Importância da Prática Deliberada na Formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Estudo baseado na literatura e na percepção de jogadores e treinadores

Pedro Miguel Ramos e Silva

Porto, 2009

Importância da Prática Deliberada na Formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Estudo baseado na literatura e na percepção de jogadores e treinadores

Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na área de Alto Rendimento – Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Orientador: Prof. Doutor Júlio Manuel Garganta Silva

Pedro Miguel Ramos e Silva

Porto, 2009

Provas de Licenciatura

Ramos Silva, P. (2009). Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito. Estudo baseado na literatura e na percepção de jogadores e treinadores. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Palavras-chave: FUTEBOL – GUARDA-REDES DE FUTEBOL – FORMAÇÃO – PRÁTICA DELIBERADA – PERITO.

Agradecimentos

Ao Professor Júlio Garganta pela disponibilidade em orientar o trabalho, pelas «dicas» realçadas e pelo conhecimento transmitido. O meu obrigado.

À minha família, sobretudo ao meu Pai, à minha Mãe e à minha Irmã, pelo auxílio activo sempre presente no meu percurso de vida, por me orientarem e apoiarem nas decisões, pelas ricas experiências de vida transmitidas e pelo exemplo que são para mim.

À Daniela, confidente, namorada, por juntarmos os nossos percursos de vida, pelo que já vivemos e pelo que ainda queremos viver. Obrigada pela cooperação directa na realização de muitas tarefas e por me compreenderes.

Aos meus amigos e ao, Tiago, Jorge, Benjamim, Ricardo, Filipe, Mário, Hélder, Gil, pelas experiências e bons momentos passados juntos. Que prevaleça a amizade e o companheirismo.

À «MantaRota», a equipa que venceu todas as competições no percurso de faculdade… menos duas. Ao Ita, Tiago Salgado, Ângela, Romain, Luís, Tiago Rocha.

Ao Zé e à Tânia pela «orientação» neste trabalho.

Aos entrevistados, Hugo Oliveira, Paulo Santos, Jorge Silva e Tó Ferreira. Colaboradores necessários pelo conhecimento fornecido e pela disponibilidade demonstrada.

Aos Professores do Gabinete de Futebol, pelo conhecimento transmitido. Em particular, ao Professor Vítor Frade, pelo privilégio de ouvir os seus ensinamentos e abrir os horizontes sobre o «Planeta do Futebol».

“O destino une e separa as pessoas, mas nenhuma força é tão grande para fazer esquecer pessoas que, por algum motivo, um dia nos fizeram felizes” (Paulo Baleki, s/d). Às pessoas que cruzaram o seu percurso de vida com o meu e enriqueceram a minha experiência de vida.

III

IV Índice Geral

Índice Geral

Agradecimentos III Índice Geral V Índice de Quadros VII Índice de Figuras IX Índice de Abreviaturas XI Índice de Anexos XIII Resumo XV Abstract XVII 1. Introdução 1 2. Revisão da Literatura 5 2.1 Processo de formação desportiva, em Futebol 5 2.2 O conceito de Perito no Desporto 8 2.3 A prática deliberada 11 2.3.1 A influência desta no processo de formação 11 2.3.2 Qualidade de treino como influenciador da expertise 12 2.3.3 Do talento ao experto como consequência da prática 14 sustentada 2.4 A qualidade da prática do guarda-redes de Futebol 17 sustentada pelo jogo: Especificidade 2.5 O guarda-redes no Futebol Moderno 22 2.6 Níveis de performance de um guarda-redes de Futebol 25 2.6.1 Táctica, uma tomada de decisão 25 2.6.2 Qualidades técnicas 32 2.6.3 Padrão psicológico 40 2.6.4 Qualidades físicas 43 2.7 Etapas da formação do guarda-redes de Futebol 47 3. Material e Métodos 55 3.1 Metodologia de investigação 55

V Índice Geral

3.2 Caracterização da Amostra 55 4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas 57 4.1 O guarda-redes de Futebol perito 57 4.1.1 Como se define? 57 4.1.2 Que características o distinguem? 59 4.1.3 Mais difícil alcançar ou permanecer? A sustentabilidade 62 da performance superior 4.2 A prática no processo de formação do guarda-redes de 65 Futebol 4.2.1 Influência da prática deliberada 65 4.2.1.1 Qualidade da prática…? Quantidade da 67 prática…? 4.2.2 Contributo para chegar a um nível superior… talento 69 inato ou experiência adquirida? 4.2.2.1 Uma ordem de importância para os 74 constrangimentos: genética, treino, ambiente/envolvimento 4.2.3 Nas sessões de treino… condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos, ou para proporcionar o 76 maior número de experiências possíveis? 4.2.4 Observação e identificação com um ídolo, constitui factor de aprendizagem complementar às sessões de treino 79 convencionais? 4.3 Etapas de formação do guarda-redes de Futebol 82 4.3.1 Relação entre a qualidade e quantidade nas etapas de 86 formação do guarda-redes de Futebol 5. Conclusões 93 6. Considerações finais 101 7. Referências bibliográficas 105 8. Anexos XXI

VI Índice de Quadros

Índice de Quadros

Quadro 1: Os domínios da expertise no desporto. (Janelle & Hillman, 2003) 9 Quadro 2: Apresentação das etapas de formação do guarda-redes. (Voser et al., 2006) 49 Quadro 3: Etapas de formação do guarda-redes adaptadas de, Vigil (2008). 52

VII

VIII Índice de Figuras

Índice de Figuras

Fig. 1 – Lançamento Rasteiro (Gaspar, 2006). 36

Fig. 2 – Lançamento por cima (Gaspar, 2006). 36

Fig. 3 – “Drop Kick” (Gaspar, 2006). 36

Fig. 4 – “Full Volley” (Gaspar, 2006). 37

Fig. 5 – Pontapé de baliza (Gaspar, 2006). 37

Fig. 6 – Recepção de bolas baixas (Gaspar, 2006). 38

Fig. 7 – Recepção de bolas médias (Gaspar, 2006). 38

Fig. 8 – Recepção de bolas altas (Gaspar, 2006). 38

Fig. 9 – Recepção de bolas acima da cabeça (Gaspar, 2006). 39

Fig. 10 – Técnica de queda lateral (Gaspar, 2006). 39

Fig. 11 – Sacudir pelo lado dos postes (Gaspar, 2006). 39

Fig. 12 – Técnica de recepção (Gaspar, 2006). 40

IX

X Índice de Abreviaturas

Índice de Abreviaturas

G.R. Guarda-Redes

Fig. Figura

XI

XII Índice de Anexos

Índice de Anexos

Anexo 1 – Entrevista a Hugo Oliveira XXI

Anexo 2 – Entrevista a Jorge Silva XXVIII

Anexo 3 – Entrevista a Tó Ferreira XL

Anexo 4 – Entrevista a Paulo Santos LII

Anexo 5 – Guião da Entrevista LXIII

XIII

XIV

Resumo De todos os jogadores num jogo de Futebol, o guarda-redes parece ocupar uma posição especial, devido às características e exigências inerentes às respectivas funções. No presente estudo, a partir da teoria da prática deliberada (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993), procurou-se perceber a importância da prática deliberada na formação do guarda-redes de Futebol perito. Para tal, para além duma revisão da literatura, recorreu-se a entrevistas semi- estruturadas realizadas a guarda-redes e treinadores de guarda-redes com experiência de nível superior. Todavia, a informação seleccionada visa responder aos objectivos que orientam o estudo: perceber a importância da prática deliberada na formação do guarda-redes de futebol perito; caracterizar o guarda-redes de futebol perito e saber distinguir os domínios que diferenciam os guarda-redes peritos e não peritos; saber se se tornou perito por influência genética/hereditária (talento inato) ou através da qualidade do processo e da quantidade de horas de prática a que foi submetido ao longo de todo o seu percurso de vida; conhecer outros factores, para além da qualidade/quantidade de prática e, ou do talento inato, que influenciam o nível de superioridade dos guarda-redes de futebol peritos; determinar características de uma prática de qualidade para a formação do guarda-redes de futebol perito; determinar etapas do processo de formação do guarda-redes de Futebol. A partir do cruzamento da informação decorrente da pesquisa bibliográfica e do conteúdo das entrevistas foi possível concluir que: a qualidade da prática parece ter importância significativa na formação do guarda-redes de futebol perito; a tomada de decisão e a concentração distinguem os guarda-redes peritos; propendemos afirmar que o guarda-redes se tornou perito por influência da qualidade/quantidade de prática; a prática de qualidade reúne actividades específicas idênticas às situações de jogo, com estímulos orientados para os quatro domínios da performance do guarda-redes (táctico, técnico, psicológico, físico), é mais importante a concentração do que o esforço dispendido na actividade e a motivação também deve ser promovida pela prática; consideramos cinco etapas de formação, uma anterior à especialização até aos 8 anos de idade e quatro etapas de especialização, 8-10 anos; 11-12 anos; 13-15 anos; 16-18 anos; as primeiras etapas de formação devem ser orientadas para o desenvolvimento das situações de jogo e do pensamento táctico, e não só centradas no desenvolvimento técnico, isolado dos constrangimentos do jogo. Palavras-chave: Futebol – Guarda-Redes de Futebol – Formação – Prática Deliberada – Perito.

XV

XVI

Abstract Of all the players, in a Football game, the goalkeeper seems to occupy a special position, due to the characteristics and demands inherent of his respective functions. In the present study, from the theory of the deliberated practice (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993), it was tried to realize the importance of deliberated practice in the formation of the expert soccer goalkeeper. For such, besides a revision of the literature, has resorted to semi-structured interviews to goalkeepers and goalkeeper's trainers with experience of a superior level. However, the selected information aims to respond to the objectives that orientate this study: to realize the importance of deliberated practice in the formation of the expert soccer goalkeeper; to characterize the expert goalkeeper and to be able to distinguish the domains that differentiates the expert goalkeepers and non-experts; to know if his expertise was made/born under the genetic/ hereditary (innate talent) influence or through the quality of the process and the quantity of hours of practice that was submitted along his whole life; to know others factors besides the quality/quantity of practice and/or the innate talent that influence the level of superiority of the expert soccer goalkeepers; to determine characteristics of a quality practice for the formation of the expert soccer goalkeeper; and to determine the stages of the process of formation of the soccer goalkeeper. From the crossroad of the information resulting of the bibliographical research and from the content of the interviews, it was possible to conclude that: the quality of the practice seems to have a significant importance in the formation of the expert soccer goalkeeper; the taking decision and the concentration distinguish the expert goalkeepers; we lean to affirm that the goalkeeper became an expert under the influence of the quality / quantity of practice; the quality practice joins specific activities identical to the situations of game, with stimuli orientated for the four domains of the performance of the goalkeeper (tactic, technical, psychological, physical), the concentration is more important than the effort spent in the activity and the motivation also must be promoted by the practice; we considerate five stages of formation, one previous to the specialization till 8 years old and four stages of specialization, 8-10 years old; 11-12 years old; 13-15 years old and 16-18 years old; the first stages of formation must be orientated for the development of the situations of the game and of the tactic thought, and not only centred in the technical, isolated development of the constraint of the game.

Key-Words: Soccer – Goalkeeper – Formation – Deliberate Practice – Expert.

XVII

XVIII

“A curiosidade é mais importante do que o conhecimento” (Albert Einstein, s/d).

“A experiência é um conhecimento empírico, isto é, um conhecimento que determina um objecto por percepções” (Immanuel Kant, s/d).

“Da ausência de escola têm escapado, pela capacidade revelada ao longo do tempo, por talento inato ou melhorado com trabalho, guarda-redes que marcaram a História do futebol português, como Azevedo, Carlos Gomes, Vítor Damas, Bento ou Vítor Baía” (Paulo Jorge Pereira & Pedro Ferraz, s/d).

“Ser guarda-redes é um dos trabalhos mais solitários que existe. Todas as grandes defesas da história juntas não conseguem compensar um simples erro num momento vital” (Albert Camus, s/d).

XIX

XX Introdução

1. Introdução

é um viveiro de guarda-redes talentosos” (Oliveira, 2004)

Observamos um jogo do principal campeonato do Desporto rei nacional ou um jogo das competições internacionais de Futebol, constatamos que os G.R. casualmente intervêm poucas vezes em jogo, realizam diferentes tipos de acções determinantes para o resultado com comportamentos excepcionais e, o nosso espanto questiona como conseguiram realizar esse desempenho, o modo como conseguem ser excepcionais ou o modo como se tornaram excepcionais. São diferentes perspectivas de analisar um comportamento excepcional e, revelam o problema deste estudo. É o "saber ver" que suscita um problema profundo, porque não só qualquer teoria depende de uma observação, mas também porque qualquer observação depende de uma teoria (Morin, 1981). Assim, a mera observação, sem uma teoria, não tem validade fundamentada. Neste sentido, queremos perceber qual a relevância da teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), no desenvolvimento do G.R. de Futebol de nível superior. Estes indivíduos ao revelarem um desempenho superior no Futebol, o que os distingue dos demais, confere-os portadores de talento ou capacidades invulgares e representam uma fonte preciosa para a sociedade pelas expectativas que geram à sua volta, sobretudo por expressarem a excelência em diferentes domínios da actividade humana e a possibilidade de podermos estudá-los. Portanto, é importante reflectir sobre as duas perspectivas que procuram explicar o comportamento excepcional dos peritos: a primeira, baseada numa predisposição genética, uma espécie de talento inato que os peritos possuem para sobressaírem numa determinada área, e outra, que defende que o desempenho superior numa área específica está dependente da qualidade e da quantidade de actividades práticas realizadas. Todavia, se a prática fosse considerada a única condição para alcançar o desempenho de perito, então, segundo Helsen, Hodges, Winckel & Starkes, (2000), os treinadores limitar-se-iam a concentrar o seu trabalho no acesso a

1 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Introdução

facilidades ou treinos específicos que contribuíssem, efectivamente, para maximizar o potencial do ambiente de prática. Mas, Janelle & Hillman (2003) sugerem, também, que para um desenvolvimento efectivo do desempenho superior numa determinada área, há variáveis que exigem grande atenção, tais como: a motivação para devotar longas horas ao treino; o tipo de prática (versus a quantidade de prática) que é exigida para atingir um desempenho perito; as condições que caracterizam a “prática perfeita”; os aspectos que permitem transferir um desempenho superior, na prática, para os domínios da competição e da avaliação; os mecanismos pelos quais a prática deliberada pode influenciar o desenvolvimento do perito. No presente trabalho, mediante a comparação entre as informações retiradas da revisão bibliográfica e das entrevistas efectuadas, procurar-se-á perceber a formação do G.R. de Futebol perito. Para esta finalidade elaboramos os seguintes objectivos:

- Perceber a importância da prática deliberada na formação do guarda- redes de futebol perito; - Caracterizar o guarda-redes de futebol perito e saber distinguir os domínios que diferenciam os guarda-redes peritos e não peritos; - Saber se se tornou perito por influência genética/hereditária (talento inato) ou através da qualidade do processo e da quantidade de horas de prática a que foi submetido ao longo de todo o seu percurso de vida; - Conhecer outros factores, para além da qualidade/quantidade de prática e, ou do talento inato, que influenciam o nível de superioridade dos guarda-redes de futebol peritos. - Determinar características de uma prática de qualidade para a formação do guarda-redes de futebol perito; - Determinar etapas do processo de formação do guarda-redes de Futebol.

2 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Introdução

Se nos concentrarmos no Futebol de alto nível, segundo Sainz de Baranda & Ortega Toro (2002), a selecção do G.R. para a posição é a chave no momento de confeccionar uma equipa, pois a segurança e a confiança que a equipa tem nele, será de grande importância, que a actuação do G.R. vai influenciar de maneira significativa no jogo da equipa. Segundo Voser et al. (2006) entendemos que é muito difícil alcançar o alto rendimento, exactamente por se tratar, na maioria das vezes, de um processo extremamente selectivo. No futebol, ouve-se correntemente que o G.R. para ser bom tem de reunir bastante experiência, associa-se a essa experiência os amontoados anos de prática e também uma faixa etária próxima do final da carreira. Em contrapartida, também percorre outro entendimento para “ser um grande guarda-redes, tal como em outras disciplinas desportivas, está fora do alcance de qualquer um. Ser um bom guarda-redes é uma rara e admirável combinação de qualidades improváveis. Ainda assim há quem acredite que qualquer um pode sê-lo” (Hodgson, s/d). Estas duas opiniões empíricas argumentam a problemática central do estudo e estimulam o conhecimento de perceber como o G.R. se tornou tão bom no desempenho da sua função. Perante esta compreensão, surge o tema deste trabalho centrado no estudo do processo de formação do G.R. de Futebol perito. A realização deste trabalho será estruturada em oito pontos: 1. Introdução; com o propósito de apresentar e justificar a importância do estudo, delimitar o problema e descrever os objectivos. 2. Revisão da Literatura; conhecer os aspectos relacionados com o tema. 3. Material e Métodos; caracterizar a amostra e a metodologia de investigação. 4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas; analisar e relacionar o conteúdo das entrevistas com a revisão da literatura. 5. Conclusões; 6. Considerações Finais; descrever recomendações para futuros estudos.

3 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Introdução

7. Referências Bibliográficas; são escritas todas as referências dos autores citados ao longo do trabalho. 8. Anexos; são anexas as entrevistas realizadas e o guião das mesmas. Na produção deste trabalho, para além de conhecer todos os aspectos relacionados com a problemática em questão através da revisão bibliográfica, a metodologia adoptada na investigação concebe a realização de uma entrevista aberta a alguns G.R. de Futebol com experiência de nível superior e também a treinadores de G.R. de Futebol.

4 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

2. Revisão da Literatura

2.1 Processo de formação desportiva, em Futebol

“A formação é a base do futebol profissional, por isso tem de haver uma preocupação elevada com ela” (Frade, 2002, cit. Vieira, 2004, p. 26).

Ao pensarmos em formação desportiva e em integração no fenómeno desportivo somos levados a pensar em desempenho e rendimento, pois ao nível da alta competição, ou seja no mais alto patamar do desporto, é o sucesso que encontramos como meta a alcançar. Segundo Frade (2008), formar é ganhar e a competição é a mola condutora de «tudo». Sendo actualmente a formação de jogadores no futebol, como em qualquer outra modalidade, um aspecto indispensável para que no futuro possam surgir atletas de rendimento superior, para Pacheco (2001) a «escola» de futebol pretende dar a formação adequada aos jovens futebolistas, para que mais tarde possam vir a integrar as suas equipas seniores. Invocando o dicionário de língua portuguesa (Porto Editora, 2004), o conceito de formação está descrito como sendo o acto ou efeito de formar, «dar forma a», sendo que forma designa modelo, figura, feitio. A formação para Leal e Quinta (2001), não se trata apenas de treinar, é mais do que isso, é educar, é acompanhar o crescimento e maturação, é sentir os problemas dos atletas, é participar, é viver e acompanhar a escola, o namoro ou a discoteca. Antes de percebermos a especificidade da formação em futebol, pela citação anterior perspectivamos a noção da globalidade dos domínios de intervenção que o processo de formação abrange. Em Futebol, a noção de processo é fundamental. O processo carece de uma ideia conceptual, metodológica (enquadramento conceptual), e assim, é combinado pelo lado macro e pelo lado micro. É influenciado por aquilo que se fez ontem e aquilo que se faz amanhã. A formação é um processo que tem como trave mestra o fazer, “o primado está no saber fazer” (Frade, 2008). O processo é uma racionalização, mas a configuração tem de entender a razão como maior

5 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

inimiga da incongruência. Assim sendo, entender melhor o contexto de prática do futebol, o jogo, é tão importante como entender a inconstância do mesmo. O Futebol é uma modalidade pertencente aos jogos desportivos colectivos, e estes segundo Garganta (1997) possuem uma elevada aleatoriedade, e no qual as equipas em confronto disputam objectivos idênticos num mesmo espaço e tempo, efectuando acções reversíveis de sinal contrário alicerçadas em relações de oposição/cooperação. Para definir prioridades no ensino do futebol, segundo Graça (1995) é fundamental compreender a natureza aberta do jogo, regulada pelos constrangimentos de factores exteriores como a posição de colegas e adversários. E igualmente importante perceber quais as exigências que o jogo coloca aos seus praticantes, sendo o primeiro de natureza táctica, o que fazer, para que a posteriori o problema seja solucionado, como fazer, seleccionando a resposta motora mais adequada (Garganta & Pinto, 1998). Portanto, o treino como processo de formação pressupõem objectivos que passam por fazer do atleta um ser pensante, que entenda o que tem de fazer nos diferentes momentos de jogo. Popper (1991), citado por Garganta (2001), afirma que, para que os nossos sentidos nos digam alguma coisa, temos que possuir conhecimento prévio, para podermos ver uma «coisa», temos de saber o que são «coisas». Neste sentido, percebemos a importância da decisão no processo de formação, sendo a tomada de decisão o capítulo táctico da acção adoptada para responder às necessidades do jogo. Araújo (2005) expõe um conceito abrangente da «acção táctica», ao referir que esta caracteriza o resultado da exploração das possibilidades da acção, as quais são constrangidas pelo tempo disponível, perícia do executante, estado emocional, fadiga, etc. Segundo o mesmo autor, o desportista com os anos de prática vai filtrando/ seleccionando informação relevante e sempre que esta o conduz ao sucesso aumenta também a probabilidade de este a usar novamente. Nesta linha de pensamento, a “afinação perceptiva” segundo Araújo (2005) está na base da acção táctica, pois esta explica a intuição, que é considerada a responsável pela tomada de decisão do jogador.

6 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

Estando a técnica confinada a servir a decisão táctica do jogador, o ensino e treino do futebol não devem restringir-se aos aspectos biomecânicos, isto é, ao gesto, devendo atender sobretudo às imposições da adequação às situações de jogo (Garganta & Pinto, 1998). Mais do que dicotomizar técnica e táctica, enquanto perspectivas de abordagem distintas e antagónicas, importa estabelecer relações de compromisso e complementaridade entre ambas (Mesquita, 1998). No entanto, não basta praticar desporto para se ter a garantia de que o processo de formação desportiva promova o desenvolvimento das competências/capacidades do indivíduo. É impreterivelmente, necessário que se conheça, de forma profunda, o processo de formação desportiva, de modo a que se respeitem os diferentes níveis de prática, cada qual com as suas características próprias (Mesquita, 2000). A integração de um jovem na prática desportiva, desperta um conjunto alargado de preocupações, não só porque o processo de crescimento e desenvolvimento dos jovens assume especificidades metodológicas, mas também porque à volta do jovem emergem factores de socialização de grande importância para a sua integração no fenómeno desportivo (Marques et al. 2004). Ramos (2003) refere que o que se pretende é que as metodologias de treino se baseiem o mais possível nas necessidades do futebolista e possam ter como referência àquilo que é mais específico na modalidade, o Jogo. Mesquita (2000) salienta a necessidade da formação desportiva preceder a especialização, para que esta aconteça como consequência da existência de bases sólidas e consistentes adquiridas no período de formação. No seguimento da revisão, tendo em vista a necessidade da formação desportiva antecipar a especialização, procuramos perceber quais as bases sólidas e consistentes de um Guarda-Redes de Futebol para se denominar de perito.

7 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

2.2 O conceito de Perito no Desporto

“ Dos primeiros momentos nas ruas do bairro dos Pobres, em Leça da Palmeira, até às vitórias em grandes palcos internacionais, como Sevilha ou GelsenKirchen,...” (Baía, 2005, p.11).

Já vimos anteriormente que o treino desportivo tem como propósito a aquisição e melhoria das capacidades e habilidades do indivíduo. No caso do Futebol, o treino visa optimizar as relações entre estímulo e resposta, tendo presente a aleatoriedade característica do jogo, preparando o atleta para analisar, decidir e executar, de forma adequada e eficaz. Neste âmbito, temos de compreender o que é um Perito, ou quem é Perito. No dicionário da língua Portuguesa (2004), perito é definido como sendo um indivíduo que tem prática ou é sabedor. Segundo Starkes & Allard (1993), um perito motor é alguém muito bom no desempenho motor de uma tarefa. Para Ericsson & Smith (1991) o perito ou “experto”, caracteriza-se pela estabilidade e mensurabilidade da performance durante longos períodos de tempo. Bloom (1985), ao estudar expertos na área da música, desporto e ciência confirmou ser necessária uma década de prática, para atingir a excelência em qualquer uma dessas áreas. Ericsson & Crutcher (1990, cit. Starkes & Allard, 1993) mostraram que um indivíduo que se encontre a competir a nível internacional, iniciou a sua prática nessa modalidade ainda antes dos 6 anos, ocupando grande parte da sua juventude a treinar. Wrisberg (2001) indica que os indivíduos que apresentam um elevado nível de execução nas habilidades que interessam para o desempenho de uma dada tarefa, irão apresentar um grau superior de performance. Os autores citados procuraram delinear características que definem um perito, mas alguns autores acreditam que cada um de nós possui algum nível de expertise num determinado domínio (Sloboda, 1991). De acordo com Starkes & Allard (1993) a exclusividade está associada à expertise. Assim, podemos compreender o perito como sendo alguém com o desempenho acima da norma da sociedade.

8 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

Perito é aquele que desempenha conscientemente de modo excepcional num dado domínio (desporto) ao longo de um período de tempo (Araújo, 2004), segundo a psicologia ecológica a perícia não é uma propriedade fixa da pessoa, mas antes uma relação variável entre as exigências impostas pelo contexto e os recursos que o indivíduo tem disponíveis. O desempenho perito surge da interacção das características do jogador e das do envolvimento, portanto a perícia de acordo, com a psicologia ecológica deverá ser entendida como um processo holístico e dinâmico (Araújo, 2004). Para visar o estatuto de perito, Janelle & Hillman (2003), definem como necessário alcançar a excelência nos domínios: fisiológico, técnico, cognitivo e emocional. Segundo os mesmos autores, um nível de expertise inferior, num destes domínios, impedirá o perito de se apresentar ao mais alto nível do seu rendimento. Em contrapartida, a expertise num dos domínios pode ser um meio facilitador ou impeditivo do alcance da expertise noutros.

Quadro 1: Os domínios da expertise no desporto. (Janelle & Hillman, 2003)

A expertise a nível fisiológico é exclusiva do desporto. Pensando nas questões fisiológicas de desenvolvimento e adaptação musculares, percebemos que embora as fibras possam evoluir de acordo com o tipo de treino (Wilmore & Costill, 1999, citados por Janelle & Hillman, 2003), chegamos à conclusão que os limites desta adaptação são impostos por factores

9 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

genéticos (Bouchard et al., 1992; Klissouras, 1997; Swallow et al., 1998, citados por Janelle & Hillman, 2003). Já a expertise técnica pode ser entendida como o grau de coordenação sensório-motor que está na base de movimentos padrão coordenados, refinados e eficientes, que emergem no seguimento dos anos de treino extensivo e sistemático, ou prática deliberada (Starkes & Allard 1993; Janelle & Hillman, 2003). A expertise cognitiva, segundo Janelle & Hillman (2003), pode subdividir- se em conhecimento táctico/ estratégico e percepção/ tomada de decisão. O conhecimento táctico/ estratégico apresenta-se como a propriedade de decidir sobre qual a estratégia mais adequada numa determinada situação e também como a estratégia capaz de ser executada, tendo em conta os constrangimentos dos movimentos requeridos. Segundo os mesmos autores, esses procedimentos potenciam a eficácia da tomada de decisão. Independentemente de se tratar de um desporto individual ou colectivo, pensa- se relativamente à tomada de decisão que o experto é capaz de retirar do meio ambiente as informações relevantes, deixando de lado o que é acessório (Janelle & Hillman, 2003). A tomada de decisão é compreendida como uma das mais importantes capacidades dos jogadores e, em muitos casos, a responsável pelas diferenças de rendimento entre estes (Tavares, 1993). Quanto ao domínio da expertise emocional é dividido em regulação emocional e capacidade psicológica. A regulação emocional contribui em muito para a variação na performance do jogador e representa a capacidade que o indivíduo possui para controlar e dominar as suas emoções. A capacidade psicológica tem elevada importância na performance de um perito e esta pode subdividir-se em temas como a definição de objectivos, a adopção de uma atitude positiva, a motivação, a construção da confiança, a visualização e treino mental, “treinabilidade” e relações interpessoais (Janelle & Hillman, 2003).

10 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

2.3 A prática deliberada

2.3.1 Influência desta no processo de formação

“No rendimento superior a arte e ciência misturam-se e toda a dinâmica do jogo não pode ser só submetida aos olhos da ciência. Necessita da integração de conhecimentos práticos produzidos pela experiência” (Frade, 2008).

De uma forma sumária, entende-se por prática deliberada, uma prática altamente estruturada com o intuito declarado de progredir e aperfeiçoar o desempenho e não tendo apenas em vista o divertimento (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1996). Partindo da premissa que a prática é o primeiro mediador de um desempenho excepcional, o trabalho de Ericsson, Krampe & Tesch- Romer (1993) afirma que os níveis de aquisição da expertise são orientados pela participação na prática deliberada. Assim, se o desempenho dos indivíduos se avalia em função da quantidade da prática deliberada acumulada desde que iniciaram a prática deliberada num domínio, então a idade com que se inicia a prática é um importante determinante do nível de perícia; deste modo, um individuo que comece aos 5 anos uma actividade e que pratique 15 horas semanais terá melhor desempenho do que um individuo que devote a mesma quantidade de prática à actividade, mas que tenha começado com 10 anos (Costa, 2005). Starkes (2000) também dá crédito a esta teoria, apresentando um estudo sobre as modalidades de Hóquei e Futebol, confirmando que os jogadores belgas expertos (do sexo masculino) despendem cerca de 10 000 horas de prática. A ideia da existência de uma relação directa entre o tempo de treino acumulado e o desenvolvimento de um desempenho superior, está patente na “regra dos 10 anos” referida para várias áreas por autores como Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985, entre outros (Costa, 2005). Neste estudo de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), os autores defendem que a prática deliberada requer esforço e nem sempre é agradável; os indivíduos estão motivados para a prática porque a prática melhora o seu

11 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

desempenho. Deste modo os autores defendem que a prática deliberada difere de outras experiencias nas quais o desenvolvimento da perícia pode ser um resultado indirecto (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993). Costa (2005) afirma que segundo esta teoria, o indivíduo refina continuamente o seu desempenho, utilizando o conhecimento dos resultados e o feedback. As secções de treino devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de modo a assegurar que o indivíduo possui resistência física e mental para se concentrar na prática, caso contrário, a prática não leva aos tipos de desempenho estabelecidos por esta teoria (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993). Esta teoria é reforçada por Bouchard, Malina & Perusse (1997), quando alega que enquanto certas características gerais tem sido associadas ao talento genético o refinamento destas características ocorre apenas após vários anos de treino intenso.

2.3.2 Qualidade de treino como influenciador da expertise

Como sintetiza Georges Chapouthier, director de pesquisa no CNRS, “o homem é, antes de mais, o produto de uma evolução biológica à qual foi acrescentada uma evolução sócio-cultural”. (Revoy & Nicolas, 2007).

São vários os autores destacando a importância, para além da quantidade de treino, a qualidade no treino para o desenvolvimento do talento, para muitos a qualidade do processo está intimamente ligado á formação. Como nos diz Mesquita (1991), a eficácia no treino está também dependente das competências didácticas e pedagógicas do treinador. Na mesma linha de pensamento, Graça (1991) afirma que a investigação no ensino geral conseguiu identificar uma forte associação entre o tempo que o aluno está empenhado com sucesso em tarefas de aprendizagem e o seu progresso. Em relação à Educação Física, embora logicamente se advogue a importância daquela variável, tem sido difícil evidenciá-la empiricamente.

