As relações entre a Economia Solidária e o Estado

Junho de 2016 FICHA TÉCNICA

Edição Director / Editor-in-chief Jordi Estivill José Fialho Feliciano ACEESA (Per Review) Rogério Roque Amaro Universidade de Universidade Lusófona de Instituto Universitário de Lisboa Barcelona–Catalunha–Espanha Humanidades e Tecnologias– o N. de registo na ERC (ISCTE-IUL) – Portugal Rogério Roque Amaro José Manuel Henriques Nota: isenta de registo na ACEESA – Associação Centro de Instituto Universitário de Lisboa Instituto Universitário de Lisboa ERC ao abrigo do decreto Estudos de Economia Solidária do (ISCTE-IUL)–Portugal (ISCTE-IUL)–Portugal regulamentar 8/99 de 9/06 Atlântico – Portugal ACEESA–Associação Centro Leão Lopes artigo 12ª-1-a de Estudos de Economia Solidária Vice-Director / Deputy Editor Atelier-Mar–Cabo Verde Instituto do Atlântico–Portugal Universitário de Arte, Tecnologia Artur Martins Design Gráfico e Cultura – Mindelo – Cabo Verde Júlia Garcia ACEESA – Associação Centro Comissão Científica Cresaçor / Criações Periféricas de Estudos de Economia Solidária Internacional / International Luciene Rodrigues Paginação: Rita Batista do Atlântico – Portugal Advisory Board UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros – Minas e Maria João Ferreira KAIRÓS – Cooperativa de Incubação Rogério Roque Amaro de Iniciativas de Economia Solidária Instituto Universitário de Lisboa Gerais – Brasil (Açores) – Portugal (ISCTE-IUL)–Portugal Impressão Luís Inácio Gaiger Coingra ACEESA–Associação Centro UNISINOS – Universidade do Diretora Executiva de Estudos de Economia Solidária Vale do Rio dos Sinos – Rio Grande / Executive Editor do Atlântico – Portugal do Sul – Brasil ISSN Catarina Pacheco Borges 1647-5968 ACEESA – Associação Centro Jean-Louis Laville Maliha Safri de Estudos de Economia Solidária CNAM–Conservatoire National des Drew University – Estados Depósito Legal do Atlântico – Portugal Arts et Métiers–França Unidos da América 293560/09 Jordi Estivill Maria de Fátima Ferreiro Secretariado de Redação Universidade de Instituto Universitário de Lisboa / Editorial Office Tiragem Barcelona – Catalunha – Espanha (ISCTE-IUL) – Portugal 250 exemplares Marisa Silveira ACEESA–Associação Centro Ana Margarida Esteves Paul Israel Singer CEI-IUL–Centro de Estudos USP – Universidade de Junho 2016 de Estudos de Economia Solidária Internacionais–Portugal São Paulo – Brasil Papel 100% reciclado do Atlântico –Portugal António David Cattani Pedro Hespanha Conselho Editorial UFRGS–Universidade Federal do Rio Faculdade de Economia / Editorial Board Grande do Sul–Brasil da Universidade Artur Martins de Coimbra – Portugal ACEESA–Associação Centro Casimiro Balsa de Estudos de Economia Solidária Faculdade de Ciências Sociais Victor Pestoff do Atlântico–Portugal e Humanas da Universidade Nova Institute for Civil Society de Lisboa–Portugal –Ersta Skondal College–Suécia KAIRÓS–Cooperativa de Incubação de Iniciativas de Economia Solidária Cláudio Furtado Redação / Offices (Açores) – Portugal Universidade de Cabo Verde ACEESA – Associação Centro –Cabo Verde Catarina Pacheco Borges de Estudos de Economia Solidária ACEESA–Associação Centro Clébia Mardonia Freitas do Atlântico – Portugal de Estudos de Economia Solidária UNILAB–Universidade da Integração Rua D. Maria José Borges, 137 do Atlântico–Portugal Internacional da Lusofonia 9500–466 Ponta Delgada Afro-Brasileira–Brasil São Miguel – Açores – Portugal Célia Pereira CRESAÇOR–Cooperativa Regional Emanuel Leão [email protected] de Economia Solidária dos Instituto Universitário de Lisboa Açores–Portugal (ISCTE-IUL)–Portugal Plataformas On-line Latindex, socioeco.org Jean-Louis Laville Genauto França Filho CNAM–Conservatoire National des UFBA–Universidade Federal da Arts et Métiers–França Bahia–Brasil ÍNDICE

8 Nota Editorial 120 As estruturas de ação política Rogério Roque Amaro e de representação da Economia Solidária no Brasil Aline Mendonça dos Santos 22 O nome e a coisa. Vanderson Carneiro Sobre a invisibilidade e a ausência de reconhecimento institucional 162 Tensões, compromissos da Economia Solidária em Portugal e articulações entre o poder local Pedro Hespanha e as dinâmicas participativas Luciane Lucas dos Santos locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha 70 L’économie sociale et solidaire (, ) face aux politiques publiques Mariana Lima Jean-Louis Laville Rogério Roque Amaro

102 Economia Solidaria Notícias 208 y Emancipacion Nacional Promoting Social and Solidarity Jordi Estivill Economy in Greece 210 Background: UN and Europe views on SSE 8

Nota Editorial Rogério Roque Amaro

As relações entre a Economia Social e Solidária (ESS) e o Es- tado têm conhecido várias fases, com expressões e sentidos muito diferentes, conforme o tempo histórico, as localizações geográficas e os contextos culturais. Nas suas formulações mais espontâneas e originais, as di- versas expressões (comunitárias, populares, com origem em grupos, movimentos e interesses, mutualistas ou filantró- picos, de cidadãos e cidadãs) do princípio económico da Re- ciprocidade 1, que é o substrato e a base identitária da ESS, afirmaram-se e exerceram-se sem o Estado, na sua ausência ou nas suas insuficiências e, muitas vezes, contra o Estado. Quando a Economia Social se afirmou e ganhou força so- cial, primeiro, científica e política, depois, no século XIX, não havia ainda Estado Social 2, e, durante esses primeiros tem- pos, a relação com o Estado centrou-se essencialmente na reivindicação e na conquista de reconhecimento político-jurí- dico, para sair da informalidade e da subordinação às regras do Código Comercial e adquirir estatutos legais próprios, através de adaptações legislativas e da definição e aprova- ção de Códigos Cooperativos e de Leis de Associação. Professor Associado do Departamento de Economia Política da Escola de Ciências Sociais e Humanas do ISCTE-IUL. [email protected] Nota Editorial 10 11 Rogério Roque Amaro

Mais tarde, as reivindicações, em relação ao Estado, pas- «isomorfismo institucional» 5, associado ao que se poderia saram sobretudo pela obtenção de situações mais favorá- apelidar de «promiscuidade com o mercado». veis, no acesso aos mercados públicos. No segundo caso, como aconteceu em Portugal com mui- Após a Segunda Guerra Mundial, com a generalização dos tas IPSS e outras organizações com respostas sociais con- sistemas públicos de Bem-Estar Social (o chamado Estado vencionais (para a infância, as famílias e as pessoas mais

Social), nos países do Centro e do Norte da Europa Ociden- ACEESA velhas), a aproximação (normalmente protocolada) ao Es- tal 3, a Economia Social integrou-se nesse sistema, assumin- tado, sob a capa protectora do Estado-Providência, impôs- do-se muitas vezes como complementar do Estado-Providên- -lhes condições e lógicas de funcionamento «para-públicas», cia 4 e sendo reconhecida e apoiada financeiramente como tal. em troca de apoios financeiros, tornando-as uma espécie Mais tarde, sobretudo a partir dos anos 80 do século XX, de «outsourcing» das políticas públicas sociais e delegações com a predominância das abordagens de influência anglo- (embora juridicamente autónomas...) do Estado, sujeitas, -saxónica, de inspiração neo-liberal, a expressão «Economia na prática, à sua tutela, pervertendo assim, não em termos Social» (de origem mais francófona), passou a ser preterida, formais, mas sim reais, um dos princípios fundamentais a favor de «Terceiro Sector» ou «Organizações ‹Non-pro fit› ». originais da Economia Social – o da autonomia face ao Es- Nesta perspectiva, o «Terceiro Sector» é... o terceiro (dos tado. Neste caso, pode-se, por semelhança, também falar de pontos de vista da importância económica e do peso esta- «isomorfismo institucional», associado a esta dependência tístico), logo «sobrante», a seguir ao primeiro (e mais im- (financeira e quase orgânica) do Estado. portante), o sector empresarial de mercado, e ao segundo, Nesta lógica, as relações da Economia Social / Terceiro o sector público (ou seja, o Estado e as empresas públicas), Sector com o Estado assentam essencialmente na comple- cabendo-lhe um papel complementar e reparador das «fa- mentaridade e na expectativa e reivindicações de apoios fi- lhas de mercado» e das «falhas do Estado». Trata-se de uma AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO nanceiros e de outros recursos, para as actividades sociais, concepção subsidiária da Economia Social/Terceiro Sector, mas também culturais, recreativas e desportivas. aspirando a beneficiar das proximidades, seja do mercado, Ao invés, nos países socialistas, após a Segunda Guerra seja do Estado, conforme os casos. Mundial, quando se constituiu e alargou o bloco geo-estra- No primeiro caso, como aconteceu em Portugal com tégico de inspiração e fidelidade assente na U.R.S.S., a Eco- muitas cooperativas do sector agrícola (vinho e leite, por nomia Social praticamente desapareceu, no sentido rigoroso exemplo) e com algumas mutualidades (como o Montepio dos seus princípios, uma vez que, dentro da ideologia mar- Geral e algumas da saúde), a aproximação e o «convívio» xista -leninista, posta em prática, competia ao Estado orga- com as lógicas, as regras e os critérios do mercado, provoca- nizar toda a vida económica de um país e assegurar directa- ram uma perversão dos seus valores e princípios originais, mente todas as necessidades e o bem-estar das populações,

mantendo formas jurídicas próprias da Economia Social, REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 pelo que as organizações de Economia Social passaram, no mas funcionando, na prática, como uma empresa do mer- essencial, a ficar sob a alçada e o comando do Estado, ou seja, cado, com fins lucrativos e com propósitos estritamente ou tornaram-se unidades ou departamentos públicos, e perden- fundamentalmente comerciais. Como consequência, nestes do, consequentemente, a sua autonomia face ao Estado. casos, operou-se aquilo que alguns autores designam por Nota Editorial 12 13 Rogério Roque Amaro

Quanto aos outros países e continentes, existia uma cer- à margem do Estado, por vezes até por ele perseguidas ou ta variedade de situações, embora genericamente se possa alvo de tentativas de controle e de formalização / tributação, dizer que, na sua maioria, a Economia Social, quando exis- quando muito toleradas... tia formalmente, era, no essencial, «importada», nas suas Nos últimos cerca de 30 anos, emergiu e tem-se afirma- expressões, dos modelos desenvolvidos no «Norte» global, do um novo conceito, correspondente a novas práticas, mas

quer de «Oeste» (capitalista), quer de «Leste» (socialista), ACEESA também à revalorização ou à actualização de práticas tra- e praticamente sempre sem existência de Estado Social dicionais, designado por Economia Solidária, já com uma (quando muito, nalguns casos, com Estado Socialista, imi- ampla fundamentação e validação científica e académica 8 tando as lógicas do modelo soviético ou chinês inspirador, e um certo reconhecimento político-institucional 9, em vá- mas com muito menos recursos, eficiência e eficácia) 6. rios países e continentes. As relações com o Estado limitavam-se, na maior parte A Economia Solidária tem-se revelado, através de uma dos casos, a mera coexistência, na expectativa, por parte das grande diversidade e autonomia de origens, de geografias, organizações de Economia Social, de não serem persegui- de referências culturais, de experiências e iniciativas prá- das e de terem um mínimo de enquadramento formal / legal. ticas e de formulações teóricas, podendo até falar-se de vá- Na verdade, muito frequentemente, foram estas organizações rias versões, como a latino-americana, a francófona e a da que colmataram a inexistência de um Estado Social, assegu- Macaronésia 10, para além das enormes potencialidades que rando algumas práticas de protecção social e de solidariedade parecem estar contidas na riqueza dos filões africanos das a grupos de cidadãos e cidadãs, sobretudo a alguns dos / as práticas populares, comunitárias e culturais de Reciproci- mais desfavorecidos/as, mas nunca de forma universal. dade e nas interrogações e desafios que, neste domínio, nos Sobretudo a partir dos anos 80 do século passado, mul- chegam dos diversos países asiáticos e dos Estados Unidos tiplicaram-se, em geral, as associações e outras ONG nes- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO da América. tes países, muitas delas ligadas à promoção do Desenvol- Dentro dessa diversidade, a Economia Solidária surge como: vimento Local ou Comunitário e à Luta contra a Pobreza — A afirmação, a explicitação e a valorização do princípio e, mais tarde, de temas como o Comércio Justo, a Defesa do económico da Reciprocidade; Ambiente, o Microcrédito e a Condição Feminina e a Igual- dade de Género, numa clara demonstração da tomada de — A procura de uma lógica de Economia Plural consciência destes problemas, da criatividade e capacidade enraizada e substantiva; de iniciativa da sociedade civil, de aproveitamento de novas — A actualização e o aprofundamento de fórmulas, oportunidades de apoios e de financiamentos internacio- internas e externas, de Democracia Participativa; nais e... das insuficiências ou inexistência da protecção e de — A assunção prioritária de práticas solidárias, em que

respostas, por parte do Estado. REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 a Solidariedade é definida e assumida, a vários níveis, Em geral, nestes países do «Sul» global, sempre se afir- com os atributos essenciais de Social, Emancipatória, maram e permaneceram as lógicas de Reciprocidade e So- Democrática, Sistémica e Ecocêntrica; lidariedade populares, comunitárias e informais, inscri- — Pluricêntrica, nas suas origens, como desafio tas e influenciadas por valores e identidades culturais 7, ao etnocentrismo, predominante nas práticas e nos conceitos habituais 11. Nota Editorial 14 15 Rogério Roque Amaro

No campo das relações com o Estado 12, a Economia Solidária a queda dos regimes de partido único e com o consequente tem vindo a enfrentar novos desafios, em função de várias inebriamento pela ultra-liberalização e fascínio pelo Mer- situações e tendências, visíveis a partir dos anos 80 do sécu- cado – como é o caso de algumas experiências e iniciativas lo XX, das quais se destacam as seguintes: a re-emergência mais criativas e ousadas da Bulgária, da Hungria, da Li- e a predominância da ideologia e da formulações teóricas tuânia, da Roménia e da Croácia, entre outras;

neo-liberais; as ofensivas e a erosão sofridas pelo Estado So- ACEESA Ser a resposta solidária, popular e da sociedade civil, de cons- cial; a crise dos modelos intervencionistas, tanto do keyne- trução colectiva de entreajuda comunitária e de promoção sianismo e da social-democracia, como do socialismo; a crise de (alguns) Direitos Sociais e de respostas de protecção de civilização que estamos a atravessar, com incidências vá- mutualista, em países (sobretudo da América Latina e de rias aos níveis financeiro, económico, social, territorial, po- África), onde o Estado Social não chegou e onde estas ini- lítico, ambiental e ético; o particular agravamento das desi- ciativas constituem oásis, no meio de grandes desertos de gualdades e dos problemas sociais (em termos, por exemplo, desigualdades e de indignidades de Vida, sem que exista de pobreza e exclusão social) decorrentes dessa(s) crise(s). respostas públicas cabais; Por outro lado, o próprio «élan» e potencial transformador e de proposição e demonstração de alternativas que as expe- Ser a principal aliada e suporte das tentativas de implanta- riências e iniciativas de Economia Solidária transportam, ção de Estados Sociais «neo-socialistas», correspondendo têm aberto novos caminhos e perspectivas, em vários domí- à nova vaga, dos últimos anos, de governos de esquerda nios e também neste das relações com a esfera pública. de inspiração socialista e autóctone (nalguns casos de re- Pode-se até dizer que, até agora, a Economia Solidária ferência histórica bolivariana, noutros de base indígena), tem tentado, neste campo das relações com o Estado, assu- de formulação mais democrática ou mais populista, como mir vários papéis, dependendo dos contextos sócio-políticos AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO têm sido sobretudo os casos da Bolívia, do Brasil (até ao e culturais: impeachment de Dilma Rousseff), do Equador e da Vene- zuela, e, noutras circunstâncias, da Argentina 15. Ser uma espécie de escora e de barricada contra o desman- telamento do Estado Social e dos Direitos Sociais uni- Actualmente, pode-se dizer que a ESS, no que se refere versais, nos países europeus ocidentais, sobretudo nos às suas relações com o Estado, está perante quatro cenários: francófonos e nos latinos 13, mas também noutros, como Dois de inspiração neo-liberal: um mais radical, em que subs- a Grécia 14, em que a Economia Solidária não se assume titui o Estado e preenche parcialmente (de forma essencial- como substituta do Estado Social e das suas falhas, mas mente assistencialista e para os casos mais extremos e in- antes como sua aliada e cúmplice (contra as lógicas de digentes de necessidades de apoios sociais) os vazios sociais «privatização» e / ou de mercantilização do «social»), de- deixados pelo desmantelamento do Estado Social; outro safiadora e parceira; REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 mais ameno, defendendo um «alívio» e libertação de funções Ser uma efectiva substituta do Estado Socialista, na promo- e de despesas sociais, por parte do Estado Social, através de ção da Solidariedade Democrática e na luta pelos Direitos uma «Terceira Via» 16 ou de uma lógica de «Big Society» 17, Sociais, nos antigos países do bloco socialista-comunista, com envolvimento da sociedade civil e das comunidades onde a garantis das respostas sociais desapareceu com locais e descentralização de funções de governação; Nota Editorial 16 17 Rogério Roque Amaro

Dois outros de concepção mais colectiva e de defesa do Es- e tornada dominante nas últimas décadas, com a «ajuda» das tado Social, mas assumindo uma lógica de co-responsa- dívidas públicas 20 e dos argumentos orçamentais) à sua mo- bilização e de partilha (que não de delegação ou de «pri- nopolização pelo Estado (nas lógicas do Estado-Providência vatização») de funções, ou de «Parceria-Providência», e do Estado Socialista). actualmente seguindo dois caminhos, que podem ser Diferentemente, a dimensão política da Economia Soli-

complementares: o de uma Governança Partilhada, já ACEESA dária propõe-se reconfigurar e alargar as fronteiras, os con- em curso ao nível local, nalguns concelhos em Portugal 18; teúdos, as responsabilidades, os protagonismos e as medi- o da construção de fórmulas de co-gestão dos «Comuns», das e soluções da acção pública, acrescentando-lhe objectos em prol do Bem Comum 19. (os «Comuns»), objectivos (a defesa dos interesses colectivos A Economia Solidária tem-se colocado claramente neste se- e comunitários e do Bem Comum), actores e actrizes (os ci- gundo grupo de cenários, ao passo que a Economia Social, dadãos e cidadãs em acção colectiva) e fundamentos (a De- ou pelo menos uma parte dela, tem cedido mais facilmente mocracia Participativa). É a própria Política e o conceito, aos «cantos de sereia» dos dois primeiros. a natureza e o sentido das políticas que é e são reformula- Enquanto os cenários de inspiração neo-liberal visam das/os. Trata-se de uma Inovação Política de fundo. uma clara diminuição da esfera pública nos domínios so- Pode-se dizer, deste ponto de vista, de forma simplifica- ciais e, mais especificamente, no da garantia dos Direitos dora, é certo, mas ilustrativa, que há um Projecto Político Sociais, os dois últimos reforçam-na e alargam o seu âmbi- ambicioso, inovador e transformador na Economia Solidá- to, acrescentando-lhe parceiros e co-responsabilizações, não ria, que está muito para além do Projecto Político original como álibi para a sua erosão e desinvestimento, mas antes da Economia Social (centrado na gestão democrática inter- como apoio e reformulação das suas fronteiras e conteúdos. na, objectivo que aliás se mantém na Economia Solidária) Um dos desafios mais interessantes colocados pela Econo- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO e que progressivamente se foi diluindo e convertendo numa mia Solidária é precisamente a sua entrada no espaço público acomodação à sobrevivência à sombra institucional e finan- e na co-responsabilização e co-gestão da acção pública, acres- ceira do Estado, e que também é muito diferente do Projecto centando-lhe nomeadamente a gestão colectiva ou comunitá- Político implícito do Terceiro Sector, o qual, na prática, as- ria dos «Comuns» e a parceria na prossecução do interesse pira a tornar-se independente do Estado, acentuando a sua colectivo e do Bem Comum. É esse um dos temas e interesses privatização e «empresarialização» 21. Ao invés da depen- do texto de Jean-Louis Laville, publicado neste número. dência ou da independência, a Economia Solidária propõe Este desafio político da Economia Solidária, que lhe a interdependência e o reforço mútuo. é central e não acessório, e que implica novas interroga- Em Portugal, a Economia Social, que domina estas ções e propostas para a Teoria Política, confronta as visões áreas, tem oscilado entre: uma fidelidade aos princípios his- tradicionais, as quais, de forma dicotómica, dominaram REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 tóricos originais (muito associados a algumas cooperativas (e tolheram...) o século XX, opondo a privatização e a «mer- e à influência do ramo português do CIRIEC – Centre In- cadorização» de partes da esfera pública (pelo predomínio ternational de Recherches et d’Information sur l’Économie da regulação e das respostas pelo Mercado, lógica recupe- Publique, Sociale et Coopérative); uma dependência do Es- rada pelo neo-liberalismo, desde os anos 80 do século XX, tado, com perda de autonomia (muito frequente no caso das Nota Editorial 18 19 Rogério Roque Amaro

organizações com o estatuto de I.P.S.S. – Instituições Parti- Revista) e na militância activa (é, por exemplo, um dos fun- culares de Solidariedade Social); e uma conversão «moder- dadores e principais animadores da XES – Xarxa Catalana na» aos encantos do mundo empresarial (a nova tendência, de Economia Solidária), uma análise interessante sobre as transversal a vários de tipos de organizações, nomeada- interacções que a experiência e os desafios políticos actuais mente associações). Em contrapartida, a Economia Solidá- da Catalunha (em particular os da sua eventual indepen-

ria ainda é pouco visível e reconhecida em Portugal, dando ACEESA dência) estão a trazer e a provocar com as experiências agora os seus primeiros passos, como colectivo institucio- e a Rede (XES) de Economia Solidária, num diálogo muito nal à escala nacional, com a criação, há cerca de um ano, rico e prenhe de inovações e propostas políticas. Que podem da RedPES-Rede Portuguesa de Economia Solidária, embo- ajudar a reflectir e a interrogar o caso português, atentas as ra já exista como experiências inovadoras e colectivo regio- enormes diferenças de contextos e de situações. nal, nos Açores, desde os anos 90 do século passado e desde Também interessantes são as interrogações e as interpe- 2000, respectivamente (ver sobre a presença / ausência da lações que nos são propostas no quarto texto, da autoria de Economia Solidária em Portugal o importante artigo de Pe- Aline Mendonça dos Santos e Vanderson Carneiro, ambos dro Hespanha e Luciane Lucas dos Santos). investigadores do Grupo ECOSOL, do CES – Centro de Estu- São estes os desafios que estão presentes neste número da dos Sociais, da Universidade de Coimbra, já referidos atrás, Revista de Economia Solidária, cuja coordenação temática foi a partir das experiências e das «estruturas de ação política incumbida ao Professor Pedro Hespanha, sociólogo e profes- e de representação da Economia Solidária no Brasil», com sor jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de um percurso muito rico e intenso nos últimos anos, agora Coimbra, investigador do CES – Centro de Estudos Sociais, interrompido com o «impeachment» de Dilma Rousseff. da Universidade de Coimbra, e do seu Grupo de Investigação Como quinto artigo, e na linha da política editorial da Re- ECOSOL, sobre Economia Solidária, além de sócio fundador AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO vista, apresenta-se uma reflexão sobre as «Tensões, compro- da RedPES – Rede Portuguesa de Economia Solidária. missos e articulações entre o poder local e as dinâmicas par- Para esse efeito, este número conta, em primeiro lugar, ticipativas locais», da autoria de Mariana Lima, Mestra em com o já referido artigo de Pedro Hespanha e de Luciane «Estudos de Desenvolvimento» do USCTE-IUL, com o apoio Lucas dos Santos, sobre «O nome e a coisa. Sobre a invi- de Rogério Roque Amaro, como orientador e co-autor, em re- sibilidade e a ausência de reconhecimento institucional da sultado da sua tese de mestrado, sobre uma experiência de Economia Solidária em Portugal». Desenvolvimento Comunitário no concelho de Cascais (na O segundo artigo, da autoria de Jean-Louis Laville, um dos Área Metropolitana de Lisboa), e as relações, nem sempre autores de maior referência europeia e mundial e com mais convergentes, por vezes mesmo conflituosas ou divergentes, obra publicada, no domínio da Economia Solidária, aborda, em entre o poder local e as dinâmicas, que se pretendem parti-

geral, o tema central deste número, ou seja como é que a Eco- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 cipativas, da comunidade e da sociedade civil, em geral, in- nomia Social e Solidária se situam face às políticas públicas. cluindo as que respeitam às organizações de Economia Social De seguida, outro autor consagrado nesta área, Jordi e Solidária, emanando ou intervindo nas comunidades locais. Estivill, com uma larga experiência na reflexão teórica, O que coloca, de uma maneira concreta e prática, a questão na publicação de livros e artigos (nomeadamente nesta das relações da ESS com o Estado (Local, neste caso). Nota Editorial 20 Rogério Roque Amaro

NOTAS

1 Sobre o sentido e o conteúdo deste princípio, remete-se para os principais autores que, no âmbito da Antropolo- gia, da Antropologia Económica e da Finalmente, este número inclui duas notícias, partilha- História Económica, melhor aborda- ram e fundamentaram as questões 6 Cf., por exemplo, Luiz Inácio GAI- das no âmbito da plataforma socioeco.org (que é um websi- da Reciprocidade e da Dádiva: Maurice GER, 2009, «Antecedentes e expres- te de recursos comuns de Economia Social e Solidária, que Godelier (cf. sobretudo: Maurice GODE- sões atuais da economia solidária», LIER, 1996, L' énigma du don. Paris, Revista Crítica de Ciências Sociais, Librairie Arthème Fayard), Marcel agrupa milhares de documentos e publicações, incluindo Coimbra, nº 84, pp.81–99. Mauss (cf. sobretudo: Marcel MAUSS, a Revista de Economia Solidária, e centenas de vídeos, au- 7 1925, «Essai sur le don – Forme et Entre muitos exemplos, refiram-se: 13 O caso português é específico, como tores e organizações de ESS), à qual a Revista pertence. raison de l’ échange dans les sociétés o «mutirão», do Brasil, o «kixikila», se referirá mais adiante. archaïques», L'année Sociologique, de Angola, o «djunta mon» e os siste- 14 A primeira refere-se à aprovação de uma nova Lei de tome 1. Paris, Librairie Félix Alcan, mas de «totocaixa», de Cabo Verde, Veja-se, a este propósito, a nota inse- rida neste número sobre o caso grego. Economia Social e Solidária na Grécia, o que pode ser pp. 30–186) e Karl Polanyi (cf. sobre- a «abota», da Guiné-Bissau, o «xitique» e o «tontonto», de Moçambique, tudo: Karl POLANYI, 2001, The Great 15 Ver, por exemplo, José Luís CO- uma boa interrogação para o caso português, com uma Lei o «xikilá» e o «kitembu», de S. Tomé Transformation – The Political and Eco- RAGGIO, 2011, «La presencia de la Eco- e Príncipe e os sistemas de «ayni», (de Bases de Economia Social) muito convencional (embora nomia Social e Solidaria (ESS) y su ins- nomic Origins of Our Time. Beacon «makipurarina», «makitakushunchik», titucionalizacion en América Latina», aprovada por unanimidade na Assembleia da República...). Press, Boston). «yanaparina» e «minka», de várias Revista de Economia Solidária, nº 3, 2 Embora a Lei dos Pobres, aprovada, tribos indígenas dos Andes. Cf., por A segunda dá uma pequena nota sobre o Fórum Europeu Ponta Delgada, ACEESA, pp. 36–73. no tempo da Rainha Isabel, em 1601, exemplo: Joana GUEDES e Rogério de Economia Social e Solidária, que teve lugar em Janeiro de em Inglaterra, seja considerada o pri- Roque AMARO, 2014, «Economia infor- 16 Politicamente defendida por Tony mal e experiências de crédito solidário 2016, e sobre o apoio genérico que a O.N.U. e a União Europeia meiro embrião remoto do Estado Social Blair, no Reino Unido, e teoricamente do Bem-Estar moderno, só verdadeira- popular na África lusófona», Revista fundamentada por Anthony Gid- 22 entendem dever ser dado à Economia Social e Solidária . mente a partir da Nova Lei dos Pobres, de Economia Solidária, nº 7, Ponta dens (Cf. Anthony GIDDENS, 1998, em 1834, na Inglaterra, e dos planos Delgada, ACEESA, pp. 160–189; Freddy The Third Way: The Renewal of Social de previdência, centrada nos seguros GONZÁLEZ, 2011, El Buen Vivir, un Democracy. Polity Press, Cambridge). de saúde, de trabalho e de velhice, paradigma anticapitalista, Cambridge 17 promovidos por Otto von Bismarck, Winter (online), disponível em: http:// Modelo preconizado por David Ca- a partir de 1883, na Alemanha, se filosofiadelbuenvivir.com/publicaciones/ meron, também no Reino Unido. Cf. lançaram as bases do «Welfare State», bibliografia/ David Cameron's Speech – The Big So- efectivamente concretizado a partir do ciety – November 10 2009, (conservati- 8 chamado Plano Beveridge (proposto por No sentido da existência de: bibliogra- ves.com). William Henry Beveridge), em 1942, na fia de circulação e utilização académica, 18 Inglaterra, e depois da Segunda Guerra em línguas internacionais (inglês, fran- Cf., por exemplo: Maria Inês BAS- Mundial, noutros países europeus. cês, castelhano e / ou português); cursos TOS, 2014, «Governança Partilhada e / ou disciplinas no ensino superior, em contextos de Desenvolvimento Lo- 3 Sobre a diversidade de regimes de em instituições de reconhecido valor, cal – o caso CLIP – Recursos e Desenvol- Es tado Social ou Estado-Providência, nesse domínio; e temas de investigação, vimento», dissertação de Mestrado em cf., entre outros: Gøsta ESPING-ANDER- sujeitos a discussão e aprovação formal «Desenvolvimento, Diversidades Locais SEN, 1990, The Three Worlds of Welfa- pela Academia (em particular, teses de e Desafios Mundiais», ISCTE-IUL. re Capitalism. Polity Press, Cambridge. mestrado e doutoramento). 19 O tema dos «Comuns» está de novo 4 Essa natureza é particularmente 9 No sentido da existência de: departa- na ordem do dia, tendo sido claramente evidenciada no caso das mutualidades, mentos e/ou medidas de governação so- recuperado e fecundado com contribu- que, na sua grande maioria, assumi- bre esse tema; organizações e/ou redes tos importantes da Economia Solidária. ram o papel de complemento dos siste- internacionais abarcando-o; e encon- Será o tema de um dos próximos núme- mas de Segurança Social e de protecção tros, cimeiras e/ou agendas internacio- ros da Revista de Economia Solidária. da Saúde. nais abordando-o explicitamente. 20 Que, nesta perspectiva, são comple- 5 Cf.: Paul J. DIMAGGIO and W. W. 10 Cf., por exemplo, Rogério Roque tamente bem-vindas para a argumen- POWELL, 1983, «The Iron Cage Revi- AMARO, 2009, «A Economia Solidária tação neo-liberal. sited: Institutional Isomorphism and da Macaronésia – Um Novo Conceito», 21 Collective Rationality in Organizatio- Revista de Economia Solidária, nº 1, Como ilustram as argumentações e as modas dos «negócios sociais» (ou nal Fields», American Sociological Re- Ponta Delgada, ACEESA, pp. 11–29. view, 48(2), pp. 147–160. Cf. também: «social business») e dos «títulos de im- 11 Jean-Louis LAVILLE, Dennis R. YOUNG Inclusivamente no caso da Economia pacto social» (ou «social impact bonds»). and Philippe EYNAUD (ed.), 2015, Civil Social, conceito e práticas, nascidas 22 e exportadas a partir da Europa. Repare-se que é feita uma referência Society, the Third Sector and Social a ambas, à Economia Social e à Econo- Enterprise – Governance and democra- 12 O mesmo acontece aliás no das rela- mia Solidária, o que em Portugal ainda cy. Routledge, London. ções com o Mercado. não está adquirido... 22 PALAVRA CHAVE ECONOMIA SOLIDÁRIA EM PORTUGAL ECONOMIA COMUNITÁRIA ECONOMIA SOCIAL ESTADO

KEY WORD SOLIDARITY ECONOMY IN PORTUGAL SOCIAL ECONOMY COMMUNITY ECONOMY STATE

O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade e a ausência RESUMO de reconhecimento Este artigo analisa o conceito de Eco- ABSTRACT nomia Solidária em Portugal, buscando This paper analyzes the concept of Sol- diferenciá-lo de outras nomenclaturas idarity Economy in Portugal, seeking institucional da Economia relacionadas. Faz inicialmente uma bre- to differentiate it from other related ve discussão acerca dos limites da Eco- nomenclatures. Initially makes a brief Solidária em Portugal nomia como campo de conhecimento, discussion about the limits of economics propondo a Economia Solidária como as a field of knowledge, proposing the Pedro Hespanha uma alternativa para a construção da Solidarity Economy as an alternative autonomia económica e simbólica dos to the building of economic and sym- Luciane Lucas dos Santos sujeitos. Ao propor uma tipologia inicial bolic autonomy of the subjects. In pro- e um conjunto de critérios, o texto pro- posing an initial typology and a set blematiza a relação da Economia Solidá- of criteria, the text discusses the rela- ria com as entidades de Economia Social tionship between Solidarity Economy e, principalmente, com o Estado – central and both social economy and (central Luciane Lucas dos Santos Investigadora do Centro de Estudos e local. Neste sentido, busca-se mos- and local) state. In this sense, it seeks Sociais da Universidade de Coimbra. trar que o caráter coletivo/comunitário to show that the collective/communitar- Foi investigadora pós-doutoral da Economia Solidária pode ficar com- ian dimension of Solidarity Economy financiada pela FCT, por meio prometido já à partida pela necessária can be challenged by the inevitable Pedro Hespanha do Programa Operacional Potencial institucionalização de experiências institutionalization of informal experi- Sociólogo e professor jubila do Humano do Fundo Social Europeu da Faculdade de Economia (POPH/ FSE). Integra, neste momento, informais desde o seu início. Ao mesmo ences since its inception. At the same da Universidade de Coimbra, a equipa do projeto de investiga- tempo, observamos, contraditoriamente, time, it found, paradoxically, that the investigador do CES – Centro ção «ALICE: Espelhos estranhos, que as iniciativas de Economia Solidária Solidarity Economy initiatives remain de Estudos Sociais, da Universidade Lições Imprevistas», coordenado por continuam invisíveis ou de pouco reco- invisible or with little recognition by de Coimbra. É coordenador Boaventura de Sousa Santos (alice. nhecimento no âmbito das políticas pú- public policies, despite their potential do Grupo de Estudos sobre ces.uc.pt), no Centro de Estudos Economia Solidária (Ecosol / CES). Sociais da Universidade de Coimbra. blicas, apesar dos seus possíveis contri- contributions to the reduction of social Sócio fundador da RedPES – Rede É membro do Grupo de Estudos sobre butos para a redução da vulnerabilidade vulnerability and to the articulation Portuguesa de Economia. Economia Solidária (Ecosol/CES). social e para a articulação dos cidadãos of citizens towards an alternative type [email protected] [email protected] por um outro tipo de consumo. of consumption. Pedro Hespanha 24 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 25 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

1. Introdução Constituindo práticas económicas que escapam à lógica A Economia Solidária em Portugal, embora ainda tímida re- usual da produção e do consumo capitalistas, a Economia lativamente às suas potencialidades, revela condições pro- Solidária tem encontrado terreno bastante fértil nos paí- pícias para se desenvolver como prática social e económica, ses da América Latina (nomeadamente o Brasil), em que com contributos significativos na produção e reprodução da a associação – em termos de produção, consumo, comercia-

vida material. Além de formas associativas e de coopera- ACEESA lização e crédito – se tornou uma forma de luta contra a ex- ção, as relações de reciprocidade (que vemos com mais niti- clusão social e económica, bem como um modo alternativo dez no meio rural) e as pequenas trocas presentes no quoti- de criação de emprego e de rendimento. Contudo, mais do diano português são exemplos de que uma outra economia que uma economia alternativa proveniente dos setores po- se desenrola na contramão das urgências e do imaginário pulares com vista a garantir a sobrevivência, a Economia de performance que anima a economia de mercado. Tam- Solidária conformou-se, em muitos países, como uma alter- bém contribui para este florescimento o intercâmbio cien- nativa à economia capitalista, traduzindo-se em uma infi- tífico (e que tem se intensificado) com países onde a Econo- nidade de experiências que apontam para uma outra econo- mia Solidária conquistou um lugar de destaque – sobretudo mia possível: cooperativas de trabalhadores; cooperativas o Brasil e a França. Por todas estas questões, entendemos de produção, serviço ou consumo; empresas autogestioná- que a Economia Solidária em Portugal tende a fortalecer-se rias; comércio justo; redes solidárias de troca; bancos comu- e a consolidar algumas de suas manifestações. nitários, entre uma infinidade de iniciativas. Ainda assim, embora o conceito já tenha construído uma Em Portugal, especificamente, ao mesmo tempo que o ter- certa trajetória na Europa, especialmente nos países fran- mo ganha mais evidência, sobretudo diante da busca de alter- cófonos, o termo mantém-se pouco utilizado em território nativas para lidar com a crise económica na Europa, muitas português, constituindo-se como tema relativamente re- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO experiências comunitárias e informais, com uma racionalida- cente em universidades e centros de investigação. A rela- de totalmente diversa, saem da profunda invisibilidade a que ção intrínseca com a temática da Economia Social – coinci- foram submetidas frente ao predomínio do modelo capitalista dindo com ela em certos pontos e se distanciando de forma de produção e consumo. Cabe, entretanto, ressaltar que estas bastante evidente em outros – torna a Economia Solidária experiências não se encaixarão necessariamente nas catego- um campo de estudos ao mesmo tempo estranho e familiar. rias encontradas e já consolidadas na Economia Solidária de Tendo em comum o cooperativismo e certas experiências países como o Brasil – o que de forma alguma diminui sua re- de crédito associativo, a Economia Solidária particulari- levância e potencial transformador. Em Portugal – e na Euro- za -se por enfatizar as iniciativas económicas coletivas (for- pa, de um modo geral – , assistimos a uma subtil e progressiva mais ou não), caraterizadas pela autogestão, pelo trabalho revalorização de certas dinâmicas comunitárias e vicinais que

associado e pela solidariedade – entendida aqui não como REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 apontam para uma insatisfação com os rumos da Economia, relação desigual de ajuda, mas como redistribuição equita- como a conhecemos em resultado dos efeitos que ela tem pro- tiva de oportunidades, bens e resultados. vocado no contexto social e no meio ambiente. Multiplicam- -se as iniciativas ligadas ao Movimento de Transição, as que buscam uma relação direta entre produtores e consumidores, Pedro Hespanha 26 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 27 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

as que fortalecem a articulação entre vizinhos (a exemplo dos 2 — O défice do reconhecimento institucional no contexto jardins comunitários e comestíveis 1) e as que se baseiam em português, o que não só tem impacto nas possibilidades propostas de consumo crítico e solidário. Ao lado destas ini- de disseminação da Economia Solidária como prática ciativas que nascem nos espaços urbanos e rurais e rapida- regular no País mas também na sua transformação em mente se disseminam, outras tantas formas de organização objeto de políticas públicas, nomeadamente no plano das

comunitária voltam a ser recuperadas pelo imaginário portu- ACEESA autarquias. Fazendo uma breve análise da situação da guês. A Economia Solidária tem estado atenta a estas formas Economia Solidária em Portugal – em que discutimos as coletivas de organizar o espaço e a economia nas aldeias. suas possibilidades de expansão e os seus limites – procu- É de se lembrar, mais uma vez, que Portugal, na sua con- ramos traçar um panorama da situação atual e dos dile- dição semi-periférica, constitui um espaço privilegiado de ex- mas futuros. A institucionalização excessiva por que têm periências esquecidas, potencialmente contra-hegemónicas passado as iniciativas portuguesas no âmbito da Econo- e silenciadas por um imaginário dominante de crescimento mia Social voltadas ao combate da vulnerabilidade social e desenvolvimento nacional. A recuperação destas experiên- demonstra o difícil caminho por percorrer. A institucio- cias de reciprocidade e associativismo, em que a dimensão nalização excessiva pode, como veremos a seguir, sufocar comunitária permite a reunião equitativa e não-hierárquica os princípios sobre os quais a Economia Solidária se sus- de saberes diversos – urbanos, populares, camponeses – cons- tenta. Por sua vez, a relativa indiferença do Estado (e de titui uma oportunidade singular de se repensar Portugal outras instituições) à articulação dos próprios cidadãos como possível espaço de sociabilidades ocultas, de racionali- contribui para um avanço tímido, entre a surpresa, o re- dades económicas paralelas e de um manancial de experiên- ceio e a falta de investimento. cias contra-hegemónicas ainda não completamente identifi- Na primeira parte deste artigo, faremos uma breve re- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO cadas pelas Ciências Sociais. Embora as pesquisas apontem trospectiva do conceito e dos princípios que fundamentam para poucos estudos portugueses no tema da Economia So- a Economia Solidária de um modo geral. A seguir, discu- lidária, uma infinidade de experiências informais – que não tiremos a Economia Solidária em Portugal, apresentando se enquadram como cooperativas, associações ou mutualida- brevemente suas características gerais, potencialidades des – apontam para diversas iniciativas solidárias a serem e limites. Na terceira parte do artigo, problematizaremos sistematizadas: de hortas urbanas a fornos e eiras comuni- a invisibilidade destas iniciativas no caso português, pro- tárias, de circuitos curtos a cooperativas de consumo, de sis- curando levantar algumas hipóteses que expliquem as suas temas comunitários e vicinais de distribuição e comercializa- raízes e consequências. Por fim, lembrando as dimensões ção a redes colaborativas solidárias mais amplas. políticas que a ES pode assumir nos territórios em que se Tendo em conta a invisibilidade destas experiências, expande, no sentido de dotar os sujeitos de uma visão críti- o artigo que escrevemos busca lançar luz sobre dois pontos: REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 ca sobre a realidade em que vivem, estimulando-os a orga- 1 — A baixa porosidade do discurso da Economia Solidária nizar a vida material por uma outra lógica, analisaremos em Portugal, apesar de todas as evidências que apontam as razões que fundamentam a falta de reconhecimento pelo para a presença ativa de outras racionalidades económi- Estado e instituições públicas. cas, tanto nas cidades como no meio rural e Pedro Hespanha 28 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 29 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

2. De um outro modo de pensar de apontarem, pelo método científico, a falseabilidade de pre- a economia à Economia Solidária missas na construção do edifício epistemológico da Econo- A Economia tem sido alvo de críticas diversas, seja por es- mia. McCloskey não está sozinho. Por uma via diferente, pecialistas e académicos de diferentes áreas, seja por se- a da ontologia económica, Lawson (2009: 101), discutindo tores da sociedade civil que nem sempre vêem sentido nos o desencontro entre a realidade pressuposta nos métodos es-

impactos constantes vividos na gestão quotidiana de seus ACEESA colhidos pelos economistas e a natureza propriamente dita recursos. Cabe aqui, entretanto, uma pergunta: de que Eco- da realidade social observada, vai apontar a irrelevância do nomia estamos exatamente a falar? formalismo para garantir a precisão dos resultados. Embora existam diferentes correntes do pensamento eco- São as abordagens heterodoxas, entretanto, que, na con- nómico, a «Economia» a que usualmente nos referimos quan- tramão da aposta no formalismo, vão reafirmar outras di- do falamos de economia mainstream é de orientação neoclás- mensões da Economia. Com atenção a aspetos específicos sica, marcada por uma valorização excessiva daquilo que da dinâmica económica, o Institucionalismo, por exemplo, é calculável e por um explícito desprezo por toda a dimensão vai buscar pensar a Economia a partir de sua complexida- não-económica subjacente à constituição do económico como de no mundo real, observando a dinâmica entre os agentes, tal (Zein-Elabdin, 2004; Callari, 2004). Assim, a matema- a interferência do ambiente na conformação desta dinâmica tização da Economia pós revolução marginalista – em que e a fragilidade da teoria da escolha racional para explicar o trabalho como medida de valor cede lugar ao princípio da os fenómenos económicos (Reis, 1998). Dito de outro modo, utilidade, baseado na oferta e na procura 2 –, não só confere o institucionalismo vai observar a tessitura e a dinâmica de um falso tom de neutralidade à teoria económica, como ain- relações que conformam o económico num determinado con- da dificulta a perceção acerca do lugar que ocupam os seus texto, explicando como as pessoas organizam, em interação, agentes na conformação das idiossincrasias do mercado. AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO a sua vida material. À frente desta análise institucional, Escolas heterodoxas da Economia, que se insurgem contra que opõe uma perspetiva substantivista a uma abordagem esta abordagem redutora na explicação dos fenómenos eco- formalista da Economia 4, Karl Polanyi (1957) vai demons- nómicos, apresentam outras abordagens e leituras, de que as trar o equívoco epistémico de se tomar a economia por uma vertentes marxista, feminista e institucionalista são exem- de suas formas históricas, o mercado 5, confundindo-se as plos a ter em conta (Zein-Elabdin, Charusheela, 2004). preocupações deste mercado (a exemplo da formação de pre- Contudo, como lembra McCloskey (1983), predomina na ços) com outros modos de constituir a vida material, em que Economia um credo modernista, envolto em metas não ne- perspetivas como esta deixam de ser essenciais (Machado, cessariamente atingíveis de predição, experimentos clara- 2012; Laville, 2008). Neste sentido, pode-se dizer que Po- mente observáveis e objetividade. Partindo de Paul Feyera- lanyi vai também questionar a universalidade da teoria eco-

bend (1993), com sua crítica ao método científico nas ciências REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 nómica moderna (Humphrey apud Machado, 2012). naturais, McCloskey (1983), apesar de um adepto do livre Além disto, ele também vai demonstrar o processo de des- mercado, expõe as fragilidades daquilo que ele chama de «re- contextualização (disembedding) por que a economia capitalis- tórica da Economia». E vai mostrar, neste sentido, o excesso ta tem passado (Polanyi, 1957; Machado, 2010), tendo em vista de confiança dos economistas nas estatísticas 3 e na condição a dissociação da esfera do económico relativamente ao contexto Pedro Hespanha 30 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 31 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

das relações sociais em que ocorre. Questionando a pertinência do nosso campo de visão muitas outras formas através das desta desconexão, Polanyi (1957) vai argumentar que a eco- quais usualmente «produzimos, trocamos e distribuímos va- nomia se subordina às relações sociais (e não o inverso), sendo lores» (Gibson-Graham, 2007: 1). É nesta zona cinzenta, en- ela parte do social e não um aspecto determinante dele. tretanto, que uma parte significativa das trocas económicas A abordagem institucionalista, entretanto, não está sozi- diárias acontecem: trocas entre vizinhos, circulação de bens

nha nestes questionamentos. Muitos autores têm se dispos- ACEESA e recursos entre familiares, trabalho não-pago, redes infor- to a repensar os axiomas da Economia, sobretudo a neoclás- mais de trocas, cooperativas de consumo e produção, empre- sica, como parâmetros de análise – sobretudo diante da sua sas sociais, voluntariado, experiências envolvendo dádiva, grande influência nas ciências sociais. Vários aspetos da entre uma infinidade de outras possíveis (ibidem). (re) produção social, de indiscutível relevância para o pleno Mais do que salientar as diferentes formas de se realizar funcionamento não só das engrenagens da produção capita- as trocas económicas, as economias comunitárias vão além: lista mas também da organização mais ampla da vida ma- elas promovem uma alargamento epistemológico da economia terial, têm sido reiteradamente subestimados, a exemplo do como campo de saber (Santos, L., 2015) à medida que questio- trabalho feminino não-pago e das tarefas relativas ao cui- nam algumas premissas tomadas como axiomas, relativamen- dado. A economia feminista tem propiciado, neste sentido, te às formas de estabelecer comensurabilidade, remunerar análises contextuais importantes. Dão visibilidade ao que o trabalho e distribuir excedentes 8 (Gibson-Graham, 2007). a Economia mainstream insiste em ignorar, com alguns As economias solidárias, neste caso, apresentando for- autores do campo chegando a propor formas de quantifica- tes pontos de contacto com as economias comunitárias (Mi- ção deste trabalho, com o objetivo de salientar a sua impor- ller, 2013), trazem exemplos concretos deste alargamento tância para a provisão do domicílio (Nelson, 2005; Waring, epistemológico da Economia. Os exemplos são vários. Clu- 1988; Coelho, 2009). E, assim, outros elementos que usual- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO bes e feiras de trocas escolhem bens do quotidiano como mente ficam de fora da Economia mainstream começam medida básica de valor para paridade – uma dúzia de ovos, a aparecer em diferentes análises, mostrando as invisibili- um certo número de garrafas recicláveis, um pão (Santos, dades naturalizadas 6 do discurso económico. L., 2012, Santos e Silva, 2014; Soares, 2011). Do mesmo E se as economias feministas ressaltam outras dimensões modo, moedas complementares propõem, na ausência do di- da organização da vida material que a economia mainstream nheiro, uma forma diferente de remunerar o trabalho – in- não considera em sua matematização do quotidiano, outras clusive de voluntários – , dinamizando trocas entre pessoas temáticas, igualmente invisíveis, vão aparecer em agendas e coletivos 9. A distribuição desigual de excedentes, por sua paralelas, como o demonstra o campo das economias comu- vez, também é posta em xeque na sua pretensa universa- nitárias (Gibson-Graham, 1996, 2006, 2007; Miller, 2013) 7. lidade: na economia solidária, grupos podem decidir, via

