estado como para el alma. En las Leyes (645a-b) será la «buena y vieja ley» (el nomos, seguramente en su sentido matemático-musical) la que habrá de imperar entre los hombres, lo que parece encontrar inspiración directa en el logismos pitagórico. La idea de proporción se convierte en Platón en un modo de determinar racionalmente que el orden natural constituye tam- bién un orden moral, ya que en todo se encuentra la presencia del número, siendo la armonía política la más excelsa realización de la justicia social. Se trata, así, de un proyecto de reforma de la sociedad basado en una suerte de redistribución secundum na- turam de la ciudad en koinoniai separadas, a partir de premisas filosóficas y científicas. La división proporcionada de la sociedad en clases separadas según su naturaleza —en los diversos grados que se ven en la República y las Leyes— impone que cada parte realice solo y exclusivamente las tareas para las que está dotada en una división de funciones que se deduce de la teoría del alma platónica y que da fe de la hábil combinación entre abstracción teórica y aplicación práctica a la política. La clase productora de- berá ser vigilada por la clase de los guardianes con la intermedia- ción de los auxiliares, y todo será gobernado por la elite superior de los guardianes, que están más cerca de la idea del bien y viven en una comunidad casi perfecta, en koinonia de bienes y mujeres,

49 Para una interpretación parcial, cf. Hernández de la Fuente 2011 [20142], 133-137.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 185 y dedicados a la contemplación del kosmos y a la dirección supre- ma del estado. Pero preferiremos ahora centrar el tema de la comunidad de bienes y de mujeres, siguiendo el hilo anterior, en la disyuntiva entre utopía y realidad que subyace tras el pensamiento político de Platón. El juego de espejos entre la polis que le tocó vivir al fi- lósofo, las tradiciones utópicas y las posibles puestas en práctica de las ideas políticas a veces provoca más de un problema a los estudiosos de la República y de las Leyes. Entre medias, el impor- tante aporte que representa el Político acerca de la naturaleza del gobernante y sus modelos, completa un complejo tríptico para su exégesis, a lo que se suma el juego constante con los modelos míti- cos y con el campo de la expresión literaria. Una de las cuestiones básicas es si Platón está teorizando como paradigma genérico y filosófico o si hay realizabilidad en las propuestas. O, en palabras de Dawson, la contraposición entre la lexis, la mera enunciación mítico-literaria, y la praxis o la realidad de la política en acción.50 El tema lo plantea el propio Sócrates en la República, donde nos da una clave al respecto:

Οὐκ ἄρα, ἔφη, τά γε πολιτικὰ ἐθελήσει πράττειν, ἐάνπερ τούτου κήδηται. Νὴ τὸν κύνα, ἦν δ’ ἐγώ, ἔν γε τῇ ἑαυτοῦ πόλει καὶ μάλα, οὐ μέντοι ἴσως ἔν γε τῇ πατρίδι, ἐὰν μὴ θεία τις συμβῇ τύχη. Μανθάνω, ἔφη· ἐν ᾗ νῦν διήλθομεν οἰκίζοντες πόλει λέγεις, τῇ ἐν λόγοις κειμένῃ, ἐπεὶ γῆς γε οὐδαμοῦ οἶμαι αὐτὴν εἶναι. Ἀλλ’, ἦν δ’ ἐγώ, ἐν οὐρανῷ ἴσως παράδειγμα ἀνάκειται τῷ βουλομένῳ ὁρᾶν καὶ ὁρῶντι ἑαυτὸν κατοικίζειν. Διαφέρει δὲ οὐδὲν εἴτε που ἔστιν εἴτε ἔσται· τὰ γὰρ ταύτης μόνης ἂν πράξειεν, ἄλλης δὲ οὐδεμιᾶς.

—Si estos son —dijo— los intereses del sabio, este no querrá inter- venir en política. —No, por el perro —dije yo— sino que solamente se ocupará de su propia ciudad y mucho, pero seguramente no de la patria, a no ser que concurra alguna circunstancia divina. —Me doy cuenta —dijo—. Te refieres a la ciudad cuya funda- ción hemos descrito y que existe solamente en nuestras palabras, pero no creo que exista en ningún lugar de la tierra. —Pero —respondí yo— seguramente existe en el cielo como pa- radigma para el que quiera mirar hacia él y, al mirarla, gobernarse

50 Dawson 1992, 71 ss.

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a sí mismo. Pues no importa mucho si existe en algún sitio o si existirá alguna vez. El sabio seguirá solamente las leyes de esta y no de ninguna otra ciudad.

