Muralhas proto-históricas no Alto Côa (): análise com ferramentas SIG e 3D

Marcos Osório Câmara Municipal do Sabugal e Universidade de Coimbra. CEAACP [email protected]

Raquel Vilaça Universidade de Coimbra. CEAACP rvilaca@fl .uc.pt

Telmo Salgado Câmara Municipal do Sabugal [email protected]

RESUMO No seguimento de anteriores trabalhos sobre o povoamento proto-histórico na região do vale superior do rio Côa (Sabugal, Guarda, Portugal) e de recentes intervenções arqueológicas con- duzidas em alguns destes povoados que vieram acrescentar novos dados a essas refl exões, pretendemos efectuar agora uma abordagem mais específi ca às estruturas defensivas destes núcleos de povoamento com recurso aos sistemas de informação geográfi ca (SIG) e às técnicas de reconstituição em três dimensões (3D).

Com as análises espaciais e as reconstituições arquitectónicas produzidas através destas fer- ramentas informáticas, pretendeu-se analisar as soluções defensivas adoptadas, do ponto de vista funcional e simbólico, tendo em consideração as características orográfi cas, a intervisi- bilidade entre estes povoados e a sua relação com as vias de comunicação naturais e áreas de exploração mineira, e também discutir problemáticas relativas à distribuição destes povoados pelo território e suas eventuais hierarquias e áreas de infl uência.

PALAVRAS-CHAVE Muralhas; Proto-história; Alto Côa (Portugal); GPS; SIG; 3D.

307 FORTIFICACIONES EN LA EDAD DEL HIERRO: CONTROL DE LOS RECURSOS Y EL TERRITORIO

SUMMARY Following previous work on the proto-historic settlement in the upper valley region of the Côa River (Sabugal, Guarda, Portugal) and recent archaeological excavations conducted in some of these settlements, which have added new data to those considerations, we pretend to make now a more specifi c approach to the defensive structures of these population centers using the Geographic Information Systems (GIS) and the 3D reconstruction techniques.

With the spatial analysis and architectural reconstructions produced by these digital tools, we intended to analyze the defensive solutions adopted, by a functional and symbolic point of view, taking into account the orographic characteristics, the intervisibility between these settlements and their relation with the natural paths and mining areas, and discuss also the concerns about the distribution of these settlements through the territory and their possible hierarchies and areas of exploration.

KEYWORDS Walls; Protohistory; High Côa Valley (Portugal); GPS; GIS; 3D.

CONTEXTUALIZAÇÃO embora sejam ainda insufi cientes para pro- DA PROBLEMÁTICA por enquadramentos cronológicos a este ca- dastro de testemunhos ocupacionais, tendo Na região do vale superior do rio Côa, os sítios que não sofreram escavações sido integrando praticamente os limites adminis- datados com base em determinados achados trativos do Município do Sabugal (Distrito avulsos ou por paralelos na tipologia de as- da Guarda), na fronteira com a Província de sentamento. Salamanca (Fig. 1), têm sido desenvolvidos Foram já efectuadas algumas tentativas trabalhos de prospecção para a Carta Arqueo- anteriores de caracterização desta ocupação lógica Municipal e a georreferenciação dos proto-histórica, tentando defi nir sistemas inúmeros sítios arqueológicos identifi cados, de redes de povoamento, as quais parecem das mais diversas cronologias. oferecer uma certa organização policêntrica, Possuímos agora um razoável registo de de forte pendor multipolar, dominada por núcleos de ocupação proto-histórica que per- assentamentos de altura e de forte impacto fazem um total de 24 assentamentos distri- visual (Vilaça, 1995; Osório 2005; Vilaça 2008; buídos por todo o território do Alto Côa. Silva 2008; Osório, 2009; Vilaça 2013) e por Genericamente, podemos afi rmar que es- isso, neste texto, visámos apenas abordar os tamos perante povoados1 de distintas crono- tipos de estruturas defensivas existentes nes- logias, desde a Idade do Bronze/Bronze Final ses povoados e a respectiva distribuição es- até à II Idade do Ferro (Fig. 2). Trabalhamos, pacial. portanto, com dados de qualidade distinta. O estudo da arquitectura proto-histórica Em 9 destas estações, foram já promovi- depara frequentemente com a frustrante in- das escavações arqueológicas de carácter capacidade de conseguir descrever o traçado, pontual ou de âmbito mais alargado (Fig. 3), a volumetria e a implantação topográfi ca das estruturas defensivas antigas, a partir dos reduzidos e disformes derrubes de pedra 1 Utilizamos aqui o conceito de “povoado” de uma forma livre (poucas vezes sujeitos a escavações). Só com e genérica, como um lugar de habitação (ou de refúgio) sem recurso a levantamentos por GPS é possível a atender a dimensões, organização interna, funcionalidades par- identifi cação dos alinhamentos e a defi nição ticulares, cronologias específi cas, etc.

308 MURALHAS PROTO-HISTÓRICAS NO ALTO CÔA

Fig. 1 – Localização da área de estudo.

Fig. 2 – Localização dos povoados proto-históricos no Alto Côa.