Conforme ressaltam Gibson-Graham (1996, 1996), o que REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 autogestão, redistribuir recursos recolhidos coletivamente, vemos da Economia é ainda uma parte muito pequena daqui- de acordo com as necessidades específicas de seus membros lo que a constitui no seu todo. Como na visão de um iceberg, (Santos, L., 2013). identificamos aquilo que salta aos olhos – a saber, o trabalho assalariado, a produção capitalista e o mercado – , ficando fora Pedro Hespanha 32 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 33 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

Diante de inúmeros exemplos retirados do dia-a-dia – que Sendo um modo de os próprios grupos sociais solucionarem comprovam que a tríade salário-mercado-empresa não re- coletiva e autonomamente os seus problemas, as iniciati- presenta a dinâmica social do provimento na sua totali- vas de economia solidária não se confundem com os modos dade – , abre-se um espaço importante para desmistificar de intervenção social através dos quais uma organização ou a Economia, assinalando que não são unânimes nem os seus entidade visa solucionar problemas sentidos por grupos so-

critérios de análise nem as regras que atualmente norteiam ACEESA ciais desfavorecidos. a vida material dos sujeitos. Neste contexto, a Economia So- Um segundo aspeto a ressaltar nestas experiências lidária se consolida com uma proposta diferente. é a presença acentuada da informalidade, própria de uma economia de dádiva e de reciprocidade – produto de relações 3. Repensando a Economia Solidária, fortes dentro dos grupos primários e fundada no interconhe- seus contributos e suas limitações cimento e na interdependência. Ainda que particularmente Partimos de uma definição ampla de economia solidária. visível nas iniciativas de economia solidária com raízes na Grosso modo, ela pode ser vista como o conjunto dos arran- economia popular, a informalidade atravessa igualmente jos económicos colectivos de produção, consumo, comercia- as iniciativas que emergem nas sociedades mais afluentes, lização e crédito (incluindo as iniciativas de reprodução so- tendo origem em grupos sociais que não partilham da dis- cial geridos pelos próprios cidadãos, a exemplo de alguns tribuição da riqueza ou que se sentem mais inconformados serviços de proximidade), em meio rural ou urbano, que pela alienação consumista. estejam baseados na gestão partilhada, na solidarieda- Um terceiro ponto refere-se ao sentido de solidariedade, de (como redistribuição equitativa de bens e oportunida- ainda mal compreendido em certos contextos onde a Eco- des) e na cooperação. Engloba, portanto, uma diversidade nomia Solidária começa a ganhar força e confundido com de atividades económicas baseadas em relações colabora- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO a ideia de ajuda à população carenciada. O atributo da soli- tivas e em princípios de gestão democrática, distinguindo- dariedade, aqui, identifica-se com a redistribuição equitativa -se da economia de mercado – que predomina largamente de oportunidades, bens e resultados entre iguais, entre pes- nas sociedades contemporâneas e está assente em relações soas e grupos que partilham os mesmos problemas e aspira- de competição e princípios de valorização do capital. ções, envolvendo fundamentalmente uma cooperação basea- Alguns aspetos merecem ser sublinhados nesta defini- da em relações de proximidade e de confiança, cimentadas ção. Primeiro, a autogestão como método democrático de na vontade de superar dificuldades comuns, de partilhar os tomar decisões e de se autogovernar. Entendida como uma recursos e de concertar os interesses particulares com o ob- consequência da decisão de desenvolver uma atividade eco- jetivo último de viver melhor. Esse cimento que aproxima as nómica baseada no trabalho associado, em que as decisões pessoas pode ter os fundamentos mais diversos e, não raro,

fundamentais têm de ser tomadas pelo coletivo, a autoges- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 ela combina vários deles: ethos da similitude, consciência da tão vai muito além da co-responsabilização dos trabalhado- interdependência social ou da dívida social, imperativo de res pelos resultados do empreendimento ou da sua partici- natureza religiosa, política ou ética (Stjerno, 2004; Paugam, pação na organização do processo produtivo que marcaram 2007; Sennett, 2012). A solidariedade da Economia Solidária as experiências jugoslava e do capitalismo cogestionário. não se confunde, portanto, com aquela outra solidariedade, Pedro Hespanha 34 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 35 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

de base religiosa ou laica, fundada nos valores da caridade, b / numa re-significação do tecido democrático, ampliando do altruísmo ou da filantropia. A ética empresarial, a respon- o poder de deliberação dos sujeitos, desmercantilizando sabilidade social das empresas, o empreendedorismo social a vida (Santos, 2011) e aprofundando direitos, muitos e o voluntariado social são as expressões mais comuns des- dos quais relacionados com lutas (feministas, ecológicas, te outro tipo de solidariedade, assimétrica e paternalista. anti-coloniais) invisibilizadas pelo capitalismo como mo-

Coexistindo muitas vezes e tendo ambas um papel relevante ACEESA delo civilizacional; e a desempenhar, a sua génese, filosofia e trajetória são bem c / numa gama muito diversa de práticas de expressão polí- distintas e em certa medida concorrentes. tica: da reivindicação contestatária à auto-resolução dos Existe também uma diferença, neste caso menos clara, problemas, da organização de movimentos de base à dis- entre a Economia Solidária e aquilo que se tem designado seminação de agendas de luta pelos direitos de cidadania, de Economia Social, ou seja organizações destinadas a pres- da pressão sobre as instituições à resistência ativa ou tar serviços aos seus membros ou à comunidade, com auto- passiva perante as imposições destas (Laville, 2009: 21). nomia de gestão e controlo democrático, em que o lucro é um Acresce ainda que, sendo um espaço de vida associativa objetivo secundário. Tendo uma origem comum, a Economia e de deliberação coletiva, as iniciativas da Economia So- Social – que surge da luta da classe trabalhadora, no século lidária funcionam como escolas de democracia, polos de XIX – foi-se institucionalizando, ou seja assumindo um pa- defesa do interesse público e motores do envolvimento cí- pel reconhecido e apoiado pelo Estado, à medida que este foi vico, do mesmo modo que, enquanto espaços comunicati- assumindo crescentes funções providenciais. Da Economia vos, elas desenvolvem as capacidades de manter debates, Social fazem parte, hoje, as cooperativas, as mutualidades derimir conflitos e estabelecer consensos entre indivíduos e as associações, embora parte da dimensão política destas com valores, intereses e identidades diversas (Enjolras, iniciativas se tenha perdido. As iniciativas mais espontâ- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO 2015). A relevância de um projeto de democratização da neas, inovadoras e democráticas, mais difíceis de enquadrar economia a partir do envolvimento comprometido dos ci- institucionalmente, foram ficando de fora e a Economia So- dadãos evidencia-se também pela criação e disseminação lidária tornou-se assim a designação comum destas formas de uma cultura democrática e participativa a partir de emergentes ou das formas tradicionais não enquadráveis. práticas económicas geradas na resolução de problemas Um quarto aspeto a se ter em conta diz respeito à exis- da vida quotidiana das pessoas. tência duma dimensão política nestas iniciativas da Econo- Importa referir que em outras formas de cooperação, como mia Solidária. Tal dimensão, que nem sempre é assumida é o caso da Economia Social, em que o reconhecimento insti- como tal, identifica-se, antes de mais, com a sua condição tucional e a competição num espaço dominado pelo sistema de contrapoder e manifesta-se de múltiplas formas: capitalista enfraqueceram a sua condição de contrapoder, REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 a / na resistência – ou na procura de alternativas – a um sis- a dimensão política não se encontra tão desenvolvida como tema de relações económicas que, através do estímulo na Economia Solidária. à competição e ao risco, favorece a posição daqueles que têm mais recursos e mais poder; Pedro Hespanha 36 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 37 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

O quinto ponto diz respeito ao desenho que as iniciati- Essa dualidade manifesta-se na polarização, por exemplo, vas usualmente assumem. A economia solidária combina entre as formas de economia de subsistência baseadas na re- modos de agir económico que permitem utilizar de uma ciprocidade – fornos e eiras comunitárias, troca direta entre forma mais eficaz os recursos disponíveis (trabalho, redes produtores e consumidores, mutualismo popular, entreajuda sociais, consciência coletiva) para contrariar as condições vicinal – e as formas de economia baseadas na redistribuição

adversas. É o que acontece, por exemplo, em certos serviços ACEESA e na cooperação alargada – cantinas e hortas urbanas, coope- de proximidade, criados em ruptura com instituições for- rativas de consumo, redes colaborativas de produção local, temente ideologizadas ou descentradas do cidadão utiliza- moeda social e banca ética, feiras de troca e bancos de horas. dor, em que as preocupações com o respeito pelos cidadãos Apesar de não existir ainda nenhum mapeamento das ini- aguçaram o empenhamento da sociedade civil e a promoção ciativas de Economia Solidária em Portugal, vários estudos de formas de cidadania ativa (Laville, 2009: 38). Um outro têm vindo a dar conta de sua diversidade (Hespanha, 2009; exemplo consiste na associação de produtores agrícolas fa- Valentim, 2011; Guerreiro, 2013). Mas apesar destas pistas, miliares e de consumidores para o abastecimento de bens a ausência do mapeamento tem mantido lacunas na descri- alimentares. Partilhando as mesmas preocupações com ção mais detalhada de uma possível tipologia. Entendemos a qualidade alimentar e também a sua distância face aos que, dadas as características específicas do contexto portu- mercados agroalimentares, eles concertam formas integra- guês, o esboço mais consistente de uma teoria sobre a Econo- das de produção e consumo que lhes permitem evitar as mia Solidária em PT só será efetivamente possível diante de poderosas cadeias de intermediação do comércio alimentar uma maior presença no terreno, de uma análise mais quali- e viver melhor (Bernon, 2013). tativa de experiências que hoje são enquadradas em outras categorias e da sistematização destas iniciativas nas diferen- 4. A economia solidária em Portugal: AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO tes regiões (com atenção ao urbano, mas também ao rural). principais características, É de se ter em conta que a inexistência deste mapeamen- desafios e perspectivas to em Portugal até à presente data – ou mesmo de um levan- Sendo Portugal uma sociedade da semiperiferia do sistema tamento preliminar das múltiplas iniciativas colectivas de mundial, evidencia, também neste aspeto, uma dualidade produção, consumo, comercialização e troca que ocorrem de formas de economia solidária que simultaneamente se nas diferentes regiões – tem contribuído, entre outras coi- aproximam e se afastam dos modelos do centro e da perife- sas, para confundir (e esbater) permanentemente, os limites ria. Ou seja, a economia solidária combina formas em que que separam a Economia Solidária de outras terminologias a motivação predominante é a criação de trabalho e ren- que a ela, vez por outra, são associadas. Esta confusão usual dimento para a população em situação de vulnerabilidade tem um efeito perverso: contribui para manter em situação

socioeconómica com outras em que a motivação é enfrentar REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 de invisibilidade e desvalorização aquelas experiências que a crise do Estado-Providência, a desvalorização do trabalho sendo comunitárias e informais – muitas delas com fortes e a degradação da qualidade de vida com respostas de ini- raízes no passado, a exemplo da entreajuda camponesa e do ciativa coletiva e empenhamento solidário que permitam mutualismo rural – escapam a um imaginário de crescimen- uma vida digna. to económico e controle social do Estado. Neste sentido, tais Pedro Hespanha 38 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 39 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

experiências são socialmente produzidas como ausência, uma situação de adversidade; ela pode contar com o apoio ou seja, como «uma alternativa não-crível (…), invisível e o acompanhamento de entidades públicas ou privadas, mas à realidade hegemônica do mundo» (Santos, 2007: 29). a gestão da iniciativa é do coletivo; a sua relação com o Es- Entendemos que este levantamento exploratório é abso- tado não constitui uma caraterística distintiva. As iniciati- lutamente necessário para a clarificação dos contornos que vas são autónomas, no sentido em que não são determinadas

distinguem, por exemplo, a Economia Solidária das inicia- ACEESA pelo Estado ou por instituições que o representem; o objetivo tivas institucionais da Economia Social 10 e, também, das das suas iniciativas – de natureza essencialmente económica que são usualmente compreendidas no âmbito do empreen- e se originando, por vezes, do encontro oportuno entre asso- dedorismo social. Hoje, é bastante comum que estas expres- ciativismo e economia popular – inscreve-se, como ressalta sões se misturem no contexto português, contribuindo para Laville (2011a, 2011b), numa proposta mais ampla de trans- a invisibilidade da Economia Solidária – ponto que tratare- formação social, democratização da economia e reformulação mos na próxima secção. do conceito de espaço público. Neste sentido, a Economia So- As experiências ou iniciativas da Economia Solidária lidária ultrapassa os termos de uma economia de inserção, e da Economia Social podem distinguir-se a partir de três à medida que se compromete com uma dimensão política, critérios principais: os sujeitos que as levam a cabo, a sua não só nos termos de uma construção da autonomia do sujei- relação com o Estado e o objetivo social que as move. to mas também de um alargamento do conceito de ‘económi- Com base nesses critérios, é possível caracterizar a Eco- co’, com o respectivo questionamento das diretrizes relacio- nomia Social em Portugal pelos seguintes atributos: o agen- nadas ao mercado capitalista. Ou seja, a Economia Solidária te indutor das iniciativas é uma instituição e não os indi- constitui uma das formas (não a única) de questionar na víduos envolvidos na atividade desenvolvida; existe uma prática muitos dos preceitos valorizados por uma economia relação muito estreita entre estas instituições e o Estado em AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO mainstream de cariz neoclássica. que este reconhece o seu papel na implementação das políti- Embora haja quem busque aproximações, as diferenças en- cas de bem-estar, mas ao mesmo tempo tutela e condiciona tre a Economia Solidária e o Empreendedorismo Social são a sua autonomia (o setor da Economia Social é um resulta- ainda mais vincadas 11. Enquanto este último constitui um do do pacto da socialdemocracia e do Estado de Bem-estar),; modo de intervenção social (designadamente, projetos sociais) o objetivo da Economia Social é colmatar as lacunas sociais através do qual uma organização ou entidade visa solucionar verificadas nas diferentes comunidades; os objetivos e a ges- problemas sentidos por grupos sociais desfavorecidos, a Eco- tão das instituições não são partilhados com as comunidades nomia Solidária consiste num modo de os próprios grupos so- a quem se dirige a sua ação.ela não se foca «necessariamen- ciais solucionarem coletiva e autonomamente os seus proble- te» em atividades ditas económicas, abrangendo outras va- mas. Se a sustentabilidade e a inovação são prioridades para

lências (como a educação, a assistência social, a cultura etc). REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 o Empreendedorismo Social, a Economia Solidária prioriza A Economia Solidária, por sua vez, carateriza-se de a cooperação autónoma e a gestão democrática das iniciativas. um outro modo (Hespanha e Santos, 2012; Hespanha Os pontos de partida conceituais e os elementos mais valo- et al., 2014): o agente promotor da experiência são as pró- rizados por ambas as perspetivas não são coincidentes, em- prias comunidades ou coletivos de indivíduos que se organi- bora seja comum que as duas expressões partilhem, à pri- zam – por vezes de maneira informal – para enfrentar juntos meira vista, um mesmo referencial semântico. No caso do Pedro Hespanha 40 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 41 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

Empreendedorismo Social, entretanto, pode-se dizer que com o mercado (ou, pelo menos, o isomorfismo com o mer- ele está assente nas seguintes prerrogativas em Portugal: cado), tão valorizada pelo Empreendedorismo Social, é, por sua vez, bastante problematizada na Economia Solidária, 1 — não tem um foco necessariamente coletivo, podendo tra- que aposta na possibilidade de coexistência de uma outra tar-se de iniciativas em que o indivíduo em vulnerabi- racionalidade económica (Santos, 2008). Embora a ES não lidade socioeconómica é estimulado a abrir seu próprio ACEESA rivalize necessariamente com o mercado, podendo em al- negócio para enfrentar o desemprego estrutural ou a gumas circunstâncias até interagir com ele, ela busca, em falta de oportunidades numa determinada área laboral; essência, prescindir do mercado, estimulando formas não- 2 — há uma preocupação acentuada com a replicabilidade, -capitalistas de produção, consumo e crédito. Neste sentido, de modo que os conceitos de escala e de impacto são funda- métricas amplamente empregadas pelo mercado não cons- mentais para a avaliação do contributo das experiências; tituem a base para análise das iniciativas de ES. 3 — há também uma preocupação com a eficiência das expe- riências, entendida esta como uma medida de adequa- Figura 1 ção ao mercado, o que leva à necessidade prévia de pre- A Economia Solidária, a Economia Social parar o empreendedor para a relação com o mercado; e o Empreendedorismo Social em Portugal 4 — adota as linguagens da gestão e do marketing de modo a tornar as iniciativas mais atraentes tanto para o merca- Tipo Economia Solidária Economia Social Empreendedorismo Social do quanto para as instituições financiadoras de projetos. Agente coletivos de cidadãos instituições indivíduos/coletivos A Economia Solidária, por sua vez, enfatiza outros elemen- com suporte de instituições tos. Foca-se na articulação coletiva e na gestão comparti- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO lhada, dois atributos que contribuem não só para a autono- Objetivo construir autonomia; prover respostas a resolver questões so- estimular respostas da situações de vulnerabi- ciais através de um mia económica mas também para a autonomia simbólica própria comunidade à lidade social modelo de eficiência vulnerabilidade social dos sujeitos implicados 12. A escala e o impacto, embora te- Estado pode contribuir mas dá diretrizes pode fomentar através nham cada qual sua importância, não definem em absolu- não interfere de recursos mas não to as experiências de Economia Solidária. Quanto à escala, interfere

a preocupação maior é com a adequação da experiência ao Mercado a relação é mínima; a relação é bem-vinda adequam-se produtos contexto específico onde ela se desenvolve para responder os critérios do mercado e serviços ao mercado são postos em xeque a necessidades particulares e não tanto com o modo como Democracia fortalece a participação objetivo social predomi- o foco é o indivíduo essa resposta se pode replicar em grande escala (essa direta através da auto- na sobre participação e não o coletivo

é mais a preocupação dos investidores e dos doadores). REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 gestão Quanto ao impacto, as métricas amplamente empregadas Gestão pelo coletivo da iniciati- pela instituição pelo coletivo da iniciati- pelo mercado não constituem a base para a análise das va (pode ser incubada) va (pode ser incubada) iniciativas de Economia Solidária, pelo facto de essas mé- tricas terem menos importância para as vidas das pessoas do que a autonomia trazida pela ação coletiva. A relação Pedro Hespanha 42 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 43 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

Apesar das distinções conceituais, nem sempre é fácil de- 5 — estão baseadas numa perspetiva bastante específica finir o que pertence ou não ao campo da Economia Solidária de solidariedade, vista como distribuição equitativa de em Portugal. Daí a relevância – e mesmo urgência – de um bens e oportunidades; estudo mais aprofundado sobre o conjunto de experiências 6 — estão comprometidas, à partida, com as perspetivas que encaixam nesta designação. Tendo em conta o pouco re- de autonomia económica e simbólica dos sujeitos nela conhecimento daquilo que é informal no contexto português ACEESA envolvidos, o que significa que estes não são só assisti- (ainda muito confundido, em alguns casos, com o ilegal) e a dos mas também instados a criar as próprias soluções; preocupação em adequar-se a um enquadramento europeu, 7 — primam pela simetria entre as partes na relação que entendemos que só um levantamento mais minucioso das estabelecem entre si. experiências coletivas/comunitárias portuguesas poderá dar-nos uma ideia mais precisa dos contornos da Economia No seu conjunto, distinguimos dois tipos principais de agen- Solidária por aqui. Contudo, tendo em conta as nossas ex- tes – as iniciativas de economia solidária propriamente ditas periências no terreno e as particularidades da Economia (IES) e as entidades de apoio às iniciativas (EAI). São estas Solidária que identificamos relativamente a outras expe- últimas (figura 3), aliás, as que constituem ponto de inter- riências que com ela dialogam, estabelecemos alguns cri- secção entre a Economia Solidária e a Economia Social – já térios para a identificação das iniciativas. Estes critérios que é comum vê-las, em Portugal, incubando, promovendo e/ podem variar relativamente ao conjunto de pressupostos ou apoiando tais experiências. O que diferenciará as IES de adotados em outros países. Ressaltamos, também, a possi- outras promovidas e desenvolvidas pelas entidades de Eco- bilidade de que algumas iniciativas não se encaixarem em nomia Social será o facto de as primeiras implicarem: todos os critérios. Deste modo, são consideradas pelo Eco- 1 — autogestão por parte dos cidadãos ou, no mínimo, a par- sol/CES 13 iniciativas de Economia Solidária em Portugal AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO ticipação direta nos rumos e no conjunto de decisões (doravante IES) aquelas que: que afetem a iniciativa; 1 — implicam sempre práticas coletivas de atividade econó- 2 — distribuição equitativa dos resultados e das oportuni- mica (seja na produção, no consumo, no crédito, na dis- dades entre os membros e tribuição, na comercialização e/ou na reprodução social); 3 — construção coletiva de uma iniciativa económica de pro- 2 — envolvem processos de decisão partilhada e democrática, dução, consumo, comercialização ou crédito. configurando a presença da auto-gestão ou co-gestão; Na figura 2, apresenta-se o esboço de uma tipologia para 3 — podem referir-se, também, a práticas comunitárias, em a Economia Solidária no contexto português, deliberada- que se revelem como elementos norteadores a entrea- mente sem menção de exemplos dentro de cada categoria

juda e o fazer coletivo; REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 pois, apesar de já existirem alguns estudos que identificam 4 — implicam uma forma específica de distribuição dos re- alguns desses exemplos, torna-se necessária uma investiga- sultados, qual seja a de distribuição equitativa destes ção de maior fôlego no terreno para sua confirmação como mesmos resultados; iniciativas efetivas de Economia Solidária. Pedro Hespanha 44 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 45 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

Figura 2 O que a figura 2 revela é que a Economia Solidária, em Por- Iniciativas de Economia Solidária e entidades de apoio tugal, pode assumir formatos muito diversos – alguns dos às IES em Portugal Esboço de uma tipologia (Ecosol/CES) quais não institucionalizados. É de referir também que cer- tas iniciativas poderão ganhar mais espaço ou não de acor- Tipologia Iniciativas de Economia Solidária em Portugal (IES) do com os rumos e demandas sociais. Vivemos, em Portugal ACEESA e na Europa como um todo, um momento de expansão do Arranjos coletivos (formais e informais) de Cooperativas e associações (formais /informais) de produção, consumo, comercialização e crédito; cunho popular; grupos de consumo; mercados solidários movimento de transição, de crescimento da agricultura ur- e de criação de projetos de trocas; mutualidades populares (como fundos rotati- bana, de visível ampliação das iniciativas de consumo crí- vos, poupanças coletivas, mútuas de gado e sistemas de rega coletiva); coletivos de cidadãos para a consolidação tico e solidário, de estímulo aos circuitos curtos. Tudo isto da Economia Solidária aponta para novos modos de mobilização cidadã. Apesar deste cenário, uma comparação com outras socieda- Práticas de entreajuda comunitária na Formas comunitárias de entreajuda na produção (pasto- produção reio, vindima, colheitas e construção de habitação) des evidencia que o setor da economia solidária é ainda muito débil entre nós, mesmo tendo em conta a relativa invisibilida- Gestão comunitária de recursos rurais Equipamento comunitário: fornos, cozinhas de do fenómeno e a falta de um recenseamento fiável. Ainda comunitárias, eiras, represas, açudes, barrocas, levadas, poços, lavadouros, moinhos; baldios assim, a Economia Solidária em Portugal não deve ser vista como um fenómeno recente – recente é, na verdade, o hábito Práticas coletivas e urbanas de valorização Hortas urbanas e comunitárias; projetos coletivos dos espaços públicos e/ou comunitários de relação com a cidade; oficinas comunitárias de lhe atribuirmos um nome. Em determinados contextos his- tóricos de maior efervescência social e política ocorreram efe- Serviços de proximidade no âmbito Escolas auto-geridas, creches parentais tivamente iniciativas que podemos seguramente designar de da reprodução social (com participação direta de cidadãos na gestão do serviço) economia solidária. Foi o que se passou na segunda metade AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO dos anos 70, na sequência da revolução de abril, em que se Formas de articulação entre Circuitos curtos e confiança; confecção de cabazes de ali- produtores e consumidores mentos da agricultura biológica, familiar e tradicional multiplicaram as formas de ação coletiva para dar resposta a necessidades básicas nos mais diversos domínios da vida so- Economia de proximidade Circuitos de troca com moeda social, mercearias solidá- rias, redes colaborativas de produção local cial desencadeadas por uma crise aguda da economia capita- lista (encerramento de empresas, descapitalização, abandono)

Práticas de finanças solidárias Moedas complementares, moedas combinada com as aspirações dos trabalhadores a um modelo de transição, banca ética, bancos de tempo de gestão mais democrático e participado. Se essa experiên-

Comércio Justo Lojas e projetos de comércio justo cia riquíssima deu lugar a muitas das associações de base que hoje identificamos com a economia solidária, há que reconhe- cer que uma boa parte dela se perdeu nas décadas seguintes Tipologia Entidades de Apoio às Iniciatvas REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 por força da sua estranheza relativamente ao modelo econó- mico europeu que veio a ser a adotado. Atualmente as fórmu- Instituições universitárias universidades, institutos politécnicos, incubadoras, centros de investigação, grupos de pesquisa, las associativas autónomas dos trabalhadores são claramente investigadores e docentes subalternizadas pelas entidades públicas, ao mesmo tempo Poder Público Câmaras municipais, juntas de freguesia que faltam outros apoios indispensáveis na sociedade civil que possam ajudar à concretização de projetos viáveis. Avaliemos, Entidades da Economia Social IPSS, ONGD, ADL, fundações, mutualidades então, ainda que brevemente, o porquê desta invisibilidade. Pedro Hespanha 46 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 47 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

5. A invisibilidade da economia solidária de submissão mercantil dos pequenos produtores autóno- A economia real já foi comparada a um iceberg, em que ape- mos. Nestes termos, compreende-se que todos aqueles fato- nas o modo capitalista de organizar a economia é visível (Gi- res que permitem a estes produtores resistir à sua descon- bson-Graham, 1996 e 2006). No entanto, na nossa atividade textualização (disembedding) – tais como sejam, as redes de quotidiana, estamos rodeados de múltipla formas de inter- entreajuda, os bens comunitários, a troca direta de produ-

câmbio, circulação e redistribuição de bens e símbolos que ACEESA tos, os valores de uso, a ação coletiva e os valores solidá- não se encaixam nesse modelo e permanecem praticamente rios – são ignorados, se não combatidos. invisíveis (Gardin, 2006). Algumas delas, como a coopera- O simples facto de essas manifestações de solidariedade ção de vizinhança, o trabalho não pago ou a dádiva de bens (redes, trocas, propriedade comunitária, valores) fazerem par- e serviços, são responsáveis por uma boa parte da reprodu- te de uma cultura local que se exprime pela oralidade e pela ção social, bem como dos fluxos de coisas, serviços e ideias, informalidade torna-as também, de certo modo, invisíveis face tal como Karl Polanyi e outros salientaram (Polanyi, 1957; ao poder do Estado e intangíveis à regulação por parte deste. Polanyi, Arensberg, Pearsen, 1975; Mauss, 2007). A economia, tal qual a conhecemos, ignora normalmente Diversas iniciativas e experiências baseadas em deci- as dimensões não económicas das economias comunitárias. sões coletivas, ajuda mútua, reciprocidade e distribuição Atenta à relevância destas dimensões e ciente da pluralida- justa dos recursos locais permanecem quase invisíveis. de de formas de garantir as condições de vida (que a políti- Se esses sinais revelam a vulnerabilidade social desses ca social do Estado simplesmente não resolve), a economia grupos, eles também revelam a força de laços comunitários, solidária parece delinear outras perspetivas para pensar que reúnem potencial para revitalizar as antigas formas de a economia e integrar produção, consumo, circulação dos organização económica, bem como para suscitar de novas bens/saberes e reprodução social. modalidades de solidariedade capazes de redefinir a econo- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Considerar a economia solidária como uma esfera econó- mia como um todo. mica distinta implica ter em conta uma das suas caracterís- Os setores de pequena produção independente que não ticas mais mercantes: a diversidade. Definida de forma am- foram destruídos no processo de expansão do capitalismo pla tal como foi apresentado no início, a economia solidária industrial obrigaram os governos a um maior ou menor assume as mais diversas formas e procura resolver pratica- compromisso com eles devido à sua relevância económica mente todos os problemas que envolvem a gestão de recur- e social para a sobrevivência de uma parte significativa da sos escassos. Podemos analisar esta diversidade de acordo população (Marsden, 1991:12). Esse compromisso manifes- com vários critérios: formal/informal, popular/mercantil, tou-se de diferentes modos mas inclui seguramente apoios rural/urbano, produção/transformação/troca; produção/re- e incentivos económicos e financeiros à atividade, isenções produção (Cattani et. al., 2009; Hespanha, 2009) mas, para

ou reduções de impostos e, em geral, níveis de regulamen- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 além dos critérios, importa ter em conta que essa diversi- tação da atividade menos apertados. dade é produto de ajustamentos e adaptações a contextos Tal regime de exceção pressupõe que estas economias específicos, de diferentes patamares de dinâmica solidária, mantenham uma relação bastante forte com os setores do da dotação desigual de recursos estratégicos e dos próprios capital situados a montante e a juzante através da qual se níveis de reconhecimento e de auto-reconhecimento de que opere o sistema de troca desigual que alimenta o processo gozam os sujeitos envolvidos. Pedro Hespanha 48 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 49 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

Por isso, as iniciativas de economia solidária têm de ser de cidadãos, no campo e na cidade, ficará de fora dos qua- encaradas como resultantes de um processo ou trajetória dros da Economia Social, encontrando espaço no contexto mais ou menos sinuosa, com avanços e recuos resultantes da Economia Solidária. Fazem parte deste conjunto as ini- não só de um jogo complexo de forças que condicionam es- ciativas informais de associativismo popular e as coopera- sas iniciativas mas também do surgimento de novos fatores tivas de trabalhadores que têm por finalidade fazer face

que vêm alterar os equilíbrios já conseguidos, como sejam, ACEESA à precariedade e à vulnerabilidade socioeconómica a que por exemplo, uma crise económica ou uma nova orientação o Estado não responde (neste ponto, há intersecções possí- nas políticas públicas. veis entre a Economia Solidária e a Economia Social). Tam- Muitas iniciativas solidárias são de natureza informal bém é facto a ter em conta que muitas associações e IPSS e envolvem as pessoas que não têm os recursos para se re- funcionarão como organizações de promoção e apoio (OPA) gularem legalmente sob a forma de cooperativa ou sob outra das iniciativas de Economia Solidária (IES). forma associativa. Algumas são muito antigas como é o caso Uma outra característica que importa sublinhar, contra- das práticas comunitárias ou das iniciativas populares de riamente ao que se poderia ser levado a supor a partir da solidariedade organizadas em torno da reciprocidade e coo- caraterização anterior, é a da condição inovadora que a eco- peração a nível comunitário (Quijano, 1998, Coraggio, 2007, nomia solidária pode assumir. Esta pode agir como um motor Coraggio et al. 2007, Hespanha, 2016). Localmente enrai- de inovação social, permitindo não apenas resolver os proble- zadas em fortes redes de sociabilidade, reforçadas pelo co- mas sociais, mas também modificar as relações sociais e mes- nhecimento mútuo, pela transparência dos papéis e pela mo infletir as normas sociais (Klein et al., 2014). Uma inova- confiança, elas adaptaram-se a novos contextos e resistiram ção social que assume assim fortes conotações políticas. à incorporação adversa pela economia de mercado (Hespa- De todos os contributos possíveis, no que respeita a esta nha, 2006). Mas a economia solidária também pode surgir AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO dimensão política de que se reveste, é de se ressaltar que em ambientes urbanos unindo grupos e movimentos sociais, a Economia Solidária propõe uma outra leitura do económi- buscando desenvolver alternativas mais justas, mais susten- co. Embora não seja a única vertente crítica possível – como táveis e mais humanas ao consumo compulsivo e às relações assim o demonstram outras leituras provenientes das eco- sociais mercadorizadas (Gaiger, 2009; Laville, 2000; Mance, nomias feministas, pós-coloniais, comunitárias, marxistas, 2001; Santos, L., 2012; Santos, L., 2011). Em situações de anarquistas, para citar algumas – , a Economia Solidária crise económica generalizada, onde os empregos não são ga- persiste no seu questionamento a algumas palavras de or- rantidos e o desemprego e a precariedade do emprego são dem da economia mainstream. Isto implica não só pôr em sentidos de forma dramática na vida dos trabalhadores, a in- xeque, direta ou indiretamente, a perspetiva neoclássica satisfação com o sistema económico e o desejo de encontrar (como, aliás, diferentes escolas económicas o fizeram) mas,

alternativas proporcionam novas oportunidades para o en- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 também, questionar o próprio conceito de desenvolvimen- volvimento em iniciativas de solidariedade (Gaiger, 2009). to, que se tem banalizado no discurso de enfrentamento Cabe aqui, a proposito do peso da informalidade na Eco- da pobreza (Zein-Elabdin e Charusheela, 2004). Talvez seja nomia Solidária, precisar que a Economia Solidária não exatamente neste ponto que resida uma das principais ra- é informal de per se; apenas ressaltamos que uma gama zões para a sua invisibilidade na sociedade portuguesa – ou de iniciativas resultantes da articulação coletiva e informal para, se preferimos, o sentimento de precaução por parte Pedro Hespanha 50 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 51 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

de instituições, governos e órgãos de fomento. O questio- O discurso corrente do desenvolvimento económico não tem namento do discurso do desenvolvimento encontra sempre cedido muito espaço, em Portugal, para estas outras preo- muita resistência por onde passa, como se simplesmente cupações, embora não se possa dizer que elas não existam 15. não fizesse sentido pensar mudança social sem uma apos- Contudo, predominam as abordagens que conseguem aco- ta no desenvolvimento e como se esta fosse um palavra de modar, em suas reflexões sobre justiça social, o discurso cor-

sentido inconfundível, pleno e único, inclusivamente para ACEESA rente do desenvolvimento, adotado pelas usuais estruturas os países do Sul e / ou grupos sociais em situação de vulne- de fomento e sem conflitos explícitos com as expectativas rabilidade. Não é o que a teoria, entretanto, tem mostrado da economia de mercado. A expectativa de permanente ade- (Zein-Elabdin e Charusheela, 2004; Thomas, 2011; Aguina- quação ao quadro europeu – que mantém o tom de afina- ga et al., 2013; Santos, 2008, Herrera, 2006). ção com o mercado, com a ideia de desenvolvimento global Problematizar o desenvolvimento não significa, entre- e com a noção de crescimento –, reduz a atenção e o dese- tanto, recusar o conceito, mas, sim, questionar a forma jo de identificação com outras experiências de organização como ele se desdobra nos diferentes programas, discutindo: económica fora deste contexto. Ainda assim, experiências europeias que esgarçam os limites do previsível, saindo da 1 — a plausibilidade de suas linhas orientadoras quando curva da esperada sobriedade, tendem a ter irrisória poro- aplicadas a diferentes contextos e grupos sociais e sidade e a ganhar pouco destaque nos circuitos institucio- 2 — a sua conexão com um discurso de desenvolvimento econó- nais portugueses 16. 14 mico focado nas capacidades do «indivíduo» (Sen, 1999) De um modo geral, as iniciativas de Economia Solidária e, por isto mesmo, pouco crítico em relação às assimetrias surgem com particular evidência em tempos de crise, como económicas estruturais na distribuição dos recursos em a que acontece Europa desde 2008, em que novas formas de diferentes contextos. Este questionamento, embora ain- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO lidar com as prementes necessidades sociais utilizam a Eco- da em esboço em termos teóricos, é ingrediente impor- nomia Solidária como um suporte para a transformação da tante na construção epistemológica da Economia Soli- sociedade e para se chegar a um modelo mais democrático dária e explica, entre outras coisas, não só a sua opção e participativo (Klein et al., 2014). É assim que a inovação pelo coletivo, mas também a sua atenção para diferentes social, entendida não como uma mera ferramenta para a in- racionalidades produtivas (Santos, 2008). Também cum- tervenção, mas como o resultado de uma experimentação pre observar que a Economia Solidária demonstra uma social acumulada que responde às fraquezas das institui- maior sensibilidade por outras questões que integram ções, é um dos atributos que se pode associar às iniciati- a dimensão não-económica do económico e que precisam vas de economia solidária do nossos tempo (Moulaert, Mac- ser levadas em conta, a saber: a autonomia das pessoas, Callum, Mehmood e Hamdouch, 2013). a construção de redes de apoio, a democracia participati- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 Em muitos países, a economia solidária constitui um va, o fomento às soluções que nascem do coletivo, a valo- campo operacional de transformação social e de ação cidadã. rização dos diferentes saberes e temporalidades. Estamos a referir principalmente as diversas experiências inovadoras – muitas resultantes de uma aliança oportuna entre associativismo e economia popular – que envolvem Pedro Hespanha 52 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 53 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

formas de produção, consumo, distribuição e de crédito al- a / o tipo de problemas a que ela tenta responder ternativas às do capitalismo. Estas formas muito particu- b / os atores que estão por detrás dessas iniciativas lares de organização económica incluem cooperativas de c / a vontade explícita de mudança social (CIRIEC, 2012). trabalho, consumo e crédito, produção agrícola comunitária, redes de troca solidária, comércio justo, serviços de proximi- Por outras palavras, ocupa-se de problemas que nem o Es-

dade, bancos comunitários, fundos rotativos solidários e as- ACEESA tado nem o mercado resolvem de forma satisfatória, agrega sociações de produtores e consumidores, para citar apenas um setor da população que quer tomar nas suas mãos a defi- alguns dos exemplos mais conhecidos. Todas elas, entretan- nição e o controlo dessas respostas e luta por soluções novas to, evocam, para uma maior e regular disseminação, uma e por um novo enquadramento institucional das respostas. abertura para o questionamento mais profundo sobre o que As razões do maior reconhecimento institucional da Eco- é o económico e quais as dinâmicas que o compõem na vida nomia Social estão associadas, portanto, à sua função com- quotidiana das mulheres e homens portugueses. plementar e substitutiva do Estado Social num contexto em que este sofre, por toda a parte, um processo de reforma que procura reduzir o peso da despesa social pública e o papel 6. O défice de reconhecimento institucional do Estado na proteção social. À relativa invisibilidade da economia solidária em Portu- Neste contexto, a falência das políticas públicas tradi- gal associa-se o escasso reconhecimento público e sobretudo cionais para enfrentar problemas sociais que atingem gru- o quase nulo reconhecimento institucional. O reconhecimen- pos extensos da população leva os governos a apoiarem to por parte do Estado não só da existência mas também da e a apoiarem-se nas iniciativas que brotam da sociedade ci- relevância do papel desempenhado pela economia solidá- vil para preservarem a sua legitimidade política. As respos- ria é praticamente nulo ainda hoje, contrariamente ao que AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO tas da sociedade civil, por sua vez, ajustam-se cada vez mais acontece em outros países da Europa e, muito mais ainda, a este papel de produtor dos serviços que o Estado Social na América Latina. Enquanto existe um reconhecimento garante aos cidadãos mas não pode produzir diretamente, muito amplo da Economia Solidária, por exemplo, no Brasil, num processo em que as organizações se assemelham cada onde foi criado um departamento de estado (Secretaria de vez mais aos serviços sociais públicos (isomorfismo organi- Estado) para se ocupar da Economia Solidária e foi publicada zacional) e se vão especializando na oferta daquele tipo de legislação que lhe confere em vários aspetos direitos e bene- respostas que o Estado está disponível para subvencionar, fícios especiais, em Portugal a Economia Solidária é apenas configurando uma situação que já foi designada de socieda- subsidiária e condicionalmente aproveita de certas regalias de civil secundária (Santos, 1987). (as conferidas às organizações de Economia Social) ou bene- No caso da Economia Solidária, uma primeira e decisiva 17 ficia de um interlocutor (CASES ), como se verá adiante. REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 dimensão do reconhecimento institucional resulta do enqua- Segundo um relatório recente do CIRIEC o setor da Econo- dramento e provisão que o ordenamento jurídico poderia dela mia Solidária distinguir-se-ia por três caraterísticas principais: fazer. Tomaremos como fontes de referência a Constituição da República Portuguesa e a legislação sobre associativismo económico e social (Lei de Bases da Economia Social). Pedro Hespanha 54 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 55 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