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Verifico então que para além da quantidade da prática, outro elemento poderá ser fundamental, pois, apesar de ser visível a influência do tempo de empenhamento motor nos progressos alcançados pelos alunos, através de alguns estudos realizados constatou-se que o tempo passado na tarefa (duração), não constituía por si só um factor preditivo das aquisições resultantes da aprendizagem (Mesquita, 1991). É aqui que o treinador ou professor se assume como principal responsável. Neste sentido Mesquita (1991), acrescenta que a intervenção pedagógica do treinador condiciona a actividade do praticante, exercendo um papel decisivo na sua formação. Um exemplo dado da importância da qualidade do treino na formação do talento refere-se a um estudo relativo ao hóquei alemão de (Van Rossum, 2000, in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001) diz-nos que os dados recolhidos no estudo comprovaram que os jogadores alemães não passavam tantas horas a praticar como os jogadores belgas e, contudo, a equipa alemã acabou bem classificada nos campeonatos do mundo de 1990 e 1994, e no campeonato europeu de 1995; venceu o torneio pré-olímpico de 1996 e ganhou o título olímpico um ano mais tarde (enquanto a Bélgica nem sequer ficou classificada para os jogos olímpicos de 1996); em 1998 a equipa alemã venceu prestigiado “Champions trophee”, tornando-se a primeira equipa da história a conseguir os três títulos internacionais mais concorridos. Parece então evidente que apesar do maior número de horas de prática adquirida pela equipa belga, foram os jogadores alemães que conseguiram melhores resultados. Isto leva-nos a concluir que a qualidade de treino foi preponderante na conquista de melhores resultados.

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2.3.3 Do talento ao experto como consequência da prática sustentada

“Certamente, o ser humano é capaz de inventar novo comportamento ao longo da vida, mesmo se este não é destinado geneticamente” (Revoy & Nicolas, 2007).

Actualmente existem algumas discrepâncias sobre o significado exacto do que se entende por talento desportivo, sendo comum encontrar na literatura o termo talento a designar o jovem atleta de sucesso. Segundo Costa (2005), o conceito de talento foi tratado por muitos especialistas, não só no âmbito do desporto, mas também na matemática, na literatura, na música, no cinema, o que é suficiente para perceber que esta palavra vem sendo insistentemente aplicada nas mais diversas áreas. Contudo, é difícil estabelecer uma definição deste conceito, o que faz com que seja importante determinar o seu significado. Assim sendo, veremos qual o significado que comporta o conceito de talento segundo alguns autores. Numa primeira pesquisa, procuramos ver o significado ao Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1981: 445), e verificamos que talento significa “intelectualmente brilhante; inteligência superior que se afirma por méritos excepcionais; pessoa promissora ou dotada de inteligência invulgar; aptidão natural ou faculdade adquirida”. Numa perspectiva de talento segundo uma presença de capacidades ou características, encontramos a definição de Léger (1986, cit. Costa 2005), o talento se pode definir como uma capacidade ou habilidade para uma actividade particular ou um determinado desporto, natural ou adquirida. A definição apresentada por Hahn (1988) parece ser, contudo, a mais adequada, afirmando que o talento desportivo é uma competência acentuada numa direcção, superando a medida normal, que ainda não está de todo desenvolvida, acrescentando ainda que é uma disposição acima do normal, de poder e querer realizar rendimentos elevados no campo do desporto. Em termos gerais, falamos de sujeitos com talento desportivo, quando a sua capacidade de assimilação e rendimento se destacam numa especialidade

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desportiva concreta e possuem características que os distinguem dos demais e que são a base do seu elevado rendimento. Hahn (1988) considera que o jovem talento desportivo é aquele que aprende depressa, e de forma duradoura, ou aquele que possui predisposição para o alto rendimento, muito acima da média. Procurando ser mais específico, Weineck (1991) apresentou três expressões para definir talento: motor geral, talento desportivo e talento desportivo específico. Por talento motor geral entende-se a capacidade de adquirir rapidamente destrezas motoras; enquanto, por talento desportivo consideramos todos aquelas pessoas com condições superiores, alta adaptabilidade de recursos, criatividade, grande capacidade de resolução de problemas e grande habilidade motora. O conceito de talento desportivo específico integra os sujeitos que nasceram para um determinado desporto, mesmo dispondo de uma grande capacidade condiciona e coordenativa para vários desportos, mas a envolvência social e o seu perfil psicológico levaram- no a ser altamente eficaz nesse desporto. O talento desportivo pode ser determinado por condições e pressupostos físicos e psíquicos, que lhes permitem alcançar prestações de alto nível num determinado desporto. Dentro desta perspectiva, pensamos no talento desportivo como a atitude e capacidade natural de alcançar um alto rendimento nesse desporto. Descrevemos os talentos desportivos como sendo as pessoas com condições superiores, com elevada adaptabilidade e criatividade. Alguns autores utilizam a expressão “jovem talento de sucesso” em vez de talento desportivo por a considerarem mais sensata e esclarecedora. O conceito de “talento desportivo” não foi ainda suficientemente objectivo e preciso, tornando-se por isso extremamente difícil o recurso de estratégias validas para a sua avaliação e identificação. A expressão “jovem atleta de sucesso” é por vezes utilizada para se referir a atletas campeões, que apresentam o mais alto nível de habilidade na modalidade desportiva que praticam. Procurando enquadrar melhor esta definição, Bloom (1985) acrescentou quatro características partilhadas pelos

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jovens atletas de sucesso: interesse e empenhamento no campo escolhido; vontade de realizar trabalho intenso para obter elevada expressão na actividade escolhida; elevada motivação e interesse; capacidade e facilidade de aprendizagem. A estas características Maia (2000), acrescenta o sucesso como sendo um atributo indissociável deste tipo de atleta, sugerindo a substituição da designação de talento desportivo pela de jovem atleta de sucesso, pelo facto de este ser o resultado que todos ambicionam. Através da investigação feita, reparo que muitas vezes o termo talento está relacionado, ou é em muitos casos visto, sinónimo de experto. Tal como nos indica Costa (2005), na actualidade observa-se cada vez mais que alguém tido como um individuo de talento é agora encarado como experto, de tal forma que, este conceito supõe uma aproximação totalmente diferente do conceito de talento utilizado até então. Para Durand-Bush & Salmela (1996) o experto é definido como alguém experimentado, ensinado a partir da prática, habilidoso, ágil, disposto; com facilidade para render a partir da prática. Uma pessoa habilidosa ou experimentada. Estes mesmos autores afirmam que esta definição tem algo de interessante, pois por varias vezes o conceito de prática e experiencia aparece varias vezes, o que demonstra através desta perspectiva que o importante é o trabalho e a prática. Salmela (1997) acrescenta que o conceito de talento se modificou e que, antigamente, a noção de talento estava associada a um conjunto de capacidades inerentes ao sujeito, que determinavam o rendimento do desportista. Este autor afirma ainda que a pedra angular do desenvolvimento da experiencia é a prática sustentada e altamente estruturada com o principio de melhorar o rendimento desportivo. Assinala também, o facto de que esta prática não é agradável nem divertida, e que é aqui onde o papel do treinador adquire protagonismo. Ora seguindo a linha de pensamento descrita, verifico que o treinador tem, junto do tempo de prática do talento um papel fundamental, neste ponto Mesquita (1991) salienta que, é evidente a influencia das decisões do treinador na natureza das experiencias dos praticantes, tanto na qualidade como na

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quantidade das situações de aprendizagem que proporciona, interferindo nos níveis de prestação motora alcançados. Através das afirmações atrás referidas, verifico que existem dois aspectos fundamentais no processo de treino para chegar à expertise, por um lado a quantidade de treino, através do conceito da prática deliberada adquiria durante o processo de formação, onde iremos ver através dos estudos de Ericsson, por outro lado a influencia do treinador em todo o processo, este levando-nos para a qualidade do processo de formação do talento.

2.4 A qualidade da prática do guarda-redes de Futebol sustentada pelo Jogo: Especificidade

“O jogo treina o nosso G.R. ... o treino tem que ser o mais integrador possível dos constrangimentos proporcionados pelo jogo” (Oliveira, 2009).

A Especificidade que aqui pretendemos elucidar, depara-se com a pluralidade do Jogo de Futebol e se constituiu numa busca permanente de melhorar cada vez mais o modelo de jogo da equipa. A Especificidade do modelo de jogo que integra os princípios que «regem» a acção do G.R. em jogo e orienta a prática de treino. “O conceito de Especificidade centra-se na procura de adequação dos efeitos do treino, não só à modalidade em causa, mas fundamentalmente ao modelo de jogo adoptado” (Freitas, 2005). “Só se poderá chamar especificidade à Especificidade se houver uma permanente e constante relação entre as dimensões psico-cognitivas, táctico-técnicas, físicas e coordenativas, em correlação permanente com o modelo de jogo adoptado e respectivos princípios que lhe dão corpo” (Guilherme Oliveira, 1991). O Jogo é um suporte para a organização e desenho das tarefas específicas para o treino do G.R., que devem assegurar um trabalho em que se realizem situações semelhantes à própria competição (Sainz de Baranda, 2005).

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Segundo Oliveira (2009), o treino de G.R. à imagem do jogo, deve ser feito criando situações semelhantes à do jogo, obrigando o G.R. à tomada de decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Segundo o mesmo autor e na continuidade do pensamento citado, “a concentração também está sempre presente e a ser trabalhada”. Na continuidade da ideia deste autor, pretende-se que a concentração esteja sempre presente no treino de G.R., este que obriga à tomada de decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Estando a concentração intimamente ligada ao processo de treino de acções táctico-técnicas, esta atenção específica ao jogo é, segundo Freitas (2005), “concentração táctica”. Neste sentido, Guilherme Oliveira (2004 cit. Freitas, 2005) menciona que “ser trabalhada a forma de jogar exige determinado tipo de concentração, quando nós direccionamos o treino para essa forma de jogar uma evidência do nosso jogo, também estamos a apelar para que a concentração necessária para essa forma de jogar também seja treinada”. O mesmo autor conclui que “a concentração é uma das coisas que se treina para que no jogo nós sejamos melhores e consigamos fazer as coisas como pretendemos”. Na perspectiva de Mourinho (2004 cit. Freitas, 2005), a forma adequada de potenciar a concentração táctica nos treinos “é a construção de exercícios que exigem essa mesma concentração e a construção dos exercícios que o exigem são exercícios não analíticos, mas sim exercícios onde os jogadores têm que pensar muito, comunicar muito e exercícios de complexidade crescente que os obriguem a uma concentração permanente”. Para compreender esta forma de operacionalização ao nível da concentração, importa referir o processo de apresentação mental de conhecimentos. Segundo Damásio (1995), este processo só é possível se duas condições se verificarem; primeiro temos de ser capazes de usar mecanismos de atenção básica (concentração específica) que permitam a manutenção de uma imagem mental na consciência com a exclusão relativa de outras. Segundo, é necessária a existência de um mecanismo de memória de trabalho básica (alcançada pela especificidade), que mantém activas diversas imagens separadas, durante um período relativamente extenso de centenas de milhares

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de milissegundos. Quer o pensamento e o movimento requerem processamentos concomitantes, a organização das diversas sequências ordenadas deve decorrer continuamente (através da Especificidade) (Damásio, 1995). Para esta Especificidade se evidenciar no nosso jogar o treino deverá ser orientado pela prática sistemática, sendo um processo rico em criar hábitos. Para além da repetição, a aprendizagem necessita de uma intencionalidade nas acções repetidas dos jogadores, “só o movimento intencional é educativo” (Frade, 2007). Segundo Faria (2002 cit. Freitas 2005), “o hábito é um saber fazer que se adquire na acção, ou seja, tu aprendes a fazer qualquer coisa a partir da acção que estás a realizar. E agora essa acção, que tu sabes, à partida, que o jogador sabe fazer, sabe jogar, mas o que se torna importante é orientar esse jogar para um determinado objectivo”. Para Manno (1982 cit. Carvalhal, 2001), os fenómenos de adaptação que estão na base da elevação do rendimento estão ligados à especificidade do estímulo, que, no treino, é constituído principalmente pelo exercício. Um exercício específico deve constituir uma propensão das coisas que mais queremos que apareçam no nosso jogo, introduzindo comportamentos o mais semelhante possível aos pretendidos pelo nosso modelo de jogo (Frade, 2001 cit. Tavares 2003). Para alcançar a Especificidade no treino de G.R. de Futebol segundo Oliveira (2009), a forma de o fazer (treino em Especificidade) passa pelo uso de jogadores de campo para trabalhar especificamente o G.R. ou através dos G.R. do plantel. O mesmo autor expõe um exemplo: “por norma, os planteis têm 3 G.R. e a utilização dos 3 G.R. possibilita a realização de situações semelhantes ao jogo. Situações onde os G.R. vivenciam as posições de jogador de campo, onde também estão a trabalhar aspectos motores, a trabalhar a distribuição ao nível do pé e a perceber como pensa um médio, um avançado. É uma vantagem para o trabalho que realizarão a seguir”. Portanto, o G.R. deve receber treinos “especiais”, o que não significa excesso, quantidade de treino, mas sim qualidade (Voser et al., 2006).

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Para este efeito, segundo Sainz de Baranda (2003) deve-se planear sessões com um grande volume de tarefas com grande quantidade de estímulos que melhorem os processos de percepção e de tomada de decisão, principalmente estímulos semelhantes ao da própria competição, incluindo a necessidade de integrar a formação biológica, teórica, psicológica e física dentro das sessões de treino. Do ponto de vista da posição específica de G.R., o objectivo final do processo de treino, será a optimização de uma correcta execução de cada gesto, conseguir uma automatização do mesmo e que o tempo de reacção que precederá a decisão da acção a realizar seja mínimo. No entanto, na perspectiva de Sainz de Baranda (2003) a eficácia do G.R. será determinada pela:

 Qualidade da análise e percepção do jogo para resolver situações;  Qualidade da tomada de decisões (pensamento táctico);  Qualidade no momento de seleccionar a acção física a realizar antes do gesto técnico;  Qualidade da execução técnica;  Qualidade no domínio de diversas variáveis psicológicas (ansiedade, auto-confiança);  Qualidade no conhecimento teórico do jogo;  Qualidade no treino biológico.

Neste sentido, Piéron (1989) enfatiza a necessidade de um amplo tempo de actividade para alcançar maiores progressos nos alunos, mas também, não é por estar mais tempo dedicado a aprender uma determinada actividade motora, que conseguirá realiza-la melhor, mas será necessário realiza-la com uns determinados níveis de qualidade. Constato que a qualidade da prática de treino do G.R. de Futebol não se esgota na exercitação em Especificidade das acções do G.R. em jogo, prolonga-se na reflexão crítica induzida pelo técnico ou pela capacidade de auto-análise do G.R. Neste sentido, Voser et al. (2006) estende a exercitação em Especificidade da aprendizagem das acções do G.R em jogo até à

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complementaridade de uma análise criteriosa do seu desempenho nos treinos e nos jogos por parte do técnico de G.R. e da equipa técnica. Portanto, a análise da acção e participação do G.R. em competição, definirá as chaves para planear as tarefas que assegurem um trabalho onde se desenvolvam situações mais semelhantes à lógica interna do futebol (Sainz de Baranda & Ortega, 2002). Podemos entender que só uma descrição detalhada e pertinente da acção do G.R. em jogo pode formar a base e o sustento dos treinos para um maior rendimento do jogador em competição. Para a realização de uma aprendizagem significativa ao exercitar em Especificidade as acções do G.R., no entender de Sainz de Baranda (2003), será fundamental a actuação do técnico, o qual deverá utilizar, quase maneira exclusiva, o feedback interrogativo, com o objectivo de fomentar a capacidade de reflexão do desportista, que deverá descobrir e indagar sobre o porquê de cada uma das suas condutas, assim como se estas são as mais interessantes para solucionar de maneira eficaz o problema que se depara. O mesmo autor refere que o uso deste tipo de feedback fomenta a capacidade de reflexão e compreensão da aprendizagem, para facultar a descoberta e entendimento do porquê e como solucionar os diferentes problemas que são colocados pelas distintas tarefas ou exercícios que projectam o jogo. O G.R. de futebol necessita de um treino complementar, diferente dos seus colegas jogadores de campo, visto ser o único elemento da equipa que, dentro da área de grande penalidade, pode jogar a bola com as mãos e pelas características singulares das acções Específicas no jogo que compõem os níveis de performance do G.R. de Futebol. Estes níveis de performance são a “Arte do G.R.”, como Gaspar (2009) denominou durante a prelecção no seminário técnico “Operacionalização do treino de G.R. Da teoria à Prática”.

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2.5 O guarda-redes no Futebol Moderno

“O desporto é a oitava arte (Lenk, 1995) onde se pode cultivar a beleza das formas de acção livres da pressão utilitarista do quotidiano” (Bento, 1998, p.152)

“Um goleiro (G.R.) bem treinado poderá contribuir positivamente com sua equipe na construção de uma vitória” (Voser et al., 2006, p.126).

Ao ler as citações introdutórias, visualizamos as acções desportivas como sendo uma arte, cultivando a beleza do movimento, a criação espontânea em jogo pelo cultivo quotidiano dessas formas de jogar e a importância da expressão livre das formas de acção do G.R. no jogo de uma equipa de Futebol. Pensamos, de facto, que o G.R. se constituí como um elemento muito importante no seio de uma equipa de futebol dada a função que desempenha, ou seja, afirma-se como o último obstáculo ao golo. Para Howe & Scovell (1991), o G.R. de futebol é até o elemento mais importante de uma equipa, pois qualquer equívoco ou falha pode afectar negativamente o trabalho de toda a equipa. Dentro deste quadro conceptual, podemos perceber que a arte emerge de um estilo próprio, não existe uma forma única de jogar, e cada G.R. tem uma performance singular. Neste sentido, para compreender o G.R. de nível superior, um perito na arte de G.R., temos de analisar o Futebol moderno e de indagar dentro do jogo de uma equipa de Futebol, perceber qual a forma de jogar dessa equipa e extrair qual é o papel do G.R. nesse jogo. A forma de jogar de uma equipa deverá resultar do Modelo de Jogo construído pelas ideias do treinador e segundo Tamarit (2007) representará um conjunto de comportamentos que se manifestam de forma regular e sistemática nos quatro momentos de Jogo, a organização defensiva, organização ofensiva e as transições defesa-ataque e ataque-defesa. Para perceber os níveis de performance do G.R., a análise da competição é um meio para melhorar o conhecimento do jogo do G.R., desde uma perspectiva física e táctico-técnica (Sainz de Baranda, 2005).

22 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

Para perceber o papel do G.R. no Futebol moderno, segundo Oliveira (2009) a análise de quatro aspectos centrais da evolução do jogo responde às mais recentes exigências:  Desde há uns tempos para cá mudaram as leis de jogo, no atraso para o G.R. deixou de ser possível agarrar com as mãos e passou a ser uma acção regulamentada pela obrigatoriedade de jogar com os pés. Assim, conduziu a um aumento da carga de responsabilidade do G.R. no jogo e no desenvolvimento deste. A obrigatoriedade do G.R. ser o elemento mais complemento e mais polivalente da equipa, conduziu às necessidades técnicas com as mãos e com os pés, deixou de só jogar recuado e com as mãos e passou a ter um papel importante nas acções ofensivas através da sua capacidade de distribuição do jogo da equipa.  Mudanças e necessidades tácticas: o G.R. não é só um elemento de equipa que permanece nas costas da defesa, é um jogador que se movimenta nas costas da defesa, tem obrigações tácticas para o equilíbrio das acções defensivas da equipa, o libero dos tempos modernos. As equipas quando se constroem têm de compreender que tem um jogador recuado, posicionado atrás da linha defensiva a proteger o espaço nas costas da defesa. O aumento do número de cruzamentos é uma evidência do jogo no futebol actual e perspectiva que o G.R. seja forte no jogo aéreo. A qualidade no jogo ofensivo: distribuição curta e longa; é uma «arma» muito importante para a equipa. Corresponde à possibilidade de dar à equipa uma transição rápida para surpreender o adversário.  O aumento da velocidade do jogo: o jogo é mais rápido e procurasse a velocidade para surpreender e ultrapassar o adversário. Cada vez mais os treinadores procuram jogadores rápidos nas acções motoras do jogo e nas acções de execução da leitura do mesmo jogo. As transições no jogo, também influenciam o trabalho do G.R., o ritmo de jogo é elevado e a velocidade de reacção, a tomada de decisão táctica tem de ser mais rápida.

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 Importância social e a pressão psicológica: o futebol moderno é uma janela de mediatismo, de milhões de pessoas, de milhões de euros. Jogar perante milhões de pessoas um jogo que decide pontos, pontos esses que decidem campeonatos que podem valer milhões de euros, coloca uma enorme responsabilidade, uma pressão social e psicológica muito elevada. Um erro mínimo leva à crítica máxima. Parece fácil mas não é, um bom G.R. pode ganhar épocas e campeonatos. A função do G.R. dentro da dinâmica da equipa foi um dos aspectos básicos do jogo que maior evolução conheceu, tendo como consequência o aumento considerável da sua responsabilidade dentro da equipa. Nos primeiros esquemas tácticos a actividade do G.R. consistia essencialmente em não deixar que a bola ultrapassasse a linha de golo. Conscientes da importância da acção do G.R. em jogo, da complexidade e da Especificidade dos comportamentos em jogo, segundo Voser et al. (2006), só sentimos a necessidade de maiores informações sobre as reais exigências técnicas do G.R. durante o jogo. O mesmo autor refere a preocupação da formação de base do G.R. ao nível das qualidades físicas, técnicas, tácticas e psicológicas. De uma forma global entendemos as referidas quatro dimensões como os níveis de performance do G.R. de Futebol. Do ponto de vista da posição específica de G.R. de Futebol, segundo Sainz de Baranda et al. (2003) o objectivo final do processo de aprendizagem, será a realização de uma correcta execução de cada gesto, conseguir uma automatização do mesmo e que o tempo de reacção para decidir a acção a realizar seja mínimo. Neste sentido, os autores descrevem que a eficácia do G.R. será determinada pela qualidade da análise e percepção das situações de jogo que intervêm, pela qualidade da tomada de decisões (pensamento táctico), pela qualidade na hora de seleccionar a acção física a realizar antes do gesto técnico (deslocamentos, saltos e quedas), pela qualidade da execução da acção técnica, qualidade no domínio de diversas variáveis psicológicas (ansiedade, auto-eficácia...), pela qualidade no conhecimento teórico do jogo e pela qualidade no treino biológico.

24 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

2.6 Níveis de performance de um guarda-redes de Futebol

“Só podia ser melhor se treinasse mais 20% que os meus rivais. A verdadeira luta começa quando estás morto de cansaço. Estás KO mas dizes OK. Este é o segredo!” (Toni Shumacher, s/d cit. Oliveira, 2006).

2.6.1 Táctica, uma tomada de decisão

A táctica é entendida como o conjunto de normas, comportamentos individuais e colectivos, com o objectivo de realizar uma prestação com sucesso a partir da contribuição activa e consciente durante o jogo (Matvéiev, 1986). Frequentemente a táctica é conotada como a gestão inteligente do comportamento nas situações de conflitualidade (Garganta, 1997). Assim os comportamentos tácticos dos jogadores resultam das relações de cooperação e oposição e, portanto, das sucessivas transformações que decorrem ao longo do jogo (Garganta, 1997) estando estas, por sua vez, sujeitas aos constrangimentos situacionais. A inteligência é entendida como a capacidade de adaptação a novas situações, isto é, a capacidade de elaborar e realizar respostas ajustadas aos problemas colocados pelas situações imprevistas que vão sucedendo ao longo do jogo (Garganta, 1995). Assim sendo, a dimensão cognitiva é determinante na performance surgindo como indicador de diferenciação qualitativa dos jogadores. A sua importância é realçada no facto de esta dimensão possuir um elevado poder no grau de sucesso das equipas, principalmente quando existe equilíbrio entre as restantes componentes do rendimento desportivo (Tavares, 1993). A relação da dimensão cognitiva com a componente táctica é inquestionável, na medida em que as capacidades cognitivas de antecipação, percepção e tomada de decisão estão dependentes dos conceitos tácticos. Porém, as nossas decisões nunca dependem apenas da razão, pelo simples motivo que o espírito não está separado do corpo (Denigot, 2004). Segundo Damásio (2003) a emoção e o sentimento desempenham um papel no raciocínio e quando o papel é benéfico, a presença da emoção e do sentimento é indispensável.

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“Raciocinar e decidir implicam habitualmente que o decisor (G.R.) tenha conhecimento da situação que requer uma decisão, das diferentes opções de resposta e das consequências de cada uma dessas opções (resultados), imediatamente ou no futuro” (Freitas, 2005). Dentro de um quadro de diferentes opções de resposta perante uma dada situação, segundo Damásio (1995), as boas decisões, além de outros elementos, necessitam de imagens. Neste sentido, ao extrapolar a ideia de Damásio para o Jogo de Futebol, a construção de imagens para as boas decisões em jogo é suportada pelas experiências anteriores vividas no jogo e no treino. A capacidade de estabelecer uma relação mental entre a situação adquirida e a respectiva solução representa, na competição, o aspecto fundamental para solucionar o problema de forma ajustada e oportuna (Castelo, 1998). A relação de comprometimento existente entre a selecção e a execução da resposta é esclarecida por Mesquita (1998) ao afirmar que, quanto mais refinado for o nível técnico do jogador, mais predisposto ele está para analisar o jogo e, concomitantemente, poder decidir melhor. Deste modo, é natural que, na nossa intervenção diária no processo de treino, encontremos atletas que decidem bem em pouco tempo e outros que demoram a decidir e não raras vezes decidem da forma errada. A decisão pode ser entendida como o acto consciente de selecção da resposta que melhor soluciona um determinado problema proveniente de uma determinada situação. Mas, antes de decidir qual a solução, é necessário analisar a situação. Deste modo, o processo de decisão inicia-se na análise da situação, da qual resultará uma escolha da melhor solução que se manifesta através de um comportamento do atleta. Segundo Tavares (1993), a decisão pode ser entendida como um conjunto de processos de selecção e de escolha, e não apenas o acto final, considerando-a como o produto do processo. O conceito de decisão está intimamente associado ao conceito de estratégia sendo considerada como uma acção eminentemente táctica que

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permite resolver da forma mais adequada a ambiguidade dos problemas do jogo. Araújo (1997) classifica a decisão em três níveis distintos: (I) decisão estratégica (o jogador decide rematar em vez de passar), (II) decisão táctica (o extremo esquerdo movimenta-se para o meio aclarando o espaço para a progressão do lateral esquerdo) e (III) decisão propriamente dita (o extremo direito decide arrancar em velocidade porque sabe que é mais rápido que o seu defensor). Por sua vez, Januário (1992, cit. Miragaia, 2001) propõe uma classificação em função do tempo de latência, isto é, do tempo que medeia a tomada de decisão e a execução técnica do movimento. Deste modo temos (I) decisões reflexivas as quais representam constructos mais gerais em relação ao processo ensino-aprendizagem (estruturação dos conteúdos, determinação dos objectivos finais), (II) decisões imediatas caracterizadas por um tipo de raciocínio rápido e muitas vezes intuitivo (grande parte das decisões em situações inesperadas) e (III) decisões de rotina, respondendo prontamente a situações já vivenciadas, automatizadas (conjunto de rotinas de ensino). De acordo com Araújo (1997) as decisões tomadas em situações desportivas desenrolam-se a partir de duas lógicas complementares: (I) a lógica interna da modalidade, que define o âmbito em que podem ser tomadas as decisões, isto é, de acordo com as regras regulamentares e estratégicas, e (II) a lógica dos sujeitos, de acordo com o seu estilo cognitivo e com os seus conhecimentos e vivências anteriores, permite aos jogadores decidir sobre dados objectivos, mas tendo em conta a subjectividade na sua percepção e análise. No desporto, as decisões podem ser únicas ou repetidas, individuais ou colectivas, dependendo da natureza da actividade praticado, bem como das exigências de regulação que esta solicita ao atleta (Araújo, 1997). A dominância de muitas respostas/decisões em futebol tem origem no inconsciente. Este lado neural pode criar hábitos e estes podem melhorar a capacidade de decisão consoante as variadíssimas situações de jogo. A antecipação está relacionada com este desempenho. Jogar em antecipação é

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prever decisões do adversário e agir consoante indicações que somos capazes de perspectivar, segundo Goleman (2003), estes estímulos são traduzidos nas amígdalas do cérebro e através do inconsciente é tomada uma decisão. As intenções em actos são livres, mas não de todo livres porque estão condicionadas às intenções prévias da organização estruturada pelo treino. Inerente à tomada de decisão está a velocidade de execução. O incremento da velocidade de execução na tomada de decisão é orientado para o desenvolvimento consoante a modelação do jogo. É também interveniente na velocidade de execução, o tempo de reacção simples individual e o tempo de escolha. No tempo de reacção de escolha são apresentados dois ou mais estímulos diferentes, cada um com a sua resposta específica, caracterizando- se pela incerteza da mesma, do desconhecimento da natureza do estímulo e do momento do seu aparecimento. Ou seja, o indivíduo terá que seleccionar a resposta adequada, de entre as possíveis, para o estímulo apresentado (Tavares, 1993). No tempo de reacção simples há aplicação de um único estímulo, para o qual existe uma resposta predeterminada, isto é, o estímulo é sempre o mesmo e a resposta também. Por conseguinte, o tempo de reacção simples é o intervalo entre a aplicação do estímulo e a execução da resposta na condição de o sujeito responder tão rápido quanto possível (Whiting, 1979). A tomada de decisão é um domínio influente na modelação táctica da equipa. Treinada pela causalidade do treino dentro dos múltiplos domínios integrantes do “Todo” que no treino fazem perspectivar a competição. Podemos então verificar que a tomada de decisão é um domínio importante para os jogadores, determinando o sucesso das acções táctico- técnicas. É, igualmente, uma condição determinante para o rendimento desportivo diferenciando os jogadores e evidenciando aqueles que pertencem a um grupo de rendimento superior. Para Oliveira (2009), o comportamento táctico é o ponto fulcral para o desenvolvimento de um G.R. de alta competição. Para o mesmo autor, o aspecto de tomar uma decisão adequada constitui-se como preponderante para o melhor desempenho de um G.R. Entende que o jogo treina o G.R. e o

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treino tem de ser o mais integrador possível dos constrangimentos vividos no jogo. Segundo o estudo de Castelo (1996) relativo à racionalização das tarefas tácticas dos jogadores, define as atitudes e comportamentos técnico- tácticos específicos do G.R. no processo ofensivo em seis aspectos: 1- O guarda-redes dentro do processo ofensivo é considerado o 1º atacante, logo, deverá aumentar ou diminuir o ritmo de jogo da sua equipa através da reposição rápida ou lenta da bola em jogo, escolhendo o companheiro melhor posicionado. 2- A partir da sua posição é possível uma observação global do terreno de jogo, dirigindo essencialmente os companheiros da última linha defensiva. 3- Deverá executar os pontapés de baliza, evitando assim a inferioridade numérica que sucederia se fosse um companheiro a executá-lo. 4- Deverá quebrar o ritmo de jogo ofensivo da equipa adversária, através de “demoras” na reposição da bola em jogo, de conduções de bola dentro da sua grande área, ou através de passes curtos que serão devolvidos pelo seu defesa central. 5- Assegura constantemente linhas de passe seguros aos seus companheiros, fazendo uso das vantagens que as Leis do jogo lhes conferem, no que diz respeito ao seu controlo e protecção da bola com as mãos. 6- Deverá transparecer tranquilidade, confiança e segurança aos companheiros, para que assumam comportamentos mais arriscados, pois sabem que existe confiança “nas suas costas”. “Dentro do processo ofensivo o guarda-redes é considerado o primeiro atacante, pois devido ao seu posicionamento tem uma visão global do terreno de jogo, dirigindo essencialmente os comportamentos técnico-tácticos dos companheiros da última linha defensiva” (Castelo, 1996: p.110). O mesmo autor, também define as atitudes e comportamentos técnico-tácticos específicos do G.R. no processo defensivo em cinco aspectos:

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1- Dentro do processo defensivo é considerado o último defesa, logo, a sua tarefa primordial é de proteger a baliza; 2- Deverá aconselhar e dirigir os seus companheiros tanto nas situações de bola de jogo como nas situações de bola parada, utilizando uma linguagem constituída por expressões curtas, simples e inequívocas; 3- Deverá constantemente ler o jogo e em situações de emergência deverá sair da sua grande área e jogar a bola com os pés; 4- Evitará sair da baliza se o atacante está a ser acompanhado e pressionado por um dos seus companheiros; 5- Deverá transmitir constantemente tranquilidade, confiança e segurança aos companheiros. Neste estudo de Castelo podemos observar os parâmetros que constituem os princípios que orientam a acção do G.R. no “Jogo”. Estes parâmetros são formalizados pelo autor de acordo com a sua concepção ideológica de jogo, assim atribui uma identidade singular aos princípios que regem os comportamentos do G.R. em jogo. Em concordância com o tema desenvolvido no ponto anterior, os princípios de jogo devem ser concebidos pelo treinador e constituem o modelo de jogo da equipa, o qual concebe a Especificidade do Jogo. “A táctica individual do guarda-redes deverá estar inserida, necessariamente, na táctica da equipa, a qual decorre do modelo de jogo preconizado” (Madeira, 2002, p. 18) Percorrida a análise global, é imprescindível verificar quais os comportamentos tácticos que o G.R. de alto nível deve dominar. Esteves (2006) determina de uma forma geral oito competências tácticas do G.R. de Futebol em situações normais de jogo: jogo de posição (é primordial para o comportamento táctico do G.R, determina a movimentação do G.R. em função da direcção da bola, dos seus companheiros e dos seus adversários; “Nos remates à baliza o guarda-redes deverá estar sempre na bissectriz do espaço angular, tendo como vértice a bola e como lados as linhas imaginárias da própria bola com os postes da baliza. Quando tem que parar um remate e se encontra adiantado, será muito útil ter como pontos de referência as esquinas da grande área e a marca de grande penalidade, ou o semi-círculo

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superior da grande área; só com estas referências poderá imaginar a sua posição em relação à baliza” (Esteves, 2006, p. 24); organizador e coordenador da defesa (por estar situado numa posição mais recuada e privilegiada para dirigir com a voz os movimentos da defesa, deve ter o conhecimento do modo e dos princípios que determinam o comportamento da equipa, nomeadamente das linhas estruturais organizativas com quem estabelece relação); comportamento diante situações recorrentes (acções defensivas (pontapés de canto, livres, lançamentos laterais e penaltis) e ofensivas (pontapés de baliza) em situações de bola parada. Pelos registos estatísticos é um momento de jogo com elevado grau de importância devido ao crescente registo de golos a partir destas situações recorrentes); iniciador do ataque (o G.R. é o primeiro atacante, em ataque posicional e contra-ataque); duelos com adversários 1x1 (é um confronto com o adversário de elevada dificuldade e o mais importante é manter o centro de gravidade baixo, o equilíbrio, as pernas e os braços semi- abertos para aguentar sem cair precipitadamente, deve ir em uma ou outra direcção ao mesmo tempo que o atacante para pressionar e ir ganhando terreno sem que ele remate. A progressão, a decisão e a agressividade são importantes neste tipo de acções porque o momento de intervir é quando a bola está mais distante do pé do avançado e fora da acção de controlo deste) domínio – autoridade na grande área (é uma capacidade determinante e no futebol actual não se reside a dominar só a grande área, mas também o espaço entre o G.R. e a linha defensiva. O G.R. tem de acompanhar e interpretar a situação defensiva e por exemplo, optar pela saída da baliza com determinação e interceptar o ataque adversário ou permanece na baliza; o controlo do espaço aéreo dentro da grande área em situações de cruzamentos); apoio ao bloco defensivo (o G.R. deve estar preparado para jogar perante as solicitações da sua equipa, apoiar a circulação de bola ou mesmo possibilitar a progressão da equipa no terreno de jogo através de um passe longo) gestão do tempo de jogo (o G.R. pode ter uma acção importante na gestão do ritmo de jogo, temporizando ou acelerando consoante as intenções e circunstâncias do jogo).