Platón, República 592a-b

Como de este pasaje emblemático, de muchos otros lugares se desprende la ambivalencia de los diversos tratamientos po- líticos de Platón entre la realidad y la utopía. A partir de esta dualidad se ha generado un fecundo debate académico al res- pecto, sobre todo a la hora de conciliar las propuestas de los tres diálogos políticos del filósofo. La tesis mayoritaria sobre el particular afirma la coherencia del pensamiento político de Pla- tón en una triple escala en la que la República funcionaría como el paradigma ideal de sociedad —allí donde se presenta la per- fecta concreción de la koinonia superior para la elite gobernan- te— y las Leyes como una concreción un tanto más pragmática que rebaja las expectativas de esta clase superior o extiende un modelo posibilista,51 con el modelo legalista del Político en- tre medias, que interesa especialmente destacar para entender esta gradación política y de realizabilidad. Hay que decir que este esquema ya no es compartido por todos los estudiosos, por supuesto, y hay otros puntos de vista que proponen que las Leyes no son una aplicación de la República sino más bien una construcción completa de una nueva politeia que parte de pre- misas muy diferentes: un ejemplo clave se podría hallar en la abundante utilización del símil del mito de la edad de oro en los diálogos tardíos de Platón (Político 272 y Leyes 713), donde se presenta una versión alegórica del mito de Crono que sigue ese leitmotiv como modelo para la vida humana.52 Desde luego que ya no es posible explicar el desarrollo del pen- samiento de Platón, o las aparentes contradicciones entre Repúbli- ca y las Leyes, según la discutida tradición biográfica del filósofo y siguiendo la añeja tesis de Wilamowitz. Hay que superar el atracti- vo de explicar las renovadas propuestas políticas de Platón tras la República con el recurso a la simplificación a partir de los desenga-

51 Un esquema de las relaciones entre estos diálogos en Horn et al., 2009, 168-181 52 Sobre el mito del Político, cf. Hernández de la Fuente 2014. Cf. también el artículo de Montserrat Molas en este volumen.

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ños en Sicilia y con el trasfondo de la siempre polémica Carta VII53 y el tema de la «segunda navegación». Es sabido que Platón utiliza esta expresión proverbial (deuteros plous), que existía en el habla cotidiana, para designar un medio de segundo orden que permite alcanzar un fin.54 En el Político parece implicar que, tras el ordena- miento ideal, todo intento de legislación es un deuteros plous, una «segunda navegacion», para una ciudad que parecería tal vez la «segunda mejor».55 Según esta visión el filósofo habría descendido a tierra desde aquel paradigma «en el cielo» de la República para marchar en pos de una propuesta más pragmática, como la de las Leyes, es decir, hacia una reforma posible de la ciudad-estado. El Político es la clave de esta inflexión: en él, a la hora de sentar las ba- ses de una nueva koinonia, el verdadero gobernante aparece como un hombre cuya palabra se convierte en derecho y que gobierna en virtud de un conocimiento de índole superior revelado gracias a la filosofía y muy cercano al bien divino. Pero de nuevo hay una bre- cha entre lexis y praxis, teoría y práctica, modelo político ideal del mundo mítico-literario y deuteros plous pragmático de la política. A falta de ese tipo de gobernante las leyes pueden proporcionar una solución provisional para un buen funcionamiento de la sociedad y la política. En las Leyes parece que hay una puesta en práctica de esa solución, una concreción de la República como un ideal po- lítico y de la defensa del imperio de la ley que hace el Político en las condiciones no ideales de la contemporaneidad que vivió el filósofo. La propuesta platónica de su gran último diálogo de recurrir a la legislación enlaza desde luego con toda la tradición del nomos grie- go tradicional y de los patria o leyes tradicionales y no escritas. Las leyes que deben regir en la comunidad política serán generales y tenderán a la conservación de la tradición heredada, a la que cada forma de estado deberá atenerse. En cuanto a la aproximación de Dawson, comienza siguiendo el modelo tripartito tradicional acerca de la realizabilidad de las dos ciudades platónicas, pero innova en cuanto a una «tercera vía» inferior de reforma pragmática.56 En primer lugar, habría un diseño para la mejor construcción política, en absoluto, que es el

