QUARTA-FEIRA • 18 DE JUNHO DE 2014 Diário do Minho Este suplemento faz parte da edição n.º 30346 de 18 de junho de 2014, do jornal Diário do Minho, Cultura não podendo ser vendido separadamente

> “Fernando Pessoa a cores...” – Casa F. Pessoa – Lisboa, Jan. de 2014 [Foto de Sofi a Barbosa] II Cultura QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Diário do Minho

Os Segredos de Jacinta Romance de Cristina Torrão destaca-se pela ternura e bondade de algumas das suas personagens

O romance “Os Segredos de Jacinta”, da autoria de Cristina Torrão e publicado pela “Poética Edições”, foi apresentado no dia 14 de junho, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, pelo dr. Manuel Cardoso. Na co- municação que proferiu (que reproduzimos a seguir), este professor de língua portuguesa realçou o facto de várias personagens dos romances de Cristina Torrão se destacarem pela sua bondade e ternura, realçando ainda a escrita objetiva e cinematográfica da autora.

Tal como nas suas obras anterio- aos ditames da santa madre Igreja, enquadrado numa sociedade de res, também neste livro, Cristina ao mesmo tempo que são ocasião ordens fortemente estratifi cada. Torrão leva-nos pela mão a um para as mais profanas diversões, No topo da pirâmide, o alto clero, passeio pelo Medieval onde tudo funciona como uma que rodeia o poder político e o com todos os seus encantos e catarse social face ao rígido qua- condiciona. Ao lado desta elite terrores. Mais do que a conturbada dro de valores imposto pela moral eclesiástica, os fi dalgos, a nobreza situação política e militar da épo- cristã que mais não é que uma terratenente que nasceu da elite ca, está em cena o enquadramen- forma de submissão do povo aos guerreira constituída pelos líderes to mental, social e moral desse ditames do poder. A festa religiosa dos exércitos cristãos, compen- período, salpicado por descrições tal como nos é descrita neste livro sados, também eles, pelo poder objetivas e agradáveis dos usos e assume portanto um caráter am- político pela doação de terras. Por costumes da época. bivalente onde a religiosidade tem outro lado, o povo é constituído Não se pense, no entanto, que o seu contraponto na extroversão por uma maioria de pobres viven- este é um livro apenas sobre o de atitudes mentais reprimidas. do do trabalho agrícola nas terras século XII; o que está em causa Nesses momentos de catarse dos “fi lhos de algo”, os nobres, e é muito mais que a formação de assumem especial importância as por uma minoria de pequenos Portugal; é a formação da men- cantigas de escárnio e maldizer, proprietários como Ataúlfo, o pai talidade portuguesa, com todos em que os próprios membros do de Jacinta. O dr. Manuel Cardoso apresentando o romance de Cristina Torrão os vícios e qualidades com que clero são satirizados, muitas vezes A rigidez desta sociedade, bem hoje nos identifi camos: a bondade em escaldantes aventuras eróticas. como o conservadorismo extremo dadeiros alicerces de um quadro porque o pecado mortal estava já natural do nosso povo, uma certa Na verdade, a devassidão do clero que a sua manutenção implicava, social que se pretende cimentar. cometido e o inferno era o des- ingenuidade que tanto conduz à é vista como uma via de acesso conduz a maioria da população Um dos temas fundamentais do tino incontornável. Dessa forma solidariedade como à fácil assun- a essa catarse. Por outro lado, a a um estado de miséria social e, livro é constituído pela aborda- o aborto apenas confi rmava o ção de comportamentos e atitu- profusão de obscenidades, o uso por outro lado, à manutenção de gem da condição feminina, num triunfo de Lúcifer. Esta associação des ditadas pela pressão social dos do palavrão e, pior ainda, o facto um quadro mental fundado sobre mundo em que o masculino é de ideias entre a mulher e o diabo grupos privilegiados; em suma, é a de muitas vezes estas cantigas, a ignorância e o preconceito. preponderante a vários níveis. Mas justifi ca também uma outra práti- construção do nosso quadro men- nas festas religiosas, serem acom- Portanto, a vida conturbada de o papel da mulher na sociedade ca cujo papel é fulcral no mundo tal que está em jogo neste livro. panhadas por atos de sexualidade Jacinta, o esmagamento da sua medieval não é apenas secundá- medieval – a bruxaria. O papel da Os usos e costumes da época são desenfreada testemunham este personalidade enquanto mulher rio; ela é frequentemente associa- bruxa é ambivalente: por um lado precisamente apresentados como contraste entre uma moral castra- e ser humano tem muito menos da às forças demoníacas, por via ela é o protótipo da mulher peca- testemunho deste quadro mental. dora e uma prática catártica. a ver com as precárias condições do pecado de Eva que constitui dora, condenada e amaldiçoada. Por exemplo, as festas populares Ao contrário do que acontece de vida do que com esse quadro um estigma para toda a condição Por outro ela é a salvadora; aquela são momentos de profunda reli- nos livros anteriores da autora, o mental de obscurantismo e pre- feminina. O próprio aborto provo- que tem poder para expulsar o giosidade, de humilde submissão acento tónico é colocado no povo, conceito, funcionando como ver- cado é de certa forma justifi cado próprio demónio.

