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Universidade Federal de São João del-Rei Programa de Pós-Graduação em Letras Mestrado em Teoria Literária e Crítica da Cultura

José Elenito Teixeira Morais

Desconstrução do sagrado nos filmes da Movida madrileña de Pedro Almodóvar: uma análise sociossemiótica

São João del-Rei Dezembro de 2015

José Elenito Teixeira Morais

Desconstrução do sagrado nos filmes da Movida madrileña de Pedro Almodóvar: uma análise sociossemiótica

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de São João del- Rei, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras na área de concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura e Linha de pesquisa: Discurso e Representação Social.

Orientador: Dr. Cláudio Márcio do Carmo

São João del-Rei Dezembro de 2015

Dedico a semântica destes traços escriturais a Braulino Morais, meu pai, por afirmar que ―a educação acadêmica não dá camisa a ninguém.‖

Agradecimentos

À pontual direção de Cláudio Márcio do Carmo nesta auspiciosa vereda sociossemiótica.

À especial coadjuvação dos seguintes interlocutores:

Adilson Schultz, pela introdução no universo sociológico do sagrado. Alex Terzi, pela contribuição significativa ao participar da banca de defesa. Aléxa do Vale, pela distração, praias e almoços de domingo. Alexandre Morais, pela comunhão no gosto por Literatura e outras coisas. Aline Martins, pela descontração possibilitada no mundo acadêmico. André Salmerón, pela consultoria em língua shakespeariana. Andressa Pêgo, pela simpatia e visão crítica do ambiente universitário. Arthur Kelles, pela terapia gratuita e as cobranças quando foram necessárias. Bárbara Orfanó, pela cortesia nas aulas e leitura do projeto de pesquisa. Bruna Soares, pelo compartilhamento do doce de figo, do gosto estético e cultural. Daniela Borja, pelo fornecimento de sagradas referências para esta pesquisa. Flávio da Fonseca, pelo comportamento exemplar de amizade. Hugo de Salis, pelo sentimento amistoso e confidências íntimas da vida. Igor Damasceno, por dividir moradia comigo e zelo pelas questões sociais. Karina Vale, por produzir trabalho ímpar junto ao Promel-UFSJ. Luis Agurto, por garantir noites prazerosas com suas chamadas via Skype. Mariana Simas, por nutrir obsessões por prazos na vida acadêmica. Melissa Boëchat, por añadir valiosas contribuições a esse texto. Paulo Magalhães, por servir de ―irmão emprestado‖ com ouvido sempre atento. Pedro Sobrino, por problematizar a relação Psicanálise-Cinema. Rita Cavalcante, por possibilitar minha estadia em São João del-Rei. Uma mãe! Robert Toledo, por colocar a irrespondível e constante pergunta: ―o que é a vida?‖ Taise Martins, por participar de nossos aniversários, lutas, ironias e sarcasmos. Thiago de Paula, por partilhar uma boa amizade ao longo do mestrado.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo fomento que possibilitou a produção desta pesquisa.

O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a perfeição de não haver o homem. ______

A natureza é a diferença entre a alma e Deus. ______

Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.

[Fernando Pessoa / Bernardo Soares]

Resumo A presente dissertação tem como objeto de pesquisa três filmes do cineasta espanhol Pedro Almodóvar do período da Movida madrileña, a saber: Entre tinieblas (1984), Matador (1985-1986) e La ley del deseo (1986) e o propósito de analisar a desconstrução do sagrado, especialmente em sua vertente católico romana, em tais obras. Para efeito, foram recortados os quadros dos filmes, como propõe a Análise Telefílmica desenvolvida por Iedema (2001) e analisados à luz desta teoria com o auxílio da Semiótica Social de Halliday (1978), Hodge e Kress (1988) e Van Leeuwen (2005). Como referencial teórico para desconstrução, sagrado e Igreja Católica na Espanha, fizemos uso respectivamente de Derrida (1987), Huxley (1977), Ries (2008, 2009) e Casanova (2001). A discussão em torno do cinema como uma prática social baseou-se em Turner (1997) e a conceituação do período histórico denominado Movida madrileña teve aporte em Fouce (2002) e Garcés (2010). A análise mostrou que Almodóvar em Entre tinieblas propõe uma profanação do sagrado, mostrando a instituição católica convento como um recinto de adoradoras do pecado. O sagrado, como aquilo que é separado para a reverência, perde o seu lugar e se imiscui na vivência diária, tida como pecaminosa pelos ditames oficiais da Igreja Católica. Em Matador, instituições como a Igreja Católica e Opus Dei são representadas para ilustrar o pensamento conservador do franquismo ao qual estiveram aliadas. O filme é organizado de maneira a apresentar a influência negativa da religião católica em relação aos comportamentos criminosos de um aprendiz de toureiro. Em La ley del deseo, o discurso é apresentado de forma a mostrar a desconstrução do lugar que a religião católica ocupava durante a ditadura de Franco. Por ser da época já do fim da Movida madrileña, mostra-nos o sagrado, por intermédio da religiosidade popular, integrado à sociedade espanhola sem distinções.

Palavras-chave: Cinema, Sagrado, Pedro Almodóvar, Movida madrileña, Semiótica Social.

Abstract The present dissertation has, as its object of research, three movies by Spanish filmmaker Pedro Almodóvar relative to the Movida madrileña period: Entre tinieblas (1984), Matador (1985-1986) and La ley del deseo (1986) and its purpose is to analyze the deconstruction of ―the sacred‖, especially in its roman-catholic form, in said works. To that effect, the individual movie frames were extracted, as proposed by the visual analysis method developed by Iedema (2001) and analyzed in the light of said theory and also with the help of Social Semiotics as proposed by Halliday (1978), Hodge and Kress (1988) and Van Leeuwen (2005). Regarding the theoretical framework relative to deconstruction, sacredness and the presence of the Catholic Church in Spain, we based our analysis, respectively, on the works of Derrida (1987), Huxley (1977), Ries (2008, 2009) and Casanova (2001). The discussion relative to the comprehension of cinema as a social practice was based in the works of Turner (1997) and the conceptualization of the historical period called Movida madrileña was based on the contributions made by Fouce (2002) and Garcés (2010). The analysis has shown that Almodóvar, in the movie Entre tinieblas, proposes a form of profanation of ―the sacred‖ by presenting the catholic institution of the nunnery as a place inhabited by sin-worshipping individuals. The sacred, here understood as that which is put apart for the purpose of worshipping, no longer occupies the place it once did and meddles into the realm of everyday living, which is itself considered to be sinful by the official dictates of the Catholic Church. In Matador, institutions like the Catholic Church and Opus Dei are represented insofar as to illustrate the conservative character of the Francoist thought of which they were allied to. Thus, the movie is organized in a way that depicts the negative influence of catholic religion in relation to the criminal behavior of a bull-fighter apprentice. In La ley del deseo the movie’s discourse is presented in a way that it presents the deconstruction of the place once occupied by catholic religion during Franco’s dictatorship. Given that the movie dates from the end of the Movida madrileña, it shows us ―the sacred‖, through popular religiousness, as something that is indistinctly integrated in Spanish society.

Keywords: Cinema, Sacred, Pedro Almodóvar, Movida madrileña, Social Semiotics.

Lista de quadros

Quadro 1. Seis níveis de análise de filmes...... 49

Quadro 2. O sagrado em Entre tinieblas...... 71

Quadro 3. O sagrado em Matador...... 79

Quadro 4. O sagrado em La ley del deseo...... 91

Lista de figuras

Figura 1. Cartaz de Entre tinieblas...... 55

Figura 2. Quadro 1 de Entre tinieblas...... 56

Figura 3. Quadro 2 de Entre tinieblas...... 58

Figura 4. Quadro 3 de Entre tinieblas...... 59

Figura 5. Quadro 4 de Entre tinieblas...... 60

Figura 6. Quadro 5 de Entre tinieblas...... 61

Figura 7. Quadro 6 de Entre tinieblas...... 63

Figura 8. Quadro 7 de Entre tinieblas...... 65

Figura 9. Quadro 8 de Entre tinieblas...... 66

Figura 10. Quadro 9 de Entre tinieblas...... 68

Figura 11. Quadro 10 de Entre tinieblas...... 69

Figura 12. Cartaz de Matador...... 72

Figura 13. Quadro 1 de Matador...... 73

Figura 14. Quadro 2 de Matador...... 75

Figura 15. Quadro 3 de Matador...... 77

Figura 16. Cartaz de La ley del deseo...... 80

Figura 17. Quadro 1 de La ley del deseo...... 81

Figura 18. Quadro 2 de La ley del deseo...... 83

Figura 19. Quadro 3 de La ley del deseo...... 85

Figura 20. Quadro 4 de La ley del deseo...... 87

Figura 21. Quadro 5 de La ley del deseo...... 88

Figura 22. Quadro 6 de La ley del deseo...... 90

Figura 23. Pietà de Michelangelo Buonarroti...... 90

Sumário

Introdução ...... 12 1. Cinema, sagrado e desconstrução cultural: os filmes de Pedro Almodóvar na Movida madrileña ...... 20 1.1. O cinema para além da arte ...... 20 1.1.1. O cinema de Pedro Almodóvar ...... 22 1.2. O sagrado ...... 26 1.2.1. A Igreja Católica na Espanha durante a ditadura de Franco ...... 29 1.3. Sobre o conceito de desconstrução ...... 32 1.4. Movida madrileña ...... 35 1.4.1. Desconstrução da cultura espanhola ...... 40 1.5. Convergências tópicas ...... 44 2. Semiótica Social e Análise Telefílmica: o quadro teórico ...... 47 2.1. Metodologia...... 47 2.2. Procedimentos ...... 51 3. Desconstrução do sagrado: análise dos dados e discussão dos resultados ...... 53 3.1. Introdução à análise ...... 53 3.2. O sagrado em Entre tinieblas ...... 55 3.2.1. Abertura ...... 56 3.2.2. O convite ...... 58 3.2.3. A estadia de Yolanda no convento ...... 60 3.3. Sumarização da análise sociossemiótica de Entre tinieblas ...... 71 3.4. O sagrado em Matador ...... 72 3.4.1. Família à mesa ...... 73 3.4.2. A missa ...... 75 3.4.3. A confissão ...... 77 3.5. Sumarização da análise sociossemiótica de Matador ...... 79 3.6. O sagrado em La ley del deseo ...... 80 3.6.1. Capela da infância ...... 81 3.6.2. Cruz de Mayo ...... 83 3.6.3. Um anjo toca guitarra ...... 85 3.6.4. Oração de Tina e Ada ...... 87

3.6.5. Oração interrompida ...... 88 3.6.6. A Pietà homoafetiva ...... 90 3.7. Sumarização da análise sociossemiótica de La ley del deseo ...... 91 Considerações finais ...... 93 Referências audiovisuais ...... 98 Referências bibliográficas ...... 106 Anexos ...... 113

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Introdução

Os discursos podem ser entendidos como emergências sócio-históricas advindas das confluências de condições de produção que possibilitam certos sujeitos a emitirem determinados enunciados em espaços e/ou suportes específicos. Partindo desse pressuposto, pretendemos demonstrar a relação entre o cinema de Pedro Almodóvar, o sagrado e a Movida madrileña. O produto de uma época carrega as marcas de seu tempo, e é assim que pode ser interpretada a filmografia do referido diretor. A efervescência cultural da Movida pode ser percebida nos filmes, não como um ponto de vista particular do diretor, mas como produto de uma dialética entre sociedade, associação produtora e espectadores. O filme, como uma prática social, é o suporte dos discursos que pretendemos analisar nessa dissertação.

O cinema apresenta-se como produtor de discursos sobre os mais variados temas. Mostra-se como um campo de debates onde são apresentadas as mais diferentes posições ideológicas. Diferenças até mesmo entre os realizadores do filme, porque ele não é concebido sozinho, antes, é produto de um grupo de pessoas com ideologias não necessariamente convergentes. Segundo Xavier (2005), o discurso é organizado de maneira que haja uma inversão: não se propõe apresentar à plateia a melhor coletânea de opiniões para analisar um episódio que parece se produzir involuntariamente ao ato de filmar; encarrega-se de arranjar visualmente quadros, privilegiando as formas plásticas apropriadas para fornecer a analogia mais adequada entre os elementos ao nível da significação desejada.

Podemos conceber o filme como um produto tecnológico. Bakhtin-Volochínov (1988) chama a atenção para a possibilidade de os signos, principalmente os tecnológicos, ultrapassarem as suas particularidades próprias. Dessa forma, o signo não é simplesmente a parte de uma realidade, mas a reflexão e refração sobre a 13 mesma. A realidade pode ser apreendida fielmente, distorcida ou representada de modo particular. Os signos estão sujeitos a avaliação ideológica que lhes atribuem verdade, falsidade, correção, justiça ou bondade. Assim, ―o domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico.‖ (BAKHTIN-VOLOCHÍNOV, 1988, p. 32).

Filmes são unidades narrativas, pois contam histórias. Segundo Turner (1997, p. 72), ―mesmo os filmes baseados em eventos reais fazem ficção a fim de gerar drama, condensar o tempo, evitar o aparecimento de muitas personagens secundárias ou simplesmente para serem mais divertidos.‖ As ficções fílmicas, como as literárias, inevitavelmente põem em jogo as pressuposições diárias, não apenas sobre o espaço e o tempo, mas também sobre as relações sociais e culturais. Se a linguagem estrutura o mundo, o mundo também estrutura e dá forma à linguagem; o movimento não é unidirecional. A história influi na estrutura, o sistema socialmente vivido de diferenças que é a linguagem (STAM; BURGOYNE; FLITTERMAN-LEWIS, 1999, p. 243).

O sagrado, enquanto discurso, demarcador de lugar, decoração de cenário, pode ser percebido no cinema de Pedro Almodóvar da época da Movida. Ele está representado pelos signos, símbolos e ícones cristãos – sejam ícones-objetos, sejam ícones-humanos – na maioria das vezes. Na tentativa de representar a realidade da sociedade madrilena pós-franquista, herdeira e continuadora de formas específicas da religiosidade católica romana, o cineasta introduz algumas marcas. O que nos chama a atenção é a forma como o sagrado é representado, seja pela tentativa de legitimação de dada realidade, seja através da profanação das instituições religiosas.

Alguns filmes portam mais signos que outros. Entre tinieblas é todo ambientado numa instituição católica, a saber, um convento de freiras; La ley del deseo possui algumas representações em quantidade média e em Matador o sagrado está presente em algumas cenas. Percebemos uma continuidade da religiosidade católica em todos os filmes, no entanto, ela não é mostrada de forma homogênea. Em algumas obras, o viés profanador sobressai à ilustração de uma realidade cultural. São signos que povoam o universo do cineasta provinciano de Extremadura, perpassados pelo passado cinza no qual estiveram aliados à ditadura 14 franquista e que teimam em permanecer, desconstruídos e ressignificados, na Espanha da Movida. Os símbolos são apresentados em ambientes de luz, dramas e pecados no sentido em que os ditames oficiais do catolicismo outorgam.

A possibilidade de existência de uma transexual que reza diante de uma Cruz de Mayo profanada, nos chama a atenção. A inserção de uma imagem em miniatura de Marilyn Monroe numa Cruz de Mayo, tradição católica espanhola, requer explicação da parte do leitor/espectador do filme. A Semiótica Social e a Análise Telefílmica se apresentam como teorias possibilitadoras de uma leitura contextualizada de tais representações. Nosso papel, enquanto interpretantes do trabalho do cineasta, é relacionar o ambiente com suas condições de produção e os efeitos de sentido que tal obra, enquanto manifestação artístico-social, podem provocar em nós, seja como espectadores desinteressados, ou leitores guiados por teorias discursivas.

As sociedades, com as suas culturas, estão em constante mudança. O que outrora foi valorizado, com o tempo, cai na obsolescência e precisa ser substituído pelo novo. A construção do novo numa realidade cultural não é tarefa de uma pessoa apenas, em sua forma egológica, antes, é social, pois necessita de relações sociais para afirmar-se enquanto movimento. O que aconteceu quando se refere à Movida madrileña ou à ditadura franquista não pode ser papel de uma pessoa apenas. Ao referir ao poder de Franco enquanto chefe de Estado, só pode ser feito de forma simbólica, pois é sabido que, para sustentar uma realidade cultural e/ou política, é necessário todo um aparato social. O mesmo é válido em relação às pessoas participantes da Movida; o movimento não pode ser levado a cabo por vontade de um ―eu‖. O caso de Pedro Almodóvar, por mais que ele represente tal realidade em seus filmes e por isso seja considerado sinédoque da Movida, é apenas um nome simbólico de uma estrutura sustentada por um meio social e, por que não, econômico.

A desconstrução da cultura espanhola, levada a cabo pela Movida, mostra que a participação da população, quando ativa, traz mudanças significativas para a cultura. Tal movimento, com suas representações artísticas, possibilitou a ação dos sujeitos em prol de mudanças socioculturais. Vale ressaltar que alguns seres 15 humanos sucumbiram em ambos os períodos: Lluís Companys i Jover1 (líder da esquerda) foi fuzilado pelo governo franquista; o prazer hedonista desenfreado da Movida levou muitos a óbito, seja por drogas, seja por aids.

Como herança da mudança cultural gerada pela Movida, a Espanha é um país que atualmente valoriza a cultura, e justamente por isso, recebe anualmente milhões de turistas. O período ―gris‖ também legou à humanidade um dos mais belos produtos artísticos, refere-se aqui à filmografia de cineastas como Luis Buñuel, Juan Antonio Bardem, Carlos Saura, Victor Erice e Pedro Almodóvar. Podemos nos indagar que se sem tal período ―gris‖ ter-se-ia acesso a obras tão interessantes para a arte cinematográfica. Por outro lado, o definhamento da ditadura franquista só corrobora com o desejo de uma sociedade que preza pela liberdade e os direitos humanos. É a repulsa pelos regimes totalitários que na Europa, como em outras partes do mundo, deixaram marcas indeléveis na humanidade.

Quando Almodóvar narra uma história num filme, ele provoca um efeito de sentido aproximativo do real. Assim, ele procura retratar com ―fidelidade‖ os símbolos católicos para identificar o espaço retratado. A cultura católica espanhola se faz presente em várias obras, dentre as quais podemos destacar: Entre tinieblas (1984), Matador (1985-1986), La ley del deseo (1986), ¡Átame! (1989), Carne trémula (1997), Todo sobre mi madre (1999), La mala educación (2004), (2006) e Los amantes pasajeros (2013). A forma como o diretor faz referência a essa realidade sagrada é por meio da exposição da iconografia, seja para ilustrar uma cena ou mesmo de maneira a criticar veementemente tal realidade, como podemos ver em La mala educación (2004) com sua crítica à pedofilia dos padres.

Resumindo: em Entre tinieblas (1984), o foco é um convento de freiras e suas vivências com o pecado. Matador (1985-1986) apresenta a relação de submissão e culpa de Ángel, um aprendiz de toureiro, e sua mãe, fanática seguidora da Opus Dei. La ley del deseo (1986) mostra a relação da transexual Tina e sua filha adotiva

1 Cf. ―Lluis Companys fue gobernador civil de Barcelona de abril a junio de 1931, diputado a Cortes por Esquerra Republicana de Catalunya en las tres legislaturas de la Segunda República y ministro de Marina en el tercer gobierno de Azaña (1933). Accedió a la presidencia de la Generalitat el 31 de diciembre de 1933 por votación del Parlament, de acuerdo com el Estatuto.‖ (CLARA, 1990, p. 266). Tradução nossa: ―Lluis Companys foi governador civil de Barcelona de abril a junho de 1931, deputado da Corte pela Esquerra Republicana de Catalunya nas três legislaturas da Segunda República e ministro da Marinha no terceiro governo de Azaña (1933). Chegou à presidência da Generalitat em 31 de dezembro de 1933 por votação do Parlamento, de acordo com o Estatuto.‖

16 com o sagrado, principalmente através das preces dirigidas à Virgem Maria. Em ¡Átame! (1989), um quadro do Sagrado Coração de Jesus é colocado na parede sob a qual fica a cama de um casal, que em condição de cativeiro, tem relações sexuais. Em Carne trémula (1997), uma mãe dá à luz a criança Victor, que quando adulto, comete crimes, é preso e se interessa por assuntos religiosos, principalmente a leitura da Bíblia. Todo sobre mi madre (1999) apresenta o drama da freira cuidadora de pessoas portadoras de HIV que, no trabalho, é engravidada pela travesti Lola. La mala educación (2004) talvez seja o filme mais autobiográfico do diretor: nele duas crianças conhecem o amor homoafetivo num colégio interno regido por padres que submetem as crianças a relações de pedofilia. Volver (2006) faz referência sutil ao catolicismo predominante na Espanha ao mostrar um grupo de mulheres polindo túmulos repletos de cruzes, símbolo maior do cristianismo. Em Los amantes pasajeros (2013), Fajas, um comissário de bordo, recorre sempre a um oratório, repleto de imagens de santos, ao saber que a aeronave na qual viaja está passando por turbulências.

Outros trabalhos já foram realizados tendo as obras de Pedro Almodóvar como objeto de pesquisa. Podemos citar alguns deles, como o de Fernandes (2007). No artigo a pesquisadora analisou as imagens do sagrado e do profano representadas no filme Entre tinieblas, lançado em 1983. Como resultado depreendeu-se que leituras bíblicas entrelaçam-se com a visão almodovariana sobre a supremacia do poder feminino dentro de um cenário barroco, carregado pela presença do desejo, tão comum às suas obras.

Bazo (2011) pretendeu estabelecer os nexos existentes entre a obra de Pedro Almodóvar e o cinema clássico de Hollywood, e para isso fez referência a sequências e títulos de alguns dos filmes mais representativos dos grandes estúdios. Concluiu-se que a intertextualidade estabelecida entre o modelo estadunidense dos anos 30-50 e a filmografia do diretor é uma realidade que vem demonstrar, frente a uma indústria a serviço dos videogames e dos efeitos especiais, que os filmes com argumentos complexos e maduros, não estão ultrapassados, apenas esquecidos por uma produção em série visando à bilheteria.

Outro trabalho, o de Lozano (2011), nos apresenta a posição singular do cinema de Almodóvar. Seus filmes fazem uso de referências a materiais antigos, tanto seus como de outros cineastas. Assim, Pedro Almodóvar responde algumas 17 questões de como concebe o cinema e qual é o seu método criativo. Atualmente podemos encontrar muitos filmes que fazem referências a outros filmes, textos ou realidades sociais convergentes. A intertextualidade nos dá algumas pistas acerca da criatividade e da interpretação. Analisando dois filmes de Pedro Almodóvar, Mujeres al borde de un ataque de nervios (1988) e Los abrazos rotos (2009), o autor tratou de resgatar algumas chaves interpretativas acerca deste complexo processo de produção.

Também convém destacar o artigo de Rodrigues (2011), que teve como finalidade analisar, de forma interdisciplinar, as intersecções teóricas entre o filme Todo sobre mi madre (1999), de Pedro Almodóvar, e o texto Notas Sobre o Camp, da teórica crítica de cultura, Susan Sontag. Dessa forma, foi feita uma abordagem analítica procurando apreender como a ―sensibilidade‖ – o Camp – pode ser entendida em algumas representações do aludido filme de Almodóvar.

No artigo de Gómez (2012), o autor apresenta o modelo de televisão que o diretor representa em seus filmes. Dos 18 filmes (até a época), exceto em três, todos têm, de alguma maneira, uma referência crítica à televisão. Através da análise dos seus filmes, percebeu-se a forma na qual aparece a televisão e concentrou-se em quatro modos ou funções da televisão em sua obra. O primeiro diz respeito à forma de visualização, denominado modelo doméstico. O segundo modelo, chamado de realista, é o que nos vem dizer que só o que aparece na tela existe, porém Almodóvar dessacraliza a realidade através da paródia. O terceiro modelo é uma crítica à denominada telebobagem. Por fim, o quarto modelo diz respeito à presença de outras obras cinematográficas através do monitor de televisão para estabelecer uma relação intertextual com um propósito narrativo.

A literatura referente à produção cinematográfica do diretor é extensa. Contudo, com tais trabalhos expostos, pensamos ter apresentado uma amostra significativa de tal literatura. O intuito de apresentá-la diz respeito à demarcação de nosso campo de estudo e serve ainda como justificativa da importância da exequibilidade do trabalho, uma vez que, pelo conjunto de obras que se pretende analisar, o recorte metodológico, a abordagem temática e o viés sociossemiótico, a nossa pesquisa é singular.

O objetivo geral da dissertação é analisar a representação do sagrado no discurso cinematográfico de Pedro Almodóvar e sua relação com a Movida 18 madrileña. E como objetivos específicos pretendemos: 1) verificar como Almodóvar representa o sagrado nos filmes; 2) relacionar a produção cinematográfica do diretor com o ambiente religioso-político-sócio-cultural; 3) proceder uma análise sociossemiótica dos filmes Entre tinieblas, Matador e La ley del deseo nos moldes da Análise Telefílmica proposta por Rick Iedema com auxílio da Semiótica Social.