309 FORTIFICACIONES EN LA EDAD DEL HIERRO: CONTROL DE LOS RECURSOS Y EL TERRITORIO da planta de inúmeras estruturas arruinadas, Outro programa empregue neste trabalho que aqui designamos genericamente como foi o software Quantum GIS usado para pro- muralhas2. duzir perfis topográficos, bacias de visão e o O registo de campo permitiu a consequen- cálculo do índice de dispersão destes sítios te realização de reconstituições tridimensio- pelo território do Alto Côa, num mapa que nais dos polígonos desenhados (a partir dos define as zonas de maior apetência habita- pontos do GPS), recorrendo a determinadas cional, através de uma variação cromática em ferramentas do programa informático Arc- que a mancha de tonalidade mais clara cor- GIS, nomeadamente da extensão 3D analyst. responde a uma maior densidade de povoa- Os modelos 3D das estruturas defensivas re- mento (Fig. 4). sultantes foram incorporados, por sua vez, A leitura obtida a partir desta superfície sobre o Modelo Digital de Terreno (MDT) que cartográfica permite deduzir que existem simula a realidade topográfica do terreno, e duas áreas privilegiadas de ocupação, con- ao qual foi adicionada a ortofoto para dar centradas de cada lado do rio Côa, e não na maior realismo. parte central, ao longo do próprio eixo do Estes modelos resultam de uma criteriosa vale do Côa (Fig. 4), destacando-se em termos reflexão dedutiva, tendo em consideração os de intensidade o foco mais ocidental, talvez indícios existentes e os paralelos conhecidos devido aos indícios de primitiva exploração para a região, procurando reproduzir a pers- mineira, aí existentes (Vilaça 1998: 351, Vilaça petiva mais aproximada das estruturas na sua 2008: 42-43; Osório, 2012: 26-28). Os resulta- fase de utilização. Não sendo possível a defini- dos teriam outra projecção se obtivéssemos ção das texturas, optámos por dar apenas co- datações mais finas, o que justificaria a reali- res ou tonalidades básicas, e como valor médio zação de cálculos específicos para cada perío- de alteamento atribuímos 3 m de altura. do de ocupação. Pretendemos reproduzir, de forma clara e Estas duas áreas de maior densidade precisa, o aspecto e a morfologia edificatória ocupacional correspondem, em termos de destas estruturas proto-históricas, para o qual fisionomia da paisagem, a regiões geografi- foi essencial o uso destes programas de repre- camente distintas: de um lado encontram-se sentação gráfica que permitiram elaborar diver- as terras do planalto mesetenho, que se carac- sas hipóteses de reconstituição e a interpretação terizam pela sua monotonia orográfica, onde imediata da ruína, sobretudo quando os vestí- poucas elevações se destacam; em contraste gios são escassos ou insuficientes para ter leitura. com a diversidade paisagística do rebordo As simulações obtidas facilitaram algu- ocidental da bacia hidrográfica do Alto Côa, mas observações e análises que incidiram marcado por proeminências de grande pen- em aspectos como a localização, imponência, dente e vales profundos. monumentalidade destas construções e as Não é de estranhar que as comunidades suas relações com a topografia. Com este con- residentes nas margens contrárias do rio Côa tributo antecipa-se a estruturação de um ambi- tenham possivelmente recorrido a distintas cionado projecto de investigação sobre fortifica- arquitecturas defensivas (Fig. 5), tendo em ções proto-históricas nesta região. conta as condicionantes geomorfológicas lo- cais, que acabaram, naturalmente, por gerar particularidades ocupacionais e culturais que talvez contribuíram para a afirmação das 2 Utilizamos aqui o conceito de “muralha” como sinónimo de suas identidades. “fortificação” e como uma construção artificial (por vezes mis- ta, incorporando nos alinhamento afloramentos rochosos) di- visória entre um espaço interior e outro exterior, sem qualquer conotação funcional particular, que poderá ter sido diversa de caso para caso (elemento defensivo, de ostentação, mnemóni- co, de cariz político-administrativo, etc.).

310 Fig. 3 – Distribuição dos povoados escavados e não escavados na região do Alto Côa.

Fig. 4 – Densidade do povoamento proto-histórico no Alto Côa.