53 Cf. el comentario de Cano Cuenca 2014, 134 y ss. 54 Platón, Fedón 99a-102a. 55 Platón, Político 293e, 297e4, 300c2. 56 Dawson 1992, 73.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 188 David Hernández de la Fuente que aparece en la República. Luego habría otro para la segunda mejor, la ciudad de las Leyes, y otro para la tercera mejor en algu- nas alusiones a ciertas incursiones posibles y de carácter legisla- tivo en la política real de las ciudades-estado contemporáneas. En todo caso, huelga decir que, en primer lugar, la mejor politeia sería aquella en la que habría una koinonia total tanto en la propiedad como en cuanto a la familia, con una puesta en común de las mu- jeres y los niños. Solo esa ciudad paradigmática podría alcanzar unidad perfecta gracias a una educación común en la virtud. En cuanto a su realizabilidad, tal ciudad, que desde luego no existe, no parece que pudiera existir alguna vez. Solo ocurriría si hubiera un ser humano de carácter excepcional, a modo de los personajes del mito de las edades, que pudieran llevarla a la práctica.

ὅταν εἰς ταὐτὸν τῷ φρονεῖν τε καὶ σωφρονεῖν ἡ μεγίστη δύναμις ἐν ἀνθρώπῳ συμπέσῃ, τότε πολιτείας τῆς ἀρίστης καὶ νόμων τῶν τοιοῦτων φύεται γένεσις, ἄλλως δὲ οὐ μή ποτε γένηται. ταῦτα μὲν οὖν καθαπερεὶ μῦθός τις λεχθεὶς κεχρησμῳδήσθω, καὶ ἐπιδεδείχθω τῇ μὲν χαλεπὸν ὂν τὸ πόλιν εὔνομον γίγνεσθαι, τῇ δ’, εἴπερ γένοιτο ὅ λέγομεν, πάντων τάχιστόν τε καὶ ῥᾷστον μακρῷ.

Cuando en un ser humano sucede que el poder más alto coincide con la inteligencia y la prudencia, entonces se produce por na- turaleza el nacimiento de la mejor forma de gobierno y de las le- yes correspondientes. De otra manera, esto no ocurre nunca. Pero hagamos como si un oráculo nos hubiera relatado un mito que demostrara que es difícil, por un lado, que una ciudad llegue a adquirir un buen orden político y legal, pero que, por otra parte, si en verdad se llegara a dar esto de lo que hablamos, sería así lo más fácil y sencillo con mucho.

Platón, Leyes 712a.

En ausencia de ese tipo de personaje la segunda mejor cons- trucción política sería, por supuesto, aquella que se parece lo más posible a la primera pero a la vez que es capaz de ser puesta en práctica. Tal sería, por ejemplo, la idea de la fundación de una ciudad —en concreto, la colonia cretense de Magnesia— que su- pone el argumento de las Leyes, de honda impronta doria y que sigue el nomos tradicional, con una notoria influencia de la ley sacra. En tercer lugar, dice Dawson, la tercera mejor ciudad se describirá más tarde (aunque esto no lo llegó a completar Platón), por las alusiones que este autor ve a un tercer nivel de reforma en

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 189 las Leyes (709e; 710d; 738 etc.). A esto se suma que, tomando en consideración el modelo mítico de la edad de Crono como si fuera el paradigma divino y perfecto de ciudad, por encima incluso de la alta utopía de la República, Dawson lo sitúa como inspirador ab- soluto de toda la política platónica, al realizar un cuadro con sus otros modelos en orden descendente (República, Leyes y las refor- mas prácticas en ciudades reales), que corresponderían al mundo de la realidad histórica o edad de Zeus.57 La crítica principal que se le puede hacer a este esquema es, sin duda, que la República es claramente, como reconoce el propio Sócrates, un paradigma irrealizable, no susceptible de ser conse- guido en la edad histórica y en el plano humano. Tal vez se debería considerar en otro plano mítico-religioso, aunque esta vez no de la religión tradicional —como la edad de oro o mito de Crono— sino de la nueva religión filosófica de Platón, con su ascenso al bien y con su recurso a los cuerpos astrales. Mención especial merece, desde el punto de vista de la koino- nia, la propuesta de las Leyes como realización pragmática. Si pensamos un momento en el significado de la palabranomos , que no por casualidad da título a la obra, hay que recordar su proce- dencia del verbo nemo y su noción de «reparto»: esto puede inducir a una relectura sobre el tema de cómo se explicita la comunidad de bienes y de familias en esta obra. Nomos, además, es una pala- bra utilizada especialmente en la música y la poesía para designar la regla ajustada para obtener la armonía y el ritmo. La politeia que se propone en las Leyes, según la sugerente interpretación de Bobonich (2002), «reparte» los matices comunistas de la República y los extiende a toda la sociedad. Mientras que en la República la koinonia de mujeres, bienes e hijos se circunscribía a las clases dominantes, sobre todo los guardianes, en las Leyes, a tenor de esta propuesta, se extendería a toda la ciudad.58 Así la «segunda mejor» ciudad se referiría, más que a una recreación de la kallipo- lis de la República, a una nueva construcción política en la que el comunismo de aquella se extendiera a toda la sociedad. Un ejem- plo clave sería, en otro sentido, la importancia que se le confiere a la mujer en las Leyes: Platón, que había sostenido la necesidad de darle un papel de igualdad en la constitución ideal e irrealiza-