A dissertação está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo, abordaremos o cinema produzido por Pedro Almodóvar como uma prática social na qual ele retrata o sagrado. O tempo histórico em que se dá tal acontecimento é o movimento cultural denominado Movida madrileña, ocorrido logo após a morte do ditador Francisco Franco, para o qual dedicamos um tópico explicativo. Pretendemos mostrar que a desconstrução (termo cunhado por Jacques Derrida) de parte da cultura espanhola franquista com seus símbolos, materializados na figura da Igreja Católica, está presente na obra do diretor.

O segundo capítulo apresentará a teoria que utilizaremos para analisar os filmes. Nele mostraremos a teoria de Análise Telefílmica proposta por Rick Iedema e a Semiótica Social. Tal metodologia é oriunda da Linguística Sistêmico-Funcional desenvolvida por Michael Halliday, principalmente na obra Language as Social Semiotic: The Social Interpretation of Language and Meaning, lançada em 1978. Além da obra supracitada, faremos uso de referências como Hodge e Kress (1988), Van Leeuwen (2005) e Iedema (2001, 2003). Também especificaremos os procedimentos metodológicos utilizados nos recortes dos quadros e transcrição das falas.

No terceiro capítulo, trataremos da análise dos três filmes: Entre tinieblas (1984), Matador (1985-1986) e La ley del deseo (1986). Assistiremos aos três filmes para localizar ocorrências de referências ao sagrado, que será delimitado pela presença da iconografia católica que remete ao conceito de sagrado. Entre tinieblas apresenta uma religiosidade diferente das convenções cotidianas do que o espectador pode considerar como sagrado. Almodóvar propõe a ideia de que é perfeitamente casual um convento em que o pecado é louvado em detrimento à santidade. Uma instituição católica mostrada como ―templo do pecado e das pecadoras‖ (nas palavras da Madre Superiora do convento). O filme é montado de forma a mostrar uma crítica à pretensão de santidade separada do mundo comum, pregada pela religião católica. Por ser da época da Movida madrileña, é transgressor 19 de códigos comumente aceitos por uma sociedade. Aquela sociedade antiga, em que a relação da Igreja com a ditadura era bem estrita, é representada burlescamente nessa comédia dramática. A religião é destituída de seu caráter divinal. O sagrado, como aquilo que é separado para a reverência, perde o seu lugar e se imiscui na vivência diária, tida como pecaminosa pelos ditames oficiais da Igreja Católica. Seguindo uma tradição no cinema crítico, oferece uma profanação a mais do sagrado.

Em Matador, as instituições cristãs são apresentadas no filme, como a Opus Dei e a Igreja Católica, para representar um pensamento típico conservador espanhol, herança do franquismo. Considerando os níveis de análise, estágio e filme como um todo, como consequência de conglomerados de cenas e sequências, percebe-se que a transição entre elas acontece de forma brusca, dando ideia de uma dramaticidade fílmica que pode ser percebida na obra contrastando sempre o sagrado com o profano, o tradicional franquista com a inovação da Movida madrileña. O filme é organizado de maneira a apresentar a influência negativa da religião católica em relação aos comportamentos criminosos do aprendiz de toureiro, Ángel.

Em La ley del deseo, a religiosidade hispânica se faz presente, dando a impressão de ―realidade representada‖ de uma época específica da história da Espanha na obra de Pedro Almodóvar. O filme é montado de forma a mostrar a desconstrução do lugar que a religião católica ocupava durante a ditadura de Franco. Por ser da época já do fim da Movida madrileña, mostra-nos o sagrado integrado à sociedade espanhola sem distinções. São partícipes da religião: médicos, advogados, delegados, padres, atriz transexual e criança. O sagrado é mostrado como aquilo que está institucionalizado na sociedade e tem potencial não- discriminatório, pois a todos acodem em seus momentos de faina ou aflição. Não está num lugar privilegiado, antes, é um lugar-comum.

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1. Cinema, sagrado e desconstrução cultural: os filmes de Pedro Almodóvar na Movida madrileña

1.1. O cinema para além da arte

Nascida na última década do século XIX, a multibilionária indústria cinematográfica fez um percurso que cobriu todo o século XX e permanece atuante, gerando as mais diversas obras, sejam curtas-metragens, longas-metragens ou videoclipes. Do primeiro curta-metragem maquinal conduzido pelos irmãos Auguste e Louis Lumière aos faroestes – típico produto de Hollywood para o mundo – até as obras melodramáticas atuais, o cinema está presente no cotidiano do mais diferenciado público, arrancando-lhe risos, lágrimas e, sobretudo, algum dinheiro. Assim, apoiados em Turner (1997), importa afirmarmos a indústria fílmica para além da arte, compreendida nos parâmetros de uma prática social e em contraposição aos defensores da candidez da sétima arte. E por prática social entendemos um conjunto de empreendimentos humanos perpassados pela sociedade que a constrói e são construídos por ela. Do set de filmagem às salas de cinema, há todo um conjunto de pessoas por trás de câmeras e planos dizendo algo. Como narra, humoradamente, o personagem Boris Yelnikoff no filme Whatever Works2 de 2009 dirigido por Woody Allen: ―todo mundo está feliz em falar, cheios de desinformação: moralidade, ciência, religião, política, esportes, amor.‖

De acordo com Turner (1997), as primeiras abordagens cinematográficas possuíam um conteúdo mais estético e menos realista do ambiente representado. O cinema ainda mantinha laços muito estreitos com a ficção literária e a fotografia e privilegiava a narrativa estética, cabendo ao espectador o preenchimento imaginário do enredo. Não é de se espantar que o primevo cinema fosse parecido com a narrativa dos quadrinhos, primeiro porque era desprovido de som diegético, depois

2 Doravante as obras cinematográficas citadas manterão os seus títulos originais. Quando muito, serão transliterados para o alfabeto latino para facilitar a leitura. 21 porque a história era contada de forma linear, privilegiando inserção de textos na tela. A incipiência da nova arte, ou da nova prática social, precisava, ainda, afirmar- se em detrimento da fotografia e da literatura. Desta se distanciou criando enredos mais complexos; daquela se distanciou pela ênfase na montagem e movimentos de câmera, donde provém a palavra cinema (do grego: κίνημα [kinema] ―movimento‖).

Visando atingir os objetivos de nossa pesquisa, delimitaremos os longas- metragens para um recorte de assunto. A técnica do longa-metragem, criada por Georges Méliès, foi aperfeiçoada em The birth of a nation, dirigido por David Griffith em 1915, e consolidou a nova tecnologia, principalmente a montagem. Segundo Costa (2008, p. 50), ―esse filme começou a estabelecer o longa-metragem como norma e não mais como exceção.‖ Isso só foi possível porque começaram a trabalhar com a ideia de montagem e edição de filme, tornando-o uma narrativa. Antes disso, os filmes eram feitos em um único plano-sequência, por isso a existência de longas-metragens era inviável com a tecnologia da época. Hoje sabemos que é perfeitamente possível fazer um longa-metragem em apenas um plano-sequência, pois cineastas como Aleksandr Sokurov já o provou em 2002 quando lançou Russkiy kovcheg. A definição da duração mínima de um longa- metragem varia entres os países, podendo ser 40 minutos nos Estados Unidos da América, 58 minutos e 29 segundos na França, 70 minutos no Brasil e 80 minutos no Reino Unido. Segundo Turner (1997), ao longo da história do cinema, o longa- metragem estabilizou-se como o tipo de filme comercial mais consumido.

Um filme não é produto da mente de apenas um ser humano, materializado na pessoa do diretor, como sói pensar o senso comum. Antes, envolve uma organização composta de diretores, roteiristas, produtores, montadores, etc. O cinema de Hollywood é um exemplo de como uma organização pode existir para produzir conteúdos de cultura de massa. Seu monopólio começou bem cedo com a profissionalização das atividades em torno de uma sociedade de operários do cinema que, ainda hoje, exporta ideologia estadunidense para as telas do mundo (TURNER, 1997). Em Sunset Boulevard de 1950, Billy Wilder, fazendo uso da metalinguagem, nos conta um pouco da história do cinema de Hollywood, desde a era do cinema mudo até a instauração do som, por volta da década de 1930, e os efeitos da inserção de tal tecnologia na indústria cinematográfica hollywoodiana. 22

1.1.1. O cinema de Pedro Almodóvar

O filho de Dona Francisca Caballero, mais conhecida em sua aldeia como Dona Paquita, nasceu em 1949 em Calzada de Calatrava, um povoado da região de Extremadura, Espanha, e recebeu o nome de Pedro Almodóvar Caballero. Como sói ocorrer na Espanha, Almodóvar herdado do pai e Caballero da mãe. Em tal aldeia viveu até os 11 anos aquele que viria a ser um dos mais significativos diretores de cinema da Espanha de todos os tempos. Foi nesse lugar que recebeu uma educação católica junto aos padres salesianos. Assim afirma Almodóvar: ―houve poucas trocas nas relações que tive com meus colegas no liceu; nossos interesses não eram os mesmos. Entrei em contato com tudo de que gostava na mais absoluta solidão.‖ (STRAUSS, 2008, p. 24). Depois, muda com sua família para outra cidade, porém os princípios educacionais já estavam colocados, pois sabemos que as experiências da primeira infância são as mais marcantes na vida de um ser humano.

Com a mãe aprendeu o gosto pela leitura e a representação teatral. Aos oito anos já era professor das pessoas da aldeia. Dona Paquita, como afirma Almodóvar, à semelhança da personagem Dora do filme Central do Brasil (1998), era leitora e escritora de carta para as gentes da comunidade e ela fazia sempre uma inserção no conteúdo daquelas cartas. Quando lia uma carta, inseria algo que ela pensava que seu cliente gostaria de ouvir. Ao questionar tal comportamento da mãe ela respondia a ele: ―mas você viu como ela ficou contente?‖ (STRAUSS, 2008, p. 250). São experiências de representação da realidade que anos mais tarde Almodóvar projetaria em salas de cinema.

Aos dezessete anos, muda para Madrid, onde vai morar com sua irmã casada, María Jesus. Em Madrid, começa a trabalhar como assistente administrativo na empresa de telecomunicações, Telefónica. Eram os anos de chumbo da ditadura franquista e muitos comportamentos sociais, incluindo a sexualidade, eram considerados assuntos tabus. Pedro Almodóvar, com sua homoafetividade claramente assumida, teve contato com a contracultura underground de Madrid. Sociedade esta constituída por subversivos, gente que não se enquadrava na norma social prevista e pregada pela ditadura e respaldada pela Igreja Católica de moral conservadora. 23

De acordo com Sotinel (2010), o trabalho na Telefónica rendeu a Almodóvar conhecimento da classe média espanhola, com seus dramas e desejos, o que bem retratou em seu cinema. Questões como o papel da mulher na sociedade, tabus sexuais, consumo de drogas e desconstrução da religiosidade espanhola também se fazem presentes na obra cinematográfica do referido diretor. O que podemos perceber em tal obra é uma caligrafia própria que faz com que o diretor seja reconhecido pela forma como faz cinema, sem, contudo, limitar-se a gêneros fílmicos ou temas especifistas. Numa mesma obra podemos encontrar drama, comédia e suspense.

Os primeiros filmes do diretor, realizados ao longo da década de 1970 como: Film político (1974), Dos putas, o historia de amor que termina en boda (1974), La caída de Sódoma (1975), Homenaje (1975), El sueño, o la estrella (1975), Blancor (1975), Tráiler de „Who‟s Afraid of Virginia Woolf?‟ (1976), Sea caritativo (1976), Muerte en la carretera (1976), Sexo va, sexo viene (1977), Salomé (1978), e o longa-metragem Folle... folle... fólleme Tim! (1978) são filmes de conteúdo sexual e político, basicamente. No entanto, a partir de 1980, com o longa-metragem Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón (1980), inaugura-se uma nova fase do cinema almodovariano, seja pelo recurso técnico, seja pelo conteúdo, agora mais polissêmico. Assim, podemos perceber que dada realidade social pode interferir no produto de um artista. A representação de mundo contém elementos do representado, no intuito de verossimilhança possível. Percebemos isso com a queda do regime franquista e a abertura democrática da Espanha para novos relacionamentos entre seus concidadãos e entre outras culturas de outros países, como o punk britânico e a pop Art estadunidense.

Em poucas linhas podemos afirmar que o cinema de Almodóvar se caracteriza pela cor. São cores expressivas que ajudaram a popularizar o sintagma ―cores de Almodóvar‖ como cantado na música Esquadros de Adriana Calcanhotto. Através de Kress e Van Leeuwen (2002) sabemos que há uma relação entre cinema e cor. O realizador, ao utilizar determinada cor em seu produto, pretende mostrar uma ideia através deste código semiótico. As cores vermelho, mostarda, ocre e roxo predominam na caligrafia do diretor. Não são cores clássicas, são matizes da classe popular espanhola (de portas de antigos pueblos). O roxo que utilizado pela Igreja Católica no Tempo do Advento e no Tempo Quaresmal está presente, também, nas 24 telas almodovarianas. Podemos dizer que mais que expressar a paixão, o sangue e a violência usando o vermelho, exemplo de Matador, expressa a relação do diretor com seu lugar de origem e a população representada: a classe popular de Espanha com suas tramas intrincadas e cheias de vivacidade.

Além disso, podemos perceber que seus filmes possuem fortes traços autobiográficos. Logo, aparecem em seus trabalhos o ambiente efervescente da Madrid moderna, as relações pais-filhos (predominantemente mães-filhos), a sexualidade em sua diversidade de representações, a relação da Igreja Católica com a cultura, a cultura espanhola propriamente dita e as relações interpessoais tumultuadas. Em sua filmografia percebe-se um surrealismo natural em que situações bizarras e até impensadas são tomadas por ele como fatos corriqueiros.

A respeito do período vivenciado como interno de colégio religioso, ele mesmo afirma em entrevista a Frédéric Strauss: ―os padres tentavam formar meu espírito, moldando-o com uma tenacidade muito religiosa. Felizmente, um pouco acima, na mesma rua, bem encolhido na cadeira do cinema, eu me reconciliava com o mundo, com o meu mundo.‖ (STRAUSS, 2008, p. 207). O mundo do menino Pedro Almodóvar é povoado pelas obras de Tennessee Williams, principalmente o filme Cat on a hot tin roof (1958) e outros filmes de outros autores com a mesma temática: o amor pecaminoso, como Johnny Guitar (1954), Picnic (1955) e Splendor in the grass (1961). Almodóvar pretende substituir o padre, como diretor espiritual, por Tennessee Williams, bem mais pecador, e por isso, mais próximo a ele. A presença do cinema estadunidense é muito marcante na vida de Almodóvar: no livro supracitado, ele elenca mais de 100 filmes que, de alguma forma, influenciaram sua produção.

De acordo com Sotinel (2010), quando mudou para Madrid, Almodóvar almejava estudar Cinema, no entanto, a Escola de Cinema fora fechada pelo governo Franco. Dessa forma, o que restou ao futuro diretor foi o trabalho de aprendizagem autodidata. Comprou uma pequena câmera com a qual fazia curtas- metragens e exibia para amigos e conhecidos. O contato com outros artistas, as vivências cinematográficas de infância deixaram marcas em seu trabalho. A imagética de quadrinhos, que podemos perceber em seus primeiros filmes, pode ser um exemplo do diálogo de sua arte com as demais. As noites de Madrid são os cenários das primeiras filmagens do diretor, bem como as atuais, (ele não varia 25 muito de ambiente), e com ela toda uma vivência suburbana é representada no cinema.

A cultura católica espanhola, objeto de análise dessa dissertação, se faz presente em várias obras, dentre as quais podemos destacar: Entre tinieblas (1984), Matador (1985-1986), La ley del deseo (1986), ¡Átame! (1989), Carne trémula (1997), Todo sobre mi madre (1999), La mala educación (2004), Volver (2006) e Los amantes pasajeros (2013). A forma como o diretor faz referência a essa realidade sagrada é por meio da exposição da iconografia, seja para ilustrar uma cena ou mesmo de maneira a criticar veementemente tal realidade, como podemos ver em La mala educación (2004) com sua crítica à pedofilia dos padres.

Em Entre tinieblas (1984), o foco é um convento de freiras e suas relações com o pecado. Matador (1985-1986) apresenta a relação de submissão e culpa de Ángel, um aprendiz de toureiro, e sua mãe, fanática da Opus Dei. La ley del deseo (1986) mostra a relação da transexual Tina e sua filha adotiva com o sagrado, principalmente através das preces dirigidas à Virgem Maria. Em ¡Átame! (1989) um quadro do Sagrado Coração de Jesus é colocado na parede sob a qual fica a cama de um casal, que em condição de cativeiro, tem relações sexuais. Em Carne trémula (1997) uma mãe dá à luz a criança Victor, que quando adulto, comete crimes, é preso e se interessa por assuntos religiosos, principalmente a leitura da Bíblia. Todo sobre mi madre (1999) apresenta o drama da freira cuidadora de pessoas portadoras de HIV que, no trabalho, é engravidada pela travesti Lola. La mala educación (2004) talvez seja o filme mais autobiográfico do diretor: nele duas crianças conhecem o amor homossexual num colégio interno regido por padres que submetem as crianças a relações de pedofilia. Volver (2006) faz referência sutil ao catolicismo predominante em Espanha ao mostrar um grupo de mulheres polindo túmulos repletos de cruzes, símbolo maior do cristianismo. Em seu filme mais recente, Los amantes pasajeros (2013), Fajas, um comissário de bordo, recorre sempre a um oratório, repleto de imagens de santos, ao saber que a aeronave na qual viaja está passando por turbulências.

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1.2. O sagrado

Um dos discursos representados no cinema de Almodóvar está relacionado à manifestação do sagrado. Como sagrado é um termo polissêmico, é útil delimitá-lo. A questão pode ser abordada em várias formações discursivas e para que o tema seja atual, optamos por abordá-lo na formação discursiva ocidental-judaico-cristã. Porém, antes de conceituar o sagrado, convém delimitar o que entendemos por formações discursivas. Partindo do sintagma formação discursiva como um sistema de regularidades e dispersão, Foucault (2008, p. 43) explica que:

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva.

De acordo com Mardones (1996, p. 71), o sagrado se apresenta como o fundamento ou experiência básica da religião. Em tal experiência, ou estrutura das reações humanas, se manifesta um poder oculto ou misterioso – o sagrado, o santo, o numinoso – que, por sua vez, fascina e infunde temor, é cheio de significação, ordem e sentido. O numinoso ou sagrado se apresenta como um fundamento poderoso, significativo e vivente. Há uma insuperabilidade na experiência do sagrado.

Um dos primeiros cineastas a tratar o tema foi Georges Méliès, no nascedouro do cinema, quando filmou o curta-metragem Le Diable au couvent (1899). Depois o tema foi abordado em Les anges du péché (1943), Black narcissus (1947), Marcelino, pan y vino (1955), The night of the hunter (1955), Det sjunde inseglet (1956), Nazarín (1958), The nun‟s story (1959), Jungfrukällan (1959), Matka Joanna od aniolów (1961), (1961), O pagador de promessas (1962), Nattvardsgästerna (1962), Il Vangelo secondo Matteo (1964), El topo (1970), Ana y los lobos (1972), Még kér a nép (1972), The Holy Mountain (1973), Seijû gakuen (1974), Alucarda, la hija de las tinieblas (1978), Interno di un convento (1978), The mission (1986), Babettes gæstebud (1987), Au revoir les enfants (1987), The last temptation of Christ (1988), Jésus de Montréal (1989), Santa Sangre (1989), At play in the fields of the Lord (1991), O Auto da Compadecida (1999), The Magdalene Sisters (2001), Amen. (2002), The Passion of the Christ (2004), Los fantasmas de 27

Goya (2006), Los girasoles ciegos (2008), Habemus Papam (2011), Dupa dealuri (2012), La danza de la realidad (2013) e Kreuzweg (2014), apenas para citar alguns.

A força irruptiva do desconhecido, frente ao qual o ser humano dirige as suas preces, consagra a sua vida e dedica ao conhecimento daquilo que de antemão se apresenta como inefável, é a manifestação do sagrado na sociedade. O aparecimento, enquanto acontecimento, do Totalmente Outro (Totaliter aliter), como propõe Barth (1978), não se faz sem os seus intermediários, os símbolos e signos portadores daquela verdade. Sapiência essa, outra, que transcende o viver cotidiano e ao mesmo tempo introduz em tal viver elementos de um tempo-lugar porvir. Conforme Morais (2015, p. 89):

A busca por esse espectro de deus, o princípio, e porque não princípio- ativo, é uma tarefa que passa pelo viés teológico e filosófico da civilização ocidental. Desde o motor imóvel de Aristóteles, passando pela humanidade endeusada de Ludwig Feuerbach, bem como a manifestação do Totalmente Outro de Karl Barth, até chegar ao deus por vir de Jacques Derrida, a tradição filosófico-teológica se embrenhou em veredas distintas nessa busca. Mas de tudo isso o que nos resta é a busca e essa busca, nos lembra Lacan, está relacionada ao desejo nunca saciado do ser humano. Essa conta que não fecha, esse rio que vai dar no Oceano e que é proporcional ao nosso desejo.

O que queremos dizer com sagrado nesse texto é expresso na relação do ser humano como uma imagem idealizada de mundo possível, ordenado e regido por forças superiores ao entendimento humano, por isso a fé é um elemento constitutivo de tal realidade ou construção dela, pois como afirmam Berger e Luckmann (1985), a realidade é socialmente construída. A fé não aparece como um elo perdido no tempo, antes, é perpassada por certa tradição religiosa que a legitima. Assim, o sagrado aqui referido diz respeito à aura do cristianismo presente nas sociedades que possuem tradições cristãs e mais especificamente a sociedade espanhola na qual a tradição católica do cristianismo se faz presente de forma mais veemente.

O radical ―sak‖3, nas línguas indo-europeias, como afirma Ries (2008, 2009), diz respeito à separação de um elemento do mundo comum – e por mundo comum

3 Cf. ―La parola sakros ci pone in relazione diretta con questa eredità indoeuropea e arcaica nella quale interviene regolarmente la radice sak-, che ha formato tutto il vocabolario del sacro, già presso gli Ittiti nel secondo millennio, poi presso i Greci, presso i Romani, in Iran, in Germania, in Scandinavia. Questo ricco vocabolario del sacro serve a esprimere un insieme di idee e di concezioni di cui questi popoli si sono serviti, per comprendere l’universo, il cosmo e per situare la condizione umana nel cosmo.‖ (RIES, 2009, p. 94). Tradução nossa: ―A palavra sakros nos coloca em relação direta com esse legado arcaico indo-europeu no qual intervém regularmente o radical sak-, que 28 temos o viver cotidiano marcado pelo trabalho, lazer e relações sociais – para receber uma significação superior. A tal elemento é concedido ou conferido o poder de interferir no dia-a-dia daquele que sustenta tal lugar de crença. Exemplos temos da palavra ―sacerdote‖: homem separado para os serviços religiosos, responsável por intermediar as relações homem-deus, homem-sagrado.

Por outro lado, o sagrado comporta uma ambivalência, da qual não podemos tomar partido de uma vertente sem prejuízo do todo. Não são dois polos antagônicos, mas valências que podem, a seu tempo, trocar de sinal. Assim, Huxley (1977, p. 18-19) afirma:

Na verdade, não poderemos ter uma compreensão correta do que o sagrado significa a não ser que tenhamos essa ambivalência sempre em mente. O sagrado não é, absolutamente, uma emoção única ou simples. É mais fácil compreender como aquilo a que os gramáticos chamam um oximoro – uma figura de linguagem que reúne palavras aparentemente contraditórias, tais como bondade cruel ou falsamente verdadeiro. Os oximoros são úteis para vencer os efeitos causados pelo sagrado na mente, e para cuja descrição podemos lançar mão de expressões como alegre medo ou fascinado terror. E quando vemos os monumentos de comportamento erigidos em nome do sagrado e a hipocrisia pela qual ele é responsável, o oximoro falsamente verdadeiro é particularmente apropriado, pois descreve com nitidez a combinação de fingimento e desejo de liquidar qualquer fingimento.

Se viver dirigido por um propósito exterior concede ao cristão uma posição frente a certo universo epistemológico, tal modo de vida não é experienciado de forma ingênua ou inepta. Há toda uma racionalidade religiosa que dá significado ao viver cristão. Os rituais, para um leigo, ou não-iniciado, podem parecer não possuir nenhum sentido, mas aquele que vivencia ou participa do processo ritual conhece a lógica do mesmo através da fé. Por exemplo, para o cristão católico, a Eucaristia não é só mais um ritual de alimentação, antes, é o selo de participação no seio da comunidade cristã. É comunhão com Jesus, participando de sua morte e aceitando- a como expiação do pecado humano.

formou todo o vocabulário do sagrado, já com os hititas no segundo milênio, em seguida, os gregos, os romanos, no Irã, na Alemanha, na Escandinávia. Este rico vocabulário do sagrado serve para expressar um conjunto de idéias e concepções que esses povos têm usado para compreender o universo, o mundo e situar a condição humana no mundo.‖ 29

1.2.1. A Igreja Católica na Espanha durante a ditadura de Franco

De acordo com Brantl (1961), numa interpretação teológica clássica, a Igreja Católica é, para os seus membros, o cumprimento da promessa de Jesus Cristo. O Cristo se fez homem não só para reabrir à humanidade a possibilidade de um destino sobrenatural, mas para lhe ensinar o caminho de realização desse destino e, por meio da autoridade e hierarquia, conduzi-la no rumo dessa realização. Com esse propósito, Cristo prometeu uma união permanente com os seus seguidores na história, a revelação contínua, através do Espírito, nessa união da verdade que pode salvar os seres humanos, com a incessante presença visível de sua autoridade para governá-los. A revelação de Deus em Cristo e a redenção dos seres humanos através dos seus méritos seriam realizadas na história por meio da vida permanente de Cristo em sua Igreja. A atitude dos católicos para com a Igreja só deve ser compreendida se for tomada em consideração a firme convicção resultante da fé na divindade de Cristo. Essa atitude é baseada nas promessas de Cristo e sua segurança é tão marcante como a autoridade sobre a qual a Igreja pretende fundamentar-se.

