UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

BENEDITO APARECIDO CRUZ

AS SIGNIFICAÇÕES DO HEROI: TRÊS REPRESENTAÇÕES DE TIRADENTES NO CINEMA NACIONAL

CAMPINAS

2017 BENEDITO APARECIDO CRUZ

AS SIGNIFICAÇÕES DO HEROI: TRÊS REPRESENTAÇÕES DE TIRADENTES NO CINEMA NACIONAL

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Multimeios.

ORIENTADOR: PROF. DR. ERNESTO GIOVANNI BOCCARA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO BENEDITO APARECIDO CRUZ, E ORIENTADO PELO PROF. DR. ERNESTO GIOVANNI BOCCARA.

CAMPINAS

2017

BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

BENEDITO APARECIDO CRUZ

ORIENTADOR: ERNESTO GIOVANNI BOCCARA

MEMBROS:

1. PROF. DR. ERNESTO GIOVANNI BOCCARA

2. PROFA. DRA. NANCY DE PALMA MORETTI

3. PROF. DR. FÁBIO NAURAS AKHRAS

Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

DATA DA DEFESA: 31.08.2017

À minha esposa Maria Alice, a principal responsável por este trabalho existir. AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Ernesto Giovanni Boccara, pela sua vasta competência intelectual, pela assistência nas diversas etapas da pesquisa e principalmente pela sua amizade;

Aos professores doutores Fábio Nauras Akhras e Nancy de Palma Moretti, pela participação na banca de qualificação e pelas importantes sugestões e críticas encaminhadas;

Aos professores doutores Ignacio Del Valle Dávila, Marcius Freire e Nuno César de Abreu (in memoriam), por me apresentarem os estudos do cinema nacional, da Nova História, da relação cinema-História e pelo incentivo a continuar nesse tema;

A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para que eu chegasse até aqui;

Ao meus pais, dona Conceição (in memoriam) e seu Osmar (in memoriam), por sempre terem acreditado em mim;

Aos meus filhos Luiz Henrique, Yasmin e Ettore, a quem amo incondicionalmente.

RESUMO

A proposta desta dissertação é analisar o cinema de reconstituição histórica no Brasil em diferentes períodos da história recente do país, desde o período da ditadura militar (década de 1960) até o momento atual (década de 2010). A dissertação pretende observar de que maneira o filme ficcional com temática histórica procurou construir uma memória coletiva sobre um determinado passado histórico e de como essa construção foi influenciada pelo momento histórico da produção do mesmo. Para esse fim, serão analisados três filmes - Tiradentes, o Mártir da Independência (1976), de Geraldo Vietri, Tiradentes (1999), de Oswaldo Caldeira, e Joaquim (2017), de Marcelo Gomes que contam a história de Joaquim José da Silva Xavier.

Palavras-chave: pesquisa histórica; cinema brasileiro; filmes históricos; Tiradentes

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ABSTRACT

The purpose of this research is to analyze the historical representation in Brazilian cinema from the period of the military dictatorship (1960s) to nowadays (decade of 2010). The research intends to observe how the fictional film with historical theme sought to build a collective memory about a certain historical past and how this construction was influenced by the historical moment of its production. Three films will be analyzed - Tiradentes, o Mártir da Independência (1976), directed by Geraldo Vietri, Tiradentes (1999), directed by Oswaldo Caldeira, and Joaquim (2017), directed by Marcelo Gomes, all of them telling the story of Joaquim José da Silva Xavier.

Keywords: historical research; Brazilian cinema; historical films; Tiradentes LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – “Encouraçado Potemkin”...... 21

Figura 2 – “O Terceiro Homem”...... 21

Figura 3 – Cartaz de “Tchapaïev”...... 23

Figura 4 – Flora Foge De Gus...... 28

Figura 5 – A Ku Klux Klan salva a cidade...... 29

Figura 6 – “Encouraçado Potemkin”...... 32

Figura 7 – Cartaz do filme “Sinhá Moça”...... 36

Figura 8 – Cartazes de Os Inconfidentes, Xica da Silva e Como Era Gostoso meu Francês...... 37

Figura 9 – Cena de Quilombo...... 38

Figura 10 – Cena de Carlota Joaquina...... 39

Figura 11 – Cena de Tiradentes (1917) ...... 45

Figura 12 – Litografia de Décio Villares...... 50

Figura 13 – “Martírio de Tiradentes”, de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, óleo sobre tela ...... 51

Figura 14 – “Tiradentes Esquartejado”, de Pedro Américo, óleo sobre tela...... 52

Figura 15 – “A leitura da sentença”, de Eduardo Sá, óleo sobre tela...... 53

Figura 16 – “Resposta de Tiradentes à comutação da pena de morte dos inconfidentes”, de Leopoldo de Farias, óleo sobre tela...... 54

Figura 17 – Painel Tiradentes (detalhe), de Cândido Portinari, 1949, Memorial da América Latina...... 54

Figura 18 – Menino Tiradentes solta passarinhos...... 55

Figura 19 – Tiradentes criança se revolta contra a escravidão...... 56

Figura 20 – Tiradentes na recepção ao Visconde de Barbacena...... 56

Figura 21 – A leitura da constituição americana...... 58

Figura 22 – Cartaz de Tiradentes (1999) ...... 60 Figura 23 – Tiradentes dança sobre o muro...... 61

Figura 24 – O bordel...... 62

Figura 25 – O batizado...... 63

Figura 26 – Final do filme...... 64

Figura 27 – Cartaz de Joaquim...... 65

Figura 28 – Joaquim perseguindo contrabandistas...... 67

Figura 29 – Joaquim e comitiva no “sertão proibido” procurando ouro...... 68

Figura 30 – A canção do índio e do negro...... 68

Figura 31 – Escrava Preta corta os cabelos de Joaquim...... 70

SUMÁRIO

Introdução ...... 12 1.Cinema e História, História e Cinema ...... 15 1.1. Pensando as relações entre cinema e história ...... 15 1.2 O conceito de documento/monumento e o cinema histórico ...... 17 1.3 Marc Ferro e o cinema-história ...... 19 2. A imagem cinematográfica ...... 25 2.1. A representação do real ...... 25 2.2 A montagem ...... 26 2.2.1 A escola americana ...... 27 2.2.3 A escola russa ...... 31 3. História e Cinema no Brasil ...... 35 3.1 O gênero histórico no Brasil ...... 35 3.2 A Estética do Filme Histórico Brasileiro ...... 41 4. Representações Cinematográficas da Inconfidência Mineira ...... 45 4.1 A construção da imagem do Tiradentes ...... 46 4.2 Tiradentes no cinema: O Mártir da Independência (1977), de Geraldo Vietri...... 55 4.3 Tiradentes no cinema: Tiradentes (1999), de Oswaldo Caldeira ...... 59 4.4 Tiradentes no cinema: Joaquim (2017) de Marcelo Gomes ...... 66 5. Considerações Finais ...... 72 Referências ...... 76 Apêndice A ...... 79

