UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

IGOR ALEXANDRE SILVA BUENO

O FUTEBOL AMERICANO EM CUIABÁ MATO GROSSO: a construção de uma demanda esportiva.

CUIABÁ

2016

IGOR ALEXANDRE SILVA BUENO

O FUTEBOL AMERICANO EM CUIABÁ MATO GROSSO: a construção de uma demanda esportiva.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea na Área de Concentração Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha de Pesquisa Poéticas Contemporâneas

Orientador : Prof. Dr. Francisco Xavier Freire Rodrigues.

CUIABÁ

2016

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

B928f Bueno, Igor Alexandre Silva. O futebol americano em Cuiabá, Mato Grosso : a construção de uma demanda esportiva / Igor Alexandre Silva Bueno. -- 2016 186 f. ; 30 cm.

Orientador: Francisco Xavier Freire Rodrigues. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, Cuiabá, 2016. Inclui bibliografia.

1. Sociologia do esporte. 2. Esporte. 3. Futebol americano. 4. Cuiabá. 5. Brasil. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

Dedicatória

Para meus pais e avós Erenice Santana da Silva, Roberto Fabiano Bueno, Benedita Soares da Silva, Benedita Soares da Silva, Manoel Joaquim Bueno e Mirian Bueno (imêmore). O apoio, carinho incentivo de vocês foram fundamentais para a conclusão desta pesquisa e a realização de mais uma importante etapa da minha vida. Amo muito vocês.

AGRADECIMENTOS

Neste momento desejo relembrar todos que me auxiliaram nesta jornada. Primeiramente agradeço ao Professor Doutor Francisco Xavier Freire Rodrigues, que apostou e embarcou nessa grande empreitada de grande trabalho, sem sua dedicação e grande confiança esse trabalho não poderia ser realizado. Muito obrigado por sua atenção e dedicação empregadas na elaboração e desenvolvimento desta pesquisa e pelo auxílio na minha carreira acadêmica. Essa é a primeira de muitas outras grandes parcerias

Aos meus amigos do mestrado, da “turma Ilegal do Ecco”, os quais tiveram paciência e compartilharam comigo angústias, medos, risadas e muita alegria. Foram colegas imprescindíveis na ajuda da construção desse trabalho de dissertação.

Aos meus companheiros de grupo de pesquisa GEPECS e GEPECS Futebol Americano por terem lido meu trabalho, que me emprestaram materiais, compartilharam apoio, incentivo e trabalharam comigo nessa nova área de conhecimento, acreditando no potencial desse trabalho, incentivando com elogios e críticas sempre construtivas. Agradeço também a banca de qualificação, os professores doutores Wanderley Marchi Júnior, José Tarcísio Grunennvaldt e Francisco Xavier Freire Rodrigues que desenvolveram uma leitura cuidadosa de um trabalho em curso, contribuíram para o crescimento deste trabalho e permitiram que várias ideias e melhorias fossem implementadas.

A equipe do Cuiabá Arsenal que permitiu entrar no universo do Futebol Americano e abriu as portas da equipe para que desenvolvesse minha pesquisa de campo. Possibilitou que a pesquisa tivesse um objeto e tomasse corpo com o material coletado junto ao time. “#goarsenal!”.

Aos professores do curso de mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea – ECCO que me auxiliaram no preparo e desenvolvimento desta pesquisa.

À minha família, a quem dedico esta pesquisa, por proporcionar o suporte e as condições para que eu estendesse a minha formação, além de me oferecer amor incondicional. Sem vocês a minha vida não teria sentido... Amo vocês!

Aos meus amigos....

Este trabalho não seria desenvolvido sem um pouco de conselhos e apoio de todas as pessoas que estão presentes na minha vida e contribuíram de alguma forma direta ou indiretamente dando incentivo e força nas horas mais difíceis. Como também nas horas de diversão para que a cabeça não entrasse em colapso nervoso.

Em especial gostaria de agradecer a João Carlo, companheiro que entrou em minha vida nessa reta final deste árduo trabalho de dissertação, o qual me auxiliou ao ler e fazer apontamentos no sentido da escrita e gramática. Sua atenção e companheirismo foram de grande importância para mim.

LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Campo de Futebol Americano ...... 61 Figura 2 - Trave de gol ...... 62

LISTA DE FOTOS Foto 1 - Bola oval ...... 57 Foto 2- Primeiro jogo de Futebol Americano ...... 83 Foto 3 - Primeira partida ...... 83 Foto 4 - SESC Arsenal, antigo arsenal de guerra da cidade de Cuiabá ...... 86 Foto 5 - Torcida Arsenal e mascote ...... 89 Foto 6- João Geleia ...... 154 Foto 7 - Bateria Turuna ...... 156 Foto 8 – Cheerleaders ...... 156 Foto 9- Lojinha Arsenal ...... 164 Foto 10 - Camisetas Arsenal ...... 165

LISTA DE IMAGENS Imagem 1 - Torcida Cuiabá Arsenal ...... 88 Imagem 2 - Cuiabá Arsenal e Arena Pantanal ...... 90 Imagem 3 - Confronto Cuiabá Arsenal e Coritiba Crocodiles ...... 91 Imagem 4 - Arsenal busca recorde de público. Fonte: site globo esporte ...... 92 Imagem 5 - Futebol Americano no Brasil! Eu acredito ...... 135 Imagem 6 - Cuiabá Arsenal, aniversário de Cuiabá...... 137 Imagem 7 - Cenas do vídeo “Ei amigo toque uma lambada”...... 140 Imagem 8 - Canto/grito de guerra torcida Arsenal ...... 142 Imagem 9 - Show das poderosas, Cuiabá Arsenal...... 144 Imagem 10 - Show das poderosas Cuiabá Arsenal cenas ...... 145 Imagem 11 -Show das poderosas Cuiabá Arsenal Cenas 2 ...... 145 Imagem 12- Campanha de doação de sangue Cuiabá Arsenal ...... 146 Imagem 13 - Trocar os pés pelas mãos ...... 148 Imagem 14 - Desafio dos 10 mil ...... 150 Imagem 15 - Logomarcas Turuna ...... 155 Imagem 16 - Números, final Liga Centro Sul 2015...... 159 Imagem 17 - Camiseta Cuiabá Arsenal ...... 163

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Classes sociais do futebol americano ...... 70 Gráfico 2 - Composição por sexo ...... 71 Gráfico 3 - Composição por sexo ...... 71

Lista de quadros

Quadro 1- Títulos Cuiabá Arsenal ...... 96

O FUTEBOL AMERICANO EM CUIABÁ MATO GROSSO: a construção de uma demanda esportiva.

Resumo A Sociologia do Esporte é cada vez mais um instrumento que possibilita o entendimento da dinâmica social baseada nas relações esportivas. Este trabalho de pesquisa busca compreender como as condições sociais possibilitam a apropriação dos diferentes produtos esportivos, e quais as demandas fazem com que as pessoas passam a ter o gosto pelo Futebol Americano, praticado na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, enquanto prática ou enquanto espetáculo. Tal estudo se baseia no referencial da Sociologia do Esporte de Pierre Bourdieu e Norbert Elias, como também, autores ligados aos estudos do esporte em uma perspectiva sociológica que almejam compreender a cultura e o esporte na contemporaneidade. Busca-se abordar sobre a relação entre cultura esportiva da cidade de Cuiabá/MT e a busca de espaço social relacionados ao esporte de origem americana, o Futebol Americano. Este trabalho tem como base metodológica uma pesquisa qualitativa. Como hipótese, baseada na sociologia do esporte de Pierre Bourdieu, sugere-se que, a possível não identificação com os esportes locais e a necessidade de uma diferenciação de posição social, levaram ao surgimento de um grupo interessado em buscar um esporte estrangeiro, e que o esporte futebol americano está intimamente ligado com valores e desejos de uma determinada classe, havendo assim, uma homologia entre gostos esportivos e posição social. Conclui-se que o esporte, ou a escolha por uma determinada prática esportiva, está ligado com os aspectos sociais da classe social a qual o indivíduo pertence. Como resultados podem-se observar que a prática do futebol americano, se iniciou de forma lúdica e com o tempo passou a incorporar em sua estrutura aspectos como a esportivização e a espetacularização, para que se torna uma referência de força dentro do cenário esportivo de Mato Grosso. Palavras-chave: Sociologia do Esporte. Esporte. Futebol americano. Cuiabá Brasil

AMERICAN FOOTBALL IN CUIABÁ Mato Grosso: the construction of a sports demand.

Abstract The Sociology of Sport is increasingly an instrument that enables the understanding of social dynamics based on sports relations. This research seeks to understand how social conditions permit the appropriation of different sporting goods, and what demands mean that people now have a taste for American Football, practiced in the city of Cuiabá, Mato Grosso, as a practice or as spectacle . Such study is based on the framework of the Pierre Bourdieu's Sport Sociology and Norbert Elias, but also authors linked to sport studies in a sociological perspective that aims to understand the culture and the sport nowadays. Seeks to address the relationship between sports culture of the city of Cuiabá / MT and the pursuit of social space related to the sport of American origin, the American Football. West work is based on a methodological qualitative. Such as research hypothesis, based on the sociology of Pierre Bourdieu's sport, it is suggested that the possible failure to identify with local sports, and the need for differentiation of social position led to the emergence of a group interested in pursuing a foreign sport, and that this sport is closely linked with values and desires of a given class, there is thus a homology between sporting tastes and social status. In conclusion, the sport, or the choice of a particular sports activities, it is connected with the social aspects of the social class to which the individual belongs. The results can be seen that the practice of American Football, started synchronously, then the team becomes diachronic, opening in one direction provided by the sports spectacle. Keywords: Sociology of Sport. Sport. American Football. Cuiabá Brasil.

1 INTRODUÇÃO ...... 1

Problematização ...... 6

Objetivo ...... 9 Objetivos específicos ...... 9

Hipótese ...... 10

Justificativa ...... 11

Metodologia ...... 12

2 CAPÍTULO 01 – PARA ANÁLISE DO CAMPO ESPORTIVO ...... 22

2.1 O esporte pelo olhar de Pierre Bourdieu ...... 29

2.2 O processo civilizador ...... 44

2.3 A teoria do jogo competitivo de Norbert Elias ...... 48

3 CAPÍTULO 02 – DELIMITANDO O CAMPO ESPORTIVO: O FUTEBOL AMERICANO ...... 54

3.1 Breve história da gênese do Futebol Americano...... 55

3.2 Como funciona o Futebol Americano...... 58 3.2.1 O jogo ...... 58

3.3 A história do Futebol Americano no Brasil ...... 68

3.4 A história do Futebol Americano em Mato Grosso ...... 75

3.5 O Futebol Americano em Cuiabá: O Cuiabá Arsenal ...... 80

4 CAPITULO 3 – O ONSIDE KICK PARA A ESPORTIVIZAÇÃO E ESPETACULARIZAÇÃO DO CUIABÁ ARSENAL ...... 107

4.1 O kickoff inicial. A organização e pensamento empresarial da bola oval. Cuiabá Arsenal rumo à profissionalização...... 108

4.2. As dimensões da espetacularização do futebol americano ...... 128

5 CONCLUSÃO ...... 173

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 182

1

1 INTRODUÇÃO

O esporte está em toda parte. Ao se ligar a televisão, ao se ler uma revista, ao se conectar às redes sociais, nas escolas e na vida cotidiana. O esporte também faz parte do tempo livre de boa parte da população mundial, tem a capacidade de deslocar e mobilizar multidões, tanto de forma real, como virtual. Gera demandas produtivas como também inquietações acadêmicas no sentido de compreender e entender esse fenômeno chamado esporte na sociedade contemporânea. Assim, diante de uma inquietação e curiosidade pessoal, que se apresentavam na realidade esportiva da sociedade cuiabana, e o desejo de seguir na vida acadêmica por meio do incentivo do amigo, Aryeh Hessel Craveiro, resolvemos, procurar o professor Francisco Xavier para uma conversa com o intuito de desenvolver projetos de pesquisa na área da Sociologia do Esporte para o ingresso no programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea – ECCO da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Após algumas cervejas e mil ideias finalmente consegui delinear um caminho para um possível projeto de pesquisa. Busquei junto ao professor Francisco Xavier F. Rodrigues o apoio e indicações necessárias para o desenvolvimento de um projeto de mestrado que pudesse de forma acadêmica sanar uma inquietação pessoal em entender o fenômeno do futebol americano na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. Com as indicações necessárias para o entendimento das referências da Sociologia do Esporte, apresentadas pelo professor Xavier e com a criação do projeto e entrada no programa de mestrado, tive cada vez mais contato com a temática, o que me possibilitou um aprofundamento com o universo da Sociologia do Esporte. Foi desse modo que comecei a explorar o universo do Esporte de forma sociológica. A sociologia do esporte é um campo de estudo ainda desprezado pelos teóricos da Sociologia, por entenderem que é um espaço de menor importância para o desenvolvimento das Ciências Sociais. Porém, percebe-se que o esporte se faz bastante presente nas sociedades. Nos últimos anos, se configurou como uma das manifestações humanas que mais tem se desenvolvido conforme afirma o professor Wanderley Marchi Jr. (2001) em sua tese de doutorado. O crescimento e o desenvolvimento da Sociologia do 2

Esporte na década de 1960, em especial nos países do hemisfério norte, mas especificamente nos Estados Unidos, Alemanha Ocidental e Canadá, foram os passos iniciais para essa disciplina e campo de estudo. No entanto, ainda há razões para o desprezo e desinteresse que são difíceis de serem entendidos, como apontam Elias e Dunning (1992, p. 15).

De facto, no tempo em que os contornos básicos da moderna sociologia se estabeleceram, [...], o desporto não era – ou, mais propriamente, não era considerado pelos “fundadores” – o espaço de problemas sociais sérios. Além disso, muitos teriam argumentado que o desporto, também, não constituía nem uma propriedade básica nem universal do sistema social. Contudo, embora as estruturas destas atividades e o seu significado variem para aqueles que nela participam, até hoje nenhuma sociedade humana existiu que não tivesse algo de equivalente ao desporto moderno.

A partir da exposição dos autores, é possível perceber que o cenário do subcampo da Sociologia, a Sociologia do Esporte, é ainda permeado de preconceitos e recusas. Nota-se que tais posicionamentos de repulsa estão conectados a valores que permanecem presentes nos dias atuais. Eric Dunning (1999, p. 7) aponta que essas possíveis resistências com relação ao esporte estão ligados na gênese da Sociologia. Segundo o autor, tal negligencia está ancorada no fato de a Sociologia ter se desenvolvido, inicialmente, a partir de um cunho mais ideológico do que científico. Os estudos que abordavam o esporte tinham uma maior preocupação em intervir no cenário estudado do que descrevê-lo ou entendê-lo, contribuindo pouco de forma científica para a a sua compreensão. Com isso, as leituras sobre o fenômeno tornavam-se limitadas e pouco aprofundadas. Dessa forma, seguindo a linha de raciocínio de Dunning, é possível compreender porque o cenário brasileiro dos estudos da Sociologia do Esporte ainda é pouco desenvolvido. Os estudos realizavam avaliações heterônimas de seus objetos de estudo, ligadas com avaliações que estão conectados com os valores do pesquisador, limitando a abrangência e cientificidade da pesquisa (FERREIRA, 2009). Por este motivo, os estudos de até então, apresentavam preocupações ligadas ao universo da Educação Física e da cultura física e esportiva, o que dando a impressão de um caráter pouco sociológico e mais empirista das investigações (GRUNENNVALDT, et al., 2011). 3

Outro fator que colabora para deixar a Sociologia do Esporte em segundo plano se dá em especial pela tradição da Sociologia em considerar temas de maior e melhor importância. Elias e Dunning (1992) apontam que, no início, quando a Sociologia moderna se estabeleceu, o esporte não era visto como um espaço de conflito ou de problemas sociais de grande relevância. A Sociologia da época preocupava-se em estudar assuntos considerados de cunho revolucionário da ordem vigente. Nesse sentido, concorda-se com os autores acerca de suas visões, quando dizem que o esporte foi ignorado como objeto para reflexão de investigação sociológica por estar ligado aos aspectos do que convenciona chamar de algo produtivo, como o universo do trabalho, da política e da economia. O esporte estaria ligado ao outro polo, o do lazer, do trivial, do não econômico.

“(...) no quadro da tendência que orienta o pensamento reducionista e dualista ocidental, o desporto é entendido como uma coisa vulgar, uma atividade de lazer orientada para o prazer, que envolve o corpo mais do que a mente, e sem valor econômico. Em consequência disso, o desporto não é considerado como um fenômeno que levante problemas sociológicos de significado equivalente aos que habitualmente estão associados com os negócios “sérios” da vida econômica e política” (DUNNING, 1992, p. 17).

Em consonancia com tais ideias, Edgar de Decca apresenta uma passagem no sentido de superar as visões maniqueistas que tem como base as orientações positivistas ou marxistas referentes a importância dos temas estudados pela Sociologia.

É presumível que tais temas (o esporte e o lazer) sejam considerados tabus pela maioria dos pesquisadores que conformam o meio acadêmico, quer quando prevalece a orientação de inspirações funcional-positivista que não visualizaram no tema expressão digna de aprofundamento da Sociologia acadêmica, por sua vez quando as análises sustentam-se na tradição marxista, também o objeto é de menor importância pelo fato de que historicamente tem se priorizado e dado caráter de centralidade nas relações humanas e sociais às atividades do trabalho, e em decorrência o esporte e o lazer foram considerados “em suas conotações negativas do não trabalho”(De DECCA, 1997, p.13)

O esporte não era visto como um campo de pesquisa de grande importância, pois não se conectava com assuntos ditos como “sérios” de relevância para a Sociologia. 4

Todavia, mesmo não se apresentando como um campo de estudo de grande estima pelos pesquisadores e sociólogos, alguns pesquisadores como Stone, Bourdieu, além de Elias e Dunning, deram importantes e significativas contribuições para o subcampo da Sociologia do Esporte, apresentando-se assim como exceções (ELIAS e DUNNING, 1992, p. 14). Devido a esse cenário, a Sociologia do Esporte sofre reflexos até hoje. Os estudos que abordam essa temática ainda são sutis e muito recentes se comparados com os estudos sociológicos mais tradicionais como política, economia, religião e etc. Porém, há um movimento crescente no desenvolvimento e abertura de espaço para a Sociologia do Esporte. É crescente a criação de grupos de pesquisa e espaços para discussão da temática, que contribui para a formação de novos pesquisadores. O que pode se ver hoje ainda, são estudos que estão diretamente envolvidos com o seu objeto de pesquisa. Os trabalhos desenvolvidos no subcampo da Sociologia do Esporte, em sua grande maioria, são de profissionais da área de Educação Física, ou seja, estão diretamente envolvidos com seu objeto de pesquisa. Por esse motivo, falta o distanciamento necessário para a realização de pesquisas com maior aprofundamento e análise para a compreensão das relações sociais mais abrangentes desta área de estudo. Soma-se a isso a falta de embasamento teórico da sociologia, dando assim um caráter empirista e limitado devido a esse envolvimento muito próximo do objeto pesquisado (FERREIRA, 2009). Vale destacar que se acredita não ser possível ter um distanciamento total do objeto de estudo, pois ao se escolher um objeto para se pesquisar pressupõe uma afinidade do pesquisador no ato da escolha, porém, deve-se ao máximo tentar se distanciar do objeto pesquisado para assim ter maior objetividade e clareza em relação à pesquisa. No que tange a falta de embasamento teórico do profissional de Educação Física no campo da Sociologia, o francês Pierre Bourdieu (1983) elucida de forma mais aprofundada essa situação. O autor afirma que a Sociologia do Esporte é rejeitada duplamente, tanto pela Sociologia como pelos esportistas. Segundo o autor, os que têm conhecimento aprofundado do Esporte, neste caso os profissionais de Educação Física, não apresentam propriedades, como os sociólogos, para o desenvolvimento de análises sociais mais aprofundadas. No caminho inverso, os que têm embasamento teórico 5 para discorrer sobre o Esporte não o conhecem em profundidade e não se ocupam em produzir sobre ele. Dessa forma, os sociólogos do Esporte são duplamente dominados por dois universos, o da Sociologia e o do Esporte (FERREIRA, 2009). Há ainda a resistência de muitos sociólogos por não conceberem o esporte como tema merecedor de toda essa dedicação do fazer sociológico, pois para eles, o objeto não possui relevância social, nem se configura como um meio de leitura da sociedade. Mas, teóricos como Elias, Dunning e Bourdieu, demonstram a grande importância de se estudar o Esporte para o entendimento da sociedade. Dunning e Elias, por fugirem dessa forma mais conservadora da Sociologia, reclamam um espaço para as investigações do esporte de cunho sociológico, sugerindo que o esporte se constitui como um campo de considerável significado social. Para tanto, os autores destacam que, a Sociologia apresenta como elemento fundamental a compreensão da sociedade, para o seu entendimento em todos os âmbitos. Decerto o esporte reclama e necessita de um espaço para as teorizações e inquéritos sociológicos, tendo em vista o seu crescente significado para a vida dos indivíduos na sociedade contemporânea. Para Elias, o interesse no estudo do esporte começou, principalmente, devido ao encontro com o professor Doutor Eric Dunning. Desde então, Elias desenvolveu estudos e teorias que abordavam o tema. Essas pesquisas e leituras da sociedade se baseavam na ideia do jogo, baseada em uma metáfora ligada àquele universo tido como não relevante para estudo. Elias desenvolveu uma teoria na qual entendia a sociedade como um jogo, um jogo de configurações, uma Sociologia Configuracional. Para o autor, ao desenvolver seus estudos sobre a sociedade da corte1, foi possível perceber que a estruturação daquela sociedade era muito semelhante a de um grande jogo, com códigos de condutas e sentimentos, conectados com as relações sociais. Partindo dessa mesma linha de entendimento da realidade, Pierre Bourdieu (1990) se baseou no jogo para explicar as relações sociais e a sociedade. Seu raciocínio faz analogia com o jogo, pois as relações na

1 Livro de Elias, Norbert de (1990), A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte publicado no Brasil em 2001. 6 sociedade podem ser percebidas como um conjunto de pessoas que realizam uma atividade regrada, assemelhando-se ao que ocorre em um jogo. Para que se possa jogar é necessário ter o entendimento do espaço onde se joga, o qual Bourdieu dá o nome de campo. Dentro desse campo são realizadas as jogadas, que são entendidas e interiorizadas através do que o autor chama de habitus. Assim, diante das leituras desenvolvidas para o entendimento desse novo campo de estudos, bem como para a elaboração do projeto de pesquisa, foram criadas algumas perguntas que suscitavam a busca por respostas.

Problematização

Diante desse cenário esportivo que se apresentava na cidade de Cuiabá, sumariamente surgiu o seguinte questionamento: Como as pessoas passam a ter o gosto pelo esporte e justamente por um determinado esporte mais do que por outro, enquanto prática ou enquanto espetáculo? Tal pergunta se baseia no questionamento desenvolvido por Pierre Bourdieu em seu livro intitulado Coisas Ditas (1990, p. 207) no qual o autor parte dessa indagação a respeito do esporte. No processo de elaboração e escolha da pergunta norteadora, muitas outras indagações foram desenvolvidas no sentido de complementar e ampliar o entendimento da pergunta central, assim, outros questionamentos que se apresentam no corpo do trabalho demonstram esse objetivo. Igualmente, foram indagadas: quais são as condições sociais de possibilidade de apropriação dos diferentes produtos esportivos assim produzidos? Como se produz a demanda dos produtos esportivos? Que condições históricas possibilitaram a entrada desse novo esporte? Pierre Bourdieu, como outros teóricos, entendem que o esporte é um fenômeno de grande importância para a compreensão da sociedade contemporânea, pois, permeia toda a sociedade e faz parte das relações humanas. Nesse sentido, os teóricos que abordam o esporte (DUNNING, 1999; BOURDIEU, 1990; ELIAS, 1994; HELAL, 1990), acreditam que ao se compreender o esporte podem-se fazer homologias para o entendimento da realidade social. 7

Ao se pensar a sociedade contemporânea, pode-se perceber que o esporte, ou atividades físicas, esteve presente nas relações humanas e ainda está presente na atualidade. É inegável que o esporte permeia toda a sociedade. O cientista social Dunning (1999, apud. FERREIRA, 2009) afirma que, não há a necessidade de comprovar importância do futebol association2 no Brasil, por exemplo. Segundo o autor, descarta-se a necessidade de apresentar a relevância do futebol (esporte de origem inglesa jogado no Brasil), quanto esporte, por meio de números, dados estatísticos ou fatos. Há outros indicadores que até mesmo as pessoas mais indiferentes ao fenômeno esportivo podem perceber, como por exemplo, à atenção dada pelas mídias ao esporte. O grande número de páginas dos jornais destinados a assuntos ligados ao esporte é outro notável exemplo. O comércio e as propagandas envolvendo artigos esportivos, e também o volume de dinheiro público e privado gastos, a quantidade de pessoas praticando e participando de atividades esportivas são indicadores relevantes sobre a importância do esporte no Brasil (HELAL, 1990). Sejam atraídos pelos mais diferentes esportes, como: rúgbi, basquete, vôlei, etc. a quantidade de tempo e afeto relacionado ao esporte é um grande indicador da popularidade das atividades esportivas nas sociedades contemporâneas. Os eventos esportivos atraem um número elevado de pessoas. No Brasil, com exceção do carnaval, o evento que mais atrai pessoas é o campeonato brasileiro de futebol. Nos Estados Unidos, o super bowl3 e a final da liga de basquetebol são os eventos esportivos com maior audiência na televisão e maior público nos estádios norte-americanos. E de modo geral, as olimpíadas e a copa do mundo são os eventos que mais atraem a atenção de todo o planeta. É possível perceber que o esporte está ligado ao cotidiano da vida nas sociedades. O esporte é um fenômeno social que impregna a vida cotidiana do homem moderno (HELAL, 1990). Corroborando com essa linha de pensamento, José Miguel Wisnik (2008) em seu livro Veneno Remédio, afirma que o fenômeno esporte tem sido, mais recentemente, objeto de estudo. Proliferam estudos que abarcam

2 football association, nome completo do esporte que no Brasil denominamos "futebol".A distinção se fez necessária para diferenciar do futebol americano assim será usado "futebol association". 3 Super Bowl é o jogo final do campeonato da NFL – National Football League Liga Nacional de Futebol Americano. 8 temas relacionados com as atividades esportivas, que pensam as situações raciais, de gênero, os de interesses econômicos, das implicações políticas, o hooliganismo, o futebol multirracial, o futebol feminino, o futebol e a violência, o sexo, a propaganda, a moda, a espetacularização generalizada etc. Pelos apontamentos de Wisnik (2008) o esporte abrange muitos aspectos da vida em sociedade e podem ser pensados e estudados por meio do olhar sociológico de múltiplas formas. Compartilhando dessa ideia, segundo afirmações de Dunning (1999, apud. FERREIRA, 2009), o esporte pode se configurar como objeto de estudo em pelo menos três formas: devido a sua própria relevância, como sociologia do lazer ou como tema subdividido em assuntos como: educação, gênero, estética e corporalidade. Como foram apontados acima, os indicativos demonstram a abrangência do esporte e a necessidade de estudá-lo. As práticas esportivas estão intimamente ligadas ao cotidiano dos indivíduos da atual sociedade, sejam praticando, consumindo ou assistindo espetáculos esportivos. O desporto está ligado a muitos aspectos da vida moderna, estudá-lo em profundidade torna-se uma importante ferramenta para a compreensão das sociedades na contemporaneidade. Por meio da análise das práticas esportivas é possível entender as propriedades das relações sociais estabelecidas no âmbito esportivo. Pierre Bourdieu (1990, p. 208) relaciona as distintas práticas esportivas a um determinado consumidor e às organizações, ou seja, certas práticas esportivas podem ser consideradas como formas de distinção social entre classes sociais. Por esse motivo, é possível avaliar quais são as práticas e gostos esportivos de uma determinada camada social e compreender os mecanismos implícitos nessas atividades envolvendo os esportes e a busca por capital simbólico. Nesse sentido, não se pode negar a relevância desses acontecimentos e como eles são repletos de fatos para a investigação sociológica. Diante do exposto, a problematização desenvolvida nesse trabalho ajuda na compreensão de um fenômeno sociológico que se apresenta na sociedade cuiabana, o desenvolvimento de uma modalidade esportiva como o futebol americano e suas implicações dentro do cenário esportivo da cidade e do estado. A seguir, apresentam-se os principais objetivos investigativos propostos. 9

Objetivo

O objetivo de compreender e entender as relações existentes entre a prática de um determinado esporte e como ocorreu a construção de uma demanda esportiva, possibilita compreender aspectos da sociedade cuiabana por meio do esporte ainda não elucidados pela investigação sociológica. Compreender essa dinâmica envolvendo o futebol americano é interessante desafio investigativo, pois se sabe muito pouco sobre a disputa política e social entre distintos esportes. Fato é que alguns esportes cativam mais que outros, a indagação vai ao sentido de entender o por quê. Para o desenvolvimento dos objetivos de investigação tem-se como base alguns questionamentos apresentados por Bourdieu. Quais são as condições sociais de possibilidade de apropriação dos diferentes produtos esportivos assim produzidos, prática do golfe ou do esqui, leitura de jornais esportivos, reportagem televisionada da copa do mundo de futebol? Como se produz a demanda dos produtos esportivos, como as pessoas passam a ter o gosto pelo esporte e justamente por um determinado esporte mais do que por outro, enquanto prática ou enquanto espetáculo? (BOURDIEU, 1983, p.136).

Assim, as indagações acima, se transformaram nos objetivos de investigação deste trabalho. Este trabalho de pesquisa busca como objetivo geral investigar como as pessoas passam a ter o gosto pelo esporte, futebol americano, praticado em Cuiabá, Mato Grosso, enquanto prática ou enquanto espetáculo.

Objetivos específicos

Para que a pergunta central fosse respondida, outros questionamentos e objetivos foram propostos para que o objetivo geral fosse alcançado. Assim os objetivos específicos são:

• Compreender as condições sociais que possibilitaram o surgimento do Futebol Americano em Cuiabá. • Entender como se deu a construção da demanda esportiva. • Entender que condições históricas possibilitaram a entrada do Futebol Americano no cenário esportivo da cidade de Cuiabá.

10

Compreender como esse fenômeno surgiu e se estabeleceu em Cuiabá, permitirá entender parte da dinâmica das relações sociais, pois, ao se buscar compreender o fenômeno esportivo, pode se estabelecer uma homologia com a estrutura e a dinâmica da sociedade cuiabana e compreender como são criados os gostos e demandas de novos esportes e ajuda a entender outros procedimentos, como, por exemplo, como o processo de espetacularização (esportiva) do futebol americano em Mato Grosso foi elemento central para a construção de uma identidade esportiva na cidade de Cuiabá. Em síntese, busca-se proporcionar maior familiaridade com o tema ligado à Sociologia do Esporte. O trabalho procura compreender como se dá o processo de busca pelo prestígio e ascensão do futebol americano no estado de Mato Grosso, em um primeiro momento, em seguida, em específico, em Cuiabá. Buscou-se trazer à luz quais são as condições sociais que possibilitem a apropriação do futebol americano como produto esportivo, e a constituição das demandas esportivas que auxiliam em compreender como o público que assiste e consome o futebol americano passou a ter o gosto pelo esporte, praticando ou assistindo seus jogos, ou seja, enquanto espetáculo.

Hipótese

Baseado na hipótese geral de Bourdieu que afirma que existe uma homologia entre espaço social e espaço das práticas esportivas, o autor acredita que existem relações entre posições sociais e preferências por determinadas práticas esportivas. Assim em concordância com a citação: A correspondência, que é uma verdadeira homologia, é estabelecida entre o espaço das práticas esportivas, ou, mais precisamente, o espaço das modalidades diferentes finamente analisadas da prática de jogo esportivos diferentes, e o espaço de posições sociais. Está na relação entre estes dois espaços que as propriedades pertinentes de cada prática esportiva estão definidas (Bourdieu, 1988, p. 154 apud Rodrigues, 2005).

Conforme o apontamento citado há uma vinculação direta entre preferências esportivas e posições sociais. Como referencia nesse entendimento, baseado na Sociologia do Esporte de Pierre Bourdieu, sugere- se como hipótese desse trabalho que a não identificação com os esportes locais e a necessidade de uma diferenciação de posição social, levou ao 11 surgimento de um grupo interessado em buscar o futebol americano como esporte. E tal esporte está intimamente ligado à valores e desejos de uma determinada parcela de classe, havendo assim, uma homologia entre gostos esportivos e posição social.

Justificativa

Inserido em um contexto crescente de cuidados e culto ao corpo, que na sociedade atual praticamente todos os indivíduos fazem algum tipo de esporte ou são constantemente informados sobre a necessidade da prática de atividade física, a Sociologia do Esporte tem o suporte fundamental para compreender essa nova realidade. Segundo Bourdieu (1998; 1995 apud RODRIGUES, 2005), o esporte torna-se peça importante para entender a configuração social. Com as práticas esportivas é possível investigar questões que estão ligadas à imagem pessoal, estética, classe social, poder econômico, comportamento social e muitos outros aspectos que estão associados com a necessidade de desejar e ser desejado, anseio imperativo na contemporaneidade, na sociedade do espetáculo. Para o desenvolvimento deste trabalho, se fez necessário utilizar uma gama de diferentes autores no sentido de melhor elucidar o contexto presente no desenvolvimento do projeto, pois o recorte conjuga e mescla autores ligados à Sociologia do Esporte, teoria cultural e da comunicação. Primeiramente, este trabalho adequa-se à classificação da Sociologia do Esporte. As contribuições de Pierre Bourdieu são notórias vão além de textos e escritos que abordam a temática. O autor inaugura um método original de pesquisa relacionado com o esporte. O trabalho de Bourdieu recuperou o esporte do rol dos temas menosprezados ou insignificantes no âmbito das Ciências Sociais. O sociólogo francês trouxe o esporte à tona como um objeto digno de ser abordado de forma científica nos estudos sociológicos. Na bibliografia recente não é possível encontrar nenhum trabalho acadêmico que verse sobre a construção da demanda esportiva relacionada com o futebol americano. Por isso, o desenvolvimento do projeto torna-se ainda mais original e interessante, contribuirá academicamente e socialmente para entender como o esporte e práticas esportivas estão para além de apenas uma atividade física. Possibilita refletir sob um recorte do esporte regional que 12 colaborará para a compreensão da realidade local e como ocorre a disputa pelo capital simbólico no campo esportivo. Neste importante contexto, o desdobramento do projeto torna-se valioso, pois, buscará compreender como a busca pelo capital simbólico (prestígio e ascensão) do futebol americano implica em uma disputa por um espaço que tradicionalmente era pertencente ao futebol association, o qual não desfruta de grande prestígio e visibilidade na sociedade cuiabana se comparado com o recente futebol americano. A seguir, será apresentada a metodologia selecionada para a presente pesquisa como também a análise de conteúdo, que foi norteada pelos princípios de desocultamento de fatos e de uma visão mais abrangente do objeto de estudo.

Metodologia A proposta de pesquisa apresentada aqui identifica-se em uma pesquisa qualitativa, preocupa-se com aspectos da realidade que não podem ser quantificados centrando-se na explicação das dinâmicas e relações sociais. Foi usada a definição pesquisa qualitativa da seguinte forma: “processo com uma sequência de atividades, que envolve a redução dos dados, a categorização e sua interpretação” (GIL, 2007, p. 133). Trata-se de uma proposta de pesquisa exploratória devido ao objeto de pesquisa ser original e pouco conhecido e explorado no âmbito acadêmico. A pesquisa exploratória é definida por Gil (2007) como sendo um tipo de pesquisa preocupada em identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. A pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que a pesquisa exploratória tem como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições (GIL, 2007, p. 41).

Adotou-se também como metodologia de trabalho uma pesquisa sociológica entendida como: a definição e a seleção das principais categorias e conceitos para a análise e o espaço contínuo de leitura e interpretação de uma teoria sociológica no que tange ao referencial teórico. A insistente e atualizada consulta bibliográfica no tocante à temática em estudo resultou em um levantamento exaustivo das fontes primárias e secundárias de pesquisa (jornais, reportagens que abordassem os temas futebol americano e Cuiabá 13

Arsenal, periódicos, atas, leis, imagens, dados estatísticos, entrevistas, questionários, etc, para tal, foram coletadas mais de vintes matérias que tivessem como temas Cuiabá Arsenal e futebol americano. Também foram buscados periódicos acadêmicos que tratassem de futebol americano, como também entrevistas concedidas em outros meios de comunicação como TV e rádio a fim de realizar um levantamento amplo sobre o tema pesquisado. E como não poderia faltar, a indispensável pesquisa de campo ou pesquisa empírica para que fosse possível o maior contato com objeto pesquisado. Baseado nos procedimentos metodológicos, o intuito é levantar hipóteses acerca da relação futebol americano como um esporte que possibilite a inserção de uma camada social no cenário esportivo mato-grossense, mais especificamente na cidade de Cuiabá, com o interesse de aplicar as ideias desenvolvidas por Pierre Bourdieu no tocante da Sociologia do Esporte. Para tal, foi realizado o procedimento de levantamento bibliográfico preliminar, que iniciou a coleta de dados que buscou esclarecer acerca dos principais conceitos que envolvem o tema de pesquisa, esquadrinhando um contato com trabalhos de natureza teórica capazes de proporcionar explicações a respeito, bem como com pesquisas recentes que tratem de assuntos relacionados. Foi realizada também uma pesquisa documental que versou em obter informações e dados a respeito do futebol americano em Cuiabá - MT, procurando fazer uma construção histórica do esporte. Incluem-se aqui documentos de primeira mão, entendidos como: cartas pessoais, diários, fotografias, gravações, memorandos, regulamentos, ofícios, boletins, etc. E documentos de segunda mão, que são identificados como sendo documentos já analisados, por exemplo: relatórios, tabelas estatísticas, recortes de jornal, etc. A análise documental foi usada pois constitui importante técnica em pesquisas qualitativas e serviu para situar historicamente a conjuntura do trabalho (GIL, 2007). O recorte amostral, primeiramente, visou desenvolver um comparativo dos praticantes do esporte e o público/espectadores do futebol americano, no sentido de identificar fatores socioeconômicos. Para tal, foi aplicado um conjugado de técnicas de coleta de dados visando a obtenção de dados consistentes e fidedignos com a realidade estudada, por meio de uma pesquisa de campo definida como: “pesquisa que realiza coleta de dados junto às pessoas com diferentes recursos” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Dessa 14 forma, foi possível realizar um contato preliminar com a amostra que auxiliou na compreensão das dinâmicas do grupo de jogadores de futebol americano. O procedimento possibilitou realizar uma mitigação para identificação do perfil do grupo. Tais dados foram importantes para oferecer elementos de análise do habitus dos jogadores e espectadores do futebol americano. Posteriormente, foi realizada uma etnografia que é definida como: “o estudo de um grupo ou povo” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 41). observou- se na necessidade da realização da etnografia, haja vista que a estatística é útil até certo ponto, depois de um dado momento ela não consegue abarcar mais a realidade a qual se propõe analisar. Assim, se faz necessário elaborar uma descrição sumária do conjunto do espaço considerado, para assim conseguir entender como ele se estrutura, ou seja, descrever é parte fundamental do trabalho de análise. Nesse sentido, torna-se importante o uso da etnografia. Corroborando com a ideia de Bourdieu, Fernando Starepravo (2011) aponta que é necessário saber em profundidade como se constitui cada campo, os espaços sociais, seus agentes, estruturas, objetos de disputa, capital, poder e habitus. Segundo Bourdieu (1990) para entender o funcionamento do espaço social é necessário perceber as relações entre as posições ocupadas por aqueles que produzem e utilizam um determinado habitus que emana das estruturas e é internalizado pelos agentes. Esse espaço social é entendido na forma de campo ou subcampo. O que caracteriza o campo é a definição do espaço social onde se encontram fixadas as posições, e os agentes sociais que se movimentam objetivando conquistas. Outra característica do campo é seu objeto de disputa e de interesse específico. Ortiz, com base no pensamento de Bourdieu aponta que o campo é definido como “o lócus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores em torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão” (ORTIZ, 1994. p.19). O emprego de tal técnica visou um aprofundamento maior no universo esportivo da modalidade, buscando identificar aspectos que caracterizam o grupo. Tais informações foram obtidas com os profissionais do esporte, ou seja, os jogadores, dirigentes, fundadores e técnicos do futebol americano. Essas informações foram fundamentais para identificar, especificamente, como são construídos o habitus e determinar quais são os fatores que motivam a 15 escolha esportiva, e se a opção tem relação com a posição do indivíduo na estrutura e estratificação social. Juntamente com a pesquisa de campo e etnografia foram realizadas observações, que foram usadas para apreensão de determinados aspectos da realidade analisada, assim, foi possível alcançar maior contato com o objeto de estudo. As técnicas usadas para a realização das observações consistiram em duas, inicialmente foram realizadas observações assistemáticas, ou seja, “observações nas quais o pesquisador permanece abstraído da situação, apenas observa espontaneamente como os fatos ocorrem e controla os dados obtidos” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009 p.74). E, em um segundo momento, foram realizadas observações participantes definidas como:

O investigador participa até certo ponto como membro da comunidade ou população pesquisada. A ideia de sua incursão na população é ganhar a confiança do grupo, ser influenciado pelas características dos elementos do grupo e, ao mesmo tempo, conscientizá-los da importância da investigação (GERHARDT; SILVEIRA, 2009 p.75).

Essas duas técnicas de observação foram usadas à medida que se teve familiaridade com o objeto de pesquisa, a primeira foi aplicada para um contato inicial e a segunda para um aprofundamento com o grupo. Tais técnicas são importantes instrumentos, pois permitem captar situações e fenômenos que as perguntas diretas não respondem. Tal técnica torna-se valiosa, pois, os fenômenos são observados na conjuntura da própria realidade. Foi imprescindível o cumprimento de entrevistas semiestruturadas com os principais agentes envolvidos com os esportes, como atletas, técnicos, diretores esportivos, além de certos torcedores ligados mais diretamente com o dia a dia da equipe. Foram realizadas cinquenta e sete (57) entrevistas. Com relação às entrevistas, Gil (1999, p. 117) argumenta que: Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessem à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. A entrevista é uma das técnicas de coleta de dados mais utilizada no âmbito das ciências sociais.

16

Dentre os diferentes métodos de entrevistas existentes, optou-se pelas entrevistas semiestruturadas. Segundo May (2004, p. 145),

[...] entre os métodos estruturados e os focalizados existe um que utiliza técnicas de ambos. As perguntas são normalmente especificadas, mas o entrevistador está mais livre para ir além das respostas de uma maneira que pareceria prejudicial para as metas de padronização e comparabilidade.

Com relação aos dirigentes, presidentes da Associação Atlética Cuiabá Arsenal, foram efetuadas entrevistas – um total de 4 entrevistas – essas entrevistas foram precedidas por um roteiro previamente definido, com tópicos a serem seguidos visando a obtenção de dados que foram de encontro com as necessidades da pesquisa. De acordo com Gil (2007), a entrevista é o instrumento mais adequado para a coleta de dados referentes a conhecimentos específicos, por isso, seu uso foi destinado na obtenção de material referente às ações em âmbito administrativo e burocráticos do esporte em estudo, buscando investigar quais são as dificuldades enfrentadas e quais são os meios encontrados para a solução das mazelas. Foi aplicada a técnica de entrevista semiestruturada, ou por pautas, pois apresenta certa estruturação que garante a abordagem das questões principais, mas também permite que o entrevistador tenha a liberdade para transitar livremente entre os pontos de pauta (GIL, 2007). As entrevistas foram realizadas durante os mais diferentes eventos do Cuiabá Arsenal. No evento tryout de 2014, foram realizadas dez entrevistas, já no de 2015 foram feitas oito entrevistas e em 2016 foram realizadas sete entrevistas. No mesmo ano de 2016, foram realizadas em especial oito entrevistas com os jogadores que tinham mais tempo de equipe. Os torcedores também foram entrevistados, sendo um total de vinte e duas entrevistas realizadas com os espectadores do time. Com relação à postura do entrevistador, buscou-se conduzir a entrevista fazendo o uso constante do exercício da reflexividade, com o objetivo de facilitar a interação entre entrevistador e entrevistado. Dentro dessa dinâmica tona-se necessário cuidar para que se reduza ao máximo a violência simbólica no momento de transcrever as respostas (BOURDIEU, 2003). Outro método utilizado para a realização do trabalho se refere ao recurso metodológico da história oral. O uso da historia oral é de grande 17 contribuição para o resgate da memória, mostrando-se um método bastante promissor para a realização de pesquisa em diferentes áreas de estudo. Como aponta Thompson (1992), o resgate da história individual pode ser um resgate da história da coletividade. A história oral pode acrescentar uma dimensão viva para o resgate histórico proposto. Em consonância com o pensamento de Thompson pode ser resgatar a ideia de Alberti, que afirma que: [...] a história oral apenas pode-se empregar em pesquisas sobre temas contemporâneos, ocorridos em um passado não muito remoto, isto é, que a memória dos seres humanos alcance, para que se possa entrevistar pessoas que dele participaram, seja como atores, seja como testemunhas. É claro que, com o passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão servir de fontes de consulta para pesquisas sobre temas não contemporâneos (ALBERTI, 1990 p. 4).