A crença católica, relativamente à natureza da Igreja, pode ser entendida através do dogma do Corpo Místico. É aí que se encontram resumidos os elementos distintivos da Igreja Católica: a realidade e a necessidade de uma Igreja visível e invisível; o significado da Graça; a função da autoridade e da hierarquia; a unidade e a unicidade da Igreja. O Corpo chama-se ―Místico‖ no intuito de distinguir e contrastar o Corpo Eucarístico de Cristo, que é recebido na Comunhão, com o corpo físico de Cristo, que ascendeu aos céus. A cabeça do Corpo é Jesus Cristo como Deus-homem; os membros do Corpo são todos os batizados, exceto aqueles que se separaram da vida do Corpo por cisma ou apostasia; o princípio vital do Corpo é o Espírito Santo, terceira pessoa da Trindade, que informa o Corpo através da Graça. A vida interior da Igreja, o aspecto invisível, é o compromisso dos membros físicos da Igreja naquelas atividades, pelas quais a vida da Graça se comunica e se expande. A Igreja, como Corpo Místico de Cristo, é a união, portanto, de todos os partícipes com cada um e de todos com Cristo, através da vida em Graça (BRANTL, 1961).

A teologia clássica faz a pergunta da fé através da fé. Assim, o pensamento de Brantl (1961), apresentado anteriormente, responde às perguntas da Igreja 30

Católica através da fé mesma na catolicidade da Igreja. Para Libânio (1989), na perspectiva da Teologia da Libertação, tal modo de pensar reduz qualquer outra pergunta ao espaço da fé. A partir da fé entende todas as outras questões. Qualquer pergunta que vier de um horizonte distinto da fé superaria a consciência histórica possível desta teologia clássica. Pensando de forma ecumênica, Congar (1965) afirma que a lei essencial do catolicismo é a vida ―na Igreja‖, que é, por si mesma, uma vida na comunhão fraterna do amor. A fé não poderá ser entendida como uma racionalidade ou comportamento puramente intelectual que só leva em consideração a razão: o que rege todo conhecimento verdadeiro, no cristianismo, tem como base a comunhão e o amor fraterno, a inclusão viva no todo.

Durante o governo de Franco, a população espanhola poderia escolher ir à missa e não ter problema com a ditadura ou não fazê-lo e sofrer as consequências. Com a subida de Franco ao poder, em 1938, a Igreja e o governo tornaram-se as duas maiores potências da Espanha. O filme Los girasoles ciegos (2008), dirigido por José Luis Cuerda, mostra um comunista pai de família que faz críticas à Igreja e ao governo através de seus escritos e é obrigado a viver dentro de um armário pelo resto de sua vida para evitar a morte. ―Viver dentro do armário‖ é uma metáfora da repressão sofrida pelo povo espanhol que podemos observar no filme. De acordo com Casanova (2001), o apoio à Igreja Católica e o comportamento recíproco da Igreja desempenhou papel crucial na manutenção de Francisco Franco no poder em todo o período de 30 de janeiro de 1938 a 08 de junho de 1973.

O catolicismo não poderia ter sido usado por Franco sem o consentimento da hierarquia da Igreja Católica, mas o papel dos bispos espanhóis se mostrou muito maior do que o simples acordo e apoio entusiástico quando da vitória dos ideólogos do regime de Franco em 1938. Assim, de acordo com Rizzoni (1975, p. 140-141):

A 27 de agosto de 1953, é assinada a Concordata entre a Espanha e a Santa Sé. Franco se assegura o direito de propor e de rejeitar as nomeações dos bispos espanhóis. É um controle político sobre a hierarquia. Por seu turno, a Igreja garante para si uma série de vantagens materiais – por exemplo, manutenção do clero por parte do Estado – e morais: censura nacional, controle da educação pública, reconhecimento oficial da Acción Católica como instrumento de apostolado.

Com a assinatura de tal concordata em 1953, tendo os Estados Unidos como apoiador, o Vaticano deu base jurídica à autoridade de Franco o que lhe permitiu obter o reconhecimento internacional da Igreja Católica e, assim, aumentar o poder 31 do seu governo. A manutenção de tal posição se deu porque, de acordo com Casanova (2001), as autoridades, os meios políticos mais conservadores e a Igreja confiavam no ―bom povo espanhol‖, muito vagamente contaminado pelas ideias socialistas. Em um Estado confessional, onde a Igreja e o poder político estavam tão intimamente ligados, não havia por que temer a apostasia das massas. Ao menos era o que se pensava. E pensou assim enquanto manteve o monopólio da educação, enquanto as iniciativas filantrópicas recebiam o apoio moral e financeiro das ―pessoas de bem‖ da sociedade, enquanto os católicos, em suma, marcaram forte presença na confecção e condução dos projetos sociais.

Conforme Casanova (2001), a sociedade espanhola da época oferecia poucas oportunidades às mulheres no plano profissional e familiar e as ordens religiosas acabaram sendo também, apesar de suas restrições sexuais e sociais, uma alternativa a elas. O celibato, religiosamente escolhido, era (e segue sendo) um fenômeno peculiar do catolicismo, tanto para as mulheres como para os homens que queriam seguir esse caminho. O número de freiras era três vezes maior que o de padres. O aumento do número de congregações femininas em detrimento às masculinas se concentrava mais nas comunidades ativas que as contemplativas, de forma que a Igreja dispunha de milhares de professoras, enfermeiras e assistentes sociais, fazendo parte de suas redes para atender a sociedade espanhola.

De acordo com Raiford (2014), Francisco Franco era favorável apenas ao que estava concorde com as leis da Igreja Católica. Ser contrário a tais leis, para ele, configuraria crime e, portanto, não ser católico ou ser homossexual era punido com morte ou exílio. O poeta Federico García Lorca foi assassinado por um pelotão de execução porque era homossexual. Durante o governo de Franco, milhares de pessoas que eram homossexuais ou eram suspeitas de sê-lo, foram enviadas às prisões, instituições para doentes mentais ou campos específicos para homossexuais. A maioria dessas pessoas era constituída de homens provenientes das classes pobres. Franco via, também, os homossexuais como uma ameaça à imagem masculina espanhola tradicional de macho e mulherengo. As práticas coercivas franquistas tinham o aval da Igreja Católica.

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1.3. Sobre o conceito de desconstrução

O conceito de desconstrução aqui abordado é o termo cunhado pelo filósofo argelino Jacques Derrida. Como é um termo polissêmico, e ganha sentido de acordo com o contexto, pretende-se descrever o contexto cultural específico da Movida, relacionando-o com o contexto anterior, a ditadura de Franco, para entender como a mudança cultural – e mudança aqui tem o sentido de desconstrução – acontece no embate de lutas ideológicas. Diz de uma sociedade que por aquela época estava em desconstrução. De mudança de valores, para assunção de posições opostas às vigentes até então.

De acordo com Peeters (2013), o artigo denominado A escritura antes da letra que mais tarde, em 1967, vem a ser o esboço da primeira parte de Gramatologia, introduz o conceito que norteará a extensa obra de Derrida (mais de 80 livros). Os livros que fazem referência à desconstrução são: Gramatologia, A voz e o fenômeno e A escritura e a diferença. Quando Toshihiko Izutsu, célebre estudioso do islamismo, tentou traduzir para a língua japonesa o primeiro artigo de Jacques Derrida que faz referência à desconstrução, ele se viu em dificuldades com a tradução do termo, pois não havia um termo referente em sua língua, assim, comunicou a Derrida para ajudá-lo na tradução. Derrida, então, escreve uma carta a Izutsu denominada Lettre à un ami japonais que vem a ser publicada como um capítulo de Psyché: inventions de l‟autre por Editions Galilée em 1987 no qual ele aborda mais extensamente o conceito. Doravante faremos referência a este texto para conceituar a desconstrução.

Derrida (1987) afirma que quando escolheu a palavra desconstrução, em Gramatologia, não pensava que ela viria a ter papel tão central no seu discurso, apenas desejava traduzir e adaptar ao seu propósito os termos heideggerianos de Destruktion e Abbau. Ambos significavam, nesse contexto, uma operação relativa à estrutura ou arquitetura tradicional dos conceitos fundadores da ontologia ou da metafísica ocidental. Em francês, o termo destruction implicava de forma demasiadamente visível um aniquilamento, uma redução negativa mais próxima da demolição nietzschiana, talvez, que da interpretação heideggeriana ou do tipo de leitura que Derrida propunha. Por conseguinte, Derrida descarta tal termo. Assim, ele investiga e percebe que a palavra déconstruction existia na língua francesa. Seu alcance gramatical, linguístico ou retórico ali estava associado a um alcance 33 maquínico. Essa palavra era de uso pouco frequente, talvez desconhecida na França. Derrida tenta assim reconstruí-la de certo modo, e seu valor passa a ser determinado pelo discurso que se empreendeu na época, em torno e a partir de Gramatologia. Nesse livro, Derrida aborda a desconstrução do sentido de signo como pertencente à tradição filosófica metafísica. O valor de uso da palavra é o que se tratará de precisar agora.

Conforme Derrida (1987), o estruturalismo dominava aquela época. Desconstrução parecia ir nesse sentido, já que a palavra significava certa atenção às estruturas (que por sua vez, não são simplesmente ideias, nem formas, nem sínteses, nem sistemas). Desconstruir era dessa forma um gesto estruturalista, em qualquer caso, era um gesto que assumia certa necessidade da problemática estruturalista. Mas era também um gesto antiestruturalista; e seu êxito se deve, em parte, a este equívoco. Tratava-se de desfazer, de descompor, de dessedimentar estruturas (todo tipo de estruturas, linguísticas, logocêntricas, fonocêntricas – pois o estruturalismo estava, na época, dominado pelos modelos linguísticos da chamada linguística estrutural que se denominava também saussuriana –, sócio-institucionais, políticas, culturais e, sobretudo, filosóficas).

Para Derrida (1987), particularmente nos Estados Unidos, associaram o motivo da desconstrução ao pós-estruturalismo (palavra desconhecida na França, salvo quando retorna dos Estados Unidos). Mas desfazer, descompor, dessedimentar estruturas, movimento mais histórico, em certo sentido, que o movimento estruturalista que grassava naqueles tempos, não consistia em uma operação negativa. Mais que destruir era preciso mesmo compreender como se havia construído um conjunto e, para isso era preciso reconstruí-lo. Não obstante, a aparência negativa era e permanece sendo difícil de apagar quanto é legível na semântica do prefixo (des-), apesar de esta não poder sugerir, também, mais uma derivação genealógica que uma demolição. Por essa razão, a palavra só em si não é satisfatória e precisa estar sempre envolta em um discurso.

Assumindo uma via negativa, podemos afirmar o que a desconstrução não é: não é nem uma análise nem uma crítica. Conforme Derrida (1987), não é uma análise, sobretudo porque a desmontagem de uma estrutura não é uma regressão para o elemento simples, para uma origem indescomponível. Estes valores, como o de análise, são eles mesmos, filosofemas submetidos à desconstrução. Tampouco é 34 uma crítica, em sentido geral ou kantiano. A instância própria do krinein ou da krisis (decisão, eleição, juízo, discernimento) é, como o é por outra parte todo o aparato da crítica transcendental, um dos temas ou dos objetos essenciais da desconstrução. O mesmo se dirá a respeito do método. A desconstrução não é um método e não pode ser transformada em método. Sobretudo se for acentuada, naquela palavra, a significação sumária ou técnica. Certo é que em alguns centros acadêmicos ou culturais, particularmente nos Estados Unidos, a metáfora técnica e metodológica, que parece necessariamente à palavra desconstrução, conseguiu seduzir ou despistar. Daí o debate que se desenvolveu nesses meios: é possível transformar a desconstrução numa metodologia de leitura e de interpretação? Pode, deste modo, deixar-se reapropriar e domesticar pelas instituições acadêmicas?

Não basta dizer que a desconstrução não pode reduzir-se a uma mera instrumentalidade metodológica, a um conjunto de regras e de procedimentos transportáveis. De acordo com Derrida (1987), não basta dizer que cada acontecimento de desconstrução é singular ou, em todo caso, o mais próximo possível a algo assim como um idioma e uma assinatura. É preciso, deste modo, destacar que a desconstrução não é sequer um ato ou uma operação. Não só porque, nesse caso, haveria nela algo passivo ou algo paciente. Não só porque não corresponde a um sujeito (individual ou coletivo) que tomaria a iniciativa dela e a aplicaria a um objeto, a um texto, a um tema, etc. A desconstrução tem lugar; é um acontecimento que não espera a deliberação, a consciência ou a organização do sujeito, nem sequer da modernidade. Isso se desconstrói. O isso não é, aqui, uma coisa impessoal que se contraporia a uma subjetividade egológica. Está em desconstrução (o dicionário diria: desconstruir-se... perder sua construção). E no se do desconstruir-se, que não é a reflexividade de um eu ou de uma consciência, reside todo o enigma.

Se a desconstrução tem lugar em todas as partes onde isso tem lugar, onde há algo (isso não se limita, portanto, ao sentido ou ao texto, no sentido corrente e livresco desta última palavra), fica por pensar o que acontece hoje, em nosso mundo e na contemporaneidade, no momento em que a desconstrução se converte em um motivo, com sua palavra, seus temas privilegiados, sua estratégia móvel. Não há uma resposta simples e formalizada a esta questão. Diz Derrida: ―nem sequer me atrevo a dizer, seguindo um esquema heideggeriano, que estamos em uma época 35 do ser-em-desconstrução, de um ser-em-desconstrução que se haveria manifestado ou dissimulado em outras épocas‖ (DERRIDA, 1987, p. 379)4.

Para Derrida (1987), esquematicamente falando, a dificuldade de definir e, por conseguinte, também de traduzir a palavra desconstrução procede de que todos os predicados, todos os conceitos definitórios, todas as significações relativas ao léxico e, inclusive, todas as articulações sintáticas que, por um momento, parecem prestar- se a essa definição e a essa tradução são desse modo desconstruídos ou desconstruíveis, diretamente ou não. E isto vale para a palavra, para a unidade mesma da palavra desconstrução, como para toda palavra. Gramatologia coloca em questão a unidade da palavra e todos os privilégios que, em geral, se reconhecem, sobretudo sob a forma nominal. Por conseguinte, só um discurso ou, melhor, uma escritura pode suprir esta incapacidade da palavra para bastar a um pensamento.

Derrida (1987) afirma que toda frase do tipo a desconstrução é X ou a desconstrução não é X carece a priori de toda pertinência: diz-se que é, pelo menos, falsa. O que nos textos se denomina desconstrução é, precisamente, a delimitação do ontológico e, para começar, desse indicativo presente da terceira pessoa: S é P. A palavra desconstrução, como qualquer outra, não possui mais valor que lhe confere sua inscrição numa cadeia de substituições possíveis, no que pode ser denominado um paradigma. Tal palavra não tem interesse senão dentro de um contexto onde substitui e se deixa determinar por tantas outras palavras, por exemplo, escritura, différance, suplemento, fármaco e margem.

1.4. Movida madrileña

As mudanças culturais que aconteceram na Espanha no período da transição democrática, após a morte do ditador Francisco Franco em 1975, podem ser entendidas como um verdadeiro processo de luta ideológica. Segundo Hall (2003, p. 326), ―a cultura é concebida como o terreno historicamente moldado sobre o qual todas as correntes filosóficas e teóricas operam e com a qual elas devem chegar a um acordo.‖ Assim, a luta ideológica

4 Tradução nossa de: ―Je n’ose même pas dire, en suivant un schéma heideggerien, que nous sommes dans une ―époque‖ de l’être-en-déconstruction, d’un être-en-déconstruction qui se serait manifesté ou dissimulé à la fois dans d’autres ―époques‖.‖ (DERRIDA, 1987, p. 379). 36

[...] chama a atenção para o caráter determinado desse terreno e a complexidade dos processos de desconstrução e reconstrução, pelos quais os velhos alinhamentos são derrubados e novos alinhamentos podem ser efetuados entre os elementos dos distintos discursos entre as idéias e as forças sociais. A mudança ideológica é concebida não em termos de substituição ou imposição, mas em termos da articulação e desarticulação das idéias (HALL, 2003, p. 326).

O conceito de cultura adotado é o de Stuart Hall que afirma a cultura como o nível no qual os grupos sociais desenvolvem modos de vida distintos e expressam as suas experiências vitais no social. A cultura de um grupo ou classe é a peculiar e distinta forma de vida desse grupo ou classe, os significados, valores e ideias incrustadas nas instituições, relações sociais, sistemas de crença, costumes, no uso de objetos e na vida material. A cultura é a forma distinta na qual esta organização social e material da vida se expressa a si mesma (HALL; JEFFERSON, 2003, p. 10).

As lutas ideológicas nos remetem às ideologias dominantes e dominadas durante determinado período sociocultural. O termo ideologia comporta muitos significados, assumindo distintos sentidos de acordo com a filiação teórico-política do autor que se propõe defini-lo. Para consonância teórico-epistemológica, nesse trabalho, partimos do conceito de ideologia como definido por Fairclough (2001, p. 117), onde explica:

Entendo que as ideologias são significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação.

A desconstrução de alguns elementos da cultura espanhola nessa época foi levada a efeito pelo movimento denominado Movida madrileña ou apenas Movida. De acordo com Garcés (2010), surgiu como movimento de contracultura protagonizado por jovens espanhóis influenciados em parte pela cultura punk britânica e a arte de Andy Warhol5. Recebeu o nome Movida madrileña, pois foi em Madrid que o movimento iniciou e teve um impacto maior, embora outras

5 Cf. Andy Warhol (1928-1987) ―é um dos principais nomes da pop Art. Surgida nos anos 1950, na Inglaterra, o movimento teve seu ápice na década de 1960, quando chegou aos EUA. A pop Art se caracteriza pela apropriação de imagens do universo de consumo (embalagens de produtos) e da cultura de massa (televisão, cinema, revistas de celebridades, quadrinhos, propaganda) como tema de suas obras e, ao mesmo tempo, faz uma crítica a essa indústria que, na visão dos artistas, exercia uma poderosa influência na vida cotidiana das pessoas.‖ (BARBOSA, 2010, p. 61-62).

37 metrópoles, como Barcelona, tenham recebido o seu quinhão da Movida. O propósito era negar ou esquecer os anos cinzas da ditadura de Franco. Também não deixou de ser uma extensa comemoração da morte do ditador. Assim, os participantes da Movida desejavam que morresse, juntamente com Franco, a repressão social e sexual a que foram submetidos os espanhóis ao longo dos 36 anos da ditadura franquista.

Conforme Garcés (2010), a Movida madrileña ou simplesmente Movida foi o renascimento cultural espanhol que aconteceu entre 1976 e 1986 e ocorreu durante a transição democrática após a morte do ditador Francisco Franco6 (1892-1975). Na verdade, a transição democrática começou quando Franco ainda estava no poder, mais precisamente em 1973, com o assassinato do então primeiro-ministro Luis Carrero Blanco. A transição se estendeu até 1982 com a vitória do PSOE (Partido Socialista Obrero Español), e também pode se dizer que só terminou quando a Espanha passou a fazer parte, em 1986, da Comunidade Europeia, que posteriormente se tornou a União Europeia.

Quando Franco morreu, a Espanha começou a se abrir a uma nova perspectiva que a aproximava do resto da Europa. O distanciamento em relação aos outros países se explica segundo Melo (1989, p. 62), porque ―nos tempos de Franco, foi uma contingência da postura democratizante assumida pela Europa recém- libertada do nazismo reprovando a persistência de um governo ditatorial nas suas vizinhanças‖. A cultura underground das grandes cidades começou a aparecer em Barcelona e especialmente em Madrid e depois se espalhou por toda a Espanha. Durante a noite a sede do poder falangista (o mesmo que franquista) se transformava em uma nova Babilônia, cujo intuito era ser uma alegria provocante,

6 Cf. Um panorama do governo de Franco é fornecido por Veleda (2010, p. 16-17): ―De todas as formas, Franco foi um ditador que governou o país por 36 anos, ainda que, a partir do final da década de 60, tenha se afastado progressivamente da vida pública em razão de seu estado de saúde, deixando a direção do governo nas mãos de colaboradores de confiança e, até mesmo, o Príncipe Juan Carlos ocupou, em algumas ocasiões, esse cargo. Sua política governamental, ainda hoje, é objeto de estudo, com autores a caracterizando como totalitária e outros preferindo classificá-la como uma forma particular de fascismo. Durante os primeiros anos de seu governo, a Espanha manteve-se isolada do mundo exterior, numa tentativa de proteger o regime recém chegado ao poder e garantir a política autárquica concebida pelo governo. A Igreja Católica ocupou um papel importante, atuando como suporte do regime no exterior e dentro da própria Espanha. Com o fim da Segunda Guerra, ocorreu uma necessidade de mudança de posição por parte de Franco. Ele se utilizou mais uma vez do anticomunismo para se aproximar dos Estados Unidos, potência militar e política capitalista erigida depois da II Guerra em contraposição à União Soviética, com sua ideologia baseada no comunismo materialista, contrária ao ―Nacionalismo-Católico‖ defendido por Franco. Em 1953, iniciou-se o processo de aceitação internacional do regime, que culminou com seu reconhecimento entre os membros da ONU, em 1955.‖ 38 uma permanente ―fiesta‖. O termo Movida pode ser traduzido por festa ou delírio, e teve lugar em Madrid por alguns anos (geralmente o período que coincide com o mandato do socialista Enrique Tierno Galván como prefeito de Madrid de 1979 a 1986) de forma intensiva a se aproximar com tudo o que a ditadura havia negado. A Movida foi, assim, um movimento artístico e social, uma mistura de punk e cabaret, conduzida por músicos como Alaska (Olvido Gara), designers (Javier Mariscal, por exemplo), grupos de teatro como Los Goliardos e cineastas como Pedro Almodóvar (SOTINEL, 2010, p. 13).

A Movida pode ser considerada, ainda, como o resultado da confluência de uma série de mudanças culturais na Espanha. Política, cultura e economia são marcos nos quais se desenvolveram os valores, experiências e práticas de uma geração jovem que, livre da cultura de repressão franquista, conectada com contemporâneos de outros países e com novo poder de consumo, se lança a viver o presente (FOUCE, 2002, p. 14). É possível traçar o trajeto da Movida do underground para as massas dividindo-a em três períodos: uma etapa de germinação subterrânea que vai dos anos 1978 a 1983, a etapa de esplendor e de visibilidade pública, entre 1983 e 1985, e a decadência a partir desse último ano.

Podemos definir a Movida como o conjunto de fenômenos culturais, articulados pela música, o teatro e o cinema que ocorreu em Madrid entre os anos 1978 e 1985, paralelamente às mudanças sociopolíticas que ocorreram na Espanha na mesma época. A Movida se distingue por três características fundamentais: repulsa ao compromisso político da esquerda, aparecimento de novas referências e formas culturais e adoção de novas estratégias e práticas centradas no uso dos meios de comunicação e as indústrias culturais (FOUCE, 2002, p. 276).

A Movida, que inicialmente pode ser considerada como um movimento contracultural, em meados da década de 80, foi utilizada como ferramenta de marketing social e político de uma nova Espanha. A nova imagem que os espanhóis pretendiam mostrar era também uma nova construção de identidade. Não só construir um presente prenhe de liberdades, mas também enterrar o passado. Portanto, aqueles que estavam envolvidos com a Movida faziam parte de uma nova vanguarda. E o propósito de uma vanguarda é produzir técnicas inovadoras, novas ideias e diferentes maneiras de interpretar o mundo. Também tem o propósito de ser guia de dada realidade cultural (GARCÉS, 2010, p. 1-2). 39

Em relação aos participantes da Movida, existem algumas características gerais que podem ser associados a este grupo de pessoas. Incluem músicos, pintores, designers de moda, escritores de quadrinhos, fotógrafos, cineastas e outros artistas, influenciados em parte pelo punk britânico e Andy Warhol, que começaram a criar uma marca própria e local de cultura underground. Salienta-se que o cineasta Pedro Almodóvar é referido em muitos pontos, como uma sinédoque para o fenômeno Movida. Além dos nomes conhecidos de pessoas que eram produtoras de cultura durante este período, os consumidores de modas e eventos foram fundamentais para a popularidade da Movida. Várias pessoas estavam envolvidas em fazer da Movida um fenômeno da cultura popular, incluindo as pessoas que ouvem música no rádio e os participantes de galeria e exposições de museu. Os políticos locais também foram envolvidos na Movida, como já mencionado (GARCÉS, 2010, p. 17).