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Oliveira (2009) interpreta a globalidade do comportamento táctico do G.R. em três tipos de acções: - Evitar situações de perigo: através da comunicação. - Evitar sofrer golo: saber escolher o posicionamento correcto em função da situação de jogo e da sua variabilidade e imprevisibilidade. Saber decidir o seu posicionamento e a sua acção técnica adequada. - Depois de recuperar a bola, iniciar correctamente o jogo, as acções de posse de bola, quer seja em acção de distribuição curta ou longa. A missão primordial do G.R. é impedir que o adversário faça golo, porém a complexidade do jogo abre o leque de comportamentos solicitados ao G.R. nos diferentes momentos de jogo. “Face ao jogo de Futebol, tal como em qualquer outro jogo desportivo colectivo, o problema primeiro que se coloca ao indivíduo que joga, é sempre de natureza táctica, isto é, o praticante deve saber o que fazer, para poder resolver o problema subsequente, o como fazer, seleccionando e utilizando a resposta motora mais adequada” (Garganta & Pinto, 1998, p.98).

2.6.2 Qualidades Técnicas

Nos Desportos Colectivos, nomeadamente no Futebol, as habilidades do jogo são de “natureza aberta” (Tavares, Greco & Garganta, 2006). Como o futebol é um jogo situacional de oposição activa, ou seja, é uma actividade onde a oposição directa regula de forma significativa o desempenho, concebendo assim situações que acarretam e exigem respostas diferenciadas (Garganta, 2006). E de acordo com o mesmo autor, essas situações ocorrem em contextos de elevada imprevisibilidade e aleatoriedade. As habilidades técnicas Realizam-se normalmente em contextos onde o envolvimento é imprevisível e onde a sua execução é condicionada pelos demasiados constrangimentos externos (posição e movimentos dos colegas e adversários, zona do terreno ou adversário a defender ou a atacar, distância do alvo, trajectórias e velocidade da bola, etc.) de cada momento do jogo (Graça, 1994).

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No Futebol, a execução técnica é determinada por condições inerentes ao contexto táctico, “de tal forma isto acontece, que em duas técnicas formalmente similares, qualquer manipulação da estrutura duma delas, através por exemplo da modificação do ritmo de execução, produz alterações importantes, daí resultando técnicas diferentes” (Garganta & Pinto, 1998, p.99). Em termos gerais, a técnica é definida como “o conjunto de processos utilizados para obter certo resultado” (Dicionário de Língua Portuguesa, 2004). Porém, quando falamos no âmbito do desporto, existem vários conceitos de técnica. De acordo com Matvéiev (1986), a técnica é um modelo ideal da acção competitiva (mental, verbal, matemático ou outro), produzidos com base na experiência prática ou mesmo teórica. Garganta & Pinto (1998) definem a técnica como um conjunto de recursos motores específicos que os jogadores apresentam no momento de concretizar a acção. Os mesmos autores descrevem a verdadeira dimensão da técnica subjugada à utilidade desta servir a inteligência e a capacidade de decisão táctica dos jogadores e das equipas em jogo. Tavares (1993) refere que a técnica deve ser entendida como um sistema de acções motoras racionais, que quando realizadas de forma eficiente, permitem atingir elevados níveis de eficácia na aquisição de um resultado. Garganta (2002) constata uma ambiguidade existente na literatura da especialidade relativamente à definição teórica da técnica. Não sendo consensual, o autor descreve duas perspectivas sobre o entendimento da técnica:  As perspectivas que atribuem à técnica um sentido ideal e abstracto, considera-se que a técnica é genérica, ideal e impessoal e que consiste na execução dos elementos fundamentais do jogo: passe, recepção, drible e outros, através da aplicação dos princípios da mecânica humana, no sentido de tornar eficazes os gestos desportivos próprios da modalidade. É privilegiada a dimensão eficiência da habilidade (forma de realização), independentemente das dimensões eficácia (finalidade) e

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adaptação, isto é, do ajustamento das soluções e respostas ao contexto, enfatizando-se a dimensão gestual-técnica em detrimento da dimensão jogo;  As perspectivas que atribuem à técnica uma faceta dinâmica, adaptativa e relacional, a técnica é entendida como um meio da táctica pois implica uma execução coordenada dos sistemas de percepção e resposta do jogador, face ao envolvimento. A técnica e a táctica formam uma unidade que se influencia reciprocamente. Esta perspectiva induz nos praticantes uma apropriação inteligente dos elementos técnicos na sua relação com as situações de jogo, condicionando positivamente o desenvolvimento das capacidades cognitivas (percepção, antecipação e tomada de decisão). Actualmente os autores estudiosos da prática do G.R., consideram a dimensão técnica da especificidade das acções do G.R. como sendo um comportamento dinâmico, adaptado a uma situação e relacionado com as capacidades cognitivas do G.R. que coordenam os sistemas de percepção e resposta face ao contexto de jogo. Implica que se adapte a técnica específica da execução motora à sua aplicação desportiva (Madir, 2002). Voser et al. (2006) evidencia a importância de obter informações mais fidedignas sobre aspectos importantes ocorridos durante os jogos, de forma a poder constituir um planeamento de treino técnico associado ao treino físico, táctico e psicológico, mais próximo da realidade dos jogos. Oliveira (2009) caracteriza a complexidade do planeamento do treino de G.R. de Futebol através da necessidade de integrar as condicionantes da performance em jogo, para não desagregar os domínios complementares do jogo (táctico, técnico, psicológico e físico). Para o mesmo autor, a habilidade técnica é precedida de uma tomada de decisão, uma acção táctica. A técnica específica do G.R. de Futebol pode ser dividida em quatro categorias: acções defensivas com as mãos (base de actuação do G.R.), acção defensiva com os pés, acções ofensivas com as mãos e acções ofensivas com os pés (Voser et al., 2006).

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Marcellus (2004 cit. Nogueira et al. 2006) destaca como principais acções técnicas defensivas os encaixes ao nível da cabeça e do peito, defesa rasteira no meio e nas laterais, defesa a meia altura nas laterais, defesa alta no meio, defesa alta nas laterais, saídas a cruzamentos, grande penalidade e formação de barreiras. Manoni et al. (1995) salienta dois grupos de acções técnicas: defensivas e ofensivas. As acções técnicas defensivas reportam-se aos encaixes ao nível do peito e do abdómen, às quedas laterais para ambos os lados rente ao chão, a meia altura e altas, quedas laterais com desvio da forma referida anteriormente e recepção aos cruzamentos altos, baixos e saídas. As acções técnicas ofensivas abarcam o pontapé de baliza e os lançamentos (com a mão tipo bowling, em parábola, com pé com a bola em jogo e o pontapé de saída). Segundo Sarli (2000), o G.R. deve ser capaz de realizar o pontapé de baliza e sair a jogar com as mãos e com os pés. Este autor refere ainda que em termos de predisposição para as acções técnicas, o guarda-redes deve aprender que tem de existir um encadeamento de acções. Se, por exemplo, o G.R. realizar um encaixe, depois tem de iniciar a acção ofensiva através do uso das mãos (lançamento) ou dos pés, jogando curto ou longo. Neste sentido, o estudo de Sainz de Baranda et al. (2005b) refere a importância das acções técnicas ofensivas em jogo, na actualidade têm cada vez maior preponderância no jogo do G.R., pelo que devem figurar na planificação do treino, a par das acções técnicas defensivas. A utilização das mãos está sendo substituída pouco a pouco pelos pés: o domínio da bola com os pés é imprescindível para o G.R. no futebol actual. Muitos guarda-redes utilizam mais os pés que as mãos, tanto no jogo ofensivo como no defensivo (Sainz de Baranda & Ortega Toro, 2002). Gaspar (2009) distingue o leque de competências técnicas em três tipos: técnicas de distribuição; atributos como jogador de campo (acções ofensivas) e técnicas de intervenção (acções defensivas). Invariavelmente, no Futebol Moderno, este aspecto terminológico revela a elevada importância da integração do G.R. em todos os momentos do jogo.

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Decompõe as técnicas de distribuição:  Lançamento com a mão: Rasteiro (tipo bowling) e Por cima.

Fig. 1 – Lançamento Rasteiro (Gaspar, 2006).

Fig. 2 – Lançamento por cima (Gaspar, 2006).  Pontapé longo: “Drop Kick” (a bola «bate» no chão) e “Full Volley” (sem bater no chão).

Fig. 3 – “Drop Kick” (Gaspar, 2006).

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Fig. 4 – “Full Volley” (Gaspar, 2006).

 Pontapé de baliza.

Fig. 5 – Pontapé de baliza (Gaspar, 2006).

Apresenta os seguintes atributos como jogador de campo:  Reacção.  Recepção.  Passe curto e passe longo. Subdivide as técnicas de intervenção:  Recepção: Bolas baixas; Bolas picadas; Bolas Médias; Bolas altas e Bolas acima da cabeça.

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Fig. 6 – Recepção de bolas baixas (Gaspar, 2006).

Fig. 7 – Recepção de bolas médias (Gaspar, 2006).

Fig. 8 – Recepção de bolas altas (Gaspar, 2006).

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Fig. 9 – Recepção de bolas acima da cabeça (Gaspar, 2006).

 Quedas laterais: Técnica de queda; Extensões altas; Bolas rasteiras; Mobilidade de pés; Força e explosão e Técnica de levantar.

Fig. 10 – Técnica de queda lateral (Gaspar, 2006).

 Punhos/Soco: Com um punho; Com dois punhos.

 Sacudir/Sapatadas: Por cima dos postes; Pelo lado dos postes.

Fig. 11 – Sacudir pelo lado dos postes (Gaspar, 2006).

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 Cruzamentos: Técnica de recepção; Timing; Trabalho de pés; Alcance e Zona de Recepção.

Fig. 12 – Técnica de recepção (Gaspar, 2006).

 Um contra Um: Estilo de ataque e Como decidir (antes do remate, durante ou após).

2.6.3 Padrão Psicológico

O bom jogador de Futebol ajusta-se não só às situações que vê, mas também àquelas que prevê, decidindo em função das probabilidades de evolução do jogo (Garganta & Pinto, 1994). Por isso, é usual ouvir treinadores referir a importância de ter jogadores experientes, visto terem uma capacidade de decisão rápida, uma vez que apenas se concentram no essencial. Mais uma vez determinamos a melhor competência para seleccionar os estímulos de jogo, como necessária para agir melhor mediante a situação, agindo correctamente. Estes aspectos estão relacionados com alguns requisitos psicológicos que influenciam a performance do G.R. em jogo e segundo (Konzag, 1995) são: capacidade volitiva (tomada de decisão, disponibilidade para o esforço, perseverança); capacidade de atenção (concentração, intensidade); função cognitiva (capacidade perceptiva, capacidade de

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raciocínio, de imaginação e capacidade de memória) e capacidade psicossocial (capacidade de cooperação). Pelo facto da nossa capacidade de captar muita informação ser limitada, devemos concentrar na informação mais relevante, para assim ser mais fácil a sua codificação (Madeira, 2002). Assim, podemos destacar a concentração, como uma capacidade associada à função cognitiva, com elevada importância na performance desportiva e em particular, do G.R.. “Na concentração há dois aspectos fundamentais: por um lado está a atenção nas situações ambientais pertinentes, eliminando portanto as que não são, e por outro está a manutenção desse foco de atenção” (Esteves, 2006, p.31). O mesmo autor refere que a concentração terá uma relação directa e implícita com o rendimento do G.R. e quanto maior for a sua concentração, melhores condições terá para realizar uma leitura e antecipar o estímulo. Visto que os jovens têm uma capacidade de atenção limitada, é especialmente necessário estimular esta característica psicológica. Gaspar (2006) distingue as seguintes qualidades psicológicas no G.R. de Futebol: concentração (o jogo é um campo de distracções, o G.R. tem de ser centrar nos factores centrais do jogo); auto-motivação; responsabilidade; liderança; linguagem gestual e disciplina de treino. Oliveira (2009) refere que o G.R. de elite deve ter os seguintes atributos psicológicos: concentração; tranquilidade; coragem (o G.R. tem de estar preparado para remates fortes, muitas vezes a poucos metros de distância); liderança; confiança e iniciativa. Para Voser et al. (2006), o G.R. deve ter uma grande capacidade de concentração estando a todo o momento focalizado nas situações de jogo, deve ser corajoso para enfrentar qualquer dificuldade que surja no jogo, deve ser um líder, demonstrando-o na capacidade de comandar os colegas e de se assumir como o organizador da defesa, deve demonstrar tranquilidade nas suas acções transmitido desta forma confiança para os restantes colegas e deve ter iniciativa não esperando pelas acções do adversário, mas antecipando aquilo que estes irão fazer.

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Relativamente ao nível psicológico, o G.R. precisa de: controlar a sua tensão e o seu nervosismo (auto-domínio), possuir confiança, estar constantemente concentrado, ser corajoso e responsável (Madeira, 2002). Segundo Voser et al., (2006) para tornar-se um bom G.R., além de qualidades físicas, técnicas, e psicológicas excepcionais e de muito treino, deverá ter como características intrínsecas: dedicação, humildade, vontade de aprender, personalidade, perseverança e muitos outros adjectivos que se preconizam no atleta que decide ser G.R. Além das qualidades psicológicas de eleição para um G.R. de nível superior, para perceber o padrão psicológico do G.R. de Futebol, segundo Morais (2006) é necessário o conhecimento total da personalidade do atleta. No que diz respeito ao seu carácter, Madeira (2002) menciona a: decisão, vontade, calma, autoridade, serenidade, coragem, audácia e firmeza, como características pessoais do G.R. de nível superior. Para Gaspar (2009) o processo de treino deve incluir uma programação mental, é fundamental adequar os planos de treino às características psicológicas do G.R.. No treino de G.R., para Oliveira (2009) o treino individualizado é o caminho para o futuro. Os guarda-redes não são todos iguais, não há G.R. perfeitos, há o trabalho do treinador para perceber os guarda-redes e adequar o trabalho às necessidades, a capacidade analítica do treinador é fundamental. No processo de treino, Voser et al. (2006) refere que é fundamental que sejam fornecidos estímulos positivos, feedbacks e abordagens cognitivas que reforcem e estimulem a busca pelos objectivos para que a motivação e a concentração nas tarefas seja maior. Existe um limiar muito curto entre o insucesso e o sucesso, os técnicos devem perceber quando «puxar» pelo G.R., ou quando devem ter uma palavra para amenizar e dar um pouco de calma (Oliveira, 2009). Neste sentido, as intervenções psicológicas no desporto visam contribuir para o desenvolvimento de capacidades e estratégias psicológicas que ajudem o atleta a aproximar-se do potencial numa lógica de treino em que se integram todas as dimensões do desempenho (Serpa, 2006).

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A presença do G.R. em jogo tem grande influência sobre o comportamento da defesa, em particular, e da equipa em geral. Ele terá de dar confiança aos defensores e deverá ser o «patrão» que comanda, incentiva e que intimida os atacantes adversários (Howe & Scovell, 1991; Voser et al., 2006).

2.6.4 Qualidades Físicas

Uma boa condição física proporciona o suporte para o rendimento táctico-técnico do G.R. em competição. A dimensão física deve estar sempre relacionada com as restantes dimensões e o desenvolvimento da sua capacidade física deve ser aplicada aos contextos de acção (Madeira, 2002). O jogo de Futebol é considerado um desporto intermitente, pela alternância de esforços e acções de diferente forma e intensidade (Bangsbo et al., 2006). A preparação e o treino de Futebol não podem descontextualizar a especificidade dos comportamentos em jogo, a forma de jogar integrada no modelo de jogo da equipa. O treino não pode deixar de ter como referência o jogo de Futebol e as suas características particulares (Pinto, 1991). A actividade que um G.R. realiza em competição manifesta uma série de características que determinam o tipo de esforço específico, muito diferente dos restantes jogadores da equipa e portanto justifica a organização de treino individualizado. Neste sentido, Tunãs (2007) define três aspectos comportamentais que caracterizam a especificidade fisiológica das acções do G.R. em competição: 1.- «Aciclicidade» e intermitência comportamental: O G.R. realiza acções variadas e não estandardizadas, participa em diferentes situações em jogo: activas, semi-activas e passivas. Por outro lado, é extremamente importante a capacidade de decisão: quando intervir. 2.- Variedade da carga competitiva:

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O G.R. é submetido durante o próprio jogo a diferentes tipos de cargas, em função de uma série de factores: - O estilo de jogo da própria equipa (ex. uma equipa que queira ter a iniciativa de jogo ou que prefira cede-la) - A eficácia defensiva da sua própria equipa, dependendo da capacidade de recuperar a posse de bola e da zona onde recupera. - O potencial ofensivo da equipa adversária, com base na sua capacidade de finalização. 3.- Manifestação de maneira ocasional de esforços de alta intensidade: Devido à realização de acções de breve duração, mas com grande potencial explosivo. Assim, podemos averiguar que a carga de trabalho associada à actividade competitiva do G.R. é moderada, comparando com os restantes jogadores da equipa. Tendo em vista a especificidade da função do G.R., o treino deve focar os requisitos específicos da performance desportiva em termos da qualidade física, sistema energético predominante e coordenação motora (Voser et al., 2006). O mesmo autor cita um conjunto de capacidades condicionais e coordenativas importantes para os G.R.: força explosiva, flexibilidade, ritmo, equilíbrio, coordenação, agilidade e define a velocidade como uma qualidade fundamental. O G.R. deverá ter uma resistência específica para realizar acções curtas mas intensas, uma grande capacidade de percepção táctil e cinestésica, flexibilidade, destreza e bons índices de força explosiva, de velocidade de reacção e de execução (Sarli, 2000). Capuano (2002) salienta as principais capacidades físicas requeridas: força explosiva e explosivo-elástica, capacidade de cair e levantar-se rapidamente, velocidade de reacção, reforço muscular geral e em particular da musculatura abdominal e dorsal, mobilidade articular, equilíbrio, agilidade e coordenação motora. Sainz de Baranda et al. (2005a) têm um entendimento mais específico das acções físicas do G.R. e referem: os deslocamentos, como a acção física

44 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

específica que deve ser sempre treinada na máxima capacidade. Segundo os autores, dividem os deslocamentos em 3 tipos: - Deslocamentos frontais, realizam em direcção ao sentido do jogo, com o objectivo de reduzir ângulo de remate ou de antecipar uma jogada. - Deslocamentos laterais, normalmente realizam-se ao longo da linha de baliza quando o guarda-redes procura posicionar-se em função da bola e quando o guarda-redes tenta preparar-se para realizar uma queda lateral, encurtando a distância que terá de percorrer em salto/voo. - Deslocamentos à retaguarda, quando o guarda-redes procura responder a bolas que pela sua trajectória o irão sobrevoar, ou então quando o guarda- redes perante o ataque adversário procura reposicionar-se entre os postes sem tirar os olhos da bola. São absolutamente fundamentais para que o G.R possa responder positivamente àquilo que o jogo pede. Para além dos deslocamentos, os saltos e as quedas completam o tipo de acções físicas a serem treinadas. Ao nível das capacidades condicionais requeridas pelo comportamento do G.R. em jogo, Tunãs (2007) define com a seguinte terminologia, resistência específica, força específica, velocidade específica e flexibilidade específica. A utilização do termo «específica» preconiza a caracterização das determinadas acções motoras do G.R. em jogo, em toda a sua dimensão, quer ao nível do estímulo, da tomada de decisão, da intensidade e do metabolismo energético solicitado. Desta forma, pretende-se caracterizar as acções que o G.R. normalmente executa e elaborar formas de se treinar a dimensão física inserida nesses comportamentos. Perspectivar a preparação específica, é idealizar o nosso jogo para recriar em situações de treino. Neste sentido, além de identificar os comportamentos mais solicitados em jogo, “é muito importante que o técnico ou o treinador compreendam o metabolismo do exercício, uma vez que a elaboração de um programa que visa optimizar o desempenho atlético exige o conhecimento dos principais sistemas energéticos utilizados pelo desporto” (Powers & Howley, 2000 cit. Voser et al., 2006, p. 168).

45 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

Segundo Domingues (1997), do G.R. devemos exigir a sua capacidade aláctica, ou seja, exercícios de curta duração e elevada intensidade. O metabolismo energético prioritário é anaeróbio, “refere-se à produção de energia através de reacções químicas que não exigem a presença de oxigénio. A principal fonte de energia nos exercícios de curta duração é de origem anaeróbia. Para a realização de actividades de curtíssima duração, o organismo lança mão do sistema ATP-PC, onde não existe produção de lactato (por isso, anaeróbio aláctico). Para actividades com duração um pouco maior o sistema utilizado é a glicólise anaeróbia onde o produto final é a produção de lactato (por isso, anaeróbio láctico) ” (Pitanga, 2004 cit. Voser et al., 2006, p. 168). O sistema anaeróbio láctico permite que o G.R. suporte níveis de esforços elevados, sem queda de rendimento (Domingues, 1997). O treino de G.R. para ser específico deve conter poucas repetições de um exercício, mas com intensidade máxima. Para aumentar a carga de treino, devemos aumentar as séries mas não o número de repetições, dando sempre uma pausa para recuperar adequadamente, porque o mecanismo energético mais utilizado é o anaeróbio aláctico (Capuano, 2002). Para a execução deste mecanismo na estruturação do treino, segundo Tunãs (2007) devemos ter em atenção os referenciais qualitativos (aspectos qualitativos da execução do movimento que definem o nível de coordenação neuromuscular requerido para o inicio e posterior controlo do movimento desportivo) e os referenciais quantitativos (aspectos quantitativos da execução do movimento, definem o nível de condição física solicitado). Sarli (2000) é da opinião que um guarda-redes talentoso terá de ter uma série de qualidades, entre as quais uma boa compleição física e uma estatura elevada e ainda que até certos escalões estas características não sejam decisivas, no alto rendimento cada vez mais se apresentam como factores selectivos para a escolha de um guarda-redes. Para Voser et al. (2006) a estatura é um aspecto biológico importante e um G.R. deve apresentar uma altura média entre 1,85m até 1,95m. Já Domingues (1997) refere que a maior eficiência está nos G.R. com altura entre 1,80m e 1,90m, mas se um G.R. estiver fora deste intervalo e tiver rendimento

46 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

igual ou superior do que os que se enquadram neste perfil, também terá lugar para a posição. Portanto, podemos entender a estatura como um factor de selecção e como padrão normativo na literatura, mas não será um factor limitativo da performance. Por fim, para caracterizar as qualidades físicas do G.R., é necessário compreender a especificidade das acções do G.R. em jogo, para termos como referência o tipo de esforço que está sujeito. Fica claro que este entendimento pode ter duas perspectivas, uma provém da descrição dos conteúdos de treino pelas capacidades físicas e condicionais e a outra resulta do entendimento das acções que se querem optimizar e da componente física específica que é inseparável do comportamento motor.

2.7 Etapas da formação do guarda-redes de Futebol

“...a capacidade de aprendizagem não é específica da infância; ela permanece ao longo da vida, mesmo que diminua com a idade” (Revoy & Nicolas, 2007).

Após conhecermos as características principais de um G.R. e as dimensões da sua performance citadas por vários autores, interessa-nos compreender as fases da formação do G.R. de Futebol, entendendo a aprendizagem como um processo contínuo e evolutivo. A aprendizagem motora é o resultado de um conjunto de experiências vividas que são insubstituíveis e justificam nas primeiras etapas, uma maior preocupação do treinador ao nível do incremento de tempo disponível para a prática, o tempo de compromisso motor da sessão, assim como o tempo gasto na tarefa, porque independentemente de outros factores, segundo Sainz de Baranda et al. (2003), é evidente que o maior tempo dedicado a uma prática, maior probabilidade de obter resultados positivos no processo de ensino- aprendizagem. Desde o momento que se iniciam na prática do Futebol, até atingirem um nível superior, os jovens futebolistas devem passar por um processo de formação coerente em que haja uma progressão da aprendizagem distribuída

47 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

por diferentes etapas, com objectivos, estratégias e conteúdos adequados às suas diferentes fases de desenvolvimento (Pacheco, 2002). No processo de ensino-aprendizagem, será necessário um desenvolvimento de aprendizagens significativas, de forma que “na estrutura cognitiva do jovem exista uma base conceptual necessária para assimilar os novos conteúdos” (Feu, 2001 cit. Sainz de Baranda et al., 2003). Portanto, o jovem deverá possuir uma grande bagagem de experiências, que sirvam para solucionar de diferentes e variadas formas distintos problemas, assim como através da sua imaginação e criatividade desenvolver novas soluções (Sainz de Baranda et al., 2003). Para realizar a dita aprendizagem significativa e incrementar a capacidade criativa no jovem desportista, será necessário desenvolver exercícios de tipo global, para que o jovem consiga: buscar diferentes soluções para os problemas que o jogo levanta, incrementar a sua bagagem de experiências motoras, realizar gestos técnico-tácticos em situações similares ao jogo real, com um sentido prático para ser eficaz no momento concreto para um problema determinado (Sainz de Baranda et al., 2003). Deste modo, perspectivamos a compreensão do tipo de exercício potencialmente mais significativo para a aprendizagem e desenvolvimento da performance do G.R. durante as etapas de formação. O treinador de jovens tem de assumir um comportamento profissional, mesmo não sendo, para desenvolver um estilo de trabalho e de comportamento muito próprio, assumir as suas responsabilidades particulares, não tendo de imitar o treinador de jogadores seniores (Buceta, 2001, cit. por Brasil, 2004). Agora vamos apresentar várias propostas de formação, as quais revelam uma progressão na aprendizagem dos conteúdos e uma selecção de conteúdos relativos à etapa de formação. Capuano (2002) descreve quatro etapas importantes para a formação do jovem G.R.: 1- Situações de jogo. As situações de jogo contêm vários tempos para decidir, os adversários, os colegas, os referenciais temporais e espaciais.

48 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

Exercitar situações de jogo, onde está presente «toda» a variabilidade do mesmo, ajuda imenso o guarda-redes a decidir nas mais distintas situações. 2- Desenvolvimento do pensamento táctico. Pelo facto do pensamento táctico ser um suporte necessário para a formação da antecipação motora complexa, a orientação dos comportamentos influencia a própria coordenação motora do jovem guarda-redes. 3- Treino ideológico-motor. A partir de determinadas idades (12, 13 anos) este tipo de treino permite uma exercitação mental, que relacionada aos aspectos motores, desenvolvem o controlo motor determinado pela via cinestésica. É a capacidade do G.R. pensar inversamente (ou antecipações mentais na coordenação espacial ou temporal). 4- Treino específico. É a condição fundamental para uma base de toda a acção gestual, acções tácticas específicas da posição. Perspectiva a execução de várias acções técnicas, sob várias condições, levando à aquisição dos comportamentos típicos do guarda-redes. Voser et al. (2006) também apresentam quatro etapas de formação, mas ostentam uma proposta onde se observa uma preocupação central nas idades mais baixas da formação (quadro 2).

