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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO: PRODUÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA

CAMILA HELENA BARBOSA

METALLICA SOB A PERSPECTIVA DOS FÃS: A CRÍTICA NO WHIPLASH.NET.

Salvador 2015.1

CAMILA HELENA BARBOSA

METALLICA SOB A PERSPECTIVA DOS FÃS: A CRÍTICA NO WHIPLASH.NET.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Comunicação com habilitação em Produção em Comunicação e Cultura, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação.

Orientador: Prof. Guilherme Maia de Jesus

Salvador 2015.1 AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Carmo e Lenice, pelos ensinamentos, apoio, conselhos e por terem me dado o mais importante, o dom da vida. Por estarem ao meu lado durante minhas caminhadas e nesta longa jornada na faculdade.

A minha irmã, Cristiane, que tanto me apoia. Obrigada por estar sempre pronta a me ouvir e me aconselhar, além de ter fornecido espaço e ferramentas para que eu pudesse realizar este e tantos outros trabalhos da faculdade. E, como não poderia faltar, MUITO OBRIGADA por ser minha companheira nos shows do Metallica e suportar toda a loucura.

Ao meu irmão, Cássio, por ter colocado Metallica para a casa toda ouvir inúmeras vezes. Mesmo odiando durante tantos anos, um dia aprendi o que é bom de verdade, não é mesmo?

Ao meu amigo Alexandre Souza, pelo companheirismo durante toda minha estada acadêmica. Obrigada pela paciência, por me ajudar a encontrar um caminho em meio a tantas confusões, a tirar tantas dúvidas. Pelas nossas conversas, risadas e a todos os momentos que pudemos compartilhar. Foi um enorme prazer ter estado com você.

Ao meu orientador, Prof. Guilherme Maia, por ter aceitado o convite para orientar a "fã do Metallica". Obrigada pela paciência e pelas conversas tão proveitosas.

A Profª. Drª. Annamaria Jatobá Palácios por sua sensibilidade e exímio conhecimento que me foi de extrema importância durante o anteprojeto. Também por sua atenção e interesse sobre o encaminhamento do meu TCC durante os semestres que se seguiram.

A todos os mestres que fizeram parte da minha vida acadêmica, cujos ensinamentos fizeram parte do meu crescimento intelectual e pessoal.

A todos os meus colegas que contribuíram de algum modo em minha estadia na faculdade.

We got the metal madness When our fans start screaming It's right well alright When we start to rock We never want to stop again

Metallica – Hit the Lights (1983) RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso analisa as críticas dos fãs brasileiros a três álbuns do Metallica (Black Album (1991), St. Anger (2003) e (2008)) publicadas no site Wihplash.net, onde será identificado o modo como estes álbuns e a banda Metallica são vistos pelo seu público. Para isso, faz-se necessário entendermos a importância do Metallica através de um breve histórico de sua carreira, além de utilizarmos conceitos sobre a crítica para entendermos o papel da crítica musical e do público nos meios virtuais.

Palavras-chave: Rock; Metallica; Crítica musical; Música popular massiva; Fãs brasileiros.

ABSTRACT

The present final paper analyses the critics from brazilian fans to three albums of Metallica (Black Album (1991), St. Anger (2003) and Death Magnetic (2008)), published in Whiplash.net site, which it will be identified how these albums and the band Metallica are seen by its audience. For this, it is necessary to understand the importance of Metallica with a brief history of its career, in addition we use concepts about critics to understanding the role of music critics and audiences in virtual environments.

Keywords: Rock; Metallica; Musical critics; Massive popular music; Brazilian fans.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Atual formação do Metallica (2013) ...... 25 Figura 2 Capa do álbum Black Album ...... 47 Figura 3 Capa do álbum St. Anger ...... 51 Figura 4 Capa do álbum Death Magnetic ...... 55

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...... 9 1.1 Problema de pesquisa ...... 11 1.2 Crítica, música massiva e história: um horizonte teórico ...... 12 1.3 Objetivos e Justificativa ...... 13 1.4 Metodologia ...... 16

2. CRÍTICA MUSICAL E OS MEIOS VIRTUAIS ...... 17

3. METALLICA – HISTÓRICO ...... 24

4. METALLICA SOB A PERSPECTIVA DOS FÃS BRASILEIROS ...... 43 4.1 Site Whiplash.net ...... 43 4.2 O fã ...... 44 4.3 Análise das críticas dos fãs brasileiros ...... 46 4.3.1 Metallica (The Black Album) ...... 47 4.3.2 St. Anger ...... 51 4.3.3 Death Magnetic ...... 55

5. CONCLUSÃO ………………………………………………………………….………. 60

6. REFERÊNCIAS ………………...... 65

9

1. INTRODUÇÃO A partir da década de 20, em consequência do advento dos aparelhos de reprodução sonora como o toca-discos e o rádio, o consumo da música se intensificou e, com isso, configurou-se a ideia de “música popular massiva”, ou seja, o encontro da cultura popular com os artefatos midiáticos.

[...] em termos mediáticos, pode-se relacionar a configuração da música popular massiva ao desenvolvimento dos aparelhos de reprodução e gravação musical, o que envolve as lógicas mercadológicas da indústria fonográfica, os suportes de circulação das canções e os diferentes modos de execução, audição e circulações audiovisuais relacionados a essa estrutura. (JANOTTI JÚNIOR, 2004, p. 2)

A música produzida no século XXI só pode ser compreendida quando se leva em consideração seu entorno comunicacional. Segundo Janotti Junior e Nogueira (2010, p. 1),

esse entorno engloba desde os artefatos que permitem a produção, gravação, reprodução e circulação da música, até seus aspectos sociais, ou seja, além de ouvir música, conversamos sobre predileções e desgostos musicais, afirmamos identidades e aferimos julgamentos de valor.

Assim, dentro dos elementos presentes no consumo da música, estre trabalho irá tratar do elemento capaz de aferir valor, a crítica musical que, além desta característica, “sua função vai de informar e criar uma identidade a um determinado contexto de produção e consumo, além de documentar para a história” (MARQUES DE MELLO, 2003, apud NOGUEIRA, 2011, p. 138).

Com a chegada da internet e seu gigante leque de possibilidades, a crítica musical, assim como todo o jornalismo, migram para os meios virtuais. A crítica musical, antes praticada pelo jornalismo tradicional, agora, com o surgimento de blogs, por exemplo, passam a ser feitas por fãs. Deste modo, o processo da crítica passa por “um fenômeno de remediação graças à Internet. Assim como o consumidor não está mais limitado a comprar para ouvir um produto musical, ele não segue, necessariamente, a orientação ao consumo feita pela crítica em jornais e revistas especializadas.” (NOGUEIRA, 2011, p. 143).

A música faz parte de uma indústria que reproduz infinitamente uma mesma obra, transformando-a em produto de consumo. O público, por sua vez, detém hoje a tecnologia para distribuir essa mesma obra em quantidade exponencial. E, se em um primeiro momento, em sites de compartilhamento [...], essa prática tem um caráter inato mais genérico; nos blogs essa é uma prática ligada diretamente ao valor. (NOGUEIRA, 2011, p. 145) 10

Com esta ferramenta nas mãos dos fãs, a prática da crítica vem crescendo não somente em blogs como também sites, como é o caso do Whiplash.net. O Whiplash, que será a principal fonte de resenhas para este trabalho, é o mais antigo site de rock e heavy metal do Brasil e suas matérias e resenhas são escritas por colaboradores voluntários sem qualquer vínculo com outro site.

Primeiro grande fenômeno de massa em escala mundial, dirigido ao público jovem, da indústria fonográfica, o rock’n roll nasce nos Estados Unidos, nos anos 1950, reverbera forte na Inglaterra nos anos 1960 e estabelece as bases para o surgimento de muitas outras manifestações musicais que se enquadram na chave do que hoje conhecemos como rock. O heavy metal, que tem suas raízes em bandas como o Led Zeppelin e , no final dos anos 1960, é um dos gêneros1 que habitam este vasto reino do rock. No que diz respeito aos aspectos musicais, o heavy metal pode ser definido pelo timbre saturado e distorcido dos instrumentos eletrônicos amplificados, riffs e power chords2 de guitarra na região grave, bumbo da bateria e baixo “pesados”, graves, ativos e com destaque na mixagem. Outro aspecto musical importante do Heavy Metal é o emprego sistemático de tonalidades menores, responsáveis, em grande parte, pela atmosfera sombria que as músicas constroem como base para interpretações vocais intensas, rascantes e longos solos de guitarra.

De maneira geral, a sensação de peso (estésica) é considerada tradicional no campo de exploração desse gênero – todos os autores consultados apontam o “peso” como principal característica do Heavy Metal. “A história do Metal é quase sempre narrada por metalheads como uma progressiva busca por uma música mais pesada” (BERGER, 1999, pp. 58) ou ainda “a receita é simples para definir o heavy metal para os menos inteirados no lance é: pegue um bom riff de guitarra, adicione peso com baixo e bateria e acrescente um vocal forte e gritado. Presto! Aí está uma banda de heavy metal básica” (LEÃO, 1997, pp. 09). (CARDOSO FILHO, 2005, p. 8)

Para Weinstein (apud CARDOSO FILHO, 2005, p. 7) há ainda os aspectos visual e semântico; o primeiro “engloba roupas, fotos, logos das bandas e encartes dos álbuns” e o segundo “engloba os nomes das bandas e dos álbuns, além dos

1 O gênero musical é definido por elementos textuais, sociológicos e ideológicos; é uma espiral que vai dos aspectos ligados ao campo da produção às estratégias de leitura inscritas nos produtos midiáticos. Na rotulação está presente um certo modo de partilhar a experiência e o conhecimento musical, ou seja, dependendo do gênero, elementos sonoros como distorção, altura e intensidade da voz, papel das letras, autoria e interpretação, harmonia, modo, melodia e ritmo ganham contornos e importâncias diferenciadas. (JANOTTI JR., Janotti, 2006, p. 39, 40) 2 Acordes de guitarra que, mediante amplificação, permitem graves e/ou distorcidas (JANOTTI JÚNIOR, 2004, apud CARDOSO FILHO, Jorge Luiz Cunha, 2005, p. 4) 11

títulos das canções e letras.”. A banda aqui analisada, o Metallica, é um dos mais destacados representantes desse gênero.

O Metallica é uma banda norte-americana que surgiu em 1981 em , Califórnia. Atualmente é formada por (vocal e guitarra), (bateria), (guitarra) e (baixo). Suas músicas são marcadas por ritmos rápidos, agressivos e instrumentais. Mesmo após os mais de 30 anos de sua fundação, a banda se mantém ativa no cenário musical mundial. Para Stenning (2012, p. 358), “o Metallica é uma das poucas bandas seletas que possuem apelo suficiente para influenciar uma variedade de gêneros.”.

[...] o Metallica resistiu e cresceu além de todas as expectativas. A força de seu repertório, consagrada dentro do heavy metal, é notável, particularmente para uma banda formada mais de dez anos depois do Black Sabbath – os deuses do heavy metal. (STENNING, 2012, p. 358)

Com isso, será analisado neste trabalho o modo como os fãs enxergam seus ídolos, ou seja, a banda Metallica. Os produtos utilizados por fãs para realizarem suas críticas, e aqui demonstrados, são os álbuns musicais3. Segundo Cardoso Filho (2005, p. 7), “o próprio momento histórico no qual o heavy metal se consolidou como um gênero favoreceu a utilização do álbum como principal suporte de distribuição.”.

1.1 Problema da pesquisa O Metallica tem sua longa trajetória marcada por algumas mudanças de rumo importantes. Partindo do que foi visto pela crítica como um retorno a um rock mais “puro” e “autêntico”, descreveu no tempo uma trajetória errática com grandes oscilações no campo da vendagem e variações significativas no estilo musical da banda. O caminho errante do grupo, tendo em vista a posição privilegiada que ele ocupa não só em sua chave de gênero, mas também no contexto da indústria da música, de um modo geral, em escala mundial, favoreceu uma intensa movimentação de opiniões no campo da crítica. Partindo do pressuposto de que a crítica dos fãs tem um papel decisivo nos processos valorativos da música massiva contemporânea, o problema a ser enfrentado neste trabalho é descobrir de que

3 Produto musical com mais de quarenta minutos que possui uma ligação entre suas diversas faixas, é composto por capa e encarte e apresenta-se como uma espécie de obra musical. (CARDOSO, Jorge; JANOTTI JÚNIOR, Jeder, 2006, p. 4) 12

modo os fãs brasileiros do Metallica manifestaram, em fóruns virtuais, opiniões críticas sobre três álbuns da banda que são marcos evidentes dos desvios de rota no estilo do grupo.

1.2 Crítica, música massiva e história: um horizonte teórico.

Este trabalho privilegia um referencial teórico sobre crítica musical, música popular massiva e sobre a história da banda Metallica. Para melhor conhecimento sobre o histórico da banda, há duas biografias lançadas em 2012 (traduzidas no Brasil) que servem como principais fontes para este trabalho, que são: Metallica: a Biografia, do jornalista e crítico musical inglês Mick Wall, e Metallica: All That Matters, do jornalista e crítico britânico Paul Stenning. Mick Wall conviveu com a banda desde o início da carreira e demonstra isso com pequenos contos sobre momentos vividos com algum integrante da banda, mostrando ter intimidade com o Metallica. Stenning não descreve tantos momentos de intimidade como Wall, mas não deixa de ser uma ótima biografia sobre a banda, capaz de fornecer informações aprofundadas sobre a trajetória. Ambos demonstram amplo conhecimento sobre a história da banda, além de citarem também um pouco sobre a vida de cada integrante, até os que não estão mais na banda, e o momento “pré-Metallica” de cada um. Ainda que as opiniões dos autores sejam discordantes sobre alguns álbuns, é interessante entender o ponto de vista de dois críticos especializados em música e conhecedores do Metallica. Vale ressaltar que Wall e Stenning se colocam no papel de fã, pois, ao escolher a banda como objeto de estudo, além do conhecimento sobre esta, sua escolha também é pautada pelo gosto pessoal, além do que, os autores também analisam e expõem suas opiniões e críticas em suas biografias.

Como um dos principais autores sobre música popular massiva no Brasil, o autor Jeder Janotti Júnior será referência neste trabalho. É importante que entendamos a importância da música popular massiva, pois é dentro de suas práticas (produção, circulação e consumo) que a crítica musical está inserida. Além disso, Janotti Júnior também explora o ramo da crítica musical. Bruno Nogueira também é uma importante referência neste estudo, pois suas pesquisas estão relacionadas ao advento da internet e à ressignificação das críticas musicais a partir 13

dos meios virtuais. Este entendimento é de suma importância para este trabalho, pois a fonte das críticas que serão analisadas é um site, ou seja, um meio de comunicação virtual. Jorge Cardoso Filho também é uma importante fonte de conhecimento, pois, além de também ser um pesquisador no ramo da crítica, suas pesquisas envolvem a música popular massiva, os gêneros musicais como o heavy metal, no qual está inserida a banda Metallica, o principal objeto desta pesquisa.

1.3 Objetivos e justificativa

A pesquisa tem por objetivo principal compreender o modo como os fãs brasileiros expressaram suas opiniões através de críticas compartilhadas no site Whiplash.net, sobre três álbuns musicais da banda norte-americana Metallica. Espera-se também contribuir para a discussão sobre o papel dos fãs como um novo agente ativo na crítica da música popular contemporânea; refletir sobre o modo como o discurso crítico constrói o lugar do Metallica no contexto do Heavy Metal e contribuir para a difusão de conhecimento sobre uma das mais importantes bandas da História do rock.

O tema proposto neste trabalho de pesquisa é relevante tanto para fãs e admiradores do Metallica, ao tratar da sua carreira e de seus álbuns, quanto para estudantes de comunicação, por tratar da importância da crítica e, sobretudo, como os fãs exprimem suas opiniões através das críticas. Além de contribuir para os estudos sobre o rock, música popular massiva e crítica musical, também difundido por autores como Jeder Janotti Júnior, Jorge Cardoso e Bruno Nogueira.

A escolha da banda de heavy metal Metallica como objeto se deve, em primeiro lugar, à posição privilegiada que a banda ocupa no cenário do rock. Desde sua criação em 1981, o Metallica tem lançado, periodicamente, álbuns contendo, principalmente, músicas inéditas; ao todo são nove álbuns de inéditas e um de covers4, ambos gravados em estúdio, e quatro álbuns gravados em shows ao vivo, além de EPs, DVDs de shows ao vivo e de clipes, documentários e um filme de

4 Até a presente data (primeiro semestre de 2015). 14

ficção5.6 O jornalista inglês Mick Wall trata da importância do surgimento da banda para o cenário musical do rock e do novo subgênero do heavy metal, o .

Em si, o surgimento do Metallica e, em seguida, desse fenômeno chamado thrash metal, foi um divisor de águas na história do rock: o fim daquilo em que o heavy metal havia se transformado, do pós punk – tanto dos ritmos lúgubres e profundos combinados a letras metafóricas sobre Satã e seus adoradores, quanto das canções reflexivas, repletas de guitarras lamurientas e vocais secos – e o início de uma sonoridade nova que começou oferecendo uma alternativa à velha guarda séria e terminou substituindo-a. O thrash descartou os clichês do heavy metal tão rápido quanto o punk, mas manteve sua estrutura e musicalidade. [...] Lars e seu bando eram muito mais sérios em seu empreendimento musical, vestidos de preto da cabeça aos pés, transformando as canções em movimentos musicais antes mesmo de aprenderem a tocar um instrumento. O Metallica era uma experiência mais purista, e ser fã de thrash significava levar a música a um nível muito sério [...]. Assim, se o Metallica, e com ele o padrão do thrash, incluiria alguns ornamentos do rock da velha guarda – solos de bateria no meio do show, solos acrobáticos numa Flying V e até uma ocasional balada pesada -, os roqueiros os reconheciam na hora pelo que era: uma coisa nova, mais significativa. (WALL, 2012, p. 75, 76)

Após mais de 30 anos de carreira, a banda ainda é considerada uma das maiores bandas de heavy metal do mundo, e isso representa sua importância no cenário musical mundial contemporâneo. Hoje a banda é formada por James Hetfield (vocal e guitarra), Lars Ulrich (bateria), Kirk Hammett (guitarra) e Robert Trujillo (baixo). Ao longo de sua trajetória, o Metallica já vendeu mais de 100 milhões de discos, realizou mais de 1700 shows, tocando em mais de 60 países diferentes, além de conquistarem 14 Grammy Awards7. Em votação realizada em 2011 pela Kerrang!8, o Metallica foi eleito como a banda mais influente dos últimos 30 anos9. Assim, sua importância vai além de números, pois mesmo após mais de três décadas de existência, o Metallica é referência e influência musical para diversas gerações.