Segundo Garcés (2010, p. 24), o fim da Movida também é debatido, mas muitas fontes indicam que terminou em 1986, coincidindo com a morte do amado Enrique Tierno Galván (prefeito de Madrid 1979-1986), cujo apoio à Movida foi fundamental. Galván foi o grande responsável por associar a Movida madrileña com muitas das transformações que estavam ocorrendo durante aquele período. Assim, a Movida serviu como meio de comunicação através do qual as ideias dos políticos tentavam chegar ao povo. As noções ambíguas de mudança e modernidade deviam estar relacionadas aos adjetivos jovem e novo, e aplicadas a produtos culturais com a sua capacidade de ilustrar e tornar visível o acelerado processo de transformação política, econômica e social que a Espanha estava passando. Assim, o uso político do movimento causou a morte da Movida.

Para Garcés (2010, p. 2), a Movida é frequentemente referida como uma explosão cultural, e de fato tem sido criticada por algumas das coisas menos desejáveis que deixou em seu caminho. Embora a Movida fora uma espécie de renascimento, também está ligada à morte prematura de grande número de seus participantes devido a overdoses de drogas, aids e outras tragédias. A sua relação multifacetada com a vida e a morte, figurativa e literalmente, só tem sido ainda mais complicada nos últimos anos.

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1.4.1. Desconstrução da cultura espanhola

Almejar que de repente uma sociedade, como por arte de magia, mude valores e práticas, desfaça uma herança política e cultural e as troque por novas, não deixa de ser uma pretensão ingênua. As sociedades mudam porque mudam seus membros e estes não estão em posição simétrica em termos de capacidade de acesso a novas referências e a sua difusão. Sem dúvida, os discursos positivos acerca da Movida têm um rastro desta transformação mágica. Frente a isto, é necessário insistir no surgimento da Movida como um fenômeno underground e minoritário brotado entre os jovens, com inquietações artísticas e intelectuais. Devido à sua formação em alguns casos e a sua capacidade econômica em outros casos, foram capazes de manter contato com as últimas tendências da Inglaterra ou Estados Unidos, através de publicações ou viagens (FOUCE, 2002, p. 14-15).

Apesar de ter começado como uma manifestação menor no cenário underground – uma contracultura, diríamos – a Movida madrileña pode ser considerada um movimento desconstrutor da cultura espanhola, pois começou a partir da realidade oferecida pela própria cultura e transformou a face do país. O que Derrida (1987) afirma como ―isso se desconstrói‖ pode se aplicar à Movida porque foi uma transformação gradual ocorrida na cultura espanhola sem que houvesse um poder cultural hegemônico capaz de deter o movimento. Isso significa que a Igreja, sem o amparo legal do Estado, já não podia mais estabelecer medidas de censura. As mudanças políticas, favoráveis à expressão da liberdade, obviamente contribuíram em grande parte para que tal desconstrução cultural ocorresse.

Como afirma Derrida (1987), desconstrução não é sinônimo de destruição, como queriam alguns apressados intérpretes da filosofia derridiana. Antes, é a desmontagem de um aparelho que está em funcionamento para dar outra função a ele. A desmontagem da cultura espanhola, o seu descentramento promovido pela Movida madrileña, demonstra que a desconstrução não é a mera destruição pela destruição. Não equivale à tradução por destruição dos termos heideggerianos Destruktion e Abbau, tampouco faz referência à filosofia do martelo de Friedrich 41

Nietzsche7. Embora Derrida tenha se apoiado nos dois filósofos – Nietzsche e Heidegger – para construir o seu pensamento filosófico, ele conseguiu superar a filosofia da destruição.

De maneira que o termo desconstrução se insere nos indecidíveis derridianos e é bastante polissêmico, abordar-se-á aqui apenas alguns rastros de desconstrução encontrados no movimento cultural espanhol do final dos anos 70 a meados dos anos 80. Para tanto será necessário comparar a cultura espanhola antes da Movida, ou seja, no período da ditadura franquista com o movimento propriamente dito. Ocorreu um rompimento com a tradição, e aqui tradição diz respeito ao modo conservador e fechado em si como a cultura era vista, uma vez que o movimento ressignificou a tradicional e sedimentada cultura espanhola. É, portanto, a saída de um mundo de restrições para um ambiente novo e cheio de possibilidades. Sair de uma Espanha cinza para uma Espanha colorida. E como vimos nos filmes da época da Movida, a influência da cultura pop estadunidense com seus personagens como Andy Warhol, Betty Boop e Marilyn Monroe.

É também uma forma de trazer para o espaço de ação o que foi recalcado em uma cultura durante décadas. A semântica de recalque, como afirma Freud (2012), é o ato de ―enviar‖ para o inconsciente um desejo impossível de ser realizado e que causaria desprazer. O recalque coletivo, no caso da cultura espanhola do período franquista, foi um movimento forçado, de cima para baixo. O regime de Franco fez conhecer como forças a serem combatidas, os ideais de liberdade relacionados ao comunismo. Nesta empreitada, o ―caudillo‖ tinha a seu favor a Igreja Católica e o seu carisma. Como afirma Calero (2010, p. 260), ―tal forma de legitimidade carismática foi constituída concomitante com a de caráter tradicional, que se fundamenta na

7 Cf. A filosofia do martelo, conduzida por Nietzsche, diz respeito a uma forma de filosofar em que ideias anteriores são submetidas à avaliação no intuito de auscultar os ídolos. Aqui, contrariamente à desconstrução derridiana, não há objetivo de desmontar, desconstruir os ídolos para melhor compreendê-los, antes, é apenas a destruição pela destruição, uma vez que na filosofia nietzschiana ninguém se salva de seus golpes destruidores. Nas palavras de Nietzsche em Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo: ―Também este livro — seu título já o revela — é sobretudo um descanso, um torrão banhado de sol, uma escapada para o ócio de um psicólogo. Talvez também uma nova guerra? E serão perscrutados novos ídolos?... Este pequeno livro é uma grande declaração de guerra; e, quanto ao escrutínio de ídolos, desta vez eles não são ídolos da época, mas ídolos eternos, aqui tocados com o martelo como se este fosse um diapasão — não há, absolutamente, ídolos mais velhos, mais convencidos, mais empolados... E tampouco mais ocos... Isso não impede que sejam os mais acreditados; e, principalmente no caso mais nobre, tampouco são chamados de ídolos...‖ (NIETZSCHE, 2006, p. 08). 42 crença na santidade das tradições pátrias seguidas desde tempos longínquos e na legitimidade do herói guerreiro, destacado pela tradição para exercer a autoridade.‖

Com o retorno da democracia, a figura do líder heroico foi destituída do seu pedestal, assim o movimento cultural já podia, de forma livre, buscar novos valores porque aqueles apregoados pelo ―caudillo‖ estavam ultrapassados e igualmente procuravam outros opostos àqueles, como a liberação sexual em detrimento do ascetismo sexual. Alguns grupos anárquicos, originados do punk, anunciavam até mesmo a ausência total de valores.

Para exemplificar os dois momentos culturais vivenciados na Espanha, é interessante observar dois filmes que fazem referência ao modo de vida da sociedade espanhola em seus respectivos tempos. O primeiro é um filme de Carlos Saura lançado em 1973, Ana y los lobos que representa os poderes repressivos da Espanha cinza. A sinopse: Ana é uma jovem contratada para trabalhar como governanta em uma mansão de campo da Espanha. Mas sua beleza aguça o desejo reprimido de três irmãos que vivem na casa: o místico Fernando, que representa a Igreja Católica; José, representando o Exército e Juan, na figura do sexo reprimido. Em silêncio, Ana passivamente se submete aos desejos dos seus senhores, assim como o ―bom povo espanhol‖ durante o período franquista.

De acordo com Marques (2010, p. 63), o filme representa a relação de uma governanta com os patrões, o próprio povo espanhol tiranizado pelo poder político, pela Igreja e pela família. A jovem governanta é estuprada, tem os cabelos cortados (mutilação) e por fim é assassinada pelos três patrões, cada qual representando uma força. O estupro é promovido pelo personagem que simboliza a família e, consequentemente, o sexo reprimido. Os cabelos são cortados pelo que representa a Igreja Católica, indicando que a religião exagerada e fanática leva à mutilação, e o representante do poder político agride-a fisicamente. No entanto, tal qual a sociedade espanhola, Ana não é uma vítima completamente inocente, pois manifesta ironia e tenta manipular o poder.

O segundo é um filme de Pedro Almodóvar lançado em 1980, Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón, que é um bom exemplo desta nova realidade espanhola – a Movida madrileña. Eis a sinopse do longa-metragem:

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Pepi, uma jovem madrilena independente, recebe certa manhã a visita de um policial ameaçador que, de um prédio vizinho, reparou que ela cultivava maconha na varanda. Pepi está pronta a fazer tudo para escapar à justiça, salvo perder sua virgindade. Mas é exatamente isso que o policial exige em troca do silêncio, e a estupra. Desde então, Pepi só pensa em se vingar. Após descobrir onde o policial mora, faz com que ele seja espancado pelos Bomitoni, um grupo no qual canta sua amiga Bom. Mas, no dia seguinte, Pepi percebe que quem levou a surra foi o irmão gêmeo do estuprador. Tomada pelo desejo de vingança, decide então tornar-se amiga de Luci, mulher do policial, que rapidamente se tornará vítima consentida dos impulsos sádicos de Bom. Pepi, vitoriosa, Luci, que deixou o marido, e Bom, feliz, levam uma alegre vida noturna, participando de festas desenfreadas, em particular aquela em que se realiza um concurso de ereções, apresentado por Pedro Almodóvar. Luci mora com Bom e Pepi, que, para ganhar dinheiro, se lança na criação publicitária. Seu anúncio para as cuecas Ponte obtém grande sucesso. Entretanto, o policial procura por Luci e, quando a encontra, afinal, à saída de uma discoteca, bate-lhe brutalmente e separa-a das duas amigas. Após vários dias de inquietação, Pepi e Bom recebem um telegrama de Luci que as convida a visitá-la no hospital, onde as acolhe com um sorriso, feliz junto de seu marido tirânico e sádico. Pepi e Bom partem sozinhas, de mãos dadas, e começam a fazer novos projetos para o futuro (STRAUSS, 2008, p. 208).

Para Almodóvar, Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón, não representa uma transgressão à lei. Em Strauss (2008, p. 38), Almodóvar afirma: ―para mim, a transgressão não é um objetivo, porque implica um respeito, uma consideração pela lei, coisa da qual sou incapaz. É por isso que meus filmes nunca foram antifranquistas. Neles eu simplesmente não reconheço a existência de Franco.‖ E continua a afirmar: ―é um pouco a minha vingança contra o franquismo: quero que dele não permaneça nem a recordação, nem a sombra.‖ Em se tratando de dissimular a realidade, eis o que pretende Almodóvar em seu discurso. Tal dissimulação tem o sentido de esquecer, relegar a segundo plano, recalcar a realidade cultural repressora vivenciada por ele. Como trabalhamos com efeitos de sentido, não precisamos necessariamente concordar com Almodóvar, pois seus filmes oferecem elementos, que de certa forma, remetem à ditadura franquista.

As pessoas envolvidas nesta cultura underground eram geralmente jovens, que vão desde adolescentes como Olvido Gara (participou como atriz em Pepi, Luci Bom y otras chicas del montón e mais tarde, como cantora, adotou o nome Alaska) até pessoas nos seus trinta e poucos anos. A cultura da Movida pode ser caracterizada como uma cultura jovem, pois compartilha com muitas outras culturas juvenis as características de espontaneidade, desrespeito à autoridade, brincadeiras e curiosidade erótica, e também compartilha o contexto social de desemprego entre os jovens (GARCÉS, 2010, p. 18). Por fim, a Movida demonstra a desconstrução de 44 uma sociedade calcada na repressão social, respeito às autoridades (a Franco principalmente) e repressão sexual. Por outro lado, é importante lembrar que durante a ditadura de Franco (principalmente após os anos 60) produziu-se o chamado milagre econômico espanhol e, consequentemente, o desemprego era bem menor.

1.5. Convergências tópicas

Os livros sagrados da Idade Média eram ilustrados, apresentando um corpo informacional multimodal. As representações de igrejas e imagens de santos conferiam ao texto um caráter didático-pedagógico. Dessa forma, podemos afirmar que a tradição imagética católica possui um longo trajeto. Contra o imperativo bíblico do não uso de imagens para representar o sagrado, a Igreja responde com argumentos de autoridade da tradição eclesiástica. De acordo com Flusser (1985, p. 8):

A relação texto-imagem é fundamental para a compreensão da história do Ocidente. Na Idade Média, assume a forma de luta entre o cristianismo textual e o paganismo imaginístico; na Idade Moderna, luta entre a ciência textual e as ideologias imaginísticas. A luta, porém, é dialética. À medida que o cristianismo vai combatendo o paganismo, ele próprio vai absorvendo imagens e se paganizando; à medida que a ciência vai combatendo ideologias, vai ela própria absorvendo imagens e se ideologizando.

O uso de imagens com função pedagógica remonta ao período das invasões bárbaras. No afã de cristianizar os chamados povos bárbaros, os católicos lançavam mão das imagens, já que era um recurso mais apropriado do que a escrita; uma vez que esta diz respeito à codificação de abstrações para significar o mundo compartilhado. Diferentemente, as imagens fazem referência direta ao mundo representado, não necessitando, assim, de uma abstração desenvolvida. O fator experiencial também pode ter sido utilizado no processo de catequização, já que houve substituição gradativa dos deuses pagãos – e suas imagens – pela nova simbologia e iconografia católica (LIMA-LOPES, 2012).

Nos filmes de Almodóvar, as imagens recebem uma ressemiotização, pois são convocadas a produzir novos significados. Ressemiotização (ou ressignificação), conforme Iedema (2003, p. 41), ―refere-se às mudanças de significado, de contexto para contexto, de prática para prática, ou de um estágio de 45 prática para outro‖. De lugar de sacramento, vão à decoração de set de filmagem. A interpretação do espectador é responsável por atribuir uma fidedignidade mais ou menos real a tais ícones. A leitura que fazemos das imagens é perpassada por nosso imaginário sociocultural que mantém uma relação de diálogo com a linguagem do diretor, aceitando ou negando-a. O reconhecimento, por parte do espectador, diz da possibilidade de comunicação entre produtor e consumidor. Assim, o produto é destinado a um público seleto que compartilha de um mesmo código imagético. A título de curiosidade, há relatos de que o cinema, quando chegou à África, precisava de intérprete para explicar o que ocorria no filme, dada a diferença cultural entre produtor e consumidor (TURNER, 1997).

A imagem de Marilyn Monroe junto à imagem da Virgem, numa composição de Cruz de Mayo, é a demonstração da ressemiotização levada a cabo por Almodóvar. Faz uso de dois elementos distintos que participam de seu universo cultural que, no entanto, são polos diferentes de uma mesma cultura; esta representando o sagrado e aquela como sinédoque do profano, do secular (numa visão religiosa da realidade). Por outro lado, os polos podem ser permutados ou ressignificados, uma vez que para os participantes da Movida, Marilyn Monroe é tão sagrada quanto a Virgem Maria. Os participantes de uma mesma cultura reconhecem os signos e dão-lhes os devidos lugares no meio cultural. O sacrilégio, percebido por um fervoroso católico na Cruz de Mayo almodovariana, pode também ser apropriado como um processo de sincretismo cultural, diríamos uma antropofagia de elementos de uma mesma cultura. Os elementos são convocados a significar fora do seu habitat natural e quem pode fornecer tal significação é a conjugação do trabalho do diretor com a escopia do frequentador de cinema.

Em relação às possibilidades metodológicas, Van Leeuwen (2001) discute duas abordagens para a análise visual: a semiótica visual de Barthes (1973, 1977) e a iconografia de Panofsky (1970). Essas duas abordagens levantam questões fundamentais: em relação à representação (o que as imagens representam e como?) e no que se refere ao ―significado oculto‖ das imagens (o que as ideias e valores de pessoas, lugares e objetos representados nas imagens significam?). Assim, conclui que a semiótica visual de Barthes estuda somente a imagem em si e trata os significados culturais como um conhecimento dado que é compartilhado por todos e que tudo está aculturado na cultura popular contemporânea. Tais 46 significados culturais podem ser ativados pelo estilo e conteúdo da imagem. A iconografia, distintamente, dá atenção ao contexto no qual a imagem é produzida e circulada, e explica como e por que os significados culturais e suas expressões visuais surgem historicamente. No quadro teórico do capítulo seguinte trataremos de precisar uma abordagem sociossemiótica que abrange o signo como um todo.

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2. Semiótica Social e Análise Telefílmica: o quadro teórico

2.1. Metodologia

A análise de filmes pode ser feita por uma ampla variedade de métodos (perspectivas temáticas, centradas no autor, psicanalíticas, estruturalistas e semióticas) que, além de oferecerem interessantes contribuições, todos eles tendem a se preocupar com o estabelecimento do que o filme, em última instância, está tratando, isto é, seu conteúdo. Dentre tais, o foco metodológico aqui destacado é a Semiótica Social, cuja preocupação está na forma como se constroem significados na comunicação humana e, concretamente, no uso que as pessoas fazem dos recursos semióticos para criar atos comunicativos.

A Semiótica Social tem origem em Halliday8 (1982). Nessa obra ele afirma que, além da linguagem como sistema e como instituição, há um conceito unificador e mais geral, chamado de linguagem como semiótica social: a linguagem no contexto da cultura como sistema semiótico. Dessa forma, um discurso é um texto em situação, ou seja, é construído sob certas condições socioculturais. Para interpretar esse discurso, temos que vinculá-lo ao sistema: (i) linguístico, que ajuda explicá-lo, e ii) ao contexto social, e, mediante ele, ao sistema social.

A Semiótica Social prevê outros modos de comunicação além dos puramente verbais e situa os atos de significação em seu contexto sociocultural e ideológico concreto: todo suporte comunicacional, ao ser utilizado, é motivado socialmente e em consonância com a história e a cultura. Ela promove uma análise detalhada, baseada numa práxis situada, onde uma das vantagens reconhecidas é que o ponto de vista do analista provavelmente guiará as suas interpretações, numa relevância sociopolítica.

8 Por questão de acessibilidade, aqui utilizamos a versão espanhola. No entanto, a versão original, em inglês, é de 1978. As duas estão nas referências bibliográficas. 48

Van Leeuwen (2005) afirma que a Semiótica Social propõe que os recursos utilizados para significar correspondem aos modos semióticos disponíveis em cada cultura, os quais são convencionalizados, da mesma forma que a língua, para criar significados. Assim, não se fala de regras e códigos, mas de práticas e recursos, já que os recursos utilizados para construir significados não são fixos nem estáveis e englobam as comunidades e suas formas de atuar, participar e comunicar. Isso ocorre em todos os âmbitos comunicativos seja a música, a arte, a publicidade ou o cinema. As pessoas que comunicam, em cada âmbito, podem escolher entre as opções que são oferecidas por sua cultura para significar, em determinados contextos e com distintas finalidades. A Semiótica Social possibilita um ponto de vista diferente do monomodal, propondo que a comunicação e representação são inevitavelmente multimodais. Para Carmo (2014, p. 92):

A diferença, então, está na proposta da Semiótica Social em ver o signo como sinais sociais situados numa cultura, motivados pelas necessidades dos produtores de mensagens, sinais estes capazes de apontar a direcionalidade das mensagens, uma vez que participam da materialização de discursos no seio da sociedade.

Iedema (2001) nos mostra que uma análise sociossemiótica dos traços visuais, linguísticos e sonoros pode revelar como é que em um filme são construídos e reforçados os ―efeitos de verdade‖ de pontos de vista particulares. A análise sociossemiótica permite ao analista ver o ―esqueleto‖ do filme, seus detalhes específicos, permitindo-o interagir com este meio de comunicação, de forma sistemática e informada. Por fim, em contraste com a semiótica tradicional, a Semiótica Social não foca nos signos, mas no significado social e no processo inteiro (―o texto‖). O signo é apenas uma categoria analítica; o texto, ao contrário, é uma categoria social, definida como sendo a manifestação semiótica dos processos sociais materiais. A teoria de Iedema (2001) deriva das teorias fílmicas de Bordwell (1989), Nichols (1981, 1991) e Metz (1974) e do enfoque sociossemiótico de matriz linguística sistêmico-funcional de Halliday (1973, 1978, 1994), Hodge e Kress (1988), Kress e Van Leeuwen (1990, 1996) e Van Leeuwen (1999).

A Semiótica Social é definida por Hodge e Kress (1988) como o estudo da semiose humana, que concebe a criação de significado como um fenômeno inerentemente social e focaliza os sistemas semióticos humanos, seus recursos, funções, contextos e efeitos. Neste contexto, a linguística seria uma espécie de 49 semiótica, já que constitui um aspecto do estudo do significado. Uma vez posto o conceito de Semiótica Social é importante definir como sua análise acontece num filme. É necessário ter em mente que um filme é uma abstração do tempo e espaço: ele mostra, dentre outras coisas, aquilo que é considerado artisticamente ou logicamente relevante. Logo, o que um filme mostra é necessariamente menos e diferente daquilo que aconteceu na vida real, cuja ―construção‖ de seu roteiro se dá através do uso de técnicas especializadas, que suavizam as lacunas deixadas pelas mudanças de perspectiva, de maneira a naturalizar a forma da sequência editada (edição de continuidade). Isso implica no modo como os espectadores veem esta realidade construída.

Uma vez considerada esta característica inerente aos filmes, Iedema (2001) propõe seis níveis de análise de filmes, detalhando como seus aspectos visuais, linguísticos e sonoros são interpretados e o que cada análise pode revelar. A seguir, o quadro 1 mostra os seis níveis de análise, trazendo consigo categorias analíticas comumente usadas na teoria do filme (quadro, tomada, cena, sequência) com categorias usadas na análise de gênero (estágio, estilo).

Nível Descrição

1. Quadro Um quadro é uma foto representativa ou importante da tomada.

2. Tomada Numa tomada o movimento da câmera não é editado; se a posição da câmera muda, isto ocorre graças à panoramização, gravação, enquadramento, etc., mas sem edições.

3. Cena Numa cena, a câmera permanece num mesmo espaço-tempo, mas é ao mesmo tempo composta de mais de uma tomada (do contrário seria uma tomada).

4. Sequência Numa sequência, a câmera move-se com atores específicos ou subtópicos através do espaço-tempo; quando é difícil decidir se você está lidando com uma cena (um espaço-tempo) ou uma sequência (múltiplos espaços-tempos), isto é porque os editores podem tornar as quebras do espaço-tempo tanto quanto mais óbvias (limite de sequência) como menos óbvias (limite de cena). 50

5. Estágios Aproximadamente, os estágios são inícios, meios e fins; cada gênero tem um genéricos conjunto específico de estágios: narrativas tendem a ter uma orientação, uma complicação, uma resolução e talvez uma coda9. Gêneros factuais ou expositores podem ter uma introdução, um conjunto de argumentos ou fatos e uma conclusão, ou uma introdução e uma série de fatos ou rotinas.

6. O trabalho Dependendo de níveis menores, o trabalho será melhor ou pior classificável como como um um gênero particular; a distinção primária está entre ―narrativo‖ (gêneros todo ficcionais, dramáticos) e ―factuais‖ (gêneros expositores, temáticos, orientados a um assunto); gêneros são relações previsíveis entre as ordens social-cultural, industrial-econômica e simbólica-mítica.

Quadro 1. Seis níveis de análise de filmes. Adaptado de Iedema (2001, p. 189).

Em conjunto com os seis níveis anteriormente expostos, a análise sociossemiótica trabalha ainda com outra ferramenta: a hipótese que toda construção de significado sempre executa três funções abrangentes, ou metafunções, que são: (1) a representação, (2) a orientação e (3) a organização. Sobre a representação, ela considera os significados na medida em que eles nos dizem alguma coisa sobre o mundo nele tratado. A orientação tem a ver com a posição dos significados dos atores e dos leitores-telespectadores. Por último, a organização preocupa-se com a forma como os significados estão sequenciados e integrados na dinâmica do roteiro.

A Gramática da Cor, como proposta por Kress e Van Leeuwen (2002), poderá contribuir quando da análise das cores presentes nos quadros, embora não seja nosso foco principal. Para esses autores, as cores que aparecem em um texto, inclusive nas vestimentas, são usadas para intensificar determinadas características das pessoas representadas. A seleção de cores normalmente produzirá um impacto nos sentimentos do leitor/espectador, implicando uma resposta emotiva. De acordo com as necessidades comunicativas, o produtor do discurso lançará mão dessa ou daquela cor, respeitando normas implícitas ou explícitas de um dado contexto. Em outros casos, por exemplo, na produção e interpretação da Arte, a escolha da matiz será relativamente livre. No Cinema, a interpretação será guiada pelo universo vivencial do espectador. É sabido que crianças têm predileção por objetos

9 Cf. ―The coda – which does not always occur – moves from the time of the story to the time of the telling of the story, and provides the story’s relevance for the storyteller and the listeners or readers.‖ (VAN LEEUWEN, 2005, p. 281). Tradução nossa: ―A coda – a qual nem sempre ocorre – se move a partir do tempo da história para o tempo da narração da história, e fornece a relevância da história para o contador da história e os ouvintes ou leitores.‖ 51 multicoloridos, assim, a indústria cinematográfica de animação responde a esse público com filmes com cores nítidas e vivas.