Etapa Pré-Formação Formação Final da Formação Inicial Formação Especial Idade 9/ 11 11/ 14 14/ 18 18/ 21 Categoria Pré-Mirim/ Mirim/ Infantil Infantil/ Juvenil Júnior/ Mirim Profissional Conteúdo 15% 20% 30% 30% Físico Conteúdo 70% 50% 25% 20% Técnico Conteúdo 5% 10% 10% 10% Táctico Conteúdo 10% 20% 35% 40% Específico Quadro 2: Apresentação das etapas de formação do guarda-redes. (Voser et al., 2006)

49 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

Os autores idealizam uma etapa anterior à especialização, dos 6 aos 9 anos, na qual as crianças devem experimentar várias posições e também outras modalidades desportivas sempre que possível, para depois, iniciarem a exercitação de movimentos específicos da posição de G.R.. Na fase de pré-formação, o estímulo para a melhoria das acções motoras simples com bola são o mais importante. Esta fase será tanto melhor quanto melhores tenham sido as vivências motoras da criança dos 6 aos 9 anos, mais especificamente com relação aos movimentos naturais (andar, correr, saltitar, etc.). A variabilidade de movimento ao nível das questões de interacção e cooperação revela-se importante nesta fase, para constituir um repertório motor de base que na fase seguinte será a sustentabilidade para a aprendizagem da técnica específica. Na fase de formação inicial, o destaque é atribuído às qualidades coordenativas e à especificidade que deverá chegar a um volume considerável, ao final desta etapa, ou seja ao final dos 13 anos. É importante desenvolver actividades para o desenvolvimento técnico e no inicio desta fase os exercícios físicos devem ter um carácter mais geral (particularmente resistência geral). Combina-se a incorporação gradual da dimensão física com os aspectos técnicos. Com relação aos aspectos específicos da preparação dos guarda- redes torna-se fundamental que o jovem atleta tenha uma grande variabilidade de acções motoras próprias da sua posição. É imprescindível corrigir os possíveis vícios de execução ou evitar a ocorrência dos mesmos. Posteriormente, na fase de formação inicial, o G.R. deverá ter condições de demonstrar as suas potenciais competências de forma efectiva. Devem-se enfatizar todas as qualidades do G.R. (dimensões táctica, técnica, psicológica e física). É importante que o G.R. consiga apresentar bons resultados nesta fase, pelo facto de ser decisiva para uma futura transição bem sucedida para o plantel sénior. Na fase de formação especial, o G.R. deve mostrar todas dimensões competitivas da sua especialização e estar preparado para jogar. No entanto, na transição para esta etapa não é frequente vermos o G.R. jovem a jogar como titular da posição e contraditoriamente é nesta fase que a sequência de

50 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

jogos é necessária para que ele adquira mais experiência e competitividade. Por isso é importante que na medida do possível o G.R. treine bem e possa disputar várias competições. O G.R. continua a evoluir e deve estar sempre preparado para aprender. Vigil (2008) apresenta uma proposta de formação mais detalhada, mas igualmente composta por quatro fases. Para o autor é importante que o G.R. esteja envolvido em todos os treinos com o fim de optimizar a sua forma física e as suas relações com os restantes jogadores da equipa. Em cada fase, Vigil (2008) descreve os conteúdos de treino do G.R. adequados ao desenvolvimento do jovem nos quatro domínios da performance (quadro 3):

Domínios da Performance Físico Técnico Táctico Psicológico Adaptar-se ao Entender a sua Conhecimento A criança deve jogo; posição das regras divertir-se e ter Manter específica; básicas prazer; o treino 10 Anos equilíbrio e Dominar a bola; deve ser coordenação; Saber rodar, simples Aquecimento e distribuir, passar recuperação e lançar a bola básicas Equilíbrio, Posição Base; Entender o Progressão de coordenação e Controlo e papel do G.R. técnica simples ritmo; distribuição da com respeito e estabelecer Conhecer os bola com as aos princípios os níveis 11-12 estiramentos mãos e os pés; básicos; inteirar- /as normas; específicos do saber reagir aos se das posições Realizar Anos G.R.; cruzamentos; e papéis dos trabalho em Flexibilidade e saber realizar restantes grupos mobilidade; passes curtos e jogadores Aquecimento e resolver o 1x1 recuperação básicas Manter Diferentes Conhecer o jogo Bom equilíbrio, maneiras de de futebol e as conhecimento coordenação e defender regras do jogo; da pequena e ritmo com remates, entender da grande área; 13-14 velocidade agarrando ou situações Preparação do durante 15 desviando a bola; relacionadas treino e do jogo Anos jardas; Reduzir os com o 11x11; de futebol; Conhecer ângulos; ter a saber aceitar a estiramentos Saber capacidade de avaliação, os específicos para movimentar-se comunicar com elogios e a os GR; para não sofrer os crítica

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Exercícios de golos; exercício companheiros flexibilidade e para melhorar a mobilidade; reacção e que os Aquecimento e façam decidir; recuperação Distribuição da bola com a mão e com os pés e pontapé de baliza; importância do apoio e disponibilidade; saber como controlar e passar a bola com ambos os pés; saber como jogar 1x1 Velocidade em Ser ubíquo em Comunicação Discussões em todas as relação à baliza e apoiando grupo e direcções até 20 na velocidade de verbalmente apresentações jardas; reacção; com instruções; ao grupo; estilo 15-16 Equilíbrio, deslocamento situações de vida, Anos coordenação e rápido e queda relacionadas nutrição e ritmo; lateral; saída a com o jogo em disciplina; ser (inclui Estiramentos, punhos, fechar 11x11; competitivo e exercícios de ângulos e saídas organização – confrontar-se todas as força, reflexões, da baliza; defendendo fisicamente; caracterí agilidade e pontapé de baliza contra remates estabelecer resistência; e pontapé de de livre directo, metas sticas aquecimento e saída tipo indirecto e individuais e de recuperação de “raquete” cantos; grupo; aguentar prévias) alto nível entender a pressão – sistemas de interna, externa, jogo o fracasso e solucionar problemas Quadro 3: Etapas de formação do guarda-redes adaptadas de, Vigil (2008).

Reconhecemos esta proposta como a mais completa, sendo que estratifica detalhadamente uma ideia contínua para o desenvolvimento dos conteúdos específicos, nomeadamente os conteúdos físicos e técnicos. Denota-se uma menor complexidade na estratificação dos conteúdos tácticos e psicológicos, uma vez que os vários tópicos compõem metas superficiais a alcançar, não percorrem o desenvolvimento dos objectivos ao pormenor, tal como nos aspectos físicos e técnicos.

52 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Revisão da Literatura

Assim, entendemos ser necessária a identificação de princípios simples para uma identificação objectiva dos guarda-redes jovens e orientar a progressão sustentada da formação, um processo complexo. Como todos os desportistas, o G.R. necessita de uma planificação, tanto a curto como a médio e longo prazo. O processo de formação de um G.R., não é um trabalho de pouco tempo, pelo contrário, é uma sucessão de tarefas diárias, não improvisadas, na procura de objectivos concretos e específicos (Sainz de Baranda, 2003).

53 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Material e Métodos

3. Material e Métodos

3.1 Metodologia de Investigação

A metodologia utilizada na investigação prática deste trabalho para a recolha de dados, consistiu numa entrevista aberta a G.R. de Futebol com experiência de nível superior e a treinadores de G.R. de Futebol. É importante referir que a entrevista é composta por questões de natureza aberta, para possibilitar aos entrevistados discorrer sobre as suas opiniões de um modo pessoal e evidente. A recolha das entrevistas decorreu entre as datas de 5 de Junho e 10 de Setembro de 2009. Para a realização das entrevistas foi utilizado um gravador de áudio «Olympus», modelo: Digital Voice Recorder VN-3500PC, para posteriormente realizar a transcrição para o programa Microsoft Office Word 2007 com a autorização dos respectivos entrevistados.

3.2 Caracterização da Amostra

A amostra é constituída por quatro entrevistados, dois G.R. de Futebol com experiência de nível superior, Jorge Silva e Tó Ferreira, ambos da U.D. Oliveirense, clube a competir na Liga Vitalis (II liga de futebol profissional), e por dois treinadores de G.R. de Futebol, Paulo Santos (C.D. Feirense – Liga Vitalis) e Hugo Oliveira (actual treinador de G.R. da Selecção Nacional de Futebol).

55 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Depois da realização de uma revisão de literatura e das entrevistas, a análise dos argumentos recolhidos é composta por quatro categorias centrais, de encontro aos temas abordados na entrevista formalizada e das linhas de pesquisa bibliográfica. Assim partimos para o cruzamento de informações, para comparar e discutir em permanente reflexão e dúvida, visto que o conhecimento emerge a partir destes e vive da incerteza.

4.1 O G.R. de Futebol Perito 4.1.1 Como se define?

Com base nos dados recolhidos, o nosso raciocínio pretende efectuar uma peritagem, entendendo este termo como sendo o estudo dos peritos, sem sermos intitulados peritos, queremos indagar pela definição de um Guarda- Redes de Futebol Perito. À partida, por si só um G.R. é considerado perito se jogar ao mais alto nível nacional ou internacional, pois estes activos nas balizas dos grandes clubes encontram-se acima do enorme grupo de guarda-redes que se encontram a defender em clubes de menor escala e mesmo em clubes de escalões profissionais secundários ou amadores. Este aspecto é exposto por Tó Ferreira quando refere que distingue os G.R. de alto nível dos demais pelas equipas onde jogam. Paulo Santos e Tó Ferreira determinam um G.R. de alto nível pelas suas capacidades psicológicas, nomeadamente a concentração. “Chamo um G.R. de alto nível àquele que consegue estar concentrado 95 minutos, neste caso porque há sempre mais uns descontos” (Paulo Santos). Tó Ferreira completa a ideia anterior ao referir que o G.R. se “tiver bem psicologicamente é meio caminho percorrido para o sucesso”. Janelle & Hillman (2003) no seu estudo relativo aos domínios da expertise no desporto salientam a elevada importância das capacidades psicológicas na performance de um perito.

57 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Para Jorge Silva e Hugo Oliveira, um G.R. de alto nível é aquele que reúne as capacidades necessárias para desempenharem a posição. Hugo Oliveira é amplo na sua definição e define com rigor o G.R. de alto nível: “é o G.R que domina a técnica base do G.R em toda a sua plenitude, ou seja, desde o ponto de vista técnico, físico, táctico e psicológico”. Para visar o estatuto de perito, Janelle & Hillman (2003), definem como necessário alcançar a excelência nos domínios: fisiológico, técnico, cognitivo e emocional. Tal como citamos na revisão de literatura, as quatro componentes do rendimento desportivo do G.R. (técnico, físico, táctico, psicológico) englobam as aptidões específicas requisitadas pela actividade do G.R. em jogo. Interessa perceber que a especificidade destas componentes são a base da formação de um G.R. de Futebol, mas será que todas têm a mesma relevância no desenvolvimento e desempenho futebolístico do G.R. ao mais alto nível para extrapolarmos o executante da arte de G.R. até à denominação de perito? Tó Ferreira tem um exemplo prático que pode ser interpretado nesta questão: “eu conheço G.R. que trabalharam em equipas de topo e hoje estão em equipas secundárias. Será que o trabalho não foi bom? E também conheço G.R. que trabalharam em equipas inferiores e hoje estão no nível superior, é o caso do Quim. Trabalhou sempre num Braga inferior, que actualmente é mais competitivo. O exemplo do Bruno Vale é o contrário, trabalhou sempre no F.C. Porto com bons métodos de trabalho e agora está no Belenenses sem jogar. Não sei o que se passou.” Por este exemplo não podemos relativizar o sucesso de um G.R. de Futebol exclusivamente à prática, às componentes fundamentais do treino de G.R., nem à questão da altura elevada do G.R. relativa da identificação de um padrão normativo da estatura ideal para o sucesso do G.R. de futebol ou às generalizações desvirtuosas da realidade bem presente no Futebol mundial, «as excepções à regra». O Bruno Vale é um G.R. considerado de elevada estatura e pelo exemplo do Tó Ferreira compreendemos que teve boas oportunidades de prática, bons métodos de trabalho e o Quim, actual G.R. titular do Sport Lisboa e Benfica, considerado pelo seu actual treinador um G.R.

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de baixa estatura, está ao mais alto nível nacional com sucesso, apetrechando- se de atributos para ser denominado de perito. Procuramos perceber as características que distinguem o artista para exaltar a arte de G.R. de Futebol.

4.1.2 Que características o distinguem?

“Os três C do guarda-redes são: calma, controlo e concentração” (Banks, s/d).

No seguimento da definição de um G.R. de Futebol perito estão subjacentes os domínios onde o mesmo exerce necessariamente controlo específico da actividade. Estes domínios compreendidos anteriormente são as áreas do rendimento específico relativas à formação de um G.R. de Futebol. Para Sainz de Baranda et al. (2003) o objectivo final do processo de aprendizagem, será a realização de uma correcta execução de cada gesto, conseguir uma automatização do mesmo e que o tempo de reacção para decidir a acção a realizar seja mínimo. Neste sentido, os autores descrevem que a eficácia do G.R. será determinada pela qualidade da análise e percepção das situações de jogo que intervêm, pela qualidade da tomada de decisões (pensamento táctico), pela qualidade na hora de seleccionar a acção motora a realizar antes do gesto técnico (deslocamentos, saltos e quedas), pela qualidade da execução da acção técnica, qualidade no domínio de diversas variáveis psicológicas (ansiedade, auto-eficácia...), pela qualidade no conhecimento teórico do jogo e pela qualidade do treino fisiológico. Segundo os autores Janelle & Hilllman (2003), um nível de expertise inferior, num dos domínios, impedirá o perito de se apresentar ao mais alto nível do seu rendimento, em contrapartida, a expertise num dos domínios pode ser um meio facilitador ou impeditivo do alcance da expertise noutros. Retendo este conceito, pretendemos canaliza-lo para a análise do G.R. de Futebol perito ao discutir as opiniões dos entrevistados relativas às características que distinguem o G.R. de alto nível dos demais.

59 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Para Jorge Silva e Hugo Oliveira a tomada de decisão é o aspecto que distingue os G.R. de Futebol peritos dos demais e compreendem este domínio como um meio facilitador ou impeditivo do alcance de bons níveis de performance noutros domínios. Jorge Silva refere que “é importante a todo o nível” e indica um exemplo prático facilitador do entendimento do mesmo: “dentro de campo temos que tomar uma decisão quando há um cruzamento, uma defesa, pois condiciona a acção técnica. Não adianta ter um G.R. bom tecnicamente, por exemplo, se a tomada de decisão sempre que vai tomar uma acção é errada”. A velocidade de tomada de decisão e a exactidão são, em grande parte, baseadas no valor interpretativo da informação adquirida através de perícias perceptuais e da sua apropriação para uma selecção de resposta efectiva (Janelle & Hillman, 2003). “A tomada de decisão, para mim é fundamental e a qualidade desta distingue os G.R. medianos dos G.R. de alto nível” (Jorge Silva). Esta questão da capacidade de análise da tomada de decisão, é tratada por French & Thomas (1987) e McPherson & Thomas (1989, cit. Guilherme Oliveira, 2004: 63). Segundo estes autores, os atletas peritos demonstram as seguintes características: “ 1 – São mais rápidos e precisos a reconhecerem padrões de jogo; 2 – São mais rápidos e precisos a detectar e localizar os aspectos determinantes e relevantes que acontecem no seu campo visual; 3 – São eficazes a antecipar as acções dos adversários, baseando-se em pistas visuais; 4 – Revelam um conhecimento superior em situações mais prováveis de acontecer; 5 – Adoptam decisões tácticas mais ajustadas à situação; 6 – Têm um conhecimento estruturado e aprofundado das matérias específicas, conhecimento declarativo, e de como fazer as acções, conhecimento processual; 7 – Possuem capacidades superiores de auto-controlo”. Segundo Hugo Oliveira, a característica que define um G.R. de Futebol de alto nível de um G.R. que não é de alto nível, é a tomada de decisão, ou

60 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

seja, “a execução de uma determinada vertente técnica com uma tomada de uma decisão táctica, isto sendo dentro de um jogo em que os níveis psicológicos são de alta intensidade” (Hugo Oliveira). Hugo Oliveira é mais amplo no entendimento das características que distinguem o G.R. perito, pois refere a importância da decisão táctica em jogo com níveis psicológicos de alta intensidade. A capacidade psicológica do G.R. é outro aspecto, também distinguido por Tó Ferreira e Paulo Santos. Paulo Santos específica a capacidade psicológica do G.R. de Futebol perito distinguindo a concentração como sendo fundamental para o sucesso e rendimento superior. “Um G.R. de alto nível é aquele que acima de tudo tem de estar super concentrado”. Para o mesmo treinador de guarda-redes, a concentração é a característica psicológica que influência os restantes níveis de performance do G.R. de Futebol em jogo. Tó Ferreira expõem-nos um exemplo concreto e recorrente no âmbito futebolístico: “há jogadores que dão tudo nos treinos e depois chegam aos jogos e não aparecem, porquê? Porque será?”. Explica a sua interrogação pela influência dos níveis psicológicos no rendimento desportivo, “no treino estamos à vontade, não há pressão, não há competição, é treino só e quando falamos de jogo, é diferente, requer concentração no máximo das nossas capacidades”. Tó Ferreira além de referir a importância para o G.R. de Futebol estar “bem psicologicamente”, expõem-nos outro ponto de vista, “o apoio psicológico também é importante”. O apoio psicológico é um aspecto externo, não é uma característica que o distingue, mas pode ser conduzido a adquirir a capacidade psicológica desejada para ser um G.R. de Futebol perito. Assim, na formação de um G.R. de Futebol perito podemos detectar as características pessoais favoráveis para a selecção de um jovem para a posição específica de G.R., ou conduzir um apoio psicológico necessário, como por exemplo, para a obtenção de níveis elevados de concentração. Pela discussão efectuada dos depoimentos recolhidos, podemos eleger a capacidade de tomada de decisão para um comportamento táctico-técnico e as capacidades psicológicas (nomeadamente a concentração) como características que distinguem os guarda-redes de Futebol de alto nível.

61 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

4.1.3 Mais difícil alcançar ou permanecer? A sustentabilidade da performance superior

Para perceber o G.R. de Futebol perito, interessa-nos compreender o percurso até à performance superior e discorrer sobre a manutenção da motivação necessária para estar no nível superior durante os longos anos de prática que se expõe. De acordo com Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), como já foi mencionado anteriormente, as actividades de prática deliberada são formas de treino que não são intrinsecamente motivadoras, exigem altos níveis de esforço e atenção, e não conduzem a recompensas sociais ou financeiras imediatas. Sob as condições da prática deliberada, isto é, sob condições de grande esforço e concentração, os peritos desenvolvem habilidades específicas que são exigidas pelo seu domínio. Assim sendo, percebemos que é difícil alcançar a performance superior e a sustentabilidade da mesma é um percurso árduo suportado por diversas motivações. No entendimento da maioria dos entrevistados é difícil alcançar a performance superior e só Paulo Santos tem opinião contrária. Jorge Silva é óbvio ao caracterizar a carreira de um G.R. de Futebol, “é difícil permanecer e chegar ao nível superior”. Segundo Hugo Oliveira, na actualidade é mais difícil para um G.R. de Futebol chegar ao nível superior do que se manter lá. Tó Ferreira reconhece que é mais difícil chegar ao nível superior e refere que “para chegar a um patamar superior é preciso sorte e oportunidade, mas quando os G.R. lá se encontram, têm de permanecer regulares para não descerem a um nível inferior. Fora da esfera da experiência adquirida e do talento inato, Paulo Santos e Tó Ferreira referem-nos um factor recorrentemente falado na alçada futebolística, “a sorte, uma oportunidade” como componente necessária para alcançar o sucesso. O entendimento deste factor pelo Paulo Santos caminha para a explicação de decisões externas ao domínio da expertise revelada pelo

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G.R. de Futebol perito. “Há treinadores que podem não ir com a tua cara e nem te contratar. Ou outro exemplo, eu acho que o G.R. suplente é melhor que o titular, mas se o treinador principal não lhe der uma oportunidade, ele não passa de suplente” (Paulo Santos). Assim, percebemos «a oportunidade» que nos fala Paulo Santos e Tó Ferreira como uma condição externa ao domínio da expertise, que condicionará a manutenção e a possibilidade de alcançar a performance superior. A regularidade da performance superior é igualmente difícil de alcançar no nível superior, e segundo todos os entrevistados é um aspecto essencial para permanecer neste patamar competitivo. Tal com referem Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), as actividades de prática deliberada são formas de treino que não são intrinsecamente motivadoras, por isso questionamos os entrevistados no sentido de perceber como é que um G.R. mantém a motivação necessária para a prática durante longos anos. Num estudo mais recente, de Côté, Baker & Abernethy (2003, in Ericsson & Starkes, 2003), os autores comentaram trabalhos de alguns autores, no sentido de salientarem a importância dos aspectos motivacionais para o desenvolvimento do desempenho excepcional. Fizeram questão de salientar os aspectos que constituem a superioridade no desenvolvimento dos peritos altamente motivados e auto-determinados. Sugeriram que, basicamente, é a construção de uma fundação sólida de motivação intrínseca, através do envolvimento em actividades que promovem a regulação intrínseca que, por sua vez, faz com que os participantes tenham oportunidade de tomarem decisões autónomas, desenvolverem a competência e sentirem-se ligados aos outros. Ao compreender que a prática deliberada nem sempre é sinónimo de prazer para o indivíduo e a motivação intrínseca do praticante impulsiona a aprendizagem, para manter a motivação necessária para a prática, segundo Hugo Oliveira essa motivação é alimentada pela “paixão muito grande pela posição de G.R.”. O actual treinador de G.R. da Selecção Nacional vai mais longe ao atribuir elevada importância à paixão pela arte de G.R. para um jovem

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ser G.R. de Futebol perito, “o G.R. no futebol é o «anti-herói» e tem que se ter uma paixão muito grande para se fazer uma carreira de G.R. de futebol. Tem que ser diferente dos demais para ser G.R.. Na minha opinião os miúdos que têm mais ego são aqueles que tem mais paixão para ser G.R., porque querem ser diferentes dos outros”. Para Jorge Silva, Tó Ferreira e Paulo Santos, a motivação para prolongar a carreira ao alto nível sustem-se pelo gosto de treinar, gosto pelo trabalho diário. Porém, Tó Ferreira e Paulo Santos completam a sua opinião referindo que um jogador sente-se realmente motivado se jogar. Jorge Silva completa a sua opinião ao referir que “ter sempre um objectivo é outro aspecto importante” para manter a motivação. “O que sempre quis e sempre procurei foi estar entre os melhores do mundo. É essa a motivação que levo para cada treino e para cada jogo.” (Baía, 2005, p.87) Revista a opinião dos nossos entrevistados, a «paixão pela posição de G.R.» e o «gosto de treinar» constituem pela nossa apreciação um limite muito ténue de distinção, pois percebemos que para ter paixão de ser G.R. de Futebol será necessário gostar de praticar. Para formar um G.R. de Futebol perito também parece-nos necessário inserir o jovem em práticas motivadoras de forma a cultivar a sua motivação intrínseca (gosto pelo treino) em sintonia com a aprendizagem. Assim, segundo os nossos entrevistados, conhecemos alguns aspectos que se constituem fonte de motivação, sendo esta considerada uma influência muito significativa no percurso desportivo dos G.R. de Futebol, não apenas durante a sua carreira, mas mesmo antes de se envolverem seriamente no desporto.

64 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

4.2 A prática no processo de formação do guarda-redes de Futebol 4.2.1 Influência da prática deliberada

“Peter Bonetti tinha uns reflexos prodigiosos e era mais ágil do que eu. Eu era demasiado grande para me lançar à mesma velocidade de Bonetti. Por isso tive de compensar tudo com uma boa colocação/ posicionamento” (Banks, s/d).

Partindo da premissa que a prática é o primeiro mediador de um desempenho excepcional, o trabalho de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993) afirma que os níveis de aquisição da expertise são orientados pela participação na prática deliberada. Estamos perante a ideia da existência de uma relação directa entre a prática de treino acumulada e o desenvolvimento de um desempenho superior. Entendendo as principais características de um G.R. de Futebol perito, a tomada de decisão e os níveis psicológicos (concentração), todos os entrevistados consideram estas componentes específicas da performance de um G.R. de Futebol influenciadas pela prática. Que prática? Uma prática deliberada, altamente estruturada com o intuito declarado de progredir e aperfeiçoar o desempenho e não tendo apenas em vista o divertimento (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993). Extrapolando a definição e o intuito da prática deliberada para a especificidade centrada na procura de adequação dos efeitos do treino com “uma permanente e constante relação entre as dimensões psico-cognitivas, táctico-técnicas, físicas e coordenativas” (Guilherme Oliveira, 1991) em correlação permanente com os princípios que regem a acção do G.R. em jogo, segundo Oliveira (2009), o treino de G.R. à imagem do jogo, deve ser feito criando situações semelhantes à do jogo, obrigando o G.R. à tomada de decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Segundo o mesmo autor e na continuidade da ideia de prática específica do G.R. de Futebol, “a concentração também está sempre presente e a ser trabalhada”. Na continuidade da ideia deste autor, pretende-se que a concentração esteja sempre presente no treino de G.R., este que obriga à tomada de decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Estando a concentração

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intimamente ligada ao processo de treino de acções táctico-técnicas, esta atenção específica ao jogo é, segundo Freitas (2005), “concentração táctica”. Na opinião de Hugo oliveira a influência da prática “é tamanha”, “muito grande”, mas o jogo é a prática mais influente para o desenvolvimento de um G.R. de Futebol: “mais do que num elemento de campo dos outros dez do jogo de futebol, o jogo ainda é mais importante para o G.R., porque por muito que se treine adequado às situações de jogo a tomada de decisão sob a pressão de um jogo é muito mais intensa do que no treino”. Para Paulo Santos “o melhor treino é o jogo”. “No jogo o G.R. vai ganhando muito mais confiança, por mais treinos que eu possa fazer, a confiança que ele vai adquirir é em situação de stress, em grandes jogos” (Jorge Silva). Jorge Silva, Tó Ferreira e Paulo Santos discorrem na mesma linha de pensamento, revelando a importância das práticas de treino e de jogo para o desenvolvimento de um G.R. de Futebol e Jorge Silva acrescenta que a avaliação do desempenho real do G.R. de Futebol é sempre feita durante um jogo. Julga que no treino podemos treinar um G.R. ao mais alto nível, mas no jogo ele pode não corresponder. “Dizem que o treino é o espelho do jogo… deve ser e acredito que sim, mas há jogadores que no treino são uma coisa e no jogo são outra” (Tó Ferreira). Transportando a opinião de Jorge Valdano sobre as equipas de futebol e os seus respectivos jogadores: “assim como as habilidades se melhoram treinando-se, os maus hábitos pioram se se treinam. Nessas equipas de futebol que parecem fábricas, onde os jogadores cumprem tarefas mecânicas, como se ajustassem sempre o mesmo parafuso, produziu-se um fenómeno lógico: cada dia que passa os futebolistas são mais medíocres. (...) sendo que muito jovens sofreram uma evolução lamentável. Se não os deixam pensar e eles não são capazes de revelar-se, a mediocridade é um castigo justo.” (Valdano, 2001, p. 201, 202), a prática para conduzir a uma aprendizagem significativa tem de reunir diversas características próprias da competição. A característica central retida no exemplo de Jorge Valdano, também referida por Hugo Oliveira e Jorge Silva, é a viabilidade da prática não ser castradora do pensamento do jovem perito, a possibilidade de análise e tomada de decisão do jovem perito

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para a execução da habilidade motora específica, a acção técnica do G.R. de Futebol. Mas, no mesmo exemplo outra característica da prática é explícita através da expressão utilizada “cada dia que passa”, atribuindo uma distinção diária para uma prática futebolística. Pelo exemplo de Jorge Valdano, salientamos a necessidade de estudarmos um pouco mais a relevância da quantidade e da qualidade da prática.

4.2.1.1 Qualidade da Prática…? Quantidade da Prática…?

No processo de formação de um G.R. de Futebol, é consensual que a prática influência o desenvolvimento e é uma condição não só necessária, mas fundamental para alcançar o altos níveis de rendimento desportivo. Num estudo acerca da expertise no xadrez, Simon & Chase (1973) indicaram que as diferenças entre o nível dos jogadores peritos e os jogadores menos especializados era atribuída à habilidade para organizar informação, mais do que a uma capacidade de memória superior. Baseados nesta descoberta, os autores sugeriram que a variação inter-individual do desempenho podia ser explicada pela quantidade e qualidade do treino. Como constatamos na revisão bibliográfica, a quantidade de treino pode ser explicada de acordo com a “regra dos 10 anos”, um compromisso de 10 anos com altos níveis de treino é a exigência mínima para se alcançar o nível de perito. Esta regra foi verificada na música (Ericsson, Krampe & Tesch- Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985), na matemática (Gustin, 1985), na natação (Kalinowski, 1985), no atletismo (Wallingord, 1975) e no ténis (Monsaas, 1985). Num estudo mais recente sobre as modalidades de hóquei e futebol, Starkes (2000) também dá crédito a esta teoria, confirmando que os jogadores belgas peritos (do sexo masculino) despendem cerca de 10 000 horas na prática. Porém, noutro estudo relativo ao hóquei alemão, (Van Rossum, 2000, in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001) os dados recolhidos comprovaram que os jogadores alemães não passavam tantas horas a praticar como os jogadores belgas e, contudo, a equipa alemã acabou bem classificada

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nos campeonatos do mundo de 1990 e 1994, e no campeonato europeu de 1995; venceu o torneio pré-olímpico de 1996 e ganhou o título olímpico um ano mais tarde (enquanto a Bélgica nem sequer ficou classificada para os Jogos Olímpicos de 1996); em 1998 a equipa alemã venceu o prestigiado “Champions Trophee”, tornando-se a primeira equipa da história a conseguir os três títulos internacionais mais concorridos. Deste modo, parece inevitável concluir que o número mágico de 10 000 horas de prática não pôde ser aplicado ao hóquei alemão e, consequentemente, pode-se concluir que a relação entre horas acumuladas de prática e a expertise deverá ser questionada sempre que se faça uma investigação neste campo. Assim, parece evidente que, se os jogadores alemães atingiram desempenhos qualitativos superiores com menos horas de prática, isso deve-se à qualidade da prática, mais do que à quantidade de horas passadas a treinar. Pelos estudos mais recentes efectuados fora do âmbito da influência da prática no desenvolvimento do G.R. de Futebol, podemos constatar que a qualidade da prática exerce maior influência do que a quantidade de prática. Pelo nosso estudo, a relação entre as horas acumuladas de prática e a expertise é questionada, na medida que nenhum dos entrevistados pensa que um G.R. de Futebol que treine um maior número de horas semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada sessão. Quando foi colocada esta suposição a Hugo Oliveira, este foi claro na sua opinião e descritivo relativamente à sua posição: “concordo que mais importante que a quantidade é importante a qualidade. Às vezes podemos estar a trabalhar pouco e trabalhar bem, do que trabalhar muito e estar a trabalhar mal. Acho que não se deve trabalhar muito porque o importante é trabalhar com altos níveis de concentração para fazer as tomadas de decisão certas e adequadas, trabalhar muito vamos perder esse nível de concentração. Pouco mas bom, é na minha opinião o trabalho de G.R., curto e intenso”. Jorge Silva com a mesma linha de pensamento, possibilitamos um entendimento funcional desta questão: “acho que neste caso o número de

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horas não influência o desempenho. O importante é o trabalho ser bem feito, com qualidade. Com a mesma frequência semanal, um trabalho de 35min com qualidade é mais importante do que estar 1h ou mais a “massacrar” o G.R.” Na recolha bibliográfica, Voser e colaboradores (2006) são os únicos autores com uma ideia mais concreta na abordagem deste tema. Para estes autores, a prática do G.R. de Futebol deve ser conduzida de forma a proporcionar treinos “especiais” para o G.R., o que não significa excesso, quantidade de treino, mas sim qualidade. Neste sentido, tal como verificamos anteriormente, entendemos a qualidade da prática do G.R. de Futebol como sendo uma condutora da especificidade dos comportamentos do G.R. em jogo. Estes comportamentos revelam as características que distinguem os G.R. de alto nível dos demais, logo uma prática de qualidade para influenciar o desenvolvimento de um G.R. de Futebol perito deve estimular a tomada de decisão para a realização de acções táctico-técnicas específicas e ser conduzida de forma a garantir elevados níveis de concentração do executante. “Só o movimento intencional é educativo” (Frade, 1985 cit. Freitas, 2005), para uma aprendizagem significativa do G.R. de Futebol, para além da sistematização da prática, é importante que o G.R. seja o autor da intenção na realização dos comportamentos para intensificar a qualidade da prática deliberada.

4.2.2 Contributo para chegar a um nível superior... talento inato ou experiência adquirida?

“O preconceito diz que ao guarda-redes deve-se pedir experiência” (Sampaio, 2008, p.23).

Diversos estudos (Bouchard, 1997; Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001), realizados no âmbito do desporto, comprovaram que, quando os peritos e os não peritos são distinguidos pelo domínio específico e habilidades de processamento de informação, estas diferenças de perícia são melhor explicadas pelo treino intenso, mais do que pelas habilidades inatas.