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INTRODUÇÃO

[...] Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde em lugar mais público dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregado em postes pelo caminho de Minas no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o Réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e a Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável Réu [...] (Autos de Devassa da Inconfidência Mineira)

“Cinema e História” tornou-se, nos últimos tempos, sinônimo de campo de estudos inovador nas ciências sociais e humanas. Um campo de estudos talvez mais comentado e aceito como relevante do que pensado na sua complexidade e nos seus desafios enquanto espaço de reflexão necessariamente interdisciplinar. A designação “Cinema e História” nos remete ao livro de título homônimo de Marc Ferro (FERRO, 1992), historiador francês cujos trabalhos alcançaram notoriedade e fizeram escola não só na França, mas também em outros países, como o Brasil. Com isso, a associação desse campo de estudos à figura de Marc Ferro torna-se ainda mais imediata, embora outros filósofos e historiadores tenham tratado desse assunto. Entre outros podemos citar Robert Rosenstone (ROSENSTONE, 2006), Gilles Deleuze (DELEUZE, 1983), Siegfried Kracauer ((KRACAUER, 1960) e Pierre Sorlin (SORLIN, 1980) 13

A proposta desta dissertação é analisar o filme de reconstituição histórica 1 ou simplesmente filme histórico no Brasil em três diferentes períodos da História recente do país: o período da ditadura militar (década de 1970), a consolidação da democracia e a retomada da produção cinematográfica nacional (década de 1990/2000) e a atualidade. O recorte a ser utilizado para essa pesquisa é a produção brasileira de filmes de reconstituição histórica que exploraram a temática da Inconfidência Mineira no período de 1970 a 2017. A dissertação observará de que maneira o filme ficcional com temática histórica procurou construir uma memória coletiva sobre um determinado passado histórico e de como essa construção foi influenciada pelo momento histórico da produção do mesmo. Para esse fim, serão analisados três filmes - Tiradentes, o Mártir da Independência (1976), de Geraldo Vietri, que conta uma história do Tiradentes desde a infância até a morte na forca, Tiradentes (1999), de Oswaldo Caldeira, que foca no desenrolar da Inconfidência ou Conjuração Mineira e Joaquim (2017), de Marcelo Gomes, este último contando uma possível história do alferes Joaquim José da Silva Xavier antes dos acontecimentos retratados pelo filme de Oswaldo Caldeira. Essas três obras foram produzidas em contextos onde diferentes realidades faziam parte da sociedade brasileira. No primeiro, tinha-se a euforia gerada pelo milagre econômico, mas também a repressão política presente em um Estado autoritário. No segundo, a expectativa da retomada das produções brasileiras em um contexto democrático e livre para experimentações, porém em um período político de desânimo e descrença nas instituições, apresentando o Brasil como país inviável. No período de produção do terceiro filme, tem-se um país indeciso entre que caminho tomar e perplexo diante de uma permanente crise das instituições democráticas, de fluxos e contra fluxos políticos, traições e delações.

Durante o mesmo período (da década de 1960 à década de 2010) a visão dos historiadores e a consequente produção historiográfica acadêmica sobre o tema da Inconfidência Mineira sofreu importantes e radicais alterações. Antes da metade da década de 60, os textos têm em comum a preocupação com a construção de uma versão para a Inconfidência Mineira na qual se acentua o caráter nacionalista e patriótico. Fazendo uma leitura hoje considerada superficial dos Autos de Devassa, esses autores empenham-se na busca da "verdade" histórica, sobre o papel desempenhado por seus protagonistas e, sobretudo, que reforce a legitimidade da Inconfidência Mineira como movimento precursor

1 Os “filmes de reconstituição histórica” serão entendidos aqui como aqueles filmes que buscam representar ou estetizar eventos ou processos históricos conhecidos, e que incluem entre outras as categorias dos ‘filmes épicos’ e também dos filmes históricos que apresentam uma versão romanceada de eventos ou vidas de personagens históricos. 14

da Independência e de Tiradentes como seu mártir e herói máximo da nação (FONSECA, 2002). Já na década de 1970, Kenneth Maxwell, em seu A devassa da devassa (MAXWELL, 1978) verticalizou a análise aprofundando-se na documentação mais conhecida sobre a Inconfidência, articulando-a a outras fontes, propondo uma abordagem inovadora e mais complexa do movimento, sem negligenciar os indivíduos que dele participaram, estabelecendo o centro de sua análise nas relações sociais estabelecidas entre os grupos atuantes no movimento. Essa obra tornou-se uma referência fundamental nos estudos sobre a Inconfidência a partir da década de 70. Como trabalhos posteriores que tratam sobre o tema pode-se citar História do Brasil (FAUSTO, 1994), Sociedade e História do Brasil (VILLA e MACHADO NETO, 1999) e 1789 (DORIA, 2014).

O trabalho é dividido em seis capítulos. No primeiro capítulo serão exploradas as ideias de Jean Baudrillard, André Bazin e Siegfried Kracauer sobre a representação do real no cinema e as ideias de Marc Ferro sobre as intersecções entre História e cinema e as representações da História no cinema. O segundo capítulo fará um percurso entre as ideias de Flusser, Bazin e Deleuze sobre as técnicas de estruturação e de montagem do cinema para que o filme atinja uma verossimilhança que o aproxime de uma descrição do real. Será apresentada principalmente a teorização por Deleuze das escolas americana e soviética de montagem. O terceiro capítulo faz uma retrospectiva geral do desenvolvimento do filme histórico no Brasil, desde o início do século XX até o período atual, apresentando as obras mais significativas e sua relação com a época de produção. A estética naturalista, predominante em filmes de caráter histórico, será apresentada e descrita, com base no estudo desenvolvido no capítulo dois. No capítulo quatro serão apresentados três filmes históricos ou ficcionais que exploram a vida de Tiradentes e que são objeto desta dissertação. Tentar-se-á relacionar esses três filmes ao contexto histórico de produção dos mesmos e como ambos dialogam com a época em que foram realizados.

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1.CINEMA E HISTÓRIA, HISTÓRIA E CINEMA

1.1. PENSANDO AS RELAÇÕES ENTRE CINEMA E HISTÓRIA

Nos primeiros anos após a invenção do cinema pelos irmãos Lumière, a produção de imagens em movimento que pudessem ser exibidas posteriormente despertou a curiosidade de muitos. No entanto, dificilmente se poderia imaginar que o recém-criado cinema pudesse vir a ser tão discutido pelos historiadores, não somente em relação à história do próprio cinema, mas principalmente pela importância que o mesmo viria a ter para a própria História. Tal é essa importância que se criou a expressão “Cinema-História”.

