REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Lisboa • Ano 107º • Vol. CIII • Nº 565-566 • pp 1 - 112 • Jan - Jun 2008

Propriedade Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias NIPC - 501 334 327

Fundador João Viegas Paula Nogueira

Director José Pimentel de Carvalho

Editor Yolanda Vaz

Co-editor José Alexandre Leitão

Conselho Editorial Cristina Lobo Vilela José Robalo Silva José Pedro Lemos José Oom Vale Henriques Luís Anjos Ferreira Telmo Pina Nunes

Endereço / Address Edifício da Escola Superior de Medicina Veterinária Rua Gomes Freire 1169-014 Lisboa – Portugal Tel. +351 213580222, Fax +351 213580221 Internet: http://rpcv.fmv.utl.pt

Publicidade Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias

Apoios Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa

Design Gráfico e Paginação Maria José Beldock

Pré-impressão e Impressão Sersilito – Empresa Gráfica, Lda. Travessa Sá e Melo, 209 Gueifães - Apartado 1208 4471-909 Maia

É permitida a reprodução do conteúdo desta revista The reproduction of the contents of this publication is permitted

Desejamos estabelecer permutas com outras publicações We wish to establish exchange with other publications

Os trabalhos submetidos para publicação são analisados por especialistas Papers submitted for publication are peer reviewed

A Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias foi fundada em 1902

Publicação Semestral Tiragem 1000 exemplares Preço 25,00 Euro Índice

Artigos de revisão Contributo para a caracterização dos sarcomas dos tecidos moles do gato 5 e identificação de factores de prognóstico Characterization of soft tissue sarcomas in cats and prognostic factors identification – a tribute Cristina Ochôa, Carlos Lopes

Hipertensão pulmonar em cães: considerações para anestesia 17 Pulmonary hypertension in dogs: considerations for anesthesia Patrícia Cristina Ferro Lopes, Newton Nunes

Desenvolvimento embrionário inicial eqüino – revisão 25 Early equine embryonic development – a review Ester Siqueira Caixeta, Nadia Simarro Fagundes, Mariana Siqueira Caixeta, Elen Silvia Siqueira Pyles

Memórias científicas originais Cattle movements in Portugal – an insight into the potential use of network analysis 35 Movimento de bovinos em Portugal – uma abordagem à potencial utilização da análise de redes Filipa M. Baptista, Telmo Nunes, Virgílio Almeida, Armando Louzã

Efeito da ureia na activação da apoptose em células da granulosa de bovinos, avaliada 41 por citometria de fluxo Urea effect on apoptosis activation of bovine granulosa cells, evaluated by flow cytometry Susana M. Costa, António Chaveiro, Margarida Andrade e Fernando Moreira da Silva

Apoptose na nefropatia da leptospirose em ovinos 47 Apoptosis in nephropathy of the leptospirosis in ovine Carvalho S.M., Macedo N.A., Silva S.M.M.S., Quessada A.M., Mineiro A.L.B.B., Costa F.A.L.

Propriedades contráteis e histoquímicas do músculo adutor magnum de Rãs-Touro 53 (Rana catesbeiana, Shaw 1802) criadas em estufas de polietileno Contractible and histochemical properties of the lean muscle adutor magnum of the bullfrog (Rana catesbeiana, Shaw 1802) reased in polyethylene stoves Sônia M. Teodoro, Modesto A. Chaves, João F. Escobedo, Maeli Dal Pai

Drenagem de otohematoma em cães 59 Drainage of aural hematoma in dogs Duvaldo Eurides, Luiz A. Souza, Benito J.N.A.Oliveira, Luiz A.F.S.

Variáveis fisiológicas e eletrocardiográficas de diferentes frações inspiradas de oxigênio 65 em cães anestesiados com propofol Physiologic and electrocardiographic variables of several inspired oxygen fractions in propofol-anesthetized dogs Patrícia Cristina Ferro Lopes, Newton Nunes, Marlos Gonçalves Sousa, Celina Tie Duque Nishimori, Roberta Carareto, Danielli Parrilha de Paula, Paulo Sérgio Patto dos Santos, Vivian Fernanda Barbosa, Aparecido Antonio Camacho Effects of propofol and sufentanil on the electrocardiogram of dogs premedicated 73 with acepromazine Efeitos do propofol e sufentanil sobre o eletrocardiograma de cães pré-medicados com acepromazina Roberta Carareto, Marlos G. Sousa, Juliana C. Zacheu, Antonio José de A. Aguiar, Aparecido A. Camacho

Identificação de enterobactérias em ovos de codornizes japonesas (Coturnix japonica) 78 na Região Metropolitana de Fortaleza – Ce, Brasil Identification of enterobacteria in Japanese quail (Coturnix japonica) eggs in the Metropolitan Region of Fortaleza – Ce, Brazil Adonai A. Siqueira, William M. Cardoso, Emanuella E. Silva, Josué M. Romão, George C. Nogueira, José D.M. Andrade, Samuel B. Castro, Régis S.C. Teixeira

Comparison of the validation of two analytical methods for fungal toxins according to 83 RELACRE and the European Decision 2002/657/EC Análise comparativa de dois métodos para análise de micotoxinas de acordo com a RELACRE e a Decisão 2002/657/CE Marta Marques and H. Marina Martins

Comunicação breve Detection of DNA belonging to the genus Besnoitia in water 90 Detecção de ADN pertencente ao género Besnoitia na água Helga Waap, Jorge Gaspar, Maria Luísa Lobo, Olga Matos

Parasitismo por protozoários gastrointestinais em carnívoros silvestres mantidos 93 em cativeiro no sul do Brasil by gastrointestinal protozoan in wild carnivorous kept in captivity in southern of Brazil Matheus H. Farret, Vinicius R. Fanfa, Aleksandro S. da Silva, Régis A. Zanette e Silvia G. Monteiro

Infecção por Giardia spp. e Cystoisospora spp. em capivara e cutia no sul do Brasil 96 Infection by Giardia spp. and Cystoisospora spp. in capybara and agouti in southern Brazil Andressa R. Reginatto, Matheus H. Farret, Vinicius R. Fanfa, Aleksandro S. da Silva, Silvia G. Monteiro

Caso clínico Spastic syndrome in two cows in Northeastern Brazil 100 Síndrome espástica em duas vacas no Nordeste Brasileiro Antônio C.L. Câmara, José A.B. Afonso, Nivaldo A. Costa, Carla L. Mendonça, Maria I. Souza

Suplemento José Maria Guedes Dias dos Santos Nobre 104 Grand Dictionnaire Illustré de Parasitologie Médicale et Vétérinaire 108 Apolinário Vaz Portugal 109 Vida Associativa 111

ARTIGO DE REVISÃO REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Contributo para a caracterização dos sarcomas dos tecidos moles do gato e identificação de factores de prognóstico

Characterization of soft tissue sarcomas in cats and prognostic factors identification – a tribute

Cristina Ochôa1*, Carlos Lopes2

1Laboratório de Patologia, Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, INRB-IP, 4485-655 Vairão VCD 2Departamento de Patologia e Imunologia Molecular, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.4099-003 Porto

Resumo: No presente trabalho foram analisados 62 sarcomas Sarcomas affected mainly short haired breed cats, of both sexes, cutâneos do gato. Realizámos uma caracterização morfológica with 8,9 years old in inaverage.The most frequent anatomic recorrendo a técnicas de histologia, histoquímica (Azul Alçião) location observed was the thoracic wall. The majority of the e de imunohistoquímica com marcadores para os filamentos sarcomas presented high histological grade and infiltrative intermédios (vimentina, α actina de músculo liso, desmina e growth pattern. We observed peritumoral lymphocytic citoqueratina 14), para a proteína S-100 e para os linfócitos aggregates on 58 neoplasms. Fibrosarcoma was the most T (CD3). Foram estudadas algumas variáveis clínicas, incluindo frequent histological type observed, 42 neoplasms. Moreover, 9 a sobrevida dos animais, desenvolvendo esforços para a myxosarcomas, 8 giant cells malignant fibrous histiocytoma identificação de factores de prognóstico. As neoplasias tumours, 2 malignant peripheral nerve sheath tumours and 1 ocorreram em gatos maioritariamente de raça Europeu Comum, myxoide liposarcoma, also ooccurred. Three fibrosarcomas de ambos os sexos, com idade média de 8,9 anos. A maioria showed cartilaginous differentiation and one fibrosarcoma was dos sarcomas estava localizada na parede costal. Apresentaram composed by "rhabdomyosarcoma-like" neoplastic cells. It was frequentemente grau histológico elevado e padrão de crescimento possible to identify myofibroblast immunopattern in all infiltrativo. Observámos agregados linfocitários peritumorais histological types. The median for time of global survival was em 58 neoplasias. Os fibrossarcomas foram o tipo histológico 277 days (9 months) and for time of survival disease free was mais representativo do nosso estudo com 42 neoplasias, ocor- 198 days (6 months). Features such as tumour size, growth pat- rendo também 9 mixossarcomas, 8 fibro histiocitomas malignos terns and necrosis were associated with prognosis de células gigantes, 2 tumores malignos das bainhas nervosas periféricas e um lipossarcoma mixóide. Três fibrossarcomas Keywords: cat; sarcomas, prognostic features. evidenciaram diferenciação cartilagínea e um fibrossarcoma era composto por células neoplásicas do tipo rabdomiossarcoma. As células neoplásicas revelaram padrão de imunomarcação característico dos miofibroblastos em todos os tipos histológicos. Introdução O valor da mediana para o tempo de sobrevida total para os gatos foi de 277 dias (9 meses) e para o tempo de sobrevida livre de doença de 198 dias (6 meses). O tamanho, o padrão de Os sarcomas dos tecidos moles aparecem com crescimento e a necrose das neoplasias foram associados ao relativa frequência nos gatos. Classicamente, obser- prognóstico. vam-se dois tipos distintos de apresentação clínica: a forma multicêntrica dos gatos jovens (geralmente com Palavras chave: gato, sarcomas, factores de prognóstico. menos de 4 anos de idade), causado pelo Vírus do Summary: In this study, 62 feline soft tissue sarcomas have Sarcoma Felino (FeSV), um Oncornavírus da família been evaluated by histopathology, histochemistry (Alcian Blue) Retroviridae, e uma forma solitária tanto nos jovens and immunohistochemistry with intermediate filaments markers como nos adultos, em que o FeSV não parece estar (vimentin, smooth muscle actin, desmin and cytokeratin 14), implicado (Snyder, 1969; Brown et al., 1978; Hoover S-100 protein marker and CD3, a lymphoid T cell marker. e Mullins, 1991; Pereira e Tavares, 1998). Em 1990 We have also evaluated some clinical variables including cats survival, having developed efforts to identify prognostic factors. observou-se um aumento dos sarcomas solitários dérmicos e subcutâneos, em gatos de várias faixas etárias, localizados na porção dorsal do pescoço e na região interescapular (Hendrick e Goldschmidt, 1991) que diferiam das formas clássicas pela presença de infiltrado inflamatório peritumoral linfo-granulo- matoso, semelhante ao descrito em reacções inflama- *Correspondência: [email protected] tórias pós vacinais por Hendrick e Dunagan (1991) Tel: +351 252660669; Fax: +351 252660699 tendo sido designadas de "fibrossarcomas pós vacinais"

5 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15 na Classificação Histológica dos Tumores Mesenquima- Diagnóstico Anatomohistopatológico do Laboratório tosos da Pele e Tecidos Moles dos Animais Domésticos, Nacional de Investigação Veterinária – Campus Vairão da OMS (Hendrick et al., 1998). Para além da vacinação, (n=4). a inoculação parentérica de substâncias como a peni- As neoplasias, diagnosticadas entre 1999 e 2001, cilina, a metilprednisolona, a lufenurona ou utilização estavam disponíveis em blocos de parafina. Foram de material de sutura, também já foram associadas à eliminadas do estudo todas as neoplasias cujas peças formação dos sarcomas no gato (Gagnon, 2000; Cohen apresentavam tamanho insuficiente, limites periféricos et al., 2001). mal definidos e localização anatómica incerta, pelo Para alguns autores, estes sarcomas têm origem em que as preparações histológicas utilizadas eram repre- mecanismos oncogénicos diferentes dos observados sentativas do tumor, continham margens tumorais nos clássicos, constituindo uma entidade patológica definidas e áreas de pele íntegra para controlo interno. distinta (Kass et al., 1993; Hendrick et al., 1994b; Para o estudo da macroscopia, características da Doddy et al., 1996). Nesta hipótese, a vacinação superfície de corte e tamanho das neoplasias, foram induziria a inflamação crónica com transformação consultados os registos laboratoriais. neoplásica das células mesenquimatosas participantes A partir dos blocos de parafina, efectuaram-se no processo de reparação, os fibroblastos e os miofi- cortes de 4 µm em micrótomo rotativo para o estudo broblastos (Hendrick e Dunagan, 1991; Hendrick e histopatológico, histoquímico e imunohistoquímico. Goldschmidt, 1991; Dubielzig et al., 1993; Esplin et Os dados clínicos considerados, tais como a idade à al., 1993; Kass et al., 1993; Hendrick e Brooks, 1994; data da primeira cirurgia, o sexo, a raça e a localiza- Hendrick et al., 1994a; Hendrick et al., 1994b; Doddy ção das neoplasias, descritas nas folhas de requisição et al., 1996; Macy e Hendrick, 1996; Schultze et al., para análise, foram confirmados com os clínicos 1997). As citocinas e os radicais livres oxidantes assistentes por telefone. libertados pelas células inflamatórias, a alteração dos Os animais do estudo foram sujeitos a excisão factores de crescimento e dos seus receptores, o Vírus cirúrgica para extirpação do tumor primário, sem do Sarcoma Felino (FeSV), a activação de oncogenes, tratamento adicional. O seguimento clínico foi possível as mutações dos genes supressores tumorais e dos para 51 animais e a data do final do estudo foi 31 de genes envolvidos na apoptose (Hendrick e Brooks, Dezembro de 2002. Foram descartados, 8 animais por 1994) interrelacionados com as características genéti- impossibilidade de acesso à sua ficha clínica, 2 por cas do gato, produzirão efeitos mitogénicos e perda abandono das consultas sem que tivesse havido possi- da homeostasia celular, aumentando a possibilidade bilidade de contactar os proprietários e 1 cuja colheita de transformação neoplásica de células tão lábeis e da neoplasia coincidiu com o acto de necrópsia, heterógeneas como os miofibroblastos (Bergman, num total de 11 animais. Foram registadas as datas 1998; Doliger e Devauchelle, 1998; Hendrick, 1998a). da cirurgia, da primeira recidiva e a eventual data O presente trabalho pretende ser um contributo para da eutanásia ou morte natural, através de contacto o estudo das características anatomoclínicas, dos fac- telefónico com o clínico veterinário assistente. tores de prognóstico e do padrão de imunorrectividade Quando alguma destas informações não estava dos sarcomas, na tentativa de compreender melhor a disponível, e sempre que possível, foram contactados sua biopatologia. Com esse propósito estudaram-se os proprietários dos animais. Os resultados ambíguos algumas variáveis clínicas como o sexo, idade, raça, ou incompletos foram eliminados do estudo. Estas localização tumoral e reuniram-se informações clínicas informações foram utilizadas para a determinação dos para o estudo da sobrevida. Não foi nosso objectivo seguintes parâmetros: estudar o processo de cancerização nem a histogénese, Tempo de sobrevida livre de doença – o intervalo de que exigiriam metodologias diferentes e menos tempo (em dias) desde a data da primeira excisão até disponíveis.Para o estudo dos sarcomas utilizámos as à data declarada da primeira recidiva; técnicas de histologia convencional, histoquímica Tempo de sobrevida total – o intervalo de tempo (em (Azul de Alçião) e de imunohistoquímica com mar- dias) desde a data da primeira excisão até à data da cadores para os filamentos intermédios (vimentina, morte do animal ou à data final do estudo. α actina de músculo liso, citoqueratina 14) para a proteína S-100 e para os linfócitos T (CD3). Características histopatológicas As preparações histológicas foram coradas pela coloração de Hematoxilina e Eosina (H&E) pelo Material e métodos procedimento de rotina. As neoplasias foram agru- padas em 5 tipos histológicos pelos critérios morfoló- Neste trabalho estudaram-se 62 sarcomas dos gicos observados e padrão imunofenótipico das células tecidos moles de gatos, recorrendo a amostras do neoplásicas, com base na Classificação Histológica arquivo histológico do Laboratório de Anatomia dos Tumores Mesenquimatosos da Pele e Tecidos Patológica da Faculdade de Medicina Veterinária da Moles dos Animais Domésticos da Organização Universidade Técnica de Lisboa (n=58) e do Sector de Mundial da Saúde (OMS) (Hendrick et al., 1998).

6 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15

Procedeu-se à avaliação do padrão de crescimento natureza mixóide (9 mixossarcomas e um lipossarcoma tendo-se considerado infiltrativo quando ocorria mixóide). Fizeram-se dois cortes de 4 µm em micrótomo invasão e dissociação dos tecidos vizinhos pelas células rotativo e as preparações histológicas foram submeti- neoplásicas ou expansivo quando as lesões apresen- das em simultâneo à coloração Azul Alcião, a pH 1 e taram vários nódulos delimitados por uma fina cápsula a pH 2,5 utilizando o "kit" de coloração (Bioóptica, de tecido conjuntivo. 161802). Os corantes alcião unem-se aos polianiões O grau histológico foi obtido adicionando os três constituídos por radicais sulfúricos e carboxílicos dos valores da pontuação atribuídos para a diferenciação mucopolissacáridos, só reagindo com as mucinas tumoral, contagem de mitoses e quantidade de necrose ácidas. Para o procedimento de coloração seguiram-se (ver Tabela 1), de acordo com um dos sistemas de as indicações do fabricante. graduação mais utilizados em Medicina Humana, o sistema FNCLCC (French Fédération Nationale des Estudo imunohistoquímico Centres de Lutte Contre le Cancer) (Fletcher et al., Utilizou-se o método indirecto de Avidina-Biotina- 2002) que tem sido adaptada em tumores animais Peroxidase (ABC) usando como cromogéneo o (Couto et al., 2002; Bettini et al., 2003). tetrahidrocloreto de 3´3 Diaminobenzina (DAB). As Tabela 1 - Sistema de Graduação da FNCLCC: Definição de incubações foram realizadas em câmara húmida e as parâmetros (Adaptado de Fletcher et al., 2002) lavagens foram efectuadas numa solução de Tampão Diferenciação Tumoral: Tris Salino (TBS). Utilizou-se o tratamento térmico na Pontuação 1: Células neoplásicas semelhantes ao tecido recuperação antigénica. Para tal, os cortes foram colo- mesenquimatoso normal cados numa "cuvette" de plástico contendo Tampão Pontuação 2: Células neoplásicas pouco diferenciadas, mas Citrato de Sódio a 0,01 M (pH 6,0) e colocados em com alguma semelhança com tecido mesenquimatoso normal banho-maria a 99º C durante 20 minutos. Em seguida Pontuação 3: Células neoplásicas sem semelhança com tecido foram arrefecidos, durante 20 minutos e colocados em mesenquimatoso normal TBS. Contagem de Mitoses (em 10 campos a 400x): Após terem sido desparafinados e hidratados, os Pontuação 1: 0-9 Mitoses cortes colados em lâminas previamente revestidas Pontuação 2: 10-19 Mitoses com Poli-L-Lisina (Sigma) foram incubados durante Pontuação 3: ≥20 Mitoses 30 minutos numa solução aquosa de Peróxido de Necrose Tumoral: Hidrogénio a 3% (Merck) para a inibição da peróxi- Pontuação 0: ausente dase endógena dos tecidos. Posteriormente para Pontuação 1: <50% Necrose bloqueio de reacções inespecíficas, as preparações Pontuação 2: ≥ 50% Necrose foram incubadas em soro normal, diluído a 1/5 em Grau Histológico: TBS. Utilizou-se soro normal de coelho (Dako, Grau 1: Total pontuação: 2,3 X0902) para os anticorpos monoclonais e soro normal Grau 2: Total de pontuação: 4,5 de suíno (Dako, X0901) para os anticorpos policlonais. Grau 3: Total de pontuação: 6,7,8 Seguiram-se as incubações com os anticorpos primários, de acordo com o descrito na Tabela 2. Quando presente, o infiltrado inflamatório intra e Após a exposição ao anticorpo primário, os cortes peritumoral foi avaliado em relação à intensidade, foram incubados durante 30 minutos com o anticorpo distribuição e tipo celular constituinte. A intensidade secundário biotinilado adequado, soro de coelho anti- do infiltrado peritumoral foi avaliada qualitativamente ratinho (Dako, E0354) diluído a 1/400 (anticorpos (abundante, moderada, baixa ou ausente) pela monoclonais) ou soro de suíno anti-coelho (Dako, observação dos agregados inflamatórios nos campos E0353) diluído a 1/500 (anticorpos policlonais). peritumorais em fraca ampliação (40x), à semelhança Os cortes foram incubados 30 minutos com o soro do realizado em outro estudo (Couto et al., 2002). complexo Avidina-Biotina-Peroxidase (Dako, K0377) para amplificar o reconhecimento dos epítopes e utili- Estudo histoquímico zou-se o cromógeneo DAB (Dako, K0391) durante 8 Foram avaliados os mucopolissacáridos em dez minutos para visualizar a reacção. A reacção foi inter- neoplasias com maior quantidade de estroma de rompida com água destilada e as preparações foram

Tabela 2 - Anticorpos primários utilizados, diluições e tempos de exposição Anticorpo Tipo Referência Diluição Tempo de Incubação Anti-vimentina (Clone V9) Monoclonal Dako, M0725 1/50 60 minutos Anti-desmina (Clone D33) Monoclonal Dako, M0760 1/50 60 minutos Anti-α Actina de músculo liso (Clone 1A4) Monoclonal Dako, M0851 1/50 60 minutos Anti-S-100 Policlonal Dako, Z0311 1/200 60 minutos Anti-citoqueratina 14 (Clone LL002) Monoclonal Serotec, MCA890H 1/10 Durante a noite Anti-CD3 Policlonal Dako, A0452 1/50 60 minutos

7 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15

Tabela 3 - Classificação histológica dos sarcomas observados Tipo histológico Total n (%) Parede costal Outras localizações Mixossarcoma 9(14,5) 9 0 Fibrohistiocitoma maligno de células gigantes 8(12,9) 6 2 Tumor maligno das bainhas nervosas periféricas 2(3,2) 1 1 Lipossarcoma mixóide 1(1,6) 1 0 TOTAL 62 (100) 52 (86,7) 10 (13,3)

contrastadas com Hematoxilina de Gill, durante 5 os animais apresentavam neoformações cutâneas dis- minutos, desidratadas, clarificadas e montadas com tribuídas maioritariamente na parede costal (86.7%) Entellan® (Merck). ocorrendo também na mama (6,5%, n=4), no membro Para todas as proteínas avaliadas utilizaram-se (3,2%, n=2), na axila (1,6%, n=1), no sacro (3,2%, n=2) controlos positivos adequados e para controlo negativo e na zona inguinal (1,6%, n=1). utilizou-se o procedimento habitual referido anterior- Dos 51 gatos utilizados no estudo de sobrevida, 4 mente, tendo-se substituído o anticorpo primário por apresentaram sintomas de metástases (7,8%), recor- TBS. rendo à consulta com estado de saúde precário, com A imunorreactividade foi avaliada qualitativamente dispneia grave (confirmação radiográfica em 2 casos) tendo-se considerado positiva quando a marcação e linfadenomegália inguinal num caso. O valor da ocorria no citoplasma das células neoplásicas inde- mediana do tempo de sobrevida total foi de 277 dias pendentemente do grau de intensidade, com excepção (9 meses), variando entre os 19 a 1263 dias (42 para a proteína S-100 em que a marcação nuclear meses). No final do estudo o total de animais mortos também foi considerada. foi de 38 (74,5%). Permaneciam vivos 13 animais (25,5%). Dois destes casos apresentaram tempos de Análise estatística sobrevida superiores a 1000 dias. Foram observadas recidivas em 44 casos (86,3%) e o tempo mediano do Os resultados foram expressos em frequências seu aparecimento foi de 198 dias (6,6 meses), variando absolutas e relativas (percentagens) e para as variáveis entre 19 a 515 dias. Apenas 3 animais apresentaram numéricas foi calculada a média, desvio padrão, tempos de primeira recidiva superiores a 1 ano. mediana e valores mínimo e máximo. As variáveis contínuas foram estudadas através dos Caracterização das neoplasias testes t de Student ou ANOVA. Quando necessário, as variáveis foram categorizadas, utilizando a média Os sarcomas foram agrupados em fibrossarcomas, como valor "cut off" nas variáveis numéricas. mixossarcomas, fibrohistiocitoma maligno de células A sobrevida global foi calculada pelo método de gigantes, tumores malignos das bainhas nervosas Kaplan-Meier. Os dados foram censurados quando os periféricas e lipossarcoma mixóide (Tabela 3). gatos estavam vivos no final do estudo. As variáveis: Os fibrossarcomas (Figura 1) foram o tipo histológico tamanho, padrão de crescimento, necrose e grau mais representativo do nosso estudo, num total de 42 histológico das neoplasias, foram relacionadas com o neoplasias. Eram caracterizados por densidade celular tempo de sobrevida total. Foram calculadas as media- elevada e células neoplásicas fusiformes, com acentua- nas da sobrevida total para cada uma das categorias, e do pleomorfismo citonuclear organizados em feixes as diferenças entre os grupos foram comparadas pelo multidireccionais. teste de log-Rank, com o objectivo de estudar a sua importância como possíveis factores de prognóstico. As associações encontradas foram consideradas significativas para valores de p <0,05.

Resultados

No nosso estudo utilizámos 62 gatos, com idades compreendidas entre os 8 meses e os 20 anos, à data da cirurgia, sendo a média de idade de 8,9 anos (desvio padrão=2,9). As neoplasias ocorreram em 32 machos (51,6%) e 30 fêmeas (48,4%). A raça Europeu Comum foi a predominante, 49 gatos (79,0%), estando também representadas as raças Siamesa (14,5 %, n= 9), Persa Figura 1 - Fibrossarcoma composto por feixes multidireccionados de (4,9%, n=3) e Bosque da Noruega (1,6%, n=1). Todos células neoplásicas fusiformes. Anisocitose e hemorragia. H&E.100x

8 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15

Dentro deste grupo, destacámos três neoplasias Nos fibro-histiocitomas malignos, variante de (Figura 2), multinodulares, compostas por pequenas células gigantes (Figura 5) observámos a presença de células indiferenciadas misturadas em ilhotas de carti- abundantes células gigantes multinucleadas do tipo lagem hialina que ocupavam a quase totalidade das osteoclasto, num substrato de células neoplásicas massas neoplásicas. fusiformes, de núcleos ovóides a redondos.

Figura 2 - Fibrossarcoma evidenciando diferenciação cartilagínea. Figura 5 - Fibro-histiocitoma maligno, variante de células gigantes. H&E, 200x Células gigantes multinucleadas reactivas, não neoplásicas ou do tipo osteoclasto H&E.100x Outra das neoplasias (Figura 3) enquadrada neste grupo era composta na sua totalidade por células Os tumores malignos das bainhas nervosas periféricas redondas bastante atípicas, com citoplasma claro, caracterizaram-se pela presença de fascículos multidirec- eosinófilo e abundante, com um ou dois núcleos, cionados de células fusiformes pequenas, ocasional- encostados à periferia, sugerindo imagens de células mente justapostas em paliçada (Figura 6). neoplásicas do tipo rabdomiossarcoma.

Figura 6 - Tumor Maligno das Bainhas Nervosas Periféricas, localizado no membro posterior e intimamente relacionado com a presença de Figura 3 - Fibrossarcoma composto por células neoplásicas nervos periféricos. Células neoplásicas justapostas em paliçada. pleomórficas com abundante citoplasma eosinofilico do tipo H&E.100x "rabdomiossarcoma". H&E.200x O lipossarcoma mixóide (Figura 7) apresentava Os mixossarcomas (Figura 4) apresentaram estroma áreas menos densas, de matriz do tipo mixóide, com de mucopolissarídeos ácidos moderado a abundante. células de características fusiformes a poligonais. As No geral, apresentaram áreas hipocelulares com células células poligonais dispersas na matriz possuíam, por neoplásicas dispostas perpendicularmente a finos septos vezes, vacúolos lipídicos múltiplos e de variados de tecido conjuntivo, e produção de mucina, para o tamanhos, que deformavam as células e indentavam o centro da lesão, frequentemente necrosado. núcleo, revelando diferenciação no sentido do lipoblasto.

Figura 4 - Mixossarcoma com estroma mixóide moderado. Figura 7 - Lipossarcoma Mixóide. Estroma de natureza mixóide Anisocitose e anisocariose das células neoplásicas. H&E.100x moderado, células estreladas e contendo vacúolos lipídicos. H&E.100x

9 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15

Padrão de crescimento Observámos padrão de crescimento infiltrativo com invasão e dissociação dos tecidos vizinhos em 48 sarcomas. Os restantes apresentaram vários nódulos delimitados por uma fina cápsula de tecido conjuntivo e padrão de crescimento expansivo, estando represen- tados nesta categoria cinco fibrossarcomas (dois dos quais com diferenciação cartilagínea), cinco mixos- sarcomas e quatro fibrohistiocitomas malignos de células gigantes.

Imunorreactividade das células neoplásicas aos filamentos intermédios e proteína S-100 Figura 8 - Fibrossarcoma Imunorreactividade ao marcador vimentina. As células neoplásicas revelaram imunorreactivi- Intensa marcação citoplasmática. ABComplex-HRP, 200X dade de padrão difuso para o marcador vimentina em todos os tipos histológicos (Figura 8). Este filamento intermédio tradicionalmente associado a células mesenquimatosas, esteve presente numa grande variedade de células, tendo sido identificado em fibroblastos, condroblastos, células musculares lisas e endotélio. A expressão das células neoplásicas aos filamentos intermédios desmina, α actina de músculo liso e à proteína S-100 foi variável (Tabela 4), tendo sido utilizada na determinação da sua linha de diferen- ciação. O anticorpo anti-desmina apresentou marcação focal em quatro das neoplasias estudadas, ocorrendo também no músculo esquelético e de forma variável nos vasos. O marcador anti-α actina de músculo liso apresentou ampla distribuição nos sarcomas tendo-se Figura 9 -Tumor maligno das bainhas nervosas periféricas. Imunorreactividade ao marcador proteína S-100. ABComplex-HRP, observado imunorreatividade em todos os tipos his- 100X tológicos. Foi possível identificar imunofenótipo miofibroblasto em todos os tipos histológicos, num total de 50 neoplasias, das quais 46 expressaram antigénios vimentina/α actina (tipo VA), 2 vimentina/α actina/desmina (tipo VAD) e 2 vimentina/desmina (tipo VD). O anticorpo anti-proteína S-100 foi útil na identifi- cação dos tumores com origem nas baínhas nervosas periféricas. Estas neoplasias eram compostas por célu- las intensamente imunorreactivas a este marcador (Figura 9). As células com diferenciação cartilagínea e lipoblástica também foram imunorreactivas a este marcador (Figuras 10 e 11). A imunorreactividade ao marcador citoqueratina 14 Figura 10 - Fibrossarcoma. Imunorreactividade ao marcador proteína foi avaliada nas neoplasias localizadas na mama. Esta S-100. Intensa marcação das células de diferenciação cartilagínea. proteína, em geral presente nas células mioepiteliais ABComplex-HRP, 100X

Tabela 4 - Expressão dos marcadores desmina,α actina e proteína S-100 das células neoplásicas nos diferentes tipos histológicos. FMCG- Fibrohistiocitoma maligno de células gigantes. TMBN- Tumor maligno das bainhas nervosas. Tipo Histológico Desmina (n/T) α Actina (n/T) S-100 (n/T) + ++ +++ % + ++ +++ % + ++ +++ % Fibrossarcoma 2/42 1/42 _ 7,1 6/42 12/42 18/42 85,7 2/42 _ 3/42 11,9 Mixossarcoma 1/9 _ _ 11,1 1/9 1/9 1/9 33,3 1/9 _ _ 11,1 FMCG _ _ _ 0 _ 1/8 5/8 75 _ _ 2/8 25 TMBN _ _ _ 0 _ 1/2 1/2 100 _ _ 2/2 100 Lipossarcoma _ _ _ 0 _ _ 1/1 100 _ _ 1/1 100

10 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15

(Figura 12), o padrão de crescimento expansivo (Figura 13) e a ausência de necrose (Figura14) reve- laram-se factores de prognóstico favoráveis. Não foram observadas diferenças significativas entre a sobrevida total e o grau histológico (p=0,32).

Figura 11 - Lipossarcoma mixóide. Imunorreactividade ao marcador proteína S-100. Intensa marcação das células de diferenciação lipoblástica. ABComplex-HRP, 200x da mama, não foi evidenciada nestes sarcomas. Assim excluímos a hipótese de estarmos a abranger no nosso Figura 12 - Curva de sobrevida e o efeito do tamanho das neoplasias estudo mioepiteliomas malignos da mama. (p=0,02).

Graduação histológica Dos 62 sarcomas do nosso estudo, 51 apresentaram grau histológico 3 (82,3%), 10 apresentaram grau 2 (16,1%) e uma apresentou grau 1 (1,6%). O grau histológico esteve associado à localização tumoral (p=0,02), tendo-se verificado que 88,4% das neoplasias de grau 3 e 70% das neoplasias de grau 2 estavam localizadas na parede costal. Os mixossar- comas, os fibrohistiocitomas malignos de células gigantes e o lipossarcoma mixóide da nossa série de neoplasias apresentaram sempre grau 3. Figura 13 - Curva de sobrevida e o efeito da variável patológica Infiltrado inflamatório padrão de crescimento (p=0,04). A presença de infiltrado inflamatório peritumoral foi observada em 58 neoplasias. Era constituído por células do tipo linfo-plasmocitário e macrofágico, organizado em agregados foliculares linfogranulo- matosos, perivasculares ou em pequenos folículos. Observámos linfócitos imunorreactivos ao anticorpo anti-CD3, o que sugere a presença dos linfócitos T nestes agregados. Em 20 neoplasias (32,3%) observou-se a presença de linfócitos intratumorais. Em 12 neoplasias, foi possível observar grandes quantidades de neutrófilos nas proximidades de áreas necrosadas. Em duas neoplasias localizadas na parede costal, observaram-se Figura 14 -Curva de sobrevida e o efeito da variável patológica aglomerados de células macrofágicas, compatíveis necrose (p=0,05). com células espumosas. O infiltrado inflamatório esteve associado a neoplasias localizadas na parede Discussão costal (p=0,000001) e de elevado grau histológico (p=0,03). Os sarcomas estudados ocorreram em gatos com idade média de 8,9 anos, não se observando predis- Estudo dos factores de prognóstico posição entre sexos, o que está de acordo com a O tamanho (p=0,02), o padrão de crescimento literatura consultada (Kass et al, 1993 ;Hendrick et al., (p=0,04) e a necrose das neoplasias (p=0,05) influen- 1994b; Doddy et al., 1996; Lester et al., 1996; ciaram a sobrevida dos animais. As menores dimensões Davidson et al., 1997; Cronin et al., 1998; Doliger e

11 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15

Davauchelle, 1998; Hershey et al., 2000; Cohen et al., condicionada pela sua grande exigência quer em 2001; Couto et al., 2002; Kobayashi et al., 2002. recursos económicos quer técnicos, sendo a extir- A raça Europeu Comum foi a mais frequentemente pação cirúrgica a principal terapêutica. A precocidade observada neste estudo. Este facto pode reflectir a sua da intervenção e a extensão alargada da exerése são maior frequência em Portugal. No entanto, existem factores que contribuem para o sucesso do tratamento vários estudos em que o mesmo foi observado (Brown cirúrgico (Brown et al., 1978; Bostock & Dye, 1979; et al., 1978; Bostock e Dye, 1979; Davidson et al., Davidson et al., 1997; Devauchelle et al., 1997; 1997; Cronin et al., 1998; Hershey et al., 2000; Cohen Doliger & Devauchelle, 1998; Couto & Macy, 1998; et al., 2001; Kobayashi et al., 2002). Hershey et al., 2000). As neoplasias estavam preferencialmente locali- No nosso estudo 86,3% dos gatos apresentaram zadas em áreas anatómicas para a vacinação (parede recidivas. A frequência de recidivas foi superior à costal). Estas apresentaram características histopatológi- descrita em outros estudos, que ronda os 30 a 60% cas de maior malignidade relativamente às localizadas (Couto & Macy, 1998; Hershey et al., 2000; Cohen et em outras regiões. Este facto, também observado em al., 2001; Kobayashi et al., 2002). O tempo mediano estudos anteriores (Doddy et al., 1996) sugere origem do seu aparecimento foi de 198 dias (6,6 meses). iatrogénica para estas neoplasias (Hendrick e Foram registadas quatro mortes associadas a metas- Goldschmidt, 1991; Doliger et al., 1992; Kass et al., tização neoplásica dos sarcomas, correspondendo a 1993; Esplin et al., 1993; Gruffydd-Jones e Sparkes, 7,8% dos animais avaliados neste estudo. Este valor 1994; Hendrick et al., 1994b; Doddy et al., 1996; pode ser um número abaixo do valor real, pois, alguns Davidson et al., 1997; Macy e Hendrick, 1996; Cohen animais permaneciam em risco no final do estudo e et al., 2001; Doliger e Devauchelle, 1998; Gagnon, não foram clinicamente avaliados e noutros casos, 2000; Gobar e Kass, 2002). a sua detecção não foi possível pela ausência de Neste estudo, os gatos foram sujeitos ao tratamento necrópsias. Alguns estudos sugerem que a metastiza- cirúrgico para a extirpação do tumor primário, sem ção destas neoplasias seja mais frequente, do que recurso a terapias adicionais e apresentaram valor inicialmente se pensava, atingindo 10 a 25% dos gatos mediano para a sobrevida total de 277 dias (9 meses), (Couto & Macy et al., 1998; Cronin et al., 1998; ou seja menor sobrevida do que a apresentada em Hershey et al., 2000; Kobayashi et al., 2002). Pela estudos anteriores (Brown et al., 1978; Bostock & sintomatologia descrita as metástases ocorreram Dye, 1979; Davidson et al., 1997; Hershey et al., sobretudo no pulmão e nos linfonodos. Estudos 2000). Têm sido publicados vários trabalhos sobre a anteriores citam os pulmões como os órgãos mais utilização de múltiplas modalidades terapêuticas, afectados, seguidos dos linfonodos regionais, rim, tendo-se observado aumento dos tempos de sobrevida baço, intestino, pele, esqueleto e fígado (Brown et al., total para os gatos recorrendo à radioterapia neoadju- 1978; Bostock & Dye, 1979; Hendrick et al., 1994b; vante (Macy & Bergman, 1995; Couto & Macy, 1998; Esplin et al., 1996; Davidson et al., 1997; Couto & Cronin et al., 1998; Doliger & Devauchelle, 1998), Macy, 1998; Cronin et al., 1998; Hershey et al., 2000; radioterapia adjuvante (Couto & Macy, 1998; Kobayashi et al., 2002). Bregazzi et al., 2001), radioterapia intersticial e Os fibrossarcomas representaram 67,7% das neo- imunogenoterapia (Macy & Bergman, 1995; Doliger plasias estudadas. Foram na sua maioria, morfologica- & Devauchelle, 1998). Outros tratamentos incluíram a mente semelhantes ao "fibrossarcoma pós-vacinal criocirurgia e a imunoterapia adjuvante com ou sem felino", descrito na Classificação Histológica dos quimioterapia, mas sem grande sucesso (Brown et al., Tumores Mesenquimatosos da Pele e Tecidos Moles 1978; Miller et al., 1991). A utilização da quimioterapia dos Animais Domésticos da OMS (Hendrick et al., adjuvante com ou sem radioterapia já foi avaliada, 1998). No entanto, dentro deste grupo, incluímos neo- mas a sua importância permanece controversa. Foram plasias com características morfológicas particulares. utilizados vários agentes quimioterápicos, como a Três fibrossarcomas evidenciaram diferenciação metotrexato (Brown et al., 1978), adriamicina (Macy cartilagínea e um fibrossarcoma era composto por & Bergman, 1995; Doliger & Devauchelle, 1998), células neoplásicas do tipo rabdóide. A criação em doxorrubicina (Cronin et al., 1998; Barber et al., classificações futuras, dos subtipos histológicos - con- 2000; Cohen et al., 2001; Kobayashi et al., 2002), drossacoma e de sarcoma do "tipo rabdomiossacoma"- vincristina (Brown et al., 1978; Kobayashi et al., para os sarcomas pós vacinais no gato, permitiria 2002), ciclofosfamida (Brown et al., 1978; Cohen et caracterizar com mais pormenor, neoplasias com al., 2001 Kobayashi et al., 2002) e a carboplatina características semelhantes às observadas neste estudo. (Kobayashi et al., 2002). Estes tipos histológicos já foram referenciados na O nosso estudo parece reforçar a ideia de que a literatura, tendo-se identificado também os osteossar- cirurgia por si só, não parece ser suficiente, no trata- comas e os hemangiossacomas (Hendrick & Brooks, mento dos sarcomas felinos reforçando a necessidade 1994; Macy & Bergman, 1995; Doddy et al., 1996; de pesquisar novas formas de tratamento. A utilização Lester et al., 1996; Coyne et al., 1997; Hershey et al., destas terapias em Medicina Veterinária, é, no entanto 2000; Cohen et al., 2001).

12 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15

As neoplasias do nosso estudo eram maioritaria- Couto et al., 2002). mente compostas por miofibroblastos, reconhecidos A caracterização da população linfocitária, associada pelo padrão de imunomarcação. As células neoplásicas a este tipo tumoral parece importante para desvendar expressaram antigénios vimentina/α actina (tipo VA), o papel que desempenham na patogenia, já que a vimentina/α actina/desmina (tipo VAD) e vimentina/ inflamação pode ter um papel preponderante na desmina (tipo VD). É geralmente aceite que os miofi- carcinogénese e na progressão tumoral. Os linfócitos broblastos representam células "transicionais" entre T activados e os macrófagos produzem várias citocinas fibroblastos e células musculares lisas sendo caracte- indutoras de angiogénese e providenciam mitogénios rizados pelos seus imunofenótipos diversos, podendo potentes para os fibroblastos, influenciando diversas ocorrer variações dentro da mesma lesão à medida que actividades enzimáticas envolvidas na remodelação da esta progride (Mentzel e Fletcher, 1997). matriz extra-celular (Tazawa et al., 2003; Pikarsky E. Na literatura consultada encontramos referências da et al., 2004). Hendrick, (1998b) identificou imunorre- ocorrência de sarcomas miofibroblásticos no gato actividade a factores de crescimento, tais como PDGF (Dubielzig et al., 1993; Doliger & Devauchelle, (factor de crescimento derivado das plaquetas) em 1998), assim como da presença de miofibroblastos, linfócitos e ao seu receptor nos macrófagos associados estreitamente associadas aos sarcomas felinos aos sarcomas pós vacinais do gato. Estes dados (Hendrick & Brooks, 1994; Hendrick et al., 1994b; sugerem que os linfócitos secretam PDGF para o Doddy et al., 1996; Couto et al., 2002). Já foi possível, recrutamento de macrófagos e causam proliferação de inclusive, a identificação dos miofibroblastos em fibroblastos. Os factores de crescimento representam estudos de ultraestrutura (Dubielzig et al., 1993; reguladores importantes no crescimento celular Hershey et al., 2000; Madewell et al., 2001). Com o normal e neoplásico e podem indicar auto-estimulação advento da imunohistoquímica, os miofibroblastos do crescimento tumoral e reflectir comportamento foram reconhecidos com maior frequência numa biológico mais adverso (Calonje e Fletcher, 1995). grande variedade de tecidos normais e patológicos. As A localização tumoral (Bostock e Dye, 1979; cicatrizes e as fibromatoses, pelo menos inicialmente Hendrick et al., 1994b; Hershey et al., 2000), o índice são compostas por miofibroblastos proliferativos, mitótico (Bostock e Dye, 1979), o tipo de excisão contudo à medida que as lesões envelhecem ou hiali- cirúrgica (Bostock e Dye, 1979; Hershey et al., 2000; nizam, as células com as características de fibroblastos Cohen et al., 2001; Kobayashi et al., 2002), as maduros tornam-se progressivamente mais predomi- margens cirúrgicas livres de células neoplásicas nantes (Mentzel & Fletcher, 1997; Coffin & Fletcher, (Cronin et al., 1998, Doliger e Devauchelle, 1998; 2002). Os miofibroblastos, além de participarem em Hershey et al., 2000; Kobayashi et al., 2002), o tamanho respostas reparativas e na resposta estromal de neo- da neoplasia, a presença de metástases e a precocidade plasias, representam ainda um componente importante da radioterapia adjuvante (Cohen et al., 2001) já de numerosas neoplasias mesenquimatosas malignas e foram significativamente associados com a sobrevida benignas (Miettinen, 1988; Roche, 1990; Mentzel & total. Fletcher, 1997). Para alguns autores, os sarcomas Foi objectivo do nosso trabalho reconhecer factores miofibroblásticos são provavelmente mais frequentes de prognóstico associados aos sarcomas nos parâmetros do que se pensava e incluem grande variedade de estudados. As neoplasias de menores dimensões, com formas clínico-patológicas. O estabelecimento do padrão de crescimento expansivo e ausência de miofibroblasto como tipo celular distinto não só veio necrose estiveram associadas a melhor prognóstico. aumentar o nosso entendimento da biologia das Estas características permitem uma abordagem cirúr- células mesenquimatosas e da sua plasticidade gica mais eficaz. A necrose está também relacionada fenotípica, como também veio permitir uma melhor com o rápido crescimento neoplásico e elevado caracterização das lesões mesenquimatosas reactivas, tamanho das neoplasias. Estes factores já foram benignas ou malignas (Mentzel & Fletcher, 1997; relacionados, por outros autores, com tempos de Couto et al., 2002). sobrevida menores (Bostock e Dye, 1979; Davidson et A presença de infiltrado inflamatório peritumoral al., 1997; Cronin et al., 1998; Hershey et al., 2000; foi observada em 93,5% dos sarcomas do nosso Cohen et al., 2001; Kobayashi et al., 2002). Esta estudo. Alguns autores sugerem que a pseudocápsula observação permite-nos sugerir que o tamanho das de miofibroblastos, geralmente presente nestas neo- neoplasias seja considerado na avaliação do estadia- plasias, será responsável por exercer uma barreira mento dos gatos, à semelhança do que ocorre em outras mecânica que impede a penetração de linfócitos e espécies (Clemo et al., 1994; Queiroga e Lopes, de macrófagos na massa neoplásica, formando-se 2002). agregados foliculares peritumorais (Couto et al., O grau histológico não revelou associação estatística 2002). Os folículos linfóides observados na periferia significativa com a sobrevida total à semelhança do dos tumores revelaram a presença de linfócitos com observado num estudo anterior (Davidson et al., imunofenótipo T. Esta observação está de acordo com 1997). Este facto pode ser atribuído à tendência da o descrito em estudos anteriores (Hendrick, 1998b; maioria dos sarcomas apresentarem grau elevado de

13 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15 malignidade. A determinação do grau histológico foi Cohen M, Wright JC, Brawner WR, Smith AN, Henderson baseada na observação histológica das neoplasias e R, Behrend EN (2001). Use of surgery and electron não exigiu procedimentos diferentes para além dos beam irradiation, with or without chemotherapy, for convencionais utilizados num laboratório de treatment of vaccine-associated sarcomas in cats: 78 Histopatologia. Desta forma sugere-se a sua aplicação cases (1996-2000). J Am Vet Med Assoc, 219(11): 1582- 1589. nos diagnósticos de rotina. A caracterização do grau Couto CG e Macy DW (1998). Review of treatment options histológico disponibiliza ao clínico informação for vaccine-associated feline sarcoma. J Am Vet Med adicional sobre a agressividade biológica destas Assoc, 213(10): 1424-1425. neoplasias. Estudos futuros são necessários para a sua Couto SS, Griffey SM, Duarte PC, Madewell BR (2002). avaliação, de forma a ser considerado como factor de Feline vaccine-associated fibrosarcoma: morphologic prognóstico para os sarcomas, tal como observado em distinctions. Vet Pathol, 39(1): 33-41. Medicina Humana (Jensen et al., 1998; Fletcher et al., Coyne MJ, Nancy CPR, Rosen DK (1997). Estimated preva- 2002). lence of injection-site sarcomas in cats during 1992. J Am Vet Med Assoc, 210(2): 249-251. Cronin K , Page RL , Spodnick G , Dodge R, Hardie EN, Price SG, Ruslander D, Thrall DE (1998). Radiation Agradecimentos therapy and surgery for fibrosarcoma in 33 cats. Vet Rad Ultrassound 39(1):51-56. Ao Prof. Doutor Júlio Carvalheira pela colaboração Davidson EB, Gregory CR , Kass PH (1997). Surgical excision prestada na análise estatística dos dados; à Cláudia of soft tissue fibrosarcomas in cats. Vet Surg 26: 265-269. Capela e à Fátima Falcão pela colaboração na realização Devauchelle P, Delisle F, Doliger S (1997). Les fibrosar- dos procedimentos técnicos. comes dits « post-vaccinaux »chez le chat : mise au point. Le Point Vétérinaire. 28(186) : 8-9. Doddy FD, Glickman LT, Janovitz EB (1996). Feline fibrosarcomas at vaccination sites and non- vaccination Bibliografia sites. J Comp Pathol,114 :165-174. Doliger S, Delisle F, Devauchelle P (1992). Le complex Barber LG, Sorenmo KU, Cronin KL, Shofer FS (2000). fibrosarcome du chat: actualités therapeutiques. L´Action Combined doxorrubicin and cyclophosphamide Vétérinaire, 1233 :17-23. chemotherapy for nonresectable feline fibrosarcoma. J Doliger S, Devauchelle P, (1998). Données actuelles sur les Am Anim Hosp Assoc, 36(5): 416-421. tumeurs du "complexe fibrosarcome félin". Le Point Bergman PJ (1998). Etiology of feline vaccine-associated Vétérinaire, 192 :27-36. sarcomas: history and update. Am Vet Med Assoc, Dubielzig R, Hawkins K, Miller P (1993). Myofibroblastic 213(10): 1424-1425. sarcoma originating at the site of rabies vaccination in a Bettini G, Morini M, Marcato PS (2003). Gastrointestinal cat. J Vet Diag Inv, 5:637-638. spindle cell tumours of the dog: histological and Esplin DG, Jaffe MH, McGill LD (1996). Metastasizing immunohistochemical study. J Comp Pathol, 129(4): liposarcoma associated with a vaccination site in a cat. 283-293. Feline Practice, 24(5) : 20-23. Bostock DE e Dye MT (1979). Prognosis after surgical Esplin DG, McGill LD, Meininger AC, Wilson SR (1993). excision of fibrossarcomas in cats. J Am Vet Med Assoc, Post-vaccination sarcomas in cats. J Am Vet Med Assoc, 175:727-728. 202:1245-1247. Bregazzi V, LaRue SM, McNiel E, Macy DM, Dernell WS, Fletcher CDM, Sundaran M, Rydholm A, Coindre JM, Powers BE, Withrow SJ, (2001). Treatment with a com- Singer S (2002). "Soft tissue tumours: epidemiology, bination of doxorubicin, surgery, and radiation versus clinical features, histopathological typing and grading." surgery and radiation alone for cats with vaccine-associ- In: Pathology and genetics of tumours of soft tissue and ated sarcomas: 25 cases (1995-2000). J Am Vet Med bone. Editores: Fletcher, C.; Umni, K.; Mertens, F. Assoc, 218(4): 547-550. World Health Organization Classification of Tumour. Brown NO, Patnaik AK, Mooney S, Hayes A, Harvey HJ, IARC Press Lyon, 12-18. MacEwen G (1978). Soft tissue sarcomas in the cat. J Gagnon A-C (2000). Drug injection-associated fibrosarcoma Am Vet Med Assoc, 173(6), 744-749. in a cat. Feline Practice, 28(2):18-21. Calonje E e Fletcher CDM (1995). Immunohistochemistry Gobar GM e Kass PH (2002). World wide web-based survey and DNA flow cytometry in soft- tissue sarcomas. of vaccination practices, postvaccinal reactions, and Hem/Oncol Cli North Am, 9(3): 657-675. vaccine site-associated sarcomas in cats. J Am Vet Med Clemo F, DeNicola DB, Carlton W, Morrison W, Walker E Assoc 220(10): 1477-1482. (1994). Flow cytometric DNA ploidy analysis in canine Gruffydd-Jones TJ e Sparkes AH (1994). Vaccination and transitional cell carcinoma of urinary bladders. Vet fibrosarcomas in cats. Vet Rec,19: 310. Pathol, 31: 207-215. Hendrick MJ e Goldschmidt MH (1991). Do injection site Coffin CM e Fletcher JA (2002). "Inflammatory myofibrob- reactions induce fibrosarcomas in cats? (Lett) J Am Vet lastic tumour." In: Pathology and genetics of tumours of Med Assoc, 199:968. soft tissue and bone. Editores: Fletcher C, Umni K, Hendrick MJ (1998a). Feline vaccine-associated sarcomas: Mertens F, World Health Organization Classification of current studies on pathogenesis. J Am Vet Med Assoc, Tumour. IARC Press: Lyon, 91-93. 213(10):1425-1426.

14 Ochôa C e Lopes C RPCV (2008) 103 (565-566) 5-15

Hendrick MJ (1998b). Historical review and current knowl- Lester S, Clemett T, Burt A (1996). Vaccine site-associated edge of risk factor involved in vaccine-associated feline sarcomas in cats: clinical experience and a laboratory sarcomas. J Am Vet Med Assoc, 213(10):1422-1423. review (1982-1993). J Am Hosp Assoc, 32:91-95. Hendrick MJ, Brooks JJ (1994). Post-vaccinal sarcomas in Macy DW e Bergman PJ (1995). Vaccine-associated sarcomas the cat: histology and immunohistochemistry. Vet in cats. Feline Practice, 23(4): 24-27. Pathol, 31:126-129. Macy DW e Hendrick MJ (1996). The potential role of Hendrick MJ, Dunagan BS (1991). Focal necrotizing granu- inflammation in the development of postvaccinal lomatous panniculitis associated with subcutaneus injec- sarcomas in cats. Vet Cli Am, 26(1):103-109. tions of rabies vaccine in cats and dogs: 10 cases (1988- Madewell BR, Griffey SM, McEntee MC, Leppert VJ, Munn 1989). J Am Vet Med Assoc, 198:304-305. RJ (2001). feline vaccine-associated fibrosarcoma: an Hendrick MJ, Kass PH, McGill LD (1994a). Post vaccinal ultrastructural study of 20 tumors (1996-1999). Vet sarcomas in cats. J Nat Cancer Inst, 86(5):341-343. Pathol, 38:196-202. Hendrick MJ, Mahaffey EA, Moore FM, Vos JH, Walder EJ Mentzel T, Fletcher CDM (1997). The emerging role of (1998). Histological classification of mesenchymal myofibroblasts in soft tissue neoplasia. Am J Cl Pathol, tumours of skin and soft tissues of domestic animals. 107(1):1997. Second Series Volume II. Armed forces institute of Miettinen M (1988) Antibody specific to muscle actins in pathology american registry of pathology and the World the diagnosis and classification of soft tissue tumours. Health Organization collaborating. Center for World Wide Am J Pathol, 130 (1): 205-215. Reference on Comparative Oncology. Washingthon, D.C. Miller MA, Nelson SL, Turk JR, Pace LW , Brown TP , Hendrick MJ, Shofer FS, Goldschmidt MH, Haviland JC, Shaw DP , Fischer JR , Gosser HS (1991). Cutaneous Schelling SH, Engler SJ, Giliato JM (1994b). Neoplasia in 340 Cats. Vet Pathol, 28: 389-395. Comparison of a fibrossarcomas that developed at vac- Pereira J, Tavares L (1998). Patógenese das infecções por cination sites and at nonvaccination sites in cats: 239 retrovírus da sub-família Oncornavirinae. Rev Port C cases (1991-1992). J Am Vet Med Assoc, 205:1425- Vet, (526): 61-72. 1429. Pikarsky E, Porat RM, Stein I, Abramovitch R, Amit S, Hershey AE, Sorenmo KU, Hendrick MJ, Shofer FS, Vail Kasem S, Gutkovich-Pyest E, Urieli-Shoval S, Galun E, DM (2000). Prognosis for presumed feline vaccine- Ben- Neriah Y (2004). NF-kappaB functions as a associated sarcoma after excision: 61 cases (1986- tumour promoter in inflammation associated cancer. Nat 1996). J Am Vet Med Assoc, 216(1): 58-61. (Aug 25)- Abstract Hoover AE e Mullins JI (1991). Feline leukemia virus infec- Queiroga F e Lopes C (2002). Tumores mamários caninos, tion and diseases. J Am Vet Med Assoc, 199:1287-1297. pesquisa de novos factores de prognóstico. Rev Port C. Jensen V, Sorensen FB, Bentzen SM, Ladekarl M, Vet, (543):119-127. Nielsen OS, Keller J, Jensen OM (1998). Proliferative Roche WR (1990). Myofibroblasts. J Pathol, 161: 281-282. activity (MIB-1 Index) is an indepentent prognostic Schultze AE, Frank LA, Hahn KA (1997). Repeated parameter in patients with high-grade soft tissue sarcomas physical and cytologic characterizations of subcuta- of subtypes other than malignant fibrous histiocytomas: neous postvaccinal reactions in cats. Am J Vet Res, a retrospective immunohistological study including 216 58(7): 719-724. soft tissue sarcomas. Histopathol, 32: 536-546. Snyder SP (1969). Transmissible feline fibrosarcoma. Nat, Kass PH, Barnes WG, Spangler WL, Chomel BB, 221:1074-1076. Culbertson MR (1993). Epidemilogic evidence for a Tazawa H, Okada F, Kobayashi T, Tada M, Mori Y, Une Y, casual relation betweeen vaccination and fibrossarcoma Sendo F, Kobayashi M, Hosokawa M (2003). Infiltration tumorigenesis in cats. J Am Vet Med Assoc, 203:96-405. of neutrophils is required for acquisition of metastatic Kobayashi T, Hauck M, Dodge R, Page R, Price S, Williams phenotype of benign murine fibrosarcoma cells. Am J L, Hardie EM, Mathews KG, Thrall DE (2002). Pathol, 163: 2221-2232. Preoperative radiotherapy for vaccine associated sarcoma in 92 cats. Vet Rad & Ultrassound, (5):73-479.