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Bouchard (1997, in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001), alega que a lógica por trás desta posição é que, enquanto certas características gerais têm sido associadas ao talento genético, o refinamento destas características dentro das habilidades específicas do domínio (reconhecimento de modelos, pensamento estratégico) acontece apenas após vários anos de treino intenso. Para além disso, não existem provas científicas capazes de explicar a existência de um gene que predispõe um atleta para um processamento de informação superior que só se manifesta num domínio (no futebol, por exemplo). No nosso estudo a questão colocada inicialmente não é consensual entre os entrevistados e levanta questões fora do âmbito do talento inato e/ ou da experiência adquirida, quando, Paulo Santos refere a «oportunidade» como um contributo importante para se formar perito. Para além de todos os entrevistados considerarem a prática um aspecto fundamental para o desenvolvimento, como observamos anteriormente, relativamente à experiência adquirida ou ao talento inato surgem dúvidas relativas ao contributo destes aspectos para o G.R. de Futebol alcançar o nível superior. Pela lógica de raciocínio, os entrevistados ao considerarem a prática fundamental para o desenvolvimento do G.R., parecia evidenciar que a experiencia adquirida poderia também ser considerada o contributo para chegar a um nível superior, mas não. Paulo Santos e Tó Ferreira são claros ao considerar que a experiencia adquirida é o contributo para chegar a um nível superior, mas Jorge Silva e Hugo Oliveira consideram ambas condições necessárias. Segundo Paulo Santos, o G.R. para alcançar o nível superior tem de ter uma formação adequada e “a experiência que vai adquirindo ao longo da vida, através da prática, é fundamental para chegar a um nível superior”. Na mesma linha de pensamento, Tó Ferreira pensa que ninguém nasce com talento, “ninguém nasce ensinado, nós vamos adquirindo a nossa experiência com o tempo, com o trabalho, com a dedicação pelo desempenho. Por exemplo, vou falar de mim… eu jogava futebol de salão, nem sabia cair, não sabia chutar uma bola, não sabia agarrar uma bola em condições técnicas. Com o tempo e

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o treino com pessoas que apanhei durante a minha carreira, os treinadores de G.R., fui adquirindo técnica e aperfeiçoando o meu desenvolvimento. Hoje com 37 anos ainda estou a aprender muita coisa. O Jorge, que é o meu treinador de G.R. diz-me o erro que cometi e eu vou tentar colmata-lo. Com o tempo vamos assimilando o trabalho e adquirir a experiência necessária”. Por outro lado, Jorge Silva e Hugo Oliveira têm uma opinião diferente dos outros dois entrevistados. Hugo Oliveira é da opinião que o G.R. de Futebol é “um misto”, para alcançar o nível superior tem de adquirir experiência, mas nasce predisposto com talento para o ser. “Tem que se nascer para ser G.R. mas não vale de nada ter talento se não tiver escola para ser G.R., por isso eu sou da opinião que tentar juntar as duas coisas é o mais aceitável, mais produtivo” (Hugo Oliveira). Hugo Oliveira, revela a influência de um talento inato para alcançar um nível superior de desempenho, na medida que, tem que se nascer para ser G.R. mas não vale de nada ter talento se não tiver prática deliberada para ser G.R. de Futebol. Todavia, no seguimento da entrevista, menciona o treino como um constrangimento mais importante do que a genética. Jorge Silva completa a ideia ao referir que já nasce “alguma coisa que diferencia os G.R. de alto nível e o resto tem de ser trabalhado”. A noção de distinção de um G.R. de alto nível pelas particularidades inatas que possui, configurada por Jorge Silva, pode ser interpretada para perceber algumas características patentes num jovem G.R. de Futebol importantes para o desenvolvimento da expertise. No entendimento de Jorge Silva, as características inatas podem constituir-se importantes factores para a selecção de um jovem G.R. de Futebol. Neste sentido, Jorge Silva e Hugo Oliveira decifraram como características específicas desse talento inato, aspectos fisiológicos e psicológicos, como tal, esta opinião não se mostra totalmente válida porque na revisão da literatura percebemos que o domínio fisiológico é determinado pela prática de treino e não pelo talento inato. Já os aspectos psicológicos, pela revisão de literatura concluímos que podem ser influenciados e estar inerentes ao processo de treino, mas para determinar o padrão psicológico do G.R. de

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Futebol perito, compreendemos a existência de importantes características intrínsecas no G.R. de Futebol perito, como por exemplo, a dedicação, humildade, vontade de aprender, personalidade e a perseverança (Voser et al., 2006). Ultrapassando a superioridade a nível cognitivo adquirida pelos peritos (a tomada de decisão no G.R. de Futebol perito), Ericsson, Krampe & Tesch- Romer (1993) vão mais longe ao sugerirem que até as diferenças físicas (à excepção da altura) entre os indivíduos podem ser explicadas pela prática prolongada dentro do domínio específico. Neste sentido, as características inatas relativas ao G.R. de Futebol perito no domínio fisiológico e psicológico referidas por Hugo Oliveira e Jorge Silva, segundo a explicação de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), as diferenças de excelência no perito nos domínios fisiológico e psicológico podem ser explicadas pela prática prolongada na posição de G.R. de Futebol e só o domínio morfológico, nomeadamente a altura do G.R., é uma característica inata que pode contribuir para o talento, para a excelência do G.R. de Futebol. No Futebol Moderno, esta é uma realidade cruel para a História do Futebol Nacional, “porque Portugal teve em Bento um ídolo de gerações e Vítor Baía também não era extraordinariamente alto” (Nunes 2009). Na actualidade, Vítor Baía não é considerado um ex-guarda-redes extraordinariamente alto, mas na sua autobiografia revela ter passado pelo critério de selecção (altura), no seu primeiro contacto com a formação do F.C. Porto. Uma forma de previsão da estatura adulta para critério de selecção não tão criteriosa como o conjunto de testes para a previsão da estatura adulta utilizados na actualidade pelo Sporting, tal como divulgou Jorge Silva na entrevista realizada. “Era baixinho… O Costa Soares olhou para mim, mediu-me da cabeça aos pés, e perguntou-me: «Tu és guarda-redes? O teu pai é alto?» (…) A minha estatura não impressionava ninguém. Antes pelo contrário. Mas o Costa Soares, por toda a experiência que tinha, entendeu que eu ia crescer muito, tal como o meu pai” (Baía, 2005, p.19).

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Ao reportarmos o panorama internacional, na história da selecção Mexicana quem não se lembra de Jorge Campos que impressionava pela agilidade? Tinha 1,75 metros, mas era mais alto que Óscar Pérez (1,72 metros), o seu sucessor. São excepções e sinónimos de espectacularidade que confirmam juntamente com a tendência do Futebol Moderno, a altura de um G.R. de Futebol como uma característica considerada na selecção, mas não pode ser relacionada directamente com a performance de um G.R. de Futebol, nem o único factor de descriminação de jovens na formação, relativamente à opção da criança para a posição de G.R. “Dos titulares na baliza dos grandes, em juniores – Bruno Barros (Benfica), João Figueiredo (Sporting) e Tiago Maia (FC Porto) -, o portista é o mais baixo, mas é o que tem maior capacidade técnica. A falta de altura não o impediu, por exemplo, de ser o melhor em campo frente ao Guimarães” (Nunes, 2009). Na actualidade, a altura de um G.R. de Futebol é um contributo para chegar a um nível superior. “O futebol do século XXI favorece a formação de guarda-redes mais altos. Há excepções, mas a ideia geral é que um guarda- redes grande «enche melhor a baliza»” (Nunes, 2009). Simonton (2001, cit. Barreiros, 2005) reforça que o talento é, acima de tudo, um processo de desenvolvimento multidisciplinar (integra componentes físicas, fisiológicas, cognitivas e disposicionais) e multiplicativo. Concebe talento como qualquer capacidade inata que possibilita ao indivíduo evidenciar prestações de excelência em qualquer domínio que exija capacidades especiais e treino. Este autor, defende que o talento emerge pela combinação múltipla das diferentes componentes e os traços genéticos inatos não se manifestam todos de uma só vez, mas desenvolvem-se segundo diferentes trajectórias. A ideia de que o talento é um processo de desenvolvimento multidisciplinar e multiplicativo está bem presente nas citações de Hugo Oliveira: “…o talento inato tem a ver com questões do ponto de vista fisiológico e do ponto de vista comportamental. A questão da tomada de decisão e depois da consequente execução técnica tem a ver com o treino” e Jorge Silva: “A

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nível físico e tecnicamente podemos trabalhar qualquer G.R, mas a nível psicológico é difícil chegar lá. Podemos trabalhar o G.R., mas algumas características para confrontar algumas situações no jogo, são características pessoais inatas”. Porém, todos os entrevistados em consonância com a revisão da literatura, também consideram que a experiência adquirida influencia na obtenção do nível superior de desempenho pelo G.R. de Futebol perito. Na linha de processamento deste estudo, as opiniões dos quatro entrevistados parecem complementares, visto que a experiência adquirida é um contributo indispensável para alcançar o rendimento superior nos G.R. de Futebol, condição referida por todos os entrevistados. A relevância das características inatas, nomeadamente a estatura referida por Jorge Silva e Paulo Santos, é um importante factor de selecção do jovem G.R. perito. “Os guarda-redes mais altos estão a ganhar tanto espaço no futebol que a estatura é cada vez mais um critério decisivo para a selecção” (Nunes, 2009). Compreendemos a selecção como um processo de apuramento das características de excelência reveladas pelo indivíduo, sendo que estas características no G.R. de Futebol perito podem ter origem genética (altura) ou na prática (tomada de decisão, concentração). Na opinião de Paulo Santos “ninguém nasce com talento para ser G.R., pode ter gosto em ser G.R. e estatura, sendo estes dois princípios juntamente com as experiências da prática de G.R., os contributos para alcançar o nível superior”.

4.2.2.1 Uma ordem de importância para os constrangimentos: genética, treino, ambiente/envolvimento.

Nos depoimentos recolhidos encontramos diferentes convicções sobre o contributo da experiência adquirida e, ou, do talento inato para a aquisição de um desempenho superior na arte de G.R. de Futebol. Convicto da complexidade do processo de formação, a ordem dos constrangimentos não caracteriza linearmente o desenvolvimento do perito e concretamente as causas residuais do seu sucesso, mas sim, ajuda-nos a

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compreender a influência desses constrangimentos para dinamizar e detectar um G.R. de Futebol perito. Para Hugo Oliveira é difícil criar uma ordem de importância entre o treino, a genética e o ambiente/envolvimento, porque todos os constrangimentos têm de estar em sintonia. Nesse sentido, pensa que o desenvolvimento do G.R. de futebol é fruto da experiência adquirida pela prática, como também é resultado do talento inato. Contudo, deixa-nos a perceber que o treino é o constrangimento mais importante ao responder desta forma à pergunta sobre uma ordem de importância: “acho que o treino é importante e a seguir o ambiente/envolvimento e depois a genética”. Tó Ferreira e Paulo Santos são inequívocos ao revelar a importância do factor treino no que respeita ao impacto que pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol perito. Patenteiam a opinião constante durante toda a entrevista e descrevem a mesma ordem de importância dos constrangimentos (treino, ambiente/envolvimento, genética) do que Hugo Oliveira. Três entrevistados têm a mesma opinião sobre a importância superior do treino para o desenvolvimento de um perito, tal como Bouchard, 1997; Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001, revelaram nos seus estudos que o domínio específico e as habilidades de processamento de informação são melhor explicados pelo treino intenso, mais do que pelas habilidades inatas. Só Jorge Silva expõe uma opinião diferente, salienta a genética como sendo mais importante do que o treino e o ambiente/envolvimento. Estamos a falar da importância de características originadas pelos genes para o desenvolvimento do G.R. de Futebol perito e para Jorge Silva no futebol moderno é bastante importante. Expõe-nos um exemplo sobre a selecção de G.R. para a formação: “têm dois G.R.: um tecnicamente muito bom com 1,70m entre 1,80m e tens outro tecnicamente menos bom que o anterior (mas claro, não é mau) e com a estrutura de 1,80m entre 1,90m e o clube opta pelo G.R. mais alto. Isto porque o menos bom tecnicamente acaba por ser trabalhado para que venha equivaler ao anterior, o outro não consegue fazê-lo crescer. Por exemplo, no Sporting fazem testes para a previsão da altura” (Jorge Silva).

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As previsões da estatura na idade adulta ou considerar um G.R. com 1,84 metros (altura do ex-guarda-redes Vítor Baía) baixo para alcançar a performance superior, pode negar G.R. excepcionais e condicionar a formação de um potencial perito. Neste sentido, para Baía (2005), o trabalho de formação é uma aposta, requer muita paciência e inteligência também. Isto, porque o mesmo indica na sua autobiografia que a sua estatura baixa foi sempre um problema durante a formação até aos iniciados, porque só nos juvenis é que ocorreu o seu salto pubertário e cresceu consideravelmente. Por isso, é que a formação requer muita paciência, porque se não esperassem pelo crescimento do Vítor Baía no escalão de juvenis, poderíamos ter perdido um dos ídolos das balizas Nacionais e Internacionais durante a década de 90 até 2007. Tal como vimos anteriormente, a estatura, ou a previsão da mesma, revela-se um importante factor de selecção para determinar o potencial de um G.R. de Futebol jovem no Futebol Moderno, para quem idêntica a necessidade de uma estatura considerada elevada para obter uma melhor performance. Assim, parece-nos que o treino, nomeadamente a qualidade e a quantidade, tem inequívoca relevância no desenvolvimento da performance superior num G.R. de Futebol, porém não podemos isolar a importância de um constrangimento em detrimento de outro, mas sim considerar e reconhecer a importância da estatura para o G.R., como também do ambiente/envolvimento.

4.2.3 Nas sessões de treino... condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos, ou para proporcionar o maior número de experiências possíveis?

“O êxito do guarda-redes não se mede somente por um trabalho bem feito, mas também, principalmente, pela ausência de erros” (Hodgson, s/d).

Para este efeito, segundo Sainz de Baranda (2003) deve-se planear sessões com um grande volume de tarefas com grande quantidade de estímulos que melhorem os processos de percepção e de tomada de decisão, principalmente estímulos semelhantes ao da própria competição, incluindo a

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necessidade de integrar a formação biológica, teórica, psicológica e física dentro das sessões de treino. Tal como Sainz de Baranda (2003), todos os entrevistados consideram que as sessões de treino devem proporcionar o maior número de experiências possíveis. Para Hugo Oliveira, temos de “preparar os planos de treino para uma forma global trabalhar todas as vertentes do jogo de uma forma específica, mais abrangente possível dando-lhe experiências muito diferentes para que no jogo perante situações de jogo diferentes a tomada de decisão seja sempre acertada”. Segundo Jorge Silva, “uma sessão de treino deve proporcionar um maior número de experiências possíveis. Um treino deve proporcionar várias situações de jogo, a pensar no jogo da equipa. O treino não deve só condicionar experiências em função de estímulos muito específicos, visto que o jogo tem uma variabilidade enorme”. Para a formação de um G.R. de Futebol, a qualidade da prática é um contributo indispensável, assim sendo, uma prática de qualidade parece reunir um maior número de experiências, a globalidade dos domínios da performance do G.R. de Futebol numa sessão de treino. Contudo, um maior número de experiências possíveis não deve ser sinónimo de exagerada quantidade de prática em cada sessão, na medida que segundo Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), as secções de treino devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de modo a assegurar que o indivíduo possui resistência física e mental para se concentrar na prática, caso contrário, a prática não leva aos tipos de desempenho estabelecidos por esta teoria. Pela análise das entrevistas realizadas, observamos que os nossos entrevistados reúnem a mesma opinião. Mediante o entendimento de Paulo Santos, “o G.R. treina em intensidade máxima e sai cansado do treino, agora não repete tantas vezes com intensidade máxima de forma a ficar completamente esgotado e não é capaz de recuperar até à próxima sessão”.

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Segundo Tó Ferreira, para além das sessões de treino perspectivarem um maior número de experienciais, outro aspecto importante no treino é as repetições e a intensidade. “O treino de G.R. não é «carne para canhão», não é para rebentar. Devemos trabalhar na máxima intensidade, mas também na nossa máxima lucidez, não é fazer 10 repetições, muitas vezes sem dar o máximo ou massacrar sem intervalos de recuperação” (Tó Ferreira). Hugo Oliveira incide sobre este aspecto referindo: “não se deve trabalhar muito porque o importante é trabalhar com altos níveis de concentração para fazer as tomadas de decisão certas e adequadas, trabalhar muito vamos perder esse nível de concentração. Pouco mas bom, é na minha opinião o trabalho de G.R., curto e intenso”. Ao expressar esta opinião, Hugo Oliveira perspectiva a qualidade da prática no sentido de desenvolver as características que distinguem um G.R. de Futebol perito, de acordo com a discussão deste trabalho. Assim, a prática de qualidade será congruente com o crescimento da performance superior do G.R. de Futebol perito. Neste sentido, o respeito pela recuperação que Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993) nos expõe, em consonância com Hugo Oliveira evidência não só a preocupação com a recuperação física do G.R. de Futebol, mas principalmente com a recuperação ao nível psicológico, porque no entendimento de todos os entrevistados os atributos mentais são mais importantes do que os atributos físicos e a performance física é influenciada pela performance mental do G.R. de Futebol. Na teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), somente as actividades que exigem esforço e concentração por parte do sujeito contribuem efectivamente, para o aumento do seu nível de desempenho. Contudo, as convicções dos entrevistados permitiram concluir que a concentração é um factor que distingue os G.R. de Futebol peritos, e neste sentido, percebemos que a concentração é muito mais importante que o esforço e, deste modo, consideramos que as actividades práticas realizadas

78 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

com concentração conduzem realmente o G.R. de Futebol a um nível superior, não se verificando o mesmo no que respeita ao esforço dispendido na prática. “É muito mais importante a questão mental do que a questão física, porque podemos estar fisicamente muito capazes mas se mentalmente não estivermos bem, nunca vamos agir bem, até do ponto de vista físico” (Hugo Oliveira). “É simples, se tivermos bem fisicamente e mal mentalmente não conseguimos ter o melhor rendimento, porque a nossa cabeça comanda o corpo, podemos não estar concentrado no aspecto mais importante” Tó Ferreira). Para o bem-estar mental do G.R. de Futebol, os nossos entrevistados consideram importante a estabilidade emocional, o gosto pela prática, o bom ambiente familiar e o envolvimento social. Consideramos estes aspectos como factores que podem influenciar o perito no seu desempenho para alcançar ou não o nível superior, porém este aspecto será uma extensão do tema deste trabalho, o qual é considerado, mas não pretendemos desenvolver.

4.2.4 Observação e identificação com um Ídolo, constitui factor de aprendizagem complementar às sessões de treino convencionais?

“Na minha juventude tinha algumas referências, aqueles guarda-redes que estavam no top na altura. O Fonseca, o Bento, o Damas, que teve um trajecto muito idêntico ao meu. Mas naquelas brincadeiras eu fazia mais de Bento.” (Baía, 2005, p.25).

Tani (2001) refere que cada vez mais os conhecimentos vão para além daqueles baseados na tradição. No rendimento superior, segundo Frade (2007), a arte e ciência misturam-se, toda a dinâmica do jogo não pode ser só submetida aos olhos da ciência. Necessita da integração de conhecimentos práticos produzidos pela experiência.

79 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Para além dos conhecimentos práticos produzidos pela experiência, queremos confirmar se a observação atenta de um indivíduo perito (G.R. de Futebol perito, ídolo) por um jovem durante o processo de formação, se poderá ser um complemento importante à aprendizagem pela experiência prática nas sessões de treino. “A maior parte do comportamento humano é aprendida pela observação através da modelagem: pela observação dos outros, uma pessoa forma a ideia de como os novos comportamentos são executados e, em situações posteriores, a informação codificada serve como um guia para a acção." (Bandura, 1977, p. 22). Com base na teoria da aprendizagem por modelação de Bandura (1977) e da convicção de todos os nossos entrevistados, sustentamos a efectiva aprendizagem por observação atenta de um G.R. de Futebol que se constitua ídolo para o jovem G.R. em formação. Hugo Oliveira refere que é uma aprendizagem complementar às sessões de treino fundamental. “Nos meus planos de treino com a formação, os G.R. são obrigados a seguir o G.R. da equipa sénior e a fazer planos de observação dele mesmo.” (Hugo Oliveira). O actual treinador de G.R. da Selecção Nacional reconhece no corrente panorama do Futebol Nacional a falta de um G.R. que se constitua um ídolo para as gerações mais novas. Regista essa falta como uma das razões porque se tem vindo a perder o número de miúdos em Portugal para serem guarda- redes. “O facto do Vítor Baía ter deixado de jogar e durante muitos anos foi ele o ídolo de muitos miúdos que queriam ser G.R., se pararmos agora para pensar, todos querem ser o ou o Messi, ou o Drogba e se perguntarem aos G.R. Portugueses quem eles querem ser, dizem que querem ser o Peter Cech, o Buffon e em Portugal não temos esses ídolos. Se existissem ídolos e modelos havia mais miúdos a quererem ser G.R.” (Hugo Oliveira). Jorge Silva acrescenta que este aspecto também “pode ser importante para criar estratégias de motivação, comparando com o ídolo, com a referência e não devemos de ter vergonha de o fazer”.

80 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Paulo Santos enriquece a nossa discussão com um exemplo verídico deste aspecto, “eu conheço um «miúdo», o Afonso, G.R. da formação do Feirense, num jogo dos seniores, quando eu entro em campo ele não sai da minha beira e de trás do G.R. para ver como é que o G.R. trabalha”. Tó Ferreira menciona que a observação de um ídolo é importante quando é transportada para o treino e tentam imitar. O mesmo revela o seu ídolo, “eu gostava de ser como o Baía e eu tenho 37 anos e ele tem pouco mais, uns 40 anos. Foi sempre um G.R. que eu admirei, desde o seu posicionamento em campo, a maneira como defende, a sua postura”. Mas, qual o benefício complementar desta aprendizagem em relação a uma sessão de prática tradicional? O treino de G.R. de Futebol visa a optimização da performance nos quatro domínios, táctico, técnico, psicológico e físico. Neste sentido, a observação atenta de um ídolo proporciona a visualização do desempenho desse perito no domínio táctico e técnico, uma possível aprendizagem por imitação das habilidades específicas do G.R. e dos comportamentos. “A habilidade é uma capacidade individual adquirida, sendo portanto pessoal” (Tani, 2001, p.160). Assim, é difícil transmiti-la a outra pessoa, pois carece de objectividade. Para transmitir as habilidades e os comportamentos é necessário transforma-los em algo objectivo (palavras) e isso não é uma tarefa vulgar. A dificuldade na transmissão está em como expressar de forma objectiva, transformando a habilidade em informações verbalizadas. Segundo Tani (2001) a prática de uma habilidade compreende dois tipos de conhecimento: declarativo (refere-se ao que fazer e, portanto, é de fácil verbalização; o procedimental (são as instruções para a realização de uma série de operações as quais não estão disponíveis para introspecção consciente). Nas sessões práticas só assim as habilidades serão passíveis de serem transmitidas, isto é, transformadas de algo pessoal para impessoal. Obviamente, essa tarefa não é fácil e para além dos conhecimentos acerca dos

81 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

mecanismos e dos processos envolvidos na execução e aprendizagem de habilidades motoras, a observação atenta de jogos de um G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante, complementar às sessões de treino convencionais.

4.3 Etapas de formação do guarda-redes de Futebol

“A formação do jogador é uma história interminável” (Van Gaal, 1996:19).

Parece contraditório citar Van Gaal quando este referiu que a formação do jogador de futebol é interminável num tema que pretende discutir etapas de formação do G.R. de Futebol. Mas, é em concordância com o tema que indagamos pela ideia da formação do G.R. de Futebol ser contínua e inacabada. Para alcançar a excelência num domínio específico, a qualidade e a quantidade de horas diárias de prática nesse domínio parecem ser uma condição necessária. Assim, após alcançar a excelência, a manutenção desse patamar de performance regista-se pela ideia de Van Gaal, uma formação diária interminável. Portanto, para perspectivar a formação do jovem futebolista com vista à performance superior, segundo Añó (1997, cit. Brasil, 2004) o treino é absolutamente necessário nos jovens e deve estar de acordo com as faixas etárias dos mesmos, isto é, o treino com jovens deve ser generalizado e multidisciplinar de forma a maximizar as aprendizagens motoras resultantes. “Temos de adaptar o jogo e o treino às características mentais e físicas dos miúdos. De dois em dois anos, a complexidade deve crescer, acompanhando o crescimento das funções cerebrais... a pressa de fazer craques faz perder vários talentos” (Wein, 2005: 4). A adaptação das práticas deve estar presente no processo de formação desde o momento que iniciam a prática do Futebol, até atingirem um nível superior e segundo Pacheco (2002), os jovens futebolistas devem passar por um processo de formação coerente em que haja uma progressão da

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aprendizagem distribuída por diferentes etapas, com objectivos, estratégias e conteúdos adequados às suas diferentes fases de desenvolvimento. Neste sentido, foi pertinente questionar os nossos entrevistados sobre as etapas do processo de formação do G.R. de Futebol e parece necessário perceber os pontos de opinião comum e de discórdia, como também discutir as propostas de formação encontradas na bibliografia. O processo que constitui etapas de formação concebe um momento que inicia a especialização no domínio específico da arte de G.R. de Futebol. Assim, a primeira dúvida surge na identificação da idade, ou fase óptima para iniciar a prática de G.R. de Futebol. Segundo Sainz de Baranda et al. (2003), é evidente que o maior tempo dedicado a uma prática, maior probabilidade de obter resultados positivos no processo de ensino-aprendizagem. Se o desempenho dos indivíduos se avalia em função da quantidade da prática deliberada acumulada desde que iniciaram a prática deliberada num domínio, então a idade com que se inicia a prática é uma condição determinante do nível de perícia. Nos estudos relativos à prática deliberada em diversos domínios de expertise, surgiu a ideia da existência de uma relação directa entre o tempo de treino acumulado e o desenvolvimento de um desempenho superior, está patente na “regra dos 10 anos” referida para várias áreas por autores como Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985. Na eventualidade de aplicar esta regra ao nosso estudo, a idade óptima para iniciar a especialização do G.R. de Futebol, seria os 8 anos de idade (inicio dos quadros competitivos coordenados pelas associações distritais no âmbito nacional), na medida que o último escalão de formação termina com os 18 anos de idade, o momento de transição do escalão de júnior para o de sénior. Hugo Oliveira discorre nesta linha de pensamento, idealiza os 8 anos como a idade adequada para começar a especializar. Jorge Silva é um pouco mais amplo, refere o intervalo etário entre os 8 e os 10 anos. Paulo Santos indica as idades de 10/ 11 anos e Tó Ferreira refere os 13 anos de idade.

83 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Pela revisão efectuada, Voser et al. (2006) indicam a faixa etária entre os 9 e os 11 anos de idade como sendo apropriada para começar a primeira etapa de formação do G.R. de Futebol. Vigil (2008) indica os 10 anos de idade para iniciar a especialização no domínio específico de G.R. de Futebol. Reunidos estes dados, extraímos que a idade apropriada para iniciar a especialização é delimitada pela maioria dos entrevistados no escalão de formação «Escolas», entre os 8 e os 10 anos de idade. Somente Tó Ferreira indicou uma idade mais avançada, os 13 anos de idade como sendo a fase da formação de um G.R. mais adequada para iniciar o treino específico. Porém, com base na literatura parece-nos uma idade demasiado tardia para iniciar a especialização. A partir de uma idade mais adequada para iniciar a formação específica de um G.R. de Futebol, interessa-nos perceber como é que se desenvolve esse processo e quais as etapas que podem-se constituir. Todos os entrevistados diferenciaram três etapas distintas no processo de formação do G.R. de Futebol após a idade de especialização, enquanto, pela revisão bibliográfica efectuada, Capuano (2002), Voser et al. (2006) e Vigil (2008) descrevem quatro etapas no processo de formação do G.R. de Futebol. Hugo Oliveira diferencia três etapas consoante o entendimento da existência de três tipos de treino distintos: treino para crianças (8-11 anos), treino para jovens (a partir dos 12 anos) e treino para seniores. Jorge Silva distingue três etapas de formação (Escolas; Iniciados e Juniores) onde evidência a necessidade de uma progressão na aprendizagem de conteúdos específicos complementares. Para o ex-guarda-redes de futebol, as faixas etárias de infantis e juvenis são fases transitórias, os conteúdos e as características são intermédias relativamente às fases anteriores e posteriores. Paulo Santos também dividiu três etapas distintas (Infantis; Iniciados/Juvenis e Juniores/Seniores) para a especialização do G.R de Futebol. Porém, adequa a especialização a partir dos 10-11 anos de idade (Infantis) e caracteriza a etapa de formação Júnior - Sénior como fundamental, revelando a importância de uma adequação no processo de formação entre o final do Futebol de Formação e o Futebol Profissional.

84 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Tó Ferreira determina as etapas: Iniciado; Juvenil/Júnior e Sénior, para a especialização do treino de G.R. de Futebol. Além das três etapas distintas do treino específico do G.R. de Futebol segundo os nossos entrevistados, Paulo Santos e Tó Ferreira referem a utilidade de uma fase anterior à especialização. Para Paulo Santos esta fase de pré-especialização deverá decorrer antes dos 10 anos de idade e para Tó Ferreira deverá ser maior, entre as faixas etárias de Escolas e Infantis. “Antes dos 10/11 anos a criança até deve jogar à frente, deve passar pela experiência de jogador” (Paulo Santos). “Nos infantis e escolas devemos brincar com eles…”, “Nos escalões mais baixos são miúdos que por vezes nem sabem se querem ser G.R., porque passados uns tempos já querem ser avançados. Acho que devem ter tempo para escolher, para saberem o que é que querem” (Tó Ferreira). Voser et al. (2006) idealizam uma etapa anterior à especialização, dos 6 aos 9 anos, na qual as crianças devem experimentar várias posições e também outras modalidades desportivas sempre que possível, para depois, iniciarem a exercitação de movimentos específicos da posição de guarda-redes. Segundo os mesmos autores, a primeira etapa da especialização do G.R. será tanto melhor quanto melhores tenham sido as vivências motoras da criança dos 6 aos 9 anos, mais especificamente com relação aos movimentos naturais (andar, correr, saltitar, etc.). Este entendimento também pode ser relevante ao nível da sustentabilidade da prática e do interesse da criança pela mesma prática deliberada, visto que, Côté, Baker & Abernethy (2003, in Ericsson & Starkes, 2003) acrescentam que um ambiente de brincadeira durante os primeiros anos de envolvimento de uma criança no desporto podem explicar a aprendizagem precoce e a motivação excepcional dos atletas peritos, porque parece levar a uma subsequente aprendizagem e ao envolvimento na prática deliberada. Porém, todos os entrevistados ao agruparem o desenvolvimento do processo em três etapas distintas, também identificam potenciais fases transitórias entres as etapas. Identificam fases transitórias entre as etapas descritas pelo facto de considerarem características diferentes no

85 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

desenvolvimento dos jovens em todos os domínios (fisiológico, maturacional, psicológico, habilidades técnicas, percepção táctica) e também pela eventual necessidade de antecipar o processo consoante o rendimento específico do G.R.. Neste sentido, entendemos que as etapas descritas pelos entrevistados podem ser fraccionadas, de forma a diminuir a amplitude etária contida em várias etapas relatadas e considerar efectivamente as fases transitórias para formar etapas concretas com conteúdos específicos ajustados às necessidades de aprendizagem e do ensino do jogo. Tal como citamos anteriormente Wein (2005), a complexidade deve crescer de dois em dois anos, acompanhando o crescimento das funções cerebrais. Da mesma forma que observamos a transferência desta ideia de Wein (2005), em concordância com os intervalos etários registados na etapas de formação estabelecidas por Voser et al. (2006) e Vigil (2008). Vigil (2008) organiza as suas etapas de formação em intervalos etários de dois em dois anos (10 anos; 11-12 anos; 13-14 anos; 15-16 anos), com excepção da primeira etapa (10 anos). Voser et al. (2006) constitui intervalos etários de três em três anos para as suas etapas de formação, 9-11; 11-14; 14-18; 18-21, mas podem-se entender os 11, os 14 e os 18 anos, como idades transitórias e assim as etapas são constituídas por intervalos de dois em dois anos. Mais do que a minuciosidade de estratificar etapas de dois em dois anos consoante a interpretação dos autores revistos, interessa-nos contrapor as etapas descritas pelos entrevistados e sugerir um maior rigor na distribuição da aprendizagem efectiva no processo de formação de etapas para o desenvolvimento do G.R. de Futebol.

