4 - Estado da arte sobre a taxonomia e filogenia de

Rodrigo M. Feitosa

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

FEITOSA, RM. Estado da arte sobre a taxonomia e filogenia de Heteroponerinae. In: DELABIE, JHC., et al., orgs. As formigas poneromorfas do Brasil [online]. Ilhéus, BA: Editus, 2015, pp. 33-41. ISBN 978-85-7455-441-9. Available from SciELO Books .

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. 4

Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Heteroponerinae

Rodrigo M. Feitosa

Resumo

Heteroponerinae compreende três gêneros regiões andinas da América do Sul parecem estar de formigas: Mayr, Aulacopone mais proximamente relacionadas às espécies aus- Arnol’di e Heteroponera Mayr. Acanthoponera é tralianas do que às demais espécies neotropicais. exclusivamente Neotropical, enquanto Heteroponera Observações de campo aliadas a dados de mostra uma distribuição disjunta nas Américas rótulo de espécimes de museus fornecem impor- e Oceania. O gênero Aulacopone ocorre apenas tantes informações acerca da história natural do na Região Paleártica. A principal característica grupo. Larvas de Heteroponerinae são predo- morfológica exclusiva da subfamília é a presença de minantemente predadoras, alimentando-se de uma carena longitudinal mediana, que se estende pequenos artrópodes coletados pelas operárias. da margem anterior do clípeo à margem posterior Ocasionalmente, adultos podem se alimentar dos da cabeça. líquidos (hemolinfa) resultantes das feridas provo- Acanthoponera é representado por quatro cadas no tegumento das presas caçadas por ope- espécies neotropicais. Heteroponera apresenta 19 rárias e de exsudatos vegetais no caso de espécies espécies, seis das quais restritas à Região Australia- arborícolas. Os membros de Heteroponera têm há- na e 13 exclusivamente neotropicais. Aulacopone é bitos predominantemente diurnos e seus ninhos conhecido por uma única espécie, A. relicta, repre- são encontrados no solo, serapilheira e troncos em sentada por um par de rainhas coletadas por volta decomposição, e podem abrigar colônias com al- da década de 1930 em duas localidades no sudoes- gumas dezenas a poucas centenas de indivíduos, te da Ásia (Azerbaijão). sendo que as operárias forrageiam preferencial- No que se refere às relações fi logenéticas mente no solo. Espécies de Acanthoponera são no- internas em Heteroponerinae, tanto a subfamília turnas, nidifi cando e forrageando exclusivamente quanto os gêneros são monofi léticos. Aulacopone em árvores. aparece em uma posição basal e representa o gru- Com relação à estratégia reprodutiva, algu- po-irmão do clado formado por Acanthoponera + mas espécies de Heteroponera podem apresentar Heteroponera. No caso do gênero mais especioso e rainhas ergatoides dividindo a função reprodutiva também o único desta subfamília presente em mais com as rainhas aladas na mesma colônia, enquan- de uma região biogeográfi ca, Heteroponera, as re- to em outras espécies as rainhas aladas foram com- lações internas indicam que as espécies australia- pletamente substituídas por ergatoides. Até onde nas ocupam uma posição basal em comparação às se sabe, todas as espécies de Acanthoponera pos- neotropicais. Ainda, as espécies encontradas em suem rainhas aladas.

FEITOSA, Rodrigo M. Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Heteroponerinae. In: DELABIE, Jacques H. C. et al. As formigas poneromorfas do Brasil. Ilhéus: Editus, 2015. p. 33-41.

Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Heteroponerinae | 33

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 3333 113/01/20163/01/2016 11:48:3511:48:35 Abstract

State of the art of the and of these lineages in at least two biogeographic phylogeny of the subfamily Heteroponerinae regions and the phylogenetic proximity found - Heteroponerinae comprises three genera: between Andean and Australian groups reveal an Acanthoponera Mayr, Aulacopone Arnol’di and interesting biogeographic scenario. Heteroponera Mayr. Acanthoponera is exclusively Field observations allied to label data from Neotropical, while Heteroponera shows a disjoint museum specimens provide important information distribution in the Americas and Australia. about the natural history of the group. Larvae of Aulacopone is known only from the Paleartic Region. Heteroponerinae are predominantly predators, Acanthoponera is represented by four and workers are occasionally observed feeding Neotropical . Heteroponera possess 19 species, on and plant exudates. Nests can support six of which are restricted to the Australian Region colonies with dozens to a few hundred of and 13 are exclusively Neotropical. Aulacopone is individuals. Heteroponera are diurnal and can nest known from a single species, A. relicta, represented in soil and vegetation, but preferentially forage in by two queens collected around the 1930s in two the soil, while Acanthoponera is nocturnal and localities in Southeast Asia (Azerbaijan). exclusively arboreal. Th e phylogeny of the group demonstrates With respect to the reproductive strategy, the monophyly of Heteroponerinae and its some species of Heteroponera may possess genera. Th e internal relationships indicate a basal ergatoid queens, which can share the reproductive position of the paleartic Aulacopone, which function with dealate queens, while in other appears as sister group to the clade Acanthoponera species the winged queens are completely replaced + Heteroponera. Regarding Heteroponera, the by ergatoids. As far as we know, all species of most diverse heteroponerine genus, the presence Acanthoponera have winged queens.

Sistemática de Heteroponerinae Paraponera, Proceratium e Rhytidoponera). Ape- sar de não ter realizado uma análise cladística, Por mais que os progressos recentes tenham Brown comparou a morfologia de Ectatommini a trazido luz ao conhecimento sobre taxonomia e as de diversos outros grupos de Ponerinae, concluin- relações fi logenéticas entre as principais linhagens do que Ectatommini apresentava os gêneros mais de formigas em um nível abrangente (ver Capí- basais, sendo Acanthoponera o gênero que reu- tulo 7 deste livro por Fernández; Lattke), muito nia o maior número de características ancestrais ainda está por ser compreendido acerca da fi lo- e do qual se derivava diretamente Heteroponera genia interna de boa parte das subfamílias, tribos que, por sua vez, seria mais intimamente relacio- ou mesmo gêneros. Este é o caso da subfamília nado à Aulacopone, Discothyrea, Gnamptogenys, Heteroponerinae. Até recentemente, as formigas Proceratium e Rhytidoponera, enquanto Ectatomma desta subfamília eram consideradas como perten- e Paraponera formariam uma linhagem distinta. centes à tribo Ectatommini que, juntamente com Lattke (1994) foi o primeiro a propor uma outras tribos, formavam um táxon muito abran- análise fi logenética para Ectatommini utilizando gente e heterogêneo, a subfamília Ponerinae (BOL um conjunto abrangente de caracteres de morfolo- TON, 1994; BOLTON, 1995). gia externa. Em seu estudo, Lattke demonstrou que Brown (1958) apresentou a primeira pro- Ectatommini era um grupo polifi lético e propôs posta de classifi cação para Ectatommini. Neste uma nova classifi cação para os gêneros que o com- trabalho, uma série extensiva e bem justifi cada punha, revalidando as tribos Paraponerini, com de sinonímias genéricas reduziu um imenso e Paraponera como único membro e Proceratiini, confuso arranjo de nomes a apenas nove gêne- englobando Discothyrea e Proceratium. Os demais ros (Acanthoponera, Aulacopone, Discothyrea, gêneros foram mantidos em Ectatommini, que pas- Ectatomma, Gnamptogenys, Heteroponera, sou a ser representada por dois clados, sendo um