Em 2013, alcançou o título no Guinness Book, o livro dos recordes, por ser a primeira banda a tocar nos sete continentes da Terra em um único ano. Segundo publicação no site do Guinness Book, o recorde foi estabelecido após os músicos apresentarem um pequeno show de dez músicas numa cúpula transparente, na

5 Filme lançado em 2013, misturando cenas de ação com cenas do show do Metallica. 6 Disponível em . Acesso em: 10 abr. 2015. 7 Grammy Awards é o principal prêmio da indústria musical internacional que é concedido aos artistas de maior destaque nas produções fonográficas. 8 Revista britânica dedicada ao rock publicada a partir de 1981. 9 Disponível em . Acesso em: 10 abr. 2015. 15

Estação Carlini, na Antártica, a 120 cientistas e alguns fãs ganhadores de um concurso. A cúpula foi devidamente apropriada para a ocasião, pelo fato do continente gelado ser um ambiente frágil; os amplificadores foram fechados em gabinetes isolados e o som foi transmitido ao público através de fones de ouvido.10

Devido à importância que o Metallica representa para a música e por sua grandiosidade, a banda foi escolhida neste trabalho para ser analisada do ponto de vista de fãs brasileiros através das suas críticas aos álbuns escolhidos.

Para este trabalho, optamos por analisar três álbuns: Metallica (ou Black Album, como é mais conhecido) de 1991, St. Anger de 2003 e Death Magnetic de 2008. Estes três álbuns foram escolhidos para este trabalho devido às suas peculiaridades, que os diferem dos outros CDs da banda e, principalmente, entre eles. Tais similaridades são referentes, principalmente, às músicas, ao período que a banda vivia durante o processo de gravação e à recepção de fãs e críticos especializados.

O álbum de 1991, Metallica, ou mais conhecido pelo apelido Black Album, foi escolhido por ser o mais vendido da carreira da banda, alçando o Metallica ao mainstream. Ao todo foram mais de 25 milhões, marca alcançada em maio de 2014. Antes de produzirem este álbum, o objetivo da banda era lançar um disco que pudesse alcançar um maior número de pessoas. De fato, o Metallica conseguiu que o Black Album fosse um grande sucesso, porém, fãs mais antigos, da chamada “era thrash” ou “era de ouro” da banda, os criticaram alegando que haviam se “vendido” e se tornado “comercial”.

O álbum de 2003, St. Anger, foi o mais difícil de ser produzido, pois o Metallica passava pela fase mais turbulenta de sua carreira: o processo contra o site de compartilhamentos em 2000, a saída do baixista Jason , a internação do vocalista James Hetfield na reabilitação, devido ao consumo excessivo de álcool, no começo da gravação do álbum, e as relações frágeis entre os integrantes da banda. Além disso, foi o álbum com mais críticas negativas da carreira da banda, tanto por fãs como pela mídia especializada em música.

10 Disponível em . Acesso em: 10 abr. 2015. 16

O álbum de 2008, Death Magnetic, foi o álbum lançado após St. Anger e último da banda, até a presente data. Após o criticado St. Anger, muito se esperava para este álbum. As opiniões foram divididas por fãs: alguns afirmavam que o “velho Metallica” havia retornado, outros criticaram o álbum, ainda aguardando a “volta do Metallica da era de ouro”. No geral, o álbum foi bem recepcionado e resgatou um pouco da credibilidade que haviam perdido com St. Anger.

1.4 Metodologia

Para este trabalho será realizado um levantamento bibliográfico que aborda a música popular massiva, a crítica musical e o histórico da banda Metallica. Para isso, esta pesquisa fundamenta-se em artigos relacionados aos assuntos referentes ao campo da comunicação, neste caso estudos sobre música popular massiva e a crítica musical, além de biografias da banda Metallica. As duas biografias que serão utilizadas, servem de fonte para entender a importância da banda no cenário musical mundial e as mudanças em seu estilo. Conceitos do campo dos estudos sobre a música popular massiva e sobre o horizonte da crítica no contexto contemporâneo, nos ajudarão a compreender o lugar dos discursos dos fãs no processo valorativo de produtos musicais no cenário crítico atual.

Na dimensão empírica, a pesquisa coleta e analisa críticas dos fãs no site Whiplash.net (principal fonte), o mais antigo e mais acessado site de rock e heavy metal do Brasil. Independente, sem vínculos com portais de notícias, o Whiplash contabiliza mais de 200.000 matérias sobre bandas e artistas de rock e de heavy metal. As críticas e os debates dos fãs sobre os três álbuns que esta pesquisa põe em foco serão coletados, colocados em confronto e analisados sob uma perspectiva que leva em conta os dados históricos sobre a banda e conceitos da área da crítica e da música popular massiva examinados no corpus teórico.

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2. CRÍTICA MUSICAL E OS MEIOS VIRTUAIS

No final do século XVIII e início do século XIX, a crítica musical transformou-se em um fenômeno ao ser publicada em jornais especializados na Alemanha. Até então não havia jornais que se dedicassem a temas culturais e o papel desempenhado pela música era praticamente inexistente em jornais e gazetas da época. E.T.A. Hoffmann tornou-se pioneiro na prática da crítica musical ao ter recensões11 publicadas no jornal musical de língua alemã Allgemeine musikalische Zeitung (AmZ). Hoffmann se destacava dos demais críticos por inserir em suas críticas observações estéticas, pela profundidade e detalhamento em que analisava as obras musicais e, sobretudo, pelo modo em que interligava a análise e a estética.12

No Brasil, o escritor e pesquisador Mário de Andrade foi o grande crítico de música brasileiro na primeira metade do século XX. Murilo Mendes, escritor modernista e poeta, também contribuía regularmente para jornais ao escrever sobre música erudita, propondo aos leitores a compor uma discoteca de música. Ambos os autores se preocupavam em enriquecer a cultura musical do leitor e, para isso, publicavam textos contendo interpretações técnicas acerca do repertório. Porém, a crítica musical popular no país teve sua primeira grande manifestação nos jornais com o advento do gênero musical bossa nova na segunda metade do século XX.13

Segundo Bollos (2010, p. 271), pela definição do dicionário Aurélio, a palavra “crítica”,

do grego kritiké, feminino de kritikós, é a arte ou faculdade de examinar e/ou julgar as obras do espírito, em particular as de caráter literário ou artístico. A palavra “crítica”, por sua vez também se origina da palavra grega krinein (krinen) que quer dizer quebrar: o esforço de quebrar uma obra em pedaços para pôr em crise a obra em si. Acreditamos ser essa a função da crítica: fragmentar uma obra de arte, colocar em crise a ideia que se tem do objeto, para, assim, poder interpretá-la.

Cardoso Filho e Azevedo (2013, p. 3) reforçam o significado da crítica ao citarem que “a atividade crítica, em geral, refere-se à arte ou capacidade de examinar e/ou julgar um objeto. A rigor, nesta concepção mais geral, qualquer

11 Recensão é a apreciação crítica de uma obra musical ou literária. 12 VIDEIRA, Mário, 2010, p. 91-2. 13 BOLLOS, Liliana Harb. 2005, p. 270-272. 18

sujeito dotado da capacidade de fazer pleno uso de sua razão é capaz de formular algum juízo sobre algo do seu interesse.”.

Com o surgimento das expressões musicais no século XX, a ideia de música popular massiva se intensificou. O desenvolvimento dos aparelhos de reprodução sonora como o gramofone, o fonógrafo, o rádio e o toca-discos aumentaram o consumo da música em termos midiáticos e, assim, das técnicas de produção, armazenamento e circulação tanto no âmbito da produção quanto do consumo. 14 Deste modo, para Janotti Júnior e Cardoso (2006, p. 3),

[...] a expressão música popular massiva refere-se, em geral, a um repertório compartilhado mundialmente e intimamente ligado à produção, à circulação e ao consumo das músicas conectadas à indústria fonográfica. Esse adendo permite a compreensão de que apesar de popular, a música massiva, pelo menos em sentido estrito, passa pelas condições de produção e reconhecimento inscritas nas indústrias culturais.

Já no século XXI,

convivemos com mudanças substanciais em torno da cultura da música que modificam de forma profunda a cadeia produtiva, com uma transformação no controle da distribuição envolvendo novos processos na forma de criar, produzir, circular e escutar música que geram diferentes configurações para o negócio e possibilitam novas estratégias e ressignificações de modelos antes consolidados pela indústria da música. (VLADI, 2011, p. 72)

Diante das práticas da música popular massiva e o que as envolve, nos interessa para este trabalho o entendimento sobre a crítica musical. Partindo do pressuposto que a crítica, através da visibilidade pública adquiriu novos contornos, Cardoso Filho e Azevedo (2013, p. 5, 6) descrevem:

Que a publicidade, isto é, a visibilidade pública, tenha contribuído para conferir à crítica um papel de importante relevância, não há dúvidas. Primeiro, permitiu uma ampla circulação do produto desta atividade, isto é, a crítica, o juízo em si, que por ser uma avaliação cuidadosa sobre algo, certamente tem o potencial de chamar a atenção de outras pessoas sobre questões que poderiam passar despercebidas. Segundo, ao se inserir no âmbito público, a própria crítica também se torna objeto de apreciação, de exame por parte do público, e portanto está sujeita ao escrutínio e a revisão, retroalimentando assim a discussão pública. Terceiro, ao formular juízos e avaliações, a atividade crítica tem grande potencial para interferir na formação da opinião pública. Quarto, a profissionalização das atividades de produção de informação e opinião, evidentemente, não deixou de fora a atividade crítica, gerando assim o âmbito da atividade crítica profissional ou especializada, o crítico profissional ou o sujeito especializado em produzir críticas sobre determinados assuntos, estes sim com acesso mais facilitado à esfera pública.

14 JANOTTI JUNIOR, Jeder. 2006, p. 34. 19

Com o desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação, as manifestações culturais adquiriram novas perspectivas e, com isso, afetaram as expressões musicais em seus processos de produção, circulação e consumo. Janotti Júnior e Pires (2011, p. 8) afirmam que “mais do que entretenimento, sua apreciação está ligado (sic) a uma série de práticas políticas, econômicas, culturais e sociais que envolvem músicos, produtores, críticos e consumidores.”.

A crítica musical está inserida no consumo musical e nas práticas sociais da música, pois, “além de ouvir música, conversamos sobre predileções e desgostos musicais, afirmamos identidades e aferimos julgamentos de valor”. Seja a crítica realizada pelo jornalismo cultural ou em nossas práticas cotidianas, “através de bate papos, blogs, sites de relacionamento, plataformas de consumo musical, etc., desempenha um importante papel nas relações de produção de sentido de nossas experiências diante da música.”. (JANOTTI JÚNIOR; NOGUEIRA, 2010, p.1-2). A crítica refere-se, então, à “capacidade de julgar, ou seja, emitir opinião, aferindo valor a produtos culturais, através de critérios (implícitos ou explícitos), que acabam por posicionar tanto o objeto da crítica como aquele que julga no complexo jogo da cultura e comunicação contemporâneas.” (JANOTTI JÚNIOR; NOGUEIRA, 2010, p. 2).

A música é parte de um padrão de comunicação que compartilha valores, sentimentos, experiências e a forma como ela circula indica como se comunica e traz significações para determinadas práticas musicais que são resultantes dos sentidos construídos quando ouvimos música. A experiência da música é uma prática humana, uma prática cultural, por isso Frith tem razão quando diz que “a indústria joga um importante papel nesta cultura, mas não a controla” (2006, p. 54), porque seu funcionamento depende da compreensão de que a experiência de consumo é parte da sociabilidade humana. (VLADI, 2011, p. 71)

Quando praticada por jornalistas e produtores culturais, a crítica musical em sentido estrito está atrelada ao jornalismo cultural. Tal prática ao ser realizada pela imprensa destina-se à orientação ao consumo, “dizendo ao leitor qual produto está no centro das atenções, das discussões que envolvem valor dos produtos culturais e os motivos pelos quais determinada peça musical deve ou não ser consumida e o porquê de seus valores estéticos.”. E, “em termos estritos o jornalismo cultural produzido a partir do mundo da música é denominado ‘imprensa musical’ e refere- se, geralmente, a publicações especializadas.”. (JANOTTI JÚNIOR; NOGUEIRA, 2010, p. 2-3). Para Bollos (2010, p. 272) “o objetivo da crítica jornalística é o de ser 20

capaz de identificar o projeto do artista analisando a obra, possibilitando que esta seja divulgada e assimilada por outras pessoas.”.

Com o advento da internet, a crítica musical também migra para os meios digitais assim como todo jornalismo. Segundo Nogueira (2011, p. 140), tal processo ocorre em duas etapas: a primeira com “a mera reprodução do trabalho impresso que já era feito por jornalistas de formação em redações tradicionais”, e, “em um segundo momento, o conteúdo se descentraliza das empresas de mídia e passa a ser produzido também pelo público”. Daí surge a chamada “esfera pública midiática” onde há um modo de vivência cultural em forma de sites, cineclubes e fóruns; o público, antes passivo, torna-se produtor de conteúdo, o chamado “jornalismo cidadão”15.

Nogueira (2011, p. 141) enfatiza o surgimento de blogs de MP3, devido às trocas facilitadas de músicas, ainda que ilegais, e à ressignificação do papel do público que “até então era apenas consumidor passivo” e “passa a fazer suas próprias críticas e resenhas de produtos”, tornando os blogs um meio que possibilita uma atividade semelhante ao que é feito em fanzines, caracterizando-os como uma mídia militante, já que “acabam por cumprir uma forte função jornalística, que é a de reforçar uma identidade e produção cultural local.” (MARQUES DE MELO, 2003, apud NOGUEIRA, 2011, p. 141)

[...] existe uma função jornalística, ligada à crítica cultural, formação de identidade e orientação ao consumo, nesses blogs de MP3. Espaços que não possuem uma supervisão jornalística ou mesmo não estão associados a qualquer prática tradicional do jornalismo, tendo como seu personagem principal o público. Um público que, assim como era considerado ouvinte passivo, era considerado leitor passivo das tendências propagadas através de jornais diários e revistas especializadas. (NOGUEIRA, 2011, p. 141, 142)

Deste modo, ainda para Nogueira (2011, p. 144), o “processo da indústria da música não encerra, de forma alguma, no consumidor”, assim sendo, são dadas ferramentas de controle ao público. Daí parte-se do pressuposto do chamado público pós-massivo, pois as transformações tecnológicas abrem novas possibilidades a este público que se vê diante de novas formas de se relacionar com a música.

15 NOGUEIRA, Bruno, 2011, p. 143. 21

No que diz respeito a indústria musical16, cabe também reforçar as mudanças que os processos de consumo começam a sofrer após a chegada da internet. Com o crescimento exponencial do consumo de nicho, configura-se um público que também é pós-massivo e atende a novas lógicas de mercado. Por pós-massivo, entende-se o encontro do espaço urbano com o ciberespaço, criando a interação a partir de um terceiro território, baseado no fluxo de informações sob controle do indivíduo. (JANOTTI JÚNIOR; NOGUEIRA, 2010, p. 9)

Janotti Júnior e Nogueira (2010, p. 10) fazem uma observação sobre o “popular-massivo”, ao qual não seria equitativo classificá-lo somente a partir das “relações com os conteúdos musicais que circulam no ambiente comunicacional mainstream, pois também é ‘popular-massivo’ o ato de trocar arquivos, comentar e a produção musical contemporânea.”.

Faro (2012, p. 193) trata das mudanças nas práticas jornalísticas e na crítica cultural a partir da esfera pública midiática. Com a expansão da chamada blogosfera e o fenômeno do jornalismo online, o sistema de referências do público é afetado “já que o que se observa é a construção de um cenário múltiplo de vozes, cuja principal característica parece ser a da descentralidade da autoria e, com ela, o deslocamento do sentido hierárquico que o Jornalismo Cultural construiu historicamente na modernidade.”17. Do ponto de vista de Nogueira (2011, p. 151), a atividade jornalística exercida pelos blogs de MP3 gera certa polêmica, tanto

do ponto de vista do mercado de jornalismo, que luta para validar e reconhecer o diploma e formação acadêmica, como do ponto de vista da indústria clássica da música, que vê nessas plataformas um inimigo ao trabalho das empresas fonográficas de venda de música. Também sob a perspectiva do conteúdo, já que o jornalismo é um exercício tradicionalmente associado ao texto ou imagem, no qual existe uma forte figura do interlocutor, muitas vezes maior até que a própria notícia. Afinal, uma mesma informação ganha mais relevância quando é publicada por um veículo que outro; ou em uma linguagem que em outra, etc.