57 Dawson 1992, 66. 58 Bobonich 2002, 10-13, 385-389.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 190 David Hernández de la Fuente ble de la República, se implica esta vez en su realizabilidad en la comunidad política que se esboza en las Leyes, tal vez siguiendo el leitmotiv de las koinoniai utópicas anteriores que hemos visto, otorgando a las mujeres un papel importante en la educación y en la participación política.59 Como ya había destacado Aristóteles, uno de los problemas de la República era que, pese a unificar y clasificar el cuerpo ciudada- no, nunca se concretaba el papel de los productores en esa socie- dad con un comunismo en la cúspide ni se aclaraban los medios de control de las masas para la aceptación de tal sistema político y económico en un grado extremo de control.60 Esto, en cambio, si se explicita en las Leyes de forma razonable y realizable, con un gran apoyo de la tradición de la legislación doria. Platón fue claro en que el ideal absoluto debería incluir la abolición de la tenencia de tierras al menos para alguna parte de los ciudadanos, pero es en las Leyes cuando se concreta: un modelo para la propiedad común de las tierras entre una elite ciudadana que está apoyada por la importación de esclavos y trabajadores extranjeros. Aristóteles, por su parte, retoma el tema de la koinonia y su trata- miento teórico confiriéndole la máxima importancia ya desde el co- mienzo de su Política. Así se ve en sus conocidas líneas definitorias:

Ἐπειδὴ πᾶσαν πόλιν ὁρῶμεν κοινωνίαν τινὰ οὖσαν καὶ πᾶσαν κοινωνίαν ἀγαθοῦ τινος ἕνεκεν συνεστηκυῖαν (τοῦ γὰρ εἶναι δοκοῦντος ἀγαθοῦ χάριν πάντα πράττουσι πάντες), δῆλον ὡς πᾶσαι μὲν ἀγαθοῦ τινος στοχάζονται, μάλιστα δὲ καὶ τοῦ κυριωτάτου πάντων ἡ πασῶν κυριωτάτη καὶ πάσας περιέχουσα τὰς ἄλλας. αὕτη δ’ ἐστὶν ἡ καλουμένη πόλις καὶ ἡ κοινωνία ἡ πολιτική.

Puesto que consideramos que toda ciudad-estado es una cierta co- munidad (κοινωνίαν) y que toda comunidad se ha constituido por causa de algún bien (ya que por lo que se considera un bien todos actúan siempre), es evidente que todas las comunidades tienden a alcanzar algún bien, especialmente hacia el más importante de todos la más importante de todas y que contiene las demás. Y esta es la que llamamos ciudad-estado o comunidad política.

Aristóteles, Política 1252a1 ss.