15

ARTIGO DE REVISÃO REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Hipertensão pulmonar em cães: considerações para anestesia

Pulmonary hypertension in dogs: considerations for anesthesia

1 2 Patrícia Cristina Ferro Lopes , Newton Nunes

1Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Jaboticabal, SP, Brasil 2Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias,UNESP, Campus de Jaboticabal, Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n, CEP:14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil

Resumo: A hipertensão pulmonar (HP) é definida como o worsen pulmonary hypertension. This study, therefore, was aumento da pressão arterial pulmonar, e em cães, um número aimed to describe physiological and clinical aspects of PH in crescente de casos tem sido relatado. As causas mais comuns de dogs to provide knowledge for the professional to be aware HP em caninos são a tromboembolia, afecções pulmonares, about possible cases of PH that can appear in his daily clinic cardiopatia congênita, vasculite pulmonar, dirofilariose, routine. neoplasias entre outras, no entanto, quando não definida a sua origem a HP é denominada primária. Contudo, o manuseio da Keywords: dog, pulmonary hypertension, physiology, diagnostic, HP é um desafio para o anestesiologista, pois modificações anesthesia fisiológicas durante a anestesia e cirurgia podem causar aumento agudo da resistência vascular pulmonar e insuficiência do ventrículo direito, agravando o quadro hipertensivo pulmonar. Isto posto, objetivou-se, com este trabalho, ressaltar os aspectos fisiológicos e clínicos da HP em cães, com intuito Introdução de proporcionar maiores informações aos profissionais, para que estejam atentos a possíveis casos de HP em sua rotina Crescentes números de casos de hipertensão clínica. pulmonar (HP) em cães são descritos atualmente, Palavras-chave: cão, hipertensão pulmonar, fisiologia, tendo como algumas de suas causas tromboembolia, diagnóstico, anestesia. afecções pulmonares, cardiopatia congênita, vasculite pulmonar, dirofilariose e neoplasias entre outras, não Summary: Pulmonary hypertension (PH) is defined as the sendo, portanto, uma afecção exclusiva do homem. pulmonary artery pressure increase and, in dogs, an increasing Entretanto, quadros de HP primária têm sido diagnos- number of cases have been related. The common etiology includes tromboembolism, pulmonary disease, cardiomy- ticados, com ausência de qualquer traço de doença opathies, pulmonary vascular disease, heartworm disease, neo- conhecida que poderia ter originado este distúrbio plasias and others. However, management of PH is a challenge (Glaus et al., 2004a). to anesthesiologist, because physiological alterations during O manuseio da HP é um desafio para o anestesiolo- anesthesia and surgery can induce acute increase in pulmonary gista, seja em procedimentos emergenciais ou planeja- vascular resistance and right ventricle failure, and this can dos previamente e principalmente, para o profissional da área de veterinária que possui poucas informações sobre tal quadro. Nesses casos, modificações fisioló- gicas normais durante a anestesia e cirurgia podem causar aumento agudo da resistência vascular pulmonar (RVP) e insuficiência do ventrículo direito (Maranhão, 2006), agravando o quadro hipertensivo pulmonar. Para esse profissional, uma das preocupações deve ser a manutenção da integração dos sistemas cardiovascular e respiratório, objetivando evitar quadros de hipoxemia, hipercapnia e acidose que proporcionam a piora do quadro de HP (Fischer et al., 2003; Maranhão, 2006). Deste modo, a atenção à ventilação e conseqüente oxigenação do paciente, conjuntamente com o protocolo anestésico e o monitoramento constante de portadores de HP são de extrema importância. *Correspondência: [email protected] Contudo para obter êxito durante o procedimento Tel: + 55 (16) 3209-2626 anestésico são necessários conhecimentos sobre a

17 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 17-23 afecção. Portanto, com este trabalho objetivou-se Tipos de hipertensão pulmonar ressaltar os aspectos fisiológicos e clínicos da hipertensão pulmonar em cães, com intuito chamar a A HP pode ser dividida em três tipos principais: atenção dos profissionais da área de anestesiologia, já passiva, causada por pressão venosa pulmonar aumen- que a HP pode estar presente em inúmeros cães a tada, como se verifica na insuficiência da válvula serem anestesiados. mitral ou na insuficiência ventricular esquerda; hipercinética, em virtude do aumento acentuado no fluxo sanguíneo pulmonar como ocorre nos grandes desvios de esquerda para direita, no caso do ducto Definição arterioso persistente e defeitos septais ventriculares; e vasoclusiva, resultante de uma variedade de causas A hipertensão pulmonar é definida como o aumento que produzem obliteração, obstrução ou vasocons- da pressão arterial pulmonar (PAP) e quase sempre é trição aumentada de artérias pulmonares (ex. problema secundário (Hawkins, 1997). Entretanto, pneumonia, bronquite, fibrose pulmonar, dirofilariose quando a etiologia da HP é desconhecida, denomina-se e "mal das montanhas"), podendo sobrecarregar o ven- como primária (Steele e Henik, 2004), sendo esta trículo direito, provocando insuficiência congestiva última rara em cães (Rich, 2001). cardíaca ventricular direita (Detweiler, 1996). Desta forma, o conhecimento de valores de PAP O tipo passivo da HP geralmente é resultado de dentro da normalidade para espécie canina é de extrema anormalidades estruturais ou funcionais do coração importância. Em cães não sedados, respirando ar ambi- esquerdo embora lesões das veias pulmonares também ente registrou-se valor de pressão da artéria pulmonar possam obstruir a drenagem. Nessa situação, há uma média (PAPm) igual a 15±4 mmHg (Haskins, 2007). pressão venosa pulmonar elevada, geralmente acima Segundo Thomas e Sisson (1999), em pequenos de 25 mmHg, a qual é transmitida para as artérias animais anestesiados com pentobarbital, os valores pulmonares. Portanto, a vasoconstrição da artéria normais obtidos por meio da cateterização cardíaca pulmonar ocorre em resposta à elevação passiva da das pressões da artéria pulmonar sistólica (PAPs), pressão venosa pulmonar e ainda piora a HP (Rich, diastólica (PAPd) e média foram 25±5 mmHg; 10±3 2001). Johnson et al. (1999) atribuíram o quadro de mmHg e 15±5 mmHg, respectivamente. Lopes (2005) hipertensão pulmonar observada em 23 cães, de um em cães adultos saudáveis anestesiados com propofol total de 53 animais, a hipertensão venosa pulmonar. e submetidos à fração inspirada de oxigênio (FiO2) Na HP hipercinética com aumento do fluxo sangüí- de 0,6, registrou valores de PAPm=13±4 mmHg, neo pulmonar (Detweiler, 1996), a RVP diminui para enquanto Nishimori et al. (2006) obtiveram valores de manter a PAP constante. No entanto, se o fluxo PAPm igual a 12±4 mmHg, em cães anestesiados com sangüíneo aumenta 4 a 6 vezes, a pressão da artéria isofluorano e FiO2=1,0. Ainda na espécie canina, mas pulmonar se eleva, pois há vasoconstrição mediada anestesiados com a halotano e FiO2=1,0, Moro (2006) por várias substâncias vasoativas endógenas em uma registrou PAPm=14±5 mmHg. Dois grupos de cães tentativa de proteger a microvasculatura pulmonar. saudáveis anestesiados com desfluorano apresentaram Alterações vasculares nas paredes de pequenas artérias valores de PAPm de 16±1 mmHg e 14±2 mmHg pulmonares ocorrem devido aos danos causados pelo (Souza et al., 2004). Portanto, segundo Johnson fluxo e pela vasoconstrição prolongada (Oswald e (1999), a HP existe quando a PAPs e/ou PAPm estão Orton, 1993). acima de 30 e 20 mmHg, respectivamente. A hipertensão pulmonar vasoclusiva pode ser subdi- Pyle et al. (2004), em seu estudo com 54 cães, vidia de acordo com a etiologia do aumento da RVP, classificaram a HP em graus, sendo suave quando os dentre as quais obstrução ou obliteração da vasculatura valores de PAPs estão entre 30 e 55 mmHg, moderada pulmonar ou doenças crônicas do parênquima pul- quando PAPs foi de 56 a 79 mmHg e grave quando monar (Johnson, 1999; Rich, 2001). os valores ultrapassaram 79 mmHg. Esses autores As obstruções dos vasos pulmonares podem ocorrer constataram que a dirofilariose teve a menor secundariamente à presença de parasitas (Johnson, importância, enquanto as doenças valvulares crônicas 1999; Nicolle et al., 2006), ou doenças tromboembó- foram as causas mais importantes nos casos de HP licas, reduzindo o fluxo sangüíneo pulmonar total e, suave e moderada, e as doenças respiratórias como conseqüentemente, aumentando a resistência vascular determinantes de HP severa. Em outro estudo, pulmonar, sendo que cerca de 25 a 50% do leito Johnson et al. (1999) observaram que, em 53 cães vascular pulmonar deve ser obstruído antes que com HP secundária, a maior causa foi distúrbios da ocorra HP (Allen e Mackin, 2002). A fisiopatologia válvula mitral, sendo também registrados, nesse do tromboembolismo pulmonar envolve o mecanismo grupo, casos de dirofilariose, troboembolismo de obstrução dos vasos e a reação de vasoconstrição pulmonar, cardiomiopatia dilatada, fibrose pulmonar mediada por substâncias vasoativas, na qual plaquetas e pneumonia. Além disso, estes autores diagnos- liberam histaminas, serotonina e tromboxana A2, ticaram em cinco animais HP primária. enquanto endotelinas são liberadas pelo endotélio

18 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 17-23

(Schulman e Matthay, 1992). Diagnóstico No outro subtipo da HP vasoclusiva, as doenças crônicas do parênquima pulmonar são as que contribuem para o desenvolvimento do problema, por Cateterização cardíaca meio da vasocontrição induzida pela hipóxia, embora a vasoconstrição secundária reativa à acidose tecidual A cateterização cardíaca do coração direito é o também possa auxiliar. Conseqüentemente, as artérias único método que pode estabelecer definitivamente o pulmonares desenvolvem hipertrofia muscular e diagnóstico hemodinâmico da hipertensão pulmonar, fibrose inicial que sustentam o estado hipertensivo sendo possível mensurar a pressão da artéria pulmonar (Johnson, 1999; Rich, 2001). e a função cardíaca (Johnson e Hamlin, 1995; Fischer et al., 2003; Hoeper et al., 2006), já que, como descrito anteriormente, a HP existe quando a PAPs e/ ou PAPm estão acima de 30 e 20 mmHg respectiva- Sinais clínicos mente (Johnson, 1999). Este procedimento de diagnóstico invasivo é reali- A HP pode afetar qualquer idade ou raça de cães, zado com emprego do cateter de Swan-Ganz, o qual não havendo predileção por sexo, sendo que os sinais permite mensurar a pressão venosa central (PVC), clínicos podem variar dependendo da etiologia e se a pressão atrial direita, pressão ventricular direita, PAP afecção é crônica ou aguda (Steele e Henik, 2004). A e pressão capilar pulmonar média (PCPm), as quais maioria dos animais exibe tosse, dispnéia, letargia, permitem a diferenciação da etiologia da HP intolerância ao exercício e cianose (Johnson, 1999; secundária (Johnson e Hamlin, 1995). Quando o sistema Kellum e Stepien, 2007), que pode ser oriunda da vascular pulmonar é normal, o fluxo sangüíneo diminuição do débito cardíaco (DC) associada à pulmonar cessa no final da diástole e a pressão vasoconstrição, sistêmica ou secundária, e a relação diastólica da artéria pulmonar é igual à pressão do ventilação/perfusão (V/Q) deficiente, tendo como átrio esquerdo. Entretanto, na presença de HP causada resultado a hipoxemia (Johnson, 1999). Na maioria pela RVP elevada, a PAPd é maior que a pressão das vezes, o diagnóstico de hipertensão pulmonar é capilar pulmonar, pressão do átrio esquerdo e pressão obtido após exames em cães, que apresentam do ventrículo esquerdo, no final da diástole (Mark, suspeitas de problemas cardíacos ou respiratórios 1998). (Kellum e Stepien, 2007). Segundo Hoeper et al. (2006), em pacientes Nicolle et al. (2006) relataram um caso de HP por humanos com HP, a cateterização cardíaca tem sido Angiostrongylosus vasorum em um cão. O diagnóstico associada à baixa morbidade e baixas taxas de morta- foi obtido pelo exame ecocardiográfico Doppler por lidade. Para tal procedimento, esses autores empregaram meio do qual se registrou PAPs estimada de 115 os acessos venosos pelas veias jugular, subclávia, mmHg. O animal no exame físico apresentava-se alerta, femoral e braquial. Enquanto em cães saudáveis, para mas dispnéico e taquipnéico. As membranas mucosas introdução do cateter de Swan-Ganz, têm sido usadas estavam rosa e úmidas, e o tempo de preenchimento como acesso as veias femoral (Souza et al., 2004; capilar era normal. A auscultação pulmonar revelou Nishimori et al., 2006) e jugular (Lopes, 2005; Moro, aumento bilateral dos sons respiratórios, enquanto na 2006) não sendo reportadas dificuldades nesse tipo de cardíaca foi possível auscultar murmúrios sistólicos exame. de grau V/VI e baixo grau de murmúrio diastólico Para o acesso venoso pela veia femoral é necessário sobre a área da tricúspide. Na análise bioquímica não iniciar-se pela incisão na pele do terço superior da face foram encontradas alterações importantes. interna do membro pélvico, seguida de divulsão do No relato de 54 casos de HP em cães, Pyle et al. tecido subcutâneo e musculatura, de extensão sufi- (2004) afirmaram que os achados mais comuns ciente para exposição da veia femoral. Depois de estavam relacionados com o sistema respiratório, e isolada e ter o fluxo sangüíneo interrompido, a veia que além da tosse estavam inclusos nesses sinais a femoral deve ser perfurada com um cateter dispnéia, taquipnéia, ortopnéia e o estado ofegante. intravenoso periférico 14G, para permitir a inserção, Esses autores afirmaram ainda, que há numerosos em seu interior, do cateter de termodiluição, cuja outros indícios, sendo os murmúrios sistólicos os mais extremidade deverá ser posicionada na artéria comuns encontrados no exame físico. Múrmurios pulmonar pela observação das ondas de pressão no cardíacos também foram observados em 23% de 22 monitor multiparamétrico, conforme técnica descrita cães com HP estudados por Kellum e Stepien (2007). por Swan-Ganz e citada por Sisson (1992). Johnson et al. (1999) relataram a ocorrência de sín- Lopes (2005) e Moro (2006) utilizaram o acesso cope em 23% dos 53 animais que apresentaram pela veia jugular, para introdução do cateter de evidências de HP derivadas do exame ecocardiográfico Swan-Ganz, sendo inserido por punção transcutânea Doppler, enquanto Kellum e Stepien (2007) obser- um cateter por meio do qual foi introduzido o cateter varam o mesmo fato em 32 % de seus pacientes. de termodiluição, cuja extremidade distal foi

19 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 17-23 posicionada no lúmen da artéria pulmonar pela Achados radiográficos observação das ondas de pressão, como descrito anteriormente. Os achados radiográficos mais comumente observa- A importância da monitoração da PAPs, PAPd e dos em cães com HP são a cardiomegalia, infiltrados PAPm, em humanos durante a anestesia, tem sido no parênquima pulmonar e artérias pulmonares justificada pela ocorrência de quadros de HP durante grandes e tortuosas (Johnson e Hamlin, 1995; procedimentos cirúrgicos tais como ortopédicos, Johnson, 1999). Além disso, evidências de embolismo laparoscopia, cirurgias cardíacas devido à ocorrência pulmonar, falência do coração direito, bronquite de tromboembolismo, êmbolos de dióxido de carbono crônica ou bronquiectasia, fibrose pulmonar ou colapso ou ar (Martin e Bernard, 2001). A HP também pode traqueobronquial, podem estar presentes (Johnson e ser originária de quadros de hipóxia, acidose, Hamlin, 1995) nas radiografias torácicas. formação de radicais livres, mediadores inflamatórios, Kellum e Stepien (2007) avaliando 20 cães com HP excesso de tromboxana ou endotelina, entre outros no encontraram, no exame radiográfico de 73% dos período intraopertaório (Fischer et al., 2003). animais, infiltrado pulmonar e, com menor freqüência, Contudo, em Medicina Veterinária, a cateterização colapso traqueal, atelectasia, bronquiectasia e lesão no cardíaca ainda não é aplicada na rotina hospitalar parênquima pulmonar. durante as cirurgias, não existindo relato de tais ocorrências em animais. Hemograma e avaliação bioquímica Cabe ressaltar que a avaliação hemodinâmica por Em relato de 54 casos de HP, em cães, o exame meio do cateter de termodiluição, trata-se de um hematológico foi realizado em 47 animais, sendo exame de custo elevado, pois para sua realização são encontrados resultados normais em 21 caninos. Vinte necessárias as aquisições do cateter de Swan-Ganz, pacientes apresentaram aumento moderado das células transdutor de pressão e do monitor adequado. Desta brancas, em quatro, observou-se aumento de plaquetas forma, justifica-se o restrito emprego desse exame na enquanto em dois registrou-se diminuição dessas rotina hospitalar veterinária. células. Em um cão com presença de vermes no coração, foi constatada alta eosinofilia (Pyle et al., Ecocardiografia 2004). Outros achados hematológicos incluíram policitemia sugestiva de hipóxia crônica secundária a Por meio do exame ecocardiográfico, é possível altas altitudes ou doença pulmonar crônica (Ducan et observar as alterações típicas que podem ser encon- al., 1994). tradas na HP, como dilatação atrial e ventricular direita, Pyle et al. (2004) encontraram alterações na hipertrofia ventricular direita, dilatação da artéria avaliação bioquímica, em cachorros portadores de pulmonar e hipertrofia do septo interventricular HP passiva, hipercinética e vasoclusiva. A avaliação (Johnson e Hamlin, 1995; Johnson, 1999; Johnson et bioquímica revelou níveis não normais das enzimas al., 1999), além disso pode-se verificar dimensões do hepáticas devido à congestão crônica passiva no coração ventrículo esquerdo menores e a fração de encurta- direito deficiente ou hepatopatias. Outras doenças que mento diminuída (Johnson, 1999). Quando a PAP está predispõem os animais a tromboembolismo pulmonar e aumentada, há abertura rápida da valva pulmonar HP podem também resultar em alterações dos durante o início e seu semifechamento no meio da parâmetros bioquímicos séricos, como por exemplo, sístole (Allen e Mackin, 2002). no hiperadrenocorticismo, no qual há aumento da A medição ecocardiográfica Doppler da velocidade fosfatase alcalina, da alanina transferase e do coles- de fluxos regurgitantes pode ser utilizada para estimar, terol; na síndrome nefrótica e sepse (Johnson e indiretamente, a pressão arterial pulmonar na presença Hamlin, 1995). de insuficiência das valvas tricúspide ou pulmonar (Johnson e Hamlin, 1995; Johnson, 1999; Johnson et Análise dos gases sanguíneos arteriais al., 1999, Allen e Mackin, 2002; Kellum e Stepien, 2007). Uma elevação na velocidade de regurgitação da A hemogasometria deve ser realizada sempre que valva tricúspide (acima de 2,5 m/s) durante a sístole possível, pois, como citado anteriormente, a hipoxe- indica aumento da pressão ventricular direita e, mia é uma característica encontrada na HP e sua indiretamente, aumento da PAPs. Já a velocidade de severidade pode indicar o grau da disfunção pulmonar regurgitação aumentada na valva pulmonar durante a (Johnson e Hamlin, 1995; Johnson, 1999). diástole indica aumento na PAPd (Allen e Mackin, Ellison et al. (1961), em seu estudo em cães, obser- 2002). varam que, quando a PAPs excede 40 mmHg, há a Na ausência da mensuração dos fluxos regurgitantes diminuição na pressão parcial de oxigênio no sangue da tricúspide, a severidade da HP pode ser estimada arterial (PaO2) e aumento na mistura arteriovenosa e por meio de imagens ecocardiográficas obtidas na diferença da tensão de oxigênio alveolar e arterial através do modo-M e de parâmetros derivados do [P(A-a)O2], indicando mistura arteriovenosa e difusão Doppler (Glaus et al., 2004b). anormais.

20 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 17-23

Anestesia Na pré-medicação os fármacos deverão ser adminis- trados cuidadosamente, evitando a diminuição da Até o momento não há indicações de qual o melhor pressão arterial sistêmica (Blaise et al., 2003; protocolo anestésico e condutas a serem utilizados em Maranhão, 2006). Os benzodiazepínicos, como o cães com HP. Provavelmente, a ausência de infor- midazolam, em doses baixas são uma boa opção para mações, sobre anestesia em caninos com essa afecção, pacientes humanos, pois reduzem a ansiedade sem, seja oriunda do número pequeno de diagnósticos entretanto, deprimir a respiração (Kaddoum et al., definitivos, já que este é obtido pela cateterização 2006; Maranhão, 2006). A manutenção do fluxo cardíaca (Johnson e Hamlin, 1995; Fischer et al., sanguíneo pulmonar e o não aumento da RVP devem 2003; Hoeper et al., 2006), que é pouco realizada na ser os objetivos do anestesiologista (Blaise et al., rotina hospitalar. Apesar de a ecocardiografia Doppler 2003; Kaddoum et al., 2006; Maranhão, 2006). ser utilizada para estimar a PAP (Johnson e Hamlin, Portanto, fatores como hipoxemia, acidose, hipercap- 1995; Johnson, 1999; Allen e Mackin, 2002), para tal nia, hipotermia e aumento da estimulação simpática exame são necessários equipamentos específicos que devem ser evitados (Fischer et al., 2003; Maranhão, estão disponíveis somente nos grandes centros de 2006). Medicina Veterinária, dificultando, portanto o diag- Para a indução anestésica em humanos, Kaddoum et nóstico de HP. al. (2006) propuseram que opióides como fentanil, Segundo Maranhão (2006) o manuseio anestésico alfentanil, sufentanil e remifentanil devem ser admi- de pacientes portadores de hipertensão pulmonar é nistrados em doses que bloqueiam a resposta cardio ainda um desafio, devido ao alto risco de insuficiência respiratória à intubação, pois estes fármacos não cardíaca direita. É sabido que os fármacos e as técni- apresentam efeito vascular direto nos vasos pul- cas anestésicas podem diretamente ou indiretamente monares. Estes autores também afirmaram que o afetar a RVP devido às alterações no débito cardíaco e propofol, etomidato e relaxantes musculares podem fluxo pulmonar. Com a resistência vascular pulmonar ser empregados nessa fase. Contudo, bloqueadores fixa, um aumento no DC promove um aumento da neuromusculares que liberam histamina devem ser PAP. Inversamente, um aumento na RVP atenua o evitados, pois diminuem a resistência vascular débito do ventrículo direito e, conseqüentemente, sistêmica causando hipotensão arterial e diminuição reduz o fluxo sanguíneo pulmonar e o débito do ven- da pressão de perfusão coronariana (Blaise et al., trículo esquerdo (Fischer et al., 2003). Desta maneira, 2003; Maranhão, 2006). segundo Blaise et al. (2003) e Maranhão (2006), os Para a manutenção da anestesia o isofluorano é o cuidados com esses pacientes devem objetivar a anestésico volátil mais empregado, mas o sevofluorano diminuição da RVP, o que pode ser obtido atuando e desfluorano também podem ser administrados sobre os fatores que influenciam a circulação (Kaddoum et al., 2006). Todavia, em cães anestesiados pulmonar. Portanto, deve-se melhorar a oxigenação, com propofol (18 mg/kg/h) ou isofluorano (1,4% V) e evitar acidose respiratória e corrigir a metabólica, não induzidos à hipertensão pulmonar embólica, o agente proporcionar hiperinsuflação ou hipoinsuflação inalatório, quando comparado ao intravenoso, pro- pulmonar; promover analgesia adequada e sedação moveu diminuição da contratilidade do miocárdio, com intuito de evitar a liberação de catecolaminas e mas manteve a pós-carga inalterada a despeito da controlar a temperatura. pequena redução no tônus vascular pulmonar Desta forma, para o portador de HP, no período (Ewalenko et al., 1997). pré-operatório os exames complementares indicados Apesar do moderado impacto na pressão pulmonar, são: eletrocardiografia, radiografia do tórax, hemoga- o óxido nitroso (N2O) tem sido utilizado frequente- sometria arterial, ecocardiografia e cateterização mente em pacientes com HP sem resultados danosos cardíaca, por meio da qual se avaliam a PAP, o DC, a (Knostadt et al., 1990). Em cães, o N2O não tem efeito resposta aos vasodilatores, a presença do forame oval sobre o tônus vascular pulmonar em lobo isolado, no e avaliação da circulação coronariana (Kaddoum et entanto em animais intactos a RVP aumenta (Heerdt e al., 2006; Maranhão, 2006). As medicações, de uso Caldwell, 1989). Maranhão (2006) afirma que é crônico, administradas para o tratamento dessa importante evitar o uso de óxido nitroso em pacientes doença, devem ser mantidas até o dia da cirurgia e com HP. Já o óxido nítrico (NO) endógeno, em cães, reiniciadas o mais breve possível após o procedimento. torna-se um importante vasodilatador durante PAP Além disso, o fornecimento de oxigênio é benéfico elevada (Sander et al., 2003). A inalação de NO é em pacientes com hipoxemia (saturação de oxigênio utilizada no tratamento de HP e, na dose 3ppm, pode menor que 90%), a qual pode promover vasocons- atenuar as alterações hemodinâmicas em caninos trição e aumento da RVP. Na presença da disfunção do depois de embolismo pulmonar, mas sem melhorar a coração direito proporcionando edema, o emprego de oxigenação pulmonar (Tanus-Santos et al., 1999). diuréticos deve ser realizado com cautela, pois a diurese A anestesia peridural também tem sido empregada excessiva pode ser prejudicial devido à redução da em pacientes obstétrica com HP, sendo seu maior risco pré-carga. (Blaise et al., 2003; Maranhão, 2006). a redução do retorno venoso e da pressão arterial

21 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 17-23 devido ao bloqueio simpático (Blaise et al., 2003; Conclusões Maranhão, 2006). Atualmente, na Medicina Veterinária, têm sido É possível sugerir que, a hipertensão pulmonar seja realizados estudos experimentais sobre HP, a qual relativamente comum dentro dos centros cirúrgicos pode ser induzida em cães pela infusão contínua de veterinários. Dessa forma, são necessários estudos serotonina (5HT) diretamente na artéria pulmonar extensos sobre esse assunto, para definir as inter- (Hirota et al., 2002; Hashiba et al., 2000). Nozik- venções, os protocolos anestésicos e o monitoramento Grayck et al. (2002) também utilizaram a serotonina mais adequado para os cães que apresentam HP, a fim em coelhos, com a mesma finalidade, sendo que, após de proporcionar o melhor bem estar para o animal e 20 minutos da administração de 5HT, a PAP retornou diminuir os riscos dos procedimentos anestésicos. aos seus valores basais. A partir dessa técnica, Nunes (2007) estudou os efeitos do sevofluorano e do isofluorano em cães, sob Agradecimento ventilação espontânea, induzidos à hipertensão pulmonar pela serotonina. Esse autor não registrou Os autores agradecem a Fundação de Amparo à diferenças significativas entre o emprego dos dois Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela anestésicos inalatórios. Contudo Maranhão (2006) concessão da Bolsa de Doutorado. afirmou que o isofluorano em humanos diminui o índice cardíaco (IC) e a PAP sem alterar a RVP, enquanto o sevofluorano pode diminuir de maneira Bibliografia importante a pressão da artéria pulmonar média ou aumentar a PCPm, IC e PAP. Allen DG, Mackin A (2002). Cor pulmonale. In: Manual de Lopes et al. (2007a) e Lopes et al. (2007b) cardiologia para cães e gatos, 3ª Edição. Editores: LP Tilley e JK Goodwin. Roca, São Paulo: 185-202. empregando a mesma metodologia citada por Hirota Blaise G, Langleben D, Hubert B (2003). Pulmonary et al. (2002) e Hashiba et al. (2000), induziram HP em arterial hypertension. Anesthesiology, 99: 1415-1432. cães submetidos a infusão contínua de propofol ou Detweiler DK (1996). Estresse circulatório normal e tiopental e mantidos em ventilação controlada. O patológico In: Dukes: fisiologia dos animais domésticos, 11ª Edição. Editores: MJ Swenson e WO Reece. propofol em pacientes humanos tem demonstrado Guanabara Koogan, Rio de Janeiro: 224-240. diminuir a PAPm, a RVP bem como a pressão arterial Ducan JR, Prasse KW, Mahaffey E (1994). Erythrocytes. In: média, sendo seu efeito controverso sobre a função do Veterinary laboratory medicine: Clinical pathology, 3ª ventrículo direito (Maranhão, 2006). Todavia, Lopes edição. Editores: JR Ducan, KW Prass e E Mahaffey. IIwoa State University Press, Ames: 3-45. (2005) observou em cães submetidos à infusão Ellison LT, Hall DP, Yeh T, Mobarhan H, Rossi J, Ellison RG contínua de propofol e mantidos em ventilação (1961). Physiological alterations in increased pulmonary espontânea com diferentes FiO2, estabilidade nos blood flow with and without pulmonary hypertension. J parâmetros cardiovasculares e ecocardiográficos. A Appl Physiol, 16: 305-308. Ewalenko P, Brimioulle S, Delcroix M, Lejeune P, Naeije R respeito do tiopental sabe-se que na dose 10 mg/kg (1997). Comparison of the effects of isofluorane with reduz a RVP (Fischer et al., 2003). those of propofol on pulmonary vascular impendance in Para a monitoração da profundidade anestésica experimental pulmonary hypertension. Br J Anaesth, 79: Lopes et al. (2007a) empregaram o índice biespectral 625-630. em cães anestesiados com propofol e induzidos a HP, Fischer LG, Aken HV, Bürkle H (2003). Management of pulmonary hypertension: physiological and pharmaco- e concluíram ser um método de monitoramento eficaz logical considerations for anesthesiologists. Anesth e confiável. Além do monitoramento dos parâmetros Analg, 96: 1603-1616. comum, os pacientes portadores de HP devem ser Glaus TM, Soldati G, Ehrensperger F, Maurer R (2004a). avaliados pela mensuração invasiva da PVC, preferen- Clinical and pathological characterization of primary pulmonary hypertension in a dog. Vet Rec, 154: 786- cialmente por meio do cateter de artéria pulmonar e, 789. se possível, ecocardiografia, lembrando que cateteres Glaus TM, Tomsa K, Hässig M, Reusch C (2004b). na circulação central podem causar arritmias cardíacas Echocardiographic changes induced by moderate to devendo ser introduzidos cuidadosamente. Dificul- marked hypobaric hypoxia in dogs. Vet Radiol Ultrasound, 45: 233-237. dades podem ser encontradas na passagem do cateter Hashiba E, Hirota K, Yoshioka H, Hashimoto Y, Kudo T, pela artéria pulmonar em pacientes com HP severa Sato T, Matsuki A (2000). Milrinone attenuates serotonin- (Blaise et al., 2003; Maranhão, 2006). induced pulmonary hypertension and bronchoconstriction No período pós-operatório, todas as precauções in dogs. Anesth Analg, 90: 790-794. Haskins SC (2007). Monitoring anesthetized patients. In: devem ser tomadas para evitar hipoxemia, hipotensão Lumb & Jones Veterinary Anesthesia and Analgesia, 4ª e hipovolemia, além de estabelecer um controle Edição. Editores: WJ Tranquilli, JC Thurmon e KA efetivo da dor (Blaise et al., 2003). Grimm. Blackwell Publising, Oxford: 533-558.

22 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 17-23

Hawkins EC (1997). Afecções do sistema respiratório. In: Martin GS, Bernard GR (2001). Airway and lung in sepsis. Tratado de medicina interna veterinária, 4ª edição. Intensive Care Med, 27: S63-S79. Editores: S Ettinger e EC Feldmam. Manole, São Paulo: Moro JV (2006). Efeitos da infusão contínua de lidocaína ou 1080-1142. amiodarona sobre o ritmo cardíaco e parâmetros Heerdt PM, Caldwell RW (1989). The mechanism of nitrous hemodinâmicos, em cães anestesiados com halotano e oxide-induced changes in pulmonary vascular resistance submetidos a doses crescentes de adrenalina. Tese de in a dog model of left atrial outflow obstruction. J graduação. Faculdade de Ciências Agrárias e Cardiothorac Anesth, 3: 568-573. Veterinárias, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Hirota K, Yoshioka H, Kabara S, Koizumi Y, Abe H, Sato T, Jaboticabal, SP, Brasil, 77. Matsuki A (2002). Spasmolytic effects of colforsin Nicolle AP, Chetboul V, Tessier-Vetzel D, Sampedrano CC, daropate on serotonin-induced pulmonary hypertension Aletti E, Pouchelon JL (2006). Severe pulmonary arterial and bronchoconstriction in dogs. Acta Anaesthesiol hypertension due to Angiostrongylosus vasorum in a Scand, 46: 297-302. dog. Can Vet J, 47: 792-795. Hoeper MM, Lee SH, Voswinckel R, Palazzini M, Jais X, Nishimori CT, Paula DP, Moraes PC, Conceição EDV, Marinelli A, Barst RJ, Ghofrani HA, Jing ZC, Opitz C, Carareto R, Nunes N, Freitas PMC (2006). Alterações Seyfarth HJ, Halank M, McLaughlin V, Oudiz RJ, Ewert hemodinâmicas e intracranianas em cães com hemorragia R, Wilkens H, Kluge S, Bremer HC, Baroke E, Rubin LJ aguda anestesiados com isofluorano. Arq Bras Med Vet (2006).Complications of right heart catheterization Zootec, 58: 1048-1056. procedures in patients with pulmonary hypertension in Nozik-Gryck E, McMahon TJ, Huang YT, Dieterle CS, experienced centers. J Am Coll Cardiol, 48: 2546-2552. Stamler JS, Piantadosi CA (2002). Pulmonary vasocon- Johnson L (1999). Diagnosis of pulmonary hypertension. striction by serotonin is inhibited by S-nitrosoglu- Clin Tech Small Anim Pract, 14: 231-236. tathione. Am J Physiol Lung Cell Mol Physiol, 282: Johnson L, Boon J, Orton EC (1999).Clinical characteristics L1057-L1065. of 53 dogs with Doppler-derived evidence of pulmonary Nunes N (2007). Efeitos do sevofluorano e do isofluorano hypertension:1992-1996. J Vet Intern Med, 13: 440-447. sobre a dinâmica cardiovascular, respiratória e hemoga- Johnson LR, Hamlin RL (1995). Recognition and treatment sometria, em cães sob ventilação espontânea e submetidos of pulmonary hypertension. In: Kirk’s current veterinary à hipertensão pulmonar induzida pela serotonina. 2007. therapy XII: Small Animal Pratice, 12ª edição. Editores: Tese de Livre Docência. Faculdade de Ciências Agrárias JD Bonagura e RW Kirk. W Saunders (Philadelphia), e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista (UNESP), 887-891. Jaboticabal, SP, Brasil, 103. Kaddoum RN, Mubarak K, Chidiac EJ (2006). Pulmonary Oswald GP, Orton CE (1993). Patent ductus arterious and hypertension and anesthesia. MEJ Anesth, 18: 1095- pulmonary hypertension in related Pembroke Welsh 1112. Corgis. J Am Vet Med Assoc, 202: 761-764. Kellum HB, Stepien RL (2007). Sildenafil citrate therapy in Pyle RL, Abbott J, Maclean H (2004). Pulmonary hyperten- 22 dogs with pulmonary hypertension. J Vet Intern Med, sion and cardiovascular sequelae in 54 dogs. Intern J 21: 1258-1264. Appl Res Vet Med, 2: 99-109. Konstadt SN, Reich DL, Thys DM (1990). Nitrous oxide Rich S (2001). Pulmonary hypertension. In: Heart Disease: does not exacerbate pulmonary hypertension or ventric- A Textbook of Cardiovascular Medicine, 6ª edição. ular dysfunction in patients with mitral valvular disease. Editores: E Braunwald, D Zipes e P Libby. WB Can J Anaesth, 37: 613-617. Saunders, Philadelphia: 1908-1935. Lopes PCF, Nunes N, Paula DP, Nishimori CTD, Carareto R, Sander M, Welling KLK, Ravin JB, Boberg B, Amtorp O Santos PSP, Thiesen R (2007a). Índice biespectral em (2003). Endogenous NO does not regulate baseline cães submetidos à infusão contínua de propofol e pulmonary pressure, but reduces acute pulmonary induzidos a hipertensão pulmonar. Anais do 34º hypertension in dogs. Acta Physiol Scand, 178: 269-277. Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária, Santos, Schulman DS, Matthay RA (1992). The right ventricle 201. in pulmonary disease. Cardiol Clin, 10: 111-135. Lopes PCF, Nunes N, Paula DP, Moro JV, Conceição EDV, Schulman DS, Matthay RA (1992). The right ventricle in Nishimori CTD (2007b). Efeitos da infusão contínua de pulmonary disease. Cardiol Clin, 10: 111-135. tiopental na recuperação de três cães com hipertensão Sisson D (1992). Avaliação clínica da função cardíaca. In: pulmonar induzida pela serotonina: relato de caso. Anais Tratado de medicina interna veterinária, 3ª edição. do 34º Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária, Editor: SJ Ettinger. Manole, São Paulo: 970-986. Santos, 217. Souza AP, Nishimori CT, Santos PSP, Paula DP, Nunes N, Lopes PCF (2005). Efeitos de diferentes frações inspiradas Rezende ML, Guerrero NPH (2004). Avaliação da de oxigênio sobre o índice biespectral, parâmetros buprenorfina pelas vias intravenosa e muscular em cães respiratórios, hemogasométricos, hemodinâmicos e anestesiados pelo desfluorano. Ciênc Rural, 34: 809- ecocardiográficos em cães submetidos a anestesia com 814. infusão contínua de propofol e mantidos em ventilação Steele JL, Henik RA (2004). Pulmonary Hypertension. In: espontânea. Tese de Mestrado da Faculdade de Ciências Textbook of respiratory disease in dog and cat. Editor: Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista LG King. WB Saunders, Philadelphia: 498-504. (UNESP), Jaboticabal, SP, Brasil, 169. Tanus-Santos JE, Moreno H, Zappellini A, Nucci G (1999). Maranhão MVM (2006). Conduta no doente com hiperten Small-dose inhaled nitric oxide attenuates hemodynamic são pulmonar e insuficiência ventricular direita. In: changes after pulmonary air embolism in dogs. Anesth Medicina perioperatória. Editores: IL Cavalcanti, FAF Analg, 88: 1025-1029. Cantinho e A Assad. Sociedade de Anestesiologia do Thomas WP, Sisson D (1999). Cardiac catheterization and Estado do Rio de Janeiro: 401-411. angiography. In: Textbook of canine and feline cardiology: Mark JB (1998). Prediciting Left Ventricular End-diastolic Principles and clinical practice, 2ª edição. Editores: PR Pressure. In: Atlas of Cardiovascular Monitoring. Fox, D Sisson e NS Moïse. WB Saunders, Philadelphia: Editor: JB Mark. Churchill Livingstone, New York: 59-79. 173-190.

23

ARTIGO DE REVISÃO REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Desenvolvimento embrionário inicial eqüino – revisão

Early equine embryonic development – a review

1 2 3 Ester Siqueira Caixeta *, Nadia Simarro Fagundes , Mariana Siqueira Caixeta , 4 Elen Silvia Siqueira Pyles

1Faculdade de Agronomia e Veterinária, Ciências Animais, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil, 70910-970 2Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil, 38.400-902 3Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Poços de Caldas, MG, Brasil, 37701-355 4Departamento de Reprodução Animal, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil, 18618-000

Resumo: O início da gestação eqüina envolve aspectos Summary: The beginning of pregnancy in equine involves específicos do gênero Equus, como reconhecimento materno da specific aspects of genus Equus, such as maternal recognition of gestação, desenvolvimento morfológico do embrião, origem dos pregnancy, embryo morphology development, origin of fetal anexos fetais, junção feto-maternal, desenvolvimento do âmnio placenta, fetomaternal junction, amnion and endometrial cups e dos cálices endometriais, além da mobilidade e atividade fetal. development, in addition to fetal mobility and activity. In the No presente trabalho foi revisado o desenvolvimento embrio- present work, embryo development in the horse was reviewed. nário inicial em eqüinos, que após a fecundação, passa pela After fertilization, the equine embryo undergoes cleavage, clivagem, dando origem à mórula e mais tarde ao blastocisto, forming the morula and later the blatocyst, and arrives into the entrando no útero no dia 6 a 6,5 após a ovulação. Um fenômeno uterus on day 6 to 6.5 after ovulation. An exclusive characteristic exclusivo da espécie eqüina é a retenção de ovócitos não is the retention of non-fertilized oocytes and/or non-viable fecundados e/ou embriões não viáveis no oviduto. Entre os dias embryos in the oviduct. Between the days 6 and 7 the formation 6 a 7 ocorre a formação de uma cápsula que envolve completa- of a capsule that involves completely the concept, and at day 8, mente o concepto, e no dia 8 a zona pelúcida de desprende da the zona pellucida sheds from the capsule. The equine conceptus mesma. O concepto eqüino permanece esférico até 6 a 8 remains spherical until 6 to 8 weeks of pregnancy. The endome- semanas de gestação. Os cálices endometriais produzem a trial cups secrete equine Chorionic Gonadotropin (eCG) over Gonadotrofina Coriônica egüina (eCG) durante aproximada- approximately days 33 to 120, with gonadotrophics effects. The mente os dias 33 a 120 com efeitos gonadotróficos. A placenta mare placenta is classified as epitheliochorionic, diffuse, micro- da égua é classificada como epitéliocorial, difusa, microcotile- cotyledonary and adeciduous. It segregates trophic and steroid donária e adeciduada. Ela secreta hormônios tróficos e hormones, being essential a mature and entirely functional esteróides, sendo essencial uma placenta madura e inteiramente placenta for a normal pregnancy in the mare and production of funcional para uma gestação normal e a produção de um feto a healthy and well developed fetus. In face of the complexity of sadio e bem desenvolvido. Em vista da complexidade dos related events and the knowledge of these peculiar characteris- eventos relacionados e do conhecimento destas características tics of the equine species, the physiology and endocrinology of peculiares à espécie eqüina, a fisiologia e endocrinologia pregnancy in the mare can be better understood, being very da gestação na égua podem ser melhor compreendidas, sendo important in the practical application of equine reproduction de grande valia na aplicação prática das biotecnologias da biotechnologies. reprodução eqüina. Keywords: mare, embryology, pregnancy, placenta. Palavras-chave: égua, embriologia, gestação, placenta.

Introdução

Muitos aspectos do início da gestação na égua mostram-se únicos no gênero Eqqus e têm importante significado prático na moderna medicina veterinária eqüina (Allen, 2000). O desenvolvimento embrionário tem início a partir da fecundação do ovócito (Ginther, 1992). A partir deste momento, até o estabelecimento de uma placenta madura e funcional, aproximadamente aos 150 dias, uma série de alterações morfológicas, imunológicas e endocrinológicas ocorrem no oviduto *Correspondência: [email protected] e útero, as quais podem ser presumidas como Tel: +55 (14) 3813 7787 importantes componentes do estabelecimento e

25 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34 manutenção do estado gestacional, e que diferem de trato genital feminino, desestabilizando a bicamada eventos equivalentes em outras espécies animais fosfolipídica e permitindo a ativação do acrossomo. A domésticas (Allen, 2000). A espécie eqüina apresenta capacitação desencadeia a reação acrossomal que particularidades em relação ao desenvolvimento envolve a fusão da membrana plasmática do esperma- morfológico do embrião, à origem dos anexos fetais, à tozóide com a membrana externa do acrossomo, junção feto-maternal, ao desenvolvimento do âmnion seguida por uma extensa vesiculação sobre o segmento e dos cálices endometriais e à mobilidade e atividade anterior do acrossomo. Essa reação promove a fetal, os quais serão abordados nesta revisão. liberação de enzimas hidrolíticas, como, hialuronidase No momento apropriado o embrião deve sinalizar a e acrosina que são necessárias para a penetração no sua presença no sistema materno, sinal este necessário ovócito (Hafez e Hafez, 2004). para a manutenção do corpo lúteo, produção de proges- A união da cabeça espermática à zona pelúcida é terona e para a continuação do desenvolvimento do regida por receptores espermáticos específicos na endométrio e da sua atividade secretora. Outros sinais sua superfície. A zona pelúcida é sintetizada por utilizados pelo embrião como síntese de hormônios e ovócitos em maturação, sendo sua matriz extracelular proteínas parecem também serem responsáveis pelo constituída por glicoproteínas denominadas ZP1, ZP2 reconhecimento materno da gestação, sendo alvo de e ZP3, presentes em todas as espécies de mamíferos. estudos e pesquisas. As ZP1 e ZP2 são glicoproteínas estruturais, A placenta é muito estudada na gestação eqüina, enquanto a ZP3 age como receptor espermático tanto no aspecto anatômico quanto fisiológico. As (Herrler e Beier, 2000; Hafez e Hafez, 2004). pesquisas realizadas nessa área são direcionadas às Apenas espermatozóides com acromossos intactos estruturas únicas na placenta da égua como os cálices podem se ligar à ZP3. A ligação da cabeça espermática endometriais e cinta coriônica, à produção da à ZP3 permite interações com outras zonas compe- Gonadotrofina Coriônica eqüina (eCG) e às seis tentes que estimulam a ativação do acrossoma, camadas de tecido entre os capilares materno e fetal liberando enzimas que digerem uma abertura através (Ginther, 1992). da zona pelúcida para atingir a membrana vitelínica O presente trabalho tem o intuito de revisar o (Hafez e Hafez, 2004). A região equatorial da cabeça desenvolvimento embrionário desde a fecundação até espermática liga-se à membrana vitelínica estimulando a placentação inicial. Através do conhecimento destas a retomada da segunda divisão meiótica, liberando o características peculiares à espécie eqüina, a fisiologia segundo corpúsculo polar (Ginther, 1992; Hafez e e endocrinologia da gestação podem ser melhor Hafez, 2004). compreendidas, sendo de grande valia na aplicação Os dois pró-núcleos, masculino e feminino migram prática das biotecnologias da reprodução eqüina. para o centro do ovo, os envelopes nucleares se rompem e então se fundem, formando um núcleo diplóide e a primeira célula do concepto, o zigoto. Fecundação Esta fusão, chamada singamia, finaliza a fecundação e A fecundação ocorre quando há fusão do ovócito estimula o zigoto a iniciar o seu desenvolvimento com o espermatozóide. Para tanto, é necessário que (Ginther, 1992; Hafez e Hafez, 2004). ocorra a migração espermática entre as células do Após a fecundação ocorrem modificações na cumulus, a união da cabeça do espermatozóide à zona superfície do ovócito para impedir a fusão de outro pelúcida e em seguida a penetração espermática por espermatozóide, a polispermia (Herrler e Beier, uma abertura através da zona pelúcida para atingir a 2000). O início do bloqueio ocorre com a penetração membrana vitelínica e, por último, a fusão dos gametas do espermatozóide no ovócito, quando os grânulos (Hafez e Hafez, 2004). corticais são liberados dentro do espaço perivitelínico. No momento da ovulação ocorre a liberação do A liberação do conteúdo desses grânulos provoca uma ovócito maturado, o qual foi submetido a transfor- reorganização extensa da zona pelúcida e/ou reação mações durante o desenvolvimento folicular, como a cortical da superfície vitelina, resultando na liberação formação da zona pelúcida e a retomada e finalização de enzimas que provocam endurecimento da zona da primeira divisão meiótica, com a extrusão do pelúcida e inativação dos receptores espermáticos primeiro corpúsculo polar, em preparo para a fecun- (Hafez e Hafez, 2004). dação. A placa metafásica marca o início da segunda divisão meiótica, porém a meiose não pode continuar Clivagem até que ocorra a penetração do espermatozóide no ovócito (Ginther, 1992). Depois do estágio de zigoto, os embriões sofrem Para atingir a capacidade de fecundação os uma série de divisões mitóticas. A primeira clivagem espermatozóides passam por várias modificações do embrião eqüino ocorre 24 horas após a fecundação seqüenciais incluindo a maturação, capacitação e a (Herrler e Beier, 2000). O zigoto, estágio de uma célu- reação do acrossoma. Os componentes de sua superfície la, é bastante grande, possuindo uma proporção são modificados ou removidos pelas secreções do nuclear/citoplasmática baixa. Nessas divisões celu-

26 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34 lares não ocorre aumento da massa celular, sendo que ampola (Ginther, 1992; Allen, 2000; Betteridge, 2000; o diâmetro do ovócito pré-ovulatório, zigoto e Allen, 2001). Por outro lado, se o ovócito é fecundado, embrião clivado não se altera, até a formação de um resultando em um embrião, eles atravessam a apertada blastocisto, geralmente após deixar o oviduto e proeminente junção útero-tubária, entrando no útero (Ginther, 1992; Betteridge, 2000). entre 144 e 168 horas após a ovulação (dia 6 - 6,5) A clivagem do zigoto se dá por divisão vertical e as no estágio de desenvolvimento de mórula tardia ou células irmãs resultantes são denominadas blastô- blastocisto inicial (Betteridge et al., 1982; Allen, meros. As divisões iniciais ocorrem simultaneamente 2000; Betteridge, 2000; Allen, 2001). em todos os blastômeros, porém, após algum tempo Vários autores observaram que o embrião viável essa sincronização é perdida. O processo de clivagem começa a secretar grande quantidade de PGE2 quando do embrião eqüino é similar ao observado nos demais atinge o estágio de mórula compacta, no dia 5 após mamíferos. Entretanto, nessa espécie ocorre um a ovulação (Ginther, 1992; Allen, 2000; Betteridge, excessivo processo de deutoplasmólise através da qual 2000; Sharp, 2000; Allen, 2001; Stout e Allen, 2001, se observa a extrusão do material embrionário para o 2002). Essa PGE2 tem a propriedade de provocar espaço perivitelínico, desde os primeiros estágios de contrações locais e relaxamento da musculatura lisa, desenvolvimento. A partir do estágio de 16 blastômeros atuando na parede do oviduto, permitindo assim que o o material extrusado vai diminuindo e desaparece. O embrião se mova progressivamente com o auxílio do processo de deutoplasmólise parece estar associado à batimento ciliar rítmico, entrando no útero aproxima- quantidade de lipídeos presente no ovócito. Em ovócitos damente após 24 horas (Gastal et al., 1998). Desta particularmente ricos em lipídeos, como os de eqüino, forma, este estágio de desenvolvimento depende da bastante material é eliminado durante a segmentação capacidade secretória de PGE2 pelo embrião (Allen, (Ginther, 1992). 2000). A permanência do embrião eqüino no oviduto até o Compactação dia 6 é considerada prolongada, quando comparada com a permanência do embrião suíno (48 horas) e de Os blastômeros de mamíferos, até o estágio de 8 ruminantes (72 horas) (Allen, 2000). Este fato traz células, formam um arranjo frouxo, com espaço desvantagens na aplicação prática das biotecnologias abundante entre eles. Em seguida à terceira clivagem da reprodução eqüina. Um exemplo é a bipartição de ocorre uma grande alteração no comportamento dos embriões para a produção de gêmeos monozigotos, blastômeros. Eles repentinamente se aglomeram que tem maior sucesso quando realizada no estágio de maximizando o contato entre si, formando uma massa mórula, sendo que este índice cai consideravelmente esférica compacta de células. Este arranjo compacto é se o embrião é bipartido mesmo com sinais iniciais de estabilizado por junções que se formam entre as blástula. De modo similar, o sucesso da congelação de células externas da massa celular. As células internas embriões cai quando se tem um pequeno aumento no da esfera formam junções do tipo "gap", permitindo desenvolvimento, idade e tamanho do embrião, deste modo, o transporte de pequenas moléculas e provavelmente devido a uma combinação de danos na íons entre as células (Hafez e Hafez, 2004). massa celular interna e à impermeabilidade relativa da Aproximadamente 4 a 5 dias após a fecundação, o cápsula do blastocisto eqüino aos crioprotetores embrião apresenta-se com 16 a 32 células (Ginther, (Allen, 2000, 2001). 1992). Uma vez que o embrião tenha formado 16 blastômeros, ele é denominado mórula (Herrler e Beier, Blastocisto 2000). Durante esta fase o embrião é transportado do local da fecundação, região da ampola do oviduto, em Simultaneamente com o desenvolvimento das direção ao útero, onde deve ocorrer o desenvolvimento junções intercelulares compactas da mórula, ocorre o da gestação (Betteridge, 2000). acúmulo de fluido no interior da cavidade central formando a blastocele. Quando esta é detectada, o Transporte do embrião no oviduto concepto é denominado blastocisto inicial (Ginther, 1992). A relação temporal entre o surgimento da Segundo Allen (2000; 2001) existem diferenças blastocele e a entrada no útero não está completa- importantes no transporte de ovócitos e embriões no mente determinada, sendo possível chegar no útero oviduto eqüino quando comparado às outras espécies um embrião no estágio de mórula tardia ou blastocisto de mamíferos. Um fenômeno exclusivo é a retenção inicial. O concepto entra no útero no dia 6, quando de ovócitos não fecundados ou embriões não viáveis tem aproximadamente 0,2 mm (Betteridge et al., no oviduto, sendo que estes podem ser retidos por até 1982; Sharp, 2000). sete meses ou mais e são eventualmente degenerados. De acordo com Ginther (1992) as células do Essa retenção ocorre nas dobras tortuosas da mucosa embrião nessa fase se diferenciam em dois grupos, o do oviduto, podendo o ovócito se alojar no terço trofoblasto e o embrioblasto. O trofoblasto é originado médio do oviduto ou na região da junção ístimo- a partir das células da massa celular externa, sendo

27 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34 constituído por células colunares recobertas por densas secretada em maior parte pelo trofoblasto (Arar et al., microvilosidades e que tem funções na captação de 2007), entretanto a cápsula também contém outras nutrientes seletivos. Este grupo de células forma o proteínas de origem materna. A produção de mucina é córion, a porção embrionária da placenta, que permite observada após a formação do blastocisto, aumentando ao feto obter oxigênio e alimento a partir da mãe. até o dia 18, e então começa a diminuir, antes de desa- Estas células do trofoblasto são necessárias para a parecer completamente entre os dias 21 e 23 (Stewart implantação do embrião na parede uterina. et al., 1995; Chu et al., 1997; Stout et al., 2005). O embrioblasto, que se projeta para o interior da Especula-se que a função da cápsula seja blastocele é formado a partir da massa celular interna semelhante à da zona pelúcida, substituindo-a após a (MCI) e originará o embrião propriamente dito. As sua perda (Ginther, 1992). Ela tem uma grande células do interior da MCI são redondas, pequenas e responsabilidade na manutenção da forma esférica se dividem rapidamente. Elas são unidas por junções do concepto durante o período do reconhecimento do tipo "gap" e interconectadas por uma elaborada materno da gestação. Embora fina, a cápsula é cadeia de microvilos longos e sintetizam proteínas bastante resistente e elástica funcionando como uma diferentes em relação ao trofoblasto. A principal proteção física ao concepto durante a fase de migração característica do blastocisto é a diferenciação em permitindo com que ele migre de uma extremidade à trofoblasto e botão embrionário. O embrioblasto se outra no lúmen uterino (Oriol et al., 1993; Betteridge, desenvolve em 3 camadas germinativas primárias do 2000; Sharp, 2000; Arar et al., 2007; Quinn et al., embrião (ectoderme, mesoderme e endoderme) durante o processo de gastrulação (Ginther, 1992). 2007), atuando como uma molécula anti-adesiva com O diâmetro da vesícula embrionária nos próximos alta concentração de ácido siálico (Chu et al., 1997; dias varia bastante e o estágio de desenvolvimento Sharp, 2000; Stout et al., 2005). Além disso, a parece mais relacionado com o diâmetro e morfologia cápsula atua fornecendo proteção contra o estresse do que com a idade (Ginther, 1992). mecânico das contrações miometriais (Stout et al., 2005) e também funcionando como uma defesa Surgimento da cápsula e desprendimento da zona biológica contra ataques virais e bacterianos ou ataque imunológico materno. Finalmente, a posição da pelúcida cápsula na interface materno-fetal sugere que ela O desenvolvimento inicial do embrião eqüino é tenha uma importante função na comunicação entre caracterizado pela formação de uma cápsula que mãe e feto durante o início da gestação (Stewart et al., envolve completamente o concepto. A cápsula é uma 1995; Chu et al., 1997). fina camada acelular e transparente depositada A fixação do embrião no futuro local da placentação entre a zona pelúcida e o trofoblasto no momento da está associada a uma flacidez e perda de ácido siálico formação do blastocisto intra-uterino no dia 6 ou 7 das glicoproteínas capsulares (Oriol et al., 1993; Chu após a ovulação, sendo composta por glicoproteínas et al., 1997; Arar et al., 2007; Quinn et al., 2007). semelhantes à mucina produzidas pelo trofoblasto Segundo Stewart et al. (1995), uma grande quantidade (Betteridge et al., 1982; Ginther, 1992; Oriol et al., de proteína de 19 kDa (p19) é secretada pelo 1993; Chu et al., 1997; Allen, 2001). Pode haver endométrio. Foi sugerido que essa proteína possa ser também um envolvimento uterino na origem da incorporada dentro da estrutura capsular durante sua cápsula, pois foi observado no cultivo in vitro de fase de crescimento, depois do dia 11. A secreção da embriões pré-capsulares que não houve a formação da p19 pelo endométrio é dependente de progesterona. A mesma. A cápsula é demonstrada com dificuldade in administração de prostraglandinas reduz a concen- vitro. A zona pelúcida provavelmente não é necessária tração de progesterona, reduzindo a secreção da p19. na formação da cápsula, uma vez que blastocistos sem Portanto, cápsulas defeituosas, com deficiência da zona pelúcida transferidos no dia 7 têm a cápsula p19, mostram uma falha na perda de ácido siálico, aparentemente normal quando examinados uma refletindo a possibilidade de que a falta ou mudança semana depois (Ginther, 1992). de proteínas na estrutura capsular impeçam a queda de O blastocisto se expande rapidamente após sua ácido siálico, interferindo no processo de fixação do entrada no útero, ocorrendo uma diminuição na espes- embrião (Arar et al., 2007). sura da zona pelúcida. Desta forma ela se desprende Segundo Stout et al. (2005) através da remoção da da cápsula em poucos dias (dia 8), a cápsula então cápsula e posterior transferência dos embriões em permanece no exterior, revestindo completamente o éguas receptoras foi demonstrado que nenhum embrião (Ginther, 1992; Crossett et al., 1998; embrião desprovido da cápsula desenvolveu a Betteridge, 2000; Stout et al., 2005). A presença da gestação, enquanto os embriões que não tiveram a cápsula contribui para esse afrouxamento e perda da cápsula removida desenvolveram normalmente a zona pelúcida (Stout et al., 2005). gestação, comprovando que ela é essencial na viabili- Alguns estudos sugerem que a mucina capsular seja dade dos embriões eqüinos.