Ainda que seja uma mídia de suposto menor alcance, alguns endereços eletrônicos “conseguem superar, em acesso, a veiculação mensal de grandes revistas, como a Brasil, representando, assim, um ambiente favorável para a divulgação musical” (NOGUEIRA, 2011, p. 148). Tratando da divulgação do

16 Entende-se por indústria musical não apenas a fonográfica, que é destinada a gravação e circulação de discos, mas toda a cadeira produtiva da música. Ou, seja, a indústria de shows e editorial que envolve o processo de consumo de um produto musical e todos os intermediadores profissionais, que vão de lojas de instrumentos aos sites especializados. (JANOTTI JUNIOR, Jeder; NOGUEIRA, Bruno, 2011, p. 9) 17 FARO, J.S., 2012, p. 193. 22

cenário underground18, “[...] em lógicas de produção independente, com gêneros que estão distantes do consumo massivo clássico, os blogs passam a desempenhar uma função tão relevante no processo da música quanto uma revista especializada de grande circulação.”19.

É um consumo relevante, mesmo sem disputar com as tradicionais paradas de sucessos. Consumo gerado a partir da ressignificação de uma prática antiga. Existe um interesse dos blogs em gerar consumo desses artistas, muito mais do que em serem reconhecidos como um depósito de arquivos. Um espaço que, passada a primeira década da música em formato MP3, pode ser considerado consolidado e, portanto, incluso no pensamento da cadeia produtiva da música. (NOGUEIRA, 2011, p. 152)

Janotti Júnior (2006, p. 38, 39) trata da importância do gênero musical20 ao citá- lo como “um dos campos privilegiados para a compreensão da produção de sentido das canções populares massivas”, portanto, os gêneros seriam “modos de mediação entre as estratégias produtivas e o sistema de recepção entre os modelos e os usos que a recepção fazem desses modelos por intermédio das estratégias de leitura dos produtos midiáticos”. A rotulação, proveniente do gênero, “é um importante modo de definir as estratégias de endereçamento de certas canções tanto em termos mercadológicos quanto textuais.” (JANOTTI JÚNIOR, 2006, p. 40).

O sentido e o valor da música popular massiva são configurados por meio do encontro entre a canção e o ouvinte, uma interação que está relacionada aos aspectos históricos e contextuais do processo de recepção, bem como a seus elementos semióticos. É possível notar uma relação entre o rótulo musical e um suposto gosto do ouvinte, o que pressupõe certa afirmação sobre quem são os ouvintes para os quais determinada música é dirigida. Em termos virtuais, os gêneros e suas configurações nas canções descrevem não somente quem são os consumidores, mas também as possibilidades de significação de determinado tipo de música para determinado público. Na rotulação está presente um certo modo de partilhar a experiência e o conhecimento musical. (JANOTTI JUNIOR, 2006, p. 40)

Dentro da prática da crítica musical é necessário entender a importância dos gêneros musicais, pois estes

18 O underground “[...] segue um conjunto de princípios de confecção de produto que requer um repertório mais delimitado para o consumo. [...] Sua circulação está associada a pequenos fanzines, divulgação alternativa, gravadoras independentes etc. e o agenciamento plástico das canções seguem princípios diferentes dos padrões do mainstream.” (CARDOSO; JANOTTI JÚNIOR, 2006, p. 8 - 9). 19 NOGUEIRA, Bruno, 2012, p. 147. 20 O gênero musical é definido [...] por elementos textuais, sociológicos e ideológicos; é uma espiral que vai dos aspectos ligados ao campo da produção às estratégias de leitura inscritas nos produtos midiáticos. (JANOTTI JUNIOR, Jeder, 2006, p. 39) 23

não descrevem somente quem são os consumidores potenciais, mas o que esses produtos significam para eles. Os críticos de música geralmente descrevem os discos a partir de paralelos com outros intérpretes e/ou sonoridades, o que significa que, para a crítica, rotular através de gêneros implica em comparações, ou seja, conhecimento histórico e genealógico. Não por acaso, “rótulos genéricos” estão entre as ferramentas essenciais da prática crítica. (JANOTTI JÚNIOR, 2003, p. 34)

Cardoso (2005, p. 6) faz uma ressalva ao dizer que “os produtos podem ser julgados por críticos culturais que não integram a cena, desde que estes respeitem as convenções estilísticas do gênero.”.

[...] os produtos (canções, álbuns ou videoclipes) são capazes de “significar” e produzir “efeitos” nos ouvintes / espectadores, sem que estes, necessariamente, tenham que conviver com os membros da cena onde aquela obra foi produzida. Ou seja, implica conceder certa autonomia à obra em relação ao seu autor. De maneira semelhante, essa questão conduz a uma abordagem da engenharia interna da obra e das estratégias presentes na mesma que possibilitam a “significação” ou a “ativação do efeito”, sem que estes, necessariamente, se relacionem a uma comunidade de ouvintes. (CARDOSO, 2005, p. 6)

Ainda para Janotti Júnior (2003, p. 36), “quando falamos de gêneros no âmbito da música popular massiva, estão em jogo aspectos mercadológicos, sociológicos e semióticos”. Diante disso, é possível realçar três campos fundamentais para a análise da música popular massiva segundo Janotti Júnior (2003, p. 36): as regras econômicas “envolvem as relações de consumo (e os endereçamentos presentes nesse circuito) nos processos de produção, difusão e audição do produto musical.”; as regras semióticas envolvem estratégias de produção e expressões comunicacionais textuais da música, “além da conformação de valores ligados ao que é considerado autêntico em detrimento da música ‘cooptada’, ao modo como as expressões musicais se referem a outras músicas e como diferentes gêneros trabalham questões ligadas aos modos de enunciação, às temáticas e às letras.”; e, por fim, as regras técnicas formais, ou seja, “habilidades que cada gênero pressupõe dos músicos, quais instrumentos são necessários ou tolerados, ritmos, alturas sonoras nas relações entre voz e instrumentos, entre palavras e música.”.

Percebe-se nas críticas musicais que “a ideia dos gêneros na música popular massiva está ligada a vários processos de mediação presentes no consumo musical, 24

mas que desde já, mostra-se muito mais complexo do que sua conexão com a exploração comercial dos gêneros pelas grandes indústrias de comunicação”21.

[...] as mercadorias, os produtos musicais, só estão aptos ao consumo porque elas carregam consigo sentidos potenciais, ou seja, porque músicos, produtores, distribuidores, críticos e consumidores estão entrelaçados em uma rede de expectativas presentes nos gêneros musicais. (JANOTTI JÚNIOR, 2003, p. 37)

Cardoso (2006, p. 205, 206) afirma que “a música massiva é capaz de produzir sentido. É sensato acreditar que o repertório acumulado pelos ouvintes de determinados gêneros musicais vá influenciar no efeito que uma obra surtirá sobre ele.”. Para Vladi (2011, p. 72), “as preferências musicais seguem o reconhecimento do gênero e cada um tem suas formas de uso, o que vai possibilitar determinadas e diferentes experiências musicais.”.

Deste modo, “parte da comunicação dos sentidos e valores expressos pela música popular massiva estão inscritos na codificação de gênero, ou seja, os gêneros musicais, determinam, em parte, diferentes tipos de julgamentos estéticos, competências diferenciadas para que se construam determinados quadros de valor em relação a certas expressões musicais.” (JANOTTI JÚNIOR, 2003, p. 37).

3. METALLICA – HISTÓRICO

No ano de 2012, foram lançadas no Brasil duas biografias da banda Metallica, a Metallica: All That Matters e Metallica: a Biografia. A primeira foi escrita por Paul Stenning e a segunda por Mick Wall, ambas não-autorizadas. Contendo informações importantes e detalhadas sobre a carreira da banda, estas biografias servirão de base neste trabalho para descrever brevemente a história da banda Metallica com ênfase nos discos analisados neste trabalho: Black Album (1991), St.Anger (2003) e Death Magnetic (2008).

21 JANOTTI JÚNIOR, Jeder, 2003, p. 35. 25

Figura 1 – Atual formação do Metallica (2013).

Fonte: www.metallica.com (jun. 2015)

A banda de heavy metal Metallica, surgiu em 1981, em Los Angeles, Califórnia, a partir do entusiasmo do jovem dinamarquês Lars Ulrich. A paixão pela Nova Onda do Heavy Metal Britânico, também conhecida pela sigla NWOBHM22, lhe serviu como principal influência musical, além de ser a motivação para a criação da banda. Algumas das principais bandas desta geração de rock pesado, que começou a vigorar no Reino Unido no final dos anos 1970, são , Def Leppard, Diamond Head e Tygers of Pan Tang. Esta influência atribuiu à base da musicalidade do Metallica a agressividade, presente em sua sonoridade pesada e intensa, velocidade acelerada e maior elaboração nas composições referentes aos instrumentos. Stenning (2012, p. 39) afirma que sem a Nova Onda do Heavy Metal Britânico, o Metallica não existiria hoje.

Ulrich (apud WALL, 2012, p. 29) descreve sua experiência com a nova onda musical e a sua importância que “proporcionou um novo sentido, um novo limite para o rock tradicional dos cabeludos. Eu era um adolescente dinamarquês fã do que achava que não tinha como a coisa melhorar e, de repente, fiquei vidrado em todo esse lance da NWOBHM. Sei que soa esquisito, mas isso mudou a minha vida. Não havia ninguém com quem eu pudesse falar disso [NWOBHM]. Quando cheguei a Los Angeles, me sentia quase sempre deslocado.”. Ulrich não queria apenas ouvir, mas criar seu próprio projeto: uma banda, na qual poderia tocar

22 Em inglês, New Wave Of British Heavy Metal. 26

bateria. Afim de encontrar parceiros, em meados de fevereiro ou março de 1981 anunciou nos classificados musicais do jornal local The Recycler: “Baterista procura outros músicos de metal para tirar um som. Tygers of Pan Tang, Diamond Head e Iron Maiden.”. O anúncio foi atendido por Hugh Tanner que entrou em contato com Ulrich para tocar, avisando que levaria seu amigo, James Hetfield.

Após o primeiro encontro infrutífero, meses depois, Ulrich e Hetfield se reencontraram e deram início à banda; o primeiro na bateria e o segundo na guitarra e vocal. “Para começar de fato, faltava um baixista. Era inevitável James sugerir Ron McGovney [amigo de Hetfield], ideia que parecia fazer sentido para todos, menos para Ron, que não curtia nem um pouco as chances da nova parceria.” (WALL, 2012, p. 53). Mesmo relutante em fazer parte da banda por achar Lars Ulrich um baterista ruim, McGovney permaneceu por mais um tempo. À procura do segundo guitarrista, novamente colocaram um anúncio no jornal The Recycler, no qual foram atendidos por e, desse modo, o Metallica estava completo. Em 14 de março de 1982, o grupo fez seu primeiro show em Anaheim, Los Angeles.

Nos Estados Unidos a sonoridade da banda era algo novo, com uma inclinação europeia na música. O ritmo musical da banda envolvia velocidade, força e agressão. Wall (2012, p. 77) fala sobre o novo subgênero do heavy metal, surgido a partir do Metallica, onde "a música que decidiram tocar ainda era tão inédita, tão improvável, que inventou um novo gênero só seu.". O subgênero do heavy metal, chamado thrash metal, é definido, sobretudo, pela velocidade e intensidade do seu ritmo.

Musicalmente, as influências do Metallica eram óbvias para quem conhecia a cena da NWOBHM – algo que a maioria dos fãs norte-americanos desconhecia. Porém misturados às referências óbvias como Diamons Head e Motörhead, estavam traços mais obscuros, como o hardcore britânico e o punk norte-americanos. (WALL, 2012, p. 74)

A permanência de McGovney durou até 1982. O baixista não estava seguindo o ritmo dos demais companheiros em relação às melhorias na habilidade com o instrumento musical, o que gerou descontentamento em seus companheiros. Segundo Stenning (2012, p. 60), mesmo que fosse amigo de McGovney, Hetfield notou que este jamais trabalharia para o Metallica em tempo integral. Era muito sério e obediente e tinha ideias próprias sobre a música. McGovney admitiria que tocava o que lhe mandavam. Por isso, Hetfield e Ulrich começaram a procurar o novo 27

baixista.

Logo encontraram o novo baixista, , que a princípio recusou o convite para fazer parte da banda. Fascinados pelo jeito de tocar de Burton, o pressionaram até que tivessem uma resposta positiva. Como explica Stenning (2012, p. 61, 62) no final de 1982, “Burton cedeu à incessante pressão – com a condição de que a banda mudasse de Los Angeles para . Dada a importância de Burton para o som que a banda estava buscando, ninguém questionou, e o grupo rapidamente entrou em um velho furgão decrépito com destino a Bay Area.”. Wall (2012, p. 102) define a mudança para San Francisco como o verdadeiro início da história do Metallica, pois a banda começou a se sentir mais à vontade com o local e confiante, além do que, o novo membro da banda era musicalmente mais experiente; diferente de Ulrich e Hetfield que eram basicamente autodidatas, Burton fez faculdade e tinha formação musical.

Com a entrada de Burton para o Metallica, os acontecimentos se aceleraram. Após o primeiro show em San Francisco em 5 de março de 1983, eles já falavam em gravar um disco (WALL, 2012, p. 103). Mesmo quando a banda estava se dando bem, o guitarrista Dave Mustaine continuava a criar problemas com seus companheiros. Segundo Stenning (2012, p. 74, 75), “ele estava se tornando uma fonte de irritação constante, no palco e fora dele, e, por fim, Hetfield e Ulrich resolveram demitir o guitarrista errante. Na mesma tarde em que isso ocorreu, a banda convidou Kirk Hammett, do Exodus, e ele aceitou.”.

Com a banda formada, agora com Hammett como guitarrista, em 25 de julho de 1983 foi lançado oficialmente nos Estados Unidos o primeiro álbum do Metallica, o Kill ‘em all. Mesmo alcançando a posição 120 do Top 200 da Billboard, “com exceção da Kerrang!, a grande imprensa musical dos Estados Unidos e da Grã- Bretanha praticamente ignorou o disco. Já as fanzines de metal, que sempre apoiaram a banda, vibraram.” (WALL, 2012, p. 139). Para Jonny Zazula23 (apud WALL, 2012, p. 105) "eles pareciam a resposta norte-americana à NWOBHM. Não existia nada do gênero nos Estados Unidos, principalmente na Costa Leste, para competir no mundo.".

[...] o álbum de estreia do Metallica nunca estaria relacionado apenas com música. Sua verdadeira conquista era, a um só tempo, definir uma nova

23 Fundador da gravadora , responsável por lançar o primeiro disco do Metallica. 28

sensibilidade - o conceito antes incompatível, mas estranhamente empolgante, consolidava-se, mesclando punk e heavy metal em um estilo complexo chamado thrash - e resgatar a credibilidade de um gênero musical, o rock pesado. (WALL, 2012, p. 136)

O segundo álbum foi gravado na Dinamarca, onde a banda estava em turnê e também por ser mais barato, e produzido por Flemming Rasmussen.

Isso foi mais uma virada positiva do destino do Metallica. Ao escolher um produtor desconhecido, que também trabalhava como engenheiro de som, acabaram criando uma parceria notavelmente bem-sucedida, da qual saíram três de seus álbuns mais consagrados. Flemming Rasmussen seria o responsável por , e ...And Justice for All - um triunvirato glorioso, até hoje louvado pelos conhecedores do metal. (STENNING, 2012, p. 105)

Ride the lightning, foi lançado mundialmente em 27 de julho de 1984. Stenning (2012, p. 119) descreve sobre a boa recepção e as críticas positivas como da Kerrang! que "descreveu o disco como 'um dos melhores e mais originais discos de heavy metal de todos os tempos', elogiando a 'melodia, a maturidade e a inteligência musical' do quarteto.” E a Metal Hammer que elogiou Ride The Lightning como “‘um enorme avanço técnico e criativo’ e que o Metallica tinha desenvolvido ‘uma fórmula boa demais para não ser ainda mais desenvolvida’.” Com este álbum, fãs do metal mainstream prestaram atenção, pela primeira vez a uma banda de speed metal24.

Foi a primeira indicação de que o Metallica não era meramente um grupo de thrash, e tinha um grande potencial para passear por vários gêneros. A revista Q, mais tarde reconheceu o amplo apelo do Metallica, dizendo que "eles quebraram as convenções do thrash metal ao gravar a primeira balada do gênero, 'Fade to Black'. Até pessoas que não gostavam de metal prestaram atenção". (STENNING, 2012, p. 110, 111)

Na segunda metade dos anos 1980, o cenário musical referente ao thrash chegaria ao ápice

com um montão de bandas talentosas, sons que evoluíram a olhos vistos e gravações inundando o mercado. Em 1984, no entanto, o Metallica brilhava sozinho, como uma banda de thrash com um som forte e maduro. Se Kill 'Em All refletia mais a época em que foi gravado - amplificadores baratos, riffs serra elétrica e vocais anasalados e enfezados - Ride The Lightning era um passo em direção ao futuro, uma evocação dos orçamentos maiores e das produções mais elaboradas associados aos grandes do heavy metal. (STENNING, 2012,p.124)

No começo de 1986, o Metallica lançaria Master of Puppets, o álbum mais

24 Sub-gênero do heavy metal considerado progenitor de estilos como o thrash metal. 29

elogiado até então. Logo alcançou a lista dos 30 álbuns mais vendidos da Billboard, além de garantir o primeiro disco de ouro da banda25. O produtor do álbum, Flemming Rasmussen (apud WALL, 2012, p. 209), elogia a melhora da técnica da banda que "como músicos, estavam todos um milhão de vezes melhores, pois tinham passado um ano e meio na estrada. James estava sensacional naquela época. Era inacreditável.". Em relação às letras, o novo álbum "também estava muito além do que havia sido produzido antes" (WALL, 2012, p. 210). Com o sucesso de Master of Puppets, a banda já estava mais otimista quanto à carreira, ao destacar em seu histórico no site oficial: "O que antes parecia tão improvável, agora estava mais perto do que nunca de se tornar real: a dominação do mundo."26.

Nesta época o "rótulo thrash" dado à banda os incomodava, devido às cobranças de tocarem seguindo as características do subgênero, velocidade e agressão.