2.2. Procedimentos

Assistimos a toda a filmografia acessível de Almodóvar (03 curtas-metragens e 19 longas-metragens), com maior cuidado observacional dedicado à produção da Movida madrileña, no intuito de perceber as marcas do sagrado. Encontramos material analisável em Entre tinieblas (1984), Matador (1985-1986) e La ley del deseo (1986). Em relação à quantidade de quadros por segundo, os filmes que pretendemos analisar estão divididos da seguinte maneira: Entre tinieblas (24), Matador (25) e La ley del deseo (24). Sabemos disso através de programa de computador que decodificou os filmes e nos forneceu todos os quadros.

Para obtermos os quadros dos filmes, fizemos uso do programa Free Video to JPG Converter10, disponível na rede mundial de computadores. É uma aplicação gratuita para Windows que possui a capacidade de extrair quadros de um vídeo ou filme e salvá-los como imagens do tipo JPG. Feito o download do programa e instalado, bastou clicar no botão ―Adicionar Arquivos‖, escolher o arquivo referente ao filme. Na sessão ―Extrair‖, informamos como queríamos a extração dos quadros (imagens). Fizemos a opção de gerar imagens de todos os quadros do filme. Em seguida, na sessão ―Salvar em:‖, indicamos a pasta onde os arquivos foram salvos. Por último, ao clicar no botão converter, as imagens foram geradas à medida que o arquivo foi sendo analisado pela ferramenta. Dessa forma, foram extraídas 143.639 imagens de Entre tinieblas; 152.145 imagens de Matador e 145.945 imagens de La ley del deseo. Das imagens obtidas, pretendemos analisar 10 de Entre tinieblas, 03 de Matador e 06 de La ley del deseo. Chegamos a essas imagens depois de assistirmos aos filmes várias vezes e, através da checagem manual do corpus de imagens gerado, as escolhemos por serem elas representativas da relação entre o sagrado e a desconstrução promovida pela Movida madrileña, indo ao encontro dos objetivos propostos para essa dissertação.

10 Para maiores informações sobre o programa é útil consultar: http://www.techtudo.com.br/tudo- sobre/free-video-jpg-converter.html 52

Para além do recorte dos quadros, fizemos a transcrição linguística das falas presentes nas cenas das quais retiramos os quadros. Assistimos cena a cena, ouvindo o que os personagens falavam, identificamos tais personagens e transcrevemos aquelas falas que tinham relação com os propósitos dessa pesquisa. Não pretendemos recortar uma categoria linguística específica, mas a análise das categorias produtivas em função dos objetivos da pesquisa e do processo de representação de desconstrução do sagrado, marcados no texto. Aquelas palavras ou sintagmas que têm relação direta com nossos objetivos estão marcados em negrito. Assim, observaremos e explicaremos como tais falas, no texto fílmico, constroem ―realidades‖. No próximo capítulo apresentaremos e analisaremos as imagens e as falas.

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3. Desconstrução do sagrado: análise dos dados e discussão dos resultados

3.1. Introdução à análise

Por exercício de lógica, percebemos que só existe o 1 (um) em estado puro na Natureza, logo, as derivações dele são produto de nossa capacidade intelectual. Se dissermos que determinado filme é composto de três sequências, queremos dizer que é composto de 1+1+1 sequência, ou seja, um conjunto de sequências. O fato de afirmar que existem três sequências é pura atividade intelectual de nossa capacidade de compor conjuntos. No entanto, essa ideia não é nova: os matemáticos da teoria dos conjuntos já a afirmaram. Mas o que importa aqui é utilizarmos de tal lógica para analisarmos filmes. Para tanto, precisamos decompor o filme em unidades necessárias para a compreensão do processo. Filmes geralmente contêm entre 23 e 25 quadros por segundo, pois segundo Fernandes, Lemos e Silveira (2004, p. 8), ―para que o olho humano perceba a sensação de movimento nos objetos contidos em uma cena são necessárias pelo menos 15 imagens por segundo [...]‖.

Voltando ao raciocínio anterior, da existência apenas do um na Natureza, e por Natureza consideramos aqui a realidade como ela nos apresenta, seja criada pelo ser humano ou não, logo, o filme é Natureza, e temos o hábito, devido ao pensamento por conjuntos, de considerar o filme como uma unidade inteira, o que é meia verdade. Sim, porque o filme em si, enquanto não lido, pode até ser uma unidade inteira, mas quando é lido por nós – termo emprestado de (TURNER, 1997) – se apresenta como um conjunto de quadros que compõem tomadas que por sua vez constituem cenas que são partes de uma sequência que juntas dão ideia do estágio do filme e que em conjunto nos aponta o gênero fílmico. Dessa forma é um 54 filme fragmentado em unidades, por nós, na intenção de compreendermos o seu significado.

Agora vejamos em termos linguísticos como um filme representa algo. Seguindo o raciocínio de Turner (1997), percebemos que o filme é uma unidade narrativa. E de acordo com Iedema (2001), podemos analisar um filme fazendo uso de seis níveis, a saber: quadro, tomada, cena, sequência, estágio e gênero. Ora, ao fazermos uso das afirmações dos dois pesquisadores, temos que um filme pode ser analisado por suas partes. Se o lemos como uma narrativa, percebemos que ela é composta de enunciados e num nível mais elementar, de palavras. E ainda conforme Iedema (2001), a Análise Telefílmica e a Semiótica Social procuram focalizar o texto (o processo inteiro) e não apenas o signo, como sói ocorrer com a semiótica tradicional.

Assim, ao decompormos um filme em quadros, analogamente podemos dizer que produzimos um corpus de palavras significativas de uma obra, visto pelo viés multimodal, esse é apenas um dos códigos semióticos utilizado. O nível de significância de cada unidade diz respeito à marca do sagrado que o quadro traz em si, podendo ser traduzido por uma imagem, um sino, uma igreja ou outro objeto que nos remeta à ideia de sagrado. Cada quadro só faz sentido por estar inserido numa cadeia de quadros que juntos produzem um significado. Se Almodóvar pretendeu contar uma história, não estamos interessados nela como um todo, antes, estamos em busca de perceber como é feita a representação do sagrado através dos efeitos de sentido produzidos. Assim, faremos análise nos seis níveis da análise telefílmica proposta por Iedema (2001) e demonstraremos como as metafunções são convocadas para produzir significado.

Dividida em três partes, a análise a seguir será segmentada didaticamente de acordo com a cronologia filmográfica de Almodóvar na Movida madrileña. Na primeira parte, mais extensa, dada a quantidade de imagens que pretendemos analisar, abordaremos o sagrado em Entre tinieblas (1983) através de 10 imagens. A segunda parte, menos extensa de todas, analisará o sagrado em Matador (1985- 1986) por meio de 03 imagens. Por fim, a terceira parte será composta pela análise de 06 imagens do filme La ley del deseo (1986).

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3.2. O sagrado em Entre tinieblas

Para contextualizar, apresentamos o cartaz do filme, bem como uma sinopse detalhada:

Figura 1. Cartaz de Entre tinieblas

Yolanda Bell, [sic] uma jovem cantora de boleros, viciada em drogas, imprudente e ambígua, vê morrer seu namorado Jorge, de uma overdose de heroína com estricnina que ela mesma lhe aplicou. Mantinham uma relação de mútua aniquilação e de forte dependência. Assustada, decide desaparecer. Refugia-se no convento das Redentoras Humilhadas, cuja Madre Superiora declara sua admiração por Yolanda numa noite em que foi vê-la cantar no Molino Rojo. As Redentoras Humilhadas dedicam-se há anos ao apostolado entre jovens de vida desregrada. Nos últimos tempos, a comunidade vive momentos de crise, não conseguem redimir nenhuma jovem. Yolanda, no entanto, é muito bem acolhida. Especialmente pela Madre Superiora, uma mistura de São João Bosco e Jean Genet, cuja fascinação pelo mal faz com que seja companheira e cúmplice de todas as pecadoras que passaram pelo convento. Yolanda se deixa envolver pela Superiora. Repete com ela o mesmo jogo de autodestruição que mantinha com Jorge, jogo em que a heroína não está ausente… Os membros da comunidade, cinco freiras e um capelão, perdidos no deserto do grande convento, seguem evoluindo sem perceber a estranha autonomia que terão que defender diante da ordem estabelecida pela Madre Geral, máxima autoridade da Congregação. Uma festa em homenagem à Superiora, para qual são convidadas freiras de outras comunidades, acabará convertendo- se em uma autêntica batalha. (COUTINHO; GOMES, 2011, p. 64-65)

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3.2.1. Abertura

Entre tinieblas (1983) é o primeiro filme de Almodóvar do período da Movida madrileña que faz referência ao sagrado. Assim, por meio da Análise Telefílmica, atentaremos ao modo como Almodóvar representa o sagrado nesse filme. As marcações simbólicas do sagrado já nos mostram os créditos do filme, ao apresentar em forma de cruz as letras ―t‖. A escolha dos quadros analisados se baseou na sequência narrativa do filme em que havia contraste entre o sagrado e o profano, ou seja, as imagens que mostram a relação da cantora de cabaré – Yolanda Bel – com a comunidade das Redentoras Humilladas.

A produtora Tesauro S.A, anunciada no início, nos indica que é um filme de produtor. De acordo com Almodóvar em Strauss (2008), esse foi um filme feito sob encomenda. O produtor Luis Calvo era na época um homem muito rico na Espanha e casado com a atriz Cristina Sánchez Pascual. Assim, ele criou a produtora Tesauro que incentivaria cineastas a criarem filmes nos quais a sua esposa pudesse atuar. Desse modo, ele encomendou um filme a Almodóvar que prontamente aceitou o pedido, seria o primeiro filme com produtor e isso é sinônimo de mais dinheiro para produzir filme. O papel que Cristina tem no filme a possibilita explorar bem o seu potencial artístico, pois ela irá interpretar uma cantora de cabaré.

Figura 2. Quadro 1 de Entre tinieblas 57

Na figura 2, o título em escrita vermelha e azul sobre o fundo negro nos dá pistas do que nos espera: uma mistura de gêneros de comédia e drama. O significado da cruz no meio das trevas aponta o tema sagrado. A fotografia por trás do título é a representação de uma cidade escura: Madrid ao anoitecer. O humor negro já pode ser pressentido no jogo de imagem e palavra. O preto, o vermelho e o azul podem significar, respectivamente, luto, perigo e tranquilidade, de acordo com Kress e Van Leeuwen (2002). É o que vemos já no início do filme: Jorge, o namorado de Yolanda morre após uma injeção de heroína e estricnina (perigo) e ela autoacusa de tê-lo ―suicidado‖ (luto) e busca refúgio em um convento de freiras (tranquilidade).

Em outro quadro, que faz parte dos anexos, o ―t‖ em forma de cruz, da palavra actuación, anuncia os nomes das atrizes que participarão do filme. A sequência de nomes femininos enfatiza que a obra será composta quase que exclusivamente por mulheres. E quando vemos o filme, como um todo, podemos perceber que o papel que os homens desempenham no filme é bem reduzido, mostrando assim, uma das características do diretor em ter em seu plantel mais atrizes que atores. Também diz respeito ao espaço social em que a trama se desenvolve: um convento de freiras. Historicamente sabemos que tais religiosas cristãs levam uma vida de reclusão em determinadas instituições o que as deixam longe do contato com seres humanos do sexo oposto, que na Espanha, foi intensificada no governo de Franco. Só duas personagens possuem ―t‖ nos nomes, curiosamente são as duas atrizes que desenvolvem os papéis principais do filme: Cristina S. Pascual e . São as duas representantes do profano e do sagrado, como pode ser visto nos quadros em anexo. 58

3.2.2. O convite

Figura 3. Quadro 2 de Entre tinieblas

A figura 3 foi retirada da cena que se inicia em 07:36, quando Yolanda, fugindo do local da morte do seu namorado, pára em um Café, e encontra um cartão de visitas em sua bolsa. Como pode ser lido na imagem, se trata de um convite de uma comunidade de freiras, com endereço em Madrid. O texto abaixo do título é uma alusão ao texto de Jesus no Evangelho Segundo São Mateus (11,28), quando disse: ―vinde a mim, vós todos que estais cansados sob o peso do fardo, e eu vos darei descanso.‖ Aqui o diretor faz uma intertextualidade com o texto das Escrituras cristãs. É exatamente o que Yolanda busca: refúgio. Com uma vida conturbada, na movimentada Madrid da Movida, Yolanda vê a entrada no convento como uma possibilidade de descanso ou mesmo de esconderijo, pois mais à frente, quando ela já adentra ao convento, ela afirma à Madre Superiora que não sabe quanto tempo passará ali.

Nessa passagem, Almodóvar representa bem o modo de vida da juventude da Movida, regrada a muitas festas e drogadição. É uma Espanha jovem que ainda não sabe bem o que quer do futuro. Assim, as muitas possibilidades estavam presentes nas vidas desses jovens madrilenos. As mudanças de rumo eram constantes. Dessa forma, tanto ser professora de ciências naturais, quanto ser cantora no Molino Rojo e até mesmo ser reclusa de um convento no centro de Madrid, era uma possibilidade para Yolanda. Numa sociedade desconstruída, 59 assumir qualquer identidade que se apresenta é uma possibilidade. De acordo com Lechado (2005), para a geração protagonista da Movida, esse foi um período que apresentou um fenômeno massivo de maturidade, ou talvez, enquanto chegava à maturidade – antes de produzir a inevitável podridão – levaram ao extremo o lema clássico de Sexo, drogas e rock and roll.

Figura 4. Quadro 3 de Entre tinieblas

Na figura 4, retirada da cena 1, que começa em 08:01, fazendo uso de recurso narrativo, o filme evoca uma lembrança de Yolanda, quando recebeu o seu primeiro pedido de autógrafo. Seria só mais um pedido se não fosse a enunciadora dele. Separamos uma narrativa:

Cena 1 Locutora Narrativa 08:01 Madre Superiora (MS) MS: ¡Soy una gran admiradora suya!

Na imagem, composta por Yolanda, a Madre Superiora e Sor Perdida, presenciamos o pedido de autógrafo. Ele provém da Madre Superiora, como a fala descrita anteriormente demonstra. Chama-nos a atenção o fato de uma freira frequentar o Molino Rojo – lugar da boemia madrilena – e ainda pedir um autógrafo à cantora que se apresentava naquele lugar, dizendo que é uma grande admiradora dela. Isso mostra o sagrado permeado pelo profano. Os lugares tradicionalmente 60 dedicados a cada faceta são rompidos nesse discurso. Na mesma cena, é possível ver um pôster do artista Mick Jagger, uma cantora em seu camarim e duas religiosas. Pensamos que a representação fílmica de tal acontecimento só foi possível graças à queda da ditadura de Franco, que apoiava a Igreja e por essa era apoiada, delimitando o comportamento de seus fiéis, pois de acordo com Lechado (2005), a Movida representou a promoção de um presente cheio de liberdades em resposta aos quase quarenta anos de restrições. Assim, romper com comportamentos pré-determinados era uma possibilidade real, como Almodóvar pretende mostrar em Entre tinieblas e outros filmes do período.

3.2.3. A estadia de Yolanda no convento

Figura 5. Quadro 4 de Entre tinieblas

A figura 5, retirada da cena 2, que se inicia em 13:55, nos mostra Yolanda chegando ao convento, mais especificamente na capela. Na imagem podemos ver Yolanda adentrando ao ambiente envolta numa radiante luz e a Madre Superiora posicionada frente a ela. Fernandes (2007, p. 32) interpreta o evento afirmando que ―essa cena se assemelha à descrição bíblica da chegada de Jesus Cristo entre os homens. Enquanto todos esperavam pela sua vinda na pessoa de um rei ou sacerdote, Deus o enviou ao mundo por meio de uma filha de camponeses, para nascer pobre e, com isso, ensinar aos poderosos a humildade.‖ De acordo com Fernandes (2007), Yolanda seria a salvadora da comunidade religiosa. De nossa 61 parte, pensamos não haver materialidade semiótica suficiente para sustentar tal interpretação. Embora a passagem narrativa separada seja uma música cantada em louvor a Jesus, como pode ser visto passagem seguinte:

Cena 2 Locutoras Narrativa 13:55 Madre Superiora (MS) Todas (cantando): Sor Víbora (SV) Dueño de mi vida Sor Perdida (SP) vida de mi amor, Sor Rata de Callejón (SR) ábreme la herida Sor Estiércol (SE) de tu Corazón.

No excerto, a música usada por Almodóvar faz parte do cancioneiro católico de louvores. Assim, traz um caráter de ―fidedignidade‖ ao elemento representado. Ele poderia ter utilizado uma música artificial, ou seja, composta para esse fim, mas percebe-se que ele optou por lançar mão da tradição musical católica para fortalecer o seu argumento. Na narrativa percebemos que Jesus, como dono da vida daquelas freiras, que abre a ferida do seu coração a elas, está presente no imaginário da comunidade. Adiante, na próxima imagem, veremos que o símbolo da entidade é exatamente um coração. Também, no cartaz utilizado para divulgar a obra, podemos ver esse mesmo coração cravado de agulhas. Agulhas essas que eram utilizadas pela Madre Superiora para injetar drogas em sua corrente sanguínea.

Figura 6. Quadro 5 de Entre tinieblas 62

O quadro anterior, a figura 6, foi retirado da cena 3, que se inicia em 15:37 e mostra a chegada de Yolanda no quarto de hóspedes do convento das Redentoras Humilladas. O ambiente é todo decorado com motivos religiosos, principalmente quadros da Virgem Maria. A Madre Superiora conduz Yolanda, dando-lhe as boas vindas ao convento. Ela pretende ser toda cortês à hóspede. A narrativa a seguir nos dá ideia dessa recepção calorosa da fã (Madre Superiora) à idolatrada (Yolanda Bel):

Cena 3 Locutoras Narrativa 15:37 Madre Superiora (MS) MS: Es nuestra suite de hospede. Espero que esté cómoda. Yolanda Bel (YB) YB: Sí, está muy bien. MS: Si no te gusta, lo quitamos y ponemos un póster de Mick Jagger.

Podemos perceber na fala da Madre Superiora que ela pretende criar um ambiente propício a Yolanda. Assim, ela deseja trazer elementos do mundo lá fora, onde vive Yolanda, para o interior do convento. Aqui, quando propõe substituir o quadro da Virgem pelo de Mick Jagger, a Madre Superiora mostra o diálogo entre o mundo de reclusão e o ambiente de efervescência da Movida. Mick Jagger, um ícone do rock, ritmo que esteve presente de forma marcante na Espanha pós- franquista, é convocado a substituir um ícone religioso que predominou no imaginário da Espanha da ditadura. Além disso, Almodóvar remete ao quadro apresentado anteriormente sob o nome de figura 4, que mostra Mick Jagger num pôster no camarim de Yolanda. Com isso, a Madre Superiora pretende tornar o quarto de hóspede uma espécie de camarim para a sua diva. 63

Figura 7. Quadro 6 de Entre tinieblas

Na figura 7, retirada da cena 4, que se inicia em 23:00, temos a representação imagética de Yolanda conversando com mais uma integrante do convento: a Sor Rata de Callejón. Uma imagem da Virgem Maria aparece entre as duas, como testemunha do diálogo que estabelecem. Sor Rata de Callejón tem nas mãos o vestido de Yolanda, de um tecido vermelho vivo, o qual abraça como a um ser humano. Na cena 4 elas estabelecem o seguinte diálogo:

Cena 4 Locutoras Narrativa 23:00 Sor Rata YB: ¿Sí? de Callejón SR: Hola, soy Sor Rata de Callejón. Tenía ganas de conocerte. ¿Te gusta (SR) pintar? Yolanda YB: Por pasar el rato. Bel (YB) SR: Esto es el cuadro que dejó Virginia sin terminar. YB: ¿Quién es Virginia? SR: La hija de la Marquesa. Estuvo aquí cuando se fundó el convento. Su padre, el Marqués, le puso esta habitación toda, toda toda igual que la de su casa. Para que no echara nada de menos. Pero ella no quería nada que le recordara a su padre, al contrario, le huía. YB: ¿E dónde está ahora? SR: Se fue a África y allí se la comieran los caníbales. Pero hablemos de otra cosa. A ver... Sé que eres cantante. Me gusta que hayas venido. No he conocido nunca a una cantante. Yo cuido el huerto. Me paso el día allí, ven a verme. YB: Estupendo, me encantan las plantas, porque antes de ser cantante yo he sido profesora de Ciencias Naturales. SR: Pues no lo pareces. Oye, pues a mí las plantas no me gustan. Me aburro con ellas. Además, es mentira de que se comunican con nosotros. No, no, no fumo. Te voy a dejar un libro que tengo, por si te aburres. Concha Torres. Rompe el papel. YB: “Largo de aquí, canalla”. 64

SR: Sí, me encanta la literatura sensacionalista. YB: Y a mí también. SR: No se lo diga a nadie, es un secreto. Si alguna vez te lo encuentran di que los has traído tú. YB: Vale. SR: Me voy que tengo mucha prisa.

O que podemos perceber no discurso apresentado é uma apresentação do ambiente, feita por Sor Rata de Callejón, nome um tanto quanto diferente, que será problematizado em quadro posterior. Ela diz que o quarto era ocupado por Virginia e diz que era filha do Marquês e da Marquesa. Isso mostra que a alta sociedade teve presença marcada na história do convento. A filha, de nome Virginia, também remete ao significante Virgem e mostra a relação que existia entre integrantes da alta sociedade espanhola e a Igreja Católica: os pais que criam filhos moldados de acordo com preceitos cristãos a ponto de mantê-los internos em conventos para atender a desejos particulares. Isso nos remete à seção dessa dissertação em que abordávamos o crescimento das instituições católicas femininas na ditadura de Franco, como apontado por Casanova (2001).

Também percebemos a negociação de identidades. Sor Rata de Callejón diz do seu desejo de conhecer uma cantora. Quando Yolanda disse que além de cantora é também professora de ciências naturais, Sor Rata de Callejón discorda dessa nova imagem apresentada. Por outro lado, ao entregar um livro com título sugestivo de literatura sensacionalista, mostra que é uma freira que tem um gosto literário que transcende a imagem que a estereotipia do senso comum possa fazer de uma freira. Mais à frente, descobrimos que a escritora da literatura pornográfica é a própria freira, que sob o hábito de freira, esconde a autora sensacionalista Concha Torres, considerada por Gabriel García Márquez um fenômeno social. Almodóvar joga com a imagem das personagens: uma cantora de cabaré pode muito bem ser uma professora, como uma freira pode ser autora de pornografia. A chave de leitura do ―como se‖ pode ser aplicada aqui. O efeito de sentido produzido é como se fosse perfeitamente natural que a história se passasse assim. 65

Figura 8. Quadro 7 de Entre tinieblas

Quando Iedema (2003) apresenta o conceito de ressemiotização para significar a convocação de um signo para receber outro significado, podemos perceber que o quadro mostrado na figura 8 cumpre tal propósito. Na imagem que foi retirada da cena 5 que inicia aos 29:07, temos uma representação da representação da Santa Ceia e uma composição fotográfica que repete o signo representado. Ou seja, a reunião de freiras, junto a Yolanda, na mesa de jantar compõe um quadro semelhante ao da Santa Ceia que decora a parede atrás da mesa posta. Como o discurso que Jesus apresenta na Santa Ceia, a Madre Superiora também apresenta o seu, e assim podemos perceber na narrativa a seguir:

Cena 5 Locutora Narrativa 29:07 Madre Superiora (MS) MS: Además del apostolado, una de las bases de nuestra comunidad es la mortificación y la humillación. Por eso llevamos nombres que te parecerán estrambóticos: Sor Estiércol, Sor Rata de Callejón, Sor Perdida y Sor Víbora. El hombre no se salvará hasta que no comprenda que es el ser más despreciable de la creación.

No discurso, a Madre Superiora apresenta as razões que sustentam a existência do convento. Falando em mortificação e humilhação como modos de vida, explica a origem dos nomes das integrantes, que numa tradução livre, teria mais ou menos essa semântica: Irmã Esterco, Irmã Rata de Esgoto, Irmã Perdida e Irmã 66

Víbora. Ao aceitar tais significantes, as freiras mostram o lugar que lhes designam entre as humilhadas, título da instituição. Cada freira tem um comportamento tido como pecaminoso pelos ditames oficiais da Igreja Católica: Sor Rata de Callejón é escritora de literatura pornográfica; a Madre Superiora é viciada em drogas; Sor Víbora é estilista das Virgens – costurando-lhes vestidos de acordo com a ocasião – e mantém uma relação quase marital com o padre da instituição semelhante a uma personagem do filme Seijû gakuen (1974); Sor Estiércol mantém um relacionamento de mãe-filho com um tigre e Sor Perdida, além dos ácidos que consome, considera- se como uma criminosa que matou o marido, remetendo-nos a uma personagem do filme Les anges du péché (1943) de , que também assassina o marido e entra para o convento. Almodóvar apresenta, assim, diálogo com outros cineastas, principalmente aqueles que fizeram filmes nos moldes Nunsploitation (gênero surgido na Europa na década de 1970 e que mostrava freiras em situações de pecado).