Estudos sobre a relação entre Cinema e História não são, contudo, tão recentes como podem parecer à primeira vista. Pelo contrário, nasceram com o próprio cinema, no final do século XIX. Nessa época, pessoas ligadas à produção de filmes reconheciam não só o fato de a História estar sendo registrada por esse novo meio, mas também o caráter educativo nele contido, o que as levou a pensar na importância da preservação desses materiais. Escreve Kornis (1992, p. 240):

O primeiro trabalho de que se tem notícia relativo ao valor do filme como documento histórico data de 1898, foi escrito pelo câmera polonês Boleslas Matuszewski e se intitula "Une nouvelle source de l'histoire: création d'uo dépõt de cinematographie historique". Integrante da equipe dos inventores do cinema, os Irmãos Lumière, Matuszewski defendia o valor da imagem cinematográfica, que era por ele entendida corno testemunho ocular verídico e infalível, capaz de controlar a tradição oral. Para ele, "o cinematógrafo não dá talvez a história integral, mas pelo menos o que ele fornece é incontestável e de uma verdade absoluta". Sustentando o argumento de que a fotografia animada era autêntica, exata e precisa, Matuszewski pretendia criar um "depósito de cinematografia histórica" a ser organizado a partir da seleção dos eventos importantes da vida pública e nacional considerados de interesse histórico. Ele julgava que o evento filmado era mais verdadeiro que a fotografia, na medida em que esta última admitia retoques. Deve-se observar, contudo, que Matuszewski atribuía esse valor ao filme documentário que, aliás, era a produção dominante na época. 16

Assim, o fato de o chamado “primeiro cinema” consistir exclusivamente numa sucessão descontínua de registros visuais não impediu que, desde os seus primórdios, o cinema fosse pensado enquanto fonte de conhecimento da História. Sem desenvolverem uma história com começo, meio e fim, esses filmes exibiam povos e territórios longínquos e acontecimentos variados, tornando-se ainda instrumentos de investigação científica e atração nas feiras universais que celebravam as novidades técnicas. Derivado de formas populares de cultura, como o circo e a pantomima, o cinema dos primeiros tempos se firmava na tradição de um espetáculo popular, de grande vitalidade no século XIX. A partir da década de 1910, o cinema multiplicou seus recursos de representação e o êxito de sua produção industrial trouxe consigo filmes voltados para a reconstrução do passado histórico e concebidos no padrão do chamado cinema narrativo. Por outro lado, as vanguardas artísticas europeias experimentavam novas formas de fazer cinema. Na Rússia, em particular, foram produzidos filmes sobre a História do país cuja concepção estética se inseria no contexto das transformações políticas e sociais que tomavam conta da sociedade em sua fase pós- revolucionária2. O cinema demonstrava, assim, um poder não só de registrar o presente, mas também de contar a História segundo diferentes formas.

Embora mesmo nesses primeiros tempos o cinema se encontraria diversas vezes com a História, seja em filmes retratando episódios históricos, seja em documentários – já em 1895, Felix Règnault filmou e exibiu, na Exposição Etnográfica da África Ocidental, aquele que foi o primeiro documentário cinematográfico (FREIRE e PENAFRIA, 2007) –, foi apenas na segunda metade do século XX que se começou a tratar mais seriamente do tema. A publicação, em 1947, do livro De Caligari a Hitler (KRACAUER, 1988), do jornalista alemão e teórico do cinema Siegfried Kracauer, trouxe uma percepção distinta das relações entre Cinema e História. Ao trabalhar sobre o cinema alemão a partir dos anos 1910, o autor argumentava que o cinema expressionista refletia os anseios da sociedade alemã da década de 1920, prenunciando a ascensão do nazismo. Kracauer estabelecia uma relação direta entre o filme e o meio que o produzira. Acreditava ainda que este se distinguia das artes tradicionais por ser fiel à realidade de uma época: como a fotografia era sua matéria-prima, o cinema era o único instrumento capaz de registrar a realidade sem deformá-la. Kracauer relacionava a tarefa do historiador à do fotógrafo, considerando que ambos deviam examinar meticulosamente os detalhes e os fatos objetivos. Um pioneiro em estabelecer relação entre

2 Conforme será visto na discussão sobre as escolas americana e russa de montagem cinematográfica, no capítulo 2 deste texto. 17

filmes e períodos históricos, sua obra principal foi Theory of film: the redemption of physical reality (KRACAUER, 1960). Nessa obra, o autor analisa exaustivamente as potencialidades do cinema como meio de reprodução da realidade, sistematizando uma concepção realista do cinema. Embora se possa inicialmente verificar que as ideias de Kracauer se aproximam das ideias de outro importante pensador do cinema, André Bazin, há algumas diferenças entre esses pensares.

Para Bazin (2014), o cinema é guiado pelo realismo:

[...] podemos considerar que o cinema tendeu continuamente para o realismo. Entendamos, grosso modo, que ele quer dar ao espectador uma ilusão tão perfeita quanto possível da realidade, compatível com as exigências lógicas da narrativa cinematográfica e com os limites atuais da técnica. (BAZIN, 2014, pp. 291)

Seu pensamento é de que o cinema se trata de um prolongamento da realidade, ou seja, não importa a verossimilhança do filme com a realidade, mas sim de que o cinema funcione como uma adição à essa realidade. Sua noção de “realismo ontológico” trata de um cinema que mostra mais a essência dessa realidade do que a representa. Já para Kracauer, a relação entre cinema e realidade é de outra ordem. Para Kracauer, o cinema registra nada mais que os aspectos já vistos pelo espectador para que, assim, revele aquilo que não é compreensível imediatamente. Em outras palavras, as ideias de Bazin destacam a capacidade do cinema de participar da vida existente, agindo com e sobre o mundo. A concepção de Kracauer é que o cinema é apreendido como um suporte, onde o mundo é reproduzido e documentado, ou seja, permitindo-se analisar os acontecimentos. Segundo Robert Stam,

Teóricos como André Bazin e Siegfried Kracauer transformaram o realismo supostamente intrínseco da câmera no fundamento de uma estética democrática e igualitária. Os meios mecânicos de reprodução fotográfica, para esses teóricos, garantiam a objetividade essencial do cinema. (STAM, 2003, p. 93)