O Metallica não se considerara uma banda de thrash. É verdade que, muitas vezes, eles tocavam rápido, levando a crer que representavam o , mas era apenas uma predileção, e era algo intermitente - ao contrário da maioria dos thrashers. É irônico que Master of Puppets fosse considerado uma obra-prima do thrash, quando a mesma banda que receberia o crédito por definir esse gênero em 53 minutos dizia abertamente que não gostava do estilo. Igualmente irônico era o fato de Master of Puppets ter apresentado o thrash ao público mais amplo do heavy metal - embora talvez não apreciassem o gênero, eram evidentemente fãs do Metallica. (STENNING, 2012, p. 162)

Sobre o thrash metal, o baterista Lars Ulrich (apud WALL, 2012, p. 214), diz-se incomodado quando a banda recebe este rótulo ao dizer que "sim, fazemos algumas músicas thrash, mas não é só isso que gostamos de fazer. Isso não é, de jeito algum, o único estilo que somos capazes de compor e executar bem pra caralho.”. E completa: “Não temos medo de tocar um pouco mais devagar às vezes nem de incorporar melodias ou harmonias. Não tememos provar às pessoas que somos muito mais competentes musicalmente do que elas podem achar.".

Infelizmente, uma tragédia marcaria a história da banda em 27 de setembro de 1986. Após um show em Estocolmo, Suécia, durante a viagem para Copenhague, o ônibus em que estavam derrapou e capotou na pista. Para decidirem em qual cama

25 STENNING, Paul. Metallica: All that matters – a história definitiva. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 156. 26 Disponível em . Acesso em: 23 abr. 2015. 30

cada um ficaria, resolverem deixar nas mãos de um jogo de baralho. Burton tirou um ás de espada e decidiu que trocaria de lugar com Hammett, alegando que sua cama era a melhor. Por ironia do destino, quando o ônibus começou a capotar, Burton, que havia escolhido uma das camas de cima, foi jogado pela janela e esmagado pelo ônibus, tendo morte instantânea27. Segundo Stenning (2012, p. 170), ainda que o Metallica não fosse tão consagrado quanto é hoje, e Cliff Burton fosse o membro menos comunicativo, sua morte obteve ampla cobertura da imprensa. Após o funeral de Burton, a banda se reuniu para decidir seu futuro e optou por prosseguir.

Embora só fossem se conscientizar do fato anos depois, a maneira apressada, aparentemente superficial, com que Lars Ulrich e James Hetfield lidaram com a morte de Cliff Burton teria consequências duradouras, que iriam muito além da história do Metallica. A decisão de encontrar um novo baixista e prosseguir com os planos da banda assim que possível pode ter parecido correta em teoria, mas o papel de Burton no Metallica ia além de tocar baixo. [...] A maneira violenta como fora arrancado da banda era um dano irreparável. Os outros três não tinham perdido apenas um integrante. Perderam o seu mentor espiritual mais velho – tinham perdido o melhor amigo do Metallica. Aquele que jamais mentiria, jamais deixaria alguém na mão, o único que podia protegê-los deles mesmos. (WALL, 2012, p. 251, 252)

O fato era que, se a banda queria continuar, teria que ir à procura de um novo baixista. Ulrich (apud STENNING, 2012, p. 177) justifica a decisão de continuarem com a banda afirmando que “o espírito da banda sempre foi o de continuar lutando, contra toda a merda que sempre enfrentamos. Cliff, mais do que qualquer um, seria o primeiro a nos dar um chute na bunda, e não ia querer que ficássemos parados, sem fazer nada.”. O recrutamento de um novo integrante gerou desconforto. Logo ficou claro que a banda não queria um novo membro adentrando na intimidade do grupo. Os quatro membros se completavam e era inimaginável para eles que o Metallica não fosse formado como estava, com Hetfield, Ulrich, Hammett e Burton.28 Para a escolha do substituto de Burton, a banda fez audições com alguns baixistas. A audição promissora com encerrou a busca.

A performance de Newsted foi marcada por intenso fervor e respeito, dando a clara impressão de que aquilo significava mais para ele do que para qualquer um dos outros que tinham tentado antes. E, de fato, significava. Um teste para sua banda favorita, no lugar do baixista que ele mais admirava. A reverência de Newsted era absoluta. (STENNING, 2012, p. 183)

27 STENNING, Paul, 2012, p. 167. 28 STENNING, Paul, 2012, p. 177. 31

Newsted estava determinado a não desperdiçar a oportunidade e dar o seu máximo, porém, as comparações com o ex-baixista seriam inevitáveis. “Embora Jason tocasse bem, jamais seria tão bom quanto Cliff.”, afirma Mick Wall (2012, p. 264). Ulrich e Hetfield, principalmente, ainda estavam abalados com a morte de Burton, por isso se irritavam facilmente com tudo o que Newsted fazia.

O problema era: o Metallica não tinha contratado apenas um baixista, mas um fã. Para convencer Cliff a entrar na banda, tiveram de planejar e criar todo um esquema, mas Jason deixara tudo para trás para se juntar a eles. Eles tinham substituído o cara que todos admiravam por aquele que todos desprezavam – Jason “Newkid”, um apelido que era uma provocação. Não era de espantar que se sentissem tão desconfortáveis com o fato de ele estar por perto o tempo todo. Ele não era um deles e jamais seria. Eles magoavam Jason – e fariam isso com qualquer outro – por ele ter caído de paraquedas na história da banda. (WALL, 2012, p. 265)

Em 1987, o Metallica lançaria um vinil com quatro faixas, o The $5.98 EP: garage days re-revisited, uma coletânea de covers de metal e punk underground. Para Wall (2012, p. 270) muito se acredita que esta coletânea “foi uma maneira prática de marcar a estreia de Newsted no Metallica [que receberia o apelido de “Newkid” nos créditos do EP], antes de embarcarem num álbum.”.

Em 5 de setembro de 1988, foi lançado o quarto álbum, ...And justice for all, chegando à sexta posição, a mais alta até então, nas paradas norte-americanas após nove semanas de seu lançamento, ao mesmo tempo que o álbum anterior recebeu o disco de platina29. Wall (2012, p. 285) e Stenning (2012, p. 220) divergem suas opiniões sobre o álbum. O primeiro afirma que após o sofisticado Master of puppets e o acolhedor e abrangente Garage days, as expectativas em relação ao Metallica eram maiores, e “naquele momento, em que deviam oferecer mais um marco sonoro, tinham retrocedido a algo grosseiro. O que teria soado totalmente novo quatro anos antes parecia fora do lugar e de ritmo.”. Já o segundo elogia o novo álbum como “um disco muito mais conceitual do que os trabalho anteriores do Metallica” e também o “material mais maduro da banda até então.”. No geral, as críticas ao álbum foram positivas. A revista Kerrang! resumiu a opinião geral ao concluir que ...And justice for all colocaria “o Metallica no seu lugar, ao lado dos grandes.”30. Foi deste álbum que surgiu o primeiro videoclipe da banda, da música “One”, que ficou em 38º lugar no programa Rock on The Net: MTV’s 100 Greatest

29 WALL, Mick. Metallica: a biografia. São Paulo: Globo, 2012, p. 301. 30 Em matéria publicada pela revista Kerrang! (autoria desconhecida) apud WALL, Mick, 2012, p. 301. 32

Music Videos, do canal de música MTV31.

Stenning (2012, p. 220) também ressalta um dos elementos que trouxe maior descontentamento aos fãs e críticos: “a maior queixa tinha relação com a remoção total do baixo da mixagem final. Sendo a primeira gravação do novo baixista com o Metallica, estava evidente que não se tratava da mesma banda que os fãs tinham conhecido. De fato, as linhas de baixo mal estava lá.”. Em março de 2015, o responsável pela mixagem, Steve Thompson, declarou ao site Ultimate Guitar, que devido à preferência de Lars Ulrich, o som da bateria foi aumentado e o volume do baixo diminuído, ao ordenar a Thompson: “Eu quero que você diminua o volume do baixo até onde você mal possa, audivelmente, percebê-lo na mixagem.”.32

Em 1990, ao iniciarem o processo para a gravação do novo álbum, o Metallica já era “uma das maiores e mais festejadas bandas de heavy metal do mundo”33. Sobre os rumos que a banda poderia tomar em termos de futura direção artística, Wall (2012, p. 310) analisa que “as opções tinham diminuído tanto após o unidimensional ...And justice for all que as possibilidades eram poucas. Podiam permanecer como estavam – fazer ‘mais um álbum no estilo do Metallica’”, ou “podiam fazer o que sempre insistiram que fariam quando chegasse a hora de produzir algo inesperado e fabuloso. Reescrever as regras.”. E conclui (2012, p. 311), relacionando com o álbum anterior, que, “apesar de tudo, ...And justice for all era um sucesso. Mesmo assim, eles não conseguiriam se safar se gravassem mais um álbum tão pesado e pouco convidativo a novos fãs como aquele. Não se quisessem que a carreira do grupo continuasse em ascensão.”. A intenção do Metallica era a de ascender ainda mais sua carreira, angariando um maior número de fãs, como confirma o guitarrista Kirk Hammett (apud WALL, 2012, p. 311) em 2005: “Dissemos que sim, gravaríamos o álbum com músicas mais curtas que tocariam no rádio e doutrinariam o universo inteiro em favor do Metallica.”.

Para gravar o disco chamado de Metallica - que ficaria mais conhecido popularmente pelo seu apelido The Black Album (O Álbum Preto), devido à capa monocromática preta com apenas uma figura quase discernível de uma serpente enrolada no canto inferior direito -, a banda passou um período maior em estúdio do

31 STENNING, Paul, 2012, p. 214. 32 Disponível em . Acesso em: 25 abr. 2015. 33 WALL, Mick, 2012, p. 310. 33

que nos álbuns precedentes, de outubro de 1990 a junho de 1991. Após a longa parceria de sucesso com Flemming Rasmussen, decidiram optar dessa vez pelo produtor que, entre seus excelentes trabalhos, “o mais notável, [...] foi seu trabalho na mixagem e engenharia de gravação no disco multiplatinado , do . Mais do que tudo, essa associação preocupava os fãs do Metallica, que questionavam a direção que teria o novo disco.” (STENNING, 2012, p. 242).

Embora já tivessem álbuns dos quais tinham extremo orgulho - Master of puppets, em especial -, o que eles desejavam - ou melhor, precisavam - naquele momento era de um disco que revelasse a música da banda para o público consumidor de Cult, Mötley Crue, Guns N' Roses e [...] Bon Jovi. Eles queriam tudo, e Bob Rock era o cara que os ajudaria a conseguir isso, decidiram. (WALL, 2012, p. 315-16)

O método de trabalho de Rock era desafiador para a banda, pois antes, cada músico gravava uma parte separado dos outros, agora, gravavam todos juntos. Além disso, também exigiu mais dos integrantes da banda, principalmente de Ulrich, que praticou intensamente em sua bateria a fim de aprimorar a velocidade, e com Hetfield que, além de trabalhar os vocais, também aprendeu a compor letras de formas que não estava habituado, assim, “pela primeira vez, James, que nunca tinha ouvido ninguém reclamar das suas letras, se viu reescrevendo versos, melhorando refrões.” (WALL, 2012, p. 317). Sobre a produção do álbum, Rock (apud WALL, 2012, p. 320), quinze anos depois, o descreveria como o “disco mais difícil que fiz”.

O principal era que o Metallica tinha como objetivo uma gravação perfeita, o que levaria mais tempo e esforço do que jamais tinha empreendido. [...] Os métodos da banda foram completamente diferentes, tentando conseguir um som que fosse mais direto, limpo e ousado, sem deixar de valorizar a natureza bruta do novo material. A primeira sugestão de Rock foi que experimentassem gravar o disco juntos. (STENNING, 2012, p. 244)

Com a turnê de shows de ...And justice for all, o Metallica percebeu que as músicas que funcionavam melhor ao vivo eram aquelas com dinâmicas variadas e não tão complexas e longas demais. Segundo Stenning (2012, p. 245), “a ideia era manter a dinâmica desse material, mas atualizá-lo com um balanço novo e uma levada arejada, recém-definida. [...] Hetfield, Ulrich e, especialmente, Bob Rock conseguiram enxergar tudo de forma mais ampla. Instantaneamente, ficou claro que o Metallica tinha trocado ‘velocidade’ por ‘balanço’.”.

O lançamento oficial do álbum seria dia 12 de agosto de 1991 e em uma 34

semana estrearia em primeiro lugar nas paradas de países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, Suíça e Noruega.34 O sucesso de The Black Album - e maior evidência da entrada do Metallica ao mainstream35 - foi quando a banda iria direto ao número 1 da revista Billboard e ficaria por um mês36.

Sobre as críticas advindas dos meios de comunicação, o Black Album foi elogiado quase universalmente. A Kerrang! deu sua nota máxima elogiando-o como “o disco mais acessível da banda desde Ride The Lightning. Musicalmente deixa ...And Justice for All no chinelo”. A Rolling Stone, que também deu nota máxima, decretou que “várias músicas estão destinadas a tornar-se clássicos do hard rock, pois pavimentam com eficiência a ponte entre o metal comercial e o thrash muito mais pesado de , Anthrax e [bandas do thrash metal]”.37

Por outro lado, o álbum também se tornou alvo de críticas e decepção, principalmente de fãs mais antigos, da época de Kill ‘em all, Ride the lightning e Master of puppets, que alegavam que a banda havia se “vendido” e se tornado “comercial”. Sobre a opinião de Ulrich, Wall (2012, p. 322) diz que “Lars tinha certeza de que muita gente diria que haviam se vendido, mas tinha consciência de que, desde Ride the lightning, as pessoas já os reprovavam e chamavam de ‘vendidos’. O fato de as músicas serem mais curtas ‘não significa que sejam mais acessíveis’.”. Wall ainda completa, defendendo o álbum: “Já estava claro, no entanto, que acessibilidade era a questão principal. O tema poderia ser sombrio como sempre, mas a música agora tinha várias nuances, e todas atraentes.”. Em entrevista ao programa Fantástico38, da rede Globo, em janeiro de 2010, o vocalista James Hetfield rebate às críticas alegando que “sim, nós queríamos vender muito. Queríamos ter o disco do Metallica nas mãos de todos. Se você está numa banda e não deseja isso, há algo de errado com você.”.

Individualmente algumas músicas podem não ter sido as mais fortes do repertório do Metallica, mas, como um todo o Black Album constitui um disco sólido de heavy metal. Mostrava a maturidade crescente da banda

34 WALL, Mick, 2012, p. 324. 35 “O denominado mainstream (que pode ser traduzido como “fluxo principal”) abriga escolhas de confecção do produto reconhecidamente eficientes, dialogando com elementos de obras consagradas e com sucesso relativamente garantido.” (CARDOSO; JANOTTI JÚNIOR, 2006, p. 8). 36 STENNING, Paul, 2012, p. 265. 37 Em matérias publicadas pelas revistas Kerrang! e Rolling Stone (autorias desconhecidas) apud STENNING, Paul, 2012, p. 264. 38 Disponível em . Acesso em: mar. 2015. 35

como compositores e músicos, e - com uma espetacular máquina promocional por trás - a banda acabou multiplicando sua popularidade. (STENNING, 2012, p. 256) A intenção de vender muitos discos foi, de fato, bem sucedida. Segundo o programa de contagem de vendas de produtos relacionados à música Nielsen SoundScan, desde quando o programa começou a vigorar em maio de 1991, o The Black Album é o disco mais vendido dos Estados Unidos, alcançando a marca de 16 milhões, e cerca de 25 milhões em todo o mundo, segundo dados de maio de 201439.

[...] o álbum, no final da turnê de 1993, tinha vendido cerca de 7 milhões de cópias nos Estados Unidos e mais de 5 milhões no exterior. Tinha se tornado o tipo de disco que deve constar em qualquer coleção que se preze, somando mais de 15 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos até hoje e cerca de 25 milhões no mundo todo – sem dúvida, um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos, de todos os gêneros. (WALL, 2012, p. 336)

O longo processo de gravação de The Black Album até a sua turnê, foram registrados pelo cineasta Adam Dubin, que transformaria as imagens obtidas em um documentário, A Year and a Half in the Life of Metallica, lançado em 17 de novembro de 1992.40

Em 1993, o Metallica lança seu primeiro disco ao vivo, Live Shit: Binge & Purge [Merda ao vivo: porre e vômito], que, “seguindo sua tradição de excelência, fizeram- no maior e melhor do que a maioria. [...] O Metallica criou uma caixa espetacular com três CDs ao vivo, três fitas de vídeo de shows, um estêncil – para quem quisesse reproduzir a marca da banda em camisetas, cadernos, etc. -, um passe para o Ninho de Cobra e um livro.” (STENNING, 2012, p. 286). Entre 1995 e 1996, o Metallica entrou em estúdio, ainda com Bob Rock, para produzir o novo álbum. Em 1996, lançou o aguardado álbum Load, que, após o Black Album, não foi o esperado. A direção musical a partir de 1996 foi questionada por muitos fãs, porém, “a reação a Load não foi nada se comparada ao ultraje e à confusão provocados pela nova imagem da banda.” (STENNING, 2012, p. 293). Agora os integrantes da banda cortaram os longos cabelos, começaram a usar rímel nos olhos e piercings. A essa nova “era” da banda, o vocalista James Hetfield (apud WALL, 2012, p. 340), chamou mais tarde de “a grande reinvenção do Metallica”.