Diário do Minho N.º 755 Envio de trabalhos para publicação neste suplemento 18.Junho. Diário do Minho / Secção Cultural Cultura 2014 Rua de S.ta Margarida, 4 - 4710-306 ; Fax: 253609469. E-mail: [email protected] Diário do Minho QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Cultura III

Os laureados com o Nobel da Literatura (21)

Por J. A. Baptista

Aspetos do ato de apresentação d’ Os Segredos de Jacinta

No entanto, a bruxa é a primeira uma forma de escapar a todas dela, no seu espírito e não como personagem do enredo que não aquelas constrições sociais. O um ente superior e castigador. atribui culpa a Jacinta. Ela atribui mosteiro surge aqui como um Personagem absolutamente a reação da mãe, que culpara espaço de liberdade mas também formidável neste livro é Zaida, Jacinta, ao medo “de passar vergo- de tolerância; só aí Jacinta encon- a soldadeira. A sua condição de nhas, castigos, essas cousas”. Na tra a paz interior porque só aí lhe “mulher a soldo” assume aqui o verdade, é o medo, resultante da é permitida uma identidade, uma mesmo papel que a condição de pressão social e da religiosidade autonomia enquanto ser humano monja ou da bruxa: precisamente baseada num Deus castigador que livre e pensante. A própria oração a condição de mulher livre. Zaira leva as pessoas a refugiar-se em é encarada por Jacinta como um é Moura; ela é mais uma teste- ideias preconceituosas, mesmo momento de escape e de reen- munha de como, entre o povo pérfi das, como estratégia de de- contro consigo própria; como se reinava uma convivência pacífi ca fesa. Perante este quadro, assumir o verdadeiro Deus existisse dentro com os mouros que, muitas vezes, um sentimento era, para qualquer se sobrepõe aos interesses políti- mulher, um ato de extrema cora- cos e militares que alimentavam a gem. O sentimento é uma ameaça guerra pela fé. à estabilidade social; é um desafi o É genial a forma como a autora à manutenção de uma deter- estabelece um paralelismo entre minada ordem que se pretende Joana, a irmã monja de Jacinta, perpetuar. Pelo contrário, o casa- e a soldadeira moura Zaida: duas mento decidido pelos pais garante personagens só aparentemente a preservação tanto do património opostas, uma freira e uma pros- familiar como da ordem social, tituta, duas mulheres livres que impedindo o aparecimento de conseguiram levar a paz ao cora- William Butler Yeats fenómenos que pudessem originar ção de Jacinta. rutura nesse enquadramento social. Mas o preço da independência foi galardoado com o Nobel em 1923 No entanto, há estratégias de pessoal é sempre elevado: Joana, superação deste bloqueio mental; Zaida e a bruxa conseguiram essa – Um grande poeta e dramaturgo irlandês e Jacinta procurara-as desespe- rara autonomia, essa paz interior, radamente. Segundo a bruxa, as mas tiveram de prescindir de únicas mulheres que conseguem algo: Joana prescindira dos sen- William Butler Yeats, frequen- cargos políticos, como o de se- escapar a esta pressão social eram timentos; a bruxa da sua identi- temente apenas designado por nador, função que exerceu com as monjas e as próprias bruxas, dade social, e Zaida prescindira W.B. Yeats, nasceu em Dublin grande dedicação e seriedade. precisamente aquelas que op- Cristina Torrão nas- do próprio corpo. Para ser livre é no dia 13 de Junho de 1865 e O Comité do Nobel, na ceri- tavam de forma voluntária pela ceu em Castelo de Paiva preciso abdicar de algo. Na ver- morreu em Menton, França, a mónia de entrega do Prémio, solidão. A solidão voluntária é em 1965. Licenciada em dade, se o mundo humano, com 28 de Janeiro de 1939. Poeta, justificou a sua decisão pela uma via de libertação. Línguas e Literaturas Mo- as suas contradições e injustiças dramaturgo e místico irlandês, “sua poesia sempre inspirada, Na verdade, o tema da bruxaria é dernas pela Universidade é uma ameaça permanente à paz foi justamente galardoado com que através de uma forma o Nobel da Literatura em 1923. de elevado nível artístico dá um dos mais complexos na his- do Porto, emigrou para de espírito, o amor não o é me- Considerado um dos maiores expressão ao espírito de toda toriografi a medieval – se, por um a Alemanha, onde reside nos, apresentando-se como uma lado, é reconhecido à bruxa o po- fonte de tormentos e de confl itos “ativistas” do Renascimento Li- uma nação.” atualmente. Foi professora der de afastar o próprio diabo, por interiores. Mesmo que disfarçado terário Irlandês, ajudou a fundar Para além do Nobel, foi ainda de Português em várias es- outro, elas próprias são associadas de idílio e sonho, o Amor é uma o mítico Abbey Theatre. galardoado, em 1934, com o ao demónio, sendo perseguidas e colas de Hamburgo. Desde vigorosa e trágica fonte de sofri- As suas obras iniciais eram prestigiado Prémio Gothen- condenadas por isso. 2007 que vem publicando mento e de dependência. caraterizadas por uma tendên- burg para poesia (que partilhou vários romances na editora O talento literário de Cristina cia romântica exuberante e com Rudyard Kipling). Um dos segredos do sucesso da Ésquilo (“A Moura e o Cru- Torrão radica no seu estilo ob- fantasiosa, que transparece no "O Vento entre os Juncos" escrita de Cristina Torrão é preci- zado”, “Afonso Henriques jetivo, cinematográfi co, como já título da sua coletânea de 1893, (1899), "As Águas Sombrias" samente a ternura e a bondade de – O Homem”, “A Cruz das o adjetivei a propósito de obras intitulada (em português)“O (1900), "O Segundo Advento" algumas das suass personagens, Esmeraldas” e “D. Dinis – anteriores, mas não é só isso. Há Crepúsculo Celta”). Posterior- (1920), "Uma Visão" (1925), "A como é o caso de Jacinta e das suas A quem chamaram o La- nas suas obras um humanismo mente, por volta dos 40 anos Torre" (1928), "A Escada em de idade, em resultado da sua Caracol" (1933), e "Novos Po- irmãs, Belmira e Joana. Esta hu- vrador”), todos eles reves- notável, uma sensibilidade apurada relação com poetas modernis- emas" (1938) são algumas das manidade contrasta com a dureza tidos de uma componente mas também uma dimensão de dos preconceitos de Bartolomeu e análise psicológica profunda, uma tas (como Ezra Pound), o seu suas mais importantes obras histórica e pedagógica que Ataúlfo, respetivamente irmão e pai, capacidade de entrar na mente das estilo tornou-se mais austero e literárias que foram traduzidas ajudam o leitor a refletir dominados por uma religiosidade personagens, a fazer lembrar grandes “moderno”. para a língua portuguesa. hipócrita e por um contexto social e a melhor compreender mestres neste domínio como Dos- A par da sua atividade poética e Ainda hoje Yeats é um nome de que tende a perpetuar a injustiça. alguns dos mais complexos toievski ou James Joyce.◗ dramatúrgica, assumiu também referência da poesia mundial. ◗ A autoexclusão social é, portanto, períodos da nossa História. Manuel Cardoso IV Cultura QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Diário do Minho A Terra de Penela Nos 500 anos dos forais manuelinos dos concelhos de Albergaria de Penela e de Portela das Cabras

