Desconstruindo O Moulin Rouge – O Espectador Por Trás Das Cortinas De Veludo
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Desconstruindo o Moulin Rouge – o espectador por trás das cortinas de veludo Adriana Amaral∗ Índice elemento (a primeira frase do filme)1 para le- vantar as questões que perpassam o corpus 1 Adentrando um antro de perdição 1 deste artigo: 2 Experimentando o modelo semiótico Quem é o receptor modelo de um produto em um filme prêt-a-porter 2 cultural tão híbrido e multifacetado quanto 3 Desconstruindo o Moulin Rouge 4 Moulin Rouge? Que tipo de inferências são 4 Considerações finais – Versão remix 9 necessárias para que seja estabelecido um 5 Bibliografia 10 pacto de leitura entre o autor e o receptor modelo do filme, a partir de sua leitura ver- bal, imagética e sonora? Que tipo(s) de re- 1 Adentrando um antro de ferências tornam o jogo semiótico proposto perdição pelo autor mais facilmente reconhecível pelo leitor? Que tipo de inversão ocorre na es- “The story is about love. The woman I love trutura técnica/estética do filme em relação is dead.” a outros filmes do gênero musical? De que maneira pode-se afirmar que Moulin Rouge Estas duas sentenças, datilografadas em possui uma estética da desconstrução? uma máquina de escrever antiga aparecem É importante expor que essa trilha pelo na primeira seqüência de Moulin Rouge – bosque da ficção2 de Baz Luhrmann (Aus- um amor em vermelho (Moulin Rouge, Baz trália, 1962) pode nos levar a um uso ou a Luhrmann, 2001). Assim como, o tradici- uma interpretação do texto, e aí podemos fi- onal Era uma vez remete crianças e adultos car tão confusos e perdidos quanto a perso- às estruturas narrativas das fábulas, ela fun- nagem Christian (Ewan McGregor) quando ciona basicamente como isca para o receptor 1 formalizar o pacto ficcional com o autor mo- Para Eco (1994, p. 12), “num texto narrativo, o leitor é obrigado a optar o tempo todo. Na verdade, delo, no intuito de adentrar o mundo possível essa obrigação de optar existe até mesmo no nível da do filme. Da mesma forma, utilizo-me desse frase individual — pelo menos sempre que esta con- ∗ tém um verbo transitivo”. Mestre em Comunicação Social pelo Programa 2 “Bosque é uma metáfora para o texto narrativo, de Pós-graduação em Comunicação Social pela Pon- não só para o texto dos contos de fadas, mas para qual- tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, quer texto narrativo”(Eco, 1994, p. 12) Brasil e Doutoranda pelo mesmo programa. 2 Adriana Amaral chega a Montmartre e, em meio àquela exci- mento, mesmo sabendo que por trás dele virá tação da época no bairro boêmio e é alertado um novo segredo e assim sucessivamente. por um padre: “este é um antro de perdição”. Eco (1995) afirma que em algum ponto, o Conforme a polêmica entre Eco, Culler e texto permanece secreto por não possuirmos Rorty no livro Interpretação e Superinter- a chave que o decodifica. Um bom exemplo pretação, a controvérsia entre quais são os para descrever de forma empírica o que se- limites em que se pode interpretar e quais os ria o processo de semiose hermética são as que se usa o texto para um proveito idiossin- babushkas, tradicionais bonecas russas que crático, fica em um lugar entre as intenções se encaixam uma dentro da outra, mas para autorais, intenções textuais e as intenções do tanto, teríamos que pensá-las num plano in- leitor, além de apontar na direção dos pós- finito, até onde seriam perdidas por nossas estruturalistas como os principais “utilizado- vistas. res” de textos. Para fins metodológicos, esclareço que, na 2 Experimentando o modelo maior parte desta análise, houve uma inter- pretação, “respeitando a perspectiva cultural semiótico em um filme e lingüística do texto” (Eco, 1995, p. 84), co- prêt-a-porter locando uma lupa semiótica para ampliar as A construção do seguinte modelo5 de análise percepções abdutivas e também para tentar semiótico em nível teórico e sua aplicação confirmá-las ou desconfirmá-las, tirando do instrumental, muitas vezes, assemelha-se nível obtuso as marcas e os indícios inscritos com uma prostituição filosófica, da mesma no filme. Em alguns momentos, no entanto, forma que Satine (Nicole Kidman), a mais o uso da obra torna-se inevitável, uma vez bela cortesã do Moulin Rouge, entrega-se aos que, de acordo com Culler (1997, p. 101), ávidos clientes do cabaré parisiense. Con- “a desconstrução apela para um princípio ló- tudo, além de uma modelização das estraté- gico mais elevado ou a razão superior, mas gias de leitura ele é uma tentativa para ler usa3 o próprio princípio que desconstrói”. a cultura contemporânea e seus significados, Um outro fator a ser considerado é o da através de um de seus mais híbridos produ- semiose hermética como método, num nível tos: o cinema. Faz-se necessária uma teo- em que, como