39 Disponível em . Acesso em: mar. 2015. 40 STENNING, Paul, 2012, p. 279. 36

A resposta, numa única palavra: sobrevivência. Assim como em 1990 Lars fora esperto o bastante para compreender que o Metallica corria o risco de ficar para trás se não seguisse a tendência e produzisse um álbum tão viável do ponto de vista comercial quanto os de outras bandas contemporâneas, com menos credibilidade, porém mais bem-sucedidas, como o Cult e o Mötley Crue, agora, em meados dos anos 1990, ele percebia que o mundo tinha mudado de novo e que se o Metallica não acompanhasse a mudança poderia sucumbir, como tinha sido o caso de vários contemporâneos da década de 1980. A chegada do grunge e, com ele, de um novo paradigma musical tinha provocado isso. (WALL, 2012, p. 341)

Stenning (2012, p. 294) defende a banda por “diversificarem as ideias independente da opinião das críticas. Numa época em que muitas bandas famosas de heavy metal faziam vergonhosamente o básico [...], o Metallica ousou realizar algo diferente, investindo contra as fronteiras visíveis do heavy metal.”. De modo geral, as críticas foram positivas. A Kerrang! os elogia: “Na maior parte do tempo, Load acerta o alvo, ilustrando que o Metallica ainda está por cima da concorrência, com poder e audácia.”41. Apesar de Load “ter chegado ao topo das paradas nos Estados Unidos, no Reino Unido e em mais nove países” (WALL, 2012, p. 361), suas vendas estavam baixas no mundo todo.

Durante as sessões de gravações entre 1995 e 1996, “a banda compusera tantas músicas novas, que, inicialmente, a ideia era lançar dois discos, ou um disco duplo, no mesmo dia. Isso foi vetado, e decidiram lançar os dois discos individualmente, com um ano de intervalo.” (STENNING, 2012, p. 291). Assim, o álbum Reload foi lançado em 18 de novembro de 1997, vendendo “apenas metade que Load, que por sua vez, não tinha alcançado metade das vendas do Álbum Preto.” (WALL, 2012, p. 366).

Em novembro de 1998, ainda com o produtor Bob Rock, o Metallica lança o álbum duplo e somente de covers, o Garage Inc.. O álbum serviria tanto para combater a pirataria de discos contendo materiais raros quanto para “recuperar um pouco da credibilidade com a comunidade do heavy metal que o Metallica tinha sacrificado na sua ‘reinvenção’ dos anos 1990 e, ao mesmo tempo, manter o alcance maior da imagem da banda [...].”.42

No ano seguinte, o Metallica lançaria outro álbum duplo com DVD, gravado em

41 Em matéria publicada pela revista Kerrang! (autoria desconhecida) apud STENNING, Paul, 2012, p. 294. 42 WALL, Mick, 2012, p. 370. 37

duas apresentações ao vivo em duas noites de abril de 1999, com a Orquestra Sinfônica de San Francisco, que receberia o nome-trocadilho S&M [Symphony and Metallica]. As músicas selecionadas foram de álbuns anteriores do Metallica, com duas faixas inéditas, arranjadas para a banda e a orquestra.43

Para o Metallica, os anos entre Reload, em 1997, e o álbum seguinte, St. Anger, em 2003, foram perdidos. Houve muitos discos e turnês, infinitas notícias nos jornais e eventos de nível, mas, na essência, quando se olha de perto, nada de extraordinário ou novo aconteceu, quase nenhum avanço. [...] Tendo vencido a indústria musical ao provar que não eram um bando de loucos, que podiam coexistir em paz com o mainstream, manter a credibilidade e ainda fazer com que todos os envolvidos ganhassem milhões de dólares - livrando-se do estigma do thrash antes de vencer as hordas grunge em seu próprio jogo -, o único inimigo que o Metallica não conseguiu superar, parece, foi a si mesmo. Não eram mais jovens nem bonitos, inflados pela fama e pelo sucesso, mas acometidos pela arrogância que destruíra os gigantes originais do rock a quem tinham venerado, o Metallica agora parecia mais morto que vivo, sobrevivendo de glórias do passado, um dos maiores grupos de todos os tempos, mas cada vez menos relevante para aqueles que dominariam o século que começava. (WALL, 2012, p. 369, 370)

Em 2000, o Metallica surpreenderia os fãs mais uma vez. A faixa I desappear, da trilha sonora do filme Missão Impossível II, começou a tocar nas rádios dos Estados Unidos antes de ser lançada. A banda exigiu investigação e foi descoberto que a fonte do vazamento foi o site de compartilhamento de músicas Napster onde, além desta, todas as músicas do Metallica estavam disponíveis para download. Assim, um processo foi aberto, “alegando que o Napster violava três áreas das leis dos Estados Unidos: violação dos direitos autorais, uso ilegal de aparelho de interface de áudio digital e a Lei RICO, que trata de organizações criminosas.” (WALL, 2012, p. 375, 376).

Em janeiro de 2001, é anunciada oficialmente a saída do baixista Jason Newsted do Metallica. Segundo Wall (2012, p. 381), “a separação aconteceu porque James não queria deixar Jason lançar um disco de seu projeto paralelo , mas, na prática, a separação já tinha começado quase no mesmo dia em que Jason entrou.”.

Com a carreira e a imagem abaladas, e mesmo com a falta de um baixista, o Metallica entraria em estúdio para a gravação do novo álbum, em 2001. Sem ânimo para encontrar um baixista substituto, aceitaram temporariamente Bob Rock,

43 WALL, Mick, 2012, p. 372.

38

também produtor do disco.

Para a produção do novo álbum, Rock propôs uma postura mais colaborativa dos membros da banda e que entrassem sem nada pronto no estúdio para “deixar rolar”. Por seis meses, alugaram um quartel do exército, chamado Presidio, em San Francisco, que transformaram em estúdio. A intenção era de que as sessões de produção e gravação ocorressem com um aspecto mais “livre” do que nos discos anteriores.44 Todo o processo contou com outro fator inesperado: o psicólogo, dr. Phil Towle. Contratado pela gravadora da banda, Q Prime, o objetivo do psicólogo era trazer o Metallica e Bob Rock “de volta a um ritmo que permitisse que trabalhassem bem no estúdio de novo, apesar dos problemas pelos quais tinham passado.” (WALL, 2012, p. 384).

Um mês antes de chegaram ao Presidio, o Metallica havia concordado em permitir que os cineastas Joe Berlinger e Bruce Sinofsky fizessem um documentário sobre a gravação do disco, que seria chamado de Some kind of monster, nome de uma das faixas do novo álbum. Sinofsky (apud WALL, 2012, p. 386) fala sobre este processo: “quando fomos convidados, em março de 2001, eles viviam a fase mais vulnerável, estavam no ponto mais baixo, num momento em que não era esperado que permitissem uma equipe de filmagem, ainda mais uma como a nossa, que faz filmes mais profundos.” E se surpreende com todo o processo de gravação do documentário, afirmando que eles “deram acesso completo; nunca disseram: ‘Temos uma reunião agora, então não dá para entrar’. Toda porta estava aberta, nada ficou trancado a sete chaves. Nunca nos pediram para sair. Eles nos trataram, em termos de acesso, melhor do que em qualquer outro projeto no qual nos envolvemos.”.

Surpreendendo a todos, com três meses do início das gravações, o vocalista James Hetfield decidiu se internar numa clínica de reabilitação para tratar do alcoolismo. Portanto, as gravações foram interrompidas. Durante os meses em que ficou internado, o futuro do Metallica tornou-se cada vez mais incerto. Como pode ser visto no documentário Some kind of monster, Hetfield manteve seus companheiros às cegas, apenas com notícias esporádicas, e o baterista Lars Ulrich, declarou se sentir desrespeitado pelo vocalista, devido à esta falta de notícias, e que não ficaria surpreso se Hetfield saísse da banda.

44 WALL, Mick, 2012, p. 383. 39

Quando Hetfield saiu da clínica de reabilitação, as gravações continuaram, porém as relações entre os membros da banda estavam abaladas, principalmente entre Hetfield e Ulrich. “A mudança mais complicada dizia respeito ao novo horário de trabalho de James. Ele tinha sido aconselhado a trabalhar apenas de meio-dia às quatro da tarde, durante a semana.” (WALL, 2012, p. 318). Este novo horário causaria desavenças, pois o vocalista não aceitava e se irritava quando as discussões sobre as músicas feitas continuavam mesmo após o horário estabelecido, quando Hetfield se ausentava.

Ao se aproximarem do fim das gravações, a banda decidiu se concentrar em encontrar o baixista substituto de Jason Newsted. Após algumas audições, “o Metallica optou por Robert Trujillo, impressionado com sua versatilidade musical e com sua personalidade tranquila.” (STENNING, 2012, p. 323).

O álbum St. Anger foi lançado em 5 de junho de 2003 como um disco duplo: CD mais DVD com cenas do ensaio da banda tocando todas as músicas do álbum. No geral, as críticas foram todas amargas, como da Rolling Stone: “[...] o agora trio, sem Newsted, mais uma vez montou uma maratona de riffs complexos, dessa vez acompanhada por letras catárticas de um Hetfield sóbrio e protegido pela terapia. Mas há muitas coisas estranhas na produção – como um som da bateria que faz com que Lars Ulrich pareça uma criança de dois anos tocando em panelas com uma colher. E o pobre Kirk Hammett, [...] não é premiado com nenhum solo.”45. Wall (2012, p. 395, 396) analisa St. Anger sob outra perspectiva:

Pela primeira vez desde Master of puppets, o Metallica não tinha o objetivo de fazer um disco que agradasse os fãs ou os críticos, mas que agradasse a eles mesmos; um disco que tivesse, para eles, um significado mais profundo. Em relação a isso, foram bem-sucedidos; St. Anger deveria ser visto, pelo público, sob uma ótica pessoal, semelhante à que se recorre para compreender outros discos controversos [...].

Stenning (2012, p. 329) também faz sua crítica, resumindo o processo de St. Anger:

Mais de dois anos excruciantes foram necessários para que se produzisse um disco com o qual a banda ficasse minimamente feliz. No meio do caminho, perderam o baixista, viram seu vocalista passar por colapsos físico e mental, foram submetidos a uma terapia de banda – tudo antes de, por fim, contratar os serviços de um novo baixista e recomeçar o processo de gravação a partir do zero. Assim, não é de surpreender que o álbum

45 Em matéria publicada pela revista Rolling Stone (autoria desconhecida) apud WALL, Mick, 2012, p. 395. 40

resultante pareça um pouco sem foco em alguns momentos, faltam-lhe uma direção. [...] St. Anger é o som de uma banda carregando bagagem em excesso, representando o caos que se segue quando ela é finalmente forçada a confrontar isso. O disco ainda é marcado pela ideia equivocada do Metallica de que eles não precisavam de solos de guitarra, de que poderia produzir um som de qualidade inferior ao das demos da maioria das bandas, pela falta gritante de harmonias e melodias, e ainda assim leva-lo adiante. Certamente, na primeira audição, St. Anger foi uma pílula amarga demais para os fãs de longa data do Metallica aguentarem.

De fato, St. Anger, um nome apropriado (em português, Santa Raiva), reflete a fase turbulenta e complicada do Metallica: o processo contra o Napster, a saída de Jason Newsted e as relações frágeis entre os membros da banda. Mesmo com as críticas, o álbum alcançou o número um de vendas nos Estados Unidos e em vários países, e número três no Reino Unido e, “no geral St. Anger vendeu metade do que S&M tinha conseguido e continua sendo, provavelmente, o disco menos popular da banda, menos ainda do que Reload.” (WALL, 2012, p. 395).

Após o fim da turnê Madly in Anger em 2004, o Metallica parou para descanso durante todo o ano de 2005. James Hetfield (apud WALL, 2012, p. 403) reflete sobre os altos e baixos da banda e garante que “todas essas coisas [...] – Napster, Jason, reabilitação – nos deixaram mais fortes como pessoas e como banda. Gravitamos um em direção ao outro e percebemos a gratidão que sentimos por estarmos vivos e no Metallica”.

No começo de 2006, os planos para o próximo disco começaram, nos quais “havia planos para um retorno ainda mais surpreendente e astuto às raízes” (WALL, 2012, p. 406). As primeiras decisões eram relacionadas à equipe com a qual trabalhariam, em especial o produtor. Bob Rock, produtor dos álbuns da banda desde 1991, fora trocado pelo produtor . Tal feito foi comemorado pelos fãs de metal. Ainda que Rubin fosse responsável por discos de sucesso, o principal motivo por ser o escolhido tinha mais a ver com sua reputação de produtor “da moda” por ter reconstruído sozinho, nos anos de 1990, a carreira de Johnny Cash, “salvando-o do ostracismo em que tinha caído” (WALL, 2012, p. 407).

Devido a St. Anger havia muita expectativa – provavelmente mais do que nunca – e dúvidas quanto ao rumo que o próximo álbum do Metallica teria, mas a escolha de Rubin trouxe esperança aos fãs. O mais aguardado para o próximo disco era a volta do “velho Metallica dos anos dourados”. 41

Os fãs fiéis de metal há tempos vinham clamando pela volta do Metallica a suas 'raízes' - raízes, claro, que eram contestadas pela própria banda: mesmo nos anos 1980, eles já eram avessos ao rótulo 'thrash'. Mas havia a questão de que o Metallica teria pouquíssimos novos terrenos a explorar se ainda quisesse ser conhecido como uma banda de heavy metal em qualquer sentido. Eles tinham conquistado quase tudo em sua carreira, e já tinham passado por quase todos os estilos vagamente associados ao rótulo de heavy metal. O próprio St. Anger fora uma experimentação em larga escala que não tinha dado certo. Talvez agora fosse a hora de juntar os 25 anos ou mais de Metallica em uma embalagem adequada. O nono disco, chamado Death Magnetic, traria elementos de todas as gravações anteriores, com uma nova e empolgante inclinação, que mais uma vez seria um convite a críticas de todos os lados. (STENNING, 2012, p. 338)

A banda entraria em estúdio em abril de 2007 e terminaria as gravações em maio de 2008, e lançaria Death Magnetic em 12 de setembro de 2008. Ainda em entrevista ao programa Fantástico em 2010, James Hetfield explica sobre o título do álbum [em português, Morte Magnética ou Magnetismo da Morte] que se refere ao fato de que “o imã tem um lado que atrai e outro que repele. Assim como algumas pessoas têm medo da morte e acham que podem controlar tudo, outras se sentem atraídas por ela. Eu queria entender por que eles [os ídolos do rock que morreram cedo, como o vocalista do , Layne Staley, que foram a inspiração para o título do álbum] foram tão longe e falar do mito do rock de que é preciso estar drogado ou bêbado para ser criativo. Isso é uma loucura. Uma tristeza.”.

Os aclamados solos de guitarra tirados de Kirk Hammett no álbum St. Anger estavam de volta. Sobre o álbum, Wall (2012, p. 410) afirma que “fica evidente que, pela primeira vez, desde os anos 1980, o Metallica permite que as músicas tenham liberdade, não como os grandes “movimentos” do passado, mas abandonando o padrão comercial que tinha adotado com Bob Rock”. O Metallica voltaria com energia e sintonia redobradas, principalmente tocando ao vivo, como pode ser visto no DVD que gravariam em três noites em junho de 2009 no México, o Orgulho, Paixão e Glória: Três Noites na Cidade do México.

A recepção ao disco foi um enorme sucesso, alcançando a posição número um de 32 países, fato que não ocorria desde Load, há doze anos, “provando que os fãs do metal preferiam um Metallica da era dourada ainda que com padrão rebaixado a um Metallica pós-moderno, caçador de Napster e paciente de terapeutas”, conclui Mick Wall (2012, p. 412). Em geral, as críticas foram positivas; a Kerrang! declarou que Death Magnetic é um álbum “cheio de momentos de puro brilho, de ideias originais, de destreza técnica exercitada não em nome da indulgência, mas das 42

músicas. O último disco do Metallica pode não ser apropriado para as rádios populares, mas a volta ao tipo de música que fez deles uma das bandas mais populares do mundo também não é”46. O Metallica também bateu novo recorde ao juntar a maior quantidade de rádios – mais de 175 estações nos Estados Unidos e Canadá - para uma transmissão exclusiva, chamada de The World premiere of Death Magnetic [em português, A Estreia Mundial de Death Magnetic]47.

O Metallica não era mais uma banda de thrash, e tão cedo não iria recriar aquele estilo. Relampejos apareceriam nas músicas, salpicados aqui e ali, mas nada além disso. Contudo, o status do Metallica como banda de metal não mudara, e por isso Death Magnetic gritaria heavy metal até arrancar os telhados. O balanço estava de volta, mas não às custas de um intrincado trabalho das guitarras, nem dos amados solos de Kirk. Guiado por Rick Rubin, o Metallica percebeu que precisava abraçar seu passado – aprendendo tanto dos sucessos quanto dos fracassos – enquanto mantinha a pressão acima de tudo, reconhecendo suas forças e pilhando-se com uma nova proposta. Muitos saudaram Death Magnetic como um retorno deliberado aos “anos de glória” da banda; mas esse não era exatamente o caso. Era um disco bem moderno, com a entrada de muitos novos elementos – fosse o envolvimento de Rubin, os primeiros toques do baixo de Robert Trujillo ou a adição de um elegante piano à trilogia [de músicas] “The Unforgiven”. Evitar seu próprio legado era impossível para o Metallica. A banda sempre teria os vocais inconfundíveis de Hetfield, o estilo diferente da bateria de Ulrich e o trabalho de guitarra de Kirk muitas vezes frenético, mas sempre com sentimento. (STENNING, 2012, p. 338, 339)

Após o lançamento de Death Magnetic e sua turnê, World Magnetic, o Metallica participou de outros projetos como a reunião das quatro grandes bandas do thrash metal, Metallica, Megadeth, Anthrax e Slayer, chamada de The Tour, para uma série de sete shows juntos, iniciando em Varsóvia, na Polônia, em 16 de junho de 2010. O show em Sofia, na Bulgária, resultou no DVD The Big 4 Live from Sofia, Bulgaria.48 Em 2011, o Metallica concordou em participar de um projeto musical, com o cantor , baseado em histórias sobre uma prostituta do século XIX chamada Lulu, escritas pelo escritor alemão Frank Wedekind. O álbum, chamado Lulu, foi lançado em 31 de outubro/ 01 de novembro de 2011. Em seu site oficial, o Metallica garante que apesar de não ter sido um álbum bem recepcionado, com o tempo certamente será bem reconhecido, pelo menos pela troca corajosa de energia

46 Em matéria publicada pela revista Kerrang! (autoria desconhecida) apud STENNING, Paul, 2012, p. 346. 47 WALL, Mick, 2012, p. 415. 48 Disponível em . Acesso em: 23 abr. 2015. 43

criativa que abraçaram em Lulu.49 Em outubro de 2013, o Metallica lança seu filme, envolvendo cenas do show da banda com cenas de ficção, intitulado Metallica: Through the Never. Até a presente data – primeiro semestre de 2015 –, o próximo álbum do Metallica, que está em produção, não tem data de lançamento.