Depois de amanhã, 20 de junho, assinalam-se os 500 anos da concessão, pelo rei D. Manuel I, do foral ao extinto concelho de Albergaria de Penela, situado em terras que hoje pertencem a . Para assinalar a efeméride, publicamos o artigo que se segue, da autoria do Dr. Luís Cabral, antigo diretor da Biblioteca Mu- nicipal do Porto – um relevante texto que, remetendo embora para o passado histórico, se foca também na atualidade (nomeadamente no âmbito da recente reorganização administrativaadministrativa do território das freguesias).

Quem parte de Braga em dire- ram-se arte e fé, modos de ser e ria de Penela em 20 de junho. O ano. A cabeça deste, como então ção à fronteira norte em breve viver, de dizer e saber. segundo foral foi concedido ao se dizia, era na freguesia de Por- entra na antiga Terra de Penela, Pontua estes percursos a peque- concelho de Portela das Cabras tela das Cabras. mesmo no coração do Minho. na ponte românica de Goães, em 6 de outubro desse mesmo O concelho de Albergaria de Pequeno território delimitado ligando as duas margens do pelos rios Cávado e Neiva, foi Neiva, que tanto era rio de fron- terra de poetas. Lembremos os teira a dividir terras, como traço trovadores medievais João Velho de união entre elas. Mais longe, de Pedregais ou Vasco Rodrigues na memória do povo terá fi cado de Calvelo e, mais tarde, Sá ainda o desenho da via romana de Miranda, o Poeta do Neiva. que ligava Braga a Astorga, o Acorrem-nos também à memória mesmo traçado de muitos dos as fi guras marcantes dos arcebis- trilhos que ainda hoje calcorrea- pos de Braga, grandes reforma- mos. E não recuamos aos tempos dores não só na ordem espiritual da necrópole megalítica do V-II como também temporal: o bispo milénio a. C., ali mesmo na Serra Foral D. Pedro (séc. XI), D. Fernando da do Borrelho. da Terra de Penela Guerra (séc. XV) ou D. Diogo de Já no século XV, no reinado de de Dom João Sousa (séc. XV-XVI). D. João I (1408), a Terra de Pene- de Castro, 1514. POR Nestas terras passava uma das la foi repartida pelos concelhos LUÍS CABRAL partes portuguesas do Caminho de Albergaria de Penela e Portela de Compostela (partindo de das Cabras, fi cando o primeiro a BIBLIOTECÁRIO Braga e de Prado por Ponte de pertencer à comarca de Viana e o

BIBLIOTECA MUNICIPAL DO PORTO Lima), percurso de intercâmbio segundo à ouvidoria de Barcelos. cultural no amplo espaço do No quadro das grandes reformas Entre Douro e Minho / Galiza. realizadas pelo Rei D. Manuel I Forjou-se por aqui a nossa per- surgem, precisamente no ano de sonalidade como povo, deu-se 1514, os dois forais. O primeiro força à nossa língua, conjuga- foi dado ao concelho de Alberga- Diário do Minho QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Cultura V