Figura 9. Quadro 8 de Entre tinieblas

Na figura 9, retirada de uma cena que se inicia em 33:32, podemos perceber a Madre Superiora aspirando uma carreira de cocaína sob o olhar atento de Yolanda Bel. O ambiente é o escritório da Madre Superiora e, como a maioria dos cenários almodovarianos, repletos de bugigangas, crucifixo, bichos de pelúcia até fotos de grandes atrizes do século XX. A mescla entre sagrado e profano é mostrada com 67 veemência nesse quadro. Sob os olhos do Cristo na cruz, a Madre Superiora cheira uma generosa carreira de cocaína. No entanto, o comportamento dela respeita uma ética própria, como ela propõe no discurso a seguir:

Cena 6 Locutoras Narrativa 33:32 Madre MS: Son algunas de las grandes pecadoras de este siglo. Te preguntarás Superiora que hacen aquí. (MS) YB: Pues sí. Yolanda MS: En las criaturas imperfectas es donde Dios encuentra toda su grandeza. Bel (YB) Jesús no murió en la cruz para salvar a los santos, sino para redimir a los pecadores. Cuando me miro a algunas de esas mujeres, siento hacia ellas una enorme gratitud, pues gracias a ellas, Dios sigue muriendo y resucitando cada día.

A Madre Superiora explica a Yolanda a presença de todas as imagens de atrizes na sua parede, as quais ela denomina como as grandes pecadoras do século. Com uma teologia bem peculiar, ela diz que graças a elas Deus continua morrendo e ressuscitando a cada dia. Seria uma teologia que fugiria aos preceitos da instituição católica moderna, mas se observarmos a lógica apresentada pela madre, percebemos que ela contém um discurso bem evangélico, no sentido de que Jesus morreu pelos pecadores e não pelos santos. A humanização do pecado, proposta aqui por Almodóvar, não parece diminuir o papel que a religião tem na vida das pessoas, antes, mostra uma religião antropomorfizada em que a vida de pecado é só mais uma face do ser humano.

Podemos observar na imagem da freira aspirando uma carreira de cocaína e venerando ―as grandes pecadoras do século XX‖ o sagrado em sua outra vertente, como afirma Huxley (1977). Assim, há uma inversão nos polos da valência do oximoro comportado pelo sagrado. Mais que uma profanação, há uma nova forma de enxergar a realidade religiosa. Diferentemente daquela que foi construída no mundo ocidental judaico-cristão em que a santidade pessoal deve ser preservada a qualquer custo, essa nova velha forma valoriza o ser humano em sua ―antropocentridade‖ que é prenhe de prazeres. É uma desconstrução justamente porque reapropria de formas suportadas pelo sagrado no passado, especialmente nos textos evangélicos, que foram dissimuladas ao longo da história, em prol da sobrevivência das instituições religiosas, bem claramente, a Igreja Católica.

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Figura 10. Quadro 9 de Entre tinieblas

Numa cena repleta de elementos semióticos, a que começa em 42:35, pudemos capturar um quadro bastante significativo. Trata-se da figura 10. Nela temos três personagens: o padre, Yolanda e Sor Víbora. É o ateliê de moda do padre e de Sor Víbora. Além de padre, ele atua como alfaiate para os cortes de Sor Víbora. Yolanda faz uma visita a eles, em seu local de trabalho, e fica encantada com a produção deles. Eis o diálogo dos personagens:

Cena 7 Locutores Narrativa 42:35 Padre (PA) PA: Son trajes para las Vírgenes, diseñados por Sor Víbora. Sor Víbora (SV) YB: Es un alucine, de verdad. Yolanda Bel (YB) SV: ¿Alucine? YB: Sí. SV: ¿Eso quiere decir que te gustan? YB: Muchísimo. SV: Los cosieran las redimidas. Para nosotros tiene un gran valor sentimental. El culto de la iglesia ha evolucionado en todo menos en el aspecto de sus imágenes. Y yo creo que el elemento ornamental está muy vinculado a la piedad. PA: Sor Víbora ha diseñado a las Vírgenes un modelo para cada temporada. Estos son los de otoño-invierno. SV: Hay que adaptarse a la época en que vivimos, ¿no crees? YB: Sí. SV: Lurex, manto morado de lurex con tocado también de lurex. PA: ¿Y falda? SV: Falda Valencienne. Plata y oro... Para la Virgen de los Desamparados. YB: ¡La Virgen de los Desamparados! SV: De la cual soy muy devota. YB: Mi madre también lo era. SV: El próximo año se van a llevar mucho los tejidos metálicos. 69

O discurso de modernidade está presente no diálogo apresentado. A freira e o padre, que têm grande apreço pela moda, utilizam o espaço do convento para realizarem seus desejos. Ali eles cortam e costuram indumentárias para as muitas imagens da Virgem Maria. É uma forma de realizar o desejo através do objeto. Para isso Almodóvar mostra no discurso de Sor Víbora sua percepção quanto à Igreja Católica da década de 1980, dizendo que evoluiu em tudo menos no aspecto imagético. E diz mais: há que adaptar-se ao seu tempo. Ou seja, é preciso desconstruir o lugar de distanciamento do mundo o qual a Igreja manteve ao longo de seu percurso e não apenas na ditadura franquista. Apesar da abertura para a sociedade do seu tempo, promovida pelo Concílio Vaticano II, a Igreja ainda mantém-se aquém dos avanços promovidos pelas mudanças sociais. A Igreja resiste em acompanhar tais mudanças, mas o discurso do filme vem quebrar essa lógica que pode parecer inexorável. Outro contraste também é percebido quando a freira afirma: ―Prata e ouro para a Virgem dos Desamparados‖. As cores prata e ouro como significantes de riqueza são utilizadas para adornar justamente aquela Virgem que acode aos desamparados em suas dores.

Figura 11. Quadro 10 de Entre tinieblas

A última imagem que analisaremos em Entre tinieblas, a figura 11, foi retirada da cena 8 a 01:22:40. Contextualizando a cena: a Madre Superiora dá uma festa 70 para si mesma com a presença de Yolanda Bel e todos os integrantes do convento, a Marquesa (mãe de Virginia, antiga habitante do convento), a Madre Geral proveniente de Albacete à qual a comunidade das Redentoras Humilladas é subordinada e outras freiras que vieram com ela. Nessa cena, Yolanda Bel em conjunto com Sor Víbora, Sor Estiércol e Sor Rata de Callejón, após ser convencida pelas freiras, resolve cantar especialmente para a Madre Superiora. Um trecho da canção que elas cantam pode ser visto nessa passagem:

Cena 8 Locutoras Narrativa 01:22:40 Yolanda Bel (YB) YB (cantando): Sor Víbora, Sor Estiércol Otra vez voy pasando por ahí e Sor Rata de Callejón (Coro) otra vez con mi cara tan feliz si a tu amor yo llegué porque llegué de tu amor yo salí porque salí. [...]

Coro (cantando) : Aquí llegué porque llegué, y salí porque salí amo cuando pueda amar, sigo andando por ahí. [...]

Contrariamente à primeira imagem que analisamos, em que predominavam as cores preto, vermelho e azul, indicando algo sobre o gênero do filme, aqui há uma explosão de cores. Yolanda traja as vestes feitas para a Virgem. O Kitsch está predominando na imagem, remetendo-nos ao contexto da Movida em que as cores tiveram importância significativa. Em relação à música, trata-se de uma canção Salí porque salí do músico porto-riquenho Cheo Feliciano. A letra da música retrata bem a situação de Yolanda naquele convento e do desfecho do filme. No final a comunidade é desintegrada e cada uma vai para um lado. A Madre Superiora que mantinha uma paixão por Yolanda sente-se desamparada. É ainda uma forma de mostrar a liberdade das pessoas daquele período histórico: participar do que lhes convinham pelo tempo que achasse necessário. Responder à volatilidade de identidades tão comum à época.

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3.3. Sumarização da análise sociossemiótica de Entre tinieblas

Quadros individuais e Cenas e sequências Estágios e o trabalho tomadas como um todo

Representação: São mostradas as Predominam as cenas Uma religiosidade do que se trata? inscrições do sagrado e sequências nas quais diferente das convenções na produção fílmica. o sagrado é cotidianas do que o Desde os textos em conclamado a espectador pode que as letras ―t‖ participar de relações considerar como sagrado assumem forma de profanas. As relações é apresentada sob um véu cruz até os símbolos femininas de normalidade. O diretor religiosos que são homoafetivas, a escrita oferece a ideia de que é utilizados para pornográfica e o perfeitamente casual um demarcar os locais consumo de drogas convento em que o sagrados, bem como dentro do convento pecado é louvado em as relações acontecem na detrimento à santidade. interpessoais nesses presença das imagens Uma instituição católica ambientes. e ícones católicos. mostrada como templo do pecado e das pecadoras.

Orientação: Alguns personagens Os personagens, ao O filme é montado de como isto afeta a são apresentados em atenderem à vontade forma a mostrar uma sociedade? primeiro plano e da carne, representam crítica à pretensão de próximo a elas o cenas e sequências em santidade separada do ambiente sagrado que o desejo humano mundo comum, pregada intercalado pelo predomina sobre a fé. pela religião católica. Por profano, o que pode Desde desejos ser da época da Movida ser uma estratégia de hedonistas, como madrileña, é transgressor diferenciação entre flertes homoafetivos, de códigos comumente freiras com hábitos consumo de drogas até aceitos por uma semelhantes. Quando cenas de claro sociedade. Aquela em plano médio, o foco masoquismo como a sociedade antiga, em que é a decoração do lugar: freira que anda sobre a relação da Igreja com a das santas, santos e cacos de vidros e ditadura era bem estrita, é virgens às grandes dorme numa cama de representada pecadoras do século pregos. burlescamente nessa XX. comédia dramática.

Organização: O ambiente sagrado, As cenas e sequências A religião é destituída de como isto é no caso o convento, é mostram o trajeto de seu caráter divinal. O posto em um antro de pecado. pessoas em busca de sagrado, como aquilo que conjunto como As relações são mais um sentido para a vida. é separado para a um construto calorosas e humanas A cantora de cabaré reverência, perde o seu semiótico? que os conventos que já foi professora de lugar e se imiscui na típicos da expectativa ciências naturais, quer vivência diária, tida como espectadora. Os um novo rumo para a pecaminosa pelos ditames quadros e tomadas vida em meio a freiras oficiais da Igreja Católica. fazem jus ao título do com gostos particulares Seguindo uma tradição no filme: aqui são cristãos como: relações cinema crítico, oferece vivendo entre trevas. conjugais de interditos, uma profanação a mais do drogas, escrita sagrado. pornográfica e masoquismo.

Quadro 2. O sagrado em Entre tinieblas 72

3.4. O sagrado em Matador

Para contextualizar, apresentamos o cartaz do filme, bem como uma sinopse detalhada:

Figura 12. Cartaz de Matador

Diego Montes, toureiro prematuramente afastado depois que recebeu uma chifrada recebida na arena, dirige uma escola de tauromaquia. Ángel, um de seus alunos, é um rapaz estranho que sofre de vertigens e com o autoritarismo de uma mãe fanática da Opus Dei. Uma noite, para provar sua virilidade ao mestre, Ángel tenta estuprar Eva, noiva do professor, que é também sua vizinha. Ángel entrega-se à polícia para se responsabilizar pela violação, mas, depois de tê-lo reconhecido como agressor, Eva se recusa a apresentar queixa, porque não foi verdadeiramente violada. Ángel, que sente um desejo terrível de ser punido, declara-se então culpado de quatro homicídios. A advogada María Cardenal é encarregada de sua defesa. Ela é uma das admiradoras de Diego Montes e gosta, acima de tudo, de matar seus amantes no momento do orgasmo com um grande alfinete de prender cabelos. Diego vê María na televisão e começa a segui-la – falam-se pela primeira vez no banheiro de um cinema onde acabaram de ver o final de Duelo ao sol. Diego convida María para sua casa; ela quer matá-lo, mas ele a impede e compreende então que encontrou finalmente alguém que se parece com ele. Durante esse tempo, a polícia tenta verificar as auto- acusações de Ángel. Julia, a psiquiatra que se dedicou a estudar o caso, comunica ao inspetor de polícia que Ángel entrou numa fase de transe hipnótico. Sua hipersensibilidade permite-lhe, de fato, ouvir e ver todos os homicídios que são cometidos na cidade. A tensão torna-se insuportável para Ángel, que finalmente conduz a polícia ao local onde estão enterradas duas de suas pretensas vítimas, no jardim de Diego Montes. Quando María Cardenal vê os dois cadáveres, compreende que Diego ainda mata, que ainda é um matador. Doravante, sabem que são feitos um para o outro. 73

Diego rompe o noivado com Eva, que o denuncia ao inspetor. Nesse dia haverá um eclipse do Sol, e, guiada por Ángel, a polícia chega à casa secreta de María Cardenal. Mas é tarde demais: no momento exato do eclipse, quando os policiais, Ángel e Eva chegam a seu destino, dois tiros ressoam. María e Diego se mataram e atingiram assim o êxtase, depois de terem feito amor apaixonadamente. (COUTINHO; GOMES, 2011, p. 78-79)

3.4.1. Família à mesa

Figura 13. Quadro 1 de Matador

Da cena 1, que inicia aos 13:43, retiramos a figura 13 na qual estão representados a mãe de Ángel, a empregada e Ángel. A mesa, sem muitos ornamentos, faz parte da sala de jantar na qual estão sentados mãe e filho enquanto são servidos pela empregada. Na parede podemos perceber algumas imagens de santos, o que nos leva a pensar que se trata de um lar cristão católico. A predominância da cor marrom nos remete ao conservadorismo católico seguido rigidamente pela mãe. Ángel, com a cabeça baixa, mostra algo de submissão. Nossa suspeita é confirmada no diálogo subsequente:

Cena 1 Locutores Narrativa 13:43 Mãe (MA) MA: Bendice, Señor la sopa de fideos y el lenguado a la meunière Empregada (EM) y... y... Ángel Giménez (AG) EM: Flan MA: Y el flan que vamos tomar de vuestra liberalísima mano, por Cristo Nuestro Señor. [...] MA: ¿A propósito, cuando vas a ver a su director espiritual? 74

AG: No sé. MA: Era una de las condiciones para volver a vivir en esta casa. ¿Lo recuerdas? AG: Hum hum MA: Pues no sé lo que esperas. Hace más de dos meses sin aparecer por la iglesia. Esto no es una pensión. Aquí hay unas reglas. No estoy dispuesta a subvencionar una vida de lujo y disipación. Si no volver recto, prefiero no verte. No me importa está sola. Porque yo no estoy sola. ¿Qué pasa? ¿Te aburro? AG: No, pensabas en mis cosas. MA: ¿En qué cosas? AG: En nada. En la tormenta. MA: ¿En la tormenta? Tú sí que me atormentas. Las veces creo que estás loco como tu padre, que en paz descanse. AG: Yo también creo que estoy loco, mamá. MA: ¿Tú también? AG: Tendrías que llevarme a un psiquiatra. MA: No. Tú no necesitas un psiquiatra. Lo que necesitas es un director espiritual. Irás a verle mañana. ¡Ahora come! ¡Come!

O diálogo mostra uma mãe reprimindo o filho. A mãe é diferente daquela genitora estereotipada que protege o filho. Aqui ela é mostrada como condutora do filho com mãos de ferro. No desenvolver do filme, sabemos de onde provém tanta dureza: é uma fanática seguidora da Opus Dei que vive martirizando-se e que pretende que seu filho também o faça. Ángel diz à mãe que estuda Agronomia, mas sem ela saber, toma aulas de tauromaquia com Diego Montes, um toureiro aposentado. Violar as leis da mãe é o que faz Ángel em várias ocasiões. Numa dessas feitas, tenta estuprar Eva Soler, namorada de seu mestre, para mostrar-lhe que é viril. No entanto, tais transgressões realizam o que pode ser considerado como uma perversão, pois na denegação da lei da mãe a afirma enquanto significante. Quando diz que está louco, e que precisa ir ao psiquiatra, a mãe indica- lhe, ou melhor, impõe-lhe a necessidade de procurar o diretor espiritual, remetendo- nos à sua religiosidade católica.

A religião Católica para Almodóvar tem aqui uma representatividade maior que nos seus discursos anteriores mostrados em nosso texto. Ela assume o lugar de representante da lei, cerceadora das subjetividades. Num sentido mais metafórico, diríamos que na figura da mãe temos representada a ditadura de Franco com suas instituições totais. Por outro lado, Ángel representa a Movida com seu espírito jovem e transgressor. Na ação contestatória da lei da mãe, ele age calado, como se ela não fosse mais que um espectro que traz sombras para sua vida. Para responder ao insulto de fraco, débil ou sem macheza, ele tenta estuprar Eva Soler. Assim, 75 percebemos que ele responde ao imperativo da mãe, mas ao mesmo tempo o nega, pois se torna um criminoso. Teríamos aqui um exemplo claro da denegação psicótica freudiana.

3.4.2. A missa

Figura 14. Quadro 2 de Matador

Na figura 14, retirada da cena 2, ao 16:00, podemos observar o ritual de uma missa. A fotografia privilegia o altar e seus símbolos num ambiente chiaroscuro. Sob um crucifixo podemos perceber o padre trajando vermelho a conduzir o ritual. Algumas poucas pessoas acompanham o acontecimento. A preocupação estética da fotografia simétrica é perceptível. De acordo com Sartore, Triacca e Canals (1987), a celebração da missa, como ação de Cristo e do povo de Deus ordenado hierarquicamente, é o centro de toda vida cristã para a igreja universal e local, e para todos os fiéis individualmente. Terminado o ritual da missa, a mãe tem o seguinte diálogo com Ángel:

Cena 2 Locutores Narrativa 16:00 Mãe (MA) MA: Vete y digas que quiere confesarte. Le gustará. Yo me voy, Ángel Giménez (AG) te espero en casa. ¡Venga a la sacristía! ¡Quiero verte! AG: Sí.

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À imposição da mãe para que confesse, Ángel responde monossilabicamente com um sim. Uma vez mais o comportamento da mãe é de conduzir o filho pelos caminhos da religião católica. Após participar da missa, é preciso confessar os seus pecados. O que teria Ángel a confessar? O que sabe a mãe sobre a vida do filho? Assim, Ángel dirige-se ao confessor, ou como quer a mãe, ao seu diretor espiritual. O desejo do jovem não é considerado, pois não é dada a ele a possibilidade de discordar e podemos perceber no discurso que quem gostará do ato confessional é o padre.

De acordo com Huxley (1977, p. 28), ―nas cerimônias sagradas, os atores orientam-se dentro de um tal sistema de pensamento e ação que faz justiça a seus sentimentos por meio de um sacramento, um ato de comunhão que é básico para a individuação.‖ Assim, Ángel participa do evento missa em prol de uma individuação11 pretendida pela mãe. Ela quer transformá-lo num homem bem distinto de seu falecido pai, ou seja, uma pessoa sem doença mental. Almeja, dessa forma, substituir a moléstia pela religião. Para isso ele precisa submeter-se aos rituais eclesiásticos e ter um diretor espiritual que o guiará no caminho da religião. O psiquiatra que Ángel evoca precisa ser substituído pelo padre. Contudo, a história não caminha como deseja a mãe. É o que veremos a seguir.

11 De acordo com Abbagnano (2007, p. 553) individuação refere-se ao ―problema da constituição da individualidade a partir de uma substância ou natureza comum: p. ex., constituição deste homem ou deste animal a partir da substância ―homem‖ ou substância ―animal‖. O primeiro a formular esse problema foi Avicenna, por quem foi transmitido à Escolástica cristã.‖ 77

3.4.3. A confissão

Figura 15. Quadro 3 de Matador

Na figura 15, retirada da cena 3, aos 17:01, podemos ver Ángel conversando com o padre. O ambiente é a sacristia e Ángel olha fixamente para o padre. Uma vez mais Almodóvar faz uso da fotografia de um ícone católico para criar efeito de realidade em seu discurso: entre vasos de porcelana, podemos ver uma fotografia do Papa à época, João Paulo II. Ángel está ali para confessar. Para Sartore, Triacca e Canals (1987), confissão, num sentido penitencial, significa confessar as culpas no sacramento da penitência. No diálogo a seguir Ángel demonstra o que pretende:

Cena 3 Locutores Narrativa 17:01 Ángel Giménez (AG) AG: Buenos días, padre. Padre (PA) PA: Hombre, por fin ha vuelto. Yo echado de menos. AG: Padre, quiero confesarme. PA: Está bien, hijo. Ya era hora. Espérame afuera.

O diálogo mostrado termina por ali, pois imediatamente a essa fala, o diretor corta a imagem e já apresenta Ángel na delegacia. O confessor ali é outro. Ele pretende expor as suas culpas não ao padre, mas ao delegado de polícia. Lá ele assume o crime de tentativa de estupro de Eva Soler, a qual nega, dizendo que não houve penetração. Não satisfeito, ele passa a atribuir a si uma série de crimes, 78 quatro no total, que no final do filme sabemos que foram cometidos pelo seu mestre, Diego Montes. A montagem do filme demonstra a relação sagrado-profano; Ángel deixa de confessar ao padre, que talvez não tenha poder para puni-lo, para fazê-lo ao delegado que o mantém preso. A introjeção da culpa cristã tão inculcada pela mãe pode ser a gênese de tal comportamento.

Almodóvar lança mão da iconicidade humana para representar o sagrado de um dado período histórico-cultural. Convém fazermos uma digressão para entender a simbologia de tal ícone. O quadro apresentado é ilustrado com uma imagem do Papa João Paulo II. Segundo Boff (2005), de 1978 a 2005 João Paulo II governou a Igreja Católica tendo para com a sociedade moderna ou da tecnociência uma relação de crítica e condenação ao seu processo emancipatório e secularizante. Ele, mesmo mantendo uma atitude carismática e ecumênica para com outros movimentos religiosos, caminhava na contramão do Concílio Vaticano II, pois pregava a reconversão daqueles que em algum momento desviaram dos caminhos da Igreja de Roma. Além disso, pretendia criar uma unidade cultural sob a égide dos valores morais cristãos. Com a morte de João Paulo II, houve outro interstício conservador assumido por Bento XVI de 2005 a 2013. Apenas com a renúncia de Bento XVI, em 2013, a catolicidade pode assumir ares de novidade, dando continuidade aos preceitos do Concílio Vaticano II sob direção do papa ―que veio do fim do mundo‖, o argentino Jorge Mario Bergoglio, e adotou para si o cognome Papa Francisco. De acordo com Manzatto (2015), o pontificado de Francisco pode ser caracterizado como simples e humano. Em contraposição a discursos moralizantes, ele opta pela metodologia da Teologia da Libertação, atenta à atuação contextual da Igreja, que leva em consideração as condições de pobreza e exclusão a que são submetidos os fiéis.

O título do filme faz alusão à prática da tauromaquia, tão popular na Espanha. Assim, Almodóvar dialoga com a cultura popular e seus representantes. Fazendo uso mais uma vez da Gramática da Cor proposta por Kress e Van Leuween (2002), podemos afirmar que a morte, mote do filme, é representada na cor vermelho como o perigo iminente que correm os personagens da obra. A pulsão de morte ou vontade de matar presente em Ángel, porém é dúbia, pois esse desmaia quando vê sangue. Ou seja, para responder ao desejo da mãe, de ser um homem forte, ele submete a práticas destruidoras de sua subjetividade, confessando o que não fez e 79 afirmando ser o que não é. O processo de individuação de Ángel é marcado pela ambivalência.

3.5. Sumarização da análise sociossemiótica de Matador

Quadros individuais e Cenas e sequências Estágios e o trabalho tomadas como um todo

Representação: São mostradas as São cenas de um As instituições cristãs do que se trata? relações de Ángel com a almoço em família, da são apresentadas no mãe e com os participação na missa filme, como a Opus Dei sacramentos institucionais por mãe e filho e da e a Igreja Católica, do catolicismo. possível confissão de para representar um Ángel ao padre. As pensamento típico relações são conservador espanhol, conflituosas, herança do franquismo. acentuando o efeito de sentido de interferência rígida de uma forma de religião castradora na vida de Ángel.

Orientação: Os personagens são As cenas analisadas, Considerando estágio e como isto afeta a mostrados em planos ao preponderar o filme como um todo sociedade? médios, mostrando assim discurso falado, como consequência de uma distância do apresentam marcações conglomerados de espectador, pois são do sagrado seja na cenas e sequências, privilegiados os diálogos e oração da mãe percebe-se que a não as expressões faciais. castradora, na transição entre elas insistência em que acontece de forma Ángel procure um brusca, dando ideia de diretor espiritual e na uma dramaticidade missa celebrada pelo fílmica que pode ser padre. As decorações percebida no filme eclesiásticas são contrastando sempre o povoadas de imagens sagrado com o profano. e símbolos cristãos. O tradicional franquista com a inovação da Movida madrileña.

Organização: As ações de Ángel e sua As cenas destacam um O filme é organizado como isto é mãe são baseadas em possível ponto de vista de maneira a posto em imperativos religiosos. do diretor em relação à apresentar a má conjunto como Seja ela a obediência cega religião ao colocar uma influência da religião um construto a uma instituição, no caso mãe, seguidora da católica em relação aos semiótico? a Opus Dei, ou a Opus Dei, que não comportamentos internalização, por parte demonstra amor pelo criminosos do aprendiz de Ángel, de um conteúdo filho e ainda é de toureiro, Ángel. pedagógico materno que responsável pelo que predica a culpa, o pecado. leva Ángel à prisão.

