Universidades Lusíada

Caeiro, Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira, 1985- Evocando Xenakis : entre a música e a arquitectura http://hdl.handle.net/11067/651

Metadados Data de Publicação 2013-12-11 Resumo A procura das semelhanças e pontos comuns entre Música e Arquitectura, incentivou-me a investigar este tema que me fascina. Com o objectivo de relacionar estas duas artes, a partir da sua origem, criação e conceptualização, escolho a obra de como autor suporte de investigação. Outros autores relacionam estas duas artes, mas a escolha pende para Xenakis, pelo facto de ser pouco divulgado ao invés do seu mentor Le Corbuiser. A sua personalidade evidenciada durante o ciclo de confe... Palavras Chave Música e arquitectura, Xenákis, Iánnis, 1922-2001 - Crítica e interpretação Tipo masterThesis Revisão de Pares Não Coleções [ULL-FAA] Dissertações

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U NIVE RSID ADE LUSÍ ADA DE L ISBO A

Fac uldad e de Arquitectura e A rtes

Mestrado integ rado em Arquitectura

Evocando Xenakis: entre a música e a arquitectura

Realizado por: Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoell Arguente: Mestre Arqt. Alberto de Sousa Oliveira

Dissertação aprovada em: 11 de Dezembro de 2013

Lisboa

2013

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Evocando Xenakis: entre a música e a arquitectura

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro

Lisboa

Novembro 2013

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Evocando Xenakis: entre a música e a arquitectura

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro

Lisboa

Novembro 2013 Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro

Evocando Xenakis: entre a música e a arquitectura

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Lisboa

Novembro 2013

Ficha Técnica

Autor Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro

Orientador Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Título Evocando Xenakis: entre a música e a arquitectura

Local Lisboa

Ano 2013

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

CAEIRO, Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira, 1985-

Evocando Xenakis : entre a música e a arquitectura / Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro ; orientado por Bernardo d'Orey Manoel. - Lisboa : [s.n.], 2013. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I - MANOEL, Bernardo de Orey, 1969-

LCSH 1. Música e arquitectura 2. Xenákis, Iánnis, 1922-2001 - Crítica e interpretação 3. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 4. Teses - Portugal - Lisboa

1. Music and architecture 2. Xenákis, Iánnis, 1922-2001 - Criticism and interpretation 3. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 4. Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. ML3849.C34 2013

Dedicatória Dedico à minha avó Catarina, que infelizmente não conseguiu estar presente na conclusão do meu curso de Arquitectura, de que tanto se orgulhava.

Sendo o único dos três netos a seguir Artes, espero honrar e dar continuidade à veia artística da família Vieira Caeiro.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de expressar a minha profunda gratidão a todos, que à sua maneira me incentivaram e permitiram desenvolver o trabalho que a seguir apresento, destacando naturalmente as pessoas que se excederam no seu auxílio.

Agradeço à minha mãe pelo seu incansável apoio diário, suportando, assistindo e vivendo todo este processo na sua íntegra. Sem a sua dedicação, amizade e muita paciência não teria conseguido finalizar este trabalho.

Ao meu pai que de perto ou de longe sei que está sempre a torcer pelo meu sucesso pessoal e profissional.

Aos meus amigos que colocaram em dúvida a finalização desta dissertação, motivando-me ainda mais em terminá-la, para assim poder mostrar que era capaz.

Ao Prof. Doutor Arqt. Bernardo d´Orey Manoel, pela importância decisiva que teve no início do meu trabalho, restringindo o vasto tema que é a relação entre Música e Arquitectura, para um dos possíveis temas que tinha anotado: A Vida e Obra de Iannis Xenakis. Organizando desta maneira o modo caótico como tinha trabalhado até então. Para além da sua constante e permanente disponibilidade, agradeço o modo paciente como me ajudou a prosseguir a minha investigação através das suas críticas, comentários, sugestões e incentivos, orientando-me sempre pelo melhor caminho, evitando rumos menos eficazes de alcançar os objectivos pretendidos. Finalmente, agradeço pela minúcia com que leu o meu trabalho desde da sua fase embrionária, ajudando-me a entender e compreender as sucessivas dúvidas com que me confrontei.

Ao Professor Alvaro Cidráis, estou infinitamente grato pelo curso “Competências para a Vida” que nos facultou em Outubro de 2012. A sua preocupação pelo presente e futuro dos seus alunos e colegas deu as ferramentas motivacionais necessárias para enfrentar qualquer tipo de viagem profissional. Respeito-o e admiro-o pela sua disponibilidade e por partilhar a sua enorme experiência social e humana, contribuindo inequivocamente para a resolução de algumas dúvidas e problemas de gestão emocional, relacional, temporal e de trabalho.

A Paulo Enes da Silveira pela simpatia em partilhar as experiências e contactos que travou com Xenakis, contribuindo para que este documento ficasse mais rico. Não me esqueço ainda do seu apoio e disponibilidade não só através dos seus relatos e comentários amigos, como também de alguma bibliografia que me facilitou.

A Francisco Pampulha, amigo de infância, que tornou possível o contacto com o professor catedrático Paulo Enes Silveira, facilitando uma abordagem mais humana de Iannis Xenakis.

À Casa da Música, no Porto, por ter efectuado, em 2011, um ciclo de conferências: “A Música no Espaço – Diálogos entre Música e Arquitectura”, culminando numa conferência e um concerto final dedicado a Iannis Xenakis. (Anexo A)

À minha família, em especial à minha irmã, agradeço todo o carinho dado, motivando directa e indirectamente a elaboração deste trabalho desde a primeira hora.

Finalmente agradeço à minha namorada Marisa, pela sua companhia e apoio permanente, dando-me a força necessária para concluir esta dissertação. Devo-lhe a realização deste trabalho pela ajuda que concedeu ao longo deste último ano e meio, acompanhando de perto as minhas decisões e frustrações. Não só pelo carinho demonstrado como também pela sua vontade de querer saber mais sobre a relação entre Música e Arquitectura, motivando-me a superar-me a mim mesmo.

“A arquitectura é apreciada pelos olhos que vêem, pela cabeça que gira, pelas pernas que caminham.

A arquitectura não é um fenómeno sincrónico, mas sucessivo, feito de espectáculos, que se juntam uns aos outros, e seguindo-se no tempo e no espaço, como de resto, o faz a música.”

Le Corbusier (2010) – O Modulor. Lisboa : Orfeu Negro. V. 1. p. 95.

APRESENTAÇÃO

Evocando Xenakis: Entre a Música e a Arquitectura

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro

A procura das semelhanças e pontos comuns entre Música e Arquitectura, incentivou- me a investigar este tema que me fascina.

Com o objectivo de relacionar estas duas artes, a partir da sua origem, criação e conceptualização, escolho a obra de Iannis Xenakis como autor suporte de investigação.

Outros autores relacionam estas duas artes, mas a escolha pende para Xenakis, pelo facto de ser pouco divulgado ao invés do seu mentor Le Corbuiser. A sua personalidade evidenciada durante o ciclo de conferências “A Música no Espaço – Diálogos entre Música e Arquitectura” foi outro factor determinante desta escolha.

A partir da leitura crítica da vida de Xenakis, da sua maneira de pensar, bem como das suas maiores influências, iremos mostrar como estas se reflectem nas suas obras musicais e principalmente arquitectónicas, nomeadamente o Pavilhão Philips, o Mosteiro de La Tourette e a Cidade da Música.

Palavras-chave: Xenakis, Música, Arquitectura.

PRESENTATION

Referring Xenakis: Between Music and Architecture

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro

The demand of the similarities and points in common between Music and Architecture encouraged me to investigate this topic that fascinates me.

In order to relate these two arts, from its origin, creation and conceptualization, I choose the work of Iannis Xenakis as author support investigation.

Other authors relate these two arts, but the choice leans to Xenakis, by the fact of being unheralded rather than his mentor Le Corbuiser. His personality evidenced during the conference cycle "Music in Space - Dialogues between Architecture and Music" was another decisive factor in this choice.

From the critical reading of the life of Xenakis, his way of thinking, as well as his biggest influences, we will show how these are reflected in his musical works and especially architectural, namely the , the Monastery of La Tourette and the City of Music.

Keywords: Xenakis, Music, Architecture

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – “Iannis Xenakis c. 1995” (Frisicano, 2010) ...... 44 Ilustração 2 - Esboço entregue por a Iannis Xenakis, em Outubro de 1956 (Xenakis, 1976, p.127) ...... 47 Ilustração 3 - Vector sobre forma de matriz que resume todos estes caminhos convergentes do pensamento (Adaptado a partir de Xenakis, 1976, p.131) .... 50 Ilustração 4 - Estudo em plano (Xenakis, 1976, p.132) ...... 50 Ilustração 5 - Pesquiza espacial (Xenakis, 1976, p.133) ...... 51 Ilustração 6 - Estrutura metálica seguindo as cordas do piano da maquete com arestas em forma de vigas curvas (Xenakis, 1976, p.135) ...... 52 Ilustração 7 - Paraboloide hiperbólica construída em função de duas hastes A e B, por intervalos a e b dos pontos e por dois ângulos e W definidos pelo esquema seguinte (Xenakis, 1976, p.136) ...... 53 Ilustração 8 - Bº é uma paralela a B a partir dum ponto qualquer X de A (Xenakis, 1976, p.136) ...... 53 Ilustração 9 - Para obter uma superfície P.H. coloca-se sobre A e B (directriz) um mesmo número de pontos e unem-se pontos homólogos pelas rectas (geradoras) (Xenakis, 1976, p.137) ...... 54 Ilustração 10 - Vista axonométrica e o mesmo desenho em geometria descritiva (Xenakis, 1976, p.138) ...... 54 Ilustração 11 - Desenho da figura primitiva do estômago. (Xenakis, 1976, p.139) ...... 55 Ilustração 12 - Desenho relativo ao exterior do Pavilhão Philips (Xenakis, 1976, p.142) ...... 57 Ilustração 13 - Iannis Xenakis, como jovem engenheiro, no estúdio ATABAT de Le Corbusier, cerca de 1949 (Kanach, 2008, p.5) ...... 64 Ilustração 14 - Primeira página da tese de Xenakis sobre betão armado, para o Instituto Politécnico de Atenas em 1946 (Kanach, 2008, p.3) ...... 65 Ilustração 15 - Estúdio de Le Corbusier, 1952. Iannis Xenakis na extremidade esquerda; Le Corbusier na frente à direita (Kanach, 2008, p.2) ...... 66 Ilustração 16 - Le Corbusier e Iannis Xenakis com a maquete do tampão da Assembleia de Chandigarh. (Kanach, 2008, p.22) ...... 67 Ilustração 17 - Le Corbusier e Iannis Xenakis cerca de 1957 (Kanach, 2008, p.9) ...... 75 Ilustração 18 - "Excerto do caderno de lannis Xenakis em 1961, durante sua primeira viagem ao Japão” (Kanach, 2008, p.149) ...... 91 Ilustração 19 - Interior do Palácio Isolado Katsura (Tran, 2013) ...... 92 Ilustração 20 - Palácio Katsura (Baum, 1998) ...... 93

Ilustração 21 – O maior ícone do Metabolismo Japonês, o Nakagin Capsule Tower, pelo arquitecto Kisho Kurokawa (Viarosario, 2010) ...... 94 Ilustração 22 - "Esboço do Pavilhão Philips no bloco de notas de Xenakis" (Kanach, 2008, p.93) ...... 95 Ilustração 23 - "Edgar Varèse nos estúdios da Philips" (Kanach, 2008, p.94) . 96 Ilustração 24 - "Primeira maquete do Pavilhão Philips" (Kanach, 2008, p.95) . 97 Ilustração 25 - Operários na construção do Pavilhão Philips. (Brosnan, 2008) 98 Ilustração 26 - "Imagem do Poème Électronique de Le Corbuiser" (Kanach, 2008, p.98) ...... 99 Ilustração 27 - Distribuição das fontes sonoras dentro do pavilhão (Alfaro, 2012) ...... 100 Ilustração 28 - Pavilhão Philips (Cea, 2012)...... 101 Ilustração 29 - "Xenakis, Metastasis, representação gráfica dos glissandi" (Kanach, 2008, p.99) ...... 102 Ilustração 30 - Maquete em Aço, demonstrando as parábolas hiperbólicas do Pavilhão Philips (Soraperra, 2008) ...... 102 Ilustração 31 - "Esboço de Xenakis sobre possíveis 'rotas de som' dentro do Pavilhão Philips" (Kanach, 2008, p.100) ...... 103 Ilustração 32 - Planos do objecto matemático, para o exterior do Pavilhão Philips (Kanach, 2008, p.100) ...... 104 Ilustração 33 - 'Objet mathématique' (Soraperra, 2008) ...... 104 Ilustração 34 - Pilar que antecede a entrada do Pavilhão Philips (Kanach, 2008, p. 102) ...... 106 Ilustração 35 - "Fotografia da sala de Controlo. Pavilhão Philips" (Kanach, 2008, p.102) ...... 107 Ilustração 36 - Espectadores do Pavilhão Philips na fila de espera. (Hagens, 2013) ...... 107 Ilustração 37 - "Interior: 1) Estômago; 2) Entrada; 3) Saída; 4) Curvas livres" (Kanach, 2008, p.107) ...... 110 Ilustração 38 - “Picos resultantes das duas primeiras parabolóides hiperbólicas: cobrindo o estômago, dois primeiros pontos: 1) Tecto de paredes interiores / Os dois primeiros pontos, 2) Entrada; 3) Saída; 4) Hipérbole; 5) Arco de junção; 6) Segundo ponto; 7) Superfície em parabolóide hiperbólica; 8) Primeiro ponto; 9) Superfície em conoide; 10) Curva livre” (Kanach, 2008, p.107) ...... 110 Ilustração 39 - "O equilíbrio do terceiro pico e o “levantar” dos dois primeiros: 1) de entrada, 2) Primeiro ponto; 3) Segundo ponto; 4) Terceiro ponto; 5) superfície parabolóide hiperbólico; 6) Participar de arco 7) superfície conoid; 8) curva livre ("Estômago"); 9) O terceiro ponto suporta e prende os dois primeiros em equilíbrio.” (Kanach, 2008, p.107) ...... 110

Ilustração 40 - "Elaboração das características arquitectónicas - aperfeiçoar a forma: 1) Refinamento da linha arquitectónica; 2) Primeiro ponto 3) Segundo ponto; 4) Terceiro ponto; 5) As linhas em conóide são substituídas por parabolóides hiperbólicas; 6) Entrada; 7) Conóide; 8) Paraboloide hiperbólica; 9) Curva livre; 10) Curva hiperbólica.” (Kanach, 2008, p.108) ...... 111 Ilustração 41 – Envolvente do Pavilão Philips na Exposição Mundial de Bruxelas (NAI, 2008) ...... 111 Ilustração 42 - Pavilhão Philips, presente na Feira Mundial de 1958, em Bruxelas (Hagens, 2013) ...... 112 Ilustração 43 - Espectáculo de luzes e som presente na arquitectura do pavilhão (Hagens, 2013) ...... 113 Ilustração 44 - "Detalhe dos paineis de vidro ondulantes em Chandigarh" (Kanach, 2008, p.42) ...... 115 Ilustração 45 - "Projecto dos paineis de vidro ondulantes para La Tourette" (Kanach, 2008, p.42) ...... 116 Ilustração 46 - "Paineis de vidro ondulantes na Casa brasileira da Cité Universitaire em Paris" (Kanach, 2008, p.42) ...... 116 Ilustração 47 - "Folhas de estudo sobre os paineis de vidro ondulantes do Mosteiro de La Tourette" – Anexo H (Kanach, 2008, p.41) ...... 117 Ilustração 48 - "Painéis de vidro ondulantes que se aproximam do átrio em La Tourette" (Kanach, 2008, p.42) ...... 118 Ilustração 49 - "Contraponto de vários painéis de vidro ondulantes no pátio de La Tourette" (Kanach, 2008, p.45) ...... 118 Ilustração 50 - "Homem Modular gravado numa janela interior em La Tourette" (Kanach, 2008, pag.54) ...... 119 Ilustração 51 - "Primeira página de Metastasis" (Kanach, 2008, p.47) ...... 120 Ilustração 52 - "Representação gráfica de Metastasis" (Kanach, 2008, p.47) 120 Ilustração 53 - "Xenakis em La Tourette" (Kanach, 2008, p.48) ...... 121 Ilustração 54 - "Esboço axonornetrico de La Tourette" (Kanach, 2008, p.49) 122 Ilustração 55 - "Canhões de luz virados para sul" (Corbusier, 1971, p 21) .... 122 Ilustração 56 "Canhões de luz virados a sul, no pátio" (Corbusier, 1971, p 20) ...... 122 Ilustração 57 - Le Corbuiser discutindo os seus planos com os monges. (Burri, 1959) ...... 123 Ilustração 58 - "Canhões de luz virados a norte e o campanário" (Corbusier, 1971, p.10-11) ...... 124 Ilustração 59 "Uma página do manuscrito (em francês) de um artigo escrito por Xenakis, corrigido por Le Corbusier, publicado originalmente por Jean Petit, em 1957" (Kanach, 2008, p.54) ...... 125

Ilustração 60 – Neuma da escadaria que conduz para o terraço em La Tourette (Colin, 2010) ...... 126 Ilustração 61 "Uma floresta de pilares no pátio de La Tourette" (Kanach, 2008, p.52) ...... 127 Ilustração 62 - Pátio de La Tourette (Knox, 2013) ...... 127 Ilustração 63 - Vista do Mosteiro de La Tourette no cimo do planalto (Dent, 2012) ...... 127 Ilustração 64 - "Xenakis sentado na entrada de La Tourette" (Kanash, 2008, p.58) ...... 132 Ilustração 65 - Interior de uma célula do Mosteiro de La Tourette (Mcnamara, 1999) ...... 135 Ilustração 66 – “Foto do conjunto de La Tourette reflectido na lagoa.” (Kanach, 2008, pag.61) ...... 136 Ilustração 67 - Comunicação entre os quatro lados, em forma de cruz, coberta por um telhado oblíquo (200cm, 2010) ...... 137 Ilustração 68 - "Refeitório de La Tourette" (Kanach, 2008, p.64) ...... 139 Ilustração 69 - Luz e sombra através dos paineis de vidro ondulante. (Duineser, 2012) ...... 140 Ilustração 70 - Estudos sobre os paineis de vidro ondulantes (Kanach, 2008, p.66) ...... 141 Ilustração 71 - "Altar na igreja de La Tourette" (Kanach, 2008, p.68) ...... 141 Ilustração 72 - Momento de consagração de Padres (Mcnamara, 1999) ...... 142 Ilustração 73 - Disposição da Igreja de La Tourette (Glynn, 2004) ...... 142 Ilustração 74 - "Nave e Igreja - Iluminação" (Corbusier, 1971, p.34-35) ...... 143 Ilustração 75 - "Cripta e Altar" (Corbusier, 1971, p.38-39) ...... 143 Ilustração 76 - A saliência no Mosteiro causada pelo órgão (Kanach, 2008, p.70) ...... 144 Ilustração 77 - "Diamantes acústicos para igreja, estudo por Xenakis" (Kanach, 2008, p.69) ...... 145 Ilustração 78 - "Esboços de Le Corbusier para os sinos electrônicos" (Kanach, 2008, p.70) ...... 145 Ilustração 79 - Solução final do campanário concluída (Radiuk, 2009) ...... 146 Ilustração 80 "Esboços de Le Corbusier para o campanário" (2008, Kanach, p.71) ...... 146 Ilustração 81 – Piramide no oratório de La Tourette (Mcnamara, 1999) ...... 147 Ilustração 82 - Plano do Mosteiro de La Tourette, Couvent Sainte-Marie de La Tourette (Dominicains, 2007) ...... 148

Ilustração 83 - Foto de uma exposição presente no Convento de La Tourette (Lawrence, 2009) ...... 148 Ilustração 84 - "Grupo de cidades cósmicas, podendo substituir vantajosamente o oceano de aglomerados distribuídos desde Boston até Washington passando por Nova Iorque e totalizando 25 milhôes de habitantes” (Kanach, 2008, p.141) ...... 153 Ilustração 85 - Plano geral para o Auditório da Cidade da Música (Xenakis, 1986, p.8) ...... 156 Ilustração 86 - Fonte dos Leões (L’art Nouveau, 2005) ...... 157 Ilustração 87 - Acessos para o Auditório da Cidade da Música (Xenakis, 1986, p.8) ...... 157 Ilustração 88 - "Maquete da fase 1 do projecto da Cité de La Musique" (Kanach, 2008, p.182) ...... 158 Ilustração 89 - "Sugestão para o projecto da Cidade da Música" por Xenakis e Verèt, em 1984 (Kanach, 2008, p.183) ...... 158 Ilustração 90 - Sugestão para o projecto da Cidade da Música por Xenakis e Verèt, em 1984 (Kanach, 2008, p.183) ...... 159 Ilustração 91 - Exemplo de locais de reunião interiores para o projecto da Cidade da Música por Xenakis e Verèt, em 1984 (Kanach, 2008, p.182) ...... 159 Ilustração 92 – “Outra “Sugestão” para o projecto da Cidade da Música” (Kanach, 2008, p.184) ...... 161 Ilustração 93 - "Maquete da Cidade da Música por Xenakis e Véret" (Kanach, 2008, p.184) ...... 161 Ilustração 94 - "Desenho original de Xenakis da torção 'patatoid' do Auditório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.185) ...... 162 Ilustração 95 - "Planos dos pisos para o Auditório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.185) ...... 163 Ilustração 96 - "Vista aérea da maquete do Auditório da Cidade da Musica" (Kanach, 2008, p.186) ...... 164 Ilustração 97 - Maquete do Auditório da Cidade da Musica (Kanach, 2008, p.163) ...... 164 Ilustração 98 - Maquete do Auditório da Cidade da Musica (Les Amis de Xenakis, 2013) ...... 164 Ilustração 99 - "Definição de Xenakis das paraboloides hiperbólicas do Auditório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.187) ...... 165 Ilustração 100 - Desenho de Xenakis para o Auditório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.186) ...... 165 Ilustração 101 - "Estudo de Xenakis para os paineis de vidro ondulantes para o Conservatório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.187) ...... 167 Ilustração 102 – “Reflexão de Iannis Xenakis” (Obuszek, 2008) ...... 169

Ilustração 103 - Vista aérea da Mouraria (ilustração nossa, 2011) ...... 171 Ilustração 104 - Pontos estratégicos, onde a intervenção permitirá uma acessibilidade mais natural (ilustração nossa, 2011) ...... 172 Ilustração 105 - Espaços verdes em Alfama (ilustração nossa, 2011) ...... 172 Ilustração 106 - Fachada principal da Sala de espétaculos (ilustração nossa, 2011) ...... 173 Ilustração 107 - Secularidade (Slowhand, 2004) ...... 174 Ilustração 108 – Sala de exposições (ilustração nossa, 2011) ...... 175 Ilustração 109 - Fachada tardoz da Sala de Espétaculos (ilustração nossa, 2011) ...... 175 Ilustração 110 - Planta da Sala de Espétaculos (ilustração nossa, 2011) ...... 178 Ilustração 111 - Corte da Sala de Espétaculos (ilustração nossa, 2011) ...... 178

SUMÁRIO

1. Introdução ...... 17 2. Vida e Homem ...... 19 2.1. Vida e Obra ...... 19 2.2. Metodologia e Pensamento ...... 45 2.3. Influências e Imaginário ...... 63 3. Criação e Utopia ...... 95 3.1. Criação e Pavilhão Philips ...... 95 3.2. Criação e Mosteiro de La Tourette ...... 115 3.3. Utopia e Cidade da Música ...... 149 4. Imaginário e Projecto ...... 169 4.1. Criação e Contexto ...... 169 4.2. Conhecimento e Fundamento ...... 173 4.3. Proposta e Relação ...... 177 5. Considerações Finais ...... 179 Apêndices...... 189 Lista de apêndices ...... 191 Apêndice A ...... 193 Apêndice B ...... 213 Apêndice C ...... 219 Anexos ...... 241 Lista de anexos ...... 243 Anexo A ...... 245 Anexo B ...... 249 Anexo C ...... 255 Anexo D ...... 259 Anexo E ...... 263 Anexo F ...... 267 Anexo G ...... 271 Anexo H ...... 275 Anexo I ...... 279 Anexo J ...... 283

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

1. INTRODUÇÃO

Pretendo demonstrar de que modo Iannis Xenakis exterioriza as suas experiências vividas através da música e da arquitectura.

Enuncio os aspectos que contribuem determinantemente para o desenho arquitectónico de Iannis Xenakis.

Revelo que as influências de Le Corbuiser afectam o trabalho de Xenakis, inicialmente no seu atelier e posteriormente como arquitecto independente.

Demonstro que o Pavilhão Philips resulta de opiniões convergentes de todos os intervenientes.

Indico que o Mosteiro de La Tourette é proveniente da sintonia de ideias e conhecimento da equipa Corbusier-Xenakis.

Menciono o imaginário utópico e estimulante de Xenakis, nomeadamente na Cidade da Música.

Sugiro que a vida atribulada de Xenakis proporcionou uma obra rica e interessante.

Apresento as características assumidas na Arquitectura de Xenakis.

Finalmente realço a prioridade arquitectónica de Iannis Xenakis.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 17 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 18 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

2. VIDA E HOMEM

2.1. VIDA E OBRA

No dia 29 de Maio de 1922, nasce Iannis Xenakis em Braïla na Roménia, filho de Clearchos Xenakis e Photini Pavlou, emigrantes gregos e o mais velho de três irmãos. Até hoje não há certeza sobre a data de nascimento que pode ter sido 1 de Junho de 1921. O seu pai, filho de um agricultor de Evoia (Grécia), é director de uma empresa de importação e exportação e a sua mãe, que fala fluentemente francês e alemão é uma boa pianista que incentiva-o a aprender música ao oferecer-lhe uma flauta. Nos anos 20 o casal Xenakis assiste diversas vezes ao Festival de Bayreuth1. Quando Iannis tinha apenas cinco anos em 1927, a sua mãe, grávida, contrai sarampo e falece após o parto da sua irmã que também não sobrevive. Os três irmãos são educados por amas francesas, alemãs e inglesas.

Em 1932, Iannis, com apenas dez anos, deixa a Roménia e é inscrito pelo pai numa Academia anglo-grega na ilha Spetsai, na Grécia. Aprende a gostar de matemática, grego, literatura estrangeira e descobre também a música.

No Outono de 1938, Xenakis parte para Atenas, onde se matricula numa escola preparatória, com o intuito de se preparar para o ingresso no Instituto Politécnico de Atenas. Começa a compor e a ter aulas particulares de harmonia, análise e contraponto com Aristote Koundourov. Apercebe-se também da transcrição geométrica de algumas obras de Bach2.

Iannis consegue entrar no Instituto Politécnico de Atenas, mas a 28 de Outubro de 1940, 1º- dia de aulas, encontra-se encerrado devido á invasão das tropas de Mussolini3. O Instituto está constantemente a ser reaberto e encerrado.

Xenakis junta-se à Resistência Grega, primeiro num partido de direita e mais tarde no EAM (partido comunista). Está sempre na primeira linha, nas ruas, em demonstrações contra os ocupantes, e, em diversas vezes, é preso pelos italianos e, mais tarde, pelos alemães. As suas leituras favoritas incluem Platão4, Marx5 e Lenine6.

1 Festival de Bayreuth é um festival de música realizado anualmente em Bayreuth, na Alemanha, onde as óperas do século XIX do compositor alemão Richard Wagner são apresentadas. O próprio Wagner concebeu e promoveu a ideia dum festival para mostrar as suas obras, em especial o seu ciclo monumental Der Ring des Nibelungen e Parsifal. 2 Johann Sebastian Bach (Eisenach, 31 de Março de 1685 - Leipzig, 28 de julho de 1750) foi um compositor, cantor, maestro, professor, organista, cravista, violista e violinista alemão. Na apreciação contemporânea Bach é tido como o maior nome da música barroca, e muitos o veem como o maior compositor de todos os tempos. 3 Benito Amilcare Andrea Mussolini (Predappio, 29 de julho de 1883 - Mezzegra, 28 de abril de 1945) foi um dos fundadores do Fascismo Italiano e lider do Partido Nacional Fascista, governando a Itália mais de duas décadas. 4 Platão (Atenas, 428/425 – Atenas, 348/347 a.C.) foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 19 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Em 12 de Outubro de 1944, os alemães finalmente saem da Grécia e mais tarde nesse ano, em Dezembro, o exército britânico estabelece a lei marcial7. Xenakis junta-se ao batalhão de alunos da ELAS (Exército Nacional Popular) e torna-se comandante da unidade "Lord Byron".

Durante o período da lei marcial, mais precisamente a 1 de Janeiro de 1945, enquanto defende com dois companheiros um edifício, é atingido no rosto por estilhaços de um obus que lhe quebram o maxilar e o fazem perder o seu olho esquerdo. Considerado morto é abandonado no local, mas o pai encontra-o e leva-o para um hospital onde é submetido a várias operações. Em Março do mesmo ano, Xenakis tem alta do hospital e volta para o Instituto Politécnico, continuando com as suas atividades políticas clandestinamente, sendo preso várias vezes.

Em Fevereiro de 1946 Iannis passa os exames finais do Instituto Politécnico com sucesso, apesar de sua existência semi-clandestina.

A sua tese final sobre "betão armado" é defendida a 16 de Janeiro de 1947.

Posteriormente, escapa de um acampamento prisional e permanece durante seis meses num apartamento em Atenas, em clandestinidade. O pai consegue arranjar-lhe um passaporte falso, para que Iannis passe a fronteira, sob o nome de Konstantin Kastrounis, com destino a Itália. Com o intuito de acabar nos Estados Unidos, Xenakis decide visitar Paris. A 11 de Novembro, graças à ajuda dos comunistas italianos, ele passa ilegalmente a fronteira em Ventimiglia, Itália.

Na Grécia, é proferida a sentença de morte a Xenakis, justificada pelo terrorismo político. O pai e o seu irmão são presos.

No final desse ano, no mês de Dezembro, Xenakis é contratado por Le Corbusier8, como engenheiro, por ter sido recomendado por um amigo do arquitecto Georges Candilis9, fazendo com que Xenakis participasse em vários projectos e realizações.

5 Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de Maio de 1818 – Londres, 14 de Março de 1883) foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista. 6 Vladimir Ilitch Lenin (Simbirsk, 22 de Abril de 1870 - Gorki, 21 de Janeiro de 1924) foi um revolucionário e chefe de Estado russo, responsável em grande parte pela execução da Revolução Russa de 1917, líder do Partido Comunista, e primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética. 7 A lei marcial é o sistema de leis que tem efeito quando uma autoridade militar toma o controle da administração ordinária da justiça e, normalmente, de todo o Estado. Traduz-se geralmente pela suspensão de todas as (ou parte das) liberdades fundamentais do cidadão. 8 Charles-Edouard Jeanneret-Gris mais conhecido pelo pseudónimo de Le Corbusier, (La Chaux-de- Fonds, 6 de Outubro de 1887 — Roquebrune-Cap-Martin, 27 de Agosto de 1965) foi um arquiteto, urbanista e pintor francês de origem suíça. 9 Georges Candilis (Bakou, 29 de Março de 1913 - Paris, 10 de Maio de 1995) foi um arquitecto e urbanista grego,

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 20 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Por volta do ano de 1949, Xenakis tenta estudar composição com vários professores, mas nenhum corresponde à sua personalidade, Honegger na Ecole Normale de Musique, e mais tarde Milhaud, que o substitui. Também aborda Nadia Boulanger, que se considera velha demais para começar a rever os fundamentos da harmonia e contraponto com ele, sugerindo-lhe que entre em contacto com Annette Dieudonné que, por sua vez, lhe recomenda que procure Messiaen10. Nesse mesmo ano conhece Françoise11, a sua futura mulher.

Entre os anos 1949-1952 Xenakis escreve vinte e quatro obras catalogadas (mais tarde por François-Bernard Mâche), principalmente para piano a solo ou voz e piano.

No ano de 1950 frequenta os primeiros concertos dados pelo GRMC (Groupe de Recherche de musique concrète). Tenta pertencer a este grupo por várias vezes, mas essa tentativa foi sempre em vão.

Neste ano, funda o estúdio de Eletroacústica (música concreta12).

Xenakis conhece e pede conselhos a Messiaen em 1951, que o convida a frequentar as suas aulas, o que faz fielmente em 1952 e menos regularmente em 1953. Nestas aulas conhece, entre outros, Karlheinz Stockhausen13.

Em 1953, a pedido de Le Corbusier, Xenakis organiza um "concerto espacializado" no telhado da unidade habitacional de Marselha para o CIAM (Congrès International d'Architecture Moderne). Três diferentes tipos de música foram tocados a partir de três pontos diferentes no terraço (música concreta, a música tradicional da Índia e do Japão, e jazz).

Em Agosto do mesmo ano “La Colombe de la paix” (A pomba da paz) é tocado no Quarto Festival Mundial da Juventude para a Paz e Fraternidade, em Bucareste, Roménia. Xenakis começa a composição do seu "" tríptico: Procissão “vers les Eaux Claires” (concluído no início de 1953), “Le Sacrifice” (verão 1953) e, finalmente, “Metastasis”(final de 1954).

A 3 de Dezembro de 1953 casa-se com Françoise.

10 (Avinhão, 10 de Dezembro de 1908 - Clichy, 27 de Abril de 1992) foi um compositor, organista e ornitologista francês. Autor de vasta produção, que se estende pela música para órgão, piano, de câmara, vocal, concertante, sinfónica, coral-sinfónica e uma ópera - Sétimo Quadro do São Francisco de Assis. 11 Françoise Xenakis (Blois, Loir-et-Cher, 27 de Setembro de 1930) nasce com o nome de Françoise Gargouïl e é uma escritora e jornalista francêsa. Já foi presidente do jurí para os prémios literários “Trinta Milhões de Amigos”. 12 Música Concreta é o nome dado a um tipo de música eletrônica produzida a partir de edição de áudio unida a fragmentos de sons naturais e/ou industriais. 13 Karlheinz Stockhausen (Mödrath, 22 de Agosto de 1928 - Kuerten, 5 de Dezembro de 2007) foi um compositor alemão de música contemporânea. Foi colega de Pierre Boulez e ambos estudaram com o compositor e organista Olivier Messiaen.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 21 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Le Corbusier pede a Xenakis, em 1954, para ser o responsável do projecto para a construção do mosteiro de La Tourette, perto de Eveux-sur-l'Arbresle, em que trabalhou até 1957.

A forma geral é Le Corbusier, enquanto a estrutura interna foi desenvolvida por mim, baseada em discussões com os monges. [...] Os painéis de vidro sob as linhas de células da igreja são quase exclusivamente do meu trabalho. O mesmo se aplica para as capelas redondas com os ”canhões de luz" e "metralhadoras de luz” que ficam fora delas. Eu posicionei-os de modo a captar a luz do sol durante o equinócio. (Varga, 1996, p. 23)

Xenakis desvenda as linhas triplas do seu famoso "painéis de vidro ondulantes" na fachada oeste. Ao mesmo tempo, trabalha sobre a composição de “metástasis”, cujas texturas glissandi14 se baseiam numa parábola regrada e graficamente concebida. Dois anos mais tarde, aplica o mesmo princípio na Arquitetura, na construção do Pavilhão Philips.

A 23 de Setembro de 1954, depois de Schaeffer lhe ter devolvido a composição da “Procession vers les Eaux Claires”, Xenakis vai finalmente reunir-se com os professores, graças a uma recomendação de Messiaen. Schaeffer pede a Pierre Henry para examinar a composição de “Le Sacrifice” de Xenakis e Henry mostra-la a Scherchen durante os seus ensaios de “Deserts de Varèse”. Depois de afirmar que não iria dirigir “Le Sacrifice”, Scherchen pede a Xenakis para lhe mostrar “Metástasis”, que imediatamente se oferece para conduzir.

Seguindo o conselho de Dimitri Mitropoulos, Xenakis envia essa peça também a Heinrich Strobel, director do Festival de Donaueschingen, que o inclui no programa para o Outono seguinte, sendo conduzido por Hans Rosbaud.

Em Julho de 1955, Xenakis publica "La Crise de la musique sérielle"15 (A crise da música em série) na primeira edição do Blätter Gravesaner. Este texto provavelmente corresponde a uma palestra que ele dá no seminário organizado por Hermann Scherchen em Gravesano, na Suiça, que decorre entre 24 e 31 de julho de 1955 sobre o tema "Was ist leichte Musik?" (O que é música leve?). Neste artigo, Xenakis denuncia o seu próprio princípio da série e da organização polifónica que é derivada a partir dele. O sistema de série é posto em causa com as próprias bases, que incorporam a semente da sua própria destruição e inadequação: a série e a sua estrutura polifónica. A série, de qualquer tipo, é o resultado de uma "categoria" linear de pensamento, sendo uma corda de um número finito de objectos. O cálculo combinatório não passa de uma generalização do princípio de série. A sua origem é encontrada na escolha do modo como os tons 12 são dispostos.

14 Glissandi são passagens suaves de uma altura a outra. É uma expressão de origem na língua italiana utilizada na terminologia da música. 15 La Crise de la musique sérielle está escrito no livro Kéleütha, editado por d’Alain Galliari, com prifácio de Benoît Gibson, Paris, L'Arche, 1994, 143 p..

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 22 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Polífonia Linear é auto-destrutivo na sua complexidade actual. Na realidade, o que se ouve é um monte de notas em diferentes registos. A enorme complexidade impede de seguir as linhas emaranhadas e o seu efeito macroscópico é um dos razoáveis e gratuitos dispersores de sons ao longo do espectro sonoro total. Consequentemente, existe uma contradição entre o sistema polifónico linear e o resultado audível, o que é uma superfície, uma massa. Esta contradição inerente à polifonia desaparecerá porque apenas uma vez os sons tornam-se totalmente independentes. De facto, uma vez que estas combinações lineares e as suas sobreposições polifónicas já não são praticáveis, o que se irá notar será a média estatística dos estados isolados de transformações dos componentes em certo momento. Assim, a noção de probabilidade é introduzida, o que, aliás, implica o cálculo combinatório, neste caso específico. "La Crise de la musique sérielle", de Kéleütha. (Escritos, L'Arche, Paris, 1994, p.40-42, inédito em Inglês).

A estreia de “Metastasis” dá-se a 15 de Outubro de 1955, no Festival de Donaueschingen, na Alemanha, pela Orquestra Südwestfunk, conduzida por Hans Rosbaud. Um verdadeiro escândalo nestes salões do serialismo.

Eu fui banido por muitos anos de todas as actividades musicais alemãs de vanguarda, no entanto, mais tarde, foi lá que comecei a ser conhecido (Les Amis de Xenakis, 2013)

Xenakis junta-se a “Pierre Schaeffer’s Groupe de recherches de musique concrète” (que se torna o GRM ou Groupe de Recherches Musicales em 1958) e permanece até 1962. O primeiro trabalho que fez neste grupo é “”.

A 16 de Maio de 1956 nasce a sua filha, com o nome Mâkhi Zyïa. Em Julho do mesmo ano, publica a sua "Teoria da probabilidade e da composição musical" no Blätter Gravesano, n ° 6, que é posteriormente reproduzida no seu livro, Musiques Formelles. Lá, Xenakis explica as leis estocásticas utilizadas na “”, que está a compor no momento.

No Estúdio de Le Corbusier, Xenakis colabora no Centro de Juventude e Cultura, em Firminy, França. Em Outubro, começa a trabalhar nos planos do Pavilhão que a Philips encomendou a Le Corbusier, tendo em vista a Exposição Universal de Bruxelas em 1958 e que este simplesmente projecta como sendo "uma estrutura de forma livre oca." No interior, as imagens e as luzes estavam para ser projectadas bem como a obra espacializada eletroacústica era para ser proposta pelos visitantes / espectadores. Le Corbusier tinha imposto Varèse à Philips para a realizar a música deste poema Eletrônico.

Foi uma oportunidade única para mim imaginar um edifício, tanto na sua estrutura e forma, constituídos exclusivamente por uma parábola hiperbólica (ou PH, em francês) e conoides e, principalmente, autoportante. (Iannis Xenakis, 1976, p.134)

Usa a estrutura gráfica das texturas glissandi de “Metastasis”.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 23 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A minha própria pesquisa musical nos sons com variação contínua em relação ao tempo [...] levou-me a inclinar-me para estruturas geométricas baseadas em linhas retas: Superfícies regradas (Xenakis, 1976, p.130)

Pela primeira vez, Xenakis tem um conflito com Le Corbusier, que se recusa a conceder-lhe a autoria do pavilhão que tinha concebido inteiramente. Finalmente, Le Corbusier aceita que Xenakis coloque a sua assinatura no trabalho.

Xenakis também concebe “Concret PH”, um trabalho curto de música concreta que foi tocada entre os desempenhos do Poema eléctronico de Varèse.

Em 1957 Xenakis recebe uma bolsa da Fundação Cultural Europeia, cujo júri é presidido por Nicolas Nabokov16. Mais tarde a 8 de Março, “Pithoprakta” é estreada no Festival Música Viva, em Munique pela Orquestra da Rádio da Baviera, conduzida por Hermann Scherchen.

“Achorripsis” estreia a 20 de Julho de 1958, em Buenos Aires pela Orquestra do Teatro Colón, dirigida por Hermann Scherchen. No Blätter Gravesaner, n ° 11-12 n ° 11-12, Xenakis publica o artigo "A la recherche d'une musique stochastique". Este texto é impresso mais tarde noutro livro de sua autoria, Musiques Formelles. Aqui, são explicados os princípios de composição estocástica utilizada em “Achorripsis”, analisando um excerto desta obra.

Há uma vantagem na definição de acaso como uma lei de estética, como uma filosofia normal. Possibilidade é o limite da noção de simetria em evolução. A simetria tende à assimetria, que, nesse sentido, é equivalente à negação tradicionalmente herdada de estruturas de comportamento. [...] Tudo se passa como se houvesse um-para-um de oscilações entre simetria, ordem, racionalidade e assimetria, desordem, irracionalidade nas reações entre as épocas de civilizações. (Xenakis, 2001, p.25)

No GRM (Groupe de Recherches Musicales), conhece François-Bernard Mâche, que será um de seus amigos mais fiéis. A 5 de Outubro é estreada em Bruxelas “Diamorphoses”, uma obra em cassete produzida no estúdio GRM.

Estreia francesa de “Achorripsis” no ano de 1959, na Salle Pleyel, em Paris, conduzida por Hermann Scherchen liderando os Concertos Lamoureux, onde os serialistas17 e a maioria dos críticos recebem hostilmente este trabalho. No verão desse ano estreia ” A & B Analogiques” por Hermann Scherchen no seu Festival em Gravesano, mais tarde estreiam “Metastasis”e “Pithoprakta” em Estocolmo, na Suécia.

Xenakis é despedido com dois colegas, por Le Corbusier, no dia 1 de Setembro de 1959.

16 Nicolas Nabokov (17 de Abril de 1903 - 6 abril 1978) foi um compositor nascido na Rússia, escritor e figura cultural. Tornou-se um cidadão dos Estados Unidos da América em 1939. 17 Serialistas são aqueles que acreditam no método de composição musical no qual utiliza uma ou várias séries como forma de organizar o material musical.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 24 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Estreia francesa de “Pithoprakta” em 1960, por Hermann Scherchen. Neste ano, Xenakis é membro do juri para a Bienal de Paris no Museu de Arte Moderna e com Michel Philippot, Abraham Moles e de Alain Chambure, funda o MYAM, um grupo de pesquisa informal concentrando-se na matemática e na música.

Em Maio a curta-metragem “Fulchignoni Henry, Orient-Occident”, encomendado pela UNESCO18, é apresentada no festival de cinema de Cannes19, onde Xenakis escreve a música eletroacústica de acompanhamento com o mesmo nome, evocando este filme com François Delalande. Xenakis também compõe “Vasarely”, um trabalho instrumental (mais tarde removido de seu catálogo) para uma curta-metragem sobre o pintor por P. Kassovitz e E. Szabo. Começa a publicar parcelas de seu longo texto intitulado "Elements de musique stochastique" no Blätter Gravesaner, transbordando problemas em 1961. Este, mais tarde, constitui a base para o segundo capítulo, "Musique stochastique markovienne" do seu livro Musiques Formelles (chapters II & III in , "Markovian Music - Theory and Applications". Aqui, introduz uma representação granular de som e integra uma "memória" à função de processos estocásticos, usando processos Markovianos20.

De 17 a 23 de Abril de 1961, Xenakis participa no "Encontro de Música Leste-Oeste", em Tóquio, onde incluem outros compositores ocidentais: Berio, Carter, Cowell, Sessions, bem como o musicólogo Stuckenschmidt. A 29 de Abril apresenta um concerto de música experimental, em Tóquio, incluindo 18 obras instrumentais e electroacusticas de compositores ocidentais. Encontra-se com Yuji Takahashi do Japão, que continuará a ser um de seus artistas mais dedicados. O compositor Toru Takemitsu21 apresenta Xenakis a Seiji Ozawa. Xenakis compõe “Forme rouge” (mais tarde retirada de seu catálogo) para uma curta-metragem animada de P. Kalmer.

Nesse Verão Scherchen pede a Xenakis para elaborar os planos para um auditório experimental em Gravesano.

A 24 de Janeiro de 1962 termina “ST/48 - 1240 162” para orquestra de 48 instrumentos, que será estreada posteriormente a 26 de outubro de 1968 na "Journée Xenakis" durante o SMIP (Semaines Musicales Internationales de Paris) e a 2 de Fevereiro estreia “”, em Tóquio.

Depois de montar um programa de computador para composição musical, Xenakis compõe a “família” dos seus trabalhos de ST, com a ajuda de um computador IBM 7090 para o cálculo de entrada de dados.

18 UNESCO é a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura fundou-se a 16 de Novembro de 1945 com o objectivo de contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações. 19 Festival de Cannes é um festival de cinema criado em 1946, conforme concepção de Jean Zay, e até 2002 chamado Festival international du film, é um dos mais prestigiados e famosos festivais de cinema do mundo. 20 Processos Markovianos são modelos de processos com esse viés aleatório onde um agente decisor pode tomar decisões e modificar as probabilidades do sistema. 21 Toru Takemitsu (Tóquio, 8 de Outubro de 1930 – Tóquio, 20 de Fevereiro de 1996) foi um compositor japonês, que explorou os princípios de composição da música erudita ocidental e da música japonesa tradicional, isoladamente e em conjunto.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 25 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A 8 de Fevereiro termina “ST/10 - 1,080262” e sua transcrição para quarteto de cordas (por Konstantin Simonovitch) e “ST / 4 - 1,080262”, que ambos estreiam em 24 de Maio de 1962 na sede da IBM-France, pelo Ensemble de Musique Contemporaine de Paris e pelo Quarteto Bernède, respectivamente.

A 25 de Abril, estreia de “Stratégie” no Festival de Veneza, pela Orquestra do Festival, dirigida por Bruno Maderna e Konstantin Simonovitch e em Maio, o GRM (Groupe de recherches musicales) organiza um "grupo de concerto" composto por nove participantes: Ballif, Bayle, Canton, Ferrari, Mâche, Malec, Parmegiani, Philippot e Xenakis, cuja colaboração se basea em princípios especificamente xenakianos.

“Morisma-Amorsima” (ST / 4 - 1030 762) para cinco instrumentos, terminada a 3 de Julho é estreada a 16 de Dezembro em Atenas, conduzido por Lukas Foss, bem como a sua transcrição de “Morisma-Amorsima” para dez instrumentos (mais tarde retirada do catálogo).

Xenakis afirma que o único problema do “grupo de concerto” é que rapidamente toma uma inclinação estocástica22, já preconizado numa reunião em Fevereiro no F. Bayle, onde defende o estudo de uma estrutura global, com a ajuda de matrizes de probabilidade, que deixaria liberdade dentro de cada sequência escolhida pelos compositores, todos ao mesmo tempo condicionando o conjunto do processo que se tornaria de um modo rigoroso e estocasticamente mecânico. Acrescentaram várias restrições e, por fim, decepcionado, Xenakis retira-se do projecto, deixando também o GRM a que apenas retorna esporadicamente. Aí, em particular, grava o “Polytope de Montréal” em 1967, e as versões 4-faixas de “Concret P.H” e “Orient-Occident” em 1969.

Xenakis é convidado para o Festival de Outono de Varsóvia, na Polónia, onde, as suas obras são muito bem recebidas e a 6 de Setembro, estreia de “Atrées” (ST/10 - 3060 962) pelo Ensemble de Musique Contemporaine de Paris, dirigido por Konstantin Simonovitch. A 25 de Outubro, estreia de “Polla ta Dhina” por Hermann Scherchen no Festival de Stuttgart da música "light" e a 15 de Dezembro, estreia escandalosa de “Bohor” em Paris, um pedaço de cassete produzida no estúdio GRM, que levou à ruptura definitiva entre Xenakis e Pierre Schaeffer, a quem a obra é dedicada.

A 16 de Abril de 1963, Pierre Boulez demonstra as suas incertezas sobre a obra “Herma” numa carta a Suzanne Tézenas:

Eu estou céptico sobre a proposta de Xenakis para o pianista [...] Estou certo também que a peça de Xenakis vai ser aborrecida… É por isso que eu coloquei pedaço de Amy antes da mesma. (Aguila, 1992, p.31).

22 Estocástica, ou padrões estocásticos são aqueles que têm origem em processos não determinísticos, com origem em eventos aleatórios. É importante salientar uma diferença entre aleatoriedade e estocasticidade, normalmente, os eventos estocásticos são aleatórios, todavia, podem eventualmente não o ser. Existe também a música estocástica, forma de composição baseada em padrões estocásticos, utilizando os computadores para redigir as partituras. Tem como maior ícone o compositor grego Iannis Xenakis.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 26 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A 24 de Abril estreia “Herma”, primeira apresentação de uma obra de Xenakis no Domaine Musical (Paris), interpretada pelo pianista Georges PluderMâcher, com o Opus de Schoenberg 11 e 23, “Amy’s Inventions, Constellations” por Boulez e o Trio por Kotonski.

“Herma” tem um tal sucesso que Georges PluderMâcher teve que tocar toda a peça como um encore23.

No Verão, Xenakis é convidado por Aaron Copland para ensinar composição no Berkshire Music Center em Tanglewood (Massachusetts). Entre os seus alunos estavam Jean-Pierre Guézec e David Del Tredici. Começou a trabalhar em “Eonta” em Tanglewood e a anotar as suas sieves24 nos seus esboços.

Em Outubro são publicadas as “Musiques Formelles, Nouvelles principes de composição musicale”, n ° 253-254 de La Revue Musicale, publicado por Richard Masse. Para esta revisão sinóptica de artigos previamente publicados principalmente na Blätter Gravesaner, Xenakis acrescenta um novo capítulo "Musique Symbolique" (Música simbólica), relativo aos princípios de composição usados no “Herma”. Este volume é posteriormente reeditado (em francês) por Stock Editions. É publicado sob uma forma ligeiramente diferente em 1971, em Inglês, e novamente reeditado e ampliado em 1992, em Inglês.

Entre o Outono de 1963 e a Primavera de 1964, Xenakis vive em Berlim Ocidental com uma bolsa da Fundação Ford, trabalhando em novas ideias de composição (em distinções de tempo/fora do tempo, «sieves»), divulgado pela primeira vez no seu artigo "La voie de la recherche et de la question".

É necessário distinguir duas naturezas: dentro e fora do tempo. O que pode ser pensado sem considerar um antes ou um depois está fora do tempo, os modos tradicionais são parcialmente fora de tempo, operações lógicas ou relações impostas sobre classes, de sons, intervalos, personagens... são igualmente fora do tempo. Assim que o discurso contém um antes ou um depois, estãoos no tempo. Uma série é no tempo, como é uma melodia tradicional. Toda a música, fora do tempo na natureza, pode ser entregue instantaneamente, atingiu a sua natureza de tempo é a relação da sua natureza fora de tempo com o tempo. Em termos de uma realidade sonora, não há música puramente fora de tempo;.. a pureza no tempo existe na música, é o ritmo, no seu estado mais puro. (Les Amis de Xenakis, 2013)

Em Janeiro de 1964, em Berlim, Xenakis escreve o seu ensaio "La Ville cosmique" para o livro de Françoise Choay, “L'Urbanisme. Utopias et réalité” (Le Seuil, Paris, 1965), que é posteriormente incluído no seu livro, “Musique. Arquitectura” (op.cit, 1976). A fim de evitar qualquer expansão mais suburbana, propõe um modelo de torres gigantescas, a vários quilômetros de altura,

23 Encore é francês e significa "de novo, mais, ainda". A palavra foi emprestada do inglês, muito usada pela parte "extra" de um concerto, depois do final oficial, que se faz a pedido da audiência. 24 Sieves é uma fórmula que consiste numa ou mais classes residuais combinadas com operações lógicas.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 27 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

susceptíveis de conter populações de alta densidade humana. Indiferente às variações climáticas, este modelo teria uma vocação universal.

Em Julho, estreia “Les Suppliante” (Hiketides) no Teatro de Epidauro, sem Xenakis, que ainda carrega uma sentença de morte na Grécia sendo privado da sua nacionalidade grega.

Em 16 de Dezembro, estreia “Eonta” no Domaine Musical (que encomendou o trabalho) por Yuji Takahashi, piano e “The Ensemble Domaine Musical” conduzida por Pierre Boulez. Avaliando esta composição como intocável, Boulez tem os cinco instrumentos de sopro tocados por dez músicos, seguindo o princípio de alternância.

O projecto original solicitado pelo Domaine Musical era suposto ser uma obra para percussão e sopro intitulada Achos-APHES-Phos, concebido para ser tocado com uma escultura cibernética por Nicolas Schöffer.