Sobre a trajetória da banda, Stenning (2012, p. 357) conclui: “Sem dúvida, a história do Metallica é de resistência e perseverança contra as dificuldades. O trauma que surportaram, como banda – da morte de Cliff Burton e sua desintegração absolutamente pública – teria derrubado qualquer grupo menor, e é um tributo a seu espírito coletivo e sua coragem o fato de eles ainda estarem vivos e fazendo música, e ainda o fazem em uma escala global de popularidade.”

4. METALLICA SOB A PERSPECTIVA DOS FÃS BRASILEIROS

Para este capítulo faz-se necessário expor o site que será a principal fonte do corpus analítico deste trabalho, o significado do termo “fã” e as críticas dos fãs aos três álbuns escolhidos da banda Metallica.

4.1 Site Whiplash.net

Em 1994, João Paulo Andrade criou o zine50 impresso Whiplash em São Luís, Maranhão, que seria encartado ao jornal Correio Estudantil. Em suas quatro páginas eram abordados temas culturais como política, rock e arte51.

Em 1996, o Whiplash transformou-se em website, com o endereço de whiplash.net, sendo o mais antigo site de rock e heavy metal do Brasil52. O fundador João Paulo Andrade o define como “um site sobre rock e metal em todos os seus sub-estilos. A filosofia do site é investir na comunidade que existe em torno destes estilos; mais do que ser a maior fonte de informações sobre bandas e artistas,

49 Disponível em . Acesso em: 23 abr. 2015. 50 Também conhecido pelo termo fanzine que é, portanto, uma publicação editada por fã de determinado assunto. 51 Disponível em . Acesso em: 09 abr. 2015. 52 Disponível em . Acesso em: 09 abr. 2015. 44

queremos que o site seja o maior ponto de encontro de usuários interessados neste assunto.”. Andrade também afirma que o Whiplash.Net é o site sobre rock e heavy metal mais acessado do Brasil. Para isso, conta com o sistema Google Analytics para comprovar a grande quantidade de usuários e pageviews por mês. Em relatório referente ao período de 13 de março a 12 de abril de 2015, foram contabilizados 1 774 448 usuários e 9 627 560 visualizações de páginas. Segundo dados da pesquisa sobre o perfil do público fornecidos pelo site, 84,7% dos usuários são masculinos e 15,3% femininos. A maior concentração dos usuários se encontra na região sudeste, sendo 42,6% de São Paulo. Também são classificados por idade com as porcentagens nas seguintes faixas etárias: 2-11 com 0,2%, 12-17 com 39,6%, 18-24 com 45,9%, 25-34 com 11,99% e 35-54 com 2,4%53, portanto, a maioria dos acessos ao site são feitos por adolescente na faixa de 12 a 24 anos54.

O site não possui vínculo com qualquer portal de notícias, ou seja, é independente, e para a produção de matérias conta com colaboradores voluntários, contabilizando “mais de 200.000 matérias cadastradas sobre bandas e artistas de Rock e Heavy Metal”, segundo o Whiplash.Net. O Whiplash conta também com outras redes sociais para divulgar suas matérias tais quais o Facebook e o Twitter. O site disponibiliza notícias, agenda de shows e eventos, matérias e biografias, traduções das músicas de álbuns, curiosidades, entrevistas, resenhas de shows, CDs, DVDs e livros, galeria de fotos, dentre outros, todos relacionados ao rock e heavy metal.

Devido à enorme quantidade de acessos do site, seu reconhecimento pela comunidade do rock e heavy metal e por ter seu conteúdo escrito por diversos colaboradores, o Whiplash.net será a principal fonte das resenhas aqui analisadas

4.2 O fã

Tendo o fã um papel principal neste trabalho, é necessário entendermos seu significado e papel que exerce na comunicação contemporânea.

O termo “fã” passou a ser utilizado no final do século XIX e, desde então, “a

53 Disponível em . Acesso em: 09 abr. 2015. 54 Disponível em . Acesso em: 09 abr. 2015. 45

figura do fã esteve atrelada à mídia, surgindo e se desenvolvendo conforme os meios de comunicação se desenvolviam e se modificavam.” (CURI, 2010, p. 2).

Fã é a forma abreviada da palavra latina fanaticus, que em sua origem queria dizer “pertencente e servidor de um templo, devoto” e que, sem escapar de conotações religiosas e políticas, passou a ser considerado um termo pejorativo que lembrava um entusiasmo excessivo ou loucura causada pela possessão de um demônio (Jenkins, 1992:12). Até hoje é atribuída ao fã, pelo senso comum, a imagem de um indivíduo que cultua um objeto sem qualquer traço de racionalidade, no entanto, ao analisar mais de perto a forma como ele se relaciona com os artefatos que consome e com outros fãs, é possível notar que é possível haver um posicionamento crítico dentro desses grupos. (CURI, 2010, p. 2)

O comportamento emocional e fervoroso do fã é visto por espectadores “normais” como um tangenciamento constante aos “limites da adulação servil, sustentada por imaginários laços de intimidade e inimagináveis gastos de tempo e dinheiro. Tal imersão voluntária no mundo comercial do faz-de-conta tende a ser tratada como risível, inócua (“coisa de adolescente”) ou moralmente reprovável.” (FREIRE, 2007, p. 81). Sobre o posicionamento do fã perante seu objeto de apreciação, Curi (2010, p. 6) complementa:

Grossberg (1992: 50) rejeita a ideia de que fãs não conseguem manter uma distância crítica do objeto de fascínio e que só se relacionam com elementos da cultura popular. De acordo com ele, os acadêmicos são também preconceituosos em relação aos fãs por acharem que eles não são capazes de manter esse distanciamento crítico, o que os impossibilitaria de tornar-se professores ou mesmo estudiosos. Como professor e fã, Grossberg acredita que é possível consumir e apreciar diferentes formas de alta cultura em um nível em que a pessoa possa, por exemplo, ser considerada fã de um pintor.

O conceito de fã alterou-se ao longo da história, sendo visto de diversas formar, e foi caracterizado, por muito tempo, sob uma visão tradicionalista, “como um fanático em potencial, vítima de patologia social e psicológica, que não conseguia se encaixar perfeitamente na sociedade e tinha de buscar na cultura de massa um meio de suprir necessidades pessoais.” (CURI, 2010, p. 3). Porém,

o fã, em si, não mudou nos últimos anos. O que mudou foi a visão em relação a ele. A partir do momento que se permite aceitar diferentes gostos e ideias e encarar o consumo como uma atividade produtiva, pode-se compreender a tietagem não como uma doença, mas como uma cultura alternativa, não oficial. O fã produz através do seu consumo, cria sua identidade e seu estilo de vida, além de usar esses novos sentidos para desenvolver produtos próprios. (CURI, 2010, p. 5)

Sobre este aspecto produtor do fã, Fiske (1989, 147-8 apud FREIRE, 2007, p. 46

82) esclarece:

Os fãs são produtivos: sua condição de fã os incita a produzir os seus próprios textos. Tais textos podem ser as paredes dos quartos das adolescentes, a maneira como elas se vestem, os seus cortes de cabelo e a sua maquiagem, na medida em que elas se transformam em indíces ambulantes de suas alianças culturais e sociais, participando ativa e produtivamente na circulação social do sentido. (...) Às vezes, esta produtividade do fã pode ir ainda além, gerando textos que rivalizam, estendem ou reproduzem os originais. Assim, os fãs não constroem apenas a sua própria versão da Madonna, elas também participam de concursos de sósias da cantora, de mímica das suas canções, e, em 1987, fizeram reproduções pastiches de seus videoclipes.

Com as novas tecnologias e suas facilidades, foi possível formar uma cultura participativa, a partir da participação dos consumidores na produção de conteúdo midiático. “A produção cultural dos fãs em diferentes meios se assemelha a estratégias do próprio mercado, que lança diferentes produtos com o mesmo tema, como livros, filmes e jogos de videogame, por exemplo.” (CURI, 2010, p. 13).

O fã não é independente e pensar nele dessa forma seria destruí-lo. O fã nasce a partir do momento em que surge algo do que ele possa ser fã. Se hoje ele tem uma cultura e um mercado próprios, isso não quer dizer que vai competir com as grandes produtoras. Ele precisa delas. O fã mantém a cultura oficial viva, assim como ela nutre a cultura que ele constrói. (CURI, 2010, p. 14)

4.3 Análise das críticas dos fãs brasileiros

As críticas aqui analisadas serão separadas em três sessões; cada uma com seu álbum referente. Com a autonomia dada ao público através do advento da internet, será analisado o modo como o Metallica é visto sob a perspectiva dos fãs brasileiros através das críticas feitas por eles.

Para as análises seguintes serão utilizadas resenhas-críticas55 disponíveis (em sua maioria) no site Whiplash.net de autoria de diferentes fãs. O Metallica possui 3 419 matérias e 26 119 807 de acessos no site Whiplash.net56.

55 Resenha-crítica é um texto que, além de resumir o objeto, faz uma avaliação sobre ele, uma crítica, apontando os aspectos positivos e negativos. Trata-se, portanto, de um texto de informação e de opinião, também denominado de recensão crítica. (Disponível em < http://www.pucrs.br/gpt/resenha.php>. Acesso em: mai. 2015) 56 Dados de 15 de maio de 2015. 47

4.3.1 Metallica (The Black Album)

Figura 2 – Capa do álbum The Black Album

Fonte: www.metallica.com (jun. 2015)

Metallica (1991) ou, como é mais conhecido, The Black Album (título que irei utilizar aqui para citá-lo) é o quinto álbum de músicas inéditas da carreira do Metallica. A formação de integrantes é composta por James Hetfield (vocal), Kirk Hammett (guitarra), Jason Newsted (baixo) e Lars Ulrich (bateria). O álbum é composto por doze faixas, sendo elas: (5:29), (5:24), Holier Than Thou (3:47), The Unforgiven (6:26), (6:42), Don’t Tread on Me (4:01), Through the Never (4:01), (6:29), Of Wolf and Man (4:16), The God That Failed (5:05), My Friend of Misery (6:47) e The Struggle Within (3:51). Como principal compositor das músicas da banda, em Black Album, James Hetfield trata sobre experiências pessoais, como, por exemplo, a doença que matou sua mãe e sua crença religiosa.

Pelo site Whiplash.net conter apenas três matérias, como são nomeadas, mas que podem ser encaradas como resenhas-críticas sobre o Black Album, outras fontes serão utilizadas. As resenhas aqui utilizadas são de autoria de Carlos Eduardo Garrido (5325 acessos)57, Denner Maxwell (2392 acessos)58, Thiago El Cid Cardim (11154 acessos)59, André Prado60 e Flavio Leonel61.62

57 Metallica: a discografia, de Kill ‘Em All a Death Magnetic, 03 dez 2011. Disponível em . Acesso em: 01 jun. 2015. 48

The Black Album¸ é o álbum mais vendido da carreira do Metallica, portanto, abriu as portas do mundo todo para a banda. Em 2014, alcançou a marca de 25 milhões de venda. Sua fama cresceu, a banda alcançou o mainstream, e os fãs mais conservadores o julgaram por terem se tornado “pop” e “comercial”. Este foi o primeiro álbum (de uma longa parceria) da banda produzido por Bob Rock.

Carlos Eduardo Garrido avalia o som do álbum como o “mais cristalino até então”, graças a ajuda do produtor Bob Rock, que contribui para que o som fosse “completamente audível” e o som da bateria tornasse referência para muitas bandas até hoje, e também elogia a evolução do vocalista James Hetfield, pois “sua voz está bem melhor empostada”, ainda que o seu vocal “continue com seu timbre característico, também teve leve perda em termos de agressividade”. Para Garrido, o problema do álbum é que “com toda essa produção, muito do peso das músicas se perdeu. E não foi só a produção que contribuiu pra isso, as próprias composições já não mostram mais a mesma agressividade dos discos anteriores. Ainda que seja um ótimo disco de Heavy Metal clássico, não mais Thrash Metal.”. Com essa associação, Garrido faz referência ao período pré-Black Album, no qual a banda era classificada “genericamente” como Thrash Metal. E Garrido conclui:

O “álbum preto”, como é chamado, está longe de ser um disco ruim, muito pelo contrário, aliás. Mas é gerador de imensas polêmicas. Além da banda ter amansado significamente seu som, se entregou de vez ao mainstream. Foram gravados vídeos-clipe (sic), para nada menos que cinco músicas e o disco vendeu 10 milhões de cópias em todo o mundo. Mas ainda assim é um grande trabalho do grupo.

Em seu texto, Denner Maxwell trata da questão comercial da música: “É claro que todo artista que se lança no ‘mercado’ têm como objetivo vender-se – camisetas, pôsteres, capa de revistas, bebidas, tudo isso é uma forma não musical de fazer com que o dinheiro continue sempre circulando.”. E sobre a música,

58 Metallica comercial: sem problema algum, 09 jul 2013. Disponível em . Acesso em: 01 jun. 2015. 59 Virou moda falar mal do Metallica?, 17 out 2006. Disponível em . Acesso em: 01 jun. 2015. 60 Resenha CD: Metallica - Black Album, 20 jan 2012. Disponível em . Acesso em: 01 jun. 2015. 61 20 anos do ‘black album’ do metallica, 14 ago 2011. Disponível em http://roquereverso.com/2011/08/14/20-anos-do-black-album-do-metallica/. Acesso em: 01 jun. 2015 62 Dados de 01 jun. 2015.

49

completa: “Mudar o tipo de música para adaptar-se ao que é sucesso no momento é outra forma de negócio. Uma forma de comercializar o próprio som, diria. Não que se dê para dizer se é certo ou errado, mas isso sempre gerou controvérsias, pois rejeição é geralmente um dos primeiros sintomas a nova informação que chega ao nosso cérebro. Especialmente no rock.”. E defende a ideia de que, se não fosse possível misturar elementos instrumentais improváveis, o “cenário musical seria insuportável, repetitivo e sem graça.”. Ainda que haja bandas que gravam álbuns com a mesma “pegada”, como “AC/DC, Iron Maiden, Ramones, Motorhead e Black Sabbath”, o Metallica não se encaixa neste grupo, pois não consegue “passar o resto da vida tocando a mesma coisa”, apesar de “explicitamente ser uma banda que toca Heavy Metal”.

No geral, os discos do Metallica sempre possuem um núcleo diferenciado, e isso possibilita que a banda alcance diferentes públicos. Com artistas assim, não existe essa de “ou você ama ou odeia”, porque não é uma única música que vai definir todo o seu conteúdo. E a principal consequência da liberdade criativa, é a perda de parte de seu público original. Se no primeiro período entre Kill ‘Em All [1983] - ...And Justice for All [1988] o Metallica conquistou o fã de heavy metal, nas fazes (sic) seguintes, entre o “Black Album” (o início da decadência da banda para alguns roqueiros mais sisudos) – St. Anger [2003], o Metallica ganhou críticas banhadas a ódio dos mesmos. Aí está o problema. Em GRANDE parte dos casos, as críticas feitas a Load [1996]/Reload [1997] não podem ser levadas a sério. É claro que há aqueles que realmente escutaram os discos e realmente não gostaram do que ouviram, e esses devem ter suas opiniões respeitadas. Mas em lugares como aqui no WHIPLASH, já vi muitos comentários dizendo que os discos são “diferentes”, “comerciais”, “pop”, que a banda mudou o visual, mas raramente o ataque vai as (sic) próprias canções. (MAXWELL, 2013)

Maxwell faz uma observação ao primeiro álbum do Metallica, Kill ‘em All (1983), pois nos anos 1980, “quando se imaginava que o heavy metal não poderia ficar (ainda) mais intenso do que o que era feito por bandas como Motorhead e Iron Maiden”, o Metallica eleva o “conceito de ‘peso’ ao quadrado (leia-se heavy ao thrash). A banda foi criticada pelos ‘especialistas de música’ na época – os mesmos que os enaltecem hoje – que só viam uma banda imatura, com um som altamente apelativo, sem pudores para lançar truques que envergonhavam músicos sérios.”. Porém, “o Metallica estabeleceu parte da sua carreira passando ao largo da opinião crítica, sendo adotado principalmente pelo público jovem, que pouco se importava com o palpite dos outros.”.

O Metallica é assim. Tocam o que querem, gravam o que gostam, e fazem diversos covers para homenagear os artistas que admiram. São como em uma banda de garagem. Nem sempre acertam – mas esse é o preço pago 50

pela liberdade criativa. E odeia a monotonia. Até ao vivo. O set list da banda é sempre alterado em cada uma de suas apresentações – assim possibilitando que o fã possa assistir a mais de um show durante as turnês. (MAXWELL, 2013)

Além de analisar algumas falas de fãs do Metallica relacionados a álbuns como Load, Reload e St. Anger, Thiago El Cid Cardim opina sobre o Black Album e o fato de que os fãs os acusam de ter “aberto as portas da MTV para o rock pesado”. Cardim discorda radicalmente dessa acusação e acha que “isso é coisa de gente sem qualquer visão geral das coisas”, e indaga:

Sejamos coerentes: é proibido, para todo mundo que não anda de preto e não é cabeludo, gostar de metal? É proibido que o metal ganhe mais espaço nos meios de comunicação e alcance mais e mais pessoas? É proibido ver o metal na tela da MTV? [...] Desculpem, caros puritanos, mas creio que isso só faz bem para o estilo. Só porque o “Black Album” é recheado de músicas “grudentas”, ele virou um disco de música pop? Metal não pode ter refrão? Aliás... algum de vocês aí sabe definir exatamente o que é ser pop ou não? Ah, vá, façam-me o favor.