28 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34

Desenvolvimento do saco vitelínico A onfalopleura bilaminar e o sinus terminalis são estruturas anatômicas muito importantes, que indicam Uma alteração relativa no tamanho da vesícula o lado oposto ao desenvolvimento embrionário embrionária no estágio de saco vitelínico pode ser propriamente dito, e que mais tarde marcam a posição vista à ultra-sonografia nos dias 10 a 21 (Ginther, de fixação do cordão umbilical no feto (Ginther, 1992). Um dos aspectos distintos do concepto eqüino 1992). é o saco vitelínico persistente. Muitas espécies animais desenvolvem o saco vitelínico, mas ele rapidamente se torna afuncional e aparentemente não Transição de saco vitelínico para saco alantóide contribui para a nutrição do embrião. Nos eqüinos, Com o desenvolvimento do embrião, o trofoblasto entretanto, ele é uma estrutura predominante nas primeiras três ou quatro semanas de gestação e tem funde-se com a membrana interna de células da meso- um importante papel no suprimento nutricional inicial derme formando o córion. Este envolve externamente do embrião (Sharp, 2000). todo o embrião e as outras três membranas fetais: o Um revestimento interno de células endodérmicas âmnio, o saco vitelínico e o alantóide. Este último é completam a conversão do blastocisto em um saco o responsável pelas mudanças fisiológicas que surgem embrionário vitelínico bilaminar (duas paredes), essas a partir do dia 21 (Ginther, 1992). Ocorre uma células são originadas do embrioblasto ou massa celular repleção da cavidade anmiótica e a emergência do interna e envolvem a blastocele, desenvolvendo uma alantóide a partir do intestino que cresce para dentro membrana contínua que irá se tornar um constituinte do exoceloma, entre a somatopleura e a esplancno- do saco vitelínico (Sharp, 2000). O lúmen do saco pleura (Hafez e Hafez, 2004). vitelínico está diretamente em contato com o lúmen Segundo Sharp (2000) durante as primeiras três ou do intestino primitivo e, portanto, solutos orgânicos e quatro semanas de gestação a placenta eqüina pode ser inorgânicos e água do ambiente uterino são absorvidos descrita como corio-vitelínica. Ela se torna alanto- pelo saco vitelínico tornando-os disponíveis para o coriônica devido à predominância do saco alantóide, o embrião (Ginther, 1992). qual consiste da endoderme, mesoderme e ectoderme, As células internas ou revestimento endodermal do constituindo o alanto-córion. saco vitelínico são cuboidais, enquanto as células do O âmnio se desenvolve a partir da ectoderme extra- trofoblasto são colunares com característica absortivas. embrionária e da mesoderme avascular circundando A terceira camada, mesoderme, começa a aparecer completamente o embrião. O líquido amniótico é entre o trofoblasto (ectoderme) e a endoderme do saco considerado como produto de secreções das paredes vitelínico, dando origem à parede do disco embrio- ou folhetos amnióticos, bem como pela saliva, nário. A formação da mesoderme provavelmente secreção nasal do feto e temporariamente pela urina. começa no dia 14 (Sharp, 2000). O concepto eqüino O feto flutua neste líquido, sendo protegido da com duas semanas de gestação é esférico e está locali- desidratação e de choques mecânicos (Ginther, 1992). zado no corpo uterino. O tecido mesodérmico cresce Na fenda existente entre o folheto interno e externo do disco embrionário para a área entre o trofoblasto e do âmnio encaixa-se, como parte da bexiga fetal, o a endoderme do saco vitelínico. A mesoderme dá saco alantóide, que se compõe também de um folheto origem ao mesênquima de sustentação ou aos vasos interno que se apresenta bem junto ao interno do sangüíneos do tecido conjuntivo (Hafez e Hafez, âmnio formando o alanto-âmnio. E um folheto externo 2004). que se adere ao córion, formando o alanto-córion. Ilhas de sangue são formadas na mesoderme e Dando origem assim a uma placenta alanto-coriônica. estas gradualmente aumentam originando a parede Entre o alanto-córion e o alanto-âmnio encontra-se o funcional do saco vitelínico que está conectada por espaço alantoideano que envolve totalmente o um canal ao embrião. O saco vitelínico não armazena embrião. O líquido alantoideano é de origem renal, nutrientes, mas com a vascularização o material geralmente composto pela urina fetal (Ginther, 1992). nutritivo chega rapidamente e com eficiência para O concepto eqüino permanece esférico até 6 a 8 abastecer o desenvolvimento embrionário (Ginther, semanas de gestação, em contradição com as outras 1992). A principal extremidade da vascularização da espécies domésticas nas quais o alanto-córion mesoderme é demarcada por uma proeminente expande e alonga tremendamente nas primeiras duas coleção de veias denominada sinus terminalis. A semanas de gestação. Este aspecto morfológico está parede do saco vitelínico entre o sinus terminalis e associado à extrema mobilidade intra-uterina do o embrião propriamente dito possui três camadas concepto eqüino até os dias 16 ou 17 (Sharp, 2000). (endoderme, mesoderme e ectoderme) e é denominada O exoceloma está localizado entre a somatopleura e onfalopleura trilaminar. A parede distal é formada esplancnopleura. A somatopleura é uma parede por duas camadas (ectoderme e endoderme) e é formada pela mesoderme e uma camada de trofoblasto. denominada onfalopleura bilaminar (Ginther, 1992; Já a esplancnopleura é formada pela mesoderme e Hafez e Hafez, 2004). uma camada de endoderme. No dia 24 ou 25 o saco

29 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34 alantóide já está vascularizado e grande se comparado protuberâncias de tecido altamente compacto, com o embrião propriamente dito. No dia 25 o semelhantes a um anel, presentes na porção caudal embrião tem aproximadamente 5 mm de comprimento, do corno gravídico, resultantes da invasão de células crescendo cerca de 1 mm ao dia até os 12 mm no dia trofoblásticas para dentro do endométrio (Ginther, 30, e 17 mm no dia 35. O batimento cardíaco do 1992; Lunn et al.,1997; Sharp, 2000; Wooding et al., embrião e a passagem de sangue no sistema circu- 2001; Hafez e Hafez, 2004). latório podem ser detectados ao redor do dia 26, sendo A égua possui uma placenta do tipo epitéliocorial, um critério importante para estimativa da viabilidade que representa a forma menos invasiva de placentação fetal (Ginther, 1992). (Lunn et al., 1997). No entanto, uma sub-população Uma fita de células coriônicas de 1 mm de largura de células trofoblásticas altamente invasivas se dife- forma-se ao redor do embrião. Essa fita coriônica renciam entre os dias 25 e 36 de gestação para formar localiza-se entre o saco alantóide e o saco vitelínico, uma faixa avascular composta por um tecido denomi- sendo que a mesoderme nessa área permanece nado cinta coriônica que circunda o concepto esférico avascular (Lunn et al., 1997). na região entre o alantóide em formação e o saco O alantóide continua a crescer e o saco vitelínico vitelínico em regressão (Ginther, 1992; Lunn et al., regride gradualmente, pois fica preso na onfalopleura 1997; Adams e Antazak, 2001; Wooding et al., 2001; bilaminar, reduzindo a proporção da vesícula embrio- de Mestre et al., 2008). Ao contrário das demais célu- nária. O embrião é levado durante o crescimento las não invasivas do trofoblasto eqüino, as células da do alantóide para o pólo oposto; essa ascendência cinta coriônica começam a se fixar e invadir o epitélio inicia-se em torno dos dias 22 a 25 (Hafez e Hafez, uterino ao redor dos 35 dias de gestação (Lunn et al., 2004). 1997; Wooding et al., 2001; Allen et al., 2002b). No dia 40 (final do estágio de embrião) o embrião e Segundo Ginther (1992), a formação histológica das seu âmnio já foram movidos para o pólo oposto e o células cálices pode ser dividida em 5 fases: fixação, saco vitelínico desaparece, sendo sua função substituí- invasão, fagocitose, migração e diferenciação. A cinta da pela placenta. Nessa fase o embrião parece estar coriônica inicialmente consiste em um envoltório raso suspenso pelo alantóide, flutuando dentro de um saco e em seguida vai se alongando como estruturas aneóico. Devido ao crescimento do saco alantóide, as vilosas, ao redor do dia 33 (de Mestre et al., 2008). A membranas que separavam o saco vitelínico e o saco fixação ocorre no dia 37 e consiste numa ligação entre alantóide se encontram no pólo dorsal da vesícula, as interdigitações da superfície das células coriônicas resultando na formação de um cordão umbilical; por alongadas com os dentículos correspondentes do essa razão o cordão se anexa no lado dorsal do útero epitélio endometrial. As células trofoblásticas inva- (Ginther, 1992). dem o endométrio para a penetração do citoplasma O cordão umbilical estabelece a ligação entre os nas células epiteliais. Quando a invasão é concluída, envoltórios fetais e o produto (feto). As células da fita somente uma minoria das milhares de células da cinta coriônica invadem o endométrio para formar os são transformadas em células cálices, as células da cálices endometriais (de Mestre et al., 2008); apenas cinta que não invadem sofrem necrose. uma camada simples de trofoblasto permanece Continuando a invasão, as células da cinta seqües- (Ginther, 1992). tram e fagocitam as células epiteliais rompidas e des- organizadas (Ginther, 1992). O processo de invasão Formação e função dos cálices endometriais destrói o epitélio endometrial em contato com as célu- las da cinta, no entanto, o epitélio se regenera rapida- As alterações endocrinológicas que ocorrem na mente e recobre a face luminal dos cálices endometri- égua durante a gestação são típicas desta espécie. Um ais ao redor do dia 45, deixando este tecido completa- fato bastante importante é o desenvolvimento, função, mente separado da placenta (Lunn et al., 1997). A fase manutenção e finalmente a degradação dos cálices de migração envolve penetração das células trofoblás- endometriais, que são estruturas temporárias produtoras ticas e seu conteúdo na membrana basal do epitélio do hormônio eCG (Ginther, 1992; de Mestre et al., uterino, atingindo o estroma endometrial, entre as 2008). glândulas endometriais, formando nódulos distintos Após a ovulação, o corpo lúteo primário passa a de 0,5 a 1,0 cm na superfície do endométrio, os quais produzir progesterona. Esta produção atinge concen- circundam o concepto na base do corno uterino trações plasmáticas de 6 a 10 ng/mL no dia 5 após a gravídico, denominados cálices endometriais ovulação e continuam, na égua prenhe, a crescer até os (Ginther, 1992; Lunn et al., 1997; Adams e Antazak, 35 a 40 dias de gestação quando a eCG começa a ser 2001). A invasão cessa após a infiltração no estroma produzida pelos cálices endometriais (Lunn et al., endometrial e então as células trofoblásticas se 1997; Allen et al., 2002b). No início do segundo mês hipertrofiam e diferenciam nas células cálices de gestação os cálices endometriais são formados. maduras (Ginther, 1992). Estes correspondem a formações discretas, pequenas As células da cinta coriônicas possuem um grande

30 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34 núcleo e nucléolo. Sua matriz extracelular provavel- Reconhecimento materno da gestação mente tem, além da função de adesivo durante a fase de fixação, a função de digestão dos fragmentos das Allen (2000; 2001) utiliza o termo reconhecimento células epiteliais (Ginther, 1992). Elas se diferenciam materno da gestação para comparar as diferentes em células secretórias binucleadas durante a formação estratégias utilizadas pelas espécies domésticas para dos cálices endometriais, e secretam eCG durante garantir a continuação da vida e da função secretória aproximadamente os dias 33 a 120 da gestação (Lunn do corpo lúteo, e então manter o útero em um estágio et al., 1997; Adams e Antazak, 2001; Wooding et al., progestacional adequado para o suporte da gestação e 2001; Allen et al., 2002b; de Mestre et al., 2008). A crescimento do feto. A secreção de progesterona é quantidade secretada é grande e provavelmente uma indispensável para a manutenção da gestação importante parte no desenvolvimento do contato (Ginther, 1992; Sharp, 2000). feto-maternal, necessário para o sucesso da gestação A Prostaglandina F2 (PGF2) é o hormônio (Wooding et al., 2001). A sua concentração luteolítico que induz a regressão cíclica do corpo permanece alta até 90 dias, após esse período declina lúteo, ela é secretada pelo endométrio após o diestro e aos 150 dias está ausente. O pico de secreção de (Allen, 2000; Hafez e Hafez, 2004). Portanto, o eCG ocorre ao redor dos 55 a 70 dias de gestação e crescimento do concepto eqüino depende da supressão corresponde ao período de tamanho máximo dos de sua liberação pelo endométrio (Stout e Allen, cálices endometriais (Allen, 2000). 2002). A eCG é um hormônio glicoprotéico com alto peso A égua é provida de uma distinta e aparentemente molecular que possui uma função complexa, a qual única maneira pela qual o embrião possui uma total não é totalmente entendida. É conhecido que quando importância no sinal do reconhecimento materno da administrado a outras espécies, ela tem efeitos gestação (Allen, 2000). O embrião eqüino é envolto gonadotróficos, tanto de FSH, como de LH (Lunn por uma resistente e ajustada cápsula de glicocálice et al., 1997; Allen, 2001). Na égua, em associação entre os dias 6,5 a 22 após a ovulação, sendo incapaz com gonadotrofinas da hipófise, a eCG estimula a de reorganizar e alongar o trofoectoderma entre os dias 10 e 14 após a ovulação, permanecendo esférico formação de corpos lúteos acessórios através da e completamente solto dentro do lúmen uterino luteinização, com ou sem ovulação, dos folículos das (Allen, 2000; Allen e Stewart, 2001) onde ele se move ondas foliculares (Ginther, 1992; Lunn et al., 1997; continuamente de uma extremidade à outra do útero Wooding et al., 2001; Allen, 2001; de Mestre et al., levado por fortes contrações peristálticas do 2008). Desta forma, aos 40 dias de gestação a concen- miométrio, nos dias 9 a 17 após a ovulação (Ginther, tração de progesterona sérica dobra seu valor (Lunn et 1983; Leith e Ginther, 1984; Gastal et al., 1998; Allen, al., 1997). 2000; Allen e Stewart, 2001; Stout e Allen, 2001, Os corpos lúteos acessórios aumentam em número e 2002). persistem até a metade da gestação, quando a placen- Este processo incomum de mobilidade do concepto ta já está madura o suficiente para assumir inteiramente na égua persiste até o dia 16 ou 17 após a ovulação, o suprimento de progesterona para a manutenção da quando ocorre um rápido aumento no diâmetro do gestação, sem qualquer ajuda dos ovários (Allen, 2000; embrião e um súbito espasmo que aumenta o tônus Allen, 2001; Hafez e Hafez, 2004). miometrial e fixa o concepto no eventual local de A partir dos 80 a 90 dias de gestação, ocorre a implantação, na base de um dos cornos uterinos regressão dos tecidos dos cálices associada a uma (Ginther, 1983; Leith e Ginther, 1984; Allen, 2000; intensa resposta leucocitária materna (Lunn et al., Sharp, 2000; Allen, 2001; Stout e Allen, 2001, 2002). 1997; Sharp, 2000; Adams e Antazak, 2001; Wooding Está claro que este constante movimento do et al., 2001). Apreciável número de leucócitos maternos, concepto é uma adaptação evolucionária que garante incluindo linfócitos, plasma celular e eosinófilos se ao embrião o sinal de reconhecimento materno da acumulam na base dos cálices endometriais para gestação por toda a extensão do útero (Allen, 2000), formar um tipo de barreira imunológica entre os levando a uma supressão na liberação cíclica de tecidos materno e fetal (Allen, 2000; Allen, 2001), PGF2 pelo endométrio, permitindo a luteostase degenerando e destruindo os cálices, sendo restabele- necessária para a manutenção da gestação (Ginther, cida a passagem dos ductos obstruídos das glândulas 1983; Sharp, 2000; Stout e Allen, 2001). A restrição endometriais (Allen, 2000). cirúrgica do embrião eqüino em um terço da área total Os leucócitos maternos invadem o tecido dos cálices uterina é seguida por luteólise e um retorno ao cio no e destroem as células fetais, formando um tecido período esperado do ciclo estral (Allen, 2000; Sharp, necrótico que aflora na superfície endometrial, dando 2000). A ausência de qualquer barreira física que origem à estruturas pedunculadas no alanto-córion, possa impedir o concepto de se movimentar que se projetam para o interior da cavidade alantóide, livremente de uma extremidade à outra no lúmen as chamadas bolsas alantocoriônicas (Lunn et al., uterino é um pré-requisito para a manutenção da 1997; Allen, 2000). gestação nos eqüinos. Alterações dentro do

31 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34 endométrio, bem como grandes cistos ou septos manutenção do corpo lúteo (Sharp, 2000). endometriais, podem contribuir para um insuficiente Uma elevada taxa na perda de gestação na égua reconhecimento materno e subseqüente perda da ges- (32%) ocorre entre os dias 12 e 30 após a ovulação, tação (Allen, 2001). por não suportar uma deficiência na liberação do fator Outra diferença na égua é a habilidade do concepto de reconhecimento materno da gestação pelo concepto, eqüino em secretar grande quantidade de PGF2 e impedindo a ação cíclica da prostaglandina, a qual Prostaglandina E2 (PGE2) tanto in vivo como quando ganha acesso à circulação periférica, através da veia cultivado in vitro (Allen, 2000; Allen, 2001). A uterina, e acidentalmente induz a luteólise do corpo produção de prostaglandinas pelo concepto é alta no lúteo eqüino (Allen e Stewart, 2001). dia 10 após a ovulação, elevando significantemente Nos últimos anos caracterizou-se uma molécula de em função do aumento da idade gestacional (Stout e proteína como sendo a responsável pelo reconheci- Allen, 2001; Stout e Allen, 2002). As prostaglandinas mento materno da gestação nos eqüinos. Ocorre secretadas pelo concepto inicial aparentemente uma maior produção de proteínas totais e específicas derivam da membrana corio-vitelínca (Allen, 2000; intra-uterinas nos dias do reconhecimento materno da Allen, 2001; Stout e Allen, 2002) e não têm acesso à gestação. Na espécie eqüina a PGF2 é produzida pelo circulação sistêmica em quantidade suficiente que útero ao redor do dia 14 após a ovulação provocando comprometa a função do corpo lúteo. A função destas a regressão do corpo lúteo. A maior produção do fator prostaglandinas não é completamente definida (Stout de inibição de produção de prostaglandina ocorre nos e Allen, 2002), porém tem sido proposto que elas são dias 12 e 13 pós-ovulação, sendo que no dia 16 esses necessárias para simular localmente as contrações níveis não são mais significativos. Isso indica uma peristálticas (tubáricas e uterinas) e o relaxamento do onda de supressão justamente no momento em que miométrio requeridos para propulsar o concepto de ocorreria o pico de produção de PGF2 (Sharp, 2000). uma extremidade à outra no lúmen uterino (Allen, Embora o estrógeno sozinho não seja responsável 2000; Stout e Allen, 2001; Stout e Allen, 2002). pela sinalização materna da gestação em eqüinos, ele Também é possível que essas prostaglandinas parece estar envolvido. Altas concentrações de produzidas tenham outras funções, como promover a estrógeno, associadas ao aumento da progesterona rápida expansão do blastocisto inicial e aumentarem o levam a um aumento considerável na produção de fluxo sanguíneo uterino e a permeabilidade vascular, uteroferrinas (Ellenberger et al., 2008), e estas parecem facilitando a distribuição de nutrientes para o desen- ser as proteínas responsáveis pelo reconhecimento volvimento do concepto (Stout e Allen, 2002). materno da gestação (Sharp, 2000). Na natureza, o sinal pelo qual o embrião eqüino informa bioquimicamente a égua da sua presença no Placentação inicial útero para completar a necessária luteostase ainda é desconhecido (Allen, 2000; Betteridge, 2000). A placenta da égua é classificada como Diferente dos ruminantes, o concepto eqüino não epitéliocorial, difusa, microcotiledonária e adeciduada produz a molécula protéica interferon tau com (Abd-Elnaeim et al., 2006). Na égua, a aderência propriedade luteostática, mas semelhante ao embrião placentária ocorre somente por volta dos dias 24 a suíno, ele começa a secretar estrógeno desde os sete 40 (Hafez e Hafez, 2004). Este tipo de placentação é dias após a ovulação e, portanto, inicialmente acredi- não invasiva e produz uma mínima resposta celular tou-se que essa seria a substância que teria a função do materna (Ginther, 1992; Gerstenberg et al., 1999). interferon tau no reconhecimento materno da gestação A placenta eqüina é classificada como epitéliocorial no eqüino (Allen, 2000; Allen, 2001; Raeside et al., uma vez que o epitélio uterino está em contato com a 2002, 2004; Hafez e Hafez, 2004). A produção de camada do córion, apresentando, portanto, seis estradiol pelo concepto eqüino inicial é significante camadas de tecido entre os capilares materno e fetal para o estabelecimento da gestação, porém sua exata (endotélio, tecido conjuntivo e epitélio), por isso, função no processo ainda não está bem determinada. nesta espécie não ocorre a passagem de imunoglobu- Uma das funções do estrógeno é a de mediador local linas da mãe para o feto, sendo a administração nos tecidos e desempenha também uma contribuição do colostro muito importante. A classificação difusa essencial na comunicação materno-fetal na placenta se deve ao fato de que a vilosidade do córion está epitéliocorial (Raeside et al., 2002, 2004). distribuída uniformemente sobre toda a superfície de Alguns experimentos mostraram que um processo tecido materno, formando pequenos agrupamentos gradual permite a queda de receptores para a ocitocina dos vilos aparentando microcotilédones (Allen et al., no endométrio entre os dias 10 e 16 após a ovulação 2002a). A característica adeciduada da placenta se (Allen, 2000; Betteridge, 2000; Allen e Stewart, 2001) deve ao fato de não ocorrer perda de tecido materno reduzindo potencialmente a cascata do ácido durante o parto (Ginther, 1992; Gerstenberg et al., aracdônico que em adição à produção de um inibidor 1999). da síntese de prostaglandinas bloqueiam a conversão A adesão precoce ocorre por meio de uma interdigi- do ácido aracdônico na potente PGF, auxiliando na tação entre a superfície epitelial da vesícula embrio-

32 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34 nária e o revestimento uterino. Com a contínua expansão conhecimento das fases do desenvolvimento embrio- da placenta por todo o útero, a justaposição dos nário e da fisiologia e endocrinologia da gestação, microvilos do córion com o epitélio uterino torna-se para com isso, diminuir problemas como a perda mais complexa para permitir o aparecimento de precoce da gestação e otimizar os resultados das milhares de estruturas microcoteledonárias que biotecnologias da reprodução eqüina. prendem firmemente a placenta (Ginther, 1992; Sharp, 2000; Allen, 2001; Allen et al., 2002a; Hafez e Hafez, 2004). Bibliografia A placentação envolve um aumento e uma reorgani- zação consideráveis em ambos os tecidos, materno Abd-Elnaeim MMM, Leiser R, Wilsher S, Allen WR (2006). e fetal (Gerstenberg et al., 1999). Como estruturas Structural and haemovascular aspects of placental distintas da placenta eqüina madura, os microcotilé- growth throughout gestation in young and aged mares. dones são completamente formados no quinto mês Placenta, 27: 1103-1113. de gestação. As dobras primárias do trofoblasto são Adams AP, Antczak DF (2001). Ectopic Transplantation of subdivididas com a progressão da gestação. Estas Equine Invasive Trophoblast. Biology of Reproduction, modificações são reflexos das estruturas das criptas 64: 753-763. maternas que recebem os vilos fetais. Dentro de cada Allen WR (2000). The Physiology of Early Pregnancy in the microcotilédone, os epitélios coriônico e uterino estão Mare. In: American Association of Equine Practitioners. Proceedings…, 46: 338-354. em contato íntimo e a junção do microvilo é formada Allen WR (2001). Fetomaternal interactions and influences entre os limites materno-fetais (Allen, 2001; Hafez e during equine pregnancy. Journals of Reproduction and Hafez, 2004; Abd-Elnaeim et al., 2006). Cada micro- Fertility, 121: 513-527. cotilédone é suprido por uma artéria maternal e uma Allen WR, Stewart F (2001). Equine placentation. equivalente artéria da placenta fetal (Allen, 2001; Reproduction, Fertility and Development, 13: 623-634. Wilsher e Allen, 2003). Allen WR, Wilsher S, Turnbull C, Stewart F, Ousey J, As funções da placenta são diversas e incluem Rossdale PD, Fowden AL (2002a). Influence of maternal nutrição e respiração fetal (Abd-Elnaeim et al., 2006), size on placental, fetal and postnatal growth in the horse. retirada de detritos, e segurança de que o feto seja I. Development in utero. Reproduction, 123: 445-453. protegido da resposta imune materna, que é direciona- Allen WR, Wilsher S, Stewart F, Ousey J, Fowden A da contra o feto ou antígenos placentários (Ginther, (2002b). The influence of maternal size on placental, fetal and postnatal growth in the horse. II. 1992). Endocrinology of pregnancy. Journal of Endocrinology, Em éguas a gestação gemelar é rara, devido à 172: 237-246. competição entre as placentas pelo contato com o Arar S, Chan KH, Quinn BA, Waelchli RO, Hayes MA, endométrio materno, resultando em insuficiência Betteridged KJ, Monteiroa MA (2007). Desialylation of placentária para ambos os conceptos. A perspectiva é core type 1 O-glycan in the equine embryonic capsule que ocorra morte embrionária no início da gestação ou coincides with immobilization of the conceptus in the que o feto em desvantagem morra durante a segunda uterus. Carbohydrate Research, 342: 1110–1115. metade da gestação, dando início ao abortamento Betteridge KJ (2000). Comparative aspects of equine (Ginther, 1992; Allen e Stewart, 2001). embryonic development. Animal Reproduction Science, A placenta microcotiledonária e o endométrio 60-61: 691-702. inteiramente funcionais são pré-requisitos essenciais Betteridge KJ, Eaglesome MD, Mitchell D, Flood PF, Beriault R (1982). Development of horse embryos up to para uma gestação normal na égua e produção de um twenty two days after ovulation: observations on fresh feto sadio e bem desenvolvido (Ginther, 1992; Allen e specimens. Journal of Anatomy, 135: 191-209. Stewart, 2001; Wilsher e Allen, 2003). Chu JWK, Sharom FJ, Oriol JG, Betteridge KJ, Cleaver BD, Sharp DC (1997). Biochemical Changes in the Equine Considerações finais Capsule Following Prostaglandin-Induced Pregnancy Failure. Molecular Reproduction and Development, 46: Por apresentar características tão distintas, o eqüino 286-295. tem sido uma espécie modelo na embriologia. Ainda Crossett B, Suire S, Herrler A, Allen WR, Stewart F (1998). não está completamente esclarecida a origem de Transfer of a uterine lipocalin from the endometrium of algumas peculiaridades no desenvolvimento embrio- the mare to the developing equine conceptus. Biology of nário eqüino, mas sabe-se que do início ao fim da Reproduction, 59: 483–490. gestação, a égua contrasta com as outras espécies de Mestre AM, Bacon SJ, Costa CC, Leadbeater JC, Noronha LE, Stewart F, Antczak DF (2008). Modeling animais domésticas em muitos aspectos estruturais e trophoblast differentiation using equine chorionic girdle funcionais, que se combinam para fornecer nutrição vesicles. Placenta, 29: 158-169. suficiente para o crescimento e desenvolvimento do Ellenberger C, Wilsher S, Allen WR, Hoffmann C, Kolling embrião. M, Bazer FW, Klug J, Schoon D, Schoon HA (2008). Com o uso cada vez maior das técnicas de repro- Immunolocalisation of the uterine secretory proteins dução assistida, torna-se de grande importância o uterocalin, uteroferrin and uteroglobin in the mare’s

33 Caixeta ES et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 25-34

uterus and placenta throughout pregnancy. Theriog- Raeside JI, Christie HL, Renaud RL, Waelchli RO, enology 70: 746–757. Betteridge KJ (2002). Estrogen metabolism in the Gastal MO, Gastal EL, Torres CAA, Ginther OJ (1998). equine conceptus and endometrium in early pregnancy. Effect of PGE2 on Uterine Contractility and Tone in Theriogenology, 58: 817-820. Mares. Theriogenology, 50: 989-999. Raeside JI, Christie HL, Renaud RL, Waelchli RO, Gerstenberg C, Allen WR, Stewart F (1999). Cell prolifera- Betteridge KJ (2004). Estrogen Metabolism in the tion patterns during development of the equine placenta. Equine Conceptus and Endometrium During Early Journals of Reproduction and Fertility, 117: 143-152. Pregnancy in Relation to Estrogen Concentrations in Ginther OJ (1983). Mobility of the early equine conceptus. Yolk-Sac Fluid. Biology of Reproduction, 71: 1120- Theriogenology, 19: 603-611. 1127. Ginther OJ (1992). Reproductive biology of the mare: basic Sharp DC (2000). The early fetal life of the equine conceptus. and applied aspects. 2ª Ed. Equiservices: Madison, Animal Reproduction Science, 60-61: 679-689. Wisconsin, 642 p. Stewart F, Charleston B, Crossett B, Barker PJ, Allen WR Hafez B, Hafez ESE (2004). Reprodução Animal. 7ª Ed. (1995). A novel uterine protein that associates with the Monole, São Paulo, 513 p. embryonic capsule in equids. Journal of Reproduction Herrler A, Beier HM (2000). Early Embryonic Coats: and Fertility, 150: 65-70. Morphology, Function, Practical Applications. Cells Stout TAE, Allen WR (2001). Role of prostaglandins in Tissues Organs, 166: 233-246. intrauterine migration of the equine conceptus. Journals Leith GS, Ginther OJ (1984). Characterization of intrauter- of Reproduction and Fertility, 121: 771-775. ine mobility of the early equine conceptus. Theriog- Stout TAE, Allen WR (2002). Prostaglandin E2 and F2_ enology, 22: 401-408. production by equine conceptuses and concentrations in Lunn P, Vagnoni KE, Ginther OJ (1997). The equine conceptus fluids and uterine flushings recovered from immune response to endometrial cups. Journal of early pregnant and dioestrous mares. Society for Reproductive Immunology, 34: 203-216. Reproduction and Fertility, 123: 261-268. Oriol JG, Sharom FJ, Betteridge KJ (1993). Stout TAE, Meadows S, Allen WR (2005). Stage-specific Developmentally regulated changes in the glycoproteins formation of the equine blastocyst capsule is instrumental of the equine embryonic capsule. J Reprod Fertil, 99: to hatching and to embryonic survival in vivo. Animal 653-664. Reproduction Science, 87: 269-281. Quinn BA, Hayes MA, Waelchli RO, Kennedy MW, Wilsher S, Allen WR (2003). The effects of maternal age Betteridge KJ (2007). Changes in major proteins in the and parity on placental and fetal development in the embryonic capsule during immobilization (fixation) of mare. Equine Veterinary Journal, 35: 476-483. the conceptus in the third week of pregnancy in the Wooding FBP, Morgan G, Fowden AL, Allen WR (2001). A mare. Reproduction, 134: 161-170. Structural and Immunological Study of Chorionic Gonadotrophin Production by Equine Trophoblast Girdle and Cup Cells. Placenta, 22: 749-767.

34 RPCV (2008) 103 (565-566) 35-40 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Cattle movements in Portugal – an insight into the potential use of network analysis

Movimento de bovinos em Portugal – uma abordagem à potencial utilização da análise de redes

Filipa M. Baptista*, Telmo Nunes, Virgílio Almeida, Armando Louzã

CIISA/Faculdade de Medicina Veterinária, TULisbon, Av. da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa, Portugal

Summary: Contact pattern of individuals is directly related to embora a análise da centralidade tenha identificado três potential transmission of infections within a population. nós importantes. A identificação destes potenciais locais de Network analysis provides a quantitative analysis of interaction transmissão de doenças pode ajudar a prevenir a potencial patterns, allowing the understanding of contact networks. The transmissão de doenças infecciosas de uma forma mais aim of this work was to characterize and investigate the network efectiva. Ao nível estrutural, foi detectado um grafo principal structure of cattle movements in Portugal in 2005. From the constituído pela grande maioria das explorações, apesar do recorded data, a network with 73,631 nodes and 190,260 arcs elevado número de componentes separados da rede principal. was used in the analysis. The nodes were defined as farms, bull- Em caso de aparecimento de uma nova infecção na população fight rings, cattle-markets and cattle-shows; arcs represented de bovinos em Portugal, a potencial transmissão a uma larga the animal movements between them. Numerous parameters parte da população é provável. Considerando um cenário menos were computed for network characterization which might also provável de introdução de doença num dos componentes mais be used for disease transmission prediction and to design effec- pequenos, o tamanho final do foco deverá ser limitado. tive control strategies. Results revealed a low level of global cohesion, although node centrality highlighted three important "hubs". Targeting these potential sites of disease transmission can help to prevent potential spread of infectious diseases most Introduction effectively. Structurally, a main graph component was identified grouping the large majority of the holdings, despite the high Until few years ago, modelling the spread of number of disconnected sub-graphs. In case of emergence of a infections was based on population homogeneity. new infection in the Portuguese cattle population the potential Under this assumption, each individual has the same for spread to a large part of the population is likely. Considering a less likely scenario of disease introduction in one of the smaller probability of contacting any other and the contacts components, final outbreak size might be restricted in size. between individuals are assumed to be random. However, real networks are not that simple. Social Resumo: O padrão de contactos dos indivíduos está network analysis has emerged as a key technique to directamente relacionado com a transmissão de doenças numa explain many real-world phenomenon and has also população. A análise de redes possibilita a análise quantitativa dos padrões de interacção, permitindo a compreensão das redes been supported by the development of Geographical de contactos. O objectivo deste trabalho foi caracterizar e Information Systems, which provide a clear interpre- investigar a estrutura da rede de movimentos de bovinos, em tation of spatial data (Pfeiffer, 2004). Network theory, Portugal, em 2005. Com base nos dados registados, foi data recording and specific software developments considerada para análise uma rede com 73 631 nós e 190 260 allow for the study of complex and large networks. arcos. Os nós foram definidos como explorações, praças de touros, locais de comércio e exposição; os arcos representam os Several studies have focused on the role of social movimentos de animais entre eles. Diversos parâmetros foram networks in human disease outbreaks (Read and calculados para caracterização da rede que poderão também ser Keeling, 2003; Barret et al., 2005; Takeuchi, 2005). In utilizados para a previsão da transmissão de doenças e para a this context, network analysis has been used to inves- definição de estratégias de controlo sanitário mais eficazes. Os tigate airborne and sexually transmitted diseases, such resultados obtidos revelaram um baixo nível de coesão global, as tuberculosis and gonorrhoea (Klovdahl et al., 2001; Liljeros et al., 2003; De et al., 2004; Doherty et al., 2005). However, fewer studies have been published applying social network theories to the study of animal movement patterns (Webb and Sauter-Louis, 2002; Bigras-Poulin et al., 2004; Webb, 2005; Bigras- *Correspondência: [email protected] Poulin et al., 2006; Ortiz-Pelaez et al., 2006). Tel: +351 21 3652800; Fax: + 351 21 365 2810 A more clear understanding of contact pattern in

35 Baptista FM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 35-40 animal populations is crucial to improve the efficacy Measures such as degree, betweenness and close- of control policies, which should take into account the ness centrality and density provide insight into various frequency, distance and network clustering of contacts aspects of a network (Wasserman, 1994). The network (Gilbert et al., 2005; Gubbins, 2005). The aim of this activity for a node can be measured by using the con- work was to characterize and investigate the network cept of degree centrality. The node that has the most structure of cattle movements in Portugal, in 2005. direct connections is the most active node in the network and can also be called a "hub". Identifying hubs may also reveal the critical nodes of the network, Network analysis concepts i.e., the most important points for disease spread and control. Betweenness centrality indicates the extent to Network analysis provides a useful approach to which a node connects other nodes in the network. A understanding animal movement patterns as it reveals node with high betweenness has great influence over quantitative aspects of each individual’s position and what flows within the network, because it connects relationship pattern. Theories of social dynamics important constituents. A node of relatively low differ from static theories in that they focus on the degree centrality may play an important role on the relationship, rather than the structures themselves network connectivity and so have a high betweenness (Hanneman, 1988). centrality. Hubs are nodes with high degree and Social networks are generally conceptualized as betweenness centrality. Closeness centrality reveals graphs which allow their representation and mathe- the nodes that have the shortest paths to all others, matical analysis. A graph is a set of objects called indicating how quick a node can access other nodes in nodes joined by links called edges. A set of nodes the network. linked to each other is designated a component. Two Absolute measures cannot be used to compare cen- components of a graph are separated if no node is a tralities of networks with a different number of units. member of both. The number of nodes linked to one Therefore such measures are normalised to obtain an node is defined as its "degree". The length of a path is interval from 0 to 1, where 0 means the smallest pos- the number of edges in it. Two nodes are unreachable sible and 1 the highest possible centrality. Normalised if they belong to different components (there is no measures are called relative measures of centrality. path that connects them). The diameter of a graph is Figure 2 shows an artificial network where node 3 has the length of the longest direct path between two the highest degree centrality (more direct connec- nodes in a connected component. The characteristic tions), nodes 2, 5 and 6 assume higher closeness since path length is defined as the average number of arcs in they can quickly access any other node. Nodes 6 and the shortest route between two nodes in the network. A 7 have the highest betweenness as they connect the graph can be directed if the edge can be followed only important sub-graphs in the network. in one direction, from x to y. In this case, edges are called arcs. A "loop" is an edge with both ends in the same node. Figure 1 is an example of a graph consisting of 10 nodes, eight arcs, no loops and three components. In this paper we focused on the recorded movements, formalized as a cattle contact network, in which hold- ings were the nodes in the graph representing a network through which animals were moved. It was assumed that edges were directed (arcs) and there were no loops Figure 2 - Artificial graph to illustrate centrality measures calculation (a holding could not move animals to itself). An arc was assumed to exist between two holdings (origin Network centrality can reveal much about the and destination) if there was at least one movement overall network structure. A very centralized network recorded between them. is dominated by one or a few central nodes. If these nodes are removed or damaged, the network quickly fragments into unconnected networks. For example, livestock markets are expected to be highly connected to the rest of the network. For this reason, for major disease threats, livestock markets might be immedi- ately closed to slow down infection spread, restricting disease flow through the network. Density is the ratio of the number of actual edges between nodes divided by the total number of possible edges. It describes the general level of cohesion in a Figure 1 - Simple graph illustrating basic network concepts. graph. Centralization describes the extent to which In this figure, black dots represent nodes joined by arcs this cohesion is organized around particular focal

36 Baptista FM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 35-40 points. Centralization and density are, therefore, Table 1 - Distribution of the number of nodes by component complementary measures. Clustering indicates that in the network of cattle movements, in Portugal, in 2005 there is a high probability that two neighbours of a Number of components Number of nodes given node are also direct neighbours themselves. 590 2 Network clustering coefficient is defined as the arith- 87 3 metic mean of clustering coefficients of every node. 19 4 55 46 Materials and methods 19 110 Data sources 117 All movements of live cattle reported to central 1 72,029 veterinary services during the year 2005, were analysed since these were considered potential risk contacts. Movements, individuals and holding’s records were obtained from the National Bovine Identification and Recording System - SNIRB. In this paper, holdings included farms, bullfight rings, cattle- markets and cattle-shows. The study covered the Portuguese geographical territory, including Madeira and Azores islands.

Methods Movement data was queried using Microsoft Access, pairing origin and destination holdings of each of the movements recorded during the year of Figure 3 - Graph illustrating a network composed of 1,031 2005. holdings in one random administrative area (the graphical The analysis and graph visualization was performed representation does not reflect true geographical position) using Pajek version 1.16 (http://vlado.fmf.uni-lj.si/ pub/networks/pajek/), a software for large networks. computing length of the shortest path among all reach- Node location was obtained using the x,y coordinates able pairs of nodes in the network is presented in of the centroid of the smaller national administrative Figure 4. For the contact structure considered, approx- areas, "freguesias", using ArcGis 9.1. imately 80% of the holdings were connected via a path of length lower than nine. According to degree centrality, five holdings were identified having more Results than 1,000 direct connections to other nodes in the network. In the whole network, 68% of the nodes had Out of the 165,265 holdings in the database, 73,631 one to three neighbours. An average value of five with at least one movement recorded were brought direct neighbour nodes was calculated. One of the into analysis. Out of the total bovine population regis- hubs was a farm located in Azores. The other four tered in the 29th of December of 2005 (N = 1,566,710) important hubs (three cattle-markets and one cattle- 625,744 animals accomplished at least one movement show) were located in north continental region (Viana within the national territory. During 2005, 294,214 do Castelo, Viseu, Vila Real and Porto). Betweenness movements were reported to SNIRB database. centrality highlighted five holdings with a value The analysed network consisted of 709 components: greater than 2.34 x 10-2. Three of them were also hubs one large consisting of 72,029 nodes and 708 smaller and the other two were located in Aveiro and Lisboa components consisting of 1,602 holdings (Table 1). districts. Closeness centrality highlighted two other Due to the large amount of data, total network visual- farms in Porto and Leiria. Three of the hubs also ization (190,260 arcs between 73,631 nodes) is not revealed high closeness. The characteristics of nine possible, as demonstrated in Figure 3. In fact, this type important nodes are summarised in Table 2. Important of representation is mainly used to highlight risk nodes location is presented in Figure 5. contacts during outbreak investigations. Network degree and betweenness centralization was The diameter of the largest component was 22, equal to 3.23 x 10-2 and 2.58 x 10-5, respectively. interpreted as the higher number of paths between two Closeness centralization could not be computed since holdings in one component. The characteristic path the network was not weakly connected. A network length was 6.2, indicating the average number of paths density of 3.51 x 10-5 and a clustering mean coefficient between two holdings. A distribution of distances of 9.34 x 10-2 were calculated.

37 Baptista FM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 35-40

Figure 4 - Distribution of paths length between all reachable nodes in the network of cattle movements, in Portugal, in 2005

Discussion

The Portuguese electronic register offered the possi- bility to track individual animal movements between holdings, as required for all European countries (Council Regulation (EC) No 820/97). From the avai- lable data it was possible to investigate the Portuguese cattle network, in 2005. Study limitations include the assumption that all movements were reported to central veterinary services. The extent of unreported and misreported movements could not be estimated. However, no other data sources were available to vali- date the dataset and evaluate the degree of reporting Figure 5 - Location of important nodes identified in the network of cattle movements, in Portugal, in 2005 (node F was bias. Movement data quality might be assured by strict located in Azores island and was not shown in the figure) movement control measures. The largest component in the network consisted of more than 97% of the holdings (N = 72,029 holdings). Among all the holdings, three were highlighted due to In a hypothetical scenario, assuming that disease their main activity, showing high values of degree, transmission occurs exclusively by direct contact, if an betweenness and closeness centrality. Cattle-markets infectious agent is introduced to a random holding and cattle-shows are expected to have a determinant in a large network component, a large scale epidemic role in disease transmission due to the frequency and is expected to occur. However, if an infectious agent is type of movements. Study results also pointed out five introduced to one of the smaller 708 components in the farms with a high potential for disease spread. The network, the majority of the holdings are less likely to detection of such holdings plays a fundamental role in be affected. network understanding and control. In the context of The network considered was highly centralized and disease transmission, the more isolated a holding is in potential key nodes for disease transmission were the network, the less likely it is that it will become identified (Borgatti, 1995; Christley et al., 2005). infected and also less able to infect others. On the

Table 2 - Descriptive measures for nine important nodes identified in the network of cattle movements, in Portugal, in 2005 Node label Type Centrality Degree Betweenness Closeness A Cattle-market 3.23 x 10-2 1.32 x 10-1 3.55 x 10-1 B Cattle-market 2.66 x 10-2 4.99 x 10-2 3.19 x 10-1 C Cattle-market 7.31 x 10-3 1.99 x 10-2 2.93 x 10-1 D Cattle-show 1.91 x 10-2 3.89 x 10-2 3.09 x 10-1 E Farm 2.81 x 10-3 2.34 x 10-2 2.92 x 10-1 F Farm 7.83 x 10-3 8.57 x 10-3 2.38 x 10-1 G Farm 5.37 x 10-4 2.34 x 10-2 2.35 x 10-1 H Farm 2.78 x 10-3 1.27 x 10-2 3.09 x 10-1 I Farm 1.22 x 10-3 1.54 x 10-2 3.21 x 10-1

38 Baptista FM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 35-40 other hand, a central node will be more likely to identified, despite the high number of small compo- become infected and will be very effective in spreading nents. An average value of five secondary holdings infection through the network. If an holding with high infected per one primary case was determined. Other betweenness centrality is removed from the network, parameters, such as density and clustering coefficient, spread of infection might be more reduced than if an revealed a sparse network where the probability of holding with a low score is removed (Corner et al., disease transmission between secondary infected 2003). holdings is expected to be low. The network was large, although sparse. For most networks representing social structures, density decreases with size. Considering a hypothetical Acknowledgments scenario, a mean value of five holdings could become infected from one affected holding. The low clustering We thank Eng. Hélder Carrilho (Direcção Geral de coefficient indicates the small tendency of the network Veterinária) for providing the data of the SNIRB to aggregate in subgroups, indicating that neighbour database. holdings will not consistently spread infection among them. The characteristic path length describes the global Bibliography network contact structure, indicating how closely two holdings are connected (Wallinga et al., 1999). In this Barret C, Eubank S, Smith J (2005). If smallpox strikes study, the characteristic path length suggested that a Portland. Scientific American, 292: 42-49. Bigras-Poulin M, Thompson A, Chriel M, Mortensen S, hypothetical infectious agent would spread relatively Greiner M (2004). Network analysis of the Danish cattle fast. Though, it is important to note that this parameter and swine industry trade patterns as an evaluation of risk does not consider unreachable nodes. Nevertheless, potencial for disease spread: the heterogeneity issue. In: the increase in the number of trade partners may also Vicenary Proceedings, Martigny. Editors: SWJ Reid, FD be associated with an increase in the potential trans- Menzies, AM Russell. Society for Veterinary mission paths (Bigras-Poulin et al., 2006). Epidemiology and Preventive Medicine: 189-199. Characterization of the cattle movement pattern is Bigras-Poulin M, Thompson RA, Chriel M, Mortensen S, not simple, but achieving it can result in a more clear Greiner M (2006). Network analysis of Danish cattle understanding of how diseases spread in a population industry trade patterns as an evaluation of risk potential and consequently it will help to identify effective for disease spread. Preventive Veterinary Medicine, 17; control strategies. Network analysis might be used to 11-39. Borgatti SP (1995). Centrality and AIDS. Connections, 18: incorporate complex systems dynamic, providing a 112-115. clear insight of disease transmission patterns. Future Corner LA, Pfeiffer D, Morris RS (2003). Social-network studies should investigate movements over a longer analysis of Mycobacterium bovis transmission among period to better understand the cattle contact pattern. captive brushtail possums (Trichosurus vulpecula). Additional analysis might be developed in the future, Preventive Veterinary Medicine, 59: 147-67. considering other variables, such as temporal data Christley RM, Pinchbeck GL, Bowers RG, Clancy D, French (allowing dynamic edges), node hierarchy, risk NP, Bennett R, Turner J (2005). Infection in social net potential networks and abattoir movements. Further works: using network analysis to identify high risk work is required to determine the most suitable individuals. American Journal of Epidemiology, 162: network parameters to predict the transmission of 1024-1031. infectious agents in a population. De P, Singh AE, Wong T, Yacoub W, Jolly AM (2004). Sexual network analysis of a gonorrhoea outbreak. Sexually Transmitted Infections, 80: 280-285. Doherty IA, Padian NS, Marlow C, Aral SO (2005). Conclusion Determinants and consequences of sexual networks as they affect the spread of sexually transmitted infections. The work developed in this paper shows how social The Journal of Infectious Diseases, 191: 42-54. network analysis can be applied to livestock popula- Gilbert M, Mitchell A, Bourn D, Mawdsley J, Clifton- tions. This methodology might be used to better Hadley R, Wint W (2005). Cattle movements and bovine understand network movement patterns and infection tuberculosis in Great Britain. Nature, 435, 491-496. dynamics in the Portuguese cattle population. Gubbins S (2005). A modelling framework to describe the In this study, the network structure showed that spread of scrapie between sheep flocks in Great Britain. Portuguese cattle movements were organized around Preventive Veterinary Medicine, 67: 143-156. Hanneman RA (1988). Computer-assisted theory building: specific locations. Centrality measures allowed to Modeling dynamic social systems. Sage Publications identify, characterize and locate important holdings (California). which, in a hypothetical epidemic scenario, might be Klovdahl AS, Graviss EA, Yagabehdoost A, Ross MW, targeted for effective disease control. A main compo- Wanger A, Adams GJ, Musser JM (2001). Networks and nent comprising the majority of the holdings was tuberculosis: an undetected community outbreak invol-v

39 Baptista FM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 35-40

ving public places. Social Science and Medicine, 52: Takeuchi F (2005). Effectiveness of vaccination strategies 681-694. for infectious diseases according to human contact Liljeros F, Edling CR, Nunes Amaral LA (2003). Sexual networks. The Journal of Infectious Diseases, 58: 16-17. networks: implications for the transmission of sexually Wallinga J, Edmunds W, Kretzschmar M (1999). transmitted infections. Microbes and Infection, 5: 189- Perspective: human contact patterns and the spread of 196. airborne infectious diseases. Trends in Microbiology, 7: Ortiz-Pelaez A, Pfeiffer DU, Soares-Magalhães RJ, Guitian 372-377. FJ (2006). Use of social network analysis to characterize Wasserman S and Faust K (1994). Social network analysis: the pattern of animal movements in the initial phases of methods and applications. Cambridge University Press the 2001 foot and mouth disease (FMD) epidemic in the (Cambridge). UK. Preventive Veterinary Medicine, 76: 40-55. Webb CR and Sauter-Louis C (2002). Investigations into the Pfeiffer DU (2004). Geographical information science and contact structure of the British sheep population. In: spatial analysis in animal health. In: Gis and spatial Vicenary Proceedings, Cambridge. Editors: FD analysis in veterinary science. Editors: P Durr, A Menzies, SWJ Reid. Society for Veterinary Gatrell. Cabi Publishing, (Oxfordshire): 119-144. Epidemiology and Preventive Medicine: 10-20. Read JM and Keeling MJ (2003). Disease evolution on Webb CR (2005). Farm animal networks: unravelling the networks: the role of contact structure. Proceedings of contact structure of the British sheep population. the Royal Society of London, 270 (B): 699-708. Preventive Veterinary Medicine, 68: 3-17.

40 RPCV (2008) 103 (565-566) 41-45 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Efeito da ureia na activação da apoptose em células da granulosa de bovinos, avaliada por citometria de fluxo

Urea effect on apoptosis activation of bovine granulosa cells, evaluated by flow cytometry

Susana M. Costa, António Chaveiro, Margarida Andrade e Fernando Moreira da Silva*

Universidade dos Açores, Departamento de Ciências Agrárias, Reprodução Animal – CITAA; 9701-851 Angra do Heroísmo, Portugal

Resumo: No presente trabalho foi avaliado o efeito da ureia Summary: The purpose of this study was to evaluate the effect plasmática na viabilidade e na activação da apoptose em células of urea nitrogen on the viability and apoptosis activation of da granulosa em vacas da raça Holstein-Friesian, recorrendo à bovine granulosa cells, evaluated by flow cytometry. Bovine técnica da citometria de fluxo. Para isso, a um total de 82 vacas, blood samples and ovaries were obtained from a nearby slaugh- foi retirado sangue no dia anterior ao seu abate, no qual se terhouse. Blood samples were collected from 82 dairy cows, in avaliou a concentração de ureia plasmática permitindo dividir the day before being slaughtered. The blood was centrifuged os animais em quatro grupos: grupo 1 (n=32; 0-13 mg/dL); and plasma urea nitrogen was evaluated. The animals were grupo 2 (n=30; 13-16 mg/dL) grupo 3 (n=13; 16- 20 mg/dL) e divided by four different groups: group 1 (n=32; 0-13 mg/dL); grupo 4 (n=7; > 20 mg/dL). No dia do abate, os ovários foram group 2 (n=30; 13-16 mg/dL) group 3 (n=13; 16- 20 mg/dL) separados de acordo com os diferentes grupos, colocados and group 4 (n=7; > 20 mg/dL). At the slaughter day, ovaries num recipiente térmico e transportados ao laboratório sendo were individually collected and follicles from 4-10 mm diameter puncionados todos os folículos com um diâmetro entre 4-10 mm. were punctioned. The cumulus oophorus complexes (COC´s) Após aspiração dos complexos cumulus-oophurus as células da were recovered and granulosa cells were separated and granulosa foram separadas, homogeneizadas e diluídas a uma homogenised to 5x106 cells/mL. Then, they were incubated concentração final de 5x106 células/ml, sendo incubadas, no with 5 µL of propidium iodide and 5 µL of Annexin V- FITC. escuro e à temperatura ambiente, durante 15 minutos com 5 _l Afterwards, 400 µL of Binding Buffer was added and cells were de Anexina V- FITC e com 5 _l de Propídio Iodado (PI). Após evaluated by flow cytometry using the CellQuest software. este período as células foram avaliadas por citometria de fluxo Results of the present study indicated a negative and a positive e analisadas recorrendo ao software Cell-Quest. Os resultados correlation (r = - 0.959; r= 0.997) (P<0.05) between blood urea demonstraram existir uma correlação negativa (r = -0,959; P nitrogen levels and the percentage of granulosa cells considered <0,05) entre os níveis de azoto ureico no sangue e a percentagem as alive (non apoptotic) and between blood urea nitrogen de células vivas não apoptóticas e uma correlação positiva (r = levels and the percentage of the cells considered as apoptotic, 0,997; P <0,05) entre o azoto ureico no sangue e a percentagem respectively. de células vivas apoptóticas. The results of the present study allowed concluding that blood Os resultados permitem inferir que a concentração de azoto urea nitrogen can influence the activity and viability of bovine ureico no sangue influencia a actividade das células da granu- granulosa cells. It is proposed that the lower reproductive losa e que a diminuição da fertilidade das vacas associada a performance of dairy cows usually associated with high blood altas concentrações sanguíneas de ureia, poderá ser mediada urea levels, may be mediated through a direct effect on bovine pelo efeito directo da ureia na indução da apoptose das células granulosa cells apoptosis. da granulosa.