Em Maio de 1965, Xenakis obtém a nacionalidade francesa, graças à ajuda de Georges Pompidou25 e Georges Auric26.

A 20 de Maio, em Paris, no Salle Gaveau, "Festival Xenakis", deu-se o primeiro concerto monográfico, dado pelo Ensemble Instrumental de Musique Contemporaine de Paris conduzida por Konstantin Simonovitch e com o pianista Yuji Takahashi. O programa inclui: “ST/10 -1”, “080 262”, “Herma”, “Analogiques A & B”, “Eonta”, “Syrmos” (estreia), “Atrées” e “Achorripsis”. Mais tarde nesse ano, é atribuído a Xenakis o Grande Prémio da Academia de Gravação francesa.

A 4 Março de 1966 “Pithoprakta” é dirigida por Aaron Copland em San Francisco. A 3 de Abril, estreia mundial de “Terretektorh” no Festival de Royan, pela Orquestra da ORTF, conduzida por Hermann Scherchen, sendo o último trabalho de Xenakis que Scherchen estreia antes da sua morte. Nesse mesmo mês, Xenakis participa num seminário internacional organizado pela UNESCO, em Manila, "Músicas da Ásia", dando uma palestra intitulada " Estruturas fora de tempo" onde “Achorripsis” é tocado, assim como concertos, onde a sua música é programada com a música tradicional das Filipinas.

A 5 de Maio, Siegfried Palm estreia “”, em Bremen, na Alemanha e entre 11 de Junho e 4 de Setembro, “Oresteia” (primeira versão) é estreado e realizado três vezes por semana, em Ypsilanti, Michigan. De 28 a 29 Junho, os programas ingleses de Bach Festival incluem dois concertos de música com Xenakis, em especial, a estreia de “Akrata” desempenhado pelo Ensemble Instrumental de Musique Contemporaine de Paris, dirigida por Charles Bruck e a 29 de Julho, estreia de

25 Georges Pompidou (Montboudif, 5 de Julho de 1911 – Paris, 2 de Abril de 1974) foi um político francês que ocupou o cargo de primeiro-ministro de França entre 1962 a 1968 e de Presidente da República de 1969 até á sua morte. 26 Georges Auric (Lodève, 15 de Fevereiro de 1899 – Paris, 23 de Julho de 1983) foi um compositor francês.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 28 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

“Metastasis” no México. Em Agosto, Xenakis dá aulas e palestras durante quatro semanas no Instituto Torcuati di Tella, em Buenos Aires, onde Alberto Ginastera27 é director.

A 20 de Dezembro: o EMAMu (Equipe de mathématique et d’Automatique Musicales) é fundado por Marc Barbut, Genuys François, Guilbaud Georges e Iannis Xenakis, que é director do grupo. Esta estrutura é filial do Centro de Mathématiques sociales de l'Ecole pratique des Hautes Études (EPHE). Mikel Dufrenne, Paul Fraisse, Robert Frances, Claude Lévi-Strauss, e Allonnes Olivier d'Revault estão entre os membros do 'board erudito'. As atividades do EMAMu são articuladas em duas direções distintas: por um lado, pedagogia, com formação teórica e seminários; por outro lado, a investigação, fundamental e aplicada (especialmente a respeito de "composição luminosa").

Em Janeiro de 1967, publica “Vers une métamusique” no nº 29 da revista La Nef., onde Xenakis analisa escalas desde da música grega antiga e bizantina e expõe de maneira detalhada a sua teoria de Sieves. A 29 de Março, cria “Medea” no Théâtre de l'Odéon, em Paris sob a direcção de Diego Masson e direcção de palco de Jorge Lavelli. Maria Casares é “Medea”.

Para o Pavilhão de Ontário da Exposição Universal de Montréal de 1967, Xenakis cria “Polytope” dirigida por Roger Bordaz. Faz lembrar o Pavilhão Philips, por se tratar de uma arquitectura efémera de cabos. Sobre esses cabos são repartidos alti-falantes difundindo uma música escrita fluida por quarto grupos de orquestras idênticas e 1200 flashes de cinco cores (vermelho, amarelo, branco, verde, azul). A direcção – sobre a películacinematográfica – é regulada ao 25º de segundo, de modo a poder dar a ilusão de movimento contínuo de luz.

Xenakis é convidado a ensinar enquanto professor associado na Universidade de Bloomington (Indiana) que lhe promete criar um Centro de Música e Matemática automatizado. Mas, de ano a ano, o projecto é adiado. Xenakis renuncia ao seu cargo em 1972.

Em 1968, Xenakis publica "Vers une philosophy de la musique" (Rumo a uma filosofia da música) na Revue d'esthétique, vol. 21 n ° 2-3-4 (a primeira versão deste texto foi publicado em 1966 no Blätter Gravesaner). Neste ensaio, discute novamente a diferenciação entre os fora de tempo e em tempo e explica como é que aplicou cubos giratórios na sua composição “Nomos Alpha”. A 7 Abril, estreia “Nuits” no Festival de Royan (que encomendou o trabalho) por solistas da ORTF (Radio francês) Chorus, conduzido por Marcel Couraud, sendo um triunfo absoluto.

Os primeiros Dias de Música Contemporânea em Paris realizam-se entre 25 e 31 de Outubro, evento sucessor da Semana Internacional de Música em Paris (SMIP), que começou em 1958. Cada um dos quatro dias centra-se num compositor: Varese,

27 Alberto Ginastera (Buenos Aires, 11 de abril de 1916 – Genebra, 25 de junho de 1983) foi um compositor erudito argentino.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 29 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Xenakis, Berio, Henry, sendo o dia 26 de Outubro dedicado a Xenakis, onde dá uma entrevista-debate em torno da EMAMu, no Museu de Arte Moderna de Paris. Mais tarde realiza-se um concerto no Théatre de la Musique, dado pelo Ensemble instrumental de musique contemporaine de Paris, conduzido por Konstantin Simonovitch, com Jacques Wiederker (estreia francêsa de Les Suppliantes, em seguida, Nomos Alpha, Analogiques A & B, Eonta). Finalizando com o concerto dado pela Orquestra Nacional et de la Maîtrise de l'ORTF (Rádio orquestra e coro francêsa), conduzido por Lukas Foss, com solistas do mesmo coro e uma instalação de som pelo GRM: “Metástasis”, “Bohor”, “Polla ta Dhina” (estreia francêsa), a estreia mundial da “ST-48”, e finalmente, “Nuits”.

Xenakis começa a sua actuação no meio da sala de concertos, a fim de controlar o desempenho da sua Bohor a partir da consola eletroacústica. Na escuridão total, e pouco a pouco, um tumulto extravagante constrói, levando a uma inundação absolutamente insuportável de som. [...] Durante o intervalo, todos falavam apenas sobre o "trauma" de Bohor [...] no entanto, em poucos minutos, todas as cópias de Nuits foram comprados por membros do público das arquibancadas, sem dúvida, ávidos de saber mais sobre o homem do dia. (Les Amis de Xenakis, 2013)

Xenakis está recuperando. [...] Todos estes concertos esgotaram, mesmo assim algumas pessoas o rejeitaram. [...] Talvez o vazio entre o criador e o público, que tem crescido incessantemente desde Beethoven, está finalmente a ser preenchido? (Les Amis de Xenakis, 2013)

Em 1969, a EMAMu consegue alcançar reconhecimento pelo seu trabalho, nomeadamente por Louis Leprince-Ringuet que saúda-a nos laboratórios de Física Nuclear do Collège de France.

No Festival de Royan, Paolo Bortoluzzi dança uma coreografia de Béjart em “Nomos Alpha” a 2 de Abril, que Xenakis considera-a como um pleonasmo e dois dias depois, “Nomos Gama” é estreada pela Orquestra Filarmónica da ORTF, conduzida por Charles Bruck.

Mais tarde a 2 de Junho, na inauguração do Centro Nacional de Artes em Ottawa, no Canadá, dá-se a estreia do ballet “” de Xenakis, conduzido por Lukas Foss, e coreografado por Roland Petit, com cenografia de Vasarely. “Anaktoria” é estreada no dia seguinte, pelo Octeto Paris no Festival de Avignon.

A 9 de Setembro, “” é estreada pelos Les Percussions de Strasbourg, no Festival de Artes de Shiraz, no Irão e a 28 de Outubro realiza-se a estreia francesa de “Persephassa” nas Jornadas de Música Contemporânea em Paris.

Em 1970 na Feira Mundial de Osaka, dá-se a apresentação de “Hibiki Hana Ma”, uma peça de oito faixas, eletroacústica, dentro de um desempenho que incluí feixes de laser.

Lá, Xenakis observado que os feixes de luz pura, homogênea e não difusa, são um pouco como o som contínuo. [...] Flashes de luz que, de certa forma, correspondem a

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 30 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

cadeia pizzicati como feixes de laser fariam para glissandi". (Les Amis de Xenakis, 2013)

As primeiras apresentações de “Metastasis” e “Pithoprakta” são dadas no Chile pela Orquestra Filarmónica conduzida por Juan Pablo Izquierdo, no Teatro Municipal de Santiago a 21 Maio.

A 6 de Abril de 1971 estreia “Charisma” (escrito em memória de Jean-Pierre Guézec), no Festival de Royan, por Guy Deplus e Wiederker Jacques e de “Synaphaï” pelo ORTF Orchestra, conduzida por Michel Tabachnik. O Concerto Monográfico na apresentação do compositor é dado em Maio no Whitney Museum of American Art em Nova Iorque e estreia a 24 de Agosto “Aroura” no Festival de Lucerna pelo Festival Strings and Rudolf Baumgartne.

A 26 de agosto estreia “Persépolis”, no Festival de Arte Shiraz, nas ruínas do Palácio de Dario.

Este trabalho será um marco para a evolução de uma das filosofias mais especulativas e gerais do nosso tempo, especialmente pela sua anexação de acústica vasta e espaços visuais, assim como pela colocação da presença humana dentro de um mecanismo que é dominado por musical lógica. (Les Amis de Xenakis, 2013)

Estreia mundial de “Duel” (escrito em 1959) a 18 de Outubro, em Hilversum pela Orquestra de Rádio, conduzida por Diego Masson e Terby Fernand. A 27 de Outubro estreia “Mikka” por Gitlis Ivry no Museu de Arte Moderna de Paris. Em 29 de novembro no Théâtre de la Ville em Paris, dá-se um concerto inteiramente dedicado à Xenakis pelo Domaine Musical, composto pelos seguintes temas “Herma”, “Diamorphoses”, “ST/10”, “Aroura” (estreia francêsa), “Hibiki Hana Ma” (versão de 4 musicas), e “Eonta”.

“Musique. Architecture” é publicado pela Casterman, sendo composto por artigos anteriormente publicados em vários periódicos.

A 26 de Abril de 1972 estreia de “Linaia Agon” no English Bach Festival e posteriormente Xenakis é nomeado membro honorário da British Computer Arts Society.

Michel Guy pede a Xenakis que lhe escreva uma ópera, onde este responde:

Não, eu não estou interessado, mas posso criar um espectáculo, automatizado abstrato com luzes, lasers e flashes eletrônicos. (Delalande, 1998, p. 114)

Esta viria a ser a “Polytope de Cluny”, estreada a 13 de Outubro, e apresentada até Janeiro de 1974. Ao todo, cerca de 100.000 bilhetes foram vendidos. Instalado nas termas romanas de Cluny na boulevard Saint-Michel em Paris, o espétaculo de luzes foi gerado por um computador que controlava 600 flashes brancos e 400 espelhos que refletiam os raios laser verdes, vermelhos e azuis. O

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 31 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

elemento de som era uma fita de 8 faixas eletroacústicas que Xenakis realizou no Studio Acousti.

O EMAMu torna-se o CEMAMu (CENTRE DE mathématique Musicales et Automatique). Estando a partir de agora equipado com um conversor digital / analógico construído por Alain Lucro da CNET (Centre National d'Etudes des Télécommunications).

Realizam-se os "Dias Xenakis" no departamento de música da Universidade de Montreal e em Julho, Xenakis é convidado a ensinar na sessão de verão de Darmstadt. Irá retornar novamente lá em 1974 e 1990. No Outono, Xenakis começa sua carreira como professor associado na Université de Paris I, nas artes visuais e ciências de departamento de arte, institui um seminário chamado "Formalização e programação nas artes visuais e música" e em Dezembro, vai para Bali e Java numa viagem organizada por Maurice Fleuret (com Betsy Jolas, Toru Takemitsu e Marie- Françoise Bucquet).

De Março a Abril de 1973, Xenakis lecciona na Universidade de Montreal como professor convidado eminente e a 13 de Abril, estreia “Eridanos” no Festival de La Rochelle28 pelo European Contemporary Music Ensemble, conduzida por Michel Tabachnik.

Estreia em Paris de “Erikthon” por Claude Helffer e pela ORTF Orchestra, conduzida por Michel Tabachnik, no dia 21 de Maio de 1974 e a 20 de Junho, estreia em Lisboa de “Cendrées” pelo Coro e Orquestra da Fundação Calouste Gulbenkian29, realizado por Michel Tabachnik. Esses mesmos músicos irão realizar nove outras obras de Xenakis em outros dois concertos.

Em Julho, estreia de “Gmeeoorh” (61 notas/teclas) na Hartford University (Connecticut) por Claude Holloway e de 19 a 22 Setembro, realiza-se a retrospectiva Xenakis no Festspiele Beethoven30 em Bonn, na Alemanha, cerca de trinta obras são realizadas, incluindo o primeiro de “Antikhthon” e “Gmeeoorh” (56 notas), pela Orquestra da Rádio de Colônia, realizado por Michel Tabachnik e Darasse Xavier, respectivamente. Uma exposição sobre o compositor também é apresentada, viajando para o English Bach Festival no ano seguinte.

Apenas a alguns minutos de distância a partir de Colónia, onde uma outra música do futuro tem reinado durante algum tempo, esta homenagem tem um significado pesado. (Les Amis de Xenakis, 2013)

28 O Festival Internacional de Cinema de La Rochelle é um festival de cinema, criado em 1973, que é realizada anualmente, durante dez dias no início de Julho. 29 Fundação Calouste Gulbenkian foi criada em 1955 com o património que Calouste Gulbenkian deixou a Portugal sob a forma de uma fundação. 30 Ludwig Van Beethoven (16 de Dezembro de 1770 – 26 de Março de 1827) foi um compositor alemão, do período de transição entre o Classicismo (século XVIII) e o Romantismo (século XIX).

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 32 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A 16 de Outubro, estreia em Paris de “Noomena” pela Orquestra de Paris, dirigida por Sir Georg Solti e a 23, estreia “” no Lincoln Center, em Nova Iorque por Marie- Françoise Bucquet.

Em Novembro, Xenakis retorna à Grécia após a queda do regime dos coronéis31 e das eleições de 17 de Novembro.

Havia transeuntes que cruzaram a rua para apertar a mão efusivamente do seu herói, atirando atabalhoadamente algumas palavras de boas-vindas, mas, principalmente, sem palavras por tudo o que era impossível expressar. Depois há a velhinha que traçou o seu caminho por entre a multidão, apenas para tocar muito gentilmente na cicatriz trágica de Xenakis, como se estivesse acariciando um ícone. Em seguida, houve os varredores de rua e trabalhadores rodoviários em Leonidion, no fundo das Ilhas do Peloponeso, que o reconheceram de longe, pararam-nos, e improvisaram uma comemoração em sua homenagem. [...] Eu sei com certeza que Xenakis não estava de todo à espera de ser tão bem recebido, aceite e compreendido a tal ponto. (Les Amis de Xenakis, 2013)

Maurice Ravel atribui a Xenakis a Medalha de Ouro da SACEM32.

Em Junho de 1975 nos "Dias Xenakis" no Festival de La Rochelle, “Empreintes” é estreada pela Orquestra Filarmónica da Rádio Holanda, conduzido por Michel Tabachnik. No Verão, a "Semana Xenakis" fecha o Festival de Atenas, com a exposição na Galeria de Fotografia, com conferências de Xenakis e do musicólogo Iannis Papaionnou, além de três espétaculos no Teatro Herodes Atticus. O público de Atenas começa finalmente a descobrir a música de Xenakis, nunca antes apresentado oficialmente na Grécia antes dessa data (entre outros, “Metastasis”, “Pithoprakta”, “Achorripsis”, “Nuits”, “Polla ta Dhina”, “Herma”, “Evryali”, “Synaphaï”, “Carisma”, “Anaktoria”, “Empreintes”).

A 20 de Fevereiro de 1976, “Retours-Windungen” estreia em Bonn, pelas doze violoncelistas da Orquestra Filarmónica de Berlim e a 28 a London Sinfonietta, conduzido por Michel Tabachnik, estreia “Phlegra” em Londres. Neste mês também é estreada “N'Shima” em Jerusalém, realizada por Juan Pablo Izquierdo no Testimonium, festival de música contemporânea de Israel.

Em Março, Xenakis decide não participar no Festival de Shiraz das Artes, e escreve ao director do festival. A 11 de Março, “Mikka S” é estreado por Régis Pasquier na 8th Annual Music Week em Orléans (França) e a 26, Fernando Grillo estreia “Theraps” no Festival de Royan.

A 2 de Maio, no English Bach Festival, Sylvio Gualda estreia “”, sendo encomendado pelo Festival Fundação Calouste Gulbenkian e a 5, “Khoai” é estreada por Elizabeth Chojnacka em Colónia.

31 Regime dos coronéis, período compreendido entre 1967 e 1974, quando a Grécia foi submetida a uma ditadura militar de direita. 32 SACEM fundação criada em 1977 com o objectivo de diversificar o patrocínio das artes.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 33 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A 18 de Maio, Xenakis defende o seu doutoramento na Université de Paris I. O júri é presidido por Bernard Teyssèdre, fazendo parte dos membros do júri, Olivier Messiaen, Michel Ragon, Olivier Revault D'Allonnes e Michel Serres. A defesa da tese foi publicada pela Casterman em 1979 sob o título “Arts/Sciences. Alliages”.

A arte tem algo na natureza de um mecanismo de inferência que constitui as plataformas por onde todas as teorias das ciências matemáticas, físicas e humanas se movem. Na verdade, os jogos de proporção -. Redutíveis a jogos de números e métricas em arquitetura, literatura, música, pintura, teatro, dança, etc, jogos de continuidade, de proximidade, dentro ou fora de tempo, a essência topológica - todos ocorrem no domínio da inferência, no sentido estrito da palavra lógica. Situado ao lado deste domínio e operacional na actividade recíproca é o modo experimental que desafia ou confirma as teorias criadas pela ciência, incluindo a matemática. [...] É a experimentação que faz ou quebra teorias, sem piedade e sem qualquer consideração particular para as próprias teorias. No entanto, as artes são regidas de forma ainda mais rica e complexa por este modo experimental. Certamente não há nem nunca haverá um critério objetivo para determinar a verdade absoluta ou validade eterna mesmo dentro de uma obra de arte, assim como nenhuma "verdade" científica é alguma vez definitiva. Mas, além disso para estes dois modos - inferencial e experimental - a arte existe num terceiro modo, um de revelação imediata, que não é nem inferencial nem experimental. A revelação da beleza ocorre imediatamente, directamente, para alguém ignorante de arte, bem como para o perito. Esta é a força da Arte e, ao que parece, a sua superioridade sobre as ciências. Arte, enquanto vive as duas dimensões de inferência e experimentação, possui esta terceira e mais misteriosa dimensão que permite que objetos de arte escapem a qualquer ciência estética e ao mesmo tempo desfrutar das carícias da inferência e experimentação.

Mas por outro lado, a arte não pode viver através do modo de revelação sozinho. [...] A arte tem uma necessidade imperiosa de organização (incluindo o de oportunidade), por isso uma necessidade de inferência e sua confirmação, portanto, a necessidade de sua verdade experimental. Para lançar alguma luz sobre esta trindade de modos da arte, vamos imaginar que num futuro distante, o poder da acção artística vai aumentar como nunca antes na história.

[...] Na verdade, não há razão porque a arte não pode, seguindo o exemplo da ciência, aumentar a partir da imensidão do cosmos, nem porque a arte não pode, como paisagista cósmica, modificar o comportamento das galáxias. (Messiaen; Xenakis, 1985, p. 4-5)

Em Maio, estreia “Dmaathen” (versão original para oboé e percussão) no Carnegie Hall, Nova Iorque, por Nora Post e Jan Williams e Xenakis é galardoado com o Grande Prémio Nacional de Música do Ministério da Cultura francês.

A 16 de Dezembro “Epei”, encomendado pela Quebec Society for Contemporary Music, é estreada em Montreal.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 34 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Em 1977, Xenakis recebe o Prêmio Beethoven da cidade de Bonn, e em Paris é galardoado com o Grande Prémio da Charles-Cros Recording Academy. O CEMAMu constrói a UPIC (Unité polygogique informatique du CEMAMu) da primeira geração.

Em Abril, estreia francesa de “N'Shima” pelo Ensemble Intercontemporain, conduzido por Michel Tabachnik, no Théâtre de la Ville em Paris, como parte da série IRCAM33 do concerto inaugural "Passage du XXº siècle".

A 17 de Junho, o Ensemble Studio 11 estreia “Akanthos” em Estrasburgo, a 21 a “A Colonne” estreia no Rencontres Internationales de musique contemporaine em Metz, França e a 28 de Junho, “Kottos” estreia no Festival de La Rochelle, sendo escrita para o Concurso Internacional de Mstislav Rostropovitch, onde Xenakis é um membro do júri dessa competição.

Em Julho, “A Hélène” é estreada pelo Coro do Teatro Nacional da Grécia, no Teatro de Epidauro e no dia 21 de Dezembro, a Orquestra Nacional de França, conduzida por Michel Tabachnik, estreia “Jonchaies” em Paris.

A 11 de Fevereiro de 1978, estreia “Diatope”, na esplanada do Centro George Pompidou, usando a peça electrocacoustica “La Légende d'Eer” de Xenakis (realizado no CEMAMu e nos estúdios da Westdeutscher Rundfunk em Colônia), mais um computador gerando um espectáculo de luz envolvendo alguns 1600 flashes eletrônicos, 4 projectores a laser e 400 espelhos giratórios e prismas.

A 2 de Abril, “Ikhoor” é estreado em Paris, no Palais Garnier (Ópera) pelo Trio à cordes français e em Julho, Xenakis é o "convidado de honra" no Acanthes Centro, cujos cursos e palestras realizam-se em Aix-en Provence, França.

A 2 de Agosto, “Polytope de Mycène” é apresentado nas ruínas da antiga cidade grega de Peloponeso, além do trabalho eletroacústico “Mycène Alpha”, composta especialmente para a ocasião, também foram tocadas as seguintes obras “A Hélène”, “A Colonne”, “Oresteia”, “Psappha” e “Persephassa”. “Trechos Mycène Alpha” (a primeira composição de sempre a ser composta na UPIC34) foram intercalados entre estas peças, trechos de Homero que foram lidas por Olga Tournaki e Sakkas Spyros. O espectáculo foi apresentado cinco noites consecutivas, com uma assistência que rondava entre os 7000 e 10000 espectadores presentes por cada performance.

A 3 de Março de 1979 estreia “Palimpsesto”, em Aquila (Itália), pelo Divertimento Ensemble, conduzido por Sandro Gorli, sendo um trabalho encomendado pela Academia Filarmonica Romana.

Em Maio, Xenakis é convidado a viajar para Quebec, no Canadá, pelo Canadian Music Council para assistir aos seminários sobre o tema "Every child’s music every day". Em

33 IRCAM, Instituto de Pesquisa e Coordenação de Música e Acústica, é uma instituição dedicada à pesquisa e à criação de música erudita contemporânea. Criado pelo compositor Pierre Boulez a pedido de Georges Pompidou em 1970, foi inaugurado em 1977 em Paris. 34 UPIC é uma ferramenta de composição musical informatizada, desenvolvida no CEMAMu pelo compositor Iannis Xenakis.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 35 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Montreal, participa no congresso do grupo Critères sobre "deprofessionalism" e a 17 deste mês, o Percussions de Strasbourg Ensemble estreia “Pleiades”, em Estrasburgo, durante um espectáculo de ballet "Le conciliar musical", pela Rhine Opera Ballet company coreografada pelo Germinal Casado. Os diferentes movimentos das “Plêiades” alternavam com as peças de Giovanni Gabrieli

Entre Maio e Setembro, graças a Hans Nagel, o espectáculo “Beaubourg Diatope” está instalado no Bahnhofplatz em Bonn, sendo apresentado três vezes por dia.

A 21 de Junho, “Anemoessa” estreia no Holland Festival pela Hilversum Radio Orchestra conduzido por Richard Dufallo e no Verão é dada a composição do seminário na Academia Musicale Chigiana em Siena, Itália. Em Outubro, realiza-se os "Dias Xenakis", organizado pela Contemporary Music Society of Quebec e pela Montreal Symphonic Orchestra.

A 4 de Junho de 1980, “Dikthas” é estreada durante o 30th Beethovenfest em Bonn pelo Salvatore Accardo e pelo Bruno Canino, mais tarde Xenakis é convidado para ir a Varsóvia e Cracóvia, na Polónia, pela União dos Compositores polacos para dar uma série de palestras sobre música formalizada. A música de Xenakis é tocada oficialmente pela primeira vez na URSS, por Sylvio Gualda, que tocam “Psappha” em Moscovo. Os Concertos da música de Xenakis são organizados em Nova Iorque, onde “Metastasis” e “Empreintes” são executadas pela Filarmônica de Nova Iorque e Zubin Mehta, respectivamente, enquanto “N'Shima” é executada pela Philharmonia Brooklyn, conduzido por Lukas Foss.

O CEMAMu e UPIC vão para Lille durante três semanas, convidados pelo Festival de Lille e pela Oficina Regional Musical, para palestras e oficinas de composição, em seguida, foram para Bordéus, por dez dias, por iniciativa do Sigma Festival.

O Festival de Saint-Denis porpõe "Carte blanche para Xenakis", onde o compositor escolheu e apresentou o programa: obras de Dufay e Dunstable foram tocadas, bem como o “Palimpsesto“ estreia parisiense.

Convidado pela International Scientific Symposia em Volos, na Grécia, organizado pelo departamento de arquitetura da Universidade de Thessalonki, Xenakis dá uma leitura intitulada "Espaços e Origens de Audiências e Espectáculos".

Xenakis é nomeado membro do Conselho Nacional da Resistência Helénica. Participa em numerosas transmissões de televisão e de rádio, na France-Culture, no Georges Charbonnier’s Show, sobre o tema “CEMAMu and the UPIC”; um programa de televisão canadense sobre o mesmo assunto, uma entrevista na TF1 para Maurice Leroux’s Show "Arcana”, e o popular "Bios Bahnhof" transmitido na Westdeutscher Rundfunk.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 36 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A 13 de Fevereiro de 1981 estreia “AIS” para barítono35 amplificado, percussão e orquestra, por Spyros Sakkas, Gualda Syvio, e the Bavarian Radio Orchestra, conduzida por Michel Tabachnik, no Herkulessaal em Munique, onde “Pithoprakta” já tinha sido estreada. A 30 de Março, “Embellie” é estreada em Paris, por Geneviève Renon-MacLaughlin.

Em Agosto, “Mists”, o terceiro trabalho de Xenakis para piano a solo, é estreado por Roger Woodward no Festival Internacional de Edimburgo, na Escócia. Xenakis é nomeado diretor da Ordem Francesa das Artes e Letras.

A 6 de Setembro, “Serment-Orkos” é estreado em Atenas pelo Coro Rádio grego e a 22 de Novembro “Komboï” é estreado por Elizabeth Chojnacka e Sylvio Gualda no Rencontres internationales de musique contemporaine em Metz, França. Xenakis dá uma palestra na Ecole Normale Supérieure da Rue d'Ulm, em Paris no Congresso de Filosofia e Matemática sobre o assunto "teoria da intuição e percepção musical”.

A 26 Março de 1982 “Nekuïa” é estreada em Colônia pela Orquestra e Coro da Rádio de Colônia, conduzido por Michel Tabachnik e a 23 de Abril, “Pour la Paix” (segunda versão) é estreada em Paris, na Radio-France, com base em excertos de livros de Françoise Xenakis “Ecoute” e “morts Les pleureront”, por quatro narradores, coro misto, fita estéreo, com narradores: Danielle Delorme, Françoise Xenakis, Philippe Bardy, Maxence Mailfort e o Coro da Radio-France, conduzido por Michel Tabachnik.

A 18 de Outubro, “Pour Maurice” (Maurice Fleuret) é estreado no Festival de Euopalia em Bruxelas por Spyros Sakkas e Helffer Claude. Xenakis é nomeado Cavaleiro da Legião de Honra francesa.

A 3 de Fevereiro de 1983 estreia “Shaar” (a porta), para orquestra de cordas de grande porte, pela Orquestra Sinfônica de Jerusalém, conduzido por Pablo Izquierdo, para a abertura do Festival de Israel de Música Contemporânea no Museu de Tel-Aviv.

Na segunda quinzena de Maio, o CEMAMu e a UPIC participam no Congresso "Música e Computadores", no Centro de rencontres culturelles et Scientifiques d'Orsay (França), onde outras instituições de prestígio como a Ecole Polytechnique, HEC, Supélec et INRA também compareceram. Xenakis torna-se membro da Academia de Belas Artes de Berlim.

A 21 de Junho, estreia simultânea de “Chant des Soleils” em várias cidades da região Nord-Pas-de-Calais, em França e a 15 estreia no Hospício de Beaune de “Khal Perr” pelo Quinteto Arban e as percussões Alsácia.

A 2 de Dezembro, “Pour les baleines” é estreada pela Orquestra Colonne, conduzido por Diego Masson, como parte do Festival Semaines musicales d’Orléans, em França.

35 Barítono é um registo vocal masculino que se encontra entre o baixo e o tenor. É uma das vozes mais comuns em cantores.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 37 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A 14 de Fevereiro de 1984 “Thalleïn” é estreada em Londres pelo London Sinfonietta, conduzido por Elgar Howarth.

No mês de Abril, em colaboração com Jean-Louis Véret36, Xenakis apresenta o projecto para o concurso de arquitectura, Cité de la Musique no Parc de la Villette, Paris. Projecto esse chamado NNMC (New National Music Conservatory) sendo constituído por duas entidades distintas, (a) e (b) que juntos criam um conjunto visual e que formam um plástico separado no espaço que se alarga até ao acesso mais a sul [...] Esta estrutura surge em direcção ao céu em forma de túlipa invertida composta por parabolóides hiperbólicos em betão armado. Na sua base, o Auditório tem forma patatoid (de batata), a fim de eliminar quaisquer zonas de concentração ou sombras acústicas. É curvo a toda a sua volta e o grau da curva é constante e uniformemente variável. Isto conduz a uma reverberação rica, sem favorecer qualquer registo a algum espectro em particular.

O chão deste auditório é composto por cubos com cerca de um metro cúbico, [...] a fim de obter algum alívio desejado com as diferenças de altura, por exemplo, até seis metros. (Les Amis de Xenakis, 2013)

A fim de extrair esta característica para a terceira dimensão, uma torção de 11° é aplicado ao patatoid na sua base, oferecendo uma combinação notável de comprimentos de onda sem efeitos preferenciais e o efeito de um movimento arquitectónico. É importante não esquecer que numa "caixa de jóias de sons", a arquitetura de interiores pode acariciar ou agredir os sons. Este projecto foi selecionado entre outros cinco, mas em última análise não vingou.

A 16 de April 16, “Lichens” é estreada pela Orquestra Filarmônica de Liège, conduzida por Pierre Bartholomée. No dia 2 de Maio, Xenakis é admitido na Academia de Belas Artes francesa, substituindo Georges Auric. Olivier Meesiaen fez o discurso de boas- vindas e a 20 Elizabeth Chonjnacka estreia “Naama”, em Luxemburgo.

Entre Setembro e Dezembro, no Festival d'Automne, em Paris, tendo decidido extensivamente programa ao longo de três anos, Xenakis, apresenta neste primeiro ano todas as suas obras para e com piano, bem como alguns trabalhos recentes de orquestra, tais como: “Ais”, “Nekuïa”, “Komboï” e obras corais como “A Colone” e “Medea”.

A 30 de Junho de 1985, “Nyuyo” (pôr do sol) para shakuhashi37, sangen38 e dois kotos39, estreia no Festival de Angers (França) pelo l’ensemble Yonin-no-kai de Tóquio.

36 Jean-Louis Véret (Paris, 1927 - Saint-Georges-de-Didonne, 4 de setembro de 2011) foi um arquitecto, urbanista e professor francês. 37 shakuhashi é um instrumento de sopro tradicional japonês de estrutura aparentemente simples. 38 Sangen é um instrumento de cordas tradicional japonês. 39 kotos é um instrumento de cordas tradicional japonês.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 38 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Em Julho, como parte do Ano Europeu da Música, o curso de verão do Centre Acanthes é dedicado a Xenakis e ocupa lugar primeiro em Villeneuve-lès-Avignon e em seguida, em Salzburgo, Austria (na Academia de Verão de Mozarteum) e depois em Dephi, na Grécia. A 24 de Julho “Idmen A & B” são estreados em Estrasburgo, durante o Festival Europa Cantat pelo Coro Antifona de Cluj e os Percussions de Strasbourg.

A 15 de Setembro, estreia “Alax”, em Colônia, pelo Frankfurt-based Ensemble Modern, pelo Ensemble Köln e pelo Gruppe für Neue Musik Hanns Eisler de Leipzig conduzido por Ernest Bour. Xenakis é nomeado director da Ordem Nacional de Mérito francesa.

Em 1986 são fundados os Ateliers UPIC, cuja vocação é essencialmente treinar e ajudar compositores que usam o sistema UPIC.

A 4 de Julho, Elizabeth Chojnacka e a Middleburg Ensemble estreiam “A l'île de Gorée”, conduzido por Huub Kerstens.

De 19 Junho a 6 Julho, no Festival de Nieuwe Muziek De Kloveniersdoelen em Middleburg (Holanda), Xenakis participa numa masterclass organizada por Morton Feldman, durante a qual ocorreu uma entrevista memorável entre os dois compositores.

A 19 de Setembro, Benny Sluchin estreia “Keren” no Festival Musica de Estrasburgo e a 13 de Novembro, “Keqrops” estreia no Lincoln Center, em Nova Iorque por Roger Woodward e pela New York Philharmonic, com o maestro Zubin Mehta.

A 15 de Dezembro, “Akea” estreia durante o Festival d'Automne por Claude Helffer e o Quarteto Arditti.

A 26 de Janeiro de 1987, “Jalons” é estreada no Theatre de la Ville (Paris). Este trabalho foi encomendado pelo Ensemble Intercontemporain para o seu décimo aniversário.

A 13 de Julho, “Taurhiphanie” é estreado no anfiteatro de Arles (França), como parte do Festival Internacional de Radio-France com sede em Montpellier, França.

A 2 de Agosto estreia de “A r.” (Homenagem a Ravel) por Austbo Haakon, no Festival Internacional da Radio-France, em Montpellier e a 21, uma nova versão do “Oresteia” (originalmente datada de 1965) é apresentada no Festival de Orestiadi em Gibellina, dirigido por Iannis Kokkos. “Kassandra”, para barítono e percussão é adicionado. O local de desempenho é a antiga vila de Gibellina, em Itália, que foi destruída por um terremoto e parcialmente destruída. Moradores locais participaram neste desempenho. Este trabalho, está numa etapa de uma nova direcção, que irá também ser realizado em Estrasburgo nesse Outono, no Festival de Música.

A 17 de Setembro a Orquestra Nacional de Lille, conduzida por Jean-Claude Cassadesus, estreia “Tracées” em Paris, a 24 de Outubro “Horos” estreia em Tóquio pelo Orquestra Filarmónica Japonesa, conduzida por Hiroyuki Iwaki, como parte da

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 39 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

inauguração da nova Suntory Hall e a 17 de Novembro, “Xas” é estreada pelo Quarteto de Saxofones Rascher.

A 3 de Maio de 1988 “Ata” é estreada no Donaueschingen pela Orquestra Sinfónica de Südwestfunk, conduzido por Michael Gielen e a 6, a London Sinfonietta, conduzida por Elgar Howarth, estreia “Waarg” em Londres.

A 1 de Julho, “” é estreado por Sylvio Gualda na Villa Medicis durante o Festival Roma Europa.

Em Julho, Xenakis participa no seminário "Redescobrir o tempo", organizado pela Universidade de Bruxelas. O seu texto apresenta uma síntese das suas ideias sobre o tempo:

Nós vemos que a música está imersa no tempo em todo o lugar: o tempo sob a forma de fluxo impalpável ou o tempo na sua forma congelada, fora do tempo, tornada possível pela memória. O tempo é o quadro negro onde os fenómenos estão inscritos e as suas relações fora do tempo do universo em que vivemos. Relações implicam estruturas arquitectónicas, regras. E, pode-se imaginar uma regra sem repetição? Certamente que não. [...] Além disso, um único evento na absoluta eternidade do tempo e espaço não faria sentido. E ainda o conteúdo, cada evento, como cada indivíduo da Terra, é único. E ainda, cada evento, como cada indivíduo na terra, é único. Mas esta singularidade é o equivalente da morte que espreita a cada passo, a cada momento. Agora, a repetição de um evento, a sua reprodução o mais fielmente possível, corresponde a esta luta contra o desaparecimento, contra nada. Como se o universo inteiro lutasse desesperadamente para manter a sua existência, de ser, por sua própria renovação incansável a cada instante, a cada morte. A união de Parmênides e de Heráclito. [...] A Mudança, porque não há descanso, a morte e o nascimento do casal lideram o Universo, por duplicação, cópia mais ou menos consistente. O "mais ou menos" faz a diferença entre o pendular e o Universo cíclico, estritamente determinado (até mesmo num caos determinista), e um Universo indeterminado, absolutamente imprevisível e caótico. (Xenakis, 2001, p. 266)

Entre 19 e 24 de Setembro, o Festival Settembre Musica da Torin é inteiramente dedicado à Xenakis. Para esta ocasião, um livro editado por Enzo Restagno é publicado, e inclui uma longa entrevista com o compositor, bem como artigos referentes às suas obras.

Em Janeiro de 1989 Patrick Fleury organiza quatro programas de rádio semanais sobre Xenakis: "Determinismo e livre vontade", "Massas e rarefação", "Racionalismo e intuição", "Tempo e fora do tempo".

A 1 de Abril, “Voyage absolu des vers Unari Andromède”, um trabalho realizado no CEMAMu, é estreado no Templo Honyokuji Kamejama em Osaka, Japão, como parte da l’Exposition internationale des cerfs-volants e a 26, Harry Sparnaay e o Ensemble Asko, conduzidos por David Porcelijn, estreiam “Echange” em Amsterdão, na Holanda.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 40 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Xenakis é nomeado Doutor Honoris Causa da Universidade Edimburgo e também membro estrangeiro da Academia Real Sueca.

A 18 de Maio, Rohan de Saram e o Ensemble Spectrum, conduzidos por Guy Protheroe, estreiam “Epicycle”, como parte do Festival de Londres grego, a 17 de Setembro, estreia de “Oophaa” no Festival de Outono de Varsóvia, por Elizabeth Chojnacka e Sylvio Gualda e a 20 de Outubro, “” é estreado na Ópera-Comique, em Paris, pelo Le Cercle Trio como parte do Festival d'Automne.

Em Abril de 1990, Xenakis torna-se Residente Distinto da Universidade do Sul da Califórnia em San Diego. Dezanove das suas obras são executadas em concertos estudantis e no dia 27, o Arditti Quartet estreia “Tetora” no Festival Tage für Neue Wittener Kammermusik.

A 24 de Junho, “Knephas” estreia no Festival Almeida em Londres, pelo New London Choir, conduzido por James Wood. Xenakis é nomeado Professor Emérito da Université de Paris I - Sorbonne.

A 9 de Outubro “Tuorakemsu” é estreado em Tóquio para o sexagésimo aniversário de Toru Takemitsu pela Orquestra Sinfónica de Shinsei, conduzido por Hiroyuki Iwaki.

A 7 de Dezembro, “Kyania” estreia em Montpellier pela Orquestra Filarmônica de Montpellier, conduzida por Zoltan Pesko.

Em 1991 Xenakis completa o seu programa de computador GENDY, onde introduz um algoritmo estocástico no processo de síntese de som chamado "síntese dinâmica estocástica".

Xenakis é nomeado Director da Legião de Honra francesa e Comandante da Ordem Francesa das Artes e Letras.

A 6 de Outubro, “Dox-Orkh” é estreado por Irvine Arditti e pela Orquestra Sinfônica da BBC, conduzida por Arturo Tamayo no Festival de Musica em Estrasburgo e a 17 de Novembro, “Gendy3” estreia no Rencontres Internationales de musique contemporaine em Metz.

A 24 de Março de 1992 “Roaï” é estreado em Berlim, pela Orquestra Sinfónica da Rádio, dirigida por Olaf Henzold, para o aniversário do quadragésimo jubileu da Associação Europeia de Festivais de Música. Em Maio, “Krinoïdi” estreia em Parma (Itália), pela Orquestra Sinfônica de Emilie-Romagne, dirigido por Ramon Encinar.

Xenakis é nomeado Membro Honorário da Academia Sainte-Cecilia em Roma.

A 3 de Maio, “La Déesse Athena” é estreado em Atenas por Spyros Sakkas e pela Orquestra Radiotelevisión de Atenas, conduzido por Michel Tabachnik e a 5 de

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 41 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Dezembro, “Pu wijnuej we fyp”, baseado no "dormeur du val" de Arthur Rimbaud40, é estreada pelo Coro da Radio-France, conduzido por Denis Dupays, sendo que o poema original de Rimbaud é transformado através de uma aplicação biunívoca do alfabeto. A 14 de Dezembro, “Paille in the Wind” é estreado por Jacopo Scalfi e Roger Woodward no La Scala, em Milão, Itália.

A 26 Março de 1993, “Troorkh” um concerto para trombone e orquestra, é estreado por Christian Lindberg e pela Orquestra da Rádio sueca dirigida por Esa-Pekka Salonen.

A 23 de Julho, “Mosaïques” é estreada em Marselha (França) pela Orquestra de Jovens do Mediterrâneo, dirigida por Michel Tabachnik.

A 1 de Setembro, “Les Bacchantes d’Euripide” é estreado no Queen Elizabeth Hall em Londres por Joe Dixon, barítono e Premiere Ensemble of the Opera Factory, conduzido por Nicholas Kork. Este trabalho será Interpretado nove vezes nos dias seguintes.

De 2 a 4 de Outubro, três concertos são inteiramente dedicados a Xenakis no Dresdner Tage der zeitgenössischen Musik. Obras para e com cravo são apresentados, bem como peças eletroacústicas, a 11, o “Polytope de Cluny” é dado no Festival Ultima, em Oslo, na Noruega. Jean-Claude Risset é o engenheiro de som e a 28, um “dia Xenakis" é organizado na Universidade de Seul por Yuji Takahashi.

De 9 a 13 de Novembro, no Festival de Outono em Paris, um espectáculo de dança pela Companhia Ballet Charleroi, coreografada por Lucinda Childs, com base em “Naama”, “Oopha”, e “Psappha”, é interpretado por Elizabeth Chojnacka e Sylvio Gualda. Este espectáculo de dança posteriormente visita Nimes, Cannes, Grenoble, e Amesterdão.

A 5 de Abril de 1994, “Zyïa” é estreado no Festival de Música Contemporânea, em Evreux (França) por Dominique Gaucet, Daroux Cecile, Vassiliakis Dimitri, e pelo coro masculino de Jovens Solistas, realizado por Rachid Safir e a 24, “Plekto” é estreado no Tage für Neue Wittener Kammermusik pelo Ensemble Köln, conduzido por Robert Platz.

A 9 de Junho, “Dämmerschein”, conduzido por Zoltan Pesko, com a Orquestra da Rádio de Colónia, é estreado em Lisboa. As estreias alemãs e belgas deste trabalho são interpretadas nos dias seguintes.

A 16 de Setembro, os Cantores da BBC, conduzidos por Simon Joly, estreiam “Sea Nymphs” em Londres e a 21, estreia em Varsóvia de “Mnamas Kharin Witoldowi Lutoslavskiemu” (em memória de Witold Lutoslawski) pela Orquestra de Câmara de Cracóvia, conduzida por Wojciech Michniewski.

40 Rimbaud (Charleville-Mézières, 20 de Outubro de 1854 – Marselha, 10 de Novembro de 1891) foi um poeta francês, considerado o “poeta da modernidade” na poesia por versejar sem comprir as regras estabelecidas. Aos 20 anos rejeita a poesia.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 42 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A 2 de Dezembro, estreia de “S.709” em Paris durante os "Dias UPIC", organizado na Radio-France e a 17, “Ergma” é estreado em Haia, na Holanda, pelo Quarteto Mondrian.

A 4 de Fevereiro de 1995, uma nova versão de “Dmaathen” (por Cécile Daroux para flauta em si bemol e percussão amplificada) estreia no Festival Présences no Radio- France por Cécile Daroux e Talibart Claire. A estreia francesa de “Dämmerschein” também é apresentada neste Festival pela Orquestra Sinfónica Radio-France, conduzida por Elgar Howarth.

Xenakis é nomeado Cavaleiro da Legião grega de Phoenix e Comandante da Ordem Nacional do Mérito francesa. A 16 de Novembro, “Voile” é estreado no Herkulessaal em Munique pela Orquestra de Câmara de Munique, conduzida por Christoph Poppen.

A 1 de Março de 1996, “Koïranoï” é estreado em Hamburgo pela Orquestra Sinfônica Rundfunk Norddeutscher, conduzida por Zoltan Pesko e a 10 de Abril, “Zythos”, para trombone e seis percussionistas, é estreado por Christian Lindberg e pelo Ensemble Kroumata, em Birmingham, Inglaterra.

A 10 de Junho, “Kuïlenn”, para nove instrumentos de sopro, é estreada em Amesterdão durante o Festival de Holanda pelo Nederlands Blazers Ensemble e a 9 de Agosto, “Hunem-Iduhey” estreia em Nova Iorque por Edna Michell e Akahoshi Ole durante o Lincoln Center Festival of Arts.

A 4 de Outubro, o Quarteto Arditti, Kakuska Thomas, e Valentin Erben estreiam o Sexteto de Cordas “Ittidra” em Frankfurt (Alemanha) e “Loolkos” é estreado a 20 do mesmo mês no Festival de Donaueschingen pela Orquestra Sinfônica Südwestfunk, conduzido por Kwame Ryan.

A 12 de Novembro, “Kai” é estreada pelo Oh Ton Ensemble, conduzido por David Coleman, em Oldenburg, na Alemanha e a 6 de Dezembro, “Roscobeck” é estreado em Colônia por Rohan de Saram e Stefano Scodanibbio no Westdeutscher Rundfunk como parte do Festival Musik der Zeit, na Alemanha.

A 4 de Fevereiro de 1997, Xenakis é galardoado com o Prémio Quioto, no Japão, a 23 de Julho, estreia “Sea-Change” em Londres pela Orquestra Sinfónica da BBC, conduzida por Andrew Davies e a 30 de Novembro, estreia da última obra de Xenakis, “O-mega”, em Huddersfield, Inglaterra, por Evelyn Glennie (solo de percussão) e pela London Sinfonietta, dirigida por Markus Stenz.

De Janeiro a Fevereiro de 1998, numerosas obras de Xenakis são apresentadas no Festival Présences no Radio-France.

De 25 a 30 de Janeiro de 1999, realizam-se “Dias Xenakis” na Universidade Marc- Bloch e no Museu de Arte Moderna em Estrasburgo. No mês de Março realiza-se o Festival Xenakis em Nicósia e Larnaca, no Chipre e em Maio realizam-se as “Semanas Xenakis”, na Bretanha, em França.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 43 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Em Maio de 2000 realizam-se os dias da Música e Matemática na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. São apresentadas mais de vinte obras de Xenakis para orquestra e a 15 de Dezembro, estreia “Anastenaria” como um tríptico (Procissão “vers les Eaux Claires”, “Le Sacrifice”, “Metastasis”), em Munique, dirigida por Charles Zacharie Bornstein.

Ilustração 1 – “Iannis Xenakis c. 1995” (Frisicano, 2010)

A 4 de Fevereiro de 2001, Iannis Xenakis morre na sua casa em Paris às cinco da manhã, socorrido pela sua esposa e pela sua filha. (Apêndice A)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 44 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

2.2. METODOLOGIA E PENSAMENTO

Xenakis vê a arquitectura de uma forma muito peculiar: acredita que desde a alta antiguidade é uma manifestação verdadeiramente espacial, fundada essencialmente em duas dimensões, sendo fundamentalmente plana. Considerando como planas, as figuras quadradas, rectangulares, trapezoidais, circulares, provenientes dos templos, das habitações, dos palácios, das igrejas, e dos teatros, (transpondo) apenas para a terceira dimensão através da translação paralela, seguindo a direcção do fio-de- prumo.

Assume ainda que esta maneira de conceber e realizar a terceira dimensão é fictícia, sendo homomórfica no plano, não fornecendo nenhum elemento volumétrico novo. Afirma ainda que este conjunto espacial é formado por um grupo principal, de volumes chamado “grupo de translação”, bifurcando-se num subgrupo rectilíneo41 e noutro circular42.

Deste primeiro, dominado e regulado pela recta, pelo plano43 e pelo ângulo recto44, fazem parte os edifícios egípcios, sumérios, babilonianos, persas, cretas, gregos, hindus, chineses, astecas, bizantinos, renascentistas, barrocos e modernos.

Por outro lado, o subgrupo circular, baseado no círculo, dominava muito menos o pensamento e a sua materialização, mas seguia uma via paralela de evolução latente. A fusão entre as casas neolíticas, os túmulos arcaicos, as rotundas com as técnicas do Próximo Oriente45 faz com que a cúpula seja criada, sendo o primeiro elemento tridimensional, ainda que tímido, onde a Igreja de Santa Sofia é uma etapa decisiva.

O pensamento moderno que pertence ao grupo de translação modificou rigorosamente o pensamento técnico a tal ponto, que há apenas uma geração, toda a teoria da elasticidade e a resistência dos materiais, se debruçava essencialmente sobre vigas e barrotes. (Xenakis, 1976, p.124)

Esta é a visão de Xenakis perante o actual contexto arquitectural da sua época, onde alerta para a importância da estrutura nos projectos de arquitectura, tornando-se reguladora da composição do arquitecto, da sua estética.

É preciso mostrá-la nua, de toda a maneira, na sua força e na sua fraqueza. (Xenakis, 1976, p.124)

Graças ao betão armado dá-se o início de uma geração, uma revolução nos conceitos teóricos do cálculo e portanto do arquitecto. A sua mobilidade, que vai de vigas,

41 Subgrupo rectilíneo é considerado por Xenakis um subconjunto do grupo de translação que é regrado pela recta. 42 Subgrupo circular é considerado por Xenakis um subconjunto do grupo de translação que é regrado pelo círculo. 43 Plano é uma superfície determinada elementar. 44 Ângulo Recto é a expressão de simetria, divisão em partes iguais de uma superfície plana e a medida do ângulo que faz o fio-de-prumo com o plano horizontal, a expressão da gravidade terrestre. 45 Próximo Oriente é a região Oriente mais próxima do Mediterrâno. Abrange a região geográfica dos países do Sudoeste Asiático entre o Mar Mediterrâneo e o Irão.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 45 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

barrotes ou até mesmo um bloco maciço permite ainda formas de conchas, tão estendidas, tão finas, tão planas, tão curvas quanto se possam desejar.

As propriedades geométricas das superfícies provenientes das teorias de casca de ovo dos véus finos, modificam directamente a orientação destas pesquisas abstractas por um lado e materiais por outro.

Qual é a forma geométrica que deve ter a cobertura para que a quantidade de matéria que constitui essa cobertura seja mínima? (Xenakis, 1976, p.125)

A abordagem perante o problema de cobrir uma dada superfície por Xenakis, é resolvida quando o arquitecto se debruça perante a natureza, que já forneceu exemplos desta economia, deste princípio da mínima acção. Ideias sugeridas pelas conchas marinhas ou terrestres, as cascas de ovo, dos caranguejos, etc. Realizando um feliz encontro entre os arquitectos dos anos 1920-1930 e a corrente das artes plásticas e as pesquisas das superfícies geométricas mais económicas, mais racionais que a laje plana e a estrutura.

Xenakis considera que a arquitectura provavelmente ainda poderia fazer muito para evitar o pompiérisme das escolas de arquitectura e consolidar o purismo das estruturas em betão e aço, indo á génese do antigo subgrupo rectilíneo, antes do seu declínio já anunciado.

Timidamente, aos poucos a inovação em termos de cobertura leva os calculadores para soluções originais, que consequentemente abrem uma nova era à arquitectura, provavelmente mais revolucionária e mais original que nunca.

É esta nova época que a Arquitectura de translação parece terminar o seu curso magnífico mais restritivo que deu tantos produtos eternos cheios de inteligência e poesia. É agora que se assiste à alvorada doutra arquitectura, realmente a três dimensões, mais rica, mais surpreendente. É a arquitectura do grupo volumétrico. (Xenakis, 1976, p.126)

A Philips46 no início de 1956, através do seu director artístico, M. Louis Kalff, dirigiu-se a Le Corbusier para que assumisse a criação de um pavilhão que integrasse a Exposição Universal de Bruxelas47 de 1958.

Eu queria que fizessem o Pavilhão Philips sem que fosse necessário expor o que quer que seja dos nossos produtos. Uma demonstração das mais audaciosas de efeitos de som e de luz, em que o progresso técnico poderá conduzir-nos para o futuro. (Xenakis, 1976, p.126)

46 Philips, ou Royal Philips Electronics é uma empresa multinacional de engenharia holandesa e conglomerado de electrónicos com sede em Amsterdão. Foi fundada em Eindhoven em 1891 por Gerard Philips e seu pai, Frederik. 47 Exposição Universal de Bruxelas decorreu entre 17 de Abril a 19 de Outubro, em 1958. Foi a primeira grande Exposição Mundial depois da Segunda Guerra Mundial. Localizada em Heysel, a sete km de Bruxelas, na Bélgica. Mais de 42 milhões de pessoas visitaram a Expo 58, que abriu com um discurso apelando à paz mundial e ao progresso económico pelo Rei Balduíno I.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 46 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Por seu turno Le Corbusier responde afirmativamente com algumas restrições envolvendo a criação do pavilhão.