Um aspeto a salientar, desde logo, é o facto de a lei fun- A Lei de Bases da Economia Social considera de interes- damental portuguesa reconhecer a existência de um sector se geral o estímulo, a valorização e o desenvolvimento da cooperativo e social dentro da economia, a par do setor públi- Economia Social bem como das organizações que a repre- co e do setor privado, e de especificar as suas modalidades: sentam e, em conformidade, atribui ao Estado um conjunto a economia cooperativa, a economia das comunidades locais, de deveres para com estas organizações a:

a economia de coletivos de trabalhadores e a economia das ACEESA a / «promover os princípios e os valores da Economia Social; «pessoas coletivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objetivo a solidariedade social» (artº 82º, 4.) 18. b / fomentar a criação de mecanismos que permitam refor- Claramente, a lei reconhece o conceito de Economia So- çar a auto-sustentabilidade económico-financeira; cial, incluindo nele quer organizações com intervenção no c / facilitar a criação de novas entidades da Economia Social mercado, como as cooperativas e as mutualidades, quer e apoiar a diversidade de iniciativas próprias deste sec- organizações com fins assistencialistas, como as misericór- tor, (...) removendo os obstáculos que impeçam a consti- dias. Mas reconhecerá igualmente aquelas formas econó- tuição e o desenvolvimento das actividades económicas; micas que definimos como sendo de Economia Solidária? d / incentivar a formação profissional (...), bem como apoiar A resposta é afirmativa para as situações em que estas coin- o seu acesso aos processos de inovação tecnológica e de cidam com o estatuto das anteriores e possam invocar essa gestão organizacional; 19 condição. A Lei de Bases da Economia Social de 2013 vem e / aprofundar o diálogo entre os organismos públicos e os re- definir de uma forma taxativa quem são as organizações presentantes da Economia Social (...) promovendo o conhe- que podem levar a cabo atividades económico-sociais: coope- cimento mútuo e a disseminação de boas práticas» (artº 9º). rativas, associações mutualistas, misericórdias, fundações, instituições particulares de solidariedade, associações com AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Não obstante, a lei considera a Economia Social como «sub- fins altruísticos que atuem no âmbito cultural, recreativo, sidiária do Estado» em áreas como a ação social e a solidarie- do desporto e do desenvolvimento local, entidades abrangi- dade social, a saúde, a educação, a agricultura, a habitação, das pelos subsectores comunitário e autogestionário, e ou- a cultura, o ambiente, o desenvolvimento local e o desporto tras entidades desde que dotadas de personalidade jurídica, e, por outro lado, ela é omissa em relação às iniciativas de que respeitem os princípios orientadores da economia social Economia Solidária contrariamente ao que sucede com a le- e constem da base de dados da economia social (artº2º). gislação equivalente de outros países europeus. Surgida um Deste modo, a lei submete a atribuição do estatuto de Eco- tanto inopinadamente sem auscultação das partes interes- nomia Social a duas condições que, como se viu, muitas das sadas, esta lei não teve em conta a diversidade de organiza- iniciativas de Economia Solidária não cumprem: o terem ções ou redes que integram a Economia Social e Solidária, limitando-se a copiar a então recentemente aprovada legis- personalidade jurídica e o estarem incluídas na base de da- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 lação espanhola (Animar, 2012). As sim, a não ser que as dos da economia social gerida pela CASES. Uma terceira con- dição – respeitar os princípios orientadores da Economia So- iniciativas de Economia Solidária assumam inteiramente cial – aparentemente (isto é, se se tiver em conta a definição os atributos com que a lei define as organizações de Eco- legal destes princípios) não parece ser limitativa da inclusão nomia Social, incluindo o da personalidade jurídica e o do das iniciativas de Economia Solidária 20. Pedro Hespanha 56 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 57 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

registo, elas ficam fora do âmbito da lei e sem possibilidade Apesar de todas as questões que se colocam, o reconhe- de invocar os deveres do Estado. Acrescente-se a isto o facto cimento da Economia Solidária pelo Estado em Portugal é, de que elas não são idênticas em propostas e perspetivas. sem dúvida, assunto da mais alta relevância. Este reconhe- Quando comparamos com o que se passa em outros paí- cimento, entretanto, não deve se confundir com a inclusão ses, do espaço europeu, constatamos igualmente tanto da Economia Solidária no contexto da Economia Social, ten-

a existência de um défice de reconhecimento da economia so- ACEESA do em conta que, como já foi visto, a Economia Solidária não lidária quanto a existência de um crescente reconhecimento equivale a um subconjunto da Economia Social como alguns da Economia Social e Solidária, sendo que sob esta ampla autores defendem. Embora seja possível falar em Economia designação cobre-se mais um setor da Economia do que um Social e Solidária (RIPESS, 2014; Laville, 2009), tanto em modo diverso de abordar e transformar a economia, indepen- Portugal como em diferentes países da Europa, é importan- dentemente do sector (Nardi, 2014). Alguns países têm uma te ter em mente as diferenças conceituais entre ambas, não legislação nacional (ou preparam-na, como a França e Poló- sendo esta uma questão menor, ainda que possam comple- nia), outros têm um Ministro de Assuntos Sociais e da Eco- mentar-se na construção de uma outra Economia. nomia Solidária (como no Luxemburgo, e até recentemente Da mesma forma, o poder público deve participar do fo- na França). Outros têm além disso uma série de normas re- mento de iniciativas, sem, entretanto, se sobrepor a elas. gionais (como na Itália, onde 10 regiões fizeram leis diferen- Com relativa frequência, experiências de sentido comunitá- tes para a promoção da economia solidária e sustentável). rio necessitam de submeter-se ao crivo e controle do poder A questão que se coloca aqui é saber se o reconhecimento local para se materializarem no território. É o que ocorre, das diferentes estruturas organizacionais de Economia So- por exemplo, com muitas hortas comunitárias, em virtude lidária é suficiente, ou se existem outros tipos de legislação de certos parâmetros que põem em risco o sentido mais pro- e políticas que são necessários para ajudar o seu desenvol- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO fundo da dimensão coletiva pretendida, a saber: vimento. Um número de pessoas e organizações que prati- 1 — a existência de um regulamento feito pela autarquia cam Economia Solidária estão convencidos de que as normas sem a participação direta da comunidade; e regulamentos podem, pelo contrário, ser um impedimento 2 — a presença de um gestor que controla o projeto, e um entrave à livre expressão das iniciativas económicas alternativas, classificando-os e tornando-os homogéneos ou em lugar da gestão compartilhada; misturando-os com formas mais comerciais / orientadas para 3 — a concessão de talhões individuais (em contrapo- o mercado de empresas. Outros acham que deve haver uma sição a uma construção coletiva e participativa regulamentação mais rigorosa para todas as formas de ativi- da experiência). dade económica, para torná-las responsáveis pelo​​ seu impac- Assim como as hortas, os baldios também podem sofrer li- to social e ambiental. Mas Economia Solidária não é limita- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 mitações no seu potencial comunitário em função de mode- da a apenas uma maneira melhor e mais justa de lidar com los mais técnicos de gestão em que os compartes não sejam assuntos económicos (e financeiros): trata-se de mudar toda incentivados a integrar mais efetivamente o processo deci- a nossa maneira de pensar, produzir e consumir – e, neste sório. Acrescente-se a isto a perda, em perspectiva, do poder sentido, é profundamente um ato político. destes coletivos diante das alterações à lei dos baldios, com Pedro Hespanha 58 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 59 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

estes terrenos comunitários poderem vir a integrar o banco nascem em coletivos organizados – Ecosol Porto, Movimento de terras se forem considerados improdutivos. Trata-se de Ecos, Assembleia Popular da Graça e Territórios, Rede de uma medida que pode criar espaço para uma privatização/ Cidadania Montemor-o-Novo, entre outros -, o mais comum nacionalização dos baldios e uma mudança de mãos no que é que as iniciativas já nasçam num contexto em que estão respeita à gestão destes terrenos, descaracterizando o seu sob a dependência de entidades ou autarquias – a exemplo

cariz comunitário. ACEESA de fornos e hortas comunitárias, de cozinhas comunitárias, Tendo em conta casos como estes, entendemos que se, de alguns circuitos de troca. Contraditoriamente, esta insti- por um lado, é importante que o Estado contribua para o re- tucionalização indireta não tem garantido o reconhecimento conhecimento de iniciativas comunitárias, por outro, ele institucional da Economia Solidária – e este é um importan- deve estar vigilante para não institucionalizar prematura- te ponto a ter em conta. O que emerge desta institucionali- mente o que é suposto preservar a sua natureza coletiva. zação é que a Economia Solidária, para existir, se defronta E, neste ponto, há que se ressaltar uma contradição perigo- com três desdobramentos possíveis: ou vai se transforman- sa: se é verdade que a Economia Solidária carece de maior do mais e mais em Economia Social, ou se constitui como reconhecimento por parte do Estado, também é igualmen- projetos de desenvolvimento local ou necessita do poder lo- te verdade que este Estado não tem deixado de intervir em cal para garantir e fiscalizar o funcionamento de certas es- muitas delas, embora não as veja como mais do que oportu- truturas comunitárias. No primeiro caso, é importante as- nidades de dinamização dos territórios: o que se passa é que sinalar que a Economia Social é, sem dúvida, uma proposta elas, para gozar de visibilidade e reconhecimento em Por- robusta, coerente e indispensável em Portugal, mas não dá tugal, necessitam de estar ao abrigo formal de um entidade conta de todos os tipos de iniciativas que vicejam no territó- de Economia Social ou sob a égide das autarquias. Tal facto rio. No segundo caso, importa referir que o discurso já insti- contribui para ampliar o grau de invisibilidade das iniciati- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO tucionalizado do desenvolvimento local parte de prerrogati- vas comunitárias enquanto tais e para confirmar o seu en- vas que nem sempre vão se adequar aos tempos e modos das quadramento na lógica da Economia Social, onde a gestão comunidades e coletivos. No terceiro caso, assinalamos que compartilhada não é necessariamente uma regra. a forma como o Estado vai orientando a resposta social ofe- Identificámos, assim, um risco de institucionalização rece o risco de minar a possibilidade de os cidadãos estarem progressiva de uma economia solidária nascente, envolven- à frente de soluções para o seu território e dele participarem do-a antes mesmo que as experiências tomem corpo e se re- mais ativamente. Em maior ou menor intensidade, o que re- conheçam sob o termo ‹Economia Solidária›. Referimo-nos, sulta destas formas de subsunção é que o protagonismo vai aqui, sobretudo, às experiências embrionárias dos próprios sendo eliminado à partida – como já foi referido em relação cidadãos, que usualmente só encontram hipótese de conti- aos fornos comunitários, baldios, hortas comunitárias e al-

nuidade e financiamento se estiverem apoiadas por uma REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 gumas moedas sociais. pessoa jurídica. A questão reside no facto de que esta pes- Esta tendência – que, como vimos, pode asfixiar a Econo- soa jurídica em geral também define parâmetros de atua- mia Solidária nos seus primeiros passos para uma consolida- ção para estas iniciativas de acordo com diretrizes que nem ção – não é, no entanto, uma necessidade. Há casos notáveis, sempre a comunidade compreende. Fora as experiências que em Portugal, em que entidades de Economia Social não só Pedro Hespanha 60 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 61 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

apoiam mas também acompanham o fortalecimento de cer- 7. Primeiras conclusões: tas iniciativas, garantindo a participação ativa das pessoas para desocultar a Economia Solidária envolvidas no planeamento e na definição de curso da ativi- Neste artigo, procuramos fazer um esboço do que pode ser en- dade. Também há casos em que contribuem para que outras tendido como Economia Solidária em Portugal, enfatizando, dimensões das iniciativas apareçam, a exemplo do fortaleci- em termos epistemológicos, algumas diferenças importantes

mento da luta das mulheres. É um começo. Relativamente ACEESA relativamente a outros conceitos que vigoram no contexto ao Estado, também há notícia de autarquias e juntas de fre- português. Dentre as ideias centrais que gostaríamos de des- guesia que se envolvem nas iniciativas sem que comprome- tacar a título de conclusão, cinco ganham aqui destaque. tam o protagonismo ou a autonomia da comunidade. A primeira delas tem a ver com a relevância e a urgên- No que concerne ao Estado, é de referir também que seu cia de um recenseamento acerca das experiências de Eco- papel pode e deve ser mais ativo, no sentido de garantir con- nomia Solidária em Portugal. O Grupo Ecosol / CES tem dições de pleno desenvolvimento das iniciativas coletivas/ buscado recursos para este levantamento e tem se defron- comunitárias. Há coisas concretas que as autarquias podem tado com algumas dificuldades, já que os órgãos de fomento fazer para reconhecer a relevância social e conferir maior da investigação usualmente privilegiam outras linguagens visibilidade à Economia Solidária. Como mostra documento de reflexão sobre a Economia. Neste sentido, enfatizamos recente da RIPESS, o Estado pode, por exemplo, «dar priori- a importância de que grupos portugueses de investigação dade nos contratos públicos às iniciativas de economia soli- sobre o tema dialoguem mais e unam esforços para a cons- dária», apoiando coletivos de produção agroalimentar ou a trução de um banco de dados robusto, sempre tendo em agricultura familiar em cantinas e refeições escolares pú- mente que há um quadro conceitual específico a nortear blicas e, com isto, suscitar novos parâmetros de produção e este recenseamento. consumo. Pode, ainda, «garantir que os fundos de desenvol- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Um segundo ponto diz respeito ao contributo que ins- vimento [sejam] controlados por representantes das comu- tituições portuguesas podem dar – em particular as que nidades onde serão aplicados», de modo a ampliar a parti- já trabalham com projetos de redução da vulnerabilidade cipação da própria comunidade na avaliação das propostas social – ao fortalecimento de iniciativas coletivas de econo- de desenvolvimento de que são alvo (RIPESS, 2015:16). In- mia solidária. Este contributo pode se traduzir, sobretudo, dependente da estratégia que adote, torna-se fundamental no estímulo à autonomia destes coletivos através da sua que o Estado reconheça e valorize a articulação dos cidadãos participação direta nos processos de planeamento e decisão para a solução de problemas comuns. dos projetos e da sua preparação para uma posterior inde- pendência. Neste sentido, enfatizamos que as instituições de economia social podem ser uma mais-valia para a expan-

REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 são e o fortalecimento político destas iniciativas construí- das por coletivos de cidadãos. Pedro Hespanha 62 O nome e a coisa. Sobre a invisibilidade 63 Luciane Lucas dos Santos e a ausência de reconhecimento institucional da Economia Solidária em Portugal

Um terceiro ponto a destacar é a importância de uma Como último ponto, e talvez o mais importante de todos, maior participação do Estado neste processo de reconhe- ressaltamos a relevância da economia solidária para susci- cimento da Economia Solidária. Salientamos que, mais tar perguntas à Economia, contribuindo para que cidadãos do que apoiar com recursos materiais estas iniciativas, portugueses pensem melhor e mais frequentemente sobre o Estado pode ter um papel mais ativo, por exemplo, adap- uma infinidade de conceitos, todos típicos de uma economia

tando medidas fiscais à realidade de muitos portugueses ACEESA de mercado: crescimento, performance individual, escolha que, hoje, se organizam coletivamente para enfrentar a racional, desenvolvimento, riqueza, pobreza, produtivida- situação de vulnerabilidade em que vivem. O Estado tam- de, distinção social, eficiência. Polanyi, a este respeito, nos bém pode estimular a Economia Solidária através de com- deixa um recado: o de que esta economia que julgamos ser pras públicas, da promoção de redes colaborativas de pro- a única possível, não é suficiente para dar conta dos dife- dução local e do reconhecimento de formas comunitárias de rentes e múltiplos modos de organizarmos a vida material. construção do crédito, longe do endividamento dos cidadãos pela banca. Com vista ao desenvolvimento local, o Estado também pode e deve apoiar o recenseamento destas inicia- tivas, aproveitando a sua expansão, no urbano e no rural, para estimular formas de democracia participativa. Referimos, ainda, a importância da construção de redes entre as próprias iniciativas e as entidades que usualmente as apoiam, a exemplo da Rede Portuguesa de Economia Soli- dária. Estas redes podem ser de grande valor no sentido de: AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO 1 — permitir a troca de informações sobre oportunidades, dificuldades e desafios enfrentados pelas diferentes experiências; 2 — expandir o conhecimento, em Portugal, sobre outras ex- periências europeias, sem deixar de beneficiar dos con- tributos de um diálogo e uma parceria mais sistemática com o Sul (Santos, 2014), marcado por interessantes experiências de emancipação social e 3 — exercitar o questionamento da economia convencional

e do quanto certas perspectivas mainstream podem se re- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 produzir mesmo em iniciativas económicas coletivas. 15 Veja-se, a propósito, a desconstrução do conceito de desenvolvimento em Amaro (2004)

16 Veja-se o caso das moedas comple- 12 É relevante ter em conta o recorte mentares. A comunidade portuguesa de género que a Economia Solidária ainda revela certo cuidado na adoção pode assumir em alguns contextos - de moedas complementares para dina- sobretudo na América Latina. Sendo mizar economias locais - em parte por NOTAS predominantemente abraçada por mu- conta da preocupação com a legalidade 1 lheres em países como o Brasil, a Eco- de uma moeda alternativa ao euro. Jardins comestíveis são aqueles Curiosamente, outros países europeus em que, além de flores, se produzem nomia Solidária contribui para maior 9 Práticas de reciprocidade no am- autonomia económica e simbólica des- têm demonstrado uma política bem alimentos, plantas medicinais e/ou aro- mais audaciosa em relação às moedas maticas (Reis, Queiroz e Fróes, 2004). biente rural (e não só) demonstram, tas mulheres e para o reconhecimento igualmente, que o salário não é a única de seus contributos na organização complementares. O mayor de Bristol, 2 Sobre a matematização da econo- forma de reconhecer o trabalho. da vida económica. Esta característica na Inglaterra, decidiu receber seu sa- 7 mia, ver Zein-Elabdin (2004). Sobre Também é importante chamar a aten- não é, entretanto, uma particularidade lário integralmente em Bristol Pounds, 10 os efeitos da revolução marginalista, ção, aqui, para os estudos da Economia Este artigo não tem o objetivo da Economia Solidária, sendo encontra- pagando também parte dos salários ver Callari (2004). Anarquista (que tanto podem derivar de analisar as relações entre as Econo- da em outros arranjos comunitários de dos funcionários públicos com esta para uma leitura liberal quanto para mias Social e Solidária. Apenas quer mulheres, como o demonstram Cunha moeda. Na Alemanha, a moeda Chie- 3 Para saber mais sobre a análise uma perspectiva socialista de como pode ressaltar, como posição dos autores, que (2011) e Martins (2008). mgauer mostra a sua força, circulando de McCloskey acerca da relevância funcionar a economia). O que nos cabe a Economia Solidária em Portugal não duas vezes e meio mais rápido do que da Estatística no universo económico, ressaltar é, entretanto, a relevância deve ser vista como uma outra face da 13 Grupo de Estudos sobre Economia o euro na região da Baviera. Todas ver McCloskey and Ziliak (2008). das reflexões dos socialistas utópicos - Economia Social portuguesa, como um Solidária do Centro de Estudos Sociais estas iniciativas, entretanto, ainda que constituem as bases da Economia complemento mais tímido da mesma da Universidade de Coimbra. 4 circulam pouco entre os portugueses. Machado (2012) ajuda-nos a compre- Anarquista – para um novo modo de ou mesmo como nova economia social 14 17 ender a diferença entre as abordagens pensar, primeiramente, a produção e a (nos termos propostos por Defourny Para uma crítica da abordagem de Cooperativa António Sérgio para substantivistas e formalistas na propriedade: nestes termos, a proprie- e Develtere (1999). Isto não signi- Amartya Sen, focada no indivíduo a Economia Social. Economia. Esta confrontação teórica e usualmente utilizada pelo PNUD dade privada ou do Estado cede lugar fica deixarmos de reconhecer que a 18 foi chamada de «O Grande Debate». e outras agências de fomento ao de- Esta última categoria foi introduzida à propriedade coletiva da terra e dos Economia Solidária estabelece com na revisão constitucional de 1997. Conforme explica Machado (2012: recursos, com a devida autogestão a Economia Social importantes vínculos senvolvimento, ver: Tungodden (2001), 166- 167), «a discussão girou em torno da produção a partir do controle dos e dela também se beneficia para o sur- Herrera (2006) e Machado e Pamplona 19 Lei n.º 30/2013, de 8 de maio. da possibilidade de utilização e apli- 5 Com a revolução marginalista, trabalhadores. Em segundo lugar, é gimento e a consolidação de iniciativas. (2008). Sobre a perspectiva (ainda) 20 cação da moderna teoria económica o princípio da utilidade substitui em de se ressaltar, aqui, a influência dos Um exemplo são as feiras de trocas neoclássica de Sen, diz Herrera (2006): Os (alguns desses) princípios: para estudar e analisar as economias importância o princípio do valor-tra- princípios comunitários preconizados e as moedas sociais, já que associações «Sen (…) é usualmente apresentado «o primado das pessoas e dos objetivos do passado, isto é, de sua pretensa balho. Consequentemente, a forma- pela economia anarquista (ainda que de desenvolvimento local e algumas como uma outra voz na luta contra sociais; a adesão e participação livre aplicação universal enquanto base ção de preços e a identificação das não haja muita consciência acerca desta IPSSs têm vindo a exercer importante a pobreza. Suas análises se concentram e voluntária; o controlo democrático explicativa da realidade. Os substan- «margens», na gangorra da oferta influência) nas economias comunitárias. papel na estimulação e na incubação na escassez de recursos (…) dos pobres, dos respetivos órgãos pelos seus mem- tivistas, encabeçados por Polanyi (…), e da procura, aparecem como preocu- de algumas experiências portuguesas. impedindo-os de sair da pobreza parti- bros; a conciliação entre o interesse 8 defendiam que o esquema formalista- pações essenciais da teoria económica As economias indígenas, como econo- Entretanto, é importante ter em conta cipando de forma ativa nos mercados. dos membros, utilizadores ou beneficiá- assente no modelo neoclássico da teoria moderna. Nestes termos, a abordagem mias comunitárias que são, constituem que algumas destas iniciativas vão se As ideias de Sen têm influenciado rios e o interesse geral; o respeito pelos económica–apenas é aplicável ao estudo formalista, neoclássica por excelência um bom exemplo da redistribuição manter mesmo no âmbito da Economia consideravelmente as organizações valores da solidariedade, da igualdade das modernas economias capitalistas, e voltada para o princípio da utilidade, interna dos recursos (e, portanto, Social, com as entidades conduzindo internacionais relacionadas ao desen- e da não discriminação, da coesão em que os mercados formadores de pre- estará assente numa matematização assinalam que outras formas de distri- e mantendo a gestão da experiência. volvimento humano. Entretanto, o seu social, da justiça e da equidade, da ços desempenham um papel fulcral (…) da economia e na perspetiva de que buição dos excedentes são possíveis). Outras focarão na gestão comparti- pensamento é uma cópia perfeitamen- transparência, da responsabilidade [Nestes termos], a definição substan- a universalidade do comportamento Reciprocidade e redistribuição são duas lhada pelos cidadãos e na autonomia te compatível da teoria neoclássica individual e social partilhada e da tiva (…) encara a economia como um racional do homem nas suas escolhas das bases sobre as quais as economias da experiência a médio e longo prazo. (incluindo a teoria do equilíbrio geral subsidiariedade; a gestão autónoma processo instituído de interação entre confirmará a teoria moderna como indígenas estão assentes. Santos São estas que se enquadrarão melhor, e seu individualismo metódico) (…) e independente das autoridades públi- o homem e seu ambiente, resultando meio de explicação para toda e qual- (2016: 9) dá o exemplo das comunida- segundo nossa perspetiva, na definição Obcecado pelo indivíduo solitário e suas cas e de quaisquer outras entidades em contínua oferta de meios materiais quer experiência de organização eco- des originárias no altiplano andino: de Economia Solidária. oportunidades (e capacidades) de esco- exteriores à economia social; a afetação para satisfazer suas necessidades, nómica. Para saber mais, ver Machado dentro da família nuclear, o que se lha, Sen quase que sistematicamente dos excedentes à prossecução dos fins 11 esta sim, com caráter universal (…) (2010, 2012). costuma ver é a redistribuição dos bens Para saber mais sobre o conceito de negligencia a questão da distribuição das entidades da economia social de O campo formalista, por seu turno, produzidos. Na família extensa e na Empreendedorismo Social, ver Defour- dos recursos entre grupos sociais e, acordo com o interesse geral, sem defende que o comportamento humano 6 O sentido de invisibilidade aqui em- comunidade, por sua vez, «praticam-se ny & Nyssens (2010). Para saber mais acima de tudo, a questão das desigual- prejuízo do respeito pela especificidade maximizador traduzido na afetação pregado relaciona-se com a produção, a redistribuição (de bens), a reciproci- sobre as diferenças entre a Economia dades na distribuição do capital (…)». da distribuição dos excedentes, própria de recursos escassos a fins alternativos, a fabricação de uma ausência, nos dade (em trabalho e produtos) e a troca Solidária e o Empreendedorismo Disponível em: http://monthlyreview. da natureza e do substrato de cada isto é, a «economização», se encontra termos amplamente discutidos por (em que uma medida de valor orienta Social, veja-se Hespanha, Santos, Silva org/2006/05/01/the-neoliberal-rebirth-o- entidade da economia social, constitu- em todas as sociedades humanas». Santos (2006, 2007). a relação econômica)». e Quiñonez (2014). f-development-economics/ cionalmente consagrada». REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARRION, R. M. 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KEY WORDS SOCIAL AND SOLIDARY ECONOMY PUBLIC SPACE, PUBLICS POLICIES INITIATIVE RIGHT LOCAL DEVELOPMENT

RÉSUMÉ Dans nos sociétés libérales et capita- listes, on assiste à un étouffement des potentialités démocratiques par l’éco- SUMMARY nomie. Cela résulte d’un réduction- In our liberal and capitalist societies nisme à la fois économique et politique we are seeing a stifling of democratic qui, d’une part, tend à considérer le potentialities by Economy. This, is the L’économie sociale marché comme un système autorégu- result of an economic and politic reduc- lateur capable d’organiser la société tionism, which first tends towards con- civile et d’autre part marginalise le rôle sidering the market as an independent et solidaire face aux des pouvoirs publiques. system able to organize civil society, Une critique de la société de marché and secondly which also tries to margin- politiques publiques passe par une re-conceptualisation des alize the role of public policies. deux formes de solidarité (philanthro- A criticism of market society goes Jean-Louis Laville pique et démocratique), mais aussi through a re-conceptulization of the par la mise en place d’une démocratie two forms of solidarity (philanthropic économique par les acteurs (coopéra- and democratic), but also by the intro- tives, associations), permettant l’émer- duction of an economic democracy by its gence de nouveaux espaces publics de players (associations, cooperatives…), proximité et une politisation de la vie making possible a new public space quotidienne. La capacité à déployer and a politicization of the daily life. des formes de solidarité à la fois réci- The ability to deploy different forms procitaires et redistributives permet of solidarity based on the principle de déconstruire les présupposés domi- of both reciprocity and redistribution, Jean-Louis Laville nants d’une économie déshumanisée. makes possible to defeat a dominant Licenciado em Economia e douto- EMES - Émergence des En cela, l’Etat social doit être complété approach of a dehumanized economy. rado em Sociologia, pelo Instituto Entreprises Sociales, Réponse par une participation de la société It is in this, that the Social State has de Estudos Políticos de Paris. novatrice à L’Exclusion Sociale en Europe, coordenador euro- civile, permettant la mise en place to be completed with a civil society Actualmente é professor no CNAM de politiques publiques, en faveur du participation, allowing public policies - Conservatoire National des Arts peu do Karl Polanyi Institute te Métiers (Paris), titular da of Political Economy, membro développement d’une économie sociale in favor of Social and Solidarity Econ- cátedra de Economia Solidária, da Association Internationale des et solidaire via trois axes: la reconnais- omy development thanks to 3 axis: Sociologues de Langue Française investigador no LISE - Laboratoire sance d’un droit à l’initiative, le renfor- the recognition of the initiative’s right, Interdisciplinaire de Sociologie e do Conselho Consultivo da RIPESS-Europe (Rede cement des structures existantes dans the consolidation of existent structures Économique (CNAM-CNRS) e une perspective de développement local in a local development perspective and no IFRIS - Institut Francilien Intercontinental de Promoção Recherche Innovation Société. da Economia Social e Solidária). et le soutien aux nouveaux services de the development aid for new services É membro fundador da rede [email protected] la vie quotidienne. in daily life. Jean-Louis Laville 72 L’économie sociale et solidaire 73 face aux politiques publiques

Introduction Pour ce qui est du politique, une première tradition La succession de crises dans les dernières décennies explique de pensée le réfère aux pouvoirs publics. En effet, dans la peur de l’avenir. Quand les motifs d’inquiétude s’accu- une société démocratique, il convient qu’il y ait un mono- mulent, les déclarations qui se veulent rassurantes et an- pole de la violence légitime, selon l’expression de M. Weber, noncent une prochaine sortie de crise perdent leur crédibilité. c’est-à-dire une instance de coordination qui puisse faire

L’optimisme de façade ne convainc plus, mieux vaut af- ACEESA que la société ne soit pas la guerre de tous contre tous, fronter les défis réels et admettre que la transition écolo- que des règles de vie en commun puissent être respectées. gique et sociale ne peut résulter d’aménagements à la marge. Mais une seconde tradition de pensée du politique insiste Il importe donc de penser cette transition, ce qui suppose au sur les espaces publics qui sont autant de lieux où les per- préalable une critique des fondements de l’ordre existant et sonnes se retrouvent ensemble pour essayer de définir de la manière dont l’économie actuelle étouffe des potentiali- quelles seront les modalités de ce monde commun que nous tés démocratiques. sommes obligés de construire en tant qu’êtres humains. Le simple rappel de ces définitions met en évidence I. par contraste les réductionnismes qui ont prévalu dès La démocratie entravée le XI X ème siècle. Les définitions de l’économie et du politique qui semblent évidentes sont à réexaminer parce que le consensus appa- Le réductionnisme économique rent cache des ambiguïtés. Le réductionnisme économique propre à la modernité peut Il faut revenir tout d’abord sur la définition de ce qu’est être synthétisé en trois points. l’économie. Aussi bien dans les sociétés antérieures que La confusion entre marché et économie constitue le premier dans les sociétés actuelles, nous ne pouvons pas assimiler AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO point. Elle intervient au moment où l’économie politique l’économie au marché. En fait, il y a plusieurs principes éco- est remplacée par une science économique tournée vers nomiques. À côté du marché il y a d’autres principes impor- la détermination des prix sous un régime hypothétique tants. Un premier principe différent du marché est la re- de libre concurrence absolue. Le marché est posé comme distribution qui autorise l’affectation de ressources selon principe premier, ce qui revient à faire ensuite de la re- des normes édictées par un pouvoir central. Deux autres distribution un principe subsidiaire mobilisable dans les principes sont à souligner, la réciprocité et l’administration seuls cas d’échec du marché, et de la réciprocité un prin- domestique, selon lesquels la production comme la circu- cipe résiduel frappé du soupçon d’archaïsme. lation des biens et services visent avant tout à entretenir le lien social ; les registres mobilisés se différencient là en- L’identification du marché à un marché autorégulateur constitue le deuxième point, conséquence logique du core du contrat marchand, ils relèvent de la symétrie entre REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 groupes sociaux et personnes volontaires pour la réciproci- premier. L’économie est étudiée à partir d’une méthode té, entre personnes de la même famille nucléaire ou élargie déductive par simple agrégation de comportements indi- pour l’administration domestique. viduels. Le marché est donc considéré comme autorégu- lateur, c’est-à-dire comme mécanisme de mise en rapport de l’offre et de la demande par les prix, ce qui conduit à passer sous silence les changements institutionnels Jean-Louis Laville 74 L’économie sociale et solidaire 75 face aux politiques publiques

nécessaires pour qu’adviennent les marchés et à oublier rapports économiques. Le jeu des intérêts suffit alors les structures institutionnelles nécessaires pour qu’ils à régler la marche du monde et la médiation politique perdurent. Polanyi est rejoint dans sa démonstration est plus une gêne pour les contrats qu’un attribut de la par Mauss qui souligne l’existence de plusieurs entre- condition humaine. prises, privées mais aussi collectives et publiques. La subsidiarité de la puissance publique par rapport L’identification de l’entreprise moderne à l’entreprise capi- ACEESA au marché constitue le deuxième point. En démocra- taliste est un troisième facteur de réductionnisme, arti- tie libérale la société qui s’exprime à partir des accords culé aux deux premiers. Le respect de la propriété privée contractuels entre ses membres est première. Dans cette est confondu avec le monopole de la propriété accordée société, la souveraineté du peuple s’exerce par la dési- aux détenteurs de capitaux et la recherche du profit est gnation de gouvernants, lesquels ont la responsabilité supposée fournir la meilleure incitation pour orienter la de veiller à la stabilité de l’ordre collectif. Si l’État doit production à bon escient. assurer la protection des droits individuels, il ne sau- rait endosser des fonctions qui pourraient être tenues Les deux auteurs s’accordent pour conclure sur l’économie à un niveau plus décentralisé. L’État démocratique est comme phénomène institutionnel et sur le caractère leurrant détenteur du monopole de la violence légitime, il peut de l’approche dominante de l’économie. Dans cette dernière, contrôler le respect des lois et réprimer les infractions, la représentation de l’économie comme combinaison du mar- mais il est amené à respecter le libre jeu des mécanismes ché autorégulateur et de l’entreprise capitaliste débouche économiques. En somme, le marché devient la procédure sur le projet d’une société enracinée dans le mécanisme de sa naturelle à travers laquelle sont satisfaits les besoins, propre économie. S’y exprime un projet de société de marché elle est de plus estimée pacifique puisqu’elle s’appuie sur

revenu sur le devant de la scène depuis quelques décennies AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO les intérêts particuliers et organise leur compatibilité. selon lequel le marché engloberait et suffirait à organiser la L’État se cantonne à fournir l’encadrement institutionnel société; la recherche de l’intérêt privé réaliserait le bien pu- approprié à l’expression des mécanismes marchands. blic sans passer par la délibération politique. La récurrence de ce projet différencie la modernité des autres sociétés hu- L’assimilation de la démocratie à la seule démocratie repré- maines dans lesquelles il a existé des éléments de marché sentative constitue le troisième point. L’État veille à ce sans qu’il soit visé de les agencer en système autonome. que la liberté individuelle de chacun n’empiète pas sur celle d’autrui, il maintient les conditions d’une liberté Le réductionnisme politique négative. Mais cette attention apportée à la liberté néga- Le réductionnisme économique est indissociable d’un ré- tive cache une autre face de la liberté, à savoir la liberté ductionnisme politique qui tient également en trois points positive fondée sur la capacité à agir ensemble, à traiter REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 principaux. et décider des sujets d’intérêts communs, à participer aux discussions et aux décisions publiques. En laissant La confusion entre société civile et marché constitue le pre- dans l’ombre la dimension délibérative de la démocratie, mier point. La société civile est abordée comme un simple on oublie la consultation des citoyens et le fait que les système de besoins. Selon cette conception, l’échange préférences individuelles se modifient à travers l’établis- marchand est logiquement l’archétype des rapports so- sement d’un langage public commun. ciaux en même temps qu’il est la forme naturalisée des Jean-Louis Laville 76 L’économie sociale et solidaire 77 face aux politiques publiques

II. sa genèse, la solidarité démocratique révèle son épaisseur Une transformation inedite tant historique que théorique. Il a existé des espaces publics Les réductionnismes économique et politique ont été com- populaires se manifestant en particulier par un associa- battus par la social-démocratie et l’économie sociale mais tionnisme solidaire dans la première moitié du XIX e siècle. selon des modalités qui n’ont pas conduit à leur disparition. Comme l’indique la rétrospective historique, au fur et à me-

En conséquence une remise en cause plus résolue de ces ré- ACEESA sure que progressent productivisme et capitalisme, cet élan ductionnismes est indispensable. Elle amène non pas à re- réciprocitaire s’essouffle toutefois. La solidarité démocra- noncer à la social-démocratie mais à en enrichir le contenu, tique prend progressivement une autre tournure, celle d’une elle incite non pas à abandonner l’économie sociale mais dette sociale que l’État a pour mission de rembourser en ca- à la prolonger. Dans ce contexte, l’économie solidaire peut nalisant les flux de la redistribution. L’État élabore un mode aider à faire émerger de nouveaux rapports entre sphères spécifique d’organisation, le social, qui rend praticable l’ex- politique et économique. tension de l’économie marchande en la conciliant avec la pro- tection des travailleurs. La sécurité obtenue se paie toutefois Au-delà de la social-démocratie, d’un abandon de l’interrogation politique sur l’économie. la solidarité démocratique La tâche qui se dessine à l’orée du XXI e siècle consiste Soutenir qu’il existe un pôle autre que le marché et l’ État, à arrimer les deux versions de la solidarité démocratique. celui de la société civile, suppose de mieux définir le concept La première horizontale basée sur une réciprocité volontaire, de solidarité et de déterminer en quoi il a partie liée avec la seconde verticale basée sur une redistribution publique. la démocratie. Depuis l’avènement de la modernité, deux acceptions de la solidarité sont présentes : l’acception phi- Au-delà de l’économie sociale, lanthropique se confronte à l’acception démocratique. Il est AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO la démocratie économique donc essentiel de situer les termes de cette opposition pour Les entreprises d’économie sociale sont traditionnellement sortir de la confusion à propos de ce qu’est la solidarité. créées par les membres d’une catégorie homogène, les coopé- L’acception philanthropique de la solidarité se donne ratives par exemple comprennent en leur sein coopératives pour objet le soulagement des pauvres et leur moralisation agricoles, coopératives de consommation, coopératives de pro- par la mise en œuvre d’actions palliatives. Les liens de dé- duction, coopératives de crédit… Or, les associations et coo- pendance personnelle qu’elle favorise risquent d’enfermer pératives apparues dans le dernier quart du XX e siècle ne se les bénéficiaires dans leur situation d’infériorité. Autre- forment pas toutes à partir d’une telle identité collective. La dy- ment dit, la philanthropie, tout en participant d’une laïci- namique observée dans l’économie solidaire relève plutôt du sation de la charité, entérine les hiérarchies sociales. rassemblement de différentes catégories d’acteurs autour d’un

À cette conception «bienveillante» s’oppose une concep- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 enjeu commun, ce qui a d’ailleurs entraîné des créations légis- tion de la solidarité comme principe de démocratisation latives dans plusieurs pays où sont reconnus de nouveaux sta- de la société résultant d’actions collectives. Cette dernière tuts de coopérative sociale ou d’entreprise sociale qui admettent est émancipatrice parce qu’elle suppose une égalité de sta- plusieurs catégories de membres (par exemple pour l’Europe tut entre les personnes qui s’y engagent. Si l’on retrace en Italie, Espagne, Portugal, Finlande, France et Suède). Jean-Louis Laville 78 L’économie sociale et solidaire 79 face aux politiques publiques

Dans ces entités, divers acteurs ont un pouvoir égal dans aux projets. La démocratie interne ne peut se résumer à une la décision alors que dans l’entreprise capitaliste le pouvoir démocratie représentative dont la propriété collective serait ga- reste concentré dans les mains des apporteurs de capitaux. rante, sauf à évoluer vers une démocratie uniquement formelle. Ne leur procurant pas de contrôle sur la stratégie, ces initia- C’est au contraire de la qualité de la démocratie délibérative que tives ne peuvent attirer facilement des investisseurs privés, la démocratie représentative peut tirer une légitimité durable.

par contre leur structure multi-acteurs (usagers, bénévoles, ACEESA salariés…) les autorise à opter pour une finalité de service Finalité démocratique et moyens économiques à la collectivité, c’est-à-dire la recherche d’effets positifs qui Les promoteurs d’actions solidaires entament une action concernent la collectivité au-delà des destinataires directs parce qu’ils ressentent une absence de prise en compte de la production. L’enjeu commun aux personnes réunies au- dans la société des problèmes qu’ils estiment importants tour du projet est la recherche explicite de ces bénéfices col- ou parce qu’ils subissent un vécu disqualifiant. Leur prise lectifs par exemple à travers la recherche de justice sociale, de parole atteste d’une politisation de la vie quotidienne de préservation environnementale ou de diversité culturelle. portée par un enjeu identitaire de reconnaissance dans une La pertinence des activités conçues de la sorte dépend conjoncture de fragilisation des liens sociaux. en fin de compte de la qualité de la délibération collective La force de la solidarité est donc symbolique mais elle entre les membres et avec leurs partenaires. C’est en cela que est en outre économique. Ces deux dimensions coexistent l’on peut parler d’espaces publics de proximité : en faisant sor- quand le lien précède le bien, quand les services rendus tir certains thèmes de la sphère privée, les participants à ces renforcent les sentiments de dignité et de respect mutuel. espaces inventent de nouvelles réponses aux besoins sociaux. Elles amènent à renouveler la perception sociale-démocrate Contrairement à ce que postule une représentation individua- de l’économie qui s’est bornée à une régulation publique.

liste qui met l’accent sur la figure de l’entreprenariat social, AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Aussi utile soit-elle, cette dernière ne résout pas le problème c’est la créativité collective émanant des interactions entre de la dépendance vis-à-vis de la croissance marchande qui sujets qui est la plus importante. est pourtant devenue à bien des égards écologiquement in- Plus encore que les organisations traditionnelles d’écono- tenable. La capacité à déployer des formes de solidarité au mie sociale qui bénéficiaient du socle identitaire d’une catégo- sein des activités économiques apparaît comme décisive pour rie homogène, les démarches d’économie solidaire voient leur déconstruire les représentations dominantes de l’économie. devenir lié à leur capacité de préserver cette dimension d’es- Les initiatives solidaires, on l’a vu plus haut, prouvent que pace public qui caractérise leur émergence, tant pour assurer l’économie peut s’appuyer sur des ressorts solidaires, à la fois une participation égalitaire de ses membres que pour conser- réciprocitaires et redistributifs. Pour ne prendre qu’un cas, ver une originalité dans l’activité économique. Si l’on consi- des services améliorant les conditions de vie peuvent être ini-

dère que la démocratie interne constitue la condition d’une REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 tiés grâce à des engagements personnels forts puis l’acces- préservation des forces de l’économie sociale et solidaire, sibilité à tous peut être obtenue par le biais de conventions il s’avère logiquement indispensable de ne pas se contenter avec les pouvoirs publics en sus des ressources obtenues par des statuts de l’économie sociale et de rechercher les moyens la vente de ces prestations. Avec ce type de démarche une effectifs d’une participation active des personnes associées question comme celle de la dépendance peut être abordée Jean-Louis Laville 80 L’économie sociale et solidaire 81 face aux politiques publiques

différemment. Si le marché est mis à contribution, l’autofi- Une conception biaisée de l’économie nancement sur le marché n’est pas l’objectif parce qu’il enfer- Le compromis qui a tenté de rendre compatible démocra- merait dans la sélection des seules clientèles solvables. tie et économie grâce à l’agencement réalisé entre marché C’est un changement d’optique qui est lourd de consé- et État, a largement entretenu une conception dominante quences parce qu’il permet de ne pas sortir du marché mais de l’économie dans laquelle seule l’économie marchande

d’en relativiser la place. Or, autant la légitimité du marché ACEESA est productive. Cette conception a été intériorisée par les est à respecter, autant l’évolution vers la marchandisation sociaux-démocrates qui voient dans l’économie marchande universelle comporte plusieurs menaces. La plus évidente l’économie génératrice de richesses sur laquelle l’État pré- est la corruption mais la plus grave est peut-être d’ordre lève pour redistribuer. Cette soi-disant évidence que les anthropologique : la marchandisation généralisée aboutit théorisations de l’économie sociale ont également avalisée à un déni de reconnaissance des autres logiques d’action pose des problèmes majeurs : elle entretient une mythifica- présentes dans la société. tion de l’économie marchande en même temps qu’une sous- En somme, le politique mis au service de la croissance estimation du rôle de la redistribution publique et un oubli marchande ne peut que perdre sa consistance. Une critique des dimensions réciprocitaires de l’économie. de la déshumanisation passe par le soutien à tout effort La représentation de l’économie marchande, seule source pratique fondé sur la solidarité. Un avenir ne sacrifiant ni de prospérité pour l’ensemble de la société qui vit à ses la justice ni l’efficacité implique une politique de redistri- dépens, ne peut être sérieusement défendue dès lors bution publique en vue de combattre les inégalités et néces- que l’on procède à une analyse empirique des flux écono- site en outre une gestion de biens communs faisant appel miques. Considérer l’économie de marché comme le lieu à l’auto-organisation comme l’a montré E. Ostrom. Dans unique de création de richesses, c’est confondre les faits AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO l’avenir, les moyens économiques sont à choisir en fonction économiques avec une lecture qui naturalise le marché. de finalités écologiques, sociales et culturelles. En réalité, les formes de production et de circulation de richesses sont beaucoup plus complexes. L’entreprise III. utilise une main-d’œuvre qu’elle n’a ni éduquée, ni for- Démocratie et économie : mée ; elle bénéficie de ressources naturelles, symboliques une articulation à repenser et culturelles qu’elle ne crée pas et qu’elle peut dilapider. Il ne saurait y avoir de démocratie et de solidarité si l’on ne De plus l’économie marchande prélève largement sur la renoue pas avec un questionnement politique sur l’écono- redistribution. Par exemple, il a été amplement démontré mie qui avait disparu et qui affleure à nouveau, comme l’in- que l’agriculture productiviste est la plus subventionnée diquent les débats suscités par le développement durable à tel point que, selon la Commission européenne le quart et la décroissance. Ce questionnement peut substituer REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 des propriétés agricoles – les plus performantes, les plus au dualisme économie marchande / État social la référence modernes et les plus riches – draine les trois quarts des à une socio-économie plurielle intégrant la contribution de subventions. Les entreprises à forte valeur ajoutée pèsent la société civile et rendant concevable une action publique aussi sur la collectivité à travers les investissements et reconfigurée dans ses formes. les commandes publiques, les prêts préférentiels… Quant Jean-Louis Laville 82 L’économie sociale et solidaire 83 face aux politiques publiques

aux grandes industries (aéronautique, automobile…), Vers une socio-économie plurielle elles sont largement dépendantes de choix politiques des Tout principe économique présente à la fois des avantages États, sans parler des banques qui se sont tournées vers et des inconvénients. En conséquence l’objectif n’est pas eux pour éviter la faillite. de constituer une bonne économie à partir d’un seul prin- L’économie non marchande basée sur la redistribution cipe mais de s’éloigner d’un modèle axé sur le « marché a pris de son côté une telle ampleur qu’elle ne saurait ACEESA total » et d’aller vers une économie qui admette une diver- être analysée seulement en termes de ponction sur sité de principes en reconnaissant les apports de la redis- l’économie marchande. Elle constitue aussi un soutien tribution et de la réciprocité tout en faisant place à plu- à la consommation non négligeable. À travers ses diffé- sieurs types d’entreprises, en particulier les entreprises rentes administrations, l’État-providence planifie et met collectives. Un rééquilibrage entre principes économiques en œuvre un fort développement des équipements collec- est nécessaire pour rechercher un agencement qui procure tifs et des formes multiples de travail social tentant de un « bien vivre », objectif vers lequel doit tendre le modèle prévenir la marginalisation et d’aider les familles. L’im- socio-économique. portance de l’économie non marchande dans les modes La réalité économique est complexe et le problème est de vie est donc indéniable, elle est toutefois ambivalente, d’agencer les ressources (marchandes, redistributives et réci- à la fois facteur de sécurité et outil de contrôle. procitaires), afin de promouvoir la justice sociale etla soute- nabilité écologique. L’hybridation des différentes formes et- Par ailleurs, l’économie à forte dimension réciprocitaire ne logiques économiques devient nécessaire pour ne pas placer peut être occultée. Elle est en particulier présente dans la solidarité en dépendance par rapport à la croissance mar- l’économie populaire : celle étudiée par J. L. Coraggio des chande mais au contraire pour remettre l’économie à sa place, «marges urbaines», où les regroupements s’organisent AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO celle d’un moyen pour atteindre des finalités humaines. par rues et par quartiers sur la base d’une appartenance Ce changement de paradigme suppose une nouvelle familiale ou d’une origine géographique commune ; conception de la régulation et de l’action publiques. La pré- celle sur laquelle F. Braudel s’est penché, des « pays » servation des marchés et de leurs arbitrages décentralisés où les échanges, très denses et régis par les possibilités doit s’accompagner d’une protection contre leur hégémonie. de déplacements ordinaires qui se font dans la journée, Une régulation des marchés est nécessaire par exemple restent pour une grande part de l’ordre du troc des pro- à travers l’introduction de clauses sociales et écologiques. duits et des services dans un rayon très court. Cette éco- Mais elle n’est pas suffisante pour s’attaquer aux dérives du nomie n’a pas disparu, elle persiste dans des activités nouveau capitalisme. telles que le petit commerce, l’artisanat, l’autoproduction Les entreprises collectives qui composent l’économie so- ou ce qui a été appelé le secteur informel. La solidarité

REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 ciale ont un rôle indéniable, celui d’apporter la preuve que indissociable de ces activités est, elle aussi, ambivalente. perdurent dans la période contemporaine des entreprises Elle peut engendrer un enfermement dans des relations non capitalistes. Toutefois leur existence reste sans grande de proximité comme elle peut favoriser la socialisation portée si en leur sein des possibilités de démocratie délibé- démocratique par l’expérience de l’entraide. rative ne sont pas offertes et si elles ne sont pas couplées Jean-Louis Laville 84 L’économie sociale et solidaire 85 face aux politiques publiques

avec une action politique menée auprès des pouvoirs publics de position venues d’une sphère publique plus ouverte élar- pour faire évoluer le cadre institutionnel à l’intérieur du- gissant le dialogue social entre partenaires sociaux à un quel prennent forme les faits économiques. En cela l’écono- dialogue civil incluant d’autres représentants de la société. mie solidaire prolonge l’économie sociale en réintroduisant Le nouveau capitalisme envahit les activités auparavant fortement la dimension publique des actions collectives réservées à l’État social (santé, social, services aux per-

émanant de la société civile. ACEESA sonnes…). Il est temps de stopper ce processus dangereux en Finalement la démesure du nouveau capitalisme glo- revendiquant désormais la référence à une socio-économie bal ne peut être combattue qu’à partir d’alliances dans et une démocratie plurielles. La réalisation d’un tel objectif lesquelles l’économie sociale et solidaire privilégie des co- suppose toutefois de relayer «les initiatives citoyennes par de constructions avec les pouvoirs publics (depuis le niveau grandes institutions existantes», comme l’écrit J. Gadrey ; local jusqu’aux niveaux national et international) sans né- à cette condition l’économie sociale et solidaire, retrouvant gliger les relations avec une économie marchande territo- une capacité de mobilisation, peut devenir une « force de rialisée (ensemble de petites et moyennes entreprises ayant transformation ». gardé un ancrage territorial). Quand la question devient celle de la mutation des modes Après un Etat-social qui a parié sur la seule redistribu- de production et de consommation il est primordial que tion publique pour protéger la société, il importe de réaffir- la dynamique capitaliste n’apparaisse pas comme la seule mer la force du principe de solidarité et de retrouver la com- dynamique économique et que soient reconnues d’autres plémentarité des deux formes de solidarité démocratique, formes de valorisation des biens et services. l’une fondée sur les droits et la redistribution publique, Nous sommes au bout d’une croissance fondée sur l’arro- l’autre sur le lien civil et la réciprocité, ce qui signifie une gance scientiste et la croyance en une toute-puissance hu- interdépendance assumée de part et d’autre entre initia- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO maine dont l’industrie nucléaire est le symbole. Dans l’ave- tives citoyennes et pouvoirs publics, tenant compte que, nir les moyens économiques doivent être choisis en fonction dans l’histoire comme dans l’actualité, ces deux entités ne de finalités écologiques, sociales et culturelles. Pour réaliser sont ni séparables ni substituables. cette transition dans l’action publique, les leviers potentiels Les acquis de l’État social sont à compléter par un souci ne manquent pas, depuis les marchés publics représentant de participation des populations. La démocratie représenta- 15% du produit intérieur brut en Europe jusqu’aux services tive peut être désormais confortée par des formes de démo- dans lesquels l’instauration de normes sociétales peut uti- cratie participative qui ne soient pas seulement octroyées, lement orienter les évolutions futures. Par ailleurs de nou- mais aussi conquises par le biais d’actions collectives. velles politiques publiques peuvent être mises en œuvre, Cet arrimage entre démocraties représentative et délibé- c’est l’objet de la partie du texte qui suit.

rative est porteur d’un projet de renouvellement du débat REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 et de la délibération publics correspondant à ce qui peut être désigné comme démocratie plurielle. Son espace futur dépend de la capacité des autorités publiques à consolider la démocratie représentative en l’alimentant par des prises Jean-Louis Laville 86 L’économie sociale et solidaire 87 face aux politiques publiques

IV. aux avancées pratiques en faveur d’une autre économie dans Propositions pour une politique laquelle les moyens économiques sont subordonnés à des fins en faveur de l’economie sociale et solidaire démocratiques (défense de l’environnement, préservation L’économie sociale et solidaire longtemps sous-estimée de la diversité culturelle, réduction des inégalités sociales). commence à être reconnue dans des politiques régionales Ne pas appuyer ces démarches et se cantonner à l’économie

et locales. De même, en France, par exemple, dans de nom- ACEESA sociale la plus traditionnelle risque de produire des décep- breuses autres collectivités territoriales (communes, agglo- tions dommageables dans l’avenir. mérations…) ont été désignés plusieurs centaines de délé- En somme, une politique de soutien à l’innovation réel- gués à l’économie sociale et solidaire. Néanmoins, il demeure lement sociale doit respecter des principes essentiels qui deux limites majeures, l’absence de politique nationale et contredisent certaines idées toutes faites. les problèmes posés par le contenu des politiques locales. Les initiatives citoyennes ne doivent pas être abordées dans D’abord, en France, si ce n’est l’éphémère secrétariat la seule optique de l’insertion. Il s’agit de favoriser des d’ État à l’économie solidaire (2001-2002), aucun gouver- emplois pérennes et professionnels dans un cadre orga- nement national n’a vraiment pris en considération cette nisé susceptible de fournir aux salariés un statut de droit question. Ce déficit peut s’expliquer par la force historique commun, des garanties sociales, un droit à la formation, de l’opposition simpliste entre l’économie réduite au mar- des possibilités d’évolution professionnelle. La possibi- ché et le social restreint à l’État, occultant les potentiels de lité de procurer des opportunités d’insertion ne doit pas l’action collective au sein de la société civile. Il importe donc être considérée comme allant de soi. Elle existe dans cer- de renouveler à gauche l’approche de ce champ en refusant taines activités mais ne doit pas être systématiquement la société de marché, mais aussi l’assimilation de l’écono- associée à la notion d’initiative citoyenne. mie sociale et solidaire à un sous-service public. Les faits AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO qui peuvent accréditer une telle vision ne tiennent pas à une Les initiatives citoyennes peuvent créer des emplois mais caractéristique de l’économie sociale et solidaire mais bien il est important de relier cette création à la cohésion sociale à l’absence d’une politique publique à la hauteur des enjeux. et à une citoyenneté active. Elles ne peuvent être évaluées L’objectif politique est donc d’inventer la première politique sur le seul critère de la création d’emplois, elles permettent nationale durable en faveur de l’économie sociale et solidaire. également de produire des solidarités de proximité volon- Pour ce faire, il convient de tirer des enseignements des po- taires et d’activer des réseaux sociaux d’autant plus impor- litiques régionales et locales. Mais les soutiens sont souvent tants qu’ils s’inscrivent dans un monde où se multiplient accaparés par la partie la plus institutionnalisée de l’écono- les phénomènes d’isolement et de repli identitaire. Le res- mie sociale qui tire parti de ses positions notabiliaires pour pect de ces deux principes renvoie à des modifications concrètes dans les rapports entre économie sociale et soli- drainer les financements. Si une telle tendance se poursuit, REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 elle est très dommageable à l’ensemble de l’économie sociale daire d’une part et politiques publiques d’autre part. et solidaire parce qu’elle favorise une surreprésentation des La première exigence est de supprimer la confusion avec coopératives ou mutuelles alors que la dynamique de créa- le traitement social du chômage. Il existe une contradic- tion se trouve plus dans les associations. En outre, l’écono- tion entre des postes temporaires et des besoins à satis- mie solidaire mobilise de nouvelles générations très sensibles faire qui sont permanents. La multiplication des contrats Jean-Louis Laville 88 L’économie sociale et solidaire 89 face aux politiques publiques

pour une période transitoire et leur caractère déroga- 1. La reconnaissance d’un droit à l’initiative toire par rapport au droit commun stérilisent nombre La mobilisation collective qui est l’une des forces des pro- d’activités qui restent assimilées à des «petits boulots». jets de l'économie sociale et solidaire, la complexité des res- La création d’emplois est handicapée par des politiques sources à mobiliser amènent à distinguer ce qui ressortit sociales d’urgence qui sont focalisées sur la mise au tra- à l’investissement immatériel (aide au montage et formation

vail des chômeurs. Clairement, l’économie sociale et so- ACEESA des porteurs de projet) avant que l’activité ne puisse com- lidaire ne doit plus être assimilée à une sous-économie mencer et ce qui ressortit à l’aide au démarrage pour facili- réservée à l’insertion, elle est une composante légitime ter les trois premières années de fonctionnement. de l’économie contemporaine. Comme on l’a dit, trop de projets ont été soumis à une dérive La seconde exigence est de s’attaquer aux pratiques d’ins- vers les politiques sociales en se finançant par les mesures trumentalisation de l’économie sociale et solidaire par de traitement social du chômage, ce qui aboutit à négliger les pouvoirs publics qui ont parfois lieu sous couvert la qualité des prestations et l’implication des différentes d’une notion floue de partenariat. Pour que l’économie parties prenantes. Les contributions publiques doivent per- sociale et solidaire ne soit pas détournée des logiques mettre que de véritables activités économiques soient mises de projet dont ses organisations sont porteuses vers des en place, et non pas des activités occupationnelles à voca- logiques de programme, il importe de trouver des modes tion uniquement sociale. de contractualisation précis. Il s’agit non pas de déve- lopper une politique sociale mais de fournir les moyens 1.1. Investissement immatériel nécessaires à la construction et à la consolidation d’un Aide au montage champ d’activités économiques. Pour rompre avec une Objectif: appréhension en termes de politiques sociales, trois axes AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Financer l’ingénierie de montage de projets, c’est- peuvent être privilégiés : la reconnaissance d’un droit à-dire le temps que doivent y consacrer les promo- à l’initiative ; le renforcement des structures existantes teurs et la réalisation des études nécessaires dans une perspective de développement local, le soutien Pour éviter la dérive à laquelle ont été soumis trop de pro- aux nouveaux services de la vie quotidienne. jets, c’est-à-dire l’obligation de commencer dans l’urgence en Les suggestions ci-dessous présentées sur ces trois axes se finançant par une baisse des coûts salariaux il importe impliquent des investissements publics mais ce ne sont pas de financer en priorité l’investissement immatériel qui des dépenses additives car elles peuvent être financées par conditionne la qualité et la fiabilité des prestations futures. transferts des sommes allouées à l’aide aux entreprises qui Il est donc nécessaire de rendre possible une aide financière génère des effets d’aubaine ou de substitution importants. au montage à condition que les porteurs de projet acceptent REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 L’avantage comparatif de l’économie sociale et solidaire de travailler avec une structure de conseil qui soit en capa- est qu’elle crée des activités et des emplois non délocalisables cité de les aider dans la formalisation de leur projet. dans la mesure où l’originalité de ses structures juridiques est respectée avec la constitution d’un patrimoine collectif. Jean-Louis Laville 90 L’économie sociale et solidaire 91 face aux politiques publiques

Formation des porteurs de projet prendre la forme d’une aide dégressive à la création du pre- Objectif: mier emploi pour faciliter le recrutement de cadres diri- Favoriser l’élaboration de formations liées à la geants, par exemple, prise en charge de 70 % de la masse conduite de projets de l’économie sociale et soli- salariale en année 1, 50 % en année 2 et 30 % en année 3. daire, qui intègrent pleinement les deux spécifi- Une autre formule est l’aide à la constitution du fonds cités de ces projets négligées dans les formations ACEESA de roulement. habituelles à la création d’entreprises : un entre- preneuriat plus collectif qu’individuel et la connais- 2. Le renforcement des structures existantes sance de la pluralité des environnements: sociocul- Au-delà de ce qui est destiné à accompagner les projets, turel (usagers, réseaux d’entraide…), commercial il convient de consolider les structures existantes. La profes- (pour les financements marchands), institutionnel sionnalisation des emplois est une priorité pour démarquer (pour les financements non marchands). les champs en émergence d’une image d’activités de «se- conde zone». Par ailleurs, une des originalités de l’économie Les études de marché classiques apparaissent inadaptées sociale et solidaire est de développer des activités au niveau parce qu’elles ne sont orientées que vers le drainage de local. Alors que la structuration précédente de l’économie ressources marchandes alors que les ressources non mar- sociale s’est opérée par des regroupements nationaux, secto- chandes et non monétaires sont aussi essentielles à la réus- riels ou par statuts, les synergies au niveau de territoires lo- site des projets. La mise en œuvre de formations pour les pro- caux et régionaux deviennent déterminantes pour l’avenir. moteurs d’initiatives doit être fondée sur des méthodologies Enfin, de nombreuses organisations de l’économie solidaire spécifiques et les efforts dans leur conception sont à soutenir. articulent des financements marchands et nonmarchands, Il importe également de s’attacher à résoudre le problème AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO tout en générant des ressources volontaires. Cette consta- du statut des entrepreneurs en organisant des formations tation incite à dépasser les cloisonnements entre un secteur rémunérées pour les porteurs de projet ayant déjà réalisé marchand «productif» et un secteur non marchand «non une première formalisation de leur projet, afin que ceux-ci productif». En effet, si l’on se contente de raisonner à partir puissent disposer d’un temps de travail reconnu pour ani- de cette opposition classique, la relance d’une dynamique mer l’ensemble des activités liées à la conception de celles-ci. d’emplois se heurte rapidement à d’importants obstacles. Beaucoup d’activités marchandes, par leur caractère stan- 1.2. Aide au démarrage dardisable, se prêtent à une modernisation technologique Objectif: qui diminue l’emploi en leur sein. Dans le non marchand, le Diminuer les coûts fixes pendant la période potentiel d’activités nouvelles est énorme mais le finance-

de montée en charge de l’activité pour augmenter REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 ment de celles-ci est limité par les contraintes budgétaires le taux de pérennisation des activités. des pouvoirs publics. Dès lors, il est fondamental d’explorer Cette aide au démarrage doit faciliter le recrutement de toutes les pistes qui permettent de développer des activités dirigeants qualifiés qui sont indispensables pour crédibili- et des emplois combinant, d’une part, un financement par ser les actions de l’économie sociale et solidaire. Elle peut les voies du marché et, d’autre part, des financements non marchands, pour la plupart publics. Jean-Louis Laville 92 L’économie sociale et solidaire 93 face aux politiques publiques

2.1. Professionnalisation des emplois L’initiation de réseaux territorialisés ou de «districts» lo- Objectif: caux de l’économie sociale et solidaire est ainsi recherchée Soutenir les actions destinées à améliorer les en faisant jouer les synergies en son sein. Le financement conventions collectives et le niveau de qualification par les fonds publics hors local peut couvrir 50 à 70 % des des salariés, à participer au développement d’em- coûts des actions, le complément devant être assumé par plois durables dans l’économie sociale et solidaire; ACEESA les structures ou les collectivités territoriales, en garantie soutenir aussi des actions qui soient en mesure de de leur engagement. mieux articuler au sein des structures emplois pro- Plutôt qu’une logique de représentation, il s’agit d’une fessionnels et engagements volontaires. logique de projets communs mis en œuvre par diverses composantes de l’économie sociale et solidaire réunies vo- Pour y parvenir, il est essentiel d’élargir les types de forma- lontairement. Les projets communs peuvent être ponctuels, tion éligibles au fonds de la formation professionnelle, pour ils peuvent également conduire à la constitution d’organi- inclure : sations de second niveau propres à un territoire, du type — L’apprentissage par tutorat, consortium, qui remplissent diverses fonctions : négociation — Des actions qualifiantes reposant sur des réunions groupée avec les collectivités locales, commercialisation, d’équipes, des ateliers thématiques, des formes formation, labellisation qualité… En jouant le rôle d’inter- d’échanges des connaissances entre collègues, face, ce type de structure peut aider à l’établissement de — Des actions destinées aux responsables, élus, bénévoles conventions pluriannuelles rassemblant l’ensemble des comme salariés. financeurs, définissant les montants attribués par les diffé- rents partenaires et les engagements des contractants.

Le financement des formations innovantes est rendu d’au- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO L’énergie des dirigeants des initiatives n’est plus alors tant plus aisé que les fonds de la formation professionnelle centrée sur la renégociation permanente des soutiens mais peuvent être globalisés au niveau d’un territoire et répartis sur le développement des activités et des relations avec en fonction de l’analyse de besoins qui y est faite. les usagers. Par là même, ce conventionnement globa- lisé contribue à une assurance-qualité. Un bilan moral et 2.2. Soutien à des actions collectives financier est présenté chaque année aux signataires de la Objectif: convention et les pouvoirs publics sont en mesure de pro- Soutenir les démarches proposées par des struc- céder à toute forme d’évaluation qui leur paraît nécessaire tures (associatives, coopératives…) qui décident pour décider des possibilités de renouvellement et d’ajuste- de se regrouper pour mener des actions communes ment de la convention pluriannuelle.

dans un territoire ou par des collectivités terri- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 toriales qui présentent des programmes de déve- loppement concerté avec les réseaux d’économie sociale et solidaire. Jean-Louis Laville 94 L’économie sociale et solidaire 95 face aux politiques publiques

2.3. Création de fonds parce qu’elles correspondent aux différents types d’utilités territoriauxde développement de l’économie sociale et solidaire. Au-delà de l’utilité indivi- Objectif: duelle sensible pour les consommateurs, de l’utilité publique Constituer des fonds territoriaux de développe- renvoyant aux valeurs de justice sociale et d’égalité d’accès ment de l’économie sociale et solidaire, pour sortir dont l’État est en responsabilité d’assurer le respect, il de la juxtaposition des initiatives institutionnelles ACEESA existe une utilité sociale territorialisée associée à l’économie et viser la cohérence par la mise en place d’outils sociale et solidaire dans la mesure où cette dernière favorise communs au service de principes clairs et affirmés le développement local. Comme les collectivités locales, cer- publiquement. taines entreprises peuvent soutenir cette action portant sur l’attractivité du territoire et être sollicitées pour abonder un L’hypothèse soulevée par de tels fonds est celle de nouvelles fonds territorial. Par ailleurs, des expériences montrent que formes de régulation sociale et de négociation collective qui les habitants peuvent être sensibles à des investissements soient en mesure de légitimer et d’optimiser les affecta- de leur épargne en faveur du développement de l’emploi et tions de fonds au bénéfice de l’économie sociale et solidaire. de la qualité de vie sur le plan local. La mise en œuvre cohérente d’une politique de soutien nécessite une régulation et une négociation locales. Cette 2.4. Soutien à l’innovation socio-économique condition de crédibilité amène à suggérer la création d’un dialogue social local regroupant partenaires sociaux, élus Objectif: et représentants de l’économie sociale et solidaire. Il s’agit Impulser une dynamique en finançant la recherche d’ouvrir un quatrième niveau de dialogue social qui s’ajoute et le développement dans l’économie social et soli- daire. Les structures de l’économie sociale et soli-

aux trois niveaux classiques, l’entreprise, la branche et le AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO niveau national et interprofessionnel. Ce champ nouveau daire les plus innovantes sont pour beaucoup de pe- de négociation sur les problèmes de la cohésion sociale et tite taille et opèrent au niveau local, il y a donc un de l’emploi est susceptible de susciter une véritable mobili- risque que leurs expériences ne puissent se diffuser sation locale; il réclame toutefois le redéploiement d’un cer- que mal ou lentement. C’est pourquoi, il est impor- tain nombre de financements existant dans l’aide sociale, tant de stimuler par des financements appropriés l’aide aux entreprises, la création d’emplois et la forma- l’échange d’expériences pouvant procurer un appui tion au profit de cette négociation. Ceci pourrait prendre la additif aux projets les plus innovants. Il est égale- forme de dispositifs de concertation locaux réunissant par- ment nécessaire de promouvoir un programme de tenaires sociaux et représentants de l’économie sociale et recherche pour que soient définis des critères ren- solidaire autour de ces enjeux. dant compte des effets générés par les structures de REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 Un tel fonds peut mutualiser des financements d’ori- l’économie sociale et solidaire et qui ne le sont pas gines différentes: épargne locale de proximité, contributions par les autres services privés ou publics. d’entreprises, apports des collectivités locales, d’institutions Il est urgent de ne plus appréhender les organismes de l’éco- parapubliques et de l’État central. Les réglementations nomie sociale et solidaire seulement avec des indicateurs peuvent être aménagées pour que de telles hybridations aussi frustes que le «nombre de personnes employées» et le entre des fonds de provenances diverses soient possibles «degré d’autofinancement atteint». L’intérêt, relativement Jean-Louis Laville 96 L’économie sociale et solidaire 97 face aux politiques publiques

neuf mais croissant porté à l’économie sociale et solidaire hospitaliers, peut permettre aux personnes dépendantes repose sur le constat des limites des entreprises du secteur de maintenir des liens avec leur entourage en continuant privé à résoudre, pour des raisons multiples, certains défis à vivre à leur domicile. Quant à la culture et au sport, ce actuels que sont le chômage mais aussi la qualité et la quan- sont des domaines dans lesquels une demande existe tité des services collectifs, comme par exemple la protection et l’amélioration de leur accessibilité engendre des effets

de l’environnement. Il est donc indispensable de développer ACEESA importants de cohésion sociale. des grilles d’évaluation qui prennent en compte différents critères comme la création d’emplois, la satisfaction de be- 3.1. Soutien à la construction des services soins d’intérêt collectif mais aussi la cohésion sociale qui Objectif: peut être engendrée par l’implication d’une multiplicité d’ac- Éliminer les distorsions de concurrence tout en sol- teurs. À cet égard, il semble important d’encourager le ré- vabilisant la demande et en structurant l’offre. cent développement des méthodologies d’utilité sociale afin Dans le cadre des Trente Glorieuses, les services «sociaux» d’évaluer les structures de l'économie sociale et solidaire. ont été largement subventionnés par les pouvoirs publics en L’évaluation multidimensionnelle passe par l’élaboration de contrepartie d’une définition stricte de leurs modes d’action. ces méthodologies spécifiques qui ne sont pas encore entière- Cette forme de régulation qui peut être appelée régulation ment finalisées et dont l’avancée doit être soutenue. tutélaire privilégiait la justice sociale en finançant les pres- En lien avec les fonds territoriaux de développement, tations de services. Elle a été confrontée à deux obstacles: la constitution de dispositifs territoriaux d’évaluation l’inadaptation à des demandes de plus en plus évolutives, en matière des services locaux est à encourager au niveau le décalage entre les moyens disponibles dans le cadre des national et européen. Ils auraient pour caractéristiques d’in-

AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO politiques sociales et le volume des besoins. tégrer des représentants d’usagers, des offreurs de services, En réaction, dans des pays comme la Grande-Bretagne, des professionnels, des experts sectoriels comme d’impulser différents mécanismes ont été introduits dans l’attribution la constitution de labels de qualité inscrits territorialement. des financements publics afin de mettre en concurrence des prestataires publics, privés lucratifs et associatifs sur un 3. Le soutien aux nouveaux territoire. Ces formules de «quasi-marchés» ont mis l’accent services de la vie quotidienne sur les fonctions d’acheteurs et d’organisateurs des services Étant donné les évolutions socio-démographiques, les ser- pour les autorités publiques au détriment de leur rôle anté- vices à la vie quotidienne sont un enjeu majeur. Ces ser- rieur de fournisseur de services. Cette réforme était censée vices sont cruciaux puisqu’ils répondent à des besoins liés inciter à l’efficacité dans le rapport qualité-prix et de stimu- à la situation familiale (aide familiale, garde d’enfants…) ler l’adaptation de l’offre en ouvrant des possibilités de choix ou à une situation de dépendance (personnes âgées, ma- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 par les consommateurs. Toutefois, les effets pervers de cette lades ou privées d’autonomie, ce qu’on appelle le «care». régulation concurrentielle tiennent à l’alignement sur le Ainsi, on sait que la garde d’enfants peut diminuer les secteur privé lucratif, qui a des incidences sur l’appréhen- inégalités entre hommes et femmes. De même l’aide à do- sion de la qualité comme sur l’oubli tendanciel de bénéfices micile des personnes les plus âgées, au-delà des économies collectifs. Trop souvent, le prix est l’élément décisif dans qu’elle procure à la collectivité en évitant des placements Jean-Louis Laville 98 L’économie sociale et solidaire 99 face aux politiques publiques

l’adjudication des marchés au détriment de la qualité et de dont une partie peut d’ailleurs être issue du prélèvement la prise en compte des bénéfices collectifs. d’une quote-part sur les sommes versées par le paiement Aucune des deux formes de régulation qui se sont succé- à l’acte; dé ne s’avère complètement satisfaisante. Pour des services L’expression des usagers réclame aussi des moyens afin de divisibles qui ont en même temps une dimension collective, veiller à la continuité de relations de confiance entre les il est possible de trouver un nouvel équilibre en mixant ACEESA parties prenantes des services. contrats et conventions. Pour ce qui est des contrats, le domaine des services aux Les contributions publiques allant dans ces deux directions personnes (garde d’enfants, aide à domicile…), ayant une gagnent à faire l’objet de conventions précisant les engage- forte dimension affective et interpersonnelle, parce qu’une ments réciproques plus que de subventions. relation à long terme peut s’établir entre offreur et consom- mateur, nécessite une réflexion particulière. Il a été consta- 3.2. Soutien à la solvabilisation té que l’intrusion de compagnies privées internationales, Objectif: qui s’adossent sur d’autres activités et peuvent se permettre Émettre des chèques ou tickets modérateurs per- des pertes sur plusieurs années pour investir un marché mettant aux personnes les moins solvables d’avoir et en expulser d’autres prestataires, pouvait avoir plusieurs accès aux services. Compenser pour les structures effets pervers : pratiques de dumping, standardisation des les coûts supplémentaires engagés (du type de ceux services, constitution d’oligopoles. Pour les éliminer, cer- relevés plus haut : professionnalisation, expres- tains marchés publics pourraient être réservés aux orga- sion des usagers…), et les effets bénéfiques pour la nisations locales : entreprises privées, économie sociale et collectivité. solidaire. Un tel type de sélection ne constituerait pas une AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Pour ce qui est des services qui sont divisibles, c’est-à-dire entrave à la libre concurrence mais résulterait d’un souci dont la consommation est individuelle, un financement de saine gestion publique. L’obligation de recourir à un ap- mixte couplant aide à la consommation et convention peut pel d’offres pourrait être abolie dans des services aux per- être réalisé selon des modalités qui viennent d’être décrites. sonnes, la réduction des taux de taxe sur la valeur ajoutée En outre, des chèques-services peuvent être émis pour des pourrait être concentrée sur des services produits locale- activités sportives et culturelles autant que pour la garde ment et un pourcentage des marchés publics pourrait être d’enfants ou l’aide à domicile. réservé aux organismes de l’économie sociale et solidaire. Toutefois, l’extension des systèmes de subvention Parallèlement des conventions sont à établir pour que à la consommation par le biais des chèques-services ne peut deux enjeux ne soient pas négligés: être développée par les pouvoirs publics que si les systèmes La professionnalisation, dont l’importance a déjà été souli- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 d’aide financière veillent à l’accessibilité des services, gnée, est un rempart contre la précarisation des salariés. en augmentant la participation publique pour les ménages Les systèmes de paiement à l’acte doivent être complétés aux revenus les plus bas. Les systèmes reposant sur l’exo- par des financements permettant la professionnalisation nération fiscale ne peuvent être prolongés, sauf à faire de l’inégalité grandissante face aux services le levier de leur développement. Jean-Louis Laville 100

Les chèques ou tickets-services, parce qu’ils constituent un pouvoir d’achat dédié aux services, une «quasi-mon- naie», peuvent être des instruments adaptés à condition que soient réunies des conditions qui ne l’ont pas été jusqu’ici: BIBLIOGRAPHIE

— Simplicité de l’outil couvrant un large éventail de services; BUCOLO, E.; BRUGVIN, — Acquisition dans des guichets faciles d’accès; T.; COUTROT, T.; OLIVIER, A., — Aubventionnement des personnes proportionnel à leurs Commerce équitable. Produire, vendre et consommer autrement, Syllepse, besoins et inversement proportionnel à leur niveau de Paris, 2009 ressources. GUÉRIN,I.; HERSENT, M. ; FRAISSE, L., DACHEUX, E., (dir.), Femmes, économie et développe- En complément, les effets bénéfiques pour la collectivité liés (dir.) Communiquer l’utopie . Économie ment. De la résistance à la justice so- au fonctionnement des services doivent être identifiés pour solidaire et démocratie, L’Harmattan, ciale, Érès, Toulouse, 2010 pouvoir faire l’objet de rémunération par les pouvoirs publics. Paris, 2007 JUAN, S., Objectif: DESROCHE, H., La transition écologique, Érès, Solvabiliser les services collectifs émergents Solidarités ouvrières. Sociétaires et com- Toulouse, 2011 par de nouvelles dispositions législatives et pagnons dans les associations coopé- réglementaires. ratives (1831-1900), Les Éditions Ou- LAVILLE, J-L., vrières, Paris, 1981 (dir.), L’économie solidaire – Une Pour ce qui est des services collectifs dont la consommation pers pective internationale, Desclée n’est pas divisible et qui ne peuvent donc être payés direc- FAURE, A.; RANCIÈRE, J., de Brouwer, 1994, nouvelle édition, tement par l’usager, leur organisation est largement liée (textes choisis et présentés par), La pa- Ha chette Littératures, Paris, 2007 à l’instauration de règles fiscales comme celles adoptées au role ouvrière (1830-1851), La Fabrique, niveau européen sur les déchets qui conditionnent la sol- Paris, 2007 LIPIETZ, A., Pour le tiers secteur – L’économie so ciale vabilisation des activités. Pour la revalorisation d’espaces FERRATON, C., et solidaire : pourquoi et comment, urbains ou ruraux, les appels d’offres peuvent être rempla- Associations et coopératives, Une autre La Documentation française / La Décou- cés par des contrats négociés prenant en considération les histoire économique, Érès, Toulouse, verte, Paris, 2001 bénéfices générés par les organisations de l’économie sociale 2007 et solidaire, quand les autres entreprises ne les produisent MARÉCHAL, J-P., FRÈRE, B., Humaniser l’économie, Desclée De Brou- pas. Pour la gestion de l’eau ou des déchets, des formes de Le nouvel esprit solidaire, Desclée de wer, Paris, 2008 gestion partagée associant collectivités locales, presta- Brouwer, Paris, 2009 taires et associations d’habitants peuvent également être PLEYERS, G., expérimentées. GARDIN,L., La consommation critique. Mouvements Les initiatives solidaires. La réciprocité pour une alimentation responsable et so- face au marché et à l’État, Érès, lidaire, Desclée de Brouwer, Paris, 2011 Toulouse, 2007 SERVET, J-M., GUÉRIN, I., Femmes et économie soli- Le grand renversement. De la crise au daire, La Découverte, renouveau solidaire, Desclée de Brou- Paris, 2003 wer, Paris, 2010 102

RESUMEN Economía solidaria y emancipación Estas reflexiones se refieren funda- nacional tienen potencialmente muc- mentalmente al continente europeo. Economia Solidaria hos puntos de encuentro. La primera Solo ocasionalmente se hacen refe- pone el acento en la dimensión econó- rencias a otros lugares. Sería mucho y emancipacion mica, la segunda en la política. Ambas más complejo y largo presentar las forman parte de procesos por los que relaciones entre la economía solidaria 1 personas, grupos, pueblos, países, for- y los procesos de liberación nacional nacional maciones sociales tratan de liberarse en regiones donde estos como en Afri- de los diversos poderes que les oprimen. ca, fueron a menudo ligados a luchas Jordi Estivill Pascual También pueden existir puntos de anticolonialistas del siglo veinte y desencuentro. Reflexionar sobre aquello las estructuras estatales son frági- que les acerca y sobre lo que les separa les y a menudo impuestas o como en es el objetivo de este artículo. América latina donde la independencia Si ya no es fácil pensar en las articula- nacional se da generalmente en el siglo ciones entre el estado y la economía so- diecinueve, crea estados relativamen- lidaria las cosas se complican aún más, te estables (guerras fronterizas) que si hay que reflexionar sobre las posibles salvo excepciones, son utilizados por Jordi Estivill Pascual relaciones entre esta y los procesos de las burguesías nacionales para oprimir Profesor emerito de Política Social emancipación nacional. La dificultad a sus pueblos y muy especialmente de la Universidad de Barcelona Solidaria y del Consejo Científico no solo proviene de la relativa novedad a los indígenas. En ambos continentes (1981-2002). Profesor desde el año de RIPESS - Europa. Experto en del concepto de economía solidaria 2 abundan más los periodos dictatoriales 2002, del mestrado de Desarrollo, política social Europea habiendo sino también de lo que se entiende por participado en múltiples encuen- que los democráticos y los esquemas Diversidades Locales y Desafios liberación nacional en un contexto en de protección social públicos son selec- Mundiales y, desde el año 2005, tros y programas como investiga- del mestrado de Economia Social dor y evaluador. Colaborador de la el que más bien son las crecientes in- tivos, clientelares y solo cubren a unos y Solidaria del ISCTE de Lisboa. dirección de EAPN del programa terdependencias económicas, sociales, pocos (economía informal) y no todas Ex Director del Gabinet D’Estudis europeo «Bridges» que se aplicó políticas y culturales las que dominan las necesidades 4. No es de extrañar que Socials de Barcelona (1984-2002). en Francia, Bélgica, Rumania. el panorama mundial y en el que las Bulgaria, España y Portugal. la economía solidaria se entronque con Cooperativa especializada en in- identidades locales acostumbran a ser la vitalidad de las respuestas populares vestigación, asistencia, formación Premio a la mejor trayectoria pro- y evaluación de las políticas labo- fesional en el campo social otorga- un refugio contra una globalización, y sus formas de organización comuni- rales y sociales. Miembro actual do por el gobierno catalán (2010). en la que también deben jugar los me- taria y ponga el acento en su dimensión 3 de la Red Catalán de la Economia [email protected] canismos de solidaridad . de transformación social y política. Jordi Estivill Pascual 104 Economia solidaria 105 y emanciacion nacional

Una mirada a la historia populares y que estas cuando lo hacen acostumbran a en- Desde el punto de vista histórico ha habido diferentes cor- contrar sus formas organizativas sobre la base de concep- rientes de pensamiento que han conjugado el derecho a la au- ciones cooperativas y colectivas de la economía y la socie- todeterminación con la lucha por las transformaciones socia- dad. De esta forma, liberarse de un imperio, de un estado, les y económicas. A menudo, en el seno de estas corrientes se opresores, y al mismo tiempo intentar mejorar las condicio-

ha argumentado que emancipación nacional y social estaban ACEESA nes de vida y de trabajo es una vieja aspiración que hunde íntimamente ligadas. Se interpretaba que los trabajadores, sus raíces en el siglo XIX y que se proyecta hasta cierto pun- y las clases populares y sus organizaciones eran o debían ser to, en los procesos de descolonización del siglo XX y en las los principales protagonistas de la liberación nacional. mutaciones del mapa político europeo de después de la pri- Los ejemplos de elaboración teórica de esta articulación mera guerra mundial. abundan. Son muestras de estos ejemplos, la polémica en- Quizás sea interesante introducir aquí la diferenciación tre Marx 5 y Bakunin cuando el primero razona en favor entre los países europeos económicamente más desarrolla- de la conquista de Estados Unidos de una parte de Méjico dos, con estados que se legitiman con aperturas parlamenta- con el argumento de un mayor desarrollo capitalista y de su rias que permiten la entrada de expresiones políticas obreras clase obrera y el segundo se posiciona a propósito de las re- y con sistemas de protección social publica que poco a poco se vueltas de las naciones florecillas eslavas. Otros ejemplos los van generalizando, de los países periféricos donde los estados dan algunas de las propuestas socialistas y anarquistas del tienen una larga tradición de despotismo, de anacronismo siglo XIX que se fundamentaban en la liberación del traba- y que delegan su intervención social a instituciones de bene- jo asalariado con la constitución de nuevas comunidades de ficencia privada y eclesiástica. Esta diferenciación explicaría vida y de organización colectiva en las que debía desaparecer un desarrollo diverso de la economía social que en los países el poder político o las consideraciones de los austromarxistas AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO centrales se va integrando en los mecanismos estatales (mu- que critican al imperio austro húngaro y reformulan una teo- tualidades) y ve reducido su espacio autónomo de cobertura ría más cultural de las minorías nacionales como Otto Bauer de necesidades (sociedades de socorros, cooperativas,..) con que propone la autogestión social y la autonomía nacional y la producción (Taylorismo) y el consumo de masa (Fordis- las tesis de James Connolly 6, sindicalista y patriota irlandés mo). Mientras que en los «otros» países, amplias necesidades que es fusilado por los ingleses en el año 1916 en plena lu- no cubiertas, un mercado capitalista al que le cuesta ser he- cha por la independencia de su país. En esta lista no pueden gemónico 7, y una protección social publica escasa, selectiva faltar los inspiradores de las luchas por la liberación nacio- y clientelar crean unas condiciones en las que las distintas nal contra los colonizadores, de Cuba (Martí) y de Vietnam familias de la economía social tienen una mayor autonomía (Giap) ligadas a las necesarias transformaciones económicas en su caminar entre el estado y el mercado

y sociales de la situación de los campesinos. REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 De ahí que estas dos tradiciones generen una distinta La lista podría alargarse. Pero quizás sea la hora de ex- manera de plantear las relaciones entre el estado y la eco- traer alguna primera lección. Esta podría formularse así: nomía solidaria, incluso en la actualidad. Así, se puede no puede conseguirse un país libre sin que controle la gran formular la hipótesis que en los estados del bienestar más mayoría de sus recursos y mientras oprima a otro, que los avanzados y centrales, a la economía solidaria le quedan los sectores más interesados en materializarlo son las clases resquicios de la reproducción social, determinadas funciones Jordi Estivill Pascual 106 Economia solidaria 107 y emanciacion nacional

negociadas y subalternas (inserción de colectivos excluidos, Una respuesta a la creciente servicios de proximidad…) y la defensa de lo emergente y/o deslegitimación de los estados nación de lo marginal. En cambio, como más la economía solidaria No es el caso de repetir aquí la evolución de una mayoría se sitúa en la periferia, mayores son los márgenes de ma- de estados nación que se afirman en el siglo XIX en esta par- niobra que se le abren económica, social y políticamente. te de Europa. En cambio si puede ser más útil formular la hi-

Seguramente no es un azar que en estos últimos países, la ACEESA pótesis de su obsolescencia. A los estados actuales les es cada economía solidaria incorpore más fácilmente las practicas vez más difícil asegurar lo que dicen sus constituciones 8 en de la economía domestica y popular, la dimensión política y términos de la garantía y la efectividad de los derechos ciu- las aspiraciones de transformación social. dadanos, de la procura de bienestar social y de separación Estas aspiraciones se renuevan desde hace unos años de las tres funciones (legislativa, judicial, ejecutiva) que les como en América Latina, con la defensa de los movimien- habían caracterizado. En la fase actual de un capitalismo tos indigenistas de la naturaleza, de sus recursos territo- depredador y de ola neoliberal se ven sometidos a tales pre- riales, de su cultura y con la demanda de una nueva distri- siones de desmantelamiento que pierden capacidades y com- bución del poder político y económico mundial que no pase petencias por todos lados. La crisis iniciada en 2007 puede ni por la acción depredadora de las multinacionales ni por ser interpretada como un signo más de la falta de capacidad la complicidad de los estados. También se renuevan con de afrontarla por parte de las políticas públicas financieras, las luchas para diluir las fronteras artificiales impuestas monetarias, fiscales y del creciente poder de las instancias por los estados colonizadores a los pueblos africanos y por supraestatales y de las entidades financieras. En cierto la promoción de sus prácticas de organización económica, modo, se están enterrando muchos años de Keynesianismo social y cultural comunitaria o en muchos de los proyectos en los que la potencia publica regulaba la vida económica. translocales, transregionales y transnacionales que llenan AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Desde los años setenta, en los países industriales eu- la escena de la economía solidaria europea. ropeos, los llamados estados de bienestar, salvo algunas No es aventurado afirmar que en Europa, la economía excepciones, no han podido evitar el aumento de la pobre- solidaria se presenta y es presente como una respuesta za y la desigualdad, la segmentación y la precariedad del propositiva frente a la creciente deslegitimación de las es- mercado de trabajo y la marginación y expulsión de los co- tructuras estatales, como una defensora de las identidades lectivos más débiles, la limitación del acceso a los servicios territoriales, como una nueva perspectiva del desarrollo so- y prestaciones públicas y su recorte. Muchos de los derechos cioeconómico, como un nuevo espacio público que se abre adquiridos a través de duras luchas sociales se ven concul- paso entre el mercado y el estado, como una ligazón entre cados, y el miedo y la inseguridad se instalan en una pobla- autodeterminación y autogestión, como una penetración ción que se siente cada vez más vulnerable y para la cual

democrática y participativa en la vida económica, social, REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 el futuro es muy incierto. cultural y política; en fin, como una confluencia de actores En muchos países europeos, las formas dominantes y movimientos sociales que buscan, formulan y aplican for- de representación política se ven cuestionadas. El absen- mas alternativas de vida para un futuro más justo y solida- tismo electoral, la partitocràcia, la corrupción sistemática, rio en países más libres. los limites a la libertad de expresión, la irrupción de las Jordi Estivill Pascual 108 Economia solidaria 109 y emanciacion nacional

formulas y discursos populistas, de los grupos xenófobos o las medio ambientales o los lobbies que hacen presión y racistas son signos evidentes de la creciente distancia en- sobre las agencias internacionales (ONU, FMI, OMC, Ban- tre la ciudadanía y el poder político y la necesidad de fun- co Mundial,..), se constituyen y se desarrollan redes y ONG dar una nueva cultura política. internacionales sectoriales (Amnistía Internacional, Green No en todos lados, estas cuestiones se plantean por Peace, ATTAC…) y se expanden movimientos sociales 12

igual. Son más visibles en la periferia de Europa que en ACEESA como el de los indignados que florecen con ritmos parecidos, el centro. Pero en general, a la mayoría de las formulas es- en distintos países. Hasta cierto punto está emergiendo tatales les cuesta dominar a las empresas multinacionales, una ciudadanía transnacional. a los flujos financieros, a la evasión de capitales, al fraude Como es evidente la economía solidaria no tiene una fiscal, evitar la degradación del medio ambiente y la des- respuesta global a todos estos retos ni se inscribe en to- trucción del patrimonio natural, encontrar otras formas de dos estos movimientos aunque se encuentra muy cercana representación política y responder a las necesidades emer- a ellos. Pero si que ofrece un espacio para experimentar gentes de una población que se empobrece. Muchos de estos y pensar en otros modelos económicos, en otras formas de problemas se plantean y potencialmente podrían resolver- concebir el poder político y su distribución, en andar por se a una escala superior a la de los estados; otros a un nivel caminos de democracia participativa, en desplegar otras inferior y más próximo de los ciudadanos. estrategias de lucha contra la pobreza y la desigualdad, de- En corolario, las instancias supraestatales creadas por fender al medio natural y cultural y crear una nueva cultu- los estados tienen enormes dificultades para enfrentarse ra política. Aunque los procesos de emancipación nacional y solucionar estos problemas. Un ejemplo ilustrativo, por y de crisis de los estados estén llenos de contradicciones, no hablar de los bloqueos de las Naciones Unidas, lo ofrece no parece que se tenga que argumentar mucho para afir- la actual Unión Europea que sin dejar de ser un gran mer- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO mar que, cuando existen, son momentos más propicios a los cado no consigue avanzar plenamente como espacio político cambios de las reglas del juego, a la experimentación, más y retrocede en su dimensión social 9. En cambio, a escala fluidos, más libres de rigideces y ataduras y por lo tanto con local, la administración pública cuando colabora con las ini- mayores posibilidades de autoliberación. ciativas ciudadanas, abre nuevos espacios de experimenta- ción 10 en los que la economía solidaria se despliega. La fuerza en el territorio Al mismo tiempo crece el activismo transnacional e in- La economía solidaria encuentra una de sus razones de ser ternacional. Si bien es cierto que muchos de los activistas y su fuerza en el territorio. Acostumbra a nacer para resol- «cosmopolitas 11» estan «arraigados» a escala local y que ver las necesidades de la población de un lugar concreto. muchas redes se organizan sobre la base de la representa- Se desarrolla según como sus habitantes se apropian y se

ción estatal, no es menos cierto que desde Seattle en 1999, REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 identifican con el espacio en el que viven. En él, la economía Porto Alegre en 2000, aparecen causas globales que agluti- solidaria crea lugares de trabajo, no se deslocaliza, resis- nan a movimientos que van mas allá de las fronteras, como te mejor que las empresas mercantiles en los periodos re- la guerra de Irak (2003) o la campaña por la anulación cesivos, origina mercados de intercambio de los productos de la deuda, la respuesta a las cumbres de los países ricos locales, defiende la cultura de cada lugar y su patrimonio Jordi Estivill Pascual 110 Economia solidaria 111 y emanciacion nacional

natural, potencia el papel de los actores locales y de sus re- Si se adopta esta perspectiva, de abajo hacia arriba, des y acostumbra a reforzar el capital social y a dar un va- cabe sugerir que una buena parte de las cristalizaciones lor añadido socioeconómico que irradia al conjunto del ter- políticas espaciales están saltando por los aires. Las divi- ritorio. Por todo ello, economía solidaria y desarrollo local siones territoriales subestatales, institucionales y admi- se van aproximando. nistrativas más clásicas, como las regiones, provincias,