Introdução

Desde a Segunda Guerra Mundial, a produção de leite tem vindo a aumentar, o qual tendo sido possível através de uma forte selecção genética bem como através da optimização dos programas de nutrição de vacas de leite. Não só a produção de leite por si só tem sofrido um significativo aumento desde então, como também a forma da curva de lactação tem-se alterado significativamente, a maior produção de leite concentra-se no início do período de lactação. Como consequência, principalmente as vacas de elevadas *Correspondência: [email protected] produções durante este período encontram-se em Tel: +351 295402224; Fax: +351 295402205 balanço energético negativo (BEN) uma vez que não

41 Costa SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 41-45 são capazes de suprir as suas próprias necessidades. técnica, se estendeu a outras áreas de investigação no Por esta razão dietas predominantemente ricas em campo da biologia (Dolezel, 1997a). É uma técnica proteína são fornecidas a estes animais, com o que permite a análise rápida, objectiva e quantitativa objectivo de estimular e manter a elevada produção de de células em suspensão (Faldyna et al., 2001). O leite no decorrer deste período (Grings et al., 1991; objectivo do presente trabalho foi estudar o efeito da Kung e Huber, 1983; Roffler e Thacker, 1983). ureia na viabilidade e na activação da apoptose em Na alimentação dos ruminantes a ureia é muito células da granulosa de bovinos, avaliada por citometria utilizada como fonte de azoto não proteico (NNP), de fluxo. estando a concentração de azoto ureico no sangue (BUN) directamente relacionada com o aporte proteico dos concentrados e também com a relação Materiais e métodos energia/proteína da dieta (Kohn, 2000). Dietas com excesso de proteína bruta, falta hidratos de carbono A um total de 82 vacas de raça Holstein, sem fermentescíveis ou assincronia entre a degradação da qualquer referência ao seu estado de gestação ou fase proteína e a disponibilidade de energia promove uma do ciclo sexual foi recolhido sangue no dia antes do grande concentração de ureia no sangue e/ou excreção abate para determinação da concentração plasmática de ureia no leite e urina (Ferguson e Chalupa, 1989; da ureia (Kenny et al., 2002; Newman e Price, 1999), Garcia-Bojalil et al., 1998). Apesar de existirem permitindo dividir os animais em quatro grupos: resultados contraditórios sobre o efeito de elevados grupo 1 (n=32; 0-13 mg de ureia/dL); grupo 2 (n=30; níveis de ureia e a fertilidade dos animais, vários 13-16 mg de ureia/dL) grupo 3 (n=13; 16-20 mg de mecanismos têm sido propostos com o objectivo de ureia/dL) e grupo 4 (n=7;>20 mg de ureia/dL). explicar a relação entre o excesso de proteína bruta Imediatamente após o abate dos animais, os ovários da dieta e a reduzida taxa de fertilidade. Em 1998 foram recolhidos, separados de acordo com o grupo Santos e Amstalden, propuseram que os sub-produtos que os animais pertenciam e transportados para o tóxicos, resultantes do metabolismo azotado no rúmen laboratório em Solução Tampão de Fosfato (PBS) e que se acumulam no aparelho reprodutor, são previamente aquecida a 37-38 ºC. Os folículos entre responsáveis por alterações no ambiente uterino 4-10 mm de diâmetro foram puncionados com o (nomeadamente uma diminuição de pH), provocando auxílio de uma agulha 18,5G, tendo o líquido folicular uma menor viabilidade dos espermatozóides, óvulos sido colocado em tubos contendo meio de recolha, ou embriões recém-formados Ainda em 1998 Santos como descrito por Marques et al. 2007. Após 10 e Amstalden descreveram que os desequilíbrios minutos de decantação, as células da granulosa foram energético-proteicos da dieta podem afectar a eficiência transferidas para tubos de Falcon (15 mL) e centrifu- metabólica e o equilíbrio energético. Desta forma, os gadas durante 10 minutos a 1000xg. A contagem dois pontos anteriores, agindo isolada ou complemen- celular foi feita numa Câmara de Newbauer adicio- tarmente, podem actuar a nível do eixo hipotálamo- nando-se 20 µL de Azul Tripano a 20 µL das células. hipófise-ovários, nomeadamente no controlo da síntese Posteriormente 5 µL de Anexina V-FITC e 5 µL de ou libertação de gonadotrofinas e progesterona preju- Propídio Iodado (PI) (Annexina V-FITC Apoptosis dicando a eficiência reprodutiva. Além disso, sabe-se detection KIT II, BD Pharmigen, San Diego, USA) que elevados níveis de ureia são reflectidos no foram adicionados a 1ml de células (5x106 células/mL) líquido folicular e consequentemente poderão afectar as quais foram incubadas no escuro durante 15 minutos a qualidade do ovócito como também das células da à temperatura ambiente. Após incubação foi de granulosa (Leroy et al., 2004), por vários mecanismos imediato feita a avaliação das células num citómetro fisiológicos, entre os quais a apoptose. Este consiste de fluxo FACSCalibur equipado com uma fonte de luz num fenómeno fisiológico, rápido e activo, necessário laser de árgon. Os resultados foram analisados recor- ao normal desenvolvimento, que envolve um programa rendo ao software Cell-Quest. genético na sua execução, assumindo uma finalidade homeostática e funcional, desenvolvendo um conjunto de alterações funcionais e morfológicas que conduzem Resultados e discussão à morte celular. Uma das técnicas mais utilizadas para detectar No presente estudo foi avaliada a relação entre os células apoptóticas é a citometria de fluxo, a qual, tal níveis de ureia plasmática em vacas da raça Holstein como o nome indica, consiste na avaliação das células Frísia e a apoptose das células da granulosa. por um sistema de fluxo. A citometria de fluxo – FCM Relativamente aos fluorocromos utilizados, a Anexina – é uma metodologia que foi desenvolvida, pela V-FITC caracteriza-se por se ligar à fosfatidilserina (FS) primeira vez, no fim dos anos 50, como um método presente no lado exterior da membrana citoplasmática rápido de contagem e análise de células sanguíneas, de células apoptóticas, na presença de iões cálcio. Este método este que, com o aparecimento de novos fluorocromo, quando excitado por uma fonte de luz marcadores de fluorescência e com o avanço da com um comprimento de onda de 488 nm, emite

42 Costa SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 41-45

Grupos [azoto ureico]

Figura 1 - Exemplo de imagem dos resultados obtidos por Figura 2 - Relação existente entre a percentagem de células citometria de fluxo após marcação das células da granulosa vivas (não apoptóticas) (Anexina V-FITC-/PI-) e as diferentes com Anexina V-FITC e Propídio Iodado (PI): Células vivas concentrações de azoto ureico no sangue: grupo 1: 0 a 13 (não apoptóticas); Células vivas apoptóticas e Células mortas mg/dL; grupo 2: 13 a 16 mg/dL; grupo 3: 16 a 20 mg/dL; (necróticas). grupo 4: > 20 mg/dL

Grupos [azoto ureico] Grupos [azoto ureico] Figura 3 - Relação existente entre a percentagem de células Figura 4 - Relação existente entre a percentagem de células vivas apoptóticas (Anexina V-FITC+/PI-) e as diferentes mortas (necróticas) (Anexina V-FITC+/PI+) e as diferentes concentrações de azoto ureico no sangue: grupo 1: 0 a 13 concentrações de azoto ureico no sangue: grupo 1: 0 a 13 mg/dL; grupo 2: 13 a 16 mg/dL; grupo 3: 16 a 20 mg/dL; mg/dL; grupo 2: 13 a 16 mg/dL; grupo 3: 16 a 20 mg/dL; grupo 4: > 20 mg/dL. grupo 4:> 20 mg/dL fluorescência verde na ordem dos 525 nm. O PI, diminuição poder-se-á justificar devido à elevada embora excitado pela mesma fonte luminosa, emite toxicidade da ureia, quando fornecida aos animais fluorescência vermelha com um comprimento de onda em quantidades excessivas (Maynard et al., 1984), na ordem dos 620 nm. Este flourocromo caracteriza-se podendo activar os mecanismos da apoptose, uma vez por penetrar na membrana citoplasmática de células que se observou uma elevada correlação (r = 0,99 necróticas, permitindo desta forma a sua rápida iden- P≤0,05) entre o número de células vivas apoptóticas e tificação. Pela conjugação destes dois fluorocromos a quantidade de azoto ureico plasmático nos animais podem ser distinguidas três sub-populações distintas: (Figura 3). células vivas não apoptóticas (Anexina V-FITC-/PI-), Relativamente às células necróticas não foram células vivas apoptóticas (Anexina observadas diferenças significativas entre os animais V-FITC+/PI-) e células mortas (necróticas) pertencentes aos diferentes grupos (Figura 4). Isto (Anexina V-FITC+/PI+) (Figura 1). poder-se-á justificar devido ao facto da necrose Após análise dos resultados, observou-se que quanto somente ocorrer quando as células são expostas a uma maior foi a concentração de azoto ureico, menor foi a variação extrema das suas condições fisiológicas percentagem de células vivas (não apoptóticas) (Betts e King, 2001; Wyllie et al., 1980), o que não se (Anexina-V-/PI- ) (r=-0,96; P≤0,05) (Figura 2). Esta verificou em nenhuma das vacas neste trabalho.

43 Costa SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 41-45

Apesar de in vivo, elevadas concentrações de ureia não mecanismos pelo qual a fertilidade é drasticamente promoverem a necrose das células, in vitro elevadas reduzida, quando as vacas são sujeitas regimes concentrações de ureia provocam um aumento alimentares com elevados níveis de azoto. A não significativo da necrose celular (Pereirinha et al., alteração do número de células necróticas para os 2007). diferentes grupos de animais leva-nos a concluir que O metabolismo pelo qual os níveis de ureia influen- os níveis de azoto ureico presentes no sangue das ciam a actividade das células dos ovários, afectando vacas não foram suficientemente elevados para provo- negativamente a fertilidade das vacas não está com- carem uma alteração extrema no ambiente celular e pletamente explicado. Nos trabalhos desenvolvidos assim provocarem a morte das células da granulosa. por vários autores (Santos e Amstalden, 1998; Poder-se-á, perante estes resultados, aconselhar uma Ferguson e Chalupa, 1989; Witt, 2002; Hammon et al., redução na no fornecimento de azoto alimentar num 2005) são apresentadas várias hipóteses explicativas período não inferior a um ciclo sexual antes da inse- do metabolismo pelo qual o excesso da proteína na minação artificial, evitando assim que as células da dieta pode afectar negativamente a fertilidade das granulosa/ovócito, da(s) onda(s) folicular(es) de vacas leiteiras. Segundo estes autores, os subprodutos recrutamento do folículo a ovular na altura da IA, resultantes do metabolismo azotado em ruminantes venham a ser afectadas por elevados níveis de ureia. (amoníaco e ureia) acumulam-se nos fluidos do aparelho reprodutor, causando alterações no ambiente uterino (nomeadamente no pH), provocando assim uma menor viabilidade dos espermatozóides, óvulos e Agradecimentos embriões e consequente diminuição da fertilidade das vacas leiteiras. Este trabalho foi parcialmente financiado pela Sabe-se ainda que os teores de ureia no sangue são Fundação Regional para a Ciência e Tecnologia. reflexo não só da quantidade de proteína ingerida, mas Projecto nº M1.1.2/I/005B/2005. também da sua degradabilidade no rúmen e da energia de origem alimentar disponível para que os microrga- nismos transformem a proteína alimentar em proteína microbiana. Desta forma, a existência de interacções Bibliografia entre os balanços proteicos, energético e a partição de nutrientes, dificulta o isolamento da acção da proteína Betts DH, King WA (2001). Genetic regulation of embryo death and senescence. Theriogenology, 55: 171-191. a nível do eixo-hipotalámo-hipófise-ovários, afectando Canfield RW, Sniffen CJ, Butler WR (1990). Effects of os níveis endócrinos. excess degradable protein on postpartum reproduction Estudos publicados por Elrod (1992) demonstraram and energy balance in dairy cattle. Journal of Dairy que valores de ureia superiores a 16 mg/dl reduzem a Science, 73: 2342-2349. taxa de concepção de novilhas em 30%. No entanto, De Witt AAC, César MLF, Kruip TAM (2001). Effect of estudos realizados anteriormente por Canfield et al. urea during in vitro maturation on nuclear maturation (1990) e Ferguson et al. (1988) só verificaram and embryo development of bovine cumulus-oocyte- reduções na fertilidade, traduzidas por menores taxas complexes. Journal of Dairy Science, 84: 1800-1804. de gestação, com concentrações de ureia plasmática Dolezel J (1997). Applications of flow cytometry for the superiores a 18,57 mg/dL e 20 mg/dL, respectiva- study of plant genomes. Journal of Applied Genetics, mente. Os possíveis efeitos da ureia sobre o ovócito 38(3): 285-302. Elrod CC (1992) High dietary protein and high fertility: can não estão, ainda, adequadamente estudados. Num we have both? Cornell Nutrition Conferences estudo realizado in vitro, relativo ao efeito da ureia na Proceedings. p. 32-37. maturação nuclear de ovócitos bovinos e no desen- Faldyna M, Leva L, Knotigova P, Toman M (2001). volvimento embrionário, constatou-se que esta pode Lymphocyte subsets in peripheral blood of dogs – a flow impedir a meiose e consequentemente reduzir a cytometric study. Veterinary Immunology and Immu- percentagem de ovócitos fertilizados bem como a nopathology, 82(1-2): 23-37. percentagem de embriões com capacidade de se Ferguson JDT, Blanchard T, Galligan DT, Hoshall DC, desenvolverem normalmente (Santos et al., 2008), Chalupa W (1988). Infertility in dairy cattle fed a high podendo ser um dos mecanismos pelo qual a ureia percentage of protein degradable in the rumen. Journal influencia negativamente a fertilidade das vacas of the American Veterinary Medical Association, 192 leiteiras, quando estas apresentam elevados níveis de (5): 659-662. Ferguson JD, Chalupa R (1989). Symposium: Interactions of ureia plasmática. nutrition and reproduction. Journal of Dairy Sience, No presente estudo ficou demonstrada a elevada 73(3): 746-766. correlação entre os níveis de ureia plasmática em Garcia-Bojalil CM, Staples CR, Risco AA (1998). Protein vacas e o aumento do número de células apoptóticas degradability and calcium salts of long-cagin fatty acids da granulosa, permitindo inferir que este, além dos in the diets of lactating dairy cows: reproductive anteriormente apresentados, poderá ser um dos responses. Journal of Dairy Science, 81: 1385-1395.

44 Costa SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 41-45

Grings EE, Roffler RE, Deitelhoff DP (1991). Response of Marques A, Antunes G, Santos P, Chaveiro A, Moreira dairy cows in early lactation to additions of cottonseed da Silva F (2007). Effect of _-tocopherol on in vitro meal in alfalfa-based diets. Journal of Dairy Science, culture of bovine embryos. Canadian Journal of Animal 74(8): 2580-2587. Science, 87: 539-542. Hammon DS, Holyoak GR, Dhiman TR (2005). Association Maynard LA, Loosli JK, Hintz HF, Warner RG (1984). between blood plasma urea nitrogen levels and repro- Animal Nutrition. 3º Ed. p.736 ductive fluid urea nitrogen and ammonia concentrations Newman A, Price CP (1999). Renal function and nitrogen in early lactation dairy cows. Animal Reproduction metabolites. In: C.A. Burtis and E.R. Ashwood, Editors, Science, 86: 195-204. Tietz textbook of clinical chemistry, W.B. Saunders Kenny DA, Boland MP, Diskin MG, Sreenan JM (2002). Company, Philadelphia. p. 1204-1270. Effect of rumen degradable protein with or without fer- Pereirinha T, Chaveiro A, Santos P, Marques A, Antunes G, mentable carbohydrate supplementation on blood Moreira da Silva F (2007). Effect of urea on apoptosis metabolites and embryo survival in cattle. Journal of regulation of the granulosa cells in bovine: a flow Animal Science, 74: 529-537. cytometer study. European Association for Animal Kohn RA (2000). Caution needed when interpreting MUN. Production, EAAP – 58 th Annual Meeting, Dublin. Hoard´s Dairyman, 145(2): 58. 237. Kung JRR, Huber JT (1983). Performance of high producing Roffler RE, Thacker DL (1983). Early lactation response to cows in early lactation fed protein of varying amounts, supplemental protein by dairy cows fed grass-legume sources and degradability. Journal of Dairy Science, 66: forage. Journal of Dairy Science, 66: 2100-2108. 227-234. Santos JE, Amstalden M (1998). Effects of nutrition on Leroy JLMR, Vanholder T, Delanghe JR, Opsomer G, Van bovine reproduction. Arquivos da Faculdade de Soom A, Bols PEJ, Dewulf J, de Kruif A (2004). Veterinária, UFRGS, 26(1): 19-89. Metabolic changes in follicular fluid of the dominant Wyllie AH, Keer JFR, Currie AR (1980). Cell death: the follicle in High-yielding dairy cows early post partum. significance of apoptosis. International Review of Theriogenology, 62 (6): 1131-1143. Cytology, 5: 97-104.

45

RPCV (2008) 103 (565-566) 47-52 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Apoptose na nefropatia da leptospirose em ovinos

Apoptosis in nephropathy of the leptospirosis in ovine

1 2 2 2 1 2 Carvalho S.M. , Macedo N.A. , Silva S.M.M.S. , Quessada A.M. , Mineiro A.L.B.B. , Costa F.A.L. *

1CCA-UFPI 2Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Piauí – Campus da Socopo – 64049-550- Teresina, PI

Resumo: Leptospirose é uma zoonose amplamente distribuída ApopTag Peroxidase In Situ. The histopathological analysis em todo o mundo, mas pouco sabemos sobre as alterações showed interstitial nephritis in 33 (97.05%) seropositive histopatológicas e a patogênese da nefropatia nos animais animals. Tubular lesions were observed in 20 (58.82%) infected domésticos, principalmente nos ovinos. Neste estudo foram animals. There was presence of hyaline cylinders, degeneration analisadas 34 amostras de rim de ovinos seropositivos após of epithelial cells, detachment of cells to the tubular lumen, exposição natural a L. interrogans e cinco controles seronegativos, necrosis of tubular basement membrane, tubular atrophy and para detecção de apoptose, pelo método de ApopTag Peroxidase hyaline droplet degeneration in seropositive animals. The In Situ. A análise histopatológica revelou nefrite intersticial em presence of leptospira in the tubules was observed in eight 33 (97,05%) animais seropositivos. Lesões tubulares foram (23.52%) infected animals. Apoptosis was observed in tubular observadas em 20 (58,82%). Havia presença de cilindros hialinos, epithelial cells of the cortical and medullary region in 30 degeneração de células epiteliais, desprendimento de células (88.23%) infected animals and only in the medullary region in para o lume tubular, necrose de membrana basal tubular, atrofia four seronegative animals. The presence of apoptosis was tubular e degeneração hialina goticular. Foi observada a presença significantly greater in the cortical (p = 0.035) and medullary de leptospiras nos túbulos em oito animais seropositivos (p = 0.004) region in seropositive compared with seronegative (23,52%). Apoptose foi detectada em células epiteliais tubulares animals. Apoptosis was observed in tubular epithelial cells da região cortical e medular em 30 (88,23%) animais seropositivos of naturally infected ovines in the presence of interstitial e somente na medular em 4 dos cinco animais, sem infecção, de inflammatory alterations. intensidade mínima. A presença de apoptose foi significante- mente maior nas regiões cortical (p = 0,035) e medular (p = 0,004) nos animais seropositivos comparado com os seronegativos. Keywords: Leptospira, cell death, kidney, small ruminant. Apoptose foi observada em células epiteliais tubulares de ovinos naturalmente infectados por leptospiras, na presença de alterações inflamatórias intersticiais.

Palavras-chave: Leptospira, rim, morte celular, pequeno Introdução ruminante.

Leptospirose é uma zoonose amplamente difundida Summary: Leptospirosis is a widely distributed zoonosis in the whole world, but few know on the histopathologic alterations em todo o mundo, constituindo sério problema de and pathogenesis of the nephropathy in the domestic animals, saúde pública. O homem e animais podem se infectar mainly in ovines. In this study 34 samples of kidney of seropos- a partir do ambiente contaminado ou do contato direto itive ovines naturally exposed to L. interrogans were analyzed com urina de outros portadores (Farr, 1995). O homem and five seronegative controls, for detection of apoptosis, using é bastante sensível à infecção, mas ovinos são mais resistentes com manifestações clínicas inaparentes (Ellis, 1994). Durante a fase de bacteremia, leptospiras virulentas disseminam-se por via sanguínea para colonizar os rins (Levett, 2001), onde se multiplicam, provocando lesões túbulo-intersticiais (Scanziani et al., 1989), consideradas alterações patológicas básicas da doença (Maxie, 1993), de onde são eliminadas pela urina (Plank e Dean, 2000). As alterações renais na leptospirose parecem estar *Correspondência: [email protected] relacionadas a diversos antígenos de membrana, como Tel: + 55 (86) 3215-5760 lipopolissacarídeos (LPS), peptideoglicanos, hialuro-

47 Carvalho SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 47-52 nidases, fosfolipases e glicoproteínas (Yang et al., Dos 34 animais reagentes sorologicamente para 2001; Sitprija et al., 2003). Leptospiras patogênicas se leptospira, fragmentos de rim foram colhidos, fixados movimentam em espiral (Baranton, 1995) e aderem ás em formol neutro a 10%, tamponado com fosfato, 0,01 células epiteliais tubulares renais por meio das M pH 7,4 (formol tamponado), incluídos em parafina e lipoproteínas Lip 41, LipL 36 e LPS (Dobrina et al., os cortes corados para análise histopatológica. 1995). Assim, fatores a serem considerados no desen- Lâminas também foram tratadas com adesivo Silane cadeamento de injúria renal na leptospirose, envolvem A174 (Pharmacia, USA) para detecção de apoptose. O a ação direta da bactéria sobre o tecido renal (Barnett grupo controle foi constituído de 5 animais negativos et al., 1999; Yang et al., 2002), a ação de antígenos de para leptospirose. membrana, a infiltração celular ou a ativação do sistema imune humoral e celular (Costa et al., 1981; Abdulkader et al., 2002; Dorigatti et al., 2005). Detecção de Apoptose In Situ Entretanto, o mecanismo preciso de lesão renal na Apoptose foi detectada por meio do kit apopTag infecção por leptospiras ainda não está claramente Peroxidase In Situ (Chemicon International) segundo definido (Sitprija et al., 1980). protocolo recomendado pelo fabricante. Os cortes A participação de apoptose no mecanismo de lesão foram desparafinados com xilol e posteriormente é um evento bem conhecido em vários processos hidratados em concentrações decrescentes de álcool patológicos renais (Wong et al., 2001). A morte etílico. Em seguida, as lâminas foram incubadas com celular por apoptose regula o número de células proteinase K (20 µl/ml; Invitrogen Life Technologies), durante indução e resolução de injúria renal (Savill, durante 15 minutos. O bloqueio de peroxidase endóge- 1994; Ortiz et al., 2002). na foi realizado com peróxido de hidrogênio a 3% em Vários fatores estão envolvidos em morte de células PBS, por 30 minutos. Após lavagem das lâminas em túbulo-intersticiais do rim por apoptose. Estudo em PBS, foi feita incubação com Equilibration buffer por rato "Lewis" mostrou que BSA (albumina sérica 10 segundos em temperatura ambiente. Os cortes bovina) injetada intraperitonealmente induz apoptose foram então incubados em câmera úmida a 37ºC com de células epiteliais de túbulos proximais, o que solução contendo Terminal Deoxinucleotidil Transferase permite uma relação direta entre proteinúria e lesão (TDT) durante 60 minutos. A reação foi interrompida túbulo-intersticial (Thomas et al., 1999). Apoptose de pela imersão dos cortes no tampão stop/wash por 10 células epiteliais tubulares mediada por macrófagos é minutos em repouso. Após lavagem em PBS, foram observada também em casos de nefrite nefrotóxica em incubados com conjugado anti-digoxigenina por 30 camundongos (Tesch et al., 1999). Na falha renal minutos e feita lavagem em PBS por 8 minutos. A aguda isquêmica em ratos, apoptose observada três revelação da reação foi realizada com solução de 3,3’- dias após injúria, é responsável pela perda de células diaminobenzidine tetrahidrocloride (Sigma) e a tubulares (Jo et al., 2001). contracoloração, com hematoxilina de Harrys. As Assim, pela análise da literatura pertinente, nenhum lâminas foram montadas com entelan para análise em estudo foi ainda realizado sobre a participação de microscópio de luz. Como controle positivo, foi apoptose na nefropatia da lesão renal na leptospirose, utilizado tecido mamário de uma fêmea normal de nem no homem nem em qualquer outra espécie animal roedor, em que ocorre apoptose extensiva 3 a 5 dias e, particularmente, em ovinos naturalmente infectados após o desmame. Como controle negativo, foi omitida por Leptospira interrogans. a enzima TdT na reação, conforme recomendação do Este trabalho tem como objetivo detectar a presença fabricante. de apoptose e avaliar a sua participação na indução de A intensidade de apoptose foi mensurada lesões renais em ovinos naturalmente infectados por semi-quantitativamente, numa escala de 0 a 5 em Leptospira interrogans. que 0 = normal, 1 = mínima, 2 = média, 3 = moderada, 4 = moderadamente severa, 5 = severa.

Análise estatística Material e métodos Os resultados semi-quantitativos foram analisados no programa estatístico Sigma Stat. Os seguintes Animais e colheita das amostras testes não-paramétricos foram empregados: a) método Foram submetidos à pesquisa de anticorpos de Kruskal-Wallis para análise de variância. Havendo anti-leptospira por teste de soroaglutinação micros- diferença significante aplicava-se o teste de Student- cópica (SAM), 119 ovinos, ambos os sexos, adultos, Newman-Keuls para comparação múltipla de grupos. provenientes de diversos municípios do Estado do b) método de Mann-Whitney para comparação entre Piauí (Brasil), abatidos para consumo em feiras livres, dois grupos. Adotou-se o nível de significância de no período de junho de 2003 a março de 2004. 0,05.

48 Carvalho SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 47-52

Figura 1 - Rim de ovino seropositivo naturalmente exposto a L. Figura 2 - Rim de ovino seropositivo naturalmente exposto a L. interrogans. Infiltrado inflamatório intersticial de células interrogans. Presença de cilindros hialinos nos túbulos proxi- mononucleares (setas). H-E. 140x. mais (setas). PAS. 140x.

Figura 3 - Rim de ovino seropositivo naturalmente exposto a L. Figura 4 - Rim de ovino seropositivo naturalmente exposto a L. interrogans. Atrofia tubular (setas). PAS. 140X. interrogans. Presença de leptospiras (seta) aderidas ao epitélio do túbulo proximal, em forma de aglomerados. Warthin Starry. 350x.

Resultados glomerulares discretas caracterizadas predominante- mente por proliferação de células mesangiais nos A análise histopatológica revelou nefrite intersticial animais seropositivos. Leptospiras foram observadas de células mononucleares (Figura 1) em 33 (97,05%) em túbulos de oito animais seropositivos (23,52%). animais seropositivos e em quatro animais seronega- Estas formavam aglomerados (Figura 4) ou tivos. Alterações tubulares foram observadas em 20 apresentavam-se em formas únicas aderidas ao (58,82%) animais seropositivos. Havia presença de epitélio ou livres no lume tubular, com a característica cilindros hialinos nos túbulos da região cortical conformação espiralada e coloração enegrecida (Figura 2), degeneração de células epiteliais, conferida pela técnica de Warthin Starry. desprendimento de células para o lume tubular, Núcleos de células apoptóticas foram facilmente necrose de membrana basal tubular, atrofia tubular identificados pela coloração marrom, conferida pela (Figura 3), degeneração hialina goticular e lesões técnica imuno-histoquímica empregada. Células

49 Carvalho SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 47-52

Figura 5 - Rim de ovino com presença de apoptose. Método de ApopTag Peroxidase. A - Apoptose de células epiteliais tubulares na região cortical, em rim de ovino seropositivo após exposição natural a L. interrogans. Intensidade Média (escore 2). B - Apoptose de células epiteliais tubulares na região medular, em rim de ovino seropositivo após exposição natural a L. interrogans. Intensidade severa (escore 5). C - Apoptose em célula glomerular, em rim de ovino seropositivo após exposição natural a L. interrogans. Intensidade Mínima (escore 1). D - Apoptose de célula epitelial na região medular de ovino controle seronegativo. Todas as fotografias foram realizadas usando a objetiva 140x, exceto no item 3B onde se utilizou a objetiva 70x.

epiteliais tubulares em apoptose estavam presentes em 30 amostras (88,23%) de rim de animais seropositivos incluindo o glomérulo, de intensidade variando de mínima a severa (Figura 5A, B, C). Nos animais controles seronegativos, apoptose estava presente apenas na região medular em quatro dos cinco animais e era de intensidade mínima (Figura 5D). Em sua maioria, células em apoptose estavam aderidas à membrana basal tubular, mas também eram observadas livres no lume dos túbulos. Verificou-se que células em apoptose eram significantemente maior na cortical (p = 0,035, Mann-Whitney) (Figura 6) e medular (p = 0,004, Mann-Whitney) (Figura 7) nos animais seropositivos quando compara- dos aos seronegativos. A presença de células apoptóticas nos animais seropositivos era significantemente maior em células Figura 6 - Análise semi-quantitativa da presença de apoptose na epiteliais de túbulos da região medular (p = 0,0001, região cortical (mediana de escores e intervalo entre percentis Teste de Kruskal Wallis, Student-Newman-Keuls) 25 e 75) em ovinos seropositivos a L. interrogans e controles não seropositivos. N = Nº de animais por grupo. * p = 0,035 quando comparada às células de túbulos da região cor- em relação ao grupo controle não infectado (Teste de Mann- tical e células do glomérulo (Figura 8). Whitney).

50 Carvalho SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 47-52

Figura 7 - Análise semi-quantitativa da presença de apoptose na Figura 8 - Análise semi-quantitativa da presença de apoptose região medular (mediana de escores e intervalo entre percentis (mediana de escores e intervalo entre percentis 25 e 75) em 25 e 75) em ovinos seropositivos a L. interrogans e controle ovinos seropositivos a L. interrogans em diferentes regiões do seronegativos. N = No de animais por grupo. * p = 0,004 em rim. N = No de animais por grupo. * p = 0,001 em relação a relação ao grupo controle (Teste de Mann-Whitney). cortical (teste de Kruskall Wallis, Student-Newman-Keuls).

Discussão epiteliais tubulares renais em hospedeiro naturalmente infectado por L. interrogans. A regulação do fenômeno de apoptose é essencial A detecção de apoptose nos animais seropositivos para a nefrogênese e manutenção da função renal foi significantemente maior nas células epiteliais normal no indivíduo adulto. No rim sadio completa- tubulares da região medular, comparada às células da mente desenvolvido, apoptose ocorre em baixa região cortical e do glomérulo. Em outros processos freqüência, sendo difícil sua detecção devido ao patológicos renais, como insuficiência renal aguda (Jo rápido clareamento (Maderna e Godson, 2003), mas et al., 2001) e na injúria isquêmica experimental em pode aumentar como resultado de um processo ratos (Oberbauer et al., 2001) apoptose, também, foi patológico (Sorenson, 1998). Apoptose é evidente nos mais evidente em células epiteliais da região medular. rins em casos de cisto renal, inflamação intersticial e Na infecção por leptospiras é observada diminuição glomerulonefrite, cicatrização e esclerose renal do fluxo sanguíneo renal (De Brito et al., 1979; Yang (Menè e Amore, 1998), tendo grande importância na et al., 2001), provocado, provavelmente, pelo agente regulação do número de células durante a indução e na microcirculação. Assim, o dano vascular pode resolução de uma lesão (Ortiz et al., 2000). causar isquemia renal e lesão tubular (Pereira et al., A detecção de apoptose nos animais deste estudo foi 1997) e propiciar condições adequadas para indução significantemente maior em células epiteliais de de morte por apoptose (Ortiz et al., 2000), principal- túbulos da região cortical (p = 0,035) e medular mente, em células da região medular onde o fluxo (p = 0,004), nos animais seropositivos, quando sanguíneo naturalmente já é menor (Tisher e Brenner, comparado aos animais seronegativos, revelando que 1994; Osborne e Fletcher, 1995). Embora a lesão bási- a lesão renal por apoptose ocorre no local preferencial ca da leptospirose se localize nos túbulos proximais, de colonização por leptospiras, as células epiteliais verificou-se que apoptose era menos intensa nessa tubulares (Barnett et al., 1999; Sambasiva et al., região do que em túbulos coletores, provavelmente 2003). Além disso, nos animais seronegativos, a pelo aumento do déficit sanguíneo devido à injúria apoptose só foi observada em células epiteliais da renal. região medular, em intensidade mínima. Estes dados No presente estudo verificou-se que apoptose de em conjunto sugerem que apoptose participa do células glomerulares foi encontrada em apenas processo de lesão de células epiteliais dos túbulos 4 (11,76%) animais seropositivos, com intensidade proximais na leptospirose em ovinos. Estudos in vitro mínima, ratificando, assim, que lesões glomerulares sobre apoptose causada por L. interrogans revelam sua na leptospirose são de baixa expressão (Sitprija et al., ocorrência somente em macrófagos (Merien et al., 1980; Marinho et al., 2003). 1997) e hepatócitos de cobaias (Merien et al., 1998). Os resultados deste trabalho mostram, pela primeira Assim, dentro do que se conhece até o momento, este vez, que apoptose está presente em rim de ovinos parece ser o primeiro registro de apoptose em células seropositivos naturalmente expostos a Leptospira

51 Carvalho SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 47-52 interrogans, com ação primária sobre células epiteliais Pereira MM, Andrade J, Lacerda MD (1997). Demonstration tubulares, na presença de alterações inflamatórias of leptospiral antigens on tissues using monoclonal intersticiais. antibodies and avidin-biotin peroxidase staining. Exp Toxic Pathol, 49: 505-511. Plank R, Dean D (2000). Overwiew of the epidemiology, Bibliografia microbiology and pathogenesis of Leptospira sp in humans. Mic Infect, 2: 1265-1276. Abdulkader RCRM, Daher EF, Camargo ED (2002). Oberbauer R, Schwarz C, Regele HM (2001). Regulation of Leptospirosis severity may be associated with the renal tubular cell apoptosis and proliferation after intensity of humoral immune response. Rev Inst Med ischemic injury to a solitary kidney. J Lab Clin Med, Trop S. Paulo, 44 : 79-83. 138: 343-351. Barnett JK, Barnett D, Bolin CA (1999). Expression and Osborne CA, Fletcher TF (1995). Applied anatomy of the distribution of leptospiral outer membrane components urinary system with clinicopathologic correlation. In: during renal infection of hamsters. Infec Immunol, 67: Osborne CA, Finco DR. Canine and feline nephrology 853-861. and urology. Lea e Febiger Book, Philadelphia: 3-46. Costa E, Silva IC, Miranda Filho G (1981). Estado Ortiz A, Lorz C, Catalán MP (2000). Role and regulation of Imunológico na leptospirose. Rev Inst Adolfo Lutz, 41: apoptotic cell death in the kidney. Y2K Update Front 93-100. Biosc, 5: 735-49. De Brito T, Böhm GM, Yasuda PH (1979). Vascular damage Ortiz A, Justo P, Catalán MP (2002). Apoptotic cell death in in acute experimental leptospirosis of the guinea pig. J renal injury: the rationale for intervention. Curr Drug Path, 128: 177-182. Targ – Imm Endoc Metabo Disords 2: 181-92. Dorigatti F, Brunialti MKC, Romero EC (2005). Leptospira Sambasiva RR, Naveen G, Bhalla P (2003). Leptospirosis in interrogans activation of peripheral blood monocyte India and the rest of world. Braz. J Infect Dis, 7 : 178- glycolipoprotein demonstrated in whole blood by the 183. release of IL-6. Braz J Med Biol Res, 38: 909-914. Savill J (1994). Apoptosis and the kidney. J Am Soc Ellis WA (1994). Leptospirosis as a cause of reproductive Nephrol, 5: 12-21. failure. Vet Clin Nth Am: Food Anim Pract, 10: 463-468. Scanziani E, Sironi G, Mandelli G (1989). Immuno-peroxi- Farr RW (1995). Leptospirosis. Clin Infec Dis, 21: 1-8. dase studies on leptospiral nephritis of swine. Vet Pathol, Heath SE, Johnson R (1994). Leptospirosis. JAVMA, 205: 26: 442-454. 1518-1523. Sitprija V, Pipatanagul V, Mertowidjojo K (1980). Jo SK, Yun SY, Chang KH (2001). A-MSH decreases Pathogenesis of renal disease in leptospirosis: clinical apoptosis in ischaemic acute renal failure in rats: possible and experimental studies. Kidney Intern, 17: 827-6. mechanism of this beneficial effect. Nephrol Dial Sorenson CM (1998). Life, death and kidneys: regulation of Transplant, 16: 1583-1591. renal programmed cell death. Curr Op Nephrol Hypert, Levett PN (2001). Leptospirosis. Clin Microbiol Rev, 14: 7: 5-12. 296-326. Tesch GH, Schwarting A, Kinoshita K (1999). Monocyte Maderna P, Godson C (2003). Phagocytosis of apoptotic chemoattractant protein-1 promotes macrophage-medi- cells and the resolution of inflammation. Bioch Bioph ated tubular injury, but not glomerular injury, in Acta, 1639: 141-151. nephrotoxic serum nephritis. J Clin Invest, 103: 73-80. Marinho M, Langoni H, Oliveira SL (2003). Resposta Thomas ME, Brunskill NJ, Harris KPG (1999). Proteinuria humoral, recuperação bacteriana e lesões histopatológi- induces tubular cell ,turnover: a potential mechanism for cas em camundongos geneticamente selecionados para tubular atrophy. Kidney Intern, 55: 890-898. bons e maus produtores de anticorpos e balb/c, frente à Tisher CC, Brenner BM (1994). Renal pathology: with clinical infecção por L. interrogans sorovar icterohaemorrhagiae. and functional correlations, 2ª Ed., v.1. J.B. Lippincott Pesq Vet Bras, 23: 5-12. Co., Philadelphia. Menè P, Amore A (1998). Apoptosis: potential role in renal Wong VY, Keller PM, Nuttall ME (2001). Role of caspases disease. Nephrol Dial Transplant, 13: 1936-1943. in human renal proximal tubular epithelial cell apoptosis. Merien F, Baranton G, Perolat P (1997). Invasion of vero Eur J Pharmacol, 433 : 135-140. cells and induction of apoptosis in macrophages by Yang CW, Wu MS, Pan MJ (2001). Leptospirosis renal pathogenic Leptospira interrogans are correlation with disease. Nephrol. Dial Transplant, 16 (Suppl 5) : 73-77. virulence. Infect Immun, 65: 729-738. Yang CW, Wu MS, Pan MJ (2002). The Leptospira Outer Merien F, Truccolo J, Rougier Y (1998). In vivo apoptosis of Membrane Protein LipL32 induces tubulointerstitial hepatocytes in guinea pigs infected with Leptospira nephritis-mediated gene expression in mouse proximal interrogans serovar icterohaemorrhagiae. FEMS Microb tubule cells. J Am Soc Nephrol, 13: 2037-2045. Letters, 169: 95-102.

52 RPCV (2008) 103 (565-566) 53-58 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Propriedades contráteis e histoquímicas do músculo adutor magnum de Rãs-Touro (Rana catesbeiana, Shaw 1802) criadas em estufas de polietileno

Contractible and histochemical properties of the lean muscle adutor magnum of the bullfrog (Rana catesbeiana, Shaw 1802) rased in polyethylene stoves

1 1 2 3 Sônia M. Teodoro , Modesto A. Chaves , João F. Escobedo , Maeli Dal Pai

1Departamento de Estudos Básicos e Instrumentais, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Itapetinga, Bahia, Brasil 2Departamento de Ciências Ambientais, Faculdade de Ciências Agrárias, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, São Paulo, Brasil 3Departamento de Morfologia, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, São Paulo, Brasil

Resumo: Avaliou-se, durante 166 dias, o efeito do ambiente Introdução térmico sobre as propriedades contráteis e metabólicas do músculo adutor magnum da Rã Touro (Rana catesbeiana, Shaw 1802). O delineamento experimental foi inteiramente Os músculos esqueléticos são constituídos por casualizado num esquema fatorial 4x5 (4 tratamentos x 5 diferentes tipos de fibras, apresentando características momentos de coleta), com 6 repetições por tratamento, morfológicas e funcionais distintas (Ogata, 1958). totalizando 120 animais. O percentual de fibras musculares Diversos estudos demonstram a presença de três tipos oxidativas sofreu redução no período de crescimento dos básicos, com diferentes nomenclaturas: vermelhas, animais, havendo indicação de aumento desta porcentagem quando os animais começam a amadurecer sexualmente ou intermediárias e brancas (Ogata, 1958; Banks, 1992). quando se recuperam de um período de estresse por baixas Identificando as fibras musculares com base nas suas temperaturas. características metabólicas e contráteis: "fast twitch white", "slow twitch intermediate" e "fast twitch red" Palavras-chave: fibra muscular, morfologia, HE, NADH-TR, (Barnard et al., 1971); "fast twitch glycolytic" (FG), PAS, mATPase. "fast twitch oxydative glycolytic" (FOG), "slow twitch Summary: The effect of the thermal environment on the oxydative"(SO) (Dubowitz, 1985; Peter et al., 1972). contractible and metabolic properties of the adutor magnum Ainda, segundo Dubowitz e Pearse (1960), as fibras muscle of the Bullfrog (Rana catesbeiana, Shaw 1802) was musculares podem ser classificadas em tipo I, IIa e evaluated, during a 166 days period. The experimental design IIb, ou 1, 2A e 2B. was totally random in a 4X5 factorial scheme (4 treatments x 5 collect moment), with 6 repetitions by treatment, totalizing Objetivando melhorar o ganho de peso dos animais 120 animals. The percentage of oxidative fibers was reduced in de interesse zootécnico, lançou-se mão de técnicas e the growing period of the animals. There was evidence of manejos diferenciados, como a domesticação de increasing of this percentage when the animals started to animais produtores de carne, a proteção contra become sexually mature or when they were recovering from a inimigos naturais, a remoção da procura de alimento e stress period, due to low temperatures. o próprio confinamento, levando a uma restrição na Keywords: muscle fiber, morphology, HE, NADH-TR, PAS, atividade muscular. Estes fatos contribuíram signifi- mATPase cativamente para expressão do potencial genético do animal, promovendo inclusive a transformação de fibras musculares vermelhas em fibras brancas, havendo portanto, alterações qualitativas na carne (Ferrari, 1995). A freqüência dos tipos de fibras constituem alguns dos fatores determinantes da qualidade de carne para consumo (Ashmore et al., 1972). Nesta linha de inves- tigação, fatores que promovem a transformação de * Correspondência: [email protected]; fibras vermelhas em fibras brancas são vantajosos na [email protected]; UESB; Praça Primavera, nº 40, Bairro Primavera; produção de carne branca, a qual é pobre em lipidos, CEP: 45.700-000 Itapetinga, Bahia, Brasil porém com elevado teor proteico (Ashmore, 1974). Tel: +55 (77) 32618633 O conhecimento da proporção dos tipos de fibras

53 Teodoro SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 53-58 musculares em animais de interesse econômico con- 52’S, Long: 48º27’W, Alt: 815m). stitui fator primordial na determinação da qualidade Cada estufa recebeu um tipo de cobertura plástica da carne, no planejamento dos planos nutricionais e de de PVC, de 0,1 mm de espessura, e cor diferente melhoramento genético e na indução de maior ou (branco leitoso, transparente e verde), com três baias menor susceptibilidade ao estresse do animal em cada estufa, cada baia recebeu uma tampa feita de (Teodoro, 2001). quadros de madeira telados com tela de polietileno A literatura não apresenta dados sobre o desenvolvi- para barramento de 30% da luz solar. No laboratório, mento muscular de rãs e sua morfologia, sendo a em três baias semelhantes, foram controlados o foto- ênfase da maior parte dos trabalhos com rãs, sobre a período (12 h luz/escuro) e a temperatura ambiente contração muscular e a permeabilidade vascular (27 ºC), registrando-se, ao longo do experimento, as visando fazer um paralelo com a espécie humana. máximas, mínimas e médias da temperatura do ar de Anatomicamente na rã touro gigante o músculo cada tratamento. adutor magnum é de fácil reconhecimento para a reali- Todas as baias experimentais apresentavam cochos, zação de estudos morfológicos, tendo este músculo abrigos e canaletas de água dispostos linearmente. A participação importante nos movimentos de flexão. A água utilizada era proveniente de poço artesiano, com coxa de rã é o principal corte comercial aceite pelo fluxo contínuo. Diariamente, as baias eram limpas, consumidor. as canaletas esvaziadas, limpas e a água reposta. A A resposta ao sistema de criação sobre o tecido alimentação era composta por ração comercial de truta muscular é diretamente proporcional à porcentagem com 10% de larva de mosca (Teodoro, 2001). de fibras FG, presentes em maior proporção nos ani- Ao longo do experimento que teve duração de 166 mais de interesse econômico (Ashmore e Robinson, dias (de 4 de Abril a 17 de Setembro de 2006), os 1969; Dilday et al., 1970). No entanto, a presença de animais (marcados individualmente, no início do apreciável porcentagem de fibras intermediárias é experimento, pelo corte de dedos e artelhos (Martof, desejável, uma vez que, além do seu metabolismo 1953)), foram pesados individualmente. As pesagens aeróbico, tem elevado metabolismo glicolítico, não ocorreram no início do experimento (ao atingirem o muito inferior ao das fibras brancas (Ashmore et al., estágio de imagos com 6 a 10 g de peso vivo) e em 1972). Estes autores demonstraram que a taxa de intervalos de aproximadamente 30 dias. Após cada glicogênio é mais acentuada nas fibras intermediárias, pesagem, calculou-se a média, a mediana e o desvio além de sua menor área e maior grau de vascularização padrão do peso dos indivíduos de cada grupo. que as fibras brancas. Em cada baia, de cada tratamento, foram sorteados Segundo Warkentin (1992), a temperatura ambiental 2 animais (6 ao todo por tratamento), para as análises, está diretamente correlacionada com as taxas de sendo o sorteio feito entre os animais que se enqua- crescimento e com as taxas de alimentação de drassem no critério de ter peso na faixa da mediana 1 anfíbios. ± /2 desvio padrão (a análise exploratória dos dados A radiação solar é usada por anfíbios no controle da das pesagens mensais constatou que a mediana temperatura corporal (Schimidt-Nielsen, 1996). descrevia melhor a população do que a média). Vários hormônios e outras substâncias presentes no O delineamento experimental foi inteiramente metabolismo dos anfíbios apresentam variações com a casualizado num esquema fatorial 4 x 5 (4 tratamentos temperatura e o fotoperíodo (Reiter, 1991), o que x 5 momentos de coleta). possibilita interferências do sistema de criação sobre o Os animais sorteados foram sacrificados, mediante desenvolvimento muscular desses animais. comoção cerebral, e a seguir, procedeu-se à coleta da Na ranicultura e outras instalações para animais, a porção central do músculo adutor magnum, retirado radiação solar é utilizada como agente aquecedor e da perna direita dos animais, para análises no desinfetante, o que tem estimulado ranicultores a Laboratório de Histoquímica do Departamento de utilizar sistemas de coberturas plásticas em seus Morfologia do IB-UNESP-Botucatu. criatórios (Teodoro, 2001). No aspecto histoquímico foram estudadas a Este trabalho teve por objetivo a avaliação do efeito influência das variáveis ambientais na morfologia do tipo de cobertura de estufas de polietileno sobre as e na freqüência das fibras musculares brancas, propriedades contráteis e metabólicas do músculo vermelhas e intermediárias. esquelético adutor magnum da rã touro (Rana cates- Foram avaliadas as características morfológicas do beiana, Shaw 1802). músculo adutor magnum, o metabolismo oxidativo ou glicolítico das fibras musculares e as características contráteis, com a determinação da freqüência de Material e métodos ocorrência dos tipos de fibras conforme Ferrari (1995). Os animais foram criados, no sistema "anfigranja", Os fragmentos musculares retirados foram identifi- em estufas e no laboratório do Setor de Ranicultura da cados e imersos em nitrogênio líquido, durante 1-2 FMVZ-UNESP de Botucatu - SP - Brasil (Lat: 22º minutos (Chayen, 1969), sendo posteriormente

54 Teodoro SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 53-58 armazenados em congelador a –80 ºC. No momento Para a análise das reações oxidativas e glicolíticas, do processamento os vários fragmentos foram procedeu-se a análise de perfil (multivariada), con- afixados em suportes metálicos do criostato JUNG forme Teodoro (1998). Quando pertinente, avaliou-se CM - CRYOCUT 1800, a –20 ºC, utilizando-se um a evolução temporal de cada variável. Procedeu-se a adesivo especial, o Tissue Tek OCT Compound uma análise separada para cada variável (FG e (MILES). SO+FOG para o caso das fibras glicolíticas e das Cortes histológicos com 8 µm de espessura, foram fibras oxidativas). colhidos em lâminas histológicas. Este material foi Após aceitação ou rejeição da hipótese de paralelis- submetido às seguintes colorações e reações: mo dos perfis procedeu-se às análises pertinentes pela Hematoxilina-Eosina (HE), PAS (Periodic Acid estatística T2 de Hotelling ou pela distribuição de F, Schiff), NADH-TR (Nicotinamida Adenina conforme o desdobramento da análise assim o Dinucleotídeo - Tetrazolium Reductase) e ATPase exigisse (Morrison, 1976). Em todos os casos, adotou- miofibrilar (mATPase), após pré-incubação em meio -se o nível de significância de 5% de probabilidade. ácido e alcalino. Para a avaliação da morfologia geral das fibras musculares foi utilizada a coloração Hematoxilina- Resultados e discussão -Eosina (HE). Para o estudo da distribuição do glicogênio nas Na Tabela 1 são apresentadas as estatísticas fibras musculares, utilizou-se a reação PAS (Periodic descritivas das temperaturas máximas, mínimas e Acid Schiff), precedido ou não de amilase salivar médias diárias dos diversos tratamentos. (Chayen, 1969). Durante o período experimental as baias dispostas Para a avaliação do padrão metabólico (oxidativo no laboratório (grupo controle) tiveram menor ampli- ou glicolítico) dos tipos de fibras musculares, foi tude térmica, observando-se maiores valores médios utilizada a reação NADH-TR (Nicotinamida Adenina de temperatura máxima na estufa com cobertura verde Dinucleotídeo – Tetrazolium Reductase), modificada e as menores médias das mínimas de temperaturas do por Dubowitz & Brooke (1973). ar na estufa coberta com polietileno branco leitoso Para o estudo das características contráteis das (Tabela 1). fibras musculares, utilizou-se a reação da ATPase A utilização de baias dentro de estufas com miofibrilar (mATPase), em pH 9,4, após pré- cobertura de polietileno permitiu certo controle sobre -incubação em meio ácido (4,6) e alcalino (10,4), as variáveis ambientais (principalmente vento e chuvas) conforme Dubowitz e Brooke (1973). e sobre predadores naturais, entretanto, não impediu Foram calculadas as proporções (%) dos tipos de que durante os períodos mais frios a temperatura do ar fibras denominadas de FG (fibras brancas) e e conseqüentemente a temperatura das baias experi- SO+FOG (fibras intermediárias e vermelhas), com mentais caíssem para valores de até 5 ºC (nesses uma "câmara clara" acoplada a um microscópio. Em períodos, o metabolismo era extremamente reduzido, cada animal, foram amostrados 5 (cinco) campos com inatividade dos animais e paralisação da ingestão microscópicos, utilizando-se objetiva 40X e ocular de alimentos). 10X. Foram utilizados cortes histológicos submetidos Na Figura 1 temos algumas documentações fotográ- às reações NADH–TR e PAS. O cálculo da freqüência ficas do corte transversal do músculo adutor magnum foi baseado na média do número dos tipos de fibras de submetido a diversas colorações e reações. todos os animais. Em todas as fases do experimento, as lâminas do A documentação fotográfica dos aspectos músculo adutor magnum, submetidas à coloração pela microscópicos (MO) foi feita utilizando-se os Hematoxilina Eosina mostraram a presença de fibras fotomicroscópios Carl Zeiss – III, Olympus BH2 e musculares com aspecto poligonal ou arredondado, Olympus Vanox – AHBS3. As cópias foram ampliadas com núcleos centrais e sarcoplasma acidófilo (Figura 15,0 X 10,0 cm de negativos 35 mm. Os aumentos 1a). aferidos na documentação fotográfica correspondem Nas lâminas submetidas à reação NADH-TR, ao aumento original (AO) obtido no fotomicroscópio. observou-se que o músculo adutor magnum está

Tabela 1 - Estatísticas descritivas (média e desvio padrão) para as temperaturas diárias conforme o local de observação Temperaturas diárias Local de Observação Laboratório Verde Transparente Branca Médias 27,09±1,09 22,93±3,32 22,94±3,38 21,32±3,53 Máximas 30,22±2,88 34,01±6,30 39,77±7,44 36,33±6,82 Mínimas 26,17±2,80 14,90±2,98 14,24±3,00 13,63±3,74

55 Teodoro SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 53-58

Figura 1 – Corte transversal do músculo adutor magnum. (a) Fibras musculares com variação no diâmetro. Pequenas (p); grandes (G); nervo (Ne); endomísio (e). HE – 40 X – AO (estufa transparente, 1a coleta). (b) Fibras (SO); (FOG); (FG). NADH-TR – 40 X – AO (laboratório, 2a coleta). (c) Fibras de contração rápida (F); fibras de contração lenta (S). ATPase pH 4,6 – 62,5 X – AO (estufa branca, 3a coleta). (d) Fibras (SO); (FOG); (FG). PAS – 50 X – AO (laboratório, 5a coleta). constituído por diferentes tipos de fibras, distribuídas fibras oxidativas (SO+FOG); com aumento da no padrão mosaico. Foram observadas fibras com percentagem de fibras FG, no decorrer do experimen- reação intensa, moderada e fraca, caracterizando to (Tabela 2 e Figura 2). assim, o metabolismo oxidativo (reação intensa e Pode-se associar o número de fibras SO+FOG moderada) e metabolismo glicolítico (reação fraca) observadas com o metabolismo e nível de esforço (Figura 1b). muscular despendido pelos animais; atividades como Na reação histoquímica PAS, utilizada para a a alimentação e a manutenção de seu status fisiológico, detecção de glicogênio, as fibras com metabolismo foram facilitadas em todos os tratamentos (principal- oxidativo mostraram maior concentração de mente nas baias do laboratório que possuíam controle glicogênio quando comparadas com as fibras de do fotoperíodo e da temperatura mínima ambiental), metabolismo glicolítico (Figura 1d). devido ao manejo alimentar ad libitum e pelo ambi- Após a realização da reação histoquímica mATPase ente protegido de predadores. (ATPase miofibrilar), o músculo adutor magnum No caso das fibras do tipo FG, numericamente infe- revelou estar constituído por fibras de contração riores as fibras SO+FOG, porém com intensa trans- rápida e lenta. As fibras de contração lenta ("Slow") formação durante a fase de crescimento, esta deve reagiram fortemente à reação, após pré-incubação estar associada a necessidade de executar atividades ácida e as fibras de contração rápida reagiram mode- de alta intensidade nos momentos de estresse, como radamente ou fortemente, após pré-incubação alcalina por exemplo durante a manipulação dos animais ou (Figura 1c). quando o ambiente térmico se mostrou desfavorável, Na Tabela 2 é apresentada a distribuição de ocasião em que os animais apresentaram o comporta- freqüência média e do número das fibras SO+FOG e mento conhecido usualmente como "luta ou fuga". FG amostradas no músculo adutor magnum, nos A Figura 2 mostra um perfil médio das fibras diversos tratamentos. brancas (FG) e das intermediárias e vermelhas O músculo adutor magnum mostrou predomínio de (SO + FOG) ao longo do período experimental.

56 Teodoro SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 53-58

a variação ocorrida nas fibras glicolíticas, é inversa, BRANCA TRANSPARENTE ou seja, onde houve decréscimo das fibras oxidativas, VERDE LABORATÓRIO houve aumento das fibras glicolíticas e vice-versa. 80 Observou-se que do momento inicial até a terceira 70 coleta todos os tratamentos apresentaram queda no

60 percentual transformado de fibras oxidativas (P<0,05), PONTILHADO = Fibras Brancas (FG) exceto a cobertura transparente, para a qual não se 50 CONTÍNUO = Fibras intermediárias + Vermelhas (SO+FO) conseguiu detectar diferenças significativas entre o

40 segundo e terceiro momento de coleta. Do terceiro para o quarto momento observou-se um acréscimo 30 neste percentual para os animais da cobertura branca e

20 do laboratório (P<0,05) sendo mais intenso na PERCENTAGEM MÉDIA DE FIBRAS PERCENTAGEM primeira. Do quarto para o quinto momento de coleta M1 M2 M3 M4 M5 todos os tratamentos voltaram a apresentar queda do MOMENTO DE COLETA percentual de fibras oxidativas (P<0,05) exceto os animais da estufa transparente. Figura 2 - Perfis médios das fibras brancas (FG) e das i Na evolução geral, ao longo do período experimental, ntermediárias + vermelhas (SO +FOG) ao longo do período experimental. todos os tratamentos mostraram tendência a diminuição do percentual de fibras oxidativas. Sendo que para os Na Tabela 3 são apresentadas as médias e desvios animais da cobertura branca e para os do laboratório padrão da percentagem de fibra muscular (sob trans- observou-se um pico de aumento (P<0,05), na quarta formação angular) oxidativa – SO+FOG, de acordo coleta. Este pico pode, possivelmente, estar associado com o momento de coleta e tratamento. Como são à recuperação dos animais da estufa branca após o complementares, são apresentados os resultados inverno, quando se observou, dentro das baias de apenas das fibras oxidativas, devendo-se assumir que criação, o início de formação de cristais de gelo nas

Tabela 2 - Freqüência média (%) e número médio de fibras (SO+FOG e FG), amostradas no músculo adutor magnum, nos diversos tratamentos (n =6) Momento Tipo Tratamento de coleta de fibra Estufa Branca Estufa Transp. Estufa Verde Laboratório % n % n % n % n SO+FOG 75,96 (492) 70,50 (320) 82,95 (472) 77,08 (556) 1 FG 24,04 (156) 29,50 (134) 17,05 (97) 22,92 (165) Total 100,00 (648) 100,00 (454) 100,00 (569) 100,00 (722) SO+FOG 72,93 (431) 70,46 (477) 75,76 (371) 72,24 (358) 2 FG 27,07 (160) 29,54 (200) 24,24 (119) 27,76 (137) Total 100,00 (591) 100,00 (677) 100,00 (490) 100,00 (495) SO+FOG 67,55 (386) 68,16 (371) 70,00 (374) 66,83 (268) 3 FG 32,45 (185) 31,84 (173) 30,00 (160) 33,17 (133) Total 100,00 (571) 100,00 (544) 100,00 (534) 100,00 (402) SO+FOG 76,25 (339) 68,31 (313) 68,70 (345) 71,22 (335) 4 FG 23,75 (106) 31,69 (145) 31,30 (157) 28,78 (135) Total 100,00 (445) 100,00 (458) 100,00 (502) 100,00 (470) SO+FOG 73,13 (342) 66,50 (345) 65,79 (244) 66,37 (242) 5 FG 26,87 (126) 33,50 (174) 34,21 (127) 33,63 (123) Total 100,00 (468) 100,00 (518) 100,00 (371) 100,00 (365)

Tabela 3 - Média e desvio padrão da porcentagem de fibra muscular oxidativa – SO+FOG (*), de acordo com o momento de coleta e tratamento (n=6) Coleta Tratamento Estufa Branca Estufa Transparente Estufa Verde Laboratório M1 1,06±0,051aB 1,09±0,057aB 1,2±0,103aA 1,07±0,019aB M2 1,02±0,062bB 0,99±0,041bB 1,05±0,033bA 1,02±0,013bB M3 0,96±0,027cA 0,97±0,045bcA 0,98±0,043cA 0,95±0,032dA M4 1,06±0,078aA 0,97±0,012cC 0,98±0,039cC 1,003±0,007bB M5 1,03±0,035bA 0,95±0,044cB 0,956±0,021dB 0,9±0,13cB (*) Variável sob transformação angular. Letras minúsculas iguais na linha e Maiúsculas iguais na Coluna não diferem significativamente entre si, a 5% de probabilidade.