Eu não vos farei um pavilhão, mas um Poema electrónico e uma garrafa contendo o poema: 1º. Luz, 2º. Cor, 3º. Imagem, 4º. Ritmo, 5º. Som, reunidos numa síntese orgânica acessível ao público e demonstrando os recursos das obras Philips. (Xenakis, 1976, p.126)

Le Corbusier em pessoa coordena luz, cor e imagem, criando desta forma o cenário óptico do Poema electrónico, que dura dez minutos. Edgar Varése48 é escolhido por Le Corbusier para os oito minutos de sonoridade, enquanto a música de interlúdio de dois minutos é levada a cabo por Xenakis, que terá a função de estudar a sua arquitectura.

A cobertura do pavilhão abriga quatrocentas a quinhentas pessoas. Sem lugar a improvisação, os aparelhos de visão e os de audição, os magnetofones e os automatisateurs à thyratrons, estão inscritos sobre bandas magnéticas.

Xenakis está encarregue de desenhar as ideias e de as ensaiar, ‘traduzindo-as para os matemáticos’ a pedido de Le Corbusier.

Ilustração 2 - Esboço entregue por Le Corbusier a Iannis Xenakis, em Outubro de 1956 (Xenakis, 1976, p.127)

48 Edgard Victor Achille Charles Varèse (Paris, 22 de Dezembro de 1883 - Nova Iorque, em 6 de Novembro de 1965) foi um francês naturalizado norte-americano, um dos maiores compositores contemporâneos, o percursor explosivo da desintegração dos timbres, do ritmo e do discurso sonoro.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 47 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Le Corbusier pretendia que a construção fosse uma ‘garrafa’, contendo o ‘néctar do espectáculo e da música’, em que as superfícies onde o espectáculo filmado é projectado têm de ser planas e verticais. Deseja ainda um gargalo aéreo no alto do pavilhão para os efeitos de espaço acontecerem, assim como superfícies concavas e convexas para as auroras da cor.

Especial atenção para o Pavilhão holandês que se encontra na parte de trás do Pavilhão Philips, onde se pede uma superfície simples e convexa, de modo a não influenciar muito a vista sobre o jardim e a verdura que envolvem a construção holandesa.

O espectáculo e a audição não devem ser prejudicados por qualquer outra ideia de procura plástica.

O espectáculo visual torna-se o principal objecto de esforço criativo por parte de Le Corbusier, que nunca teve a oportunidade de o fazer, nem à sua inteira disposição os meios do cinema nem as projecções em cores.

Uma vez que é a noite dentro da ‘garrafa’, pouco importa a sua beleza. (Xenakis, 1976, p.128)

Le Corbusier está profundamente feliz de se expressar de outra maneira para além da arquitectura ou da pintura, numa demonstração magnífica de cores e atmosferas através da sua visão total, sintética e cinemática do mundo.

A razão da minha intervenção não é fazer mais um local na minha carreira, mas criar convosco um primeiro ‘jogo eléctrico’, electrónico, sincrónico, onde a luz, o desenho, a cor, o volume, o movimento e a ideia fazem um todo surpreendente e acessível, bem entendido, à multidão. (Xenakis, 1976, p.128)

A arquitectura do Pavilhão tem um sentido muito pragmático para Le Corbusier.

O Pavilhão Philips não será apenas uma construção que custará muito pouco dinheiro e que será antes uma espécie de escultura côncava de cano de cimento sem nenhuma existência ‘arquitectural’, senão a expressão corrente. (Xenakis, 1976, p.128)

Concluindo as ideias de Le Corbusier resumem-se a uma forma côncava realizada num cano de cimento abrigando seiscentas a setecentas pessoas, que será suspensa num andaime metálico que comportará um telhado-abrigo e deverá ser constituída por superfícies planas de projecções filmadas e de superfícies curvas, côncavas e convexas, para as projecções de cor, sendo ainda esta forma prolongada através de um poço aéreo permitindo aparições e desaparições de imagens no longínquo, isto para criar uma impressão de profundidade dos volumes.

No primeiro estudo, Xenakis baseando-se no desenho que Le Corbusier lhe tivera concedido e que teria de ser respeitado ao máximo, Xenakis começa a ensaiar e a desenvolver soluções, embora infrutíferas.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 48 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Por outro lado os pensamentos e objectivos de Le Corbusier permitem a Xenakis todas as espécies de iniciativas, tendo como base alguns factores determinantes da forma do Pavilhão.

Entre eles a superfície de evolução do público, ou seja, um plano constituído por um círculo com duas passagens, entrada e saída, onde a audiência fica oito ou dez minutos em pé, distribuída de maneira homogénea sobre toda a superfície interior.

Assim como o Auditório electroacústico, sendo o receptáculo dos desenvolvimentos actuais da musica electromagnética, onde a reverberação49 deve ser suficientemente fraca, evitando as superfícies planas paralelas devido aos seus reflexos múltiplos, bem como os ângulos triedos devido á reverberação acumulada sobre os planos bissectores dos ângulos diedros. No sentido oposto e pela razão da curvatura variável, as superfícies curvas, não de revolução são excelentes, embora se devam rejeitar as porções de esfera porque condensam no centro.

Enquanto as projecções de luz em cores, devem ser fantasmagóricas graças aos horizontes em cores e aos volumes que a luz reflectida gera. As superfícies curvas fugitivas ou receptivas de luzes perpendiculares, obliquas ou rasantes criam volumes em movimento que se fecham, se abrem e rodopiam.

Para a técnica de construção, Xenakis procura saber entre todas as superfícies geométricas, quais são autónomas, acessíveis ao cálculo estatístico e realizáveis num local normal, acreditando que este último capítulo lhe daria a chave, a constante que responde às outras duas questões. Está mais inclinado para estruturas geométricas à base de rectas, superfícies regulares, devido às suas pesquisas musicais sobre os sons à variação contínua do tempo baseado no Modulor50.

Por outro lado, as pesquisas originais dos percursores dos países estrangeiros, e em particular as de Bernard Laffaille, pioneiro neste domínio em França, familiarizaram-me com as superfícies regulares simples geradas por linhas rectas e curvas planas, os paraboloides hiperbólicos e os conoides. As superfícies conhecidas há já uma geração pela estática e pela ‘teoria da elasticidade das cascas finas’, mas, além disso, tinham sido recentemente realizadas em betão armado, encaixotado, em diversos países mas sempre para substituir os telhados ou os terraços panorâmicos. (Xenakis, 1976, p.130)

Antes do Pavilhão Philips, estas superfícies nunca foram utilizadas sinteticamente num todo com exclusão de paredes verticais e a exclusão de uma estrutura estranha à sua natureza.

Era uma ocasião única para mim imaginar um edifício constituído, na sua estrutura e na sua forma, somente por paraboloides hiperbólicos (P.H.) e por conoides e que fosse autónomo. (Xenakis, 1976, p.131)

49 Reverberação é um efeito físico gerado pelo som, sendo a reflexão múltipla de uma frequência. 50 Modulor foi um sistema de proporções elaborado e largamente utilizado Le Corbusier.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 49 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A composição tanto quanto possível total em P.H. e em conoides é a solução finalmente adoptada, imposta pelo rigor lógico dos raciocinos presentes na tabela seguinte:

Auditório Luz, cores, projecções Técnica eletroacústico filmadas Construção Superfícies planas Não Sim e não Sim Superfícies curvas Sim Sim Não quaisquer Superfícies realizáveis Sim Sim Sim P.H. conoides Ilustração 3 - Vector sobre forma de matriz que resume todos estes caminhos convergentes do pensamento (Adaptado a partir de Xenakis, 1976, p.131)

A partir desse momento, a lógica que seria estocástica, deixa de funcionar e a intuição toma o poder. É eloquente por si próprio o processo com que Xenakis conclui o primeiro projecto e a primeira maquete, explicito nos próximos desenhos apresenteados.

Ilustração 4 - Estudo em plano (Xenakis, 1976, p.132)

O esboço nº11 é a forma definitiva do primeiro projecto, sendo composta por dois conoides adjacentes D e A de P.H., os K e G dum cone de ligação L e de dois triângulos vazios, os acessos. A terceira extremidade com mais de 11 metros de altura é igualmente criado neste esboço, equilibrando plasticamente a orientação brutal dos dois primeiros com mais de 17 e mais de 13 metros e criando ainda uma torção geral de volume na direcção da primeira extremidade.

A 15 de Outubro de 1956, Xenakis apresenta o esboço nº 11 e propõe a fórmula a Le Corbusier.

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Ilustração 5 - Pesquiza espacial (Xenakis, 1976, p.133)

É aprovado por Le Corbusier, sem qualquer reserva e pede a Xenakis que faça uma maquete para tornar o esboço mais explícito para que o Sr. Klaff possa compreender mais facilmente e para que os engenheiros duma empresa parisiense de construções metálicas possam determinar um orçamento preliminar.

Para realizar a maquete foi-me necessário estender fios sobre arestas de encontro com as superfícies e materializar estas arestas por cordas de piano inclinadas e embutidas numa placa de madeira. As três hastes verticais que resultaram tiveram uma consequência inesperada e muito importante. Fizeram desviar até ao fim, ate ao projecto definitivo, a atenção dos engenheiros das diferentes empresas que foram

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 51 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

consultados e quase todos passaram ao lado da solução autónoma. (Xenakis, 1976, p.134)

O segundo projecto é uma variante do primeiro, onde o casamento entre a plástica e os elementos matemáticos tornar-se-á uma demonstração solida da complementaridade das faculdades humanas, resposta probatória àqueles que qualificam o cálculo-instrumento de pedantaria seca e àqueles que não vêem na intuição controlada senão divagações arbitrárias.

Durante a viagem de Le Corbusier à India, Xenakis encontra-se com os engenheiros da empresa parisiense, que lhe pediram algumas modificações em relação ao primeiro projecto. A única sugestão dos construtores aceite é a de que os conoides deviam ser transformados em P.H. para simplificar o cálculo da execução.

Em contrapartida afirmam que a construção não podia ser autónoma, devido á sua camada fina, assim como dificilmente calculável e que o estudo sobre o modelo reduzido seria muito demorado e oneroso.

A solução de cano de cimento sobre a tela metálica e cabos é considerada perigosa mas a verificar, sugerindo uma alternativa lógica de cabos de dupla curvatura com parede dupla coberta por poliuretano51 ou algo similar que posteriormente é rejeitada por falta de isolamento fónico.

A estrutura metálica seguindo as cordas do piano da maquete com arestas em forma de vigas curvas também é recusada, tal como a contração global do volume em 25%.

Ilustração 6 - Estrutura metálica seguindo as cordas do piano da maquete com arestas em forma de vigas curvas (Xenakis, 1976, p.135) As críticas fundamentais permitem a Xenakis ver mais claramente e estudar a fundo e matematicamente as superfícies e a composição. Toma consciência de que não existe grande diferença entre a altura da segunda extremidade, com mais de 13 metros, e a altura da terceira extremidade, com mais de 11 metros. Por sua vez a cavidade com mais de 9 metros é muito alta, e ao cone L de conexão faltava generosidade, parecia indeciso, no limite da ‘existência’.

51 Poliuretano é um isolamento térmico e acústico de elevado poder que não sobrecarrega as esturturas. Isolamento térmico contínuo sem juntas a fim de eliminar as pontes térmicas.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 52 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Para estudar a nova forma do pavilhão baseado nos planos que os engenheiros lhe pediram, Xenakis está reticente entre três métodos: algébrico, geométrico ou experimental. Parece-lhe mais convincente escolher uma combinação dos métodos geométricos e experimentais, onde a geometria descritiva dá uma aproximação tão grande com a álgebra, tendo ainda em conta duas enormes vantagens, o facto de ser sugestiva e o facto do risco de erros ser reduzido e visualmente controlável.

É impossível trabalhar com combinações de tais formas, com funções algébricas combinações de tais formas, com funções algébricas totalmente abstractas. Numa pesquisa como esta, a delicadeza das curvas e a sua dinâmica não podem nunca ser imaginados através das equações. O pavilhão devia ser eminentemente plástico. Não estava determinado por funções. Entre uma infinidade de curvas possíveis era necessário escolher a melhor combinação. Então o instrumento experimental que utilizei foi o de duas hastes metálicas, rectilíneas, unidas por fios elásticos ligados a iguais distâncias, sobre cada uma das dez hastes. (Xenakis, 1976, p.136)

Ilustração 7 - Parabolo e W definidos pelo esquema seguinte (Xenakis, 1976, p.136) É infinitamente grande a variedade de combinações destas cinco variáveis. Era necessário arriscar por tentativas cada uma das cinco variáveis com vista a escolher uma só das superfícies do pavilhão, uma vez que a curva fosse aceite, era estável para o desempenho geométrico. Para desenhar um P.H. basta definir as projecções sobre o plano horizontal e sobre o plano vertical, a posição no espaço e a dimensão de duas directrizes assimptotas.

Ilustração 8 - Bº é uma paralela a B a partir dum ponto qualquer X de A (Xenakis, 1976, p.136)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 53 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 9 - Para obter uma superfície P.H. coloca-se sobre A e B (directriz) um mesmo número de pontos e unem-se pontos homólogos pelas rectas (geradoras) (Xenakis, 1976, p.137) Dadas duas rectas no espaço, uma terceira recta que corta as duas primeiras gera, logo que se desloca, um paraboloide hiperbolica, se se mantiver paralela ao plano dado. Os traços destas geradoras sobre o plano horizontal, pode ser uma porção de parábola da hipérbole duma recta ou de um ponto.

Ilustração 10 - Vista axonométrica e o mesmo desenho em geometria descritiva (Xenakis, 1976, p.138)

Para esta arquitectura a três dimensões, o arquitecto deve utilizar uma representação geométrica a três dimensões com o auxílio da geometria descritiva.

O arquitecto que não saiba trabalhar senão sobre o plano é incapaz de conceber uma arquitectura a três dimensões, porque a terceira não é simplesmente o resultado duma translação paralela, ela é real. (Xenakis, 1976, p.138)

Á priori, Xenakis define as novas alturas das três extremidades e a sua projecção sobre o plano horizontal, sendo que a primeira tem mais de 21 metros, a segunda com

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 54 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

mais de 13 metros e a terceira com mais de 18 metros, de modo a aumentar também o cone central L.

A definição dos P.H. que interessavam plasticamente a Xenakis e cujas intersecções com o plano horizontal se adaptam melhor à figura primitiva do estômago, resulta das tentativas sobre o instrumento experimental e dos traços de geometria descritiva, assim como dos vai-e-vem entre os dois métodos.

Ilustração 11 - Desenho da figura primitiva do estômago. (Xenakis, 1976, p.139)

O segundo projecto era assim inteiramente criado sobre o papel vegetal, e rigorosamente definido com a ajuda da geometria descritiva à escala 1/200 a 8 de Dezembro de 1956. É a partir destes planos que constrói uma nova maquete. (Xenakis, 1976, p.138)

Em relação á natureza das superfícies, os conoides A, D e E são transformados em quatro P.H., A, B, N e D. O cone L é aumentado, além de que os dois novos P.H. são formados no P.H.C. e no P.H.F. que ligados ao P.H.E. deixam o volume necessário para os locais de serviço e para os ventiladores.

Para dar a possibilidade aos engenheiros de estudar soluções autónomas puras ou semi-autónomas, conservam-se as vigas.

Le Corbusier, regressado da India, aceitou o segundo projecto sem qualquer retoque, assim como o Sr. Kalff. (Xenakis, 1976, p.139)

A procura de uma empresa que satisfizesse o ponto de vista de Xenakis torna-se complicada, onde no início os engenheiros jogaram muito caro. É preciso arriscar, o pavilhão parece periclitar, os cortes escuros já tinham sido considerados, assim como as falsificações da pureza geométrica. Várias empresas estrangeiras são contactadas, que fazem as suas respectivas propostas técnicas e ofertas.

A única que adoptava quase totalmente o ponto de vista de Xenakis é a empresa belga Strabed. Uma das valências da proposta da empresa é a sua construção semi- autónoma, utilizando quatro vigas, das quais uma se encontra no interior do pavilhão. Outra das valências é a casca em betão pré-esforçado ter apenas 5cm de espessura.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 55 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Devido à incompreensão dos planos que resumiam os P.H., que não tinham contacto com o solo, a Strabed interpreta o cone L e o P.H. como formando um só P.H. o P.H.M. Para além disso chega a um preço aceitável pelo Pavilhão Philips.

As outras empresas preconizavam estruturas mais ou menos complicadas com dupla parede para a casca duma espessura total de 80cm, em madeira ou em metal ou em gesso, etc. (Xenakis, 1976, p.140)

Hoyte C. Duyster, administrador da empresa Strabed e engenheiro especialista em betão pré-esforçado, é o principal responsável pela conclusão da construção do novo pavilhão, imaginando o procedimento original. Decompôs os grandes P.H. em pequenos de 1m x 1m (aproximadamente), lançando os planos sobre a areia, ficando desta maneira, empilhados sobre uma torre de alumínio e comprimidos por cabos em aço (seguindo as geradoras) ancoradas sobre as arestas ou sobre a cintura das fundações. Fez também todos os cálculos estatísticos preliminares realçando os reforços sobre uma maquete saída dos planos de Xenakis.

Em apenas quinze dias e acompanhado por M. Kalff, Hoyte C. Duyster dirige-se aos professores da Universidade de Delft MM. Vreedendiburgh e Bouma para fazer ensaios sobre o modelo reduzido em gesso que verificaram os seus cálculos. Duyster admite que jamais se teria lançado nesta aventura sem o apoio dos ensaios.

Através da simplificação que Duyster traz ao introduzir o P.H.M., a pureza geométrica do pavilhão ganha mais um ponto. No entanto a construção ainda tem barrotes, dos quais um é muito constrangedor, ao que Xenakis propõe uma ligeira transformação do novo P.H.M. e do P.H.B. com o intuito de suprimir todos os barrotes, sendo posteriormente aceite por Duyster afirmando que os cálculos suplementares já tinham sido verificados.

Xenakis transforma o P.H.C. de côncavo em convexo, o que estabiliza facilmente a terceira extremidade que está efectivamente muito inclinada. As suas aberturas triangulares são fechadas com o auxílio dos novos P.H. adaptados aos antigos. Estando assim estabelecidos os acordos sobre os planos de geometria descritiva, a estrutura torna-se inteiramente autónoma e nua, sem qualquer tipo de suporte, o que fortalece a ideia de que os P.H. têm propriedades extraordinárias de resistência e de plástica eloquente.

O Pavilhão Philips é um símbolo da colaboração dos membros duma equipa, desde o cliente, o encontro com o Sr. Kalff, até ao mestre-de-obras que soube compreender uma estrutura pouco conhecida, depois explicar as funções e guiar os trabalhadores vindos de diferentes países da Europa. (Xenakis, 1976, p.141)

A arquitectura do pavilhão Philips além de se inserir numa nova marca plástica, provoca também a descoberta dum meio original e geral de colocar sem cofragem superfícies difíceis, que obtém assim uma obra edificada em todos os pontos original, pertencendo a um nova arquitectura revolucionária, a arquitectura volumétrica.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 56 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Esta revolução é estimulada pelo betão, que ficará por muito tempo como seu suporte, embora num futuro próximo será substituído por materiais ligeiros, mais maleáveis, compostos químicos, matérias plásticas, que talvez possuam propriedades biológicas de autodefesa contra a erosão, corrosão, calor, fissuras, etc. Sendo o único que está na origem da nova arquitectura do grupo volumétrico, prepara assim o leito às matérias plásticas de amanhã que formarão uma panóplia rica em formas e em volumes que contenham não somente os seres biológicos mas sobretudo as matemáticas mais abstractas.

É um novo enriquecimento, gigante, com consequências ainda imprevisíveis, do ponto de vista psicofisiológico, o facto do sistema de referência do corpo humano não ser mais o angulo recto nem as superfícies planas, horizontais e verticais, dando lugar ao espaço curvo.

Quando se está dentro do Pavilhão Philips não se discute a sua geometria, experimenta-se a influência das suas curvaturas. É-se sensibilizado a tal ponto que se por exemplo se introduzisse nas superfícies da sua estrutura porções brutalmente planas, o resultado seria uma cacofonia insuportável para os nossos olhos e a nossa pele. O rigor duma lei abstracta de comportamento dos volumes é imediatamente perceptível. O ‘filtro’ da lógica não é senão um suplemento feliz. (Xenakis, 1976, p.142)

Ilustração 12 - Desenho relativo ao exterior do Pavilhão Philips (Xenakis, 1976, p.142)

Para Xenakis, o que realmente é importante para este ‘gesto electrónico’ é realçar as actividades criativas que convergem para uma integração das artes visuais e auditivas.

As etapas da abstracção reunidas, nas suas intenções, pela pintura e pela escultura, através do pensamento físico, matemático e filosófico, tomam o sentido de serem manipulações conscientes de leis e de noções puras, e não de objectos concretos.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 57 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Com efeito, os jogos de formas e de cores destacados do seu contexto concreto implicam redes conceptuais dum nível superior. Estes jogos representam comparações e apreciações de noções puras que existem nos acontecimentos e nos objectos anedóticos, mas que se destacam por formar conceitos necessários à percepção e ao controlo mais vasto, mais rápido, e mais simples de todas as relações de volumes e luz. Pela abstracção, estas duas artes aproximam-se duma filosofia de essências que docemente se manifesta em matemática e lógica. (Xenakis, 1976, p.143)

Perante estas duas formas de arte, que utilizam os efeitos de luz em contacto com a matéria, ficam encerradas na sua imobilidade secular, sendo estáticos e suspensos temporalmente. A sua visão conceptual e sensorial, tanto na pintura como na escultura, é dada ao todo no instante em que o olhar se fixa. Apenas o cinema proporciona à imagem uma terceira dimensão real, o tempo.

Xenakis abandona a escultura, considerando-a mais táctil que visual e concentra-se na evolução possível da pintura, nunca descorando o seu domínio abstracto.

Podemos deduzir que a pintura, do facto de que é elevada ao nível de abstracção, é forçada pela sua própria natureza a associar-se ao conceito do tempo. Uma ‘pintura cinemática’ deve logicamente mergulhar na aventura temporal, expressão mais avançada da pintura contemporânea. (Xenakis, 1976, p.144)

Por outro lado Goethe52, considera a pintura uma arte mais acessível a todos, ao contrário do que acontece quando estãoos perante a música. Enaltece ainda a complexidade da composição musical, que só os mais dotados conseguem construir algo sozinhos, que no caso da pintura não acontece.

A pintura é a mais despreocupada e a mais condescendente de todas as artes. Porque, à vista da matéria tratada e do objecto figurado, não só se lhe perdoa muita coisa em que ela não passa de manufactura e que pouco tem a ver com arte, como se apreciam estes aspectos, o que em parte resulta do facto de uma execução técnica, ainda que destituída de espiritualidade, produzir grande admiração tanto nas pessoas incultas como nas mais cultivadas, o que tem por consequência que a pintura não precisa de se elevar muito em direcção ao plano das artes para ser extremamente bem aceite. A verdade nas cores, nas superfícies ou nas relações dos objectos com a visão uns com os outros torna-se logo agradável e, uma vez que o olhar está habituado a ver um pouco de tudo, não se deixa chocar muito com uma forma visual menos apropriada ou com uma imagem menos adequada, ao contrário do que acontece com o ouvido quando se lhe depara uma nota desafinada. Deixa-se passar a pior das imagens pictóricas porque se está habituado a ver objectos ainda piores. E assim, basta que o pintor se aproxime apenas um pouco de ser artista para ter imediatamente um público muito maior que o do músico que estivesse no mesmo plano. Pelo menos, o mais limitado dos pintores pode sempre trabalhar por si só, enquanto que os músicos de menores capacidades têm sempre que se associar a outros para assim, em conjunto, poderem produzir algum efeito. (Goethe, 2000, p.198)

52 Johann Wolfgang von Goethe (Frankfurt, 28 de Agosto de 1749 - Weimar, 22 de Março de 1832) foi um escritor alemão e pensador que também fez incursões pelo campo da ciência. Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 58 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Este desenvolvimento da pintura, é permitido através dos meios técnicos do cinema, consolidado através da ligação entre os primeiros ensaios do surrealismo com ‘O cão andaluz’, assim como na pintura decorativa com o ‘Ballet mecânico’, e certas curta- metragens publicitárias verdadeiramente ricas de ideias abstractas.

A necessidade duma ‘pintura cinemática’ não é nenhum capricho mas sim vital para a arte da cor e das formas, que no momento, além de poder ser actualizada através da película duma projecção filmada pode também saltar realmente no espaço.

A cadeia cinematográfica na actualidade funciona através da luz branca que projecta o filme, assim como os filtros coloridos queprojectam no ecrã plano.

Alguns dos elos gerados por esta cadeia opõem-se ao salto espacial propulsionado pelo pensamento de Xenakis, aplicado no pavilhão, que consiste em tomar partido das superficies para enriquecer o seu espectáculo cinematográfico.

Em vez do ecrã plano, que define o volume espaço-visual, imaginemos ecrãs torcidos, curvaturas várias entre limites muito grandes, onde a focalização e a ‘delicadeza’ podem tornar-se meios muito ricos de sujeição artística.

É necessária a deformação complexa do ecrã plano, que de qualquer forma acusa uma realidade espacial da cinemática visual.

Os resultados serão tanto mais surpreendentes se o ecrã não se limitar ao perímetro dado, mas que se desloca sobre todas as paredes duma sala construída completamente para este efeito de superfícies distorcidas.

O perfeccionismo técnico da projecção permite passagens de ambientes coloridos de jactos ondulantes, que com os seus efeitos frisantes ou perpendiculares, transformam as configurações espaciais nas superfícies distorcidas. Um órgão tocado, intensamente colorido, pode ser adicionado à utilização criativa de formas e cores.

Constatamos que os prolongamentos dos jogos abstractos da pintura moderna confundem-se naturalmente com os meios que as técnicas do cinema e a iluminação aperfeiçoaram muito recentemente e tornam possíveis aventuras colossais nunca imaginadas até aqui. (Xenakis, 1976, p.145)

Xenakis verifica também que a concepção arquitectural nova que sairá dos caminhos vencidos do plano e da linha recta (arquitectura de translação) é importante para criar um espaço de três dimensões reais, utilizando as conchas da última teoria da elasticidade.

Uma infraestrutura electrónica perfeita, automaticamente regulada, é necessária para o movimento das câmaras e dos projectores de cor.

Tal como foi definido anteriormente, a música segue uma rota em direcção à abstracção, que surpreendentemente se aproxima às mesmas épocas da pintura.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 59 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Para Xenakis, o início da música abstracta consciente começa no momento da descoberta da atonalidade baseada na equivalência dos doze tons temperados, que já tinha sido imaginada por Loquin53,em 1985, muito antes dos criadores oficiais da Escola de Viena.

Em troca deste avanço conceptual formidável, a música serial teve de ceder sobre um ponto, que segundo a nossa opinião, é importante. Ela impôs uma restrição, um constrangimento ‘linear’ de estruturação. Este constrangimento pode ser levado até à hora actual por uma lógica e uma estética que, ela, integrará as estruturas seriais mais finas. Por outro lado, a música serial não pode admitir sons com variações contínuas. Variações contínuas em todos os componentes do som e em particular sobre a frequência (glissandi). Pois que ela é por definição um tempo. Todavia a variação continua dum som é um segundo aspecto complementar da sua existência no tempo. Portanto a variação contínua dum som é um segundo aspecto do corpúsculo e da onda em física ondulatória. Não há nenhuma razão para privar-me deste enriquecimento da noção do som. (Xenakis, 1976, p.147)

A partir duma música mais completa, duma ‘música estocástica’, que utilizará na sua essência a teoria e o cálculo das probabilidades com introdução de toda uma série de funções matemáticas, além de superar a restrição ‘linear’, possibilita o controlo das variações contínuas dos componentes do som.

Um novo alargamento de tendências abstractas, favorecido pela música serial e pelas técnicas electroacústicas, manifestão-se sobre duas formas principais: a música saída dos efeitos sonoros radiofónicos do tipo ‘concreto’ de Paris e a música à base de sons sinusoidais54 do tipo ‘electrónico’ de Colónia.

Trazendo variadíssimas soluções à criação do som e da sua vida interna, baseando-se nas técnicas electromagnéticas.

A corrente electroacústica, constituída pela faixa, magneto-falante e alto-falante, permite a Xenakis explorar várias possibilidades espaciais, seguindo assim a direcção inversa à pintura.

Sendo notável que estas duas artes procuram actualmente através dos seus próprios caminhos integrar as suas fisionomias lógicas, a pintura adicionando a categoria do tempo e a música a do espaço.

Assumindo que o alto-falante direciona o som audível sobre toda a extensão do seu espectro, Xenakis considera-o como uma fonte pontual no espaço em três dimensões, num local que seja inerte acusticamente.

Estes pontos sonoros definem o espaço de som, bem como os pontos geométricos da estereometria55. Tudo o que pode ser enunciado pelo espaço euclidiano56 poderá ser

53 Loquin foi professor do Conservatório de Bordeaux. 54 Sinusoidal é uma forma de onda cujo gráfico é idêntico ao da função seno generalizada. 55 Estereometria é a ciência que estuda a medição dos corpos sólidos. 56 Espaço euclidiano é um espaço vetorial real de dimensão finita munido de um produto interno.

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transposto para o espaço acústico. Suponhamos uma recta acústica definida por pontos emissores de som. O som pode surgir de todos os pontos desta recta simultaneamente. Esta é a definição estática da recta. Podemos, da mesma maneira, supor curvas no plano ou no espaço assim como superfícies distorcidas, etc. (Xenakis, 1976, p.148)

A definição de estereofonia estática está assim explicada por Xenakis, que prefere chama-la como estereofonia cinemática.

Propondo ainda que com a ajuda do movimento, pode-se construir uma recta acústica que se desloca sobre uma recta de alto-falantes, onde as noções de velocidade e de aceleração acústicas são introduzidas e onde todas as curvaturas geométricas e todas as superfícies podem ser transpostas cinematicamente com a ajuda da definição do ponto sonoro.

A música expande-se num verdadeiro ‘gesto sonoro’, graças a estes dois tipos de estereofonia, porque não só faz a ligação com os tempos, os timbres, as dinâmicas, as frequências que são inerentes a toda a estrutura sonora, bem como é capaz de governar o espaço matemático e as suas relações abstractas que podem assim tornar- se magnificamente perceptíveis ao ouvido sem passar pela visão ou pelos aparelhos físicos de medida.

A importância da forma arquitectural da sala é igualmente importante, pela sua diversidade adaptada aos efeitos estereofónicos totais, sendo obrigada a possuir novas superfícies mais gerais, formas distorcidas.

A qualidade da acústica da sala depende da configuração do volume do ar encerrado na estrutura deste modo arquitectural.

Visto que as superfícies planas e as superfícies de raio de curvatura constante criam locais privilegiados para que exista reverberação perturbadora, Xenakis opta pelas superfícies distrocidas que têm raios de curvatura variáveis e designados.

Só graças às técnicas electrónicas, que os prolongamentos magníficos da arte da visão e da arte da audição se tornaram possíveis, permitindo uma vasta síntese audiovisual e um ‘gesto electrónico total’, nunca antes atingido, que se situa no domínio do abstracto, sendo o seu clima natural e indispensável à sua existência.

O Pavilhão Philips da Exposição de Bruxelas representa, sob este aspecto, em atenção, uma primeira experiência desta síntese artística do som, da luz, da arquitectura, uma primeira etapa em direcção a um ‘gesto electrónico’. (Xenakis, 1976, p.150)

Uma consciência conceptual nova, a abstracção e uma infra-estrutura técnica, a electrónica, muda neste momento a civilização humana.

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2.3. INFLUÊNCIAS E IMAGINÁRIO

A primeira influência de Xenakis é a sua mãe, que ao oferecer-lhe uma pequena flauta, sentiu, aos cinco anos de idade, um fascínio pela música que não mais o largou.

Quando ela começava a tocar, eu quase que paralisava. (Kanach, 2008, p. xvi)

Mais tarde na Roménia, começa a ouvir radio, sintonizando uma estação polaca na Katowice57, que passa variadíssimos géneros musicais. Ao regressar à Grécia, depois de sua mãe morrer, o seu pai inscreve Xenakis numa escola privada.

O que melhor recordo deste sitio é da radio na sala de convívio. (Kanach, 2008, p.xvi)

Ao ouvir a Quinta Sinfonia de Beethoven, sente-se atingido como se de um “apocalipse” se tratasse. Daí em diante, aos poucos envolve-se com a música, mas nunca pensando em tocar nem mesmo em compor. Só mais tarde, com 17, 18 anos é que surge a convicção de escrever música.

Os seus gostos e interesses são muito vastos. Durante a sua adolescência quer ser arqueólogo, provavelmente inspirado pelos monumentos e esculturas da Grécia Antiga. Xenakis, tem a sorte de conhecer um professor que estimula o apetite pela filosofia, recitando versos de Homero58, que permanecem na sua vida. Simultaneamente, surge o interesse pela matemática, pela ciência em particular pela astronomia. Desta maneira, prepara a sua entrada no politécnico de Atenas frequentando ao mesmo tempo os cursos universitários de física, direito e ciência política. Além disso tem um amor infinito pela natureza.

Onde alegadamente a batalha teve lugar, havia uma sepultura antiga, com um baixo- relevo de Aristocles59, eu gostava de ficar lá horas a fio a ouvir os sons da natureza, as cigarras, o mar. (Kanach, 2008, p.xvi)

Durante a guerra que começou em 1939, primeiro contra os alemães e posteriormente contra os ingleses, Xenakis lê Platão tornando-se marxista.

Eu não achava os livros de Marx muito bem escritos, mas para mim, eles representavam a única pesquisa mais ou menos contemporânea que procura restabelecer a harmonia da humanidade, bem como a harmonia entre homem e natureza dentro de um conjunto global. (Kanach, 2008, p.xvi) hegando a Paris em 1947, com o diploma de curso de Engenharia, tirado no Instituto Politécnico de Atenas, debaixo do braço, começa à procura de emprego na sua área e embora seja recomendado a alguns Engenheiros comunistas, nunca consegue vingar

57 Katowice é uma cidade, no sul da Polônia, sendo a capital da província da Silésia. 58 Homero (Grécia, 800 a.C - Grécia, 700 a.C) foi um poeta épico da Grécia Antiga, ao qual tradicionalmente se atribui a autoria dos poemas épicos Ilíada e Odisseia. 59 Aristocles, Platão (Atenas, 428/427 – Atenas, 348/347 a.C.) Filósofo e matemático grego do período clássico da Grécia Antiga, fundador da Academia Ateniense.

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em nenhuma destas firmas. Não tendo dinheiro nem documentos de identificação, só através de amigos gregos é que consegue encontrar um quarto para dormir.

Até que finalmente encontra emprego como Engenheiro, no estúdio de Le Corbusier, através de um outro grego que conhecia o arquitecto, Georges Candilis. Integra nomeadamente no ATBAT (Atelier des Batisseurs, ou estúdio da Builders), entidade criada especialmente para o Projecto de Habitação de Marselha, conhecida como “La cite radieuse” a cidade radiosa.

Apesar de neste momento Le Corbusier estar a ganhar rapidamente uma reputação internacional, Xenakis consistentemente alega que nunca ouviu falar dele até à data, acrescentando que nunca se importou muito com a arquitetura moderna, admitindo saber muito pouco sobre o assunto. Considera ainda que nada de novo foi tão interessante como o Pártenon, e o que se seguiu foram meros neoclássicos refeitos. Só precisava de um trabalho de dia que lhe permitisse prosseguir com os seus interesses musicais durante a noite e tempo livre.

Nunca tinha ouvido falar de Corbusier quando cheguei a França e tenho que admitir que era absolutamente desinteressado em arquitectura na altura. Eu era um fugitivo no exílio. Tinha ganho o meu diploma de engenharia no Instituto Politécnico de Atenas e tinha que ganhar a vida. Então, arranjei um emprego no seu estúdio, primeiro como engenheiro, depois como arquitecto, e devo admitir que foi através do meu contacto com Le Corbuiser que me tornei interessado na arquitectura. Na verdade, lá encontrei o mesmo tipo de problemas que eu ainda encontro na composição e, para mim, o trabalho de Le Corbusier era uma espécie de ponte entre a arquitectura e a música. (Kanach, 2008, p. 123)

Ilustração 13 - Iannis Xenakis, como jovem engenheiro, no estúdio ATABAT de Le Corbusier, cerca de 1949 (Kanach, 2008, p.5)

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Ilustração 14 - Primeira página da tese de Xenakis sobre betão armado, para o Instituto Politécnico de Atenas em 1946 (Kanach, 2008, p.3)

A tese final de Xenakis sobre a utilização de betão armado na construção e os seus cadernos de estudante, preenchidos com análises exaustivas e estudos de pontes de Robert Maillart, levam a uma coincidência ou predestinação. A de que a primeira tarefa no estúdio fosse o cálculo da resistência do betão armado, nomeadamente nos pilares, nos pisos e nas plataformas do projecto habitacional de Marselha.

Além disso, este projecto é o primeiro em que o famoso Modulor de Le Corbusier substitui o tradicional sistema métrico, desafiando os arquitectos do projecto nas exigências adicionais de abstracção, tendo como base exclusivamente as medidas de um corpo humano médio, colocando de parte as referências e reflexos arquitectónicos anteriores, assimilando novas proporções em todos os aspectos dos processos criativos e calculistas.

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Pela primeira vez, Xenakis tem contacto com este sistema, considerando-o uma consequência lógica do antigo sistema de proporções grego, ou da “Secção Dourada 60“.

Graças a esta ingrata tarefa de verificar se os projectos se aguentavam na sua estrutura, ganha noção sobre o impressionante mundo técnico da arquitectura. Quando não gosta de um projecto que lhe é pedido para averiguar, dá sempre uma alternativa de seu agrado.

Não, não se aguenta. Devem construir desta maneira, em vez dessa (Kanach, 2008, p.xvii)

A tarefa seguinte de Xenakis, em 1951, sendo aceite como parte interina permanente do estúdio de Le Corbusier, é um projecto habitacional em Rezé-lès-Nantes, onde dedica muito tempo e esforço a calcular a resistência do betão armado, chegando mesmo a inventar um novo processo de concepção, usando elementos de betão pré- esforçado e sobrepondo-os, eliminando assim a necessidade de apoio nas estruturas de viga, que Xenakis como Le Corbusier a consideram esteticamente desagradável, embora necessária. Apesar da solução de Xenakis, desenvolvida com o notável engenheiro Bernard Lafaille, não ser totalmente empregada em Rezé, o seu conhecimento sobre o material aumentou exponencialmente.

Ilustração 15 - Estúdio de Le Corbusier, 1952. Iannis Xenakis na extremidade esquerda; Le Corbusier na frente à direita (Kanach, 2008, p.2)

60 Proporção Áurea, número de ouro, número áureo ou Proporção de Ouro é uma constante real algébrica irracional denotada pela letra grega (PHI), em homenagem ao escultor Fídias, que a teria utilizado para conceber o Pártenon, e com o valor arredondado a três casas decimais de 1,618.

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Mais tarde nesse mesmo ano Le Corbusier é convidado a projectar todo o novo Capitólio de Chandigarh61, em Punjab, no qual serviria como centro governamental para a Índia. Sendo composto por um Parlamento ou Assembleia, um reagrupamento de todos os ministérios no edifício do secretariado, palácio da justiça e o palácio do governador. Por volta de 1953, Le Corbusier pede a Xenakis para participar em vários aspectos deste vasto projecto.

Ilustração 16 - Le Corbusier e Iannis Xenakis com a maquete do tampão da Assembleia de Chandigarh. (Kanach, 2008, p.22)

Como engenheiro. Eu tenho de admitir e concordar com alguns críticos que têm mencionado que as realizações de Le Corbusier sofrem de construção defeituosa. Isto é verdade para a Villa Savoie, bem como para o Pavilhão Suíço na Cité Universitaire e para o Refúgio do Exército da Salvação em Paris. Mas, em sua defesa, devo dizer que Le Corbusier experimentou e usou materiais novos, enquanto eles ainda estavam em fase experimental, e ele teve de improvisar a cada passo do caminho. Ele era antes de tudo um artista visual. A estética dominou tudo o resto, mais, ele funcionou muito mais na base da sua intuição do que no conhecimento técnico. Ele tinha um sentido da sua época como poucos tinham e, pelo facto de se livrar da ornamentação a fim de revelar as formas puras, ele estava totalmente na vanguarda. E, estava perfeitamente consciente deste facto. (Kanach, 2008, p.123)

Para além das responsabilidades de engenharia diárias no estúdio, Xenakis projecta o “tampão” do edifício da Assembleia, realiza estudos sobre as condições climáticas locais, resolve problemas de respiração e ventilação em espaços fechados, etc. O mais importante é o desenvolvimento da primeira implementação dos painéis de vidro ondulantes, na fachada do secretariado e posteriormente nas outras estruturas.

61 Chandigarh e é a capital dos estados do Punjab e de Haryana, na Índia. Localiza-se no noroeste do país, no território do mesmo nome, entre os dois Estados. Tem cerca 1.003.301 habitantes. Foi fundada em 1947 após a divisão da Índia para servir de capital à parte indiana do Punjab.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 67 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Infelizmente é impossível que Xenakis supervisione as fases finais de Chandigarh. Em reacção ao crescente descontentamento dentro do estúdio, Le Corbusier muda as fechaduras do escritório, para que ninguém possa entrar a não ser após o seu regresso das férias de verão, em setembro de 1959. Foram todos demitidos, recebendo esta admirável carta:

A arquitetura moderna triunfou em França; finalmente foi adoptada. Agora, é possível para si encontrar novos campos para aplicar o que aprendeu por si mesmo, assim como o que aprendeu trabalhando comigo. Eu acredito que cabe a si tirar vantagem de qualquer oportunidade que surja ou que possa ser induzida por si. Portanto, tenho a honra de torná-lo livre a partir de 1 de Setembro de 1959. (Kanach, 2008, p.6)

Esta é a resposta de Le Corbusier relativamente às questões técnicas sobre o “tampão” da Assembleia, presentes na seguinte carta:

Gravesano, 7 de agosto de 1959 Caro Senhor Le Corbusier, Acabei de receber o meu correio em Gravesano na região de Ticino, onde fui hóspede do professor Scherchen por alguns dias. Ele organizou e está a comemorar o quinto aniversário do seu estúdio electro-acústico aqui. Ele vai gravar um trio de cordas pelo Senhor Albert Jeanneret neste Outono com três dos melhores solistas de La Scala, em Milão. Estou certo de que Scherchen vai saber como fazer o melhor para esta música. Também estou muito satisfeito que é ele e não outro porque ele é uma das personalidades mais marcantes do mundo da música contemporânea e, desde 1918 (40 anos!) tem sido um verdadeiro lutador. Lamento profundamente que as cartas enviadas por Jeanne62 levassem tanto tempo para chegar a mim. Escapei de Paris por volta do dia 15 de Julho e fui para o campo no centro de França para passar algum tempo com os pais da minha esposa. Depois, parti para Gravesano onde meu correio foi enviado com atraso. A estrutura metálica do tampão deve ser pesquisada por empresas indianas. Pavlou63, de acordo consigo, apenas fez algumas sugestões que poderiam ser revistas pelos construtores. Da mesma forma, as modificações que fiz sobre a distribuição dos invólucros, imposta pelas estruturas de betão sobre um plano inclinado, não invalidam nem confirmam os desenhos de projecto de Pavlou, visto que a estrutura metálica deveria ser totalmente calculada na Índia. A maneira pela qual os invólucros estão ligados, portanto, não muda para nós, mas os construtores indianos (ou os engenheiros em Chandigarth) podem propor outras formas, o que pode ser mais conveniente para eles (Croquis 1). O mesmo vale para os geradores do tampão, que são independentes dos invólucros. O vértice (A) do cone formado pelos geradores foi criado (de acordo com a sua ideia) por uma folha cónica metálica (b), uma espécie de "cantoneira", cujas dimensões seriam determinadas pelas várias necessidades resultantes da fixação dos geradores que convergem no ponto A. Não levamos esta questão mais longe, uma vez que é um problema para os construtores da estrutura metálica e é possível que a nossa proposta de uma folha metálica cónica seja mais complicada do que uma outra solução que os especialistas possam desenvolver. Como as folhas metálicas da superfície cónica do tampão são para ser revestidas deve também ser definido, através do cálculo da sua capacidade de flexão, provavelmente com reforços (estrutura metálica).

62 Jeanne, secretária adorada de Le Corbusier. 63 Pavlou, Xenakis refere-se a Georges Pavlopoulos (19??-2005), engenheiro grego e seu amigo da Resistência em Atenas que também era refugiado em França. Mesmo não fazendo parte da equipa do estúdio de Le Corbusier, era chamado muito frequentemente para fazer cálculos específicos.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 68 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Em qualquer caso, os planos do tampão elaborados por Pavlou estão no nosso estúdio, mas isso não é útil até que todos nós voltemos em Setembro. Posso sugerir a que responda a Dogra64, tendo em mente os meus comentários aqui. Além disso, Pavlou não tem conhecimento das últimas modificações dos nossos planos, então há um risco das suas respostas não terem qualquer sentido. Aqui está um resumo dos pontos levantados por Dogra e as respostas que lhe poderá dar, até que todos voltemos ao trabalho: 1) Posição dos invólucros: a posição está em conformidade com o plano de CHAND- LC 5545 de Paris, 6.XII.57 (este é o plano grande da superestrutura do tampão de betão que desenhei) 2) A forma (dimensões) dos invólucros deve ser definida em relação às novas posições. 3) A maneira pela qual os invólucros são unidos juntamente com o facto de que os geradores serem independentes dos invólucros não varia. 4) As dimensões das braçadeiras de vento para os invólucros são naturalmente modificadas devido às novas posições representadas no plano CHANDLC 5545. 5) O revestimento de folha metálica do tampão deve ser totalmente calculado. 6) Os construtores podem modificar o vértice (A) do cone do gerador. 7) O metal expandido, ou melhor, a grade acústica (e proteção contra a queda de objectos a partir dos buracos de luz) será definido pelo engenheiro acústico e por si mesmo (para a estética), uma vez que estãoos todos de volta em Setembro. 8) Em geral, cabe aos construtores indianos fazer os seus cálculos, além de quaisquer propostas úteis seguindo os planos de Pavlou, bem como o plano CHAND L-C 5545 de 1957 e posteriormente modificado por uma série de esboços feitos em Maio ou Junho de 1959, mas que lidam com questões auxiliares (cobertura, elevando do acesso à ponte pedestre, etc...). Fiz o meu melhor para ser o mais claro possível. Vou escrever a Pavlou para o prevenir. Espero que esta carta o encontre em boa saúde.

Fielmente seu, Xenakis (Anexo B) (Kanach, 2008, p.35)

Secretamente, Xenakis está satisfeito com esta demissão, que em parte foi provocada por si próprio. Por outro lado, com trinta e sete anos fica subitamente sem trabalho, perdendo perspectivas exaltantes em troca de magras esperanças duma carreira musical. Apesar das cartas generosas de recomendação de Le Corbusier, Xenakis não encontra nenhuma outra firma que aceite que assine os seus planos como arquitecto independente, sendo que a única forma de trabalho disponível transporta-o ao seu obscuro início de carreira, os cálculos técnicos de rotina.

Levando a que Françoise retome imediatamente o seu trabalho, a que tinha renunciado recentemente para se dedicar a escrever a tempo inteiro, permitindo desta maneira que o seu marido componha sem compromissos.

Visto que a execução dos cálculos mecânicos a partir de casa, não requerem qualquer tipo de esforço criativo, é finalmente permitido que se concentre plenamente na composição.

Tendo em conta a teoria da probabilidade, presente desde 1958, tanto nos seus escritos teóricos como na sua composição, Xenakis executa uma encomenda para o

64 Dogra, engenheiro principal do projecto de capital, em Chandigarh.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 69 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Serviço de pesquisas de l’ORTF, Analogique A, para nove instrumentos de cordas. Obra que nasce a partir de uma nova concepção do som, proveniente da análise de Fourier, que é representada matematicamente através de uma vibração periódica e regular dada, como a soma dum número finito de simples ondas sinusoidais.

Todavia, Xenakis encara o som como uma nuvem de partículas elementares que ocupa um determinado volume num espaço de quatro dimensões, imagem inspirada na tentativa de Gabor em aplicar o som na teoria corpuscular da luz.

Varèse é provavelmente o único compositor a inspirar-se na lógica da poesia das imagens científicas, sendo que Xenakis, de diferente geração, desfruta de um outro modelo intelectual, incorporando os procedimentos e as leis científicas no próprio acto da composição através das matemáticas.

A maneira de Xenakis transformar uma imagem visual num processo de composição consiste na divisão em fatias de uma sequência sonora contínua representado os sons como pontos sobre um ecrã, onde cada ecrã desempenharia o papel duma imagem de filme, que por sua vez, uma série de ecrãs representariam a transformação do som, tal e qual como uma sequência de imagens representa um movimento. O cálculo da disposição dos pontos é permitido através da lei de Poisson, enquanto que a corrente Markov permite comandar o modo de sucessão dos ecrãs entre eles. Ao estipular que o resultado da malha corrente depende do resultado da malha que a precede, a corrente Markov, produz assim uma sucessão, resultante duma estrutura ou dum mecanismo de probabilistas, temporais e espaciais.

O sistema da cibernética65 funciona através dum circuito regulador que se baseia na troca de um estado de imobilidade pelas perturbações que aparecem em seguida a um estado de equilíbrio. Xenakis e os seus colegas do MIAM estão muito interessados nesta nova ciência, devido à sua relação com a composição, nomeadamente nos computadores. Assemelhando-se ao conceito de entropia66, onde existe um degrau de ordem ou desordem no meio dum sistema, que Xenakis considera como um factor essencial na percepção da música.

Depois do desenvolvimento duma série de doze sons da gama temperada, a imprevisibilidade caiu até zero, o contraste é máximo, a escolha é nula e a entropia também. A riqueza, cujo interesse, desloca-se sobre outros terrenos: harmonias, timbres, durações, etc., e muitas das astúcias composicionais visam reanimar a entropia. (Matossian, 1981, p.158)

Sendo a obra mais abstracta e a mais rigorosamente gráfica de Xenakis, Syrmos, é fundada sobre a mesma estrutura matemática que a Analogique, sendo estas duas obras importantes para o seu trabalho futuro com os computadores, no qual elas

65 Cibernética é o estudo comparativo de mecanismos de controlo baseados sobre paralelas entre certos aparelhos electrónicos e o sistema nervoso humano. 66 Entropia é uma grandeza termodinâmica que mede o grau de irreversibilidade de um sistema, encontrando-se geralmente associada ao que se denomina por "desordem" de um sistema termodinâmico.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 70 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

provam que é possível conceber um mecanismo integral permitindo realizar uma composição completa.

No entanto, nesta época ninguém corresponde nem ninguém está preparado para este tipo de música ao que resulta um compositor alvo de ataques furiosos, vindos de diversos lados. Perante isto Xenakis escreve uma carta a Scherchen, onde reage defendendo vigorosamente o valor e a originalidade da sua música.

Tenho a convicção que com um pouco de publicidade, Metastasis poderia tornar-se mais popular que o Barbeiro de Rossini. (Matossian, 1981, p.160)

Além do editor de Xenakis que recusa Analogique considerando «ignorado pelas edições», e por consequência difícil de colocar, Scherhen também não gosta desta obra, mas a sua reacção é generosa e previdente.

A intitulada “música para nove instrumentos” desagrada-me bastante mas como vos amo, compreendo a necessidade desta inutilidade / eu publico-a por ocasião do Jubileu de Gravesano. (Matossian, 1981, p.160)

Enquanto isso, a invenção de Xenakis destes vidros não-estáticos, compostos rítmica e economicamente rentáveis, leva a que Le Corbusier considere patentear este sistema (Anexo C), contudo, estranhamente, presta tributo a Xenakis pela sua contribuição, no seu livro Modulor II.

Mais tarde em 1954, Le Corbusier concede o projecto do Convento de Santa Maria de La Tourette a Xenakis, quando este afirma que quer começar a projectar. Devido às ausências frequentes de Le Corbusier quando está em Chandigarh, à preocupação com a sua própria pintura e à partida do principal arquitecto do estúdio, André Wogenscky67 no final de dezembro 1955, faz com que a concepção e a realização deste edifício se tornem bastante difíceis.

Durante esta época, sente uma forte ligação entre música e arquitectura, considerando fundamental a sua inter-relação.

Os músicos aprendem nos conservatórios, começando por um tema, e a partir daí, através de justaposição, expansão, redução, criam forma. Em arquitectura, o terreno é o ponto de partida, o programa é desenvolvido, incluindo todas as funções necessárias e formas, e só depois vêm os materiais. Os arquitectos trabalham do geral para o particular. (Kanach, 2008, p.xvii)

Um arquitecto, deve ser tanto sintético como analítico, instintivamente Xenakis já compunha música desta maneira. De alguma forma, consegue transpor certos axiomas rítmicos musicais para a arquitetura, nos casos dos painéis de vidro ondulantes na La Tourette, em Chandigarh, na Índia, e do Pavilhão do Brasil na Cité Universitaire de Paris.