1.2 O CONCEITO DE DOCUMENTO/MONUMENTO E O CINEMA HISTÓRICO

Foi a partir da década de 1960 que as questões de ordem metodológica sobre a relação entre cinema e História passaram a ser discutidas no campo historiográfico, em função, sobretudo, da ampliação do significado do termo “documento”, graças aos trabalhos 18

da chamada “Escola dos Annales”3, que nessa década iniciou um movimento que viria a se chamar de “Nova História”4. O debate, que teve lugar no campo da reflexão da História nas décadas de 1960 e 1970, ressaltou exatamente a importância da diversificação das fontes a serem utilizadas na pesquisa histórica, até então fortemente baseada na descoberta e análise de documentos. Assim, tomou-se como princípio que a memória coletiva e sua contrapartida formal, a História, originam-se de dois tipos de materiais: o documento, material escolhido pelo historiador para fazer sua ciência e o monumento, objeto físico ou virtual do passado que foge à escolha do cientista por ser consagrado sociologicamente pelo conhecimento coletivo. “O monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos” (LE GOFF, 1990, p. 486). Essa separação entre documento e monumento foi problematizada no século XX tanto pela Escola dos Analles quanto por outros grupos de historiadores. Novos entendimentos passaram a apontar o quanto um documento pode também ser um monumento, desde que utilizado dessa forma pelos poderes dominantes (LE GOFF, 1990, p. 545). Assim, Le Goff conclui:

O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de força que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto documento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. [...] O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro — voluntária ou involuntariamente — determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento-verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo. É preciso começar por demonstrar, demolir esta montagem (a do monumento), desestruturar esta construção e analisar as

3 O desenvolvimento desse novo pensamento histórico é descrito em “A Escola dos Annales” (BURKE, 2010) 4 Vários autores desenvolveram e compatibilizaram essas ideias, em paralelo com a Escola dos Annales, como Jean Baudrillard e Paulo Virilio. Para Baudrillard (BAUDRILLARD, 1991) vivemos em uma era constituída por simulações e novas formas de cultura, tecnologia e, até mesmo, de organização social. No entender de Baudrillard a realidade deixou de existir. O que vivemos hoje é a representação da realidade, difundida, na sociedade pós-moderna, pelos meios de informação de massa. Porém a história é o nosso referencial que, muitas vezes, se encontra perdido. O cinema, para o autor, é um dos agentes que assume o papel de reorganizar essa história. Nesse processo, o cinema (meio) tem a função de mediar, através dos laços criados entre o passado e o presente, ou até mesmo entre o presente e o futuro. Paul Virilio (VIRILIO, 2005), por sua vez, soube relacionar história, cinema e visibilidade de maneira particular, ao descrever como eram utilizadas, de forma estratégica, as técnicas cinematográficas ao longo das duas grandes guerras mundiais. 19

condições de produção dos documentos-monumentos. (LE GOFF, 1990, p. 545)

Da argumentação de Le Goff, chega-se a que, se todo documento pode ser monumentalizado pela História a serviço de alguma classe ou de algum poder, o monumento pode sofrer o processo inverso, ou seja, pode ser desconstruído, desmascarando seu discurso ao revelar as camadas de documentais que o constituíram. Marcos Napolitano ressalta que “ao contrário de uma separação rígida e estatutária entre documento e monumento, trata-se de operações culturais e intelectuais que, a um só tempo, monumentalizam ou desmontam as representações cristalizadas do passado” (NAPOLITANO, 2007, p. 66). O cinema é um campo propício para esse tipo de operação de memória, dado o caráter de espetáculo dessa arte. Segundo Napolitano, “arte e técnica se encontram no cinema de maneira estrutural, abrindo um campo de possibilidades sem limite a operações de monumentalização do passado, acessível a grandes plateias e, por isso mesmo, objeto de interesses econômicos e políticos diversos” (NAPOLITANO, 2007, p. 67). Todo filme pode ser tomado como documento histórico da época que o produziu. Como foi visto anteriormente, todo filme é uma representação do real e, como representação, pode ser manipulada pelos seus autores, produtores ou financiadores.

Portanto, há uma característica fundamental em filmes históricos, que é a monumentalização e/ou a desmonumentalização de monumentos históricos, através de um diálogo travado entre obra cinematográfica, memória social e historiografia. Assim, serão vistas neste texto as duas operações: a monumentalização de Tiradentes no filme de Vetri e a desmonumentalização do mesmo nos filmes de Caldeira e de Gomes.

1.3 MARC FERRO E O CINEMA-HISTÓRIA

A partir da década de 70, o debate sobre essa relação História-Cinema recebeu a atenção de outros estudiosos, com o destaque para a obra do historiador Marc Ferro. Quando Ferro se decide pelo estudo do cinema como fonte historiográfica, ele já era um pesquisador respeitado e conhecido por suas obras sobre a História da Revolução Russa. É importante notar que, com esse objeto de pesquisa, Ferro já possuía enormes dificuldades para o acesso a documentos necessários ao seu trabalho. Evitando a censura às fontes escritas, Ferro se concentra em fontes audiovisuais. Ferro começou a trabalhar com filmes 20

russos dos anos 1920, procurando unir sua experiência como consultor e realizador de filmes a leituras de escritos sobre o cinema russo. Seu primeiro texto nos Annales intitulou-se “Société du XX siècle et histoire cinématographique” (1968). Nesse trabalho, segundo Kornis (KORNIS, 2008), referia-se ao culto excessivo do documento escrito e alertava que, para analisar a época contemporânea, existiam documentos de um novo tipo e com uma nova linguagem que traziam uma nova dimensão ao conhecimento do passado. Ferro advertia para o desprezo das pessoas cultas do início do século pelo cinematógrafo, limitado a uma atração de feira, e o privilégio dado pelos historiadores, naquele momento, a um conjunto de outras fontes, como artigos de leis, tratados de comércio, declarações ministeriais, ordens operacionais e discursos. Os filmes dão a Ferro a possibilidade de penetrar em dados que de outra forma seriam inacessíveis. Ele escreve em Cinema e História (FERRO, 1992):

A imagem, o caráter artístico e ficcional do cinema, dificultam o controle das instituições (estado, partidos, políticos, sindicatos, etc.) sobre seu conteúdo. Dificultam sobretudo o controle por burocratas acostumados a ver no som, não na imagem, o verdadeiro perigo. O controle político incide sobre o som, sobre o que os personagens dizem, enquanto a censura moral é que corta o que o filme mostra. (FERRO, 1988, p. 85)

Nessa obra, o autor demonstra, através da análise de dois filmes, “O Encouraçado Potemkin” (1925) (Figura 1) e “O Terceiro Homem” (1949) (Figura 2), a utilização do cinema pela classe dominante a fim de conservar o status quo, da mesma forma que os diferentes governos se valem do mesmo instrumento com o intuito de veicular suas ideias e propostas. Ferro afirma:

