Cultura-18-Junho-2014

Total Page:16

File Type:pdf, Size:1020Kb

Cultura-18-Junho-2014 QUARTA-FEIRA • 18 DE JUNHO DE 2014 Diário do Minho Este suplemento faz parte da edição n.º 30346 de 18 de junho de 2014, do jornal Diário do Minho, Cultura não podendo ser vendido separadamente > “Fernando Pessoa a cores...” – Casa F. Pessoa – Lisboa, Jan. de 2014 [Foto de Sofi a Barbosa] II Cultura QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Diário do Minho Os Segredos de Jacinta Romance de Cristina Torrão destaca-se pela ternura e bondade de algumas das suas personagens O romance “Os Segredos de Jacinta”, da autoria de Cristina Torrão e publicado pela “Poética Edições”, foi apresentado no dia 14 de junho, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, pelo dr. Manuel Cardoso. Na co- municação que proferiu (que reproduzimos a seguir), este professor de língua portuguesa realçou o facto de várias personagens dos romances de Cristina Torrão se destacarem pela sua bondade e ternura, realçando ainda a escrita objetiva e cinematográfica da autora. Tal como nas suas obras anterio- aos ditames da santa madre Igreja, enquadrado numa sociedade de res, também neste livro, Cristina ao mesmo tempo que são ocasião ordens fortemente estratifi cada. Torrão leva-nos pela mão a um para as mais profanas diversões, No topo da pirâmide, o alto clero, passeio pelo Portugal Medieval onde tudo funciona como uma que rodeia o poder político e o com todos os seus encantos e catarse social face ao rígido qua- condiciona. Ao lado desta elite terrores. Mais do que a conturbada dro de valores imposto pela moral eclesiástica, os fi dalgos, a nobreza situação política e militar da épo- cristã que mais não é que uma terratenente que nasceu da elite ca, está em cena o enquadramen- forma de submissão do povo aos guerreira constituída pelos líderes to mental, social e moral desse ditames do poder. A festa religiosa dos exércitos cristãos, compen- período, salpicado por descrições tal como nos é descrita neste livro sados, também eles, pelo poder objetivas e agradáveis dos usos e assume portanto um caráter am- político pela doação de terras. Por costumes da época. bivalente onde a religiosidade tem outro lado, o povo é constituído Não se pense, no entanto, que o seu contraponto na extroversão por uma maioria de pobres viven- este é um livro apenas sobre o de atitudes mentais reprimidas. do do trabalho agrícola nas terras século XII; o que está em causa Nesses momentos de catarse dos “fi lhos de algo”, os nobres, e é muito mais que a formação de assumem especial importância as por uma minoria de pequenos Portugal; é a formação da men- cantigas de escárnio e maldizer, proprietários como Ataúlfo, o pai talidade portuguesa, com todos em que os próprios membros do de Jacinta. O dr. Manuel Cardoso apresentando o romance de Cristina Torrão os vícios e qualidades com que clero são satirizados, muitas vezes A rigidez desta sociedade, bem hoje nos identifi camos: a bondade em escaldantes aventuras eróticas. como o conservadorismo extremo dadeiros alicerces de um quadro porque o pecado mortal estava já natural do nosso povo, uma certa Na verdade, a devassidão do clero que a sua manutenção implicava, social que se pretende cimentar. cometido e o inferno era o des- ingenuidade que tanto conduz à é vista como uma via de acesso conduz a maioria da população Um dos temas fundamentais do tino incontornável. Dessa forma solidariedade como à fácil assun- a essa catarse. Por outro lado, a a um estado de miséria social e, livro é constituído pela aborda- o aborto apenas confi rmava o ção de comportamentos e atitu- profusão de obscenidades, o uso por outro lado, à manutenção de gem da condição feminina, num triunfo de Lúcifer. Esta associação des ditadas pela pressão social dos do palavrão e, pior ainda, o facto um quadro mental fundado sobre mundo em que o masculino é de ideias entre a mulher e o diabo grupos privilegiados; em suma, é a de muitas vezes estas cantigas, a ignorância e o preconceito. preponderante a vários níveis. Mas justifi ca também uma outra práti- construção do nosso quadro men- nas festas religiosas, serem acom- Portanto, a vida conturbada de o papel da mulher na sociedade ca cujo papel é fulcral no mundo tal que está em jogo neste livro. panhadas por atos de sexualidade Jacinta, o esmagamento da sua medieval não é apenas secundá- medieval – a bruxaria. O papel da Os usos e costumes da época são desenfreada testemunham este personalidade enquanto mulher rio; ela é frequentemente associa- bruxa é ambivalente: por um lado precisamente apresentados como contraste entre uma moral castra- e ser humano tem muito menos da às forças demoníacas, por via ela é o protótipo da mulher peca- testemunho deste quadro mental. dora e uma prática catártica. a ver com as precárias condições do pecado de Eva que constitui dora, condenada e amaldiçoada. Por exemplo, as festas populares Ao contrário do que acontece de vida do que com esse quadro um estigma para toda a condição Por outro ela é a salvadora; aquela são momentos de profunda reli- nos livros anteriores da autora, o mental de obscurantismo e pre- feminina. O próprio aborto provo- que tem poder para expulsar o giosidade, de humilde submissão acento tónico é colocado no povo, conceito, funcionando como ver- cado é de certa forma justifi cado próprio demónio. Diário do Minho N.