67 André Wogenscky (Remiremont, França, 1916 – Saint-Rémy-lès-Chevreuse, França, 2004) Arquitecto francês, que entra no estúdio de Le Corbusier em 1935.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 71 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Pouco depois de deixar a Grécia, começa a escutar música novamente, Bartók68, Debussy69, Ravel70 e The Rite of Spring, de Stravinsky, que lhe toca com tanta violência como a Quinta Sinfonia de Beethoven.

Prosseguiu os seus estudos musicais em Atenas, onde procura estudar novamente contraponto, harmonia e orquestra. Nenhum dos professores de composição musical, vai de encontro à sua personalidade, até que um dia conhece Olivier Messiaen. O seu acompanhamento nos estudos musicais de Xenakis, aumenta naturalmente o seu respeito e admiração pelo compositor. Este começa por dizer que Xenakis tem uma certa ingenuidade, mas para não se irritar porque ele próprio também a tem e quer continuar a tê-la para o resto da sua vida. Acrescentando para não prosseguir com o estudo de música tradicional, visto que bastava ouvir e compor música. Seguindo o seu conselho, Xenakis vai construindo as suas próprias convicções.

Para além desta influência, que dá uma certa direcção à sua vida, encontra Hermann Scherchen71, a quem mostra a sua partitura recentemente acabada “Mestastasis”, sendo um trabalho onde são introduzidos novos conceitos de composição musical com uma orquestra inteira em divisi72, com 65 partes.

Estou interessado na sua música porque é escrita por alguém que vem de fora do mundo da música. Mas, como sempre, existem demasiados instrumentos de corda. É difícil de arranjar orquestras tão grandes. (Kanach, 2008, p.xviii)

Além dos seus compromissos como maestro, Hermann Scherchen cria nesta altura uma espécie de workshop musical na sua cidade natal de Gravesano, na Suíça, onde especialistas das áreas da música e da ciência se reúnem para discutir e se desafiar uns aos outros. Grande parte da pesquisa apresentada é originalmente publicada na revista periódica Gravesaner Blattër, patrocinada por Scherchen, sendo Xenakis um importante colaborador, escrevendo inúmeros artigos.

Devido ao apoio e incentivo, que o ajuda a construir a sua autoconfiança, Xenakis estará sempre profundamente grato a Scherchen.

Xenakis explica, da seguinte maneira, a coincidência de concepção entre la Tourette e o seu primeiro grande trabalho orquestral, Metastasis:

Achei que os problemas da arquitectura eram os mesmos que os da música. Uma coisa aprendi com a arquitetura, que é diferente da maneira que os músicos trabalham, é a de considerar a forma geral da composição, a maneira de ver o edifício ou de uma

68 Béla Bartók (Nagyszentmiklós, 25 de Março de 1881 - Nova Iorque, 26 de Setembro de 1945) foi um compositor húngaro, pianista e investigador da música popular da Europa Central e do Leste. 69 Claude Debussy (Saint-Germain-en-Laye, 22 de Agosto de 1862 - Paris, 25 de Março de 1918) foi um músico e compositor francês, que iniciou a música moderna, influenciando Ravel e Bartók. 70 Joseph-Maurice Ravel (Ciboure, 7 de Março de 1875 – Paris, 28 de Dezembro de 1937) foi um compositor e pianista francês, conhecido sobretudo pela subtileza das suas melodias instrumentais e orquestrais. 71 Hermann Scherchen (Berlin, 21 de Junho 1891 – Florença, 12 de Junho 1966) foi um maestro alemão, que promoveu activamente jovens compositores contemporâneos, incluindo Xenakis. 72 Divisi quando se divide as notas do mesmo instrumento entre dois ou mais músicos.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 72 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

cidade. Em vez de começar pelos detalhes, como um tema, e construir a totalidade com regras, tem de se ter o todo em mente e pensar sobre os detalhes e os elementos e, claro, as proporções. Isto foi o modo útil de pensar. Eu era jovem e eu não estava treinado, então pensei que a melhor forma de atacar o problema era a partir de ambas as extremidades, o detalhe, e o geral. (Kanach, 2008, p.7)

Xenakis, em 1960, segue um caminho que o leva duma importante marca teórica a uma outra com uma lógica exaltante, na sua resolução de atacar os mais importantes desenvolvimentos teóricos da ciência, que Xenakis faz passar na música com uma série de novas composições. Se é verdade que os desenvolvimentos da história social e da história da arte correspondem a transformações maiores ocorridas no desenvolvimento da ciência, as obras de Xenakis pertencentes a este período devem reflectir esta verdade; não será que por esta única razão, são remarcáveis na história da música. Scherchen aprecia isto mais que qualquer outro, e restitui à vida de Xenakis a influência directriz de Le Corbusier. Recebe do jovem uma carta que vai falar de arquitectura:

Sem notícias vossas. Esqueceu-se do seu amigo? Fui inaugurar o convento que Le Corbusier e eu tínhamos estudado, há alguns anos, e que acaba de ser terminado. Fui convidado pelos pais e por Le Corbusier que ficou muito comovido revendo-me e que tinha reconhecido oficialmente o meu trabalho. A arquitectura que fizemos é muito bela, mas sobretudo houve uma missa celebrada pelos monges e o padre da ordem Dominicana, que ultrapassa toda a obra no domínio do ballet, teatro e música e som, criada por um só homem, assim grande seja ele. Os ritos ancestrais tocados de tal modo são mais ricos, mais fortes, que não importa qual o êxito consciente das ciências e das artes de todos os séculos, e sobretudo dos modernos. (Matossian, 1981, p.171)

O último contacto entre Xenakis e Le Corbusier deve-se à inauguração oficial do Convento de La Tourette, em 1960. Nesta mesma cerimónia é sentida a falta de Xenakis, que já não está a trabalhar com Le Corbusier, que lhe escrve e lhe propõe que volte a trabalhar no seu estúdio, não só como um arquitecto de pleno direito, mas também como arquitecto principal e mestre-de-obras do estúdio. Sentindo-se traído pelo incidente em torno da autoria do Pavilhão Philips, recusa o convite, alegando que quer concentrar-se na música.

Esta correspondência restitui o calor às relações de Xenakis com Le Corbusier; por outro lado, dá ao músico ocasião de reexaminar as suas escolhas no contexto duma arquitectura em que investiu importantes aspirações artísticas e místicas. Contudo, a sua carta incide principalmente sobre o teatro da missa, que, parecida com outros rituais religiosos, exerce uma forte atracção sobre Xenakis, que rejeita a religião na sua própria existência.

Eu disse-lhe que era muito tarde para lá voltar. Estava certo duma coisa: tudo o que queria fazer, era compor, reflectir sobre os problemas da música e escrever sobre isso - mas sobretudo compor. (Matossian, 1981, p.171)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 73 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Recebendo o incentivo do seu mentor, Hermann Scherchen, tanto na composição como na pesquisa teórica, Xenakis tem a oportunidade de apresentar as suas obras musicais assim como expor as suas análises na revista Gravesano Blatter.

… Quando decidi fazer apenas música, estava muito aflito porque a arquitetura foi muito importante para mim. Fiz isso porque tive que fazer uma escolha. Ou ia para pesquisa ou tornava-me um empresário. Nos anos sessenta, fui para os estúdios de arquitectos e disse: "Aqui estou eu! Deixe apresentar-me como um arquiteto que gostaria de colaborar, mas eu não quero ser escravo de ninguém! Eu quero fazer pesquisa." Isso era impossível. Sabe muito bem que isso é verdade a maior parte do tempo e que há muito poucas oportunidades para fazer pesquisa arquitectónica. Tudo isto dito e feito, estou sempre pronto para fazer arquitectura sempre que possa. Por exemplo, este "thingamajig"73 em Beaubourg, projectei uma estrutura portátil que será instalada durante vários meses e vai abrigar os meios para colocar num espectáculo com lasers e flashes electrónicos, como em Cluny, só que mais elaborado. E a estrutura é uma estrutura de tecido, o que implica, portanto, algumas soluções fundamentais arquitectónicas. Por outro lado, em relação a Le Corbusier, eu não sei se existem muitos outros arquitectos que conseguiram aquilo o que eu considero ser a expressão artística. Independente das ideias subjacentes de arquitectos ou de urbanistas, isto é algo muito complexo, que vem de diferentes fontes e direcções. O apartamento celular incluído no projecto de Marselha pode ser contestado, é claro, e é apenas uma solução. Não se pode dizer que é a única solução. Além disso, Le Corbusier provou isso a si mesmo desde que desenhou todos os tipos de casas. Pelo contrário, as suas qualidades artísticas e arquitectónicas, que são demonstradas em praticamente todas as suas obras, não podem ser contestadas. Ideias seguem em frente, mas o facto artístico permanece. É uma das lições da História, como o próprio Marx observou em relação à arte antiga. Aproximadamente, disse ou perguntou como é que, na orla da civilização e da cultura ocidental, apesar de as sociedades escravistas, etc., obras foram criadas e ainda nos afectam hoje? É um milagre inerente ao facto artístico... Portanto, Le Corbusier pode ser criticado numa série de pontos: eu mesmo faço isso, mas acredito que ele foi um dos maiores arquitectos do nosso tempo. Não há trinta e seis deles hoje, talvez nem exista sequer um. (Kanach, 2008, p.119)

Em 1976 Xenakis, na defesa da sua tese de Doctorat d'Etat em Sorbonne, que é publicada na Arts/Sciences: Alloys, oferece críticas e elogios a Le Corbusier.

Este texto é publicado pela Gravesaner Blatter, Nº27-28, em Novembro de 1965, onde expõe claramente a sua admiração pelo seu mestre Le Corbusier, apontando as suas virtudes e qualidades, bem como o seu feitio e maneira de ser. (Anexo D)

73 "thingamajig" é algo difícil de classificar ou cujo nome foi esquecido ou não é conhecido, neste caso está a fazer referência ao seu Diatope.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 74 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 17 - Le Corbusier e Iannis Xenakis cerca de 1957 (Kanach, 2008, p.9)

Em 1956, logo após as primeiras fases do projecto de la Tourette, Le Corbusier convida Xenakis a ser o responsável do projecto do Centro Cultural de Juventude dentro dum ambicioso projecto urbanístico em Firminy, perto de St. Etienne, em França. O projecto de reabilitação total da cidade nunca é totalmente concluído, devido a estatísticas demográficas preliminares que deturpam o censo real. Até à sua saída do estúdio, Xenakis supervisiona o desenvolvimento do Centro Cultural de Juventude e do estádio desportivo adjacente, deixando a sua assinatura através dos painéis de vidro ondulantes existentes na fachada do Centro.

Um grande complexo desportivo em Bagdad é encomendado pelo governo iraquiano, em meados dos anos 50, a Le Corbusier que em 1957 atribuí a Xenakis. A tensão cresce entre estas duas personalidades, no seu último trabalho até sair do estúdio, onde é evidente a sua falta de adaptação e comunicação.

Durante as ausências frequentes e prolongadas de Le Corbusier quando está em Chandigarh, Xenakis inadvertidamente torna-se seu interino responsável pelo estúdio, após a saída de Wogensky em Dezembro 1955, onde a comunicação é feita através de cartas.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 75 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Nota para Xenakis É hora de seguir em frente! Tenho três coisas urgentes para tratar ao mesmo tempo. Não reclame! Se não conseguir lidar com isso, então não é nem um arquitecto nem um líder. Mas eu sei que é capaz. É uma questão de: 1) O Estádio de Chandigargh (orçamento miserável) 2) O Estádio de Firminy (orçamento normal) 3) O Estádio de Bagdad (orçamento bom) Estes três estádios são cada um, estádios olímpicos normais, em termos de dimensões, etc. Lembro-me que nós projectámos o estádio de Firminy com dimensões olímpicas imprecisas, o que pode ser considerado um erro imperdoável! Em Bagdad, todos falam sobre o estádio de Beirute (que acreditam erroneamente que fui eu que projectei), eles dizem que é muito bom. É hora de começar a trabalhar, a Assembleia (Chandigarh): torre e semiesfera para os deputados e visitantes. Mais provavelmente noutros projectos. Gostaria de receber de cada um de vocês, as suas tarefas específicas e horários.

Paris, Novembro 14, 1957 Le Corbusier (Anexo E) (Kanach, 2008, p.84)

Como resposta, Xenakis apresenta várias sugestões, para além de se queixar de algumas atitudes de certos colegas do estúdio.

Caro Senhor Le Corbusier 17 Dezembro, 1957 - Fechado, vai encontrar uma cópia da carta de Kalff74 e a minha resposta. Os fornecedores estão ficando nervosos. - Não temos um programa preciso para Bagdad. Os seus pedidos são muito gerais. Portanto, devemos perguntar-lhes, por exemplo: a) Quantos e de que género de campos de jogos b) Quantos vestiários c) Quantas instalações sanitárias, chuveiros, banheiras d) Arrumação de equipamento e) Suite e anexo privado do Rei: quantificar Naturalmente, poderíamos criar um programa e propor-lhes. Mas acho que seria preferível esclarecer as coisas desde o início, a fim de evitar modificações inúteis. Permita-me agora de tomar a liberdade de o informar sobre um assunto que vai ser de seu interesse. Ninguém (entre aqueles que estão em posição de fazê-lo) se atreveu a dizer. Há vários meses, que a equipe de Wogenscky não tem feito nenhum trabalho para o nosso estúdio. Todos estão a trabalhar em projectos pessoais (excepto Gardien)! Incluindo a competição de Berlim! Não só isso, mas para além disso, eles decidiram dobrar os seus salários no final do ano, apesar de terem dado conhecimento de sair ou efectivamente de se despedir há vários meses atrás! Especialmente depois das nossas conversas recentes, é realmente uma pena ver que a honestidade e confiança não compensam! Sinto que é meu dever dizer-lhe isso antes do seu regresso.

Mais fielmente seu, Xenakis (Kanach, 2008, p.85)

74 Louis Kalff é o diretor artístico da Philips, envolvendo-se profundamente no projecto no Pavilhão Philips.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 76 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A correspondência entre os dois, sobre estas diferentes tarefas, termina com Le Corbusier avisando Xenakis da importância da existência de abrigo solar no Estádio de Bagdad, lamentando ainda a falta de recursos em termos da construção.

Nota para Xenakis Resposta: Estádio Olímpico em Bagdad 1) Por favor execute imediatamente o diagrama do sol desde as 16h00 até ao anoitecer. O Estádio nunca irá ser usado antes dessa hora, portanto, poderá, talvez suportar as sombras através de uma construção vertical muito simples (a deslocação do sol irá dizer-nos). 2) Conchas em paraboloide hiperbólica deveram ser evitadas (a menos que uma construção vertical não ofereça os recursos esperados, que devemos estar sempre preparados para examinar). 3) A mão-de-obra local é lamentável. As grandes empresas abandonaram por causa da revolução. Não é possível designar qualquer empresa de construção visto que o governo decide sozinho. Bagdad está na outra extremidade do mundo. O meu trabalho como arquitecto não é levar o meu cliente a uma aventura selvagem qualquer.

Paris, Março 2, 1959 Le Corbusier (Kanach, 2008, p.85)

O Pavilhão Philips é o ponto culminante desta colaboração, onde Xenakis prova que sabe mais para além da utilização criativa do betão. A autoria deste projecto torna-se a principal razão para se separarem. Concluído em 1958, para a Feira Mundial de Bruxelas, é reconhecido como um ícone da arquitectura do século XX, tanto impulsiona Xenakis nos seus polytopes, como as futuras gerações de arquitectos.

Eu tornei-me num dos seus colaboradores mais próximos e trabalhei no projecto de habitação de Marseille, na realização do Mosteiro Dominicano de La Tourette, concebi o Pavilhão Philips para a Feira Mundial de Bruxelas, entre outros projectos. No final, tivemos um confronto. Era inevitável. Em França, há uma tradição arcaica, onde o chefe sozinho assina e assina a totalidade do projecto. Para La Tourette, eu tinha organizado, totalmente sozinho, todo o programa, e, para o Pavilhão Philips, sozinho concebi a sua arquitectura. Nestes casos eu contribuí com ideias que Le Corbusier não apenas aceitou, como também reutilizou para si próprio. E foi terrivelmente frustrante por não ser formalmente associado no trabalho final. E tudo isto apesar da admiração e, especialmente a estima que eu tinha por ele, que mais tarde percebi, que era recíproca. (Kanach, 2008, p.123)

De um lado, Xenakis possui agora bastante confiança em si próprio para experimentar ideias audazes, do outro Le Corbusier mesmo em posição de autoridade, parece o provocador, estas duas personalidades fortes, evidentemente que iriam ter uma colisão directa. Conflito esse, que traz todas as marcas da rejeição do pai pelo filho. As lições de Le Corbusier são recebidas e assimiladas por Xenakis, que veio a estimá- lo e a respeitá-lo, embora nunca viesse a estabelecer uma relação afectiva calorosa, tal como nunca tivera com seu pai.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 77 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Le Corbusier simboliza o lutador guerreiro que concebe, defende e realiza as ideias revolucionárias, possuindo uma vida unitária e coerente, resultantes da devoção aos seus próprios ideais, qualidade que Xenakis acredita ser inatingível.

Xenakis revela que Le Corbusier tem acessos de malícia infantil, mencionando um tal incidente numa carta que escreve a Françoise.

Penso que por esta obra, Nuits, deve ser um lugar melhor, sobretudo porque quase todo o programa é de Messiaen. Isto lembra-me uma vez que apanhava um táxi com Le Corbusier; ele sentou-se primeiro, e deixou-me apenas o lugar de meia-nádega. Ele tinha uma expressão irónica, o velho, nos olhos, com as suas grossas nádegas. Fiquei durante todo o trajecto sentado sobre um calcanhar. Dito isto, não o exigem. Tenho muita estima por Messiaen pela capacidade de negociar no ramo de publicidade. (Matossian, 1981, p.153)

Le Corbusier tem uma afeição particular pelo seu jovem protegido Xenakis e isso é reconhecido por todo o estúdio, tornando-se ainda mais evidente quando o mestre finge não notar as suas chegadas tardias de manhã.

Esta amizade, aprofundada através do trabalho em conjunto, é ameaçada pelo facto de que Xenakis nunca tenha recuperado do violento abalo de ter sido excluído do tão falado Pavilhão Philips, representando uma traição pessoal da sua confiança recíproca.

Com o projecto do estádio, de sua responsabilidade, as mãos são lhe atadas, hesitando entre se deve permanecer arquitecto empregado, mal pago, ou arquitecto independente, prevendo uma carreira brilhante. Mas tem de ter em conta que tem talento e experiência, embora nenhum capital.

Por outro lado, a sua música começa a ser tocada mais frequentemente em várias localidades do mundo. Com a ajuda incansável de Scherchen, são tocadas várias obras de Xenakis, incluindo Diamorphoses em Bruxelas em Outubro de 1958, que por sua vez é registada em disco com obras de Schaeffer, impulsionando a crítica Sylvie de Nussac a escrever sobre Xenakis, na revista Record:

É a ocasião de dizer aos que não o conhecem ainda, que se aproxima um músico que os seus netos considerarão como um dos maiores do século vinte. (Matossian, 1981, p.154)

Contudo, o seu próprio editor, Schott, persiste em ignorar uma parte da sua música, argumentando que a música serial é que ocupa um lugar de destaque, colocando de parte Xenakis, que é considerado um marginal, um outsider. Não cruzando os braços, Xenakis faz de tudo para provar que estão errados, escrevendo o seguinte a Scherchen:

Se estou apressado pela minha música, é porque ela é bem do nosso tempo e quero tornar-me mais livre economicamente para fazer só música que me agrada. Eis a minha impaciência; não se trata do crime da vaidade! (Matossian, 1981, p.154)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 78 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Os efeitos da inflação começam a ser sentidos pelos funcionários do estúdio de Le Corbusier em 1948 após a chegada de Xenakis, devido à situação económica vivida em França. Os salários não aumentam e embora não lhes parecessem moralmente justificados aceitam os sacrifícios feitos por causa da guerra. Após a saída de Vladimir Bodiansky75 do seu estúdio, Le Corbusier atribui projectos individuais aos seus arquitectos, onde Xenakis está encarregue do pavilhão Philips, assim como Maisonnier da capela de Ronchamp.

Visto que o valor do trabalho de cada arquitecto é identificado pela sua participação individual e não pela cooperação colectiva do passado, Tobito e Maisonnier, colegas de Xenakis, seguem o exemplo reivindicando o direito de assinar os planos que executam, de entrar em contacto com os clientes, assim como ganhar um melhor salário.

Esta agitação e desordem no atelier, são causadas pelas discussões, tornando-se evidente perante o testemunho dum colega, Andreini, que faz a seguinte explicação:

Creio que finalmente o drama de Maisonnier, Xenakis e Tobito, é que chegaram á idade em que era necessário que se exprimam justamente tanto como arquitectos como artistas. Ou, era impossível exprimir-se algo que ultrapasse Le Corbusier que não seja sobre Le Corbusier. Aí nasceram os conflitos, porque chegaram a uma idade em que era necessário que saíssem finalmente de casa de Le Corbusier. Era normal: não podiam continuar a fazer de Le Corbusier. Se tinham ideias sobre arquitectura, e se as ideias de Le Corbusier eram diferentes, não havia nada a fazer. Quem tinha razão? Não se sabe. Creio que é insuportável quando se é um jovem arquitecto. E para mais, havia a questão económica. Le Corbusier não era rico, ganhava pouco e não podia pagar muito. (Matossian, 1981, p.155)

Os arquitectos cumprem com as suas tarefas, indicadas pelas cartas que Le Corbusier lhes enviava da Índia, concretamente um projecto para o concurso de urbanização de Firminy. Os três jovens não têm noção de que estão na mesma situação do que os seus colegas que trabalham para outros arquitectos célebres. Além de se esquecerem que Le Corbusier teve de esperar por uma idade respeitável para conseguir uma reputação que atrai o cliente, sendo o prestígio da sua assinatura que coloca nos planos dos seus empregados, o carimbo da sua autoridade e da sua aprovação.

Entretanto, Xenakis continua atormentado com o desgosto da recusa do estádio de Bagdad, que concebe como uma parabolóide hiperbólica de finas conchas de betão. Para verificar a escala desse estádio, Le Corbusier faz uma sequência de esboços audaciosos traçados por um lápis grande e espesso, comparando-o com edifícios como Notre-Dame e o Parténon.

Ele queria provar que a escala era muito vasta, que o estádio podia engolir um edifício da dimensão do Notre-Dame. (Matossian, 1981, p.152)

75 Vladimir Bodiansky (Kharkov, 25 de Março 1894 – Paris, 10 de Dezembro 1966) é um engenheiro francês de origem russa, especializado em arquitectura moderna.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 79 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Devido ao clima quente do Iraque, Le Corbusier duvida igualmente da durabilidade das finas conchas de betão e isso veio-se a verificar quando o projecto é irrevogavelmente rejeitado, colocando a lealdade de Xenakis à prova.

Estando prestes a deixar o atelier, visto acreditar tão apaixonadamente no seu projecto, só não o faz porque não encontra ninguém que o possa realizar. De facto, era para ser realizado em 1978, substituindo o betão considerado em vinil vermelho, transformando-o numa estrutura de proporção reduzida autoportante.

Nos artigos em que o refere, expressa tanto admiração pelo artista, como críticas à sua arquitectura, sentindo-se traído quando o obriga a sair do estúdio. Xenakis acaba por admitir que é graças a Le Corbusier que olha para a arquitectura de outra maneira, apesar do seu relacionamento ser intempestivo devido, muitas vezes, a terem personalidades incompatíveis.

“Xenakis citava constantemente Le Corbusier”, sendo a sua maior influência devido a uma criatividade fora de série (Apêndice B).

Considerando-a tão digna de assunto de pesquisa como a música, a arquitectura pode ser tratada de maneira abstracta, deixando de ser arcaica e formal. A arquitetura torna-se no meio de expressão pessoal de Xenakis, através da matemática e do uso criativo de proporções, surgindo como uma síntese dos seus interesses no clássico, na matemática e na física.

Existem duas maneiras de fazer a diferença: uma é fazendo coisas, a outra é analisa- las. Mas para mim, a melhor analise é fazer coisas. (Kanach, 2008, p.8)

Xenakis leva uma vida dupla como arquitecto e como músico, permitido por Le Corbusier que ainda o incentiva privada e publicamente. No Modulor II, Le Corbusier, que raramente reconhece publicamente os seu colaboradores, homenageia Xenakis pela sua contribuição na invenção dos painéis ondulantes de vidro e reedita duas páginas da sua primeira composição principal, Metastasis, sendo ambas aplicações pessoais ou interpretações de Xenakis sobre o Modulor ou “Proporções Divinas”.

Provavelmente só após as batalhas entre os dois, que Le Corbusier concorda em gravar o nome de Xenakis, ao lado do seu, no pilar de entrada antes do Pavilhão Philips. Projecto em que Le Corbusier pede a Xenakis que componha o interlúdio musical, Concerto PH, para ser tocado lado a lado com o Poeme Electronique de Edgard Varèse.

Le Corbusier afirma claramente no seu livro homónimo, que é Xenakis que projecta a arquitectura do pavilhão. Além disso, reconhece formalmente a sua contribuição arquitectónica em projectos específicos, mas ironicamente mais tarde, como arquitecto independente, é privado da sua própria assinatura, apesar de não ser de sua autoria, em projectos como Cité de la Musique, ou mesmo na sua própria casa de verão na Córsega.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 80 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Entre os anos 1947 e 1959, a evolução intelectual de Xenakis é prodigiosa gastando proporções gigantescas da sua energia, visto que para além do trabalho de dia no estúdio de Le Corbusier, consegue frequentar vários cursos, principalmente com Messiaen, que a partir de 1949, vai sempre que pode. Durante este período escreve as suas primeiras grandes composições instrumentais e eletrônicas desafiando seriamente as tendências de ambiente serialista, colocando-o na linha da frente da vanguarda europeia, mesmo que apenas como um estranho no início.

Le Corbusier morre enquanto nada no Mediterrâneo a 27 de Agosto de 1965.

Le Corbusier e Xenakis, sendo autodidatas nas suas respectivas áreas, além de partilharem respeito mútuo, reconhecimento e confiança, partilham muitas outras semelhanças: a de não se gabarem do seu diploma, a de não serem diplomatas, a de possuírem personalidades fervorosas e intuições agudas que dão a liberdade criativa que desafia as normas, mudando o curso da arquitectura e da música do século XX.

Xenakis escreve artigos substanciais para Sherchen que foram publicados no Blatter Gravesaner, com o intuito de servir como base para seu trabalho seminal teórico, Musiques Formelles.

Nos anos 50, descobre música proveniente da India, Laos76, Vietname77, Java78, China e Japão. Simultaneamente descobre um novo interesse pela música antiga herdada pela Grécia, bem como pela música concreta, que viria a dar os seus frutos.

Ao contrário da música serial que me repulsa a sua estética (que eu não consigo entender), a sua exasperação fútil na música romântica (de que realmente amo), as suas construções (que acho terrivelmente limitadas), senti-me imediatamente e profundamente atraído pela música concreta. (Kanach, 2008, p.xviii)

Graças a isto consegue antecipar um novo mundo musical de possibilidades, que explora rapidamente. Actualmente, o principal obstáculo da composição musical é a dificuldade que o músico tem em controlar e avaliar as suas próprias invenções, tendo um diálogo consigo mesmo, onde muitas vezes opta por um só instrumento, o piano.

Mas o piano não me permite dominar as novas formas que eu estava desenvolvendo. Então, virei-me para técnicas modernas capazes de pôr fim a esses limites sempre insuperáveis. A matemática e a informática forneceram as respostas que eu estava procurando. (Kanach, 2008, p.xix)

Desde há muito tempo, que Xenakis constata que existem ligações íntimas entre a música e a matemática.

Por exemplo, os músicos inventaram a geometria analítica bem antes de Descartes, com notação musical, que não é mais do que um espaço partilhado por duas

76 Laos é um país asiático, localizado na Indochina e limitado a norte pela China, a leste pelo Vietname, a sul pelo Camboja, a sul e oeste pela Tailândia e a oeste por Myanmar. 77 Vietname é um país asiático, localizado na Indochina, e limitado a norte pela China, a leste e a sul pelo Mar da China Meridional, e a oeste pelo Golfo da Tailândia, pelo Camboja e pelo Laos. 78 Java é a segunda maior e a principal ilha da Indonésia, onde se situa a capital do país, Jacarta.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 81 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

dimensões que não têm nada em comum, campo e tempo. Da mesma forma, Aristoxenos, na sua teoria da harmonia, tinha previsto, o que a matemática moderna provou mais tarde, ou seja, que a música é uma estrutura de grupo aditivo, ao contrário das crenças dos pitagóricos, que basearam a sua teoria musical na propriedade multiplicativa de comprimentos em cadeia. No que me diz respeito, é graças à matemática, e aos cálculos particulares, que eu era capaz de ir mais fundo na compreensão interna de música e formar um ponto de vista prático, sendo também capaz de descobrir todas as possibilidades matemáticas das combinações de sons que inventei. (Kanach, 2008, p.xix)

No princípio dos anos 70, Xenakis consegue construir uma nova máquina, graças à informática, um conversor analógico-digital conectado a um alto-falante ou um gravador, a UPIC. Devido a todas estas experiências, está convicto que o futuro da música passa pelo progresso das novas tecnologias.

A mediocridade das salas de concertos, nunca deixaram de surpreender Xenakis, visto não serem concebidas para esse efeito, nem para a música do nosso tempo, nem para músicas antigas. Não existe nenhuma lógica que alguém permaneça fora do espaço de som, nem mesmo para uma sinfonia de Beethoven.

Ver uma orquestra em posição frontal, não é de seu agrado, visto que obriga o ouvinte a permanecer removido da música. A tentativa de colocar a orquestra no meio da plateia por parte da sala de concertos da Filarmônica, embora a ideia seja interessante, não é totalmente eficaz, pois nem toda a orquestra é audível em determinadas áreas no espaço.

Sendo assim necessário inventar uma nova arquitectura que elimine os inconvenientes da escuta coletiva. Com este intuito, Xenakis faz Diatope.

Eu também espero grandes avanços em termos de escuta individual. Sistemas hi-fi equipados com computadores devem permitir aos ouvintes regular pessoalmente em casa a qualidade e magnitude de seu espaço de escuta, ou escolher um efeito global ou um que destaque um instrumento individual ou família de instrumentos, tudo enquanto aprecia a imagem de uma performance. (Kanach, 2008, p.xx)

Sendo a música um fenómeno sociocultural, subordinado ao instante da História, Xenakis consegue distinguir partes que são mais invariáveis que outras e que formam assim materiais de duração e consistência consecutivas às diversas épocas das civilizações, materiais que se movem no espaço, criados, lançados, treinados, pelas correntes de ideias, colidindo uns com os outros, influenciando-se, aniquilando-se, fecundando-se.

Os universos de música clássica, contemporânea, pop, folclórica, tradicional, d’avant- garde79, parecem formar unidades em si, às vezes fechadas, às vezes interpenetrando- se. Apresentam diversidades incríveis, férteis de novas criações, mas também de

79 Música d’avant-garde significa música de vanguarda, termo genérico utilizado para agrupar as tendências da música erudita surgidas após a Segunda Guerra Mundial.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 82 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

fossilizações, de ruinas, de quebras, tudo isto em formações e transformações contínuas, tais as nuvens, tão diferenciadas e tão efémeras. (Xenakis, 1976, p.181)

A essência destes materiais é a inteligência do homem de algum modo solidificada, aquela que procura, questiona, deduz, revela e elabora a todos os níveis. Da mesma maneira que a música e as artes em geral parecem necessariamente ser uma solidificação, uma materialização desta inteligência, que embora humana universal, é diversificada pelo individuo, pelo talento, que os distancia entre si.

Para além de considerar o talento como um espécie de qualificação, de graduação, de vigor e de riqueza da inteligência, Xenakis entende que o talento é fundamentalmente o resultado, a expressão de biliões de trocas, de reacções, de transformações energéticas das células do cérebro e do corpo.

Poder-se-ia, à imagem da astrofísica, dizer que a inteligência é a forma que tomam os actos mínimos das células nas suas condensações e nos seus movimentos, tais como os sóis, os planetas, as galáxias, as aglomerações de galáxias, resultantes de, ou reduzindo-se à fria poeira interestelar. (Xenakis, 1976, p.182)

Todavia esta imagem é inversa, pelo menos num plano, porque esta fria poeira, condensando-se, torna-se quente ao contrário da inteligência que é um frio resultado de permutas entre as quentes células do cérebro e do corpo, um “fogo frio”.

Do mesmo modo, as cores, os sons, o relevo, são condensações no nosso sistema sentidos-cérebro, cujo aspecto brutal e perfeitamente superficial, exterior, é percebido e apreendido a nível consciente. As vibrações periódicas do meio electromagnético da luz ou do ar são inacessíveis à consciência mas, por outro lado, são magnificamente percebidas e convertidas pelo nosso cérebro e pelos nossos sentidos, que são o prolongamento do próprio cérebro. Xenakis considera ainda que existem diversos níveis, desde o nível da percepção imediata à comparação, da avaliação ao julgamento. O porquê e o como isto tudo se produz é um mistério complexo que dura há milhões e biliões de anos.

Para Xenakis o exemplo das escalas em música, é bastante evidente, isto porque houve condensações cada vez mais fortes, pelo menos no Ocidente, nomeadamente a “quinta perfeita” cuja origem é completamente desconhecida, a “quarta perfeita” e seus tetracórdios, depois a “oitava”, em seguida a construção de sistemas por justaposições de tetracórdios que geraram as escalas da antiguidade cuja escala diatónica das teclas brancas do piano sobreviveram, seguindo-se ainda a escala cromática com temperamento igual e finalmente a continuidade através do conjunto de “alturas do som”.

É talvez na música que a dignidade da arte surge com maior evidência. Porque na música não há materiais supérfluos. Toda ela é forma e conteúdo e tudo o que exprime se torna mais nobre e mais elevado. (Goethe, 2000, p.193)

Conclui-se a partir deste exemplo que a música é uma forte condensadora, talvez a mais forte dentro das artes. Um dos caminhos que a música tomou desde da

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 83 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Antiguidade e que guardou com uma fidelidade notável através dos milénios com uma forte aceleração no Século XX, prova que esta faculdade de condensação para o abstracto é uma virtude que lhe pertence mais do que às outras artes. No âmbito destas conexões, Xenakis elabora um diagrama ilustrando as relações entre o seu trabalho arquitectónico e musical (Anexo F).

Levando a que Xenakis entenda que é necessário um novo tipo de músico, o de artiste-concepteur de novas formas abstractas e livres, tendendo para complicações e depois para generalizações sobre diversos níveis de organização sonora. Dando ainda o exemplo de uma construção organizada a partir das correntes de Markov80 ou sobre um complexo de funções de probabilidades interligadas, talvez transportada simultaneamente sobre diversos níveis de micro-, méso- e macrocomposições musicais, podendo também acrescentar um outro domínio visual, como um espectáculo feito com raios laser e flashes electrónicos como o do Polytope de Cluny.

Daqui em diante, será facílimo prever uma relação entre artes e ciências, nomeadamente entre artes e matemáticas, nas quais as artes colocariam conscientemente questões para as quais os matemáticos deveriam e deverão conceber novas teorias.

O tal artiste-concepteur deverá possuir conhecimentos e criatividade nos domínios tão variados como a Matemática, a Lógica, a Física, a Química, a Biologia, a Genética, a Paleontologia81, as Ciências Humanas, a História, em suma uma espécie de universalidade, mas fundada, guiada e orientada por e para as formas e as arquitecturas.

Se a sua inclinação natural não for no sentido de aprender tudo aquilo que lhe falta para ser artista com homens da mais elevada formação, com os artistas mais antigos e com os contemporâneos, ficará por certo aquém de si mesmo, agarrado a um falso conceito de preservação da originalidade. Porque não é apenas o que nasceu connosco que nos pertence. O que fomos capazes de adquirir também faz de nós aquilo que somos. (Goethe, 2000, p.203)

Considera ainda, ser tempo de fundar uma nova ciência de “morfologia geral”, que tratará das formas e das arquitecturas, destas diversas disciplinas, dos seus aspectos invariáveis e das leis das suas transformações que por vezes duram milhões de anos. As condensações reais da inteligência deverão ser o cenário desta nova ciência, sendo a aproximação abstracta, liberta do anedótico dos nossos sentidos e dos nossos hábitos.

80 Corrente de Markov,em homenagem a Andrey Markov, é um sistema matemático que sofre a transição de um estado para outro, entre um número finito ou contável de estados possíveis. É um processo aleatório geralmente caracterizado como sem memória: o próximo estado depende apenas do estado actual e não sobre a sequência de eventos que o precederam. As cadeias de Markov têm muitas aplicações como modelos estatísticos de processos do mundo real. 81 Paleontologia é a ciência natural que estuda a vida do passado da Terra e o seu desenvolvimento ao longo do tempo geológico.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 84 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ao reflectir sobre a Arte, que compartilha do mecanismo de dedução, onde moram as teorias das ciências matemáticas, físicas, e as de outros seres vivos, apercebemo-nos que dos jogos das proporções redutíveis aos jogos de números e de métricas, para além dos jogos de continuidade, de proximidade, no tempo ou fora-do-tempo, da essência topológica, estão todos sobre o fundamento da dedução, no sentido restrito da lógica. Paralelamente e de maneira recíproca, existe o modo empírico que desafia ou confirma estas teorias criadas pelas ciências e compreendidas pela matemática.

As matemáticas são o edifício magistral imaginado pelo ser humano para lhe proporcionar a compreensão do universo. Aí se encontra o absoluto e o infinito, o compreensível e o inacessível. Erguem-se barreiras, diante das quais podemos passar e voltar a passar sem obter resultados; por vezes, encontra-se uma porta; abrimo-la, entramos, estãoos noutro lugar, o lugar dos deuses, onde se encontram as chaves dos grandes sistemas. Estas portas são as portas dos milagres. Tendo passado uma, já não é o ser humano quem actua: é o universo que este aqui toca num ponto qualquer. E diante dele desenrolam-se e brilham extensões prodigiosas de combinações ilimitadas. Está-se no país dos números. Pode-se ser uma pessoa muito modesta e, mesmo assim, ter entrado. Deixe-se permanecer deslumbrado perante tanta luz tão intensamente propagada. (Corbusier, 2010a, p.93)

A matemática já demonstrou que desde as geometrias não euclidianas82 aos teoremas como os de Godel83, que é apenas experimental, sendo que a experiência faz e desfaz as teorias, sem piedade e sem qualquer consideração.

Não é a música que é uma parte das matemáticas, mas ao contrário, as ciências é que são uma parte da música, uma vez que estas se baseiam nas proporções, e a ressonância do corpo sonoro gera todas as proporções. (Rameau84) (Corbusier, 2010a, p. 96)

Para Le Corbusier, a harmonia domina, regula e reina sobre todas as coisas da nossa vida, sendo a aspiração espontânea, assídua e incansável do ser humano imbuído de uma força, o divino, que tem como objectivo na Terra, realizar o Paraíso. Com isto em mente, o arquitecto escreve o Modulor, onde procura entender a relação entre o Homem e o Universo, através de medidas, que por um lado servem o corpo humano e por outro fazem um dos ritmos da respiração do mundo. Em relação à arquitectura, o instrumento de medida é a escala humana, sendo o olho o mestre-de-cerimónias, e o espírito o dono da casa.

A perfeição pode coexistir com a desproporção, a beleza só existe com proporção. (Goethe, 2000, p.187)

82 Geometria não euclidiana é uma geometria baseada num sistema axiomático distinto da geometria euclidiana. Modificando o axioma das paralelas, que postula que por um ponto exterior a uma reta passa exactamente uma reta paralela à inicial, obtêm-se as geometrias elíptica e hiperbólica. 83 Kurt Gödel (Brünn, Áustria-Hungria, 28 de Abril de 1906 - Princeton, Estados Unidos, 14 de Janeiro de 1978) foi um matemático austríaco, naturalizado americano. 84 Jean-Philippe Rameau (Dijon, 25 de Setembro de 1682 - Paris, 12 de Setembro de 1764), foi um dos maiores compositores do período Barroco-Rococó. Em França, porém, é tido como a maior expressão do Classicismo musical.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 85 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Na 9.ª trienal de Milão, de 1951, em que Le Corbusier participa, o professor Wittkower85 realça que o quadrado é um dos elementos fundamentais do uso da proporção, tendo sido duplicada por muitos artistas da Idade Média e que actualmente é conceptualmente baseada numa tradição pitagórica-platónica por via dos europeus, numa época de geometria não euclidiana e da quarta dimensão, onde a concepção do tempo e do espaço é forçosamente distinta dos séculos passados.

Esta tradição não só consiste em relações numéricas, os intervalos harmónicos da gama musical grega, mas também em figuras geométricas perfeitas, o triângulo equilátero, o rectângulo, o triângulo isósceles, o quadrado, o pentágono…

Não será possível, nem existirão critérios objectivos de verdades absolutas e eternas de validade ou de verdade duma obra de arte, tal como acontece em qualquer verdade científica, não sendo definitiva.

Beleza: toda a coincidência elevada e delicada que se experimenta em tudo aquilo que nos agrada de modo imediato, sem exigir meditação nem reflexão. (Goethe, 2000, p.183)

Para além das modalidades inferencial e experimental, a Arte vive uma outra, a da “revelação” imediata do belo, acontecendo imediata e directamente, ao ignorante de arte, como ao conhecedor, fazendo disto a sua força, a sua superioridade sobre as ciências. Esta trindade de modas da arte torna-se mais evidente se imaginarmos, num futuro longínquo, o poder de acção do artista aumentar como nunca antes na história, não existindo nenhuma razão para que a arte não saia, ao exemplo da ciência, na imensidade do cosmos e que não possa mudar, tal como um paisagista cósmico, a aparência das galáxias.

Isto pode parecer utopia e na verdade, é utopia, mas provisoriamente, na imensidade do tempo. Pelo contrário, o que não é utopia, o que é possível hoje, é lançar teias de aranha sobre cidades e campos, feitas de raios laser coloridos, tal como um polytope gigante: utilizar nuvens como ecrãs de reflexo, utilizar satélites artificiais como espelhos reflectores para que as teias de aranha subam no espaço e envolvam a terra com os seus fantasmagóricos movimentos geométricos; ligar a Terra à Lua por filamentos de luz; ou ainda, criar em todos os céus nocturnos da Terra, à vontade, auroras boreias artificiais controladas nos seus movimentos, nas suas formas e nas suas cores, por campos electromagnéticos na alta atmosfera animados por lasers. (Xenakis, 1976, p.185)

A complexidade do sistema fundamental dos três modos que regem a Arte, conduz à conclusão que ela é mais rica e mais vasta e que deve necessariamente dirigir a criação de condensações e realizações da inteligência, servindo de guia universal às outras ciências.

Arte: uma outra Natureza, igualmente misteriosa, mas mais entendível, já que é produto do entendimento. (Goethe, 2000, p.183)

85 Rudolf Wittkower (Berlim, 22 de Junho de 1901 – Nova Iorque, 11 de Outubro de 1971) foi um historiador de arte alemão.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 86 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

É necessário que o exercício da arte, em particular da música, favoreça a condensação da inteligência em todas as idades, desde do seu nascimento até à sua morte, envolvendo obrigatoriamente a pedagogia.

A música é, devia ser, a área em que a interrogação e a invenção, isto é, a filosofia, se formula totalmente e se exprime por sons. (Gagnard, 1974, p.29)

A curiosidade permanente pela música, surge apaixonadamente dentro de nós e se instrui na observação, onde a invenção incessante com que respondemos por actos provisórios estão entre o real e o pensamento.

Conhecer é portanto, uma dinâmica do espirito, virtude biológica, expressão de base de uma vida de conquista. Negar é já inventar – não negar, também. Esta corrosão metamorfoseante alastra e invade agora o nosso universo. (Gagnard, 1974, p.29)

Baseado nos modelos, nos antecedentes, nas aparições e nas desaparições, é actualmente praticado pela humanidade, um programa em harmonia com as religiões e com o pensamento antigo universalizante, sendo traçado, com mil convulsões políticas e ideológicas do pensamento, a nossa evolução.

Desta maneira inconsciente, as ciências, a matemática e a política se comportam, sendo que as duas primeiras têm a vantagem de serem eficazes e justificadas através da experimentação e da inferência.

Por outro lado, as artes, incluindo a música, não estão apenas abrigadas por estas duas técnicas, tendo maneiras mais próprias de fazer, de ser, sendo assim capazes de associar e de assimilar vastas extensões dos domínios científico e matemático, bem como comandar orientações dentro do conhecimento mais elevado.

O artista deveria, de facto, ser o moço de A. De Vigney, capaz não só de reconhecer, do alto da gávea, o caminho do navio através das constelações, mas de assumir também tarefas de comandante e mesmo de criar estrelas e universos novos. (Gagnard, 1974, p.30)

Só através da acção colectiva simultânea, se pode dar o devido valor à Arte, embora a nível pedagógico seja dominado por verdades ultrapassadas, pode-se transformar através da confrontação de ideias, dos jovens, dos adultos, habituados ao esquecimento.

Graças a J. Piaget86, são reconhecidas as etapas de formação das estruturas mentais na criança, dando uma maior importância pedagógica à aprendizagem, desde tenra idade, através das ciências e das matemáticas, sendo que a música se insere em grande parte na mesma complexidade da actividade mental. Xenakis sugere, para enriquecer esta formação criadora, que se implemente no ensino, a aprendizagem da

86 Jean Piaget (Neuchâtel, 9 de agosto de 1896 - Genebra, 16 de setembro de 1980) foi um epistemólogo suíço, considerado um dos mais importantes pensadores do século XX. Defendeu uma abordagem interdisciplinar para a investigação epistemológica e fundou a Epistemologia Genética, teoria do conhecimento com base no estudo da gênese psicológica do pensamento humano.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 87 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

música, sendo que a estrutura dos números naturais possui uma equivalência à noção tradicional da escala cromática temperada em meios-tons ou quartos de tons. Tornar- se-ia assim natural, a presença da música na aprendizagem das crianças, pelo facto de ser possível combinar a criação de números naturais com escalas naturais de alturas ou mesmo de intensidades.

Para demonstrar a preocupação de Xenakis pela educação das crianças, descrevo um seminário que ocorre em 1980, na cidade de Lille. Organizado por faixas etárias, o seminário é composto por crianças, universitários, amadores e profissionais de música. Após a conferência, dada por Xenakis, sobre a utilização da mesa UPIC, os espectadores são convidados a experimentá-la, com o intuito de compor uma música.

O conjunto de crianças decidiu desenvolver uma história na UPIC, após a frustração de desenhar barcos, flores, nuvens, casas e até mesmo o sol, que provocavam sons tão estranhos que se tornavam execráveis e inaudíveis.

A viagem à Lua era o título da história, onde começava com os astronautas a entrar no foguetão que depois descolava da terra, e posteriormente aterrava na Lua. Estes começavam a andar na Lua, a investigar, mas quando decidiram voltar à Terra, o foguetão não pegava. E quando finalmente conseguiram “desaluar”, nessa viagem de volta, apanharam com uma chuva de meteoritos que os assustou um pouco. Ao chegar à Terra, os astronautas foram recebidos com uma salva de palmas, numa grande festa (Apêndice B).

Perante o impacto da tecnologia e o facto das máquinas de calcular auxiliares enriquecerem a composição musical, tornou-se possível e necessário, esta formalização paralela da música.

Com a ajuda das artes, que são justamente mais independentes, mais livres que as ciências, será possível que a humanidade crie, a partir da criança, um outro tipo de homem e uma outra realidade do mundo, bastando que se tome consciência da relatividade das normas mentais de base, podendo flanquear mais uma etapa e imaginar métodos revolucionários de enformar estas arquitecturas de base da nossa mente, tais como a estrutura do espaço do tempo.

Fabricar “mutantes” mentais, eis uma perspectiva alucinante, sem dúvida, mas mais realizável que as mutações genéticas eugénicas. Isto, graças à associação nova da ciência e da arte, talvez em vias de se descobrir. (Gagnard, 1974, p.31)

Para uma criança, entre os sete e oito anos, de países mais ou menos industrializados, Xenakis propõe alguns métodos de ensino, nomeadamente uma aprendizagem de música que deverá passar pelos limiares da abstracção e da formalização ao mesmo tempo que as matemáticas, as ciências e as artes. A música clássica, avant-garde, oriental, do extremo-oriente, africana, deverá ser ouvida pela criança, onde aprenderá o conceito de escala, incluindo o de escala “cromática igualmente temperada” mas tendo como modelo intervalado o tom, o meio-tom, o terceiro tom, o quarto de tom, …, a vírgula.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 88 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Para o canto bem como para os instrumentos, será dada aula teórica e prática, sempre que possível, acompanhada pela “U.P.I.C.” que citarei posteriormente. A relação entre o conceito de escala cromática e o conceito de números, será imediatamente colocada, resultando numa outra manifestação da concretização “escala”. Através da adição de intervalos contíguos, aprenderá a efectuar intervalos melódicos como os músicos e aprenderá mais facilmente o triplo sentido do número que representa ao mesmo tempo a classificação, a quantidade e o intervalo, respectivamente o ordinal, o cardinal e o relativo.

Graças à U.P.I.C., tornar-se-á infinitivamente mais fácil aprender a jogar com as mesmas abstracções e formalizações do ritmo, do tempo e mesmo da intensidade, para além de ficar familiarizado com outras características do som como a densidade ou o grau de desordem. Inicialmente, a interpenetração e o isomorfismo87 destas áreas será aprendido pela criança, ao adicionar a linha recta, os pontos e os intervalos dos pontos.

A U.P.I.C. tinha uma unidade de computador conectada a uma mesa/estirador através de fios electrónicos que estão ligados a teclas. Nessa mesa pode-se desenhar através de uma caneta magnética (com tinta), que posteriormente ao conectar com o computador, os sons são reconhecidos, fazendo a leitura através das coordenadas inscritas na mesa. Terminado o desenho pode-se accionar a partitura (desenho gráfico) e ouvir-se o som, sendo uma metodologia inversa à convencional, processo onde primeiro se desenha o aspecto gráfico da música e só depois se ouve.

Aqui Xenakis trabalha em termos acústicos, onde a U.P.I.C. funciona inversamente em termos de direcção convencional, o que obriga a ter alguns parâmetros para poder definir a sua música. Para compor, é preciso interagir, através de desenhos, com a mesa U.P.I.C., selecionando apenas os desenhos que lhe interessam (Apêndice B).

Naturalmente o ensino da “teoria das cribles88” e a composição das faixas, com o intuito de as puder ensaiar e modificar cantando ou com a ajuda de sons retirados do arquivo de sons da U.P.I.C., fará com que a criança se integre mais facilmente no campo da criação.

De maneira implícita, a criança terá aprendido a tripla codificação das características do som, nomeadamente o código gráfico, numérico e sonoro, visto que a U.P.I.C. poderá anotar através de um lápis especial, tudo o que se faz sendo automáticamente registado na memória central ou periférica da mesma. Só mais tarde é que irá tomar consciência e irá distinguir aquilo que pensou e aquilo que fez no tempo ou fora do tempo, sabendo que o próprio tempo, pela memória, pode ser pensado ou realizado fora do tempo. À luz da experiência e da teoria pedagógica, este conjunto de propostas deverão reduzir a dura tradição retrógrada e perniciosa do ensino da música.

87 Isomorfismo significa que apresenta a mesma estrutura, a mesma forma. 88 Cribles significa crivar, separar, seleccionar.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 89 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

É, por outro lado, absolutamente indispensável que toda esta aproximação faça parte do ensino de base: da escola infantil, da escola primária, do liceu, da universidade, da reciclagem de adultos, isto é, dirigido pela Educação nacional e não pela espécie de guetos que se tornaram os conservatórios. Ou em seguida os conservatórios, para regressar à luz, deverão continuar a ideia do perfeccionismo mas, naturalmente, actualizados e sem dúvida filiados na universidade devido a esta interdisciplinaridade, em suma, tornar-se uma outra faculdade. (Xenakis, 1976, p.189)

Apenas há um século, a classificação de conceitos, iniciada por Aristóteles89, beneficiou de algum avanço, tendo sido desenvolvida por matemáticos que, inconscientemente, descobriram os seus fundamentos e métodos matemáticos.

Jean Piaget estudou o desenvolvimento do cérebro da criança e demonstrou a progressão dos níveis da inteligência. Surge assim um novo modo de conhecimento da Natureza, considerado por Xenakis uma nova era, simultânea à já existente.

Aquele a quem a Natureza começa a descobrir o que há de revelável nos seus segredos, experimente um desejo irreprimível de conhecer a sua melhor interprete, a arte. (Goethe, 2000, p.183)

É o momento de descascar o nosso intelecto duro e profundo, admitindo a ubiquidade espacial ou temporal. Necessariamente modifica-se a estrutura da ordem do tempo concebendo a possibilidade de entrar num outro universo, maior, mais verdadeiro, onde fosse possível sermos indivíduos “eternos”. Este “universo mental” ainda não nos é acessível devido á limitação das concretizações muito antigas da inteligência e tão difíceis de quebrar. O que vemos actualmente são categorias mentais, a nossa verdadeira “caverna”, sendo sombras das formas colocadas à luz atrás de nós e no exterior da qual nós estãoos acorrentados e olhando o seu fundo. A caverna está diante de nós, e nesta nova era, o homem deverá quebrar a “concha” das suas categorias mentais e saltar livremente no universo mais coerente, mais verdadeiro.