311 FORTIFICACIONES EN LA EDAD DEL HIERRO: CONTROL DE LOS RECURSOS Y EL TERRITORIO

OS AMURALHAMENTOS NA FACHADA do bronze, o que não espanta dada a proximi- OCIDENTAL DO TERRITÓRIO dade dos recursos mineiros da Quarta-Feira (Vilaça, 1998: 351; 2008: 42-43), explorados já Os povoados amuralhados implantados nessa época. na transição da plataforma mesetenha para a As escavações aí conduzidas revelaram depressão da Cova da Beira estão dispostos estruturas de carácter habitacional e uma como verdadeiros guardiões dessa fronteira construção em talude com cerca de 50 me- natural, pela imponência, a equidistância e o tros de extensão (entre os dois núcleos de controlo visual que exercem sobre a paisagem afloramentos, como que fechando este espa- e os corredores de circulação (Osório, 2008: ço desprotegido) e 4 m de espessura (Vilaça, 40), como o rio Zêzere que carreava impor- 1995: 106 e 255). Embora bastante destruída, tantes aluviões estaníferos. algumas pedras da base conservam-se na po- Mas sabemos que eles não seriam todos sição original, assentes no saibro. O material contemporâneos (Fig. 2). Possuímos infor- utilizado foi o granito, sem qualquer ligante, mação segura, proveniente de escavações ar- destacando-se alguns blocos de grandes di- queológicas em dois destes povoados, que re- mensões e de formas irregulares. A inclusão mete a ocupação mais antiga para a transição de elementos de moinho, inteiros e fragmen- do II para o I milénio a.C., onde se registam tados, reaproveitados como material de cons- indícios da utilização de taludes de pedra e trução e, eventualmente, pelo seu valor sim- terra como soluções defensivas ou de delimi- bólico ligado à produção alimentar, é uma tação do espaço. outra nota a reter. Um deles, o Castelejo (Sortelha), com o Os vestígios exumados comprovam uma seu chamativo topónimo derivado do aspecto importante ocupação humana no topo do de pequena fortificação de pedra, sofreu uma cerro amesetado e na plataforma em “sela”, intervenção arqueológica, entre 1988-1990, encaixada entre os pináculos rochosos, a 830 que permitiu aferir uma ocupação entre 1300 m de altitude, neste caso protegida pelo talu- a 700 a.C., de acordo com vários indicadores de defensivo ou protector, do lado oriental, recolhidos: taças carenadas e formas bitron- justamente onde a encosta é mais vulnerável cocónicas, com decorações de variadas técni- (Fig. 6). Aqui viveu uma pequena comunidade cas (incisões, impressões, motivos brunidos que dominava visualmente as terras do vale su- e aplicações plásticas), vários fragmentos de perior da ribeira da Nave, onde se encontravam moinhos manuais de vaivém (dormentes e os recursos naturais e por onde passavam os moventes), enxós, machados de pedra polida, principais eixos de comunicação deste territó- pesos em seixo natural com entalhes laterais rio, no I milénio a.C. e lascas de sílex. Sobressaem, pela sua rarida- Apenas a 4 km para noroeste deste sítio de, os bronzes: desde pequenas argolas, uma fica o povoado da Serra Gorda (Águas Belas) vareta e um fragmento de foice; destacam-se que revelou igualmente diversos testemunhos ainda e sobretudo instrumentos de trabalho que provam uma presença recuada dos finais da cadeia operatório do fabrico do bronze, de da Idade do Bronze, em posição sobranceira à que são exemplo os cadinhos de cerâmica e região mineira do vale da Quarta-feira. os moldes de pedra, bem como os pingos de O sítio caracteriza-se por uma elevada fundição (Vilaça 1995: 326-327, 364-366; Vila- plataforma entre penedias graníticas, a 850 ça, 1998: 354-358). Recorde-se que pela pri- m de altitude. Na intervenção arqueológica, meira vez em território português foi identi- realizada em 2002, foram abertas sondagens ficado num dos cadinhos a adição directa de no topo do pináculo meridional, na platafor- minério de estanho (cassiterite) com o cobre ma em sela e na encosta norte, que propor- (Merideth 1998: 157). Estes achados atestam o cionaram as primeiras informações sobre a conhecimento e a prática local da metalurgia cronologia e os materiais relativos à comuni-

312 Fig. 5 – Tipos de estruturas defensivas presentes nos povoados proto-históricos do Alto Côa.

Fig. 7 – Reconstituição tridimensional das estrutu- ras amuralhadas do Cabeço das Fráguas.

Fig. 6 – Reconstituição tridimensional dos Fig. 8 – Reconstituição tridimensional da taludes do Castelejo e da Serra Gorda. cerca proto-histórica do Sabugal Velho.

