ANISTIA INTERNACIONAL

A Anistia Internacional é um movimento global de mais de 7 milhões de pessoas que se mobilizam para criar um mundo em que os direitos humanos sejam desfrutados por todas as pessoas. Nossa visão é que cada pessoa tenha acesso aos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outras normas internacionais de direitos humanos. A Anistia Internacional é independente de qualquer governo, ideologia política, interesse econômico ou religião. Acesse o nosso site para outras informações: anistia.org.br

Publicado originalmente em Anistia Internacional Brasil Este relatório documenta o 2017 pela Praça São Salvador, 5 trabalho e as preocupações da Ltd Anistia Internacional no ano de Laranjeiras, CEP 22.231-170, Peter Benenson House, 1 Easton 2016. Street, Londres WC1X 0DW - Rio de Janeiro – RJ A ausência de uma seção sobre Reino Unido Email: [email protected] algum país ou território neste relatório não significa que nesse © Amnesty International 2017 anistia.org.br local não tenham ocorrido Índice: POL 10/4800/2017 A menos que indicado o violações de direitos humanos ISBN: 978-0-86210-496-2 contrário, o conteúdo deste que preocupem a Anistia documento é disponibilizado de Internacional. Tampouco a Idioma original inglês acordo com uma licença Creative extensão de uma determinada Tradução: Verve Traduções Commons (atribuição, não seção deve servir de comparação Grafitto Gráfica e Editora Ltda. comercial, sem derivação, para a dimensão e a gravidade internacional 4.0) https:// das preocupações da Anistia Rua Costa Lobo, 352 - Benfica, creativecommons.org/licenses/ Internacional com algum país. CEP 20911-180, Rio de Janeiro - by-nc-nd/4.0/ RJ legalcodeInternacional). Para outras informações, visite a página de permissões em nosso site: www.amnesty.org

ii Anistia Internacional Informe 2016/17 ANISTIA INTERNACIONAL INFORME 2016/17 O ESTADO DOS DIREITOS HUMANOS NO MUNDO iv Anistia Internacional Informe 2016/17 ÍNDICE INFORME ANUAL 2016/17

Abreviaturas 6 Itália 167 Prefácio 8 Jamaica 170 Introdução 10 México 171 Panorama regional: África 14 Mianmar 176 Panorama regional: Américas 23 Moçambique 180 Panorama regional: Ásia e Nicarágua 183 Oceania 32 Nigéria 184 Panorama regional: Europa e Ásia Palestina 189 Central 41 Paquistão 192 Panorama regional: Oriente Paraguai 197 Médio e Norte da África 50 Peru 199 Afeganistão 60 Quênia 201 África do Sul 64 Reino Unido 204 Alemanha 69 República Democrática do Angola 71 Congo 208 Arábia Saudita 74 Rússia 213 Argentina 78 Síria 218 Bolívia 81 Somália 223 Brasil 82 Sudão 226 Canadá 87 Sudão do Sul 230 Catar 89 Turquia 233 Chile 91 Ucrânia 239 China 93 Uruguai 243 Colômbia 99 Venezuela 244 Coreia do Norte 104 Cuba 106 Egito 108 El Salvador 113 Equador 115 Espanha 116 Estados Unidos da América 119 França 125 Grécia 127 Guatemala 131 133 Honduras 134 Hungria 136 Iêmen 139 Índia 142 Indonésia 148 Irã 152 Iraque 157 Israel e Territórios Palestinos Ocupados 162

Anistia Internacional Informe 2016/17 v ABREVIATURAS

ACNUR, o Órgão da ONU para Refugiados Convenção da ONU sobre Refugiados Alto Comissariado das Nações Unidas para Convenção relativa ao Status dos Refugiados os Refugiados Convenção Europeia Dos Direitos Humanos ANSEA Convenção (Europeia) para a Proteção dos Associação de Nações do Sudeste Asiático Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais CEDAW Comitê da ONU para a Eliminação de Todas EUA as Formas de Discriminação contra a Mulher Estados Unidos da América

CEDEAO LGBTI Comunidade Econômica dos Estados da Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e África Ocidental intersexos

CERD OEA Convenção Internacional para a Eliminação Organização dos Estados Americanos de Todas as Formas de Discriminação Racial OIT CIA Organização Internacional do Trabalho Agência Central de Informações dos EUA OMS CICV Organização Mundial da Saúde Comitê Internacional da Cruz Vermelha ONG COMITÊ CERD Organização Não Governamental Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação Racial ONU Organização das Nações Unidas Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura OSCE e das Penas ou Tratamentos Degradantes e Organização para a Segurança e a Desumanos Cooperação na Europa

Convenção da ONU contra a Tortura OTAN Convenção da ONU contra a Tortura e outros Organização do Tratado do Atlântico Norte Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes PIDCP Pacto Internacional sobre (os) Direitos Civis e Convenção da ONU Sobre Desaparecimentos Políticos Forçados Convenção Internacional para a Proteção de PIDESC Todas as Pessoas contra os Pacto Internacional sobre Direitos Desaparecimentos Forçados Econômicos Sociais e Culturais

vi Anistia Internacional Informe 2016/17 Relator Especial da ONU sobre a Liberdade de Expressão Relator especial da ONU sobre a promoção e a proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão

Relator Especial da ONU sobre Racismo Relator Especial da ONU para as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância

Relator Especial da ONU sobre a Tortura Relator Especial da ONU sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes

Relator Especial da ONU sobre a Violência Contra a Mulher Relator especial sobre a violência contra a mulher, suas causas e consequências

RPU Mecanismo de Revisão Periódica Universal da ONU

RU Reino Unido

TPI Tribunal Penal Internacional

UA União Africana

UE União Europeia

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

Anistia Internacional Informe 2016/17 vii PREFÁCIO

O Informe 2016/17 da Anistia Internacional documenta a situação dos direitos humanos no mundo em 2016. O informe testemunha o sofrimento vivido por muitos, seja por conflito, deslocamento, discriminação ou repressão. O Informe também mostra que, em algumas áreas, tem havido progresso na proteção e garantia dos direitos humanos. Embora haja muito esforço para assegurar a precisão das informações, elas podem sofrer alterações sem aviso prévio.

viii Anistia Internacional Informe 2016/17 ANISTIA INTERNACIONAL INFORME 2016/17 INTRODUÇÃO E PANORAMAS REGIONAIS sobre uma resposta adequada para a crise INTRODUÇÃO global de refugiados, que se tornou muito maior e urgente durante o ano. Enquanto os líderes do mundo fracassaram diante do “2016 viu a ideia de desafio, 75 mil refugiados permaneceram encurralados, numa terra de ninguém entre a dignidade e igualdade Síria e a Jordânia. 2016 também foi o Ano humanas, a própria noção da dos Direitos Humanos da União Africana. Ainda assim, três países membros da União humanidade como uma Africana anunciaram que estavam se família, sob um ataque retirando do Tribunal Penal Internacional, enfraquecendo, assim, o prospecto de vigoroso e implacável de responsabilização por crimes previstos no direito internacional. Enquanto isso, o narrativas poderosas de presidente do Sudão, Omar al-Bashir, culpa, medo e bodes percorreu o continente livre e impune, ao mesmo tempo em que seu governo expiatórios, propagadas por despejava armas químicas sobre a população aqueles que buscam tomar em Darfur. No cenário político, talvez o mais vistoso ou se manter no poder a de muitos acontecimentos desastrosos tenha sido a eleição de Donald Trump para a quase qualquer preço.” presidência dos EUA. Sua eleição veio depois de uma campanha em que ele, com SALIL SHETTY, SECRETÁRIO-GERAL frequência, fez comentários profundamente Para milhões de pessoas, 2016 foi um ano desagregadores, marcados pela misoginia e de miséria e medo implacáveis, já que xenofobia, e prometeu restringir liberdades governos e grupos armados abusaram dos civis e introduzir políticas que podem ser direitos humanos de incontáveis maneiras. bastante contrárias aos direitos humanos. Grande parte da cidade mais populosa da A retórica venenosa da campanha de Síria, Aleppo, foi transformada em pó por Donald Trump exemplifica uma tendência ataques aéreos e batalhas terrestres, global em direção a uma política mais raivosa enquanto ataques cruéis contra civis e fragmentada. Em todo o mundo, líderes e continuaram no Iêmen. Da piora na já difícil políticos apostaram seu poder futuro em situação das pessoas em Rohingya, em narrativas de medo e desunião, culpando o Mianmar, aos assassinatos ilegais no Burundi “outro” por queixas do eleitorado - reais ou e no Sudão do Sul, da terrível repressão das fabricadas. vozes dissidentes na Turquia e no Bahrein ao Seu antecessor, o Presidente Barack aumento dos discursos de ódio em grande Obama, deixou um legado que inclui muitos parte da Europa e dos EUA, em 2016 o fracassos dolorosos na questão dos direitos mundo se tornou um lugar mais sombrio e humanos, entre eles a ampliação da instável. campanha secreta da CIA de ataques com Ao mesmo tempo, a lacuna entre a drones e o desenvolvimento de uma máquina necessidade e a ação, entre a retórica e a de vigilância em massa gigantesca, como realidade foi deprimente e, por vezes, Edward Snowden denunciou. Ainda assim, aterradora. Em nenhuma ocasião essa os indicadores iniciais do presidente-eleito diferença esteve mais clara que durante a Trump sugerem uma política externa que vai Assembleia Geral da ONU para Migrantes e debilitar significativamente a cooperação Refugiados, quando os países participantes multilateral e nos levar a uma nova era de foram incapazes de chegar a um consenso maior instabilidade e suspeita mútua.

10 Anistia Internacional Informe 2016/17 É bem provável que qualquer narrativa melhoria econômica em troca da cessão de abrangente que tente explicar os eventos direitos de participação e liberdades civis. turbulentos do ano passado seja incompleta. Nenhuma parte do mundo passou o ano Mas a realidade é que começamos 2017 livre de repressão à dissidência — em alguns num mundo bastante instável, cheio de casos evidente e violenta, em outros sutil e agitação e incertezas sobre o futuro. sob um véu de respeitabilidade. A tentativa Nesse cenário, a certeza dos valores de silenciar as vozes críticas aumentou em articulados na Declaração Universal dos abrangência e intensidade em boa parte do Direitos Humanos de 1948 corre o risco de mundo. ser dissolvida. A Declaração, escrita logo O assassinato da líder indígena Berta após um dos períodos mais sangrentos da Cáceres em Honduras, em 3 de março, história humana, começa com essas simbolizou os perigos enfrentados por palavras: pessoas que têm a coragem de enfrentar “Considerando que o reconhecimento da Estados poderosos e interesses corporativos. dignidade inerente a todos os membros da Esses bravos defensores dos direitos família humana e dos seus direitos iguais e humanos, nas Américas e em outros lugares, inalienáveis constitui o fundamento da são muitas vezes tratados como ameaça ao liberdade, da justiça e da paz no mundo.” desenvolvimento econômico pelos governos, Assim, apesar das lições do passado, por conta de seus esforços para destacar as 2016 viu a ideia de dignidade e igualdade consequências humanas e ambientais de humanas, a própria noção da humanidade projetos de infraestrutura e exploração de como uma família, sob um ataque vigoroso e recursos. Por seu trabalho defendendo implacável de narrativas poderosas de culpa, comunidades locais e suas terras, mais medo e bodes expiatórios, propagadas por recentemente contra uma proposta de aqueles que buscam tomar ou se manter no barragem, Berta Cáceres era aclamada no poder a quase qualquer preço. mundo todo. Os homens armados que a O desprezo por esses ideais foi mataram em sua própria casa mandaram demonstrado com abundância num ano em uma mensagem aterrorizante para os outros que o bombardeio deliberado de hospitais se ativistas, em especial os que não têm o tornou um acontecimento rotineiro na Síria e mesmo nível de atenção internacional. no Iêmen; em que refugiados foram forçados A segurança foi usada como justificativa a voltar às zonas de conflito; em que a inação para atos de repressão no mundo inteiro. Na quase total do mundo em Aleppo trouxe à Etiópia, em resposta a protestos em grande memória fracassos similares em Ruanda e parte pacíficos contra a desapropriação Srebrenica em 1994 e 1995; e em que os injusta de terras na região de Oromia, forças governos de quase todas as regiões do de segurança mataram várias centenas de mundo reprimiram duramente as vozes manifestantes e as autoridades prenderam dissidentes. arbitrariamente milhares de pessoas. O Diante disso, é alarmante como tem sido governo etíope usou a Proclamação fácil pintar uma imagem distópica do mundo Antiterrorismo para reprimir duramente e seu futuro. A tarefa urgente e cada vez ativistas de direitos humanos, jornalistas e mais difícil que se apresenta é reavivar o membros da oposição política. compromisso com esses valores Na esteira de uma tentativa de golpe em fundamentais, dos quais a humanidade julho, a Turquia aumentou a repressão das depende. vozes dissidentes durante um estado de Entre os acontecimentos mais inquietantes emergência. Mais de 90 mil funcionários do de 2016 estão os frutos de uma nova setor público foram demitidos com base em barganha oferecida pelos governos a seus alegações de “ligação com uma organização povos — uma promessa de segurança e terrorista ou ameaça à segurança nacional”, enquanto 118 jornalistas foram mantidos em

Anistia Internacional Informe 2016/17 11 detenção pré-julgamento e 184 meios de repressivas. A retórica do ódio, da divisão e comunicação foram arbitrária e da desumanização liberou os instintos mais permanentemente fechados. sombrios da natureza humana. Ao jogar a No Oriente Médio e Norte da África, a responsabilidade coletiva por problemas repressão dos dissidentes foi endêmica. No sociais e econômicos em grupos específicos, Egito, forças de segurança prenderam em geral minorias étnicas ou religiosas, os arbitrariamente, causaram o que detêm o poder deram passe livre para desaparecimento forçado e torturaram discriminação e crimes de ódio, em especial supostos apoiadores da organização proibida na Europa e nos EUA. Irmandade Muçulmana, bem como outros Uma variante disso foi demonstrada pela críticos e oponentes do governo. As enorme perda de vidas resultante da “guerra autoridades do Bahrein processaram sem contra as drogas” decretada pelo Presidente piedade os críticos, sob diversas acusações Rodrigo Duterte nas Filipinas. A violência referentes à segurança nacional. No Irã, as sancionada pelo Estado e os assassinatos em autoridades prenderam críticos, censuraram massa por justiceiros tiraram mais de cinco toda a imprensa e adotaram uma nova lei, mil vidas após o presidente ter aprovado, em que impede praticamente qualquer crítica ao público e repetidas vezes, que pessoas governo e suas políticas, sob pena de supostamente envolvidas em crimes processos criminais. relacionados a drogas fossem mortas. Na Coreia do Norte, o governo ampliou a Quando figuras autodenominadas repressão, já extrema, fortalecendo ainda “antissistema” culparam as chamadas elites, mais o controle que exerce sobre a instituições internacionais e o “outro” por tecnologia da comunicação. dificuldades sociais ou econômicas, Por vezes, medidas austeras foram escolheram o remédio errado. A sensação de simplesmente uma tentativa de mascarar insegurança e de revogação de direitos — fracassos do governo, como na Venezuela, que surge de fatores como desemprego, onde o governo tentou silenciar os críticos insegurança no trabalho, desigualdade em vez de enfrentar a crise humanitária cada crescente e perda de serviços públicos — vez pior. exige compromisso, recursos e mudanças Além dos ataques e ameaças diretos, políticas dos governos, e não bodes houve o total desrespeito a liberdades civis e expiatórios fáceis de culpar. políticas já estabelecidas, em nome da Estava claro que muitas pessoas segurança. O Reino Unido, por exemplo, desiludidas no mundo não buscaram adotou uma nova lei, a Lei de Poderes respostas nos direitos humanos. No entanto, Investigativos, que aumenta a desigualdade e a negligência por trás da significativamente os poderes das raiva e frustração popular surgiram, ao autoridades para interceptar, acessar, reter e menos em parte, por conta do fracasso dos hackear comunicações digitais e dados sem países no cumprimento dos direitos nenhuma exigência de suspeita razoável econômicos, sociais e culturais. contra uma pessoa. Ao introduzir um dos A história de 2016 foi, de certa maneira, regimes mais amplos de vigilância em massa uma história de coragem, resiliência, de qualquer país do mundo, o Reino Unido criatividade e determinação do povo frente a deu um passo significativo em direção a uma ameaças e desafios imensos. realidade na qual o direito à privacidade Todas as regiões do mundo tiveram provas simplesmente não é reconhecido. de que quando as estruturas formais de No entanto, a erosão dos valores dos poder forem usadas para reprimir, as pessoas direitos humanos foi, talvez, mais perniciosa encontrarão meios para se impor e serem quando os políticos culparam um “outro” ouvidas. Na China, apesar da hostilização e específico por problemas sociais reais ou intimidação sistemáticas, ativistas percebidos, para justificar suas ações encontraram modos subversivos para

12 Anistia Internacional Informe 2016/17 comemorar on-line o aniversário do massacre na Praça Tiananmen em 1989. Nas Olimpíadas do Rio, o maratonista etíope Feyisa Lilesa foi manchete no mundo todo ao fazer um gesto para chamar atenção para a perseguição do povo de Oromo pelo governo, no momento em que cruzou a linha de chegada para ganhar a medalha de prata. Nas costas europeias do Mediterrâneo, voluntários responderam à inércia e incapacidade do governo para proteger os refugiados, arrastando pessoas que estavam se afogando para fora da água eles mesmos. Movimentos populares dos povos africanos — algo impensável um ano antes — reavivaram e canalizaram as demandas populares por direitos e justiça. No fim, a acusação de que direitos humanos são um projeto da elite soa inócua. Os instintos humanos por liberdade e justiça simplesmente não desaparecem. Durante um ano de segregação e desumanização, as ações de algumas pessoas para afirmar a humanidade e a dignidade fundamental de cada pessoa brilharam mais forte do que nunca. Essa resposta cheia de compaixão foi incorporada por Anas al-Basha, de 24 anos, o chamado “palhaço de Aleppo”, que decidiu ficar na cidade para levar conforto e alegria às crianças mesmo depois que as forças do governo lançaram bombardeios terríveis. Depois de sua morte, devido a um ataque aéreo, em 29 de novembro, seu irmão prestou um tributo a ele por levar felicidade às crianças no “lugar mais sombrio, mais perigoso”. Ao iniciarmos 2017, o mundo se sente instável e o medo do futuro prolifera. Ainda assim, é nessas horas que vozes corajosas são necessárias, e heróis comuns vão se levantar contra a injustiça e a repressão. Ninguém pode conquistar o mundo, mas cada um pode mudar seu próprio mundo. Cada um pode se posicionar contra a desumanização, agindo localmente para reconhecer a dignidade e os direitos iguais e inalienáveis de todos, e construir assim os alicerces da liberdade e justiça no mundo. 2017 precisa de heróis dos direitos humanos.

Anistia Internacional Informe 2016/17 13 Dissidentes foram reprimidos brutalmente, PANORAMA como se pode ver pelos padrões de ataques contra protestos pacíficos e o direito à REGIONAL: ÁFRICA liberdade de expressão. Defensores dos direitos humanos, jornalistas e oponentes Protestos, movimentos e mobilização em políticos continuaram a enfrentar massa — com frequência, articulados e perseguição e agressões. Os civis organizados através das redes sociais — continuaram a carregar o peso de conflitos varreram o continente em 2016. Os armados, marcados por violações manifestantes, defensores e defensoras dos persistentes e em larga escala do direito direitos humanos encontraram inúmeras internacional. A impunidade por crimes maneiras inspiradoras de lutar contra a contra o direito internacional e violações repressão e campanhas como graves dos direitos humanos continuaram, #oromoprotests e #amaharaprotests na em grande parte, ignoradas. E havia muito a Etiópia, #EnforcedDisappearancesKE no ser feito em relação à discriminação e Quênia, #ThisFlag no Zimbábue e marginalização dos mais vulneráveis, entre #FeesMustFall na África do Sul formaram as eles mulheres, crianças e lésbicas, gays, imagens icônicas do ano. bissexuais, transgêneros e intersexuais Dada a escala e o longo histórico de (LGBTI). repressão, alguns dos protestos — como na Etiópia e Gâmbia — seriam impensáveis um REPRESSÃO A PROTESTOS PACÍFICOS ano antes. As demandas por mudança, Durante o ano, os padrões de repressão inclusão e liberdade foram, por vezes, violenta e arbitrária contra aglomerações e espontâneas, virais e lideradas por cidadãos protestos se espalharam — marcados por comuns, especialmente jovens que carregam proibições de protestos, prisões arbitrárias, um fardo triplo: desemprego, pobreza e detenções, espancamentos e assassinatos — desigualdade. Embora no início fossem em diversos países, como África do Sul, predominantemente pacíficas, as Angola, Benim, Burundi, Camarões, Chade, campanhas, num dado momento, tiveram Costa do Marfim, Etiópia, Gâmbia, Guiné, elementos violentos, muitas vezes em reação Guiné Equatorial, Mali, Nigéria, República à repressão pesada das autoridades e à falta Democrática do Congo (RDC), Serra Leoa, de espaço para as pessoas expressarem suas Sudão, Togo e Zimbábue. opiniões e se organizarem. As forças de segurança etíopes, por Essa tendência de unir resiliência e o exemplo, fizeram uso excessivo da força enfraquecimento da política do medo deu sistematicamente para dispersar protestos motivo para esperança. Muitas pessoas predominantemente pacíficos que foram para as ruas, ignorando ameaças e começaram em Oromia em novembro de proibições dos protestos e se recusando a 2015, cresceram e tomaram outras partes do ceder à repressão brutal. Em vez disso, país, incluindo a região de Amhara. Os expressaram suas opiniões e exigiram seus protestos foram brutalmente reprimidos por direitos por meio de atos de solidariedade, forças de segurança, com o uso até mesmo boicotes e uso amplo e criativo das redes de munição real. Como resultado, várias sociais. centenas de pessoas foram mortas e Apesar de histórias de coragem e milhares foram presas arbitrariamente. Após resiliência, a repressão aos protestos a declaração de estado de emergência, o pacíficos atingiu novos níveis e parecia haver governo proibiu todas as formas de protesto e pouco ou nenhum progresso no que se o bloqueio do acesso à internet e às redes refere às causas por trás do amplo sociais, iniciado durante os protestos, descontentamento popular. prosseguiu.

14 Anistia Internacional Informe 2016/17 Na Nigéria, forças militares e de segurança embarcaram numa campanha de ATAQUES A DEFENSORES E violência contra os pacíficos manifestantes DEFENSORAS DOS DIREITOS HUMANOS pró-Biafra — resultando na morte de pelo E JORNALISTAS menos 100 manifestantes no ano. Houve Os defensores dos direitos humanos e evidências de que os militares dispararam jornalistas estiveram, com frequência, na munição real com pouco ou nenhum aviso linha de frente das violações de direitos para dispersar as multidões, e execuções humanos, com seu direito à liberdade de extrajudiciais em massa — incluindo pelo expressão reprimido regularmente e novas menos 60 pessoas mortas a tiros em dois ondas de ameaças. A tentativa de eliminar os dias, devido aos eventos de protesto para dissidentes e aumentar a repressão à marcar o Dia da Memória de Biafra, em 30 liberdade de expressão apareceu em todo o de maio. O padrão era parecido com o de continente, inclusive em Botsuana, Burundi, ataques e uso excessivo da força em Camarões, Chade, Costa do Marfim, Gâmbia, dezembro de 2015 contra aglomerações. Na Mauritânia, Nigéria, Quênia, Somália, Sudão ocasião, os militares massacraram centenas do Sul, Sudão, Tanzânia, Togo e Zâmbia. de homens, mulheres e crianças em Zaria, Alguns pagaram o preço mais alto. Um no estado de Kaduna, durante um confronto advogado de direitos humanos famoso, seu com membros do Movimento Islâmico na cliente e o motorista de táxi que os conduzia Nigéria. foram submetidos a desaparecimento Na África do Sul, os estudantes voltaram a forçado e assassinato extrajudicial pela protestar em agosto, nas universidades de polícia do Quênia. Eles estavam entre os todo o país, sob a bandeira #FeesMustFall. mais de 177 casos de pessoas que foram Era normal os protestos terminarem com executadas extrajudicialmente pelas mãos de violência. Apesar de poder ter havido agentes de segurança desde janeiro. No violência do lado dos estudantes, a Anistia Sudão, o assassinato do estudante Internacional documentou muitos relatos de universitário Abubakar Hassan Mohamed policiais usando excesso de força, inclusive Taha, 18, e de Mohamad Al Sadiq Yoyo, 20, atirando balas de borracha à queima-roupa por agentes da inteligência veio ao encontro contra os estudantes e apoiadores em geral. de uma onda de repressão mais intensa das Um líder estudantil levou treze tiros de balas dissidências estudantis. Dois jornalistas de borracha nas costas, em 20 de outubro, foram mortos na Somália por agressores não em Johannesburgo. identificados, num momento em que No Zimbábue, a polícia continuou a jornalistas e profissionais da imprensa sofrem reprimir os protestos em Harare, usando ameaças, intimidação e ataques. força excessiva. Centenas de pessoas foram Muitos outros enfrentaram prisões presas por participar de protestos pacíficos arbitrárias, além de processos e detenção por em diversas partes do país. Entre elas, estava conta de seu trabalho. Apesar de algumas o Pastor Evan Mawarire, líder da campanha medidas positivas em Angola — como a #ThisFlag. Ele foi preso por um breve absolvição de defensores dos direitos período, numa tentativa de reprimir a humanos e a libertação de prisioneiros de dissidência crescente, e acabou por fugir do consciência —, os julgamentos com país, temendo pela própria vida. motivação política, acusações criminais Em muitos desses e outros protestos, difamatórias e aplicação de leis de segurança como no Chade, Etiópia, Gabão, Gâmbia, nacional continuaram sendo usadas para Lesoto, República Democrática do Congo, reprimir os defensores dos direitos humanos, República do Congo (Congo) e Uganda, vozes dissidentes e outros críticos. Na RDC, houve cada vez mais repressão nas redes movimentos da juventude foram classificados sociais e padrões de restrição arbitrária ou o como grupos de insurreição. Em outros corte do acesso à internet. lugares, o paradeiro de políticos e jornalistas

Anistia Internacional Informe 2016/17 15 presos arbitrariamente e forçados a Mauritânia restringe o direito às liberdades desaparecer na Eritreia desde 2001 de reunião pacífica e de associação. No continuou desconhecido, ainda que o Congo, foi aprovada uma lei que aumenta o governo tenha anunciado que ainda estavam controle do governo sobre organizações da vivos. sociedade civil. Em Angola, a Assembleia Na Mauritânia, embora a Suprema Corte Nacional aprovou cinco projetos de lei que tenha ordenado a libertação de doze ativistas restringem, de forma inadmissível, o direito à antiescravistas, três continuaram detidos. liberdade de expressão. Em outros lugares, Organizações e ativistas antiescravistas leis existentes, como as leis de terrorismo e continuaram sendo perseguidos pelas estado de emergência, foram usadas para autoridades. criminalizar a dissidência pacífica. O governo Além da prisão, defensores dos direitos etíope, cada vez mais intolerante com as humanos e jornalistas também sofreram vozes dos opositores, aumentou a repressão agressões físicas, intimidação e assédio em contra jornalistas, defensores dos direitos muitos países, como o Chade, Gâmbia, humanos e outros dissidentes, usando a Quênia, Somália e Sudão do Sul. Proclamação Antiterrorismo. Em 18 de abril, Dia da Independência do Do lado positivo, houve alguns sinais Zimbábue, agentes de segurança do Estado esperançosos de ativismo e coragem judicial, agrediram brutalmente o irmão do jornalista mesmo nos países mais repressivos, que desaparecido e ativista pró-democrata Itai questionaram o uso que o governo faz das Dzamara, depois que ele ergueu um cartaz leis e do judiciário para sufocar a dissidência. num evento que contava com a presença do Na RDC, quatro ativistas pró-democracia Presidente Robert Mugabe, em Harare. Em foram liberados, um passo positivo raro num Uganda, houve uma série de ataques a ano bastante difícil para a liberdade de escritórios de ONGs e defensores dos direitos expressão no país. Uma decisão judicial humanos. Como ninguém é responsabilizado marcante contra as leis repressivas na por esses crimes, as autoridades passam a Suazilândia em setembro foi outra vitória mensagem de que aceitam e toleram essas para os direitos humanos. A Suprema Corte ações. Em um dos ataques, os invasores do Zimbábue revogou a proibição de espancaram um guarda até a morte. protestos. Embora outra decisão da Suprema Empresas dos meios de comunicação, Corte tenha anulado essa decisão jornalistas e usuários de redes sociais posteriormente, a decisão corajosa, tomada enfrentaram cada vez mais dificuldades em depois de uma ameaça do presidente muitos países. As autoridades da Zâmbia Mugabe contra o judiciário, representou uma fecharam o jornal independente The Post, vitória na defesa dos direitos humanos e numa jogada para silenciar a imprensa crítica enviou uma mensagem clara: o direito de antes da eleição. Também prenderam os protestar não pode ser anulado por capricho. funcionários mais altos e seus familiares. Na Gâmbia, mais de 40 prisioneiros de A sociedade civil do Burundi, já dizimada, consciência, alguns detidos havia oito meses, e a imprensa independente foram cada vez foram liberados sob fiança, com recurso mais atacadas: jornalistas, membros de pendente para logo após as eleições. grupos de redes sociais e mesmo crianças em idade escolar foram presos apenas por REPRESSÃO POLÍTICA emitirem opiniões. Em Camarões, Fomusoh O ano de 2016 testemunhou várias eleições Ivo Feh foi condenado a dez anos de prisão contestadas na África, contribuindo para um por encaminhar uma mensagem de texto aumento da repressão. Em vários países, sarcástica sobre o Boko Haram. como o Burundi, Chade, Congo, Costa do Em alguns países, as leis que estão Marfim, RDC, Gabão, Gâmbia, Somália e surgindo causam preocupação. Um projeto Uganda, líderes e vozes da oposição de lei sendo analisado pelo parlamento da sofreram ataques graves.

16 Anistia Internacional Informe 2016/17 Num dos acontecimentos mais eleição e incitando seus seguidores a atacar inesperados, dezenas de milhares de os locais de votação para matar os anciãos gambianos participaram de aglomerações dos clãs, funcionários do governo e pacíficas antes das eleições presidenciais, parlamentares que participassem das até o final do ano os resultados da eleição eleições. continuavam em disputa. As autoridades do Congo continuaram a Os meses que antecederam as eleições deter Paulin Makaya, presidente do “Unis foram marcados por graves violações aos pour le Congo” (UPC), por apenas ter direitos dos cidadãos de se expressarem com exercido pacificamente seu direito à liberdade. Dezenas de membros da oposição liberdade de expressão. Depois que a foram presos, e dois morreram em custódia, oposição rejeitou os resultados da eleição depois de participarem de protestos presidencial de março, as autoridades pacíficos. Trinta manifestantes foram prenderam figuras da liderança da oposição condenados a três anos de prisão por seu e reprimiram protestos pacíficos. envolvimento em protestos pacíficos. Outros As autoridades da Costa do Marfim 14 esperam julgamento. Todos foram soltos perseguiram membros da oposição e sob fiança, logo após as eleições, em 1o de restringiram injustamente seus direitos à dezembro. liberdade de expressão e manifestação Apesar de, no início, conceder a derrota pacífica, antes de um referendo sobre as ao líder da oposição Adama Barrow, o mudanças constitucionais em outubro. Presidente Yahya Jammeh contestou os Nesse contexto, dúzias de membros da resultados e continuou desafiando a pressão oposição foram presos e detidos num nacional e internacional para que entregasse protesto pacífico. Alguns deles foram o poder. deixados em diferentes lugares da capital O governo de Uganda enfraqueceu a econômica, Abidjan. Outros, a cerca de capacidade do partido da oposição de 100 km de suas casas e forçados a andar de desafiar legalmente os resultados das volta, numa prática conhecida como eleições de fevereiro. Forças de segurança “detenção móvel”. Em 20 de outubro, prenderam diversas vezes o candidato à conforme os manifestantes contra o presidência Dr. Kizza Besigye e alguns dos referendo começavam a se reunir, policiais seus colegas de partido e apoiadores, além atiraram gás lacrimogêneo, espancaram os de cercar sua casa e invadir o escritório do líderes e prenderam pelo menos 50 pessoas. partido em Kampala. Na RDC, houve repressão sistemática de CONFLITO ARMADO oponentes à tentativa do Presidente Joseph Os civis nos conflitos armados na África Kabila de se manter no poder além do sofreram abusos e violações graves em segundo mandato autorizado pela países como Camarões, República Centro- constituição, que terminou em dezembro. Os Africana (RCA), Chade, RDC, Mali, Níger, que criticaram os atrasos na eleição também Nigéria, Somália, Sudão do Sul e Sudão. A foram reprimidos. Agentes de segurança violência sexual e de gênero estava em toda prenderam e hostilizaram quem se parte, e crianças foram recrutadas como posicionasse explicitamente no debate crianças soldados. constitucional ou denunciasse violações de Na região ocidental, central e oriental do direitos humanos, sob acusações de traição continente africano, grupos armados como o ao país. Al-Shabaab e o Boko Haram perpetraram Na Somália, uma crise humanitária aguda violência e abusos constantes, deixando se juntou à crise política sobre os colégios centenas de civis mortos e sequestrados, eleitorais nas eleições presidenciais e além de milhões de pessoas forçadas a viver parlamentares, com o grupo armado Al em estado de medo e insegurança, dentro ou Shabaab rejeitando todas as formas de fora de seus próprios países. Em Camarões,

Anistia Internacional Informe 2016/17 17 mais de 170 mil pessoas, em sua maioria do confronto pesado na capital, Juba, em mulheres e crianças, foram desalojadas na julho. Durante o confronto, as forças região do extremo norte do país, em armadas, em especial soldados do governo, resultado dos abusos do Boko Haram. No cometeram violações de direitos humanos, Níger, mais de 300 mil pessoas precisaram incluindo assassinatos e ataques também de ajuda humanitária durante o estado de contra o pessoal da ajuda humanitária. A emergência na região de Diffa, onde o Boko missão da ONU no Sudão do Sul (UNMISS) Haram realizou a maioria dos ataques. foi criticada por não proteger os civis durante Muitos governos responderam a essas o confronto. Uma resolução do Conselho de ameaças com desrespeito ao direito Segurança da ONU para criar uma força de internacional humanitário e aos direitos proteção regional não foi colocada em vigor. humanos, através de prisões arbitrárias, O Conselheiro Especial da ONU sobre a detenção sem direito a comunicação, tortura, prevenção de genocídios e a Comissão de desaparecimentos forçados e assassinatos Direitos Humanos da ONU no Sudão do Sul extrajudiciais. levantaram a questão de que o cenário de Na Nigéria, 29 crianças abaixo de seis um genocídio estava sendo preparado. anos, incluindo bebês, estavam entre as mais Na RCA, apesar das eleições pacíficas em de 240 pessoas que morreram em condições dezembro de 2015 e fevereiro de 2016, a terríveis durante o ano nos famosos quartéis situação de segurança piorou próximo ao fim do centro de detenção de Giwa, em do ano, ameaçando afundar o país em mais Maiduguri. Milhares de pessoas capturadas violência mortal. Grupos armados realizaram em prisões em massa no nordeste, muitas numerosos ataques: em 12 de outubro, vezes sem evidência contra elas, milicianos ex-Selekas de pelo menos duas continuaram presas em condições sem facções diferentes mataram no mínimo 37 higiene e com superlotação, sem julgamento civis, feriram 60 e incendiaram um ou acesso ao mundo exterior. Do mesmo acampamento para pessoas desalojadas modo, em Camarões, mais de mil pessoas, dentro do país na cidade de Kaga Bandoro. muitas delas presas arbitrariamente, foram Ainda assim, apesar do derramamento de mantidas em condições horríveis e dezenas sangue e do sofrimento, a atenção do mundo morreram em decorrência da tortura, de se afastou ainda mais dos conflitos da África. doenças ou desnutrição. Em casos em que É certo que a resposta da comunidade os detentos suspeitos de apoiar o Boko internacional ao conflito no continente foi Haram foram julgados, enfrentaram lamentavelmente inadequada, como mostra julgamentos injustos em tribunais militares o fracasso do Conselho de Segurança da nos quais a pena de morte era, de longe, o ONU no que se refere às sanções ao Sudão resultado mais provável. do Sul, e a capacidade insuficiente das Em outros lugares, a situação humanitária operações de paz para proteger civis na RCA, e de segurança nos estados de Darfur, Nilo Sudão do Sul e Sudão. Quase não foram Azul e Cordofão do Sul continuou bastante tomadas providências, mesmo pelo Conselho difícil. Evidências do uso de armas químicas de Segurança da ONU e o Conselho de por forças do governo na região de Jabel Segurança e Paz da União Africana (UA), Marra em Darfur demonstraram que o para pressionar o governo do Sudão a regime vai continuar atacando a população permitir o acesso humanitário e investigar as civil, sem medo de ser responsabilizado por alegações de violações e abusos graves. A violar o direito internacional. resposta da UA aos crimes previstos pelo Apesar da assinatura de um acordo de paz direito internacional e outras violações e no Sudão do Sul entre o governo e as forças abusos de direitos humanos cometidos no rivais, o conflito continuou em partes contexto de conflitos e crises foi lenta, diferentes do país durante o ano todo, e inconsistente e reativa, em vez de fazer parte chegou à região do sul de Equatória depois de uma estratégia uniforme e abrangente.

18 Anistia Internacional Informe 2016/17 Nos três anos desde o início do conflito no PESSOAS EM TRÂNSITO Sudão do Sul, o número de pessoas Os conflitos da África, entre eles os de refugiadas nos países vizinhos chegou a um Camarões, RCA, Chade, Mali, Níger, Nigéria, milhão, enquanto 1,7 milhão de pessoas Somália, Sudão do Sul e Sudão, foram os estavam desalojadas no país e 4,8 milhões maiores fatores que contribuíram para a crise viviam em situação de insegurança no que se de refugiados no mundo, e para o refere à alimentação. deslocamento de pessoas dentro de suas O governo do Quênia anunciou sua fronteiras. Milhões de mulheres, crianças e intenção de fechar o campo de refugiados de homens ainda não conseguiam voltar para Dadaab, onde vivem mais de 280 mil casa, ou eram forçados por novas ameaças a refugiados. Cerca de 260 mil dessas pessoas fugir rumo a perigos desconhecidos e futuros são da Somália ou descendentes de somalis incertos. e, em decorrência de outras mudanças na Pessoas da África subsaariana eram política de refugiados do Quênia, corriam o maioria dentre as centenas de milhares de risco de serem deportados à força, numa refugiados e migrantes que viajavam em clara violação do direito internacional. direção à Líbia, fugindo da guerra, de perseguições ou da pobreza extrema, muitas IMPUNIDADE E FRACASSOS PARA vezes na esperança de atravessar o país e se GARANTIR A JUSTIÇA estabelecer na Europa. Uma pesquisa da A impunidade era um denominador comum Anistia Internacional revelou abusos em todos os principais conflitos da África. horrendos, como violência sexual, Raramente os suspeitos de crimes previstos assassinatos, tortura e perseguição religiosa no direito internacional e de violações graves ao longo das rotas de acesso ilegal à Líbia e de direitos humanos eram responsabilizados. para atravessar o país. Apesar de ter uma missão clara, a UA No norte da Nigéria, pelo menos dois ainda precisa tomar medidas concretas para milhões de pessoas continuaram criar um tribunal híbrido no Sudão do Sul, desalojadas, vivendo em comunidades de conforme exige o acordo de paz do país. acolhimento e, algumas, em acampamentos Esse tribunal representaria a opção mais superlotados com comida, água e viável para assegurar que os culpados por saneamento básico impróprios. Dezenas de crimes de guerra e contra a humanidade milhares de pessoas desalojadas foram cometidos durante o conflito, por exemplo, detidas em acampamentos sob guarda fossem responsabilizados, e também para armada pelos militares e pela Força Tarefa evitar abusos futuros. Conjunta Civil, que eram acusadas de Houve um certo progresso na criação de explorar as mulheres sexualmente. uma Corte Criminal Especial na RCA, mas a Milhares de pessoas morreram nesses grande maioria dos suspeitos de perpetrar campos, devido à desnutrição aguda. crimes graves e violações de direitos Centenas de milhares de pessoas humanos continuam soltos, livres de prisão refugiadas da RCA, Líbia, Nigéria e Sudão ou de investigação. Além da grande fraqueza continuaram em condições pobres nos da missão de paz da ONU na RCA, a campos de refugiados do Chade. De acordo impunidade permanece um dos fatores com a ONU, mais de 300 mil pessoas chave do conflito e os civis enfrentaram fugiram do Burundi, a maioria para campos violência mortal e instabilidade. de refugiados nos países vizinhos, Ruanda e Na Nigéria houve evidências convincentes Tanzânia. Mais de 1,1 milhão de somalis de violações sistemáticas e difundidas dos continuaram desalojados, e mais 1,1 milhão direitos humanos e do direito humanitário de refugiados somalis continuaram nos internacional pelos militares, levando a mais países vizinhos e em outros lugares. de sete mil nigerianos, em sua maioria jovens e meninos, a morrer em detenções militares

Anistia Internacional Informe 2016/17 19 e mais de 1200 pessoas mortas em Hissène Habré, em maio, por crimes contra a execuções extrajudiciais. No entanto, o humanidade, crimes de guerra e tortura governo não tomou nenhuma providência cometidos entre 1982 e 1990. A Câmara para investigar essas alegações. Ninguém foi Extraordinária Africana em Dacar o condenou levado à justiça e as violações continuaram. à prisão perpétua, e estabeleceu um novo O Tribunal Penal Internacional (TPI) referencial nas iniciativas para dar fim à declarou que as acusações contra o impunidade na África. Foi o primeiro caso de presidente em exercício do Quênia William jurisdição universal do continente, e Habré Ruto e o locutor de rádio Joshua Arap Sang foi o primeiro ex-líder africano a ser eram nulas, levando ao fim todos os casos no processado num tribunal em outro país por TPI relacionados à violência depois das crimes previstos pelo direito internacional. eleições no Quênia em 2007 e 2008. Essa Em março, o TPI condenou Jean-Pierre decisão foi vista como um grande revés por Bemba, ex-vice-presidente da RDC, por milhares de vítimas que ainda esperavam crimes de guerra e contra a humanidade justiça. cometidos na RCA. A sentença de 19 anos Traindo milhares de vítimas de crimes do TPI seguiu sua primeira condenação por internacionais em todo o mundo, três países estupro como crime de guerra e sua primeira da África — Burundi, Gâmbia e África do Sul condenação com base na responsabilidade — demonstraram sua intenção de se retirar de comando. O veredito de culpado foi um do Estatuto de Roma. momento chave na luta por justiça para as A UA também continuou a pedir que os vítimas de violência sexual na RCA e em todo países desconsiderassem suas obrigações o mundo. internacionais de prender o presidente O TPI também começou o julgamento do sudanês Omar Al-Bashir, apesar de ele ser ex-presidente da Costa do Marfim, Laurent procurado pelo TPI sob acusações de Gbagbo e seu ministro da Juventude, Charles genocídio. Em maio, a Uganda não prendeu Blé Goudé, acusados de crimes contra a o Presidente Al-Bashir em sua visita, e por humanidade. O TPI também condenou consequência não o entregou ao TPI, Ahmad Al-Faqi Al-Mahdi, suposto membro decepcionando centenas de milhares de sênior do grupo armado Ansar Eddine, por pessoas mortas ou desalojadas no conflito de ataques a mosteiros e mausoléus em Darfur. Timbuktu, no Mali, em 2012, crime previsto Houve, no entanto, momentos históricos e no direito internacional. emocionantes para a justiça internacional e a A Suprema Corte da África do Sul prestação de contas. repreendeu o governo por não cumprir suas Muitos países africanos membros do TPI obrigações internacionais ao não prender Al- confirmaram seu apoio e intenção de Bashir em sua visita ao país em 2015. Com permanecer no sistema do Estatuto de Roma isso, confirmou a norma internacional de durante a 15a Sessão da Assembleia dos rejeitar a imunidade de perpetradores de Estados-Parte em novembro. Esse crimes internacionais, qualquer que seja o compromisso foi demonstrado anteriormente, cargo público ocupado. na reunião da UA em julho, em Kigali, na qual muitos países, entre eles Botsuana, DISCRIMINAÇÃO E MARGINALIZAÇÃO Costa do Marfim, Nigéria, Senegal e Tunísia, Mulheres e meninas foram, com frequência, refutaram uma proposta de saída em massa. submetidas a discriminação, marginalização Em dezembro, o presidente eleito da Gâmbia e abuso, em grande parte devido a tradições anunciou sua intenção de rescindir a decisão e normas culturais, além da discriminação do governo de se retirar do Estatuto de institucionalizada por leis injustas. Mulheres Roma. e meninas foram submetidas a estupros e Entre os acontecimentos positivos, está a outras formas de violência sexual em condenação do ex-presidente do Chade, conflitos e países que abrigam grandes

20 Anistia Internacional Informe 2016/17 quantidades de pessoas desalojadas e de Mulheres e crianças estavam mais refugiados. vulneráveis aos assassinatos, por vezes Os altos níveis de violência de gênero sendo alvo de seus próprios familiares. contra as mulheres e meninas foi relatado No Sudão, a liberdade religiosa foi em muitos países, como Madagascar, enfraquecida por um sistema jurídico Namíbia e Serra Leoa. segundo o qual a conversão do Islã para Em Serra Leoa, o governo continuou a outra religião era passível da pena de morte. impedir que as meninas grávidas A falta de prestação de contas por parte frequentassem a escola e fizessem as provas. das grandes empresas também foi um fator O presidente também se recusou a aprovar da violação brutal dos direitos de crianças e um projeto de lei legalizando o aborto em adolescentes. Mineiros artesãos, entre eles determinadas situações, apesar de ele ter milhares de crianças, mineraram cobalto em sido adotada pelo Parlamento duas vezes e condições arriscadas na RDC. O cobalto é da alta taxa de mortalidade materna. O país usado para alimentar dispositivos, como rejeitou as recomendações da ONU celulares e notebooks, e as grandes relacionadas à proibição por lei da mutilação empresas de eletrônicos, como a Apple, genital. Samsung e Sony, não estão realizando as O casamento precoce e forçado em verificações básicas para garantir que o Burkina Faso roubou a infância de milhares cobalto extraído pelo trabalho infantil não de meninas a partir dos 13 anos, ao mesmo seja utilizado em seus produtos. tempo em que o custo dos contraceptivos, além de outras barreiras, impediu que elas UM OLHAR SOBRE O FUTURO escolhessem quando e se queriam ter filhos. A UA chamou 2016 de Ano dos Direitos Mas, em seguida a uma campanha intensa Humanos, mas muitos de seus estados da sociedade civil, o governo anunciou que membros não transformaram a retórica sobre revisaria a lei, aumentando a idade mínima os direitos humanos em ação. Se havia algo a para o casamento para 18 anos. ser celebrado sobre esse ano, era a história As pessoas LGBTI, ou percebidas como de resiliência e coragem do povo, que tal, continuam a enfrentar abusos ou articulou uma mensagem clara de que a discriminação em países como Botsuana, repressão e a política do medo não consegue Camarões, Nigéria, Quênia, Senegal, mais calar sua voz. Tanzânia, Togo e Uganda. No Quênia, dois É quase certo que crises que aumentaram homens solicitaram à Suprema Corte em em países como Burundi, Etiópia, Gâmbia e Mombasa que o exame anal e os testes de Zimbábue poderiam ter sido evitadas ou HIV e hepatite B que foram obrigados a fazer minimizadas se houvesse vontade política e a em 2015 eram inconstitucionais. No entanto, coragem de abrir espaço para o povo falar e o tribunal manteve a legalidade dos exames expressar suas opiniões com liberdade. anais em homens suspeitos de terem Apesar do progresso em algumas áreas, as relações sexuais com outros homens. respostas da UA a violações de direitos Exames anais forçados violam o direito à humanos — seja como causa estrutural dos privacidade e a proibição de tortura e outros conflitos ou como resultado deles — maus-tratos prevista pelo direito continuam lentas, inconsistentes e reativas. internacional. Na verdade, mesmo quando demonstrou No Malaui, uma onda sem precedentes de preocupação, a UA não tinha a determinação ataques violentos contra pessoas albinas e vontade política para confrontar essas expôs uma falha sistêmica do policiamento. violações. Além disso, parece haver lacunas Indivíduos e gangues criminosas de coordenação entre os órgãos de sequestraram, mataram e assaltaram segurança e paz e os mecanismos — como o túmulos em busca de partes do corpo que Conselho de Paz e Segurança da UA e seu acreditavam conter poderes mágicos. Sistema Continental de Alerta Antecipado —

Anistia Internacional Informe 2016/17 21 e as instituições regionais de direitos humanos, o que limitou uma resposta abrangente às violações de direitos humanos que levam a conflitos ou que resultam deles. A UA tem menos de quatro anos para realizar seu objetivo de “silenciar todas as armas” no continente até 2020. É hora de traduzir esse compromisso em ações, garantindo uma resposta eficaz para as causas estruturais dos conflitos, incluindo as violações de direitos humanos recorrentes. Medidas mais eficazes também precisam acabar com o ciclo da impunidade, incluindo o afastamento de ataques com motivações políticas no TPI e trabalhar para garantir a justiça e a responsabilização por crimes graves e violações brutais de direitos humanos cometidas em países como o Sudão do Sul. A UA projetou um Plano de Implementação e Ação sobre Direitos Humanos na África de 10 Anos, criando assim mais uma oportunidade para resolver os seus principais desafios. O ponto de partida deve ser o reconhecimento de que os africanos estão se levantando e exigindo seus direitos, apesar da repressão e exclusão.

22 Anistia Internacional Informe 2016/17 contra os direitos humanos foi alta, e em PANORAMA alguns casos, a falta de sistemas judiciários imparciais e independentes protegeram REGIONAL: ainda mais os interesses políticos e econômicos. AMÉRICAS Esse cenário permitiu a perpetuação das violações de direitos humanos. A tortura e Apesar do discurso público sobre outros maus-tratos, principalmente, democracia e progresso econômico e das prevaleceram, apesar da existência de leis de esperanças de finalmente acabarem os combate à tortura em países como Brasil, conflitos armados na Colômbia, as Américas México e Venezuela. continuaram uma das regiões mais violentas O fracasso dos sistemas judiciários e o e desiguais do mundo. fracasso dos governos para implantar Na região, o ano foi marcado pela políticas de segurança pública que protejam tendência a uma retórica de combate aos os direitos humanos contribuíram para os direitos, racista e discriminatória nas altos níveis de violência. Países como o campanhas políticas e por representantes do Brasil, El Salvador, Honduras, Jamaica, estado, que foi aceita e normalizada pela México e Venezuela tiveram as taxas de grande mídia. Nos EUA, Donald Trump foi homicídio mais altas do planeta. eleito presidente em novembro, depois de A violência e a insegurança endêmicas uma campanha eleitoral que provocou estavam, por vezes, ligadas ou foram consternação com sua retórica causadas pela proliferação de armas de discriminatória, misógina e xenofóbica, e pequeno porte ilegais e o crescimento do gerou graves preocupações sobre o futuro crime organizado, que em alguns casos dos compromissos assumidos pelo país na tomou o controle de territórios inteiros, às questão dos direitos humanos em âmbito vezes com a cumplicidade ou a nacional e internacional. concordância da polícia e dos militares. A crise dos direitos humanos na região foi O “Triângulo do Norte” da América Central acelerada por uma tendência de aumento — El Salvador, Guatemala e Honduras — foi dos obstáculos e restrições à justiça e um dos lugares mais violentos do mundo, liberdades fundamentais. Ondas de com mais pessoas assassinadas que na repressão se tornaram mais visíveis e maior parte das áreas de conflito do mundo. violentas, e os governos muitas vezes usaram A taxa de homicídios em El Salvador foi de o aparato de justiça e segurança para 108 a cada 100 mil habitantes, uma das reprimir a dissidência, de maneira cruel, mais altas do mundo. Para muitos, a vida aumentando assim o descontentamento diária foi dominada pela atuação de grupos público. criminosos. A discriminação, insegurança, pobreza e A violência de gênero, amplamente prejuízo ambiental tiveram um aumento difundida, continuou sendo um dos fracassos desenfreado na região. O fracasso na mais retumbantes dos governos nas manutenção das normas internacionais de Américas. Em outubro, a Comissão direitos humanos também foi revelado por Econômica para América Latina e Caribe um abismo de desigualdade — tanto em revelou que doze mulheres e meninas eram relação a riquezas quanto ao bem-estar assassinadas todos os dias na região por social e acesso à justiça — que se sustentou conta de seu gênero (crime conhecido como na corrupção e na falta de responsabilização. “feminicídio”). A maioria desses crimes ficou Obstáculos difundidos e enraizados ao impune. De acordo com o Departamento de acesso à justiça e o enfraquecimento do Estado dos EUA, uma em cada cinco estado de direito foram comuns a muitos mulheres no país sofreu agressão sexual países na região. A impunidade por abusos durante o período universitário, embora

Anistia Internacional Informe 2016/17 23 apenas um em cada dez incidentes tenha sufocando as vozes dissidentes e sido informado às autoridades. amordaçando a liberdade de expressão. Pessoas lésbicas, gays, bissexuais, No México, a falta de vontade das transgêneros e intersexuais (LGBTI) em toda autoridades para aceitar as críticas foi tão a região enfrentaram altas taxas de violência grande que elas entraram em negação sobre e discriminação, além de maior dificuldade a crise dos direitos humanos no país. Apesar para ter acesso à justiça. O tiroteio numa do fato de que quase trinta mil boate em Orlando, na Flórida, demonstrou desparecimentos terem sido informados, de que as pessoas LGBTI eram o alvo mais que milhares perderam suas vidas devido a provável para os crimes de ódio nos EUA. operações de segurança para combater o Enquanto isso, o Brasil continuou sendo o tráfico de drogas e o crime organizado, e de país onde mais morrem pessoas transgênero que milhares foram retirados à força de suas no mundo. casas, resultado da violência espalhada por Em fevereiro, a Organização Mundial da todos os lugares, as autoridades ignoraram Saúde (OMS) declarou o vírus da zika uma as críticas da sociedade civil mexicana e de emergência na saúde, depois de detectar sua organizações internacionais, entre elas a propagação “explosiva” na região. O receio ONU. de que a transmissão da mãe para o feto A negação também foi um marco na possa estar relacionada à microcefalia em deterioração da situação cada vez pior dos recém-nascidos, bem como da possível direitos humanos na Venezuela, com o transmissão sexual do vírus, destacou as governo colocando em risco os direitos barreiras para o cumprimento eficaz dos humanos e a vida de milhões de pessoas ao direitos sexuais e reprodutivos na região. contestar a existência de uma grande crise Os fracassos do estado deixaram vácuos econômica e humanitária e se recusando a de poder, ocupados por grandes empresas pedir ajuda internacional. Apesar da falta transacionais, em especial no setor de acentuada de alimentos e medicamentos, extração e outros setores relacionados à das taxas de crimes aumentando apropriação de território e recursos naturais, rapidamente e das contínuas violações de em sua maior parte em terras reivindicadas e direitos humanos — inclusive os níveis de pertencentes a povos indígenas, outras violência policial —, o governo silenciou seus minorias étnicas e pequenos fazendeiros, críticos em vez de responder aos pedidos sem o devido respeito ao seu direito ao desesperados de ajuda do povo. consentimento livre, prévio e bem informado. Entre os eventos marcantes de 2016 estão Com frequência, esses grupos sofreram a visita histórica do Presidente dos EUA, prejuízos relacionados à saúde, meio Barack Obama, a Cuba, que colocou os ambiente, subsistência e cultura, além de desafios relacionadas aos direitos humanos serem desalojados à força, o que levou ao dos dois países – como os maus-tratos a desaparecimento de suas comunidades. imigrantes nos EUA, o impacto dos embargos A repressão política, discriminação, americano sobre a situação dos direitos violência e pobreza causaram uma crise humanos em Cuba e a falta de liberdade de humanitária aprofundada, mas em grande expressão e a repressão aos ativistas na ilha - parte esquecida. Centenas de milhares de no centro das atenções. refugiados, a maioria da América Central, A ratificação pelo congresso colombiano foram forçados a abandonar suas casas em do acordo de paz com as Forças Armadas busca de proteção, com frequência se Revolucionárias da Colômbia (FARC), depois colocando em risco de sofrer mais abusos de mais de quatro anos de negociações, contra os direitos humanos e até mesmo finalmente encerrou o conflito armado que já arriscando suas vidas. durava cinquenta anos contra as FARC e Muitos governos demonstraram uma devastou milhões de vidas. O processo de intolerância às críticas cada vez maior, paz com o segundo maior grupo guerrilheiro

24 Anistia Internacional Informe 2016/17 da Colômbia, o Exército de Libertação violações de direitos humanos e perseguiu Nacional (ELN), foi anunciado, mas no final ativistas. A difícil condição dos prisioneiros do ano ainda tinha que ser iniciado, em de consciência na Venezuela e a disposição grande parte devido ao fato de o grupo não do governo para reprimir os dissidentes ter liberado um de seus reféns mais ilustres. ficaram em evidência quando o líder da No Haiti, um furacão mortal causou uma oposição, Rosmit Mantilla, estava gravemente grande crise humanitária, ampliando ainda doente e sua cirurgia foi negada, e ele mais os danos causados por desastres colocado, em vez disso, numa cela como naturais anteriores. Problemas estruturais punição. Depois de intensa pressão nacional profundamente arraigados, como falta de e internacional, recebeu os cuidados financiamento e vontade política, já tinham médicos de que precisava, e foi solto em deixado o Haiti incapaz de fornecer moradia novembro. adequada para 60 mil pessoas alojadas em Honduras e Guatemala foram os países campos para desabrigados, em condições mais perigosos no mundo para os defensores terríveis, depois do terremoto de 2010. As de terras, territórios e do meio ambiente, com eleições presidenciais e para o legislativo uma onda de ameaças, acusações forjadas, foram adiadas duas vezes sob alegações de campanhas de difamação, ataques e fraude em meio aos protestos, contra os assassinatos que tinham com o alvo os quais a polícia fez uso excessivo da força, ativistas de terras e do meio ambiente. Em segundo relatos. Em novembro, Jovenel março, o assassinato da famosa líder Moïse foi eleito presidente. indígena hondurenha Berta Cáceres, morta a tiros em sua casa por homens armados, DEFENSORES E DEFENSORAS DOS evidenciou a generalização da violência DIREITOS HUMANOS EM RISCO contra quem trabalha para proteger a terra, Em muitos países na região das Américas, os territórios e o meio ambiente no país. defender os direitos humanos continuou Na Guatemala, a criminalização dos sendo extremamente perigoso. Jornalistas, defensores dos direitos humanos que se advogados, juízes, oponentes políticos e opunham a projetos de exploração de testemunhas foram os principais alvos de recursos naturais e sua identificação como “o ameaças, ataques, tortura e inimigo interno” foi frequente. Esse processo desaparecimentos forçados. Algumas dessas se deu através de procedimentos criminais pessoas foram mortas por atores estatais e sem embasamento e do uso indevido do não estatais, para garantir seu silêncio. Os sistema judiciário criminal. Na Colômbia, os ativistas dos direitos humanos também defensores dos direitos humanos, em enfrentaram campanhas de difamação e especial líderes comunitários e vilificação. Houve pouco progresso nas ambientalistas, continuaram sendo investigações desses ataques ou na ameaçados e mortos em números apresentação desses perpetradores à justiça. alarmantes. Defensores dos direitos humanos e Na Argentina, a líder social Milagro Sala foi movimentos sociais que se opunham a presa e acusada de protestar pacificamente projetos de desenvolvimento em larga escala em Jujuy. Apesar de sua libertação ter sido e corporações transnacionais corriam riscos ordenada, foram iniciados outros mais sérios de represálias. Os defensores dos procedimentos criminais contra ela, para que direitos humanos das mulheres, bem como ficasse detida. Em outubro, o Grupo de das comunidades historicamente excluídas, Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU também foram alvo de violência. concluiu que sua prisão foi arbitrária e Defensores e defensoras dos direitos recomendou sua libertação imediata. humanos enfrentaram mais ataques, No norte do Peru, Máxima Acuña — ameaças e assassinatos no Brasil. Na fazendeira de pequeno porte envolvida numa Nicarágua, o governo fechou os olhos para as batalha jurídica contra Yanacocha, uma das

Anistia Internacional Informe 2016/17 25 maiores mineradoras de ouro e cobre da história. Havia o perigo real de que o região, sobre a titularidade das terras onde progresso conseguido pela CIDH no vive — recebeu, em 2016, o Prêmio questionamento das violações graves dos Goldman, um prêmio ambiental bastante direitos humanos e da discriminação respeitado. Apesar de uma campanha de estrutural seria enfraquecido, exatamente ameaças e intimidação, na qual afirma que quando a CIDH precisava exercer um papel seguranças a atacaram fisicamente e mais enfático para garantir que os países também à sua família, Máxima permaneceu cumprissem suas obrigações, de acordo com firme e se recusou a encerrar sua luta para a legislação internacional sobre direitos proteger os lagos locais e continuar em suas humanos. terras. Com um orçamento anual de No Equador, os direitos de liberdade de USD 8 milhões, o Sistema Interamericano de expressão e associação foram cerceados por Direitos Humanos continuou o sistema de leis restritivas e táticas de silenciamento. A direitos humanos mais pobre do mundo, com criminalização da dissidência continuou, em menos recursos que as entidades particular contra os que se opunham a correspondentes na África (USD 13 milhões) projetos extrativistas em terras indígenas. e Europa (cerca de USD 104,5 milhões). Apesar das alegações de abertura política Embora tenham sido recebidas verbas em Cuba e do restabelecimento das relações adicionais para complementar a receita da com os EUA no ano anterior, a sociedade CIDH, houve a preocupação de que a crise civil e os grupos de oposição relataram um política continuaria, a menos que os aumento na intimidação de críticos do governos alocassem os fundos adequados governo. Defensores dos direitos humanos e para a instituição e cooperassem com ela, ativistas políticos foram descritos independentemente de suas críticas aos publicamente como “subversivos” e registros de direitos humanos dos países. “mercenários anti-Cuba”. Alguns foram Houve fracassos mais específicos para o submetidos a breves detenções arbitrárias apoio à CIDH, também. O governo do México antes de serem soltos sem acusação, tentou obstruir seu trabalho no caso diversas vezes por mês. Ayotzinapa, em que 43 estudantes foram vítimas de desaparecimento forçado depois AMEAÇAS AO SISTEMA DE DIREITOS de serem presos pela polícia em 2014. HUMANOS INTERAMERICANO Apesar da alegação das autoridades de que Apesar da extensão das dificuldades os estudantes tinham sido sequestrados por relacionadas aos direitos humanos na região, uma facção criminosa, e seus restos mortais a Comissão Interamericana de Direitos queimados e jogados numa lixeira, um grupo Humanos (CIDH), crucial na defesa e de especialistas indicados pela CIDH promoção dos direitos humanos e na concluiu que era cientificamente impossível garantia de acesso à justiça para vítimas que que tantos corpos tivessem sido queimados não conseguiram esse acesso em seus nas condições alegadas. Em novembro, a países, foi afetada por uma crise financeira CIDH lançou um mecanismo especial para durante a maior parte do ano. A causa foi a acompanhar as recomendações dos alocação insuficiente de recursos pelos especialistas, mas foi difícil garantir o apoio estados membros da Organização dos adequado das autoridades. Estados Americanos (OEA), numa demonstração marcante da falta de vontade PESSOAS REFUGIADAS, MIGRANTES E política desses estados para promover e APÁTRIDAS proteger os direitos humanos dentro e fora de A crise de refugiados na América Central seus territórios. piorou rapidamente. A violência implacável Em maio, a CIDH declarou estar nessa região tantas vezes esquecida do enfrentando a pior crise financeira de sua mundo continuou a causar um aumento nos

26 Anistia Internacional Informe 2016/17 pedidos de asilo por cidadãos da América pessoas viajando com suas famílias, foram Central no México, EUA e outros países, apreendidas tentando cruzar a fronteira do alcançando níveis nunca antes vistos, uma sul durante o ano. Famílias ficaram detidas vez que os conflitos armados da região por meses, sem acesso adequado a cuidados acabaram décadas atrás. médicos e representação jurídica. O Alto Centenas de milhares de pessoas viajaram Comissariado para Refugiados da ONU para o México para pedir asilo lá ou descreveu a situação como uma “crise continuar a viagem até os EUA. Muitos foram humanitária e de proteção”. detidos em péssimas condições, Durante o ano, a CIDH expressou sua sequestrados ou vítimas de extorsão por preocupação sobre a situação dos migrantes grupos criminosos que, muitas vezes, cubanos e haitianos que tentavam chegar operam em conluio com as autoridades. aos EUA. Muitas crianças e adolescentes Em outros lugares, migrantes e suas desacompanhados foram especialmente famílias enfrentaram discriminação afetados por abusos contra os direitos generalizada, exclusão e maus-tratos. Nas humanos; mulheres e meninas correram Bahamas, migrantes não documentados de sérios riscos de violência sexual e tráfico de países como Haiti e Cuba sofreram maus- pessoas. tratos. A República Dominicana deportou Apesar das provas avassaladoras de que milhares de descendentes de haitianos — muitos requerentes de asilo corriam risco de inclusive nascidos no país, o que violência extrema caso não conseguissem transformou essas pessoas em apátridas — asilo, as deportações do México e EUA e, com frequencia, desrespeitou o direito continuaram no mesmo nível. Muitas internacional e as normas sobre deportação. pessoas foram forçadas a voltar para as Ao chegar no Haiti, muitas pessoas que situações em que corriam risco de vida das tinham sido deportadas foram colocadas em quais estavam fugindo. Outras, acampamentos improvisados, onde viviam supostamente, foram mortas por grupos em condições horríveis. criminosos depois de serem deportadas. Apesar do compromisso das autoridades Honduras, Guatemala e El Salvador recém-eleitas na República Dominicana para alimentaram essa crise, cada vez mais lidar com a situação dos apátridas, dezenas profunda, ao não proteger as pessoas da de milhares de pessoas continuaram violência e nem implantar um plano de apátridas depois da decisão, em 2013, pelo proteção para pessoas deportadas de países Tribunal Constitucional, que as privou de sua como o México e EUA. nacionalidade arbitrariamente e com efeito Ainda assim, em vez de assumir a retroativo. Em fevereiro, a CIDH descreveu responsabilidade por seu papel na crise, os uma “situação de apátridas... de uma governos se preocuparam apenas com os magnitude nunca vista antes nas Américas”. abusos contra os direitos humanos que as Mais de 30 mil refugiados sírios foram pessoas sofreram viajando pelo México para recebidos no Canadá, e mais 12 mil nos os EUA. Eles também apresentaram EUA. argumentos falsos, de que a maioria das pessoas estava fugindo em razão de SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS necessidades econômicas, não da violência e HUMANOS homicídios crescentes, sem considerar as Atores não estatais — entre eles, grandes ameaças diárias, extorsões e intimidações empresas e grupos criminosos — tiveram que a maior parte da população enfrentava, uma influência cada vez maior e foram enquanto grupos lutavam por controle responsáveis pelos níveis crescentes de territorial. violência e abusos contra os direitos Nos EUA, dezenas de milhares de humanos. No geral, no entanto, os governos crianças desacompanhadas, bem como não conseguiram responder à situação de

Anistia Internacional Informe 2016/17 27 modo condizente com as normas uso de força excessiva e desnecessária. internacionais, o que resultou em violações Durante o ano, as operações de combate ao dos direitos humanos significativas devido à tráfico de drogas no país e a abordagem com tendência de militarização da segurança armamento pesado das operações de pública. segurança alimentaram as violações de Alguns governos responderam à direitos humanos e colocaram os policiais em inquietação social, e em particular a risco. protestos pacíficos, com o uso cada vez A polícia e outras forças de segurança maior do exército para realizar operações de também usaram força excessiva e segurança pública, e adotaram técnicas, desnecessária em países como Bahamas, treinamento e equipamentos militares para Chile, República Dominicana, Equador, El uso pela polícia. Embora combater o crime Salvador, Jamaica, México, Peru e organizado seja uma justificativa frequente Venezuela. para respostas militarizadas, na realidade Assassinatos ilegais na Jamaica foram elas permitiram que os governos violassem parte de um padrão de operações policiais ainda mais os direitos humanos, em vez de que não se alterou por duas décadas, atacar as causas da violência. Em países enquanto muitos assassinatos por agentes de como a Venezuela, por exemplo, a ação segurança na República Dominicana foram militar em resposta a protestos foi, muitas relatados como ilegais. Nos dois países, as vezes, seguida por tortura e outros maus- forças de segurança não sofreram mudanças tratos aos manifestantes. positivas e raramente foram Nos EUA, em resposta aos protestos que responsabilizadas. ocorreram após a polícia atirar e matar Philandro Castile, em julho, em Minnesota, e ACESSO À JUSTIÇA E A LUTA PARA Alton Sterling, em Louisiana, a polícia usou ACABAR COM A IMPUNIDADE forte aparato repressivo e armas militares, A impunidade sem limites permitiu que levantando questões sobre o direito dos aqueles que violam os direitos humanos manifestantes à manifestação pacífica. operassem sem medo das consequências, Também foi questionado o grau da força enfraquecessem o estado de direito e utilizada pela polícia contra protestos negassem a verdade e a reparação a milhões majoritariamente pacíficos que se opunham de pessoas. ao oleoduto perto da Reserva Sioux Standing A impunidade foi sustentada pelos Rock, em Dakota do Norte. Enquanto isso, as sistemas judiciário e de segurança, que autoridades dos EUA continuaram sem continuaram com menos recursos que o conseguir registrar o número exato de necessário, além de fracos e, muitas vezes, pessoas mortas por policiais. A mídia informa corruptos, somados a uma falta de vontade que, em 2016, esse número ficou próximo para garantir a imparcialidade e a de mil, e que pelo menos 21 pessoas independência. morreram depois de serem atingidas por Como resultado, o fracasso em levar os armas de eletrochoque dos policiais. perpetradores de violações de direitos Os Jogos Olímpicos realizados no Brasil, humanos à justiça permitiu que o crime em agosto, foram manchados por violações organizado e as práticas abusivas de de direitos humanos pelas forças de aplicação da lei criassem raízes e segurança, com as autoridades e prosperassem. organizadores do evento incapazes de A negação de acesso significativo à justiça implantar medidas para impedir os abusos. também deixou uma enorme quantidade de Assassinatos por policiais aumentaram na pessoas incapazes de exigir seus direitos em cidade durante a preparação para sediar os países como o Brasil, Colômbia, Guatemala, Jogos. Ocorreram operações policiais México, Honduras, Jamaica, Paraguai, Peru violentas durante o evento, inclusive com o e Venezuela.

28 Anistia Internacional Informe 2016/17 Na Jamaica, a impunidade prevaleceu forçado de um homem encontrado morto como padrão durante décadas de supostos semanas depois de sua prisão em 2013, foi assassinatos ilegais e execuções um passo positivo que trouxe a esperança de extrajudiciais cometidos por policiais. Apesar uma abordagem nova na luta contra a onda de mais de três mil pessoas terem sido de desaparecimentos no país. No entanto, o mortas por agentes de segurança desde destino e o paradeiro de dezenas de milhares 2000, poucos foram responsabilizados até de pessoas continuaram desconhecidos. agora. Em junho, a Comissão de Inquérito Em países como a Argentina, Bolívia, Chile sobre supostas violações de direitos e Peru, a impunidade permanente e a falta humanos durante o estado de emergência de de vontade política para investigar as 2010 recomendou uma reforma da polícia. violações de direitos humanos e crimes de Até o fim do ano, a Jamaica ainda não tinha acordo com o direito internacional — entre apresentado como implantaria as reformas. eles, milhares de execuções extrajudiciais e No Chile, os crimes de membros das desaparecimentos forçados — perpetrados forças de segurança culpados de durante as ditaduras militares continuaram a espancamentos, maus tratos e até negar às vítimas e suas famílias a verdade, assassinatos de manifestantes pacíficos e justiça e reparação. outros ficaram, em sua maioria, impunes. Os Por outro lado, na Argentina, o ex- tribunais militares, que julgaram casos de presidente de fato Reynaldo Bignone foi violações de direitos humanos cometidas por condenado a vinte anos de prisão por seu membros das forças de segurança, papel em centenas de desaparecimentos fracassaram com regularidade ao investigar e forçados durante uma operação de processar policiais suspeitos de terem inteligência na região, e outros catorze cometido um crime, com julgamentos que, militares também foram condenados e frequentemente, não atendiam os níveis mais cumprirão penas nas prisões. Essas decisões básicos de independência e imparcialidade. foram um passo positivo para a justiça que, Em julho, um tribunal no Paraguai esperava-se, poderia abrir as portas para condenou um grupo de camponeses a até 30 outras investigações. anos de prisão pelo assassinato de seis Embora o progresso para tratar da policiais e outros crimes relacionados, no impunidade na Guatemala tenha sido lento, contexto da disputa por terras em 2012, no uma decisão histórica condenou dois ex- distrito de Curuguaty. No entanto, não foi militares por crimes contra a humanidade aberta nenhuma investigação sobre as pela escravidão doméstica e violência sexual mortes de onze camponses no mesmo que infligiram a mulheres da tribo indígena incidente. O Procurador Geral não deu maia Q’eqchi’. explicações críveis sobre a falta de Em julho, o Supremo Tribunal de El investigação dessas mortes, nem respondeu Salvador declarou a Lei de Anistia às alegações de que a cena do crime tinha inconstitucional, o que marcou um passo sido adulterada e de que os fazendeiros importante em direção à justiça para crimes tinham sido torturados enquanto estavam segundo o direito internacional e outras sob custódia da polícia. violações de direitos humanos cometidos Até o fim do ano, e dois anos depois de durante o conflito armado entre 1980 e um relatório do Senado dos EUA sobre o 1992. assunto, ninguém tinha sido levado à justiça No Haiti, não houve progresso nas nos EUA por violações de direitos humanos investigações de supostos crimes contra a cometidas na detenção secreta da CIA e no humanidade cometidos pelo ex-Presidente programa de interrogatórios depois dos Jean-Claude Duvalier e seus colaboradores. ataques de 11 de setembro de 2001. No México, o processo de cinco fuzileiros navais, acusados do desaparecimento

Anistia Internacional Informe 2016/17 29 DIREITOS DE MULHERES E MENINAS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS Os governos progrediram pouco no combate Em junho, a Declaração Americana sobre os à violência contra mulheres e meninas, Direitos dos Povos Indígenas foi adotada pela inclusive sendo incapazes de protegê-las de OEA, depois de 17 anos de negociações. estupros e assassinatos, além de não Apesar disso, povos indígenas em todas as responsabilizarem os perpetradores. Américas continuaram vítimas de violência, Relatórios sobre violência com base no assassinatos e uso excessivo de força pela gênero vieram do Brasil, Canadá, El Salvador, polícia, além de abusos aos seus direitos à EUA, Jamaica, Nicarágua, República terra, território, recursos naturais e cultura. A Dominicana e Venezuela, entre outros países. realidade diária para milhares de pessoas é Diversas violações dos direitos sexuais e uma vida sobrepujada pela exclusão, reprodutivos tiveram um impacto significativo pobreza, desigualdade e discriminação na saúde das mulheres e meninas. As sistêmica — mesmo na Argentina, Brasil, Américas tiveram o maior número de países Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e com a proibição total do aborto. Em alguns Paraguai. países, mulheres foram jogadas na cadeia Atores estatais e não estatais, como por simples suspeitas de terem abortado, proprietários de terras e empresários, foram algumas vezes depois de terem sofrido responsáveis pela retirada forçada de povos abortos naturais. indígenas de suas terras, na busca por seu Mulheres pobres na Nicarágua próprio lucro econômico. continuaram sendo as principais vítimas de Projetos de desenvolvimento, como no mortalidade materna, e o país teve uma das setor de extrativismo, ameaçam a cultura dos taxas de gravidez na adolescência mais altas povos indígenas, por vezes levando ao da região. As mulheres também foram desalojamento de comunidades inteiras. submetidas a algumas das leis mais duras Além disso, com frequência, foi negada aos contra o aborto, que continuou proibido em povos indígenas uma consulta significativa e todas as circunstâncias, mesmo quando a o consentimento prévio e bem informado. vida da mulher corria risco. Na República Mulheres indígenas e da zona rural em todas Dominicana, uma reforma do Código Penal as Américas exigiram mais atenção ao que descriminalizaria o aborto em certos impacto das mulheres nos projetos de casos foi, mais uma vez, adiada. A reforma extração de recursos naturais e a maior legislativa proposta para descriminalizar o participação nos processos de tomada de aborto no Chile continua em discussão. decisão sobre projetos de desenvolvimento Ainda assim, houve pequenos sinais de que afetem suas terras e territórios. esperança. Em El Salvador, a decisão de um Em maio, líderes de comunidades tribunal de liberar María Teresa Rivera, que indígenas e afrodescendentes Rama-Kriol cumpriu quatro anos de uma pena de 40, disseram que um acordo sobre a construção depois de sofrer um aborto natural, foi um do Grande Canal Interoceânico tinha sido passo em direção à justiça, num país em que assinado, sem um processo de consulta o tratamento dado às mulheres é apavorante. efetivo. Houve uma onda de violência na Em outra vitória dos direitos humanos, uma Região Autônoma do Atlântico Norte na mulher condenada a oito anos de prisão na Nicarágua, onde os povos indígenas Miskitu Argentina por ter sofrido um aborto natural foram ameaçados, atacados, submetidos a foi liberada da detenção pré-julgamento, violência sexual, mortos e expulsos por depois que o Supremo Tribunal decidiu não assentados não indígenas. haver razões suficientes para mantê-la presa. Entre os acontecimentos positivos, estão o anúncio do governo canadense sobre o lançamento de uma investigação nacional

30 Anistia Internacional Informe 2016/17 sobre o desaparecimento e assassinato de mulheres e meninas indígenas. DIREITOS LGBTI O progresso legislativo e institucional em alguns países, como o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, não se traduziu necessariamente em mais proteção contra a violência e discriminação de pessoas LGBTI. Em todas as Américas, altos níveis de crimes e discursos de ódio e discriminação, além dos assassinatos e perseguições de ativistas LGBTI, continuaram em países como Argentina, Bahamas, República Dominicana, El Salvador, Haiti, Honduras, Jamaica, EUA e Venezuela. Ainda assim, na República Dominicana, o processo eleitoral durante o ano teve vários candidatos abertamente LGBTI concorrendo a cargos para aumentar sua visibilidade e participação políticas.

Anistia Internacional Informe 2016/17 31 de pensamento, consciência, religião, PANORAMA opinião, expressão, associação e reunião foram amplamente atacadas, com repressão REGIONAL: ÁSIA E pelo regime militar na Tailândia e tentativas de calar as vozes políticas na Malásia. OCEANIA Como o espaço da sociedade civil encolheu em muitos lugares, a Enquanto muitos governos na região da Ásia discriminação, em especial contra minorias e Oceania — que abriga 60% da população étnicas e raciais, além de mulheres e mundial — reprimiram cada vez mais os meninas, se ampliou em uma variedade de direitos humanos, também houve sinais de países e contextos. mudança positiva em alguns países e Em países como China, Cingapura, Coreia contextos. do Norte, Filipinas, Malásia, Maldivas, Nepal, A demanda por liberdade de expressão e Tailândia, Timor Leste e Vietnã, a tortura e justiça falou alto e foi insistente. Ativismo e outros maus-tratos estavam entre as protestos contra violações cresceram. Os ferramentas usadas para atingir defensores jovens ficaram cada vez mais determinados dos direitos humanos, grupos marginalizados na defesa de direitos. As tecnologias on-line e outros. e as redes sociais permitiram que esses Essas violações foram, muitas vezes, jovens compartilhassem informações, sustentadas pela falta de responsabilização expusessem injustiças, se organizassem e de torturadores e outros perpetradores de defendessem seus direitos. Diversas vezes, violações de direitos humanos. A impunidade defensores e defensoras dos direitos foi prejudicial, por vezes crônica, e comum humanos, frequentemente trabalhando em em muitos países. Às vítimas era negada a situações difíceis e com recursos limitados, justiça, a verdade e outras formas de mantiveram uma posição firme contra a mão reparação. Houve algum progresso nessa pesada da opressão estatal, agindo de forma frente, no entanto. Alguns exemplos: passos corajosa e inspiradora. lentos para realizar a prestação de contas por No entanto, em geral o preço foi caro. supostos crimes previstos no direito Muitos governos demonstraram indiferença internacional que atormentaram o Sri Lanka pela liberdade, justiça e dignidade. E se por décadas, embora a impunidade esforçaram para calar as vozes da oposição e arraigada tenha persistido; e o acordo acabar com protestos e o ativismo, inclusive bilateral entre o Japão e a República da a dissidência on-line, usando a repressão, a Coreia (Coreia do Sul) sobre o sistema militar força e a aplicação duvidosa de leis novas e de escravidão sexual antes e durante a II antigas. Guerra Mundial, que foi criticado por excluir Na Ásia Oriental, a transparência dos os sobreviventes das negociações. Numa governos diminuiu e a percepção de uma decisão histórica, um tribunal das Filipinas lacuna cada vez maior entre os governos e condenou um policial por tortura pela seus cidadãos aumentou. A isso somou-se a primeira vez desde a Lei de Combate à repressão arraigada em países como a China Tortura de 2009. O Gabinete do Promotor do e a República Democrática Popular da Coréia Tribunal Penal Internacional indicou que do Norte (Coreia do Norte). Um padrão de poderia, em breve, abrir uma investigação no aumento da intolerância em relação às Afeganistão. Essa investigação cobriria as críticas e ao debate aberto se desdobrou no alegações de crimes cometidos pelo Talibã, sul da Ásia. Blogueiros foram assassinados pelo governo afegão e pelas forças dos EUA. em Bangladesh, profissionais da imprensa Em Mianmar, a intensificação do conflito atacados no Paquistão e o espaço para a no estado de Kachin e a explosão da sociedade civil em países como a Índia violência no norte do estado de Rakhine, diminuiu. No sudeste da Ásia, as liberdades onde a operação de segurança forçou os

32 Anistia Internacional Informe 2016/17 membros das comunidades de Rohingya e Carbide Corporation não compareceram ao Rakhine a fugir de suas casas, agravou ainda tribunal de Bhopal para responder às mais uma situação humanitária e de direitos acusações criminais relacionadas ao desastre humanos complicada, na qual dezenas de de vazamento de gás de 1984. milhares de pessoas foram deslocadas pela Com frequência, a região esteve na violência nos últimos anos. Restrições do contramão da tendência global de abolir a governo impediram o acesso à ajuda pena de morte. A China continuou sendo um humanitária nos dois estados. O conflito dos maiores executores do mundo, ainda armado no Afeganistão continuou devido ao que os números reais sejam segredo de reaparecimento do Talibã, que infligiu estado. No Paquistão, o número de pessoas consequências devastadoras aos civis. executadas desde 2014, quando uma Grupos armados alimentaram a moratória sobre as execuções foi suspensa, insegurança e o sofrimento em vários países, subiu para mais de 400. Em contravenção às cometendo abusos como raptos e normas internacionais, algumas das pessoas assassinatos ilegais no norte e centro da executadas eram adolescentes no momento Índia, além do estado de Jammu e Caxemira. do crime, outras tinham uma doença mental Bombardeios e tiroteios na Indonésia pelo e outras foram condenadas após um grupo armado que se autointitulou Estado julgamento injusto. No Japão, as execuções Islâmico (EI) ilustraram um absoluto ficaram envoltas em sigilo. Nas Maldivas, desprezo pelo direito à vida. No Afeganistão, funcionários do alto escalão ameaçaram grupos armados realizaram ataques voltar às execuções depois de uma moratória horripilantes na capital Cabul, inclusive à de 60 anos. Nas Filipinas, um projeto de lei agência humanitária CARE International, com para reintroduzir a pena de morte foi levado alvos civis, num ato que constituiu crime de ao Congresso. No entanto, Nauru se tornou o guerra. 103o país a revogar a pena de morte para O cenário regional de repressão, conflito e todos os crimes. insegurança alimentou a crise mundial de Entre os acontecimentos principais, está o refugiados. Na região, milhões se tornaram novo governo de Mianmar, quase civil, do refugiados e solicitantes de refúgio, forçados qual Aung San Suu Kyi foi nomeada líder de a deixar suas casas e se submeterem a facto, num papel especialmente criado para condições terríveis e que, muitas vezes, ela, depois da vitória do partido Liga Nacional punham suas vidas em risco. Muitos se pela Democracia nas eleições de 2015. O viram presos em situações precárias, novo governo tomou medidas para aprimorar vulneráveis a inúmeros outros abusos. Em os direitos humanos, mas enfrentou países como a Austrália e a Tailândia, os dificuldades desencorajadoras de um legado governos agravaram esse sofrimento de meio século do domínio militar e mandando essas pessoas de volta aos países repressivo. Seu poder era restrito por conta onde corriam o risco de sofrer violações de da influência militar duradoura, por ter o direitos humanos. Muitos outros foram controle de ministérios chave e um quarto deslocados em seus próprios países. dos parlamentares. Houve pouca melhora Grandes empresas eram, muitas vezes, nos conflitos em curso em Mianmar, na parte ativa nesses abusos ou, pelo menos, situação complicada dos rohingya, na cúmplices. O governo da Coreia do Sul assistência humanitária às comunidades permitiu que empresas privadas deslocadas, impunidade dos violadores dos dificultassem atividades sindicalistas legais, direitos humanos e reforma de leis tratando de problemas de saúde e morte repressivas. causados pela exposição a produtos Nas Filipinas, a violência sancionada pelo prejudiciais apenas quando já era tarde estado, em geral na forma de assassinatos demais. Na Índia, a Dow Chemical Company, ilegais, ocorreu em larga escala durante a com sede nos EUA, e sua subsidiária Union presidência de Rodrigo Duterte. A repressão

Anistia Internacional Informe 2016/17 33 brutal dos suspeitos de envolvimento em no número de pessoas detidas e obrigadas a crimes de tráfico de drogas resultou na morte fazer “confissões” televisionadas. As de seis mil pessoas na chamada “guerra autoridades continuaram a bloquear milhares contra as drogas”. de sites. Na província de Guangdong, a Em fevereiro, o impacto devastador do China reprimiu trabalhadores e ativistas de Ciclone Winston em Fiji evidenciou a direitos trabalhistas, com frequência negando infraestrutura inadequada do país quando 62 aos detentos acesso a advogados sob mil pessoas ficaram desalojadas depois de pretextos de “segurança nacional”. terem suas casas destruídas. A O governo chinês também projetou ou discriminação contra certos grupos na aprovou leis e regulamentações com o distribuição da ajuda humanitária e a falta de pretexto de aprimorar a segurança nacional, material de construção prejudicaram os que mas que poderiam ser usadas para silenciar mais precisavam. os dissidentes e reprimir defensores dos Em maio, o Sri Lanka ratificou a direitos humanos, a partir de definições Convenção Internacional contra o amplas de crimes como “incitar a subversão” Desaparecimento Forçado. É preciso e “vazar segredos de estado”. Houve temores acompanhar para ver se o Sri Lanka tornará de que a nova Lei de Gestão de Organizações o desaparecimento forçado um crime Não Governamentais Estrangeiras pudesse específico em sua legislação nacional. Fiji ser usada para intimidar defensores dos ratificou a Convenção da ONU contra a direitos humanos e ONGs, e que a nova Lei Tortura com reservas, embora a de Segurança Cibernética pudesse diminuir a responsabilização por tortura e outros maus- liberdade de expressão e privacidade. tratos tenha sido prejudicada por imunidades Ainda assim, os ativistas ousaram inovar. constitucionais e pela falta de vontade Quatro defensores dos direitos humanos política. foram presos por celebrar o 27o aniversário da repressão de 4 de junho de 1989, na praça Tiananmen. Eles fizeram uma ÁSIA ORIENTAL publicidade on-line para um álcool popular, DEFENSORES E DEFENSORAS DOS onde no rótulo lia-se “Em memória de Oito DIREITOS HUMANOS Destilado Seis Quatro”, uma brincadeira com Na Ásia Oriental, os defensores e defensoras palavras em chinês que ecoa a data do dos direitos humanos sofreram ataques evento notório, acompanhada por uma combinados, com espaço cada vez menor imagem de um “homem dos tanques”. A para a sociedade civil levantar questões ação se espalhou pelas redes sociais antes consideradas controversas pelas autoridades. de ser censurada. Com a repressão contínua na China, sob o Em outubro, Ilham Tohti, conhecido domínio de Xi Jinping, defensores dos intelectual uigur que promoveu o diálogo direitos humanos, advogados, jornalistas e entre uigures e chineses han, recebeu o ativistas enfrentaram cada vez mais ameaças Prêmio Martin Ennals para Defensores dos e intimidações, como a prisão arbitrária, a Direitos Humanos de 2016, concedido pelo tortura e outros maus-tratos. Familiares de profundo comprometimento em face de pessoas detidas também foram submetidas à grandes riscos. Atualmente, ele cumpre uma vigilância policial, ameaças e à restrição de pena de prisão perpétua por acusações de sua liberdade de circulação. As autoridades “separatismo”. aumentaram o uso da “vigilância residencial Em Hong Kong, os estudantes Joshua em um determinado local”, que permite à Wong, Alex Chow e Nathan Law foram polícia deter indivíduos por até seis meses condenados por “participar de uma reunião fora do sistema de detenção formal, sem ilegal” ligada à sua atuação dos eventos de acesso aos advogados de sua escolha ou aos 2014, que desencadearam o movimento pró- seus familiares. Também houve um aumento

34 Anistia Internacional Informe 2016/17 democracia que ficou conhecido como a “Movimento Girassol”. O novo primeiro- “Revolução do Guarda Chuva”. ministro Lin Chuan afirmou que a decisão do A Coreia do Norte reprimiu de forma governo anterior de acusar os manifestantes extrema, violando quase todo o espectro de foi uma “reação política”, e não um “caso direitos humanos. Houve restrições graves da judicial”. liberdade de expressão e total ausência de imprensa nacional livre ou organizações da PESSOAS EM TRÂNSITO sociedade civil. Até 120 mil pessoas O Japão continuou a rejeitar a maioria das continuam presas em campos de detenção, solicitações de refúgio. O serviço de onde a tortura e outros maus-tratos, entre imigração da Coreia do Sul deteve mais de eles o trabalho forçado, são prática comum e cem solicitantes de refúgio por meses no rotineira. O controle, opressão e intimidação Aeroporto Internacional de Incheon. Entre estatais se intensificaram desde que Kim eles estavam mais 28 homens da Síria. Um Jung-un tomou o poder em 2011. O tribunal acabou por decidir que eles estrangulamento persistente do uso de deveriam ser libertados e que poderiam tecnologia de comunicação, projetado em solicitar refúgio. Dezenas de solicitantes de parte para isolar os cidadãos e turvar a refúgio de outros países, como o Egito, terrível situação dos direitos humanos, continuaram detidos no aeroporto em persistiu. Pessoas pegas usando celulares condições desumanas. para entrar em contato com entes queridos no exterior foram encarceradas em campos DISCRIMINAÇÃO de prisioneiros políticos e centros de O Parlamento do Japão aprovou sua primeira detenção. lei nacional contra a incitação ao ódio ou Na vizinha Coreia do Sul, tendências de discurso de ódio contra residentes retrocesso dos direitos humanos incluíram estrangeiros e seus descendentes, após um restrições às liberdades de manifestação aumento nas manifestações a favor da pacífica e de expressão, que tomaram novas discriminação. Críticos dizem que a lei era formas, como processos civis. As autoridades muito restrita e não previa punições. A diminuíram a liberdade da imprensa com discriminação contra minorias étnicas uma interferência mais pesada nas notícias e continuou sendo um problema grave. com a restrição do exercício da liberdade de Na China, a liberdade religiosa foi violada manifestação pacífica, com frequência sob o sistematicamente. Projetos de emendas à pretexto de proteger a ordem pública. legislação continham disposições para A Assembleia Nacional da Coreia do Sul aumentar o poder estatal para controlar e aprovou uma lei de combate ao terrorismo sancionar algumas práticas religiosas, mais que amplia substancialmente os poderes de uma vez, em nome da segurança nacional vigilância sobre as comunicações e a coleta para impedir a “infiltração e extremismo”. Se de informações pessoais de suspeitos de aprovado, poderia ser usado para fortalecer terem ligações com o terrorismo. ainda mais a repressão, em especial dos Na Mongólia, organizações da sociedade direitos à liberdade de religião e crença de civil que trabalham pela proteção dos direitos comunidades religiosas não reconhecidas humanos enfrentaram intimidação, pelo estado, budistas tibetanos e hostilidades e ameaças regulares, muçulmanos uigures. Na Região Autônoma principalmente por atores privados. Uigur de Xinjiang, o governo deteve Num acontecimento positivo em Taiwan, o escritores da etnia uigur e editores de novo governo retirou as acusações contra websites no idioma uigur. mais de cem manifestantes que participaram Pessoas da etnia tibetana enfrentaram dos protestos estudantis de 2014 contra o discriminação contínua e restrições aos seus Acordo de Livre Comércio entre a China e direitos à liberdade de pensamento, Taiwan, no que ficou conhecido como o consciência e religião, expressão, associação

Anistia Internacional Informe 2016/17 35 e manifestação pacífica. O blogueiro tibetano profissionais como raptos, prisões e Druklo foi condenado a três anos de prisão detenções arbitrárias, intimidação, por “incitação ao separatismo”, e por suas assassinatos e hostilidades por parte de publicações sobre liberdade religiosa e o atores estatais e não estatais. Um ataque de Dalai Lama. Na Região Autônoma Uigur de granada nos escritórios da ARY TV, na capital Xinjiang, o governo continuou a violar o Islamabad, foi um dos muitos ataques contra direito à liberdade de religião, e reprimiu profissionais da imprensa e à liberdade de aglomerações religiosas não autorizadas. expressão em geral. Panfletos deixados na cena alegavam que o grupo armado aliado EI era o responsável. SUL DA ÁSIA No Sri Lanka, Sandhya Eknaligoda, mulher DEFENSORES E DEFENSORAS DOS do cartunista dissidente e desaparecido DIREITOS HUMANOS Prageeth Eknaligoda, sofreu diversas Defensores e defensoras dos direitos ameaças e outros tipos de intimidação depois humanos foram alvos de violações em todo o que a polícia identificou sete suspeitos, Sul da Ásia de diversas maneiras. Os membros da inteligência do exército, ligados governos usaram leis muito rígidas e novas ao seu desaparecimento forçado. Faziam leis com o objetivo de censurar a expressão parte dessa intimidação protestos do lado de on-line. fora do tribunal que julgava o habeas corpus A Índia usou leis repressivas para diminuir de seu marido e uma campanha com a liberdade de expressão e silenciar os cartazes que a acusava de apoiar os Tigres críticos. A Lei (Regulamentação) de de Liberação do Tamil Eelam (TLTE). Contribuição Estrangeira foi usada para A liberdade de expressão continuou sob impedir que as organizações da sociedade ataque em Bangladesh, onde as autoridades civil recebessem fundos do exterior e para ficaram cada vez mais intolerantes com a hostilizar ONGs. A lei de sedição, usada imprensa independente e as vozes críticas. pelos britânicos para impedir a livre Em meio à situação cada vez pior dos direitos expressão durante a luta pela independência humanos, um grupo de jornalistas foi preso e da Índia, foi usada para hostilizar os críticos. detido de forma arbitrária. A dissidência Defensores dos direitos humanos também pacífica foi suprimida por rígidas leis usadas passaram por intimidação e ataques. O para perseguir críticos nas redes sociais. O jornalista Karum Mishra foi morto por ativista e estudante Dilip Roy foi detido por homens armados no estado de Uttar criticar o primeiro-ministro no Facebook e Pradesh, aparentemente por denunciar a pode ser condenado a até catorze anos de mineração ilegal do solo. Rajdeo Ranjan, prisão, de acordo com a vaga Lei de jornalista que enfrentou ameaças de líderes Tecnologia da Informação e Comunicações, políticos por seus escritos, também foi morto usada pelas autoridades para ameaçar e a tiros. punir pessoas que expressaram, Em Jammu e Caxemira, as forças de pacificamente, pontos de vista de que não segurança usaram força desnecessária ou gostaram. excessiva contra os manifestantes. O governo Nas Maldivas, onde os direitos humanos do estado impôs um toque de recolher por têm sido cada vez mais atacados nos últimos mais de dois meses. Uma suspensão dos anos, o governo intensificou as agressões às provedores de serviços privados de internet e liberdades de expressão e reunião com a telefonia fixa e móvel enfraqueceu uma série imposição de restrições arbitrárias para de direitos. Os residentes disseram que impedir os protestos. As autoridades também ficaram impossibilitados de conseguir ajuda silenciaram oponentes políticos, defensores médica de emergência. dos direitos humanos e jornalistas usando as Os profissionais de imprensa leis que criminalizam discursos, comentários paquistaneses encararam perigos e outros atos “difamatórios”.

36 Anistia Internacional Informe 2016/17 graves abusos. Por exemplo, a decisão de PESSOAS EM TRÂNSITO deportar Sharbat Gula ao país que ela não via Devido ao conflito em curso, o Afeganistão foi há uma geração e que seus filhos nunca o segundo país no mundo a criar refugiados. tinham visto simbolizou o tratamento cruel A crise afetou uma grande quantidade de que o Paquistão destinou aos refugiados pessoas, sendo mais de dois milhões só no afegãos. Ela foi a “menina afegã” icônica na Paquistão e no Irã, além de grandes números capa da revista National Geographic de tentando chegar à UE. Um acordo entre a UE 1985, e durante décadas a refugiada mais e o Afeganistão exigia que o Afeganistão famosa do mundo, símbolo da generosidade readmitisse todo cidadão afegão que não e hospitalidade do Paquistão. conseguisse refúgio na UE. No entanto, a instabilidade constante impossibilitou que DISCRIMINAÇÃO muitos refugiados e solicitantes de refúgio Milhares de pessoas protestaram contra a voltassem para casa voluntariamente e em discriminação e violência enfrentadas pelas segurança. comunidades dalit. As comunidades Embora os afegãos que arriscaram suas marginalizadas continuaram a ser vidas em viagens perigosas tenham chegado negligenciadas pelo governo, em sua ânsia às manchetes, a grande maioria não tinha de promover o crescimento econômico recursos suficientes para partir. O número de rápido. Milhões se manifestaram contra pessoas forçadas a sair de suas casas e que alterações nas leis trabalhistas. Os negros ficaram deslocadas internamente chegou a enfrentaram hostilidades, discriminação e 1,4 milhão em 2016, segundo as estimativas, violência racista em diversas cidades. Relatos mais que o dobro de três anos antes. No de crimes violentos e violência sexual contra mesmo período de três anos, a ajuda mulheres e meninas aumentaram, os internacional ao Afeganistão caiu pela perpetradores ficaram impunes e as metade, já que a atenção dos doadores mulheres de comunidades marginalizadas mudou de foco com a retirada das tropas enfrentaram discriminação sistêmica. A internacionais. A situação dos que sofriam legislação indiana criminalizou a solicitação com as condições terríveis e lutavam para de serviços sexuais em lugares públicos, sobreviver em campos superlotados, com deixando profissionais do sexo vulneráveis a abrigo, alimentação, água e assistência diversos tipos de abuso. médica inadequados, corria o risco de ser A Seção 377 do Código Penal Indiano esquecida. continuou a criminalizar relações Para os refugiados afegãos no Paquistão, a consensuais entre pessoas do mesmo sexo, situação era deprimente. O governo apesar de contestações judiciais na Suprema paquistanês planejou uma das maiores Corte. O gabinete do governo indiano devoluções forçadas de refugiados da história aprovou um projeto de lei falho sobre os moderna, arriscando a vida de 1,4 milhão de direitos de pessoas transgênero, que foi pessoas cujo registro estava previsto para criticado por ativistas pela definição expirar no final do ano. As autoridades problemática de pessoa transgênero e impuseram diversos prazos impraticáveis, disposições inadequadas de combate à que, depois, ampliaram com relutância, para discriminação. a volta dos refugiados ao Afeganistão. A Houve uma onda de assassinatos mudança desencadeou ondas de aparentemente inspirados por militantes e hostilidades da polícia e funcionários do alto outros ataques em Bangladesh, onde as escalão. Os refugiados ficaram presos numa autoridades prenderam quase 15 mil espécie de limbo em seus campos. pessoas numa resposta tardia a uma torrente Em outros casos, o Paquistão quebrou o de ataques contra blogueiros, ateístas, princípio de não retorno e colocou os estrangeiros e lésbicas, gays, bissexuais, refugiados afegãos em risco de sofrerem transgêneros e intersexos (LGBTI). Com

Anistia Internacional Informe 2016/17 37 frequência, o governo comprometeu sua ousam criticar as autoridades em público. Os obrigação de buscar os responsáveis com defensores dos direitos humanos foram medidas como detenções secretas e acusados de difamação criminosa por arbitrárias. A falta de proteção para ativistas denunciar violações ou apoiar pessoas e pacíficos foi realçada por ataques pelos quais comunidades vulneráveis. O governo agiu ninguém foi responsabilizado, como o para calar o debate antes de um referendo assassinato brutal de Xulhaz Mannan, editor sobre um projeto de Constituição. Um de uma revista LGBTI, e seu amigo Tanay exemplo: cerca de doze pessoas que Mojumdar. Ativistas de direitos humanos que comentaram sobre a proposta de foram ameaçados da mesma forma disseram Constituição no Facebook foram detidas ou que a polícia não proporcionou proteção acusadas e ficaram sujeitas a até dez anos suficiente, enquanto outros relutavam em de prisão, de acordo com um novo decreto abordar a polícia, com medo de serem draconiano do governo. acusados ou hostilizados. A repressão das liberdades de expressão, No Sri Lanka, as pessoas LGBTI associação e manifestação pacífica se enfrentaram hostilidades, discriminação e intensificou antes das eleições no Camboja, violência. Os altos níveis de impunidade previstas para 2017/2018, e as autoridades persistiram para perpetradores de violência abusaram cada vez mais do sistema jurídico contra mulheres e meninas, inclusive estupro criminal. As forças de segurança hostilizaram por militares, e iniciativas inadequadas foram e puniram a sociedade civil em tentativas de tomadas para lidar com a violência silenciar os críticos. Os defensores dos doméstica. Os tâmeis reclamaram de direitos humanos foram ameaçados, presos e discriminação, vigilância e hostilidade pela detidos por seu trabalho pacífico. A oposição polícia, que suspeitava que tivessem ligações política foi perseguida, com ativistas e com o TLTE. O Comitê para a Eliminação da políticos eleitos aprisionados após Discriminação Racial concluiu que a Lei de julgamentos injustos. As autoridades Combate ao Terrorismo do Sri Lanka foi continuaram a dificultar protestos pacíficos. usada de modo desproporcional contra os Na Malásia, tentativas de calar a tâmeis. Os cristãos e muçulmanos foram, dissidência pacífica e a liberdade de segundo relatos, hostilizados, ameaçados e expressão incluíram o uso arraigado da atacados, inclusive por apoiadores de grupos legislação de segurança nacional e outras leis políticos cingaleses linha dura. A polícia não restritivas. Rafizi Ramli, parlamentar que agiu, ou culpou as minorias religiosas por expôs informações sobre um grande incitar os oponentes à violência. esquema de corrupção, foi condenado a 18 meses de prisão. Jornalistas do site de notícias Malaysiakini foram intimidados e SUDESTE DA ÁSIA E ameaçados por vigilantes. No fim do ano, o OCEANIA portal de notícias foi forçado a fechar. No Vietnã, os defensores dos direitos DEFENSORES E DEFENSORAS DOS humanos enfrentaram ataques e ameaças. DIREITOS HUMANOS Prisioneiros de consciência foram mantidos Defensores e defensoras dos direitos em prisões e centros de detenção e humanos foram ameaçados no Camboja, submetidos a desaparecimento forçado, Malásia, Tailândia, Vietnã e em outros países, tortura e outros maus-tratos, inclusive tortura também pelo uso cada vez maior de leis com eletricidade, espancamentos brutais, novas ou existentes para criminalizar confinamento prolongado na solitária, manifestações online. algumas vezes na escuridão e silêncio totais, Na Tailândia, a repressão contínua da além da negação de tratamento médico. dissidência pacífica desde o golpe militar de As autoridades vietnamitas também 2014 criou um ambiente em que poucos fiscalizaram a repressão de manifestantes

38 Anistia Internacional Informe 2016/17 pacíficos. Devido à visita do presidente dos impedir que as pessoas mais vulneráveis do Estados Unidos Barack Obama em maio, as mundo buscassem a segurança na Austrália. autoridades prenderam, intimidaram e Doenças mentais e automutilação entre os hostilizaram ativistas pacíficos. refugiados e solicitantes de refúgio em Nauru O governo liderado pela Liga Nacional pela eram coisas comuns. Omid Masoumali, Democracia em Mianmar tomou medidas refugiado iraniano, morreu depois de atear para emendar leis antigas e repressivas que fogo a si mesmo. Outros, inclusive crianças, tinham como alvo ativistas e profissionais da sofreram com assistência médica imprensa. Ainda assim, casos como a inadequada, ataques verbais e físicos detenção de dois profissionais da imprensa insistentes, hostilidade difundida e prisões e em novembro, sob suspeita de “difamação detenções arbitrárias. Esses tipos de abuso on-line” por conta de um artigo com ainda contavam com a impunidade alegações de corrupção no governo, sistemática. mostraram que ainda há muito a fazer. A Austrália se recusou a fechar os centros As forças de segurança no Timor Leste em Nauru e na Ilha de Manus. Além disso, foram acusadas de assassinatos ilegais, chegou a planejar a apresentação de uma lei tortura e outros maus-tratos, prisões que proibiria permanentemente as pessoas arbitrárias e a restrição arbitrária da liberdade presas lá de conseguirem vistos australianos, de expressão e reunião pacífica. A imprensa somando uma injustiça atrás da outra e de Fiji foi afetada pelas restrições arbitrárias violando o direito internacional. que cerceavam a liberdade de expressão, A Nova Zelândia reiterou, publicamente, o com jornalistas sendo multados e presos. acordo que fez com a Austrália em 2013 Blogueiros e dissidentes em Cingapura foram para reassentar 150 refugiados de Nauru e hostilizados e processados. da Ilha de Manus, embora a Austrália, desde Defensores dos direitos humanos e então, tenha se recusado a cumprir o acordo. jornalistas nas Filipinas foram perseguidos e As condições nos centros de detenção de mortos por homens armados não imigrantes superlotados da Malásia eram identificados e pela milícia armada. terríveis. Mil pessoas, entre elas 400 rohingya, que ficaram encalhados na costa PESSOAS EM TRÂNSITO da Malásia até que as autoridades A Austrália manteve seu regime de concordassem em aceitá-los em maio de processamento de imigração costeiro abusivo 2015, passaram por um período prolongado em Nauru e na Ilha de Manus em Papua de detenção superior a um ano, em Nova Guiné. O acordo de transferência entre condições terríveis. Em junho, a maioria dos a Austrália e Nauru contrariava o direito rohingya foi liberada e alguns até internacional e, na prática, deixava os reassentados. refugiados e solicitantes de refúgio numa A falta de estrutura jurídica, processos e prisão a céu aberto. Embora não estivessem procedimentos para receber refugiados e tecnicamente detidas, essas pessoas não solicitantes de refúgio na Tailândia deixou podiam ir embora e ficaram isoladas na muitos vulneráveis à detenções arbitrárias e remota ilha de Nauru, no Pacífico, mesmo outras violações de seus direitos Na ausência quando eram reconhecidas como refugiados. de um status legal reconhecido pela A política do governo da Austrália para legislação tailandesa, refugiados e “processar” refugiados e solicitantes de solicitantes de refúgio, inclusive crianças, refúgio em Nauru envolveu um regime continuaram a ser tratados como migrantes sistemático e deliberado de negligência e em situação irregular e, de acordo com a Lei crueldade, projetado para infligir sofrimento: de Imigração, poderiam ser detidos por o sistema se equipara a tortura segundo o tempo indefinido em centros de detenção de direito internacional. Ele minimiza a proteção imigração, o que não satisfaz as normas de e maximiza os danos. Foi preparado para detenção internacionais.