Este é talvez um dos profundos papéis que se determina ou que deve designar a arte, porque ela tem esta capacidade, mais que qualquer outra actividade criadora do homem, e particularmente a música, que é talvez a mais privilegiada para nos orientar nesta direcção. (Xenakis, 1976, p.191)

89 Aristóteles (Estagira, 384 a.C. - Atenas, 322 a.C.) foi um filósofo grego, aluno de Platão (Atenas, 428/427 a.C. – Atenas, 348/347 a.C.) que foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas. Aristóteles também foi professor de Alexandre, o Grande (Pela/Vergina, 20 de Julho de 356 a.C. - Babilônia, 10 de Junho de 323 a.C.) que foi um príncipe e rei da Macedônia, e um dos três filhos do rei Filipe II e de Olímpia do Épiro, uma fiel mística e ardente do Deus grego Dioniso.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 90 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 18 - "Excerto do caderno de lannis Xenakis em 1961, durante sua primeira viagem ao Japão” (Kanach, 2008, p.149)

Numa entrevista feita e publicada em Agosto de 1977 pela Sogetsu90, Iannis Xenakis enaltece uma viagem realizada ao Japão, que se torna não só numa referência como também numa influência para a sua própria arquitectura.

Quando visitei o Japão pela primeira vez em 1961, fiquei impressionado com a arquitectura tradicional ainda evidente ao longo das estradas ou intercaladas entre os novos edifícios modernos. (Kanach, 2008, p.148)

Iannis Xenakis fica impressionado com a simplicidade formal e a maneira como a arquitectura japonesa clássica se combina com a arquitectura japonesa da época.

O ângulo recto, as superfícies planas, as coberturas de duas águas e os elementos para evitar a intrusão, sendo apenas barreiras de madeira regularmente espaçadas, são alguns dos vários componentes de formas simples que constituem a arquitectura japonesa.

No entanto, todas as casas têm o seu próprio carimbo graças à maneira diferente de articular estes elementos.

Dentro dessas casas, fiquei impressionado com a sua nudez, o seu vazio: não tem "móveis" per se, no sentido europeu. (Kanach, 2008, p.148)

90 Sogetsu é uma revista japonesa com sede em Tóquio.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 91 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A ausência de móveis é evidente pela falta de cadeiras, poltronas, sofás, camas, cómodas e armários. Existindo apenas mesas de baixa estatura para que seja possível sentar no chão. Em vez de camas existem colchões ou esteiras e para que a roupa fique invisível durante o dia, é dobrada e arrumada num armário.

Ilustração 19 - Interior do Palácio Isolado Katsura (Tran, 2013)

Cheia de espaço, a casa torna-se num abrigo onde os habitantes podem circular nas três dimensões, sendo que sentar no chão é uma exploração da terceira dimensão.

Não há lugar a bugigangas, sendo completamente livres de objectos-obstáculos, esses fetiches adorados pelos ocidentais.

Em vez disso, este espaço foi "decorado" com proporções harmoniosas que lhe deu uma alma. Tal harmonia ainda estava viva, apesar das influências urbanas negativas (principalmente, a uniformidade). (Kanach, 2008, p.148)

A utilização de divisórias deslizantes, cheias e opacas ou translúcidas, feitas de papel oleado, permite a permutabilidade dos espaços interiores. Sendo um dos traços de genialidade desta nação, no Palácio Katsura91, em Quioto92, é implantado generosamente este elemento notável.

91 Palácio Katsura ou Katsura Rikyu, perto de Quioto, foi construído por volta de 1645 pelo arquitecto japonês Kobori Enshu, para a família imperial Katsura. 92 Quioto é uma cidade japonesa, na província de mesmo nome no centro sul do país. Fundada no século I, foi a capital do Japão Imperial, sendo substituída por Tóquio em 1943.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 92 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 20 - Palácio Katsura (Baum, 1998)

Deste modo, o espaço e a iluminação são modificados livremente pelos habitantes. Esta tradição original japonesa de versatilidade ou "mobilidade" interior para além de ser um presente de valor inestimável para a humanidade da tradição japonesa, torna- se numa obsessão entre os arquitectos avant-garde por todo o mundo.

Assim, o arquitecto consegue, pelo menos parcialmente transferir as suas responsabilidades para os usuários que, por sua vez, estão sob a ilusão de que podem criar ou modificar as suas próprias casas. (Kanach, 2008, p.148)

Nesta altura, nem mesmo o Japão, onde os arquitectos sonham com uma arquitectura de influência japonesa baseada na sua rica herança, fica com quaisquer consequências arquitectónicas vinda desta mobilidade interna.

Quinze anos depois, Tóquio moderno engoliu essas pequenas casas e edifícios, atingindo cotas cada vez mais altas (graças ao progresso em tecnologias anti-sísmicas) semelhantes às encontradas por todo o mundo, que brotaram por toda parte. (Kanach, 2008, p.148)

Representando uma ameaça pacifista para a base da supremacia ocidental, estas expressões do pós-guerra, são também um milagre económico e industrial japonês.

O estilo de vida capitalista nascido noutras terras vence a arquitectura medieval de quintas e vilas, presentes na arquitectura japonesa, arrasando com os palácios da aristocracia feudal assim como os mosteiros.

De agora em diante, arquitectura e urbanismo japonês seguem as leis inevitáveis de outras cidades do planeta, o que significa que estão perdendo suas características. São Paulo, Tóquio, São Francisco, Bombay, subúrbios parisienses... são todos parecidos. (Kanach, 2008, p.149)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 93 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Seguindo esta corrente universal, surge o movimento metabolista japonês93, que ao não se tornar numa banalidade, dá um passo adiante à actual vitalidade do Japão.

Ilustração 21 – O maior ícone do Metabolismo Japonês, o Nakagin Capsule Tower, pelo arquitecto Kisho Kurokawa (Viarosario, 2010)

Infelizmente os projectos pelos gostos de Kawazoe94, Tange95, Kurokawa96, Kitutake97, Yosizaka98, não são realizados nem continuados.

Somente uma crítica construtiva da sociedade, revela os percursos para a evolução da arquitectura e do planeamento urbano, através de análises cuidadas sobre a célula familiar, as condições de trabalho, bem como as relações hierárquicas e metas de realização de cada indivíduo.

93 Movimento Metabolista Japonês Ver descrição em anexo. 94 Noboru Kawazoe foi um arquitecto japonês, sendo um dos fundadores do movimento metabolista japonês. 95 Kenzo Tange (4 de Setembro de 1913 – 22 de Março 2005), em 1960 foi autor de um plano urbanístico audacioso para Tóquio. Recebeu o prestigioso prémio Pritzker de arquitectura em 1987. Sendo um dos arquitectos mais importantes do século XX, combinando os estilos tradicionais japoneses com o modernismo, e projectou os principais edifícios nos cinco continentes, tornou-se também num influente mecenas do movimento Metabolista. 96 Kisho Kurokawa (8 de Abril de 1934 – 12 de Outubro de 2007) foi um dos fundadores do famoso movimento japonês "metabolismo" iniciado em 1960. Recentemente desenhou o Estádio Oita, que sediou o Mudial de Futebol em 2002. 97 Kiyonori Kikutake (1 de Abril de 1928 – 26 de Dezembro de 2011) foi um arquitecto japonês proeminente, sendo um dos fundadores do grupo Metabolista japonês. Foi também tutor e patrão de vários arquitectos japoneses importantes, como Toyo Ito e Itsuko Hasegawa. Ainda é conhecido pelo seu projecto “Cidade Marinha" em 1958, assim como os seus revolucionários projectos urbanos "flutuantes”. 98 Takamasa Yoshizaka (13 de Fevereiro de 1917 – 17 de Dezembro de 1980), foi um arquitecto japonês e ex-presidente do Instituto de Arquitectura do Japão. Depois de se formar na universidade, trabalhou no atelier de Le Corbusier em Paris por dois anos trabalhando em projectos de França e Índia, onde Xenakis pode tê-lo encontrado como colega. Foi um dos fundadores, a partir de 1965, do famoso "Atelier U" no Japão.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 94 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

3. CRIAÇÃO E UTOPIA

3.1. CRIAÇÃO E PAVILHÃO PHILIPS

Louis Kalff, director artístico da empresa holandesa Philips Gloeilampenfabrieken NV, contacta Le Corbusier em Fevereiro de 1956, pedindo-lhe a criação de um pavilhão para a empresa, fazendo parte integrante da Feira Mundial de Bruxelas, prevista para 1958.

Em vez de exibir qualquer dos produtos à época fabricado pela Philips, Louis Kalff propõe que Le Corbusier demonstre as possibilidades de som e de luz das tecnologias da Philips. Ideia com que Le Corbusier concorda imediatamente, encontrando aqui a oportunidade única de expressar as suas preocupações artísticas da sua vida criativa.

Concentrou-se totalmente no desenvolvimento do seu "Poème électronique", um espectáculo oito minutos de luz, imagens, som, cor, ritmo: a cristalização do seu conceito de uma síntese orgânica de todas as artes. (Kanach, 2008, p. 93)

Após determinar a forma geral de um “estômago” ou uma “garrafa” escura e oca, Le Corbusier delega o projecto arquitectónico do pavilhão a Xenakis.

Ilustração 22 - "Esboço do Pavilhão Philips no bloco de notas de Xenakis" (Kanach, 2008, p.93)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 95 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

O Pavilhão Philips apresenta uma entrada e uma saída triangular. O seu interior acomoda cerca de 500 espectadores para cada 10 minutos de desempenho.

Le Corbusier encomenda a Edgar Varèse, escolhendo-o entre outros compositores bem conhecidos da época, como Benjamin Britten e Aaron Copland, a composição de uma peça de oito minutos de música electrónica, totalmente independente, proveniente do seu próprio “cenário” visual.

Ilustração 23 - "Edgar Varèse nos estúdios da Philips" (Kanach, 2008, p.94)

Pede ainda a Iannis Xenakis que fique encarregue de compor um interlúdio de dois minutos para ser tocado enquanto os espectadores esperam na entrada, que antecede o espectáculo de luz e som.

Usando um esboço muito escasso de Le Corbusier, Xenakis começou a trabalhar em Outubro de 1956 e completou o seu primeiro conjunto de planos até o final desse ano. (Kanach, 2008, p.94)

Uma construção experimental, exclusivamente baseada em parabolóides hiperbólicas autoportantes, é uma novidade para todos os engenheiros e empreiteiros da época.

Na verdade, o Pavilhão Philips não pretendia nenhuma estrutura de apoio, nem dentro nem fora do edifício. Xenakis estava a empurrar o seu material escolhido, betão armado aos seus limites extremos. Naquele momento, a única maneira de verificar tais propostas, foi por tentativa e erro, utilizando modelos de escala. (Kanach, 2008, p.95)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 96 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Para a construção do pavilhão é escolhida a empresa belga Strabed, que começou a obra em Junho de 1957. Colaborando com Iannis Xenakis, o engenheiro-chefe da Strabed, H. C. Duyster, desenvolve alguns processos originais.

Ilustração 24 - "Primeira maquete do Pavilhão Philips" (Kanach, 2008, p.95)

Na realidade as camadas exteriores são fundidas em moldes de areia no solo com placas de aproximadamente 1,5 metros de comprimento de apenas 5 centímetros de espessura de betão armado.

Estas foram montadas uma a uma, através de uma armação de madeira autoportante e foram apoiadas por uma rede dupla de cabos de aço de 8 milímetros de diâmetro (3000 cabos no total). O ponto mais alto da estrutura atinge 22 metros, o maior comprimento é de 40 metros, e a maior largura é 24 metros, criando uma superfície interna de cerca de 500 m2 para um volume total de 7500 m3. (Kanach, 2008, p. 96)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 97 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 25 - Operários na construção do Pavilhão Philips. (Brosnan, 2008) Graças ao conhecimento de Iannis Xenakis acerca do betão armado, alcançado ao longo dos anos de estudo e experiência, permite que se realize este tour de force.

Se ele não tivesse passado horas intermináveis a calcular, a rever, a inventar soluções matemáticas, desde da Unité de Marselha para o desenvolvimento (com Bemard Lafaille) das estruturas de "caixa de sapatos" em Rezé-les Nantes, e etc, ele podia ter sido, muito facilmente, desencorajado e convencido pelo concelho e opinião da maioria dos contratantes sobre o projecto - que é era simplesmente impossível. (Kanach, 2008, p. 98)

Esta tentativa criativa por parte de Xenakis, de calcular a melhor maneira de suportar uma estrutura constituída por nove conoides parecia desafiar tudo e todos.

Le Corbusier apoia plenamente Xenakis em todos os seus esforços para combater essas opiniões derrotistas encorajando-o a provar a viabilidade do projecto, embora naquela época esteja muitas vezes em Chandigarh, completamente imerso na criação do seu cenário para o seu "Poème électronique".

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 98 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 26 - "Imagem do Poème Électronique de Le Corbuiser" (Kanach, 2008, p.98)

No final, não só se provou ser viável, mas também quando a estrutura foi destruída, em janeiro de 1959, após a Exposição (apesar dos esforços inúteis para preservá-la), os trabalhadores da demolição ficaram surpreendidos com a solidez e resistência desta concha de 5 cm provou ter. (Kanach, 2008, p.98)

O projecto de Xenakis evoluiu para um "envelope”, sendo liberto de qualquer uso funcional a não ser o de criar um espaço escuro para o "Poème électronique", introduzindo assim o conceito de arquitectura volumétrica.

A forma final deste volume elegante demonstra a diferença entre, por um lado, a construção prática e funcional e, por outro o invento criativo (embora científico). (Kanach, 2008, p.98)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 99 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Estas superfícies regradas99 provocam a solução espacial arquitectónica do pavilhão, onde as suas formas são explícitas tanto exterior como interiormente.

Os ecrãs panorâmicos, necessários para a projecção do "Poême électronique" de Le Corbusier, cobrem a superfície interna do pavilhão, a par das soluções acústicas necessárias para a difusão da música de Varèse e o interlúdio de Xenakis, Concret PH.

Ilustração 27 - Distribuição das fontes sonoras dentro do pavilhão (Alfaro, 2012)

O Pavilhão Philips é o primeiro projecto onde Iannis Xenakis percebe o seu ideal de um artiste concepteur100, sendo alguém capaz de criar "novas formas abstractas e livres, tendendo para a complexidade, e depois para generalizações a diversos níveis... de organização”. Noção de artiste conceptor publicada pela primeira vez no seu Musique.Architecture e mais tarde desenvolvida no seu "Statemont preliminar" para a defesa do seu douturamento, publicada em Inglês no Arts/Sciences: Alloys, 3.

99 Superfícies regradas são obtidas pela união de rectas. Pode conceber-se uma superfície regrada como composta por múltiplas linhas, cuja união forma a própria superfície. Os exemplos mais comuns e mais fáceis de visualizar são o plano, o cilindro e o cone. 100 artiste concepteur é uma noção de Iannis Xenakis em que o artista que concebe deverá possuir conhecimentos e criatividade nos domínios tão variados como a matemática, a lógica, a física, a química, a biologia, a genética, a paleontologia (para a evolução das formas), as ciências humanas, a historia, em suma uma espécie de universalidade, mas fundada, guiada, orientada por e para as formas e as arquitecturas.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 100 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Neste sentido, estas considerações arquitectónicas correspondiam mais ou menos precisamente com as preocupações musicais de Xenakis por volta da mesma época. (Kanach, 2008, p.99)

Ilustração 28 - Pavilhão Philips (Cea, 2012)

Iannis Xenakis, quando questionado sobre o significado do Pavilhão Philips por Varga101, responde através de uma comparação entre a música e a arquitectura.

Essa foi a primeira vez que eu tinha feito algo completamente sozinho - algo totalmente diferente, com novas soluções de superfície. Eu tinha provado a mim mesmo que era capaz de criar algo no campo da arquitectura que não existia antes. No Pavilhão Philips percebi que as ideias básicas de Metastasis: como na música, aqui também, estava interessado na questão de saber se é possível ir de um ponto a outro sem quebrar a continuidade. (Kanach, 2008, p. 99)

101 Bálint András Varga (Budapeste, 1941) esperando ser um pianista, desistiu quando não conseguiu controlar os nervos em cima do palco. Em vez disso, estudou Inglês e Russo na Universidade de Budapeste, graduando-se em 1965. Tornou-se promotor de música, tanto na Editio Musica Budapest como na Universal Edition, de Viena.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 101 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 29 - "Xenakis, Metastasis, representação gráfica dos glissandi" (Kanach, 2008, p.99)

Em Metastasis este problema leva aos glissandi, enquanto no Pavilhão Philips resulta em formas de parábolas hiperbólicas.

Ilustração 30 - Maquete em Aço, demonstrando as parábolas hiperbólicas do Pavilhão Philips (Soraperra, 2008)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 102 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Devido ao seu conhecimento e experiência, Iannis Xenakis fica com a responsabilidade de desenvolver, em colaboração com os engenheiros de som da Philips, a espacialização da projecção do som, envolvendo cerca de 425 altifalantes102 e defletores103 distribuídos astutamente em todas as superficies interiores do Pavilhão.

Esta complexidade sem precedentes certamente constituía uma base sólida para Xenakis mais tarde, quando desenvolve os seus próprios polytopes. (Kanach, 2008, p.100)

Visualmente, estes altifalantes evocam os "diamantes acústicos104" propostos por Xenakis para a Igreja do Convento de La Tourette, não sendo instalados unicamente por razões orçamentais.

Ilustração 31 - "Esboço de Xenakis sobre possíveis 'rotas de som' dentro do Pavilhão Philips" (Kanach, 2008, p.100)

Como toque final, Le Corbusier pede a Xenakis para projectar uma escultura geométrica, "l'objet mathématique", o objecto matemático.

A forma da escultura desenvolvida como uma série de sólidos geométricos delineados, encaixados uns dentro dos outros. Selectivamente revestindo e revelando as várias superfícies, a sensação de espaço interior foi intensificado, desenhando dentro os olhos do espectador. No centro da peça está uma prestação em néon105 com a escrita de Le Corbusier, anunciando o Poème électronique… Montada nas pequenas piscinas

102 Altifalantes ou alto-falantes são dispositivos transdutor que convertem um sinal eléctrico em ondas sonoras. São divididos em faixas de frequência de trabalho em tweeter, mid-range e woofer. 103 Deflectores de som são uma construção ou um dispositivo que reduz a força (nível) do som no ar. Deflectores de som são um instrumento fundamental de atenuação do ruído, a prática de minimizar a poluição sonora ou reverberação. 104 Diamantes acústicos são uma invenção de Iannis Xenakis para a parede Norte e Sul do Mosteiro de La Tourette. Não se concretizou devido a falta de fundos. Consistia em paredes de betão com saliências em forma de diamantes, com uma preocupação acústica. 105 Néon é um elemento químico de símbolo Ne e número atômico 10. Está no grupo 18 (gases nobres) da tabela periódica.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 103 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

em torno do pavilhão, a iluminação colorida foi refletida na água, sugerindo, de alguma maneira, o ambiente electrônico de dentro. Um modelo mais pequeno do mesmo "objecto matemático" é colocado no vértice de um dos pontos do pavilhão. (Kanach, 2008, p.100)

Ilustração 32 - Planos do objecto matemático, para o exterior do Pavilhão Philips (Kanach, 2008, p.100)

Ilustração 33 - 'Objet mathématique' (Soraperra, 2008)

Após a determinação total dos pormenores finais do projecto, o trabalho no local, corre de maneira bastante fluida.

No entanto, em meados de Junho de 1957, Iannis Xenakis percebe que Le Corbusier negligencia, em dar ao seu protegido favorito qualquer reconhecimento pelas suas contribuições.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 104 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Estando profundamente envolvido e totalmente responsável pela execução do projecto do Pavilhão Philips, sente-se traído por Le Corbusier.

Esse sentimento é divulgado, não só ao seu "padre confessor" Hermann Scherchen, como também é explicado mais tarde numa entrevista a Varga:

Depois veio o Pavilhão Philips na Feira Mundial de Bruxelas, quando discutíamos. [...] No começo ele estava sinceramente interessado nos meus projectos e gostava deles. Quando os monges queriam vê-lo em conexão com o convento, ele referiu-me a eles. "Vão ter com Xenakis, disse ele, ele é o único que o projectou." Ele fez a mesma coisa com o Pavilhão Philips.

Mais tarde, porém, quando ele viu que o meu trabalho estava sendo reconhecido também por outras pessoas, eu acho que ele ficou com ciúmes. Então de repente ele afirmou ter feito tudo sozinho. Eu censurei-o por isso, mas ele fingiu não ter ouvido. Fiquei chocado e angustiado com o seu comportamento - afinal, eu admirava-o e estimava-o, e não podia acreditar que ele fosse capaz de uma coisa dessas - e eu fiz algo ingénuo: Escrevi para a Philips e declarei que o pavilhão tinha sido projectado por mim. A empresa contactou Le Corbusier, que respondeu que tinha dirigido o estúdio por 40 anos e que todas as ideias eram dele, e do Pavilhão Philips não era excepção. Disse-lhe que estava fazendo comigo o mesmo que os arquitectos da sede das Nações Unidas em Nova Iorque haviam feito com ele, roubando os seus projectos. Lembro-me de Le Corbusier dar uma conferência de imprensa no seu estúdio no início de 1950, quando ele tentou provar que a forma geral do edifício foi ideia dele, mas que ele tinha perdido os planos durante sua estadia de seis meses em Nova Iorque.

Agora ele estava fazendo a mesma coisa a mim, disse-lhe. Então perguntou-me: O que você acha que você inventou? Todas estas formas são bem conhecidas! Sim, disse, é verdade. Estas formas são bem conhecidas. Mas tu, também, usaste as mesmas superfícies planas e colunas e rectângulos que os arquitectos foram empregando por milhares de anos. O importante não é se elas já existiam antes, mas sim como elas estão sendo usadas. A nossa discussão, então, não era se ele havia projectado o pavilhão ou não. Ele queria provar que o meu trabalho não tinha nenhum significado. Finalmente, ele escreveu um artigo no Le Poème électronique declarando que o Pavilhão Philips foi projectado por mim. (Kanach, 2008, p.101)

As personalidades envolvidas no projecto acordam em indicar: "Philips - Le Corbusier (colaboração de Xenakis) – Varese” como referência em termos de autoria do Pavilhão Philips. Exceptuando unicamente o pilar de betão colocado na entrada para o pavilhão, onde os créditos estão aí anunciados.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 105 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 34 - Pilar que antecede a entrada do Pavilhão Philips (Kanach, 2008, p. 102)

O nome de Le Corbusier aparece no "Création du Poème et Architecture", enquanto o de Xenakis aparece em "Arquitecture et lnterlude Sonore”.

Pelo facto de começar a trabalhar no seu "lnterlude" de dois minutos, Concrèt PH, que na verdade tem 2'45m de duração, Iannis Xenakis pretende fazê-lo nos estúdios da Philips em Eindhoven. Le Corbusier recusa em conceder as três semanas de folga, visto não tencionar que a ausência de Xenakis seja por tanto tempo.

Philips propôs o seu estúdio em Paris, que finalmente se revelou menos bem equipado do que o estúdio GRM em Paris, onde Xenakis já havia trabalhado. A peça é composta inteiramente de gravações de carvão queimado, manipulado electronicamente. (Kanach, 2008, p.102)

A partir de um apontamento feito pelo crítico Sven Sterken106, escrito "No limite de Arte e Pesquisa: O Pavilhão Philips na Feira Mundial de Bruxelas 1958"107, pode-se especular que o pavilhão seja, naquele momento, um reflexo do sentimento de Iannis Xenakis, onde o seu mundo de ilusões parece estar a desintegrar-se.

Espacializado através das centenas de alto-falantes, que faz com que as pessoas sintam como se o pavilhão inteiro estivesse rachando e perdendo tensão... (Kanach, 2008, p.102)

106 Sven Sterken é professor e pesquisador de história arquitetônica e urbana, formado na Universidade de Gent, na Bélgica. 107 “No limite de Arte e Pesquisa” artigo publicado (em dinamarquês) em Gesamtkunstwerk, Kunstakademiets Arkitektskoles Forlag, Copenhaga, 2000.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 106 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A 17 de Abril de 1958 o Pavilhão Philips abre, mas é prontamente fechado para que possa ser reparado os problemas técnicos do equipamento para projectar tanto o som como as imagens, sendo só inaugurado oficialmente a 1 de Maio de 1958.

Ilustração 35 - "Fotografia da sala de Controlo. Pavilhão Philips" (Kanach, 2008, p.102)

O Pavilhão encontra um êxito público sem precedentes, onde a Philips estima que cerca de 1,5 milhões de espectadores experenciam o Poème electronique, no espaço de poucos meses.

Ilustração 36 - Espectadores do Pavilhão Philips na fila de espera. (Hagens, 2013)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 107 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Embora o "incidente" relacionado com a autoria do projecto seja o principal catalisador para a ruptura final entre Le Corbusier e Xenakis, o Pavilhão Philips representa o do seu trabalho pioneiro como um artiste-concepteur.

A 25 de Junho de 1957 Iannis Xenakis escreve uma carta dirigida a Hermann Scherchen explicando o problema sobre a autoria do Pavilhão Philips. (Anexo G)

Retomando o tema da concepção do projecto do Pavilhão, a cargo de Le Corbusier e a pedido de Louis Kalff, o director artístico da Philips.

Gostaria que projectasse o Pavilhão Philips de tal forma que não haja necessidade de mostrar qualquer um dos nossos artigos manufacturados. A demonstração mais aventureira, onde o progresso técnico nos levará ao futuro, em termos de som e efeitos de luz. (Sharon Kanach, 2008, p. 105)

Perante tal encomenda, Le Corbusier combina luz, cor e imagem, elaborando ainda o "compêndio108" óptico, a transformação visual de factos reais de presença, que vão desde o microcosmo de átomos e das máquinas de fábrica, até ao rosto sorridente de um bebé e ao caos entre as estrelas.

Não vou criar um pavilhão, mas um "Poème électronique" - uma "garrafa" cujo conteúdo é uma mistura dos seguintes ingredientes poéticos: 1) Luz 2) Cor 3) Imagem 4) Ritmo 5) Som 6) Arquitectura.

Todos estes componentes irão representar uma síntese orgânica acessíveis ao público, demonstrando ao mesmo tempo, os acessórios utilizados pela Philips, no decurso da produção. O Poème électronique vai durar 10 minutos. (Kanach, 2008, p.105)

Edgar Varèse, um dos compositores mais importantes da época, o precursor explosivo de dissociação do som, distorção rítmica e melodias desembaraçadas, é o compositor escolhido por Le Corbusier para a música complementar, sendo inseparável tanto dos fenómenos verdadeiros como dos psíquicos.

A duração desta peça musical é de oito minutos.

Le Corbusier atribui-me uma tarefa menor musical, para compor um interlúdio de dois minutos. (Kanach, 2008, p.105)

Originalmente, o contorno do pavilhão é planeado como uma estrutura fechada com superfícies côncavas, convexas e planas de arame, projectada por "armas de cimento", enquanto toda a construção está presa a uma estrutura através de inúmeras suspensões, servindo simultaneamente como a sua cobertura.

108 Compêndio é o nome que se dá a uma súmula dos conhecimentos relativos a uma dada área do saber, em forma de livro.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 108 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

No seu estado actual, o pavilhão pode armazenar cerca de 500 pessoas de uma vez. Além disso, aloja o equipamento para as demonstrações visuais e acústicas, bem como o aparelho Thyratron para o processo de automatização. (Kanach, 2008, p. 105)

Tanto a música como os efeitos sonoros são gravados numa fita magnética, e agora sim, as principais características do Poème électronique estão delineadas.

Em outubro de 1956, Le Corbusier pediu-me para estudar o projecto arquitectónico e técnico do pavilhão. (Kanach, 2008, p.105)

Descartando qualquer ideia preconcebida, Iannis Xenakis procura uma solução arquitectónica correspondente ao confronto extraordinário dos componentes artísticos, definidos por Le Corbusier e pelo Sr. Kalff.

A análise resultante encaixa nas seguintes equações: 1) Salão para o público = a) Superfície interior entre 400 e 500 m2 ("estômago" ou "garrafa") b) Dois corredores como tubos, para os visitantes que estão para entrar e sair. 2) Característica do auditório e da electro-acústica = tempo de reverberação extremamente curto, o que implica evitar superfícies paralelas (inúmeras possibilidades de reflexão); nada de tetraedros (reverberação devido a bissecções de diedros); superfícies em arco com curvas de radiação, continuamente mutáveis 3) Projeção de luz = Superfícies recuadas, vertical recolhida, luz diagonal e oblíqua; móvel, captura, recua, e quartos rotativos 4) Construção técnica = simples, bem planeada, superfícies testadas (se possível), talvez auto-sustentáveis (fluxo livre) superfícies para o tecto. (Kanach, 2008, p.106)

Graças ao contacto pessoal com Bernard Lafaille e do conhecimento por parte de Le Corbusier e de Iannis Xenakis dos seus estudos, é que se encontram acostumados a conoides e parabolóides hiperbólicas, sendo a chave e a constante através da qual as equações acima mencionadas possam ser resolvidas.

É lógico que as equações funcionais sejam não só resolvidas pelo contorno formado a partir dos conoides e das parabolóides hiperbólicas, como também que o contorno em si se torne uma imagem arquitectónica convincente. (Kanach, 2008, p.106)

A forma resultante tanto é rigorosa matematicamente, como orgânica plasticamente.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 109 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 37 - "Interior: 1) Estômago; 2) Entrada; 3) Saída; 4) Curvas livres" (Kanach, 2008, p.107)

Ilustração 38 - “Picos resultantes das duas primeiras parabolóides hiperbólicas: cobrindo o estômago, dois primeiros pontos: 1) Tecto de paredes interiores / Os dois primeiros pontos, 2) Entrada; 3) Saída; 4) Hipérbole; 5) Arco de junção; 6) Segundo ponto; 7) Superfície em parabolóide hiperbólica; 8) Primeiro ponto; 9) Superfície em conoide; 10) Curva livre” (Kanach, 2008, p.107)

Ilustração 39 - "O equilíbrio do terceiro pico e o “levantar” dos dois primeiros: 1) de entrada, 2) Primeiro ponto; 3) Segundo ponto; 4) Terceiro ponto; 5) superfície parabolóide hiperbólico; 6) Participar de arco 7) superfície conoid; 8) curva livre ("Estômago"); 9) O terceiro ponto suporta e prende os dois primeiros em equilíbrio.” (Kanach, 2008, p.107)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 110 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 40 - "Elaboração das características arquitectónicas - aperfeiçoar a forma: 1) Refinamento da linha arquitectónica; 2) Primeiro ponto 3) Segundo ponto; 4) Terceiro ponto; 5) As linhas em conóide são substituídas por parabolóides hiperbólicas; 6) Entrada; 7) Conóide; 8) Paraboloide hiperbólica; 9) Curva livre; 10) Curva hiperbólica.” (Kanach, 2008, p.108)

Com o destino da cobertura a ser ondulado e autoportante, surge a dúvida se é possível a realização de tal construção. Implicando várias semanas de trabalho, onde a concordância teria que reinar entre, o físico, Sr. Vreedenburgh109 e, o engenheiro de construção, Sr. Duyster, a fim de terminar a difícil tarefa.

Dentro de duas semanas conseguem: a) O cálculo teórico das superfícies parabolóides hiperbólicas para a cobertura b) Um teste estático através de uma maquete de escala reduzida no laboratório (Kanach, 2008, p.106)

Ilustração 41 – Envolvente do Pavilão Philips na Exposição Mundial de Bruxelas (NAI, 2008)

109 Vreedenburgh foi professor de Mecânica na Universidade de Delft, Holanda. Disse a Iannis Xenakis, relativamente ao Pavilhão Philips: “Há 20 anos que estava esperando a oportunidade de executar um projecto tão abrangente como o seu”.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 111 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A construção do pavilhão é possível ser feita em parabolóides hiperbólicas na sua totalidade sem qualquer dificuldade, de acordo com estas verificações. A superfície da cobertura de fluxo livre é feita de betão com 5 cm de espessura. Desta maneira, o Pavilão Philips representa uma novidade técnica, considerando a aplicação sintética de novas superfícies, as parabolóides hiperbólicas.

Numa obra arquitetônica, raramente uma equipa extraordinária de técnicos e físicos concordam num curto período de tempo. Mas aqui, o processo penoso de superar qualquer ignorância mútua foi totalmente eliminado. Foi a atitude desses homens, tanto a sua integridade científica como a técnica, resultando numa criação nunca antes alcançada. (Kanach, 2008, p.106)

Ilustração 42 - Pavilhão Philips, presente na Feira Mundial de 1958, em Bruxelas (Hagens, 2013)

Aqui devo mencionar não só o Sr. Vreedenburgh e o Sr. Duyster, mas acima de tudo o Sr. Kalff, um especialista perspicaz, paciente e persistente e Sr. Tak, o especialista em acústica da Philips.

Agora o poema electrónico pode ser livremente exibido no seu casulo de quartos rotativos. (Kanach, 2008, p.106)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 112 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Em estreita ligação com o cenário de Le Corbusier, o contorno técnico da sua visualização é definida através de telas panorâmicas, que continuamente reproduzem e projectam imagens, através de aparelhos que lançam alternadamente luzes e cores pretas, piscando efeitos, que vão desde das áreas visíveis até às invisíveis.

Este cenário também é conseguido através das iluminações cinematográficas de abóbadas e horizontes curvos, em chamas ou congeladas em gelo, representando magia e tragédias por meios ópticos.

Ideias plásticas sobre o início da vida… todos estes meios e efeitos incontáveis mantêm a plateia vacilante entre a incerteza e a compreensão durante oito minutos de desempenho ininterrupto, transpondo-os num mundo onde a imaginação não antecipa a sequência dos eventos de luz e de som. (Kanach, 2008, p.107)

O som está acusticamente conduzido desde uma fonte de som polifónico até à outra, através de 300 colunas, distribuídas no interior, absorvendo as superfícies do pavilhão com 7,500 m3.

O Pavilhão Philips e Poème électronique de Le Corbusier são um excelente exemplo de síntese óptica, acústica, arquitectónica, técnica e interactiva das capacidades humanas. (Kanach, 2008, p.107)

Ilustração 43 - Espectáculo de luzes e som presente na arquitectura do pavilhão (Hagens, 2013)

A totalidade do programa é dirigido, num movimento contínuo, através de quinze luzes magnéticas e automáticas, bem como através das faixas sonoras.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 113 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 114 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

3.2. CRIAÇÃO E MOSTEIRO DE LA TOURETTE

Proveniente de mais uma colaboração entre Xenakis e Le Corbusier, surge uma das mais belas e emblemáticas invenções, os “paíneis de vidro ondulantes”, sendo um sistema que combina as matemáticas puras do Modulor, com a interpretação pessoal e musical de Xenakis, resultando numa dimensão adicional de ritmo no espaço arquitectónico.

Um dia Le Corbusier veio com uma ideia da Índia, onde estava trabalhando em Chandigarh. Disse," na Índia eles colocam grandes paíneis de vidro nas paredes. É uma forma barata de construir paredes transparentes, colunas verticais com vidro entre elas. Talvez pudéssemos ter uma malha regular." Pediu-me para desenvolver isso para a Índia. Coloquei paíneis de vidro vertical com densidade variável, como acordeões, e fiz um fluxograma de todos os agregados possíveis que se poderiam ter. (Kanach, 2008, p. 41)

Ilustração 44 - "Detalhe dos paineis de vidro ondulantes em Chandigarh" (Kanach, 2008, p.42)

Nesta época, o problema da criação de fachadas resolve-se a partir de uma solução única e revolucionária, a combinação destes “paíneis de vidro ondulantes” com o método de construção proveniente de unidades de betão pré-esforçado, primeiramente desenvolvida para o projecto Rezé.

Esta interessante e elegante proposta de Xenakis, é conseguida através da transposição de uma solução musical a uma aparente polémica puramente arquitectónica. Lógicamente, ao mesmo tempo, por chegar a uma nova formalização de polirritmia110 baseada na sobreposição de cálculos estocásticos, desenvolve conceitos similares nos seus trabalhos musicais, começando por Metastasis.

110 Polirritmia é o emprego simultâneo de duas ou mais estruturas rítmicas diferentes na sua constituição.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 115 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 45 - "Projecto dos paineis de vidro ondulantes para La Tourette" (Kanach, 2008, p.42)

Le Corbusier, sendo o maior defensor de Xenakis nesta conquista, é abundantemente citado nos seus textos, que preferia chamar-lhes de "painéis de vidro musicais".

Embora a primeira aparição dos paíneis de vidro ondulantes ocorram em Chandigarh, Xenakis é muitas vezes chamado ao estúdio para incorporar este recurso noutros edifícios, como o da casa do estudante brasileiro da Cité Universitaire em Paris e o projecto Firminy, na verdade, praticamente todos, se não todos os projectos e realizações que incluíam painéis de vidro ondulantes saidos do estúdio de Le Corbusier, depois de 1955.

Ilustração 46 - "Paineis de vidro ondulantes na Casa brasileira da Cité Universitaire em Paris" (Kanach, 2008, p.42)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 116 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Estas duas soluções são estáticas. Admite-se uma terceira solução, denominada provisoriamente: Painéis de vidro musicais. Aqui, a dinâmica do Modulor é tomada em liberdade total. Os elementos são confrontados, por massas, em duas direcções cartesianas horizontal e vertical. Horizontalmente, obtêm-se as variações de densidade das estruturas dum modo contínuo, ao modo de ondulações de meios elásticos. Verticalmente, cria-se um contraponto harmónico de densidades verticais. Os dois, vermelho e azul do Modulor são utilizados quer separadamente, quer misturados, criando assim oscilações e equilíbrios subtis, totalizando os dois processos modulóricos. Em última análise e para escapar das picadas de serpentes ou víboras, adoptámos para esta invenção o qualificativo de: painéis de vidro ondulantes. (Xenakis, 1976, p. 150)

Ilustração 47 - "Folhas de estudo sobre os paineis de vidro ondulantes do Mosteiro de La Tourette" – Anexo H (Kanach, 2008, p.41)

A Assembleia em Chandigarh e o Mosteiro de La Tourette em Lyon são equipados com a invenção mais recente desta equipa, os painéis de vidro musicais, sendo a solução mais moderna e razoável para vidros, regidos por uma regra que já existe na música, há muito tempo.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 117 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Esta definição dos painéis de vidro para o convento foi feita por Xenakis, um engenheiro tornado músico e que trabalha actualmente como arquitecto na Rua de Sévres, nº.35: três vocações favoráveis num só homem. Esta tangência da música e da arquitectura tantas vezes evocada por causa do Modulor encontra-se patenteada cientemente desta vez numa partitura musical de Xenakis: “Metastasis” composta com o Modulor levando os seus recursos à composição musical. (Xenakis, 1976, p. 151)

Ilustração 48 - "Painéis de vidro ondulantes que se aproximam do átrio em La Tourette" (Kanach, 2008, p.42)

Sendo indepentes da estrutura do edifício, os painéis de vidro das fachadas iluminam as circulações e as salas de reuniões, onde estas molduras finas ou estruturas de betão armado asseguram estes painéis.

Graças aos cálculos apresentados no Modulor, podem ser utilizadas duas soluções para distribuir a estrutura de betão armado. A primeira e mais vulgar seria distribuir as nervuras em distâncias iguais ao longo do painel. A segunda, a solução mais sofisticada seria criar padrões rítmicos, colocando os quadros a distâncias variáveis seguindo uma progressão matemática.

Ilustração 49 - "Contraponto de vários painéis de vidro ondulantes no pátio de La Tourette" (Kanach, 2008, p.45)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 118 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Neste caso, as dinâmicas do Modulor são de controlo livre, onde os elementos são confrontados nas duas direcções cartesianas. Horizontalmente obtem-se as variações contínuas de densidade das molduras, muito semelhantes com ondulações em meios elásticos. Enquanto verticalmente, criam um contraponto harmónico de densidades variáveis. De forma a sintetizar os dois processos Modulares, tanto a série vermelha como a azul do Modulor são utilizadas, quer separadamente quer misturadas, criando desta maneira, balanços subtis.

Ilustração 50 - "Homem Modular gravado numa janela interior em La Tourette" (Kanach, 2008, pag.54)

Xenakis cita Goethe, que na realidade está a citar Novalis, um nobre filósofo que chama a arquitectura de música congelada, despertando certamente mais do que um sorriso incrédulo. Provavelmente este pensamento fica sintetizado chamando a arquitectura de música silênciosa.

Goethe disse: "arquitetura é música congelada". Do ponto de vista de um compositor, pode-se inverter a proposição dizendo que "a música é a arquitetura em movimento." No plano teórico, ambas as afirmações podem ser bonitas e precisas, mas elas não entram verdadeiramente nas estruturas íntimas das duas artes. (Kanach, 2008, p.46)

O papel da arquitectura é directa e fundamental na composição de Metastasis, para uma orquestra de sessenta músicos, onde o Modulor é aplicado na própria essência do desenvolvimento musical.

Até agora, a duração das notas era um fenómeno paralelo ao do som. Os compositores usaram-nas e continuam usando-as seguindo a maneira de físicos da mecânica clássica. O tempo foi um parâmetro externo à natureza das leis físicas de acordo com a física no século XIX. Era uniforme e contínua. A mecânica relativista destruío esta concepção aproximada e incorporou a duração na própria essência da matéria e da energia. (Kanach, 2008, p.46)

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Ilustração 51 - "Primeira página de Metastasis" (Kanach, 2008, p.47) Ilustração 52 - "Representação gráfica de Metastasis" (Kanach, 2008, p.47)

A duração é tratada de um modo relativo em Metastasis, onde os seis intervalos algébricos e temperados da escala de doze tons são emitidos em durações proporcionais às relações de tom. A emissão de intervalos é acompanhada pelas escalas de seis durações, sendo que a sucessão de intervalos temperados, tal como as durações são progressões geométricas.

Além disso, as durações são aditivas. Uma duração pode ser adicionada a outra e a sua soma ser percebida como tal. É por isso que existe uma necessidade natural de ter escalas de duração que podem ser adicionadas em conjunto no mesmo sentido definido anteriormente.

A progressão da “Secção Dourada” é entre todas as progressões geométricas, a única cujos termos possuem esta propriedade aditiva. Deste modo o Modulor cria uma estreita ligação estrutural entre o tempo e o som.

Mas este condicionamento encontrou outra expressão nas definições de campos de densidades variáveis de som, no início de Metastasis com o uso de cordas glissandi, assim como das proporções das durações totais das medidas glissandi no final do trabalho.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 120 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 53 - "Xenakis em La Tourette" (Kanach, 2008, p.48)

Em 1954 Le Corbusier responde espontaneamente e favoravelmente ao pedido de Xenakis para finalmente ser nomeado arquitecto principal de um projecto inteiro, encomendado-lhe La Tourette, o Mosteiro Dominicano da Diocese de Lyon111, em L'Arbresle112.

Le Corbusier prevê que este projecto seja muito puro e geométrico, tendo como base um simples rectângulo, sendo deste modo fiel à tradição cisterciense, ou seja, perfeito no entender de Xenakis cujo amor e domínio da matemática é apreciado e incentivado no estúdio.

111 Lyon é uma das maiores cidades francesas, capital da região Ródano-Alpes e do departamento de Ródano, na junção do Ródano e do Saône. 112 L’Arbresle é uma vila francesa situada entre o departamento de Ródano e a região de Ródano-Alpes, estando localizada 23 km a noroeste de Lyon, na confluência do Brévenne e Turdine, no cruzamento dos Monts du Lyonnais e du Beaujolais.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 121 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 54 - "Esboço axonornetrico de La Tourette" (Kanach, 2008, p.49)

Nas próprias palavras de Iannis Xenakis, consegue-se entender que é um projecto de responsabilidades partilhadas, "A forma geral é de Le Corbusier, enquanto a estrutura interna foi desenvolvida por mim, baseada nas discussões com os monges. A fachada das células é na verdade uma cópia da unidade habitacional de Marselha e é a obra de Le Corbusier, enquanto os painéis de vidro sob a linha de células e da igreja são quase exclusivamente do meu trabalho. O mesmo se aplica para as capelas redondas com os "canhões de luz" e "metralhadoras de luz" que se mantêm fora delas. Eu posicionei-os, de modo a captar a luz do sol durante o equinócio."

Ilustração 55 - "Canhões de luz virados para sul" (Corbusier, Ilustração 56 "Canhões de luz virados a sul, no pátio" (Corbusier, 1971, p 21) 1971, p 20)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 122 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Xenakis, numa estreita colaboração com os monges que tomam as decisões, projecta uma área em forma de piano de cauda compreendendo as pequenas capelas próximas à igreja, assim como a escadaria interior em espiral e as torres de betão em forma de pente que suportam o lado oeste do complexo.

A resolução dos problemas técnicos com o aquecimento, a electricidade e as instalações sanitárias ficam também da sua responsabilidade.

Desde o início, este mosteiro dominicano era para ser mais um studium (um lugar para estudar) e não de todo um convento convencional. Havia três categorias de clero: Padres de ensino, Sacerdotes e Irmãos, cada um com sua própria ala de células projectadas especificamente para cada grupo. Além disso, havia salas comuns onde se encontram, comem e estudam. (Kanach, 2008, p.49)

Mesmo seguindo as exigências muito específicas delineadas pela Diocese de Lyon para esta igreja, não se quer nada hipócrita, o que se adequa plenamente a Le Corbusier, um protestante, e a Xenakis, um ateu convicto.

Ilustração 57 - Le Corbuiser discutindo os seus planos com os monges. (Burri, 1959)

No dia 1 de Junho de 1955, numa carta dirigida a Xenakis, escrita pelo Padre Couesnongle, um dos Padres tomador de decisões, refere e elogia de se "tornar mais e mais dominicano a cada dia..."

Le Corbusier considera que os primeiros planos de Xenakis são demaiado austeros, sendo ainda recusados pelos monges que não admitiam que o altar fosse tão afastado da congregação. Perante isto, Iannis Xenakis desenvolve um segundo conjunto de planos que são flnalmente adoptados.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 123 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Queria usar luz indirecta, luz natural para a igreja através saliências, mas era difícil ver como eles deviam ser cortados. Naqueles dias tivemos latas de azeite argelino (quando a Argélia ainda era uma colónia), as latas foram moldadas em cone. Gostei muito do ângulo desse cone, era bonito, então eu fiz um modelo com esses mesmos elementos e proporções. Então eu fiz um modelo para calcular a quantidade de luz que viria com um medidor de luz lux. Aqueles eram os canhões de luz. Então eu projectei orientação da parede sul da sacristia, metralhadoras janelas pentagonais. Através delas, o sol cai directamente dentro, apenas duas vezes por ano no equinócio, eu queria corrigir isso, para amarrá-lo para a astronomia. (Kanach, 2008, p.50)

Ilustração 58 - "Canhões de luz virados a norte e o campanário" (Corbusier, 1971, p.10-11)

Algumas das inovações encantadoras de Xenakis são abandonadas, entre elas os seus "diamantes acústicos" na parede norte da igreja e do campanário, devido às restrições orçamentais.

Em 1958, Xenakis na sua carta ao Padre Reverendo Couesnongle de La Tourette, refere-se ao projecto como tendo sido alcançado “praticamente sem confrontos”, o que foge à realidade, sendo um eufemismo referente às várias etapas, que por sua vez estão todas ricamente documentadas na Fundação Le Corbusier, assim como nos Xenakis Archives.

A ascensão de Xenakis para o papel de arquitecto principal / chefe de projecto para o Convento não foi tão generosamente aceite por alguns colegas como o convite original e intuitivo como Le Corbusier justificaria. (Kanach, 2008, p.51)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 124 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

O chefe de estúdio e arquitecto principal até agora é Wogenscky que ao sair em Dezembro de 1955, cria a sua própria empresa, nunca deixando de supervisionar alguns dos projectos de Le Corbusier e respectivos locais. Em Março de 1956, as “directrizes” de Xenakis demonstram a sua autoridade para comandar, a fim de avançar com este projecto que não é nada simples.

Criar um convento com um orçamento por metros quadrados, semelhante a um projecto de habitação de baixa renda! Além disso, Le Corbusier estava muitas vezes ausente do estúdio durante este período, quer em Chandigarh, trabalhando nos seus projectos pessoais, ou, simplesmente, não estava bem de saúde. (Kanach, 2008, p.51)

De seguida apresento um trecho similar do manuscrito inédito escrito por Xenakis, por volta de 1954, e corrigido à mão por Le Corbusier, apresentando aos monges um esboço geral do projecto. Qualquer referência directa ao nome de Le Corbusier é riscada pelo mesmo, com a excepção do título, acrescentando alusões musicais bastante explícitas às descrições de Xenakis.

Ilustração 59 "Uma página do manuscrito (em francês) de um artigo escrito por Xenakis, corrigido por Le Corbusier, publicado originalmente por Jean Petit, em 1957" (Kanach, 2008, p.54)

As contribuições exactas para este monumento por parte de Xenakis são descritas especificamente, num outro artigo, originalmente publicado nos Garland Archives em 1984, revelando através de uma lucidez surpreendente a relação complexa entre as suas preocupações musicais na época Metastasis e La Tourette, onde mostra ter criado um novo fenómeno de “acústicas visuais” tal e qual como um jovem monge lhe escrevera anteriormente.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 125 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Muito parecido com aquele visto pela primeira vez nas janelas do jardim-de-infância de Rezé e na casa de verão mais tarde projectada para François-Bernard Mâche, o musical neume113 está presente numa parede do terraço de La Tourette, sendo outra referência às relações típicas de Xenakis entre a música e a arquitectura.

Ilustração 60 – Neuma da escadaria que conduz para o terraço em La Tourette (Colin, 2010)

Pelo tempo em que o Mosteiro de La Tourette é oficialmente inaugurado, em 1960, Xenakis já não está a trabalhar no estúdio de Le Corbusier.

No entanto não impede que os monges e Le Corbusier graciosamente o convidem para a cerimónia.

Numa carta inédita a Herman Scherchen Xenakis relata que Le Corbusier se aproximou de si naquela ocasião e convidou-o a voltar para o estúdio como arquitecto principal / chefe de estúdio.

113 Neume, ou Neumas são os elementos básicos do sistema de notação musical antes da invenção da notação de pautas de cinco linhas. A notação musical começou por surgir primeiro com a função de auxiliar a memória de quem cantava e só mais tarde se tornou cada vez mais precisa. Primeiramente, eram colocadas pequenas marcas junto das palavras indicando o tipo de movimento sonoro a cantar. Hoje, os Neumas ainda são usados para alguns cânticos nas igrejas cristãs, principalmente católicas e ortodoxas do Oriente.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 126 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Alegando que é "tarde demais" para si naquele momento, Xenakis recusa de imediato, querendo apenas concentrar-se exclusivamente e o máximo possível na música.

Ilustração 61 "Uma floresta de pilares no pátio de Ilustração 62 - Pátio de La Tourette (Knox, 2013) La Tourette" (Kanach, 2008, p.52)

Ao visitar o Mosteiro de La Tourette, fica-se com a impressão de que é construído de cima para baixo, onde a estrutura é adaptada ao sítio de tal forma que é como se descesse vindo do céu. Sendo bem mais económico construi-lo sobre pilares em vez de se envolver numa escavação cara. Mesmo sendo aberto para e em interacção com a natureza, o Convento de La Tourette é um claustro banhado em silêncio.

Ilustração 63 - Vista do Mosteiro de La Tourette no cimo do planalto (Dent, 2012)

Em 1954, o mosteiro dominicano em La Tourette é projectado por Le Corbusier.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 127 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Destinado a ser um local de meditação e dedicado à investigação, este mosteiro, situado de maneira a cavalgar o vale num grande jardim natural, cumpre dois requisitos essenciais, o de estar em comunhão com a natureza, graças à sua disposição e orientação das cem células assim como dos espaços interiores, e finalmente, o de estar em contacto com as grandes forças, graças à grandeza dos seus lugares de oração e estudo.

Um rectângulo de 70 x 50 metros define o seu todo, cujo lado norte está ladeado pela Igreja.

O local da obra em si é num declive íngreme. Mas aproveitamos os seus ricos detalhes: estãoos a conceber cada volume construído, seja ele pequeno ou grande, como um instrumento de uma orquestra, criando e organizando formas válidas e específicas - espaços comuns em contraponto com os eixos de circulação. (Kanach, 2008, p. 51)

Aqui a arquitectura e escultura transformam-se numa única arte, onde os aspectos utilitários e deterministas da arquitectura estão reunidos num certo jogo de formas, volumes e proporções, proporcionando uma síntese dinâmica e ortodoxa .

Por contraste ao exterior do Mosteiro que é calmo e estático, o seu seu interior é habitado por entidades móveis de arquitectura.

O mosteiro está organizado em cinco andares, onde a sua circulação é realizada através de três escadarias, uma em cada asa, levando à entrada da igreja e à sala de jantar.

No piso térreo são ainda cumpridas as procissões ao longo deste grande corredor que liga o refeitório à Igreja, onde as escadas se reúnem e criam uma passagem em forma de cruz, ligando as três alas da Igreja.

Neste mesmo andar existe também lugar para a cozinha e as áreas de armazenamento, tendo um acesso exterior independente.

No segundo piso estão presentes a sala de jantar e a Igreja com 44 metros de comprimento por 10 metros de largura tendo uma altura média de 14 metros. No meio da igreja está o altar principal, do lado leste, próximo da estrada, é reservado para os fiéis, e o outro, maior, é reservado para o clero

Estando no mesmo nível da estrada que leva ao Mosteiro, as salas comuns, as salas de aula, a biblioteca, com cerca de 40.000 volumes, e o oratório de estudantes ocupam o nível intermédio.

Os últimos dois andares são dedicados aos 100 quartos individuais para os sacerdotes, cada um com uma loggia independente.