59 Freudiger 1995, 19, 27 ss. 60 Dawson 1992, 89 ss.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 191

La ciudad estado es la comunidad por excelencia, el marco donde han de realizarse todas las koinoniai, las puestas en común de seres humanos en una colectividad en aras de algún bien: la ciudad estado es, por supuesto, la colectividad de ciudadanos más importante y que incluye las demás formas de comunidad, tanto de bienes como de familias. Esta koinonia de koinoniai, por así decir, es el medio natural de vida del hombre griego como eviden- cia Aristóteles en su Política (1253a) al decir que el hombre es un «animal político» (zoon politikon), o sea, un ser cuyo medio natural es la polis. Así se destacaba ante todo que el nombre de polis no podía aplicarse a cualquier núcleo de población urbano, sino solo al que diera cobijo a una comunidad política (koinonia politike), formada por ciudadanos que comparten un ideal de virtud indi- vidual y colectiva. Allí donde estén sus ciudadanos se encuen- tra la polis, más allá de cualquier otra consideración, politai que comparten un sistema organizativo para sus vidas, unos valores y leyes propias, unas tradiciones ancestrales y religiosas, indepen- dencia política y legislativa (eleutheria y autonomia) y una capaci- dad de autoabastecimiento (autarkeia). El término koinonia alcanza en Aristóteles su definición como la palabra griega por excelencia que designa la «sociedad», la co- munidad y la participación comunitaria. Por contraste con lo an- terior, cuando en el pitagorismo y en el platonismo el debate en torno a la koinonia se centra en el bios koinos y en la comunidad de bienes y mujeres, con Aristóteles el vocablo se centrará se- mánticamente en la comunidad por excelencia: la ciudad-estado, abandonando un tanto sus núcleos menores, notablemente los oikoi como comunidad de tierras, propiedad y familia. En efecto, si en el pensamiento de Platón koinonia designaba no solo una co- munidad política sino también educativa o filosófica, Aristóteles lo ciñe en su Política a la comunidad ciudadana y política. Considera el filósofo que, desde el núcleo básico de la sociedad, la familia (oikos) y la estirpe (genos), como se ha visto, hay un desarrollo ulterior de diversos modelos estatales en progresión hasta llegar a la koinonia politike, alma de la polis, la comunidad política, que puede luego concretarse en diversos modelos constitucionales (po- liteiai), como el monárquico, el oligárquico o el democrático. El animal cívico que es el hombre, dotado de palabra (phone) y razón (logos), ha de comunicarse con sus semejantes para organizarse y sobrevivir en comunidad (koinonia). Su actuación en comunidad

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 192 David Hernández de la Fuente ha de estar guiada por la justicia y, en la perfección de su ser en sociedad, se debe atribuir a cada cual lo que le es propio, pues la propia idea de la política conlleva la necesidad social de una jus- ticia equitativa, tal y como afirma Aristóteles al cierre del capítulo I del libro primero:

φύσει μὲν οὖν ἡ ὁρμὴ ἐν πᾶσιν ἐπὶ τὴν τοιαύτην κοινωνίαν· ὁ δὲ πρῶτος συστήσας μεγίστων ἀγαθῶν αἴτιος. ὥσπερ γὰρ καὶ τελεωθεὶς βέλτιστον τῶν ζῴων ἄνθρωπός ἐστιν, οὕτω καὶ χωρισθεὶς νόμου καὶ δίκης χείριστον πάντων. χαλεπωτάτη γὰρ ἀδικία ἔχουσα ὅπλα· ὁ δὲ ἄνθρωπος ὅπλα ἔχων φύεται φρονήσει καὶ ἀρετῇ, οἷς ἐπὶ τἀναντία ἔστι χρῆσθαι μάλιστα. διὸ ἀνοσιώτατον καὶ ἀγριώτατον ἄνευ ἀρετῆς, καὶ πρὸς ἀφροδίσια καὶ ἐδωδὴν χείριστον. ἡ δὲ δικαιοσύνη πολιτικόν· ἡ γὰρ δίκη πολιτικῆς κοινωνίας τάξις ἐστίν, ἡ δὲ δικαιοσύνη τοῦ δικαίου κρίσις.

La naturaleza arrastra pues instintivamente a todos los hombres a la asociación política. El primero que la instituyó hizo un inmenso servicio, porque el hombre, que cuando ha alcanzado toda la per- fección posible es el primero de los animales, es el último cuando vive sin leyes y sin justicia. En efecto, nada hay más monstruoso que la injusticia armada. El hombre ha recibido de la naturaleza las armas de la sabiduría y de la virtud, que debe emplear sobre todo para combatir las malas pasiones. Sin la virtud es el ser más perverso y más feroz, porque sólo tiene los arrebatos brutales del amor y del hambre. La justicia es una necesidad social, porque el derecho es la regla de vida para la asociación política, y la decisión de lo justo es lo que constituye el derecho.