4.3.1 Relação entre a qualidade e quantidade nas etapas de formação do guarda-redes de Futebol

“Não se treina com a qualidade desejada nas camadas jovens e isso é outro dos factores a ter em conta. Como há um trabalho irregular, as deficiências vêm ao de cima quando os atletas chegam aos seniores” (Oliveira, 2007).

86 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Tal como discutimos anteriormente, os entrevistados consideram que é necessária uma prática de qualidade para se atingir a expertise, algo que a teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993) também defende. Já no que respeita à importância da quantidade de horas de prática que a mesma teoria considera essencial, aparentemente, as respostas dos entrevistados não se apresentam completamente de acordo, dado que privilegiam a qualidade, em detrimento da quantidade. Ao perceber a importância de uma prática de qualidade na divisão por etapas do processo de formação do G.R. de Futebol para se constituir perito, interessa-nos perceber se a relação entre a qualidade e quantidade nas diferentes etapas é igual ou difere, através das características da prática deliberada reveladas pelos entrevistados. Segundo Jorge Silva, durante as etapas de formação a relação entre a qualidade e a quantidade de prática não é sempre igual. Para o ex-guarda- redes profissional e actual treinador de G.R. da U.D. Oliveirense, nas primeiras etapas de formação a quantidade não pode ser minimizada, refere que nestes escalões competitivos (escolas, infantis) a frequência de horas semanais de prática poderia ser maior, na medida que a realidade nos clubes nacionais, estes escalões treinam 2 ou 3 vezes por semana. Porém, Jorge Silva foi mais abrangente ao caracterizar a quantidade de prática nestas etapas de formação, ao acentuar a quantidade de prática ao nível das repetições de exercitação, isto é, oportunidades de prática para aprender. “Temos que perspectivar sempre a quantidade, se a criança tiver que realizar 5,6,7,8 repetições para conseguir executar a habilidade, devemos proporcionar muitas vezes a oportunidade para aprender a acção, durante um treino e durante várias sessões de treino” (Jorge Silva). Para Jorge Silva e Tó Ferreira a qualidade de prática nas etapas de formação deve estar sempre presente, porém mencionam que a mesma qualidade deve ser crescente, acompanhando a evolução da formação do G.R. até sénior. Para ambos os entrevistados, nos escalões de iniciados, juvenis e juniores tem de existir muita qualidade. Assim, nestes escalões revelam uma importância superior da qualidade de prática em detrimento da quantidade.

87 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Pelo contrário, Paulo Santos não aponta diferenças na relação em a qualidade e a quantidade de prática nas diferentes etapas de formação reconhecidas pelo mesmo. Para o treinador de G.R. do C.D. Feirense, a qualidade da prática é essencial e se trabalharmos sempre com qualidade estamos a reforçar aquele trabalho diariamente. Percebendo a importância da prática de qualidade em todas as etapas de formação do G.R. de Futebol e a possibilidade de perspectivarmos uma relação crescente dessa prática de qualidade ao percorrer o percurso de formação até sénior, interessa-nos perceber quais as características que definem uma prática de qualidade no processo de formação do G.R. de Futebol perito. Para Hugo Oliveira a prática de qualidade nas diferentes etapas do desenvolvimento do G.R. é definida pelas componentes específicas do jogo. Trabalhando em especificidade consoante as exigências da competição nas diferentes faixas etárias, existem “idades mais adequadas para ensinar técnicas próprias do trabalho de G.R., desde a técnica base ser adquirida no grupo de crianças e na primeira fase do grupo de jovens, sendo que a tomada de decisão e a leitura táctica pode começar a chegar a partir do 14/15 anos e partindo para muitos outros patamares divididos entre estes dois grupos, crianças e jovens, para quando chegarem aos seniores terem toda a escola do trabalho de G.R” (Hugo Oliveira). Todos os autores citados distribuem variados conteúdos da aprendizagem específica da posição de G.R. de Futebol pelas suas etapas de desenvolvimento, dando ênfase a uns conteúdos em detrimento de outros consoante as suas perspectivas do desenvolvimento motor do jovem G.R. de Futebol. Neste sentido, todos os entrevistados em sintonia com Voser et al. (2006) e Vigil (2008), consideram que nas primeiras etapas da formação do G.R. de Futebol devem ser aprendidos conteúdos preferencialmente técnicos, pois entendem ser a base para uma aprendizagem sustentada de todos os domínios da performance. Por esta ordem de ideias, ao enfatizarem a necessidade da aprendizagem da técnica de G.R. de Futebol nas primeiras

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etapas de especialização, estão a direccionar uma maior quantidade de prática durante o processo de formação, para um domínio da performance que os mesmos entrevistados não consideram ser o domínio da performance que reúne as particulares que distinguem um G.R. de Futebol perito. Esta poderá ser uma contradição no entendimento do desenvolvimento dos conteúdos de aprendizagem nas etapas de formação em relação a um entendimento da prática deliberada de qualidade e também em relação ao entendimento das características que definem um G.R. perito. Assim, questionamos a definição de uma prática de qualidade nas primeiras etapas de formação e os conteúdos preferenciais para uma aprendizagem efectiva dos mesmos. Como ostentamos na revisão bibliográfica, a qualidade da prática do G.R. de Futebol é sustentada pela especificidade, sendo que esta centra-se na procura da adequação dos efeitos do treino e segundo Oliveira (2009), o treino de G.R. à imagem do jogo, deve ser feito criando situações semelhantes à do jogo, obrigando o G.R. à tomada de decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Segundo o mesmo autor e na continuidade do pensamento citado, “a concentração também está sempre presente e a ser trabalhada”. Então, uma prática de qualidade deve ir ao encontro das necessidades do G.R. em jogo. Estas necessidades do G.R. em jogo relevam a aprendizagem para todos os domínios da performance do G.R. (técnico, táctico, psicológico e físico). Em todas as etapas de formação, o jogo evidencia a necessidade de aprendizagem de todos os domínios da performance do G.R. de Futebol. Neste sentido, porquê simplificar a prática nas primeiras etapas de formação, à aprendizagem do domínio técnico? Quando, neste estudo percebemos que as características que distinguem o G.R. de Futebol perito são do domínio táctico e psicológico! Quando mais, estudamos a necessidade de uma prática deliberada para alcançar a expertise e esta percorre-se pela qualidade e quantidade dessa prática. Assim, alcançamos a necessidade de orientar a qualidade da prática nas primeiras etapas de formação do G.R. de Futebol, não só para privilegiar uma

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aprendizagem maioritariamente técnica, mas também para os domínios táctico e psicológico. Percebemos a utilidade de contextualizar a prática às situações do jogo, para estimular a tomada de decisão e a concentração através da variabilidade do jogo, dos referenciais temporais e espaciais dessa situação jogada. De acordo com Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), através da modificação contínua das actividades do treino para que sejam exigidos novos níveis de esforço e concentração, os futuros peritos maximizam as adaptações cognitivas e psicológicas. Neste sentido, sendo a qualidade da prática condicionada pela especificidade, em reciprocidade com Capuano (2002) a preocupação central nas primeiras etapas de formação deve estar orientada para o desenvolvimento das situações de jogo e do pensamento táctico. Para, desta forma, adequar a melhor decisão e realizar acções táctico-técnicas específicas com sucesso. Tani (2001), revela a sua inquietação com este paradigma, a preocupação com os processos internos como a percepção, tomada de decisão, programação da resposta e controlo motor, necessita ser urgentemente incorporada na formação para possibilitar alcançar a excelência. Também Abernethy, Côté & Baker (2002), num estudo com jogadores australianos de desportos colectivos, concluíram, baseados em entrevistas, que a noção de jogo / brincadeira deliberada é a actividade mais importante para ajudá-las a aprender habilidades básicas do desporto e para manter as crianças motivadas. Nesta linha de pensamento, pela revisão efectuada às etapas de formação de um G.R. de Futebol, só Capuano (2002) demonstra esta preocupação nas primeiras etapas de formação. Este autor descreve quatro etapas para a formação do jovem G.R., sendo que, nas duas primeiras etapas (até aos 12/ 13 anos) o desenvolvimento das situações de jogo e do pensamento táctico é a preocupação central. Em sintonia com Capuano (2002), Abernethy, Côté & Baker (2002), Tani (2001), Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), podemos repensar os objectivos da formação nas primeiras etapas de desenvolvimento em especificidade do G.R. de Futebol e consequentemente ajustar os conteúdos

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de aprendizagem dessas etapas, quando sugerem uma prática deliberada centrada no domínio técnico ou físico, no sentido de privilegiar uma prática ajustada às situações de jogo, com estímulos à informação, à análise cognitiva para aprender a decidir e tomar mais vezes a decisão acertada para desempenhar a acção motora técnica com eficiência.

91 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Conclusões

5. Conclusões

“Ser guarda-redes é, sem dúvida, ser diferente. No fundo ele é um anti-futebolista” (Hodgson, s/d).

Na investigação dos temas da revisão da literatura, realçavam poucas dúvidas sobre o conhecimento pesquisado, em comparação objectiva com a experiência passada como G.R. de Futebol. Parecia que o conhecimento estava fechado e a perspectiva de contrapor algum conhecimento pela incerteza da informação já existente revelava-se diminuta. Porém, ao avançarmos para o terreno, as entrevistas realizadas interpolaram informação relevante para a discussão do conhecimento e interpor conclusões fidedignas para informar acerca da importância da prática deliberada na formação do G.R. de Futebol perito. Contudo, é importante referir que as opiniões dos entrevistados nem sempre estiveram de acordo com as informações da revisão da literatura, sustentando uma posição diferente da posição de autores mencionados na revisão bibliográfica em alguns casos, e uma posição idêntica noutros.

Deste modo, a revisão da literatura e as respostas dos entrevistados constituíram um meio efectivo de concluir que a formação do G.R. de Futebol é um longo processo que começa a desenvolver-se desde cedo e assenta, principalmente, na actividade prática em que o indivíduo se empenha. A qualidade e a quantidade dessa actividade prática parece ter importância significativa na formação do guarda-redes de futebol perito. De um modo geral, em consonância com todos os entrevistados e com a revisão da literatura efectuada, no futebol, o G.R. evidência a expertise, nos domínios específicos ao nível do desempenho técnico, táctico, físico e psicológico.

Investigamos quais as características que podem distinguir um G.R. de Futebol perito dos demais G.R. de Futebol, e concluímos que a tomada de decisão (domínio táctico) e a concentração (domínio psicológico) são

93 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Conclusões

características que distinguem os G.R. de Futebol perito e estes domínios podem constituir-se facilitadores ou impeditivos para o jovem G.R. de Futebol alcançar a performance superior. Um óptimo rendimento ao nível táctico e psicológico pode ser um meio facilitador para o G.R. de Futebol se constituir perito. Assim, entendemos que um G.R. de Futebol perito é aquele que para além de exercer controlo dos domínios específicos de acção do G.R. de Futebol, revela superior performance nos domínios táctico e psicológico.

Outro dos objectivos deste estudo consistia em perceber se os G.R. de Futebol se tornam peritos por influência genética ou pela qualidade do processo e da quantidade de horas a que foi submetido ao longo da sua vida. Na continuidade das conclusões anteriores, foi possível perceber que, para ser tornar G.R. de Futebol perito não é uma consequência da existência de um talento geneticamente adquirido, pois a capacidade excepcional que um indivíduo demonstra numa determinada área, particularmente, G.R. de Futebol, mais não é do que o resultado do empenho do G.R. na prática para melhorar extraordinariamente a sua performance, isto é, prática deliberada. Contudo, nem todos os entrevistados reúnem a mesma opinião em consenso com a revisão da literatura. Jorge Silva é o único entrevistado que atribuí maior importância à descendência genética em relação à prática de treino. Porém, esta opinião não pode ser considerada válida, porque o mesmo refere que a experiência adquirida pela prática exerce elevada importância na obtenção do nível superior de desempenho pelo G.R. de Futebol.

Neste estudo, distinguimos a estatura do G.R. como uma qualidade genética importante no Futebol moderno para a formação de um G.R. perito. Como vimos, a importância da altura no G.R. é referida pela revisão da literatura e pelo Jorge Silva, mas, esta qualidade genética também foi referida por Paulo Santos, mas com inferior relevância em relação à prática deliberada para a formação do G.R. perito. Na revisão bibliográfica, a altura de um G.R. de Futebol foi evidenciada como um factor de selecção, sendo que não é

94 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Conclusões

directamente relacionada com a obtenção da melhor performance nos domínios específicos da posição. Assim, a experiência adquirida pela prática deliberada é o contributo indispensável para alcançar o rendimento superior do G.R. de Futebol, contudo a relevância da estatura, não pode ser relegada por ser considerada um factor de selecção do jovem G.R. de Futebol e também por ser uma característica que identifica o G.R. no Futebol moderno. No Futebol não podemos ser «generalizadores», temos de considerar as possibilidades da «excepção à regra», porém, na questão da altura necessária para um G.R. de Futebol só existe regra se formos extremistas ao interpor um limite mínimo de altura para ser G.R. e em paralelo ser castrador da experiência adquirida pela prática deliberada (preponderante para o desenvolvimento do G.R. perito) ao negar a oportunidade de desenvolvimento de um G.R. de Futebol perito só pela estatura.

Paralelo ao processo de selecção de jovens G.R. de Futebol surge a possibilidade do factor altura poder discriminar potenciais peritos, percebemos e concluímos que a “oportunidade”, referida por Paulo Santos e Tó Ferreira é uma circunstância que devemos considerar como uma condição inerente ao processo de formação, externa ao domínio da expertise e pode condicionar o desenvolvimento do G.R. de Futebol perito, ou a manutenção/ possibilidade de alcançar a performance no nível superior.

No que respeita à prática, apurou-se, que esta é condição fundamental para se chegar ao alto nível e, como tal, o desempenho superior dos sujeitos numa modalidade sustenta-se, na sua maioria, pela experiência adquirida após vários anos de prática nessas mesmas circunstâncias. Comparativamente à qualidade e quantidade da prática, as opiniões dos entrevistados aproximam-se do que preconiza a revisão da literatura. Deste modo, no que respeita à formação do G.R. de Futebol, consideramos que o princípio da qualidade é muito mais significativo para melhorar o nível de desempenho do que a quantidade de horas experimentadas nessa prática.

95 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Conclusões

Comitente com a qualidade da prática, é possível desenvolver a performance superior realizando actividades agradáveis, do mesmo modo que é possível fazê-lo com outras menos agradáveis, aliás, consideramos, ainda, que as actividades agradáveis podem ser mais eficazes pelo facto de motivarem o G.R. de Futebol, levando-o a efectuá-las com mais empenho. Assim, para formar um G.R. de Futebol perito, também, parece-nos necessário inserir o jovem em práticas motivadoras de forma a cultivar a sua motivação (gosto pelo treino de G.R.) em sintonia com a aprendizagem. Mediante os nossos entrevistados, a motivação do G.R. de Futebol necessária para alcançar desempenhos superiores é sustentada pela construção de pequenos objectivos para alcançar com regularidade nas sessões de treino e pela paixão/gosto de praticar. Na opinião de Jorge Silva e Hugo Oliveira, a paixão/gosto de praticar, é uma das características intrínsecas da personalidade do G.R. de Futebol perito que têm origem pessoal, constituem a motivação intrínseca necessária para a prática e justifica a ideia que algo nasce com o G.R. de Futebol para este se tornar perito em conjunto com a experiência adquirida pela prática. A motivação constitui uma influência muito significativa no percurso desportivo dos G.R. de Futebol, não apenas durante a sua carreira, mas mesmo antes de se envolverem seriamente no desporto. Assim sendo, percebemos que é difícil alcançar a performance superior e a sustentabilidade da mesma é um percurso árduo, também suportado na motivação pela prática.

As convicções dos entrevistados permitiram concluir que a concentração é um factor que distingue os G.R. de Futebol peritos, e neste sentido, percebemos que a concentração é muito mais importante que o esforço e, deste modo, consideramos que as actividades práticas realizadas com concentração conduzem realmente o G.R. de Futebol a um nível superior de desempenho, e percebemos que é uma condição necessária nas sessões de prática específicas para o G.R. de Futebol.

Congruente com a opinião dos nossos entrevistados, uma prática de qualidade deve conduzir sessões de treino para o G.R. de Futebol, com o

96 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Conclusões

intuito de proporcionar o maior número de experiências possíveis, a complexidade do jogo e a especificidade de todos os domínios da performance do G.R. de Futebol, consoante os objectivos da sessão de treino. Contudo, um maior número de experiências possíveis não deve ser sinónimo de exagerada quantidade de prática em cada sessão, na medida que as secções de treino devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de modo a assegurar que o indivíduo possui resistência física e mental para se concentrar na prática, caso contrário, a prática não leva aos tipos de desempenho estabelecidos por esta teoria.

Em consonância com o objectivo que preconizava distinguir os aspectos que caracterizam uma prática de qualidade para a formação do G.R. de Futebol perito, neste sentido, concluímos que essa prática de qualidade é uma fonte de motivação, a concentração é mais importante do que o esforço dispendido e proporciona o maior número de experiências possíveis em especificidade relativa a todos os domínios da performance do G.R. de Futebol.

A par do objectivo referido, além da aprendizagem efectiva pela prática deliberada, concluímos que a observação e a identificação com um ídolo (G.R. de Futebol perito) do jovem G.R. de Futebol, constituí um factor de aprendizagem complementar às sessões de treino convencionais.

No caso concreto do desporto, nomeadamente, o Futebol, o percurso desportivo de um G.R. de Futebol perito não acontece simplesmente por se empenhar ao longo de vários anos em actividades que aumentam o seu nível do seu desempenho. É necessário considerar aspectos como a qualidade da prática, a motivação para um longo percurso desportivo e o ambiente/envolvimento familiar e sociocultural.

Outro dos aspectos deste estudo consistia em analisar as etapas de formação do G.R. de Futebol. Mediante a revisão da literatura, este processo inicia a especialização da criança na prática de G.R. de Futebol. Procuramos perceber qual a idade ou intervalo etário mais adequado para iniciar a primeira etapa da especialização e

97 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Conclusões

enquadramos o inicio deste processo entre o intervalo etário dos 8 aos 10 anos de idade, no escalão de formação «Escolas». No nosso entender, a especialização do G.R. de Futebol só se justifica no momento a partir do qual há competição, também, é um argumento para a primeira etapa da especialização estar enquadrada no escalão de formação «Escolas».

Contudo, percebemos que o processo de formação do G.R. de Futebol pode começar antes da especialização. A existência de uma etapa anterior à especialização, possibilita à criança experimentar várias posições num ambiente de brincadeira, pode explicar a aprendizagem precoce e a motivação excepcional das crianças para desempenhar uma posição tão específica e assim, a primeira etapa da especialização do G.R. será tanto melhor quanto melhores tenham sido as vivências motoras anteriores da criança.

Consideramos o processo de formação do G.R. de Futebol perito com cinco etapas de formação, uma etapa anterior à especialização e depois de iniciar a especialização determinamos 4 etapas para o desenvolvimento do G.R. de Futebol: 8-10 anos; 11-12 anos; 13-15 anos; 16-18 anos. Em sintonia com os autores da revisão bibliográfica distinguimos 4 etapas complementares para o desenvolvimento específico e progressivo da arte de G.R. de Futebol. Porém, em relação aos conteúdos específicos a privilegiar em cada etapa a nossa preocupação centra-se em responder às necessidades do jogo. Em todas as etapas da formação, o jogo evidência a necessidade de aprendizagem de todos os domínios da performance do G.R. de Futebol.

A maioria dos autores (revisão bibliográfica) e todos os entrevistados indicaram conteúdos maioritariamente técnicos para centralizar a aprendizagem efectiva nas duas primeiras etapas de formação. No seguimento do estudo não podemos estar de acordo com essa opinião. Concluímos que o domínio táctico, nomeadamente o desempenho cognitivo (a tomada de decisão), distingue os G.R. de Futebol peritos. Assim, a preocupação central nas primeiras etapas de formação deve estar orientada para o desenvolvimento das situações de jogo e do pensamento táctico. Para, desta forma, adequar a melhor decisão e realizar acções táctico-técnicas específicas com sucesso.

98 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Conclusões

Neste sentido, visionamos a configuração do treino para promover uma mudança de paradigma em relação à compreensão das acções do G.R. em jogo e da sua aprendizagem, daquele centrado no domínio das competências físicas, para aquele centrado em informação, controlo e decisão dessa informação, habilidades motoras e requisitos fisiológicos da acção motora. Com isto, não queremos dizer que a exercitação centrada na acção motora técnica do G.R. deve ser desprezada, não entendemos que seja o princípio fundamental, mas sim as acções táctico-técnicas nas primeiras etapas da formação, a exercitação técnica está subjacente a uma decisão táctica que programará a acção técnica a realizar com critério.

99 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Considerações Finais

6. Considerações Finais

A realização deste estudo foi projectada para dissuadir as incertezas que nos interrogavam e levantavam a pertinência deste estudo. Porém, o esclarecimento das questões apontadas suscita a reflexão de outras tantas questões complementares ao tema deste estudo mas impossíveis de tratar em simultâneo. Sob a mesma perspectiva deste trabalho, seria interessante realizar um trabalho idêntico, mas com mais entrevistas a G.R. de Futebol com experiência de nível superior, também mais entrevistas a treinadores de G.R. e introduzir um grupo de entrevistas a G.R. de Futebol que não alcançaram a designação de peritos. Noutra perspectiva para um trabalho, existe a possibilidade de estudar as metodologias de treino do G.R. de Futebol e as metodologias aplicadas nas diferentes etapas de desenvolvimento do G.R. de Futebol. Isto, porque na revisão da literatura e nas entrevistas realizadas, verificamos que alguns especialistas alegavam que a evolução na metodologia de treino, passa pela realização de práticas de treino individualizadas consoante as necessidades particulares do G.R. de Futebol. Outra perspectiva para realizar um estudo complementar ao efectuado, consiste em validar uma proposta metodológica para o treino de G.R. de Futebol nas diferentes etapas de formação, com situações práticas de treino mediante os objectivos determinados para o desenvolvimento em cada etapa. Neste estudo, aferimos que o domínio psicológico tem uma preponderante influência na performance do G.R. de Futebol e pode condicionar o desempenho do G.R. nos restantes domínios da performance. Neste sentido, talvez seja pertinente estudar o perfil psicológico do G.R. de Futebol perito. Hugo Oliveira deixa a sua opinião na entrevista “na minha opinião os miúdos que têm mais ego são aqueles que tem mais paixão para ser G.R., porque querem ser diferentes dos outros”.

101 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Considerações Finais

Talvez seja importante considerar esta opinião… é necessário muita determinação para querer ser o anti-herói numa história de um jogo de futebol que se resume pelo objectivo de marcar golo. Também, pela solidão que vive o G.R. durante o jogo, como Freitas Lobo (s/d) refere “é o jogador solitário”, não tem companheiros de posição em campo, só um sector defensivo próximo no auxílio da sua missão, mas, por vezes até esse sector permanece muito tempo distante. Entendemos que poderá ficar em aberto um estudo do padrão psicológico do G.R. de Futebol perito, com o intuito de compreender as características psicológicas influenciadas pela prática deliberada e, se verifica- se a existência de preponderantes qualidades psicológicas intrínsecas no G.R. de Futebol para este se constituir como perito. “…ninguém duvida que um técnico de guarda-redes tem algo mais para ensinar, para estar mais atento, para manter a motivação de quem defende e de quem está de fora. Pedi ao FC Porto que contratasse um treinador de guarda-redes (…) veio a tempo de continuarmos aquelas conversas e ensinou- me ainda muito” (Baía, 2005, p.33). A prática de qualidade durante o percurso de formação do G.R. de Futebol é preponderante para este se constituir perito. Assim, é inquestionável a necessidade de ter técnicos de G.R. com formação específica, para conduzir práticas de qualidade na formação. Ao olhar para o panorama nacional, o fluxo emigratório de G.R. internacionais para os nossos campeonatos de futebol e a falta de uma referência nacional idolatrada nas balizas, as «queixas de insuficientes G.R. com qualidade», são justificadas pela reduzida formação de treinadores de G.R. de Futebol, a insuficiência de qualidade nas práticas de treino, o reduzido número de treinadores de G.R. e também pela incompreensão da necessidade de técnicos especializados no treino de G.R. por parte dos dirigentes das Associações de Futebol Distrital e dos clubes, ao nível da equidade revelada na selecção de técnicos principais de qualidade e técnicos de G.R. de Futebol também com o mesmo critério.

102 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Considerações Finais

Na actualidade nacional, com vista ao progresso seria importante criar uma associação de treinadores de G.R. de Futebol, a qual apoiaria a formação específica, a investigação na área, a publicação de trabalhos para difundir o conhecimento e prestigiar a arte do G.R. de Futebol com um projecto sustentado, para a finalidade de formar G.R. de Futebol para o panorama nacional e no futuro alcançar o top internacional. Temos o Cristiano Ronaldo a prestigiar os jogadores nacionais ao ser considerado o melhor jogador mundial e a permanecer na disputa dessa honrosa posição, porém desde que o Vítor Baía abandonou os relvados, não temos um G.R. nacional entre os melhores do mundo, e para já, pela actualidade não me parece que projectamos algum G.R. num futuro próximo para ser considerado perito ao mais alto nível mundial.

103 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

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114 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Anexo 1

8. Anexos

Anexo 1: Entrevista a Hugo Oliveira (Clube Cultural e Desportivo, Porto, 5 de Junho 2009)

(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o distinguem dos demais? (H.O.) Um G.R. de alto nível é o G.R que domina a técnica base do G.R em toda a sua plenitude, ou seja, desde o ponto de vista técnico, físico, táctico e psicológico. Mas aquilo que na minha opinião faz a definição de ser um G.R. de alto nível para um G.R. que não é de alto nível, tem haver com aquilo que eu chamo a tomada de decisão, ou seja, a execução de uma determinada vertente técnica com uma tomada de uma decisão táctica, isto sendo dentro de um jogo em que os níveis psicológicos são de alta intensidade. Alto nível implica jogar sobre grande pressão e tomar decisões certas com acções técnicas correctas.

(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que contribui para chegar a um nível superior? (H.O.) Acho que... nem sou 100% da certeza que se nasce nem que se faz. O G.R. terá de ser um misto. Tem que se nascer para ser G.R. mas não vale de nada ter talento se não tiver escola para ser G.R., por isso eu sou da opinião que tentar juntar as duas coisas é o mais aceitável, mais produtivo. (P.S.) - ... para chegar à tomada de decisão mais adequada em jogo, será mais importante o treino ou o talento inato? (H.O.) – Não... o talento inato tem a ver com questões do ponto de vista fisiológico e do ponto de vista comportamental, na minha opinião. A questão da tomada de decisão e depois da consequente execução técnica tem a ver com o treino. Completamente com a escola do ponto de vista técnico e também táctico.

XXI Anexo 1

(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de alguém um G.R. talentoso? (H.O.) – É muito grande. A influência é tamanha, só o treino e o treino com qualidade é que levam à evolução do G.R. (P.S. – entendendo a prática com sendo o treino e o jogo). (H.O.) – Sendo que no G.R. mais do que num elemento de campo dos outros dez do jogo de futebol, o jogo ainda é mais importante para o G.R.. Porque por muito que se treine adequado às situações de jogo a tomada de decisão sob a pressão de um jogo é muito mais intensa do que no treino.

(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis, ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos? (H.O.) – Não. Acho que é importante criar o maior número de experiências possíveis de encontro ao objectivo planeado para aquele plano de treino, ou seja, não podemos num plano de treino querer capacitar o G.R. de muita informação, mas temos que preparar os planos de treino para uma forma global trabalhar todas as vertentes do jogo de uma forma específica, mais abrangente possível dando-lhe experiências muito diferentes para que no jogo perante situações de jogo diferentes a tomada de decisão seja sempre acertada.

(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o começar a especializar? (H.O) – Eu acho que... a partir das escolas, do escalão de formação escola já se pode começar a especializar, (P.S. – 8 anos de idade), exactamente. Mas sou da opinião, que até ao escalão de infantis não faz mal a nenhum jovem experimentar todas as posições do campo. Se calhar sou um bocado contra algumas ideias pré-definidas.

XXII Anexo 1

(P.S.) – Isto porque hoje em dia o G.R. entra em jogo não só para defender, mas também para construir... (H.O.) – Certo. O G.R. moderno é um G.R. com capacidades e exigências do ponto de vista defensivo mas também do ponto de vista ofensivo. Ainda ontem, por exemplo (Acção de formação prática para treino do guarda-redes de futebol – Porto), nós aqui fizemos a acção sobre o trabalho ofensivo e é importante que um G.R. na execução de um exercício de posse de bola perceba como é que os laterais pensam, os defesas centrais pensam, para dar seguimento ao jogo. Daí, o facto de experimentar outras posições, especialmente quando se é mais novo e têm que se adquirir vivências, experimentar outras posições do campo é importante.

(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.? (H.O.) – Eu divido em três etapas: treino para crianças; treino para jovens; treino para seniores. Tendo em conta que o treino para jovens começa a ser mais intenso se nós percebermos que estamos a trabalhar para um G.R. que vai ser de elite, se for do ponto de vista lúdico e se estamos a pensar que é apenas entretenimento continua a ser de uma forma mais vulgar, mais banal. Se pensarmos que estamos a trabalhar para um G.R. de elite, no trabalho para jovens começamos a chegar a patamares já muito semelhantes aos dos treinos para seniores. (P.S.) – Qual a idade que define para começar o treino para jovens? (H.O.) – A partir dos 12 anos começamos a trabalhar a especificidade do trabalho de G.R. de uma forma diferente do que é feita até aos 12 anos para projectar um G.R. de elite. (P.S.) – E nessas fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?

XXIII Anexo 1

(H.O.) – Mais que a quantidade, eu diferencio o treino nas determinadas idades para as componentes específicas do jogo, ou seja, eu acho que há idades mais adequadas para ensinar técnicas próprias do trabalho de G.R., desde a técnica base ser adquirida no grupo de crianças e na primeira fase do grupo de jovens, sendo que a tomada de decisão e a leitura táctica pode começar a chegar a partir do 14/15 anos e partindo para muitos outros patamares divididos entre estes dois grupos, crianças e jovens, para quando chegarem aos seniores terem toda a escola do trabalho de G.R.

(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol, para alcançar o sucesso de nível superior? (H.O.) – Funciona tremendamente, porque cada vez mais a pressão em casa é cada vez mais para que os miúdos sejam jogadores profissionais de futebol. Eu acho que agora todos os pais querem ter o Cristiano Ronaldo em casa e isso tem influenciado o trabalho de G.R. por duas formas: primeiro, os pais são os primeiros a não querer G.R. em casa, todos querem jogadores de campo; segundo, a pressão que colocam para o «não erro» limita do ponto de vista psicológico o treino e o jogo dos jovens G.R.

(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de prática a que se expõe? (H.O.) – Através da paixão. Eu acho que quando respondemos à questão se um G.R. nasce ou faz-se, que é a conclusão que se quer chegar, eu penso que é preciso as duas coisas, mas mais que tudo é preciso uma paixão muito grande pela posição de G.R.. Porque eu sou da opinião que o G.R. no futebol é o «anti-herói» e tem que se ter uma paixão muito grande para se fazer uma carreira de G.R. de futebol. Tem que ser diferente dos demais para ser G.R.. Na minha opinião os miúdos que têm mais ego são aqueles que tem mais paixão para ser G.R., porque querem ser diferentes dos outros.

XXIV Anexo 1

(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil para um G.R. permanecer aí? Porque razão? (H.O.) – Não, não acho que seja difícil, acho que é importante ser bem aconselhado e ser estabilizado principalmente do ponto de vista psicológico e aí influenciam muitas coisas desde a estabilidade familiar até à estabilidade profissional, desde os clubes até aos patamares onde possa jogar. Agora, acho que é mais difícil chegar ao nível superior do que se manter lá, no trabalho de G.R.!