Baseado na concepção apresentada por Alberti, à história tem sua centralidade na memória humana e sua capacidade de reavivar o passado em quanto testemunha do vivido. Se valendo desse recurso foram desenvolvidas as entrevistas, as quais foram gravadas com o uso de um aparelho de gravação de voz portátil disponível no celular. Posteriormente, foram transcritas integralmente. No processo de incorporação na redação do texto final foram considerados os trechos de maior relevância à discussão, pois não havia espaço e tempo disponível para utilização de todo o material coletado. Assim, o processo de história oral utilizada nesse trabalho tem como definição um método de pesquisa que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, etc. (ALBERTI, 1990). Dessa forma, para compreensão do processo que se constitui do futebol americano em Cuiabá, preocupou-se em indicar as diferentes abordagens que são necessárias para analisar a conjuntura processual dos acontecimentos. Assim, a utilização do método analítico de Bourdieu e Elias se faz imperativo conjugar. Em Bourdieu existe a preocupação com a história, porém não é o seu foco central. Assim, o sociólogo francês dá ênfase na sincronia em detrimento a diacronia. Já na perceptiva de Elias, a história é mais protagonista, pois Norbert Elias prima por analisar casos específicos relacionando-os ao 18 desenvolvimento sócio-histórico, logo, procedendo dessa forma, enfatiza a diacronia. O tensionamento entre essas duas formas de entendimento do processo serão necessárias para melhor elucidar o fenômeno estudado, pois este trabalho acadêmico analisa um processo que ainda acontece, não está acabado. Ou seja, é uma análise processual do processo. A história oral ajuda a compreender por meio do fragmento do pensamento do indivíduo a sua história e da coletividade contextual a qual pertence. São recursos de fontes complementares em si que auxiliam no entendimento da colcha de retalhos que compõe os fatos históricos. Com esse recurso buscou-se registrar vivências, lembranças daqueles indivíduos que compartilharam sua memória com a coletividade e dessa forma permitir um conhecimento do que foi vivido muito mais rico, dinâmico de situações que, de outra forma, não seriam possíveis serem conhecidos. Procedendo assim, é possível fazer correlações entre os acontecimentos do tempo passado que surtiram em resultados no tempo presente. Para os depoimentos e entrevistas primou pela utilização da técnica metodológica da história oral (MATOS; SENNA, 2011). As entrevistas de história oral foram tomadas como fontes, pois auxiliam na compreensão do passado, juntamente com documentos e imagens fotográficas. Tem como característica serem produzidas a partir de um estímulo. Assim os agentes entrevistados foram buscados depois de consumado o fato ou a conjuntura que se quer investigar. Baseou-se no procedimento metodológico chamado documentalista que consiste em: buscar documentação referente ao tema que posso melhor elucidar a serie de fatos e acontecimento para melhor exemplificar a dinâmica histórica. Para essa modalidade, a história oral significa principalmente criar e organizar documentos transcritos, procedentes de entrevistas gravadas. Consiste em recolher testemunhos orais e assim constituir arquivos (MATOS; SENNA, 2011). O uso do recurso da história oral permite compreender como indivíduos experimentam e interpretam acontecimentos, situações e modos de vida de um grupo ou da sociedade em gera, permitindo a construção do processo histórico. Uma técnica básica e imprescindível na pesquisa de campo e na observação participante é escrever um diário de campo. O diário de campo tem como objetivo relatar e descrever as principais impressões do pesquisador com 19 relação ao seu objeto. Também foram usadas outras técnicas importantes de coleta de material para análise, como por exemplo, a fotografia, que é sempre satisfatória e apresenta bom retorno para a pesquisa. Foram tiradas aproximadamente 300 fotos realizadas pelo autor. E 31 fotos e imagens retiradas da internet. Para o desenvolvimento da análise do material imagético, como anúncios, vídeos e fotografias buscou-se desenvolver análises por meio da semiótica. Os estudos semióticos foram usados, pois, permitem a observação dos fenômenos e dos seus significados através dos signos proferidos. Para tanto, o método semiótico usado buscou identificar características sintáticas, semânticas e pragmáticas do material publicitário desenvolvido pelo Cuiabá Arsenal. Objetivando elucidar as questões: Em qual contexto está inserido? Quais as relações entre este contexto e os usuários? Quais as possíveis interpretações deste signo?. Esse tipo de abordagem permite compreender de forma mais ampla a cojuntura dos fatos. Possibilita também entender as relações entre o signo, seu objeto e interpretante. É o nível de leitura do simbólico e do cultual (PEIRCE, 2003). Finalmente foi realizado a verificação empírica dos dados obtidos, buscando averiguar e interpretar os dados coletados. Foi realizado o tratamento das informações obtidas e juntamente uma comparação com os resultados esperados desenvolvidos na hipótese. Quivy e Campenhoudt (1995, p. 243 apud. GERHARDT; SILVEIRA, 2009 p.58) definem a análise de dados como “(...) a etapa que faz o tratamento das informações obtidas pela coleta de dados para apresentá-la de forma a poder comparar os resultados esperados pelas hipóteses”. Para a realização desse processo se deu em três etapas: descrição, mensuração e comparação. A primeira etapa constituiu em descrever os dados e apresentá-los para que seja possível identificar suas características. Desse modo, foi possível avaliar sua aplicabilidade para a construção de elucidações a respeito do objeto pesquisado. A segunda etapa constituiu em mensurar as relações entre os dados obtidos, avaliando se irão de encontro ou não com as hipóteses propostas. A terceira parte versou em comparar as observações com a teoria para avaliar a existência de distanciamento existente entre elas. Mensurado o distanciamento entre dados e hipóteses foi possível chegar à conclusão, ou seja, a confirmação da hipótese. 20

Não há muitas pesquisas destinadas a saber quais são os fatores para que determinada prática esportiva tenha desenvolvimento mais rápido que o outro, sendo um fenômeno a ser investigado. Abre-se o debate para outras questões, como por exemplo, por que há inserção de novos esportes, como o futebol americano, rúgbi, UFC etc, na cultura brasileira. Seria o declínio da ‘pátria de chuteiras’? Como os outros esportes serão vistos e consumidos durante a copa do mundo no Brasil? Será que o futebol americano terá o mesmo prestígio durante e pós-copa do mundo? O futebol está perdendo adeptos? Questões como estas abrem indagações a serem refletidas e respondidas em estudos futuros. Não existem pesquisas destinadas em compreender por que determinadas ações, gostos e desejos vão de encontro com as necessidades e anseios de uma sociedade ou de uma parcela dela. Não é possível encontrar facilmente artigos, teses ou dissertações que tratem em compreender como as práticas esportivas estão ligadas ao habitus social de determinadas classes, ou de certos conjuntos. Há poucos trabalhos preocupados em entender como os eventos esportivos de grande audiência como a copa do mundo são entendidos pelo olhar acadêmico. Por este motivo, torna-se salutar que trabalhos como este projeto, que abordem a temática da Sociologia do Esporte, sejam incentivados, pois, ajudarão a compreender as dinâmicas existentes entre gostos e práticas esportivas que refletem conceitos e visões de mundo. Com o desenvolvimento deste projeto outras indagações como estas podem ser esclarecidas. Será possível com esta pesquisa, apontar para a necessidade de políticas públicas de âmbito municipal, estadual e federal no estado de Mato Grosso para o desenvolvimento de programas e incentivos e o incremento de ações voltadas para o esporte de modo geral no estado. Este trabalho poderá fornecer material original para auxiliar na implementação de ações que estimule o esporte em Mato Grosso. O desenvolvimento direto e indiretamente proporcionará apresentar indicativos que podem ajudar a formar um panorama da realidade social e esportiva na cidade de Cuiabá. Como aponta Helal (1990, p. 12): O estudo sociológico do esporte tem se transformado, cada vez e apresentado mais exigências, não somente para aqueles interessados na complexidade do fenômeno esportivo, mas 21

também para aqueles que desejam ganhar uma melhor compreensão da realidade social.

Helal (1990) ainda destaca que o estudo do fenômeno esportivo é mais amplo, já que possui autonomia, regras próprias, crises, etapas e cronologias. Mas também é articulado com relações político-sociais, ou seja, com este trabalho será possível esclarecer dois mundos correlacionados, o esporte em si e o âmbito político social esportivo. De forma geral, o trabalho está dividido em três grandes sessões, ou seja, apresenta-se com três capítulos que estão divididos da seguinte forma. No primeiro capítulo intitulado de: Para análise do campo esportivo, versa sobre o modelo de análise sociológica da teoria dos campos de Pierre Bourdieu conjugado com as teorias do processo civilizador e a teoria dos jogos competitivos de Norbert Elias. Na sequencia, tem-se o segundo capítulo com o titulo de: Delimitando o campo esportivo: o Futebol Americano. Nesse capítulo faz um percurso histórico da modalidade do futebol americano, de uma perceptiva mais ampla no sentido de apresentar de forma breve, o histórico, a invenção da modalidade, a sua difusão e as suas principais instituições. Em seguida, apresenta-se, em um sentido mais restrito, o percurso histórico da modalidade no estado de Mato Grosso, apresentando seus principais fatos históricos. E também de forma breve a história das equipes que compõem o cenário esportivo do futebol americano no estado. E encerrando o capítulo apresenta- se a história da equipe Cuiabá Arsenal, com os dados referentes ao time bem como algumas análises dos principais fatos. Em seguida, o terceiro capítulo, intitulado de: O onside kick para esportivização e espetacularização do Cuiabá Arsenal. Esta sessão apresenta- se as estruturas da profissionalização do futebol americano, as dimensões da espetacularização e seu início. A construção da marca Cuiabá Arsenal, e, por fim, a pesquisa de campo com a análise do trabalho etnográfico realizado. E por último, as conclusões pertinentes a realização do trabalho, com o fechamento das principais análises desenvolvidas ao longo da pesquisa. A seguir, apresenta-se o primeiro capítulo intitulado de: Para as análises do campo esportivo. 22

2 CAPÍTULO 01 – PARA ANÁLISE DO CAMPO ESPORTIVO

Quando se aborda o tema esporte torna-se necessário reconhecer a importância das principais leituras teóricas desse fenômeno e também entender como se deu o percurso histórico do esporte moderno. Sendo a modernidade algo recente, ela está ainda em processo de formação e em constante construção. Por isso, apresenta avanços e retrocessos que remontam desde o século XVIII. Para entender o esporte, se faz necessário compreender esse período como também a trajetória histórica que as atividades esportivas passaram. Nesse sentido, é importante entender o fenômeno esportivo como elemento da modernidade. Para o historiador Eric Hobsbawm (1982), a história do esporte está intimamente ligada com a lógica e a trajetória da sociedade burguesa da Inglaterra e do seu poderio econômico e militar do século XVIII. Todo um conjunto de disposições dos possuidores de capital econômico, membros da sociedade burguesa, empresários, homens de negócios, profissionais liberais e altos funcionários da administração apresentavam uma ética social ligada com os ideários de um status social diferenciador que apresentava uma aproximação com o estilo de vida aristocrática. Esse comportamento se refletia na forma como a classe burguesa ostentava sua riqueza. Apresentavam-se para a sociedade como uma classe com grande poderio econômico, com gastos altos e extravagâncias. Em um sentido ideológico, a burguesia atrelou o seu modo de vida a uma concepção capitalista, na empresa privada, na competência, na razão e ciência, formando um aparato diferenciador socioeconômico. Juntamente com isso, firmou seus valores em uma moral e ideologias em um novo conjunto de práticas culturais. Tudo isso tinha como objetivo expressar e traduzir a sua posição social que se apresentava em constante expansão, possibilitando novas condutas nos mais diversos âmbitos sociais, desde as formas de moradia até o sistema educacional. E dentro desse contexto não poderia ficar de fora o esporte como um componente diferenciador. A segregação social desejada e a diferenciação educacional, juntas, possibilitaram a institucionalização do esporte. No seu início, o esporte esteve mais ligado à classe média como afirma Hobsbawm (1982), pois a prática de alguns esportes eram elementos para reformar a distinção social necessária para marcar as 23 diferenças entre as classes. Assim, os esportes surgiam como elemento diferenciador da classe média em processo de ascensão. Os jovens da classe aristocrática poderiam se aventurar por qualquer atividade de exercícios (proezas) físicos, mas era no campo que se especializavam, era a equitação e a matança de animais, entre outras atividades, que apresentavam um perfil diferenciador das demais atividades esportivas, pois a prática propriamente dita necessitava de um aparato significativo de objetos, como por exemplo, cavalos, vestimenta adequada, armas, um espaço específico destinado para a atividade e tempo disponível. A palavra esporte está ligada mais diretamente a atividade de demonstração física, classificada como “passatempo”. Ou seja, havia o início da separação entre passatempo e esporte (HOBSBAWM, 1982). Sendo assim, o esporte tornou-se um elemento para sinalizar as distinções sociais das diferentes classes, principalmente no século XIX, já que a prática de determinados esportes como esgrima e equitação se restringia ás classes médias e a aristocracia, haja vista que tais esportes necessitavam de aparatos e objetos que eram muitas vezes inacessíveis às classes operárias por serem caros. Já os esportes coletivos eram associados às classes baixas já que dispunham de menos dinheiro e tempo livre para a prática esportiva. O esporte veio a se associar a um estilo de vida, a uma cultura da classe média, a educação formal no conjunto de critérios responsáveis pela identificação dos graus de pertencimento à classe. Dentro desse espaço do esporte, apresentaram-se duas vertentes, o amadorismo e o profissionalismo, reflexo de um modelo econômico baseado em classes. Assim, nessa associação entre classe/prática, está relacionada com o tempo disponível para o exercício de determinada modalidade, conectada a interface entre aspectos político e social. Segundo Hobsbawm (1982), a rapidez com que o esporte tomou os espaços sociais evidenciava a necessidade social dos exercícios ao ar livre. O esporte tornou-se um elemento que possibilitava a diferenciação entre as classes, a burguesa e a proletária, que surgiram praticamente ao mesmo tempo. Nesse sentido, Hobsbawn define o esporte como um elemento que serviria como fator de distinção de classe, separando os indivíduos e seus diferentes estamentos através de suas atividades físicas e do lazer que praticavam (MARCHI JR, 2001). 24

Contudo, abre-se para alguns questionamentos. Seria essa nova forma de distinção social ligada ao esporte o reflexo de fatores que correspondiam às classes sociais? Seria o esporte um elemento de inovação da classe média, recém-surgida, ligado a valores como racionalidade, competitividade e administração racional, ou se juntamente com isso, estaria conjugada noções aristocráticas de honra e cavalheirismo das classes ligadas à nobreza? Na tentativa de elucidar tais questões, Norbert Elias e Eric Dunning em seu livro A busca de Excitação (1992) analisam as práticas esportivas e as pensam integradas em um vasto campo de entendimento da sociedade global. Segundo os autores, deve-se deixar de lado as compartimentações dos especialistas do esporte para buscar um sentido com maior profundidade sobre um dos fenômenos mais importantes para a civilização moderna (ELIAS, DUNNING, 1992). No século XX, as competições físicas regulamentadas, ou seja, os esportes, chegaram a ter o papel da representação simbólica das competições entres os Estados em um sentido não militar e não violento. Sendo o esporte uma competição desde o seu início uma batalha dos esforços dos seres humanos no sentido de se excluir completamente agressões sérias aos oponentes. A aceitação do modelo de esporte inglês por outros Estados demonstra a indicação da existência da regulamentação dos esforços físicos no sentido de desenvolver a capacidade de sublimação da raiva para que houvesse a diminuição da violência no sentido de proporcionar um sentimento agradável (ELIAS, DUNNING, 1992). O surgimento do esporte como uma forma de confronto físico, com a característica de ser relativamente não violento, encontrava-se essencial e diretamente relacionado com o raro desenvolvimento da sociedade considerada sob um sentido global. As mudanças ocorridas com o fim e abrandamento dos ciclos de violência proporcionaram o fim de conflitos violentos, e, com isso, as soluções das diferenças passaram a ser resolvidas por intermédio de regras acordadas entre ambas as partes de forma respeitosa (ELIAS, DUNNING, 1992). Outras linhas teóricas para explicar e tentar apresentar possíveis respostas para essas questões se apresentam. Para Allen Guttmann, professor de História do Esporte da Amherst faculty – EUA, o atrelamento do desenvolvimento do esporte com os valores capitalistas é contestado. Segundo 25

Guttmann (1978), deve se analisar o desenvolvimento do esporte moderno por um viés cultural e antropológico do jogo. Nesse sentido, Guttmann (1978), argumenta que os esportes estão ligados com as necessidades e características de cada sociedade onde eles estão inseridos. Assim, a estrutura constituinte do microcosmo do esporte reflete o macrocosmo da sociedade moderna. Nessa argumentação, Guttmann (1978) evidencia o esporte como um elemento que representaria a transição das sociedades tradicionais para as sociedades modernas ocidentais. Pode-se também expor os argumentos apresentados pelo sociólogo alemão Norbert Elias em seu livro O processo civilizador (1990). Segundo o autor, as sociedades encontram meios compensatórios para aliviar as tensões provocadas diariamente nas sociedades contemporâneas. Em tais sociedades, principalmente as ocidentais, que, com o processo civilizador, deixaram de resolver seus conflitos por meio de guerras e embate físico com grande uso da violência. Torna se cada vez mais necessário o constante controle das emoções, em especial da violência. Desse modo, Elias apresenta o esporte moderno como sendo a válvula de escape para a vida, cada vez mais controlada no sentido emocional. É o esporte o meio que possibilita a excitação. O esporte para Elias teria a função catártica, de libertar as emoções, porém de forma controlada. Teria também a função mimética das relações de risco e tensão, aos quais os indivíduos estariam expostos. E o grau de controle de cada sociedade indicaria, segundo o autor, o nível de civilidade. Trata-se aqui de um elemento que permite analisar o processo civilizador. A principal característica do esporte moderno é manter o equilíbrio entre as tensões e o controle das emoções, juntamente com os limites de violência. Tudo isso, sem que se perca o prazer e a sensação de disputa que o esporte deve proporcionar. A título de exemplificação: se uma partida de um esporte qualquer, acaba com frequência em empate, ou sempre um dos times perde, de forma sucessiva, torna-se necessário que as regras do jogo sejam ajustadas para que exista a disputa mais equilibrada entre os oponentes. E se uma mesma equipe conquista com muita rapidez títulos e vitórias em demasia, o esporte perde sua função de provocar emoção, pois, a tensão e a emoção da partida tornam-se muito efêmeras e fugazes, tornando-se algo sem emoção e desinteressante. Ao se conseguir alcançar e manter esse equilíbrio, indica um nível de maturidade 26 esportiva, sendo um reflexo do nível de civilidade de uma sociedade, segundo as argumentações apresentadas por Elias (1990). Para Elias e Dunning, o esporte moderno está atrelado com o processo civilizador que as sociedades modernas passaram e que desencadearam uma série de mudanças nos hábitos e costumes da sociedade, principalmente na Inglaterra do século XVII. Em seu início, o que viriam a ser os esportes modernos eram entendidos como passatempos aristocráticos. Nesse período, onde se constituíram as primeiras regras sociais, condutas e valores, ajudaram a desenhar as formas e as modalidades esportivas modernas. Tudo isso, ligado com os princípios de controle das tensões e emoções. Nota-se que, originalmente, o esporte esteve ligado com as classes sociais mais elevadas, conectado com os princípios norteadores e valores da classe burguesa. Já no início do século XIX, as modalidades esportivas entraram em uma fase de incorporação pelas classes médias e operárias (ELIAS, DUNNING, 1992). Elias afirma que os primeiros esportes que foram adotados em outros países foram as corridas de cavalo, a caça, o boxe e passatempos similares, e somente na primeira metade do século XX é que ocorreu a difusão de esportes modernos com bola. O que caracterizou os esportes modernos foi o processo civilizador e a esportivização dos passatempos lúdicos, ou seja, começou a se desenvolver um ordenamento de regras e controle, bem como autodisciplina no domínio da violência diante das atividades miméticas do esporte que até então eram entendidas como jogos de competição com exercícios físicos. Ou seja, as competições físicas entraram em uma lógica civilizada e os passatempos ganharam aspecto de esporte com regras e uma organização hierárquica mais rígida (ELIAS, DUNNING, 1992). Pierre Bourdieu apresenta uma forma diferenciada de entender o esporte moderno. Para o autor, as práticas esportivas se manifestam em um espaço social chamado de campo, que é ordenado através do capital econômico, social, simbólico ou cultural que cada agente componente do campo dispõe. Dentro desse espaço, ocorrem lutas e disputas pela mudança ou manutenção da posição hegemônica de determinadas práticas e posições. Para Bourdieu o esporte moderno é uma representação sociocultural presente na formação da sociedade, que está conectada com os contornos da lógica mercantil. Baseado nisso, o autor afirma que, o que define o movimento dessa engrenagem é a relação estabelecida entre oferta e demanda por 27 determinadas práticas culturais e esportivas. Pode-se fazer uma analogia com as leis que regem o mercado de produtos e consumidores. Segundo Bourdieu (1990), a relação entre oferta e demanda consiste em um mecanismo social de constituição e produção de necessidades e consumos. Está diretamente relacionada com as estruturas sociais, os capitais e o habitus de um determinado grupo, segmento ou classe social. O espaço social cria ideias, perfis e gostos que são oriundos do habitus pertinente de cada campo. Assim, o gosto simboliza o encaixe dos interesses de quem consome e de quem o produz. Nesse sentido, para Bourdieu (1990) o conjunto de práticas esportivas tem relação com a oferta construída historicamente e uma procura inscrita nas disposições, ou seja, nos desejos. A oferta esportiva está destinada a encontrar algum tipo de demanda social, da mesma forma que a demanda tem uma oferta destinada para formar sua vinculação. Dessa maneira, o esporte pode ser entendido como um produto, e como tal, obedece e reflete uma lógica de estratégias mercadológicas da sociedade moderna. Isso se dá devido a sua inserção e as inúmeras formas de intervenção com o social. Mas vale ressaltar que esse campo desfruta de certa autonomia, pois cada campo constrói suas próprias leis de funcionamento, apresenta uma cronologia específica e também tem seus objetos de disputa particulares, característicos de cada campo. Sem descartar os estilos de vida e posições sociais que ajudam a dar uma identidade única a cada espaço. Bourdieu diz que, para compreender o esporte, deve se colocá-lo dentro da lógica e processo de mercantilização, pois são essas relações que determinam as estruturas constituintes da sociedade moderna e que reflete na dinâmica no interior do campo. Assim, para compreender o esporte é necessário entender a história estrutural das modalidades. Para fazer uma análise da constituição dos campos do esporte moderno se deve ter o entendimento do espaço social de onde surgiram as manifestações esportivas e suas estruturas. Assim sendo, Bourdieu (1990) diz que o processo de transição de jogo para esporte se deu dentro de uma lógica ligada à classe burguesa e aristocrática que se apropriou dos jogos populares e os introduziu nas escolas destinadas a elite, burguesia e filhos da aristocracia, e as transformaram, dando-lhe novos significados e funções. Adequando assim os jogos a um estilo de vida que era mais característico da classe média e aristocrática (ELIAS; DUNNING, 1992). 28

Pode-se afirmar que, para Bourdieu, a constituição do campo esportivo ocorreu por meio de rupturas, evoluções e transformações dos antigos jogos populares em esportes modernos, que detém especificidades mercantis e convergentes para o modelo da sociedade de consumo. Marchi Jr (2001) ressalta que há também modalidades esportivas que não obedeceram à lógica apresentada por Pierre Bourdieu. Esse processo de transição não foi único nas manifestações esportivas. Houveram outras modalidades que foram inventadas sem a necessidade de seguir a lógica de transformação de jogos e passatempos aristocráticos em esportes modernos. Essas modalidades constituíram seus campos por conta própria e sua pertinência, ligadas às necessidades e representatividades sociais existentes nas estruturas de origem (MARCHI JR, 2001). Mas, mesmo sendo de origem de manifestação evolutiva ou por invenção, os esportes são práticas institucionais construídas para agentes sociais com um variado espectro e distintivo potencial de consumo, que se manifesta no interior do campo conforme afirma Bourdieu (1990). Nessa lógica, o fenômeno esportivo passa a ser regido pela dinâmica do mercado, na qual os esportes são conduzidos ao processo de espetacularização e mercantilização. Assim, diante do exposto, e as construções teóricas feitas sobre o fenômeno esportivo até o presente momento, é possível perceber maior afinidade teórica metodológica com a abordagem do francês Pierre Bourdieu juntamente com as intercalações com o modelo de análise da sociedade à partir do entendimento de Norbert Elias. Os autores destacados proporcionam a amplitude desejada para analisar a homologia entre sociedade e esporte, como também apresentam pertinência com o objeto de estudo desta dissertação no que tange o esporte no seu processo de criação, desenvolvimento histórico, mercantilização e espetacularização de sua prática. Sendo assim, a seguir, busca-se apresentar um aprofundamento nas propostas analíticas e conceitos pertinentes para o desenvolvimento do trabalho de análise do futebol americano na cidade de Cuiabá. A primeira proposta analítica exposta é o modelo desenvolvido por Pierre Bourdieu. Inicia-se por esse autor devido a seu grande uso na análise do fenômeno esportivo na sociedade contemporânea. Como foi exposto, Bourdieu é um dos grandes teóricos que analisam o esporte por meio do olhar sociológico. O autor desenvolve um modelo de análise bastante abrangente no 29 qual é possível verificar a existência de um grande número de possibilidades de entendimento do fenômeno esportivo. 2.1 O esporte pelo olhar de Pierre Bourdieu

Na atualidade, o esporte é um dos fenômenos sociais e culturais que mais apresentam mudanças, transformações e configurações novas na modernidade. Sejam elas de ordem técnica ou referentes à forma de exposição e absorção pela sociedade, o esporte apresenta-se como sendo um elemento social em processo de constituição, ou seja, as práticas esportivas refletem continuidades e rupturas que caracterizam as dilatações das fronteiras de uma sociedade contemporânea. O esporte atual se apresenta bastante heterogêneo em suas formas de manifestação. Embora contenha características específicas, esse fenômeno apresenta traços diferentes de acordo com o ambiente em que se insere, como aponta Stigger (2002). Pode ele também apresentar um lado rígido e bem marcado como, por exemplo, a questão do gênero dentro do esporte. Ainda se vê modalidades esportivas somente praticadas por homens como também no sentido inverso, há determinados esportes que são entendidos como práticas somente do universo feminino. O esporte ainda não superou o segregacionismo sexual que a divisão do trabalho em parte já ultrapassou. Tudo os apontamentos feitos acima, asseguram o esporte como objeto de estudo passível de ser analisado e interpretado por teorias e propostas metodológicas diferentes (MARCHI JR. 2001). Essa elasticidade de entender e analisar o esporte pode ser justificada de acordo com algumas premissas básicas. O conhecimento praxiológico, o habitus e o sistema de conhecimento dos sujeitos a partir de vivências em um meio social, são exemplos. Partindo dessa derivação possibilitam distintas formas de interpretação e ação frente ao fenômeno esportivo, pois o esporte se adapta e deriva de características e imposições do ambiente em que está inserido, se manifesta de forma a atender às exigências e necessidades de quem o pratica, sendo um resultado das condições sociais e da carga cultural de quem se envolve com ele. Ao se pensar a realidade brasileira, o futebol association apresenta certa hegemonia como modalidade coletiva, tem preferência nacional gigantesca. No âmbito acadêmico, apresenta um grande número de estudos, trabalhos, teses, 30 dissertações e publicações que pensam e analisam a modalidade esportiva como objeto de pesquisa das mais variadas formas. Especificamente, ao se pensar o futebol americano, a produção acadêmica é ainda bastante reduzida ou quase inexistente. O material encontrado é escasso e muitas vezes pouco atual. É possível encontrar mais notícias e reportagens com a temática devido ao crescimento da popularidade deste esporte e a formação de novos times por todo o Brasil. Ou seja, é por excelência um objeto de estudo contemporâneo. Contudo, estudo em profundidade, com teor acadêmico, são raros e limitados. Em pesquisa realizada no portal de periódicos da Capes pode-se encontrar alguns estudos voltados para o entendimento da fisiologia do esporte, técnicas, biomecânica da dinâmica esportiva, voltados para o entendimento da modalidade pelo olhar da área da educação física. Nesse sentido, uma contribuição para o desenvolvimento e ampliação desse campo de estudo, a opção metodológica escolhida reincidiu sobre o sociólogo Pierre Bourdieu. Pela construção de objetos de investigação diferenciados, Bourdieu destacou-se devido à fecundidade de seus métodos de análise e a originalidade de seus conceitos operacionais. Bourdieu foi considerado nos anos de 1960 um “rebelde da elite intelectual”, pois apresentava visões diferenciadas que chocavam com a consonância de pensamento da época, e mostrou-se transgressor dessas divisões disciplinares e temáticas, gerando com certa frequência reações críticas de seu trabalho. Tendo suas publicações de impacto, nas décadas de 1960 e 1970, (Os argelinos, 1962; Os herdeiros, 1964; Uma arte média, 1965; O amor da arte, 1966, A reprodução, 1970; Esboço de uma teoria da prática, 1972; A distinção, 1979). Tal originalidade e metodologia de investigação proporcionou o conhecimento dos processos de produção e consumo cultural. Nesse período de maior impacto, Bourdieu foi implacável no combate às correntes da teoria da informação, das análises semiológicas e das estéticas formalistas. Pierre Bourdieu se preocupou em apresentar uma redefinição teórico-metodológica do conceito de contexto. Ao invés de descartar o conceito de contexto, Bourdieu preferiu qualificar os processos e constituição dos espaços sociais competitivos nos quais os agentes produtores e consumidores se movem. Desenvolvendo assim, o conceito chave de “campo”, juntamente com conceitos auxiliares de “habitus”, “capital”, “competência”, “autoridade”, etc. Dessa forma, o antigo conceito de 31 contexto, lugar de abrangências motivadas, assume outra posição. Passa agora a ser derivado de uma história interna, de uma atividade social em particular a qual toma os interesses e as características dos profissionais que constituem o campo. O principal efeito de compreensão e inteligibilidade da conjuntura que caracteriza o campo (MICELI, 1999). Com essa nova forma de entendimento, a análise bourdiana ganha consistência teórica e metodológica. Dessa forma, ajuda e estimula novos cientistas e intelectuais para uma nova forma de manusear e se utilizar das propostas metodológicas das ciências mais próximas. Assim, com o advento do trabalho do sociólogo Bourdieu, muitos pesquisadores passaram a usar procedimentos imaginativos e heterodoxos. Outras fontes que poderiam e davam mais possibilidade de entendimento do objeto de análise passaram a ser usadas, como por exemplo, fotografias, fontes documentais, materiais publicitários que até então eram desconsideradas e descartadas. As observações fora dos muros das universidades foram se tornando cada vez mais presentes, ou seja, a ida ao campo. Agindo assim, o sociólogo francês possibilitou um remapeamento e redescoberta de práticas culturais no terreno social. Esse empreendimento de fôlego, de transgredir as divisões disciplinares, garante a Bourdieu essa incrível notoriedade na discussão e aplicabilidade de seu modelo de análises e interpretação da realidade dos mais diversos objetos de estudo que buscaram descortinar a realidade da sociedade, como foi feito com a literatura, a alta-costura, o jornalismo, a televisão e também o esporte. O seu cuidado e a expansão intelectual crítica, juntamente com a qualidade e coerência conceitual com que elabora seus estudos e temáticas pesquisadas, faz Pierre Bourdieu ser considerado um dos maiores sociólogos da atualidade (MARCHI JR. 2001). É necessário que o processo de interação e apropriação do entendimento teórico metodológico de um autor ocorra cotidianamente, pois aos poucos vai se consubstanciando de forma gradual, como um tipo de encanto e identificação. Em seguida, apresenta-se uma constante busca por novas formas de entender esse autor escolhido, juntamente com o anseio de buscar respostas a indagações formuladas. Isso determina uma simbiose entre leitor e autor, que surte em uma identificação com a proposta teórica. Em particular, a leitura dos escritos de Bourdieu é um trabalho duro que requer muita 32 concentração e dedicação para que se possa ter o entendimento dos conceitos desenvolvidos pelo autor, o que muitas vezes causa aborrecimentos, incompreensão e frustração. Isso pode, em dado momento, gerar uma resistência e um distanciamento do leitor com a obra. Mas, esse não é o perfil mais indicado para um bom leitor e pesquisador dos escritos do sociólogo Pierre Bourdieu. A postura mais assertiva é um enfrentamento na busca do entendimento das obras, o que gera uma forma mais madura e consistente de aprendizagem dos conceitos das teorias bourdianas. Agindo assim, consegue- se avançar de forma frutífera no progresso intelectual, haja vista que suas teorias são de suma importância para entender a sociedade na atualidade. O esporte apresenta-se como um fenômeno em construção característico da sociedade contemporânea. Para que possa ser possível sua compreensão é válido destacar a proeminência da sociologia configuracional de Norbert Elias e da teoria dos campos de Pierre Bourdieu nesse percurso. Esses dois autores são responsáveis pelo avanço da temática ‘esporte’ nos últimos anos, tornando Elias e Bourdieu dois autores indispensáveis para compreensão do esporte na contemporaneidade. Bourdieu convoca que o exercício da utilização do seu modelo servirá para identificar os mecanismos sociais que determinam e prescrevem leis de reprodução social. Em seguida, após essa identificação, o autor afirma que a função do sociólogo é evidenciar e revelar os fundamentos de dominação oculta, ou seja, como se dá a relação entre uma estrutura material e as representações dos agentes sociais. Pierre Bourdieu está focado no questionamento da reprodução de leis que efetivam a estruturação da sociedade. Para isso, como afirma o autor, é necessário estudar a constituição e os mecanismos que perpetuam essas formas de reprodução das desigualdades sociais, tendo como objetivo apresentá-las de forma mais inteligíveis, transparentes, fácil de assimilação e compreensão pelas pessoas que estão imersas nessa configuração. Nesse sentido, deve-se dissecar a lógica inerente de um espaço social específico, o qual, se estuda para assim compreendê-lo com mais detalhamento e profundidade. Essas características apresentadas, do modelo teórico de Pierre Bourdieu, apresentam uma proximidade com a história recente do futebol americano no Brasil, mais em específico, no estado de Mato Grosso. Pois, como afirma o professor Doutor Wanderley Marchi Junior: “A intenção de trazer à luz as 33 manifestações ocultas de dominação e as leis de reprodução social instauradas nos vários campos sociais faz do autor, no mínimo, uma referência compatível” (MARCHI JR, 2001, p.32). Além disso, sua forma de analisar o esporte moderno por meio da espetacularização, incidência dos mecanismos estruturais da sociedade capitalista ou pela formação de habitus esportivos sociais, fornece a concretude necessária para uma reflexão, análise e compreensão da realidade, como também, da interdependência que existe nas relações no desenvolvimento dentro do universo esportivo. Diante disso, a associação entre a teoria dos campos de Bourdieu e as características peculiares do processo histórico do futebol americano, leva-se a considerar os objetivos básicos e os principais conceitos que estruturaram a lógica de pensar do modelo bourdiano como principais instrumentos de investigação dessa prática esportiva intitulado de futebol americano. Além disso, quando se aborda pressupostos e composições conceituais, deve-se ter em mente que são as disposições de pensar e ver o mundo social, que são representadas nas estruturas de poder simbólico, as principais responsáveis pela construção dos conceitos de Pierre Bourdieu (MARCHI JR. 2001). E por meio deles que se pretende analisar o processo histórico do futebol americano em Cuiabá, Mato Grosso. Quando se usa conceitos e modelos teóricos deve-se ter o cuidado de compreendê-los bem para que não haja equívocos de interpretação. Para isso, tem-se que controlá-los, apreende-los (apreendê-los) e, o mais importante, utiliza-los de modo a evitar ambiguidades, fossilização e fetichismo teórico conceitual. Ou seja, não deve haver uma veneração com relação as referências, aos conceitos e as teorias. Como aponta o próprio Bourdieu (1983, p. 95) “um bom conceito destrói muitos falsos problemas e faz surgir muitos outros mais reais”. O autor coloca seus pressupostos teóricos em um modelo de análise que envolve em uma constante interação da produção do conhecimento, ou seja, a epistemologia, através da relação entre agentes sociais, estruturas e disposições. E por meio da identificação desses conceitos básicos de sua abordagem, é possível perceber categorias básicas de interpretação da realidade que foram desenvolvidas em outros campos e áreas de conhecimento. Sendo assim, perfeitamente cabíveis no entendimento das questões que permeiam as problemáticas e discussões do campo esportivo. 34

Em um primeiro momento, a relação entre a teoria de Pierre Bourdieu e as diferentes modalidades esportivas parece estar distanciada, mas, o que se evidencia é que a temática encampa um conhecimento multi e, principalmente, interdisciplinar. Tudo isso, possibilita a ampliação de estudos para o entendimento da composição do universo esportivo. E um dos seus escritos para a primeira edição do Actes de La rechercheen sciences sociales, em janeiro de 1975, Bourdieu apresenta uma discussão sobre como a ciência admite a existência, ou não, de formas ou objetos que poderiam ser qualificados como insignificantes. Diante disso, o autor apresenta sua discussão para a hierarquização de objetos legítimos, legitimáveis ou indignos de serem abordados ou pesquisados. Nesse sentido, o sociólogo diz que isso, em certa medida, estabelece uma relação no sentido da reprodução, manutenção, censura ou até mesmo no mascaramento da realidade (MARCHI JR. 2001). Ao se definir o objeto de pesquisa futebol americano, sabia-se que os caminhos para o desenvolvimento dessa temática seria um trabalho árduo e cansativo, pois não há estudos desenvolvidos nesse sentido, a fim de apresentar o esporte, futebol americano como os demais esportes, como uma temática de relevância para as ciências sociais, pois não se enquadra no que diz respeito dos temas mais visados e desejados como objeto de pesquisa. Isso gera, a princípio, um olhar de crítica para com os agentes que compõe o campo científico das ciências sociais, que em um primeiro momento, demonstram certa resistência por não conseguir observar a relevância e importância de se estudar um fenômeno cultural tão contemporâneo quanto o esporte. Esse estranhamento e descrédito nas pesquisas sociais que envolvem a temática esportiva se refletem também na inserção e possibilidades de publicação de artigos e revistas científicas que tratam da temática. São raros e escassos os periódicos e revistas que tratam com exclusividade do esporte como tema de pesquisa. Salvo algumas poucas exceções de revistas que dão abertura para entrada de artigos, dissertações e teses que apresentam o esporte como objeto central de análise. Parte disso pode ser atribuído a resistência dos agentes consolidados que dominam o campo das ciências sociais, para usar os termos do autor francês em pesquisar uma temática nova e sem muita tradição como é o caso do esporte. 35

Isso tudo é reflexo dos embates de lutas existentes dentro do campo. E no campo esportivo, ou melhor, no campo de pesquisa esportiva não é diferente. As relações e os embates sempre vão existir nos espaços acadêmicos. Isso se deve a estrutura vigente dentro do campo que faz que alguns temas e objetos de pesquisa sejam mais valorizados que outros. Portanto, vai depender das relações e dinâmicas dentro do campo. Assim, o que vai determinar dentro do campo as lutas entre os agentes sobre a hegemonia de uma ou de outra temática será e dependerá da estrutura vigente dentro do campo. Nesse sentido, os candidatos a novos dominantes serão impelidos a tentar deslegitimar o dominante e buscar consolidar-se como dominadores (MARCHI JR. 2001). Na apropriação do pensamento teórico bouerdiano tornou-se necessário apropriar-se, primeiramente, de três aspectos centrais: A explicitação do conhecimento praxiológico, a noção de habitus e o conhecimento do campo. Na tentativa de superar a relação antagônica entre objetivismo e subjetivismo, emerge nas reflexões de Bourdieu o conhecimento que pretende articular dialeticamente objetivismo e subjetivismo, ator e estrutura social, o qual é chamado de praxiológico. Para o autor, a sociedade se sustenta por meio da intersubjetividade originária da ação do sujeito. Ao apresentar essa proposta, Bourdieu supera o modo de conhecimento objetivista. Assim, a partir da praxiologia, o sociólogo francês desenvolve a noção de habitus. Esta noção deve ser compreendida como uma gramática gerativa de práticas em conformidade com as estruturas objetivas que o produz. Ou seja, apresenta para o indivíduo o modo de operar dentro do campo no qual está inserido. Nesse sentido, ao fazer esse movimento, Bourdieu junta dois aspectos, um objetivo, entendido como estrutura, e outro o subjetivo, compreendido como percepção, classificação e avaliação. Desse modo, a noção de habitus possibilita a interiorização do externo e exteriorização do interno. Logo, ao se apresentar como tal, o trabalho de Pierre Bourdieu se volta para uma teoria da ação. Dessa forma, o autor descreve habitus como sendo: “um sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidas para este fim” (BOURDIEU, 1983. p. 94).

36

O habitus é essa espécie de senso prático do que se deve fazer em dada situação, ou seja, um modo de operar dentro do campo, o agir e saber reagir em determinadas situações. Assim sendo, se faz necessário apresentar a definição de campos elaborada por Pierre Bourdieu. Tal conceito visa superar o dilema teórico entre o estruturalismo de Levi-Strauss e Michel Foucault e o marxismo de Lukács e da escola de Frankfurt, que apresenta uma teoria mais crítica. Refletindo sobre essa concepção de superar um dilema teórico, Louis Pinto (2000), sociólogo francês, contribui na discussão ao afirmar que: ...um campo de produção simbólica (religioso, cultural, etc.) não pode ser visto nem à maneira do estruturalismo como universo submetido a uma lógica imanente ao conhecimento e à comunicação, nem à maneira do marxismo, como instrumento a serviço da dominação de classes: os interesses que estão em jogo são interesses específicos, sobretudo os dos especialistas que se enfrentam para impor uma definição dos bens, dos problemas doutrinais, da excelência humana etc. ajustada à sua posição e à visão do campo daí decorrente. A estrutura do campo coincide com a das posições características que se definem sempre relacionalmente.

Entende-se que o campo é definido como o locus onde ocorre uma luta concorrencial entre os atores em torno de interesses específicos. O que caracteriza o campo acontece através da definição do espaço social onde se encontram fixadas as posições, e os agentes sociais movimentam-se objetivando conquistas. Outra característica do campo é seu objeto de disputa e de interesse específico. Contribuindo para a definição, Ortiz (1994. p.19) diz que o campo é definido como “o locus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores em torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão” (STAREPRAVO, 2011, p. 31). Para o campo existir devem haver, em seu interior, objetos de interesse e disputa e pessoas (agentes) dotados de habitus que identifiquem e legitimem as leis imanentes do jogo (MARCHI JR. 2001). O campo também possui normas de funcionamento invariantes, o que torna possível a utilização do aprendizado de um estudo de determinado campo, na interrogação e na interpretação de outros. A estrutura do campo é um estado de relação de força entre os agentes e instituições engajadas na luta, como também da distribuição de capital específico que foi acumulado ao longo de lutas anteriores às quais orientam as 37 estratégias posteriores. O que caracteriza um campo é a definição dos seus objetos de disputa e seus interesses em específico. Mesmo parecendo ou havendo certa universalização do campo, eles são ele é irredutível às peculiaridades de outros campos, como também é imperceptível aos olhos de outros que não fazem parte da constituição do campo, ou seja, aos olhos das pessoas que não foram formadas no interior de determinado campo, tornam-se pouco provável que consiga identificar a estrutura e as relações existentes dentro daquele espaço. Para que o funcionamento do campo exista é necessário, além dos objetos de interesse em disputa, que também hajam pessoas dotadas de habitus que identifiquem e legitimem as leis que operam dentro de determinado campo, as leis imanentes do “jogo” (MARCHI JR. 2001). Outra característica que o campo apresenta é que todas as pessoas envolvidas nele têm interesses fundamentais em comum. Isto ajuda a manter a relação existente dentro do campo, de certa forma, coesa, pois os pressupostos constituintes do campo são aceitos de forma consciente, ou não, oferecendo ao agente estar inserido ou se inserir dentro do jogo apresentado. Tudo isso, ajuda a produzir valores no que se disputa. Assim sendo, com relação à propriedade do campo, há uma relação direta entre habitus e campo que é orientada objetivamente. Existe dentro do campo uma suposta convivência entre grupos ortodoxos e heterodoxos apresentados na estrutura de campo. Oriundos dessa ideia, são tecidas as críticas referentes ao conceito de habitus, pois, em certa medida, ele reflete uma tendência a reprodução social que inviabilizaria um movimento de transformação. Porém, proveniente dessa crítica, apresenta-se o argumento da autonomia existente entre os campos que são, em certa medida, alheios às transformações político-econômicas que ocorrem na sociedade. Essa autonomia apresenta indícios para a necessidade do conhecimento da história do campo e das disposições que caracterizam os seus agentes sociais. Essa vinculação permite dominar e decodificar as especificidades existentes nesse campo social. Isso demonstra a importância e, principalmente, a viabilidade de se utilizar do referencial de Pierre Bourdieu na pesquisa relativa ao futebol americano, analisando sua história, trajetória e o desenvolvimento de sua prática como também a interação dos agentes sociais dentro desse campo em especial. 38

A noção de campo permite entender a relação existente entre o interno e o externo, sem a necessidade de dar maior ou menor relevância para cada um dos termos. Um campo cumpre funções externas no momento que apresenta legitimidade com a ordem social, pelo simples fato de obedecer uma lógica própria, da seguinte forma: Os dominantes não intervêm e nem estão interessados em modificar o campo, pois ele já se encontra a seu favor. As divisões entre dominantes e dominados se encontram reconhecidas e ignoradas. A autonomia do campo é condição de sua eficácia simbólica. Vale ressaltar, que a teoria de campos não faz supor a existência de uma harmonia pré-estabelecida entre universos diferentes. Assim, pode-se perceber que a autonomia não é uma situação para sempre garantida, ela é construída dentro dos processos de embates e disputas existentes e inseridos na história e baseada em outros princípios de legitimidade (PINTO, 2000). Quando se faz a transposição dos conceitos de Pierre Bourdieu para a análise do fenômeno esportivo, deve-se ter em mente que para a compreensão das relações estruturais e a história para então saber qual a posição ocupada dentro de determinado campo. E é de suma importância fazer a relação entre o campo esportivo com o espaço social e suas representações, e ter ciência que tal relação define as propriedades pertinentes de cada esporte. Tendo isso em mente é necessário que não se caia no reducionismo de colocar toda a experiência e explicação da relação existente entre habitus e campo em um sentido mecânico e direto, em um discurso genealógico de processos rígidos de pesquisa (MARCHI JR, 2001). Segundo a visão de Bourdieu, o esporte tem sua própria cronologia, em especial, apresentando suas próprias leis, seu tempo, suas crises particulares. A história do esporte é neste sentido, relativamente autônoma dos grandes acontecimentos políticos e econômicos. “A história das práticas esportivas só pode ser uma história estrutural considerando-se todas as transformações sistemáticas provenientes do surgimento de um novo esporte ou da difusão de um já existente” (MARCHI JR. 2001, p. 49). O sociólogo francês evidencia que o espaço do esporte não é fechado em si, ele está inserido em um sistema de consumo e práticas. Partindo dessa ideia, pode-se perceber que o programa de práticas esportivas varia no decorrer de diferentes décadas. Assim, a prática da modalidade é marcada na sua objetividade e nas suas representações como também pelas apropriações 39 e pelas disputas entre os seus agentes sociais. Segundo os constructos de Bourdieu (1990, p. 213):

Esse efeito de apropriação social faz com que, a todo momento, cada uma das “realidades” oferecidas sob o nome de esporte seja marcada, na objetividade, por um conjunto de propriedades que não estão inscritas na definição puramente técnica, que podem até ser oficialmente excluídas dela, e que orientam as práticas e as escolhas...