Anistia Internacional Informe 2016/17 39 Dezenas de rohingya de Mianmar estavam As autoridades da Indonésia por vezes entre esses detidos nos centros de imigração, pareceram estar mais preocupadas com os tendo ficado detidos desde sua chegada de grupos religiosos radicais do que com o barco em 2015. respeito e proteção dos direitos humanos. As autoridades indonésias se envolveram Por exemplo, o governador de Jacarta, a em táticas de intimidação brutas em Achem, capital, cristão e primeiro da comunidade inclusive colocando em risco as vidas de um étnica chinesa da Indonésia a ser eleito para grupo de mais de quarenta solicitantes de o cargo, passou por uma investigação refúgio tâmeis cingaleses, entre os quais criminal por suspeita de “blasfêmia”. A estava uma mulher no fim da gravidez e nove discriminação contra pessoas LGBTI crianças, disparando tiros de advertência e aumentou depois que políticos fizeram ameaçando mandá-los de volta ao mar, declarações enganosas, incendiárias e violando o direito internacional. bastante imprecisas. Na Papua Nova Guiné, a violência contra DISCRIMINAÇÃO mulheres estava arraigada e profissionais do Dezenas de milhares de pessoas da minoria sexo foram espancadas, estupradas, detidas rohingya de Mianmar fugiram do norte do arbitrariamente e assassinadas sem que estado de Rakhine, onde forças de pudessem recorrer à justiça. Elas não tiveram segurança montaram ataques de represália a proteção adequada em grande parte por em resposta a um ataque a três postos de conta das leis que criminalizam o trabalho segurança fronteiriços, no qual nove policiais sexual, o estigma desse tipo de trabalho e as foram mortos em outubro. As forças de normas sociais e culturais. segurança, lideradas pelos militares, atiraram O Comitê de Direitos Humanos da ONU e aleatoriamente nos moradores, incendiaram o Comitê sobre Direitos das Crianças centenas de casas, fizeram prisões arbitrárias criticaram as altas taxas de encarceramento, e estupraram mulheres e meninas. Os pobreza infantil e violência doméstica dos moradores foram colocados sob toque de indígenas Maori da Nova Zelândia. A recolher e as instituições humanitárias foram violência física e sexual contra mulheres e banidas da área. A resposta foi uma punição meninas também continuou arraigada, coletiva a toda a comunidade rohinghya no apesar do reconhecimento amplo do norte do estado de Rakhine, e pode ter problema e de iniciativas para resolvê-lo. chegado ao nível dos crimes contra a humanidade. Muitos refugiados e solicitantes de refúgio rohingya que conseguiram chegar a Bangladesh, desesperadamente necessitados de ajuda humanitária, foram mandados de volta para Mianmar. A crise surgiu num contexto de discriminação grave e implacável contra a comunidade rohingya, e uma série de direitos, entre eles a liberdade de circulação, foram restringidos. Também houve intolerância religiosa contínua, exacerbada nos últimos anos devido ao fato de o governo anterior não ter investigado efetivamente incidentes de violência. Muitas vezes, essa intolerância foi alimentada por grupos nacionalistas budistas radicais e direcionados em especial aos muçulmanos.

40 Anistia Internacional Informe 2016/17 foram aprovadas emendas constitucionais PANORAMA ampliando os mandatos presidenciais. Na Rússia, o Presidente Vladimir Putin REGIONAL: EUROPA continuou surfando na onda de popularidade gerada pelas excursões do país à Ucrânia e a E ÁSIA CENTRAL influência internacional renascida, enquanto enfraquece a sociedade civil em casa. Em Em 30 de novembro de 2016, “Ahmed H”, toda a ex-União Soviética, a repressão aos um sírio que morava no Chipre, foi julgado dissidentes e opositores políticos continuou por acusações de terrorismo em Budapeste, cirúrgica e constante. capital da Hungria. Foi acusado de Os acontecimentos mais tumultuados da orquestrar confrontos entre a polícia e região aconteceram na Turquia, que foi refugiados após o fechamento repentino das abalada por contínuos conflitos no sudeste, fronteiras húngaras com a Sérvia em uma série de atentados a bomba e tiroteios e setembro de 2015. O processo se aproveitou uma violenta tentativa de golpe em julho. da confusão que o governo faz entre os Depois dessa tentativa, o governo retrocedeu solicitantes de refúgio muçulmanos e as terrivelmente no tratamento dos direitos ameaças terroristas. Na realidade, Ahmed H humanos. Depois de identificar Fethullah só estava lá para ajudar seus pais, idosos e Gulen, ex-aliado que virou inimigo feroz, sírios, a fugir de um país destruído pela como responsável, as autoridades turcas se guerra. Pego na confusão, admitiu ter jogado movimentaram com rapidez para esmagar o pedras na polícia, mas, em geral, como movimento extensivo que ele tinha criado. diversas testemunhas afirmaram, ele estava Cerca de 90 mil funcionários públicos, a tentando acalmar a multidão. Ainda assim, maioria supostamente Gulenistas, foram foi condenado e se tornou um símbolo dispensados por meio de decretos de leis. trágico e assustador de um continente que Pelo menos 40 mil pessoas foram mantidas está dando as costas aos direitos humanos. sob custódia, em meio a diversas alegações Em 2016, movimentos e mensagens de tortura e outros maus-tratos. Centenas de populistas explodiram nos grandes meios de meios de comunicação e ONGs foram comunicação. Políticos da região se fechados e jornalistas, acadêmicos e aproveitaram dos sentimentos de parlamentares foram presos, conforme a distanciamento e insegurança espalhados repressão avançava para além do golpe e por toda parte. Seus alvos eram muitos: elites atingia outros dissidentes e vozes a favor dos políticas, a UE, imigração, mídia liberal, curdos. muçulmanos, estrangeiros, globalização, igualdade de gêneros e a sempre presente PESSOAS EM TRÂNSITO ameaça de terrorismo. No poder, em países Após a chegada de pouco mais de um como a Polônia e a Hungria, tiveram muitas milhão de pessoas refugiadas e migrantes conquistas, mas também mais ao oeste, pelo mar em 2015, Estados membros da UE induziram partidos governantes a seguirem estavam determinados a diminuir seus caminhos e introduzirem muitas de drasticamente esse número em 2016. suas políticas. O resultado foi um Conseguiram, sacrificando direitos e bem- enfraquecimento generalizado do estado de estar dos que tentavam entrar. direito e uma erosão na proteção dos direitos No fim de dezembro, cerca de 358 mil humanos, em especial para os refugiados e pessoas refugiadas e migrantes haviam suspeitos de terrorismo e, em última conseguido fazer a travessia para a Europa. instância, para todo mundo. Houve um pequeno aumento nos números Mais ao leste, os homens fortes no poder na rota central do Mediterrâneo (para cerca fortaleceram ainda mais a sua posição. No de 170 mil), mas um declínio agudo nos Tadjiquistão, Azerbaijão e Turcomenistão, números de pessoas que chegaram às ilhas

Anistia Internacional Informe 2016/17 41 gregas (de 854 mil para 173 mil), resultado segunda iniciativa para barrar as pessoas do acordo de controle de migração entre a que chegavam à Europa foi o fechamento da UE e a Turquia em março. A Organização rota dos Bálcãs, acima da Grécia, em março. Internacional para as Migrações estimou que A Macedônia e, depois, outros países dos cerca de cinco mil pessoas tenham morrido Bálcãs foram convencidos a fechar suas no mar, um recorde. No ano anterior, foram fronteiras. Para isso, tiveram ajuda das 3.700 mortos. guardas de fronteira de outros países O acordo entre a UE e a Turquia foi a europeus. A medida foi defendida primeiro resposta dada pela UE para a chamada pelo primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, “crise de refugiados”. A Turquia recebeu a e depois apoiada pela Áustria. Para muitos oferta de 6 bilhões de euros para policiar seu líderes da UE, a miséria dos refugiados litoral e aceitar o retorno de solicitantes de encurralados na Grécia era, claramente, um refúgio que chegassem às ilhas gregas. O preço que valia a pena pagar para acordo tinha como base a premissa incorreta desencorajar a vinda de outros. de que a Turquia oferecia aos solicitantes de A falta de solidariedade com os refugiados refúgio todas as proteções a que teriam e outros estados membros da UE era típica direito na UE. Com um sistema de refúgio das políticas de migração da maioria dos que mal funcionava, e quase três milhões de países da UE, que só se uniram nos planos refugiados sírios já lutando para sobreviver, a para restringir a entrada e acelerar os alegação apenas confirmou a vontade da UE retornos. Isso ficou claro com o fracasso do de ignorar os direitos e a sobrevivência dos esquema de realocação de refugiados na UE. refugiados, para atingir seus objetivos Adotado pelos chefes de estado da União em políticos. setembro, com o objetivo de distribuir a Ainda que o número de chegadas tenha responsabilidade por receber o grande diminuído para uns poucos milhares por número de refugiados que chegavam a mês, na média, ainda superava bastante a poucos países o plano previa a realocação de capacidade de recepção nas ilhas gregas. 120 mil pessoas da Itália, Grécia e Hungria Até o fim do ano, cerca de 12 mil pessoas por toda a UE em dois anos. Depois que a refugiadas e solicitantes de refúgio chegaram Hungria rejeitou o plano, decidindo que seria aos acampamentos temporários, cada vez melhor simplesmente fechar suas fronteiras mais superlotados, em condições perigosas e de uma vez, sua cota foi realocada para a sem higiene. Devido a essas condições, Grécia e a Itália. Até o fim do ano, apenas revoltas aconteciam com regularidade nesses seis mil pessoas tinham sido realocadas a acampamentos, e alguns eram atacados por partir da Grécia, e pouco mais de duas mil moradores locais acusados de estarem da Itália. ligados a grupos de extrema direita. As Ao plano de realocação se juntou outra condições para os cerca de 50 mil pessoas iniciativa da UE de 2015: a “abordagem de refugiadas e migrantes na Grécia continental ponto crítico”. Esse plano, inspirado pela eram apenas ligeiramente melhores. Até o Comissão da UE, previa grandes centros de fim do ano, a maioria havia conseguido processamento na Itália e na Grécia, para abrigo em centros de recepção oficiais. identificar e colher as digitais dos recém- Porém, esses centros, em sua maioria, eram chegados e processar os pedidos de refúgio, barracas e armazéns abandonados, realocá-los em outros países da UE ou inadequados para acomodação por mais do mandá-los de volta aos seus países de que alguns dias. origem (ou, no caso dos que chegassem à Conforme o fim do ano se aproximava, o Grécia, para a Turquia). Com o componente acordo entre a UE e a Turquia continuava de realocação do plano claramente deixando válido, mas aparentava estar cada vez mais a desejar, a Itália e a Grécia se viram com frágil. Por outro lado, ficou claro que ele era uma enorme pressão para tirar as digitais, apenas uma primeira linha de defesa. A processar e mandar de volta tantos migrantes

42 Anistia Internacional Informe 2016/17 quantos fosse possível. Houve incidentes de asilo. A Noruega, última a aderir à intenção, maus-tratos para conseguir as digitais, queria garantir a “política de refugiados mais detenções arbitrárias de migrantes e rígida da Europa”. Finlândia, Suécia e expulsões coletivas. Em agosto, um grupo de Dinamarca, bem como a Alemanha, 40 pessoas, muitas de Darfur, foram restringiram ou atrasaram o acesso à mandadas de volta ao Sudão depois da reunificação familiar para os refugiados. assinatura de um Memorando de Os estados mais próximos às fronteiras Entendimento assinado entre as polícias externas da UE adotaram as medidas mais italiana e sudanesa. Na chegada ao Sudão, rígidas. Em janeiro, o governo austríaco os migrantes foram interrogados pelo Serviço anunciou um limite de 37.500 pedidos de de Segurança e Inteligência Internacional refúgio para o ano. Em abril, uma emenda à Sudanês, um órgão implicado em sérias Lei de Asilo concedeu ao governo o poder de violações de direitos humanos. declarar uma emergência em caso de A orientação para mandar de volta o chegada de um grande número de máximo de migrantes possível se tornou cada solicitantes de refúgio, o que acionaria o vez mais um item central da política exterior processamento acelerado de pedidos na da UE e de seus países membros. Em fronteira e a devolução, sem motivos outubro, a UE e o Afeganistão assinaram um razoáveis, dos rejeitados. acordo de parceria e cooperação chamado A deterioração do sistema de asilo da “Joint Way Forward”. A assinatura ocorreu Europa atingiu seu ponto mais baixo na em uma conferência de doadores. O acordo Hungria. Depois de construir uma cerca na obriga o Afeganistão a colaborar na maior parte de sua fronteira com a Sérvia em devolução de solicitantes de refúgio que setembro de 2015 e fazer uma emenda em tenham sido negados (as taxas de sua legislação sobre refúgio, em 2016 o reconhecimento de refúgio para afegãos caiu governo húngaro criou um conjunto de na maioria dos países, apesar da medidas que resultou em resistência violenta insegurança crescente no Afeganistão), na fronteira com a Sérvia, detenções ilegais inclusive no caso de menores no país e condições de sobrevivência ruins desacompanhados. para quem aguardava na fronteira. Enquanto O ponto central para gestão de migração o governo húngaro gastou milhões de euros na política externa da UE foi explicitado em com publicidade xenófoba em apoio ao outro documento, a “Estrutura da Parceria”, referendo, que acabou por ser anulado, para endossado pelo Conselho Europeu em junho. rejeitar o plano de realocação da UE, os O plano propunha usar a ajuda humanitária, refugiados foram esquecidos, ficando cada o comércio e outros fundos para pressionar vez mais debilitados. A Comissão Europeia os países a reduzir o número de migrantes iniciou procedimentos por conta das diversas que chegam ao litoral da UE, ao mesmo infrações da legislação internacional e da UE tempo em que negociava uma cooperação sobre asilo. Esses procedimentos no controle das fronteiras e acordos de continuavam abertos no final do ano. readmissão, inclusive com países No lado oposto da Europa, na França, o responsáveis por violações em série dos aumento dos migrantes e solicitantes de direitos humanos. refúgio no campo conhecido como “Selva” A orientação para externalizar a gestão de em Calais, e o seu desmantelamento em migração da Europa veio junto com as outubro se tornaram símbolo do fracasso das medidas para restringir o acesso ao refúgio e políticas de migração da Europa, do mesmo outros benefícios nacionalmente. Foi possível modo que os campos superlotados nas ilhas constatar a tendência principalmente nos gregas de Lesbos e Chios e os abrigos países nórdicos, antes generosos: Finlândia, temporários em frente às cercas de Suécia, Dinamarca e Noruega introduziram concertina. emendas retrógradas à sua legislação sobre

Anistia Internacional Informe 2016/17 43 Os esforços impressionantes da Alemanha anulação dos poderes executivos em caso de para abrigar e processar os pedidos de declaração de emergência, incluindo a refúgio de quase um milhão de pessoas que proibição de assembleias públicas, restrições chegaram ao país no ano anterior foram, rigorosas à liberdade de ir e vir e o talvez, a única resposta positiva de um congelamento de bens sem controle jurídico. governo à “crise de refugiados” na Europa. O Parlamento búlgaro aprovou um conjunto No geral, foram os cidadãos comuns que de medidas parecido na primeira votação, demonstraram a solidariedade que faltou a em julho. Em dezembro, a França prorrogou seus líderes. Em diversos centros de pela quinta vez o estado de emergência recepção em toda a Europa, dezenas de imposto após os ataques de novembro de milhares de pessoas mostraram, sem cansar, 2015. Os poderes de emergência foram que havia outro lado no debate tóxico sobre a ampliados significativamente na prorrogação migração, recebendo e apoiando pessoas de julho, que reintroduziu as buscas refugiadas e migrantes. domiciliares sem aprovação prévia do judiciário (um poder que tinha sido revogado SEGURANÇA E COMBATE AO na prorrogação anterior) e novos poderes TERRORISMO para proibir eventos públicos por motivos de Mais de cem pessoas foram mortas e muitas segurança pública, que foram usados, outras ficaram feridas em ataques violentos diversas vezes, para proibir protestos. Os na França, Bélgica e Alemanha. Essas números liberados pelo governo em pessoas foram baleadas por homens dezembro de 2016 indicaram que, desde armados, morreram em explosões em novembro de 2015, foram realizadas 4.292 ataques suicidas e foram deliberadamente buscas domiciliares e 612 pessoas tinham atropeladas quando andavam pelas ruas. sido condenadas à prisão domiciliar, Proteger o direito à vida e permitir que as aumentando as preocupações com o uso pessoas vivam, circulem e pensem com desproporcional dos poderes de emergência. liberdade se tornou uma preocupação cada As medidas, antes vistas como vez maior para os governos em toda a excepcionais, foram incorporadas à Europa. No entanto, muitos responderam ao legislação criminal comum em vários países desafio de manter essas liberdades da Europa. Estão inclusas as prorrogações do fundamentais com medidas de combate ao período de detenção anterior à acusação terrorismo, que enfraqueceram os direitos para suspeitos de crimes relacionados a humanos e os próprios valores que estavam terrorismo na Eslováquia e Polônia e uma sendo atacados. proposta de fazer o mesmo, para todas as No ano de 2016 testemunhou-se uma acusações, na Bélgica. Nos Países Baixos e profunda mudança de paradigma: do ponto na Bulgária, foram feitas propostas no de vista que defende ser papel dos governos Parlamento para introduzir medidas de garantir a segurança para que as pessoas controle administrativo para restringir a possam aproveitar seus direitos para o ponto liberdade de circulação das pessoas sem de vista segundo o qual os governos devem autorização judicial prévia. A França e o restringir os direitos das pessoas para poder Reino Unido foram pioneiros nesses garantir a segurança. O resultado tem sido controles, em alguns casos chegando à uma redefinição perigosa dos limites entre os prisão domiciliar. Eles eram impostos com poderes do estado e os direitos dos base em arquivos secretos de segurança, indivíduos. fazendo com que os afetados não pudessem Um dos acontecimentos mais alarmantes contestar as medidas com eficácia, o que foi o esforço dos estados para facilitar o prejudicou suas vidas e famílias. decreto e a prorrogação de um “estado de Centenas de pessoas foram processadas emergência”. A Hungria liderou o caminho criminalmente, em violação ao direito à com a adoção de uma legislação que prevê a liberdade de expressão, por crimes como

44 Anistia Internacional Informe 2016/17 desculpar pelo apologia ou elogio ao Além do Reino Unido, Áustria, Suíça, terrorismo, em especial na França, muitas Bélgica, Alemanha, Rússia e Polônia também vezes por comentários postados em redes adotaram novas leis relacionadas à vigilância sociais, e com menos frequência na durante o ano, todas introduzindo, com Espanha. Foi proposta uma Diretiva da UE pequenas variações, poderes amplos para para o Combate ao Terrorismo, que ainda coletar e armazenar dados eletrônicos e não tinha sido adotada no final do ano, e que conduzir atividades de vigilância direcionada levaria à proliferação desse tipo de lei. Uma sobre grupos que se encaixam em definições proposta para proibir a vaga “apologia ao vagas ou indivíduos suspeitos com pouca ou terrorismo” foi feita na Alemanha, enquanto nenhuma supervisão judicial ou de outra projetos de lei estabelecendo crimes natureza. No fim do ano, os Países Baixos e parecidos foram levados ao Parlamento da a Finlândia tinham propostas de lei Bélgica e dos Países Baixos. pendentes. Em toda a Europa, os estados aprimoraram seus poderes de vigilância DISCRIMINAÇÃO significativamente, desafiando as decisões do Em toda a Europa, muçulmanos e migrantes Tribunal de Justiça da União Europeia e do tiveram que enfrentar o racismo e Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de discriminação por parte da polícia, em que a vigilância secreta e a interceptação e operações com poderes de combate ao retenção de dados de comunicação violariam terrorismo e operações regulares de o direito à privacidade, a menos que fiscalização, incluindo verificações de houvesse uma suspeita razoável de atividade identidade. criminosa séria e na medida estritamente As iniciativas de combate ao extremismo necessária para contribuir de modo eficaz violento, que muitas vezes incluíam a com o combate a essa atividade. Os dois obrigação de denunciar instituições públicas, tribunais afirmaram repetidas vezes que a correram o risco de alienar as comunidades legislação nacional sobre vigilância deveria muçulmanas e reduzir a liberdade de dar garantias suficientes contra o uso expressão. A Bulgária e o Parlamento suíço indevido, incluindo autorização prévia por um adotaram uma legislação que proíbe o uso de juiz ou outra autoridade independente. O véus que cubram o rosto todo em público. Os Reino Unido introduziu talvez os poderes de projetos de lei que proíbem o véu sobre o vigilância mais amplos e direcionados, com a rosto ainda estava pendentes no Parlamento adoção da Lei de Poderes Investigativos em holandês no fim do ano, e uma proposta novembro. Chamada também de “snooper’s similar foi feita na Alemanha. Na França, charter” (“autorização para intrometidos”), diversas cidades litorâneas tentaram proibir o permitiu uma ampla gama de práticas de “burquini” na praia. As disposições interceptação e de retenção de dados, com discriminatórias foram derrubadas pelo definições vagas, e impôs novas exigências Conselho de Estado, mas uma série de sobre empresas privadas para que cidades manteve a postura, mesmo assim. armazenassem dados de comunicações. Diversos países da Europa viram um Todos os poderes previstos pela nova lei, aumento no número de crimes de ódio tanto direcionados quanto em massa, direcionados a solicitantes de refúgio, poderiam ser autorizados por um ministro do muçulmanos e estrangeiros. Na Alemanha, governo após análise, na maioria mas não houve um aumento acentuado nos ataques a em todos os casos, por um órgão quase- abrigos para solicitantes de refúgio, e no judicial composto por membros nomeados Reino Unido os crimes de ódio aumentaram pelo primeiro-ministro. Em dezembro, o em 14% nos três meses após o referendo Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a saída do país da UE (Brexit) em decidiu que a legislação sobre vigilância do junho, em comparação com o mesmo Reino Unido viola o direito à privacidade. período no ano anterior.

Anistia Internacional Informe 2016/17 45 Os ciganos continuaram a enfrentar a constitucionais de casamento e família para discriminação difundida em toda a Europa no excluir claramente os casais do mesmo sexo acesso a moradia, educação, saúde e foram barradas pelo presidente da Geórgia, empregos. Também continuaram vulneráveis mas o Tribunal Constitucional da Romênia a despejos forçados na Europa Central, na permitiu que chegassem ao Parlamento. França e na Itália. Houve uma tendência Uma proposta para fazer uma emenda à crescente entre os juízes de decidirem em Constituição da Lituânia para esse efeito foi favor das comunidades despejadas, mas aprovada na primeira das duas votações suas decisões raramente levaram a melhorias exigidas no Parlamento em junho, poucos para os residentes afetados. Houve dias depois de três mil pessoas participarem acontecimentos positivos na República da “Marcha pela Igualdade” para celebrar o Tcheca. Sob o impulso dos procedimentos de Orgulho Báltico em 2016, na capital Vilnius. infração da UE, entrou em vigor uma série de O progresso em relação aos direitos das reformas para reduzir a representação mulheres também foi irregular. A violência excessiva dos ciganos nas escolas especiais, contra as mulheres continuou universal, no começo do ano escolar em setembro. apesar das proteções legais cada vez mais Houve progresso, embora desigual, nos fortes. A Bulgária, República Tcheca e direitos LGBTI. A França adotou uma nova lei Letônia assinaram a Convenção do Conselho que descarta as exigências médicas para o da Europa sobre a prevenção e combate à reconhecimento legal de gênero. A Noruega violência contra mulheres (Convenção de garantiu o direito com base na Istambul). Ela foi ratificada na Romênia e na autoidentificação. Medidas similares estavam Bélgica. Num retrocesso acentuado, no em andamento na Grécia e Dinamarca. Uma entanto, o governo polonês anunciou sua série de países tomou medidas favoráveis ao intenção de se retirar da Convenção, apenas casamento entre pessoas do mesmo sexo e um ano após sua ratificação, e apesar de adoções com dupla paternidade. A Itália e a haver, segundo as estimativas, até um milhão Eslovênia adotaram leis reconhecendo uniões de mulheres vítimas por ano no país. O estáveis para casais do mesmo sexo. Uma partido governante também restringiu os Parada de Orgulho LGBTI em 12 de junho direitos sexuais e reprodutivos. Após uma em Kiev, capital da Ucrânia, com apoio das greve geral das mulheres em 3 de outubro, o autoridades e forte proteção da polícia, Parlamento polonês rejeitou um projeto de lei aconteceu sem incidentes. Com cerca de que propunha a proibição quase total do dois mil participantes, foi o maior evento do aborto e a criminalização de mulheres e tipo no país. meninas que fizessem um aborto e de quem Na outra extremidade do espectro, atos quer que as ajudasse ou encorajasse a fazer sexuais entre pessoas do mesmo sexo um aborto. Na Irlanda, pedidos para revisar continuaram sendo considerados crimes no uma lei bastante restritiva sobre o aborto Uzbequistão e Turcomenistão. No ganharam força com o pedido do Comitê Quirguistão, um projeto de lei para sobre Direitos das Crianças para que o país criminalizar “o incentivo a uma atitude descriminalizasse a prática. O aborto positiva” a respeito de “relações sexuais não continua sendo crime, em qualquer tradicionais” foi descartado antes da votação circunstância, em Malta. final, mas uma emenda constitucional proibindo o casamento entre pessoas do LIBERDADES DE EXPRESSÃO, mesmo sexo foi aprovada num referendo, em ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO dezembro. Também houve uma reação PACÍFICA contrária dos grupos conservadores, cada A repressão dos dissidentes, opiniões críticas vez mais organizados e até, em alguns casos, e opositores políticos continuou a norma na com apoio do governo. Propostas de ex-União Soviética. Continuou referendos para alterar as definições particularmente acentuada, embora não

46 Anistia Internacional Informe 2016/17 tenha piorado em relação aos anos exigindo que os usuários de internet anteriores, no Uzbequistão, Turcomenistão e instalassem um “certificado de segurança Bielorrússia. Houve uma deterioração notável nacional”, que permitiria às autoridades no Tadjiquistão e Cazaquistão, enquanto a examinar as comunicações e bloquear o Rússia e o Azerbaijão viram o acesso a conteúdo que as autoridades aprofundamento de uma tendência de queda julgassem ilegais. prolongada. A imprensa pró-Rússia foi ainda No Tadjiquistão, a repressão foi mais atacada na Ucrânia, enquanto as vozes significativa após a perseguição à oposição tártaras e a favor da Ucrânia foram proibida pelo Partido do Renascimento rigorosamente reprimidas na Crimeia e na Islâmico. Catorze dos seus principais líderes Rússia. A liberdade de expressão também foram condenados a cumprir longas penas sofreu uma repressão agressiva na Turquia, por terrorismo, em julgamentos secretos. Em como resultado da tentativa de golpe agosto, o governo publicou um decreto válido fracassada. Os Bálcãs continuaram a ser um por cinco anos, segundo o qual passaria a ter lugar perigoso para jornalistas investigativos. direito de “regular e controlar” o conteúdo de Dezenas deles enfrentaram processos todas as redes de rádio e televisão através do criminais e espancamentos por expor Comitê de Transmissão Estatal. Defensores e abusos, enquanto a UE, Polônia, Hungria e defensoras dos direitos humanos ficaram sob Croácia amordaçaram emissoras públicas. vigilância estrita, enquanto os meios de A Rússia continuou a estreitar o nó das comunicação e jornalistas independentes ONGs, usando campanhas midiáticas enfrentaram intimidação e ameaças da difamatórias e a “Lei dos Agentes polícia e agentes de segurança. As Estrangeiros” (Foreign Agents Law) para autoridades continuaram a exigir que os atingir os mais críticos. Dezenas de ONGs provedores de internet bloqueassem o independentes que receberam financiamento acesso a certos sites de notícias e redes do exterior foram adicionadas à lista de sociais, enquanto um novo decreto exigiu “agentes estrangeiros”, elevando o total a que os provedores de internet e operadoras 146, dos quais 35 tinham sido de telecomunicações canalizassem seus permanentemente fechadas. Os serviços por meio de um único centro de procuradores também abriram o primeiro comunicações novo, sob controle da estatal caso criminal de “evasão sistemática de TajikTelecomp. deveres impostos pela lei” contra Valentina O Azerbaijão continuou a reprimir ativistas Cherevatenko, fundadora e presidente da da oposição, ONGs de direitos humanos e União das Mulheres de Don. A liberdade de imprensa independente. Doze prisioneiros de reunião pacífica também continuou a ser consciência foram liberados, mas catorze estritamente controlada. continuaram presos até o fim do ano. Entre O Cazaquistão também usou disposições eles, Ilgar Mammadov, cuja sentença foi do código penal para atingir líderes de ONGs mantida em novembro apesar da decisão do pela primeira vez. Dezenas de Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que “organizadores” e centenas de participantes exigia a sua libertação. A Anistia de protestos contra o novo código de terras, Internacional foi proibida de entrar no país, o em abril e maio, foram detidos. Houve um que alinha o Azerbaijão com o Uzbequistão e aumento nos processos por publicações em o Turcomenistão. Protestos públicos redes sociais, violando o direito à liberdade continuaram bastante restritos. Os poucos de expressão, ao mesmo tempo em que que aconteceram foram dispersados pela vários jornalistas conhecidos eram polícia com excesso de força e os ativistas condenados por “disseminar políticos foram presos por organizá-los. intencionalmente informações falsas” e A imprensa na Ucrânia continuou, em apropriação indébita. Em janeiro, alterações geral, livre, mas uma série de meios de na Lei de Comunicações entraram em vigor, comunicação percebidos como apoiadores

Anistia Internacional Informe 2016/17 47 de pontos de vista pró-Rússia ou pró- relatados após a tentativa fracassada de separatistas e os críticos mais voltados às golpe na Turquia. Com milhares de pessoas autoridades foram hostilizados. Jornalistas em centros de detenção policial oficiais e não independentes não conseguiram trabalhar na oficiais, relatos de espancamentos graves, Crimeia, onde as autoridades russas agressões sexuais, ameaças de estupro e continuavam a restringir com rigor os direitos estupros foram negados pelas autoridades à liberdade de expressão, associação e turcas de forma consistente e inadmissível. reunião pacífica. Os Tártaros da Crimeia foram particularmente reprimidos. PENA DE MORTE O respeito à liberdade de expressão se Perto do final do ano, o presidente da deteriorou com rapidez na Turquia, ainda Turquia, Recip Tayyip Erdoğan prometeu mais depois da declaração do estado de levar a reintrodução da pena de morte ao emergência, após a tentativa fracassada de Parlamento, desafiando a condenação ampla golpe em julho. 118 jornalistas continuaram e internacional e das obrigações da Turquia detidos, aguardando julgamento, e 184 na qualidade de estado membro do Conselho meios de comunicação foram fechados de da Europa. A Bielorrússia, último país da modo arbitrário e permanente por decretos Europa a praticar execuções, executou de lei. A censura na internet aumentou e 375 quatro pessoas durante o ano, apesar de o ONGs, como grupos de direitos das governo fazer, não pela primeira vez, um mulheres, associações de advogados e certo barulho sobre a abolição iminente. No organizações humanitárias foram fechadas Cazaquistão, um homem foi condenado à por decreto de lei em novembro. morte por terrorismo. IMPUNIDADE E PRESTAÇÃO DE CONTAS CONFLITO ARMADO E VIOLÊNCIA A tortura e outros maus-tratos eram prática Em novembro, o Tribunal Penal comum em toda a ex-União Soviética; Internacional, em seu exame preliminar do melhorias que só apareciam na lei conflito no leste da Ucrânia, concluiu que ele continuaram a ser feitas em alguns países, tinha se elevado a um conflito armado mas a impunidade era a regra. A perspectiva internacional. Os confrontos esporádicos de prestação de contas pelos abusos em continuaram, mas a situação geral continuou larga escala cometidos por policiais durante um impasse político e militar. As autoridades os protestos Euromaydan entre 2013 e 2014, apoiadas pela Rússia em Donbas detinham os protestos no parque Gezi em 2013 e os autonomia quase total. No final do ano, a confrontos étnicos no sul do Quirguistão em Missão de Monitoramento de Direitos 2010 diminuiu na Ucrânia, continuou remota Humanos da ONU estimou que o número de na Turquia e decaiu até sumir no Quirguistão. fatalidades chegou a quase dez mil, dos Na UE, a perspectiva de responsabilização quais pelo menos dois mil eram civis. As por cumplicidade no programa de rendição autoridades ucranianas e forças separatistas liderado pelos EUA continuou distante, se envolveram na detenção ilegal de civis apesar dos procedimentos em andamento no suspeitos de simpatizar com o outro lado, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Até para serem usados em “trocas de o final do ano, nenhuma pessoa sequer tinha prisioneiros”. Todos os que se sabia terem sido responsabilizada criminalmente pelo sido presos pelas forças ucranianas tinham envolvimento na detenção ilegal e tortura e sido libertados até o final do ano. outros maus-tratos de suspeitos de Um confronto foi iniciado entre o terrorismo na Polônia, Lituânia ou Romênia. Azerbaijão e a Armênia em Nagorno- Depois do progresso notável na Karabakh, região apoiada pela Armênia, em erradicação da tortura em centros de abril. As lutas duraram quatro dias, e detenção na última década, houve um resultaram numa pequena quantidade de aumento alarmante no número de casos fatalidades entre os civis, recriminação

48 Anistia Internacional Informe 2016/17 mútua e um pequeno ganho territorial para o Azerbaijão. As autoridades turcas continuaram a conduzir operações militarizadas nas diversas áreas urbanas no sul da Turquia, em resposta às trincheiras cavadas e barricadas erguidas pelos grupos afiliados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) no fim de 2015. Essas operações praticamente terminaram em junho, quando toques de recolher permanentes e o excesso de força, inclusive de armamento pesado, tinha resultado em centenas de mortes de civis, destruição em larga escala de áreas residenciais e o deslocamento forçado de até meio milhão de pessoas. Os confrontos entre o PKK e as forças turcas fora de áreas urbanas e os ataques esporádicos a edifícios do governo estavam em curso no final do ano, sem nenhum sinal de retorno às negociações de paz abandonadas em 2015. A perspectiva de novas negociações foi enfraquecida pela rigorosa repressão da imprensa curda, oposição política e da sociedade civil, até mesmo pelo uso de poderes de emergência adotados após o fracasso do golpe em julho.

Anistia Internacional Informe 2016/17 49 deslocamento de mais de 11 milhões, entre PANORAMA as quais 6,6 milhões continuavam deslocadas internamente e 4,8 milhões REGIONAL: tinham fugido para outros países em busca de refúgio. Todas as forças envolvidas no ORIENTE MÉDIO E conflito continuaram a cometer crimes de guerra e outras violações do direito NORTE DA ÁFRICA humanitário internacional, num flagrante desprezo pela obrigação de todas as partes Em 2016, milhões de pessoas em todo o em relação à proteção dos civis. Oriente Médio e Norte da África viram suas As forças do governo sírio realizaram vidas serem invadidas por tumultos, ataques indiscriminados repetidas vezes, tormentas e tragédias, suas casas e meios de jogando bombas e outros explosivos e sobrevivência serem destruídos pela atirando bombas de artilharia imprecisas em repressão estatal implacável e por conflitos áreas residenciais civis controladas pelos armados marcados por crimes e abusos, de combatentes da oposição. Também todos os lados. Crises políticas e de direitos continuaram a sitiar essas áreas, causando humanos estavam tão intensas que dezenas ainda mais mortes de civis pela falta de de milhares arriscaram suas vidas em alimentos e remédios adequados. As forças tentativas perigosas de cruzar o Mar do governo também realizaram ataques Mediterrâneo, em vez de continuar na região. diretos contra civis e alvos civis, Na Síria, mais de cinco anos de lutas bombardeando hospitais e outros centros resultaram na maior crise humanitária médicos e, em pelo menos uma ocasião, causada pelo homem dos nossos tempos. Os aparentemente atacando um comboio de conflitos armados no Iraque, Líbia e Iêmen ajuda humanitária da ONU. As forças russas também tiveram graves consequências para aliadas ao governo sírio continuaram a os civis. O conflito armado e a repressão realizar ataques aéreos em áreas controladas exacerbaram falhas antigas e aumentaram a pela oposição, causando milhares de mortes polarização política e religiosa, diminuindo e ferimentos de civis e destruindo casas e ainda mais o respeito pelos direitos infraestruturas civis. Com a chegada do fim humanos. do ano, o conflito parecia ter chegado a uma fase decisiva, depois que o governo e as CONFLITO ARMADO forças aliadas arrancaram o controle sobre a As consequências humanas de mais de cidade de Aleppo das forças da oposição. Em cinco anos de conflitos na Síria são dezembro, um acordo de cessar-fogo entre o incalculáveis. Não havia fórmula clara ou governo e algumas forças da oposição, evidente que desse conta de calcular a alcançado graças ao auxílio da Rússia e da escala e as dimensões verdadeiras do Turquia, parecia abrir o caminho para novas sofrimento causado à população da Síria: as negociações de paz e o Conselho de mortes e os ferimentos, a devastação e o Segurança da ONU reiterou com deslocamento de famílias e meios de unanimidade seu pedido para que todas as subsistência, a destruição de casas, partes do conflito permitam a entrega propriedades, lugares históricos e ícones “rápida, segura e sem entraves” da ajuda culturais e religiosos. Só as estatísticas brutas humanitária em todo o país. sobre o número de mortos e desalojados, Em áreas que o governo sírio controlava ou junto com as imagens de destruição em recapturou, as forças de segurança cidades como Aleppo, dão uma ideia da continuaram a suprimir toda a oposição, enormidade e intensidade da crise. No fim detendo milhares de pessoas, muitas do ano, o conflito havia causado a morte de submetidas a desaparecimento forçado, mais de 300 mil pessoas e forçado o negando às suas famílias qualquer

50 Anistia Internacional Informe 2016/17 informação sobre seu paradeiro, suas civis, como escolas e mercados. Bombas condições ou seu destino. A tortura e maus- aéreas atingiram os hospitais diversas vezes. tratos a prisioneiros continuou sendo prática Alguns ataques da coalizão podem ser comum, o que resultou em muitas mortes. considerados crimes de guerra. A ONU Grupos armados que lutavam contra o relatou que mais de dois milhões de crianças governo sírio e entre si mesmos também no Iêmen sofriam de desnutrição aguda, e cometeram crimes de guerra e outras 18,8 milhões de pessoas precisavam de violações graves do direito internacional. O assistência humanitária ou proteção no final grupo armado que se autointitulou Estado do ano. Islâmico (EI) realizou ataques diretos contra Enquanto isso, centenas de milhares de civis em áreas controladas pelo governo da civis continuaram no meio do conflito armado capital, Damasco, usando homens-bomba, e no Iraque. As forças do governo iraquiano, a armaram ataques usando agentes químicos maior parte composta de milícias suspeitos, conduziram sítios e cometeram paramilitares xiitas e combatentes tribais assassinatos ilegais nas áreas que controlava. sunitas, e as forças do Governo Regional Outro grupos armados bombardearam Curdo, apoiadas por ataques aéreos e outras indiscriminadamente áreas controladas pelo capacidades militares da coalizão governo sírio ou forças curdas, matando e internacional liderada pelos EUA, ferindo civis. recapturaram Fallujah e outras cidades antes O Iêmen, país mais pobre do Oriente controladas pelo EI. No final do ano, as Médio, continuou imerso no conflito armado partes estavam envolvidas numa ofensiva entre uma série de forças militares iemenitas com o objetivo de expulsar as forças do EI de e estrangeiras, que continuaram Mosul, a segunda maior cidade do Iraque. Os demonstrando desprezo pelas vidas dos dois lados cometeram atrocidades. As forças civis, realizando ataques indiscriminados do governo e milícias paramilitares aliadas com bombas, artilharia e outras armas cometeram crimes de guerra e outras imprecisas, e atacando civis e estruturas civis violações do direito humanitário internacional diretamente, ou colocando civis em risco ao e dos direitos humanos, principalmente disparar armas de áreas residenciais. contra membros da comunidade árabe O grupo armado huti e as unidades do sunita. Entre esses crimes estavam exército aliado leais ao ex-presidente do execuções extrajudiciais e assassinatos Iêmen bombardearam ilegais, tortura e destruição deliberada de indiscriminadamente a cidade de Ta’iz, casas civis. Essas forças sujeitaram centenas matando e ferindo civis, e impediram a de homens e meninos ao desaparecimento entrada de alimentos e suprimentos médicos forçado, sem tomar medida alguma para vitais, causando uma emergência esclarecer o que aconteceu com eles ou o humanitária. Os hutis também se envolveram paradeiro dos milhares que continuavam em bombardeio indiscriminado que desaparecidos depois de serem capturados cruzaram a fronteira com áreas civis da pelas forças do governo e milícias aliadas em Arábia Saudita. Enquanto isso, a coalizão anos anteriores. militar liderada pela Arábia Saudita das Em áreas sob seu controle, o Estado forças do estado árabe se dedicou a Islâmico continuou a executar moradores restaurar o governo reconhecido que se opusessem a eles ou que fossem internacionalmente do Iêmen, conduzindo suspeitos de colaborar com as forças do uma campanha de ataques aéreos em áreas governo. Os combatentes do EI puniram controladas ou contestadas pelos hutis e pessoas que acusaram de não cumprir seu seus aliados, matando e ferindo milhares de código de vestimenta e comportamento, civis. Muitos dos ataques foram realizaram raptos, usaram de tortura e indiscriminados ou desproporcionais. Outros, açoitamento, além de outras punições cruéis, pareciam ter como alvo direto civis e alvos submeteram mulheres e meninas yazidi à

Anistia Internacional Informe 2016/17 51 violência sexual, com escravidão, e ilegais em Trípoli, Benghazi e em outros doutrinaram e recrutaram meninos, entre lugares. eles os reféns yazidi, e os usaram nas lutas. Anos de conflito sangrento na Líbia, como Com o avanço das forças do governo, as em outros países envolvidos em conflitos forças do EI impediram os civis de fugirem armados, tiveram um impacto devastador das áreas de conflito, usando-os como sobre os direitos econômicos, sociais e escudos humanos e atirando em quem culturais, uma vez que o acesso a alimentos, tentasse fugir, punindo também suas eletricidade, cuidados médicos, educação e famílias. Em outras áreas, como na capital, outros serviços foi drasticamente reduzido. Bagdá, o EI realizou atentados suicidas e outros ataques mortais indiscriminados ou ENVOLVIMENTO INTERNACIONAL direcionados aos civis em mercados lotados, Os conflitos armados na Síria, Iêmen, Iraque templos religiosos xiita e outros espaços e Líbia foram todos exacerbados, em alguma públicos, matando e ferindo centenas. medida, pelo envolvimento de outros países. A Líbia continuou dividida pelo conflito Cidadãos europeus e de outros lugares armado, cinco anos depois da queda do ex- viajaram para a região para lutar pelo EI; líder, o Coronel Mu’ammar al-Gaddafi. O forças armadas da Rússia, EUA, Turquia, Conselho Presidencial do Governo do Acordo Arábia Saudita e de outros países da região e Nacional (GAN), que emergiu das de outros locais deixaram sua marca de negociações com o apoio da ONU, não morte. consolidou seu poder no território. Sua Na Síria, forças do governo recapturaram legitimidade continuou sendo contestada um território significativo dos grupos armados pelo Parlamento reconhecido da Líbia e pelas da oposição em 2016, ajudadas pelos forças que apoiavam governos anteriores e combatentes da milícia xiita do Líbano, rivais, com sede em Trípoli, por um lado, e Iraque e Irã, além do bombardeio intensivo Tobruk e al-Bayda, do outro. O EI perdeu o russo, que matou e feriu milhares de civis em controle sobre a cidade de Sirte para forças áreas controladas pela oposição. Uma pró-GNA depois de meses de lutas, que coalizão militar liderada pelos EUA também causaram mais uma onda de deslocamento. realizou ataques aéreos contra o EI e outros O conflito continuou sendo marcado, de grupos armados na Síria e no Iraque. Forças todos os lados, por infrações graves do direito dos EUA realizaram ataques na Líbia e no humanitário internacional, como crimes de Iêmen. A coalizão militar liderada pela Arábia guerra. Várias forças atacaram hospitais e Saudita no Iêmen usou munições de realizaram ataques aéreos e de artilharia fragmentação proibidas internacionalmente, indiscriminados, matando e ferindo civis. Em além de outras armas obtidas dos EUA, junho, a Organização Mundial da Saúde Reino Unido e outros países, em ataques informou que 60% dos hospitais públicos em indiscriminados em áreas controladas pelos áreas de conflito tinham parado de funcionar hutis e seus aliados, nas quais civis foram ou estavam inacessíveis. mortos. Grupos armados e milícias na Líbia Enquanto isso, o Conselho de Segurança também realizaram raptos, mantendo as da ONU, bastante prejudicado pelas divisões vítimas reféns para troca por prisioneiros ou entre os estados-membros permanentes, resgate, e detiveram civis por conta de suas continuou sem fazer seu trabalho de lidar origens, opiniões ou supostas afiliações com as ameaças à paz e segurança políticas ou tribais. As forças do EI mataram internacionais e proteger os civis. Houve sumariamente os combatentes da oposição e pouco ou nenhum progresso no que se civis em áreas controladas ou contestadas refere às iniciativas da ONU para promover por eles. Outras forças, inclusive as afiliadas as negociações de paz. Os órgãos da ONU ao GNA, também cometeram assassinatos lutavam para atender as necessidades humanitárias que os conflitos geraram para

52 Anistia Internacional Informe 2016/17 dezenas de milhares de civis forçados a viver amplas, como “rompimento da fidelidade sitiados, e dos milhões de pessoas pelo governante”. Na Jordânia, um homem deslocadas internamente ou buscando a armado matou um cartunista, acusado pelas segurança como refugiados. autoridades de publicar uma imagem que consideravam “ofensiva” ao Islã. Algum LIBERDADES DE EXPRESSÃO, tempo depois, o homem foi acusado de ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO assassinato. Em toda a região, autoridades estatais O direito à liberdade de associação foi restringiram indevidamente e impediram o amplamente cerceado na região. Estados exercício dos direitos à liberdade de como Irã, Kuwait, Catar e Arábia Saudita não expressão, associação e manifestação permitiram partidos políticos independentes. pacífica. A maioria dos governos manteve e Grupos de direitos humanos, como os que aplicou leis que criminalizam o discurso, defendem os direitos das mulheres, foram escrita ou outra forma de expressão pacífica, perseguidos pelas autoridades em diversos inclusive em redes sociais, que eles países. No Egito, as autoridades ordenaram o considerem críticos, ofensivos ou insultuosos fechamento de um centro reconhecido por em relação às autoridades públicas, símbolos tratar sobreviventes de tortura e vítimas de ou religião, ou que divulguem informações violência política, o congelamento dos bens que os governos gostariam de reter. No de outros grupos de direitos humanos e Bahrein, as autoridades processaram e publicaram uma nova lei, que impossibilita a prenderam defensores dos direitos humanos continuação das operações das ONGs por acusações que incluíam “incitação do independentes. Na Argélia, o governo buscou ódio contra o regime” e por criticar os enfraquecer os grupos de direitos humanos bombardeios sauditas no Iêmen, além de locais, inclusive a Anistia Internacional impedirem que meios de comunicação Argélia, impedindo que se registrassem empregassem jornalistas que, segundo essas legalmente. Autoridades marroquinas, do autoridades, já tivessem “insultado” o mesmo modo, continuaram a bloquear o Bahrein ou outros estados do Golfo. registro legal de diversos grupos de direitos No Irã, as autoridades processaram e humanos. No Bahrein, as autoridades prenderam dezenas de críticos pacíficos, sob suspenderam a principal associação de acusações vagas e falsas relacionadas à oposição em junho, depois de prender seu segurança nacional. Entre os alvos, estavam líder em 2014, e apreenderam seus bens. defensores dos direitos humanos, jornalistas, Em julho, conseguiram a ordem judicial para advogados, sindicalistas, produtores de sua dissolução. No Irã, a Associação Iraniana filmes, ativistas dos direitos das mulheres, de Jornalistas pediu, sem sucesso, ao ativistas dos direitos de minorias religiosas e presidente que honrasse sua promessa, na étnicas e ativistas contra a pena de morte. eleição de 2013, de encerrar sua suspensão. No Kuwait, uma nova lei sobre crimes As autoridades se recusaram a renovar a cibernéticos penalizou a crítica pacífica on- licença da Associação Comercial Iraniana de line do governo e do judiciário com até dez Professores e prendeu alguns de seus anos de prisão. Outra lei impediu que membros por uma suposta “associação a um qualquer pessoa condenada por insultar o grupo ilegal”. Os Guardas Revolucionários Emir, Deus ou os profetas pudesse se Iranianos também hostilizaram os defensores candidatar ao parlamento. Críticos do dos direitos humanos das mulheres. governo e jornalistas também foram presos Na Argélia, as autoridades mantiveram a em Omã, onde as autoridades fecharam um proibição de quinze anos a todas as jornal que tinha publicado relatos de suposta manifestações na capital, Argel, dispersaram corrupção oficial, e na Arábia Saudita, onde outros protestos à força e prenderam os tribunais decidiram por penas de prisão manifestantes pacíficos. No Bahrein, o bastante longas por acusações demasiado governo continuou a proibir todas as

Anistia Internacional Informe 2016/17 53 manifestações na capital, Manama, e as detentos e seus entes queridos. Houve novos forças de segurança usaram do excesso de relatos de tortura na Tunísia, embora um força para dispersar protestos em vilarejos novo Código de Procedimentos Criminais predominantemente xiitas. tenha melhorado as salvaguardas dos Grupos armados também restringiram as detentos (que não sejam suspeitos de liberdades de expressão e associação em terrorismo) e um órgão nacional de áreas que controlavam, como o Iraque, Líbia, prevenção, criado em 2013, aos poucos Síria e Iêmen. No Iraque, os “tribunais” começou a tomar forma. autoproclamados do EI ordenaram o Graças à contínua falta de independência apedrejamento por adultério e açoitamento e jurídica, junto com a “cultura da confissão” outros castigos físicos contra habitantes por que permeou tantos sistemas judiciários fumar, não seguir o código de vestimenta e nacionais, os tribunais muitas vezes atuavam outras regras impostas pelo Estado Islâmico. como meras ferramentas de repressão do Na Líbia, grupos armados hostilizaram, governo, e não como árbitros independentes raptaram, torturaram e mataram defensores da justiça que mantêm padrões dos direitos humanos e jornalistas. internacionais de julgamento justo. Tribunais no Egito, Irã, Iraque, Arábia Saudita, Síria e SISTEMA JUDICIÁRIO EAU deixaram de realizar julgamentos justos As forças de segurança em toda a região diversas vezes, em especial em casos em prenderam e detiveram arbitrariamente que os réus enfrentavam acusações críticos e oponentes do governo, reais ou relacionadas à segurança nacional ou ao suspeitos, com frequência tendo como apoio terrorismo, inclusive em casos de penas de leis vagas e amplas. Na Síria, muitos detidos morte. No Bahrein, as autoridades usaram os foram submetidos ao desaparecimento tribunais para obter mandados que revogam forçado, depois de serem capturados por a nacionalidade de um clérigo religioso crítico forças do governo. No Egito e nos Emirados e de dezenas de réus condenados por Árabes Unidos (EAU), os detidos, com terrorismo, levando à expulsão de alguns e frequência, eram submetidos a fazendo com que muitos se tornassem desaparecimento forçado, desligados do apátridas. mundo exterior, privados de proteção jurídica Os tribunais na Arábia Saudita e torturados para forçar “confissões” usadas continuaram a impor punições cruéis como pelos tribunais para condená-los no açoitamentos com centenas de chibatadas. julgamento. A detenção sem julgamento foi Os tribunais do Irã condenaram os réus ao amplamente usada: as autoridades açoitamento, amputação dos dedos das israelenses detiveram centenas de palestinos mãos e dos pés e perda da visão. sob ordens de detenção administrativa renováveis indefinidamente, e as autoridades PESSOAS REFUGIADAS, DESLOCADAS jordanianas continuaram a deter milhares de INTERNAMENTE E MIGRANTES pessoas com base numa lei de 1954, que Em toda a região, milhões de pessoas permite a detenção sem acusação ou estavam tentando fugir dos conflitos armados julgamento por até um ano. e de outros tipos de violência, repressão A tortura e outros maus-tratos de detentos política ou degradação econômica. Entre continuaram sendo prática comum, em essas pessoas, estavam refugiados e especial no Bahrein, Egito, Irã, Iraque, Israel solicitantes de refúgio, pessoas deslocadas e Territórios Palestinos, Líbia, Arábia Saudita, em seus próprios países e migrantes da Síria e EAU. Entre os métodos de tortura região e de fora dela. Havia muitas crianças, mais comuns, eram usados o espancamento, algumas desacompanhadas e especialmente choques elétricos, privação de sono, vulneráveis ao tráfico humano e sexual, além posições de estresse, suspensão prolongada de outras formas de exploração e abuso. pelos pulsos ou tornozelos e ameaças contra

54 Anistia Internacional Informe 2016/17 Os conflitos armados na Síria e em outros violência sexual por traficantes e locais continuaram a ter um impacto grave contrabandistas de pessoas. Esses e outros em outros estados da região e além dela. O fatores de “desincentivo” levaram dezenas Líbano recebeu mais de um milhão de de milhares a buscarem refúgio em outros refugiados e a Jordânia, mais de 650 mil, de lugares, com frequência pagando a acordo com o ACNUR, a agência para contrabandistas de pessoas para arriscar refugiados da ONU. Esses países que suas vidas em embarcações frágeis e receberam mais refugiados tiveram superlotadas que partiam do litoral da dificuldade para atender as necessidades Turquia e da Líbia, entre outros, no que era, adicionais, sejam econômicas, sociais ou de muitas vezes, uma tentativa vã de cruzar o outros tipos, que a chegada de tantas Mar Mediterrâneo. Milhares chegaram à pessoas apresenta, em meio à ajuda Europa, onde um futuro incerto os esperava. humanitária internacional deficiente e a Outros milhares, inclusive crianças, se provisão de reassentamento de refugiados afogaram. profundamente inadequada em países Em outros lugares da região, trabalhadores europeus e de outros lugares. Esses países migrantes, muitos vindos da Ásia, que mais acolheram refugiados impuseram continuaram a passar por exploração e controles de fronteira rígidos, para impedir abusos. No Kuwait, Catar e EAU, onde os novas chegadas, fazendo com que milhares trabalhadores migrantes formaram a maioria de pessoas que tentavam fugir dos conflitos da população e o seu trabalho sustentou as enfrentassem condições precárias no lado economias locais, as políticas de patrocínio sírio da fronteira. As autoridades libanesas restritivas continuaram a prender os devolveram à força alguns solicitantes de empregados aos empregadores, aumentando refúgio à Síria. As autoridades turcas, por sua a vulnerabilidade dos trabalhadores vez, realizaram devoluções forçadas em migrantes. Na Arábia Saudita, muitos massa e devoluções sumárias ilegais de migrantes ficaram desamparados depois que pessoas que buscavam refúgio. Apesar das o governo cortou gastos com construção e expressões internacionais de preocupação, outros projetos. Os trabalhadores domésticos países do Conselho de Cooperação do Golfo migrantes, em sua maioria mulheres, aceitaram refugiados dos conflitos armados continuaram especialmente vulneráveis ao da região. Alguns deram apoio financeiro abuso pelos empregadores — inclusive para a ajuda humanitária internacional. abusos sexuais e físicos, psicológicos e Nos países que os acolheram, os trabalho forçado — devido ao fato de as refugiados e solicitantes de refúgio muitas autoridades governamentais não estenderem vezes viviam em condições inseguras e de as salvaguardas básicas da legislação pobreza, não tinham permissão para trabalhista ao setor de empregos domésticos. trabalhar e eram presos por não ter Na Jordânia, cerca de 80 mil mulheres documentos válidos. Na Líbia, cidadãos migrantes empregadas como trabalhadoras estrangeiros que entravam ou continuavam domésticas foram excluídas da proteção das no país de forma irregular, inclusive leis trabalhistas, correndo, portanto, o risco solicitantes de refúgio e refugiados, bem de serem vítimas de violência e exploração, como migrantes, em sua maioria da África de acordo com um grupo local de direitos subsaariana, enfrentavam uma repressão trabalhistas. severa. Milhares de pessoas foram capturadas nos postos de controle e em DIREITOS DAS MULHERES operações policiais. Ficavam encarceradas Em toda a região, foi negado às mulheres e indefinidamente, em condições abusivas meninas o status de igualdade com os tanto em centros de detenção do governo homens, na lei e na prática. Elas foram quanto das milícias. Outros eram submetidas à violência de gênero, como sequestrados para resgate, exploração e violência sexual e assassinatos perpetrados

Anistia Internacional Informe 2016/17 55 em nome da “honra”. As normas de “tutela” casa e procriadoras ameaçavam reduzir o masculina restringiu a liberdade de acesso das mulheres a cuidados sexuais e circulação das mulheres e o seu acesso à reprodutivos. educação superior e ao mercado de trabalho As condições para mulheres e meninas na Arábia Saudita, onde as autoridades eram especialmente perigosas em áreas de também continuaram a proibir as mulheres conflito armado, onde sofreram com cercos, de dirigirem veículos automotores. bombardeios aéreos e outras formas de As leis relacionadas à família, que ataque tanto de forças do governo quanto da discriminam as mulheres no que diz respeito oposição. Muitas ficaram mais vulneráveis a ao casamento, divórcio, guarda de filhos e abusos como tráfico humano depois da herança, continuaram em vigor. Em muitos morte ou desaparecimento de cônjuges e países, as leis não impediram, e até mesmo parentes homens. Em áreas do Iraque e Síria facilitaram, a violência sexual contra sob seu controle, as forças do EI mulheres —por exemplo, deixando de continuaram a manter milhares de mulheres criminalizar o casamento precoce e forçado e e meninas yazidi reféns, submetendo-as a o estupro marital, permitindo que os violência sexual, escravidão, inclusive sexual, estupradores se livrassem das acusações ao e conversão forçada. casar com a vítima. As autoridades no Bahrein e na Jordânia tomaram medidas, DIREITOS DAS MINORIAS durante o ano, para remover ou reduzir essa Membros de minorias étnicas, religiosas, e disposição para estupradores de seus de outros tipos continuaram a enfrentar códigos penais. Outro acontecimento positivo repressão em diversos países, exacerbada é o aparente avanço de projetos de lei sobre pela polarização política cada vez maior que o combate à violência contra mulheres que tanto alimenta quanto resulta dos conflitos estão para serem aprovados no Marrocos e armados que dominaram a região. Na Arábia Tunísia. Em outros estados, no entanto, as Saudita, as autoridades continuaram a leis continuaram a prever punições menores reprimir a minoria xiita, detendo e para crimes de violência contra mulheres, aprisionando ativistas xiitas e executando um incluindo o assassinato, se os perpetradores clérigo xiita importante. No Irã, as tiverem sido motivados pela “honra da autoridades aprisionaram dezenas de família”. Em outros casos, as mulheres que ativistas pacíficos pertencentes a minorias denunciassem um estupro poderiam ser étnicas, e mantiveram inúmeras restrições processadas criminalmente. Essas leis discriminatórias que negaram aos membros perpetuaram condições que facilitam e de minorias religiosas o acesso igualitário a mascaram os possíveis níveis altos de empregos, educação, cargos políticos e o violência doméstica contra mulheres e exercício de seus direitos econômicos, meninas. sociais e culturais. No Egito, os cristãos Os ativistas dos direitos das mulheres coptas, muçulmanos xiitas e baha’is foram presos e ameaçados pelo Ministério da enfrentaram a discriminação contínua, na lei Inteligência e oficiais da Guarda e na prática. Além disso, uma nova lei Revolucionária do Irã. As autoridades usaram restringiu a construção e reparo de igrejas. a “polícia da moralidade” para aplicar as leis No Kuwait, as autoridades continuaram a do “véu” obrigatórias para mulheres, que, recusar a cidadania a mais de cem mil com regularidade, eram vítimas de residentes Bidunes antigos, que continuaram hostilidades, violência, prisões e detenções apátridas e sem poder ter acesso a uma arbitrárias por conta de como se vestiam. variedade de serviços estatais. Enquanto isso, projetos de lei que chamaram a atenção do Líder Supremo para uma maior DIREITOS LGBTI obediência das mulheres aos papéis Pessoas LGBTI foram presas e aprisionadas “tradicionais” das mulheres como donas de sob acusações de “devassidão” ou

56 Anistia Internacional Informe 2016/17 “indecência”, além de sofrerem perseguição indiscriminados com morteiros e foguetes graças a leis que criminalizam relações contra Israel e os assassinatos sumários de sexuais consensuais entre pessoas do supostos “colaboradores”. mesmo sexo no Bahrein, Egito, Irã, Marrocos No Egito, forças de segurança e Tunísia. continuaram a cometer violações graves com impunidade, perseguindo supostos IMPUNIDADE apoiadores da organização proibida Uma forte blindagem de impunidade Irmandade Muçulmana, bem como outros prevaleceu, protegendo participantes dos críticos e oponentes do governo para que conflitos armados que cometeram crimes de fossem detidos de forma arbitrária, guerra, outras violações sérias do direito submetidos ao desaparecimento forçado e humanitário internacional e abusos graves torturados. Uma emenda à Lei de Autoridade contra os direitos humanos. Em outros Policial proibiu as forças de segurança de lugares, autoridades estatais cometeram “maltratar cidadãos”. Porém, as autoridades assassinatos ilegais, tortura e outras violações não adotaram nenhuma medida séria para dos direitos humanos sem serem responsabilizar os membros das forças de responsabilizadas. segurança pelos assassinatos ilegais e outras Em alguns casos, a impunidade para violações cometidas nos anos de tumulto crimes cometidos décadas atrás desde a revolta popular em 2011. permaneceu. Na Argélia, as autoridades No Bahrein, a condenação internacional continuaram a proteger forças estatais causada pela resposta totalmente abusiva responsáveis por crimes graves na década de das autoridades, em 2011, aos protestos 1990, criminalizando os pedidos de justiça, populares levou o governo a criar, e espalhar virando a lei do avesso. No Marrocos, dez aos quatro ventos, mecanismos oficiais com anos depois do marco que foi a Comissão de autoridade para investigar supostas violações Verdade e Igualdade ter denunciado de direitos humanos por forças de segurança violações graves, a polícia estatal ainda e garantir a responsabilização. Esses protegia, com empenho, os responsáveis da mecanismos continuaram em funcionamento justiça. O governo de Israel concordou em em 2016, embora não tivessem eficácia e indenizar as famílias de cidadãos turcos adequação suficientes. Um pequeno número mortos por soldados israelenses em 2010, de membros do baixo escalão das forças de mas não garantiu a prestação de contas segurança foi processado em decorrência pelos extensos crimes de guerra e outras das investigações. No entanto, até o fim do violações graves do direito internacional ano, nenhum oficial de alta patente ou cometidos pela forças israelenses durante os funcionário do alto escalão responsável por conflitos armados recentes em Gaza e no tortura, assassinatos ilegais e outros usos Líbano, nem pelos assassinatos ilegais, excessivos da força em 2011 teve que tortura e outras violações que os soldados e prestar contas desses atos. agentes de segurança israelenses A Tunísia se destacou como o único país continuaram a cometer contra os palestinos da região a realizar um processo sério de na Cisjordânia e em Gaza. O governo da transição da justiça, com a Comissão de Palestina ratificou as emendas ao Estatuto de Dignidade e Verdade, informando ter Roma, cedendo ao Tribunal Penal recebido dezenas de milhares de denúncias Internacional a competência para julgar sobre violações de direitos humanos “crimes de agressão”. Nem o governo cometidas entre 1955 e o fim de 2013, com palestino e nem a administração de facto do sessões públicas e transmitidas pela Hamas em Gaza tomaram medidas para televisão. Ainda assim, uma lei proposta pelo garantir a responsabilização por crimes governo que ofereceria aos ex-funcionários e cometidos por grupos armados da Palestina empresários imunidade se devolvessem seus em conflitos anteriores, incluindo ataques ganhos advindos da corrupção em anos

Anistia Internacional Informe 2016/17 57 anteriores ameaçava enfraquecer o trabalho depois de serem condenadas por crimes de da Comissão. tráfico de drogas sem violência; outras foram A Assembleia Geral da ONU também condenadas por crimes que cometeram proporcionou um toque de esperança em quando ainda eram crianças. Em 2 de dezembro, com a criação de um mecanismo janeiro, as autoridades sauditas executaram internacional independente para assegurar a 47 prisioneiros em 12 locais diferentes. Em responsabilização por crimes de guerra e 21 de agosto, as autoridades iraquianas crimes contra a humanidade cometidos na executaram 36 homens condenados após Síria desde março de 2011. Também em um julgamento superficial que não abordou dezembro, o Conselho de Segurança da ONU as alegações de tortura. Também foram demonstrou uma rara união quando realizadas execuções no Egito, onde tribunais reafirmou que os assentamentos feitos por injustos, militares e de outra natureza, Israel no território palestino que ocupa desde emitiram centenas de condenações à morte 1967 não tinham validade legal e constituíam desde 2013. uma violação flagrante do direito internacional e um obstáculo à paz e EM DEFESA DA HUMANIDADE segurança. Em vez de exercer seu veto, os Em 2016, vimos algumas das piores formas EUA se abstiveram. Os outros catorze de comportamento humano. Porém, também estados membros do Conselho apoiaram a foi um ano em que as melhores condutas resolução. Apesar desses acontecimentos, no humanas brilharam. Inúmeras pessoas se entanto, o futuro em relação à justiça e posicionaram em defesa dos direitos prestação de contas continuou sombrio no humanos e de vítimas de opressão, nível internacional, com quatro dos cinco colocando com frequência suas próprias estados membros do Conselho de Segurança vidas ou liberdade em risco. Entre essas da ONU — França, Rússia, Reino Unido e pessoas estavam profissionais da saúde, Estados Unidos — apoiando ativamente advogados, jornalistas cidadãos, profissionais forças que continuam a cometer crimes de da imprensa, ativistas dos direitos das guerra e outras violações graves do direito mulheres e das minorias e muitos outros internacional na Síria, Iraque, Iêmen e Líbia, ativistas sociais — são numerosos demais além de estarem eles mesmos implicados em para citar nomes ou fazer listas. É a coragem violações graves. e a determinação dessas pessoas diante de abusos e ameaças terríveis que nos dá a PENA DE MORTE esperança de um futuro melhor para o povo Todos os países da região mantiveram a pena da região do Oriente Médio e Norte da África. de morte, mas há disparidades enormes na gama de crimes punidos desse modo e na sua aplicação. Não houve nenhuma condenação à pena de morte no Bahrein, Omã ou Israel, que aboliu a pena de morte apenas para crimes comuns. Embora os tribunais continuem condenando à morte na Argélia, Marrocos e Tunísia, as autoridades desses países mantiveram políticas antigas de evitar a execução de pessoas. Em contraste, os governos do Irã, Arábia Saudita e Iraque continuaram entre os principais executores do mundo: suas vítimas, em geral, eram condenadas após julgamentos extremamente injustos. Algumas pessoas, em sua maioria no Irã, foram levadas à morte

58 Anistia Internacional Informe 2016/17 ANISTIA INTERNACIONAL INFORME 2016/17 PAÍSES estrangeiras deixassem o país. Eles também AFEGANISTÃO especificaram outros pré-requisitos, como a remoção dos nomes dos líderes do Talibã da República Islâmica do Afeganistão lista de sanções da ONU. Chefe de estado e de governo: Mohammad Ashraf Em fevereiro, o Presidente Ghani indicou Ghani Mohammad Farid Hamidi, um importante advogado da área de direitos humanos, como A intensificação do conflito resultou em Procurador-Geral e o General Taj Mohammad abusos e violações dos direitos humanos Jahid como Ministro dos Assuntos Internos. generalizadas. Milhares de civis foram O Presidente Ghani criou um fundo de apoio mortos, feridos ou deslocados no contexto a mulheres sobreviventes de violência de de violência, e a contínua falta de gênero, para o qual membros do governo segurança restringiu o acesso a serviços doaram 15% de seu salário de fevereiro. como educação, saúde e outros. Os grupos Em março, o Conselho de Segurança da insurgentes armados foram responsáveis ONU renovou o mandato da Missão de pela maior parte das vítimas civis, mas Assistência das Nações Unidas no também houve civis mortos e feridos pelas Afeganistão (UNAMA) por mais um ano; o forças pró-governo. Tanto as forças Secretário-geral da ONU designou Tadamichi contrárias quanto as aliadas ao governo Yamamoto como Representante Especial da continuaram empregando crianças como UNAMA. combatentes. O número de pessoas Depois de anos de negociações de paz deslocadasinternamente ficou em 1,4 entre o governo e o segundo maior grupo milhão – mais que o dobro de 2013 – insurgente do país, o Hezb-i-Islami, em 29 enquanto cerca de 2,6 milhões de de setembro, o Presidente Ghani eo líder do refugiados afegãos viviam fora do país, Hezd-i-Islami , Gulbuddin Hekmatyar, muitos em condições deploráveis. A assinaram um acordo de paz que anistiou violência contra mulheres e meninas Gulbuddin Hekmatyar e seus combatentes continuou, tendo sido informado um por supostos crimes internacionais e permitiu crescimento das punições públicas de a libertação de alguns prisioneiros do Hezb-i- mulheres por grupos armados, inclusive Islami. com execuções e flagelamentos. Agentes A instabilidade política aumentou com as estatais e não estatais continuaram a divisões crescentes no Governo de Unidade ameaçar os defensores dos direitos Nacional entre partidários do Presidente humanos e a impedir a realização de seu Ghani e do chefe do executivo Abdullah trabalho; jornalistas sofreram violência e Abdullah. Em outubro, a União Europeia censura. O governo continuou executando organizou uma conferência internacional de pessoas, muitas vezes após julgamentos doadores de ajuda humanitária, no sentido injustos. de auxiliar o Afeganistão durante os próximos quatro anos. A comunidade internacional INFORMAÇÕES GERAIS prometeu em torno US$ 15,2 bilhões para Em janeiro, autoridades do Afeganistão, ajudar o Afeganistão em áreas como Paquistão, China e Estados Unidos segurança e desenvolvimento sustentável. discutiram um plano estratégico para a paz Pouco antes da conferência, a UE e o com o Talibã. No entanto, em uma Afeganistão assinaram um acordo que conferência realizada no mesmo mês em permitia a deportação de um número Doha, com 55 participantes do alto escalão ilimitado de solicitantes de refúgio afegãos de diversas origens, incluindo o Talibã, uma malsucedidos, apesar do agravamento da delegação da comissão política do Talibã situação da segurança. reiterou que o início de um processo formal Houve preocupações sérias em relação à de paz só seria possível depois que as tropas crescente crise financeira conforme a

60 Anistia Internacional Informe 2016/17 presença internacional no país diminuiu e outubro de 2015 contra um hospital da desemprego aumentou. organização Médicos sem Fronteiras em Em setembro e outubro, os ataques e Kunduz, quando foram mortos e feridos pelo tentativas do Talibã de capturar grandes menos 42 funcionários e pacientes, embora províncias e cidades se intensificaram muito. cerca de 12 militares dos EUA tenham Em outubro, o Talibã conquistou Kunduz. sofrido sanções disciplinares. Em março, o Durante o ataque, o fornecimento de energia novo comandante das forças dos EUA e da e água da cidade foi cortado; hospitais OTAN no Afeganistão emitiu um pedido de ficaram sem medicamentos e houve um desculpas às famílias das vítimas. aumento no número de vítimas civis. O Gabinete de Coordenação de Assuntos VIOLAÇÕES COMETIDAS POR GRUPOS Humanitários da ONU (UNOCHA) relatou ARMADOS cerca de 25 mil afegãos deslocadas O Talibã e outros grupos insurgentes internamente durante uma semana, de armados foram responsáveis pela maior parte Kunduz para a capital Cabul e países das vítimas civis, aproximadamente 60%, de vizinhos. acordo com a UNAMA. Em 3 de fevereiro, o Talibã matou a tiro CONFLITO ARMADO um menino de 10 anos a caminho da escola Nos primeiros nove meses de 2016, a em Tirin Kot, no sul de Uruzgan. Acredita-se UNAMA documentou 8.397 vítimas civis que o garoto foi baleado porque lutou contra (2.562 mortos e 5.835 feridos) relacionadas o Talibã em outras ocasiões ao lado de seu aos conflitos. Segundo a UNAMA as forças tio, um ex-comandante do Talibã que trocou pró-governo – incluindo as Forças de de lado, tornando-se comandante da polícia Segurança Nacionais Afegãs, a Polícia Local local. Afegã, grupos armados pró-governo e forças Em 19 de abril, militantes do Talibã militares internacionais – foram responsáveis atacaram a equipe de segurança responsável por quase 23% delas. pela proteção de funcionários de alto escalão A UNAMA documentou pelo menos 15 do governo em Cabul, matando pelo menos ocorrências no primeiro semestre de 2016 64 e ferindo 347 pessoas. Esse foi o maior em que forças pró-governo conduziram ataque do Talibã em áreas urbanas desde operações de busca em hospitais e clínicas, 2001. retardaram ou impediram a entrega de Em 31 de maio, militantes do Talibã suprimentos médicos, ou usaram instalações disfarçados de funcionários do governo médicas para fins militares. Foi um aumento sequestraram cerca de 220 civis em um acentuado em relação ao ano anterior. posto de controle falso junto à rodovia Em 18 de fevereiro, homens vestidos com Kunduz-Takhar, perto de Arzaq Angor Bagh, uniformes do Exército Nacional Afegão na província de Kunduz. Eles mataram 17 entraram em um centro de saúde em Tangi dos civis; os outros foram resgatados ou Saidan, uma aldeia controlada pelo Talibã na libertados. Pelo menos mais 40 pessoas província de Wardak. O grupo humanitário foram sequestradas e outras mortas na sueco que administrava a clínica informou mesma região em 8 de junho. que os homens espancaram os membros da Em 23 de julho, um ataque suicida equipe e mataram dois pacientes e um reivindicado pelo grupo armado Estado cuidador de 15 anos de idade. A OTAN Islâmico matou pelo menos 80 pessoas e começou a investigar a ocorrência, mas, até feriu mais de 230 durante uma manifestação o final do ano, nenhum relatório foi pacífica de membros da minoria hazara em disponibilizado ao público. Cabul. Nenhuma acusação criminal foi Em 12 de agosto, três homens armados formalizada contra os responsáveis por um atacaram a universidade americana em ataque aéreo das forças estadunidenses em Cabul, matando 12 pessoas e ferindo quase

Anistia Internacional Informe 2016/17 61 40, a maioria formada por estudantes e de duas mulheres e o flagelamento de outras professores. Ninguém assumiu a quatro. responsabilidade pelo ataque. Em 11 de outubro, o Estado Islâmico PESSOAS REFUGIADAS E DESLOCADAS realizou um ataque coordenado contra um INTERNAMENTE grande grupo de pessoas enlutadas em uma Segundo a ACNUR, a agência da ONU para mesquita xiita em Cabul. Os atacantes os refugiados, aproximadamente 2,6 milhões utilizaram explosivos e invadiram a mesquita, de refugiados afegãos viviam em mais de 70 alegadamente tomando como reféns países, o que corresponde a segunda maior centenas de pessoas enlutadas. Pelo menos população de refugiados do mundo. 18 pessoas foram mortas a tiros e mais de 40 Aproximadamente 95% moravam em apenas foram feridas, incluindo mulheres e crianças. dois países, Irã e Paquistão, onde enfrentavam discriminação, ataques raciais, VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E falta de serviços básicos e o risco de MENINAS deportação em massa. Durante os 16 dias de ativismo, o judiciário No Paquistão, cerca de 1,4 milhão de afegão informou o registro de mais de 3.700 refugiados correram o risco de deportação casos de violência contra mulheres e em massa, pois seu registro perderia a meninas nos oito primeiros meses de 2016. validade por volta do final do ano. Segundo A Comissão Independente de Direitos as estimativas da ACNUR, havia Humanos do Afeganistão também denunciou adicionalmente mais um milhão de milhares de casos nos primeiros seis meses refugiados sem documentos no Paquistão. do ano, incluindo espancamentos, De acordo com a agência, no decorrer do homicídios e ataques com ácido. ano, mais de 500 mil refugiados afegãos Em janeiro, um homem em Faryab (com e sem documentação) foram decepou o nariz de sua esposa de 22 anos. repatriados do Paquistão. Esse foi o número O incidente foi condenado em todo o mais alto desde 2002. As autoridades Afeganistão, inclusive por um porta-voz do registraram até 5 mil repatriados durante Talibã. cada um dos quatro primeiros dias de Em julho, uma menina grávida de 14 anos outubro. A situação se intensificou com o foi incendiada por seu marido e seus sogros acordo assinado entre o governo afegão e a para castigar o pai da garota por fugir com UE, em 5 de outubro de 2016, que acordava uma prima do marido dela. A moça morreu o retorno ilimitado de refugiados afegãos dos cinco dias depois no hospital em Cabul. países-membros da UE. Grupos armados visaram mulheres que trabalhavam no serviço público, incluindo Pessoas deslocadas internamente policiais. Esses grupos também restringiram Até abril de 2016, a estimativa de pessoas a liberdade de circulação de mulheres e deslocadas internamente chegou a cerca de meninas, inclusive impedindo o acesso à 1,4 milhão. Muitos continuaram vivendo em educação e saúde nas áreas controladas por condições precárias, sem acesso a moradia eles. adequada, alimentação, água, assistência A UNAMA relatou um aumento no número médica, educação ou oportunidades de de mulheres punidas em público pelo Talibã emprego. e por outros grupos armados de acordo com De acordo com o UNOCHA, entre 1 de a lei . Entre 1 de janeiro e 30 de janeiro e 11 de dezembro, 530 mil pessoas junho, a UNAMA documentou seis punições ficaram deslocadas internamente devido aos pela justiça paralela de mulheres acusadas conflitos. dos chamados “crimes morais”, realizadas Nos últimos anos, a situação das pessoas por grupos armados, incluindo a execução deslocadas internamente (IDP) agravou-se. A política nacional para IDP lançada em 2014

62 Anistia Internacional Informe 2016/17 foi dificultada pela corrupção, pela falta de capacidade do governo e pelo LIBERDADES DE EXPRESSÃO E enfraquecimento do interesse internacional. MANIFESTAÇÃO Os deslocados internamente, junto com A liberdade de expressão, fortalecida após a outros grupos, enfrentaram desafios enormes queda do Talibã em 2001, tem sido para ter acesso a serviços de saúde. As gradativamente corroída depois da sequência instalações públicas continuaram de ataques violentos, intimidações e extremamente sobrecarregadas e, muitas assassinatos de jornalistas. vezes, não havia clínicas especializadas nos Segundo a Nai, organização que zela pela campos e assentamentos para IDP. A maior independência dos meios de comunicação, parte dos IDP não podia arcar com entre janeiro e novembro, ocorreram cerca medicamentos e saúde privada, e a falta de de 114 casos de ataques contra jornalistas, serviços adequados de saúde materna e profissionais da imprensa e agências de reprodutiva era uma área particularmente comunicação. Dentre eles, homicídios, preocupante. espancamentos, detenções, incêndios Os deslocados internamente também intencionais, ameaças e outras formas de sofreram ameaças frequentes de remoções violência por parte de agentes estatais e não forçadas tanto pelo governo quanto por estatais. agentes privados. Em 20 de janeiro, um ataque suicida contra o ônibus que transportava uma equipe DEFENSORES E DEFENSORAS DOS do Moby Group, proprietário da Tolo TV, a DIREITOS HUMANOS maior emissora de TV privada do país, matou Grupos armados continuaram a atacar e sete profissionais de comunicação e feriu 27 ameaçar defensores dos direitos humanos. pessoas. O Talibã, que já havia feito ameaças Defensores dos direitos humanos das à Tolo TV, reivindicou a responsabilidade pelo mulheres, em particular, enfrentaram ataque. ameaças de morte contra si e suas famílias. Em 29 de janeiro, Zubair Khaksar , No início de 2016, um proeminente conhecido jornalista que trabalha para a TV defensor dos direitos humanos foi ameaçado nacional afegã na província de Nangarhar, foi de morte pelo Talibã via Facebook, junto com morto por homens armados não identificados outras nove pessoas. Depois que os dez enquanto viajava da cidade de Jalalabad ativistas informaram as autoridades sobre a para o distrito de Surkhrood. ameaça, o serviço de informações Direção Em 19 de abril, a polícia de Cabul Nacional de Segurança prendeu duas espancou dois profissionais de comunicação pessoas com supostas associações ao Talibã, da Ariana TV durante a realização de suas mas os defensores dos direitos humanos não tarefas de reportagem. receberam mais informações. As ameaças Ativistas de várias províncias fora de Cabul contra os ativistas não cessaram e, por isso, declararam estar cada vez mais relutantes as suas ações de direitos humanos foram em organizar manifestações, temendo auto-censuradas. represálias de agentes do governo. Em agosto, o irmão de uma ativista local dos direitos das mulheres em uma província TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS do sul foi sequestrado, torturado e morto por Grupos armados, incluindo o Talibã, pessoas não identificadas. Os criminosos continuaram com os assassinatos, torturas e usaram o telefone da vítima para intimidar a outros abusos contra os direitos humanos ativista e sua família com ameaças de como punição por supostos crimes ou repercussões fatais, caso não cessasse seu delitos. As estruturas de justiça paralela eram trabalho com direitos humanos. Até o final do ilegais. ano, ninguém foi preso pelo sequestro e Entre 1 de janeiro e 30 de junho, a assassinato. UNAMA documentou 26 casos de execuções

Anistia Internacional Informe 2016/17 63 sumárias, flagelamentos, espancamentos e Xenofobia e violência contra pessoas detenção ilegal. As punições foram impostas refugiadas, solicitantes de refúgio e por supostas violações da lei sharia, migrantes resultaram em mortes, lesões e espionagem ou ligações com as forças de desalojamentos. Mulheres e meninas, segurança. A maioria delas ocorreu na região especialmente em comunidades ocidental, especialmente nas províncias de marginalizadas, continuaram a enfrentar Farah e Badghis. discriminação e desigualdade de gênero. Em 14 de fevereiro, a Polícia Local Afegã Pessoas LGBTI fram sujeitas a do distrito de Khak-e-Safid, na província de discriminação e crimes de ódio, incluindo Farah, teria detido, torturado e matado um assassinatos. Defensores e defensoras dos pastor por seu suposto envolvimento na direitos humanos foram atacados. instalação de um artefato explosivo improvisado ativado por controle remoto que INFORMAÇÕES GERAIS matou dois policiais. Segundo a UNAMA, A violência política eclodiu na província de embora tivesse conhecimento do incidente, a KwaZulu-Natal, no período que antecedeu as procuradoria de polícia não realizou qualquer eleições locais, realizadas em 3 de agosto. investigação, nem prendeu suspeitos. Entre janeiro e julho, 25 incidentes violentos foram relatados, incluindo 14 assassinatos de PENA DE MORTE conselheiros locais, candidatos à eleição ou Em 8 de maio, seis prisioneiros sob pena de membros de partidos políticos. O Ministro da morte foram executados por enforcamento Justiça montou uma força-tarefa para na prisão de Pol-e Charkhi, em Cabul. As investigar e processar os crimes com execuções seguiram um discurso do motivação política na província. presidente Ghani em 25 de abril, logo após o A partir de julho, protestos estudantis grande ataque do Talibã de 19 de abril, em generalizados e muitas vezes violentos que prometeu implementar uma justiça exigiram ensino superior gratuito. Os implacável, incluindo a pena capital. protestos aconteceram depois do anúncio do Temia-se que pudessem acontecer mais governo sobre aumentos de até 8% nas taxas execuções. Aproximadamente 600 para o ano letivo de 2017. prisioneiros continuaram no corredor da Tribunais afirmaram a independência das morte, muitos condenados por crimes como instituições supervisionadas pelo Estado. Em assassinato. Muitos desses julgamentos não 31 de março, o Tribunal Constitucional cumpriram as normas para julgamentos apoiou as conclusões do inquérito da justos. Ao longo do ano, aproximadamente Protetora Pública sobre atualizações que não 100 pessoas foram condenadas à morte por envolviam a segurança na residência pessoal crimes como assassinato, estupro e do presidente, exigindo que ele devolvesse os assassinato, e terrorismo resultante em fundos públicos utilizados. Em 6 de assassinato em massa. setembro, o Tribunal Constitucional definiu que a decisão do Ministro da Polícia de suspender Robert McBride, diretor executivo do IPID (Diretório Independente de Polícia ÁFRICA DO SUL Investigativa), de acordo com a Lei do IPID, República da África do Sul era inconstitucional. Em novembro, foram Chefe de estado e governo: Jacob G. Zuma retiradas as acusações de fraude contra Robert McBride.

A polícia usou força excessiva contra USO EXCESSIVO DE FORÇA manifestantes. Tortura, incluindo estupros e Em resposta aos protestos dos estudantes, a outros maus-tratos de pessoas sob custódia polícia usou força excessiva, incluindo o policial continuaram a ser relatados. disparo de balas de borracha a curta

64 Anistia Internacional Informe 2016/17 distância em estudantes e outros sobre a morte de Zinakile Fica, morador de manifestantes, quando o uso da força não Glebelands, na prisão, em março de 2014, era necessário nem proporcional. não foi concluída. Em 11 de dezembro, o Presidente Zuma O relatório da Protetora Pública também anunciou medidas tomadas pelos ministérios descobriu que a polícia não cumpriu seu para implementar as recomendações da dever de prevenir e investigar crimes e Comissão de Inquérito Farlam sobre o proteger os moradores do albergue, assassinato de mineiros em greve por destacando a baixa taxa de detenções e a policiais em Marikana, em 2012. Elas falta da efetiva condenação de suspeitos de incluíam a revisão dos protocolos que regem assassinato. A Protetora Pública prometeu o uso da força, o lançamento, em 15 de abril, monitorar as investigações de denúncias de de uma força-tarefa ministerial para tortura policial e de assassinatos dos assegurar a aptidão física e psicológica dos moradores de Glebelands. policiais, e a criação, em 29 de abril, de um Em abril, os moradores de Glebelands painel de especialistas para revisar processos enviaram um recurso urgente ao Alto de policiamento da ordem pública. O Comissariado da ONU para os Direitos Conselho de Inquérito sobre a adequação da Humanos, convocando o Conselho de comissária de polícia nacional Riah Phiyega Direitos Humanos da ONU para intervir na para assumir o cargo concluiu o seu relatório questão dos homicídios seletivos. Em 7 de final e devia apresentá-lo ao presidente. novembro, o líder de um comitê de paz de Glebelands foi morto a tiros após sair da POLÍCIA Corte de Magistrados de Umlazi. Ninguém foi O IPID relatou 366 mortes como resultado de preso. ação policial e 216 mortes sob custódia policial em 2015/2016, números mais baixos JUSTIÇA INTERNACIONAL que no ano anterior. O IPID também relatou Em outubro, o governo apresentou um 145 casos de tortura, incluindo 51 casos de instrumento de retirada do Estatuto de Roma estupro por policiais em serviço, e 3.509 do Tribunal Penal Internacional (TPI) sem casos de agressão pela polícia. Processos consultar o Parlamento.1 A retirada entrará judiciais relativos a homicídios cometidos em vigor após um ano. A mudança seguiu pela polícia mantiveram-se lentos. procedimentos de não cooperação pelo TPI No Tribunal Superior de Durban, o contra a África do Sul depois que as julgamento de 27 policiais, a maioria autoridades não executaram mandados de membros da agora dissolvida Unidade de prisão por genocídio, crimes contra a Combate ao Crime Organizado Cato Manor, humanidade e crimes de guerra contra o acusados de 28 assassinatos, foi adiado para presidente sudanês Omar al-Bashir durante 31 de janeiro de 2017. sua visita à África do Sul em junho de 2015 Em outubro, a Protetora Pública emitiu um para participar da cúpula da União Africana relatório sobre a violência no complexo de (UA). A mudança também ocorreu depois albergues de Glebelands em Durban entre que o Tribunal Superior de Apelações da março de 2014 e novembro de 2016 em que África do Sul rejeitou, em 15 de março, um mais de 60 pessoas morreram em homicídios recurso contra a decisão do Tribunal Superior seletivos. O relatório concluiu que o conflito de North Gauteng em 2015, segundo a qual foi resultado do fato de que o município não o fato de não prender o Presidente al-Bashir assumiu a responsabilidade pela violava a Constituição da África do acomodação no albergue. O relatório Sul. Autoridades de Estado permitiram que o destacou a prisão e a tortura pela polícia de Presidente al-Bashir saísse da África do Sul, pelo menos três moradores de Glebelands violando uma ordem provisória do Tribunal em 2014, sem nenhuma medida tomada Superior de North Gauteng de que ele contra os suspeitos. A investigação do IPID deveria permanecer no país.

Anistia Internacional Informe 2016/17 65 socioeconômica. As recomendações incluíam PRESTAÇÃO DE CONTAS educar funcionários públicos sobre os Uma nova pesquisa concluiu que o fato de a direitos e a documentação de estrangeiros; mineradora Lonmin não tratar das condições reforçar as capacidades das instituições para de moradia em Marikana contribuiu para os trabalharem com pessoas refugiadas, eventos de agosto de 2012, quando a polícia migrantes e solicitantes de refúgio; garantir matou 34 trabalhadores grevistas.2 De acordo que os líderes fizessem declarações públicas com seu Plano Social e Trabalhista de 2006, responsáveis; e campanhas de educação nas que tinha efeitos vinculantes, a Lonmin havia escolas para promover a união. prometido construir 5.500 casas para os O fechamento de três dos seis escritórios trabalhadores da mina até 2011. Até 2012, de recepção de pessoas refugiadas apenas três tinham sido construídas. Em continuou a pressioná-las, obrigando a viajar agosto de 2016, a Lonmin disse que cerca longas distâncias para renovar licenças de de 13.500 dos 20.000 funcionários refúgio. permanentes ainda precisavam de O projeto de lei sobre imigração alojamento formal. Muitos mineiros internacional apresentado em junho inclui continuaram a viver em assentamentos uma abordagem baseada em segurança para informais, como Nkaneng, dentro da área de os solicitantes de refúgio, restringindo os concessão da Lonmin. Os barracos em seus direitos. Ele propõe o processamento de Nkaneng não satisfazem os requisitos pedidos de refúgio e centros de detenção internacionais mais básicos para a moradia administrativa nas fronteiras da África do Sul. adequada. Como resultado, as operações da Esses locais abrigariam solicitantes de refúgio Lonmin eram incompatíveis com o direito a enquanto seus pedidos fossem processados, um padrão de vida adequado, incluindo a e limitariam seu direito ao trabalho e o direito moradia adequada. de ir e vir, enquanto aguardam uma decisão sobre seu formulário. DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E MIGRANTES DIREITOS DAS MULHERES Xenofobia e violência contra pessoas A desigualdade de gênero e a discriminação refugiadas, solicitantes de refúgio e continuaram a agravar o impacto negativo migrantes continuaram resultando em das desigualdades raciais, sociais e mortes, ferimentos e pessoas desalojadas. econômicas, especialmente para grupos Muitos incidentes envolveram a pilhagem marginalizados de mulheres e meninas. seletiva de pequenas empresas de capital Quase um terço das mulheres grávidas estrangeiro em alguns municípios. estavam vivendo com HIV, mas o acesso Em junho, lojas na cidade de Pretória cada vez melhor ao tratamento antirretroviral foram saqueadas, pelo menos 12 pessoas gratuito para as mulheres grávidas continuou refugiadas e migrantes foram gravemente a reduzir a mortalidade materna. Os números feridas, e centenas ficaram desalojadas. No do Ministério da Saúde mostraram que a taxa início do ano, residentes de Dunoon, no Cabo de mortalidade de mães continuou a cair, de Ocidental, pilharam as empresas 197 para cada 100 mil nascidos vivos em estrangeiras. 2011 para 155 em 2016. As comunidades Em abril, foram lançadas as conclusões de rurais continuaram enfrentando problemas um inquérito sobre a violência de 2015 relacionados à disponibilidade e ao custo do contra pessoas refugiadas, migrantes e transporte para mulheres e meninas grávidas solicitantes de refúgio na província de que precisavam de serviços de saúde. As KwaZulu-Natal. O inquérito concluiu que as vidas de mulheres e meninas grávidas tensões eram devidas à competição por continuaram a ser postas em risco oportunidades escassas de emprego, num desnecessário devido a barreiras aos serviços contexto de pobreza e desigualdade de aborto.