Penela (ou Albergaria de D. podem unir, tudo afi nal só uma João de Castro) compunha-se questão de atravessarmos para o das freguesias de Anais, Azões, outro lado da ponte, buscando um Calvelo, Duas Igrejas (uma parte), todo que pode vir a ser muito mais Fojo Lobal, Friastelas, Gaifar, San- do que a soma das suas partes. diães e São Lourenço do Mato. O Mas nenhuma mudança, por concelho de Portela das Cabras muito racional, efi caz e progres- (designado também por Portela siva que seja, poderá apagar os Ponte românica de Penela ou até por Portela do traços de uma identidade que de Goães, Minho) incluía as freguesias de só o nome herdado dos nossos ligando Arcozelo, Duas Igrejas (uma par- antepassados poderá conferir, as duas margens te), Escariz, Goães, Godinhaços, seja um nome de gente, seja o do Neiva Marrancos, Pedregais, Portela das nome da terra. Cabras e Rio Mau. Pela reforma geral instituída pelo * Decreto de 24 de outubro de Para conhecermos e assim com- 1855 ambos os concelhos virão preendermos melhor o passado a ser extintos e as respetivas desta terra, vamos então agora freguesias integradas numa vasta fazer uma pequena viagem até unidade territorial: Vila Verde. ao Arquivo Nacional da Torre do Foral da Terra de Penela Freguesia de Duas Igrejas tre as principais feiras da região. Também o Julgado de Penela foi Tombo, em Lisboa, onde sabe- de Dom João de Crastro, 1514. Item todos os casais da freguesia extinto nessa data. mos que estão os mais impor- de Duas Igrejas, a saber, da Ribei- Direitos da Feira de Santa Luzia Recentemente, por força da Lei n.º tantes documentos que dizem A fórmula de abertura é a usual ra todos pagam a El-Rei senhas E das pessoas que vierem à feira 11-A/2013 de 28 de janeiro (Reor- respeito à História de Portugal. Aí nos documentos régios da épo- galinhas [= cada um sua galinha] de Santa Luzia na dita terra além ganização administrativa do terri- se guarda, há cinco séculos, no ca, traduzindo por expressões de em cada um ano e assi lutosas. dos duzentos reais que se leva de tório das freguesias), surgiu, como Livro dos Forais Novos de Entre autoridade e aparato a extensão e Item Santa Marinha d’Asnais. cada cabana do senhorio que for sabemos, uma nova realidade, um Douro e Minho, o original dos a importância dos domínios por- Item polo Casal da Fonte galinha telhada não se levará às outras conjunto de freguesias agregadas dois forais dos concelhos vizi- tugueses por esse mundo fora: e calaça [= porção de carne]. pessoas que aí vierem comprar por via da lei, mas não ainda pelo nhos de Albergaria de Penela e Dom Manuel, por Graça de Deus, Item polo Casal da Carreira Nova ou vender cousas com que se laço dos afetos – a União de Fre- de Portela das Cabras. Rei de Portugal e dos Algarves galinha e calaça. não assentem nenhum preço. guesias da Ribeira do Neiva. Com o respeito que nos mere- d’ Aquém e d´Além Mar em Áfri- Item polo Casal de Sistelo gali- E se se assentarem levarão por Por um lado, espera-se que esta cem os velhos sábios, abramos as ca, Senhor de Guiné e da Con- nha e calaça. cada carga de besta grande ou nova divisão administrativa possa folhas de pergaminho desse livro quista, Navegação e Comércio Item polos Casais de Felgueira pequena dois reais. E se for mais ligar progressivamente territórios e vejamos, que o espaço aqui da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. duas galinhas e duas calaças. de uma carga ou muitas quatro e populações entre si. Por outro, para mais não dá, apenas uma Como é habitual, o foral começa Item polo Casal da Bouça uma reais. E se forem cousas que tra- os nomes e as realidades das parte do texto do foral de Alberga- por tratar dos direitos e obri- galinha e calaça. gam a vender às costas um real se diversas freguesias agora unidas ria de Penela, que perfaz quinhen- gações dos povos, referindo os Item Afonso Pires da Bouça gali- com eles se assentarem. E dos ga- não terão sido em muitos casos tos anos precisamente em 20 de nomes dos que cada um deveria nha e calaça. Item polo Casal de dos não se levará direito nem das articulados com as paróquias, junho deste ano de 2014. pagar “contribuintes”, os lugares Teixe que trazem os d´Albergaria bestas. E se se não assentarem não entidades que se podem consi- Existem no ANTT dois textos do onde viviam e os valores em que é reguengo paga de milho pagarão nada. E além das cousas derar “paralelas” quanto mais não foral de Albergaria, esse original dinheiro ou em espécie que cada oito alqueires e de trigo dois atrás decraradas não se levarão na seja do ponto de vista cultural. no Livro dos Forais e um outro um deveria pagar. alqueires e dous capões e um dita terra nenhuns outros direitos Parece que algo acabou por não exemplar autónomo com o fólio A título de exemplo, transcreve- maravidil. agora nem em nenhum tempo fi car lá muito bem: um pai ou principal iluminado semelhante mos a seguir a parte referente a Item polas herdades reguengas assi dos foros da terra como da uma mãe quer registar o fi lho aos forais geralmente entregues Duas Igrejas, a freguesia mais que traz Gonçalo da Felgueira de serventia dos corpos dos homens recém-nascido e a “máquina às câmaras municipais, alguns dos extensa, por sinal a que foi agora milho dous alqueires. nem de palha nem cevada nem administrativa” diz-lhe que tal ou quais se guardam ainda hoje so- escolhida para sede da União de Item pola Cova de Barreiros que lenha nem bois nem carnes nem tal freguesia não existe! Res- bretudo em arquivos e bibliotecas. Freguesias da Ribeira do Neiva. traz Pero Pires de pão meado três outras cousas as quais quando lhe ponde, atónito, o cidadão: “Não alqueires. forem necessárias as pedirá aos ju- existe como, se eu e os meus pais ízes da terra e ofi ciais dela os quais nascemos lá e é aí que eu vivo?”. Seguem-se no texto disposições lhos farão dar por seu dinheiro Resposta: “Se não está no com- várias sobre lutuosas (diz o foral: “e pelo estilo da terra. putador, não pode ser!”… a lutosa se entenda a melhor joia É este um tempo de mudança em ou peça móvel que fi car à morte Outras feiras nas terras mais que a identidade e o sentido de do tal reguengueiro que a houver próximas a que, por sua vez, se coesão social, mas também a di- de pagar”), tabeliães (= notários), deslocavam os habitantes da versidade cultural, são da maior montados (= terrenos para pasta- Terra de Penela eram assinaladas importância. Olhos postos no gem do gado ou o que se pagava também nos mapas. Nesse caso futuro, cabe-nos conhecer cada ao dono), maninhos (= baldios) estavam Prado, Freixo, Ponte de vez melhor as origens destas ter- e reguengos (= terras ou direitos Lima e Ponte da Barca, formando ras, o lugar onde nascemos, onde pertencentes ao património real). uma verdadeira rede de relações crescemos, onde aprendemos a que não eram exclusivamente aprender, onde construímos os Por se tratar de um esclarecedor comerciais e que de certo modo nossos valores, ali onde está a exemplo da atividade económica ainda hoje continuam. memória dos nossos pais e dos neste território, eis a parte fi nal * nossos avós. do foral, referente à feira que, a Contamos voltar às páginas do O sentido, a interpretação de um 13 de dezembro, se realizava em “Diário do Minho” no próximo lugar passa sempre pela História, Duas Igrejas (Lugar das Caba- mês de outubro, para concluir pela revisitação do passado e nas). Numa importante época este texto, dessa vez falando so- por uma procura de raízes. Mais do ano ali acorriam gentes de bre o foral manuelino de Portela do que marcar muros ou mura- muitos sítios, que compravam e das Cabras. ◗ lhas, interessa-nos compreender vendiam os mais variados bens. Portela das Cabras os limites ou fronteiras que, se Mapa da Província d´Entre Douro e Minho…, Inácio José Leão, Custó- Os próprios mapas incluíam este (Ribeira do Neiva ), muitas vezes separam, também dio José Gomes de Vilas Boas, 1798-1804 (pormenor). importante ponto comercial en- junho de 2014. VI Cultura QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Diário do Minho O André Soares de Braga estudado por Eduardo Pires de Oliveira e fotografado por Libório M. Silva*