34 | Rodrigo M. Feitosa

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 3344 113/01/20163/01/2016 11:48:3511:48:35 deles formado por Acanthoponera e Heteroponera Os resultados de Lattke foram duramente (grupo Heteroponera), enquanto o segundo englo- contestados por Keller (2000) que afi rmou que a bava Ectatomma, Gnamptogenys e Rhytidoponera classifi cação proposta por este autor era cladisti- (grupo Ectatomma). Contudo, Ectatommini per- camente inconsistente, já que a tribo Ectatommini maneceu um grupo polifi lético, uma vez que os era polifi lética e suas análises foram baseadas em clados que a compunham não compartilhavam o propostas fi logenéticas antigas e irrelevantes para a mesmo ancestral em nenhuma das topologias ob- escolha dos grupos externos. Keller então ampliou tidas por Lattke (Figura 4.1A). a matriz de Lattke com novos táxons e caracteres e

Figura 4.1 – Relações entre os gêneros de Ectatommini com as propostas para a reclassifi cação da tribo segundo (A) Lattke (1994) e (B) Keller (2000). A barra azul mostra a posição dos gêneros heteroponeríneos incluídos nas análises (Modifi cado de Feitosa, 2011)

A

B

Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Heteroponerinae | 35

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 3355 113/01/20163/01/2016 11:48:3611:48:36 desenvolveu uma nova análise fi logenética (Figu- informal, o qual chamou de poneromorfas. Este ra 4.1B). Seus resultados confi rmaram a distância termo teve aceitação por algum tempo e apareceu fi logenética entre Paraponera e os demais gêneros com frequência na literatura dos anos seguintes ao e também a monofi lia dos grupos Heteroponera e trabalho de Bolton. No entanto, fi logenias recen- Ectatomma. Contudo, surpreendentemente, o gru- tes utilizando dados moleculares demonstraram po Heteroponera aparece como grupo-irmão de um que as poneromorfas formam, na verdade, uma clado formado por membros de outras subfamílias assembleia artifi cial, com um grupo monofi lético de formigas (Apomyrminae e Cerapachyinae) e (o complexo poneroideo), excluindo-se as subfa- que também inclui o grupo Ectatomma. Estes re- mílias Ectatomminae e Heteroponerinae que jun- sultados contrastam drasticamente com o obser- tas formam o complexo ectaheteromorfo e que, vado em todos os estudos anteriores, perpetuando ao lado de e Myrmicinae, compõem a instabilidade nas classifi cações de Ectatommini. o atual clado formicoide (MOREAU et al., 2006; Dadas as evidências de que Ectatommini OUELLETTE et al., 2006; BRADY et al., 2006; RA e mesmo Ponerinae constituíam agrupamen- BELING et al., 2008) (Figura 4.2). tos artifi ciais, Bolton (2003) desenvolveu um es- Mais recentemente, Keller (2011) publicou tudo morfológico minucioso e extremamente uma das análises fi logenéticas mais abrangen- abrangente e decidiu dividir Ponerinae em seis tes já feitas para formigas, utilizando exclusiva- subfamílias: Amblyoponinae, Ectatomminae, mente caracteres morfológicos, com ênfase nos Heteroponerinae, Paraponerinae, Ponerinae e grupos incluídos no complexo poneromorfo de Proceratiinae que se somaram às demais 15 subfa- Bolton (2003). Apesar das grandes divergências mílias existentes. Os gêneros que até então forma- deste trabalho com as propostas recentes que uti- vam a tribo Ectatommini agora se encontram divi- lizaram dados moleculares, a proposta de Keller didos nas subfamílias Ectatomminae (Ectatomma, comprova a parafi lia do complexo poneromorfo Gnamptogenys, Rhytidoponera e Typhlomyrmex), e a relação de grupo-irmão entre Ectatomminae e Heteroponerinae (Acanthoponera, Aulacopone Heteroponerinae (grupo ectaheteromorfo). e Heteroponera) e Proceratiinae (Discothyrea, Feitosa (2011) desenvolveu uma revisão Probolomyrmex e Proceratium). taxonômica global e a primeira tentativa de analisar No mesmo trabalho, Bolton (2003) conside- as relações fi logenéticas internas de Heteroponerinae rou as subfamílias originadas do desmembramento com base em caracteres morfológicos externos de de Ponerinae como membros de um agrupamento todos os táxons nela incluídos. A análise fi logenética

Figura 4.2 – Sumário das relações fi logenéticas entre subfamílias de formigas reconstruídas com base em dados moleculares. Os triângulos representam a diversidade de cada subfamília (Modifi cado de Keller, 2011).