66 Anistia Internacional Informe 2016/17 Em junho, o governo lançou a campanha de Katlehong abriu uma investigação de Ela Vence (She Conquers), para abordar as homicídio, que estava em curso. taxas de infecção por HIV Em abril, um jovem abertamente gay, desproporcionalmente elevadas entre Tshifhiwa Ramurunzi, foi atacado e meninas e mulheres jovens e para reduzir os gravemente ferido em Thohoyandou, níveis elevados de gravidez na adolescência. província de Limpopo. Seu agressor foi Embora focado na melhoria do acesso à acusado de tentativa de homicídio. saúde, à educação e às oportunidades de Em 6 de agosto, o corpo de Lesley emprego para meninas, as mensagens da Makousaan, estudante de 17 anos campanha foram criticadas por perpetuar abertamente gay, foi encontrado em estereótipos negativos da sexualidade Potchefstroom, na província Noroeste. Ele feminina. tinha sido estrangulado. Um suspeito foi Ainda em junho, a Comissão para a preso logo depois e estava à espera de Igualdade de Gênero declarou que o julgamento. requisito de testes de virgindade (ukuhlolwa) O corpo de Noluvo Swelindawo, mulher para que meninas tenham acesso a bolsas abertamente lésbica, foi encontrado em no ensino superior, como as impostas por um Khayelitsha, província do Cabo Ocidental, em município na província de KwaZulu-Natal, 4 de dezembro, no dia seguinte ao seu violava os direitos constitucionais de sequestro. Um suspeito foi detido sob as igualdade, dignidade e privacidade, acusações de invasão de domicílio, sequestro perpetuando o patriarcado e a desigualdade e assassinato e compareceu em juízo no dia na África do Sul. A exigência de ukuhlolwa foi 7 de dezembro. Em 21 de dezembro, o removida. suspeito retirou o pedido de fiança. Um relatório do Relator Especial da ONU sobre violência contra as mulheres, suas DEFENSORES E DEFENSORAS DOS causas e consequências, publicado em DIREITOS HUMANOS junho, convocou a África do Sul a Defensores e defensoras dos direitos implementar uma abordagem coordenada humanos foram atacados por fazerem o seu para acabar com a epidemia de violência e trabalho, e a justiça para tais crimes foi lenta. discriminação de gênero, e recomendou a Em março, o ativista de direito à terra, descriminalização do trabalho sexual. Sikhosiphi "Bazooka" Rhadebe, foi baleado Em março, o Conselho Nacional Sul- em sua casa em Lurholweni, província do Africano de AIDS (SANAC, na sigla em Cabo Oriental, por dois homens que inglês) lançou um plano para lidar com altas afirmaram ser policiais.3 Ele foi presidente do taxas de HIV entre trabalhadoras e Comitê de Crise Amadiba, liderado pela trabalhadores do sexo, incluindo o acesso à comunidade, e se opôs à mineração de profilaxia pré-exposição e a medicamentos titânio e de outros minerais pesados a céu antirretrovirais. Ativistas do SANAC e dos aberto em terras comunitárias em Xolobeni trabalhadores do sexo advertiram que as leis por uma filial local da Mineral Commodities da África do Sul relacionadas a "prostituição" Limited da Austrália. poderiam sabotar o plano. O julgamento de um policial acusado de disparar, atingir e matar o ativista do direito à DIREITOS LGBTI moradia Nqobile Nzuza, de 17 anos, em Os crimes de ódio, discursos de ódio e outubro de 2013, durante um protesto no discriminação contra as pessoas LGBTI, assentamento informal de Cato Crest em incluindo assassinatos e ataques, Durban foi programado para começar em continuaram. Acredita-se que os ataques fevereiro de 2017. tenham sido subnotificados à polícia. Em 20 de maio, o Tribunal Superior de Em março, Lucia Naido foi esfaqueada até Durban considerou dois vereadores que a morte em Katlehong, Ekurhuleni. A polícia representavam a decisão do Congresso

Anistia Internacional Informe 2016/17 67 Nacional Africano (ANC) e um assassino de aluguel pelo homicídio do ativista do direito à DISCRIMINAÇÃO moradia Thulisile Ndlovu em setembro de Pessoas albinas 2014. Os três foram condenados à prisão Ataques contra pessoas com albinismo, além perpétua. de sequestros, foram relatados. Em um julgamento marcante em 17 de O menino Maneliswa Ntombel, de quatro novembro, o Supremo Tribunal de anos, foi raptado por dois homens perto de Bloemfontein manteve o recurso de 94 sua casa, em 21 de junho, na província de profissionais comunitários da saúde e KwaZulu-Natal. Ele continuou desaparecido ativistas de Campanha de Ação de até o final do ano. Tratamento que contestou, com sucesso, a Em fevereiro, o Tribunal Regional de constitucionalidade do uso da legislação da Mtubatuba condenou um jovem de 17 anos era do apartheid, a lei de 1993 sobre a a 18 anos de prisão pelo assassinato de Regulamentação de Aglomerações. A lei Thandazile Mpunzi, que foi morta em agosto criminaliza agrupamentos de mais de 15 de 2015 na Província de KwaZulu-Natal. pessoas em um espaço público sem que a Seus restos mortais foram descobertos em polícia seja notificada com antecedência. O uma cova rasa. Partes de seu corpo haviam juiz afirmou que participar de uma sido vendidas para curandeiros tradicionais. manifestação sem aviso prévio não é crime. Dois outros homens que se declararam culpados de homicídio foram condenados, LIBERDADE DE EXPRESSÃO em setembro de 2015, a 20 anos de prisão Em junho, três jornalistas sênior da South cada. African Broadcasting Corporation (SABC) foram sumariamente suspensos, segundo Legislação relacionada a crimes de ódio alegações, por discordar da decisão de não Em outubro, foi apresentado o Projeto de Lei cobrir um protesto pacífico contra a censura sobre Crimes de Ódio. Ele aborda o racismo, e o abuso de poder pela SABC, realizado a discriminação racial, a xenofobia e a pela organização de defesa Right2Know. discriminação de gênero, sexo, orientação Quando cinco outros jornalistas da SABC sexual, e outras questões, considerando-os contestaram as suspensões, foram acusados crime de ódio. Inclui disposições de má conduta. Todos os oito funcionários da controversas, que criminalizam o discurso de SABC foram, em seguida, demitidos. O grupo ódio de formas que poderiam, de forma entrou com um processo no Tribunal inadmissível, ser usadas para restringir o Constitucional em julho, argumentando que o direito à liberdade de expressão. seu direito à liberdade de expressão havia sido violado. O caso estava pendente. Quatro DIREITO À EDUCAÇÃO dos jornalistas ganharam um caso no Crianças com deficiência Tribunal do Trabalho em julho contra a SABC Crianças com deficiência continuaram a por violação dos procedimentos trabalhistas. enfrentar vários desafios relacionados à Os oito posteriormente retornaram ao discriminação, exclusão e marginalização, trabalho, mas continuaram a enfrentar que, entre outras coisas, negaram-lhes a ameaças. Em 12 de dezembro, quatro dos igualdade de acesso à educação, apesar de oito testemunharam em nome do grupo no estruturas legais e políticas que garantem a inquérito do Parlamento sobre a aptidão ao educação inclusiva. Em 27 de outubro, o Conselho da SABC. A Right2Know Comitê dos Direitos da Criança recomendou testemunhou em 14 de dezembro. uma revisão do Documento sobre a Educação n 6 para desenvolver uma estrutura para a educação inclusiva, que supervisionaria a expansão das escolas com serviços completos e a inclusão de crianças

68 Anistia Internacional Informe 2016/17 com deficiência no sistema geral de refugiados. O primeiro estágio garante menos educação. direitos, inclusive com respeito à reunificação familiar. Entre janeiro e novembro, 59% dos solicitantes sírios obtiveram status de 1. South Africa: Decision to leave International Criminal Court a ‘deep betrayal of millions of victims worldwide’ (News story, 21 October) refugiados plenos, em comparação a 99,6% 2. South Africa: Smoke and Mirrors: Lonmin’s failure to address housing no mesmo período de 2015. conditions at Marikana (AFR 53/4552/2016) Em março, novas emendas às leis de 3. South Africa: defenders under threat (AFR refúgio entraram em vigor. O direito à 53/4058/2016) reunificação familiar para pessoas com status de proteção subsidiária foi suspenso até março de 2018. Foi introduzido um novo procedimento ágil para avaliar as solicitações ALEMANHA de refúgio por parte de uma grande República Federal da Alemanha variedade de categorias de candidatos, Chefe de Estado: Joachim Gauck inclusive solicitantes de refúgio de países Chefe de governo: Angela Merkel considerados “seguros”, sem prover garantias suficientes de acesso a um As autoridades empreenderam esforços procedimento justo para fins de refúgio. No consideráveis para abrigar e processar a fim do ano, uma lei que definia que a Argélia, grande quantidade de solicitantes de o Marrocos e a Tunísia deveriam ser refúgio que chegaram em 2015. No considerados países de origem “seguros” entanto, o governo também adotou diversas estava pendente perante o Conselho Federal. leis para restringir os direitos dos O novo procedimento ágil não havia sido solicitantes de refúgio e refugiados, que implementado até o fim do ano. incluíram restrições a reunificações Em maio, o parlamento aprovou a familiares. A quantidade de ataques primeiríssima lei de “integração” para racistas e xenofóbicos em abrigos de refugiados e solicitantes de refúgio. A lei, refugiados permaneceu alta, e as cujo propósito era criar empregos e autoridades falharam na adoção de oportunidades educacionais para pessoas estratégias eficazes para preveni-los. refugiadas, impôs a elas a obrigação de participar de cursos de integração. Ela PESSOAS REFUGIADAS E SOLICITANTES também permitiu a autoridades dos estados DE REFÚGIO federativos que intensificassem restrições A quantidade de novos solicitantes de refúgio relativas a onde as pessoas refugiadas reduziu consideravelmente em comparação a podem residir, bem como a intensificar as 2015. O governo registrou cerca de 304.900 condições para a emissão de licenças de chegadas nos primeiros onze meses do ano, residência e introduzir novos cortes nos comparadas às 890 mil de 2015. benefícios para os que não cumprirem as As autoridades aprimoraram sua novas regras. capacidade de processar solicitações de Até 19 de dezembro, a Alemanha realocou refúgio ao longo do ano. Entre janeiro e 640 refugiados da Grécia e 455 da Itália. novembro, cerca de 702.490 pessoas Como parte do acordo entre a UE e a solicitaram refúgio, muitas das quais haviam Turquia, a Alemanha aceitou a transferência chegado à Alemanha no ano anterior. As de 1.060 refugiados sírios vindos da Turquia. autoridades decidiram a respeito de 615.520 Apesar da piora na situação relativa à casos. A taxa de recebimento de status pleno segurança no Afeganistão, as autoridades de refugiado caiu para sírios, iraquianos e devolveram compulsoriamente, ao longo do afegãos em comparação ao ano anterior; ano, mais de 60 cidadãos afegãos cujas mais pessoas receberam proteção subsidiária solicitações de refúgio haviam sido rejeitadas. e menos pessoas receberam status pleno de Em 2015, menos de 10 solicitantes de

Anistia Internacional Informe 2016/17 69 refúgio afegãos que não tiveram sucesso Discriminação Racial e do Comissariado do foram compulsoriamente devolvidos. Conselho da Europa para os Direitos Humanos, em 2015. TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Dezenas de protestos anti-refugiados e As autoridades continuaram fracassando em anti-muçulmanos foram realizados por todo o realizar uma investigação efetiva acerca de país. Nos primeiros nove meses do ano, alegações de maus-tratos praticados pela autoridades registraram 813 crimes contra polícia e não estabeleceu nenhum abrigos de refugiados. No mesmo período, mecanismo independente de administração 1.803 crimes contra solicitantes de refúgio de denúncias, a fim de investigar tais foram registrados pelas autoridades, 254 alegações. deles resultando em lesões corporais. As No fim do ano, os governos da Renânia do autoridades fracassaram na implementação Norte-Vestfália e Saxônia-Anhalt de estratégias adequadas para impedir estabeleceram planos para tornar obrigatório ataques a abrigos de refugiados. que policiais portem crachás de identificação Organizações da sociedade civil enquanto trabalham. continuaram a relatar a ocorrência de A comissão conjunta da Agência Nacional verificações de identidade discriminatórias para a Prevenção da Tortura – o mecanismo realizadas por parte da polícia junto a preventivo alemão regido pelo Protocolo membros de minorias étnicas e religiosas. Opcional da Convenção da ONU contra a Em junho, o Tribunal Federal de Justiça Tortura – permaneceu subpopulada e rejeitou a solicitação de uma pessoa subfinanciada. transexual para que fosse registrada segundo Em abril, a promotoria de Hannover a opção de terceiro gênero. Ela recorreu, e encerrou a investigação relativa a supostos seu pedido continuava pendente diante do maus-tratos cometidos em 2014 por um Tribunal Federal Constitucional até o final do agente da polícia federal contra dois ano. refugiados, um afegão e um marroquino, em suas celas de detenção, localizadas nas COMBATE AO TERRORISMO E instalações da polícia federal da estação SEGURANÇA ferroviária principal de Hannover. Em Em outubro, o parlamento aprovou uma nova setembro, o Tribunal Superior Regional lei relativa a vigilância que concedeu ao Carcerário de Celle rejeitou uma solicitação Serviço Federal de Inteligência amplos apresentada por uma das vítimas para que a poderes para submeter cidadãos não investigação fosse reaberta. pertencentes à UE a operações de vigilância sem supervisão judicial efetiva e com ampla DISCRIMINAÇÃO gama de propósitos, incluindo a segurança A segunda comissão de inquérito, nacional. Em agosto, diversos procedimentos estabelecida pelo parlamento em outubro de especiais da ONU, incluindo o Relator 2015, deu seguimento a investigações Especial para liberdade de expressão, acerca da falha, por parte de certas manifestaram preocupação com relação ao autoridades, em investigar crimes racistas e impacto negativo desta lei sobre a liberdade xenofóbicos perpetrados contra membros de de expressão e a falta de supervisão judicial. minorias étnicas pelo grupo de extrema Em abril, o Tribunal Federal Constitucional direita Clandestinidade Nacional-Socialista determinou que certos poderes de vigilância (NSU) entre 2000 e 2007. Nenhum inquérito do Departamento Federal de Polícia Criminal, oficial foi instaurado a respeito do potencial que tinham sido introduzidos em 2009 para papel desempenhado pelo racismo fazer frente ao terrorismo e crimes em geral, institucional associado a tais falhas, apesar eram inconstitucionais. Em especial, algumas das recomendações emitidas pela ONU das medidas não garantiam o respeito ao através de seu Comitê para a Eliminação da direito à privacidade. Tais provisões

70 Anistia Internacional Informe 2016/17 permaneceram em vigor aguardando emendas. ANGOLA

COMÉRCIO DE ARMAS República de Angola Em março, o governo colocou em vigor a Chefe de estado e de governo: José Eduardo dos Santos estrutura legal necessária para controle seletivo pós-envio para aprimorar o O agravamento da crise econômica monitoramento das exportações alemãs de provocou aumentos nos preços de armas de guerra e determinados tipos de alimentos, assistência médica, armas de fogo, a fim de garantir a adesão a combustíveis, lazer e cultura. Isso levou a certificados de utilização final que não sejam manifestações contínuas de usadas para cometer violações de direitos descontentamento e restrições sobre os humanos. Diante de tal controle, o paradeiro direitos à liberdade de expressão, de armamentos de guerra exportados seria associação e manifestação pacífica. O verificado após o envio aos países governo usou o sistema de justiça e outras destinatários. Os governos que recebessem instituições nacionais para silenciar a armamentos militares alemães precisariam dissidência. O direito à moradia e o direito atestar, mediante uma declaração de uso à saúde foram violados. final, que estão de acordo com tais controles locais. Declarações de utilização final foram INFORMAÇÕES GERAIS assinadas para ao menos quatro exportações A queda no preço do petróleo impôs forte de armas de pequeno porte. O governo pressão sobre a economia de Angola, estava implementando a primeira fase piloto dependente do petróleo, induzindo o governo do novo mecanismo no fim do ano. a fazer cortes de orçamento de 20% e a buscar o apoio do Fundo Monetário PRESTAÇÃO DE CONTAS Internacional (FMI). Em julho, o Comitê de Em agosto, o Tribunal Regional de Dortmund Direitos Econômicos, Sociais e Culturais aceitou exercer jurisdição sobre um processo (CDESC) da ONU expressou sua aberto em 2015 por quatro vítimas preocupação com o retrocesso das medidas paquistanesas contra a KiK, varejista alemã de austeridade do governo, como a reserva do setor de vestimentas, proporcionando a insuficiente de recursos para a área da elas assistência jurídica. Em setembro de saúde. 2012, 260 trabalhadores morreram e 32 Em 2 de junho, o presidente José Eduardo ficaram gravemente feridos em um incêndio dos Santos nomeou sua filha Isabel dos que destruiu uma das principais fábricas Santos como chefe da empresa petrolífera têxteis no Paquistão, que abastecia a KiK. estatal Sonangol, a maior fonte de receita do Em dezembro, o governo adotou um Plano Estado e centro de um amplo esquema de de Ação Nacional a fim de implementar os patrocínio. Princípios Orientadores da ONU sobre Em agosto, por decisão do Movimento Empresas e Direitos Humanos. No entanto, o Popular de Libertação de Angola (MPLA), Plano não compreendia medidas adequadas José Eduardo dos Santos foi reeleito líder por para cumprir com todos os padrões mais cinco anos, embora, em março, ele estabelecidos nos Princípios e não garantia tenha anunciado sua intenção de afastar-se que empreendimentos de negócios alemães da política em 2018. Ele é presidente desde fossem obrigados a realizar planejamento 1979. detalhado ou auditorias para assegurar o respeito aos direitos humanos. SISTEMA JUDICIÁRIO Julgamentos com motivação política, acusações criminais de difamação e leis de segurança nacional continuaram sendo

Anistia Internacional Informe 2016/17 71 usados para reprimir defensores e dos membros do Angola 17, declarou em voz defensoras dos direitos humanos, alta no tribunal: "Não temo pela minha vida, dissidências e outras expressões críticas. A este julgamento é uma palhaçada". Ele foi absolvição de defensores dos direitos considerado culpado por desacato à humanos e a libertação de prisioneiros de autoridade do tribunal, sentenciado a seis consciência foram passos positivos, mas, meses de prisão e multado em 50.000 sem uma reforma estrutural do legislativo e o kwanzas.1 Em 5 de julho, o Tribunal comprometimento total com as leis e normas Constitucional pronunciou-se sobre o internacionais de direitos humanos, essas recurso, decidindo que o julgamento tinha conquistas continuam frágeis. violado direitos constitucionais do réu e ordenou sua libertação. As mesmas palavras Prisioneiros de consciência foram ditas no tribunal em 28 de março por Em 28 de março, 17 jovens ativistas outro jovem ativista, Francisco Mapanda conhecidos como Angola 17 foram (também conhecido como Dago Nível condenados por “preparar ações de rebelião” Intelecto). Ele também foi considerado e por “conspiração criminosa”. Eles culpado por desacato à autoridade do receberam sentenças de dois anos e três tribunal e sentenciado a oito meses de meses a oito anos e meio de prisão, foram prisão. Ganhou a liberdade em 21 de presos e multados em 50.000 kwanzas (US novembro, sete dias antes do programado.2 $ 300) por custas judiciais. Entre os dias 20 e 24 de junho de 2015, as forças de Defensores e defensoras dos direitos humanos segurança prenderam e detiveram 15 O defensor dos direitos humanos e ex- ativistas na capital Luanda depois de uma prisioneiro de consciência José Marcos reunião onde discutiram questões políticas e Mavungo foi libertado em 20 de maio, após suas preocupações com o governo do país. um recurso apresentado ao Supremo Duas outras ativistas também foram Tribunal. O Tribunal considerou que não acusadas, mas foram detidas apenas após a havia provas suficientes para condená-lo. Em sentença. Logo depois das condenações, os 14 de setembro de 2015, José Marcos advogados dos ativistas apresentaram dois Mavungo foi sentenciado a seis anos de recursos; um ao Tribunal Supremo e o outro prisão por “rebelião”, um crime contra a ao Tribunal Constitucional. Eles também segurança do Estado. Ele foi detido em 14 de apresentaram um pedido de habeas corpus, março de 2015 por envolvimento na do qual o Tribunal Supremo tomou organização de uma manifestação pacífica. conhecimento em 29 de junho, ordenando a Em 12 de julho, o Tribunal da Provincia de libertação condicional dos 17 ativistas, na Cabinda indeferiu as acusações contra o pendência de uma decisão final sobre o defensor dos direitos humanos e ex- caso. prisioneiro de consciência Arão Bula Tempo. Em 20 de julho, a Assembleia Nacional de Ele foi preso em 14 de março de 2015 e solto Angola aprovou a Lei de Anistia referente aos em liberdade condicional dois meses depois. crimes cometidos até 11 de novembro de Ele foi acusado de “rebelião” e “tentativa de 2015, incluindo o caso dos Angola 17. colaboração com estrangeiros para coação Alguns dos 17 participantes declararam que do Estado angolano”, dois crimes contra a não tinham cometido nenhum crime e não segurança do Estado. As acusações foram quiseram receber a anistia. Eles foram baseadas na alegação de que Arão Bula prisioneiros de consciência, presos e Tempo teria convidado jornalistas condenados unicamente pelo exercício estrangeiros para cobrir o protesto de 14 de pacífico de seus direitos. março planejado por José Marcos Mavungo. Dois jovens ativistas foram punidos por criticar o processo durante o julgamento. Em 8 de março, Manuel Chivonde Nito Alves, um

72 Anistia Internacional Informe 2016/17 Lei da Entidade Reguladora da Comunicação LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO Social Angolana - ERCA) que restringirão Organizações da sociedade civil dedicadas às ainda mais a liberdade de expressão. questões de direitos humanos, como a Partidos da oposição, o Sindicato dos OMUNGA e a SOS-Habitat, sofreram Jornalistas Angolanos e outros participantes restrições indevidas de acesso a seus da sociedade civil criticaram os projetos, pois próprios fundos, inclusive de fontes possibilitavam um controle mais rigoroso do internacionais. Os bancos impediram o governo sobre a televisão, o rádio, a acesso das organizações a suas contas. Além imprensa, as mídias sociais e a internet. de dificultar seu trabalho legítimo, isso Dentre as alterações propostas, estavam a também minou o direito das associações de criação de uma Entidade Reguladora da buscar e garantir recursos, e teve um Comunicação Social Angolana com ampla impacto mais amplo sobre os direitos competência sobre a regulamentação e humanos em geral. Apesar das denúncias às supervisão, inclusive a compatibilidade das instituições do governo responsáveis pela comunicações com as boas práticas supervisão das atividades bancárias, até o jornalísticas. Essa disposição equivaleria à final do ano, não houve qualquer resposta. censura prévia e dificultaria o livre fluxo de ideias e opiniões. A maioria dos membros da LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO entidade reguladora deveria ser nomeada Com frequência, as autoridades não pelo partido do governo e o partido com mais permitiram a realização de manifestações assentos na Assembleia Nacional (nos dois pacíficas, embora em Angola elas não exijam casos, o MPLA), o que gerou preocupações autorização prévia. Nos protestos ocorridos, de que a entidade seria uma instituição não raro a polícia prendeu e deteve política para silenciar dissidências e vozes participantes pacíficos de modo abusivo. críticas. Em 30 de julho, mais de 30 ativistas pacíficos foram presos arbitrariamente e DIREITO À SAÚDE – SURTO DE FEBRE detidos por até sete horas na cidade de AMARELA Benguela. Eles planejavam participar de uma Um surto de febre amarela registrado pela manifestação pacífica organizada pelo primeira vez em Luanda no último trimestre Movimento Revolucionário de Benguela para de 2015 continuou no segundo semestre de exigir medidas eficazes contra a inflação. 2016, com casos suspeitos em todas as 18 Todos foram libertados sem acusações. províncias do país. Entre os 3.625 casos Alguns dias depois, quatro ativistas foram informados nesse período, houve 357 presos novamente sem um mandado e mortes. O surto foi agravado pela falta de liberados sob fiança. Até o final do ano, eles vacinas no principal hospital público de não haviam sido acusados formalmente, mas Luanda, onde aconteceram os primeiros o procurador comunicou a eles que eram diagnósticos. O Comitê de Direitos suspeitos de roubo qualificado, tráfico de Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) da drogas e violência contra partidários do ONU recomendou que Angola aumentasse Movimento Popular de Libertação de Angola os recursos destinados ao setor de saúde, (MPLA).3 Ninguém foi responsabilizado pelas em particular para a melhoria da prisões e detenções arbitrárias.4 infraestrutura e a expansão das instalações médicas, especialmente nas zonas rurais. LIBERDADE DE EXPRESSÃO Em 18 de novembro, a Assembleia Nacional DIREITO À MORADIA – REMOÇÕES aprovou cinco projetos de lei (Lei de FORÇADAS Imprensa, Estatuto do Jornalista, Lei sobre o Na revisão de 2016 referente a Angola, o Exercício da Atividade de Radiofusão, Lei CDESC da ONU expressou sua preocupação sobre o Exercício da Atividade de Televisão, com a persistência das remoções forçadas,

Anistia Internacional Informe 2016/17 73 inclusive de assentamentos informais e os réus em julgamentos injustos. Mulheres durante projetos de desenvolvimento, sem as enfrentaram discriminação na lei e na garantias processuais necessárias ou a prática, e não foram protegidas contra a provisão de habitações alternativas ou violência sexual e outros tipos de violência indenização adequada às pessoas e aos de forma adequada. As autoridades grupos afetados. As comunidades foram continuaram a prender, deter e deportar os realocadas em casas improvisadas, sem migrantes em situação irregular. Tribunais acesso adequado a serviços básicos, como impuseram muitas penas de morte, água, eletricidade, saneamento, saúde e inclusive para crimes não violentos e contra educação. menores em conflito com a lei; dezenas de Em 6 de agosto, um oficial militar matou a execuções foram realizadas. No Iêmen, tiros Rufino Antônio, de 14 anos, que ficou forças de coalizão lideradas pela Arábia parado na frente de sua casa, tentando evitar Saudita cometeram violações graves do sua demolição. Naquele dia, a polícia militar direito internacional, incluindo crimes de havia sido acionada para lidar com uma guerra. manifestação contra a demolição de casas em Zango II, município de Viana, em INFORMAÇÕES GERAIS Luanda, por causa de um projeto de A Arábia Saudita enfrentou crescentes desenvolvimento. Até o final do ano, os problemas econômicos devido à queda dos suspeitos do assassinato não haviam se preços do petróleo no mundo e ao custo da apresentado à justiça. intervenção militar contínua no conflito armado no Iêmen. Isso se refletiu na redução dos gastos do Estado no bem-estar social e 1. Urgent Action: Angolan activist convicted after unfair trial: Manuel Chivonde Nito Alves (AFR 12/3464/2016) na construção, levando à demissão de 2. Urgent Action: Further information: Angolan activist released a week milhares de migrantes, principalmente do sul early: Francisco Mapanda (AFR 12/5205/2016) da Ásia. Em abril, as autoridades lançaram o 3. Urgent Action: Angola: Four youth activists detained without charge “Vision 2030“, um plano para diversificar a (AFR 12/4631/2016) economia e acabar com a dependência do 4. Amnesty International, OMUNGA and Organização Humanitária país da renda derivada da extração de Internacional (OHI) urge Angolan authorities to respect the rights to combustível fóssil. Em setembro, o Gabinete freedom of expression and peaceful assembly (AFR 12/4590/2016) anunciou cortes de salários dos ministros do governo e dos bônus pagos aos funcionários públicos. ARÁBIA SAUDITA As relações entre a Arábia Saudita e o Irã continuam a se deteriorar, agravadas pelo Reino da Arábia Saudita seu apoio a lados opostos nos conflitos da Chefe de estado e governo: King Salman bin Abdul Aziz região. Após a execução pelo governo do Al Saud proeminente Sheikh Nimr al-Nimr , muçulmano xiita, e de outras pessoas no dia As autoridades restringiram com rigor os 2 de janeiro, manifestantes invadiram e direitos à liberdade de expressão, de incendiaram a embaixada da Arábia Saudita associação e de reunião , detendo e na capital do Irã, Teerã, exigindo que a aprisionando sob acusações vagas os Arábia Saudita cortasse as relações críticos, defensores e defensoras dos diplomáticas com o Irã e expulsasse os direitos humanos e ativistas de direitos das diplomatas iranianos. As autoridades de minorias. Torturas e outros maus tratos aos Teerã proibiram iranianos de frequentar a detidos continuaram comuns, peregrinação anual a Meca, na Arábia especialmente durante interrogatório, e os Saudita. tribunais continuaram a aceitar "confissões" Em 4 de julho, homens-bomba realizaram obtidas por meio de tortura para condenar ataques aparentemente coordenados em um

74 Anistia Internacional Informe 2016/17 dos lugares mais sagrados do Islã, em fragmentação fabricada no Reino Unido em Medina, no consulado norte-americano em 2015, e afirmou que isso não se repetirá no , e em uma mesquita xiita em , futuro. Os governos dos EUA e do Reino matando quatro pessoas. Unido continuaram ajudando a coalizão com Em setembro, o Congresso norte- armas, treinamento, inteligência e apoio americano votou com ampla maioria para logístico, apesar das graves violações do anular o veto do Presidente Barack Obama direito internacional cometidas por suas sobre a lei de Justiça Contra os forças no Iêmen. Patrocinadores de Terrorismo (JASTA, na Em junho, o secretário geral da ONU sigla em inglês), abrindo caminho para que removeu a Arábia Saudita de uma lista de as famílias das pessoas mortas nos ataques Estados e grupos armados responsáveis por terroristas de 11 de setembro de 2001 nos graves violações dos direitos da criança EUA busquem indenização do governo da durante conflitos, depois que o governo Arábia Saudita. ameaçou cortar seu apoio financeiro a Em outubro, o Comitê da ONU sobre os programas importantes da ONU. Direitos da Criança insistiu para que o As forças huthi e seus aliados realizaram governo suspendesse imediatamente a repetidamente ataques indiscriminados execução de prisioneiros no corredor da transnacionais, bombardeando áreas de morte condenados por crimes que eles população civil, como Najran e Jazan, no sul supostamente teriam cometido quando eram da Arábia Saudita, matando e ferindo civis e menores de 18 anos, liberasse danificando objetos civis. imediatamente todas as crianças condenadas à morte após julgamentos LIBERDADE DE EXPRESSÃO, injustos e comutasse as penas de outros; e ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO proibisse por lei a condenação à morte de As autoridades mantiveram fortes restrições à pessoas menores de 18 anos no momento do liberdade de expressão e reprimiram seu suposto crime. dissidentes. Eles intimidaram, prenderam e processaram críticos, incluindo escritores e CONFLITO ARMADO NO IÊMEN comentaristas on-line, ativistas de direitos Durante todo o ano, a coalizão militar políticos e da mulher, membros da minoria liderada pela Arábia Saudita, que apoia o xiita e defensores dos direitos humanos, governo reconhecido internacionalmente no aprisionando alguns depois de serem Iêmen, continuou a bombardear áreas condenados à prisão pelos tribunais com controladas ou contestadas por forças huthi e acusações vagas. seus aliados no Iêmen, matando e ferindo Em março, o Tribunal Penal Especializado milhares de civis. Alguns ataques foram (TPE) da capital, Riad, condenou o jornalista indiscriminados, desproporcionais ou Alaa Brinji a cinco anos de prisão e dirigidos contra civis e alvos civis, incluindo pagamento de multa, seguido por uma escolas, hospitais, mercados e mesquitas. proibição de deixar o país por oito anos Alguns ataques da coalizão elevaram-se a devido a comentários que ele postou no crimes de guerra. A coalizão usou Twitter. armamento fornecido pelos governos dos Também em março, o TPE sentenciou o EUA e do Reino Unido, inclusive bombas de escritor e intelectual muçulmano Mohanna fragmentação internacionalmente banidas, Abdulaziz al-Hubail a seis anos de prisão cujo uso inerente é indiscriminado e que seguidos por uma proibição de deixar o país representam um risco permanente para os por seis anos, depois de condená-lo à revelia civis devido ao fato de que muitas vezes não sob acusações que incluíram “insultar o são detonadas no impacto inicial. Em Estado e seus governantes”, incentivar e dezembro, a coalizão admitiu que suas participar de manifestações, e “ser solidário a forças haviam usado munição de participantes detidos” da Associação Saudita

Anistia Internacional Informe 2016/17 75 de Direitos Civis e Políticos (ACPRA) julgamento no TPE. Ambos receberam uma mantidos como prisioneiros de consciência. lista de acusações relacionadas a seu O TPE também ordenou o encerramento de trabalho com os direitos humanos, incluindo, sua conta no Twitter. entre outras coisas, “participar da criação de As autoridades não permitiam a existência uma organização e anunciá-la antes de obter de partidos políticos, sindicatos ou grupos uma autorização” e “dividir a união nacional, independentes de direitos humanos, e espalhar o caos e incitar a opinião pública”. continuaram a deter, processar e prender Dezenas de outros ativistas e defensores quem organizasse ou participasse de dos direitos humanos continuaram a cumprir organizações sem licença. penas de prisão por acusações semelhantes, Todas as manifestações, mesmo pacíficas, com base no seu exercício pacífico dos continuaram proibidas por uma ordem direitos humanos. emitida pelo Ministério do Interior em 2011. Em janeiro, agentes de segurança Algumas das pessoas que tinham desafiado prenderam por um breve período a defensora a proibição foram presas e encarceradas. dos direitos humanos devido Greves permaneceram extremamente raras, às suas atividades na campanha pela mas em setembro cidadãos sauditas e libertação de seu ex-marido, o advogado de estrangeiros que trabalhavam num hospital direitos humanos Waleed Abu al-Khair. particular em Khobar entraram em greve para protestar contra meses de salários não SEGURANÇA E COMBATE AO pagos. TERRORISMO As autoridades disseram que as forças de DEFENSORES E DEFENSORAS DOS segurança tinham cercado e detido centenas DIREITOS HUMANOS de pessoas suspeitas de crimes relacionados As autoridades continuaram a prender, deter ao terrorismo, incluindo supostos apoiadores e processar defensores e defensoras dos e afiliados do grupo armado Estado Islâmico direitos humanos sob acusações vagas e e da al-Qaeda, mas forneceram poucos excessivamente amplas, utilizando a detalhes. Alguns presos foram mantidos no legislação de combate ao terrorismo e as leis Centro de Aconselhamento e Cuidados destinadas a reprimir críticas pacíficas. Entre Mohammed bin Naif, um centro designado as pessoas detidas, em julgamento ou para “terroristas” e pessoas “que seguem cumprindo pena, estavam diversos membros pensamentos subversivos”. da ACPRA, uma organização independente As autoridades norte-americanas de direitos humanos criada em 2009, que as transferiram nove detidos – todos iemenitas – autoridades fecharam em 2013. de suas instalações prisionais em Em maio, o TPE condenou Abdulaziz al- Guantánamo para a Arábia Saudita em abril. Shubaily, um dos fundadores da ACPRA, a Defensores e defensoras dos direitos oito anos de prisão seguidos por oito anos humanos e aqueles que expressaram sem poder deixar o país e sem se comunicar dissidência política continuaram a ser pelas redes sociais. Ele foi condenado por equiparados a "terroristas". Após ser liberado difamar e insultar os juízes sênior nos termos da prisão de al-Ha’ir em Riad, onde cumpriu da lei contra crimes cibernéticos. Outras quatro anos de prisão, Mohammed al-Bajadi, acusações contra ele incluíram defensor dos direitos humanos e fundador da “comunicação com organizações ACPRA, foi mantido por mais quatro meses estrangeiras” e fornecer informações sobre no Centro de Aconselhamento e Cuidados violações de direitos humanos à Anistia Mohammed bin Naif, onde passou por Internacional. “sessões de aconselhamento” religioso e Em outubro, Mohammad al-Otaibi e psicológico toda semana. Adbullah al-Attawi, cofundadores da União Em fevereiro, o TPE começou a julgar 32 pelos Direitos Humanos, foram levados a réus, incluindo 30 membros da minoria xiita,

76 Anistia Internacional Informe 2016/17 acusados de espionagem e de passar especialmente para extrair “confissões” informações da inteligência militar para o Irã, falsas para uso como provas contra si além de apoiar protestos em Qatif, na mesmos em julgamento. Os tribunais Província Leste, onde os xiitas são a maioria frequentemente condenavam os réus com da população. A promotoria buscava a pena base em "confissões" falsas obtidas antes do de morte para 25 dos réus. Em dezembro, o julgamento, que eram contestadas. TPE condenou quinze deles à morte, depois O advogado que representa a maioria dos de um julgamento injusto. Outros quinze 32 réus acusados de espionagem para o Irã receberam penas de prisão variando de seis disse que eles foram forçados a "confessar". meses a 25 anos, e dois foram absolvidos. Após a detenção, foram presos e mantidos Em novembro, treze mulheres foram incomunicáveis, sem poder ver suas famílias julgadas pelo TPE por acusações e seus advogados durante três meses. relacionadas à sua participação em protestos Alguns foram submetidos a isolamento na cidade de Buraydah. prolongado na solitária.

PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS Punição cruel, desumana ou degradante Em abril, o Conselho de Ministros lançou As autoridades continuaram a impor e novas regulamentações que reduzem os administrar castigos corporais que violam a poderes do Comitê para a Promoção da proibição da tortura e outros maus tratos, em Virtude e a Prevenção do Vício, a polícia especial chibatadas. Em fevereiro, o Tribunal religiosa da Arábia Saudita. Em especial, as Geral em Abha condenou o poeta e artista leis impediam a polícia religiosa de seguir e palestino Ashraf Fayadh a 800 chibatadas e prender suspeitos e exigir que eles oito anos de prisão ao reverterem sua pena apresentassem identificação. de morte por apostasia devido a seus escritos As autoridades continuaram a realizar em 2015. inúmeras prisões arbitrárias, mantendo as pessoas detidas por períodos prolongados DISCRIMINAÇÃO — MINORIA XIITA sem encaminhá-las ao tribunal competente, A minoria muçulmana xiita da Arábia Saudita embora a Lei de Procedimentos Criminais continuou a enfrentar discriminação exija que todos os detidos sejam arraigada, que tem restringido seu acesso a encaminhados ao tribunal em até seis serviços do governo e a empregos públicos, meses. Os detidos foram frequentemente bem como sua liberdade de expressão mantidos incomunicáveis durante o religiosa. As autoridades continuaram a interrogatório e tiveram negado o acesso a prender, deter e condenar ativistas xiitas à advogado, minando o seu direito a um prisão ou à morte após julgamentos injustos julgamento justo e aumentando o risco de no TPE. tortura e outros maus tratos. Em junho, o TPE condenou 14 membros Em setembro, autoridades de segurança da minoria xiita à morte por acusações que prenderam de forma arbitrária o ativista pelos incluíram atirar contra agentes de segurança, direitos humanos Salim al-Maliki, após ele ter incitar o caos e participar de manifestações e publicado um vídeo no Twitter de guardas da protestos. Outros nove receberam penas de fronteira removendo moradores tribais da prisão e um foi considerado inocente. região de Jazan, próxima à fronteira da Arábia Saudita com o Iêmen. Ele foi mantido DIREITOS DAS MULHERES incomunicável durante seis semanas, e Mulheres e meninas continuaram a enfrentar continuava preso até o final do ano. discriminação na lei e na prática, e não foram protegidas contra a violência sexual e TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS outras formas de violência de forma Agentes de segurança continuaram a torturar adequada. Por lei, as mulheres continuaram e maltratar detidos sem serem punidos, subordinadas com status inferior em relação

Anistia Internacional Informe 2016/17 77 aos homens em termos de casamento, pagos por meses, depois de o governo cortar divórcio, guarda dos filhos e herança. Elas gastos em contratos com empresas de também não têm acesso ao ensino superior, construção e de outros setores. Cidadãos não têm empregos remunerados nem podem indianos, paquistaneses, filipinos e de outros viajar para o exterior sem a aprovação do seu países foram mantidos presos sem comida, guardião masculino. Também é proibido que água e vistos de saída; alguns foram para as as mulheres dirijam. ruas para bloquear estradas em protesto. O plano de reforma econômica do governo, “Vision 2030”, incluía metas para PENA DE MORTE aumentar a participação de mulheres na Tribunais continuaram a impor penas de força de trabalho saudita de 22% para 30%” morte para muitos crimes, incluindo crimes e “investir” na capacidade produtiva para não violentos envolvendo drogas, que, nos “fortalecer seu futuro e contribuir para o termos do direito internacional, não deveriam desenvolvimento de nossa sociedade e nossa incorrer em pena de morte. Muitos réus economia”. Nenhuma reforma jurídica ou foram condenados à morte após julgamentos outras medidas necessárias para atingir estes injustos pelos tribunais, que os condenaram objetivos parece ter sido iniciada até o final sem investigar adequadamente suas do ano, embora o Ministro da Justiça tenha alegações de que as "confissões" tinham sido determinado em maio que devem ser dadas coagidas, inclusive com tortura. às mulheres uma cópia de sua certidão de Em 2 de janeiro, as autoridades realizaram casamento, que é necessária no caso de 47 execuções. Segundo relatos, foram 43 por contestações judiciais entre os cônjuges. O decapitação e 4 por armas de fogo, em 12 Conselho da Shura debateu uma proposta de locais em todo o país. lei que, se aprovada, permitiria que as Entre os executados estavam menores em mulheres obtivessem um passaporte sem a conflito com a lei, inclusive quatro homens aprovação de um guardião masculino. xiitas condenados à morte por participarem Em agosto, uma campanha on-line no de protestos em 2012, quando eram Twitter chamada “Mulheres sauditas exigem menores de 18 anos. o fim da tutela” fez com que dezenas de milhares de mulheres expressassem sua oposição ao sistema de tutela masculina. Ativistas relataram que, até setembro, cerca ARGENTINA de 14.000 mulheres sauditas haviam República Argentina assinado uma petição on-line pedindo ao Rei Chefe de estado e de governo: Mauricio Macri Salman para abolir o sistema. Em 11 de dezembro, Malak al-Shehri foi detida e interrogada depois de ter publicado Mulheres e meninas tiveram dificuldades no uma foto de si mesma numa rede social sem acesso ao aborto legal; intensificou-se a um abaya (vestimenta que cobre o corpo criminalização de direitos sexuais e todo). Foi liberada em 16 de dezembro, mas reprodutivos. A discriminação contra os sua situação jurídica continua sem definição. povos indígenas continuou. DIREITOS DOS TRABALHADORES INFORMAÇÕES GERAIS MIGRANTES O Congresso Nacional aprovou a Lei de As autoridades mantiveram a repressão aos Acesso a Informação Pública (Lei 27.275). O migrantes em situação irregular, prendendo, Conselho Nacional para Mulheres apresentou detendo e deportando centenas de milhares o plano de ação nacional para a prevenção, de trabalhadores migrantes. assistência e erradicação da violência contra Dezenas de milhares de trabalhadores mulheres. migrantes foram demitidos sem terem sido

78 Anistia Internacional Informe 2016/17 Em junho e outubro, ocorreram inúmeros resultado, ela engravidou e foi forçada a protestos sob a palavra de ordem “Nem uma manter a gravidez, apesar de seus pais terem a menos”, relacionada à violência denunciado o estupro. Com 31 semanas, foi generalizada contra a mulher, o assassinato permitido que a garota fizesse uma operação de mulheres e a carência de políticas cesariana, pois não era possível sustentar a públicas para resolver a situação. gravidez. A Argentina passou pela análise do Comitê Em novembro, o Comitê CEDAW insistiu de Direitos Humanos da ONU, o Comitê da que a Argentina garantisse que todas as ONU para a Eliminação de Todas as Formas províncias aprovassem protocolos para de Discriminação contra a Mulher (Comitê facilitar o acesso ao aborto legal; garantisse CEDAW) e o Comitê da ONU para a que as mulheres tenham acesso ao aborto Eliminação da Discriminação Racial. legal e seguro e a serviços pós-aborto, e tomasse medidas definitivas para evitar "o DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS uso universal da objeção conscienciosa” por Em abril, uma mulher da província de médicos que se recusam a realizar abortos, Tucumán foi considerada culpada de considerando especificamente a situação de assassinato e condenada a oito anos de gravidez precoce decorrente de estupro e prisão depois de sofrer um aborto em um incesto, o que pode equivaler a perversão; e hospital, de acordo com seu histórico clínico. acelerar a adoção do projeto de lei para a Ela foi denunciada à polícia por funcionários interrupção voluntária da gravidez, do hospital por supostamente ter induzido o melhorando o acesso legal ao aborto. aborto e mantida em prisão preventiva por mais de dois anos. Primeiro, foi acusada de DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS submeter-se a um aborto ilegal e depois por Apesar de a Constituição reconhecer o direito homicídio com agravantes de assassinato dos povos indígenas à suas terras ancestrais premeditado de parente próximo (um crime e à participação na gestão dos recursos com sentenças de até 25 anos de prisão). naturais, a maioria das comunidades Em agosto, o Comitê de Direitos Humanos indígenas continua não tendo da ONU manifestou interesse no caso, reconhecimento legal de seus direitos recomendando que o governo considere a fundiários. descriminalização do aborto e a libertação Os povos indígenas denunciaram mais de imediata da ré. O Comitê apelou para que a 200 casos de violação dos direitos à terra, Argentina mude a legislação referente ao participação e consulta, à igualdade e não aborto a fim de assegurar que todas as discriminação e ao acesso à justiça, entre mulheres e meninas tenham acesso a outros. serviços de saúde reprodutiva e “que as 2016 marcou sete anos de impunidade no mulheres não sejam obrigadas, em caso de Javier Chocobar, líder da decorrência de empecilhos legais, da prática comunidade indígena de Chuschagasta, da objeção conscienciosa de profissionais da morto por defender pacificamente suas terras área de saúde ou da falta de protocolos no norte da província de Tucumán. médicos, a recorrer a abortos clandestinos que colocam suas vidas e sua saúde em DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E risco”. Em última instância, a Corte Suprema MIGRANTES de Tucumán ordenou a libertação da mulher Em agosto, a Direção Nacional de Migrações naquele mesmo mês, mas teve de expedir e o Ministério de Segurança anunciaram a uma decisão final sobre a sentença de oito criação de um centro de detenção para anos definida em primeira instância. imigrantes. Isso viola os direitos de liberdade, Em julho, uma menina de 12 anos da liberdade de movimento e proteção contra comunidade indígena Wichí foi estuprada por detenções arbitrárias. um grupo de homens não indígenas. Como

Anistia Internacional Informe 2016/17 79 Durante a Conferência de Líderes sobre Refugiados, realizada em Nova Iorque (EUA), LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE em setembro, a Argentina prometeu receber MANIFESTAÇÃO 3.000 refugiados sírios, com prioridade para As denúncias de uso desnecessário e famílias com crianças. No final do ano, ainda excessivo da força pelas forças de segurança não haviam sido definidos os detalhes do no contexto de protestos continuaram. programa de reassentamento. Em 16 de janeiro, a líder social Milagro Sala foi presa e acusada durante um protesto IMPUNIDADE pacífico em Jujuy, em dois de dezembro de Foram realizados julgamentos públicos de 2015. Apesar de, nesse caso, ela ter sido crimes contra a humanidade ocorridos no libertada, foram iniciados outros processos período do regime militar, de 1976 a 1983. penais contra ela a fim de mantê-la sob Entre 2006 e dezembro de 2016, foram detenção. Em outubro, o Grupo de Trabalho expedidos 173 vereditos, totalizando um da ONU contra Detenções Arbitrárias número de 733 condenados. concluiu que sua detenção foi arbitrária e Em maio, foi pronunciada uma sentença solicitou sua libertação imediata. histórica no caso da Operação Condor, um Em 17 de fevereiro, o Ministério de plano coordenado de inteligência lançado Segurança Nacional publicou o Protocolo de nos anos 1970 pelos regimes militares que Conduta das Forças de Segurança do Estado governavam a Argentina, o Brasil, a Bolívia, o Durante Protestos Públicos, que declara que Chile, o Paraguai e o Uruguai. Reynaldo as forças devem reprimir e o sistema de Bignone, o último presidente da Argentina justiça deve processar criminalmente as daquele período, foi condenado a 20 anos de pessoas que exercerem seus direitos de prisão. Outros 14 chefes militares foram manifestação pacífica. sentenciado.. Em agosto, a sentença do Em 31 de março, o Ministério Público de julgamento histórico conhecido como “La Buenos Aires expediu o parecer FG N Perla” – que incluiu centros clandestinos na 25/2016, que gera riscos sérios de restrições província de Córdoba – foi finalizada, indevidas ao direito de manifestação pacífica. condenando 28 criminosos à prisão perpétua. Foram pronunciadas nove DEFENSORES E DEFENSORAS DOS sentenças, entre dois e 14 anos de prisão e DIREITOS HUMANOS seis absolvições. O defensor dos direitos humanos Rubén Ortiz Até dezembro, a Comissão Bicameral para foi ameaçado e intimidado por seu apoio aos identificar interesses econômicos e direitos das comunidades agrícolas financeiros que conspiraram com a ditadura (campesinos) na província de Misiones. No militar, criada pela lei 27.217 em 2015, final do ano, havia um processo de ainda não havia sido estabelecida. investigação em curso. A audiência pública continuou a encobrir a investigação do ataque de 1994 sobre o TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS prédio da Associação Mutual Israelita Até o fim do ano, o Comitê Nacional para a Argentina (AMIA), em que foram mortas 85 Prevenção da Tortura não havia sido pessoas. Dentre os acusados estavam o ex- estabelecido, apesar da normativa do presidente Carlos Menem, um ex-juiz e governo do Sistema Nacional para a outros antigos funcionários. O principal caso Prevenção da Tortura, que compreende relacionado ao ataque está paralisado desde legisladores, autoridades do governo e 2006. Em agosto, a Unidade de Investigação representantes de organizações da sociedade da Promotoria da AMIA identificou Augusto civil. Os deveres do Comitê incluem visitas a Daniel Jesús como a última vítima que ainda centros de detenção, prevenção de precisava ser identificada. superpopulação prisional e a regulamentação das transferências.

80 Anistia Internacional Informe 2016/17 BOLÍVIA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO Em junho, protestos pacíficos de pessoas Estado Plurinacional da Bolívia com deficiência que exigiam um benefício Chefe de estado e governo: Evo Morales Ayma mensal, foram reprimidos pela polícia com gás lacrimogêneo. Em agosto, alegações de A criação de uma comissão para a verdade, uso excessivo da força para reprimir justiça e reconciliação para violações de protestos foram relatadas ao Comitê da ONU direitos humanos e crimes cometidos sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, durante regimes militares (1964-1982) sob estas alegações instavam as autoridades o direito internacional, ainda permanece bolivianas a realizar uma investigação pendente. Houve alegações de que não se abrangente e imparcial sobre o incidente. buscou a autorização livre, prévia e informada dos povos indígenas sobre os DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS projetos de exploração de petróleo na Em março, líderes dos povos indígenas da Amazônia. Houve algum progresso na Amazônia e o Centro para Documentação e proteção dos direitos LGBTI, bem como os Informação da Bolívia (CEDIB) denunciaram direitos sexuais e reprodutivos. Existem o fracasso em assegurar uma autorização ainda questões preocupantes sobre o prévia, livre e informada sobre os projetos de sistema penitenciário. exploração de petróleo que ocorrem em território indígena. INFORMAÇÕES GERAIS Em agosto, o Vice-Ministro do Interior, DIREITOS LGBTI Rodolfo Illanes, foi assassinado durante Em maio, a Câmara dos Deputados do protestos de mineiros. Os manifestantes Congresso aprovou a Lei de Identidade de estavam se opondo à aprovação de uma Gênero, estabelecendo os procedimentos emenda à Lei de Cooperativas, que garante o administrativos para as pessoas transgêneros direito de filiação aos sindicatos. acima de 18 anos poderem alterar legalmente seu nome, sexo e dados de IMPUNIDADE imagem em documentos oficiais. A Bolívia ainda não criou a Comissão para a Em setembro, a Defensoria Pública Verdade, Justiça e Reconciliação para crimes endossou um projeto de lei que permitiria o cometidos durante os governos militares, casamento civil entre pessoas do mesmo prometida em março de 2015 em uma gênero, e possibilitaria às pessoas LGBTI audiência pública perante a Comissão terem os mesmos direitos e garantias de Interamericana de Direitos Humanos. cuidados de saúde e segurança social de outros casais. O projeto de lei seria enviado à DIREITOS DE PESSOAS COM Assembleia Legislativa Plurinacional no final DEFICIÊNCIA do ano. Em setembro, o Comitê da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência emitiu DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS seu relatório sobre a Bolívia. Entre as Em agosto, o Ministério da Saúde e a recomendações, o Comitê instou a Bolívia a Universidade de San Andrés lançaram o aprimorar e adaptar mecanismos e primeiro Observatório de Mortalidade procedimentos para assegurar o acesso à Materna e Neonatal para monitorar e reduzir justiça de pessoas com deficiência, e abolir a as altas taxas de mortalidade materna e prática de esterilizar pessoas com deficiência infantil no país. O Ministério da Saúde sem seu livre, prévio e informado também anunciou o desenvolvimento de um consentimento. projeto de lei para garantir o acesso adequado ao planejamento familiar.

Anistia Internacional Informe 2016/17 81 processo no Congresso. O vice-presidente LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO Michel Temer assumiu o cargo. O novo Em julho, uma petição que considerava dois governo anunciou diversas medidas e artigos da Lei de Garantia de Personalidade propostas que podem ter impacto sobre os Legal e suas regulamentações direitos humanos, inclusive uma emenda inconstitucionais foi rejeitada pelo Tribunal constitucional (PEC 241/55) que limita os Constitucional. A petição havia sido gastos do governo durante os próximos vinte apresentada pela Defensoria Pública, anos, e que pode ter efeitos negativos nos afirmando que a lei poderia violar o direito à investimentos em educação, saúde e outras liberdade de associação para o áreas. A emenda foi aprovada na Câmara dos estabelecimento de ONGs ou fundações. Em Deputados e no Senado e foi duramente outubro, quatro ONGs apresentaram uma criticada pelo Relator Especial da ONU para petição na Comissão Interamericana de extrema pobreza e direitos humanos. Direitos Humanos referente à lei. No Congresso, várias propostas que prejudicariam os direitos das mulheres, CONDIÇÕES PRISIONAIS povos indígenas, crianças, e lésbicas, gays, Em junho, a Defensoria Pública publicou um bissexuais, transgêneros e intersexuais relatório destacando o problema grave de (LGBTI) estavam em discussão. Em superpopulação e corrupção no sistema setembro, uma comissão especial da Câmara penitenciário, bem como as persistentes dos Deputados aprovou mudanças no violações dos direitos humanos das pessoas Estatuto da Família para definir família como em privação de liberdade. a união entre um homem e uma mulher. O Brasil ainda não tinha ratificado o Tratado sobre o Comércio de Armas nem assinado a Convenção sobre Munição BRASIL Cluster. O Brasil teve um papel significativo República Federativa do Brasil em negociações atuais para um tratado que Chefe de estado e de governo: Michel Temer (substituiu baniria as armas nucleares e deve ser Dilma Rousseff em agosto) finalizado em 2017. Em dezembro, a Corte Interamericana de A polícia continuou a fazer uso Direitos Humanos condenou o Brasil por desnecessário e excessivo da força, em tolerar trabalho escravo e o tráfico de especial no contexto dos protestos. Jovens pessoas, com base nas condições de negros, principalmente os que moram em trabalhadores de uma fazenda no estado do favelas e periferias, foram Pará, norte do país. desproporcionalmente afetados pela violência por parte de policiais. Defensores SEGURANÇA PÚBLICA e defensoras dos direitos humanos, em As taxas de homicídio e a violência armada especial os que defendem os direitos terra e continuaram altas no país todo. Segundo as ao meio ambiente, enfrentaram cada vez estimativas, o número de vítimas de mais ameaças e ataques. A violência contra homicídios em 2015 era de 58 mil. As mulheres e crianças continua sendo uma autoridades falharam em propor um plano prática comum. As violações de direitos para abordar a situação. humanos e discriminação contra refugiados, Em 29 de janeiro, dez pessoas foram solicitantes de refúgio e migrantes se mortas e quinze foram feridas por homens intensificaram. armados na cidade de Londrina, no Paraná. Seis dos sete detidos durante a investigação INFORMAÇÕES GERAIS do incidente eram policiais militares. Em 31 de agosto, a Presidente Dilma Em março, após sua visita ao Brasil, o Rousseff sofreu impeachment após um longo Relator Especial da ONU para questões

82 Anistia Internacional Informe 2016/17 relativas a minorias apresentou ao Conselho e ter se envolvido em 217 tiroteios em de Direitos Humanos recomendações de que operações policiais no estado do Rio de tanto a polícia militar quanto a classificação Janeiro.2 automática dos homicídios cometidos por Durante o trajeto da tocha olímpica por policiais como “resistência seguida de morte” todo o país, protestos pacíficos em Angra dos — que presume que o policial agiu em Reis e Duque de Caxias, no estado do Rio de legítima defesa e não leva a nenhuma Janeiro, foram reprimidos com uso excessivo investigação — sejam abolidas. e desnecessário da força pela polícia. Balas Em setembro, o governo federal autorizou de borracha, bombas de efeito moral e gás o envio das Forças Armadas para o Rio lacrimogêneo foram usados Grande do Norte para dar apoio à polícia, indiscriminadamente contra manifestantes após vários dias de ataques de grupos pacíficos e pessoas que passavam pelo local, criminosos a ônibus e prédios públicos. Pelo inclusive crianças. menos 85 pessoas foram detidas sob a Em 10 de maio, a chamada “Lei Geral das alegação de terem participado dos ataques. Olimpíadas” (Lei 13.284/2016) foi assinada Em 18 de novembro, sete homens foram pela Presidente Dilma, em meio a mortos a tiros em Imperatriz no Maranhão, preocupações de que ela poderia impor depois que um policial militar foi alvo de uma restrições indevidas sobre as liberdades de tentativa de roubo e agressão quando estava expressão e manifestação pacífica, em fora de serviço. contradição com as normas internacionais de direitos humanos. De acordo com as Jogos Olímpicos 2016 disposições da nova lei, dezenas de pessoas As autoridades e organizadores dos Jogos foram expulsas dos locais de competição por Olímpicos 2016 não implantaram as medidas vestirem camisetas com slogans, necessárias para evitar violações de direitos empunharem bandeiras e outros cartazes de humanos pelas forças de segurança antes e protesto nos primeiros dias dos Jogos. Em 8 durante o evento esportivo.1 Isso levou à de agosto, um juiz federal decidiu contra a repetição das violações já testemunhadas em proibição de protestos pacíficos dentro dos outros grandes eventos esportivos realizados locais de competição. na cidade do Rio de Janeiro (os Jogos Pan- Em 5 de agosto, dia da cerimônia de Americanos em 2007 e a Copa do Mundo abertura, um protesto pacífico sobre os em 2014). impactos negativos dos Jogos foi realizado Dezenas de milhares de militares e perto do estádio do Maracanã, e foi reprimido agentes de segurança foram deslocados para pela polícia com força desnecessária. Os o Rio de Janeiro. O número de pessoas manifestantes foram dispersados com gás mortas pela polícia na cidade do Rio de lacrimogêneo numa praça onde crianças Janeiro imediatamente antes dos Jogos, brincavam. A maioria dos policiais não estava entre abril e junho, aumentou 103% em devidamente identificada. relação ao mesmo período de 2015. Em 12 de agosto, também perto do Durante os Jogos Olímpicos (5 a 21 de Maracanã, um protesto organizado agosto), as operações policiais foram majoritariamente por estudantes foi intensificadas em áreas específicas, como as duramente reprimido pela polícia militar, que favelas de Acari, Cidade de Deus, Borel, fez uso excessivo e desnecessário da força. Manguinhos, Alemão, Maré, Del Castilho e Cerca de 50 manifestantes, a maioria Cantagalo. Os moradores relataram horas de menores de 18 anos, foram detidos e um tiroteios intensos e abusos contra os direitos ficou ferido. No final do ano, alguns dos humanos, como buscas domiciliares ilegais, detidos estavam sendo investigados sob o ameaças e agressões físicas. A polícia Estatuto de Defesa do Torcedor, que tipifica admitiu ter matado pelo menos 12 pessoas como crime perturbar a ordem ou provocar durante os Jogos na cidade do Rio de Janeiro

Anistia Internacional Informe 2016/17 83 violência num raio de 5 km de um local execução e as investigações iniciais esportivo. apontaram envolvimento de guardas municipais. EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS Em 17 de novembro, quatro jovens foram Os homicídios pela polícia continuaram mortos a tiros por policiais militares da ROTA numerosos e, em alguns estados, em Jabaquara em São Paulo. aumentaram. No estado do Rio de Janeiro, 811 pessoas foram mortas pela polícia entre DESAPARECIMENTOS FORÇADOS janeiro e novembro. Houve relatos de Em 1o de fevereiro, doze policiais militares diversas operações policiais que resultaram foram condenados e sentenciados por crimes em mortes, a maioria delas em favelas. de tortura seguidos de morte, fraude Algumas poucas medidas foram adotadas processual e “ocultação de cadáver”, no para frear a violência policial no Rio, mas caso do desaparecimento forçado de ainda não produziram resultados. Seguindo Amarildo de Souza, no Rio de Janeiro. uma resolução do Conselho Nacional do Em abril, investigações policiais Ministério Público, em 5 de janeiro o identificaram 23 policiais militares como Ministério Público do Rio de Janeiro criou um suspeitos no desaparecimento forçado de grupo para atuar no controle externo da Davi Fiuza, de 16 anos, na cidade de atividade policial e na investigação de Salvador, Bahia, em outubro de 2014. No homicídios cometidos por policiais. A Polícia entanto, o caso não chegou ao Ministério Civil anunciou que as investigações dos Público e nenhum dos acusados tinha sido casos de homicídios por policiais seriam julgado até o fim de 2016. transferidas progressivamente para a Divisão de Homicídios. CONDIÇÕES PRISIONAIS A maioria dos homicídios cometidos por As prisões continuaram extremamente policiais continuaram impunes. Vinte anos superlotadas, com relatos de tortura e outros após a execução extrajudicial de um menino maus-tratos. De acordo com o Ministério da de dois anos durante uma operação da Justiça, até o fim de 2015 o sistema prisional polícia militar em 1996, na favela de Acari, tinha uma população de mais de 620 mil na cidade do Rio, ninguém tinha sido pessoas, embora a capacidade total seja de responsabilizado. Em 15 de abril, o crime aproximadamente 370 mil. prescreveu. Em outubro, a primeira Rebeliões de presos ocorreram pelo país. audiência pública relativa ao assassinato de Em outubro, dez homens foram decapitados 26 pessoas durante operações policiais na ou queimados vivos em Roraima, e oito favela Nova Brasília, na cidade do Rio de morreram asfixiados numa cela durante um Janeiro, em outubro de 1994 e maio de 1995 incêndio numa penitenciária em Rondônia. foi realizada diante da Corte Interamericana Em 8 de março, o Relator Especial da de Direitos Humanos. Os homicídios ainda ONU para tortura relatou, entre outras coisas, não tinham sido investigados e ninguém as péssimas condições de vida e a tinha sido levado à justiça. ocorrência frequente de tortura e outros Em julho, o Procurador-Geral solicitou que maus-tratos de presos por policiais e a investigação sobre a execução de 12 carcereiros no Brasil. pessoas por policiais em fevereiro de 2015, Em setembro, um tribunal anulou o em Cabula na Bahia, fosse transferida a julgamento e as sentenças de 74 policiais autoridades federais. pelo massacre no presídio de Carandiru em Em 6 de novembro, cinco homens, que 1992, quando 111 homens foram mortos por desapareceram em 21 de outubro depois de policiais. terem sido abordados por policiais, foram encontrados mortos em Mogi das Cruzes, São Paulo. Os corpos apresentavam sinais de

84 Anistia Internacional Informe 2016/17 LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DEFENSORES E DEFENSORAS DE O ano foi marcado por protestos DIREITOS HUMANOS majoritariamente pacíficos pelo país, sobre Ataques, ameaças e assassinatos de assuntos como o processo de impeachment, defensores de direitos humanos aumentaram a reforma educacional, violência contra as em comparação a 2015. Pelo menos 47 mulheres, impactos negativos dos Jogos defensores foram mortos entre janeiro e Olímpicos de 2016 e a redução de gastos setembro, incluindo pequenos agricultores, públicos com saúde e educação. Com camponeses, trabalhadores rurais, indígenas frequência, a resposta da polícia era violenta, e quilombolas, pescadores e ribeirinhos, em com uso excessivo e desnecessário de força. sua luta pelo acesso à terras e recursos Estudantes ocuparam pacificamente cerca naturais. Casos de ameaças, ataques e de mil escolas públicas no país para assassinatos envolvendo defensores dos questionar a reforma da educação e os direitos humanos raramente eram cortes de investimento propostos pelo investigados e permaneciam praticamente governo. Em junho, na cidade do Rio de impunes. Janeiro, a polícia usou força excessiva e Apesar da existência de uma política desnecessária para acabar com o protesto de nacional e um programa de proteção aos estudantes no prédio da Secretaria de defensores de direitos humanos, deficiências Educação. na implantação do programa e a falta de A polícia usou força excessiva e recursos fizeram com que essas pessoas desnecessária em vários estados para continuassem vítimas de ameaças e dispersar manifestações contra o novo homicídios. Em junho, a suspensão de governo e a proposta de emenda diversos acordos entre o governo federal e os constitucional (PEC 241/55) que restringe os governos dos estados para implantar o gastos públicos. Em São Paulo, uma programa, além dos cortes de gastos, estudante perdeu a visão no olho esquerdo diminuiu sua eficácia. depois que um policial lançou uma bomba Abril marcou o vigésimo aniversário do de efeito moral que explodiu perto dela. massacre de Eldorado dos Carajás, quando Em janeiro, Rafael Braga Vieira, que tinha 19 trabalhadores sem-terra foram sido detido depois de um protesto no Rio de assassinados e 69 ficaram feridos durante Janeiro em 2013, foi detido novamente sob uma operação brutal envolvendo mais de acusações forjadas de tráfico de drogas. 150 policiais no sudeste do Pará. Apenas Em 10 de agosto, um juiz estadual não dois comandantes da operação foram reconheceu a responsabilidade do estado condenados por homicídio e agressão. pela perda de um dos olhos de Sergio Silva, Nenhum policial ou outra autoridade foi depois de ele ter sido atingido por um projétil responsabilizado. Desde o massacre, mais de atirado pela polícia durante um protesto em 271 trabalhadores e lideranças rurais foram São Paulo, em 2013. O juiz considerou que, assassinados só no Pará. por estar no protesto, Sergio tinha implicitamente aceitado o risco de sofrer DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS ferimentos causados pela polícia. Os processos de demarcação e titulação dos Em março, a Lei Antiterrorismo territórios de povos indígenas continuaram a (13.260/2016) foi aprovada no Congresso e progredir muito lentamente, apesar do prazo sancionada pela Presidente. A lei foi para isso ter terminado há 23 anos. Uma amplamente criticada, por sua linguagem emenda constitucional (PEC 215) que vaga e por deixar margem para que seja permite aos legisladores bloquear as aplicada arbitrariamente em protestos demarcações — vetando, assim, os direitos sociais. dos povos indígenas previstos pela Constituição e pelo direito internacional —

Anistia Internacional Informe 2016/17 85 está em discussão no Congresso. Houve quando tentavam ter acesso a serviços tentativas de bloquer a demarcação de públicos, como saúde e educação. terras, em alguns casos, por grandes Durante o ano, no estado de Roraima, 455 fazendeiros. venezuelanos – incluindo crianças – foram A sobrevivência da comunidade de Apika’y deportados, muitos sem acesso ao devido (Guarani Kaiowá), no Mato Grosso do Sul, processo legal. correu sérios riscos. Em julho, a comunidade Apika’y foi expulsa de suas terras ancestrais. VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E Embora a comunidade tenha sido notificada MENINAS do despejo, não foi consultada e nem Em maio, o governo federal interino extinguiu recebeu opções para realocação. As famílias o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e de Apika’y foram deixadas na beira de uma Direitos Humanos e o reduziu a uma estrada, com acesso restrito a água e secretaria, parte do Ministério da Justiça, o comida. que causou uma redução significativa dos Em outubro, um inquérito conduzido pelo recursos e programas dedicados a Ministério Público Federal concluiu que o salvaguardar os direitos das mulheres e assassinato do índio Terena Oziel Gabriel foi meninas. causado por uma bala da Polícia Federal Uma série de estudos durante o ano numa operação de 2013 na fazenda Buriti, mostrou que a violência letal contra mulheres no Mato Grosso do Sul. aumentou 24% durante a década anterior e Durante uma visita em março, o Relator confirmou que o Brasil é um dos piores Especial da ONU sobre o direito dos povos países da América Latina para se nascer indígenas denunciou a incapacidade de o menina, em especial devido aos níveis Brasil demarcar as terras indígenas e o extremamente altos de violência de gênero e enfraquecimento de instituições estatais gravidez na adolescência, além das baixas responsáveis por proteger os direitos desses taxas de conclusão da educação secundária. povos. Os estupros coletivos de uma menina em 21 de maio e de uma mulher em 17 de PESSOAS REFUGIADAS, SOLICITANTES outubro no estado do Rio de Janeiro foram DE REFÚGIO E MIGRANTES notícia no país todo, confirmando a Havia aproximadamente 1,2 milhão de incapacidade do estado para respeitar, solicitantes de refúgio, refugiados e proteger e cumprir os direitos humanos de migrantes morando no país até outubro. O mulheres e crianças. De janeiro a novembro, governo não dedicou o empenho e os havia 4.298 casos de estupro reportados no recursos necessários para atender as estado do Rio de Janeiro, 1.389 deles na necessidades dos solicitantes de refúgio, capital. como processar os pedidos. Na média, levou O ano também marcou uma década desde pelo menos dois anos para processar um que a Lei Maria da Penha, contra violência pedido de refúgio — deixando os doméstica, entrou em vigor. O governo falhou requerentes no limbo jurídico durante esse em implementar a lei com rigor, e a violência período. doméstica e a impunidade continuam Em dezembro, a Câmara dos Deputados amplamente difundidas. aprovou uma nova lei de migração que salvaguarda os direitos de solicitantes de DIREITOS DAS CRIANÇAS refúgio, migrantes e apátridas; a lei estava Em agosto, um adolescente morreu e outros sendo apreciada pelo Senado no final do seis ficaram gravemente feridos no incêndio ano. de uma unidade do sistema socioeducativo Solicitantes de refúgio e migrantes na cidade do Rio de Janeiro. Em setembro, relataram que a discriminação era rotina um adolescente que estava hospitalizado desde o incidente morreu em decorrência

86 Anistia Internacional Informe 2016/17 dos ferimentos. O número de internos nas contaminação por mercúrio continuava na unidades do sistema socioeducativo no Rio comunidade da Primeira Nação Grassy de Janeiro aumentou 48% durante o ano, Narrows. agravando uma situação, que já era crítica, Em julho, o governo emitiu autorizações de superlotação, péssimas condições de que permitiam a continuação da construção vida, tortura e outros maus-tratos. da represa Site C na província de British Uma proposta de emenda constitucional Columbia, apesar de processos não para reduzir a maioridade penal de 18 para resolvidos envolvendo obrigações de acordo 16 anos ainda estava sendo apreciada pelo com um tratado histórico que afetava as Senado, apesar de ter sido aprovada pela Primeiras Nações. Câmara dos Deputados em 2015. Em outubro, o governo da província de Terra Nova e Labrador concordou em tomar medidas para reduzir os riscos à saúde e à 1. Brazil: Violence has no place in these games! Risk of human rights violations at the Rio 2016 Olympic Games (AMR 19/4088/2016) cultura dos Inuítes causados pela represa 2. Brazil: A legacy of violence: Killings by police and repression of Muskrat Falls, após greves de fome e outros protest at the Rio 2016 Olympics (AMR 19/4780/2016) protestos. Em novembro, o governo de British Columbia reconheceu a necessidade de abordar o impacto do setor de suprimentos CANADÁ sobre a segurança das mulheres e meninas Canadá indígenas. Chefe de estado: Rainha Elizabeth II, representada pelo Governador Geral David Johnston DIREITOS DAS MULHERES Chefe de governo: Justin Trudeau Em março, o governo se comprometeu a promover a saúde e os direitos sexuais e Cerca de 38 mil refugiados sírios foram reprodutivos das mulheres e meninas por realocados. Uma investigação nacional meio de seu programa de desenvolvimento sobre violência contra mulheres e meninas internacional. indígenas foi iniciada. Persistiram as Em setembro, a Investigação Nacional preocupações relacionadas à falha em sobre Mulheres e Meninas Ausentes e manter os direitos dos povos indígenas face Assassinadas foi lançada. Seu mandato não aos projetos de desenvolvimento inclui ações da polícia nem medidas para econômico. abordar fracassos anteriores em investigar os casos de forma adequada. Em novembro, o DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS Comitê para a Eliminação de todas as Em janeiro, o Tribunal de Direitos Humanos Formas de Discriminação contra a Mulher Canadense decidiu que a sistêmica falta de (CEDAW) da ONU pediu ao Canadá que recursos para os serviços de proteção às assegurasse que a Investigação Nacional crianças da Primeira Nação constituía examinaria o papel do policiamento. discriminação. O governo aceitou a decisão, Em novembro, os promotores da Província mas não conseguiu acabar com a de Quebec entraram com apenas dois discriminação. processos dos 37 que as mulheres indígenas Em maio, o governo anunciou suporte que alegam abuso da polícia trouxeram para incondicional à Declaração dos Direitos dos investigação. O observador independente Povos Indígenas da ONU, mas até o fim do designado para fiscalizar os casos levantou ano ainda não estava claro como iria preocupações com relação ao racismo colaborar com os povos índígenas para sistêmico. Em dezembro, o governo de implementar esse compromisso. Quebec anunciou uma investigação pública Em maio, um relatório patrocinado pela sobre o tratamento de pessoas indígenas província de Ontário confirmou que a pelos órgãos governamentais.

Anistia Internacional Informe 2016/17 87 Em agosto, o Ministro de Segurança SEGURANÇA E COMBATE AO Pública anunciou que haverá um aporte TERRORISMO maior para a construção de instalações de Em fevereiro, a legislação para reverter as detenção para imigrantes. reformas na Lei de Cidadania de 2014 foi . introduzida, permitindo que as pessoas com dupla nacionalidade condenadas por PRESTAÇÃO DE CONTAS terrorismo e outros crimes tenham a Em junho, o governo de British Columbia cidadania canadense cassada. permitiu que todas as operações fossem Em fevereiro, o governo retirou uma retomadas na mina de Mount Polley, apesar apelação contra a decisão de 2015 de de uma investigação criminal em andamento libertar Omar Khard sob fiança. Ele é um sobre o colapso da lagoa de mineração em cidadão canadense mantido no centro de 2014 e o fato de que a aprovação do plano detenção norte-americano da Baía de de tratamento de água em longo prazo da Guantánamo, Cuba, por 10 anos, desde que empresa estava pendente. Em novembro, um tinha 15 anos de idade e foi transferido para processo particular foi instaurado contra o uma prisão canadense em 2012. governo da província e a Mount Polley Mining Em novembro, o Tribunal Federal decidiu Corporation por violações da Lei de Pesca. que a prática do Serviço de Segurança e Em maio, o quinto relatório anual que Inteligência Canadense de manter avaliava o impacto dos direitos humanos metadados de registros de telefones e e- sobre o Acordo de Livre Comércio entre o mails era ilegal. Canadá e a Colômbia foi lançado. Mais uma A mediação foi rompida nos casos de vez o relatório não avaliou questões de Abdullah Almalki, Ahmad Abou-Elmaati e direitos humanos relacionadas aos efeitos Muayyed Nureddin, que buscavam dos projetos de extração sobre os povos desagravo com base em um relatório judicial indígenas e outros. da investigação de 2008 que documentava o O governo não conseguiu adotar medidas papel dos oficiais canadenses em suas para cumprir uma promessa de campanha detenções, prisões e tortura em outro país. de 2015 para estabelecer uma ouvidoria de direitos humanos para o setor extrativista. A SISTEMA DE JUSTIÇA ONU, por meio do CESCR (Comitê sobre Aumenta cada vez mais a preocupação com Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), o uso indiscriminado de confinamento em exigiu que o Canadá realizasse essa etapa solitária após ter se tornado público em em março, e em novembro, o Comitê CEDAW outubro o caso de Adam Capay, indígena que fez a mesma exigência. antes do julgamento foi mantido na solitária Três empresas canadenses foram em Ontário por quatro anos. processadas civilmente por supostas Em novembro, o governo de Quebec violações de direitos humanos em projetos lançou uma pesquisa pública sobre a internacionais. Um caso relacionado à mina vigilância de jornalistas pela polícia. guatemalteca HudBay Minerals estava em andamento em Ontário. Em outubro, um PESSOAS REFUGIADAS E SOLICITANTES tribunal de British Columbia decidiu que um DE REFÚGIO caso envolvendo a mina Eritreana da Nevsun Durante todo o ano, 38.700 refugiados sírios Resources poderia prosseguir. Em novembro, foram realocados para o Canadá com o apoio houve uma apelação em British Columbia em do governo e da iniciativa privada. relação a um caso envolvendo a continuação Em abril, o Programa Federal Interino de da exploração da mina guatemalteca da Saúde para refugiados e solicitantes de Tahoe Resources. refúgio foi retomado, revertendo cortes impostos em 2012.

88 Anistia Internacional Informe 2016/17 MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS INFORMAÇÕES GERAIS OU INSTITUCIONAIS O Catar continuou sendo parte da coalizão Em fevereiro, uma política de 2007 que internacional liderada pela Arábia Saudita limitava os esforços do governo para buscar envolvida no conflito armado no Iêmen clemência em nome dos canadenses (consulte a entrada sobre o Iêmen). condenados à morte em países estrangeiros foi revertida. LIBERDADES DE EXPRESSÃO, Em março, o CESCR da ONU pediu que o ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO Canadá reconhecesse que os direitos As autoridades continuaram a restringir econômicos, sociais e culturais são indevidamente os direitos à liberdade de integralmente passíveis de julgamento. expressão, associação e manifestação Em abril, o governo aprovou uma venda de pacífica. As autoridades não permitiram a 15 bilhões de dólares canadenses de existência de partidos políticos veículos com blindagem leve para a Arábia independentes, e associações trabalhistas só Saudita, apesar das preocupações com os foram permitidas para os cidadãos se direitos humanos. Um compromisso de 2015 atendessem a critérios estritos. Aglomerações de participar do Tratado de Comércio de públicas sem autorização foram dispersadas, Armas da ONU não foi cumprido. e as leis que criminalizam expressões Em maio, o governo anunciou planos para consideradas ofensivas ao Emir foram aderir ao Protocolo Opcional da Convenção mantidas. da ONU contra Tortura, lançando consultas O poeta e prisioneiro de consciência com os governos das províncias e dos Mohammed al-Ajami (também conhecido territórios. como Dheeb) foi solto em 15 de março com Ainda em maio, o governo introduziu uma um perdão incondicional concedido pelo legislação adicionando a proibição da Emir. Ele estava cumprindo uma sentença de discriminação baseada na identidade e quinze anos de prisão imposta em 2012 por expressão de gênero na Lei de Direitos escrever e recitar poemas considerados Humanos do Canadá e nas leis relacionadas ofensivos ao Emir e ao Estado. a crimes de ódio no Código Penal. O site de notícias independente Doha News foi bloqueado no Catar por “problemas de licença”. O Doha News faz jornalismo independente e cobriu assuntos sensíveis no CATAR Catar, o que provavelmente levou ao seu Estado do Catar bloqueio pelos dois provedores de internet Chefe de estado: Sheikh Tamim bin Hamad bin Khalifa locais. Al Thani Chefe de governo: Sheikh Tamim bin Hamad bin TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Khalifa Al Thani Em 2 de maio, o Tribunal de Cassação da capital, Doha, confirmou a condenação e a As autoridades restringiram indevidamente sentença de quinze anos imposta ao cidadão os direitos à liberdade de expressão, filipino Ronaldo Lopez Ulep por espionagem. associação e reunião pacífica. Um Sua condenação em 2014 se baseou, em prisioneiro de consciência foi perdoado e grande parte, numa “confissão” em árabe, libertado. Trabalhadores migrantes um idioma que ele não sabe ler, sem enfrentaram exploração e abusos. A nenhuma investigação sobre sua alegação de discriminação contra as mulheres continuou que agentes de segurança o forçaram a presente na legislação e na prática. Os assinar a “confissão” com tortura e outros tribunais impuseram penas de morte, mas maus-tratos. O Tribunal de Apelação, que nenhuma execução foi informada. reduziu a sentença original de prisão

Anistia Internacional Informe 2016/17 89 perpétua para quinze anos, e o Tribunal de autoridades do Catar para combater abusos Cassação falharam em investigar as trabalhistas contra os migrantes, mas alegações de tortura quando confirmaram a indicava que ainda há muitos desafios. A OIT condenação. Enquanto esteve preso, seu adiou a decisão de nomear uma comissão de direito de acesso à família continuou violado. inquérito no Catar até março de 2017. Foi implantado ao longo de 2016 o DIREITOS DOS TRABALHADORES Sistema de Proteção aos Salários, que tornou MIGRANTES obrigatório o pagamento de salários por Trabalhadores migrantes, que compõem a transferência eletrônica bancária. De acordo maior parte da população do Catar, com os números do governo, até novembro continuaram enfrentando exploração e cerca de 1,8 milhão de pessoas estavam abuso. A Lei n 21 de 2015, que entrou em protegidas pelo sistema. Alguns vigor em 13 de dezembro de 2016, mais de trabalhadores migrantes empregados em um ano depois de sua aprovação, substituiu projetos de construção de grande visibilidade a Lei de Patrocínio de 2009, introduzindo foram realocados para os complexos Cidade algumas pequenas melhorias como a do Trabalho e Barwa Al Bahara, construídos supressão do banimento de dois anos para pelo governo para acomodar 150 mil trabalhadores migrantes que tentam retornar trabalhadores migrantes de baixa renda, com ao Catar depois de terem deixado o país. No melhores condições e serviços públicos. entanto, elementos chave da lei de 2009 Uma lei de 2010 que efetivamente proibia os foram mantidos, facilitando violações de trabalhadores migrantes de viverem em direitos humanos — entre eles, o trabalho distritos residenciais urbanos continuou a forçado. De acordo com a nova lei, restringir a oferta de habitação para esses trabalhadores migrantes ainda eram trabalhadores, aumentando a população de obrigados a obter uma permissão de saída outros lugares já superpopulosos e emitida pelo empregador para poder deixar o condenando a maioria dos migrantes a Catar, violando assim sua liberdade de condições de sobrevivência inadequadas. Em circulação. Se trabalhadores tivessem a saída abril, dados de um censo publicado pelo negada eles podiam apelar, no entanto não Ministério de Planejamento e Estatísticas de foi publicada uma orientação oficial de como Desenvolvimento indicavam que 1,4 milhão os recursos judiciais seriam tratados. A nova de pessoas moravam em campos de lei também permitiu que os empregadores trabalho. impedissem trabalhadores migrantes de Trabalhadoras domésticas, em sua maioria mudar de emprego por até cinco anos, mulheres, ainda corriam o risco de dependendo dos termos de seus contratos, e exploração e abuso, pois permaneceram que eles retivessem o passaporte desses excluídas das proteções trabalhistas trabalhadores com seu consentimento por existentes. Um projeto de lei já antigo para escrito, preservando na lei a prática de proteger os direitos das trabalhadoras retenção de passaportes usada por domésticas continuou sendo postergado. Em empregadores exploradores para exercer julho, o Comitê Nacional de Direitos controle sobre os trabalhadores migrantes. Humanos do Catar recomendou a introdução A Organização Internacional do Trabalho de uma lei para proteger os direitos humanos (OIT) visitou o Catar em março de 2016. A de trabalhadoras domésticas migrantes e dar delegação de alto nível avaliou as medidas a elas acesso à justiça para denunciarem tomadas pelo governo para resolver as abusos. questões levantadas em uma reclamação Em resposta a provas de que os feita com relação à violação da Convenção de trabalhadores migrantes haviam sido Trabalho Forçado e a Convenção de Inspeção abusados durante a reforma do Estádio do Trabalho. O relatório da delegação Internacional Khalifa e cercanias do reconheceu os passos tomados pelas complexo esportivo Aspire Zone - local da

90 Anistia Internacional Informe 2016/17 Copa do Mundo de 2022 - o governo A impunidade referente a violações anunciou em abril que o Ministério de passadas e atuais de direitos humanos Desenvolvimento Administrativo e Questões continuam sendo uma preocupação. Trabalhistas e Sociais investigaria os Procedimentos legais relativos a alegações principais contratantes responsáveis pelos de crimes ocorridos no passado sob a lei abusos. O Supremo Comitê de Entrega e internacional e outras violações de direitos Legado, responsável por supervisionar todos humanos continuam; em alguns casos, os os projetos da Copa de 2022, anunciou envolvidos foram presos. Por boa parte do programas de “retificação” para empreiteiros ano, os casos de uso desnecessário e envolvidos em abusos e restringiu ofertas excessivo de força pela polícia continuaram futuras para contratos da Copa do Mundo de a ser tratados por tribunais militares. No um subcontratante principal. Algumas entanto, uma lei aprovada em novembro empresas de fornecimento de mão de obra exclui civis de jurisdição militar. O aborto foram proibidas de trabalhar em projetos da ainda é criminalizado sob todas as Copa do Mundo de 2022, entre elas uma circunstâncias, embora alguns passos empresa que usava mão de obra forçada. Em tenham sido dados para descriminalizá-lo novembro o Supremo Comitê assinou um em alguns poucos casos. acordo de um ano com a União Internacional dos Trabalhadores da Construção e da INFORMAÇÕES GERAIS Madeira para realizar inspeções conjuntas Entre abril e agosto, o governo realizou um das condições de trabalho e habitação de processo de consulta aberta a todos os certos trabalhadores migrantes da cidadãos como primeiro passo para adotar construção e publicar detalhes dessas uma nova constituição. A atual constituição, inspeções O acordo estava limitado aos adotada durante o governo militar sob o projetos da Copa do Mundo e não cobriam regime do general Pinochet, contém projetos associados de infraestrutura como cláusulas não alinhadas à legislação vias expressas, malha ferroviária e hotéis. internacional de direitos humanos. Em janeiro, entrou em vigor uma lei que DIREITOS DAS MULHERES estabelece um novo Subsecretariado de As mulheres continuaram enfrentando Direitos Humanos subordinado ao Ministério discriminação na lei e na prática, e não da Justiça. A primeira subsecretária foi tiveram proteção adequada contra violência nomeada em setembro. doméstica. As leis de status pessoal Em abril, o governo anunciou que os continuaram a discriminar as mulheres no planos para reformar a lei de migração foram que diz respeito ao casamento, divórcio, adiados por tempo indeterminado. Em herança, guarda dos filhos, nacionalidade e dezembro foi anunciado que o projeto de lei liberdade de circulação. seria arquivado em janeiro de 2017. PENA DE MORTE POLÍCIA E FORÇAS DE SEGURANÇA Os tribunais impuseram novas penas de Houve alegações de uso desnecessário ou morte e o Tribunal de Apelações confirmou excessivo de força por parte da polícia, outras, mas nenhuma execução foi especialmente no contexto de protestos. registrada. Crianças, mulheres, jornalistas e os funcionários do Instituto Nacional de Direitos Humanos que trabalhavam como observadores estão entre as vítimas. CHILE As violações de direitos humanos República do Chile envolvendo membros das forças de Chefe de estado e de governo: Michelle Bachelet Jeria segurança continuaram sendo tratadas por tribunais militares. No entanto, uma nova lei

Anistia Internacional Informe 2016/17 91 entrou em vigor em novembro declarando expressamente que a população civil, seja DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS esta acusada ou vítima de algum crime, está Em janeiro, o congresso estabeleceu uma excluída da jurisdição militar. comissão para investigar a violência em Em janeiro, o Instituto Nacional de Direitos Araucanía, a região mais afetada pelos Humanos entrou com um processo para conflitos por terra envolvendo a etnia pedir mais investigações por parte dos Mapuche. A comissão centrou esforços na tribunais da justiça comum no alegação de que os Mapuche haviam desaparecimento forçado de José Huenante, cometido crimes como forma de protesto. No de 16 anos. O rapaz foi visto pela última vez entanto, alegações contínuas de uso ao ser detido por policiais em setembro excessivo de força e detenções arbitrárias 2005. Depois do processo, um tribunal durante operações da polícia contra militar também reabriu uma investigação. No comunidades Mapuches não foram final do ano, porém, o destino e a localização investigadas, pois não eram parte das de José Huenante ainda não estavam atribuições da comissão. A Câmara dos esclarecidos e nenhuma investigação havia Deputados aprovou as conclusões da estabelecido os fatos do caso ou identificado comissão em setembro. Em maio, a os responsáveis. Comissão Interamericana de Direitos Humanos ampliou as medidas de precaução IMPUNIDADE apresentadas em outubro 2015 em favor da Ao longo do ano, várias condenações por líder Mapuche Juana Calfunao. crimes do passado sob a lei internacional e Essas medidas visam proteger outros outras violações de direitos humanos membros de sua família que vivem na cometidos durante o regime militar foram comunidade de Juan Paillalef, no sul do confirmadas. Em setembro, a Suprema Corte Chile, de ameaças à vida e integridade confirmou as condenações de dois antigos relacionadas a uma disputa de terra. oficiais militares a quatro anos de prisão pela Em agosto, o fotógrafo Felipe Durán e um tortura do general Alberto Bachelet, em membro da comunidade Mapuche, Cristián 1973. Levinao, foram inocentados de todas as As vítimas, seus parentes e organizações acusações a eles imputadas. Os dois homens da sociedade civil se opuseram a várias haviam sido acusados de posse ilegal de tentativas de conceder liberdade condicional armas e drogas, e presos preventivamente antecipada a pessoas condenadas por por mais de 300 dias. violações de direitos humanos durante o A Machi (autoridade espiritual tradicional governo militar de Augusto Pinochet. No final Mapuche) Francisca Linconao foi detida em do ano, uma lei foi apresentada ao congresso março e aguarda julgamento na prisão. Em para negar a possibilidade de condicional a quatro ocasiões, um juiz autorizou sua condenados por crimes contra a transferência para prisão domiciliar em razão humanidade. Entrou em vigor em novembro de sérios problemas de saúde. Em todas as uma lei que estabelece a tortura como crime ocasiões, a permissão foi revogada por na legislação chilena. recurso e ela voltou à prisão pouco depois. Em setembro, o Chile foi um dos países Em novembro, ela foi transferida para o listados pelo Subcomitê de Prevenção da hospital. Em dezembro, ela começou a fazer Tortura da ONU por ter atrasado o greve de fome, exigindo que os processos cumprimento do Protocolo Opcional desse pré-julgamento ocorressem em sua casa, e Subcomitê em virtude da falta de um sua equipe de defesa entrou com um pedido mecanismo nacional de prevenção. de amparo solicitando a mesma medida. No fim do ano, ela continuava em greve de fome.

92 Anistia Internacional Informe 2016/17 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS CHINA O aborto é considerado infração penal sob todas as circunstâncias. Várias mulheres que República Popular da China buscam atendimento médico devido a Chefe de estado: Xi Jinping complicações resultantes de abortos Chefe de governo: Li Keqiang inseguros se arriscam a ser acusadas criminalmente após serem denunciadas às O governo continuou apresentando e autoridades por profissionais de saúde. aprovando (projetos de) leis de segurança Em março, a Câmara dos Deputados nacional que representam sérias ameaças à aprovou uma lei de descriminalização do proteção de direitos humanos. A atuação de aborto quando a gravidez oferece risco à vida advogados e ativistas de direitos humanos da mulher, quando é resultado de estupro e foi reprimida por todo o país durante o ano. nos casos de grave deficiência fetal. Ativistas, defensores e defensoras dos Entretanto, as cláusulas que proíbem os direitos humanos continuaram a ser profissionais de saúde de denunciar as sistematicamente monitorados, ameaçados, mulheres foram retiradas da lei após terem intimidados, presos e detidos. A polícia sido rejeitadas pela Câmara. A emenda à lei prendeu números cada vez maiores de foi enviada para ser votada no Senado antes defensores de direitos humanos fora de do fim do ano. estabelecimentos prisionais formais, às vezes sem acesso a advogados por longos DIREITOS LGBTI períodos, expondo os detidos ao risco de Em setembro, a Comissão de Direitos tortura e outros maus-tratos. Livreiros, Humanos do Senado aprovou a Lei de editores, ativistas e um jornalista que Identidade de Gênero, primeiro passo para desapareceram em países vizinhos em sua promulgação após três anos de debates. 2015 e 2016 reapareceram presos na As aprovações pelo Senado e pela Câmara China, gerando preocupações de que os dos Deputados ainda estão pendentes. A lei órgãos chineses de aplicação da lei estejam propõe estabelecer o direito de indivíduos agindo fora de sua jurisdição. O controle da maiores de 18 anos de ter sua identidade de internet, dos meios de comunicação de gênero reconhecida legalmente, modificando massa e da comunidade acadêmica tornou- seu nome e gênero em documentos oficiais se significativamente mais rigoroso. A através de processo administrativo e sem a repressão de atividades religiosas fora do atual exigência de se submeterem a cirurgia controle direto do Estado aumentou. A de mudança de sexo ou atestado médico. repressão religiosa feita em campanhas Em julho, o Chile chegou a um acordo “anti-separatismo” ou de “combate ao amigável perante a Comissão Interamericana terrorismo” permaneceu particularmente de Direitos Humanos sobre uma queixa em severa na região autônoma de Xinjiang nome de três casais gays que tiveram negado Uighur e em áreas de população tibetana. o direito de se casar. O acordo incluiu a adoção de uma série de medidas e políticas MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS para promover os direitos das pessoas OU INSTITUCIONAIS LGBTI. Em agosto, como parte do acordo, o Leis e regulamentos abrangentes de governo anunciou um processo participativo segurança nacional foram apresentados e da sociedade civil visando apresentar um promulgados, conferindo poderes ainda projeto de lei para estabelecer o casamento maiores às autoridades para silenciar os igualitário. dissidentes, restringir e censurar informações, intimidar e processar defensores de direitos humanos.

Anistia Internacional Informe 2016/17 93 A Lei de Gestão de ONGs Estrangeiras estava para entrar em vigor no dia 1 de SISTEMA DE JUSTIÇA janeiro de 2017, criando ainda mais barreiras Falhas na lei em âmbito doméstico e aos já limitados direitos à liberdade de problemas sistêmicos no sistema de justiça associação, manifestação pacífica e criminal resultaram em tortura generalizada e expressão. Embora a lei tenha sido elaborada outros maus tratos, bem como em para regular e até mesmo proteger as julgamentos injustos. atividades de ONGs estrangeiras, estava a As autoridades utilizaram cada vez mais a cargo do Ministério da Segurança Pública a “vigilância residencial em local responsabilidade de supervisionar o registro determinado”, um tipo de detenção em que dessas ONGs, bem como suas operações, e o preso fica incomunicável e que permitiu à pré-aprovar suas atividades. O amplo poder polícia manter indivíduos presos por até seis dado à polícia federal para supervisionar e meses fora do sistema de detenção formal, controlar o trabalho de ONGs estrangeiras sem acesso a aconselhamento jurídico à sua levantou o risco de que a lei possa ser mal escolha, às suas famílias ou a qualquer outra utilizada para intimidar e processar pessoa do mundo exterior, colocando os defensores de direitos humanos e suspeitos sob risco de tortura e outros maus funcionários de ONGs. tratos. Esse tipo de detenção foi usado para Em 7 de novembro, o Congresso Nacional restringir as atividades de defensores de do Povo (CNP) aprovou a Lei de Segurança direitos humanos, dentre os quais Cibernética, supostamente para proteger advogados, ativistas e religiosos praticantes. dados pessoais dos usuários da internet de ataques de hackers e roubo de dados. No DEFENSORES E DEFENSORAS DE entanto, a lei também obriga as empresas de DIREITOS HUMANOS TI que têm operações na China a censurar No final do ano, cinco defensores conteúdo, armazenar dados de usuários no continuavam presos e aguardavam próprio país e ter um sistema de registro de julgamento sob a acusação de “subverter o nomes reais contrariando as obrigações poder do estado” ou “incitar a subversão ao nacionais e internacionais de proteger os poder do estado”, e outros quatro acusados direitos à liberdade da expressão e à de “causar discussões e gerar problemas” ou privacidade. A lei proíbe indivíduos ou grupos “trabalhar para que outra pessoa cruze a de usar a internet para “prejudicar a fronteira do país ilegalmente”. Essas segurança nacional”, “perturbar a ordem detenções resultaram de uma repressão sem social” ou “prejudicar interesses nacionais” – precedentes, por parte do governo, a termos vagos e imprecisos pela lei chinesa advogados de direitos humanos e outros existente - e que podem ser usados para ativistas iniciada em meados de 2015. Pelo restringir ainda mais a liberdade da menos 248 advogados e ativistas foram expressão. A lei consagra o conceito de interrogados ou detidos por agentes de “soberania sobre a internet”, que justifica segurança do estado. Pelo menos 12 ampla censura e poderes de vigilância em pessoas detidas durante a repressão, nome da proteção à segurança nacional. incluindo os proeminentes advogados de Ainda em 7 de novembro, o CNP direitos humanos Zhou Shifeng, Sui Muqing, promulgou a Lei de Promoção da Indústria Li Heping e Wang Quanzhang, foram Cinematográfica, que proíbe a produção de submetidas à “vigilância residencial em um filmes que incluam conteúdos que põem em local determinado” sob suspeita de risco a segurança nacional, incitem ódio participação em crimes contra a segurança étnico e violem políticas religiosas. do estado. Familiares desses detidos também ficaram sujeitos à vigilância policial, assédio e restrição de seu direito de ir e vir. A assessora jurídica Zhao Wei e a advogada

94 Anistia Internacional Informe 2016/17 foram libertadas sob fiança no início de julho condenados a quatro anos e meio de prisão e início de agosto, respectivamente, embora sob a acusação de “incitar subversão”. Duas permanecessem sujeitas a restrições em outras pessoas, a ativista pelos direitos das seus direitos de ir e vir, liberdade de mulheres Su Changlan e Chen Qitang, expressão e de associação por um ano, além permanecem detidos sem datas marcadas de ainda se encontrarem sob risco de serem para seus julgamentos. Zhang Shengyu, que processadas. estava entre os detidos por apoiar os Em dois de agosto, o ativista Zhai Yanmin protestos de Hong Kong, relatou que foi foi condenado por “subverter o poder do espancado, e Su Changlan disse que lhe estado” e condenado a três anos de prisão, negaram tratamento médico adequado suspensos por quatro anos. Hu Shigen e o durante a prisão. advogado Zhou Shifeng foram condenados, O número de “confissões” sob a mesma acusação, a sete anos e meio e cuidadosamente ensaiadas e transmitidas sete anos de prisão, respectivamente, em 3 e pela televisão aumentou durante o ano. Eles 4 de agosto. incluíram entrevistas com defensores de O advogado Jiang Tianyong desapareceu direitos humanos detidos feitas pela mídia em 21 de novembro. Em 23 de dezembro, estatal chinesa e, em dois casos, sua família foi notificada que ele foi transmitidas por meios de comunicação pró- enquadrado em “vigilância residencial em Pequim em Hong Kong. Embora tais um determinado local” sob suspeita de “confissões” não tenham nenhuma validade “incitar subversão do poder do Estado”. Liu legal, elas minaram o direito dos que as Feiyue e Huang Qi, ambos defensores dos protagonizaram a um julgamento justo. direitos humanos e fundadores de sites, Dentre aqueles mostrados fazendo sua foram detidos em novembro acusados “confissão” estiveram os advogados Zhou respectivamente de “incitação a subversão” Shifeng e Wang Yu, o ativista Zhai Yanming, o e “vazamento de segredos de Estado”. livreiro de Hong Kong Gui Minhai e Peter As autoridades da província de Dahlin, funcionário sueco de uma ONG, que Guangdong, onde houve um aumento das foi detido e mais tarde deportado. Zhao Wei e disputas trabalhistas e greves, continuaram seu advogado Ren Quanniu postaram reprimindo trabalhadores e ativistas de confissões em suas mídias sociais depois de direitos trabalhistas, dando continuidade à terem sido supostamente libertados sob ação iniciada em dezembro de 2015. Pelo fiança. menos 33 pessoas foram detidas; 31 foram Vários jornalistas e ativistas que liberadas posteriormente. O ativista desapareceram foram presos – ou tinham trabalhista Zeng Feiyang teve negado seu medo de ser presos – na China. O jornalista acesso a advogados e foi condenado a três Li Xin, que revelou em entrevistas à mídia ter anos de prisão, suspensos por quatro anos sofrido intensa pressão por parte de oficiais no início de outubro. O ativista trabalhista de segurança chineses para trabalhar como Meng Han foi condenado a um ano e nove informante e denunciar seus colegas e meses de prisão em 3 de novembro. Em amigos antes de fugir da China, em 2015, muitos casos, o centro de detenção desapareceu na Tailândia em janeiro 2016. inicialmente negou acesso a advogados Ele ligou para sua companheira em fevereiro alegando que os casos envolviam “risco à e lhe disse que tinha retornado segurança nacional”. voluntariamente à China para ajudar numa Seis das mais de 100 pessoas na China investigação. Não se teve mais notícias dele e continental detidas por apoiar os protestos até o final do ano sua localização ainda não pró-democracia de Hong Kong no final de havia sido descoberta. Tang Zhishun e Xing 2014 foram condenadas à prisão. Dentre Qingxian desapareceram em Mianmar em elas estavam Xie Wenfei e Wang Mo, líderes 2015 quando auxiliavam o filho de dois do movimento Southern Street, que foram advogados chineses detidos. Em notas

Anistia Internacional Informe 2016/17 95 datadas de maio de 2016, as autoridades os importação e exportação de produtos acusaram de “trabalhar para que outra culturais. pessoa cruzasse a fronteira do país A China empreendeu esforços adicionais ilegalmente” sem dar nenhuma explicação para reforçar sua já opressora arquitetura de pela demora em divulgar tais notas. censura à internet. Milhares de sites e Em maio, foi confirmado que os ativistas serviços de mídias sociais continuam pró-democracia Jiang Yefei e Dong bloqueados, inclusive Facebook, Instagram e Guangping haviam sido detidos sob suspeita Twitter, e o serviço de internet e provedores de “subverter o poder do estado” e de de conteúdo são obrigados a manter uma “trabalhar para que outra pessoa cruzasse a ampla censura em suas plataformas. fronteira do país ilegalmente”. Eles haviam Seis jornalistas do site 64 Tianwang, de recebido o status de refugiados pela UNHCR, Sichuan, foram detidas por cobrir protestos agência de refugiados da ONU, mas foram relativos à reunião do G20 em Hangzhou, em repatriados da Tailândia para China em setembro. Uma delas, Qin Chao permanece 2015. Nenhum deles teve acesso à família detida. ou a advogados de sua escolha pelos primeiros seis meses, no mínimo, depois que LIBERDADE DE RELIGIÃO E DE OPINIÃO retornaram, e até o fim do ano Dong Emendas apresentadas aos Regulamentos Guangping ainda não tinha nenhum para Assuntos Religiosos no dia 7 de acesso. setembro aumentam o poder de várias Miao Deshun, ativista pelos direitos autoridades de monitorar, controlar e trabalhistas preso após ter participado dos sancionar algumas práticas religiosas. As protestos pró-democracia na Praça da Paz emendas, que enfatizam a segurança Celestial, em 1989, foi libertado em outubro, nacional com o objetivo de refrear a depois de 27 anos de prisão. Os ativistas que “infiltração e o extremismo”, podem ser sofreram a repressão aos protestos daquela usadas para suprimir ainda mais os direitos à época continuam detidos, dentre os quais os liberdade de religião e de opinião, ativistas Fu Hailu e Luo Fuyu, de Sichuan.1 especialmente no caso de budistas tibetanos, muçulmanos Uighur e igrejas não LIBERDADE DE EXPRESSÃO reconhecidas. Em março, a polícia supostamente deteve A campanha para demolir igrejas e retirar pelo menos 20 pessoas ligadas à publicação cruzes cristãs de edifícios na província de de uma carta aberta criticando o presidente Zhejiang, lançada em 2013, foi intensificada Xi e pedindo sua renúncia. A carta aberta em 2016. De acordo com a mídia acusava o presidente Xi de tentar construir internacional, até o final de 2016 mais de um “culto à personalidade” e abandonar a 1.700 cruzes haviam sido removidas, liderança coletiva. Os presos incluíam 16 causando uma série de protestos. pessoas que trabalhavam para o Wujie News, Zhang Kai, advogado que ofereceu auxílio site que publicou a carta em 4 de março. jurídico às igrejas afetadas, apareceu na rede Em 4 de abril, o governo publicou de televisão estatal em 25 fevereiro, diretrizes para fortalecer a aplicação de leis aparentando estar magro e exausto, numa relativas a questões culturais com uma “confissão” gravada. Ele foi preso em 2015 proposta de “proteger a 'segurança cultural e sob suspeita de crimes contra a segurança ideológica nacional'”. Essas diretrizes do estado e de “perturbar a ordem pública”, reforçaram a regulação de muitas atividades e depois colocado sob “vigilância residencial “ilegais” e não autorizadas, dentre as quais: em um local determinado”. Foi liberado, sem publicações, distribuição de filmes e maiores explicações, e retornou à sua cidade programas de TV, transmissão de satélites de natal no interior da Mongólia em 23 de TVs estrangeiras, performances artísticas e março.