André Prado começa sua resenha retratando sobre a energia do Metallica ao tocar ao vivo e, que o intuito do produtor Bob Rock neste álbum era de “captar a energia do Metallica ao vivo para as massas”. E “sim, apesar de críticas posteriores de fãs, até mesmo nesse mesmo álbum por ‘mudar’ o som do Metallica (e até hoje isso perdura), Bob Rock junto com o Metallica, claro, foi o responsável por tornar a banda essa instituição que é.”. Na opinião de Prado, o Black Album transcende a energia de todos os álbuns clássicos da banda.

Sim, a tal energia, na minha humilde opinião, é medida por quanto o som pode ser familiar aos nossos ouvidos, e aqui temos o Metallica na sua forma mais pura e amadurecida. Desde sua fúria no “Kill ‘em All”, até na sua forma mais progressiva adotada no “...and Justice for All”. Sim, o Metallica nesse álbum procurou agradar as massas. Sim, realmente é um som mais fácil de ser digerido, mas qual o problema disso? É inquestionável o poder de cada música quando adentram nossos ouvidos [...]. (PRADO, André, 2012)

Flavio Leonel celebra os 20 anos do lançamento do Black Album, frisando que “o disco levou a banda norte-americana de thrash metal e o próprio heavy metal para um patamar até então nunca visto na música pop”. A questão da recepção dos fãs a este álbum também não passou em branco:

Para os fãs mais radicais do Metallica, a velha banda de thrash oitentista acabou neste álbum. Para os menos radicais e amantes da boa música e do bom rock and roll, não há dúvida que o ‘Black Album’ está entre os maiores álbuns da história, independente de ser ou não um disco comercial. Para 51

quem acompanha desde os anos 80 o Metallica nos quatro álbuns anteriores (“Kill ‘Em All”, “Ride the Lightning”, “Master of Puppets” e “...And Justice For All”), a mudança no som da banda é bastante clara, já que ficou um pouco menos pesado, um pouco mais lento, os vocais de James Hetfield ficaram um pouco mais limpos e bem menos gritados, as músicas tiveram o tempo de duração reduzido e o grupo trouxe sua primeira balada romântica (“Nothing Else Matters”), algo inimaginável para uma banda de thrash naquela época.

E completa: “Você pode até questionar as mudanças, para um som mais comercial, que Bob Rock trouxe ao Metallica, mas jamais poderá negar que a produção do álbum é espetacular.”. Para Leonel, Black Album é um ótimo disco de rock pesado, com o Metallica totalmente focado para atingir o sucesso, e faz uma relação deste álbum com os anteriores:

O Metallica, por sinal, sempre foi um grupo de grande personalidade, já que nunca teve medo de peitar gravadora ou fãs naquilo que desejava tocar. Se o “Black Album” fez os fãs mais radicais torcerem o nariz, os álbuns seguintes “Load” e “Reload” surpreenderam o mundo com um som quase beirando ao rock pop e a banda cortando os cabelos. Na sequência, crítica público desceram a lenha no disco “St. Anger”, que traria uma produção mega simples e músicas com ausência de solos de Kirk Hammett. Mais recentemente, a banda não teve receio de voltar às origens e gravou “Death Magnetic”, considerado um dos bons álbuns do metal no novo milênio.

4.3.2 St. Anger

Figura 3 – Capa do álbum St. Anger

Fonte: www.metallica.com (jun. 2015)

52

St. Anger (2003) é o oitavo álbum de músicas inéditas da carreira do Metallica. A formação de integrantes é composta por James Hetfield (vocal e guitarra), Kirk Hammett (guitarra), Robert Trujillo (baixo) e Lars Ulrich (bateria). O álbum é composto por onze faixas, sendo elas: Frantic (5:51), St. Anger (7:21), Some Kind of Monster (8:26), Dirty Window (5:24), Invisible Kid (8:31), My World (5:45), Shoot me Again (7:10), Sweet Amber (5:27), (7:10), Purify (5:14) e All Within my Hands (8:49). Num momento especialmente difícil para o Metallica, tal como sugere o nome do álbum, as letras das músicas expressam a raiva contida dentro das personalidades dos integrantes. Além do CD, o álbum vem acompanhado com DVD no qual a banda toca todas as músicas na íntegra.

As resenhas do álbum St. Anger aqui utilizadas são de autoria de Aluisio Maia (10 114 acessos)63, André Prado (3 847 acessos)64, Caio Marcelo (15 649 acessos)65, Thiago Sarkis (4 646 acessos)66, Rafael Carnovale (3 842 acessos)67 e Eduardo Lauer Gonçalves (5 958 acessos)68.69

Para tratar de St. Anger, seria inevitável não citar a fase turbulenta em que a banda passava – o pós-Napster, a saída do baixista Jason Newsted antes do Metallica entrar em estúdio para gravar este álbum e, consecutivamente, a falta de baixista e o recrutamento de Bob Rock para o cargo até que o novo baixista fosse escolhido, a reabilitação do vocalista James Hetfield durante as gravações do álbum e a frágil relação dos membros da banda neste período.

Diante dos acontecimentos deste período, Aluisio Maia defende o álbum por retratar “o verdadeiro espírito do Metallica”, levando em consideração o significado de St. Anger na história da banda. Segundo Maia, “uma banda deve representar o que ela realmente é, deve ter culhões para seguir os seus preceitos e imprimir

63 Metallica: mais odiado e incompreendido da banda, 22 out 2012. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 64 Metallica: Senso admirável de chutar a porta da opinião, 04 set 2012. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 65 Metallica: O disco que serviu de base para o Death Magnetic, 09 mar 2011. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 66 Resenha - St. Anger – Metallica, 19 jul 2003. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 67 Resenha - St. Anger – Metallica, 08 jun 2003. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 68 Suicídio Comercial – 30 dez 2003. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 69 Dados de 15 de maio de 2015. 53

autenticidade a quem quer que seja”, deste modo, “o Metallica à época de Saint Anger era puro, sublime e verdadeiro, diante de todos os fatos que ocorreram naquele tempo.”. E complementa que “nunca antes o Metallica foi tão democrático em suas criações, retratando exatamente o sentimento coletivo.”. Maia conclui:

Tenho esse álbum, admiro esse álbum e vejo nele um marco zero de uma nova era do Metallica. Esse álbum representa o sacrifício e o renascimento, o corte na própria carne e a sua cauterização imediata. Dessa forma, não podia ser diferente. Aliás, tinha que ser diferente. Diferente do que queremos e projetamos, egoisticamente, para uma banda que amamos. Sempre me delicio com a voz vociferada de James e a bateria de Lars batendo como uma marreta em nosso juízo, incomodando e nos enchendo de sentimento e poder. O poder humano da adaptação.

André Prado analisa o álbum após nove anos de seu lançamento. Após ouvir uma coletânea do Metallica com músicas de álbuns como o The Black Album (1991) e Master of puppets (1986) e ter virado fã da banda, adquire seu primeiro álbum, o St. Anger, e o que sente é decepção, tanto que se desfaz do álbum. Após crescer e amadurecer resolve escutá-lo novamente e ter uma opinião realmente embasada.

Em primeiro lugar, o que Prado sugere é: “vamos nos desligar do nome ‘Metallica’, ele é como uma maldição.”. Assim, “as primeiras impressões de ‘St. Anger’ são de que o álbum não é ruim, somente é muito mal produzido.”. Assim como Maia, vê a fase vivida pelo Metallica retratada no álbum, mas retrata a “fúria e a bagunça” desta época como fatores refletidos em St. Anger.

Mal produzido é a primeira palavra que vem a cabeça, e não é só a bateria de lata de Lars Ulrich, mas as guitarras abafadas, um Kirk Hammett descaracterizado sem fazer um só solo, e um James Hetfield mostrando preguiça em muitos momentos. [...] “St. Anger” tem músicas boas sim, mas que sofrem muito detrás dessa má produção [...]. (PRADO, 2012)

Caio Marcelo também atribui a má produção do disco como principal defeito: “tentando fazer com que o som tivesse uma pitada mais ‘crua’, Bob Rock deixou o mesmo abafado, como se tivesse saído de uma garagem. Usaram microfones de péssima qualidade, e a bateria mais pareciam latões (mesmo sendo bem tocada) do que uma bateria tocada por Lars.”. Esta, aliás, parece ser uma opinião quase unânime dos fãs sobre as principais causas do álbum ser considerado ruim: a má produção, o instrumentos de má qualidade, o som de garagem e a bateria de Ulrich.

Além disso, Marcelo faz um paralelo com outros álbuns anteriores da banda para demonstrar a perda de força e agressividade nas músicas do Metallica nos 54

últimos anos; Load (1996) e Reload (1997) foram além do que os fãs puderam aguentar, com discos cheios de baladas e músicas sem peso, “guitarras e baterias calmas e vocal puro, nada rasgado ou agressivo como era antes de 91 e do ‘Black Album’ (ou simplesmente ‘Metallica’).”. Após seis anos sem lançar um álbum de músicas inéditas, muito foi especulado sobre o que viria a ser St. Anger; espera que virou frequente desde 1991. Caio Marcelo o define como “um CD que serviu para a base de ‘Death Magnetic’ [2008], voltando às raízes mais pesadas do Metallica [...]. Foi mais uma chamada para fãs teens de New Metal do que uma chamada para os antigos fãs de Trash (sic) do Metallica.”. Concluindo, para Marcelo, St. Anger é

o disco mais criticado do Metallica e mais odiado pela maioria dos fãs. Mesmo assim, esse disco carrega algumas pérolas [...]. Não é um “Master of Puppets” ou “...And Justice For All”, mas já é a base da volta às raízes. Certamente o disco seria melhor se Bob Rock fosse logo expulso, se Robert Trujillo tocasse seu baixo e se os equipamentos não fossem tão ruins.

Thiago Sarkis é outro fã que concorda com a má produção e exalta outros fatores para que o álbum pudesse ser considerado como “nota dez”: se não tivesse a participação do produtor Bob Rock, se Robert Trujillo tivesse gravado o baixo para o álbum, se houvessem solos de guitarra, se as músicas “não durassem sempre dois minutos e meio a mais do que deveriam” e se a bateria de Ulrich não fosse “de lata”. O que há de interessante no álbum é que “não é verdade que eles voltaram a tocar metal. Contudo, é fato, soa mais pesado que em discos ignóbeis precedentes [Load e Reload].”. Para Rafael Carnovale, é este o elemento que define o álbum e o “novo Metallica”, o peso. Porém, faz uma ressalva:

Falar que “St. Anger” é o cd mais pesado da carreira do Metallica é um erro grosseiro, já que ele não pode ser comparado aos demais cd’s da banda, pela diferença de estilos. Mas que é pesadíssimo, brutal e agressivo isso é (sic). Novamente o Metallica dá uma guinada em sua carreira e se re- inventa (sic), pelo menos desta vez com um som bem mais pesado e agressivo. Vale a pena comprar. Mas não é um cd de audição fácil... você vai precisar ouvi-lo uma dezena de vezes para dizer se gosta ou odeia.

E também reforça a ideia da produção do álbum, a caracterizando como “estranha”, da gravação que parece ter sido em “uma garagem”, do som abafado e as guitarras baixas.

Eduardo Lauer Gonçalves também reforça a ideia da má produção, porém, apesar de citar St. Anger como “um álbum de difícil absorção”, analisa através de outra perspectiva: 55

“St. Anger” pode (mesmo) não agradar a muitos dos mais ardorosos fãs, principalmente se escutado uma ou duas vezes. Mas se você conseguir suportar a péssima produção (o que não é pouca coisa) verá que há canções que lembram bastante o antigo som do Metallica, trazendo de volta elementos como a agressividade e o peso, tão ausentes nos últimos trabalhos.

E, a respeito das músicas,

o álbum mostra uma nova faceta da banda que conseguiu renovar seu próprio estilo, mostrando músicas criativas e realmente rápidas, juntamente com variações extremamente bruscas em todas faixas, e quer saber?? Valeu a pena. Se não foi uma volta às raízes, ao menos “St. Anger” é bem melhor que “Load” e “Reload”. [...] O disco mostra toda a raiva do Metallica em uma experimentação nunca vista no metal que certamente influenciará as bandas seguintes!!

4.3.3 Death Magnetic

Figura 4 – Capa do álbum Death Magnetic

Fonte: www.metallica.com (jun. 2015)

Death Magnetic (2008) é o nono álbum de músicas inéditas da carreira do Metallica. A formação dos integrantes é composta por James Hetfield (vocal e guitarra), Kirk Hammett (guitarra), Robert Trujillo (baixo) e Lars Ulrich (bateria). O álbum é composto por dez faixas, sendo elas: The Was Just Your Life (7:08), The End of the Line (7:52), Broken, Beat & Scarred (6:25), (7:56), (7:54), Cyanide (6:38), The Unforgiven III (7:32), The 56

Judas Kiss (8:01), Suicide & Redemption (9:58) e (5:01). Após a raiva expressa nas letras e melodias de St. Anger, o que o Metallica traz em Death Magnetic são letras que abordam, em sua maioria, a morte.

As resenhas do álbum Death Magnetic aqui utilizadas são de autoria de Rodrigo Noé de Souza (7.497 acessos)70, Pedro Zambarda de Araújo (6.454 acessos)71, Thiago El Cid Cardim (11.629 acessos)72, Chico Buarque (7.691 acessos)73, Ronaldo Costa (11.910 acessos)74 e Lucas Dantas (22.545 acessos)75.76

Death Magnetic foi lançado após um período de cinco anos sem álbuns de músicas inéditas do Metallica. Após o complicado St. Anger, os fãs queriam saber o que viria agora. Rodrigo Noé de Souza classifica o período de desde 1991 (The Black Album) como um “apagão do bom e velho Metallica”. Além de citar os problemas já citados da banda nos anos 2000, afirma que “todas as turbulências que rondaram a cabeça dos integrantes foram passadas para trás.”. E comemora: “Death Magnetic é, sem sombra de dúvida, o melhor álbum [do Metallica] gravado em anos.”. E a inevitável comparação com álbuns anteriores da banda aparece quando Souza diz: “Não é um disco clássico como Master of Puppets [1986], mas tá valendo.”. A escolha do produtor Rick Rubin também não passa despercebida e é uma vitória para os fãs.

Pedro Zambarda de Araújo compara este álbum com o anterior e é enfático: o Metallica morreu em 2003. E continua, dizendo que St. Anger “matou a essência deles assim que começou a rodar em público. Você pode dizer que esse trabalho ‘não foi tão ruim assim’, que ‘apesar da ausência dos solos de guitarra, ele ainda é rock’. Não adianta. Soa e parece algum industrialmente produzido, não o trabalho conjunto de pessoas que tocam aquela guitarra, aquele baixo e aquela bateria.”. Além da comparação com este, ainda são citados Load (1996) e Reload (1997), que

70 Metallica: Depois de três pisadas na bola, chamaram Rubin, 11 mai 2012. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 71 Metallica: suicídio e redenção é o que eles precisavam, 08 jan 2009. Disponível em . Acesso: em 15 mai. 2015. 72 Resenha – Death Magnetic – Metallica, 11 out 2008. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 73 Metallica: da estranha veneração ao suntuoso apedrejamento, 29 set 2008. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 74 Metallica: Sim, a banda está viva com “Death Magnetic”, 22 set 2008. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 75 Resenha – Death Magnetic – Metallica, 05 set 2008. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2015. 76 Dados de 15 de maio de 2015. 57

eram “tentativas da banda de rumar por trilhas diferentes de ‘Master of Puppets’ [1986]”, assim, St. Anger (2003) “não parecia nem uma coisa nem outra. Eram caras simplesmente posando de malvados e, literalmente, sustentados pela excelente carreira que tiveram anteriormente.”. Death Magnetic seria então, o resultado da revisão que foram obrigados a fazer após este álbum que gerou repulsa dos fãs, não da crítica: “’Death Magnetic’ é o resultado dessa tarefa do lar: um álbum melhor produzido, com músicos com espírito para tocar e compor. Não traz novidades, é verdade, mas resgata o que há de melhor. ‘Um’ Metallica morreu (ou suicidou-se?) em St. Anger. ‘Outro’ está presente nesse, apesar dos clichês.”.

Thiago El Cid Cardim também associa este álbum com o anterior e o que aguardar deste.

Rapaz, missão complicada esta do Metallica. Cinco anos depois de “St. Anger” ser massacrado pela crítica e execrado pela maior parte dos fãs, os caras resolvem lançar um disco novo. Como eles conseguiriam contentar um grupo tão heterogêneo de fanáticos, trazendo novas faixas que agradassem ao mesmo tempo aqueles que sentem falta do peso do Metallica das antigas e aqueles que preferem a faceta mais pop pós-“Black Album”? Seria possível misturar “Master of Puppets” e as experimentações de “Load” e “Reload”? Esqueça. “Death Magnetic” não tira nenhuma destas dúvidas. O álbum está longe de ser genial. Mas que ele pode ser considerado um passo importante na trajetória do grupo ao tentar reencontrar sua identidade musical depois do escorregão de “St. Anger”, isso pode.

Ainda que Death Magnetic não seja o melhor disco da banda, é uma vitória para os fãs, segundo Cardim: “Em ‘Death Magnetic’ o que temos é um Metallica amadurecido e ao mesmo tempo revigorado, que foi buscar um pouco da energia de seus primeiros discos, mas sem se apoiar neles como uma muleta.”. E completa: “O resultado pode não ser ideal. Mas mostra toda a potência de uma banda que, diferente do que pode ser visto no documentário ‘Some Kind of Monster’, parece ter reencontrado o tesão de fazer música junta. Começando por aí, o Metallica só tem a acertar. Vejamos o que o futuro reserva para eles... e para nós.”.