Desde que o cinema se tornou uma arte, seus pioneiros passaram a intervir na História com filmes, documentários ou de ficção, que, desde a sua origem, sob a aparência da representação, doutrinam e glorificam. Na Inglaterra mostram essencialmente a rainha, seu império, sua frota; na França, preferiram filmar as criações da burguesia ascendente: um trem, uma exposição, as instituições republicanas. (FERRO, 1992, p. 13) 21

Figura 1 – “Encouraçado Potemkin”

Fonte: www.imdb.com

Figura 2 – “O Terceiro Homem”

Fonte: www.imdb.com

Ferro vê, então, o cinema como a transmissão de valores de uma determinada sociedade, com o intuito de legitimá-la junto a seu público. Essa legitimação pode ser ainda mais explícita e mais facilmente conseguida através da utilização de fatos históricos. Na verdade, o chamado filme histórico teria por função vincular ao presente um fato ocorrido no passado de uma determinada sociedade. Sob esse ponto de vista, um filme histórico diria mais sobre o presente do que sobre o passado que deseja retratar. Dessa maneira, é necessário analisar aspectos do momento de produção do filme, a conjuntura histórica, social e política no momento específico de realização da produção, a fim de compreender quais aspectos da situação do presente estão representados no produto final.

O pesquisador deve, assim, segundo Ferro, valorizar o cinema como sendo um documento válido para discutir a História, tanto aquela retratada na tela quanto a que está por trás da produção de um determinado filme. Ao se utilizar o filme como objeto de estudo, é essencial salientar o fato de que esse é uma produção coletiva envolvendo um sem-número 22

de pessoas (diretores, produtores, atores e responsáveis pelo estúdio no qual está sendo realizado o filme), que possuem suas expectativas particulares. O filme é produzido para alguém, para um determinado público e está classificado de acordo com um determinado gênero5. O verdadeiro real histórico dos filmes é o momento em que os mesmos são feitos e não o descrito pelas imagens projetadas. A imagem construída sobre o passado ilustra e documenta esse período, mas é, também, uma possibilidade de interpretação, de conhecimento e de transcrição de um tempo (presente) sobre o outro (passado).

Ferro não se detém, em suas obras, em definir uma metodologia de análise fílmica para compreender as dimensões históricas dos filmes analisados. Os exemplos que expõe em seus trabalhos é que descrevem a maneira como trabalhou. Em seus trabalhos, o filme não é tomado como obra de arte, mas sim como um produto, um objeto, um documento. Ferro explica que um filme

Não vale apenas pelo que testemunha, mas pela abordagem sócio-histórica que o autoriza [...] É preciso aplicar esses métodos a cada substância do filme (imagens, imagens sonoras, imagens sem sonorização), às relações entre os componentes dessas substâncias; analisar nos filmes o roteiro, a cenografia, a escrita fílmica, as relações do filme com aquilo que não é o filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime político. Pode-se esperar assim compreender não somente a obra, mas também a realidade que ela figura. (FERRO, 1992, p. 104)

5 Os filmes da categoria “filmes históricos” podem enquadrar-se nos mais diferentes gêneros, como comédia (por exemplo: “Carlota Joaquina”), drama (“Olga”), aventura (“O Caçador de Esmeraldas”) e romance (“Independência ou Morte”). Dessa forma, é interessante também verificar de que maneira os elementos históricos são apresentados nos diferentes gêneros de filme, procurando avaliar os possíveis motivos para a opção por essa forma narrativa. 23

Figura 3 – “Tchapaïev”

Fonte: www.imdb.com

Em “Cinema e História” (FERRO, 1992), um dos filmes analisados é “Tchapaïev” (1934), de Serguei Vassiliev (figura 3). Nessa análise, Ferro demonstra claramente seu método de análise. Inicialmente, Ferro mostra o conteúdo explícito do filme: a organização do Exército Vermelho no final da década de 10 contra a desorganização do Exército Branco. Fica clara a ideologia stalinista. O que Ferro chama de “visível” é captado a partir de uma descrição do filme, feita em 1934, comparada a uma análise feita a partir das sequências principais do filme. Assim, Ferro compara a descrição do filme feito em 1934 sobre uma ação passada em 1919. Compara o momento referido (1919) com o momento vivido (1934), particularmente destacando o fato de que, embora se fale o tempo todo sobre o Exército Vermelho, Trotsky não é citado uma única vez.

A partir daí Ferro se detém ao não-visível do filme, analisando-o plano a plano. Ferro percebe que varia pouco: à utilização de planos gerais mostrando a multidão correspondem primeiros planos mostrando um ou dois atores. Há muitas sequências com apenas dois personagens, que mostram rivalidades, dominação e desprezo, mas que evoluem sempre para amizade, igualdade e obediência à hierarquia. Para Ferro: 24

No nível implícito, os sistemas de relação entre os indivíduos se situam e evoluem no plano do funcionamento da família e não da luta de classes, que é apresentada apenas no quadro geral da guerra contra os Brancos[...]. No nível implícito se observa uma identificação coerente com o sistema de valores dos Brancos: recuperação pelo sangue e sacrifício, disciplina do exército, representação de ordens, legitimidade do saber institucionalizado, glorificação da família patriarcal e legítima obediência ao poder central [...] que é uma das características da época stalinista. (FERRO, 1992, p. 157)

Assim, se observa que, embora na aparência essa obra glorifique os valores revolucionários e a luta contra os reacionários, na realidade o tratamento dado aos personagens e conflitos não é revolucionário e destaca valores muito mais próximos daqueles que os personagens parecem combater. Dessa forma é possível perceber um discurso invisível do filme através da observação de seus elementos fílmicos que, comparado à lógica interna do filme, traz dele uma nova visão: de fato estamos vendo um filme que, tratando de um acontecimento de 1919, na realidade fala mais sobre a realidade de 1934.