De modo a estabelecer contratos relativos a La Tourette, Iannis Xenakis escreve a seguinte carta demonstrando as suas directrizes principais.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 128 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Estou partindo do princípio de que as soluções arquitectónicas do convento no seu estado actual estão muito bem desde que: a) Os Padres estejam totalmente satisfeitos e concordem com os objectivos estabelecidos por si, estas soluções, gostaria de lembrar, levaram dois anos desenvolver. b) Esteticamente, elas representam uma solução dentro de um número infinito de outras. Mas esta tem sido perfeitamente bem composta por Le Corbusier, e cada aspecto deita fora as outras. Não há nenhuma maneira de nós podermos simplesmente começar tudo de novo, do zero. Está simplesmente fora de questão. 2) Nesta fase, temos de concentrar nossos esforços em poupar dinheiro no âmbito do projecto actual. Noutras palavras, quais são os critérios que determinam se um projecto é muito barato ou muito caro? a) O Reverendo Padre Belaud limitou o orçamento para 200 milhões de Francos. b) O custo médio por metro quadrado, ou seja, a média estatística para estruturas semelhantes é: Igreja de Ronchamp: 56,000,000 frs. / 800m2 = 70, 000 frs/m2. Hostel de Peregrinos: 7,700,000 frs. / 230m2 = 33,500 frs/m2. Casa do zelador: 2,600,000 frs. / 80m2 = 32,500 frs/m2. Estas são superfícies construídas. Nantes-Rezé: 883,000,000 frs. / 25,171m2 = 35,500 frs/m2 de superfície utilizáveis. La Tourette: limite de preço definido pelo cliente: 200,000,000 – 50,000,000 para a Igreja. 150,000,000 para a construção semelhante a um projecto habitacional. 150,000,000 / 5,000m2 = 30,000000 frs/m2. O nosso objectivo é, portanto, chegar a um preço por m2 significativamente mais baixo do que o de Nantes-Rezé. Começando com o 35,500 frs. / m2 para Nantes-Rezé:. 5,000m2 x 35,500 frs / m = 177,500,000 frs. Adicione o preço da igreja = 50,000,00 frs. Total = 221,500,000 frs. Que podemos alcançar através da compressão das diferentes entradas de sub- contratados, com a excepção da estrutura principal. De acordo com um estudo feito por Gardien, isso é viável. Dois exemplos: Nossa estimativa para a pintura é de 8 milhões, o que significa 1,400 frs/m2 contra 22,000,000 / 21,252 m2 = 1,035 frs/m2 em Nantes. Trabalhos em vidro: 7,000,000 para a estimativa Alazard contra 4,000,000 para a estimativa do Berticat. Além disso, de acordo com as conversas que tivemos com o Sr. Bloch e o empreiteiro geral Burdin & Pegaz, podemos economizar até entre 15 e 20 milhões de francos sobre as três alas do convento, sem modificar o projecto, por processamento de números. Vamos levá-los, literalmente: 230 a 235,00,000 Frs. ou 36.000 frs/m2, ou seja, o mesmo preço, tão caro quanto Nantes-Rezé, o que significa que o projecto atual é preciso e certo. Outro exemplo: Lembre-se, o primeiro projecto foi pretendido para uma pavimentação de pedras e lajes. Seguindo o conselho de Séchaud e Dusserie (e Bemhardt), nas cartas que datam de 8 de Julho e 11 de 1955, modificamos os nossos planos e substituiumo-los com lajes maciças. Agora, os dois empreiteiros, C.E.E.M. e Burdin, ambos sugerem lajes ocas. O sistema de aquecimento será praticamente o mesmo. Estou citando esses três casos como exemplos. Obviamente, cada detalhe tem que ser revisto. Ao estabelecer estas novas estimativas têm ser feitas com o máximo rigor. Isto vai dar- nos o conhecimento e o controlo necessário para fazer as amputações eventuais, supressões ou transformações, que podem ter que ser feitas, tudo sem modificar o projecto arquitectônico. Isto, somente se nós ainda tivermos de fazer mais ajustes para atender ao limite de 200,000,000 frs. Depois e só então seremos capazes de determinar se: a) O limite imposto de 200,000,000 frs. é impossível para atender os objectivos do cliente, sem alterar aspectos arquitectónicos importantes. Nesse caso, vamos

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 129 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

apresentar o dilema aos padres. Não nos devemos esquecer de que eles queriam a igreja maior e de que um duto114 adicional foi acrescentado. b) Eliminando os 30,000,000 frs., agora acima do orçamento, pode ser alcançado sem danificar a arquitectura do projecto actual. É por isso que eu acredito que a situação não está de todo comprometida e que não há necessidade de pânico antes de ter negociado os melhores preços possíveis. Proponho as seguintes decisões: 1) Planeamento: Primeira fase: Que continuo a buscar (com Andréini e Gardien) consultas nas empresas que responderam ao convite aberto para as estimativas, a fim de obter os preços mais baixos possíveis (provocando uma economia de 23,000,000 frs. no mínimo). Tenho a intenção de continuar em total liberdade e assumir inteira responsabilidade por todas as negociações sobre o próximo mês e meio, ou seja, até a volta de Le Corbusier, no início de Maio de 1956. Segunda fase: Se nós não conseguirmos cumprir os 200,000,000 frs. de limite, (significa que 30,000 frs/m2 são inatingíveis), então: a) Voltar para os Padres e explicar a situação e o dilema para que eles possam ou encontrar um meio de aumentar o seu orçamento ou aceitar uma redução nos seus objectivos. b) Proceder à alteração em conformidade com os estudos realizados durante a primeira fase. 2) O Sr. Jean Bloch, um engenheiro consultor para a Burdin & Pegaz e ex-consultor Séchaud & Metz para os elementos de betão pré-esforçados em Nantes-Rezé, irá substituir o Sr. Séchaud, continuando a estudar e especificar o projecto final connosco. O próprio Sr. Séchaud fez esta sugestão. Esta mudança de engenheiro consultor não representa qualquer desvantagem para nós, mas sim uma vantagem. O Sr. Bloch intimamente sabe das possibilidades de Burdin & Pegaz. Já demonstrou isso quando sugeriu o uso de betão pré-esforçado para a estrutura da Igreja em oposição à estrutura de aço sugerida pelo Sr. Séchaud. Nós, assim, realizamos uma economia de 20%. Paris, Março 12, 1956 J.Xenakis Cc: Le Corbusier, Wogensky (Kanach, 2008, p. 55)

Os mosteiros são cercados por muros durante séculos, protegendo desta maneira a cultura cristã contra o barbarismo da Idade Média, onde criam fortes posições militares, muito parecidas com as das cidades.

Eventualmente, o progresso científico, os canhões, em seguida os aviões e consequentemente, as relações sociais e morais evoluíram e demoliram as muralhas das tais cidades. A era moderna tem-se esforçado para estabelecer um novo tipo de contacto entre os homens e em relação à natureza. A manifestação final desta evolução no urbanismo é a criação ideológica do verde ou cidades “radiosa”. (Kanach, 2008, p. 57)

Le Corbusier é guiado por esta nova estética arquitectónica contemporânea nos seus esboços para o mosteiro de La Tourette, sendo um dos protagonistas mais inflexíveis desta tendência.

Mesmo aceitando a idéia do rectângulo como um plano funcional, que está perto de mais de mil anos de vida ascética115 e religiosa, não abdica de abrir as paredes

114 Duto é um cano, um canal, um tubo, que serve para conduzir algo. 115 Astética consiste no esforço metódico e continuado, com a ajuda da graça, para favorecer o pleno desenvolvimento da vida espiritual, aplicando meios e superando obstáculos. Aqui actuam e organizam-

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 130 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

circundantes para que o mosteiro seja capaz de comunicar livremente com a natureza ao seu redor. As centenas de células individuais existentes nos dois andares superiores têm galerias que dão para o céu e para as árvores dos montes de L’Arbresle.

São introduzidos elementos modernos sanitários, sendo indispensáveis para a saúde física e moral dos seus habitantes.

Todas as salas de aula, salas de reunião para os jovens seminaristas e para os padres de ensino mais a biblioteca que abriga 40 mil volumes, têm painéis de vidro contínuos que medem 3m50 de altura. Estas são composições verdadeiramente geométricas em vidro e betão cuja "ondulações" revelam os recursos dinâmico rítmico do Modulor. (Kanach, 2008, p.57)

Por baixo dos dois andares de células encontram-se estas salas no segundo andar, estando no mesmo nível da estrada que conduz ao Castelo vizinho.

Então, há o refeitório, o átrio e a Capela no primeiro nível: as cozinhas (e espaço de armazenamento de alimentos) e a lavandaria no nível do solo restabelecendo contacto com a terra no flanco oeste, que depois desce abruptamente, seguindo o contorno natural da colina. (Kanach, 2008, p.57)

As duas outras alas do mosteiro, parecida com uma “ferradura”, são suportadas quase inteiramente por pilares de betão armado.

A luz natural banha o interior de todos os pisos através dos painéis de vidro ondulantes.

A igreja bloqueia a extremidade aberta da ferradura, situada no lado norte. Aqui, na minha opinião, Le Corbusier chegou ao coração de um problema arquitectónico. Deve ser gótico, neo-gótico, pseudo-gótico, romano, pseudo-romano, neo-romano, bizantino? Havia uma riqueza de soluções para qualquer pessoa com falta de ideias. (Kanach, 2008, p.57)

Criando uma nave digna da grandeza de consagração monástica e de austeridade, resolve o problema da igreja, sempre guiado pela liturgia Dominicana e pelas regras.

A necessidade de um volume puramente geométrico, com certas excepções, é afirmada poderosamente pela consistência desta sua façanha.

A forma geométrica é um paralelepípedo de 44 metros de comprimento e 12 m de largura. Pode ser encontrada uma excepção no gradiente a partir do chão da varanda até ao nível do solo, onde a relação entre o volume e a luz reflectida é claramente perceptível.

Em termo de estética plástica, a igreja do mosteiro representa um extremo, por oposição à Capela de Ronchamp, onde as mãos sensíveis do artista moldam livremente todas as formas.

se os grandes meios e práticas da vida espiritual: oração, penitência, retiro, exame de consciência, direcção espiritual e sacramentos.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 131 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A luz que penetra na igreja de La Tourette é sóbria e rigorosa. As quatro paredes sólidas em betão moldado, de 50 cm de espessura e uma média de 17 metros de altura, contrastam sólida e harmoniosamente com os painéis de vidro do mosteiro.

Vitrais profanados pelo academicismo foram banidos do local. A luz do dia é recuperada eficientemente através de "telescópios" no tecto iluminando o altar principal, que está situado entre a congregação e o coro dos padres. Sombras prismáticas e formas de cone em betão são projetadas sobre os planos sólidos das paredes laterais. Aberturas locais iluminam a plateia do coro (123 lugares) e a nave principal. (Kanach, 2008, p.58)

Uma nuance entre luz e escuridão habita na nave onde a penumbra dominante de cima é propícia à exaltação espiritual.

O antigo claustro é substituído pelas duas pontes aéreas fechadas que conectam as três alas do mosteiro entre si e a igreja, representando uma inovação inteligente e funcional.

Os homens santos já não se viram em círculos, mas as suas procissões podem agora preencher essas condutas envidraçadas com cânticos litúrgicos e com velas acesas. (Kanach, 2008, p.58)

Uma nova obra-prima vinda de uma arquitectura de ângulo recto, o Mosteiro de La Tourette é o resultado da sabedoria do arquitecto juntamente com a compreensão e amor dos padres dominicanos.

Ilustração 64 - "Xenakis sentado na entrada de La Tourette" (Kanash, 2008, p.58)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 132 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Só publicada em 1984, aqui fica uma carta de Xenakis ao Padre de Couesnongle.

Reverendo Padre de Couesnongle Convento Dominicano Eveux sur L'Arbresle Rhône Jan. 2 de 1958

Meu querido Padre, A sua carta trouxe-me grande prazer. Fiquei muito feliz de trabalhar no seu convento. Claro, eu contribuí com algumas ideias para o trabalho de Le Corbusier. Mas eu apreciei especialmente ser capaz de expressar alguns pensamentos e actos de fé que têm sido reprimidos pela vida moderna e que ressurgem de vez em quando, das profundezas de muitos séculos. Eu fui criado como um ortodoxo, que está originalmente no próprio fundamento do cristianismo (do Oriente Médio). Como eles, herdou a batalha contra as doutrinas heréticas de fontes pagãs e adopta a forma moderna de ascetismo que eles praticavam. Posso acrescentar que o convento foi um ponto de condensação destes factos históricos e de "reminiscências" platónicas de períodos anteriores vividos. O seu símbolo, a propósito, (☧) é o símbolo marcante desta perenidade, XP (isròs). Além disso, Le Corbusier (e eu) tratámos apenas com homens que eram extremamente sensíveis às "verdadeiras" formas e a nossa colaboração (consigo) permitiu uma "criação" praticamente sem quaisquer confrontos.

Seu, Xenakis (Anexo I) (Kanach, 2008, p.59)

Vladimir Bodiansky, o engenheiro chefe da ATBAI116, continua no comando da Unidade de habitação de Marselha, após ter abandonando, antes de 1953, o estúdio de Le Corbuiser, que mantem André Wogenscky como administrador e chefe de estúdio. Trabalhando em vários projectos ao mesmo tempo, Le Corbusier confia cada projecto a um dos seus colaboradores mais jovens, com quem trabalha algumas horas por semana no período da manhã, depois de ler o seu correio, até porque a parte da tarde é dedicada à sua pintura, acabando por ficar por casa.

Sob as orientações de Le Corbusier, o colaborador desenha os seus planos tentando respeitar o mais possível as ideias do mestre, estabelecidas nos esboços de trabalho através de cores, facilitando a sua leitura.

Ao discutir o projecto em questão, Le Corbusier faz esboços e sugestões, aceitando muitas vezes as do seu colaborador, beneficiando de uma troca de pensamentos com o jovem e inexperiente, que por vezes pode sugir com alguma ideia realmente nova e interessante, o que raramente acontece.

Formado em engenharia, o meu emprego era trabalhar nas noções técnicas e de fazer cálculos, mesmo que provisórios, para todos os projectos em estudo. De todos os colaboradores jovens, que na época não eram mais do que cinco ou seis, ninguém entendia muito bem, se mesmo alguma coisa, os princípios de resistência dos materiais de construção. Isto é o que me transformou num árbitro, mesmo de estética arquitectónica. É também assim que aprendi sobre o trabalho dum arquitecto, de

116 ATBAI consiste no Atelier des Bâtisseurs ou Builders' Studio.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 133 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

realmente fazê-lo, em profundidade e com responsabilidade, enquanto adquiria um gosto por ele, porque na verdade, as minhas mais profundas vocações eram a música e a ciência, e não a arquitetura. (Kanach, 2008 p.60)

Iannis Xenakis, pergunta a Le Corbuiser se pode trabalhar consigo num projecto, enquanto o acompanhava para a Rue de Sàvres num belo dia de 1953. Da mesma maneira que lhe pergunta sem rodeios, Le Corbuiser responde afirmativamente sem qualquer hesitação.

Eu tenho um projecto que te assenta perfeitamente, é pura geometria - um convento dominicano. (Kanach, 2008 p.60)

O ateísmo profundamente enraizado, assim como os "cismáticos" reflexos enterrados no inconsciente psíquico de Xenakis, têm de ser contrariados para a realização deste projecto. De facto, ao escapar duas vezes da religião, primeiro com a antiga religião com a qual tinha sido impregnado e depois com o cristianismo, sente-se capaz de criar como um crente.

Eu possuía o distanciamento crítico necessário. Naturalmente, o lado religioso ou ideológico nunca foi mencionado durante a minha colaboração com Le Corbusier: nem por ele, nem por mim ou pelos monges, os nossos interlocutores. (Sharon Kanach, 2008 p.60)

Está fora de questão revolucionar a fé dos dominicanos assim como perturbar os seus hábitos, sendo sim necessário seguir os seus planos de espaços específicos e as suas respectivas funções, organiznando-os da melhor forma possível em receptáculos que sejam austeros mas ressonantemente arquitectônicos. De modo a encontrar, descobrir, criar uma arquitectura diferente, original na sua nudez essencial.

Tal como na música, que está a fazer durante este período, Iannis Xenakis precisa de uma ideia impulsiva para começar o projecto. Tal acontece quando Le Corbusier lhe traz os esboços do programa vindos do Reverendo Padre Couturier, o iniciador do convento. A ideia-chave surge quando Le Corbusier explica ter visto uma igreja perto de Moscovo que é uma espécie de caixa suspensa com uma rampa que dá acesso ao seu centro, sendo de uma simplicidade poderosamente plástica.

Sendo uma cópia das antigas moradias, onde existe vida dentro das paredes ao redor de um jardim, e provavelmente um sucessor do megaron117 micênico, este convento tem como traço geral um rectângulo fechado. Dentro do claustro desenvolve-se uma vida meditativa e contemplativa, como um passeio. Le Corbusier refere a célula da Cartuxa118 de Ema em Itália, querendo dar-lhe uma galeria, de modo a que orientasse as células para o exterior do mosteiro. Os quartos-apartamentos do hotel dentro do Unidade de Marselha tornaram-se no protótipo das células ready-made que estão a ocupar os níveis superiores do convento.

117 Megaron é a "grande sala" rectangular da civilização micénica, caracterizada por uma abertura, um alpendre de duas colunas, e uma lareira centralizada cujo uso é tradicional na Grécia desde os tempos da cultura micénica, sendo o antepassado do templo na Grécia. 118 Cartuxa é o conjunto de edificios, que formavam um mosteiro da Ordem de São Bruno.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 134 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 65 - Interior de uma célula do Mosteiro de La Tourette (Mcnamara, 1999)

Concebido como um studium, o mosteiro é uma universidade para os monges dominicanos. Com dois andares superiores de células, um piso de salas de aula e salas de reuniões, e um nível parcial de cozinhas e serviços comuns, necessita de uma área total de 5000 m2.

Fechando um dos lados do rectângulo, a igreja tem as suas próprias características. A localização do convento é escolhida por Le Corbusier, pousando-o no vale de uma colina sobre a vasta propriedade, não muito longe de uma velha pousada, propriedade da diocese dominicana de Lyon

A fachada oeste, um dos lados do rectângulo, é voltada para o vale, dando ao convento a aparência de um mosteiro no Monte Athos119 ou no Tibete, por causa da saliência grande devido à inclinação relativamente acentuada do terreno.

119 Monte Athos é uma montanha e uma penísula na Macedónia, Grécia.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 135 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 66 – “Foto do conjunto de La Tourette reflectido na lagoa.” (Kanach, 2008, pag.61)

Originalmente a passagem coberta, o claustro, é para ser colocada no terraço do convento, mas a idéia de Le Corbusier de uma rampa que dá acesso à nave da igreja provoca a imaginação de Iannis Xenakis levando-o a elaborar dois tipos de soluções.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 136 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A primeira é constituída por uma rampa coberta em espiral, em torno de um núcleo vertical de betão, dando acesso ao terraço a partir de todos os quatro níveis do convento, acesso à igreja, assim como à entrada para o convento. Concebido a 26 de Fevereiro de 1954 e rejeitado por Le Corbusier a 19 de Março do mesmo ano.

O segundo projecto é apresentado com uma variante, que consiste no facto da rampa coberta situada ao longo da face sul da igreja receber, como um comutador120, as rampas cobertas de outros níveis. Para além de ser uma tentativa de preservar a idéia inicial de Le Corbusier, estas rampas cobertas tomam o lugar do passeio do claustro, conduzindo-o para o claustro real no terraço mais convencional, onde se tem uma vista sobre o vale oeste. Le Corbusier tem a brilhante ideia de criar duas rampas cobertas na forma de uma cruz solta, conectando os corpos dos edifícios de leste a oeste e de norte a sul, com o objectivo de acelerar as trocas entre os quatro lados do rectângulo.

No final, devido à falta de fundos, apenas as rampas cobertas em forma de cruz sobrevivem, deixando para trás todas estas ideias bastante interessantes. Mais tarde um “atrium” coberto é adicionado, no qual Le Corbusier deixa a cargo de Xenakis a organização dos espaços, funções e circulações arquitecturais, tanto na prancheta de desenho como nas idas e vindas entre Lyon e Paris tendo em vista as reuniões de trabalho com os padres dominicanos.

Depois de cada elaboração, pedia para me reunir com Le Corbusier, e ele aceitava ou modificava os meus desenhos. Assim que aceitava, marcava com as iniciais L.C. e a data. (Kanach, 2008 p.62)

Ilustração 67 - Comunicação entre os quatro lados, em forma de cruz, coberta por um telhado oblíquo (200cm, 2010)

120 Comutador é o elemento que interliga dois ou mais pontos entre si.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 137 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Como proposta para o telhado do átrio, Xenakis traça uma linha oblíqua na fachada interior, após os monges terem pedido uma superfície de cobertura no cruzamento da rampa em forma de cruz, que posteriormente é aceite por Le Corbusier.

Apoiado pelos dois lados paralelos do Norte e Sul, Iannis Xenkis baixa esses véus de betão sólido ao nível do solo natural, onde ilumina-os através de rasgos de forma bastante livre, levando a Le Corbusier aceitar com um sorriso.

A pedido dos Padres, Xenkis acrescenta uma escada em espiral para ligar as células dos professores Padres ao nível do átrio, o que Le Corbusier também aceita.

Ao debruçar sobre o tema e a ideia dos painéis de vidro ondulante, pode-se entender como surge e como se transformam numa mais-valia para o Convento de La Tourette.

Em Junho de 1954, eu estava estudando as aberturas de vidro, 366 centímetros de altura, para o nível dos quartos comuns e as salas de aula. Eu descobri os efeitos intoxicantes de combinar elementos de arquitectura, depois de os ter experimentado na música. Na verdade, em Metastasis para orquestra, que estava terminando por volta da mesma época (1953-54), a secção central foi construída numa organização combinatória de intervalos melódicos ±1, ±2, ±3, ±4, ±5, ±6, expresso em semitons. (Sharon Kanach, 2008 p.64)

Além disso, Metastasis é a fonte de outra obra de arquitectura, muito mais radical, o Pavilhão Philips da Feira Mundial de 1958, em Bruxelas, que Xenakis concebe dois anos depois de La Tourette. Sendo um projecto feito a partir de superfícies regradas, como os campos de cordas glissandi, introduzindo uma continuidade de transformações de som, que são feitas pela primeira vez na música instrumental.

Em 1955, Le Corbuiser publica no final do seu livro Modulor, a primeira página da pontuação de Metastasis com um texto explicativo de Xenakis, exactamente pela ocasião da sua estreia mundial em Donaueschingen.

Em seguida eu fiz vários estudos sobre as três fachadas, o que não me satisfazeram. Eu tinha escolhido quatro elementos, a, b, c, d, da seção de ouro e as suas 24 permutações, que organizei ao desenrolar as fachadas, como uma variação de um tema único, o tempo. (Sharon Kanach, 2008 p.64)

Esta análise de Xenakis ainda é muito subtil para chamar a atenção de Le Corbuiser, que somente em Novembro de 1954, faz uma espécie de síntese notável das suas tentativas, criando as paredes de vidro existentes nas fachadas do mosteiro.

Le Corbusier ao retornar de Chandigarh, na primavera de 1955, chama Iannis Xenakis ao seu escritório, mostrando-lhe um esboço de Pierre Jeanneret relativamente a uma divisória de vidro feito de invólucros verticais regularmente espaçados que continham painéis de vidro de alturas variáveis, mas de larguras idênticas, empilhadas uma em cima da outra cobrindo toda a altura do andar.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 138 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 68 - "Refeitório de La Tourette" (Kanach, 2008, p.64)

Iannis Xenakis trabalha sobre esta idéia para as fachadas de vidro da Assembleia em Chandigarh, a pedido de Le Corbuiser, onde a sua preocupação com a combinatória121 continua, resolvendo escolher várias distâncias em secções de ouro extraídas do Modulor.

O meu problema era: como distribuir estes invólucros verticais de betão - para que defini uma secção padrão com encaixes para segurar os vidros - nas fachadas. Noutras palavras, como distribuir os pontos numa linha recta. Este problema pode provocar um número infinito de respostas. Mas dois representam os pólos (opostos) extremos. (Kanach, 2008 p.65)

Para Xenakis existem duas soluções para esta questão, por um lado pode seguir uma distribuição estocástica (probabilidade), através da escolha de pontos sem qualquer periodicidade, por outro pode seguir uma periodicidade rigorosa.

Mas, naquela época, eu tinha apenas um vislumbre da música estocástica que estava prestes a inventar um ano depois, e, portanto, eu perdi esta solução na arquitectura. Lamento muito, porque era uma oportunidade única para introduzir probabilidades na arquitectura. Por isso, optei por seguir uma periodicidade rigorosa. Mas lá, a armadilha vinda da aridez de variação permutacional foi amplificada desta vez por causa do maior número de elementos que eu queria usar. Porque se ainda é possível ser capaz de "controlar" as 24 permutações de quatro elementos, é impossível fazer assim com 10 deles (10! = 3,628,800 permutações). (Kanach, 2008 p.65)

121 Combinatória é um ramo da matemática que estuda colecções finitas de objectos que satisfaçam certos critérios específicos, e se preocupa, em particular, com a "contagem" de objectos nessas colecções (combinatória enumerativa) e com a decisão se certo objecto "óptimo" existe (combinatória extremal) e com estruturas "algébricas" que esses objectos possam ter (combinatória algébrica).

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 139 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Sendo necessário escolher um outro critério, situado para além das permutações, Iannis Xenakis, que já tinha tratado este mesmo problema na música através da criação de uma fita magnética com blips para distâncias definidas pela Seção de Ouro, transpõe para a arquitectura, colocando as flutuações das densidades dos pontos (blips) numa linha recta (tempo).

A densidade é uma percepção macroscópica, um cálculo inconsciente que fazemos instantaneamente tanto visual como em campos sonoros. Esta faculdade origina na nossa construção mental, que também é estatística. Fazemos análise estatística (síntese), sem saber. (Kanach, 2008 p.65)

Os movimentos, adagio, largo, presto e vivace, presentes na música tradicional, estão relacionados com o critério da densidade122, carregando um peso estético. Na arquitectura, os claros-escuros são semelhantes à densidade assim como à intensidade. Tornando o problema da densidade mais simples, devido a conter menos elementos que as distâncias entre os invólucros verticais.

Ilustração 69 - Luz e sombra através dos paineis de vidro ondulante. (Duineser, 2012)

Perante esta facilidade de controlo, onde a solução é a justapor os densos invólucros verticais de betão armado nas áreas que contêm os rarefeitos123, é apenas necessário definir os graus de densidade e os seus respectivos comprimentos de duração.

122 Densidade é o número de eventos por unidade de tempo ou comprimento. 123 Rarefeito significa pouco denso, que se rarefaz, provém do latim rarefactu. Geralmente o termo é utilizado para demonstrar que algo é passageiro, transparente.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 140 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Para além disto, pode surgir outro problema, se a passagem de uma densidade para outra, não for uma progressão contínua mas sim feita de uma forma brusca e bruta, por empurrões.

O papel fundamental na estética musical, nas artes visuais ou na arquitectura é desempenhado pelo problema de continuidade na transição, bem como na sua velocidade ou forma.

Depois de várias tentativas eu projectei uma primeira composição, em particular da fachada oeste, em três ou quatro níveis, em contraponto, que Le Corbusier aprovou. Ele estava tão feliz que queria chamá-los de "planos de vidro musicais" e pediu-me para descrevê-los no seu livro Modulor 2. (Kanach, 2008 p.65)

Ilustração 70 - Estudos sobre os paineis de vidro ondulantes (Kanach, 2008, p.66)

Sugeri chamar-lhes de " painéis de vidro ondulantes" por causa da ondulação das densidades. Ele aceitou isso, e é assim que os projectou para a Assembleia de Chandigarh, o Pavilhão brasileiro em Paris, o centro de juventude em Firminy, assim como para outros edifícios. (Kanach, 2008 p.65)

A igreja paralelepípedica coloca vários problemas graves sobre o seu uso, acústica e iluminação. Durante a década de 1950, os dominicanos têm como ideia muito querida de que a igreja tenha o coro para os monges e um espaço para a congregação.

Ilustração 71 - "Altar na igreja de La Tourette" (Kanach, 2008, p.68)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 141 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A necessidade de ter duas fileiras de bancas de cada lado e, no meio, um espaço grande o suficiente, para dois se deitarem, cabeça-com-cabeça na prostração, define a largura da nave. Os monges julgam o altar, projectado por Xenakis, de ser demasiado abrupto, muito alto e muito separante.

Ilustração 72 - Momento de consagração de Padres (Mcnamara, 1999)

Na verdade, eu tinha concebido um pouco como um lugar para sacrifícios terríveis. Era muito dramático, muito asteca. Cristo sacrificou-se, como o fez Dionísio, mas o drama teve que permanecer interno e luminoso. (Sharon Kanach, 2008 p.68)

Ilustração 73 - Disposição da Igreja de La Tourette (Glynn, 2004)

Por fim, a separação entre o nível dos fiéis e o dos monges é feito com poucos degraus, tendo visibilidade suficiente em ambos os sentidos, com o altar-mor utilizável

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 142 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

para comemorações de ambos os lados. Sendo óbvio que os doze pequenos altares não cabem na nave principal, Xenakis propõe adicionar um volume para o lado norte, assemelhando-se ao corpo de um piano de cauda, não cilíndrico, com uma superfície regrada, conoidal, com um terraço plano.

Ilustração 74 - "Nave e Igreja - Iluminação" (Corbusier, 1971, p.34-35)

Sete altares estavam a ser distribuídos no nível do solo, e outros cinco no mesmo nível como o altar-mor. Para a iluminação, eu criei três cones que chamei de "canhões-luz", orientados em várias direcções. (Sharon Kanach, 2008 p.68)

Ilustração 75 - "Cripta e Altar" (Corbusier, 1971, p.38-39)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 143 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Com as pequenas latas de alumínio de azeite argelino, Xenakis faz uma maquete de modo a estudar estes “canhões-luz”, obtendo posteriormente a aprovação de Le Corbusier. Sob a sacristia adicionaram outros pequenos altares.

Além disso, acrescentaram uma passagem debaixo da igreja, desde acesso aos sete pequenos altares, que estão dentro do espaço em forma de piano.

Eu tive que tomar essa decisão sozinho, durante uma reunião de quatro horas com os Padres Prisset, Belot, e de Couesnongle em Lyon, para abrir e ligar o volume de piano com o volume da nave central. (Kanach, 2008 p.68)

Um arejamento espacial é conseguido através da integração destes dois volumes, que por sua vez deixam toda a parte superior da igreja à luz sombria, criando uma baixa luminosidade, lateral, graças aos "canhões-luz" que filtram a luz para dentro da igreja. Com o objectivo de tornar simétrico o extremo sul da igreja, Xenakis adiciona, no terraço da sacristia, prismas irregulares pentagonais de betão, os "canhões-luz", orientados de modo a que o sol, durante os equinócios, possa passar pela nave principal através de uma fenda na parede de betão ao longo da sacristia.

Lá, Le Corbusier acrescentou um toque final, imaginando um avião ligeiramente inclinado abaixo desta fenda, como um convite para a luz. Por isso, a igreja tornou-se conectada com o cosmos, como as pirâmides ou outros edifícios sagrados. (Kanach, 2008 p.69)

Ao concluir que a luz não era suficiente, após o estudo da luminosidade de Iannis Xenakis com a ajuda de um medidor de luz, Le Corbusier abre uma fenda vertical inteira, no conto nordeste e em seguida uma fenda parcial entre o tecto e as paredes da nave, criando um brilho muito bonito de luz na escuridão até ao altar da nave.

Ilustração 76 - A saliência no Mosteiro causada pelo órgão (Kanach, 2008, p.70)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 144 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

De repente percebemos que os dominicanos usavam um órgão, mas não havia lugar na igreja. Eu projectei uma espécie de “mochila” de betão no exterior do lado oeste da igreja, no final do coro. Le Corbusier aceitou esta solução mas mudou as curvas da minha mochila para linhas rectas. O problema da acústica nunca foi resolvido, devido à falta de orçamento. (Kanach, 2008 p.69)

Ilustração 77 - "Diamantes acústicos para igreja, estudo por Xenakis" (Kanach, 2008, p.69)

No princípio, Xenakis planeia criar “pontos diamante” de betão ao longo das paredes norte e sul, a que ironicamente Le Corbusier comenta que se assemelham ao expressionismo alemão da década de 1920. Não sendo proibidos por Le Corbusier, a falta de recursos condena-os, o mesmo acontece com o isolamento do tecto.

Visto que os sinos reais são muito caros, a instalação de sinos electrônicos é ponderada, a que Iannis Xenakis se inspira nas grelhas de som, moldadas em forma de um elipsóide de revolução ou de um paraboloide. No entanto, os dominicanos rejeitam esta proposta.

Ilustração 78 - "Esboços de Le Corbusier para os sinos electrônicos" (Kanach, 2008, p.70)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 145 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Para Le Corbusier, a dificuldade mais desgastante deste projecto é o campanário da Igreja. Para que Xenakis seja colocado a par, Le Corbuiser mostra um esboço da sua juventude dos campanários das pequenas igrejas gregas, todas brancas. Seguiu-se inúmeros esboços de múltiplos campanários até que finalmente Le Corbusier encontra uma solução rica na sua simplicidade e nobreza.

Ilustração 79 - Solução final do campanário concluída (Radiuk, 2009)

Ilustração 80 "Esboços de Le Corbusier para o campanário" (2008, Kanach, p.71)

O oratório para os jovens é projectado por Le Corbusier, na forma de um cubo dentro do rectângulo interior do convento, visto não existir mais espaço. Pede a Xenakis para que corte uma pirâmide de papel, que Le Corbuiser coloca em cima do modelo de estudo do convento feita pelo primeiro. Argumentando que a pirâmide não era da mesma família das outras formas, Xenakis é ignorado por Le Corbusier, que por sua vez, adiciona um capuz de luz, visto que o cubo não tem nenhuma outra abertura.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 146 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 81 – Piramide no oratório de La Tourette (Mcnamara, 1999)

Devo acrescentar que calculei numa primeira aproximação, todas as dimensões e todas as secções de betão do local de construção, tal como um engenheiro, de tal forma que todo o mosteiro exibia uma leveza harmoniosa. Assim foi a nossa grande surpresa quando os cálculos dos engenheiros de exteriores praticamente dobrou todas as seções de betão e até mesmo declarou algumas partes (como o terraço do piano) impossível construir. (Kanach, 2008 p.71)

Nesta discussão, Iannis Xenakis, inteiramente apoiado por Le Corubiser, encontra um outro consultor que recalcula tudo, estando de acordo com as suas dimensões. Passa a ser construído em betão pré-esforçado, tanto o terraço em forma de piano como outras partes da estrutura.

Ao concluir estas lembranças sucintamente, quase trinta anos depois, percebo até que ponto esta colaboração foi uma troca perpétua e rico para nós, eu cheio de admiração por ele e pelas suas ideias, e ele, Le Corbusier com compreensão, cooperativa, criativa, livre e independente, de raciocínio rápido, nunca tentando esmagar-me ou rejeitar as minhas próprias descobertas, mas, ao contrário, respeitando, discutindo, aceitando-as como eram ou modificando-as. Uma espécie de alegria fraterna, confiante e criativa, unido-nos neste projecto. Nem sempre foi o caso, noutros projectos em que eu trabalhei com ele durante esses anos, durante a qual a arquitectura se tornou gradualmente tão importante para mim quanto a música que eu estava trabalhando incansavelmente ao mesmo tempo. (Kanach, 2008 p.71)

Finalmente em 1979, o governo francês declara o Mosteiro de La Tourette como um monumento histórico.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 147 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 82 - Plano do Mosteiro de La Tourette, Couvent Sainte-Marie de La Tourette (Dominicains, 2007)

Através do prefácio de La Tourette escrito por Iannis Xenkis em 1987, é possível a compreensão da história deste monumento, desde a sua concepção até ao seu uso actual. (Anexo J)

Ilustração 83 - Foto de uma exposição presente no Convento de La Tourette (Lawrence, 2009)

Actualmente o mosteiro de La Tourette, recebe várias exposições temporárias, para além de manter a Igreja activa.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 148 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

3.3. UTOPIA E CIDADE DA MÚSICA

A primeira questão quando se está perante o drama do urbanismo e da arquitectura contemporânea é a descentralização urbana.

A tendência da descentralização dos grandes centros urbanos e da dispersão dos centros industriais sobre todo o território francês, não passa de uma política dos governos para favorecer economicamente as transferências das indústrias e das habitações.

A maldição da descentralização é, pode afirmar-se, universal: vê-se em França tão bem como no Japão, nos Estados Unidos, etc., ou seja, em todos os países onde as concentrações urbanas são importantes. De resto, dentro de algumas gerações, o “crescimento demográfico” tornará a situação das futuras cidades impossível, mortal, se os urbanistas e os Estados não mudarem de óptica e não escaparem a uma mentalidade tradicionalista, congelada no passado, ineficaz doravante. (Xenakis, 1976, p.153)

Os enquadramentos de todo o urbanismo assim como os da arquitectura irão ser determinados pela solução dada à questão da descentralização. Perante isto, Xenakis questiona:

É necessário optar pela descentralização ou bem, pelo contrário, admitir a centralização? (Xenakis, 1976, p.153)

O plano sociocultural, a técnica e a economia são favorecidos pelas expansões e pelo “progresso” destes grandes centros.

Primeiramente, se nos colocamos no lugar de observadores da história contemporânea, assistimos ao desenvolvimento duma força poderosa, cega, irreversível, que cria concentrações urbanas não obstante todas as travagens concertadas dos governos, força que aumenta a densidade e a extensão das cidades (Xenakis, 1976, p.154)

Por outro lado, a descentralização conduz a uma dispersão dos centros, ao aumento das distâncias assim como a duração das permutas, a uma especialização de comunidades fechadas e a uma estagnação sociocultural. As próprias cidades universitárias provam-no, assim como as cidades operárias e todas as espécies de cidades no interior de França, onde as teorias das “cidades lineares124” e outras ingenuidades são encaminhadas.

Xenakis justifica a descentralização considerando-a uma política regida por duas direcções mestras: o da asfixia das cidades actuais sob a massa das comunicações anárquicas e a má repartição das actividades pelo território francês; uma tradição

124 Cidade linear é um modelo de cidade concebido pelo urbanista espanhol Arturo Soria y Mata em fins do seculo XIX, construído como bairro experimental na perifería de Madrid, Espanha, entre 1894 e a década de 20, pela Companhia Madrilenha de Urbanização. A noção de cidade linear foi utilizada no modernismo a partir do final da década de 20 e início da década de 30 por alguns urbanistas como Nicolai Miliutin, Le Corbusier, Ernst May, Lucio Costa e Kenzo Tange, entre outros.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 149 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

mental de geometrização e de planificação dos conjuntos urbanos, de carácter fortemente inibidor, que ressurge com um novo vigor no século XX, fixando-se e condensado-se durante os anos 1920, sob a influência do Cubismo125 e do Construtivismo russo126.

Demonstrado que esta segunda direcção é ineficaz de resolver os problemas mais simples, tais como a construção de novas cidades, mesmo que os urbanistas tenham toda a assistência dos governos, casos como Le Havre, Brasilia e Chandigarth, sendo cidades nado-mortas.

Esta segunda direcção já demonstrou que era ineficaz a resolver os problemas mais simples, tais como a construção de novas cidades, mesmo que os urbanistas tenham toda a assistência dos governos, como é o caso de Le Havre, Brasilia, Chandigarth, que são neste momento cidades nado-mortas. (Xenakis, 1976, p.155)

A formação actual, conservadora e simplista dos urbanistas e dos arquitectos torna impossível que estes possam resolver, sobre o papel, os problemas do nascimento, da constituição e do desenvolvimento de uma cidade, problemas que são bem mais complexos que os de um edifício ou de uma unidade de habitação.

Esta carência faz com que os que tem a responsabilidade da ordenação do território optem ingenuamente por pobres combinações entre linhas rectas e rectângulos que estão acomodados em espaços verdes incongruentemente curvos.

Portanto, sob a tirania destas duas linhas de força, uma real, a outra mental, descentraliza-se à volta do lápis criando cidades-satéites (= cidades-bairros pobres modernas), cidades dormitórios ou cidades especializadas munidas duma arquitectura cúbica absurda (caixas de sapatos = cabanas), normalizadas, com por vez vezes uma elegância decorativa, grotesca, exemplo Estocolmo, ou sem elegância, exemplo Paris ou Berlim. (Xenakis, 1976, p.156)

Vindo do principio dos milénios, sendo a base da arquitectura e do urbanismo contemporâneo, o método do plano, sob o ângulo recto e as linhas rectas, é fortemente reforçado pelos materiais “novos” como o betão, o aço e o vidro assim como que pela teoria relativamente simples dos elementos planos e sobretudo lineares.

Somente eis aí! Se a concentração é uma necessidade vital para a humanidade, é preciso mudar completamente as ideias actuais sobre o urbanismo e a arquitectura e substitui-las por outras. (Xenakis, 1976, p.156)

125 Cubismo é um movimento artístico que surgiu no século XX, nas artes plásticas, tendo como principais fundadores Pablo Picasso e Georges Braque, expandido-se para a literatura e a poesia pela influência de escritores como Guillaume Apollinaire, John dos Passos e Vladimir Maiakovski. 126 Construtivismo russo foi um movimento estético-político iniciado na Rússia a partir de 1919, como parte do contexto dos movimentos de vanguarda no país, de forte influência na arquitectura e na arte ocidental. Negava uma "arte pura" e procurava abolir a ideia de que a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo quotidiano.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 150 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Utopicamente, Xenakis esboça um conjunto de ideias que conduzirão à concepção da “cidade cósmica vertical”.

Eis uma lista de proporções axiomáticas que se envolvem umas nas outras, que ajudarão a distinguir a sua fisionomia e a formalizar a sua estrutura: 1º Necessidade absoluta de procurar grandes concentrações de população, por razões genéricas enumeradas mais adiante. (Xenakis, 1976, p.157)

A existência de uma grande concentração e um enorme esforço técnico implicando uma independência total em relação á superfície do solo e da paisagem, conduzindo a uma cidade que pode atingir altitudes de vários milhares de metros. A estrutura da cidade não deverá ter esforços de flexão e de torção anti-económicos.

A luz deverá penetrar em todos os lugares e o campo visual ser directo dos e sobre os espaços. De onde uma espessura relativamente pequena da cidade vertical. (Xenakis, 1976, p.157)

A ocupação no solo será mínima127, visto ser uma cidade vertical, provocando uma recuperação de vastas extensões, uma cultura do solo automática e científica, utilizando os conjuntos electrónicos de gestão e decisão, desaparecendo o camponês clássico bem como o seu trabalho manual.

A repartição das colectividades deverá constituir, inicialmente, uma mistura estatisticamente perfeita, contrariamente a toda a concepção actual de urbanismo. Não existe nenhuma sub-cidade especializada de nenhuma espécie. No mesmo sentido a preparação deverá ser total e calculada estocasticamenre pelos escritórios especializados da população. O construtor, os jovens viverão no mesmo sector que o ministro ou o idoso, para vantagem de todas as categorias, prevendo uma heterogeneização da cidade que virá em seguida por si própria, duma maneira alegre. (Xenakis, 1976, p.157)

Em consequência, a arquitectura interior da cidade cósmica deverá orientar-se numa concepção de lugares intermutáveis, como acontece na arquitectura tradicional japonesa, adaptando-se às utilizações mais diversas, onde o nomadismo interno tende a ampliar-se a partir de um certo nível de progresso, surgindo assim a característica fundamental da cidade, a arquitectura móvel.

Visto que esta cidade será moldada pela técnica universal, será igualmente apta a acolher diversas populações, onde os condicionamentos climáticos deverão ser colocados em algumas das suas partes, de modo a tornar independentes as contigências climáticas e metereológicas de centenas de milhões de pessoas, que poderão aceder a condições de vida e de trabalho temperadas em todas as latitudes. Ainda assim, a técnica, inteiramente industrializada e formalizada, transformará a cidade num verdadeiro “fato colectivo, recipiente e instrumento” biológico da população.

127 Para uma densidade de 500 habitantes por hectare, uma cidade como Paris, de 5.000.000 habitantes, cobre 10.000 hectares. A cidade que Xenakis propõe cobrirá cerca de 8 hectares de solo, ou seja, menos que um milésimo.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 151 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

A comunicação irá ser feita seguindo as coordenadas cilíndricas128, com a vantagem de atingir grandes velocidades na vertical, de 100 a 200 kms/hora.

O transporte de pessoas ou coisas deverá ser feito através de passeios ou ruas rolantes a baixa, média ou alta velocidade, deslocações pneumáticas-expresso para os passageiros no sentido horizontal, bem como vertical, numa ideia de supressão total de locomoção individual sobre rodas129.

Os transportes a três dimensões (aéreos) serão favorecidos pelas pistas no cimo das cidades cósmicas (economia considerável de carburante). Os tempos mortos entre cidades e aeródromos serão reduzidos a zero. (Xenakis, 1976, p.158)

Devido à grande altitude da cidade irá ser permitido ultrapassar as nuvens mais frequentes, que pairam entre 0 e 2.000-3.000 metros, colocando as populações em contacto com a imensidão do céu e das estrelas, começando a era planetária e cósmica, onde a cidade estará voltada para o cosmo em vez permanecer rasteira.

Beneficiando a saúde e a economia, os resíduos industriais e domésticos irão ser transformados em circuito fechado.

A cidade cósmica, por definição, não receará as devastações da guerra, porque o desarmamento será ganho na terra e as oportunidades e outras expansões serão procuradas no espaço cósmico, os Estados actuais transformando-se em províncias de um Estado gigante mundial. (Xenakis, 1976, p.158)

Estes pontos precedentes sobre a cidade cósmica contêm certas soluções técnicas, tais como a utilização de cascos e especialmente de superfícies distorcidas, como os paraboloides hiperbólicos (P.H.) ou outros hiperboloides de revolução, que evitam os esforços de flexão e de torção e não admitem, salvo as extremidades, senão esforços de tracção, de compressão e acentuados.

A forma e a estrutura da cidade serão um casco côncavo com parede dupla em rede, não só devido à utilização de superfícies regradas, como também pela vantagem de usar elementos lineares tornando-se muito mais baratos.

É necessário ainda ter em atenção, o facto de que um homem na rua sem qualquer tipo de aparelho especial e sem adaptação prévia, consegue suportar a pressão e oxigenação normal até aos 5.000 metros de altitude. Para que a cidade cósmica possa continuar para além dos 5.000 metros terá que ser previsto a pressurização, a humidificação e a oxigenação artificiais.

128 Coordenadas Cilindricas permitem representar um ponto num espaço tridimensional e são uma generalização das coordenadas polares, bidimensionais, acrescentando uma terceira coordenada: a altura, h. 129 Praga infligida às cidades modernas pelas múltiplas industrias de viaturas automóveis, sendo um exemplo de cancerização social e economicamente vã, dificilmente travada em países de livre concorrência.

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Ilustração 84 - "Grupo de cidades cósmicas, podendo substituir vantajosamente o oceano de aglomerados distribuídos desde Boston até Washington passando por Nova Iorque e totalizando 25 milhôes de habitantes” (Kanach, 2008, p.141)

Em relação à música, a tecnologia dos altifalantes é ainda embrionária, subdesenvolvida, para lançar o som no espaço e recebê-lo no céu, sendo que o som já é possível nas cidades e nos campos, graças às redes nacionais dos alarmes antiaéreos por altifalantes, sendo apenas suficiente afiná-los.

Já apresentei, em projectos anteriores, duas destas ideias: a) A rede laser sobre Paris liga os pontos altos da cidade e brinca com as nuvens, os altifalantes das sirenes antiaéreas emitindo música especial. Este projecto devia saudar a inauguração do Centro Nacional de Arte e da Cultura Georges Pompidou. b) A rede de raios laser, reflectidos pelos satélites artificiais e ligando os continentes em pontos precisos situados perto das cidades importantes onde tipos de centrais potitópicas locais, abertas ao público, poderiam reagir entre si, intercontinentalmente, na sequência de regras de jogos pré-determinadas como o meu jogo musical para 2 chefes e 2 orquestras “Stratégie” ou “Linaia-Agon”. Este projecto, apresentei-o para saudar o bicentenário da Revolução americana. Os dois projectos foram rejeitados por serem muito caros, embora tecnicamente exequíveis. (Xenakis, 1976, p.186)

No dia em que as forças armadas das nações forem desmateladas em simples policias não repressivas, então financeiramente, a arte poderá voar sobre o planeta e lançar-se no cosmos, visto que a economia deixaria de estar torturada pelas necessidades estratégicas de armamento.

É indispensável que o artista e por consequência a Arte, seja simultaneamente inferencial, experimental e reveladora, sendo três modos indispensáveis, coordenados, que evitariam deficiências fatais tendo em conta as dimensões e os riscos enormes de erro destas realizações artísticas, planetárias ou cósmicas.

Em 1983, Xenakis é convidado a fazer parte do júri da Cité de la Musique, sendo um concurso por convite para o novo complexo do conservatório de música nacional e dança, localizado no Parque de la Villette, a nordeste de Paris. O convite

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fundamentado pela sua experiência musical e arquitectónica, é rejeitado a fim de querer participar nesta competição. Concorre acompanhado por dois ex-colegas de estúdio de Le Corbusier, Jean-Louis Véret co-assinando o projecto, e Chatzidakis Nicos como engenheiro de estruturas.

Envolvendo 25.000 m2, a totalidade do projecto inclui um programa de competição que se divide em duas fases, onde a escolha do júri é fundamentalmente baseada na primeira, que compreende um conservatório de música e escola de dança, uma sala de concertos com uma capacidade de 1200 lugares sentados, uma galeria de instrumento, um grande anfiteatro, além dos anexos administrativos.

A segunda fase é composta por uma sala de concertos principal com 2300 lugares sentados, transformação da galeria de instrumento num vasto museu de música, bem como outros dois salões anexos.

Este projecto parece ser uma evolução bastante natural para Xenakis, onde as suas preocupações arquitectónicas e experiências musicais podem culminar. Começado há mais de um quarto de século, com as formas parabolóides hiperbólicas que concebeu para o Pavilhão Philips e com o seu artigo seminal "Notas para um ‘gesto electrónico’" (ambos em 1958), passando pelo seu projecto para auditório de Scherchen (1960), seguido pelas suas reflexões na criação de Centros de Artes no início dos anos 70, para, finalmente, uma de suas grandes obras-primas, o Diatope (1978) - todos as suas experiências como engenheiro, arquicteto e músico encontram uma síntese neste projecto. (Kanach, 2008, p.178)

O que desperta mais atenção a Xenakis é o auditório, a que nomeia "caixa de jóias de som", apresentando inovações na planta estilo patatoid e na forma global sendo uma evolução natural do seu trabalho com parabolóides hiperbólicas, criando assim uma nova solução arquitectónica que evita "sombras acústicas", zonas mortas e cuja forma de torção evita a necessidade de adicionar painéis acústicos correctivos nas paredes do salão.

Encarado como um instrumento musical em si mesmo, o auditório é concebido em forma de elipse com uma área de 700m2 e 18m de pé direito.

Uma hiperbólide em forma de túlipa invertida de betão armado cobre parcialmente algumas áreas públicas assim como este salão, sendo cercado por uma rampa em espiral larga.

Com a valência de se transformarem consoante a função, os dois primeiros pisos tanto podem acolher músicos como o próprio público. O exterior é alcançado de maneira orgânica, oferencendo simultaneamente um acesso geral ao corredor e uma transição natural entre o interior e o exterior.

As salas de aula bem como os estúdios encontram-se na parte sudoeste do salão, numa estrutura arquitectónica mais clássica. Os painéis de vidro ondulantes estão presentes neste edifício de três andares, representando uma das várias características típicas da arquitectura de Xenakis. Provavelmente, a galeria dos instrumentos está

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enterrada ao nível do metro para que os curiosos sejam convidados a espreitar lá para dentro.

O projecto de Iannis Xenakis é um dos seis escolhidos entre os catorze apresentados na selecção preliminar do jurí, que se encontra um tanto reticente em relação à sua viabilidade e custos.

As qualidades deste projecto podem ser encontradas na sua originalidade e no carácter inovador das soluções sugeridas relativas à organização espacial e acústica das salas de concerto, e, em geral, baseada na relação entre música e espaço. (Kanach, 2008, p.179)

O projecto de Christian de Potzamparc é o vencedor deste concurso, bastante antecipado pelos rumores, onde no final não existe fundamento plausível para tal decisão, transformando-se apenas numa questão meramente política.

A decisão foi tomada por alguém próximo a Mitterand que não tinha gosto em arquitectura. (Kanach, 2008, p.179)

Ainda lhe é transmitido que o compositor Pierre Boulez também é contra o seu projecto, sendo os dois conhecidos por discordar em diversas ocasiões.

Representando uma ferida tão profunda como a perda da visão total do seu olho durante a resistência grega, esta devastadora rejeição é praticamente o ponto final nas suas aspirações arquitectónicas. A partir deste momento recusa todas as encomendas arquitectónicas, pondo mesmo de parte novos polytopes, que começam a ser fortemente dependentes de um financiamento oficial.

Posteriormente só concebe projectos privados, uma casa para os seus amigos Roger e Karen Reynolds e a sua própria casa de verão na Córsega.

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Ilustração 85 - Plano geral para o Auditório da Cidade da Música (Xenakis, 1986, p.8)

No prefácio deste projecto, Iannis Xenakis e Jean-Louis Véret indicam que é imperativo assumir riscos e criar novas soluções arquitectónicas, evitando assim cair numa armadilhada de relaxamento consolada por títulos fáceis, conduzindo-o a uma proposta tão original quanto possível.

Tal frouxidão contida em si própria com o ressuscitar do passado, não importa a quão gloriosa pode ser, através da cópia ou imitação. Isso representaria uma renúncia desprezível diante das ideias desafiantes e o que as suas realizações representam. (Kanach, 2008, p.181)

As artes em geral estão a ser afogadas por esta atmosfera de preguiça e narcisismo, sendo que a única solução é criar novos Marcos de exaltações criativas, diferentes daquelas do passado, determinando o nível e o valor de cada civilização durante uma dada época.

Do lado esquerdo da Fonte dos Leões, visto da avenida Jean-Jaurès encontra-se o Novo Conservatório que é concebido como um Deus reclinado de costas. Já no seu lado direito encontra-se o Auditório Principal bem como o resto da segunda fase da competição.