36 | Rodrigo M. Feitosa

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 3366 113/01/20163/01/2016 11:48:3611:48:36 a partir de caracteres morfológicos (Figura 4.3) Acanthoponera + Heteroponera. Este estudo está corroborou a monofi lia de Heteroponerinae. Os sendo complementado com a obtenção de dados gêneros Acanthoponera e Heteroponera apareceram moleculares para novas inferências sobre a fi logenia como monofi léticos em todas as topologias da subfamília. encontradas. As relações internas apontaram A taxonomia alfa de Heteroponerinae so- para uma posição basal do gênero paleártico freu poucas alterações desde o trabalho de Brown Aulacopone, que fi gura como grupo-irmão do clado (1958). Entre os últimos trabalhos em que foram

Figura 4.3 – Relações fi logenéticas internas de Heteroponerinae com base em caracteres morfológicos. Topologia única obtida através da metodologia de pesagem implícita de caracteres (k=3) (Modifi cado de Feitosa, 2011).

Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Heteroponerinae | 37

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 37 113/01/20163/01/2016 11:48:3611:48:36 abordados aspectos da taxonomia dos gêneros Representantes de Heteroponerinae no Brasil heteroponeríneos, está o de Kempf (1962), que oferece retoques à classifi cação das espécies ne- Acanthoponera Mayr, 1862 otropicais de Heteroponera e o artigo de Taylor (2011), com uma revisão das espécies do grupo Acanthoponera compreende até então qua- Heteroponera leae, restritas à Austrália. Desde o tro espécies (A. goeldii, A. minor, A. mucronata e trabalho de Brown (1958), nenhuma revisão do A. peruviana) caracterizadas principalmente pela gênero Acanthoponera foi realizada, exceto pelo presença de escrobos antenais profundos, olhos trabalho de Feitosa (2011). muito desenvolvidos, espinhos propodeais longos Pelo conceito atual de subfamílias de formi- e ápice do pecíolo terminando em um espinho gas, Heteroponerinae ainda engloba os três gêneros muito desenvolvido (Figura 4.4). nela combinados por Bolton (2003): Acanthoponera; Este é o único gênero de Heteroponerinae Aulacopone (incertae sedis) e Heteroponera, todos restrito exclusivamente à Região Neotropical, reunidos em uma única tribo, Heteroponerini. São ocorrendo do sul do México ao norte da Argen- formigas de tamanho médio que, apesar de não es- tina, preferencialmente em áreas de maior altitu- tarem entre os elementos mais conspícuos da mir- de. No Brasil ocorrem três espécies, A. goeldii Fo- mecofauna, podem ser consideradas relativamente rel, A. mucronata (Roger) e A. peruviana Brown. comuns dependendo da região. Morfologicamente, Acanthoponera goeldii está restrita às áreas de Flo- caracterizam-se principalmente pela presença de resta Atlântica do Sul e Sudeste do Brasil, enquanto uma carena cefálica longitudinal mediana conspí- A. peruviana só é encontrada na Região Amazô- cua, que vai da margem anterior ou posterior do clí- nica. Já A. mucronata possui a maior distribuição peo ao vértice da cabeça; clípeo largamente inserido entre as espécies do gênero e pode ser encontrada entre as inserções antenais; antena com 12 artículos; em todas as regiões do país. sutura promesonotal presente e fl exível e meso e A principal referência para a identifi cação metatíbias com um único esporão cada. das espécies deste gênero segue sendo o trabalho Acanthoponera é representado por quatro de Brown (1958) que se baseia principalmente no espécies neotropicais. Heteroponera apresenta 19 grau de desenvolvimento dos espinhos propodeais espécies, seis das quais restritas à Região Australia- e na profundidade da constrição entre o primeiro na e 13 exclusivamente neotropicais. Aulacopone é e o segundo segmentos gastrais para delimitar as conhecido por uma única espécie, A. relicta, repre- espécies. Estas características têm grande impor- sentada por um par de rainhas coletadas por volta tância taxonômica, mas o material acumulado re- da década de 1930 em duas localidades no sudoes- centemente em coleções permitiu a observação de te da Ásia (Azerbaijão), das quais uma (o holótipo) novas estruturas morfológicas diagnósticas para está perdida. espécies e o reconhecimento de pelo menos duas