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2. A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA

2.1. A REPRESENTAÇÃO DO REAL

O cinema existe porque, em última análise, um dispositivo mecânico ou eletrônico captou fragmentos da realidade e os transformou em uma sequência de fotografias em uma película fotossensível ou uma sequência de frames registrados por um “olho” eletrônico e gravados em uma mídia digital. Em ambos os casos, projetado em uma velocidade previamente calculada, o material captado em fragmentos converte-se em um filme: pedaços de realidade organizados segundo uma ordem temporal e espacial. O caráter fragmentário do cinema é projetado a uma velocidade que o olho e cérebro aceitam como imagem real em movimento. Note-se que existe apenas uma impressão de continuidade: esta impressão só é real porque o aparelho projetor determinou essa percepção do que é real. André Bazin escreve que “pela primeira vez, nada se interpõe entre o objeto inicial e sua representação, a não ser outro objeto. ” (BAZIN, 2014, p. 22). Do mesmo modo, o filósofo Vilém Flusser argumenta em seu livro “Filosofia da Caixa Preta”6:

O mundo representado parece ser a causa das imagens técnicas e elas próprias parecem ser o último efeito de complexa cadeia causal que parte do mundo. O mundo a ser representado reflete raios que vão sendo fixados sobre superfícies sensíveis, graças a processos óticos, químicos e mecânicos, assim surgindo a imagem. Aparentemente, pois, imagem e mundo se encontram no mesmo nível do real: são unidos por cadeia ininterrupta de causa e efeito, de maneira que a imagem parece não ser símbolo e não precisar de deciframento. Quem vê imagem técnica parece ver seu significado, embora indiretamente. (FLUSSER, 1985, p. 9)

Essa possibilidade de reproduzir com fidelidade o real, sem a intervenção humana, ao contrário da pintura, dependente completamente da visão artística do pintor, dá à imagem técnica um poder de credibilidade e naturalidade jamais visto. Os espectadores são obrigados a acreditar na existência e na presença do objeto filmado. Ainda mais, “pela primeira vez, a imagem das coisas é também a da sua duração” (BAZIN, 2014, p. 24). A capacidade do cinema em reproduzir a realidade gera a credibilidade e naturalização do

6 Flusser escreve sobre a fotografia, mas o texto é válido também para o cinema. 26

filme. Os mecanismos de criação da narrativa cinematográfica tratam principalmente de ocultar suas técnicas: a construção da narrativa e a fragmentação das imagens7.

Da fragmentação das imagens decorre o princípio da montagem cinematográfica: dois momentos diferentes, duas tomadas diferentes são unidas de modo a criar uma continuidade que não existiu na confecção do filme. A produção do filme não necessariamente segue a ordem do roteiro: as cenas ou planos são gravadas na ordem que melhor convém à produção do filme. O filme é feito por partes. O material produzido de forma desordenada será finalmente organizado na montagem, processo no qual efetivamente se cria o filme. A forma natural de percepção do espectador é reproduzida apenas nessa fase, permitindo assim que os sentidos do mesmo compreendam (de forma artificial) que essas imagens correspondem a uma realidade de fato. Além da montagem, o próprio som do filme muitas vezes não é gravado de forma simultânea sendo necessária sua mixagem em um estágio posterior à montagem. Esses mecanismos foram criados para que o filme se tornasse cada vez mais semelhante ao real mas, na verdade, o afastam da realidade e aumentam sua qualidade de espetáculo.

2.2 A MONTAGEM

Bazin define a montagem como sendo a criação de um sentido que as imagens não contêm de forma objetiva, mas que procede diretamente de sua relação. Essa colagem de imagens é imperceptível para o espectador, pois o que vê na tela é feito para funcionar como uma extensão construída para ser semelhante ao que seus olhos estão acostumados a ver na realidade.

Há quatro escolas ou tendências de técnicas de montagem: a escola orgânica americana, a escola dialética soviética, a escola quantitativa francesa do pós-guerra e a escola intensiva do expressionismo alemão. Caracterizaremos a escola orgânica americana e a escola dialética soviética, as quais decorrem diretamente de concepções históricas e narrativas.

7 Ismail Xavier (XAVIER, 1977) resume a união definida por Bazin entre a realidade da imagem, que deve ser respeitada pelo cineasta como fonte de acesso ao mundo, e a manipulação cinematográfica, que deve ser utilizada para melhor respeitar essa realidade: “há um ilusionismo legítimo que constitui a base para o verdadeiro realismo”; “tal mundo íntegro e intocável que se projeta na tela, construído à imagem do real, é um mundo de representação, imaginário”. 27

2.2.1 A ESCOLA AMERICANA

Para Deleuze (1983), a escola americana de montagem se iniciou com D. W. Griffith, nos anos 10. Segundo Deleuze, nesse tipo de montagem a ideia é criar um tipo de organismo através da estruturação das imagens. Sob esse ponto de vista deleuziano, o real é algo orgânico que orienta a montagem e imprime unidade ao filme.

“A composição das imagens-movimento, Griffith a concebeu como uma organização, um organismo, uma grande unidade orgânica. Foi esta a sua descoberta. O organismo é primeiramente uma unidade no diverso, isto é, um conjunto de partes diferenciadas: há os homens e as mulheres, os ricos e os pobres, a cidade e o campo, o Norte e o Sul, os interiores e os exteriores, etc.” (DELEUZE, 1983, p. 39)

Deleuze chama de Montagem Alternada Paralela aquela em que a imagem de uma parte sucede a imagem de outra parte, de acordo com um ritmo ditado pelo diretor. A Montagem Alternada Paralela permite alargar o discurso do filme, trazendo para a ação a possibilidade de abordar vários espaços e tempos simultaneamente, jogando com flashbacks misturados ao tempo presente e adiantando o futuro ao espectador de forma que este conheça, de antemão, algum fato que um personagem da trama ainda desconheça. Pode também funcionar de forma explicativa, mostrando e reafirmando de forma pedagógica uma relação de causa e efeito entre um elemento orgânico do filme e sua oposição divergente. A relação na montagem paralela é, quase sempre, binária (bom/mau, rico/pobre, bonito/feio).

Um exemplo desse tipo de montagem é em uma cena de “O Nascimento de uma Nação”, de D. W. Griffith. Nesta cena ocorre uma perseguição da pequena Flora Cameron pelo negro Gus. Imediatamente antes desta cena, há um plano geral, mostrando um conflito de rua na cidade: os negros saem às ruas e querem tomar o poder. No plano seguinte, vemos a menina fugindo de seu perseguidor. A câmera a mostra inicialmente em plano médio, depois em primeiro plano, acentuando seu rosto de desespero (Figura 4). O negro Gus corre atrás da menina. A conclusão é óbvia: haverá uma dupla violação, a da menina e a da cidade, ambas protagonizadas por negros. A montagem paralela reforça o significado das cenas, mostrando que a ameaça individual e a coletiva são as mesmas. A menina consegue a salvação através da morte, atirando-se de um precipício, mas a cidade é salva graças ao aparecimento da Ku Klux Klan. 28

Figura 4 – Flora Foge De Gus

Fonte: DVD “O Nascimento de uma nação” (Fox Film)

Além da montagem alternada paralela, esta cena também mostra outra característica da escola orgânica americana: a inserção do primeiro plano. O primeiro plano “confere ao conjunto objetivo uma subjetividade que o iguala ou até supera, como [...] os primeiros planos aterrorizados da jovem perseguida pelo negro ...” (DELEUZE, 1983, p. 39). A pequena Flora sai sozinha pelo campo e, a partir desse momento, os planos começam a se fechar, o perigo aumenta, a atenção se volta completamente para ela. O primeiro plano acentua seus sentimentos, o medo do perseguidor e sua solidão diante do perigo que se aproxima. Os planos acentuam a relação causa-efeito e a trazem para o plano afetivo.