313 FORTIFICACIONES EN LA EDAD DEL HIERRO: CONTROL DE LOS RECURSOS Y EL TERRITORIO dade aqui residente (Vilaça, Osório e Ferreira, ções arqueológicas (Fig. 3), entre 2006 e 2009, 2004: 138). mas infelizmente não foram realizadas interven- Não foram identificadas quaisquer ções no traçado amuralhado que delimita par- estruturas habitacionais, dado que o terre- cialmente a área habitada. Os restos dessa primi- no se encontrava francamente remexido por tiva estrutura amuralhada, de 2 m de espessura, intensa actividade agrícola tradicional e pela identificam-se perfeitamente à superfície. erosão, que reduziram o potencial estratigráfico Foram definidas três fases de ocupação da cumeada. Os materiais recolhidos também deste relevo: a primeira, do Bronze Final à I não foram muito abundantes, tendo-se exuma- Idade do Ferro (séculos VIII-VII a.C.), à qual do para além de alguma cerâmica manual, di- pertencem dois edifícios subcirculares de 6 e versas mós de granito de vaivém (dormentes e 7 m de diâmetro. A segunda fase de ocupa- moventes) e um peso de seixo polido de grauva- ção, da II Idade do Ferro (século IV-III a.C.) que. Entre os fragmentos cerâmicos recolhidos e que se manterá até ao século II-I a.C., tem destacam-se as formas carenadas e os exempla- associada uma grande estrutura circular de res que, estilisticamente, denunciam afinidades 8 m de diâmetro, com um compartimento com o vizinho mundo mesetenho de “Cogotas sub-rectangular adossado. E a última é uma I”, como são as típicas decorações em “espiga” ocupação já do período romano (Santos e (Idem, 2004: 139). Schattner, 2010). Infelizmente, não sabemos Na vertente nordeste, afastada da área de a que período corresponderá o momento de maior concentração de vestígios, detectou-se erguimento da cerca pétrea. também uma construção pétrea em talude, Tal como no Cabeço das Fráguas, uma com 2 metros de espessura, feita de pedras de das principais características dos povoados granito de grandes dimensões, bem assentes, desta zona é o constante recurso aos enormes formando um socalco artificial perfeitamente penedos graníticos como defesas naturais, notório na topografia, ao longo de cerca de 80 especialmente nas vertentes mais íngremes, metros da encosta, protegendo o lado de mais que reduziram o investimento em estruturas fácil acesso ao topo (Fig. 6), onde se descorti- defensivas de fabrico humano, cingindo-se na até uma abertura para o interior. estas, muitas vezes, a meras compensações da Os taludes destes dois povoados consti- ausência das primeiras, fechando zonas aber- tuem as manifestações defensivas mais anti- tas entre os amontoados rochosos (Fig. 7). gas já confirmadas no território do Alto Côa e Alguns dos sistemas defensivos presentes são, aparentemente, uma solução construtiva nesta zona são pois de tendência híbrida, ao simples e de pequena envergadura, da qual conciliar os paramentos construtivos de alve- podemos até colocar dúvidas sobre o seu ca- naria com as abundantes penedias rochosas. rácter defensivo e pressupor antes outras fun- Aliás uma prática comum em outras regiões ções complementares ou de mera delimitação como na Covilhã Velha (Fundão) (Vilaça et do espaço. alli, 2000: 208), em São Romão () (Guerra, Quanto aos restantes povoados conhe- Fabião e Senna-Martinez, 1989: 191) ou na Se- cidos nesta faixa de transição do vale do nhora da Guia (Viseu) (Vilaça, 1995: 255-256). Côa para a bacia do Zêzere, à luz dos dados Por este motivo os traçados destas muralhas conhecidos (sem realização de escavações), não circundam completamente o recinto, es- revelam ocupações enquadradas cronologi- tando inúmeras vezes interrompidos e até camente na Idade do Ferro e evidenciam já bastante intervalados, como é patente por amuralhamentos mais complexos, de feições exemplo na reconstituição tridimensional comuns, que parecem definir um padrão de das muralhas do Cabeço das Fráguas (Fig. 7) assentamento próprio desta zona geográfica. ou da Serra da Opa. Apenas o Cabeço das Fráguas (Benespe- Um factor que contribuiu para o fraco in- ra/Pousafoles do Bispo) foi sujeito a escava- vestimento em edificações defensivas (apesar

314 Fig. 9 – Perfil topográfico entre os povoados amuralhados de Alfaiates e do Sabugal Velho.

Fig. 10 – Reconstituição tridimensional da dupla cintura de muralhas de São Cornélio.

Fig. 11 – Reconstituição tridimensional da muralha circular da Sortelha Velha.