96 Anistia Internacional Informe 2016/17 Em 26 fevereiro, Bao Guohua e sua por tibetanos – foi condenado a três anos de esposa Xing Wenxiang, pastores da cidade prisão em um julgamento a portas fechadas.3 de Jinghua, na província de Zhejiang, foram Pelo menos três pessoas atearam fogo ao condenados a 14 e a 12 anos de prisão, próprio corpo em áreas povoadas por respectivamente, por desviar dinheiro de sua tibetanos durante o ano para protestar contra congregação e por “reunir uma multidão as políticas repressivas por parte das para perturbar a ordem social”. Bao Guohua autoridades. O número de autoimolações, havia sido um dos mais fortes opositores à conhecidas desde fevereiro de 2009, chegou remoção das cruzes das igrejas. a 146. Os fiéis da Falun Gong continuaram Um blogueiro tibetano conhecido como sujeitos a perseguição, detenção arbitrária, Druklo foi condenado a três anos de prisão julgamentos injustos, tortura e outros maus em fevereiro por “incitar o separatismo” em tratos. Chen Huixia, membro da Falung suas postagens sobre a liberdade religiosa, o Gong, foi presa em junho e, de acordo com Dalai Lama e outros assuntos tibetanos, além sua filha, torturada na prisão por causa de de posse do livro proibido Enterro do Céu.4 suas crenças.2 Tashi Wangchuk foi detido em janeiro e acusado de “incitar o separatismo” por PENA DE MORTE defender a educação dada em língua Um white paper emitido pelo governo em tibetana e conceder uma entrevista ao New setembro alegou que a China “[controla York Times. Até o final deste ano ele rigorosamente] a pena de morte e a emprega continuava preso.5 com prudência para se assegurar de que se aplica somente a um número muito reduzido Direito à moradia – remoções forçadas de criminosos extremamente perigosos”. Em julho, o governo começou a demolir uma Estatísticas relativas à pena de morte grande parte de Larung Gar, supostamente o permanecem classificadas como segredos de maior instituto budista tibetano do mundo, estado, impossibilitando verificar o número situado no condado de Seda (Serta), na de condenações à morte e de execuções Prefeitura Autônoma Tibetana de Ganzi realizadas. (Kardze), província de Sichuan. Autoridades Em dezembro, a Suprema Corte do Povo chinesas locais exigiram que a população de de Hebei derrubou a condenação por Larung Gar fosse reduzida a menos da assassinato e estupro contra Nie Shubin, que metade, chegando a 5.000 pessoas, para foi executado em 1995. A Suprema Corte do fins de “correção e retificação”. Milhares de Povo pediu um novo julgamento e concordou monges, monjas e leigos enfrentaram o risco com a decisão de uma instância anterior de de serem removidos. que faltavam provas claras de que Nie Shubin era culpado. REGIÃO AUTÔNOMA DE XINJIANG UIGHUR Região Autônoma do Tibete e áreas povoadas Em março, o secretário do Partido da Região por tibetanos em outras províncias Autônoma de Xinjiang Uighur (XUAR), Zhang A população de etnia tibetana ainda enfrenta Chunxian, anunciou que houve progresso na discriminação e restrições em seus direitos à manutenção da estabilidade social na região, liberdade de religião e de opinião, expressão, e que casos de “terrorismo violento” haviam associação e manifestação pacífica. Em diminuído. No entanto, o governo afirmou agosto, a mídia divulgou que Lobsang que manteria sua postura de “combater Drakpa, monge tibetano que havia sido duramente o terrorismo violento” por tempo detido pela polícia em 2015 ao fazer um indeterminado. protesto solitário – uma forma de protesto O governo continuou prendendo escritores cada vez mais comum em áreas povoadas da etnia uighur e donos de sites em língua uighur. O defensor de direitos humanos

Anistia Internacional Informe 2016/17 97 Zhang Haitao, da etnia Han, foi condenado a China continental em janeiro e fevereiro de 19 anos de prisão sob a acusação de “incitar 2016. Gui Minhai, Lui Por, Cheung Chi-ping, subversão” e “fornecer serviços de Lee Po e Lam Wing-kee trabalhavam para a inteligência a outros países”. Seus advogados Mighty Current Media, uma empresa de acreditam que o rigor de sua sentença deve- Hong Kong conhecida por seus livros sobre se em parte a seus comentários sobre líderes chineses e escândalos políticos. Lam questões étnicas. Wing-kee voltou a Hong Kong em junho e O governo continuou violando o direito à deu uma coletiva de imprensa em que liberdade de religião e reprimiu todas as afirmou ter sido detido arbitrariamente, reuniões religiosas não autorizadas. maltratado na prisão e forçado a fazer uma Abudulrekep Tumniyaz, vice-diretor da “confissão”. 6 Associação Islâmica de Xinjiang, declarou em Os estudantes Joshua Wong, Alex Chow e março que todos os sites religiosos Nathan Law foram julgados por participar de clandestinos da XUAR tinham sido eventos fora da sede do governo em desativados. setembro de 2014 que resultaram no Em outubro, a mídia publicou que várias movimento pró-democracia “Movimento do localidades na XUAR anunciaram que Guarda-Chuva” (Umbrella Movement). Em exigirão que todos os residentes entreguem julho de 2016, Joshua Wong e Alex Chow seus passaportes à polícia. Depois disso, foram condenados por “fazer parte de todos os residentes da região deverão manifestação ilegal” e Nathan Law foi apresentar dados biométricos – tais como declarado culpado por “incitar outros a fazer amostras de DNA e imagens de digitalização parte de manifestação ilegal”, que são corporal – antes de obter permissão para cláusulas muito vagas na Legislação sobre a viajar ao exterior. A medida veio no bojo de Ordem Pública de Hong Kong. Recursos de uma repressão pelas forças de segurança e ambas as partes ainda estavam pendentes aumento das restrições em viagens ao no final do ano. exterior de minorias étnicas da XUAR. Em novembro, o Comitê Permanente do CNP publicou uma interpretação do Artigo Direitos Culturais 104 da Lei Básica de Hong Kong a respeito Em agosto, o governo provincial anunciou um do julgamento de dois legisladores pró- plano em grande escala para enviar 1.900 independência. Isso aconteceu antes que a professores da etnia uighur a escolas de toda Suprema Corte de Hong Kong pudesse a China continental para acompanhar decidir sobre um caso paralelo mencionado estudantes uighur que vivem em colégios pelo governo de Hong Kong que buscava internos de áreas de maioria Han. O governo desqualificar os legisladores. prometeu aumentar o número desses professores para 7.200 até 2020. 1. China: Two more activists detained for “June 4 baijiu” (ASA Essa decisão foi anunciada como maneira 17/4298/2016) de “resistir ao terrorismo, extremismo e 2. China: Falun Gong practitioner said to have been tortured in separatismo violentos e promover a detention: Chen Huixia (ASA 17/4869/2016) solidariedade étnica”, mas os grupos uighur 3. China: Tibetan monk imprisoned after protest (ASA 17/4802/2016) no exterior criticaram o plano como sendo 4. China: Tibetan imprisoned for “inciting separatism” (ASA uma maneira de diluir sua identidade 17/3908/2016) cultural. 5. China: Tibetan education advocate detained: Tashi Wangchuk (ASA 17/3793/2016) REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE 6. China: Authorities’ revelations on detained Hong Kong booksellers HONG KONG “smoke and mirrors” (Press Release, 5 February) Cinco livreiros que desapareceram na Tailândia, China continental e Hong Kong no final de 2015 reapareceram na televisão da

98 Anistia Internacional Informe 2016/17 observadores desarmados da ONU. Até o fim COLÔMBIA do ano, combatentes das FARC ainda tinham que se reunir nas zonas de concentração República da Colômbia onde estava programado o início do processo Chefe de estado e governo: Juan Manuel Santos de desmobilização, por conta de atrasos para Calderón tornar essas áreas habitáveis. Em 28 de dezembro, o Congresso aprovou Um acordo de paz alcançado entre o uma lei que concede anistia ou perdão a governo e o grupo de guerrilha Forças combatentes das FARC e o fim dos Armadas Revolucionárias da Colômbia processos criminais contra agentes das (FARC) foi ratificado pelo Congresso em forças de segurança que não estiverem novembro. Isso marcou oficialmente o fim sendo investigados ou que não tenham sido de cinco décadas de conflito armado e mais condenados de acordo com o direito de quatro anos de negociação. No entanto, internacional. Aqueles que tiverem cumprido houve um aumento no número de pelo menos cinco anos de prisão por crimes defensores e defensoras dos direitos previstos pelo direito internacional receberão, humanos assassinados — entre eles, em algumas circunstâncias, a liberdade indígenas, afrodescendentes e líderes de condicional. Ambiguidades na lei podem pequenos agricultores. O processo de paz resultar na não responsabilização daqueles com o segundo maior grupo guerrilheiro do que abusaram dos direitos humanos. país, o Exército de Libertação Nacional As modificações feitas no acordo de paz (ELN) não havia começado até o final do não trouxeram um fortalecimento significativo ano. Ainda havia dúvidas de que o acordo aos direitos das vítimas. No entanto, uma de paz com as FARC garantiria que todos os disposição que exige que as FARC forneçam suspeitos de crimes de guerra e contra a um inventário dos bens que adquiriram no humanidade fossem responsabilizados de conflito, que seriam usados para dar acordo com o direito internacional. reparação às vítimas, seria, se realizado de fato, um acontecimento positivo. PROCESSO DE PAZ O acordo de paz criou um Tribunal Em junho, o governo e as FARC assinaram Especial para a Paz — a entrar em vigor após um acordo bilateral de cessar-fogo e aprovação do Congresso — para investigar e suspensão das hostilidades,1 que entrou em punir aqueles que cometeram crimes vigor a partir de 29 de agosto, apesar de um previstos no direito internacional, uma cessar-fogo de facto já existir desde 2015. comissão da verdade e um mecanismo para Em 24 de agosto, as duas partes chegaram a localizar e identificar pessoas desaparecidas um consenso sobre um acordo de paz,2 que devido ao conflito. foi assinado no dia 26 de setembro em Apesar de alguns aspectos positivos, no Cartagena.3 Porém, no dia 2 de outubro, o entanto, o acordo não cumpria com as acordo foi rejeitado em um referendo, em normas do direito internacional sobre os parte por conta de preocupações sobre suas direitos das vítimas, incluindo punições disposições jurídicas. aparentemente incompatíveis com a Em 12 de novembro, as duas partes gravidade de certos crimes e uma definição anunciaram um acordo de paz revisto, que da responsabilidade de comando que foi assinado em 24 de novembro. O acordo dificultaria a responsabilização das FARC e foi ratificado pelo Congresso em 30 de dos comandantes das forças de segurança novembro. Depois disso, era obrigação das por crimes cometidos por seus subordinados. FARC começar um processo de No dia 30 de março, o governo e o ELN desmobilização e desarmamento durante anunciaram que dariam início às seis meses, que deveria ser monitorado e negociações de paz. No entanto, até o fim do verificado, em parte, por uma missão de ano o processo ainda não havia sido iniciado

Anistia Internacional Informe 2016/17 99 porque o ELN não libertou um de seus reféns de força excessiva, principalmente por parte mais importantes. do ESMAD, esquadrão anti-distúrbios da O presidente Santos recebeu o Prêmio polícia, durante protestos.5 Nobel da Paz no dia 7 de outubro por sua No dia 29 de fevereiro, soldados atuação para chegar ao acordo de paz.4 assassinaram o camponês Gilberto de Jesús Quinetero no povoado de Tesorito, município CONFLITO ARMADO INTERNO de Tarazá, departamento de Antioquia. De Até o dia 1º de dezembro de 2016, a início, o exército afirmou que ele era um Unidade de Vítimas do país tinha registrado guerrilheiro do ELN morto em combate. No quase 8 milhões de vítimas do conflito desde entanto, testemunhas afirmaram ter visto 1985, sendo 268 mil homicídios, a maioria soldados tentando vestir o corpo com farda de civis; mais de 7 milhões de vítimas de militar e o exército, na sequência, declarou deslocamentos forçados; cerca de 46 mil que a morte havia sido um erro militar. vítimas de desaparecimentos forçados; pelo Investigações criminais sobre execuções menos 30 mil casos de pessoas extrajudiciais envolvendo membros das sequestradas; mais de 10 mil vítimas de forças de segurança avançaram lentamente. tortura; e quase 10.800 vítimas de minas Um relatório da Promotoria do Tribunal Penal terrestres e munições não deflagradas. As Internacional, publicado em novembro, forças de segurança, paramilitares e grupos afirmava que em julho a Procuradoria Geral de guerrilha foram responsáveis por esses estava investigando 4.190 execuções crimes. extrajudiciais. Até fevereiro, houve um total A redução da hostilidade entre as forças de 961 condenações, das quais apenas de segurança e as FARC durante o ano algumas envolviam oficiais de alta patente. resultou em uma redução acentuada da De acordo com um relatório divulgado em violência ligada ao combate que afetava os março pelo escritório do Alto Comissariado civis. Porém, os povos indígenas, as das Nações Unidas para os Direitos comunidades afrodescendentes e de Humanos, até o final de 2015, 7.773 camponeses, principalmente aqueles que membros das forças de segurança seriam vivem em áreas de interesse para os setores investigados por execuções extrajudiciais. Em de agricultura, mineração e infraestrutura novembro, um juiz condenou mais de uma continuaram a enfrentar abusos e violações dúzia de membros do exército pelo homicídio dos direitos humanos. de cinco jovens de Soacha, no departamento Em agosto, quatro membros do povo de Cundinamarca, em 2008. indígena Awá foram mortos a tiros por homens armados não identificados em três ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS ataques separados no departamento de ARMADOS Nariño. Entre as vítimas estava Camilo Grupos guerrilheiros Roberto Taicús Bisbicús, líder da reserva O ELN e as FARC continuaram a cometer indígena Awá de Hojal La Turbia, no abusos de direitos humanos, apesar de casos município de Tumaco. que poderiam envolver as FARC terem Em março, mais de seis mil pessoas, diminuído à medida que o processo de paz principalmente das comunidades indígenas e avançava. afrodescendentes, foram deslocadas à força Líderes indígenas e jornalistas foram alvos de três áreas ribeirinhas no departamento de de ameaças de morte. Por exemplo, em Chocó, resultado da luta entre grupos junho, um homem que afirmava ser do ELN armados. ligou para María Beatriz Vivas Yacuechime, uma das líderes do Conselho Regional FORÇAS DE SEGURANÇA Indígena de Huila, ameaçando-a e sua Houve relatos constantes de homicídios pelas família de morte. Em julho, o jornalista Diego forças de segurança, além de relatos de uso D’Pablos e o operador de câmera Carlos

100 Anistia Internacional Informe 2016/17 Melo receberam mensagens de texto com processo de Justiça e Paz e recebeu anistias ameaças de morte vindas de uma pessoa de facto. que dizia ser membro do ELN. Os dois homens e o colega jornalista Salud IMPUNIDADE Hernández-Mora haviam sido sequestrados Pouquíssimos dos suspeitos por crimes no começo do ano pelo ELN na região norte relacionados ao conflito, previstos pelo direito de Catatumbo.6 internacional, foram julgados. No entanto, No dia 24 de março, dois homens que como parte do processo de paz, o governo e afirmavam ser membros das FARC ligaram as FARC apresentaram um pedido de para a residência do líder indígena Andrés desculpas formal pela participação que Almendras no povoado de Laguna-Siberia, tiveram em vários casos emblemáticos de município de Caldono, departamento de direitos humanos. Cauca. Andrés Almendras não estava em No dia 30 de setembro, em La Chinita, casa então os homens perguntaram à sua município de Apartadó, departamento de filha onde estava o “dedo-duro” pois queriam Antioquia, as FARC fizeram um pedido de que ele deixasse a região. desculpas por terem matado 35 pessoas do vilarejo no dia 23 de janeiro de 1994. Paramilitares No dia 15 de setembro, o presidente Grupos paramilitares continuaram a Santos fez um pedido formal de desculpas funcionar, apesar da sua suposta pela participação do governo, nas décadas desmobilização uma década atrás. Agindo de 1980 e 1990, na morte de sozinhos ou em conluio com atores do aproximadamente 3.000 membros do partido governo, eles foram responsáveis por político União Patriótica, estabelecido pelo inúmeras violações de direitos humanos, Partido Comunista Colombiano e as FARC incluindo assassinatos e ameaças de morte.7 como parte do fracassado processo de paz Em abril, ONGs locais relataram que um com o governo de Belisario Betancur. grupo armado com cerca de 150 Em fevereiro, o Tribunal Constitucional paramilitares das Forças de Defesa julgou constitucional uma reforma de 2015 Gaitanistas da Colômbia (AGC) tinham (Ato Legislativo Nº 1), que concedia invadido a comunidade afrodescendente de competência sobre os casos relacionados ao Teguerré, parte do território coletivo de serviço militar e sobre crimes cometidos Cacarica, departamento de Chocó. Relatos durante o serviço militar ativo aos tribunais de outras incursões da AGC na região de militares. A reforma também estipulava que o Cacarica ocorreram ao longo do ano. Alguns direito humanitário internacional, ao invés líderes comunitários foram ameaçados pela das leis de direitos humanos internacionais, AGC, que os declarou “alvos militares”. se aplicaria em casos de investigação de Havia relatos cada vez mais frequentes de membros das forças armadas por crimes incursões paramilitares na Comunidade da ligados ao conflito, ainda que muitos desses Paz de San José de Apartadó, departamento crimes não tenham sido cometidos em de Antioquia, onde alguns dos membros situação de combate e que vítimas sejam, foram ameaçados.8 em sua grande maioria, civis. No entanto, o Até o dia 30 de setembro, apenas 180 dos tribunal julgou que a lei internacional de mais de 30 mil paramilitares que direitos humanos também deveria ser supostamente haviam entregado suas armas aplicada durante as investigações. Mesmo em um processo de desmobilização assim, havia a preocupação de que o promovido pelo governo foram condenados julgamento do Tribunal faria pouco para por crimes de violação de direitos humanos, efetivamente acabar com a impunidade, segundo a Lei de Justiça e Paz de 2005; a considerando o lamentável histórico do maioria recorreu das condenações. A maioria sistema de justiça militar em julgar membros dos paramilitares não se submeteu ao

Anistia Internacional Informe 2016/17 101 das forças armadas implicados em violações Reintegração de Posse do país, até 5 de de direitos humanos. setembro, os juízes responsáveis julgaram casos envolvendo 62.093 hectares DEFENSORES E DEFENSORAS DOS reivindicados por camponeses e 131.657 DIREITOS HUMANOS hectares reivindicados por uma comunidade Ameaças e assassinatos de defensores e afrodescendente e quatro comunidades defensoras dos direitos humanos, indígenas. principalmente de líderes comunitários, Ativistas do direito à terra continuaram a ativistas ambientais e de direitos à terra, e ser ameaçados e assassinados.9 No dia 11 também militantes pela paz e justiça, de setembro, Néstor Iván Martínez, líder da continuaram a ser relatados. A maioria das comunidade afrodescendente, foi morto a ameaças foram atribuídas aos paramilitares, tiros por bandidos desconhecidos no mas em muitos casos era difícil identificar município de Chiriguaná, departamento de quais grupos eram responsáveis pelas Cesar. Néstor Iván Martínez trabalhava mortes. Segundo a ONG Somos Defensores, ativamente em campanhas de direito pelo menos 75 defensores foram mortos até ambiental e da terra, lutando contra 8 de dezembro de 2016, comparado com 63 atividades de mineração. em 2015. Em geral, esses ataques não No dia 29 de janeiro, o Congresso aprovou ocorreram no contexto de combate entre a Lei 1776, que cria grandes projetos partidos opostos, mas eram assassinatos agroindustriais conhecidos como Zonas de com alvos específicos. Várias organizações Interesse de Desenvolvimento Rural, de direitos humanos também tiveram Econômico e Social (ZIDRES). Críticos informações sigilosas roubadas de seus argumentaram que essas zonas poderiam escritórios. Até 20 de dezembro, a ONG comprometer os direitos à terra das Escuela Nacional Sindical registrou 17 comunidades rurais. assassinatos de membros de sindicatos. Em fevereiro, o Tribunal Constitucional No dia 29 de agosto, três líderes da ONG decidiu que as leis que estipulavam que Comité de Integración del Macizo pedidos de reintegração de posse de terras Colombiano (CIMA), Joel Meneses, Nereo não seriam permitidos em áreas Meneses Guzmán e Ariel Sotelo, foram denominadas Projetos de Interesse Nacional assassinados por um grupo de homens e Estratégico (PINES) eram inconstitucionais. armados no município de Almaguer, O tribunal decidiu que tais terras poderiam departamento de Cauca. ser expropriadas pelo Estado, mas que os Em agosto, Ingrid Vergara, porta-voz do requerentes de terras teriam o direito a uma Movimiento de Víctimas de Crímenes de audiência formal de desapropriação e à Estado (Movice) recebeu uma ameaça por compensação definidas pelo tribunal. telefone após sua participação em uma No dia 9 de junho, o Tribunal audiência pública sobre direitos humanos no Constitucional publicou sua decisão de Congresso, na capital Bogotá. Ao longo dos dezembro de 2015, que anulava três anos, Ingrid Vergara e outros integrantes do resoluções da Agência Nacional de Movice têm sofrido ameaças e abusos Mineração e do Ministério de Minas e constantes, devido ao seu trabalho em Energia, declarando que mais de 20 milhões defesa dos direitos humanos. de hectares de terra, inclusive territórios de indígenas e afrodescendentes, como Áreas DIREITO À TERRA de Mineração Estratégica (SMAs). O tribunal O processo de reintegração de posse, afirmou que delimitação de qualquer SMA implementado desde 2012, continuou a dependia do consentimento prévio de avançar lentamente na devolução de terras comunidades indígenas e afrodescendentes indevidamente apropriadas aos seus que residem nessas áreas. ocupantes de direito. Segundo a Unidade de

102 Anistia Internacional Informe 2016/17 controlam terras roubadas através de VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E ameaças ou de violência representa um MENINAS desafio permanente à paz". Todas as partes do conflito continuaram Em suas observações conclusivas sobre a sendo acusadas de crimes de violência Colômbia, publicadas em outubro, o Comitê sexual. Até o dia 1o de dezembro, a Unidade de Desaparecimentos Forçados da ONU de Vítimas registrou mais de 17.500 vítimas reconheceu os esforços empreendidos pelas de crimes contra a integridade sexual autoridades colombianas e destacou a relacionados ao conflito, desde 1985. redução nos casos de desaparecimentos Em março, o grupo de ONGs responsável forçados nos últimos anos. No entanto, por acompanhar os decretos judiciais 092 de expressou preocupação com o fato de a 2008 e 009 de 2015 do Tribunal Colômbia não reconhecer a competência do Constitucional publicou um relatório sobre a Comitê de Desaparecimentos Forçados para implantação dos dois decretos no país. Os receber e considerar comunicados das decretos destacavam o predomínio da vitimas (ou em seu nome),, e também sobre violência sexual contra mulheres relacionada a falta de avanços significativos na ao conflito e ordenavam ao estado que investigação de tais crimes. combatesse os crimes e trouxessem à justiça Em novembro, o Conselho de Direitos os suspeitos. O relatório concluiu que, apesar Humanos da ONU observou uma redução de o estado ter feito certo progresso na significativa no impacto do conflito sobre os investigação desses crimes, não tinha civis. Porém, expressou suas preocupações garantido o direito dos sobreviventes à com relação às violações em curso, os verdade, justiça e reparação. A grande desaparecimentos forçados e a persistência maioria dos suspeitos de serem responsáveis da impunidade. Outra preocupação expressa por esses crimes ainda não tinham sido se refere aos abusos por “grupos armados julgados pela justiça até o final do ano. ilegais que surgiram depois da Em agosto, o governo emitiu o Decreto desmobilização das organizações 1314, criando uma comissão para paramilitares” e alegações de que atores desenvolver um Programa Integral de estatais estariam em conluio com alguns Garantias para as Mulheres Líderes e desses grupos. Defensoras dos Direitos Humanos, que incluiria mecanismos de prevenção e 1. Colombia: Agreement on a bilateral ceasefire and cessation of proteção. hostilities is an historic step forward (AMR 23/4311/2016) Em junho, a Procuradoria Geral emitiu 2. Colombia: End of negotiations over conflict brings hopes of peace uma resolução, adotando um protocolo para (News story, 25 August) investigar crimes de violência sexual. 3. Colombia: Historic peace deal must ensure justice and an end to human rights abuses (News story, 26 September) ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL 4. Colombia: Nobel Peace Prize shows Colombia must not close the door Em março, o Alto Comissariado da ONU para on hopes of peace with justice (News story, 7 October) Direitos Humanos publicou um relatório 5. Colombia: Security forces must refrain from excessive use of force parabenizando o governo e as FARC pelo during rural protests (AMR 23/4204/2016) progresso no sentido de alcançar um acordo 6. Colombia: ELN must release journalists (AMR 23/4134/2016) de paz. O Alto Comissariado alertou que 7. Colombia: Death threats to defenders and trade unionists (AMR grupos paramilitares (chamados de “grupos 23/3837/2016) pós-desmobilização" no relatório) 8. Colombia: Paramilitary activity threatens Peace Community (AMR “fragilizavam constantemente os direitos 23/4998/2016) humanos e a segurança dos cidadãos, a 9. Colombia: Death threats to Afro-descendant leaders (AMR administração da justiça e a construção da 23/3938/2016) paz, inclusive na reintegração de posse de terras. O desmantelamento de grupos que

Anistia Internacional Informe 2016/17 103 outras 69 mil, de acordo com o Programa COREIA DO NORTE Mundial de Alimentos. O governo pediu ajuda humanitária, incluindo alimentos, República Popular Democrática da Coreia abrigo, água e saneamento básico, mas a Chefe de estado: Kim Jong-un resposta internacional foi mínima devido a Chefe do Governo: Pak Pong-ju preocupações expressas por doadores em potencial referentes ao programa nuclear do Os cidadãos da República Democrática país. Popular da Coreia (Coreia do Norte) continuaram sofrendo violações no que diz LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO respeito à maioria dos aspectos dos direitos Um total de 1414 pessoas saíram da Coreia humanos. Norte-coreanos e estrangeiros do Norte para a Coreia do Sul. O número foram detidos arbitrariamente e condenados aumentou 11% em relação ao mesmo após julgamentos injustos por “delitos” período em 2015, o primeiro aumento desde penais não reconhecidos pela legislação 2011 quando Kim Jong-un subiu ao poder. internacional. As restrições rigorosas sobre Além dos relatos da partida de norte- o direito à liberdade de expressão coreanos comuns, a mídia na Coreia do Sul e continuaram. Milhares de norte-coreanos no Japão noticiou diversos funcionários do foram enviados pelas autoridades para alto escalão desertando seus postos e trabalhar no exterior, frequentemente sob pedindo asilo. Em agosto, o governo da condições adversas. O número de norte- Coreia do Sul confirmou a chegada de TSE coreanos que fogem para a República da Young-ho, vice-embaixador da Coreia do Coreia (Coreia do Sul) aumentou. Norte no Reino Unido, com sua família. Treze trabalhadores de restaurantes INFORMAÇÕES GERAIS enviados pelo governo para trabalhar em O governo testou armas nucleares duas Ningbo, na China, voaram direto da China vezes, uma em janeiro e outra em setembro, para a Coreia do Sul em abril. Ao chegarem à aumentando a tensão entre a Coreia do Norte Coreia do Sul, as autoridades norte-coreanas e a comunidade internacional. Por isso, a alegaram que as doze mulheres do grupo ONU aumentou as sanções econômicas haviam sido sequestradas na China e levadas sobre a Coreia do Norte, gerando medo na à Coreia do Sul. De acordo com uma população local e em especialistas entrevista com seus ex-colegas na imprensa, estrangeiros do agravamento da falta de arranjada pelo governo norte-coreano em alimentos e da deterioração do padrão de Pyongyang, os passaportes dos trabalhadores vida. Os especialistas consideram o possível foram apreendidos enquanto estavam na impacto econômico como uma motivação China, o que restringiu a possibilidade de para mais pessoas deixarem o país, mas o viajarem com liberdade.1 risco de limpeza política por meio de prisões Entrevistas com os norte-coreanos que e execuções relatadas entre a elite no poder deixaram o país e relatos da imprensa dizem foi visto como um fator crucial na que o governo aumentou as medidas de contribuição das fugas do país. vigilância para evitar que as pessoas saiam O Partido dos Trabalhadores da Coreia pela fronteira entre a China e a Coreia. Os realizou um congresso em maio, pela que conseguiram fugir ainda correm riscos primeira vez em 36 anos. Os jornalistas da de detenção, aprisionamento, trabalho mídia internacional foram convidados a forçado, tortura e outros maus-tratos se visitar o país na ocasião, mas trabalharam forem presos e voltarem da China. sob restrições severas e não puderam cobrir as reuniões do congresso. Em agosto, enchentes graves mataram pelo menos 138 pessoas e desalojaram

104 Anistia Internacional Informe 2016/17 em decorrência das novas sanções da ONU DIREITOS DOS TRABALHADORES autorizadas mais no início do ano, e antes do MIGRANTES congresso do Partido dos Trabalhadores da O governo continuou a enviar, por meio de Coreia em maio, quando a Coreia do Norte empresas estatais, pelo menos 50 mil era alvo de maior atenção internacional.2 pessoas para trabalhar em cerca de 40 Até 120 mil pessoas permaneceram países, como Angola, China, Kuwait, Catar e detidas nos quatro campos de prisioneiros Rússia em vários setores, incluindo políticos conhecidos, onde foram submetidas medicina, construção civil, florestamento e a violações sistemáticas, generalizadas e alimentação. Os trabalhadores não graves dos direitos humanos, como trabalhos receberam salários diretamente dos forçados, tortura e outros maus-tratos-- em empregadores, mas através do governo alguns casos chegando a crimes contra a norte-coreano, após deduções significativas. humanidade. Muitos dos detidos nesses A maioria dos trabalhadores foi privada de campos não foram condenados por nenhum informações sobre leis trabalhistas nacionais crime reconhecido pela legislação e internacionais, e com frequência não tinha internacional, mas foram declarados acesso a nenhuma agência governamental e “culpados por associação”, apenas por outras organizações nos países anfitriões que serem parentes de indivíduos considerados monitorassem o cumprimento dos direitos uma ameaça ao Estado. trabalhistas ou que oferecessem ajuda para exigir esses direitos. LIBERDADE DE EXPRESSÃO Com frequência, os trabalhadores eram As autoridades continuaram a impor severas submetidos a jornadas de trabalho com restrições ao direito de liberdade de duração excessiva e corriam riscos de expressão, inclusive ao direito de buscar, acidentes e doenças ocupacionais. Em receber e compartilhar informações, junho, a Polônia anunciou que não permitiria independentemente de fronteiras nacionais. mais a entrada de trabalhadores norte- O governo persistiu na restrição ao acesso a coreanos no país, após a mídia noticiar um fontes de informação do exterior; não havia acidente fatal num estaleiro com um jornais, mídia ou organizações sociais civis trabalhador norte-coreano em 2014. Malta nacionais que funcionassem de forma fez um anúncio semelhante em julho e independente. negou extensões do visto dos trabalhadores As atividades profissionais dos poucos norte-coreanos que já estavam lá. jornalistas internacionais permitidos no país continuaram bastante restritas. Jornalistas da PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS BBC em visita à Coreia do Norte antes do As autoridades condenaram pessoas, congresso do Partido dos Trabalhadores da incluindo estrangeiros, a longas penas após Coreia em maio, foram mantidos julgamentos injustos. O estudante americano incomunicáveis durante um breve período, Frederick Otto Warmbier foi condenado por depois interrogados e expulsos do país “subversão” apenas por admitir ter roubado porque o governo considerou um banner de propaganda. Ele recebeu uma “desrespeitosas” as matérias que produziram sentença de quinze anos de trabalhos sobre os aspectos cotidianos da vida em forçados em março. O acesso ao consulado Pyongyang.. A Agence France-Presse se lhe foi negado por pelo menos seis meses. tornou uma das poucas empresas de mídia Kim Dong-chul, 62, cidadão norte-americano estrangeiras a funcionar na Coreia do Norte, nascido na Coreia do Sul foi condenado a quando abriu um escritório em Pyongyang, dez anos de trabalhos forçados em abril por em setembro. “espionagem”. As autoridades não deram Quase todos tiveram o acesso negado a detalhes sobre essas supostas atividades de serviços de celulares internacionais e espionagem. As sentenças foram impostas internet . Os norte-coreanos que vivem perto

Anistia Internacional Informe 2016/17 105 da fronteira com a China correram riscos significativos ao usar celulares CUBA contrabandeados e conectados às redes chinesas para entrar em contato com República de Cuba pessoas no exterior. Quem não tivesse esses Chefe de estado e governo: Raúl Castro Ruz telefones tinha que pagar quantias exorbitantes a intermediários para fazer Apesar da suposta abertura política, ligações internacionais. O uso de celulares restrições dos direitos à liberdade de contrabandeados para acessar as redes expressão, associação e circulação chinesas expôs todos os envolvidos a uma continuaram. A sociedade civil local e os vigilância ainda maior, além do risco de grupos de oposição relataram cada vez mais prisão e detenção sob diversas acusações, detenções e perseguições com motivação entre elas a espionagem.3 política contra críticos do governo. A rede de computadores existente continuou disponível a um número bem INFORMAÇÕES GERAIS limitado de pessoas, com acesso apenas a O restabelecimento das relações entre os websites e serviços de e-mail nacionais. Em EUA e Cuba em 2015 levou a um maior fluxo setembro, um erro de configuração num de comércio e turismo entre os dois países servidor da Coreia do Norte revelou ao em 2016. Por exemplo, os serviços de voos mundo que a rede tinha apenas 28 sites, comerciais dos EUA para Cuba foram todos controlados por órgãos oficiais ou retomados, após mais de 50 anos. empresas estatais. Em março, o presidente dos EUA, Barack Obama, visitou Cuba e conheceu o DESAPARECIMENTOS FORÇADOS presidente Raúl Castro. Foi a primeira visita Em fevereiro, as autoridades pararam todas de um presidente norte-americano em quase as investigações sobre sequestro de cidadãos um século.1 Fidel Castro morreu em japoneses, revertendo o acordo bilateral de novembro do mesmo ano.2 2014 para investigar esses casos. Os relatos Milhões de turistas, muitos dos EUA e da da mídia apontam que a decisão foi resultado Europa, visitaram Cuba em 2016, resultando do reestabelecimento de sanções, em um crescimento significativo do setor de previamente atenuadas, mas recolocadas em turismo. vigor após os testes com armas nucleares Os migrantes de Cuba continuaram a ir que a Coreia do Norte realizou em janeiro. A para os países da América do Sul e da Coreia do Norte já tinha admitido que seus América Central, bem como a viajar para o agentes de segurança sequestraram doze norte da ilha para chegar aos EUA. Entre cidadãos japoneses durante as décadas de outubro de 2015 e julho de 2016, mais de 1970 e 1980. 46 mil cubanos entraram nos EUA, um pouco mais que em 2015, e duas vezes mais que em 2014, de acordo com o Pew 1. North Korea: End secrecy surrounding North Korean restaurant workers (ASA 25/4413/2016) Research Centre. 2. North Korea: U.S. Citizen hard labour sentence shrouded in secrecy Durante todo o ano, a Comissão (News story, 29 April) Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) 3. Connection denied: Restrictions on mobile phones and outside manifestou preocupação sobre a situação information in North Korea (ASA 24/3373/2016) dos migrantes cubanos que tentavam entrar nos EUA. Em agosto, mais de 1.000 migrantes cubanos ficaram encalhados na Colômbia, próximos à fronteira com o Panamá. A CIDH manifestou preocupação com o fato de eles não terem acesso a alimentação e estarem sob risco de serem

106 Anistia Internacional Informe 2016/17 vítimas do tráfico de pessoas. Em julho, 121 migrantes cubanos foram supostamente PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS deportados do Equador, sem a notificação Continuaram os relatos de críticos do governo apropriada nem a oportunidade de recorrer e de ativistas — como as Damas de Branco contra as decisões. — rotineiramente sujeitos a prisões Cuba não ratificou o ICCPR nem o arbitrárias e detenções por curtos períodos ICESCR, ambos firmados em fevereiro de por exercerem o direito à liberdade de 2008, nem o Estatuto de Roma para o expressão, associação, manifestação e Tribunal Penal Internacional. Da mesma circulação.4 forma, Cuba não reconheceu a competência As autoridades se envolveram em um jogo do Comitê das Nações Unidas contra Tortura, de "gato e rato", em que ativistas eram nem do Comitê da ONU sobre repetidamente recolhidos e detidos por Desaparecimentos Forçados para receber e períodos entre oito e 30 horas, e depois eram considerar comunicações de vítimas ou de liberados sem acusações, com frequência outros Estados-partes. diversas vezes ao mês. A Comissão Cubana de Direitos Humanos LIBERDADES DE EXPRESSÃO E e Reconciliação Nacional documentou uma ASSOCIAÇÃO média mensal de 862 detenções arbitrárias Apesar da retomada das relações com os entre janeiro e novembro — número superior EUA em 2015, a retórica da Guerra Fria ao registrado no mesmo período de 2015. permaneceu, com ativistas políticos e Era comum que as pessoas mantidas por defensores dos direitos humanos sendo períodos mais longos, em “prisão descritos publicamente como “mercenários preventiva”, não fossem acusadas anticubanos”, “antirrevolucionários” e formalmente e seus parentes raramente “subversivos”. conseguiam obter documentos que O sistema judiciário permaneceu sob informavam os motivos para a detenção. controle político. As leis que abrangem Em julho e agosto, Guillermo Fariñas, que "desordem pública", "desacato", recebeu o Prêmio Sakharov da União "desrespeito", "periculosidade" e "agressão" Europeia pela Liberdade de Pensamento em foram usadas em processos com motivação 2010, e outros ativistas políticos, a maioria da política. União Patriótica de Cuba, entraram em greve Os críticos ao governo continuaram a ser de fome em um protesto em massa contra o hostilizados, incluindo "atos de que eles acreditavam ser uma repressão repúdio" (demonstrações lideradas por cada vez mais violenta de dissidentes e apoiadores do governo e que envolvem ativistas. representantes da segurança do estado). Ao final do ano, o artista grafiteiro e O governo continuou a usar limitações de prisioneiro de consciência Danilo Maldonado acesso à Internet como uma forma de Machado, conhecido como El Sexto, estava controlar o acesso à informação e a liberdade sendo mantido em El Combinado del Este, de expressão. Apenas 25% da população uma prisão de segurança máxima na conseguiu se conectar e apenas 5% das periferia da capital, Havana. Danilo Machado residências têm acesso à internet. Até foi preso em sua casa em 26 de novembro, agosto, havia 178 pontos públicos de Wi-Fi horas depois do anúncio da morte de Fidel divulgados no país. Contudo, houve relatos Castro. No mesmo dia, o jornal com sede em frequentes de que o serviço de Wi-Fi era Cuba 14ymedio relatou que ele havia escrito interrompido. O governo continuou a as palavras "Ele se foi" (Se fue) em um muro bloquear e filtrar os acessos a sites, limitando de Havana.5 o acesso à informação e às críticas das políticas do Estado.3

Anistia Internacional Informe 2016/17 107 justiça. Mulheres continuaram a enfrentar ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL violência sexual e de gênero. O governo Organizações e mecanismos independentes continuou a reprimir as minorias religiosas de direitos humanos, incluindo os Relatores e processou pessoas por difamação da Especiais da ONU, não tiveram acesso a religião. Pessoas foram presas por Cuba. “devassidão” devido à sua aparente Monitores independentes também tiveram orientação sexual. Centenas de pessoas seu acesso às prisões negado. Cuba refugiadas, solicitantes de refúgio e permaneceu o único país das Américas que migrantes foram presos enquanto tentavam a Anistia Internacional não tem permissão cruzar o Mar Mediterrâneo. Os tribunais das autoridades para visitar. continuaram e emitir penas de morte e foram realizadas execuções.

1. Obama-Castro encounter: More than a handshake needed to thaw the Cold War’s human rights (News story, 21 March) INFORMAÇÕES GERAIS 2. Fidel Castro’s human rights legacy: A tale of two worlds (News story, A Câmara dos Deputados recém-eleita se 26 November) reuniu em 10 de janeiro e teve 15 dias para 3. Six facts about censorship in Cuba (News story, 11 March) analisar e aprovar decretos legislativos emitidos pelo Presidente al-Sisi na ausência 4. Americas: Open Letter from Amnesty International to US President Barack Obama, Cuban President Raul Castro and Argentine President do parlamento. Quase todas as leis foram Mauricio Macri (AMR 01/3666/2016) aprovadas, inclusive a Lei de Combate ao 5. Cuba: Graffiti artist transferred to new prison: Danilo Maldonado Terrorismo (Lei 94 de 2015) que destruiu as Machado (AMR 25/5279/2016) salvaguardas de julgamentos justos e atribuiu poderes de emergência às leis nacionais. O Egito permaneceu na coalizão militar EGITO liderada pela Arábia Saudita no conflito armado no Iêmen (veja o item Iêmen). Em República Árabe do Egito janeiro, o Presidente al-Sisi sancionou uma Chefe de estado: Abdel Fattah al-Sisi lei autorizando as forças armadas a operarem Chefe de governo: Sherif Ismail fora do Egito por mais um ano. As relações entre o Egito e a Itália se As autoridades usaram prisões arbitrárias deterioraram após o estudante de doutorado em massa para suprimir manifestações e italiano Giulio Regeni morrer em dissidências, detendo jornalistas, circunstâncias misteriosas quando fazia defensores dos direitos humanos e pesquisa nos sindicatos egípcios. Quando manifestantes, além de restringir as seu corpo foi encontrado, em 3 de fevereiro, atividades das organizações de defesa dos um policial disse à imprensa egípcia que direitos humanos. A NSA (Agência Nacional Giulio Regeni havia morrido em um acidente de Segurança) submeteu centenas de de trânsito, mas as autópsias concluíram que pessoas detidas ao desaparecimento ele havia sido torturado. Em 24 de março, forçado; agentes da NSA e outras forças de duas semanas após o Parlamento Europeu segurança torturaram e maltrataram os expressar preocupação com a morte, o detidos. As forças de segurança usaram ministro do Interior do Egito disse que as força letal excessiva durante o policiamento forças de segurança mataram membros de de rotina e em incidentes que podem uma gangue de criminosos responsável pela configurar execuções extrajudiciais. morte de Giulio Regeni. Em 8 de abril, a Itália Julgamentos injustos em massa chamou seu embaixador no Egito de volta. continuaram em tribunais civis e militares. Em 9 de setembro, o Procurador do As autoridades não investigaram Ministério Público do Egito disse que as adequadamente as violações de direitos forças de segurança haviam investigado humanos nem levaram os criminosos à

108 Anistia Internacional Informe 2016/17 Giulio Regeni brevemente antes de seu difamar políticos eleitos e “prejudicar a desaparecimento e assassinato. moral”. Diversos países continuaram a fornecer O fotojornalista Mahmoud Abou Zeid, armas e equipamentos militares e de conhecido como Shawkan, e mais 730 segurança ao Egito, incluindo caças e pessoas continuaram a enfrentar audiências veículos blindados. em um julgamento coletivo injusto que O governo manteve a travessia de Rafah começou em dezembro de 2015. Mahmoud para a Faixa de Gaza quase Abou Zeid respondeu por acusações permanentemente fechada, abrindo-a forjadas, entre as quais “participar de um apenas por 46 dias durante o ano, de acordo grupo criminoso" e assassinato, por ter com a UNRWA (Agência das Nações Unidas documentado um protesto pacífico na capital de Assistência aos Refugiados da Palestina – Cairo em 14 de agosto de 2013. O tribunal sigla em inglês). julgou muitas pessoas que estavam ausente. Em 1º de maio, as forças de segurança SEGURANÇA E COMBATE AO invadiram o Sindicato da Imprensa no Cairo e TERRORISMO prenderam os jornalistas Amro Badr e As forças armadas continuaram as operações Mahmoud al-Saqqa, e as acusações contra grupos armados ativos no Sinai do incluíram incitação a protestos e publicação Norte, usando veículos blindados, artilharia e de "falsos rumores". O Sindicato condenou a ataques aéreos. O Ministro da Defesa disse invasão e as prisões. O tribunal soltou Amro que cada uma dessas operações matou Badr em 28 de agosto e Mahmoud al-Saqqa dezenas de "terroristas". Boa parte da área em 1º de outubro, mediante o pagamento de permaneceu em estado de emergência e fiança. Em 19 de novembro, um tribunal efetivamente sem acesso para monitores e condenou o presidente do Sindicato, Yahia jornalistas de direitos humanos Galash e os membros do conselho Khaled independentes. Elbalshy e Gamal Abd el-Reheem a dois anos Grupos armados lançaram ataques de prisão. Uma das acusações era "abrigar repetidos e fatais direcionados às forças de suspeitos". O tribunal estabeleceu uma tarifa segurança, agentes do governo e do de 10.000 libras egípcias (cerca de US judiciário e outros civis. A maioria desses $ 630) para suspender as sentenças. ataques ocorreu no Sinai do Norte, embora Juízes investigadores aceleraram uma bombardeios e tiroteios tenham sido investigação criminal sobre as atividades e relatados em outras partes do país. O grupo captação de fundos de ONGs, interrogando armado autointitulado Província do Sinai, que funcionários, proibindo doze advogados de declarou aliança ao grupo armado Estado defesa de viajar e congelando os bens de Islâmico, assumiu a autoria de muitos desses sete defensores e seis grupos. As autoridades atentados. Durante o ano, o grupo Província ordenaram o fechamento de uma do Sinai afirmou ter executado diversos organização de defesa dos direitos humanos. homens que, segundo o grupo, eram espiões O parlamento aprovou a nova legislação para das forças de segurança. substituir a Lei sobre Associações (Lei 84 de 2002), que restringiria bastante as atividades LIBERDADES DE EXPRESSÃO, de ONGs e seu direito de obter registro legal ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO e acesso a fundos vindos do exterior. O As autoridades restringiram com rigidez os projeto de lei ainda não tinha sido aprovado direitos à liberdade de expressão, associação até o final do ano. e manifestação pacífica na lei e na prática. Em 17 de fevereiro, representantes do Jornalistas, ativistas e outros indivíduos Ministério da Saúde entregaram ao Centro El foram presos, processados e detidos com Nadeem para Reabilitação de Vítimas de acusações que incluíram incitar ou participar Violência uma ordem de fechamento. A de protestos, disseminar “falsos rumores”, organização continuou a operar e desafiou a

Anistia Internacional Informe 2016/17 109 decisão do governo nos tribunais, mas as autoridades rapidamente congelaram seus PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS bens em novembro. Críticos e oponentes do governo continuaram Em 17 de setembro, um tribunal no Cairo a enfrentar prisões e detenções arbitrárias, manteve o congelamento de bens de cinco com acusações que incluíam incitação a advogados e três organizações — o Instituto protestos, “terrorismo” e pertencer a grupos do Cairo para Estudos sobre Direitos banidos, como a Irmandade Muçulmana ou Humanos, o Centro Jurídico Hisham o Movimento Jovem 6 de Abril. As Mubarak e o Centro Egípcio para o Direito à autoridades também detiveram de forma Educação — ordenado por juízes que arbitrária diversos defensores dos direitos investigavam suas atividades e sua captação humanos. de fundos. As forças de segurança prenderam cerca As forças de segurança usaram gás de 1.300 pessoas em todo o Egito, entre lacrimogêneo para dispersar protestos meados de abril e o começo de maio, em pacíficos no Cairo em 15 e 25 de abril, e tentativas de reprimir os protestos, de acordo prenderam 1.300 pessoas sob a acusação de com estimativas de uma coalizão de violar a Lei de Protestos (Lei 107 de 2013) e advogados egípcios especializados em a Lei sobre Reuniões (Lei 10 de 1914). Em 8 direitos humanos. A maioria foi libertada, de junho, o governo anunciou que planejava mas alguns foram julgados (veja abaixo, fazer uma emenda à Lei de Protestos, porém "Julgamentos injustos"). até o final do ano não havia enviado nenhum Mais de 1.400 pessoas ficaram presas projeto ao Parlamento. além do limite legal de dois anos para Em 3 de dezembro, a Suprema Corte detenção antes do julgamento, sem serem Constitucional decidiu que um artigo da Lei levadas a julgamento. de Protestos era inconstitucional. O artigo Mahmoud Mohamed Ahmed Hussein foi dava ao Ministério do Interior poderes para liberado mediante pagamento de fiança em proibir protestos de forma arbitrária. 25 de março por uma ordem judicial após ficar preso por mais de dois anos, sem ser USO EXCESSIVO DE FORÇA julgado, por usar uma camiseta com a frase Policiais continuaram a usar força excessiva "Nação sem Tortura" e um lenço com o letal após desentendimentos verbais, logotipo da "Revolução de 25 de janeiro". atirando e matando pelo menos onze Malek Adly, diretor do Centro Egípcio para pessoas, e ferindo mais de quarenta. Os Direitos Econômicos e Sociais, foi preso pelas tribunais prenderam dois policiais forças de segurança em 5 de maio, acusado condenados a 25 anos de prisão em casos de espalhar “boatos" e tentar destituir o diferentes de tiroteios fatais que levaram a governo. Ele ajudou a abrir um processo protestos da vizinhança. desafiando a decisão do governo de ceder as O Ministério do Interior anunciou ilhas de Tiran e Sanafir para a Arábia Saudita. repetidamente que as forças de segurança Um tribunal ordenou sua liberação em 28 de atiraram e mataram suspeitos durante agosto. invasões a residências, incluindo membros As forças de segurança prenderam o da Irmandade Muçulmana e supostos presidente da Comissão Egípcia para Direitos membros de grupos armados. Nenhum e Liberdades, Ahmed Abdallah, em 25 de policial foi formalmente investigado, o que abril, e o diretor de minorias do grupo, Mina aumentou a preocupação com o fato de as Thabet, em 19 de maio. A organização forças de segurança utilizarem força documentou desaparecimentos forçados no excessiva ou, em alguns casos, realizarem Egito. Os dois homens permaneceram presos execuções extrajudiciais. sem acusação formal, e foram libertados mediante pagamento de fiança em 18 de junho e 10 de setembro, respectivamente.

110 Anistia Internacional Informe 2016/17 política após a retirada de DESAPARECIMENTOS FORÇADOS do cargo de presidente em julho de 2013. A NSA levou centenas de pessoas sem Em alguns julgamentos com réus ordem judicial. Essas pessoas ficaram submetidos ao desaparecimento forçado, os incomunicáveis por longos períodos, fora da tribunais aceitaram como provas "confissões" supervisão judicial e sem acesso a familiares obtidas por meio de tortura. ou advogados.1 As autoridades continuaram Além dos tribunais especiais para a negar que esses desaparecimentos julgamentos relacionados ao terrorismo, os forçados ocorreram. As forças de segurança tribunais militares julgaram de forma injusta perseguiram supostos apoiadores da centenas de civis, inclusive em julgamentos Irmandade Muçulmana e ativistas de outras coletivos. Em agosto, as autoridades filiações políticas. Alguns desaparecimentos ampliaram uma lei que aumenta muito a forçados foram realizados pela Inteligência competência dos tribunais militares para Militar. incluir crimes cometidos contra “instalações A NSA prendeu Aser Mohamed, de 14 públicas” por mais cinco anos. anos, em 12 de janeiro, e o submeteu a Os tribunais julgaram mais de 200 desaparecimento forçado por 34 dias. Ele pessoas acusadas de fazer parte dos disse que os interrogadores da NSA o protestos contra a decisão do governo de forçaram a "confessar" sob tortura as ceder as ilhas de Tiran e Sanafir à Arábia acusações relacionadas a "terrorismo", e que Saudita, condenando muitos a penas de dois um promotor o ameaçou com mais tortura a cinco anos de prisão e multas pesadas. caso retirasse sua confissão. Seu julgamento Depois, os tribunais de apelação reverteram estava em andamento no final do ano. a maioria das condenações. Mais de 490 pessoas, incluindo o irlandês TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Ibrahim Halawa, foram condenadas por Agentes de segurança submeteram os participar em atos de violência durante um detentos a espancamentos e maus-tratos na protesto em agosto de 2013, num julgamento prisão. Interrogadores da NSA torturaram e coletivo que começou em 2014. As maltrataram muitas vítimas de acusações contra Ibrahim Halawa foram desaparecimentos forçados para extrair consideradas forjadas pela Anistia “confissões” para uso como provas contra si Internacional. mesmas no julgamento. Alguns dos métodos Em 18 de junho, um tribunal condenou o usados eram o espancamento, choques presidente deposto Mohamed Morsi a 25 elétricos e posições de estresse. Os grupos anos de prisão por liderar um “grupo de direitos humanos egípcios documentaram proibido” e por mais 15 anos por roubar dezenas de relatórios de mortes sob custódia informações secretas. O tribunal condenou devido a tortura e outros maus-tratos, além outros seis homens à morte no mesmo caso, do acesso inadequado a cuidados médicos. entre eles três jornalistas à revelia. Em 20 de setembro, um tribunal condenou nove policiais a penas de três anos IMPUNIDADE de prisão por agressão a médicos num As autoridades não investigaram de forma hospital no distrito de Matariya, no Cairo, em adequada a grande maioria das alegações de janeiro. O tribunal libertou os policiais sob violações dos direitos humanos, inclusive fiança, com possibilidade de recurso. tortura e outros maus-tratos, desaparecimentos forçados, mortes sob JULGAMENTOS INJUSTOS custódia e o uso difundido de força excessiva Tribunais criminais continuaram a realizar por agentes de segurança desde 2011. julgamentos coletivos injustos, envolvendo Também não levou os perpetradores à dezenas – às vezes centenas – de acusados justiça. de participar de protestos e de violência

Anistia Internacional Informe 2016/17 111 Com frequência, promotores se recusaram autoridades culparam uma "célula terrorista" a investigar denúncias dos detentos sobre ligada à Irmandade Muçulmana. tortura e outros maus-tratos, além das provas Uma nova lei regulamentando as igrejas, de que forças de segurança tinham assinada pelo presidente al-Sisi em 28 de falsificado dados de prisão em casos de setembro, restringiu de forma arbitrária sua desaparecimento forçado. construção, reparo e expansão. Em 15 de agosto, o Presidente al-Sisi assinou emendas para a Lei de Autoridade DIREITOS LGBTI Policial que proibiram as forças de segurança As pessoas continuaram a ser presas, de “maltratar cidadãos” e proibiram os detidas e julgadas por acusações de funcionários de fazerem declarações não “devassidão” segundo a Lei 10 de 1961, autorizadas à imprensa e de formarem com base em sua orientação sexual aparente sindicatos. e identidade de gênero. DIREITOS DAS MULHERES DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E As mulheres continuaram recebendo MIGRANTES proteção inadequada contra a violência As forças de segurança egípcias prenderam sexual e de gênero. Foram discriminadas na mais de 4.600 refugiados, solicitantes de lei e na prática, em particular por leis de refúgio e migrantes que tentavam cruzar o status pessoal que regulam o divórcio. Mar Mediterrâneo e chegar à Europa, de Uma menina de 17 anos morreu em 29 de acordo com os números publicados pela maio por hemorragia, segundo relatos, após ACNUR, a agência para refugiados da ONU, sofrer mutilação genital feminina (MGF) num em setembro. hospital particular da província de Suez. Em 8 de novembro, o Presidente al-Sisi Quatro pessoas foram julgadas por sancionou uma lei que puniria quem acusações de causar danos letais e MGF, transportasse pessoas ilegalmente de um inclusive a mãe da menina e os funcionários país para o outro com uma multa de até 500 do hospital. mil libras egípcias (US$ 32.130) e penas de Em 25 de setembro, o presidente al-Sisi prisão de até 25 anos. A lei não faz distinção assinou uma lei que amplia a pena para entre contrabando e tráfico de pessoas. A lei qualquer pessoa que realizar uma MGF de isentava as vítimas de tráfico e migrantes um mínimo de três meses e máximo de dois irregulares de penas de prisão e multas, mas anos para um mínimo de cinco anos e previa que o governo os devolvesse a seus máximo de quinze anos, punindo também países de origem, possivelmente contra sua quem forçar as meninas a passarem pelo vontade. A lei não especifica como as procedimento. autoridades devem tratar as vítimas de tráfico, refugiados e solicitantes de refúgio DISCRIMINAÇÃO — MINORIAS nem se estariam protegidas de um retorno RELIGIOSAS forçado. As minorias religiosas, inclusive cristãos Em 22 de setembro, um barco com coptas, muçulmanos xiitas e baha’is, pessoas refugiadas, solicitantes de refúgio e continuaram a enfrentar restrições migrantes em situação irregular virou na discriminatórias na lei e na prática, e costa egípcia. Mais de duzentas pessoas receberam proteção inadequada contra a morreram. As forças de segurança violência. prenderam a tripulação. Houve diversos ataques direcionados aos cristãos coptas. Em 11 de dezembro, um DIREITOS TRABALHISTAS bombardeio em uma igreja no Cairo matou As autoridades não reconheceram sindicatos 27 pessoas. O grupo armado Estado Islâmico independentes que funcionavam fora da assumiu a autoria desses ataques, mas as Federação Egípcia de Sindicatos, controlada

112 Anistia Internacional Informe 2016/17 pelo governo. Isso se refletiu num novo projeto de lei, que estreitava ainda mais o 1. Egypt: ‘Officially, you do not exist’ – disappeared and tortured in the name of counter-terrorism (MDE 12/4368/2016) controle central sobre os sindicatos. Um tribunal militar julgou injustamente 26 trabalhadores civis da Companhia Estaleiro Alexandria por greve. EL SALVADOR As organizações de direitos humanos egípcias avisaram, repetidas vezes, que o República de El Salvador governo não estava fazendo o suficiente para Chefe de estado e de governo: Salvador Sánchez Cerén garantir que suas políticas econômicas, como a reforma de subsídios e desvalorização da Níveis crescentes de violência continuaram moeda, e as propostas de reformas na lei do a afetar o direito à vida, integridade física, funcionalismo público não tivessem um educação e liberdade de ir e vir. Foram impacto negativo sobre as pessoas com reportados casos de uso excessivo de força rendas menores e que vivem na pobreza. pelas forças de segurança e um aumento nas solicitações de refúgio de salvadorenhos PENA DE MORTE em vários países da região. A proibição total Os tribunais continuaram e emitir penas de ao aborto continua ameaçando os direitos morte por assassinato, estupro, tráfico de das mulheres. No entatanto, uma proposta drogas, assalto à mão armada e “terrorismo”. para descriminalizar o aborto em algumas As pessoas eram executadas por assassinato circunstâncias foi enviada à Assembleia e outros crimes. Legistlativa no final do ano. Uma defensora O Tribunal de Cassação reverteu algumas dos direitos humanos foi julgada sob penas de morte e mandou casos para serem acusações de calúnia e difamação. A julgados novamente, inclusive uma pena de Suprema Corte declarou a Lei de Anistia de morte contra o presidente deposto Mohamed 1993 como sendo inconstitucional. Morsi, e pelo menos um caso de julgamento Persistiu a impunidade pela violência e coletivo injusto ligado às manifestações de outros crimes contra a população LGBTI. 2013. Tribunais militares condenaram civis à INFORMAÇÕES GERAIS morte após julgamentos obviamente injustos, Os níveis de violência e outros crimes agravados por desaparecimentos forçados, causados principalmente por de gangues tortura e outros maus-tratos. continuou a devastar o país, com 3.438 Em 29 de maio, um tribunal militar homicídios relatados nos primeiros seis condenou seis homens civis à morte e doze meses do ano; o número correspondente homens civis a penas de 15 a 25 anos por para 2015 foi de 3.335 homicídios. A pertencerem à Irmandade Muçulmana, imprensa também noticiou casos de violência obterem informações confidenciais e posse sexual contra mulheres e meninas por parte de armas e explosivos. O tribunal ignorou as dos integrantes das gangues. denúncias desses homens de tortura e outros Em abril, as autoridades aprovaram uma maus-tratos, além de provas de que as forças série de “medidas extraordinárias” para de segurança os tinham submetido ao tentar estancar a onda de violência afligindo desaparecimento forçado após suas prisões o país, incluindo reformas legais para em maio e junho de 2015. O tribunal introduzir regimes prisionais mais rígidos e a também condenou outros dois homens à criação de uma força de reação morte e seis a penas de 25 anos à revelia. Os especializada de 1.000 policiais e militares a detidos entraram com recurso numa fim de combater as atividades criminas de instância militar superior. gangues. Críticos expressaram preocupação quanto ao uso de forças militares em operações de segurança pública, que podem

Anistia Internacional Informe 2016/17 113 causar violações de direitos humanos, gravidez é consequência de um estupro. A segundo relatos da imprensa. reforma ainda não havia sido aprovada até o final do ano. USO DE FORÇA EXCESSIVA E Os níveis de violência baseada em gênero EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS foram altos. No período entre janeiro e julho, Membros das forças de segurança foram 338 mulheres foram mortas; o número acusados de violações de direitos humanos correspondente de 2015 foi de 249 durante operações para combater o crime mulheres, segundo registros oficiais. organizado. Em abril, a Procuradoria do Escritório de Direitos Humanos relatou que DEFENSORES E DEFENSORAS DOS tanto a polícia civil quanto a militar haviam DIREITOS HUMANOS usado de força excessiva e cometido Em agosto, a defensora dos direitos assassinatos extrajudiciais durante duas humanos, Sonia Sánchez Pérez, foi absolvida operações de segurança em 2015. A de todas as acusações. Seu julgamento Procuradoria também foi citada na imprensa resultou de um processo movido contra ela afirmando que outros casos similares por uma empresa privada, que a acusou de estavam sob investigação. calúnia e difamação por suas afirmações sobre o impacto ambiental do projeto de DIREITOS DAS MULHERES infraestrutura da empresa na sua As ameaças aos direitos das mulheres comunidade. Ela também havia denunciado continuaram. A proibição total do aborto as ameaças que havia sofrido por parte dos permaneceu em vigor mesmo em casos de seguranças particulares da empresa. A estupro ou quando há risco para a vida da empresa entrou com um apelo da decisão. mulher. Em maio, María Teresa Rivera foi libertada DIREITOS DE MIGRANTES após ficar presa durante quatros anos, Muitos daqueles que buscaram deixar o país condenada por homicídio agravado após o fizeram para fugir dos efeitos cada vez mais sofrer um aborto espontâneo. O juiz ordenou presentes do controle das gangues que María Teresa Rivera fosse liberta após criminosas sobre áreas do país e, como reavaliar a sua sentença, julgando que as consequência, o impacto desse controle nos provas contra ela eram insuficientes.1 Mais direitos à vida, à integridade física, à de 20 mulheres permanecem presas, educação e à liberdade de ir e vir da cumprindo longas penas após sofrerem população local. complicações relacionadas à gestação ou A população LGBTI foi alvo frequente de emergências obstétricas. abusos, intimidação e violência, devido à sua Em julho, uma nova proposta apresentada orientação sexual e/ou identidade de gênero. por um grupo de parlamentares do principal Isso ocorre especialmente com as mulheres partido de oposição, a Alianza Republicana transgênero que muitas vezes enfrentam Nacionalista (ARENA), buscou aumentar as barreiras ainda maiores para ter accesso à sentenças da pena máxima de oito anos para justiça devido à discriminação, ficando assim o máximo de 50 anos para abortos. Até o suscetíveis à extorsão e violência por parte final do ano, a reforma ainda não havia sido das gangues. Sem uma forma de buscar aprovada.2 proteção ou justiça, muitas pessoas LGBTI Em outubro, parlamentares membros do fugiram do país como a única forma de partido governista, Frente Farabundo Martί escapar da violência. para la Liberación Nacional (FMLN), A deportação de salvadorenhos, apresentaram uma proposta para principalmente do México, aumentou. No descriminalizar o aborto em quatro entanto, El Salvador não tem um protocolo ou circunstâncias, incluindo situações em que a mecanismo eficaz estabelecido que possa vida da mulher está em risco ou quando a identificar e proteger aqueles que tiveram um

114 Anistia Internacional Informe 2016/17 retorno forçado para as comunidades das 2. El Salvador: Scandalous proposal to increase jail terms for women quais haviam3 fugido. accused of abortion (Press release, 12 July) 3. Home sweet home? Honduras, Guatemala and El Salvador´s role in a IMPUNIDADE deepening refugee crisis (AMR 01/4865/2016) El Salvador aderiu ao Estatuto de Roma do 4. El Salvador debe abolir la Ley de Amnistía y enfrentar su sangriento pasado (News story, 14 January) Tribunal Penal Internacional em março. Em junho, uma audiência de monitoramento relacionada a dois casos de desaparecimento forçado cometidos durante EQUADOR o conflito armado foi realizada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. República do Equador Em setembro, o tribunal deu a sentença de Chefe de estado e de governo: Rafael Vicente Correa Delgado um dos casos, Contreras et al vs El Salvador, e solicitou que o país providenciasse informações detalhadas e atualizadas sobre Críticos das autoridades, incluindo as investigações criminais e todos os esforços defensores e defensoras dos direitos empreendidos para identificar e trazer à humanos, enfrentaram acusações, justiça as pessoas suspeitas de serem perseguição e intimidação; os direitos à responsáveis por crimes segundo as leis liberdade de expressão e de associação internacionais e de violações de direitos foram cerceados. O direito ao humanos. consentimento livre, prévio e informado em Em julho, a Suprema Corte declarou que a relação a projetos de desenvolvimento que Lei de Anistia de 1993 era inconstitucional, afetam de forma negativa a subsistência foi um importante avanço para vítimas que negado aos povos indígenas. sofreram abusos de direitos humanos no passado e buscam justiça. INFORMAÇÕES GERAIS Segundo relatos, foram presos em O Comitê de Direitos Humanos da ONU fevereiro os quatro oficiais militares acusados expressou preocupação sobre as violações de envolvimento no assassinato de seis do ICCPR que incluem: o uso repetido de padres jesuítas, juntamente com a força pela polícia contra manifestações empregada e sua filha, em 1989, foragidos pacíficas; ações legais que ameaçam o desde 2011 após um mandato de prisão direito à livre associação e manifestação; emitido por um juiz espanhol. No entanto, lentidão na reforma legislativa que permitirá a segundo relatos da imprensa, a Suprema consulta apropriada aos povos e nações Corte negou o pedido de extradição em indígenas e de outras comunidades. O agosto. Comitê também recomendou que Em setembro, um tribunal ordenou a aumentassem os esforços para acabar com a reabertura do caso El Mozote em que discriminação contra a população LGBTI, e centenas de civis foram executados por que as questões de violência contra as oficiais militares em dezembro de 1981. mulheres e a violência sexual nas escolas Durante o ano de 2016, dois ex-militares fossem enfrentadas. que serviram como Ministros da Defesa durante o conflito armado foram deportados LIBERDADES DE EXPRESSÃO, dos EUA para El Salvador, acusados de ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO violações de direitos humanos cometidas na Em abril, líderes dos povos indígenas foram década de 1980.4 perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e condenaram as restrições ao direito à liberdade de 1. El Salvador: Release of woman jailed after miscarriage, a victory for human rights (Press release, 20 May) associação.

Anistia Internacional Informe 2016/17 115 Em setembro, as autoridades desfizeram a União Nacional dos Professores (UNE, na DEFENSORES E DEFENSORAS DOS sigla em espanhol), alegando que a entidade DIREITOS HUMANOS não tinha registrado o seu conselho diretor Em janeiro, os líderes campesinos Manuel com as devidas autoridades. Trujillo e Manuela Pacheco foram acusados Em dezembro, o ministro do Interior de “terrorismo”, após participarem de uma registrou uma reclamação contra a campanha de oposição à construção de uma Companhia de Ação Ecológica, acusando-a hidroelétrica que a comunidade acreditava de cometer atos violentos após a publicação limitar seu direito à água.2 Eles foram de informações sobre o possível impacto absolvidos no mesmo mês por falta de ambiental das atividades de mineração na provas. província de Morona Santiago. Em julho, um coordenador da Ouvidoria Consequentemente, a organização rejeitou uma reclamação apresentada pela permaneceu sob ameaça de fechamento. Frente de Mulheres Defensoras da Mãe Terra (Frente de Mujeres Defensoras de La DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS Pachamama) que alegaram terem sido Em janeiro, o povo Kichwa de Sarayaku atacadas e detidas de maneira arbitrária denunciou as negociações do governo que durante um protesto pacífico contra um buscavam conceder permissão a empresas projeto de mineração na província de internacionais para extrair petróleo do seu Cuenca. As mulheres solicitaram a revisão da território sem consultar a comunidade.1 decisão de acordo com o regulamento da Em junho, a Corte Interamericana de Ouvidoria. Até o fim do ano nenhuma Direitos Humanos publicou uma resolução decisão foi comunicada. no caso dos povos indígenas Kichwa de Sarayaku vs. Equador. A corte reconheceu 1. Una vez más Ecuador estaría ignorando los derechos de los pueblos que o Estado cumpriu a maioria das ordens indígenas en favor de la explotación petrolera (AMR 28/3360/2016) contidas em uma decisão de 2012. A Corte 2. Ecuador: Community leaders accused of terrorism (AMR solicitou mais informações do governo com 28/3205/2016) relação à obrigação de providenciar treinamento e capacitação permanentes para auxiliar funcionários do judiciário a resolver casos nos quais houve violação dos direitos ESPANHA dos povos indígenas. Em dezembro, a Corte Reino da Espanha realizou uma audiência sobre o cumprimento Chefe de Estado: Rei Felipe VI de Borbón do Estado das ordens relacionadas à Chefe do Governo: Mariano Rajoy remoção de explosivos do território Sarayaku e ao direito das pessoas afetadas por tais medidas de serem consultadas previamente. O crime de "glorificar o terrorismo" Espera-se que a Corte comunique a sua continuou a ser usado para processar resolução em 2017. pessoas que exerciam pacificamente seu Em dezembro, após uma série de atos direito à liberdade de expressão. Novos violentos e hostis por parte das autoridades casos de tortura e outros maus-tratos, uso contra o povo indígena Shuar, devido à sua excessivo da força e expulsões coletivas por oposição a um projeto de mineração em agentes da polícia foram relatados, Morona Santiago, o governo declarou estado inclusive contra pessoas que tentaram de emergência na área e prendeu o entrar ilegalmente pelo Marrocos nos presidente da Federação Interprovincial de territórios isolados de Ceuta e Melilla. Centros Shuar, Agustín Wachapá. Investigações de alegações de tortura e outros maus-tratos foram, às vezes, realizadas de forma ineficiente. As

116 Anistia Internacional Informe 2016/17 autoridades aceitaram o reassentamento e a em dois julgamentos de infrações penais realocação de apenas poucas centenas de devido à sua suposta parcialidade. Em junho, pessoas refugiadas, um número muito o Tribunal Superior do país indeferiu as duas abaixo dos compromissos assumidos. solicitações de ações contra o juiz. Autoridades espanholas continuaram a se Durante o ano, o Tribunal Superior proferiu recusar a cooperar com o judiciário 22 vereditos de culpa contra 25 pessoas por argentino para investigar crimes cometidos exaltação de crimes relacionados ao pelo regime de Franco durante a Guerra terrorismo. A maioria das condenações foi Civil. resultado da "Operação Aranha", envolvendo a interceptação de mensagens postadas nas LIBERDADES DE EXPRESSÃO E redes sociais. Entre abril de 2014 e abril de MANIFESTAÇÃO 2016, 69 pessoas foram presas como parte Durante todo o ano, restrições não da operação. Algumas das pessoas presas justificadas aos direitos de liberdade de foram mantidas incomunicáveis, uma forma expressão, informação e manifestação foram de detenção pela qual a Espanha foi criticada impostas, com base nas emendas legislativas pelos órgãos de direitos humanos da ONU de 2015 à Lei de Segurança Pública e no devido à sua aplicação por um período Código Penal. excessivo e sem salvaguardas apropriadas. Em 5 de fevereiro, Alfonso Lázaro de la Fuente e Raúl García Pérez, titereiros TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS profissionais, ficaram presos por cinco dias Novos casos de tortura e outros maus-tratos, após realizarem uma peça com cenas em como uso excessivo da força por policiais, que uma freira era esfaqueada, um juiz era foram relatados durante todo o ano. enforcado e policiais e mulheres grávidas Investigações de alegações de tortura e eram submetidos a espancamentos. Durante outros maus-tratos por vezes não eram feitas o show, um dos fantoches exibia uma faixa com a eficiência e profundidade necessárias. que tinha o símbolo "Gora ALKA-ETA" (“Viva Em janeiro, o juiz que investigava a morte a ALKA-ETA"). Os titereiros foram acusados de Juan Antonio Martínez González em de glorificação do terrorismo e incitação ao Cadiz, em 4 de abril de 2015, resultado de ódio. Sua prisão ocorreu após diversas lesões ocorridas enquanto estava sendo pessoas dizerem que se sentiram ofendidas contido por policiais, proferiu sua decisão. com a peça. Em setembro, a Corte Nacional Ele afirmou não haver provas para indeferiu as acusações de glorificação do fundamentar as acusações de que os terrorismo. Contudo, no final do ano, o policiais tenham usado métodos de processo das acusações de incitação ao ódio repressão proibidos ou de que haviam continuou. abusado de seu poder na intervenção. No Em abril, o ministro do Interior pediu que o final do ano, um recurso contra a decisão foi Conselho Geral do Poder Judiciário tome mantido na Audiência Provincial de Cádiz. medidas contra José Ricardo de Prada, juiz Em maio, no caso de Beortegui Martinez do Tribunal Superior. Ele havia participado de contra a Espanha, o Tribunal Europeu de uma mesa redonda organizada pela câmara Direitos Humanos novamente decidiu que a municipal de Tolosa, Guipuzkoa, onde Espanha violou a proibição de tortura e concordou com as questões das outros maus-tratos ao não conseguir realizar organizações internacionais de direitos uma investigação aprofundada e efetiva humanos em relação às barreiras a sobre as alegações de tortura de pessoas que investigações efetivas de casos de tortura na estavam detidas e incomunicáveis. Esta foi a Espanha. Além disso, a Promotoria apoiou sétima decisão do tipo contra a Espanha. uma solicitação da Associação de Vítimas do Em maio, houve o julgamento, na Terrorismo pedindo que ele fosse afastado de Audiência Provincial de Barcelona, de dois suas funções como membro de um tribunal policiais por conta do caso de Ester

Anistia Internacional Informe 2016/17 117 Quintana, que perdeu um olho em novembro desses centros. A Espanha não implementou de 2012 depois de ser atingida por uma bala as Diretivas Europeias em relação a pessoas de borracha da Mossos d’Esquadra durante apátridas, procedimentos relacionados a um protesto em Barcelona. O julgamento refúgio e condições de recepção. A Lei de terminou com a absolvição dos dois policiais, Refúgio ainda não foi implementada, seis pois o tribunal não conseguiu determinar anos após ter entrado em vigor. Como qual dos dois era responsável pelo disparo. resultado, solicitantes de refúgio em todo o Em julho, a Suprema Corte anulou país tiveram acesso irregular à assistência a parcialmente a condenação pelo Tribunal qual tinham direito. Entre janeiro e outubro, Superior de Saioa Sánchez por um ato de 12.525 solicitações de refúgio foram terrorismo em dezembro de 2015. enviadas à Espanha, de acordo com os O Tribunal Superior havia condenado dados da Eurostat, em comparação com Saioa Sanchez e duas outras pessoas por 4.513 em 2013. Até agosto, o acúmulo cada terrorismo. Ela recorreu à Suprema Corte, vez maior de solicitações de refúgio não alegando que o Tribunal Superior havia se processadas havia chegado a 29.845 casos. recusado a investigar se a afirmação de um Em 9 de setembro, pelo menos 60 dos réus, Iñigo Zapirain, que a envolvia no pessoas da África Subsaariana, que crime, havia sido feita sob coação. A conseguiram entrar no território espanhol Suprema Corte solicitou uma nova audiência, pulando as cercas que separam Ceuta do pedindo que o Manual para a Investigação e Marrocos, foram expulsas coletivamente. Documentação Eficazes da Tortura e de Antes de sua expulsão, algumas delas foram Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, agredidas por policiais marroquinos que Desumanos ou Degradantes (Protocolo de entraram na área entre as cercas, que é de Istambul) fosse seguido para avaliar a território espanhol. Algumas das pessoas veracidade das afirmações de Iñigo Zapirain. devolvidas ao Marrocos se feriram ao escalar A decisão levou em conta as preocupações a cerca e por conta da agressão. expressadas por organizações de direitos Embora a Espanha tenha concordado em humanos internacionais sobre impunidade e receber 1.449 pessoas do Oriente Médio e falta de investigações aprofundadas e do norte da África de acordo com planos de efetivas, bem como sobre falhas na reassentamento, apenas 289 pessoas, todas qualidade e na exatidão de investigações da Síria, haviam chegado ao território forenses. espanhol até setembro. Da mesma forma, contrariando o compromisso assumido de DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E receber 15.888 pessoas que necessitavam MIGRANTES de proteção internacional da Itália e da Diminuiu em 2016 o número de chegadas Grécia de acordo com o programa de irregulares de pessoas refugiadas e realocação interna da União Europeia, migrantes, cruzando o Marrocos na direção apenas 363 foram realocadas para a dos territórios espanhóis isolados de Ceuta e Espanha até setembro. Melilla pela cerca que separa os dois países. Contudo, o número geral de chegadas, IMPUNIDADE incluindo as que passam por fronteiras As autoridades espanholas continuaram a se regulares, aumentou. Expulsões coletivas recusar a cooperar com o judiciário argentino para o Marrocos realizadas por policiais para investigar crimes previstos pelo direito espanhóis continuaram a ocorrer em Ceuta e internacional cometidos durante a Guerra Melilla. O sistema de recepção espanhol para Civil e pelo regime de Franco. Essas solicitantes de refúgio continuou inadequado, autoridades espanholas obstruíram as com pouquíssimos locais em centros de atividades da promotoria argentina na ação recepção oficiais e muito pouca assistência coletiva conhecida como "Querella para as pessoas abrigadas do lado de fora Argentina", impedindo que os depoimentos

118 Anistia Internacional Informe 2016/17 de algumas das vítimas e dos 19 réus fossem cumprir a proteção de seu direito à moradia colhidos. Por meio de uma circular com data perante os tribunais. de 30 de setembro, a Promotoria espanhola instruiu os promotores territoriais a se VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES recusarem a realizar quaisquer investigações De acordo com os números do Ministério da judiciais solicitadas pela promotoria Saúde, Serviços Sociais e Igualdade, 44 argentina, alegando que não seria possível mulheres foram assassinadas por seus investigar os crimes denunciados, como companheiros ou ex-companheiros até desaparecimentos forçados e torturas, de dezembro. A Lei de Medidas Protetivas acordo com a Lei de Anistia (entre outras Abrangentes contra a Violência de Gênero e leis) e devido à prescrição. a criação de Tribunais especializados em Violência Contra as Mulheres entraram em DISCRIMINAÇÃO — SAÚDE DOS vigor em 2004. Contudo, não houve uma MIGRANTES revisão participativa e transparente do Medidas austeras continuaram a ter um impacto da lei desde então, apesar de efeito prejudicial sobre os direitos humanos, questionamentos sobre a eficácia dos especialmente em relação ao acesso à saúde processos e a adequabilidade das medidas e à proteção social para alguns dos grupos de proteção às vítimas. mais vulneráveis. O Tribunal Constitucional declarou que a legislação aprovada em 2012 que restringia o acesso a serviços de saúde para migrantes sem documentos, incluindo ESTADOS UNIDOS cuidados básicos, era constitucional. Essa reforma tirou os cartões de serviços de saúde DA AMÉRICA de 748.835 migrantes, removendo ou limitando seriamente seu acesso ao sistema Estados Unidos da América Chefe de estado e de governo: Barack Obama de saúde e, em algumas situações, colocando suas vidas em risco. Houve um impacto especial sobre as mulheres, em Dois anos depois de um comitê do Senado termos de barreiras à informação e serviços relatar abusos no programa secreto de relacionados à saúde sexual e reprodutiva. detenção comandado pela CIA, ainda não houve responsabilização pelos crimes DIREITO À MORADIA cometidos nele de acordo com o direito Gastos públicos com moradia foram cortados internacional. Mais detentos foram em mais de 50% entre 2008 e 2015, transferidos do centro de detenção dos EUA enquanto a execução de hipotecas continuou na Baía de Guantánamo em Cuba, mas inabalável. De acordo com estatísticas do outros continuaram detidos lá Conselho Geral do Judiciário, até setembro indefinidamente, enquanto os de 2016 houve 19.714 despejos por falta de procedimentos de pré-julgamento na pagamento de hipotecas e 25.688 despejos comissão militar continuavam em diversos por falta de pagamento do aluguel. Contudo, casos. Se manteve a preocupação com o não houve números oficiais que mostrassem tratamento de pessoas refugiadas e a quantidade de pessoas afetadas pelas migrantes, o uso do isolamento em prisões execuções de hipotecas na Espanha, nem federais e estaduais e o uso da força no dados desagregados por sexo ou idade, o policiamento. Houve 20 execuções no ano. que impediu a adoção de medidas para Em novembro, Donald Trump foi eleito proteger os mais vulneráveis. Chefes de presidente. Sua posse foi marcada para 20 família que enfrentavam processos de janeiro de 2017. reintegração de posse continuaram sem recursos jurídicos adequados para fazer

Anistia Internacional Informe 2016/17 119 Em 12 de agosto, o Tribunal de Apelações ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL do Circuito de DC rejeitou uma ação Em agosto, o Comitê de Direitos Humanos da indenizatória em nome do cidadão afegão ONU expressou sua preocupação de que a Mohamed Jawad, mantido sob custódia dos investigação sobre o uso da tortura no militares dos EUA de 2002 a 2009. Nesse contexto do combate ao terrorismo, que os tempo, foi submetido a tortura e outros EUA são obrigados legalmente a conduzir, tratamentos cruéis, desumanos ou não tinha sido realizada. O Comitê destacou degradantes. Ele tinha menos de 18 anos que os EUA não tinham fornecido mais quando foi capturado pelos EUA no nenhuma informação sobre o relatório do Afeganistão e transferido para a prisão de Comitê de Inteligência do Senado (SSCI) Guantánamo.1 O Tribunal de Apelações sobre o programa secreto de detenção manteve a decisão de uma instância inferior comandado pela CIA depois dos ataques de de rejeitar a ação, alegando que os tribunais 11 de setembro de 2001. O relatório federais não tinham jurisdição sobre o caso, completo, com 6.963 páginas, continua com de acordo com a Seção 7 da Lei das a classificação de confidencialidade máxima, Comissões Militares (MCA) de 2006.2 sem que o SSCI o liberasse até o fim do ano. Em outubro, o Tribunal de Apelações dos Em 16 de agosto, o Comitê destacou que EUA do Quarto Circuito derrubou a decisão os EUA não tinham fornecido mais nenhuma da instância inferior de rejeitar o processo de informação sobre as denúncias de que cidadãos iraquianos que alegavam terem presos em Guantánamo teriam sido sendo sido torturados por interrogadores impedidos de ter acesso a reparações empregados pela CACI Premier Technology, jurídicas pela tortura e outras violações de Inc. na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, em direitos humanos sofridas enquanto 2003 e 2004. O Tribunal decidiu que a estiveram sob a custódia dos EUA. conduta intencional de interrogadores profissionais, ilegal no período em que foi IMPUNIDADE realizada, não poderia ser protegida de Não foi tomada nenhuma providência para análise jurídica. dar fim à impunidade por violações sistemáticas dos direitos humanos, entre elas SEGURANÇA E COMBATE AO a tortura e o desaparecimento forçado TERRORISMO cometidos no programa secreto de detenção Quase oito anos depois de o Presidente da CIA depois de 11 de setembro. Obama ter assumido o compromisso de Em maio, o Tribunal de Apelações dos fechar a prisão de Guantánamo em janeiro EUA do Circuito do Distrito Federal (DC) de 2010, 59 homens ainda eram mantidos decidiu que o relatório do SSCI sobre o lá, a maior parte deles sem acusação ou programa secreto de detenção da CIA julgamento. Em 2016, 48 detentos foram continuava classificado como “arquivo do transferidos para autoridades governamentais congresso” e não estava sujeito à divulgação na Bósnia e Herzegovina, Gana, Itália, de acordo com a Lei de Liberdade de Kuwait, Mauritânia, Montenegro, Omã, Informações. Uma petição buscando revisão Arábia Saudita, Senegal, Sérvia e Emirados da sentença pela Suprema Corte dos EUA foi Árabes Unidos. feita em novembro. Separadamente, no fim Em agosto, o Comitê contra a Tortura da de dezembro, um juiz da Corte do Distrito ONU declarou que suas recomendações de Federal (DC) ordenou que a administração encerrar as detenções indefinidas sem preservasse o relatório do SSCI, e que acusação ou julgamento, que se somavam à depositasse uma cópia eletrônica ou em violação da Convenção contra a Tortura da papel na Corte para um armazenamento ONU, não tinham sido implantadas. seguro. Até o fim do ano não era sabido se o Os procedimentos de pré-julgamento da governo recorreria da decisão. comissão militar contra cinco detidos

120 Anistia Internacional Informe 2016/17 acusados de envolvimento nos ataques de 11 comissão militar, foi mantido suspenso, de setembro continuaram, e em 2012 foram esperando a decisão do Tribunal de acusados com pedido de pena capital, de Apelações sobre o caso do prisioneiro de acordo com a MCA de 2009. Os cinco — Guantánamo Ali Hamza Suliman al Bahlul, Khalid Sheikh Mohammed, Walid bin Attash, que está cumprindo uma pena de prisão Ramzi bin al-Shibh, Ammar al Baluchi e perpétua imposta em 2008, de acordo com a Mustafa al Hawsawi — foram mantidos MCA de 2006. Em 2015, um painel de três incomunicáveis sob custódia sigilosa dos juízes da Corte tinha revogado a condenação EUA por até quatro anos antes de serem de Ali Hamza Suliman al Bahlul por transferidos para Guantánamo em 2006. O conspiração para cometer crimes de guerra, julgamento ainda não tinha começado no fim com base no fato de que a acusação não era de 2016. reconhecida pelo direito internacional e não Os procedimentos pré-julgamento da poderia ser julgada por um tribunal militar. O comissão militar também continuaram contra governo buscou a reconsideração por todo o Abd al-Rahim al-Nashiri. Com acusações tribunal, sendo bem sucedido, e em outubro passíveis da pena de morte em 2011, de 2016 manteve a condenação por relacionadas à tentativa de atentado a bomba conspiração, numa votação fragmentada que do USS The Sullivans em 2000, aos tinha cinco opiniões diferentes, e na qual não bombardeios do USS Cole em 2000 e ao se chegou à resolução do problema em si. supertanque francês Limburg em 2002, tudo Três dos nove juízes discordaram, no Iêmen. Ele foi mantido sob custódia da argumentando que o Congresso não tinha o CIA, em sigilo, por quase quatro anos antes poder de fazer com que uma acusação de de sua transferência para Guantánamo em conspiração se tornasse passível de 2006. Em agosto de 2016, o Tribunal de julgamento por uma comissão militar, Apelações do Circuito de DC deliberou que destacando que “qualquer deferência que o uma decisão sobre sua alegação, de que os judiciário possa dever aos ramos políticos na crimes de que foi acusado não eram questão de segurança e defesa nacional, ela passíveis de julgamento pela comissão não é absoluta”. Dois juízes escreveram militar, por não terem sido cometidos no separadamente dizendo que era inadequado contexto de hostilidades, nem se decidir sobre a questão principal por motivos relacionarem a hostilidades, teria que esperar de procedimentos exclusivos ao caso de Ali um recurso final do caso, que provavelmente Hamza Suliman al Bahlul. ainda demoraria uma década. Omar Khadr, que em 2010 se confessou USO EXCESSIVO DE FORÇA culpado das acusações, sob a MCA, As autoridades não conseguiram rastrear o relacionadas à conduta no Afeganistão, em número exato de pessoas mortas por policiais 2002, quando ele tinha 15 anos de idade, e durante o ano — a documentação dos meios foi transferido para o Canadá em 2012, onde de comunicação colocam o número em nasceu, tentou desqualificar um dos juízes quase mil pessoas mortas. O Departamento do Tribunal de Revisão da Comissão Militar de Justiça dos EUA anunciou planos para (CMCR), alegando falta de imparcialidade. O criar um sistema de rastreamento dessas Tribunal de Apelações do Circuito de DC mortes, de acordo com a Lei de Informações rejeitou o recurso, alegando que a alegação sobre Mortes sob Custódia, a ser implantado teria que esperar a decisão sobre o recurso em 2017. No entanto, o programa não é final. obrigatório para a polícia e, portanto, os Durante ano, o recurso de Omar Khadr ao dados compilados podem não refletir os CMCR contra sua condenação, inclusive com números totais. base no fato de que ele tinha se declarado De acordo com os dados limitados culpado de crimes que não eram crimes de disponíveis, homens negros foram vitimados guerra passíveis de julgamento por uma

Anistia Internacional Informe 2016/17 121 de modo desproporcional por homicídios Doenças conduza ou patrocine pesquisas cometidos por policiais. sobre as causas da violência armada e Pelo menos 21 pessoas em 17 estados formas de prevenção. morreram depois de atingidas por armas de choque usadas pela polícia, elevando para DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E 700 o número dessas mortes desde 2001. A MIGRANTES maioria das vítimas não estava armada nem Mais de 42 mil crianças desacompanhadas e parecia apresentar, a qualquer pessoa, 56 mil indivíduos que compunham unidades ameaça de morte ou ferimentos graves familiares foram capturados cruzando quando a arma de choque foi usada. ilegalmente a fronteira do sul durante o ano. As famílias ficaram detidas por meses, LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO algumas mais de um ano, enquanto Em julho, as mortes de Philandro Castile em reivindicavam permanecer nos EUA. Muitos Falcon Heights, Minnesota, e Alton Sterling, ficaram detidos em lugares sem acesso em Baton Rouge, Louisiana, geraram adequado a cuidados médicos e assessoria protestos contra a polícia por todo o país. jurídica. O Alto Comissariado para Protestos similares contra o uso de força pela Refugiados da ONU chamou a situação no polícia ocorreram em outras cidades como Triângulo do Norte de crise humanitária e de Tulsa em Oklahoma, e Charlotte, na Carolina proteção. do Norte. O uso de indumentária pesada e As autoridades reassentaram mais de 12 armas e equipamentos militares para policiar mil refugiados sírios até o fim do ano e essas manifestações causou diversas disseram que aumentariam a aceitação de preocupações referentes ao direito de refugiados anual de 70 mil por ano para 85 manifestação pacífica. mil no exercício de 2016 e 100 mil em 2017. Protestos em Standing Rock e em seu Os legisladores apresentaram projetos de lei entorno, em Dakota do Norte, contra o que tentavam impedir refugiados admitidos oleoduto que transportará petróleo in natura, legalmente de morar em seus estados. Em apesar de serem majoritariamente pacíficos, setembro, o Texas anunciou sua saída do tiveram uma resposta pesada da polícia local Programa Federal de Reassentamento de e das autoridades estaduais. As autoridades Refugiados, com base na alegação de locais construíram uma barricada policial na preocupações com segurança, apesar de os rua, no caminho dos lugares de protestos. Os refugiados terem que passar por um policiais responderam em indumentárias processo de verificação exaustivo antes de antidistúrbio e com armas de fogo, usaram entrar nos EUA. Os estados de Kansas e spray de pimenta, balas de borracha e armas Nova Jersey também se retiraram do de choque contra os manifestantes. Houve programa. mais de 400 detenções depois de agosto, a maioria por invasão de propriedade e DIREITOS DAS MULHERES resistência não violenta. As autoridades As mulheres indígenas dos Estados Unidos e focaram em repórteres e ativistas com do Alaska continuaram com uma acusações de crimes menores, como probabilidade 2,5 vezes maior de sofrer invasão. estupro ou violência sexual em relação às outras mulheres do país. A desigualdade VIOLÊNCIA ARMADA brutal se manteve para mulheres indígenas As tentativas de aprovar no Congresso uma que buscassem cuidados após sofrerem lei para impedir a venda de certas armas de estupros, inclusive no acesso a exames e kits fogo ou implantar verificações abrangentes pós-estupro — um pacote de itens usados dos históricos dos compradores fracassaram. pela equipe médica para reunir provas O Congresso continuou a negar verbas para forenses — e outros serviços médicos que o Centro de Prevenção e Controle de essenciais.

122 Anistia Internacional Informe 2016/17 Havia grandes disparidades no acesso das social nas penitenciárias federais e estaduais mulheres a cuidados de saúde sexual e de todo o país. Em janeiro, o Departamento reprodutiva, inclusive a serviços de saúde de Justiça emitiu princípios de orientação e materna. A taxa de mortalidade materna recomendações de políticas que limitariam o subiu nos seis últimos anos. Mulheres uso do confinamento em solitária e a afrodescendentes tinham uma probabilidade segregação prisional — prisão ou detenção quatro vezes maior que as mulheres brancas com regras diferentes das que estão em vigor de morrer devido a complicações na para a população prisional geral — nas gravidez. prisões federais. As recomendações A ameaça de responsabilização penal para enfatizaram a segregação dos presos no o uso de drogas durante a gestação ambiente menos restritivo possível, tirando continuou impedindo que mulheres de pessoas com doenças mentais do grupos marginalizados buscassem isolamento, e limitando drasticamente o uso atendimento médico e cuidados pré-natal. da solitária para adolescentes. No entanto, uma emenda prejudicial à lei de “agressão ao feto” no Tennessee expirou em PENA DE MORTE julho depois que uma campanha bem 20 homens foram executados em 5 estados, sucedida garantiu que a lei não fosse elevando para 1.142 o número total de permanente.3 execuções desde que a Suprema Corte dos EUA aprovou as novas leis de penas capitais DIREITOS LGBTI em 1976. Foi o menor total anual desde A discriminação legal contra pessoas LGBTI 1991. Cerca de 30 novas penas de morte persistiu nos níveis estadual e federal. Não foram proferidas. Quase 2.900 pessoas havia proteções federais proibindo a continuavam no corredor da morte no fim do discriminação com base na orientação sexual ano. e identidade de gênero nos locais de trabalho O Texas realizou menos de dez execuções e serviços de saúde e habitação. Enquanto pela primeira vez desde 1996. Oklahoma não alguns estados e cidades aprovavam leis realizou nenhuma execução pela primeira contra a discriminação, que incluíam a vez desde 1994. Estes dois estados, juntos, proteção com base na orientação sexual e são responsáveis por 45% das execuções no identidade de gênero, a vasta maioria dos país entre 1976 e 2016. estados não garantiu nenhuma proteção legal Nas eleições de novembro, o eleitorado de para as pessoas LGBTI. A terapia de Oklahoma votou para emendar a constituição conversão, criticada pelo Comitê contra a do estado para proibir os seus tribunais de Tortura da ONU como forma de tortura, declararem a pena de morte como punição continuou legal na maioria dos estados e “cruel ou pouco usual”. Na Califórnia, o territórios. As pessoas transgênero estado com a maior população no corredor continuaram sendo particularmente da morte, os eleitores optaram por não marginalizadas. As taxas de assassinato de rejeitar a pena de morte. Em Nebraska, o mulheres transgênero foram altas e leis eleitorado votou por rejeitar a abolição da estaduais discriminatórias, como o “projeto pena de morte pelo legislativo do estado em de lei do banheiro” da Carolina do Norte, que 2015. proíbe as cidades de permitirem que pessoas As moratórias sobre as execuções transgênero usem banheiros públicos de continuaram em vigor na Pensilvânia, estado acordo com a sua identidade de gênero, de Washington e Oregon durante o ano. enfraqueceram seus direitos. A Flórida, onde as execuções tinham aumentado nos últimos anos, viu as CONDIÇÕES PRISIONAIS execuções serem suspensas durante o ano Mais de 80 mil presos eram mantidos, a todo todo, após a decisão da Suprema Corte dos momento, em condições de privação física e EUA sobre o caso Hurst vs. Florida em

Anistia Internacional Informe 2016/17 123 janeiro, de que a legislação sobre a pena de que a má conduta da promotoria, que incluiu morte da Flórida era inconstitucional por dar a retenção de provas exculpatórias, violou o ao júri apenas um papel de aconselhamento direito de Michael Wearry de ter um em relação a quem deveria ser condenado à julgamento justo. Em maio, concedeu ao morte. O legislativo da Flórida aprovou uma preso no corredor da morte Timothy Foster, nova lei mas, em outubro, a Suprema Corte na Geórgia, um novo julgamento por conta da Flórida decidiu pela sua de discriminação racial na seleção do júri. inconstitucionalidade por não exigir a Timothy Foster, afrodescendente, foi unanimidade entre os membros do júri na condenado à morte por um júri composto condenação à morte. Em dezembro, a apenas por pessoas brancas, depois que a Suprema Corte da Florida decidiu que o promotoria excluiu peremptoriamente todos veredito de Hurst se aplicava àqueles no os possíveis jurados negros da seleção. corredor da morte - mais de 200 de cerca de Em agosto, o Cáucus Hispânico Nacional 400 - cujas sentenças de morte ainda não dos Legisladores Estaduais aprovou haviam sido cumpridas com recurso esmagadoramente a resolução que pedia a obrigatório em 2002. Eles podiam ser abolição da pena de morte em todo o país. A elegíveis a novas audiências como resultado resolução citou a discriminação racial, disso. ineficácia, custo e risco de erros. Em agosto, a Suprema Corte de Delaware Em abril, Gary Tyler foi solto depois de 42 derrubou a legislação sobre a pena de morte anos na prisão em Louisiana. no estado, na esteira do caso Hurst v. Afrodescendente, ele tinha sido condenado à Florida, porque dava aos juízes o poder final morte por matar com um tiro um menino para decidir se a acusação tinha provado branco de 13 anos em 1974, durante uma todos os fatos necessários para impor a pena rebelião contra integração escolar. Gary Tyler, de morte. O promotor geral de Delaware que tinha 16 anos na época do assassinato, anunciou que não apelaria da decisão. foi condenado à morte por um júri totalmente Os estados continuaram a enfrentar branco. Sua pena de morte foi revogada dificuldades com os protocolos das injeções depois de a Suprema Corte dos EUA ter letais e a aquisição de drogas. A Louisiana considerado a legislação da pena de morte não realizará nenhuma execução em 2017 obrigatória da Louisiana inconstitucional em devido aos processos na vara federal relativos 1976, e sua prisão perpétua foi revogada ao seu protocolo de injeções letais. Ohio depois que a Corte, em 2012, proibiu prisões enfrentou problemas com o fornecimento perpétuas sem condicional para crimes drogas de injeções letais e não houve cometidos por menores de 18 anos. A execuções no estado pelo segundo ano promotoria concordou em anular a seguido. Em março, a Suprema Corte de condenação por homicídio doloso, permitiu Ohio decidiu, por 4 votos a 3, que o estado que ele se declarasse culpado de homicídio poderia tentar executar Romell Broom pela culposo e recebesse uma pena máxima de segunda vez. A primeira tentativa, em 2009, 21 anos, menos da metade do tempo que já foi abandonada depois que a equipe tinha cumprido.4 responsável pela injeção letal não conseguiu estabelecer uma linha intravenosa após duas 1. USA: From ill-treatment to unfair trial − the case of Mohamed Jawad, horas de tentativas. A data da execução de child ‘enemy combatant’ (AMR 51/091/2008) Romell Broom não tinha sido marcada até o 2. USA: Chronicle of immunity foretold (AMR 51/003/2013) fim do ano. 3. USA: Tennessee ‘Fetal Assault’ Law − a Threat to Women’s Health and A Suprema Corte dos EUA interveio em Human Rights (AMR 51/3623/2016) diversos casos de pena de morte. Em março, 4. USA: The Case of Gary Tyler, Louisiana (AMR 51/089/1994) and USA: concedeu ao preso no corredor da morte Louisiana: Unfair Trial: Gary Tyler (AMR 51/182/2007) Michael Wearry um novo julgamento, 14 anos após sua condenação. A Corte decidiu

124 Anistia Internacional Informe 2016/17 pessoas ainda estavam em prisão domiciliar. FRANÇA As medidas de emergência restringiram a liberdade de circulação e o direito à República Francesa privacidade de forma desproporcional. Chefe de estado: François Hollande Em 10 de junho, o Comitê contra a Tortura Chefe de governo: Bernard Cazeneuve (substituiu da ONU expressou preocupação em relação Manuel Valls em dezembro) às alegações de uso excessivo da força por policiais no contexto de buscas Em resposta a diversos ataques violentos, o administrativas realizadas usando os poderes estado de emergência foi ampliado quatro de emergência, e pediram que tais alegações vezes no ano. Medidas de emergência fossem investigadas. restringiram os direitos humanos de forma O Parlamento também aprovou mudanças desproporcional. Em outubro, as na legislação que fortalecem os poderes autoridades expulsaram um assentamento administrativos e judiciais na área de informal em Calais, onde moravam mais de combate ao terrorismo. Em 3 de junho, o 6.500 migrantes e solicitantes de refúgio. Parlamento adotou uma nova lei que concede ao Ministro do Interior o poder de SEGURANÇA E COMBATE AO usar medidas de controle administrativo TERRORISMO contra pessoas que estejam supostamente Vários ataques violentos foram cometidos voltando de áreas de conflito consideradas durante o ano. Em 13 de junho, um policial e uma ameaça à segurança pública. A lei sua parceira foram mortos em casa na região ampliou o poder de autoridades judiciais de Paris. Em 14 de julho, 86 pessoas foram para autorizarem buscas domiciliares a mortas em Nice por um homem que qualquer momento para investigar crimes deliberadamente jogou um caminhão em relacionados ao terrorismo. cima da multidão reunida para celebrar um A lei também tipificou como crime a feriado nacional da França. Em 26 de julho, consulta regular a sites que incitarem ou um padre foi morto na sua igreja perto de glorificarem o terrorismo, a menos que esses Rouen no noroeste da França. sites sejam consultados de boa fé, para fins Uma semana após o ataque em Nice, o de pesquisa ou outras razões profissionais, Parlamento votou para renovar o estado de com o objetivo de informar o público geral. A emergência, em vigor desde os ataques definição vaga do crime aumentou a terroristas coordenados em Paris em probabilidade de processar indivíduos por novembro de 2015, estendendo o mesmo até comportamentos que caiam no âmbito do 26 de janeiro de 2017. Em 15 de dezembro, exercício legítimo da liberdade de expressão o Parlamento votou uma nova prorrogação, e informação. até 15 de julho de 2017. O estado de emergência deu ao Ministério DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E do Interior e à polícia poderes excepcionais, MIGRANTES entre eles a possibilidade de fazer buscas Em 24 de outubro, as autoridades domiciliares sem autorização judicial e de começaram a expulsar mais de 6.500 submeter indivíduos a medidas de controle migrantes e solicitantes de refúgio do administrativo para restringir sua liberdade assentamento informal conhecido como “A com base em evidências vagas, abaixo do Selva” em Calais, um processo que durou limite exigido para processos criminais.1 vários dias. Os migrantes e solicitantes de Usando esses poderes, as autoridades refúgio foram realocados em centros de conduziram mais de quatro mil buscas recepção por toda a França, onde receberam domiciliares sem autorização judicial e informações sobre os procedimentos para submeteram mais de 400 indivíduos a conseguir refúgio. As autoridades não prisões domiciliares. Em 22 de novembro, 95 consultaram migrantes e solicitantes de

Anistia Internacional Informe 2016/17 125 refúgio genuinamente, nem deram a eles crimes financeiros, já que o pedido de informações adequadas antes do despejo. extradição foi motivado por razões políticas. Organizações da sociedade civil expressaram preocupações referentes ao LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO processo de cerca de 1.600 menores de Manifestações constantes aconteceram entre idade desacompanhados no acampamento. março e setembro para protestar contra a A situação deles deveria ser avaliada pelas proposta, apoiada pelo governo, de reforma autoridades da França e do Reino Unido em do Código Trabalhista, adotada em julho. conjunto, tendo em vista seus melhores Uma minoria de manifestantes se envolveu interesses e/ou a possível transferência para em atos violentos e num confronto com a o Reino Unido, onde se reuniriam a suas polícia. famílias. As autoridades não tiveram a Desde a quarta renovação do estado de capacidade para registrar todos os menores e emergência em julho, as autoridades alguns foram supostamente recusados com passaram a ter permissão expressa para base na idade presumida, sem passarem por proibir manifestações públicas, alegando uma avaliação completa. Em 2 de novembro, incapacidade de garantir a ordem pública. o Comitê de Direitos da Criança da ONU Dezenas de manifestações foram proibidas e levantou questões sobre os menores em centenas de pessoas submetidas a medidas Calais deixados sem abrigo adequado, administrativas que restringiam sua liberdade alimentos ou serviços médicos durante a de circulação e as impediam de frequentar operação de despejo. Até meados de manifestações. novembro, cerca de 330 menores tinham Em diversas ocasiões, a polícia se excedeu sido transferidos para o Reino Unido. em seu uso de força contra os manifestantes, Devido à falta de capacidade de recepção incluindo o uso de bombas de gás e de recursos para registrar as solicitações de lacrimogêneo, ataques violentos, balas de refúgio na região de Paris, mais de 3.800 borracha e granadas stingball, que deixaram solicitantes de refúgio viveram em condições centenas de feridos. degradantes e dormiram ao relento durante meses no 19o distrito de Paris, até serem DISCRIMINAÇÃO transferidos pelas autoridades para os O povo cigano continuou a ser despejado à centros de recepção em 3 de novembro. força de assentamentos informais, sem Em 29 de novembro, as autoridades consulta genuína ou oferta de moradia rejeitaram a solicitação de refúgio de um alternativa. De acordo com organizações da homem da região de Cordofão do Sul, sociedade civil, 4.615 pessoas foram devastada pela guerra, e obrigaram-no a despejadas à força nos primeiros seis meses voltar ao Sudão apesar do risco de do ano. Em 13 de julho, o Comitê de Direitos perseguição que ele corria. Em 20 de Econômicos, Sociais e Culturais da ONU novembro, as autoridades liberaram outro pediu que as autoridades providenciassem sudanês, de Darfur, que corria o risco de ser notificações e informações, além de opções obrigado a voltar. de realojamento para todos os afetados por O governo se comprometeu a aceitar seis despejos. mil refugiados, sob o acordo de controle de Em outubro, o Parlamento adotou uma lei migração entre a UE e a Turquia, e a sobre o reconhecimento legal de gênero para reassentar três mil refugiados do Líbano. transgêneros. A lei estabelece um Em 9 de dezembro, o Conselho de Estado, procedimento que permite a pessoas o supremo tribunal administrativo, rejeitou o transgênero buscar o reconhecimento legal decreto assinado pelo Primeiro-Ministro em de seu gênero, sem atender nenhuma setembro de 2015 que autorizava a exigência médica. No entanto, ainda impõe extradição de Moukhtar Abliazov, cidadão do alguns requisitos, como mudança de nome Cazaquistão, para a Rússia em razão de

126 Anistia Internacional Informe 2016/17 ou aparência física condizentes com a identidade de gênero. 1. Vidas viradas do avesso: o impacto desproporcionado do estado de emergência em França (EUR 21/3364/2016) Vários prefeitos adotaram medidas para restringir o uso de roupas de banho consideradas incompatíveis com a higiene, o princípio do secularismo e a manutenção da GRÉCIA ordem pública. Em particular, as autoridades tentaram banir o uso de roupas de banho República Helênica que cobrem o corpo todo, também Chefe de estado: Prokopis Pavlopoulos Chefe de governo: Alexis Tsipras conhecidas como “burquini”. Em 26 de agosto, o Conselho de Estado suspendeu as medidas em Villeneuve-Loubet no sul da A Grécia enfrentou desafios consideráveis França, julgando não serem necessárias para para fornecer condições de recepção assegurar a ordem pública. adequadas e acesso ao processo de solicitação de refúgio a pessoas refugiadas, PRESTAÇÃO DE CONTAS solicitantes de refúgio e migrantes após o Em 29 de novembro, a Assembleia Nacional anúncio do acordo de fechamento de adotou um projeto de lei que impõe um fronteiras entre a União Europeia e a dever sobre certas empresas francesas de Turquia. Evidências comprovaram que pelo grande porte: implementar um “plano de menos oito refugiados sírios foram vigilância” para impedir abusos graves contra retornados forçadamente pela Grécia à os direitos humanos e danos ambientais Turquia. Devido ao fechamento da rota dos ligados às suas próprias atividades, de suas Balcãs, centenas de pessoas refugiadas, subsidiárias e de outras relações comerciais solicitantes de refúgio e migrantes ficaram estabelecidas, sujeitando-as a multas por não presas na Grécia continental em péssimas cumprimento. Além disso, qualquer condições. Alegações de torturas e outros inadequação no plano que leve a abusos maus-tratos por membros das forças de contra os direitos humanos pode ser usada segurança durante prisões e/ou detenções por vítimas para pedir indenizações das continuaram. Em dezembro, uma nova empresas na justiça francesa. No final do legislação estabeleceu um mecanismo de ano, o projeto estava aguardando aprovação ouvidoria para a polícia nacional. no Senado. INFORMAÇÕES GERAIS COMÉRCIO DE ARMAS O Parlamento adotou ainda mais medidas de Em junho, uma família palestina apresentou austeridade, incluindo aumento de impostos, uma denúncia contra a empresa francesa cortes no pagamento de pensões e a Exxelia Technologies por cumplicidade em transferência de bens do Estado para um homicídios e crimes de guerra em Gaza. Em fundo de privatização. Em fevereiro, o 2014, três dos filhos da família foram mortos especialista independente da ONU sobre os por um míssil lançado contra sua casa na efeitos da dívida externa concluiu que as Cidade de Gaza por forças israelenses. De medidas de austeridade implementadas acordo com investigações posteriores, um desde 2010 contribuíram significativamente componente do míssil tinha sido fabricado para a erosão ampla dos direitos sociais e pela Exxelia Technologies. A França ainda é o econômicos da população, bem como para a quarto maior exportador de armas do mundo, pobreza generalizada na Grécia. vendendo a países como Arábia Saudita e Egito. DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E MIGRANTES Até o fim do ano 173.451 solicitantes de refúgio e migrantes chegaram à Grécia pelo

Anistia Internacional Informe 2016/17 127 mar. Mais de 434 pessoas haviam morrerido recursos com base no conceito de "terceiro ou haviam sido consideradas desaparecidas país seguro". Em outubro, um terceiro ao longo da travessia do Mar Egeu. Havia em refugiado sírio foi ameaçado de retorno torno de 47.400 refugiados, solicitantes de forçado à Turquia e preso quando seu pedido refúgio e migrantes no continente e 15.384 de refúgio foi negado pelo Comitê de nas ilhas. Recursos, nos mesmos termos. Em novembro, o Conselho de Estado ouviu os O acordo de migração entre a União Europeia e argumentos de uma petição popular que a Turquia questionava a rejeição de seu pedido de Em 18 de março de 2016, a União Europeia refúgio com base no conceito de terceiro país e a Turquia assinaram um amplo acordo de seguro, bem como a constitucionalidade da controle de migração, segundo o qual a composição dos Comitês de Recursos sobre Turquia concordou em aceitar de volta todos Refúgio. Até o final do ano, o Conselho ainda os "migrantes sem documentos" que não havia decidido sobre o caso. chegassem às Ilhas Gregas após 20 de Evidências comprovaram que pelo menos março, em troca de 6 bilhões de euros. oito refugiados sírios foram submetidos a Apesar de, formalmente, esas pessoas terem retorno forçado à Turquia. Eles haviam tido acesso ao processo de solicitação de registrado sua intenção de pedir refúgio, mas refúgio, o acordo permitiu que quem foram devolvidos de Kos dia 20 de outubro, chegasse às Ilhas Gregas passando pela antes de poderem fazer sua solicitação ao Turquia fosse devolvido à Turquia sem uma governo grego. avaliação substancial de sua solicitação. O As condições de recepção das pessoas acordo foi baseado na premissa de que a refugiadas, solicitantes de refúgio e de Turquia era um "terceiro país seguro". migrantes detidas nas ilhas eram de Pesquisas durante o ano apontaram que a superlotação e insalubridade. A segurança Turquia não é um país seguro para oferecida pelo governo grego era inadequada solicitantes de refúgio e pessoas refugiadas. e a falta de informação sobre o processo O número de pessoas que chegaram à migratório deixava as pessoas com muita Grécia caiu vertiginosamente após 20 de incerteza sobre o que aconteceria com elas. março, e no final do ano, uma média de Isso alimentava a tensão nos campos, e apenas 50 pessoas chegavam diariamente. ocasionalmente gerou violência, ee protestos Entre maio e junho, dezenas de pessoas em "pontos críticos" de Lesbos, Chios e refugiadas da Síria que tiveram sua Leros. solicitação de refúgio recusada pelo governo grego com base na possibilidade de devolvê- Detenção de solicitantes de refúgio e migrantes las para "terceiros países seguros”, entraram Em abril, milhares de pessoas que chegaram com recurso contra a decisão, ganharam e às ilhas após a implementação do acordo de tiveram suas solicitações atendidas. Em fechamento de fronteiras entre a União junho, o Parlamento adotou uma emenda Europeia e a Turquia foram arbitrariamente que alterou a composição dos Comitês de detidas. Embora os mais vulneráveis tenham Recursos sobre Refúgio para incluir dois sido liberados logo e a grande maioria dos juízes e uma pessoa nomeada pelo ACNUR solicitantes de refúgio aos poucos tiveram — a agência de refugiados da ONU — ou permissão para se deslocar livremente para pela Comissão Nacional dos Direitos fora dos "pontos críticos", um grande número Humanos. de pessoas foram impedidas de deixar a ilha Durante o mesmo mês, dois sírios que aonde haviam chegado até que suas haviam chegado à Grécia pela Turquia foram solicitações de refúgio fossem processadas. os primeiros a correr risco iminente de devolução forçada para a Turquia, após os Comitês de Recursos rejeitarem seus

128 Anistia Internacional Informe 2016/17 O fechamento da rota dos Balcãs Direito à educação Em março, quando a Grécia fechou sua Em agosto, o Parlamento adotou uma fronteira com a Macedônia, milhares de medida legal para a criação de aulas pessoas refugiadas, solicitantes de refúgio e especiais para crianças solicitantes de migrantes ficaram presas na Grécia refúgio, refugiadas e migrantes em idade continental (para outras informações, leia o escolar. Em outubro, cerca de 580 dessas capítulo sobre a Macedônia). Milhares crianças começaram as aulas na capital ficaram em condições calamitosas nos Atenas e em Tessalônica. Houve relatos de grandes campos informais em Idomeni e em incidentes xenofóbicos, incluindo de pais que Piraeus. Outras buscaram abrigo em campos se recusavam a aceitar as crianças em de pessoas refugiadas oficiais que estavam escolas em Oreokastro e Lesbos. sendo abertos em todo o país. Entre maio e julho, as autoridades gregas evacuaram os DIREITO DE RECUSAR SERVIÇO MILITAR campos de Polykastro, Idomeni e Piraeus. POR OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA As condições na maioria dos campos de Em setembro, foi considerado que a Grécia pessoas refugiadas oficiais espalhados por estava violando o Artigo 9 da Convenção todo o continente grego eram inadequadas Europeia de Direitos Humanos (no caso para abrigar pessoas, mesmo que só por Papavasilakis versus Grécia), por não garantir alguns dias. Os campos, que abrigavam que as entrevistas de opositores conscientes cerca de vinte mil pessoas no final do ano, (pessoas que se recusam a servir às forças eram compostos por tendas ou dentro de armadas por questão de consciência) com o armazéns abandonados, e alguns estavam Conselho Especial cumprissem as normas de em áreas remotas, distantes de hospitais e eficiência e igualdade no direito à outros serviços. Até o fim do ano, 23.047 representação jurídica. O Conselho Especial solicitantes de realocação, especialmente é o órgão que examina solicitações para solicitantes de refúgio vulneráveis e crianças substituir o serviço militar por serviços civis desacompanhadas receberam acomodação alternativos. por meio de um projeto conduzido pelo No mesmo mês, o governo grego rejeitou ACNUR. recomendações do Conselho de Direitos Até o final do ano, apenas 7.286 Humanos da ONU para estabelecer uma solicitantes de refúgio haviam sido alternativa ao serviço militar que não fosse realocados da Grécia para outros países da punitiva ou discriminatória e para assegurar Europa, enquanto o número total de vagas que opositores conscientes não enfrentem prometido foi de 66.400. assédio nem perseguição.

Acesso a refúgio TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS As pessoas que buscaram fazer solicitações Alegações de tortura ou outros maus-tratos de refúgio enfrentaram grandes obstáculos. de pessoas, incluindo refugiadas, solicitantes Entre eles, estava não conseguir encaminhar de refúgio e migrantes durante prisões ou em suas solicitações via Skype ou só conseguir centros de detenção para migrantes após repetidas tentativas. Em junho, o persistiram. Serviço de Refúgio Grego realizou um Em 27 de setembro, cinco meninos sírios programa de larga escala para registrar as com idades entre 12 e 16 anos, foram pessoas que gostariam de pedir proteção parados pela polícia no centro de Atenas por internacional na Grécia continental. Em julho, estarem carregando armas de brinquedo as autoridades anunciaram que tinham como acessórios, pois estavam indo registrado 27.592 pessoas, incluindo 3.481 representar uma peça de teatro. Os meninos pertencentes a grupos vulneráveis. disseram que foram agredidos e forçados a se despir completamente durante sua

Anistia Internacional Informe 2016/17 129 detenção na delegacia de polícia de expressou preocupação sobre a situação da Omonoia. Uma investigação criminal e uma população cigana na Grécia em relação aos disciplinar foram solicitadas para averiguar o obstáculos que enfrentam para ter acesso a incidente. serviços básicos como educação e moradia, A ONG nacional Greek Helsinki Monitor por serem frequentemente sujeitos a (GHM) relatou que três homens de etnia verificações de identidade e vítimas de cigana (ou Roma) foram agredidos pela violência policial. polícia durante sua prisão e detenção em uma delegacia no oeste de Atenas em RACISMO outubro. Um dos homens sofreu um infarto e Continuaram a ser documentados ataques de foi hospitalizado com lesões graves. Apesar ódio contra pessoas que pertencem a grupos dos pedidos das vítimas e da GHM, não foi vulneráveis, incluindo pessoas refugiadas, feito exame de corpo e delito. A GHM fez solicitantes de refúgio e migrantes. uma denúncia de tortura e violação de Em julho, uma ocupação que abrigava direitos ao Promotor de Atenas responsável pessoas refugiadas em Atenas foi alvo de um por investigar crimes de ódio. incêndio criminoso cometido por membros Durante o mesmo mês, um tribunal em de um grupo de extrema direita. Os Tessalônica condenou 12 agentes do sistema criminosos não haviam sido identificados até prisional por torturar e causar lesões o final do ano. corporais graves a Ilia Karelli, um albanês Em novembro, suspeitos de integrarem encontrado morto em sua cela na prisão de um grupo de extrema direita atacaram Nigrita, em março de 2014. Eles receberam pessoas refugiadas no campo de Souda, na sentenças variando entre cinco e sete anos Ilha de Chios, ferindo pelo menos duas de prisão. pessoas. Dois ativistas que tentaram ajudar Em dezembro, o Parlamento adotou uma também foram atacados e, posteriormente, lei designando a autoridade independente do hospitalizados. Foi iniciada uma investigação Ombudsman grego para servir como criminal sobre os incidentes. mecanismo de recebimento de denúncias No final de novembro, um tribunal em sobre a atuação da polícia nacional. O Piraeus recusou o recurso movido pelo réu e mecanismo tem o poder de realizar suas manteve a decisão do julgamento em próprias investigações, mas suas primeira instância de um caso em que quatro recomendações aos órgãos disciplinares das homens foram considerados culpados de forças de segurança não são vinculantes. sequestrar, roubar e causar lesões corporais graves a um trabalhador egípcio migrante CONDIÇÕES PRISIONAIS chamado Walid Taleb, em 2012. As condições das prisões continuaram O julgamento de líderes e membros do causando sérias preocupações. Após a Aurora Dourada, um partido político de análise de nove casos de pessoas privadas extrema direita, acusados pelo assassinato de liberdade em espaços de detenção de Pavlos Fyssas em 2013 e por fundarem localizados em Larissa, Tessalônica, Trikala e uma organização criminosa, não havia Komotini foi considerado que a Grécia estava terminado até o final do ano. violando a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos devido às suas condições DIREITOS LGBTI prisionais precárias e/ou à falta de soluções Em maio, o ministério da justiça estabeleceu eficazes para melhorar essas condições. um comitê preliminar para elaborar um projeto de lei que permita o reconhecimento DISCRIMINAÇÃO — POPULAÇÃO legal da identidade de gênero das pessoas CIGANA transgênero por meio de um processo Em agosto, o Comitê das Nações Unidas administrativo mesmo que elas não tenham para a Eliminação da Discriminação Racial passado por cirurgia de redesignação sexual.