afirma Eco (1995) os livros rização que tente visualizar as marcas desse são interpretados como mundos. Essa se- sistema complexo de inter-relações, que se miose hermética é um processo que remete manifestam em produtos como a TV, os qua- a busca do homem pelo conhecimento, pela drinhos, a música, o cinema, etc. Assim verdade, que vai dos alquímicos e gnósticos sendo, torna-se imprescindível uma ferra- aos filósofos como Nietzsche e Heidegger e menta que exponha os sintomas, indícios, as também Derrida. Esse caminho é uma pro- cura pela senha4 que dá acesso ao desvela- que também podemos transpor para o mundo contem- porâneo das senhas do banco, do cartão de crédito, do 3 Grifo meu correio eletrônico, etc. 4 Esta senha também é um mito que está arraigado 5 O modelo de análise semiótico é o de Eco. até nos orientais, basta ver o exemplo da fábula de Ali Baba, aonde o abracadabra abre as portas da caverna e www.bocc.ubi.pt Desconstruindo o Moulin Rouge 3 marcas que se encontram no seio dessa cul- Ele é produto e produtor de uma cultura pró- tura. pria. Uma vez isoladas as marcas, é possível Esse modelo — apesar de não ser perfeito tirarmos uma amostragem cultural que, mais como o vestido vermelho estonteante de Sa- uma vez, nos remeterá ao sujeito/ receptor tine em uma das seqüências do filme — pode do produto cultural. Esse pacto de interpre- ser pensado enquanto a procura de um novo tação do qual nos fala Bhabha (1998), tam- sentido à questão da ideologia em meio à bém pode ser relacionado ao que Eco (1989) anti-representatividade como quer um prag- chama de pacto ficcional, ou seja, um con- matista como Rorty (1997, p. 227). “Mas trato de leitura que prevê a cooperação entre o modo mais eficiente de expor ou desmis- leitor e autor em um mundo possível, tificar uma prática existente parece consistir em sugerir uma prática alternativa, e não em com respeito a esta riqueza de im- criticar a atual”. plicitações, promessas argumenta- Essa busca por um caminho que não fique tivas, pressuposições remotas, o atrelado às oposições binárias talvez venha a trabalho de interpretação impõe ser, como define Bhabha (1998), um terceiro a escolha de limites, a delimita- espaço. Um entre-lugar, no qual haja uma ção de rumos interpretativos e, por tradução dos símbolos na efervescência de conseguinte, a projeção de univer- distintas culturas. O terceiro espaço é o lo- sos de discurso. (Eco, 1989, p. 31) cal das negociações, e nele situa-se o efeito Nesse interstício, a semiótica, através de da hibridização da cultura sobre os sujeitos. um modelo instrumental de análise, pode dar conta de dissecar as marcas repetidas que tal- O pacto da interpretação nunca é vez ancorem6 o próprio sentido do sujeito, simplesmente um ato de comunica- principalmente via desconstrução. E é na ção entre o Eu e o Você designa- desconstrução do discurso desse sujeito, em dos no enunciado. A produção de suas mais diversas formas de expressões ar- sentido requer que esses dois lu- tísticas, isto é, a partir do que ele(a) lê, do gares sejam mobilizados na passa- que ela(e) escuta ou assiste possa conter uma gem por um Terceiro Espaço, que estratégia desconstrutiva que gere uma recu- representa tanto as condições ge- peração identitária, ampliando os domínios rais da linguagem quanto a impli- da semiótica para novos recortes teóricos. cação específica do enunciado em uma estratégia performativa e ins- 6 Tomo de empréstimo o conceito de ancora- titucional da qual ela não pode, em gem para Barthes (1990), para uma tentativa de desconstruí-lo. A ancoragem barthesiana trata de si, ter consciência. O que essa re- duas linguagens: a verbal e a visual (especificamente lação inconsciente introduz é uma a fotográfica), no qual a linguagem verbal (escrita) an- ambivalência no ato da interpreta- cora a visual, tendo como exemplo as legendas das fo- ção. (Bhabha, 1998, p. 66) tografias nos jornais. Uma hipótese é que, da mesma forma, as marcas e/ou indícios e/ou ícones encontra- No Terceiro Espaço as marcas do discurso dos nos produtos culturais ancorem nossa leitura do sujeito e, conseqüentemente, de sua identidade. Eis do sujeito contemporâneo são percebidas. aqui uma questão a ser problematizada. www.bocc.ubi.pt 4 Adriana Amaral Afinal, como afirma Culler (1997, p. 99) as possibilidades interpretativas em um pas- a desconstrução pode apresentar-se de três seio inferencial e dá uma espécie de limite a diferentes modos: uma posição filosófica, essa mesma interpretação. O semiólogo ita- uma estratégia política ou intelectual e um liano afirma que “as abduções hipocodifica- modo de leitura. “A desconstrução investiga das – para não falarmos das criativas – são o funcionamento de oposições metafísicas mecanismos criadores de mundos” (1995, p. em suas argumentações e os modos como fi- 210).