El desarrollo local ha tenido diferentes fases conceptua- ACEESA departamentos, condados, comarcas, lands, municipios, les y prácticas 13. Se puede distinguir una primera en la que parroquias van siendo substituidos, como núcleos de inter- a partir de la inversión pública central en infraestructuras vención económica y social, como nuevas agregaciones eco- físicas y de transporte se construyeron catedrales en el de- nómicas espaciales, por Distritos (Italia), «Pays, bassins, sierto 14. Después, se buscó un equilibrio entre recursos exó- zones» (Francia), Aglomeraciones urbanas, regiones pro- genos y endógenos, se traspasaron competencias y recursos grama (Portugal. Hungría, Irlanda), Áreas Metropolitanas de las autoridades centrales hacia ámbitos inferiores y se y urbanas (Inglaterra, Suecia, España). Las ciudades son crearon partenariados donde las autoridades locales 15 eran cada vez más globales 22. dominantes. Una tercera fase, en la que domina la noción Por otro lado, parecería, en un primer vistazo, que solo de capital social 16 ha puesto de relieve el valor de las redes viejas naciones nómadas 23 y errantes (Armenios. Tuaregs, horizontales que ligan al tejido asociativo 17 y los actores lo- Judíos 24, Gitanos, Beduinos…) y determinados colectivos cales, a la confianza generada por el reconocimiento de la (Rabidantes de Cabo Verde 25, transportadores de mercan- pertenencia a un mismo territorio y a un proyecto compar- cías del arco mediterráneo 26) se acomodan, por la vía de la tido de futuro, a la capacidad de producir bienes y servicios necesidad, a unos nuevos tiempos donde la movilidad de comunes 18 a partir de la pluralidad de la economía local. personas ( movimientos migratorios, refugiados, turismo) Aun cuando desarrollo local y economía solidaria hayan AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO mercancías (separación entre lugar de producción y de dis- renacido 19 en la misma época, durante la crisis de los seten- tribución), información y capitales es cada vez más frecuen- ta, sus itinerarios han sido fuertemente paralelos en los úl- te y es exigida por una burguesía que si cuando se consti- timos treinta años. Ha sido necesario que el desarrollo local tuía necesitaba fronteras (mercados nacionales), ahora se llegase a su tercera fase 20 y que también la economía social las salta cuando y como quiere. Si nunca el capital tuvo pa- y solidaria abandonase su potencial corporativismo que tria, ahora menos. ¿En los tiempos que corren quien aboga le lleva a defender los intereses particulares, que compren- por el proteccionismo y la autarquía? Por otro lado, no deja diese la importancia de los bienes colectivos, que superase de ser algo paradójico constatar que una parte de la econo- la democracia económica empresarial y fuese en el sentido mía solidaria quiera fundamentar sus circuitos en la auto- de una democracia participativa que se ejerce a escala ter- producción para el consumo y defienda la proximidad, el kilo-

ritorial, que criticase al crecimiento económico salvaje y su REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 metro cero y la vuelta a comunidades más o menos cerradas. distribución desigual de resultados a nivel territorial y que Pero no hay que equivocarse enalteciendo las posibilida- cada vez más defendiese al patrimonio natural y cultural des de la acomodación de la itinerància, porque las nacio- y el aprovechamiento de los recursos locales, para que fue- nes y los grupos errantes acostumbran a utilizar a su ma- se posible su actual y fructífero encuentro 21. nera el territorio y tienen el riesgo de perderse o de fundirse Jordi Estivill Pascual 112 Economia solidaria 113 y emanciacion nacional

en marcos más amplios y precisamente acabar siendo más A menudo, cooperadores, mutualistas, sindicalistas, res- dependientes. Tampoco hay que equivocarse pensando en ponsables del mundo asociativo forman parte de los movi- un retorno nostálgico a la vida rural y autárquica que se mientos de emancipación y por lo tanto ayudan a formular desarrollaría harmoniosamente alrededor del campanario. estas posiciones y sus experiencias se integran en el bloque Los movimientos de liberación nacional también en- liberador que se construye. Por lo tanto, las mujeres y hom-

cuentran su fuerza en su territorio, en sus identidades di- ACEESA bres de la economía solidaria tienen mucho qué ofrecer ferenciadas (lingüísticas, culturales, históricas, económi- y qué decir. Aunque el peso y la influencia de sus propues- cas,…) con otros territorios. Si se quieren liberar es porque tas dependa de la relación de fuerzas que exista. no encuentran un encaje satisfactorio en los espacios polí- ticos donde se ven obligados a vivir y donde se estructuran El derecho a decidir: participación, como sociedad, porque sus recursos son expoliados y su dig- autogestión y autodeterminación nidad maltratada. El derecho a decidir de los pueblos pone en cuestión la es- También ellos tienen el riesgo de ser defensivos, de que- tructuración política pero no puede agotarse en la indepen- rer cerrarse numantinamente en su territorio y pueden dencia política. Esta es una condición necesaria pero no su- caer fácilmente en la ilusión de creer que cuando lo con- ficiente. El derecho a decidir hay que aplicarlo en todas las trolen será un paraíso. Esto es especialmente evidente en facetas, desde el mundo institucional al campo económico. las naciones que cuentan con situaciones económicas más La historia demuestra que muchos pueblos que se han do- potentes (Flandes, Catalunya, Escocia, Euskadi…). Dos tado de estados independientes han continuado sometidos ejemplos de signo distinto: el dominio del petróleo Escocés a los designios de otros estados, no han creado otros mode- despierta muchas expectativas en sus expresiones naciona- los económicos y no han podido disponer libremente de sus listas de mejora económica, y en una hipotética Catalunya AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO recursos. A menudo el colonialismo primero y el neocolonia- independiente, el turismo seguirá siendo controlado por lismo después, han seguido ejerciendo su control económico los tours operators multinacionales. Esta tendencia a pre- y cultural e indirectamente político, con la complicidad de las suponer un futuro lleno de esplendor es menos evidente oligarquías locales que se enriquecen a costa de sus conciu- en naciones y pueblos menos desarrollados (Galicia, Sicilia, dadanos. En ningún lugar está escrito que, porque venza la Gales, Córcega, Islas Feroe…) en los que a pesar de ello, causa de la independencia política se garantice un país más hay fuertes rasgos de identidad y movimientos en favor de justo y más libre. La historia pone de manifiesto que muy fá- su propia soberanía. Para evitar estos riesgos de cerrazón cilmente pueden mantenerse o reproducirse las antiguas re- y de esperanzas con poco fundamento es crucial que des- laciones de dominio y que, aun cuando parece que ganen las de su inicio los movimientos de liberación expliciten cual energías renovadoras, pueden pervertirse y dar lugar a otras

es el modelo económico, social y territorial que proponen REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 formas de opresión tan despóticas o más que las anteriores. en abierta discusión con la economía solidaria, como van a Frente a ello, la economía solidaria propone romper es- establecer su relación con el exterior, como van a conectar tas relaciones de dependencia con el exterior y eliminar su combate «local» con las causas universales y como van progresivamente las desigualdades y despotismos interio- a ejercer su solidaridad internacional. res. Ello no significa ignorar por un lado la globalización Jordi Estivill Pascual 114 Economia solidaria 115 y emanciacion nacional

y por el otro, no intentar juntar el derecho a decidir con 1917, los consejos de fábrica italianos de 1919-1920, y los de una interdependencia libremente pactada. Las experien- Hungría y Alemania de 1919 y especialmente, las colectivi- cias de la economía solidaria se articulan de abajo hacia zaciones de Catalunya durante la guerra civil 27. arriba, en procesos de confederación progresiva de las co- Después de la segunda guerra mundial, se puede aludir munidades y países que se auto determinan y establecen a la separación del modelo soviético de la Yugoslavia de Tito

relaciones libres y solidarias. Al mismo tiempo, proponen ACEESA y la creación de un amplio sistema de autogestión, a los Ki- la creación de instancias internacionales que regulen los butz israelitas ligados al nuevo estado constituyente, a las flujos financieros, apliquen medidas protectoras del medio iniciativas obreras entre 1945 y 1953 en la republica demo- ambiente y de las culturas autóctonas, promuevan políticas crática alemana, a las distintas tentativas de consejismo de favorables a una mejor distribución de los recursos globa- Polonia y Hungría en 1956, a los mecanismos autogestiona- les y sean capaces de impedir las guerras y mientras no lo rios en la Argelia de Ben Bella que intentaba construir su consiguen, se juzguen los crímenes que en ellas se cometen. autosuficiencia económica, después de haber obtenido su in- El actual derecho ciudadano a decidir sobre el propio dependencia política…. Esta lista podría alargarse y citar las cuerpo, sobre las relaciones personales y colectivas, sobre el ocupaciones de tierras, las socializaciones cooperativas de modelo económico y sobre la estructura socio política se en- las viviendas, las manifestaciones culturales populares y la tronca con la tradición participativa de la economía social creación de prácticas empresariales autogestionarias de los y solidaria surgida en el siglo diecinueve. Cooperativismo, trabajadores en la compleja transición política de Portugal 28. mutualismo. asociacionismo se fundamentaron en la parti- Todas estas manifestaciones no están exentas de con- cipación de sus miembros, de sus socios, sean productores, tradicciones y de límites. Pero evidencian que se puede es- consumidores o usuarios y en la defensa del interés gene- tablecer una correlación entre voluntad y realidad partici- ral, del conjunto de la colectividad. AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO pativa y momentos de insurgencia y construcción política En esta tradición, en la que se promociona la primacía alternativa en los que se plasma el derecho de los pueblos de la persona y sus capacidades y su derecho a asociarse a decidir sobre su futuro y dotarse de las estructuras eco- con otros encontrando canales colectivos de participación, nómicas y políticas que deseen. Incluso se puede formular se han reconocido diferentes corrientes: el cristianismo so- la hipótesis de una fuerte correspondencia entre momentos cial, el solidarismo, el pacifismo, el feminismo, el ecologismo de eclosión participativa, de democracia económica y la que incluso algunos pensadores del liberalismo político y sobre se registra a nivel político. Los avances en una de las dos di- todo, los distintos socialismos (utópico, marxista. libertario, mensiones repercuten en la otra y al revés. Por eso es muy reformista). De acuerdo con esta última perspectiva, cabe difícil que islas participativas económicas puedan avanzar recordar que ha sido frecuente que cuando los trabajadores en océanos de pasividad política ciudadana 29.

se han sublevado contra el poder económico y político lo han REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 hecho sobre la base de la auto organización, la autogestión fabril, y la búsqueda de otras formas de poder político. Van en este sentido, desde la tentativa insurreccional y auto or- ganizativa de la Comuna de Paris, a los soviets de 1905 y de Jordi Estivill Pascual 116

Para finalizar Cualquier proceso de emancipación nacional y social es un combate entre fuerzas sociales y de su correlación depende el resultado. El cual no es evidente, ni está asegurado de 16 AA.VV. (2003) The contribution of social capital in the social economy antemano. Que puede hacer la economía solidaria?. Como to local economic development in puede influir?. Western Europe. Middlesex University. Se trata de los resultados de la investi- Si es fuerte y sabe tejer buenas y amplias alianzas pue- gación llamada CONSCISE financiada de ayudar a dificultar las marchas atrás y a empujar para por la Comisión Europea y aplicada en varios paises. dar pasos adelante. Primero porque es la expresión de una 7 En este sentido habria que hacer 17 Provasi, C. (coord) (2004) Lo svilu- 30 una revisión de las tesis de Polanyi, sociedad civil organizada . Segundo porque ya da res- K. (1989) La gran transformación. ppo locale: una nuova frontiera per il Madrid. Ed. La Piqueta non profit. Milano. Franco Angeli. puestas concretas de cómo hay que aprovechar mejor los NOTAS 18 8 Ver en este sentido la tentativa muy Trigilia, C. (2005) Sviluppo locale. recursos sociales y naturales y como no hay que dejarse ex- 1 Este articulo escrito especificamente germánica de fundamentar en la Cons- Un progetto per l’italia. Roma-Bari. para el numero de la revista Econo- poliar. Tercero porque es un embrión de una nueva socie- titución un” nuevo” modelo económico. Laterza. (pag.50 a 63) mia Solidaria, se inspira en el cuarto Felber,C.(2012) La economía del bien 19 dad y es un laboratorio pedagógico de ciudadanía. Cuarto capitulo del libro publicado por Estivill, Hablo de renacimiento porque es común. Barcelona. Ediciones Deusto. J. Garcia, J Valls, J. Via, j.(2013) posible encontrar antecedentes en los porque está formulando proyectos alternativos impreg- (pag.18) Economia solidaria per una Catalunya dos procesos como afirma Roque Ama- nados de solidaridad y democracia participativa. Quinto lliure. Barcelona. Ed. Icaria. Agradezco 9 Aires,S. Estivill,J.(2007) De lisboa ro,R. (2009) Desenvolvimiento local porque contribuye a formar un nuevo sujeto interesado en la invitación de Pedro Hespanha para a Lisboa. Regresso a o futuro. Porto. en Diccionario internacional da outra participar en este numero de la revista EAPN. economia. Coimbra. Ed. Almedina. el cambio social y político. Y sexto porque tiende a congre- dedicado a las relaciones entre la eco- (pag.109) 10 Moulaert, F. Nussbaumer, J. (2005) nomia solidaria y el estado.. 20 gar al conjunto de actores y movimientos que quieren dotar Defining the social economy and its go- Klein, J. L.(2005) Iniciativa local y 2 de contenidos reales a la independencia, y evitar que sea Vease el numero 1 de esta Revista. vernance at the neighborouhood level. desarrollo: respuesta social a la globali- Rev. Urban Studies n 42 (II). Para ver zación neolibera. Rev. EURE Vol XXXI 3 Globalizar la solidaridad fue el lema un proceso formal bajo la lógica Lampedusiana del estilo como se plantea en America Latina: n 94 Santiago de Chile del Congreso de Luxemburgo (2010) Rofman, A. Villar A, (2006) Desarrollo 21 «Cambiarlo todo para que no cambie nada». de RIPESS intercontinental y ha Démoustier, D. (coord.) (2004) ëco- local. Una revisión crìtica del debate. continuado siendo el lema del congreso nomie sociale et développement local. Si la economía solidaria consigue ejercer estos papeles, Buenos Aires. Ed. Espacio (ver los arti- fundacional de Barcelona (2011) de RI- Paris. L’harmattan. (pag.9) culos de Coraggio y de Altschuster). PESS europa y de su ultimo congreso entonces puede contribuir a que no se mutile el proceso de 22 Brenner, N. (2003). "La formación de Lille (2013). Ver Estivill, J. (2012) 11 Esta es la terminología que utiliza de la ciudad global y el re-escalamiento independencia y a que se refuercen las prácticas y los dis- Globalizando la solidaridad. Tarrow,S. (2005) The new transnational del espacio del estado en la Europa Rev Diagonal. cursos en favor de un país más libre, más sostenible, más activism. N.Y. Cambridge University Occidental post-fordista". Rev. EURE Press. Hay traducción castellana en Ed, 4 Estivill, J. (2006) A face ñao recono- Vol IXXX, n 86. Santiago de Chile. justo y más solidario. Hacer Barcelona.2010. (pag.48 i 49) cida da sociedade. O debate conceptual 23 Borrell. J.(1993) La raison nomade. sobre a exclusào social na Europa 12 McAdam, D. Tarrow, S. Tilly, Ch. Paris. Ed. Payot. Prefacio de Jacques e na America Latina en Balsa,C. (ed.) (2005) Dinamica de la contienda políti- Rancière. Conceitos e dimensòes da pobreza e ca. Barcelona. Ed. Hacer. da exclusào social. Ijuì.Ed. Unijuì. 24 Marientras, R.(1973) Les juifs ou la 13 (pag.130 a 133) Estivill, J. (200) Local development vocation minoritaire en Revista Temps and social protection. Genève. O.I.T. Modernes numero dedicado a Mino- 5 Ver la recopilaciuón de textos de (pag.) rités Nationales en France. Paris. n Marx, Engels Kaustky, Bauer. Renner. 14 324-325-325 Rosa Luxemburgo. Lenin. Stalin (1976) Este fue el calicativo utilizado para El marxismo y la cuestión nacional. designar las improductivas inversiones 25 Grassi.M.(2003) Rabidantes. Comér- Barcelona. Ed, Avance publicas centrales en el sur de Italia. cio espontâneo transnacional em Cabo Ver Bagnasco, A. (1999) Trace di comu- 6 Verde. Lisboa. Spleen Ediçoes. Connolly, J. (1974) Las clases nità. Bologna. Il Mulino. trabajadoras en la historia de Irlanda, 26 Tarrius, A. (2007) La mundializaci- 15 Madrid. Alberto Corazón editor. Vazquez Barquero, A. (1993) Politica ón por abajo. 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KEYWORDS SOLIDARITY ECONOMY PUBLIC POLICY STATE SOCIETY

RESUMO A economia solidária no Brasil vem se desenvolvendo a partir de uma enorme ABSTRACT diversidade de expressões que se rea- The Solidarity economy in Brazil is evol- As estruturas lizam nos mais diferentes campos de ving from a broad variety of expressions. ação: seja no campo das práticas; seja This development has been achieved in de ação política na relação com os movimentos sociais; a diversity of action areas, such as, in the seja no campo das políticas públicas; field of the economic activities; in the etc. Em decorrência desta diversidade, relations with social movements, as well e de representação são muitos os sujeitos políticos da econo- as, in the field of public policies; among mia solidária que se apresentam sobre others. Due to this diversity, a number da Economia Solidária diferentes estratégias embora pareçam of political subjects of the solidarity eco- convergir em um mesmo projeto político nomy enact under distinct strategies, no Brasil de sociedade. De todo modo, podemos at the end although, they converge into encontrar diversos reconhecimentos ou a sole political project for society. Whene- Aline Mendonça dos Santos entendimentos do que é e o que pode ver the area, it is possible to find recog- representar o desenvolvimento de ações nitions and/or understandings of what de economia solidária. Em suma, dois is and how the development of solidarity Vanderson Carneiro tipos de reconhecimentos da economia economy actions can help the society. solidária podem ser destacados: um Taking this into consideration, it is pos- reconhecimento a partir de um vies da sible to underline two types solidarity desigualdade e um a partir de um vies economy acknowledgments: one from the Aline Mendonça dos Santos da diferença. Isto implica em dizer, que bias of the inequality and another from Doutora em Serviço Social pela Uni- the bias of the difference. This means versidade do Estado do Rio de Janei- determinado reconhecimento pode levar ro (UERJ). Atua e pesquisa os temas a ações que se estruturam de forma that, the same recognition can lead to ac- políticas sociais, trabalho e econo- diferenciada e almejam resultados que tions that are differently structured and mia solidária. Atualmente é bolsista podem ser divergentes. Diante deste ce- aiming towards divergent results. On the Pós -Doc da CAPES – processo BEX nário, o trabalho aqui proposto percorre basis of the facts referred to above, this 10748-13-0 – e é uma das investiga- a história de construção da política pú- paper explores the construction history doras do Grupo ECOSOL CES e do projeto «ALICE – Espelhos estra- Vanderson Carneiro blica em economia solidária no Brasil, of the public policy for solidarity economy nhos, lições imprevistas: definindo Doutor em Ciência Política pela identifica as diferentes instâncias de in Brazil. It also identifies the different para a Europa um novo modo de Universidade Federal de Minas representação e diálogo entre Estado levels of representation and dialogue partilhar as experiências do mundo» Gerais (UFMG). Pesquisa os temas e sociedade e busca compreender, por between State and society. Additionally, coordenado pelo professor Boaven- políticas públicas, participação, it highlight the advances and contradic- tura de Sousa Santos – Universidade movimentos sociais e economia um lado, os avanços e contradições da de Coimbra. O projeto recebe fundos solidária. Atualmente é professor ação política neste campo, e por outro, tions of political action in this field, as do Conselho Europeu de Investiga- do Departamento de Gestão Públi- como esta intensa e tensa relação entre well as, how this intense and tense rela- ção, 7.º Programa Quadro da União ca (DGP) da Universidade Federal Estado e sociedade configura um tipo de tionship between State and society sha- Europeia (FP/2007-2013) / ERC Grant da Paraíba (UFPB) e é membro do reconhecimento sobre a política pública pes a type of recognition about the public Agreementn. 269807». Grupo ECOSOL CES. policy for the solidarity economy. [email protected] [email protected] de economia solidária. Aline Mendonça dos Santos 122 As estruturas de ação política 123 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

Introdução é visível que as principais instâncias da economia solidária A economia solidária no Brasil vem se desenvolvendo a par- no plano nacional emergem interligadas durante o mesmo tir de uma enorme diversidade de expressões que se rea- período histórico tanto no Estado como na sociedade civil. lizam nos mais diferentes campos de ação: seja no campo Desta forma, a política pública de economia solidária no das práticas (produção, comercialização, finanças e consu- Brasil foi organizada para ser formulada e implementada

mo), seja na relação com os diferentes movimentos sociais, ACEESA em estreita relação com o seu movimento. Para tanto, mui- seja no campo das políticas públicas. Em decorrência des- tas foram as instâncias institucionais criadas para poten- ta diversidade, são muitos os sujeitos políticos da econo- cializar esta relação. De todo modo, mesmo com esta estru- mia solidária que se apresentam sob distintas estratégias tura institucional que permite uma relação mais próxima embora pareçam convergir em um mesmo projeto político entre o Estado e a sociedade, dois aspectos devem ser des- de sociedade. De todo modo, podemos encontrar diferentes tacados nesta relação e construção da economia solidária reconhecimentos ou entendimentos do que é e o que pode como política pública. representar o desenvolvimento de ações de economia soli- O primeiro aspecto refere-se ao papel do Estado, e como dária. Em suma, dois tipos de reconhecimentos da economia este se configura na promoção da economia solidária, solidária podem ser destacados: um reconhecimento a par- ou seja, partindo do pressuposto que o Estado pode ser visto tir de um viés da desigualdade e um a partir de um viés da como heterogêneo (SANTOS, 2003), e por isso, marcado por diferença. Isto implica em dizer que determinado reconheci- diferentes interesses, valores e recursos. Resta-nos analisar mento pode levar a ações que se estruturam de forma dife- como esta heterogeneidade pode levar a entendimentos di- renciada e almejam resultados que podem ser divergentes. ferentes da economia solidária e, consequentemente, contri- Assim, é de suma importância identificar este tipo de re- buir ou constranger ações para o seu desenvolvimento. conhecimento na relação Estado e sociedade, uma vez que AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Por sua vez, um segundo aspecto destaca que a própria a construção desta relação no campo da economia solidária sociedade, e neste caso o movimento da economia solidária, por vezes se confunde e produz políticas públicas de apoio também cria canais para pressionar o diálogo e afirmar ca- à economia solidária que estão ancoradas em representa- minhos que devem ser seguidos para o desenvolvimento da ções e ações políticas que se configuram a partir de um viés economia solidária. Estes canais sinalizam por um lado um da desigualdade ou da diferença. entendimento e reconhecimento da economia solidária por A Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) seus próprios atores e, por outro, indicam também a pre- e o Fórum Brasileiro de Economia Solidaria (FBES) – prin- sença de uma sociedade heterogênea que disputa o entendi- cipal expressão do movimento de economia solidária no mento, os espaços e os meios adequados para o desenvolvi- Brasil – possuem uma relação muito estreita desde suas mento da economia solidária.

origens. O FBES se afirma a partir da Carta de Princípios REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 Desta forma, as análises sobre as diversas relações ad- e da Plataforma da Economia Solidária elaboradas na ter- vindas entre Estado e sociedade devem levar em considera- ceira Plenária Nacional da Economia Solidária em junho de ção a presença de interesses distintos que podem somar ou 2003, na mesma época de implantação oficial da SENAES reduzir o alcance das ações. A análise do ponto de vista da no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Neste sentido, relação entre Estado e sociedade não pode considerar nem Aline Mendonça dos Santos 124 As estruturas de ação política 125 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

o Estado, nem a própria organização societária como homo- que acolheram esta política sejam consideradas um contí- gêneos. Tanto um, quanto outro, devem ser considerados de nuo uma das outras, sobretudo por serem lideradas pelo forma heterogênea. Partido dos Trabalhadores (PT), sabe-se que elas apresen- É importante destacar que a discussão desenvolvida nes- tam defasagens significativas, principalmente porque esta- te texto é resultado de um trabalho de pesquisa militante mos falando de mandatos da PT com diferentes coligações

(CUNHA & SANTOS, 2011) e tem como base de análise, es- ACEESA partidárias e dois estilos diferentes de governar. tudos empíricos, pesquisa bibliográfica e documental sobre Quando o PT chegou ao governo federal em 2003, havia a economia solidária como movimento social e como política1. muita expectativa de que o governo implementasse uma am- À luz desta concepção, trabalhamos este texto dividido pla reforma democrática do Estado, reproduzindo em nível em quatro momentos: Primeiramente refletimos sobre o con- nacional as inovações pelas quais o partido se tornou reco- texto do Estado brasileiro e sobre a sua condição de Estado nhecido na década anterior nos governos que geriu localmen- heterogêneo. Na sequência percorremos a história de cons- te. Naqueles governos, a criação de novas institucionalidades trução da política de economia solidária no Brasil. Logo iden- participativas, tais como o orçamento participativo, chamou tificamos as diferentes instâncias de representação e diálogo muita atenção do campo acadêmico e político em nível nacio- entre Estado e sociedade e, por fim, buscamos compreender, nal e internacional. De fato, desde o início do governo Lula, por um lado, os avanços e contradições da ação política neste criaram-se diversos conselhos nacionais de participação da campo e, por outro, como esta intensa e tensa relação entre sociedade na gestão da política e outros existentes foram Estado e sociedade configura um tipo de reconhecimento so- fortalecidos. Também foram realizadas dezenas de confe- bre a política pública de economia solidária. rências nacionais – espaço de interlocução entre Estado e so- Nossa opção analítica, no presente texto, se ateve em ciedade – em grande número de setores de política pública 2. traçar a história de construção da política de economia so- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Da mesma forma, o aumento na presença de militantes sin- lidaria no Brasil, compreender a forma como esta política dicais e de movimentos sociais dentro da estrutura do Estado se estabelece no centro da relação entre Estado e sociedade (PAULA, 2007) ampliou o acesso formal e informal ao Estado e de que forma tal relação nos indica desenhos de políticas e aumentou as chances de sucesso dos movimentos, com im- públicas diferentes que alteram o entendimento e reconhe- pactos institucionais e legais importantes. cimento da economia solidária como política pública. No entanto, os avanços políticos encontraram alguns percalços frente à gestão econômica e administrativa. O pri- 1. O Estado brasileiro e o espaço meiro mandato de Lula garantiu uma gestão financeira in- de construção da política de Economia Solidária terna do país que deu continuidade às reformas econômicas A política de economia solidária no Brasil é uma institu- do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e, portanto,

cionalidade nova iniciada no primeiro mandato do governo REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 continuou subordinado ao Fundo Monetário Internacional do Presidente Luis Inácio Lula da Silva – vulgo Lula – e se (FMI). Paralelamente a manutenção das estratégias refe- mantém até o atual governo da Presidente Dilma Roussef. rentes às políticas econômicas (que sempre ocuparam um Isso significa que estamos falando de 12 anos de política lugar privilegiado na gestão política de governos que dialo- pública federal. Embora as quatro gestões governamentais gavam com o FMI) Lula investiu nas políticas sociais (não Aline Mendonça dos Santos 126 As estruturas de ação política 127 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

ao ponto de equilibrar a importância com as políticas eco- em contraponto à estratégia monetarista, liderada pelo até nômicas) garantindo uma melhoria no mercado interno por então ministro da fazenda Antônio Palocci e pelo presidente via da distribuição de renda. A partir de 2004 ocorreu um do Banco Central Henrique Meirelles. incremento do salário real, além da implantação de progra- As duas estratégias económicas eram bem distintas. mas sociais, como o Fome Zero, que contribuíram, significa- Segundo Souza (2007) a estratégia desenvolvimentista

tivamente, para que diminuísse o índice de pobreza 3. ACEESA assumia que para viabilizar o desenvolvimento autossus- Percebe-se que no campo econômico, Lula evitou grandes tentado, o Estado deveria ter um papel importante na coor- mudanças, mas no campo político, da participação social, denação da atividade econômica, na distribuição de recur- pode-se dizer que o seu nome fica associado a mudanças im- sos entre os vários setores da economia, na realização de portantes. Os movimentos sociais e organizações da socieda- investimentos e na distribuição de renda. Já a estratégia de civil passaram a ter muito mais condições de diálogo com monetarista assumia que bastava o governo criar os «fun- o Estado. Como já sinalizado, foram muitas as conferências e damentos macroeconômicos» para que o mercado cuidasse conselhos criados pelo governo Lula para garantir uma ges- de regular a economia e promover seu crescimento. tão mais participativa. É significativo que, quando assumiu Na sequência, Dilma Rousseff iniciou seu mandato com o poder em 2003, uma das primeiras medidas de Lula tenha a promessa de dar continuidade às estratégias do governo sido a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico anterior, garantindo que o crescimento econômico seria e Social, constituído por representantes das mais diferentes uma prioridade na sua gestão. Desta forma, herdando um instâncias da sociedade: trabalhadores, empresários, gesto- Estado com uma economia relativamente equilibrada (com res públicos, representantes dos movimentos sociais, etc. crescimento de 7,5% ao ano), Dilma implementou várias Assim, pode-se dizer que o primeiro mandato do presidente medidas para acelerar o crescimento, tais como alavancar Lula sustentou as bases macroeconômicas ao mesmo tempo AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO o consumo através da criação do plano «Brasil Maior» 5, au- que procurou destacar as políticas sociais / assistenciais e ga- mentar a taxação de produtos importados, promover redu- rantir maiores condições de diálogo entre Estado e sociedade. ções tributárias, garantir a manutenção da poupança, etc. Já o segundo governo foi mais desenvolvimentista (tam- Para além do esforço de aquecer a economia e manter os bém por influência de Dilma como Ministra da Casa Civil), índices de crescimento econômico, Dilma Rousseff anunciou evidenciando traços característicos da influência das polí- que a estratégia de ação do Governo era erradicar a pobre- ticas neoliberais. No segundo mandato, Lula apresentou za extrema no Brasil, tendo para isso criado o «PAC contra o PAC –Programa de Aceleração do Crescimento – como a miséria», um programa transversal a todas as instâncias principal estratégia da nova gestão, tendo em vista o cresci- de governo cujo lema é «um país rico é um país sem pobreza». mento econômico através de investimentos orientados para O «PAC contra a miséria» foi planejado tendo em vista

a melhoria das infraestruturas do país. REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 três frentes de ação: a inclusão produtiva, a ampliação da O PAC 4 resinificou o governo. Este deixou de expressar rede de serviços e a continuidade e aprofundamento de pro- uma continuidade (adaptada) e acomodação com as políti- jetos de benefícios e transferência de renda. Desta forma, cas econômicas desenvolvidas nos governos de FHC, para o combate à miséria na gestão de Dilma passa a ser gerido adoptar uma orientação desenvolvimentista. Convocando por um programa com metas claras, indicadores definidos a sua equipe econômica Lula traçou uma estratégia de ação e com estratégia de monitoramento. Aline Mendonça dos Santos 128 As estruturas de ação política 129 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

Assim, o Governo Dilma adotou uma postura mais tecnicis- o Estado, de que o Estado é o articulador e que integra um ta que os governos Lula, no sentido em que os resultados preci- conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações em que com- sam de ser expressos por metas e indicadores, em contraponto binam e interpenetram elementos estatais e não estatais, com a subjetividade própria de processo dialéticos presentes nacionais, locais e globais» (SANTOS, 2006: 364). Isso refle- na dinamização de políticas sociais assumida pelos governos te a possibilidade de aumento do poder e da participação da

anteriores. Com isso, o diálogo e a participação política da so- ACEESA sociedade na política, colaborando para o que Santos chama, ciedade na agenda do Estado foi sendo cada vez mais reduzi- de uma «reinvenção solidária e participativa do Estado». do. Dilma manteve as instâncias formais e oficiais de diálogo e A incidência do Estado-novíssimo-movimento-social im- participação criados pelos governos Lula, mas inibiu o diálogo plica também em um Estado heterogêneo – designado por informal e cotidiano que Lula prezava em suas gestões. Boaventura de Sousa Santos para explicar o pluralismo ju- Este breve histórico permite compreender algumas di- rídico e as contradições do Estado, ou seja explicar uma fal- ferenças estruturais que estão por trás da linha do tempo ta de coerência na ação do Estado (Santos, 2003c). No caso da gestão PT nos últimos anos. Percebe-se que houve avan- do Brasil, o Estado heterogêneo corresponde a uma forma ços muito importantes e reconhecidos por grande parte dos de organização política assente em parcerias contraditórias eleitores. No entanto, as expectativas sobre as tão espera- que por um lado ampliam significativamente as chances de das reformas (política, agrária, tributária, etc.) eram maio- vitória eleitoral de um governo de coalizão em um sistema res, inclusive no que diz respeito à democratização do Esta- político como o do país e, por outro lado, produz políticas do. A complexidade de compreender o porquê dos processos públicas com interesses diversos e contrários (seja numa dentro desta história está na capacidade política de aten- lógica emancipatória, seja numa lógica de manutenção do der diferentes matrizes que se desdobram numa diversida- status quo) que acabam por disputar os recursos do Estado. de enorme de interesses organizados em todos os setores AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO A condição do Estado brasileiro «como-novíssimo-movi- da sociedade brasileira que refletem diretamente nos inte- mento-social» se identifica por duas frentes: resses das diferentes forças políticas que compõem a gestão 1 — a grande participação de lideranças da sociedade civil governamental, neste sentido, o PT fez um esforço de aten- (movimentos sociais, sindicatos, intelectuais engajados, der os diferentes interesses, mas não fez nada que compro- etc.) na gestão direta ou indireta das políticas públicas 6; metesse o projeto de aceleração do capitalismo brasileiro. Diante deste cenário, destacamos dois conceitos de- 2 — a ampliação dos espaços de participação da sociedade senvolvidos por Boaventura de Sousa Santos que são na formulação e implementação das políticas, através de úteis para compreender a realidade do Estado brasileiro: conselhos gestores, conselhos nacionais e conferências. «Estado-como-novíssimo-movimento-social» (2006) e o «Es- São duas também as frentes para compreender o Estado

tado heterogêneo» (2003). REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 brasileiro como heterogêneo: O «Estado-novíssimo-movimento-social» trata de com- 1— a persistência de grandes e contraditórias coalisões par- preender o Estado a partir de uma dinâmica participativa tidárias – como já sinalizado anteriormente; que permite entender a relação com sociedade. Corresponde a uma «nova forma de organização política mais vasta que Aline Mendonça dos Santos 130 As estruturas de ação política 131 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

2 — a implementação de políticas públicas diversas, muitas 2. A trajetória da política pública vezes contraditórias, com perspectiva de impacto polí- de economia solidária no Brasil tico e econômico distintos e implementadas por campos frente à heterogeneidade do Estado políticos opostos. Neste caso, ao mesmo tempo que exis- A economia solidária como política pública começou a to- tem políticas que aderem ao ajuste estrutural do capital, mar forma mais concreta em nível nacional após a criação

há outras que incorporam ideias e temas de interesse ACEESA da SENAES em 2003 com a vitória eleitoral de Lula em de lutas sociais, ou seja, trata-se de um governo que im- 2002. Para refletir sobre a economia solidária como política plementa políticas que agradam a «gregos e troianos». pública e sobre a história da SENAES, primeiro é preciso O desequilíbrio entre as políticas muitas vezes dá a tôni- resgatar uma questão que a antecede: como é que a econo- ca do projeto de desenvolvimento absorvido pelo gover- mia solidária despertou o interesse do PT? no, uma vez que existem políticas públicas em condições Com o processo de reestruturação produtiva que teve des- mais periféricas que outras 7. taque na década de 1990, a autogestão – sobretudo de fábri- cas recuperadas - e a economia solidária ligada às iniciativas Ao dialogar com esta perspectiva contraditória, Sardá populares – começaram a fazer parte da agenda dos traba- (2011:58) indica dois vetores de políticas combinadas por lhadores. A ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalha- estes governos: dores em Empresas de Autogestão – surgiu para organizar 1 — um projeto de aceleração do capitalismo no Brasil; e articular a demanda que aparecia fortemente em torno do 2 — um projeto de alargamento do campo dos direitos so- trabalho coletivo e autogestionário. Quando a ANTEAG sur- ciais através da incorporação de setores até então mar- giu, algumas referências intelectuais e do PT, inclusive Paul ginalizados ou excluídos da agenda pública. Singer – um renomado economista que está entre os funda- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO dores do partido – , foram chamadas a discutir e contribuir Nos parece que este é o cenário que precisa ser considerado para a compreensão dos processos. Foi a ANTEAG também para compreender a dinâmica (avanços e limites) da polí- que ajudou a formular as primeiras experiências de políti- tica de economia solidária no governo federal. Além disso, ca pública dos governos populares – por exemplo as políticas nos coloca o questionamento de que forma vêm sendo reco- do Governo Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, em 1999 – , nhecidas e implementadas as ações de promoção da econo- ou as de outros municípios como Santo André (no estado de mia solidária, uma vez que tal ambiguidade pode influen- São Paulo) e Recife (no estado Pernambuco). ciar desenhos de políticas e, consequentemente, executar Neste período 1999 / 2000, houve um congresso nacional ações divergentes. do PT em Belo Horizonte em que foi debatido o problema do significado do socialismo nos tempos pós-muro de Berlim,

REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 quando os regimes do chamado socialismo real foram derru- bados e substituídos por regimes democráticos contribuin- do para a hegemonização do sistema econômico capitalista. Isso trouxe um impasse para a esquerda e, designadamen- te, para o PT, um partido que se reconhece socialista desde Aline Mendonça dos Santos 132 As estruturas de ação política 133 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

a sua criação. Segundo Singer (2012:49) desencadeou-se Grupo de Trabalho de Economia Solidária (GT Nacional) 8 uma grande polêmica no PT, tendo uma parte dos filiados que, a partir de então, foi o centro de mobilização para uma entendido que se tratava do fim do socialismo e advogado sequência de iniciativas políticas pensadas para configurar que era preciso pensar em outra alternativa; enquanto uma o movimento. O GT Nacional foi composto por 12 organiza- outra parte (incluindo Paul Singer) defendeu a bandeira do ções e redes de apoio à economia solidária 9. Este GT foi im-

socialismo, afirmando que este é anterior ao socialismo real ACEESA portantíssimo para a constituição das primeiras plenárias que se impôs em 1917 e que, portanto, se o socialismo real de economia solidária – espaço político que reúne ativistas entrou em crise e estava acabando, isso não significava que da economia solidária para pensar as estratégias sobre o socialismo tivesse deixado de ter atualidade. a mesma e que indicariam o rumo do movimento de econo- Tendo em vista esta polêmica, o PT promoveu em 2002 mia solidária no Brasil. uma série de seminários sobre o socialismo que, entre outros A partir das primeiras plenárias, formou-se uma co- temas, debateram a Economia Socialista. Este debate, refle- missão responsável em negociar, junto ao Governo Lula, tido no livro «Economia Socialista» de Paul Singer e João Ma- a inserção de políticas públicas para a economia solidá- chado publicado em 2000, foi um grande estímulo para que os ria na plataforma de governo. O resultado desse diálogo militantes e dirigentes do PT compreendessem a Economia deu origem à SENAES dentro da estrutura do Ministério Solidária – um termo entretanto surgido para designar as do Trabalho e Emprego, em junho de 2003. O nome de Paul iniciativas populares de autogestão – como um componente Singer foi apresentado pelo movimento para ser o Secretá- importante das plataformas e programas dos governos con- rio Nacional de Economia Solidária e foi aceito pelo presi- quistados pelo partido. Assim, quando Lula foi eleito, havia dente Lula e pelo então ministro do trabalho Jaques Vag- um compromisso – ainda que nebuloso – de desenvolver uma ner. No dia seguinte à posse do economista Paul Singer (26 política de fomento à Economia Solidária (SINGER, 2012). AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO de junho de 2003), ocorreu a III Plenária Nacional de Eco- Além desta discussão no interior do PT, outros campos nomia Solidária, onde foi criado o Fórum Brasileiro de Eco- políticos (movimentos sociais e organizações da sociedade nomia Solidária – FBES como espaço da sociedade distinto civil) ligados à esquerda introduziram em suas agendas do espaço público-estatal, que seria a SENAES. Após 2003, a discussão sobre a economia solidária. Poderíamos sugerir com uma política nacional de fomento começando a ser pla- que esses atores atuaram como “empreendedores das po- nejada e executada, Fóruns Estaduais de Economia Solidá- líticas públicas” de economia solidária (KINGDON, 1995), ria foram sendo articulados e foram somando-se às iniciati- ou seja, foram atores importantes para dar suporte e incen- vas já existentes. tivo à implementação de uma política pública. Assim, embora já houvesse uma pré-disposição do par- O Fórum Social Mundial (FSM) foi um dos acontecimen- tido com o tema, a SENAES nasce a partir de uma deman-

tos decisivos na história da economia solidária no Brasil. REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 da do movimento que na época estava iniciando e hoje está Desde sua primeira edição, em 2001, teve papel significa- presente nos 27 estados do país. O FBES é o principal inter- tivo como espaço de articulação entre uma série de entida- locutor da SENAES desde o início. Desta forma, as políticas des que começaram a dar forma ao movimento de econo- públicas de economia solidária no Brasil são realizadas em mia solidária no Brasil. No primeiro FSM foi legitimado um estreita parceria com a sociedade. Aline Mendonça dos Santos 134 As estruturas de ação política 135 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

Logo no início da SENAES, sabia-se dos desafios e da com- A legislação brasileira não atende à regulação de trabalho plexidade que seria desenvolver estas políticas frente coletivo, prevalecendo a visão individualista da relação la- às condições estruturais e políticas que o governo oferecia. boral e mais centrada nos interesses do capital privado. Por Apesar de todo o debate socialista que ocorreu no interior isso, não há cobertura prenunciada para o associativismo de do PT, o governo pouco fez para alterar a lógica capitalista economia solidária, autogestão e cooperativismo popular 10.

presente no processo de governação – conforme discutido na ACEESA Apesar da sua condição periférica e da sua dificuldade de seção anterior – e isso colocou a economia solidária e outras relacionamento 11 dentro do Ministério que a tutela, obser- políticas consideradas emancipatórias em um lugar bas- va-se que a SENAES tem bom trânsito naqueles organismos tante periférico na estrutura de governo, sobretudo no que que já atuam com os sujeitos da economia solidária como se refere a questão orçamentária dos recursos financeiros, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o Ministério configurando assim a situação de heterogeneidade da esfera do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Secretaria de Edu- estatal tal como caracterizada anteriormente. cação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Dentro do governo a economia solidária enfrentou mui- Ministério da Educação (MEC), entre outros. Esta relação tas dificuldades, sobretudo dentro do MTE que, historica- com outras institucionalidades do governo passou a acon- mente relacionado com os direitos do trabalho assalariado, tecer à medida que a economia solidária começou entrar na não estava preparado para atender os direitos do trabalha- agenda de outros movimentos sociais e, consequentemente, dor associado. O próprio FBES percebeu esta singularidade na agenda de outras políticas que estreitaram relações com e passou a denunciar a questão em seus espaços de interlo- a SENAES (SCHIOCHET, 2012). cução com o Estado, alegando um distanciamento da econo- Cunha (2011), ao estudar a rede de relações para o de- mia solidária dos demais segmentos do MTE: senvolvimento das políticas públicas destaca o conjunto de AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Toda a discussão do sistema público de emprego tem parcerias institucionais que a SENAES construiu ao longo 12 passado ao largo o tema da economia solidária. (...) dos primeiros oito anos , relações estas que são de suma era necessário pensar a integração de políticas públi- importância para aumentar o espaço da economia solidária cas para dentro do Ministério do Trabalho e Emprego, no governo, mas nem sempre acontecem de forma tranqui- a integração com outros ministérios, a integração en- la, sobretudo pelas diferentes racionalidades a respeito do tre esferas de responsabilidade institucional (federal, tema que os diversos setores do governo possuem. estadual e municipal) e por fim pensar o papel que Desta forma, há recursos para economia solidária dis- deve desempenhar os diferentes atores na construção tribuídos em várias outras instâncias do Governo Federal (secretarias e ministérios), para além da SENAES, confor- da economia solidária (FBES, 2005b). me demonstra o levantamento realizado por Medeiros et al. 13 Outra frente de contradição da economia solidária enquanto REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 (2005) , e o levantamento realizado pelo FBES em 2010 política pública é a questão do marco legal. Embora a eco- (FBES, 2010). No entanto, o que parece se configurar não nomia solidária esteja institucionalizada enquanto política é uma ação coordenada que tem como eixo estratégico a eco- pública, ainda não há um marco legal que a proteja e que nomia solidária, mas ao contrário, a economia solidária apa- ampare o trabalho autogestionário e, assim, garanta o direi- rece de forma desarticulada, sendo incluída nos diferentes to ao trabalho associado nos moldes da economia solidária. Aline Mendonça dos Santos 136 As estruturas de ação política 137 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

órgãos governamentais como uma das ações que estejam em A dinâmica de institucionalização da política de eco- consonância com o objetivo geral do Governo de promover nomia solidária teve muita cumplicidade entre SENAES a inclusão social e a redução das desigualdades 14. De certa e FBES – como havia se previsto. No entanto houve momen- forma, podemos dizer que a economia solidária não é vista tos de discordância e disputa entre os dois. Em 2011 a eco- como uma política pública própria, com objetivos, interesses nomia solidária se deparou com um momento bastante de-

e instrumentos públicos próprios para o seu desenvolvimen- ACEESA safiador para sua institucionalidade política que reflete um to, mas trata-se de uma ação dentro de outras políticas que desacordo entre Estado e sociedade. O diálogo com o progra- possuem seus objetivos e metas, que por vezes não coinci- ma do Governo Dilma: «Brasil Sem Miséria» foi difícil e al- dem com os objetivos da economia solidária. gumas ações precisaram de forte interferência do movimen- É possível afirmar que na prática a economia solidária to social. Nesta ocasião, o governo Dilma propôs a criação não conta com um desenho institucional que deixe claro de uma secretaria especial (com caráter de ministério) liga- a atual configuração das políticas de economia solidária. da à Presidência da República para atender as demandas A atuação da SENAES, apesar de ter uma importância para da micro e pequena empresa, onde todas as atribuições da a promoção e disseminação das políticas públicas, não pode economia solidária, até aí incluídas no Ministério do Tra- ser considerada um programa articulado e abrangente. As- balho, deviam ser concentradas. Neste contexto houve uma sim, a interface com outras políticas é a base mais comum expressiva resistência e manifestação do movimento de eco- de ação, principalmente nas áreas da assistência social nomia solidária no Brasil que alegava diferenças significa- e das políticas de emprego e trabalho. Neste sentido, sem tivas entre economia solidária e micro e pequena empresa um eixo norteador para as políticas de economia solidária – sobretudo no que se refere a lógica de desenvolvimento podemos encontrar diferenciações quanto ao sentido dado pretendida: enquanto a micro e pequena empresa quer oti- às ações de economia solidária em diferentes políticas, pro- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO mizar a sua participação na economia de mercado, a econo- gramas e projetos, assim como nos governos subnacionais. mia solidária quer desenvolver valores ligados ao bem viver Embora os limites estruturais, institucionais e as di- e ser contraponto da lógica de mercado capitalista 18. vergências políticas e conceituais, a política de economia Depois de 23 plenárias públicas, realizadas em todo solidária avançou. Ao longo dos anos programas e proje- o Brasil (22 estaduais e uma nacional), o movimento con- tos foram desenvolvidos e foram contribuindo para a ins- venceu o governo e as atribuições da economia solidária se titucionalização da economia solidária como política pú- mantiveram no MTE. No entanto, os gestores da política blica a exemplo do mapeamento nacional da Economia não estavam totalmente de acordo com as estratégias do Solidária 15, a democratização da política pública de econo- movimento. Obviamente que compreendiam e concordavam mia solidária com a constituição dos espaços de participa- com as diferenças conceituais entre as partes, mas enten-