Figura 4.4 – , operária em (a) vista frontal e (b) vista lateral. Foto: Ricardo Kawada.

A B

38 | Rodrigo M. Feitosa

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 3388 113/01/20163/01/2016 11:48:3611:48:36 novas espécies para o gênero, uma delas aparente- Acanthoponera pela ausência de um lobo basal mente endêmica do Sul do Brasil e Uruguai (FEI- nas garras tarsais e pelo menor desenvolvimento TOSA, 2011). dos espinhos propodeais e da projeção posterior Operárias de Acanthoponera são formigas do pecíolo (Figura 4.5). robustas que possuem hábitos noturnos e nidifi - Na Região Neotropical Heteroponera ocorre cam exclusivamente na vegetação, tanto em fl o- da América Central ao centro-sul do Chile, apre- restas úmidas quanto em bosques isolados. De sentando maior riqueza nas fl orestas montanho- fato, exemplares têm sido coletados em locais com sas da Colômbia e da Mata Atlântica brasileira. De grande atividade antrópica como regiões centrais fato, o Brasil abriga oito das 13 espécies descritas das cidades de São Paulo e Curitiba, por exemplo para o gênero: H. angulata Borgmeier, H. den- (R. FEITOSA, obs. pess.). Por mais singular que tinodis (Mayr), H. dolo (Roger), H. fl ava Kempf, possa parecer, a principal técnica de coleta para H. inermis (Emery), H. mayri Kempf, H. microps as formigas deste gênero é a armadilha Malaise de Borgmeier, e H. robusta Kempf. interceptação de voo de insetos. Sendo exclusiva- A referência até então utilizada para a iden- mente arborícolas e muito territorialistas, operá- tifi cação de espécies de Heteroponera no Brasil é a rias tendem a investigar armadilhas Malaise logo revisão de Kempf (1962), que ainda é de bastante após sua instalação em áreas de fl oresta e assim ajuda na nomeação das espécies que ocorrem nes- acabam capturadas pelos recipientes coletores. ta região. Contudo, o acúmulo de exemplares deste Em seu ambiente natural, as operárias va- gênero em coleções entomológicas desde o tra- gam solitariamente por entre galhos e folhas à pro- balho de Kempf permitiu um estudo mais abran- cura de pequenos artrópodes protegidas pela escu- gente sobre os limites específi cos dos membros ridão noturna. Ao menor sinal de perturbação ou de Heteroponera que irá resultar em alterações na mesmo sob o feixe de luz de uma lanterna, as ope- atual classifi cação do gênero, incluindo algumas si- rárias imediatamente fi cam imóveis, difi cultando nonímias e descrições de espécies novas (FEITO- sua localização. Não há relatos sobre estratégias SA, 2011). reprodutivas ou estrutura de ninhos. Os ninhos de Heteroponera são normal- mente encontrados em áreas de fl oresta úmida, no Heteroponera Mayr, 1887 interior de troncos em decomposição caídos, entre folhas nas camadas mais profundas da serapilheira Heteroponera é o gênero-tipo e o que abri- e eventualmente na vegetação, onde ocupam cavi- ga o maior número de espécies na subfamília. dades no interior de galhos vivos ou mortos ou ni- Treze espécies são conhecidas para a Região Ne- difi cam entre as raízes de epífi tas. As colônias são otropical. As espécies deste gênero podem ser relativamente pequenas, em geral com menos de imediatamente diferenciadas do gênero próximo 200 operárias. Quando perturbadas, as operárias

Figura 4.5 – Heteroponera mayri, operária em (a) vista frontal e (b) vista lateral. Foto: Ricardo Kawada.