57 Teodoro SM et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 53-58 canaletas de água. Já para o laboratório trata-se Barnard RJ, Edgerton VR, Furukawa T, Peter JB (1971) de um período diferenciado no crescimento, com os Histochemical, biochemical and contractile properties animais já adentrando na maturação sexual. of red, white and intermediate fibers. Am J Physiol, Analisando-se por momento de coleta, observou-se 220: 410-414. que no primeiro e segundo momentos, os animais Chayen J (1969). A guide to practical histochemistry. O. Boyd, London: 261-269. da cobertura verde apresentaram maiores valores Dilday DD, Eberle ED, Forrest JC, Judge MD (1970). de percentual transformado de fibras oxidativas e, por Porcine muscularity and properties associated with pale, conseqüência, menores de fibras glicolíticas (P<0,05) soft exudative muscle. J Anim Sci, 31: 681. que os demais tratamentos, sendo que estes não Dubowitz V (1985). Normal muscle. In: Muscle Biopsy: A diferiram entre si (Tabela 3). Practical Approach. 2ª Ed. Bailliere Tindall London, No terceiro momento não se constataram diferenças Cap. 03: 41-81. significativas entre os tratamentos (Tabela 3). Dubowitz V e Brooke MH (1973). Histological and histo- No quarto momento os animais da cobertura branca chemical stains and reactions. In: Muscle biopsy: A apresentaram os maiores valores de fibra oxidativa Modern Approach. W.B. Saunders, London, Cap. 02: (menores de fibra glicolítica), seguidos dos animais 20-73. do laboratório. Estes tratamentos apresentaram Dubowitz V, Pearse AGE (1960). A comparative histochemical study of oxidative enzime and phosphorylase activity in diferenças significativas entre si e com os demais skeletal muscle. Histochemistry, 2: 105-117. (P<0,05). Para o restante dos tratamentos não se Ferrari O (1995). Estudo morfológico e histoenzimológico detectaram diferença significativa. Estes maiores do músculo estriado esquelético (Longissimus dorsi) de valores dos animais da estufa branca prevaleceram no suínos (Sus scrofa domesticus). Tese de Doutorado em quinto momento, quando apenas se detectaram Zoologia. Universidade Estadual Paulista, Botucatu, diferenças significativas entre este e os demais 109 p. tratamentos (P<0,05) (Tabela 3). Martof BS (1953). Territorialy in the green frog, Rana clamitans. Ecology, 34(1): 166-174. Ogata T (1958). A histochemical study of the red and white muscle fibres. Part III. Activity of the diphosphopyridine Conclusões nucleotide diaphorase and triphosphopyridine nucle- otide diaphorase in muscle fibres. Acta Med Okayama, O percentual de fibras musculares oxidativas sofre 12: 233-240. redução no período de crescimento dos animais, Peter JB, Barnard VR, Edgerton VR, Gillespie CA, Stempel havendo indicativo de aumento desta percentagem KE (1972). Metabolic profiles of three fiber types of quando os animais começam a amadurecer sexual- skeletal muscles in guinea pigs and rabbits. Biochem- mente ou quando se recuperam de um período de istry, 11: 2627-2633. estresse por baixas temperaturas. O contrário ocorre Reiter RJ (1991). Melatonin: the chemical expression of com as fibras glicolíticas. darkness. Molecular and Cellular Endocrinology, 79: 153-158. Schmidt-Nielsen K (1996). Animal Physiology - Adaptation and Environment. Cambridge University Press, 5ª Ed., Bibliografia 600 p. Teodoro SM (1998). Desempenho e morfologia intestinal de Ashmore CR (1974). Phenotypic expression of muscle fiber leitões alimentados com dietas farelada ou extrusada types and some implications to meat quality. J Anim Sci, seca e úmida. Dissertação de Mestrado em Zootecnia. 28(5): 1158-1163. Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 79 p. Ashmore CR, Tompkins G, Doer L (1972). Postnatal Teodoro SM (2001). Fatores ambientais na produção e em development of muscle fiber typesin domestic animals. alguns aspectos histoquímicos e fisiológicos da rã-touro J Anim Sci, 34: 37-41. (Rana catesbeiana, Shaw 1802) criada em baias com Ashmore CR e Robinson DW (1969). Hereditary muscular cobertura de polietileno. Tese de Doutorado em Agro- hypertrophy in the bovine. 1. Histological and biochemical nomia. Universidade Estadual Paulista, Botucatu. 184 p. characterization. Proc Soc Exp Biol Med, 132: 548. Warketin KM (1992). Effects of temperature and illumina- Banks WJ (1992). Tecido muscular. In: Histologia veterinária tion on feeding rates of green frog tadpoles (Rana aplicada. 2.ed. São Paulo: Manole: 215-236. clamitans). Copeia, 3: 725-730.

58 RPCV (2008) 103 (565-566) 59-63 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Drenagem de otohematoma em cães

Drainage of aural hematoma in dogs

1 2 2 3 Duvaldo Eurides *, Luiz A. Souza , Benito J.N.A.Oliveira , Luiz A.F.S.

1Faculdade de Medicina Veterinária. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG. Brasil. Av. Pará 1720. Campus Umuarama. 38400-902. Uberlândia, MG. Brasil 2Faculdade de Medicina Veterinária. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG. Brasil 3Escola de Veterinária. Universidade Federal de Goiás. Goiânia. GO. Brasil

Resumo: Trinta e dois cães, de diferentes raças de orelhas the 10th day of PO. On 7th day of PO it was noted a slight pendulosas ou não, machos e fêmeas, foram submetidos à uniform swelling, weep, crusts and thick skin; on 15th day a drenagem de otohematoma através da remoção de fragmentos reducing of the skin thickness was observed and wounds were circulares de pele de 5 mm de diâmetro. A cartilagem auricular covered with connective tissue. Between the 30 and 60 days of foi aproximada à pele com pontos simples isolados e fio de the PO, circular areas were whitish in color with a slight naylon 000. Nos períodos de pós-operatório (PO) os cães foram contraction of the pinnal. The method facilitated the drainage of mantidos com colar isabelino e a orelha imobilizada sobre a the hematoma with good adhesion between skin and cartilage cabeça durante seis dias. Após a remoção do colar, as orelhas and prevented the accumulation of exudates in the PO period. anatomicamente eretas mantiveram erguidas durante 15 dias, This method could be applied to correction of aural hematomas por meio de uma armação metálica. Foram realizados curativos of dogs with pendulum and upright ears. diários e procedeu-se à remoção dos pontos de pele no 10º dia de PO. No 7º dia de PO notou-se discreto edema uniforme, Keywords: aural hematoma, surgical treatment, circular exsudação, crostas enegrecidas e pele espessa; no 15º dia, incision diminuição do espessamento de pele e a cicatrização das feridas por tecido conjuntivo. Entre os 30 e 60 dias de PO as áreas circulares apresentavam-se com coloração esbranquiçada, com discreta contracção cicatricial do pavilhão auricular. O método Introdução utilizado facilita a drenagem do otohematoma de diferentes dimensões, com boa aderência da pele à cartilagem e evita a Os hematomas auriculares podem apresentar-se sob acumulação de exsudato. Resultando, entanto, na formação de a forma de tumefações flutuantes, massas ou nódulos áreas circulares de coloração esbranquiçadas com ausência de de dimensões e posições variadas (Wilson, 1983; pêlos. O procedimento pode ser aplicado em cães de orelhas pendulosas ou erguidas. Griffin, 1994), dependendo do porte físico do animal, do estágio e severidade da doença (Kuwahara, 1986; Palavras-chave: otohematoma, tratamento cirúrgico, incisão Cechner, 2005). São frequentes em cães das raças com circular orelha pendulosas, e ocasionais em cães das raças com orelhas eretas e gatos (Smeak, 2003; Cechner, 2005). Summary: Thirty-two dogs of different breeds of pendulum ears or not, male and female, were submitted to drainage Pode existir predisposição devido à conformação da of aural hematoma by removing circular fragments of 5 mm orelha ou associada à raça (Joyce, 2000). Apesar de diameter skin. The ear cartilage was approximate to the skin ocorrência comum (McCarthy e McCarthy, 1994), a with separate simple points and nylon 000. In the post-chirurgical etiologia é desconhecida e o diagnóstico é baseado no period (PO) the dogs were kept with Elizabethan collar and ear exame físico e histórico do animal (Griffin, 1994; bandage in a high position over the head for six days. After removal of the protective collar, the ears were kept upright Joyce, 2000; Cechner, 2005). anatomically built for 15 days, through a metal frame. Topic Alguns factores podem desencadear o otohematoma treatments were performed daily and removal of points was on em cães, como sejam os movimentos bruscos da cabeça devido à dor e coceiras nas orelhas (McCarthy e McCarthy, 1994; Cechner, 2005; Blattler et al., 2007), inflamações crônicas e agudas, ectoparasitas, corpos estranhos, tumores e pólipos no canal auditivo (Cechner, 2005). Assim como as escabioses, dermatites atópicas, alergias alimentares e aumento da fragilidade capilar do pavilhão auricular (Griffin, 1994). Tem sido questionado o envolvimento de processos autoimunes *Correspondência: [email protected] ou imunomediados na patogênese da afecção (Griffin, Tel: +55 (34) 32182213; Fax: +55 (34) 32182523 1994), desde que Kuwahara (1986a) demonstrou a

59 Eurides D et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 59-63 existência de auto-antigénios na pele e de auto-anti- dimensões. Os animais apresentavam a sintomatologia corpos no sangue de animais com hematoma auricular. desde dois a quatro dias. Após jejum de 12 horas de O traumatismo pode ocasionar rompimento de alimentos sólidos de 6 horas de água, realizou-se vasos sanguíneos e o extravasamento de sangue entre tricotomia da face interna e externa da orelha. Os cães a pele e a cartilagem (Cechner, 2005), que cessa receberam enrofloxacina (10,0 mg/kg IM) flunixina quando a pressão interna se iguala à pressão das meglumina (1,1 mg/kg IM) e cloridrato de tramadol artérias afectadas (Griffin, 1994; Smeak, 2003). Foi (2,0 mg/kg IM), 30 minutos antes da intervenção referido por Smeak (2003) e Fossum et al. (2005) cirúrgica. Empregou-se o protocolo anestésico com que as hemorragias ocorrem entre as camadas da acepromazina (0,1 mg/kg IM), associação de queta- cartilagem ou placa cartilaginosa auricular e a fibrina mina (5,0 mg/kg IM) e xilazina (1,0 mg/kg IM) e é depositada na parede do otohematoma, promovendo a anti-sepsia do campo operatório com polivinil a formação de um seroma sanguinolento. Com o pirrolidona 0,2%. A manutenção anestésica realizou- estabelecimento de um estado crônico, a fibrose e a -se com halotano e oxigénio em circuito semi fechado contração promovem espessamento e a deformação da após entubação com sonda endotraqueal. orelha (Henderson e Horne, 2007). Quando não Promoveu-se a drenagem do hematoma através da tratados, podem resultar em severas deformidades e remoção de fragmentos circulares de pele equidis- consideráveis cicatrizes no pavilhão auricular (Griffin, tantes, com trepano de Castroviejo de 0,6 mm de 1994; McCarthy e McCarthy, 1994). Diversos trata- diâmetro na face interna do pavilhão auditivo com mentos para drenagem do sangue extravasado têm hematoma auricular (Figura 1-A e 1-B). Para remoção sido descritos como sejam a aspiração com agulha dos coágulos e fibrina foram praticadas suaves cureta- hipodérmica (McCarthy e McCarthy, 1994) e a lavagem gens da cartilagem e da face interna da pele. Foram da cavidade lesionada com solução fisiológica (Joyce, aplicados pontos simples isolados com fio de naylon 2000), com cânula de teto (Wilson, 1983), trépano de 3-0 para aproximação da pele a cartilagem auricular a biópsia de pele para promover dois orifícios nas fim de impedir a futura acumulação de líquido extremidades do hematoma (Joyce, 1994) ou tubo de serosanguinolento e exsudato. No período pós-opera- plástico (Schossler et al., 2007) ou silicone (Kagan, tório (PO), os cães foram mantidos com colar tipo 1983). isabelino no durante 12 dias e o pavilhão auricular Diferentes métodos de incisão de pele estão contido sobre a cabeça com ligadura e adesivo, descritos para a remoção do líquido serosanguino- durante seis dias (Figura 1-C e 1-D). lento do otohematoma de cães, associados ou não a Após a remoção do colar, as orelhas anatomica- suturas para abolição dos espaços adjacentes em mente erectas mantiveram-se erguidas durante 15 dias, forma de "S" (Fossum et al., 2005), longitudinais por meio de uma armação metálica. Os animais (Cechner, 2005), paralelas, elíptica, circulares (Joyce, receberam enrofloxacina (5,0 mg/kg SC) a cada 24 h, 220) e a fixação da pele à cartilagem com pontos de por 7 dias e flunixina meglumina (1,1 mg/kg SC) a Wolff (Henderson e Horne, 2007). Também se encontra cada 24 h por 3 dias. Foram realizados tratamentos indicada a ampliação da ferida cirúrgica (Weber, diários, com solução fisiológica a 0,9% e polivinil 1979) e o uso do laser de CO2 para múltiplas aber- pirrolidona a 1% e removidos os pontos de pele no turas em torno da margem do hematoma (Dye et al., 10o dia PO. As orelhas foram avaliadas quanto à 2002). forma, espessamento de pele e secreção nos diasde 7, Foi realizado por de Blätter et al. (2007) e Aithal et 15, 30 e 60 dias PO. al. (2000) drenagem cirúrgica e administração de selantes de fibrina e dexametasona no interior da cavi- dade do hematoma, associada à drenagem ou como Resultados tratamento isolado. Entretanto, nos extravasamentos agudos Gawande et al. (2008) utilizaram o adesivo No 7º dia PO observou-se espessamento uniforme cianoacrilato para fixação da pele a cartilagem. da pele e discreto edema e nas feridas circulares, Objectivou-se apresentar um método cirúrgico exsudato e crostas. alternativo de drenagem do otohematoma em cães por Aos 15 dias PO, notou-se diminuição do espessa- meio de aberturas circulares de pele e a sua fixação à mento de pele e as lesões circulares apresentavam-se cartilagem auricular. cobertas por tecido conjuntivo. Decorridos 30 dias, as áreas circulares encontravam- -se cobertas por tecido conjuntivo de coloração Material e métodos esbranquiçada e com ausência de pêlos, discreta contracção cicatricial do pavilhão auricular e ausência Trinta e dois cães, de diferentes raças com os de alteração no posicionamento das orelhas. Estas pavilhões auriculares eretos ou não, machos e fêmeas, características mantiveram-se inalteradas até o 60º dia com peso corporal médio de 8 kg, foram submetidos a PO de observação sem recorrência do hematoma drenagem de hematoma auricular de diferentes (Figura 2).

60 Eurides D et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 59-63

Figura 1 - Remoção circular de pele de 5mm de diâmetro na face interna do pavilhão auricular de cães com trepano de Castroviejo (A). Aspectos dos orifícios circulares e da sutura de aproximação da pele a cartilagem (B). Posicionamento da orelha sobre a cabeça e bandagem com ligadura e adesivo (C e D).

Discussão do pavilhão auricular (Cechner, 2005). Está recomen- dada a remoção da acumulação de líquido, evitar a sua A escolha do método de tratamento do otohematoma recorrência e manter a aparência natural da orelha de cães baseia-se principalmente no volume do líquido (Smeak, 2003; Fossum et al., 2005). Neste estudo, a acumulado, na distribuição e no período transcorrido, realização de vários orifícios de 0,6 cm de diâmetro sendo que na maioria das vezes a disseminação do equidistantes, abrangeu as diferentes áreas do hematoma, conteúdo é ampla e a lesão localiza-se na face interna permitindo no PO uma drenagem ampla e uniforme.

Figura 2 - Aspectos das feridas circulares de pele na face interna do pavilhão auricular dos cães após 60 dias PO. Notam-se áreas de coloração esbranquiçadas, ausência de pêlos (A) – seta e inexistência de alteração do formato anatomico e posicionamento da orelha (B).

61 Eurides D et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 59-63

O modo de drenagem e fixação da pele à cartilagem cartilagem auricular, para evitara a acumulação de auricular com pontos simples isolados foi determi- sangue entre a cartilagem auricular fracturada ou nante para prevenir à recidiva. A técnica empregada fissurada. Deve-se evitar a formação de "retalhos" diferencia-se da que promove uma incisão longitudinal cicatriciais originados pela colocação inadequada dos na região central do hematoma (Weber, 1979; pontos de sutura na abolição dos espaços adjacentes, Cechner, 2005; Fossum et al., 2005) ou em cada que podem resultar em defeitos estéticos (Cechner, extremidade para colocação de drenos (Wilson, 1983; 2005). O método de aproximação da pele à cartilagem Joyce, 1994; Schossler et al., 2007). Nestes casos, auricular sem ultrapassar toda a espessura do pavilhão existe a possibilidade de retenção do conteúdo auricular (Smeak, 2003), preveniu possíveis alterações devido às limitadas áreas de drenagem, o que não foi na harmonia das orelhas pendulosas, assim como nas verificado neste estudo. erectas. Blätter et al. (2007) realizaram drenagem, desbrida- Como método adjuvante para abolição dos espaços mento da cavidade do hematoma auricular em cães e "mortos" entre a pele e a cartilagem, a orelha foi administração de selante de fibrina de origem humana mantida levemente comprimida e enfaixada sobre a para aproximação da pele à cartilagem. Os autores cabeça com ligadura (Figuras 1- C e 1-D), como referiram a recidiva do fluído serosanguinolento utilizado na drenagem incisional (McCarthy e quando da remoção no PO da ligadura compressiva. McCarthy, 1994; Cechnner, 2005; Fossum et al., Além disso, existe a possibilidade de reacções 2005). Wilson (1983) mencionou que o emprego de ou imunológicas devido à utilização de fibrina xenóloga. qualquer tipo de suporte não é necessário, no entanto, Com a aplicação de pontos isolados simples para redução tempo de cicatrização e obtenção de associados à ligaduras compressiva, para diminuir resultados esteticamente aceitáveis. Entretanto, neste o espaço ocupado pelo hematoma, realizado neste estudo, a remoção circular de pele associada à ligadura estudo, verificou-se boa resistência da pele no compressiva impediu o possível apareciemnto de local das suturas, o que evitou a formação de novas alterações que pudessem interferir na conformação cavidades. estética das orelhas. No período PO do tratamento do otohematoma De acordo com Aithal et al. (2000), as correcções pode-se inserir drenos entre a pele e cartilagem para cirúrgicas de otohematomas em cães não apresentam remoção de excesso de exsudato, como cânula de teto recorrência, porém podem manifestar pequenas (Wilson, 1983) e de borracha de silicone (Kagan, retracções cicatriciais esteticamente aceitáveies. Nas 1983) durante 28 dias e tubo de plástico (Schossler et avaliações realizadas entre o 30º e 60º dia de PO, as al., 2007) por sete dias. Estes autores, no entanto, feridas circulares encontravam-se cobertas por tecido referiram a remoção dos tubos pelos animais e a conjuntivo de coloração esbranquiçada e com discreta ocorrência de alterações da estética das orelhas. Na contracção cicatricial, sem alteração no posiciona- técnica proposta, realizou-se a drenagem através dos mento das orelhas. A recidiva do hematoma auricular orifícios de pele, não sendo necessária a utilização de é rara e pode acontecer mediante a realização ou materiais orgânicos ou sintéticos e não observou-se escolha de um tratamento inadequado ou mesmo a alterações locais em decorrência dos pontos de sutura. coexistência de uma otopatia (Smeak, 2003; Fossum Uma alternativa de tratamento semelhante à et al., 2005). executada nesse estudo foi a de remover, no local do O método utilizado facilita a drenagem do hematoma, fragmentos circulares de pele e cartilagem otohematoma de diferentes dimensões, com boa com laser de CO2 (Dye et al., 2002). No entanto, a aderência da pele à cartilagem e impede a acumulação realização deste procedimento exige a disponibilidade de exsudato. Causa, no entanto, a formação de áreas de materiais específicos e dispendiosos e experiência circulares de coloração esbranquiçadas com ausência na manipulação do aparelho. O método utilizado neste de pêlos. O procedimento pode ser aplicado em cães estudo demonstrou ainda ser de fácil execução, de de orelhas pendulosas ou erguidas. baixo custo e não necessitou de cuidados especiais no período pós-operatório. A aplicação de pontos simples isolados entre os orifícios promoveu redução do Bibliografia espaço existente entre a pele e a cartilagem auricular. Além de prevenir a acumulação de líquido, estimulou Aithal HP, Kinjavdekar P, Amarpal, Maiti SK, Pawde AM, a aderência das duas camadas, pele e cartilagem, com Singh GR (2000). Treatment of aural haematoma with local administration of dexamethasone in dogs. Indian formação mínima de tecido cicatricial. Veterinary Journal, 77: 619-621. Podem ocorrer variações quanto à realização da Blättler U, Harlin O, Mattison RG, Rampelberg F (2007). justaposição da pele à cartilagem no tratamento Fibrin sealant as a treatment for canine aural cirúrgico dos otohematomas. McCarthy e McCarthy haematoma: a case history. Journal Veterinary, 173: 697- (1994), Sobti et al. (1994) e Schossler et al. (2007) 700. sugeriram o envolvimento de toda espessura da orelha Cechner PE (2005) Técnica de sutura para reparo de um com pontos de sutura para aproximação da pele à otohematoma. In: Técnicas atuais em cirurgia de

62 Eurides D et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 59-63

pequenos animais, 3ª edição. Editores: MJ Bojrab, SJ Kuwahara J (1986a). Canine and feline aural hematomas: Bichard e JL Tomlinson. Roca, São Paulo: 127-130. results of treatment com corticosteroids. Journal of the Dye TL, Teague HD, Ostwald Jr.DA, Ferreira SD (2002) American Animal Hospital Association, 22: 641-647. Evaluation of a technique using the carbon dioxide laser Kuwahara J (1986). Canine and feline aural hematoma: for the treatment of aural hematomas. Journal of the Clinical, experimental, and clinicopathologic observa- American Animal Hospital Association, 38: 385-390. tions. American Journal of Veterinary Research, 47: Fossum TW, Hedlund CS, Hulse DA, Johnson AL, Seim III 2300-2308. HB, Willard MD, Carroll L (2005). Cirurgia ótica. In: McCarthy PE e McCarthy RJ (1994). Surgery of the ear. Cirurgia de pequenos animais, 2ª Edição. Roca, São Veterinary Clinics of North America: Small Animal Paulo: 231-255. Practice, 24: 953-969. Gawande PS, Dhakate MS, Gahlod BM, Panchabhai VS, Schossler JE, Muller D, Pinheiro M (2007). Proposição de Patil SN, Dakshinkar NP, Ingle VC, Fuke NH (2008). técnica para drenagem de otohematoma em cães. Use of cianoactrylate adhesives glue (nectacryl) for Arquivo de Ciências Veterinárias e Zoologia da treating aural hematoma in canines. Royal Veterinary UNIPAR, 10: 117-119. Journal of India, 4: 46-48. Smeak DD (2003). Cirurgia do canal auditivo externo e do Griffin C (1994). Pinnal Diseases. Veterinary Clinics of pavilhão auricular. In: Clínica de pequenos animais, 2ª North America: Small Animal Practice, 24: 897-904. Edição. Editores: SJ Bichard e RG Sherding. Roca, São Henderson RA, Horne R (2007). Pina. In: Manual de Paulo: 461-471. cirurgia de pequenos animais, 3ª edição. Editor: D Sobti KI, Singh KI, Saini NS, Sharma SN (1994). A simple Slatter. Manole, Barueri: 1737-1746. surgical technique for treatment of aural haematoma in Joyce JA (1994). Treatment of canine aural haematoma dogs – analysis of 50 clinical cases. Indian Veterinary using an indwelling drain and corticosteroids. Journal of Journal, 71: 1030-1031. Small Animal Practice, 35: 341-344. Weber HO (1979). A technique for surgical treatment of Joyce J (2000). Canine aural haematoma. Waltham Focus, aural hematoma in dogs and cats. Veterinary Medicine, 10: 4-9. 74: 1271. Kagan KG (1983). Treatment of canina aural hematoma Wilson JW (1983). Treatment of auricular hematomas, using qith na indqelling darin. Journal of the American Animal a teat tube. Journal of the American Animal Hospital Hospital Association, 183: 972-974. Association, 182: 1081-1083.

63

RPCV (2008) 103 (565-566) 65-72 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Variáveis fisiológicas e eletrocardiográficas de diferentes frações inspiradas de oxigênio em cães anestesiados com propofol

Physiologic and electrocardiographic variables of several inspired oxygen fractions in propofol-anesthetized dogs

1 1 2 Patrícia Cristina Ferro Lopes , Newton Nunes , Marlos Gonçalves Sousa , 3 2 1 Celina Tie Duque Nishimori , Roberta Carareto , Danielli Parrilha de Paula , 4 1 1 Paulo Sérgio Patto dos Santos , Vivian Fernanda Barbosa , Aparecido Antonio Camacho

1Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Campus de Jaboticabal, Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n, CEP:14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil 2Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Federal do Tocantins, Araguaína, TO, Brasil 3Curso de Mestrado em Cirurgia e Anestesiologia Veterinária, Universidade de Franca, Franca, SP, Brasil 4Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal, Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba, UNESP, Campus Araçatuba, Araçatuba, SP, Brasil

Resumo: Baixas frações inspiradas de oxigênio (FiO2) têm sido Abstract: Low inspired oxygen fractions (FiO2) have been used empregadas durante procedimentos anestésicos com intuito de during anesthesia proceeding to avoid atelectasis formation; evitar áreas de formação de atelectasia, contudo, seus efeitos however, their effects on cardiovascular system are not clear. In sobre o sistema cardiovascular não estão esclarecidos. Desta this study, the effects of several FiO2 in eletrocardiographic forma, avaliaram-se os efeitos de diferentes FiO2 sobre os (ECGP) and physiologic parameters in spontaneously breathing parâmetros fisiológicos e eletrocardiográficos (PECG) em cães dogs anesthetized with propofol were evaluated. Eight adult anestesiados com propofol e mantidos em ventilação mongrel dogs were studied and the animals underwent five espontânea. Foram utilizados oito animais, os quais foram anesthesia. In each procedure the patient was submitted to a empregados em cinco grupos com diferentes FiO2, G100 different FiO2, thereby resulting in five groups, namely: G100 (FiO2=1), G80 (FiO2=0,8), G60 (FiO2=0,6), G40 (FiO2=0,4) e (FiO2 = 1), G80 (FiO2 = 0.8), G60 (FiO2 =0.6), G40 (FiO2 = G21 (FiO2=0,21). O propofol foi usado para indução 0.4), and G21 (FiO2 = 0.21). The propofol was used for (6,45±0,69 mg/kg) e manutenção (0,7 mg/kg/min) da anestesia induction (6.45 ± 0.69 mg/kg) and maintenance (0.7 mg/kg e, após a intubação orotraqueal, iniciou-se o fornecimento da min) of anesthesia and, after endotracheal intubation, FiO2 was FiO2, conforme determinado para cada grupo. As mensurações administered, as determined for each group. The initial mea- da freqüência cardíaca (FC), PECG, freqüência respiratória (f), surement (M0) of heart rate (HR); ECGP, respiratory rate (RR), tensão de dióxido de carbono ao final da expiração (ETCO2), end tidal carbon dioxide (ETCO2), oxyhemoglobin saturation saturação de oxihemoglobina (SpO2), temperatura corpórea (SpO2), body temperature (BT) and mean arterial pressure (TC) e pressão arterial média (PAM) foram efetuadas 30 (MAP) were recorded thirty minutes after the beginning of minutos após o início da infusão do anestésico (M0), seguida de propofol infusion (M0). Additional recordings were intervalos de 15 minutos (M15, M30, M45 e M60). Os dados performed at each 15-minute interval (M15, M30, M45, and numéricos foram submetidos à Análise de Perfil (P<0,05). M60). Numeric data were submitted to Morrison’s multivariate As médias de FC, PECG, f e ETCO2 não apresentaram statistical methods (P<0.05). Significant values of HR, ECGP, diferenças significativas. No G21, foram registrados os menores RR and ETCO2 were not recorded. In G21, the lowest values of valores de SpO2. Conclui-se que em cães anestesiados com SpO2 were registered. In conclusion, different FiO2 does not propofol e respirando espontaneamente os parâmetros eletro- impair electrocardiographic parameters. However, spontaneously cardiográficos não são afetados pelo emprego de diferentes breathing dogs anesthetized with propofol should not be provided FiO2, todavia, a FiO2=0,21 deve ser evitada, pois proporciona with 21% oxygen due to its significant harm to arterial prejuízos à oxigenação arterial. oxygenation.

Palavras-chave: anestesia intravenosa, atelectasia, concen- Keywords: atelectasis, intravenous anesthesia, oxygen tração de oxigênio. concentration.

Introdução

Elevadas concentrações de oxigênio (O2) têm sido associadas com a formação de áreas de atelectasia (Magnusson e Spahn, 2003), e isto é importante *Correspondência: [email protected] porque altas frações inspiradas de oxigênio (FiO2) Tel: + 55 (16) 3209-2626 são comumente empregadas na prática pelos anestesio-

65 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 65-72 logistas em Medicina Veterinária. Para evitar esse trado que a infusão contínua de propofol, recebendo problema, baixas concentrações deste gás têm sido O2 a 100%, não promove alterações cardiovasculares utilizadas durante a anestesia geral (Akça et al.,1999). clinicamente importantes (Fragata, 2004). Ferro et al. Em seu trabalho clássico, Bendixen et al. (1963) (2005) não observaram alterações significativas na propuseram que a atelectasia seria uma das causas freqüência cardíaca (FC) e eletrocardiografia, em cães de prejuízo da oxigenação durante a anestesia, submetidos a diferentes doses de infusão contínua de promovendo diminuição da complacência do sistema propofol e respirando ar ambiente. respiratório e coincidente redução da oxigenação Desta forma objetivou-se, com este trabalho, deter- arterial em humanos e animais anestesiados. Além minar os efeitos do emprego de diferentes frações disso, quadros de hipercapnia são comumente relacio- inspiradas de oxigênio nas variáveis fisiológicas e nados a esses colapsos pulmonares (Jefferies, 1994), eletrocardiográficas, em cães mantidos em ventilação pois a pressão parcial de dióxido de carbono no espontânea e submetidos à infusão contínua de propofol. sangue arterial (PaCO2) é um valor de referência usado para avaliar a ventilação alveolar e para detecção precoce da formação de atelectasia (Miller, Material e métodos 2005). Todavia, durante a anestesia, as alterações respi- Este experimento foi aprovado pela Comissão de ratórias oriundas desse colapso pulmonar podem Ética Bem Estar Animal (CEBEA) da FCAV/Unesp, proporcionar modificações no sistema cardiovascular, protocolo número 017678-06, sendo realizado de pois, a hipercapnia aguda está relacionada com o acordo com normas éticas. Terminado o estudo, os aparecimento de arritmias cardíacas e vasodilatação animais foram oferecidos para adoção. periférica (Ward et al., 2006), sendo que, este quadro Foram utilizados oito cães adultos, machos ou parecer não ter efeitos inotrópicos e lusitrópicos adver- fêmeas, sem raça definida, evitando-se animais prenhes sos na função cardíaca. No entanto, as anormalidades ou em estro, pesando 8,6±1,8 kg, considerados de repolarização, causadas pelas altas concentrações hígidos após exames físico e complementares, dentre de dióxido de carbono, são refletidas no aumento da os quais hematológico, urinálise, eletrocardiográfico e dispersão da onda QT, a qual é obtida pelo o exame radiográfico do tórax. Os animais foram mantidos em eletrocardiográfico (Kiely et al., 1996). A hipoxemia canis individuais sendo fornecida água ad libitum e também pode originar arritmias cardíacas e vasocons- ração comercial na quantidade calculada para trição hipóxica dos vasos pulmonares (Ward et al., manutenção das necessidades diárias de cada cão, 2006), e em caso de hipoxia do miocárdio é possível objetivando-se assim minimizar as variações de peso observar o supra ou infradesnivelamento do segmento até o final do protocolo experimental. ST (Goodwin, 2002). Cada cão foi submetido a cinco procedimentos com Desta forma, em cães, ainda não está definida qual infusão contínua de propofol, permitindo, portanto, a a mais adequada FiO2 a ser empregada durante formação de cinco grupos experimentais denominados procedimentos anestésicos, com intuito de evitar G100 (FiO2=1), G80 (FiO2=0,8), G60 (FiO2=0,6), atelectasia e possíveis alterações nos parâmetros G40 (FiO2=0,4) e G21 (FiO2=0,21), sendo respeitado cardiorrespiratórios. um intervalo de dez dias entre cada anestesia. Para o Zappellini et al. (1996) não registraram diferenças início do estudo, escolheu-se a FiO2 a ser empregada significativas nos parâmetros hemodinâmicos entre os ao acaso, iniciando-se pela concentração de O2 de grupos de cães ventilados com FiO2=1 e FiO2=0,21. 60%, seguida pelas frações inspiradas de 100, 80, 40 e Kim et al. (1998) observaram que a FiO2=1 não 21%. Em seguida, os animais foram numerados de 1 a alterou a pressão arterial média (PAM) em ratos 8 e ao acaso determinou-se a ordem dos cães a serem submetidos a choque hemorrágico letal. Em contra- anestesiados, a qual foi mantida para todos os grupos partida, Claybaugh et al. (2003), estudando diferentes para que o intervalo entre as anestesias fosse respeitado. concentrações de O2 (11, 21 e 100%), afirmaram que Os animais foram submetidos a jejum alimentar de 12 o emprego de FiO2=1, durante hemorragia induzida horas e hídrico de 2 horas anteriormente ao início do em cabras, manteve a pressão arterial (PA). procedimento. Todavia, tanto na anestesia intravenosa quanto na Antes da indução da anestesia, não foi realizada inalatória é possível ocorrer formação de áreas de pré-medicação. Todos os cães foram induzidos à atelectasia (Strandberg et al., 1986), sendo que, anestesia geral pela administração intravenosa de atualmente, a infusão contínua de propofol tem sido propofol (Diprivan, ZENECA Farmacêutica do Brasil utilizada como uma alternativa importante em substi- Ltda., São Paulo, SP, Brasil) na dose necessária para tuição à anestesia inalatória, por apresentar indução perda do reflexo laringotraqueal (6,45±0,69 mg/kg). (Duke, 1995) e recuperação anestésicas rápidas Em seguida, os animais foram posicionados sobre (White, 2001), poucos efeitos adversos e ausência de colchão térmico ativo (GAYMAR, mod. Tp-500, efeito cumulativo (Morgan e Legge, 1989). Gaymar Inc, Londres, Inglaterra). Imediatamente os Além disso, estudos na espécie canina têm demons- cães foram intubados e a sonda foi conectada ao

66 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 65-72 circuito anestésico com reinalação parcial de gases diográficas em cães anestesiados com diferentes doses (OHMEDA, mod. Excel 210SE, Madison, EUA), para de propofol (0,2; 0,4 ou 0,8 mg/kg/min) e respirando o fornecimento de O2 conforme as FiO2 determinadas ar ambiente (FiO2=0,21). em cada grupo, sendo o fluxo total mantido entre 30 e Para a FC não foram registradas diferenças 50 ml/kg/min e iniciou-se a infusão contínua de significativas entre os grupos e entre os momentos propofol, por meio de bomba de infusão (Infusion (Tabela 1), sendo que os valores mantiveram-se dentro Pump 670T, Samtronic, São Paulo, SP, Brasil), empre- do intervalo considerado fisiológico (70 a 160 bati- gando-se a dose de 0,7 mg/kg/min. A leitura da mentos/minuto) para a espécie (Tilley e Burtnick, concentração do gás foi obtida pelo uso de analisador de 1999). Portanto, aventa-se afirmar que o emprego de gases (DIXTAL, mod. DX – 2010, Manaus, AM, Brasil), diferentes FiO2 não influenciou esse parâmetro. A cujo sensor se encontrava adaptado na extremidade da estabilidade observada para FC também foi registrada sonda orotraqueal conectado ao equipamento de por Ferro et al. (2005) que não encontraram alterações anestesia. Utilizando-se o mesmo monitor multipara- significativas na FC após a infusão continua de dife- métrico foram mensuradas a freqüência respiratória (f) rentes doses do mesmo anestésico (0,2; 0,4 e 0,8 e tensão de dióxido de carbono ao final da expiração mg/kg/min) com FiO2=0,21. Barbosa (2007) observou (ETCO2). A saturação de oxihemoglobina (SpO2) foi inalterabilidade desse parâmetro em caninos submeti- obtida por leitura direta em monitor multiparamétrico, dos à infusão contínua de propofol (0,6 mg/kg/min), sendo o sensor conectado na língua do animal, associada à infusão de solução fisiológica (NaCL enquanto para o registro da temperatura corpórea 0,9%) e mantidos em ventilação controlada com (TC), o sensor de temperatura foi introduzido no FiO2=0,6. esôfago e posicionado próximo à base cardíaca. Para a PmV e a Pms, que em síntese representam Procedeu-se cateterização (Cateter Insyte, BD a condução atrial, não foram observadas variações Insyte®, Becton, Dickinson Indústria Cirúrgica, Juiz significativas (Tabela 1), não sendo registradas dife- de Fora, MG, Brasil) transcutânea da artéria társica renças entre os grupos e entre os momentos. Portanto, para mensuração da PAM. Ao cateter foi conectado ao a partir da estabilidade dos parâmetros observada, sensor do monitor multiparamétrico, por meio do qual aventa-se afirmar que as diferentes FiO2 não foram obtidas as leituras da variável. promoveram alterações volumétricas das cavidades A FC foi obtida calculando-se o intervalo de tempo atriais e da sua condutibilidade elétrica. constituído entre dois intervalos R-R consecutivos do Segundo Tilley e Burtnick (1999) e Goodwin traçado eletrocardiográfico, registrado por método (2002), os valores de PmV não podem ultrapassar computadorizado (Eletrocardiográfo ECG-PC, Teb - 0,4 mV e de Pms não podem ser maiores que 0,04 s, Tecnologia Eletrônica Brasileira Ltda, São Paulo, SP, para cães não anestesiados. Portanto, os valores de Brasil) e ajustado para leitura na derivação II. PmV registrados em todos os grupos (G100, G80, Também, foram estudados os seguintes parâmetros G60, G40 e G21) estão dentro da normalidade para eletrocardiográficos: duração e amplitude da onda P espécie, enquanto que as médias de Pms estiveram (Ps e Pmv, respectivamente); intervalo entre as ondas aumentadas. Atribui-se tal evento ao fato de, em M0, P e R (PR); duração do complexo QRS (QRSs); os animais já estarem submetidos à infusão contínua amplitude da onda R (RmV); intervalo entre as ondas de propofol. Barbosa (2007), em cães anestesiados Q e T (QT) e intervalo entre duas ondas R (RR). Para com associação propofol-NaCL e mantidos em venti- observarem-se eventuais anormalidades nos traçados, lação controlada com FiO2=0,6, também observou a eletrocardiografia foi monitorada continuamente ao estabilidade nos dois parâmetros, registrando valores longo de todo o experimento. de PmV (0,23 a 0,25 mV) dentro da normalidade para As observações das variáveis iniciaram-se após 30 espécie e médias de Pms (50,3 a 56,4 ms) superiores a minutos da infusão contínua de propofol (M0). Novas faixa de normalidade. mensurações foram realizadas em intervalos de 15 Em relação ao intervalo P-R, que demonstra o minutos, por um período de 60 minutos (M15, M30, tempo de condução elétrica átrio-ventricular, não M45 e M60, respectivamente). Todas as variáveis foram registradas diferenças significativas entre os foram submetidas à Análise de Perfil (P<0,05) grupos e entre os momentos (Tabela 1). Desta forma, (Morrison, 1967; Curi, 1980). propõem-se que o emprego de diferentes FiO2 não interferiu no tempo de condução elétrica átrio- ventricular. Resultados e discussão Para PR, o intervalo considerado normal para cães é de 0,06 a 0,13 segundos (60 a 130 ms) (Tilley e Com relação aos traçados eletrocardiográficos, o Burtnick, 1999; Goodwin, 2002). Portanto, os valores emprego de diferentes FiO2 não promoveu alterações (Tabela 1) obtidos nos cinco grupos (G100, G80, G60, importantes na condutibilidade cardíaca sugestiva de G40 e G21) estão dentro da normalidade. Barbosa arritmias ou mesmo hipóxia do miocárdio. Ferro et al. (2007) também observou estabilidade desse (2005) também não registraram alterações eletrocar- parâmetro, no entanto, os valores registrados (101,1 a

67 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 65-72

Tabela 1 - Valores médios e desvios padrão (x±s) de FC, Ps, PmV, PR, QRS, RmV, QT e RR em cães submetidos à infusão contínua de propofol (0,7 mg/kg/mim) mantidos em ventilação espontânea com diferentes frações inspiradas de oxigênio [FiO2 =1 (G100), FiO2 = 0,8 (G80), FiO2 = 0,6 (G60), FiO2 = 0,4 (G40) ou FiO2 = 0,21 (G21)] Parâmetros Grupo Momento M0 M15 M30 M45 M60 G100 113 ± 14 112 ± 14 113 ± 11 113 ± 10 119 ± 16 G80 126 ± 28 125 ± 17 127 ± 19 125 ± 20 115 ± 18 FC (bat/min) G60 113 ± 9 107 ± 11 116 ± 33 110 ± 12 107 ± 11 G40 116 ± 29 117 ± 27 114 ± 22 117 ± 26 122 ± 24 G21 114 ± 16 117 ± 25 113 ± 9 130 ± 24 126 ± 20 G100 47 ± 6 50 ± 7 50 ± 4 50 ± 6 50 ± 8 G80 50 ± 5 50 ± 7 52 ± 9 54 ± 7 53 ± 6 Ps (mseg.) G60 51 ± 6 53 ± 6 52 ± 8 53 ± 7 54 ± 9 G40 51 ± 6 52 ± 8 50 ± 5 52 ± 9 52 ± 8 G21 51 ± 6 54 ± 6 53 ± 6 52 ± 7 53 ± 7 G100 0,16 ±0,05 0,16 ±0,03 0,16 ±0,04 0,16 ±0,07 0,16 ±0,04 G80 0,17 ±0,06 0,14 ±0,06 0,17 ±0,06 0,15 ±0,05 0,13 ±0,05 PmV (mV) G60 0,15 ±0,04 0,15 ±0,04 0,16 ±0,05 0,17 ±0,04 0,16 ±0,03 G40 0,17 ±0,04 0,15 ±0,04 0,16 ±0,05 0,16 ±0,02 0,17 ±0,03 G21 0,16 ±0,03 0,19 ±0,04 0,19 ±0,03 0,22 ±0,04 0,18 ±0,07 G100 89 ± 14 89 ± 14 88 ± 12 87 ± 11 89 ± 15 G80 86 ± 12 88 ± 13 91 ± 14 91 ± 14 93 ± 15 PR (mseg.) G60 93 ± 12 95 ± 14 95 ± 16 95 ± 14 94 ± 12 G40 90 ± 18 87 ± 18 87 ± 16 89 ± 18 86 ± 13 G21 88 ± 11 88 ± 12 87 ± 10 82 ± 13 83 ± 15 G100 50 ± 6 51 ± 6 51 ± 6 53 ± 8 53 ± 7 G80 52 ± 7 53 ± 7 51 ± 6 52 ± 6 52 ± 5 QRS (mseg.) G60 51 ± 6 52 ± 6 51 ± 7 52 ± 6 52 ± 7 G40 50 ± 8 51 ± 6 53 ± 8 52 ± 6 51 ± 8 G21 50 ± 7 50 ± 7 52 ± 6 52 ± 7 53 ± 6 G100 0,86 ± 0,3 0,92 ± 0,3 0,90 ± 0,4 0,94 ± 0,3 0,90 ± 0,3 G80 0,89 ± 0,3 0,79 ± 0,2 0,77 ± 0,2 0,85 ± 0,3 0,80 ± 0,3 RmV (mV) G60 0,82 ± 0,3 0,85 ± 0,3 0,88 ± 0,4 0,90 ± 0,3 0,90 ± 0,4 G40 0,82 ± 0,4 0,78 ± 0,4 0,80 ± 0,4 0,80 ± 0,4 0,80 ± 0,4 G21 0,74 ± 0,3 0,75 ± 0,3 0,78 ± 0,3 0,77 ± 0,3 0,79 ± 0,3 G100 210 ± 27 222 ± 20 226 ± 17 223 ± 17 220 ± 18 G80 217 ± 20 222 ± 13 220 ± 13 222 ± 9 228 ± 13 QT (mseg.) G60 219 ± 13 224 ± 16 220 ± 20 228 ± 20 229 ± 21 G40 218 ± 18 223 ± 19 225 ± 18 223 ± 16 220 ± 20 G21 216 ± 8 225 ± 13 230 ± 14 219 ± 16 217 ± 23 G100 537 ± 60 546 ± 64 535 ± 59 534 ± 52 513 ± 72 G80 494 ± 87 487 ± 70 482 ± 75 493 ± 77 533 ± 82 RR (mseg.) G60 537 ± 48 564 ± 53 545 ± 112 552 ± 64 567 ± 57 G40 540 ± 116 540 ± 126 542 ± 103 537 ± 112 508 ± 93 G21 538 ± 73 532 ± 100 533 ± 41 474 ± 85 487 ± 79 Médias seguidas por letras diferentes, nas colunas, diferem entre si pela Análise de Perfil (P <0,05).

106,8 ms) foram maiores que os observados no G60, mecanismo compensatório, ou seja, a condução elétrica o qual recebeu a mesma FiO2 utilizada pela autora poderia ter-se prolongado ocasionando maior tempo citada. Tal diferença pode ser atribuída à dose do de enchimento ventricular e, conseqüentemente, anestésico e à ventilação mecânica, pois quando esta é maior volume sistólico, a fim de manter o débito empregada há diminuição do retorno venoso que pro- cardíaco (DC) em valores normais (Muir III e Mason, porciona a diminuição do fluxo sangüíneo pulmonar e 1996). Nesse estudo no G60, os valores de PR foram do volume diastólico final do ventrículo esquerdo, e menores, pois durante a respiração espontânea alte- conseqüentemente do volume sistólico (Romaldini, rações destas variáveis citadas não levam a grandes 1995). Portanto, as maiores médias de PR, obtidas por alterações do DC (Romaldini, 1995). Barbosa (2007), poderiam ser conseqüência de Fragata (2004) registrou médias de PR iguais a

68 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 65-72

0,10±0,02 s, em cães pré-medicados com aceproma- obtidos em G60 (Tabela 1). zina/meperidina, anestesiados com infusão contínua Quanto ao intervalo RR que, em síntese, é de propofol (0,6 mg/kg/mim) e recebendo FiO2=1. inversamente proporcional às alterações ocorridas na Esses valores são maiores que os registrados no G100, freqüência cardíaca (Tilley, 1992), nenhuma diferença podendo-se justificar essa diferença pelo não uso de significativa foi observada entre os grupos e entre os medicação pré-anestésica e pela dose (0,7 mg/kg/min) momentos (Tabela 1), da mesma forma que registrado de infusão de propofol administrada neste protocolo para a FC, sendo os eventos relativos a essa variável experimental. perfeitamente cabíveis quando se analisa o intervalo Na análise do complexo QRS, que representa o RR (Bacharova, 2003). Portanto, o emprego de tempo de condução elétrica ventricular, não foram diferentes concentrações de O2 não alterou esse observadas alterações com o emprego de diferentes parâmetro. FiO2 (Tabela 1). Tal achado permitiu propor que Nesse estudo foram registradas reduções nas médias diferentes concentrações de O2 não proporcionam de TC (Tabela 2) que podem ser justificadas pela alterações no QRS. Segundo Tilley e Burtnick (1999) diminuição da taxa de metabolismo basal, pela vasodi- e Goodwin (2002), os valores de QRS não podem latação arterial e venosa causada pelo fármaco ultrapassar 0,06 s (60 ms) em cães, possibilitando (Fantoni, 2002). Tal assertiva também foi usada por afirmar que os valores, registrados para todos os Ferro et al. (2005) que também registrou redução de grupos, estão dentro da normalidade para espécie. Os temperatura corpórea com o emprego de diferentes registros de G60 coincidem com as observações de taxas de infusão de propofol. Segundo Haskins Barbosa (2007), que obteve médias de QRS entre 51,8 (2007), temperatura corpórea entre 25 e 26 ºC está e 56,0 ms em cães submetidos à infusão contínua de associada a manifestações eletrocardiográficas, como propofol (0,6 mg/kg/min) e NaCl 0,9%, e mantidos prolongamento dos intervalos PR e complexo QRS, em ventilação controlada com FiO2=0,6. aumento da automaticidade do miocárdio, entre outras A RmV reflete e quantifica a intensidade do impulso alterações fisiológicas. No entanto, os valores obtidos elétrico necessário para despolarização ventricular em M60, para todos os grupos (Tabela 2), não foram (Fox et al. 1998), que nesse estudo não foi afetada menores que 36 ºC. Portanto, pode-se afirmar que a pelo emprego das diferentes FiO2, pois não foram TC, a qual não sofreu interferências do emprego de registradas diferenças significativas entre os grupos. diferentes frações inspiradas de oxigênio, não inter- O intervalo Q-T representa a sístole ventricular e a feriu nos parâmetros eletrocardigráficos. atividade do sistema nervoso autônomo sobre o O fornecimento de diferentes FiO2 não foi capaz cronotropismo cardíaco (John e Fleisher, 2004). Para de alterar a f, não sendo registradas diferenças QT, o intervalo considerado normal para cães é de significativas entre os grupos, mesmo diante de altas 0,15 a 0,25 segundos (150 a 250 ms) (Tilley e concentrações de dióxido de carbono (CO2), como Burtnick, 1999; Goodwin, 2002), portanto, todas as verificado pelos valores de ETCO2 (Tabela 2). Tal médias registradas (Tabela 1) nos cinco grupos estão evento pode ser atribuído à diminuição da sensibilidade dentro desse intervalo, sendo que foi verificada esta- dos quimiorreceptores ao CO2 durante a anestesia com bilidade das mesmas durante todo procedimento e propofol (Short e Bufalari, 1999; McDonell e Kerr, diferenças entre os grupos não foram observadas. A 2007). estabilidade de QT, em G100, G80, G60, G40 e G21, Após a indução anestésica, os valores de f registrados pode ser justificada pela inalterabilidade da FC, já que estavam abaixo dos considerados fisiológicos (13 tais parâmetros são inversamente proporcionais movimentos/minuto) para a espécie (McDonell e Kerr, (Hutchisson et al., 1999). Portanto, como proposto para 2007). Contudo, observou-se estabilidade das médias a FC, o emprego de diferentes FiO2 não promoveu desse parâmetro durante todo o procedimento (Tabela alterações no intervalo QT. 2). Pires et al. (2000), em seu estudo com cães pré- Em cães submetidos à infusão contínua de propofol- medicados seguida de infusão contínua de propofol NaCL e mantidos em ventilação controlada com (0,4 mg/kg/min) e recebendo suprimento de oxigênio FiO2=0,6, Barbosa (2007) registrou aumentos nas a 100%, observaram médias de f (de 16 a 22 médias de QT nos momentos finais do procedimento, movimentos/minuto) maiores que as registradas em diferindo da estabilidade observada nesse estudo no G100. Essa diferença provavelmente ocorreu porque G60. Acredita-se que tal diferença possa ser atribuída nesse estudo os animais não foram pré-medicados e a a infusão contínua de NaCl 0,9 % conjuntamente com dose de infusão contínua utilizada foi maior, sendo a o propofol, já que, para QT é atribuída a característica depressão respiratória dependente da dose de propofol de demonstração dos possíveis efeitos de fármacos e administrada (Aguiar et al., 2001; Ferro et al., 2005). eletrólitos sobre a dinâmica cardíaca (Oguchi e Para o ETCO2, que reflete de maneira muito Hamlin, 1993). Tal suposição pode ser embasada pela próxima os valores de PaCO2 (Nunes, 2002), as média de QT (221±17 ms), registrada por Barbosa médias observadas estavam acima do intervalo (2007) imediatamente antes da administração da fisiológico (35 a 45 mmHg) para espécie (Muir III e solução fisiológica, que foi próxima aos valores Hubbell, 1997) durante todo protocolo experimental

69 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 65-72

Tabela 2 - Valores médios e desvios padrão (x±s) de f, ETCO2, SpO2, TC e PAM em cães submetidos à infusão contínua de propofol (0,7 mg/kg/mim) mantidos em ventilação espontânea com diferentes frações inspiradas de oxigênio [FiO2 =1 (G100), FiO2 = 0,8 (G80), FiO2 = 0,6 (G60), FiO2 = 0,4 (G40) ou FiO2 = 0,21 (G21)]. Parâmetros Grupos Momento M0 M15 M30 M45 M60 G100 8 ± 4 7 ± 2 7 ± 3 7±3 7 ± 2 G80 7 ± 3 5 ± 1 7 ± 4 7 ± 3 6 ± 2 f (mov/min) G60 9 ± 4 8 ± 3 8 ± 4 8 ± 3 9 ± 4 G40 9 ± 4 8 ± 3 8 ± 2 7 ± 5 8 ± 3 G21 10 ± 6 9 ± 6 10 ± 7 7 ± 5 11 ± 6 G100 65 ± 16 68 ± 17 70 ± 15 72 ± 17 68 ± 15 G80 60 ± 21 68 ± 21 68 ± 21 71 ± 17 77 ± 19 ETCO2 (mmHg) G60 70 ± 16 67 ± 14 71 ± 22 73 ± 16 72 ± 17 G40 54 ± 12 62 ± 16 64 ± 15 68 ± 20 66 ± 22 G21 53 ± 8 53 ± 7 54 ± 62 56 ± 10 56 ± 10 G100 97 ± 2 97 ± 1 97 ± 1 97 ± 1 97 ± 1A G80 98 ± 1A 98 ± 1 97 ± 1 A 97 ± 1 96 ± 1 A A A A SpO2 (%) G60 97 ± 2 98 ± 1 97 ± 1 97 ± 2 97 ± 1 G40 97 ± 1 96 ± 4 97 ± 1 93 ± 10 96 ± 2 A G21 84 ± 21B 89 ± 13B 92 ± 9B 84 ± 23 87 ± 12B G100 37,6 ± 0,6a 37,4 ± 0,7ab 37,1 ± 0,9c 36,6 ± 1,0d 36,4 ± 1,0d G80 37,1 ± 0,3Ba 36,9 ± 0,4 36,5 ± 0,4b 36,4 ± 0,5 36,3 ± 0,5b TC (ºC) G60 38,0 ± 0,5Aa 37,5 ± 0,6ab 37,4 ± 0,6b 37,1 ± 0,5bc 36,9 ± 0,7c G40 37,8 ± 0,7a 37,4 ± 0,8ab 37,1 ± 0,8bc 37,0 ± 0,8 36,8 ±0,7c G21 37,9 ± 0,6a 37,4 ± 0,7ab 37,3 ± 0,7b 36,9 ± 0,8bc 36,5 ± 0,7c G100 92 ± 20 90 ± 15 85 ± 15 92 ± 20 90 ± 21 G80 88 ± 31 81 ± 23 84 ± 23 84 ± 22 83 ± 21B PAM (mmHg) G60 93 ± 19 96 ± 15 100 ± 27 99 ± 18 94 ± 13 G40 94 ± 26 87 ± 29 91 ± 26 93 ± 22 100 ± 23 G21 90 ± 20 95 ± 22 93 ± 22 117 ± 32 112 ± 37A Médias seguidas por letras diferentes, nas colunas, diferem entre si pela Análise de Perfil (P <0,05).