º 755 Envio de trabalhos para publicação neste suplemento 18.Junho. Diário do Minho / Secção Cultural Cultura 2014 Rua de S.ta Margarida, 4 - 4710-306 Braga; Fax: 253609469. E-mail: [email protected] Diário do Minho QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Cultura III (21) Os laureados com o Nobel da Literatura Por J. A. Baptista Aspetos do ato de apresentação d’ Os Segredos de Jacinta No entanto, a bruxa é a primeira uma forma de escapar a todas dela, no seu espírito e não como personagem do enredo que não aquelas constrições sociais. O um ente superior e castigador. atribui culpa a Jacinta. Ela atribui mosteiro surge aqui como um Personagem absolutamente a reação da mãe, que culpara espaço de liberdade mas também formidável neste livro é Zaida, Jacinta, ao medo “de passar vergo- de tolerância; só aí Jacinta encon- a soldadeira. A sua condição de nhas, castigos, essas cousas”. Na tra a paz interior porque só aí lhe “mulher a soldo” assume aqui o verdade, é o medo, resultante da é permitida uma identidade, uma mesmo papel que a condição de pressão social e da religiosidade autonomia enquanto ser humano monja ou da bruxa: precisamente baseada num Deus castigador que livre e pensante. A própria oração a condição de mulher livre. Zaira leva as pessoas a refugiar-se em é encarada por Jacinta como um é Moura; ela é mais uma teste- ideias preconceituosas, mesmo momento de escape e de reen- munha de como, entre o povo pérfi das, como estratégia de de- contro consigo própria; como se reinava uma convivência pacífi ca fesa. Perante este quadro, assumir o verdadeiro Deus existisse dentro com os mouros que, muitas vezes, um sentimento era, para qualquer se sobrepõe aos interesses políti- mulher, um ato de extrema cora- cos e militares que alimentavam a gem. O sentimento é uma ameaça guerra pela fé. à estabilidade social; é um desafi o É genial a forma como a autora à manutenção de uma deter- estabelece um paralelismo entre minada ordem que se pretende Joana, a irmã monja de Jacinta, perpetuar. Pelo contrário, o casa- e a soldadeira moura Zaida: duas mento decidido pelos pais garante personagens só aparentemente a preservação tanto do património opostas, uma freira e uma pros- familiar como da ordem social, tituta, duas mulheres livres que impedindo o aparecimento de conseguiram levar a paz ao cora- William Butler Yeats fenómenos que pudessem originar ção de Jacinta. rutura nesse enquadramento social. Mas o preço da independência foi galardoado com o Nobel em 1923 No entanto, há estratégias de pessoal é sempre elevado: Joana, superação deste bloqueio mental; Zaida e a bruxa conseguiram essa – Um grande poeta e dramaturgo irlandês e Jacinta procurara-as desespe- rara autonomia, essa paz interior, radamente. Segundo a bruxa, as mas tiveram de prescindir de únicas mulheres que conseguem algo: Joana prescindira dos sen- William Butler Yeats, frequen- cargos políticos, como o de se- escapar a esta pressão social eram timentos; a bruxa da sua identi- temente apenas designado por nador, função que exerceu com as monjas e as próprias bruxas, dade social, e Zaida prescindira W.B. Yeats, nasceu em Dublin grande dedicação e seriedade. precisamente aquelas que op- Cristina Torrão nas- do próprio corpo. Para ser livre é no dia 13 de Junho de 1865 e O Comité do Nobel, na ceri- tavam de forma voluntária pela ceu em Castelo de Paiva preciso abdicar de algo. Na ver- morreu em Menton, França, a mónia de entrega do Prémio, solidão. A solidão voluntária é em 1965. Licenciada em dade, se o mundo humano, com 28 de Janeiro de 1939. Poeta, justificou a sua decisão pela uma via de libertação. Línguas e Literaturas Mo- as suas contradições e injustiças dramaturgo e místico irlandês, “sua poesia sempre inspirada, Na verdade, o tema da bruxaria é dernas pela Universidade é uma ameaça permanente à paz foi justamente galardoado com que através de uma forma o Nobel da Literatura em 1923. de elevado nível artístico dá um dos mais complexos na his- do Porto, emigrou para de espírito, o amor não o é me- Considerado um dos maiores expressão ao espírito de toda toriografi a medieval – se, por um a Alemanha, onde reside nos, apresentando-se como uma lado, é reconhecido à bruxa o po- fonte de tormentos e de confl itos “ativistas” do Renascimento Li- uma nação.” atualmente.