315 FORTIFICACIONES EN LA EDAD DEL HIERRO: CONTROL DE LOS RECURSOS Y EL TERRITORIO da matéria-prima abundante) é a inexpugna- ta) também se pode distinguir perfeitamente bilidade destes povoados, dada a sua locali- o acesso ao povoado através de uma rampa zação em pontos bastante elevados, rondan- delimitada por um muro em socalco, do lado do os 600 e os 1015 metros de altitude, com da inclinação da vertente. um comando acentuado, na ordem dos 80 a Estes povoados da fachada ocidental do 250 metros, como por exemplo a Serra das território são sítios geralmente destacados, Vinhas (Penalobo), com 200 m de diferen- com carácter omnipresente, constituindo ça na vertente meridional da base ao cume. verdadeiros marcos na paisagem, sendo Deste modo, é compreensível que as constru- avistados de vários sítios em redor e con- ções amuralhadas sejam rudimentares e não vertendo-se em referências territoriais para recorram a soluções arquitectónicas muito as comunidades vizinhas (Osório, 2008: 42). complexas. As vertentes mais íngremes, qua- Os povoados do São Cornélio (Sortelha) e do se verticais, terão naturalmente dispensado Cabeço das Fráguas são as principais refe- a sua construção (Vilaça, 1995: 258), como rências visuais para as populações da região se verifica na encosta meridional do Outeiro envolvente, no território do Alto Côa e nas das Vinhas e na vertente norte da Serra da terras da bacia do Zêzere. Opa, citando apenas alguns exemplos. Mas Neste último, admite-se que deverá ter as- também não deveremos descartar a hipótese sumido função agregadora das comunidades de esta situação algo “embrionária” traduzir pela sua situação fronteiriça e pela sua “aura uma limitada capacidade de mobilização, sacra” — numa vasta região em redor, era o planeamento, gestão e liderança, em sintonia único que, tocando o céu (1018 m de altitu- com uma organização e integração sócio-po- de), se encontrava mais perto dos deuses do lítica pouco consolidada. que dos humanos — o que em época romana A pedra empregue no aparelho constru- efectivamente se consagrou com a conhecida tivo, pelo que é visível nos derrubes super- inscrição em língua lusitana recorrentemente ficiais, provém do próprio substrato rochoso referida na bibliografia especializada (Vilaça, local - o granito - e mostra poucas preocupa- 2000: 37; 2005: 20-21; 2013: 200; Vilaça et al. ções de afeiçoamento, sendo constituída por 2004: 140). pedaços disformes de tamanho grande e mé- Uma forma de salientar esta importân- dio. Os escassos paramentos faciais preser- cia visual entre os núcleos habitados é a vados revelam aparelhos de alvenaria pouco simulação virtual das suas bacias de visão cuidados e sem acabamentos, nunca empre- acumuladas, conforme já anteriormente gando qualquer tipo de argamassa como li- executámos para 7 destes povoados (Osório gante das pedras. e Salgado, 2007: 18-19), onde se constatou Alguns recintos ainda conservam os aces- que, para além de se avistarem mutuamen- sos ao interior bem perceptíveis, que mal te, exerciam um amplo domínio visual sobre podemos chamar de portas, facilmente reco- determinadas zonas, talvez propositadamen- nhecíveis pela súbita interrupção dos alinha- te, onde provavelmente se concentrariam as mentos de derrubes de pedra superficiais. áreas de exploração agrícola/mineira ou por Dois casos merecem especial destaque: na onde passavam os antigos caminhos de aces- Serra das Vinhas observa-se um tipo de en- so à região que importava controlar. trada complexo, mediante a discordância do O permanente contacto visual atestado traçado do pano defensivo, criando um aces- nestes povoados e a possibilidade de alerta so oblíquo e dissimulado. Esta solução defen- simultâneo denotam provavelmente a exis- siva era ainda complementada por uma outra tência de laços de solidariedade. Este esforço estrutura externa, de tipo torreão circular, na conjunto para um melhor controlo estratégi- vertente virada para os vales dos afluentes da co do território imediato terá presidido a ocu- depressão do Zêzere. Na Serra de Opa (Moi- pação destes locais, intencionalmente coloca-

316 MURALHAS PROTO-HISTÓRICAS NO ALTO CÔA dos em campos de visão comuns, como meio ticas muito diferentes dos amuralhamentos de coesão e provando a sua afinidade étnica visíveis a ocidente do rio Côa e com maiores (Vilaça, 2004: 47). Talvez se possa considerar afinidades com o mundo mesetenho. a intervisibilidade um dos melhores recursos A muralha contornava a totalidade do re- defensivos dos povoados desta região, pois levo e teria, pelo menos, uma porta na ver- existem outras razões de ordem simbólica e so- tente mais suave, acedendo-se através de um cial para erigir uma muralha (Vilaça, 2004: 50). corredor formado pelos dois extremos da li- nha defensiva que, em lugar de convergirem, AS ESTRUTURAS DEFENSIVAS NA se sobrepunham ligeiramente, de forma para- MARGEM DIREITA DO RIO CÔA lela, criando uma entrada oblíqua e não direc- ta, análoga a diversos povoados da Província Olhando agora para a margem direita do de Salamanca (Álvarez-Sanchis, 2003: 136). rio Côa, a quantidade de estruturas defensi- Não foram identificados torreões, mas a orto- vas assinaladas nos povoados é menor ou não foto da década de 50 permite adivinhar essa está ainda devidamente atestada. Tendo em possibilidade, dada a existência de alguns conta até o facto de os povoados ocuparem pontuais amontoados de derrube de pedras os escassos relevos existentes, pouco destaca- (Osório, 2008: 9 e 15). dos da superfície planáltica e com menores Recentemente, em 2012, foram identifica- recursos defensivos naturais, surpreende que dos testemunhos inesperados de uma outra se conheçam apenas dois sítios com vestígios estrutura defensiva proto-histórica na antiga de muralhas edificadas, tanto mais que aí se Vila de Alfaiates. Durante as escavações reali- situa o maior número de estações arqueológi- zadas no interior do seu castelo quinhentista cas intervencionadas (5 casos). detectaram-se, a mais de 1,5 m de profundi- Uma delas é o Sabugal Velho (Aldeia dade, os alicerces de uma grande construção Velha), que sofreu uma ampla campanha feita de granito, xisto e quartzito, também de escavações entre 1998-2002 e encontra- com cerca de 4 m de espessura, correspon- -se já sobejamente caracterizada em vários dente, indubitavelmente, a uma muralha trabalhos publicados (Osório, 2005a; Osório, (Osório, 2014: 81-83). Os níveis de abandono 2005b; Osório, 2011; Cabral e Osório, 2012), o que a cobriam revelaram materiais selados último dos quais propõe a reconstituição em da II Idade do Ferro e época romana, como 3D do urbanismo da última fase de ocupação por exemplo, as fíbulas de tipo transmonta- do relevo, datada do período medieval, que no, anular e anular hispânico, além das mós se encontra melhor preservado. circulares (Idem: 80-81). No paramento facial Mas as escavações realizadas na extre- interior, foi detectado um grande elemento midade poente do recinto amuralhado mos- de moagem de vaivém reaproveitado como traram que a cerca medieval corresponde à bloco construtivo, que concorre para esta da- reconstrução e adaptação de uma muralha tação sidérica. sidérica, cuja entrada se fazia primitivamente Pela orientação do seu traçado, pelos ves- mais a norte e que, entre os séculos XII e XIII, tígios de ocupação proto-histórica identifica- foi entaipada e desviada para sul (Osório, dos mais a norte, e tendo também em consi- 2005a: 89-90). deração a topografia do terreno, cremos que A muralha castreja identificada nesses tra- esta muralha delimitaria o núcleo habitado, balhos, com cerca de 4 m de espessura, era pelo lado sul, efectuando uma provável cur- composta de alvenaria mista de granito fino vatura nesta zona. e de xisto (de acordo com o substrato rocho- É pouco provável que se venham ainda a so local situado exactamente na transição dos detectar mais troços desta construção na po- granitos para os xistos), sem grande perícia voação, pois ela ter-se-á preservado apenas no afeiçoamento, no entanto com caracterís- sob os alicerces do castelo, e por isso desco-