A B

Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Heteroponerinae | 39

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 39 113/01/20163/01/2016 11:48:3611:48:36 tendem a cercar a prole e posicionar o gáster para Neste sentido, em nome da estabilidade taxonô- cima sem, no entanto, mostrarem-se agressivas, mica em Formicidae, justifi ca-se a sinonímia de permanecendo imóveis ou fi ngindo-se de mortas Heteroponerinae sob Ectatomminae, uma vez que (tanatose) (LATTKE, 2003; BORGES et al., 2004; esta última detém a prioridade taxonômica por LONGINO, 2005). englobar o gênero mais antigo do agrupamento A ergatoginia é um fenômeno comumente (Ectatomma Smith, 1858). Este ato nomenclatural, observado em Heteroponera. Nas espécies em que assim como as novas espécies reconhecidas neste esta estratégia reprodutiva foi registrada, além estudo, serão formalmente propostos pelo presen- das gines ergatoides, normalmente também estão te autor em um manuscrito a ser publicado opor- presentes gines aladas. A fundação de novas colô- tunamente. nias se dá, muito provavelmente, por fi ssão, como demonstram alguns experimentos conduzidos Referências em laboratório (FRANÇOSO, 1995; FEITOSA, 2011). BOLTON, B. Identifi cation Guide to the Ant Genera Em laboratório, espécies de Heteroponera of the World. Harvard University Press. Cambridge, aceitam preferencialmente larvas e adultos de Massachusetts, p. 222, 1994. Tenebrio mollitor (Coleoptera: Tenebrionidae), BOLTON, B. A New General Catalogue of the larvas de Alphitobius sp. (Coleoptera: Tenebrio- of the Word. Harvard University Press. Cambridge, nidae), adultos de Falsonia candida (Collembola) Massachusetts. 1995. 504 p. e larvas de Drosophila sp. (Diptera) (FRANÇO SO, 1995). Na natureza, diversas operárias foram BOLTON, B. Synopsis and classifi cation of Formicidae. observadas transportando pequenos artrópodes Memoirs of the American Entomological Institute, v. (inteiros ou em pedaços) para a colônia (FEITO- 71, p. 1-370, 2003. SA, 2011). BORGES, D. S.; DELABIE, J. H. C.; MARIANO, C. S. F.; POMPOLO, S. G. Notes écologiques et Perspectivas étude cytogénétique de la Fourmi néotropicale Heteroponera dolo (Roger, 1981) (, Na revisão taxonômica de Feitosa (2011), Formicidae, Heteroponerinae). Bulletin de la Société após o exame de 33 dos 36 espécimes-tipo de- Entomologique de France, v. 109, p. 257-261, 2004. signados para as espécies e subespécies de Heteroponerinae, seis espécies foram reconhe- BRADY, S. G.; SCHULTZ, T. R.; FISHER, B. L.; WARD, cidas para o gênero Acanthoponera, duas ainda P. S. Evaluating alternative hypotheses for the early evolution and diversifi cation of ants. Proceedings não descritas. Heteroponera apresenta 21 espécies of the National Academy of Sciences of the United (seis delas descritas pela primeira vez), sete das States of America, v. 13(48), p. 18172-18177, 2006. quais restritas à Região Australiana (três novas) e 14 exclusivamente neotropicais (três novas). BROWN, W. L., Jr. Contributions toward a Duas sinonímias foram propostas para espécies reclassifi cation of the Formicidae. II. Tribe neotropicais. Indivíduos de castas e sexos ainda Ectatommini (Hymenoptera). Bulletin of the Museum não registrados (incluindo machos, gines e ope- of Comparative Zoology of Harvard College, v. 118, rárias) foram descritos pela primeira vez para p. 175-362, 1958. diferentes espécies de Heteroponerinae. Novos FEITOSA, R. S. M. Revisão Taxonômica e Análise registros de localidades expandiram signifi cati- Filogenética de Heteroponerinae (Hymenoptera: vamente a distribuição conhecida para a maior Formicidae). Tese de Doutorado apresentada ao parte das espécies. Programa de Pós-Graduação em Entomologia O estudo de Feitosa lançou bases seguras da Faculdade de Filosofi a Ciências e Letras da para o reconhecimento e delimitação de grande Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto. São Paulo, parte das espécies da subfamília e representou o pri- Brasil. 2011. XIII + 297 p. meiro passo na tentativa de se compreender as re- FRANÇOSO, M. F. L. Biologia e Taxonomia lações fi logenéticas internas em Heteroponerinae. de Heteroponera Mayr, 1887 Neotropicais Neste mesmo estudo fi ca evidente o quão tênues (Hymenoptera: Formicidae). Dissertação de mestrado são os limites morfológicos entre Heteroponerinae apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade e seu grupo-irmão, a subfamília Ectatomminae. de São Paulo. São Paulo, Brasil. 1995. 125 p.