130 Anistia Internacional Informe 2016/17 Em junho, a Corte de Magistrados de Atenas julgamentos permaneciam paralisados até o permitiu que um homem transgênero que fim do ano. não passou pela cirurgia alterasse seu gênero Cinco ex-membros das forças armadas, no documento de identificação oficial. incluindo Benedicto Lucas García, ex- dirigente do Alto Comando do Exército da Guatemala, foram acusados de envolvimento na detenção ilegal, tortura e violência sexual GUATEMALA cometida contra Emma Guadalupe Molina República da Guatemala Theissen, e pelo desaparecimento forçado de Chefe de Estado e de Governo: Jimmy Morales Cabrera Marco Antonio Molina Theissen. Segundo (substituiu Alejandro Maldonado Aguirre em janeiro) ONGs locais, diversas audiências foram suspensas e o judiciário impôs restrições e Campanhas de difamação e uso indevido do exigências à família da vítima e ao público sistema de justiça criminal para hostilizar e em geral. Membros da família Molina intimidar defensores e defensoras de Theissen foram submetidos a perseguição, direitos humanos continuaram a ocorrer. inclusive online. Familiares mulheres Defensores que trabalham com questões enfrentaram modalidades particulares de terrestres, territoriais e ambientais violência de gênero, dentre elas assédio e estiveram sob maior risco. Pessoas difamação. continuaram a deixar o país para escapar Em uma histórica decisão tomada pelo dos altos níveis de desigualdade e violência. Tribunal de Alto Risco em fevereiro, dois ex- Um marco decisório foi alcançado pelo oficiais militares foram considerados Tribunal de Alto Risco em um caso culpados por crimes contra a humanidade envolvendo violência sexual e escravidão por conta da escravidão sexual e doméstica e doméstica de 11 mulheres indígenas de violência sexual praticada contra 11 durante o período de conflito armado mulheres da etnia indígena Maya Q’eqchi’. interno. Outros casos de alto perfil contra Os crimes ocorreram na base militar ex-membros das forças armadas localizada na comunidade de Sepur Zarco continuaram a sofrer com contratempos e durante o conflito interno armado.2 atrasos indevidos. A Comissão de Direitos Em junho, o Tribunal de Alto Risco Humanos do Congresso apresentou um determinou que oito ex-membros das forças projeto de lei para abolir a pena de morte. armadas deveriam ser julgados por acusações relativas a casos de JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO desaparecimentos forçados e assassinatos Em janeiro, foi adiado o julgamento de José ilegais executados em uma base militar Efraín Ríos Montt, ex-presidente e conhecida como Creompaz, na região de Alta comandante-chefe, e José Mauricio Verapaz, ao norte.3 Parentes das vítimas Rodríguez Sánchez, ex-diretor de inteligência foram alvos de assédio virtual, intimidação militar, acusados de genocídio e crimes dentro e fora do tribunal, perseguição e contra a humanidade.1 Em março, o ameaças. julgamento teve início diante de um Tribunal Organizações da sociedade civil de Alto Risco e, em maio, em segunda continuaram a pressionar pela aprovação da instância, foi acatada a solicitação dos réus Lei 3590, que criaria uma Comissão Nacional de serem julgados separadamente. O para a Busca de Vítimas de Desaparecimento julgamento Rios Montt teve que ser realizado Forçado e Outras Formas de a portas fechadas por conta de provisões Desaparecimento. Esta lei, que foi especiais adotadas após ser determinado apresentada pela primeira vez ao Congresso que suas condições mentais eram instáveis em 2006, não havia ainda sido discutida até para ser submetido a julgamento. Ambos os o fim de 2016.

Anistia Internacional Informe 2016/17 131 haviam passado mais de um ano em DEFENSORES E DEFENSORAS DOS detenção preventiva pré-julgamento. DIREITOS HUMANOS Defensores e defensoras dos direitos DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E humanos enfrentaram ameaças contínuas, MIGRANTES estigmatização, intimidação e ataques. Por décadas, guatemaltecos seguem Segundo a ONG UDEFEGUA, 14 defensores migrando para os EUA através do México em dos direitos humanos foram assassinados. um esforço de escapar dos altos níveis de Defensores e defensoras de direitos humanos desigualdade e violência que afetam grupos que atuam em questões ambientais marginalizados do país, incluindo os povos representam o grupo que enfrentou mais indígenas. Ao longo dos últimos cinco anos, ataques. Defensores que atuam com uma grande quantidade de pessoas foram questões relativas à terra, território e meio compulsoriamente devolvidas à Guatemala. ambiente sofreram difamação e tentativas de No entanto, nenhum amplo mecanismo ou serem enquadrados como criminosos, tanto protocolo foi implementado para cuidar das por parte de oficiais em declarações públicas necessidades dos que retornam. Segundo a e por representantes da sociedade civil, ACNUR, a agência da ONU responsável como através de processos criminais pelos refugiados, entre janeiro e agosto, infundados.4 11.536 guatemaltecos buscaram refúgio em O julgamento do defensor de direitos outros países. Em setembro, o Congresso humanos Daniel Pascual por denúncias aprovou um novo código migratório em criminais de crime contra a honra e substituição à ultrapassada lei de migrações.5 difamação teve prosseguimento ao longo do ano. Tais acusações estão associadas a DISPUTAS TERRITORIAIS declarações públicas realizadas por ele em Em fevereiro, o Supremo Tribunal suspendeu 2013. O juiz ignorou a petição do réu para temporariamente a licença operacional para que o caso fosse tratado sob a Lei a mina de El Tambor, por ausência de Constitucional de Liberdade de Expressão e realização de consulta prévia. O Ministério de de Pensamento e não através de Minas e Energia afirmou que a licença já procedimentos criminais ordinários. Em 7 de havia sido concedida e, assim, não poderia junho, o Tribunal Constitucional garantiu a ser suspensa. Por conta disso, de março em Daniel Pascual uma liminar provisória que, diante, a comunidade sentou-se em protesto temporariamente, suspendeu os processos diante do Ministério de Minas e Energia, contra ele. demandando que a suspensão provisória No início de 2016, uma famosa defensora concedida pelo Supremo Tribunal fosse posta de direitos humanos recebeu ameaças de em vigor. No fim de junho, o Supremo morte contra si e seus filhos. Ameaças contra Tribunal decidiu em favor de seu parecer a defensora coincidiram com a publicação anterior de modo definitivo. em jornal de um anúncio pago no dia 6 de abril, em que o presidente de uma empresa 1. Guatemala: A vergonhosa decisão de adiar o julgamento de Ríos privada alegava que o propósito das Montt é uma nova mancha no sistema jurídico da Guatemala organizações de direitos humanos era reportagem, 11 de janeiro) impedir o desenvolvimento econômico, 2. Guatemala: Conviction of military in sexual abuse case, a historic chamando-as de inimigos do país. victory for justice (Press release, 26 February) Em 22 de julho, o Tribunal de Alto Risco A, 3. Guatemala: Decision to take Creompaz case to trial an advance for na Cidade da Guatemala, absolveu sete Justice (AMR 34/4218/2016) defensores dos direitos do povo indígena 4. Americas: “We are defending the land with our blood: Defenders of Maya Q’anjobal. Eles tinham sido acusados the land, territory and environment in Honduras and Guatemala (AMR 01/4562/2016). de detenção ilegal, ameaças e incitação ao crime. Até o momento da liberação, eles

132 Anistia Internacional Informe 2016/17 5. Americas: Home sweet home? Honduras, Guatemala and El Em outubro, o furacão Matthew causou a Salvador’s role in a deepening refugee crisis (AMR 01/4865/2016) maior emergência humanitária no país desde o terremoto de 2010, especialmente nas províncias do sul. Mais de 500 pessoas HAITI foram mortas e os feridos chegaram a quase o mesmo número. Enchentes generalizadas e República do Haiti deslizamentos de terras danificaram a Chefe de estado: Jocelerme Privert (substituiu Michel infraestrutura e as edificações, além de Joseph Martelly em fevereiro como Presidente interino) causar falta de água. As residências em Chefe de governo: Enex Jean-Charles (substituiu Evans algumas áreas foram quase completamente Paul em fevereiro como Primeiro Ministro interino) destruídas, ao mesmo tempo em que 1,4 milhão de pessoas precisaram de assistência As eleições foram postergadas diversas humanitária urgente. Isso causou um vezes. Um furacão atingiu o Haiti em aumento na migração interna de áreas rurais outubro, causando uma grave crise para cidades superpopulosas, em que o humanitária. Milhares de pessoas voltaram acesso à moradia adequada já era limitado. ou foram deportadas da República Neste contexto, as eleições foram novamente Dominicana, incluindo apátridas, criando adiadas, ocorrendo em 20 de novembro. preocupações humanitárias. Pouco Jovenel Moïse foi eleito presidente e deve progresso foi feito em relação à situação assumir o cargo em 7 de fevereiro de 2017. das pessoas desalojadas devido ao Embora o mandato do presidente Privert terremoto de 2010. tenha acabado em 14 de junho, ele permaneceu como presidente interino até o INFORMAÇÕES GERAIS final do ano. A crise política afetou Em janeiro, as eleições presidenciais e severamente a capacidade do país em adotar legislativas, programadas para 17 de janeiro leis e políticas essenciais para melhorar a e depois para 24 de janeiro, foram proteção e a promoção dos direitos postergadas pelo Conselho Eleitoral humanos. Provisório (CEP) após violentos protestos, em O mandato da Missão de Estabilização da que a polícia supostamente usou força, em ONU no Haiti (MINUSTAH) foi renovado por resposta a alegações de fraude eleitoral seis meses em outubro. durante o primeiro turno das eleições em Em novembro, o registro de direitos 2015. humanos do Haiti foi avaliado seguindo o Em 5 de fevereiro, um acordo nacional processo de Revisão Periódica Universal da estabelecendo um governo de transição foi ONU. O Haiti aceitou várias recomendações, assinado para encontrar uma solução para a incluindo adequar-se às Convenções da ONU crise política. O presidente Martelly encerrou sobre Apatridia, fortalecer sua estrutura seu mandato em 7 de fevereiro. Jocelerme jurídica contra a violência baseada em Privert foi eleito presidente interino, e Enex gênero e aprimorar a proteção dos Jean-Charles foi nomeado Primeiro Ministro defensores e defensoras dos direitos interino. As eleições programadas para abril humanos. O país rejeitou recomendações foram mais uma vez postergadas, pois a para proteger a população LGBTI, bem como Comissão de Verificação Eleitoral o convite para fazer parte do TPI.1 Independente, criada em abril, confirmou que houve fraude durante a contagem de PESSOAS DESLOCADAS INTERNAMENTE cédulas em outubro de 2015 e recomendou O furacão Matthew afetou 2,1 milhões de que novas eleições fossem realizadas. O CEP pessoas em todo o país, incluindo quase publicou um novo calendário eleitoral para 900.000 crianças. Cento e setenta e cinco eleições em outubro e em janeiro de 2017. mil pessoas ficaram desabrigadas. A situação foi agravada pelo fato de que 55.107 ainda

Anistia Internacional Informe 2016/17 133 estavam desabrigadas devido ao terremoto de 2010 e, até novembro, estavam vivendo IMPUNIDADE em 31 campos, um número que Não houve progresso na investigação de praticamente não diminuiu desde junho de supostos crimes contra a humanidade 2015. cometidos pelo ex-presidente Jean-Claude Duvalier e seus colaboradores.3 DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E MIGRANTES 1. Haiti: Internal displacement, forced evictions, statelessness – the Pessoas de origem haitiana continuaram a catalogue to violations continue (AMR 36/4658/2016) chegar espontaneamente no Haiti, vindas da 2. “Where are we going to live?” Migration and statelessness in República Dominicana, enquanto outras and Haiti (AMR 36/4105/2016) tinham sido deportadas pelas autoridades 3. Haiti: Move ahead with ex-dictator case (AMR 36/3478/2016) dominicanas. Cerca de 2.220 dessas pessoas foram assentadas em campos improvisados na região da fronteira sul de Anse-à-Pitre, onde vivem em péssimas HONDURAS condições, com acesso restrito à água, República de Honduras saneamento, atendimento à saúde e 2 Chefe de estado e de governo: Juan Orlando Hernández educação. Apesar do programa de Alvarado reassentamento em operação até junho, dezenas de famílias permaneciam nos campos no final do ano. Um clima geral de violência forçou milhares de hondurenhos a saírem do país. DIREITO À SAÚDE — EPIDEMIA DE Mulheres, migrantes, pessoas deslocadas CÓLERA internamente, defensores dos direitos Entre janeiro e julho, 21.661 casos suspeitos humanos – especialmente de direitos de cólera e 200 mortes relacionadas a eles LGBTI, bem como ativistas ambientais e foram registradas, com quase 9.000 casos pela terra – foram especialmente alvos de relatados após o furacão Matthew. Em violência. Um sistema de justiça penal agosto, a ONU reconheceu pela primeira vez ineficiente contribuiu para um clima de seu papel no surto inicial e por isso o impunidade. Secretário-Geral da ONU se desculpou publicamente em dezembro. Ele também INFORMAÇÕES GERAIS anunciou um novo plano para lidar com o O governo atribuiu diversas tarefas de surto. A ONU continuou a negar todas as segurança pública a unidades formadas por tentativas de vítimas de obterem acesso a agentes com treinamento militar em uma recursos judiciais. tentativa de abordar a violência, a corrupção e o crime organizado. A Comissão DIREITOS LGBTI Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) Em setembro, ameaças públicas, incluindo levantou questões sobre o fato de os militares por diversos parlamentares, foram feitas realizarem operações de segurança pública, contra pessoas e ONGs que planejavam um incluindo uso com excessivo da força. A Festival de Filmes LGBTI. Em setembro, o presença de pelotões militares nos territórios promotor público de Port-au-Prince ordenou indígenas contribuiu para a insatisfação o cancelamento do evento por motivos de social. Mais de 100 policiais do alto escalão segurança. Nos dias seguintes, houve um foram dispensados em uma tentativa de aumento evidente nos relatos de ataques remover agentes de segurança acusados de homofóbicos. estarem infiltrados no crime organizado.

134 Anistia Internacional Informe 2016/17 Aguán. Os dois defensores dos direitos DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E humanos foram baleados e mortos após MIGRANTES comparecerem a uma reunião com vários A violência generalizada em todo o país campesinos (camponeses) da região de Bajo forçou muitas pessoas a fugirem - em sua Aguán, parte nordeste de Honduras. Em maioria mulheres, crianças, jovens e pessoas novembro, Bertha Oliva, coordenadora do LGBTI. Pessoas identificadas por grupos Comitê de Familiares de Presos criminosos como tendo se recusado a Desaparecidos em Honduras (COFADEH) foi obedecer a sua autoridade, ou que tenham submetida a uma campanha de difamação testemunhado um crime, eram com objetivo de ligá-la a cartéis de drogas e rotineiramente perseguidas, atacadas e para desacreditar seu trabalho em favor dos extorquidas. Especialmente jovens foram direitos humanos. O COFADEH tem um longo forçados a se juntar a grupos criminosos. histórico de promoção dos direitos humanos Pessoas deportadas forçadamente do dos campesinos na região de Bajo Aguan. México e dos EUA continuaram a enfrentar De acordo com a ONG ACI-PARTICIPA, as mesmas situações de risco que mais de 90% de todos os assassinatos e inicialmente as forçaram a irem embora. Em abusos contra os defensores dos direitos julho, uma pessoa solicitante de refúgio que humanos permanecem sem punição. havia sido devolvida à força do México após a Defensores e defensoras dos direitos rejeição do seu pedido foi assassinada LGBTI também foram alvo de ameaças e menos de três semanas após o seu retorno.1 ataques. René Martínez, presidente da Comunidade Gay Sampedrana na cidade de DEFENSORES E DEFENSORAS DOS San Pedro Sula, foi encontrado morto em 3 DIREITOS HUMANOS de junho, e em seu corpo havia sinais de Honduras permaneceu um dos países mais tortura. O Movimento Mundial pelos Direitos perigosos da América Latina para os Humanos (Worldwide Movement for Human defensores dos direitos humanos, Rights) informou que membros do grupo de especialmente para ativistas ambientais e da direitos LGBTI Asociación Arcoiris foram terra. De acordo com a ONG Global Witness, vítimas de 36 incidentes de segurança entre Honduras teve o maior número per capita de julho de 2015 e janeiro de 2016, incluindo assassinatos de ativistas ambientais e da assassinatos, ameaças, vigilância e assédio. terra no mundo.2 Berta Cáceres, líder e Os militares foram acusados de se infiltrar cofundadora do Conselho Cívico de nos movimentos sociais e atacar defensores Organizações Populares e Indígenas de dos direitos humanos. Honduras (COPINH), foi baleada na casa em A Lei para Proteger Defensores de Direitos 2 de março. A Comissão Interamericana de Humanos, Jornalistas, Comentaristas Sociais Direitos Humanos tinha concedido medidas e Oficiais de Justiça ainda deve ser cautelares a ela desde 2009, mas as implementada corretamente. autoridades não conseguiram implementar medidas eficazes para protegê-la. Junto com DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS outros membros do COPINH que A falta de recursos para as instituições protestaram contra a construção da represa responsáveis por apoiar os povos indígenas de Agua Zarca na comunidade de Río continua a ser uma preocupação. Vários Blanco, ela sofreu continuamente assédio, povos indígenas alegaram que seus direitos à ameaças e ataques por representantes do consulta prévia, livre e informada haviam Estado e agentes privados antes de sua sido violados no contexto de projetos para morte. sondar e explorar os recursos naturais em Em 18 de outubro, foram assassinados seus territórios. A falta de acesso à justiça José Ángel Flores e Silmer Dionisio George, para os povos indígenas nos casos de do Movimento Unificado Campesino de agressões, incluindo assassinatos, manteve-

Anistia Internacional Informe 2016/17 135 se como um desafio. Além de Bertha Cáceres, um líder indígena de Tolupán foi HUNGRIA assassinado em 21 de fevereiro; ele havia recebido o direito a medidas protetivas pela Hungria Comissão Interamericana de Direitos Chefe de Estado: János Áder Humanos em dezembro de 2015. Os Chefe de Governo: Viktor Orbán responsáveis ainda não foram julgados. Uma emenda constitucional permitiu que o DIREITOS DAS MULHERES governo declarasse estado de emergência As mulheres foram rotineiramente sob condições amplas e vagamente submetidas à violência. Entre janeiro e junho, formuladas, com pouca fiscalização 227 mulheres foram assassinadas. Durante o democrática. mesmo período, foram registrados 1.498 Ciganos continuam a sofrer discriminação e ataques e 1.375 incidentes de violência a serem vítimas de crimes de ódio. A sexual contra mulheres. Os ataques Hungria persiste em sua repressão permaneceram amplamente subnotificados. sistemática aos direitos de pessoas O país continuou a não ter mecanismos refugiadas e migrantes, apesar das específicos para coleta e desagregação de crescentes críticas internacionais. dados relacionados aos assassinatos de mulheres. O aborto permaneceu um crime COMBATE AO TERRORISMO E em todos os casos, inclusive quando a vida e SEGURANÇA a saúde da mulher estavam em risco, ou O governo continuou a estender o uso da quando a gravidez foi resultado de violência legislação antiterrorismo. Em janeiro, o sexual. A contracepção de emergência Tribunal Europeu dos Direitos Humanos continuou a ser proibida. identificou em Szabó e Vissy vs. Hungria que a Lei Policial violava o direito dos solicitantes SISTEMA JUDICIÁRIO de respeito pela vida privada e vida familiar Em fevereiro, o Congresso Nacional elegeu na medida em que permitia que o executivo 15 novos membros da Suprema Corte de interceptasse quaisquer comunicações sem Justiça para os próximos sete anos. Várias evidências que justificassem tal ação e por organizações da sociedade civil demonstram longos períodos de tempo. O Tribunal preocupação com o processo de seleção, constatou também que a Hungria fracassou que alegam não conseguir cumprir as em garantir supervisão jurídica adequada e normas internacionais de imparcialidade, soluções eficazes contra a vigilância ilegal. independência e transparência. Em junho, o Parlamento adotou uma Honduras ainda não cumpriu a resolução “Sexta Emenda” à Lei Fundamental da de outubro de 2015 da Corte Interamericana Hungria (Constituição) que introduzia uma de Direitos Humanos, na qual declara que definição vagamente formulada de um foram violados os direitos dos quatro juízes estado de emergência por conta da “situação exonerados por oposição ao golpe militar de de ameaça terrorista” que não cumpriu com 2009. Os juízes ainda estavam para os testes exigidos pela a lei internacional de reassumir seus cargos, e outras medidas de direitos humanos. O pacote permitiria ao reparação ainda estavam pendentes. governo introduzir amplos poderes, dentre eles: restrição da liberdade de ir e vir dentro do país, congelamento de bens estatais, 1. Home sweet home? Honduras, Guatemala and El Salvador’s role in a deepening refugee crisis (AMR 01/4865/2016) individuais, de organizações e entidades 2. We are defending the land with our blood: Defenders of the land, legais, banimento e restrições de eventos e territory and environment in Honduras and Guatemala (AMR de assembleias públicas e aplicação de 01/4562/2016) medidas especiais indefinidas para prevenção contra o terrorismo, sem uma

136 Anistia Internacional Informe 2016/17 plena fiscalização judicial ou parlamentar. Baka vs. Hungri que suspender o mandato Tais poderes podem ser aumentados após 15 do presidente do Supremo Tribunal por conta dias, se aprovado pelo Parlamento. Tal de suas críticas às reformas legislativas vai estado de emergência também conferiria de encontro à Convenção Europeia dos amplos poderes às forças de segurança para Direitos Humanos. Ficou determinado que utilizar armas de fogo em circunstâncias que houve violação do Artigo 6, parágrafo 1 ultrapassam além do que é permitido por leis (direito ao acesso a um tribunal) e ao Artigo e padrões internacionais. 10 (liberdade de expressão). Em novembro, um sírio foi sentenciado a dez anos de prisão por “atos terroristas” DISCRIMINAÇÃO – CIGANOS devido ao seu envolvimento em embates Em janeiro, um tribunal na capital, contra agentes da guarda fronteiriça da Budapeste, instruiu o município de Miskolc a Hungria em um ponto fronteiriço entre a desenvolver um plano de ação para a maioria Sérvia e a Hungria em setembro de 2015. de residentes ciganos que foram removidos Ambas as partes recorreram da decisão em ou prestes a serem removidos do bairro das primeira instância. Ruas Numeradas da cidade. No entanto, o plano de ação de habitação compreendeu LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO apenas 30 unidades de moradia para Em outubro, o supostamente independente aproximadamente 100 famílias afetadas, e Escritório de Controle do Governo não alocou verba adicional para moradias ou (Kormányzati Ellenőrzési Hivatal, conhecido compensação financeira. como KEHI) foi compelido, mediante Em março, um tribunal em Eger emitiu um determinação jurídica, a revelar o rastro de veredito em primeira instância de que documentos da auditoria ad hoc que realizou crianças ciganas, no condado de Heves, em 2014 de várias ONGs que criticam as estavam sendo segregadas ilegalmente em políticas do governo, revelando que tal ordem escolas e turmas que ofereciam educação fora dada pessoalmente pelo primeiro direcionada a crianças com deficiência. Em ministro. A auditoria envolveu batidas junho, a Comissão Europeia deu início a policias, confisco de computadores e processos de infração contra a Hungria por servidores e extensas investigações, porém conta da discriminação dos ciganos na foi concluída sem que nenhum crime tenha educação. sido identificado. Representantes do governo continuaram a ameaçar diversas ONGs Crimes de ódio envolvidas em investigações subsequentes, o A investigação e julgamento de crimes de que contribuiu para um efeito intimidatório ódio continuaram a apresentar falta de em meio à sociedade civil. consistência. Em janeiro, a Curia (Supremo Tribunal) finalmente emitiu seu veredito no LIBERDADE DE EXPRESSÃO – caso de um assassinato em série de ciganos JORNALISTAS ocorrido em 2008 e 2009, motivado por Népszabadság – um jornal que criticava o questões étnicas. Seis pessoas foram mortas, governo – teve sua publicação suspensa de inclusive um menino de cinco anos, e várias forma abrupta em outubro de 2016, e todos outras ficaram feridas. Três réus foram os jornalistas foram dispensados. O condenados a prisão perpétua sem direito à encerramento das atividades ocorreu dias liberdade condicional (contrariando a lei antes da empresa ser vendida a um europeia de direitos humanos), e um quarto empreendedor próximo ao governo. a 13 anos de prisão. Em abril, um tribunal em Debrecen SISTEMA JUDICIÁRIO reverteu um veredito proferido em primeira Em junho, a Grande Câmara do Tribunal instância segundo o qual a polícia teria Europeu dos Direitos Humanos entendeu em discriminado os ciganos da cidade de

Anistia Internacional Informe 2016/17 137 Gyöngyöspata quando fracassou em proteger deficiências sistêmicas do sistema grego de residentes ciganos do local contra grupos de refúgio, que foram confirmadas pelo Tribunal extrema direita em 2011. O Sindicato Europeu dos Direitos Humanos. Húngaro de Liberdades Civis recorreu contra As condições do sistema húngaro de a decisão da Curia. refúgio levaram uma série de países europeus a decidir não mais devolver PESSOAS REFUGIADAS E MIGRANTES pessoas à Hungria, em alguns casos A Hungria continuou restringindo recomendando mesmo a suspensão geral de amplamente o acesso ao país por pessoas transferências do Sistema de Dublin. refugiadas e solicitantes de refúgio, A detenção de solicitantes de refúgio criminalizando milhares de pessoas por localizados no país continuou a ser entrada irregular ao cruzarem as cercas implementada sem as salvaguardas fronteiriças instaladas na fronteira sul. O necessárias para garantir que eram legais, governo repetidamente estendeu um “estado necessárias e proporcionais. Em junho, o de emergência devido à imigração massiva” Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e, apesar da queda expressiva na quantidade identificou em O.M. vs. Hungria que a de novos refugiados chegando ao país, mais detenção de um solicitante de refúgio de 10.000 policiais e membros das forças homossexual era uma violação ao seu direito armadas foram posicionados ao longo da de liberdade e segurança. O Tribunal fronteira. Mais de 3000 pessoas foram determinou que a Hungria fracassou em levadas a tribunais e expulsas por terem realizar uma avaliação individualizada que entrado no país de forma irregular, sem uma justificasse a detenção do solicitante e em investigação apropriada das suas levar em conta a vulnerabilidade do necessidades de proteção, até o fim do ano. solicitante no local de detenção com base em Algumas emendas legais permitiram a sua orientação sexual. devolução imediata de todos os não cidadãos O governo gastou mais de €20 milhões em pegos em situação ilegal na fronteira ou a até campanhas de comunicação que rotulavam um raio de 8 km de distância da fronteira em refugiados e migrantes como criminosos e território húngaro, e mais de 16 mil pessoas ameaças à segurança nacional. Em outubro, tiveram sua entrada negada ou foram o governo realizou um referendo nacional a devolvidas compulsoriamente e, por vezes, respeito de sua oposição à realocação dos violentamente, à Sérvia. solicitantes de refúgio para Hungria previsto Em 31 de março, a lista do governo de em um esquema que abrangeria toda a UE. “países de origem seguros” e “países de O referendo foi considerado inválido devido a terceiro mundo seguros” foi expandida para insuficiente comparecimento. Junto com a passar a incluir a Turquia. Em maio, a Eslováquia, o governo desafiou a legalidade assembleia nacional aprovou um conjunto de da decisão do Conselho Europeu a respeito emendas que significativamente restringia o das cotas de realocação no Tribunal de acesso à moradia, atenção médica e Justiça da União Europeia. O caso programas de integração para pessoas com permanecia pendente até o final do ano. status de proteção. Em novembro, o Comitê Europeu para a A Hungria suspendeu a cooperação com Prevenção da Tortura publicou um relatório outros países da UE e recusou-se a aceitar sobre a imigração e centros de detenção em solicitantes de refúgio de estados que asilos no país. Ali, foi descoberto que uma participassem do sistema de Dublin. Tentou quantidade considerável de estrangeiros, também devolver ao menos 2.500 inclusive menores desacompanhados, solicitantes de refúgio que já estavam na relataram terem sido submetidos a maus- Hungria para a Grécia, tratos físicos cometidos por policiais. O apesar da indicação contrária às governo negou as acusações. devoluções para a Grécia por conta das

138 Anistia Internacional Informe 2016/17 capital, Sana'a e de outras áreas. O governo IÊMEN do presidente Hadi controlava a parte sudeste do Iêmen, incluindo os governos de República do Iêmen Lahj e Aden. Chefe de estado: Abd Rabbu Mansour Hadi O grupo armado Al-Qaeda na Península Chefe de governo: Ahmed Obeid bin Daghr (substituiu Arábica (AQAP, na sigla em inglês), Khaled Bahah em abril) continuou a controlar partes do sul do Iêmen e a realizar atentados a bomba em Aden e na Todas as partes envolvidas no conflito cidade portuária de al-Mukallah, armado contínuo cometeram crimes de recapturadas da AQAP pelo governo em guerra e outras violações graves de leis abril. As forças dos EUA continuaram a internacionais com impunidade. A coalizão atacar as forças do AQAP com mísseis. O liderada pela Arábia Saudita, que apoia o grupo armado Estado Islâmico (EI) também reconhecido governo iemenita, bombardeou realizou ataques a bomba em Aden e al- hospitais e outras infraestruturas civis e Mukallah, visando principalmente as forças e realizou ataques indiscriminados, matando funcionários do governo. e ferindo civis. O grupo armado Huthi e as De acordo com o Escritório do Alto forças aliadas a ele bombardearam Comissariado da ONU para os Direitos indiscriminadamente áreas residenciais Humanos, 4.125 civis, incluindo mais de civis na cidade de Ta'iz e dispararam 1.200 crianças, foram mortos, e mais de através da fronteira da Arábia Saudita, 7.000 civis foram feridos desde que o conflito matando e ferindo civis. Huthi e as forças começou em março de 2015. O Escritório aliadas restringiram rigorosamente os das Nações Unidas para a Coordenação de direitos à liberdade de expressão, de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em associação e de manifestação pacífica em inglês) informou que mais de 3.27 milhões áreas que controlavam, prendendo de pessoas foram desalojadas de maneira arbitrariamente os críticos e oponentes, forçada no conflito até outubro, e quase 21.2 incluindo defensores de direitos humanos e milhões de pessoas, 80% da população, jornalistas, forçando ONGs a fecharem. Eles necessitavam de assistência humanitária. submeteram alguns detidos a Em abril, as negociações de paz desaparecimento forçado, tortura e outros patrocinadas pela ONU entre as partes no maus tratos. Mulheres e meninas conflito começaram no Kuwait, continuaram a enfrentar discriminação acompanhadas de uma breve pausa nas arraigada e outros abusos, incluindo o hostilidades. A luta se intensificou depois que casamento forçado e violência doméstica. A as negociações fracassaram em 6 de agosto. pena de morte permaneceu em vigor; Em 25 de agosto, o Secretário de Estado nenhuma informação foi disponibilizada norte-americano John Kerry anunciou uma sobre sentenças de morte ou execuções. “abordagem renovada às negociações”. Isso não produziu nenhum resultado claro até o INFORMAÇÕES GERAIS final do ano. O conflito armado entre o governo O grupo armado Huthi e suas forças internacionalmente reconhecido do aliadas nomearam um Conselho Político presidente Hadi, apoiado por uma coalizão Supremo com 10 membros para comandar o internacional liderada pela Arábia Saudita, e Iêmen, que, por sua vez, nomeou o antigo o grupo armado Huthi e suas forças aliadas, governador de Aden, Abdulaziz bin Habtoor, entre as quais estão unidades do exército para liderar um governo de "salvação leais ao ex-presidente Ali Abdullah Saleh, nacional". Em setembro, o presidente Hadi continuaram a lutar entre si durante todo o ordenou que o Banco Central fosse ano. Os Huthis e as forças aliadas ao ex transferido de Sana'a para Aden, presidente Saleh continuaram no controle da aprofundando a crise fiscal causada pelo

Anistia Internacional Informe 2016/17 139 esgotamento de suas reservas e a crise armados pertencentes à Ansarullah, o braço humanitária por cercear a capacidade da político dos Huthi, em residências, locais de administração de facto do Huthi em Sana'a trabalho, pontos de encontro ou locais de importar alimentos essenciais, públicos, como mesquitas. Essas prisões combustível e suprimentos médicos. foram realizadas sem mandado judicial ou sem razões declaradas e sem revelar para CONFLITO ARMADO onde os presos estavam sendo levados ou Violações cometidas por grupos armados onde seriam mantidos. O Huthi e as forças aliadas, incluindo as Muitos detidos foram mantidos em locais unidades do exército leais ao ex-presidente não oficiais, tais como casas particulares, Saleh, violaram as leis humanitárias sem serem informados sobre o motivo de sua internacionais repetidas vezes com ataques prisão ou sem que fossem permitidos indiscriminados e desproporcionais. Eles quaisquer meios de contestar sua legalidade, colocaram civis em perigo nas áreas que incluindo acesso a advogados e aos controlavam, lançando ataques próximos a tribunais. Alguns foram submetidos a escolas, hospitais e residências, expondo os desaparecimento forçado e mantidos em moradores a ataques por forças pró-governo, locais secretos; as autoridades Huthi se incluindo bombardeios aéreos pela coalizão recusaram a reconhecer suas prisões, liderada pela Arábia Saudita. Eles também divulgar qualquer informação sobre eles ou dispararam indiscriminadamente munições permitir o acesso a advogado e a suas explosivas que afetam áreas extensas, famílias. Alguns prisioneiros foram incluindo morteiros e bombas de artilharia submetidos a tortura ou outros maus tratos. em áreas residenciais, controladas ou Em fevereiro, uma família relatou ter visto contestadas por forças opostas, guardas espancarem seu parente no centro particularmente na cidade de Ta'iz, matando de detenção do Escritório de Segurança e ferindo civis. Em novembro, o Huthi e as Política em Sana'a. forças aliadas alegadamente realizaram pelo Forças anti-Huthi e seus aliados lideraram menos 45 ataques ilegais em Ta'iz, matando assédios e intimidação contra funcionários de e ferindo dezenas de civis. Um ataque em 4 hospitais e colocaram civis em perigo, de outubro matou 10 civis, incluindo 6 posicionando militares e combatentes perto crianças e feriu mais 17 pessoas em uma rua de centros médicos, em especial durante o próxima ao mercado Bir Basha, de acordo confronto na cidade de Ta’iz, no sul do país. com a ONU. Os Huthis e seus aliados Pelo menos três hospitais foram fechados também continuam a colocar minas devido às ameaças contra seus funcionários. terrestres internacionalmente proibidas, que Os Huthis e seus aliados também causaram vítimas civis, bem como cercearam a liberdade de associação em continuaram a recrutar e utilizar crianças- áreas sob sua administração de facto. soldado. Em junho, o secretário-geral da ONU informou que os Huthis foram Violações cometidas pela coalizão liderada pela responsáveis por 72% dos 762 casos Arábia Saudita verificados de recrutamento de crianças- A coalizão internacional que apoiava o soldado durante o conflito. governo do presidente Hadi continuou a Em Sana'a e outras áreas que cometer graves violações dos direitos controlavam, o Huthis e seus aliados humanos internacionais e do direito arbitrariamente prenderam e detiveram humanitário com impunidade. Os bloqueios críticos e adversários, bem como jornalistas, marítimo e aéreo parciais da coalizão defensores dos direitos humanos e membros restringiram a importação de alimentos e de da comunidade Baha'i, sujeitando dezenas outros itens necessários, aprofundando a de pessoas ao desaparecimento forçado. crise humanitária causada pelo conflito e Muitas prisões foram realizadas por homens impedindo os voos comerciais para Sana'a.

140 Anistia Internacional Informe 2016/17 Aviões da coalizão realizaram atentados a "informações incorretas" e que os bomba em áreas controladas ou contestadas responsáveis seriam punidos. por forças Huthi e seus aliados, Forças da coalizão também utilizaram particularmente nas províncias de Sana'a, munições imprecisas em alguns ataques, Hajjah, Hodeidah e Sa'da, matando e ferindo incluindo grandes bombas feitas nos EUA e milhares de civis. Muitos ataques da coalizão no Reino Unido que têm um grande raio de foram dirigidos a alvos militares, mas outros alcance e causam mortes e destruição para foram indiscriminados, desproporcionais ou além da sua localização de ataque. As forças direcionados a pessoas e alvos civis, de coalizão também continuaram a usar incluindo hospitais, escolas, mercados, munições de fragmentação feitas nos EUA e fábricas e locais onde estavam ocorrendo no Reino Unido em ataques nas províncias velórios. Alguns ataques da coalizão se de Sa'da e Hajjah, embora tais munições destinaram a infraestruturas essenciais, tenham sido amplamente proibidas como pontes, estações de água e torres de internacionalmente devido à sua natureza telecomunicações. Um ataque em agosto intrinsecamente indiscriminada. As munições destruiu a ponte da estrada principal entre de fragmentação espalham pequenas Sana'a e Hodeidah. Alguns ataques da bombas explosivas por uma vasta área e coalizão elevaram-se a crimes de guerra. apresentam um risco contínuo devido a Em agosto, a ONG humanitária Médicos falhas frequentes ao detonar no impacto Sem Fronteiras (MSF) disse que tinha inicial. Em dezembro, a coalizão admitiu que perdido a "confiança na capacidade da suas forças haviam usado munição de coalizão em evitar ataques tão fatais". A MSF fragmentação fabricada no Reino Unido em retirou sua equipe de seis hospitais no norte 2015, além de afirmar que isso não se do Iêmen, após aeronaves da coalizão repetirá no futuro. bombardearem um hospital apoiado pela MSF pela quarta vez em um ano, matando19 IMPUNIDADE pessoas e ferindo 24. No começo de Todas as partes envolvidas no conflito dezembro, a Equipe Conjunta de Avaliação armado cometeram, impunemente, violações de Investigações (JIAT), criada pela coalizão graves das leis internacionais. Os Huthis e liderada pela Arábia Saudita para investigar seus aliados não tomaram nenhuma medida supostas violações por suas forças, concluiu para investigar violações graves das suas que o ataque havia sido um “erro não forças e para responsabilizar os envolvidos. intencional”. A declaração pública da JIAT A Comissão Nacional de Inquérito, contradisse as investigações da própria MSF, estabelecida pelo presidente Hadi em que concluíram que o incidente não havia setembro de 2015, teve seu mandato sido resultado de erro, mas de hostilidades prorrogado por mais um ano em agosto. Isso feitas “sem consideração pela natureza levou a algumas investigações porém não protegida de hospitais e estruturas civis”. houve independência e imparcialidade Em 21 de setembro, um ataque aéreo da suficientes, não sendo possível atingir coalizão a uma área residencial da cidade de grandes partes do país, focando quase que Hodeidah matou 26 civis, incluindo sete inteiramente nas violações cometidas pelos crianças, e feriu outras 24, de acordo com a Huthis e seus aliados. ONU. Em 8 de outubro, um ataque aéreo da A JIAT, criada pela coalizão liderada pela coalizão matou mais de 100 pessoas em um Arábia Saudita para investigar supostas velório em Sana'a e feriu mais de 500 violações por suas forças, também foi um pessoas. A coalizão inicialmente negou a grande fracasso. Ela não divulgou detalhes responsabilidade sobre o ataque de 8 de sobre suas funções, metodologia ou poder, outubro, mas admitiu a culpa depois de ser como por exemplo o que determina quais condenada internacionalmente, e disse que o incidentes investigar, como conduz as ataque havia sido feito com base em investigações ou verifica informação.

Anistia Internacional Informe 2016/17 141 Também não foi divulgado o status de suas do direito humanitário internacional", recomendações em relação aos incluindo muitas que "envolveram múltiplos comandantes da coligação ou seus ataques aéreos contra vários alvos civis". Um membros. relatório posterior ao Conselho de Segurança da ONU feito por um novo Painel de Peritos FALTA DE ACESSO HUMANITÁRIO vazou em agosto, e acusava todas as partes Todas as partes do conflito agravaram o envolvidas no conflito de violar as leis sofrimento de civis ao restringir a assistência internacionais de direitos humanos e o direito humanitária. As forças dos Huthi e de seus humanitário internacional. aliados continuaram a restringir a entrada de Em junho, o Secretário Geral da ONU alimentos e suprimentos médicos vitais em removeu a coalizão liderada pela Arábia Ta'iz - terceira cidade mais populosa do Saudita de uma lista anual dos estados e Iêmen - ao longo do ano, expondo milhares grupos armados que violam os direitos das de civis a mais sofrimento. Em outros crianças em conflitos armados, depois que o lugares, os trabalhadores humanitários governo da Arábia Saudita ameaçou parar de acusaram os agentes de segurança Huthi de financiar importantes programas da ONU. impor restrições arbitrárias e excessivas à Em agosto, o Alto Comissariado da ONU circulação de mercadorias e de funcionários para Direitos Humanos incentivou o com o intuito de comprometer a estabelecimento de um "organismo independência das operações de ajuda e internacional independente para realizar forçadamente cessando alguns programas de investigações abrangentes no Iêmen". No auxílio humanitário. entanto, o Conselho de Direitos Humanos da Trabalhadores da assistência humanitária ONU resolveu em setembro que o Alto acusaram a coalizão liderada pela Arábia Comissariado continuaria a fornecer apoio Saudita de dificultar a prestação de ajuda técnico à Comissão Nacional estabelecida humanitária, impondo procedimentos em 2015 e alocaria especialistas excessivamente onerosos, que exigiam internacionais adicionais para seu escritório informar à coligação sobre suas operações no Iêmen. planejadas com antecedência para evitar possíveis ataques. DIREITOS DAS MULHERES Mulheres e meninas continuaram a enfrentar PESSOAS DESLOCADAS INTERNAMENTE discriminação na lei e na prática, e foram O conflito armado provocou o deslocamento inadequadamente protegidas contra a maciço de civis, especialmente nas violência sexual e de outros tipos, incluindo a províncias de Ta'iz, Hajjah e Sana'a. Em mutilação genital feminina, o casamento outubro, o Escritório da ONU para a forçado e outros abusos. Coordenação de Assuntos Humanitários relatou que algo em torno de 3.27 milhões de PENA DE MORTE pessoas, metade delas crianças, foram A pena de morte permaneceu em vigor para deslocadas internamente no Iêmen, um muitos crimes. Nenhuma informação foi aumento de mais de 650 mil desde de disponibilizada sobre sentenças de morte ou dezembro de 2015. execuções. ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL O Painel de Peritos da ONU sobre o Iêmen lançou seu relatório final em 26 de janeiro. O ÍNDIA Painel concluiu que todas as partes do República da Índia conflito tinham repetidamente atacado Chefe de Estado: Pranab Mukherjee pessoas e alvos civis, documentando "119 Chefe de Governo: Narendra Modi ataques da coalizão relacionados à violação

142 Anistia Internacional Informe 2016/17 As autoridades fizeram uso de leis assassinatos. Em agosto, 14 pessoas repressivas para restringir a liberdade de morreram em um ataque supostamente expressão e silenciar críticas. Defensores e executado pelo grupo armado Fronte defensoras dos direitos humanos e Democrático Nacional de Bodoland (Facção organizações que trabalham com o tema de Songbijit), em Kokrajhar, Assam. continuaram a enfrentar perseguição e Grupos armados também são suspeitos de intimidação, e grupos paramilitares de assassinar pessoas em Jammu e na proteção às vacas realizaram diversos Caxemira. Em janeiro, supostos membros do ataques. Milhares protestaram contra a grupo armado Jaish-E-Mohammed atacaram discriminação e violência enfrentadas pelas uma base aérea em Pathankot, no estado do comunidades dalit. Milhões de pessoas Punjab, matando um civil e sete integrantes fizeram frente às mudanças nas leis das forças de segurança. trabalhistas. Comunidades marginalizadas continuam a ser regularmente ignoradas em VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO BASEADA meio à pressão que o governo vem fazendo EM CASTAS no sentido de promover um crescimento Dalits e adivasis (indígenas) continuaram a econômico acelerado. As tensões entre enfrentar abusos generalizados. Segundo Índia e Paquistão se intensificaram após estatísticas oficiais lançadas em agosto, ataques de homens armados em bases do foram relatados em 2015 mais de 45.000 exército em Uri, Jammu e Caxemira. Os crimes cometidos contra membros de castas estados da Caxemira e Jammu atravessaram legalmente reconhecidas e cerca de 11.000 meses de toque de recolher e viram uma crimes contra tribos legalmente gama de violações de direitos humanos reconhecidas. Em diversos estados, foi serem perpetradas pelas autoridades. O recusada aos dalits a entrada em locais banimento das cédulas de maior valor da públicos e sociais, e eles também sofreram Índia, realizado com vistas a reprimir o discriminação no acesso de serviços mercado negro existente no país, afetou públicos. duramente a subsistência de milhões. Em janeiro, o suicídio do estudante dalit Rohith Vemula desencadeou protestos a nível ABUSOS PERPETRADOS POR GRUPOS nacional e debates sobre a discriminação e ARMADOS violência sofridas por dalits nas Grupos armados na Índia central, bem como universidades. Em março, a polícia prendeu em estados do nordeste, em Jammu e na alunos e professores enquanto realizavam Caxemira, cometeram uma série de abusos um protesto pacífico na Universidade de contra os direitos humanos. O grupo armado Hyderabad, onde Rohith Vemula estudava. do Partido Comunista da Índia (Maoísta) é Em julho, amplos protestos foram realizados suspeito de ter cometido extorsão, em Una, no estado do Gujarat, após a sequestros, assassinatos, inclusive de oficiais flagelação pública de quatro homens da do governo local e de supostos “informantes” casta dalit por um grupo paramilitar de da polícia, em estados tais como proteção às vacas sob o pretexto de terem Chhattisgarh, Jharkhand, Odisha, retirado a pele de uma vaca morta - uma Maharashtra, Bihar e Andhra Pradesh. Foi ocupação tradicional para certos dalits. relatado que o grupo teria utilizado um Em abril, o governo central aprovou as sistema de loteria para recrutar crianças em Emendas de Lei relativas às Castas e Tribos Jharkhand. Este grupo também teria visado Legalmente Reconhecidas (Prevenção de torres de telefonia celular e veículos usados Atrocidades), que especifica mecanismos de para construção e mineração. alívio disponíveis para vítimas de violência Grupos armados em estados do nordeste, baseada em castas. incluindo Assam, Manipur e Meghalaya, foram acusados de extorsão, sequestro e

Anistia Internacional Informe 2016/17 143 grupo de proteção às vacas em Haryana DIREITOS DAS CRIANÇAS forçaram dois muçulmanos suspeitos de Segundo estatísticas lançadas em agosto, serem transportadores de carne bovina a relatos de crimes contra crianças em 2015 comer esterco de vacas. Em agosto, uma cresceram 5% em comparação com o ano mulher em Haryana disse que ela e sua anterior. Sob as novas leis que entraram em prima de 14 anos sofreram estupro coletivo vigor em janeiro, autoridades do juizado de por homens que as acusaram de comer menores determinaram que jovens com carne bovina. idade entre 16 e 18 anos devem ser tratados Em maio, o Supremo Tribunal de Mumbai, como adultos em casos envolvendo crimes ao analisar um caso relativo à lei de graves. Em junho, um comitê do juizado de banimento de carne bovina, decidiu que menores determinou que um jovem de 17 impedir que as pessoas consumam certo tipo anos de Nova Delhi fosse julgado como de comida poderia violar seu direito à adulto em um suposto caso de privacidade. atropelamento com omissão de socorro. Em Uma equipe formada para empreender agosto, determinou-se que outro jovem de 17 uma nova investigação sobre casos anos fosse julgado como adulto em um caso encerrados relativos ao massacre Sikh de de suposto estupro. 1984 identificou 77 casos que mereciam Em julho, o Parlamento aprovou emendas maior investigação e intimou pessoas para a uma lei trabalhista envolvendo menores, testemunhar. O funcionamento da equipe passando a proibir a contratação de crianças ainda carece de transparência. com idade inferior a 14 anos, mas abriu uma Pessoas negras enfrentaram assédios exceção para crianças trabalhando em racistas, discriminação e violência em empreendimentos familiares. As emendas diversas cidades. Em fevereiro, uma mulher também permitem que menores com idades da Tanzânia foi despida à força e espancada entre 14 e 18 anos ocupem posições que por uma multidão em Bengaluru, no estado não sejam consideradas “de risco”. Muitos de Kamataka. Em maio, um homem da ativistas que defendem os direitos das República Democrática do Congo foi crianças se opuseram às emendas, espancado até a morte por um grupo de afirmando que elas estimulariam o trabalho homens de Nova Delhi. infantil e que afetariam crianças de grupos marginalizados e meninas de forma PRESTAÇÃO DE CONTAS desproporcional. Em fevereiro, o Ministério do Meio Ambiente Em agosto, o governo central lançou um aprovou a expansão de uma mina de carvão projeto de política nacional de educação, o em Kusmunda, no estado de Chhattisgarh, qual não faz nenhuma menção a educação operada por uma empresa estatal, a South em direitos humanos. Eastern Coalfields, apesar das autoridades não terem obtido o consentimento livre, VIOLÊNCIA INTERCOMUNITÁRIA E prévio e informado das comunidades adivasi ÉTNICA (indígenas) afetadas. O governo central Grupos paramilitares de proteção às vacas continuou a adquirir territórios usando o Ato assediaram e atacaram pessoas em diversos sobre Áreas Contendo Carvão, que permite a estados, incluindo Gujarat, Haryana, Madhya aquisição de territórios adivasi sem o devido Pradesh e Karnataka, alegando estarem consentimento. aplicando as leis que proíbem a matança de Em abril, o governo do Gujarat aprovou vacas. uma emenda a uma lei de aquisição de Em março, os corpos de dois territórios central que isenta uma série de comerciantes de gado muçulmanos foram projetos da obrigação de obter encontrados pendurados em uma árvore, em consentimento das famílias afetadas e de Jharkhand. Em junho, membros de um realizar avaliações de impacto social. No

144 Anistia Internacional Informe 2016/17 mesmo mês, o Relator Especial da ONU para em uma suposta execução extrajudicial em a Moradia Adequada afirmou que grande Rayagada, Odisha. Em ambos os casos, a parte das remoções forçadas não foram polícia alegou que as vítimas eram maoístas. responsabilizadas na Índia. Em maio, o Em julho, cinco pessoas, incluindo uma Supremo Tribunal rejeitou um abaixo- criança, foram mortas a tiro por forças de assinado desafiando a decisão de 12 segurança em Kandhamal, Odisha. As forças assembleias de vilarejos realizadas em 2013, de segurança alegaram que as mortes que recusava a permissão para que uma ocorreram durante um fogo cruzado em um mina de bauxita fosse operada por uma encontro com grupos maoístas. Em subsidiária da empresa Vedanta Resources e novembro, oito pessoas detidas que por uma estatal. aguardavam julgamento foram assassinadas Em julho, a Dow Chemical Company, uma pela polícia de Madhya Pradesh, localidade empresa baseada nos EUA, e sua próxima a Bhopal, após terem fugido da subsidiária, Union Carbide Corporation, se prisão. esquivaram, pela quarta vez, de comparecer a uma audiência realizada pelo tribunal de LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO Bhopal para responder a acusações As autoridades centrais continuaram a usar o criminais relativas ao desastre de vazamento Ato (Regulamentação) sobre a Contribuição de gás ocorrido em 1984. Em Jharkhand, a Estrangeira (Foreign Contribution Regulation polícia matou a tiros três homens que Act, FCRA), que restringe o recebimento de protestavam contra uma usina elétrica em fundos estrangeiros por parte das agosto, e quatro aldeãos foram mortos pela organizações da sociedade civil, a fim de polícia após um protesto contra uma mina de intimidar as ONGs. Em junho, as autoridades carvão estatal em outubro. suspenderam o registro FCRA da Lawyers Collective, e o cancelaram em dezembro. EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS Em outubro, o governo se recusou a Em abril, um ex-policial do estado de renovar as licenças FCRA de 25 ONGs, sem Manipur disse a jornalistas que esteve oferecer motivos válidos para tal. Em envolvido em mais de 100 execuções dezembro, foram canceladas as licenças de extrajudiciais ocorridas no estado entre 2002 sete outras ONGs, incluindo a Greenpeace e 2009. Em julho, o Supremo Tribunal, ao Índia, Navsarjan, Anhad e duas ONGs analisar um caso relacionado a mais de administradas pelos defensores dos direitos 1.500 execuções extrajudiciais em Manipur, humanos Teesta Setalvad e Javed Anand. determinou que integrantes das forças Relatos da mídia citaram fontes armadas não deveriam usufruir de governamentais que alegaram que tais ONGs “imunidade total” para julgamentos em teriam agido contra “interesses nacionais”. tribunais civis, e que as alegações Em abril, o Relator Especial da ONU sobre precisavam ser analisadas. os direitos de liberdade de Em abril, um tribunal da Agência Central manifestação pacífica e de associação alegou de Investigação condenou 47 integrantes da que as restrições do FCRA não estão em polícia por terem executado conformidade com as leis, princípios e extrajudicialmente 10 homens em Pilibhit, padrões internacionais. Em junho, os Uttar Pradesh, em 1991. Forças de Relatores Especiais da ONU sobre segurança foram acusadas de realizar defensores de direitos humanos, liberdade diversas execuções extrajudiciais em de expressão e de associação conclamaram Chhattisgarh ao longo do ano. o governo indiano a revogar o FCRA. Em fevereiro, um homem adivasi foi morto pela polícia de Chhattisgarh em Bastar, em LIBERDADE DE EXPRESSÃO uma suposta execução extrajudicial. No Leis regressivas continuam a ser usadas para mesmo mês, um homem adivasi foi morto perseguir pessoas que exercem

Anistia Internacional Informe 2016/17 145 legitimamente seu direito de liberdade de Em fevereiro, a jornalista Malini expressão. Em fevereiro, três estudantes da Subramaniam foi obrigada a abandonar Universidade de Jawaharlal Nehru foram Bastar após um ataque feito à sua casa e presos pela polícia de Nova Delhi por sedição devido à polícia pressionar o proprietário do após terem supostamente lançado slogans imóvel. Outro jornalista, Prabhat Singh, foi “antinacionalistas”. No mesmo mês, a polícia preso por compartilhar uma mensagem de Nova Delhi prendeu também um online que zombava de um policial sênior de acadêmico por sedição após ter Bastar. Bela Bhatia, uma pesquisadora e supostamente entoado slogans “anti-Índia” ativista, sofreu intimidação e assédio de em um evento particular. A lei de sedição grupos paramilitares em Bastar. A ativista também foi usada para prender pessoas por adivasi Soni Sori sofreu um ataque no qual redigirem postagens “antinacionalistas” no agressores não identificados jogaram uma Facebook em Kerala, por imprimir um mapa substância química em seu rosto. Um grupo em Madhya Pradesh que não mostrava toda de advogados e advogadas defensores de a Caxemira dentro das fronteiras indianas e direitos humanos que prestavam por organizar um protesto por melhores aconselhamento jurídico gratuito a pessoas condições de trabalho para policiais em da etnia adivasi detidas preventivamente Karnataka. também foram obrigados a deixarem suas Em agosto, a polícia de Karnataka casa em Jagdalpur, no estado de registrou um caso de sedição contra Chhattisgarh, após a polícia ter pressionado representantes não especificados da Anistia os proprietários dos imóveis. Internacional da Índia por supostamente O jornalista Santosh Yadav, que foi preso realizarem um evento “antinacionalista” em 2015 com base em acusações políticas, sobre violações de direitos humanos em continuava preso até o fim do ano. Jammu e na Caxemira. Uma denúncia de Em junho, a polícia do estado de Tamil sedição foi feita no mesmo mês em um Nadu prendeu o autor dalit Durai Guna e o tribunal de Karnataka contra uma atriz por ativista Boopathy Karthikeyan por falsas refutar uma declaração feita por um ministro acusações de agressão. Em julho, a polícia do governo central segundo a qual “visitar o prendeu os ativistas ambientalistas Eesan Paquistão era como ir ao inferno”. Karthik, Muthu Selvan e Piyush Sethia por A lei que regulamenta a tecnologia da protestarem contra a construção de uma informação na Índia foi usada para perseguir ponte ferroviária. pessoas. Em março, dois homens foram Irom Sharmila pôs fim à sua greve de fome presos em Madhya Pradesh por de 16 anos em protesto contra o Ato das supostamente compartilhar uma imagem que Forças Armadas (Poderes Especiais) em satirizava um grupo nacionalista hindu. agosto. Ela foi liberada da detenção, e um tribunal local rejeitou as acusações de DEFENSORES E DEFENSORAS DOS tentativa de suicídio feitas a ela. Irom DIREITOS HUMANOS Sharmilla era prisoneira de consciência. Jornalistas, advogados e defensores dos Em outubro, integrantes da polícia e de direitos humanos foram intimidados e forças de segurança em Chhattisgarh atacados impunemente. Em fevereiro, o queimaram imagens de defensores de jornalista Karun Mishra foi morto a tiros por direitos humanos, após alguns oficiais assassinos profissionais em Sultanpur, Uttar militares terem sido condenados por Pradesh. A polícia afirmou que ele teria sido atacarem e queimarem residências adivasi visado por conta de suas matérias sobre em Tadmetla, Chhattisgarh, em 2011. mineração do solo em territórios ilegais. Em maio, Rajdeo Ranjan, um jornalista de Siwan, JAMMU E CAXEMIRA Bihar, que tinha recebido ameaças de líderes O assassinato de um líder do grupo armado políticos por suas matérias, foi morto a tiros. Hizbul Mujahideen em julho desencadeou

146 Anistia Internacional Informe 2016/17 protestos generalizados. Mais de 80 pessoas, nova petição no Supremo Tribunal solicitando a maioria manifestantes, foram mortos em que a Seção 377 fosse abolida. confrontos, e milhares ficaram feridos. Ao Em julho, o gabinete aprovou um projeto menos 14 pessoas foram mortas e centenas de lei falho acerca dos direitos de ficaram cegas por conta do uso de transexuais. Ativistas criticaram o projeto de espingardas de chumbinho por parte das lei por sua definição problemática de pessoas forças de segurança, armamentos que são transgênero e por suas disposições inerentemente imprecisos e de efeito amplo. antidiscriminatórias, que não estão alinhadas Forças de segurança fizeram uso arbitrário com um juízo proferido pelo Supremo de força excessiva contra manifestantes em Tribunal em 2014. diversas ocasiões. Em agosto, Shabir Ahmad Monga, um professor, foi espancado até a VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E morte por soldados do exército. MENINAS Os governos de Jammu e da Caxemira Continuaram a subir os índices de crimes impuseram um toque de recolher que durou registrados contra mulheres e meninas. De mais de dois meses. Provedores de serviço acordo com estatísticas publicadas em de telefonia fixa, móvel e de internet agosto, mais de 327.000 crimes contra suspenderam seus serviços durante semanas mulheres foram registrados em 2015. por ordem das autoridades públicas. A Mulheres oriundas de comunidades queda nas comunicações feriu uma série de marginalizadas continuaram a sofrer direitos humanos. Residentes do local discriminação sistêmica, o que dificulta que afirmaram não terem tido acesso à elas prestem queixa contra violência sexual assistência médica em casos de emergência. ou outros tipos de violência. Em julho, o governo do estado impediu a Em janeiro, dois grupos de mulheres publicação de jornais locais na Caxemira por adivasi registraram ocorrência de estupro e três dias. Em setembro, Khurram Parvez, um violência sexual cometidos por integrantes de defensor caxemirense de direitos humanos, forças de segurança durante operações de foi mantido preso durante mais de dois busca em seus vilarejos, localizados em meses por motivos escusos, um dia após ter Chhattisgarh. Pouco progresso foi feito em sido impedido de viajar para uma sessão do ambas as investigações. Em abril, mulheres Conselho de Direitos Humanos da ONU, em que trabalham no setor de vestuário e que Genebra, na Suíça. Em outubro, o governo participavam de uma manifestação em determinou que um jornal baseado em Bengaluru, Karnataka, foram submetidas a Srinagar parasse de imprimir e publicar ações arbitrárias e abusivas cometidas pela material por motivos vagos. Centenas de polícia. Em maio, uma dalit estudante de pessoas, inclusive crianças, sofreram direito foi encontrada estuprada e morta em detenção administrativa. Dezenas de escolas sua casa. A polícia fracassou em investigar foram incendiadas por pessoas não denúncias anteriores apresentadas pela identificadas. família envolvendo discriminação associada à casta. DIREITOS LGBTI Em julho, o governo lançou um projeto de Em fevereiro, o Supremo Tribunal lei falho sobre tráfico, sem consulta encaminhou para uma magistratura mais apropriada. A legislação indiana continua a ampla uma petição desafiando a Seção 377 criminalizar a busca de serviços de do Código Penal Indiano, que criminaliza prostitutas em locais públicos, o que deixa relações consensuais entre pessoas do trabalhadoras do sexo vulneráveis a uma mesmo sexo. Em junho, cinco pessoas que série de violações de direitos humanos. se identificaram como membros da comunidade LGBTI deram entrada em uma

Anistia Internacional Informe 2016/17 147 direitos à liberdade de expressão, de INDONÉSIA manifestação pacífica, de associação e de religião ou crença. Em julho, Yanto Awerkion República da Indonésia e Sem Ukago, ativistas políticos papuas de Chefe de estado e de governo: Joko Widodo Timika, foram acusados de “rebelião” sob o artigo 106 do Código Penal. Em novembro, o Leis amplas e com formulação vaga foram prisioneiro de consciência Steven Itlay, líder usadas para restringir arbitrariamente os do ramo Timika do Comitê Nacional Papua direitos à liberdade de expressão, de Ocidental foi condenado a um ano de prisão manifestação pacífica e de associação. por “incitação”, sob o artigo 160 (ver abaixo). Apesar do comprometimento das Outro ativista de Ternate, North Maluku, foi autoridades no sentido de resolver casos condenado por “rebelião” por ter postado na anteriores de violações de direitos internet uma foto de uma camiseta contendo humanos, ainda foi negada a verdade, uma caricatura do símbolo comunista do justiça e reparação a milhões de vítimas e martelo e da foice. Em maio, Ahmad suas famílias. Houve relatos de violações de Mushaddeq, Andry Cahya e Mahful Muis direitos humanos por parte de forças de Tumanurung, ex-líderes do grupo religioso segurança, inclusive assassinatos e uso de agora dissolvido Gafatar, foram presos e força excessiva ou desnecessária. Ao menos depois acusados de blasfêmia sob o artigo 38 prisioneiros de consciência permanecem 156a do Código Penal e também por detidos. Quatro pessoas foram executadas. “rebelião” sob os artigos 107 e 110 do Código. Eles foram penalizados por INFORMAÇÕES GERAIS praticarem pacificamente suas crenças. Em janeiro, o grupo armado Estado Islâmico A linguagem vaga empregada na Lei de (EI) assumiu a responsabilidade por uma Informações Eletrônicas e Transações (ITE, série de ataques na capital, Jacarta, na qual na sigla em inglês) de 2008 permitiu uma quatro terroristas e quatro civis foram mortos. ampla interpretação das definições de Em resposta, o governo propôs mudanças ao difamação e de blasfêmia, e a criminalização projeto de lei antiterrorismo, que poderiam da expressão. Harris Azhar, coordenador minar salvaguardas contra a tortura e executivo da ONG de direitos humanos detenção arbitrária, bem como expandir o KontraS, foi ameaçado pela polícia, por escopo da aplicação da pena de morte. Em representantes das forças armadas e pela julho, o General Wiranto, já aposentado, foi Agência Nacional Antinarcóticos com nomeado como Ministro para a Coordenação acusações de difamação, segundo a lei. Isso de Assuntos Políticos, Jurídicos e de se seguiu a um artigo que ele publicou nas Segurança. Ele foi indiciado por crimes mídias sociais associando oficiais de contra a humanidade por um tribunal segurança e policiais ao tráfico de drogas e apoiado pela ONU no Timor Leste. Ele havia corrupção. As acusações foram suspensas.1 sido apontado como um dos suspeitos em Em agosto, Pospera, uma organização um inquérito aberto em 1999 pela Comissão partidária pró-governo apresentou uma Nacional de Direitos Humanos (Komnas denúncia de difamação criminal baseada na HAM) por graves violações dos direitos Lei ITE contra I Wayan Suardana, um humanos no Timor Leste associadas ao defensor de direitos humanos de Bali. A referendo de 1999. Nenhuma acusação denúncia foi feita em resposta ao uso que I havia sido apresentada contra ele até o fim Wayan Suardana fez do Twitter para zombar do ano. de defensores de um projeto de larga escala de recuperação territorial empreendido por LIBERDADE DE EXPRESSÃO um desenvolvedor comercial em Benoa Bay, Leis amplas e com formulação vaga ao sul de Bali.2 Quando o ano encerrou, a continuaram a restringir arbitrariamente os polícia ainda estava investigando tal

148 Anistia Internacional Informe 2016/17 denúncia. Ao menos outros 11 ativistas foram denunciados à polícia pelo governo ou LIBERDADE RELIGIOSA E DE CRENÇA a agentes não estatais por difamação sob a Legislação discriminatória continuou a ser Lei ITE após terem criticado políticas usada para restringir atividades de membros governamentais. de grupos religiosos minoritários que sofrem Entre abril e setembro, ao menos 2.200 perseguição, intimidação e ataques. Em ativistas papua foram presos após janeiro, uma multidão incendiou nove casas participarem de manifestações pacíficas em pertencentes a membros do movimento Jayapura, Merauke, Fakfak, Sorong e Gafatar no distrito de Menpawah, em Wamena, em províncias de Papua e Papua Kalimantan Ocidental. Após os ataques, ao Ocidental, em Semerang na província central menos 2 mil pessoas foram de Java, em Makassar, localizada no sul da compulsoriamente deslocadas pelas forças província de Sulawesi, e na província de de segurança locais e enviadas a abrigos Yogyakarta. Grande parte dessas pessoas temporários no distrito de Kubu Raya e na foram liberadas no dia seguinte, sem cidade de Pontianak, na província de acusações. As prisões arbitrárias destacam o Kalimantan Ocidental, e depois transferidas ambiente continuamente repressivo para para locais em Java sem consulta prévia. ativistas políticos na região de Papua.3 Em fevereiro, um decreto ministerial conjunto (N . 93/2016) foi emitido pelo DIREITOS LGBTI Ministro para Assuntos Religiosos, o A discriminação contra a população LGBTI Procurador Geral e o Ministro de Assuntos aumentou após agentes oficiais terem feito Internos proibindo a crença religiosa de declarações provocativas, gravemente Millah Abraham, à qual aderiram ex- distorcidas ou enganosas em janeiro a membros do grupo religioso Gafatar.5 pretexto de “defender a moralidade pública Membros da comunidade Ahmadiyya, do país e a segurança pública”. Em fevereiro, cujos ensinamentos são vistos como a polícia dispersou uma oficina organizada “dissidentes” pelo governo, foram por uma ONG LGBTI em Jacarta e impediu intimidados e ameaçados em vários locais.6 um comício pró-LGBTI de acontecer em Em fevereiro, ao menos 12 membros foram Yogyakarta.4 No mesmo mês, a Comissão forçados a deixar suas casas na ilha de Indonésia de Difusão publicou uma carta Bangka, que fica para além da costa leste de conclamando o banimento de qualquer Sumatra, após serem intimidados por um transmissão televisiva ou por rádio que grupo de ao menos 100 residentes locais. promova atividades LGBTI a fim de “proteger Membros da comunidade Ahmadiyya vêm as crianças”. sendo ameaçados de expulsão desde janeiro, Também em fevereiro, em meio ao quando o governo do distrito de Bangka crescimento da retórica anti-LGBTI, a escola emitiu uma ordem segundo a qual eles islâmica para pessoas transgênero, Al Fatah, devem ou se converter ao islamismo sunita em Yogyakarta, foi compulsoriamente dominante, ou deixar o distrito. Autoridades fechada após intimidação e ameaças por locais permitiram que eles voltassem após parte do Fronte Islâmico Jihadista. Em junho, três semanas, devido a pressões nacionais e o governo votou contra uma resolução do internacionais. Conselho de Direitos Humanos da ONU, ratificada pela Assembleia Geral da ONU em IMPUNIDADE novembro, para indicar um especialista Em abril, o governo organizou um simpósio independente em violência e discriminação sobre as massivas violações de direitos baseada em orientação sexual e identidade humanos ocorridas entre 1965-66 que de gênero. reuniu sobreviventes, acadêmicos, ativistas e artistas, bem como membros das forças armadas e outros oficiais do governo. Em

Anistia Internacional Informe 2016/17 149 outubro, o governo anunciou que iria promover reparação contra as violações POLÍCIA E FORÇAS DE SEGURANÇA utilizando medidas não judiciais para garantir Continuam ocorrendo relatos de uso de força a “harmonia e unidade nacionais”. Vítimas e desnecessária ou excessiva, inclusive com ONGs levantaram preocupações de que este uso de armas de fogo por parte da polícia ou processo possa vir a priorizar a reconciliação das forças armadas, e da falta de e abandonar a busca por verdade e justiça. mecanismos independentes, eficazes e Autoridades continuaram a silenciar e imparciais para investigar violações dispersar atividades relativas a 1965-66, cometidas por forças de segurança. inclusive uma mostra de filmes e um festival Investigações sobre violações de direitos cultural.7 humanos cometidas pela polícia foram raras, As autoridades tomaram medidas e tentativas de responsabilizar supostos limitadas para tratar de violações graves de criminosos, em grande parte feitas por meio direitos humanos. Em março, a Comissão de mecanismos disciplinares internos, Nacional de Direitos Humanos encerrou suas deixaram muitas vítimas sem acesso à justiça investigações a respeito das violações de e reparação. Não houve progresso com direitos humanos de 2003 cometidas por relação a punir os envolvidos no assassinato forças de segurança no vilarejo de Jambo de quatro homens em dezembro de 2014, Keupok, localizado na parte sul de Aceh. A após a polícia e integrantes das forças Comissão encontrou provas suficientes para armadas terem aberto fogo contra um grupo concluir que ocorreram crimes contra a de manifestantes na regência de Paniai, na humanidade, tal como definido pela Lei de província de Papua. Um inquérito realizado n . 26/2000 para Tribunais de Direitos em março pela Komnas HAM não avançou. Humanos. A Comissão identificou situação Em abril, o então chefe da Policia Nacional semelhante em junho com respeito a da Indonésia confirmou que um suposto violações cometidas pela força de segurança suspeito de terrorismo havia morrido após ter em 1999, em Simpang KKA, subdistrito de sido agredido e chutado por membros da Dewantara, Aceh Norte. Nenhuma unidade de contraterrorismo Detachment-88. investigação ou processo havia sido aberto Em maio, dois membros do Detachment-88 até o fim do ano. receberam sanções administrativas após Em julho, o parlamento provincial local de uma audiência interna realizada pela polícia. Aceh selecionou sete comissários para a Em agosto, militares da Brigada Móvel Comissão de Verdade e Reconciliação de (Brimob) mataram a tiros um adolescente Aceh, cuja expectativa era de que operasse papua em Sugapa, na regência Intan Jaya, entre 2016 e 2020. A Comissão foi na província de Papua. Otianus Sondegau e estabelecida para examinar as circunstâncias quatro outros indivíduos estabeleceram um que levaram a violações cometidas no bloqueio viário para solicitar dinheiro e passado durante o conflito de Aceh entre as cigarros dos carros que passavam. A polícia forças de segurança da Indonésia e o tentou dispersar o bloqueio com violência e movimento Free Aceh, especialmente entre disparou tiros contra os cinco adolescentes, 1989 e 2004. momento em que começaram a jogar pedras Em setembro, o presidente Widodo se na polícia. Cinco militares foram condenados comprometeu publicamente a resolver o caso por “uso indevido de armas de fogo” após do defensor de direitos humanos Munir Said audiências disciplinares internas; quatro Thalib. Em outubro, a Comissão de foram sentenciados a 21 dias de prisão e Informação Pública determinou que o outro foi sentenciado a um ano de prisão por relatório de 2005 sobre sua morte, que conta do tiroteio. supostamente envolveu agentes seniores do Em outubro, membros do Batalhão de serviço de inteligência, devia ser tornado Ataque e Infantaria 501, de Madiun, público. O governo recorreu da decisão. atacaram um jornalista da NET TV que

150 Anistia Internacional Informe 2016/17 estava cobrindo uma disputa entre membros de uma unidade militar e um grupo de artes Punições cruéis, desumanas ou degradantes marciais em Madiun, província de Java O açoitamento foi usado como castigo sob a Oriental. Ele apanhou, teve o cartão de Lei da Sharia em Aceh para uma série de memória de sua câmera destruído e foi crimes, inclusive vender bebidas alcoólicas, ameaçado. Apesar das promessas feitas ter relacionamentos consensuais e ficar pelas forças armadas de investigar o ataque, sozinho com alguém do sexo oposto que não ninguém havia sido responsabilizado até o fosse um cônjuge ou parente. Ao menos 100 fim do ano. pessoas foram castigadas ao longo do ano. A lei foi aplicada a não muçulmanos pela PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA primeira vez em abril, quando uma mulher Ao menos 38 prisioneiros de consciência cristã recebeu 28 golpes por vender álcool.9 permanecem detidos, muitos por conta de Em outubro, a Câmara dos Deputados seu ativismo político pacífico realizado em ratificou uma normativa do Governo com Papua e Maluku. Autoridades carcerárias valor de lei (Perppu), a saber, a Normativa n . retardaram o acesso a tratamento médico 1/2016, que constitui uma emenda para o gratuito e apropriado a Johan Teterissa e artigo 81 da Lei n . No.23/2002 que versa Ruben Saiya, que sofriam de problemas de sobre a proteção de crianças. A revisão da lei saúde crônicos. Os dois homens fazem parte impõe castração química compulsória como de um grupo de ao menos nove prisioneiros punição adicional para indivíduos de consciência de Maluku detidos em Java, a condenados por violência sexual contra mais de 2.500 km de suas famílias e amigos. menores de 18 anos. Segundo a emenda de Steven Itlay, preso em Timika, Papua, teve lei, a castração química seria realizada em acesso restrito a sua família e advogado, e até dois anos após o fim da pena em regime adoeceu em consequência das condições de reclusão. A Associação de Médicos da precárias da prisão.8 Indonésia afirmou que se recusaria a Em maio, três líderes do grupo religioso administrar o procedimento. Millah Abraham foram presos e detidos pela Polícia Nacional da Indonésia e acusados de PENA DE MORTE “blasfêmia” sob o artigo 156a e do Código Em julho, um indonésio e três estrangeiros Penal e de “rebelião” sob os artigos 107 e foram executados, estando os três com 110. recursos pendentes. Outros dez prisioneiros que haviam sido levados à ilha de Nusa TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Kambangan, onde as execuções ocorreram, Tortura e outros maus-tratos continuaram a conseguiram de última hora, o adiamento da ocorrer. Em setembro, Asep Sunandar execução, para que seus casos pudessem morreu sob custódia da polícia em Cianjur, ser revistos. na província de Java Oriental. Ele havia sido preso, junto a duas outras pessoas, sem um 1. Indonesia: Defamation investigation suspended (ASA 21/4734/2016) mandato, por três integrantes da polícia do 2. Indonesia: Defender under investigation for defamation (ASA Cianjur Resort. Ele foi levado a um local não 21/4833/2016) revelado e, em seguida, foi informada a sua 3. Indonesia: End mass arrests and crackdowns on peaceful protests morte. Sua família disse que, quando o (ASA 21/3948/2016) visitaram no hospital, identificaram diversas 4. Indonesia: Parem com as declarações inflamatórias e difamatórias marcas de tiro em seu corpo, e suas mãos que põem em risco a comunidade LGBTI (ASA 21/3648/2016) ainda estavam atadas em suas costas. Não 5. Indonesia: Authorities must repeal joint ministerial decree (ASA se tem conhecimento de nenhuma 21/3787/2016) investigação sobre seu assassinato. 6. Indonesia: Religious minority members forcibly evicted (ASA 21/3409/2016)

Anistia Internacional Informe 2016/17 151 7. Indonesia: President must not undermine efforts to seek truth, justice and reparation (ASA 21/3671/2016) ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL 8. Indonesia: Poor prison conditions for Papuan activist (ASA O Comitê da ONU sobre os Direitos da 21/4085/2016) Criança realizou a terceira e a quarta 9. Indonesia: End caning as a punishment in Aceh (ASA 21/3853/2016) avaliação periódica do Irã e criticou a continuidade nas execuções de jovens em conflito com a lei e o impacto das execuções IRÃ públicas na saúde mental das crianças que as testemunharam. O comitê também República Islâmica do Irã criticou a repetida discriminação contra Chefe de Estado: Aiatolá Sayed Ali Khamenei (Líder meninas, crianças pertencentes a minorias Supremo da República Islâmica do Irã) étnicas e religiosas, crianças LGBTI e Chefe de Governo: Hassan Rouhani (Presidente) também a baixa idade na qual meninas se tornam criminalmente responsáveis. As autoridades suprimiram amplamente os direitos à liberdade de expressão, LIBERDADES DE EXPRESSÃO, associação, manifestação pacífica e ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO religião, detendo e aprisionando críticos As autoridades reprimiram ainda mais os pacíficos e demais pessoas após direitos de liberdade de expressão, de julgamentos nitidamente injustos realizados associação e de manifestação pacífica, por Tribunais Revolucionários. Tortura e detendo arbitrariamente e aprisionando outros maus-tratos a pessoas detidas críticos pacíficos com base em denúncias continuaram sendo práticas comuns e vagas relacionadas à segurança nacional. As amplamente disseminadas, tendo sido pessoas visadas neste tipo de ação são cometidas com impunidade. Flagelação, defensores e defensoras dos direitos amputações e outras punições cruéis humanos, jornalistas, advogados, blogueiros, continuaram a ser aplicadas. Membros de estudantes, ativistas sindicais, cineastas, minorias religiosas e étnicas enfrentaram músicos, poetas, ativistas pelos direitos das discriminação e perseguição. Mulheres e mulheres, pelos direitos das minorias étnicas meninas sofreram violência e discriminação e religiosas e pessoas que protestam contra a generalizadas. As autoridades fizeram pena de morte e causas ambientais. amplo uso da pena de morte, realizando No fim do ano, muitos prisioneiros de centenas de execuções, algumas em consciência entraram em greve de fome para público. Ao menos dois jovens em conflito protestar contra sua detenção injusta, com a lei foram executados. expondo a natureza abusiva do sistema de justiça criminal do Irã. INFORMAÇÕES GERAIS As autoridades intensificaram a repressão Em março, o Conselho de Direitos Humanos a defensores dos direitos humanos, da ONU renovou o mandato do Relator sentenciando-os a longos períodos na prisão Especial da ONU sobre a situação dos por conta de suas atividades pacíficas. Os direitos humanos no Irã. O governo tribunais fizeram menções crescentes a continuou a negar ao Relator Especial sua críticas nas mídias sociais quanto ao entrada no país e a impedir o acesso de desempenho do Irã no tocante aos direitos outros especialistas em direitos humanos da humanos e à comunicação com mecanismos ONU. internacionais de direitos humanos, em O governo e a União Europeia discutiram a especial com o Relator Especial da ONU possibilidade de iniciar um diálogo bilateral sobre o Irã e com organizações de direitos sobre direitos humanos. humanos baseadas no exterior, incluindo a Anistia Internacional, como evidências de

152 Anistia Internacional Informe 2016/17 ativismo “criminoso” considerado ameaçador grupos estudantis solicitaram ao presidente à segurança nacional. que libertasse as universidades das garras do As autoridades também reprimiram a medo e da repressão. As autoridades não expressão musical, interrompendo e permitiram que a Associação Comercial dos compulsoriamente cancelando Professores do Irã renovasse sua licença e apresentações, incluindo algumas condenaram vários de seus membros a licenciadas pelo Ministério da Cultura e pela longas sentenças na prisão por acusações Orientação do Islã, e reprimiram atividades variadas, incluindo “participação em grupo tais como festas privadas de gêneros mistos ilegal”. consideradas “socialmente perversas” ou As autoridades continuaram a reprimir “não islâmicas”, prendendo centenas de protestos pacíficos e a submeter os pessoas e sentenciando muitas à flagelação. manifestantes a agressão e detenções Os líderes oposicionistas Mehdi Karroubi e arbitrárias. Diversos indivíduos continuaram Mir Hossein Mousavi, junto com a esposa presos sob a condenação de “reunir-se e deste, Zahra Rahnavard, vêm sendo conspirar contra a segurança nacional” por mantidos em prisão domiciliar sem comparecerem a protestos pacíficos. acusações desde 2011. Eles foram Uma nova Lei de Crimes Políticos, adotada submetidos a frequentes e graves invasões em janeiro e que entrou em pleno vigor em de privacidade, e seu acesso a cuidados junho, criminaliza todas as expressões médicos é inadequado. consideradas “contra o governo do país e As autoridades continuaram a censurar suas instituições políticas e políticas todos os meios de comunicação, domésticas e internacionais” e que sejam corrompendo transmissões televisivas via empreendidas “com a intenção de reformar satélite oriundas do exterior, fechando ou os assuntos do país sem tentar ferir as bases suspendendo jornais, inclusive o Bahar e o do sistema”. Ghanoun, e forçando a revista sobre direitos das mulheres Zanan-e Emrooz a suspender TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS sua publicação. Tortura e outros maus-tratos de pessoas Em fevereiro, uma ordem judicial detidas continuaram a constituir práticas acrescentou o WhatsApp, Line e Tango à lista comuns, especialmente durante de sites de mídias sociais bloqueadas, que já interrogatórios, e foram usadas incluía o Facebook e o Twitter. A Unidade de primariamente para obter “confissões” Crimes Cibernéticos das Guardas forçadas. As pessoas detidas pelo Ministério Revolucionárias bloqueou ou fechou da Inteligência e pelas Guardas centenas de contas de Telegram e Instagram Revolucionárias foram rotineiramente e prendeu ou convocou para interrogatório os submetidas a confinamentos prolongados em administradores de mais de 450 grupos e solitária, resultando em tortura. canais no Telegram, WhatsApp e Instagram, As autoridades falharam sistematicamente incluindo centenas de estilistas e em investigar alegações de tortura e outros funcionários de boutiques de moda, como maus-tratos, às vezes ameaçando submeter parte de uma repressão intensa às atividades os que se queixam a mais tortura e a de mídias sociais que, supostamente, sentenças mais pesadas. Os juízes “ameaçam a segurança moral”. continuaram a admitir “confissões” obtidas A também suspensa Associação de sob tortura como provas, apesar de tais Jornalistas Iranianos enviou, sem sucesso, confissões serem inadmissíveis perante o uma carta aberta ao Presidente Rouhani Código de Processos Penais de 2015. O contendo um pedido urgente para que Código não conseguiu estabelecer o honrasse a promessa feita na ocasião de sua procedimento que juízes e promotores campanha eleitoral de 2013 que reverteria a devem seguir para investigar alegações de suspensão da entidade, ao passo que 92 tortura e garantir que as confissões sejam

Anistia Internacional Informe 2016/17 153 feitas voluntariamente. Outras disposições do flagelação de 30 a 100 chibatadas a 17 Código, tais como a que garante o acesso mineiros que haviam participado de um dos detidos a um advogado desde o protesto contra suas condições empregatícias momento da prisão e durante a etapa da e demissões na mina de ouro de Agh Darreh investigação, foram frequentemente em 2014. Em junho, um tribunal penal na ignoradas na prática, o que facilita a tortura. província de Yazd sentenciou nove mineiros a Autoridades do judiciário, particularmente serem flagelados com 30 a 50 chibatadas. o Gabinete da Promotoria, e autoridades Em julho, um tribunal sentenciou o carcerárias negaram frequentemente a jornalista e blogueiro Mohammad Reza Fathi prisioneiros políticos o acesso aos devidos a 459 chibatadas por acusações de “publicar cuidados médicos, inclusive a prisioneiros de mentiras” e “criar inquietude na mentalidade consciência. Muitas vezes, tal prática foi coletiva” por meio de seus escritos. empregada a fim de punir ou coagir Em novembro, um homem teve ambos os prisioneiros a “confessarem”. olhos compulsoriamente cegados em Teerã, Em junho, o detido Nader Dastanpour em retaliação por ter cegado uma menina de morreu sob custódia em decorrência de quatro anos em junho de 2009. Diversos ferimentos que sua família afirmou terem outros prisioneiros, incluindo Mojtaba sido provocados durante uma sessão de Yasaveli e Hossein Zareyian, permaneciam tortura numa delegacia policial de Teerã. sob a ameaça de serem cegados Nenhuma investigação independente foi compulsoriamente. Médicos associados à reportada. Organização de Medicina Legal do Irã, de status oficial, forneceram ao Supremo Punições cruéis, desumanas e degradantes Tribunal informações especializadas a Autoridades judiciais continuaram a impor e respeito de como as sentenças de perpetrar punições cruéis, desumanas e cegamento poderiam ser medicamente degradantes que atingem o patamar de realizáveis, um ato que corrompe a ética tortura, incluindo flagelações, cegamentos e médica. amputações. Tais práticas são, por vezes, Em abril, autoridades judiciais na Prisão conduzidas em público. Central de Mashhad amputaram quatro Em abril, o promotor de justiça de dedos da mão direita e quatro dedos do pé Golpayegan, na província de Esfahan, esquerdo de um homem condenado por anunciou que um homem e uma mulher roubo à mão armada. As mesmas condenados por “terem um relacionamento autoridades amputaram os dedos de outro ilegítimo” tinham sido sentenciados a 100 homem condenado por roubo em maio. Em chibatadas cada um. agosto, um oficial judicial em Teerã anunciou Em maio, o promotor de justiça da que vários homens tinham recorrido após província de Qazvin anunciou que as terem sido sentenciados à amputação de autoridades haviam prendido 35 mulheres e quatro dedos de uma das mãos. Em homens jovens por “dançarem e interagirem dezembro, autoridades judiciais na Prisão durante uma festa de formatura estando Central de Urumieh amputaram quatro seminus e consumindo álcool” e os dedos da mão direita de dois irmãos condenaram, dentro de 24 horas, por condenados por roubo à mão armada. praticarem atos “incompatíveis com a castidade que perturbaram a opinião JULGAMENTOS INJUSTOS pública”. As autoridades executaram as 99 Julgamentos foram, em geral, injustos, chibatadas, às quais eles foram sentenciados inclusive os resultantes em penas de morte. em uma audiência especial realizada em um O judiciário não independente. O Tribunal tribunal naquele mesmo dia. Especial para Clérigos e os Tribunais Na província do Azerbaijão Ocidental, Revolucionários permaneceram autoridades perpetraram sentenças de particularmente suscetíveis a pressões de

154 Anistia Internacional Informe 2016/17 forças de inteligência e segurança em favor promover uma “derrubada indireta” do Irã. da condenação de réus e da imposição de Em realidade, tais condenações sentenças duras. aparentemente foram derivadas de um Oficiais exercendo poderes judiciais, exercício pacífico dos direitos de liberdade de inclusive os do Ministério de Inteligência e expressão e associação por parte dos agora das Guardas Revolucionárias, prisioneiros. consistentemente escarneceram das devidas disposições processuais tal como descritas LIBERDADE RELIGIOSA E DE CRENÇA no Código de Processos Penais de 2015. Isto Membros de minorias religiosas, incluindo incluiu disposições que protegiam o direito bahá’is, sufistas, yarsanis (Ahl-e Haq), ao acesso a advogado desde o momento da pessoas convertidas ao cristianismo e prisão e durante investigações, bem como o muçulmanos sunitas, enfrentaram direito de manter-se em silêncio. Foi discriminação na lei e na prática, inclusive frequentemente negado a advogados de nos campos da educação, mercado de defesa pleno acesso aos arquivos dos casos, trabalho e no direito a herança, e foram e eles muitas vezes foram impedidos de se perseguidos por praticarem sua fé. reunirem com os réus até pouco tempo antes As autoridades aderiram ao discurso de do julgamento. Pessoas detidas ódio e permitiram que crimes de ódio fossem preventivamente se viram com frequência impunemente cometidos contra os bahá’is, mantidas na solitária por períodos além de terem prendido grande número de prolongados e com reduzido ou nenhum bahá’is com base em acusações falsas de acesso a suas famílias e advogados. colocarem em risco a segurança nacional, “Confissões” obtidas sob tortura foram penas que lhes foram impostas apenas por usadas como evidência nos julgamentos. praticarem pacificamente suas crenças Juízes falharam muitas vezes em religiosas. Alegações de tortura cometida proporcionar pareceres razoáveis, e o contra 24 bahá’is na província do Golestão judiciário não disponibilizou publicamente não foram investigadas. As autoridades tais julgamentos. fecharam compulsoriamente dezenas de A Promotoria usou o artigo 48 do Código negócios de propriedade de bahá-is e deteve de Processos Penais para impedir que os estudantes bahá’is que criticaram detidos tivessem acesso a advogados por publicamente as autoridades por negar-lhes eles escolhidos, dizendo aos juristas que não acesso a educação superior. constavam da lista de advogados aprovados As autoridades detiveram dezenas de pelo Chefe do Judiciário, mesmo que pessoas convertidas ao cristianismo após nenhuma lista oficial tenha sido publicada. realizarem batidas em igrejas domésticas Diversas pessoas de nacionalidade onde eles se reuniam pacificamente. Locais estrangeira, bem como iranianos com dupla considerados sagrados por bahá’is, nacionalidade, foram detidos na unidade muçulmanos sunitas e yarsanis, incluindo penitenciária de Evin, em Teerã, com cemitérios e locais de adoração, foram reduzido ou nenhum acesso a suas famílias, destruídos por homens possivelmente filiados advogados e oficiais consulares. Tais às forças de segurança. prisioneiros foram condenados a longas O mestre espiritual Mohammad Ali Taheri sentenças na prisão devido a acusações permaneceu em confinamento solitário na vagas, tais como “colaborar com um governo seção 2A da unidade penitenciária de Evin hostil” após serem submetidos a julgamentos apesar de ter completado, em fevereiro, uma nitidamente injustos realizados diante dos sentença de cinco anos por ter “insultado Tribunais Revolucionários. As autoridades santidades islâmicas” ao estabelecer o grupo acusaram os prisioneiros de estarem e a doutrina espiritual Erfan-e Halgheh. Seus envolvidos em um “projeto de infiltração” seguidores continuaram a ser arbitrariamente orquestrado internacionalmente no intuito de presos e detidos.