317 FORTIFICACIONES EN LA EDAD DEL HIERRO: CONTROL DE LOS RECURSOS Y EL TERRITORIO nhecemos a planta geral do recinto e a sua contemporâneos da margem contrária do extensão total, mas deveria abarcar prova- rio Côa, mas somente com os assentamentos velmente um pouco mais da plataforma do orientais, assegurando com essa limitada vi- esporão xistoso, para norte, talvez com uma sibilidade uma filiação político-social restrita disposição de tendência ovalada. Conside- e a vigilância conjunta apenas de um territó- rámos a existência de uma porta neste troço rio bem definido. identificado, pela súbita interrupção do ali- nhamento construtivo. A confirmar-se esta CONSIDERAÇÕES FINAIS evidência, ela estaria também aberta para a encosta mais suave do relevo. Assim, olhando para o mapa geral dos po- Com esta última descoberta, passámos a voados proto-históricos do Alto Côa, aquilo ter dois testemunhos de povoados amuralha- que se pode dizer relativamente às estruturas dos praticamente contemporâneos (tendo em defensivas é que nesta região foram adopta- conta a semelhança cronológica dos materiais das distintas soluções construtivas (Fig. 5). A recolhidos nas duas intervenções arqueológi- par de povoados que não evidenciam quais- cas). Dada a ausência de indícios comprova- quer defesas (ou nós ainda não as detectá- dos de amuralhamentos nos restantes núcleos mos), sobretudo na parte oriental, e que se- habitados nesta zona, estes dois povoados, a riam talvez povoados abertos, em pequenas meros 7 km de distância um do outro, o que colinas sem quaisquer defesas naturais, exis- poderá sugerir alguma dissonância cronoló- tem outros que apresentam meros taludes em gica mais fina, convertem-se nos mais impor- socalco, nas encostas de mais fácil acesso. tantes assentamentos amuralhados a oriente Atendendo ao que se conhece sobre o fe- do vale do Côa. Apenas se lhes aproxima, nómeno megalítico no Alto Côa, que parece em importância, o povoado sidérico vetão de ter sido pouco expressivo quer em número Irueña (Fuenteguinaldo), a 18 km para leste de monumentos, quer na sua volumetria, as destes dois, onde foram identificadosverracos primeiras muralhas da região (que poderão e subsiste uma extensa construção amuralha- remontar a períodos anteriores aos que este da de cronologia ainda incerta (Benet 1992; texto aborda) correspondem, na longa dura- Martín Viso, 2009: 61). ção, à primeira grande alteração da paisagem Esta proximidade entre o Sabugal Velho e com impacto visual mediante a construção Alfaiates merece uma outra reflexão sobre as de barreiras artificiais. suas eventuais relações políticas e económi- Por outro lado, são indicados os casos do cas, bem como sobre as possíveis funcionali- Sabugal, Vila do Touro, Caria Talaia e Vilar dades específicas e eventuais hierarquias. No Maior, já intervencionados arqueologica- perfil topográfico produzido com a ferramen- mente (Fig. 3), com bons níveis ocupacionais ta Terrain Profile do QGIS percebe-se, por um proto-históricos, mas que não facultaram lado, a curta distância entre eles e, por outro, quaisquer indícios de estruturas defensivas. a grande diferença altimétrica, constatando- Esta situação pode dever-se ao facto de todos -se que o Sabugal Velho exerce um maior do- eles terem sofrido uma reocupação em épo- mínio na paisagem, sendo também uma das ca medieval, que incorporou essas primiti- principais referências visuais nas terras mese- vas estruturas defensivas castrejas nas novas tenhas da margem direita do rio Côa (Fig. 9). fortificações. Esses sítios elevados revelaram Por outro lado, no cálculo da bacia de vi- um importante potencial arqueológico em são feito a partir do Sabugal Velho (Osório e extensas áreas do topo e das encostas, onde Salgado, 2007: 18-19) confirma-se que eram se previa estarem também apetrechados igualmente intervisíveis. E que este povoado de estruturas defensivas, o que ainda não amuralhado da serra de Aldeia Velha não ti- foi confirmado. Caria Talaia poderá não ter nha contacto visual com os restantes núcleos recebido um investimento deste tipo pela sua