Recommended publications
  • O Sistema De Informação Do Extinto Concelho De Albergaria De Penela
    Mestrado em História e Património Ramo - Arquivos Históricos O Sistema de Informação do extinto concelho de Albergaria de Penela Ana Catarina Lima Noering Gomes M 2016 Ana Catarina Lima Noering Gomes O Sistema de Informação do extinto concelho de Albergaria de Penela (integrado no concelho de Ponte de Lima) Relatório de estágio realizado no âmbito do Mestrado em História e Património – Arquivos Históricos, orientado pelo Professor Doutor Armando Manuel Barreiros Malheiro da Silva e coorientado pela Professora Doutora Maria Inês Ferreira de Amorim Brandão da Silva Faculdade de Letras da Universidade do Porto setembro de 2016 2 3 O Sistema de Informação do extinto concelho de Albergaria de Penela (integrado no concelho de Ponte de Lima) Ana Catarina Lima Noering Gomes Relatório de estágio realizado no âmbito do Mestrado em História e Património – Arquivos Históricos, orientado pelo Professor Doutor Armando Manuel Barreiros Malheiro da Silva e coorientado pela Professora Doutora Maria Inês Ferreira de Amorim Brandão da Silva Membros do Júri Professor Doutor Maria Helena Cardoso Osswald Faculdade de Letras - Universidade do Porto Professor Doutor Armando Manuel Barreiros Malheiro da Silva Faculdade de Letras - Universidade do Porto Doutor Manuel Luís Real Diretor, aposentado, do Arquivo Municipal do Porto e Casa do Infante Classificação obtida: 17 valores 4 À memória do meu pai 5 Sumário Agradecimentos ................................................................................................................ 9 Resumo ..........................................................................................................................
    [Show full text]
  • Lei N.º 11-A/2013
    552-(2) Diário da República, 1.ª série — N.º 19 — 28 de janeiro de 2013 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA Artigo 4.º Cessação jurídica e identidade Lei n.º 11-A/2013 A criação de uma freguesia por agregação determina de 28 de janeiro a cessação jurídica das autarquias locais agregadas nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 9.º, sem prejuízo da Reorganização administrativa do território das freguesias manutenção da sua identidade histórica, cultural e social, conforme estabelece a Lei n.º 22/2012, de 30 de maio. A Assembleia da República decreta, nos termos da alí- nea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte: Artigo 5.º Artigo 1.º Sedes das freguesias Objeto 1 — No prazo de 90 dias após a instalação dos órgãos que resultem das eleições gerais das autarquias locais, a 1 — A presente lei dá cumprimento à obrigação de realizar em 2013, a assembleia de freguesia delibera a reor ganização administrativa do território das freguesias localização da sede. constante da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio. 2 — A assembleia de freguesia deve comunicar a 2 — A reorganização administrativa das freguesias é localização da sede da freguesia à Direção -Geral das estabelecida através da criação de freguesias por agre- Autarquias Locais, para todos os efeitos administrativos gação ou por alteração dos limites territoriais de acordo relevantes. com os princípios, critérios e parâmetros definidos na 3 — Na ausência da deliberação ou comunicação refe- Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, com as especificidades ridas nos números anteriores e enquanto estas não se reali- previstas na presente lei.