Anistia Internacional Informe 2016/17 155 idiomas na educação primária. Em junho, o DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS ÉTNICAS governo anunciou que cursos optativos dos As minorias étnicas em desvantagem no Irã, idiomas turco e curdo seriam oferecidos nas incluindo os árabes ahwazi, turcos azeri, escolas de duas províncias, a saber, o balúchis, curdos e turcomenos, continuaram Curdistão e o Azerbaijão Ocidental, apesar de sujeitos a forte e frequente discriminação, o não haver clareza quanto à sua que restringe seu acesso a empregos, implementação. Membros da minoria moradia adequada, atuação política e seu turcomena apelaram publicamente ao exercício de direitos culturais, civis e presidente Rouhani por uma disposição políticos. A contínua negligência econômica semelhante. por parte de autoridades estatais em regiões povoadas por minorias aprofundou ainda DIREITOS DAS MULHERES mais a pobreza e a marginalização de As autoridades renovaram e intensificaram a minorias étnicas. repressão a defensores e defensoras dos Membros de minorias que se direitos das mulheres e equipararam a pronunciaram contra violações de seus atividades criminais toda iniciativa coletiva direitos políticos, culturais e linguísticos relacionada ao feminismo e aos direitos das sofreram prisões arbitrárias, tortura e outros mulheres. Ativistas em prol dos direitos das tipos de maus-tratos, julgamentos injustos, mulheres que fizeram campanhas para uma aprisionamento e, em alguns casos, a pena maior representatividade das mulheres nas de morte. eleições parlamentares de fevereiro foram Dezenas de curdos foram supostamente submetidos pelas Guardas Revolucionárias a presos sem garantia de suas reais ou extensos e opressivos interrogatórios e a hipotéticas afiliações ao Partido Democrático ameaças de prisão com base em acusações Curdo do Irã, após este ter renovado sua relativas à segurança nacional. oposição armada às autoridades iranianas Mulheres continuaram sujeitas à em março. Grande número de curdos discriminação generalizada na lei e na cumpriram sentenças de prisão ou prática, incluindo no acesso ao divórcio, permanecem sob sentença de morte por emprego, herança igualitária e ofício político serem membros ou expressarem simpatia a na área de lei penal. grupos curdos de oposição que foram Diversos projetos de lei que podem corroer banidos. ainda mais o direito das mulheres à saúde Árabes ahwazi foram aprisionados e sexual e reprodutiva ainda estão pendentes. submetidos a tortura e outras violações de As mulheres continuaram a ter acesso direitos humanos. Eles acusaram as reduzido a métodos contraceptivos modernos autoridades de reprimir expressões da e a custo acessível, uma vez que as cultura árabe, incluindo vestimentas e autoridades falharam em restabelecer a poesia. verba destinada ao programa público de Forças de segurança continuaram a planejamento familiar, cortada em 2012. reprimir protestos realizados por minorias Em setembro, o Líder Supremo Ali étnicas. Em julho e agosto, elas detiveram Khamanei lançou políticas familiares diversos membros do grupo étnico de turcos nacionais que incentivam o casamento em azeri após manifestações notadamente tenra idade, gestações seguidas, menos pacíficas realizadas em diversas cidades, divórcios e maior adesão aos papéis desencadeadas por um relatório publicado “tradicionais” das mulheres enquanto donas no jornal Tarheh No que foi considerado de casa e dos homens enquanto provedores. ofensivo pelos turcos azeri. A polícia também Tais políticas suscitaram preocupações de agrediu os manifestantes. que mulheres vítimas de violência doméstica As autoridades continuam a proibir grupos possam tornar-se ainda mais marginalizadas de minorias étnicas de usarem seus próprios e sofrerem mais pressão para se reconciliar

156 Anistia Internacional Informe 2016/17 com seus agressores e para permanecerem condenados por “insultar o profeta” em relações maritais abusivas. receberam penas de morte, o que viola seu Mulheres e meninas ainda recebem direito à vida e liberdade de expressão, proteção inadequada contra violência sexual religião e crença. e outros tipos de violência baseada em Ao menos 78 jovens em conflito com a lei gênero, inclusive casamentos forçados em permaneciam no corredor da morte até a tenra idade. As autoridades fracassaram em conclusão do relatório. Dentre eles, adotar leis que criminalizem esses e outros encontram-se 15 jovens infratores que abusos, incluindo estupro marital e violência haviam sido sentenciados à morte pela doméstica, apesar do vice-presidente de primeira vez após julgamento sob as Assuntos relativos a Mulheres e Famílias ter diretrizes para sentenciamento de jovens feito pressão por um projeto de lei que estava conforme a revisão apresentada no Código pendente desde 2012. Penal Islâmico de 2013, bem como vários Leis associadas ao uso compulsório do que receberam novamente a mesma pena “véu” (hijab), que violam os direitos das capital após terem sido julgados pela mulheres à igualdade, privacidade e suas segunda vez. liberdades de expressão, crença e religião, A Anistia Internacional pôde confirmar a continuaram a estimular que a polícia e execução de dois jovens em conflito com a forças paramilitares visassem principalmente lei durante o ano, dentre eles Hassan Afshar, às mulheres para praticar assédio, violência e mas o número pode ser muito maior. prisões. O Código Penal Islâmico continua a permitir que o apedrejamento seja usado PENA DE MORTE como método de execução; ao menos uma As autoridades continuam a fazer amplo uso mulher, Fariba Khaleghi, ainda está da pena de morte, mesmo contra jovens em sentenciada à morte por apedrejamento. conflito com a lei. Centenas de execuções Algumas condutas sexuais envolvendo foram realizadas após julgamentos injustos. pessoas do mesmo sexo continuam passivas Algumas execuções foram realizadas em de serem punidas mediante sentença capital. público. As pessoas executadas foram, em geral, condenadas por crimes associados a drogas, o que não se enquadra no limiar de “crimes IRAQUE mais graves” sob a lei internacional de República do Iraque direitos humanos. O Supremo Tribunal Chefe de estado: Fuad Masum determinou que condenados por crimes Chefe de governo: Haider al-Abadi associados a drogas antes da adoção do Código de Processos Penais de 2015 tinham Forças do governo, milícias paramilitares e o direito a recorrer, mas muitos dentre os o grupo armado Estado Islâmico (EI) prisioneiros que haviam recebido a sentença cometeram crimes de guerra, além de de morte permaneceram sem receber essa outras violações do direito humanitário informação. Outros foram condenados por internacional e graves abusos dos direitos assassinatos ou por ofensas vagas, tais como humanos no conflito armado interno. Os “inimizade contra Deus”. combatentes do Estado Islâmico cometeram Em seguida à execução em massa de 25 assassinatos com estilo de execução, tendo homens sunitas em agosto, as autoridades como alvos os oponentes e civis que fugiam transmitiram vídeos com “confissões” do território comandado pelo Estado forçadas, visando aparentemente demonizar Islâmico, estupraram e torturaram reféns, tais homens e desviar a atenção dos usaram civis como escudos humanos e julgamentos deficientes que resultaram em crianças-soldado. As milícias cometeram suas penas de morte. Ao menos dois homens execuções extrajudiciais, sequestraram e

Anistia Internacional Informe 2016/17 157 torturaram civis que fugiam do conflito, Zona Verde, onde fica a sede do governo, na destruíram casas e outras propriedades capital Bagdá. Na segunda vez, em 20 de civis. Milhares de pessoas continuaram maio, as forças do governo atiraram gás presas sem julgamento sob suspeita de lacrimogêneo, balas de borracha e granadas ligação com o Estado Islâmico. A tortura de atordoamento para dispersar os nas prisões continua a aumentar. Os manifestantes. Quatro pessoas morreram em tribunais condenaram suspeitos de decorrência da ação. As autoridades terrorismo à morte, muitas vezes após anunciaram uma investigação, mas não julgamentos injustos. A taxa de execuções divulgaram nenhuma informação sobre seu continua alta. resultado ou sobre processos judiciais. Programou-se discutir no Parlamento uma INFORMAÇÕES GERAIS proposta de lei que restringe o direito de O conflito armado continua entre o Estado liberdade de manifestação pacífica, em julho, Islâmico e uma série de forças do governo mas a proposta foi retirada por clamor iraquiano, as milícias paramilitares e as popular. forças armadas curdas (Pershmerga), com o Os exilados políticos iranianos restantes, apoio de ataques aéreos da coalizão residentes do Acampamento Liberdade em internacional liderada pelos EUA. O Estado Bagdá, foram realocados fora do Iraque no Islâmico dominava áreas no noroeste e oeste fim de setembro. Em 4 de julho, o do Iraque, mas perdeu territórios acampamento foi atacado por foguetes, significativos durante o ano, entre eles a deixando feridos e prejuízo material. Faluja em junho, al-Qayyara em agosto e Sharqat em setembro. As operações militares CONFLITO ARMADO — VIOLAÇÕES POR para recapturar Mosul, a maior fortaleza que MILÍCIAS E FORÇAS DO GOVERNO o Estado Islâmico ainda tem, ainda estavam As milícias paramilitares e forças do governo em curso até o final do ano. cometeram crimes de guerra e outras De acordo com a ONU, o conflito armado, violações do direito humanitário internacional carros-bomba e outros tipos de violência e dos direitos humanos, principalmente levaram a 6.878 mortes e 12.388 feridos contra membros da comunidade árabe entre civis durante o ano. sunita. Foram realizadas execuções O Primeiro-Ministro al-Abadi emitiu a extrajudiciais e outros tipos de assassinato e Ordem 91 em fevereiro e o Parlamento tortura ilegais, além de desaparecimento aprovou uma lei em novembro, designando forçado de centenas de homens e meninos, as Unidades de Mobilização Popular, criadas e da destruição deliberada de casas e em junho de 2014 e compostas, na maior propriedades. parte, de milícias paramilitares Shi’a, como Após um atentado suicida que matou 27 “formação militar e parte das forças armadas homens e feriu outros 41 em Muqdadiya, em iraquianas”. 11 de janeiro, as milícias se vingaram com Em agosto, o Parlamento aprovou a Lei de um ataque à comunidade sunita, abduzindo Anistia Geral. Ela não cobria certos tipos de e matando dezenas de homens, além de crimes, como atos terroristas que queimar e destruir mesquitas sunitas, lojas e resultassem em morte ou lesão permanente; outras propriedades. mas concedeu o direito de análise jurídica Em 3 de junho, as milícias das Unidades para os condenados pela Lei de Mobilização Popular sequestraram cerca Antiterrorismo** e outras leis, em casos em de 1.300 homens e meninos que fugiam de que os vereditos tenham se baseado em Saqlawiya, no norte de Faluja. Três dias “confissões” extraídas sob “coação”. depois, 605 homens reapareceram, com Manifestantes contrários ao governo, marcas de tortura. O destino dos outros 643 pedindo uma reforma institucional e o fim da permanece desconhecido. Um comitê de corrupção, invadiram duas vezes a fortificada investigação formado pelo governador de

158 Anistia Internacional Informe 2016/17 Anbar descobriu que 49 tinham sido mortos outros castigos físicos contra habitantes por a tiros, torturados ou queimados até a morte. fumar e não seguir o código de vestimenta, Em 30 de maio, pelo menos doze homens e além de outras regras. O Estado Islâmico quatro meninos que fugiam de al-Sijir, ao impôs ainda restrições severas ao uso de norte de Faluja, foram executados telefones e internet e à liberdade de ir e vir extrajudicialmente. O Primeiro-Ministro al- das mulheres. Impediu civis de fugirem de Abadi formou um comitê para investigar áreas sob seu controle, e os usou como abusos, mas as autoridades não divulgaram escudos humanos. Os combatentes atiraram nenhum resultado ou informação sobre contra quem tentasse fugir, destruíram suas nenhum processo criminal contra os propriedades e, em vingança, atacaram culpados. familiares deixados para trás. O grupo Segundo informações, as Unidades de doutrinou e recrutou meninos, incluindo Mobilização Popular e as milícias de reféns Yazidi, que foram usados em batalhas Mobilização Tribal, compostas de e atentados suicidas. Em outubro, o Estado combatentes sunitas, recrutaram crianças e Islâmico usou armas químicas para atacar a as usaram na luta contra o Estado Islâmico. cidade de al-Qayara, que havia sido As autoridades não tomaram providências recapturada por forças iraquianas, resultando para esclarecer a localização e o destino de em queimaduras e outras lesões entre os milhares de homens e meninos árabes civis. sunitas que desapareceram forçadamente depois de serem capturados em suas casas, VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E postos de controle e acampamentos para MENINAS pessoas desalojadas do país por milícias e Mulheres e meninas enfrentaram a forças do governo em anos anteriores. discriminação na lei e na prática, e não tiveram proteção adequada contra violência ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS sexual e de gênero. Estima-se que 3.500 ARMADOS Yezidis capturadas no Iraque continuaram O Estado Islâmico matou e feriu civis em todo reféns do Estado Islâmico no Iraque e na o Iraque em atentados suicidas e outros Síria, e foram vítimas de estupros e outras ataques mortais cujos alvos eram torturas, agressões e escravidão. As que indiscriminada ou deliberadamente civis em conseguiram escapar ou foram liberadas mercados movimentados, templos religiosos depois que seus familiares pagaram resgate, Shi’a e outros espaços públicos. O principal receberam apoio psicológico e material alvo do Estado Islâmico eram locais na inadequados. Várias cometeram ou tentaram cidade de Bagdá. o suicídio. Uma série de ataques em maio em Bagdá, principalmente nos bairros Shi’a, matou 150 PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS pessoas e feriu 214, a maioria civis, de Todos os homens considerados em idade acordo com autoridades e relatos da para lutar (entre os 15 e os 65 anos) que imprensa. fugiam de territórios controlados pelo Estado Em áreas sob seu controle, os Islâmico passaram por triagem de segurança combatentes do Estado Islâmico executaram feita por forças de segurança em locais de oponentes e suspeitos de colaborar com as detenção ou de recepção temporária, onde forças do governo. Também conduziram eram detidos por dias ou meses em sequestros, inclusive de civis, e condições terríveis. Os suspeitos de sistematicamente torturaram reféns. O terrorismo foram transferidos para a custódia Estado Islâmico impôs um código de conduta de agências de segurança como o Diretório draconiano e puniu infrações com rigor. Seus Anticrime ou o Diretório Antiterrorismo, ou a “tribunais” autoproclamados ordenaram o divisão de Inteligência Geral do Ministério do apedrejamento por adultério, açoitamento e Interior, onde corriam risco de tortura e

Anistia Internacional Informe 2016/17 159 outros maus-tratos, e frequentemente eram terrorismo, os direitos de defesa adequada, impedidos de ter contato com familiares e de não produzir provas contra si mesmos ou advogados. confessar culpa e de interrogar as As milícias e forças de segurança testemunhas da acusação. Os juízes prenderam supostos suspeitos de terrorismo continuaram a aceitar como prova as sem mandados judiciais em suas casas, “confissões” manchadas pela tortura, sem postos de controle e acampamentos para pedir investigações sobre as alegações dos pessoas desalojadas do país, sem informar réus ou que passassem por exames de corpo as acusações aos presos ou seus familiares. de delito. Alguns dos condenados em Muitos foram detidos por períodos julgamentos injustos foram sentenciados à prolongados sem comunicação, em alguns morte. casos em condições equivalentes ao desaparecimento forçado, em locais REFUGIADOS E PESSOAS DESALOJADAS controlados pelos Ministérios do Interior e da DENTRO DO PAÍS Defesa ou em centros de detenção secretos, Mais de 3,1 milhões de pessoas continuam onde eram interrogados por agentes de desalojadas por todo o Iraque, abrigadas em segurança sem a presença de um advogado. comunidades de acolhimento ou Milhares continuaram presos sem se acampamentos para pessoas desalojadas, apresentar a autoridades do judiciário ou ser assentamentos informais e prédios em levados a julgamento. construção. Muitos foram destituídos e viviam em condições terríveis, enquanto TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS agências humanitárias informavam queda do A tortura e outros maus-tratos continuam financiamento internacional. Milhares de aumentando nas prisões, centros de pessoas cruzaram a fronteira para a Síria. detenção controlados pelos Ministérios do As autoridades iraquianas e do Governo Interior e da Defesa e locais controlados Regional do Curdistão impuseram restrições pelas milícias. Segundo relatos, os métodos arbitrárias e discriminatórias sobre a de tortura mais frequentes usados contra os liberdade de circulação dos árabes sunitas detentos eram espancamento na cabeça e desalojados no país. Dezenas de milhares no corpo com cabos e hastes de metal, continuaram confinados a acampamentos suspensão em posições de estresse pelos sem acesso ao mercado de trabalho ou braços ou pernas, choques elétricos e serviços essenciais porque não tinham ameaças de estupro contra as mulheres das patrocinadores locais e, portanto, não famílias dos detentos. A tortura, conseguiram obter permissões oficiais para aparentemente, era aplicada para extrair entrar nas cidades. “confissões”, obter informações e punir. Dezenas de milhares de pessoas Diversos detentos morreram sob custódia desalojadas no país conseguiram voltar para como resultado da tortura. casa em áreas que o governo e as forças Em outubro, combatentes da Mobilização aliadas recapturaram do Estado Islâmico, Tribal submeteram moradores do sul de incluindo as cidades de Ramadi e Faluja, Mosul, suspeitos de terem ligação com o após a conclusão de verificações de Estado Islâmico, a espancamento com cabos segurança onerosas. No entanto, dezenas de de metal, humilhação pública e choques milhares de árabes sunitas desalojados de com armas de eletrochoque. áreas recapturadas do Estado Islâmico nas províncias de Babil, Diyala e Salah al-Din JULGAMENTOS INJUSTOS foram impedidos de voltar para casa em Os sistema judiciário criminal continuou meio a uma mistura de procedimentos extremamente falho, com julgamentos burocráticos onerosos e táticas de sistematicamente injustos. Era rotina negar intimidação pelas milícias, incluindo aos réus, em especial os suspeitos de sequestros, detenções arbitrárias e

160 Anistia Internacional Informe 2016/17 execuções extrajudiciais. Familiares de investigações de assassinatos de jornalistas e pessoas suspeitas de serem combatentes do outros críticos e oponentes das autoridades Estado Islâmico foram impedidos de voltar e curdas em anos anteriores. as casas e propriedades de alguns foram Em 13 de agosto, familiares receberam o deliberadamente destruídas ou apropriadas. corpo de Wedad Hussein Ali, jornalista que As forças armadas (Peshmerga) e outros trabalhava para uma publicação vista como serviços de segurança curdos também apoiadora do Partido dos Trabalhadores impediram que dezenas de milhares de Curdos. O corpo tinha lesões indicativas de residentes árabes de regiões controladas pelo tortura, inclusive com lacerações profundas Governo Regional do Curdistão, desalojadas na cabeça. Testemunhas disseram à família pelo conflito, voltassem para casa. que ele tinha sido encontrado vivo mais cedo, naquele mesmo dia, num vilarejo a LIBERDADE DE EXPRESSÃO — oeste de Dohuk, depois que homens não PROFISSIONAIS DA IMPRENSA identificados o capturaram na rua à mão Jornalistas trabalharam em um ambiente armada. Sua família e colegas de trabalho perigoso, por vezes mortal, e relataram informaram que ele já havia sido interrogado ataques físicos, rapto, intimidação, assédio e pela Asayish (forças de segurança) em ameaças de morte por cobrir tópicos Dohuk e havia recebido ameaças de morte. considerados confidenciais, inclusive a As autoridades anunciaram uma investigação corrupção e abusos das milícias. dois dias depois do assassinato, mas não Os profissionais da imprensa Saif Talal e divulgaram nenhum resultado até o fim do Hassan al-Anbaki do canal de TV al-Sharkia ano. foram mortos por tiros em 12 de janeiro no A Asayish e outros serviços de segurança noroeste de Diyala, enquanto voltavam da curdas detiveram milhares de suspeitos de cobertura de um atentado suicida em terrorismo, principalmente homens e Muqdadiya e de ataques de vingança das meninos árabes sunitas, em meio a longas milícias tendo como alvo os árabes sunitas. O demoras para serem levados ao judiciário, canal acusou homens da milícia não visitas familiares negadas por períodos identificados, mas as autoridades não prolongados e outras quebras do devido investigaram adequadamente o assassinato processo legal. Em outubro, autoridades do destes profissionais. Governo Regional do Curdistão disseram que Em abril, a Comissão de Mídia e a Asayish Ghishti (Agência de Segurança Comunicações do Iraque fechou o escritório Geral) e a divisão Asayish em Erbil da al-Jazeera em Bagdá, acusando o canal prenderam 2.801 suspeitos de terrorismo de “incitar o sectarismo e a violência”. Em desde o início do ano. março, as autoridades fecharam os Bassema Darwish, uma yazidi que escritórios do canal de TV Baghdadia no sobreviveu à captura pelo Estado Islâmico, Iraque, supostamente por funcionamento continuou detida sem julgamento em Erbil ilegal sem licença. O canal tinha publicado desde sua prisão em outubro de 2014, na artigos sobre corrupção no governo e cidade de Zummar, quando foi recapturada protestos pró-reforma, e já tinha sido pelas forças armadas (Peshmerga) do Estado submetido a diversos fechamentos nos Islâmico. As autoridades a acusaram de ser últimos anos. cúmplice no assassinato de três agentes das forças armadas (Peshmerga), negaram seu REGIÃO DO CURDISTÃO IRAQUIANO direito a um advogado de sua escolha e não Os profissionais da mídia, ativistas e políticos realizaram uma investigação independente críticos ao governo do Partido Democrático das alegações de que os agentes do Diretório do Curdistão enfrentaram assédio e ameaças de Segurança Geral em Dohuk a torturaram, e alguns foram expulsos da província de depois de presa. Erbil. Não houve progresso na condução das

Anistia Internacional Informe 2016/17 161 Os juízes da Região do Curdistão Iraquiano continuaram a emitir sentenças de morte ISRAEL E para crimes relacionados ao terrorismo. Não foram realizadas execuções. TERRITÓRIOS PENA DE MORTE Tribunais sentenciaram dezenas de pessoas PALESTINOS à morte por enforcamento. Dezenas dessas sentenças foram realizadas. A pressão OCUPADOS pública e política sobre as autoridades para que executem “terroristas” aumentaram após Estado de Israel um atentado suicida no bairro Karrada de Chefe de estado: Reuven Rivlin Bagdá em 2 de julho, que matou cerca de Chefe de governo: Benjamin Netanyahu 300 pessoas, na maior parte civis. Um líder da milícia ameaçou matar os presos do Forças israelenses assassinaram civis corredor da morte na Prisão Nasriya se o palestinos, incluindo crianças, tanto em governo não tomasse uma atitude. Em 12 de Israel quanto nos Territórios Palestinos julho, o Presidente Masum ratificou uma lei, Ocupados (TPOs), e prenderam milhares de emendando o Código de Procedimentos palestinos dos TPOs que se opuseram à Criminais, que limita a possibilidade de continuação da ocupação militar israelense, recursos, com o objetivo de acelerar o mantendo centenas em detenção processo de execução. administrativa. Torturas e outros maus- Em 21 de agosto, o governo informou a tratos de detidos continuaram frequentes e execução de 36 homens condenados por ficaram impunes. As autoridades participar do massacre cometido pelo Estado continuaram a promover assentamentos Islâmico de cerca de 1.700 cadetes Shi’a no ilegais na Cisjordânia, incluindo a tentativa acampamento de treinamento militar de "legalizar" retroativamente os Speicher, em junho de 2014, após o assentamentos construídos em terras Presidente Masum ratificar suas penas de palestinas particulares, e restringiram a morte. Eles foram condenados após liberdade de movimentação dos palestinos, julgamento que durou apenas algumas fechando algumas áreas após ataques de horas, manchado por infrações ao direito de palestinos a israelenses. As forças julgamento justo, incluindo a não israelenses continuaram a bloquear a Faixa investigação pelo juiz das alegações dos réus de Gaza, sujeitando sua população de 1,9 de que as “confissões” anteriores ao milhão de pessoas à punição coletiva, e a julgamento haviam sido extraídas sob tortura. demolir as casas de palestinos na Cisjordânia e dos beduínos na região de Negev/Naqab em Israel, despejando moradores de forma forçada. As autoridades prenderam opositores conscientes ao serviço militar, bem como deportaram milhares de pessoas em busca de refúgio vindas da África. INFORMAÇÕES GERAIS As relações entre Israel e Palestina permanecem tensas. Esforços internacionais para retomar as negociações falharam, com Israel continuando a desenvolver assentamentos ilegais no território que

162 Anistia Internacional Informe 2016/17 ocupa. Em dezembro, o Conselho de Cerca de 51.000 pessoas ainda estavam Segurança da ONU aprovou uma resolução deslocadas desde a guerra de 2014, e que insta Israel a interromper todas as materiais bélicos não explodidos daquele atividades de assentamentos na Cisjordânia. conflito continuaram a causar morte e lesão Em junho, o governo anunciou um acordo de civis. O número de palestinos que de reconciliação entre Israel e Turquia, que deixaram Gaza pela Fronteira de Erez caiu fez os dois países retomarem as relações durante o ano, pois as autoridades diplomáticas. Israel concordou em pagar israelenses negaram, atrasaram ou uma compensação às famílias de cidadãos revogaram autorizações de executivos, turcos assassinados por forças israelenses ao funcionários de organizações internacionais e interceptarem o navio de ajuda humanitária pacientes médicos e seus acompanhantes. Mavi Marmara em 2010. As forças israelenses mantiveram uma Em setembro, o governo dos EUA “zona de proteção” dentro da fronteira de concordou em aumentar sua ajuda militar a Gaza com Israel, e usaram fogo real e outras Israel para US$ 3,8 bilhões anuais por 10 armas contra palestinos que entraram ou se anos a partir de 2019. aproximaram da fronteira, matando quatro Ao longo do ano ocorreram pessoas e ferindo outras. As forças esfaqueamentos, utilização de carros como israelenses também dispararam contra arma, tiroteios e outros ataques de palestinos pescadores palestinos que estavam na área a israelenses na Cisjordânia e em Israel. Os ou próximos à "zona de exclusão" mantida ao ataques, em sua maioria realizados por longo da costa de Gaza. palestinos sem afiliação a grupos armados, Na Cisjordânia, as autoridades israelenses mataram 16 israelenses e um estrangeiro, a restringiram severamente a movimentação de maioria civis. As forças israelenses palestinos de forma discriminatória, assassinaram 110 palestinos e dois especialmente em torno de assentamentos estrangeiros durante o ano. Alguns foram israelenses ilegais e próximos à cerca/muro. assassinados sem representarem nenhuma Em resposta aos ataques palestinos a ameaça. israelenses, as autoridades militares Grupos palestinos armados em Gaza impuseram punição coletiva, revogando disparavam periodicamente foguetes e vistos de trabalho em Israel de membros de morteiros de maneira indiscriminada em famílias de pessoas que realizaram ataques, direção a Israel, sem causarem mortes ou e bloqueando áreas e vilas inteiras. lesões graves. Forças israelenses responderam com ataques aéreos e artilharia PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS de armas de grosso calibre, matando três As autoridades detiveram ou continuaram a civis palestinos, incluindo duas crianças, em prender milhares de palestinos dos TPOs, Gaza. mantendo a maioria em prisões de Israel, violando a lei internacional. Muitas famílias LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO – de prisioneiros não tinham permissão para BLOQUEIO DE GAZA E RESTRIÇÕES NA entrar em Israel para visitar seus parentes na CISJORDÂNIA prisão. As autoridades israelenses O bloqueio militar na Faixa de Gaza entrou continuaram a prender centenas de crianças em seu 10 ano, continuando a punição palestinas na Cisjordânia, incluindo ao leste coletiva de toda a população de Gaza. Os de Jerusalém. Muitas pessoas foram controles israelenses sobre a movimentação submetidas a abusos pelas forças de pessoas e mercadorias para e de Gaza, israelenses, incluindo agressões e ameaças. combinados ao fechamento quase total da As autoridades mantiveram centenas de fronteira de Rafah com o Egito e o incentivo à palestinos, incluindo crianças, sob ordens de escassez danificaram a economia de Gaza e detenção administrativa renovável, com base prejudicaram a reconstrução após o conflito. em informações que eles tinham dos presos

Anistia Internacional Informe 2016/17 163 e de seus advogados. Os números mantidos estressantes, além de ameaças. Embora as de acordo com essas ordens desde outubro reclamações que alegam tortura pelos de 2015 foram os mais altos desde 2007. representantes da ISA terem sido abordadas Mais de 694 pessoas foram mantidas presas pelo Ministro da Justiça em 2014, mais de no final de abril de 2016 (o último mês em 1.000 foram arquivadas desde 2001, sem a que dados confiáveis foram disponibilizados). abertura de investigações criminais. O palestino preso Bilal Kayed permaneceu Reclamações de que a polícia israelense em greve de fome por 71 dias. Ele foi usou de tortura ou outros maus-tratos contra libertado sem acusações em dezembro. Anas pessoas em busca de refúgio e membros da Shadid e Ahmad Abu Farah encerraram sua comunidade da Etiópia em Israel também greve de fome em 22 de dezembro, após 90 eram comuns. dias sem se alimentar. O Comitê da ONU contra Tortura realizou Três judeus israelenses mantidos como sua quinta revisão periódica de Israel, presos administrativos foram libertados. criticando relatos contínuos de tortura e As autoridades deram ao artista de circo outros maus-tratos, impunidade e a falha das Maohammed Faisal Abu Sakha dois períodos autoridades em considerar a tortura um adicionais de seis meses de prisão crime punível de acordo com a lei. Agentes administrativa em junho e em dezembro, israelenses fizeram a observação de que uma com base em evidências secretas. Seu legislação que criminaliza a tortura estava primeiro período de seis meses de detenção sendo redigida pelo Ministro da Justiça, mas havia sido emitido em dezembro de 2015. ainda não havia sido publicada para a Os palestinos da Cisjordânia que foram avaliação do Knesset (parlamento). acusados de crimes relacionados a protestos, Em setembro, o Tribunal Superior manteve entre outros, enfrentaram julgamentos uma lei de 2015 que permitia às autoridades militares injustos, enquanto os tribunais civis alimentar presos em greve de fome à força. israelenses que julgavam palestinos da Faixa Essa lei não foi usada em 2016. de Gaza emitiam sentenças severas, até mesmo para crimes menores. ASSASSINATOS ILEGAIS Mohammed al-Halabi, um trabalhador Soldados israelenses, policiais e agentes de humanitário morador de Gaza não obteve segurança mataram pelo menos 98 acesso a seu advogado e foi interrogado palestinos da TPO na Cisjordânia, incluindo 8 intensivamente por três semanas após sua na faixa de Gaza e 3 em Israel. Além disso, prisão em junho. Ele foi acusado em agosto um cidadão palestino de Israel, responsável de desviar dinheiro da instituição de caridade por assassinar três israelenses em Tel Aviv World Vision, e de enviar esse dinheiro ao em 1 de janeiro, foi assassinado por policiais Hamas, a administração de facto de Gaza. A israelenses dentro de Israel. A maioria das World Vision disse que não havia pessoas que morreram receberam tiros ao presenciado nenhuma evidência substancial atacar israelenses ou eram suspeitas de para apoiar a acusação. tentar realizar ataques. Algumas pessoas, incluindo crianças, levaram tiros sem TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS representar uma ameaça real à vida de Soldados israelenses, policiais e terceiros. representantes da Agência de Segurança de Israel (ISA) não foram punidos por Execuções extrajudiciais submeteram presos palestinos, incluindo Algumas das pessoas mortas parecem ter crianças, a torturas e outros maus-tratos, sido vítimas de execuções extrajudiciais. Elas especialmente quando estavam presos para incluem o adolescente de 16 anos Mahmoud interrogatório. Os métodos relatados incluíam Shaalan, morto com um tiro por soldados agressões, tapas, privação do sono, uso de israelenses no ponto de controle de acorrentamento doloroso e posições segurança de Ramallah em fevereiro.

164 Anistia Internacional Informe 2016/17 Mohammed Abu Khalaf, morto em fevereiro aparentemente devido a seu exercício pela polícia da fronteira de Israel na parte pacífico do direito à liberdade de expressão e leste de Jerusalem; e Maram Abu Ismail e à manifestação pacífica. Issa Amro também seu irmão de 16 anos, Ibrahim, que foram foi acusado por seu ativismo pacífico em mortos a tiros no ponto de controle de anos anteriores. segurança de Qalandia em abril por agentes Meses depois de ter filmado a execução contratados pelo Ministro da Defesa de extrajudicial de Abed al-Fatah al-Sharif por Israel. um soldado israelense em 24 de março em Hebron, o voluntário de B’Tselem Imad Abu USO EXCESSIVO DE FORÇA Shamsiyeh recebeu ameaças de morte de Forças israelenses usaram força excessiva, e israelenses de assentamentos ilegais às vezes letal, contra manifestantes próximos. A polícia não aceitou sua palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, declaração e ameaçou prendê-lo quando ele matando 22 pessoas e ferindo milhares com tentou registrar uma reclamação em agosto. balas de metal cobertas com borracha e Palestinos e estrangeiros residentes no munição real. Muitos manifestantes que local que auxiliam ONGs como a Al-Haq com levaram tiros jogaram pedras ou outros seu trabalho em relação ao Tribunal Penal projéteis, mas não representaram ameaça às Internacional (TPI) receberam ameaças de vidas dos soldados israelenses, que estavam morte. bem protegidos. Uma série de organizações israelenses de direitos humanos proeminentes e seus LIBERDADES DE EXPRESSÃO, funcionários, incluindo Breaking the Silence, ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO B’Tselem e a Anistia Internacional Israel, As autoridades usaram uma série de foram alvo de uma campanha do governo medidas para atacar defensores e defensoras para desacreditar seus trabalhos. dos direitos humanos, tanto em Israel quanto Em maio, as autoridades acusaram o ex- nos TPOs, que criticaram a ocupação denunciante e prisioneiro de consciência continuada de Israel aos territórios Mordechai Vanunu por violar as restrições Palestinos. severas e arbitrárias que as autoridades Em 11 de julho, o Knesset passou a impuseram sobre seus direitos à liberdade de chamada Lei da Transparência, que impõe movimentação e expressão. O caso ainda novos requisitos para relatórios de estava em andamento no final do ano. organizações que recebem mais de 50% de fundos de governos estrangeiros, o que DIREITO À MORADIA - REMOÇÕES engloba quase todos os grupos de direitos FORÇADAS E DEMOLIÇÕES humanos e outras ONGs críticas ao governo Na Cisjordânia, incluindo o leste de Israelense. Jerusalém, as autoridades israelenses Usando ordens militares que proíbem demoliram 1.089 residências e outras manifestações não autorizadas na estruturas construídas sem autorização Cisjordânia, as autoridades suprimiram israelense, um alto número de demolições protestos de palestinos e prenderam e sem precedentes, removendo de forma processaram manifestantes e defensores dos forçada mais de 1.593 pessoas. Autorizações direitos humanos. Após o protesto anual permaneciam virtualmente impossíveis de “Open Shuhada Street” em Hebron em 26 serem concedidas a palestinos. Muitas das de fevereiro, as autoridades processaram os demolições ocorreram em comunidades de defensores dos direitos humanos palestinos beduínos e condutores de rebanhos, que as Issa Amro e Farid al-Atrash com acusações autoridades israelenses planejavam transferir que incluíam participação em uma contra a vontade dos moradores. As caminhada sem permissão e entrar em uma autoridades também puniram coletivamente zona militar fechada. Eles foram processados as famílias de palestinos que realizaram

Anistia Internacional Informe 2016/17 165 ataques a israelenses, demolindo ou de 18 meses. Em maio, um tribunal de tornando inabitáveis 25 casas, removendo Jerusalém condenou Yosef Ben David a seus habitantes de forma forçada. prisão perpétua mais 20 anos pelo sequestro As autoridades também demoliram e o assassinato do palestino de 16 anos centenas de casas de palestinos, bem como Mohammed Abu Khdeir em julho de 2014. outras estruturas dentro de Israel que A promotora do TPI continuou sua análise disseram serem construídas sem preliminar das alegações de crimes contra o autorização, em sua maioria nas vilas de direito internacional executados pelas forças beduínos na região de Negev/Naqab. Muitas israelenses e pelos grupos armados das vilas "não eram reconhecidas" palestinos desde 13 de junho de 2014. O oficialmente. governo israelense permitiu que uma delegação do TPI visitasse Israel e a IMPUNIDADE Cisjordânia em outubro. Mais de dois anos após o final do conflito de 2014 entre Gaza e Israel, em que cerca de VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E 1.460 civis palestinos foram assassinados, MENINAS muitos em flagrantes ataques ilegais, Houve novos relatos de violência contra incluindo crimes de guerra, as autoridades mulheres, especialmente dentro das israelenses indiciaram apenas três soldados comunidades palestinas em Israel. Ativistas por pilhagem e obstrução de investigações. relataram que pelo menos 21 mulheres Em agosto o Procurador Geral Militar foram assassinadas por companheiros ou anunciou o encerramento das investigações membros da família durante o ano. Há de 12 incidentes, apesar de existirem provas relatos de que algumas mulheres foram de que alguns deveriam ser investigados mortas por parceiros abusivos após a polícia como crimes de guerra. As investigações dos fracassar em oferecer a proteção apropriada militares israelenses não foram a elas. independentes, nem imparciais, e não conseguiram fazer cumprir a justiça. PESSOAS REFUGIADAS E SOLICITANTES Em um ato raro, militares israelenses DE REFÚGIO investigaram, indiciaram e julgaram Elor As autoridades continuaram a negar às Azaria, um soldado que foi filmado ao pessoas em busca de refúgio, mais de 90% executar extrajudicialmente um palestino sendo da Eritréia e do Sudão, o acesso a um ferido em Hebron. Esperava-se o veredito do processo justo e imediato de determinação caso para janeiro de 2017. A maioria dos de status de refugiado. Mais de 3.250 membros das forças israelenses que pessoas em busca de refugio foram mantidas cometeram execuções extrajudiciais de nas instalações prisionais de Holot e na palestinos não sofreu nenhuma Prisão de Saharonim, no deserto de Negev/ consequência. O exército israelense, o Naqab no final do ano. Ministério da Justiça e a polícia também não De acordo com os números fornecidos investigaram, não conseguiram investigar pelo Ministério do Interior, houve mais de 37 adequadamente ou encerraram as mil pessoas da Eritréia e do Sudão em busca investigações de casos de assassinatos de de refúgio em Israel até outubro de 2016. palestinos pelas forças israelenses em Israel Mais de 18.900 solicitações de refúgio ainda e nos TPOs. estavam em andamento até outubro de As autoridades processaram diversos 2016. colonos judeus por realizarem ataques letais Em fevereiro, o Knesset aprovou a quarta a palestinos. Em janeiro, eles acusaram dois versão de uma emenda à Lei para Evitar israelenses por um incêndio criminoso em Infiltrações, permitindo às autoridades julho de 2015 que matou três membros da prender pessoas em busca de refúgio por até família Dawabsheh, incluindo uma criança um ano sem acusações. Conforme relatos, as

166 Anistia Internacional Informe 2016/17 condições nos centros de detenção eram autoridades italianas da "abordagem de terríveis devido à alimentação e a cuidados ponto crítico" da União Europeia para médicos inadequados, saneamento identificar e separar refugiados de supostos insuficiente e superpopulação. migrantes em situação irregular resultou em Em setembro, um tribunal de relação de casos de uso excessivo da força, detenção custódia em Jerusalém declarou inválida a arbitrária e expulsões coletivas. Ciganos política do governo de rejeitar continuaram a sofrer discriminação no automaticamente as solicitações de acesso à moradia, com milhares vivendo em refúgio de desertores do exército da Eritréia, campos segregados e centenas sujeitos a embora milhares tenham sido rejeitados com remoções forçadas. O parlamento aprovou este argumento. leis que estabelecem a união civil para As autoridades garantiram refúgio a um casais do mesmo gênero. A Itália continuou sudanês pela primeira vez em junho, mas não conseguindo introduzir o crime de continuaram a pressionar a deixarem Israel tortura em seu código penal. “voluntariamente” milhares de pessoas em busca de refúgio da Eritréia e do Sudão, DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E inclusive as detidas em Holot. Houve o relato MIGRANTES de que mais de 2.500 pessoas concordaram Calcula-se que mais de 4.500 pessoas em partir "voluntariamente" até o final do morreram na parte central do Mediterrâneo ano. O governo recusou-se a divulgar ao tentar chegar à Itália em embarcações detalhes sobre seus acordos com as superlotadas e inadequadas para navegação, autoridades de Ruanda e Uganda, em o pior número já registrado. relação a se incluíam garantias de que as Mais de 181 mil refugiados e migrantes pessoas em busca de refúgio que deixassem chegaram à Itália vindos do norte da África – Israel voluntariamente não estariam correndo um pequeno aumento em relação aos anos um risco real de sofrer violações graves dos anteriores. A grande maioria partiu da Líbia e direitos humanos, violando assim a proibição foi resgatada no mar pela Guarda Costeira e de refoulement. Marinha italianas, por embarcações de outros países ou comerciais e, cada vez OPOSITORES CONSCIENTES mais, por embarcações de ONGs. Destas, Pelo menos cinco opositores conscientes ao mais de 25.700 eram crianças serviço militar foram presos. Entre eles estava desacompanhadas, mais do que o dobro de Tair Kaminer, que foi mantida por quase seis 2015. As autoridades se esforçaram para meses a mais que qualquer outra mulher assegurar que essas pessoas fossem opositora consciente que já havia sido presa. cuidadas de acordo com os padrões internacionais. A Marinha italiana continuou a liderar a operação militar da União Europeia na parte ITÁLIA sul do Mediterrâneo Central (EUNAVFOR República da Itália MED Operação Sophia). Em outubro a Chefe de estado: Sergio Mattarella operação começou a treinar a Guarda Chefe de governo: Paolo Gentiloni (substituiu Matteo Costeira da Líbia, apesar de relatos de que Renzi em dezembro) esta estava envolvida em incidentes com tiroteios contra embarcações com refugiados Mais de 4.500 refugiados e migrantes e migrantes, e de que essas pessoas morreram ou desapareceram na parte resgatadas e devolvidas à Líbia foram central do Mediterrâneo tentando chegar à expostas a detenção arbitrária e tortura. Itália, o maior número de vítimas A "abordagem de ponto crítico" acordada registrado. Mais de 181.000 conseguiram pela União Europeia em 2015 para obter chegar à Itália. A implementação por uma rápida identificação e seleção de

Anistia Internacional Informe 2016/17 167 refugiados e migrantes no ponto de chegada direitos humanos lá, o que violaria o princípio continuou a ser implementada na Itália. Sob de não-devolução (non-refoulement). pressão da União Europeia para coletar as Em 24 de agosto, um grupo de 40 pessoas digitais de todos os que chegavam pelo mar, identificadas com base no acordo como as autoridades italianas usaram detenções cidadãos sudaneses foi repatriado da Itália arbitrárias e força excessiva contra pessoas para o Sudão. O grupo, incluindo pessoas que se recusavam a cooperar. Diversos casos que fugiram da violência em Darfur antes de de maus tratos também foram relatados. chegar à Itália, foi interrogado assim que Pessoas traumatizadas, exaustas devido à chegou pelo Serviço Nacional Sudanês de jornada, foram entrevistadas de forma ríspida Inteligência e Segurança, uma agência por policiais não treinados para avaliar a envolvida em graves violações dos direitos situação de pessoas que precisavam de humanos no Sudão. proteção, não tiveram informações O sistema de recepção abrigava mais de adequadas sobre seus direitos e as 176.500 pessoas no final do ano, a maioria consequências legais de suas declarações. em centros de emergência. A redistribuição Foi considerado que milhares de pessoas de solicitantes de refúgio em todo o país não precisavam de proteção e, portanto, se continuou a encontrar oposição de algumas apresentavam de forma irregular no país. autoridades e alguns residentes locais. Assim, foram emitidas ordens de expulsão ou Ocorreram protestos em diversas cidades, tiveram ordens de rejeição deferidas, o que frequentemente organizados ou apoiados por exigia que saíssem do país de forma grupos de extrema direita e pelo partido da independente. As pessoas que tiveram tais Liga Norte. ordens expedidas e que não conseguiam Até meados de dezembro, 120 mil efetivamente sair da Itália por falta de pessoas haviam solicitado refúgio na Itália, recursos e documentos para cruzar as em comparação com 83 mil em 2015. fronteiras ficavam vulneráveis ao abuso e à Cidadãos nigerianos e paquistaneses eram os exploração. maiores grupos. Durante todo o ano, cerca Cidadãos de países com quem a Itália de 40% dos solicitantes receberam alguma havia negociado acordos de repatriação forma de proteção na primeira instância. continuaram a ter que voltar de forma O esquema de recolocação de solicitantes forçada a seus países de origem, geralmente de refúgio da Itália e da Grécia para outros dentro de alguns poucos dias após países da União Europeia, adotado pela UE desembarcarem, gerando a preocupação de em setembro de 2015, não foi concretizado. que não haviam tido o acesso adequado aos Dos 40.000 solicitantes de refúgio que procedimentos de refúgio, e que eram deveriam ter sido realocados da Itália, deportados sem avaliação do risco que cada apenas 2.654 se mudaram para outros pessoa corria após a devolução, violando a países. Nenhuma criança desacompanhada proibição de expulsões coletivas. foi realocada. Em agosto, as autoridades policiais A Itália também concedeu acesso italianas e sudanesas assinaram um humanitário a cerca de 500 pessoas Memorando de Entendimento para fortalecer transferidas por meio de um esquema a cooperação no "gerenciamento de financiado pelas ONGs de cunho religioso S. migrações", incluindo procedimentos de Egídio e a Federação de Igrejas Evangélicas célere repatriação. Apesar de as pessoas em da Itália. busca de refúgio na Itália não poderem ser O governo não adotou os decretos devolvidas ao Sudão com base neste acordo, necessários para abolir o crime de "entrada e o processo de identificação fornecido é tão estadia ilegais", apesar de ter sido instruído a superficial que poderia resultar na fazê-lo pelo Parlamento em abril de 2014. repatriação ao Sudão de pessoas que Em dezembro, no caso de Khlaifia e outros poderiam ser acusadas de violações dos versus a Itália, o Tribunal Europeu dos

168 Anistia Internacional Informe 2016/17 Direitos Humanos considerou que migrantes famílias ciganas que já haviam sofrido tunisianos que haviam chegado à Itália em remoções forçadas. Em junho, após uma 2011 haviam sido detidos arbitrariamente, e decisão judicial que ordenava a remoção das que privados de recursos contra sua famílias de Masseria del Pozzo, as detenção antes de serem devolvidos à autoridades locais removeram à força Tunísia. aproximadamente 300 pessoas que ali Em novembro, promotores em Perugia, viviam, incluindo dezenas de crianças Umbria, acusaram sete policiais, uma pequenas. Não foi oferecida nenhuma magistrada e três diplomatas do Cazaquistão alternativa, exceto a transferência para um por delitos relacionados ao rapto e à expulsão local isolado, em uma antiga fábrica de fogos ilegal para o Cazaquistão, em maio de 2013, de artifício sem banheiros e eletricidade de Alma Shalabayeva e Alua Ablyazova, funcionando e com acesso extremamente esposa e filha de seis anos de Mukhtar limitado à água. Em dezembro, a Ablyazov, político cazaquistanês da oposição. comunidade ainda estava vivendo no local Em julho de 2013, o governo italiano em condições inadequadas. rescindiu retroativamente a ordem de Em dezembro, o Comitê CERD expressou expulsão, reconhecendo que sua devolução preocupação com os ciganos que forçada a Almaty violava a legislação italiana. continuavam a enfrentar remoções forçadas e segregação em campos, além de ainda DISCRIMINAÇÃO serem discriminados ao tentar obter acesso à Direito dos ciganos à moradia adequada habitação social e outros benefícios Milhares de famílias ciganas continuaram a relacionados. viver em campos segregados. Os campos apenas para ciganos se localizavam DIREITOS LGBTI frequentemente em áreas remotas, distantes Em maio o parlamento aprovou a Lei no. de serviços essenciais. As condições de vida 76/2016, que estabelece a união civil de em muitos campos permaneceram abaixo do casais do mesmo gênero e as regras para padrão e frequentemente violavam as leis de casais de gêneros diferentes coabitarem, moradia nacionais, bem como os padrões ampliando-as para a maioria dos direitos dos internacionais. Centenas de famílias ciganas casais casados legalmente. Contudo, a foram submetidas a remoções forçadas, adoção por um segundo pai ou mãe não foi violando a legislação internacional. abordada pela lei. O governo continuou sem implementar efetivamente a Estratégia Nacional de TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Inclusão dos Ciganos em relação à moradia. Em março, o Defensor Público nacional Cinco anos após sua adoção, não havia assumiu o cargo, com autoridade para nenhum plano nacional para eliminar a monitorar as condições de detenção e evitar segregação dos campos. Em vez disso, as a tortura e outros maus tratos. Dentre as suas autoridades continuaram a planejar e responsabilidades está o monitoramento dos construir novos campos. voos de repatriação de migrantes em Em fevereiro, em Giugliano, próxima a situação irregular. Nápoles, €1.3 milhão foram designados O Parlamento não introduziu o crime de pelas autoridades locais e regionais, com a tortura no código penal, conforme requerido Prefeitura de Nápoles e o Ministério do pela Convenção contra a Tortura, o que Interior, para construir um novo campo deveria ter sido feito desde a ratificação pela segregado para os ciganos que moravam até Itália, em 1989. então no campo Masseria del Pozzo. O O Parlamento e o governo também não campo Masseria del Pozzo foi construído chegaram a um acordo sobre medidas para a perto de aterros sanitários que armazenavam identificação de policiais, como crachás de resíduos tóxicos em 2013, para abrigar

Anistia Internacional Informe 2016/17 169 identificação em fardas, que facilitariam a execuções extrajudiciais, produzindo uma responsabilização pelos abusos. série de recomendações importantes para a reforma da polícia.1 ÓBITOS EM CUSTÓDIA Em uma resposta oficial, a Força Policial Em julho, cinco médicos acusados de da Jamaica aceitou uma série de homicídio pela morte de Stefano Cucchi, recomendações, como se comprometer a uma semana após sua prisão na ala prisional realizar revisões administrativas da conduta de um hospital de Roma em 2009, foram de agentes que tiveram seus nomes absolvidos no julgamento do recurso revelados no relatório dos Comissários. solicitado pela Suprema Corte. Uma segunda Contudo, a polícia continuou a se recusar a investigação contra os policiais envolvidos em aceitar qualquer responsabilidade pelas sua prisão continha alegações de que ele violações dos direitos humanos ou por pode ter morrido devido ao espancamento execuções extrajudiciais durante o estado de enquanto estava sob custódia. emergência. Até o final do ano, o governo ainda não havia indicado oficialmente como implementaria as recomendações dos membros da Comissão. JAMAICA Ao mesmo tempo em que o número de Jamaica homicídios pela polícia diminuiu de forma Chefe de estado: Rainha Elizabeth II, representada por significativa nos últimos anos, 111 pessoas Patrick Linton Allen foram assassinadas pelos agentes Chefe de governo: Andrew Michael Holness (substituiu encarregados de fazer cumprir a lei em Portia Simpson Miller em março) 2016, em comparação com 101 pessoas em 2015. Mulheres cujos parentes foram mortos Assassinatos e execuções extrajudiciais pela polícia, bem como suas famílias, continuaram. Violência contra mulheres e passaram por situações de assédio e discriminação contra as pessoas LGBTI intimidação por parte da polícia, enfrentando também continuou. Crianças continuaram a diversas barreiras para obter acesso à justiça, ser detidas, violando normas internacionais. à verdade e a reparações. INFORMAÇÕES GERAIS VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E Em fevereiro o Partido dos Trabalhadores da MENINAS Jamaica ganhou a eleição geral, e Andrew De acordo com ONGs locais, a legislação Holness se tornou Primeiro Ministro. nacional para abordar a violência contra as Apesar de se comprometer com a criação mulheres permanece inadequada. Por de uma instituição nacional de direitos exemplo, a Lei de Crimes Sexuais continuou humanos, a Jamaica ainda não havia a definir de forma muito limitada o estupro estabelecido o mecanismo até o final do ano. como a penetração peniana não consensual O país continuou a ter uma das mais altas de uma vagina por um homem, e a proteger taxas de homicídios nas Américas. contra o estupro marital apenas em determinadas circunstâncias. Até dezembro, POLÍCIA E FORÇAS DE SEGURANÇA mais de 470 mulheres e meninas relataram Em junho, uma Comissão de Inquérito estupros durante o ano, de acordo com a publicou seu relatório previsto há muito polícia. tempo sobre os eventos que ocorreram no A criminalização de mulheres envolvidas oeste de Kingston durante o estado de em trabalho sexual continuou a colocá-las emergência, declarado em 23 de maio de em risco de discriminação, prisão arbitrária e 2010, que deixou pelo menos 69 mortos. violência policial.2 Com quase 900 páginas, o relatório identificou uma série de casos de possíveis

170 Anistia Internacional Informe 2016/17 2. "I feel scared all the time": A Jamaican sex worker tells her story DIREITOS DAS CRIANÇAS (News Story 27 de maio de 2016) A ONG Jamaicans for Justice relatou que crianças ainda estavam sendo detidas em bloqueios policiais por serem "incontroláveis", MÉXICO frequentemente por períodos ilegais e em condições desumanas. Estados Unidos do México Chefe de estado e de governo: Enrique Peña Nieto DIREITOS LGBTI Continuou não havendo proteção contra a Dez anos após o início da chamada "guerra discriminação com base na orientação sexual às drogas e ao crime organizado", o uso de real ou percebida, bem como na identidade militares em operações de segurança de gênero. Na ausência de proteção legal, pública continua, e a violência em todo o jovens LGBTI continuaram a sofrer bullying e país permanece interminável, apesar de assédio. O sexo consensual entre homens campanhas difamatórias. Jornalistas permaneceu criminalizado. continuaram a ser assassinados e Entre janeiro e junho, 23 pessoas ameaçados por seu trabalho. Relatos de relataram à ONG de direitos LGBTI J-FLAG torturas e outros maus-tratos, que tinham sido agredidas fisicamente ou desaparecimentos forçados, execuções atacadas devido à sua orientação sexual ou extrajudiciais e detenções arbitrárias identidade de gênero real ou percebida. continuaram a ocorrer. A impunidade Uma pesquisa publicada pela J-FLAG persistiu em casos de violações de direitos descobriu atitudes profundamente humanos e crimes contra as leis homofóbicas. Por exemplo, apenas 36% dos internacionais. O México recebeu o maior jamaicanos pesquisados disseram que número já visto de solicitações de asilo no permitiriam que seu filho gay continuasse a país, a maioria de pessoas que fugiam da morar em casa. Quase 60% dos violência em El Salvador, Honduras e participantes disseram que machucariam Guatemala. Defensores e defensoras de uma pessoa LGBTI que os abordasse. direitos humanos e observadores Em junho, o Procurador Geral usou as independentes estiveram sujeitos a intensas mídias sociais para criticar a Embaixada dos campanhas de difamação. A violência EUA por usar uma bandeira do Orgulho Gay contra as mulheres permaneceu uma após o assassinato de pessoas LGBTI em grande preocupação, e "alertas de gênero" uma boate em Orlando, nos EUA. foram emitidos nos estados de Jalisco e Em agosto, pelo segundo ano consecutivo, Michoacán. O Congresso rejeitou um dos a J-FLAG organizou atividades para dois projetos de lei apresentados sobre o comemorar a Semana do Orgulho Gay. casamento e a adoção por pessoas do mesmo gênero. JUSTIÇA INTERNACIONAL Mais uma vez a Jamaica falhou em ratificar o INFORMAÇÕES GERAIS Estatuto de Roma do Tribunal Penal O Partido Revolucionário Institucional, atual Internacional, assinado em setembro de partido da situação, 2000, também não aderindo à Convenção da perdeu uma série de governos em diversos ONU contra Tortura, nem à Convenção estados nas eleições de junho. Um conflito Internacional para a Proteção de Todas as social prolongado entre o governo e os Pessoas contra o Desaparecimento Forçado. sindicatos dos professores levou a protestos em massa e estradas bloqueadas em todo o país, com os sindicatos exigindo que os 1. Jamaica: State of Emergency 2010 – ten things the government must learn, and ten things it must do (AMR 38/4337/2016) governos revogassem a reforma educacional de 2013.

Anistia Internacional Informe 2016/17 171 O México completou sua transição de um sistema penal inquisitorial e escrito para um EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS sistema baseado em julgamentos orais, após Aqueles que cometeram execuções o encerramento de um período preparatório extrajudiciais permaneceram impunes; os de oito anos. Muitos desafios do sistema crimes não foram investigados de forma anterior continuaram - incluindo a falha em adequada. As forças armadas continuaram a respeitar a presunção de inocência - apesar contribuir para investigações em casos da implementação da reforma. envolvendo militares, contrariando a reforma Um plano de segurança com 10 itens de 2014 do Código de Justiça Militar. Pelo anunciado pelo presidente Peña Nieto em terceiro ano consecutivo, as autoridades não novembro de 2014 ainda tinha de ser publicaram o número de pessoas mortas ou totalmente implementado, com promessas feridas em confrontos com a polícia e as de aprovação de leis contra tortura e forças armadas. desaparecimentos forçados, bem como Dezenas de covas coletivas foram desaparecimentos por atores não estatais descobertas em todo o país, frequentemente que ainda tinham de ser cumpridas. Um por iniciativa de grupos de familiares e não pacote de leis anticorrupção foi aprovado de autoridades ou peritos forenses oficiais. pelo Congresso. A nova legislação foi As autoridades locais descartaram amplamente criticada por ficar aquém das ilegalmente mais de 100 corpos não versões anteriores. identificados em pelo menos uma cova na Registros oficiais indicam que o número cidade de Tetelcingo, no estado de Morelos. de soldados e fuzileiros navais nas operações Os responsáveis pelas mortes não foram de segurança em todo o país aumentou. Em identificados. outubro, o Ministro da Defesa admitiu que a Em 19 de junho, pelo menos oito pessoas guerra às drogas havia cobrado seu preço foram mortas e dezenas feridas na cidade de das enfraquecidas forças armadas e pediu Nochixtlán, no estado de Oaxaca, durante mais clareza legal em relação a seu papel uma operação da polícia após um bloqueio nas tarefas de segurança pública. Os na estrada como parte de uma manifestação legisladores votaram para discutir reformas contra a reforma educacional do governo. relacionadas às forças armadas em Uma gravação publicada pelos meios de operações de segurança. comunicação contradisse a afirmação original das autoridades de que os policiais POLÍCIA E FORÇAS DE SEGURANÇA estavam desarmados. Houve um aumento claro da violência, com Em agosto, a Comissão Nacional dos 36.056 homicídios registrados pelas Direitos Humanos descobriu que membros autoridades até o final de novembro - o das polícias locais e federais torturaram pelo número mais alto desde o início do mandato menos duas pessoas na cidade de Tanhuato, do presidente Peña Nieto em 2012 - estado de Michoacán, em maio de 2015, comparado a 33.017 homicídios registrados como parte de uma operação de segurança; em 2015. que pelo menos 22 das 43 pessoas mortas Em resposta aos inúmeros protestos de durante a operação foram vítimas de movimentos de professores, as autoridades execução arbitrária, e que a polícia adulterou realizaram uma série de operações policiais, provas, inclusive plantando armas de fogo algumas das quais resultaram em civis nas vítimas. mortos ou feridos. Diversos líderes dos Investigações sobre os assassinatos de 22 movimentos foram presos e detidos em pessoas cometidos por soldados em 2014 prisões federais. Muitos deles foram em Tlatlaya, no estado do México, ainda posteriormente libertados com investigações precisavam produzir resultados concretos. As pendentes. autoridades não assumiram responsabilidade pela ordem de "abater os criminosos" (o que,

172 Anistia Internacional Informe 2016/17 neste contexto, significava "matar"), que foi a não foi aplicado em muitos casos, com um base para as operações militares na área em atraso de mais de 3.000 solicitações em 2014, nem investigaram quaisquer policiais espera. Em muitos casos, investigações de que pudessem ter responsabilidade na torturas e outros maus-tratos não cadeia de comando. continuaram sem uma perícia oficial. Não se teve notícia de ninguém que tenha Em setembro, a Comissão Interamericana sido processado pelos assassinato de 16 de Direitos Humanos (CIDH) remeteu o caso pessoas cometidos por policiais federais e de 11 mulheres que foram submetidas à outras forças de segurança em Apatzingán, violência sexual como forma de tortura em estado de Michoacán, em 2015. As San Salvador Atenco em 2006 para a Corte autoridades não investigaram Interamericana de Direitos Humanos, devido adequadamente esses homicídios, nem à falha do México em obedecer às atribuíram responsabilidade àqueles que recomendações da Comissão no caso. estavam no comando. DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS MIGRANTES A impunidade por torturas e outros maus- Um número recorde de solicitações de asilo tratos permaneceu quase absoluta, com foi registrado, com 6.898 pessoas alojadas diversos relatos de espancamentos, quase até outubro - 93% sendo pessoas de El asfixia com sacolas plásticas, choques Salvador, Honduras e Guatemala. O status de elétricos, estupro e outras violências de refugiado foi concedido a 2.162 pessoas, cunho sexual que ocorreram durante as apesar de estimativas de que mais de 400 operações policiais e militares. A violência mil migrantes ilegais cruzam a fronteira sul sexual usada como forma de tortura foi do México por ano, e que metade poderia se comum durante a prisão de mulheres.1 Pela qualificar para o status de asilo, de acordo primeira vez em dois anos, a Procuradoria com organizações e acadêmicos Geral Federal anunciou que apresentaria internacionais. Na maioria dos casos, as acusações de tortura contra cinco agentes autoridades não conseguiram informar de federais em abril, em resposta ao vazamento forma adequada os migrantes sobre seu de um vídeo que mostrava policiais e direito de solicitar refúgio no México. soldados torturando uma mulher. Ainda em Em agosto, uma reforma constitucional abril, em um caso raro, um juiz federal para reconhecer o direito ao asilo entrou em condenou um general do exército a 52 anos vigor. de prisão por comandar uma operação que A implementação do Plano da Fronteira envolvia tortura e homicídio, bem como Sul levou ao aumento significativo nas destruição de um cadáver no estado de operações de segurança na fronteira Chihuahua em 2008. mexicana com a Guatemala e Belize, com Em abril, o Senado aprovou um projeto de relatos frequentes de extorsões, deportações lei para a Lei Geral sobre Tortura, em em massa, sequestros e outros abusos dos conformidade com as normas internacionais. direitos humanos contra migrantes. Em O projeto de lei foi emendado e, até o fim do novembro, 174.526 migrantes ilegais foram ano, permanecia pendente de votação em apreendidos e detidos, e 136.420 voltaram plenária na Câmara dos Deputados. para seus países. Entre os deportados, 97% A Unidade Especial de Tortura da eram da América Central. Dados do Promotoria Geral Federal relatou 4.715 Congresso dos EUA em fevereiro mostraram solicitações de investigação de tortura que os planos do governo americano de alocar estavam em revisão no nível federal. US$ 75 milhões para "reforço da segurança e Como nos anos anteriores, o procedimento da migração" na fronteira sul com o México, de perícia médica especial da Procuradoria por meio da Iniciativa Merida. Geral Federal para casos de suposta tortura

Anistia Internacional Informe 2016/17 173 A Procuradoria Geral criou uma nova que ocorreram antes de 2014, nem casos Unidade para a Investigação de Crimes classificados como outros crimes como Contra Migrantes. Organizações da tomada de reféns ou tráfico humano. sociedade civil participaram da criação de O desaparecimento forçado e o um Mecanismo Mexicano para Apoio desaparecimento causado por atores não Estrangeiro em Buscas e Investigações para estatais resultaram em sérios prejuízos às coordenar os esforços das autoridades famílias das vítimas, o que constituiu uma mexicanas e da América Central em forma de tortura e outros tratamentos ou assegurar justiça às vítimas migrantes de punições cruéis, desumanos ou degradantes. desaparecimentos causados por atores não Dados disponíveis sugerem que a maioria estatais e por outros crimes no México. das vítimas eram homens. Mulheres eram a Em setembro, o presidente Peña Nieto maioria dos parentes em busca da verdade, anunciou um plano para pessoas refugiadas da justiça e de reparações. Alguns parentes em uma reunião da ONU, reconhecendo de pessoas desaparecidas que buscavam por oficialmente a crise de refugiados no México familiares receberam ameaças de morte. e na América Central. O plano prometia O Senado realizou audiências públicas aumentar o financiamento da agência com parentes de pessoas desaparecidas de mexicana para refugiados em até 80%, para acordo com a Lei Geral de garantir que nenhuma criança migrante Desaparecimentos, que foi apresentada ao abaixo de 11 anos de idade fosse detida, e Congresso pelo presidente Peña Nieto em para fortalecer a inclusão e a integração dos dezembro de 2015. O projeto de lei refugiados no país. Em maio, um relatório permanece no Congresso. especial da Comissão Nacional de Direitos Em março, cinco fuzileiros navais foram Humanos identificou pelo menos 35.433 acusados criminalmente pelo vítimas de deslocamentos internos no desparecimento forçado de Armando México, apesar do fato de que estimativas Humberto del Bosque Villarreal, que foi críveis baseadas em dados oficiais foram encontrado morto semanas após sua prisão pelo menos quatro vezes maior. Em outubro, arbitrária em 2013 no estado de Nuevo León. a Comissão publicou um relatório destacando Em abril, o Grupo Interdisciplinar de as condições de pobreza nos centros de Especialistas Independentes (GIEI) indicado detenção de migrantes, especialmente para pela Comissão Interamericana de Direitos crianças desacompanhadas. Humanos publicou seu segundo relatório sobre os 43 estudantes de uma faculdade de DESAPARECIMENTOS FORÇADOS pedagogia em Ayotzinapa, estado de Desaparecimentos forçados com o Guerrero, que foram vítimas de envolvimento do estado e desaparecimentos desaparecimento forçado em setembro de cometidos por atores não estatais 2014. O GIEI confirmou que a avaliação das continuaram a ocorrer amplamente, e os autoridades de que os estudantes foram responsáveis continuaram a gozar de quase assassinados e queimados em um aterro absoluta impunidade. As investigações nos sanitário local era cientificamente impossível. casos de pessoas desaparecidas O GIEI também revelou que em outubro de continuaram a ser ineficientes e 2014 policiais visitaram irregularmente uma excessivamente demoradas. De maneira cena que posteriormente foi ligada ao crime, geral, as autoridades falharam em procurar manipulando provas importantes sem a pelas vítimas imediatamente. permissão ou a documentação adequada. Ao final do ano, 29.917 pessoas (22.414 Um homem relacionado ao caso mantido sob homens e 7.503 mulheres) foram reportadas custódia foi forçado pelas autoridades a como desaparecidas. Os números do participar da visita sem a presença de seu Registro Nacional de Pessoas Ausentes ou advogado ou qualquer supervisão de um juiz. Desaparecidas não incluíam casos federais A visita ocorreu um dia antes de o governo

174 Anistia Internacional Informe 2016/17 descobrir um pequeno pedaço de osso no Em agosto, o prisioneiro de consciência e mesmo local, posteriormente identificado defensor ambiental comunitário Ildefonso como pertencente ao estudante Alexander Zamora foi solto após nove meses de prisão Mora Venancio. O principal agente envolvido sob falsas acusações. nessas investigações pediu exoneração de seu posto na Procuradoria Geral Federal, LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO apesar de estar em andamento uma A Suprema Corte continuou a analisar o investigação sobre sua conduta. Ele foi questionamento jurídico feito à Lei de imediatamente indicado pelo presidente Mobilidade da cidade do México de 2014. Peña Nieto para outro cargo federal de Em agosto, a Corte decidiu que a lei não destaque. Em novembro, a CIDH apresentou deveria ser interpretada como a exigência de seu plano de trabalho para um sistema de um regime de autorização prévia, mas acompanhamento do caso de Ayotzinapa apenas como regra para notificar depois de recomendações do GIEI e da antecipadamente as autoridades sobre medida cautelar de 2014 distribuída pela qualquer manifestação planejada. A Corte CIDH solicitando que o México determinasse decidiu ainda que a falta de provisões sobre o status e o paradeiro dos 43 estudantes protestos espontâneos não significava, de desaparecidos. forma alguma, que esses atos estavam proibidos. Finalmente, ela votou em favor de DEFENSORES E DEFENSORAS DOS uma regra proibindo protestos nas principais DIREITOS HUMANOS E JORNALISTAS avenidas da cidade. Defensores de direitos humanos e jornalistas continuaram a ser ameaçados, hostilizados, DIREITOS LGBTI intimidados, atacados ou mortos. Pelo menos Em maio, o presidente Peña Nieto 11 jornalistas foram assassinados durante o apresentou dois projetos de lei ao Congresso ano. O Mecanismo Federal para a Proteção para a reforma da Constituição e do Código de Defensores de Direitos Humanos e Civil Federal. A reforma constitucional Jornalistas não protegeu adequadamente proposta para garantir o direito a casamento defensores de direitos humanos e jornalistas. sem discriminação foi rejeitada pelo Em fevereiro, as organizações internacionais Congresso em novembro. de direitos humanos denunciaram a A segunda reforma proposta ao Código campanha difamatória contra o GIEI e ONGs Civil proibiria a discriminação com base em locais envolvidas no caso Ayotzinapa - uma orientação sexual e identidade de gênero, campanha que pareceu ser tolerada pelas permitindo aos casais que se cassassem e às autoridades. O número de solicitações de pessoas que adotassem crianças; a reforma proteção do Mecanismo permaneceu também incluiu o direito das pessoas constante em relação ao ano anterior. transgênero de terem sua identidade de Em julho, Humberto Moreira Valdés, ex- gênero reconhecida pelo México. O projeto governador do estado de Coahuila e ex- de lei ainda tem de ser discutido no presidente do Partido Revolucionário Congresso. Institucional, processou o proeminente Em setembro, a jurisprudência da jornalista Sergio Aguayo em US$ 550 mil em Suprema Corte sobre os direitos dos casais um processo civil alegando danos morais à do mesmo sexo de casarem e de adotar sua reputação devido a um editorial crianças sem serem discriminados devido à publicado por Sergio Aguayo. O valor sua orientação sexual e identidade de gênero excessivo exigido poderia constituir uma se tornou obrigatória a todos os juízes do forma de punição e de intimidação, afetando país. potencialmente a liberdade de expressão no debate público.

Anistia Internacional Informe 2016/17 175 VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E MENINAS MIANMAR A violência contra mulheres e meninas República da União de Mianmar permaneceu endêmica. Em abril, dezenas de Chefe de estado e governo: Htin Kyaw (substituiu Thein milhares de pessoas se manifestaram em Sein em março) todo o país exigindo o fim da violência contra as mulheres, incluindo o assédio sexual. O A formação de um novo governo conduzido mecanismo de "Alerta de Gênero" foi ativado por civis não levou a melhorias nos estados de Jalisco e Michoacán, após já significativas na situação dos direitos ter sido ativado nos estados de Morelos e humanos. A minoria Rohingya, alvo de México no ano anterior. A falta de dados perseguições, enfrentou mais violência e precisos, atualizados e desagregados sobre discriminação. A intolerância religiosa e violência de gênero constituiu um obstáculo sentimento anti-muçulmano se importante para abordar o problema. intensificaram. O confronto entre o exército e os grupos étnicos armados aumentou no DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS norte de Mianmar. O governo restringiu Devido a uma informação de último minuto ainda mais o acesso das Nações Unidas e do Ministério da Economia sobre o de outras organizações humanitárias a cancelamento de duas concessões de comunidades deslocadas. Embora dezenas mineração por empresas na comunidade de de prisioneiros de consciência tenham sido San Miguel Progreso, estado de Guerrero, a libertados, restrições à liberdade de Corte Suprema recusou considerar o efeito expressão, associação e manifestação que a Lei de Mineração de 1991 tinha sobre pacífica continuaram. A impunidade os direitos dos Povos Indígenas. Um marco persistiu em relação a violações passadas e legal sobre os direitos dos Povos Indígenas a atuais dos direitos humanos. um consentimento livre, prévio e bem informado permaneceu amplamente ausente INFORMAÇÕES GERAIS do debate no legislativo, apesar do fato de O parlamento foi convocado pela primeira que um projeto de lei foi discutido em fóruns vez em 1 de fevereiro, após as eleições de públicos e a Comissão Nacional de Direitos novembro de 2015, em que a Liga Nacional Humanos emitiu uma recomendação em pela Democracia obteve uma vitória outubro para que o Congresso legislasse avassaladora. Em março, Htin Kyaw foi eleito sobre essa questão. Em setembro, o presidente e a transferência formal de poder município indígena de Guevea de Humboldt, ocorreu no mesmo mês. Aung San Suu Kyi estado de Oaxaca, permitiu que todas as permaneceu impedida pela constituição de mulheres da comunidade exercessem o assumir a presidência, mas em abril foi direito de voto pela primeira vez nas eleições indicada como Conselheira de Estado, uma locais. função criada especialmente para ela, o que a tornou a líder de facto do governo civil. Apesar disso, os militares mantiveram um 1. Surviving death: Police and military torture of women in Mexico (AMR/ 41/4237/2016) significativo poder político, com 25% das cadeiras no Parlamento, o que lhes dava poder de veto sobre as alterações constitucionais e o controle sobre ministérios importantes. Os militares permaneceram independentes da supervisão civil.

176 Anistia Internacional Informe 2016/17 O governo criou dois comitês em uma DISCRIMINAÇÃO tentativa de resolver a situação: o Comitê A minoria Rohingya Central pela Implementação da Paz, da A situação dos Rohingya piorou Estabilidade e do Desenvolvimento do estado significativamente após ataques a postos de Rakhine em maio, presidido por Aung San policiais na fronteira ao norte do estado de Suu Kyi e, em agosto, a Comissão Consultiva Rakhine, em outubro, por supostos militantes sobre o estado de Rakhin, presidida pelo ex- Rohingya. Nove policiais foram mortos. As Secretário Geral da ONU, Kofi Annan. forças de segurança responderam com uma enorme operação de segurança, realizando LIBERDADE RELIGIOSA E DE CRENÇA "operações de limpeza" e vedando a área, A discriminação, a intolerância religiosa e o impedindo a entrada das organizações sentimento antimuçulmano se intensificaram, humanitárias, da imprensa e dos monitores especialmente após os ataques de outubro independentes dos direitos humanos. As no estado de Rakhine. As autoridades não forças de segurança foram responsáveis por conseguiram tomar ações eficazes para assassinatos ilegais, disparo a esmo contra combater o ódio de cunho religioso, nem civis, estupro e prisões arbitrárias.1 Dezenas levar os criminosos responsáveis pelos de milhares de pessoas ficaram desalojadas ataques contra minorias religiosas a após suas casas serem destruídas e pelo julgamento. menos 27 mil fugiram para Bangladesh. A Um ataque de uma quadrilha na região de resposta foi uma punição coletiva a toda a Bago em junho deixou um homem ferido e comunidade Rohinghya no norte do estado destruiu uma mesquita e outro prédio de Rakhine, e a conduta das forças de muçulmano. O Ministro-Chefe da Região segurança pode ter chegado ao nível dos disse à imprensa que nenhuma ação seria crimes de guerra. O governo emitiu tomada contra os supostos criminosos.2 Em comunicados negando que as forças de julho, uma quadrilha atacou um salão de segurança tivessem perpetrado violações dos orações em Hkapant Township, no estado de direitos humanos. Faltou credibilidade à Kachin. Cinco pessoas foram presas, porém comissão de investigação criada pelo governo nenhuma delas foi julgada até o final do ano. em dezembro, pois era comandada por um ex-general do exército e entre seus membros CONFLITO ARMADO INTERNO estava o chefe de polícia. Em agosto, o novo governo realizou a Em todos os locais do estado de Rakhine a "Conferência da União e da Paz no século situação continuava grave, com os Rohingya XXI em Panglong” que procurou avançar e outros grupos muçulmanos enfrentando com o processo de pacificação nacional. restrições severas à sua liberdade de Esperava-se que a Conferência fosse circulação. Eles ficavam confinados às suas convocada a cada seis meses. Teve a vilas ou campos de deslocados, separados participação dos militares, de representantes de outras comunidades. O acesso a meios de da maioria dos grupos armados étnicos e do subsistência, cuidados com a saúde, Secretário Geral da ONU. incluindo tratamentos emergenciais, Apesar desses esforços, a luta continuou segurança alimentar e educação foram em algumas partes do país. Entre abril e bastante restringidos. setembro, houve um aumento no confronto A maioria dos Rohingya continuou entre o Exército de Independência de Kachin desprovida de nacionalidade. Os esforços do e o Exército de Mianmar. O Exército de governo para reiniciar um processo de Mianmar recorreu a ataques aéreos, verificação de cidadania foram bombardeios, assassinatos e lesão de civis. interrompidos. Muitos Rohingya rejeitaram Em setembro, eclodiu um foco de luta esse processo por ele ser baseado na armada no estado de Kayin, quando a Força discriminatória Lei de Cidadania de 1982. Armada da Fronteira e o Exército de Mianmar

Anistia Internacional Informe 2016/17 177 se confrontaram com um grupo dissidente do Exército Benevolente Democrático de Karen. PESSOAS REFUGIADAS E DESLOCADAS Mais combates ocorreram entre o Exército de NO PAÍS Mianmar e o Exército Arakan no estado de De acordo com o Escritório das Nações Rakhine. Em novembro, a Aliança da Unidas para a Coordenação de Assuntos Irmandade do Norte, uma nova coalizão de Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), quatro grupos étnicos armados no norte de havia mais de 250 mil pessoas desalojadas Mianmar, lançou ataques coordenados a em Mianmar. Entre elas, mais de 100 mil postos de segurança no estado de Kachin e eram pessoas deslocadas por conflitos nos no norte de Shan. Os grupos disseram que estados de Kachin e no norte de Shan, e 150 os ataques eram uma resposta às ofensivas mil pessoas, de maioria Rohingya, no estado contínuas do Exército de Mianmar. de Rakhine. Relatos de violações dos direitos humanos Cerca de 100 mil pessoas refugiadas internacionais e do direito humanitário continuaram morando em nove campos na internacional em áreas de conflito armado Tailândia. Em outubro, foi iniciado o primeiro continuaram. As violações incluíram estupro projeto piloto de retorno voluntário de 71 e outros crimes de violência sexual, trabalho pessoas, com apoio dos governos de forçado, prisões arbitrárias, tortura e outros Mianmar e da Tailândia, da ACNUR, a maus tratos, uso de minas terrestres e agência de refugiados da ONU, e outras recrutamento de crianças-soldado. agências. Muitos outros refugiados O Exército de Mianmar tinha dispensado continuaram na Tailândia, expressando 101 crianças e jovens adultos de suas forças temores sobre o retorno a Mianmar. até o final do ano. PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA FALTA DE ACESSO HUMANITÁRIO Em 8 de abril, uma semana após o novo Desde abril, o governo aumentou as governo assumir, dezenas de manifestantes restrições de acesso para a ONU e outras estudantis detidos desde março de 2015 agências e atores humanitários às foram libertados. Em 17 de abril, 83 comunidades deslocadas em áreas que não prisioneiros, incluindo muitos prisioneiros de estão sob seu controle no norte de Mianmar.3 consciência, foram libertados após o perdão Ele considerou exigir que as pessoas presidencial.4 deslocadas nessas áreas cruzassem Prisioneiros de consciência fronteiras internacionais para receber ajuda, permaneceram sob custódia e prisões e uma posição que, se for implementada, detenções com motivação política violaria o direito humanitário internacional. continuaram. Dezenas de pessoas foram No estado de Rakhine, as agências investigadas por “difamação on-line” de humanitárias internacionais precisaram se acordo com a Lei de Telecomunicações de submeter a procedimentos impraticáveis 2013, uma lei com um texto bastante vago para obter autorização de viagem para usada cada vez mais para reprimir a crítica fornecer serviços às comunidades pacífica com foco nas autoridades. Em vulneráveis. Após os ataques no norte do outubro, Hla Phone foi condenado a dois estado de Rakhine em outubro, todos os anos de prisão por “difamação online” e serviços humanitários pré-existentes foram “incitação” por criticar o governo anterior e o suspensos, afetando mais de 150 mil Exército de Mianmar no Facebook. pessoas. Ao mesmo tempo em que os Ex-prisioneiros de consciência serviços foram retomados em algumas áreas, continuaram a enfrentar uma série de estima-se que 30 mil pessoas deslocadas problemas devido às condições das prisões e não conseguiram acesso à ajuda humanitária seu status como ex-prisioneiros, incluindo contínua devido às operações de segurança falta de cuidados médicos e psicológicos, até o final do ano. acesso à educação e oportunidades de

178 Anistia Internacional Informe 2016/17 emprego. Não havia programas do governo sequência, duas líderes de protestos foram oferecendo suporte e reabilitação aos ex- acusadas de delitos penais e sentenciadas à prisioneiros ou a suas famílias. pena máxima de quatro anos na prisão. O projeto de Letpadaung tinha um longo LIBERDADES DE EXPRESSÃO, histórico de causar a remoção forçada e a ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO repressão violenta de protestos contra a O novo governo iniciou uma revisão de mina, embora ninguém tenha sido determinadas leis repressivas, e revogou a responsabilizado. Lei de Proteção do Estado de 1975 e a Lei de Em outubro, o Ministério da Indústria Provisões de Emergência de 1950, usadas renovou a licença de funcionamento da para prender críticos pacíficos dos governos fábrica de ácidos Moe Gyo, que processa anteriores. Contudo, outras leis repressivas cobre para as minas Letpadaung e S&K. A foram mantidas, deixando os defensores e licença foi renovada apesar de sérias defensoras dos direitos humanos vulneráveis preocupações de que a saúde dos habitantes a prisões e detenções devido a suas de vilarejos próximos havia sido gravemente atividades pacíficas.5 Não houve afetada, e apesar de as autoridades transparência no processo de reforma municipais de Salyingyi terem decidido jurídica e o Parlamento não consultou a anteriormente não renovar a licença da sociedade civil e os especialistas jurídicos de fábrica até a avaliação de seu impacto à forma adequada. Propostas de emendas à saúde e ao meio-ambiente. Lei de Reuniões e Manifestações Pacíficas de 2012 foram insuficientes face aos requisitos PENA DE MORTE internacionais de legislação e padrões de Nenhuma execução foi realizada, embora os direitos humanos.6 Um projeto de lei sobre tribunais continuassem a impor penas de privacidade e segurança continha diversas morte. Em janeiro, o presidente Thein Sein disposições que, se adotadas, poderiam comutou as penas de morte de 77 restringir de forma arbitrária o direito à prisioneiros e prisioneiras para prisão liberdade de expressão, bem como outros perpétua. Em outubro, o Parlamento revogou direitos. a Lei de Provisões de Emergência de 1950, Os defensores dos direitos humanos, que permitia a pena de morte. A pena de advogados e jornalistas continuaram a morte permaneceu como parte de outras leis. enfrentar intimidações, hostilidades e vigilância das autoridades. Eles relataram IMPUNIDADE estar sendo seguidos, fotografados ao A estrutura institucional e legislativa manteve comparecer a eventos e reuniões, inspeções obstáculos para condenar criminosos durante a madrugada em suas casas e responsáveis por violações aos direitos escritórios, e familiares hostilizados. humanos e para fornecer justiça, verdade e Mulheres defensoras dos direitos humanos reparações às vítimas e às suas famílias. A estavam especialmente vulneráveis ao maioria dos criminosos responsáveis por assédio sexual e à intimidação. violações passadas e atuais aos direitos humanos continuaram a se esquivar da PRESTAÇÃO DE CONTAS justiça. Em outubro, o Parlamento adotou uma nova Em janeiro, apenas alguns dias antes de Lei de Investimentos. Contudo, não havia ser dissolvido, o Parlamento adotou a Lei de provisões que protegessem as pessoas Segurança de Ex-Presidentes, que poderia contra a remoção forçada ou contra o garantir a imunidade a ex-presidentes por impacto da poluição causado pelos negócios. crimes cometidos durante seus mandatos, Em maio, os protestos recomeçaram na incluindo crimes contra a humanidade, mina Letpadaung, após o anúncio de que ela crimes de guerra e outros crimes havia começado a produzir cobre. Na reconhecidos pelo direito internacional.7

Anistia Internacional Informe 2016/17 179 Em julho, o exército fez um raro (RPU) da ONU sobre Mianmar. Embora reconhecimento público de um crime, ao Mianmar tenha aceitado mais da metade das anunciar que sete soldados haviam matado recomendações, foram rejeitadas as habitantes de uma vila no norte do estado de recomendações principais sobre os direitos à Shan e que um julgamento em corte marcial liberdade de expressão, de associação e estava em andamento. Os soldados foram manifestação pacífica e da situação dos condenados a cinco anos de prisão com Rohingya.9 Em julho, o Comitê das Nações trabalhos forçados em setembro. Apesar de Unidas sobre a Eliminação da Discriminação ser um passo à frente em relação à contra a Mulher levantou questões sobre leis transparência militar, o caso também discriminatórias, barreiras no acesso à justiça destacou a necessidade de reformas nos para mulheres e meninas, bem como sua sistemas de justiça militar e civil. De acordo representação insuficiente no processo de com a Constituição de 2008, os militarem paz.10 mantêm o controle sobre seus próprios Ainda não houve acordo para estabelecer processos judiciais, mesmo quando se trata um Escritório do Alto Comissariado das de alegações de violações de direitos Nações Unidas para os Direitos Humanos em humanos. Mianmar. A Comissão Nacional dos Direitos Humanos de Mianmar continuou ineficaz e 1. "We are at breaking point": Rohingya - Persecuted in Myanmar, sem independência em relação a respostas neglected in Bangladesh (ASA 15/5362/2016) aos relatos de violações dos direitos 2. Myanmar: Investigate violent destruction of mosque buildings (News humanos. Em outubro, quatro membros da story, 24 June) Comissão renunciaram após a imprensa 3. Myanmar: Lift restrictions immediately on humanitarian aid (News informar que tinham negociado um acordo story, 24 October) financeiro em um caso envolvendo trabalho 4. Myanmar: Continue efforts to release all remaining prisoners of infantil forçado e maus tratos. conscience (ASA 16/3981/2016) 5. New expression meets old repression: Ending the cycle of political ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL arrests and imprisonment in Myanmar (ASA 16/3430/2016) Pela primeira vez em 25 anos, a Assembleia 6. Myanmar: Open letter on amending the Peaceful Assembly and Geral da ONU não adotou uma resolução Peaceful Assembly and Procession Act (ASA 16/4024/2016) sobre Mianmar após a União Europeia 7. Myanmar: Scrap or amend new law that could grant immunity to decidir não propor um texto preliminar. former president (News story, 28 January) Nenhuma das principais recomendações 8. Myanmar: Why a UNGA resolution is still needed (ASA 16/4745/2016) relacionadas a direitos humanos em 9. Myanmar: Amnesty International calls on Myanmar to protect the resoluções anteriores havia sido totalmente rights of Rohingya and to release all prisoners of conscience (ASA 16/3670/2016) implementada.8 A Relatora Especial da ONU sobre a 10. Myanmar: Briefing to the UN Committee on the Elimination of Discrimination against Women (ASA 16/4240/2016) situação dos direitos humanos em Mianmar fez duas visitas oficiais ao país. Apesar de o acesso dela às informações ter melhorado, ela informou uma vigilância constante e MOÇAMBIQUE hostilidades para com os membros da sociedade civil com quem ela teve contato. República de Moçambique Ela também relatou ter descoberto um Chefe de estado e de governo: Filipe Jacinto Nyusi dispositivo de gravação colocado por um oficial do governo durante uma reunião da As forças de segurança e membros e comunidade no estado de Rakhine. apoiadores da oposição cometeram Em março, o Conselho de Direitos violações de direitos humanos com Humanos da ONU adotou o resultado do impunidade, entre os quais assassinatos, processo da Revisão Periódica Universal tortura e outros maus-tratos. Milhares de

180 Anistia Internacional Informe 2016/17 pessoas refugiadas fugiram para o Malaui e fechada. Até o fim do ano, o relatório ainda para o Zimbábue. Pessoas que expressaram não havia sido publicado. divergência ou criticaram as violações de A situação de direitos humanos de direitos humanos, a instabilidade militar e Moçambique foi avaliada no processo de financeira ou as dívidas escondidas do país Revisão Periódica Universal da ONU em enfrentaram ataques e intimidação. junho. O país aceitou 180 recomendações e rejeitou 30. Recomendações sobre a INFORMAÇÕES GERAIS ratificação da Convenção Internacional Embates violentos continuaram acontecendo contra o desaparecimento forçado e o entre o partido da situação, a Frente de Estatuto de Roma do Tribunal Penal Libertação de Moçambique (FRELIMO), e o Internacional (TPI), e sobre a liberdade de principal partido de oposição, a Resistência expressão e prestação de contas corporativa Nacional Moçambicana (RENAMO), no estavam entre as rejeitadas.1 centro de Moçambique. Em 5 de março, o Presidente Nyusi IMPUNIDADE convidou Afonso Dhlakama, líder da Há relatos de que membros das forças RENAMO, para conversar sobre “restaurar a armadas, policiais e agentes do serviço paz no país“. As conversas entre membros secreto tenham violado direitos humanos de da FRELIMO e da RENAMO começaram. Em uma série de pessoas que eles acreditavam 10 de junho, as equipes concordaram em ser membros ou apoiadores da RENAMO. convidar mediadores internacionais para Essas violações incluíram execuções facilitar as conversas sobre quatro assuntos: extrajudiciais, tortura e outros maus-tratos, A RENAMO governar as seis províncias que detenções arbitrárias e destruição de alega ter ganhado nas eleições de 2014; fim propriedades. A impunidade para crimes das atividades armadas; formação de forças como esses, reconhecidos pelas leis armadas, polícia e serviços de inteligência internacionais, e para violações de direitos conjuntos; e o desarmamento e reintegração humanos continuou. dos membros armados da RENAMO. Em 10 de maio, Benedito Sabão, agricultor Em agosto, os mediadores apresentaram de subsistência da cidade de Catandica, na uma proposta de acordo. Entretanto, os província de Manica, foi preso partidos discordaram sobra a condição que arbitrariamente, sofreu maus tratos e foi impunha ao governo a retirada de suas baleado por pessoas suspeitas de serem forças armadas da região de Gorongosa, agentes do Serviço de Informações e onde Afonso Dhlakama fica baseado, e não Segurança do Estado (SISE), supostamente chegaram a um acordo. As conversas por Benedito apoiar a RENAMO. Ele continuaram até o fim do ano. sobreviveu ao ataque, mas continuou Em abril, a existência de um empréstimo recebendo ameaças.2Até o fim do ano, as escondido de mais de USD 1 bilhão para pessoas suspeitas de serem responsáveis despesas com segurança e defesa veio à pelo crime não tinham sido identificadas, tona. A divulgação levou o Fundo Monetário muito menos levados à justiça. Internacional (FMI) e outros doadores Em junho, um grupo de agricultores de internacionais a suspender a ajuda financeira subsistência moçambicanos vivendo num para Moçambique, até que aconteça uma campo de refugiados no Malaui disse que auditoria internacional independente. Em seu vilarejo, na província de Tete, em agosto, uma comissão de inquérito Moçambique, tinha sido invadido por quatro parlamentar foi formada para investigar o veículos com cerca de 60 civis com armas de caso, mas a maioria dos membros era da fogo e facões; o vilarejo tinha sido rotulado FRELIMO então foi boicotada pelo RENAMO. como base da RENAMO. Os agressores As descobertas da comissão foram discutidas incendiaram o vilarejo e as plantações a no Parlamento em 9 de dezembro em sessão partir das quais os agricultores locais tiravam

Anistia Internacional Informe 2016/17 181 seu sustento. Os refugiados acreditam que eram membros de um esquadrão da morte esses homens eram membros das forças composto por agentes de segurança. Os armadas. homens atiraram em suas pernas e o Houve relatos de que membros e jogaram na beira de uma estrada no distrito apoiadores da RENAMO saquearam de Marracuene, 30 km ao norte de Maputo. unidades de saúde e realizaram ataques em Os sequestradores disseram ter ordens para estradas e delegacias, o que resultou em deixá-lo aleijado. José Jaime Macuane havia uma série de mortes entre a população geral abordado publicamente questões de e ataques à polícia e às forças armadas. O governança política, os embates contínuos governo não investigou nem processou os entre a FRELIMO e a RENAMO, as dívidas crimes cometidos contra a população por escondidas e violações ao direito à liberdade membros e apoiadores da RENAMO. de expressão. Até o fim do ano, os Em maio, a mídia local e internacional e responsáveis pelo sequestro e pelos tiros não organizações da sociedade civil relataram a tinham sido identificados. descoberta de corpos não identificados e de uma vala comum na região de Gorongosa. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO Foi iniciada uma investigação em junho, mas Após a descoberta das dívidas escondidas nem os corpos nem as pessoas responsáveis em abril, um protesto foi convocado pelas mortes haviam sido identificados até o anonimamente por meio de mensagens de fim do ano. texto e mídias sociais. Em 25 de abril, a Em 8 de outubro, Jeremias Pondeca, polícia anunciou que todos os protestos não membro sênior da RENAMO e integrante da autorizados seriam reprimidos. Em 28 e 29 equipe de mediação para encerrar o conflito de abril, a polícia reforçou sua presença nas entre a RENAMO e o governo, foi morto a ruas de Maputo, mas não houve protestos. tiros na capital, Maputo, por homens não Em maio, partidos políticos sem identificados. Acredita-se que eram membros representação parlamentar e organizações da de um esquadrão da morte composto por sociedade civil organizaram um protesto agentes de segurança. Até o fim do ano, os pacífico contra as dívidas escondidas do responsáveis pelo crime não tinham sido país, a instabilidade militar e política. No identificados. entanto, o Conselho Municipal de Maputo não permitiu que o protesto acontecesse. PESSOAS REFUGIADAS E SOLICITANTES João Massango, membro líder do Partido DE REFÚGIO Ecologista, foi um dos organizadores do De acordo com o ACNUR, agência da ONU protesto. Em 20 de maio, ele foi vítima de para pessoas refugiadas, cerca de 10 mil uma tentativa de sequestro e foi espancado moçambicanos buscaram refúgio no Malaui por homens não identificados. Acredita-se e no Zimbábue. O governo moçambicano que eram membros de um esquadrão da não os reconheceu como refugiados, mas morte composto por agentes de segurança como migrantes econômicos. de Maputo. Até o fim do ano, os responsáveis pelo ataque não haviam sido identificados. LIBERDADE DE EXPRESSÃO Intimidação e ataques contra pessoas que 1. 1 Mozambique: Amnesty International welcomes commitment to expressaram divergência ou visões críticas, investigate extrajudicial executions, torture and other ill-treatment incluindo jornalistas, defensoras e defensores (AFR 41/4449/2016) de direitos humanos ocorreram durante o 2. 2 Mozambique: Accused of being opposition member, shot at: ano todo. Benedito Sabão (AFR 41/4099/2016) Em 23 de maio, o comentarista político e professor universitário José Jaime Macuane foi sequestrado em sua casa em Maputo por homens não identificados. Acredita-se que

182 Anistia Internacional Informe 2016/17 NICARÁGUA GRANDE CANAL INTEROCEÂNICO A proposta de construir o Grande Canal República da Nicarágua Interoceânico continuou a gerar Chefe de estado e de governo: Daniel Ortega Saavedra controvérsias, com organizações da sociedade civil reportando uma série de Conflitos relacionados à terra na Região potenciais violações de direitos humanos Autônoma do Atlântico Norte geraram ligadas ao projeto. De acordo com as ataques violentos contra o povo indígena organizações locais, se for construído, o Misquito. Defensores e defensoras dos canal levaria à remoção de milhares de direitos humanos continuaram a sofrer pessoas, afetando diretamente a subsistência ameaças e intimidações devido ao seu de comunidades de camponeses, povos trabalho. Comunidades indígenas e negras indígenas, entre outras. denunciaram violações de seus direitos à Em abril, membros do Conselho Nacional consulta e à autorização livre, prévia e para a Defesa da Terra, dos Lagos e da informada no contexto do desenvolvimento Soberania Nacional apresentaram um projeto do Grande Canal Interoceânico. de lei ao Primeiro Secretário da Assembleia Comunidades e organizações de direitos Geral apoiado por quase 7 mil assinaturas, humanos expressaram preocupação em exigindo que a lei que regula o Canal seja relação ao potencial impacto negativo do revogada. Em abril, a proposta foi rejeitada Canal em suas vidas. O aborto continua devido à falta de competência.1O assunto foi totalmente proibido. encaminhado para a Suprema Corte e a decisão ainda estava pendente até o fim do INFORMAÇÕES GERAIS ano.2 Em novembro, Daniel Ortega da Frente de Em fevereiro, líderes de comunidades Liberação Nacional Sandinista (FSLN, na indígenas e negras Rama-Kriol afetadas sigla em espanhol) foi reeleito presidente levaram seu caso ao tribunal nacional. Eles para um terceiro mandato consecutivo. afirmam que os oficiais haviam pressionado Rosario Murillo, sua esposa, foi eleita Vice- as comunidades a autorizar o projeto. De Presidente pela primeira vez. De acordo com acordo com o processo, 52% da rota do relatórios da mídia, a FSLN também Canal afetaria as comunidades indígenas e aumentou sua representação no Congresso. negras Rama-Kriol.3 Em maio, autoridades da comunidade DIREITOS DAS MULHERES Rama-Kriol entraram com uma ação em um Casos de violência contra a mulher Tribunal de Segunda Instância. As continuaram ocorrendo sem justiça. Um autoridades da comunidade alegaram que o observatório local gerenciado por acordo de autorização prévia, livre e organizações dos direitos das mulheres informada para a implementação do Grande relatou que entre janeiro e outubro houve 44 Canal Interoceânico havia sido assinado sem feminicídios, e que 30 deles permanecem um processo efetivo de consulta. Em junho, o sem julgamento. Tribunal de Apelação declarou a petição Mulheres pobres continuaram a ser as improcedente. Em julho, líderes comunitários principais vítimas de mortalidade materna, e e autoridades abriram outro processo na a Nicarágua tem uma das mais altas taxas de Suprema Corte e a decisão estava em aberto gravidez na adolescência na região das até o final do ano.4 Américas. O aborto foi proibido em todas as circunstâncias, mesmo quando essencial DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS para salvar a vida da mulher. A violência explodiu na Região Autônoma do Atlântico Norte. Os povos indígenas Misquito foram ameaçados, atacados, submetidos à

Anistia Internacional Informe 2016/17 183 violência sexual, assassinados e deslocados Além disso, a Coordenadora do Conselho de forma forçada por colonos não indígenas. Nacional para a Defesa da Terra, do Lago e Contra este histórico de conflito territorial e da Soberania Nacional reportou intimidações falta de medidas de proteção efetivas do e assédios contra ela e seus familiares. Ela Estado, a Comissão Interamericana de havia denunciado ativamente o potencial Direitos Humanos garantiu medidas impacto do Grande Canal Interoceânico cautelares em favor dos povos Misquito. sobre as comunidades de camponeses da Além disso, em setembro, o Tribunal Nicarágua. Interamericano de Direitos Humanos sentenciou o Estado a adotar imediatamente 1. Nicarágua: The state must guarantee the security and integrity of todas as medidas necessárias para acabar communities peacefully demonstrating their concerns over com a violência e garantir o respeito ao construction of the Canal (AMR 43/3887/2016) direito à vida, à integridade pessoal e 2. Nicaragua: Authorities must listen to those expressing concern over territorial e à identidade cultural. the Grand Interoceanic Canal (AMR 43/4744/2016) 3. Nicaragua side-lines local communities over multi-billion dollar DEFENSORES E DEFENSORAS DOS canal (News story, 9 February 2016) DIREITOS HUMANOS 4. Nicaragua: El Estado nicaragüense no debe ignorar a las Em junho, um abrigo controlado comunidades indígenas y afrodescendientes que demandan el respeto a sus derechos (AMR 43/4919/2016) pela Fundação Civil para o Apoio a Mulheres Vítimas de Violência foi invadido. Não houve evidência de qualquer tentativa séria de investigar o incidente por parte das NIGÉRIA autoridades. Em junho, seis ativistas ambientais República Federativa da Nigéria estrangeiros foram detidos e expulsos do Chefe de estado e de governo: Muhammadu Buhari país. No mesmo contexto, diversos membros de comunidades que haviam expressado O conflito entre os militares e o grupo publicamente suas preocupações sobre o armado Boko Haram continuou, gerando impacto do Grande Canal Interoceânico em uma crise humanitária que afetou mais de suas criações foram detidos por um curto 14 milhões de pessoas. As forças de período. segurança continuaram a cometer graves Em agosto, a Comissão Interamericana de violações dos direitos humanos, incluindo Direitos Humanos garantiu medidas execuções extrajudiciais e preventivas em favor de defensores e desaparecimentos forçados. A polícia e os defensoras dos direitos humanos no Centro militares continuaram a cometer torturas e de Justiça e Direitos Humanos da Costa outros maus-tratos. As condições na prisão Atlântica da Nicarágua. De acordo com a militar eram rigorosas. A violência entre Comissão, os defensores afirmaram terem comunidades ocorreu em muitas partes do recebido ameaças de morte devido ao seu país. Milhares de pessoas sofreram trabalho em defesa dos direitos indígenas. remoções forçadas. Em outubro, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos realizou uma audiência do CONFLITO ARMADO caso Acosta versus Nicarágua. De acordo Boko Haram com sua família, Francisco García, que foi O Boko Haram continuou a cometer crimes assassinado em 2002, se tornou alvo devido de guerra e crimes contra a humanidade no ao seu trabalho de diretor do Centro de nordeste, afetando 14,8 milhões de pessoas. Assistência Jurídica para Pessoas Indígenas. O grupo continuou a realizar ataques e Seus parentes alegam que o Estado falhou invasões em pequena escala durante o ano. em investigar o ataque de forma diligente. As forças armadas nacionais e regionais

184 Anistia Internacional Informe 2016/17 recapturaram importantes cidades do vigilância em Bama, no estado de Borno, a controle do Boko Haram. ONG Médicos Sem Fronteiras relatou que Em sua resposta aos ataques do Boko mais de 1.200 corpos haviam sido Haram, os militares continuaram a realizar enterrados ao longo do período de um ano. prisões arbitrárias, detenções, maus-tratos e Tanto o CJFT quanto o exército foram execuções extrajudiciais de pessoas acusados de exploração sexual de mulheres suspeitas de serem combatentes do Boko nos campos de IDP em troca de dinheiro ou Haram - atos que culminaram em crimes de comida, ou em troca de deixá-las sair dos guerra e possíveis crimes contra a campos. humanidade. Em maio, o exército prendeu 737 homens PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS como suspeitos de integrar o Boko Haram, Os militares prenderam arbitrariamente que foram transferidos para prisões em milhares de jovens, mulheres e crianças, que Maiduguri, capital do estado de Borno. fugiram para a segurança de cidades Alguns deles foram acusados de serem retomadas, incluindo Banki e Bama, no "vagabundos incorrigíveis", o que levou a estado de Borno. Essas prisões foram sentenças de dois anos de prisão e/ou multa. amplamente baseadas em perfis aleatórios Em abril, o Ministério da Defesa iniciou a dos homens, especialmente os jovens, em Operação Corredor Seguro para "reabilitar vez de se basearem na suspeita razoável de combatentes arrependidos e rendidos do que tenham cometido um crime Boko Haram". devidamente reconhecido como tal. Na Em 13 de outubro, 21 meninas de Chibok maioria dos casos, as prisões foram feitas em idade escolar, raptadas em 2014, foram sem investigação adequada. Outras pessoas libertadas pelos combatentes do Boko Haram foram detidas de forma arbitrária conforme após negociações. Das 219 meninas de tentavam fugir do Boko Haram. As pessoas Chibok raptadas, 196 permaneciam detidas pelos militares não tiveram acesso a desaparecidas. suas famílias, nem a advogados, e não foram levadas a julgamento. Mais de 1.500 pessoas PESSOAS DESLOCADAS INTERNAMENTE detidas foram liberadas ao longo do ano. Havia ainda pelo menos dois milhões de As prisões em massa pelos militares de pessoas internamente deslocadas (IDP) no pessoas que fugiam do Boko Haram levaram norte da Nigéria; 80% delas vivia em à superpopulação das instalações prisionais comunidades anfitriãs, e o restante vivia nos militares. Nas instalações prisionais militares campos. Os campos em Maiduguri dos quartéis de Giwa, Maiduguri, as pessoas permaneceram superlotados, com acesso detidas sofriam com doenças, desidratação e inadequado a alimentos, água potável e inanição em celas superlotadas. Ao menos saneamento. 240 detidos morreram durante o ano. Corpos Nos chamados territórios inacessíveis no foram secretamente enterrados no cemitério estado de Borno, dezenas de milhares de de Maiduguri pela equipe da agência de IDP foram mantidos em campos sob a tutela proteção ambiental do estado de Borno. de guardas armados pelos militares da Entre os mortos estavam pelo menos 29 Nigéria e a Força Civil de Ação Conjunta crianças e bebês, com idades entre recém- (CJTF, na sigla em inglês), uma milícia de nascidos e 5 anos. civis patrocinada pelo estado formada para Nos quartéis de Giwa, crianças com combater o Boko Haram. A maioria dos IDP menos de cinco anos ficavam detidas em não tinha permissão para deixar os campos e três celas femininas superlotadas e não recebiam alimentos, água, nem cuidados insalubres, junto com pelo menos 250 médicos apropriados. Milhares de pessoas mulheres e meninas por cela. Algumas morreram nesses campos devido à severa crianças nasceram na prisão. desnutrição. Em junho, em um campo sob

Anistia Internacional Informe 2016/17 185 abriram um processo contra a Shell na corte IMPUNIDADE do Reino Unido. Houve uma contínua falta de Empresas do setor de petróleo responsabilização por graves violações dos continuaram a colocar a culpa em direitos humanos cometidas por agentes de sabotagens e furtos por sua ineficiência em segurança. Nenhuma investigação evitar derramamentos ou restaurar áreas independente e imparcial de crimes contaminadas. As alegações foram baseadas cometidos pelos militares ocorreu, apesar em uma investigação falha do derramamento das repetidas promessas do presidente em de óleo realizada pelas empresas petrolíferas, maio. Contudo, representantes militares em vez da NOSDRA. seniores que alegaram ter cometido crimes de acordo com leis internacionais Delta do Níger permaneceram sem investigação, o major- Em janeiro, o grupo armado Vingadores do general Ahmadu Mohammed foi readmitido Delta do Níger começaram a atacar e ao exército em janeiro. Ele estava no explodir tubulações na região. O governo comando das operações quando os militares respondeu aumentando significativamente a executaram mais de 640 detidos após um presença militar na região. As atividades dos ataque do Boko Haram ao centro de Vingadores do Delta do Níger causaram detenção nos quartéis de Giwa em 14 de redução na produção do petróleo. março de 2014. Em seu relatório preliminar de novembro, PENA DE MORTE o escritório da Promotoria do Tribunal Penal Três homens foram secretamente executados Internacional (TPI) anunciou que continuará em 23 de dezembro na prisão de Benim, sua análise de quaisquer novas alegações de estado de Edo. Um deles havia sido crimes cometidos na Nigéria e sua avaliação sentenciado à morte pelo tribunal militar em sobre a admissibilidade dos oito casos 1998, o que significa que ele não tinha potenciais identificados em 2015, para direito de apelar. Os juízes continuaram a decidir se os critérios para abrir uma emitir sentenças de morte durante todo o investigação foram cumpridos. ano. Em 4 de maio, o Senado resolveu decretar uma lei que considerava a pena de PRESTAÇÃO DE CONTAS morte como punição para raptos, após o Em junho, o governo lançou um programa crescimento de sequestros em todo o país. para limpar a contaminação causada por Uma série de estados decretou ou propôs derramamento de óleo e restaurar o meio- leis similares. ambiente da região de Ogoniland, no Delta do Níger. Houve centenas de derramamentos LIBERDADE DE EXPRESSÃO — durante o ano. JORNALISTAS O governo continuou sem conseguir O governo prendeu pelo menos 10 jornalistas responsabilizar as empresas do setor, e blogueiros, alguns sem julgamento. incluindo a Shell. Ele não ofereceu a Em agosto, Abubarak Usman, um supervisão necessária para assegurar que as blogueiro influente, foi preso em Abuja pela empresas evitassem derramamentos ou que agência anticorrupção da Comissão de respondessem por isso. A Agência Nigeriana Crimes Econômicos e Financeiros, acusando- de Resposta e Detecção de Vazamentos de o de se opor à Lei de Crimes Cibernéticos. A Petróleo (NOSDRA) permaneceu ineficaz e Comissão não apontou quais foram as certificou áreas que continuavam cláusulas específicas violadas pelo blogueiro, contaminadas como limpas. e ele foi solto sem ser acusado formalmente. Em março, duas comunidades do Delta do Em setembro, Jamil Mabai foi preso pela Níger afetadas por derramamentos de óleo polícia por postar comentários no Facebook e

186 Anistia Internacional Informe 2016/17 no Twitter com críticas ao governo do estado para o número de execuções extrajudiciais e de Katsina. homicídios. Desde janeiro, em resposta à No início de setembro, o editor Emenike agitação contínua de ativistas pró-Biafra, as Iroegbu foi preso em Uyo, no estado de Akwa forças de segurança arbitrariamente Ibom, por suposta difamação. prenderam e mataram pelo menos 100 Em 5 de setembro, Ahmed Salkida, um membros e simpatizantes do grupo Pessoas jornalista nigeriano radicado nos Emirados Indígenas de Biafra (IPOB, na sigla em Árabes Unidos foi declarado procurado pelos inglês). Alguns desses presos foram militares e, depois, preso pelos serviços de submetidos a desaparecimentos forçados. segurança estaduais na chegada à Nigéria. Em 9 de fevereiro, soldados e agentes de Ele estava entre três pessoas presas e polícia atiraram em cerca de 200 membros detidas por um curto período por suspeita de IPOB que haviam se reunido para uma ligação com o Boko Haram e por facilitar a oração no Colégio Nacional na Aba, no liberação do vídeo do Boko Haram sobre as estado de Abia. Imagens de vídeo mostraram meninas sequestradas de Chibok. soldados atirando em membros do IPOB Posteriormente ele foi solto, mas seu pacíficos e desarmados; pelo menos 17 passaporte continuou confiscado. pessoas foram mortas e muitas ficaram feridas. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO Nos dias 29 e 30 de maio, pelo menos 60 As forças de segurança interromperam pessoas foram mortas em uma operação de protestos e manifestações pacíficas, em segurança conjunta realizada pelo exército, a alguns casos de forma violenta e com uso polícia, o Departamento de Segurança do excessivo da força. Em 6 de setembro, a Estado e a Marinha. Ativistas pró-Biafra se polícia conteve membros do movimento reuniram para celebrar o Dia da Lembrança Traga Nossas Meninas de Volta (Bring Back de Biafra em Onitsha. Não foi iniciada Our Girls). Eles enviaram notificação sobre o nenhuma investigação relacionada a esses protesto e se reuniram pacificamente do lado assassinatos até o final do ano. de fora do escritório e residência do presidente em Abuja para exigir a libertação DESAPARECIMENTOS FORÇADOS das meninas raptadas de Chibok. Em 3 de abril, Chijioke Mba foi preso pela Em 22 de setembro, em Abuja, a polícia unidade antissequestro das forças policiais disparou bombas de gás lacrimogêneo para em Enugu, por pertencer a uma sociedade dispersar um protesto pacífico do Movimento ilegal. Sua família e advogado não o viram Islâmico na Nigéria, resultando em alguns mais desde maio. pequenos ferimentos. Em 16 de agosto, Sunday Chucks Obasi Um grupo de apoiadores da foi sequestrado de sua casa em Amuko independência de Biafra foi detido – muitos Nnewi, no estado de Anambra, por cinco deles desde o final de janeiro – por tentarem homens armados suspeitos de serem realizar ou participar de reuniões pacíficas. agentes de segurança da Nigéria em um Em várias ocasiões, as forças de segurança veículo com placa de registro do governo. usaram força excessiva contra ativistas pro- Testemunhas disseram que ele foi ferido Biafra em todo o sudeste da Nigéria. durante o incidente. Seu paradeiro permanece desconhecido até o momento. ASSASSINATOS ILEGAIS Os militares ocuparam 30 dos 36 estados da TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Nigéria e o território da capital federal de A polícia e os militares continuaram a Abuja, aonde realizavam funções de cometer tortura e outros maus-tratos durante policiamento de rotina, incluindo de o interrogatório de suspeitos ou detidos para manifestações pacíficas. A ocupação militar extrair informações e supostas confissões. O para vigiar manifestações públicas contribuiu Esquadrão Especial Antirroubo (SARS) da

Anistia Internacional Informe 2016/17 187 polícia frequentemente cometia torturas e outros maus-tratos durante os interrogatórios. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO Em setembro, o inspetor-geral da polícia Ibrahim El-Zakzaky, líder do Movimento advertiu o SARS sobre as torturas e os Islâmico da Nigéria (IMN), permaneceu em encorajou a seguirem o devido processo detenção, incomunicável e sem julgamento legal. desde sua prisão em dezembro de 2015. Em 18 de maio, Chibuike Edu morreu sob Entre 12 e 14 de dezembro de 2015, os custódia da polícia, depois de ter sido preso soldados mataram mais de 350 por roubo e ficado detido por duas semanas manifestantes e simpatizantes do IMN em pelo SARS em Enugu. As autoridades dois locais em Zaria, no estado de Kaduna. policiais estavam investigando o incidente. Centenas de membros da IMN foram Até o final do ano, ninguém foi presos e continuaram sendo mantidos em responsabilizado. centros de detenção nos estados de Kaduna, A Assembleia Nacional ainda estava para Bauchi, Plateau e Kano. aprovar o projeto de lei antitortura que visa Em 11 de abril, as autoridades do estado proibir e criminalizar a tortura. Em junho, o de Kaduna admitiram para uma Comissão de PL passou por sua primeira leitura no Inquérito Judicial que haviam secretamente Senado. Anteriormente havia sido aprovado enterrado 347 corpos em uma vala comum pela Câmara dos Deputados e revisado pela dois dias depois do massacre de dezembro Comissão de Reforma das Leis da Nigéria. A de 2015. versão revisada deveria ser debatida no Em 15 de julho, a Comissão apresentou Senado. seu relatório ao governo do estado, acusando o exército nigeriano de homicídios ilegais. Em VIOLÊNCIA NAS COMUNIDADES dezembro, o governo do estado de Kaduna Violência entre comunidades ocorreu em publicou seu informe oficial sobre o relatório, muitas partes do país. Muitos incidentes que rejeitou a maioria das recomendações da estavam ligados a persistentes confrontos Comissão. entre pastores e comunidades agrícolas. Em 22 de setembro, a Comissão Nacional Em fevereiro, pelo menos 45 pessoas de Direitos Humanos divulgou um relatório morreram em Agatu, estado de Benue, após acusando o IMN e os militares pelo ataques cometidos supostamente por assassinato de membros do IMN. No mesmo pastores. Em abril, ao menos nove pessoas dia, a polícia bloqueou manifestantes do IMN foram mortas supostamente por pastores na e jogou bombas de gás lacrimogêneo em Comunidade Nimbo/Ukpabi, no estado de seus membros durante um protesto para Enugu. A comunidade disse que havia exigir a libertação de seu líder. Em 6 de avisado as autoridades sobre o ataque que outubro, o governador do estado de Kaduna estava para ocorrer, mas as forças de declarou o IMN uma sociedade ilegal. Após a segurança não conseguiram impedi-lo. Cinco declaração, membros do IMN foram pessoas detidas pela polícia devido às mortes violentamente atacados em vários estados estavam aguardando julgamento. em todo o país, incluindo Kaduna, Kano, Em maio, pelo menos duas pessoas foram Katsina e Plateau. Diversos membros do IMN mortas na Comunidade Oke-Ako, no estado também foram presos ou detidos pelos de Ekiti, supostamente por pastores. Em militares. resposta, em agosto, o governo do estado promulgou uma lei que proíbe o gado em DIREITO À MORADIA terras não designadas para esse fim no Remoções forçadas de milhares de pessoas, estado. impactando vários de seus direitos, ocorreram em pelo menos dois estados e no Território da Capital Federal de Abuja.