Quadro 3. O sagrado em Matador 80

3.6. O sagrado em La ley del deseo Para contextualizar, apresentamos o cartaz do filme, bem como uma sinopse detalhada:

Figura 16. Cartaz de La ley del deseo

Pablo e Tina são irmãos. Seus pais se separaram quando eram pequenos, do sexo masculino. Tina era Tino, quando foi viver com o pai e mantinha relações sexuais com ele. Mudou o sexo e, desse modo, se tornou a mulher do pai. Depois de alguns anos o pai a abandona e Tina não se interessa por nenhum outro homem. Odeia-os. Pablo escreve e dirige filmes. Está apaixonado por Juan, um jovem encantador que também o ama, mas, ao contrário de sua irmã, não sofre. Tenta superar através da criação. O melhor método de esquecer é desenvolver sobre o papel tudo o que sua vida tem de insuficiente. Juan viaja para seu povoado de férias e escreve a Pablo uma carta encantadora, mas carente de paixão. Pablo responde escrevendo ele mesmo a carta que necessita receber de Juan, e Juan a reenvia assinada. Faz cerca de vinte anos que Tina mudou de sexo. Depois de seu pai não teve mais nenhum outro homem. Divide sua vida com uma modelo que tem uma filha de 10 anos. A modelo também se apaixona e viaja. Tina fica com a menina e se comporta como se fosse sua autêntica mãe. A menina, por sua vez, está apaixonada por Pablo. Pablo conhece Antonio, um rapaz andaluz, possessivo e contraditório que, em questão de horas, passa de ter a primeira experiência homossexual a converter-se em um amante ameaçador. Ele lê a falsa carta de Juan e acredita que é autêntica. Discute com Pablo, mas o diretor não leva a sério. Antonio viaja de férias. Quando se despede de Pablo sugere que ele lhe escreva com um nome de mulher para que seus pais não suspeitem de nada. Na ocasião, Pablo está envolvido com a escrita de um roteiro cujo principal personagem feminino é inspirado em sua irmã. Quando escreve a Antonio utiliza o nome da personagem: Laura P. Mas não é o que Antonio necessita. Pablo rompe definitivamente com ele. Confessa que continua apaixonado por Juan e que irá vê-lo em um povoado do sul onde vive. De novo assina a carta como Laura P. À noite, antes que Pablo chegue à cidade de Juan, Antonio vai até lá e, sem que ninguém os veja, o mata. Quando Pablo chega, a guarda civil descobre o cadáver na praia. Depois de ser interrogado pela guarda civil, Pablo volta a Madri. No caminho, as lágrimas o impedem de ver uma 81

árvore. Sofre um acidente. Recebe uma pancada na cabeça e fica com amnésia. A polícia descobre as cartas de Laura P. (entregues pela mãe de Antonio). Descobrem também que Pablo está escrevendo um roteiro sobre um personagem de mesmo nome, que lembra sua irmã Tina. Comprovam que tudo foi escrito na máquina de escrever de Pablo que, protegido por sua amnésia, não esclarece nada. Todas as suspeitas recaem sobre Laura P. Todos a procuram, mas ninguém a encontra. Enquanto Pablo continua recuperando-se no hospital, Antonio volta a Madri e seduz Tina, para sentir- se perto do irmão. Tina não sabe e acredita nele. Depois de anos, seu coração volta a bater no compasso do desejo. Quando Pablo se recupera, foge do hospital e se reúne com Tina e Antonio. Depois desse encontro, nada mais será igual. (COUTINHO; GOMES, 2011, p. 84-85)

3.6.1. Capela da infância

Figura 17. Quadro 1 de La ley del deseo

A figura 17, retirada da cena 1, aos 20:12, mostra a transexual Tina e a criança Ada, que vive com ela, entrando na Capilla del Espíritu Santo12 do Instituto Ramiro de Maeztu em Madrid. Na capela está padre Constantino tocando ao piano a música do cancioneiro católico, Oh Virgen más pura. No quadro podemos ver uma imagem da Imaculada Conceição. Tina entra cantando a canção que padre Constantino toca e depois conversa com ele, como podemos perceber no diálogo a seguir:

12 De acordo com Orusco (2007), essa capela foi construída entre 1942-1945, sob o regime de Franco, através do projeto de Miguel Fisac. É uma construção do gênero místico, pois concentra a atenção dos fiéis no altar devido ao formato e jogo de luz que faz o altar resplandecer na penumbra da nave. 82

Cena 1 Locutores Narrativa 20:12 Tina (TI) TI (cantando): Pe. Constantino (PC) Oh virgen más pura que el nardo y la rosa, madre más hermosa que fúlgido sol, atiende mis ruegos escucha mi canto, enjuga mi llanto de amargo dolor… (bis) TI: De pequeña era solista del coro. Es lo único que echo de menos de esta época. PC: Me recuerda mucho a un antiguo alumno. Él también cantaba en el coro. TI: Padre Constantino, soy yo. PC: ¿Tú? No puede ser. TI: Si. Puede ser. PC: Has cambiado tanto. TI: No crea. En lo esencial sigo siendo la misma. PC: ¿Y esa niña? TI: Es mi hija. PC: ¿Es que te has casado? TI: No, me temo que estoy condenada a la soledad. PC: Eso nunca se puede decir. TI: Yo sí. En mi vida sólo hubo dos hombres, uno fue usted, mi director espiritual, y el otro era mi padre. Los dos me abandonaran. Ya no puedo confiar en ningún otro. PC: Vuelve hacia Dios. Él nunca te abandonará. TI: Tal vez tenga razón. Creo que me gustaría volver a cantar en el coro. PC: Aquí no, por favor. TI: ¿Por qué? PC: Si es a Dios a quien buscas, ve a cualquier Iglesia. Él está en todas. TI: Pero mis recuerdos están aquí. PC: Huye de ellos como yo he huido. TI: No quiero. Los recuerdos son lo único que me queda.

No diálogo podemos perceber que Tina evoca lembranças de um passado. Tina, nascida Tino, antes de voltar a Madrid, manteve um relacionamento incestuoso com o pai no Marrocos, onde fez mudança de sexo para atender aos desejos do pai. Depois o pai mudou-se para Nova Iorque, abandonando-a. As lembranças são relacionadas ao tempo em que cantava no coral e das relações estabelecidas naquele ambiente. Assim, o sagrado é mostrado na canção que ela entoa à Virgem, fazendo-a recordar da infância passada no local. A capela faz parte do instituto educacional citado anteriormente e foi uma instituição que teve forte presença na educação no período franquista. Assim, o diálogo não explicita, mas sugere que houve um relacionamento entre Tina e padre Constantino, pois ela mesma afirma: ―em minha vida só houve dois homens, um foi você, meu diretor espiritual, o outro foi meu pai. 83

Durante o filme percebemos que Ada é filha de uma amiga de Tina, que em viagens pelo mundo deixa a filha com Tina, que cuida dela como se fosse filha. Assim, percebemos que ela mente ao padre ao afirmar que Ada é filha dela. No entanto, a maternidade que ela deseja está presente em seu comportamento em relação à garota. A imagem de Nossa Senhora da Conceição representada no quadro também nos remete ao significante maternidade e encontra aporte no desejo de Tina. Desejo esse que é regido por normas heterogêneas como sugere o título La ley del deseo. Assim, ela manifesta ao padre o desejo de voltar a cantar na igreja, o qual a rechaça, pois de acordo com ele ―Deus está em todo lugar‖. Isso mostra que a Igreja até aceita a transexual, desde que esteja fora de seus portões. Assim, podemos perceber uma crítica, por parte de Almodóvar, desse modelo religioso que até pode ter a prática homossexual entre os seus clérigos, como sugere o diálogo com Tina, mas desde que seja velado.

3.6.2. Cruz de Mayo

Figura 18. Quadro 2 de La ley del deseo

Na figura 18, retirada da cena 2, aos 22:27, temos a imagem de uma Cruz de Mayo. De acordo com Madariaga (2011), a Cruz de Mayo é uma celebração festiva bastante popular no mundo cristão, manifestando-se de várias formas. É um ato público de devoção da cruz, podendo ocorrer em vários lugares com rituais religiosos como missas, terços e procissões ou simplesmente adorações da cruz 84 ornamentada sem rituais religiosos. Assim, dado o significado na cultura espanhola, percebemos que esta não é uma Cruz de Mayo qualquer, pois ela contém, além da imagem de Santa Luzia e São Francisco de Assis, elementos exógenos ao ambiente cristão, materializados na imagem de Marilyn Monroe, um jacaré verde antropomorfizado e uma bonequinha. Na tabela a seguir descrevemos um diálogo entre Tina, o cineasta Pablo Quintero (seu irmão) e a garota Ada.

Cena 2 Locutores Narrativa 22:27 Tina (TI) TI (cantando): Pablo Quintero (PQ) Oh virgen más pura que el nardo y la rosa, Ada (AD) madre más hermosa que fúlgido sol… PQ: ¿Y eso? TI: Una Cruz de Mayo. ¿No se acuerdas? Nos da compañía. PQ: Deberías buscarte un tío, sería más higiénico. TI: Ni un tío, ni una tía, eso se acabó. Y no quiero hablar de ello. Y menos delante de la niña. PQ: ¿Te ayudo? ¿Qué te pasa? ¿Estás enfadada conmigo? TI: No, es que se ha enrollado con el altar y ha hecho voto de obediencia, castidad y de silencio. Bueno, de obediencia no. Me trae negra con el voto de silencio. Todo el día con la pizarra. TI e PQ (soletrando algo que AD escreve): De cas-ti-dad, no. PQ: ¡Menos mal! TI: Mírala. Y qué va hacer la Comunión. PQ: Con que vas a hacer la Primera Comunión, ¿eh? Entonces tendré que regalarte un vestido digno de una santa. Tina, tengo que empezar a ensayar “La voz”. TI: ¿Y quién es la afortunada? PQ: Me gustaría que lo hicieras tú. AD: ¡Funciona! ¡Funciona! Es que le hemos pedido trabajo a la Virgen y nos lo ha dado. Por eso he hecho voto. Voy a pedirle otra cosa. TI: No abuses, niña, bonita, cariño. Siéntate, tesoro.

Contextualizando o diálogo: Pablo Quintero chega à casa de sua irmã Tina, que o recebe cantando Oh Virgen más pura e indaga sobre a Cruz de Mayo. Assim, percebemos que Tina atende à exortação de padre Constantino de procurar a Deus em outro lugar. Ela, juntamente com Ada, monta o seu próprio altar, ou Cruz de Mayo, incluindo, assim, elementos de seu meio cultural. A Marilyn Monroe e outros bonecos não fazem parte do ornamento tradicional da Igreja Católica, mas para Tina e Ada eles podem muito bem ficar ao lado de outros santos.

Outra questão que nos chama a atenção no diálogo é quando Ada diz: “Funciona! Funciona!” para referir ao pedido atendido pela Virgem. O pedido é de trabalho para Tina, pois ela é uma atriz e seu irmão cineasta lhe concede o papel de 85 protagonista no monólogo A voz humana do artista francês Jean Cocteau. Assim, o sagrado apresentado por Almodóvar é expresso na religiosidade popular, com suas tradições folclóricas e uma interpretação pessoal. Percebe-se que, rechaçada pela Igreja Católica, Tina não perde a sua fé, antes, usa elementos do seu meio cultural para sustentar uma vez mais a identidade de crente na Virgem, em Deus e outros ícones mundanos, como poderia ser interpretado à luz dos preceitos oficiais da igreja. É uma forma de optar pela religiosidade em detrimento da religião.

3.6.3. Um anjo toca guitarra

Figura 19. Quadro 3 de La ley del deseo

A figura 19, retirada da cena 3 que inicia aos 49:13 mostra Tina e Ada na cama preparando-se para dormir. Podemos ver duas mulheres comportando-se como mãe e filha, ambas trajando camisetas brancas com imagem da Betty Boop, personagem de desenho animado lançada pela Paramount na década de 1930. Betty Boop é considerada uma garota independente e provocadora, semelhantemente a Tina. Isso mostra a influência da cultura de massa estadunidense na Espanha, país que até pouco tempo antes de 1986 (ano desse filme) não tinha profícuo relacionamento cultural com outros países, devido ao isolamento promovido pela ditadura. Mais acima, na cabeceira da cama, vemos uma imagem de um anjo tocando guitarra. Antes de deitar para dormir, Ada diz a Tina 86 que vai à Cruz de Mayo pedir algo à Virgem, como podemos observar no diálogo a seguir:

Cena 3 Locutores Narrativa 49:13 Ada (AD) AD: Pero antes quiero pedirle una cosa a la Virgen, ¿puedo? Tina (TI) TI: ¿A estas horas? ¡Vaya pedigüera que le ha salido a Virgen Pablo Quintero (PQ) contigo! Vamos pedigüeña. Maroco... AD: Ya... TI: ¿Qué le has pedido? AD: Que Pablo no nos deje como mamá. TI: Anda, descansa, tesoro. PQ: Hola. TI: Hola. AD: Gracias, Virgen.

A oração de Ada é para que Pablo não as deixem. A menina nutre uma paixão filial por Pablo e Tina. Assim, ela pede à Virgem a presença dele na vida dela, já que sua mãe vive viajando e não se importa com ela. Quando termina a oração, Pablo bate à porta. Ada agradece pelo pedido concedido. Uma vez mais Almodóvar apresenta o sagrado imiscuído na vivência diária. Anjos não são mais representados tangendo lira, como sói ocorrer no meio cristão, mas tocando guitarra. É um anjo moderno, como modernas são as pessoas dessa família: Ada é a filha adotiva de dois irmãos – um deles homem homossexual e a outra uma transexual. A modernidade trazida pela Movida pode explicar tal configuração familiar. Percebe-se aqui uma desconstrução da família tradicional espanhola constituída por pai, mãe e filhos heterossexuais. Mas mesmo rompendo com o modelo tradicional de família, o sagrado continua presente, pois a religiosidade, por estar entranhada no imaginário popular, mostra-se mais forte que a religião enquanto instituição.

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3.6.4. Oração de Tina e Ada

Figura 20. Quadro 4 de La ley del deseo

Na figura 20, retirada da cena 4, a 01:21:42, podemos perceber Ada e Tina rezando ajoelhadas diante da Cruz de Mayo. As duas portam rosários em suas mãos. Tina traz um aditivo: um cigarro entre os dedos. Elas olham fixamente para o os muitos objetos que compõem a cena do altar enquanto proferem fervorosamente as palavras a seguir:

Cena 4 Locutoras Narrativa 01:21:42 Ada (AD) AD: Para que a Pablo no le pase nada y protégelo de la policía que le Tina (TI) tiene manía. TI: Los misterios de hoy, Ada, son los dolorosos. Primer misterio, la oración de Jesús en el huerto. Padre nuestro que estás en los Cielos, santificado sea Tu nombre... Hágase Tu voluntad así en la Tierra como en el Cielo. AD: El pan nuestro de cada día, danos hoy y perdónanos nuestras deudas, así como nosotros perdonamos a nuestros deudores y no nos dejes caer en la tentación, mas líbranos del mal. Amén.

Ada reza em favor de Pablo, pois ele sofrera um acidente e ainda é considerado suspeito da morte de seu amante Juan. Assim, Ada pede proteção para ele, principalmente da polícia. Tina avisa a Ada da oração que farão, trata-se da oração do Pai Nosso presente na Bíblia nos evangelhos de São Mateus (6,9-13) e São Lucas (11,2-4). Em relação à interpretação da oração do Pai Nosso, Carmo (2011, p. 127) nos avisa das ―implicações socioculturais e ideológicas que subjazem 88

à semântica de cada item lexical escolhido.‖ Na oração apresentada, elas suprimiram o seguinte trecho: “venga a nosotros tu Reino”. Turner (1997) nos diz da necessidade de ocorrência de supressão de trechos narrativos num filme a fim de condensar o tempo. Fato é que, ao utilizar o Pai Nosso, a oração cristã mais popular, denominada por Tina como oração de Jesus no Horto, Almodóvar novamente apresenta a religiosidade popular espanhola sendo utilizada para obter favores.

3.6.5. Oração interrompida

Figura 21. Quadro 5 de La ley del deseo

A figura 21 foi obtida da cena 5 a 01:27:32 e mostra-nos Ada, Tina e Antonio Benítez frente à Cruz de Mayo. Elas estão outra vez praticando o ritual de oração quando chega o amante de Pablo e de Tina, Antonio Benítez. Podemos ver na imagem representações da Virgem Maria em meio a vários outros elementos semióticos. Durante a estadia frente ao altar, o telefone toca, com Pablo chamando do hospital onde está internado. Terminado o diálogo estabelecido com o irmão por meio do telefone, Tina estabelece com os dois personagens o seguinte diálogo:

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Cena 5 Locutores Narrativa 01:27:32 Tina (TI) TI: Que Pablo ha muerto. Antonio Benítez (AB) AB: ¿Cómo? Ada (AD) TI: Se ha suicidado. Mientras le interrogaba la policía, se tiró por la ventana. AD: ¡Resucítalo, tienes que resucitarlo, resucítalo! ¡Es mío! ¡Pablo es mío! AB: Lo ha hecho para salvarme.

Nesse diálogo temos três elementos chave para o discurso católico: morte, ressurreição e salvação. E um elemento tido como pecado que só podemos perceber quando temos uma visão da cena como um todo: a mentira. Tina descobre que o rapaz que está com ela é o criminoso Antonio Benítez que matou o amante de Pablo por ciúmes, por isso mente dizendo que Pablo suicidara. Tina mantém um relacionamento com o amante do irmão sem o saber. Mas em termos de sagrado o que nos importa aqui é mostrar que quando Tina diz que Pablo está morto, Ada pede à Virgem para ressuscitá-lo e Antonio diz que Pablo suicidou para salvá-lo.

A ressurreição é uma das premissas básicas do catolicismo, pois a comunidade cristã se funda na morte e ressurreição de Jesus. No entanto, Ada pede um favor à Virgem que pode extrapolar suas competências: ressuscitar o Pablo morto. Sabe-se que na tradição cristã poucos seres humanos foram dignos da ressurreição. O Novo Testamento apresenta quatro ressurretos: Lázaro, a filha de Jairo, o filho da viúva de Naim e o próprio Jesus. Todos ressuscitaram como manifestação de milagres de Jesus e não da Virgem Maria.

Em relação à salvação, é um termo polissêmico, tanto pode ser livramento da danação eterna no caso católico, como livrar de um crime cometido contra os humanos, como transparece no discurso de Antonio. Para se salvar, de acordo com perspectiva católica, é necessário estar morto. Há vários modos de morrer e Almodóvar aborda nos três filmes analisados o suicídio como forma de morte: Jorge, namorado de Yolanda, suicida em Entre tinieblas; Diego e María Cardenal suicidam em Matador e Antonio suicida em La ley del deseo. O suicídio é considerado um tema tabu para a Igreja Católica. 90

3.6.6. A Pietà homoafetiva

Figura 22. Quadro 6 de La ley del deseo

Finalizando nossa análise, apresentamos a figura 22, retirada da cena 6 a 01:34:46 e vemos Antonio e Pablo abraçados. Pablo retornara do hospital para livrar Tina e Ada do sequestro que Antonio Benítez praticou. A polícia está cercando a casa e Antonio pede uma hora para conversar a sós com Pablo. Nesse ínterim, eles conversam, relacionam-se sexualmente e depois, em frente à Cruz de Mayo de Tina, Antonio suicida com um tiro. Pablo então abraça o corpo morto e nessa imagem podemos perceber uma cena montada para remeter à ideia da Pietà de Michelangelo Buonarroti, como na imagem a seguir:

Figura 23. Pietá de Michelangelo Buonarroti. Fonte: http://www.wga.hu/art/m/michelan/1sculptu/pieta/1pieta0.jpg 91

Nas cenas finais do filme, Almodóvar abandona a religiosidade popular para dialogar com a arte religiosa clássica, num processo de ressemiotização, como propõe Iedema (2003). A imagem da Virgem Maria abraçando Jesus morto, mostrada na Pietà de Michelangelo, é representada por dois homens que viveram um amor perigoso. Um deles sucumbiu à lei do desejo. Frente à cena de dois homens abraçados, representando uma piedade homoafetiva carnal, bem diversa daquela requerida pelo cristianismo dogmático, a Cruz de Mayo começa a pegar fogo. Talvez o discurso do diretor assuma nesse momento algo mais que a arte pura, mais uma página da sua autobiografia de aluno homossexual de colégio religioso. Sobem os créditos.

3.7. Sumarização da análise sociossemiótica de La ley del deseo

Quadros individuais e Cenas e sequências Estágios e o trabalho tomadas como um todo

Representação: São mostradas as Majoritariamente são A religiosidade hispânica do que se trata? relações de Tina e Ada apresentadas cenas e faz presente na obra como com o sagrado. Os sequências em que a um todo, dando a símbolos religiosos são garota Ada e a impressão de ―realidade utilizados para transexual Tina representada‖ de uma demarcar os locais recorrem às forças época específica da sagrados. divinas, seja para história da Espanha na louvar ou obter obra de Pedro Almodóvar. alguma graça. Em menor escala, são ―decorações‖ do ambiente religioso espanhol.

Orientação: como Os personagens são, As pessoas religiosas O filme é montado de isto afeta a na maioria das vezes, são mostradas não forma a mostrar a sociedade? apresentados em como boas ou más, desconstrução do lugar primeiro plano e mas com todas as que a religião católica próximo a elas o características ocupava durante a ambiente sagrado inerentes aos seres ditadura de Franco. Por intercalado pelo humanos. Há uma ser da época já do fim da profano. A exemplo da humanização do Movida madrileña, nos Marilyn Monroe na sagrado, integrado ao mostra o sagrado composição da Cruz de dia a dia das pessoas integrado à sociedade Mayo, junto à Virgem. comuns. espanhola sem distinções. São partícipes da religião: médicos, advogados, delegados, padres, atriz transexual e criança. 92

Organização: Os deveres cotidianos No início os O sagrado é mostrado como isto é posto dos personagens são personagens são como aquilo que está em conjunto como permeados de apresentados como institucionalizado na um construto ocorrências sagradas. pessoas relacionais sociedade e que tem semiótico? com o sagrado de potencial não- forma naturalizada. discriminatório, pois a Tal posição não muda todos acodem em seus durante todas cenas e momentos de faina ou sequências, pois a aflição. Não está num religião se apresenta lugar privilegiado, antes, é como algo um lugar-comum. entranhado.

Quadro 4. O sagrado em La ley del deseo

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Considerações finais

Almodóvar pode ser colocado entre uma série de cineastas que fizeram uso do sagrado em seus filmes, como por exemplo: Juan López Moctezuma, Costa- Gavras, Carlos Saura, Héctor Babenco, Louis Malle, Gabriel Axel, Michael Powell, Emeric Pressburger, Ingmar Bergman, Cristian Mungiu, Alejandro Jodorowsky, Nanni Moretti, Pier Paolo Pasolini, Walerian Borowczyk, Denys Arcand, Dietrich Brüggemann, George Méliès, Milos Forman, José Luis Cuerda, Ladislao Vadja, Jerzy Kawalerowicz, Miklós Jancsó, Luis Buñuel, Guel Arraes, , Noribumi Suzuki, Martin Scorsese, Peter Mullan, Roland Joffé, Charles Laughton, Fred Zinnemann e Mel Gibson. No entanto, a forma como ele representa tal sagrado é o que nos importa, pois não o faz de modo convencional, antes, apresenta uma leitura própria e contextualizada do sagrado.

A religiosidade transcende a religião enquanto instituição nos filmes de Almodóvar. A maneira como ele conduz o discurso nos leva a perceber um sagrado que imiscui na vivência diária de pessoas comuns ou separadas para o serviço religioso, mostrando aquilo que as faz humanas: seus desejos e crenças. Assim, percebemos que a religiosidade católica é apresentada de forma mais positiva que a Igreja Católica enquanto instituição. É importante afirmar que a religiosidade faz parte já dos primeiros textos de Almodóvar, como ele afirmou em entrevista ao Programa Roda Viva, da TV Cultura: ―sempre escrevi, desde pequeno. Meus temas foram mudando. A princípio eram temas religiosos. A primeira coisa que escrevi foi sobre a Virgem.‖ (ALMODÓVAR, 1995, p. 12). Em relação à sua formação religiosa, Almodóvar (1995, p. 5) afirma ainda que ―minha educação era católica, cristã e, como todos vocês sabem, não sou eu quem diz, está baseada no pecado.‖ Pecados que mais tarde foram projetados em suas telas.

Pensamos que o texto construído resolveu o nosso problema de pesquisa, pois fizemos uso de teorias que tinham aporte para tal. Ao pretender compreender o 94 sagrado, concluímos que seria justo fazer uma delimitação dele na formação discursiva ocidental judaico-cristã para não sermos injustos com outras vertentes sagradas como as religiões de matriz africana ou as religiões orientais. Assim, delimitamos a forma como a Igreja Católica é representada na filmografia de Pedro Almodóvar de um período específico, a Movida madrileña. Também justificamos a escolha de tal período uma vez que esse trabalho está inserido num programa de pesquisa que tem um viés cultural já em seu próprio nome. Poderiam objetar que qualquer prática social humana já está prenhe de cultura, mas para o pesquisador, quanto mais marcas do humano (afirmando ou contendo essa humanidade) se fizer presente na História mais interessante fica a discussão.