Aristóteles, Política 1253a29-39

La virtud individual y colectiva y la justicia social se perfeccio- nan en la comunidad política. Esta idea de la cooperación de los seres humanos, que ya estaba en Platón,61 implica en Aristóteles el ideal de convivencia en una comunidad política (koinonia politike). El término koinonia, que no había sido usado con un sentido polí- tico tan hondo por pensadores anteriores y pasará a designar des- de entonces por excelencia la «sociedad», la comunidad humana y la participación comunitaria. En el pensamiento de Aristóteles se amplía el campo conceptual del término que denota especialmente la comunidad ciudadana y política, una participación comunitaria (koinonia) que está fundada sobre la razón (logos), prerrogativa ex-

61 Platón, República 368b.

Studia Philologica Valentina Vol. 16, n.s. 13 (2014) 165-196 La noción de koinonía y los orígenes del pensamiento utópico 193 clusivamente humana. Para Aristóteles la razón es lo propio de los seres humanos frente a los demás animales y entre todas las otras diferencias, que incluyen el discernimiento del bien y el mal o lo justo y lo injusto, destaca la idea de la participación comunitaria que funda la familia y la sociedad. A los efectos de la filosofía política, se ha tomado como referen- cia indiscutible en la modernidad la koinonia politike aristotélica, cuya traducción aproximada podría ser «comunidad», «asociación», «sociedad política» o «sociedad civil», y que pasará al mundo roma- no a través de pensadores como Cicerón. En latín, communitas y societas se propondrán como traducciones de este concepto de la filosofía política griega en una dualidad que se ha prolongado en castellano (comunidad y sociedad) y en otras lenguas modernas (como Gemeinschaft y Gesellschaft en alemán). En la posteridad, y hasta llegar a la filosofía actual, el debate en torno a la noción de koinonia ha implicado una discusión conceptual de hondo ca- lado sobre esta dicotomía que han tratado pensadores como Carl Schmitt, Hans-Georg Gadamer, Jean-Luc Nancy o Roberto Espo- sito. La discusión actual en torno a la comunidad política y a la sociedad civil parte, en todo caso, de la expresión aristotélica koi- nonia politike y su equivalente latino communitas o societas civilis. Podemos añadir también que desde la perspectiva actual de la teoría política y de las ciencias sociales y jurídicas, este debate ha sido directamente heredado por la investigación actual en temas como la ciudadanía democrática, la relación entre la sociedad civil y estado del bienestar, y las formas de intervención social en los ámbitos personal, grupal y comunitario. Más allá de su vertiente utópica en el antiguo pitagorismo y en los proyectos platónicos, esto es lo que más trascenderá hasta el pensamiento actual de la koinonia antigua, pero la cuestión ya rebasa nuestras modestas intenciones en esta contribución.

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Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196 194 David Hernández de la Fuente

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RESUMEN

La comunidad de vida, propiedad, familia y política que fue de- signada en griego antiguo con la palabra koinonia en autores como Platón y Aristóteles es examinada en esta contribución metodológica y terminológica como marco conceptual y punto de partida necesario para entender la historia de las utopías políticas en la Grecia anti- gua. Especial atención se presta a la comunidad de vida pitagórica como precedente de la política platónica, a la combinación entre bios y comunidad en Platón y a la idea de koinonia politike. Se propone una reflexión sobre las implicaciones del vocablo en los orígenes del pensamiento utópico desde la perspectiva de la historia social.

Palabras clave: koinonia, Pitagorismo, Platón, Aristóteles, pen- samiento utópico

ABSTRACT

The community of life, property, family and politics that was named in ancient Greek with the word koinonia in authors such as Plato and Aristotle is discussed in this methodological and ter- minological contribution as a conceptual framework and starting point for the history of political utopias in ancient Greece. Special attention is paid to the Pythagorean community life as precedent to Plato’s politics, the combination of bios and community in Plato’s works and the idea of koinonia politike present in Aristotle. This paper puts forward a reflection on the implications of the word in the origins of utopian thought from the perspective of social history.

Keywords: koinonia, Pythagoreanism, Plato, Aristotle, Utopian thought.

Studia Philologica Valentina Vol. 14, n.s. 13 (2014) 165-196

Normes de publicació de la revista STUDIA PHILOLOGICA VALENTINA

1. Studia Philologica Valentina, publicació de periodicitat anual, acollirà en les seues pàgines col·laboracions inèdites referides a la Filologia Clàssica en general i als estudis relacionats amb aquesta. El criteri preferent per la publicació atendrà sobretot al caràcter científic del mètode i els resultats.

2. Els treballs rebuts per la revista seran revisats i informats per dos avaluadors. Els originals s’enviaran per correu electrònic al Secretariat de la revista. E-mail: [email protected].

3. En tots els originals hauran de figurar el títol del treball, el nom de l’autor o autors, la seua adreça, telèfon i/o correu electrònic (qualsevol canvi haurà de ser comunicat immediatament a la redacció), així com el nom de la institució científica a la qual pertany. També es farà constar igualment la data de lliurament de l’article.