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Ilustração 86 - Fonte dos Leões (L’art Nouveau, 2005)

O novo Conservatório de Música Nacional, o Auditório, o Centro de Instrumento Musical, os jardins e o centro comercial são acedidos pelo público em geral através do espaço circundante e abaixo da fonte sendo concebido como uma plataforma móvel.

A um nível de seis metros abaixo do solo, sob a praça da fonte, convertendo toda a terra prevista nas fases 1 e 2, existem os estacionamentos, as paragens de autocarro e as estações de entrega, onde a fonte de luz para as lojas e as outras actividades organizadas é dada através de clarabóias. Os pedestres têm acesso a este nível pela estação de Metro ou pelo caminho do Parque Buttes Chaumont.

Ilustração 87 - Acessos para o Auditório da Cidade da Música (Xenakis, 1986, p.8)

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Composto pelo conservatório de acesso restrito e pelo complexo aberto ao público, o Novo Conservatório de Música Nacional surge com uma estrutura virada para o céu em forma de túlipa invertida constituída por parabolóides hiperbólicas, criando um visual oco entre o acesso para o jardim mais a sul e uma ruela de acesso geral.

Ilustração 88 - "Maquete da fase 1 do projecto da Cité de La Musique" (Kanach, 2008, p.182)

Uma artéria parcialmente transparente e multifuncional faz a união entre estas duas entidades, possibilitando o acesso aos pedestres bem como a mobilidade de equipamentos, usufruindo da inclinação do declive global.

Ilustração 89 - "Sugestão para o projecto da Cidade da Música" por Xenakis e Verèt, em 1984 (Kanach, 2008, p.183)

A primeira entidade, fechada ao público em geral, é onde o ensino e pesquisa tomam lugar, constituída por salas de aula prática e teórica, situadas nos três andares superiores sobre a ala sudoeste do conservatório.

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Ilustração 90 - Sugestão para o projecto da Cidade da Música por Xenakis e Verèt, em 1984 (Kanach, 2008, p.183)

Com o intuito de promover um intercâmbio indispensável entre alunos, professores e pesquisadores, existem verdadeiros "locais de reunião interiores" numa variedade de volumes arquitectónicos, a fim de criar um contraste com a monotonia das salas de aula.

Na mesma cadeia de pensamento, os gabinetes dos professores estão distribuídos de acordo com a disciplina, colocando-os mais próximos dos alunos dos mesmos domínios.

Ilustração 91 - Exemplo de locais de reunião interiores para o projecto da Cidade da Música por Xenakis e Verèt, em 1984 (Kanach, 2008, p.182)

Todos situados ao nível do jardim mas de forma independente, encontram-se os estúdios de Música electrónica, centros de pesquisa audiovisual, assim como a

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mediateca. As áreas comuns e de convívio estão parcialmente centralizadas e ligadas através de uma artéria transparente que permite vislumbrar o jardim.

Como parte activa da Cité de la Musique e funcionando de maneira autónoma, o Centro Musical pedagógico está localizado no caminho pedonal perto do canto noroeste do parque, entre a Rue Adolphe Mille e o jardim.

Os elementos para a área de recepção geral, conforme definidos pelas directrizes da competição, serão distribuídos da seguinte forma: Informações relacionadas à música serão encontradas nas entradas públicas de cada nível, onde as lojas e outras atividades serão encontradas. Os serviços públicos (correios, esquadra de polícia, a administração pública) ficarão situados no piso térreo e no primeiro andar no canto de avenida Jean-Jaurès e da Rue Adolphe Mille. (Kanach, 2008, p.183)

A recepção geral e as áreas de informações estão organizadas de maneira a facilitarem o acesso dos visitantes para que possam ter uma deslocação simples e eficaz. Qualquer tipo de dúvida musical pode ser esclarecida à porta de cada piso.

A segunda entidade é o complexo aberto ao público, compreendendo a área da recepção do Novo Conservatório de Música Nacional, o respectivo centro de serviços e escritórios, áreas semi-públicas como a sala de concerto experimental e o museu de instrumentos, bem como, conforme estabelecido na primeira fase, o anfiteatro, salas de aula públicas gerais para o órgão, ópera, dança, além de uma oficina interdisciplinar, cada um com seus respectivos foyers130.

Estas áreas serão coroadas por uma parabolóide hiperbólica em forma de túlipa de betão armado que cria, por si só, um espaço multifuncional extraordinário para espectáculos e encontros. Como uma membrana celular, que liga o interior com o exterior, graças à sua transparência. (Kanach, 2008, p.183)

130 Foyer é a área externa dos auditórios, conhecido por ser o local ideal para pequenas exposições e excelente para apresentações, assim como outros eventos.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 160 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 92 – “Outra “Sugestão” para o projecto da Cidade da Música” (Kanach, 2008, p.184)

Estes espaços encontram-se situados na ligeira inclinação de uma espiral, que se inicia no piso térreo continuando até ao próprio centro do conservatório, onde surge o auditório experimental, sendo o lugar onde os alunos, professores e artistas convidados se dedicam à música, estudando, ensinando e praticando, respectivamente.

Ilustração 93 - "Maquete da Cidade da Música por Xenakis e Véret" (Kanach, 2008, p.184)

Incluindo todas as funções previstas no programa da competição, o Auditório experimental, abriga cerca de cinquenta músicos, instrumentistas ou cantores.

A proposta para esta “caixa de jóias de sons” de Xenakis e Véret oferece novos recursos para além dos requisitos obrigatórios para a competição, representando possibilidades muito interessantes para a exploração sonora do presente e do futuro. As principais características estão resumidas nos seguintes pontos:

1) O piso deve garantir ser: a) Plano em toda a sua superfície. b) Disposto (frontalmente), com uma melhor orientação (norte-sul sobre os planos).

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 161 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

c) Modulado de forma variável, com colinas, pequenas ilhas, ou vales onde o público pode estar de frente, costas com costas, ou de qualquer posição intermediária). Consequentemente, o piso é composto de cerca de cubos de 1m x 1m, com as variações acima mencionadas podendo ser programados por um computador. Este sistema já foi testado e os requisitos tecnológicos dão para perceber que são relativamente simples. 2) Flexibilidade inerente em tal piso requer tomadas eléctricas (para suporte para lâmpadas de música, pré-amplificadores e amplificadores), bem como tampões de entrada (para microfones, estações de computador) conectados às salas de controlo que vão ser localizados com começo a 15 metros sobre o nível do piso do Hall, debaixo da casca da cobertura. 3) É imperativo que tanto a música e o público sejam colocados no espaço tridimensional. É por isso que uma rampa em S com uma ligeira elevação (3,25%) enrola em torno do interior da sala de duas vezes e meia (o perímetro é da ordem de 95m). A audiência, bem como os pequenos grupos de músicos podem usar esta rampa para criar pontos de visualização e de escuta que englobam quase todo o espaço do salão. Alto-falantes, projectores de luz, podem ser distribuídos e quase cobrir as paredes interiores do salão. Uma rampa de saída exterior à sala espelha a rampa interior. 4) Uma sala de controlo de som adicional / luz em torno de uma plataforma de três metros de diâmetro será capaz de ser deslocada verticalmente ao longo da totalidade da altura da sala bem como na horizontal ao longo de dois terços do espaço. É realmente idiota tentar controlar difusão de som eletroacústico ou iluminação a partir de uma sala de controle situada fora do salão. 5) As entradas para o salão estão localizadas ao longo de toda a periferia por pontes ligando-o ao anel do chão, criando um cinturão em torno do salão com distâncias variáveis. Por conseguinte, a sala é tanto acústica como visualmente independente do resto dos edifícios. O tecto de betão da cobertura em concha será feito mais largo no eixo vertical do corredor, de modo a reduzir o nível de decibéis do ruído exterior. (Kanach, 2008, p.184)

A fim de eliminar quaisquer zonas de concentração ou de sombras acústicas, a base do auditório está em forma de um "patatoid". Para que exista uma reverberação rica, sem favorecer qualquer registo de espectro em particular, a base é curva à sua volta tendo um grau constante e uniformemente variável.

Ilustração 94 - "Desenho original de Xenakis da torção 'patatoid' do Auditório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.185)

Uma torção de 11º é aplicada ao “patatoid” na sua base, a fim de converter esta característica para uma terceira dimensão, desenhando-a no sentido contrário dos

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 162 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

ponteiros do relógio, devido à rotação da Terra, reforçando o factor de aceleração Coriolis131.

Pense no caminho da água escorrendo de uma pia. No hemisfério norte corre no sentido contrário dos ponteiros do relógio e no hemisfério sul ela corre no sentido dos ponteiros do relógio por causa da aceleração de Coriolis. Esse fenômeno ajuda a reforçar a riqueza do som. - Xenakis citado em Balint Varga, op. Cit., 209. (Kanach, 2008, p.183)

Oferecendo uma combinação notável de comprimentos de onda sem efeitos preferenciais, onde a arquitectura interior pode absorver ou repelir o som de dentro.

Ilustração 95 - "Planos dos pisos para o Auditório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.185)

Com um volume de x = , o auditório tem uma capacidade média de 800 lugares a nível do solo e de 400 na rampa.

131 Efeito Coriolis é uma deflexão de mover objetos quando eles são vistos num quadro de referência de rotação. Numa estrutura de referência, com a rotação dos ponteiros do relógio, a deflexão é para a esquerda do movimento do objecto, num sentido anti-horário com rotação, a deflexão é para a direita.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 163 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 96 - "Vista aérea da maquete do Auditório da Ilustração 97 - Maquete do Auditório da Cidade da Musica (Kanach, Cidade da Musica" (Kanach, 2008, p.186) 2008, p.163)

De acordo com as primeiras estimativas, tendo em conta que cada pessoa ocupa , o tempo de reverberação oscila entre T = + seg. para uma casa cheia e T = + V = seg. para um auditório vazio.

Ilustração 98 - Maquete do Auditório da Cidade da Musica (Les Amis de Xenakis, 2013)

Para os diferentes aspectos do programa imposto, escolheram como mais adequado, uma estrutura de 8m x 8m em betão armado, sendo utilizada para o projecto inteiro, tanto na infra-estrutura, bem como na superestrutura.

Podendo ser estendida para 8m x 16m ou até 16m x 16m em pontos críticos, esta estrutura clássica, pode ainda ser utilizada para uma redução de peso pontual.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 164 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 99 - "Definição de Xenakis das paraboloides hiperbólicas do Auditório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.187)

A estrutura da casca de cobertura do complexo aberto ao público é constituída por três parabolóides hiperbólicas.

Ilustração 100 - Desenho de Xenakis para o Auditório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.186)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 165 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Os dois triângulos retângulos ABE e GE, cuja diagonal comum AE forma uma cinta, estabilizam a geometria da base. Um plano quadrado com 63m de lado é formado pelo grupo de parabolóides hiperbólicas.

Os reforços são concebidos com um suporte tridimensional fixo no ponto E, um suporte vertical fixo livre para se movimentar no sentido desta diagonal no ponto A e todos os outros suportes ao longo das linhas AB, BE, EG, GA são suportes verticais fixos, sendo livres de se mover ao longo das duas outras linhas, tudo a fim de evitar quaisquer variações relacionadas com as variações de temperatura ou de retracção.

Os cálculos são feitos seguindo a teoria das membranas132, de modo a obter uma expressão simplificada das equações, substituindo os eixos das coordenadas por coordenadas oblíquas. Com o objectivo de não comprometer a largura real das paredes e restrições secundárias criadas por flexões são incluídas correcções nos cálculos.

A verificação dos elementos acabados poderá ser feita através de computadores, um dia mais tarde.

De maneira a dar apoio aos principais pontos de tensão, a superfície interior é reforçada. Assim como um pavimento horizontal em betão é aplicado à superfície exterior de modo a que os seus apoios verticais equilibrem as restrições dos elementos constitutivos perpendiculares aos departamentos.

A oeste, na parte plana do parabolóide hiperbólico, a estruturação de qualquer curvadura local é impedida através de uma rede de vigas de várias alturas, de acordo com os departamentos.

Para isolar a casca da cobertura de ruídos externos são tomadas medidas apropriadas, quer através do aumento da espessura da casca ou por meios complementares.

No que diz respeito ao Auditório Experimental, as paredes são constituídas por um invólucro curvo perfurado por aberturas grandes, formando assim um pórtico circular de níveis múltiplos. O complexo é reforçado pelo pavimento das marquises em betão, sendo incorporado no cinturão externo.

O piso do auditório será feito de betão furado apoiado por uma rede de vigas em ambas as direcções. A fim de evitar as vibrações, todos os pontos de suporte do pavimento serão feitos de neopreno.

132 Teoria das membranas é uma teoria que unifica as cinco diferentes Teorias das cordas, mais a Supersimetria e a Supergravidade. Essa teoria diz que tudo, matéria e campo, é formada por membranas, e que o universo flui através de 11 dimensões. Teriamos então 3 dimensões espaciais (altura, largura, comprimento), 1 temporal (tempo) e 7 dimensões recurvadas, sendo a estas atribuídas outras propriedades, como massa e carga eléctrica.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 166 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 101 - "Estudo de Xenakis para os paineis de vidro ondulantes para o Conservatório da Cidade da Música" (Kanach, 2008, p.187)

Para a fachada é proposto o uso de betão áspero, podendo ainda ser aplicado sempre que necessário tinta à prova de água, bem como painéis pré-moldados de betão de fibra de vidro ou resina colorida, sendo uma técnica provada muito eficaz noutros países europeus.

Uma estrutura de metal e alumínio e vidro polymacrylate de metilo133 revestido é usada para construir a galeria de vidro da frente.

Relativamente à segunda fase, o Centro de Instrumento Musical que está localizado na ala leste, como prolongamento da primeira fase, será subterrâneo, por baixo da Fonte dos Leões que, por definição, será o principal cruzamento para pedestres que vão tanto para o Grande Halle134, para os centros culturais, para as áreas de comércio, como para os museus, vindos de todo o espaço de La Villette.

De acordo com o programa estabelecido, neste local também estão localizados todos os espaços de armazenamento, oficinas de manutenção, informações, estações de boas-vindas e escritórios administrativos.

133 Metilo é um radical alcoíla monovalente constituído de apenas um carbono, ligado diretamente com três hidrogênios devido à tetravalência do carbono. 134 Grande Halle é o edifício principal nas imediações do Parc de La Villette. Foi construído em 1867 por Jules de Mérindol.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 167 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Debaixo de uma cobertura composta por paraboloides são reagrupadas todas as salas de concerto, com os seus respectivos foyers, com as suas entradas públicas viradas para o Novo Conservatório de Música Nacional. Este conjunto de salas será acessível a partir da Fonte dos Leões, cercando estacionamentos assim como o caminho desde o bairro Buttes Chaumont.

No lado leste do local, perto da Cité dos artesãos, perto da estrada periférica, estão localizados os vestiários dos músicos, bem como o departamento de logística.

A Cité dos artesãos, incluindo construtores de instrumentos e outras actividades relacionadas com a profissão, não está incluída no programa, mas sentimos que seria útil para complementar as atividades prescritas da Cité. (Kanach, 2008, p.188)

Através de programas de computador disponíveis no SPIEC (Edificio industrial de Centro de Computação) é feito o orçamento do projecto, necessário em todas as fases, calculando tendo como base em elementos normais. Apenas os membros dos Técnicos da União Nacional da Construção e Economistas têm acesso a estes meios.

Vamos, portanto, recorrer a um economista qualificado, de acordo com as regras estabelecidas no OPQTECC135. (Kanach, 2008, p.188)

As estimativas, de acordo com as funções e subfunções que se dividem em três categorias, o recinto / cobertura, o equipamento orgânico (material técnico) e os adornos, são permitidas pelo programa de computador utilizado pelo economista qualificado.

Método este que permite fazer simulações imediatas resultantes a partir de alterações de materiais ou de soluções técnicas, garantindo sempre a melhor relação qualidade- investimento-custo-durabilidade.

Custo da estrutura não é difícil de calcular visto que a maior parte do projecto é composto por elementos clássicos de estruturas em betão horizontais, verticais ou oblíquas.

A casca de cobertura em parabolóides hiperbólicas, na parte do complexo aberto ao público, é o único elemento que pode criar alguma incerteza em termos de avaliação do seu custo.

Estimando que representará 3 a 5% do custo total de construção, esta casca de cobertura pode ter o seu custo determinado através de uma gama de preços dada por Xenakis e Véret.

Para isso utilizam como máximo, a solução clássica de betão, aço, andaimes e cofragem e como mínimo, uma avaliação, que considera que as quantidades de betão e aço são invariáveis e que qualquer redução de preço, deve resultar de menos a partir da cofragem, substituindo-o por elementos pré-fabricados de betão.

135 OPQTECC referindo-se ao corpo comissionário para a competição.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 168 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

4. IMAGINÁRIO E PROJECTO

4.1. CRIAÇÃO E CONTEXTO

É mais fácil entender o trabalho de Iannis Xenakis se nos debruçarmos sobre a sua vida, exposta no capítulo 2.1. Vida e Obra.

O seu impacto é perceptivel através do quão longe Xenakis consegue estender a nossa perspectiva, abrindo caminho para novas possibilidades de pesquisa e novas abordagens experimentais puramente inspiradoras. Tal como acontece no Pavilhão Philips, que é explicado no capítulo 3.1. Criação e Pavilhão Philips.

Ilustração 102 – “Reflexão de Iannis Xenakis” (Obuszek, 2008)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 169 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Nascendo em 1922, Iannis Xenakis, de pais gregos em diáspora na Roménia, muda- se para a Grécia em 1938, onde estuda em Atenas.

O facto de sobreviver à explosão de um obus britânico que lhe cai quase em cima, durante os confrontos de rua contra os tanques britânicos em Dezembro de 1944, enquanto os seus companheiros morrem ao seu lado, é considerado um milagre.

Enquanto foge para Itália com um passaporte falso, é condenado à morte devido à sua participação no movimento de resistência anti-fascista. Finalmente, durante essa mesma fuga, chega a França, onde vive o resto da sua vida, morrendo a 4 de Fevereiro de 2001, com 78 anos de idade.

Durante anos era atormentado pelo sentimento de culpa por ter deixado o país pelo qual tinha lutado. Deixei os meus amigos, alguns foram presos, outros foram mortos, alguns conseguiram escapar. Senti que estava em dívida para com eles e que eu tinha que pagar essa dívida. E senti que tinha uma missão. Que tinha de fazer algo importante para recuperar o direito de viver. Não era apenas uma questão de música - era algo muito mais significativo. (Varga, 1996, p.47)

A sua paixão pela matemática leva-o a a explorar a arquitectura, a música, a filosofia e a arte de uma maneira única.

Não só influencia a maneira de pensar de profissionais, como também de estudantes, continuando mesmo assim a inspirar os pequenos artistas, músicos, arquitectos e não só, em todo o mundo.

O seu trabalho tem criado percursos para novas práticas e até mesmo novas profissões. Conclui-se que o seu impacto só poderia ser maior se o mundo fosse maior.

Os verdadeiros discípulos do grande artista não são os seus imitadores de estúdio, mas sim aqueles que se tornaram iguais às suas obras de arte, sejam elas plásticas como no tempo dos gregos, ou pictóricas, como nos dias de hoje. Em suma, a vida é o melhor e o único discípulo da arte. (Wilde, 1922, p.37)

Os grandes artistas são aqueles que se tornam iguais às suas obras de arte. A melhor criação de um artista é a sua vida. A vida de cada um de nós deve ser uma obra de arte.

A música que eu escrevo é o resultado de uma série de momentos e pensamentos ao longo da vida, e, portanto, é difícil dizer que esta ideia veio para este projecto, uma outra ideia veio de um outro projecto, ou que tais regras que criei para essa peça. É um processo contínuo, uma via-férrea, mesmo com vários veículos sobre ela, mas também onde mais chegam de repente. Assim, torna-se difícil dizer como uma peça é desenvolvida passo a passo, mas o que eu posso dizer é que, tudo está interligado. É uma amálgama, como teoria, as ideias teóricas ou filosóficas, como a ideia do determinável ou aleatória; o que é a relação dessa diferença no campo filosófico, e isso acontece nas ciências naturais ou até mesmo na mecânica quântica por exemplo, ou na música; o que é que importa e qual é a relação que isso tem com os humanos, com

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a sua com a sua lógica, a sua intuição. Tudo isto, finalmente, dobra em alguns contextos, tipos de lógica, por vezes eu nem sei se são lógica, mas em qualquer caso, entram em alguns tipos de pensamento, ou movimentos como diria Platão. Movimentos mentais quase automaticamente traduzidos em sons, sons que são símbolos agora, símbolos de coisas, de factos que por trás deles têm este tipo de pensamentos completos. (Les Amis de Xenakis, 2013)

Ilustração 103 - Vista aérea da Mouraria (ilustração nossa, 2011)

Mouraria, é uma zona de Lisboa bastante bairrista, pois está carregada de história, assim como de vivências e memórias. Este lugar encontra-se claramente degradado, pois é visível aparentemente as marcas do tempo.

O estado de abandono é tão grande que ainda se passeia pela Mouraria e se vê tanto reconstruído, como em pleno estado de obras, como ainda os que aguardam por acções de melhoramento.

Do ponto de vista do arquitecto é importante manter este carácter e este espírito vivido desde sempre nesta zona cosmopolita. É importante ter em conta a carga histórica, pois o arquitecto é responsável pela construção da paisagem.

Este bairro foi outrora o mais agradável da cidade. As origens do declínio surgiram na Idade Média, quando os residentes ricos se mudaram para o oeste,deixando o bairro para uma população de pescadores e marinheiros.

Actualmente a Mouraria é um ponto de encontro de pessoas de diferentes culturas e, simultaneamente, um local que mantem vivas as suas antigas tradições populares, como se pode confirmar pela existência de várias casas de fado, bares, tabernas e colectividades culturais e desportivas a par de estabelecimentos comerciais de origem chinesa e indiana, entre outros.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 171 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 104 - Pontos estratégicos, onde a intervenção permitirá uma acessibilidade mais natural (ilustração nossa, 2011)

A ideia é criar percursos pedonais servidos por meios mecânicos para melhorar a acessibilidade à colina do Castelo, sendo mais fácil visitar o Castelo de S.Jorge e os restantes monumentos da colina. A maioria dos desníveis existentes são vencidos com o recurso a elevadores e escadas rolantes, onde sempre que possível, ficam dissimulados no interior de edifícios para diminuir o seu impacte visual.

Destinando-se não só aos turistas, mas também à população residente na zona que é bastante envelhecida e que tem dificuldades de locomoção, pretendendo quebrar o isolamento dos moradores e dinamizar as actividades culturais e económicas locais.

Criar espaços verdes nos terraços dos edifícios é uma solução ideal quando nos deparamos com um sítio muito preenchido, com pouco espaço para tal.

Ilustração 105 - Espaços verdes em Alfama (ilustração nossa, 2011)

Deste modo, para além de criar zonas verdes, que fazem falta, podemos usufruir, ao ar livre, da vista privilegiada sobre Lisboa, através destes terraços.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 172 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

4.2. CONHECIMENTO E FUNDAMENTO

Numa tentativa de reinterpretar o meu projecto segundo o processo de Iannis Xenakis, apresento uma metodologia que tendo semelhanças também tem inevitáveis diferenças.

A Vida e a Natureza podem por vezes ser usadas como parte da matéria-prima da Arte, mas, antes de constituírem um benefício real para ela, têm de ser traduzidas em convenções artísticas. No momento em que a Arte abandona o seu meio imaginativo, abandona tudo. (Wilde, 1992, p.51)

A partir do processo metodológico de Xenakis para elaborar os seus projectos, presente no capítulo 2.2, procuro fundamentar as minhas propostas arquitectónicas deste projecto académico. Começando, antes de mais, por reinterpretar a sua visão arquitectónica, numa tentativa de entender a pessoa que é Iannis Xenakis.

Xenakis considera que o facto da terceira dimensão se obter pela translação paralela das duas dimensões, que fundamentam a Arquitectura desde a antiguidade, não oferece nenhum elemento volumétrico novo. Através das suas obras arquitectónicas, Iannis Xenakis apresenta uma perspectiva em que a estética advem da estrutura, permitindo adivinhar o que acontece no interior a partir do seu exterior.

A perfeição obtém-se logo que se consegue o necessário. A beleza obtém-se quando se consegue o necessário e este, mesmo assim, permanece encoberto. (Goethe, 2000, p.187)

A proposta apresentada consiste numa sala de espectáculos, em que a fachada principal faz uma alusão a um televisor ou às próprias cortinas de um espectáculo, através de uma moldura unificadora dos vários níveis do edifício.

Ilustração 106 - Fachada principal da Sala de espétaculos (ilustração nossa, 2011)

Com o aparecimento do betão armado que permite uma maior mobilidade do material de construção, Iannis Xenakis leva-o a outro nível ao imaginar e projectar superfícies tão finas e tão curvas que lhe permite fazer o que mais tarde iria ser um marco na história do betão armado, o incrível Pavilhão Philips.

O espaço curvo encontrado no Pavilhão Philips influencia as sensações e o estado psicológico do espectador, visto que o sistema de referência do corpo humano deixa

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 173 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

de ser o ângulo recto. Apesar das linhas rectas da sala de espectáculos consegue-se alcançar um dos objectivos de Iannis Xenakis que é realçar as actividades criativas, convergindo para uma integração das artes visuais e auditivas.

Analisando o processo de Xenakis, estãoos perante um método onde nada é deixado ao acaso. A um nível global, a sua inserção no lugar é de uma notória simplicidade, tendo como excelente exemplo o Mosteiro de La Tourette. Já a um nível mais profundo, a preocupação pelo ambiente espacial e acústico, obtém-se através de cálculos matemáticos muito rigorosos, tal como acontece no projecto do Pavilhão Philips. Sem esquecer que a iluminação também tem a sua quota-parte de atenção por parte de Iannis Xenakis, bem patente na imagem do Mosteiro de La Tourette que se segue.

Ilustração 107 - Secularidade (Slowhand, 2004)

Por esta ordem de ideias, é imperativo realçar os vários aspectos que contribuem determinantemente para o desenho arquitectónico de Xenakis. O desenho arquitectónico do Pavilhão Philips é determinado pela configuração do volume do ar encerrado na estrutura, ou seja, pela sua qualidade acústica.

No caso da sala de espectáculo que proponho, um aspecto importante como a acústica, é determinado e delimitado cuidadosamente para que a reverberação seja

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 174 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

quase inexistente, através dos diferentes comprimentos dados pelas superfícies planas verticais.

Ilustração 108 – Sala de exposições (ilustração nossa, 2011)

Num dos sítios de possível intervenção escolho projectar uma sala de espectáculos, onde o teatro, o cinema e a música emergem e se complementam. Numa vontade de dinamizar culturalmente as imediações da Mouraria, proponho um espaço público onde a divulgação de arte e conhecimento seja acessível e atraente, solucionando uma das necessidades evidentes deste local.

Considerando o modo como está inserido no local, este edifício cultural comporta-se de uma maneira semelhante ao Mosterio de La Tourette (1956-1960), abordado no capítulo 3.2, que está situado num vale perto de Lyon.

Ilustração 109 - Fachada tardoz da Sala de Espétaculos (ilustração nossa, 2011)

Enquanto o Mosteiro é organizado em torno de um claustro que não é totalmente fechado, a sala de espectáculos é estruturada através de dois núcleos, um público e outro estritamente reservado a funcionários.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 175 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 176 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

4.3. PROPOSTA E RELAÇÃO

Chegou o momento de fazer uma leitura crítica, abordando a minha proposta como se estivesse perante uma obra de Iannis Xenakis.

O quê da obra de arte interessa mais aos homens do que o como. Porque podem apreender o primeiro isoladamente, e o segundo não se deixa captar na sua globalidade. É daí que vem o hábito de sublinhar passagens. Se virmos bem, é verdade que a influência da totalidade não deixa de se fazer sentir nelas, mas sem que o leitor disso tenha consciência. (Goethe, 2000, p.190)

Um dos seus contemporâneos, Vangelis136, confessa, numa entrevista dada sobre a banda sonora que compôs para o filme “Alexander” realizado por Oliver Stone em 2004, que o facto de reflectir no que se irá fazer, antes de partir para a execução de uma obra, limita o nosso processo criativo.

O meu melhor momento é quando antes de começar, eu não sei o que eu vou fazer, porque quando se sabe o que vai se fazer, começa-se a pensar. E ao pensar, reduz as possibilidades de fazer algo maior que os nossos pensamentos, nós mesmos. (Papathanassiou, 2004)

Estando na presença de um edifício cultural, como a sala de espectáculos proposta, há que ter em atenção a funcionalidade do mesmo. Ou seja, temos de nos concentrar nos aspectos funcionais do espaço, procurando principalmente as garantias de uma boa acústica, no caso da sala principal, bem como a facilidade de deslocação dos espectadores e funcionários que se movimentam entre as divisões do edifício, criando fluxos de certa forma momentâneos.

136 Evangelos Odysseas Papathanassiou (Vólos, 29 de Março de 1943) compositor grego, nasce em em Agria perto de Volos, na Grécia. Começa a escrever música aos 4 anos e realiza o seu primeiro concerto ao vivo com 6 anos de idade.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 177 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração 110 - Planta da Sala de Espétaculos (ilustração nossa, 2011)

O facto de ter uma fachada claramente pública e outra restrita só a funcionários, facilita a separação entre os mesmos, transformando de certa maneira o edifício em dois, um para os espectadores e outro para os artistas e empregados.

Ilustração 111 - Corte da Sala de Espétaculos (ilustração nossa, 2011)

Concluindo que a proposta está de acordo com a maioria das convicções de Iannis Xenakis e sem mais nada a acrescentar, deixo de escrever, por agora.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Homem é o que vive e é o que faz, tal como um artista. Só se consegue entender a música e a arquitectura de Iannis Xenakis, estudando a sua vida desde o seu nascimento. Através da Arte, o Homem imortalizou as suas emoções, tornando-a assim uma necessidade do espírito.

Questionando tudo e não acomodado com o passado histórico, Iannis Xenakis procura insaciavelmente uma Arquitectura livre e original, sempre aliada à matemática e à eficiência estrutural, dando possibilidade a novas formas volumétricas.

Le Corbusier foi a maior influência e impulsionador da arquitectura de Iannis Xenakis, nomeadamente ao convidá-lo a participar nos projectos do Pavilhão Philips e do Mosteiro de la Tourette.

A concepção da estrutura revolucionária do Pavilhão Philips, só foi possível através de um bom trabalho de equipa por parte de todos os intervenientes, desde o cliente Philips, passando pela empresa construtora e evidentemente pelo arquitecto Iannis Xenakis.

Através de uma ideia proveniente de uma viagem de Le Corbuiser à India, Xenakis projectou para o Mosteiro de La Tourette, uma das mais importantes invenções desta equipa de arquitectos, os “painéis de vidro ondulantes”, aliando o seu conhecimento matemático à inspiração musical.

O projecto da Cidade da Música revela o conhecimento acústico de Iannis Xenakis, através da organização espacial do auditório, que impede a existência de qualquer reverberação.

Iannis Xenakis é o resultado de uma série de acontecimentos, momentos e pensamentos ao longo da vida, tornando-se um lutador por natureza, não existindo impossíveis na sua perspectiva.

Adepto de formas puras, Xenakis considera benéfico que se consiga adivinhar as estruturas do edifício pelo seu exterior, através de uma arquitectura nua e crua. Seguindo a mesma ordem de ideias organizo três volumes distintos, percéptiveis exteriormente, separando a zona de entrada, do espectáculo e dos serviços.

Para Iannis Xenakis, a preocupação fundamental de um projecto arquitectónico é resolver uma necessidade. Sendo a proposta uma sala de espectáculos, é importante que o espaço onde se realiza a exibição esteja bem executado em termos acústicos e espaciais.

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APÊNDICES

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

LISTA DE APÊNDICES

Apêncice A - Cronologia de Iannis Xenakis.

Apêncice B - Conversa com Paulo Enes da Silveira

Apêncice C - Desenhos rigorosos do projecto do 5º Ano

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APÊNDICE A Cronologia de Iannis Xenakis

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

1922 – A 29 de Maio nasce Iannis Xenakis ou a 1 de Junho de 1921 na Roménia.

1927 – Fica órfão de mãe.

1932 – Ingressa numa Academia anglo-grega, na ilha grega de Spetsai.

1938 – Vai para uma Escola Preparatória, em Atenas.

1940 – Junta-se à Resistência Grega, primeiro num partido de direita e mais tarde no EAM (partido comunista).

1944 – Junta-se ao batalhão de alunos da ELAS (Exército Nacional Popular) e torna- se comandante da unidade "Lord Byron".

1945 – A 1 de Janeiro é atingido no rosto por estilhaços de um obus que lhe quebram o maxilar e o fazem perder o seu olho esquerdo;

– Em Março, Xenakis tem alta do hospital e volta para o Instituto Politécnico.

1946 – Em Fevereiro, Iannis passa os exames finais do Instituto Politécnico com sucesso, apesar de sua existência semi-clandestina.

1947 – Defende a sua tese final sobre "betão armado" a 16 de Janeiro;

– Escapa de um acampamento prisional e permanece durante seis meses num apartamento em Atenas, clandestinamente;

– A 11 de Novembro passa ilegalmente a fronteira em Ventimiglia chegando a Paris.

– Na Grécia, é dada a sentença de morte a Xenakis, justificada pelo terrorismo político.

É contratado por Le Corbusier em Dezembro.

1949 – Tenta estudar composição com vários professores, mas nenhum corresponde à sua personalidade;

– Entre os anos 1949-1952 Xenakis escreve vinte e quatro obras catalogadas;

– Conhece Françoise, a sua futura mulher.

1950 – Além de frequentar os primeiros concertos dados pelo GRMC, tenta pertencer a este grupo, mas sempre em vão.

1951 – Xenakis conhece e pede conselhos a Messiaen, que o convida a frequentar as suas aulas, o que faz fielmente em 1952 e menos regularmente em 1953.

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

1953 – Organiza um "concerto espacializado" no telhado da unidade habitacional de Marselha para o CIAM a pedido de Le Corbusier;

– Em Agosto “La Colombe de la paix” é tocado no Quarto Festival Mundial da Juventude para a Paz e Fraternidade, em Bucareste;

– Xenakis começa a composição do seu "Anastenaria" tríptico: Procissão “vers les Eaux Claires”, “Le Sacrifice” e, finalmente, “Metástasis”;

– A 3 de Dezembro casa-se com Françoise.

1954 – Le Corbusier pede a Xenakis, para ser o gerente do projecto para a construção do mosteiro de La Tourette;

– A 23 de Setembro, Xenakis vai finalmente reunir-se com os professores, graças a uma recomendação de Messiaen. Depois de afirmar que não iria dirigir “Le Sacrifice”, Scherchen pede a Xenakis para lhe mostrar Metástasis, que imediatamente se oferece para conduzir;

– Seguindo o conselho de Dimitri Mitropoulos, Xenakis envia essa peça também a Heinrich Strobel, que o inclui no programa para o outono seguinte, sendo conduzido por Hans Rosbaud.

1955 – Em Julho, publica "La Crise de la musique sérielle";

– A estreia de “Metastasis”dá-se a 15 de Outubro, no Festival de Donaueschingen pela Orquestra Südwestfunk, conduzida por Hans Rosbaud;

– Junta-se a “Pierre Schaeffer’s Groupe de recherches de musique concrète” sendo que o primeiro trabalho que fez neste grupo é “Diamorphoses”.

1956 – A 16 de Maio nasce a sua filha, com o nome Mâkhi Zyïa;

– Publica a sua "Teoria da probabilidade e da composição musical";

– No Estúdio de Le Corbusier, Xenakis colabora no Centro de Juventude e Cultura, em Firminy;

– Em Outubro, começa a trabalhar nos planos do Pavilhão que a Philips encomendou a Le Corbusier;

– Xenakis também concebe “Concret PH”, um trabalho curto de música concreta que foi tocada entre os desempenhos do électronico “Poème Varèse”.

1957 – Recebe uma bolsa da Fundação Cultural Europeia, cujo júri é presidido por Nicolas Nabokov;

– A 8 de Março, “Pithoprakta” é estreada no Festival Música Viva, em Munique pela Orquestra da Rádio da Baviera, conduzida por Hermann Scherchen.

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1958 – “Achorripsis” estreia a 20 de Julho, em Buenos Aires pela Orquestra do Teatro Colón, dirigida por Hermann Scherchen;

– No Blätter Gravesaner, Xenakis publica o artigo "A la recherche d'une musique stochastique";

– Conhece no GRM, François-Bernard Mâche, que será um de seus amigos mais fiéis;

– A 5 de Outubro, “Diamorphoses” é estreado em Bruxelas

1959 – Estreia francesa de “Achorripsis”, na Salle Pleyel, em Paris, conduzida por Hermann Scherchen liderando os Concertos Lamoureux;

– No verão estreia” A & B Analogiques” por Hermann Scherchen no seu Festival em Gravesano;

– É despedido com dois colegas, por Le Corbusier, no dia 1 de Setembro;

– Estreias de “Metastasis”e “Pithoprakta” em Estocolmo.

1960 – Estreia francesa de Pithoprakta em 1960, por Hermann Scherchen;

– É membro do juri para a Bienal de Paris no Museu de Arte Moderna;

– Funda o MYAM, com Michel Philippot, Abraham Moles e de Alain Chambure, um grupo de pesquisa informal concentrando-se na matemática e na música;

– Em Maio, escreve a música eletroacústica de acompanhamento para a curta- metragem “Fulchignoni Henry, Orient-Occident”, sendo apresentada no festival de cinema de Cannes;

– Compõe “Vasarely”, um trabalho instrumental para uma curta-metragem sobre o pintor por P. Kassovitz e E. Szabo.

1961 – Começa a publicar parcelas de seu longo texto intitulado "Elements de musique stochastique" no Blätter Gravesaner;

– De 17 a 23 de Abril, Xenakis participa no "Encontro de Música Leste-Oeste", em Tóquio;

– Em 29 de Abril apresenta um concerto de música experimental, em Tóquio, incluindo 18 obras instrumentais e electroacusticas de compositores ocidentais;

– Encontra-se com Yuji Takahashi do Japão, que continuará a ser um de seus artistas mais dedicados. O compositor Toru Takemitsu apresenta Xenakis a Seiji Ozawa;

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

– Xenakis compõe “Forme rouge” para uma curta-metragem animada de P. Kalmer;

– Nesse Verão Scherchen pede a Xenakis para elaborar os planos para um auditório experimental em Gravesano.

1962 – A 24 de Janeiro termina “ST/48 - 1240 162”, que será estreada posteriormente a 26 de outubro de 1968 na "Journée Xenakis";

– A 2 de Fevereiro estreia “Herma”, em Tóquio;

– A 8 de Fevereiro termina “ST/10 - 1,080262” e “ST / 4 - 1,080262”, que ambos estreiam em 24 de maio de 1962 na sede da IBM-France, pelo Ensemble de Musique Contemporaine de Paris e pelo Quarteto Bernède, respectivamente;

– “Morisma-Amorsima” (ST / 4 - 1030 762) para cinco instrumentos, terminada a 3 de Julho é estreada a 16 de Dezembro em Atenas, conduzido por Lukas Foss;

– A 6 de Setembro, estreia de “Atrées” (ST/10 - 3060 962) pelo Ensemble de Musique Contemporaine de Paris, dirigido por Konstantin Simonovitch;

– A 25 de Abril, estreia de “Stratégie” no Festival de Veneza, pela Orquestra do Festival, dirigida por Bruno Maderna e Simonovitch Konstantin;

– Em Maio, o GRM organiza um "concerto de grupo";

– Acrescentaram várias restrições e, por fim, decepcionado, Xenakis retira-se do projecto, deixando também o GRM que apenas retorna esporadicamente.

– Xenakis é convidado para o Festival de Outono de Varsóvia, onde, as suas obras são muito bem recebidas;

– A 25 de Outubro, estreia de “Polla ta Dhina” por Hermann Scherchen no Festival de Stuttgart da música "light";

– A 15 de Dezembro, estreia escandalosa de “Bohor” em Paris, um pedaço de fita realizado no estúdio GRM, que levou à ruptura definitiva entre Xenakis e Pierre Schaeffer, a quem a obra é dedicada.

1963 – A 24 de Abril estreia “Herma”, a primeira apresentação de uma obra de Xenakis no Domaine Musical, interpretada pelo pianista Georges PluderMâcher, com o Opus de Schoenberg 11 e 23, “Amy’s Inventions, Constellations” por Boulez e o Trio por Kotonski;

– No Verão, Xenakis é convidado por Aaron Copland para ensinar composição no Berkshire Music Center em Tanglewood;

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– Começou a trabalhar em “Eonta” em Tanglewood e a anotar várias maneiras de compatibilidade nos seus esboços;

– Em Outubro são publicadas as “Musiques Formelles, Nouvelles principes de composição musicale”, n ° 253-254 de La Revue Musicale, publicado por Richard Masse, acrescentando um novo capítulo "Musique Symbolique";

– Entre o Outono de 1963 e a Primavera de 1964, Xenakis vive em Berlim Ocidental com uma bolsa da Fundação Ford, trabalhando em novas ideias de composição divulgado pela primeira vez no seu artigo "La voie de la recherche et de la question".

1964 – Em Janeiro, em Berlim, Xenakis escreve o seu ensaio "La Ville cosmique" para o livro de Françoise Choay, “L'Urbanisme. Utopias et réalité”, que é posteriormente incluído no seu livro, “Musique. Arquitectura”;

– Em Julho, estreia “Les Suppliante” (Hiketides) no Teatro de Epidauro, sem Xenakis, que ainda carrega uma sentença de morte na Grécia sendo privado da sua nacionalidade grega;

– Em 16 de Dezembro, estreia “Eonta” no Domaine Musical por Yuji Takahashi, piano e The Ensemble Domaine Musical conduzida por Pierre Boulez. Avaliando esta composição como intocável, Boulez tem os cinco instrumentos de sopro tocados por dez músicos, seguindo o princípio de alternância.

1965 – Em Maio, Xenakis obtém a nacionalidade francesa, graças à ajuda de Georges Pompidou e Georges Auric.

– A 20 de Maio, em Paris, no Salle Gaveau, "Festival Xenakis", deu-se o primeiro concerto monográfico, dado pelo Ensemble Instrumental de Musique Contemporaine de Paris conduzida por Konstantin Simonovitch e com o pianista Yuji Takahashi;

– É atribuído a Xenakis o Grande Prémio da Academia de Gravação francesa.

1966 – A 4 Março “Pithoprakta” é dirigida por Aaron Copland em San Francisco.

– A 3 de Abril, estreia mundial de “Terretektorh” no Festival de Royan, pela Orquestra da ORTF, conduzida por Hermann Scherchen.

– Em Abril, participa num seminário internacional organizado pela UNESCO, em Manila, "Músicas da Ásia";

– A 5 de Maio, Siegfried Palm estreia “Nomos Alpha”, em Bremen;

– Entre 11 de Junho e 4 de Setembro, “Oresteia” (primeira versão) é estreado e realizado três vezes por semana, em Ypsilanti, Michigan;

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– De 28 a 29 Junho, os programas ingleses de Bach Festival incluem dois concertos de música com Xenakis, em especial, a estreia de “Akrata” desempenhado pelo Ensemble Instrumental de Musique Contemporaine de Paris, dirigida por Charles Bruck;

– A 29 de Julho, estreia de “Metastasis” no México.

– Em Agosto, Xenakis dá aulas e palestras durante quatro semanas no Instituto Torcuati di Tella, em Buenos Aires, onde Alfredo Ginastera é director;

– A 20 de Dezembro, o EMAMu é fundado por Marc Barbut, Genuys François, Guilbaud Georges e Iannis Xenakis, que é director do grupo.

1967 – Em Janeiro, publica «Vers une métamusique» dans le n º 29 da revista La Nef. Xenakis e analisar les Echelles de la Musique et Grecque antigas bizantino e expor de maneira detalhada a sua teoria de «sieves»;

– A 29 de Março, cria “Medea” no Théâtre de l'Odéon, em Paris sob a direcção de Diego Masson e direcção de palco de Jorge Lavelli. Maria Casares é “Medea”;

– Para o Pavilhão da Exposição Universal de Montréal, cria “Polytope” dirigida por Roger Bordaz;

– Xenakis é convidado a ensinar enquanto professor associado na Universidade de Bloomington (Indiana) que lhe promete criar um Centro de Música e Matemática automatizado. Mas, de ano a ano, o projecto é adiado;

– Grava “Polytope de Montréal”.

1968 – Xenakis publica "Vers une philosophy de la musique"

– “Nuits” estreia a 7 Abril no Festival de Royan

– A 26 de Outubro celebra-se o "Dia Xenakis” fazendo parte dos primeiros Dias de Música Contemporânea em Paris.

1969 – Louis Leprince-Ringuet saúda a EMAMu nos laboratórios nucleares de física do Collège de France;

– A 2 de Abril Xenakis considera a dança Paolo Bortoluzzi coreografada por Béjart em “Nomos Alpha” um pleonasmo;

– “Nomos Gama” é estreada pela Orquestra Filarmónica ORTF a 4 de Abril;

– Estreia do ballet “Kraanerg” de Xenakis a 2 de Junho, na inauguração do Centro Nacional de Artes em Ottawa;

– Anaktoria estreia no dia seguinte, pelo Octeto Paris no Festival de Avignon;

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– A 9 de Setembro, “Persephassa” é estreada pelos Les Percussions de Strasbourg, no Festival de Artes de Shiraz

– Estreia francesa de “Persephassa” a 28 de Outubro, nas Jornadas de Música Contemporânea em Paris.

– Grava as versões 4-faixas de “Concret P.H” e “Orient-Occident”;

1970 – Na Feira Mundial de Osaka, dá-se a apresentação de “Hibiki Hana Ma”, uma peça de oito faixas, eletroacústica, dentro de um desempenho que incluí feixes de laser;

– As primeiras apresentações de “Metatstasis” e “Pithoprakta” são dadas no Chile pela Orquestra Filarmónica conduzida por Juan Pablo Izquierdo, no Teatro Municipal de Santiago a 21 Maio.

1971 – A 6 de Abril estreia “Charisma” no Festival de Royan, por Guy Deplus e Wiederker Jacques e de “Synaphaï” pelo ORTF Orchestra, conduzida por Michel Tabachnik;

– Concerto Monográfico de apresentação do compositor é dado em Maio no Whitney Museum of American Art em Nova Iorque;

– Estreia a 24 de Agosto de “Aroura” no Festival de Lucerna pelo Festival Strings and Rudolf Baumgartne;

– A 26 de agosto estreia “Persépolis”, no Festival de Arte Shiraz, nas ruínas do palácio de Dario;

– Estreia mundial de “Duel” a 18 de Outubro, em Hilversum pela Orquestra de Rádio, conduzida por Diego Masson e Terby Fernand;

– A 27 de Outubro estreia “Mikka” por Gitlis Ivry no Museu de Arte Moderna de Paris;

– Em 29 de Novembro no Théâtre de la Ville em Paris, dá-se um concerto inteiramente dedicado à Xenakis pelo Domaine Musical;

– “Musique. Architecture” é publicado pela Casterman, sendo composto por artigos anteriormente publicados em vários periódicos.

1972 – A 26 de Abril estreia de “Linaia Agon” no English Bach Festival;

– Xenakis é nomeado membro honorário da British Computer Arts Society;

– Ao pedido de Michel Guy por uma ópera, Xenakis, sugere em alternativa um espectáculo automatizado abstracto com luzes, lasers e flashes eletrônicos, que viria

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

a ser a “Polytope de Cluny”, estreada a 13 de Outubro, e apresentada até Janeiro de 1974;

– O EMAMu torna-se o CEMAMu;

–"Dias Xenakis" no departamento de música da Universidade de Montreal;

– Em Julho, Xenakis é convidado a ensinar na sessão de verão de Darmstadt;

– Xenakis renuncia ao cargo de professor associado na Universidade de Bloomington;

– No Outono, Xenakis começa a sua carreira como professor associado na Université de Paris I, nas artes visuais e ciências de departamento de arte;

– Em Dezembro, Xenakis vai para Bali e Java numa viagem organizada por Maurice Fleuret (com Betsy Jolas, Toru Takemitsu e Marie-Françoise Bucquet).

1973 – De Março a Abril, Xenakis lecciona na Universidade de Montreal como professor convidado eminente;

– A 13 de Abril, estreia de “Eridanos” no Festival de La Rochelle pelo European Contemporary Music Ensemble, conduzida por Michel Tabachnik.

1974 – A 21 de Maio, estreia em Paris de “Erikthon” por Claude Helffer e pela ORTF Orchestra, conduzida por Michel Tabachnik;

– A 20 de Junho, estreia em Lisboa de “Cendrées” pelo Coro e Orquestra da Fundação Calouste Gulbenkian, realizado por Michel Tabachnik;

– Em Julho, estreia de “Gmeeoorh” (61 notas/teclas) na Hartford University (Connecticut) por Claude Holloway;

– De 19 a 22 Setembro, realizou-se a retrospectiva Xenakis no Festspiele Beethoven em Bonn, pela Orquestra da Rádio de Colônia, realizado por Michel Tabachnik e Darasse Xavier, respectivamente;

– A 16 de Outubro, estreia em Paris de “Noomena” pela Orquestra de Paris, dirigida por Sir Georg Solti;

– A 23 de Outubro, “Evryali” estreia no Lincoln Center, em Nova Iorque por Marie-Françoise Bucquet;

– Em Novembro, Xenakis retorna à Grécia após a queda do regime dos coronéis e das eleições de 17 de Novembro;

– Maurice Ravel atribui a Xenakis a Medalha de Ouro da SACEM.

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

1975 – Em Junho, no "Dias Xenakis" no Festival de La Rochelle, “Empreintes” é estreado pela Orquestra Filarmónica da Rádio Holanda, conduzido por Michel Tabachnik;

– No Verão, a "Semana Xenakis" fecha o Festival de Atenas, com a exposição na Galeria de Fotografia, com conferências de Xenakis e do musicólogo Iannis Papaionnou, além de três espétaculos no Teatro Herodes Atticus. O público de Atenas começa finalmente a descobrir a música de Xenakis, nunca antes apresentado oficialmente na Grécia antes dessa data.

1976 – A 20 de Fevereiro, “Retours-Windungen” estreia em Bonn, pelas doze violoncelistas da Orquestra Filarmónica de Berlim;

– A 28 de Fevereiro, a London Sinfonietta, conduzido por Michel Tabachnik, estreia “Phlegra” em Londres;

– Em Fevereiro, “N'Shima” é estreada em Jerusalém, realizada por Juan Pablo Izquierdo no "Testimonium", festival de música contemporânea de Israel;

– Em Março, Xenakis decide não participar no Festival de Shiraz das Artes, e escreve ao director do festival;

– A 11 de Março, “Mikka S” é estreado por Régis Pasquier na 8th Annual Music Week em Orléans (França);

– A 26 de Março, Fernando Grillo estreia “Theraps” no Festival de Royan;

– A 2 de Maio, no English Bach Festival, Sylvio Gualda estreia “Psappha”, sendo encomendado pelo Festival Fundação Calouste Gulbenkian;

– A 5 de Maio, “Khoai” é estreado por Elizabeth Chojnacka em Colónia;

– A 18 de Maio, Xenakis defende o seu doutoramento na Université de Paris I; A defesa da tese de doutoramento foi publicada pela Casterman em 1979 sob o título “Arts/Sciences. Alliages”.

– Em Maio, estreia “Dmaathen” (versão original para oboé e percussão) no Carnegie Hall, Nova York, por Nora Post e Jan Williams;

– Xenakis é galardoado com o Grande Prémio Nacional de Música do Ministério da Cultura francês;

– A 16 de Dezembro “Epei”, encomendado pela Quebec Society for Contemporary Music, é estreada em Montreal.

1977 – Xenakis recebe o Prêmio Beethoven da cidade de Bonn, e em Paris é galardoado com o Grande Prémio da Charles-Cros Recording Academy;

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

– O CEMAMu constrói o UPIC de primeira geração;

– Em Abril, estreia francêsa de “N'Shima” pelo Ensemble Intercontemporain, conduzido por Michel Tabachnik, no Théâtre de la Ville em Paris, como parte da série IRCAM do concerto inaugural "Passage du XXº siècle";

– A 17 de Junho, o Ensemble Studio 11 estreia “Akanthos” em Estrasburgo;

– A 21 de junho, “A Colonne” estreia no Rencontres Internationales de musique contemporaine em Metz, França;

– A 28 de junho, “Kottos” estreia no Festival de La Rochelle. Esta obra foi escrita para o Concurso Internacional de Mstislav Rostropovitch. Xenakis foi um membro do júri dessa competição;

– Em Julho, “A Hélène” é estreada pelo Coro do Teatro Nacional da Grécia, no Teatro de Epidauro;

– No dia 21 de Dezembro, a Orquestra Nacional de França, conduzida por Michel Tabachnik, estreia “Jonchaies” em Paris.

1978 – A 11 de Fevereiro, estreia “Diatope”, na esplanada do Centro George Pompidou, usando a peça electrocacoustica “La Légende d'Eer” de Xenakis, mais um computador gerando um espectáculo de luz envolvendo alguns 1600 flashes eletrônicos, 4 projectores a laser e 400 espelhos giratórios e prismas;

– A 2 de Abril, “Ikhoor” é estreado em Paris, no Palais Garnier (Ópera) pelo Trio à cordes français;

– Em Julho, Xenakis é o "convidado de honra" no Acanthes Centro, cujos cursos e palestras realizam-se em Aix-en Provence;

– A 2 de Agosto, “Polytope de Mycène” é apresentado nas ruínas da antiga cidade grega de Peloponeso, além do trabalho eletroacústica “Mycène Alpha”, composta especialmente para a ocasião, também foram tocadas as seguintes obras “A Hélène”, “A Colonne”, “Oresteia”, “Psappha” e “Persephassa”.