(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada sessão? (H.O.) – Não, não concordo. Concordo que mais importante que a quantidade é importante a qualidade. Às vezes podemos estar a trabalhar pouco e trabalhar bem, do que trabalhar muito e estar a trabalhar mal. Acho que não se deve trabalhar muito porque o importante é trabalhar com altos níveis de concentração para fazer as tomadas de decisão certas e adequadas, trabalhar muito vamos perder esse nível de concentração. Pouco mas bom, é na minha opinião o trabalho de G.R., curto e intenso.

(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m), apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)? (H.O.) – Eu faço de várias maneiras. Através da criação de objectivos pré- definidos para uma época de trabalho, através da auto-análise dos jogos e dos treinos e através da avaliação feita com outros instrumentos, como o vídeo. O Importante é criar sempre objectivos, para que os objectivos sejam ultrapassados e a motivação vêm daí, tentar criar uma estabilidade para passar patamares, para criar o objectivo seguinte e é assim que se faz uma carreira, uma vida.

XXV Anexo 1

(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído significativamente? (H.O.) – Acho que fora de Portugal sim, em Portugal não. (P.S.) – Nessa evolução fora de Portugal, que características distintas reconhece nessa evolução? (H.O.) – Cada vez mais um treino sistémico e adequado às situações reais de jogo. Cada vez mais se deixa de trabalhar o G.R. numa «ilha», à parte como se trabalhava antigamente e se procura trabalhar o G.R. como um elemento da equipa porque ele é um elemento da equipa. Não há equipas com 10 jogadores, só há equipas com 11! (P.S.) – E quais são os entraves em Portugal? (H.O.) – Os entraves... na minha opinião a falta de formação para os treinadores de G.R. e a falta de «importância» que o Futebol Português dá ao G.R. e ao treinador de G.R., a aposta que não existe. Penso que é o parente mais pobre do Futebol Português. Nós andamos a lutar para que isso mude!

(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento), como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol talentoso? (H.O.) – Acho que são todos importantes, na minha opinião. É difícil criar uma ordem porque os três têm de estar em sintonia. Por importância, acho que o treino é importante e a seguir o ambiente/envolvimento e depois a genética. (P.S.) – E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol? (H.O.) – Acho muito mais importante a questão mental do que a questão física, porque podemos estar fisicamente muito capazes mas se mentalmente não estivermos bem, nunca vamos agir bem, até do ponto de vista físico. Porque a mente controla o corpo.

(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?

XXVI Anexo 1

(H.O.) – Acho que é «meio meio».

(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua identificação com um modelo, com um ídolo? (H.O.) – Sim. É mesmo isso, eu acho que essa é uma das razões porque se tem vindo a perder número de miúdos em Portugal para ser G.R., porque temos vindo a perder ídolos na baliza. O facto do Vítor Baía ter deixado de jogar e durante muitos anos foi ele o ídolo de muitos miúdos que queriam ser G.R., se pararmos agora para pensar, todos querem ser o Cristiano Ronaldo ou o Messi, ou o Drogba e se perguntarem aos G.R. Portugueses quem eles querem ser, dizem que querem ser o Peter Cech, o Buffon e em Portugal não temos esses ídolos. Se existissem ídolos e modelos havia mais miúdos a quererem ser G.R. (P.S.) – Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as sessões de treino convencionais? (H.O.) – Acho que é fundamental. Nos meus planos de treino com a formação, os G.R. são obrigados a seguir o G.R. da equipa sénior e a fazer planos de observação dele mesmo.

XXVII Anexo 2

Anexo 2: Entrevista a Jorge Silva (Sala de aula – FADEUP, Porto, 30 de Junho 2009)

(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o distinguem dos demais? (J.S.) – Para mim um guarda-redes (G.R.) de alto nível é aquele que consegue reunir as capacidades necessárias para a posição e neste caso a tomada de decisão é importante a todo o nível. Dentro de campo temos que tomar uma decisão quando há um cruzamento, uma defesa, pois condiciona a acção técnica. Não adianta ter um G.R. bom tecnicamente, por exemplo, se a tomada de decisão sempre que vai tomar uma acção é errada. A tomada de decisão, para mim é fundamental e a qualidade desta distingue os G.R. medianos dos G.R. de alto nível. Os G.R. de alto nível decidem melhor. Depois da posição tomada, vêm a execução técnica, se foi ou não bem realizada, mas o que valeu anteriormente foi a tomada de decisão relativamente ao lance.

(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que contribui para chegar a um nível superior? (J.S.) – Já nasce com o G.R. alguma coisa que diferencia os G.R. de alto nível e o resto tem de ser trabalhado (a nível físico, a nível psicológico e a nível técnico). A nível físico e tecnicamente podemos trabalhar qualquer G.R, mas a nível psicológico é difícil chegar lá. Podemos trabalhar o G.R., mas algumas características para confrontar algumas situações no jogo, são características pessoais inatas. Por exemplo, no treino podemos trabalhar os aspectos psicológicos do G.R., mas se no jogo, em situação de stress, não consegue superá-lo, influencia a sua tomada de decisão e pode estar disposto ao erro.

XXVIII Anexo 2

(P.S.) – Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de alguém um G.R. talentoso? (J.S.) – No treino podes treinar um G.R. ao mais alto nível, mas no jogo ele pode não corresponder. No jogo o G.R. vai ganhando muito mais confiança, por mais treinos que eu possa fazer, a confiança que ele vai adquirir é em situação de stress, em grandes jogos. Tu avalias um G.R. em situação de jogo. O treino e o jogo são importantes para o desenvolvimento de um G.R. Uma pessoa sem grande talento pode-se tornar G.R. de alto nível, aí está a vantagem de ter um bom treinador. Um miúdo não nasce com as características que falamos anteriormente, mas podemos trabalhá-lo e com o tempo pode chegar a um bom nível. Se a pessoa tiver gosto pelo trabalho, força de vontade, espírito de sacrifício. (P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem outras condicionantes importantes? (J.S.) – Sem dúvida, o treino é importante, mas não é tudo.

(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis, ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos? (J.S.) – Pela minha experiência, uma sessão de treino deve proporcionar um maior número de experiências possíveis. Um treino deve proporcionar várias situações de jogo, a pensar no jogo da equipa. O treino não deve só condicionar experiências em função de estímulos muito específicos, visto que o jogo tem uma variabilidade enorme. Hoje em dia podemos estudar a equipa adversária e pensar o treino já a pensar na equipa adversária. Portanto, em? que o treino deve ter vários tipos de experiências, para o G.R. estar sempre á vontade para quando se deparar com uma situação idêntica em jogo.

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(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o começar a especializar? (J.S.) – Na minha opinião, começa-se a especializar nas “escolas”, na faixa etária entre os 8 e os 10 anos. Não é muito exigente, mas tem de existir uma formação técnica desde jovem, para quando chegar a júnior não existir deficiências técnicas. É bom chegar aos escalões juvenil e júnior e não centrar o treino nas acções técnicas para corrigir maus hábitos e assim evoluir noutro tipo de trabalho necessário. Nas idades de “escolas” é muito frequente ganharem vícios técnicos errados e tornam-se hábitos mecânicos, mesmo que não queiram fazer, esses comportamentos depois aparecem. Por isso, nestas idades é muito importante trabalhar ao nível técnico e corrigir para não aprenderem erros.

(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.? (J.S.) – Não existem necessariamente etapas, a formação é um processo contínuo. (P.S.) – Bem… mas ao pensar na globalidade do treino, em todas as suas dimensões, subentendi na pergunta anterior que caracterizaste dois momentos distintos, numa fase inicial da especialização, nas “escolas” idealizou um treino mais técnico para depois nas idades juvenil e júnior pensar noutro tipo de trabalho necessário. (J.S.) – Pois na fase inicial, por exemplo nas “escolas” é difícil pensar a parte física do treino, o n.º de séries que deves fazer, a intensidade… é muito complicado, até pela maturidade dos G.R. e treinos consoante as capacidades deles. Até iniciados o treino é fundamentalmente técnico., é necessário muitas repetições técnicas.

XXX Anexo 2

Na fase de iniciados, em termos físicos já devemos “puxar” bastante pelos miúdos. Nos juniores já não devemos incidir tanto (aspectos físicos) e a parte psicológica é fundamental. A partir dos iniciados deve ter uma base de treino relativa a aspectos físicos, técnicos e psicológicos. (P.S.) - Será que posso detectar que as faixas etárias de infantis e juvenis são um pouco transitórias? (J.S.) – Sim, são faixas etárias transitórias. Os G.R. devem chegar a júnior com uma base de formação quase profissional. (P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.? (J.S.) – Há muitas diferenças. Por exemplo, no caso da quantidade, nos escalões de formação mais jovens, temos que perspectivar sempre a quantidade, se a criança tiver que realizar 5,6,7,8 repetições para conseguir executar a habilidade, devemos proporcionar muitas vezes a oportunidade para aprender a acção, durante um treino e durante várias sessões de treino. Há várias características que definem um G.R. Podes ter 3/4 G.R. muito diferentes e podemos pensar em sessões de treino, com situações de treino individualizado, consoante o desenvolvimento do G.R. Aqui é importante a quantidade de repetições, realizar as situações necessárias, as vezes necessárias, sabendo que a progressão é lenta. Enquanto nos escalões de iniciados e juvenis já têm de existir muita qualidade. Nas situações pode haver um menor número de repetições, mas têm de haver qualidade. (P.S.) – Mas nesse caso, pela sua resposta, não estás a desprezar a quantidade, horas de prática nas etapas mas avançadas da formação, é muito importante ter várias sessões de treino? (J.S.) – Sim, neste caso é necessário uma maior quantidade de treino nas etapas de formação mais avançadas. O desenvolvimento é contínuo e prevê-se crescente para chegar a integrar o plantel sénior. Se os seniores treinam com elevados níveis de quantidade e também se quer com qualidade, ao longo da formação esta relação deve ser crescente.

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Repara, nos escalões de formação mais baixos, as crianças treinam duas a três vezes por semana. Para mim, aqui é que seria necessário treinar com mais quantidade, os miúdos precisam de mais oportunidades para aprenderem bem.

(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol, para alcançar o sucesso de nível superior? (J.S.) – É importantíssimo, é o suporte de tudo. Dou o exemplo, eu tenho G.R. com pais muito exigentes, o miúdo tem de dar G.R. Eles chegam a casa e os pais “dão cabo da cabeça” dos miúdos. Por mais informação que eu transmita no treino e incentive os pais condicionam muito as expectativas dos miúdos. Colocam um nível de exigência muito elevado, não toleram o erro e depois é difícil aprender com esse erro sem deixar marcas no miúdo. Primeiro é preciso formar homens, transmitir respeito pelo desporto e todos os seus intervenientes, responsabilidade social para terem carácter e um suporte para o envolvimento no mundo do futebol. Depois vêm o ensino da técnica do G.R. Os pais colocam as crianças num clube de futebol com a expectativa de serem jogadores de futebol, bons jogadores, e por vezes observa-se que exigem muito dos filhos. Já vi pais a criticarem os filhos por ter sofrido um “frango”, com uma postura negativa. Depois o treinador quer dar confiança à criança e tenta diminuir o valor do erro e não consegue porque o pai criticou o filho, sem o acarinhar. Por isso que o ambiente familiar e a sociedade onde está inserido é importantíssimo para alcançar o sucesso de nível superior. A partir dos iniciados já começamos a ver se o G.R. vai ter um nível elevado se continuar com as características que o distinguem, carácter, bom tecnicamente, actualmente nesta excepção podemos intervir e condicionar o seu ambiente familiar e sócio-cultural, através da integração na academia. O ambiente familiar, os pais, não deixam de ser importantes, mas aqui pode encontrar o equilíbrio que necessita para o desenvolvimento.

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(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de prática a que se expõe? (J.S.) – Pela minha experiência, o que eu acho fundamental é o trabalho. É o gosto pelo treino para se sentir bem. Eu sinto-me vaidoso por aquilo que faço. Ter sempre um objectivo é outro aspecto importante. Hoje não consegui fazer aquilo, mas amanhã tenho que conseguir. Isto é um pequeno objectivo, mas constróis a motivação para o dia-a-dia. É a motivação para o treino, para a busca da perfeição no treino. Se eu não trabalhar, não me sinto bem, condiciona-me a nível psicológico. Chego ao jogo e pergunto-me “Será que estou preparado?”. Se estiver lesionado dois dias da semana, depois os outros dois dias fico condicionado fisicamente pela paragem, não treinei bem durante a semana, no máximo das minhas capacidades físicas, chego ao jogo e questiono-me se estou preparado para enfrentar este jogo. Ao longo dos anos fui traçando um objectivo, sentir-me bem fisicamente, dá-me gosto trabalhar, sempre aperfeiçoando. Insto dá-me longevidade para ter uma carreira estável, uma regularidade mental, um suporte psicológico. Nem todos os jogos correm bem e se não tens esse suporte psicológico baseado na tua vontade de trabalhar, podes fragilizar. É uma auto-motivação. Mas claro que é bom ter alguém que te apoie, que te dê valor, nomeadamente o treinador e o técnico de G.R., dá-te confiança e oportunidade de mostrares o teu valor. Faz bem ao ego receber uma “moralzita”! Mas não podemos contar muito com os outros. A capacidade consciente de auto-análise e traçar pequenos objectivos para alcançar diariamente, é o suporte para estares sempre bem mentalmente e motivado.

(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil para um G.R. permanecer aí? Porque razão? (J.S.) – É difícil permanecer e chegar ao nível superior. Para chegar lá há vários factores que condicionam: a sorte, ter oportunidade, são situações que condicionam nesse sentido. Depois de chegar ao nível superior, manter esse nível é muito difícil. Aí o G.R. depara-se com situações de muito stress,

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competição entre colegas, dirigentes, treinadores, imprensa e para saber lidar com estas situações todo o suporte mental é importantíssimo. Tens de ser sempre melhor e ninguém te precisa de dizer isso, é ser bom profissional. Pensando no jogo no nível superior, não podes ter um jogo bom e outro menos bom, e a regularidade é essencial. Outro aspecto invisível e não menos importante é a alimentação. No alto nível é um conjunto de vários factores. É difícil chegar, mas permanecer também, porque se não houver continuidade no teu trabalho, podes sair do patamar superior, fragilizar e depois reconquistar o teu mérito pode ser ainda mais complicado.

(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada sessão? (J.S.) – Não, acho que neste caso o número de horas não influência o desempenho. O importante é o trabalho ser bem feito, com qualidade. Com a mesma frequência semanal, um trabalho de 35min com qualidade é mais importante do que estar 1h ou mais a “massacrar” o G.R.

(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m), apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)? (J.S.) – Neste sentido o treinador de G.R. é importantíssimo e nós em Portugal ainda não estamos muito evoluídos. O Treinador tem que visualizar, rectificar e ensinar. Isto na análise de um jogo, primeiro deve incentivar uma auto-análise do G.R. e depois vês se concordas com a análise. O treinador de G.R. tem que criticar o G.R. com o sentido de rectificar as acções incorrectas, para ambos (treinador e G.R.) perceber os pontos de vista da análise e chegarem ao consenso. A auto-análise do G.R. também serve para o treinador compreender os pensamentos do G.R. em jogo que levaram o mesmo a realizar a determinada acção. Para esta análise decorrer bem, é necessário o treinador

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ter uma relação de confiança com o G.R., uma relação aberta, não pode limitar o G.R. para delinear as causas que influenciaram a acção e estas serem transportadas para o treino. É fundamental terem uma relação aberta para existir feedback entre os dois e as pessoas sentirem-se bem. (P.S.) – Para lidarem com a crítica e a motivação, pensas que é necessário ter proximidade com o G.R.? (J.S.) – Sim, sem dúvida. Por exemplo, no início da época se te apercebes que o G.R. não lidam bem com uma crítica que tu fizeste, tens de manter a tua postura de análise para arranjares outra estratégia para chegares próximo do G.R. e transmitir as causas que queres ensinar, para inibir o determinado erro. Depende da personalidade de cada pessoa. O G.R. pode entender que estas a criticar, porque queres o mal dele, existe isso no futebol. Por isso é que a proximidade da relação entre os G.R. e o treinador de G.R. é fundamental, de forma que o G.R. sinta que o treinador é um suporte que o ajuda. No treino é necessário estar constantemente a moralizar, a transmitir feedbacks de incentivos, para quando o G.R. falhar, sentir que a crítica é para o ajudar a não voltar a errar.

(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído significativamente? (J.S.) – Está melhor. Tem evoluído e constatamos, porque já existe várias formações em Portugal com qualidade, já vemos o G.R. nas selecções jovens com muita qualidade e até G.R. a integrar o plantel sénior vindo da formação e serem titulares, é o exemplo do Rui Patrício no Sporting. Tem evoluído bastante, mas não o suficiente. Neste momento há clubes da 2ª liga, liga profissional, que não têm treinador de G.R. Futebol profissional…. É uma vergonha. Quando falamos de treinador de G.R. não é alguém que vai ao treino dar uns chutos à baliza. Mas os treinadores principais, os adeptos, os dirigentes chegam aos jogos e exigem, sabem criticar. Neste sentido, isto revolta-me. Por exemplo, chegamos ao estrangeiro e os G.R. nacionais são rotulados de maus a sair fora da baliza, no jogo aéreo, mas somos nós que transmitimos essa ideia… parece incrível, mas

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é verdade. Somos bons entre os postes, mas dizem que temos medo de sair debaixo da baliza. Isto vê-se pela nossa comunicação social, pelas contratações dos nossos clubes… Eu vejo o futebol Inglês, por exemplo, o G.R. para sair da baliza é muito complicado. Vês os G.R.’s ingleses no jogo aéreo a jogar só na pequena área, com excepções de bolas bombeadas, mas isto é táctico, é treinado entre os restantes jogadores, têm áreas de intervenção definidas. O G.R. tem, por exemplo, os homens do 1º poste, os defensores de área frontal na zona do penalty, fora da grande área e assim o G.R. só tem de defender a zona do 2º poste. Depois nós é que somos fracos a sair fora dos postes… foi criada essa ideia. É um longo caminho a percorrer, temos evoluído, mas não o suficiente e a comunicação social tem de acompanhar. Por exemplo, vês nos jornais e na TV, “a equipa hoje vai jogar no 4/3/3…” isso faz-me confusão, então a equipa só joga com 10?! E aqueles “gajo” que está lá atrás? O ano passado confrontei o meu treinador com isso. Ainda não dão a devida importância ao G.R., mas depois é fácil exigir. O G.R. é específico, é um trabalho totalmente diferente, tem de ter um treino específico. As pessoas têm que se mentalizar nesse sentido. Já vi serem capazes de chamar alguém bancada para fazer aquecimento a um G.R. da formação… de calças de ganga a dar uns chutos à baliza, nem sequer ao G.R.! Não tem lógica nenhuma! Voltando atrás, a metodologia tem evoluído pelo que eu vejo, há debates sobre os G.R., há acções de formação que têm vindo a ser feitas com qualidade e na formação já vejo pessoas com formação académicas a treinar os G.R.

(P.S.) – E em relação à realidade nacional e internacional? (J.S.) – A metodologia no estrangeiro é mais avançada, já aos anos que vêm a evoluir nesse sentido, que trabalha só a pensar no G.R. Para veres, neste momento só temos uma pessoa, a nível nacional, com capacidade de dar cursos de treinador de G.R., estamos a falar de Hugo Oliveira. Por exemplo, em Espanha têm 6, 7 pessoas capacitadas para o fazer.

XXXVI Anexo 2

(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento), como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol talentoso? (J.S.) – No futebol moderno a genética é bastante importante. Por exemplo, há clubes que na selecção de um G.R. na formação, têm dois G.R.: um tecnicamente muito bom com 1,70m entre 1,80m e tens outro tecnicamente menos bom que o anterior (mas claro, não é mau) e com a estrutura de 1,80m entre 1,90m e o clube opta pelo G.R. mais alto. Isto porque o menos bom tecnicamente acaba por ser trabalhado para que venha equivaler ao anterior, o outro não consegue fazê-lo crescer. Por exemplo, no Sporting fazem testes para a previsão da altura. (P.S.) – Que tipo de testes? (J.S.) – Vários, pela previsão relativa à altura dos pais, pela dentição, pela maturação visível, através dos caracteres secundários, por relações de medidas antropométricas. Por exemplo, nós enviamos dois G.R. à academia do Sporting em Alcochete, um deles com capacidades excepcionais, bom dentro dos postes, a jogar a bola com os pés, no jogo aéreo, mas era mais baixo do que o outro, o qual era mais magro e mais alto e menos vistoso tecnicamente. Estamos a falar de crianças de 12/13 anos, para integrarem o plantel de iniciados. Nenhum deles ficou na academia, mas o G.R. que agradou foi o mais alto, ao contrário do que esperávamos. Vemos que a altura é uma condição ideal e condiciona a selecção. No futebol actual, o G.R. alto tem mais facilidade no jogo aéreo do que o G.R. mediano. Por exemplo, na situação de 1x1, se o avançado vê um G.R. alto e bem constituído até remata antes de chegar perto do G.R., isto é verdade, porque ele vê a baliza mais pequena! Vi avançados que rematavam antes só para não ter um embate com o Vítor Baia, até pela imagem criada pelo Vítor, um óptimo G.R. enche a baliza.

XXXVII Anexo 2

Voltando à questão, depois da genética, o mais importante é o treino, é fundamental um treino de qualidade, não falo de quantidade, mas sim de qualidade para o desenvolvimento do G.R. Por fim o ambiente/envolvimento, as companhias podem influenciar positivamente ou negativamente. Por vezes diz-se que os jogadores se casam mais cedo, acontece porque muitos encontram estabilidade necessária na família, ganha um suporte de vida mais equilibrada. Outro aspecto que para mim importante é a alimentação. As pessoas por vezes esquecem-se, mas é importante ter uma vida saudável nesse sentido.

(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se? (J.S.) – É uma pergunta complicada… eu acho que já nasce qualquer coisa com a pessoa. Um gosto, um sentimento intuitivo, ou mesmo os atributos genéticos, condicionam o desenvolvimento, mas também sem trabalho, sem treino, não é possível formar um G.R. Eu digo que nasce qualquer coisa com o G.R. porque vemos e aconteceu isso comigo, vários G.R. não começaram a formação futebolística na baliza, eram jogadores e passados uns tempos, mesmo a meio do processo de formação, passaram para a baliza. Acredito que seja algo que nasce com a pessoa que conduz a isso.

(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as sessões de treino convencionais? (J.S.) – Sim, sem dúvida. Muito importante, porque os miúdos imitam. Começam logo pela maneira de vestir, querem a marca X, igual à do ídolo. Dou-te o exemplo do Vítor Baia e na actualidade o exemplo do Cristiano

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Ronaldo. Já ouvi treinadores a queixarem-se que ninguém quer ir à baliza, todos querem ser o Cristiano Ronaldo, porque é a referência nacional. Há uns anos atrás, o Vítor Baía era um modelo actual e muitos miúdos queriam ser o Vítor e imitavam-no, compravam camisolas dele e iam para a baliza imitá-lo. Na actualidade falta-nos uma referência na baliza. O Vítor acabou a carreira e não há aquele impacto nos miúdos de quererem seguir a posição de G.R. porque não há um G.R. nacional mediático e o mediatismo está todo centrado no Cristiano Ronaldo. Este aspecto também pode ser importante para criar estratégias de motivação, comparando com o ídolo, com a referência e não devemos de ter vergonha de o fazer.

XXXIX Anexo 3

Anexo 3: Entrevista a Tó Ferreira (Sala de aula – FADEUP, Porto, 9 de Setembro 2009)

(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o distinguem dos demais? (Tó) – Não consigo distinguir um G.R. de alto nível, só se for pelas equipas onde jogam, nas grandes equipas internacionais e nacionais. (P.S.) – Pensa, por exemplo, em guarda-redes que até tiveram as mesmas oportunidades de formação, ou no mesmo clube e um conseguiu atingir o nível superior e o outro não. Quais os aspectos que distinguem esse G.R. que atinge o alto nível? (Tó) – Eu conheço G.R. que trabalharam em equipas de topo e hoje estão em equipas secundárias. Será que o trabalho não foi bom? E também conheço G.R. que trabalharam em equipas inferiores e hoje estão no nível superior, é o caso do Quim. Trabalhou sempre num Braga inferior, que actualmente é mais competitivo. O exemplo do Bruno Vale é o contrário, trabalhou sempre no F.C. Porto com bons métodos de trabalho e agora está no Belenenses sem jogar. Não sei o que se passou. (P.S.) – Pela tua resposta, caracterizaste práticas diferentes de treino e exemplificaste guarda-redes muito diferentes. Neles consegues distinguir características que podem ter sido influentes para os seus destinos? (Tó) – O apoio psicológico também é importante. Acho que se o G.R. tiver bem psicologicamente é meio caminho percorrido para o sucesso. A tal chamada vida invisível é importante para estar e chegar ao alto nível. Se um jogador tiver problemas familiares, ou outros problemas pessoais, reflectem-se no importante dia-a-dia do futebolista.

(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que contribui para chegar a um nível superior?

XL Anexo 3

(Tó) – Eu acho que ninguém nasce ensinado, nós vamos adquirindo a nossa experiência com o tempo, com o trabalho, com a dedicação pelo desempenho. Por exemplo, vou falar de mim… eu jogava futebol de salão, nem sabia cair, não sabia chutar uma bola, não sabia agarrar uma bola em condições técnicas. Com o tempo e o treino com pessoas que apanhei durante a minha carreira, os treinadores de G.R., fui adquirindo técnica e aperfeiçoando o meu desenvolvimento. Hoje com 37 anos ainda estou a aprender muita coisa. O Jorge, que é o meu treinador de G.R. diz-me o erro que cometi e eu vou tentar colmata-lo. Com o tempo vamos assimilando o trabalho e adquirir a experiência necessária. Eu acho que ninguém nasce com talento, como diz aqui na pergunta, a experiência é que contribui para chegar a um nível superior. Por exemplo, hoje sinto-me mais experiente, aquilo que fazia há uns anos atrás já não o faço. Se calhar hoje jogo mais fora da baliza do que há uns anos atrás, jogo mais com a experiência adquirida. Com a experiência sinto-me mais capaz.

(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de alguém um G.R. talentoso? (Tó) – Dizem que o treino é o espelho do jogo… deve ser e acredito que sim, mas há jogadores que no treino são uma coisa e no jogo são outra. Eu, por exemplo, faço coisas no treino que se calhar no jogo não faço. No treino tento corrigir, por exemplo nos cruzamentos, eu vou a todos e no jogo tenho calma, penso antes de sair a uma bola, no treino se tiver de falhar, falho, porque o treino é par corrigir os nossos erros. Há jogadores que dão tudo nos treinos e depois chegam aos jogos e não aparecem, porquê? Porque será? Estou a falar na generalidade entre jogadores e também de G.R.. Eu não, antes prefiro cometer erros nos treinos e nos jogos não os cometer. De certeza que não os cometo porque uma pessoa vai mais concentrada, é diferente de um treino. O treino é uma coisa e o jogo é outra. No treino estamos à vontade, não há pressão, não há competição, é treino só e quando falamos de jogo, é diferente, requer concentração no máximo das nossas capacidades.

XLI Anexo 3

Voltando à pergunta, a prática é importantíssima e a qualidade e quantidade influenciam no desenvolvimento do G.R., com trabalho vamos conseguir algo. Como eu digo… eu trabalho e com 37 anos ainda quero mais, quero ir mais longe. O G.R. até aos 40 anos joga fácil! Eu ainda quero jogar mais 10 anos (riso). Sem lesões e se tiver vontade jogo sempre. (P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem outras condicionantes importantes? (Tó) – Sim, a prática é necessária, mas… por exemplo, nós jogamos juntos na 2ª Divisão B e não tem nada a ver jogar nessa divisão em relação a jogar na primeira ou segunda Liga. Primeira e segunda Liga são o topo do futebol nacional e os níveis de rendimento numa 2ª Liga são diferentes dos níveis da 2ª Divisão B. tinha vontade de jogar na 2ª Divisão B, mas se calhar a minha vontade de jogar na 2ª Liga é diferente, é maior. Porque há mais informação, há televisão, mais visibilidade e os objectivos são outros. Joguei aqui na 2ª Divisão B e não vinha aqui um jornalista, agora na 2ª Liga está quase sempre aqui um e então imagina na 1ª Liga. Digo isto porque joguei na 2ª Divisão B, na 2ª Liga e na 1ª Liga.

(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis, ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos? (Tó) – No treino de G.R. tem de ser tudo planeado, não é chegar ali e é dose diária. Nos dias da semana, acho que à terça-feira e quarta-feira tem de ser uma intensidade mais alta, quinta-feira média intensidade e a partir de sexta- feira muito baixa. O desgaste do G.R. é muito elevado, porque as nossas acções são sempre na intensidade máxima. Por exemplo, esta semana vamos jogar no sintético, jogo para a Taça, o Jorge esta semana está a incidir no treino da velocidade de reacção, diferente, não temos trabalhado muito este aspecto. Os treinos que esta semana estamos a fazer foram pensados para o sintético, um tipo de treino diferente.

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(P.S.) – Generalizando, sem entrar neste tipo de trabalho específico para o próximo jogo, pensas que o treino deve ser planeado para proporcionar estímulos muito específicos, por exemplo um trabalho de queda lateral onde isolas este aspecto sem contextualizar um remate, ou então pensas que o treino deve proporcionar o maior número de experiências possíveis, o treino engloba mais áreas do rendimento, a técnica, o físico, os aspectos tácticos, psicológicos e por exemplo trabalhas a queda lateral numa situação mais contextualizada ao jogo, com um remate, com adversários. (Tó) – Isso é o treino que temos vindo a fazer quase diariamente. O Jorge está a treinar-nos este ano e está com métodos fantásticos, vai muito na linha do Hugo e acho muito bem porque se um dia quiser ser treinador de G.R. vou buscar métodos do Jorge, do Hugo ou teus, estamos sempre a aprender. O Jorge está a fazer uma coisa muito boa, o G.R. no futebol moderno joga muito com os pés, não é o meu caso, mas muitos G.R. têm dificuldades, não sabem jogar com os pés e ele trabalha. São experiências diferentes que eu nunca tive. Antes era só queda, vai ali e aqui e trabalhar cruzamentos. Acho que o G.R. tem de jogar e treinar muito os pés, desde sempre e esta é uma experiência muito boa. Segundo aquilo que nós falamos acho que o G.R. tem de trabalhar o maior número de experiências possíveis numa sessão de treino, mas por exemplo, esta semana o Jorge disse-nos logo que ia ser diferente, porque o jogo em si vai ser diferente, o piso é outro, não é tão rápido como este, é mais duro. Hoje de manhã fizemos um treino fantástico, todo a pensar no sintético e treinamos na relva natural. Outro aspecto importante no treino é as repetições e a intensidade. O treino de G.R. não é «carne para canhão», não é para rebentar. Devemos trabalhar na máxima intensidade, mas também na nossa máxima lucidez, não é fazer 10 repetições, muitas vezes sem dar o máximo ou massacrar sem intervalos de recuperação.

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(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o começar a especializar? (Tó) – Vou contar-te a experiência que tive no final da época passada quando me pediram para ir dar uns treinos na formação da Oliveirense. Fui lá poucas vezes, era mais uma presença para incentivar os miúdos. Cheguei lá e vi um miúdo com uns 8 anos que tinha uma qualidade…eu olhava para o miúdo e perguntava-me: será que temos aqui G.R.? Ele era rápido, ágil, via ali coisas que bem trabalhado podia ir longe. Por isso é que eu digo que não há idade, se o miúdo tiver qualidade, aquilo que ninguém nasce ensinado, deve começar a escola, aprende e deve treinar as experiências de G.R.. Por exemplo, eu comecei muito tarde. Sou suspeito a falar sobre mim, mas eu conheço-me bem, sei os meus erros e as minhas virtudes, por isso eu acho que se tivesse um pouco mais de escola, se tivesse a tal formação, podia estar no topo. Eu tive no topo, tive no F.C. Porto, fui campeão do mundo. (P.S.) – Se tivesses essa tal formação qual era a idade que pensas que deverias ter começado? (Tó) – Não sei, mas talvez a partir dos iniciados e seguir juvenis e juniores. Com o trabalho nestas etapas vamos adquirir coisas importantes e eu não tive essa formação. Eu comecei quase a jogar nos seniores, tive o último ano de júnior e passei logo para sénior. A escola de G.R. nunca tive, eu caía mal, não sabia atacar uma bola, não sabia chutar, com o tempo fui aprendendo a olhar para os outros. Na altura eu tive um treinador de G.R. que olhava para mim e dizia “é miúdo deixa estar ali”, o que interessava era os outros guarda-redes. Depois veio outro treinador e já olhava para mim. Mas antes, pelo treino dos outros guarda-redes, olhava para eles e corrigia-me e tentava fazer igual. Com o outro treinador, começou a corrigir-me e aí tive alguma formação. Acho que a formação do G.R. deve começar cedo, pela fase de iniciados, no primeiro ano de iniciados e com um bom trabalho, uma pessoa a orientar para desenvolver a formação do G.R.

