A Teologia E a Saga Dos Super-Heróis: Valores E Crenças Apresentados E Representados No Gibi
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View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk brought to you by CORE provided by Escola Superior de Teologia, São Leopoldo: Periódicos da Faculdades EST Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS, v. 22, maio-ago. 2010 13 A teologia e a saga dos super-heróis: valores e crenças apresentados e representados no gibi Theology and superheroes legend: presented and reproduced values and believes on comics Por Iuri Andréas Reblin Doutorando em Teologia (EST) Bolsista CNPq – Brasil Resumo: Abstract: Este texto apresenta as possibilidades de análises teológicas This text presents possibilities of theological analyses of das histórias em quadrinhos, em especial, dos super-heróis. A comic books stories, especially, of superheroes. Starting from partir do diálogo entre teologia e literatura e do conceito de the dialogue between theology and literature and from the herói enquanto arquétipo atinente ao ser humano, ele hero concept while archetype regards human being, it introduz como perspectivas de análise: a presença de introduces as analysis perspectives: the presence of religious elementos religiosos na narrativa; na origem do super-herói (o elements in the narrative; in superhero’s origin (the character) personagem) e a existência de elementos mitológicos e and in the existence of mythological and religious elements religiosos ancorados no sentido do heroísmo e nos valores anchored in the sense of heroism and its included values. The que o abrangem. O texto conclui que as histórias em text concludes that comic books stories are windows of reality quadrinhos são janelas da realidade e janelas para uma outra and windows for another reality and that they are much more realidade e elas são mais que um mero entretenimento: as than a mere entertainment: they are the human being histórias em quadrinhos são a possibilidade do ser humano possibility to know more on her or himself, her/his (religious conhecer mais sobre si mesmo, seus valores (religiosos e não and non-religious) values, anguishes, hopes and quest for a religiosos) suas angústias, suas esperanças e sua busca por um place in the world. lugar no mundo. Palavras-chave: Keywords: Teologia e Literatura. Super-heróis. Histórias em Quadrinhos. Theology and Literature. Superheroes. Comic Books. humanidade ou de determinados grupos sociais Era uma vez… desta e intentam ser sempre um retrato fiel do fato ocorrido. Elas se ancoram valorativamente nessa “História” é aquilo que aconteceu uma vez e não acontece nunca mais. “Estória” é aquilo que não aconteceu nunca porque acontece sempre. intenção, adotando, inclusive, uma postura Rubem Alves hierárquica em relação ao conto, ao chiste, às sagas e às lendas, embora a pergunta sobre quem conta a Nós, seres humanos, temos uma maneira história e quais pressupostos provenientes do olhar peculiar de preservar nossas memórias e nossos de seu relator estão incutidos nela é um tema que valores através das gerações e para estas. Nós tem perdurado nos debates atuais sobre esta área contamos histórias e estórias. Mesmo que os do conhecimento. gramáticos tenham assassinado esta última palavra, ou insistem em substituir essa por aquela, é o seu Já as estórias não possuem a intenção de uso, como diria Wittgenstein, que define o seu fidelidade ao fato ocorrido. Seu propósito é outro. sentido e, poderíamos acrescentar, justifica sua As estórias têm o poder mágico de estabelecer permanência. As histórias sustentam a trajetória da relações entre seus interlocutores, de transformá- Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Escola Superior de Teologia – EST Disponível em: http://www.est.edu.br/periodicos/index.php/nepp 14 Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS, v. 22, maio-ago. 2010 los e de conectá-los aos seus desejos. “A estória identificamo-nos, em maior ou menor grau, com as não fala sobre algo. Não pertence ao mundo do isso . características idealizadas e representadas que se Ela fala com alguém, estabelece uma rede de encontram na narrativa, muito embora a tendência relações entre as pessoas que aceitam conspirar, co- hodierna seja a mistura de características e o inspirar em torno do fascínio do que é dito...”.1 destaque da ambiguidade humana. Elas lidam com nosso imaginário, nossos mitos, Enfim, o que vale ressaltar aqui é o seguinte: nossos símbolos, nossos valores, nossos anseios, independente do termo considerado (história ou nossas esperanças. E são justamente as estórias que estória), quando nós buscamos conexões entre povoam majoritariamente o universo da literatura, teologia e literatura (olhar uma sob o prisma da da arte e do cinema e que, ao serem contadas, outra), não importando aqui o tipo de obra, a tornam esse mesmo universo tão fascinante e leitura vai além da mera descrição do que se apetitoso aos olhos de uma gama incontável de encontra explicitamente representado. Não se trata leitores/degustadores. apenas de ver se a história ou a estória se passa Por que é importante salientar