(Tabela 2). Todavia, apesar da hipercapnia estar ventilação espontânea com FiO2=1,0, registraram relacionada com o aparecimento de arritmias cardía- valores de SpO2 dentro dos valores considerados cas (Ward et al., 2006) estas não foram observadas fisiológicos, sendo este fato relacionado ao uso do nesse estudo como descrito anteriormente. Pela oxigênio a 100% e à perfusão tecidual adequada análise estatística empregada não foram observadas demonstrada pelos valores de PAM, concordando com diferenças entre os grupos e entre os momentos para o os achados de G100. Barbosa (2007), empregando ETCO2 (Tabela 2), o que possibilita propor que as FiO2=0,6 durante ventilação controlada em cães diferentes FiO2 não promoveram alterações nesse submetidos à infusão contínua de propofol e solução parâmetro. de NaCl a 0,9%, registrou valores dentro do intervalo A oxigenação arterial pode ser expressa tanto pela fisiológico para espécie, como verificado nesse pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2) estudo no G60. como pela SpO2 (Wilson, 2004), sendo que este Em relação à pressão arterial média, não foram último parâmetro indica a capacidade do pulmão em registradas diferenças significativas entre os grupos fornecer oxigênio ao sangue (Haskins, 2001) e não a até M45. No entanto, em M60, o G21 apresentou média quantidade do gás disponível para os tecidos maior que G80 (Tabela 2). Os quimiorreceptores, (O’Flaherty, 1994). Os valores considerados fisiológi- localizados em vários pequenos órgãos e nos corpos cos para Guyton e Hall (1997) estão entre 92 e 99%. carotídeos e aórticos, são células quimiossensíveis à Neste estudo, no G21, essa variável manteve-se abaixo falta de O2 e ao excesso de (CO2) ou de íons de dos valores acima propostos, durante todo o procedi- hidrogênio, e que nessas condições transmitem sinais mento, o que possibilitou a concretização de diferen- ao centro vasomotor proporcionando aumento da ças desse grupo em relação aos outros (Tabela 2). A pressão arterial (Guyton, 1992). Desta forma, sugere-se justificativa para tal ocorrência pode ser o suprimento que os quimiorreceptores tenham sido ativados, não de oxigênio (FiO2=0,21), já que a perfusão tecidual permitindo, portanto, reduções na PAM, uma vez que, demonstrou estar adequada pelos valores de PAM em todos os grupos foi observado excesso de dióxido de obtidos (Tabela 2). Pires et al. (2000), utilizando carbono conforme demonstrado pelos valores de

70 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 65-72

ETCO2 (Tabela 2). No entanto, como a média de Bacharova L (2003). Evidence-based medicine. A lesson for SpO2 = 90% é equivalente a uma pressão parcial de electrocardiography? Arq Bras Cardiol, 81: 101-110. oxigênio (PO ) de 60mmHg, enquanto que Barbosa VF (2007). Anestesia total intravenosa em cães pela 2 administração de propofol e butorfanol em infusão SpO2=75% corresponde a PO2 de 40 mmHg (Haskins, 2007), aventa-se afirmar que em G21, contínua: hemodinâmica, eletrocardiografia e índice biespectral. Tese de mestrado. Faculdade de Ciências além da alta concentração de CO2 ocorreu também Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista baixa tensão de oxigênio. Como a estimulação dos (UNESP), Jaboticabal, SP, Brasil, 72. quimiorreceptores pode ser gerada a partir de tensões Bendixen HH, Hedley-Whyte J, Laver MB (1963). Impaired de CO2 acima de 30 mmHg e tensões de O2 menores oxygenation in surgical patients during general anaes- ou iguais a 90 mmHg (Detweiler, 1996), acredita-se thesia with controlled ventilation: a concept of atelectasis. que tais fatores ocorreram no G21, proporcionando N Engl J Med, 290: 991-996. valores de pressão maiores que os do G80, que em Bufalari A, Short CE, Giannoni C, Vainio O (1996). contrapartida devem ter apresentado maior oxige- Comparative responses to propofol anesthesia alone nação arterial conforme sugerido pelas médias de with alpha 2-adrenergic medications in a canine model. SpO registradas nesse grupo. Acta Vet Scand, 37: 187-201. 2 Claybaugh JR, Sato AK, VanScoy SC (2003). Effects of Todavia, apesar de ser relatada a redução da PA com FiO2 on O2 consumption and cardiovascular and administração de propofol (Bufalari et al., 1996; Ferro hormonal responses to hemorrhage in the goat. Mil et al., 2005), nesse estudo observou-se estabilidade da Med, 168:758-764. PAM, durante todo protocolo experimental. Barbosa Curi PR (1980) Análise de medidas repetidas em modelos (2007) registrou médias de PAM entre 81 e 86 mmHg biológicos. Rev Bras Estat, 41: 137-150. para cães anestesiados com propofol-NaCl e mantidos Detweiler DK (1996). Mecanismo de controle do sistema circulatório In: Dukes: fisiologia dos animais domésticos, em ventilação controlada com FiO2=0,6. Da mesma forma que registrado no G60, a autora observou 11ª edição. Editores: MJ Swenson e WO Reece. estabilidade para esse parâmetro. No entanto, as Guanabara Koogan, Rio de Janeiro: 170-208. Duke T (1995). A new intravenous anesthetic agent: médias de PAM em G60 são maiores (Tabela 2) que as Propofol. Can Vet J, 36:181-183. obtidas por Barbosa (2007), mesmo com a dose (0,7 Fantoni DT (2002). Anestesia no cardiopata. In: Anestesia mg/kg/min) de propofol empregada nesse estudo em cães e gatos. Editores: DT Fantoni e SRG sendo maior do que a utilizada pela autora supracita- Cortopassi. Roca, São Paulo: 294-320. da, já que segundo Ferro et al. (2005) as reduções na Ferro PC, Nunes N, Paula DP, Nishimori CT, Conceição PA são dependentes da dose empregada. Portanto, EDV, Guerrero PNH, Arruda LM (2005). Variáveis acredita-se que tal divergência é devido ao uso de fisiológicas em cães submetidos à infusão contínua de ventilação controlada, por Barbosa (2007), com diferentes doses de propofol. Ciênc Rural, 35: 1103- intuito de manter os valores de capnometria entre 35 e 1108. 45 mmHg, diferindo, desta maneira, dos altos valores Fox PR, Sisson D, Moise NS (1988). Textbook of canine and feline cardiology – Principles and practice. 2ª Edição. de ETCO obtidos em G60 (Tabela 2). 2 WB Saunders, Philadelphia, 955 p. Fragata FS (2004). Avaliação eletrocardiográfica e da Conclusão pressão arterial na indução anestésica com propofol e na manutenção com isofluorano ou infusão contínua de Conclui-se que, em cães submetidos à infusão propofol em cães. Tese de Mestrado da Faculdade de contínua de propofol, na dose de 0,7 mg/kg/min, e Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP Brasil, 128 p. mantidos em ventilação espontânea, os parâmetros Goodwin JK (2002). Eletrocardiografia. In: Manual de eletrocardiográficos não são afetados pelo emprego cardiologia para cães e gatos, 3ª edição. Editores: LP de diferentes FiO2, todavia, a FiO2=0,21 deve ser Tilley e JK Goodwin. Roca, São Paulo: 39-65. evitada, pois proporciona prejuízos à oxigenação Guyton AC (1992). Regulação nervosa da circulação e arterial. controle rápido da pressão arterial. In: Tratado de fisiologia médica, 8ª edição. Editor: AC Guyton. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro: 170-179. Bibliografia Guyton AC, Hall JE (1997). Transporte de oxigênio e de dióxido de carbono no sangue e em outros líquidos Aguiar AJA, Luna SPL, Oliva VNLS, Eugênio FR, Castro corporais. In: Tratado de fisiologia médica. 9ª edição. GB (2001). Continuous infusion of propofol in dogs Editor: AC Guyton. Interamericana, Rio de Janeiro: 465- premedicated with methotrimeprazine. Vet Anaesth 474. Analg, 28: 220-224. Haskins SC (2001). Monitoração perioperatória. In: Manual Akça O, Podolsky A, Eisenhuber E, Panzer O, Hetz H, de anestesia em pequenos animais, 2ª edição. Editor: RR Lampl K, Lackner F, Wittmann K, Grabenwoeger F, Paddleford. Roca, São Paulo: 143-169. Kurz A, Schultz AM, Negishi C, Sessler DI (1999). Haskins SC (2007). Monitoring the anesthetized patient. In: Comparable postoperative pulmonary atelectasis in Lumb & Jones’ veterinary anesthesia, 4ª edição. patients given 30% or 80% oxygen during and 2 hours Editores: WJ Tranquilli, JC Thurmon e KA Grimm. after colon resection. Anesthesiology, 91: 991-998. Blackweell Publishing, Oxford: 533-558.

71 Lopes PCF et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 65-72

Hutchisson B, Cossey S, Wheeler R (1999). Basic electro- O’Flaherty D (1994). Capnography – principles and practice cardiogram interpretation for the nurse. AORJN, 69: series. BMJ, London, 108 p. 221-239. Oguchi Y, Hamlin RL (1993). Duration of QT interval in Jefferies AR (1994). Pathology. In: Anaesthesia of the cat, 1ª clinically normal dogs. Am Vet Res, 54: 2145-2149. Edição. Editores: LW Hall, LM Taylor. Baillière Tindall, Pires JS, Campello RAV, Faria RX, Guedes AGP (2000). Londres: 63-88. Anestesia por infusão contínua de propofol em cães John AD, Fleisher L (2004). Eletrocardiography. Int pré-medicados com acepromazina e fentanil. Ciênc Anesthesiol Clin, 42: 1-12. Rural, 30: 829-834. Kiely DG, Cargill RI, Lipworth BJ (1996). Effects of Romaldini H (1995) Repercussões cardiovasculares da hypercapnia on hemodynamic, inotropic, lusitropic and ventilação mecânica. In: Assitência ventilatória mecânica. electrophysiologic indeces in humans. Chest, 109: 1215- Editores: JOC Auler Jr e RVG Amaral. Atheneu, São 1221. Paulo: 115-119. Kim SH, Stezoski SW, Safar P, Tisherman SA (1998). Short CE, Bufalari A (1999). Propofol anesthesia. Vet Clin Hypothermia, but not 100% oxygen breathing, prolongs North Am Small Anim Pract, 29: 747-778. survival time during lethal uncontrolled hemorrhagic Strandberg A, Tokics L, Brismar B, Lundquist H, shock in rats. J Trauma, 44: 485-491. Hendestierna G (1986). Atelectasis during anaesthesia Magnusson L, Spahn DR (2003). New concepts of atelectasis and in the postoperative period. Acta Anaesth Scand, 30: during general anaesthesia. Br J Anaesth, 91: 61-72. 154-158. McDonell WN, Kerr CL (2007). Respiratory System. In: Tilley LP (1992). Essentials of canine and feline electrocar- Lumb & Jones’ veterinary anesthesia, 4ª Edição. diographic: interpretation and treatment. 3ª edição. Lea Editores: WJ Tranquilli, JC Thurmon e KA Grimm KA. & Feabinger, Philadelphia, 470 p. Blackweell Publishing, Oxford: 117-151. Tilley LP, Burtnick NL (1999). Electrocardiography for the Miller RD (2005). Miller’s anesthesia, 6ª edição. Elsevier small animal practitioner. Teton NewMedia (Jackson), Churchill Livingstone, Philadelphia, 3024. 107 p. Morgan DWT, Legge K (1989). Clinical evaluation of Ward JPT, Ward J, Leach RM, Wiener CM (2006). propofol as an intravenous anesthetic agent in cats and Respiratory failure, In: The respiratory system at a dogs. Vet Rec, 1: 31-33. Glance, 2ª Edição. Editor: JPT Ward, J Ward, RM Leach Morrison DF (1967). Multivariate statistical methods. e CM Wiener. Wiley-Blackwell, Oxford: 52-53. McGrows Hill Books (New York), 388. White FP (2001). Propofol. In: Tratado de anestesia venosa. Muir III WW, Hubbell JAE (1997). Manual de anestesia Editor: PF White. Artmed, Porto Alegre: 121-175. veterinária, 2ª Edição. Artmed, Porto Alegre, 503 p. Wilson DV (2004). Monitoração respiratória. In: Segredos Muir III WW, Mason D (1996). Cardiovascular system. In: em anestesia veterinária e manejo da dor. Editor: AS Lumb & Jones’ veterinary anesthesia, 3ª Edição. Greene. Artmed, Porto Alegre: 141-148. Editores: JC Thurmon, WJ Tranquilli e GJ Benson. Zappellini A, Moreno H Jr, Antunes E, De-Nucci G (1996). Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia: 62-114. Evaluation of two different oxygen inspiratory fractions Nunes N (2002). Monitoração da anestesia. In: Anestesia em on the hemodynamic effects of N omega-nitro-Larginine cães e gatos. Editores: DT Fantoni e SRG Cortopassi. methyl ester in anesthetized dogs. Braz J Med Biol Res, Roca, São Paulo: 64-81. 29: 33-39.

72 RPCV (2008) 103 (565-566) 73-77 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Effects of propofol and sufentanil on the electrocardiogram of dogs premedicated with acepromazine

Efeitos do propofol e sufentanil sobre o eletrocardiograma de cães pré-medicados com acepromazina

1 1 2 3 Roberta Carareto *, Marlos G. Sousa , Juliana C. Zacheu , Antonio José de A. Aguiar , 4 Aparecido A. Camacho

1College of Veterinary Medicine and Animal Science, The Federal University of Tocantins (UFT), Campus of Araguaína, Brazil 2College of Veterinary Medicine, Jaguariúna, Brazil 3College of Veterinary Medicine and Animal Science, São Paulo State University (UNESP), Campus of Botucatu, Brazil 4College of Agricultural and Veterinary Sciences, São Paulo State University (UNESP), Campus of Jaboticabal, Brazil

Summary: This study was conceived to evaluate the effects of protocolos anestésicos diferentes, separados por intervalos propofol and sufentanil on the electrocardiographic parameters semanais, sendo empregada doses diferentes de sufentanil em of healthy dogs. Six mature dogs were enrolled in the study. cada sessão anestésica: (G1) 0,025 µg/kg/minuto; (G2) 0,05 Dogs were premedicated with acepromazine, followed by µg/kg/minuto; e (G3) 0,1 µg/kg/minuto. Os traçados eletrocar- propofol to induce anesthesia, which was maintained with diográficos foram registrados aos 15 minutos após a aplicação propofol and sufentanil infused continuously. Every animal da acepromazina (M0), e aos 15 (M1), 30 (M2), 60 (M3), 90 underwent three anesthetic procedures at one-week intervals. (M4), e 120 (M5) minutos após a indução anestésica. Foram Each anesthesia was accomplished with a different dose of avaliados a freqüência cardíaca, duração e amplitude da onda P, sufentanil: (G1) 0.025 µg/kg/minute; (G2) 0.05 µg/kg/minute; duração do complexo QRS, amplitude da onda R, intervalo PR, and (G3) 0.1 µg/kg/minute. Electrocardiograms were recorded e intervalo QT. Também se atentou às eventuais anormalidades at 15 minutes after acepromazine was given (M0), and at 15 no segmento ST e ao desenvolvimento de arritmias. Os dados (M1), 30 (M2), 60 (M3), 90 (M4), and 120 (M5) minutes after evidenciaram decréscimo da freqüência cardíaca e aumento dos induction of anesthesia. Heart rate, duration and amplitude of P intervalos PR e QT apenas em G2 e G3. A duração da onda P wave, duration of QRS complex, R wave amplitude, PR inter- aumentou significativamente em G1 e G3. Contudo, não foram val, and QT interval were recorded. ST segment abnormalities evidenciadas alterações na amplitude da onda P, duração do and the development of arrhythmias were also searched. complexo QRS e amplitude da onda R, assim como no segmento Propofol and sufentanil decreased heart rate, and increased PR ST. Não se documentou a existência de arritmias malignas. Os interval and QT interval in G2 and G3, but failed to do so in G1. resultados apontam que a associação de propofol e sufentanil The duration of P wave increased significantly in G1 and G3. parece afetar a condução elétrica e freqüência cardíaca de No significant changes were seen in P wave amplitude, duration maneira dose-dependente. of QRS complex, and R wave amplitude. Neither ST segment abnormality nor malignant arrhythmias were observed. The Palavras–chave: anestesia intravenosa total; opióides; eletrofi- results indicated that the association of propofol and sufentanil siologia. seems to affect cardiac electrical conduction and heart rate in a dose-dependent fashion. Introduction Keywords: total intravenous anesthesia; opioids; electrophysi- ology. Although inhalational anesthesia seems to be the Resumo: Este estudo foi concebido para avaliar os efeitos da best option in many conditions in veterinary practice, associação de propofol e sufentanil sobre os parâmetros eletro- there are several situations in which a safe protocol cardiográficos de cães saudáveis. Seis cães adultos foram of intravenous anesthesia is required for short-term incluídos no estudo. Os animais foram pré-medicados com anesthesia in either healthy or diseased dogs acepromazina, seguida da indução anestésica com propofol. A manutenção anestésica foi realizada com propofol e sufentanil (Hellebrekers and Sap, 1997). em infusão contínua. Todos os cães foram submetidos a três Total intravenous anesthesia is obtained through the association of several drugs with distinct actions in the body. When given together, such drugs produce the four basic components of anesthesia: unconsciousness (hypnosis), analgesia, muscular relaxation, and auto- nomic reflex control (Thurmon et al., 1996). *Correspondence: [email protected] The pharmacokinetic and pharmacodynamic Tel: +55 63 2112 2113; Fax: +55 63 2112 2136 characteristics of propofol make it the best hypnotic

73 Carareto R et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 73-77 agent for induction and maintenance of total intra- later, anesthetic induction was accomplished with venous anesthesia (Bembrigde et al., 1993). Propofol propofol (Diprivan 1%, AstraZeneca, Cotia, Brazil) at is known, however, for not producing a relevant anal- 5 mg/kg given intravenously. The animals were then gesia, which demands its association with analgesic intubated. Anesthetic maintenance was initiated drugs, such as opioids or ketamine (Whitwan et al., immediately after induction of anesthesia. For such, 2000). two infusion pumps were attached to a three-way stop- Mu-agonist opioids like alfentanil, sufentanil, and cock connected to the catheter previously inserted. remifentanil, have been frequently used in association The first pump (Samtronic 550T2, Samtronic, São with propofol. Analgesia and hemodynamic stability Paulo, Brazil) was used for propofol administration is achieved during intravenous infusion due to the (0.2 mg/kg/minute), and the second one (Samtronic pharmacokinetic feature of these opioids. Many clinical 680, Samtronic, São Paulo, Brazil) was used to trials have shown that sufentanil, given as either bolus deliver sufentanil (Sufenta 75 µg/ml, Janssen-Cilag, or continuous infusion, produces an effective analgesia São José dos Campos, Brazil) in three different doses for several surgical procedures (Rosow, 1984). in accordance with the group to which the animal was However, it is not completely exempt from side allocated: (G1) 0.025 µg/kg/minute, (G2) 0.05 µg/kg/ effects, which are related to m receptors located at minute, and (G3) 0.1 µg/kg/minute. The infusion of several organs (Miller et al., 1988). both propofol and sufentanil was discontinued 120 Regarding the cardiovascular system, Weber et al. minutes after induction. (1995) showed that sufentanil reduced the sponta- To maintain end-tidal carbon dioxide between 35 neous depolarization of sinus node in guinea-pig and 45 mmHg throughout anesthesia, mechanical hearts. It also delayed atrioventricular, intraventricular, ventilation was instituted immediately after induction. and His bundle conduction times. In dogs, Blair et al. All dogs were managed with an artificial ventilator (1989) showed that sufentanil delayed the action (Mechanical ventilator mod. 676, K. Takaoka, São potential on Purkinje cardiac fibers, producing direct Paulo, Brazil) using volume-limited ventilation (VT = effects on cellular membrane. Freye et al. (2000) has 20 mL/kg). During the study period, respiratory also reported that sufentanil reduces heart rate due to frequency was set at 10 movements per minute, I:E its parasympathetic and vagotonic effects. ratio was set at 1:2, and 100% oxygen was provided. Therefore, this study was conceived to evaluate the Electrocardiogram was recorded in every animal as effects of propofol and three increasing doses of described elsewhere (Tilley, 1992). The paper speed sufentanil on the electrocardiographic parameters of was defined as 50 mm/second, and the device was healthy dogs premedicated with acepromazine. calibrated to 1 cm = 1 mV. Electrocardiographic mea- surements included: heart rate (HR), duration of P wave (Pms), P wave amplitude (PmV), PR interval Materials and methods (PR), duration of QRS complex (QRS), R wave amplitude (RmV), and QT interval (QT). Changes in The study was approved by the institutional ST segment (depression or elevation), and develop- Committee on the Ethics and Welfare in Animal ment of malignant arrhythmias were also searched. Experimentation. During the entire experiment, dogs Electrocardiographic parameters were measured fifteen were housed in individual cages and were given free minutes after premedication with acepromazine (M0), access to water and provided with commercially and at 15 (M1), 30 (M2), 60 (M3), 90 (M4), and 120 available dog food twice a day. The study was (M5) minutes after induction of anesthesia. Each conducted in accordance with guidelines outlined in measurement represented the mean of at least three the National Institutes of Health - Guide for the Care consecutive cardiac cycles in every animal. and Use of Laboratory Animals. The animals were A one-way analysis of variance was used to check determined to be healthy based on results of both for differences in electrocardiographic parameters physical and laboratorial examinations prior to the during anesthesia. When differences were determined beginning of the experiment. to exist, data was further analyzed using the post hoc Six mature mongrel female dogs were enrolled Tukey-Kramer test. We also performed the Student- in the study. The dog’s mean body weight was Newman-Keuls test to check whether different doses 16.8 ± 2.81 kg (x ± SD). Each animal underwent three of sufentanil played a role in electrocardiographic anesthetic procedures at one-week intervals. Each changes. anesthesia was performed using a different dose of sufentanil. After a catheter (Angiocath 20G, Becton Dickinson, Results Juiz de Fora, Brazil) was inserted through the left cephalic vein, the animals were premedicated with Results of electrocardiographic parameters are acepromazine (Acepran 0.2%, Univet, São Paulo, given in Table 1. Significant differences are reported. Brazil) at 0.05 mg/kg intravenously. Fifteen minutes Changes in heart rate are shown in Figure 1.

74 Carareto R et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 73-77

Table 1 - Electrocardiographic parameters in six dogs anesthetized with continuous infusion of propofol (0.2 mg/kg/minute) and increasing doses of sufentanil: G1 (0.025 µg/kg/minute), G2 (0.05 µg/kg/minute), and G3 (0.1 µg/kg/minute). Data expressed as mean ± standard deviation. Group M0 M1 M2 M3 M4 M5 P Baseline 15 minutes 30 minutes 60 minutes 90 minutes 120 minutes ANOVA Pms G1 39.0 ± 2.0 51.6 ± 7.5 53.3 ± 8.1 55.0 ± 8.3* 55.0 ± 8.3* 60.0 ± 12.6* 0.0048 G2 39.2 ± 8.9 54.4 ± 14.0 52.0 ± 10.9 50.0 ± 10.0 54.4 ± 14.0 50.0 ± 11.5 0.2603 G3 38.2 ± 0.5 46.0 ± 9.5 50.0 ± 11.5* 60.0 ± 2.1* 60.5 ± 1.0* 60.7 ± 1.5* <0.0001 PmV G1 0.18 ± 0.02 0.20 ± 0.03 0.20 ± 0.03 0.17 ± 0.04 0.20 ± 0.03 0.17 ± 0.06 0.4443 G2 0.21 ± 0.06 0.21 ± 0.03 0.21 ± 0.05 0.21 ± 0.05 0.21 ± 0.02 0.20 ± 0.04 0.9981 G3 0.24 ± 0.08 0.20 ± 0.08 0.20 ± 0.08 0.17 ± 0.05 0.20 ± 0.07 0.21 ± 0.04 0.6660 PR G1 90.0 ± 27.5 106.6 ± 27.3 108.3 ± 27.1 123.3 ± 34.4 122.0 ± 29.2 133.3 ± 32.6 0.1912 G2 96.0 ± 21.9 116.4 ± 26.1 130.0 ± 30.0 140.0 ± 34.6 137.6 ± 29.4 155.0 ± 19.1* 0.0151 G3 95.0 ± 16.3 115.0 ± 19.1 125.0 ± 19.1 135.0 ± 19.1* 150.0 ± 20.0* 155.0 ± 23.4* <0.0001 QRS G1 41.1 ± 1.6 45.5 ± 7.3 49.1 ± 9.0 54.1 ± 14.3 54.1 ± 14.2 54.1 ± 14.2 0.2370 G2 39.4 ± 1.3 41.2 ± 1.7 46.4 ± 8.6 46.6 ± 8.4 42.4 ± 4.3 43.0 ± 4.7 0.2108 G3 40.0 ± 1.6 46.7 ± 8.9 50.7 ± 10.6 51.0 ± 10.3 50.7 ± 10.6 50.7 ± 10.6 0.2878 RmV G1 1.20 ± 0.22 1.22 ± 0.20 1.17 ± 0.20 1.09 ± 0.26 1.15 ± 0.27 1.14 ± 0.21 0.9387 G2 1.19 ± 0.55 1.14 ± 0.46 1.18 ± 0.45 1.15 ± 0.49 1.21 ± 0.46 0.97 ± 0.25 0.9501 G3 1.22 ± 0.34 1.40 ± 0.27 1.32 ± 0.41 1.32 ± 0.30 1.36 ± 0.40 1.28 ± 0.35 0.9629 QT G1 232.0 ± 16.0 238.6 ± 26.1 246.6 ± 20.6 256.6 ± 26.5 260.0 ± 25.2 266.0 ± 39.3 0.2201 G2 232.0 ± 10.9 244.0 ± 8.9 260.0± 14.1* 262.4 ± 5.3* 269.6 ± 13.4* 265.0 ± 10.0* <0.0001 G3 225.0 ± 19.1 250.0 ± 20.0 245.0 ± 25.1 260.0 ± 23.0 270.0 ± 25.8* 265.0 ± 19.1* 0.0184

During anesthesia, neither malignant arrhythmias value, whereas in G3, M2, M3, and M4 were lower nor abnormal electrocardiographic figures were than M0. Maximal percentage changes in heart rate observed. The most frequent arrhythmia was sinus were achieved at M4 for G1 (26.25%), at M2 for G2 bradycardia. Such arrhythmia was seen earlier in G2 (26.33%), and at M4 for G3 (25.37%). (from M2 to M5), and G1 (from M3 to M4). Sinus Regarding atrial electrical impulse (PmV), baseline rhythm and sinus arrhythmia were also observed. values were similar to values during anesthesia in Also, we did not see either elevation or depression of every group. Also, no differences existed in PmV the ST segment. between groups. In all moments, PmV was within the Heart rate decreased significantly with anesthesia in reference range for canines. G2 (P=0.0318) and G3 (P=0.0256) (Figure 1). The The duration of electrical conduction through decrease in heart rate did not attain statistical signifi- atrioventricular node (PR interval) was similar among cance in G1. Individual comparison showed that in groups. In G2, PR at M5 was significantly greater than G2, M2 was significantly lower than the baseline baseline measure. In G3, PR from M3 to M5 was

Figure 1 - Variation of heart rate in six dogs anesthetized with continuous infusion of propofol (0.2 mg/kg/minute) and increasing doses of sufentanil. M0: Baseline; M1 to M5: 15, 30, 60, 90, and 120 minutes after induction of anesthesia.

75 Carareto R et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 73-77 greater than baseline value. In all groups, however, occurred in a dose-dependent fashion. In G1, first maximal percentage changes were achieved at M5 degree AV block was seen only at M5, whereas in G2 (48.41% for G1; 61.45% for G2; 62.50% for G3). and G3, it was recorded from M3 and M4, respectively. R wave amplitude (RmV) did not change signifi- The delay in the impulse conduction through the cantly during anesthesia. Values were within the normal atrioventricular node was likely caused by the dose- range for dogs. Also, groups were determined to have dependent vagotonic effect of sufentanil (Bovill, similar RmV at baseline and throughout anesthesia. 1993). Studying cardiac electrophysiology, Blair et al. Regarding QT interval, a significant increase was (1989) demonstrated that both fentanyl and sufentanil observed in G2 from M2 to M5, whereas in G3, an can delay ventricular depolarization due to a prolonged increase was observed at M4 and M5. When groups Purkinje fiber potential, thereby resulting in a longer were compared, no significant differences existed. In PR interval. When the effects of sufentanil on guinea-pig G1, maximal percentage change was achieved at M5 hearts were investigated, Weber et al. (1995) observed (14.65%), whereas in G2 and G3, it was achieved at that such opioid produces effects similar to unspecific M4 (16.20% and 20.00%, respectively). calcium antagonists, leading to a significant prolongation For all parameters, the Student-Newman-Keuls test in atrioventricular electrical conduction. did not reveal differences between groups. Although no differences existed between groups regarding the duration of QRS complex, as well as within each group in relation to baseline measure- Discussion ments, we observed an increase in QRS after the infusion of propofol and sufentanil was initiated. Dogs tolerated the infusion of propofol and sufen- Furthermore, the values of QRS remained slightly tanil with no complications, but the development of higher than the normal reference range for canines sinus bradycardia in some animals. The absence of (Tilley, 1992). According to Weber et al. (1995), this malignant arrhythmias or shifts in ST segment may finding may be related to a prolongation of intraven- indicate that the association of propofol and sufentanil tricular and His bundle conduction times caused by did not result in myocardial oxygenation disturbances sufentanil. (Tilley, 1992). QT interval is inversely related to heart rate (Oguchi It is likely that the association of sufentanil and and Hamlin, 1993), which may explain the increasing propofol produced bradycardia due to an increase in QT interval during propofol and sufentanil anesthesia. vagal activity, as was demonstrated by Freye et al. The parasympathetic activity of sufentanil produced a (2000) and Hughes and Nolan (1999). In another negative chronotropic effect (Blair et al., 1989). The study, Flecknell et al. (1990) showed that propofol and increase in QT interval was also observed by Santos et alfentanil produced depression of the cardiovascular al. (2001) during desflurane anesthesia in association system in dogs, and suggested that bradycardia was with fentanyl and droperidol. In the latter study, QT possibly exacerbated by the opioid. After administration prolongation was ascribed to the parasympathetic of sufentanil in horses, Van Dijk and Nyks (1998) activity of fentanyl. observed bradycardia in all animals and suggested that vagal stimulation had occurred. In cats, Mendes and Selmi (2003) documented a significant reduction in Conclusion heart rate during total intravenous anesthesia with propofol and sufentanil at 0.01µg/kg/minute. In our In conclusion, continuous infusion of propofol and study, heart rate did not differ between groups. sufentanil affects cardiac electrical activity, resulting Therefore, sufentanil failed to cause a dose-dependent in a delay in atrioventricular electrical conduction and parasympathetic effect in this study, contrasting with ventricular depolarization, besides reducing heart rate. results of De Hert (1991). When studying the Whether such changes may be partially overcome association of sevoflurane and nitrous oxide with two during surgical procedure is yet to be determined. different bolus of sufentanil (0.025 and 0.1 µg/kg), Cardinal et al. (2004) observed an increased risk of developing bradycardia and assystole. Acknowledgement Although the duration of P wave (Pms) was similar The authors would like to thank the grant from among groups, we observed an increase in Pms during Fundunesp. anesthesia in G1 and G3. Such findings may be attributable to a delay in atrial electrical conduction due to increased cardiac muscle impedance caused by Bibliography sufentanil (Weber et al., 1995). First degree AV block is defined as the prolongation Bembridge JL, Moss E, Grummitt RM, Noble J (1993). Comparison of propofol with enflurane during hypoten- of PR interval greater than 130 milliseconds (Tilley, sive anaesthesia for middle ear surgery. British Journal 1992). In our study, first degree atrioventricular block of Anaesthesia, 71: 895-897.

76 Carareto R et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 73-77

Blair JR, Pruett JK, Introna RP, Adams RJ, Balser JS (1989). Miller DR, Wellwood M, Teasdale SJ, Laidley D, Ivanov J, Cardiac electrophysiologic effects of fentanyl and sufen- Young P, Madonik M, McLaughlin P, Mickle DAG, tanil in canine cardiac Purkinje fibers. Anesthesiology, Weisel RD (1988). Effects of anaesthetic induction on 71: 565-570. myocardial function and metabolism: a comparison of Bovill JG (1993). Os opióides na anestesia intravenosa. In: fentanyl, sufentanil and alfentanil. Canadian Jorunal Anestesia Intravenosa. 2nd edition. Editores: Dundee Anaesthesia, 35: 219-233. JW, Wyant GM. Revinter (Rio de Janeiro), 192-229. Oguchi Y and Hamlin RL (1993). Duration of QT interval in Cardinal V, Martin R, Tétrault JP, Colas MJ, Gagnon L, clinically normal dogs. Am J Vet Res, 54: 2145-2149. Claprood Y (2004). Severe bradycardia and asystole Rosow CE (1984). Sufentanil citrate: a new opioid analgesic with low dose sufentanil during induction with sevoflu- for use in anesthesia. Pharmatherapy, 4: 11-19. rane: a report of three cases. Canadian Journal of Santos PSP, Nunes N, Vicenti FM, Cuevas SEM, Rezende Anaesthesia, 51: 806-809. ML (2001). Eletrocardiografia de cães submetidos a De Hert SG (1991). Study on the effects of six intravenous diferentes concentrações de desfluorano, pré-tratados ou anesthetic agents on regional ventricular function in não com a associação de fentanil/droperidol. Ciência dogs (thiopental, etomidato, propofol, fentanyl, sufen- Rural, 31: 805-811. tanil, alfentanil). Acta Anaesthesiology Bel, 1: 3-39. Thurmon JC, Tranquilli WJ, Benson GJ (1996). Injetable Flecknell PA, Kirk AJB, Fox CE, Dark JH (1990). Long- anesthetics. In: Lumb & Jones’ Veterinary Anesthesia. nd term anaesthesia with propofol and alfentanil in the dog 2 edition. Editores: Thurmon JC, Tranquilli WJ, and its partial reversal with nalbuphine. Journal of the Benson GJ. Williams & Wilkins (Baltimore), 210-211. Association of the Veterinary Anaesthetits, 17: 11-16. Tilley LP (1992). Essentials of canine and feline electrocar- Freye E, Latasch L, Poctoghere PS (2000). 14- diography: Interpretation and treatment. 3rd edition. Lea methoxymetopon, a potent opioid agonist, induces no & Febiger (Philadelphia). respiratory depression, less sedation, and less bradicar- Van Dijk P and Nyks SK (1998). Changes in heart, mean dia than sufentanil in the dog. Anesthesia Analgesia, 90: arterial pressure, blood biochemistry, plasma glucose, 1359-1364. plasma lactate and some plasma enzymes during sufen- Hellebrekers LJ and Sap R (1997). Sufentanil e midazolam tanil/halotane anesthesia in horses. Journal of Veterinary anaesthesia in the dog. Journal of Veterinary Anaesthesia, Anaesthesia, 25: 13-18. 19: 69-71. Weber G, Stark G, Stark U (1995). Direct cardiac electro Hughes JML and Nolan AM (1999). Total intravenous physiologic effects of sufentanil and vecuronium in iso- anesthesia in greyhounds: pharmacokinetics of propofol lated guinea-pig hearts. Acta Anesthesiol Scand, 39: and fentanyl – a preliminary study. Veterinary Surgery, 1071-1074. 28: 513-524. Whitwan JG, Gallety DC, Chakrabarti MK (2000). The Mendes GM and Selmi AL (2003). Use of a combination of effects of propofol on the heart rate, arterial pressure and propofol and fentanyl, alfentanil, or sufentanil for total A [Delta] and C somatosympathetic reflexes in anaes- intravenous anesthesia in cats. Journal of the American thetized dogs. European journal of anaesthesiology, 14: Veterinary Medical Association, 223: 1608-1613. 57-63.

77 RPCV (2008) 103 (565-566) 78-82 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Identificação de enterobactérias em ovos de codornizes japonesas (Coturnix japonica) na Região Metropolitana de Fortaleza – Ce, Brasil

Identification of enterobacteria in Japanese quail (Coturnix japonica) eggs in the Metropolitan Region of Fortaleza – Ce, Brazil

1 1 1 1 Adonai A. Siqueira , William M. Cardoso *, Emanuella E. Silva , Josué M. Romão , 1 1 1 2 George C. Nogueira , José D.M. Andrade , Samuel B. Castro , Régis S.C. Teixeira

1Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará – FAVET/UECE. 2PPGCV

Resumo: A coturnicultura brasileira evoluiu bastante nos their presence indicates the level of safety control in food últimos anos, tanto na produção de codornizes para corte como industry. The objective of this study was to perform the isolation na produção de ovos para consumo. O crescimento da produção of enterobacteria in Japanese quail eggs from commercial facilita o acesso desses produtos ao consumidor, tornando establishments in the Metropolitan Region of Fortaleza. A total importantes as avaliações periódicas produtos da coturnicultura. of 680 eggs of Japanese quail (Coturnix japonica) were collected Bactérias da família Enterobacteriaceae são frequentemente from commercial establishments and divided into 68 samples. utilizadas como indicadores das condições sanitárias em empresas The microbiological procedures for enterobacteria presumptive processadoras de alimentos. Este trabalho teve como objetivo identification were divided in 4 steps. The suspect samples to avaliar as principais enterobactérias presentes nos ovos de Salmonella isolation were transferred for slide agglutination test codornizes japonesas em estabelecimentos comerciais na cidade using poly serum anti-somatic Salmonella antigens (O) and de Fortaleza. Para a realização deste trabalho foram colheita dos poly serum anti-flagellar (H) Salmonella antigens. The isolated 680 ovos (68 amostras) comerciais de codornizes japonesas bacteria samples were sent to Instituto Adolf Lutz for (Coturnix japonica) oriundas de cinco fornecedores. Estes identification. The results showed that 45.59% of the egg foram processados em quatro etapas, resultando na identificação samples were contaminated. It was found Enterobacter sp. presuntiva dos gêneros de enterobactérias. Aquelas suspeitas (10.29%), Shigella sp. (11.76%) and Proteus sp. (4.41%) para Salmonella sp. foram repassadas para o teste de aglutinação among others. There was no positive isolation to Salmonella rápida para Salmonella. As culturas positivas foram enviadas ao sp. In conclusion, despite the absence of Salmonella in Japanese Instituto Adolf Lutz para a realização da tipificação sorológica. quail eggs, it was found an important presence of other Foi observado índice de 45,59% de amostras contaminadas; enterobacteria which are potentially pathogenic to humans. entre as bactérias analisadas foram identificadas: Enterobacter sp. (10,29%), Shigella sp. (11,76%) e Proteus sp. (4,41%). Não Keywords: Enterobacteria, Japanese quail, eggs. houve resultados positivos para Salmonella sp. nas amostras. Desta forma, pode-se concluir que apesar da ausência de Salmonella nos ovos de codornas japonesas verificou-se uma Introdução importante presença de outras enterobacterias potencialmente patogénicas para humanos A coturnicultura tem evoluído bastante nos últimos Palavras-chave: Enterobactérias, Codornizes japonesas, ovos. anos, pois é uma excelente alternativa como fonte de alimentos para o consumo humano. Ultimamente Summary: The quail raising in Brazil has increased through the tem-se observado um grande aumento não somente last years. It has been reared for meat and egg production. The increasing in quail production makes easier the access of con- no consumo de ovos de codorniz como também de sumers to quail products, being necessary periodical evaluations carne (Oliveira, 2002). Esta expansão merece atenção for them. Bacteria of the family Enterobacteriaceae are an dos pesquisadores da área avícola no sentido de desen- important source of contamination for poultry products and volver projetos em vários aspectos da produção como manejo, nutrição e proteção contra doenças (Minvielle, 2004). Com o desenvolvimento dos sistemas de criação proporcionando aos produtores uma maior capacidade de alojamento obtém-se maior produtividade. Entretanto, aumentam-se os riscos de contaminação com os diversos agentes patológicos já presentes na produção industrial avícola. Desta foram os riscos de *Correspondência: [email protected]; [email protected] contaminação bacteriana em ovos como também nos Tel/Fax: +55 (085) 2411307/ 2992748/ 99894742 seus subprodutos são temas de grande interesse pelas

78 Siqueira AA et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 78-82 autoridades sanitárias. O aumento do consumo de ovos (Coturnix japonica) oriundas de cinco estabelecimentos de codornizes e seus subprodutos têm sido justificado comerciais da Região Metropolitana de Fortaleza. pela sua fácil obtenção, baixo custo e alto teor nutritivo Imediatamente após a colheita, sob condições normais (Nascimento et al., 1996; Moraes e Ariki, 2000). de comercialização, os ovos foram transportados ao Investigações epidemiológicas indicam o consumo laboratório para a realização da análise bacteriológica. de ovos in natura ou mal cozidos como principais causas de infecções alimentares (Alterkhruse et al., Procedimento microbiológico 1997; ANVISA, 2008). Padron (1990) e Barnes (2003) afirmam que os ovos e seus subprodutos são Os ovos foram analisados através de técnicas indi- considerados a maior fonte de contaminação alimentar cadas para a identificação bacteriológica para por Enterobactérias principalmente as do grupo Salmonella, segundo o Plano Nacional de Sanidade Salmonella. Segundo o Centers for Diseases Control Avícola (MAARA, 2002), com algumas modificações, and Prevention - CDC (1999) a salmonelose vem são elas: a não realização da desinfecção da casca dos sendo responsável por aproximadamente 1,34 milhões ovos em álcool iodado a 70% antes de abrí-lo, na etapa de doentes, 16.430 hospitalizações e 582 mortos a de enriquecimento seletivo utilizamos caldo selenito- cada ano nos Estados Unidos da América (Mead et al., cistina em vez do caldo tetrationato e a realização do 1999). exame de tipificação sorológica, não citado pelo PNSA. As enterobactérias gram-negativas pertencentes à Os ovos foram separados por empresa e formados família Enterobacteriaceae são as isoladas com mais um pool com 10 ovos inteiros por amostra, totalizando frequência de amostras biológicas e estão amplamente 68 amostras, estas foram homogeneizados assepticamente distribuídas na natureza e no trato intestinal dos seres e transferidos para o caldo BHI. humanos e animais (Koneman et al., 2001). Estas As amostras foram processadas em quatro etapas. A enterobactérias pertencem ao grupo dos coliformes primeira foi o pré-enriquecimento seletivo, na qual totais e são representadas por gêneros como: uma alíquota de 4 mL foi alocada em 40 mL de BHI Enterobacter, Klebsiella, Serratia, Hafnia e (MERCK) contida em um Erlemeyer de 250 mL, Citrobacter. Estes gêneros são freqüentemente sendo posteriormente incubados à temperatura de utilizados como indicadores das condições sanitárias 37 ºC por um período de 24 h. A segunda etapa foi a no controle da qualidade de água e alimentos do enriquecimento seletivo, onde alíquotas de 0,1 e (Siqueira, 1995; Souza, 2006). Altas contagens de 1 mL recolhidas dessa cultura pré-enriquecida foram bactérias coliformes significam contaminação pós- transferidas, respectivamente, para tubos contendo processamento ou limpeza e desinfecção deficientes. 10 mL de meio líquido Rappaport-Vassiliadis (RV) Desta forma, tratamentos térmicos ineficientes, como (MERCK) e tubos contendo 10 mL de meio líquido exposição dos ovos a temperaturas não apropriadas ou Selenito Cistina (SC) (MERCK). Estes foram armazenamento prolongado favorece o aumento do incubados em estufa bacteriológica à temperatura de teor microbiano (Delazari, 2002). 37 ºC por um período de 24 h. Na etapa seguinte Várias bactérias aeróbias facultativas da família foram retiradas amostras assepticamente, com uma Enterobactereaceae estão presentes no intestino das alça de níquel-cromo e semeadas em placas contendo aves e podem contaminar a casca dos ovos ao os meios seletivos indicadores Verde-brilhante (VB) passarem pela cloaca (Barrow, 1994; Musgrove et al., (MERCK) e MacConkey (MC) (MERCK), sendo, 2004). Segundo Berrang et al. (1999) e Messens et al. em seguida, incubadas por 24 h a temperatura de (2005), a penetração bacteriana na casca depende 37 ºC, para uma análise posterior. Com a cultura da presença de condensação à superfície e de um obtida foi realizada a identificação presuntiva. Foram diferencial da temperatura entre o ovo e o ambiente. coletadas com auxílio de um fio de platina, previa- Estas situações podem ocorrer na armazenagem mente chamejada, entre três a cinco colônias com as e transporte dos ovos para os estabelecimentos comer- mesmas características morfológicas e semeadas para ciais. Diante do exposto, apresentamos esse trabalho realização das provas bioquímicas em tubos contendo cujo objetivo foi identificar as principais enterobac- os meios gelose inclinada tríplice açúcar ferro – TSI térias encontradas nos ovos de codornizes comerciais (MERCK) e gelose inclinada lisina ferro – LIA (Coturnix japonica) vendidos em estabelecimentos da (MERCK). Como etapa final das provas bioquímicas Região Metropolitana de Fortaleza. foi realizada a prova do indol com o meio SIM (sulfeto, indol e mobilidade). Todas essas provas foram realizadas a uma temperatura de incubação de Material e métodos 37 ºC por um período de 24 h. Assim as bactérias foram classificadas quanto ao género de acordo com as características bioquímicas apresentadas. Colheita de amostras As amostras suspeitas para Salmonella sp. foram Para a realização deste trabalho foram coletados 680 selecionadas através do teste de aglutinação rápida ovos comerciais de codornizes japonesas adultas com soros anti somático "O" (Difco) e anti flagelar

79 Siqueira AA et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 78-82 poli "H" (Difco) de Salmonella sp. Sendo as culturas Discussão positivas repassadas em agar nutriente (Oxoid) e enviadas ao Instituto Adolf Lutz – São Paulo para a Os trabalhos relacionados com o isolamento de realização da tipificação sorológica. bactérias com ovos de codornizes ainda são bastante escassos na literatura. Porém vários autores têm pesquisado as enterobactérias em aves produtoras de Resultados ovos comerciais, dentre os quais podemos citar Musgrove et al. (2006), que identificaram várias A freqüência de microrganismos isolados das 68 enterobactérias em ovos de poedeiras comerciais. Eles amostras de ovos adquiridos em diferentes estabeleci- isolaram entre outras: Proteus sp., Enterobacter sp., mentos comerciais está apresentada na Tabela 1. Hafnia sp., Serratia sp. e Klebsiella sp. As bactérias do género Shigella também foram bastante isoladas. Alguns autores como Sulaiman Bactérias Freqüência Freqüência et al., (2000) sugerem que a presença de Shigella absoluta relativa esteja relacionada com a contaminação de moscas Shigella sp. 8 11,76% domésticas, pois foram isolados vários organismos Enterobacter sp. 7 10,29% patogénicos do intestino de Musca domestica, desta- Enterobacter sp. + Proteus sp. 4 5,88% cando-se assim esta espécie como podendo transmitir Proteus sp. 3 4,41% a Shigelose. Citrobacter sp. 2 2,94% Os gêneros Enterobacter e Proteus também se Enterobacter sp. + Providencia sp. 2 2,94% apresentaram bastante identificados na pesquisa. Enterobacter sp. + Klebsiella sp. 1 1,47% Estes fazem parte da microbiota do trato digestivo das Hafnia sp. + Providencia sp. 1 1,47% aves, havendo a possibilidade de infectar ovos e aves Hafnia sp. 1 1,47% jovens, causando perda embrionária, além de onfalites Serratia sp. 1 1,47% e mortalidade em pintinhos (Klein et al., 1996; Klebsiella sp. 1 1,47% Barnes, 2003). Total positivas 31 45,59% As enterobactérias Proteus sp. são habitantes Total de amostras 68 100,00% normais do intestino do homem e dos animais sendo também identificadas em diversos tipos de alimentos. Este gênero está bastante difundido na natureza Através das provas bioquímicas foi possível identi- principalmente em água poluída e solos, desempe- ficar as seguintes enterobactérias com suas respectivas nhando papel essencial nos processos de putrefação da freqüências relativas: Enterobacter sp. (10,29%), matéria orgânica podendo estar envolvidos também Enterobacter sp. mais Proteus sp. (5,88%), Proteus em infecções oportunistas extra-intestinais (Lázaro et sp. (4,41%), Citrobacter sp. (2,94%), Enterobacter sp. al., 1999; Franco e Landgraf, 2005). Jones e mais Providencia sp. (2,94%), Hafnia sp. mais Musgrove (2008), afirmam que este microrganismo Providencia sp. (1,47%), Enterobacter sp. mais pode penetrar o ovo através da casca o qual é facil- Klebsiella sp. (1,47%), Serratia sp. (1,47%), mente contaminado pelas fezes. Bruce e Drysdale Klebsiella sp. (1,47%), Hafnia sp. (1,47%) e a bactéria (1994) realizaram experiências com inoculação de Shigella sp. (11,76%). Proteus spp. em ovos embrionados resultaram em As bactérias do gênero Shigella e Enterobacter 100% de mortalidade, indicando uma alta patogenici- foram as que apresentaram maior número de isola- dade desta bactéria. mentos, 11,76% e 10,29%, respectivamente, seguidas Apesar do isolamento de diferentes bactérias, não pelo gênero Proteus sp. (4,41%). ocorreu resultado positivo para Salmonella spp., o que O contrário ocorreu com as enterobactérias está de acordo com a pesquisa realizada por Kinde et Citrobacter, Hafnia, Serratia, Klebsiella e Providencia, al. (2005), que processaram 900 "pools" de ovos em que apresentaram menores índices de contaminação duas granjas de poedeiras comerciais e não encon- entre as bactérias isoladas. traram contaminação com Salmonella spp. Resultado Diante de uma variedade de enterobactérias isoladas semelhante também foi encontrado pelo United States nesse estudo, não houve identificação positiva para o Department of Agriculture (1998) o qual estimou a género Salmonella, uma bactéria de grande importância contaminação através da transmissão vertical entre 1 a em saúde pública. Esta bactéria vem sendo relacionada 11 ovos a cada 100.000 produzidos, demonstrando os a diversos problemas de intoxicações alimentares desde pequenos os níveis de transmissão vertical para a a década de 80. salmonelose na produção intensiva da avicultura Também pode observar-se um alto índice de industrial amostras de ovos contaminadas, 45,59%, representan- Estes resultados sugerem que a ausência de do numericamente 31 amostras contaminadas das 68 Salmonella spp. nas amostras de ovos de codornizes colhidas. comercializados na Região Metropolitana de Fortaleza

80 Siqueira AA et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 78-82 estão dentro dos padrões indicados pela inspeção and avian pathogens: translocation and vertical trans sanitária internacional para este microrganismo mission. In: Microbiology of the avian egg. Editores: patogênico. Board, R.G.; Fuller, R. London: Chapman & Hall, 181. Apesar da ausência de Salmonella, pode-se observar Berrang ME, Cox NA, Frank JF, Buhr RJ (1999). Bacterial um alto índice de amostras de ovos contaminadas penetration of the chicken hatching egg: A Review. Journal of Applied Poultry Research, 8: 499-504. (45,59%). Esta alta contaminação também foi encon- Brasil (2002) - Ministério da Agricultura e do Abasteci- trada por Andrade et al. (2004) que analisando ovos mento, Secretaria de Defesa Agropecuária. Legislação de galinha oriundas de granjas e de diferentes locais de defesa sanitária animal avicultura: programa nacional de comercialização em Goiânia obtiveram uma de sanidade avícola. Brasília: Ministério da Agricultura frequência de 40,04% na totalidade de suas amostras. e do Abastecimento [citado 2005 out. 18]. Disponível em: Esses mesmos autores avaliando especificamente ovos http://www.agricultura.gov.br/portal/page?_ comercializados em supermercados verificaram uma pageid=33,981919&_dad=portal&_schema=PORTAL. contaminação de 35,38%. Bruce J e Drysdale EM (1994). Trans-shell transmission In A contaminação de produtos avícolas por entero- R. G. Board and R. Fuller Microbiology of the Avian bactérias é um dos maiores problemas da indústria de Egg. Editores: Chapman & Hall: London: 63-91. alimentos mundial, tendo as fezes dos animais como a Cardoso ALSP, Tessari ENC, Castro AGM, Kanashiro AMI, Gama NMSQ (2001). Pesquisa de coliformes totais e principal fonte condutora de patogénicos alimentares coliformes fecais analisados em ovos comerciais no (Rasmussen et al., 2004). No entanto, a contaminação laboratório de patologia avícola de Descalvado. Arquivo encontrada nesta pesquisa não pode ser explicada do Instituto Biológico, 68: 19-22. unicamente por essa forma. Existe a possibilidade de Centers for Disease Control and Prevention – CDC (1999). uma contaminação cruzada, através da manipulação "1999 annual report," CDC/USDA/FDA Foodborne inadequada dos ovos (Morris, 1990; Mürmann 2008). Disease Active Surveillance Network, CDC’s Emerging Cardoso et al. (2001) observaram que a elevada Infection Program, acedido em: 25 de Maio, 2007, frequência de contaminação em ovos comerciais www.cdc.gov.foodnet/annual/1999/pdf/99_pdf.htm. estavam relacionados com o acondicionamento e Delazari I (2002). Aspectos microbiológicos ligados à manipulação inadequados. Por isso, advertiram a segurança e qualidade da carcaça de aves. In: VIII importância de se adotar medidas higiênico-sanitárias Semana Acadêmica Veterinária. Anais São Paulo: 71-77. Franco BDGM e Landgraf MTD (2005). Microbiologia dos que venham assegurar o controle de patogénicos nos Alimentos. São Paulo, Ed. Atheneu: 27-171. ovos e, assim, chegar em perfeitas condições ao Jones DR and Musgrove MT (2008). Identification of consumo humano. Enterobacteriaceae on Vacuum Loaders in Shell Egg Baseado nos resultados do trabalho, conclui-se que Processing, Poultry Science, 87: 1678–1681. os ovos de codornizes comercializados em Fortaleza, Kinde H, Castellan DM, Kerr D, Campbell J, Breitmeyer R, Ceará, apresentam contaminação microbiana. A pre- Ardans A (2005). Longitudinal monitoring of the sença destes microrganismos indica uma possível commercial layer flocks and their environments for deficiência no processo de higienização da cadeia Salmonella enterica Serovar Enteritidis and other produtiva de ovos de codorna. Salmonellas. Avian Diseases, 49: 189-194. Klein LK, Yancey RJ, Case CA, Salmon SA (1996). Minimum inhibitory concentrations of selected antimi- crobial agents against bacteria isolated from 1-14- day old broiler chicks. Journal Veterinary Diagnostic Investigation, 8: 494-495. Bibliografia Koneman EW, Allen SD, Janda WM, Schreckenberger PC, Winn WC (2001). Diagnóstico Microbiológico, ANVISA (2008) – Agência Nacional de Vigilância 5ª edição Editora: Medsi, Cap. 4: 177-261. Sanitária. Ministério da Agricultura, Abastecimento e Lazáro NS, Farias RS, Rodrigues DP, Hofer E (1999). Reforma Agrária. Página da Internet, Notícias da Enterobacteriaceae oriundas de fontes humana e animal: ANVISA:http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/ produção de enterotoxina termoestável e nível de 2009/170609.htm. resistência a antimicrobianos. Revista Higiene Alimentar, Alterkhruse SF, Cohen ML, Swerdlow DL (1997). 13, 49-57. Emerging foodborn diseases Emerging Infectious Mead PS, Slutsker L, Dietz V, Mccraig LF, Bresee JS, Diseases, 3: 285-293. Shapiro C, Grif N, Tauxe RV (1999). Food-related Andrade MA, Café MB, Jayme VS, Rocha PT, Leandro illness and death in the United States. Emerging NSM, Stringhini JH (2004). Avaliação da qualidade Infectious Diseases, 5: 607-625. bacteriológica de ovos de galinha comercializados em Minville F (2004). The future of Japanese quailfor research Goiânia, Goiás, Brasil. Revista Brasileira de Ciência and production. World’s Poultry Science Journal, 60: 500-507. Animal, 5: 221-228. Moraes VMB e Ariki J (2000) Criação de codornas. In. Barnes HJ (2003). Miscellaneous and sporadic bacterial Congresso de Produção e Consumo de Ovos. 2000, São infections. In: Diseases of Poultry. Editores: Saif Y.M. Paulo, SP. Anais Universidade Estadual Paulista, Ames: Iowa State, 845. Faculdade de Ciencias Agrárias e Veterinárias, Barrow PA (1994). The microflora of the alimentary tract Departamento de Nutrição Animal, Brasil: 77-84.

81 Siqueira AA et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 78-82

Morris GK (1990). Salmonella enteritidis and eggs: Oliveira NTE (2002). Exigências de proteína bruta e energia assessment of risk. Dairy Food and Environmental metabolizável para codornas japonesas machos criados Sanitation, 10: 279-281. para a produção de carne. Arquivo Brasileiro de Messens W, Grijspeerdt K, Herman L (2005) Eggshell Medicina Veterinária e Zootecnia, 54: 196-203. penetration by Salmonella: a review. World's Poultry. Padron MN (1990). Salmonella typhimurium penetration Science, 61: 71-85. through the eggshell of hatching eggs. Avian Diseases, Mürmann L, Santos MC, Longaray SM, Both JMC, Cardoso 34: 463-465. M (2008) Quantification and molecular characterization Rasmussen MA, Casey T, Petrich JW (2004). Meat carcass of Salmonella isolated from food samples involved in inspection using the fluorescence of dietary porphyrins. salmonellosis outbreaks in Rio Grande do Sul, Brazil. Joint Annual Meeting of the American Dairy Science Brazilian Journal of Microbiology, 39: 529-534. Association, Poultry Science Association, 82: 166. Musgrove MT, Jones DR, Northcutt JK, Cox NA, Harrison Siqueira RS (1995). Manual de Microbiologia dos MA (2004). Identification of Enterobacteriaceae from Alimentos . Ed. EMBRAPA (Brasília): 159-161. Washed and Unwashed Commercial Shell Eggs. Journal Souza CP (2006). Segurança alimentar e doenças veiculadas of Food Protection, 67: 2613-2616. por alimentos: utilização do grupo coliforme como um Musgrove MT, Jones DR, Northcutt JK, Curtis PA, dos indicadores de qualidade de alimentos. Revista de Anderson KE, Fletcher DL, Cox NA (2006). Survey of Atenção Primária à Saúde, 9: 1-11. shell egg processing plant sanitation programs: effects Sulaiman S, Othman Z, Aziz AH (2000). Isolation of enteric on non-egg-contact surfaces. Journal Food Protection, pathogens from Synanthropic flies trapped in downtown 67: 2613-2616. Kuala Lumpur. Journal of Vector Ecology, 25: 114-117. Nascimento VP, Santos LR, Cardoso MO, Ribeiro AR, United States Department of Agriculture (1998). Food Schuch DMT, Silva AB (1996). Qualidade microbiológica Safety Inspection Service. Salmonella risk assessment: s dos produtos avícolas. In: II Simpósio Goiânio De hell eggs and egg products: 29-76. Avicultura, Goiânia. Goiás: 13-17.