188 Anistia Internacional Informe 2016/17 Em fevereiro, um Tribunal de Inquérito criado pelo governo do estado de Lagos DIREITOS LGBTI descobriu que o governo não havia A lei que proíbe o casamento entre pessoas conseguido consultar, compensar e fornecer do mesmo gênero permaneceu em vigor. A de forma genuína e adequada o polícia continuou a prender pessoas LGBTI. reassentamento prometido de comunidades Homens percebidos como gays foram agrícolas que foram violentamente expulsas atacados por multidões, além de serem alvo de suas casas e terras entre 2006 e janeiro de extorsão e chantagem. de 2016. Entre 2 e 5 de julho, o governo do estado DIREITOS DAS CRIANÇAS de Rivers expulsou violentamente mais de Em maio, o estado de Bayelsa aprovou a Lei 1.600 residentes na Ilha de Eagle alegando de Direitos das Crianças, elevando para 23 o que era para combater o crime. número de estados que aprovaram a lei. Após as remoções forçadas de março e Além disso, a Assembleia Estadual de Enugu setembro, em 9 de outubro o governador do aprovou a lei em agosto; o Governador ainda estado de Lagos anunciou planos para iniciar deveria dar o seu aval. a demolição de todos os assentamentos ao longo das orlas costeiras do estado. A justificativa foi a necessidade de responder a incidentes de sequestro. Não havia planos PALESTINA anunciados para consultar as comunidades Estado da Palestina antes da remoção. Chefe de estado: Mahmoud Abbas Em 15 de outubro, centenas de residentes Chefe de governo: Rami Hamdallah da comunidade costeira de Ilubirin foram removidos violentamente de suas casas. As autoridades palestinas na Cisjordânia e a Entre 9 e 10 de novembro, mais de 30.000 administração de facto do Hamas na Faixa moradores de Otodo Gbame, uma de Gaza continuaram restringindo a comunidade costeira no estado de Lagos, liberdade de expressão, se utilizando até foram removidos violentamente quando mesmo da prisão e detenção de críticos e autoridades estatais incendiaram e oponentes políticos. Elas também demoliram suas casas com uma escavadeira. restringiram o direito de manifestação Em 11 de novembro, centenas de moradores pacífica e usaram força excessiva para foram removidos violentamente de outra dispersar alguns protestos. Tortura e outros comunidade costeira vizinha, Ebute Ikate, no maus-tratos de detidos continuaram estado de Lagos. frequentes tanto em Gaza, quanto na Cisjordânia. Julgamentos injustos de civis DIREITOS DAS MULHERES em tribunais militares continuaram em Em setembro, o Projeto de Lei de Gênero e Gaza; os detidos foram mantidos sem Igualdade de Oportunidades para eliminar acusação, nem julgamento na Cisjordânia. todas as formas de discriminação contra as Mulheres e meninas enfrentaram mulheres foi aprovado após sua segunda discriminação e violência. Os juízes de Gaza leitura no Senado. Embora a Nigéria tenha continuaram a emitir sentenças de morte e ratificado a Convenção da ONU sobre a o Hamas foi responsável pelas execuções. Eliminação de Todas as Formas de Não houve sentenças de morte ou Discriminação contra as Mulheres em 1985, execuções na Cisjordânia. ainda era necessário nacionalizar a Convenção como parte das leis do país. INFORMAÇÕES GERAIS As negociações entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina, liderada pelo Presidente Mahmoud Abbas, continuaram

Anistia Internacional Informe 2016/17 189 paradas, apesar dos esforços internacionais vez um sistema de previdência social para para que fossem retomadas. A tensão trabalhadores do setor privado e suas contínua entre o Fatah e o Hamas debilitou o famílias. A nova lei cobre temas como governo palestino de unidade nacional pensões para os idosos e deficientes e formado em junho de 2014. A administração benefícios por acidentes de trabalho para os de facto do Hamas continuou tendo o trabalhadores no setor privado da Palestina. controle de Gaza. Organizações da sociedade civil criticaram a O bloqueio israelense por terra, água e ar nova lei, argumentando que ela não prevê sobre Gaza, em vigor desde junho de 2007, padrões mínimos de proteção e justiça social, continuou. As restrições constantes sobre a e pode aumentar a marginalização dos mais importação de materiais de construção vulneráveis. impostas pelo bloqueio e falta de Em abril, um decreto presidencial financiamento contribuíram para os atrasos estabeleceu um Supremo Tribunal prolongados na reconstrução de casas e Constitucional palestino, composto por nove outras infraestruturas danificadas ou juízes, com supremacia sobre todos os destruídas nos conflitos armados recentes. tribunais palestinos. Foi uma medida vista As restrições constantes às exportações amplamente como exemplo sem precedentes feriram a economia e exacerbaram a pobreza de interferência do executivo no judiciário. já difundida entre os 1,9 milhões de Em outubro, o presidente do Supremo habitantes de Gaza. O fechamento quase Conselho Judicial foi destituído do cargo. Ele total da fronteira com Rafah pelas declarou em entrevista para a mídia que autoridades egípcias completou o isolamento tinha sido forçado a assinar sua demissão na e aumentou o impacto do bloqueio época de sua posse. israelense. Em dezembro, o presidente removeu a Em junho, o primeiro-ministro Hamdallah imunidade de cinco membros do Conselho afirmou que as eleições municipais Legislativo Palestino, incluindo oponentes aconteceriam em 8 de outubro. No entanto, políticos, depois que um julgamento pela a Suprema Corte da Palestina decidiu, em Suprema Corte Constitucional o permitiu setembro, que as eleições deveriam ser fazer isso. A medida foi criticada por suspensas indefinidamente devido ao organizações da sociedade civil por controle israelense que impediaa enfraquecer o estado de direito e a participação dos palestinos de Jerusalém separação dos poderes. Oriental e à ilegalidade dos tribunais locais A Palestina ratificou em junho as emendas de Gaza. As duas autoridades palestinas de Kampala ao Estatuto de Roma referentes hostilizaram e detiveram candidatos da ao crime de agressão. Representantes da oposição antes da decisão da justiça. Promotoria do Tribunal Penal Internacional Houve um aumento marcado na tensão visitaram Israel e a Cisjordânia, mas não em Nablus, Jenin e outras províncias da viajaram até Gaza. Cisjordânia, onde homens armados afiliados ao Fatah confrontaram forças de segurança, PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS resultando em algumas mortes. Autoridades de segurança na Cisjordânia, inclusive a Segurança Preventiva e o Serviço MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS de Inteligência, e de Gaza, em especial o OU INSTITUCIONAIS Serviço de Segurança Interna, prenderam e Em fevereiro, o presidente Abbas sancionou detiveram arbitrariamente críticos e a lei de proteção juvenil, abrindo caminho apoiadores de organizações políticas rivais. para a criação, em março, da primeira vara Na Cisjordânia, forças de segurança usaram juvenil da Cisjordânia, em Ramallah. a detenção administrativa por ordem de Em março, o presidente sancionou a Lei governadores para reter detentos sem de Seguro Nacional, criando pela primeira

190 Anistia Internacional Informe 2016/17 acusação ou julgamento por períodos de até agosto. Os agentes, então, os confinaram à vários meses. solitária durante o período da greve de fome. Eles foram liberados sob fiança e JULGAMENTOS INJUSTOS apresentados ao tribunal de Ramallah em 8 Tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, as de setembro, sob acusações que incluíam a autoridades não garantiram o cumprimento posse ilegal de armas, e liberados sob fiança dos direitos básicos de devido processo legal, dois dias depois. Seus julgamentos estavam como acesso imediato a advogados e o ainda em andamento no final do ano. direito de ser acusado ou liberado. As forças Ahmad Izzat Halaweh morreu na prisão de segurança palestinas na Cisjordânia Jeneid em Nablus, em 23 de agosto, pouco detiveram pessoas por longos períodos sem depois de ter sido preso. Um porta-voz do julgamento, por ordem de governadores governo de unidade nacional afirmou que regionais, e atrasaram ou não cumpriram os agentes de segurança tinham espancado mandados para soltar os detidos em dezenas gravemente Ahmad Halaweh antes de sua de casos. Em Gaza, tribunais militares do morte. As autoridades começaram uma Hamas continuaram a condenar os réus, investigação liderada pelo Ministro da inclusive civis, em julgamentos injustos, Justiça. No fim do ano, a investigação ainda sentenciando alguns à morte. estava em andamento. TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS LIBERDADES DE EXPRESSÃO, A tortura e outros maus-tratos de detentos ASSOCIAÇÃO E MANIFESTAÇÃO continuaram sendo prática comum, cometida As autoridades na Cisjordânia e em Gaza com impunidade pela polícia e outras forças cercearam direitos de liberdade de de segurança da Palestina na Cisjordânia, e expressão, associação e manifestação pela polícia e outras forças de segurança do pacífica, hostilizando, prendendo e detendo Hamas em Gaza. Nas duas áreas, havia críticos e apoiadores de rivais políticos e crianças entre as vítimas. A Comissão dispersando protestos à força, agredindo Independente de Direitos Humanos, jornalistas e outras pessoas. instituição nacional de direitos humanos da Na Cisjordânia, a polícia prendeu o Palestina, relatou ter recebido um total de professor universitário Abd al-Sattar Qassem 398 alegações de tortura e outros maus- em fevereiro, depois de criticar as tratos de detentos entre janeiro e novembro: autoridades palestinas na TV al-Quds, uma 163 da Cisjordânia e 235 de Gaza. A maioria emissora afiliada ao Hamas. Ele foi acusado das reclamações nas duas áreas foi sobre a de incitação e liberado sob fiança depois de polícia. As alegações de tortura em Gaza não cinco dias. foram investigadas de forma independente Em Gaza, agentes do Serviço de pelo governo de unidade nacional da Segurança Interna detiveram brevemente o Palestina nem pela administração de fato do jornalista Mohamed Ahmed Othman em Hamas. Os culpados também não foram setembro. Ele relata ter sido submetido a responsabilizados. tortura e outros maus-tratos, numa tentativa Basel al-Araj, Ali Dar al-Sheikh e outros de forçá-lo a revelar a fonte de um três homens alegaram ter sido mantidos sem documento do governo que tinha publicado. comunicação por agentes da Inteligência Foi liberado no dia seguinte, sem nenhuma Geral, além de terem sido torturados e terem acusação. Foi intimado novamente dois dias sofrido maus tratos durante quase três depois de ser liberado. semanas, depois de serem presos em 9 de Em fevereiro, uma greve de dois dias dos abril. Disseram que foram espancados, professores da Cisjordânia, que reclamavam forçados a ficarem em posições de estresse e dos salários baixos, se transformou em várias privados de sono, o que os levou a instaurar semanas de greve geral, após a intervenção uma greve de fome em protesto, em 28 de pesada das forças de segurança da

Anistia Internacional Informe 2016/17 191 Palestina. Foram armados bloqueios nas ruas Há relatos de mulheres e meninas que foram em torno de Ramallah para evitar que os mortas por parentes homens em crimes de professores se juntassem às manifestações e “honra”. 22 professores foram presos. Os presos Em fevereiro, o procurador-geral emitiu foram soltos em seguida, sem acusações. Os uma decisão criando uma unidade de professores continuaram sendo hostilizados processos criminais especializada em até o fim do ano, tendo como alvo os que investigar e processar casos de violência estavam organizando um sindicato novo. familiar e violência contra a mulher. ASSASSINATOS ILEGAIS PENA DE MORTE As forças de segurança na Cisjordânia A pena de morte continuou em vigor para o mataram pelo menos três homens e feriram assassinato e outros crimes. O judiciário da outros, no exercício de suas atividades de Cisjordânia não emitiu nenhuma sentença de aplicação da lei. morte durante o ano. Em 7 de junho, Adel Nasser Jaradat foi Em maio, membros do Bloco de Mudança morto a tiros por forças de segurança da e Reforma, o grupo parlamentar do Hamas Cisjordânia em Silet al-Harethiya, vilarejo a em Gaza, abriram caminho para que as noroeste de Jenin. As autoridades não autoridades de Gaza executem prisioneiros responsabilizaram os culpados. cujas sentenças não tenham sido ratificadas Em 19 de agosto, forças de segurança pelo presidente palestino, contrariando a Lei mataram Fares Halawa e Khaled al-Aghbar Básica da Palestina de 2003 e a Lei de em Nablus sob circunstâncias Procedimento Penal de 2001. desconhecidas. Embora as autoridades locais afirmem que ambos tenham sido mortos em confrontos, testemunhas dizem que eles estavam vivos e desarmados quando foram PAQUISTÃO capturados pelas forças de segurança. A República Islâmica do Paquistão investigação ainda estava em andamento no Chefe de estado: Mamnoon Hussain fim do ano. Chefe de governo: Muhammad Nawaz Sharif Em Gaza, a ala militar do Hamas, as Brigadas Izz al-Din al-Qassam, executaram Grupos armados continuam a atacar civis, sumariamente um de seus membros, incluindo funcionários do governo, o que Mahmoud Rushdi Ishteiwi, em 7 de fevereiro, resultou em centenas de fatalidades. As depois que o grupo afirmou que “seus forças de segurança, em especial a guarda tribunais militar e Sharia” o tinham paramilitar em Karachi, cometeram condenado por “excessos morais e violações dos direitos humanos com quase comportamentais“. A família da vítima disse total impunidade. Execuções continuaram, que ele tinha sido mantido incomunicável com frequência após julgamentos injustos. pelas Brigadas desde 21 de janeiro de 2015. Agentes estatais e não estatais A administração de facto do Hamas em Gaza discriminaram minorias religiosas. Apesar não tomou nenhuma medida para investigar da nova lei em Punjab para proteger as ou trazer os culpados do assassinato à mulheres da violência, os chamados crimes justiça. de “honra” continuam a ser reportados. Defensores e defensoras de direitos DIREITOS DAS MULHERES humanos e jornalistas sofreram ameaças, Mulheres e meninas continuaram perseguição, e abuso cometidos pelas enfrentando discriminação na lei e na forças de segurança e grupos armados. prática, e não tiveram proteção adequada Minorias continuam enfrentando contra violência sexual e de outros tipos, discriminação de uma gama de direitos incluindo os chamados crimes de “honra”. sociais e econômicos. O acesso a serviços

192 Anistia Internacional Informe 2016/17 de saúde de qualidade, principalmente para alunos e professores, num ataque à mulheres pobres e da zona rural, continua Universidade Bacha Khan, em Charsadda, limitado. no noroeste do Paquistão. O comandante do Talibã Paquistanês assumiu a INFORMAÇÕES GERAIS responsabilidade. Ele alega ter planejado o A operação Zarb-e-Azb, uma ofensiva militar ataque à escola militar em Peshawar em paquistanesa contra grupos armados não 2014, mas a informação foi contestada.1 Em estatais que começou em junho de 2014, seguida, o exército alegou ter apreendido continuou no Waziristão do Norte e na cinco pessoas que “facilitaram” o ataque. agência tribal de Khyber. Conflitos armados e Em 16 de março, um ônibus com violência continuaram em níveis funcionários do governo foi bombardeado em significantes, particularmente nas províncias Peshawar e pelo menos 15 pessoas foram de Khyber Pakhtunkhwa, o Território Federal mortas e 25 ficaram gravemente feridas.2 das Áreas Tribais(FATA, na sigla em inglês), Em 8 de agosto, um ataque suicida matou Balochistan e Sindh. pelo menos 63 pessoas, a maioria A Comissão Nacional de Direitos advogados, e deixou mais de 50 feridos no Humanos, formada em maio de 2015, Hospital Civil em Quetta, sudoeste do continuou sem equipe e outros recursos Paquistão. As pessoas haviam se reunido suficientes, apesar de o orçamento para acompanhar em luto o corpo de Bilal finalmente ter sido aprovado pelo Anwar Kasi, presidente da Associação de parlamento. As preocupações sobre o escopo Advogados do Baluchistão, morto por um limitado da Comissão continuam, em relação atirador mais cedo no mesmo dia.3 à investigação de casos de violações de direitos humanos supostamente cometidas POLÍCIA E FORÇAS DE SEGURANÇA por agências do Estado. Agentes de segurança, incluindo a Guarda, No final de setembro, a tensão na fronteira uma força paramilitar sob o comando do entre a Índia e o Paquistão aumentou, com Exército Paquistanês, perpetraram violações os países trocando acusações de violações de direitos humanos como prisões arbitrárias, de direitos humanos no Conselho de Direitos tortura e outros maus-tratos, além de Humanos da ONU. Houve violações execuções extrajudiciais. Leis e práticas de recorrentes por ambos os lados do cessar- segurança, além da ausência de fogo de 2003, com tiroteios sobre a Linha de mecanismos independentes para investigar e Controle. A Índia alega ter realizado um responsabilizar os agentes de segurança, “ataque cirúrgico” contra os militantes permitiram que as forças do governo paquistaneses na área administrada pelo cometessem essas violações com Paquistão, Caxemira Livre, porém isso é impunidade quase total. Entre as vítimas negado pelo Paquistão. estavam membros de partidos políticos, em particular do Movimento Muttahida Qaumi ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS (MQM), e defensores de direitos humanos. ARMADOS Em 1o de maio, policiais à paisana Grupos armados continuam a realizar prenderam Aftab Ahmed, membro sênior do ataques, apesar do Plano de Ação Nacional MQM. Em 3 de maio, depois de ter sido estabelecido pelo governo para lutar contra o colocado sob a custódia da Guarda, surgiram terrorismo. O Plano foi implementado na notícias de sua morte, junto com fotos que, sequência de um ataque do Talibã em uma aparentemente, mostravam feridas causadas escola militar em Peshawar em dezembro de por tortura.4 O Diretor-Geral da Guarda de 2014, que matou pelo menos 14 pessoas, a Sind reconheceu publicamente que Aftab maioria crianças. Ahmet havia sido torturado, porém negou Em 20 de janeiro, homens armados que suas forças fossem responsáveis pela mataram pelo menos 30 pessoas, a maioria sua morte. De acordo com relatos da mídia,

Anistia Internacional Informe 2016/17 193 cinco soldados da Guarda foram suspensos Em agosto, a Suprema Corte interviu pela após uma investigação exigida pelo Diretor primeira vez nos casos desses tribunais, de Funcionários do Exército, mas nenhuma mantendo os vereditos e penas de morte outra informação foi publicada. impostos a 16 civis. A Corte decidiu que os Até o fim do ano, houve pouco progresso réus não haviam conseguido provar que os no caso do Dr. Asim Hussain, membro sênior militares tivessem violado seus direitos do Partido Popular do Paquistão e ex- constitucionais ou deixado de seguir os ministro federal que supostamente sofreu procedimentos legais. De acordo com os com maus-tratos e falta de cuidados médicos advogados, foi negado aos acusados o adequados enquanto esteve detido pela acesso a representantes jurídicos de sua Guarda em 2015. Asim Hussain foi preso sob escolha e aos registros do tribunal militar acusações como “estar envolvido em crimes para preparar seus recursos. Alega-se que relacionados à apropriação indevida de alguns dos acusados foram submetidos a fundos e apoio e financiamento de atividades desaparecimento forçado, tortura e outros terroristas e outras atividades/ligações maus-tratos, e segundo os relatórios, pelo criminosas com o uso de autoridade puníveis menos dois eram menores de 18 anos de acordo com a Lei Antiterrorismo de quando foram presos. 1997”. Agentes de segurança detiveram diversos DISCRIMINAÇÃO — MINORIAS ativistas sem julgamento ao longo do ano. RELIGIOSAS Muitos ainda correm o risco de sofrer tortura Atores estatais e não estatais continuaram a e outros maus-tratos. discriminar minorias religiosas, tanto De acordo com informações publicadas muçulmanos quanto não muçulmanos, na lei em agosto pela Comissão Paquistanesa de e na prática. As leis contra blasfêmia Inquéritos sobre Desaparecimentos continuaram em vigor e vários casos novos Forçados, 1.401 dos mais de 3.000 casos de foram registrados, a maioria em Punjab. desaparecimentos ainda não foram Essas leis infringem os direitos à liberdade de investigados pela Comissão. expressão, pensamento, consciência e religião. As minorias, em especial ahmadis, PENA DE MORTE hazaras e dalits, continuaram a enfrentar Desde a suspensão da moratória de seis acesso restrito a empregos, serviços de anos sobre as execuções, em dezembro de saúde, educação e outros serviços básicos. 2014, mais de quatrocentas foram Mumtaz Qadri, segurança condenado pelo realizadas. Algumas das pessoas executadas assassinato do governador de Punjab em eram adolescentes no momento do crime ou 2011 por ter criticado as leis contra sofriam de uma doença mental. blasfêmia, foi executado em fevereiro. Juízes civis e militares emitiram sentenças Milhares de pessoas compareceram ao seu de morte, em muitos casos depois de funeral, que foi sucedido por protestos na julgamentos injustos. Ao contrário das capital, Islamabad, Lahore e Karachi onde os exigências das leis internacionais, os 28 manifestantes danificaram propriedades crimes que receberam pena de morte públicas, atacaram estações de imprensa e incluíam crimes não letais. entraram em confronto com a polícia. Asia Noreen, uma cristã condenada à TRIBUNAIS MILITARES morte por blasfêmia em 2010, permanece Em 2015, foi dada aos tribunais militares, presa em Sheikhupura. Em 13 de outubro, a jurisdição para julgar todos os acusados de Suprema Corte agendou para ouvir seu caso crimes relacionados ao terrorismo, inclusive em última instância, mas acabou adiando civis. Em janeiro de 2016, o governo havia indefinidamente. constituído 11 cortes militares para ouvir Grupos armados atacaram um parque em esses casos. Lahore em 27 de março, matando pelo

194 Anistia Internacional Informe 2016/17 menos 70 pessoas, muitas delas crianças, e meninas foi retirada devido à pressão do ferindo muitas outras. Uma facção do Talibã Conselho de Ideologia Islâmica, que a Paquistanês, Jamaat-ul-Ahrar, assumiu a considerou “não islâmica e blasfema”. responsabilidade pelo ataque, dizendo que tinha como alvo os cristãos celebrando a DIREITO À SAÚDE — MULHERES E Páscoa. MENINAS O acesso a serviços de saúde de qualidade, VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E principalmente para mulheres pobres e da MENINAS zona rural, continuou limitado devido a A Comissão Paquistanesa de Direitos barreiras de informação, distância e custo, Humanos registrou quase três mil casos de além das normas sociais e do padrão de violência contra mulheres e meninas, comportamento referentes à saúde e bem- incluindo assassinato, estupro e estupro estar das mulheres. coletivo, sodomia, violência doméstica e sequestros. LIBERDADE DE EXPRESSÃO — A Lei de Proteção das Mulheres contra JORNALISTAS Violência de Punjab foi aprovada pela Os profissionais da mídia continuam sofrendo Assembleia Provincial de Punjab, apesar da assédios, sequestros e, por vezes, oposição dos partidos muçulmanos. assassinatos. Os habitantes da FATA e Uma emenda de lei chamada crimes “de Baluquistão, e os que trabalhavam em honra” foi criada para acabar com a questões de segurança nacional estiveram impunidade para esses crimes, porém particularmente em risco. permitia pena de morte como punição e De acordo com a Fundação Paquistanesa permitia aos criminosos terem suas de Imprensa, em outubro, ao menos dois sentenças reduzidas se conseguissem trabalhadores da mídia foram mortos, 16 perdão da família da vítima. Permaneceu ficaram feridos e um foi raptado, todos por indefinido como as autoridades irão distinguir motivos profissionais.. As autoridades, em entre um “crime de honra” e outros geral, não forneceram proteção adequada assassinatos, quais os padrões de provas que aos trabalhadores contra os ataques por se aplicariam ou em que penalidades grupos armados não estatais, agentes de resultariam. A crítica principal de ONGs e segurança, ativistas políticos e grupos ativistas de direitos humanos era que a religiosos. Dos 49 profissionais da imprensa penalidade imposta não deveria depender do assassinados desde 2001, apenas quatro perdão da família da vítima. De acordo com a foram condenados,até o fim de 2016. Em Comissão de Direitos Humanos do Paquistão, março, um homem condenado pelo ao menos 512 mulheres e meninas, e 156 assassinato do jornalista Ayub Khattak, em homens e meninos, foram mortos em 2016 2013, foi condenado à prisão perpétua e a por familiares para preservar a “honra”. pagar uma multa. Como muitos casos não foram informados, Zeenat Shahzadi, jornalista sequestrada ou foram descritos falsamente como suicídios por homens armados em agosto de 2015 em ou mortes naturais, o número real é, Lahore, continua desaparecida. A Comissão seguramente, muito mais alto. Qandeel de Direitos Humanos do Paquistão acredita Baloch, uma celebridade das redes sociais que ela tenha sido levada por agentes de foi drogada e morta pelo irmão em julho. Ele segurança. Em outubro, Cyril Almeida, editor- confessou ter matado a irmã por “desonrar o assistente do jornal Dawn, foi colocado por nome Baloch”. um curto período na Lista de Controle de O casamento infantil também é motivo de Saída, que proíbe certas pessoas de deixar o preocupação. Em janeiro, uma proposta de Paquistão. O gabinete do primeiro-ministro lei para aumentar a idade mínima do havia se oposto a um artigo que ele escreveu casamento legal para 18 anos para as sobre as tensões entre funcionários civis do

Anistia Internacional Informe 2016/17 195 governo e os militares. Algumas semanas serem representantes das forças de depois, as autoridades creditavam ao segurança de Karachi.5Ele foi liberado em 5 Ministro das Informações a responsabilidade de dezembro. pelo vazamento de informações que levou ao Uma diretriz foi implantada no início de relatório do Cyril Almeida. 2016, exigindo que as ONGs internacionais A Autoridade Reguladora de Mídia obtivessem consentimento do governo para Eletrônica do Paquistão, reguladora federal funcionar e angariar fundos. Num clima cada das redes de transmissão, restringiu os vez mais hostil para trabalhar com direitos dados da mídia emitindo multas, ameaçando humanos, forças de segurança perseguiram cancelar as licenças de transmissão e, em e intimidaram vários funcionários de ONGs. alguns casos, com ameaças de processos. A Em setembro, o Ministério do Interior autocensura era rotina, devido a essas fechou a Taangh Wasaib, uma ONG que medidas e ao medo de represálias das trabalhava pelos direitos das mulheres e agências de inteligência e dos grupos contra a intolerância religiosa, afirmando que armados. a organização estava envolvida em Uma nova lei sobre crimes cibernéticos — “atividades duvidosas”. a Lei de Prevenção de Crimes Eletrônicos — foi aprovada em agosto, dando às PESSOAS REFUGIADAS E SOLICITANTES autoridades amplos poderes para vigiar DE REFÚGIO cidadãos e censurar a expressão on-line. A situação legal de 1,4 milhão de pessoas Havia o receio de que ela colocaria em risco refugiadas afegãs ficou cada vez mais o direito à liberdade de expressão e à precária com a intensificação da hostilidade privacidade, além do acesso à informação. e aumento de abusos, como agressões físicas. As autoridades estimam que mais um DEFENSORES E DEFENSORAS DOS milhão de refugiados afegãos não registrados DIREITOS HUMANOS estejam vivendo no país. Atores estatais e não estatais continuam a Funcionários de alto escalão do Paquistão perseguir, ameaçar, deter e matar defensores ameaçaram expedir o retorno forçado de e defensoras dos direitos humanos, todos os refugiados afegãos. Em 29 de junho, especialmente no Baluquistão, FATA e as autoridades ampliaram o direito de Karachi. permanência legal dos refugiados registrados Em 8 de maio, o Talibã do Paquistão no país, porém só até março de 2017. matou Khurram Zaki, proeminente ativista Após o ataque à escola militar pública em dos direitos humanos e editor de websites, Peshawar em dezembro de 2014, a polícia em Karachi. Um porta-voz de uma facção do tinha como alvo os assentamentos afegãos, Talibã do Paquistão afirmou que o motivo do ela demoliu suas casas e submeteu assassinato foi a campanha contra Abdul refugiados a assédio e detenções arbitrárias. Aziz, clérigo da Mesquita Vermelha de Islamabad. DIREITOS TRABALHISTAS Em 16 de janeiro, o pessoal da Guarda Apesar da Lei (de Abolição) do Sistema de prendeu o defensor dos direitos humanos Servidão por Dívida de 1992, a prática ainda Saeed Baloch, defensor das comunidades continua, em especial nas olarias e indústrias pesqueiras, em Karachi. Devido à pressão têxteis e entre as castas reconhecidas nacional e internacional, ele foi levado ao (dálits). tribunal em 26 de janeiro e solto mediante o pagamento de fiança em agosto. 1. Pakistan: Pakistan: Armed attack on Bacha Khan University a De acordo com testemunhas, o defensor potential war crime (News story, 20 January) dos direitos humanos Wahid Baloch foi 2. Pakistan: Pakistan: Government must deliver justice for victims of sequestrado em 26 de julho por homens Peshawar bus bombing (News story, 16 March) mascarados à paisana, que se acredita

196 Anistia Internacional Informe 2016/17 3. Pakistan: Pakistan: Attack on Quetta hospital abhorrent disregard for expressão e opinião; e abordar a impunidade the sanctity of life (News story, 8 August) às violações dos direitos humanos cometidas 4. Pakistan: Pakistan: Investigation crucial after Karachi political contra defensores dos direitos humanos e activist tortured and killed in custody (News story, 4 May) jornalistas. O Paraguai aceitou todas as 5. Pakistan: Pakistan: at risk of torture (ASA recomendações, exceto as relacionadas à 33/4580/2016) descriminalização do aborto. Em outubro, o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial da ONU publicou seu PARAGUAI relatório e observação final sobre o Paraguai com base nos relatórios periódicos quatro a República do Paraguai seis. O Comitê fez uma série de Chefe de estado e governo: Horacio Manuel Cartes Jara recomendações, incluindo encorajar o Paraguai a adotar ações afirmativas para Os dados sobre a redução da pobreza superar a discriminação sistêmica contra os melhoraram, apesar de crianças e povos indígenas e negros. O Comitê também adolescentes continuarem a ser os mais destacou a proteção deficiente do Estado aos afetados. Os povos indígenas continuaram a direitos de consulta prévia dos povos ter negados os seus direitos à terra e ao indígenas sobre suas terras, territórios e consentimento livre, prévio e informado recursos. sobre os projetos que os afetam. Os povos Em novembro, a Relatora Especial da indígenas e os negros enfrentaram ONU sobre o direito à alimentação visitou o discriminação racial. Um projeto de lei para Paraguai e conheceu autoridades e membros eliminar todas as formas de discriminação da sociedade civil. Seu relatório sobre a visita ainda precisava de aprovação no final do deve ser apresentado em 2017. ano. Houve relatórios de violações à liberdade de expressão e sobre a DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS perseguição de defensores dos direitos Em fevereiro, a Comissão Interamericana de humanos e jornalistas. O aborto Direitos Humanos concedeu medidas permaneceu criminalizado e a gravidez de cautelares para as comunidades Ayoreo crianças e adolescentes continuou a ser Totobiegosode que vivem em isolamento uma preocupação. voluntário, solicitando ao governo paraguaio que proteja as comunidades contra terceiros INFORMAÇÕES GERAIS que busquem acesso às suas terras Em outubro, um novo Ouvidor foi indicado, ancestrais. Em outubro, o Comitê para após o cargo ficar vago por sete anos. Eliminação da Discriminação Racial requisitou ao Paraguai que obedeça ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL integralmente essas medidas de precaução. Em janeiro, o registro de direitos humanos do Em outubro, a Comunidade Yakye Axa Paraguai foi analisado seguindo o processo permaneceu sem acesso às suas terras, de Revisão Periódica Universal da ONU apesar de uma decisão da Corte (RPU). O Conselho de Direitos Humanos fez Interamericana de Direitos Humanos uma série de recomendações, incluindo a ordenando que o governo construísse uma aprovação de um projeto de lei para eliminar rota de acesso. O Comitê para Eliminação da todas as formas de discriminação com base Discriminação Racial também requisitou ao na orientação sexual e identidade de gênero Paraguai que intensifique os esforços para no Paraguai; desenvolver sistemas jurídicos cumprir efetivamente a decisão da Corte. para prevenir e punir a violência contra O caso relacionado à propriedade da terra mulheres e meninas; reforçar a proteção dos desapropriada da comunidade Sawhoyamaxa direitos dos povos indígenas; proteger o livre ainda estava em aberto no final do ano, exercício da liberdade de imprensa, apesar de, em junho de 2015, o Supremo

Anistia Internacional Informe 2016/17 197 Tribunal de Justiça ter rejeitado a solicitação levada por uma empresa de criação de gado DIREITOS DAS MULHERES E MENINAS para diminuir os efeitos de uma lei aprovada Em dezembro, a Câmara dos Deputados para devolver a terra à comunidade. aprovou a Lei 5.777 sobre a proteção Em outubro, o Comitê para Eliminação da abrangente de mulheres contra todas as Discriminação Racial incentivou o Paraguai a formas de violência. O feminicídio foi tomar medidas eficazes para resolver os reconhecido como um delito distinto e problemas relacionados ao acesso a passível de punição com no mínimo de 10 alimentos, água potável, saneamento e anos de prisão. Foi proibida a exigência de desnutrição infantil entre os povos indígenas conciliação entre as vítimas de violência e os e os negros que vivem em zonas rurais. criminosos. A previsão é de que a lei entre em vigor depois de um ano. DIREITO À MORADIA — REMOÇÕES A gravidez entre meninas e jovens FORÇADAS adolescentes atingiu níveis altíssimos. Em Em setembro, membros do Senado fizeram outubro, o Centro para Documentação e uma denúncia ao Procurador Geral sobre a Pesquisa relatou ter havido em média entre remoção forçada de 200 famílias da 500 e 700 meninas grávidas com idades comunidade Guahory campesino entre 10 e 14 anos a cada ano. (agricultores de pequeno porte) e o fracasso Preocupações semelhantes foram levantadas do governo na investigação da situação. Em no relatório da UNFPA Young Paraguay dezembro, outro despejo ocorreu nessa (Jovem Paraguai) que indicava que a comunidade, durante um processo de gravidez nesse grupo tinha aumentado em diálogo entre membros da comunidade mais de 62,6% na última década. As causas Guahory e representantes do Instituto principais encontradas foram a violência Nacional de Desenvolvimento Rural e da contra as mulheres, a exclusão social e a Terra, com o objetivo de avaliar informações cultura machista. relacionadas à propriedade de terras na comunidade. LIBERDADE DE EXPRESSÃO Em setembro, organizações de direitos Em novembro, um anteprojeto de lei foi humanos informaram o despejo forçado da apresentado para estabelecer mecanismos comunidade Avá de Guaraní de Sauce, por de proteção para os jornalistas, profissionais conta da instalação da usina hidrelétrica de da imprensa e defensores dos direitos Itaipu. humanos. O fato de o assassinato de 17 jornalistas não ter sido investigado e SISTEMA JUDICIÁRIO processado desde 1991 esteve entre os Em julho, o Alto Comissariado das Nações principais motivos por trás da demanda por Unidas para os Direitos Humanos expressou proteção adicional. preocupação com a condenação de 11 trabalhadores rurais ligados a um massacre DEFENSORES E DEFENSORAS DOS em Curuguaty em 2012, que resultou em 17 DIREITOS HUMANOS mortos. Houve denúncias de irregularidades A advogada e defensora dos direitos durante processos relacionados ao direito a humanos Julia Cabello Alonso foi avisada de uma defesa adequada e ao devido processo que teria seu registro na Ordem dos legal. Advogados do Paraguai cassado. Ela não Em outubro, seguindo uma recomendação poderia mais exercer sua profissão por conta da RPU, o Senado iniciou um processo para de uma suposta falta de cumprimento da criar um comitê independente para investigar ética profissional ao defender a restituição de o massacre de Curuguaty, a fim de garantir o terras aos povos indígenas. acesso à justiça para as vítimas e seus No seu relatório de outubro, o Comitê para familiares. Eliminação da Discriminação Racial

198 Anistia Internacional Informe 2016/17 recomendou que o Paraguai tome medidas terras e territórios. A polícia usou força para reforçar a proteção dos defensores e excessiva e desnecessária, e até armas letais, defensoras dos direitos humanos, incluindo para reprimir os protestos. Em outubro, os líderes indígenas e defensores dos direitos Quintino Cereceda foi morto com um tiro na dos povos indígenas contra intimidação, cabeça quando a polícia dispersou um ameaças e ações arbitrárias por funcionários protesto contra um projeto de mineração em governamentais. Las Bambas e na região de Apurímac. Do mesmo modo, o Conselho de Direitos Em duas ocasiões, Máxima Acuña e sua Humanos recomendou que o Paraguai lute família foram atacadas e intimidadas por contra a impunidade por todas as violações seguranças da mineradora de Yanacocha, contra defensores e defensoras dos direitos que destruiu suas lavouras. A empresa humanos, inclusive assassinatos, que alegou estar exercendo seu “direito de defesa investigue as alegações de práticas abusivas da posse”. Maxima Acuña, sua família e 48 por forças policiais e de segurança outros ativistas e fazendeiros de pequeno direcionadas aos povos indígenas, e que porte da região de Cajamarca foram todos os responsáveis passem pelo devido beneficiários de medidas cautelares processo legal. concedidas em 2014 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para garantir sua segurança. PERU DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS República do Peru A investigação sobre as mortes de quatro Chefe de estado e de governo: Pedro Pablo Kuczynski líderes Asháninka, da região de Ucayali, Godard (substituiu Ollanta Moisés Humala Tasso em mortos em 2014 supostamente por julho) madeireiros ilegais, ainda não havia sido concluída no final do ano. Os líderes já Além da falta de proteção, houve um tinham denunciado o desmatamento ilegal aumento notável na violência contra grupos contínuo em seu território. marginalizados, em especial mulheres e Durante o ano, houve treze vazamentos de meninas, povos indígenas e pessoas LGBTI. petróleo no oleoduto no norte do país, O governo ratificou o Tratado sobre o contaminando a água e terras pertencentes Comércio de Armas. aos povos indígenas na bacia amazônica. Organizações indígenas nas áreas afetadas INFORMAÇÕES GERAIS entraram em greve em setembro, exigindo Em junho, Pedro Pablo Kuczynski Godard foi que o governo abordasse questões como a eleito presidente no segundo turno das saúde da população e reparações por danos eleições. ao meio ambiente. Em dezembro, as Mais de 200 casos de protestos foram organizações indígenas e o governo registrados, e cerca de 70% deles eram assinaram um acordo sobre este tema. relacionados a disputas entre comunidades, Em setembro, o Tribunal Criminal de empresas extrativistas e o governo sobre a Bagua inocentou 53 indígenas que haviam propriedade e uso de recursos naturais, bem sido acusados de crimes como o assassinato como a proteção do meio ambiente. de doze policiais em confrontos com forças de segurança em 2009. Até o fim do ano, DEFENSORES E DEFENSORAS DOS nenhuma autoridade do governo havia sido DIREITOS HUMANOS processada por seu papel na intensificação Os defensores e defensoras dos direitos do conflito. humanos foram hostilizados, ameaçados e atacados nos protestos, em especial nos relacionados a questões ambientais, de

Anistia Internacional Informe 2016/17 199 como “acompanhante” num bar numa IMPUNIDADE operação minerária ilegal não constitui Houve progresso na investigação de exploração de trabalho ou exploração sexual, violações de direitos humanos cometidas uma vez que “a carga de trabalho não exaure durante o conflito armado interno (1980 a a trabalhadora”. 2000). Em junho, a Lei de Buscas de Pessoas DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Desaparecidas foi aprovada. A taxa de gravidez na adolescência Em julho, começou o julgamento de onze aumentou. Em algumas regiões da militares acusados de cometer violência Amazônia, chegou a 32,8% das meninas e sexual contra mulheres da zona rural entre mulheres entre 15 e 19 anos. Entre as 1984 e 1995 em Manta e Vilca, na região de meninas de 12 a 16 anos, 60% das Huancavelica. gravidezes foram resultado de estupro. Em agosto, dez militares foram ONGs registraram 43 casos de “risco à condenados pela execução extrajudicial de segurança pessoal” (casos de ameaças e 69 pessoas no vilarejo de Accomarca em intimidação) e oito assassinatos de pessoas 1985. Havia 23 crianças entre as vítimas. LGBTI. No entanto, a reforma do Código Em setembro, três oficiais de alta patente Penal, que teria criminalizado a foram acusados de serem responsáveis pelo discriminação e os ataques devidos à desaparecimento forçado de dois estudantes orientação sexual e identidade de gênero, e um professor em 1993 em porões dos não foi aprovada devido à mudança de quartéis do Serviço de Inteligência. governo e do Congresso. Em outubro, começou o julgamento de 35 Em dezembro, um projeto de lei que ex-fuzileiros navais pelo massacre na prisão reconheceria o gênero de pessoas de El Frontón em 1986, quando 133 transgênero foi apresentado ao Parlamento. prisioneiros acusados de terrorismo foram Em julho, o Ministério Público encerrou a executados extrajudicialmente. investigação do caso de mais de dois mil homens e mulheres indígenas que foram VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E esterilizados na década de 1990. Apenas MENINAS cinco profissionais da saúde foram A violência contra mulheres e meninas investigados pela participação na continuou. Houve relatos de 108 mulheres esterilização forçada. mortas por seus parceiros, além de 222 O registro de vítimas de esterilização casos de tentativa de assassinato de forçada foi iniciado em cinco regiões do país mulheres e meninas. A maioria dos casos e, até o fim do ano, mais de duas mil vítimas não foi investigada ou resultou em sentenças haviam sido registradas. de prisão que foram revogadas. Em agosto, um juiz de primeira instância em Lima, a capital, ordenou que o Ministro Tráfico para exploração sexual da Saúde distribuísse contraceptivos orais de As mulheres somam 80% das vítimas de emergência gratuitamente. tráfico humano; 56% das vítimas eram O aborto continua sendo considerado menores de 18 anos e a maioria delas foi crime em quase todos os casos, o que leva a traficada para exploração sexual nas áreas de abortos clandestinos e sem segurança. Em mineração. outubro, vários membros do Parlamento Em setembro, a Câmara Criminal apresentaram projetos de lei no Congresso Permanente da Suprema Corte de Justiça para descriminalizar o aborto em casos de ratificou uma decisão de absolvição num violência sexual. caso de tráfico humano envolvendo uma menina de 15 anos. A Câmara argumentou que trabalhar mais de treze horas por dia

200 Anistia Internacional Informe 2016/17 Democracia (CORD) organizou QUÊNIA manifestações semanais por considerar a Comissão Eleitoral Independente (IEBC) República do Quênia parcial. Em 3 de agosto, os representantes Chefe de estado e governo: Uhuru Muigai Kenyatta da IEBC renunciaram, encerrando meses de protestos sobre o processo eleitoral. Em 14 Forças de segurança foram responsáveis por de setembro, o Projeto (Emenda) da Lei desaparecimentos forçados, execuções Eleitoral entrou em vigor, iniciando o extrajudiciais e torturas, e saíram impunes, processo para recrutar novos representantes matando pelo menos 122 pessoas até da IEBC. Contudo, a contratação de novos outubro. Alguns abusos foram cometidos representantes foi adiada após o painel de por agências de segurança no contexto de recrutamento postergar indefinidamente a operações de combate ao terrorismo, outros contratação do presidente da Comissão, após por policiais e outras forças de segurança. A cinco candidatos não conseguirem polícia usou força excessiva e letal para preencher os requisitos. O atraso vai dispersar manifestações a favor de medidas impactar negativamente o cronograma de para uma eleição justa. A oposição política, preparações para a eleição. grupos anticorrupção e outros ativistas da sociedade civil, assim como jornalistas e ABUSOS POR GRUPOS ARMADOS blogueiros, foram hostilizados. Famílias em O Al-Shabaab, grupo armado com sede na assentamentos informais e comunidades Somália, continuou a realizar ataques no marginalizadas foram despejadas à força de Quênia. Em 25 de outubro, por exemplo, na suas casas. cidade de Mandera, no nordeste do país, pelo menos 12 pessoas foram mortas em um INFORMAÇÕES GERAIS ataque do Al-Shabaab em uma pensão que A corrupção prevaleceu. O presidente abrigava membros de um grupo teatral. Kenyatta pediu que quase um quarto dos secretários de seu gabinete renunciasse SEGURANÇA E COMBATE AO depois que a Comissão de Ética e TERRORISMO Anticorrupção (EACC) do Estado os acusou No contexto de operações de combate ao de corrupção. Alguns secretários foram terrorismo tendo como alvo o Al-Shabaab, processados por corrupção, outros agências de segurança foram envolvidas em compareceram a instituições de fiscalização violações de direitos humanos, incluindo para responder às alegações de corrupção. execuções extrajudiciais, desaparecimentos De acordo com a EACC, pelo menos 30% do forçados e tortura. Apesar de um aumento PIB - equivalente a cerca de US$ 6 bilhões nos casos relatados dessas violações, não — é perdido anualmente devido à corrupção. foram realizadas investigações significativas Governos locais também foram acusados de para apontar os responsáveis. corrupção, de forma geral por inflacionar custos em processos do departamento de EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS compras. Os Ministérios da Saúde e da A polícia e outras forças de segurança Devolução e Planejamento estavam sendo realizaram execuções extrajudiciais, bem investigados por suspeita de apropriação como desaparecimentos forçados e tortura.1 indevida de fundos, entre outras acusações. Willie Kimani, advogado de uma Em maio, organizações da sociedade civil organização beneficente de auxílio jurídico, lançaram o Kura Yangu, Sauti Yangu, um seu cliente Josphat Mwendwa e o motorista movimento para assegurar eleições legítimas, de táxi Joseph Muiruri foram sequestrados justas e bem organizadas a serem realizadas em 23 de junho em um local desconhecido. em agosto de 2017. Logo depois, o grupo de Em 1 de julho, seus corpos foram oposição Coalizão para a Reforma e a encontrados em um rio no Condado de

Anistia Internacional Informe 2016/17 201 Machakos, leste do Quênia. Exames forenses forçados no condado de Mombasa nos revelaram que eles foram torturados. Josphat primeiros oito meses de 2016. O jornal Daily Mwendwa, um condutor de mototáxi, havia Nation documentou 21 casos de acusado um membro da Polícia assassinatos por policiais durante o mesmo Administrativa (AP) de tentativa de período. assassinato após o policial atirar em seu braço durante uma batida policial de rotina. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO O policial então o acusou de infração de A polícia usou força excessiva e letal para trânsito para intimidá-lo a não registrar dispersar manifestantes em Nairobi e em queixa. O sequestro aconteceu após Willie outras cidades durante demonstrações Kimani e Josphat Mwendwa deixarem o contra a IEBC. tribunal de Mavoko, no Condado de Em Nairobi, no dia 16 de maio, um Machakos, após uma audiência referente ao manifestante levou um tiro num confronto caso de infração de trânsito. Em 21 de com a polícia, quando moradores de um setembro, quatro policiais da AP — Fredrick assentamento informal de Kibera tentavam ole Leliman, Stephen Cheburet Morogo, se deslocar para os escritórios da comissão Sylvia Wanjiku Wanjohi e Leonard Maina eleitoral. Mwangi — foram considerados culpados Em 23 de maio, a polícia usou cassetetes, pelo assassinato dos três homens. Os gás lacrimogêneo e, em alguns casos, policiais foram mantidos em custódia e no munição real para dispersar manifestantes final do ano ainda aguardavam a sentença. que seguiam em direção ao escritório da O assassinato dos três homens gerou comissão eleitoral. Um vídeo mostrou três protestos e levou organizações de direitos policiais chutando e batendo em um humanos, a mídia e outras organizações manifestante após ele cair.2 No mesmo dia, profissionais em todo o país a exigirem ações pelo menos duas pessoas foram mortas e 53 contra o desaparecimento forçado e as feridas durante uma manifestação na cidade execuções extrajudiciais. de Kisumu, no oeste do país. Job Omariba, um enfermeiro na cidade de Meru, no leste do país, foi considerado LIBERDADE DE EXPRESSÃO desaparecido em Nairobi em 21 de agosto. As autoridades continuaram a restringir a Seu corpo foi descoberto no necrotério de liberdade de expressão, intimidando e Machakos em 30 de agosto. Mais tarde hostilizando jornalistas, blogueiros e outros naquele dia, a Unidade Especial de membros da sociedade civil, usando Prevenção de Crimes prendeu três policiais principalmente a ambiguidade da Lei de suspeitos por seu sequestro e assassinato. Informação e Comunicação do Quênia. Pelo Em 29 de agosto, dois policiais entraram menos 13 pessoas foram processadas de no Hospital Mwingi de nível 4 e mataram acordo com a Seção 29 da lei, que tem Ngandi Malia Musyemi, um vendedor termos vagos como “bastante ofensivo" e ambulante, depois que relatou à polícia que "indecente". Em 19 de abril, o Tribunal seu carro havia sido roubado e ele havia sido Superior descobriu que a Seção 29 violava as sequestrado. Sua irmã testemunhou o disposições constitucionais sobre o direito à assassinato. Policiais militares de Nairobi, liberdade de expressão. Machakos e Embu foram destacados para Mbuvi Kasina, jornalista, continuou a investigar o assassinato. enfrentar seis acusações de uso indevido de O Quênia não tem um banco de dados um sistema de telecomunicações licenciado oficial sobre assassinatos ou para questionar as despesas dos Fundos de desaparecimentos forçados cometidos por Desenvolvimento do Distrito Eleitoral de Kitui policiais. De acordo com o Haki Africa, um Sul. grupo de direitos humanos, houve 78 Em 27 de setembro, a polícia assediou, execuções extrajudiciais e desaparecimentos atacou e destruiu a câmera de Duncan

202 Anistia Internacional Informe 2016/17 Wanga, jornalista e operador de câmera da Refugiados (DPA), criado de acordo com a emissora K24 TV, enquanto ele estava Lei de Refugiados de 2006, e criou a cobrindo uma manifestação na parte oeste Secretaria de Assuntos Envolvendo da cidade de Eldoret. Refugiados. A Secretaria não foi estabelecida Em 1 de outubro, o presidente interino por lei, e funciona sob o comando do ameaçou processar o ativista Boniface Ministério de Interior e da Coordenação Mwangi, após a postagem de um tweet Nacional de Governo. ligando o presidente interino ao assassinato do empresário Jacob Juma em maio. Os DIREITOS LGBTI advogados do presidente interino exigiram Em 16 de junho, o Tribunal Superior de que o ativista pedisse desculpas, fizesse uma Mombasa manteve a legalidade de exames retratação e esclarecesse os fatos dentro de anais em homens suspeitos de atividades sete dias. Os advogados de Boniface Mwangi homossexuais. Dois homens fizeram uma acolheram o processo, citando os casos do petição ao tribunal para declarar os exames TPI e as alegações feitas por um membro de anais, bem como os testes para HIV e parlamento sobre o assassinato de Jacob hepatite B a que foram obrigados a se Juma para mostrar que a reputação do submeter em fevereiro de 2015, como presidente interino não havia sido inconstitucionais. O Tribunal considerou que prejudicada com o tweet. não houve violação dos direitos nem da lei. Os exames anais e os testes de HIV forçados PESSOAS REFUGIADAS E SOLICITANTES violam o direito à privacidade e a proibição à DE REFÚGIO tortura, bem como outros maus tratos, de Em maio, imediatamente após revogar o acordo com as leis internacionais. A decisão status de refugiados de somalis que fugiram do Tribunal Superior violou diversos tratados para o Quênia, o governo anunciou que de direitos humanos ratificados pelo Quênia. fecharia o campo de refugiados de Dadaab em 30 de novembro. Para justificar a DIREITO À MORADIA — REMOÇÕES mudança, o governo mencionou uma FORÇADAS preocupação com a segurança nacional e a Famílias que vivem em assentamentos necessidade de a comunidade internacional informais e comunidades marginalizadas compartilhar a responsabilidade de abrigar continuaram a ser removidas de forma os refugiados. Dadaab é habitado por mais forçada no contexto de grandes projetos de de 280 mil refugiados, dos quais 260 mil são desenvolvimento de infraestrutura. da Somália. O prazo curto, as afirmações do No assentamento informal da Comunidade governo sobre o processo de repatriação e a do Mar Abissal em Nairobi, 349 famílias falta de segurança na Somália geraram a foram removidas de forma forçada em 8 de preocupação de que a repatriação de somalis julho para a construção da estrada que liga a seria forçada, constituindo uma violação das Thika Super Highway à Westlands Ring leis internacionais, e colocaria em risco as Road. O despejo ocorreu sem notificação vidas de dezenas de milhares de pessoas.3 prévia, e durante o período de consulta entre De acordo com a ACNUR, a agência para a comunidade e a Autoridade de Vias refugiados da ONU, até meados de outubro, Urbanas do Quênia (KURA). Os moradores 27.000 refugiados somalis haviam retornado foram atacados durante a ação por jovens para a Somália vindos de Dadaab em 2016, armados transportados por veículos de teoricamente de forma voluntária. Em 16 de construção do governo e particulares. novembro, as autoridades afirmaram que Policiais armados estavam presentes e prolongariam o prazo para o fechamento de ameaçaram atirar nos moradores caso Dadaab por mais seis meses. resistissem. A KURA e a União Europeia, que Em maio, o governo desmembrou o está financiando a estrada, asseguraram aos Departamento de Assuntos envolvendo

Anistia Internacional Informe 2016/17 203 moradores da Comunidade do Mar Abissal Não houve total responsabilização por que eles não seriam despejados à força. alegações de tortura contra as agências de A KURA assumiu a responsabilidade pelas inteligência e as forças armadas do Reino violações dos direitos dos moradores durante Unido. Uma lei de vigilância extremamente uma reunião com os líderes da Comunidade ampla foi aprovada. As mulheres na Irlanda do Mar Abissal. Em uma carta para a do Norte enfrentaram restrições comunidade, a KURA concordou em significativas no acesso ao aborto. O implementar urgentemente medidas governo não conseguiu estabelecer uma corretivas, incluindo restaurar as instalações análise dos impactos de cortes na sanitárias, facilitar a reconstrução das casas assistência jurídica civil. Os crimes de ódio das pessoas e fornecer assistência aumentaram de modo significativo depois humanitária, como instalações para cozinha do resultado do referendo para que o Reino e cobertores para os que perderam tudo. A Unido deixe a União Europeia. KURA e os moradores da Comunidade do Mar Abissal concordaram que os residentes MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS permanentes receberiam 20 mil xelins OU INSTITUCIONAIS quenianos (cerca de US$ 200) cada um e Em junho, a maioria do eleitorado no Reino que isso não seria reconhecido como a Unido e em Gibraltar votou num referendo cobertura de perdas devido à remoção pela saída da União Europeia (UE). forçada. Embora a nova Ministra da Justiça tenha Os representantes do povo indígena anunciado em agosto que o governo Sengwer relataram que o Serviço Florestal do pretendia continuar com os planos de Quênia incendiou casas repetidamente na substituir a Lei de Direitos Humanos (que floresta Embobut. Os tribunais locais incorpora a Convenção Europeia sobre julgaram casos relacionados a membros do Direitos Humanos à legislação local) pela Lei povo Sengwer que haviam sido presos por Britânica de Direitos, no fim do ano o estarem na floresta, apesar de um caso Procurador Geral sugeriu que propostas pendente no tribunal iniciado pelos Sengwer, concretas fossem adiadas até que o processo contestando a remoção da comunidade, e de de referendo da UE estivesse concluído. uma liminar de 2013 emitida pelo Tribunal Superior de Eldoret para interromper as SISTEMA JUDICIÁRIO prisões e os despejos enquanto o caso estava Intensificaram-se os pedidos para uma em julgamento. revisão dos cortes na assistência jurídica civil feitos pela Lei sobre Assistência Jurídica, Condenação e Punição de Infratores de 2012 1. Kenya: Set up judicial inquiry into hundreds of enforced disappearances and killings (News story, 30 August) (LASPO). Os pedidos têm como base o 2. Kenya: Investigate police crackdown against protesters (News story, impacto da lei sobre pessoas vulneráveis e 17 May) marginalizadas em diversos contextos, como 3. Kenya: Government officials coercing refugees back to war-torn nas leis que regem inquirições, imigração, Somalia (News story, 15 November) bem-estar, família e moradia.1Estatísticas oficiais publicadas pela Legal Aid Agency mostraram que a assistência jurídica em casos civis tinha caído para um terço dos REINO UNIDO níveis anteriores à LASPO. Em julho, o Reino Unido Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Norte Culturais da ONU pediu que o governo Chefe de estado: Rainha Elizabeth II reavaliasse o impacto das reformas do Chefe de governo: Theresa May (substituiu David sistema de assistência jurídica. O governo Cameron em julho) não conseguiu estabelecer uma análise.

204 Anistia Internacional Informe 2016/17 que as pessoas sejam atraídas pelo SEGURANÇA E COMBATE AO terrorismo”, descobriu que o esquema criava TERRORISMO um risco sério de violar os direitos humanos, Os poderes do combate ao terrorismo e dentre eles a exercício pacífico da liberdade iniciativas políticas relacionadas para de expressão, e que sua aplicação nos combater o “extremismo” continuam sendo setores educacional e de saúde minavam a causa de preocupação. confiança. Em abril, o Relator Especial da ONU sobre Definição de terrorismo os direitos à liberdade de Apesar de um julgamento do Tribunal de manifestação pacífica e de associação Segunda Instância em janeiro, que restringiu alertou que a abordagem do governo ao a definição de terrorismo, e das críticas “extremismo não violento” trazia o risco de recorrentes à definição legal excessivamente violar as duas liberdades. Em julho, o Comitê ampla pelo Analista Independente da Conjunto Parlamentar para os Direitos Legislação sobre Terrorismo, a Ministra do Humanos recomendou o uso das leis Interior confirmou, em outubro, que o existentes, em vez da criação de leis novas e governo não tem a intenção de fazer obscuras. qualquer alteração. Drones Controles administrativos Em maio, o Comitê Conjunto para os Direitos Em novembro, o Parlamento ampliou a Lei Humanos publicou seu inquérito sobre o uso de Medidas de Investigação e Prevenção ao de drones para assassinatos específicos. O Terrorismo (TPIM, na sigla em inglês) de inquérito examinou o ataque por drones da 2011 por mais cinco anos. Por meio dessa Força Aérea Real em 2015 em al-Raqqa, na lei, o governo impôs restrições Síria, que matou três pessoas, sendo pelo administrativas a indivíduos suspeitos de menos um cidadão britânico, que se envolvimento em atividades relacionadas ao acreditava serem membros do grupo armado terrorismo. que se autodenomina Estado Islâmico. O O relatório anual do analista independente, inquérito pedia que o governo esclarecesse a publicado em novembro, documentou que o política de assassinatos específicos em uso de novos poderes para impedir que conflitos armados e seu papel nos pessoas suspeitas de serem “combatentes assassinatos específicos por outros países terroristas estrangeiros” viajem foram fora do conflito. aplicados 24 vezes em 2015, e que os poderes pré-existentes para reter passaportes TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS de cidadãos britânicos foram exercidos 23 Internamentos na Irlanda do Norte vezes.O poder disponível desde 2015 de Em dezembro, o governo respondeu a excluir “combatentes terroristas estrangeiros” questionamentos feitos pelo Tribunal Europeu que retornavam não foi usado. dos Direitos Humanos, atendendo uma solicitação de 2014 do governo irlandês para Política de “combate ao extremismo” rever o julgamento de 1978 Irlanda vs. Reino Planos para um Projeto de Lei de Unido, referente às técnicas de tortura Salvaguarda e Combate ao Extremismo foram usadas em internamentos na Irlanda do anunciados em maio, mas nenhuma Norte entre 1971 e 1972. proposta legislativa concreta havia sido analisada até o fim do ano. Transferência extrajudicial Uma pesquisa realizada por ONGs sobre o Em junho, o Serviço de Promotoria da Coroa “dever de prevenção” de certos órgãos (CPS) decidiu não fazer uma acusação públicos, inclusive escolas, de “ter a devida criminal relacionada às alegações de duas consideração pela necessidade de impedir famílias libanesas de que teriam sido

Anistia Internacional Informe 2016/17 205 submetidas à transferência extrajudicial, facilitando a vigilância do governo com a tortura e outros maus-tratos em 2004 pelos criação de “registros de conexão com a governos dos Estados Unidos e da Líbia, com internet”. A nova lei não requer autorização o conhecimento e cooperação de autoridades judicial prévia e clara. do Reino Unido. Em novembro, as duas Em outubro, o Tribunal de Poderes famílias — Abdul-Hakim Belhaj e Fatima Investigatórios (IPT) decidiu que a coleta Boudchar, e Sami al-Saadi, sua mulher e secreta e em massa de dados de filhos — iniciaram os procedimentos de comunicações domésticas e estrangeiras, e a análise judicial para recorrer da decisão do coleta em massa de “conjuntos de dados CPS. pessoais”, que antes havia violado o direito à privacidade, agora era legal. Forças armadas Havia procedimentos pendentes no Em setembro, veio à tona que a Polícia do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos com Exército Real estava investigando cerca de relação à legalidade do regime de vigilância 600 casos de suspeita de maus tratos e em massa e práticas de compartilhamento abusos em detenções no Afeganistão entre de inteligência pré-IPA. O Tribunal de Justiça 2005 e 2013. da União Europeia decidiu, em dezembro, Em novembro, a Equipe de Alegações que a retenção geral e indiscriminada de Históricas do Iraque, o órgão que investiga dados, de acordo com a Lei de Poderes alegações de abuso de civis iraquianos pelas Investigatórios e Retenção de Dados de forças armadas do Reino Unido, concluiu ou 2014, não era permitida. estava por concluir as investigações de 2.356 das 3.389 alegações recebidas. IRLANDA DO NORTE: LEGADO DE As Investigações de Fatalidades do Iraque, PROBLEMAS um órgão separado criado em 2013, relatou Tanto a ex-ministra britânica para a Irlanda a morte de Ahmad Jabbar Kareem Ali, de 15 do Norte, quanto o atual ocupante do cargo, anos, em setembro, divulgando que ele havia se referiram aos que fazem alegações de se afogado depois de ser obrigado, por conluios e violações de direitos humanos por soldados britânicos, a entrar no canal Shatt- agentes do Estado como contribuintes para al-Basra no sul do Iraque em 2003. O uma “contranarrativa perniciosa”. ONGs que Ministério da Defesa se desculpou pelo defendem justiça para as vítimas incidente. argumentaram que essa linguagem coloca Alegações de crimes de guerra cometidos seu trabalho como defensores dos direitos pelas forças armadas britânicas no Iraque humanos em risco. entre 2003 e 2008 continuam sob análise Em novembro, o Relator Especial sobre a preliminar pela Promotoria do Tribunal Penal promoção da verdade, justiça, reparação e Internacional. garantias de não recorrência incitou o governo do Reino Unido a abordar padrões VIGILÂNCIA estruturais ou sistêmicos de violações e Em novembro, a Lei de Poderes abusos, em vez de se concentrar apenas nas Investigatórios (IPA) entrou em vigor, abordagens “baseadas em eventos” substituindo a legislação nacional existentes. Ele sugeriu ampliar o foco das fragmentada sobre vigilância. A IPA medidas de casos de morte para incluir concedeu mais poderes às autoridades tortura, violência sexual e detenção ilegal, públicas para interferirem nas comunicações com uma abordagem orientada por gêneros. e informações privadas no Reino Unido e no O Relator Especial também defendeu a exterior. Permitiu também uma gama ampla limitação dos argumentos de segurança de práticas de intercepção e de retenção de nacional contra pedidos de reparação e a dados, com definições vagas, e impôs novas garantia de que reparações para todas as exigências sobre empresas privadas,

206 Anistia Internacional Informe 2016/17 vítimas sejam tratadas com seriedade e de forma sistemática. DISCRIMINAÇÃO O presidente do Supremo Tribunal de As estatísticas oficiais do Conselho Nacional Justiça da Irlanda do Norte estabeleceu um de Chefes de Polícia em junho e setembro plano detalhado de cinco anos para reverter mostram um aumento expressivo de 57% o atraso dos inquéritos de legistas, mas não nas denúncias de crimes de ódio na semana recebeu a verba do governo central e do imediatamente após o referendo sobre a Executivo da Irlanda do Norte. associação à UE, seguida de uma queda nas O governo se recusou a estabelecer um denúncias, mas ainda a um nível 14% mais inquérito público independente sobre o alto que no mesmo período no ano anterior. assassinato de Patrick Finucane, em 1989, O Comissário da ONU sobre Direitos apesar de já ter reconhecido que houve Humanos expressou sua preocupação em “conluio” no caso. junho. As estatísticas do governo publicadas em outubro mostram um aumento de 19% DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS nos crimes de ódio em relação ao ano O acesso ao aborto na Irlanda do Norte foi anterior, com 79% dos incidentes registrados limitado a casos excepcionais em que a vida classificados como “crimes de ódio racial”. da gestante estivesse em risco.2 A lei de Em novembro, o Comitê para Eliminação da aborto na Irlanda do Norte foi criticada pelo Discriminação Racial pediu que o Reino Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Unido tomasse providências para lidar com o Culturais e pelo Comitê de Direitos das aumento nesse tipo de crime de ódio. Crianças em julho. Na primeira pesquisa do tipo, o Comitê Na Irlanda do Norte, as mulheres sobre os Direitos das Pessoas com enfrentaram processos criminais por tomar Deficiência relatou o impacto cumulativo das medicamentos aprovados pela OMS para mudanças nas leis de bem-estar, saúde e induzir abortos. Uma mulher recebeu uma assistência jurídica. O governo discordou das suspensão condicional da pena depois de conclusões do Comitê de que havia confessar dois crimes de acordo com a lei de “violações graves ou sistemáticas dos direitos 1861 que rege o aborto na Irlanda do Norte. de pessoas com deficiência”. As estatísticas oficiais de anos anteriores mostram que 833 mulheres da Irlanda do DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E Norte viajaram para a Inglaterra ou o País de MIGRANTES Gales para fazerem abortos, e que dezesseis A Lei de Imigração entrou em vigor em maio. abortos legais haviam sido realizados na A lei ampliou as sanções contra proprietários Irlanda do Norte. de imóveis com locatários cujos status de Em junho, o Tribunal de Segunda imigração os desqualifiquem de alugar e Instância da Irlanda do Norte ouviu os aumentou os poderes de despejo dos recursos de uma decisão do Tribunal proprietários; ampliou os poderes para Superior de 2015, que estabelecia que a bloquear os direitos limitados de recursos legislação sobre aborto da região era contra a remoção do Reino Unido até a incompatível com as leis de direitos humanos pessoa ter deixado o país; e introduziu um nacionais e internacionais. esquema segundo o qual crianças separadas Em novembro, o Primeiro Ministro escocês procurando refúgio no Reino Unido podem fez propostas para dar acesso a serviços de ser transferidas entre autoridades locais. aborto através do Serviço Nacional de Saúde O governo resistiu a pedidos para assumir da Escócia para mulheres e meninas da mais responsabilidade por abrigar refugiados. Irlanda do Norte. Em abril, o governo anunciou que reassentaria três mil pessoas do Oriente Médio e Norte da África até maio de 2020. Em outubro, o governo aceitou algumas

Anistia Internacional Informe 2016/17 207 dezenas de crianças desacompanhadas do de minorias étnicas era de quatro a cada acampamento apelidado de “Selva” em cinco. Calais, na França, junto com um grande número de outras crianças realocadas para DIREITOS DOS SINDICATOS se unirem às famílias, de acordo com as Em maio, entrou em vigor a Lei dos disposições nos regulamentos do Sindicatos, restringindo ainda mais os Regulamento Dublin III. sindicatos que organizam greves. Durante o Em janeiro, uma Análise Independente ano, o Relator Especial da ONU sobre os sobre o bem-estar de pessoas vulneráveis em diretos à liberdade de manifestação pacífica detenção fez críticas fortes com relação à e de associação e o Comitê sobre Direitos escala e longevidade da detenção de Econômicos, Sociais e Culturais da ONU imigração. Em agosto, o Home Office, pediram que o governo revisse a lei. departamento governamental responsável por imigração, contraterrorismo, polícia, 1. United Kingdom: Cuts that hurt: The impact of legal aid cuts in políticas de drogas e pesquisas relacionadas England on access to justice (EUR 45/4936/2016) a estes temas, respondeu com uma nova 2. United Kingdom: Submission to the UN Committee on Economic, política de “adultos em risco”. No entanto, Social and Cultural Rights (EUR 45/3990/2016) ONGs criticaram a política por promover salvaguardas contra a detenção prejudicial, inclusive por adotar uma definição restrita de “tortura”, ao considerar o risco imposto pela REPÚBLICA detenção ao bem-estar de uma pessoa. Em novembro, o Tribunal Superior permitiu um DEMOCRÁTICA DO recurso à política, ordenando que uma definição anterior, mais abrangente, de CONGO tortura fosse usada por enquanto. República Democrática do Congo VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E Chefe de estado: Joseph Kabila MENINAS Chefe de governo: Samy Badibanga Ntita (substituiu Em dezembro, a Câmara dos Comuns votou Augustin Matata Ponyo Mapon em novembro) para ratificar a Convenção do Conselho da Europa sobre a prevenção e combate à A República Democrática do Congo (RDC) violência contra mulheres e violência passou por agitações políticas durante o doméstica, assinada pelo governo em 2012. ano, com protestos sobre o fim do mandato Em julho, o Comitê sobre Direitos das do presidente Kabila. As manifestações Crianças da ONU recomendou aprimorar a foram reprimidas com uso excessivo da coleta de informações sobre violência contra força por agentes de segurança, e houve crianças, incluindo violência doméstica e de violações dos direitos à liberdade de gênero. expressão, de associação e de reunião Preocupações sérias permaneceram com pacífica. Conflitos armados continuaram no relação ao financiamento reduzido para leste: grupos armados cometeram diversos serviços especializados para mulheres que abusos contra civis, incluindo execuções passaram por violência doméstica ou abuso. sumárias, assassinatos, sequestros, Uma pesquisa da organização para os violência sexual e saque de propriedades; e direitos das mulheres, Women’s Aid, mostrou as forças de segurança realizaram que os abrigos estavam sendo obrigados a execuções extrajudiciais e outras violações recusar duas de cada três sobreviventes por dos direitos humanos. Tanto as forças falta de espaço ou incapacidade de atender armadas quanto a força de paz da ONU - suas necessidades, e que a taxa de mulheres MONUSCO (Missão de Estabilização da Organização da ONU na RDC) - não

208 Anistia Internacional Informe 2016/17 conseguiram proteger os civis Centenas de combatentes do Sudão do adequadamente. Sul afiliados ao Exército de Oposição para a Libertação do Povo do Sudão (SPLA-IO) INFORMAÇÕES GERAIS cruzaram a RDC após combates na capital Divergências políticas sobre se o presidente do Sudão do Sul, Juba, em julho (consulte o Kabila poderia permanecer no cargo após texto sobre o Sudão do Sul). seu segundo mandato terminar em 19 de O agravamento da crise econômica dezembro geraram diversos protestos. Em exacerbou os já altos níveis de pobreza. março, a Comissão Eleitoral Independente Surtos de cólera e febre amarela resultaram Nacional anunciou que as eleições não em centenas de mortes. poderiam ocorrer dentro do período constitucional. Em maio, o Tribunal LIBERDADES DE ASSOCIAÇÃO E Constitucional decidiu que o presidente REUNIÃO poderia permanecer no cargo após 19 de O direito à liberdade de reunião pacífica foi dezembro, até que seu sucessor assumisse. violado, em conexão com protestos contra Em outubro, emitiu outra decisão adiando as um mandato prolongado do Presidente eleições presidenciais. A oposição e a Kabila. Diversos protestos, a maioria sociedade civil questionaram a legalidade da organizada pela oposição política, foram segunda decisão, pois foi emitida por cinco declarados não autorizados, embora a lei da juízes em vez dos sete necessários por lei. RDC e a lei internacional apenas exijam que Um acordo após a reunião conduzida pela os organizadores notifiquem as autoridades União Africana, que adiou as eleições para locais, sem precisar obter autorização. Por abril de 2018, foi rejeitado pela maioria da outro lado, reuniões organizadas pela Maioria oposição política, da sociedade civil e dos Presidencial, a coalizão governista, movimentos jovens. Em 31 de dezembro, ocorreram amplamente sem interferência por após a mediação da Igreja Católica, um novo parte das autoridades. acordo foi assinado por representantes da Proibições gerais de protestos foram coalizão da maioria, da oposição e de instituídas ou mantidas na capital, Kinshasa, organizações da sociedade civil. O acordo nas cidades de Lubumbashi e Matadi, e nas incluiu o compromisso de que o presidente províncias de Mai-Ndombe (província de Kabila não ficaria em um terceiro mandato, e Bandundu-ex) e Tanganica. que as eleições ocorreriam ao final de 2017. Durante o ano, 11 ativistas do movimento A incerteza política contribuiu para jovem Luta por Mudanças (LUCHA) foram aumentar as tensões no leste da RDC, que condenados por terem participado ou permaneceu sitiada por conflitos armados. organizado protestos pacíficos. Além disso, Tensões intercomunais e étnicas cada vez mais de 100 ativistas do LUCHA e do maiores no período pré-eleitoral prolongado, movimento pró-democracia Juventude junto com respostas administrativas e de Filimbi foram presos antes, durante ou logo segurança frágeis, alimentaram a violência e após protestos pacíficos. Estes e outros o recrutamento dos grupos armados. movimentos de jovens, que instaram o A operação das forças armadas unidas da Presidente Kabila a sair do poder no final do RDC-MONUSCO “Sokola 2” continuou seu segundo mandato foram considerados realizando esforços para neutralizar as insurgentes. As autoridades locais os Forças Democráticas para a Libertação de declararam "ilegais", devido à sua falta de Ruanda (FDLR) – um grupo armado com registro, ainda que nem a lei nacional nem o base no leste da RDC, composto por hutus direito internacional façam do registro uma ruandeses ligados ao genocídio de 1994 em condição para a realização de uma Ruanda. A operação para capturar o manifestação. comandante da FDLR, Sylvestre As autoridades também proibiram Mudacumura, falhou. reuniões privadas para discutir questões

Anistia Internacional Informe 2016/17 209 politicamente sensíveis, incluindo as apoio para uma greve geral, pedindo respeito eleições. A sociedade civil e os partidos à constituição. Em maio, a polícia da políticos de oposição enfrentaram obstáculos província de Kwilu o impediu de realizar três para alugar instalações para conferências, reuniões políticas. reuniões ou outros eventos. Em 14 de março, A polícia proibiu Moise Katumbi, ex- uma reunião em um hotel em Lubumbashi governador da então Província de Katanga e entre Pierre Lumbi, presidente do Movimento candidato presidencial, de comparecer a Social pela Renovação (MSR), e os membros reuniões públicas após ele ter deixado o do MSR foi interrompida à força pela Agência partido do Presidente Kabila, o Partido Nacional de Inteligência. Popular para a Reconstrução e a Funcionários do governo, incluindo o Democracia. Em maio, o Promotor Público Ministro da Justiça e Direitos Humanos, abriu uma investigação contra Moise ameaçaram fechar as organizações de Katumbi pelo suposto recrutamento de direitos humanos usando interpretações mercenários, mas mais tarde permitiu que restritivas das leis que regem o registro de ele saísse do país para receber cuidados ONGs. médicos. Mais um caso foi então levado ao tribunal contra Moise Katumbi, relativo a uma USO EXCESSIVO DE FORÇA disputa por uma propriedade, e ele foi As forças de segurança reprimiram protestos condenado em sua ausência a três anos de pacíficos usando força desnecessária, prisão. Isto o fez ficar inelegível para excessiva e, às vezes, letal, incluindo bombas representar a presidência. de gás lacrimogêneo e munição real. Em 20 de janeiro, o Ministro da Em 19 de setembro, as forças de Comunicação e Mídia decretou o fechamento segurança mataram dezenas de pessoas em da Emissora de Rádio e Televisão Nyota e da Kinshasa durante um protesto exigindo que o Televisão Mapendo – ambas pertencentes a presidente Kabila desistisse do cargo ao final Moise Katumbi – alegando que elas não do seu segundo mandato. haviam cumprido suas obrigações fiscais. A Protestos contra a recusa de Kabila em agência regulatória de mídia controlada pelo deixar o poder novamente ocorreram em 19 Estado, Conselho Superior de Audiovisual e e 20 de dezembro. Dezenas de pessoas Comunicação, disse que os impostos foram mortas pelas forças de segurança em estavam pagos e exigiu que as emissoras Kinshasa, Lubumbashi, Boma e Matadi. fossem reabertas. Apesar disso, as duas Centenas de pessoas foram detidas emissoras permaneceram fechadas. arbitrariamente antes, durante e após os Dezenas de jornalistas foram detidos protestos. arbitrariamente. Em 19 e 20 de setembro, As forças de segurança também mataram pelo menos oito jornalistas de veículos os manifestantes que participaram de nacionais e internacionais foram presos e manifestações sobre outras queixas nas detidos enquanto cobriam os protestos. cidades de Baraka, Beni, Ituri e Kolwezi. Vários deles foram perseguidos, roubados e agredidos pelas forças de segurança. LIBERDADE DE EXPRESSÃO Em 5 de novembro, o sinal da Radio O direito à liberdade de expressão foi France Internationale (RFI) foi bloqueado e restringido e constantemente violado no permaneceu bloqueado no final do ano. Na contexto pré-eleitoral.1Foram alvo de mesma época, o sinal da Rádio Okapi, perseguição, em particular, os políticos que estação de rádio da ONU, foi interrompido eram contra um prolongamento do segundo por um período de cinco dias. Em 12 de mandato do Presidente Kabila. novembro, o ministro de Comunicação e A polícia militar deteve o líder da oposição, Mídia emitiu um decreto barrando o direito a Martin Fayulu, por metade de um dia em uma frequência local às estações de rádio fevereiro, enquanto ele estava mobilizando que não tem presença física na RDC. O

210 Anistia Internacional Informe 2016/17 decreto afirma que, a partir de dezembro, as diversos grupos armados Mai-Mai (milícias estações só poderiam transmitir via uma locais e das comunidades) estavam entre os estação de rádio congolês parceira com a responsáveis pelos abusos contra civis. O anuência do ministro. Exército de Resistência do Senhor (LRA) continuou a ser ativo e a cometer abusos nas DEFENSORES E DEFENSORAS DOS áreas que fazem fronteira com o Sudão do DIREITOS HUMANOS Sul e a República Centro-Africana. Pelo menos três defensores dos direitos Na área de Beni, em Kivu do Norte, civis humanos foram mortos por agentes de foram massacrados com o uso de facões, segurança conhecidos ou suspeitos nas enxadas e machados. Na noite de 13 de províncias de Maniema, Kivu do Norte e Kivu agosto, 46 pessoas foram mortas em do Sul. Um policial foi condenado à prisão Rwangoma, um bairro de Beni, por supostos perpétua pela morte de um defensor dos membros das Forças Democráticas Aliadas direitos humanos em Maniema. A sentença (ADF), um grupo armado de Uganda que foi reduzida para 36 meses na apelação. Um mantém bases no leste da RDC. julgamento relacionado aos assassinatos em Kivu do Norte começou em setembro. Violações cometidas pelas forças de segurança As autoridades cada vez mais focavam os Soldados cometeram violações dos direitos defensores de direitos humanos que humanos durante operações contra grupos tomaram uma posição pública sobre o limite armados. Também executaram do mandato presidencial ou documentaram extrajudicialmente civis que protestavam violações de direitos humanos politicamente contra a falta de proteção do governo. motivadas. Muitos defensores enfrentaram detenções arbitrárias, assédio e aumento da Violência contra mulheres e meninas pressão para interromper suas atividades. Centenas de mulheres e meninas foram Em fevereiro, o governo de Kivu do Sul submetidas a violência sexual em áreas promulgou um decreto sobre a proteção dos afetadas pelo conflito. Os criminosos defensores e defensoras dos direitos incluíram soldados e outros agentes do humanos e dos jornalistas. Em nível nacional, Estado, bem como combatentes de grupos a ONU, a Comissão Nacional de Direitos armados, como o Raia Mutomboki (uma Humanos e várias ONGs de direitos humanos coalizão de grupos), o FRPI e o Mai-Mai trabalharam sobre uma proposta de lei para Nyatura, uma milícia Hutu. proteger os defensores e defensoras, mas ela ainda não foi discutida no parlamento. Crianças-soldado Centenas de crianças foram recrutadas por CONFLITOS AO LESTE DA RDC grupos armados, incluindo a FRPI, Mai-Mai Violações dos direitos humanos Nyatura, forças unidas da FDLR e seu braço permaneceram desenfreadas na região armado oficial, FOCA, e a União Patriótica oriental da RDC, onde o conflito continuou. A para a Defesa dos Inocentes (UDPI). ausência de autoridades do Estado e falhas Crianças-soldado continuam a ser usadas na proteção de civis levaram a mortes. para o combate, além de cozinhar, limpar, coletar impostos e realizar o transporte de Abusos por grupos armados mercadorias. Grupos armados cometeram uma vasta gama de abusos, incluindo: execuções sumárias; Violência nas comunidades sequestros; tratamento cruel, desumano e A violência entre as comunidades Hutu e degradante; estupro e outros tipos de Nande aumentou muito nos territórios de violência sexual; e a pilhagem de Lubero e Walikale em Kivu do Norte. Ambas propriedades de civis. As FDLR, as Forças as comunidades receberam apoio de grupos para a Resistência Patriótica de Ituri (FRPI) e armados – a comunidade Hutu das FDLR, e

Anistia Internacional Informe 2016/17 211 a comunidade Nande de grupos Mai-Mai – o insegurança, sendo amplamente criticados que resultou em inúmeras mortes e danos por organizações humanitárias. Durante o extensivos à propriedade civil. Em janeiro e fechamento, inúmeras pessoas deslocadas fevereiro, os combates atingiram níveis foram vítimas de violações dos direitos alarmantes. Em 7 de janeiro, as FDLR humanos cometidas por soldados. mataram ao menos 14 pessoas da Comunidade Nande na aldeia de Miriki, ao TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS sul do território de Lubero. Quando a Agentes estaduais, bem como membros de população local organizou protestos contra a grupos armados, cometeram atos de tortura falta de proteção após o ataque, o exército e outros tratamentos cruéis, desumanos e disparou com munição real, matando pelo degradantes. A Agência de Inteligência menos um manifestante. Algumas semanas Nacional foi responsável por sequestros e mais tarde, pelo menos 21 pessoas da formas de detenção prolongada comunidade Hutu foram mortas, 40 foram incomunicável, que infringem o direito dos feridas e dezenas de casas foram queimadas detidos de serem tratados com humanidade em ataques realizados pela milícia Nande. e a proibição absoluta da tortura ou de outros Em 27 de novembro, mais de 40 pessoas maus-tratos. foram mortas durante um ataque a uma aldeia Hutu por um grupo de autodefesa IMPUNIDADE Nande. Pouquíssimos agentes do estado, No distrito de Tanganica, confrontos entre especialmente em níveis superiores, ou as comunidades Batwa e Luba recomeçaram combatentes dos grupos armados foram em setembro, resultando em muitas mortes e processados e condenados por abusos e danos materiais. Confrontos contínuos violações dos direitos humanos. A falta de resultaram em execuções sumárias, violência financiamento e independência judicial sexual e deslocamento em massa. De acordo continuou a representar grandes obstáculos com os chefes locais e as organizações da à responsabilização por tais crimes. sociedade civil, mais de 150 escolas no Em 11 de outubro, Gedeon Kyungu bairro foram incendiadas durante os Mutanga rendeu-se com mais de 100 confrontos. combatentes Mai-Mai às autoridades da província de Haut-Katanga. Ele havia PESSOAS REFUGIADAS E DESLOCADAS escapado da prisão em 2011 após ser INTERNAMENTE condenado à morte por crimes contra a Os combates entre o exército e grupos humanidade, insurgência e terrorismo. armados causaram deslocamento interno. Em fevereiro, mais de 500 mil refugiados CONDIÇÕES PRISIONAIS congoleses foram registrados em países Superlotação, infraestrutura dilapidada e vizinhos. Em 1º de agosto, 9 milhões de subfinanciamento contribuíram para as pessoas deslocadas internamente (IDP, na condições terríveis do sistema prisional. A sigla em inglês) foram registradas na maioria da população prisional é composta República Democrática do Congo, a maioria por presos provisórios aguardando nas províncias de Kivu do Norte e do Sul. julgamento. Desnutrição, doenças Após acusações de que membros de infecciosas e a ausência de cuidados de grupos armados, especialmente as FDLR, se saúde adequados causaram a morte de pelo escondiam nos campos, o governo fechou menos 100 prisioneiros. Estima-se que cerca vários campos de IDP que haviam sido de 1.000 prisioneiros tenham escapado. criados em colaboração com a ACNUR, a agência de refugiados da ONU. Os fechamentos afetaram cerca de 40.000 deslocados, levando a mais deslocamentos e

212 Anistia Internacional Informe 2016/17 DIREITO A UM PADRÃO DE VIDA ADEQUADO RÚSSIA A extrema pobreza permaneceu difundida. Federação Russa De acordo com o Programa Mundial de Chefe de estado: Vladimir Putin Alimentos, um número estimado de 63,6% Chefe de governo: Dmitry Medvedev da população estava vivendo abaixo da linha da pobreza nacional e sem acesso a Aumentaram as restrições à liberdade de necessidades básicas, como alimentação expressão, associação e manifestação adequada, água potável, saneamento, pacífica. Pessoas que participaram de serviços adequados de saúde e educação. protestos antigoverno na Praça Bolotnaya De acordo com as estimativas, mais 7 continuaram sendo processadas, levando a milhões de pessoas não tinham garantia de mais preocupações sobre o respeito aos alimento e quase metade de todas as padrões de julgamento justos. Defensores e crianças menores de cinco anos sofriam de defensoras dos direitos humanos foram desnutrição crônica. Uma crise econômica multados ou processados criminalmente por levou a uma queda acentuada no valor do conta de suas atividades. O primeiro franco congolês em relação ao dólar processo criminal por não conseguir americano, diminuindo severamente o poder cumprir a lei dos "agentes estrangeiros" foi de compra da população. iniciado. Um grupo de pessoas foi acusado com base na legislação de antiextremismo DIREITO À EDUCAÇÃO por criticar a política do Estado e por exibir Embora a constituição garanta educação publicamente ou portar materiais fundamental gratuita, o sistema escolar considerados extremistas. Houve relatos de continuou a funcionar devido à prática tortura e outros maus-tratos em instituições institucionalizada de tarifas para cobrirem os penitenciárias, e a vida dos prisioneiros salários dos professores e as despesas da ficou em risco devido ao cuidado médico escola. Estima-se que os pais dos estudantes inadequado nas prisões. Graves violações pagaram três quartos das despesas da dos direitos humanos continuaram a ser escola. A educação estava praticamente relatadas no contexto das operações de ausente no orçamento do Estado. Ativistas segurança no norte do Cáucaso. As pessoas jovens que protestaram pacificamente em que criticavam as autoridades da Chechnya Bukavu, em Kivu do Sul, contra as tarifas enfrentaram ataques físicos e perseguição escolares no início do ano letivo em setembro por atores que não faziam parte do governo, foram detidos por períodos curtos. e os defensores dos direitos humanos da O conflito armado teve um forte impacto região relataram assédio de atores que não na educação. Dezenas de escolas foram faziam parte do governo. A Rússia enfrentou usadas como campos para pessoas crítica internacional relacionada às deslocadas internamente ou como bases alegações de crimes de guerra pelas forças militares para o exército ou para os grupos da Síria. O Tribunal Penal Internacional armados. Milhares de crianças não continuou sua análise preliminar da conseguiram frequentar a escola devido à situação na Ucrânia, incluindo crimes destruição das mesmas ou pelo cometidos no leste da Ucrânia e na deslocamento de professores e alunos. Crimeia. A Rússia não conseguiu respeitar os direitos de solicitantes de refúgio e de pessoas refugiadas. 1. Democratic Republic of the Congo: Dismantling dissent − repression of expression amidst electoral delays (AFR 62/4761/2016)

Anistia Internacional Informe 2016/17 213 obedecer a ordens policiais” após participar MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS do protesto na Praça Bolotnaya. O tribunal OU INSTITUCIONAIS considerou que a prisão, detenção e punição Em 7 de julho, foram aprovadas emendas à administrativa de Yevgeniy Frumkin foram legislação antiextremista, conhecidas como o “excessivamente desproporcionais", e que "pacote Yarovaya". As emendas foram foram realizadas para desencorajar a ele e bastante inconsistentes com as obrigações outras pessoas de participarem de da Rússia relacionadas a direitos humanos manifestações ou de se envolverem na internacionais, pois proibiram qualquer forma política de oposição. de atividade missionária que não faça parte Em 12 de outubro, Dmitry Buchenkov foi das instituições religiosas especialmente acusado de participar de agitações em designadas, obrigando os provedores de massa e recebeu seis acusações de uso de tecnologia da informação a armazenar “força não letal” contra policiais durante a registros de todas as conversas por seis manifestação na Praça Bolotnaya. Ele alegou meses e os metadados por três anos, que estava em Nizhny Novogorod naquele aumentando a punição máxima por momento e não tinha participado da extremismo de quatro para oito anos de manifestação. Detido desde dezembro de prisão, bem como a multa por encorajar 2015, até o fim de 2016 ainda estava preso. pessoas a participarem de agitações em massa de cinco para dez anos de prisão. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO - DEFENSORES E DEFENSORAS DOS LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DIREITOS HUMANOS Em março, a legislação que versa sobre Durante o ano, dezenas de ONGs reuniões públicas foi estendida a independentes que recebiam fundos manifestações motorizadas "não estrangeiros foram adicionadas à lista de autorizadas". Em agosto, esta nova provisão "agentes estrangeiros", incluindo a Sociedade foi usada para perseguir um grupo de Internacional Histórica e de Direitos fazendeiros do Kuban, no sul da Rússia, que Humanos do Memorial. viajava para a capital, Moscou, em tratores e As ONGs continuaram a enfrentar multas carros particulares para protestar contra a administrativas por não cumprirem a grilagem de terras pelas empresas do setor legislação de "agentes estrangeiros". Em 24 de agricultura. Seu líder, Aleksei Volchenko, de junho, Valentina Cherevatenko, fundadora foi condenado a 10 dias de prisão e presidente da Women of the Don Union, foi administrativa por participar de uma informada sobre o processo criminal aberto manifestação “não autorizada”1 após ter contra ela por “evasão sistemática de estado em uma reunião com os fazendeiros e obrigações impostas pela lei a organizações o representante legal regional do presidente. sem fins lucrativos que tenham função de Outros participantes da reunião pagaram um agente estrangeiro”, punível com uma multas ou ficaram em detenção pena de até dois anos de prisão. Esta foi a administrativa por curtos períodos. primeira vez que o artigo relevante do Código Quatro pessoas ainda estavam cumprindo Penal havia sido aplicado desde sua criação suas penas por participarem da manifestação em 2012. A investigação penal contra na Praça Bolotnaya em Moscou, em 6 de Valentina Cherevatenko ainda estava em maio de 2012, e duas outras foram acusadas andamento no fim do ano. A equipe da ONG por terem relação com os eventos. Em 5 de Women of the Don Union eram janeiro, o Tribunal Europeu dos Direitos frequentemente interrogadas por Humanos descobriu que o direito de investigadores que também monitoravam as Yevgeniy Frumkin à liberdade de publicações da organização. manifestação pacífica foi violado e que ele foi Lyudmilla Kuzmina, uma bibliotecária detido arbitrariamente por 15 dias por “não aposentada e coordenadora da filial de

214 Anistia Internacional Informe 2016/17 Samara da ONG Golos, de monitoramento de “trabalho corretivo” sem pagamento. O eleitoral, foi processada pelas autoridades juiz também decidiu que seu computador fiscais em 2.222.521,00 rublos (31 mil devia ser destruído, por ser considerado a euros). As autoridades fiscais classificaram "arma do crime". uma doação feita a Golos pela organização O julgamento de Natalya Sharina, USAID (com financiamento oriundo dos prisioneira de consciência e diretora da EUA) como lucro, alegando que Lyudmilla Biblioteca de Literatura Ucraniana, entidade Kuzmina havia declarado falsamente que o governamental, em Moscou, começou em 2 dinheiro era uma doação. Em 14 de março de novembro. Ela foi acusada de "incitação de 2016, as autoridades fiscais ganharam ao ódio e à hostilidade por meio do mau uso um processo contra uma decisão do Tribunal de sua função", de acordo com o Artigo 282 Distrital de Samara em 27 de novembro de do Código Penal, bem como pelo uso 2015 em que se decidiu que Lyudmilla fraudulento de fundos da biblioteca, crimes Kuzmina não havia fraudado aquele valor do pelos quais ela pode receber uma pena de governo, e não havia usado o dinheiro para até 10 anos de prisão. Uma série de livros ganho pessoal. Após o sucesso da apelação , classificados como "extremistas" foram oficiais de justiça confiscaram seu carro e os supostamente encontrados em meio à pagamentos de sua pensão foram literatura não catalogada da biblioteca. Ela interrompidos. permanece em prisão domiciliar, que começou em 30 de outubro de 2015. LIBERDADE DE EXPRESSÃO A legislação antiextremismo continuou a ser NORTE DO CÁUCASO usada de forma excessiva, violando o direito Graves violações dos direitos humanos, à liberdade de expressão. De acordo com a incluindo desaparecimentos forçados e ONG SOVA Centre, 90% de todas as execuções extrajudiciais cometidas ao longo condenações realizadas de acordo com a das operações de segurança continuaram a legislação antiextremismo foram devido a ser relatadas vindas do norte do Cáucaso. declarações e postagens nas redes sociais. Defensores e defensoras dos direitos Em 3 de novembro, após a solicitação da humanos também corriam riscos. Em 9 de SOVA Centre e de outras ONGs, o plenário da março, dois membros da organização de Suprema Corte emitiu diretrizes aos juízes direitos humanos Joint Mobile Group (JMG), sobre o uso da legislação antiextremismo, junto com seu motorista e seis jornalistas da especificando que para se qualificar como mídia russa, norueguesa e sueca , foram incitação ao ódio, as declarações precisavam atacados ao viajar da Ossétia do Norte para a incluir um elemento de violência, como Chechnya. Seu micro-ônibus foi parado por pregar o genocídio, a repressão em massa, a quatro carros próximo a um ponto de deportação ou incentivar a violência. segurança na fronteira administrativa entre Em 20 de fevereiro, Yekaterina Ingushetia e Chechnya. Vinte homens Vologzheninova, uma assistente de loja de mascarados os arrastaram para fora do Yekaterinburg, na região de Ural, foi veículo e os agrediram, depois incendiando o considerada culpada por “incitar o ódio e a micro-ônibus. Duas horas depois, o escritório hostilidade racial” de acordo com o Artigo da JMG em Ingushetia foi saqueado. Em 16 282 do Código Penal, por ter criticado na de março, o líder da JMG Igor Kalyapin foi internet a anexação da Crimeia pela Rússia e solicitado a deixar o hotel na capital pelo envolvimento militar da Rússia em Chechena de Grozny pelo gerente porque ele Donbass, leste da Ucrânia, o que “não adorava” o líder checheno Ramzan basicamente consistiu em repostagens de Kadyrov. Igor Kalyapin recebeu um soco e foi artigos da mídia ucraniana. Yekaterina atacado com comida e desinfetante por um Vologzheninova, mãe solteira e única grupo violento. cuidadora da mãe idosa, cumpriu 320 horas

Anistia Internacional Informe 2016/17 215 Em 5 de setembro, Zhalaudi Geriev, um jornalista independente conhecido por TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS criticar a liderança da Chechnya foi Tortura e outros maus-tratos continuaram de condenado a três anos de prisão pelo forma indiscriminada e sistemática durante a Tribunal do Distrito de Shali da Chechnya por prisão provisória e em colônias prisionais. posse de 167g de maconha. No julgamento Em 30 de agosto, Murad Ragimov e seu ele voltou atrás em sua confissão sobre pai foram agredidos e torturados por agentes portar drogas, dizendo que três homens em da Unidade de Resposta Especial do roupas comuns o prenderam no dia 16 de Ministério do Interior por duas horas na abril, forçaram-no a entrar em um carro e o cozinha de sua casa em Moscou. Os agentes levaram para uma floresta nos arredores de acusaram Murad Ragimov de assassinar um Grozny, onde ele foi torturado antes de ser policial em Daguestão e por lutar pelo grupo entregue a representantes das autoridades armado Estado Islâmico na Síria. O primo de legais, que o forçaram a "confessar". Murad Ragimov foi algemado à mesa da A liderança chechena continuou a exercer cozinha enquanto os agentes torturavam pressão direta sobre o judiciário. Em 5 de Murad Ragimov com um cassetete com maio, Ramzan Kadyrov convocou uma choque elétrico e sufocando-o com uma reunião com todos os juízes e forçou quatro sacola plástica. Finalmente, os oficiais deles a pedirem demissão. Não houve disseram ter encontrado drogas em seus resposta das autoridades federais. bolsos. Murad Ragimov foi levado para a delegacia de polícia e permaneceu preso até JULGAMENTOS INJUSTOS o fim do ano sendo julgado por porte de Os ucranianos Mykola Karpyuk e Stanislav drogas. Klykh foram condenados, após um Ildar Dadin disse em uma carta para sua julgamento injusto na Suprema Corte da esposa que foi submetido à tortura e outros Chechnya, a 22 anos e meio e a 20 anos de maus-tratos na colônia prisional de Segezha, prisão, respectivamente, em 26 de maio. A na região de Karelia, na Rússia. Ele sentença foi confirmada em primeira descreveu como apanhou repetidamente de instância pela Suprema Corte russa. Eles grupos de 10 a 12 guardas prisionais, foram condenados por liderarem e lutarem incluindo em uma ocasião o diretor da em um grupo armado que supostamente colônia prisional. Ele descreveu ter sua matou 30 soldados russos durante o conflito cabeça afundada em um vaso sanitário e ter na Chechenya (1994 a 1996). Os dois ficado pendurado por algemas e sido homens disseram que foram torturados após ameaçado de estupro. Ildar Dadin foi serem presos em março de 2014, e em colocado em uma cela punitiva sete vezes agosto de 2014, respectivamente. Seus entre sua chegada à colônia prisional em advogados não tiveram acesso a informações setembro e o fim do ano. Após essas básicas sobre o paradeiro de seus clientes alegações, as autoridades carcerárias por diversos meses após sua prisão. Stanislav realizaram inspeção e confirmaram que não Klykh, que não tem histórico de doença houve maus-tratos. Em 2015, Ildar Dadin foi mental, parecia bastante perturbado durante a primeira pessoa a ser condenada por todo o julgamento, que começou em outubro participar de manifestações pacíficas de de 2015, possivelmente devido à tortura.2 O acordo com o Artigo 212.1 do Código Penal, advogado de Mykola Karpyuk alegou que que criminaliza a violação de normas para a provas vitais para a defesa que apoiavam o realização de manifestações. Ele foi álibi de seu cliente foram deixadas de fora do condenado a três anos de prisão, pena que caso. O juiz se recusou a permitir que foi reduzida para dois anos e meio após testemunhas fossem ouvidas na Ucrânia. recorrer da decisão.

216 Anistia Internacional Informe 2016/17 Falha em prover cuidado médico adequado JUSTIÇA INTERNACIONAL Durante o ano, o Tribunal Europeu de Em 14 de novembro, o promotor do Tribunal Direitos Humanos descobriu que em 12 Penal Internacional (TPI) disse que a casos os prisioneiros da Rússia foram situação no território da Crimeia e Sevastopol submetidos a torturas e outros maus-tratos, atingia status de conflito internacional devido à falha em proporcionar cuidados armado entre a Rússia e a Ucrânia. O médicos adequados nas prisões e nos promotor do TPI realizou uma avaliação centros de detenção provisória. Em 27 de sobre se o mesmo acontecia na parte leste abril, em um relatório para o Conselho da Ucrânia. Federal, o Promotor Geral afirmou que a falta Em 16 de novembro, o presidente Putin de medicamentos antivirais nas prisões anunciou que a Rússia não pretende mais colocava em risco a vida dos prisioneiros participar do Estatuto de Roma do TPI, que portadores de HIV. De acordo com o relatório assinou em 2000, mas não ratificou. da ONG Zona Prava, publicado em novembro, os serviços de saúde nas prisões DIREITOS DE PESSOAS REFUGIADAS E eram muito carentes de recurso, resultando MIGRANTES em falta de medicamentos para tratar HIV. O A Rússia continuou a devolver os solicitantes relatório também descobriu que muitas de refúgio, refugiados e trabalhadores condições foram apenas diagnosticadas em migrantes ao Uzbequistão e a outros países estágio já crítico, e a equipe do serviço apesar do risco real de serem torturados ou prisional não tinha independência suficiente sofrerem maus-tratos.3 Em muitos casos as para realizar seu trabalho. Esta lei, em pessoas foram deportadas por ficarem além princípio, permitiu liberações antecipadas do tempo permitido pelo visto, ou por não devido a casos de saúde, mas isso era portarem os documentos corretos de acordo garantido apenas em um de cada cinco com o Código Administrativo, o que não casos em que o prisioneiro havia solicitado requer que o tribunal considere a seriedade liberação. do crime cometido, as circunstâncias das Amur Khakulov morreu no início de consequências individuais e potenciais para outubro em um hospital prisional na região eles caso sejam deportados da Rússia, nem de Kirov, parte central da Rússia, de falência de fornecer aconselhamento legal gratuito. renal. Em 15 de junho, um tribunal se Em 1º de julho, o cidadão uzbequistanês recusou a libertar Amur Khakulov por Olim Ochilov, solicitante de refúgio, foi motivos médicos apesar da recomendação forçadamente devolvido pela Rússia ao da junta médica para que ele fosse solto. Uzbequistão, em flagrante descumprimento Amur Khakulov estava preso desde outubro das medidas interinas emitidas pela Corte de 2005; e de acordo com sua família, ele Europeia de Direitos Humanos em 28 de desenvolveu uma doença renal crônica no junho, para evitar seu retorno forçado ao período em que ficou preso. Uzbequistão, onde estaria sob-risco real de tortura. CONFLITO ARMADO - SÍRIA Junto ao governo sírio, a Rússia realizou 1. Russian Federation: Farmers and truck drivers imprisoned for a ataques indiscriminados e diretos a alvos peaceful protest against corruption (EUR 46/4760/2016) civis na Síria, incluindo áreas residenciais, 2. Russian Federation: Urgent Action: Victim of unfair trial, health at instalações hospitalares e comboios de ajuda risk (EUR 46/4398/2016) humanitária resultando em milhares de civis 3. Uzbekistan: Fast track to torture, abductions and forcible returns mortos e feridos. from Russia to Uzbekistan (EUR 62/3740/2016); Uzbekistan: Asylum- seeker returned from Russia to Uzbekistan in blatant violation of international law (EUR 62/4488/2016)

Anistia Internacional Informe 2016/17 217 SÍRIA INFORMAÇÕES GERAIS Os conflitos armados na Síria continuaram República Árabe da Síria durante o ano com participação internacional Chefe de estado: Bashar al-Assad contínua. O governo sírio e as forças aliadas, Chefe de governo: Imad Khamis (substituiu Wael Nader dentre elas o Hezbollah do Líbano e outros al-Halqi em junho) grupos e milícias estrangeiros, controlaram boa parte da Síria ocidental e avançaram Participantes dos conflitos armados na Síria sobre áreas contestadas. Tiveram o apoio de cometeram crimes de guerra, outras forças armadas russas que realizaram violações sérias do direito humanitário ataques aéreos em larga escala pelo país, internacional e violações graves de direitos matando e ferindo milhares de civis de humanos com impunidade. O governo e as acordo com as organizações dos direitos forças russas aliadas realizaram ataques humanos. Alguns ataques aéreos russos indiscriminados e ataques diretamente a pareceram ser indiscriminados ou civis e bens civis usando bombardeios direcionados a civis e bens civis, o que seria aéreos e artilharia, causando a morte de considerado crime de guerra. milhares de civis. Houve informações de Grupos armados não estatais, combatendo que forças do governo também usaram principalmente as forças do governo, agentes químicos. As forças do governo controlaram o noroeste e outras áreas, mantiveram cercos de longo prazo que enquanto forças do Governo Autônomo aprisionaram civis e impediram seu acesso controlaram a maior parte das regiões a bens e serviços essenciais. As autoridades fronteiriças curdas ao norte. O Estado prenderam e detiveram arbitrariamente Islâmico controlava partes da Síria oriental e milhares de pessoas, submetendo muitas a central, mas perdeu territórios durante o ano. desaparecimento forçado, detenções O Conselho de Segurança da ONU prolongadas e julgamentos injustos, além continuou dividido sobre a Síria e incapaz de de continuar a tortura sistemática e os garantir um caminho para a paz. Os esforços maus-tratos dos detidos, resultando em feitos pelo Enviado Especial da ONU na Síria mortes. Eles também cometeram para promover negociações de paz foram um assassinatos ilegais, incluindo execuções grande fracasso. Em fevereiro, uma extrajudiciais. O grupo armado Estado resolução do Conselho de Segurança Islâmico (EI) sitiou civis em áreas endossou um cessar de hostilidades controladas pelo governo, efetuou ataques acordado pela Rússia e pelos EUA, que diretos contra civis e outros ataques acabou durando pouco. Em outubro, a indiscriminados, usando, por vezes, Rússia vetou o esboço de uma resolução do segundo relatos, agentes químicos, além de Conselho de Segurança pedindo o fim dos submeter milhares de mulheres e meninas ataques aéreos na cidade de Aleppo e o à escravidão sexual e outros abusos. Outros acesso humanitário sem impedimentos. grupos armados não-estatais bombardearam Contudo, depois que as forças do governo indiscriminadamente e sitiaram áreas ganharam controle de Aleppo em dezembro, predominantemente civis. As forças o presidente russo Vladimir Putin anunciou comandadas pelos Estados Unidos que o cessar fogo, apoiado por ambos Russia realizaram ataques aéreos contra o EI e e Turquia, foi acordado entre o governo e outros alvos, matando centenas de civis. No algumas forças de oposição, a ser fim do ano, o conflito havia causado a acompanhado de novas negociações de paz morte de mais de 300 mil pessoas, que começariam em janeiro de 2017. Em 31 desalojando 6,6 milhões de pessoas na de dezembro, o Conselho de Segurança das Síria e forçado 4,8 milhões a buscar refúgio ONU adotou unanimamente uma resolução no exterior. acolhendo os esforços de paz enquanto

218 Anistia Internacional Informe 2016/17 também convocava para uma entrega mercados e mesquitas, matando milhares de “rápida, segura e irrestrita” de ajuda civis. Munições cluster russas também foram humanitária por toda a Síria. espalhadas na área e as que não explodiram A Comissão Internacional de Inquérito são um risco constante para os civis. para a República Árabe da Síria, órgão No dia 1º de agosto, duas bombas de independente criado pelo Conselho de barril, supostamente com gás de cloro, foram Direitos Humanos da ONU em 2011, lançadas por aeronaves suspeitas de serem monitorou e relatou as violações do direito do governo, sobre duas áreas residenciais internacional cometidas na Síria, embora o controladas por grupos armados não estatais governo tenha continuado a negar sua na cidade de Saraqeb, província de Idleb, entrada no país. com relatos de pelo menos 28 civis feridos. Em dezembro, a Assembleia Geral da Em 26 de outubro, aeronaves suspeitas de ONU acordou em criar um mecanismo serem do governo ou dos russos internacional independente para garantir a bombardeou um complexo escolar em Haas, responsabilização de crimes de guerra e na província de Idleb, matando pelo menos crimes contra a humanidade cometidas na 35 civis, entre os quais 22 crianças e seis Síria desde março de 2011. professores.