ção e controle social com a instalação do Conselho Nacional REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 diam que a mudança de ministério talvez fosse necessária de Economia Solidária e com a realização das Conferências para a ampliação da política. Singer (2011:56) ao expor as Nacionais da Economia Solidária 16, a criação da Frente negociações entre Secretaria Geral da Presidência da Re- Parlamentar de Economia Solidária 17; entre outros. pública e das bancadas parlamentares da micro e pequena empresa e da economia solidária afirmou: Aline Mendonça dos Santos 138 As estruturas de ação política 139 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

Tudo leva a crer que será possível negociar disposi- Para Pochmann (2004), a SENAES surge entre as con- tivos que permitirão minimizar eventuais perdas so- tradições da política macroeconômica do Governo Lula fridas pela SENAES com a sua possível saída de um e das alianças políticas com segmentos conservadores, como ministério no qual pode crescer significativamente, por exemplo, com o cooperativismo tradicional que ampara granjeando simpatias, apoios e parcerias, inclusive o agronegócio no Ministério da Agricultura. Desta forma,

estendendo sua capilaridade no amplo espaço brasi- ACEESA Pochmann reconhece que a SENAES é uma secretaria pe- leiro (…) a provável passagem da SENAES para a fu- quena que representa uma das facetas do governo e que tura secretaria especial poderia abrir novos espaços a sua inserção no aparelho governamental introduz a pos- de simbiose e expansão para a economia solidária. sibilidade de conquista de políticas capazes de alargar sua Frente os avanços e limites, contradições e cumplicidades feição socialmente mais compromissada com o trabalho. políticas o processo de legitimação da política de econo- De todo modo, encontramos uma discussão sobre uma mia solidária avançou. No esforço de traduzir as bandeiras identidade para as políticas de economia solidária. Exem- do movimento de economia solidária em programas e proje- plo disso é o esforço empreendido pela Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária 19 e, mais en- tos de políticas públicas, a SENAES potencializou propos- tas que, segundo Sardá (2011) dialogam com cinco grandes faticamente, a partir das resoluções das conferências na- eixos: acesso ao conhecimento (políticas de educação, for- cionais. Nestas conferências podemos ver o esforço coletivo mação e assessoria técnica); acesso aos mercados (comer- de discutir um sistema organizador que, a partir de prin- cialização justa e solidária); acesso ao capital (políticas cípios e diretrizes da economia solidária, busca criar os de finanças solidárias: fundos solidários, bancos comunitá- instrumentos institucionais e legais apropriados para es- rios); marco legal (Lei geral da Economia Solidária – ainda ses sujeitos de direitos. Para além desta discussão sobre a AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO um grande gargalo); e relações internacionais. definição da economia solidária como uma política pública Esses e outros fatos demonstram a importância da SE- própria, nos interessa ressaltar neste trabalho como este NAES no cenário atual para o desenvolvimento de políticas e outros espaços de diálogo, representação e construção de economia solidária. No entanto, como já sinalizado, não coletiva da política pública se relacionam com a ideia do encobrem as suas contradições, dificuldades, designada- «Estado-como-novíssimo-movimento-social». mente a falta de apoio institucional e a carência de recursos para a execução de suas ações. Podemos dizer que apesar de incluir ações mais estruturantes que levem a fortalecer uma estratégia voltada para uma política de desenvolvi- mento, a situação mais periférica da economia solidária no

governo brasileiro leva a maioria de suas ações a serem li- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 mitadas, fragmentadas e com pouca abrangência. Os pró- prios sujeitos do Estado reconhecem a SENAES como espa- ço de disputa no interior da agenda do governo federal. Aline Mendonça dos Santos 140 As estruturas de ação política 141 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

3. A política de Economia Solidária espaços de diálogo entre Estado e sociedade, como as Confe- e os espaços privilegiados de relação Estado rências Nacionais e o Conselho Nacional, estreitaram ainda e sociedade: elementos para a compreensão mais a relação entre a SENAES e o movimento, mas ainda do Estado-como-novíssimo-movimento-social apresentam muitos limites para a participação e o controle A política de economia solidária no Brasil contribui para social na definição de ações e alocação de recursos públicos

uma análise do Estado-como-novíssimo-movimento-social ACEESA (SANTOS, 2010). tendo em vista: os processos de diálogo entre Estado e so- A gestão da política de economia solidária passa por um ciedade – tanto via Estado como sociedade; a gestão parti- processo de proposição, monitoramento e avaliação através lhada da política via os canais de participação (conselhos dos conselhos gestores que cada projeto de política públi- e conferências); o envolvimento direto dos militantes do ca da SENAES possui. Estes conselhos cumprem um papel movimento na gestão da política (assumindo a elaboração fundamental na dinâmica de diálogo entre Estado e socie- e a execução dos programas e projetos via posição de con- dade e na elaboração das diretrizes da política. fiança na direção na SENAES e via a disputa de licitação Desta forma, por parte do poder público a aproximação pública para realização dos projetos); bem como a relação e a relação com a sociedade se dá, principalmente, via os con- dos gestores da política, também militantes do movimento, selhos e as conferências. Os conselhos gestores dos projetos nos processos de reflexão e legitimação do FBES. Para com- implementados pela SENAES são, em grande parte, compos- preender esta dinâmica traçamos, a seguir, um a constru- tos por representantes dos Fóruns Estaduais de Economia ção histórica deste processo. Solidária, do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (no Como já sinalizado, a economia solidária enquanto mo- caso de projetos nacionais) e, dependendo da área de ação vimento, ao longo de sua recente história, criou alguns es- por outros movimentos sociais. Embora os conselhos gestores paços de interlocução com o Estado. O primeiro espaço foi AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO cumpram um papel de deliberação, acompanhamento e con- o GT Nacional, criado no Fórum Social Mundial (FSM) de trole dos projetos, frequentemente se deparam com entraves 2001 e, na sequência, depois da promoção de Plenárias Na- políticos, mas principalmente entraves da burocracia do Es- cionais de Economia Solidária, o FBES foi criado em 2003. tado, que dificultam encaminhar as decisões coletivas. Desde sua criação, o FBES e suas entidades-membros O Conselho Nacional de Economia Solidária – CNES guardaram o papel de interlocutores privilegiados da SE- é um conselho de caráter consultivo e propositivo. A com- NAES – principalmente no princípio da SENAES – no que posição do CNES foi objeto de extensas negociações, mas fi- concerne à demanda, proposição, execução e acompanha- nalmente definiu-se a seguinte composição: 56 entidades, mento de ações públicas. divididas entre três setores: governo, empreendimentos de O FBES tem sido muitas vezes questionado quanto a este economia solidária e entidades não governamentais de fo- 20 papel frente ao Estado ou quanto à sua composição e estru- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 mento e assessoria à economia solidária . Embora o conse- tura de gestão (objetos de grande disputa quando da quarta lho garanta espaço para diferentes instâncias do Governo Plenária Nacional em 2008), mas é difícil negar que tenha Federal (ministérios e secretarias) que dialogam com eco- obtido a posição de principal rede nacional da economia nomia solidária, há um esvaziamento significativo dos re- solidária no Brasil. O processo de institucionalização dos presentantes do Governo nas reuniões do Conselho sendo Aline Mendonça dos Santos 142 As estruturas de ação política 143 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

este, na maioria das vezes, representado pelos empreendi- O fato das organizações da sociedade civil vinculadas mentos econômicos solidários, pelas entidades de apoio e fo- a economia solidária perderem espaço na gestão da política mento e pela SENAES representando o governo. É o CNES não inibe a relação Estado e sociedade, pois elas continuam que delibera e mobiliza recursos e condições políticas para fazendo parte do FBES, dos conselhos e das conferências, a realização das Conferências Nacionais. O CNES costu- mas este processo implica em outro problema já considera-

ma ter os resultados esperados vindos das conferências, no ACEESA do na seção anterior e que, inclusive, é a preocupação da III entanto ainda dispõe sobre duas questões que interferem Conferência: a desarticulação das políticas e as diferenças diretamente e indiretamente no processo: a realização das de concepção. Pois, as organizações da sociedade civil que conferências ser no mesmo ano eleitoral e; a real incidência estão ou estavam a frente dos projetos de políticas públicas das deliberações das conferências sobre a política pública – são orgânicas ao movimento de economia solidária e por- sobretudo as políticas não geridas pela SENAES. tanto compactuam de uma mesma concepção, acompanham Outra situação que contribui para a estreita relação as diretrizes das plenárias e conferências e assim tentam da SENAES com a sociedade, ainda no âmbito do governo, respeitá-las, desta forma possuem mais facilidade de ar- é o fato de seus projetos, ou seja a política pública na ponta, ticular e/ou dialogar com outras ações da política pública serem implementados por organizações da sociedade civil, no território. Com a ação via pacto federativo a integração principalmente aquelas que historicamente contribuem e articulação fica mais difícil pois nem todos os gestores pú- para a realização da economia solidária no país. As organi- blicos das esferas estaduais e municipais compõem a rede zações da sociedade civil sempre foram de suma importân- de gestores da economia solidária e, consequentemente, cia para o desenvolver dos processos da SENAES. Singer o movimento de economia solidária; nem todos os gestores diz que a SENAES se configurou através de «triângulo de compreendem a economia solidária como ela vem sendo três vértices (…). Um vértice é obviamente o movimento, AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO afirmada pelo movimento e pela SENAES: como estraté- outro vértice é o governo e o terceiro vértice é a parceria gia de desenvolvimento. Neste caso, a compreensão mais com as entidades da sociedade civil que são da Economia comum é de inclusão produtiva e paliativo ao desemprego; Solidária, que entendem e fomentam a Economia Solidá- e nem todos os governos estão dispostos abrir canais de diá- ria» (2012). No entanto, esta situação precisou ser reta- logo e gestão partilhada com a sociedade, com os movimen- lhada, pois com o processo de criminalização das ONGs tos e com os fóruns de economia solidária. (oriundo de fortes indícios de corrupção nas mais diferentes Enfim, embora a proposta do pacto federativo seja con- instâncias do Governo Federal) a Presidente Dilma indicou siderada um entrave, percebe-se também alguns ganhos, a necessidade da execução das políticas via o pacto federa- uma vez que há um alastramento da questão da economia tivo entre as diferentes esferas do Estado (federal. estadual solidária para outros espaços que não dialogavam com

e municipal) e hoje a SENAES possui vários convênios com REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 a mesma ou simplesmente a desconheciam. municípios e estados, mas ainda mantém alguns convênios Por parte da sociedade há uma questão peculiar que impli- com as organizações da sociedade civil 21. ca na relação Estado e sociedade, sobretudo no caso da econo- mia solidária, Trata-se do fato do poder público também ter espaço de voz e vez no movimento, pois o Fórum Brasileiro Aline Mendonça dos Santos 144 As estruturas de ação política 145 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

de Economia Solidária – principal expressão do movimento, SENAES promove pequenas mudanças no âmbito do Esta- como já dito – é um sujeito coletivo composto de três atores: do, também compreende mudanças – não tão pequenas as- os empreendimentos econômicos e solidários (EES), as enti- sim – no âmbito da sociedade. Não há dúvidas que esta re- dades de apoio e fomentos e os gestores púbicos. lação propiciou muitos avanços para a política pública de A questão da composição do FBES – que diz respeito ao economia solidária, mas é verdade também que a relação,

protagonismo do movimento – foi exaustivamente discuti- ACEESA por vezes, fragiliza o movimento social que fica confuso e, em da na III e na IV Plenárias Nacionais de Economia Solidá- muitas situações, dependente do Estado (SANTOS, 2010). ria e até hoje não é um ponto resolvido, pois é recorrente Neste sentido, reconhecemos a SENAES no marco do Esta- o seu questionamento em espaços da economia solidária, do-como-novíssimo-movimento-social pois, por um lado, figu- principalmente nas PNES. A principal questão ocorre em ra uma política construída a partir de uma singular relação torno da participação ou não dos agentes externos – princi- entre Estado e sociedade, por outro, uma adesão estratégica palmente gestores públicos. Na III PNES deliberou-se pela de referências militantes do movimento de economia solidá- participação maior de trabalhadores dos EES e menor dos ria na gestão da política pública, seja na ponta de planeja- agentes externos. Os argumentos alegaram que os gestores mento da política, que ocorre por dentro do governo – como públicos são parte importante no desenvolvimento da eco- é o caso do próprio Singer – , seja na ponta da execução da nomia solidária no Brasil e, portanto, merecem condições política, por fora do governo – como é o caso dos sujeitos de deliberação sobre as diretrizes e encaminhamentos do que atuam nas organizações da sociedade civil. No entanto, FBES. Assim, há um reconhecimento dos demais atores da é preciso evidenciar que para além de uma interferência da economia solidária de que os gestores são seus pares e, por- sociedade para dentro do Estado, há uma forte interferência tanto, são atores do movimento da economia solidária no (até mesmo pelas condições de recursos humanos e financei- Brasil. No entanto, os gestores assumem os devidos espa- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO ros) do Estado no desenvolver dos processos da economia so- ços de deliberação no movimento como pessoas, militantes lidária seja no campo econômico como político. e não como poder público e, necessariamente, precisam es- A seguir, no esforço de apresentar algumas conside- tar articulados na rede de gestores que firmou uma carta rações finais, dedicamos atenção para os diferentes reco- de princípios assegurando autonomia do FBES, ou seja, nhecimentos tendo em vista as contradições entre Estado gestores comprometidos com a proposta e desenvolvimento e sociedade, a participação da sociedade no Estado, mas da economia solidária para além dos órgãos de governo dos principalmente os impactos das diferentes formulações do quais fazem parte (SANTOS, 2010). No entanto, este dis- Estado na sociedade. tanciamento nem sempre acontece e muitas vezes os ges- tores levam para dentro do FBES os interesses do Estado.

Apesar de algumas mudanças na gestão da política por REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 parte do governo e algumas peculiaridades por parte do movimento, a sociedade continua tendo um peso significa- tivos nas diretrizes de construção da política. Mas, é visível que assim como esta estreita relação entre o movimento e a Aline Mendonça dos Santos 146 As estruturas de ação política 147 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

4. Notas para conclusão: a tensa relação Sob um viés da desigualdade, a economia solidária e os entre Estado e sociedade — reconhecimentos seus princípios constitutivos são entendidos e reconhecidos sobre a política pública de economia solidária como uma ação econômica inferior, improdutiva, informal Como podemos notar na reflexão sobre a construção da po- em comparação ao setor formal e moderno da economia. lítica pública de economia solidária, os atores, os aspectos Ela é vista como aquela que é desenvolvida pelos pobres

institucionais, legais e a relação entre Estado e sociedade ACEESA e por desempregados com o intuito de gerar renda e formas estão marcados por uma ambiguidade com a qual relacio- de subsistência (GERMER, 2005; LIMA, 1998; PAULO NET- namos aos conceitos de Estado-como-novíssimo-movimen- TO, 2005; MENEZES, 2007; BARBOSA, 2007; WELLEN; 2008; to-social e com o Estado heterogêneo. SOUSA, 2008). É um viés da desigualdade, pois por um lado, Para concluir este trabalho gostaríamos de fazer uma re- é realizada por uma parcela da população que não conse- flexão final sobre que efeitos esta configuração entre a estru- gue se inserir no setor formal da economia, e por outro, se tura de representação e de ação política da economia solidá- configura de formas econômicas precárias e improdutivas ria pode ter sobre as próprias ações, programas, projetos que em comparação a outras ações econômicas, e assim, para compõem a política pública de economia solidária e é desen- deixarem de serem desiguais (inferiores) devem se igualar volvida e incentivada não apenas pela SENAES, mas como às empresas ditas «modernas». Estamos diante, portanto, vimos por outras secretarias e ministérios, assim como ou- de uma perspectiva que Santos (2006) define como mono- tros entes da federação (como os estados e municípios) 22. cultura e lógica produtivista que levam à produção da não A reflexão sobre os efeitos desta ambiguidade sobre a po- existência (aqueles que não se enquadram nesta lógica pro- lítica pública de economia solidária nos leva a entender que dutivista não existem). essas são sensíveis a atuação dos atores, sendo que a forma Como visto, a economia solidária é mobilizada por dife- da política (mecanismos participativos e formas de parceria AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO rentes setores dentro do governo. Embora a SENAES esta- na relação com a sociedade) e o próprio conteúdo da política beleça uma leitura sobre a economia solidária como lógica (incentivo ao associativismo e à autogestão entre os traba- de desenvolvimento – em contraponto a lógica hegemônica, lhadores) poderão ter variações importantes a partir de di- as escolhas estratégicas do governo em prol de uma lógica ferentes reconhecimentos sobre o que é e o que representa desenvolvimentista influenciam estes outros setores que a promoção da economia solidária. passam difundir a economia solidária numa outra ótica. Sob o ponto de vista de diferentes perspectivas sobre Diferentes perspectivas analíticas, por caminhos diversos, o que representa e o que pode representar o desenvolvi- tendem a reforçar esta ideia, principalmente quando iden- mento da economia solidária, principalmente em um cená- tificam as ações de economia solidária como uma forma rio capitalista, podemos dizer que as interpretações se ba- alternativa de geração de renda, que como outras formas

seiam em reconhecimentos da economia solidária a partir REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 alternativas de renda tentam minimizar as desigualdades da desigualdade e reconhecimentos da economia solidária sociais apenas de forma pontual. Neste caso, essas alter- a partir da diferença. nativas de renda são concebidas ou como assistenciais ou funcionais ao atual momento de reestruturação do sistema capitalista. (MENEZES, 2007; BARBOSA, 2007), ou como Aline Mendonça dos Santos 148 As estruturas de ação política 149 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

ações inseridas em um campo homogêneo que formam os atores sociopolíticos presentes, sendo que estes procuram a economia popular e informal que necessitam ganhar em formas de redefinição democrática do que e como organizar eficiência gerencial e econômica para se manterem ativas a vida econômica (LAVILLE & FILHO, 2004; FILHO, 2006). e competir no mercado formal capitalista. Cada perspectiva não é neutra e se constituem de va- Sob um viés da diferença, a economia solidária é enten- lores, crenças, ideias, interesses e objetivos em relação

dida a partir de suas particularidades e outras racionalida- ACEESA à promoção da economia solidária. Este conjunto de valo- des. Seus princípios solidários são valorizados como formas res e crenças orienta a ação política de diferentes atores, alternativas de gestão econômica e estão presentes em uma de modo que estes não apenas reconheçam de determinada multiplicidade e diversidade de práticas sociais. É realiza- forma a economia solidária, mas também definem o modo da por diversos grupos sociais que experimentam sociabili- com que esses atores darão apoio a ela. dades alternativas, e neste caso, não são inferiores a outras As diferentes perspectivas analíticas representam, por- formas, mas diferentes. É um viés da diferença, pois valo- tanto, os entendimentos e reconhecimentos dados à econo- riza a diversidade cultural, sendo que esta não se restringe mia solidária, ou seja, os diferentes valores e crenças que às relações sociais e culturais, mas também suas relações orientam a ação de sujeitos políticos que reconhecem e defi- econômicas. Assim, não cabe sua comparação e inferioriza- nem o tipo de apoio que será dado à economia solidária. Isto ção com as empresas capitalistas, mas sim o reconhecimen- leva-nos a pensar que passamos por um processo de cons- to de suas diferenças e a promoção de ações e meios ade- trução social do significado da economia solidária (e de suas quados para a sua realização e fortalecimento. Neste caso é políticas), e isto é dado pela atuação de diferentes sujeitos uma ecologia de saberes, de reconhecimento e de produtivi- tanto na esfera política-estatal, quanto na esfera pública. dades, como nos mostra Santos (2006). Neste sentido, quando situamos a economia solidária Neste aspecto encontramos perspectivas analíticas que AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO diante de um Estado heterogêneo, o debate gira em torno da procuram contrariar uma visão superficial e homogeneiza- discussão sobre o papel desempenhado pelos principais ato- dora da economia solidária, dando destaque para outras ra- res na promoção da economia solidária, incluindo o Estado, cionalidades presentes nestas iniciativas econômicas (TIRI- e também da discussão sobre as políticas públicas criadas BA e ICAZA, 2009; (GAIGER, 2007; 2009; CORAGGIO, 2009; para o seu desenvolvimento. Estes atores e as políticas pú- 2000; RAZETO, 1993), como também perspectivas que enten- blicas criadas reconhecem a economia solidária a partir de dem a economia solidária como espaços de experimentação um viés da desigualdade ou a partir de um viés da diferen- de sociabilidades alternativas (SANTOS e RODRIGUEZ, ça? Que tipo de apoio é dado à economia solidária? 2002), sendo que a promoção desses EES tem o objetivo de os A partir das discussões das seções 2 e 3 podemos apontar tornarem eficientes economicamente para competir com as pelo menos três relações entre Estado e sociedade que ca-

empresas capitalistas (SINGER, 1998, 2002). REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 racterizam a política pública de economia solidária e de cer- Encontramos ainda, perspectivas que dão ênfase para ta forma levam a entendimentos específicos e promoções de a relação entre uma dimensão econômica e política da eco- ações divergentes que estão ancoradas em representações nomia solidária, de modo que ilustre a relação da econo- e ações políticas que se configuram a partir de um viés da mia solidária com a estrutura social (socioeconômica) e com desigualdade ou da diferença. Aline Mendonça dos Santos 150 As estruturas de ação política 151 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

Uma primeira relação seria a de desresponsabilização solidária sob um viés da desigualdade poderá levar às polí- do Estado em relação a atividades e serviços públicos con- ticas que apoiem os EES apenas de forma superficial e ho- siderados não exclusivos, e por isso, podem ser transferidos mogeneizadora, considerando-os como formas econômicas para a sociedade, via processos de publicização ou privati- associativas improdutivas, inferiores que devem se igualar zação (BRESSER-PEREIRA, 1997). às empresas convencionais do mercado capitalista.

No caso de ações de geração de trabalho e renda, e a eco- ACEESA Uma segunda relação, destaca uma ação mais atuan- nomia solidária como uma dessas ações, o Estado estaria te do Estado em relação a promoção de políticas públicas, incentivando o auto emprego, o empreendedorismo e a atua- principalmente as políticas sociais. Nesta perspectiva o Es- ção do terceiro setor na execução de ações sociais (BARBO- tado tem um papel de indutor de processos de crescimento SA, 2007). Assim, diante de um cenário marcado por diver- econômico e desenvolvimento social. A ação direta do Esta- sas crises no sistema econômico capitalista a função do do é vista como fundamental para o desenvolvimento das Estado seria a de propiciar uma revisão das legislações para ações. As parcerias neste caso são vistas como complemen- facilitar os processos de flexibilização e redução dos custos tares a ação do Estado e não como responsáveis por suas de produção, ou ainda oferecer qualificação ou crédito no ações. Nesta situação, o Estado já possui uma característi- sentido de alocação eficiente dos trabalhadores no mercado ca mais desenvolvimentista. de trabalho, além de incentivar a criação do próprio negócio. No caso da economia solidária, o Estado é o principal in- Este papel do Estado também está presente nas produ- dutor da constituição de serviços que permitam a execução ções normativas oriundas do legislativo e do executivo que das ações de economia solidária (como a capacitação e a qua- procuram orientar esse processo de transferência de res- lificação), além de promover as condições de infraestrutu- ponsabilidade do Estado para a sociedade civil, como por ra e tecnologia que permita ganhos de escala de produção exemplo, o marco regulatório do terceiro setor ou mesmo AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO dos EES. Para Schwerngber (2006), o Estado deve regular e o incentivo à formalização de pequenos negócios dentro criar instrumentos de gestão pública que proporcione acesso do marco regulatório do micro empreendedor individual. justo e equitativo aos recursos socialmente produzidos. De acordo com Prochet (2008), essa produção legislativa, Neste caso, esta função do Estado como indutor das mesmo que reconheça a diferença de determinado setor ou ações de política pública de economia solidária se relaciona de determinada atividade econômica, não questiona os fun- com a perspectiva que entende a economia solidária como damentos do capitalismo e assim, torna-se funcional à sua uma prática alternativa ao capitalismo que necessita de estratégia de acumulação. apoios para se tornar competitiva às empresas capitalistas. O Estado neste aspecto, se aproxima da estratégia citada Para a execução dessas ações por parte do próprio poder anteriormente dos monetaristas. Esta posição do Estado e o público, essa perspectiva defende que é necessário um gan-

tipo de ação que este promove parte de uma visão de prá- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 ho institucional para a economia solidária. O Estado deve- ticas econômicas como a economia solidária por um viés da ria apoiá-la como uma política pública própria, o que seria desigualdade. As ações partem da crença de um mercado for- no plano nacional a transformação da SENAES, inserida mal moderno que possibilita aos empreendedores chances de atualmente no Ministério do Trabalho, em um Ministério sucesso, desde que adotem as receitas e modelos oferecidos da Economia Solidária. pelo mercado capitalista. Um reconhecimento da economia Aline Mendonça dos Santos 152 As estruturas de ação política 153 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

Como vimos anteriormente, a posição periférica da eco- seu avanço (MANCE, 2009). Neste sentido, aceita-se o cará- nomia solidária no atual governo brasileiro indica partes ter indutor do Estado, mas considera mais apropriado que desta relação entre Estado e sociedade, e a execução de al- suas ações sejam realizadas indiretamente, dando apoio às gumas dessas ações. Não há como negar a importância da ações já constituídas na sociedade civil. SENAES na promoção e disseminação da política de econo- A função do Estado neste caso seria fortalecer as institui-

mia solidária em todas essas ações consideradas estratégi- ACEESA ções da sociedade civil e os próprios EES a partir de medi- cas para seu desenvolvimento. Por outro lado, vimos como das como a criação e reformulação do marco legal, a criação a SENAES e, a economia solidária de modo geral, é manti- de sistemas de financiamento para a Economia Solidária, da subjugada a outros obejtivos e metas, que por vezes, não ou seja, medidas indiretas que fortaleçam a ação dos EES são seus objetivos. Isto contraria portanto o apoio a uma e de seus apoiadores. política pública própria. Este papel do Estado relaciona-se mais com a perspec- O papel do Estado na indução dos processos fica preso tiva que considera a economia solidária alternativa ao ca- às contradições presentes em sua estrutura governativa. pitalismo, mas vê que o melhor desenvolvimento para ela Além disso, parece reinar uma perspectiva das particulari- é manter-se autônoma e construir redes de colaboração dades da economia solidária sob o ponto de vista exclusiva- no interior da própria sociedade civil. Neste sentido, o for- mente econômico e tecnicista. Assim, podem até reconhecer talecimento institucional da economia solidária também as particularidades e diferenças da economia solidária, mas é apoiado, mas com o intuito de fortalecer os mecanismos de essas particularidades devem ser incentivadas de modo apoio aos EES e as entidades apoiadoras. que os EES possam competir com as empresas capitalistas Mello (2006) destaca, por exemplo, que o papel do Es- e tornarem-se uma opção viável para os trabalhadores. tado é preservar a autonomia dos atores da sociedade ci- A questão aqui, é que uma visão apenas técnica e de- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO vil, e mais enfaticamente sugere que o Estado deve apoiar senvolvimentista da economia solidária pode encobrir que a construção da economia solidária visando a auto-organi- além da presença dos princípios solidários, a economia so- zação dos EES. lidária se constitui por uma variedade de atores que pro- Por sua vez, a relação entre o Estado e as entidades curam se afirmar como sujeitos de direitos e influenciar no da sociedade civil vem demonstrando certa dependência entendimento e concepção das políticas de economia solidá- dos atores da sociedade civil aos recursos do Estado. Por ria. Ou seja, para além de um caráter objetivo temos uma isso sugere que o movimento da economia solidária não subjetividade própria de processo dialéticos presentes na deve prescindir de lutar por efetivos mecanismos partici- dinamização de políticas sociais. pativos e de deliberação, por mais que esses já existam (os Por fim, uma terceira relação, também destaca uma ação conselhos e conferências) e mesmo que os atores fazem par-

atuante do Estado, mas argumenta que este é mais uma REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 te do governo e os gestores se sintam parte do movimento. instituição que promove ações de economia solidária dentre Neste sentido, Mello chama a atenção de que o governo outras instituições presentes na sociedade civil (MONTEI- deve se configurar enquanto instrumento de criação de con- RO, 2009). Ou seja, ele pode impulsionar o desenvolvimento dições estruturantes, e neste caso, deve-se privilegiar a ins- da economia solidária, mas não é condição necessária para titucionalidades dos espaços de deliberação do que o apoio Aline Mendonça dos Santos 154 As estruturas de ação política 155 Vanderson Carneiro e de representação da Economia Solidária no Brasil

aos atores que interagem com o Estado. Para Marconsin Este último aspecto quando relacionado com a atuação (2008) a construção de política pública de economia solidá- dos atores nos diferentes espaços de diálogo com o Estado ria através da articulação de espaços públicos de construção (seja a partir do FBES, seja a partir dos conselhos e das foi possível verificar que o processo indutivo não significou Conferências), apontam uma construção coletiva dos senti- uma imposição do Estado na construção da política pública. dos e objetivos da economia solidária como política pública,

Assim, para esta perspectiva, fica também a ideia de que ACEESA que apesar de mostrar divergências e conflitos, é definida o fortalecimento da economia solidária e de sua organiza- pelos próprios atores a partir de seus próprios contextos, ção sociopolítica não pode estar apenas restrito ao apoio aos princípios, modos de vida e objetivos. São discussões e apon- atores, mas também resulta da criação e aperfeiçoamento tamentos de caminhos que ressaltam o reconhecimento de instrumentos e mecanismos que possibilitem a autono- (existência) de sujeitos de direitos que reivindicam ao Esta- mia dos atores e propiciem espaços de participação e delibe- do o atendimento adequado de suas particularidades e for- ração sobre a política pública de economia solidária. mas alternativas de organização socioeconômica. Estas ações parecem exemplificar aquilo que reconhe- cem no processo de construção da política pública de eco- nomia solidária como pertencentes ao Estado-como-novís- simo-movimento-social. Isto porque, como vimos, a política pública de economia solidária está intimamente relaciona- da às reinvindicações do movimento de economia solidá- ria, e a atuação dos atores é fundamental para reconhecer a economia solidária como uma ação de sujeitos sociopolíti- cos que reivindicam a atenção para demandas próprias que AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO são construídas a partir de suas relações sociais. Mas para isto, este Estado deve criar mecanismos que permitam que esses atores formulem, implementem e controlem as políti- cas públicas. Observar a relação dos atores da economia solidária com o Estado desta forma, é trazer para o debate um re- conhecimento da economia solidária sob um viés da dife- rença. Ou seja, são ações que levam em consideração que as práticas econômicas possuem particularidades no modo

de vida (vinculadas aos princípios solidários), mas tam- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 bém são práticas sociopolíticas, onde os atores são sujeitos sociopolíticos. 8 O GT Nacional surgiu de uma iniciati- do segmento não-assalariado no Fórum va do Governo Olívio Dutra, no Estado Nacional do Trabalho (2003), e partici- do Rio Grande do Sul, através do Pro- pação na criação do Programa Nacional grama de Economia Popular Solidária, de Microcrédito Produtivo e Orientado. localizado na Secretaria de Desenvol- Destacam-se ainda, na construção da vimento e Assuntos Internacionais rede, os esforços para introdução do das concepções divergentes e até (SEDAI). A participação de algumas tema nas unidades descentralizadas opostas em relação à tradição coope- organizações nacionais na elaboração, do MTE, as Superintendências Regio- rativista, os esforços foram no sentido execução e avaliação do seu programa nais de Trabalho e Emprego (antigas de estabelecer este diálogo, inclusive estadual propiciou a oportunidade Delegacias), que foram reestrutu- com inserção de MAPA e OCB no Con- de, no I Fórum Social Mundial (FSM), radas em 2007, passando a contar selho Nacional de Economia Solidária serem organizados alguns eventos em formalmente com núcleos ou seções (CNES)» (CUNHA, 2011:74). articulação com outros atores nacionais de economia solidária em suas estru- 13 Este levantamento identificou 24 e algumas redes internacionais de turas. Fora do MTE, os interlocutores programas, com total aproximado no economia solidária. Isso levou, no ano pioneiros da SENAES na construção 5 orçamento de R$ 6 bilhões. O Plano Brasil Maior foi a política seguinte, à constituição do GT Nacional de uma rede em torno de políticas de industrial, tecnológica e de comércio (SANTOS: 2004). economia solidária foram os Ministé- 14 Podemos ver esta mesma situação exterior do governo Dilma Rousseff rios de Desenvolvimento Social (MDS), na primeira gestão do governo Dilma 9 Composto pelas seguintes entidades: no primeiro mandato. Surgiu num Desenvolvimento Agrário (MDA), Rousseff, principalmente quando Rede Brasileira de Socioeconomia contexto conturbado da economia Educação (MEC) e Ciência e Tecnologia destacamos a inclusão da economia so- NOTAS Solidária (RBSES); Instituto Políticas mundial. De um lado, os países desen- (MCT), até hoje vínculos importantes lidária no Plano «Brasil Sem Miséria» Alternativas para o Cone Sul (PACS); 1 Ao longo da produção acadêmica, volvidos mergulhados numa crise sem nesta rede. Mas há projetos e ações nas atividades relacionadas à inclusão Federação de Órgãos para a Assis- os autores desenvolveram seus traba- precedentes desde a Grande Depressão orçamentárias de outros órgãos que produtiva, principalmente na área tência Social e Educacional (FASE); lhos de pesquisa sobre o tema economia de 1929 que pode levar o mundo para vêm atingindo públicos da economia urbana. Para saber mais, consultar: Associação Nacional dos Trabalhadores solidária, dando destaques para as dis- uma crise sistêmica; de outro o vigor solidária em diferentes momentos http://www.brasilsemmiseria.gov.br/ econômico dos paises emergentes de Empresas em Autogestão (ANTEAG); sertações de mestrado (SANTOS, 2004 e desde 2004, tais como: fomento às que tem garantido o crescimento Instituto Brasileiro de Análises Sócio- 15 Em 2003, deu-se início ao mapeamen- CARNEIRO, 2006) e as teses de doutora- cooperativas de catadores do programa mundial e evitado o débâcle económico. -Econômicas (IBASE); Cáritas Brasilei- to nacional da Economia Solidária, pois do (SANTOS, 2010 e CARNEIRO, 2012). Resíduos Sólidos Urbanos, do Ministé- ra; Movimento dos Trabalhadores Sem não era possível realizar uma política Atualmente os autores continuam O desafio do Plano Brasil Maior foi, rio do Meio Ambiente, sob coordenação portanto, colossal: por um lado, susten- Terra (MST / CONCRAB); Rede Universi- de fomento sem conhecer as bases desenvolvendo pesquisa sobre o tema de Grupo Interministerial e execução 17 Em 2007 houve outro avanço significa- tar o crescimento econômico inclusivo tária de Incubadoras Tecnológicas de de um campo de intervenção. A partir incorpando as reflexões deste artigo. da SENAES; apoio – institucionalizado tivo para a institucionalidade da políti- num contexto econômico adverso; por Cooperativas Populares (Rede ITCPs); de então foram muitos os esforços para por portaria ministerial –a grupos ca, com a criação da Frente Parlamentar 2 Como afirma Enid Silva, «Entre 2003 outro, sair da crise internacional em Agência de Desenvolvimento Solidário compor uma política que correspon- produtivos de usuários de serviços de Economia Solidária. «Um fato político e 2006 foram realizadas 43 conferên- melhor posição do que entrou, ou seja, (ADS / CUT); desse às bandeiras de luta do FBES da Saúde Mental na rede dos Centros importante em função da agenda le- cias – 38 nacionais e cinco internacio- mudando radicalmente o modo de (comercialização, finanças solidárias, UNITRABALHO; Associação Brasilei- de Atendimento Psico-Social (Ministé- gislativa intensa construída de 2003 nais – que mobilizaram 2 milhões de inserção do país na economia mundial. educação e marco legal). ra de Instituições de Micro-Crédito rio da Saúde); recursos do Ministério a 2006 sobre o marco regulatório do pessoas da sociedade civil e do poder Para tanto, o Plano aposta na inovação (ABICRED); e alguns gestores públicos da Justiça para projetos de economia 16 Em relação aos espaços de diálogo en- cooperativismo e da Economia Solidária, públicos nas esferas municipal, estadu- e no adensamento produtivo do parque que futuramente constituíram a Rede solidária, em parceria no âmbito tre Estado e sociedade, o ano de 2006 do crédito» (SCHIOCHET, 2012). al e federal» (SILVA, 2009). Do conjunto industrial brasileiro, objetivando «ga- do Programa Segurança Pública com de Gestores de Políticas Públicas de foi um grande marco para a SE NAES de conferências realizadas no período nhos sustentados da produtividade do 18 Ver Carta Política da V Plenária Economia Solidária. Cidadania (PRONASCI); estudos e pes- e para o Movimento de Economia 16 foram realizadas pela primeira vez. trabalho» (ver http://www.brasilmaior. Nacional de Economia Solidária: http:// quisas em parceria com o IPEA; além Solidária, pois instalou-se o Conselho Durante todo o período (2003-2010) mdic.gov.br/conteudo/128) 10 Está em vigor deste 2011 uma cirandas.net/v-plenaria-nacional-de- de editais variados destinados total Nacional de Economia Solidária e foram realizadas 74 conferências e campanha para aprovação de uma lei ou parcialmente à economia solidária, -economia-solidaria/carta-politica-da- 6 As organizações da sociedade civil realizou-se a primeira Conferência Na- criados 18 conselhos (www.secretaria- de iniciativa popular que garanta um por ex.: promoção de tecnologias sociais -v-plenaria-nacional-de-economia-so- brasileira não apenas negociam com cional da Economia Solidária. A partir geral.gov.br), em um conjunto diversi- marco legal da economia solidária no e apoio a redes de incubadoras de lidaria o Estado e garantem lugar na atuação destes espaços passou a haver uma ficado de áreas. A Secretaria Geral da Brasil inspirado na lei de economia cooperativas (Ministério de Ciência em espaços institucionais de participa- legitimação do diálogo entre Estado 19 Sobre a Rede de Gestores ver carta República estima que pelo menos cinco solidária do Equador. e Tecnologia); incubação de centros ção, como também garantem lugar na e sociedade para definir os rumos da de apresentação: http://www.itcp.coppe. milhões de pessoas já participaram de autogeridos de pesca artesanal ocupação de cargos no interior do Esta- 11 Um dos fatores que dificultam o re- política, principalmente onde se quer ufrj.br/rede_gestores/pdfs/1_carta%20 conferencias desde 2003 (SGPR). (Secretaria Especial – hoje Ministério do, transformando-o, em certa medida, lacionamento é a condição de coligação chegar com as estratégias assumidas de%20apresenta%C3%A7%C3%A3o.pdf – da Pesca); incubação de empreendi- 3 Segundo o Instituto Brasileiro de em um espaço de militância política. política do governo. No caso do MTE coletivamente. Em 2010, realizou-se mentos solidários na cadeia produtiva 20 Geografia e Estatística – IBGE, o índice Abers et al. (2011) propõem o conceito a gestão está nas mãos de políticos do a segunda Conferência Nacional de Decreto nº 5811, de 21 de junho de do turismo (Ministério do Turismo); baixou de 28,2% em 2003 para 22,8% «repertório de interação» (desdobrado Partido Democrático Trabalhista (PDT) Economia Solidária intitulada «Pelo di- 2006 - ver http://www.planalto.gov.br/ prêmio a projetos de economia soli- em 2004, o menor índice desde 1992. do «repertório de ação coletiva» usado e a SENAES está nas mãos do PT (Par- reito de produzir, viver em cooperação ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/ dária da área da cultura (Ministério por Tilly) para refletir esta relação tido dos Trabalhadores) e de lideranças de maneira sustentável» e na sequên- D5811.htm 4 da Cultura); entre outras ações. Mais O PAC estabeleceu os seguintes estreita entre Estado e sociedade. cia dos resultados foram assinados dois do movimento de economia solidária. 21 Desde 2003 há um amplo debate para objetivos principais: a aceleração intermitente tem sido a relação (mais importantes decretos presidenciais: 7 12 a construção de um marco regulatório do crescimento econômico, o aumento Sobre este desequilibrio Pochmann «A configuração inicial dos diálogos de conflito que de consenso) com um relativo ao Sistema Nacional de das organizaçãoes da sociedade civil a do emprego e a melhoria das condições (2001) fala em secundarização das «para dentro do Estado» buscou cons- o Departamento Nacional de Coope- Comércio Solidário e o outro sobre fim de regrar a relação Estado e socie- de vida da população brasileira. Dentre políticas públicas da área social, uma truir vínculos com outras áreas do pró- rativismo, do Ministério da Agricultu- o Programa Nacional de Incubadoras ra – historicamente ligado ao setor das dade na implementação das políticas as metas estavam o crescimento vez que há uma subordinação aos prio MTE, principalmente no âmbito de Cooperativas Populares (SHIOCHET, públicas. Este debate culminou com a do Produto Interno Bruto (PIB) a partir princípios econômicos expressa desde do Plano Nacional de Qualificação, com grandes cooperativas, principalmente 2012). Em 2014 realizou-se a terceira aprovação deste março no ano de 2014 das seguinte medidas: Investimento o regime militar e que não foi alterado a execução em parceria com recursos do agronegócio, filiadas à Organi- Conferência Nacional de Economia So- (ver http://www.secretariageral.gov.br/ em infraestrutura, estímulo ao crédito pelos governos democráticos. Histo- do FAT de dois Planos Setoriais de zação das Cooperativas Brasileiras lidária que teve como tema «Construin- mrosc). e ao financiamento, melhora do am- ricamente, percebe-se um recorrente Qualificação em Economia Solidária, (OCB) – em espaços como o Conselho de do um Plano Nacional da Economia biente de investimento, desoneração predomínio dos ministérios da área Desenvolvimento Econômico e Social, voltados a redes em alguns setores Solidária para promover o direito de 22 Em 2012 mais de 114 municípios e aperfeiçoamento do sistema tributá- econômica: Planejamento, Fazenda e, ligado à Presidência da República, ou (algodão, apicultura, fruticultura, produzir e viver de forma associativa possuíam alguma ação ou programa rio e medidas fiscais de longo prazo. mais recentemente, o Banco Central. as instâncias do MERCOSUL. Apesar metalurgia etc.), além da organização e sustentável». de interface com a economia solidária. 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KEYWORDS LOCAL DEVELOPMENT PARTICIPATION DEMOCRACY PARTNERSHIP, GOVERNANCE SOCIAL AND SOLIDARITY Tensões, compromissos ECONOMY. e articulações entre o poder local e as dinâmicas participativas locais RESUMO dos bairros da Adroana, Este artigo resulta de uma investigação realizada no âmbito do Mestrado em Alcoitão e Cruz Vermelha Estudos de Desenvolvimento (ISCTE- ABSTRACT -IUL). A presente análise toma como This paper results from a research car- referência o tema da dissertação de ried out under the Master in Develop- (Alcabideche, Cascais) mestrado, «Tensões, compromissos e ar- ment Studies (ISCTE-UL). This analysis ticulações entre o poder local e as dinâ- takes as reference the master's thesis Mariana Lima micas participativas locais dos bairros theme, «Tensions, commitments and da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha articulations between the local power Rogério Roque Amaro (Alcabideche, Cascais)», tendo como and the participatory local dynamics objetivo compreender qual a relação of Adroana, Alcoitão and Cruz Verme- que se estabelece entre as instituições lha (Alcabideche, Cascais)», aiming to Rogério Roque Amaro e apoiado vários projectos de inter- governativas e as dinâmicas partici- understand the relationship establi- Economista, doutorado em «Analy- venção comunitária e Economia pativas locais. Utilizando prioritaria- shed between the governmental insti- se et planification du développe- Solidária em várias zonas de Por- tugal e em outros países, nomeada- mente a aplicação de entrevistas semi- tutions and the participatory local dy- ment», em 1980, pela Université -directivas e a observação participante, namics. Primarily using the application des Sciences Sociales II de Grenoble mente em PALOPs. Pertence ac- (França). Actualmente é Professor tualmente ao Conselho Consultivo como técnicas de investigação, foi possí- of semi-directive interviews and parti- Mariana Lima Associado do ISCTE, no Departa- da RIPESS-Rede Intercontinental vel concluir que existe uma diversidade cipant observation as research techni- Licenciada em Sociologia pelo mento de Economia Política, leccio- de Promoção da Economia Social de formas participativas nestes bairros, ques, it was concluded that there is a ISCTE-IUL em 2012 e Mestre nando na licenciatura de Economia e Solidária e à RIUESS-Rede Inter- em Estudos de Desenvolvimento -Universitária da Economia Social que contribuem para o desenvolvimento diversity of participatory forms in these e nos mestrados de «Estudos de De- local do território. No entanto, a comu- neighborhoods that contribute to local em 2014, pela mesma instituição. senvolvimento» e «Economia Social e Solidária. Fundador e actual vice- Após terminar a formação acadé- e Solidária», de que foi fundador. -presidente da Direcção da RedPES nidade é ainda confrontada com uma development of the territory. However, mica, tem trabalhado na área da É actualmente Presidente do Con- - Rede Portuguesa de Economia série de obstáculos que a impossibili- the community is still facing a number deficiência, quer enquanto técnica selho Científico e sócio fundador Solidária. Membro da Comissão tam de participar plenamente no seu of obstacles that prevent them from de um projeto de desenvolvimento do Centro de Estudos de Economia Instaladora da Rede Lusófona de comunitário, quer enquanto moni- Desenvolvimento e Economia So- desenvolvimento, destacando-se os con- participating fully in its development, Solidária do Atlântico (Ponta Del- dicionalismos inerentes ao centralismo stressing the constraints of the local tora de atividades ocupacionais. gada) e Director da Revista de Eco- cial e Solidária. [email protected] nomia Solidária. Tem desenvolvido [email protected] do poder local. government centralism. Mariana Lima 164 Tensões, compromissos e articulações 165 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