No espaço da procura encontra se marcado a relação direta com as posições sociais e seus habitus, ou seja, as disposições para a prática, que são definidas pela particularidade do estado atual da oferta. Assim, o esporte apresenta uma característica elástica de adequação, pois pode extrapolar seu limite objetivo inicial, o que possibilita apresentar usos diversos, muitas vezes opostos, que também pode mudar de sentido. Baseado nessa ideia, Bourdieu diz que o esporte pode apresentar duas formas diferentes de leitura, uma sincrônica e outra diacrônica. A forma sincrônica se caracteriza por uma modalidade estar ligada diretamente às disposições evidenciadas nos agentes de uma determinada posição social inscritos dentro de uma época. Já na diacrônica, o esporte é oferecido e apropriado por agentes de disposições variadas. Nesse sentido, os programas esportivos atendem os mais variados grupos sociais que não estão inscritos em um conjunto de características restritivas de uma conjuntura particular. Para entender em que dinâmica se encaixa uma prática de um esporte moderno, Pierre Bourdieu afirma que se faz necessário o reconhecimento da posição que determinada modalidade ocupa no espaço dos esportes. Dentro desse campo é identificado por algumas características que auxiliam no reconhecimento, são essas as características: a distribuição dos praticantes segundo sua posição social, as diferentes federações, o número de praticantes, sua riqueza, as características sociais dos dirigentes, e o tipo de relação com o corpo que determinados esportes exigem (de contato ou de interposição com a bola). No passo seguinte dessa identificação é necessário relacionar o campo esportivo e a manifestação do seu espaço social, seus elementos de distinção e “gostos de classe”. Para tal se faz necessário a visão em “subcampos” dentro do campo. No caso do esporte, analisar uma modalidade no universo dos esportes. Dessa forma, Bourdieu traz para sua forma de análise dialética entre o global e o particular, superando o antagonismo entre as visões macro e 40 microssociológicas. Um ponto de relevância, que evidencia a importância de se estudar o esporte não somente como um campo mas também estudar os diversos subcampos que compõe o universo do esporte, se refere ao fato de o esporte apresentar a consolidação progressiva de profissionais envolvidos na área como por exemplo profissionais das mais diversas mídias, da produção de bens, serviços e espetáculo esportivo marcados por interesses específicos, concorrência e relações de força. Com essa evidência, o autor aponta que há um considerável distanciamento entre profissionais e amadores, esporte- espetáculo e “esporte-comum”. Tudo isso, demonstra a desapropriação e a limitação da compreensão destinada ao público e evidencia a lógica do esporte pelos praticantes profissionais (BOURDIEU, 1990). O autor é contundente nesta questão. Diz ele que com essa forma mais distanciada do esporte, promove no espectador um desprovimento de qualquer competência prática, voltando sua atenção para aspectos externos à prática esportiva, ou seja, nota-se simplesmente a vitória, o que descaracteriza o esporte e possibilita o uso de força e violência para a conquista da vitória a qualquer custo. A esse distanciamento do espectador do esporte, abrindo uma dicotomia entre profissionais e praticantes, Bourdieu atribui à televisão, pois gera no espectador um despreparo no entendimento da prática esportiva e de suas peculiaridades (BOURDIEU, 1990). Para o autor, a televisão reforça uma ordem na qual o espectador não politizado se sente fora do jogo por não entender a dinâmica e assim reforça a ordem estabelecida não fazendo e nem se sentindo parte da estrutura do campo. Dessa forma, o sentindo de dominação é mantido, ou seja, um desengajamento fatalista evidentemente favorável à manutenção da ordem estabelecida. Nesse sentido, evidencia o poder simbólico existente dentro do campo esportivo. Assim, o entendimento do simbólico é uma manifestação para consagrar ou constituir grupos, já estabelecidos ou em processo de estabelecimento. O poder simbólico está alicerçado em duas condições, em primeiro lugar na forma performática, no qual o poder está concentrado na posse de capital específico que é adquirido nas lutas anteriores. Nesse sentido, o capital simbólico é um crédito, é um poder ligado ao reconhecimento, tanto na condição de impor como na de se ter reconhecimento. E em segunda se baseia na dependência do grau em que essa visão estiver conectada com a realidade (BOURDIEU, 1990). 41

Nesse contexto, definido o estudo, o futebol americano apresenta essas duas condições de existência e aplicação do poder simbólico. Em especial do processo de espetacularização do esporte na trajetória do futebol americano em Cuiabá. Como base nas ideias de Bourdieu (1983), considera-se que o desenvolvimento do futebol americano não foi direcionado a um processo exclusivo de massificação para a formação de praticantes da modalidade, mas sim, ligado com as estruturas do sistema econômico capitalista, de uma sociedade baseado no consumo de produtos. Assim, direciona as coordenadas da sua estrutura para a busca e recrutamento de novos e potenciais consumidores de símbolos e signos sociais que o futebol americano faz utilizando do espetáculo para proporcionar, atrair ou criar, uma oferta esportiva nova para um público carente de símbolos esportivos de grande magnitude e que vão de encontro com os desejos do público, ou seja, demanda. Nesse sentido, há uma demanda em uma parcela da sociedade cuiabana e o futebol americano em Cuiabá, representado pelo Cuiabá Arsenal, oferece uma oferta que se direciona a atender essa necessidade dessa parcela da sociedade. Nessa conjuntura, de espetacularização do esporte, vale destacar uma preocupação de Pierre Bourdieu que afirma ter certa apreensão na capacidade do esporte-espetáculo integrar, mesmo simbolicamente, uma sociedade ameaçada pela segregação. (...) a submissão crescente do esporte à lógica do comércio, por meio da comercialização do espetáculo esportivo televisionado, tende a cortar a ligação orgânica entre o esporte de alto nível e a prática esportiva de base; (...)Assim, o verdadeiro percurso que poderia conduzir o garoto das favelas ou da periferia, desde a pequena equipe local ou da escolinha de futebol do clube grande, até a equipe nacional e a carreira internacional está cada vez mais ameaçado, tanto na realidade quanto nas representações (BOURDIEU, 1999, p. 4-5).

A sociedade, no sentido do espetáculo, se apresenta mediada por imagens sem que exista nela uma produção midiática e técnicas de difusão. É uma visão do mundo que se objetivou. Assim, conforme afirma Guy Debord, o espetáculo é o processo do projeto do modo de produção dominante existente na sociedade. A “realidade surge no espetáculo e o espetáculo é real”, sendo essa reciprocidade a base e a essência da sociedade. Para Debord, o espetáculo domina o homem no mesmo momento que o homem é dominado 42 pela economia. Diante dessa lógica, o indivíduo passa do ser para o ter e em seguida desconecta-se com o ter para somente assim parecer. Seguindo nessa forma de raciocínio, Debord afirma que o espetáculo é a principal produção da sociedade contemporânea (DEBORD, 1997). Perante a essa conjuntura do esporte moderno cada vez mais espetacularizado e considerando o que é oferecido para os agentes sociais como prática e consumo esportivo da atualidade, Bourdieu se questiona como se dá determinada demanda de certo “produto esportivo”, por que as pessoas adquirem mais “gosto” por um esporte enquanto espetáculo e com quais princípios os agentes optam entre diferentes práticas esportivas e consumo que lhe são ofertados? O autor se indaga também em como agentes e instituições envolvidas com o esporte formam um campo de concorrência no qual disputam por interesses específicos. Para obter essa compreensão, se faz necessário o entendimento da origem do objeto de estudo. Deve se lembrar ainda que o campo esportivo é o espaço de lutas nos quais disputam o monopólio da legitimidade da prática e da atividade esportiva. “Nesse contexto, ocorrem as discussões entre o amadorismo e o profissionalismo, o esporte-prática e o esporte-espetáculo, o esporte distintivo (de elite) e o esporte popular (de massas)” (MARCHI JR. 2001, p. 55). Em solução aos seus questionamentos, Bourdieu afirma que o interesse por determinado esporte está vinculado com os lucros de distinção social que ele proporciona. Nesse sentido, a variabilidade de escolhas de um esporte leva em consideração inúmeros fatores como: custos econômicos e culturais, tempo livre, afinidade entre os entendimentos estéticos e éticos, além de estar conjugado à percepção e à apreciação dos lucros que podem ser imediatos e futuros da prática determinada modalidade esportiva. Dessa forma, Bourdieu pensa que os jogos que são distintivos e distintos apresentam uma característica relativa à prática e ao consumo de determinado esporte. Assim, nessa relação entre a prática e o consumo, o esporte-espetáculo ganha outra dimensão em um sentido como se fosse uma mercadoria de massa, sendo mais um ramo do universo dos negócios. Dessa forma, Bourdieu percebe que o campo do esporte apresenta contribuições para o desenvolvimento de novos produtos como também gera a suas necessidades. O autor percebe que há uma transformação das ofertas e das demandas. A mudança na oferta ocorre 43 com a importação de novos esportes ou de alguns equipamentos esportivos, com reinterpretação dos esportes ou jogos antigos, tudo isso é produzido pela concorrência entre os grupos para a imposição da prática esportiva e conquista de clientela, ocorrendo um proselitismo esportivo. Já as transformações de demanda estão ligadas com as transformações no estilo de vida provocado por mudanças nos contextos sociais (BOURDIEU, 1983). Após a apresentação dos principais conceitos de Pierre Bourdieu entendidos aqui como férteis ao entendimento do objeto de pesquisa, futebol americano, apresenta-se em seguida a análise de Norbert Elias sobre a sociedade de corte. Em seu exame sobre os a sociedades, escrito em seu livro O processo Civilizador (1993), Elias interpreta a sociedade a partir de uma analogia com o jogo. Para o autor, há uma competição com regras similares com jogos. Com a junção das referências destes dois autores, Pierre Bourdieu e Norbert Elias, possibilitam uma melhor compreensão do campo esportivo contemporâneo. Considerando as abordagens relativas ao conjunto de conceitos teóricos dos autores, procurou-se localizar onde poderia encontrar referências e análises para o estudo do futebol americano. Tais referências são possíveis quando se desenvolvem analogias com situações de jogo. “Essas relações tiveram um crivo teórico no modelo elisiano. Em alguns momentos de sua reflexão, Bourdieu recorreu ao exemplo dos jogos e à ação dos jogadores para evidenciar a incursão de seus preceitos analíticos” (MARCHI JR. 2001, p. 59). O modelo de análise de Pierre Bourdieu casa melhor com a proposta de análise desenvolvida nesse trabalho, por isso, apresenta grande pertinência com o estudo. O modelo de análise a partir das regras do jogo competitivo, de Norbert Elias (1980), auxilia na compreensão do desenvolvimento histórico do futebol americano e do seu estágio atual, no qual envolve a mercantilização e a espetacularização do esporte. Isso se deve principalmente quando se leva em consideração os conceitos de autocontrole e de mimesis social (simulação social) relacionados com a explosão de emoções no âmbito social ligado ao esporte moderno. Os estudos sociológicos desenvolvidos por Elias (1980) têm o intuito de encontrar essas forças impulsivas que determinam a forma do jogo. Nesse sentido, apresenta um dos primeiros pontos de convergência com os 44 objetivos analíticos de Bourdieu, pois demonstra a intenção de tornar evidente as forças ocultas que regem a dominação. Antes de apresentar a análise desenvolvida por Norbert Elias, no que tange a Teoria dos Jogos, é salutar apresentar os seus estudos referentes ao processo civilizador, que foi necessário para a configuração da forma do esporte atual. Desse modo, antes de apresentar a Teoria dos Jogos Competitivos, expõem, de forma breve, como se constituiu essa construção histórica a qual Elias intitula de “O processo civilizador”. Elias (1993) singulariza o “processo de civilização”. Analisando dessa forma, o autor encontra elementos para entender as mudanças e os contornos novos para a atual realidade e faz uma análise diacrônica do esporte analisando ao longo da linha do tempo como uma série de fatores e acontecimentos surtiram como resultado o esporte atual, o esporte moderno.

2.2 O processo civilizador

O desenvolvimento moral do indivíduo encontra no universo da cultura do corpo um espaço bastante peculiar, pois, a intensidade e a qualidade dos estados afetivos desenvolvidos pelo movimento do corpo afetam diretamente as decisões e as atitudes racionais. Conectada a essa ideia, torna-se de suma importância a apresentação dos estudos do sociólogo alemão Norbert Elias, teórico que se dedicou em estudar o esporte quanto fenômeno que cresce em importância na sociedade contemporânea. Nesse sentido, para falar de esporte através do olhar de Elias, se faz necessário expandir o conceito para o processo de desportivização, ou esportivização. Para isso, é imprescindível fazer a correlação ao contexto de “civilização” – discussões que surgiram nas ciências sociais, em especial na antropologia no final do século XIX e início do século XX. A psicogênese e a sociogênese, para Elias, deve estabelecer uma relação mutua, pois compreendem aspectos interdependentes de um processo de desenvolvimento a longo prazo. Nesse sentido, a partir dessas duas dimensões correlacionadas Norbert Elias cria a teoria de civilização, sendo uma teoria que pensa as transformações do comportamento e das estruturas da personalidade conjugada com uma teoria do desenvolvimento social que deu origem ao Estado. Ou seja, a psicogênese do indivíduo e a sociogênese com o Estado estão diretamente entrelaçados uma com a outra (ELIAS, 1994). 45

Assim, dentro do processo de civilização da sociedade humana, a psicogênese está relacionada com o processo de longa duração das estruturas da personalidade do ser humano e as modificações do comportamento. Elias dá destaque para os mecanismos de controle dos impulsos, saindo de um controle externo para se tornar cada vez mais interno no sentido da autodisciplinação.

Já sociogênese está ligada também ao processo de longa duração das estruturas sociais. Com pesquisas empíricas o sociólogo alemão procura demonstrar como a formação do Estado moderno está ligado com as transformações do comportamento social do ser humano. Com o surgimento do Estado aconteceria o processo de centralização do poder e da força, uso da violência e cobrança de tributo, apresentando como resultado uma crescente dependência e controle dos conjuntos de processos sociais (ELIAS, 1994).

Com esse olhar atento para os aspectos da psicogênese que Elias demonstra um interesse para os microfenômenos, tudo isso faz resultar em uma conjunção única entre visões micro e macrossociológicas. Isso tudo serve para dizer que o esporte moderno é parte integrante das mudanças no sentido apresentado acima da psicogênese e sociogenêse, ou seja, ligado com o processo de civilização.

Dentro do processo de civilização estudado por Norbert Elias ele considera o esporte digno de apreço por ajudar no entendimento e conhecimento da sociedade geral. Isso se deve a um olhar mais aguçado do autor que entende que ao se estudar o esporte torna se possível compreender também outros aspectos da vida humana em sociedade. Elias enfatiza que o método na investigação relacionado ao esporte é muito variado e não apresenta um único método pétreo e uma das melhores maneiras de desenvolver um estudo no campo do esporte é o método comparativo de investigação. Mas, Elias não descarta a importância do desenvolvimento de outras formas de métodos de investigação, cabendo ao pesquisador sociólogo descobrir a sua própria forma de pesquisar que seja apropriado à realização de descoberta no campo ao qual está envolvido (ELIAS, 1994).

Em seu estudo, que se apresenta com uma análise de longo prazo, Elias procurou demonstrar que ocorria uma mudança no código de conduta e sensibilidade. O autor somente consegue chegar a essa conclusão por meio do 46 método comparativo, quando focou sua análise nos jogos com bola no final da idade média até o início dos tempos modernos com esportes como o futebol e rúgbi, que foram difundidos ao longo do século XIX. O autor percebe que ao longo dos séculos observados houve um aumento da sensibilidade relativo à violência. Muitos esportes sofreram transformações e incrementos de regras, mesmo nos esportes entendidos como muito agressivos como o box por exemplo. O nível de sensibilidade foi aumentado para que existisse certa igualdade entre os lutadores a fim de garantir um embate justo e equânime entre os oponentes. Esse processo de mudanças na forma e nas regras ocorreu, principalmente, na Inglaterra e foi difundida para o resto do mundo, apresentando-se assim como um padrão.

Diante desse entendimento, Elias desenvolve uma análise processual em um sentido diacrônico, pois busca compreender como o processo de longa duração reverte em um resultado no presente. Dessa forma, vários fatores como o início da parlamentarização, criação dos Estados modernos, aumento da sensibilidade frente à violência, ou seja, processos de longa duração resultaram no desenvolvimento de atividades físicas que se tornaram esportes.

Elias e Dunning procuram evidenciar essas mudanças nos processos de longa duração, focando na passagem de passatempos a esportes e também na exportação para outros países para justificar que esse processo, entendido com esportivização que ocorreu inicialmente no contexto da sociedade inglesa, é reflexo do avanço do processo de civilização ligado com as mudanças estruturais ocorridas na Inglaterra. Os autores destacam ainda que um estudo sociológico do esporte desconectado da sociedade é um estudo sem contexto, sendo assim, estudo sem conexão com o social. Agindo dessa forma, o pesquisador dá uma identidade própria, como se estivesse em uma torre de marfim isolado, não levando em consideração a sua ligação com o universo real. Elias aponta que, contudo, alguns estudos não podem apresentar essa desconexão com o social. Por isso, segundo ele, “A relação entre desenvolvimento da estrutura de poder inglesa e o desenvolvimento dos passatempos com características de desportos no século XVIII constituem um bom exemplo” (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 49). 47

Essa mudança somente pode ocorrer na Inglaterra devido ao processo político social pelo qual aquele país passou. Houveram ciclos de violência que fizeram que uma série de mudanças na estrutura da sociedade se transformasse no sentido de minimizar a escalada de violência ocorrida durante o processo de revolução e alternância de poder. Assim, frente a esse cenário apresentado na Inglaterra, Elias buscou saber os motivos da moderação da violência nos passatempos ingleses no início do século XVIII, principalmente entre os membros das classes mais altas. O que o sociólogo pode constatar e enfatiza que quando um país passa por ciclos de violência emblemáticos, revoluções e manifestações, é necessário muito tempo para que os grupos envolvidos na rusga possam esquecer os atritos. É imprescindível a passagem de várias gerações para que grupos oponentes possam ter algum grau de confiança, mesmo após o conflito tenha se encerrado. A passagem de uma sociedade de guerreiros medievais para uma sociedade ligada diretamente com a corte, ou seja, a “cortenização” ou a parlamentarização dos guerreiros, a violência cede lugar para o refinamento e atitudes mais delicadas e respeitosas dos cortesãos. Nesse sentido, a violência e a civilização não apresentam como sendo oponentes, mas sim complementares. Essa junção do controle da violência e a parlamentarização correu em três movimentos básicos que ajudaram a definir o processo civilizador bem como a esportivização dos jogos. Como elemento primário a centralização política e o controle da paz interna fez com que surgissem os Estados. E um segundo momento a cadeia de interdependência e o processo de democratização do exercício do poder. E por último, o terceiro elemento consequente dos dois primeiros foi o refinamento das condutas e crescente autocontrole (autocontroles) pessoais e sociais. Houve um crescente aumento da consciência e regulação dos comportamentos. Portanto, nesse processo de construção do Estado moderno, existiu uma série de constrangimentos tanto sociais e pessoais a fim de moldar as atitudes do social e do pessoal (ELIAS, 1993). Diante desses entendidos “constrangimentos”, ou seja, os controles necessários para se viver em sociedade, o esporte e as atividades esportivas surgiram com espaço para que os membros das sociedades pudessem extravasar suas tensões e controle que as rotinas do cotidiano impunham. 48

(...) A sociedade que não oferece aos seus membros, e, em especial, aos mais jovens, oportunidades suficientes para a excitação agradável de uma luta que não exige, mas pode envolver, força e técnica corporal pode, indevidamente, arriscar-se a entorpecer a vida de seus membros; pode não proporcionar correctivos complementares suficientes para as tensões não excitantes produzidas pelas rotinas regulares da vida social (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 95).

Percebe se assim, que a excitação controlada proporcionada pelo esporte é de extrema necessidade para a sociedade contemporânea. Nesse sentido, o esporte é um fenômeno de grande relevância na atualidade, pois transcende o racional, conectado com um processo histórico que possibilita o entendimento da sociedade como um todo e as transformações ocorridas nelas. Conectado com isso, compreender o processo civilizador dá abertura para entender como e quanto a prática do esporte se apresenta como uma questão relevante para o entendimento das relações sociais. Entender o processo civilizador permite lançar novos feixes de análise sobre o esporte como prática social de uma sociedade que passa por um processo contínuo de normatização das condutas (ELIAS, 1993). Logo, o entendimento do esporte atual só pode ser possível por meio da compreensão dos processos de longa duração que são necessários para o resultado da constituição do esporte no presente. Ou seja, Elias mostra que ao compreender o processo ao longo do tempo é possível entender o aqui e agora da constituição do esporte. A seguir, apresenta-se a teoria do jogo competitivo desenvolvida por Norbert Elias.

2.3 A teoria do jogo competitivo de Norbert Elias

Na teoria de Norbert Elias (2005), o autor chama a atenção para uma tradição científica de se estudar as partes de uma coletividade para assim compreender o todo. Essa concepção é chamada de atomismo científico. Ou seja, parte do princípio do micro para o macro. Tal concepção entende a sociologia como campo de estudo que não poderia ser vista como um espaço de conhecimento no qual somente se agrega outras áreas, e a forma mais correta, partir do individual para compreender o todo. Para o autor, em muitos casos, o fazer sociológico seria aconselhável o procedimento contrário. Só se 49 consegue compreender muitos dos comportamentos individuais se houver primeiro a compreensão das configurações que estabelecem uns com os outros. Contudo, Elias aponta para o risco que se apresenta em tornar a teoria um tanto quanto holística, a qual privilegiaria a totalidade com algo quase metafísico sem considerar as particularidades dos indivíduos que compõe o todo. Assim, Elias indica que entre as teorias atomistas e holistas haveria outra possibilidade, e diante dessa nova alternativa ele desenvolve o conceito de configuração. O conceito de Configuração parte do princípio que os indivíduos se configuram devido a sua interpenetração e sua interdependência, e também devido ao modo como suas ações e experiências formam uma configuração relativamente autônoma da ordem dominante (ELIAS, 2005). Nesse sentido, o conceito de configuração apresenta proximidades com o conceito de campo desenvolvido por Pierre Bourdieu. E devido a essa similaridade entre as teorias, se torna salutar o diálogo entre as teorias de Elias e Bourdieu. Os modelos de competição, desenvolvidos por Elias, se assemelham a jogos reais de tabuleiro como xadrez, futebol e tênis, por exemplo. Para Norbert Elias, “todos os modelos se baseiam em duas ou mais pessoas que medem suas forças, ou seja, seu poder” (ELIAS, 2005, p. 80). Há nessa relação uma dinâmica equilibrada de poder entre os membros que compõe o jogo. O equilíbrio de poder, segundo Elias (2005), constitui um elemento fundamental em todas as relações humanas que são multipolares, e os modelos de jogos poderiam ajudar a dar uma melhor compreensão para entender como se configura o equilíbrio de forças dentro do ambiente de jogo. Elias entende que todos os seres humanos, independentemente de sua posição na estrutura e estratificação social, tem algum grau de poder, haja vista que o poder é um elemento básico nas relações humanas (ELIAS, 2005).

“O poder não é um amuleto que o individuo possua e outro não, é uma característica estrutural das relações humanas. (...) a compreensão do poder como algo que todo ser humano possui, em maior ou menor grau, como um elemento estrutural das relações humanas, e o equilíbrio de poder como algo constante, não esporádico”(ELIAS, 2005, p. 80 ).

O poder é um fenômeno difícil e complexo de ser entendido, segundo Elias (2005), já que a noção de poder é permeada por alguns por uma nuvem 50 nebulosa de “mitos”, como por exemplo, que “ o poder é suspeito”, “o poder parece imoral”. Todos esses aspectos conectam-se negativamente ao conceito de poder na ciência, na teoria científica, e acaba por criar uma imagem negativa do poder (ELIAS, 2005, p.101). A forma apontada por Elias (2005), para dissipar essa nuvem negativa que envolve o conceito de poder, é aceitar que o poder é uma característica estrutural de toda relação. Pensando dessa forma, e sendo uma característica estrutural, não é boa nem má. Assim, há uma interdependência entre os indivíduos, onde cada um depende do outro em maior ou menor grau. Sendo o outro necessário para manter uma relação. Para o melhor entendimento, Elias desenvolve alguns tipos de relações, ou modelos de relações humanas. Esses modelos são ferramentas para clarificar como se apresentam as conjunturas das interações humanas. A partir desse processo abre-se várias possibilidades das quais Elias (2005) aborda três delas de forma detalhada. O primeiro modelo competitivo identificado e apresentado por Elias é chamado de “primário e sem regras” ele se dá em situações básicas, na qual sempre se encontra um indivíduo relacionando-se com outro ou outros. É uma função bilateral que desempenham com o inimigo. É elemento que constitui a relação entre os seres, significa basicamente a relação de forças, apresentando assim um elemento de interdependência funcional, pois se faz necessário a presença do outro para que se possa haver a disputa de força.

As ações dependem das respectivas iniciativas e os oponentes consolidam uma função recíproca baseada na coação. Desmistificando, podemos dizer que a interdependência desses grupos, devido à hostilidade, não é menor que a existente entre grupos de amigos unidos pela divisão do trabalho (MARCHI JR, 2001, p. 67).

A distribuição dessa forma de poder pode ser, e muitas vezes, é distribuída de forma desigual entre os membros dos grupos. Havendo assim, um poder coercitivo maior para um determinado lado. E por motivo dessa distribuição desigual pode haver formas violentas na distribuição. Mas uma interdependência se faz necessária para que seja possível haver essa relação. O outro grupo necessita do inimigo para que dê sentido as ações do grupo que tanto pode estar em situação de dominação quanto de dominado. Ou seja, mesmo não havendo regras comuns entre os grupos há ainda uma 51 interdependência entre eles, uma interpenetração, na qual a sequência de ações dos grupos depende uns dos outros. As estruturas das conjunturas internas de cada grupo e as formas de tomada de decisão vão de acordo com o que se espera que o outro grupo faça depois. Se caso cada grupo se entender como independente um do outro, não haverá uma relação, e não pode assim, explicá-los. “Mesmo sendo um processo sem normas, é, no entanto, um processo com uma estrutura nítida que pode ser analisada e explicada” (ELIAS, 2005, p.87). O segundo modelo apresentado por Elias, é o processo de interpenetração com normas e subdivisões. Nessa proposta de modelo mostra que as teias de relações humanas mudam conforme a distribuição do poder. Em um primeiro momento a relação se dá em um “jogo entre duas pessoas”, o fator fundamental é a proporção de poder existente entre os componentes. Esse poder qualifica a relação e o controle exercido (STAREPRAVO, 2011). No que tange a outra forma de jogo, corresponde a “muitas pessoas a um só nível”. Se refere a um nível de relações que uma pessoa pode realizar de forma simultânea. As ações futuras são desenvolvidas de forma articulada com as ações realizadas anteriormente, surtindo elementos para agir em uma situação futura. Em seguida temos os jogos “multipessoais a vários níveis”, que se desenvolvem em uma configuração que se estabelece entre os jogadores de forma interdependentes como também em cada jogada individual. Conforme a rede cresce, torna se cada vez mais difícil a execução de jogadas pensadas na totalidade. O próximo tipo de jogo se dá no “jogo de dois níveis do tipo oligárquico”, esse tipo de configuração pode ocorrer devido ao aumento do número de jogadores individuais de configuração. Cria-se, então, dois níveis de jogadores que se mantêm interdependentes, mas já não atuam diretamente uns contra os outros, somente em um nível secundário que se estabelece o confronto com os adversários. Essa forma de jogo, ou jogada, demonstra o nível de complexidade da configuração de jogo, o que inviabiliza o controle do jogo para atender seus anseios e interesses. As ações se apresentam em dois sentidos, são concretizadas tanto para fora como para dentro da teia de interdependência. Nesse nível é possível perceber a formação de alianças, rivalidades e cooperações nos diferentes níveis de interdependência. Elias destaca ainda que nesse nível de jogo o nível de poder mais elevado é muito 52 desproporcional e rígido como também estável. Porém, a interdependência na relação entre os níveis na configuração impõe limitações aos seus componentes (STAREPRAVO, 2011). E por fim, apresenta-se o “jogo a dois níveis do tipo democrático crescentemente simplificado”, este tipo de jogo é destacado pela aproximação dos jogadores das camadas mais baixas que aumenta o seu potencial de poder. Esse traço é evidenciado pelo elemento da vigilância que se mantêm e da rede de precaução tecida pelo nível mais elevado na busca da manutenção do controle. Agindo assim, em busca de legitimidade do seu poder e controle no nível mais alto. O grupo de jogadores nos dois níveis tende a reunir-se e organizar-se de modo a permitir certo equilíbrio entre os grupos rivais. Sempre haverá um lado que terá maior poder, mesmo existindo uma relação de jogo no qual os dois lados saibam das regras. Ainda com o passar do tempo e com o maior entendimento do jogo, se faz necessário a presença do oponente para que se apresente a jogada. Na configuração, um dos jogadores pode ter um potencial de poder superior aos demais, o que lhe dá controle sobre seus adversários individuais, e a cada um dos jogos estabelecidos (ELIAS, 2005, p. 90).

Mas há também formas de se configurar os adversários de menor poder. Esses adversários com menor potencial de poder ao se unirem contra o adversário de maior poder, podem alterar a balança das relações e o controle sobre o jogo. Neste caso, o controle sobre o planejamento do jogo é diminuído, tendo assim menos certeza e previsão do resultado. Para assim compreender a relação existente entre os jogadores, se faz necessário o olhar sobre ambos os grupos e suas relações desempenhadas. Uma série de configurações e evoluções das jogadas podem ser percebidas. Ao passo que o número de jogadores na configuração aumenta demasiadamente, “tornar-se-á cada vez mais difícil ao jogador a constituição de uma representação mental do decurso do jogo e da sua figuração” (ELIAS, 2005, p. 92). O jogador individual perde sua referência, ficando cada vez mais obscura a leitura do jogo, a partir da qual ela toma suas decisões. “[...] à medida que cresce o número de jogadores, o jogador individual não só começa a achar o jogo cada vez mais opaco e incontrolável como também se torna consciente da sua impossibilidade em compreendê-lo e controlá-lo” (ELIAS, 2005, p. 92).

Pode se perceber em síntese que o modelo de análise sociológica de Norbert Elias, identifica as formas de conquistas da autonomia de uma ciência, 53 e se propõe a transparecer os níveis de poder que se apresentam ligados com a interpenetração mutáveis das teias de interdependência sociais, mostrando que são características estruturais de uma relação, indicando que não é algo estático e sim processual. O modelo proposto auxilia na interpretação da sociedade por meio da interdependência das pessoas em relação a um tipo em especial de jogo. Analisam-se as forças coercitivas das relações, superando a lógica reducionista de causa e efeito. Com base nos modelos apresentados, procura-se no capítulo seguinte apresentar o campo histórico esportivo. Apresentando assim a história da modalidade. Uma história estrutural que considera as transformações ocorridas no seu desenvolvimento. Buscando compreender as condições históricas na constituição da oferta do esporte, como também os princípios que levaram os agentes sociais a criarem, no sentido bourdiano, a procura pelos símbolos e signos da prática esportiva, por que escolher o futebol americano quanto esporte. E por fim a lógica da espetacularização do esporte como também a sua mercantilização.

54

3 CAPÍTULO 02 – DELIMITANDO O CAMPO ESPORTIVO: O FUTEBOL AMERICANO

O esporte como objeto de análise apresenta várias frentes possíveis de interpretação. Tem metodologias variadas e um vasto referencial teórico que pode ser usado para entender o esporte na contemporaneidade. Contudo, apresentam uma lacuna no que tange a interpretação do esporte por uma via que tem como base a realidade social. Ou seja, existem muitas formas de estudar o esporte em si como fenômeno biológico, ou melhor dizendo, relacionando com a área da saúde e sua fisiologia. Porém, observa o esporte como fenômeno esportivo/social ainda é pouco abordado. Para tentar suprir essa carência, se faz necessário considerar a história da modalidade esportiva como uma história que revela e compreende as transformações pelas quais a modalidade passou ao longo do tempo até o seu estado atual. Para isso, é necessário identificar e evidenciar as disposições que compõem o campo em análise. Segundo Pierre Bourdieu (1990), para que se tenha uma real compreensão do fenômeno e entender a sua estrutura é necessário em primeiro lugar conhecer a história do objeto pesquisado para dessa forma entender a sua dinâmica dentro do campo ao qual pertence, pois, segundo o autor, a história da prática esportiva é igual a história estrutural do esporte. Nesse sentido, Pierre Bourdieu (1990) afirma que para compreender as transformações deve-se conhecer a estrutura social, ou seja, como ela se constituiu e os processos existentes dentro dela. Corroborando com essa forma de leitura do esporte, Norbert Elias compreende que não é possível desenvolver um entendimento do esporte sem que se entenda a configuração da sociedade. Nesse sentido, é possível estabelecer homologias entre o campo social e a reverberação existente dentro do esporte. Assim sendo, apresenta-se o início da modalidade esportiva futebol americano a partir de uma perspectiva histórica. Com base nas ideias de Norbert Elias, ao se dar importância para o processo histórico existente do esporte, se faz uma análise ao longo da linha do tempo para entender a atualidade, ou seja, um sentido diacrônico para o todo.

55

3.1 Breve história da gênese do Futebol Americano

Pode se afirmar que a história do futebol americano se deve através da modificação e adaptação de um esporte mais antigo, o Rugby. Em seus primeiros anos, os jogos de futebol americano eram muito semelhantes com o Rugby, esporte que deu origem ao futebol association e Futebol Americano. A partir do século XX, o esporte tornou-se mais popular através do futebol universitário, que tinha na rivalidade entre as universidades a sua mola propulsora para a sua grande popularização. Vale ressaltar que essa rivalidade acirrada ainda se mantém entre as Universidades norte-americanas, levando um número muito grande de espectadores para seus jogos (KLEIN, 2011). Por volta dos anos de 1867, foi realizada a primeira série de três jogos de futebol americano entre as equipes das Universidades de Harvard e de Yale. O jogo se popularizou entre as universidades mesmo não apresentando regras específicas. Como não havia regras bem definidas, cada equipe adotava sua tática que julgava mais adequada, não havendo um padrão entre os times. Em 1874, nos Estados Unidos da América, houve alguns jogos entre as equipes das Universidades de Harvard e Mcgill do Canadá. O formato do jogo era muito semelhante como acontece hoje, porém com as regras do Rugby, haja vista que o esporte não tinha regras específicas para sua prática. “Os jogadores de Harvard gostaram de ter uma oportunidade de correr com a bola, e em 1875 convenceram a Universidade de Yale a adaptar as regras de Rugby, para o jogo anual entre as duas universidades” (DUARTE, 2004, p. 225). Já em 1876, as Universidades de Yale, Columbia e Princeton se juntaram e formaram a Associação de Futebol Inter-universitário com o nome de Intercollegiate Football Association. As regras ainda não eram muito diferentes dos Rugby, porém algumas mudanças foram feitas e a marcação das pontuações tiveram uma atribuição diferente. Com a formação de uma associação houve o interesse de uniformizar as regras para que o jogo se tornasse mais igualitário entre as equipes, dando assim oportunidade de vitória para todos os participantes (SOARES, 20O4). No ano de 1883, após sucessivas adaptações das regras do Rugby, Walter Camp, ex-jogador e treinador da Universidade de Yale, (considerado o pai do Futebol Americano) alterou algumas regras, o que configurou a forma de jogar atual, iniciando o futebol americano como esporte efetivamente. As 56 mudanças foram: o número de jogadores foi reduzido para onze participantes, houve também a introdução de arranjo das jogadas. Ou seja, a introdução estrutural do time de ataque, que em breve período de tempo tornou-se a formação ofensiva, formada por sete jogadores com um quarterback4 (FUNK, 2008). No ano de 1890 os jogos de Futebol Americano tiveram uma pausa a pedido do Presidente Teddy Rooserlt. Seu pedido de paralisação deve-se principalmente pelas lesões e mortes provocadas pela prática do jogo. Devido a isso, mais uma vez o esporte sofreu adequações, dessa vez para garantir a segurança dos atletas. O uso de equipamentos de segurança tornou-se obrigatório. Durante esse período foi criada a National Collegiate Atlhetic Association – NCAA. As mudanças de regras tornaram o Futebol Americano efetivamente um esporte. Haja vista que para se configurar como um esporte é necessário passar pelo processo de esportivização, como afirma Elias (1994), o que será apresentado mais à frente. Dessa forma, esse primeiro movimento com a criação de uma associação são indícios do início da esportivização da prática do Futebol Americano (FUNK, 2008). No ano de 1906, houve a implantação do passe de costa nas jogadas. E em 1912, mais mudanças ocorreram. As dimensões do campo foram alteradas e o valor do touchdown passou a valer seis pontos além de acrescentar um quarto down, ou seja, quatro jogadas do ataque, consecutivas de uma mesma equipe com posse de bola para avançar no mínimo 10 jardas no campo adversário. A bola no formato atual apresenta forma elíptica feita de borracha com cobertura de couro e pesa entre 396g a 425g, como ilustra a foto a baixo (DUARTE, 2004).

4 Posição do Futebol Americano, jogador de posição da equipe ofensiva. Sua função é dar início a jogada e fazer os passes 57

Foto 1 - Bola oval

Fonte: Foto de Igor Bueno

Em 1922, foi criada a National Football League – NFL. Atualmente, a NFL possui 32 equipes espalhadas em todo o território Norte Americano. O jogo de encerramento da Liga Nacional, NFL, a principal liga de futebol americano dos Estados Unidos é conhecido como Super Bowl. Em tal evento decide o campeão da temporada, a final nesse formato é disputado desde o ano de 1967, e com a junção das ligas National Football Conference – NFC e da American Football Conference – AFC, é considerado o evento esportivo com maior audiência do país. É anualmente assistido por milhões de espectadores espalhados nos Estados Unidos como também em todo o mundo, é transmitido pela televisão e possui uma das maiores audiências. É considerado o evento com a publicidade mais cara da televisão mundial (FUNK, 2008). O Futebol Americano na atualidade tem apresentado grande sucesso e ascensão mundial. Por meio da NFL e da midiatização, o esporte ganhou reconhecimento mundial. Os jogos são transmitidos para aproximadamente 160 países, com fãs espalhados por todos os continentes, Europa, Ásia e América do Sul principalmente (SOARES, 2004). 58

Segundo a definição apresentada pela NFL – Nation Football League, Futebol Americano é um esporte que tem como base a velocidade, agilidade, força bruta e principalmente na capacidade tática de seus jogadores. Dentro de campo são realizados trabalhos em equipe a fim de empurrar, bloquear e perseguir seus adversários com o objetivo de avançar pelo território do campo do adversário até a zona de pontuação. O jogo é formatado por uma série de jogadas rápidas de breve duração que se estendem pelo tempo da partida, que dependerá do andamento do jogo. Há substituições entre as jogadas, fazendo com que o jogo seja altamente tático e estratégico. Dentro de campo são onze jogadores com funções bem definidas e específicas a desempenhar conforme cada estratégia elaborada. Os times devem somar a maior pontuação para ganhar o jogo, sendo a penetração na endzone a maior pontuação, local onde a famosa jogada é realizada, o touchdown, que vale seis pontos. Ainda tem o direito de um chute ao gol valendo um ponto ou uma nova corrida até a endzone valendo dois pontos. Há apenas um único caso que pode se marcar pontuação sem se estar com a posse de bola. Tal jogada somente é possível quando derruba o adversário com a bola em sua própria endzone. Com relação ao tempo, 60 minutos de jogo são divididos em quartos de 15 minutos cada. Caso o jogo termine empatado, joga-se uma prorrogação na qual será o vencedor quem pontuar primeiro (http://WWW.NFL.COM, 2013, acesso em 17 de agosto de 2015). A seguir apresenta-se com mais detalhes como o jogo de Futebol Americano é constituído, como acontece a dinâmica dentro de campo, como e quais são as principais posições. Contudo, não foi possível aprofundar em maior densidade nos detalhamentos do jogo, pois, o espaço para tal se faz escasso como também não sendo o objetivo central de tal trabalho. Dessa forma, com um intuito de expor as principais características do jogo de Futebol Americano, se faz necessário apresentar brevemente o esporte e suas principais características.

3.2 Como funciona o Futebol Americano?

3.2.1 O jogo

59

O jogo de Futebol Americano é composto por uma série de jogadas de curta duração. Não há limite de substituições entre os jogadores. Dentro de campo estão presentes 22 jogadores que apresentam especializações variadas, os jogadores são específicos para cada situação dentro de campo. Por esse motivo, cada jogada é decidida previamente. Constitui-se de um esporte extremamente tático e com muita interferência do corpo técnico do time. Apresenta uma simulação de um xadrez humano, pois os treinadores definem a movimentação das peças dentro de campo/tabuleiro. Outra analogia pensa o campo como um terreno de batalha ou campo de guerra, na qual, com seus generais, seus soldados as tropas se movimentam na tentativa de adentrar o território inimigo. As tropas em campo executam suas táticas de defesa ou ataque (ZYS, 2012). O grande objetivo do jogo é inicialmente avançar com a bola até o fim do campo do adversário, com isso objetiva-se marcar pontuações durante esse percurso de ‘invasão’ do campo do time oposto, haja vista que o oponente tentará impedir o avanço como também a marcação de pontos. Sendo assim, a equipe que marcar o maior número de pontos vence a partida (ZYS, 2012). O time que tem a posse de bola é chamado de time de ataque (ofensivo) e a intenção desse time é avançar pelo campo adiversário através de corridas ou passes até cruzar a linha de gol e chegar a uma área chamada end zone (zona final) onde é possível marcar a maior pontuação, seis pontos, chamado de touchdown. O time adversário é chamado de time de defesa (defensivo) e tenta barrar o avanço do time de ataque e retomar a posse de bola. Quando o time de ataque marca pontos ou perde a posse de bola, os times invertem os papéis. O time A, por exemplo, se estiver como o time de ataque em campo e perde a posse de bola, entra na próxima jogada como o time defensivo, e assim por diante até o final dos quatro quartos. A duração do jogo é composta por quatros quartos de 15 minutos cada. Sendo os dois primeiros quartos correspondentes ao primeiro tempo e dois últimos quartos ao segundo tempo, havendo um intervalo de 15 minutos entre cada um deles. A partida pode durar de 2 horas e meia a 3 horas e meia. É um período longo se comparado com outros esportes coletivos. A partida pode ser interrompida em vários momentos. O cronômetro para de fazer a contagem do tempo quando: há passes incompletos, troca de posse da bola, quando o 60 jogador sai pela lateral com a bola em jogo e quando é marcado uma pontuação (ZYS, 2012). É um jogo que não termina com o empate. Caso o tempo regular se esgote e as equipes estejam empatadas há uma prorrogação até o momento em que uma das equipes marque pontos. O chute de saída se dá quando inicia-se a partida no terceiro quarto e depois de cada pontuação. O chute deve ser executado da linha de 30 jardas (27,43 metros) e a bola apresenta-se em disputa em 10 jardas (9,14 metros). Nesse momento, o time de retorno deve avançar o máximo que conseguir para ganhar posição dentro de campo. Assim, o chute inicial de retorno, acontece quando há um chute de bola para o campo adversário e a equipe de retorno avança para o campo oponente. Nesse momento deve tentar interceptar e impedir o que o time que está com a posse de bola avance. Há também o chute inicial com o touchback, quando esse jogador recebe a bola na endzone (zona final) ele pode decidir correr com a bola ou ajoelhar-se . No caso do jogador se ajoelhar, a campanha começa na marca de 20 jardas. E existe também o chute inicial com retorno para o touchdown, quando o time que está atacando consegue avançar no campo do adversário e chegar até o final do campo chamado endzone e realizar o touchdown (ZYS, 2012). As formas de pontuação podem ser: o touchdown, chamado de TD, quando o jogador deve chegar ao final do campo do adversário, chamado de endzone, com posse da bola, ou o jogador deve obter a posse da bola na endzone e chegar ao campo adversário fazendo o caminho contrário. Essa jogada vale seis pontos. Há também a tentativa de ponto extra depois do touchdown na qual pode realizar um chute que vale um ponto, e mini touchdown corrido de 15 jardas que corresponde a dois pontos. Tem também o gol de campo, ou em inglês, Field Goal, chamado de forma abreviada de FG, quando a bola chutada deve passar do Y (traves) na qual pontua-se três pontos. E possui o safety quando o jogador é derrubado na sua endzone, resultado da falta no seu próprio campo ou a bola sai pela lateral ou pelo fundo da sua própria endzone, valendo dois pontos (ZYS, 2012). O campo de jogo corresponde a um retângulo com 120 jardas (109,7 metros) com 53 mais 1/3 de jarda de largura, ou seja, com 48,8 metros. Linhas laterais e linha do gol. A endzone, zona de pontuação dentro de campo, tem marcações de jardas. O Y tem altura de 10 pés que corresponde a 3,05 metros 61 com largura de 18 ½ pés, ou seja, 5,64 metros. O campo e o Y (traves) estão representados nas figuras abaixo que foram retiradas do livro de regras do futebol americano de grama da Confederação Brasileira de Futebol de Americano – CBFA.