A terceira figura da montagem, montagem concorrente ou montagem convergente, “faz alternarem os momentos de duas ações que vão se encontrar. E quanto mais as ações convergem, quanto mais a junção se aproxima, mais rápida é a alternância (montagem acelerada). ” (DELEUZE, 1983, p. 40). Assim, os diferentes planos mostram ações que opõem personagens bons e maus. Mas há também diferentes cenas onde ações de mesma natureza são convergentes: Flora corre em desespero fugindo do negro, na cena seguinte seu irmão corre com o cavalo na direção da câmera e na cena posterior o grupo de cavaleiros mascarados também vem em socorro dos brancos ameaçados 29

Figura 5 – A Ku Klux Klan salva a cidade

Fonte: DVD “O Nascimento de uma nação” (Fox Film)

As ações convergentes tendem para um mesmo fim, chegando a tempo no lugar do duelo para inverter seu desfecho, salvar a inocência ou reconstituir a unidade comprometida, como a galopada dos cavaleiros que vêm socorrer os cidadãos (Figura 5). O clima da ação se dá quando o duelo entre as forças em oposição restabelece a ordem e o organismo ameaçado.

São estas as três formas de montagem ou de alternância rítmica: a alternância das partes diferenciadas, a das dimensões relativas, a das ações convergentes. Trata-se de uma poderosa representação orgânica que impele, assim, o conjunto e suas partes. O cinema americano vai tirar dela a sua forma mais sólida: da situação de conjunto a situação restabelecida ou transformada, por intermédio de um duelo, de uma convergência de ações. A montagem americana é orgânico-ativa. É errôneo acusá-la de se ter submetido a narração — ao contrário, é a narratividade que decorre desta concepção da montagem. (DELEUZE, 1983, p. 40)

Griffith, para Deleuze, teria inventado a montagem cinematográfica ao criar o que ele chama de imagem-ação. Esse tipo de imagem influenciaria por mais de cinquenta anos a produção cinematográfica dominante. Essa estrutura usada por Griffith foi responsável pela consolidação do mecanismo de representação clássico que caracteriza o cinema dramático narrativo. Diante desse tipo de estrutura, o espectador se vê diante do que melhor soube 30

aproximar a crença na realidade do cinema com o meio de realizá-lo com tramas que tem como assunto a História. Griffith trabalharia principalmente com a temática histórica, produzindo grandes filmes onde procura reconstituir e reinterpretar a História8. Quando o cinema precisa se impor como algo capaz de contar histórias ele conta a História para se legitimar, pois mostrando a História que o cinema pode comprovar a sua capacidade de mostrar/reconstituir o real: os primeiros grandes filmes foram históricos, como Cabíria (1914), de Pastrone e O Assassinato do Conde de Guize (1908), de Le Bargy e Calmettes.

É com Griffith que a montagem e o enquadramento colocam no cinema o ponto de vista do diretor a partir da lente da câmera, como se fosse o olho do narrador. Este fica, ao mesmo tempo, oculto tanto por um mecanismo técnico quanto pela impressão da realidade perpassada pela exibição da realidade, procurando dar verossimilhança ao que é exibido, mas ao mesmo tempo escondendo do expectador a existência de um fio condutor da história. Segundo Ismail Xavier:

Entre 1908 e 1913, Griffith redefiniu o papel do diretor de cinema como coordenador de fotógrafo, atores/atrizes e montagem. Em termos de linguagem, consolidou a figura do narrador, mão invisível que, através da organização das imagens, expões um ponto de vista, modula a emoção, argumenta, coloca o espectador na condição de “observador ideal dos fatos. (XAVIER, 1984, p. 49)

A impressão do real é outro elemento técnico que reafirma a crença na realidade do cinema: filmar não é apenas reter a realidade daquele instante. Os próprios artifícios da linguagem garantem que aquilo que é filmado apareça ao espectador como sendo a própria realidade ou uma extensão da mesma. Os cortes e a junção dos enquadramentos sucessivos diferentes (como na montagem paralela) aparecem aos olhos do espectador como sendo de uma continuidade natural. Assim, o que se vê na tela parece natural, mas é resultado de uma manipulação rigorosa. O ponto de vista do diretor também é oculto por essa continuidade, essa relação de causa e efeito aparentemente natural.

Em O Nascimento de Uma Nação a impressão de realidade é reforçada pela exposição de documentos históricos, inseridos no filme através de uma reconstituição de cenas originais. São quatro os momentos em que são inseridas no filme essas reconstituições: Lincoln chamando os voluntários para a guerra, a rendição do Sul, pelo

8 Outros filmes históricos de D.W. Griffith são Intolerância (1916), América (1924) e Abraham Lincoln (1930). 31

General Lee, o assassinato de Lincoln e a Assembleia da Maioria Negra. As cenas de batalha são baseadas em quadros conhecidos do público. As reproduções desses acontecimentos conferem ao filme uma aura de “verdade”, o filme se torna uma peça de convencimento, uma reescrita, portanto, da História. Griffith se esforça em querer explicar e rever a História a partir de uma reconstituição reforçada pela inserção de documentos. O cinema, então, torna-se um lugar de redescoberta, desvendamento e reinvenção da História9.

Os filmes de Griffith são parte importante no surgimento da linguagem cinematográfica e só assim foram pelo fato de que, ao mesmo tempo em que um aparato técnico possível surgia, surgia também a necessidade de mostrar o mundo de uma certa forma. Desse modo, a montagem de Griffith cria, tanto na paralela quanto na convergente, relações causais onde, graças a essa concepção dita orgânica das imagens, os conflitos tendem a se dissipar através de uma ação onde o bom vence e o ruim perde. Cada um dos elementos dessa linguagem contribui para criar a verdade histórica: da unidade do país ameaçada até o restabelecimento dessa unidade, o filme se movimenta na direção de se estabelecer uma ordem que organiza o todo do filme, apresentando e explicando o lado bom e o lado ruim, os vilões e os heróis. Há um sentido na história que tende para um equilíbrio e, por maiores os problemas encontrados e os obstáculos vencidos, eles são necessários, pois só assim os verdadeiros heróis aparecem. O “happy-ending” é a conclusão natural do filme e elemento importantíssimo na linguagem desenvolvida por Griffith. Esses processos narrativos se mantem até hoje, sem grandes alterações.