Além de analisar tecnicamente as faixas de Death Magnetic, Chico Buarque defende a trajetória musical da banda afirmando que “tudo por que passou esse grupo foi absolutamente proveitoso. Tudo isso vai permitir a esses músicos um som muito particular no futuro. Um pouco disso está em DM [Death Magnetic]”. Buarque também elogia o Metallica por sua criatividade e faz uma ligação entre todos os álbuns da banda: 58

Essa banda é uma das poucas que pode se gabar de ser absolutamente variada, assuntando que KEA [Kill ‘em All (1983)] se parece com RTL [Ride the Lightning (1984)], que se parece pouco com MoP [Master of Puppets (1986)], que nada tem a ver com AJFA [...And Justice for All (1988)], que nada tem a ver com BA [Black Album (1991)] e que nada tem a ver com Load [1996]/Reload [1997]. E quem aprecia música sabe o quão valoroso isso é. Todo grupo de relevância costuma apresentar ciclos criativos em sua carreira. O Metallica teve um primeiro que se iniciou em Kill’Em All e findou- se em Justice [...And Justice for All]. O segundo ciclo começou no álbum homônimo e terminou no Reload. DM [Death Magnetic] dá início a um novo ciclo. Que esse ciclo desenrole e não vire um CÍRCULO repetitivo, sisudo, chato. Ronaldo Costa cita as diferentes formas e as dificuldades de se analisar um álbum e, “se a crítica é sobre um disco de inéditas do Metallica, mais complicado ainda, pois é tanta polêmica envolvida, além de sentimentos tão extremos, que é preciso até modificar um pouco a forma habitual de se escrever uma resenha para que se possa entender bem.”.

Sem entrar no mérito de qual disco é melhor ou pior, é fato que, gostando ou não dos últimos 12 anos da banda, vários fatores ocorridos nesse período podem influenciar na análise de qualquer coisa lançada por eles. Ora, depois de anos de reclamações sobre a falta de peso, qualquer coisa mais pesada poderia ser considerada como ‘volta às raízes’ ou ‘excepcional’. Após mais de uma década sem ouvir um solo de Kirk Hammett num álbum de inéditas, há o risco de se achar que qualquer solo criado por ele agora seja uma coisa ‘épica’. Com a lembrança recente de “St. Anger”, algo com produção decente correria o risco de ser visto como o material mais bem produzido de todos. Por outro lado, ao se acostumar a falar mal da banda, outros tantos poderiam fazer ‘vista grossa’ para um bom trabalho, apenas por achar que os caras já eram. Em resumo, para muitos, mesmo de forma inconsciente, a comparação com o som mais recente da banda poderá dar a impressão de que “Death Magnetic” é melhor do que realmente o é e para outros a falta de esperança pode gerar uma avaliação descuidada sobre a real qualidade do disco. (COSTA, 2008)

Outro fator citado por Costa, é que o Metallica afirma frequentemente que

não fazem músicas pensando no que os fãs gostariam de ouvir. No entanto, a primeira impressão que se tem ao ouvir o álbum é de que ocorreu exatamente o oposto, que estamos diante de uma banda que, dada a avalanche de críticas geradas com seus últimos trabalhos e atitudes, considerou em algum momento que necessitava de sua base de fãs para sobreviver e que, então, era preciso fazer algo que restaurasse sua credibilidade. Com isso, pareceu buscar em todos os seus discos anteriores aquilo que cada um possuía e que mais poderia agradar à massa de admiradores, tentando juntar isso num trabalho só, cercando-se de um cuidado extremo para que tudo saísse da forma certa. Assim, somos colocados frente a uma colcha de retalhos onde novos e antigos clichês da banda revezam a todo momento, entremeados por alguns trechos que apostam num som mais moderno, o que acabou comprometendo a unidade do trabalho e em certas partes o fez soar como algo sem uma identidade própria. Mas o que importa é que queremos ouvir boa música e, nesse quesito, o que o Metallica entrega ao mundo é um trabalho muito bom.

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Após uma análise das faixas do álbum, Costa conclui:

“Death Magnetic” não é a obra-prima atemporal que alguns podem imaginar na hora da empolgação. Também não é um trabalho fraco e descartável, como outros podem considerar. Deverá angariar vários novos fãs para o heavy metal, afinal, é um disco de heavy metal do Metallica. Só que não se trata de nenhuma revolução no estilo, tampouco estabelece algum novo paradigma. Alguns se decepcionarão com o material, principalmente aqueles que sonham com um novo “Master of Puppets”. Acontece que o Metallica já gravou um “Master of Puppets”. No entanto, tudo o que a imensa legião de fãs de James Hetfield, Kirk Hammett, Robert Trujillo e Lars Ulrich desejava é que esses caras trouxessem ao mundo um álbum de qualidade e que fosse digno do nome Metallica e de tudo o que ele representa. E isso, um bom disco de metal, eles fizeram. Sim, o Metallica está vivo.

Sobre o Metallica não conseguir agradar a todos, Lucas Dantas atribui esta culpa à banda e a “quatro discos espetaculares [do início da carreira]”. Para ele, o “grande problema do Metallica é que eles não são como as bandas-espelho Iron Maiden, Ramones e Ac/DC, evitando se repetir em cada lançamento.”.

Com os anos de estrada, os caras ganharam conhecimentos, amadureceram e resolveram testar outros sons. Outras bandas se mantiveram fiéis ao som, fãs e mercado. Não condeno nenhuma das duas atitudes, não sou o dono das músicas, mas ambas estão sujeitas a críticas. O modelo Metallica, entretanto, é o mais arriscado e vai de encontro ao ditado “em time que tá ganhando não se mexe”. O Metallica mexeu e sofreu. O mundo não gostou de suas aventuras e os shows só lotavam por causa das antigas [músicas]. (DANTAS, 2008)

Dantas também faz as comparações com álbuns anteriores:

[...] hoje, 03 de setembro, eu ouvi o novo cd quatro vezes na íntegra. Queria pegar bem o espírito da coisa, ouvir os detalhes das músicas, distorção, afinação, voz e as passagens. O resultado é que o Metallica lançou o sucessor do Black Album, sendo seu 6º disco da carreira. “Load” (lixo), “Reload” (relixo) (sic) e “St. Anger” (santo lixo) são discos de outra banda. Talvez possamos chamar de Countryallica, Newmetallica, ou qualquer coisa do gênero. Eu gosto do “Load” (bastante) como um álbum de hardrock, mas não como um do Metallica. E odeio o “Reload”. O “St. Anger” eu nem consegui ouvir até o fim. Por esses motivos, considero o “Death Magnetic” o primeiro álbum de inéditas da banda desde o disco preto.

E, sobre o álbum, conclui: “[...] tudo o que posso dizer é que o Metallica lançou um novo disco. Não é nem de longe um volta às raízes e está (bem) atrás dos clássicos. Mas finalmente podemos dizer que um novo disco do Metallica foi lançado.

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5. CONCLUSÃO

Com este trabalho concluímos que a crítica dos fãs é hoje uma peça importante do jogo valorativo no âmbito da música popular massiva. Com as facilidades provenientes dos meios de comunicação virtual, o público se vê munido de poder para julgar uma obra aferindo valor a esta e de difundir esse julgamento em rede, colocando-o em atrito com julgamentos de outros “fancríticos”. O público, que antes era mais passivo no domínio da crítica, já que esta era realizada somente pelo jornalismo profissional, agora se mostra ativo, produtor de conteúdo, o que pode ser chamado de pós-massivo.

Com a circulação da crítica musical na indústria editorial de massa, a crítica constitui-se também como produto, assim como a crítica cultural praticada no jornalismo cultural.

Existe, portanto, um consumo da própria crítica como produto, não tanto para orientar o que deve ou não ser ouvido, mas para promover um pós consumo de produtos culturais. Um complemento a experiência de ouvir, valorizando tanto o produto, como também a opinião dada sobre ele. (JANOTTI JÚNIOR; NOGUEIRA, 2010, p. 5)

Em relação às críticas realizadas por fãs aqui apresentadas, podemos perceber que, em relação aos álbuns lançados quando a banda já era conhecida mundialmente (como é o caso dos álbuns aqui escolhidos), as resenhas não fogem às comparações com diversos álbuns e músicas anteriores do Metallica. Para Jannoti Júnior (2003, p. 35) “em crítica de álbuns de intérpretes famosos, as comparações do exercício valorativo é centrado na própria obra dos músicos, já que se supõem que as questões de gênero já estão “enraizadas”.”. Cardoso Filho (2005, p. 9) reforça a importância do gênero como mediador da interação entre obra e público: “[...] os gêneros parecem cumprir uma função primordial nos processos de fruição de uma obra que é mediar nossas expectativas em relação ao modo como esta foi produzida e o modo como ela deve ser experimentada.”. A questão do gênero musical, portanto, é fundamental à análise de uma determinada obra, pois é ele que dá embasamento à crítica.

No caso de uma banda de nome conhecido mundialmente como o Metallica, torna-se quase impossível construir uma crítica embasada somente no álbum em si, sem qualquer influência externa. Assim como também é quase impossível analisar o primeiro álbum de uma banda sem levar em conta suas influências, ou seja, as 61

marcas de pertencimento do grupo a um determinado contexto de gênero. Sempre haverá uma perspectiva comparativista em jogo, que estabelece, inevitavelmente, relações de semelhança e diferença com outros grupos da mesma chave de gênero ou espécie.

Com o histórico de álbuns como o do Metallica, não há para onde fugir: eles serão cobrados e comparados com álbuns anteriores. No caso da banda, além dos álbuns anteriores, a comparação com álbuns mais bem sucedidos e a cobrança da “volta às raízes”, ainda são inevitáveis por muitos fãs e pela mídia.

Com o Black Album, ainda que tenham sido duramente criticados, principalmente por fãs, por terem se tornado “comercial” e terem deixado de lado o thrash metal, suas vendas bateram recordes e alcançaram a marca de 25 milhões, um dos álbuns mais vendidos da história. Segundo as críticas dos fãs aqui analisadas, sobre o Black Album, pode-se concluir que, no geral, os fãs que falam bem do álbum preferem defende-lo, principalmente da visão negativista de outros fãs, considerados mais radicais, relacionada ao alcance da banda ao mainstream, do que utilizarem suas críticas para falarem, a priori, sobre suas impressões das músicas e a técnica instrumental do Black Album, por exemplo. Sendo a crítica positiva ou negativa, é praticamente impossível para o fã ignorar “o lado pop do Metallica”.

Um fator curioso é que, o Black Album não possui resenhas no site Whiplash.net, nossa principal fonte, mas sim matérias e notícias que, no geral, falam de sua venda exorbitante ou opinião de integrantes, ou da banda ou de pessoas associadas a produção do álbum, por exemplo. As resenhas que foram utilizadas neste trabalho, para este álbum em específico, também foram extraídas de outro site e blog. O que foi extraído do site Whiplash.net foram, o que os devidos autores classificaram como matérias, mas que, a meu ver, também podem ser consideradas resenhas-críticas, pois os fãs expõem suas opiniões, nos dando uma visão do modo como o álbum é visto por eles. Não seria uma justificativa plausível a de que o Black Album não possui resenhas no site pelo fato de ter sido lançado em 1991 e o site ter sido criado em 1996, pois os álbuns anteriores a ele possuem resenhas de fãs no site. É perceptível também que, não somente no Whiplash há esta falta de críticas, como também em outros sites e blogs. 62

Este fato dá vazão a várias questões sobre o que levou os fãs a não terem escrito as críticas sobre o Black Album. Seria esse um sinal de que os fãs se rebelaram contra a banda pelo fato de ter se tornado “comercial”? Afinal, a falta de críticas pode ser pior encarada por uma banda do que ter retorno crítico dos fãs sobre o álbum. Os álbuns Load e Reload, lançados após o Black Album, possuem críticas que dizem respeito ao novo visual e a continuidade da banda de seguir a linha “pop”. Por qual motivo, Load e Reload, álbuns com vendagem baixa se relacionados com o álbum de 1991, deram motivos para os fãs de escreverem sobre eles? O Metallica “comercial” do Black Album não é interessante de ser criticado e discutido? Apesar de gostarem, afinal este é o álbum mais vendido da banda, os fãs não querem dar o “braço à torcer” para o que o Metallica se tornou neste álbum? A falta de crítica que o julga negativamente seria causado por um desencorajamento dos fãs mais radicais perante o sucesso da banda?

Difícil explicar por qual motivo o álbum foi praticamente ignorado pelas críticas dos fãs, pois oposta à alta venda do álbum, está a falta de crítica dos fãs, quando, o que geralmente se espera com uma venda exorbitante, é que este fosse o mais criticado (de forma positiva).

O álbum St. Anger gerou muitas dúvidas quanto ao futuro do Metallica, principalmente depois do documentário Some Kind of Monster que mostra a crise da banda e, no geral, não agradou aos fãs, sendo o álbum mais criticado de sua carreira. Segundo as críticas dos fãs aqui analisadas, percebe-se a opinião quase unânime de que o álbum é mal produzido e este é o seu maior problema; as músicas podem ser boas, mas a produção de Bob Rock é o que faz com que o álbum, no geral, seja considerado ruim e, assim, criticado negativamente pelos fãs. Diferente do Black Album, as críticas de St. Anger se referem a uma análise da técnica instrumental, vocal e das composições das letras. Sobre a técnica instrumental, o principal desagrado é sobre a bateria de Lars Ulrich, a que os fãs nomeiam como bateria “de lata”. Em segundo lugar, a falta de solos de guitarra de Kirk Hammett é o que os fãs mais lamentam.

A fase difícil que o Metallica vivia, e que os fãs enxergam refletida neste álbum, pode ser encarada de duas formas: positiva, pois a banda é corajosa e transparente, a ponto de ser autêntica e demonstrar aos fãs a turbulência a que passava, e de 63

forma negativa, pois, tantos problemas acumulados resultaram em uma “bagunça sonora”.

Quanto ao Death Magnetic, fez com que os fãs ficassem mais otimistas quanto ao futuro da banda, os agradando, no geral. O álbum foi lançado após cinco anos do negativo St. Anger, e, com isso, já carrega um peso nas costas da banda. Com as críticas dos fãs aqui analisadas, no geral, percebe-se uma grande comemoração ao álbum. Ainda que alguns não considerem o melhor da carreira da banda, após o “desastroso” St. Anger, Death Magnetic é uma vitória. Nas críticas ao álbum de 2008, ao fazerem comparações com o de 2003, este é duramente criticado, talvez para enfatizar o quanto Death Magnetic é muito melhor, ainda que não traga novidades e seja caracterizado pelos fãs como “uma colcha de retalhos”, onde a banda reuniu vários elementos dos álbuns de sua carreira para fazer um álbum melhor e resgatar a credibilidade perdida com os fãs. Nas resenhas, os fãs mostram suas impressões pessoais e fazem análises técnicas do álbum, além de apontar seus prós e contras, porém o que se destaca mesmo é o que julgam como o “retorno do Metallica”. Após altos e baixos, em 2008, após anos sem um álbum verdadeiramente elogiado pelos fãs, o Metallica consegue, por fim, melhorar sua imagem perante os fãs.

Vê-se que, com as comparações aos álbuns da carreira da banda, como é o caso do Death Magnetic, por exemplo, no qual os fãs fazem muitas comparações com álbuns anteriores, o fã quer, em sua crítica, mostrar que tem embasamento no que fala, que tem conhecimento sobre o artista/álbum que está analisando e julgando. Nota-se também que nas críticas há um fator quase unânime apontado pelos fãs, seja ele positivo ou negativo; a visão geral do álbum é praticamente a mesma.

Percebe-se, portanto, um movimento de opiniões no sentido contrário ao da vendagem dos álbuns. Quanto mais “comercial”, mais reações negativas gera em um determinado conjunto de fãs “radicais” que defendem, em uma chave ideológica apaixonada, ideias que transitam em torno de “autenticidade” e “raiz”. Nestes casos, as marcas de gênero constituem uma espécie de prisão, da qual o “carcereiro” não deixa o artista sair. As reações deste segmento de “fancríticos” à trajetória errante do Metallica é um ótimo exemplo desta vertente. 64

Ao mesmo tempo, o jogo valorativo das críticas dos fãs não deixa de contemplar aspectos técnicos de produção e execução, como acontece, por exemplo, na detecção de reflexos de problemas de produção na sonoridade no álbum St. Anger. Isso nos dá indícios de que a crítica dos fãs não é, necessariamente, uma crítica “desqualificada”, “menor”. Em muitos casos, o que se vê são falas de pessoas que transmitem conhecimento sobre técnicas de gravação, linguagem musical e História do rock. Muitas vezes, não se pode dizer que haja uma diferença importante entre críticas de profissionais contratados por um meio de massa e determinados críticos voluntários “pós-massivos”, que se manifestam gratuitamente em fóruns virtuais e blogs. Cabe considerar, ainda, que a crítica dos fãs, voluntária e não submetida a interesses editoriais e comercias que contingenciam as opiniões de profissionais, transita em um território de expressão bem mais livre, no qual até mesmo as paixões desenfreadas são bem vindas, pois sabemos que há muito menos chance de serem paixões remuneradas pela indústria fonográfica.

Os álbuns do Metallica contém muito mais do que música: carregam a história da banda, sua discografia e, mais importante, uma marca consagrada: Metallica! A banda sempre carregará nas costas o peso dos álbuns do início da carreira em cada lançamento de um álbum, pois os fãs irão associá-lo com o “Metallica da era de ouro”. Ainda que o Metallica tenha passado por tantos altos e baixos na carreira, a maioria dos fãs não os abandonou e, após mais de 30 anos, continuam fazendo shows tocando e cantando com energia e conquistando cada vez mais fãs ao redor do mundo.

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