318 MURALHAS PROTO-HISTÓRICAS NO ALTO CÔA

Fig. 12 – Perfil topográfico dos povoados da transição da bacia do Côa para o Zêzere e da zona mineira da Quarta-Feira. restrita mancha de ocupação, pelas vertentes uma cerca externa que delimita a área entre escarpadas que apresenta e de acordo com o os dois cabeços, pelo lado nascente e, a uma seu carácter de sentinela do território. cota mais elevada, erguer-se-ia uma segunda Por fim, temos os restantes 7 povoados linha defensiva, demarcando uma platafor- com testemunhos evidentes de muralhas, ma intermédia, junto ao cume mais elevado, que já aqui abordámos (Fig. 5), destacando-se no interior da qual se conservam ainda tes- entre eles o São Cornélio, como o único caso temunhos preservados de estruturas habita- confirmado na região que recorre a uma du- cionais circulares de 4 metros de diâmetro. pla cintura amuralhada. Ambas as cercas conservam as respectivas Na nossa proposta de reconstituição tridi- aberturas viradas a oriente, nas zonas de mais mensional deste recinto (Fig. 10) é perceptível fácil acesso, sem qualquer complexidade ar-

319 FORTIFICACIONES EN LA EDAD DEL HIERRO: CONTROL DE LOS RECURSOS Y EL TERRITORIO quitectónica. No entanto, uma vez mais, esta terminadas rochas apresentam indícios de dupla cintura amuralhada não contorna por associação a barrotes de madeira, sugerin- completo o espaço habitado, beneficiando do a existência no local de uma construção dos abundantes maciços rochosos existentes que lembra os ‘murus gallicus’ europeus. Nas e das íngremes escarpas, como complemento escavações que incidiram na muralha de Al- defensivo (Fig. 5). faiates foi também descoberto um barrote de Só as muralhas do Sabugal Velho e de madeira carbonizada, nos alicerces da mura- Sortelha Velha (Vale da Senhora da Póvoa) lha, que poderá testemunhar esta mesma téc- circundam inteiramente o núcleo habitado, nica construtiva no território oriental do Alto definindo recintos de planta circular ou oval Côa (Osório, 2014: 81). (Fig. 8 e 11), que parecem denunciar uma es- Não foi possível definir uma cronologia truturação destes aglomerados populacionais exacta para a maioria destes 26 sítios proto- de acordo com algum ordenamento proto-ur- -históricos do Alto Côa e para as suas respec- bano. Muito provavelmente, Alfaiates tam- tivas fortificações, desconhecendo-se se elas bém se enquadraria neste cenário. correspondem a uma última fase de ocupa- Estes três povoados erguem-se, curio- ção ou revelam uma ampla diacronia de utili- samente, em zonas de solos xistosos, onde zação, com reconstruções e reaproveitamen- escasseiam os penedos elevados como com- tos posteriores. plemento defensivo (mais frequentes nos gra- Pelo menos 11 destes núcleos apresentam nitos) e onde abunda a pedra para o trabalho indicadores materiais que os fazem recuar até de alvenaria. finais do II milénio. Olhando para o mapa ve- O facto de se identificarem cercas -com rifica-se que a sua distribuição pelo território pletas e fechadas, a par de outras de traçado parece ser bem repartida, enquanto a ocupa- irregular, abertas e fragmentárias, pode de- ção do I milénio a.C. denota já a referida bi- nunciar uma má planificação ou uma certa polarização dos 17 sítios inventariados, para incapacidade construtiva destas perante as as extremidades nascente e poente do vale do dificuldades provenientes da geomorfologia Côa, estando o território partido a meio (Fig. 2). dos relevos ocupados. E coloca também, no Já anteriormente se defendeu que este distan- caso dos sistemas abertos, o problema da sua in- ciamento e vazio ao longo do vale do Côa pode equívoca função defensiva, pelo que outras hi- dever-se a motivos culturais e étnicos, dado que póteses interpretativas deverão ser procuradas: vários autores delimitam, nesta faixa, a fronteira linhas demarcadoras do espaço habitado, prote- entre Vetões e Lusitanos, hipótese ainda longe cção a animais selvagens, cercas de gado, estru- de ser confirmada (Osório, 2009: 95-96). turas de sustentação de terras e para criação de Analisando agora, numa perspectiva alti- socalcos artificiais de habitat ou cultivo. métrica, a relação entre estes núcleos de po- Neste território não foram ainda identifi- voamento proto-histórico, em épocas distintas, cados povoados com 3 linhas de muralhas ou através do cálculo de perfis topográficos, reti- com soluções complementares de tipo “pe- ram-se algumas conclusões interessantes, como dras fincadas”, como sucede a oriente, em ter- por exemplo no recorte sul/norte de alguns dos ras de Vetões (Berrocal Rangel e Moret, 2007: núcleos da fachada poente do território (Fig. 19-20), ou nos castros a norte do rio Douro 12): aí se constata que os sítios do Castelejo e (Redentor, 2000). Contudo, no Sabugal Velho da Serra Gorda, datados da Idade do Bronze/ foram detectadas evidências, certificadas por Bronze Final, situam-se a um nível de altitude especialistas do Reino Unido, que confirmam em torno dos 850 metros, enquanto os povoa- a presença do fenómeno da vitrificação de dos amuralhados já datáveis da Idade do Ferro, muralhas, ainda pouco conhecido a norte do como o São Cornélio e a Serra das Vinhas, as- rio Tejo, devidamente discutido em trabalhos cendem para valores em torno dos 950 a 1000 anteriores (Osório e Pernadas, 2011). Aí, de- metros.