Só razões de forte amizade justifi - Como escrevi noutra ocasião, livros (todos os livros) e Bracara tária, sem apoios académicos ou cam a minha participação na apre- conheci o Eduardo Pires de Augusta. institucionais, escorado apenas sentação deste livro, neste local. Oliveira nos fi nais de 1975 e Logo no início de 1976 criámos na qualidade do seu currículo Ainda por cima quando dela logo duas paixões comuns nos a CODEP e estivemos na origem e na confi ança no seu saber: a também se encarrega o senhor aproximaram, estando na origem do processo do Salvamento de elaboração da tese de doutora- Cónego Doutor José Paulo Abreu da relação amiga, que ao longo Bracara Augusta. mento sobre André Soares, a cuja e é lido um texto do Doutor Vítor do tempo se fi rmou, cresceu e Trabalhámos juntos no Campo defesa assisti com orgulho, em Serrão, um dos maiores nomes cimentou, transformando-se em Arqueológico (depois Unidade 2012, na Faculdade de Letras da da história de arte portuguesa. muitos casos em admiração: os de Arqueologia da Universidade Universidade do Porto, e nos con- do Minho, UAUM) e fundámos duziu até este livro, a concretiza- a ASPA (1977), – nosso orgulho, ção de parte de um velho sonho. nossa fonte perene de combates Uma das qualidades de Eduardo intermináveis – de que resultou Pires de Oliveira, que atrás referi, a “Mínia”, na qual o Eduardo Pires encontro-a plasmada na citação

de Oliveira publicou o seu pri- com que José Saramago abre o POR meiro trabalho. seu “Ensaio sobre a cegueira”: HENRIQUE O Eduardo manteve-se na UAUM SE PODES OLHAR / VÊ BARRETO NUNES e em fi nais de 1978 eu optei pela SE PODES VER / REPARA