Introdução comunitárias poderão enfrentar múltiplos desafios ao seu Desde os anos 80, a aplicação de métodos participativos desenvolvimento e constituir formas de resistência inova- nos projetos de desenvolvimento conduziu a uma certa ba- doras ao sistema atual dominante. nalização e vulgarização da participação, abrindo espaço O artigo é estruturado em três grandes partes: de reflexão sobre alguns problemas ligados à adopção dos

processos participativos. Segundo alguns autores, a parti- ACEESA 1 — o enquadramento teórico cipação tem sido ocasionalmente utilizada de forma a le- 2 — a apresentação do estudo de caso gitimar o poder político, uma vez que a comunidade ganha 3 — a análise dos resultados. uma aparente legitimidade no campo político, mas sem ou com pouco impacto de influência de decisões. Resulta dis- A primeira parte corresponde ao enquadramento teórico so, portanto, uma certa distância entre o valor simbólico da e conceptual das principais temáticas sobre as quais o tra- participação e a efetivação da mesma, decorrendo daí dois balho se debruça, problematizando os conceitos-chave ine- perigos: por um lado, a criação de falsas expectativas pois, rentes ao estudo, nomeadamente, Desenvolvimento Local, embora seja envolvida e mobilizada neste «jogo», a comu- Participação e Democracia Participativa. A segunda parte, nidade não tem qualquer poder de decisão; por outro lado, que pretende apresentar o estudo de caso selecionado, divi- os projetos de desenvolvimento acabam por perder credibi- de-se em dois planos distintos: lidade e, consequentemente, as pessoas sentem-se cada vez Um deles refere-se às metodologias privilegiadas para menos interessadas em participar. a concretização desta investigação, indicando as eta- No âmbito destas problemáticas, pretende-se no presente pas de recolha de dados e as técnicas de investigação artigo apresentar uma reflexão sobre as interações que se utilizadas;

estabelecem entre o poder local e as dinâmicas participati- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO O outro diz respeito à caracterização do território, permi- vas, sendo definida como questão de partida para a presente tindo contextualizar o mesmo, segundo um conjunto de investigação «qual a relação que se estabelece entre o poder informações que proporciona um melhor entendimen- local e as dinâmicas participativas locais (comunidade e par- to sobre os desafios que se colocam àquela comunidade ceiros)?», procurando compreender se as instituições gover- e as intervenções sugeridas para mitigar os problemas nativas têm ou não apoiado a participação dos grupos de base sociais existentes. e as parcerias locais para o desenvolvimento do território. A terceira parte do trabalho analisa empiricamente os da- A escolha deste objeto de análise para o estudo de caso dos obtidos através da aplicação das técnicas de investi- prende-se com a vulnerabilidade social e económica da co- gação selecionadas. munidade em questão, desafiada sobre os mais variados Por fim, apresentamos as principais conclusões a que che-

pontos de vista, e pelo facto da intervenção neste territó- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 gamos, refletindo também sobre como as iniciativas locais rio ter em vista o Desenvolvimento Local, assente num representam um importante contributo para a Economia modelo de participação e empowerment, adequando-se Social e Solidária. por isso às problemáticas que pretendemos investigar. Por outro lado, acreditamos que as respostas participativas Mariana Lima 166 Tensões, compromissos e articulações 167 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

I. É possível destacar um conjunto de princípios que defi- Enquadramento teórico nem e enquadram teoricamente o conceito de DL, mais 1. Desenvolvimento Local ou menos constantes em diversas contribuições científicas, A origem do Desenvolvimento Local (DL) esteve intrinse- nomeadamente 3: camente relacionada com a necessidade de encontrar res- O papel central de uma comunidade local na protagoniza- ACEESA postas inovadoras às mudanças ocorridas na década de 70, ção de iniciativas e respostas, que visem a melhoria das ou seja, aos efeitos combinados dos processos de globaliza- suas condições de vida e a satisfação das suas necessi- ção, da transição do regime económico e da crise económica, dades, com tendencial impacto em toda a comunidade; e da incapacidade dos governos nacionais para o desempe- A priorização da mobilização dos recursos endógenos, isto é, nho da sua função de regulação social. Foi a partir desta das capacidades locais, face aos recursos exógenos, sal- época que várias propostas começaram a surgir com o fim vo se a mobilização destes últimos fertilizarem os ante- de reformular o conceito de desenvolvimento, contaminado riores (não os substituindo ou inibindo); por uma visão economicista e etnocêntrica, sendo particu- larmente importantes para a teorização e conceptualização A adopção de mecanismos de empowerment e de dinâmicas do DL os princípios e métodos do Desenvolvimento Comu- participativas em todas as fases do processo; nitário 1 e as propostas académicas europeias que critica- A articulação entre os vários atores e instituições locais vam o paradigma funcionalista (top-down), dominante até que, com base numa ação colectiva, adoptem uma pers- aí nas abordagens do desenvolvimento regional, em favor pectiva integrada, e não meramente sectorial, dos pro- de uma perspetiva territorialista (bottom-up) 2. blemas e respostas; Invertendo as dinâmicas e lógicas top-down, o DL propõe Cada território é único tendo, por isso, uma diversidade de uma resposta integrada e adaptada aos problemas locais, AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO problemas, dinâmicas, recursos e resultados, que lhe num processo «a-partir-de-baixo» (bottom-up), que visa são específicos. a satisfação das necessidades e a melhoria das condições Entendemos que merecerem ser aqui destacados três con- de vida de uma comunidade, através das suas potencialida- ceitos sobre os quais o DL se debruça, subjacentes a estes des, sendo assim considerado: princípios: o empowerment, a participação e a parceria. «Um processo de diversificação e de enriquecimento A participação, porém, dada a importância central que as- das atividades económicas e sociais sobre um territó- sume neste trabalho, será analisada isoladamante adiante. rio a partir da mobilização e da coordenação dos seus O empowerment pressupõe uma ação transformadora recursos e das suas energias. Será o produto dos es- através da capacitação dos indivíduos considerados disem- forços da sua população e pressuporá a existência de powered (não só os que vivem abaixo do nível de pobreza REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 um projeto de desenvolvimento integrando as suas mas sobretudo estes), isto é, que não têm poder social ne- componentes económicas, sociais e culturais.» cessário para exercer significativamente os seus direitos. (Greffe, 1985 apud Henriques, 1990:29). Friedmann (1996) distingue três tipos de empowerment: o psicológico, relacionado com a autoconfiança; o social, Mariana Lima 168 Tensões, compromissos e articulações 169 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

destacando-se a participação e o acesso a recursos (tais para se tornar um agente responsável pela sua mudança como informação e conhecimento); e o político, que corres- de vida. Por outro lado, o reconhecimento do pouco impac- ponde ao acesso ao processo pelo qual são tomadas decisões. te das formas tradicionais de governação, bem como o de- O trabalho em parceria – antes referido como partenaria- senvolvimento de uma reflexão em torno da ação pública do, por vezes também como trabalho em rede ou colabora- («Novo Urbanismo») 7, conduziram à emergência do poder

tivo, entre outros – adquiriu uma importância crescente nos ACEESA local, transferindo-se as competências dos governos cen- projetos de desenvolvimento nos anos 80, sendo conside- trais para os regionais e locais. Diferentes argumentos so- rado processo eficiente de aprendizagem mútua, capaz de bre a capacidade do poder local limitar a concentração do tornar as intervenções mais consistentes. Refere-se à coo- poder, ao promover o pluralismo e a participação, contri- peração entre vários atores, tais como serviços públicos, au- buíram também para a descentralização do poder aos ní- tarquias, associações de base local, instituições particula- veis regionais e locais. res, empresas e grupos informais, num processo «através Se antes processo de planeamento e gestão territorial era do qual dois ou mais agentes de naturezas diferentes es- da exclusividade dos decisores e técnicos, agora o mesmo tão de acordo para poderem atingir um objectivo específico seria alargado, sendo que o «retorno do ator» e a emergên- (…) com um resultado que representa mais do que a soma cia do poder local pressupõem a influência de uma diver- das duas partes» (Estivill, 2003 apud Costa, 2009:24), pois, sidade de atores na protagonização das respostas aos seus embora cada parceiro mantenha a sua individualidade, são desafios. Contudo, porque nem sempre as iniciativas locais adoptadas uma visão holística na identificação dos proble- emergem espontaneamente, o poder local deve estimular mas e uma ação integrada fundamentada numa cultura de a participação da comunidade, num processo de valorização cooperação, onde a tradução entre os saberes assume a for- do território e de capacitação dos atores, intervindo sobre- ma de hermenêutica diatópica 4. AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO tudo em situações de «desintegração territorial» 8. O conceito de DL alcançou a sua afirmação científica no Por estes motivos, o poder local assume um importan- final dos anos 80, embora o seu reconhecimento político- te papel na Animação Territorial, ao identificar e mobili- -institucional apenas tenha sido conquistado na década se- zar o potencial endógeno, reconhecendo e valorizando todas guinte, a par dos grandes programas para combater a po- as formas de conhecimento, e ao conceber formas inovado- breza, a exclusão social, o desemprego e a precariedade 5 ras de participação social, que incluam a definição de prio- (Amaro, 2003; 2009). Uma das razões pelas quais o DL ridades coletivas e decisões a tomar. Para além das tarefas alcançou a sua afirmação científica deve-se à combinação que deve cumprir para assegurar a coesão territorial 9, tor- de transformações ocorridas na década de 80, as quais en- na-se fundamental que o poder local crie condições institu- volviam a participação e a descentralização, portanto, favo- cionais e organizacionais que conduzam a uma ação estra-

ráveis à consolidação do conceito de DL. REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 tégica que vise a construção da especificidade das respostas Por um lado, assistiu-se ao «retorno do ator» 6, isto é, do que facilitem a mudança social nos contextos locais pois, indivíduo ativo e participativo. O indivíduo deixa de ser ex- sabendo-se que os desafios que se colocam não são indepen- clusivamente um beneficiário, afastando-se das lógicas de dentes dos contextos em que os respectivos problemas se tratamento clássico nas abordagens do desenvolvimento, manifestam, tornam-se necessárias respostas únicas para cada território (context-dependency) (Henriques, 2010:30). Mariana Lima 170 Tensões, compromissos e articulações 171 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

2. Participação 1996). Apesar das falhas que apresentou para alguns auto- Vários autores definem e problematizam a participação de res 12, o «Desenvolvimento Alternativo» permitiu uma nova diferentes formas, sendo a distinção entre a participação de concetualização do desenvolvimento, associando-o priorita- carácter consultivo ou vinculativo uma tensão que atraves- riamente à participação e ao empowerment social e político. sa grande parte do debate sobre este tema. Se, por um lado, Já nos anos 80 assiste-se a uma certa banalização e vul-

Arnstein (1969) considera que a participação significa um ACEESA garização da aplicação dos métodos participativos nos pro- maior controlo por parte dos cidadãos sobre os assuntos que jetos de desenvolvimento 13, contribuindo gradualmente influenciam direta ou indiretamente as suas vidas, por ou- para uma participação de carácter mais tecnocrático, devi- tro lado, Rowe, Marsh e Frewer (2004 apud Nunes, 2010) do a relações de poder desproporcionais, bem como a dife- defendem-na enquanto um mecanismo de consulta, onde rentes acessos a recursos e oportunidades entre os atores. o indivíduo dá a sua opinião sobre um determinado assun- Esta situação, não só deu lugar à instrumentalização e des- to (podendo a sua opinião ser ou não considerada na toma- politização da participação, como também levantou alguns da de decisão). Embora não exista um consenso universal problemas sobre a mesma constituir uma certa distância sobre o que a participação significa, o envolvimento (mais entre a retórica e a realidade pois, paradoxalmente, os indi- ou menos ativo) dos cidadãos, na condução à mudança, víduos ganhavam aparente legitimidade no campo político, é uma visão partilhada e comum na definição do conceito. mas sem ou com pouco impacto de influência de decisões A participação tem vindo a ganhar uma importância cres- ou efeitos visíveis na melhoria das suas condições de vida cente nos projetos de desenvolvimento desde os anos 70, ten- (Jouve, 2005; Nunes, 2010). do sido alvo de reformulações teóricas que a colocam, quer Assim, o conceito de participação começou a ser procla- sobre a perspectiva do desenvolvimento, ancorada aos con- mado, por diferentes entidades, com maior ênfase no acesso ceitos de empowerment e capacitação, quer sobre a perspec- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO e controlo de recursos, bem como nos processos de decisão 14. tiva política, a qual enfatiza a governança e a transparência. O BM-Banco Mundial viria a perceber, nos anos 90, que A proposta de Desenvolvimento Comunitário, bem como grande parte das crises nos países em desenvolvimento era os discursos dos países do Sul (em especial, a Teoria da De- de natureza governativa e, por isso, alterou a sua forma de pendência 10), deram conta da necessidade de uma «Partici- olhar a Governança, privilegiando questões como a trans- pação Emancipatória», onde a participação era reconhecida parência e a responsabilidade 15 (ONU, 2006). enquanto um direito promotor de cidadania na subversão A Governança refere-se a uma forma participativa de do poder opressor e na transformação da ordem social. For- governação transparente que, com base nos princípios de temente influenciado pela «Participação Emancipatória», legitimidade e consenso, tem a finalidade de promover os di- o «Desenvolvimento Alternativo» procurava reequilibrar reitos dos cidadãos e o interesse público, garantindo o bem-

a estrutura de poder na sociedade, tornando a ação do Estado REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 -estar da sociedade e um Desenvolvimento Sustentável com mais sujeita a prestação de contas e aumentando os poderes justiça social 16 (Munshi, 2004 apud ONU, 2006:4). Incluin- da sociedade civil, e humanizar um sistema que exclui de- do o conceito de governação – combinando o conhecimento terminados indivíduos, sendo as bases de reivindicação asso- de processos políticos de regulação social com compromis- ciadas aos Direitos Humanos e de cidadania 11 (Friedmann, sos em formas institucionais e organizativas – mas, sem se identificar com as formas de ação e controlo tradicionais, Mariana Lima 172 Tensões, compromissos e articulações 173 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

a Governança assenta em redes de interação e parceria, que Várias tipologias sobre participação têm sido construí- abrangem uma grande variedade de atores com diferen- das, sendo a de Sarah White (2006) particularmente inte- tes interesses (Gualini, 2001 apud Guerra, 2002:57), não ressante ao associar cada tipo de participação a diferentes só o Estado mas também instituições, grupos de interesse, funções e interesses 17, sendo distinguidas a participação no- ONGs, nomeadamente organizações de Economia Social minal, a instrumental, a representativa e a transformativa.

e Solidária, organizações transnacionais e a sociedade civil. ACEESA No tipo nominal, a participação é evocada para que os Significa isto que a «Governança reflete a transição entre departamentos mostrem que estão a «fazer serviço» e que um modelo de regulação social assente no papel central do têm «uma base popular», sendo cedidos recursos humanos Estado (governação) para um outro assente em parcerias e materiais para o financiamento de projetos e, por isso, e outras formas de associação (...) em que o Estado tem ape- o seu interesse na participação é, em grande parte, para nas tarefas de coordenação» (Henriques, 2010:37). ganhar legitimidade, refletindo pouca expectativa de mu- Contudo, apesar da Governança corresponder a uma dança. No tipo instrumental, caracterizado pela necessida- evolução da relação entre Estado-Sociedade, alguns autores de de participação para fornecer mão-de-obra para a cons- afirmam que o Estado continua a ser o centro do poder po- trução de instalações, a participação torna-se fundamental lítico, desempenhando um papel de liderança na definição e não valorizada em si mesma. Associam-se, por isso, duas de prioridades e objectivos pois, mesmo descentralizando- funções: a de custo-eficácia, tornando o projeto mais «ren- -as na sua concretização e adaptação, é reconhecida ao Es- tável», e criação de instalações locais. Quando a população tado a legitimidade de conduzir as grandes políticas sociais local «dá voz» ao projeto e a sua participação surge como (Pierre e Peters, 2000 apud ONU, 2006:3; Guerra, 2002:54). um meio eficaz, através do qual as pessoas podem expri- Há que ter em consideração, desde logo, que qualquer mir os seus interesses, influenciando o carácter do projeto negociação é caracterizada por uma relação desigual, onde AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO e a sua gestão, falamos de uma participação representativa. atores dominam outros, quer porque possuem mais poder No tipo transformativo, a participação é um meio de em- e maior capacidade de negociar, quer porque têm maior le- powerment e um fim em si mesmo, pois o processo repre- gitimidade ou protagonismo, pelo que negociação de objec- senta uma dinâmica contínua que transforma a realidade tivos e interesses («estratégia de atores») obedece a influên- dos atores e a sua concepção de realidade. Neste tipo de cias e pressões entre os participantes (Perestrelo, 2007:63). participação, é comum que os problemas sejam discutidos Assim, partindo-se do pressuposto de que a participação não a partir de vários ângulos com o propósito de chegar a um significa necessariamente a partilha de poder, é necessário consenso entre todos. o acionamento de mecanismos específicos que possam in- Esta tipologia permite-nos perceber que, independen- cluir grupos desfavorecidos (White, 2006:143), tornando-se temente dos modos de comunicação e decisão empregues,

fundamental definir quem participa no processo, quem defi- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 a participação tem sempre resultados positivos, embora ela ne quem ou como participa, e assegurar o cumprimento dos sirva algumas funções com aspectos negativos por compro- compromissos estabelecidos e a existência de condições para meterem a natureza e os objetivos dos arranjos participati- o exercício de uma democracia participativa, como a comuni- vos, desde logo porque formas de capacitação emancipató- cação e circulação de informação, a discussão das várias es- rias, centradas nas pessoas, são preferíveis às formas «mais tratégias e a divulgação dos resultados (Perestrelo, 2007:65). Mariana Lima 174 Tensões, compromissos e articulações 175 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

superficiais» de participação, tais como a consulta e a par- de duas formas: substituir os decisores ou criar pressões tilha de informação (Bliss e Neumann, 2008:19). De acordo populares que obrigam os decisores a agirem com justiça. com Fung (2006:69), podemos distinguir alguns modelos de A função política poder-se-á traduzir numa maior proximi- comunicação e decisão: dade e responsividade institucional, na transparência dos processos e das instituições, na prestação de contas, na rei- O modelo «espectador», quando os participantes recebem in- ACEESA vindicação, e numa maior autonomia política dos partici- formações e apenas testemunham lutas entre políticos, pantes (Fung, 2006:74). ativistas e grupos de interesse; Desta forma, reconhece-se que, do ponto de vista analí- O modelo «consultivo», quando os participantes expressam tico dos processos participativos, é necessário insistir numa preferências; visão que tenha em consideração as motivações, os interes- O modelo «interativo», quando desenvolvem preferências; ses, as relações de poder e as relações de confiança ineren- «Deliberativo», quando as decisões incluem a votação, tes aos processos. Por outro lado, reconhece-se que apesar a negociação de interesses próprios e/ou colectivos das ambiguidades e da existência de certos constrangimen- e a deliberação. tos que limitam a participação, não se põe em causa o seu potencial emancipatório e democrático. É possível associar à participação diferentes funções: a fun- ção de eficiência e eficácia, a função social e a função polí- 3. Democracia Participativa tica. De eficiência, porque parte da partilha e da sinergia Considerando-se como único regime capaz de reunir os ele- de recursos (materiais, técnicos, etc.), embora isso se possa mentos fundamentais da legitimidade política, a concep- traduzir em mais tempo para se tomarem decisões (Ferrei- ção liberal da democracia 20 tem ganho amplitude mundial ra, 2011), e de eficácia porque tem a capacidade de cum- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO enquanto, simultaneamente, convive com uma crescente prir os objectivos que norteiam o projeto, podendo resultar, quantidade de pessoas em situações de pobreza e exclu- no caso contrário, em desânimo ou na perda de confiança são social (Dias, 2008). Os mais atuais debates sobre a de- nas instituições. A participação tem também uma função mocracia e cidadania colocam-se, por isso, ao nível da sua social pois, através de processos participativos, sobressaem variação prática, pois torna-se cada vez mais necessário dinâmicas de socialização e de aprendizagem, criando-se encontrar novos campos de exercício da democracia para 18 mais capital social . Por outro lado, a função social assen- combater a desigualdade e exclusão sociais. ta na participação enquanto empowerment, sendo trans- Em nome do aprofundamento da democracia ou da sua formativa a experiência de estar envolvido coletivamente restauração, alguns países iniciaram diferentes processos na consideração de opções e na tomada de decisões (Whi- de participação que redefiniram a sua ordem societária vi- te, 2006:146), embora a literatura nos mostre que algumas 21 REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 gente , dando lugar a novos horizontes de emancipação instituições possam sentir-se «desconfortáveis» quando social, que recolocaram na prática democrática contempo- 19 o empowerment ocorre efetivamente . Já a função políti- rânea a inconclusividade do debate entre representação ca da participação permite resolver falhas de legitimidade, e participação e a necessidade de uma nova formulação na justiça e eficácia nas instituições, uma vez que os mecanis- combinação das diferentes formas de democracia (Santos e mos de participação podem aumentar a justiça democrática Avritzer, 2003:60-61). Este conjunto de pressões populares Mariana Lima 176 Tensões, compromissos e articulações 177 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

tem vindo a adquirir progressiva visibilidade mundial, ao pro- local e que correspondam ao conhecimento local (Phillips, curar estabelecer uma nova relação entre a cidadania e a po- 1996:23-24). É verdade que os governos locais têm melhores lítica, quer através do aprofundamento da relação entre cida- resultados do que os governos centrais, exatamente por con- dãos e decisões do poder político e do resgate de minorias, quer siderarem estas dimensões, mas há ainda muito a fazer nes- pela luta pela afirmação dos direitos sociais – formalmente ta área, sobretudo no que diz respeito ao aperfeiçoamento da

consagrados mas negados na realidade (Sader, 2003:546). ACEESA qualidade da democracia 22. Para Nelson Dias, o grande desa- Embora estes movimentos se posicionem em diferentes fio da democracia corresponde, nos dias de hoje, ao aprofun- escalas – locais, regionais, nacionais e mundiais –, as pri- damento da participação, quer sobre uma abordagem quan- meiras formas de resistência assumiram expressões locais titativa, baseada no fato de que é necessário trazer o maior (Dias: 2008:184; Sader: 2003:544-545). Para além do fato número possível de participantes, quer sobre uma aborda- de o local ser privilegiado porque a comunidade é mais mo- gem qualitativa, relacionada com a qualidade da própria bilizável em torno de temas locais (Friedmann, 1996:XI; participação (Dias, 2008:200). Esta questão é particularmen- Phillips, 1996:26), o local parece «virar as costas»à demo- te importante de ser analisada, pois a qualidade e a integri- cracia representativa e dar preferência à democracia parti- dade dos resultados da participação e da deliberação são de- cipativa, quer por ser amplamente vista como solução para terminados pelas instituições, uma vez que são elas que dão o problema da confiança política, restabelecendo a ligação forma a estes conceitos e os implementam (Fung, 2002:344). entre a esfera política e a sociedade civil sobre novas ba- É importante reter duas ideias principais sobre o impac- ses (Jouve, 2005:324), quer porque o território se apresenta to que a democracia participativa exerce sobre o desenvolvi- enquanto «lugar de síntese», articulando os níveis central mento. Por um lado, considerando todas as potencialidades e local (Fernandes, 1992:54-55). emergentes da democracia participativa no que se refere Do ponto de vista da descentralização, o poder local pode AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO à inclusão e à participação dos atores, bem como à mudança assumir duas vias: ou obedece à lógica de democracia re- social associada, poder-se-á afirmar o seu contributo para o presentativa, reproduzindo a mesma estrutura e a mesma desenvolvimento já que a sua determinação passa por «(...) lógica do poder central, ou obedece a outra estrutura e a ou- uma democracia participada, com o que esta implica de li- tra lógica, próprias de uma democracia participativa. No berdades civis, clareza e acesso alargado a um informação caso de se tratar de uma democracia representativa, é pro- completa, rigorosa e adequada» (Friedmann, 1996:43). Para vável que sejam desconhecidos os principais problemas da além disso, as práticas da democracia participativa dão fre- comunidade, a qual apenas atua como um mecanismo de quentemente lugar ao Desenvolvimento Participativo 23. eleição. Já no caso de se tratar de uma democracia parti- Por outro lado, é possível concluir que, do mesmo modo cipativa, a comunidade torna-se a base exclusiva da sua que o local é o nível de governação que melhor pode acolher

constituição, do seu exercício e da sua legitimação, favore- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 a democracia participativa, também o aprofundamento da cendo-se assim o seu envolvimento na gestão pública, com democracia participativa favorece a consolidação e o forta- diferentes graus de participação (Fernandes, 1992:34-39). lecimento do DL. Se pensarmos na dinâmica da democracia, A democracia local tem o dever de criar decisões, que se- como meio de desenvolvimento de alternativas, «a localidade jam «melhores» ou mais adequadas do que as decisões que pode desempenhar um papel crucial na ampliação da discus- emanam do centro, e isso implica que sejam do interesse são, da deliberação e do debate» (Phillips, 1996:37). Mariana Lima 178 Tensões, compromissos e articulações 179 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

Quadro 1 Conceitos, dimensões e indicadores da grelha analítica III.

Apresentação do estudo de caso Conceitos Dimensões Indicadores 1. Modelo analítico e técnicas Desenvolvimento Informação e dados relativos de investigação adotadas Local Satisfação das necessidades -tipologia das respostas por aos domínios referidos Em função da questão de partida, qual a relação que se esta- área de intervenção: a) emprego; b) saúde; belece entre o poder local e as dinâmicas participativas locais Eficácia das respostas interventivas c) educação; d) apoio social; (comunidade e parceiros)?, foi elaborada uma grelha analíti- (situações resolvidas) ca onde se apresentam os conceitos, as dimensões, os indica- Balanço do trabalho do poder local dores, as fontes de informação e as técnicas de investigação com os parceiros privilegiados para o desenvolvimento deste estudo, sendo os Parceria e visão integrada Número e tipo de objetivos comuns

três primeiros tópicos apresentados no quadro 1. N.º de projetos/ações/atividades Tratando-se de um estudo de caso, que visa analisar em em comum

profundidade determinadas problemáticas de uma popula- Mobilização de recursos Integração de iniciativas (humanos, logísticos e eco- ção em específico, optou-se por realizar esta investigação e respostas das OSC e ABL nómicos) segundo o método de pesquisa intensivo. Privilegiando a intensividade da análise em detrimento de uma lógica de Participação Balanço da participação e envolvimento da comunidade representatividade, recorreu-se a técnicas de investigação Perfis de participação mais próximas de uma abordagem direta com os atores nos Tipologia dos canais participativos seus próprios contextos de interação, utilizando-se a apli- Tipologia dos efeitos das dinâmicas cação de entrevistas semi-diretivas e a observação partici- participativas a) na comunidade; Impactes das dinâmicas b) nos parceiros; c) no poder local; pante, como técnicas de recolha de informação, pois ambas participativas d) na influência de decisões; permitem aprofundar, com algum grau de flexibilidade, de- e) no território terminadas percepções sobre as temáticas abordadas (Al- meida, 1994:198-213). Tipologia dos obstáculos que se colocam Constrangimentos que às dinâmicas participativas a) por parte se colocam à participação da comunidade; b) por parte do poder comunitária local; c) por parte dos parceiros; d) cons- trangimentos externos

Democracia Elaboração coletiva do diagnóstico Participativa social e plano de ação Modos de comunicação Influência nas decisões públicas e decisão

Utilização de mecanismos de consulta e cogovernança

Sustentabilidade Imagem e representação e orientação a longo-prazo dos parceiros (valores) Mariana Lima 180 Tensões, compromissos e articulações 181 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

Os entrevistados foram organizados por grupos, garantin- d / Codificação dos indicadores identificados, agregando do a diversidade de pontos de vista e, para garantir a repre- alguns semelhantes sentatividade dos dados, atendeu-se a um equilíbrio do nú- e / Contagem dos indicadores agregados, apresentando mero de entrevistados por grupos. Dos 13 selecionados 24, quais e quantas vezes surgiam os indicadores identifi- foram entrevistados: cados pelos entrevistados, primeiro em grupos e depois ACEESA Três técnicos pertencentes ao poder local, sendo um deles na totalidade. da JFA Junta de Freguesia de Alcabideche e outros dois A observação participante foi realizada em dois momentos da CMC-Câmara Municipal de Cascais; distintos, tendo em consideração o tipo de objeto de análise Três técnicos de instituições a intervir no território, sendo em questão, privilegiando-se uma observação de diferentes um deles do programa K'Cidade, outro da Torre Guia- dinâmicas. Uma das observações foi desenvolvida num am- Cooperativa de Solidariedade Social, e outro da SEA-So- biente mais formal por se tratar de um plenário onde vários cial Entrepreneurship Agency; parceiros a intervir no território discutiram a introdução de novos projetos e partilharam algumas informações; a outra Quatro moradores: um dirigente associativo da Associação observação correspondeu à partilha de experiências parti- de Moradores de Alcoitão, dois membros da Comissão cipativas dos moradores dos bairros em análise, sendo por de Moradores da Adroana e um ex-associado de uma isso de cariz mais informal. associação no BCV-Bairro da Cruz Vermelha. Destes, Para além da análise de conteúdo dos resultados obtidos três participam em diferentes PIC-Projetos de Inovação através destas duas técnicas, foi também realizada uma Comunitária: um deles no Cascais Fight Center, outro análise documental, procurando sistematizar a informação nos Jogos Com Todos, e outro na Ginástica Eco-Criativa mais relevante para este estudo. Estes documentos, pre- (grupo informal Cozinha Eco-Criativa); AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO dominantemente de natureza estatística, foram sobretu- Um observador privilegiado, técnico da UCC (Unidade de do utilizados para caracterizar o território 25, embora quer Cuidados na Comunidade−Cascais Care, do Centro de a observação participante, quer a aplicação das entrevistas Saúde de Alcabideche. com diferentes atores, tenham permitido um conhecimento O tratamento dos dados recolhidos através da aplica- mais aprofundado sobre o território ao reconhecer especi- ção das entrevistas foi desenvolvido em diferentes fases, ficidades de cada bairro, desde logo porque decorreram de nomeadamente: ambas as técnicas conversas informais que vieram acres- a / Transcrição das entrevistas; centar ou complementar algumas informações disponíveis nos documentos anteriormente referidos. b / Análise vertical (individual), isto é, identifican-

do as ideias-chave de cada entrevistado, para cada REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 di men são analítica; c / Análise horizontal (colectiva), isto é - ou seja, apresen- tando os indicadores identificados pelos entrevistados de acordo com os grupos estipulados; Mariana Lima 182 Tensões, compromissos e articulações 183 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

2. Breve caracterização sociodemográfica do 3. Intervenção no território concelho, da freguesia e dos bairros em análise Sendo as comunidades dos três bairros vulneráveis e con- O concelho de Cascais é constituído por quatro freguesias, frontadas com uma diversidade de problemáticas 27, foi ado- , Carcavelos e , São Domingos de tado o CLDS - Contrato Local de Desenvolvimento Social Rana e Alcabideche. São nestas últimas duas, as mais po- em 2008 e depois, numa segunda fase, em 2012 28. Tendo

pulosas e envelhecidas, onde existem mais fogos de habita- ACEESA como objetivo combater as situações de exclusão social e po- ção social e em que se verifica um maior número de elemen- breza persistente, ao promover o bem-estar e a qualidade tos na família, sendo que os bairros analisados constituem de vida das comunidades, as ações e atividades do CLDS 20% das famílias mais numerosas face à freguesia. O BCV são organizadas de acordo com quatro eixos de intervenção é o mais populado (3617) e aquele onde mais nacionalida- pré-definidos: des se misturam, destacando-se a cabo-verdiana, a ango- 1 — emprego, formação e qualificação; lana e a moçambicana, seguindo-se o bairro da Adroana, 2 — intervenção familiar e parental; com 884 habitantes, sendo 50% da população imigrante. 3 — capacitação da comunidade e das instituições Em Alcoitão, o bairro menos populoso (790), grande parte dos habitantes é originária de Portugal. 4 — informação e acessibilidade. A população de Cascais apresenta níveis de instrução Em 2012, para além de ter sido iniciada a segunda fase do elevados comparativamente ao território nacional, sendo CLDS, foi introduzida no território uma metodologia di- que 22% da população tem o ensino superior. No entanto, namizada pela CMC/DIIS (Câmara Municipal de Cascais/ quando analisados os dados da população dos três bairros Divisão de Intervenção Social) e pelo programa K'Cidade, em análise, verifica-se que a percentagem de pessoas com os Projetos de Inovação Comunitária (PIC) 29. Esta meto- essas habilitações é muito reduzida, tendo um grande nú- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO dologia pretende que a comunidade seja a protagonista do mero concluído apenas o 1.º ciclo 26. seu próprio desenvolvimento, rentabilizando as potencia- A taxa de desemprego em Cascais (12,05%) tem vindo lidades locais ao transformá-las em recursos, promovendo a crescer ao longo dos anos, verificando-se uma taxa de cres- a participação, o empowerment, a auto-organização e a ação cimento de 43% entre 2001 e 2011. Os bairros analisados colectiva de grupos comunitários. A ideia é que a comuni- representam 18,5% da população desempregada na fregue- dade identifique as suas necessidades reais e implemente sia de Alcabideche, sendo o bairro de Alcoitão o que apresen- soluções que respondam a necessidades não cobertas, sen- ta uma maior taxa de desemprego (24,4%). Assim, também do por isso uma uma metodologia que rompe a tradicional o número de beneficiários de apoios sociais tem aumenta- visão dos cidadãos enquanto beneficiários (abordagem as- do: em 2011, 3% das famílias do concelho eram beneficiá- sistencialista) em favor de uma abordagem de capacitação.

rias do RSI – Rendimento Social de Inserção e 5% eram be- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 Dos 17 projetos apresentados, foram aprovados 15, acom- neficiários do CSI-Complemento Solidário para Idosos, em panhados pelo Comité Local de Acompanhamento de PICs, 2009. Em 2011, as organizações que auxiliam regularmen- o qual é constituído por seis entidades públicas, duas OSC- te os munícipes em situação de vulnerabilidade económica -Organizações da Sociedade Civil ou de Economia Social apoiaram 2613 famílias, sobretudo ao nível do apoio de bens e Solidária e um voluntário 30. alimentares, sendo 698 delas de Alcabideche, uma das fre- guesias com maior número de famílias apoiadas. Mariana Lima 184 Tensões, compromissos e articulações 185 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

4. Atores-chave do território IV. Há uma grande diversidade de atores no território, razão Análise dos resultados pela qual aqui distinguimos aqueles que estão ou deveriam 1. Tipologia do envolvimento, influência estar mais envolvidos no desenvolvimento dos três bairros. emodos de comunicação e decisão dos atores Em primeiro lugar, destacamos três subgrupos oriundos O quadro 2 apresenta-nos uma síntese dos tipos de envolvi- da comunidade: mento dos atores e da(s) influência(s) que esse mesmo envol- 1 — os cidadãos não-organizados e os grupos informais, tais vimento representa, sendo também apresentados os diferen- como o Grupo Informal Cozinha Eco-Criativa e os Gru- tes modos de comunicação e decisão utilizados. Considerando pos de Jovens; que os contextos em que a comunidade e os restantes atores 2 — as colectividades de moradores, designadamente, a As- se inserem são completamente diferentes, decorrentes do sociação de Moradores de Alcoitão e a Comissão de Mo- tipo de influência(s) que representam, distinguem-se dois di- radores da Adroana; ferentes tipos de envolvimento e participação. 3 — as associações locais, sejam elas desportivas, recreati- vas ou culturais. Quadro 2 Tipologia do envolvimento, influência Em segundo lugar, o grupo de OSC, ou seja, de Economia e modos de comunicação e decisão dos atores 31 Social e Solidária, como no caso da SCMC - Santa Casa da Misericórdia de Cascais, da SEA - Social Entrepreneurship Modos de comunicação Atores Envolvimento Influência Agency (ou Agência de Empreendedorismo Social), da Coo- e decisão perativa de Solidariedade Social Torre Guia e da Funda- Comunidade (grupos – Não-participação – Manipulação – Ser espectador de valorização, grupos – Participação passiva – Benefícios pessoais – Expressar preferências ção Aga Khan (programa K'Cidade). A outro nível, podemos informais, grupos de – Participação instrumental – Informação – Desenvolver preferências distinguir os serviços públicos desconcentrados, tais como interesse, colectividades – Participação reativa – Consulta – Negociar e votar de moradores) – Representatividade – Deliberar o Agrupamento de Escolas de Alcabideche, a UCC (Unidade – Participação reivindicativa – Participação interativa – Parceria e cogovernança – Expertise técnica de Cuidados na Comunidade) — Cascais Care, do Centro de (transformativa) – Autoridade direta Saúde de Alcabideche e o IEFP-Instituto de Emprego e For- mação Profissional. Por fim, consideramos as instituições Rede de Parceiros – Não-participação – Participação passiva governativas do território, a Junta de Freguesia de Alcabi- – Participação tecnocrática deche (JFA) e a Câmara Municipal de Cascais (CMC), bem (populista) como os seus respectivos departamentos e divisões orgâni- – Participação Político-formal – Participação Corporativa cas, como a Divisão de Intervenção Social (DIIS) e a Empre- Poder local sa Municipal da Gestão da Habitação, a Cascais Envolvente. Alguns destes atores faziam parte da Rede de Organiza- ções para o Desenvolvimento da Adroana (RODA), embora Fonte o número e a diversidade de parceiros tenham vindo a au- Tipologia elaborada a partir da influência de Ferreira, 2011:70. mentar com o alargamento da sua intervenção para o BCV e Alcoitão, aquando da entrada da segunda fase do CLDS. Mariana Lima 186 Tensões, compromissos e articulações 187 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

Os grupos de entrevistados referiram haver um grande en- as dinâmicas participativas ao auscultar a comunidade mas volvimento e participação da comunidade, registando-se sem a incluir efetivamente no processo de decisão. Este en- inclusivamente uma evolução neste sentido indicada pela volvimento faz-se mediante uma participação tecnocráti- maioria, considerando que a mesma apresenta um grande ca do poder local e dos parceiros, encarando a participação potencial participativo ao serem apontados pelos entrevista- como parte integrante da metodologia de projeto, embora os

dos fatores como a motivação, o dinamismo e a sua facilidade ACEESA projetos estejam construídos a priori (participação «populis- de mobilização. Segundo os dados recolhidos, o envolvimen- ta»), dando lugar a formas participativas de modo a ganhar to da comunidade varia sobretudo entre os tipos interativo ou garantir legitimidade ao mostrar resultados e que está (transformativo) e reivindicativo mas vale a pena começar a «fazer algo». Por essa razão, está implícita a distorção da por analisar outros tipos de envolvimento menos ativos. participação e, por isso, a sua manipulação por parte do po- A participação passiva caracteriza-se pelo facto dos ato- der local em função dos seus benefícios políticos. res não se envolverem diretamente nos processos em ques- Por outro lado, a passividade dos atores poderá ser ve- tão, sendo exemplos disso, no caso da comunidade, a partici- rificada em reuniões e outros tipos de espaços deste género pação (valorizante) em festas e noutros espaços de convívio, quando o seu envolvimento, próprio de um espectador, pas- bem como a participação (nominal) em determinadas ações sa apenas pelo acesso a informação, como foi possível ob- dinamizadas pelo poder local. servar, por exemplo, no plenário do grupo RODA. O recente A participação valorizante refere-se ao envolvimento de processo de realojamento dos 60 fogos do BCV, por sua vez, atores em meios participativos onde são apresentadas as mostra-nos inclusivamente que por vezes os atores nem se- potencialidades da comunidade, como no caso do Al -Qaba- quer acesso a informação têm, apenas testemunhando lutas zar, onde foram expostos produtos do grupo Cozinha Eco- de interesses (neste caso, entre os moradores dos 60 fogos -Criativa, ou no caso das festas comunitárias, onde fre- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO e os técnicos da CMC). quentemente se assiste a espetáculos de dança e música. A participação instrumental, à semelhança da nominal, Contudo, aqueles que praticam uma participação valori- não tem qualquer impacto ao nível da influência e do po- zante não se envolvem diretamente nestes processos. Em- der de decisão, consistindo na oferta de mão-de-obra para bora apenas valorizem o território e a comunidade neste a construção de infraestruturas. Servem de exemplos des- tipo de eventos, compreendemos que muitas vezes este tipo te tipo de participação a auto-organização da comunidade de aproximação conduz a formas mais complexas de parti- da Adroana para requalificar o bairro ao pintar os prédios, cipação, razão pela qual consideramos importante distin- embora a Cascais Envolvente tenha recusado a proposta, guir este envolvimento em específico. e a mobilização da comunidade para ajudar com as obras no A participação nominal tem como exemplo neste territó- espaço destinado ao PIC Cascais Fight Center, observado

rio a consulta à população, sendo o processo de requalifica- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 na partilha de PICs. ção urbana do bairro da Adroana ilustrativo desta realida- A participação reativa associa-se à mesma lógica da par- de: embora o bairro tenha sido requalificado, o planeamento ticipação reivindicativa, distinguindo-se desta pelo facto territorial não correspondeu às expectativas da comunidade, de ser uma participação não-organizada, baseada na ideia sendo o mecanismo de consulta uma forma de «mascarar» de que o poder local tem a obrigação de responder às suas Mariana Lima 188 Tensões, compromissos e articulações 189 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

exigências. Neste caso, os cidadãos não são meros «espec- A participação interativa (transformativa), ancorada tadores», expressando as suas opiniões. A participação rei- às ideias do desenvolvimento alternativo, associa-se priorita- vindicativa procura pressionar o poder local a responder riamente ao empowerment político, ao privilegiar uma maior às suas necessidades de forma organizada (formal ou infor- aproximação da comunidade dos centros de decisão. O facto malmente) e representativa, sendo as necessidades coleti- de serem envolvidos na consideração de opções, fazerem par-

vas. Neste caso, os modos de comunicação e decisão são di- ACEESA te da tomada de decisão e mobilizarem-se para a ação colec- versificados, podendo ir desde a expressão de preferências tiva constitui a transformação destes atores, mais conscien- até à deliberação, dependendo das influências dos atores. tes dos seus problemas e, por isso, com maior confiança na Servem de exemplos deste tipo de participação os pedidos sua capacidade de fazer a diferença (White, 2006:146). Neste de reuniões que a Comissão de Moradores da Adroana fez caso, os parceiros e poder local acreditam que a comunidade no sentido de se encontrar com os presidentes da autarquia tem capacidade para ser protagonista do seu próprio desen- para questionar o encerramento dos espaços comunitários volvimento, organizando uma participação corporativa. e a requalificação urbana do bairro. Na mesma linha de São subjacentes à participação interativa (transformati- sentido, um dirigente associativo da Associação de Mora- va) e corporativa todos os tipos de comunicação e decisão dores de Alcoitão e um representante da Associação 24 de descritos no quadro 2. A cogestão do Espaço Comunitário de Setembro decidiram juntar-se para se deslocarem à CMC, Alcoitão exemplifica este tipo de participação, implicando a fim de reivindicar os espaços comunitários encerrados. os diferentes atores nos diversos modos de comunicação e Os diversos tipos de assembleias, por exemplo, que mui- decisão. Este tipo de envolvimento é também passível de tas vezes permitem a aproximação entre a comunidade ser analisado através da participação nos PIC, onde a co- e o executivo, são espaços onde os parceiros e poder local munidade tem autoridade direta sobre os projetos, construí- assumem uma participação político-formal ao introduzirem AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO dos de acordo com a sua visão, embora acompanhados pela mecanismos de participação mais próximos da comunidade parceria de outros atores. Neste caso, por isso, a participa- e que permitem a influência de decisões e a afirmação da ção transformativa representa ganhos coletivos mas tam- democracia participativa, sendo complementares a arran- bém benefícios pessoais ancorados ao empowerment social jos representativos. Contudo, os mecanismos adotados por e psicológico, tais como o aumento da autoestima e o desen- este tipo de participação são pontuais, o que circunscreve volvimento de competências da comunidade. A autoridade a participação comunitária àquele momento, não consi- direta, contudo, é um tipo de influência mais característico derando o nascimento de novas dinâmicas participativas. do poder local pela sua legitimidade sobre todas as inter- Por outro lado, a participação poderá correr o risco de ser venções a ocorrerem no território. distorcida; os técnicos poderão proceder à manipulação dos Há que ter em consideração que muitos momentos, mais

processos de participação, quer numa lógica de prestação REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 ou menos participativos, cruzam diferentes atores e, por de contas, assegurando-se a demonstração de resultados isso, diferentes tipos de envolvimento, influências e modos positivos, quer numa lógica de evitar determinadas posi- de comunicação e decisão, não sendo nenhum tipo destas ções que os atores possam ter, através de processos de «edu- dimensões exclusivo de um só ator embora por vezes seja cação» que os tornam «legítimos» para participar (Nunes, mais característico de um ou outro. 2010:3; Fung, 2006:68). Mariana Lima 190 Tensões, compromissos e articulações 191 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

2. Intervenção das instituições Constrangimentos governativas (poder local) a / Por parte da comunidade Considerando que esta investigação incide sobre as rela- b / Por parte do poder local ções estabelecidas entre o poder local e as comunidades dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha, e tendo as c / Por parte dos técnicos

instituições governativas uma importância significativa ACEESA d / Externos a estes atores. na gestão e no planeamento territorial, apresentamos em Segundo os entrevistados, as principais razões que contri- seguida uma breve análise da intervenção das mesmas. buem para a comunidade não participar têm nela própria Esta análise é particularmente importante para nos ajudar a sua origem, ainda que parte desses condicionamentos lhes a compreender a reflexão em torno das dinâmicas que se sejam externos, tais como o desconhecimento das dinâmicas edificam no território, descritas no ponto 3 − Tensões, com- participativas existentes, o relativo desconhecimento da lín- promissos e articulações entre os atores. gua ou até mesmo a pouca experiência participativa, deri- Os vários tipos de respostas oferecidos nas diversas áre- vada do seu percurso de vida. De acordo com os entrevista- as (tais como a descentralização de serviços e a capacitação dos, o aspeto que mais dificulta a participação, por parte da organizacional das instituições locais), a existência de equi- comunidade, é a sua fraca autoestima embora essa opinião pas territoriais e de espaços participativos que permitem seja divergente entre os grupos de entrevistados. a influência de decisões, tais como o OP-Orçamento Partici- O segundo grupo de fatores que mais responsabilidade pativo, as assembleias municipais e de freguesia, bem como assume para a não-participação comunitária, refere-se ao a concretização da Al-Qabazar, uma iniciativa que promo- poder local, destacando-se a não-resposta às necessidades ve as mais-valias gastronómicas e o património cultural da da comunidade entre os principais obstáculos, mencionado freguesia, mostram-nos que o poder local tem investido na AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO pela maioria dos entrevistados. Para os moradores e ob- intervenção territorial e na promoção da cultura participa- servador privilegiado, contudo, a mudança do executivo tiva. Todavia, os resultados obtidos indicam-nos que esta e a burocratização dos processos são mais significativos. ação de investimento, quer no território, quer na cultura É relevante notar que, para os técnicos pertencentes ao po- participativa, é alvo de contradições e ambiguidades. der local, os constrangimentos que a comunidade e que os técnicos das outras instituições locais apresentam são su- 2.1. Constrangimentos periores aos constrangimentos impostos pelo poder local, ao à participação comunitária contrário dos outros grupos que julgam que o poder local Claro está que, apesar das dinâmicas participativas apre- é quem mais obstáculos representa para a participação , sentarem várias potencialidades, os processos participati- logo a seguir à própria comunidade.

vos não são isentos de constrangimentos. De forma a sis- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 tematizar os obstáculos que se colocam à participação comunitária, os mesmos foram organizados por grupos: Mariana Lima 192 Tensões, compromissos e articulações 193 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