A discussão acerca do tema pôde ser ampliada justamente porque apresentamos mais uma forma de analisar filmes em um programa de pós- graduação em Letras. Também diz da possibilidade de utilizarmos tal suporte discursivo para análise, pois o cinema é um meio de produção que apresenta os mais variados discursos, como afirma Xavier (2005). Outra conexão que pudemos fazer foi abordar a questão religiosa nesse suporte discursivo, o que tem sido pouco feito. Talvez a recusa pela abordagem do tema em filmes diz da dificuldade de análise e aí daremos razão a quem assim pensa. O Cinema e a Religião (aqui com maiúscula propositalmente) são terrenos muito movediços para se pisar. As leituras do sagrado e de filmes, quando não feitas com uma boa metodologia, podem se transformar numa verborragia desatada que fala mais do analista que do próprio corpus ou tema.

Dessa forma, o que é dito por Almodóvar, através dos seus filmes, reflete uma posição de um conjunto de pessoas numa dada cultura. Se não fizesse sentido para ele e seu grupo retratar sua cultura, ou se essa não tivesse tanta preponderância, não teríamos analisado suas obras. No entanto, a obra reflete pontos de vista econômico, social, cultural, político e, por último, pessoal. Almodóvar só pôde dizer o que disse em seu cinema porque isso lhe deu público e podemos traduzir, sem prejuízo da semântica, algunas pesetas. Também teve o aporte social daqueles do seu meio, principalmente os promotores da Movida. E pôde ser recebido, bem ou mal em sua cultura, o último filme, Los amantes pasajeros (2013), que o diga. Também havia um aporte político em criticar a ditadura franquista por parte dos ―novos espanhóis‖. No âmbito pessoal, por sua vez, a presença dos padres em sua 95 primeira infância reflete bem a escolha de como referenciar a Igreja Católica em seus filmes.

Nossa hipótese era que Almodóvar produz uma desconstrução do sagrado em seus filmes do período da Movida madrileña. Com o uso da Análise Telefílmica e da Semiótica Social, pudemos perceber como ele produz essa desconstrução. À época, fazer Cinema era responder aos apelos do público. E hoje também não é diferente. Há cinema de explosões megalomaníacas hollywoodianas ou imitando-as para quem gosta desse assunto; há cinema feito para cults que quanto menos entender do enredo (quando existe) mais cabeça é o filme; há cinema para as lágrimas de um sábado à noite, como bem faz o cinema europeu atual em sua vertente melodramática; há as chamadas comédias pastelão que têm entre seus fiéis uma massa adolescente; há o cinema para o público que prefere a problematização ou prática da sexualidade. Enfim, há uma infinidade de discursos no Cinema para atender aos mais diversificados gostos. Almodóvar não está imune a tais questões, por mais que aborde uma temática social mais ampla, ainda tem público ―seleto‖ os seus primeiros filmes. Depois do ―reconhecimento‖ pela indicação ao Oscar de Mujer al borde de un ataque de nervios (1988), seu modo de escrever com a câmera foi modificando e atingindo um público bem mais amplo e talvez mais capital para o seu caixa, ou de sua empresa, El Deseo.

Os nossos objetivos foram atingidos, pois seguimos os passos que a metodologia nos proporcionou, relacionando os filmes com o momento histórico no qual foram produzidos, no intuito de percebermos as marcas do sagrado neles. Frisamos que a análise mostrou que Almodóvar, no filme Entre Tinieblas, propõe uma forma de profanação do ―sagrado‖, apresentando a instituição católica do convento como um lugar habitado por indivíduos adoradores do pecado. O sagrado, aqui entendido como aquilo que é colocado à parte com o propósito de adoração, deixa de ocupar o lugar destinado a ele pela estereotipia e passa a reinar na vida diária, que é em si considerada pecaminosa ou profana pelos ditames oficiais da Igreja Católica. Em Matador, instituições como a Igreja Católica e a Opus Dei são representadas para ilustrar o caráter conservador do pensamento franquista dos quais era aliado. Assim, o filme é organizado de forma que retrata a influência negativa da religião católica em relação ao comportamento criminoso de um aprendiz de toureiro. Em La ley del deseo, o discurso do filme é apresentado de 96 modo a apresentar a desconstrução do lugar ocupado pela religião católica durante a ditadura de Franco. Tendo em conta que o filme remonta ao final da Movida madrileña, nos mostra o sagrado, através da religiosidade popular, como algo que está indistintamente integrado à sociedade espanhola.

Em termos linguísticos, a consumada conjunção (nexo) na obra de Almodóvar é o ―como se...‖. Deste modo, uma freira pode se drogar com heroína e cocaína (Entre tinieblas) e uma transexual voltar à capela em que cantou quando criança (La ley del deseo), ―como se‖ fosse perfeitamente natural. É essa necessidade de profanação, marca registrada de Pedro Almodóvar, que salta aos olhos. Se falássemos de um cinema de autor, poderíamos buscar a gênese de tal comportamento na formação do diretor. Convém ressaltar que ele recusou a formação religiosa, pois os padres não falavam dele e, assim, já se sentia niilista aos doze anos. Afirma que a sua sensibilidade homoafetiva o fazia pensar como pertencente ao mundo do pecado, da degenerescência. Nas palavras de Almodóvar: ―era a ausência de sentido por toda parte, e como minha vida não tinha qualquer sentido, isso era bastante claro. Eu vivia como um extraterrestre, sentia-me muito próximo dos niilistas e distante de Deus‖ (STRAUSS, 2008, p. 22).

Quanto à metodologia, apesar de termos percebido que a Semiótica Social e a Análise Telefílmica possibilitam uma leitura contextualizada do material fílmico, convém apontar alguns pontos na teoria que podem ser entendidos como limitações. O primeiro diz respeito a que as teorias não dão muita ênfase à leitura de um filme dentro de uma cadeia de produção cinematográfica. Percebemos isso porque ao longo dessa pesquisa assistimos a mais de 400 filmes com discursos semelhantes ou não ao que tratávamos aqui e não pudemos tirar muito proveito da leitura intertextualizada, apenas referenciamos aqueles mais próximos sem a problematização devida. Necessitaria algo como uma Teoria Comparada do Cinema, como já existe na Literatura, para dar aporte à Semiótica Social e à Análise Telefílmica. O segundo apontamento que fazemos é a necessidade de composições teóricas que juntas pudessem ter uma visão mais completa do objeto de pesquisa. Entendemos que se aliada à análise psicanalítica de filmes, a teoria que usamos pode ser melhor aproveitada. Poderiam objetar que essa teoria entraria em conflito epistemológico com aquela, no entanto, frisamos que o próprio Iedema (2001) a menciona, a partir dos escritos de Christian Metz, mas não desenvolve. Assim, a 97 leitura psicanalítica com sua preocupação maior com o sujeito e o discurso de e sobre a subjetividade e a teoria que utilizamos, com seu viés social, podem, juntas, trazer grandes contribuições à análise fílmica.

Terminamos essa dissertação parafraseando o Dr. Luis Arroyo Zapatero, reitor da Universidad de Castilla La Mancha, no discurso proferido no ano 2000 nessa universidade quando foi concedido o título de Doutor Honoris Causa a Pedro Almodóvar Caballero. Ele é um grande criador e um grande inovador, mas não é um acadêmico. E não apenas não o é, como não quer sê-lo. Toda a sua vida é uma luta contra o academicismo: na vida cotidiana, renunciando ao bem natural de um trabalho fixo o que hoje é só mais um operador do mercado das telecomunicações, mas que então era tudo; em sua literatura, publicada em revistas e só depois como livros – Patty Difusa e Fuego en las entrañas – e em sua criação como cineasta. Mas o que falta de academicismo em Almodóvar é suprido pela generosidade mostrada em sua filmografia, em sua consideração aos seres humanos, tanto no seu trabalho, como na vida pessoal (CABALLERO, 2000).

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Referências audiovisuais

ALUCARDA, la hija de las tinieblas. Direção de Juan López Moctezuma. México, 1977. Intérpretes: Claudio Brook; David Silva; Tina Romero e outros. Vídeo (85 min), widescreen, colorido. Produzido por Films 75 e Yuma Films.

AMEN. Direção de Costa-Gavras. Romênia, 2002. Intérpretes: Ulrich Tukur; Mathieu Kassovitz; Ulrich Mühe e outros. Vídeo (132 min), widescreen, colorido. Produzido por Canal+; K.G. Productions; KC Medien; Katharina; Renn Productions e TF1 Films Production.

ANA y los lobos. Direção de Carlos Saura. Espanha, 1972. Intérpretes: Geraldine Chaplin; Fernando Fernán Gómez; José María Prada e outros. Vídeo (102 min), widescreen, colorido. Produzido por Elías Querejeta Producciones Cinematográficas S.L.

AT PLAY in the fields of the Lord. Direção de Héctor Babenco. Brasil, 1991. Intérpretes: Tom Berenger; John Lithgow; Daryl Hannah e outros. Vídeo (189 min), widescreen, colorido. Produzido por The Saul Zaentz Company.

¡ÁTAME! Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1989. Intérpretes: Victoria Abril; Antonio Banderas; Loles León e outros. Vídeo (101 min), widescreen, colorido. Produzido por El Deseo.

AU revoir les enfants. Direção de Louis Malle. França, 1987. Intérpretes: Gaspard Manesse; Raphael Fejtö; Francine Racette e outros. Vídeo (104 min), widescreen, colorido. Produzido por Nouvelles Éditions de Films; MK2 Productions ; Stella Film; N.E.F. Filmproduktion und Vertriebs; Centre National de la Cinématographie; Soficas Investimages; Images Investissements; Sofica Créations e Rai 1.

BABETTES gæstebud. Direção de Gabriel Axel. Dinamarca, 1987. Intérpretes: Stéphane Audran; Bodil Kjer; Birgitte Federspiel e outros. Vídeo (102 min), widescreen, colorido. Produzido por Panorama Film A/S; Det Danske Filminstitut; Nordisk Film e Rungstedlundfonden.

BLACK narcissus. Direção de Michael Powell e Emeric Pressburger. Inglaterra, 1947. Intérpretes: Deborah Kerr; David Farrar; Flora Robson e outros. Vídeo (100 min), widescreen, colorido. Produzido por The Archers.

BLANCOR. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1975. (5 min).

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CALCANHOTTO, Adriana. Esquadros. Intérprete: Adriana Calcanhotto. In: ______. Senhas. CBS/Columbia, c1992. 1 CD. Faixa 3.

CARNE trémula. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1997. Intérpretes: Francesca Néri; Liberto Rabal; Penélope Cruz e outros. Vídeo (99 min), widescreen, colorido. Produzido por Ciby 2000, El Deseo e France 3 Cinema.

CAT on a hot tin roof. Direção de Richard Brooks. Estados Unidos da América, 1958. Intérpretes: Elizabeth Taylor; Paul Newman; Burl Ives e outros. Vídeo (108 min), widescreen, colorido. Produzido por Metro-Goldwyn-Mayer e Avon Productions.

CENTRAL do Brasil. Direção de Walter Salles. Brasil, 1998. Intépretes: Fernanda Montenegro; Vinícius de Oliveira; Marília Pêra e outros. Vídeo (113 min), widescreen, colorido. Produzido por BEI Comunicações.

DET SJUNDE inseglet. Direção de Ingmar Bergman. Suécia, 1957. Intérpretes: Max von Sydow; Gunnar Björnstrand; Bengt Ekerot e outros. Vídeo (96 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Svensk Filmindustri.

DOS putas, o historia de amor que termina en boda. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1974. (10 min).

DUPA dealuri. Direção de Cristian Mungiu. Romênia, 2012. Intérpretes: Cosmina Stratan; Cristina Flutur; Valeriu Andriuta e outros. Vídeo (150 min), widescreen, colorido. Produzido por Mobra Films; Why Not Productions; Les Films du Fleuve; France 3 Cinéma; Mandragora Movies; Romanian National Center for Cinematography; Eurimages; Centre National de la Cinématographie (CNC); Canal +; France Télévisions; Ciné + e Wild Bunch.

EL SUEÑO, o la estrella. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1975. (10 min).

EL TOPO. Direção de Alejandro Jodorowsky. México, 1970. Intérpretes: Alejandro Jodorowsky; Brontis Jodorowsky; José Legarreta e outros. Vídeo (125 min), widescreen, colorido. Produzido por Producciones Panicas.

ENTRE tinieblas. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1983. Intérpretes: Cristina S. Pascual; Julieta Serrano; ; e outros. Vídeo (115 min), widescreen, colorido. Produzido por Tesauro S.A. e Luis Calvo.

FILM político. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1974. (4 min).

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FOLLE... folle... fólleme Tim! Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1978. Intérprete: Carmen Maura. (90 min).

HABEMUS Papam. Direção de Nanni Moretti. Itália, 2011. Intérpretes: Michel Piccoli; Nanni Moretti; Jerzy Stuhr e outros. Vídeo (102 min), widescreen, colorido. Produzido por Sacher Film; Fandango; Le Pacte; France 3 Cinéma; Rai Cinema; Canal +; Coficup; Backup Films; France Télévision e Eurimages.

HOMENAJE. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1975. (10 min).

IL VANGELO secondo San Matteo. Direção de Pier Paolo Pasolini. Itália, 1964. Intérpretes: Enrique Irazoqui; Margherita Caruso; Susanna Pasolini e outros. Vídeo (137 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Arco Film e Lux Compagnie Cinématographique de France.

INTERNO di un convento. Direção de Walerian Borowczyk. Itália, 1978. Intérpretes: Ligia Branice; Howard Ross; Marina Pierro e outros. Vídeo (95 min), widescreen, colorido. Produzido por Lisa-Film e Trust International Films.

JÉSUS de Montréal. Direção de Denys Arcand. Canadá, 1989. Intérpretes: Lothaire Bluteau; Catherine Wilkening; Johanne-Marie Tremblay e outros. Vídeo (118 min), widescreen, colorido. Produzido por Centre National de la Cinématographie (CNC); Communication; Gérard Mital Productions; Max Films Productions; National Film Board of Canada (NFB); Premier Choix TVEC; Super Écran e Téléfilm Canada.

JOHNNY Guitar. Direção de Nicholas Ray. Estados Unidos da América, 1954. Intérpretes: Joan Crawford; Sterling Hayden; Mercedes McCambridge e outros. Vídeo (110 min), widescreen, colorido. Produzido por A Republic Production.

JUNGFRUKÄLLAN. Direção de Ingmar Bergman. Suécia, 1960. Intérpretes: Max von Sydow; Birgitta Valberg; Gunnel Lindblom e outros. Vídeo (89 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Svensk Filmindustri.

KREUZWEG. Direção de Dietrich Brüggemann. Alemanha, 2014. Intérpretes: Lucie Aron; Anna Brüggemann; Michael Kamp e outros. Vídeo (110 min), widescreen, colorido. Produzido por ARTE; Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF) e UFA Fiction.

LA CAÍDA de Sódoma. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1975. (10 min).

LA DANZA de la realidad. Direção de Alejandro Jodorowsky. Chile, 2013. Intérpretes: Brontis Jodorowsky; Pamela Flores; Jeremias Herskovits e outros. Vídeo (133 min), widescreen, colorido. Produzido por Camera One e Le Soleil Films. 101

LA LEY del deseo. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1986. Intérpretes: Eusebio Poncela; Carmen Maura; Antonio Banderas e outros. Vídeo (100 min), widescreen, colorido. Produzido por El Deseo e Lauren Films.

LA MALA educación. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 2004. Intérpretes: Gael García Bernal; Javier Cámara; Fele Martínez; Daniel Giménez Cacho e Francisco Boira e outros. Vídeo (105 min), widescreen, colorido. Produzido por El Deseo.

LES ANGES du péché. Direção de Robert Bresson. França, 1943. Intépretes: Renée Faure; Jany Holt; Sylvie e outros. Vídeo (90 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Synops.

LE DIABLE au couvent. Direção de George Méliès. França, 1899. Intérprete: George Méliès. Vídeo (3 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Star-Film.

LOS AMANTES pasajeros. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 2013. Intérpretes: Javier Cámara; Carlos Areces; Raul Arévalo e outros. Vídeo (91 min), widescreen, colorido. Produzido por El Deseo e Paris Filmes.

LOS FANTASMAS de Goya. Direção de Milos Forman. Espanha e Estados Unidos da América, 2006. Intérpretes: Javier Bardem; Natalie Portman; Stellan Skarsgård e outros. Vídeo (113 min), widescreen, colorido. Produzido por The Saul Zaentz Company; Kanzaman; Antena 3 Televisión e Xuxa Producciones S.L.

LOS GIRASOLES ciegos. Direção de José Luis Cuerda. Espanha, 2008. Intérpretes: Maribel Verdú; Javier Cámara; Raúl Arévalo e outros. Vídeo (98 min), widescreen, colorido. Produzido por Estudios Organizativos y Proyectos Cinematográficos S.L.; Producciones A Modiño; Producciones Labarouta e Sogecine.

MARCELINO, pan y vino. Direção de Ladislao Vadja. Espanha, 1955. Intérpretes: Rafael Rivelles; Antonio Vico; Juan Calvo e outros. Vídeo (91 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Chamartín Producciones y Distribuciones e Falco Film.

MATADOR. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1986. Intérpretes: Antonio Banderas; Assumpta Serna; Nacho Martínez e outros. Vídeo (96 min), widescreen, colorido. Produzido por Andrés Vicente Gómez, Cia. Iberoamericana de TV.

MATKA Joanna od aniolów. Direção de Jerzy Kawalerowicz. Polônia, 1961. Intérpretes: Lucyna Winnicka; Mieczyslaw Voit; Anna Ciepielewska e outros. Vídeo 102

(110 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Film Polski Film Agency e ZRF Kadr.

MÉG kér a nép. Direção de Miklós Jancsó. Hungria, 1972. Intérpretes: Andrea Drahota; Gyöngyi Bürös; Erzsi Cserhalmi e outros. Vídeo (87 min), widescreen, colorido. Produzido por MAFILM 1. Játékfilmstúdió.

MUERTE en la carretera. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1976. Intérpretes: Paloma Hurtado; Juan Lombardero; Pepe Maya e outros. (8 min), widescreen, colorido. Produzido por Ayax Films.

NATTVARDSGÄSTERNA. Direção de Ingmar Bergman. Suécia, 1962. Intérpretes: Ingrid Thulin; Gunnar Björnstrand; Gunnel Lindblom e outros. Vídeo (81 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Svensk Filmindustri.

NAZARÍN. Direção de Luis Buñuel. México, 1959. Intérpretes: Marga López; Francisco Rabal; Rita Macedo e outros. Vídeo (94 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Producciones Barbachano Ponce.

O AUTO da Compadecida. Direção de Guel Arraes. Brasil, 2000. Intérpretes: Matheus Nachtergaele; Selton Mello; Rogério Cardoso e outros. Vídeo (104 min), widescreen, colorido. Produzido por Globo Filmes e Lereby Productions.

O PAGADOR de promessas. Direção de Anselmo Duarte. Brasil, 1962. Intérpretes: ; Glória Menezes; Dionísio Azevedo e outros. Vídeo (98 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Cinedistri.

PEPI, Luci, Bom y otras chicas del montón. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1980. Intérpretes: Carmen Maura; Félix Rotaeta; Olvido Gara; Eva Siva e outros. Vídeo (105 min), widescreen, colorido. Produzido por Pepón Corominas, para Figaro Films.

PICNIC. Direção de Joshua Logan. Estados Unidos da América, 1955. Intérpretes: William Holden; Kim Novak; Betty Field e outros. Vídeo (115 min), widescreen, colorido. Produzido por Columbia Pictures Corporation.

RUSSKIY kovcheg. Direção de Aleksandr Sokurov. Rússia, 2002. Intérpretes: Sergey Dreyden; Mariya Kuznetsova; Leonid Mozgovoy e outros. Vídeo (99 min), widescreen, colorido. Produzido por The State Hermitage Museum e Hermitage Bridge Studio.

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SALOMÉ. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1978. Intérpretes: Isabel Mestres; Fernando Hilbeck; Agustín Almodóvar e Juan Lombardero. Vídeo (12 min), widescreen, colorido. Produzido por Manuela Films.

SANTA Sangre. Direção de Alejandro Jodorowsky. México, 1989. Intérpretes: Axel Jodorowsky; Blanca Guerra; Guy Stockwell e outros. Vídeo (123 min), widescreen, colorido. Produzido por Produzioni Intersound e Productora Fílmica Real.

SEA caritativo. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1976. (5 min).

SEIJÛ gakuen. Direção de Noribumi Suzuki. Japão, 1974. Intérpretes: Yumi Takigawa; Emiko Yamauchi; Yayoi Watanabe e outros. Vídeo (91 min), widescreen, colorido. Produzido por Toei Tokyo.

SEXO va, sexo viene. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1977. (17 min).

SPLENDOR in the grass. Direção de Elia Kazan. Estados Unidos da América, 1961. Intérpretes: Natalie Wood; Warren Beatty; Pat Hingle e outros. Vídeo (124 min), widescreen, colorido. Produzido por Warner Bros., Newton Productions, NBI Prodcutions.

SUNSET Boulevard. Direção de Billy Wilder. Estados Unidos da América, 1950. Intérpretes: William Holden; Gloria Swanson; Erich von Stroheim e outros. Vídeo (110 min), widescreen, preto e branco. Produzido por A Paramount Picture.

THE BIRTH of a nation. Direção de D.W. Griffith. Estados Unidos da América, 1915. Intérpretes: Lillian Gish; Mae Marsh; Henry B. Walthall e outros. Vídeo (125 min), widescreen, preto e branco. Produzido por David W. Griffith Corporation e Epoch Producing Corporation.

THE HOLY Mountain. Direção de Alejandro Jodorowsky. México, 1973. Intérpretes: Alejandro Jodorowsky; Horacio Salinas; Zamira Saunders e outros. Vídeo (114 min), widescreen, colorido. Produzido por ABKCO Films.

THE LAST Temptation of Christ. Direção de Martin Scorsese. Estados Unidos da América, 1988. Intérpretes: Willem Dafoe; Harvey Keitel; Barbara Hershey e outros. Vídeo (164 min), widescreen, colorido. Produzido por Universal Pictures e Cineplex Odeon Films.

THE MAGDALENE Sisters. Direção de Peter Mullan. Escócia, 2002. Intérpretes: Eileen Walsh; Dorothy Duffy; Nora-Jane Noone e outros. Vídeo (119 min), widescreen, colorido. Produzido por Scottish Screen; Film Council; Bórd Scannán na 104 hÉireann; Momentum Pictures; PFP Films; Temple Films; Dumfries & Galloway Council; South West Scotland Screen Commission; Scottish Enterprise Dumfries & Galloway; UK Film Council's New Cinema Fund; Element Films e Irish Film Board.

THE MISSION. Direção de Roland Joffé. Inglaterra, 1986. Intérpretes: Robert De Niro; Jeremy Irons; Ray McAnally e outros. Vídeo (125 min), widescreen, colorido. Produzido por Warner Bros.; Goldcrest Films International; Kingsmere Productions Ltd.; Enigma Productions e AMLF.

THE NIGHT of de hunter. Direção de Charles Laughton; Robert Mitchum e Terry Sanders. Estados Unidos da América, 1955. Intérpretes: Robert Mitchum; Shelley Winters; Lillian Gish e outros. Vídeo (92 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Paul Gregory Productions.

THE NUN’S story. Direção de Fred Zinnemann. Estados Unidos da América, 1959. Intérpretes: Audrey Hepburn; Peter Finch; Edith Evans e outros. Vídeo (149 min), widescreen, colorido. Produzido por Warner Bros.

THE PASSION of the Christ. Direção de Mel Gibson. Estados Unidos da América, 2004. Intérpretes: Jim Caviezel; Monica Bellucci; Maia Morgenstern e outros. Vídeo (127 min), widescreen, colorido. Produzido por Icon Productions.

TODO sobre mi madre. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1999. Intérpretes: ; Marisa Paredes; Penélope Cruz; Antonia San Juan e outros. Vídeo (106 min), widescreen, colorido. Produzido por El Deseo, France 2, Canal +.

TRÁILER de 'Who's Afraid of Virginia Woolf?'. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 1976.

VIRIDIANA. Direção de Luis Buñuel. México, 1961. Intérpretes: Silvia Pinal; Fernando Rey; Francisco Rabal e outros. Vídeo (90 min), widescreen, preto e branco. Produzido por Unión Industrial Cinematográfica; Gustavo Alatriste e Films 59.

VOLVER. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha, 2006. Intérpretes: Penélope Cruz; Carmen Maura; Lola Dueñas; Blanca Portillo; Yohana Cobo e outros. Vídeo (121 min), widescreen, colorido. Produzido por Canal+ España, El Deseo S.A., TVE, Ministerio de Cultura.

WHATEVER works. Direção de Woody Allen. Estados Unidos da América, 2009. Intérpretes: Larry David; Adam Brooks; Lyle Kanouse; Michael McKean; Carolyn 105

McCormick; Samantha Bee e outros. Vídeo (92 min), widescreen, colorido. Produzido Letty Aronson e Stephen Tenenbaum.

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Anexos Quadros de Entre Tinieblas (1984)

114

115

Quadros de Matador (1985-1986)

116

Quadros de La ley del deseo (1986)