Biblioteca Pública, na qual de novo Foi desta citação que me recor- ANTIGO DIRECTOR nos encontrámos nos anos 90 e dei quando acabei de ler este DA BIBLIOTECA PÚBLICA DE BRAGA outras cumplicidades se criaram. “André Soares”, corolário (ou E DO ARQUIVO DISTRITAL Ao longo dos anos os interesses talvez não) de uma longa, per- do Eduardo Pires de Oliveira fo- tinaz e profícua investigação, ram-se diversifi cando, até centrar para a qual o olhar constituiu um a sua atenção, especialmente, no complemento primordial. Barroco bracarense, para cujo es- Claro que não me vou debruçar tudo apaixonado partiu alicerçado sobre a sua capacidade como in- numa sólida pesquisa bibliográ- vestigador, de que estas páginas fi ca, iconográfi ca e documental, nos dão cabal testemunho. dadores e clientes a preferirem para além de uma outra qualidade Esse trabalho fi ca para os espe- uma planta oval a uma rectangu- que adiante referirei. cialistas em história de arte, mas lar, a entrelaçarem planos em vez Vi o Eduardo crescer e evoluir no não prescindo de citar Paulo Va- de os separarem, a escolherem rigor da investigação, na capacida- rela Gomes, um dos mais lúcidos uma parede curva em lugar de de de olhar, na qualidade da escri- historiadores da arte portuguesa uma plana, um frontão quebrado ta (fui o primeiro leitor de grande dos séculos XVI/XVIII: “Não é fácil em vez de um inteiro, uma coluna parte dos seus trabalhos), no gostar da arquitectura barroca. É torsa em vez de uma cilíndrica, alargar de horizontes, para o que preciso andar muito pelos edifí- uma arquitectura serpentinada em contribuíram as múltiplas leituras cios, olhar bem para eles, senti- vez de uma direita”. e as inúmeras viagens que fez. los com os olhos e as emoções, Mas quem começa a gostar do E admirei a sua teimosia, a sua conhecer e perceber a mentali- barroco ganha-lhe o “vício”. persistência, quando se abalan- dade e o gosto que levaram os Penso que esta citação nos ajuda çou numa aventura quase soli- arquitectos e os seus encomen- a caracterizar e a compreender Diário do Minho QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Cultura VII