4. Tots els originals es presentaran es suport informàtic, en format Word, RTF i PDF, a doble espai i amb am- ples marges. Les notes a peu de plana, també a doble espai, es numeraran consecutivament. Per a els textos grecs s’utilizarà una font Unicode.

5. Els articles no hauran de sobrepassar l’extensió màxima de vint-i-cinc planes de trenta-dos línies, i no mes de seixanta caràcters per línia, sent tres planes el màxim acceptable per a una ressenya.

6. Tot original haurà d’anar acompanyat d’un breu resum en l’idioma original del treball i en anglès o francès, amb una extensió màxima de deu ratlles, amb els corresponents mots clau (Keywords).

7. Tots els gràfics (mapes, taules, figures...) que acompanyen el treball hauran de ser originals i es presenta- ran en format electrònic, o en el seu defecte en paper vegetal i perfectament rotulats. En cas de reproducció hom exigirà el permís exprés de reproducció de l’autor i/o editorial. Les fotografies hauran de ser de la millor qualitat per a evitar la pèrdua de detall en la reproducció. Tots els gràfics d’un article hauran d’anar numerats i acompanyats d’un breu peu o llegenda que permeta la seua identificació. Així mateix, hom indicarà el lloc aproximat d’inserció.

8. Les citacions s’atindran al següent sistema: a) Textos clàssics: hom emprarà les abreviatures dels lèxics de A Greek-English lexicon, Oxford, 1968... (Liddell-Scott-Jones), The Oxford Latin Dictionary, Oxford, 1968-82, del Index del Thesaurus Linguae Latinae, i del DGE. Exemple:

A. Ch. 350-5: Pla. Ap. 34a: Th. 6.17.4

Apul. Met. 11. 10.6; Ov. Ars. 3.635; Verg. Aen. 5.539 b) Bibliografia moderna. Exemple:

Llibres:

R. Syme, The Roman Revolution, Oxford, Oxford University Press, 1939, p. 230 n. 4

Revistes: hom citarà d’acord amb les abreviatures de L’Année Philologique:

W. Chausen, “Callimachus and Latin Poetry”, GRBS 5 (1964), pp. 181-196.

9. Durant la correcció de proves, que hom enviarà a l’autor sense l’original, no s’admetran alteracions sig- nificatives del text que suposen despeses addicionals de composició o impressió. En cas que l’autor desitge realitzar cap alteració d’aquesta mena, les despeses li seran facturades a preu de cost.

10. Els autors es comprometen a corregir les proves en un termini màxim de deu dies des del lliurament de les mateixes.

11. La publicació d’articles en Studia Philologica Valentina no dóna dret a cap remuneració. Els drets d’edició són propietat de la Universitat de València i hom requerirà el permís d’aquesta per a qualsevol reproducció, fent sempre constar l’origen de la mateixa.

12. La presentació d’originals per a la revista Studia Philologica Valentina suposa l’acceptació d’aquestes nor- mes. L’incompliment d’aquestes pot causar demora en la publicació del treball. Normas de publicación de la revista STUDIA PHILOLOGICA VALENTINA

1. Studia Philologica Valentina, publicación de periodicidad anual, acogerá en sus páginas colaboraciones inéditas referidas a la Filología Clásica en general y a los estudios relacionados con ésta. El criterio preferente para la publicación atenderá, sobretodo, al carácter científico del método y a los resultados.

2. Los trabajos recibidos por la revista serán revisados e informados por dos evaluadores. Los originales se enviarán por correo electrónicos al secretariado de la revista. E-mail: [email protected].

3. En todos los originales deberá figurar el título del trabajo, el nombre del autor o autores, su dirección, teléfono y/o correo electrónico (cualquier cambio deberá ser comunicado de inmediato a la redacción), así como el nombre de la institución científica a la que pertenece. Asimismo, se hará constar también la fecha de entrega del artículo.

4. Todos los originales se presentarán en soporte informático, en formato Word, RTF y PDF, a doble espacio y con amplios márgenes. Las notas a pie de página, también a doble espacio. se numerarán consecutivamente. Para los textos griegos se utilizará una fuente Unicode.

5. Los artículos no deberán sobrepasar la extensión máxima de veinticinco páginas de treinta y dos líneas, y no más de sesenta caracteres por línea, siendo tres páginas el máximo aceptable para una reseña.