CONFLITO ARMADO – VIOLAÇÕES Cercos e privação de ajuda humanitária COMETIDAS POR FORÇAS DO GOVERNO Forças do governo mantiveram cercos SÍRIO E ALIADOS, INCLUINDO A RÚSSIA prolongados em áreas predominantemente Ataques indiscriminados e ataques direcionados civis controladas ou disputadas por grupos a civis armados, incluindo o leste de Ghouta, O governo e as forças aliadas continuaram a Mouadhamiyah al-Sham, Madaya, Daraya e, cometer crimes de guerra e outras sérias desde setembro, o leste de Aleppo. O cerco violações do direito internacional, como do governo expôs os moradores civis à ataques diretamente contra civis e ataques inanição e os privou de acesso a cuidados indiscriminados. As forças governamentais médicos e outros serviços básicos, enquanto repetidamente atacaram áreas controladas eram submetidos a repetidos ataques aéreos, ou disputadas por grupos armados de bombardeios de artilharia e outros tipos de oposição, matando e ferindo civis, bem como ataque. avariando bens civis, em ataques ilegais. Elas Os cercos impediam os civis de deixar o bombardearam com regularidade áreas civis, local para buscar ajuda médica. Por usando armas explosivas com efeitos de exemplo, há relatos de que em 19 de março, extensa cobertura, incluindo bombardeios de um menino de três anos morreu em al-Waer, artilharia e bombas de barril não guiadas de na cidade de Homs, depois que forças do alto poder explosivo lançadas de governo o impediram de deixar a área para helicópteros. Os ataques provocaram grande receber cuidados médicos para um ferimento número de mortes e ferimentos de civis, na cabeça. inclusive crianças. Em 12 de maio, as forças do governo Aeronaves do governo e dos aliados russos impediram uma entrega de assistência realizaram diversos ataques, aparentemente humanitária da ONU, que deveria ser a deliberados, sobre hospitais, centros primeira desde 2012, de entrar em Daraya. médicos, clínicas e comboios de assistência, As forças do governo atiraram morteiros matando e ferindo centenas de civis, entre numa área residencial da cidade, matando eles profissionais da saúde. dois civis. Em junho, as forças do governo Com o passar do ano, as forças do permitiram que dois comboios limitados governo com o apoio da Rússia aumentaram entrassem em Daraya, mas ao mesmo tempo os ataques no leste de Aleppo, atingindo intensificou os ataques indiscriminados, áreas residenciais, centros médicos, escolas, usando bombas de barril, uma substância

Anistia Internacional Informe 2016/17 219 incendiária similar ao napalm e outras munições, forçando os habitantes restantes Ataques indiscriminados ou que visavam da cidade a se submeterem a uma retirada diretamente os civis no fim de agosto. Forças do EI realizaram ataques diretos A partir de julho, forças do governo contra civis, além de ataques cercaram cerca de 275 mil pessoas no leste indiscriminados, que resultaram na morte de de Aleppo, submetendo-as a ataques aéreos civis. O Estado Islâmico assumiu a mais intensos, como bombardeios por forças responsabilidade por uma série de atentados russas. Aeronaves supostamente do governo suicidas e bombardeios no distrito de Sayida e russas bombardearam o comboio de Zaynab, no sul de Damasco. Entre eles está assistência do Crescente Vermelho Árabe um em 21 de fevereiro, no qual 83 civis Sírio/ONU que tinha o leste de Aleppo como foram mortos. destino em 19 de setembro em Urum al- As forças do Estado Islâmico também Kubra, matando pelo menos 18 civis, entre realizaram ataques com armas químicas, eles trabalhadores assistencialistas e inclusive em agosto e setembro no norte da destruindo caminhões de ajuda. Síria. Em 16 de setembro, munições disparadas pelo Estado Islâmico em Um Ataques a trabalhadores e centros médicos Hawsh, perto de Marea, na província de As forças do governo continuaram tendo Aleppo, causaram bolhas e outros sintomas como alvos centros de saúde e pessoal da comuns à exposição ao gás mostarda. Alguns área médica nas regiões controladas por dos afetados eram civis. grupos armados de oposição. Em diversas A coalizão Fatah Halab (Conquista de ocasiões, bombardearam hospitais e outros Aleppo), formada por grupos armados da centros médicos, impediram ou restringiram oposição, realizou repetidos ataques de a inclusão de suprimentos médicos nas artilharia, foguetes e morteiros no distrito de entregas de ajuda humanitária às áreas Sheikh Maqsoud da cidade de Aleppo, sitiadas ou de difícil acesso, atrapalhando ou controlado pelas Unidades de Proteção do impedindo a prestação de cuidados médicos Povo Curdo, conhecidas como YPG, matando nessas regiões e detendo trabalhadores e pelo menos 83 civis e ferindo mais de 700 voluntários da área médica. Em junho, a entre fevereiro e abril. Em maio, pelo menos ONG Physicians for Human Rights acusou as quatro civis na área precisaram de forças do governo de serem responsáveis por tratamento médico para sintomas que mais de 90% dos 400 ataques contra centros sugeriam a exposição a um ataque de cloro. médicos e 768 mortes de profissionais da Grupos armados da oposição dispararam saúde desde março de 2011. morteiros e mísseis sem precisão na parte A ONU relatou que 44 centros médicos ocidental de Aleppo, controlada pelo foram atacados só em julho. Quatro hospitais governo, matando pelo menos 14 civis em 3 e um banco de sangue no leste de Aleppo de novembro, de acordo com o foram atingidos em ataques aéreos em 23 e monitoramento independente pelo grupo 24 de julho. Um hospital infantil foi atingido Rede Síria de Direitos Humanos. duas vezes em menos de doze horas. Assassinatos ilegais CONFLITO ARMADO – ABUSOS As forças do Estado Islâmico cometeram COMETIDOS POR GRUPOS ARMADOS crimes de guerra, matando sumariamente Grupos armados não estatais cometeram civis e membros de grupos armados rivais e crimes de guerra, outras violações do direito das forças do governo, que detinham como internacional humanitário e graves abusos prisioneiros. Em áreas de al-Raqqa, Deyr al- dos direitos humanos. Zur e no leste de Aleppo controladas pelo grupo, o EI realizou execuções públicas frequentes, inclusive de pessoas que foram

220 Anistia Internacional Informe 2016/17 acusadas de espionagem, contrabando, adultério e blasfêmia. CONFLITO ARMADO — ATAQUES Em 28 de julho, segundo relatos, AÉREOS PELAS FORÇAS LIDERADAS membros do Estado Islâmico mataram PELOS EUA sumariamente pelo menos 25 mulheres, A coalizão internacional comandada pelos homens e crianças civis, no vilarejo de EUA continuou a realizar seus ataques Buwayr, perto de Manbij. aéreos, iniciados em setembro de 2014, Em 19 de julho, um vídeo publicado na principalmente contra o EI, mas também internet mostrou membros do Movimento contra e determinados grupos armados no Nour al-Dine al-Zinki praticando maus-tratos norte e no leste da Síria, inclusive Jabhat e decapitando um jovem. Fatah al-Sham (antes, conhecido como Jabhat al-Nusra). Os ataques aéreos, alguns Cercos e privação de ajuda humanitária dos quais pareceram ser indiscriminados, e Forças do EI sitiaram e, por vezes, outros desproporcionais, mataram e feriram bombardearam indiscriminadamente bairros centenas de civis. Entre esses ataques, estão controlados pelo governo na cidade de Deyr os supostos ataques da coalizão perto de al-Zur. Agências da ONU e forças russas Manbij, que matou pelo menos 73 civis em lançaram ajuda humanitária repetidas vezes al-Tukhar em 19 de julho, e até 28 civis em nas áreas sitiadas. No entanto, ativistas de al-Ghandoura, em 28 de julho. Em 1º de direitos humanos locais informaram que as dezembro, a coalizão liderada pelos EUA forças do governo dentro dessas áreas teria adimitido ter causado a morte de 24 apreenderam boa parte da ajuda destinada civis perto de Manbij em julho, afirmando aos civis. que esse ataque “estava em conformidade com a lei de conflitos armados”. Sequestros Tanto o Estado Islâmico quanto outros grupos CONFLITO ARMADO — ATAQUES PELAS armados não estatais sequestraram civis e os FORÇAS TURCAS mantiveram como reféns. Forças turcas também realizaram ataques Em janeiro, Jabhat al-Nusra sequestrou aéreos e terrestres no norte da Síria, tendo pelo menos 11 civis de suas casas na cidade como alvos o Estado Islâmico e grupos de Idleb. Seu paradeiro e destino armados curdos. Segundo relatos, um ataque continuaram desconhecidos até o fim do aéreo turco matou 24 civis perto de Suraysat, ano. um vilarejo ao sul de Jarablus, em 28 de O destino e o paradeiro da defensora dos agosto. direitos humanos , seu marido Wa’el Hamada, Nazem Hamadi e CONFLITO ARMADO INTERNO – ABUSOS Samira Khalil também permanecem COMETIDOS PELO GOVERNO AUTÔNOMO desconhecidos, após seu sequestro em 9 de LIDERADO PELO PYD dezembro de 2013 por homens armados não Forças do Governo Autônomo, liderado pelo identificados em Duma, uma área controlada Partido da União Democrática (PYD), por Jaysh al-Islam e outros grupos armados. controlaram a maior parte das regiões Não há novidades sobre o destino e o fronteiriças curdas ao norte. Em fevereiro, paradeiro do defensor dos direitos humanos forças das YPG demoliram as casas de Abdullah al-Khalil desde seu sequestro por dezenas de civis árabes em Tal Tamer, na supostos membros do Estado Islâmico na província de al-Hassakeh, acusando os cidade de al-Raqqa, na noite de 18 de maio proprietários de apoiarem o Estado Islâmico, de 2013. de acordo com o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. O Alto Comissariado também informou o recrutamento forçado de doze crianças pela

Anistia Internacional Informe 2016/17 221 Asayish, forças de segurança curdas e as Dentre os que continuavam desaparecidos YPG. estão o advogado de direitos humanos Khalil De acordo com a Rede Síria de Direitos Ma’touq e seu amigo Mohamed Thatha, Humanos, o bombardeio e ataques por desaparecidos desde outubro de 2012. Os atiradores das YPG mataram pelo menos 23 detidos que foram liberados disseram ter civis em áreas controladas pela oposição em visto Khalil Ma’touq nos centros de detenção Aleppo, entre fevereiro e abril. do governo, mas as autoridades negam estarem mantendo os homens detidos. PESSOAS EEFUGIADAS E DESLOCADAS Milhares de pessoas, na maioria INTERNAMENTE muçulmanos, continuaram desaparecidos Milhões de pessoas continuaram sendo desde a sua prisão por forças do governo desalojadas pelos conflitos. Segundo o sírio no fim da década de 1970 e início da ACNUR, agência de refugiados da ONU, década de 1980. cerca de 4,8 milhões de pessoas fugiram da Síria entre 2011 e o fim de 2016; entre elas, TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS 200 mil pessoas que se tornaram refugiadas A tortura e outros maus-tratos de pessoas em 2016. De acordo com o Escritório das detidas pelos órgãos de segurança e Nações Unidas para a Coordenação de inteligência do governo, assim como nas Assuntos Humanitários, nesse mesmo prisões estatais, ainda ocorrem de forma período de seis anos, aproximadamente 6,6 sistemática e disseminada. A tortura e outros milhões de pessoas foram deslocadas maus-tratos continuaram resultando numa internamente na Síria, sendo a metade desse alta incidência de morte entre os detidos, número composto de crianças. As que se somam às milhares de mortes em autoridades dos países vizinhos Turquia, custódia desde 2011.1 Líbano e Jordânia, que receberam Em agosto, o Grupo de Análise de Dados praticamente todos os refugiados (inclusive de Direitos Humanos, uma ONG que usa os palestinos desalojados da Síria), abordagens científicas para analisar as restringiram a entrada de novos refugiados, violações de direitos humanos, estimou que expondo-os a mais ataques e privações na pelo menos 17.723 mortes ocorreram entre Síria. Mais de 75 mil refugiados da Síria as pessoas mantidas sob custódia do viajaram por mar ou terra para a Europa. governo entre março de 2011 e dezembro de Muitos países europeus e de outros 2015, como resultado do uso de tortura e continentes se recusaram a aceitar uma outros maus-tratos. parcela dos refugiados da Síria por meio de reassentamento e outros caminhos legais. JULGAMENTOS INJUSTOS As autoridades processaram alguns supostos DESAPARECIMENTOS FORÇADOS opositores no Tribunal Antiterrorismo e no As forças do governo mantiveram milhares Tribunal de Campo Militar. Os dois de pessoas detidas sem julgamento, procedimentos foram claramente injustos. Os geralmente em condições que configuravam juízes não ordenaram que as alegações dos desaparecimento forçado, aumentando o réus fossem investigadas. Os réus alegavam número de dezenas de milhares de pessoas terem sido torturados e sofrido maus tratos, cujos destinos e paradeiros continuam ou coagidos a fazerem “confissões” que desconhecidos após seu desaparecimento foram usadas como provas contra eles no forçado pelas forças do governo desde 2011. julgamento. Dentre elas estavam críticos e oponentes pacíficos do governo, bem como pessoas ASSASSINATOS ILEGAIS detidas no lugar de familiares que as O governo e forças aliadas cometeram autoridades queriam prender. assassinatos ilegais, incluindo execuções extrajudiciais. Em 13 de dezembro, o Alto

222 Anistia Internacional Informe 2016/17 Comissariado da ONU para Direitos armado al-Shabaab. As áreas controladas Humanos disse que o governo e forças pelas forças do SFG e AMISOM nas regiões aliadas tinham entrado em casas de civis e centro-sul continuaram ainda sob seus cometido assassinatos sumários conforme controles. Mais de 50 mil civis foram avançaram ao leste de Aleppo e que, de mortos, feridos, ou deslocados como acordo com as “várias fontes”, eles mataram resultado do conflito armado e da violência pelo menos 82 civis, entre eles 13 crianças, generalizada. Todas as partes envolvidas no em 12 de dezembro. conflito foram responsáveis por violações de direitos humanos e das leis humanitárias DIREITOS DAS MULHERES internacionais, inclusive crimes de guerra. Em 15 de junho, a Comissão de Inquérito Não houve nenhuma responsabilização por independente determinou que milhares de essas violações. Grupos armados continuam mulheres e meninas yazidi fossem a recrutar crianças e sequestrar, torturar e transferidas à força por forças do Estado matar civis. Estupro e outros crimes de Islâmico de Sinjar para a Síria, vendidas em violência sexual foram cometidos mercados e escravizadas, inclusive amplamente. O conflito, insegurança e sexualmente. Muitas mulheres e meninas restrições contínuas impostas pelos partidos foram submetidas a violência sexual, em guerra prejudicaram o acesso das estupros e outras formas de tortura. agências de auxílio a algumas regiões. Mulheres e meninas que fossem pegas Aproximadamente 4,7 milhões de pessoas tentando escapar eram submetidas a precisam de assistência humanitária; 950 estupros coletivos e outros tipos de tortura ou mil sofreram com a falta de segurança punição rigorosa. Uma mulher disse que o alimentar. Dezenas de milhares de pessoas combatente que a comprou matou vários de sofreram remoções forçadas. A liberdade de seus filhos e a estuprou diversas vezes expressão foi cerceada: dois jornalistas depois que ela tentou fugir. foram mortos e outros foram atacados, hostilizados ou multados. PENA DE MORTE A pena de morte continuou em vigor para INFORMAÇÕES GERAIS muitos crimes. As autoridades divulgaram O SFG e a AMISOM permaneceram no poucas informações sobre as penas de morte controle da capital, Mogadíscio. Mantiveram e nenhuma sobre execuções. também o controle das áreas tomadas do al- Shabaab em 2015 e consolidaram seu controle através da administração federal em 1. “It breaks the human”: “It breaks the human”: Torture, disease and death in Syria’s prisons (MDE 24/4508/2016) Galmugud, Jubbaland e estados do Sudeste. A AMISOM e as Forças Armadas Nacionais da Somália (SNAF) travaram batalhas intermitentes com a al-Shabaab porém o SOMÁLIA controle do território não mudou. Até o final de 2016, a al-Shabaab ainda controlava República Federal da Somália muitas áreas rurais, especialmente nas Chefe de estado: Hassan Sheikh Mohamud Chefe de governo: Omar Abdirashid Ali Sharmarke regiões de Bay, Gedo, Lower Shabelle e Chefe da República Somalilândia: Ahmed Mohamed Middle Juba. Os conflitos deslocaram mais Mahamoud Silyano pessoas. Os conflitos interclãs e ataques da al-Shabaab contra civis continuaram, O conflito armado continua na região principalmente em distritos onde havia uma central e sul da Somália entre as forças do troca constante de controle entre a AMISOM Governo Federal da Somália (SFG), os e a al-Shabaab. Civis foram mortos e feridos mantenedores de paz da Missão da União no fogo cruzado e em ataques direcionados, Africana na Somália (AMISOM), e o grupo e também por granadas, artefatos explosivos

Anistia Internacional Informe 2016/17 223 improvisados, ataques suicidas e graves agressões. Todos os envolvidos no conflito VIOLAÇÕES COMETIDAS POR GRUPOS cometeram crimes de guerra. ARMADOS A Resolução 2275 do Conselho de Ataques indiscriminados Segurança da ONU, aprovada em março, A al-Shabaab conduziu ataques prorrogou o mandato da Missão de indiscriminados e letais em áreas fortemente Assistência da ONU na Somália (UNSOM) vigiadas de Mogadíscio e de outras cidades, até 31 de março de 2017, enquanto a matando centenas de civis. Alvos de alta Resolução 2297, aprovada em julho, visibilidade continuaram vulneráveis a tais prorrogou o mandato da AMISOM até 31 de ataques. Foi difícil estabelecer o total de civis maio de 2017. O apoio internacional para as mortos porque não havia um sistema de forças de segurança do governo, milícias controle de fatalidades confiável. aliadas e a AMISOM foi mantido. Como Um ataque da al-Shabaab no Beach View resultado da pressão por uma prestação de Hotel e no restaurante Lido Seafood na praia contas, nove soldados de Uganda que de Lido em Mogadíscio no dia 21 de janeiro serviam com a AMISOM foram condenados à matou pelo menos 20 pessoas. Um ataque prisão por violarem as regras e normas da suicida com um carro bomba em uma manutenção da paz. delegacia de polícia em Mogadíscio no dia 9 A grave situação humanitária continuou e de março matou pelo menos três pessoas. temia-se que o retorno de somalis dos países Um ataque suicida em um restaurante vizinhos exacerbaria a crise. Pelo menos 477 próximo a um prédio do governo em milhões de pessoas (40% da população) Mogadíscio no dia 9 de abril matou pelo precisava de apoio; os mais vulneráveis eram menos quatro pessoas e feriu sete. Um os mais de 1,1 milhões de pessoas ataque suicida com carro bomba na sede da internamente desalojadas (IDP). polícia de trânsito de Mogadíscio no dia 9 de Uma crise política surgiu por conta dos maio, matou pelo menos cinco pessoas. Um colégios eleitorais para as eleições ataque da al-Shabaab no Nasa Hablod Hotel parlamentares e presidenciais programadas em Mogadíscio no dia 26 de junho matou para setembro e outubro, respectivamente. pelo menos 15 pessoas e feriu mais de 20. Um fórum criado por líderes políticos Enfrentamentos entre combatentes da al- finalmente chegou a um acordo de que 275 Shabaab e da SNAF na região de Bay no dia colégios eleitorais, cada um com 51 18 de julho mataram 14 civis no fogo- delegados, escolhidos por líderes mais velhos cruzado. Duas explosões de carros no dia 26 de cada clã, iriam eleger um membro do de julho perto de um escritório da ONU em parlamento. Eleições foram marcadas para Mogadíscio mataram pelo menos 10 as câmaras inferiores e superiores do pessoas, tanto civis quanto oficiais de parlamento em setembro e outubro, segurança. Dois ataques suicidas na sede do respectivamente , mas foram postergadas governo local em Galkayo e em Puntland duas vezes. Enquanto isso, a al-Shabaab (região semiautônoma no nordeste) no dia 21 rejeitou todas as formas de eleição, de agosto mataram quase 20 civis. Um intensificando seus ataques e conclamando ataque da al-Shabaab no restaurante Banadir seus seguidores a atacar locais de votação e Beach Restaurant na praia de Lido em matar os líderes dos clãs, oficiais do governo Mogadíscio no dia 26 de agosto matou pelo e membros do parlamento que participassem menos 10 civis. A explosão de um caminhão das eleições. fora do SYL Hotel em Mogadíscio, próximo ao palácio presidencial no dia 30 de agosto matou pelo menos 15 pessoas e feriu 45.

224 Anistia Internacional Informe 2016/17 Criança, mas o governo federal ainda não Alvos civis havia implementado os dois planos de ação Civis também se tornaram alvos diretos nos que assinou em 2012 para por fim ao ataques, principalmente quando se tratava recrutamento e uso de crianças-soldados, de combatentes da al-Shabaab e milícias de bem como a morte e mutilação de crianças. clãs. No dia 15 de junho, combatentes da al- Em junho, a UNICEF afirmou que Shabaab dispararam morteiros em áreas acreditava que havia cerca de 5 mil crianças- densamente populosas de Mogadíscio; foram soldados na Somália, a maioria recrutada ouvidas cinco grandes explosões mas pela al-Shabaab e milícias de clãs. nenhuma morte foi reportada. No dia 6 de agosto a al-Shabaab fez disparos com PESSOAS INTERNAMENTE DESLOCADAS, morteiros em um bairro próximo ao hospital REFUGIADAS E SOLICITANTES DE geral em Baidoa, matando um homem e REFÚGIO ferindo seis outros. Mais de 1,1 milhões de somalis foram Além disso, a al-Shabaab continuou a deslocados internamente. A maioria continua torturar e praticar mortes extrajudiciais de a se assentar na região do corredor Afgooye, pessoas que julgavam serem espiãs ou não entre Mogadíscio e a cidade de Afgooye. estarem seguindo a sua interpretação da lei Conflitos intermitentes entre a SNAF e seus islâmica. O grupo matou pessoas em público, aliados da AMISOM e a al-Shabaab inclusive decapitando e apedrejando em prejudicaram o comércio em várias regiões. alguns casos, além de praticar amputações e Enquanto as forças da SNAF e AMISOM açoitamentos, especialmente em áreas onde controlavam as principais cidades, a al- a AMISOM havia se retirado. No dia 19 de Shabaab bloqueava as rotas de suprimento e janeiro, a al-Shabaab matou um homem no cobrava impostos da população civil em distrito de Kurtuwary após acusá-lo de distritos onde ainda mantinha o controle. O praticar feitiçaria. No dia 20 de maio, a al- conflito continuado ameaça exacerbar a Shabaab decapitou três homens no distrito grave situação humanitária. de Buur Hakaba na região de Bay após Em janeiro, o parlamento federal aprovou acusá-los de serem espiões do governo uma lei para proteger e reabilitar pessoas federal. No dia 17 de agosto, a al-Shabaab internamente deslocadas e refugiados matou um homem em público, com um somalis, mas a implementação da lei foi pelotão de fuzilamento no assentamento de lenta. Mais de 1,1 milhão de refugiados Biyoley, próximo a Baidoa, após acusá-lo de somalis permaneceram em países vizinhos e ser espião do governo federal. na diáspora mais abrangente. À medida que Milícias étnicas e aliadas ao governo a violência no Iêmen se intensificou, os continuaram a praticar assassinatos somalis que haviam fugido para lá extrajudiciais, extorsões, prisões arbitrárias e continuaram a retornar à Somália. Até o final estupros. No dia 7 de agosto, uma milícia do ano, mais de 30.500 somalis retornaram étnica no distrito de Qansax Dheere, na ao país. Nesse período, outros Estados região de Bay disparou três morteiros em um hospedeiros, incluindo a Dinamarca e a grupo de civis, matando três pessoas. Em Holanda, pressionaram os refugiados e os agosto, vários civis foram mortos durante os solicitantes de refúgio somalis que conflitos entre grupos de clãs na região de retornassem à Somália, alegando que a Bay. segurança no país havia melhorado. CRIANÇAS-SOLDADO DIREITO À MORADIA – REMOÇÕES Crianças continuaram a sofrer abusos graves FORÇADAS de todas as partes envolvidas no conflito As remoções forçadas de pessoas armado. A Somália é signatária da deslocadas e pessoas pobres vivendo em Convenção da ONU Sobre os Direitos da regiões urbanas continuaram a ser um grave

Anistia Internacional Informe 2016/17 225 problema, principalmente em Mogadíscio. O Ibraahim, e o editor chefe, Mohamed governo e proprietários de terras removeram Mahamoud Yousuf, pela cobertura de um forçosamente aproximadamente 31 mil acordo sobre a gestão do porto de Berbera pessoas nos distritos de Deynile, Dharkeinly, entre o governo da Somalilândia e uma Hamar Weyne, Heliwa, Hodan, Kaxdae empresa privada estrangeira. Também em Wardhigley em Mogadíscio na primeira maio, dois jornalistas – Cabdirashid Nuur metade do ano. Mais de 14 mil pessoas Wacays e Siciid Khadar, dono e editor-chefe sofreram remoção forçada apenas em do jornal Husbad, respectivamente – foram janeiro. A maioria das pessoas removidas presos e o jornal foi fechado. Além disso, o mudou para locais isolados e perigosos na governo suspendeu a publicação do jornal periferia da capital, onde os serviços sociais Haartif, a justiça revogou sua licença e a eram limitados ou inexistentes e as polícia ocupou suas instalações. condições de moradia eram deploráveis. PENA DE MORTE LIBERDADE DE EXPRESSÃO A Somália continuou a aplicar a pena de Jornalistas e profissionais da mídia morte apesar de apoiar a resolução da continuaram a ser intimidados, hostilizados e Assembleia Geral da ONU sobre uma atacados. Dois jornalistas foram moratória da pena de morte. Poucas assassinados. Em 4 de junho, atiradores não execuções foram reportadas, mas o Tribunal identificados mataram a tiros Sagal Salad Militar condenou pessoas à morte através de Osman, uma jornalista da rádio e canal de processos que não seguiram padrões televisão estatal. Em 27 de setembro em internacionais de julgamentos justos. Entre Mogadíscio, dois assaltantes mataram o aqueles condenados à morte estava um ex- jornalista Abdiasis Mohamed Ali da Radio jornalista acusado de ajudar a al-Shabaab a Shabelle. Várias empresas de mídia foram matar cinco colegas repórteres. Em 14 de fechadas. Em 9 de julho, a polícia invadiu as agosto, um tribunal militar de Puntland instalações da City FM, fechou a rádio e ordenou a execução por fuzilamento de um prendeu o editor chefe Abdishakur Abdullahi oficial do exército na cidade de Garowe. Não Ahmed e o vice-editor chefe, Abdirahman se sabe se a execução foi realizada. Hussein Omar Wadani. Equipamentos da Na Somalilândia, seis prisioneiros do rádio também foram confiscados. No dia 13 complexo de segurança máxima Mandera de agosto, policiais da região de Beledweyn foram executados em janeiro. Em 25 de detiveram o jornalista autônomo, Ali Dahir julho, um tribunal civil em Berbera condenou Herow. O al-Shabaab continuou a repressão oito homens à morte. Tribunais civis à mídia e manteve a proibição da internet continuaram a impor penas de morte e pelo nas áreas sob o seu controle. menos 50 pessoas estavam no corredor da Na Somalilândia, onde não há uma lei morte até o final do ano. atuante relacionada à mídia que proteja jornalistas, a liberdade da mídia também foi restringida. O governo restringiu a liberdade de expressão daqueles que criticaram suas SUDÃO políticas. Até o mês de outubro, nove República do Sudão jornalistas foram presos por causa do Chefe de estado e de governo: Omar Hassan Ahmed al- trabalho que fizeram, e sete destes Bashir enfrentaram julgamentos de processos criminais. No dia 25 de maio, Ahmed Mouse As autoridades se recusaram a executar Sakaaro, um jornalista de Burao, foi preso e mandados de prisão emitidos pelo Tribunal acusado de incitação à violência. Em junho, Penal Internacional (TPI). A situação policiais prenderam o editor do jornal humanitária e de segurança nos estados de independente Foore, Abdirashid Abdiwahaab Darfur, Nilo Azul e Cordofão do Sul

226 Anistia Internacional Informe 2016/17 continuou terrível, com violações de direitos Quando o histórico de direitos humanos do humanos e do direito humanitário Sudão foi avaliado no processo de Revisão internacional generalizadas. A partir de Periódica Universal da ONU em maio, o evidências ficou comprovado o uso de Sudão aceitou uma série de recomendações, armas químicas pelo governo em Darfur. Os incluindo a ratificação da direitos a liberdade de expressão, A Convenção Contra a Tortura e associação e manifestação pacífica foram Outros Tratamentos ou Penas arbitrariamente restringidos e a opoisção e Cruéis, Desumanos ou Degradantes. No pessoas suspeitas de se opor ao governo entanto, o Sudão rejeitou as recomendações foram submetidas a prisões e detenções de excluir as cláusulas que geram arbitrárias, entre outras violações. O uso impunidade da Lei de Segurança Nacional excessivo de força pelas autoridades para de 2010 e assegurar a investigação e dispersar protestos causou inúmeras responsabilização judicial de atos mortes. considerados como crimes pelas leis internacionais e de violações de direitos INFORMAÇÕES GERAIS humanos cometidas pelo Serviço de Os conflitos armados continuaram em Darfur, Segurança e Inteligência Internacional Nilo Azul e Cordofão do Sul, resultando em (NISS), pelas forças armadas e pela polícia.1 mortes de civis, caos e sofrimento Em janeiro, o parlamento aprovou uma generalizados. emenda para aumentar a pena máxima por Em março, o Painel de Implementação de protestar de dois para cinco anos de prisão. Alto Nível da União Africana (AUHIP) propôs um Acordo de paz e diálogo para acabar com TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL os conflitos. Pelo Acordo, as partes se As autoridades continuaram se recusando a comprometem a encerrar os conflitos em executar cinco mandados de prisão emitidos Darfur, Nilo Azul e Cordofão do Sul e garantir pelo TPI para cidadãos sudaneses, incluindo acesso humanitário a todas as populações dois para o Presidente Omar Al Bashir dessas áreas. Também há o compromisso de baseados em acusações de genocídio, iniciar um processo de diálogo nacional crimes contra a humanidade e crimes de inclusivo. O governo assinou o Acordo em guerra supostamente cometidos por seu março, mas de início os grupos de oposição governo em Darfur. se recusaram a assinar. Em 8 de agosto, o acordo foi assinado por CONFLITO ARMADO quatro grupos de oposição: o Partido Darfur Nacional Umma, o Movimento Popular de A situação humanitária e de segurança em Libertação do Sudão-Norte (SPLM-N), o Darfur continuou terrível em2016, o 13o ano Movimento de Igualdade e Justiça (JEM) e o desse conflito armado. Movimento de Libertação do Sudão (SLM- Em janeiro, forças do governo lançaram MM) liderado por Minni Minnawi. No dia uma ofensiva militar de larga escala na região seguinte, as negociações continuaram em de Jebel Marra, em Darfur. De então até Adis-Abeba, na Etiópia, em duas frentes: maio ataques aéreos e terrestres alvejaram entre o SPLM-N e o governo, e sobre o fim Jebel Marra. Depois disso, as chuvas das hostilidades e o acesso humanitário em sazonais se intensificaram, impossibilitando Darfur. Entretanto, em 14 de agosto o diálogo os ataques terrestres na maior parte da entre o governo e os grupos armados, SPLM- região. As ofensivas aéreas continuaram até N, JEM e SLM-MM entrou em colapso. O meados de setembro. AUHIP anunciou a suspensão das Foi documentado um grande número de negociações de paz por tempo agressões consideradas crimes pelo direito indeterminado. Os dois lados culparam um internacional e violações de direitos humanos ao outro pelo colapso das negociações. cometidas pelas forças do governo sudanês,

Anistia Internacional Informe 2016/17 227 incluindo o bombardeio de civis e de crime de guerra — bem como a negação de propriedades civis, execuções extrajudiciais acesso humanitário a civis.3 de homens, mulheres e crianças, sequestro e estupro de mulheres, deslocamento forçado LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO de civis e saque e destruição de Ativistas da sociedade civil foram submetidos propriedades civis, incluindo destruição de a prisões e restrições arbitrárias de vilarejos inteiros. atividades. Também foram documentadas evidências Em 28 de janeiro, o Serviço de Segurança que sugerem que armas químicas foram e Inteligência Internacional (NISS) pôs fim a usadas repetidamente pelas forças do um seminário organizado no Al Mahas Club, governo sudanês nos ataques em Jebel na capital Cartum, por um comitê oposto à Marra.2 Imagens de satélite, mais de 200 construção das barragens em Kajbar e Dal entrevistas em profundidade com no estado do Sudão do Norte. O comitê sobreviventes e análises por especialistas de declarou que as barragens teriam um dezenas de imagens de lesões indicaram que impacto social e ambiental negativo. O NISS pelo menos 30 ataques provavelmente deteve 12 pessoas, e as liberou mais químicos tenham alvejado Jebel Marra entre tarde,no mesmo dia. janeiro e setembro de 2016. Estima-se que O NISS invadiu o escritório da ONG entre 200 e 250 pessoas tenham morrido TRACKS (Centro de Treinamento e devido à exposição aos agentes químicos Desenvolvimento Humano de Cartum) em 29 usados nos ataques, sendo muitas — ou a de fevereiro e confiscou celulares e maioria delas — crianças. A maior parte das notebooks, além de documentos, sobreviventes dos ataques com armas passaportes dos presentes e dois veículos. químicas de que se tem suspeita não tinha Eles prenderam o diretor da TRACKS, acesso a serviços médicos adequados. Khalafalla Mukhtar, por seis horas, junto com outro funcionário da TRACKS e Mustafa Cordofão do Sul e Nilo Azul Adam, diretor da Al Zarqaa, outra Em 24 de abril, a Frente Revolucionária do organização de sociedade civil.4 Em 22 de Sudão, uma coalizão de quatro grupos maio, o NISS prendeu oito funcionários e armados da oposição, anunciou um cessar- afiliados da TRACKS. Cinco foram soltos sob fogo unilateral de seis meses, ampliando um fiança em junho, mas três ficaram presos de cessar-fogo anterior anunciado em outubro forma provisória, sem acusação por quase de 2015. Em 17 de junho, o Presidente três meses pela Promotoria de Segurança do Bashir declarou a cessão unilateral das Estado antes de serem transferidos para a hostilidades por quatro meses no Nilo Azul Prisão Huda para aguardarem o em Cordofão do Sul. Em outubro, ele ampliou julgamento.5Em agosto, seis funcionários e esse compromisso até o fim do ano. afiliados da TRACKS foram acusados de Apesar da declaração de cessão das diversos crimes, entre eles crimes contra o hostilidades, forças do governo e o SLPM-N Estado passíveis da pena de morte. Até o fim realizaram ataques militares esporádicos a de 2016 o julgamento não havia sido áreas controladas pelo Exército Popular de concluído.6 Libertação do Sudão-Norte (SPLA-N). O Entre 23 e 28 de março, quatro conflito armado incluiu ataques terrestres e representantes da sociedade civil foram aéreos por forças do governo, muitos deles interceptados por agentes de segurança no direcionados a alvos civis — ou seja, áreas Aeroporto Internacional de Cartum, quando que não cumprem nenhum objetivo militar iam para uma reunião com diplomatas em para o grupo armado que as controla e Genebra, na Suíça, em preparação para o portanto, de acordo com o direito processo da ONU de Revisão Periódica internacional humanitário, alvejá-las é um Universal do Sudão.

228 Anistia Internacional Informe 2016/17 As autoridades continuaram impedindo afiliada ao Movimento de Libertação do que os partidos políticos da oposição Sudão-Abdul Wahid Al Nour.. organizassem atividades públicas pacíficas. Em abril, confrontos violentos entre O NISS proibiu o Partido Republicano de agentes de segurança do estado e celebrar a memória da data da execução de estudantes se estenderam por três semanas seu fundador, Mahmoud Mohamed Taha, em na Universidade de Cartum. Os protestos 18 de janeiro. Em fevereiro, agentes do NISS foram motivados por relatos de que o proibiram dois partidos políticos governo estava planejando vender alguns dos oposicionistas — o Partido Comunista prédios da universidade. Dezenas de Sudanês e o Partido do Congresso Nacional estudantes foram detidos durante esses — de realizar um evento público em Cartum. protestos. Entre eles, cinco foram presos de forma provisória, sem acusação em Cartum.7 LIBERDADE DE EXPRESSÃO Eles só foram soltos no fim de abril, mas As restrições arbitrárias sobre a liberdade de alguns voltaram a ser presos em maio. expressão continuaram. As autoridades Agentes do NISS invadiram e revistaram o confiscaram tiragens de jornais impressos escritório de um advogado de direitos frequentemente. Durante 2016, 12 jornais humanos proeminente, Nabil Adib, em tiveram edições confiscadas em 22 ocasiões Cartum, no dia 5 de maio. Prenderam onze diferentes. Dezenas de jornalistas foram pessoas, das quais oito eram estudantes que presos e interrogados pelo Escritório de Mídia haviam sido expulsos ou suspensos da do NISS e pela Promotoria de Imprensa e Universidade de Cartum. Todos só foram Publicações em Cartum. soltos no fim de junho. Em abril, o NISS confiscou os jornais No estado de Darfur Central, em 31 de diários Akhir Lahzah, Al Sihaa e Al-Tagheer julho, agentes do NISS prenderam dez sem indicar nenhum motivo para isso. Em pessoas que haviam participado de uma maio, os jornais Alwan, Al-Mustagilla, e Al- reunião com o Enviado Especial dos EUA Jareeda foram confiscados pelo NISS direto para o Sudão e Sudão do Sul, durante sua das gráficas. Em outubro, os jornais Al Sihaa visita à região. Dessas dez pessoas, sete e Al-Jareeda foram confiscados. eram deslocadas internamente. Os dez Em 14 de agosto, o Conselho Nacional de presos só foram liberados em setembro.8 Imprensa e Publicações suspendeu indefinidamente a publicação de quatro USO EXCESSIVO DE FORÇA jornais: Elaf, Al-Mustagilla, Al Watan and As autoridades restringiram arbitrariamente a Awal Al Nahar. O Conselho afirmou ter liberdade de manifestação da população e, suspendido os jornais devido às contínuas em muitos casos, usaram força excessiva violações dos regulamentos previstos na Lei para dispersar pessoas que estavam de Imprensa e Publicações. reunidas, o que causou diversas mortes e numerosas lesões. Não foi instaurada PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS nenhuma investigação sobre esses Em todo o Sudão, agentes do NISS e assassinatos. membros de outras forças de segurança do Em fevereiro, agentes do NISS e estado realizaram prisões e detenções estudantes afiliados ao Partido do Congresso arbitrárias e outras violações contra membros Nacional encerraram violentamente um dos partidos políticos de oposição, seminário público organizado por um partido defensoras e defensores de direitos político de oposição na Universidade de El humanos, estudantes e ativistas políticos. Geneina. Muitos estudantes ficaram Em 1o de fevereiro, o NISS prendeu quatro gravemente feridos e um, Salah al Din Qamar estudantes de Darfur em Cartum após um Ibrahim, morreu em consequência dos protesto contra o conflito em Jebel Marra ferimentos que havia sofrido. organizado pela Frente Popular Unida,

Anistia Internacional Informe 2016/17 229 Em 19 de abril, Abubakar Hassan Mohamed Taha, estudante de 18 anos da SUDÃO DO SUL Universidade do Cordofão, foi baleado na cabeça por agentes no NISS em Al-Obied, República do Sudão do Sul capital do estado de Cordofão do Norte. Os Chefe de estado e de governo: Salva Kiir Mayardit alunos participavam de uma passeata pacífica quando agentes do NISS fortemente Apesar do acordo de paz, o conflito entre o armados os interceptaram. Segundo relatos, governo e as forças de oposição continuam, os agentes atiraram na multidão, na tentativa junto com violações e abusos de direitos de impedir que os estudantes participassem humanos e do direito humanitário. Um das eleições do grêmio estudantil. Outros 27 Governo de Transição da Unidade Nacional estudantes ficaram feridos, cinco deles (TGoNU) foi formado em abril, mas gravemente. O assassinato de Abubakar desmoronou depois do conflito pesado entre Hassan Mohamed Taha provocou protestos forças do governo e da oposição em Juba, de estudantes no país todo.9 em julho. O governo reconstituído em Juba Em 27 de abril, Mohamad Al Sadiq Yoyo, foi aceito pela comunidade internacional, de 20 anos, aluno do segundo ano na mas rejeitado pelo líder da oposição, Riek Universidade Omdurman Al Ahlia no estado Machar, e seus aliados. O conflito de Cartum, foi morto a tiros por agentes do continuou com consequências humanitárias NISS. devastadoras para as populações civis. Os Em 8 de maio, forças policiais na cidade serviços de segurança do governo de Kosti em White Nile dispersaram suprimiram ativamente vozes violentamente um protesto pacífico independentes e críticas da oposição, da organizado pela Associação de estudantes da mídia e de defensores dos direitos Faculdade de Engenharia da Universidade humanos. de Al-Imam Al-Mahdi. Segundo relatos, a polícia usou gás lacrimogêneo e cassetetes INFORMAÇÕES GERAIS ferindo cerca de sete estudantes, quatro A implantação do Acordo sobre a Resolução deles gravemente. do Conflito na República do Sudão do Sul (o “ARCSS”) foi lenta e enfrentou diversos obstáculos, inclusive a discórdia sobre o 1. Sudan: Amnesty International public statement at the 33rd session of the UN Human Rights Council (AFR 54/4875/2016) número de estados, o alojamento dos 2. Sudan: Scorched earth, poisoned air Sudanese government forces soldados da oposição e os acordos de ravage Jebel Marra, Darfur (AFR 54/4877/2016) segurança na capital, Juba. 3. Sudan: Five years and counting: intensified aerial bombardment, Em 26 de abril, o líder da oposição Riek ground offensive and humanitarian crisis in south Kordofan state Machar voltou a Juba para ser nomeado (AFR 54/4913/2016) Primeiro Vice-Presidente do TGoNU, 4. Sudan: Ten civil society activists harassed by NISS (AFR conforme disposto no Acordo. Os ministros 54/3634/2016) do TGoNU foram nomeados na semana 5. Sudan: Further information: three human rights defenders still seguinte. detained (AFR 54/4267/2016) No início de julho, uma série de confrontos 6. Sudan: Drop all charges and release activists detained for exercising violentos entre forças do governo e da their rights (News story, 29 August) oposição aumentaram a tensão e resultaram 7. Sudan: Student activists detained without charge (AFR em um tiroteio fatal, em 8 de julho, entre 54/3861/2016) guarda-costas do Presidente Salva Kiir e do 8. Sudan: Eight arrested, whereabouts unknown (AFR 54/4617/2016) Primeiro vice-presidente Machar, do lado de 9. Sudan: Government must investigate brutal killing of 18-year old fora do Palácio Presidencial, onde os dois se university student by intelligence agents (News story, 20 April) encontraram. Em 10 e 11 de julho, houve confrontos pesados entre as forças do governo e da oposição em Juba.

230 Anistia Internacional Informe 2016/17 Esse conflito forçou Riek Machar e as governo ao mandato e estabelecimento do forças de oposição a fugirem para o sul, onde RPF em dezembro, o Conselho de Segurança escaparam da perseguição pelas forças do da ONU falhou em aprovar a resolução que governo durante o mês seguinte. Enquanto teria imposto um embargo a armas. isso, o Presidente Salva Kiir dispensou Machar de seu posto como Primeiro Vice- CONFLITO ARMADO INTERNO Presidente e o substituiu pelo político da Apesar do ARCSS, houve combates em oposição Taban Deng Gai, em 25 de julho. muitas áreas do país durante o ano. Os Riek Machar rejeitou e denunciou a conflitos eram sempre acompanhados de dispensa, o que resultou numa cisão no violações e abusos dos direitos humanos e Exército Popular de Libertação do Sudão/ das leis humanitárias , como assassinatos, Movimento Oposicionista (SPLM/A-IO). A saques e destruição de propriedades civis, comunidade internacional acabou por aceitar sequestros e violência sexual. o governo novo e insistiu para que voltasse à Em 17 e 18 de fevereiro, um confronto implantação do ARCSS. aconteceu no campo de Proteção aos Civis Relativa tranquilidade foi restaurada em da ONU em Malakal, que abrigava cerca de Juba, após a fuga de Machar e das forças da 45 mil pessoas. Soldados do governo oposição, mas os confrontos na capital entraram no local e participaram do desencadearam uma onda de violência no combate. Cerca de um terço do sul da região de Equatória, resultando na acampamento foi queimado completamente, morte de civis, saques e detenções e pelo menos 29 pessoas foram mortas. arbitrárias. Os condados de Lainya, Yei, Em Bahr el Ghazal Ocidental no início de Kajokeji, Morobo e Maridi foram os mais 2016, soldados do governo atacaram civis, afetados. Entre julho e dezembro, mais de resultando em mortes, tortura incluindo 394.500 mil refugiados do Sudão do Sul estupro, saqueamentos e incêndios em chegaram ao norte de Uganda para fugir da casas. Os embates entre as forças do insegurança. governo e da oposição na cidade de Wau em Em setembro, o Conselho de Segurança 24 e 25 de junho desalojaram cerca de 70 da ONU adotou a resolução 2.304, mil pessoas, e mataram dezenas. autorizando a criação de uma Força de Durante o confronto de julho em Juba, Proteção Regional (RPF) com 4.000 homens armados, em especial soldados do membros, além dos 12 mil membros da governo, cometeram violações e abusos dos força de paz Missão das Nações Unidas no direitos humanos e do direito humanitário Sudão do Sul (UNMISS). A missão da RPF internacional, como assassinatos, violência seria facilitar a circulação segura no caminho sexual e saques a propriedades civis e bens de Juba, proteger o aeroporto e os principais humanitários. Soldados do governo também locais da cidade e abordar qualquer pessoa atiraram indiscriminadamente perto dos que estiver se preparando para perpetrar campos de Proteção aos Civis e, em alguns ataques contra civis, atores humanitários ou casos, miraram deliberadamente neles. funcionários e instalações da ONU. No Foram mortas 54 pessoas deslocadas nos entanto, a RPF não estava em locais durante o confronto, de acordo com a funcionamento no final do ano. ONU. A mesma resolução previa que o CSNU Em setembro, chegou a um milhão o consideraria a imposição de um embargo a número de pessoas refugiadas que haviam armas caso o Sudão do Sul criasse cruzado a fronteira para países vizinhos impedimentos políticos ou operacionais ao desde o começo do conflito em dezembro de funcionamento da RPF ou impedisse a 2013. O número de pessoas buscando UNMISS de desempenhar suas funções. proteção nos campos de Proteção aos Civis Apesar dos relatos de ataques e obstruções do país aumentou durante o ano, chegando a dos funcionários do UNMISS e da aversão do 204.918 em outubro. Um total de 1.83

Anistia Internacional Informe 2016/17 231 milhões de pessoas continuaram a se metal e mal ventilados. Eram alimentados deslocar pelo país e 4.8 milhões de pessoas uma ou duas vezes por semana, e a água foram afetadas pela insegurança alimentar. que bebiam não era suficiente. Muitos dos detidos morreram nesse local, devido às más DETENÇÕES ARBITRÁRIAS, TORTURA E condições. Outros foram vítimas de OUTROS MAUS-TRATOS execuções extrajudiciais. O Serviço de Segurança Nacional (SSN) do Os quartéis militares de Giyada, em Juba, Sudão do Sul e o Diretório de Inteligência continuaram sendo locais de detenções Militar do exército nacional continuaram a arbitrárias e sem direito a comunicação, realizar prisões arbitrárias, detenções tortura e desaparecimentos forçados. As prolongadas e, em alguns casos, sem direito condições eram especialmente difíceis numa a comunicação, e desaparecimentos célula de inteligência militar subterrânea, forçados de oponentes do governo. Os onde os detentos não tinham acesso à luz detentos foram submetidos a tortura e outros natural ou serviços sanitários. maus-tratos em vários centros de detenção. Elias Waya Nyipouch, ex-governador do Mais de 30 homens foram detidos pelo estado de Wau, foi preso em sua casa em 26 SSN num centro de detenção de dois de junho. Ficou detido em Juba, no quartel andares em seu quartel, no bairro Jebel, em militar de Giyada, e foi transferido em 21 Juba. Eles foram detidos sob acusações de outubro para o quartel de Bilpam, também apoiar o SPLM/A-IO, mas não foram em Juba. Ficou preso sem ser acusado ou acusados ou levados a um tribunal. Nenhum julgado até o fim do ano. deles teve acesso a advogados até o fim do ano. O SSN restringiu o acesso a familiares e FALTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS não providenciou cuidados médicos Não houve investigações convincentes, nem adequados. Alguns foram submetidos a processo contra violações e abusos dos espancamentos e outras formas de agressão direitos humanos e do direito humanitário em física, principalmente durante interrogatório julgamentos nos tribunais civis. Alguns ou como punição por quebrar as regras crimes cometidos contra civis por soldados internas da detenção. Alguns estavam do governo foram, segundo relatos, julgados detidos havia mais de dois anos. por juízes militares, apesar da disposição na George Livio, jornalista da Rádio Miraya da Lei SPLA do Sudão do Sul na qual se ONU, continuou detido arbitrariamente pelo estabelece que se militares cometerem SSN sem ser acusado ou julgado, em Juba. crimes contra civis, a justiça civil assumiria a O SSN prendeu George Livio em Wau em 22 jurisdição do crime. de agosto de 2014. O SSN negou os pedidos Embora o ARCSS estabelecesse a criação de seu advogado para encontrar com o de um tribunal híbrido no Sudão do Sul pela cliente, além de restringir o acesso a seus Comissão da União Africana, pouco familiares. progresso se fez nessa frente. Também Loreom Joseph Logie, que estava detido houve pouco progresso no estabelecimento arbitrariamente pelo SSN desde setembro de de uma Comissão da Verdade, Reconciliação 2014, morreu em 17 de julho. Antes de e Cura ou de uma Autoridade de Indenização morrer, teve teníase, que não foi tratada e e Reparações. Esses dois órgãos também causou danos ao fígado. estavam previstos no ARCSS. Um centro de detenção numa base militar de Gorom, 20 km ao sul de Juba, foi usado, LIBERDADE DE EXPRESSÃO pelo menos entre novembro de 2015 e maio O espaço para jornalistas e defensores dos de 2016, para deter soldados e civis direitos humanos trabalharem com liberdade supostamente afiliados da oposição. Os continuou diminuindo, como vinha ocorrendo detidos foram mantidos sem acusação nem desde o início do conflito. As autoridades, em julgamento. Ficaram em contêineres de especial o SSN, continuaram assediando e

232 Anistia Internacional Informe 2016/17 intimidando jornalistas, com intimações para cadastro de ONGs quando fosse considerado interrogatórios, prisões e detenções que elas não estivessem cumprindo a Lei das arbitrárias. Diversos jornalistas e defensores ONGs. Os “objetivos de ONGs” aceitáveis dos direitos humanos fugiram do Sudão do listados na Lei não incluem trabalho com Sul devido aos riscos. direitos humanos e incidência política defesa Joseph Afandi, jornalista em Juba do de políticas. diário El Tabeer, foi preso pelo SSN em 23 de dezembro de 2015 por criticar em um artigo DIREITO À SAÚDE — SAÚDE MENTAL os registros de direitos humanos do Embora os níveis de transtorno de estresse Movimento Popular de Libertação do Sudão pós-traumático e depressão na população (SPLM). Ele foi mantido, sem direito a continuem altos, a disponibilidade e o acesso comunicação, no quartel do SSN em Juba a serviços de apoio psicossocial e à saúde até ser liberado em fevereiro. Durante a mental continuam limitados. O Hospital detenção, sofreu tortura e outros maus- Escola de Juba, a única unidade de saúde tratos. com atendimento psiquiátrico, continuava Alfred Taban, jornalista e editor-chefe do com apenas doze camas na ala psiquiátrica. diário Juba Monitor, publicou um editorial em A disponibilidade de drogas psicotrópicas era 15 de julho no qual disse que tanto Machar limitada e inconsistente. Havia apenas dois quanto Kiir tinham sido “fracassos psiquiatras trabalhando no país, os dois em completos” e “não deveriam continuar em Juba. Nenhum deles atendia pacientes em seus postos”. Foi preso no dia seguinte por tempo integral. Devido à falta de serviços e agentes do SSN e ficou detido em seu unidades adequadas, pessoas com doenças quartel em Juba por uma semana. Foi mentais continuaram a ser colocadas em transferido para a custódia da polícia e prisões, ainda que não tivessem cometido acusado de “publicar ou comunicar nenhum crime. Na prisão, elas continuavam declarações falsas e prejudiciais ao Sudão do sem atendimento médico suficiente, e por Sul” e de “enfraquecer a autoridade ou vezes eram acorrentadas ou confinadas à insultar o presidente”. Foi solto sob fiança solitária por longos períodos. em 29 de julho. Até o fim do ano, a data do julgamento não havia sido marcada. MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS Em 12 de setembro, a equipe do jornal OU INSTITUCIONAIS Nation Mirror foi intimada pelo SSN e Em maio, o Sudão do Sul concluiu a mostrou uma carta na qual se exigia que o ratificação da Carta Africana dos Direitos jornal “encerrasse as atividades por ter se Humanos e dos Povos e da Convenção da engajado em atividades incompatíveis com União Africana que Rege os Aspectos seu status”. O pedido veio depois da Específicos dos Problemas dos Refugiados publicação de um editorial condenando a na África. corrupção nas forças armadas e um artigo sobre alegações de corrupção contra funcionários do governo. TURQUIA

LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO República da Turquia Em fevereiro, duas leis para regulamentar as Chefe de estado: Recep Tayyip Erdoğan atividades de ONGs foram promulgadas. As Chefe de governo: Binali Yildirim (substituiu Ahmet leis restringem o direito de liberdade de Davutoğlu em maio) associação, exigindo que todas as ONGs se cadastrem, as não cadastradas foram Uma tentativa de golpe levou a repressão proibidas de funcionar. A Comissão de em massa do governo contra funcionários Auxílio e Reabilitação tinha amplos poderes públicos e a sociedade civil. As pessoas para cadastrar, monitorar e revogar o acusadas de ligação com o movimento

Anistia Internacional Informe 2016/17 233 Fethullah Gülen foram o alvo principal. Em Em março, a UE e a Turquia firmaram um seis meses de estado de emergência o acordo migratório com o objetivo de impedir governo manteve mais de 40 mil pessoas a migração irregular da Turquia para a UE. presas e sem acesso a julgamento. Houve Como resultado, a UE silenciou sobre os evidências de tortura de pessoas presas inúmeros abusos contra os direitos humanos logo após a tentativa de golpe. Quase 90 cometidos na Turquia. mil funcionários públicos foram demitidos; Em 15 de julho, facções das forças centenas de meios de comunicação e ONGs armadas turcas lançaram uma tentativa foram fechados e jornalistas, ativistas e violenta de golpe. Ela foi suprimida parlamentares foram presos. Violações de rapidamente, em parte por pessoas comuns direitos humanos por forças de segurança que foram às ruas e confrontaram-se com continuaram impunes, em especial no tanques de guerra. As autoridades sudeste predominantemente curdo do país, anunciaram que 237 pessoas foram mortas, onde a população urbana foi submetida a entre elas 34 conspiradores do golpe, e que um toque de recolher de 24 horas. Cerca de 2.191 pessoas ficaram feridas durante a meio milhão de pessoas foram deslocadas noite de violência em que o Parlamento foi internamente no país. A UE e a Turquia bombardeado e outras infraestruturas civis e concordaram com um “acordo de migração” estatais foram atacadas. para impedir migração irregular para a UE. Logo depois da tentativa de golpe, o Com isso, centenas de pessoas refugiadas e governo declarou estado de emergência por solicitantes de refúgio foram devolvidos à três meses, em outubro ele foi prorrogado Turquia pela Europa e órgãos da UE por mais três meses, violando uma lista de reduziram suas críticas à situação dos artigos do Pacto Internacional sobre Direitos direitos humanos na Turquia. Civis e Políticos e a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos. O governo aprovou INFORMAÇÕES GERAIS uma série de decretos que não respeitavam O Presidente Erdoğan acumulou poder nem mesmo essas regras mínimas. Quase 90 progressivamente durante o ano. Emendas mil funcionários públicos, entre eles constitucionais com o objetivo de conceder professores, policiais, militares, médicos, ao Presidente ainda mais poderes executivos juízes e procuradores foram demitidos de foram submetidas ao voto do parlamento em seus cargos com base em alegações de dezembro. terem ligações com uma organização Confrontos armados entre o Partido dos terrorista ou representarem uma ameaça à Trabalhadores do Curdistão (PKK) e as forças segurança nacional. Presumiu-se que a do governo continuaram, em especial no maioria das alegações seriam de ligação com leste e sudeste do país, com maioria curda. Fethullah Gûlen, ex-aliado que o governo O governo federal substituiu prefeitos eleitos turco acusa de ter sido o cérebro por trás em 53 municípios por pessoas de sua golpe. Não havia um dispositivo legal claro confiança; 49 desses prefeitos eram do para recorrer dessas demissões. Pelo menos Partido das Regiões Democráticas (DBP), 40 mil pessoas foram presas sem curdo e de oposição. Assim como muitos julgamento, acusadas de estarem ligadas ao políticos eleitos, nove parlamentares do golpe ou ao movimento de Gülen, Partido Democrático dos Povos (HDP) foram classificado pelas autoridades como presos sem julgamento em novembro. Organização Terrorista Fethullah Gülen 1 Uma missão de investigação da ONU (FETÖ). para o sudeste foi bloqueada pelas Em agosto, a Turquia lançou uma ofensiva autoridades, que também impediram ONGs militar no norte da Síria tendo como alvo o nacionais e internacionais, entre elas a grupo armado Estado Islâmico (EI) e as Anistia Internacional, de documentar Forças de Defesa Popular, grupo armado violações de direitos humanos na região. curdo afiliado ao PKK. Em outubro, o

234 Anistia Internacional Informe 2016/17 Parlamento ampliou a autorização para a decisão sobre o caso permanecia pendente. Turquia conduzir ataques militares no Iraque Em outubro, mais dez jornalistas foram e na Síria por mais um ano. presos sem julgamento por crimes em nome do FETÖ e do PKK. LIBERDADE DE EXPRESSÃO Em agosto, a polícia fechou o principal A liberdade de expressão sofreu uma jornal curdo Özgür Gündem com base em deterioração aguda durante o ano. Depois da uma ordem judicial que indicava o declaração de estado de emergência, 118 fechamento pelo jornal estar sendo jornalistas foram presos sem julgamento e investigado por suspeita de terrorismo, uma 184 meios de comunicação foram fechados sanção que não está prevista na lei. Dois de modo arbitrário e permanente por editores e dois jornalistas foram detidos para decretos, deixando a mídia de oposição aguardar julgamento e acusados de crimes severamente restrita.2 Pessoas que de terrorismo. Três foram libertados em expressavam críticas, especialmente em dezembro, enquanto o editor İnan Kızıkaya relação à questão curda, foram submetidas a continuou preso.3 Em outubro, o jornal Özgür ameaças de processos criminais e violência. Gündem foi fechado permanentemente por A censura na internet aumentou. Pelo menos decreto, junto com todos os principais meios 375 ONGs, entre elas grupos de apoio aos de comunicação nacionais direcionados à direitos das mulheres, associações de população curda. advogados e organizações humanitárias Acadêmicos que assinaram a petição foram fechados por decreto em novembro. criada em Janeiro pelo grupo. Acadêmicos Em março, um tribunal da capital Ancara pela Paz, que pedia o retorno das interveio no grupo de comunicação de negociações de paz e o reconhecimento das oposição Zaman e nomeou um novo demandas do movimento político curdo, administrador para ele em decorrência de foram submetidos a ameaças de violência, uma investigação sobre um possível investigações administrativos e criminais. envolvimento do grupo com terrorismo. Quatro deles foram detidos até o momento Depois de a polícia invadir os escritórios do de sua audiência em abril; quando foram Zaman, uma linha editorial a favor do libertados, mas não absolvidos.4 Até o fim do governo foi imposta aos jornais e canais de ano, 490 dos acadêmicos ainda estavam sob televisão do grupo. Em julho, os meios de investigação administrativa e 142 tinham sido comunicação do Grupo Zaman foram liberados. Desde a tentativa de golpe, mais fechados permanentemente junto com outros de 1100 dos acadêmicos estavam meios de comunicação ligados ao Gülen. formalmente sob investigação criminal. Novos veículos criados depois que o governo A censura na internet aumentou, com as tomou o controle do Grupo Zaman também autoridades emitindo ordens aprovadas pelo foram fechados. judiciário para retirar ou bloquear conteúdo, Em maio, o editor-chefe do jornal inclusive websites e contas de redes sociais. Cumhuriyet Can Dündar e o representante do Não havia nenhum recurso legal efetivo veículo em Ancara Erdem Gül foram disponível para contestar essas ordens. Em condenados por “revelar segredos de estado” outubro, as autoridades cortaram os serviços e sentenciados a cinco anos e dez meses de de internet no sudeste da Turquia e limitaram prisão e cinco anos de prisão várias redes sociais. respectivamente por terem publicado artigos alegando que as autoridades da Turquia LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO tinham tentado enviar armas para grupos Em maio, baseadas em argumentos armados de oposição na Síria secretamente. ilegítimos, as autoridades baniram a passeata O governo alegou que os caminhões estavam do dia internacional das trabalhadoras e levando ajuda humanitária aos turcos. Até o trabalhadores pelo quinto ano consecutivo e fim do ano, o julgamento do recurso da a passeata do Orgulho LGBTI pelo segundo

Anistia Internacional Informe 2016/17 235 ano seguido, ambas em Istambul. A polícia um relatório às autoridades turcas em usou excesso de força contra pessoas que novembro. No entanto, até o final do ano o tentavam pacificamente realizar essas governo não havia publicado o relatório. O manifestações. De julho em diante as Relator Especial da ONU sobre tortura visitou autoridades usaram as leis do estado de o país em novembro, depois de sua visita ter emergência para emitir proibições impedindo sido adiada a pedido das autoridades turcas. manifestações em cidades por toda a As autoridades declararam sua adesão a Turquia. Durante este período a polícia políticas de “tolerância zero com a tortura”, também usou excesso de força contra as mas em várias ocasiões, porta-vozes do pessoas que apesar das proibições tentavam governo repudiaram sumariamente relatórios exercer seu direito de liberdade de sobre o uso de tortura no país afirmando que manifestação pacífica. os golpistas mereciam sofrer abuso e que as alegações de tortura não seriam investigadas. TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS As autoridades acusaram a Anistia Houve um aumento nos casos de tortura e Internacional e o de outros maus-tratos relatados em detenções serem instrumentalizadas pela “organização policiais, em áreas com toque de recolher no terrorista” FETÖ após a publicação conjunta sudeste da Turquia e, mais marcadamente, das ONGs sobre o uso de tortura e os maus- em Ancara e Istambul logo após a tentativa tratos no país. 5Três associações de de golpe. As investigações sobre os abusos advogados que trabalhavam contra violência não foram efetivas. policial e tortura foram fechadas em O estado de emergência removeu novembro por um decreto. proteções para pessoas privadas de Advogados disseram que 42 pessoas liberdade e permitiu práticas que tinham sido detidas em maio, em Nusaybin, após os proibidas, o que ajudou a facilitar o uso de confrontos entre afiliados ao PKK e forças do tortura e outros maus-tratos: o período governo foram espancadas e submetidas a máximo de detenção sem acusação foi outros maus tratos sob a custódia da polícia. aumentado de quatro para trinta dias; e Foi dito que o grupo, no qual havia crianças medidas impedindo o contato dos detentos e adultos, foi encapuzado, espancado com seus advogados antes das acusações durante o interrogatório policial e não tiveram por cinco dias e autorizando a gravação de acesso a cuidados médicos para as lesões. conversas entre detentos e seus advogados e Foi reportado uso generalizado de tortura e seu uso pela promotoria de acusação foram outros maus-tratos contra os suspeitos de criadas. O direito das pessoas detidas de participarem da tentativa de golpe logo em terem acesso a assistência jurídica e a seguida a ela. Em julho, foram relatados escolha de uma equipe de assistência diversos espancamentos, agressões sexuais, própria e não indicada pelo estado, foram ameaças de estupro e estupros durante a restringidos ainda mais. Foram realizados detenção de milhares de pessoas em exames médicos na presença de policiais e espaços de detenção policiais oficiais e extra- os relatórios foram arbitrariamente negados oficiais. Aparentemente os militares detidos aos advogados dos detentos. foram alvo dos piores abusos físicos, mas Não há nenhum mecanismo nacional para várias formas de tortura foram usadas em o monitoramento independente de espaços larga escala: manter detentos em posições de detenção desde o fechamento da de submissão e dor física intensa, algemados Instituição Nacional de Direitos Humanos em com as mãos nas costas e negar comida, 2015e da constatação de que o órgão criado água ou acesso ao banheiro. como seu sucessor simplesmente não Frequentemente os advogados e familiares funciona. O Comitê para Prevenção de dos detentos não e am informados de sua Tortura do Conselho da Europa visitou detenção, só ficavam sabendo quando elas centros de detenção em agosto e forneceu eram finalmente acusadas formalmente.

236 Anistia Internacional Informe 2016/17 militares por abusos contra os direitos USO EXCESSIVO DE FORÇA humanos. Até junho, as forças de segurança As declarações do governo repudiando as conduziram operações contra indivíduos alegações de tortura e maus-tratos em armados afiliados ao PKK, que haviam detenções policiais após a tentativa de golpe cavado trincheiras e erguido barricadas em indicaram um rumo preocupante para o país. áreas urbanas no sudeste da Turquia. O uso Apesar da ratificação da Convenção do pelas autoridades de toques de recolher Conselho da Europa sobre prevenção e durante as 24 horas do dia, proibindo combate à violência contra mulheres totalmente as pessoas saírem de casa, (Convenção de Istambul), as autoridades combinado com o uso de armamento fizeram pouco ou nenhum progresso para pesado, inclusive de tanques, em áreas acabar com a violência doméstica povoadas, foi uma resposta desproporcional generalizada contra as mulheres, nem e abusiva a uma questão de segurança séria, adotaram procedimentos para investigar se e pode ser considerado uma forma de foram crimes de ódio os casos de pessoas punição coletiva à população dessas áreas.6 mortas aparentemente em razão da sua As evidências sugerem que as forças de identidade de gênero ou orientação sexual. segurança usaram uma política de atirar para Não houve progresso nas investigações matar contra pessoas armadas, o que causou sobre as mortes de cerca de 130 pessoas mortes e ferimentos também a pessoas enquanto tentavam se abrigar de confrontos desarmadas e deslocamento forçado em porões de três prédios durante o toque massivo.. de recolher em Cizre, em fevereiro. As Em janeiro, o jornalista Refik Tekin, da IMC autoridades alegaram haver um bloqueio no TV, foi baleado enquanto levava feridos para acesso para as ambulâncias organizado pelo receberem cuidados médicos em Cizre, PKK, mas fontes locais informaram que as cidade que estava submetida ao toque de pessoas nos porões estavam feridas, recolher do governo. Ele continuou filmando precisavam de cuidados médicos depois de ser ferido, aparentemente por emergenciais e morreram em decorrência pessoas que estavam em um veículo policial dos ferimentos ou foram mortas quando as blindado. Depois, ele foi detido e investigado forças de segurança invadiram os prédios. com base nas leis de terrorismo. O governador da província de Ağrı, no leste da Turquia, impediu que uma IMPUNIDADE investigação contra policiais analisasse as A cultura de impunidade forças de mortes de dois jovens, de 16 e 19 anos, em segurança pelos abusos cometidos enraizada Diyadin. As autoridades alegaram que a no país continuou vigorando. As autoridades polícia atirou contra os jovens em legítima não investigaram as alegações de violações defesa, mas um relatório de balística mostrou de direitos humanos cometidas no sudeste que a arma encontrada no local não tinha do país, onde poucos ou nenhum dos passos sido disparada nem tinha as digitais dos básicos foram dados para processar os jovens. casos, inclusive de assassinatos. Em alguns As autoridades não avançaram na casos, testemunhas sofreram ameaças. Em investigação do assassinato, em novembro junho, emendas de leis passaram a exigir a de 2015, de Tahir Elci, presidente da autorização do governo para iniciar qualquer associação Diyarbakir Bar e conhecido investigação sobre conduta de militares defensor dos direitos humanos. A durante operações de segurança e que investigação foi prejudicada por uma análise qualquer julgamento resultante seja realizado incompleta da cena do crime e pelo em tribunais militares. Esses tribunais já se desaparecimento de vídeos do circuito provaram bastante fracos ao processar interno de televisão.

Anistia Internacional Informe 2016/17 237 Com mais de três anos de duração, as Síria continuou fechada. Apesar das investigações sobre o uso de força pela melhorias, a maioria das crianças refugiadas polícia nos protestos de Gezi Park não sírias na Turquia não tiveram acesso à trouxeram resultados e levaram a apenas uns educação e a maioria dos adultos não poucos processos insatisfatórios. O tribunal conseguiu emprego legal. Muitas famílias emitiu uma multa de 10.100 liras (menos de refugiadas, sem formas de conseguir sua 10 mil reais) para o policial que foi julgado subsistência adequada viveram em novamente pelos tiros fatais que disparou condições miseráveis. contra o manifestante de Ancara Ethem Houve retornos forçados em massa de Sarisülük. O tribunal reduziu a indenização pessoas sírias pelas forças de segurança dada a Dilan Dursun em 75% — ela ficou turcas nos primeiros meses do ano, bem com sequelas permanentes depois de ter como ocorrências de devoluções ilegais sido atingida na cabeça por um lata de gás dessas pessoas à Síria e casos de guardas da lacrimogêneo atirada pela polícia durante os fronteira da Turquia atirando de forma fatal protestos em Ancara no dia do funeral de ou não em pessoas que precisavam de Ethem Sarisülük. O tribunal decidiu que ela proteção. teve responsabilidade pelo ocorrido, uma vez que participava de uma “manifestação REFUGIADOS E PESSOAS DESALOJADAS ilegal”. DENTRO DO PAÍS Centenas de milhares de pessoas foram ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS submetidas a deslocamento forçado devido ARMADOS ao toque de recolher imposto no sudeste da Houve um aumento enorme no número de Turquia. A imposição notificada com apenas ataques indiscriminados e direcionados algumas horas de antecedência forçou as especificamente a civis, demonstrando pessoas a partir com poucos ou nenhum de desprezo pelo direito à vida e pelo princípio seus bens. Em muitos casos, pessoas da humanidade. O Estado Islâmico, o PKK, deslocadas não conseguiram que seus sua ramificação Falcões da Liberdade do direitos sociais e econômicos, como moradia Curdistão (TAK) e o Partido da Frente e educação adequados, fossem respeitados. Libertação Popular Revolucionária foram Elas receberam ofertas injustas de responsabilizados ou assumiram a indenização pela perda de seus bens e de responsabilidade pelos ataques. seus meios de subsistência. Seu direito de retorno às suas casas foi gravemente PESSOAS REFUGIADAS E SOLICITANTES comprometido pelos altos níveis de DE REFÚGIO destruição e pelo anúncio de projetos de A Turquia foi o país que mais recebeu reconstrução que, provavelmente, excluirão a pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio população que ali residia.8 no mundo estima-se que em torno de três milhões delas vivem no país. Há uma 1. Turquia: HDP deputies detained amid growing onslaught on Kurdish população significativa de afegãos e opposition voices (News story, 4 November) iraquianos, junto com 2,75 milhões de sírios 2. Turkey: Massive crackdown on media in Turkey (EUR 44/5112/2016) registrados que receberam status temporário 3. Turkey: End pre-trial detention of Özgür Gündem guest editors (EUR de proteção. A UE firmou um acordo 44/4303/2016) migratório com a Turquia em março com o 4. Turkey: End pre-trial detention of Özgür Gündem guest editors (EUR objetivo de impedir a migração irregular para 44/4303/2016) a UE. O acordo prevê que pessoas refugiadas 5. Joint Statement: Turkey − state of emergency provisions violate e solicitantes de refúgio seja devolvidas à human rights and should be revoked (EUR 44/5012/2016) Turquia, ignorando as muitas falhas na 6. Turkey: Security operations in southeast Turkey risk return to proteção que o país é capaz de garantir a widespread human rights violations seen in the 1990s (EUR essas pessoas.7 A fronteira da Turquia com a 44/4366/2016)

238 Anistia Internacional Informe 2016/17 7. Turkey: No safe refuge − asylum-seekers and refugees denied effective protection in Turkey (EUR 44/3825/2016) INFORMAÇÕES GERAIS 8. Turkey: Displaced and dispossessed − Sur residents’ right to return Depois de uma crise política de dois meses e home (EUR 44/5213/2016) de diversos políticos favoráveis à reforma renunciarem a cargos do alto escalão do governo alegando corrupção generalizada, o UCRÂNIA Parlamento aceitou a renúncia de Arseniy Yatsenyuk em 12 de abril. Ele foi substituído Ucrânia por Volodymyr Hroysman. Chefe de estado: Petro Poroshenko Conflitos e tiroteios esporádicos entre o Chefe de governo: Volodymyr Hroysman (substituiu governo e as forças separatistas apoiadas Arseniy Yatsenyuk em abril) pela Rússia continuaram. Tiroteios, bombardeios e material bélico não detonado Conflitos esporádicos e em baixa escala continuaram a causar mortes e lesões de continuaram no leste da Ucrânia, com os civis. A Missão das Nações Unidas para o dois lados violando o acordo de cessar fogo. Monitoramento dos Direitos Humanos Tanto as forças ucranianas quanto as forças estimou que houve mais de 9.700 mortes separatistas pró-Rússia permaneceram relacionadas aos conflitos, das quais cerca impunes quanto às violações do direito de 2.000 foram de civis, e pelo menos humanitário internacional, incluindo crimes 22.500 lesões relacionadas aos conflitos de guerra como o uso de tortura. As desde o início, em 2014. autoridades na Ucrânia e as O Tribunal Penal Internacional (TPI) autodenominadas Repúblicas Populares de publicou sua avaliação preliminar da Ucrânia Donetsk e de Lugansk realizaram prisões em 14 de novembro. O relatório concluiu que ilegais de pessoas que apoiavam o lado a “situação no território da Crimeia e oposto, para inclusive serem usadas em Sevastopol chega a um conflito armado trocas de prisioneiros. A tão aguardada internacional entre a Ucrânia e a Federação Secretaria de Investigações do Estado, cujo Russa” e que essa “informação… sugeriria a objetivo era investigar as violações existência de um conflito armado cometidas por militares e policiais, foi internacional no contexto de hostilidades criada formalmente, mas não entrou em armadas no leste da Ucrânia”. Uma emenda funcionamento até o final do ano. A à Constituição foi aprovada em junho, imprensa e os ativistas independentes não adiando a ratificação do Estatuto de Roma do tiveram permissão para trabalhar livremente TPI por um "período provisório" de três anos. nas Repúblicas Populares de Donetsk e de As autoridades ucranianas continuaram a Lugansk. A imprensa conhecida como pró- restringir com rigor o movimento de Rússia enfrentou hostilidades nos territórios residentes das regiões de Donetsk e controlados pelo governo. A maior Marcha Lugansk, controladas por separatistas, para o do Orgulho LGBTI já realizada na capital, território controlado pelo governo. Kiev, teve apoio das autoridades locais e foi As autoridades russas realizaram eleições efetivamente protegida pela polícia. Na parlamentares na Crimeia, que não foram Crimeia, as autoridades de fato reconhecidas internacionalmente. continuaram sua campanha para eliminar A economia, afetada pelo conflito, dissidentes pró-ucranianos. As autoridades começou a crescer lentamente: o PIB contavam cada vez mais com a legislação aumentou em 1%. Os preços de bens e russa de combate ao extremismo e ao serviços básicos, como aquecimento e água, terrorismo, bem como com o processo continuaram a aumentar, onerando ainda criminal de dezenas de pessoas mais os padrões de vida decadentes da consideradas desleais. maioria da população. Os padrões de vida

Anistia Internacional Informe 2016/17 239 nas áreas controladas por separatistas suspeitos tinham sido presos em conexão continuaram a se deteriorar. com o assassinato de Yuriy Grabovsky. No final do ano, eles ainda estavam detidos TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS aguardando o julgamento e a investigação Houve pouco progresso para levar à justiça estava em andamento.2 os representantes da lei responsáveis pelo uso abusivo de força durante os protestos PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS EuroMaidan em Kiev, em 2013-2014. A As autoridades ucranianas e as forças investigação foi prejudicada por obstáculos separatistas no leste da Ucrânia se burocráticos. Em 24 de outubro, o envolveram em detenções ilegais no território Procurador Geral reduziu a equipe e os sob seu respectivo controle. Os civis poderes do departamento especial suspeitos de simpatizarem com o lado oposto responsável pelas investigações de abusos foram usados como moeda de troca por durante os protestos EuroMaidan, e criou prisioneiros.3 Os que não eram desejados uma nova unidade para investigar apenas o pelo lado oposto permaneceram presos ex-presidente Vyktor Yanukovych e seus durante meses, muitas vezes sem aliados mais próximos. reconhecimento, sem recursos legais nem A nova Secretaria de Investigações do previsão de libertação. Estado foi criada formalmente em fevereiro, Kostyantyn Beskorovaynyi voltou para casa para investigar crimes cometidos por em 25 de fevereiro, após seu rapto e o representantes da força policial e pelos reconhecimento oficial indireto de sua prisão militares, mas a escolha de seu chefe, com sigilosa se tornarem o assunto de uma base em uma competição aberta, não havia campanha internacional.4 Em julho, o sido finalizada até o final do ano.1 Promotor Militar-Chefe da Ucrânia prometeu O Subcomitê para a Prevenção de Tortura uma investigação efetiva das alegações de (SPT) da ONU suspendeu sua visita à desaparecimentos forçados, torturas e Ucrânia em 25 de maio, após o Serviço de detenções secretas de 15 meses realizados Segurança da Ucrânia (SBU) negar seu pelo SBU, porém nenhum resultado tangível acesso a algumas de suas instalações no da investigação foi informado até o final do leste do país, onde, segundo relatos, ano. prisioneiros secretos eram mantidos e Dezenas de outras pessoas foram torturados, além de receberem outros maus- mantidas em sigilo nas instalações do SBU tratos. O SPT retomou e finalizou sua visita em Mariupol, Pokrovsk, Kramatorsk, Izyum e em setembro. Também preparou um Kharkiv e possivelmente em outros locais. relatório, cuja publicação não foi autorizada Algumas foram, em algum momento, pelas autoridades ucranianas. trocadas por prisioneiros mantidos pelos separatistas. A Anistia Internacional e a DESAPARECIMENTOS FORÇADOS Human Rights Watch receberam os nomes O advogado Yuriy Grabovsky desapareceu de 16 pessoas através de três diferentes em 6 de março, e foi encontrado assassinado fontes, todas independentes, confirmando em 25 de março. Antes de seu que estas pessoas eram prisioneiras secretas desaparecimento, Yuriy Grabovsky reclamou do SBU em Kharkiv desde 2014 ou 2015, e sobre intimidação e hostilidade por parte das compartilharam a lista com as autoridades autoridades ucranianas, numa tentativa de ucranianas. Pelo menos 18 pessoas, fazê-lo se retirar do caso de um dos dois incluindo os 16 prisioneiros, foram operários russos que supostamente foram secretamente libertados logo a seguir. Suas capturados no leste da Ucrânia pelas forças prisões nunca foram oficialmente do governo. Durante uma coletiva de reconhecidas. Destas pessoas, Vyktor imprensa em 29 de março, o Promotor Ashykhmyn, Mykola Vakaruk e Dmytro Militar-Chefe da Ucrânia anunciou que dois

240 Anistia Internacional Informe 2016/17 Koroliov decidiram se manifestar e restabeleceu a licença em 12 de julho. Na registraram reclamações oficiais.5 sequência, processos penais foram abertos Nas autoproclamadas Repúblicas contra o canal de TV 3STV, de Savik Shuster, Populares de Donetsk e Lugansk, os pelas autoridades fiscais. Em 1 de "Ministros de Segurança do Estado" locais dezembro, Savik Shuster decidiu encerrar as usaram seus poderes por meio de "decretos" atividades do canal devido à pressão e à falta locais para prender pessoas de forma de fundos. arbitrária por até 30 dias, prazo que foi Ruslan Kotsaba, jornalista freelance e prorrogado diversas vezes. Ivan Kozlovskyi blogueiro de Ivano-Frankivsk, foi condenado (preso em 27 de janeiro) e Volodymyr a três anos e meio de prisão em 12 de maio Fomychev (preso em 4 de janeiro) foram por “obstruir as atividades legítimas das acusados de posse ilegal de armas (eles Forças Armadas Ucranianas em um período negam) e de "apoiar" o "lado ucraniano". Um especial”. Ele havia sido preso em 2015, tribunal em Donetsk condenou Volodymyr depois de postar um vídeo no YouTube em Fomychev a dois anos de prisão em 16 de que exigia o fim imediato dos combates em agosto. Ivan Kozlovskyi permanecia detido, Donbass e em que convocava os homens aguardando o julgamento, até o final do ano. ucranianos a resistir ao serviço militar obrigatório. Ele foi totalmente absolvido ao PESSOAS DESALOJADAS NO PAÍS recorrer em 12 de julho, sendo O Comitê CERD destacou uma série de itens imediatamente libertado. preocupantes sobre as dificuldades Em 20 de julho, o jornalista Pavel enfrentadas pessoas desalojadas no país em Sheremet foi morto por uma bomba sua análise da Ucrânia em 2016. Esses itens implantada no seu carro, na capital Kiev. Os incluíram a ligação de benefícios sociais, criminosos não haviam sido identificados até como pensões, ao status dessas pessoas e à o final do ano. A investigação do assassinato residência em áreas controladas pelo do jornalista Oles Buzina, morto a tiros por governo. dois homens encapuzados em 2015, também não gerou resultados. LIBERDADE DE EXPRESSÃO — Jornalistas com visões pró-ucranianas ou JORNALISTAS que se reportavam a veículos de imprensa Veículos de imprensa que compartilhavam ucranianos não conseguiram trabalhar de pontos de vista pró-Rússia ou pró- abertamente em áreas controladas por separatista, e especialmente os que separatistas e na Crimeia. Uma equipe russa criticavam as autoridades, enfrentaram do canal de TV independente Dozhd foi hostilidades como ameaças de encerramento presa em Donetsk e deportada para a Rússia de atividades ou violência física. O canal de pelo Ministério de Segurança de Estado, após TV Inter foi ameaçado de fechamento a gravação de uma entrevista com um ex- repetidamente pelo Ministro do Interior e, em comandante separatista. 4 de setembro, cerca de 15 homens Na Crimeia, jornalistas independentes não encapuzados tentaram invadir o escritório da conseguiram trabalhar abertamente. Inter, sem sucesso. Eles acusavam o canal Jornalistas da Ucrânia continental tiveram de cobrir as notícias com viés pró-Rússia. Ao sua entrada recusada e retornaram à fracassar, atiraram coquetéis molotov no fronteira de facto. Jornalistas e blogueiros prédio, iniciando um incêndio. locais que criticavam a ocupação russa e a O popular apresentador de TV Savik anexação ilegal da Crimeia corriam o risco de Shuster (que tem dupla nacionalidade, serem processados, e poucos ousaram canadense e italiana) teve sua licença de expressar seus pontos de vista. Mykola trabalho revogada pelo Serviço de Migração Semena, jornalista veterano, foi investigado Ucraniano, violando o procedimento sob acusações de “extremismo” (com pena existente. O Tribunal de Apelação de Kiev de até sete anos de prisão caso seja

Anistia Internacional Informe 2016/17 241 condenado), tendo suas viagens restringidas. nos anos anteriores. Em 7 de março, o Ele havia publicado um artigo on-line com prefeito da capital da Crimeia, Simferopol, um pseudônimo, apoiando o "bloqueio" da proibiu todas as reuniões públicas, exceto as Crimeia por ativistas pró-ucranianos como organizadas pelas autoridades. uma medida necessária para que a O grupo étnico dos tártaros da Crimeia península fosse "devolvida" à Ucrânia. Ele foi continuou a carregar o fardo da campanha considerado oficialmente como "apoiador do das autoridades de facto para eliminar todos extremismo" e sua conta bancária foi os vestígios remanescentes dos dissidentes congelada. No final do ano, a investigação pró-ucranianos.8 O Mejlis do Povo Tártaro da sobre seu caso ainda estava em andamento. Crimeia, órgão eleito em uma assembleia informal, Kurultai, para representar a DIREITOS LGBTI comunidade, foi suspenso em 18 de abril e Em 19 de março, um tribunal em Liev, no foi banido por um tribunal, que o considerou oeste da Ucrânia, proibiu a realização do “extremista”, em 26 de abril. Seu banimento Festival da Igualdade LGBTI nas ruas devido foi mantido pelo Tribunal Superior da a preocupações com a segurança pública. Federação Russa em 29 de setembro.9 Os organizadores transferiram o evento para O julgamento do líder interino do Mejlis, um local fechado, mas em 20 de março o Akhtem Chiygoz continuou sob acusações local foi atacado por um grupo de ativistas de forjadas de organizar “desordens em massa” direita mascarados. Nenhuma lesão foi em 26 de fevereiro de 2014 em Simferopol relatada, porém os organizadores foram (uma manifestação predominantemente forçados a cancelar o evento. pacífica na véspera da ocupação Russa, Uma Marcha do Orgulho LGBTI ocorreu marcada por alguns confrontos entre no centro de Kiev em 12 de junho, com manifestantes pró-Rússia e pró-Ucrânia). apoio das autoridades de Kiev e ampla Mantido em um centro de detenção antes do proteção da polícia. Com cerca de 2.000 julgamento, nos arredores do edifício do participantes, ela se tornou o maior evento tribunal, ele só podia assistir as audiências deste tipo já realizado na Ucrânia.6 judiciais por meio de um link de vídeo, supostamente devido ao "perigo" que ele CRIMEIA representava. Akhtem Chiygoz continuou Nenhum dos desaparecimentos forçados que sendo um dos muitos prisoneiros de seguiram à ocupação russa foi efetivamente consciência na Crimeia. Ali Asanov e Mustafa investigado. Ervin Ibragimov, membro do Degermendzhi também continuaram presos Congresso Mundial dos Tártaros da Crimeia, enquanto aguardavam o julgamento por foi dado como desaparecido próximo à sua terem, supostamente, participado das residência em Bakhchisaray, Crimeia central, mesmas “desordens em massa” em 26 de em 24 de maio. Uma gravação de vídeo de fevereiro de 2014. uma câmera de segurança foi disponibilizada As autoridades russas usaram alegações mostrando homens uniformizados forçando de "literatura extremista" e de participação na Ervin Ibragimov a entrar em uma minivan e organização islâmica Hizb ut-Tahrir como levando-o embora. Foi aberta uma pretexto para realizar buscas domiciliares e investigação, porém não houve progresso até prisão pessoas da etnia dos tártaros da o final do ano.7 Crimeia (predominantemente muçulmanos). A liberdade de expressão, associação e Pelo menos 19 homens foram presos sob manifestação pacífica, que já eram bastante alegações de serem membros da Hizb ut- restritas, foram ainda mais reduzidas. As Tahrir. Destes, quatro homens de Sevastopol autoridades de facto da Crimeia bloquearam foram julgados por um tribunal militar na o acesso aos sites de parte da imprensa Rússia, o que viola o direito humanitário independente, que já tinha sido forçada a se internacional que rege os territórios realocar para a parte continental da Ucrânia ocupados, e receberam sentenças entre

242 Anistia Internacional Informe 2016/17 cinco e sete anos de prisão. Durante o julgamento, quase todas as testemunhas de INFORMAÇÕES GERAIS acusação tentaram retratar seus O Plano de Ação 2016-2019 “por uma vida depoimentos anteriores, alegando que os livre de violência de gênero”, redigido pelo depoimentos tinham sido obtidos através de Conselho Nacional Consultivo de Luta contra ameaça de processos penais pelos membros a Violência Doméstica, entrou em vigor. do serviço de segurança russo. Em julho, o comitê CEDAW da ONU fez um apelo para que o Uruguai aumente as ações no sentido de reduzir a discriminação 1. Ukraine: Two years after Euromaydan: The prospect for justice is threatened (EUR 50/3516/2016) contra mulheres afrodescendentes e 2. Ukraine: Further information: Body of missing lawyer has been found melhorar o acesso delas à educação, (EUR 50/3734/2016) emprego e saúde. O Comitê também 3. "You don't exist": Arbitrary detentions, enforced disappearances, and expressou preocupação com a falta de um torture in Eastern Ukraine (EUR 50/4455/2016) mecanismo específico que garanta 4. Ukraine: Authorities must disclose missing man's fate: Kostyantyn reparações para mulheres que sofreram Beskorovaynyi (EUR 50/3275/2016) violência sexual sob o governo civil-militar, 5. Five men in secret detention in Ukraine (EUR 50/4728/2016) entre outras questões. 6. Ukraine: Kyiv Pride: A genuine celebration of human rights (EUR Em agosto, o Comitê da ONU sobre 50/4258/2016) Direitos das Pessoas com Deficiência pediu a 7. Ukraine: Crimean Tatar activist forcibly disappeared: Ervin Ibragimov criação de mecanismos de consulta para (EUR 50/4121/2016) pessoas com deficiência permitindo que elas 8. Ukraine: Crimea in the Dark: The silencing of dissent (EUR participem da adoção de políticas públicas e 50/5330/2016) legislativas e também garantindo métodos 9. Ukraine: Crimea: Proposed closure of the Mejlis marks culmination of acessíveis para a denúncia da discriminação repressive measures against the Crimean Tatar community (EUR em razão de deficiência. 50/3655/2016) CONDIÇÕES PRISIONAIS Em junho, o Comissário Parlamentar para o URUGUAI sistema carcerário, juntamente com o apoio de outras instituições nacionais e com o Alto República Oriental do Uruguai Comissariado da ONU para os Direitos Chefe de estado e de governo: Tabaré Vázquez Humanos, realizou cursos de educação em direitos humanos para diretores de prisões. Apesar dos esforços empreendidos pelo Esses cursos buscavam aprimorar o Grupo de Trabalho por Verdade e Justiça, entendimento dos funcionários públicos em houve pequeno progresso nos poucos relação à abordagem dos direitos humanos a processos de crimes enquadrados nas leis fim de evitar conflitos internos e o uso internacionais e violações de direitos excessivo de força. humanos cometidos durante o período do governo civil-militar (1973-1985). A IMPUNIDADE discriminação contra pessoas com O Grupo de Trabalho por Verdade e Justiça, deficiência continuou e a desigualdade de criado em maio de 2015 para investigar gênero ainda é preocupante. O Uruguai crimes contra a humanidade cometidos entre sediou a Conferência Global de Direitos 1968 e 1985, continuou a reunir LGBTI. A recusa entre profissionais de depoimentos, realizar exumações, e localizar saúde continuou a representar barreiras os restos mortais de pessoas desaparecidas. significativas ao acesso das mulheres ao O grupo também conseguiu acesso a aborto legal e seguro. documentos importantes, incluindo arquivos na sede dos Fuzileiros Navais e deve

Anistia Internacional Informe 2016/17 243 apresentar suas descobertas ao público em 2017. VENEZUELA

DIREITOS LGBTI República Bolivariana da Venezuela Em julho, o Uruguai sediou a Conferência Chefe de estado e de governo: Nicolás Maduro Moros Global dos Direitos LGTBI. O Uruguai liderou o grupo de discussão temática que pedia que O governo declarou estado de emergência, pessoas LGBTI sejam incluídas na Agenda que foi renovado quatro vezes. A maioria de Desenvolvimento Sustentável de 2030. dos suspeitos de responsabilidade por Pela primeira vez o Uruguai realizou um crimes de direito internacional e por censo de pessoas transgênero para entender violações de direitos humanos durante os melhor a situação em que vivem. As várias protestos de 2014 ainda não tinham sido formas de discriminação sofridas levados à justiça. A superlotação das continuaram sendo um problema, apesar dos prisões e a violência continuaram. esforços e políticas implementadas para Sobreviventes de violência de gênero melhorar a situação. enfrentaram obstáculos significativos no Centros de saúde livres de homofobia acesso à justiça. Defensores de direitos foram criados com sucesso; no entanto, a humanos e jornalistas frequentemente falta de cuidados de saúde abrangentes para enfrentaram campanhas para desacreditá- pessoas LGBTI continuou a ser um desafio. los, bem como ataques e intimidação. Opositores políticos e críticos do governo DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS continuaram a enfrentar prisões. Houve O Comitê CEDAW da ONU parabenizou o relatos de uso excessivo de força pela Uruguai pela redução drástica nos índices de polícia e forças de segurança. mortalidade materna e pela expansão do acesso das mulheres a serviços de saúde INFORMAÇÕES GERAIS sexual e reprodutiva. No entanto, expressou Em 15 de janeiro, o Presidente Maduro preocupação pelo acesso ainda ser limitado declarou um estado de emergência geral e em áreas rurais. O Comitê expressou econômica que durou todo o ano. A preocupação também com o uso abrangente declaração estabeleceu disposições que da rejeição consciente entre os profissionais poderiam restringir o trabalho da sociedade de saúde, o que limitou o acesso das civil e de organizações não governamentais, mulheres a serviços de aborto seguros e incluindo permitir que as autoridades legais. O Comitê pediu que o governo realizassem auditorias de acordos assinados avaliasse a disponibilidade de serviços de entre organizações nacionais e pessoas saúde sexual e reprodutiva em todo o país a jurídicas com empresas ou instituições fim de identificar áreas carentes de tais sediadas no exterior. serviços e garantir o aporte necessário; deve As autoridades não informaram os também estabelecer medidas que garantam resultados da implementação do Plano que as mulheres tenham acesso a serviços Nacional de Direitos Humanos, que foi de aborto e pós-aborto legais; e introduzir aprovado em 2015. requisitos mais rigorosos para prevenir o uso A maioria das sentenças e das ordens indiscriminado de rejeição consciente por sobre a Venezuela aprovadas pela Corte parte de profissionais da saúde em casos de Interamericana de Direitos Humanos ainda aborto. não tinham sido cumpridas até o final do ano. A escassez de alimentos e medicamentos se intensificou drasticamente, provocando protestos em todo o país. Em julho, o Executivo anunciou um novo regime de

244 Anistia Internacional Informe 2016/17 trabalho temporário obrigatório em que os – bem como a tortura e outros maus-tratos funcionários de empresas públicas e de manifestantes durante os protestos. Os privadas poderiam ser transferidos para suspeitos incluíam membros das forças de empresas estatais de produção de alimentos, segurança. Informações fornecidas pela o que equivaleria ao trabalho forçado. Procuradoria Geral durante o processo de Em outubro, o Alto Comissariado da ONU UPR revelaram que nove agentes foram para os Direitos Humanos afirmou que vários condenados por diversos crimes e que outros Relatores Especiais tiveram dificuldade para 18 estavam sob investigação, embora 298 visitar o país porque o governo não lhes investigações tenham sido iniciadas no ano concedeu as autorizações pertinentes. anterior. No entanto, os únicos dados oficiais Em novembro, o desempenho de direitos publicados pelo Gabinete do Procurador humanos da Venezuela foi examinado pela foram sobre a condenação de um homem segunda vez no âmbito do processo de pelo assassinato de Adriana Urquiola na Revisão Periódica Universal das ONU (UPR). cidade de Los Teques, estado Miranda, em Havia preocupação de que o caráter 2014. temporário dos postos de mais de 60% dos De acordo com um relatório apresentado juízes os deixariam suscetíveis a pressões ao Parlamento pelo Ministério Público em políticas. Contrariando normas internacionais janeiro, mais de 11 mil relatos de crimes de de direitos humanos, civis foram julgados em direito internacional e de direitos humanos tribunais militares. Forças policiais se foram recebidos em 2015, enquanto apenas recusaram a cumprir ordens de libertação 77 julgamentos foram iniciados durante esse emitidas pelos tribunais. ano. Ninguém respondeu pelos assassinatos Os poderes da Assembleia Nacional de oito membros da família Barrios ou pelas liderada pela oposição foram severamente ameaças e intimidações contra outros limitados por resoluções da Suprema Corte membros da família no estado de Aragua de Justiça, que prejudicaram a capacidade desde 1998. Alcedo Mora Márquez, dos parlamentares de representarem os funcionário da Secretaria de Governo no povos indígenas. O Tribunal anulou também estado de Merida e líder comunitário na área, uma declaração parlamentar sobre não desapareceu em fevereiro de 2015. Antes de discriminação relacionada à orientação seu desaparecimento, ele enviou relatórios sexual e à identidade de gênero, bem como sobre a má conduta de agentes públicos uma declaração que reivindicava locais. conformidade com decisões proferidas por Em março, 28 mineiros desapareceram no organizações intergovernamentais. estado de Bolivar. Em outubro, o Gabinete da Procuradoria apresentou um relatório IMPUNIDADE revelando que descobriu os cadáveres dos A retirada do país da jurisdição da Corte mineiros e determinou quem era responsável Interamericana de Direitos Humanos (com por seu desaparecimento. Doze pessoas efeito desde 2013) continuou a negar o foram acusadas de homicídio, agressão e acesso de parentes e vítimas de violações de "privação de liberdade".1 direitos humanos à justiça, à verdade e à reparação. USO EXCESSIVO DE FORÇA Embora dois oficiais tenham sido Houve contínuos relatos de uso excessivo da condenados em dezembro pelo assassinato força pelas forças de segurança, de Bassil Da Costa e Geraldine Moreno particularmente na repressão dos protestos durante os protestos de 2014, foi lento o sobre a falta de alimentos e medicamentos. andamento dos processos para levar à justiça Em junho, Jenny Ortiz Gómez morreu os suspeitos de responsabilidade criminal baleada na cabeça quando os policiais pelo assassinato de outras 41 pessoas – realizavam operações pela ordem pública. O incluindo os agentes das forças de segurança

Anistia Internacional Informe 2016/17 245 suspeito foi acusado de homicídio doloso e autoridades não conseguiram controlar. De uso indevido de armas de fogo. acordo com o OVP, o número de prisioneiros De acordo com o Observatório excedeu a capacidade das prisões em 190% Venezuelano de Conflito Social, cerca de 590 no primeiro semestre do ano. ONGs locais protestos por mês foram registrados durante também denunciaram a situação crítica em o ano. A maioria era relacionada a demandas centros de detenção de presos provisórios. de direitos econômicos, sociais e culturais, Em março, 57 pessoas – entre eles quatro em especial o acesso à alimentação, à saúde presos, um agente penitenciário e o diretor e à habitação. da prisão – foram feridos no Centro Penitenciário Fênix no estado de Lara. DEFENSORES E DEFENSORAS DOS Em agosto, sete pessoas foram mortas e DIREITOS HUMANOS vários outras foram feridas por granadas Defensores de direitos humanos continuaram durante um motim no Centro Penitenciário a ser alvo de ataques e intimidações pela de Aragua. mídia do governo e por representantes do Em outubro, diversos presos foram alto escalão do governo. removidos da Penitenciária Geral da Em abril, Humberto Prado Sifontes, diretor Venezuela após semanas de confrontos com do Observatório Venezuelano de Prisões a Guarda Nacional Bolivariana, que (OVP), foi mais uma vez vítima de ameaças e supostamente usou força excessiva nos insultos quando seu e-mail e suas contas em confrontos. mídias sociais foram hackeados após a A Gabinete da Ouvidoria anunciou uma publicação de uma entrevista em que ele proposta para reduzir a superlotação em relatava a crise e a violência no sistema centros de detenção provisória. De acordo prisional.2 com seu relatório anual, apresentado ao Em maio, Rigoberto Lobo Puentes, parlamento, 22.759 pessoas permaneceram membro do Observatório de Direitos em detenção preventiva em instalações da Humanos da Universidade dos Andes, foi polícia, resultando em superlotação e na baleado na cabeça e nas costas por policiais propagação de doenças e violência. no estado de Merida ao tentar ajudar vítimas feridas durante um protesto. Os policiais PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS continuaram a atirar nele depois dele ter O advogado Marcelo Crovato permaneceu entrado no carro. em regime de prisão domiciliar no fim do Em junho, os advogados Raquel Sánchez ano. Ele foi detido sem julgamento em abril e Oscar Alfredo Ríos, membros da ONG de 2014 por defender os moradores cujas Venezuelana Fórum Penal, foram atacados casas tinham sido invadidas pelas por um grupo de agressores encapuzados autoridades durante os protestos, e foi que quebrou o para-brisa e os espelhos colocado em regime de prisão domiciliar em laterais do carro em que estavam ao viajarem 2015. pelo estado de Tachira. Raquel Sánchez foi As decisões do Grupo de Trabalho da ONU ferida gravemente ao ser atingida na cabeça sobre Detenções Arbitrárias não tinham sido quando saía do carro.3 cumpridas até o final do ano. As decisões incluíam os casos de Daniel Ceballos e CONDIÇÕES PRISIONAIS Antonio Ledezma, dois eminentes críticos do As prisões permaneceram gravemente governo. superlotadas e, apesar do anúncio sobre Em junho, Francisco Márquez e Gabriel novos centros de detenção, as condições de San Miguel, dois ativistas que apoiavam o vida dos prisioneiros, incluindo seu acesso à partido da oposição Vontade Popular, foram alimentação e à saúde, pioraram. A presença presos enquanto estavam a caminho da de armas mantidas por prisioneiros capital, Caracas, para o estado de continuou a ser um problema que as Portuguesa para ajudar a organizar

246 Anistia Internacional Informe 2016/17 atividades eleitorais. Em agosto, Gabriel San 2014. As circunstâncias e as condições de Miguel foi libertado após medidas tomadas sua libertação permaneceram obscuras até pelo governo espanhol, enquanto Francisco ao fim do ano. Márquez foi libertado em outubro. Emilio Baduel Cafarelli e Alexander Tirado POLÍCIA E FORÇAS DE SEGURANÇA Lara foram transferidos em três ocasiões para Dados oficiais recentes sobre homicídios centros de detenção conhecidos como continuaram indisponíveis. O Observatório perigosos, gerando preocupação por suas Venezuelano de Violência relatou que o país vidas e sua integridade física. Eles tinham tinha a segunda maior taxa de homicídios sido condenados por incitação, intimidação nas Américas. usando explosivos e conspiração para Em janeiro, o Gabinete da Procuradoria cometer um crime durante os protestos de declarou que foram iniciadas investigações 2014. sobre 245 mortes que ocorreram em Os membros da oposição Coromoto supostos confrontos armados com agentes Rodríguez, Yon Goicoechea, Alejandro Puglia durante a Operação Libertação e Proteção do e José Vicente García foram detidos em Povo, implementada pelas forças de maio, agosto, setembro e outubro, segurança em julho de 2015 para combater respectivamente, em circunstâncias que as altas taxas de crimes. O elevado número configuravam prisões arbitrárias. Coromoto de vítimas civis sugeriu que as forças de Rodríguez e Alejandro Puglia foram segurança podem ter usado força excessiva libertados em outubro. ou realizado execuções extrajudiciais. Em setembro, Andrés Moreno Febres- Em 15 de outubro, 12 jovens foram Cordero, Marco Trejo, James Mathison e detidos arbitrariamente na região de César Cuellar foram presos e – apesar de Barlovento, no estado de Miranda, durante serem civis – foram levados a um tribunal uma operação de segurança da OLP. Em 28 militar por participarem na produção de um de novembro, corpos foram encontrados em vídeo para o partido político Justiça Primeiro, duas covas coletivas. De acordo com a que havia criticado o governo.4 Marco Trejo e Procuradoria, 18 membros das forças Andrés Moreno Febres-Cordero foram armadas foram detidos por sua suposta libertados em novembro. participação no massacre. O Comitê de Direitos Humanos da ONU PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA levantou preocupações sobre relatos de Oponentes políticos do governo continuaram abusos pelas forças armadas contra os povos a enfrentar prisões. Em julho, um Tribunal de indígenas estabelecidos em la Guajira, estado Apelações rejeitou o recurso do prisioneiro de de Zulia, na fronteira com a Colômbia. consciência Leopoldo López contra a sentença de prisão, sem levar em conta a LIBERDADE DE EXPRESSÃO ausência de evidência crível para apoiar as As autoridades continuaram a ter como alvo acusações e declarações públicas feitas jornalistas e meios de comunicação críticos antes de sua condenação por parte das do governo autoridades, assim, prejudicando seriamente Em março, David Natera Febres, diretor do seu direito a um julgamento justo. Ele foi jornal regional Correio de Caroní foi condenado a 13 anos e nove meses de condenado a quatro anos de prisão e prisão. multado por publicar relatórios sobre De acordo com o Fórum Penal corrupção. A sentença ainda tinha de ser Venezuelano, mais de 100 pessoas implementada até o fim do ano. permaneceram detidas por motivos políticos. Em junho, 17 jornalistas e trabalhadores Em novembro, o ativista LGBTI e de mídia que cobriam protestos em Caracas prisioneiro de consciência Rosmit Mantilla foi devido à falta de alimentos, foram atacados e libertado da prisão. Ele estava preso desde

Anistia Internacional Informe 2016/17 247 seus equipamentos foram roubados. O caso no país diminuiu para 95 a cada 100 mil foi relatado para a Procuradoria em vão. nascidos vivos, ainda significativamente superior à média regional de 68 por 100 mil VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E nascidos vivos. O uso de métodos MENINAS contraceptivos ficou em 70% para os A aplicação da lei de 2007 criminalizando a métodos tradicionais e 64% para métodos violência de gênero permaneceu lenta devido modernos, com médias regionais de 73% e à falta de recursos. No final do ano ainda não 67%, respectivamente. havia abrigos disponíveis às vítimas que buscavam refúgio. DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS Estatísticas da Procuradoria indicaram que Não foram cumpridas as disposições legais 121.168 queixas de violência de gênero para garantir e regular a consulta com os foram recebidas em 2015. Processos penais povos indígenas sobre assuntos que afetam a foram iniciados em 19.816 casos, e medidas sua subsistência. Houve relatos de de proteção civil, tais como ordens de criminalização de indígenas e defensores de restrição, foram concedidas em menos de direitos ambientais. Levantou-se a 50% dos casos. De acordo com organizações preocupação com o impacto sobre terras de direitos da mulher, 96% dos casos que indígenas e o meio-ambiente de projetos de chegaram aos tribunais não resultaram em mineração de grande escala na região sul da condenação. Venezuela, conhecida como o Arco Mineiro. A aprovação para a implementação dos DIREITOS LGBTI projetos foi concedida sem consulta e sem Em maio, a Assembleia Nacional aprovou a buscar o consentimento livre, prévio e bem declaração de 17 de maio como o "Dia informado das comunidades indígenas na Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia". área. Em agosto, o Ministério do Interior e da Justiça e a Procuradoria acordaram que as DIREITO À SAÚDE - FALTA DE pessoas transexuais poderiam expressar ALIMENTOS E MEDICAMENTOS livremente sua identidade de gênero na A crise econômica e social do país continuou fotografia de seus documentos de a se agravar. Devido à falta de estatísticas identificação. No entanto, não houve avanços oficiais, agências privadas e independentes, na legislação para garantir a igualdade de como o Centro de Documentação e Análise direitos, incluindo oferecer a possibilidade de para os Trabalhadores (CENDA) reportou um indivíduo ajustar seu nome, gênero e uma inflação de 552% para produtos outros detalhes na documentação oficial para alimentícios de novembro de 2015 a outubro corresponder à sua identidade de gênero, ou de 2016, o que tornou extremamente difícil julgar crimes de ódio com base na orientação para a população comprar alimentos, mesmo sexual, na identidade ou na expressão de quando conseguiam encontrá-los. De acordo gênero. com o Observatório Venezuelano da Saúde, 12,1% da população comia apenas duas DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS vezes ao dia ou menos. A Fundação Bengoa Acesso a contraceptivos, incluindo a para Alimentação e Nutrição calculou que contracepção de emergência, ficou cada vez 25% das crianças estavam subnutridas. mais limitado devido à escassez de Estudos sobre as condições de vida medicamentos. O aborto continuou a ser realizados por três universidades revelaram criminalizado em todos os casos, exceto que 73% dos domicílios no país sofreram quando a vida da mulher ou da jovem estava com a queda da renda em 2015, enquanto em risco. dados oficias do Instituto Nacional de De acordo com um relatório do Fundo da Estatística estimam 33,1%. ONU para População, a mortalidade materna

248 Anistia Internacional Informe 2016/17 A recusa do governo em permitir esforços de ajuda internacional para abordar a crise humanitária e oferecer medicamentos agravou a situação crítica da saúde. A situação precária dos serviços de saúde pública levou a um aumento de doenças evitáveis e tratáveis, como malária e tuberculose. ONGs como a Coalizão de Organizações pelo Direito à Saúde e à Vida (CODEVIDA) e associações profissionais calcularam que houve uma redução de 75% em medicamentos de alto custo e 90% em medicamentos essenciais.

1. Venezuela: Establish the whereabouts of missing miners (AMR 53/3602/2016) 2. Venezuela: Human rights defender threatened: Humberto Prado Sifontes (AMR 53/3952/2016) 3. Venezuela: Human rights defenders assaulted (AMR 53/4223/2016) 4. Venezuela: Arrested and prosecuted by military tribunal (AMR 53/5029/2016)

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