Figura 1 - Campo de Futebol Americano

Fonte: ZYS, 2012. 62

Figura 2 - Trave de gol

Fonte: ZYS, 2012 O jogo acontece do seguinte modo: As jogadas tem o formato de escaramuça, ou seja, de embates de grupos pequenos. Nesse momento o time de ataque tenta avançar e o time de defesa deve evitar o avanço do adversário ao mesmo tempo recuperar a posse de bola. A jogada se inicia com a bola no chão e os jogadores dos times frente a frente. O movimento inicial de passar a bola é chamado de snap, lançamento para trás. Há também as jogadas iniciadas com a bola morta, ou seja, a bola é tirada da jogada e cai no chão. No momento em que a bola toca ao chão a jogada é parada (ZYS, 2012). O time de ataque deve tentar avançar ao menos 10 jardas em quatro tentativas que são chamadas de downs. Sempre que conseguir avançar 10 jardas ganha mais quatro tentativas, ou um first down. Caso não consiga conquistar 10 jardas deve entregar a bola ao time adversário. O avanço com a bola pode correr da seguinte forma jogadas de corridas, nas quais o jogador do time de ataque, que normalmente é o running back, recebe a bola atrás da linha imaginária transversal que corta o campo que separa o time adversário, ou seja, a linha de ofensiva e defensiva, chamada de scrimmage. Os times não podem ultrapassar essa linha imaginária antes do começo da jogada. Essa linha fica localizada no exato local onde a bola ficou depois da última jogada recente, pode-se avançar e recuar por faltas. Na Liga de Futebol Americano há duas linhas, uma que restringe a defesa e outra que delimita o ataque. O espaço entre essas duas linhas é chamada de zona neutra na qual é posicionada a bola para a realização do snap, lançamento da bola para trás. Apenas o center, o jogador que faz o snap da bola, é permitido ter uma parte do corpo na zona neutra. Todos os demais jogadores têm que se posicionar atrás da linha de scrimmage. Outra forma de avanço se realiza quando a linha ofensiva executa bloqueios para abrir caminho para o corredor. Uma possibilidade de avançar é na realização do movimento play action, que parece uma jogada de corrida e é na verdade uma jogada de passe. Essa jogada tem a função de enganar a defesa do time adversário (ZYS, 2012). Há também as jogadas de passe nas quais, de igual forma as jogadas de corridas, o objetivo é penetrar no time adversário. Uma possibilidade é o 63 jogador do time de ataque, que normalmente é o quarterback, fazer um passe para frente para outro jogador de ataque, o receptor deve agarrar a bola sem deixá-la cair no chão. Outro detalhe importante, o receptor deve ter um dos pés dentro do campo e o jogador pode avançar com a bola depois da recepção. O passe incompleto significa qualquer tentativa de passe para frente que não é completado. Quando o time encontra-se em sua 4ª descida, down, a equipe deve pensar com cuidado o que se deve fazer. Dentre as opções, tentar as jardas que faltam e conquistar uma nova primeira descida first down. Caso não consiga alcançar o objetivo a posse de bola é passada para o time adversário no local onde terminou a jogada. Outra possibilidade é tentar um fieldgoal e conquistar 3 pontos, ou seja, chutar a bola para que ela passe do Y. Devolver a bola com um punt, ou seja, um chute longo na bola do adversário no ponto onde terminar o retorno. Todas essas jogadas devem ser pensadas para que não sejam executadas de forma equivocada. Para isso, deve-se avaliar quantas jardas faltam? somar as jardas e tentar prever o risco. Qual o placar? Se está muito atrás no placar e avaliar o risco. Quanto tempo para acabar a partida? Qual a posição de campo? está próximo da própria endzone? Além da avaliação do risco (ZYS, 2012). A definição do movimento de interceptação se constitui da jogada de passe do time de ataque e termina nas mãos do jogador da defesa, o qual pode retornar e marcar um touchdown. A mudança de posse de bola ocorre quando o time que interceptou ganha nova série de descidas no ponto onde terminou a jogada. Há também o fumble que acontece quando o jogador com a posse de bola deixa a mesma cair sem que a jogada esteja morta. Quando um atacante tenta avançar com a bola e deixa a bola cair, acidentalmente ou forçado por um oponente, ele causa um Fumble. Qualquer jogador que está em campo pode recuperar a bola obtendo a posse da mesma. O time que recuperar a bola terá ou manterá a sua posse. Qualquer time que recuperar pode avançar com a bola e anotar touchdown. A defesa pode arrancar a bola das mãos do jogador de ataque. Se houver mudança de posse de bola, o time que recuperou ganha nova série de descidas no local onde terminou a jogada (ZYS, 2012). O time de ataque é composto pelos seguintes jogadores quarterback (QB) chama as jogadas; executa o passe; entrega bola para o corredor. Linha 64 ofensiva (OL) protege o QB; executa os bloqueios para as corridas. Corredores Running Back e Full Back, correm com a bola, recebem passe, protegem o QB e executam os bloqueios. Recebedores Wide Receivers, jogadores que se posicionam nas laterais do ataque e são os responsáveis por receber passes e também executam os bloqueios. Tight Ends (TE) hora são linhas ofensivas e hora são recebedores e se posicionam ao lado do Tackles. Tackles (OT) que são jogadores que ficam ao lado dos Guards e são responsáveis por bloquear defensores vindos pelos lados, proteger o QB e abrir espaço para uma corrida. Guards (OG) são jogadores que ficam ao lado do Center e são responsáveis por bloquear defensores vindos pelo meio, proteger o QB e abrir espaço para uma corrida. Center (C) é o jogador que faz o snap (passa a bola para trás ou por baixo das pernas) e depois bloqueia os defensores (ZYS, 2012). O Tackle. A defesa previne o avanço do atacante tentando o colocar no chão, quando o atacante que tem a posse da bola encosta pelo menos um joelho no chão, isso quer dizer que o jogador foi derrubado, o jogador da defesa fez um Tackle. Uma jogada também termina quando o jogador com a bola sai de campo. Já o time de defesa é composto pelos seguintes jogadores: Linha defensiva (DL), sua função é pressionar o QB, evitam corridas pelo meio da linha, pode ser composta por três ou quatro jogadores. Há também o Linebackers (LB), que tem a função de organizar a defesa, proteger contra passes curtos no meio do campo, fazer a maioria dos tackles em jogadas de corrida. Essa posição pode ser composta por três ou quatro jogadores. Cornerbacks (CB) eles têm a função de marcar os recebedores adversários, evitar que os passes sejam completados, ou seja, fazer as interceptações. Podem marcar por zona ou homem a homem. E finalmente os Safeties, que são de dois tipos os (FS e SS), são a última linha de defesa. O Strong Safety ajuda muito no jogo corrido e o Free Safety faz muitas interceptações (ZYS, 2012). Os cornerbacks e os Safeties (CB e S) são jogadores rápidos e atléticos que são responsáveis por marcar os wide receivers e anular o jogo aéreo do ataque. Existem também os times especiais. São jogadores que desempenham funções muito específicas. O Time de kickoff, que tem a função de chutar a bola e impedir o retorno do adversário. Especial do especial: Time de onside 65 kick, é um tipo de chute usado no kickoff ou em outro tipo de tiro livre, na qual a equipe com a posse da bola a chuta para a lateral ao invés de devolver sua posse ao adversário. O onside kick é normalmente usado quando um time está perdendo o jogo e busca continuar no ataque já que depois de uma pontuação (touchdown ou field goal) a equipe é obrigada a devolver a posse de bola ao adversário a não ser que o time faça o onside kick (ZYS, 2012). Outro time especial é o Time de field goal, Long Snapper, Holder e Kicker que são os especialistas responsáveis por atingir o Field goal, zona final do campo. Há também o Time de punt, composto por Long Snapper, Punter e Gunners, esses jogadores executam o punt, isto é, um chute tipo balão para que o time adversário ganhe a posse de bola longe daquele lugar, no outro extremo do campo (ZYS, 2012). Há também o Time de retorno de kickoff, são os que fazem os retornos. Time de bloqueio de field goal, tem a função de impedir que o chute do adversário tenha sucesso e devem ficar atentos para evitar os trick plays que são jogadas que tem o intuito de confundir a defesa. Exemplos de trick plays são os fake punts e fake fieldgoals, flea flicker, wildcat e outras. São eficientes em poucos momentos da partida, pois para darem certo é necessário que a defesa esteja desprevenida. E existe o Time de retorno de punt, que podem colocar ênfase no retorno ou no bloqueio do punt (ZYS, 2012). Outro importante elemento no jogo de futebol americano é compreender como são marcadas as faltas. Quando o jogo é complexo de se apitar se faz necessário sete árbitros em campo, cada um cuida uma área específica. O árbitro principal é o referee e ele é responsável por anunciar as faltas. As faltas são punidas com perda de espaço, faltas do ataque, o time recua e pode também perder a tentativa. Nas faltas da defesa, o ataque avança e pode resultar em nova série de descidas, downs. (ZYS, 2012). Possui também as faltas de ataque, que são as mais comuns: Falsa saída, perda de cinco jardas. Atraso de jogo, perda de cinco jardas. Segurar o adversário perde dez jardas. As faltas mais comuns cometidas na defesa: Realizar uma falta fora de jogo cinco jardas são perdidas. Agressão ao passador se perde 15 jardas mais uma descida. Interferência no passe de bola perde-se 10 jardas mais uma descida. Segurada da defesa, perde-se cincos jardas mais uma descida (ZYS, 2012). 66

Pode-se perceber que o jogo de Futebol Americano constitui-se em um esporte no qual o objetivo é conquistar o território do time adversário e marcar pontos. É um jogo por excelência estratégico e que necessita de formações táticas específicas para se conquistar a vitória. Constitui-se um jogo que apresenta uma formação que lembra a composição dos frontes de guerra. Em um primeiro momento, apresentou-se certa dificuldade no entendimento do esporte devido a inicial complexidade aparente do esporte. O Futebol Americano em si é um esporte de estratégia com vários times dentro do próprio time. Compreender como são estruturadas as posições e saber que dentro do time há também outro grupo de jogadores que compõem outros times, os times de especialidades, foi no início algo totalmente confuso para um pesquisador leigo no esporte. Entender como são feitas as marcações do campo foi outro elemento para ser compreendido. O brasileiro é habituado desde a infância a entender como é a diagramação básica de um campo de futebol association, compreende e reproduz o desenho do campo com muita naturalidade. Porém, o campo de futebol americano é diferente no que tange a suas marcações e zonas de pontuação. Diferente do futebol association onde somente o gol é o local no qual se marca pontos, o futebol americano há mais locais para pontuação, como por exemplo, a endzone onde se marca o touchdown, ou um Field Goal, que vale três pontos, é conquistado colocando a bola no chão e a acertando entre as traves verticais amarelas de gol atrás da endzone. Ou seja, a peculiaridades que somente são entendidas quando se tem maior contato com o esporte, as quais pode-se vivenciar por meio da execução dos trabalhos de campo e constantes observações realizadas dentro e fora de campo. Outros aspectos são as distâncias e medidas. O Futebol Americano é marcado por jardas e não em metros ou centímetros conforme os brasileiros estão habituados. Isso dificulta o entendimento das distâncias dentro do campo. Mais uma dificuldade encontrada para compreensão do jogo foi a nomenclatura das posições e termos em inglês. Por ser um esporte de origem norte-americana, todos os termos em sua maioria são em inglês. Para que se tenha uma noção inicial é necessário primeiro fazer uma rápida tradução do termo para em seguida conseguir compreender o seu significado. 67

Conforme eram desenvolvidas as idas a campo, as etnografias e observações, juntamente com instruções passadas por membros que participavam do grupo de pesquisa e já tinham maior conhecimento relacionado ao esporte, pois o praticavam, pode-se compreender melhor o jogo e ter uma leitura de campo apurada com saberes mais técnicos no que tange ao esporte. Conforme Bourdieu (1990) esses aspectos de não entendimento revelam a não familiaridade com o campo e habitus do objeto pesquisado. Nesse sentido, o trabalho etnográfico de imersão no universo (campo) do futebol americano se fez necessário para compreensão de aspectos que a olho nu, sem a lente do pesquisador, pouco seriam perceptíveis e compreensíveis. Deste modo, Bourdieu (1990) aponta que é preciso pensar a prática e compreender como ela se estrutura com características peculiares que cabe a cada esporte em especial, sendo o habitus elemento fundamental e necessário para a compreensão de onde está inserido o esporte e como ele vai ser entendido. Sem ele, o habitus, grandes dificuldades de entendimento se revelariam e muitos aspectos não seriam muito bem percebidos. Dessa forma, o trabalho de pesquisa proporcionou a imersão para se ter a compreensão da estrutura interna do campo e de como se organizam os agentes dentro do universo analisado. Foi na década de 1960, com a atuação de personagens como Peter Rozelle, Al Davis e Lamar Hunt, donos dos clubes de American Football League, que somaram esforços na junção das duas principais ligas profissionais daquela época. Isso fez com que o Futebol Americano despontasse como principal esporte dos Estados Unidos. Sendo o dinamismo um dos elementos importantes para tal feito, por ser muito mais rentável e dinâmico se comparado com o basketball. Sendo tal elemento imprescindível para o sucesso na era da TV. E com o surgimento de mitos do Futebol Americano com a grande final do NFL de 1958 chamado pelos norte- americanos como “the best game ever played”, sendo o primeiro grande Super Bowl com a formação de grandes nomes como Johnny Unitas e Jim Brown. Com isso, a popularização do esporte se deu cada vez maior e mais marcante no espaço esportivo dos EUA (FELSER, 2008). Com o passar do tempo uma infinidade de países do mundo inteiro passaram a praticar o Futebol Americano como esporte. Um dos primeiros países a criar uma federação nacional de Futebol Americano foi o Canadá em 68

1896. O Japão criou a sua federação nacional em 1936. E a primeira federação europeia foi criada em 1976. Desde então, o esporte tem uma expansão significativa, especialmente na Europa, que criou a fundação da Federação Europeia de Futebol Americano – EFAF, em 1993. Cinco anos mais tarde no ano de 1998, foi criada a IFAF – International Federation American Football com o intuito de gerenciar o Futebol Americano pelo mundo. Atualmente a IFAF conta com 60 países filiados. No ano de 2011, a entidade organizou a Copa do Mundo de Futebol Americano. Hoje, o esporte cresce cada vez mais em países como Itália, Japão, Áustria, Suécia, Alemanha, México, Argentina, Uruguai, Chile dentre outros que possuem ligas locais que contam com o apoio de universidades, clubes de futebol, de empresários, de patrocinadores dentre outros agentes que ajudam a fomentar o desenvolvimento do esporte em todo o mundo. O crescimento do Futebol Americano é uma tendência mundial e uma febre em grandes países como aponta a própria entidade. Hoje, a entidade conta com cinco grandes comitês continentais distribuídos nos cinco continentes. IFAF África, IFAF Américas, IFAF Ásia, IFAF Europeu e IFAF Oceania (IFAF, 2015).

A seguir, será apresentado a história do Futebol Americano no Brasil. Como essa modalidade esportiva encontrou demanda e espaço no Brasil e quais são suas características históricas que possibilitaram a entrada do esporte no país.

3.3 A história do futebol americano no Brasil

Com o processo de globalização e a grande propagação de informações pelo mundo, as trocas e interações culturais foram maximizadas, oriundo dessa ação, o futebol americano se difundiu pelo mundo todo. No Brasil, não foi diferente, a influência da cultura americana por meio do futebol americano se espalhou por todo o país. Contudo, pouco se sabe sobre o esporte, primeiro por não ser tão popular no Brasil, e segundo devido ao escasso número de publicações acadêmicas destinados em abordar o futebol americano. Fatores como esses tornam o conhecimento do esporte mais difícil, e por apresentar um perfil ligado principalmente ao amadorismo dos praticantes. No ano 2000, foi fundada a Associação de Futebol Americano do Brasil – AFAB, (hoje 69 chamada Confederação Brasileira de Futebol Americano – CBFA), ação essa deve-se principalmente ao crescimento de equipes por todo o país. A entidade máxima do esporte é reconhecida pelo Ministério do Esporte, Federação Internacional de Futebol Americano – IFAF, e Federação Pan-americana de Futebol Americano – PAFAF. Segundo informações da CBFA, o Futebol Americano é o esporte que mais ganha adeptos por todo o território brasileiro. Conta atualmente com trinta e três times em doze estados do Brasil (COSTA et. al, 2013). Foi no ano de 1986 que começou a história do futebol americano no Brasil, que nasceu nas areias das praias cariocas. O esporte começou a ser praticado em uma modalidade beachfootball, e tem como seus idealizadores Robert Segal e Thomas Brazil dentre outros amigos, que chegam aproximadamente a vinte pessoas (AFAB, 2013, apud SOARES 2004). Nos anos de 1990, com o advento da televisão por assinatura, ou TV a cabo, juntamente com algumas transmissões na TV aberta5, o esporte ganha popularidade entre os brasileiros. Nesse período, a modalidade flag football6 começou a ser implantada em São Paulo – SP como parte da grade de aulas de educação física em algumas escolas (SOARES, 2004). “O esporte começou a ganhar alguma popularidade no Brasil no final dos anos 90, graças às transmissões feitas pela Band do Campeonato de Futebol Americano dos EUA entre 1994 a 1998”. Hoje, os canais ESPN e BANDSPORTS transmitem os jogos da temporada NFL duas vezes por semana (AFAB, 2013, apud SOARES 2004). No ano de 2000 começou o Carioca Bowl, o Campeonato no realizado na areia das praias cariocas. Em 2006, foi realizado o primeiro campeonato de grama no Brasil, na região sul do país da Liga Catarinense. Em 2007, a Seleção Brasileira de futebol americano realizou seu primeiro amistoso em Montevidéu contra a Seleção Uruguaia. Com todo esse processo, o esporte começou a tomar forma e se firmar no cenário nacional devido a sua crescente popularidade. Em consequência

5 Televisão aberta é como são chamados os canais de televisão gratuitos. Receberam essa denominação depois da chegada da televisão por assinatura, ou seja televisão paga mediante a assinatura de um pacote de canais. 6 O Flag Football é uma versão do futebol americano com contato limitado. As regras básicas do flag são similares as do jogo profissional (também conhecido como tackle ou fullpads), mas em vez de derrubar o jogador com a bola ao chão, o defensor deve retirar uma fita (flag) para parar a jogada. Os jogadores usam um cinto onde as duas flags estão presas por um velcro (http://apfaonline.com.br/esporte/flag-football/ acesso em 17 de agosto de 2015). 70 disso, diversas equipes surgiram por todo o território brasileiro como também foram fundadas diversas entidades que objetivavam a formação de um corpo mais consolidado de atletas para a realização de campeonatos regionais e estaduais, permitindo assim vislumbrar a profissionalização do esporte no Brasil. Segundo informações da Confederação Brasileira de Futebol Americano – CBFA, criada no ano de 2013, o esporte apresenta uma expressiva taxa de crescimento em todo o território nacional. A entidade conta atualmente com doze entidades filiadas que representam os estados do , de Santa Catariana, do Paraná, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de , do Espírito Santo, do Distrito Federal, do Mato Grosso, de Pernambuco, do Amazonas e do Ceará. Com base em informações da Confederação Brasileira de Futebol Americano – CBFA, o perfil do público se caracteriza por ser, em sua maioria, constituído por um público jovem (81% entre 16 a 29 anos). É masculino, 89% e que cursa ou possuem escolaridade de nível superior correspondendo cerca de 91,3%. E corresponde a uma faixa de classe social de alto poder aquisitivo característico da classe A e B sendo 86,8% dos fãs de futebol americano.

Gráfico 1 - Classes sociais do futebol americano

classes sociais

A1 A2 B1 B2 C1 C2 D e E

2% 0%

11% 5% 26%

26%

30%

Fonte: AFAB, 2012 71

Gráfico 2 - Composição por sexo Sexo

11%

Masculino 89% Feminino

. Fonte: AFAB, 2012.

Gráfico 3 - Composição por sexo Faixa etária 3% 5% <15 11% 17% 16 a 18 19 a 24 21% 25 a 29 30 a 39 43% 40+

. Fonte: AFAB, 2012

Tais gráficos foram retirados do material desenvolvido pela equipe de futebol americano Cuiabá Arsenal. A equipe obteve as informações da pesquisa realizada pela AFAB no mês de julho de 2012. Hoje tal entidade apresenta-se com o nome de Confederação Brasileira de Futebol Americano – CBFA. Ao analisar os dados fornecidos pelos gráficos, algumas características do futebol americano no Brasil são apresentadas. Percebe-se que ele é por excelência um esporte que tem, em sua maioria, praticantes e espectadores de 72 classes mais altas, ou seja, é um esporte elitizado, o que corresponde uma fatia restrita da população brasileira. Outra característica geral, é por ser um esporte popular entre a população masculina jovem. Essa representação do esporte é importante se ter em mente, pois ajuda a entender como o campo esportivo e o subcampo do futebol americano se caracteriza. Essas informações obtidas por meio de registros oferecidos pela confederação obtidas em 2013 ajudam a delinear o perfil dos agentes que compõe o campo do futebol americano no Brasil. Atualmente, o Futebol Americano vem cada vez mais sendo divulgado e apresenta grande ascensão em vários estados brasileiros conforme aponta a CBFA (2013). Isso se deve, principalmente, aos meios de comunicação, como TVs, jornais e especialmente redes sociais que vem divulgando o trabalho das equipes espalhadas por todo o território nacional. Sendo as redes sociais o meio divulgador mais popular entre os times. Há pelo Brasil entusiastas que já praticavam o esporte, em torno de duas décadas, porém, o Futebol Americano ganhou um aumento considerável de fãs e praticantes nos últimos anos. A internet, por meio de fóruns e redes sociais, agregou interessados, com isso, times começaram a nascer. O interesse pela prática vem se pulverizando por todo o país. A prática no formato “fullpad" - em campo de grama e com equipamentos de proteção para absorver o contato físico - ainda é recente, acontece desde 2009 pelo país. Mas, nem todos os times contam com os equipamentos necessários para a prática esportiva adequada. São muitas as dificuldades de aquisição de capacetes shoulderpads, camisas de treinos, dentre outros. Além de não serem tão disponíveis para a compra, pois são produtos em sua grande maioria importados e o preço para obtenção também é alto. Mesmo assim, com as inúmeras adversidades apontadas, a demanda esportiva do futebol americano vem crescendo cada vez mais. De acordo com Bourdieu (1990) mesmo o esporte apresentando certa autonomia, como um espaço, ele não é voltado somente para si, não havendo relação com o interno, ele está também conectado com práticas e consumos, ou seja, com o externo. Nesse sentido, torna-se importante entender como são construídas essas relações entre o interno e o externo, havendo assim, muitos agentes que contribuem para o aumento de popularidade que ajuda a fomentar a demanda pelo futebol americano. 73

A televisão também tem papel fundamental como agente no aumento de popularidade. No início dos anos 1990, a base de fãs era pequena, mesmo assim a TV Bandeirantes exibiu a NFL em TV aberta, foi o início tímido, mas que deixou legado. Um grande impecilho era dificuldade na busca por informações e isso limitava a popularização do esporte. No canal de esporte ESPN, que exibe a NFL no Brasil desde 1994, cresce a cada dia o número de espectadores por jogo. Tudo somente foi possível devido a facilidade na busca de informações na internet. Nos anos 2010, os fãs passaram a buscar mais detalhes sobre como era o jogo, buscavam saber sobre as regras e dados dos times e do esporte, tudo isso graças a internet. Em entrevista ao portal esportivo ZH esportes no dia 28 de janeiro de 2015, Guilherme Cohen, jornalista, diz que “as pessoas que deixaram o preconceito de lado se entregaram ao jogo. O futebol brasileiro foi ficando defasado com essas coisas de tapetão e quem foi entendendo o jogo e a NFL começou a ver que é um baita espetáculo7” Nesse sentido, para Bourdieu (1990), o universo das práticas esportivas é resultante da relação entre uma oferta historicamente produzida e uma procura inscrita nas disposições. O conjunto de práticas esportivas ofertadas está destinado a encontrar certa demanda social da mesma forma que a demanda social está destinada a encontrar certa oferta. Norbert Elias (2005) aponta que essa configuração de disputa de poder faz parte da configuração das relações humanas, assim sendo, não está desconectada do campo esportivo. Conforme aponta a fala de Guilherme Cohen, as ações tanto do futebol association quanto do futebol americano estão em disputa pelo poder, no que se refere a hegemonia do poder quanto a preferência esportiva, por exemplo. Mesmo a indústria cultural ser composta pelos muitos meios de produção e difusão, a televisão e mais recentemente a internet, tendem se tornarem dominantes. As mesmas podem mostrar fatos diferentes da realidade, dramatizar ou aumentar a importância destes. Sendo um instrumento para construir uma ideia ou ideal, conforme aponta Bourdieu (1990).

7 [Disponível em] l acesso em 21 outubros de 2015

74

Nessa conjuntura, a prática de diferentes esportes depende, em graus diversos para cada modalidade, do capital econômico e, de forma secundária, do capital cultural e do tempo livre que o indivíduo dispõe. Conectado a isto, há também de se levar em consideração a afinidade que se estabelece entre as disposições éticas e estéticas associadas a uma posição determinada no espaço social e os lucros que serão obtidos em função destas disposições em praticar determinado esporte em detrimento de outro (BOURDIEU, 1983). Ao apresentar um pensamento de forma conectada com as ideias de Bourdieu, juntamente com os dados apresentados nos gráficos, é possível perceber que o Futebol Americano é um esporte que atende uma lógica de esporte diferenciador dentro do subcampo esportivo, pois para a sua prática se faz necessário um conjunto de condições e disposições as quais chama-se de habitus para que se possa praticá-lo. Corroborando nesse sentido, Marchi Jr (2001) aponta que as estruturas estruturadas que se apresentavam com estruturantes passam, por intermédio de disposições de determinados agentes sociais, econômicos e culturais, a ser estruturantes no que tange a forma de agir, pensar e principalmente consumir um determinado produto esportivo (MARCHI JR., 2001, p. 180). Dessa forma, são criadas as demandas esportivas dentro da sociedade baseadas na análise e apoiado na teoria de Pierre Bourdieu. Outro elemento que demonstra o surgimento de uma demanda esportiva é o crescimento da prática no Brasil, tanto que o número de fãs e praticantes do Futebol Americano cresce. No Brasil, tem duas ligas semiprofissionais – campeonato brasileiro, que é organizado pela Confederação Nacional, e o torneio Touchdown que se desenvolveu de forma independente. Há também em todo o país ligas regionais que realizam competições. O crescimento do esporte também se reflete com a inédita entrada da seleção brasileira de Futebol Americano na copa do mundo de Futebol Americano no ano de 2015. Em reportagem veiculada no portal de notícias online Globo Esporte com o título: “Atletas do Arsenal embarcam para a Copa do Mundo de Futebol Americano8” traz uma matéria apontando a entrada de quatro jogadores da equipe do Cuiabá Arsenal na seleção que disputaria os jogos em Ohio nos Estados Unidos. Na linha ofensiva, Hátilo Fogo, como wide receiver, Heron

8 [Disponível em] < http://globoesporte.globo.com/mt/noticia/2015/07/atletas-do-arsenal- embarcam-para-copa-do-mundo-de-futebol-americano.html > acesso em 26 de outubro de2015. 75

Azevedo, na defensive line, Andrei Vargas e o line backer, Igor Mota, serão os representantes mato-grossenses no selecionado brasileiro de futebol americano. O surgimento de times em várias cidades e o aparecimento de ligas têm movimentado cada vez mais o campo esportivo do futebol americano, com isso, revelando novos talentos. Reflexo disso é a entrada de brasileiros na Liga Nacional de Futebol Americano NFL. No ano de 2014, o jogador, Caio Santos se tornou o primeiro jogador do Brasil a atuar em uma partida da temporada da NFL. Caio é kicker do Kansas City Chiefs. Há também muitos outros jogadores que pertencem as ligas universitárias. A participação de brasileiros na NFL também é um fator importante, que mostra a demanda crescente do esporte. A seguir, passa-se para a apresentação de forma breve da história do Futebol Americano no estado de Mato Grosso, seus principais times e estrutura.

3.4 A história do Futebol Americano em Mato Grosso

Estudar o Futebol Americano, tomando o caso do estado do Mato Grosso e, em especial a equipe do Cuiabá Arsenal, é importante à medida que nos fornece maiores conhecimentos sobre este esporte ainda pouco conhecido no Brasil. Assim, este trabalho apresenta um panorama do Futebol Americano no estado e posteriormente, em especial, a equipe do Cuiabá Arsenal, objetivando apresentar o percurso histórico da modalidade em Mato Grosso e da equipe Cuiabá Arsenal. Mato Grosso apresenta lugar de destaque na história do Futebol Americano em terras brasileiras. A história do Futebol Americano em Mato Grosso se confunde um pouco com a história do time Cuiabá Arsenal, haja vista que a equipe foi pioneira na prática do esporte no estado, devido principalmente, ao nível dos atletas e comissão técnica, sendo a mola propulsora para a criação e desenvolvimento de outros times no estado. Desde então, outras equipes se formaram, a equipe do Cuiabá Angels (única equipe de futebol americano feminino do estado até então), Sinop Coyotes, Tangará Taurus, Rondonópolis Hawks, Várzea Grande Sabertooth e Sorriso Hornets. Desde o momento da criação e desenvolvimento do Futebol Americano em Mato Grosso, em especial na cidade de Cuiabá, percebe-se uma expansão do 76 esporte em todo o estado. O cenário do Futebol Americano ainda passa por constantes transformações. Muitos times se estruturam, outros passaram e ainda sofrem transformações no processo de consolidação quanto times. A seguir, apresentam-se de forma breve os times de Futebol Americano que compõem o cenário esportivo de Mato Grosso. Na data de 17 de setembro de 2007 foi fundada a equipe feminina de Futebol Americano do estado, Cuiabá Angels. Essa data corresponde ao primeiro treino realizado pelo grupo de meninas interessadas na prática do esporte na cidade de Cuiabá – MT. Inspiradas pela equipe masculina Cuiabá Arsenal, as fundadoras ao iniciar seus treinamentos objetivavam desenvolver um time com nível competitivo no cenário nacional. Mas, poucos torneios foram realizados, pois o Futebol Americano feminino ainda se encontra em expansão no Brasil. A equipe feminina fez seu registro no ano de 2009, tornando-se a Associação Cuiabá Angels – Futebol Americano Feminino (ACAFAF). Juntou- se com a Liga Feminina de Futebol Americano – LIFEFA, fundada em outubro de 2013 a qual organiza o torneio Endzone, primeiro campeonato feminino nacional de Futebol Americano. Obteve alguns títulos e torneios, o Pantanal Bowl II e Taça Capital em 2009, foi vice-campeã do Torneio Vila Velha Tritões em 2010, teve ainda como destaque de melhor ataque, defesa, especialista e melhor Quarterback. No ano de 2012, conquistou a Copa Espírito Santo. E em 2011, realizou um amistoso contra a seleção do Rio de Janeiro, no qual foi o primeiro jogo equipado da modalidade feminina no país. Desde então, o time passou por uma série de desistências e modificações, e devido a suas dificuldades, como falta de comissão técnica e equipamentos, o time foi incorporado ao Cuiabá Arsenal no ano de 2015. Dessa forma, se extingue o Cuiabá Angels e cria-se o time feminino do Cuiabá Arsenal (RODRIGUES, COSTA, 2014). A equipe da cidade de Sinop, localizada ao norte do estado de Mato Grosso, Sinop Coyotes, foi criada em novembro de 2008 por um grupo de amigos interessados no esporte. Obteve seu registro em cartório em 2013, cinco anos após sua criação. O Sinop Coyotes integrou a Confederação Brasileira de Futebol Americano em 2012 e 2013, mas devido a resultados abaixo do esperado se desligou da liga brasileira em 2014 e passou a integrar o Torneio Touchdown. Tal torneio é também de nível nacional, porém, autônoma da confederação. De forma geral, a equipe apresenta boa estrutura 77 e conta com comissão técnica estruturada. Participou de amistosos com os times do estado e também fez parte do primeiro Pantanal Bowl MT em 2014 (RODRIGUES; COSTA, 2014). O Tangará Taurus é uma equipe sediada na cidade de Tangará da Serra, localizada a 240 km da capital a sudoeste do estado de Mato Grosso, possui seu registro de criação no ano de 2010. O nome Tangará tem como princípio o nome da cidade juntamente com Taurus, touro em português, foi escolhido devido a força física, agressividade e instinto de proteção deste animal, muito comum na região do município, região de grande concentração de cabeças de gado. A partir de amigos que gostavam do futebol americano, a ideia surgiu e assim passaram a praticá-lo aos finais de semana. Desde sua criação a equipe visa se consolidar como uma equipe forte, mas as dificuldades como, o número reduzido de jogadores, falta de equipamentos e o não incentivo das autoridades locais, dentre outras adversidades, impedem o seu crescimento e projeção. Considera-se ainda como uma equipe amadora. A equipe ainda não participou de jogo ou torneio nacional, mas já realizou amistosos com outras equipes do estado. No ano de 2014 também participou do Pantanal Bowl MT. Os atletas do Rondonópolis Hawks se reuniram pela primeira vez em 2006 para a prática do futebol americano na cidade de Rondonópolis, que está localizada no sudeste do estado e distante 219 km da capital Cuiabá. Em 2012, começaram a montar uma equipe competitiva para participar de torneios nacionais. A oficialização da equipe deu-se apenas em 2013, no dia 22 de junho com a fundação da Associação Atlética Rondonópolis Hawkns. No ano de 2013, a equipe participou do I Circuito Nacional de Flag, organizado pela CBFA e, em 2014, fez o seu primeiro jogo fullpad (com todo o equipamento de proteção) no estadual Pantanal Bowl MT. Também neste ano, participou do II Circuito nacional de Flag (RODRIGUES; COSTA, 2014). O Sorriso Hornets, da cidade de Sorriso, localizada no norte mato- grossense, foi pensado em 2012, mas consolidou-se como um time em 2013 com o amistoso contra o Sinop Coyotes, onde contou com apoio do Cuiabá Arsenal, com treinamento e empréstimos de equipamentos. A equipe participou do Pantanal Bowl I. Busca-se consolidar como equipe e atrair mais jogadores para a prática. Ainda não foi realizado o registro em cartório como Associação, 78 mas possui uma diretoria eleita e sistematização de treinos. O processo de registro ainda segue em tramitação. A equipe de Várzea Grande Sabertooth teve início a partir da ideia de três amigos que gostavam do futebol americano, e, motivados pelo sucesso do Cuiabá Arsenal, almejavam expandir o futebol americano para o município vizinho à capital. A ideia surgiu em julho de 2012, mas devido à falta de organização de uma diretoria a equipe, não se consolidou oficializou. Muitos de seus então jogadores treinam atualmente com o Cuiabá Arsenal. Em termos de torneios, a equipe participou do II Circuito Nacional de Flag, não obtendo vitórias e emprestou alguns jogadores ao Rondonópolis Hawks no jogo da final do Pantanal Bowl MT. Não foram registradas mais atividades relacionadas ao time da cidade de Várzea Grande, e atualmente o time encontra sem atividade (RODRIGUES; COSTA, 2014). Antes de apresentar a história da equipe do Cuiabá Arsenal é interessante destacar que o processo de construção e consolidação do Futebol Americano em Mato Grosso ainda está em desenvolvimento, muitos aspectos ainda não são conhecidos e necessitam de melhor esclarecimento no que tange aos desdobramentos e ações políticas para a efetivação do esporte no estado. É importante também acrescentar neste panorama a criação da Federação Mato-grossense de Futebol Americano (FMTFA), cujos membros fundadores são as equipes do Cuiabá Arsenal, Cuiabá Angels, Tangará Taurus e Sinop Coyotes. A Federação teve a assembleia de criação e eleição do estatuto em abril de 2013. Apesar de o estatuto ter sido aprovado e a diretoria da Federação formada, ainda não foi registrada em cartório e passa por trâmites burocráticos. Com essa ação, um dos objetivos principais é a consolidação do Futebol Americano no estado do Mato Grosso, incentivando e apoiando as equipes federadas e as que estão em processo de formação. Com esse processo, dá-se o início de uma ação afim de fortificar e fomentar a criação de novas equipes no estado com o desejo de tornar a presença de Mato Grosso nas competições nacionais cada vez mais marcante. Na análise sociológica do esporte, esses processos são alguns indícios do início, mesmo que tímido, da esportivização, como afirma Elias e Dunning (1992). Para esses autores, a organização da estrutura de um esporte com ligas, confederações e federações, o maior controle de atividades físicas violentas, com regras e equidade entre os opoentes, por exemplo, são indícios 79 de um processo que os autores chamam de esportivização, que seria a grosso modo, a passagem dos jogos para esporte efetivamente. Ou seja, a passagem de atividades físicas para um processo mais organizado com regras estabelecidas e organizadas. Essa transição pode ser evidenciada no futebol americano em Mato Grosso, a crescente organização das equipes dá um caráter mais profissional e menos amador. Elias e Dunning (1992) percebem que as transformações internas de cada equipe, juntamente com uma estruturação do cenário estadual e nacional, é algo presente na análise do esporte futebol americano e constituem base para o desdobramento de muitas outras pesquisas a fim de acompanhar esse processo. Desse modo, pode-se compreender e analisar as transformações que ocorrem dentro da sociedade por meio de um olhar que perpassa o esporte. Com base nos dados disponíveis na Confederação de Futebol Americano, o esporte tem a melhor média de público e renda em comparação aos principais times de futebol do estado mato-grossense. O Cuiabá Arsenal, foi campeão nacional em 2012 da liga da Associação de Futebol Americano do Brasil (AFAB), atraiu em média 3,1 mil pessoas em seus jogos com arrecadação em torno de R$ 23,3 mil por partida, segundo dados do time (AFAB, 2012) 9. De acordo com informações da Federação Mato-grossense de Futebol Americano, a média de público foi de 142% maior que a média do Campeonato Mato-grossense de Futebol. A edição de 2014 reuniu em torno de 1.666 espectadores por jogo. Em um comparativo, o campeonato de futebol association apresentou um número bem menor, por volta de 688 espectadores por jogo10. Segundo a assessoria de imprensa do Cuiabá Arsenal, em dois jogos do Campeonato Mato-Grossense realizados em Cuiabá, o Arsenal registou quase 4 mil pagantes. E mesmo no interior, onde o esporte começa a surgir e se

9 Tais informações foram obtidas em material fornecido pela equipe do Cuiabá Arsenal para pesquisa. Constitui-se de dados referentes ao projeto comercial do ano de 2013 desenvolvido para exposição para jogadores e possíveis patrocinadores da equipe. 10 Olhar direto - Média de público do estadual de futebol americano é 142% maior que do futebol 'tradicional'. Disponível em

80 desenvolver mais recentemente, a média de público foi aproximadamente de mil torcedores por partida. Sendo o primeiro campeonato estadual se apresentando acima das expectativas no que se refere ao número de torcedores e ao nível dos atletas.

3.5 O Futebol Americano em Cuiabá: O Cuiabá Arsenal

No ano de 2002, um grupo de amigos se reunia no campo da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT para a prática do Futebol Americano. Com reuniões aos finais de semana esse grupo cresceu e tornou- se um time conhecido e respeitado no cenário do Futebol Americano. Esse foi o início embrionário da equipe que viria a se chamar Cuiabá Arsenal. Em seu início a equipe não possuía um nome até a data de sua fundação, era apenas um grupo que praticava Futebol Americano aos finais de semana. Desde então, essa reunião de amigos para a prática do jogo se estendeu tornando-se o Cuiabá Arsenal, o time de Futebol Americano da cidade de Cuiabá. O idealizador original do time foi o empresário Orlando Ferreira Junior. Orlando teve seu primeiro contato com o Futebol Americano pelo canal, TV por assinatura, Band Sports no qual assistia alguns jogos e apresentava um interesse, ainda pouco expressivo pelo esporte. Porém, não se vinculava de forma tão próxima em especial ao esporte Futebol Americano. Não era ligado a nenhum time em especial e pouco conhecia das regras do jogo. Era um assinante do canal e esporadicamente assistia alguns jogos do esporte norte- americano. Vale ressaltar que o perfil do fundador, ou seja, a característica do dirigente é um indício fundamental, um indicador, para compreender como o campo e a prática esportiva se estrutura e é estruturada dentro da lógica esportiva, já que, o campo, ou subcampo esportivo será determinado pela característica dos membros que compõem aquele campo em especial. Assim sendo, as características, ou seja, o habitus dos agentes, principalmente presidentes, dirigentes e pessoas da direção vão ditar o modo de operar, a conduta exigida para pertencer a determinado campo. Reflexo direto do habitus do conjunto que compõe o espaço social. Havendo assim uma homologia entre o campo e a estrutura e estratificação social que compõem a sociedade 81

(BOURDIEU, 1990). Dito isso, inicia a trajetória histórica da equipe Cuiabá Arsenal. No ano de 2002, Orlando, juntamente com sua esposa realizaram uma viagem de passeio aos Estados Unidos da América. Durante a viagem o casal desejava realizar algumas atividades típicas de norte-americanos, uma delas era participar de eventos esportivos. Ao pesquisar, Orlando Junior soube que o esporte mais popular dos Estados Unidos era o Futebol Americano. Interessado em ter uma experiência esportiva comprou ingressos para assistir uma partida de Futebol Americano na cidade de São Francisco no estado da Califórnia. Para não ficar sem entender o que estava acontecendo durante a partida, buscou estudar as regras do jogo, fez algumas pesquisas e procurou matérias que abordassem a respeito. Encontrou muito material em inglês, mas poucas dados em português. A partir de suas buscas encontrou um grupo de pessoas que praticavam o Futebol Americano no Brasil, mais especificamente na cidade de São Paulo – SP. Ao assistir o jogo encantou-se com o esporte, com o evento, com todo o aparato entorno que envolvia o Futebol Americano. A partida foi San Francisco 49ers e Dever, tal jogo foi a abertura da temporada do ano de 2002. Desde então, Orlando apresentou cada vez mais interesse no esporte. Mesmo não havendo material em português, Orlando continuou suas pesquisas e obteve mais informações a respeito do esporte. Essas informações foram importantes para criar uma identidade do habitus do Futebol Americano (informação verbal)11. Observando por um viés por meios dos ombros de Bourdieu, pode-se perceber que Orlando dispunha de um capital cultural e econômico distinto, pois ler em outro idioma e dispor de recursos para a realização de viagem o categoriza em um conjunto distintivo de capitais, e tais características são importantes elementos para compreender o habitus do futebol americano praticado em Cuiabá, Mato Grosso. O aprofundamento dessa análise será apresentado no capítulo seguinte. Ao retornar para o Brasil trouxe consigo uma bola de futebol americano que, em um primeiro momento, era apenas um suvenir, para guardar de recordação do jogo assistido, mas foi com essa bola que começou a reunir os amigos para praticar o esporte em Cuiabá. Desde então, após estudar um

11 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 82 pouco as regras do futebol americano, ao viajar aos Estados Unidos, ao assistir o jogo e por fim trazer uma bola oval para Cuiabá, o interesse de Orlando em praticar o esporte cresceu, tudo de forma muito despretensiosa, já que acreditava não ter idade o suficiente, na época com 30 anos, para praticar um esporte novo de forma mais séria (informação verbal)12. Durante esse percurso pelo desejo de praticar futebol americano, Orlando encontrou alguns grupos de pessoas que jogavam o esporte no Brasil. Conheceu o Futebol Americano flag13, uma modalidade sem contato, ao conversar com pessoas que jogavam na cidade de São Paulo no parque Ibirapuera. Ao observar e ler as regras do flag percebeu que era possível praticar essa modalidade em Cuiabá. Nesse sentido, o futebol americano em Cuiabá iniciou a partir da ideia da prática da modalidade flag, pois necessitava menos investimento, haja vista que os contatos na época eram escassos e difíceis e a compra do material necessária para a prática do esporte ainda não era uma realidade. Em outubro de 2002, Orlando Junior marca a primeira partida. Chama alguns amigos para a primeira partida de flag, mas de uma maneira muito grosseira do que é o esporte mesmo propriamente dito nos formatos oficiais como aponta o Orlando Júnior em entrevista concedida. Seus amigos, em sua maioria, eram pessoas que jogavam o futebol association, e por esse motivo não conseguiu avançar muito com esse grupo, pois eram amigos de outro esporte e pouco se interessaram pelo futebol americano.

12JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 13 Segundo a APFA- Associação Pró- Futebol Americano – Flag foottball O Flag Football é uma versão do futebol americano com contato limitado. As regras básicas do flag são similares as do jogo profissional (também conhecido como tackle ou fullpads), mas em vez de derrubar o jogador com a bola ao chão, o defensor deve retirar uma fita (flag) para parar a jogada. Os jogadores usam um cinto onde as duas flags estão presas por um velcro. 83

Foto 2- Primeiro jogo de Futebol Americano

14 Fonte página oficial do Facebook da equipe Cuiabá Arsenal

Foto 3 - Primeira partida

Fonte página oficial do Facebook da equipe Cuiabá Arsenal

No final daquele ano de 2002, ao fazer uma viagem para o Rio de Janeiro – RJ, no caminho Orlando Júnior teve a possibilidade de parar em São Paulo – SP e jogar com o pessoal na cidade de São Paulo. Com esses contatos e experiências, Orlando volta para Cuiabá – MT determinado a

14 Fonte: as fotos da primeira partida foram retiradas da página oficial da equipe de Cuiabá Arsenal 84 praticar o esporte. Começa a chamar outras pessoas e a divulgar por meio da internet. A comunicação via web era um pouco mais complicada, se fazia por e- mail como aponta Orlando (informação verbal)15. Vale destacar que na época as redes sociais não eram tão proeminentes como atualmente e isso era um empecilho para congregar pessoas em torno de um objetivo. Assim, o grupo reunido via web começou a praticar o Futebol Americano em uma modalidade parecida com flag no campo da UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso. Usaram esse espaço entre os anos de 2003 a 2006. No final do ano de 2005, esse grupo de amigos reunidos através da internet começou a crescer. Por estarem dentro do campus da Universidade Federal, os alunos, principalmente dos cursos das engenharias, tiveram contato com o esporte norte-americano. Com isso, fez com que o número de pessoas crescesse. Diante desse crescimento, Orlando observou a necessidade de dar o próximo passo, que era a competição. Foi organizada uma espécie de campeonato mato-grossense. Com o número de pessoas que compunham o grupo de pessoas interessada pelo esporte foi possível dividir em quatro times. Era um “peladão” de Futebol Americano (informação verbal)16. Os jogadores foram divididos em quatro equipes, se fez um tipo de draft17 com base em algumas referências dos Estados Unidos obtidas na viagem feita por Orlando. A gente tentou fazer um evento muito bem organizado por que era a base que os caras tem lá. Mesmo sendo uma pelada com os amigos a gente fez abertura, chamamos imprensa, chamamos fisioterapia, ambulância, enfim, fizemos um acontecimento e foi um sucesso, quem participou gostou, quem assistiu gostou. Enquanto a gente estava envolvido com esse torneio eu via que a nossa evolução natural seria que aqueles quatro times crescessem, cada um a sua maneira, para a gente começar a ter jogos entre essas equipes aqui em Cuiabá (informação verbal)18.

Este período de reunião de amigos estendeu até 2005, quando se começa a pensar em jogos amistosos contra outras equipes nacionais e

15JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 16 Ibid 17 Evento para escolher novos jogadores e testar as suas habilidades para compor as equipes principais. 18 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min). Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 85 competições, também em nível nacional, pois era a única equipe do estado. Enquanto estava envolvido com essa competição, Orlando imaginava como os times iriam evoluir no futuro. Um dos jogadores, o José Miguel Bispo, apelidado de Joe, aluno de música da UFMT, propôs de marcar um jogo com o time de outra cidade. Devido as circunstâncias, a proposta de ir até a cidade do time adversário não foi viável, então o time de Cuiabá, até então sem nome, propôs que o time adversário visitasse Cuiabá e em seguida a equipe devolveria o jogo para o adversário na cidade sede. Após essa negociação, o time Tubarões do Cerrado da cidade de Brasília – DF aceitou a proposta e a partida foi marcada para julho de 2006. Do período do fechamento da partida com Tubarões do Cerrado havia somente dois meses para montar um time completo. Era necessário criar um time para enfrentar a equipe de Brasília, foi então que surge a equipe de forma unificada. As quatro equipes que existiam foram reunidas e formaram um time único. A grande dúvida que surge é qual nome dar para aquela equipe de jogadores. Algumas sugestões foram feitas. Para tanto, foi montado um grupo de discussão no Orkut19. Após muitas ideias e propostas, aconteceu a escolha do nome. Segundo Orlando Ferreira Junior (fundador) “Cuiabá em homenagem a cidade e o Arsenal, visto o arsenal de guerra que hoje é o Sesc”. Hoje, o prédio sedia a instituição Sesc Arsenal localizada no bairro do Porto da cidade de Cuiabá ( informação verbal)20

E ai foi, em dois meses a gente colocou o time de pé, fazer uniforme, organizar a partida aqui (Cuiabá), preparar arbitragem, divulgação e tudo mais. Esse foi o nascimento da equipe, o nascimento foi 16 de julho de 2006 quase 10 anos (informação verbal)21.

.

19 Rede social 20 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min). Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 21 Ibid, JUNIOR 86

Foto 4 - SESC Arsenal, antigo arsenal de guerra da cidade de Cuiabá

Fonte: Equipe Cuiabá arsenal.

A partir do núcleo desse grupo, os alunos da UFMT, juntamente com outras pessoas da cidade sem vinculação direta com a Universidade formaram o Cuiabá Arsenal. Tudo isso facilitava muito a relação das atividades, pois os jogadores eram, em sua maioria, alunos da UFMT e os treinamentos aconteciam ali mesmo na cidade universitária. O campo que não era utilizado pelo futebol association da cidade, não tinha uma boa gerência do local como aponta Orlando Ferreira. A administração do campo era da faculdade de educação física, sua utilização se dava somente pelos alunos e pelos professores que lá tinham a escolinha do Uirapuru22, essa era praticamente as únicas utilidades do espaço. E por conta do envolvimento de Orlando Ferreira com o Futebol no passado, dispunha de bom contato com a administração da escolinha de futebol do Uirapuru. Após conversar com os administradores do campo, o time do Cuiabá Arsenal começou a utilizar com mais frequência o espaço esportivo da UFMT. Jogava-se sábado e domingo pelas manhãs e depois passou para sábado e domingo à tarde.