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O mapa também dá destaque à relação como sugerem as escavações em Alfaiates (Osó- topográfica destes povoados com os vales da rio, 2014: 31) e no Sabugal Velho (Osório e Per- região da Quarta-Feira, onde se conhecem inú- nadas: 2011: 231). meras áreas de exploração mineira de pirite, É curioso que estes núcleos amuralhados sulforeto de cobre e cassiterite, imprescindíveis com presença romanizada estejam na proximi- ao fabrico do bronze. Numa destas minas, no dade dos traçados viários mais antigos assinala- Vale de Arca (Osório, 2005: 37-38), a pouco mais dos neste território. Tal coincidência é revelado- de 1 km do povoado da Serra Gorda, foram até ra dos critérios que os conquistadores romanos descobertos, no final do séc. XIX, a 12 metros de terão definido na escolha de determinados po- profundidade, um machado de bronze (de talão voados altaneiros para ocupar, em detrimento e argola simples) juntamente com artefactos líti- de outros. cos polidos3, que atesta a sua exploração minei- Concluímos esta abordagem aos povoados ra na transição do II para o I milénio a.C., cons- amuralhados da região do vale superior do rio tituindo um polo de atracção ao povoamento Côa salientando que a perspectiva explorada proto-histórico e uma das zonas por excelência neste contributo é, por um lado, um primeiro onde estes povoados pretendiam exercer algum ensaio de conjunto à luz dos dados existentes e, controlo próximo. por outro, uma possibilidade interpretativa en- O Castelejo (Sortelha) proporcionou diver- tre outros paradigmas com igual legitimidade. sos materiais ligados à “cadeia operatória” da O recurso a estes suportes informáticos sus- metalurgia do bronze: como metal em bruto, citou novas reflexões e possibilitou a observa- cadinhos, moldes de fundição, pingos e desper- ção dos dados conhecidos por outros ângulos dícios (Vilaça, 1995; Vilaça 1998; Vilaça 2008), de observação. Será pois também por esta via que comprovam essa antiga actividade. Se pros- que poderemos alargar o conhecimento sobre as seguissem os trabalhos arqueológicos na Serra estratégias defensivas das comunidades proto- Gorda, é muito provável que materiais simila- -históricas desta região. res viessem a ser encontrados. Será legítimo supor que o São Cornélio terá BIBLIOGRAFIA alcançado uma importância maior, em sintonia com a robustez da sua dupla cintura amuralha- ÁLVAREZ-SANCHIS, Jesús (2003) – Los Vettones. da, dada a proximidade a essa área mineira. É Madrid: Real Academia de la Historia. possível que nele tenham residido elites cujo BENET, Nicolás (1992) – Domingo en Irueña. Re- poder e estatuto decorreram da capacidade de vista de Información Cultural. Salamanca. 2:2, p. 25-28. manejo e do controlo sobre a exploração e circu- BERROCAL-RANGEL, Luís (2004) - La defensa de lação de diversos produtos. la comunidad: sobre las funciones emblemáti- Quanto às últimas etapas de presença hu- cas de las murallas protohistóricas en la Penín- mana neste território, tendo em consideração sula Ibérica. Gladius. 24, p. 27-98. estes núcleos amuralhados, temos apenas três BERROCAL-RANGEL, Luís; MORET, Pierre casos em que foi identificada, no seu interior, (2007) - Las fortificaciones protohistóricas de la cerâmica de construção romana: em Sortelha Hispania céltica: Cuestiones a debate. In Paisa- Velha, na Senhora do Castelo (Bendada) e em jes fortificados de la Edad del Hierro: las murallas Alfaiates. Não sabemos porém se estas soluções protohistóricas de la meseta y de la vertiente atlán- tica en su contexto europeo (Actas del coloquio defensivas perduraram até essa altura, aprovei- celebrado en la Casa de Velásquez, Octubre de tadas com os mesmos fins de defesa e vigilân- 2006). Madrid: Real Academia de la Historia, cia do território ou, pelo contrário, se até foram p. 15-32. derrubadas e inutilizadas durante esse período,

3 Vilaça, 1995: 86, com bibliografia complementar.

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