1 O Chefe De Torcida, Entre Vícios E Virtudes
1 O chefe de torcida, entre vícios e virtudes 1.1 Ethos de espectador, pathos de torcedor “... transformai os espectadores em espetáculo, tornai-os atores...” Jean-Jacques Rousseau A imagem depreciativa usual que se costuma atribuir à figura do torcedor de futebol – a do indivíduo vulgar, de atitudes não raras vezes irracionais, possuidor de faculdades intelectuais medianas subordinadas a estados emotivos instáveis, sobretudo a da pessoa que se vale do esporte como uma forma de evasão da realidade, como um lenitivo para as frustrações do cotidiano –, tal como tipificada por uma série de autores filiados às mais variadas correntes teóricas e tal como arraigada ao senso comum ao longo do século XX, provém de uma noção pouco precisa que, por sua vez, toma de empréstimo os debates em torno da função do espectador no teatro. Sua definição mais ancestral e arquetípica remonta a Aristóteles e a suas considerações sobre o teatro grego. Ao discorrer acerca das características e dos elementos próprios da tragédia no mundo helênico, o filósofo de Estagira deixou assinalado em breves linhas de sua arte poética de que maneira os efeitos dramáticos podiam se fazer sentir no ânimo do público assistente. Se a estrutura cênica compreendia a imitação de uma série de ações e de situações da vida real, uma mimesis com início, meio e fim, que levava a um ponto culminante, ao desfecho de um suspense imprevisível ou ao desenlace surpreendente de uma intriga urdida pelo poeta trágico, seu objetivo último consistia na obtenção da katharsis por parte do auditório1. A catarse, finalidade precípua da tragédia na Grécia antiga, que na tradição ocidental se revestiria mais tarde também de conotações religiosas e psicanalíticas, seria uma manifestação eminentemente purgativa e purificadora, capaz de provocar no espectador a liberação de determinadas sensações e de fazer com que aflorassem nele sentimentos como os de compaixão, de temor ou 1 Cf.
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