melhor este vício do Eduardo, a mentada (1768), quantas obras habilmente a sua monumentali- nografi a, uma outra forma de poeta do granito, virtuoso do génese, a qualidade, a comple- fantásticas na arquitectura, na dade pujante com a delicadeza homenagear André Soares será castanho dourado. Amador xidade deste seu estudo sobre talha, no desenho nos deixou! dourada, ofuscante da talha, do atender ao restauro, valoriza- inspirado, no espaço de pouco André Soares. Este livro leva-nos a acompanhar trabalho em madeira que tanta ção e sinalização dos edifícios e mais de duas épocas, conseguiu O que logo me fascinou na esse percurso, numa linguagem felicidade proporciona aos nos- estruturas aqui revelados. transformar a sua cidade natal, leitura das primeiras páginas do afectiva, por vezes exuberante, sos olhos deslumbrados. As fotografi as, nalguns casos, são tornando-a um dos monumentos livro foi o total desconhecimento mas que nos vai obrigar, tam- É Libório Silva, também, o edi- implacáveis e revelam situações proeminentes do barroco penin- sobre a formação artística de bém, a ver com um novo olhar as tor corajoso que, num país sem de descaso, de insensibilidade, sular, enaltecendo-a com o génio André Soares. suas obras, quando voltamos a grandes tradições em obras talvez de falta de meios, de que dos seus distintos estilos pessoais”. O que estudou, como estudou, passar pelo Paço de D. José, pelo deste género, se abalança a pôr algumas obras padecem ou são Flávio Gonçalves afi rmou: “Beata por onde andou não sabemos, Palácio do Raio, pela Capela de ao alcance dos estudiosos, dos vítimas. Por exemplo: e mundana, a cidade dos arce- mas é natural que não tenha saí- Santa Maria Madalena, pelo edifí- curiosos, dos apaixonados pela – a fachada do Palácio de D. José bispos… entregou-se apaixona- do de Braga enquanto jovem. cio da Câmara (cuja classifi cação, arte, daqueles que nos visitam de Bragança tem de ser caiada damente ao rococó, que abraçou Terá estudado no Colégio de recorde-se, foi pedida pela ASPA), a obra maior de um artista cuja (págs. 33, 49, 51); à primeira vista e sem olhar para S. Paulo? O seu relacionamento pelos Congregados, pela Capela dimensão ultrapassa as fronteiras – as portas do Palácio do Raio trás… conseguindo André Soares com os Jesuítas pode fazer-nos de Nossa Senhora da Torre, pelo bracarenses ou nortenhas. merecem ser restauradas (págs. [com o timbre do seu génio], acreditar nesta possibilidade, Bom Jesus, pela Casa Rolão. Na senda de Emilio Biel e Mar- 55, 57); através das suas igrejas, pala- conhecido como é o interesse E que nos vai também obrigar ques de Abreu, de Domingos – no interior da Capela da Un- cetes e retábulos, ser a voz da dos inacianos pelas artes. a reparar com mais atenção na Alvão ou do bracarense Arcelino, ção, no Bom Jesus, é urgente sociedade que o rodeia”. Terá sido na biblioteca do Co- obra de talha, no Sacrário da Se- Libório Manuel da Silva oferece- uma intervenção (pág. 86). Por sua vez, Paulo Varela Gomes légio, na sua “livraria pública”, nhora-a-Branca, no retábulo de nos um objecto estético que se Verifi cam-se algumas intrusões proclamava: “ André Soares, o ar- cujo rasto perdemos depois da Santiago, na Igreja de Tibães, nos integra perfeitamente no con- na obra soaresca que considero quitecto português do século XVIII expulsão dos Jesuítas de Braga, Congregados e na sua fantástica ceito de les beaux livres, tão caro inúteis, direi mesmo agressivas: que mais longe foi na via do barro- em 1759, que terá consultado Capela dos Monges, etc., etc. aos franceses. – a inscrição (ou letreiro) desne- co”, considerando que “… é um dos primeiramente os livros de arte Enfi m, a intervenção de André cessariamente colocada na porta personagens de um verdadeiro ilustrados, apreciado as primeiras Soares é marcante em Braga, em Antes de terminar, uma sugestão principal da Casa da Câmara «mistério», não só da arquitectura gravuras? doze obras de arquitectura religio- e um comentário. Municipal de Braga (foi moda portuguesa como da mundial”. Terá começado a formar aí o sa e seis de arquitectura civil e as Este livro não se destina, natural- em tempos, e surge em muitos E Vítor Serrão, cujo prefácio só seu gosto, a descobrir as novas suas marcas na talha encontram- mente, ao grande público, mas edifícios públicos do país, p. ex. li depois de redigidas estas mal formas de arte que irrompiam notadas letras, não hesita em do centro da Europa e que o seu afi rmar que: “André Soares foi talento inato desenvolveu? o maior vulto do rococó portu- Ou terá sido no convívio com guês, um artista de forte e origi- D. José de Bragança e a sua cor- nal personalidade, uma das mais te, com uma formação artística “A intervenção de André Soares é mar- marcantes fi guras da arte sete- diferente, em Braga, desde 1741 cante em Braga, em doze obras de arqui- centista a nível nacional”. (tinha André Soares apenas 21 Este reconhecimento e o de ou- anos), que esse gosto se desen- tectura religiosa e seis de arquitectura tros especialistas que me escuso volveu? civil e as suas marcas na talha encon- de citar, sobre a originalidade, o E pergunto ainda: tram-se em nove espaços de culto.” pioneirismo, a criatividade e o Como e com quem aprendeu a talento de André Soares, apenas traçar? Quem viu trabalhar na ar- reforça a profunda gratidão com Pormenor da fachada do Palácio do Raio quitectura, na talha, no desenho, que devemos acolher este mag- aqui em Braga? nífi co trabalho de Eduardo Pires André Soares pode ter sido um de Oliveira e Libório Manuel da auto-didacta, mas era fi lho de -se em nove espaços de culto. todos, certamente, pretendemos no Terreiro do Paço) deve ser Silva, que espero atinja os objec- um comerciante abonado e com E não posso esquecer o minucio- que atinja um largo público. retirada (pág. 14); tivos com que foi pensado e se boas relações sociais, com a Igreja so mapa da cidade de 1755, infe- Um especialista quando escreve, – a imagem vulgar, julgo que torne mais um forte argumento e com gente de cabedais fartos. lizmente na Biblioteca da Ajuda, por vezes, esquece-se que nem relacionada com as chamadas para incluir Braga nas rotas mais Segundo nos dizem os especia- peça cartográfi ca que justifi ca todos dominam a terminologia “aparições de Fátima”, colocada procuradas do turismo cultural listas, depois das revelações da por si só um estudo monográfi - específi ca do tema como ele no retábulo da Capela de Fão, qualifi cado, para o que a tra- Marie-Thèrese Mandroux-França, co que nos permitirá conhecer imagina. entendo que deve ser dali remo- dução em inglês constitui um no Mosteiro de Tibães abunda- melhor Braga nessa época. Neste livro encontramos, com vida (pág. 151). importante contributo. ◗ vam as gravuras de Augsburgo, O livro inclui ainda um capítulo grande frequência, referências ao As instituições visadas que, natu- consideradas a principal fonte de aos trabalhos de A. Soares fora de maneirismo, ao barroco (joani- ralmente estimo, devem meter- *Texto lido na sessão de apresen- inspiração de André Soares. Braga, o que naturalmente justi- no ou nacional), ao rococó, ao se em brios e valorizar os monu- tação do livro de Eduardo Pires Mas ele, certamente, já estaria fi ca um novo volume destinado tardo-barroco, ao neo-clássico. mentos de que são proprietários, de Oliveira e Libório Manuel Sil- a olhar, a ver, a reparar no que ao estudo da expansão da obra Penso que muitos de nós não respeitando a arte de André Soares va, Braga de/by André Soares (V. Braga em termos artísticos e soaresca no norte de Portugal. conseguem distinguir nuances e mesmo buscando atingir alguns N. Famalicão: Centro Atlântico, monumentais lhe oferecia. que para o Eduardo são mais do objectivos, que a edição deste livro 2014), realizada na capela de N.ª Aprendeu a olhar, aprendeu a Já falei da importância do olhar, que evidentes. pretende: a divulgação da obra S.ª da Piedade, da Sé de Braga, observar o que, junto ao seu mas há um outro olhar que dá Convinha, assim, publicar um bre- do artista bem como a promoção em 30 Maio 2014. talento inato, lhe permitiu criar a corpo a este livro, que dele faz ve glossário que explicasse estes turística da cidade. sua obra única, magnífi ca, oscilan- parte integrante, sem o qual este conceitos e, antes mesmo de uma Já agora queria acrescentar que Obras consultadas: do entre formas já consagradas e “André Soares” não se tornaria 2.ª edição, talvez fosse de incluir na folha do anterrosto gostaria GOMES, Paulo Varela – O essen- inventando, recreando, ousando tão visível, tão evidente, tão um marcador que permitisse ao de ter visto, na lista das entidades cial sobre a arquitectura barroca inovar até chegar ao rococó. apaixonante! leigo conhecer a diferença entre que apoiaram esta edição, o nome em Portugal. Lisboa: IN-CM, 1987 Desde a cartela dos estatutos da Falo de Libório Manuel Silva, fo- estes estilos, por vezes tão próxi- da Câmara Municipal de Braga, GONÇALVES, Flávio – Um século Irmandade do Bom Jesus e San- tógrafo de excepção, que já nos mos, mas não tão evidentes. mesmo sabendo que estamos de arquitectura e talha no no- tana, de 1747, o seu trabalho mais tinha revelado algumas das prin- O comentário surge-me como perante uma iniciativa comercial. roeste de Portugal (1750-1850). antigo até ao retábulo de Santo cipais bibliotecas portuguesas homem da ASPA, como cidadão Porto, 1969 António, na Capela da Senhora como nunca as tínhamos visto preocupado com o nosso Patri- Robert Smith escreveu: “Poucos SMITH, Robert C. – André Soares da Piedade [Sé de Braga], sua e, agora, nos faz redescobrir a mónio. casos há, na história da arte, arquitecto do Minho. Lisboa: última obra bracarense docu- arte de André Soares, conciliando Para além desta magnífi ca mo- como André Soares, grande Horizonte, 1973 VIII Cultura QUARTA-FEIRA, 18 de junho de 2014 Diário do Minho