2.2. Satisfação das necessidades Se o acesso a informação constitui uma condição essen- A comunidade tem à disposição diferentes tipos de for- cial para a garantia de uma participação alargada e respon- mações, atividades e respostas, que contribuem positiva- sável 32, e partindo do princípio que atualmente o papel das mente para o seu desenvolvimento, quer através da sua instituições vai muito além da cobertura de carências bási- capacitação, como também da sua integração em diferentes cas, exige-se a comunicação e a circulação de informação,

esferas da vida pois, quando analisada a eficácia destas, ACEESA competência esta que parece não estar a ser cumprida na verifica-se que a comunidade desenvolve competências téc- sua totalidade, se considerarmos o grau de desconhecimen- nicas e ao nível de soft-skills, como também outro tipo de to que a comunidade tem, não só ao nível das ações de cariz capacidades, que favorecem a sua participação no territó- participativo, como também ao nível das respostas e servi- rio, tais como a auto-organização e a reflexão coletiva. ços existentes no território. Porém, a necessidade de espa- As respostas interventivas foram organizadas por dife- ços comunitários e participativos é referida pela maioria rentes grupos, nomeadamente: dos entrevistados, sendo por isso reconhecida como uma ne- a / Emprego e formação; cessidade prioritária, pela preocupação demonstrada. b / Intervenção social e outros apoios em geral; 2.3. Canais de participação c / Saúde; Os 30 canais participativos indicados, isto é, meios através d / Educação. dos quais a comunidade pode participar − abrangendo não A área da intervenção social e outros apoios em geral é a que só espaços físicos como formas participativas diversas −, po- mais respostas apresenta, destacando-se a requalificação dem ser classificados mediante as suas funções: física do território e a construção de hortas comunitárias. a / Para o desenvolvimento de atividades, servindo AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Contudo, os moradores e a observadora privilegiada men- de exemplo os pólos comunitários e a ludoteca; cionam mais as respostas direcionadas para o emprego e for- b / Para a reflexão colectiva sobre o território, através dos mação do que as de apoio/intervenção social, especulando-se vários tipos de reuniões, bem como do diagnóstico desta forma que a importância atribuída a formações que participativo capacitem a comunidade para o mercado de trabalho seja c / Para a influência nas decisões públicas, através do OP, maior, o que é natural, considerando a génese da comunida- dos fóruns e das diversas assembleias de, marcada pelo baixo grau de escolaridade e desemprego. O fato da área do apoio e intervenção social respon- d / Para lazer, destacando-se a realização de festas der sobretudo à requalificação física do território dá força comunitárias. ao argumento de que a tendência do poder local é desenvol- Contudo, é importante ter em consideração que muitos des- ver ações centradas na criação de infraestruturas básicas, REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 tes espaços assumem múltiplas funções, cruzando-se assim numa lógica assistencialista face às necessidades primá- vários tipos de atores, interesses e lógicas de funcionamento. rias (Ruivo e Francisco, 1998:287), sobretudo em territórios Os espaços participativos mais referidos foram os pólos menos desenvolvidos, onde se dá prioridade a projetos de comunitários, seguido das coletividades de moradores (As- infraestruturas face a aspectos imateriais, como a forma- sociação de Moradores de Alcoitão e Comissão de Moradores ção e a informação (Jacinto, 2001:86). Mariana Lima 194 Tensões, compromissos e articulações 195 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

da Adroana) e dos PIC. Contudo, quando questionados so- 2.4. Modos de comunicação e decisão bre os espaços onde a comunidade mais comummente par- A maioria dos entrevistados considera que as decisões to- ticipa, parte dos entrevistados afirmou que muitas vezes madas pelo poder local não são claras nem transparentes, a participação não depende tanto do tipo de canais partici- sendo relevante sublinhar que todos os técnicos da admi- pativos mas sim do que essa participação poderá significar, nistração local concordam com tal, alegando que por vezes

referindo a importância da utilidade da resposta bem como ACEESA eles próprios não têm conhecimento de muitas das decisões da concretização das intervenções. tomadas. Para além da falta de clareza e transparência, Os espaços participativos existentes no território pare- os mesmos referem também que várias vezes essas decisões cem, contudo, criar algum desequilíbrio entre a possibilida- não são partilhadas com os outros atores, servindo disso de de mudança e a mudança efetiva. exemplo o encerramento de espaços comunitários, embo- Em primeiro lugar, alguns desses espaços são pontuais, ra esta situação não tenha sido referida pelos técnicos da como as assembleias e os fóruns, e outros dirigidos para um administração local. Não é surpreendente, por isso, que al- determinado tipo de população, como no caso do OP, um me- guns entrevistados tenham mencionado que não é comum canismo participativo pouco adequado a comunidades com por parte do poder local consultar os parceiros a intervir no pouca experiência participativa, como no caso das analisadas. território e a comunidade. No entanto, foi aprovada a avaliação técnica para a proposta No entanto, apesar disso, alguns entrevistados afirmam dos moradores «Criação de passeio entre Adroana-Alcoitão existir uma elaboração coletiva do diagnóstico social e dos e Adroana-Bem Lembrados», no âmbito do OP2014, levando- planos de ação e um relativo envolvimento da comunidade -nos a crer que esta tendência possa vir a ser contrariada. nas tomadas de decisão, o que sugere alguma contradição Em segundo lugar, uma situação particular demonstra- com o descrito anteriormente. Vale a pena, por isso, esclare- -nos que o acesso a alguns espaços que privilegiam a parti- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO cer algumas questões sobre esta aparente deliberação sobre cipação pode ser condicionado, sendo exemplo disso os re- a governança do território. sultados do recente processo de realojamento de 60 fogos Em primeiro lugar, é possível compreender que o proces- no BCV. Uma vez que a CMC e o grupo de moradores des- so deliberativo entre os diferentes atores é pouco visível no tes fogos não chegou a consenso, a autarquia decidiu cessar território, pois algumas perceções recolhidas indicam essa as assembleias de bairro, o que não só afastou este grupo tendência, tais como o retrocesso do processo de reflexão de indivíduos, como também outros moradores do bairro, colectiva sobre o território, a inexistência de deliberação ao deixar de ser dinamizado o processo de reflexão sobre e o pouco envolvimento da comunidade na tomada de deci- o território naquele espaço. sões; apenas dois entrevistados consideram que as decisões Em terceiro lugar, embora sejam disponibilizados alguns são deliberadas e que todos os atores têm o mesmo poder

espaços participativos e/ou comunitários, a grande maioria REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 de decisão. Em segundo lugar, só com a entrada da equipa dos entrevistados mencionou o encerramento de determina- do K'Cidade na rede de parceiros, em 2012, o diagnóstico dos espaços por parte da CMC, razão pela qual provavelmen- social passou a ser participativo, dando voz à comunidade. te a maioria dos entrevistados identificou como uma das suas Em terceiro lugar, o envolvimento da comunidade é fre- principais necessidades a presença deste tipo de espaços. quentemente associado à implementação de propostas ou Mariana Lima 196 Tensões, compromissos e articulações 197 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

projetos da mesma. Contudo, de acordo com os entrevis- por outras entidades, como no caso da Associação de Mo- tados, esta implementação por vezes obedece a interesses radores de Alcoitão, embora a capacitação organizacional políticos das instituições da administração local, sendo pos- e a animação da rede de parceiros tenham alterado o rumo sível compreender, com base nos testemunhos recolhidos, destas dinâmicas. Sendo o trabalho em rede considerado que quer a consulta à comunidade, quer a concretização de o principal impacte das dinâmicas participativas no grupo

certas intervenções, por parte do poder local, são ações que ACEESA de parceiros, acreditamos que as ações individualistas por respondem a objectivos pouco ambiciosos e/ou a finalidades parte de alguns parceiros possam ser atenuadas. político-partidárias de pressão. Entre os que foram positiva ou negativamente avalia- dos, destacam-se dois parceiros em particular, sendo o seu 3. Tensões, compromissos envolvimento mais detalhado pelos entrevistados, nomea- e articulações entre os atores damente, da Cascais Envolvente e da equipa do K’Cidade. Sendo um dos principais objetivos desta investigação ex- No caso do primeiro, nenhum aspecto positivo foi referido; plorar as relações que se estabelecem entre os atores do para além da crítica à sua intervenção, alguns entrevista- território, procurando dar sentido a essas dinâmicas, apre- dos condenam a relação que a empresa municipal estabelece sentamos em seguida uma reflexão sobre as mesmas, deli- com a comunidade, marcada pelo afastamento e «arrogân- neadas pela compatibilidade entre os atores e a influência cia», surgindo por vezes momentos conflituais. Pelo contrá- que representam. rio, o K’ Cidade foi considerado um parceiro próximo da co- Em geral, os parceiros a intervir no território são bem munidade, proativo e que investe na cultura participativa, avaliados pela maioria dos entrevistados, considerando-os de destacando-se a sua importância no fortalecimento e capa- continuidade, isto é, fixos e envolvidos em vários projetos do citação organizacional. território e não de oportunidade, por se envolverem apenas AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO Sendo da responsabilidade da Cascais Envolvente a ad- em alguns projetos, praticando uma ação pontual e desarticu- ministração e a gestão das habitações sociais e uma vez que lada. Independentemente de os classificarem participativos a comunidade foi realojada em bairros com habitações des- e envolvidos, os técnicos da administração local consideram, te tipo, a relação entre os atores deveria ser próxima mas com o mesmo peso, que o grau de interação entre os parceiros a «arrogância» para com a comunidade, por parte dos téc- é baixo, contribuindo assim para uma visão menos positiva nicos da Cascais Envolvente, tem conduzido a situações sobre o envolvimento e intervenção dos mesmos. conflituais entre os atores, deteriorando a relação. Cremos De fato, apesar dos avanços que a rede de parceiros tem que tal se justifica parcialmente pela própria missão da representado para uma visão integrada do território, per- instituição, pois a administração e a gestão das habitações sistem ainda algumas posições individualistas na resolu- é uma questão particularmente sensível, que poderá criar

ção dos problemas, como no caso das instituições do BCV REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 alguma tensão. De acordo com um entrevistado, por exem- ao mostrarem-se fechadas sobre a sua ação, ao não intera- plo, o sistema de cálculo das rendas sociais «tem ainda mui- girem com as restantes instituições, revelando algum de- tas lacunas e iniquidades», ficando em risco a habitação de sinteresse pelo trabalho em parceria. Torna-se pertinente muitas pessoas, o que poderá ser um fator explicativo da di- esclarecer que esta era uma posição igualmente assumida fícil relação entre eles. Por sua vez, o K’ Cidade representa Mariana Lima 198 Tensões, compromissos e articulações 199 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

alguma influência, quer para a rede de parceiros, como Embora ambas as instituições governativas tenham uma para a comunidade, embora ela seja visível a níveis dife- ação pouco consulente, a CMC é acusada de menos trans- rentes do tipo de influência que o poder local assume. Nes- parência e clareza nas decisões tomadas, justificando-se as- te caso, considerando a intervenção do K'Cidade quer com sim que alguns entrevistados considerem que a instituição os parceiros, capacitando-os e/ou fortalecendo-os, quer com individualiza as ações e tem o domínio sobre as decisões no

a comunidade, através do investimento na sua participa- ACEESA território, transformando-a numa figura de poder com um ção, a influência que tem coloca-se ao nível da sua repre- papel autoritário sobre o território e as instituições do mes- sentatividade, que é essencialmente técnica. mo. Com base nos dados recolhidos, foi possível compreen- Tanto os parceiros como o poder local têm adotado técni- der que parece haver algum «desconforto» e «medo» da CMC cas que privilegiam, de algum modo, uma democracia parti- partilhar as acções e/ou decisões com outras entidades e em cipada, tais como o diagnóstico participativo, a cogestão do perder o controlo dessas mesmas decisões. De acordo com Espaço Comunitário de Alcoitão, o OP e outros mecanismos Fernandes (1992; 1993), a tendência à concentração do poder consultivos. No entanto, paradoxalmente, algumas situa- é uma característica do poder local aquando institucionali- ções contribuem para o enfraquecimento da democracia, zado, onde atuando sob processo homeostásico resiste à mu- tais como a pouca influência dos atores sobre as decisões dança, justificando-se assim que alguns autores defendam públicas, a falta de clareza e transparência nas decisões que o poder local deve retrair-se mais (Jacinto, 2001:85). tomadas pelo poder local, bem como a não-partilha dessas Fica subentendido que este monopólio do poder, por par- decisões com os restantes atores (o «poder invisível», como te da CMC, associado por alguns entrevistados aos arran- uma das grandes falhas da democracia, na perspectiva de jos, pressões e influências políticas, torna-se desfavorável Bobbio 33). Assim, é possível compreender que a participação às dinâmicas de parceria. Neste sentido, podemos enqua- comunitária e a intervenção diferenciada dos parceiros e do AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO drar a ação da CMC dentro daquilo que Mozzicafreddo poder local têm expressão na introdução de arranjos partici- e outros autores consideram ser o «presidencialismo muni- pativos que complementam os mecanismos representativos, cipal», caracterizado, por um lado, pela desvalorização da embora pelo seu pouco impacto na influência de decisões, consulta e pela secundarização e distanciamento de par- não tenham total eficácia; as hipóteses democráticas di- ceiros, tornando a sua ação fechada sobre si mesma, e, por luem-se pela concentração do poder nas instituições gover- outro lado, pela concentração e autoconcentração do poder nativas, ao invés de estar dissolvido pelo território. (Ruivo e Francisco, 1998:292). Esta personalização do po- Tanto a CMC como a JFA foram consideradas próximas der tende a condicionar o relacionamento entre a autarquia da comunidade, por alguns atores, embora isso não seja con- e a comunidade, desde logo porque «o défice de diálogo com sensual no caso da primeira. Enquanto para a maioria dos a comunidade é diretamente proporcional ao fechamento do

entrevistados, a JFA é uma instituição próxima da comunida- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 grupo político-partidário» (Fernandes, 1993:12). de e dos parceiros, mantendo uma relação de horizontalida- de com estes, já a CMC, de acordo com alguns entrevistados, manifesta algum afastamento destes atores; a «arrogância» e a falta de horizontalidade de alguns técnicos são desde logo factores que indicam alguma hierarquização da relação. Mariana Lima 200 Tensões, compromissos e articulações 201 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

V. Ao longo da investigação, foi possível verificar que alguns Conclusão tipos de participação têm alguma influência sobre as deci- Através da análise dos dados, foi possível reunir um con- sões públicas, destacando-se: junto de considerações que nos permitem caracterizar a / A influência de decisões sobre o planeamento territo- e compreender melhor como se edificam as dinâmicas ins- rial e a requalificação urbana, através de três tipos critas no território de análise, embora seja importante su- ACEESA de participação: nominal, reivindicativa e interativa blinhar que estas considerações apenas se referem a este (transformativa) estudo de caso, sendo a informação recolhida com base em determinados parâmetros que impossibilitam a extra- b / A influência de decisões na disponibilização e na criação polação dos resultados ao nível concelhio. Desta forma, de espaços participativos, mediante uma participação rei- apresentamos em seguida algumas ideias que nos ajudam vindicativa e interativa (transformativa), respectivamen- a compreender qual a relação que se estabelece entre o po- te. Isto significa que diversos tipos de participação pode- der local e as dinâmicas participativas locais (comunidade rão ter influência sobre as mesmas questões, cruzando-se e parceiros), embora seja fundamental esclarecer que estas diferentes dinâmicas participativas num só processo. mesmas ideias resultam das entrevistas realizadas e, por- A comunidade tem sido dotada de instrumentos e ferra- tanto, do contacto com determinados atores. mentas fulcrais para uma participação ativa e responsável Sob pena de uma ação pouco consultiva e inclusiva por na influência das decisões públicas, representando por isso parte do poder local, foi possível verificar que, quer a comu- uma diversidade de poderes importantíssimos para o alarga- nidade, quer os parceiros, têm pouca capacidade de influen- mento dos seus direitos sociais, civis e políticos e, em última ciar as decisões tomadas pelas instituições governativas. instância, para a afirmação da cidadania ativa e da demo- Vezes há em que estas instituições procuram conhecer as AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO cracia. Contudo, só em situações particulares alguns grupos necessidades do território e as preocupações da comunida- da comunidade se transformam em grupos de pressão, sendo de e dos parceiros, intervindo sobre as mesmas com base em os vários tipos de obstáculos que se colocam à participação parcerias. Contudo, essa inclusão e proximidade dos atores factores que contribuem com grande peso para tal situação. parecem obedecer à função de legitimação do poder político, Embora sejam adotados pelas instituições governativas tendo sido constatado que parte das respostas do poder lo- mecanismos que possibilitam a reflexão e gestão colectiva cal é desenvolvida em períodos eleitorais, havendo tenden- do território, por vezes os mesmos perdem credibilidade pe- cialmente um aproveitamento político da comunidade. los seus resultados; exemplos disso são as assembleias e ou- Em casos concretos, foi possível verificar que alguns tros espaços permitirem a inclusão destes atores nos pro- grupos da comunidade conseguem exercer pressão sobre cessos de discussão e pré-deliberação, embora as decisões

o município, de forma a inserir-se no núcleo de decisões REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 tomadas não correspondam às expectativas dos mesmos. e interferindo nestas, aumentando assim a sua esfera de A outro nível, a intervenção dos parceiros é condicionada influência e quebrando a concentração do poder, ao mesmo por influência do poder local, seja por financiamento, seja tempo. A construção das hortas comunitárias e a requali- por orientações e imposições institucionais, sendo a ampli- ficação física no bairro da Adroana ilustram esta situação. tude da definição do papel de algumas instituições a inter- vir no território um exemplo referido disso. Mariana Lima 202 Tensões, compromissos e articulações 203 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

Em suma, embora a comunidade e os parceiros sejam mo- também pelo facto destas dinâmicas fazerem frente aos de- bilizados para a discussão e planeamento territorial, a sua safios do território, ao clarificar e combater problemas con- influência na governança territorial é baixa ou nula, condu- cretos. Por um lado, estas dinâmicas têm vindo a dar a co- zindo, por um lado, à ineficácia dos arranjos democráticos e, nhecer à comunidade os serviços e respostas disponíveis no por outro lado, ao distanciamento dos atores dos centros de território, algo com uma importância significativa se con-

decisão, produzindo o autofechamento e a autoconcentração ACEESA siderarmos que uma das percepções recolhidas sobre a co- do poder nas instituições governativas. Desta forma, veri- munidade nos indica algum grau de desconhecimento nesse fica-se que o centralismo do poder local tem influência na âmbito. Por outro lado, o envolvimento da comunidade tem relação com os atores, marcada pelo défice de abertura, cla- favorecido a sua aproximação, contrapondo a divisão que se reza e transparência, mas também pelos constrangimentos estabelece entre os membros da comunidade. Por último, as que representa para a participação comunitária, não só ao dinâmicas participativas contribuem para o empowerment, nível da não-resposta às necessidades da comunidade ou da um factor importantíssimo visto que um dos principais obs- burocratização dos processos participativos, mas também ao táculos que se coloca à participação corresponde à baixa au- nível das falhas que revela noutras esferas, tais como o con- toestima da comunidade. dicionamento dos espaços que promovem a participação. Finalmente, este trabalho permite ainda algumas con- Apesar das instituições governativas investirem na in- clusões sobre o papel das organizações de Economia Social tervenção territorial e na cultura participativa no territó- e Solidária (ESS) em processos de Desenvolvimento Local rio, assiste-se de forma antitética à criação de obstáculos (DL) e de Governança Local Partilhada (GLP). que dificultam a participação comunitária. Assim, pode O seu papel pode ser fundamental: concluir-se que existe alguma instrumentalização das di- Na animação territorial e dos processos de participação das nâmicas participativas, por parte do poder local, legitiman- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO comunidades, como se evidenciou neste caso, através das do-as mas sem ou com pouco apoio. ações da equipa do Projeto K’ Cidade / CLDS, da Funda- Esta investigação permite-nos retirar duas importantes ção Aga Khan, nomeadamente com a metodologia dos conclusões acerca do DL e da participação, especificamente. PIC-Projetos de Inovação Comunitária, apostando numa Em primeiro lugar, embora os princípios teóricos sobre os dinâmica de Desenvolvimento Local; quais o DL se debruça não estejam completamente satis- feitos, estão a ser dados importantes passos para o fortale- Na dinamização e no envolvimento ativo nos processos de cimento e consolidação do mesmo no território, renovando- parceria local, como ilustram os casos, não só da Fun- -se experiências ao nível da participação comunitária e do dação Aga Khan, como da SEA-Agência de Empreende- empowerment, das parcerias e dos recursos locais 34. Em se- dorismo Social, da Cooperativa de Solidariedade Social Torre Guia e da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, gundo lugar, foi possível verificar que as dinâmicas parti- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 cipativas contribuem positivamente para o desenvolvimen- mas também de grupos emanentes da comunidade, como to, considerando-se não só o conjunto de potencialidades a Associação de Moradores de Alcoitão, a Comissão de que as mesmas têm representado para o território, para Moradores da Adroana, o Grupo Informal Cozinha Eco- a rede de parceiros e sobretudo para a comunidade 35, mas -Criativa, os Grupos de Jovens e outras coletividades lo- cais desportivas, recreativas ou culturais, constituindo Mariana Lima 204 Tensões, compromissos e articulações 205 Rogério Roque Amaro entre o poder local e as dinâmicas participativas locais dos bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Alcabideche, Cascais)

componentes potenciais fundamentais de uma Gover- Nesse sentido, torna-se importante sublinhar que a presen- nança Local Partilhada, ou seja, de uma Parceria-Provi- ça da sociedade civil organizada, em particular das orga- dência Local; nizações de ESS, pode constituir um fermento importante Na viabilização de dinâmicas inovadoras de Democracia para a viabilização de processos efetivamente transforma- Participativa, reivindicando e tomando parte em deci- dores de Desenvolvimento Local, de Democracia Participa- sões de interesse local, como enriquecimento das formas ACEESA tiva e de Governança Local Partilhada, não se limitando da Democracia Representativa Local, como ilustram, a funções reparadoras, complementares ou substitutas do neste caso, os envolvimentos das associações de morado- Estado Social (ainda que na sua versão de Estado Social res e da equipa do Projeto K’ Cidade, em vários momen- Local), ou, pior, a legitimarem o seu poder de controle das tos e situações; comunidades ou o afrouxamento ou perda dos seus Direitos Sociais. Na contraposição às tendências centralizadoras, autoritá- rias e auto-suficientes do poder (representativo) local, no fundo como seu contra-poder, até junto das comunida- des, como por vezes ocorreu, neste Projeto, com a equipa da Fundação Aga Khan e (menos) com a Cooperativa de Solidariedade Social Torre Guia, favorecendo as possi- bilidades e as iminências permanentes de uma partici- pação transformativa e de um «refrescamento» da De- mocracia, ainda que à custa de tensões e conflitos (bem evidentes, neste caso e até com efeitos de exclusão) com AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO órgãos e técnicos/as do poder local; Na proposição de uma nova «arena» de Desenvolvimento (Local), de Democracia (Participativa) e de Governança (Local) Partilhada, a dos «comuns» (bens, serviços, patri- mónio material ou imaterial, recursos naturais, valores, identidades culturais, formas e conteúdos de conheci- mento, espaços comunitários), requerendo novos mode- los de propriedade, de uso, de gestão e de poder, que não se esgotam nas duas lógicas dominantes até aqui, a pri- vada-mercantil e a pública-estatal, antes convocam pro- REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 cessos comunitários e de partilha e reciprocidade, para os quais, em princípio, algumas organizações de ESS es- tão mais orientadas e preparadas, como ilustram, neste caso, as potencialidades abertas por alguns PIC. 11 Há uma recente tendência em valori- zar a cidadania pela óptica do direito, sendo ela própria vista, por assim di- NOTAS zer, como um direito universal. No en- tanto, é necessário ter em consideração 1 Para o aprofundamento do conceito que os direitos dos indivíduos não são de Desenvolvimento Comunitário, Cf. um dado adquirido mas sim construí- Silva, 1961; 1963. dos no espaço público, por convivência 14 Em 1994, o Participation Learning 2 O paradigma territorialista consa- colectiva, pelo que a cidadania não Group definia a participação como um grou-se através da valorização do ter- é tanto um direito universal inaliená- processo no qual os participantes «(...) ritório e da sua diversidade enquanto vel mas «o direito a ter direitos». A ci- partilhavam influência e controlo sobre um processo de descentralização, que dadania ativa surge enquanto condição as iniciativas de desenvolvimento, de- edifica uma relação horizontal entre e fim para o alcance da própria cidada- cisões e recursos que os afectam» (BM, os intervenientes, numa resposta nia, estando intimamente relacionada 1994 apud Bliss e Neumann, 2008:18). integrada e adaptada aos problemas com a participação, a qual poderá ser Já no ano anterior, também o Relatório locais, estimulando uma abordagem vista como o direito dos direitos, uma de Desenvolvimento Humano enfatiza- «a-partir-de-baixo» (bottom-up). vez que surge enquanto um direito va as mesmas questões: «(...) o impor- 22 Contudo, é pertinente esclarecer que básico para a realização de outros. Cf. Cf. Phillips, 1996:33-34. Lima, 2014:21-23. tante é que as pessoas tenham acesso o DL assume diferentes configurações constante à tomada de decisão e poder» 23 O Desenvolvimento Participativo e que, no caso do Desenvolvimento 6 12 A questão do «retorno do ator» é-nos Para Friedmann (1996), o ponto (PNUD, 1993 apud idem, 2008:20). implica a adopção de metodologias Regional Endógeno, com uma visão apresentada por Isabel Guerra. Cf. de partida para o «Desenvolvimento participativas, em contextos de mudan- mais institucional, de base dedutiva, 15 Guerra, 2002. Alternativo» seria a localidade, embora A revitalização do termo «Governan- ça e de melhoria das condições de está inerente um processo que combina o mesmo só fosse genuíno se, a longo ça» foi sobretudo empregue no final vida, em todas as fases do processo, as abordagens top-down e bottom-up. 7 Até então, o Estado ditava as «regras prazo, transformasse a totalidade da Guerra Fria por agências como o BM pressupondo a afirmação da cidadania. Lima, 2014:9. do jogo» mas reflexões em torno da da sociedade aos níveis nacional e in- e o FMI, no sentido de iniciar reformas Cf. Amaro, 2003:57. 3 ação pública, como o «Novo Urbanis- ternacional. Foi devido ao facto de políticas, económicas e administrati- Cf. Amaro, 2009. 24 mo», assentaram no princípio de que esta transformação mais profunda vas, principalmente orientadas para Por razões desconhecidas, apesar da 4 Hermenêutica diatópica correspon- o espaço público é apropriado por uma da sociedade e dos sistemas político a redução de despesas do serviço insistência, não foi possível entrevistar de, por assim dizer, à visão integrada diversidade de atores com diferentes e económico não se ter concretizado público e para a privatização. o presidente da JFA e uma técnica da desejável a este tipo de projetos, visto interesses e recursos, indispensáveis que alguns autores, tais como Raha- Cascais Envolvente. 16 Para enfrentar os desafios que se que «consiste no trabalho de interpre- à mudança social, sendo necessário man (2004) e Hickey e Mohan (2004), colocam ao Desenvolvimento Susten- 25 A análise do concelho de Cascais e da tação entre duas ou mais culturas, o accionamento dos mesmos para a re- argumentam que o «Desenvolvimento tável, o Consenso de Monterrey (2002) freguesia de Alcabideche é baseada em com vista a identificar preocupações solução dos desafios que se colocavam. Alternativo» representou algumas entende como elementos cruciais as dados disponíveis no III PDS de Cascais isomórficas entre elas e as diferentes Cf. Guerra, 2000; 2006. falhas, pois nunca o plano de ação foi proteções sociais e a conceptualização 2012-2015 e a dos bairros baseada, 31 respostas que fornecem para elas» 8 alargado a outros níveis de governação, Este conceito, de origens diversas, dos Direitos Humanos, realçando-se para além deste, também no Diagnósti- Os vários tipos de envolvimento, (Santos, 2002:262 – 263). se não ao nível local. parte da noção de «desintegração os direitos políticos e as condições de co dos Territórios. modos de comunicação e decisão e in- fluências considerados inscrevem-se 5 Destacam-se, para além dos diversos regional», proposta por Walter Stöhr, 13 Alguns fatores ajudam-nos a compre- segurança económica, e uma perspec- 26 Na Adroana e no BCV essa percenta- em tipologias criadas por diferentes relatórios e conferências organizados correspondendo à erosão de recursos, ender porque razão a participação se tiva alargada e efetiva de participa- gem é de 25% em cada um e de 31% em autores. Os modos de comunicação por organismos internacionais, os Pro- subutilização ou sobreutilização de tornou «populista». Em primeiro lugar, ção, isto é, um tipo de participação Alcoitão. Nos três bairros, a percenta- e decisão aqui descritos são da autoria gramas Europeus de Luta Contra a Po- recursos locais, desintegração comuni- foram apontadas críticas aos modelos que transcenda as práticas eleitorais gem de pessoas com o ensino superior de Fung (2006), bem como alguns dos breza, nos quais Portugal se integrou tária e sociopolítica, etc. (Stöhr, 1983 de desenvolvimento eurocêntricos e se traduza em arranjos e mecanismos é de apenas 3,4% face à freguesia. tipos de influência embora sejam con- quando estava em curso o segundo, apud Henriques, 2010:36). e economicistas implementados nos Pa- institucionais diversos. Cf. ONU, 2003. 27 siderados outros, presentes na «escada o Programa «Iniciativas Locais de 9 íses do Sul, por comparação ao sucesso Cabe ao poder local, para assegurar 17 Cf. White, 2006:144-147. Para conhecer os principais pro- de participação», de Arnstein (1969). Emprego», da OCDE, no final dos anos que muitas ONGs tinham ao apostar a coesão territorial, (a) financiar inicia- blemas e soluções identificados pelos Os tipos de envolvimento combinam 80, e os Conselhos Europeus de Corfu numa participação mais próxima. 18 tivas locais / regionais; (b) diagnosticar, Para Putnam (1993), o capital social moradores dos bairros em análise, Cf. tipologias de White (2006) e Amaro (1993), de Essen (1994), de Dublin Em segundo lugar, contribuíram tam- enquanto conhecedor privilegiado do refere-se às características da organi- RODA (2013), Diagnóstico dos Territó- (2013, apontamentos das aulas de Se- (1996) e de Florença (1997). Apesar do bém para esta situação os programas território; (c) avaliar as ações / projetos zação social (redes relacionais, normas, rios, disponível em http://issuu.com/ro- minário de Teorias e Práticas do De- DL só ter alcançado a sua afirmação po- de ajustamento estrutural impostos do território onde intervém; (d) mediar valores e confiança) que podem me- dacascais/docs/diagn__stico_territ__rios. senvolvimento). A participação reativa lítico-institucional nos anos 90, a U.E. pelo BM e pelo FMI, no âmbito do Con- lhorar a eficiência da sociedade, faci- a relação entre o Estado central e o Es- 28 e passiva, por sua vez, são descritas reconheceu o potencial contributo da senso de Washington. Desprovidos de A presente investigação foi realizada tado social; (e) promover parcerias para litando a ação colectiva e criando-se por Ferreira (2011). A utilização desta iniciativa local a partir da década de um relativo poder, os estados nacionais durante a segunda fase do CLDS. articulação / criação de redes intermu- externalidades para a comunidade. conjugação de tipologias justifica-se 80, primeiro no contexto da Estraté- delegaram responsabilidades para Para consultar as ações e respetivas nicipais, ao nível local e regional e (f) O pressuposto desta abordagem é por nenhuma delas, exclusivamente, gia Europeia de Emprego, depois no o povo e, cinicamente, a participação atividades, Cf. Rede Social de Cascais incentivar / facilitar a criação de redes de que o envolvimento cívico e a parti- abranger todos os tipos de envolvimen- âmbito da Governança Local e, mais transformou-se na transferência de (s.a.), CLDS 2012-2014 para a Adroana, de entidades do território e interterri- cipação dos cidadãos influenciam forte- to, influências e modos de comunicação recentemente, no quadro da integração funções e de serviços para as próprias Alcoitão e Cruz Vermelha. tórios (Portela, 2008). mente a performance social e política e decisão presentes no território. territorial de políticas. Três documen- pessoas e comunidades, outrora das instituições, alcançando-se uma 29 Para o aprofundamento da metodolo- 10 32 tos têm vindo a realçar a importância Podem ser distinguidas duas grandes da obrigação governamental (Bliss maior responsividade governamental. gia, Cf. Bandeira, Marques e Ranchor- Cf., entre outros, Friedmann, 1996; da coesão territorial enquanto objectivo correntes da Teoria da Dependência: e Neumann, 2008). Em terceiro lugar, 19 das, 2007. Jacinto, 2001 e Perestrelo, 2007. da U.E., a par da coesão social e eco- a marxista, teorizada por autores como a participação tornou-se, de acordo com Cf. White, 2006:152-153, Nunes, 33 nómica, nomeadamente, o Tratado de André Frank e Theotónio do Santos, Rahnema (2007), numa espécie de slo- 2010:3 e Fung, 2006:68. 30 Para consultar mais informações Cf. Dias, 2008:187. Lisboa (2007), o Livro Verde da Coesão e a weberiana, com um importante con- gan político apelativo e num dispositi- 20 Cf. Santos e Avritzer, 2003:39-44. sobre os PIC, vide http://issuu.com/ 34 Cf. Lima, 2014:69-71. Territorial (2008) e o Relatório Barca tributo de Fernando Henrique Cardoso vo de angariação de fundos para ONGs, rodacascais/docs/paineis-cerim__nia- 21 35 (2009). Cf. EQUAL, 2008:20-22. e Celso Furtado. doadores e receptores. Cf. Santos e Avritzer, 2003:49-51. -pics_final. Cf. Lima, 2014:50-51. Notícia 208

The UN set up an SSE Task Force on Social and Solidar- ity Economy in September 2013, bringing together UN agencies and other inter-governmental organizations with a direct interest in SSE as well as umbrella associations of international social and solidarity economy networks. The Task Force believes that SSE holds considerable prom- ise for addressing the economic, social and environmental objectives and integrated approaches inherent in the con- cept of sustainable development According to the European Forum on Social and Solidar- ity Economy, organized by the European United Left / Nor- dic Confederation Group (GUE / NGL) the economic impor- tance of the SSE is beyond any doubt, representing over 14 million jobs (6.5% of total employment in the EU) and having proved to be extraordinary resilient to the impacts Background: of the crisis concerning unemployment. It is a booming sec- tor, which generates qualitative benefits, which have the UN and Europe potential to improve the quality of democracy while propos- 1 ing frames of production and reproduction more compatible views on SSE with fairer and more sustainable societies. The European Commission works closely with the Euro- pean External Action Service to participate in international development forums to enhance the visibility of social and solidarity economy and make SSE part of the global polit- ical agenda. The Commission is supporting the prospect of more EU countries becoming members of the International Leading Group on SSE (ILGSSE).

1 Notícia partilhada no âmbito da plataforma socioeco.org, de que faz parte a Revista de Economia Solidária. Notícia 210

Last year (on 20.10.2016) the Greek Parliament adopted a new law that will create a supportive legal environment for the development of Social and Solidarity Economy. Ac- cording to Alternate Labour minister Rania Antonopoulos, the law provides solutions to issues like «funding, tax, social welfare and access to public procurement» and «clarifies the relationship between social economy operators and the public sector» with a view to establish this new type of eco- nomic activity and to combat unemployment. The term Social and Solidarity Economy (SSE) refers to a broad range of organizations that are distinguished from conventional for-profit enterprises by two core features. First, they have explicit social (and often environmental) objectives. Second, they involve varying forms of co-opera- tive, associative and solidarity relations. They include, for Promoting Social example, cooperatives, mutual associations, women’s self- help groups, social enterprise and fair trade organizations and Solidarity Economy and networks. 1 In part, the seeds for the development of social econo- in Greece my in Greece had been sawn by the vibrant grassroots movement that spread throughout the crisis-ridden coun- try from early 2012 onwards: the groups that appeared re- connected electricity, organized distribution of agricultural produce «without middlemen», set-up solidarity healthcare clinics and pharmacies, tutoring programs, provided free legal support on housing and debt, organized hospitality structures for refugees etc. Harnessing the power of this solidarity movement to rebuild the Greek economy was ma- jor pledge made by the SYRIZA: in its electoral programme, SYRIZA had highlighted the importance of reviving the co- op movement as a form of social and economic activity for the future, and suggested drawing up a strategy by looking at the most suitable sectors for co-operative development.

NOTAS

1 Notícia partilhada no âmbito da plataforma socioeco.org, de que faz parte a Revista de Economia Solidária. 212 213

Outline of the new law on This is why the government in this new law has put Social and Solidarity Economy in place a National Strategy for SSE, which, as the minis- The Greek Government presented this August a Bill ter pointed out, besides laying the groundwork for legal and to the Parliament on the «Social and Solidarity Economy institutional changes, establishes important supportive and the development of its agencies», in order to expand to structures like the Regional Support Centers, which will other forms of enterprises the scope of the old 2011 Law on ACEESA provide free support and advice for those wishing to become cooperatives, which no longer met current needs. According active in SSE. Another supportive structure is the Social to alternate Labour minister Rania Antonopoulos in her re- Economy Fund which, in the next three years, will allocate cent (24.10) interview for Efimerida ton Syntakton’ daily, at least 157 million euros for the creation of new jobs and the new law (voted on 20.10), expands the legal definition start-ups, as well as one-stop-shops supporting potential of SSE operators, while at the same time securing the core SSE practitioners. The Fund will become an active suppor- concepts of the coop culture: solidarity and parity between ter of SSE ventures by making financial tools avaibable to the members, participatory democracy in decision-making, those that cannot access them now through the bank sys- development of economic activities that don't focus on pro- tem, such as grants and repayable grants, microlending- fit but are able to offer workers a living wage and provide -microcredits or guarantees. services to local communities. According to the minister, the majority of comments Furthermore, the minister notes that the law defines and suggestions made via public consultation and during the procedure by which the government and the broader the discussion fora with stakeholders and political parties public sector will offer support to SSE entities, through have been incorporated in the law, while the government open and transparent procedures, either by developing con- also consulted with the International Labour Organization, tracts, or by utilizing idle public property. Among the in- AS RELAÇÕES ENTRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O ESTADO exchanged views with the European confederation of indus- centives and supporting measures to make sure that SEE trial and service cooperatives (CICOPA), and several Eu- operators are viable are tax deductions and exemptions. ropean Coops. «Greece is now at the forefront of the inter- UN Inter AgencyThe priorities of the new law were fur- national effort to enable SSE. The new law, voted recently ther outlined in the speech minister Antonopoulos gave in Parliament with a wide majority is a concrete proof of during the International Conference on Social and Soli- our commitment to boost SSE» said minister Antonopoulos, darity Economy, organized by the UN Inter-Agency Task adding that, «we believe that Social and Solidarity Economy Force on Social and Solidarity Economy (11/11, Rome). bears all the necessary characteristics to become the vehi- In the Conference, which was a part the UN’s Agenda for cle for the creation of new forms of production and of enter- «Sustainable Development 2030» Minister Antonopoulos prises that are not so much dependent on the market eco- underlined that «the Greek government does not consider REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA/09 nomy or on state policies». Social and Solidarity Economy to be another welfare policy measure addressing the most vulnerable. For the govern- ment, SSE presents a new model for work as well an alter- native production and consumption model. Social and Soli- darity Economy is an overall horizontal priority for us.» Normas Editoriais Editing Rules

Artigos PENVENNE, Jeanne Marie, (1995). Articles In the case of articles or contributions in col- Todos os textos propostos para publicação African Workers and Colonial Racism. All texts proposed for publication should fol- lective books, the title must be mentioned be- devem seguir as normas constantes des- Mozambican strategies and struggles in low the norms contained in this document tween low commas, followed by the name te documento e serão objeto dos proces- Lourenço Marques, 1877-1962. Johannes- and will be the subject of consideration and of the journal or the collective book, in ital- sos de apreciação e de decisão do Conselho burg Witwatersrand University Press. decision processes of the Editorial Board. ic; and indicating the volume and number de Redação. Deverá remeter com o seu ar- You should send a biographical note of the journal, or the place and publisher of Nos artigos ou contribuições para obras co- tigo e uma nota biográfica (máximo de 500 (maximum 500 characters) and your the book, as well as the corresponding pag- lectivas, o título do artigo ou contribuição carateres) e o seu contato de @ ou alterna- contact mail or an alternative. es of mentioned article or contribuition: tiva. Os artigos serão sempre acompanha- deve vir entre aspas baixas, seguido da in- Items will be always accompanied by a sum- dos por um resumo em português (de pre- dicação em itálico da revista ou titulo da mary in Portuguese (preferably also in Eng- Alan K. SMITH, 1973. ferência também em inglês) e não pode obra colectiva, da indicação do volume e nú- lish) and cannot exceed 900 characters. The «The peoples of Southern Mozambique: exceder 900 carateres. No resumo deve fi- mero da revista – ou local de edição e edi- abstract must appear the title of the article, a an historical survey», Journal of gurar o título do artigo, um conjunto de pa- tora da obra –, e das páginas correspon- set of key words in not more than 5 numbers. African History, vol. XIV, (4), London, lavras-chave, em número não superior a 5. dentes ao artigo ou contribuição citada: Articles are limited to 50 000 charac- Cambridge University Press, pp. 565:580. Os artigos não devem ultrapassar os 50 SMITH, Alan K., (1973). ters, including notes and bibliography. In- Reviews 000 caracteres, incluindo notas e bibliogra- «The peoples of Southern Mozambique: ternal divisions of the next must car- Reviews should have 5 000 characters or fia. As divisões internas do texto deverão ser an historical survey», Journal of Afri- ry subtitles. Texts should be printed less and follow the rules indicated above acompanhadas de subtítulos. Os textos devem can History, vol. XIV, (4), London, Cam- in one-sided A4 paper, with large mar- for articles. The reviewer must neces- ser impressos de um só lado de folhas A4, com bridge University Press, pp. 565:580. gins, and separations of 1,5 spac- margens amplas, a espaço e meio. Quando ne- es between each line. sarily identify the reviewed work by au- cessários, os quadros e tabelas são admiti- Recensões If tables and boxes are considered necessary, thor, date, title, place, publisher, number dos, desde que reduzidos ao mínimo possível. Devem ter menos de 5 000 caracteres they should occupy as little space as possi- of pages, and illustrations (if included). Os gráficos, caso existam, têm que ser forne- e seguir as normas acima descrimina- ble. Graphic charts must be delivered in sep- The contents of the published articles and re- cidos em suporte informático separado, um das. A obra recenseada deve ser identifi- arated computer, one for each chart, in Ex- views are of their author’s full responsibility. para cada gráfico, em formato Excel (para cada pelo seu autor, data de edição, título, cel (Windows or Macintosh) document to: sistemas operativos Microsoft Windows ou local de edição, editora, número de pá- Electronic publications Centro de Estudos de Economia Apple Macintosh). Os manuscritos deverão ginas e ilustrações (caso existam). In the case of electronic publications it Solidária do Atlântico ser envia dos obrigatoriamente, no programa Todavia a matéria dos artigos e recen- needs to specify the date of the last visit the Rua D. Maria José Borges, 137 – R/C Microsoft Word (para sistemas operativos Mi- sões é de inteira responsabilidade dos auto- page and its URL in the following format: res que os subscrevem. Todavia a matéria 9500-466 Fajã Baixo Ponta Delgada crosoft Windows ou Apple Macintosh), para: Emily Thomson (2009), dos artigos e recensões é de inteira respon- Quotations should appear between low com- Centro de Estudos de Economia «Do Ends Justify Means? Feminist Eco- sabilidade dos autores que os subscrevem. mas (« and ») or, when longer than three Solidária do Atlântico nomics Perspectives of the Business lines, indented (also between low com- Rua D. Maria José Borges, 137 – R/C Case for Gender Equality in the UK La- Publicações eletrónicas mas). In either case, they must be re- 9500-466 Fajã Baixo Ponta Delgada bour Market»,e-cadernos ces, 5, 118-133. No caso de publicações eletrónicas é ne- ferred to in corresponding endnotes (and Access 02.12.2011, em: http://www.ces. cessário indicar também a data da úl- As citações devem aparecer entre aspas bai- not in footnotes). All cited or referenced uc.pt/e-cadernos/media/ecadernos5/6%20 tima consulta à página e o respeti- xas («e») ou, quando maiores que três li- books should listed in the end of the arti- -%20E_%20Thomson%2002_12.pdf nhas, indentadas e também entre aspas vo URL, no seguinte formato: cle, by author’s surname in alphabetical or- baixas. Num ou noutro caso, terão que ser der, according to the following pattern: Emily Thomson (2009), devidamente referenciadas em nota. As no- «Do Ends Justify Means? Feminist Eco- Jeanne Marie PENVENNE, (1995). Afri- tas, deverão ser, obrigatoriamente colo- nomics Perspectives of the Business Case can Workers and Colonial Racism. Mo- cadas no final do artigo e nunca em roda- for Gender Equality in the UK Labour zambican strategies and struggles in pé. Todas as obras citadas ou referenciadas Market», e-cadernos ces, 5, 118-133. Con- Lourenço Marques, 1877-1962. Johannes- devem estar compiladas no final do arti- sultado a 02.12.2011, em: http://www.ces. burg Witwatersrand University Press. go, por ordem alfabética do apelido dos au- uc.pt/e-cadernos/media/ecadernos5/6%20- tores, obedecendo ao seguinte padrão: -%20E_%20Thomson%2002_12.pdf. ACEESA Associação Centro de Estudos de Economia Solidária do Atlântico

A Associação Centro de Estudos de Economia Solidária do Atlântico tem reconhecimento jurídico desde 1 de junho de 2006, é uma associação que se inclui no ramo do setor da solidariedade social, com reconhecido interesse público para a Região Autónoma dos Açores. Editar e publicar a Revista de Economia Solidária, é concretizar a nossa missão, centralizado e promovendo a reflexão sobre a Economia Solidária enquadrando-se nos debates atuais e contributos, teóricos e práticos, proje- tando desafios e propostas da Economia Solidária, em toda a sua diversidade. É contribuir para o desenvolvimento de estudos na área da Economia Solidária, do desenvolvimento social e local e da rede de empresas de inserção da Região Autónoma dos Açores e Macarronésia congregando esforços para a atualização e divulgação dessas matérias. É Incitar, promover e formar discussão sobre os desa- fios da sociedade contemporânea valorizando os direitos humanos, em áreas como a luta contra a pobreza, a descri- minação, as desigualdades sociais, a preservarão do am- biente e valorização das culturas e territórios, na lógica da construção do desenvolvimento com sustentabilidade.