    [Show full text]
  • Câmara Municipal De Vila Verde, 2007
    VILA VERDE Ano Dezanove | Nº 53 | janeiro/março 2018 1 editorial Cara(o) Munícipe, O início de um novo ano é sempre o começo de O Mês do Romance comporta uma corrente de um novo ciclo de renovada esperança no futuro. intensa atividade cultural durante estes meses, tendo como pano de fundo a tradição dos Lenços Quero, por isso, em meu nome pessoal e do Muni- de Namorados e a sua marca distintiva aplicada cípio de Vila Verde, começar por renovar os votos a diversos produtos inovadores no mercado, que para que 2018 seja um ano de sucessos a todos criam emprego e geram receita para a economia os níveis, com muita saúde, paz e alegria para si e local. para toda a família e amigos. Sendo este um trimestre particularmente rico em Bem sei que as dificuldades com que se debatem tradição, não podemos esquecer outras iniciati- os cidadãos e as instituições não desaparecem vas, como os cantares de reis, a histórica Feira com a mudança de ano, mas tenho a firme espe- dos Vinte na Vila de Prado, os corsos carnavales- rança de que serão ultrapassadas com o esforço cos e ainda as solenidades pascais realizadas por e a resiliência de todos. todo o Concelho. É da Cultura que podemos retirar ensinamentos e respostas para os desafios do futuro. A Cultura Juntam-se também as atividades culturais pro- encerra os valores fundamentais da nossa identi- postas pelas associações e coletividades, juntas dade e da nossa vivência comum e conduz-nos à de freguesia, estabelecimentos de ensino ou, até participação social, à partilha e à criatividade no mesmo, levadas a cabo por grupos informais, as modo de construirmos.
    [Show full text]
  • Linha Pedralva – “Vila Fria B”, a 400 Kv Projeto De Execução Estudo De
    LINHA PEDRALVA – “VILA FRIA B”, A 400 KV PROJETO DE EXECUÇÃO ESTUDO DE IMPACTE AMBIENTAL JANEIRO 2015 VOLUME 2 – RELATÓRIO SÍNTESE ESTUDO AMBIENTAL DE PROJETO PROJETO DE EXECUÇÃO VOLUME 2 - RELATÓRIO SÍNTESE LINHA PEDRALVA – “VILA FRIA B” A 400 KV ESTUDO DE IMPACTE AMBIENTAL PROJETO DE EXECUÇÃO VOLUME 2 − RELATÓRIO SÍNTESE Estado da Revisão REVISÃO DATA MOTIVO DA REVISÃO ELABOROU APROVOU 0 2014-12 Edição inicial Sofia Lince Otília Freire Revisões decorrentes dos comentários da a 2015-01 Sofia Lince Otília Freire REN,SA. Edição Final LINHA PEDRALVA – “VILA FRIA B”, A 400 KV IP.DEP.01.01 ESTUDO AMBIENTAL DE PROJETO PROJETO DE EXECUÇÃO VOLUME 2 - RELATÓRIO SÍNTESE LINHA PEDRALVA – “VILA FRIA B”, A 400 KV ESTUDO DE IMPACTE AMBIENTAL PROJETO DE EXECUÇÃO VOLUME 2 – RELATÓRIO SÍNTESE APRESENTAÇÃO A ARQPAIS, Consultores de Arquitectura Paisagista e Ambiente, Lda., apresenta o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) relativo à Linha Pedralva – “Vila Fria B”, a 400 kV, em fase de Projeto de Execução. A REN – Rede Eléctrica Nacional, S.A. adjudicou à empresa MaxiPro, SA, o Projeto da Linha Pedralva – “Vila Fria B”, a 400 kV, a qual adjudicou por sua vez à ARQPAIS - Consultores de Arquitectura Paisagista e Ambiente, Lda. a elaboração do respetivo Estudo de Impacte Ambiental, no âmbito da qual se inclui o presente volume correspondente ao Relatório Síntese. O EIA foi efetuado de acordo com as condições fixadas no Caderno de Encargos para a sua execução e no respeito pela legislação ambiental aplicável em vigor, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, com alteração pelo Decreto-Lei n.º 47/2014, de 24 de março, e a Portaria n.º 330/01, de 2 de abril.
    [Show full text]