82 RPCV (2008) 103 (565-566) 83-89 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Comparison of the validation of two analytical methods for fungal toxins according to RELACRE and the European Decision 2002/657/EC

Análise comparativa de dois métodos para análise de micotoxinas de acordo com a RELACRE e a Decisão 2002/657/CE

Marta Marques and H. Marina Martins

INRB-IP, Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, Serviço de Micologia, Estrada de Benfica, 701, 1549-011 Lisboa

Abstract: The purpose of the present paper is to present a vários intervalos de concentração e foram calculadas as comparison between the notions introduced in the 2002/657/EC linearidades das respectivas curvas de calibração. Foram European Decision and the concepts already established by determinados os valores dos parâmetros analíticos e os critérios RELACRE (association of the accredited laboratories of de desempenho dos diferentes métodos. Os limites da detecção Portugal), with respect to in-house validation of analytical e quantificação determinados foram respectivamente: 32 µg/kg methods based on HPLC. The comparison is applied and and 96 µg/kg, para DON e 34 µg/kg e 104 µg/kg, para ZEN. discussed for the in-house validation of deoxynivalenol (DON) Os valores de CCα obtidos foram 190 µg DON/kg e and zearalenone (ZEN) analysis, according to two different 57 µg ZEN/kg e de CCβ obtidos foram 277 µg DON/kg e methodologies. The parameters validated in accordance with the 77 µg ZEN/kg. 2002/657/EC European Decision were specificity, linearity, sensitivity, decision limit (CCα), detection capability (CCβ), Palavras-chave: Micotoxinas, validação interna, Zearalenona, repeatability, recovery and ruggedness. To satisfy this protocol Deoxinivalenol. minimal assays number appears to be 99, for quantitative and confirmatory methods. Several concentration ranges were tested, calibration curves and their respective linearity were Introduction established. Values for analytical parameter values and methods performance were determined. The observed detection and quantification limits (DL and QL) were: 32 µg/kg and Fusarium toxins are secondary metabolites 96 µg/kg, for DON and 34 µg/kg and 104 µg/kg for ZEN. CCα produced by fungi of this genus in many different values were 190 µg DON /kg and 57 µg ZEN/kg. CCβ values products. Fusarium species occur both as facultative µ µ were 277 g DON /kg and 77 g ZEN/kg. saprophytes and as parasites and they have the capacity Keywords: Mycotoxins, in-house validation, Zearalenone, to produce a large range of toxins (Martins e Martins, Deoxynivalenol. 2001). Fungal contamination of mixed feed and raw materials can lead to nutrient losses and may produce Resumo: No presente estudo é apresentada uma comparação adverse effects on animal health and production. It is entre as noções introduzidas pela Decisão 2002/657/CE da thus necessary to control the mycological characteristics Comissão Europeia e os conceitos já estabelecidos pela RELACRE - Associação de Laboratórios Acreditados de and ecology of these contaminants. Drought, humidity, Portugal, no que diz respeito às validações internas de métodos temperature, insect infestation and rough handling have analíticos baseados em HPLC. A comparação é aplicada e all been suggested as factors linked to the presence of discutida para a validação interna da análise de deoxinivalenol fungi and subsequently toxins in agricultural products (DON) e de zearalenona (ZEN), de acordo com duas metodolo- (Martins and Marques, 2007). Fungal toxins in raw gias diferentes. Os parâmetros validados de acordo com a Decisão 2002/657/CE foram a especificidade, linearidade, materials, feed and food have become a major research sensibilidade, limites de detecção (LD) e quantificação (LQ), area since 1961, when aflatoxins carcinogenicity was limite de decisão (CCα) e capacidade de detecção (CCβ), discovered (Bernardo, 2003). Deoxynivalenol (DON), repetibilidade, recuperação e robustez. O número mínimo dos T-2 toxin and nivalenol are naturally occurring ensaios para satisfazer este protocolo aponta para um valor de trichothecenes detected in corn, barley and wheat 99, para métodos quantitativos e confirmatórios. Testaram-se (Betina, 1989). DON was first characterized as a F. graminearum, metabolite isolated from moldy barley. This metabolite was shown to be identical to the emetic factor (vomitoxin) isolated in the USA from damaged corn produced by F. roseum and responsible for the vomit induction in swine. DON toxicosis is associated Correspondência: [email protected] with feed refusal, vomiting, reduced growth and feed

83 Marques M e Martins HM RPCV (2008) 103 (565-566) 83-89 consumption and hematological changes in most of (according to RELACRE – Association of Portuguese the animal species (Ueno, 1984). This toxin inhibits Accredited Laboratories and to the European Decision protein synthesis, translation and ribosome assembly 2002/657/EC). (subunit 60s) and increases the susceptibility to bacterial and viral infections (Fink-Gremmels, 2007). Deoxynivalenol has been held responsible for large- Material and methods scale human poisonings in this century in China and India (IARC, 2007). Zearalenone (ZEN), or 6-(10- Chemicals and other materials hydroxy-6-oxo-trans-1-undecenyly)-β-resorcyclic acid lactone (Urry et al., 1996), is a very heat-stable The chemicals used in this study were phosphate compound due to its large lactone ring. ZEN, also buffered saline pH 7.4 (PBS), polyethylene glycol known as F-2 toxin, is produced mainly by Fusarium (PEG), from Sigma–Aldrich, sodium chloride, graminearum. This toxin is responsible for a well- acetonitrile for analysis, and ethanol Lichrosolv®, known hyper estrogenic syndrome in swine and other from Merck-VWR, acetonitrile for HPLC, methanol livestock (Bernardo, 2003). It is an endocrine disruptor Lichrosolv®, and water Lichrosolv® from J.T. Baker. and an enzymes substitute, resulting in the synthesis Standards used in calibration trials and in fortification and inactivation of hormones (Fink-Gremmels, 2007). of all biological samples were standards of zearalenone Zearalenone was tested for carcinogenicity by admi- 10 mg and standards of deoxynivalenol 1 mg, both nistration in the diet in one experiment in mice and in from Sigma–Aldrich. Extracts were filtrered with two experiments in rats. An increased incidence of Whatman filters No 41 Ashless, Whatman microfiber hepatocellular adenomas and of pituitary adenomas filters and Macherey Nagel MN filters, all from was observed in female mice and in mice of either sex, VWR. The swine feed and corn samples were respectively. No increase in the incidence of tumors obtained from Portuguese factories and importers. was observed in rats (IARC, 2007). Chronic exposures to deoxynivalenol, zearalenone and nivalenol occur in Equipment several parts of the world. Toxins derived from Analyses were carried out by isocratic, reverse- Fusarium graminearum, F. culmorum and F. crook- phase high performance liquid chromatography wellense are not classifiable as to their carcinogenicity (HPLC) using a LiChrospher 100 RP-18, 5 µm to humans (Group 3) (IARC, 2007). column 25 x 4.6 mm EcoPack (Merck), with a UV Validation of analytical methods dedicated to detector Merck-Hitachi L 7480 (detection set to physico-chemical parameters or other properties of a 218 nm). A fluorescence detector, Merck-Hitachi substance or material measurement is not a recent L 7420 (excitation and emission wavelengths were problem. When a scientists group develops a theory or 365 nm and 420 nm, respectively), for zearalenone a technical process, they have always tried to establish analysis. Mobile phases used were water/aceto- the validity of their work using original experimental nitrile/methanol (46/46/8 by volume) for ZEN methodology or a more conventional data set determination and water/acetonitrile (90/10 by (Antignac et al., 2003). Even so, application fields volume) for DON determination. Column temperature assortment, validation procedures and concept defini- was 40 ºC and the injected sample volume was 300 µl. tions, led to a lack of objective quality criteria and DON extracts were evaporated to dryness in a rotary harmonization, causing great difficulty in comparing evaporator Heildolph 4000. methods or results. Fortunately, the development of applied mathematics, statistics and computer science Sample preparation and immunoaffinity have introduced very much in the way of normalization, purification researching and universal concepts. The new approach proposed by the European Union and described in the Deoxynivalenol extraction and purification of 2002/657/EC European Decision allowed a real deoxynivalenol from corn and feed samples were progress. However, some difficulties remained, linked performed by the well-established technique described both to the existence of several official normalization by Stroka et al. (2006) prior to HPLC analysis with institutions (ISO, IUPAC, etc.) each with its own UV absorbance detection. Zearalenone extraction specifications, and to the difficulty of changing some solvent used in this technique was a polyethylene practical laboratories routines (Antignac et al., 2003). glycol/water mixture (10 g / 200 ml). Extraction and Although the main detection technique to be used in purification of zearalenone were performed by the the analysis of contaminants in biological matrices is well-established technique described by Visconti and mass spectrometry, this field is adaptable to other Pascale (1998) using the extraction solvent acetoni- techniques such as HPLC. In the present report, all the trile/water (90/10 by volume) prior to HPLC analysis analytical concepts are presented for the detection and with fluorescence detection. The immunoaffinity quantification of DON and ZEN by HPLC, comparing columns used to purify the extracts containing DON the two practical validation guidelines available (column Dontest®) and ZEN (column Zearalatest®)

84 Marques M e Martins HM RPCV (2008) 103 (565-566) 83-89 were from VICAM (Watertown, USA). Accordingly decision (Official Journal of the European Communities, to VICAM (Vicam, 2007), the working ranges for 2002). Recovery was determined by spiking DON stan- HPLC detection are 0.10 – 10 ppm, for Dontest and dards at levels of 50.0, 75.0 and 100.0 µg/kg to six dif- 0.01 – 5 ppm, for Zearalatest. ferent blank swine feed samples. For ZEN, recovery was determined by spiking ZEN standards at levels of 35.0, 52.5 and 75.0 µg/kg to six different swine feed Method quality assurance samples. The recovery results are presented as the mean of the six samples. Method performance characteristics were established by spiking blank matrices with DON and ZEN. All the samples used as blank were tested for the presence of Results and discussion DON and ZEN and revealed negative (concentration values below detection limits). Some results were Ruggedness and specificity excluded from statistical analysis (<5%, in a total of To evaluate the applicability and ruggedness of an 250 tests) because were absurd or below the detection analytical method, reasonable variations are delibera- limit of the technique. Calibration curves linearity was tely introduced to it and the consequent variations in studied based on the correlation coefficient (R2). The analyte concentration are measured. Thus, factors that linearity was estimated by linear regression analysis can change the results must be identified and manipu- by the least square regression method and the t-Student lated. Ruggedness measures the sensitivity of a test was applied for all the assays. method facing slight changes to these factors. A Youden Test (Guia RELACRE, 2002) is used to In-house validation of DON and ZEN analytical evaluate the effect produced by each variability factor, methods according to RELACRE indicating the type and size of its influence, negative Calibration curves, working ranges and values for or positive, on the results. The variability factors intro- recovery, ruggedness, sensitivity, repeatability (r), duced in the Youden Test were the room temperature, detection (DL) and quantification (QL) limits for the HPLC oven temperature and the type of glass DON and ZEN, were determined according to the (clear or amber) of the HLPC vials. Tables 1 and 2 method described by RELACRE (Guia RELACRE, describe the results of these Youden Tests, for DON 2002). and ZEN, respectively. In these, levels 1 and -1 stand Recovery was determined by spiking blank samples for, respectively, 25 ºC and 18 ºC for room tempera- (corn) with DON standards at 60.0, 100.0, 200.0, ture, 40 ºC or uncontrolled for oven temperature and 500.0 and 600 µg/kg levels. Each purified extract was clear and amber for glass type. injected in triplicate and results are thus presented as Table 1 - Number of assays and results of Youden for DON a triplicate mean. For ZEN, recovery was determined C = 800 ng DON/ml by spiking blank samples (swine feed) with ZEN Troom Toven Glass type C (ng/ml) µ standards at 60.0, 100.0 and 200.0 g/kg levels. Each 1 1 1 1 801.8 zearalenone purified extract was injected in six times 2 1 1 -1 817.7 and results are presented as their mean. All results 3 1 -1 1 875.8 have an associated uncertainty (95% of confidence 4 1 -1 -1 911.5 level) which was calculated according to Equation 1: Assays 5 -1 1 1 806.2 6 -1 1 -1 804.4 tvalue (n,p = 0,05) ⇔ SD Uncertainty = (Equation 1) 7 -1 -1 1 879.1 √n 8 -1 -1 -1 857.1 Effect 15.1 -73.3 -7.0 where n is the samples number, p the probability level, SD the standard deviation of the replicate results Table 2 - Number of assays and results of Youden Test for ZEN and tvalue the value obtained from t-Student C = 50 ng ZEN/ml Distribution Tables (University of Adelaide, 2007) . Troom Toven Glass type C (ng/ml) 1 1 1 1 56.8 In-house validation of DON and ZEN analytical 2 1 1 -1 52.0 methods according to the European Decision 3 1 -1 1 52.6 2002/657/EC 4 1 -1 -1 52.8

Calibration curves, working ranges and values for Assays 5 -1 1 1 55.6 specificity, recovery, ruggedness, sensitivity, repeata- 6 -1 1 -1 52.4 bility, decision limit (CCα) and detection capability 7 -1 -1 1 52.2 (CCβ), for DON and ZEN were determined according 8 -1 -1 -1 52.2 to the method described by the 2002/657/EC European Effect 0.5 1.7 2.0

85 Marques M e Martins HM RPCV (2008) 103 (565-566) 83-89

From Table 1 results, for DON analysis it can be and the calculated DL and QL values. Error bars seen that the most influential variability factor is the represent the uncertainty calculated from Equation 1. oven temperature. If the oven temperature is not Replicate number analysis was three for DON and six controlled (oven off) a considerable decrease of the for ZEN. measured DON concentration is observed. Nevertheless, To establish the calibration curves according to the the other tested factors also have a strong influence on 2002/657/EC decision, three calibration trials were the resulting DON concentration measured in the sam- done for each mycotoxin. Calibration curves that ples. Results for ZEN concentration (Table 2) revealed resulted in higher values of CCα and CCβ were selec- that the influence of the three factors is much weaker ted, ensuring that the results are overestimated. As the than for DON. The type of glass exerts the strongest calibration curves are applied for quantification, at influence on the results, clear glass vials resulting in least five calibration levels (including zero) must be increased measured ZEN concentrations. used. Zero level (blank) is a swine feed sample not for- To evaluate methods specificity, a minimum of 20 tified with a working standard. It was found that all blank swine samples, bovine and poultry feed, from the blank samples had small concentrations of the different Portuguese manufacturers, were analyzed. mycotoxins in study. Figures 3 and 4 present all the Chromatograms revealed no interferences, i.e., no results from the selected calibration trials according to detectable peaks near the retention time region where the 2002/657/EC decision. The error bars represent the target analyte was expected to elute. the uncertainty calculated from equation 1. Samples replicate number was 6. The variability observed in Figure 3 and 4, for the recorded signal of the equipment (area), is mainly due Calibration curves to the matrix effect which was not included in the Calibration curves were established for the two calibration curve procedure according to RELACRE. examined mycotoxins (DON and ZEN) for the HLPC Tables 3 and 4 present the numerical results step (Guia RELACRE, 2002). Figures 1 and 2 obtained for each calibration curve for DON and ZEN represent these calibration curves, including the analysis, resulting from the two validation methodolo- experimental data, the regression line (least-squares) gies applied.

30,0 25 Data points R2 = 0.999 25,0 2 20 R = 0.999 Data points 20,0 5 -4 DL 15 DL 15,0 QL 10 10,0 QL

5 Regression Area average x 10 Area average Area average x 10 Area average line 5,0 Regression line 0 0,0 0 200 400 600 800 1000 0 100 200 300

Concentration ng/mL Concentration ng/mL

Figure 1 - Calibration curve for in-house validation of the DON Figure 2 - Calibration curve for in-house validation of the ZEN analytical method according to RELACRE analytical method according to RELACRE

6 7 6 5 R2 = 0.966 R2 = 0.953 3 5 Data 4 4 4 points CCalpha 3 Data points CCalpha 3 CCbeta 2 CCbeta 2 Regression Area average x 10 Area average line 1

1 x 10 Area average 0 0 20 40 60 80 100 0 50 100 150 200 250 300 350 -1 -2 Concentration µg/kg Concentration µg/kg

Figure 3 - Calibration curve for in-house validation of the DON Figure 4 - Calibration curve for in-house validation of the ZEN analytical method according to 2002/657/EC analytical method according to 2002/657/EC

86 Marques M e Martins HM RPCV (2008) 103 (565-566) 83-89

Table 3 - Calibration curves for in-house validation in Table 6 - Sensitivity values and their respective errors, for accordance with RELACRE established for the analyses of each validation approach tested for DON and ZEN analyses DON and ZEN. Slope values are given (intercept values are set to zero), with their respective errors. Values are also given for In-house validation according to RELACRE the calculated regression correlation coefficient (R2) Sensitivity (area units/(ng/ml)) DON (2.39 ± 0.011) x 102 Slope (area units /(ng/ml)*)R2 ZEN (11.8 ± 0.033) x 103 2 DON (2.39 ± 0.011) x 10 0.999 In-house validation according to ZEN (11.8 ± 0.033) x 103 0.999 the 2002/657/EC European decision *Concentration conversion factors are 3.2 x 103 ml/kg and 25 x 103 ml/kg, Sensitivity (area units/(mg/kg)) for DON and ZEN respectively. DON (1.31 ± 0.14) x 101 ZEN (8.13 ± 1.05) x 102 Table 4 - Calibration curves for in-house validation in accordance with the 2002/657/EC decision established for Ratios between the sensitivity values for the two DON and ZEN analysis. Slope and intercept values are given, with their respective errors. Values are also given for the analytes, for each in-house validation (0.02 for the calculated regression correlation coefficient (R2) RELACRE method and 0.01 for the 2002/657/EC decision method) relates inversely to the intensity ratio Slope (area units / Intercept (area units) R2 (sample contamination degree) between the two (mg/kg)) mycotoxins (DON/ZEN). The calibration curve for DON (1.31 ± 0.14) x 101 (1.01 ± 0.09) x 103 0.966 ZEN, the toxin to be quantified at lower levels, ZEN (8.13 ± 1.05) x 102 - (9.91 ± 5.08) x 103 0.953 responds better to concentration changes because fluorescence detection is much more sensitive than Calibration curves linearity was evaluated through UV detection. the regression coefficient (R2) values (Tables 3 and 4). Linearity was very satisfactory in the in-house valida- Repeatability tion made according to RELACRE approved method- In the present study, analytical methods’ repeatability ology (R2 ≥ 0.999). However, the in-house validation was tested according to RELACRE, for the extreme as proposed by the 2002/657/EC Decision, resulted in values of the concentration range used for each myco- lower R2 values (0.95 < R2 < 0.97). This observation is toxin. Table 7 gives results obtained for parameters associated to the matrix interferences included in the standard deviation (δ, repeatability (r) and relative latter approach, the use of 6 replicates instead of 3, standard deviation in repeatability conditions (RSDr). leading to more realistic results. Table 7- Concentration values used for each mycotoxin and Working range and sensitivity their respective values for standard deviation (δ, repeatability (r) and relative standard deviation in repeatability conditions The experimental results obtained for the working (RSDr), obtained with the two in-house validation approaches range concentrations, for DON and ZEN analyses of, tested are described in Table 5. All the values were calculated In-house validation according to RELACRE according to RELACRE (Guia RELACRE, 2002). C (ng/ml) δ r RSDr (%) DON 100 2.3 6.3 2.3 Table 5 - PG, Snedecor/Fisher (F) values and working range concentrations obtained, for DON and ZEN, according to the 800 4.3 12.1 0.5 two in-house validation methods studied ZEN 20 1.2 3.2 5.7 200 3.8 10.5 1.8 In-house validation according to RELACRE In-house validation according to PG F Working range concentrations (ng/ml) 2002/657/EC European Decision DON 3.22 3.23 100 – 800 C (mg/kg) δ r RSDr (%) ZEN 2.23 3.18 20 – 100 DON 50 6.6 18.6 85.9 In-house validation according to the 100 11.1 31.0 31.0 2002/657/EC European decision ZEN 35 0.48 1.3 29.6 PG F Working range concentrations (ng/ml) 75 0.83 2.3 22.2 DON 4.33 5.05 50 – 100 ZEN 1.82 5.05 35 – 70 RSDr values were generally satisfactory, with only As the inequality PG ≤ F is observed for the two one result (85.9%) exceeding the recommended limit methods, it can be concluded that the differences of 40% (38/2005/EC/Commission Directive, 2005). between the variances at the working range limits are not significant and, thus, the working ranges are well Recovery established. The recovery concept is the percentage of the true The sensitivity results for the two analytical and concentration of a substance in a sample recovered validation methodologies are summarized in Table 6. through the analytical procedure. This is determined

87 Marques M e Martins HM RPCV (2008) 103 (565-566) 83-89 during the latter’s validation, if no certified reference being mostly under 1, reveal a high precision degree in material is available, which was the case in this report. these methods. For this, experiments were carried out using blank matrices fortified with known concentrations of the Analytical thresholds two mycotoxins. The results are described in Tables 8, Analytical thresholds for the two methods were cal- 9 for ZEN (swine feed matrices) and DON (corn and culated according to RELACRE (DL and QL) and the swine feed matrices), according to RELACRE and 2002/657/EC European Decision (CCα and CCβ). Table 10, for DON and ZEN in swine feed matrices, Results are presented in Table 11. used for the two validation approaches tested. In these tables, the Horrat value (Horratr) describes the preci- Table 11 - Experimental values of detection limit (DL), sion level of the analytical method according to the quantification limit (QL), decision limit (CCα and detection Horwitz equation (Horwitz and Albert, 2006), in capability CCβ) for the two analytical methods tested repeatability conditions. A precise methods should In-house validation according to RELACRE show a value lower than 2. DL (µg/kg) QL (µg/kg) DON 31.56 95.65 Table 8 - Experimental results for recovery, relative standard ZEN 34.24 103.75 deviation in repeatability conditions (RSDr%) and Horratr value, for analyses of swine feed samples fortified with ZEN In-house validation according to standards, according to RELACRE approved methodology. 2002/657/EC European decision The number of replicate analyses was 6. CCα (mg /kg) CCβ (mg/kg) Fortified Concentration Recovery RSDr Horratr DON 189.95 277.00 level average (%) (%) ZEN 57.05 76.70 (µg/kg) (µg/kg) 60 44.2 ± 5.3 73.7 ± 8.8 11.9 0.47 Analytical thresholds for in-house validation with 100 122.7 ± 9.7 122.7 ± 9.7 8.5 0.39 the methodology proposed in the 2002/657/EC 200 155.0 ± 135 77.5± 7.1 9.1 0.43 Decision (CCα and CCβ) were established as the Table 9 - Experimental results for recovery, relative standard highest values resulting from the three calibration trials deviation in repeatability conditions (RSDr%) and Horratr run during this validation approach. The three runs value, for analyses of corn samples fortified with DON were carried out to guarantee repeatability conditions. standards, according to RELACRE approved methodology. It should be noted that, considering the calibration The number of replicate analyses was 10. curves and working ranges obtained in the validation Fortified Concentration Recovery RSDr Horratr procedure according to the 2002/657/EC Decision, the level average (%) (%) (µg/kg) (µg/kg) Minimum Required Performance Limits chosen 60 52.1 ± 3.9 86.8 ± 6.4 10.5 0.42 (MRPL: 35 µg ZEN/kg and 50 µg DON/kg) were low. 100 126.1 ± 8.5 126.1 ± 8.5 7.7 0.35 These results in CCα and CCβ values close to or high- 200 172.9 ± 20.3 86.5 ± 10.1 15.6 0.60 er than the highest calibration level used, for both 500 562.0 ± 23.3 107.6 ± 14.8 12.5 0.34 mycotoxins. Since the CCα and CCβ values also 600 552.9 ± 38.0 120.6 ± 5.9 5.9 0.34 results from the legal limits for the mycotoxin concen- tration in the samples, the selected MRPL levels Table 10 - Experimental results for recovery, relative standard ensure that the methods are validated for concentra- deviation in repeatability conditions (RSDr%) and Horratr tion ranges below the legal limits. However, it would value, for analyses of swine feed samples fortified with DON be important to carry out further assays with increased and ZEN standards, according to 2002/657/EC European Decision. The number of replicate analyses (samples) was 6. MRPL values, consequently widening the validated working ranges for the two mycotoxin analytical Fortified Concentration Recovery RSDr Horratr level average (%) (%) methods. (µg/kg) (µg/kg) 50 47.0 ± 3.4 78.6 ± 7.8 11.4 0.47 DON 75 73.0 ± 9.6 73.0 ± 12.8 19.5 0.84 100 144.6 ± 9.4 144.6 ± 9.4 6.3 0.30 Conclusions ZEN 35 39.5 ± 5.2 113.0 ± 14.8 25.0 0.99 52.5 44.1 ± 10.6 83.9 ± 20.1 37.0 1.48 The work here reported proposed to compare two 75 63.8 ± 6.2 85.1 ± 9.3 17.4 0.73 approaches for the in-house validation of analytical methods used for mycotoxin determinations carried Recovery results, for the two in-house validation out at the LNIV Mycology Laboratory. Specifically, methods, are in accordance with the criteria defined in the objective was to obtain values for parameters the EC Regulation No 401/2006. Thus, it can be con- and performance criteria in accordance with the cluded that the recovery values demonstrate the high 2002/657/EC Decision, as opposed to the RELACRE efficiency of the tested methods. Also, the values guidelines. This EC document proposes the establish- obtained for the Horratr parameter obtained values, ment of a common principle for the statistical

88 Marques M e Martins HM RPCV (2008) 103 (565-566) 83-89 interpretation of laboratory results, in the official the official control of the levels of Fusarium toxins in control of contaminants in food and feed samples. The foodstuffs Official J. of the European Union, L 143/18 – methodology proposed was created taking into L143/26. account both the practical aspects of a validation Commission Recommendation No 576 of 17 August of procedure and the statistical significance of the 2006, On the presence of deoxynivalenol, zearalenone, ochratoxin A, T-2 and HT-2 and fumonisins in products results. The introduction of concepts like CCα and β intended for animal feeding, Official J. of the European CC , in place of DL and QL, is an example of this. Union, L 229/7- L 229/9 The in-house validation experiments reported in Commission Regulation No 401 of 23 February of 2006 the present paper, done in accordance with the laying down the methods of sampling and analysis for 2002/657/EC Decision, highlighted the complexity of the official control of the levels of mycotoxins in food the methodologies and suggested the necessity of stuffs Official J. of the European Union, L. 70/12, L. automated analytical equipment, for their practical 229/7 - 229/9. implementation, given the importance of including a Fink-Gremmels J (2007). Relevance of mycotoxins for higher number of assays than the minimum require- animal and public health. Symposium Mycotoxins: ments here tested. The two validation protocols threats and risk management. Gent, 5-10. applied to the two analysed mycotoxins (DON and Guia RELACRE 13 (2002). Validação de Métodos Internos de Ensaio em Análise Química, 1-34. ZEN) resulted in parameter values and performance Horwitz W and Albert A (2006). The Horwitz Ratio characteristics which generally fulfilled legislation (HorRat): A Useful Index of Method Performance with requirements, though the values for the 2002/657/EC Respect to Precision. Journal of AOAC International, Decision approach were less satisfactory than those 89(4), 1095-1109. obtained with the RELACRE protocol. In conclusion, Krogh P (1987). Micotoxins in Food. Ed. Palle Krogh, Ed. the analytical methods used at the LNIV Mycology Academic Press, UK, 1-96. Laboratory are adjusted to their objectives. Monitoring Martins HM and Marques MFC (2007). Mycotoxins in feed: mycotoxins in animal feed and raw materials is a a global overview in Portugal. Symposium Mycotoxins: procedure that must be performed systematically. The Threats and Risk Management, Gent, 81. present work contributes, thus, for this goal. Martins ML and Martins HM (2001). Mycoflora and myco- toxins incidence in raw materials (1996/2000). Livro de Congresso Micro., 160. Stroka J, Derbyshire M, Mischke C, Ambrosio M, Kroeger Bibliography K and Arranz I (2006). Liquid Chromatographic Determination of Deoxynivalenol in Baby Food and Antignac J-P, Le Bizec B, Monteau F, Andre F (2003). Animal Feed: Interlaboratory Study. J of AOAC Validation of analytical methods based on mass spectro- International, 89(4): 1012-1020. metric detection according to the "2002/657/EC" Ueno Y (1984). Toxicological features of T-2 Toxin and European decision: guideline and application. Analytica related trichothecenes. Fundam Appl Toxicol, 4: 124- Chimica Acta, 483: 325-334. 132. Bernardo FMA (2003). Micotoxicoses - Gestão de Risco Mycology Online, The University of Adelaide, http:// (Lição de Síntese). Prova de Agregação, FMV Lisboa, www.mycology.adelaide.edu.au, website visited in 72. 2007. Betina V (1989). Mycotoxins, Chemical, Biological and Urry WH, Wehmeister JL, Hodge EB, Hidy PH (1996). The Environmental Aspects. Elsevier, USA, 192-241. structure of zearalenone. Tetrahedon Letters, 27: 3109- Commission Decision No 657 of 12 August 2002, 3114. Implementing Council Directive 96/23/EC concerning VICAM, http://www.vicam.com, website visited in 2007. the performance of analytical methods and the interpre- Visconti A, Pascale M (1998). Determination of zearalenone tation of results, Official Journal of the European in corn by means of immunoaffinity clean-up and high- Communities, L 221/8- L 221/36 performance liquid chromatography with fluorescence Commission Directive No 100 of 31 October of 2003, detection. Journal of Cromatography A, 815: 133-140. amending Annex I to Directive 2002/32/EC of the World Health Organization International Agency for European Parliament and of the Council on undesirable Research on Cancer. Some Naturally Occurring substances in animal feed, Official J. of the European Substances: Food Items and Constituents, Heterocyclic Union, L. 285/33- 285/36. Aromatic Amines and Mycotoxins. IARC Monographs Commission Directive No 38 of 6 June 2005, Laying down on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans, in: the sampling methods and the methods of analysis for http://www.iarc.com, website visited in 2007.

89 COMUNICAÇÃO BREVE REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Detection of DNA belonging to the genus Besnoitia in water

Detecção de ADN pertencente ao género Besnoitia na água

1 2 3 3 Helga Waap , Jorge Gaspar , Maria Luísa Lobo , Olga Matos *

1Departamento de Parasitologia, INRB – Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, Estrada de Benfica, 701, 1549-011 Lisboa, Portugal 2Departamento de Genética, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Rua da Junqueira 96, 1349-008 Lisboa, Portugal 3Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e Outras Protozooses, UPMM, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Rua da Junqueira 96, 1349-008 Lisboa, Portugal

Summary: Coccidia belonging to the genus Besnoitia are perdas económicas associadas à mortalidade, refugo precoce e widespread and found on all continents. Species of this genus perdas em carne, peles e produção de leite. Os dados relativa- parasitize cattle, goats, equids, reindeer, caribou, opossums, mente à epidemiologia da doença permanecem contudo escassos rabbits, rodents and lizards. In Europe, two species are known, e as vias de transmissão são largamente desconhecidas. Como Besnoitia tarandi and Besnoitia besnoiti, which infect respec- vista a contribuir para o estudo da besnoitiose bovina em tively cervids and cattle. Over the last two decades several new Portugal, este trabalho teve como objectivo avaliar a presença cases were identified in Portugal, Spain, and France whilst, in deste microrganismo na água, através de uma técnica de PCR 2008 B. besnoiti was described for the first time in Germany. desenhada para detectar ADN de B. besnoiti em amostras de The raise in incidence of bovine besnoitiosis in Europe has água concentradas. No total foram analisadas 81 amostras de elicited a growing concern, due to economical losses associated água concentradas por filtração, provenientes de captações de to mortality, premature culling and loss of milk production, hide água superficial e subterrânea, bem como de estações de and slaughter value. In Portugal, available information limits the tratamento e reservatórios de água. Duas amostras colhidas de occurrence of this disease to the Alentejo region. Broader água subterrânea revelaram ser positivas por PCR e os epidemiological data are absent and transmission pathways resultados foram confirmados por sequenciação dos produtos remain largely unknown. With the purpose to contribute to the amplificados. knowledge on bovine besnoitiosis in Portugal, the aim of this work was to evaluate the presence of this parasite in water, by means of a PCR technique designed to detect B. besnoiti DNA To date, the genus Besnoitia comprises nine in concentrated water samples. We tested 81 water samples con- different species: Besnoitia besnoiti, Besnoitia tarandi, centrated by filtration from surface and groundwater captations, Besnoitia bennetti, Besnoitia jellisoni, Besnoitia dar- water treatment plants and water reservoirs. Two samples, both collected from treated groundwater tested positive by PCR and lingi, Besnoitia wallacei, Besnoitia oryctofelisi, results were confirmed by sequencing of amplified products. Besnoitia caprae and Besnoitia akodoni (Dubey et al., 2004). With the exception of Besnoitia sp. cysts Resumo: As coccídias do género Besnoitia estão amplamente described in the heart of a lizard from the Madeira difundidas, podendo ser encontradas em todos os continentes. Island, which corresponded in size to B. darlingi cysts As diversas espécies pertencentes a este género parasitam bovinos, equídeos, cervídeos, gambás, coelhos, roedores e found in lizard genera (Basiliscus and Ameiva) from lagartos. Na Europa são conhecidas duas espécies, Besnoitia Panamá (Frank and Frenkel, 1981), B. besnoiti is the tarandi e Besnoitia besnoiti, que infectam respectivamente only known species of the genus in Portugal. Bovine cervídeos e bovinos. Nas últimas duas décadas foram identifi- besnoitiosis has a major economic impact in several cados diversos novos casos de besnoitiose bovina em Portugal, tropical and subtropical areas of Africa, Middle East Espanha e França e, em 2008, B. besnoiti foi descrita pela primeira vez na Alemanha. Em Portugal, a informação and Asia (Pols, 1960, Bigalke and Prozesky, 1981). disponível limita a ocorrência desta doença à região do Although in Portugal the first reports of the disease Alentejo. O aumento da incidência de besnoitiose bovina na remount to 1915 (Franco and Borges, 1915), bovine Europa tem sido alvo de preocupação crescente, devido às besnoitiosis deserved little attention until 1991 when Malta M. and Silva M. presented a series of cases in a cientific meeting (XIV Jornadas de Medicina Veterinária, Lisbon, January 15) at the Faculty of Veterinary Medicine – UTL. Since then, the growing awareness of the disease has lead to the identification of several new clinical cases and infected herds in the region of Alentejo (Cortes et al., 2005, 2006 a,b). The morphological and structural similarities with phylo- * Correspondence: [email protected] genetically related parasites like Toxoplasma gondii Tel: + 351 213632638; Fax: + 351 213632105 and Neospora caninum suggest similar ways of

90 Waap H et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 90-92 environmental contamination and dispersion. In the by continuous passage in Vero cell culture (Cortes et light of this background, detection of B. besnoiti DNA al., 2006b). in water could provide essential information related to The 81 samples analyzed in the course of this work the degree of environmental contamination, possible were concentrated by filtration (Envirochek“sampling contamination sources and efficiency of water capsules) of 9 – 300 L water collected from surface treatment. and groundwater sources, before and after water Published genome sequences of Besnoitia species treatment, as well as from drinking water reservoirs. are incomplete or unavailable, hampering the design Untreated samples were collected from lagoon and river of specific primers to amplify target sequences unique surface water (n=18) and from spring groundwater for B. besnoiti. (n=18). Finished water samples were obtained at the In this work, we opted to select a region from the corresponding water treatment plants (12 samples large subunit of the ribosomal RNA gene (rRNA) of B. were from treated surface water and 22 samples from besnoiti (GenBank accession number AF076900) as treated groundwater) and from four drinking water the target sequence for PCR amplification. Oligonuc- reservoirs (n=11). leotide primers were designed by using Primer Genomic DNA was extracted from concentrated Express software (Oligoanalyzer 3.0) to amplify a 210 water samples by a MiniBeadBeeter/Silica method, as bp DNA fragment. The forward primer spans previously described (Alves et al., 2001). nucleotide 81 to 102 (5´- GATCAGCTCAAAGTG The target sequence was identified by PCR in two of GAAATCG) and the reverse primer spans nucleotide the 81 samples. Both samples were obtained from the 271 to 290 (5´- CTACCACACATTTTGCGCTC). The same groundwater treatment plant, located in the 210 bp DNA sequence was automatically queried Ribatejo region, at different time points. Specificity of against the NCBI nucleotide database using the PCR was confirmed by sequencing of the amplified BLASTN algorithm, showing a 100% identity with products. The 210 bp DNA fragment showed a 100% sequences published for B. besnoiti, Besnoitia tarandi identity between the 81 and 290 bp of the LSU rRNA and Besnoitia benetti. All other sequences producing gene with B. besnoiti, Besnoiti benetti and Besnoitia significant alignments showed a maximum identity tarandi, while other sequences producing significant ≤ 94%. In order to evaluate primer pair specificity alignments showed a maximum identity ≤ 94%. concerning related microorganisms, DNA of N. caninum, T. gondii and Cryptosporidium spp. was Despite the homology of our primers with included during primer optimization. sequences belonging to the large subunit ribosomal PCR was performed in a 50 µl mixture containing RNA gene of B. bennetti and B. tarandi, the fact that 5 µl of 10X Gene Amp PCR buffer (Applied B. besnoiti is the only known species of the genus in Biosystems), 0.2 mM each dATP, dGTP, dCTP and continental Portugal and bovine besnoitiosis was earlier dTTP (Applied Biosystems), 1.25 mM MgCl2 described in the Ribatejo region (Franco and Borges, (Applied Biosystems), 200 ng each of Besnoitia 1915) suggests that positive results may reflect specific primers and 1.25 UI of AmpliTaq Gold contamination of groundwater with B. besnoiti, rather polymerase (Applied Biosystems). Amplification was than with this other two species. B. bennetti infects done in a thermal cycler (Biometra® T1 Thermocycler) equids and has only been reported in South Africa and using a 7 minute 95 ºC pre-PCR heat step, denatura- the USA. B. tarandi although present in Europe, para- tion at 94 ºC during 1 minute, annealing at 64 ºC sitizes only cervids, including reindeer, caribou, mule during 1 minute and primer extension at 72 ºC deer, musk ox and roe deer (Dubey et al., 2004). during 10 minutes. After the last cycle primer However, from this species only roe deer is found extension was continued for 10 minutes, at 72 ºC. in Portugal, in the northern regions, and cervids in Amplification products were analyzed by elec- general, are uncommon in Ribatejo. trophoresis through a 2% agarose gel. PCR products Unfortunately, the presence of parasite DNA does were purified through a PCR purification column (Jet not provide any information relating to the parasitic quick PCR product purification kit/250, Genomed) stage, since it is not possible to determine if DNA and sequenced in both directions on an ABI3730XL derives from oocysts or other developmental stages. automated sequencer (Applied Biosystems Foster Even though groundwater contamination with oocysts City, CA, USA). Nucleotide sequences were aligned is more difficult, due to natural filtration by rock with each other and with published sequences using and soil layers, a first assumption for Besnoitia the GCG program (Genetics Computer Group, DNA recovery from water would be environmental Madison, Wis.), with manual adjustment. The speci- contamination with oocysts. On the other hand, a more ficity of our primer pair was confirmed by the absence profound analysis of the involving region suggests of visible amplification with DNA from T. gondii, N. another potential source of contamination: with 88 caninum and Cryptosporidium spp. Parasite DNA used tanneries concentrated over 127 km2, the region under for positive control reactions was obtained from B. study is the greatest center of the leather tanning besnoiti tachyzoites (Bb1Evora03 isolate) maintained industry in Portugal, representing 80% of the total

91 Waap H et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 90-92 national production in this sector. Mechanical and Cortes H, Leitão A, Vidal R, Vila-Viçosa MJ, Ferreira ML, chemical processing of hides, during which large vol- Caeiro V, Hjerpe CA (2005). Besnoitiosis in Bulls. Vet umes of dirty and polluting effluents (approximately Record, 157: 262-264. 25-45 m3 of water per ton of raw hide) (Verheyen et Cortes HC, Nunes S, Reis Y, Staubli D, Vidal R, Sager H, al., 1996) are produced, could result in the release of Leitão A, Gottstein B (2006a). Immunodiagnosis of Besnoitia besnoiti infection by ELISA and Western blot. bradyzoits into wastewater. However, at present, no Vet Parasitol, 141: 216-225. data are available concerning survival of B. besnoiti Cortes HC, Reis Y, Waap H, Vidal R, Soares H, Marques I, tissue cysts and bradyzoites in effluents from tanneries. Pereira da Fonseca I, Fazendeiro I, Ferreira ML, Caeiro At all, the identification of DNA belonging to the V, Shkap V, Hemphill A, Leitão A (2006b). Isolation of genus Besnoitia in groundwater is a unique finding Besnoitia besnoiti from infected cattle in Portugal. Vet providing first data relating to the presence of this Parasitol, 141: 226-33. organism in water. This data will need further investi- Dubey JP, Sreekumar C, Rosenthal BM, Vianna MC, gations in order to unambiguously confirm the identity Nylund MM, Nikander S, Oksanen A (2004). of the detected DNA with the specie B. besnoiti Redescription of Besnoitia tarandi (: and evaluate the importance of this finding, in the ) from the reindeer (Rangifer tarandus). transmission and epidemiology of the disease. International Journal for Parasitology, 34: 1273-1287. Franco EE and Borges I (1915). Nota sobre a sarcos- poridiose bovina. Revista de Medicina Veterinária Ano XIV, 255-268: 287-298. Frank W, Frenkel JK (1981). Besnoitia in a Palaearetie Lizard (Lacerta dugesii) from Madeira. Z Parasitenkd Bibliography 64: 203-206. Pols JW (1960). Studies on Bovine besnoitiosis with special Alves M, Matos O, Antunes F (2001). Multilocus PCR- reference to the aetiology. Onderstepoort J Vet Res, 28: RFLP analysis of Cryptosporidium parvum isolates 265-356. from HIV-infected patients in Lisbon, Portugal. Ann Verheyen LAHM, Wiersema D, Hulshoff-Pol LW, Brandjes Trop Med Parasitol, 95: 627-632. P, Westra PJ, Bos JFFP, Jansen JCM (1996). Manage- Bigalke RD and Prozesky L (2004). Besnoitiosis. In: ment of Waste from Animal Product Processing. Infectious Diseases of Livestock. Editors: Coetzer JAW, FAO Corporate Document Repository Bigalke RD, Prozesky L, Tustin RC, Volume one. (http://www.fao.org/WAIRDOCS/LEAD/X6114E/X61 Oxford University Press (Cape Town): 351-359. 14E00.HTM)

92 COMUNICAÇÃO BREVE REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Parasitismo por protozoários gastrointestinais em carnívoros silvestres mantidos em cativeiro no sul do Brasil

Parasitism by gastrointestinal protozoan in wild carnivorous kept in captivity in southern of Brazil

1 1 2 Matheus H. Farret , Vinicius R. Fanfa , Aleksandro S. da Silva , 3 4 Régis A. Zanette e Silvia G. Monteiro *

1Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria – RS, Brasil 2Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária da UFSM, Santa Maria – RS, Brasil 3Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS, Brasil 4Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFSM. Faixa de Camobi - Km 9, Campus Universitário, Santa Maria – RS, Brasil

Resumo: Este trabalho visa reportar achados parasitológicos Espécies de carnívoros selvagens são comumente em carnívoros silvestres oriundos de um criadouro conserva- encontrados na região sul do Brasil, na Argentina, cionista no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Neste estudo Uruguai e Paraguai em ambiente natural e cativeiro foi pesquisada uma espécie de felídeo (Leopardus tigrinus) e três canídeos (Nasua nasua, Lycalopex gymnocercus e Procyon (Beisiegel, 2001; Ruas et al., 2003). Os animais são lotor), totalizando um total de 14 animais. As amostras de fezes pertencentes à classe Mammalia e muitos estão na foram coletadas e armazenadas em frascos plásticos a tempera- lista de animais em extinção. Estes carnívoros podem tura de 13 ºC. O material foi processado e analisado pelas ser acometidos por vários gêneros de parasitos dos técnicas de centrifugo flutuação com sulfato de zinco e Kinyon quais podem ser reservatórios ou sofrerem a doença para pesquisa de parasitos. Nestes carnívoros, foi observada infecção mista e simples por protozoários do gênero Giardia, clínica (Herrera et al., 2004; Fiorello et al., 2005). Cryptosporidium e Cystoisospora. Pela ausência de sinais clínico Canídeos e felideos silvestres podem ser parasitados das parasitoses, conclui-se que os animais deste estudo são por diferentes gêneros de parasitos, entre eles portadores assintomáticos e atuam como disseminadores destes hemoparasitas como Babesia sp. e Tryponossoma sp., parasitos. endoparasitas como Giardia sp., Toxocara sp., Palavras-chave: Leopardus tigrinus, Nasua nasua, Lycalopex Capillaria sp., Cystoisospora, Trichuris spp. e gymnocercus, Procyon lotor. Dioctophyma renale e ectoparasitas como carrapatos e pulgas (Paes et al., 2001; Ruas et al., 2003; Botelho et Summary: This study aimed at reporting parasitological al., 2004; Herrera et al., 2004; Fiorello et al., findings in captive wild carnivorous from a conservationist 2005; Tavela et al., 2007). nursery at Rio Grande do Sul state, Brazil. Fecal samples of a total of fourteen animals, being a feline (Leopardus tigrinus) No Brasil, a giardiase, criptosporidiose e a and three canines (Nasua nasua, Lycalpex gymnocervus and isosporose são doenças com elevada prevalência em Procyon lotor) were researched. Samples were kept in plastic caninos domésticos, sendo os animais jovens os que bags at a temperature of 13 ºC. Material was processed and mais sofrem com a parasitose (Silva et al., 2008). Nos analyzed by the zinc sulphate centrifugal flotation technique animais acometidos verifica-se diarréia intermitente and stained by the Kinyon method. Simple and mixed infection by Giardia, Cryptosporidium and Cystoisospora were observed com comprometimento da digestão e absorção de in these animals. It was concluded that the carnivorous of this alimentos, acarretando desidratação, perda de peso study are disseminators of the parasites in the environment since e morte (Fayer et al., 2000; Mundim et al., 2003). no clinical signs of the disease were observed. Muitos animais silvestres brasileiros encontram-se em extinção no ambiente natural, e a maioria dos Keywords: Leopardus tigrinus, Nasua nasua, Lycalopex gymnocercus, Procyon lotor. exemplares está em cativeiro (IBAMA, 2003). Essa situação torna os animais mais susceptíveis às doenças pelo estresse e concentração em um mesmo local. Em virtude disto, considerou-se oportuno relatar o parasitismo por protozoários gastrintestinal com potencial zoonótico em carnívoros silvestres mantidos em cativeiro no sul do Brasil. *Correspondência: [email protected] As amostras de fezes foram coletadas de 14 animais Tel: + 55 3220-8958 mantidos em cativeiro no centro do estado do Rio

93 Farret MH et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 93-95

Grande do Sul em um criadouro conservacionista, estado do Oregon (EUA) (Snyder, 1988). mantidos separados em jaulas e gaiolas. As espécies N. nasua e L. gymnocercus são hospedeiros do de carnívoros pesquisadas neste estudo foram cinco gênero Cystoisospora, no entanto o parasitismo não gato do mato pequeno (Leopardus tigrinus), três quati apresentava sintomatologia clínica da doença, como (Nasua nasua), três graxaim do campo (Lycalopex reportado em cães jovens que apresentam alterações gymnocercus) e três guaxinins (Procyon lotor). De na consistência das fezes, e quadros de diarréia com cada espécie avaliada havia um macho. Todos os sangue, anemia, apatia e morte se não tratada animais estavam a mais de seis meses em cativeiro. As (Piacenti, 2008). Kazacos (1991) verificou em experi- amostras foram coletadas, armazenadas em frascos mentos com Cystoisospora que este parasito em plásticos e refrigeradas a uma temperatura de 13 °C, guaxinim pode acarretar doenças nervosas severas. por 24 horas. O material foi processado pelas técnicas As principais alterações clínicas deste coccídio ocorre de centrífugo flutuação e Kinyon para pesquisa de em cães e gatos domésticos (Huber et al., 2002; Silva parasitos (De Carli e Moura, 2000). Os oocistos de et al., 2008). coccídeos foram mantidos em temperatura e umidade Com o aumento do número de pesquisas na área de controlada (27 ºC e 80% UR) para esporulação a fim animais silvestre, têm-se conhecido novos dissemi- de identificação do gênero (Hoffmann, 1987). O grau nadores de parasitos, tanto para outros animais como de infecção foi classificado de acordo com Atlantic para o homem. Pela ausência de sinais clínicos das Veterinary College University of Prince Edward parasitoses conclui-se que os animais deste estudo são Island (2007). portadores assintomáticos e atuam como propagadores Observou-se nas amostras analisadas, presença destes parasitos para o ambiente. elevada de cistos de Giardia sp. em gato do mato pequeno, infecção mista por cistos de Giardia sp., oocistos de Cryptosporidium sp. e Cystoisopora sp. em quati, oocistos de Cystoisospora sp. em graxaim Bibliografia do campo e infecção mista por cistos de Giardia sp. e oocistos de Cryptosporidium sp. em guaxinim. Com Atlantic Veterinary College University of Prince Edward exceção dos L. tigrinus que apresentavam infecção Island (2007). Diagnostic services: Parasitology. Acesso elevada pelo flagelado, os demais animais apresen- em 17 jul. 2008. Disponível na internet: tavam infecção leve pelos parasitos reportados http://www.upei.ca/diagserv/html/parasitology.html Beisiegel BM (2001). Notes on the coati, Nasua nasua anteriormente. Todos os animais apresentavam-se (Carnívora: Procyonidae) in na Atlantic Forest area. aparentemente sadios, não sendo visualizadas fezes Brazilian Journal of Biology, 61(4): 689-692. diarréicas. Botelho JR, Linardi PM, Coutinho MTZ, Cardoso VA Neste estudo, cistos do gênero Giardia foram (2004). Ácaros ixodideos de mamíferos silvestres da visualizados nas fezes de L. tigrinus, N. nasua e P. região da hidrelétrica de Samuel, Rondônia, Brasil. lotor. A ocorrência de Giardia sp. foi relatada em L. Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária, 13(1): tigrinus, Panthera tigris, Panthera leo, Felis serval, 326. Panthera onca, Puma concolor e Leopardus weidii Current WL (1983). Human cryptosporidiosis. New mantidos em cativeiro e vida livre, respectivamente England Journal of Medicine, 309: 614-615. (Müller et al., 2005; Oliveira et al., 2008). N. nasua e De Carli GA, Moura H (2000). Parasitologia clínica: dia- P. lotor tiveram neste estudo a primeira descrição de gnóstico de laboratório dos coccídeos e microsporídios intestinais. Porto Alegre: EDIPUCRS, 73p. parasitismo por Giardia sp.. Isto se justifica pelo Fayer R, Morgan U, Upton SJ (2000). Epidemiology of aumento de pesquisas envolvendo a fauna silvestre Cryptosporidium: transmission, detection and identifi- brasileira nos últimos anos, devido ao aumento de cation. International Journal for Parasitology, 30: 12-13. animais em cativeiro que também propicia o para- Fayer R, Ungar B (1986). Cryptosporidium spp. and cryp- sitismo. tosporidiosis. Microbiology Reviews, 50: 458-483. Cryptosporidium é um protozoário eucarionte que Fiorello CV, Robbins RG, Maffei LMS, Wade SE (2005). se reproduz dentro de células epiteliais de órgãos do Parasites of free-ranging small canids and felids in the sistema respiratório e digestivo de vertebrados (Fayer Bolivian Chaco. Journal of Zoo and Wildlife Medicine, e Ungar, 1986; Xiao et al., 2004). Este parasito é um 37(2): 130-134. coccídeo de distribuição cosmopolita (Current, 1983), Herrera HM, Davila AM, Norek A, Abreu UG, Souza SS, que tem causado numerosos surtos de criptosporidiose Andrea PS, Jansen AM (2004). Enzootiology of evansi in Pantanal, Brazil. Veterinary pela ingestão de água contaminada (Rose, 1997). Parasitology, 125: 263-275. Acredita-se que a fácil vinculação do coccídio na água Hoffman RP (1987). Diagnostico de parasitismo veterinário. seja responsável pelo elevado número de hospedeiros. Porto Alegre, Sulina, 156p. Neste estudo foi identificado nas fezes de N. nasua e Huber F, Bomfim TCB, Gomes RS (2002). Comparação P. lotor, pela primeira vez no Brasil, oocisto do gênero entre infecção por Cryptosporidium sp. e por Giardia sp. Cryptosporidium. Porém, o Cryptosporidium parvum em gatos sob dois sistemas de criação. Revista Brasileira já foi reportada em 13% de P. lotor pesquisados no de Parasitologia Veterinária, 11(1): 7-12.

94 Farret MH et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 93-95

IBAMA (2003). Lista oficial da fauna brasileira ameaçada os/9/TDE-2008-08-11T065322Z-194/ de extinção. Acesso em 10 de set 2008. Disponível na Publico/AndressaMCIA.pdf. Internet: http://www.mma.gov.br. Rose JD (1997). Environmental ecology of Cryptosporidium Kazacos KR (1991). Visceral and ocular larva migrans. Se- and public health implications. Annual Review of Public minars in Veterinary Medicine and Surgery, 6: 227-235. Health, 18: 135-161. Mundim SJS, Souza SZ, Hortêncio SM, Cury MC (2003). Ruas JL, Farias NAR, Soares MP, Brum JGW (2003). Freqüência de Giardia spp. por duas técnicas de dia- Babesia sp. em graxaim do campo (lycalopex gymno- gnóstico em fezes de cães. Arquivos Brasileiros de cercus) no Sul do Brasil. Arquivo do Instituto de Medicina Veterinária e Zootecnia, 55(6): 770-773. Biologia de São Paulo, 70: 113-114. Müller GCK, Greinert JA, Silva Filho HH (2005). Silva AS, Zanette R, Rottile RA, Pessoa GA, Maurer C, Freqüência de parasitas intestinais em felinos mantidos Gasperi D, Vogel F, Sangioni LA, Monteiro SG (2008). em zoológicos. Arquivos Brasileiros de Medicina Protozoários em cães de canis de Santa Maria RS. Veterinária e Zootecnia, 57(4): 559-561. Revista da Faculdade de Zootecnia, Veterinária e Oliveira BC, Silva AS, Soares JF, Silva, MK, Salomão E, Agronomia, 15: 191-199. Monteiro SG (2008). Ocorrência de Giardia sp. e Snyder DE (1988). Indirect immunofluorescent of oocysts Cryptosporidium sp. em Leopardus weidii (gato-mara- of Cryptosporidium parvum in the feces of naturally cajá) de vida livre. Ciência Rural, 38: 546-547. infected Raccoons (Procyon Lotor). Journal Parasitology, Paes MJ, Botelho MCN, Oliveira JB, Sales-Jr PA, Monteiro 74(6): 1050-1052. FO (2001). Ectoparasitos de animais silvestres do Tavela AO, Araujo JM, Braga FR, Silva, AR, Araújo JV, Zoobotânico Onélio Porto em Mossoró, Rio Grande do Paula TAR (2007). Identification of helminths in Puma Norte. Jornal Brasileiro de Patologia, 37(4): 208. concolor (Linnaeus, 1771) from the Zona da Mata Piacenti, AK (2008). Infecção experimental com Isospora region, Minas Gerais state, Brazil. Biológico, 69(2): canis Nemeséri, 1959 (Sin. Cystoisospora canis), em 113-198. cães. 36f. Dissertação de Mestrado da Univeridade Xiao L, Fayer R, Ryan U, Upton S (2004). Cryptosporidium Federal de Mato Grosso do Sul. Disponível na Internet: Taxonomy: Recent advances and implications for public http://www.cbc.ufms.br/tedesimplificado/tde_arquiv health. Clinical Microbiology Reviews, 17: 72-97.