O pessoal que tava passeando gostava de ver, então chamava a atenção da comunidade também. Foi meio que natural a nossa presença ali. E também isso levou o pessoal, os alunos a aderirem mais, os alunos já conviviam ali pelo campus

22 Associação Atlética Uirapuru, escolinha de futebol. 87

estavam próximos e era mais fácil para eles se aproximarem (informação verbal)23

Dessa forma, percebe-se que o ambiente da Universidade Federal de Mato Grosso sempre foi receptível para a prática do Futebol Americano, criando um ambiente que proporcionou o desenvolvimento de um time com caráter universitário. Em 2006, o Arsenal realiza jogos contra equipes nacionais e inicia a preocupação com treinos e condicionamento físico para competir. A partir de 2009 o Arsenal adquire equipamentos de proteção e registra a equipe em cartório como Associação Atlética Cuiabá Arsenal. Neste mesmo ano, contrata jogadores americanos para participação em campeonatos nacionais, sistematiza os treinos e passa a exigir disciplina dos atletas, itens importantes para se considerar a profissionalização (RODRIGUES; COSTA, 2014). Orlando relata que sempre teve apoio desde o início de seu projeto para a estruturação de uma equipe de futebol americano, através do seu bom relacionamento com os outros empresários da cidade. Também havia a contribuição de outros jogadores bem relacionados que ajudavam a articular e expandir essa rede de apoio. Dentre esses apoios contava com uma rede universitária e os respectivos cursos de Fisioterapia, Comunicação Social e, em especial, a faculdade de Educação Física da UFMT, que contribuíam diretamente junto a equipe dentro e fora de campo. Outra grande ajuda inicial foi o apoio da maior livraria da cidade, que atualmente é patrocinadora da equipe. A imprensa local desde o primeiro momento que foram enviados relesea24 para a divulgação da equipe sinalizou retorno de forma positiva. Estiveram presente nos principais eventos e ações do Cuiabá Arsenal. As matérias em sua maioria apresentam uma representação positiva do futebol americano em Mato Grosso. Ao se fazer uma busca pelos principais sites de notícias relacionados ao esporte do estado percebe-se o sentido positivo das matérias. Em matéria publicada em 03 de junho de 2014 tem o

23 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 24 Material informativo distribuído entre jornalistas antes de solenidades, entrevistas, lançamentos de filmes etc., com resumos, biografias, dados específicos que facilitem o trabalho jornalístico. 88 seguinte título. “Cuiabá, sede da Copa, e sua paixão pelo futebol... americano25”. Conforme o print.

Imagem 1 - Torcida Cuiabá Arsenal

Fonte: site Globo Esporte

A matéria traz informações sobre a relação entre a cidade de Cuiabá sediar a jogos da Copa do mundo, e, mesmo assim, o assunto mais falado e debatido é o futebol americano. No título da notícia, a agência EFE juntamente com o site da ESPN, fazem o uma brincadeira com as reticências, criando um suspense, uma interrupção, para uma resposta que parece óbvia. Em trecho da matéria diz:

A nove dias do início da Copa do Mundo, a cidade de Cuiabá, uma das 12 sedes da competição, respira futebol... americano. O esporte que é uma verdadeira paixão nos Estados Unidos tem em Cuiabá mais sucesso de público que o futebol, já que a cidade possui apenas uma equipe na terceira divisão do Campeonato Brasileiro26.

25 Disponível em http://espn.uol.com.br/noticia/415334_cuiaba-sede-da-copa-e-sua-paixao- pelo-futebol-americano > Acesso em 28 de setembro de 2015. 26Disponível em acesso em 23 de setembro de 2015. 89

Nota-se grande a abrangência e repercusão dentro do cenário esportivo de Mato Grosso, a importância e ênfase dada aos dados para demonstrar que o futebol americano tem maior público que o futebol association.

Em outra matéria do site Olhar Direto, diz que a média de público do futebol americano em Mato Grosso é maior que do futebol association entendido como ‘tradicional’. Tal reportagem, veiculada no dia 21 de junho de 2015 traz como imagem de capa a torcida do Cuiabá Arsenal ao fundo e no plano intermediário uma grande faxa com a frase: “ Força Raça Arsenal” e em um plano mais próximo o geléia, mascote e animador do time.

Foto 5 - Torcida Arsenal e mascote27

Fonte: Foto de Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto

“Média de público do estadual de futebol americano é 142% maior que do futebol 'tradicional28'” . E mais recentemente, a equipe conta com o apoio da prefeitura municipal da cidade de Cuiabá – MT e com o governo do estado de Mato Grosso, com uma proposta de desenvolver um evento de grandes proporções.

27 Foto de Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto 28 Disponível em acesso em 23 de setembro de 2015. 90

O governo do estado junto com a equipe do Cuiabá Arsenal firmaram realizar a final da superliga centro-sul nacional dentro da Arena Pantanal, com o intuito de ser o evento com maior público de Futebol Americano do Brasil. Para isso acontecer, era necessário que a equipe do Cuiabá Arsenal desenvolvesse uma boa campanha durante a liga centro-sul do Brasileiro de Futebol Americano como demonstra a matéria apresentada pelo site Globo Esportes no dia 27 de agosto de 2015. A imagem abaixo, retirada do site do jornal esportivo Globo Esporte, em matéria escrita por Robson Boamorte, é possível perceber na foto a equipe do Cuiabá Arsenal no primeiro plano e ao fundo a Arena Pantanal com o título da matéria: “Cuiabá Arsenal torce para chegar na final para jogar na Arena Pantanal”. No corpo da matéria traz informações do tipo, “O Cuiabá Arsenal está prestes a ser o segundo time do país a mandar um jogo em um estádio de Copa do Mundo”. E traz também a informação da parceria firmada entre o time e o governo do estado. São matérias com tal conteúdo que são veiculadas na mídia local. Não foi encontrada nenhuma matéria que apresentasse informações de cunho negativo.

Imagem 2 - Cuiabá Arsenal e Arena Pantanal

Fonte: print de imagem retirada do site globo esportes. Elaborado pelo autor (2015) 91

Em outra notícia, do dia 12 de outubro de 2015, apresenta a confirmação do bom desenvolvimento da equipe do Cuiabá Arsenal. Dessa forma, é confirmada a realização do evento dentro da Arena Pantanal contra a equipe do Coritiba Crocodiles no dia 21 de novembro de 2015. O título da matéria diz: “Cuiabá Arsenal vence White Sharks e garante semifinal na Arena Pantanal”. A principal informação evidenciada na notícia se refere ao evento a ser realizada na Arena pantanal, a final da Superliga centro-sul.

Imagem 3 - Confronto Cuiabá Arsenal e Coritiba Crocodiles

Fonte: site globo esportes29

Já em matéria publicada no dia 20 de outubro de 2015, apresenta como título da notícia: “Cuiabá Arsenal inicia campanha por recorde de público na Arena Pantanal”. Tal matéria evidencia a campanha da equipe de Futebol Americano da capital para levar o maior público de futebol americano já registrado no Brasil.

29 Print retirado do site disponível em acesso em 20 de setembro de 2015. 92

Imagem 4 - Arsenal busca recorde de público.

.

Fonte: site globo esporte30

Percebe-se que a mídia local é um agente de grande importância para o desenvolvimento e manutenção da imagem do time dentro do campo esportivo local e regional. Como apresenta frases positivas, ajuda a gerar no público uma identificação imediata com a imagem do Cuiabá Arsenal, em um primeiro momento, com a capital e em segundo com o estado de Mato Grosso. Outro agente que mais recentemente conectou-se com o Cuiabá Arsenal foi o governo do estado de Mato Grosso, que vem desenvolvendo ações no entorno da Arena Pantanal visando tornar o espaço de vivência da sociedade mato- grossense. Percebendo o potencial da equipe do Cuiabá Arsenal, o governo do estado cria uma ligação, tanto para fomentar uma imagem positiva de integração entre os esportes como também uma imagem de uso para Arena, pois acreditava-se que tal espaço se tornaria um grande elefante branco, sem uso. Conforme relata Orlando, o apoio nunca é muito fácil de obter no esporte. Por ser um time amador de futebol americano não conta com uma

30 Print retirado do site disponível < http://globoesporte.globo.com/mt/noticia/2015/10/por- recorde-de-publico-arsenal-inicia-venda-de-ingressos-para-final-do-fa.html> acesso em 21 de outubro de 2015. 93 fonte de recursos fixa, porém sempre encontrou abertura para criar vinculação e apoio.

(...) a gente sempre teve apoio, não é fácil, não é todo mundo que quer ajudar, não se tem dinheiro, não se tem recurso próprio, mas a gente não pode reclamar não. A gente conseguiu bater nas portas e as portas foram se abrindo e dando apoio (informação verbal)31.

Entre as dificuldades relatadas, colocando em ordem de maior para menor dificuldade, Orlando Junior destaca que em primeiro lugar foi conseguir pessoas para jogar. Conseguir pessoas dispostas a jogar um esporte desconhecido e investir tempo nesse esporte. Durante sua gestão como presidente da equipe, até o ano de 2013, Orlando aponta que passaram pela equipe entre setecentas a mil pessoas que estiveram como jogadores do Cuiabá Arsenal, porém poucos conseguiram permanecer na equipe.

(...) até 2013 eu controlava pessoalmente o cadastro dos jogadores, a gente teve entre 700 e 1000 pessoas que passaram pelo Futebol Americano pelo Cuiabá Arsenal como jogadores que em algum momento o cara entrou em campo seja lá para treinar ou jogar. É um número expressivo. Você olha tem 53 jogadores no time e tem mais de 1000 que passaram exatamente por isso. Você conseguir que os jogadores se dedique, aprenda, estude é a primeira grande dificuldade (informação verbal)32.

Conforme a equipe crescia em número de participantes fixos, em eventos e ações, o Cuiabá Arsenal percebia que reunia condições para crescimento, mas, com isso, cresciam também os recursos necessários para manter o esporte. A soma de dinheiro aumentava com o tempo por conta dessa evolução natural. Eram necessários mais recursos para manutenção da equipe, assim, algumas dificuldades surgiam. A compra de equipamento, por ser importado, era uma grande dificuldade. Alguns jogadores recém tinham adquirido equipamentos e nem todos os membros da equipe contavam com toda a proteção que a modalidade exige. Para realizar suas viagens os jogadores realizavam cotas internas para o custeio do deslocamento e hospedagem, sendo o autofinanciamento a principal fonte de renda da equipe.

31 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 32 Idem JUNIOR, 2015 94

Em 2006, basicamente eram realizados amistosos, Cuiabá Arsenal jogou cinco amistosos, um em Cuiabá com os Tubarões no mês de junho e em setembro a equipe viajou para o sul e realizaram três partidas, com jogos no final de semana, aproveitando o feriado de sete de setembro. Em novembro retorna a Brasília para jogar novamente contra os Tubarões do Cerrado. Após a experiência obtida com a viagem ao sul, foi proposto, junto com as outras equipes, criar os bowls, com o intuito de realizar campeonato com quatro equipes aos finais de semana com feriado emendado. O primeiro desses bowls ocorreu na capital federal Brasília, torneio capital em maio de 2007. Em setembro de 2007 foi realizado o Pantanal bowl. No ano seguinte, em 2008, foi realizado o torneio Brasília bowl e no mês de setembro Pantanal bowl II, em seguida em novembro Sorocaba bowl no estado de São Paulo. Em 2009, foi o último ano dos bowls, realizado no Espírito Santo no qual a equipe do Arsenal não participou. Até o ano de 2010, o grupo não contava com um treinador em seu quadro. Os próprios jogadores treinavam a si mesmos. Essa era a segunda grande dificuldade. Por não ter uma comissão técnica que permitisse o desenvolvimento desses jogadores, havia pouco conhecimento técnico com relação ao incremento de ações que visassem sanar as dificuldades existentes no quesito de melhoramento técnico do esporte, ou seja, tinham amplitude limitada. Em 2010, a equipe passa a contar com a experiência dos americanos, Clayton e depois com o Brian, e mais recentemente, com o KJ, passa-se a ter uma estrutura de comissão técnica mais desenvolvida. Assim, após as estruturações, o Cuiabá Arsenal passa a ter uma comissão técnica remunerada e uma estrutura técnica de treinamento focada no melhor desenvolvimento da equipe. E por fim, no que diz respeito às dificuldades enfrentadas pelo Cuiabá Arsenal, outro apontamento feito por Orlando como dificuldade, foi em ter um local para os treinamentos e a realização dos jogos. Era necessária muita criatividade para adequar os campos para o Futebol Americano. As adversidades com relação ao espaço para se realizar o esporte sempre existiram. A gente já fez jogos que você olha assim e diz " Meu Deus" tanto locais “Meu Deus” que ruim quanto “Meu Deus” para 95

locais bons! A gente já fez partidas no Dutrinha33 com 5 mil pessoas precisando usar as duas arquibancadas, as duas cheias, Arsenal e Corinthians, foi um espetáculo. A gente já fez partidas no miniestádio do CPA I que a iluminação não permitia ver a bola, a poeira do campo não permitia o juiz ver a bola, o juiz não conseguia ver o que estava acontecendo lá com os jogadores. Espaço sempre foi uma dificuldade (informação verbal34).

Pode-se perceber que a equipe do Cuiabá Arsenal passou por diversas modificações e transformações, tanto no que tange de estrutura como de gestão, para se consolidar como uma equipe de futebol americano no estado de Mato Grosso. Mesmo sendo de caráter amador, a equipe conta com profissionais renumerados, tem uma marca, e recebe patrocínio de empresas que são parceiras da equipe. Essas características são indícios, como aponta Elias (1994), de um processo de esportivização. Atualmente a equipe conta com uma história com grandes resultados e títulos. No ano de 2009, o Cuiabá Arsenal realizou a sua primeira grande competição com equipamento, o Torneio de seleções do Sorocaba, um grande avanço para as equipes. Na segunda metade do mesmo ano aconteceu o Torneio Touchdown, então com oito equipes e o Cuiabá Arsenal entre uma dessas equipes participantes, sendo a sua primeira competição nacional. Em 2010, o Torneio Touchdown segue outro caminho e assim é criada a Liga Brasileira de Futebol Americano, que depois se transforma em Super Liga Nacional. Dos torneios e campeonatos que a equipe já participou, obteve o título de campeão no Pantanal Bowl I em 2007, Torneio Capital II em 2008 e Sorocaba Bowl, também em 2008. Conquista o Pantanal Bowl II em 2009 e o título de campeão brasileiro em 2010 e 2012 (Brasil Bowl). Também foi campeão do primeiro torneio estadual, o Pantanal Bowl MT, em maio de 2014. (RODRIGUES; COSTA, 2014).

33 Ao se falar em Dutrinha se refere ao estádio Eurico Gaspar Dutra. 34 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 96

Quadro 1- Títulos Cuiabá Arsenal

Ano Títulos

2012 – Campeão Brasileiro

2010 – Campeão Brasileiro (Brasil Bowl)

2009 – Campeão da Divisão Oeste do Torneio Touchdown

2009 – Campeão do Pantanal Bowl III

2008 – Campeão do Torneio Capital II

2008 – Campeão do Sorocaba Bowl I

2007 – Campeão do Pantanal Bowl I

Fonte: Elaborado pelo autor (2015)

Durante esse processo de estruturação e expansão do time houve momentos que alguns jogadores foram convocados para a seleção brasileira de futebol americano. O primeiro jogo realizado foi contra a seleção do Uruguai, no ano de 2008. Nesse percurso, cinco jogadores foram enviados para universidades americanas. Hoje o time conta com treinador norte- americano que também faz parte da equipe desde o ano de 2010. Dentre esses destaques estão os seguintes jogadores: Andrei Vargas e Igor Mota, que atuaram na seleção Brasileira de Futebol Americano. Além de Weslei Jardim, Ricardo Schultz e Heron Azevedo que são da Seleção e atualmente jogam nos EUA. Essas ações e seletivas para a seleção brasileira são indícios do reconhecimento interno quanto externo que se fazem necessários para estruturação do campo. Segundo Pierre Bourdieu (1990), para que o campo se mantenha, se faz necessário o desenvolvimento de ações que visem considerar a estrutura e fortificar as relações de reconhecimento dos agentes. Visa demonstrar a distribuição do capital simbólico específico institucionalizado constituinte do campo. O capital simbólico, geralmente chamado de prestígio, reputação, fama, distinção etc. é a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de capital. Esse tipo de capital é legitimado pelo reconhecimento dos 97 agentes que tem incorporados em si a estrutura do campo e está ligado a estrutura objetiva e a estrutura incorporada. (BOURDIEU, 2004). Observando a trajetória da equipe, o que foi traçado por Orlando Ferreira no começo ainda permanece hoje. A busca por excelência no esporte e a constante tentativa de ser o melhor time de Futebol Americano do Brasil ainda são objetivos presentes dentro da equipe. Com o processo de estruturação e em consequência de esportivização, desde o ano de 2010 o ingresso na equipe se dá por tryout seletiva, ou “peneira” para a abertura para novos jogadores. Vale a pena ressaltar que a cada ano o número de candidatos vem aumentando, muitos jovens hoje almejam tornar-se um atleta de Futebol Americano, sinal do prestígio que o Cuiabá Arsenal desfruta. Como aponta em entrevistas realizadas durante o tryout de fevereiro de 2014 e 2015, o motivo para a participação do time é muito variado. O desejo de praticar uma modalidade esportiva diferenciada, que poucas pessoas conhecem e se interessam, desafio pessoal e pela modalidade estar em crescimento, são elementos entendidos como convidativos para a prática das seletivas. Nas falas obtidas no tryout realizado em fevereiro de 2014 no campo do SESI Cristo Rei na cidade de Várzea Grande apresentaram as seguintes falas quando questionados sobre o motivo de participar do tryout.

P: por que você veio participar do tryout hoje?

E1.:“Eu gosto de esporte, daí...faz parte né. Como eu disse é um desafio, o cara gosta de esporte sempre um novo desafio um novo objetivo. No Mato grosso é o top do Brasil (se referindo ao Cuiabá Arsenal), e no Brasil está em ascensão não é o principal esporte mas vai ser...” (G.S, 18 anos, estudante) 35. E2.:“O Cuiabá Arsenal ele abre um espaço para pessoas que querem desenvolver e buscar o Futebol Americano e aprender. (...) Já busco o Cuiabá arsenal, pois ,tenho a chance de aprender, tem os professores... eles estão ali dispostos a te ajudarem” (L.B, 17 anos, estudante); 36 E3.: “Iniciativa de amigos chamando para participar devido ao meu porte, e vim me testar”(D.I 22 anos) 37.

35 G.S, Depoimentos [Fev. 2014]. Entrevistador: I.A.S. BUENO: UFMT, 2014. Áudio-01 sonoro, MP3. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 36L.B. Depoimentos [Fev. 2014]. Entrevistador: I.A.S. BUENO: UFMT, 2014. Áudio-010 sonoro, MP3. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 37 D.I. Depoimentos [Fev. 2014]. Entrevistador: I.A.S. BUENO: UFMT, 2014. Áudio-014 sonoro, MP3. Entrevista concedida para dissertação de mestrado 98

Conforme as falas colhidas no tryout realizado em fevereiro de 2015, no Estádio Eurico Gaspar Dutra, conhecido como Dutrinha, quando questionados o motivo do desejo de participar da equipe, apresentaram as seguintes respostas:

“Primeiro porque é um esporte que eu gosto, e acho que me daria bem, preciso aprender mais um pouco das regras, e poderia ajudar e por tá em crescimento né, precisa de gente para participar.38” (F.K, 24 anos, advogado). Já na fala do entrevistado P.H, (27 anos, desempregado) diz que devido ao crescimento do time, fez com que se interessasse em jogar Futebol Americano. “Por que eu vi o crescimento deles e por ser muito comentado na televisão resolvi praticar39”. Outro motivo apontado é a intensidade do jogo e as emoções envolvidas no esporte. Elias e Dunning (1992) apontam que através das práticas esportivas estabeleceu-se um espaço de maior ou menor tolerância pública à exteriorização das emoções, haja vista que institui-se na vida cotidiana o equilíbrio de tensões. Nesse sentido, o esporte se apresenta como momento de busca da excitação.

“É um esporte e é muito intenso. É um esporte onde o coração vale mais que tudo, então... além do Cuiabá arsenal ser uma equipe bem unida é um esporte fantástico e você supera limites”( M, 19 anos, estudante). 40

A resistência e persistência são alguns dos elementos apresentados pelos candidatos a jogadores do time. Por meio das entrevistas realizadas nos tryouts pode-se compreender que a motivação é construída principalmente por influência dos familiares que já participam da equipe como, por exemplo, irmão e primos. Outra influência marcante é oriunda da TV e da internet. Quando perguntados como conheceram o Arsenal, um número expressivo disseram ter o seu primeiro contato por meio da internet e da repercussão das ações do time. Como demonstra na fala de L. B, 17 anos, estudante diz que:

“Conheci o esporte pela internet, um amigo me mostrou um vídeo eu assisti gostei, ai procurei saber um pouco mais sobre

38 F.M. Depoimentos [Fev. 2015]. Entrevistador: I.A.S. BUENO: UFMT, 2015. Áudio-01 sonoro, MP3. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 39P. H. Depoimentos [Fev. 2015]. Entrevistador: I.A.S. BUENO: UFMT, 2015. Áudio-02 sonoro, MP3. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 40 MALON. Depoimentos [Fev. 2015]. Entrevistador: I.A.S. BUENO: UFMT, 2015. Áudio-02 sonoro, MP3. Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 99

o Futebol Americano. Comecei a praticar com o Cuiabá (...) e agora vim pra cá tentar mais uma vez o Cuiabá”.

O Desafio pessoal e desejo de fazer parte de uma equipe de importância são outros elementos de identificação do time. Esses fatores conjugados acionam o desejo de participar da equipe. Outros elementos das falas serão retomados e analisados no próximo capítulo. Outros itens de construção de vínculos são ações que apresentam o intuito de construir uma base de jogadores. Atualmente, o time de futebol americano Cuiabá Arsenal conta com uma escolinha de Flag Football. Atende jovens atletas de 10 a 17 anos em parceria com a Secretaria Municipal de Esportes com o objetivo de desenvolver a prática desportiva para a formação de novos jogadores. Embora seja um esporte sem grande repercussão no Brasil, um bom público tem assistido os jogos sendo que a aceitação e o número de interessados é grande, porém os atletas candidatos são em sua maioria muito jovens, havendo a necessidade de atletas de maior envergadura. Por isso, a equipe do Cuiabá Arsenal desenvolve ações que visem proporcionar a formação de categorias de base para o time principal. Ano após ano o Cuiabá Arsenal realiza suas seletivas, e a cada edição o número de participantes aumenta. Resultado do bom trabalho desenvolvido pelo time durante esses anos que vem atuando no cenário esportivo de Mato Grosso. Sua principal rede de divulgação de informações é a rede social Facebook41. A página do Facebook foi iniciada em 1 de outubro de 2002 e está vinculada com as páginas da Confederação Brasileira de Futebol Americano e Federação Mato-grossense de Futebol Americano. A composição dos seus membros é feita por fãs do time e jogadores. Tem mais de 25.538 curtidas, em média tem 479 pessoas falando sobre a página. Possui 23 vídeos disponibilizados. Há mais de 5 mil fotos expostas para o público. E esse forte apelo midiático cria um gosto por uma determinada prática esportiva. Dessa forma, congregando ações internas como a conquista de títulos com as ações externas ligadas a imagem e midiatização gera no público alvo o interesse e o desejo de participar, seja como praticante ou como espectador do Futebol Americano da Cidade de Cuiabá.

41 Endereço eletrônico da página do facebook na equipe Cuiabá Arsenal [disponível em acesso em 04 de novembro de 2015. 100

A gestão do time tem como característica o trabalho voluntário, ou seja, a sua direção é feita de forma não remunerada. Tendo como atual estrutura de direção: Paulo Cesar Ribeiro, Presidente da Equipe, vice-presidência (Vice- Presidência) - Marcelo Roversi. O responsável pela Área Esportiva, Raulin Leal. No Setor Jurídico - Phelippe Ayslan Fonseca Menegatti, e o responsável pelo Setor de Eventos, Thiago Victor Correa. Na área do Marketing, Henrique Pinheiro Pereira, Relações Institucionais Marcus Vinicius de Mendonça Jacarandá. O desenvolvimento de projetos está sob a responsabilidade de Ivan Moreira de Almeida. Os assuntos (Assuntos) Estratégicos à Anderson Xavier e a área de planejamento à Bruno Cézar Peres Antunes. Conta também com uma equipe de apoio remunerada, assessoria administrativa e de imprensa. Nota-se que há a preocupação em estruturar uma organização de forma racional, ou seja, no sentido weberiano no que tange a burocracia. Assim, a burocracia seria os meios analisados e estabelecidos de maneira totalmente formal e impessoal, a fim de alcançarem os fins pretendidos, tendo como foco central a eficiência. Com o processo de esportivização, as estruturas do esporte passam por um movimento no qual o pensamento burocrático pode ser percebido, já que, normas e regras são criadas a fim de normativizar e dar ordem e sentido racional para ações dentro do campo esportivo dando o caráter de maior formalidade, impessoalidade, legalidade e eficiência aos processos. Um indício (Um indício) da presença da burocracia no campo esportivo é o desenvolvimento de uma estrutura hierarquizada de administração. A divisão do trabalho em forma sistêmica, ou seja, onde cada um desempenha uma função dentro de um conjunto, assim sendo indício claro do processo de ações burocráticas dentro do campo esportivo baseado na visão de Weber (2004) quando fala sobre o processo de racionalização burocrática. Esse conjunto de características são cada vez mais desejadas na sociedade de mercado a qual se caracteriza o sistema capitalista. A gestão empresarial no ramo esportivo pode ser vista como fator importante para o sucesso de um empreendimento como é o caso do Cuiabá Arsenal. A cada dia mais as organizações esportivas vêm se apresentando como um grande nicho de mercado, e com isso cada vez mais é necessário que a gestão esportiva se faça presente. A gestão esportiva é uma área de conhecimento que cresce em importância dentro dos clubes e times em todo o 101 mundo. A gestão e o marketing esportivo focados no melhor rendimento no que tange reconhecimento e inserção no mercado são fundamentais para os times, equipes e clubes que se formam atualmente. Sendo duas frentes importantes, a gestão pensada no sentido interno e externo. A Gestão envolve a coordenação das atividades de produção e o “marketing” apresenta-se como uma sub área dentro da própria gestão. O “marketing” se preocupa com o processo de troca entre produtor e consumidor e tem seu grande foco no ambiente externo da organização. O “Marketing” é fundamentalmente definido como o conjunto de atividades que buscam facilitar e consumar relações de troca entre produtor e consumidor, como apontam os teóricos Kotler e Armstrong (2009). Nesse sentido, o Cuiabá Arsenal preocupado com esse aspecto de fundamental importância, pensa na atuação da equipe não somente dentro de campo, mas também fora dele no sentido de melhorar o seu desempenho quanto empresa esportiva. Tem dentro de sua organização uma empresa especializada na gestão do marketing, que tem como objetivo criar maior alcance de sua marca quanto time. Diversas ações foram realizadas com esse fim. Uma infinidade de vídeos, fotos e flyes foram desenvolvidos para criar uma identificação diferenciada no que tange ao time do Cuiabá Arsenal. Essas informações serão apresentadas com maiores detalhes no próximo capítulo. Todas essas ações geram uma grande repercussão e também grande identificação com o time e a marca, sendo um dos pilares para o desenvolvimento de um gosto esportivo. A cobertura da Mídia é composta por duas frentes utilizadas pelos veículos locais que são abastecidos pela assessoria de imprensa do Cuiabá Arsenal. Em época de campeonato esse número de releases semanais cresce com o intuito de ampliar a divulgação da equipe. Além das matérias sugeridas pelo Cuiabá Arsenal, os veículos criam suas próprias pautas e veiculam matérias independentes. Os principais veículos que destacam notícias do Cuiabá Arsenal são as mídias impresas como: A Gazeta, Diário de Cuiabá e Folha do Estado e também a mídia televisiva como TV Centro América (Globo) e TV Gazeta (TV Record). Conta com o apoio e divulgação dos principais rádios como Rádi (Rádio) Centro América, CBN e Mix FM. Além da mídia digital nos sites de notícias: G1, Olhar Direto, Folha, Gazeta, Diário e Mídia News. Com todas essas ações integradas surtiram efeito. Nos anos de 2010, 102

2011 e 2012 o Arsenal teve a maior torcida do país: 11,4% de público em todos os jogos realizados no Brasil da modalidade como apontam dados fornecidos pela equipe do Arsenal. Nesse primeiro momento, ao se fazer uma reflexão sobre a criação e desenvolvimento do Futebol Americano, pode-se destacar algumas características diferenciadoras se comparadas com outras modalidades esportivas. O esporte nasceu da adaptação do rugby desenvolvido por uma elite da sociedade americana, os universitários das mais renomadas universidades dos Estados Unidos da América. Percebe-se um fenômeno entendido por Pierre Bourdieu (1989) como sendo de autonomização do campo esportivo. Para entender esse conceito se faz necessário a compreensão em primeiro lugar do desenvolvimento histórico da modalidade, de suas dissidências, rupturas, ou seja, lutas concorrenciais, oposição de forças e jogos de poder. Assim, quanto mais o campo se torna um sistema cada vez mais complexo independente das estruturas relativas a ele, ou seja, de influências externas a ele, torna-se cada vez mais autônomo. Ou em um sentido weberiano secularizado. Sendo em um primeiro momento uma autonomia relativa, pois em seu começo dependia de alguns aspectos que norteavam o futebol americano no seu início. Haja vista que não existiam regras para determinar a sua estrutura, para tanto, necessitava ainda de se referenciar a um passado. O segundo momento se dá quando o novo campo se estrutura e parte com uma nova configuração diferenciada do anterior ao qual outrora se vinculava. Compreende-se que na história do Futebol Americano houve a autonomização a partir do rugby que deixa de ser praticado da forma tradicional e é adaptado para uma nova realidade desligada, ou seja, autônoma do esporte que dá origem a outro novo esporte que se estrutura então com uma nova configuração e rede de significados. Durante o levantamento histórico da modalidade, no que tange a sua origem, em momento algum foi apresentado elementos de popularização massiva do esporte para além dos times universitários. Vale ressaltar, que o esporte nasce a partir de uma modalidade esportiva, dentro dos muros das universidades da elite norte-americana, constituindo uma atividade adaptada para a nova perspectiva americana. Nesse momento, a contribuição de Bourdieu (1990) pode ser levantada a partir da análise de que, na 103 determinação do campo esportivo, um conjunto de disposições eram necessariamente exigido pela estrutura em formação para a modalidade. Diante disso, para se estar inserido nesse campo, era necessário apresentar algumas características e representações sociais. Era uma modalidade para universitários, de universidades de um rol de elite das instituições de ensino superior. Usando os termos de Bourdieu (1990), são os primeiros traços para a manifestação de um habitus esportivo característico de um esporte. Juntamente com essas características que forma o habitus, liga-se a ela outras linhas limitadoras. Obrigatoriamente, no início, para ter acesso a essa prática nas universidades como Harvard e Yale era necessário ter um capital cultural, social e econômico específico. Primeiro, para o ingresso nas instituições era imprescindível dispor de uma boa educação, ou seja, um elevado capital cultural, e em segundo, um grande aporte de capital econômico, haja vista que são universidades privadas. E, em consequência disso, tais capitais eram elementos presentes nos praticantes do Futebol Americano universitário. Ou seja, deveria haver uma prática constante e um sentimento de superioridade, um perfil diferenciado do restante dos universitários do país. Pelo modelo de análise de Bourdieu, tais sentimentos são determinações e especificidades sociais para a composição e delimitação de um grupo social que possuía na sociedade americana um poder econômico. Dessa forma, o Futebol Americano nasce de um perfil, ou melhor, dentro de uma conjuntura de capitais econômico, social e cultural muito específico e restrito, que refletem uma disposição a qual Bourdieu chama de habitus. Reportando-se ao pensamento de Bourdieu (1998), pode-se perceber que haviam nas relações de poder um desejo e a formação de uma sociedade com alguns aspectos diferenciadores. Assim, podem-se interpretar esses dados, em uma maior perspectiva de que uma nação, simbolicamente vista como vitoriosa, tem a capacidade, a intenção ou a autoridade de reproduzir seu potencial de poder através de inúmeras manifestações, nas mais diversas esferas sociais, como educação, esporte, literatura, cinema, entre outras. Servindo assim de estereótipo para outros países, ou seja, um tipo de modelo. Por conta desse raciocínio, observa-se que o exército e a escola, como também o esporte, são vias respeitáveis para o processo de divulgação e perpetuação de determinado modelo de sociedade e disposições de seus agentes. Sendo assim, quando analisa-se, por exemplo, o campo do esporte, 104 podemos encontrar homologias com a conjuntura social e entender aspectos da constituição de uma configuração de uma determinada sociedade. Como Bourdieu (1998) afirma, a constituição de um habitus social implica em uma separação, em uma distinção social de classe. E esse tipo de separação se reflete no esporte bem como na lógica de dominação, entendidas por Bourdieu como forma de dominação oculta. Visto dessa forma, é possível perceber que há uma determinada lei estrutural que se aplica na modalidade esportiva, ou seja, essa lei estrutural se reflete diretamente na prática de um determinado esporte que está conectado com habitus exigido para desempenhar aquela atividade esportiva. Reproduz a dominação social através do perfil exigido de seus participantes. Pode-se notar que a mesma estrutura se aplica ao futebol americano praticado em Cuiabá. Quando se faz a análise do perfil da gênese do futebol americano na capital do estado mato-grossense, percebe-se que ele também nasce dentro dos muros do ambiente universitário e se constitui como, tal a partir dos indivíduos que pertencem primeiramente ao ambiente universitário, ou seja, são agentes todos de um habitus de um campo em especial, espaço circunscrito à UFMT. É por isso que a reprodução do capital social é tributária, por um lado, de todas as instituições que visam a favorecer as trocas legítimas e a excluir as trocas ilegítimas, produzindo ocasiões (rallyes, cruzeiros, caçadas, saraus, recepções, etc.), lugares (bairros chiques, escolas seletas, clubes, etc.) ou práticas (esportes chiques, jogos de sociedade, cerimônias culturais, etc.) que reúnem, de maneira aparentemente fortuita, indivíduos tão homogêneos quanto possível, sob todos os aspectos pertinentes do ponto de vista da existência e da persistência do grupo (BOURDIEU, 1998, p. 68)

Assim, percebe-se que a história se repete. O futebol americano na cidade de Cuiabá surge de um espaço social que reunia indivíduos que apresentavam habitus e dispositivos hábeis para a prática do esporte. Bourdieu (1998) afirma que, para a constituição de um campo é necessária a existência e a definição de objetos de interesse, os quais, apresentam valores, tornam-se objetos de disputa, que irão definir o campo como um espaço de lutas, concorrência e busca de poder. A essas características soma-se a construção de um habitus que se encarrega de delimitar as fronteiras desse determinado campo e selecionar a introdução de novos agentes sociais. 105

Sendo objeto de disputa, a preferência pelo gosto esportivo da sociedade cuiabana é o interesse em disputa do Cuiabá Arsenal. Somando-se a esse objeto de interesse, agregasse a ele muitos outros ganhos que são oriundos desse objeto principal, tais como prestígio, visibilidade e poder. Ao analisar as posições relativas que compõem o interior desse campo esportivo e interpretando as relações objetivas que compõem tal espaço social estruturado, nota-se alguns indicativos que vão além da representatividade expostas unicamente dentro do campo. É possível realizar homologias com o espaço social e conseguir captar aspectos referentes a configuração social, por esse motivo, é salutar o estudo dos esportes, pois assim, pode-se entender muitos aspectos da sociedade que não são visíveis a olho nu. Em um sentido estratégico, o envolvimento do esporte com as possíveis instâncias de suporte financeiro e promocional, ou seja, a mídia, os patrocínios, vendas e desejos por produtos e suas interpenetrações, são aspectos impulsionados pela crescente espetacularização do esporte. Provavelmente, isso ocorre por decorrência da superposição de interesses, em primeiro lugar, da ordem de ser e se ter a preferência esportiva da sociedade cuiabana e, em um segundo momento, de ordem financeira que viabilizaram a mercantilização e a capitalização das imagens e do universo simbólico que compõem a modalidade esportiva espetacularizada (MARCHI. JR 2001). Até o presente momento no desenvolvimento desse trabalho é possível perceber e responder a duas das perguntas que fazem parte desse inquérito. Primeiro, que condições históricas possibilitaram a entrada desse novo esporte? E, Quais são as condições sociais de possibilidade de apropriação dos diferentes produtos esportivos assim produzidos? As respostas a essas perguntas podem ser alcançadas quando são apontados nas falas dos entrevistados que o futebol association não dispunha de prestigio e de proeminência nacional para se tornar um representante do estado no cenário esportivo brasileiro, ou seja, Mato Grosso até então não apresentava um time esportivo na categoria de esporte coletivo de grande conhecimento. Assim, nesse cenário, o futebol americano se encaixou nessa lacuna de representatividade. Portanto, as condições históricas que possibilitaram a entrada do futebol americano no estado foi o longo tempo sem um time de esporte coletivo prestigioso para representar o estado em magnitude nacional. 106

Assim, o futebol americano surge e conquista espaço dentro do seu campo, criando dispositivos de admiração e de desejo de vinculação. O que gerou a possibilidade de desenvolver um produto esportivo que fosse disponibilizado para a sociedade cuiabana em primeiro lugar e posteriormente para o estado, dando condições sociais para a apropriação do esporte como um representante prestigioso do estado. A análise detalhada em especial da equipe do Cuiabá Arsenal será apresentada no capítulo seguinte, no qual será realizado um apanhado detalhado do processo da espetacularização do esporte, e como se gerou a demanda esportiva do futebol americano em Cuiabá.

107

4 CAPITULO 3 – O KICK PARA A ESPORTIVIZAÇÃO E ESPETACULARIZAÇÃO DO CUIABÁ ARSENAL

Há um sucesso ainda em construção do produto esportivo do futebol americano na cidade de Cuiabá. Ao se observar a média de público dos jogos realizados nos últimos anos – em torno de mil e quinhentos espectadores – e também o número de participantes que realizaram o tryout – 400 participantes42 – pode-se perceber que cresce cada vez mais o interesse do público em participar das atividades esportivas da equipe do Cuiabá Arsenal. O crescimento do interesse se atrela diretamente com o empenho dos apoiadores e patrocinadores em estarem juntos com a equipe, que cresce ainda a cada ano. Com as conquistas e ações do Arsenal, ano após ano empresas demonstram o desejo de somar com a equipe seus interesses empresariais. Assim, como aponta Bourdieu (1983) a demanda esportiva é produzida em consonância com os anseios e necessidades apresentados na sociedade. Com a consolidação de títulos, bicampeão nacional da Superliga de futebol americano, além de títulos estaduais, e um constante trabalho de divulgação para incrementar e aumentar sua visibilidade, o futebol americano tornou-se um produto esportivo e uma via de exposição das empresas interessadas em vincular sua marca empresarial com o prestígio esportivo do Arsenal. Com isso, cresce o interesse de ligar a imagem da equipe com a proposta mercadológica dos interessados em criar parcerias. Hoje o Cuiabá Arsenal conta com patrocinadores, como uma livraria, um banco, empresa de material esportivo e também apoiadores, como a Prefeitura Municipal de Cuiabá, academias agência de propaganda43. Dessa forma, por meio do processo de profissionalização e em seguida pela construção de um esporte espetacularizado, o Cuiabá Arsenal se configura, atualmente, num objeto de pesquisa para compreender como acontece e é pensado o esporte na sociedade contemporânea. Ao analisar esses dois aspectos, a profissionalização e a espetacularização esportiva, é possível compreender como acontece a dinâmica da sociedade contemporânea, e, em especial da sociedade cuiabana e perceber as homologias existentes entre o campo esportivo e social.

42 Dados obtidos em trabalho de campo. 43 Os patrocinadores da equipe são: Sicredi, GTX. Como apoiadores são: Prefeitura Municipal de Cuiabá, doctor Feet, FCS, Unic e Phidias academia. 108

Assim, será apresentado a seguir como se ocorreu o processo inicial de profissionalização desejado pelo esporte e como a presença do elemento da espetacularização foi fundamental para que a equipe se consolidasse dentro do subcampo esportivo.

4.1 O kickoff inicial. A organização e pensamento empresarial da bola oval. Cuiabá Arsenal rumo à profissionalização.

Para utilizar o termo usado pelo professor Dr:. Wanderley Marchi Júnior em sua tese de doutorado “Sacando” o voleibol: do amadorismo à espetacularização da modalidade no Brasil (1970 – 2000), do ano de 2001, na qual Marchi Jr. (2001) usa o termo “viradas” para designar as passagens dos períodos da história do voleibol no Brasil, do mesmo modo será usado nesse trabalho. Como se trata de futebol americano, nada melhor que utilizar os termos correspondentes ao esporte para demarcar os momentos de transição de períodos, similar ao que foi feito por Marchi Jr em sua tese. Dessa forma, a primeira virada, que aqui será atribuído o nome de kickoff ocorreu em 16 de junho de 2006 quando foi formada a primeira composição de time com o nome de Cuiabá Arsenal para disputar competições. A partir desse momento, foi dado o primeiro ponta pé, kickoff, para o desenvolvimento da equipe. A partir de então, o Arsenal se constitui como time, desenvolve e cria uma marca com o objetivo de ser um representante do esporte, sendo a primeira equipe de futebol americano do estado de Mato Grosso. O segundo kickoff é representado com o primeiro jogo com o time totalmente equipado, fullpads44, ocorrido no dia 18 de abril de 2009. O jogo foi disputado contra a equipe da Seleção da Paraíba na cidade de Sorocaba no estado de São Paulo. Nesse histórico jogo, o Cuiabá Arsenal obteve a vitória de 7 a 0. Com a obtenção dos equipamentos, vale ressaltar que foi uma grande aquisição para a equipe devido ao difícil acesso e compra do material, o Arsenal conquista espaço para a disputa com outros times pelo Brasil na modalidade fullpads, configurando-se como um time amador de futebol americano com capacidade de disputar jogos com qualquer equipe em todo o

44 Com todos os equipamentos necessários para jogo, capacete, camiseta, calção, protetores, luvas, shouldrs e chuteira. 109 território nacional. Foi um momento marcante tanto de forma esportiva como também de forma administrativa para a equipe. Em 2010, o time conquistou o título de campeão brasileiro no Brasil Bowl, tal competição criada e organizada pela antiga Associação de Futebol Americano do Brasil – AFAB, atualmente com o nome de Confederação de Futebol Americano – CBFA, foi o primeiro campeonato a nível nacional organizado no Brasil. E dois anos depois, consagrou-se como bicampeão brasileiro do então Campeonato Brasileiro de Futebol Americano. Esses foram os dois títulos de relevância nacional. Com isso, a marca Cuiabá Arsenal, tornou-se cada vez mais presente na cidade de Cuiabá, sendo o despertar para um perfil profissional e focado. Com essas mudanças, o futebol americano da capital começa a delinear um perfil mais profissional e foca na obtenção de títulos e visibilidade em suas ações. Como aponta Orlando, a equipe apresentava um sentido ligado ao divertimento dos próprios jogadores. Posteriormente, com seu crescimento, esse perfil mudou, e com isso, muitas alterações foram implementadas.

Em 2011, a gente começa a fazer de uma maneira um pouco diferente. (...) como eu disse, o time era para os jogadores, então tinha os grupinhos tinha a rivalidade entre os grupinhos e tal mas, era divertido, nossa preocupação era que todo mundo se divertisse. Com a conquista do título de 2010, ai a gente percebe que com essa cultura não ia nos levar a diante que a gente precisava mudar junto com o planejamento de comunicação a gente viu que precisava mudar dentro do time, a gente precisava mudar de patamar. Foi um momento muito doloroso para a equipe, porque quando a gente rompeu com essa cultura que o time era para os amigos, era só para diversão, agora a gente tem que ter um time competitivo para torcida. Sendo um time competitivo, necessita de demanda de treinamento, disciplina e regras. A gente chocou com aqueles caras antigos que estavam ali por conta da amizade. E não é uma coisa assim que caiu a ficha do dia para noite, vários acharam que dava para viver dava para mesclar as duas coisas, é sério só para os novatos, então teve muitas dores espalhadas por ai ao longo dos anos, foi o momento que eu pensava assim: Será que a equipe resiste a essa mudança, será que é forte o suficiente para resistir? Mas foi forte, é forte, e acho que fez um bem danado. Então isso marca um novo momento, a gente busca novos jogadores, a gente começou realmente a abrir o leque, organizar anualmente o tryout, com divulgação, com campanha, com internet, de visita a colégios, 110

imprensa. Então começa a surgir jogadores dos lugares dos mais inusitados possíveis45.