POR DAVID ANTÓNIO GOMES COELHO

ALUNO ESTAGIÁRIO

DA LICENCIATURA EM ESTUDOS ARTÍSTICOS E CULTURAIS

DA FACULDADE DE FILOSOFIA DE BRAGA DA UCP

Barcelos e o seu património de azulejos

Quem visita o Museu Arqueológico da utilizado sob a forma de painel, pode, por ca Constância de Lisboa, pintado a partir los, dentro do que resta do palácio condal, cidade de Barcelos, situado nas ruínas dos vezes, apresentar quadros de rara beleza. de uma gravura do século XVI da autoria e contemplando as imagens gravadas nos Paços dos Condes de Barcelos (na foto, em No que respeita a painéis decorativos, o de Duarte D’Armas (fi g. 1). dois citados painéis, a minha sensibilidade cima), poderá, à primeira vista, fi car um património azulejar desta cidade não é O segundo painel, composto por 48 azule- artística e cultural não deixa de registar um pouco desapontado com o que encontra. excecional, mas tem algo de peculiar. jos, também da Fábrica Constância, repro- compreensível agastamento. Porquê esta Para os barcelenses é um local que pouco Foi possível chegar a essa conclusão ao duz um desenho de Manuel Luiz Pereira ruína? mais signifi ca do que um belo miradouro visitar o Museu Arqueológico. Existem aí com a imagem do Paço Condal em 1786, Terá havido alguma invasão devastadora, sobre o rio Cávado e a zona ribeirinha, diversos painéis colocados aleatoriamente também apelidado de Palácio dos Duques algum foco incendiário, algum cataclismo enquanto que, para os forasteiros, deixará nas suas negras paredes, como se lá esti- de Bragança (fi g. 2). que provocasse tal estado lastimoso a que um certo sabor de vazio a vista de tama- vessem única e exclusivamente para evitar Através da História, muitas cidades con- chegou o palácio do Conde Senhor de nha desolação. o seu desaparecimento. De entre todos seguiram fazer a sua natural evolução, Barcelos? Na minha pesquisa azulejar sobre o eles, dois, em especial, prenderam a minha respeitando as suas origens, ao mesmo Tudo parece ter começado com o desmo- centro histórico de Barcelos não foi atenção. São painéis vidrados com fundo tempo que se foram projetando em ronamento parcial da torre situada junto possível identifi car qualquer conjunto branco pintado de azul, onde estão repre- direção ao futuro. Hoje, mais que nun- da ponte medieval, aquando do terramoto digno de destaque, de entre os diversos sentadas imagens de Barcelos do período ca, essas origens, muitas vezes sujeitas de 1755. A falta de recursos e o alheamen- recobrimentos de azulejo nos edifícios medieval e o traçado do palácio dos con- a obras de conservação e restauro, são to da casa de Bragança, proprietária do da cidade. Contudo, o azulejo não serve des de Barcelos antes da sua ruína. um polo muito importante de atração e imóvel, acabou por levar à degradação do apenas como cerâmica de recobrimento O primeiro é um painel composto por 70 desenvolvimento turístico. conjunto palaciano. na proteção das paredes, pois, quando azulejos de pequenas dimensões da Fábri- Ao visitar o Museu Arqueológico de Barce- Folheando o livro de Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Barcelos (Editorial Presença, 1990), na página 36, lemos que “O paço condal de Barcelos teve já dois projetos de restauro, um de Korrodi, em 1903 (…) e outro, mais recente, do arquiteto Francisco de Azevedo.” Fig. 1 – Imagem de Duarte D’Armas Teria sido algo de primordial importância que a cidade tivesse reposto o palácio condal no seu esplendor medieval, mesmo à custa do erário público. Contemplando os painéis de azulejos, tanto o de Duarte D’Armas como o de António Augusto Perei- ra, podemos fazer uma pequena ideia do que seria Barcelos com a sua ponte medieval de- sembocando na torre da portagem que dava acesso ao interior do palácio e da cidade. Enquanto não aparece um novo projeto de recuperação, se é que vai ser pos- sível, os visitantes continuarão a olhar para aqueles painéis onde se perpetua a suntuosidade de umas paredes que se Fig. 2 – Desenho de Manuel Luiz Pereira erguem em jeito de protesto aos céus por tão inglorioso abandono. ◗