95 COMUNICAÇÃO BREVE REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Infecção por Giardia spp. e Cystoisospora spp. em capivara e cutia no sul do Brasil

Infection by Giardia spp. and Cystoisospora spp. in capybara and agouti in southern Brazil

1 1 1 Andressa R. Reginatto , Matheus H. Farret , Vinicius R. Fanfa , 2 3 Aleksandro S. da Silva , Silvia G. Monteiro *

1Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria – RS, Brasil 2Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária da UFSM, Santa Maria – RS, Brasil 3Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFSM. Faixa de Camobi - Km 9, Campus Universitário, Santa Maria – RS, Brasil. 97105-900, Prédio 20, Sala 4232. Fax: (55) 3220-8958

Resumo: Este estudo teve o objectivo de investigar a presença showed oocysts of Eimeria sp. and Cystoisospora sp. This is the de protozoários gastrintestinais em capivaras e cutias mantidas first report of this kind of parasitism. It is concluded that H. em cativeiro no sul do Brasil. Os animais eram oriundos de um hydrochaeris and D. leporine are potential hosts of the genus criadouro conservacionista do município de Santa Maria, do Giardia and Cystoisospora, respectively. The other parasites estado do Rio Grande do Sul. Amostras de fezes de três found only confirm the occurrence already described in the capivaras (Hydrochoerus hydrochoeris) e de três cutias literature. (Dasyprocta leporina) foram armazenadas à temperatura de refrigeração e processadas através das técnicas de centrífugo Keywords: Hydrochaeris, Dasyprocta, Giardia, Cystoisospora, flutuação com sulfato de zinco e de Kinyon para pesquisa de capybara and agouti. parasitos. As fezes das capivaras apresentaram infecção por cistos de Giardia spp., oocistos de Cryptosporidium spp. e Eimeria spp. Já nas cutias, foram observados oocistos de Eimeria sp. e Cystoisospora sp. Levando assim a identificar o Introdução primeiro caso de infecção por estes parasitos. Em conclusão, H. hydrochaeris e D. leporina são hospedeiros dos géneros A ordem Rodentia é formada por várias espécies de Giardia e Cystoisospora, respectivamente. Os demais parasitas encontrados confirmaram a ocorrência já descrita pela literatura roedores, entre elas as capivaras (Hydrochaeris em outros trabalhos. hydrochaeris) e as cutias (Dasyprocta leporina), pertencentes às famílias Hydrocheraidae e Dasyproc- Palavras–chave: Hydrochoerus, Dasyprocta, Giardia, Cystoi- tidae, respectivamente. A capivara é o maior roedor sospora, capivara e cutia. atualmente vivo (Emmons, 1990), na natureza vive em Summary: The aim of this study was to investigate the presence grupo em áreas próximas a rios, brejos e lagos. A cutia of gastrointestinal protozoa in capybaras and agoutis kept in é um mamífero roedor que vive em matas e capoeiras, captivity in southern Brazil. Fecal samples of three capybaras alimentando-se de frutos e sementes caídos das (Hydrochaeris hydrochaeris) and three agoutis (Dasyprocta lepo- árvores. As populações destes herbívoros têm aumen- rina) from a conservationist breeding center in the municipality tado de número na natureza e em cativeiro em algumas of Santa Maria, Rio Grande do Sul state, were analyzed. The samples were collected, transported under refrigeration, and regiões brasileiras (Herreira e Moreira, 1996; Moreira analyzed by the centrifugal flotation technique with zinc sulfate e Macdonald, 1996). Em capivaras e cutias já foi and by the Kinyoun staining method. Infection by cysts of relatado o parasitismo por várias espécies de Giardia spp., oocysts of Cryptosporidium spp. and Eimeria spp. helmintos, como por exemplo: Vianella hydrochoeris, was present in the capybaras faeces. Agouti’s fecal samples Hydrochoerisnema nomalobursata, Trichostrongylina spp., Moniezia spp., entre outros (Arantes e Artigas, 1983; Sinkoc, 1997; Durette-Desset et al., 2006), além de protozoários dos géneros Eimeria e Giardia (Gurgel et al., 2007; Silva et al., 2008). O estudo destes animais em cativeiro justifica-se pelo aumento da sua criação nos últimos anos. Em virtude disto, torna-se necessário conhecer as possíveis *Correspondência: [email protected] doenças que podem acometer estes roedores, a fim de Tel: + 55 3220-8958 traçar um protocolo terapêutico apropriado. Portanto,

96 Reginatto AR et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 96-99 considerou-se oportuno investigar a ocorrência de flagelado foi relatado recentemente em cutias no infecção por protozoários gastrintestinais em capi- Brasil (Silva et al., 2008). Acredita-se que este agente varas e cutias mantidas em cativeiro no sul do Brasil. só foi diagnosticado agora devido à crescente criação comercial destes animais, o que facilita sua pesquisa. Outros investigadores já identificaram esse protozoário Material e métodos no intestino de várias outras espécies domésticas, entre elas o coelho (Oryctolagus cuniculus) e a chinchila Foram colhidas amostras de fezes de três capivaras (Chinchilla lanigera), e silvestres como esquilos (Figura 1a - Hydrochoerus hydrochoeris) e três cutias (Sciurus spadiceus), castores (Castor canadensis), (Figura 1b - Dasyprocta leporina), adultas, oriundas nutrias (Myocastor coypus) e ratos silvestres de um criatório conservacionista do município de (Apodemus flavicollis, A. sylvaticus e Clethrionomys Santa Maria, do estado do Rio Grande do Sul. Estas glareolus) (Meyer, 1970; Karanis et al., 1996; Dunlap amostras foram armazenadas em frascos de polietileno, e Thies, 2002; Lainson et al., 2005). por um período de 24 horas a temperatura de 12 ºC e As espécies do género Giardia são protozoários posteriormente, processadas através das técnicas de intestinais amplamente distribuídos pelo mundo, que centrífugo flutuação com sulfato de zinco e técnica de causa doença clínica moderada, severa ou pode Kinyon para pesquisa de parasitas, onde os coccídeos ocorrer sem sinais clínicos. Durante o seu ciclo aparecem de coloração vermelha intensa e brilhante evolutivo há dois estágios de vida, a forma cística e a ou rosa sobre um fundo azul-esverdeado da preparação. forma trofozoíta. Em animais jovens causa diarreia Os corpos residuais e os esporozoítos são corados em intermitente com comprometimento da digestão e castanho. As leveduras e as bactérias aparecem absorção de alimentos, acarretando desidratação e uniformemente coradas em azul-esverdeado (De Carli perda de peso, que podem levar à morte (Machado et e Moura, 2000). As fezes foram mantidas em tempera- al., 2001; Mundim et al., 2003). Neste estudo foram tura controlada (27 ºC e 70% UR) para esporulação analisados animais adultos aparentemente sadios, os dos oocistos a fim de identificação do género. O quais poderiam estar atuando como reservatórios e grau de infecção foi classificado de acordo com a disseminadores deste flagelado. metodologia do Serviço de Parasitologia do Atlantic Nas cutias a infecção moderada por oocistos de Veterinary College University of Prince Edward coccídeas não esporulados observados na técnica de Island (2007). centrifugo flutuação, não definiu qual dos agentes estava em maior proporção. No entanto, após esporu- lação foram visualizados os géneros Eimeria e Resultados Cystoisospora. Esta última coccídea não foi relatada anteriormente em outras pesquisas, sendo este estudo Em todas as amostras das capivaras foram obser- o primeiro caso registado de parasitismo em D. vadas presença de cistos de Giardia spp. (Figura 1c) e leporina. A infecção por Cystoisospora spp. já foi oocistos de Cryptosporidium spp. e Eimeria spp.. A reportada em roedores das espécies Myocastor coypus técnica de Kinyon comprovou a presença do género e Mus musculus (Oliveira et al., 2002; Silva et al., Cryptosporidium a partir da coloração dos oocistos. O 2007). grau de infecção para os géneros Giardia e Eimeria O género Cystoisospora pertence à família foi considerado leve (entre 1 e 100 cistos/oocistos/- Sarcocystidae da ordem Eucoccidiorina e a infecção lâmina) e por Cryptosporidium elevado (mais de 300 dos hospedeiros ocorre pela ingestão de oocistos oocistos/lâmina). Em todas as cutias foi identificada esporulados. Acomete principalmente animais jovens, uma infecção moderada por oocistos de coccidios onde se observa a doença clínica com sintomatologia (entre 101 e 300 oocistos/lâmina). Após esporulação de diarreia sanguinolenta, apatia, anorexia e, se não identificou-se oocistos do género Eimeria e Cystoiso- for tratada atempadamente pode ser mortal. Animais spora spp. (Figura 1d). adultos são considerados reservatórios desta coccídea Tanto as capivaras como as cutias não apresentaram (Urquhart et al., 1998), o que justificaria a ausência de diarreia. Nestes animais não foram realizados hemogra- sinais clínicos aparentes neste caso. mas, que poderiam confirmar se o parasitismo estava a Tanto a infecção por Eimeria spp. como por causar danos à saúde dos roedores ou estava presente Cryptosporidium spp. diagnosticadas no presente nestes animais sem provocar lesões, funcionando trabalho, já foram reportadas parasitando capivaras e simplesmente como reservatórios do agente. cutias nos estados brasileiros, bolivianos e venezue- lanos (Casas et al., 1995; Gurgel et al., 2007; Meireles et al., 2007; Silva et al., 2008). Em D. leporina no Discussão estado do Pará foram descritas três espécies do género Eimeria, entre elas Eimeria aguti, Eimeria cotiae e Neste estudo, destaca-se o primeiro registo de Eimeria paraensis (Ralph et al., 2007) e na região sul infecção por Giardia spp. em H. hydrochaeris. Este do Brasil foi identificado o parasitismo por proto-

97 Reginatto AR et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 96-99

Figura 1- Capivaras (a) e cutias (b) mantidas em cativeiro no sul do Brasil apresentando infecção por cistos de Giardia spp. (c – obj.40x) e oocistos de Cystoisospora spp. esporulado (d - obj10x), respectivamente. zoários dos géneros Eimeria e Giardia em cutias Casas MC, Duszynskid W, Zalles LM (1995). Three new (Silva et al., 2008). eimerians in capybara (Hydrochaeris hydrochaeris) Portanto, com base neste estudo H. hydrochaeris é populations from eastern Bolivia and southern um hospedeiro potencial para o género Giardia e os Venezuela. Journal of Parasitology, 81(2): 247-251. roedores da espécie D. leporina são parasitados por De Carli GA e Moura H (2000). Parasitologia clínica: diagnóstico de laboratório dos coccídeos e microsporí- Cystoisospora. Os demais protozoários identificados dios intestinais. Porto Alegre: EDIPUCRS, 73 p. neste estudo já são conhecidos pela literatura como Dunlap BG e Thies ML (2002). Giardia in beaver (Castor parasitos de capivaras e cutias. canadensis) and nutria (Myocastor coypus) From East Texas The Journal of Parasitology, 88(6): 1254-1258. Durette-Desset MC, Gonçalves AQ, Pinto R (2006). Trichostrongylina (Nematoda, Heligmosomoidea) copar- Bibliografia asites in Dasyprocta fuliginosa Wagler (Rodentia, Dasyproctidae) from Brazil, with the re-establishment of Arantes IG e Artigas PT (1983). Hydrochoerisnema genus Avellaria Freitas & Lent and the description of nomalobursata (Nematoda: Trichostrongyloidea) parasito two new species. Revista Brasileira de Zoologia, 23(2): de capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) Linnaeus, 509-519. 1766. Estabelecimento de nova sub-família: Hydrochoe- Emmons LH (1990). Neotropical Rainforest Mammals - a risnematinae. Arquivo Instituto Biologia, 50(1/4): 39-49. field guide. Chicago: Chicago Press, 307p. Atlantic Veterinary College University of Prince Edward Gurgel AC, Sartori AS, Araujo FAP (2007). Eimeriosis in Island (2007). Diagnostic services: Parasitology. Acesso capybaras (Hydrochaeris hydrochaeris) in the state of em 17 jul. 2008. Disponível na internet: Rio Grande do Sul, Brazil. Parasitología Latinoame- http://www.upei.ca/diagserv/html/parasitology.html. ricana, 62: 76-78.

98 Reginatto AR et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 96-99

Herrera E e Moreira JR (1996). Capybaras – giant rodents N (eds.) The exploitation of mammal populations. with a giant potential. In: Macdonald D, Tattersall FH. Londres: Chapman & Hall: 88-101. The WildCru Review. The Wildlife Conservation Mundim SJS, Souza SZ, Hortêncio SM, Cury MC (2003). Research. Oxford, UK: Oxford University: 166-170. Freqüência de Giardia spp. por duas técnicas de dia- Karanis P, Opiela K, Al-Arousi M, Seitz HM (1996). A gnóstico em fezes de cães. Arquivos Brasileiros de comparison of phase contrast microscopy and an Medicina Veterinária e Zootecnia, 55(6): 770-773. immunofluorescence test for the detection of Giardia Oliveira FCR, Lopes CWG, Massad FV, Melo OS (2002). spp. in faecal specimens from cattle and wild rodents. Influência da infecção por Cystoisospora ohioensis no Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine ganho de peso de camundongos albinos. Revista and Hygiene, 90(3): 250-251. Brasileira de Parasitologia Veterinária, 11(2): 103-107. Lainson R, Brigido MCO, Silveira FT (2005). Parasites of Ralph L, Carneiro, LA, Silveira FT (2007). Observations on the squirrel Sciurus spadiceus (Rodentia: Sciuridae) Eimeria species of Dasyprocta leporine (Linnaeus, from Amazonian Brasil, with particular reference to 1758) (Rodentia: Dasyproctidae) from the state of Pará, Eimeria damnosa n. sp. (Apicomplexa: Eimeriidae). North Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Parasite, 12(4): 305-315. 102(2): 183-189. Machado RLD, Figueredo MC, Frade AF (2001). Evaluation Silva AS, Dau SL, Faccio L, Zanette RA, Monteiro SG of four techniques for diagnosis of Giardia lamblia in (2007). Parasitismo por Giardia sp., Cryptosporidium children's stool from Belém city, Para State, Brazil. sp. e Cystoisospora sp. em nutria (Myocastor coypus) no Revista da Sociedade Brasileira Medicina Tropical, Rio Grande do Sul. Estudos de Biologia, 29: 107-110. 34(1): 91-93. Silva MK, Silva AS, Oliveira CB, Monteiro SG (2008). Meireles MV, Soares RM, Bonello F, Gennari SM (2007). Parasitas gastrintestinais de cutias (Dasyprocta leporina). Natural infection with zoonotic subtype of Crypto- Ciência Animal Brasileira, 9(1): 128-131. sporidium parvum in Capybara (Hydrochoerus hydro- Sinkoc AL (1997). Helmintos e artrópodos parasitos de chaeris) from Brazil. Veterinary Parasitology, 147(1): Capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris L.1786) em área 166-170. de exploração pecuária na Região do Banhado do Taim. Meyer EA (1970). Isolation and axenic cultivation of 89f. Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária, Giardia trophozoites from the rabbit, chinchilla and cat. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Experimental Parasitology, 27(2): 179-183. Urquhart GM, Armour J, Duncan JL, Dunn AM, Jennings Moreira JR e Macdonald DW (1996). Capybara use and FW (1998). Parasitologia Veterinária. Rio de Janeiro, conservation in south america. In: Taylor VJ, Dunstone Guanabara Koogan, 273p.

99 CASO CLÍNICO REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Spastic syndrome in two cows in Northeastern Brazil

Síndrome espástica em duas vacas no Nordeste Brasileiro

Antônio C.L. Câmara*, José A.B. Afonso, Nivaldo A. Costa, Carla L. Mendonça, Maria I. Souza

Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Pernambuco, 55292-901, Brazil

1 Summary: The spastic syndrome was diagnosed in a 3 /2 be inherited as an autosomal-dominant gene and has crossbred and a 7-year-old Holstein cow from Pernambuco, been reported in many dairy breeds including Northeastern Brazil. The disease has not been reported Holstein, Ayrshire, Jersey, Brown Swiss, and previously in Brazil. Signs of the disease were exacerbated while the cows were housed indoors and after excessive Guernsey (Scarratt, 2004); although it has been handling. The owners were advised not to use these cows recognized in beef cattle (Tenszen, 1998). Prevalence in reproductive programs since the disease is inherited as an has been reported to be between 2.6% and 5% in dairy autosomal-dominant gene. cattle, and up to 2% in beef cattle (Becker et al., 1961); however, one study reported prevalences Keywords: spastic syndrome, muscles spasms, hind limbs, hereditary disease, cow. between 10% and 30% in older, proven bulls (Tenszen, 1998). Resumo: A síndrome espástica foi diagnosticada em uma vaca Episodes of muscle contractions are observed in 1 mestiça de 3 /2 anos e uma vaca Holandesa de 7 anos oriundas adult cattle between 3 and 7 years of age and usually de Pernambuco, Nordeste Brasileiro. A doença não foi relatada occur after the animal stands up (Scarratt, 2004). The previamente no Brasil. Os sinais clínicos exacerbaram- -se durante o internamento clínico e após manuseio excessivo. initial clinical signs are mild and consist of spasms of Os proprietários foram aconselhados e não usar tais vacas em the muscles of the rear limbs resulting in extended programas reprodutivos já que a doença é hereditária com legs (Gibbons and Saunders, 2001). Initially affected dominância autossômica. cattle show crampiness as they attempt to rise and sub- sequently extend the affected hind limbs behind their Palavras-chave: síndrome espástica, espamos musculares, membros posteriores, doença hereditária, vaca. bodies in an effort to relax the muscles contractions. In confined cattle, this results in the animals standing off the curb or placing the hind feet in the manure droop (Guard, 2008). Spasms are never seen while the Spastic syndrome (krampfigkeit, barn cramps, animals are lying down. The episodes initially last for crampy syndrome, crampiness, periodic spasticity) is 15 to 30 seconds but increase in duration and severity a progressive disorder of adult cattle affecting both as the disease progresses. Affected cattle are unable to sexes and characterized by episodic contractions of move during an episode but are normal between the lumbar muscles and extensor muscles of rear limbs episodes (Scarratt, 2004). (Smith, 2002) and becomes progressively more severe Spastic syndrome is poorly reported worldwide. with age (Guard, 2008). The condition is considered to Thus, the objective of the present work is to describe the clinical findings of two cows with spastic syn- drome in Northeastern Brazil.

Case reports

1 Cow 1 was a 3 /2 year-old, crossbred (Holstein x Gir) cow. The owner observed more frequent spasms attacks near and after calving. Cow 2 was a 7-year-old Holstein cow, recently purchased, and showed clinical signs after arrived at the farm. Both cows were raised *Correspondence: [email protected] semi-intensively and were the only cases at the two Tel: +55 61-8102-6703; Fax: +5561-3468-7255 farms, located in Pernambuco, Northeastern Brazil.

100 Câmara ACL et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 100-102

On clinical examination following the recommenda- varying degree is present; the condition is progressive, tions of Dirksen et al. (1993), the cows were found to responds to treatment and is not yet reported in Brazil. be in good body condition for dairy breeds. Both cows Spastic syndrome affects bovines aged 3 to 7 years, showed calm behavior and the only abnormal findings whereas idiopathic epilepsy generally affects bovines were limited to the musculoskeletal system with under the age of two years and is accompanied by spastic extension of the hind legs affecting both legs unconsciousness (Greenought et al., 1981). and kyphosis on a minor or major degree (Figure 1). As with previous reports of spastic syndrome The attacks lasted for a few seconds and then the cows (Tenszen, 1998; Guard, 2008), signs of the disease returned to normal posture. During episodes the were exacerbated while the cows were housed indoors. animals could not move and it was impossible to flex Both cows were in the age interval more frequent for their legs. The propioceptive responses appear normal occurrence of the disease (3-7 years). The muscu- in both cows. The animals worsen during indoors loskeletal and postural abnormalities during attacks confinement in the clinic, having more frequent and exacerbated spasms during exciting manipulation attacks especially when moved more often or during (excessive handling, backwards movements and backwards movements and manipulation during during milking) and stressful events (transportation milking. Otherwise, in outdoors pasture, the signs of and labour) are reported in the literature (Greenough the spastic syndrome were diminished to a temporary et al. 1981; Tenszen, 1998; Scarratt, 2004; Dirksen, stretching posture and a stiff gait in the hind legs. 2005; Guard, 2008). The more frequent attacks observed in Cow 1 near parturition are due to the rising in fetal cortisol initiating the stages of labour (Hafez, 2000) and the attacks after parturition could Discussion be consequence of stressful handling of the cow. Cow 2 showed attacks during movements after a stressful The diagnosis was made based on the typical event such as transportation and adaptation to a new clinical signs (Greenough et al., 1981; Tenszen, 1998) environment. Muscle was not biopsied, because it was and the ruling out of other diseases (Greenough et al., expected that a complete postmortem would be 1981). The differential diagnoses include hoof over- performed. However, none of the owners authorized growth, necrosis of the interdigital space and heels, euthanasia, so no histopathological examination was abscesses of the sole and dermatitis of the bulbs possible. Probably, no associated lesions would have (Greenough et al., 1981); all these problems were been found as the clinical disease is consistent with discarded after detailed clinical exam. The clinical the absence of significant pathologic alterations examination of the ligaments also discarded patellar (Wells et al., 1987). luxation. In spastic paresis (Elso heel) the attacks are The owners were advised to avoid the use of these not episodic (Smith, 2002) and affect most commonly cows on future breeding programs and to keep affect- calves between 1 week and 1 year of age (Scarratt, ed animals as comfortable and stress-free as possible, 2004). Spinal cord compression or abscess formation to avoid exacerbation of clinical signs. Eventually in the vertebral canal may be accompanied respectively affected animals are culled early because of weight by muscular spasms, or incoordination, but these loss or chronic foot problems (Smith, 2002). conditions usually progresses rapidly and the signs This is believed to be the first report of spastic are continuously present (Mayhew, 1989). In the hypo- syndrome in Brazil and has the objective to remind magnesaemic tetany (grass tetany) hypersensitivity of practitioners that the syndrome also occurs in the

Figure 1 - 3 _ year-old crossbred (A) and a 7 year-old Holstein cow (B) during spasms attacks showing arched back (kyphosis) in spastic syndrome.

101 Câmara ACL et al. RPCV (2008) 103 (565-566) 100-102 country. Affected animals should be culled since the Greenough PR, MacCallum FJ, Weaver AD (1981). Diseases syndrome is inherited as an autosomal-dominant gene. of nervous system. In: Lameness in cattle. 2nd Ed. Editors: Weaver AD. John Wright & Sons Ltd., Bristol: 337-359. Guard C (2008). Musculoskeletal disorders. In: Rebhun’s Bibliography diseases of dairy cattle. 2nd Ed. Editors: Divers TJ e Peek SF. Elsevier, Philadelphia: 467-503. th Becker RB, Wilcox CJ, Pritchard WR (1961). Crampy or Hafez ESE (2000). Reprodução animal. 6 Ed. Manole, São progressive posterior paralysis in mature cattle. J Dairy Paulo, 582p. Sci, 54: 542-547. Mayhew IG (1989). Large animal neurology: a handbook for Dirksen G, Gründer H-D, Stöber M (1993). Rosenberger – veterinary clinicians. Lea and Febiger, Philadelphia: Exame clínico dos bovinos. 3rd Ed. Guanabara Koogan, 197-225. Rio de Janeiro, 419p. Scarratt WK (2004). Cerebellar disease and disease charac- Dirksen G (2005). Estados espasmódicos de los miembros terized by dysmetria or tremors. Vet Clin Food Anim, posteriores. In: Medicina interna y cirúgia del bovino. 20(2): 275-286. 4th Ed. Editores: Dirksen G., Gründer H-D., Stöber M., Smith MO (2002). Diseases of the nervous system. In: Large Vol. 2: 768-775. animal internal medicine. 3ª edição. Editor: Smith BP. Gibbons WJ e Saunders LZ (2001). The nervous system. In: Mosby, St. Louis: 873-1017. Diseases of cattle: A textbook and reference work. 2nd Tenszen A (1998). Spastic syndrome in a Canadian Hereford Ed. Editors: Fincher MG, Gibbons WJ, Mayer K, Park bull. Can Vet J, 39(11): 716-717. SE. Greenworld Publishers, Indira Nagar, Lucknow, Wells GAH, Hawkins SAC, O'Toole DT, Done SH, Duffell India: 331-354. SJ, Bradley R, Hebert CN (1987). Spastic syndrome in a Holstein bull: a histologic study. Vet Pathol, 24(4): 345- 353.

102 Suplemento

DA REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Vol. CIII · Nº 565-566 Suplemento REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

José Maria Guedes Dias dos Santos Nobre

António Martins Mendes

Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa - TULisbon. Av. Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa

Origens çoamento nos assuntos de inspecção de carnes e seus derivados, na laboração de produtos e subprodutos de José Maria Guedes Dias dos Santos Nobre, nasceu origem animal e em práticas laboratoriais e demais na freguesia da Sé, da cidade do Porto, em 19 de trabalhos relativos a análise, estatística, comercializa- Setembro de 1915, filho do Dr. José Dias dos Santos ção e industrialização das lãs e de fomento ovino. Nobre e de sua esposa Senhora Dona Guilhermina Regressado a Luanda, nada do que fora previsto, ou Pereira Guedes Nobre. Na terra natal frequentou e imaginado, estava em vias de realização e a sua concluiu os estudos de instrução primária. concretização viria a demorar ainda algumas dezenas Seu pai que era advogado e oficial da Administração de anos. Militar foi colocado em Angola. Santos Nobre A sua formação profissional foi então dirigida acompanhou-os e frequentou o Liceu Central de noutro sentido. O Laboratório Central de Patologia Salvador Correia em Luanda, tendo completado o Veterinária, que estava em construção na cidade de Curso Complementar de Ciências no ano lectivo de Nova Lisboa, necessitava urgentemente de pessoal 1938-1939. especializado e Santos Nobre foi contratado para seu assistente em 13 de Junho de 1946. Contudo, como lhe faltava a indispensável especialização, Formação Profissional foi proposto para estagiar durante um ano no Onderstepoort Veterinary Research Institute de Por esse tempo Angola surgia aos olhos dos jovens Pretoria. O estágio foi autorizado pelo Ministro das como um campo repleto de possibilidades na área da Colónias mas a respectiva Direcção Geral de Medicina Veterinária, mas parece ter hesitado pois irá Economia entendeu que seria de toda a conveniência a desempenhar funções no quadro dos Correios e sua passagem prévia pelo Laboratório de Patologia Telefones da colónia de 1934 a 1936. Seja como for, Veterinária de Lourenço Marques que se encontrava matriculou-se na Escola Superior de Medicina em pleno funcionamento para, na Secção de Bacte- Veterinária em Outubro de 1939, licenciando-se em riologia respectiva, estudar os assuntos referentes ao 1945, com a classificação final de 13,3 valores. diagnóstico microbiológico e à produção de vacinas Durante o curso cumpriu o serviço militar, como contra as principais doenças infecto contagiosas dos cadete de cavalaria e, depois de promovido, como animais domésticos. Dessa forma seria mais fácil a oficial miliciano em efectividade no Regimento de concretização da sua formação especializada num Cavalaria 7 em Lisboa, de 1941 a 1944. instituto de tecnologias avançadas, na África do Sul. A conclusão da sua licenciatura quase coincidiu Santos Nobre iria transformar-se, assim, num com uma importante reforma dos Serviços de "Homem de Laboratório". Os estágios que realizou Veterinária de Angola. Além disso a propaganda em Lourenço Marques e Onderstepoort completaram oficial considerava que a Colónia seria a curto prazo a a sua formação nas áreas da microbiologia e da fornecedora de carne de bovino congelada a Portugal, imunologia. Os relatórios dos estágios realizados substituindo a República Argentina que nos anos da encontram-se publicados em "Pecuária" (Nobre, guerra 1939-1945 fora a principal fornecedora de uma 1953). Ao longo de mais de 250 páginas impressas, carne demasiado rica em gorduras que pouco agrada- eles constituem um manual completo das técnicas va aos consumidores portugueses. Mas, de qualquer usadas na preparação de vacinas, de produtos modo, pensava-se que a montagem da indústria biológicos para diagnóstico e de alguns dos protocolos angolana de congelação de carnes estaria para breve. de investigação executados em Onderstepoort. Admite-se que seu pai, que era um apaixonado por Além disso os textos respectivos são ilustrados com Angola e conhecia as enormes possibilidades esquemas e desenhos de sua autoria, que facilitam a existentes, terá influenciado o jovem licenciado. compreensão e completam os assuntos tratados, pois o Santos Nobre irá estagiar durante um ano em colega Nobre era também um excelente desenhador. laboratórios e frigoríficos argentinos para aperfei- O Director do instituto sul-africano, Dr. Gilles de

104 Suplemento RPCV (2008) 103 (565-566) 104-107

Kock não somente atesta que completou um ano de das suas observações estão publicados nas actas estudos intensivos, mas que está também numa boa das Jornadas Veterinárias realizadas em Lourenço posição para aplicar da melhor maneira a formação Marques e em Nova Lisboa. Infelizmente são publi- que obteve. Por outro lado exalta igualmente a sua cações policopiadas, de distribuição restrita, o que «very pleasant and charming personality...» (Nobre, dificultou o seu conhecimento e divulgação. 1953) que o fizeram muito estimado pelo pessoal do Em 1960 foi nomeado Director do Laboratório Instituto. De facto, o colega Nobre era dotado de uma Central de Patologia Veterinária em acumulação com personalidade que lhe permitia fazer amigos com a as suas funções de chefe de secção. Em 1961/62, maior das facilidades. voltou a estagiar oficialmente no Instituto de Onderstepoort para aprofundar os seus conhecimentos sobre Heartwater, Anaplasmose e Piroplasmose. Sem Actividade profissional interrupção de Serviço, manteve-se nas funções de Director do Laboratório Central de Patologia Toda a actividade profissional de Santos Nobre Veterinária de Angola até Janeiro de 1966, quando viria, praticamente, a desenvolver-se no Laboratório foi nomeado Director Interino do Instituto de Nova Lisboa, pois que sem interrupção de serviço, de Investigação Veterinária de Angola. Em 8 de Junho pouco depois do seu regresso, foi contratado como de 1967 foi nomeado Médico-veterinário-chefe Chefe de Secção tendo tomado posse em 13 de do Quadro Comum dos Serviços de Veterinária do Novembro de 1949, ficando encarregado da Ultramar e em 5 de Julho de 1967 foi nomeado para preparação e titulação das vacinas contra as doenças exercer em comissão ordinária de serviço o cargo de bacterianas e dos respectivos produtos biológicos para Director do Instituto de Investigação Veterinária de diagnóstico. Pouco depois do seu início de funções Angola. iniciou a produção da vacina anti-carbúnculo interno Recorde-se que este Instituto fora criado pelo tipo Stern como substituta da do tipo Mazzuchi que Diploma Legislativo Ministerial de 17 de Novembro vinha sendo utilizada. de 1965 (Mendes, 2006). Fundamentalmente o Em 1951 criou um serviço especial para o diagnós- Laboratório Central mudava de nome e adquiria uma tico da brucelose bovina, considerando a expansão autonomia que vinha reclamando há muito tempo. que essa doença já apresentava em Angola. Com base Dotado de personalidade jurídica e de autonomia nos estudos que vinham sendo efectuados, propôs e administrativa e financeira, as atribuições do Instituto foi aprovada a criação de uma Brigada de Prospecção estavam definidas no art. 3º do referido diploma: e Combate à Brucelose, com sede no Laboratório « I - Contribuir para o desenvolvimento da Ciência Central. Neste mesmo ano foi estagiar no Instituto de Veterinária, utilizando todos os meios de investigação Onderstepoort para actualização nesta matéria e em que lhe respeitem; II - Efectuar, em colaboração com 1958 tomou parte no Seminário de Brucelose, os Serviços de Veterinária provinciais, os estudos de realizado em Elisabethville (actual Katanga) por base necessários ao desenvolvimento da pecuária e iniciativa da Comissão de Cooperação Técnica para actividades correlativas e a utilização dos produtos África - CCTA/FAO/WHO. biológicos na Província; III - Promover em íntima Em 19 de Março de 1955 foi proposto pelo ligação com os Serviços de Veterinária da Província a Governador-geral de Angola para realizar um estágio aplicação dos conhecimentos adquiridos tendo em no Instituto de Onderstepoort para se actualizar com a vista o progresso económico e social, geral ou técnica de preparação da vacina liofilizada contra o nacional que representem». A transformação do aborto contagioso e respectiva aparelhagem utilizada. Laboratório em Instituto foi um acto de justiça, face Na sua passagem por Lourenço Marques estudou o ao aparecimento de vários outros, de formação muito modo como as brigadas de luta contra a tuberculose recente, que não possuíam o seu prestígio interno e estavam organizadas. Ainda neste mesmo mês e ano internacional; foi também o resultado da necessidade foi nomeado vogal permanente da Comissão Coorde- que os recém criados Estudos Gerais Universitários de nadora da Prospecção e Combate à Brucelose em Angola possuíam da sua colaboração, em pessoal Angola. Como consequência dos seus estágios criou qualificado, instalações e material, como dizemos em uma unidade de preparação e liofilização da vacina outras publicações (Mendes, 2002a, 2002b, 2006). B19 no Laboratório Central. Em 11 de Novembro de 1972 Santos Nobre foi Em 1959, tomou consciência de que as doenças nomeado Inspector Provincial dos Serviços de clássicas dos bovinos em Angola – carbúnculo interno, Veterinária do quadro mas continuando em comissão carbúnculo externo e peripneumonia contagiosa – de serviço a exercer as funções de Director do estavam controladas mas que a cowdriose era uma Instituto de Investigação Veterinária. doença de importância crescente e de difícil controlo. O Movimento do 25 de Abril de 1974 iria inter- Decidiu por isso dedicar-se ao seu estudo, primeiro romper essas funções. Em Angola, exactamente como isoladamente e depois em colaboração com Fernando nas outras colónias, passou a viver-se uma atmosfera Moreira Serrano e com Manuel Guerra. Os resultados de instabilidade com o êxodo de pessoal qualificado.

105 Suplemento RPCV (2008) 103 (565-566) 104-107

Tais factos, aliados a problemas de natureza familiar - Membro da Delegação de Angola na Comissão obrigaram-no a deslocar-se a Lisboa. O agravamento Permanente para a conservação e Utilização da Fauna da instabilidade e das condições de segurança na Selvagem, no âmbito da SARCCUS (South African antiga colónia aconselhavam-no a não regressar e Regional Committee for the Conservation and levaram-no a pedir, em 1 de Abril de 1975, que fosse Utilization of the Soil), em Pretoria, em Setembro de presente à Junta de Saúde, tendo sido considerado 1969. incapaz para o serviço. - Membro da Delegação de Angola na Conferência Passou então a viver na sua quintinha no Vimieiro, Interterritorial da Febre Aftosa, em Joanesburgo em dedicando-se à agricultura e à pecuária. A sua Agosto e Setembro de 1970. passagem por Angola e a sua actuação no Laboratório - Membro relator da Delegação de Angola às XXXVIII, XXXIX e XL Sessões Anuais de trabalhos Central de Patologia Veterinária e no Instituto de do Office International des Epizooties, em Paris, em Investigação Veterinária não ficaram porém esqueci- 1970, 1971 e 1972. das. Sucedeu-lhe na direcção do Instituto o colega - Secretário-geral das II Jornadas Médico-veteriná- Victor Manuel Santiago Duarte (Mendes, 2002a) rias realizadas em Nova Lisboa, em Setembro de 1963. que, pessoalmente, o convidou para participar, como - Membro da representação de Angola às III convidado de honra, nas "manifestações de carácter Jornadas Médico-veterinárias, em Lourenço Marques, técnico-científico, cultural e social que teriam lugar em Setembro de 1964. no Huambo de 10 a 16 de Novembro de 1990", para - Delegado de Angola na Reunião para a Defesa da comemorarem os seus 25 anos de existência. Santos Fauna (SARCCUS) em Pretoria, em 21 de Fevereiro Nobre que se encontrava já com graves problemas de de 1973. saúde, faleceu no princípio desse mês. O seu elogio na abertura das comemorações foi feito pelo colega Duarte nos seguintes termos: «...da numerosa plêiade de obreiros da criação do Instituto de Investigação Louvores Veterinária, quero aqui destacar e homenagear aquele que foi em vida o seu primeiro Director desde 1966 a Louvado pelo Governador Geral de Angola «pela 1975, o Dr. José Maria Guedes Dias dos Santos forma muito competente, inteligente e eficiente como Nobre, homem de grande abnegação, probo, integro, dirige o Laboratório Central de Nova Lisboa, que de trato afável e fazedor de amizades por excelência, constitui um estabelecimento de elevado nível profissional competente e incansável». científico e com prestígio internacional, o qual tem prestado à Província altos serviços» - Portaria de 12/06- B.O. nº 23, 1961. Louvado pelo Director dos Serviços de Veterinária Outros cargos oficiais de Angola «pela maneira dedicada e compreensiva como soube imprimir um cunho à representação - Delegado do Governo da Província de Angola destes Serviços» e pelo «sobejo conhecimento com na conferência internacional para tratar assuntos que prestou colaboração à Comissão das Comemo- referentes à Protecção da Natureza em Skukusa rações Cinquentenárias de Nova Lisboa» - Ordem de (Kruger Park) em Setembro de1955. Serviço nº 3/62 dos Serviços de Veterinária. - Representante da Província de Angola na Louvado pelo Director dos Serviços de Veterinária Comissão encarregada pelo Ministro do Ultramar de de Angola «pela sua esforçada, leal e inteligente preparar em Lisboa a Reforma dos Serviços de actuação na organização das II Jornadas Médico Veterinária Ultramarinos em Setembro de 1961. Veterinárias» - Despacho do Director dos Serviços, de - Membro da Comissão representativa de Angola na 6 de Novembro de 1963. Conferência Interterritorial da Febre Aftosa, em Sá da Louvado pelo Secretário Provincial de Fomento Bandeira, em Novembro de 1964. Rural «pela capacidade de trabalho e de organização, - Consultor Técnico do Director dos Serviços de pelo espírito empreendedor e de iniciativa que Veterinária de Angola durante as XXXIV; XXXV e demonstrou no cumprimento das responsabilidades XXXVI sessões anuais de trabalho do Office que lhe foram cometidas, quanto à necessidade de International des Epizooties, em Paris, em 1966, 1967 por em urgente funcionamento a Escola de Auxiliares e 1968. Técnicos de Pecuária» - Portaria de 8/2 de 1968 da - Membro da Delegação de Angola à Reunião anual Secretaria de Fomento Rural. da Comissão Interterritorial de Febre Aftosa, em Louvado pelo Governador Geral de Angola «pela Pretoria, em Agosto de 1967. maneira como colaborou na resolução de complexos - Representante da Direcção Geral de Economia do e delicados problemas correlativos à instalação e Ministério do Ultramar na XXXVII Sessão anual de funcionamento da Faculdade de Medicina Veterinária, trabalho do Office International des Epizooties, em em Nova Lisboa» - Governo Geral de Angola, Paris, em Maio de 1969. Repartição de Gabinete, 15 de Abril de 1969.

106 Suplemento RPCV (2008) 103 (565-566) 104-107

Sociedades Científicas a que pertenceu Trabalhos científicos publicados em colaboração Sócio efectivo da Sociedade Portuguesa de Ciências - Com Horácio Manuel da Graça - Enterotoxémie Veterinárias. des ovins en Angola. Bulletin de l’Office International Sócio efectivo da South African Veterimary Medical des Epizooties, 1956, vol. 46, pág. 591-592. Association. - idem - Enterotoxèmie en Olongo (Strepsirus Sócio correspondente da Sociedade Argentina de kudu). Serviços de Veterinária de Angola, 1961, vol. Medicina Veterinária. 19, pág. 89-91. - idem - Enterotoxémia em vitelos. Serviços de Veterinária de Angola, 1961, vol. 19, pág. 95-97. - idem - Tuberculose du systéme nerveux central chez les bovins. Bulletin of Epizootic Diseases of Africa, 1962. Trabalhos científicos publicados em nome - Com Fernando Serrano e Manuel Guerra - Estudos individual sobre a "Heartwater" - IV - Transmissão experimental da Ricketsia ruminantium a carneiros, por infestação com Amblyoma haebreum infectado com estirpe - Contribuição para o estudo da Raiva em Angola. "Mara"- I jornadas Médico- Veterinárias, em Anais dos Serviços de Veterinária de Angola, 1947, Lourenço Marques, 1962. vol. 1, pág. 187-196. - Com Manuel Guerra - Estudos sobre a - Relatório de Estágio no Laboratório de "Heartwater"- Comportamento dos ovinos usados para Onderstepoort, Anais Serviços de Veterinária de a manutenção da estirpe "Mara" - II Jornadas Médico Angola, 1949-1952, vol. 1, pág. 73-352. Veterinárias. Nova Lisboa, 1963. - Campagne Contre la Brucelose en Angola. - Com Vasco Antunes Sousa Dias - Situation Zoosanitaire en Angola. Bulletin de l’Office Bulletin de l’Office International des Epizooties, International des Epizooties, 1963. 1956, vol. 46, pág. 375- 381. - Com Victor d’Albuquerque Matos e Horácio - Sobre a prospecção da Brucelose em Angola. Graça - Situation Zoosanitaire en Angola. Bulletin de Folheto editado pela direcção dos Serviços de l’Office International des Epizooties, 1968. Veterinária de Angola, 1960. - Com José Henrique C. Amaral Fernandes - - Estudos sobre a "Heartwater". I - justificação e Situation Zoosanitaire en Angola. Bulletin de l’Office coordenadas do problema. I Jornadas Médico- International des Epizooties, 1971. Veterinárias em Lourenço Marques, 1962. - Estudos sobre a "Heartwater". II - As vacinas que se preparam na Africa do Sul e a sua aplicação. Bibliografia I Jornadas Médico-Veterinárias, em Lourenço Nobre, JM (1953). Relatório do estágio no Laboratório de Marques, 1962. Onderstepoort. Pecuária – Anais dos Serviços de - Estudos sobre a "HeartWater". III - Esquema Geral Veterinária e Indústria Animal de Angola - 1949 a 1952, da Investigação para melhor conhecimento da doença, Vol. I: 5-257. Mendes, AM (2002a). História do Laboratório Central de dos seus vectores e para preparação de uma vacina Patologia Veterinária de Angola. Revista Portuguesa de eficaz. I Jornadas Médico-Veterinárias, em Lourenço Ciências Veterinárias, 97: 13-22 Marques, 1962. Mendes, AM (2002b). Faculdade de Ciências Veterinárias - - Influência da Pecuária no desenvolvimento Angola- Apontamento histórico. Episteme, 2ª série, económico e social das populações rurais da África Volume triplo (nº 10, 11 e 12): 391-426. Mendes, AM (2006). A Universidade de Luanda - aponta- Intertropical (Angola). IV Jornadas Médico- mento histórico. Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias, em Nova Lisboa, 1965. Veterinárias, 101: 149-161.

107 Suplemento RPCV (2008) 103 (565-566) 108

Notas sobre publicações a acrónimos adaptados à língua inglesa, devido à sua difícil interpretação. A preocupação do Autor ao defini-las claramente, para não poder ser acusado de criar demasiados "neologismos parasitológicos" com estas entradas parasitológicas, só o ilustram, pois elas são de uma utilidade evidente para os profissionais da parasitologia moderna, podem evitar a sobrecarga de entradas estritamente parasitológicas tradicionais e são sempre minuciosamente esclarecidas e etimologi- camente pormenorizadas, para melhorar as actuais noções mais adequadas e de uso mais corrente entre os Grand Dictionnaire illustré de Parasitologie parasitologistas médicos e veterinários; Médicale et Vétérinaire do Prof. Jacques Euzéby A terapêutica dos parasitas evidencia bem a sua perpétua evolução, pois os grupos medicamentosos Editions TEC & DOC, Editions Médicales Interna- cuja actividade depende estritamente do metabolismo tionales, Lavoisier, Paris 2008. dos parasitas, são magnificamente apresentados e Um volume encadernado em pasta dura, com 818 elucidam claramente a sua biologia; páginas, coluna dupla, de 21x25 cm, com mais de A iconografia apresentada no dicionário é vasta, 6000 entradas e 500 ilustrações. muito rica e clarificadora dos caracteres dos grandes ISBN: 978-2-7430-1044-7. taxons, cuja variação são a base da taxinomia, bem como da etiopatogenia das parasitoses, onde não faltam alguns ciclos de vida dos parasitas dos grandes Jacques Euzéby é Doutor honoris causa pelas grupos. Universidades de Torino (Itália) e Temesvar Enfim, se este livro é essencialmente destinado aos (Roménia), Membro da "Academia Nacional de membros das profissões médicas – Médicos, Medicina", da "Academia Veterinária de França" e da Veterinários e Farmacêuticos – ele será bem útil aos "Academia Real das Ciências Veterinárias de Espanha" Biólogos e Imunologistas pela sua proficiente acção e Professor Emérito das "Escolas Veterinárias de na parasitologia geral e na fisiopatologia. Mas França (Parasitologia e Doenças Parasitárias – Lyon)". também será cada vez mais essencial para os jovens Esta bem grandiosa obra só podia ser levada a bom formandos das Universidades que pretendam atingir termo pelo Professor Jacques Euzéby, particularmente maiores níveis de especialização no Mestrado (2º ciclo culto e igualmente dotado de um poder de trabalho de Bolonha) e no Doutoramento (3º ciclo de Bolonha) pouco comum, após uma longa carreira académica de em Parasitologia e Clínica das Doenças Parasitárias e mais de sessenta anos. ciências adjacentes e ainda para especialistas de outras instituições de investigação públicas e privadas. É portador de invejável renome internacional na sua Esta obra é honrada com o prefácio do Professor especialidade, devido não só aos vinte livros que Alain Chabaud, Professor Emérito do Museu de anteriormente escreveu mas também às centenas de História Natural de Paris – Médico, Biólogo e artigos apresentados a Congressos Mundiais, Parasitologista – grande referência da Parasitologia Conferências, Cursos e Missões nacionais e no estran- Mundial, a quem rogo a deferência de citar as suas geiro, que lhe mereceram homenagens e galardões últimas e bem sentidas palavras do seu prólogo: académicos notáveis. "Les parasitologistes recevront avec gratitude cet Neste "Grande Dicionário" o Autor inclui um admirable ouvrage". enorme número de entradas sob os temas: Meu querido Mestre e Professor Euzéby, que a vida Parasitologia básica, com noções de ordem Taxi- lhe sorria por mais uns anos para nos deliciar com nómica, Biológica, Fisiopatológica e Imunológica, na novas obras sempre aliciantes para nós. sua maioria ilustradas, bem como métodos de estudo e técnicas de execução; As outras disciplinas que colonizaram a Parasitologia, fornecendo modelos de estudo da biologia molecular, que têm permitido preciosas achegas à taxinomia dos Manuel Carvalho-Varela parasitas e à fisiopatologia das doenças parasitárias. Professor-Catedrático Jubilado da Faculdade de Os termos que utiliza são, na sua maioria, reportados Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa

108 Suplemento RPCV (2008) 103 (565-566) 109-110

Apolinário Vaz Portugal aderem ao seu histórico projecto. É nesta fase de concretização e desenvolvimento da sua casa que o É com profunda tristeza que recordarei um pouco da Prof. Vaz Portugal inicia um grande plano de vida do meu maior amigo, o Professor Apolinário Vaz formação de jovens técnicos, nos quais me incluiu Portugal que nos deixou no passado dia 2 de Janeiro como pioneiro, enviando-nos para o estrangeiro de 2008. Com ele vivi toda a minha vida profissional, onde nos era ministrada formação especializada lutando em conjunto ao longo de quarenta anos por em diversos domínios científicos de acordo com as objectivos comuns: o desenvolvimento e a investi- necessidades da EZN. Foi assim que, graças ao seu gação científica na área da Produção Animal em prestígio e crédito científico, as portas das Portugal e a construção e desenvolvimento da Estação Embaixadas, das Fundações e Ministérios da Zootécnica Nacional (EZN), a sua casa de sempre, Agricultura e da Ciência e Educação se abriram, casa onde eternamente permanecerá a sua imagem. obtendo-se bolsas de estudo que permitiram criar Enfim, o grande Homem partiu e deixa-nos uma verdadeira escola de investigadores que ainda saudade… hoje trabalham na EZN ou no ensino nos mais Ficámos todos mais pobres, a Investigação Agrária, diversos pontos do país, em universidades e institutos a Veterinária, o Ensino e o País. Perdemos uma figura politécnicos e também no estrangeiro. Ao mesmo emblemática, talvez um dos mais ilustres veterinários tempo cria em Portugal, o primeiro Curso de Mestrado e cientistas nacionais do último meio século, de em Produção Animal, o que permitiu a um grande reconhecido mérito pela sua relevante obra nos número de técnicos nacionais e estrangeiros particu- domínios da Nutrição Animal, particularmente no que larmente dos Países Africanos de Língua Oficial concerne o ecossistema ruminal. A visão universal que Portuguesa, uma especialização neste domínio possuía da Ciência Animal granjeou-lhe a admiração e científico. respeito dos seus pares por essa Europa fora, o que lhe O Prof. Vaz Portugal conduziu a EZN a uma posição valeu a concessão de muitas condecorações e a de centro de investigação de referência, hoje reco- nomeação para membro de várias Academias nhecido como um dos melhores do seu género Científicas em França, Espanha, Bélgica, Itália e em toda a Europa, apesar das dificuldades e Luxemburgo e da Federação Europeia de Zootecnia contrariedades por que passou. Mas partiu e não viu (FEZ). Em Portugal foi agraciado e distinguido por materializado um dos seus maiores sonhos que era a várias instituições. Destacamos a Grã-cruz do Mérito criação na Fonte-Boa de um Campus Universitário, Agrícola em 1992 e a Grã-cruz da Ordem do Mérito deixando todavia à FMV a planificação e o modelo em 2007. Foi membro de todas as sociedades científi- funcional para esta estrutura. cas ligadas à sua formação de base, das Ciências A investigação em Produção Animal não constituía Veterinárias, e da Academia das Ciências de Lisboa, para ele um privilégio de escola ou de carreira profis- o que muito o honrou. Como afirmava recentemente sional, era antes de mais o resultado do trabalho um colega da Faculdade de Medicina Veterinária realizado por equipes multidisciplinares. Assim o da Universidade Técnica de Lisboa (FMV), onde Mestre criou uma escola onde profissionais de diver- leccionou, "... o Apolinário Vaz Portugal, para além sas formações, veterinários, agrónomos, biólogos, da sua carreira científica e política foi o médico químicos e zootécnicos, constituíam equipes que sob a veterinário que mais distinções recebeu no estrangeiro sua orientação dominavam com mais eficiência os e em Portugal". problemas que a "máquina animal" lhes apresentava Com o Prof. Vaz Portugal a Produção Animal no nos mais diversos aspectos de funcionamento. Por nosso país emancipou-se ganhando a profundidade assim dizer, quase todos os especialistas do nosso país científica que até aí lhe tinha escapado. A sua acção ligados ao ensino ou à investigação nesta área são foi transversal a toda a sociedade portuguesa, sabendo frutos de sementes por si lançadas neste universo do cativar e entusiasmar investigadores, académicos, saber, que perpetuarão para sempre o nome do seu alunos, técnicos e produtores. A investigação na saudoso mestre e do amigo que jamais esquecerão. Produção Animal foi um dos maiores objectivos da Ainda durante a sua gestão na EZN realizou sua vida e dar-lhe expressão, com as condições então um grande número de reuniões e demonstrações existentes, em 1964, foi um desafio enorme que se lhe científicas, com carácter de inovação em Portugal colocou. Na EZN os recursos físicos eram antiquados como foi a da realização do primeiro "Dia Aberto" em e desajustados para se iniciar a investigação e os instituições de ciência e ensino. Cumpria assim o seu recursos humanos muito escassos e pouco preparados objectivo de dar ao mundo que nos rodeia e sustenta, para esta nova actividade. O Prof. Vaz Portugal não a possibilidade de nos avaliar e de se inteirar das recua, e com o seu dinamismo, perseverança, saber e acções desenvolvidas em prol da produção animal no determinação põe em prática a organização departa- nosso país. Das reuniões internacionais, destaco as mental, rompendo com o passado. Não foi nada fácil realizações da FEZ e da "Protein Metabolism", que convencer muitos dos técnicos que ali trabalhavam, trouxeram a Portugal e à nossa casa centenas de cien- mas compreendendo claramente o seu objectivo, tistas de todo o mundo que daqui levaram não só o

109 Suplemento RPCV (2008) 103 (565-566) 109-110 conhecimento da investigação em Produção Animal A vida profissional do Prof. Vaz Portugal chegou ao realizada no nosso país, mas também da alegria e fim em Novembro de 2000, ao atingir o limite de da maneira simpática como foram recebidos nesta idade na função pública, exercendo as funções de modesta casa, onde a grandeza destas realizações são Director e Investigador na mesma casa onde tinha ini- associadas ao Prof. Vaz Portugal. ciado a sua carreira profissional. A sua aposentação Como grande humanista e grande amigo daqueles levou a grandes manifestações de homenagem, de com quem trabalhava preocupavam-no, as suas gratidão e reconhecimento pelo que fez por nós, pela condições de vida e das suas famílias por isso iniciou, Ciência Animal, pela Veterinária, pelo país, nos mais por sua vontade, a construção de estruturas sociais, diversos locais de decisão superior. Destas homena- como o infantário, a cantina e o posto médico, gens destacamos a que lhe foi prestada na EZN, onde permitindo dar assim satisfação às primeiras necessi- numa cerimónia formal realizada no anfiteatro, dades dos seus funcionários no próprio local de personalidades do seu mundo científico e amigos trabalho, criando nesta casa um modelar serviço muito próximos elogiaram e enalteceram as suas social. qualidades, recordando algumas passagens da sua Foi professor universitário em Portugal e no vida e brilhante carreira. Posteriormente e numa festa estrangeiro, ministrando aulas de zootecnia e nutrição mais familiar na EZN, em dia do seu aniversario e animal aos cursos de medicina veterinária e a outros por vontade própria dos seus colegas e amigos, foi ligados à produção animal. Foi um excelente descerrado o seu busto, justamente erguido em frente pedagogo, de fácil e clara comunicação, prendia a do modelar auditório a que foi dado o seu nome, por atenção dos seus alunos estimulando-lhes a curiosi- desejo expresso de todos os funcionários. Obras que dade científica para o que lhes transmitia. Deixava em perpetuarão para sempre a figura do grande Mestre, o todos os que o ouviam a marca indelével do seu saber, Prof. Vaz Portugal. atraindo-os para a descoberta do mundo fascinante A Faculdade de Medicina Veterinária e a UTL dos fenómenos que fundamentam a Produção Animal. promoveram uma bonita cerimónia de homenagem ao Esta longa carreira que exerceu em regime de acumu- Prof. Vaz Portugal por altura da sua jubilação. lação com as suas funções de investigador e Director Importantes personalidades do mundo científico da EZN terminou com a sua aposentação deixando nacional, entre as quais alguns seus ex-alunos, inter- muitas saudades àqueles que pensavam ser esta a vieram tecendo elogiosas palavras à obra e figura do forma mais realista do ensino interligado com a inves- Professor Vaz Portugal, que nos deliciou com a sua tigação. última e brilhante lição, deixando-nos algumas O Prof. Vaz Portugal nasceu na Murtosa, Aveiro, em mensagens que salientamos: 1930, licenciou-se em Medicina Veterinária em 1955, - «O grande desafio do próximo século e do novo e foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian na milénio é controlar a forma diferente de produzir, Sorbone e Rowett Research Institute onde obteve o defendendo a segurança alimentar, dando verdade ao doutoramento, realizando também na Escola Superior que se vende e assegurando a escolha do consumidor»; de Medicina Veterinária (ESMV), em Lisboa, o - «O desejo permanente da interdisciplinaridade doutoramento em Ciências Veterinárias (1967). e relações interactivas entre investigação, ensino, Iniciou nesse ano a carreira de investigação, assumin- formação, desenvolvimento empresarial e consumidor do a chefia do Departamento de Nutrição e (utilizador) de forma a se marcar a cultura da quali- Alimentação Animal da EZN como investigador. Em dade do ensino universitário. Só assim se preencherão 1972 na ESMV é professor da cadeira de Zootecnia e as necessidades colocadas pela nova Zootecnia». Melhoramento Animal, sendo em 1974 eleito, numa Fui ao longo da nossa vida testemunha do seu Reunião Geral de Alunos, Director desta Escola. mérito, da sua coragem, do seu amor para com o Ainda neste ano assumiu as funções de Director da próximo, da sua generosidade, do seu humanismo. Era EZN, lugar que ocupou durante 26 anos, tendo sido amigo do seu amigo e extremamente sensível aos também nomeado Sub-director Geral do Instituto problemas dos que lhes estão mais próximos, era em Nacional de Investigação Agrária (1976). Fez ainda, síntese um Homem Bom. uma incursão pela política, num dos períodos mais Que Deus o proteja e abençoe. conturbados da vida nacional, não porque fosse para si Até um dia... Professor Portugal! uma forma de afirmação, mas antes porque tinha um projecto, tinha um ideal e não virou a cara ao desafio. Assim em 1978 foi nomeado Secretário de Estado do J Pires da Costa Fomento Agrário (II Governo Constitucional) e ocupou a pasta de Ministro da Agricultura nos dois Governos seguintes (1978 e 1979). Foi também em 1984 eleito presidente do Conselho Nacional do Plano e, em 1986 e 2000, foi eleito e assumiu a presidência da Assembleia Municipal da Murtosa.

110 Suplemento RPCV (2008) 103 (565-566) 111

Vida Associativa

Movimento de sócios De 1 de Janeiro 30 de Junho de 2008 foram admiti- dos os sócios que a seguir se indicam. Efectivos: 2407 João Carlos Caetano Simões. Estudantes: 2406 Pedro Guinapo de Sousa; 2408 Ana Sofia Pires Amaral; 2409 Clara Madureira Lima.

Necrologia Chegou ao nosso conhecimento o falecimento, no primeiro semestre de 2008, dos colegas Professor Doutor Apolinário Vaz Portugal, sócio nº 960, no dia 2 de Janeiro e Professor Doutor António Mário Rodrigues Ribeiro, sócio nº 876, em 16 de Janeiro. Às suas famílias as nossas sentidas condolências.

111