6. Todo original deberá ir acompañado de un breve resumen en el idioma original del trabajo y en inglés o francés, con una extensión máxima de diez líneas y las correspondientes palabras clave (Keywords).

7. Todos los gráficos (mapas, tablas, figuras...) que acompañen al trabajo deberán ser originales y se presenta- rán preferentemente en papel vegetal y perfectamente rotulados. En caso de reproducción se exigirá el permiso expreso de reproducción del autor y/o editorial. Las fotografias deberán ser de la mejor calidad para evitar pér- dida de detalle en la reproducción. Todos los gráficos de un articulo deberán ir numerados y acompañados de un breve pie o leyenda que permita su identificación. Asimismo, se indicará el lugar aproximado de inserción.

8. Las citas se atendrán al siguiente sistema: a) Textos clásicos: se usarán las abreviaturas de A Greek-English lexicon, Oxford, 1968... (Liddell-Scott-Jones), The Oxford Latin Dictionary, Oxford, 1968-82, del Index del Thesaurus Linguae Latinae y del DGE. Ejemplo:

A. Ch. 350-5: Pla. Ap. 34a: Th. 6.17.4

Apul. Met. 11. 10.6; Ov. Ars. 3.635; Verg. Aen. 5.539 b) Bibliografía moderna. Ejemplos:

Libros:

R. Syme, The Roman Revolution, Oxford, Oxford University Press, 1939, p. 230 n. 4

Revistas: se citarán de acuerdo con las abreviaturas de L’Année Philologique:

W. Chausen, “Callimachus and Latin Poetry”, GRBS 5 (1964), pp. 181-196.

9. Durante la corrección de pruebas, que se enviarán al autor sin el original, no se admitirán alteraciones significativas del texto que conlleven gastos adicionales de composición o impresión. En caso de que el autor desee realizar alguna alteración de esta índole, los gastos le serán facturados a precio de coste.

10. Los autores se comprometen a corregir las pruebas en un plazo máximo de diez días desde la recepción de las mismas.

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1. Studia Philologica Valentina, an annual journal, will include unpublished works about Classical Philology in general and related studies. The preferential criterion for acceptance will specially take into account the scientific methodology used and the results.

2. All the papers received by the journal will be assessed and peer-reviewed by two assessors. Originals should be addressed to the Secretariat of the Journal. E-mail: [email protected].

3. Originals should include the title of paper, name of author(s), address, telephone number and/or e-mail, name of institution (the editors should be immediately informed of any change in these), and the date in which the paper is sent.

4. Originals must be submitted in digital format, Word, RTF and PDF, double-spaced and with wide margins. Footnotes, also double-spaced, should be consecutively numbered. For Greek texts a Unicode font should be used.

5. Articles should be no longer than 25 pages (32 lines per page and 60 characters per line), and reviews no longer than 3 pages.

6. Originals will include a ten-line abstract in the mattern language of the article and in English or French. Also will include the relevant keywords.

7. All graphic work (maps, tables, drawings.. .) should. be printed using grease-proof paper. Should this be a reproduction it is the author’s responsibility to obtain written permission from the author(s) and/or editor(s). Photographs should be of the best possible quality to avoid losses in the process of reproduction. All graphics in an article should be numbered and include a text to allow identification. Place of insertion should also be indicated.

8. Quotations should observe the following rules: a) Classical texts should use the abbreviations of A Greek-English lexicon, Oxford, 1968... (Liddell-Scott- Jones), The Oxford Latin Dictionary, Oxford, 1968-82, the Index from Thesaurus Linguae Latinae, and those of the DGE. Example:

A. Ch. 350-5: Pla. Ap. 34a: Th. 6.17.4

Apul. Met. 11. 10.6; Ov. Ars. 3.635; Verg. Aen. 5.539 b) Modern texts. Example:

Books:

R. Syme, The Roman Revolution, Oxford, Oxford University Press, 1939, p. 230 n. 4

Journals: According to the abbreviations in L’Année Philologique:

W. Chausen, “Callimachus and Latin Poetry”, GRBS 5 (1964), pp. 181-196.

9. Proofs will be sent to author(s) without the original text. During correction no substantial changes, involving composition or printing of the text, will be allowed. Should the author(s) require these to be made, additional costs will be charged.

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11. Publication of articles in Studia Philologica Valentina are not subject to any economic remuneration. The rights belong to the University of Valencia and, should the author(s) wish to reproduce the article mentioning the original publication, prior permission should be obtained from the University of Valencia.

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