40 | Rodrigo M. Feitosa

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 4400 113/01/20163/01/2016 11:48:311:48:37 KELLER, R. A. Cladistics of the tribe Ectatommini MAYR, G. L. Myrmekologische Studien. (Hymenoptera: Formicidae): a reappraisal. Insect Verhandlungen der Zoologisch-Botanischen Systematics; Evolution. 2000. v. 31, p. 59-69. Gesellschaft in Wien, v. 12, p. 649-776, 1862.

KELLER, R. A. A phylogenetic analysis of ant MAYR, G. L. Südamerikanische Formiciden. morphology (Hymenoptera: Formicidae) with special Verhandlungen der Zoologisch-Botanischen reference to the poneromorph subfamilies. Bulletin of Gesellschaft in Wien, v. 37, p. 511-632, 1887. the American Museum of Natural History, v. 355, p. 1-90, 2011. MOREAU, C. S.; BELL, C. D.; VILA, R.; ARCHIBALD, B.; PIERCE, N. E. Phylogeny of the ants: diversifi cation KEMPF, W. W. Retoques à classifi cação das formigas do in the age of angiosperms. Science, v. 312, p. 100-104, gênero Heteroponera Mayr (Hym., Formicidae). Papéis 2006. Avulsos do Departamento de Zoologia, v. 15, p. 29- 47, 1962. OUELLETTE, G. D.; FISHER, B. L.; GIRMAN, D. J. Molecular systematics of basal subfamilies of LATTKE, J. E. Phylogenetic relationships and ants using 28S rRNA (Hymenoptera: Formicidae). classifi cation of ectatommine ants (Hymenoptera: Molecular Phylogenetics and Evolution, v. 40, p. 359- Formicidae). Entomologica Scandinavica, v. 25, p. 369, 2006. 105-119, 1994. RABELING, C.; BROWN J. M.; VERHAAGH, M. LATTKE, J. E. Subfamilia Ponerinae. In: Fernández, Newly discovered sister lineage sheds light on early ant F. (Org.). Introducción a las Hormigas de la Región evolution. Proceedings of the National Academy of Neotropical. Instituto de Investigación de Recursos Science, v. 105 (39), p. 14913-14917, 2008. Biológicos Alexander von Humbolt. Bogotá. 2003. p. 261-276. TAYLOR, R. W. Australasian ants of the subfamily Heteroponerinae (Hymenoptera: Formicidae): (1) LONGINO, J. T. 2005. Ants of Costa Rica. Publicação General introduction and review of the Heteroponera eletrônica. Disponível em: http://www.evergreen.edu/ leae (WHEELER, 1923) species group, with ants/AntsofCostaRica.html. (Acessado em 20 de Julho descriptions of two new species. Myrmecological de 2011). News, v. 15, p. 117-123, 2011.

Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Heteroponerinae | 41

PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 4411 113/01/20163/01/2016 11:48:311:48:37