Essa mudança de patamar, assinalada por Orlando, significou a abertura para o processo do início da profissionalização do futebol americano do Cuiabá Arsenal. O sentido/significado de mera diversão para um grupo de amigos é substituído pela eficiência e objetividade com um perfil profissional de um time competitivo com desejo de alcançar novos títulos e inserção nos cenários local e nacional. Para que tais objetivos fossem alcançados, era necessário que a equipe tivesse mais estrutura para consolidar suas conquistas e marcar seu perfil de eficiência e excelência. A equipe do Cuiabá Arsenal se transformou e vem se consolidando ao longo do tempo com a busca constante de apresentar o mesmo formato e modelo de profissionalização dos moldes dos esportes americanos, os quais pensam os times como empresas esportivas que oferecem o esporte como um produto a ser consumido. Em um modelo mais profissional, o time do Cuiabá Arsenal passa a ser entendido como uma empresa que apresenta o futebol americano como um produto com potencial comercializável. Tudo isso permite apresentar uma vinculação direta com o sucesso esportivo. O capital social e simbólico do Arsenal é visto por essas empresas como possibilitador de divulgação da sua marca. Alia sucesso esportivo ao desejo consumidor que reverterá em sucesso comercial. Esse é o formato da gestão e marketing esportivo atual que é cada vez mais desejado no mundo empresarial. Nesse sentido se faz necessário a definição de alguns termos. Por gestão esportiva pode ser definida como a aplicação dos princípios de gestão à organizações esportivas. Se valendo da definição de gestão de Bateman e Snell (1996), apontam que gestão do esporte é o processo de trabalhar com pessoas e recursos materiais para realizar objetivos de organizações esportivas de maneira eficaz. Para entender o objeto de estudo da gestão do esporte, é preciso inicialmente definir organização esportiva. Robbins (1997, apud em ROCHA, BASTOS, 2011) define organização como uma entidade social coordenada de forma consciente, com limites identificáveis, que tem seu funcionamento

45 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 111 relativamente contínuo com objetivos. Usando este conceito de organização, Slack e Parent (2006, apud em ROCHA, BASTOS, 2011) corroboram ao afirmar que organização esportiva é uma entidade social, com objetivos claros e limites bem definidos, envolvida na indústria do ramo esportivo. De acordo com essa linha de pensamento, a indústria do esporte e seus limites são fundamentais para se definir gestão esportiva. Indústria do esporte pode ser entendida como o mercado no qual os produtos oferecidos aos compradores relacionam-se ao universo esportivo, ao fitness, à recreação ou ao lazer, que podem ser atividades, bens, serviços, pessoas, lugares ou ideias que envolvam tais aspectos (PITTS, STOTLAR, 2002). No que se refere à gestão do esporte, pode ser compreendido como essencialmente a coordenação das atividades que ocorrem dentro destas organizações ou em organizações similares. De acordo com Chelladurai (1994, apud ROCHA, BASTOS, 2011), gestão do esporte é a coordenação das atividades de produção e “marketing” de serviços esportivos. Organizações esportivas podem também apresentar atividades ligadas a (à) produção e “marketing” de serviços relacionados ao esporte, em um sentido amplo, para participantes ou espectadores. As atividades esportivas que envolvem a comercialização de produtos têm grande importância no seguimento dos esportes devido aos lucros oriundos dela. Além do mais, estas atividades têm uma grande importância econômica para a indústria do esporte, como aponta Meek (1997 apud ROCHA, BASTOS, 2011). As organizações que mais se envolvem com o esporte são: mídia esportiva, agenciamento de atletas, agências de marketing, construtores de arenas esportivas, agências de turismo e fabricantes de material esportivo. Elas estão diretamente conectadas com organizações esportivas e são entendidas como organizações satélites de acordo com Chelladurai (2009 apud ROCHA, BASTOS, 2011). Em geral, as vinculações entre empresas e esportes podem ser entendidas como “marketing” esportivo. Shank (2008, apud ROCHA, BASTOS) define “marketing” esportivo como a aplicação dos princípios e processos da área do “marketing” a: a) produtos esportivos; e b) produtos não-esportivos promovidos via associação com os esportes e marcas ou produtos. Nesse sentido, o Cuiabá Arsenal apresenta um desenvolvimento na evolução esperada por uma organização esportiva semelhante a um 112 empreendimento empresarial, pois atende, em grande parte, os itens apresentados e definidos acima como gestão de marketing, vinculação do esporte com empresas do seguimento e administração focada em construir parcerias com patrocinadores e produtos que estão ligados ao universo dos esportes. Destaca-se que o Cuiabá Arsenal apresenta-se como uma associação atlética e não como uma empresa. Mas muitos dos seus aspectos de gestão estão conectados com o mundo empresarial. Há dentro da equipe a preocupação de apresentar uma postura profissional que agregue valor à imagem consolidada da equipe. Como também existem empresas satélites como aponta Chelladurai (2009, apud ROCHA, BASTOS, 2011), pois tais empresas oferecem serviços ao Arsenal e com isso ganha visibilidade junto com as conquistas do time, aliando marca empresarial aos trunfos do mundo esportivo, elemento entendido como marketing esportivo, pois promove uma marca ou produto via associação com times esportivos. Mesmo não se apresentando no enquadramento jurídico como empresa, a gestão do Cuiabá Arsenal é pensada de forma séria nos moldes empresariais contemporâneos. Orlando Ferreira Junior, primeiro presidente da equipe, por apresentar um perfil empresarial e empreendedor – foi diretor e responsável pelo desenvolvimento de empresas do segmento educacional em sua carreira pessoal – introduziu dentro da estrutura do time o pensamento e a forma de gestão muito semelhante de uma empresa. Haja vista que utilizou-se do seu know-how administrativo empresarial aplicando seu conhecimento na estruturação da Associação Cuiabá Arsenal. Com uma estrutura hierárquica com papeis e funções bem definidas, a fim de dar um caráter mais organizado e eficiente no que tange a administração do time, Orlando possibilitou a construção de uma imagem adequada para o Cuiabá Arsenal, atraindo olhares de empresas. Ressalta-se a capacidade administrativa de Orlando Junior no sentido de ser um empresário que aplica seus conhecimentos empresariais dentro da lógica esportiva. Isso demonstra que a capacidade e o perfil dos agentes, e, principalmente, dos dirigentes é um elemento importante para a composição da estrutura de dentro do campo, o que podemos chamar de capital conforme os conceitos de Bourdieu (1990). Nesse sentido, o então dirigente do Cuiabá Arsenal se utiliza de determinado capital de um campo e o converte em capital 113 esportivo dentro de um novo campo, o campo esportivo. Assim, tem a possibilidade de estruturar um campo com abrangente e significante empenho no sentido de ter maior domínio nas relações que estruturam o campo, sendo um elemento fundamental para compreender o poder existente no subcampo esportivo, o qual, o futebol americano pertence. A cada dia as organizações esportivas vêm se apresentando como um grande nicho de mercado, e com isso cada vez mais é necessário que a gestão esportiva se faça presente. O gerenciamento esportivo é uma área de conhecimento que cresce em importância dentro dos clubes e times em todo o mundo. A gestão e o marketing esportivo focados no melhor rendimento no que tange reconhecimento e inserção no mercado são fundamentais para os clubes que se formam atualmente. Nota-se que há a preocupação na administração da equipe de forma racional, ou seja, no sentido weberiano, a burocracia seria o meio estabelecido de maneira totalmente formal a fim de alcançar os fins pretendidos, tendo como foco central a eficiência. O indício da presença da burocracia no campo esportivo é o desenvolvimento de uma estrutura hierarquizada de administração. A divisão do trabalho em forma sistêmica, ou seja, onde cada um desempenha uma função dentro de um conjunto é elemento claro do processo de ações burocráticas dentro do campo esportivo(WEBER, 2004). Aspecto cada vez mais marcante na estrutura administrativa do Cuiabá Arsenal e que se tornou mais evidente quando Orlando Júnior diz em sua fala que foram necessárias algumas modificações para alcançar novos patamares. Atualmente, a equipe conta com uma estrutura bem definida de papéis e funções administrativas, tendo a preocupação em apresentar uma estrutura bem determinada e organizada de gestão, logo o Cuiabá Arsenal atrai interessados em vincular sua marca com a equipe. Atualmente a estrutura administrativa da Associação Atlética Cuiabá Arsenal é composta por jogadores e ex-jogadores que realizam o trabalho voluntário, disposta da seguinte forma, Paulo Cesar Ribeiro Presidente da equipe, Vice-Presidência - Marcelo Roversyi. No Setor Jurídico - Phelippe Ayslan Fonseca Menegatti e o responsável pelo Setor de Eventos, Thiago Victor Correa. Na área do Marketing, Henrique Pinheiro Pereira, Relações Institucionais, Marcus Vinicius de Mendonça Jacarandá. O desenvolvimento de projetos está sob a responsabilidade de Ivan Moreira de Almeida. Nos Assuntos Estratégicos, 114

Anderson Xavier e na área de planejamento, Bruno Cézar Peres Antunes. Na assessoria de impressa, sob a responsabilidade de Junior Martins, há também a existência de uma agência de marketing contratada para a divulgação do Arsenal, que será abordada de forma mais detalhada mais a frente. Com o processo de esportivização, como aponta Pierre Bourdieu (2004), as estruturas dos esportes passaram por um movimento no qual o pensamento burocrático, a eficiência e a racionalidade são aspectos cobiçados e desejados por qualquer organização que visa alcançar objetivos. Esse conjunto de atributos é desejado na sociedade de mercado que caracteriza o sistema capitalista atual. A gestão empresarial no ramo esportivo pode ser vista como fator importante para o sucesso de um empreendimento esportivo como é o caso do Cuiabá Arsenal, pois sem tais ações, talvez a inserção e a construção de uma demanda esportiva, no que se refere ao futebol americano, seria provavelmente mais difícil. Uma parcela da sociedade cuiabana motivada pelo sucesso crescente da equipe apresentou o desejo de se aliar e de tomar como identitário o seu perfil esportivo. Devido às conquistas da Associação Atlética Cuiabá Arsenal, bicampeã nacional e outros títulos regionais, possibilitou a essa parcela ter uma representação esportiva que pudesse simbolizar o estado no cenário esportivo. Com isso, o número de adeptos e espectadores cresceu. São essas evidências que comprovam uma conjuntura peculiar. No momento em que todos os olhos estavam voltados para o futebol association, tanto no cenário regional quanto nacional, devido a Copa do Mundo, o Brasil e Mato Grosso sediariam jogos da Copa do Mundo de Futebol. Mesmo assim, o futebol americano no estado apresentava crescimento significativo no que tange a média de público e participação. Segundo a notícia publicada no site Olhar Direto46, aponta que a média de público pagante do Campeonato Mato-Grossense de futebol americano foi 142% maior que a média do Campeonato Mato-grossense de futebol association. Em torno de 10 mil pagantes acompanharam as seis partidas do estadual de futebol americano. Pode-se perceber que não há uma forte representação esportiva do futebol association junto aos torcedores de futebol americano. Ao se analisar o cenário esportivo do futebol mato-grossense é possível constatar que, no que

46 Disponível em acesso em março de 2016. 115 tange a repercussão nacional e visibilidade, esses dois itens não são atendidos pelo futebol association mato-grossense. As duas equipes que têm maior presença no cenário esportivo são o Cuiabá Esporte Clube, que tem a sua melhor posição disputando a Série C, e o outro clube do estado, o Luverdense, está na Série B, e tem como sede a cidade de Lucas do Rio Verde, localizada à 350 km da capital. Ou seja, se comparado com outros times fortes do Brasil, Mato Grosso não apresenta nenhum time na série A que leve o nome do estado para magnitude nacional, apresentando-se como um espaço propício para a entrada e consolidação de um esporte novo que represente o estado de forma nacional. Dessa forma, alcança-se uma resposta para as perguntas: Quais são as condições sociais de possibilidade de apropriação dos diferentes produtos esportivos assim produzidos? E que condições históricas possibilitaram a entrada desse novo esporte? Tais respostas são obtidas nas exposições feitas acima e são reafirmadas nas falas dos entrevistados a seguir. De acordo com a fala de Vitor Hugo, 23 anos, jogador do Cuiabá Arsenal, o time representa o estado como um todo no que se refere a esportes coletivos, Não havendo outros esportes coletivos que tenham presença forte no estado. Tal evidência é transparecida em sua fala quando diz que o Cuiabá Arsenal tem o peso de representação do esporte, não só da cidade de Cuiabá, mas também de Mato Grosso: Representa não só uma cidade, mas representa também um estado que carece de um time. Time de esporte coletivo que tem reconhecimento. A gente tem o Davi Moura47, que é esporte individual, mas de esporte coletivo a gente carece. O Luverdense começou a entrar no cenário, mas o planejamento deles para ganhar atenção no cenário nacional é só para 2019. Então por enquanto é a gente, a gente representa o estado inteiro. Quando puxa para o esporte coletivo é a gente o Cuiabá Arsenal48.

Outro fator de relevância para a entrada do futebol americano como esporte que represente efetivamente o estado se conecta com o uso da Arena Pantanal construída para a realização de partidas da copa do mundo de 2014. Com a construção da Arena, Mato Grosso é posto no cenário nacional como uma das 12 sedes de jogos da copa do mundo de 2014. Com o desdobramento da obra e realização dos jogos do mundial, surge a

47 Judoca Mato-grossense 48 HUGO, Vitor. Vitor Hugo: Depoimento [fev. 2016]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2016. Arquivo 0013.mp3 (04:39 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 116 preocupação com o uso da Arena Pantanal. Qual seria o destino de tal espaço? Opiniões diversas surgiram, entre a população era grande a expectativa que tal local não se tornasse um elefante branco caro e sem uso. Por causa do baixo público de futebol no estado, a Arena tinha grandes chances de ser um espaço ocioso após a Copa do Mundo. Na conjuntura que havia em torno da Arena Pantanal, estádio construído para o Mundial da FIFA de 2014, com capacidade de 44 mil lugares, mostra-se que o espaço era muito grande para o inexpressivo futebol local, que segundo notícia publicada no site da BBC Brasil, com a reportagem, Futebol americano é opção para evitar ‘elefante branco’ em Cuiabá após Copa, publicada em 10 de junho de 201449, informa que o futebol do estado raramente levava mais de mil torcedores para seus jogos. No entanto, o futebol americano apresentava- se cada vez mais popular em Mato Grosso mostrava-se com uma alternativa interessante, haja vista que, em menos de 10 anos, mesmo sendo um esporte amador, o estado conta com cinco times locais espalhados por todo Mato Grosso, sendo o Cuiabá Arsenal o principal representante da modalidade. E que tal esporte levou para a sua final, no ano de 2012, mais de 5 mil pessoas para o estádio Eurico Gaspar Dutra, o Dutrinha, da capital. Sendo uma média de público maior e significativa se comparado com o futebol association ou com outros esportes. Segundo fala de Brian Gusman, então técnico esportivo do time Cuiabá Arsenal declara ao site da BBC Brasil que: "A nossa média de público no ano passado foi maior que a média de público do campeonato mato- grossense de futebol 'normal'. Ano passado tivemos por volta de duas mil pessoas em cada jogo50". Na fala de Gusman nota-se que o futebol americano configura-se como uma alternativa para o uso do espaço da Arena Pantanal. Essa afirmação é legitimada pelo número de público presente em cada modalidade esportiva. Enquanto o futebol association leva em média mil torcedores, o futebol americano registra em média cinco mil pessoas em suas partidas. Outro elemento apresentado que se refere aos ícones esportivos do estado ainda segundo a fala de Brian Gusman, o Cuiabá Arsenal é o que tem

49 Disponível em acesso dia 12 de junho de 2015. 50 Trecho retirado da matéria disponível em acessado em 15 de fev. 2016. 117 maior expressividade e, como diz Gusman, maior “qualidade” quanto produto esportivo. "Se você pensar na serventia da Arena após a Copa e pensar nos ícones esportivos da cidade de Cuiabá, o Arsenal pula para o topo da lista, porque as pessoas sabem que além de um esporte que entrega um bom produto dentro de campo, os eventos são muito bem organizados."

O seguinte fato apresentado na fala do então técnico do Cuiabá Arsenal se refere à organização dos eventos, sendo os acontecimentos do time de futebol americano da capital mais bem organizados e elaborados se comparados com o futebol mato-grossense.

Devido a movimentação das equipes de futebol americano, em especial o Cuiabá Arsenal, a secretaria extraordinária da Copa (Secopa do Mato Grosso) apresenta o desejo de apostar em um plano de multiuso para o espaço do qual os times de futebol americano serão parte de suma importância. Em afirmação dada para a BBC Brasil, em matéria realizada no dia 10 de junho de 2014, a Secopa diz que: “pretende abrir o espaço para jogos de campeonatos de futebol americano e fazer com que o estádio se torne "uma referência" para o esporte no país51”. Diante da fala percebe-se que há a preocupação de utilização do espaço da Arena Pantanal pelo esporte local e, devido ao crescimento do futebol americano no cenário esportivo, os praticantes do esporte de origem americana tornam-se agentes importantes na promoção do espaço como uma Arena multiuso com pretensão de ser um espaço de referência para o futebol americano.

Nota-se que um conjunto de condições sociais de possibilidades apresenta-se para que houvesse a apropriação de um produto esportivo, e que tal fosse produzido e pudesse se caracterizar dentro do subcampo esportivo no qual o Cuiabá Arsenal pudesse se inserir.

Apresenta-se assim, a característica do esporte de origem norte- americana em terras mato-grossenses, as ofertas oriundas dele, os títulos e resultados obtidos em sua trajetória, as relações de interdependências construídas com a mídia, o marketing interno bem como com o desenvolvido

51 Disponível em < http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/06/140609_cuiaba_futebol_americano_cc> acesso em 20 de setembro de 2015. 118 com as empresas, além dos interesses pessoais tanto dos torcedores como dos jogadores que evidenciam e constroem uma conjuntura para a entrada dessa nova oferta esportiva que é o futebol americano. Tudo isso, somente pode ser possível pela demanda existente por um esporte que represente de forma mais significativa o estado de Mato Grosso. O desejo dos agentes que compõem o campo em colocar o futebol americano em destaque são cada vez mais legitimados por ações que visam consolidar a postura de representante do esporte em âmbito estadual, já que o futebol association não se fez presente e é pouco expressivo e representativo mesmo com uma tradicional e longa história esportiva. Assim, essa representatividade esportiva do estado configura-se como objeto de disputa existente dentro do subcampo esportivo, ou seja, a concorrência que dá sentido à competição por uma representação de fato do estado no cenário esportivo no intuito de se apresentar como o esporte que representa o estado de Mato Grosso. São esses os elementos apontados por Pierre Bourdieu que caracterizam o embate concorrencial dentro do subcampo esportivo, a busca pela dominação do campo. Dessa forma, o futebol americano na figura do Cuiabá Arsenal se materializa como um possível agente legítimo de representatividade esportiva por meio de boas campanhas desenvolvidas ao longo de sua história, juntamente com um desenvolvimento de forma mais profissional. Em oposição a tradição temporal do futebol association, como consequência de suas ações, o futebol americano surte a expressividade no cenário esportivo do futebol americano em âmbito regional e brasileiro (BOURDIEU, 1990). Dessa forma, através das circunstâncias apresentadas acima, pode-se compreender e perceber que um conjunto de condições sociais articuladas possibilitaram que o produto, futebol americano, fosse apropriado e incorporado para a realidade esportiva do estado a fim de garantir uma existência com certo grau de hegemonia no espaço esportivo em comparação com esportes de longa data já existentes em uma conjuntura anterior. Nesse sentido, além das circunstâncias do cenário esportivo como um todo, outras ações construídas com o fim de otimizar resultado positivo, foram elaboradas e implementadas, o que pode ser entendido como um processo constante de consolidação da legitimidade por meio do reconhecimento dos agentes que compõem o campo (BOURDIEU, 1990). 119

Mas para tal, houve um processo e ainda se configura em andamento para a consolidação dessa busca de legitimidade e representação. Há dessa forma, uma construção constante por um desejo e representação esportiva, como afirma Andrei Vargas, jogador da linha defensiva do Cuiabá Arsenal, em entrevista concedida à Agência Efe, extraída da matéria com o título “Cuiabá, sede da Copa, e sua paixão pelo futebol... americano” 52, publicada no site da ESPN no dia 03 de junho de 2014. Andrei Vargas diz:

"As escolas de futebol americano em Cuiabá e Várzea Grande (município vizinho) estão bem estruturadas e as crianças gostam muitas vezes mais que o futebol", comentou à Agência Efe Andrei Vargas, de 32 anos.

Ao analisar a fala de Vargas, primeiro percebe-se que se estruturam escolas de futebol americano para que se construa uma familiaridade com o esporte, haja vista que em tempo de presença em terras brasileiras o esporte é muito recente. E em segundo lugar incute-se o desejo por uma representação efetiva e concorrencial conforme a fala de Andrei Vargas, jogador do Cuiabá Arsenal. Outra afirmação subsequente proferida por Vargas apresenta um mesmo sentido de não haver uma representação que condiz com o seu perfil. Assim, demostra que há uma lacuna de ídolos esportivos principalmente nos esportes coletivos. Para deixar claro que Cuiabá não respira futebol, Vargas confessou que nunca teve em seu quarto pôsteres de Pelé, Romário, Ronaldo ou Neymar, mas sim de um boxeador e um corredor de Fórmula 1: "Meus ídolos são Mike Tyson e Ayrton Senna".

Outro fator que liga a necessidade por uma demanda por um esporte que se conecte com o habitus se refere ao formato do jogo. Em oposição é possível perceber que os outros esportes não apresentam o mesmo formato desejado por um esporte, tais como complexidade e mais estratégia. O que caracteriza assim, os outros esportes, como pouco emocionantes ou no sentido apresentado por Norbert Elias e Eric Dunning (1992), pouco excitantes. Nesse sentido, outro elemento diferenciador do futebol americano é sua característica de jogo com mais emoção e pouca previsibilidade. Isso gera maior grau de excitação, elemento de fundamental importância apontado por Elias e Dunning

52 Link: http://espn.uol.com.br/noticia/415334_cuiaba-sede-da-copa-e-sua-paixao-pelo-futebol- americano

120

(1992) para que os esportes sejam válvulas de escape para as emoções contidas. "Nunca gostei de futebol, sempre me pareceu que o rúgbi e o0020futebol americano têm mais complexidade, mais estratégia", avaliou o jogador de futebol americano Andrei Vargas à Agência Efe.

Nas falas de Andrei Vargas, não é possivel constatar a representação esportiva do futebol association junto ao jogador, no sentido apresentado por ele: “Nunca gostei de futebol”. Então outros esportes se apresentavam com alternativa para uma representação esportiva. Assim, quando um outro esporte se faz presente mais próximo à realidade esportiva torna-se mais palpável, esse esporte tem grandes chances de cair no gosto de uma população ou de parte de uma população, que vai de encontro com a demanda esportiva local. Tudo isso, reverbera em fatos concretos, por exemplo, a média de torcedores que vão aos estádios ficou em 1.666 a cada jogo realizado pelo futebol americano. E tal representação simbólica de uma jovem equipe era o que a população precisava para transferir e manifestar suas disposições junto ao esporte mato-grossense. Casando assim com a proposta do Cuiabá Arsenal de ser um representante do esporte de Mato Grosso para o cenário nacional. Aflora em parte da sociedade de Cuiabá a expectativa de esperança de uma representação esportiva mais expressiva do estado. Ao se analisar esse contexto respaldado no modelo de análise de Pierre Bourdieu, percebe-se de forma nítida a predisposição para um habitus social por conta do conjunto de relações existentes no campo esportivo. Os agentes, dirigentes, jogadores, familiares, patrocinadores, apoiadores e em especial, torcedores e futuros torcedores, se identificam e captam nos símbolos proferidos pelo futebol americano como representações aceitáveis e condizentes com o habitus que lhe corresponde, como por exemplo, trabalho, colaboração e cooperação em equipe que se conectavam com o tipo de estrutura social desejada. Um esporte desafiador, um esporte que trabalha a colaboração e o trabalho de equipe. São esses valores sempre que permearam o espírito do time. Em entrevista concedida, Orlando Júnior, ex-presidente do Cuiabá Arsenal diz: Eu acredito que nada resiste muito ao trabalho. Então tem uma montanha para ultrapassar, deve-se dar um passo por vez. E se pega uma pazinha e retirar um pedaço dela por vez, um dia você tira a montanha. Então as dificuldades nunca nos 121

seguram, a gente teve que desviar, a gente teve que fazer e mudar planos, mudar projetos mas nunca chegamos a falar: " poxa, não vamos mais porque ta difícil". E isso, não era uma característica exclusiva minha não, era uma característica da equipe. Essa era uma característica daquele grupo. Mesmo se eu tivesse tentado fazer isso sozinho não iria dar certo. Quando o grupo se reunia a gente conseguia enfrentar isso53.

Outra característica apresentada pela equipe é o gosto pelo desafio. No ano de 2006, o Arsenal deveria fazer alguns jogos contra as equipes da região sul do país. Na ocasião o Arsenal não dispunha de recursos para a viagem como também não tinha o equipamento para disputar as partidas. Diante desse desafio a equipe se propôs em conseguir tanto recursos para as viagens como patrocínio para a aquisição de equipamentos. Orlando relata tal episódio com orgulho e afirma: “A gente conseguiu! Viajamos e logo depois a gente começou a comprar os equipamentos, então isso mostra esse gosto por desafios54”. A disciplina a e perseverança são outros elementos destacados por Orlando.

É... a gente tem uma postura no tryout, tanto que essa postura está mantida, foi muito discutida entre a gente. A maioria das equipes que fazem tryout eles publicam depois os aprovados. Então realmente no dia do tryout você escolhe, você serve ou você não serve para o time. Eu olhei aquilo e pensei, que um dia só para você tomar essa decisão me parece muito pouco, mas ao mesmo tempo a competição entre as pessoas é muito legal. Então o que a gente sempre fez, aqui está a lista de classificação do tryout aqui são os melhores, mas todos estão convidados a participar da equipe. Por quê? Porque o principal atributo do atleta que tem sucesso no Cuiabá Arsenal por ta ali, é por disciplina, porque é a disciplina que ajusta o seu programa de condicionamento físico, ajusta seu programa de musculação, faz participar das aulas teóricas, faz participar dos treinos táticos e vai, de maneira consistente dia após dia, crescendo dentro da equipe. Não é o mais forte, o mais rápido, não é o cara que foi uma besta do tryout, uma besta no bom sentido, que vai ter sucesso. Se esse cara não tiver disciplina o mais fraquinho no tryout vai ultrapassá-lo55.

E quando observa a trajetória de alguns atletas, o ex-dirigente da equipe percebe que muitos dos atletas atuantes hoje dentro de campo tiveram como principal motriz para conquista de espaço a disciplina.

53 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado. 54 Idem. 55 Idem. 122

(...) quanto mais recente mais fácil de ver isso, (...), você olha a história deles você vê que teve uma origem. Esse cara não chegou aqui arrebentando. Foi uma construção, e todos tem a disciplina como característica.

São essas características que as manifestações esportivas podem proporcionar, não somente ao aspecto visual da prática física em si, como também uma identificação muito próxima do espírito de equipe com os desejos e anseios relacionados com o público. Uma identificação que poderia ser tanto física como ideológica com a proposta de esporte representativo dos grupos sociais ou segmentos da sociedade. Essas representações são esquemas simbólicos de percepção da realidade no campo esportivo que se materializam por meio das inter-relações entre atores desse espaço ou campo (BOURDIEU, 1990). Então, desse modo, deve haver uma consonância entre sinais e símbolos emitidos com o receptor desses sinais. Haja vista que para perceber e se identificar com esses sinais o indivíduo deve entender o seus significados e compreendê-los como sendo representante de anseios e gostos, ou seja, vinculados com seus hábitos. Mas para que esses sinais cheguem em determinado alvo se faz necessário a apresentação e a exteriorização do mesmo por meio de uma linguagem que seja decodificada pelo receptor. Há nesse sentido, conforme aponta Antonio Pasquali (1990), uma relação comunicacional, definida pela interação biunívoca, demandando dois pólos da estrutura relacional (transmissor - receptor), no qual rege uma lei de bivalência: todo transmissor pode ser receptor e todo receptor pode ser transmissor. Sendo assim, essa comunicação é baseada em termos dialógicos inter- humanos ou entre pessoas eticamente autônomas. Pasquali dá ênfase na necessidade do vínculo ético fundamental na relação com o “outro”, ou seja, com quem necessita comunicar para que assim haja uma interação concreta e efetiva que corresponda aos desejos e anseios do receptor (PASQUALI,1990). A partir desse momento, e desse arranjo para a recepção que começa com os preceitos e valores éticos, gera uma crescente disposição social para o novo esporte, juntamente com as estruturas anteriores já manifestadas de forma estruturada, passam a funcionar como estruturas estruturantes. Assim, calha colocar na sociedade novos habitus sociais que condizem com o nível de apropriação do respectivo capital econômico, cultural, esportivo e social da classe a qual tem maior representatividade (MARCHI. JR, 2001). 123

Sendo assim, com base nas ideias de Bourdieu, é possível apontar que o efeito de apropriação social da nova modalidade esportiva seja marcada por um conjunto de propriedades que não estão inscritas na definição puramente técnica que dão sentido e orientação as práticas escolhidas. Ou seja, há juntamente com a nova modalidade esportiva um contexto de reconfiguração, uma reorientação no campo esportivo para a entrada da composição das ofertas e das demandas do futebol americano, que é permeada por muitos fatores como gostos, hábitos e valores. A modalidade nova adentra nesse espaço e se transforma em um produto que, com o passar do tempo, ganha um tratamento mercantilizado compatível e direcionado com a expectativa dos agentes sociais que correspondem a essa nova conjuntura. Tal movimento pode ser percebido de forma mais explícita na fala de Orlando Ferreira Júnior quando demonstra o seu interesse de construir uma marca que tenha uma identidade própria com um público cativo.

Então a gente cria uma marca ou cria um público para que essa marca fale com esse público para que o patrocinador olhe e fale "poxa, eu posso falar com o público desses caras também do jeito que eles falam", ai o patrocinador viria a colar a marca dele complementando a nossa e vice e versa56.

Para que isso ocorresse, foi necessário algum tempo de tentativas para conjugar os interesses e para que o Arsenal se tornasse atraente para o público. O trabalho de construção da identidade foi feito ao longo de um determinado tempo por meio de mecanismos que fazem com que a dominância do campo seja transformada, pois a presença do Cuiabá Arsenal no campo esportivo é recente, e para tal, precisa ser mais forte e presente como agente de campo para poder dominar as relações e adquirir uma posição mais estável no sentido de presença dentro de campo. Diante disso, Orlando expõe que era desejoso para a equipe casar bem a marca com a visibilidade. (...) tem um trabalho de construção de uma marca ai por trás, não foi um trabalho aleatório. Estamos falando ai de 2010. No ano de 2006, não era nossa primeira marca. Já no ano de 2010, nós redesenhamos a marca replanejamos a estratégia de comunicação e tudo mais. Em 2006 nós pegamos um

56 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado.

124

jogador ele disse, "eu fiz uma logo, o que vocês acham?" vai essa, sem discussão sem nada... "ahh eu desenhei aqui a camisa". Então desse jeito o nome não fala direito com a marca, a marca não fala direito com as cores enfim. E ai em 2010, nós tivemos esse cuidado exatamente para fazer essa identidade e esse apoio57.

Por meio da fala de Orlando, nota-se a preocupação de desenvolver uma marca expressiva que atrai tanto o público como possíveis patrocinadores e apoiadores que objetivam ter acesso a esse público torcedor do Arsenal. A partir do ano de 2010, a equipe procura apresentar um produto mais bem elaborado a ser oferecido tanto para uma melhor identificação com o público como também um produto de aporte para ser vinculado a outros elementos como marcas e empresas comerciais. O conjunto de relações estabelecidas por meio do marketing esportivo evidencia, segundo Jose Estevão Cocco, (1999) benefícios para as variadas frentes envolvidas nesse processo de troca mútua. Para aperfeiçoar essa comunicação, o Cuiabá Arsenal junta-se com a empresa de comunicação FSC, além de criar uma assessoria de impressa interna para melhorar a divulgação da equipe, como já foi apontado anteriormente. Então, assim, o primeiro elemento que foi posto em prática se refere em alcançar visibilidade e notoriedade dentro do campo esportivo por meio da publicidade e das ações que visavam mostrar a marca do time Cuiabá Arsenal cada vez mais presente na cidade de Cuiabá para o seu público cativo. Com firmamento desse início de processo de mercantilização do produto esportivo, o futebol americano do Cuiabá Arsenal conduz para um sentido de espetacularização do esporte. Assim, ao se pensar de forma racional, a melhor forma de vender um produto esportivo é dando-lhe visibilidade, ou seja, fazer do esporte um produto espetacular. Mas é necessário perceber que há uma diferença entre os objetivos da espetacularização do esporte e o sentido de tornar o esporte popular. Dessa forma, a espetacularização de um produto tem direcionamento para o potencial público consumidor, já a popularização tem uma orientação para a massificação da prática (MARCHI JR, 2001). Por ser um esporte amador e, principalmente, por ser um esporte que necessita de um habitus social distintivo, o sentido percebido no que tange as

57 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado.

125 ações do Cuiabá Arsenal se referem em direcionar suas ações a fim de tornar o esporte mais conhecido, não necessariamente mais práticado, pois, mesmo sendo um esporte caracterizado como amador, é necessário o empenho, tempo e dinheiro para praticá-lo, isso dificulta o acesso de uma parcela significativa da população mesmo que desejosa em praticá-lo, sendo assim, a via para participar de alguma forma do esporte é assistindo os seus jogos e comprando seus produtos. Conforme dados levantados durante o trabalho de campo, foram aplicados junto aos jogadores alguns questionários que objetivavam delinear o perfil dos membros que compõem a equipe de futebol americano do Cuiabá Arsenal. Por conseguinte, obtiveram-se os seguintes dados: Foram entrevistados trinta e cinco jogadores. A média de idade figurou em torno de 22 a 25 anos, sendo o maior percentual de 23 anos com 14,3% dos respondentes. A média salarial gira em torno de 2 a 4 salários mínimos58, o que corresponde a 80% dos entrevistados. 87% são solteiros. Entre os respondentes, tem ensino médio completo 18,8%, ensino superior incompleto 50% e ensino superior completo com o percentual de 21,9%. Em grande medida são estudantes, totalizando 50%, outros 50% nas mais variadas profissões como médico, jornalista, educadores físicos dentre outros. Com referência a cor da pele, em sua maioria os jogadores do Cuiabá Arsenal são brancos e pardos, o que corresponde a 75,1% e 18,8% se declaram negros, 6,1% se autodenominaram entre indígenas, orientais e outros. Pelo perfil demonstrado, os jogadores do Cuiabá Arsenal são brancos e pardos, tem em média uma faixa etária jovem de 23 anos de idade, são em um número expressivo solteiros e estão cursando ou já concluíram o ensino superior e tem uma renda salarial mediana, entre 2 a 4 salários mínimos. A partir desses dados pode-se concluir que os jogadores que participam da equipe correspondem a um público com elevado nível educacional e faixa salarial média se comparada com os percentuais da cidade de Cuiabá. Segundo dados obtidos junto ao site do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística59 – apontam que o rendimento nominal mediano mensal per capita dos domicílios particulares da região urbana gira entorno, de R$ 1.161,49. E

58 O valor estipulado como salário mínimo foi de R$: 725,00. 59 Disponível em acesso em 10 de abril de 2016 126

24,48% da população de Cuiabá com 18 a 24 anos (a média de idade dos jogadores de futebol americano) cursam o ensino superior60. Com tais dados, é possível constatar que o jogador de futebol americano tem um perfil diferenciado se comparada com a população dos residentes em Cuiabá. O que segundo Pierre Bourdieu (2004), demonstra a existência de um habitus característico dos jogadores no que tange o capital econômico e cultural. Sendo assim, pode-se entender um dos principais motivos de um número grande de pessoas ter passado pela equipe, porém não se firmar no quadro fixo de jogadores. Orlando aponta que muitos jogadores passaram pela equipe, porém são poucos os que ficaram e permanecem jogando. Reflexo dessa dificuldade de se manter em um esporte amador exigente. (...) até 2013, mais ou menos, eu controlava pessoalmente o cadastro dos jogadores. A gente teve, desde 2002, quando a gente começou a jogar entre 700 e 1000 pessoas que passaram pelo Futebol Americano, pelo Cuiabá Arsenal como jogadores. Em algum momento o cara entrou em campo nem que seja para treinar. É um número expressivo! Você olha tem 53 jogadores no time e tem mais de mil que passaram exatamente por isso. Você conseguir que o jogador se dedique, aprenda, estude é a primeira grande dificuldade61.

Como aponta a fala de Orlando, a dedicação para os treinamentos e empenho para realizar as tarefas necessárias para se manter no time são muitas e duras. A primeira delas é a dedicação. O futebol americano no estado é amador por excelência, nesse sentido, quem deseja se dedicar terá que se desdobrar entre sua profissão regular, estudos e os treinamentos que geralmente ocorrem nos finais de semana. Somando-se a isso, há também algumas horas de estudo para que as partes teóricas, táticas e técnicas não pudessem ficar de fora. Assim, aquele que não consegue conciliar esses dois universos, o profissional e os treinos e jogos, tem grandes dificuldades de se manter no time, haja vista que tais universos, o esportivo e profissional, exigem seriedade e compromisso para que se obtenha resultados.

60 Disponível em < http://portal.cnm.org.br/sites/6700/6745/AtlasIDHM2013_Perfil_Cuiaba_mt.pdf> acesso em 10 de abril de 2016 61 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado.

127

São essas grandes dificuldades que o amadorismo enfrenta. A falta de remuneração dos atletas é um dos fatores que dificultam a prática. Por isso, esporte amador, em especial o futebol americano, gera uma distinção social dos demais esportes amadores. Pois, para ser e se manter jogador da equipe o atleta precisa dispor primeiramente de capital econômico, haja vista que os equipamentos são caros e muitas vezes tira dinheiro do bolso para pagar eventuais custos como viagens, como também devem dispor de tempo para poder se dedicar aos treinos. Se comparado com trabalhadores de classes mais baixas, esse tempo e dedicação torna-se mais restrito. Dessa forma a prática do esporte é de alguma forma elemento de distinção entre aqueles que têm condições materiais de praticá-los e aqueles que não dispõem dessas condições. Assim, para que o time se mantenha, é necessário buscar mecanismos que atraiam tanto jogadores dispostos para se dedicarem como amadores e juntamente com isso investir tempo e algumas vezes dinheiro como também atrair patrocinadores e apoiadores para que o time possa ter outras fontes de renda para se manter e sobreviver dentro do mundo esportivo. De acordo com o ex-dirigente Orlando Júnior, o aumento de custos para a manutenção da equipe cresce a cada ano. Para conseguir aumentar a receita foram feitas algumas estratégias, como demonstra em entrevista concedida. (...) houve um aumento de custo e esse aumento no horizonte vai ser cada vez maior. Vai ser necessário se ter uma fonte de renda para suportar esse investimento. Então a gente tem duas grandes fontes de renda, ou melhor, três. Uma é o autofinanciamento, segundo é o público, a bilheteria, que para gente é limitado porque os eventos não são constantes, e o terceiro são os patrocinadores. Então a gente cria uma marca ao criar um público para que essa marca fale com esse público para que o patrocinador olhe e fale "poxa, como eu posso falar com o público desses caras também do jeito que eles falam" ai o patrocinador viria a colar a marca dele complementando a nossa e vice e versa62.

Logo, os caminhos para a obtenção de recursos para a equipe partem da via de três instâncias: o autofinanciamento pelos jogadores, a bilheteria, os patrocinadores e apoiadores. Mas para que o Cuiabá Arsenal se fizesse

62 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado.

128 atraente e interessante para investimentos, primeiro foi necessário construir uma marca que fosse atraente de se investir. Todo esse trabalho de planejamento tem como objetivo fazer a marca conhecida e vista por uma parcela maior de espectadores. A partir desse momento, o elemento da espetacularização se faz presente dentro da equipe do Cuiabá Arsenal. Partindo desse entendimento, para que o esporte consiga se manter como sendo um elemento atrativo para o público espectador, o futebol americano passa a receber um tratamento mercantilizado, caracterizando o terceiro kick off do Cuiabá Arsenal, a espetacularização do esporte. A partir dessa ocasião, o esporte incorpora as estruturas e disposições de um perfil comercial para os torcedores de forma a serem potenciais consumidores do produto esportivo que o Arsenal oferece.

4.2. As dimensões da espetacularização do futebol americano

Com a conquista dos títulos de campeão brasileiro conquistados em 2010 e 2012, o Cuiabá Arsenal ganhou visibilidade na cidade de Cuiabá. Esse foi o despertar para um sentido de perfil mercadológico. Com o auxílio de ações de marketing com o fim de criar ainda mais uma identificação com determinado público, uma infinidade de ações foram feitas para que o Arsenal ganhasse destaque. Com esse movimento, o Cuiabá Arsenal passou a atrair parcerias e patrocinadores e configurou-se como um nicho de mercado capaz de movimentar muito dinheiro. Inspirado na organização dos eventos esportivos da Liga Norte-Americana de futebol americano, adquirida com o capital cultural por meio da experiência vivenciada por Orlando nos Estados Unidos, o Arsenal incorporou aspectos entendidos como característicos de times profissionais, tais como competência e organização administrativa, com o foco nos objetivos de conquistar mais espaço no que se refere a visibilidade dentro e fora de campo. Com isso, algumas ações de marketing foram desenvolvidas dentro da equipe, visando ampliar essa visibilidade adquirida. Sendo assim, pode-se atribuir esse momento como sendo o kickoff para a espetacularização do futebol americano na cidade de Cuiabá. 129

Esse fenômeno foi possível com a crescente ascensão do futebol americano em Cuiabá, como também o desenvolvimento de novos times por todo o estado de Mato Grosso, que fizeram com que as configurações e implicações do espetáculo esportivo tomassem mais forma, principalmente nas ações do Cuiabá Arsenal. Com base nas teorias de Pierre Bourdieu (1990), o futebol americano cresceu e tomou corpo como proposta e como produto comercializável. Instrumento importante dentro do processo de massificação direcionado para práticas espetacularizadas. Com o advento do processo de transformação do esporte em espetáculo de massa por conta da entrada do esporte no mundo dos negócios e investimentos econômicos, se fez necessário agregar ao Arsenal produtos para serem comercializados. Assim, direciona o esporte para o mercado para gerar uma demanda e ampliar a necessidade de consumo, portanto isso surte para equipe maiores dividendos e investimentos. Esse processo é entendido como a mercantilização dos esportes, como aponta, Marchi Jr.(2001, p. 196), que define como: “o processo de constituição de bens materiais e culturais em mercadorias nas sociedades capitalistas”. Tal processo ocorre devido a uma característica sociocultural presente em tais sociedades, o consumo de massa. Baseado nessa linha de raciocínio pode-se entender que os valores que estão presentes na sociedade decorrem da ideia e definições da Sociedade do Espetáculo e as necessidades individuais. O conceito de Sociedade do Espetáculo é uma tentativa de compreensão das características de uma fase específica do capitalismo, que confirma o caráter mercantil das relações sociais. Em sua obra Sociedade do Espetáculo, Guy Debord (1991) busca a compreensão de um momento específico da sociedade capitalista, quando a lógica mercantil está presente em todas as dimensões da vida social do ser humano. Assim, nesse sentido, diz Debord que: “O espetáculo é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social. Não só a relação com a mercadoria é visível, como nada mais se vê senão ela: o mundo que se vê é o seu mundo” (DEBORD, 1991, p. 31). A sociedade hoje é inteiramente dominada pela economia, é um mundo espetacularizado: a representação da realidade aparece como realidade separada. Na sociedade do espetáculo, a realidade social já não se apresenta como coisa, mas como imagem, que oscila entre o real e o imaginado. Nesse sentido, os apontamentos de Debord (1991) asseguram que há na sociedade 130 atualmente uma proliferação da lógica mercantil e da disseminação das práticas espetaculares. E como o esporte está presente na lógica atual, ele também não escapa do processo de espetacularização. Segundo apontamentos de Geraldo Di Giovanni (1995), o consumo, dentro das sociedades capitalistas, é o mais abrangente momento de participação dos indivíduos. Nesse momento, é o espaço no qual mais se apresentam os valores que dão sentido à estrutura da sociedade como também o momento mais inclusivo, ou seja, durante o consumo. Assim, dentro dessa dinâmica, são necessárias estratégias para que sejam criados novos desejos para ser escoadas as produções geradas. Por esse motivo, os meios de comunicação são instrumentos fundamentais para gerar as necessidades sociais em determinadas situações. Cria-se a necessidade do desejo para que ele possa ser vendido (DI GIOVANNI, 1995). Os objetos de consumo desejados e consumidos são as representações dos interesses e das necessidades dos indivíduos na sociedade atual. Sendo assim, os gostos e anseios são testemunhas do sucesso e posição social dos que portam tais representações. Tudo isso, caracteriza a mercantilização de bens culturais ou materiais e o processo de individualização cada vez mais presente na sociedade contemporânea (DEBORD, 1991). Nesse sentido, conforme assinala Di Giovanni (1995), há uma disputa interna para que as necessidades criadas se tornem mais presentes e proeminentes. Nesse jogo, por se obter maior visibilidade, gera uma competição para o reconhecimento dos atributos mais representativos que, ao se fazer uma relação com a teoria de Bourdieu, tais características são chamadas de capitais culturais, sociais e simbólicos, e se manifestam de formas distintas dentro do campo social. Di Giovanni (1995) aponta que os padrões de consumo são determinados pela moda que são baseados nos interesses e necessidades pessoais. Esse entendimento conecta-se com o pensamento de Ademir Gebara (1994) quando aborda sobre a espetacularização do esporte. Gebara diz que há também outros fatores que ajudam no processo de espetacularização. O tempo livre e os amadores. Esses dois aspectos contribuem diretamente por gerar um espaço em constante crescimento para a espetacularização esportiva. Hoje há cada vez mais o desejo de ocupar o tempo livre com as práticas esportivas, principalmente as amadoras, o que 131 pode ser a prática em si ou o espetáculo. Essa conjuntura faz surgir um mercado voltado para o grande público que busca consumir imagens espetaculares (GEBARA, 1994). Ciente dessa importância, de transformar imagens em algo que pode ser consumido, o Cuiabá Arsenal tem voltado sua atenção para ações de divulgação do time. Para tanto, dispõem junto à direção administrativa uma assessoria de imprensa, sob a responsabilidade de Junior Martins, composta juntamente com uma agência de marketing contratada responsável por pensar às ações de marketing, um dos fortes elementos de divulgação das ações do Cuiabá Arsenal. Os desejos de assistir ou praticar um determinado esporte torna-se mais um elemento que possibilita a criação de novos produtos para a indústria, para o mercado. O crescimento da organização do esporte amador do futebol americano pode ser observado como o movimento no sentido de tornar a prática esportiva um espetáculo. Os campeonatos atraem um público grande de espectadores desejosos por um produto esportivo que atinja os desejos contingenciados do consumidor. Porém, o público mirado não é qualquer parcela, segundo apontamentos feitos por Orlando Ferreira Junior, ex- presidente do Cuiabá Arsenal, os cativos torcedores do Cuiabá são em sua maioria de classes altas. Nosso público é de alto poder aquisitivo, diria que é classe A, B e um pouquinho da classe C. Veja bem, isso não exclui o alvo na nossa comunicação, mas o alvo do nosso marketing é da camada superior. Por que é um público que tem mais chance de ter as referencias do esporte. Por que entre outras coisas, seu padrão de consumo tem a TV a cabo, assiste, assina ESPN, assiste NFL. Isso facilita muita a identificação. É jovem, jovens solteiros ou famílias recém-formadas com crianças, tem uma característica bacana desse público, diferencia do torcedor que vai ao estádio para ver o soccer (em referencia ao futebol association) O nosso, é um público mais família, você tem um público mais preocupado com o respeito, os caras se sentem bem pouco a vontade se precisar xingar alguém, se precisar brigar, você vê que não é do metier dele63.

É evidente na fala de Orlando que o público alvo do time do Cuiabá Arsenal é diferenciado. Por excelência é um público, como assinala Orlando,

63 JUNIOR, Orlando Ferreira. Orlando Ferreira Junior: Depoimento [ago. 2015]. Entrevistador: Igor Alexandre Silva Bueno. Cuiabá, 2015. 1 arquivo .mp3 (60:03 min.). Entrevista concedida para dissertação de mestrado.