isso? Pois, ao num convento ou se um personagem envolvido na adentrarmos no universo da literatura e no diálogo trama é um padre ou monge budista. O religioso ou desta com a teologia, não estamos apenas, ou o teológico numa narrativa não é apenas a especialmente, buscando fatos, mas procuramos representação descritiva no sentido de construir elos entre valores e universos de contextualizar ou criar o cenário no qual o enredo significação diversificados. O que queremos não é se desenvolve, mas o conjunto de elementos que encontrar evidências de acontecimentos históricos, constituem a experiência literária: o cenário, o mas verificar valores e crenças que compactuamos, enredo, os diálogos, as ações, os símbolos e os compartilhamos e transmitimos e que, muitas valores que se imiscuem nestes e a interatividade vezes, não estão na superfície, mas no subterrâneo entre todos. É, pois, sobre esse prisma que aqui se das palavras e no sentido de suas organizações no analisará os personagens e as estórias do gênero da texto. Nós interagimos e até mesmo somos capazes superaventura, expressas nas Histórias em de incorporar (bem como transformar ou mesmo Quadrinhos. rejeitar) essa significação presente nas estórias, à medida que entramos em contato com a narrativa, Os super-heróis e o gibi envolvemo-nos com ela e à medida que uma As Histórias em Quadrinhos (HQ’s ou experiência comum acaba nascendo dessa relação. simplesmente “quadrinhos” para os íntimos) ou Ao decidirmos ler um livro, um gibi, um ainda o gibi, como é carinhosamente chamado no romance ou mesmo assistir a um filme, há uma Brasil, em virtude do título da revistinha lançada probabilidade enorme de estabelecermos uma pela antiga RGE (hoje Editora Globo), em 1974, relação com determinada narrativa, pois buscamo- fazem parte da cultura mundial (sobretudo, la em virtude do prazer que ela pode nos ocidental) desde o início do século passado. proporcionar. E, ao fazermos isso, nós nos Embora tenham surgido como um alívio cômico e disponibilizamos igualmente a nos conectarmos uma estratégia de marketing, 2 atualmente, as não apenas com a narrativa, mas com toda a gama narrativas abrangem os mais diversos gêneros da de referenciais que ela traz consigo. Também não comédia ao terror, passando pelo policial, pela se trata apenas do envolvimento com o conteúdo aventura, pela ficção e pelo erótico. As produções da narrativa e sua redação astuciosa, mas com o englobam desde as mais comerciais até as mais papel desempenhado pelos personagens e suas cultuadas, as criações autônomas e das grandes personalidades. Nós reconhecemos os heróis e os indústrias no estilo folhetim até a quadrinização de vilões e os meandros da personalidade humana e 2 REBLIN, Iuri Andréas. Para o alto e avante: uma análise do 1 ALVES, Rubem. Variações sobre a vida e a morte ou o feitiço universo criativo dos super-heróis. Porto Alegre: erótico-herético da teologia . São Paulo: Loyola, 2005. p. 107 Asterisco, 2008. p. 38ss. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Escola Superior de Teologia – EST Disponível em: http://www.est.edu.br/periodicos/index.php/nepp Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS, v. 22, maio-ago. 2010 15 obras literárias clássicas (Don Quixote, por Dentre os diversos gêneros existentes nas exemplo, e, no Brasil, as obras de Machado de HQ’s, um que se sobressai quando abordamos ou Assis, de José de Alencar). Embora as narrativas discutimos sobre quadrinhos ou sobre a relevância estejam estruturadas em torno da dinâmica destes para estudos da sociedade, da cultura, dos imagem-texto e tendam a sustentar um equilíbrio universos simbólicos e linguísticos ou ainda para o desta dinâmica, também podem ser encontradas debate e o diálogo entre teologia e literatura é o variações criativas. Os quadrinhos podem tanto gênero da superaventura. Mesmo que a saga de pender para os antigos livros ilustrados quanto para heróis e deuses perpasse diversas literaturas, mitos, o uso quase exclusivo de imagens nas chamadas contos, estórias e outros tipos de relato ao longo “graphic novels”. dos séculos, o tema dos super-heróis nasceu Se, por um lado, a produção artística é tão particularmente nas HQ’s. E, embora alcancem diversificada e rica, por outro, assim também são as outras artes atualmente, fazendo um sucesso críticas dirigidas ao estilo literário ao longo de sua estrondoso, especialmente no cinema, e existência. As HQ’s já foram acusadas de estimular movimentando fortunas para a indústria cultural, os a delinquência juvenil, de serem kitsch (ou super-heróis emergiram em e de condições pseudoarte) de criarem péssimos hábitos, de históricas específicas e do casamento perfeito entre atrapalharem o desenvolvimento cognitivo, a ficção científica e estórias de ação e aventura, num inculturação, o refinamento da língua e o seu uso, meio de comunicação de custo relativamente baixo críticas que podem ser potencializadas e (se compararmos ao cinema ou à televisão) como 4 entrelaçadas por desdobradas a partir do polêmico livro A Sedução do nos lembra Waldomiro Vergueiro, um anseio profundo de uma nova ordem social em Inocente , de Frederic Wertham.