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(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.? (Tó) – Há etapas de formação. Na fase de juvenil/ júnior é uma etapa fundamental, porque hoje em dia o futebol nacional e internacional está muito mais evoluído e nessas idades já se vê alguma qualidade nos guarda-redes. É importante consolidar a formação para integrar os planteis seniores. Há G.R. com qualidade na formação e chegam a sénior e não dão nada. São contextos muito diferentes e não é fácil. Não sei se será a pressão, parece que têm medo… e não se mostram. Assim, mais um G.R. que se perdeu, até podia ter qualidade, mas chegou ali, acanhou-se no momento da transição, o clube no plantel sénior não gostou e fica de fora das opções. Na transição de júnior para sénior acho que deve haver um treinador que os apoie, que os deixe trabalhar à vontade e desenvolver no novo contexto. Por exemplo, aqui no plantel neste momento nós só temos dois G.R., sou eu, o Marco e o Jorge também está inscrito como G.R., mas como não treina porque é que eles não mandam vir um miúdo dos juniores para trabalhar connosco. Vai adaptando-se, conhece novos métodos de trabalho e o ambiente. (P.S.) – Pelo que entendi, caracterizaste duas etapas importantes, a fase de juvenil/ júnior e a fase de transição de júnior para sénior. Antes da idade do escalão de formação juvenil constituis mais algumas etapas de formação? (Tó) – Na fase de juvenil/ júnior o trabalho já deve ser exigente, já são homenzinhos. Nos iniciados é diferente, devem aprender bem e criar bases e nos infantis e escolas devemos brincar com eles, ensinar como se colocam na baliza e as bases técnicas, como se agarra a bola, como se cai. (P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, escolas/ infantis, iniciados, juvenil/ júnior e júnior/ sénior, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?

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(Tó) – Os trabalhos nos escalões de escolas/ infantis é totalmente diferente dos trabalhos nos juvenis ou juniores. Em escolas e infantis a quantidade de trabalho não pode ser muito exagerada, estamos a falar de miúdos que estão a começar a formação ou começaram há poucos anos. Nos escalões seguintes, juvenis, juniores e na fase de júnior para sénior tem que ser muito mais exigente, mais trabalhado, mais quantidade e mais qualidade. Acho que nas várias etapas a relação é crescente, a qualidade e a quantidade devem aumentar. Nos escalões mais baixos são miúdos que por vezes nem sabem se querem ser G.R., porque passados uns tempos já querem ser avançados. Acho que devem ter tempo para escolher, para saberem o que é que querem. Para mim é uma pergunta um bocado complicada porque eu não vivi estas etapas de formação. Por exemplo, se hoje fosse um miúdo e saber o que sei, talvez escolheria ser avançado, é uma posição mais grata.

(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol, para alcançar o sucesso de nível superior? (Tó) – Eu falo por mim, hoje eu devo muito daquilo que sou à minha família, principalmente à minha esposa, ela tem um papel fundamental, pois todos os problemas que trago e passo no futebol é ela que me dá o apoio. Desempenham mesmo um papel importantíssimo, pois podemos ter muitos amigos no futebol, mas são as pessoas mais chegadas e próximas de nós que mais nos ajudam, porque se temos problemas no futebol, não é com os colegas de equipa que vamos desabafar nem são eles que nos vão ajudar. Passando agora para o nível sócio-cultural, acho que miúdos que vivem em meios mais complicados têm de ter muitas capacidades e um meio familiar muito estável pois condiciona muito o desempenho do jogador e eu tive sorte, pois sempre vivi num meio familiar e sócio-cultural favorável para me dar o apoio necessário, pois se uma pessoa não tem estabilidade e apoio, não terá cabeça para trabalhar.

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(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de prática a que se expõe? (Tó) – Trabalho, mostrar dedicação por aquilo que se faz, ter um bom ambiente de grupo, mesmo jogando ou não jogando, tal como digo aos jogadores, pois podemos não ter sido convocados, mas devemos continuar a trabalhar. Mas claro, um jogador para se sentir realmente motivado, tem de jogar e continuar a trabalhar. Na minha idade, há muita gente que diz “com 37 anos e ainda a jogar?” eu digo que sim, pois gosto de trabalhar sinto-me motivado e para mim nesta idade tenho de exigir tanto como se ainda fosse novo.

(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil para um G.R. permanecer aí? Porque razão? (Tó) – É muito difícil de chegar a um patamar elevado e quando lá se está, tem de se ter muita “cabeça”, pois pode-se descer facilmente e isso acontece quando os jogadores são mais novos, tal como me aconteceu, mas trabalhei e dediquei-me sempre a isto e consegui estar neste patamar. Para chegar a um patamar superior é preciso sorte e oportunidade, mas quando os G.R. lá se encontram, têm de permanecer regulares para não descerem a um nível inferior.

(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada sessão? (Tó) – Eu acho que o treino de G.R. tem de ser planeado, bem pensado e não é necessário um maior número de horas. Pode ser um treino de 1h mas muito exigente, por exemplo, já fiz treinos de 30min que equivaleram +/ – a 2h. Quando deixar a minha carreira, pretendo que o meu próximo objectivo seja treinar G.R. e aí irei idealizar o treino semanal ou diário, pois os dias da semana não são todos iguais e isso conta muito, daí se deve

XLVII Anexo 3

esquematizar/programar o tipo de treino para dias específicos e só ai, consoante os objectivos do mesmo, pensar no número de horas. Um G.R. para chegar a um nível superior, não necessita ter um elevado número de horas por treino, mas sim, num período razoável, 30min/1h, acompanhado de boa qualidade, mais bem preparado se encontrará o G.R., até porque um excessivo número de horas, pode desgastar fisicamente um G.R. Estes treinos, como já referi anteriormente, devem mesmo variar de acordo com o dia da semana, ou seja, às 3ª e 4ª feiras, a intensidade deve ser elevada e com mais carga, mas a partir de 5ª feira, a intensidade deve baixar.

(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m), apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)? (Tó) – Eu falo por mim, se um dia vier a ser treinador de G.R., vou tentar motivar e ensinar sempre os meus atletas e quanto às críticas, estas devem ser construtivas, pois conheço muitos treinadores que criticam por criticar e isso não ajuda e relativamente ao G.R., este como está sempre numa situação complicada, devem ser constantemente motivado ao máximo, mesmo falhando num jogo. Esta motivação passa por moralizá-lo e é a partir do trabalho que se minimiza o erro e se tornam as críticas construtivas.

(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído significativamente? Nessa evolução fora de Portugal, que características distintas reconhece nessa evolução? (Tó) – Mudou bastante e tem tendência para melhorar, como a questão dos pesos e do colete, como já tive oportunidade de experimentar, um peso em cada perna, mais o colete que acrescenta mais 2kg ao corpo, é óptimo para o trabalho de força. Para além disto, já treinei com os elásticos de costas agarrados aos postes, mas agora parece haver umas luzes, mas ainda não sei bem para que serve nem ainda experimentei. Na minha opinião, acho que quantos mais instrumentos de treino, melhor, pois as intensidades e qualidades

XLVIII Anexo 3

dos jogos de futebol estão a aumentar, o futebol está cada vez mais exigente e as metodologias têm de evoluir cada vez mais. Por exemplo utilizam-se mais instrumentos para auxiliar o treino. Como raquetes e bolas de ténis para trabalhar a reacção, agilidade e estimular a percepção da direcção da bola. Outro exemplo, o Jorge foi buscar umas bolas de plástico, parecem bolas para bebés mas têm tamanho idêntico às bolas oficiais. O Jorge coloca essas bolas junto das bolas oficiais e de bolas de ténis para rematar à baliza nesse trabalho específico. O remate da bola oficial é normal, mas os remates com aquelas bolas mais leves vão com uma direcção irregular, para trabalhar o reflexo e também remata as bolas de ténis. Ele faz este treino ao sábado para trabalhar a reacção. Ao nível internacional, relataram-me que o Manchester United tem uma metodologia de treino muito boa para o trabalho dos G.R., acho que não fazem muitos saltos, é tudo à base da velocidade e da reacção, gostava de ver só uns treinos. Tem lógica porque a velocidade de jogo no futebol actual aumentou. Outro aspecto que pode ser melhorado na metodologia de treino dos G.R. é o trabalho de situações de cruzamentos idênticas ao jogo. Nós, portugueses trabalhamos pouco as situações de cruzamentos, diversas consoante o jogo. Na actualidade a maior parte dos golos ocorrem em situações de bola parada, cruzamentos, cantos e livres. Há treinadores que preferem o seu jogo ofensivo à base de cruzamentos e nós G.R. temos de estar bem preparados. O Feirense joga muito assim e nunca treinei tantos cruzamentos como na semana da preparação desse jogo.

(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento), como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol talentoso? (Tó) – Eu li uma entrevista do Peter Cech, o G.R. do Chelsea, gostei dela que até a guardei. Ele diz que os bons G.R. não são aqueles que fazem as grandes defesas, aqueles voos vistosos aos ângulos, isso também fazem os G.R. da

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distrital e da terceira divisão. O que é importante é a forma como o G.R. se coloca para estar sempre no local onde pode intervir bem e os atributos físicos, a sua capacidade de treino. Por isso é que eu também penso que o treino tem uma maior importância no desenvolvimento de um G.R. de alto nível. Depois o ambiente/ envolvimento e por fim a genética. (P.S.) – E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol? (Tó) – Os atributos mentais são mais importantes, um G.R. tem de estar concentrado e só depois os atributos físicos. É simples, se tivermos bem fisicamente e mal mentalmente não conseguimos ter o melhor rendimento, porque a nossa cabeça comanda o corpo, podemos não estar concentrado no aspecto mais importante, o jogo. Por isso é que os treinadores mandam desligar os telemóveis duas horas antes da competição.

(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se? (Tó) – Faz-se.

(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as sessões de treino convencionais? (Tó) – Eu sempre tive um ídolo, uma pessoa que admiro o seu trabalho e hoje ainda me dou bem com ele, é o Vítor Baía, sempre gostei dele a jogar. Eu gostava de ser como o Baía e eu tenho 37 anos e ele tem pouco mais, uns 40 anos. Foi sempre um G.R. que eu admirei, desde o seu posicionamento em campo, a maneira como defende, a sua postura. Acho que sim, aprende-se a ver defender quem admiramos. Depois podemos tentar imitar no treino e aplicar o que gostamos de ver no ídolo.

L Anexo 3

Actualmente, gosto de ver os jogos do Van der Sar, vejo os jogos do United com especial atenção nas intervenções do Van der Sar. Ele tem uma leitura de jogo fantástica. Não sei se referi anteriormente, mas este aspecto muito importante para ser um G.R. de alto nível, ter uma boa tomada de decisão e boa visão periférica.

LI Anexo 4

Anexo 4: Entrevista a Paulo Santos (Instalações do Estádio Marcolino de Castro, S.M. Feira, 10 de Setembro 2009)

(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o distinguem dos demais? (Paulo) – Para mim, um guarda-redes (G.R.) de alto nível é aquele que acima de tudo tem de estar super concentrado, porque a distracção é a «morte do artista». Pode estar 90 minutos a fazer um grande jogo e ter o azar de poder fazer mais qualquer coisa numa bola e toda a gente o vai crucificar. Chamo um G.R. de alto nível àquele que consegue estar concentrado 95 minutos, neste caso porque há sempre mais uns descontos. A concentração é fundamental. (P.S.) – A concentração, como característica psicológica, entende que influencia os restantes níveis de performance do G.R.? (Paulo) – Sem dúvida.

(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que contribui para chegar a um nível superior? (Paulo) – Para alcançar o nível superior, o G.R. tem de ter uma formação adequada e “fazer vida”. Neste sentido, a experiência que vai adquirindo ao longo da vida, através da prática, é fundamental para chegar a um nível superior. Outro aspecto que para mim é importante é a sorte, uma oportunidade. Há treinadores que podem não ir com a tua cara e nem te contratar. Ou outro exemplo, eu acho que o G.R. suplente é melhor que o titular, mas se o treinador principal não lhe der uma oportunidade, ele não passa de suplente. Na minha opinião, ninguém nasce com talento para ser G.R., pode ter gosto em ser G.R. e estatura, sendo estes dois princípios juntamente com as experiências da prática de G.R., os contributos para alcançar o nível superior.

LII Anexo 4

(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de alguém um G.R. talentoso? (Paulo) – O melhor treino é o jogo. Por exemplo, num exercício de cruzamentos, eu estou a cruzar fora da grande área e os G.R. interceptam todas as bolas. Eu, também sem oposição, se cruzares umas 5 ou 6 bolas intercepto todas, mas a partir dessas 5 ou 6 repetições começa-me a falhar as pernas e posso deixar de conseguir interceptar todos os cruzamentos. Porém, no exercício com os G.R., sem oposição é uma coisa e com defesas e avançados, a situação é outra, e aí o G.R. tem que ter a melhor leitura da situação tal como no jogo. A partir deste exemplo percebemos que a prática interfere no desenvolvimento de um bom G.R. e há actividades mais enriquecedoras, com mais qualidade do que outras. Por isso é que temos G.R. bons fora dos postes e outros G.R. considerados mais espectaculares dentro dos postes, são aqueles que têm melhores reflexos. São dois estilos de G.R. diferentes desenvolvidos pelos tipos de práticas de foram confrontados. Os G.R. considerados espectaculares dentro dos postes são mais vistosos, mas eu considero um melhor G.R. aquele que impede o avançado de cabecear, aquele que consegue ter bom desempenho fora dos postes. (P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem outras condicionantes importantes? (Paulo) – Poder ser suficiente. Mas também tem que ter um clube que o consiga por no patamar superior. Porque um bom G.R. se não tiver uma boa defesa também não é fácil. Dou-te o exemplo do Beto, ele há 3 anos foi oferecido ao Feirense por 250 contos por mês. Naquela época tínhamos o Rui Correia, o Marco e o Hélder Godinho, e ele não veio porque já tínhamos os 3 contratados. Foi para o Marco de Canaveses, apanhou o Hugo Oliveira, deu- lhe confiança, bons treinos e foi para o Leixões. No Leixões, apanhou uma boa equipa, aquilo que te referi, fez umas boas épocas e hoje está no FC Porto e

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na nossa selecção. Quando estava no Leixões já foi chamado à selecção, mas para isso, teve de assinar pelo FC Porto, assinou pelo FC Porto e prometeram- lhe que era chamado à selecção nacional. Se não tivesse ido para o Leixões talvez ninguém se lembraria do Beto. Por isso, digo que é importante ter oportunidade, ter a sorte de alguém apostar no G.R. para trabalhar bem e ter visibilidade.

(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis, ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos? (Paulo) – Eu estou sempre dependente do treinador principal, ele é que me vai dar os princípios de como quer o G.R. Numa semana de jogo, supomos que treinamos à 2ªfeira de manhã, o G.R. que foi titular integra o trabalho com os restantes jogadores titulares. Faz a recuperação com a moral em cima se o jogo correu bem e mesmo que o jogo tenha corrido menos bem para o G.R. faz a recuperação com os restantes jogadores para se sentir integrado e também recuperar mentalmente. Depois fico só com dois G.R. e pergunto ao treinador quanto tempo tenho para trabalhar com eles. Este é um aspecto importante porque o trabalho não é sempre o mesmo e até por vezes penso que tenho um determinado tempo e depois efectivamente tenho menos tempo ou até mais. Neste dia, o meu objectivo é equilibrar as experiências dos três G.R., o titular teve melhor treino, o jogo, como já disse anteriormente. Neste sentido, para o trabalho com os outros dois, tenho de pensar nas exigências do jogo. Primeiro tento estimular a nível físico e com algumas situações de jogo e depois, normalmente, realizam uma situação de jogo com a equipa. Assim tento aproximar o treino ao jogo, para depois da folga de 3ªfeira, os 3 G.R. na 4ªfeira estarem a um nível semelhante. Há segunda-feira penso em preparar os guarda-redes (que não jogaram) bem fisicamente. Por exemplo, o treinador principal dá-me meia hora para estar com os guarda-redes, nesse tempo preparo bem os G.R. fisicamente, em trabalho específico para este tempo ser semelhante à hora e meia de jogo do

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G.R. titular. Depois o treinador normalmente realiza situações de jogadas e por exemplo numa «pelada» a meio campo com 7x7 ou 8x8, os guarda-redes completam o trabalho no sentido de aproximar as experiências ao jogo que o G.R. titular teve. O próprio jogo dá tudo para os guarda-redes e proporciona algum ritmo de jogo. Sempre que seja jogo, é o melhor treino que podes fazer. Numa sessão de treino é importantíssimo proporcionar o maior número de experiências possíveis.

(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o começar a especializar? (Paulo) – Primeiro o G.R. ou jogador tem de saber aquilo que quer. Eu tenho um filho de 7 anos e não é por eu ter sido G.R. que ele tem que ser ou tem de escolher a posição de G.R. para jogar futebol. Além de que, o meu filho não pode pensar que eu sou treinador de guarda-redes, que o vou treinar e ele será bom G.R.. Eu nunca vou influenciar na decisão dele, tem que ser ele a decidir pelo seu gosto. Com uns 10 ou 11 anos chega a um clube e começa a treinar, se vir que quer ser G.R. tem de abdicar de muita coisa. Tem de saber que é o jogador que tem de estar melhor fisicamente. Porque é que eu digo isto… se um jogador está a 100% o G.R. tem de estar a 200%. E tu perguntas-me assim… só vai duas ou 3 bolas ao G.R. porque é que ele tem de estar bem fisicamente! Nem tem de correr muito. Mas só que quando tiver de correr tem de intervir a 200%, na intensidade máxima, «sai com tudo». Por exemplo nos cruzamentos, em jogo com os adversários e os colegas temos de sair determinados, «com tudo», na intensidade máxima, num treino uma situação de cruzamentos sem oposição serve para refinar movimentos, andar para a frente, para o lado, ou para trás consoante a decisão tomada mediante a análise da trajectória da bola. (P.S.) – Voltando à pergunta, indicou as idades de 10/11 anos adequadas para começar a especializar? (Paulo) – Sim, infantis, iniciados, juvenis e juniores, são as idades de especialização. Antes dos 10/11 anos a criança até deve jogar à frente, deve

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passar pela experiência de jogador. Eu falo porque tenho um filho de 7 anos e vejo que o que ele quer é correr, quer jogar. Eu acho bem, porque quando ele quiser escolher a posição que quer jogar já passou por várias experiências e sabe decidir qual delas gosta mais.

(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.? (Paulo) – Dividir etapas… (P.S.) – Pelo que entendi na sua resposta à pergunta anterior, subentendi duas etapas de formação do G.R., uma antes dos 10/11 anos onde a criança pode vivenciar variadas experiências e outra depois dos 10/11 anos, na qual entende iniciar-se a especialização do G.R. para a formação de um G.R. de nível superior. No seguimento desta etapa, consegue dividir mais fases na formação do G.R.? (Paulo) – Sim, a fase de iniciados é diferente da anterior, é mais exigente, o treino deve acompanhar esta evolução. Aqui, eu entendo que é fundamental ter um bom treinador de G.R.. Um bom treinador de G.R., é uma pessoa que seja amiga do G.R., não lhe queira fazer golos para ele sentir-se G.R.. Se eu colocar um miúdo de 12/13 anos na baliza e ponho-me a chutar fora da área a fazer golos, o G.R. desmotiva, vão desanimados para casa e amanhã ele já não aparece ao treino. É importante orientar a todos os níveis e incentivar. Os golos são para os adversários e também acontecem nos treinos com a equipa. É também importante saber sofrer golos nestas idades, porque vê-se guarda- redes jovens a baixar a cabeça após sofrer um golo e perder os seus níveis de estabilidade emocional, a confiança. Por isso, o treinador de G.R. tem de incentivar porque os golos sofridos ocorrem em várias situações de treino e no jogo tem de estar preparado para se auto-incentivar, reagindo positivamente. O treinador de G.R. tem de colocar a bola ao alcance da mão, para poder ensinar como intervir, como segurar a bola, ou outras acções técnicas.

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Digo isto, porque já tive G.R. que passaram pelo Feirense, no plantel sénior, vindos da formação do F.C. Porto e não sabiam «blocar a bola», pareciam que batiam palmas contra a bola. Na fase inicial da especialização a base do trabalho é muito técnico e nos iniciados deve ser contínua e bem consolidada. Nestas fases, educar os miúdos para a profissionalização também é importante, o saber estar e o saber cuidar da sua ferramenta de trabalho, as luvas. Saber escolher as luvas e estimular o hábito de ter as luvas lavadas e em bom estado. É um princípio para eles, acabar o treino, passar as luvas por água e depois pendura-las para não chegarem ao treino com as luvas cheias de lama ou pretas da borracha. São pequenos princípios para quem quer ser alguém, a par do sonho, muitos ainda sonham ser o Vítor Baía. A técnica de agarrar a bola é um pequeno princípio, mas só assim se chega ao alto nível e é nestas idades que se começa. Depois só se consegue ver se é um bom G.R. se tiver oportunidade. Ou alguém apostou nele ou não. Eu costumo dizer, nunca se pode dizer que poderia ter sido um grande G.R. se não teve oportunidade. Não custa lá chegar, custa é saber manter no alto nível. Por exemplo, o Bizarro era o titular dos juvenis do F.C. Porto, o Vítor Baía era suplente do Bizarro. O Bizarro passou ao lado de uma grande carreira e o Baía foi considerado o melhor G.R. do mundo. O Baía chegou a sénior e do azar dos outros G.R. teve a sua sorte, a sua oportunidade, jogou com 19 anos a titular do F.C. Porto, as coisas de inicio não lhe começaram a correr bem, mas teve sempre alguém que apostou nele. Na actualidade é o que está a passar com o Rui Patrício no Sporting. Em sénior a formação continua. Neste caso do Rui Patrício e porque também já fui G.R., eu acho que ele já teve momentos que devia ter saído da equipa, mais para o seu bem, para o proteger. Digo isto porque já senti, tive momentos que as coisas não estavam a sair tão bem e o treinador continuou a apostar em mim e tive jogos que me perguntei o que é que eu estava a fazer dentro do campo. Mas passaram 2 ou 3 jogos e temos que recuperar, temos que levantar a cabeça e ser fortes mentalmente.

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A idade de júnior é outra fase importante para o desenvolvimento do G.R., não me refiro à idade de passagem para os seniores. A idade de júnior é quando nós começamos a «namoricar», a pensar que o mundo vai acabar amanhã, a pensar que já somos homens, que já podemos sair, deitar tarde e jogar amanhã fazendo o jogo facilmente. É uma idade difícil e digo isto por experiência própria. Passar de júnior para sénior, desportivamente é complicado, por isso eu penso que os G.R. devem optar por um clube onde podem demonstrar o seu valor. É importante não deixar de jogar e enquanto se é novo, as pessoas ainda vão contratar. Por exemplo um G.R. chega ao plantel sénior do Feirense e está um ou dois anos a terceiro G.R., acho que deve sair para jogar, interessa ter jogo para dar G.R.. É importante o G.R. sentir-se útil para a equipa, sentir que produz para poder crescer. Na minha opinião, dar um passo atrás com 18 ou 20 anos, estamos a dar a possibilidade de dar cinco passos para a frente. São raros os casos dos G.R. que saem da formação e são titulares do seu respectivo clube. Temos o Patrício, o Baía, o Moreira, mas este último nem se chegou a afirmar. (P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.? (Paulo) – Para mim acima de tudo a qualidade, até em tudo na vida! Se trabalhares sempre com qualidade estás a reforçar aquele trabalho diariamente. O G.R. não tem de se sentir cansado de um treino para o outro, tem de estar sempre no máximo das suas capacidades.

(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol, para alcançar o sucesso de nível superior? (Paulo) – Vou falar por mim… casei aos 30 anos. Senti-me mais G.R. quando casei. Isto em relação ao ambiente familiar. Não é por acaso que um jogador que case aos 23 anos tenha uma carreira mais brilhante. São capazes aos 35 anos estarem divorciados porque as vidas começaram a ser diferentes, mas isso não interessa. Reconheço que uma vida estável é meio caminho andado,

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tanto para o envolvimento no mundo do Futebol, como para alcançar o sucesso de nível superior. O jogador com família, tem a preocupação com a família, chega a casa cedo e normalmente encontra o descanso. Para estar a nível superior o descanso é fundamental, é necessário dormir bem, umas mínimas 8/9 horas diárias.

(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de prática a que se expõe? (Paulo) – Quando um G.R. escolheu a posição e está no alto nível, deve ter pensado chegar pelo menos aos 35 anos a jogar futebol. Um G.R. que abandona por vontade própria a carreira aos 30 anos não se pode considerar um grande G.R.. A motivação é deixa-lo jogar. Falo por experiência de dois grandes G.R. com quem trabalhei no Feirense, o Rui Correia e o William. Em final de carreira qual era a motivação deles… jogar. Nos treinos procurava sempre tê-los satisfeitos e ir ao encontro das necessidades deles, para eles estarem motivados. Se por exemplo eu num treino mandava-lhes dar saltos e mais saltos, no dia seguinte tinha-os a queixarem-se das costas e a desvalorizar o meu trabalho. Nestes casos, tinha de jogar com os exercícios e meter o que queria trabalhar disfarçado, mesmo fisicamente e com menores repetições. Assim, quero chegar também à motivação no treino, o treino tem que ser a base da motivação para prolongar a carreira.

(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil para um G.R. permanecer aí? Porque razão? (Paulo) – Eu costumo dizer… não custa lá chegar, custa é saber lá estar. (P.S.) – Porquê? (Paulo) – Eu falo por mim, cheguei ao Sporting, mas depois não tive ninguém que me conseguisse «deitar a mão». (P.S.) – Entendo ser importante um apoio externo?

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(Paulo) – Sim, é nesse sentido. Na altura era solteiro e senti-me fora de casa pela primeira vez, comecei a viver sozinho em Lisboa, jogador do Sporting, com aqueles amigos todos e amigas, não tive um ritmo de vida compatível com o de ser jogador de futebol e assim ninguém consegue ser jogador de futebol. Não tive ninguém que chegasse à minha beira e me dissesse: Paulo, o mundo não acaba amanhã. Só tinha amigos para me dizer: vamos? Ainda não fomos?

(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada sessão? (Paulo) – Não, com menos horas em cada sessão, sem qualquer dúvida. Desde que tenham qualidade. Por exemplo, eu estou uma tarde a treinar com os G.R. e eles questionam-se o que é que estão ali a fazer, porque a partir do momento em que o G.R. não está a trabalhar na intensidade máxima, seja ao nível físico ou psicológico, o trabalho não tem o rendimento necessário para aumentar o desenvolvimento do G.R.. Outro exemplo, ainda hoje estive a trabalhar com o Miguel (G.R. dos juniores e 3ª G.R. do plantel sénior) o jogar com os pés a pensar na situação de jogo. O Miguel tem dificuldade em jogar com o pé esquerdo e não é num dia que vai aprender. Por isso, eu indico sempre aos meus G.R. para nos treinos se habituarem a trabalhar com ambos os pés e ambas as mãos, o que faz o direito também têm de fazer com o esquerdo, uma vez lança com uma mão, na seguinte lança com a outra. Eu exijo aos meus G.R. e penso que desde o inicio da formação este aspecto deve ser ensinado aos G.R. jovens. A época passada tive aqui o Tiago, o G.R. brasileiro que esteve no Belenenses, ele não conseguia chutar uma bola com o pé esquerdo, impressionante e contrário à ideia que temos de um G.R. brasileiro, mas eu incentivei-o a trabalhar e dizia-lhe: Tiago tu vais sair daqui com o teu pé esquerdo melhor do que o direito; falha, não tenhas problema, é no treino, falha, falha, que eu tenho aqui muitas bolas. Era os incentivos que eu lhe dava.

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(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m), apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)? (Paulo) – Um aspecto importante ao ensinar… nunca posso dizer a um G.R. meu que ele está errado, eu tenho de dizer que ele está certo, mas que se fizesse assim não ia ser pior, o G.R. é que defende. Ele tenta fazer o que eu digo num treino e noutro e depois no jogo deve fazer como ele se sinta bem. Se ele treinar como eu lhe digo, pode chegar ao jogo e pensar que lhe correu bem a semana e optar por aquilo que lhe disse. É um princípio que está na base da prática. Dei-te alguns exemplos na resposta anterior quando falei do Tiago. Um G.R. para estar bem fisicamente tem de trabalhar bem as pernas, para ser rápido, ter impulsão, reacção, deslocamentos adequados e para estar bem mentalmente é dar-lhe moral. Se sentires que o G.R. está bem psicologicamente, ele está mais perto das coisas lhe saírem bem. É um G.R. confiante. No treino não deves fazer golos ao teu G.R., tu queres que ele defenda, é uma forma de ensinar e motivar o G.R..

(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído significativamente? (Paulo) – Sim, a metodologia tem evoluído. Eu tinha os meus 17 anos e já era G.R. suplente do Clube Desportivo Feirense e eles gostavam de ver-me a sair de «rastos» do treino. Eu hoje não vejo nenhum G.R. a sair de rastos. O G.R. treina em intensidade máxima e sai cansado do treino, agora não repete tantas vezes com intensidade máxima de forma a ficar completamente esgotado e não é capaz de recuperar até à próxima sessão.

(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento), como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol talentoso?

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(Paulo) – O mais importante para ser um G.R. de alto nível é ser um bom profissional, o treino e a alimentação. Depois o ambiente/ envolvimento e só depois a genética. Relativamente ao ambiente familiar, este aspecto é controverso. Normalmente um grande jogador vem de meios sociais desequilibrados/instáveis e até famílias com dificuldades. Por vezes se o jogador tem um bom ambiente familiar e um bom meio social, faz com que a pessoa tenha outras oportunidades na vida e perca a vontade, a capacidade de sofrimento para lidar com diversas situações no desenvolvimento como jogador.

(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se? (Paulo) – Um G.R. faz-se.

(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as sessões de treino convencionais? (Paulo) – Sim, uma aprendizagem muito importante. Eu conheço um «miúdo», o Afonso, G.R. da formação do Feirense, num jogo dos seniores, quando eu entro em campo ele não sai da minha beira e de trás do G.R. para ver como é que o G.R. trabalha. É uma aprendizagem que pode e deve ser possibilitada.

LXII Anexo 5

Anexo 5: Guião da entrevista

A entrevista que se segue, é realizada no âmbito da monografia da Licenciatura em Desporto e Educação Física – opção complementar de Desporto de Rendimento. O presente trabalho tem como problemática e finalidade de estudo, perceber a relevância da prática deliberada para a formação/desenvolvimento da performance de um G.R. de Futebol.

1. O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o distinguem dos demais?

2. Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que contribui para chegar a um nível superior?

3. Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de alguém um G.R. talentoso?

(Considera que a prática é condição não só necessária, mas suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem outras condicionantes importantes?)

4. Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis, ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos?

5. Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o começar a especializar?

6. Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?

7. Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol, para alcançar o sucesso de nível superior?

8. Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de prática a que se expõe?

LXIII Anexo 5

9. Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil para um G.R. permanecer aí? Porque razão?

10. Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada sessão?

11. Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m), apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?

12. Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído significativamente? (Se sim...que características distintas reconhece nessa evolução?)

13. Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento), como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol talentoso? (E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol?)

14. Um G.R. nasce ou faz-se?

15. O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua identificação com um modelo, com um ídolo? Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as sessões de treino convencionais?

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