132 mais jovem e familiar de poder aquisitivo alto, distinto do público que assiste os jogos de futebol association. Tais torcedores de futebol americano apresentam assim, conforme a análise de Bourdieu (1990), capital cultural e econômico diferente da maioria dos torcedores do futebol association. Isso implica em uma linguagem distinta para alcançar e repercutir dentro desse segmento , alvo esportivo do time do Cuiabá Arsenal. Nesse sentido, o público torcedor do Arsenal dispõe de elementos que são necessários para que o entendimento do esporte e de sua dinâmica seja possível, o que pode ser chamado de habitus. E para que essa linguagem fosse acessível e correspondida por seus torcedores, um aparato comunicacional foi implantado dentro da equipe para que a mensagem proposta do Arsenal chegasse a seu público cativo de forma clara e bem entendida. Com a definição do perfil do torcedor, foram definidas as estratégias para o desenvolvimento de ações que melhor ligassem o torcedor com a identidade da equipe. E com o início do desenvolvimento de ações publicitárias e a criação de produtos esportivos que estão ligados com o objetivo de desenvolver e ampliar o negócio esportivo é que ocorre a espetacularização do futebol americano em Cuiabá. Para isso, a imagem e os valores sociais do esporte foram direcionados por manifestações ideológicas como a valorização da cultura local, simbolismos que caracterizam a sociedade cuiabana e estereótipos de uma cuiabania que está no ar da cidade que tivessem recepção frutífera no torcedor. Tal recepção se apresenta positiva devido a sua grande popularidade e repercussão que serão mostrados mais abaixo. A inserção dos meios de comunicação de massa implantados dentro do corpo administrativo do time Cuiabá Arsenal é um indicio de como a imagem do esporte associado com um bom plano de marketing e planejamento de divulgação pode ser vendido como um produto para a mídia e para consumidores em potencial. A proposta do plano de marketing esportivo do Cuiabá Arsenal tem como objetivo central dar abertura para empresas associar a sua marca com a imagem que o Arsenal pode proporcionar. Atributos como saúde, energia, inovação, garra, desafio, trabalho em equipe, superação e liderança podem ser compactuados entre Cuiabá Arsenal e empresas que desejam interagir com o time. Esse intercâmbio pode proporcionar a oportunidade de divulgação da 133 marca empresarial em eventos, jogos, reportagens, sites e promoções diversas desenvolvidas pelo Cuiabá Arsenal. Em conformidade com as características apresentadas pelo Arsenal apontados acima, o bom uso do marketing esportivo vai muito além do tradicional – colocar a logomarca da empresa no uniforme da equipe. Com as mídias sociais, o consumidor está muito mais próximo das marcas. E por meio dessas redes sociais a equipe de futebol americano da cidade de Cuiabá se faz mais conhecida. Assim, em conformidade com os apontamentos de Debord (1991), o Cuiabá Arsenal desenvolve uma imagem comercializável em consonância com a sociedade capitalista atual. Com o objetivo de criar maior alcance de sua marca quanto time, diversas ações foram realizadas com esse fim. Uma infinidade de vídeos e fotos de divulgação como também camisetas e suvenires, flyes, copos, canecas e outros produtos foram desenvolvidos para criar uma identificação diferenciada no que tange ao time do Cuiabá Arsenal. Todas essas ações geram uma grande repercussão e também grande identificação com o time e a marca. Sendo um dos pilares para o desenvolvimento de um gosto esportivo. No que tange às mídias sociais, o universo de imagem cada vez mais presente nas relações contemporâneas, as plataformas digitais são os principais instrumentos de divulgação e propagação da imagem proposta pelo Arsenal. Segundo informações fornecidas pela própria equipe do Cuiabá Arsenal, o site da Liga Brasileira de Futebol Americano tem mais de três mil visitas semanais, e mais de quinze mil page views. A rede social do Arsenal Twitter @CuiabaArsenal tem mais de três mil seguidores. O Facebook oficial da equipe conta com mais de trinta e duas mil trezentos e quarenta e nove curtidas. O perfil do Instagram tem três mil quinhentos e quarenta seguidores. Com o trabalho de imagem institucional juntamente com resultados esportivos, o Cuiabá Arsenal cresce em presença nas mídias sociais, isso pode ser constatado pelos números revelados acima. E essa inserção no universo digital é explorada cada vez mais. Em conformidade com os dados fornecidos pelo Cuiabá Arsenal, um apontamento feito pelo site Olhar Esportivo, em matéria desenvolvida por 134

Thiago Mattos intitulada “As 10 páginas mais curtidas do esporte em MT64” aponta que o Cuiabá Arsenal aparece em primeiro lugar no ranking das redes sociais mais acessadas. Segundo o site de notícias esportivas, o Arsenal conta com vinte e cinco mil curtidas, seguido pelos times de futebol association Luverdense Esporte Clube, com vinte e quatro mil, e em terceiro lugar pelo Mixto Esporte Clube com quatorze mil e quinhentas curtidas.

Esses são indícios de como a preocupação com o marketing esportivo junto as redes sociais devem ser pensados e elaborados com o objetivo de se obter resposta positiva de divulgação.

Ao longo dos anos, o Arsenal se faz conhecido por meio de campanhas bem elaboradas com o intuito de proporcionar ao torcedor uma identificação com o time. As campanhas publicitárias desenvolvidas pelo Cuiabá Arsenal refletem as crenças, os desejos e os anseios do consumidor, alvo da equipe de futebol americano da capital. Conectada a isso, a direção da equipe vem apresentando mutações constantes nas suas mensagens, códigos e signos, sempre no sentido de trazer para o seu público novidades e interação. Com o objetivo constante de aumentar sua popularidade quanto time e quanto esporte. O que gera a relação mutua entre consumo e desejos característicos das sociedades atuais. Com essa proposta publicitária, ganha projeção adquirindo espaço, manejando os gostos e os interesses do público almejado pelo time de futebol americano. Desde o seu início, o Cuiabá Arsenal apresenta um discurso que entrelaça o consumidor e sua marca por meio da exploração dos valores predominantes na sociedade e do estabelecimento de ligações intensas da marca Cuiabá Arsenal com vários aspectos da vida cotidiana da capital do estado. Com campanhas publicitárias de cunho local e bem-humoradas (bem- humoradas, ligadas com os aspectos e valores presentes na sociedade cuiabana, o Arsenal exalta elementos como a família, saúde, garra, superação, a paixão por um esporte e a constante busca de crescimento esportivo, além da valorização dos traços de identidade da sociedade cuiabana e suas regionalidades.

64 Disponível em acesso em 19 de abril de 2016. 135

Abaixo serão analisadas algumas campanhas publicitárias veiculadas pelo Cuiabá Arsenal em suas redes sociais, principalmente Facebook e Instagram. Essas são as plataformas digitais mais utilizadas pela equipe para a divulgação de suas ações e campanhas. Uma marca característica das novas formas de divulgação devido principalmente aos grandes avanços tecnológicos que os meios de comunicação de massa possibilitaram. As redes sociais exercem considerável influência na disseminação de informações mediante a espetacularização das manifestações culturais, cujo objetivo é o consumo. Dentre os meios de comunicação mais proeminentes, a TV e principalmente a Internet são as plataformas mais relevantes, pois atuam sobre um grande número de pessoas de forma simultânea (COCCO, 1999). Por meio de uma observação que apresente cunho denotativo e conotativo, será possível, mais abaixo, compreender o sentido atribuído a cada imagem e vídeo expostos nas redes sociais do Arsenal. Segundo Peirce (2003), as imagens têm o poder de impactar nos anúncios publicitários, o que provoca e estimula o entendimento da mensagem. Para isso, o emissor busca uma mensagem forte e persuasiva da imagem para que os objetivos da comunicação sejam alcançados de forma mais eficiente. O Cuiabá Arsenal produz campanhas que tem como preocupação a divulgação e popularização do futebol americano entre os mato-grossenses e em especial criar uma identificação forte do esporte estrangeiro com os aspectos regionais da sociedade cuiabana. Tem-se aí um desafio, criar uma identificação com um esporte estrangeiro dentro de uma sociedade na qual tem pouco tempo de exposição e contato com o futebol americano. Com sua crescente presença no cenário esportivo, as ações publicitárias buscam vincular o time Cuiabá Arsenal com a capital do estado. Começa sua identificação com o próprio nome do time, que leva a palavra Cuiabá, uma característica forte dentro dos objetivos da direção da equipe que é exaltar o nome esportivo de Cuiabá fora dos limites da capital. É esse o atual movimento que o time do Cuiabá Arsenal vem desenvolvendo em suas ações de divulgação. Imagem 5 - Futebol Americano no Brasil! Eu acredito

136

Fonte: Página oficial do Facebook do Cuiabá Arsenal65

Na imagem acima, retirada da página oficial do Facebook da equipe, pode-se perceber a presença como elemento em posição central a logomarca do Cuiabá Arsenal em destaque com as cores características, verde, tons alaranjados e amarelos em um formato de bola oval. Há também em seu logo detalhe de uma flâmula que remete a bola oval a uma bala de canhão, o que faz ligação com a outra palavra que compõe o nome do time “Arsenal”, palavra que tem como significado o sentido bélico devido à origem do nome do time, em referência ao prédio histórico do arsenal de guerra da cidade de Cuiabá. Acima da flâmula é possível notar a existência da letra “A”, também em referência ao nome da equipe. A mensagem é predominantemente escrita. Também em posição central no quadro, em cor verde escura com o tamanho crescente, está escrito “um time”, subseguida por letras que crescem em tamanho: “uma família”, “uma história” e por seguinte, em maior fonte, “uma paixão”. Nesse primeiro momento, é possível perceber o grau de magnitude das palavras devido a relação com o seu tamanho. Tendo ligação direta com o grau e sua importância, o time em magnitude menor, expandindo para um grau quatro vezes maior apresenta-se a frase “uma paixão”, que se exibe com maior

65 Disponível em acesso em 10 de abril de 2016. 137 fonte, demonstrando que a paixão é o maior de todos os sentidos atribuídos às frases escritas, pois se apresenta em destaque de tamanho. Logo abaixo em cor contrastante com o fundo branco apresenta a frase: “Futebol Americano no Brasil! Eu acredito”, em referência ao desejo do esporte ser possível em terras brasileiras como também no cenário esportivo mato-grossense. Esse efeito de tamanho das letras abre espaço para interpretação das mensagens proferidas no anúncio. Seria o intuito da mensagem em demonstrar que ao se fazer relação com o tamanho, a paixão pelo esporte seria enorme, e essa paixão gera uma história com o esporte que, por conseguinte, cria vinculação com outras pessoas que também compartilham dessa paixão, criando assim uma família no sentido de irmandade, e que, por fim, culmina na criação de um time. Haja vista que o torcedor pode não ter uma identificação com um determinado time, mas tem uma grande paixão pelo esporte futebol americano. Imagem 6 - Cuiabá Arsenal, aniversário de Cuiabá.

Fonte: Página oficial do Facebook do Cuiabá Arsenal66

Na imagem 6 – Cuiabá Arsenal, aniversário de Cuiabá, apresenta um fundo em tom cinza claro com diagramação uniforme com desenhos geométricos. No segundo plano sobreposto, ao fundo, observa-se a presença da cor predominante laranja e seus tons mais claros da mesma cor em faixa na posição horizontal. Tal faixa composta com duas figuras humanas masculinas

66 Disponível em acesso em 20 de março de 2016. 138 vestidas com uniformes de jogadores de futebol americano. A figura masculina do lado esquerdo da imagem segura em sua mão direita uma bola oval, símbolo mais icônico do esporte. E como elemento central da imagem, tem-se a figura de uma fruta tipicamente da região cuiabana, a manga. O aspecto da manga se apresenta como madura, ou seja, pronta para consumo. No topo da fruta é possível perceber gotículas de água, o que pode denotar limpeza e frescor. As cores do fruto seguem o mesmo padrão de cores da faixa horizontal do plano anterior, tons alaranjados. Há no fruto o detalhe de costura de cor branca tracejada e entrelaçadas e pequenos detalhes em cor preta. Com esses detalhes, transforma o sentido da imagem e faz remeter ao fruto certa semelhança com a bola oval. No sentido imagético, seria a fusão entre os elementos que carregam a simbologia do futebol americano com as características culturais/alimentares da cidade? Fazendo demonstração de que o esporte está presente em terras mato-grossenses, e mesmo sendo estrangeiro, não deixa de comemorar de forma particular e regional o aniversário da cidade de Cuiabá? A mensagem verbal buscaria completar o sentido proposto para a imagem rematando a sugestão de vincular o aniversário de Cuiabá com o Futebol Americano do Cuiabá Arsenal? Seguindo nas observações das campanhas publicitárias, não poderia ficar de fora os vídeos. Os vídeos publicitários seguem as diretrizes e os sentidos observados nas imagens acima. Porém, com maior vantagem, pois podem agregar som e movimento. No vídeo publicitário “Cuiabá Arsenal TRYOUT 2013 - Ei amigo, toque uma lambada...67.” feito pela agência de publicidade FCS com o apoio da Faculdade de Comunicação Social da UNIC – Universidade de Cuiabá para a equipe do Cuiabá Arsenal, veiculado pelo site de vídeos Youtube e compartilhado em outras redes sociais traz um anúncio da seletiva da equipe, para o tryout do ano de 2013, por meio de uma canção de um estilo musical tipicamente cuiabano, o lambadão. A música adotada nesta peça é “Ei Amigo Toque Uma Lambada” composta por um dos ícones do estilo musical lambadão, Chico Gil. Essa música é muito conhecida localmente, o que pode

67 Disponível em acesso em dia 17 de janeiro de 2016.

139 ser considerada um clássico no estilo musical tipicamente da baixada cuiabana. O vídeo com um minuto e trinta e dois segundos, apresenta inicialmente em close o rosto do jogador e técnico Kenneth Joshen – KJ – do Time Cuiabá Arsenal usando fones de ouvido de frente a um microfone característico de um estúdio de gravação profissional. Nesse trecho do vídeo, com som, tem-se somente a voz do jogador KJ marcada por seu carregado sotaque norte americano na tentativa de falar as palavras em português. Sua voz não tem acompanhamento de qualquer tipo de instrumento. Em seguida, inicia a movimentação de câmera, com vários cortes de cenas que mostram o ambiente do estúdio de gravação e sua dinâmica. Nesse trecho, há vários cortes de cenas que dão sentido e entendimento de que se trata de um estúdio de gravação, pois aparecem em cena instrumentos musicais, equipamentos eletrônicos de controle de áudio. Todo esse ambiente é mostrado ao som de acorde de guitarra elétrica. No corte seguinte, com uma breve pausa sonora e de cena, KJ começa a cantar acompanhado pelos instrumentos na tentativa de ter o ritmo e melodia da música. A sequência de cenas mostra vários integrantes da equipe do estúdio rindo, achando graça da forma como KJ pronuncia as palavras da música. Até mesmo o próprio KJ não consegue controlar o riso diante de sua dificuldade de pronúncia. Em seguida, as cenas são focadas no jogador e sua movimentação corporal imitando os movimentos característicos do dançar a dois e do lambadão. A cena segue com close nos pés de KJ com a informação verbal no centro do quadro que diz assim: “Futebol Americano com ritmo cuiabano”, e com um corte de cena para o rosto do jogador, outra informação verbal é mostrada. Dessa vez com a palavra de língua inglesa “tryout68” a logomarca do Cuiabá Arsenal se apresenta e aparece no centro do quadro. Em seguida é mostrada a data, o horário e o local onde seria realizada a seletiva. Esse último período, no encerramento, o quadro fica totalmente com o fundo preto com a frase em destaque “Ei, amigo. Prepare-se” escrito em cor branca. No primeiro momento do vídeo são mostrados elementos que caracterizam para o observador o ambiente. Trata-se de um estúdio de gravação musical profissional, pois são vistos microfones, fones e mesas de

68 Tryout em seu significado literal refere-se a palavra, em português, prova, teste. No universo do futebol americano tem o sentido de seletiva para entrada no time. Seria o equivalente a peneira realizada no futebol association. 140 controle de áudio. Nesse momento, a atenção do telespectador é direcionada para o carregado sotaque norte americano do jogador. Nesta etapa, o interpretador começa a conjecturar significados, pois se trata de um jogador uniformizado com a camisa do time do Arsenal. Quando o KJ começa a cantar, o sentido de jocosidade torna-se mais evidente, pois diante da dificuldade de o jogador pronunciar as palavras em português, outras pessoas que aparecem no vídeo são mostradas rindo, o que dá o sentido de brincadeira. Os criadores da peça publicitária parecem ter em mente que o receptor tentará associar o futebol americano com o ritmo cuiabano, lambadão. O anúncio buscaria mostrar o entrosamento do futebol americano à música escutada em Cuiabá? O vídeo objetivaria demonstrar que mesmo o futebol americano ser um esporte de origem estrangeira é possível conciliar com a cultura musical local? A escolha do jogador também seria proposital, pois tal opção traz possível interpretação, que mesmo diante das dificuldades de língua e cultura é possível a união dos elementos Futebol Americano e características marcantes da cultura cuiabana? O vídeo teve um total de 17.968 visualizações desde sua publicação no dia 20 de fevereiro de 2013. Abaixo algumas cenas do vídeo. Imagem 7 - Cenas do vídeo “Ei amigo toque uma lambada”.

Fonte: Elaborado pelo autor (2016)

Em outro vídeo com o título, “Eu sou de Cuiabá69” tem o tempo menor, apenas trinta e cinco segundos, apresenta o mesmo sentido atribuído ao vídeo anterior, demonstrar a vinculação entre a cultura cuiabana e a equipe do Cuiabá Arsenal. Novamente o elemento musical se faz presente com uma paródia da música “Eu sou de Cuiabá”, um rasqueado cuiabano, estilo de

69 Disponível em acesso em 18 de janeiro de 2016. 141 música regional,70 composta por Moisés Martins e Pescuma71. Os jogadores do Arsenal têm como intuito apresentar uma sugestão de música/grito de guerra para a torcida do Arsenal. A cena inicial aparece em quadro nove jogadores do arsenal com seus uniformes com cor predominante verde, sentados em uma arquibancada. Na sequência de cena os jogadores cantam a paródia musical ritmados por suas palmas. Há um corte de câmera para o sentido direito do quadro mostrando assim dois quadros, esquerdo e direito que se alternam. Como informação verbal no canto esquerdo do vídeo aparece “#12arsenal” apresentando a hashtag de divulgação da equipe por meio das publicações via internet nas redes sociais. No rodapé do vídeo é seguido pela letra da música, em cor branca para que o espectador acompanhe. A letra mostrada no vídeo é composta da seguinte forma:

Eu vim, eu vim, eu vim

Eu vim de lá pra cá

Eu sou, eu sou, eu sou

Eu sou de Cuiabá

2x

Aqui tem o Arsenal

Um time que é sensacional

Ataca e defende, com força e paixão

É o time do meu coração

2x

No trecho que diz “é o time do meu coração” os jogadores executam o movimento corporal de bater com a palma da mão no peito. Movimento icônico de demonstração de amor por um escudo a um time. A cena encerra com os aplausos dos jogadores expressando alegria. Mais uma vez o sentido empregado no desenvolvimento do vídeo é demonstrar o entrosamento entre os jogadores do Arsenal e os aspectos

70 Rasqueado cuiabano é um estilo de música e de dança regional do centro-oeste brasileiro, mais precisamente na Região Metropolitana de Cuiabá. 71 Moisés Martins é compositor, escritor, poeta, cantor, sul mato-grossense. É considerado um dos ícones do movimento chamado de cuiabania. É também membro da Academia Mato- grossense de Letras. Benedito Donizete de Morais mais conhecido como Pescuma é jornalista de formação, cantor e compositor. 142 regionais da cidade de Cuiabá. Dentro da letra da paródia podem ser notados alguns elementos que caracterizam os valores da equipe. No trecho da letra diz: Aqui tem o Arsenal, Um time que é sensacional, Ataca e defende, com força e paixão. É o time do meu coração. A palavra sensacional expressa a valorização e a exaltação do time como algo extraordinário, espetacular e até mesmo maravilhoso. Seguido por palavras que representam sentimentos ligado à bravura do Arsenal, como a palavra força. A palavra paixão vem por último, a expressão verbal revela o amor dos jogadores pela equipe. São palavras de grande peso e significado dentro de uma paródia. Esses seriam os intuitos ao desenvolvimento de campanhas desse cunho? Gerar no espectador o sentido de exaltação de poder e de amor do Arsenal? Esse vídeo obteve 2,032 mil visualizações. Foi publicado no dia12 de julho de 2014.

Abaixo algumas cenas que compõem o vídeo descrito acima. As imagens foram coletadas do site do Youtube por meio do recurso printscreen. Foram capturadas algumas imagens e em seguida foram trabalhadas para compor a imagem 8. O vídeo completo representado na imagem a seguir como os demais podem ser vistos no canal oficial do Cuiabá Arsenal no Youtube. Imagem 8 - Canto/grito de guerra torcida Arsenal

Fonte: Elaborado pelo autor (2016). 143

Mas, o vídeo que mais fez sucesso na rede com mais de 299.226 visualizações foi a versão do videoclipe do Show das Poderosas, da cantora Anitta, gravado pelos jogadores do Cuiabá Arsenal. O vídeo foi publicado no dia 6 de agosto de 2013. Essa foi uma alternativa para uma chamada divertida para o enfrentamento no dia 10 de agosto, Cuiabá Arsenal versus Brasil Devilz, de São Paulo, no estádio Dutrinha.

O vídeo tem duração de um minuto e vinte e três segundos. Em formato em preto e branco, apresenta como fundo cenário escuro com refletores. O início da dinâmica de movimentação de cena é feito por um dos jogadores trajando shoulder Pad, calça elástica, luvas e capacete, que se aproxima do um microfone de cristal estilo vintage em um pedestal. O resto do tronco apresenta-se desnudo. Há um corte de cena para os outros membros que fazem parte do vídeo que estão caracterizados do mesmo jeito que o primeiro jogador mostrado em cena. O enquadramento da cena foca na região abdominal dos jogadores que tem postura estática com mão na cintura, em seguida, o enquadramento evidencia a cabeça com os capacetes. Assim que a voz da cantora Anitta diz a primeira palavra que compõe a letra da música “show das poderosas”, os jogadores iniciam a movimentação corporal da coreografia da canção. Todas as cenas que se seguem tem (têm) a canção como efeito sonoro. A movimentação de câmera é bem dinâmica com planos mais fechados e focados nos corpos dos jogadores. Existe também o elemento de desfoque que criam um efeito de profundidade do campo, dando ênfase no plano primário ou secundário. A evolução do desempenho dos jogadores na coreografia é o elemento chave que dá movimentação para as cenas. Como informação verbal, aparece com efeito progressivo a palavra escrita da forma separada “PRE-PARA” composta em cor branca destacada do fundo negro. Em seguida um conjunto de informações é apresentado ao espectador em mesmo formato que a anterior com a seguinte frase: “Dia 10 de agosto, o CAMPEÃO BRASILEIRO de Futebol Americano, Cuiabá Arsenal, entra em campo”. Nota-se que as palavras campeão e brasileiro estão escritas em letras garrafais, o que dá ênfase para o título do time. Em outra cena, apresentam as informações dos confrontantes, o dia, a hora e o local onde será realizada a partida. A cena final é composta novamente pelo quadro no qual exibe os jogadores realizando o movimento de braço esticado com a palma da mão 144 voltada para frente e aberta, essa cena apresenta com efeito sonoro mais evidente a palavra prepara na qual se faz o encerramento da música e do vídeo. Por fim, há um corte de cena no qual aparece a logomarca do Cuiabá Arsenal, e abaixo há os endereços eletrônicos do twitter, facebook.

O vídeo proposto pelo Cuiabá Arsenal tem o intuito de reproduzir o mais próximo possível o cenário e a formatação do vídeo clipe original da cantora Anitta. Como demonstra a imagem abaixo.

Imagem 9 - Show das poderosas, Cuiabá Arsenal.

Fonte: Elaborado pelo autor (2016)72.

O clipe apresenta de forma conotativa a brincadeira entre a sensualidade entendida como do universo feminino expressado na dança, e o polo masculino, representado pela robustez dos jogadores de futebol americano. Assim, a proposta do vídeo é a inversão dos polos, atribuindo o sentido de brutalidade, malvado e violento, normalmente conferido ao futebol americano para um sentido de graça e até certo ponto sensual da inversão. Para chamar a atenção, os jogadores resolvem mudar a forma que habitualmente são vistos ou estereotipados. A chamada para o jogo obteve sucesso exatamente pelo sentido inusitado e engraçado da proposta do apelo publicitário. Por meio da cultura musical popular, o Arsenal consegue ampliar

72 As imagens do vídeo clipe show das poderosas foram retiradas da Youtube por meio de prints da tela. O acesso para o clipe original pode ser feito pelo link: disponível em acesso em 18 de abril de 2016. 145 sua visibilidade a nível nacional. Haja vista que o vídeo se espalhou pela internet obtendo milhares de visualizações fora do estado de Mato Grosso. Abaixo algumas imagens retiradas do vídeo por meio do recurso printscreen.

Imagem 10 - Show das poderosas Cuiabá Arsenal cenas

Fonte: Elaborado pelo autor (2016).

Imagem 11 -Show das poderosas Cuiabá Arsenal Cenas 2

Fonte: Elaborado pelo autor (2016). 146

Outras ações de cunho institucional são produzidas pelo Cuiabá Arsenal com o intuito de demonstrar a consciência dos jogadores da equipe com a sociedade cuiabana. Em vários períodos do ano a equipe se propõe em fazer campanhas de doação de sangue para alimentar o estoque do hemocentro da capital. Tais campanhas ocorrem sempre em momentos mais críticos, quando os estoques de sangue estão em baixa ou em períodos anos em que a demanda é maior, por exemplo, em período de carnaval e festas de final de ano. O Arsenal promove essas ações desde 2009. Mais abaixo é possível perceber toda a preocupação institucional existente nas divulgações do Cuiabá Arsenal, as quais transparecem valores que estão presentes dentro da equipe e que são materializados nas suas publicações e ações. Na campanha apresentada a seguir nota-se uma infinidade de mensagens conectadas com o objetivo de demonstrar a preocupação do time em doar sangue como forma de retribuição à cidade que recebe o futebol americano.

Imagem 12- Campanha de doação de sangue Cuiabá Arsenal73

Fonte: Página oficial do facebook Cuiabá Arsenal

73http://olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?noticia=Cuiaba_Arsenal_pretende_quebrar_recor de_e_espera_mais_de_10_mil_pessoas_na_Arena_Pantanal&id=409853 147

A cor predominante em toda a imagem é o verde escuro, cor oficial da equipe. Elementos como a logo se fazem presente dentro do quadro na parte inferior a direita. No lado esquerdo da mensagem há uma sobreposição de imagens, em um primeiro momento remete a uma gota de sangue devido a cor em tom vinho, ou vermelho escuro, porém o que dá maior intensidade e destaque a gota de sangue é a imagem da bola oval em uma perspectiva que remete a pensar que a bola está dentro da gota. Em um sentido conotativo, pode-se perceber que a intenção de fazer referência que o futebol americano, representante mais icônico do esporte, a bola oval, está no sangue. A mensagem verbal contém informações mais detalhadas do local, hora e telefones para contato. Mas, há também mensagem que tem a proposta de dar intensidade ao conjunto geral da imagem. A frase na parte superior “ (...) Cuiabá Arsenal vai entrar em campo para mais uma batalha. Dessa vez em favor da doação de sangue” apresenta vários intertextos conectados. O primeiro refere-se os jogadores do Cuiabá Arsenal como guerreiros que constantemente entram em campo de batalha. As palavras “para mais uma” dão o sentido de frequência de entrada em combates. E as palavras “dessa vez” remetem a um sentido diferenciado de batalha, pois essa batalha tem-se um aliado que necessita de ajuda, o banco de sangue do hemocentro da cidade, o que remete também a um sentido heroico atribuído aos guerreiros em batalha, ajudar um grupo ou bem maior. As frases em amarelo reforçam a intenção, “doe sangue, doe vida”. E em conjunto com a logo do Cuiabá Arsenal a frase, “Literalmente doando sangue por Cuiabá”. Nessa frase a intenção proposta é demonstrar mais uma vez que a equipe sempre se doou para a cidade de Cuiabá, tanto no sentido figurado como literal, haja vista que em ações como essas os jogadores do time são convidados a doarem sangue como forma convidativa para que a população também doe e entre com o Cuiabá Arsenal nessa batalha, expressando simbolicamente o sentido de união. Tudo isso faz conexão direta com o grito de guerra da equipe que diz: ‘Sou um guerreiro e não tenho o que temer, eu dou o sangue, vim para vencer’. Nessa imagem analisada, fica muito claro que a intenção da equipe em demonstrar uma ação social, doar sangue, seja intimamente vinculada com o ideário da equipe de se fazer presente dentro da sociedade cuiabana, não 148 somente como um time esportivo, mas, também com agentes sociais responsáveis pelo bem estar social. Outro sentido é sugerido nas campanhas publicitárias propostas mais abaixo, focado na divulgação do esporte e em especial para o evento esportivo do Campeonato Nacional de Futebol Americano. No período que precedeu o jogo foi lançado um desafio para a população de forma geral de colocar 10 mil espectadores dentro da Arena Pantanal com o objetivo de bater o recorde como sendo o maior público de Futebol Americano do país. Empenhado em alcançar esse objetivo, o Cuiabá Arsenal se valeu de suas campanhas publicitárias para divulgar tanto o jogo, a final da liga centro-sul, como também o desafio intitulado 10 mil. Com um padrão imagético esse período de campanha foi marcado principalmente pelo incentivo em conhecer o esporte jogado com as mãos e incentivado por um desafio de participar de um recorde que ainda não tinha sido alcançado, colocar dentro de um estádio de Copa do Mundo o maior público possível para um jogo de futebol americano no Brasil.

Imagem 13 - Trocar os pés pelas mãos

Fonte: Página oficial do facebook Cuiabá Arsenal

A proposta dessa imagem de divulgação tem o contexto de apresentar o jogo disputado entre as equipes do Cuiabá Arsenal e Coritiba Crocodiles da região sul do Brasil. A disputa ocorreu pelo Campeonato Nacional de Futebol 149

Americano da liga centro-sul ocorrida no dia 21 de novembro de 2015 na cidade de Cuiabá dentro da Arena Pantanal, palco de jogos da Copa FIFA de Futebol do ano de 2014. Ao analisar a imagem, mais uma vez a cor predominante é o verde escuro e seus tons de verde mais claro e também a cor branca, em menor presença, nos detalhes das logomarcas das equipes. No plano de fundo é possível observar o detalhe das arquibancadas do estádio, local da partida. Em um nível mais próximo, há a figura de um jogador devidamente uniformizado em um plano de movimento de interceptação da bola oval. Tal figura dá dinâmica para a imagem. Ao se dividir a imagem em dois lados, é possível notar que do lado direito contém informações que demonstram do que se trata o evento, quais os times que disputariam o jogo. E na parte inferior, o dia, a hora e o local do evento, ou seja, informações técnicas relacionadas à partida. Já do lado esquerdo da imagem, a frase de impacto traz consigo um sentido mais profundo e intenso de entendimento. Escrito em uma fonte que imita a forma manuscrita, traz a seguinte informação verbal: “A Arena Pantanal vai trocar os pés pelas mãos”. As palavras pés e mãos apresentam-se escritos em fontes de maior formato para dar intensidade no sentido de troca. A expressão original “meter os pés pelas mãos” fora do contexto apresentado na campanha de divulgação do evento do Arsenal tem como sentido demonstrar o entendimento de cometer erros ou se atrapalhar. Porém, quando a palavra “meter” é alterada para “trocar” aplica sentido alternativo de mudança ou até mesmo subversão da lógica atual do espaço, haja vista que a Arena Pantanal faz referência ao esporte jogado com os pés futebol association, sendo assim, essa troca é algo que foge ao habitual do local. Em outro anúncio é possível constatar que o padrão de cores e formatos se mantém. Os elementos de divulgação se repetem como também as cores das mensagens verbais.

150

Imagem 14 - Desafio dos 10 mil

Fonte: Página oficial do Cuiabá Arsenal no Facebook74.

Na imagem, pode ser visto no plano de fundo a Arena Pantanal, local da partida, em tons em verde. A ênfase da mensagem verbal se dá pelo tamanho da letra chamando a atenção do observador para o escrito “10 mil torcedores”. Em cor branca, a palavra que dá um sentido de informalidade para a mensagem em forma de gíria popular “bora?”. O sentido atribuído foi convidar o torcedor a compor massa de dez mil pessoas que participaria do evento. Toda essa campanha foi reforçada pelo apoio do governo do estado de Mato Grosso que ao se unir com o Cuiabá Arsenal desenvolveu junto a suas redes sociais a divulgação para o evento. A parceria firmada por meio da Secretaria de Estado de Cidades – Secid firmou acordo para a realização de jogo de Futebol Americano referente a final da Superliga Centro-Sul que foi realizado no dia 21 de novembro de 2015 na Arena Pantanal. O governo estadual torna-se assim mais um agente que ajuda a fomentar o esporte dentro do estado, dando um peso institucional mais forte e presente. Outro elemento utilizado pelo Cuiabá Arsenal em suas redes sociais é o uso das hashtags, emprego do sinal de cerquilha (#). Com o crescimento do uso de redes sociais, a presença das hashtags se tornou cada vez mais

74 Disponível em acesso em 10 de novembro de 2015. 151 constante. Esse recurso informacional possibilita o desenvolvimento de filtros para agregar informação, são como palavras-chaves que os usuários das redes sociais utilizam para marcar o tema do conteúdo compartilhado. Cada hashtag criada é transformada em um hiperlink que irá direcionar a pesquisa para os conteúdos de forma específica. Ou seja, esta é uma forma prática de agrupar diversos conteúdos sobre um determinado tema, o que facilita a pesquisa posterior sobre o tópico desejado. Por meio da hashtag é possível encontrar o que está sendo comentado e compartilhado sobre o assunto. Se valendo desse recurso, o Cuiabá Arsenal e seus fãs e seguidores criaram em suas redes sociais vários hiperlinks por meio da hashtag (#). A exemplo, tem-se: #Cuiabaarsenal, #Arsenal10anos, #MaisDe12mil, #VouPraArenaComArsenal, #GoArsenal, # arsenalnamidia , # 12arsenal . Muitos dos seus internautas que acompanham o Cuiabá Arsenal fazem uso desse recurso para manifestar sob forma de texto, imagens e vídeos o apoio junto a equipe. O uso dos recursos apresentados acima, principalmente nas redes sociais, se dá pelo motivo de serem métodos para se obter grande alcance na rede. Assim, focando na melhor apropriação da internet como espaço de divulgação e propagação de informações relacionadas com a equipe, o Cuiabá Arsenal se vale de vários recursos para criar presença e visibilidade junto a suas redes sociais, aproximando torcedores, fãs, simpatizantes do esporte e do time. Desse modo, as formas imagéticas apresentadas acima, vídeos, fotos, por exemplo, ajudam a reunir conteúdos sobre temas diretamente relacionados ao seu interesse. Nesse sentido, passam a pesquisá-los e veiculam em suas redes sociais, envolvendo-se cada vez mais com a equipe, o que dá alcance para outros interessados e assim criando novos ciclos de divulgação, ampliando a sua visibilidade. De alguma maneira, a “virtualização”, a entrada no universo virtual, possibilita sua popularização. Quando pertencer e fazer parte de um grupo ou uma ideia não mais pressupõe o deslocamento para um espaço físico, mais gente se sente envolvida, e de alguma forma, habilitado a abraçar a causa. Esses são elementos do processo de espetacularização cada vez mais presentes na sociedade contemporânea. 152

Como aponta Guy Debord (1991), o espetáculo compreendido em sua totalidade é simultaneamente o resultado do projeto do modo de produção existente, não um complemento do mundo real, ou simplesmente um adereço decorativo e sim o coração da sociedade atual. Sobre todas as formas que envolvem o espetáculo, publicidade, propaganda ou consumo do entretenimento, consumir se torna o modelo de vida socialmente dominante. Assim, para se fazer e estar presente nessa lógica, o desenvolvimento ou o consumo de determinado produto se torna imperativo. Os elementos de publicidade apresentados anteriormente são com base nos pensamentos de Debord (1991), desenvolvidos e moldados por experts no âmbito psicossocial, satisfazem à grande parte da sociedade, que como verdade absoluta passa a considerá-los parte de seus anseios, uma vez que atende prontamente seus desejos subjetivos, configurando-se, assim, um ambiente propício para a disseminação de uma possível mensagem pré- elaborada. Nesse ambiente, as empresas e organizações percebem o potencial de comunicação e do consumo existente nessa nova fase da sociedade, a espetacularização crescente. O espetáculo que tanto atrai as massas tornou-se o denominador comum das novas arenas da comunicação de mercado. Elas incluem a música, sob forma de megashows, o esporte, os megaeventos esportivos sob a forma de grandes espetáculos de futebol, automobilismo, tênis e outros esportes.

Com base nas ideias de Elias (1990), as pessoas buscam em espetáculos a saciedade de impulsos da natureza humana. O esporte e o lazer, com ajuda da mídia, se caracterizaram, pouco a pouco, como apto a nutrir esse tipo de necessidade do ser humano enquanto ser social. Os esportes ganham contornos de espetáculo somente no século XX com a entrada dos meios de comunicação em massa. Com a entrada do rádio e da televisão, as competições de boxe, automobilismo, futebol, ciclismo, entre outras, passaram a ser acompanhadas por um grande número de pessoas e deixaram de ter a conotação do local onde eram realizados. Em um segundo momento, com as transmissões via satélite e via internet, o esporte se tornou algo global, os grandes espetáculos são acompanhados 153 por milhões de pessoas simultaneamente, o que populariza ainda mais o esporte e abre para um mercado consumidor gigante (MARQUE et al 2008). Dentro dessa lógica, pode-se afirmar que o consumidor exposto às ferramentas de comunicação inseridas no esporte não fica restrito a somente consumir produtos, ele consome signos, valores e comportamentos que conectados com a imagem do produto vão muito além do consumo (MARQUE et al 2008). Indícios como estes são fatores que levam a concluir que o processo de espetacularização se apresenta em curso dentro do esporte atual e está presente também dentro da lógica das ações do Cuiabá Arsenal. Com o novo ambiente de participação, o universo virtual, de fato oferece mais espaço e ferramentas para que os usuários se apropriem de ideias e gostos propagandeados nas redes sociais, o que causa interesse e mobilização. Desde o boom dos blogs até o surgimento das redes sociais, a internet se popularizou como veículo pelos múltiplos recursos de comunicação que reúne em cada plataforma. Valendo-se desses recursos, o Cuiabá Arsenal busca ampliar sua presença em tais plataformas para que se torne cada vez mais presente e próximo dos seus torcedores. Outro elemento que compõe o sentido de espetáculo proposto pelo Cuiabá Arsenal se refere ao João Geleia, mascote do time. Devido ao jogo ter em média duas a três horas e alguns pequenos intervalos, é necessário preencher esse tempo com atrações que visam o entretenimento dos torcedores. Assim, um dos recursos usados para prender a atenção dos fãs torcedores é a presença do João Geleia que tem como função ser um tipo de animador de torcida. O mascote do time diverte os torcedores e é um grande chamariz para a identificação do público infantil. Além de sortear brindes e interagir com os que assistem, proporciona brincadeiras que aproximam os torcedores que muitas vezes entram em campo para disputar brindes e camisetas, o que aumenta a sinergia entre público e equipe.

154

Foto 6- João Geleia

Fonte: Bruno Antunes, Cuiabá Arsenal75

Mais recentemente, o Cuiabá Arsenal desenvolveu uma parceria com a Atlética Turuna da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. A Atlética é composta por alunos dos cursos das diversas engenharias presentes no campus da UFMT. Tem como nome oficial Associação Atlética Acadêmica das Engenharias da UFMT. A Bateria Turuna fundada dentro da Atlética no dia 17 de julho de 2013, desde então, vem marcando presença dentro dos jogos do Cuiabá Arsenal desde então. Em sua página oficial do Facebook, a bateria foi criada juntamente com A.A.A.E UFMT como forma de uma irmandade. A atlética é a entidade responsável em promover e coordenar uma série de atividades e também a parte esportiva, organizando treinos e campeonatos externos e internos. Esta entidade também é responsável pela integração e interação dos alunos de cada faculdade através da organização de festas e na confecção e comercialização de produtos de seus respectivos cursos (canecas, camisetas, etc).

75 Disponível em acesso em 10 de fevereiro de 2016. 155

Composta por estudantes das engenharias da Universidade Federal de Mato Grosso, a Atlética Turuna têm (tem) como principais objetivos promover o conhecimento sobre instrumentos de percussão, participar de torneios esportivos, seja na competição de baterias quanto animando a torcida e incentivando seus atletas, apresentações em eventos, realização de eventos beneficentes e, principalmente, promover a integração entre os alunos de todos os cursos de Engenharia da UFMT.

Imagem 15 - Logomarcas Turuna

Fonte: Elaborado pelo autor (2016) 156

Foto 7 - Bateria Turuna 76

Foto 8 – Cheerleaders

Fonte: Igor Bueno (2014)

76 Disponível em acesso em 21 de abril de 2016.

157

Na fala de Paulo Cesar, em entrevista concedida ao site de notícias RDNews, fica explícita a preocupação da equipe em trazer mais elementos como cheerleaders, baterias e mascote, que propriamente o jogo em si. Para que a atenção do espectador não perca, outros artefatos são colocados durante a partida para dar qualidade de entretenimento. (...) além do jogo específico a gente começou trazer atrações, pelo o jogo ser mais demorado e muitas pessoas não conhecem o esporte a fundo, nos fizemos parcerias com a bateria com a escola de samba, com cheerleaders, nosso animador de torcida. (...) Nós temos essa pretensão de termos eventos grandes em Cuiabá, e manter os eventos. E com certeza, quem é o torcedor e quem queira conhecer o esporte vai ter a oportunidade de conhecer e ver grandes eventos acontecerem na nossa capital.

Após a apresentação dos elementos entendidos como o processo de espetacularização do esporte, os apontamentos que se seguem objetivam demonstrar que a lógica de espetacularização esportiva está presente nas ações do Cuiabá Arsenal. Vale destacar, que os elementos analisados acima foram escolhidos por serem mais icônicos, pois devido ao reduzido espaço para uma maior e mais profunda análise, a escolha se deu por meio dos elementos mais representativos e populares de um quadro geral observado. Por meio de uma análise dos signos icônicos, através do campo denotativo e conotativo, é possível perceber que sinteticamente os anúncios apresentados buscam demonstrar, de forma conotativa, características necessárias para a prática do futebol americano como força, bravura e valentia, amor, paixão, sangue, dentre tantos outros elementos típicos da cultura cuiabana conjugados. Dessa forma, com campanhas bem elaboradas, a equipe do Cuiabá Arsenal consegue criar uma vinculação muito próxima e gera dentro do universo esportivo cuiabano uma identificação com os torcedores com a relação icônica e sentimentos entre dois universos, o cultural e o esportivo, com um toque de humor. Com isso, gera uma assimilação sentimental e imagética com o Cuiabá Arsenal. Como aponta Salomon e Whitaker (2005), pessoas não compram os produtos apenas pelo seu aspecto funcional, mas também pelo o que eles significam em sua vida. Ações como as demonstradas acima visam colocar marca e propostas de identificação com o contexto dos torcedores do Cuiabá Arsenal, tornando o esporte mais conhecido, pois está cada vez mais vinculada com os aspectos existentes da cultura local, como o 158 linguajar, os alimentos, a música e os costumes típicos vividos na localidade, imprimindo uma marca muito bem delineada de identificação. Sendo assim, por meio de ações como as apresentadas acima, é possível produzir identificação de ligação com um produto esportivo, passando a gerar nas pessoas o gosto por torcer por uma equipe que represente a sua comunidade e sociedade e que valoriza seus traços mais marcantes. A necessidade de mudanças na estrutura física, como também no perfil identitário do time, ajudam a construir o desejo de dominação esportivo no sentido de manter o elemento de força dentro do subcampo. Assim, com o intuito de ampliar sua força, a equipe vem desenvolvendo ações de reforço da equipe dentro e fora de campo como, por exemplo, ações de planejamentos para que angariem novos aliados dentro do jogo estabelecido no subcampo do esporte mato-grossense, como aponta Bourdieu (1990). Esses atrelamentos se materializam quando o Arsenal firma parcerias com outros grupos que compõem o cenário esportivo, o exemplo mais claro é a vinculação feita com a Atlética Turuna. O que se pode dizer é que se enquadra na ideia da teoria de jogos multipessoais a vários níveis, pensada por Elias (1994). Nesse modelo há planejamentos das ações pelas pessoas envolvidas; ocorrem aproximações interdependentes para alcance de objetivos; o limite das ações desse jogo é o número de aproximações que as pessoas envolvidas podem fazer para alcançar seus anseios. Assim, na relação estabelecida entre os diversos grupos, como Cuiabá Arsenal, Atlética Turuna e governo do estado, se somam objetivando ampliar a sua divulgação e repercussão interna, cada um a seu modo dentro da lógica da espetacularização esportiva. Pode-se perceber que há na estrutura do campo a correlação de forças entre os agentes e as instituições engajadas na luta. Dessa maneira, a forma como se deu as relações de força no passado vão ditar o sentido das lutas do presente, no sentido de manutenção ou modificação de formas de relação entre os agentes, oscilam entre a conservação ou a subversão das estruturas de distribuição de capital específico. As ações dos agentes envolvidos com o futebol americano de Mato Grosso visam ampliar a sua presença junto aos consumidores esportivos do estado, para tal, ações foram desenvolvidas na direção de trazer novos espectadores para os jogos de futebol americano por meio da espetacularização esportiva (ELIAS, 1994). 159

Talvez o exemplo mais expressivo do resultado dessas ações foi o evento de grande magnitude realizado na Arena Pantanal no dia 21 de novembro de 2015. Por meio de ações de marketing, planejamento político e social, o Cuiabá Arsenal conseguiu no ano de 2015 realizar o maior evento de futebol americano da história do esporte no Brasil. Através de suas campanhas publicitárias e a busca de parcerias, um grandioso espetáculo, a final da Liga Centro-sul de Futebol Americano foi realizada (realizada) dentro do Estádio da Copa do Mundo , Arena Pantanal. A proposta foi muito bem aceita por uma parcela significativa da população do estado de Mato Grosso, pois o evento, inicialmente, se propunha em levar para assistir a final disputada entre Cuiabá Arsenal e Coritiba Crocodiles dez mil torcedores, porém, o resultado esperado foi muito além, pois compareceram ao estádio mais de quinze mil espectadores. Nesse sentido, a proposta superou o esperado mostrando que as ações tiveram efeito positivo, demonstrando que é possível a um esporte estrangeiro estar presente em uma sociedade que não era habituada com o esporte. Todo um aparato de megaevento esportivo foi preparado. Além das campanhas publicitárias como as expostas acima, foram desenvolvidos outros elementos de espetáculo para agradar o público presente, como shows de intervalo no formato de eventos norte-americanos como o super bowl, obviamente respeitando a suas magnitudes.

Imagem 16 - Números, final Liga Centro Sul 2015.

Fonte: Página oficial Facebook Cuiabá Arsenal. 160

Os números apresentados pelo site All Sports mostram o sucesso de audiência do evento. Segundo informações disponibilizadas nos sites, o acesso durante a transmissão foi na casa de quarenta e dois mil e trinta e oito. Vinte mil em audiência simultânea e o público presente no estádio foi de quinze mil cento e noventa e sete pessoas. Com base em uma tendência de espetacularização do esporte, a finalidade do futebol americano e de seus agentes relacionados continua como objetivo aumentar sua visibilidade, rentabilidade e a busca da profissionalização total do esporte que se segue em curso. Nesse sentido, não se pode deixar de lado a necessidade da preocupação com a demanda e a oferta da modalidade, que passaram a ser tratados com maior rigor. Conforme informações concedidas por Julio Garcia, presidente da Federação Mato-Grossense de Futebol Americano, em entrevista realizada durante o trabalho de campo, o futebol americano vem se organizando no sentido de obter maior divulgação como também com a proposta de disseminar o esporte pelo estado. (...) o objetivo maior era em divulgar e disseminar o esporte dentro do estado, mais o principal foco pela falta de apoio e condições para a prática do fullpad, era em colocar o flag uma modalidade que não exige muitos investimentos e proporciona muitas pessoas a participarem

Na sequência de sua fala, Julio Cesar Garcia diz que o objetivo maior é trazer mais público para os jogos de futebol americano com qualidade de entretenimento. O objetivo é difundir cada vez mais o futebol americano e tentar ampliar a cada dia os fãs participantes nos estádios e também conseguirmos ampliar a média de público. Gostaria de deixar claro para quem está lendo que o nosso interesse não é disputar com o futebol mais sim mostrar que o público mato- grossense merece entretenimento de qualidade e sem corrupção dentro do esporte é o que a FMTFA deseja.