1979 – A sua tese de doutoramento é publicada pela Casterman sob o título “Arts/Sciences. Alliages”;

– A 3 de Março, estreia “Palimpsesto”, em Aquila (Itália), pelo Divertimento Ensemble, conduzido por Sandro Gorli;

– A 17 de Maio, o Percussions de Strasbourg Ensemble estreia “Pleiades”, em Estrasburgo, durante um espectáculo de ballet "Le conciliar musical", pela Rhine Opera Ballet company, coreografada pelo Germinal Casado;

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

– Em Maio, Xenakis é convidado a viajar para Quebec pelo Canadian Music Council para assistir aos seminários sobre o tema "Every child’s music every day". Em Montreal, participa no congresso do grupo Critères sobre "deprofessionalism";

– Entre Maio e Setembro, graças a Hans Nagel, o espectáculo “Beaubourg Diatope” está instalado no Bahnhofplatz em Bonn, sendo apresentado três vezes por dia;

– A 21 de junho, “Anemoessa” estreia no Holland Festival pela Hilversum Radio Orchestra conduzido por Richard Dufallo;

– No Verão, é dada a composição do seminário na Academia Musicale Chigiana em Siena, Itália;

– Em Outubro, realiza-se os "Dias Xenakis", organizado pela Contemporary Music Society of Quebec e pela Montreal Symphonic Orchestra.

1980 – A 4 de Junho de 1980, “Dikthas” é estreada durante o 30th Beethovenfest em Bonn pelo Salvatore Accardo e pelo Bruno Canino;

– Xenakis é convidado para ir a Varsóvia e Cracóvia pela União dos Compositores polacos para dar uma série de palestras sobre música formalizada;

– A música de Xenakis é tocada oficialmente pela primeira vez na URSS, por Sylvio Gualda, que tocam “Psappha” em Moscovo;

– Os Concertos da música de Xenakis são organizados em Nova Iorque, onde “Metastasis” e “Empreintes” são executadas pela Filarmônica de Nova Iorque e Zubin Mehta, respectivamente, enquanto “N'Shima” é executada pela Philharmonia Brooklyn, conduzido por Lukas Foss;

– O CEMAMu e UPIC vão para Lille durante três semanas, convidados pelo Festival de Lille e pela Oficina Regional Musical, para palestras e oficinas de composição, em seguida, foram para Bordéus, por dez dias, por iniciativa do Sigma Festival;

– O Festival de Saint-Denis porpõe "Carte blanche para Xenakis", onde o compositor escolheu e apresentou o programa: obras de Dufay e Dunstable foram tocadas, bem como o “Palimpsesto“ estreia parisiense;

– Convidado pela International Scientific Symposia em Volos, Organizado pelo departamento de arquitetura da Universidade de Thessalonki, Xenakis dá uma leitura intitulada "Espaços e Origens de Audiências e Espectáculos";

– Xenakis é nomeado membro do Conselho Nacional da Resistência Helénica;

– Participa em numerosas transmissões de televisão e de rádio, na France- Culture, no Georges Charbonnier’s Show, sobre o tema “CEMAMu and the UPIC”; um

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

programa de televisão canadense sobre o mesmo assunto;uma entrevista na TF1 para Maurice Leroux’s Show "Arcana”, e o popular "Bios Bahnhof" transmitido na Westdeutscher Rundfunk.

1981 – A 13 de Fevereiro estreia “AIS” para barítono amplificado, percussão e orquestra, por Spyros Sakkas, Gualda Syvio, e the Bavarian Radio Orchestra, conduzida por Michel Tabachnik, no Herkulessaal em Munique;

– A 30 de Março, “Embellie” é estreada em Paris, por Geneviève Renon- MacLaughlin.

– Em Agosto, “Mists”, o terceiro trabalho de Xenakis para piano a solo, é estreado por Roger Woodward no Festival Internacional de Edimburgo.

– Xenakis é nomeado director da Ordem Francesa das Artes e Letras.

– A 6 de Setembro, “Serment-Orkos” é estreado em Atenas pelo Coro Rádio grego.

– A 22 de Novembro “Komboï” é estreado por Elizabeth Chojnacka e Sylvio Gualda no Rencontres internationales de musique contemporaine em Metz, França.

– Xenakis dá uma palestra na Ecole Normale Supérieure da Rue d'Ulm, em Paris no Congresso de Filosofia e Matemática sobre o assunto "teoria da intuição e percepção musical”.

1982 – A 26 Março de 1982 “Nekuïa” é estreada em Colônia pela Orquestra e Coro da Rádio de Colônia, conduzido por Michel Tabachnik.

– A 18 de Outubro, “Pour Maurice” (Maurice Fleuret) é estreado no Festival de Euopalia em Bruxelas por Spyros Sakkas e Helffer Claude.

– Xenakis é nomeado Cavaleiro da Legião de Honra francesa.

1983 – A 3 de Fevereiro estreia “Shaar”, para orquestra de cordas de grande porte, pela Orquestra Sinfônica de Jerusalém, conduzido por Pablo Izquierdo, para a abertura do Festival de Israel de Música Contemporânea no Museu de Tel-Aviv.

– Na segunda quinzena de Maio, o CEMAMu e a UPIC participam no Congresso "Música e Computadores", no Centro de rencontres culturelles et Scientifiques d'Orsay.

– Xenakis torna-se membro da Academia de Belas Artes de Berlim.

– A 21 de Junho, estreia simultânea de “Chant des Soleils” em várias cidades da região Nord-Pas-de-Calais, França.

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

– A 15 de Julho, estreia no Hospício de Beaune de “Khal Perr” pelo Quinteto Arban e as percussões Alsácia.

– A 2 de Dezembro, “Pour les baleines” é estreada pela Orquestra Colonne, conduzido por Diego Masson, como parte do Festival Semaines musicales d’Orléans, em França.

1984 – A 14 de Fevereiro “Thalleïn” é estreada em Londres pelo London Sinfonietta, conduzido por Elgar Howarth;

– No mês de Abril, em colaboração com Jean-Louis Véret, Xenakis apresenta o projecto para o concurso de arquitectura, Cité de la Musique no Parc de la Villette, Paris;

– A 16 de April 16, “Lichens” é estreada pela Orquestra Filarmônica de Liège, conduzida por Pierre Bartholomée;

– No dia 2 de Maio, Xenakis é admitido na Academia de Belas Artes francesa, substituindo Georges Auric. Olivier Meesiaen fez o discurso de boas-vindas;

– A 20 de Maio, Elizabeth Chonjnacka estreia “Naama”, em Luxemburgo;

– Entre Setembro e Dezembro, no Festival d'Automne, em Paris, Xenakis apresenta neste primeiro ano todas as suas obras para e com piano, bem como alguns trabalhos recentes de orquestra.

1985 – A 30 de junho, “Nyuyo”, estreia no Festival de Angers (França) pelo l’ensemble Yonin-no-kai de Tóquio;

– A 24 de Julho “Idmen A & B” são estreados em Estrasburgo, durante o Festival Europa Cantat pelo Coro Antifona de Cluj e os Percussions de Strasbourg;

– Em Julho, como parte do Ano Europeu da Música, o curso de verão do Centre Acanthes é dedicado a Xenakis e ocupa lugar primeiro em Villeneuve-lès-Avignon e em seguida, em Salzburgo e depois em Dephi;

– A 15 de Setembro, estreia “Alax”, em Colônia, pelo Frankfurt-based Ensemble Modern, pelo Ensemble Köln e pelo Gruppe für Neue Musik Hanns Eisler de Leipzig conduzido por Ernest Bour;

– Xenakis é nomeado director da Ordem Nacional de Mérito francesa.

1986 – Os Ateliers UPIC são fundados, cuja vocação é essencialmente treinar e ajudar compositores que usam o sistema UPIC;

– De 19 Junho a 6 Julho, no Festival de Nieuwe Muziek De Kloveniersdoelen em Middleburg (Holanda), Xenakis participa numa masterclass organizada por Morton Feldman;

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– A 4 de Julho, Elizabeth Chojnacka e a Middleburg Ensemble estreiam “A l'île de Gorée”, conduzido por Huub Kerstens;

– A 19 de Setembro, Benny Sluchin estreia “Keren” no Festival Musica de Estrasburgo;

– A 13 de Novembro, “Keqrops” estreia no Lincoln Center, em Nova Iorque por Roger Woodward e pela New York Philharmonic, com o maestro Zubin Mehta;

– A 15 de Dezembro, “Akea” estreia durante o Festival d'Automne por Claude Helffer e o Quarteto Arditti;

1987 – A 26 de Janeiro, “Jalons” é estreada no Theatre de la Ville;

– A 13 de Julho, “Taurhiphanie” é estreado no anfiteatro de Arles, como parte do Festival Internacional de Radio-France com sede em Montpellier;

– A 2 de Agosto estreia de “A r.” por Austbo Haakon, no Festival Internacional da Radio-France, em Montpellier;

– A 21 de Agosto, uma nova versão do “Oresteia” é apresentada no Festival de Orestiadi em Gibellina, dirigido por Iannis Kokkos;

– A 17 de Setembro a Orquestra Nacional de Lille, conduzida por Jean-Claude Cassadesus, estreia “Tracées” em Paris;

– A 24 de Outubro “Horos” estreia em Tóquio pelo Orquestra Filarmónica Japonesa, conduzida por Hiroyuki Iwaki, como parte da inauguração da nova Suntory Hall;

– A 17 de Novembro, “Xas” é estreada pelo Quarteto de Saxofones Rascher.

1988 – A 3 de Maio de 1988 “Ata” é estreada no Donaueschingen pela Orquestra Sinfónica de Südwestfunk, conduzido por Michael Gielen;

– A 6 de Maio, a London Sinfonietta, conduzida por Elgar Howarth, estreia “Waarg” em Londres;

– A 1 de Julho, “Rebonds” é estreado por Sylvio Gualda na Villa Medicis durante o Festival Roma Europa;

– Em Julho, Xenakis participa no seminário "Redescobrir o tempo", organizado pela Universidade de Bruxelas;

– Entre 19 e 24 de Setembro, o Festival Settembre Musica da Torin é inteiramente dedicado à Xenakis.

1989 – Em Janeiro Patrick Fleury organiza quatro programas de rádio semanais sobre Xenakis;

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– A 1 de Abril, “Voyage absolu des vers Unari Andromède”, um trabalho realizado no CEMAMu, é estreado no Templo Honyokuji Kamejama em Osaka, como parte da l’Exposition internationale des cerfs-volants.

– A 26 de Abril, Harry Sparnaay e o Ensemble Asko, conduzidos por David Porcelijn, estreiam “Echange” em Amsterdão.

– Xenakis é nomeado Doutor Honoris Causa da Universidade Edimburgo e também membro estrangeiro da Academia Real Sueca.

– A 18 de Maio, Rohan de Saram e o Ensemble Spectrum, conduzidos por Guy Protheroe, estreiam “Epicycle”, como parte do Festival de Londres grego.

– A 17 de Setembro, estreia de “Oophaa” no Festival de Outono de Varsóvia, por Elizabeth Chojnacka e Sylvio Gualda.

– A 20 de Outubro, “Okho” é estreado na Ópera-Comique, em Paris, pelo Le Cercle Trio como parte do Festival d'Automne.

1990 – Em Abril, Xenakis torna-se Residente Distinto da Universidade do Sul da Califórnia em San Diego. Dezenove das suas obras são executadas em concertos estudantis;

– A 27 de Abril, o Arditti Quartet estriea “Tetora” no Festival Tage für Neue Wittener Kammermusik.

– A 24 de Junho, “Knephas” estreia no Festival Almeida em Londres, pelo New London Choir, conduzido por James Wood;

– Xenakis é nomeado Professor Emérito da Université de Paris I – Sorbonne;

– A 9 de Outubro “Tuorakemsu” é estreado em Tóquio para o sexagésimo aniversário de Toru Takemistsu pela Orquestra Sinfónica de Shinsei, conduzido por Hiroyuki Iwaki.

– A 7 de Dezembro, “Kyania” estreia em Montpellier pela Orquestra Filarmônica de Montpellier, conduzida por Zoltan Pesko.

1991 – Xenakis completa o seu programa de computador GENDY, onde introduz um algoritmo estocástico no processo de síntese de som chamado "síntese dinâmica estocástica".

– Xenakis é nomeado Director da Legião de Honra francesa e Comandante da Ordem Francesa das Artes e Letras.

– A 6 de Outubro, “Dox-Orkh” é estreado por Irvine Arditti e pela Orquestra Sinfônica da BBC, conduzida por Arturo Tamayo no Festival de Musica em Estrasburgo.

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

– A 17 de Novembro, “Gendy3” estreia no Rencontres Internationales de musique contemporaine em Metz.

1992 – A 24 de Março de 1992 “Roaï” é estreado em Berlim, pela Orquestra Sinfónica da Rádio, dirigida por Olaf Henzold, para o aniversário do quadragésimo jubileu da Associação Europeia de Festivais de Música;

– Em Maio, “Krinoïdi” estreia em Parma, pela Orquestra Sinfônica de Emilie- Romagne, conduzida por Ramon Encinar;

– Xenakis é nomeado Membro Honorário da Academia Sainte-Cecilia em Roma;

– A 3 de Maio, “La Déesse Athena” é estreado em Atenas por Spyros Sakkas e pela Orquestra Radiotelevisión de Atenas, conduzido por Michel Tabachnik;

– A 5 de Dezembro, “Pu wijnuej we fyp”, baseado no "dormeur du val" de Arthur Rimbaud, é estreada pelo Coro da Radio-France, conduzido por Denis Dupays;

– A 14 de Dezembro, “Paille in the Wind” é estreado por Jacopo Scalfi e Roger Woodward no La Scala, em Milão.

1993 – A 26 Março, “Troorkh” um concerto para trombone e orquestra, é estreado por Christian Lindberg e pela Orquestra da Rádio sueca dirigida por Esa-Pekka Salonen;

– A 23 de Julho, “Mosaïques” é estreada em Marselha pela Orquestra de Jovens do Mediterrâneo, dirigida por Michel Tabachnik;

– A 1 de Setembro, “Les Bacchantes d’Euripide” é estreado no Queen Elizabeth Hall em Londres por Joe Dixon, barítono e Premiere Ensemble of the Opera Factory, conduzido por Nicholas Kork;

– De 2 a 4 de Outubro, três concertos são inteiramente dedicados a Xenakis no Dresdner Tage der zeitgenössischen Musik;

– A 11 de Outubro, o “Polytope de Cluny” é dado no Festival Ultima, em Oslo;

– A 28 de Outubro, um “dia Xenakis" é organizado na Universidade de Seul por Yuji Takahashi;

– De 9 a 13 de Novembro, no Festival de Outono em Paris, um espectáculo de dança pela Companhia Ballet Charleroi, coreografada por Lucinda Childs, com base em “Naama”, “Oopha”, e “Psappha”, é interpretado por Elizabeth Chojnacka e Sylvio Gualda. Vistando posteriormente, Nimes, Cannes, Grenoble, e Amesterdão.

1994 – A 5 de Abril, “Zyïa” é estreado no Festival de Música Contemporânea, em Evreux por Dominique Gaucet, Daroux Cecile, Vassiliakis Dimitri, e pelo coro masculino de Jovens Solistas, realizado por Rachid Safir;

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

– A 24 de Abril, “Plekto” é estreado no Tage für Neue Wittener Kammermusik pelo Ensemble Köln, conduzido por Robert Platz;

– A 9 de Junho, “Dämmerschein”, conduzido por Zoltan Pesko, com a Orquestra da Rádio de Colónia, é estreado em Lisboa. As estreias alemãs e belgas deste trabalho são interpretadas nos dias seguintes;

– A 16 de Setembro, os Cantores da BBC, conduzidos por Simon Joly, estreiam “Sea Nymphs” em Londres.

– A 21 de Setembro, estreia em Varsóvia de “Mnamas Kharin Witoldowi Lutoslavskiemu” pela Orquestra de Câmara de Cracóvia, conduzida por Wojciech Michniewski.

– A 2 de Dezembro, estreia de “S.709” em Paris durante os "Dias UPIC", organizado na Radio-France.

– A 17 de Dezembro, “Ergma” é estreado em Haia pelo Quarteto Mondrian.

1995 – A 4 de Fevereiro, uma nova versão de “Dmaathen” (por Cécile Daroux para flauta em si bemol e percussão amplificada) estreia no Festival Présences no Radio- France por Cécile Daroux e Talibart Claire. A estreia francesa de “Dämmerschein” também é apresentada neste Festival pela Orquestra Sinfónica Radio-France, conduzida por Elgar Howarth;

– Xenakis é nomeado Cavaleiro da Legião grega de Phoenix e Comandante da Ordem Nacional do Mérito francesa;

– A 16 de Novembro, “Voile” é estreado no Herkulessaal em Munique pela Orquestra de Câmara de Munique, conduzida por Christoph Poppen.

1996 – A 1 de Março, “Koïranoï” é estreado em Hamburgo pela Orquestra Sinfônica Rundfunk Norddeutscher, conduzida por Zoltan Pesko;

– A 10 de Abril, “Zythos”, para trombone e seis percussionistas, é estreado por Christian Lindberg e pelo Ensemble Kroumata, em Birmingham;

– A 10 de Junho, “Kuïlenn”, para nove instrumentos de sopro, é estreada em Amesterdão durante o Festival de Holanda pelo Nederlands Blazers Ensemble;

– A 9 de Agosto, “Hunem-Iduhey” estreia em Nova Iorque por Edna Michell e Akahoshi Ole durante o Lincoln Center Festival of Arts;

– A 4 de Outubro, o Quarteto Arditti, Kakuska Thomas, e Valentin Erben estreiam o Sexteto de Cordas “Ittidra” em Frankfurt;

– A 20 de Outubro, “Ioolkos” estreia no Festival de Donaueschingen pela Orquestra Sinfônica Südwestfunk, conduzido por Kwame Ryan;

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Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

– A 12 de Novembro, “Kai” é estreada pelo Oh Ton Ensemble, conduzido por David Coleman, em Oldenburg;

– A 6 de Dezembro, “Roscobeck” é estreado em Colônia por Rohan de Saram e Stefano Scodanibbio no Westdeutscher Rundfunk como parte do Festival Musik der Zeit.

1997 – A 4 de Fevereiro de 1997, Xenakis é galardoado com o Prémio Quioto, no Japão;

– A 23 de Julho, estreia “Sea-Change” em Londres pela Orquestra Sinfónica da BBC, conduzida por Andrew Davies;

– A 30 de Novembro, estreia da última obra de Xenakis, “O-mega”, em Huddersfield por Evelyn Glennie (solo de percussão) e pela London Sinfonietta, dirigida por Markus Stenz.

1998 – De Janeiro a Fevereiro de 1998, numerosas obras de Xenakis são apresentadas no Festival Présences no Radio-France.

1999 – De 25 a 30 de Janeiro de 1999, realizam-se “Dias Xenakis” na Universidade Marc-Bloch e no Museu de Arte Moderna em Estrasburgo;

– Em Março realiza-se o Festival Xenakis em Nicósia e Larnaca, no Chipre;

– Em Maio realizam-se as “Semanas Xenakis”, na Bretanha.

2000 – Em Maio realizam-se os dias da Música e Matemática na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. São apresentadas mais de vinte obras de Xenakis para orquestra;

– A 15 de Dezembro, estreia “Anastenaria” como um tríptico (Procissão “vers les Eaux Claires”, “Le Sacrifice”, “Metastasis”), em Munique, dirigida por Charles Zacharie Bornstein.

2001 – A 4 de Fevereiro, Iannis Xenakis morreu em casa às cinco da manhã.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 212

APÊNDICE B Conversa com Paulo Enes da Silva

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Lisboa, 6 de Julho de 2012

Conversa com Paulo Enes da Silveira137 na Fundação Calouste Gulbenkian.

Pedro Caeiro: Que experiências travou com Iannis Xenakis?

Paulo Enes da Silveira: Conheci-o pessoalmente em Paris e trabalhei na sua equipa no projecto da sua mesa acústica U.P.I.C.. É um extraordinário compositor-arquitecto. Em tempos fiz um artigo para um jornal sobre Xenakis, onde mostrava o Pavilhão Philips.

P C: Pode-me falar um pouco sobre o Concerto/Peça de 2 horas, “Tauromaquie” na Arena de Arles, EM 1987?

P E S: Um espectáculo multimédia onde Xenakis foi maestro e compositor ao mesmo tempo, encontrando-se no centro da arena, elevado por uma torre, onde se encontravam dois assistentes e vários computadores.

Numa praça de touros, 12 conjuntos de precursão estavam distribuídos por cada hora do relógio. Os sons que saiam destes conjuntos de precursão eram recolhidos pelos microfones instalados á frente dos mesmos, sendo posteriormente transformados em computadores e tratados por Xenakis em tempo real, sendo emitidos de várias maneiras, entre elas com o efeito de eco. Xenakis é que decidia a ordem e o momento em que cada conjunto de precursão tocava, alternando-a a seu critério.

137 Paulo Enes da Silveira, natural de Ponta Delgada, S. Miguel, Açores, nasceu em 1955. Actualmente. É Professor Catedrático nas Universidades Lusíada de Lisboa e Autónoma de Lisboa e foi Professor, Director e Investigador no ISLA. Começou a docência na Universidade do Açores. Doutorado em Informática pela Universidade de Paris VI - Pierre et Marie Curie - em Informática (onde também leccionou) e pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, é licenciado em Engenharia Electrotécnica. Tem sido professor e investigador em Portugal e no estrangeiro, coordenador de projectos em informática, administrador e director em empresas, em Portugal, França, Noruega, Bulgária, Reino Unido e Estados Unidos da América. É amante de música (cursou o Conservatório de Música de Ponta Delgada e foi Professor no Conservatório de Música de Lisboa; foi durante doze anos Director Artístico do Festival Internacional de Música de Coimbra, toca vários instrumentos, em particular a viola e a guitarra portuguesa que continua a estudar); de Teatro (foi Director do Teatro Universitário do Porto, lançou o primeiro concurso nacional de dramaturgia/peças de teatro, convidando Óscar Lopes e Carlos Wallenstein para o Júri); de Dança (dançou e realizou projectos de luz para dança), de Poesia (é casado com a Poetisa Teresa Machado), de pintura (organizou muitas exposições em Portugal e França, tendo lançado o pintor "naif" Isabelino, na cooperativa Árvore no Porto e promovido o surrealista Moniz Pereira em Paris). Praticou vela, natação pelo Clube Naval de Ponta Delgada, hóquei em patins, basquetebol pelo União Micaelense (todas estes desportos federados e de competição) e Artes Marciais (na Soshinkai/SKKP/FPKS e iniciou a prática das Artes Marciais nos Açores em 1979, fundando a Academia Shoshinkai) que estuda eternamente.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 215 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Ilustração de Paulo Enes da Silveira, explicando "Tauromaquie"

Numa segunda fase entraram cavalos com cavaleiros na arena, que cavalgavam, trauteavam, em redor da mesma. Os sons reproduzidos pelos cavalos tinham o intuito de serem utilizados como uma forma de precursão. Além de uma bela coreografia proporcionada por estes animais, o espectáculo tornava-se ainda mais surpreendente quando algum deles relinchava.

Numa fase final do espectáculo, touros em manada deram entrada na arena e como animais selvagens que são o inesperado podia sempre acontecer.

P C: Esclareça-me em que consiste a mesa U.P.I.C. (Unité Polyagogique Informatique Du CEMAMu).

P E S: Era uma máquina que tinha uma unidade de computador que estava ligada a uma mesa/estirador com fios electrónicos ligados a teclas.

Nesse espaço podia-se desenhar através de uma caneta magnética, (com tinta) e o computador reconhecia, fazendo a leitura através das coordenadas inscritas na mesa. Terminado o desenho podia-se accionar a partitura (desenho gráfico) e ouvir-se o som. Metodologia inversa à convencional, processo onde primeiro se desenha o aspecto gráfico da música e só depois se ouve.

Trabalhava em termos acústicos, onde a UPIC funciona inversamente em termos de direcção convencional. Para isso tinha de ter alguns parâmetros para poder definir a sua música.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 216 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Esboço de Paulo Enes Silveira, explicando como funcionava acústicamente a mesa U.P.I.C.

Para compor, era preciso interagir, através de desenhos, com a mesa U.P.I.C., selecionando apenas os desenhos que lhe interessavam.

O único português que conheço que criou uma obra com a mesa U.P.I.C. foi Cândido Lima138.

P C: Em 1980, na cidade de Lille, realizou-se um Seminário de Utilização da U.P.I.C., como correu?

P E S: Este seminário estava organizado por faixas etárias, dividindo-se por crianças, universitários, amadores e profissionais de música. Depois da conferência respectiva sobre a mesa UPIC, os espectadores foram convidados a experimentar a mesa, com o intuito de compor uma música.

O conjunto de crianças decidiu desenvolver uma história na U.P.I.C., após a frustração de desenhar barcos, flores, nuvens, casas e até mesmo o sol, que provocavam sons tão estranhos que se tornavam execráveis e inaudíveis.

A viagem à Lua, era o título da história, onde começava com os astronautas a entrar no foguetão que depois descolava da terra, e posteriormente aterrava na Lua. Estes começavam a andar na Lua, a investigar, mas quando decidiram voltar à Terra, o foguetão não pegava. E quando finalmente conseguiram desaluar, nessa viagem de volta, apanharam com uma chuva de meteoritos que os assustou um pouco. Ao

138 Cândido Lima, nasceu em Viana do Castelo em 1939. Iniciou os seus estudos em Piano e Composição em Braga, onde exerceu durante muitos anos a actividade de organista da Sé Catedral. Diplomou-se em Piano e Composição nos Conservatórios de Música de Lisboa e Porto como bolseiro da Fundação Gulbenkian e outras organizações organizacionais, e em Filosofia e Humanidades na Faculdade de Filosofia de Braga. Doutorado pela Universidade de Paris I - Sorbonne, (e um Doctorat d'État inacabado). Estudou composição com Xenakis e direcção de orquestra com Gilbert Amy e Michel Tabachnik Estudou Electroacústica e Informática Musical nas Universidades de Vincennes e Panthéon- Sorbonne, tendo estagiado no IRCAM e no CEMAMu.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 217 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

chegar à Terra, os astronautas foram recebidos com uma salva de palmas, numa grande festa.

A Categoria de sons que apreciavam foi desenhada através de desenhos gráficos.

P C: Em termos de metodologia de trabalho como era?

P E S: Muito rigoroso, com personalidade introspectiva, entusiasmado. Irritava-se quando era contrariado. Era muito exigente e meticuloso. Chegava sempre aos locais atempadamente. Era apaixonado pelo que fazia.

Estava sempre a horas e quando era para trabalhar não havia cafés para ninguém.

Zangou-se com um espectador que lhe perguntou, se já tinha experimentado a mesa U.P.I.C. para desenhar uma música de Bach. Respondendo que a U.P.I.C. era para ser utilizada com o objetivo de criação musical, e não para desenhar música de outros compositores.

Citava muito Le Corbusier, sendo claramente a sua maior influência devido à sua criatividade.

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APÊNDICE C Desenhos rigorosos do projecto do 5º Ano

ANEXOS

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Ciclo de conferências: “A Música no Espaço – Diálogos entre Música e Arquitectura” em 2011.

Anexo B - Carta de Iannis Xenakis a Le Corbuiser em 1959.

Anexo C - Pedido de patente de Le Corbusier para os “painéis de vidro ondulantes” e “nota técnica” de acompanhamento de Xenakis.

Anexo D - Defesa da tese de Iannis Xenakis.

Anexo E - Carta de Le Corbusier para Xenakis em 1957.

Anexo F - Diagrama elaborado por Xenakis, ilustrando as relações entre o seu trabalho arquitectónico e musical.

Anexo G - Carta dirigida a Hermann Scherchen explicando o problema sobre a autoria do Pavilhão Philips.

Anexo H - Folhas de estudo sobre os paineis de vidro ondulantes do Mosteiro de La Tourette.

Anexo I - Carta de Xenakis ao Padre de Couesnongle.

Anexo J - Prefácio do Mosteiro de La Tourette.

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 243 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

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ANEXO A Ciclo de conferências: “A Música no Espaço – Diálogos entre Música e Arquitectura” em 2011

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

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Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 248

ANEXO B Carta de Iannis Xenakis a Le Corbuiser em 1959

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

(Kanach, 2008, p.36)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 251 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

(Kanach, 2008, p.37)

(Kanach, 2008, p.38)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 252 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

(Kanach, 2008, p.39)

(Kanach, 2008, p.40)

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ANEXO C Pedido de patente de Le Corbusier para os “painéis de vidro ondulantes” e “nota técnica” de acompanhamento de Xenakis

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Paris, Julho 12, 1955

1) Construções modernas, principalmente em betão armado (mas eventualmente em aço), formado por pilares e pavimentos, não incluem fachadas de apoio (paredes, etc...), mas deixa espaços totalmente abertos e aptos a receber elementos transparentes. Vamos chamar a esses espaços entre os tectos e pavimentos de “Paíneis de Vidro”. 2) Fachadas tradicionais, como as modernas, são organizadas de maneira a deixar a luz entrar nas estruturas e ventilá-las através das janelas. 3) Vimos por este meio propor uma mais clara classificação definindo as funções delegadas dos paíneis de vidro: a) uma função de iluminação, utilizando materiais transformados transparentes ou translúcidos. b) uma função de ventilação, obedecendo às estritas leis físicas, sendo necessário componentes de ventilação que são independentes e perfeitamente ajustáveis. 4) Como tais separações podem ser realizadas? Vamos primeiro definir casos para aplicá-las: a) edifícios de escritórios b) edifícios fabris c) edifícios para habitação (parcialmente) Vamos agora definir as técnicas a serem empregadas. Aqui, é uma questão de simplicidade elementar e uso sistemático: a) betão armado b) vidro transparente ou translúcido Para o betão armado, o processo proposto implica um único suporte em betão moldado (seja feito no local ou pré-fabricado) que é selado no chão e na outra extremidade, no tecto. Este pedaço de betão, que tem aproximadamente 27 centimetros de profundidade por 5 centimentros de largura, contém duas ranhuras em cada lado. Um mecanismo de elevação muito simples permite que estas peças sejam facilmente ajustadas entre o piso e o tecto. Estas peças de betão podem ser colocadas tanto em distâncias regulares ou, em contrário, muito irregulares. Se a distância é variável, então eles podem seguir as regras da natureza ondulatória, e, em particular, o Modulor pode ser aplicado. O resultado destes espaços diversificados entre as peças de betão permitirá cobrir todas as superfícies - sejam elas de pequenas ou grandes dimensões - tudo isso enquanto se evita qualquer desperdício. O vidro vai ser moldado no local e no mesmo andar como as peças de betão, para ser instalado entre o tecto e o chão. Uma máquina de moldes será capaz de criar um contacto rectangular limpo e preciso sobre os dois lados do vidro. Deste modo, as placas de vidro podem ser sobrepostas umas sobre as outras, preenchendo o espaço entre os tectos e pavimento. Uma vez que o vidro está instalado entre as duas ranhuras (cujas profundidades são, obviamente, a mesma), irá ser selado com mástique sobre as extremidades verticais. Várias formas de correcção podem ser adoptadas e não necessitam de nenhuma patente - existente ou pendente. A distribuição das "ondulações" pode ser determinada em relação ao que está por trás dos painéis de vidro dos edifícios. Intercaladas as "ondulações” por pilares ocos ou caixas de vigas - em metal, madeira ou qualquer outro material - fornecerão os meios para ventilação, independente da função de iluminação. Estes pilares ocos ou caixas de vigas podem ser feitas por carpintaria normal, dobrando a chapa ou serrelharia, de qualquer metal, de material plástico ou madeira. Uma lâmina vertical de ventilação será criada para ajustar as aberturas entre 0 e 170 milímetros, de uma maneira ou ambas; Significando a partir dos 0 e 170 milímetros para a esquerda, e entre 0 e 170 milímetros para a direita, de acordo com os dois tipos de encerramentos verticais sobre as caixas de vigas de ventilação. (É útil mencionar aqui que os construtores e arquitectos devem criar uma ventilação cruzada na parede

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 257 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

em frente aos painéis de vidro. Esta ventilação cruzada é proporcional à ventilação dos painéis de vidro e garante a renovação do ar no edifício à vontade.) Estou a acrescentar uma descrição técnica do meu projectista, Xenakis.

Le Corbusier

Nota técnica sobre os “painéis de vidro ondulantes” Material de Apoio Aberturas nas paredes, superfícies entre os andares, qualquer superfície vertical ou inclinada, em geral, fechada por elementos paralelos tridimensionais, em que uma das dimensões é nitidamente maior que as outras duas. Por exemplo: tubos quadrados, rectângulos, círculos, barras metálicas flexíveis ou rígidas. Vidro, alvenaria, divisórias de madeira ou metal, etc... podem preencher a distância entre os elementos. Princípios para a distribuição dos elementos Em princípio, a disposição dos elementos nas aberturas é livremente determinada. Qualquer série de distâncias é válida, a partir de um único espaçamento de uma função logarítmica, ou mesmo permutações de todos os comprimentos determinados. No entanto, no nosso sistema, o personagem principal é composto por algumas escalas de distâncias repetidas em formas de onda ou onduladas A tabela a seguir demonstra esses princípios em formas ondulantes

Cujas distâncias são estabelecidas a partir da série azul e vermelha do Modulor. As ondulações do C são estabelecidos por justaposições de fragmentos a partir de

Finalmente, as formas D são criadas a partir de oposições desde as distribuições densas ou rarefeitas dos elementos.

Paris, 12 Julho, 1955 Xenakis

(Kanach, 2008, p.43)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 258

ANEXO D Defesa da tese de Iannis Xenakis

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Imaginação cria asas, ainda mais com a morte de um nome famoso, do que quando alguém próximo a nós partiu. A morte de alguém famoso tende a tornar oficial, um incompreensível, irreversível fenómeno vindo de algo que normalmente, nós esquecemos. E, como costume, estãoos de luto e pesar pelo desaparecimento do nome, mas não do próprio homem (não o tendo conhecido), nem das suas invenções futuras, nem dos seus entes acabados, ou seja, a sua verdadeira natureza e as manifestações de ser mal interpretado ou mal digerido. Isto é muito rápido o luto transforma-se em lágrimas de crocodilo, em apresentações hipócritas de necrofilia e num culto pessoal. A fim de falar sobre Le Corbusier, temos de recuar até 1920, quando ele estabeleceu o seu caminho todo. Quarenta anos mais tarde, estava seguindo os mesmos canais. Só hoje, os bons e os pontos maus são misturados, sem qualquer distinção, ultrapassada por mais de uma geração. Tudo mudou; oportunidades perdidas foram retiradas através de ambos, da cidade e do campo, visões encantadoras e modelos utópicos de cidades-jardim verticais foram expulsas. Pedestres são agora separados das autoestradas. Cidades lineares são cuidadosamente dispostas ao longo de estradas de ligação em ângulos rectos ou em forma de T geométricos: cidades especializadas, cidades descentralizadas. Banalidades pequenas e grandes acumuladas ao longo do caminho que se tornou ultrapassado, foram dispersas, deixadas para trás e afogaram- se na selva crescente humana e pelo princípio do menor esforço. Nos anos 1950 e 1960, não se parecem com os tempos antigos, as mesmas soluções já não se aplicam, e as profecias provaram-se falsas. 1) Hoje, quarenta anos depois, os planos urbanísticos recomendados e soluções propostas são paliativos impotentes diante dos problemas complexos e inextricáveis, sociais, demográficos, e de comunicação de uma cidade completamente contemporânea. Todos os arquitectos formados são profundamente ignorantes de tais problemas e preferem se concentrar num "acabamento bonito" e num plano pré-concebido do que na realidade. No papel, uma cidade é um processo geométrico, verde, ordenado. Na realidade, é nado- morto, triste, chato, ineficiente. Eles pensam que são actuais, ou mesmo de vanguarda se cercarem blocos habitacionais de 300 ou 1000 pessoas por parques verdes. Na verdade, isto não é nada mais do que simples multiplicação através de um coeficiente de uma cidade jardim horizontal Victoriana. Basta olhar para algumas cidades catastróficas, como Nova Deli ou as futuras cidades-favelas, nos subúrbios de Paris (ou qualquer subúrbio Europeu). O automóvel continua a ser a praga inevitável, o horizonte continua bloqueado, e as donas de casa são ainda escravas. A solução radical encontra-se noutra direcção completamente diferente daquelas propostas por arquitectos de hoje que seguem Bauhaus e Le Corbusier. 2) A concepção sociológica do apartamento e da vida urbana tem vários séculos (ou até milénios) de idade, independentemente do 30 a 40% das mulheres que agora trabalham - tal proporção é aparentemente insuficiente para mudar o "plano padrão"! Assim sendo, a "libertação da dona de casa", que visa o tipo de apartamento de Marselha, por exemplo, é uma ilusão, para além de ser pelo menos 20 anos desactualizada. A igualdade entre os sexos, o que estãoos inexoravelmente a alcançar, não abalou as preciosas tradições da família patriarcal, onde o legítimo lugar da mulher é na cozinha - mesmo quando ela tem uma vista para a sala de estar! É apenas mais um caso onde arquitectos e urbanistas ficaram irremediavelmente para trás das mudanças fundamentais sociais que vêm ocorrendo, mesmo entre a classe média-alta. 3) Construção civil ainda é obsoleta, pesada e arcaica. Quando a indústria de plástico desenvolveu uma série de sucursais quinze a vinte anos atrás, uma verdadeira promessa de uma industrialização de edificação surgiu de repente. No estúdio de Le Corbusier no Nº. 35 rua de Sèvres, em conjunto com os homens como Bernard Lafaille e Jean Prouvé, realizamos uma pesquisa séria sobre novos materiais, formas e estruturas. Tivemos que aceitar o simples facto de que o betão era mais barato (depois dos tijolos). As indústrias de plástico foram incapazes de aproveitar esta oportunidade única de entrar na esfera económica da construção civil. Preferiram tubos de fabrico. Uma oportunidade foi perdida - e os arquitetos de

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 261 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

vanguarda, escolhendo sobre as sobras sem sopros, contentaram-se com tijolos rebocados ou betão. “Gaiolas de coelhos” estão agora a ser construídas a partir dos Urais até ao Atlântico (mesmo nos EUA!), de lajes de betão "pré-fabricadas" no local, sobre os planos de apartamentos quadrados ou retangulares, ou então são construídos com o auxilio conformista das "paredes tela" importadas do exterior, ou, finalmente por uma mistura astuta desses três procedimentos básicos. "Por que os arquitectos não projectam habitações como a de Marselha?" Le Corbusier reclamou meio ingenuamente. 4) Por outro lado, Le Corbusier parece ter realmente prevalecido em termos de expressão estilistica. O ângulo direito e plano, herdado do cubismo, da abstracção de Bauhaus e da industrialização de materiais que eram novos na época, ou seja, aço, betão e vidro, para não mencionar o purismo, que tem dominado nas escolas de arquitectura. Os órgãos funcionais concebidos por Le Corbusier, pelo qual ele proporcionou aos seus edifícios, foram degenerados pelos seus imitadores em estereótipos ornamentais, tais como torres, claustros, galerias, etc, Mas como é que alguém pode plagiar a capela de Ronchamp? No entanto, apesar de algumas falhas reais no seu trabalho (ele reconheceu a verdade neste, ao contrário da sedução sentimental do francês), com Le Corbusier morto, não há outro arquitecto em França (por enquanto). O seu verdadeiro valor não reside tanto nas soluções individuais para este ou aquele problema, que é perecível devido à incrível expansão da humanidade no século XX ("Está tudo indo muito rápido – tempo para eu ser enterrado", disse ele para mim sorrindo, em 1956), mas nos próprios objectos de sua criação, isto é, no prolongamento do carácter de um homem muito especial, o temperamento e a inteligência. Para isso ele é o homem que brilha através de tudo o que fez à mão, seja escultura, música, pintura, matemática, ciências... Isto é para dizer que uma "obra de arte" é um sinal simbólico muito profundo. Para aqueles de nós que trabalharam com ele nos seus dias maus - que não foram de todo maus - e nos seus bons dias, a sua maneira de trabalhar era uma liturgia, uma transmutação secreta. Proporção métrica, mas também a potência de espaço e de funcionalidade, assim como os materiais, para não mencionar a luz, a cor a técnica... Tudo num carrossel deslumbrante de interdependência. Encontrou o seu caminho, pouco a pouco, em poucas horas de discussão ou consigo mesmo ou connosco. Nós ficávamos frequentemente surpreendidos pela sua rapidez, firmeza, comentários e correções, o gesto certo, e, a sua capacidade de encontrar as soluções finais necessárias. O seu eterno auto-questionamento, que era uma de suas características, é um traço de carácter não ensinado na escola. Um homem feito por vocação, era o inimigo jurado de convenções sem inspiração produzida por esses "senhores arquitectos"139 de todos os períodos e profissões, que pensam agora em possuí-lo através da sua morte.

(Kanach, 2008 p.120)

139 Senhores arquitectos referindo-se aos arquitectos em Chandigarh.

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ANEXO E Carta de Le Corbusier para Xenakis em 1957

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Carta original em francês (Kanach, 2008 p.84)

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ANEXO F Diagrama elaborado por Xenakis, ilustrando as relações entre o seu trabalho arquitectónico e musical

ANEXO G Carta dirigida a Hermann Scherchen explicando o problema sobre a autoria do Pavilhão Philips

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

...Pergunta-me por que é que o meu nome não é mencionado.

1) Porque a Philips abordou Le Corbusier, arquitecto de renome mundial, e não eu.

2) Porque sou um funcionário de Le Corbusier e não tenho nenhuma empresa: “Xenakis – Arquitecto”.

3) Porque Le Corbusier é um miserável, egoísta, um oportunista que é capaz de atropelar sobre os cadáveres dos seus próprios amigos.

Não só eu fiz o projecto, que Le Corbusier seria incapaz de imaginar por ter permanecido vinte anos atrás do seu tempo, porque ele não sabe nada de matemática e é um conservador (vejam Chandigarh e Ronchamp), mas também porque eu segui o projecto para a sua realização, a tal ponto que, enquanto eu estava em Munique para o concerto de estreia da minha obra orquestral, “Pithoprakta”, Le Corbusier telefonou à Philips para dizer que ele não podia fazer nada sem mim e ele teve de esperar por mim, a fim de continuar.

Estive com Le Corbusier durante dez anos e como eu, há dois ou três colegas, e no seu último volume de obras completas não existe uma única menção dos nossos nomes, é Le Corbusier que os projecta e nós não existimos. Ele trabalha apenas meia hora sobre os planos e o resto do tempo, ele está preocupado com a publicidade pessoal, exposições, etc... e à tarde, ele nunca vem para o estúdio.

Toda a responsabilidade do trabalho cai sobre os nossos ombros, tanto na concepção e execução, por vezes, ele só assina e leva o crédito. Esta é a empresa de Le Corbusier. Tudo isso por um salário miserável de 100,000 francos.

Aqui está a realidade de Le Corbusier e da Philips. Para chegar a esta clareza de julgamento eu tinha de atravessar montanhas de esperança, depois de decepção, depois de realismo. Deixar? Onde? Desde que eu sou um estranho em todos os países, incluído o meu. E qualquer um deve comer para trabalhar. Eu não sou vaidoso, nem tenho pressa de possuir uma ilusão chamada glória ou dinheiro, mas é uma coisa muito mais profunda. Tenho confiança na justiça em todas as suas maneiras. Quando eu era jovem, para isso eu batalhei, golpe por golpe, não hesitando em arriscar tudo. Quando faço arquitectura, entrego-me profundamente a isso, assim como na música. Se ao final de vinte anos acho que isso também é uma ilusão, vou atravessar a rua para o outro lado. Neste momento, estou aqui, o meu guia, a minha consciência e os meus exemplos eram anteriormente do próprio Le Corbusier, e mais recentemente de você. Mas você se enganou e julgou-me mal como um romântico. Romantismo é bonito quando lhe é dádo um conteúdo bom e justo. No bom e no belo, os atenienses do século V viram a perfeição, o objectivo digno para a batalha pura. Aqui está uma confissão.

Para trabalhar o dia todo no estúdio, depois à noite voltava ao manuscrito ou papel quadriculado ou ia ao 37 da rue de l'Université sem trégua, sem descanso, sem sono é viver na revolução russa constantemente. A vitória está no fim do curso, na morte. Se o perigo de deterioração moral não estava à espera de mim, eu aceitaria sem dor. A Minha magnífica figura como uma estátua equestre. Ascetismo moral é muito pior do que qualquer ascetismo prescrito… (Kanach, 2008, p. 104)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 273 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 274

ANEXO H Folhas de estudo sobre os paineis de vidro ondulantes do Mosteiro de La Tourette

ANEXO I Carta de Xenakis ao Padre de Couesnongle

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Carta original em francês (Kanach, 2008, p.59)

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 281 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 282

ANEXO J Prefácio do Mosteiro de La Tourette

Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

Durante a fase de concepção do mosteiro houve colaboração enorme entre todos nós - não tantos (quatro ou cinco) a trabalhar com Le Corbusier. Houve uma boa comunicação entre nós (depois, parou!). Na época, eu era apenas o técnico da equipa, ou seja, eu era o único que sabia como calcular. Eu não quero desapontar os sonhadores, mas são muitas vezes os cálculos que desviam a forma definitiva arquitectónico de um projecto. Mas, foi durante o trabalho sobre os planos de La Tourette e graças ao incentivo de Le Corbusier, que fiquei completamente imerso na arquitectura. Le Corbusier foi, na época, aberto a todas as "novas" proposições.

Portanto, com este projecto e, neste ambiente, a síntese entre a música e arquitectura, em que eu estava a trabalhar "intelectualmente", ou abstractamente, se preferirem, por um longo tempo, de repente, tornou-se experimental e real.

Certas situações podem ser aplicadas num domínio ou noutro. Eu poderia finalmente construir arcos entre música e arquitectura.

Os painéis de vidro ondulantes representam um exemplo concreto de escalas musicais ou ritmos (inaudível) que podem ser transpostas para a arquitectura, enquanto que mais tarde, as massas de corda glissandi foram utilizadas para definir as formas das conchas do Pavilhão Philips.

Na música, começa-se com um tema ou uma melodia e então temos todo um arsenal à disposição, que é mais ou menos dada para elaborações de desenvolvimento, sejam elas polifónica ou harmónica (isso se aplica tanto a uma sonata clássica como um pedaço de música serial). Começa-se a partir de uma pequena parte para atingir o global.

No entanto na arquitectura, deve-se, simultaneamente conceber os detalhes e o conjunto, caso contrário, tudo desmorona. Esta abordagem, esta experiência no estúdio de Le Corbusier, e lado a lado com ele, obviamente, influenciou-me (mesmo que tivesse sentido o tempo todo), ou pelo menos ajudou-me a conceber a minha música como um projecto arquitectónico: globalmente e em detalhe, ao mesmo tempo.

O que constitui o arco da força da arquitectura destas proporções: a relação coerente entre detalhes e o todo, e mesmo quando há apenas ruínas deixadas por observar, ainda se pode entender perfeitamente a força (ou fraqueza) das proporções de uma arquitectura. Isto se aplica à arquitetura antiga, na Grécia, no Egito, no México, etc. Mesmo que o betão tenha idade, que "algo especial" permaneceu com o Mosteiro de La Tourette, que instantaneamente faz-nos compreender que estãoos diante de uma obra real, uma obra arquitectónica. A propósito, foi concebido a partir de um esquema muito clássico: um rectângulo simples. Mantém-se junto, porque, por trás de tudo isso, há algo especial que cria a coerência interna, uma necessidade interior.

Na música também, existe uma tal necessidade interna de sons, da sua natureza, como eles são organizados, as suas transformações dentro ou fora de tempo, que constituem a sua "verdade". Isto é a direcção em que tanto o arquitecto como o compositor deve aspirar.

No guia oficial para abadias e mosteiros em França ainda menciona o Mosteiro de Le Corbusier de La Tourette. Ostracismo? Negligência? Esta categoria de literatura, de

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 285 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

outra forma eficaz em deixar o público em geral conhecer o património nacional, tende a ignorar a modernidade, ou, mais provavelmente, o seu material essencial: betão.

Um mosteiro em betão cru deve ter algo que perturba, mesmo que todos os ingredientes de um mosteiro tradicional estejam incluídos no projecto: a capela, o claustro, o oratório, as celas dos monges, o campanário, etc. Deve ser por isso que o lugar tenha obtido apenas um sucesso relativamente limitado como atenção turística, mesmo que ele tenha todas as razões para ser uma parte do panteão dos mais belos trabalhos de arquitectura do século XX. O mosteiro é, de facto, um paradoxo perpétuo. Um pouco devido à notoriedade do seu autor (Le Corbusier), mas, principalmente, devido às estranhas sensações que emanam este cadinho de betão áspero. Em toda a sua matéria como em toda a sua luz, os projectos de lugar com insistência não só pela sua vocação espiritual, mas também a sua base material. Raramente uma obra arquitectónica já afirmou de forma tão poderosa e sem qualquer compromisso a essência dupla da sua origem: material e imaterial.

O betão áspero e nu e a geometria de corte do edifício é parcialmente responsável por isso, para não mencionar o ambiente natural gritante envolvendo a área mais que a atmosfera inimitável de espiritualidade que tem sido transmitida ao longo de vários séculos. E mesmo que este edifício esteja sujeito a danos causados pela história e pelo tempo (a sua primeira vocação praticamente desapareceu e precisa de sérios reparos em vários lugares), o trabalho ainda merece respeito. Não deve ser elogiado - muitos comentadores já o fizeram - mas a ser questionado, e, porque não, analisado.

Questionar uma obra significa um acto basicamente simples: significa descrever meticulosamente a sua génese, tanto a nível conceptual como em termos de materiais. Isso quer dizer que originam o trabalho, enumerar a complexidade das invenções e as decisões que criaram o projecto final, avaliar o que foi arbitrário e o que era necessário, determinar o que era impulsivo e que foi fundamentado, e isso durante todo o processo de decisão, bem como do processo de realização. Só então é que se pode reivindicar uma interpretação da obra, para transcrevê-la num sistema inteligível o que o posiciona de outra forma do que enfaticamente na sua natureza como uma realização arquitectónica. É por isso que, no texto que se segue, insistimos no aspecto puramente monográfico, e tentamos restaurar o plano original de criação e da sua realização material, tanto quanto possível: o processo de decisão.

A arquitectura não é o trabalho de um arquitecto sozinho, é também o resultado de um estado de sociedade que delega autoridade conceptual sobre um projecto para alguém que se chama arquitecto. Portanto, uma parte da originalidade de uma obra deve ser lida neste sentido: nas formas que a delegação tenha escolhido (actividade profissional, os trabalhos de contratação, etc…)

Neste sentido, em termos de originalidade de uma obra, será mais provável descobrir as complicações profissionais dos seus criadores do que os arquivos emocionais de seus espaços. A razão é simples: mesmo que o aspecto perceptível da arquitectura segue uma lógica premeditada de encenar espaço, é uma parte de uma dimensão "sociológica" do avanço arquitectónico que inclui e o incorpora, seja em termos de técnicas do projecto ou da sua engenharia. Em tal caso, o aspecto perceptível parece ser algo específico, um epifenómeno, como se fosse de algum modo parte da linguagem pessoal da arquitectura específica. Isso não significa que não devemos revelar e trazer à tona a generosidade espacial do trabalho: num certo sentido, existe

Pedro Diogo Lourenço Gomes Vieira Caeiro 286 Evocando Xenakis: entre a Música e a Arquitectura

precisamente o que motivou esta monografia. Vamos presumir mais prosaicamente que o leitor é capaz - ou poderá - para se maravilhar com a exactidão enfática do espaço do mosteiro durante uma visita real.

O Mosteiro de La Tourette foi concebido entre 1953 e 1955, e concluída em 1960. Le Corbusier morreu em 1965, quando ele tinha 78 anos. É, portanto, uma obra da sua maturidade altamente realizada. Um trabalho plástico, uma obra perceptível, uma única obra "inspirada" também se pode dizer. No entanto, é parte de outra linhagem do que os combates e manifestos que a precederam. Na época, Le Corbusier não tinha mais nada para "provar". Ele simplesmente queria satisfazer o pedido do seu amigo, o Padre Couturier, onde foi arrastado para a aventura Chandigarh, amarrando-se a outros trabalhos locais, escreveu, pintou e exibiu os seus trabalhos. Deste ponto de vista, este projecto é precisamente intrigante. Certamente, Le Corbusier tinha certeza da sua habilidade para desenhar, mas deixou uma quantidade enorme de liberdade aos seus colaboradores para interpretá-los, incluindo até mesmo a empresa que levou à imposição da textura do betão cru em toda a sua superfície.

A atenção de Le Corbusier para este projecto poderia quase ser qualificada como sendo "distraída", vendo o número de projectos em andamento ao mesmo tempo: o enorme local de Chandigarh", como mencionado anteriorments, uma série de empreendimentos habitacionais, abundantes comissões privadas (na India, França, Estados Unidos), a publicação de seus Euvres complètes, para não mencionar a sua saúde frágil (quantas decisões ou entradas de informações tiveram de ser adiadas devido à sua saúde precária?). Uma parte da força do edifício é de facto devido a isto: não é a "enésima" cópia de um tema fetiche do arquitecto, mas sim uma interpretação delas pelas forças da história, e pelo tempo que, de certa forma, o ultrapassam velozmente.

Assim, a pertinência essencial desta arquitectura aparece se temos de as "re- posicionar" dentro das obras completas do seu autor, como a tradição histórica requer, então, que teria de ser colocado este tipo de disponibilidade em nome de Le Corbusier que permitiu o excesso final deste monumento. (Kanach, 2008 p.72)

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