Quando indagado a respeito da profissionalização, o presidente da Federação Mato-Grossense é realista, pois afirma que nos moldes atuais de profissionalização, por meios institucionais, ainda é difícil. Porém, se analisado por outro viés é possível pensar a profissionalização do esporte. Profissionalismo no contexto do desporto pelas políticas do Ministério do Esporte creio que não, pois a CBFA – Confederação Brasileira de Futebol Americano – também não está dentro dessa referência perante o Ministério. Mais na 161

organização, treinamentos das equipes e na realização dos eventos sim, podem considerar que já está em um patamar de profissionalismo que deve ser respeitado, claro que tem muito que ser feito, mais está no caminho. Dentro do estado o que se espera principalmente é a finalização e registro da federação e a conquista de apoio financeiro para as realizações dos campeonatos tanto “full” quanto do “flag” que hoje o desporto não se realiza sem o aporte necessário dos entes tanto estadual quanto municipal.

Julio conclui sua fala demonstrando que é necessário que o esporte se torne mais popular e expanda seu público alvo. Haja vista que a maior parcela dos que consomem o produto futebol americano é apenas uma parcela da sociedade mato-grossense das classes A e B. Por isso, é importante que haja um trabalho no sentido de ampliar a divulgação do esporte.

E não posso esquecer-me de dizer uma solicitação da FMTFA para as equipes que é de interiorizar a nossa modalidade no município, pois sabemos que o público através de pesquisa ainda está na classe “A e B” e já existe trabalhos de divulgação nas periferias e em programas sociais.

Por meio das falas de Julio Cesar, nota-se que o futebol americano no estado apresenta diretrizes gerais rumo a uma organização estrutural efetiva. Assim, é possível observar de forma mais clara que esse processo acontece dentro do Cuiabá Arsenal em especial. O esporte incorporou essa estrutura e tornou-se sinônimo de espetáculo, negócio, cultura e consumo, quando assumiu as características e os contornos de um grande investimento fomentador da economia de mercado e da indústria do entretenimento esportivo. Pois, com suas ações na busca de ampliar sua visibilidade, o Cuiabá Arsenal consegue articular aspectos variados em um só objetivo, construir uma demanda esportiva por um esporte, o futebol americano. Segundo apontamentos feitos por Paulo Cesar, presidente do Cuiabá Arsenal, a ideia de fazer eventos grandes e espetaculares permanece como objetivo do time para os próximos anos. Em entrevista concedida à revista eletrônica RDnews ao programa RDTV disponibilizado na internet77, Paulo C. Ribeiro afirma que:

77 Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=qPrS02-4StU&hd=1> acesso em 10 de janeiro de 2016. 162

Haverá revanche contra o Coritiba e queremos trazer essa revanche para Cuiabá, para colocar 20 mil pessoas na Arena, ou 25 mil ou não sei até mais, e quem sabe não fazer um jogo nacional dentro da arena pantanal. Sendo o primeiro show nacional dentro da Arena Pantanal, é um sonho que já está sendo trabalhado a nível Super Bowl.

Com essas estratégias de atração de maior público, o Arsenal ganha presença e visibilidade no cenário esportivo regional e nacional. A proposta é fazer eventos cada vez mais bem organizados e de grande porte que congregue esporte e entretenimento, ou seja, um sentido espetacularizado do esporte. Dentro dessa lógica, Kasnar (1999) observa algumas tendências dentro do cenário esportivo. A primeira se refere ao interesse da expansão do esporte pelos participantes da modalidade. E a segunda, a procura do público que observa na forma de manifestação esportiva a possibilidade de atividade de lazer. Em entrevistas realizadas durante o trabalho de campo, quando questionados sobre o que motivou e quais as emoções envolvidas ao assistir uma partida de Futebol Americano, muitos dos nossos entrevistados elencaram como um esporte emocionante, divertido, proporciona muita adrenalina, é um esporte diferente, é mais radical, é um esporte de contato, um esporte de estratégia. Essas são qualidades apresentadas pelos torcedores que buscam o esporte. Assim, para que essa demanda esportiva seja consolidada deve-se atender esses quesitos buscados pelos torcedores. Kasnar (1999) percebe três formas de construção de demanda esportiva. A primeira apontada é a Demanda Esportiva Econômica (DEE). Quando as equipes esportivas veem na expansão da relação com o mercado a fim de gerar mais lucros para as instituições e empresas participantes. A segunda se refere a uma característica das equipes se associarem ao mercado com traços econômicos do esporte, juntamente com aspectos voluntários e amadores implícitos na atividade entendida assim como Demanda Esportiva Semi-econômica (DESE). E a terceira, a Demanda Esportiva Amadorística (DEA), que corresponde à atitude de espectador ou praticante sem nenhuma interferência de ordem econômica na sua realização. Percebe-se que a tendência de enquadramento atual para o Cuiabá Arsenal se insere na segunda forma de construção de demanda esportiva, a DESE – Demanda Esportiva Semi-Economica, pois há o movimento de associação e atração do mercado junto a equipe. Corresponde a uma fase 163 intermediaria entre a Demanda Amadorística e a Demanda Esportiva Econômica. Para aumentar suas receitas, o Cuiabá Arsenal desenvolve produtos esportivos que tem um duplo sentido. O primeiro econômico e o segundo o de identificação do público. A equipe atualmente conta com alguns produtos que são vendidos para o torcedor como forma de suvenir, como canecas e camisetas. Em imagens retiradas da página oficial do Facebook, nota-se o movimento da equipe em produzir e comercializar produtos com a marca Cuiabá Arsenal. No anúncio, são disponibilizadas informações para compra do produto. Há também outros produtos que são vendidos nos eventos proporcionados pelo time.

Imagem 17 - Camiseta Cuiabá Arsenal

Fonte: Página oficial do Facebook.

164

Foto 9- Lojinha Arsenal

Fonte: foto de Igor Bueno (2016).

165

Foto 10 - Camisetas Arsenal

Fonte: Igor Bueno (2016).

Outra medida foi a entrada dos patrocinadores. Foram incorporadas primeiramente nas camisetas do time os parceiros e apoiadores da equipe. Essa primeira incorporação tinha como objetivo atrair investimentos para a equipe. A venda de espaços para a publicidade era uma forma de adquirir retorno financeiro para o time, haja vista que com o crescimento do Cuiabá Arsenal crescia também seus gastos. Assim, em síntese, o crescimento da visibilidade do Cuiabá Arsenal obtida primeiramente pelos títulos esportivos adquiridos ao longo de sua história e em seguida com um trabalho de publicidade e marketing esportivo bem elaborado, foram os atrativos para que empresas se vinculassem com o time de futebol americano. Atualmente, o Cuiabá Arsenal conta com dois patrocinadores fixos, um banco e uma empresa de produtos esportivos, e outros apoiadores que participam com a manutenção da equipe. Como estratégia, o Cuiabá Arsenal vende cotas de espaços publicitários em diversos itens como envelopamento de capacete, marca no peito de camisa de jogo, marca nas mangas de camisa de jogo, painéis nos jogos, menção pelo narrador durante o jogo, marca no site, promoção pelo site/twitter/facebook, ação no estádio durante os jogos e ações especiais. Outra forma de apoio e patrocínio pode ser feira com a oferta de serviço para o time como passagens 166 aéreas, comunicação visual, alimentação e academia. Nesse sentido, são muitas formas de possibilidade de vinculação das empresas com o Arsenal. Tudo isso gera um marketing direto e indireto tanto para empresa como para a equipe do Cuiabá Arsenal. Vale destacar também que o sucesso do time enquanto empreendimento esportivo pode ser medido e sinalizado de outra forma. Diversas são as notícias apresentadas em sites relacionados com o esporte que mostram matérias de jogadores que conseguiram obter sucesso em suas carreiras quando foram exportados para outros times de maior referência ou para fora do país e até mesmo para a seleção brasileira de futebol americano. Por ser um esporte ainda pouco conhecido e praticado no Brasil, feitos como esses surtem um efeito bastante positivo dentro do cenário esportivo. Em matéria de Wesley Santiago publicado no site Olhar Direto no dia 08 de novembro de 2015 traz a notícia: “Cuiabá Arsenal exporta atletas para os Estados Unidos e leva futebol americano para o Pomeri78”. Na matéria, Paulo César fala com grande entusiasmo do Cuiabá Arsenal ter revelado um jogador de futebol americano que atualmente joga em um time nos Estados Unidos. Paulo diz ao site do olhar direto:

“Temos um grande atleta, nosso destaque, que é o Wesley Jardins. Ele começou a jogar com a gente quando tinha 15 anos, se destacou, foi para a seleção e agora está nos Estados Unidos. Ele saiu daqui, do bairro da Manga, em Várzea Grande, uma comunidade carente. Hoje ele joga na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos e é considerado o melhor atleta do campeonato na posição dele. Ouvimos a torcida gritando o nome de um cuiabano. Esse é só um dos exemplos”.

Como outra forma de promoção social, o Cuiabá Arsenal também desenvolve ações junto ao centro de ressocialização de jovens infratores do Complexo Polmeri. Segundo fala do Presidente do Cuiabá Arsenal, Paulo, diz que os valores sociais são importantes para uma boa sociedade, e o esporte é um dos meios para alcançar esse objetivo.

78 Disponível em acesso em 25 de abril de 2016. 167

Em outra notícia, “Jogadores do Cuiabá Arsenal são convocados79” em matéria de Stephanie Romero, disponível no site Extramt diz que o futebol americano cresce muito, e em mato Grosso principalmente pelo trabalho que o Cuiabá Arsenal desenvolve, e que prova disso se reflete na convocação de oito jogadores para a Seleção Brasileira de Futebol Americano. Segundo apontamentos feitos por Paulo, esse grande número de convocados para a seleção se dá pelo trabalho interno da equipe bem como pela disciplina. Matérias como essas são indícios do bom trabalho desenvolvido pelo Arsenal no que tange em colher bons frutos de atividades bem pensadas ao longo dos anos. Notícias como estas dão maior visibilidade para o time e provoca o interesse do público. Kasnar (1999) também considera as formas de participação do público em espetáculos esportivos que oscilam de ativa, direta, aberta, grátis, voluntária, contínua, espontânea e in locus para passiva, indireta, fechada, paga, obrigatória, descontínua, estimulada e através dos meios de comunicação e de notícias, publicidade e marketing. Assim, dentro dessa lógica tudo que se trata e se refere ao futebol americano, ao Cuiabá Arsenal, se apresenta como forma de ser visto, ampliando sua presença nas mais diversas mídias que vão em consonância do perfil do público atual, com afirma Kasnar (1999). Na lógica de adequação do público com a marca criada e a consequente identificação com a audiência, a ação das agências de marketing junto ao esporte se fez presente. Com o objetivo de uma adequação com as preferências sociais, ou nas palavras de Bourdieu, os gostos de classe e estilo de vida dos espectadores do futebol americano se fez real. Tudo isso, em conformidade com a lógica do mercado de consumo. Nesse sentido, a integração entre produto e mercado se fez mais presente com a entrada da empresa de marketing junto ao esporte. Houve assim uma preocupação de fazer a imagem do esporte ser uma representação admirada, respeitada, vencedora e desejada. Esses são os atributos que o Cuiabá Arsenal deseja vincular à sua imagem. Assim, portanto, havia uma estrutura dada no qual permitia a entrada de um agente que passou a estruturar a estrutura existente. Com a

79 Disponível em acesso em 25 de abril 2016. 168 espetacularização do esporte, as ações de promoção que visavam alcançar um maior público foram desenvolvidas a fim de viabilizar maior comercialização e consequentemente maior consumo, com vistas a obter sentido de competitividade, emotividade e dinâmica com relação aos outros esportes do cenário regional, principalmente o futebol. Ao agir com esse objetivo, o Cuiabá Arsenal torna-se cada vez mais um representante dos esportes coletivos de Mato Grosso. Assim para contribuir com a reflexão, Proni (1998, p. 75) diz:

Sem dúvida, a mercantilização e a espetacularização do esporte – processos que foram iniciados ainda na sociedade burguesa – foram elevados à máxima potência na sociedade de massa. A ação da mídia especializada e as oportunidades criadas por um mercado publicitário em expansão certamente contribuíram para revolucionar o universo do esporte contemporâneo, particularmente em virtude da relação que se estabeleceu entre o esporte-espetáculo, a televisão e o marketing esportivo.

Nesse sentido, essas características visavam construir um esporte e ao mesmo tempo um produto esportivo para consumidores com potencial poder de consumo. Dessa forma, o futebol americano adaptou-se à lógica da sociedade do espetáculo como também à lógica mercantil cada vez mais presente no esporte contemporâneo. Assim mergulha em uma lógica presente e entendida como o processo de espetacularização e profissionalização do futebol americano da cidade de Cuiabá. Cada vez mais o nível de organicidade que o futebol americano vem apresentando, juntamente com os resultados expressivos de uma década de trabalho, e a emergente determinação da Lei Pelé, que possibilita fazer dos clubes empresas, fez com que o esporte se desenvolva cada vez mais no sentido de ligação com o mercado como um produto esportivo que está ligado com a lógica mercantil baseada na lei da oferta e da demanda. Em síntese, percebe-se que a história do futebol americano da cidade de Cuiabá, na figura da equipe Associação Atlética Cuiabá Arsenal acontece em ciclos pontuais, que foram chamados aqui de kickoffs. O primeiro, rumo à uma organização com o caráter profissional dos agentes envolvidos com a modalidade, e a segunda, ligada com um processo de espetacularização da prática esportiva, o que dá um perfil empresarial, com as características necessárias que uma empresa necessita para se fazer presente na sociedade contemporânea, uma sociedade de mercado. tais elementos são: agilidade 169 administrativa e eficiência comunicativa entre os patrocinadores e o público. Assim, com o foco nessas características, o Cuiabá Arsenal cria e setoriza suas atenções não somente no aspecto de dentro do campo como também fora do campo com ações voltadas para o público e mídias em geral, prezando otimizar seus ganhos por meio de ações de comunicação entre Cuiabá Arsenal, público e apoiadores. Tudo isso, pensado de forma estratégica, gera um produto esportivo de peso e relevância para um cenário esportivo carente de uma representação que tenha presença e referência no esporte do estado e que possa representar Mato Grosso em magnitude nacional. Nessa linha de raciocínio, o estabelecimento de um modelo de gerenciamento esportivo que incorpore os conceitos modernos da economia de mercado das empresas privadas e a possível parceria estatal, como outros apoiadores, seria um indicativo para essa nova tendência do esporte (MARCHI JR, 2001). Ao se pensar o futebol americano como um esporte inventado por uma elite clubística norte-americana, o que fugindo à regra eurocêntrica do desenvolvimento ou evolução dos passatempos aristocráticos ou de jogos populares, a modalidade chegou ao Brasil através de um processo de “importação”, trazendo consigo a representação e o poder distintivo das práticas esportivas. Com base nas ideias do modelo de Bourdieu, pode-se afirmar que se configura a instalação no território nacional uma estrutura (o esporte) estruturada (a formação norte-americana) com tendência a interagir no campo esportivo com as características de uma estrutura estruturante (o esporte constituindo novas disposições sociais – os habitus). Nitidamente, pode-se perceber com clareza de que o conceito de popularização do futebol americano, colocado no campo esportivo, é bem diferente da massificação da prática esportiva. O que se populariza é o produto Futebol Americano e o que se tende a massificar são os conceitos da prática e a disposição para o seu consumo, não a prática do esporte a nível competitivo. O que se espera com isso é aumentar a inserção dentro do um mote de mercado no qual o esporte tem grande presença e relevância. Nessa lógica, a inclusão das técnicas de marketing e a exposição do esporte na mídia, principalmente nas redes sociais, é elemento fundamental e decisivo nesse processo. 170

Pode-se afirmar que o primeiro momento do futebol americano em Mato Grosso, se configura de forma híbrida, entre amador e profissional, se apresenta como um estágio embrionário ou pré-requisito para a mercantilização da prática esportiva e, consequentemente, para a sua espetacularização. O tratamento mercantilizado imposto a jogadores, competições, clubes, patrocínios, relações comerciais, marketing esportivo e mídia, conduz para as interdependências do campo as estratégias de compatibilidade com as leis de reprodução social. Ou seja, o campo esportivo, com suas lutas, concorrências e disputas, refletia as disposições de uma sociedade direcionada para as leis de mercado e consumo (MARCHI JR, 2001). A tendência de condução do esporte profissionalizado empresarial e espetacularizado pressupõe a criação de um mercado consumidor dos produtos decorrentes dessa prática e é dentro desse ambiente que se constrói a marca e os produtos do Cuiabá Arsenal. Esse consumo reflete as posições sociais distintivas, estilos de vida, gostos ou preferências, demandas e ofertas referentes ao seus consumidores. Literalmente, popularizam-se os signos do Futebol Americano, o que possibilita massificar o consumo. E esse consumo é reflexo direto das disposições de classes que caracterizam a sociedade capitalista contemporânea. No primeiro período, o consumo movimentou uma engrenagem primária ou de impulso modesto, se comparado ao do segundo período. O poder simbólico do consumo no primeiro momento girava em torno da novidade de um esporte estrangeiro e dos títulos obtidos, que dão maior visibilidade para o esporte embrionário. Na fase posterior já como esporte vencedor e com potencial de vencer e de ser um representante de Mato Grosso no cenário esportivo, a equipe Cuiabá Arsenal se vale de disposições de vinculação para criar uma identificação com o público, criando produtos e souvenir relacionados com o time. Assim se alinha para uma tendência consumista mais presente e ampla. E outro possível momento vem se configurando, que trata-se do processo de profissionalização de atletas e dos dirigentes esportivos, que pensam a administração do time como uma empresa, que tem a preocupação com o marketing, coordenadores, assessoria de imprensa, enfim, toda a gama de profissionais das diversas instâncias que compõem o campo 171 esportivo e sua divulgação. Inevitavelmente, essa complexidade de relações instaurou na sociedade um refinamento na ordem consumista. Em outros termos, não basta jogar, torcer, vibrar por uma equipe, é necessário o envolvimento com o mercado esportivo, a aquisição de produtos que espelhem o grau ou o coeficiente de capitais, sejam eles culturais, econômicos ou simbólicos, representantes e condizentes com o habitus requerido para ser de alguma forma torcedor de futebol americano. Essa foi a lógica indutora do futebol americano que no decorrer de uma década, vem transformando de uma prática restrita e amadora em um produto espetacularizado e absorvido por uma sociedade marcada pelo viés do consumo que reflete a distinção social. As tentativas de popularização da prática esportiva inclinaram-se para as perspectivas da sociedade de consumo e das leis do mercado, para a definição de um contingente populacional, inserido no campo esportivo, com habitus sociais esportivos distintivos na especificidade da sua capacidade de consumo de um esporte novo. Contudo, assim como a própria história do futebol americano no Brasil e em Mato Grosso, o processo não se deu por encerrado, pelo contrário, há muitas transformações estão por vir. Nesse sentido, levanta-se a questão: qual será o rumo do futebol americano em Mato Grosso e no Brasil? Ou ainda: com o processo de profissionalização e espetacularização, o que se pode esperar em termos de relações, interdependências e reflexos futuros no campo esportivo? O exercício proposto é árduo e necessita de muitas pesquisas para elucidá-lo. Para tal, baseadas em tendências e dados, deve-se buscar estudar e esclarecer essas indagações pelo olhar sociológico que pensa e reflete o esporte como elemento para entender a estrutura social. No capítulo 3, intitulado de O kick para a esportivização e espetacularização do Cuiabá Arsenal, foi abordado a análise do material coletado durante o trabalho de campo, bem como eventuais conclusões a respeito da construção da imagem e marca do futebol americano na cidade de Cuiabá, Como se deu o processo de espetacularização do esporte e como ele se estrutura no cenário esportivo mato-grossense. Outro ponto abordado no terceiro capítulo se refere às estruturas da profissionalização do futebol americano em especial do Cuiabá Arsenal. Nesse 172 ponto foram relatado as ações da equipe no sentido da construção da esportivização do futebol americano do Cuiabá Arsenal.

Também apresentou-se de forma mais detalhada as dimensões da espetacularização do futebol Americano do Cuiabá arsenal, no sentido de compreender a construção de uma marca que correspondesse aos anseios e necessidades esportivas de uma parcela da sociedade cuiabana. Nesse capitulo foi possível detalhar como ocorreu o processo de espetacularização do Cuiabá Arsenal e quais os resultados desse processo. Buscou-se compreender o que significa torcer para o Cuiabá Arsenal como meio de distinção social e por fim compreender como se estruturou e como as pessoas passam a ter o gosto pelo esporte futebol americano na cidade de Cuiabá enquanto prática e enquanto espetáculo.

173

5 CONCLUSÃO

Por se tratar de uma temática nova e ainda pouco explorada pelo campo das Ciências Sociais, e em especial pela Sociologia do Esporte, o trabalho até aqui desenvolvido apresentou-se bastante dificultoso no que tange a obtenção de material referencial. Nesse sentido, a alternativa encontrada foi buscar referências em estudos que apresentam similaridades com o objeto estudado. Assim, foram utilizados materiais dos mais distintos tipos, como dissertações, teses e monografias de trabalhos acadêmicos recentes. Tais trabalhos ajudaram a compor a metodologia e também auxiliou na construção do olhar analítico sob o esporte por um viés sociológico. Além dos indispensáveis clássicos que abordam o esporte, sem os quais não seria possível a realização dessa inferência científica. Sendo assim, esta dissertação apresenta-se como um trabalho ligado com o tempo atual, ou seja, um tema contemporâneo, mas que não poderia ser desenvolvido sem que houvesse o processo de olhar para o passado da modalidade esportiva investigada para assim conseguir identificar a circunstância do hoje, baseadas em uma análise dos fatos, tanto em uma perspectiva sincrônica como também diacrônica. Tais formas de investigação constituem-se em uma volta ao passado para a compreensão do hoje. Para compreender o fenômeno esportivo do futebol americano se fez necessário levantar as ocorrências que aconteceram ao longo do tempo, ou seja, na linha do tempo em um sentido diacrônico, como também compreender os eventos simultâneos que tiveram peso para a configuração do agora, o sincrônico do tempo da investigação. Isso ocorre devido a característica dos dois autores chave escolhidos para o desenvolvimento desse trabalho. Norbert Elias preza em entender o resultado da sucessão de acontecimentos ocorridos. Pierre Bourdieu busca compreender o processo que acontece, ou seja, na sincronia dos fatos. Não é possível assim descartar as duas perspectivas, pois se trata de um processo que ainda está acontecendo. Logo, pensando dessa forma, este trabalho tenta compreender a constituição de um processo de um processo não acabado. Portanto, essa forma analítica é algo novo, tanto na forma de desenvolver a análise como no objeto pesquisado. E por se tratar de uma empreitada inédita, ela servirá de material para investigações posteriores. Dessa forma, pode-se concluir que o trabalho 174 desenvolvido trata o esporte como um meio analítico da sociedade contemporânea, e, por isso, deve ser incentivado a fim de gerar novos conhecimentos acerca da homologia existente entre esporte e sociedade. No que se refere aos objetivos alcançados com o trabalho, pode se observar o atendimento da proposta inicial de compreender as condições sociais que possibilitaram o surgimento do Futebol Americano em Cuiabá. Em conexão com a questão objetivada na pesquisa, outro objetivo também foi atendido, que seria compreender as condições históricas que possibilitaram a entrada do futebol americano no cenário esportivo da cidade de Cuiabá. As respostas a essas perguntas podem ser alcançadas/encontradas quando são apontadas na análise das entrevistas obtidas no trabalho de campo. Nessa conjuntura, conclui-se que o futebol association não dispunha de prestigio e de proeminência nacional para se tornar um representante do estado no cenário esportivo brasileiro, ou seja, Mato Grosso até então, não apresentava um time esportivo na categoria de esporte coletivo de grande conhecimento. Assim, nessa conjuntura, o futebol americano se encaixou nessa lacuna de representatividade. Portanto, as condições históricas que possibilitaram a entrada do futebol americano no estado foram, ao longo do tempo, a falta de time de esporte coletivo prestigioso para representar o estado em magnitude nacional e a falta de títulos do futebol association. Assim, o futebol americano surge e conquista espaço dentro do seu campo, criando dispositivos de admiração, de desejo e de vinculação. E diante dessa conjuntura, proporcionou o desenvolvimento de um produto esportivo que fosse disponibilizado para a sociedade cuiabana e posteriormente para o estado, dando condições sociais para a apropriação do esporte como um representante prestigioso do estado, assim, construindo uma demanda esportiva por meio da espetacularização do esporte, o qual, gera produtos a serem consumidos por uma parcela significativa da sociedade cuiabana. Desse modo, pode-se concluir, em um primeiro momento, que o esporte é um elemento de distinção social, pois há uma relação de um determinado consumidor com algumas práticas esportivas que podem ser elementos de estratificação social. Certas práticas esportivas são ligadas com o poder de consumo de determinados grupos sociais. Tais aspectos indicam o atrelamento 175 existente entre esporte e sociedade e como ele se manifesta no meio social (BOURDIEU, 1990). Ao se fazer uma análise mais profunda sobre a criação e desenvolvimento do futebol americano, pode-se destacar algumas características diferenciadoras se comparadas com outras modalidades esportivas. O esporte nasceu da adaptação do rugby, desenvolvido por uma elite da sociedade americana, pelos universitários das mais renomadas universidades dos Estados Unidos da América. Percebe-se um fenômeno entendido por Pierre Bourdieu (1983) como sendo de autonomização do campo esportivo. Esse novo campo que se desenvolveu apresenta-se de maneira autonomo (autônoma) do Rugby. Dessa forma, o futebol americano se estrutura quanto esporte e passa a ter suas próprias regras e formato. Este esporte nasceu a partir de uma modalidade esportiva, dentro dos muros das universidades da elite norte-americana. Nesse momento, a contribuição de Bourdieu (1990) pode ser levantada a partir da análise de que, na determinação do campo esportivo, um conjunto de disposições eram necessariamente exigidos pela estrutura em formação da modalidade. Era uma modalidade para universitários, de universidades de um rol de elite das instituições de ensino superior. Usando os termos de Bourdieu (1990), são os primeiros traços para a manifestação de um habitus esportivo característico de um esporte. Juntamente com essas características que forma o habitus haviam também outras linhas limitadoras. Obrigatoriamente, no início, para ter acesso a essa prática esportiva nas universidades, como Harvard e Yale, era necessário ter um capital cultural, social e econômico específico. Primeiro, para o ingresso nas instituições era imprescindível dispor de uma boa educação, ou seja, um elevado capital cultural, e em segundo, um grande aporte de capital econômico, haja vista que são universidades privadas. E, em consequência disso, tais capitais eram elementos presentes nos praticantes do Futebol Americano universitário. Deste modo, deveria haver uma prática constante e um sentimento de superioridade, um perfil diferenciado do restante dos universitários do país. Consequentemente provocava um sentido de distinção que ainda permanece dentro do esporte futebol americano. Assim pode-se chegar à conclusão de que a prática do esporte futebol americano em Cuiabá se assemelha com o 176 processo que ocorreu nos Estados Unidos da América, salvo algumas peculiaridades e características regionais e de contexto. Pode-se notar que há uma mesma estrutura do futebol americano praticado em Cuiabá com o praticado nos EUA. Ao se fazer a análise do perfil da gênese do futebol americano na capital do estado mato-grossense, nota-se que ele, futebol americano também surge dentro dos muros do ambiente universitário e se constitui como tal a partir dos indivíduos que pertencem primeiramente ao ambiente universitário, ou seja, são agentes dotados de um habitus de um campo em especial, espaço circunscrito à UFMT. Percebe-se que a história se repete. O futebol americano na cidade de Cuiabá, do Cuiabá Arsenal, surge de um espaço social que reunia indivíduos que apresentavam habitus e dispositivos hábeis para a prática do esporte. Isso não quer dizer que outros fora do meio social descrito acima não tivessem ou não pudessem praticar o futebol americano, mas, em sua grande maioria, os indivíduos membros do grupo dispunham de elementos que eram necessários para que se pudesse ter certo gosto e interesse pelo esporte. Em um primeiro momento, o acesso a canais por assinatura, para que fosse possível assistir esportes estrangeiros como o futebol americano se fazia necessário. Esse acesso a informações sobre o esporte por meio de canais internacionais faziam com que as pessoas envolvidas tivessem maior familiaridade inicial com o esporte. Outro fator é ter conhecimento de um idioma estrangeiro, o inglês, para compreender os termos usados nos jogos em campo, e finalmente em uma terceira instância, ter tempo disponível para a prática do esporte, haja vista que para praticar o esporte era necessário dispor de finais de semanas livres para praticá-lo, já que o esporte ainda se configura como amador. Esses elementos circunscreviam os indivíduos a ter certo habitus necessários para a atividade. Pensando de forma geral, indivíduos pertencentes a classes mais humildes dispõem de menos recursos como TVs por assinatura, conhecimento em um idioma estrangeiro, tempo e dinheiro para investir em um esporte amador que não trará dividendos financeiros de imediato, como por exemplo, salários ou patrocínios. Sendo assim, há elementos de distinção que fazem com que as características dos jogadores de futebol americano sejam diferenciadas. Outro fato importante levantado na pesquisa se refere às preferências pelo gosto esportivo. Bourdieu (1998) afirma que, para a constituição de um campo, é necessária a existência e a definição de objetos de interesse, os 177 quais, apresentam valores, tornam-se objetos de disputa, que irão definir o campo como um espaço de lutas, concorrência e busca de poder. Dessa forma, a equipe do Cuiabá Arsenal se utiliza de um espaço no cenário esportivo para a sua inserção, ou seja, a preferência pelo gosto esportivo da sociedade cuiabana. Somando-se a esse objeto de interesse, agregasse a ele muitos outros ganhos que são oriundos desse objeto principal, tais como prestígio, visibilidade e poder. E para alcançar esses objetivos, por meio de estratégias de espetacularização do esporte, a equipe do Cuiabá Arsenal constrói uma identidade com uma parcela da sociedade cuiabana, principalmente de classe média alta, uma classe que se caracteriza pelo desejo consumidor de um esporte novo que reforça o meio de distinção social dessa parcela. Com essa lógica em mente, é possível perceber que o futebol americano desenvolvido na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, se apresenta, em um primeiro momento, apenas como uma prática esportiva, mas que se consolidou e ganhou adeptos dentro da sociedade cuiabana. Assim, o futebol americano da equipe do Cuiabá Arsenal encontrou dentro do campo esportivo, do subcampo dos esportes praticados em Cuiabá e da lógica do esporte amador da cidade, um espaço para sua estruturação para atender a uma demanda esportiva de uma parcela da população sem representação esportiva. Dessa forma, entender o esporte na sociedade contemporânea – em especial da sociedade cuiabana, recorte desse trabalho – pressupõe analisar as práticas esportivas como sendo um conjunto, ou seja, um sistema no qual cada uma de tais práticas recebam um valor dentro do campo ou subcampo do esporte. Assim sendo, o futebol americano recebe um valor distintivo e um possibilitador de distinção social. Tudo isso é possível por meio da criação de elementos que produzam identificação com o esporte. Esses elementos são sinalizados e difundidos por meio da espetacularização esportiva. Em um sentido estratégico, o envolvimento do esporte com as possíveis instâncias de suporte financeiro e promocional, tais quais, a mídia, os patrocínios, vendas e desejos por produtos, são aspectos impulsionados pela crescente espetacularização do esporte. Isso ocorre devido a superposição de interesses. Ou seja, a preferência esportiva da sociedade cuiabana e de ordem financeira que viabilizaram a 178 mercantilização e a capitalização das imagens e do universo simbólico que compõem a modalidade esportiva espetacularizada do Cuiabá Arsenal. Logo, é possível concluir que a história do futebol americano da cidade de Cuiabá, do Cuiabá Arsenal, aconteceu em ciclos pontuais. O primeiro deles foi uma organização da estrutura interna com o caráter profissional dos agentes envolvidos com a modalidade. Já a segunda fase está ligada com o processo de espetacularização da prática esportiva, que cria um perfil empresarial exigido na sociedade atual. Mesmo não se apresentando como uma empresa, o Cuiabá Arsenal apresenta elementos indispensáveis para uma boa gestão empresarial/esportiva, sinalizando predicados, como agilidade administrativa e eficiência comunicativa entre os patrocinadores, principalmente com o público. Assim, com o foco nessas características, o Cuiabá Arsenal cria e setoriza suas atenções não somente no aspecto técnico esportivo, mas também dá especial atenção para o meio externo. Isso ocorre com ações voltadas para o público e mídias em geral prezando otimizar seus ganhos por meio de ações de comunicação entre Cuiabá Arsenal, público e apoiadores. Agindo assim e pensando de forma estratégica, acaba por gerar um produto esportivo de peso e relevância para um cenário esportivo carente de uma representação que tenha presença e referência no esporte do estado e que possa representar Mato Grosso de forma nacional. Dessa forma, o modelo de gerenciamento esportivo pensado e implementado pelo Cuiabá Arsenal incorpora os conceitos modernos da economia de mercado das empresas privadas e agrega parcerias estatais e de outros apoiadores, apresentando-se dentro de uma nova tendência do esporte. Ao se analisar a conjuntura por meio das ideias do modelo de Bourdieu, conclui-se que se configura a instalação no território nacional de uma estrutura (o esporte) estruturada (a formação norte-americana) com tendência de interagir no campo esportivo com as características de uma estrutura estruturante (o esporte constituindo novas disposições sociais – os habitus) que juntamente com isso, gera novas demandas esportivas com algumas peculiaridades. O que se busca é a popularização do futebol americano, diferente da massificação da prática esportiva. O que se populariza é o produto futebol americano e o que se tende a massificar são os conceitos da prática e a disposição para o seu consumo, não a prática do esporte 179 efetivamente. O que se espera é aumentar a inserção dentro do mercado um produto novo a ser consumido, no qual o esporte futebol americano, tem grande presença e relevância por se configurar como algo novo e que atende aos anseios de uma população carente de representação esportiva de sucesso. Assim para alcançar os objetivos de ampliar a visibilidade e presença, a inclusão de técnicas de marketing e a exposição do esporte na mídia, principalmente nas redes sociais, são elementos fundamentais e decisivos nesse processo entendido como a espetacularização esportiva ( BOURDIEU, 1983).

Ao investigar o processo para essa configuração, pode-se afirmar que o primeiro momento do futebol americano de Mato Grosso se configura de forma híbrida, entre amador e profissional, se apresenta como um estágio embrionário ou pré-requisito para a mercantilização da prática esportiva e, consequentemente, para a sua espetacularização. O tratamento mercantilizado colocado para aqueles que compõem e atuam no subcampo do esporte (jogadores, competições, clubes, patrocínios, relações comerciais, marketing esportivo e mídia) conduz para as interdependências do subcampo a estratégias de compatibilidade com as leis de reprodução social. Ou seja, o campo esportivo, com suas lutas, concorrências e disputas, refletem as disposições de uma sociedade direcionada para as leis de mercado e consumo. É necessário assim criar estratégias para se manter e alcançar objetivos dentro dessa lógica mercantilizada. Sendo assim, a tendência de condução do esporte profissionalizado empresarial e espetacularizado pressupõe a criação de uma demanda de um mercado consumidor dos produtos gerados em decorrência dessa prática e é dentro desse ambiente que se constrói a marca/ produtos do Cuiabá Arsenal. Esse consumo reflete as posições sociais distintivas, estilos de vida, gostos ou preferências, demandas e ofertas referentes ao seus consumidores. Popularizam-se os signos do futebol americano por meio de campanhas publicitárias, o que possibilita massificar o consumo dos produtos. E assim, consumir ou não tais produtos, é reflexo direto das disposições de classes que caracterizam a sociedade capitalista contemporânea. 180

Dessa forma alcança-se a proposta desse trabalho. Gerando uma hipótese de que a não identificação com os esportes locais, por falta de prestígio e a necessidade de uma diferenciação de posição social, consumidor um determinado esporte diferente, levou ao surgimento de um grupo interessado em buscar o futebol americano como esporte. E esse esporte está intimamente ligado com valores e desejos de uma determinada parcela de classe, pois consumir um esporte estrangeiro que necessita de uma série de dispositivos, capital econômico e cultural, leva a concluir que há uma homologia entre gostos esportivos e posição social, pois no primeiro período, o consumo movimentou uma engrenagem primária ou de impulso modesto, se comparada à do segundo período. O poder simbólico do consumo no primeiro momento girava em torno da novidade de um esporte estrangeiro e dos títulos obtidos, que dão maior visibilidade para o esporte embrionário. Na fase posterior já com esporte vencedor e com potencial de vencer e de ser um representante de Mato Grosso no cenário esportivo, a equipe Cuiabá Arsenal se apropriou de disposições de vinculação para criar uma identificação com o público, criando produtos, souvenirs relacionados com o time. Assim, alinhando para uma tendência consumista mais presente e ampla. Outro momento se configura atualmente, trata-se do processo de profissionalização de atletas e dos dirigentes esportivos, que pensam a administração do time como uma empresa, que tem a preocupação com o marketing, coordenadores, assessoria de imprensa, enfim, toda a gama de profissionais das diversas instâncias que compõem o campo esportivo e sua divulgação. Inevitavelmente, essa complexidade de relações instaurou na sociedade um refinamento na ordem consumista. Em outros termos, não basta jogar, torcer, vibrar por uma equipe, é necessário o envolvimento com o mercado esportivo, a aquisição de produtos que espelhem o grau ou o coeficiente de capitais, sejam eles culturais, econômicos ou simbólicos representantes e condizentes com o habitus requerido para ser de alguma forma torcedor de futebol americano. Essa foi a lógica indutora do futebol americano que no decorrer de uma década, vem se transformando de uma prática restrita e amadora a um produto espetacularizado e absorvido por uma sociedade marcada pelo viés do consumo que reflete a distinção social. 181

As tentativas de popularização da prática esportiva inclinaram-se para as perspectivas da sociedade de consumo e das leis do mercado, para a definição de um contingente populacional, inserido no campo esportivo, com habitus sociais esportivos distintivos na especificidade da sua capacidade de consumo de um esporte novo, o futebol americano.

182

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990. BOURDIEU, P.. L’espace des sports-1. Actes de la Recherche en Sciences Sociales,Paris, v.79, p. 02-115, sep. 1989. BOURDIEU, P. Como é possível ser esportivo. In: BOURDIEU, P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. p. 136-153. BOURDIEU, P. Programa para uma sociologia do esporte. In: _____. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 207-220. BOURDIEU, P. Bourdieu desafia a mídia internacional. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Folha de S. Paulo, 17 out. 1999. Caderno Mais! BOURDIEU, Pierre. O capital social: notas provisórias. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio Mendes. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. BOURDIEU, P. A cultura está em perigo. In: BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2: por um movimento social europeu. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BOURDIEU, P. em entrevista concedida ao escritor e sociólogo Juremir Machado da Silva, publicada no jornal Folha de S. Paulo do dia 7 fev. 1999, com o título A ciência do real. (Caderno Mais! p. 4-5). BATEMAN, T. S; SNELL, S. A. Administração: Construindo Vantagem Competitiva. São Paulo: Atlas, 1996. BRACHT, V. Sociologia critica do esporte: uma introdução. 3 ed. Ijuí: Unijuí. 2005. Coleção educação física. CATANI, A; CATANI, D; PEREIRA, G. As apropriações da obra de Pierre Bourdieu na campo educacional brasileiro, através de periódicos da área. Revista Brasileira de Educação, Anped, n.17, mai-ago. 2001. Disponível em < http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital> Acesso em 14 agosto. 2015. COCCO, José Estevão. As agências de Marketing Esportivo. In: SEMINÁRIO MARKETING ESPORTIVO. 1999, Rio de Janeiro: Faculdade Cândido Mendes, 1999. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Tradução: Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DECCA, Edgar De. O que é romance histórico. In: AGUIAR, Flávio et al. (org.). Gêneros de fronteira, cruzamentos entre o histórico e o literário.São Paulo: Xamã, 1997. p. 197-206. DI GIOVANNI, Geraldo. Mercantilização das práticas corporais: o esporte na sociedade de consumo de massa. In: III ENCONTRO NACIONAL DE 183

HISTÓRIA DO ESPORTE, LAZER E EDUCAÇÃO FÍSICA. Coletânea. Curitiba: UFPR, 1995. DUARTE, A. História dos esportes. 4. ed. São Paulo: Ed. SENAC, 2004. ELIAS, N. Introdução à sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 1980. ELIAS, N; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Memória e Sociedade, 1992. ELIAS, N. O Processo Civilizador. – v.2 – Rio de Janeiro: Zahar, 1993. ELIAS, N. Sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. ELIAS, N. Introdução à sociologia. Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2005 ESPORTES COLETIVOS, Futebol americano. disponível em: acesso em 12 de agosto de 2015. EXPRESSOMT, perfil torcedores de futebol americano no Brasil disponível em acesso em 22 de setembro de 2015. FELSER, L. The birth of the new NFL. How the 1966 NFL/AFL merger transformed Pro Football. Guilford: The Lyons Press, 2008. p. 11-75; FERREIRA, A. L. P. O estado da arte da sociologia do esporte no brasil: um mapeamento da produção bibliográfica de 1997 a 2007. Curitiba, 2009. Dissertação (mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Paraná. FUNK, D. FSD. (2013). History Flashback November 6, 1869 Disponível em: . Acesso em 20 agosto. 2015. GEBARA, Ademir. O tempo na construção do objeto de estudo da história do esporte, do lazer e da educação física. In: II ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DO ESPORTE, LAZER E EDUCAÇÃO FÍSICA. Coletânea... Ponta Grossa, 1994. GEBARA, Ademir; PILATTI, Luis Alberto (orgs). Ensaios sobre história sociologia nos esportes. Coleção Norbert Elias, v.2, Jundiaí: Editora Fontoura, 2006, p.159-195. GERHARDT Tatiana Engel; SILVEIRA Denise Tolfo; [organizado por] Métodos de pesquisa / coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. – : Editora da UFRGS, 2009. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007

184

GRUNENNVALDT, J. Treinamento Desportivo: história e desenvolvimento das perspectivas atuais no contexto da modernidade. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 21, n. 1, 940-946, 1999. GRUNENNVALDT, J. T; SURDI, A. C; KUNZ, E: O processo civilizador e o esporte em Norbert Elias. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 159, Agosto de 2011. GUTTMANN, Allen. From ritual to record: the nature of modern sports. New York: Columbia University Press, 1978. HELAL, R. O que é sociologia do esporte Editora Brasiliense, 1ª edição, 1990. HOBSBAWM, E. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. HOBSBAWM, E; RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. HOBSBAWM. E.. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. HOBSBAWM, E. A era dos impérios: 1875-1914. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. KASNAR, Istvan Karoly. O esporte como indústria: solução para criação de riqueza e emprego. Rio de Janeiro: FGV/CBV, 1999. KLEIN, R. B. “A história em Campo” As representações do passado no esportes norte-americanos. Monografia, UFRGS, Porto Alegre, 2011. KOTLER, P.; ARMSTRONG, G. Principles of marketing. 13th ed. Upper Saddle River: Prentice Hall, 2009. LIMA. Denise Maria de Oliveira. Campo do poder, segundo Pierre Bourdieu. Cogito, Salvador , v. 11, p. 14-19, out. 2010 . Disponível em . acessos em 28 jun. 201 LUCENA, R. F. O esporte na cidade. Campinas: Autores associados, Chancela editorial, 2001. Coleção educação física e esportes. MACCAMBRIDGE, M. America’s Game: the epic story of how pro football captured a nation. New York: Anchor Books, 2005. p. 193-230. MICELI, Sergio. A condição do trabalho intelectual (comentários). In: CATANI, Afrânio Mendes; MARTINEZ, Paulo Henrique (Orgs.). Sete ensaios sobre o Collège de France. São Paulo: Cortez, 1999. 185

MARCHI JR, W. “Sacando” o Voleibol: do amadorismo à espetacularização da modalidade no Brasil (1970 – 2000). Campinas, 2001. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas. MARQUES, R.; GUTIERREZ, G. ALMEIDA, M. A transição do esporte moderno para o esporte contemporâneo: tendência de mercantilização a partir do final da guerra fria. In: Encontro da ALESDE “Esporte na América Latina: atualidade e perspectivas”, 1., 2008, Curitiba . Anais eletrônicos... Paraná: UFPR, 2008. Disponível em . Acesso em: 15 nov. 2011. MAY, Tim. Pesquisa social: questões, métodos e processos. Porto Alegre: Artmed, 2004. NFL. Diário NFL. disponível em. acesso em 12 de agosto de 2015. NFL. Super bowl histotory disponível em acesso em 7 de outubro de 2015 ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994. PASQUALI, Antonio La comunicación cercenada. El caso Venezuela. Caracas, Monte Avila, 1990. PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003. PINTO, L. Pierre Bourdieu e a teoria do mundo social. Rio de Janeiro: FGV, 2000. PITTS, B. G.; Stotlar, D K. (2002). Fundamentals of sport marketing. Morgantown, WV, Fitness Information Technology. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-55092011000500010. ROCHA, Cláudio Miranda da; BASTOS, Flávia da Cunha. Gestão do esporte: definindo a área. Rev. bras. educ. fís. esporte, São Paulo , v. 25, n. spe, p. 91-103, Dec. 2011 . Available from. Acesso em 08 Mar. 2016. PRONI, Marcelo Weishaupt. Esporte-espetáculo e futebol-empresa. Campinas, 1998. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. RODRIGUES, F. X. F.; COSTA, N. C. G. . O Futebol Americano em Mato Grosso: amadorismo ou profissionalismo?. Coleção Pesquisa em Educação Física. v. 13, p. 83-92, 2014. SALOMON, V. A. P., WHITAKER, R.. Decision-Making Considering Dependence Relations for the Improvement of Production Managem ent. Brazilian Journal of Operations & Production Management,v. 4, n. 2, p. 47- 60, 2007. SOARES, R. P. Futebol Americano em conteúdo na educação física escolar do ensino médio. Monografia para educação física. Ijuí, 2004. SOUZA, J.; MARCHI JÚNIOR, W. Por uma Gênese do Campo da Sociologia do Esporte: cenários e perspectivas. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 02, p. 45-70, abr./jun. 2010. STAREPRAVO, F. A. Políticas públicas de esporte e lazer no brasil: aproximações, intersecções, rupturas e distanciamentos entre os 186 subcampos político/burocrático e científico/acadêmico Curitiba, 2005. STIGGER, M. P. Esporte, lazer e estilos de vida: um estudo etnográfico. Campinas: Autores Associados, 2002. MATOS, J. S. HISTÓRIA ORAL COMO FONTE: problemas e métodos. Historiæ, Rio Grande, V 2 (1) p. 95-108, 2011. Tese (Doutorado em Educação Física) – Universidade Federal do Paraná. THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992. TOLEDO, L. H. Lógicas no Futebol. São Paulo, Hucitec/Fapesp, 2002. WAISBORT, L; NEIBURG, F. Escritos e ensaios. 1- Estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. WEBER, M. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2004. WISNIK, José Miguel. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2008 ZH. Porque a popularidade do futebol americano. Disponível em acesso em 21 outubro de 2015. ZYS, T. F. Livro de regras do Futebol Americano de Grama para o Brasil, AFAB, 2012.