2.2.3 A ESCOLA RUSSA

Usando dos mesmos mecanismos que a escola americana, mas a partir de referenciais opostos, a Escola Dialética Russa10 introduz no cinema a montagem dialética. Ao contrário do pensamento americano, os russos colocam o real sob suspeita e a crença não está nesse real como na escola americana, mas na câmera como reveladora do real. Em outras palavras, como a mediadora entre o real e o filme. O real como dado não existe, dado que a ideologia procura encobri-lo. A função da montagem passa a ser uma maneira

9 Um cineasta contemporâneo com o mesmo objetivo de provar uma tese através de um filme, usado como peça de convencimento, é Oliver Stone em seu JFK (1991). 10 Deleuze cita Pudovkin, Dovjenko, Vertov e Eisenstein como os principais nomes da Escola Russa. 32

de articular o real, fazendo com que o espectador veja o que se esconde por trás da ideologia. Onde para os americanos o cinema é uma extensão da realidade, para os russos este é um instrumento de revelação11. Sua montagem não é naturalista, procurando unir imagens que se opõem e que se explicam. Se no cinema americano a sucessão de planos e sequencias deve se adaptar ao olhar do espectador, a escola russa procura o contrário: a montagem deve levar o espectador a pensar e descobrir o que há a mais do que aquilo que foi mostrado. Por exemplo, em seu filme A Greve (1924), Eisenstein fundia, na montagem, os rostos dos diversos agentes da polícia e dos espiões da burguesia a imagens de animais, principalmente cães e macacos. Um burguês é mostrado fumando charutos e, a seguir, o filme corta abruptamente para um porco chafurdando na lama.

Figura 6 – “Encouraçado Potemkin”

Fonte: DVD Continental Home Video

O exemplo clássico da escola russa é o filme “O Encouraçado Potemkin” de 1925, (Figura 6), dirigido por Eisenstein. Foi realizado por Eisenstein com o apoio dos líderes da Revolução Socialista e com o propósito de comemorar os 20 anos dos levantes de 1905 na Rússia czarista. O filme inicia retratando a revolta dos marinheiros do encouraçado Príncipe Potemkin Tavritcheski, representando o proletariado, cansados de serem maltratados pelos oficiais, representando a classe opressora. Em uma sequência importante, comida estragada é servida aos marinheiros. Alguns se recusam, e os oficiais ordenam sua execução. Sob muita tensão, os marinheiros são alinhados para o fuzilamento. Neste instante, um dos

11 Para Marc Ferro (FERRO, 1988) essa tendência vem do fato de que o Estado Soviético, que encomendava as obras, ao mesmo tempo as censurava. 33

marinheiros se dirige aos guardas, gritando: "Irmãos! Vocês sabem contra quem disparam?" e, em seguida pede que decidam de que lado estão. Os guardas baixam suas armas e inicia- se um motim no navio. Uma outra sequência de quatro minutos retrata a chacina nas escadarias da cidade de Odessa, perpetrada pelo exército czarista. A sequência do carrinho de bebê desgovernado pelos degraus abaixo influenciou cineastas ao longo de todo o século XX. Nesse filme, o diretor desenvolveu um estilo de montagem que ele chamou de “patético’, a criação de oposições através de planos que vão de um oposto a outro, da tristeza à raiva, do conformismo à revolta.

Outro filme exemplar da montagem dialética é Outubro (1927), do mesmo Eisenstein. Em uma das sequências, relógios marcam a hora local de diversas capitais do mundo até o momento em que acontece a Revolução, quando os ponteiros de todos eles começam a girar rapidamente até alcançarem o horário russo. Ou seja, a Revolução de 1917 deveria influenciar o resto do mundo e desencadear a revolução comunista em nível mundial. Em outra sequência, o Governo Provisório isola bairros das classes populares, suspendendo pontes movediças e, assim, derrubando pessoas nas águas do rio. Aparece, então, a figura de um cavalo, morto, de longas crinas, pendurado no espaço que se abre na ponte, até cair na água, assim como aparecem revolucionários derrubados, sendo um deles com longos cabelos que escorrem no vão da ponte enquanto o corpo humano cai, num paralelo com a crina daquele animal. No final dessa sequência, aparece uma escultura egípcia antiga, evocando poder e autoridade. No entanto, o filme faz o espectador entender que são poder e autoridade do passado. Trata-se de tema recorrente no filme – a crítica de imagens mais ou menos sagradas.

Do mesmo modo, o patético não implica apenas uma mudança no conteúdo da imagem, mas também a sua forma. Com efeito, a imagem deve mudar de potência, passar a uma potência superior. É o que Eisenstein chama de "mudança absoluta de dimensão", para opô-la às mudanças apenas relativas de Griffith. Entenda-se por mudança absoluta que o salto qualitativo é tanto formal quanto material. A inserção do primeiro plano, em Eisenstein, marcará precisamente tal salto formal, uma mudança absoluta, isto é, uma elevação da imagem ao quadrado: em relação a Griffith, trata-se de uma função inteiramente nova do primeiro plano. (DELEUZE, 1983, p. 45)

A montagem dialética é um tipo de narrativa essencialmente visual que se adapta perfeitamente ao cinema mudo. A mensagem que essa montagem deve transmitir deve ser pensada, descoberta pelo espectador e não apenas a visão do que realmente aconteceu. A 34

montagem dialética se concentra em destruir a aparência das coisas e reconstituí-la de uma forma nova. A oposição de planos cria um novo sentido, sentido este que se cria na consciência do espectador e a montagem é o elemento principal desta construção.

A montagem americana, portanto, pretende ser a extensão de uma realidade, onde o olhar da câmera nada mais faz que espelhar esse real. A escola russa duvida do real, por ver nesse real a ideologia e a construção de classe, fazendo em seu cinema uma manipulação desse ideal ideologizado e mostrando, nas relações que se estabelecem as imagens e no que o espectador constrói em sua mente, a realidade. Em Griffith, a formação de um significado se dá pelo sucessivo acréscimo de informações que se fornece ao espectador enquanto que, em Eisenstein, isso se dá por mostrar oposições e choques, deixando o espectador confuso. Em Eisenstein, a ideia de reconstituição histórica não existe, pois a verdade é uma ilusão produzida pelos poderosos: o cinema deve ser um exercício de interpretação histórica que leve a uma real compreensão do real. Assim, as formas de narração cinematográfica são totalmente comprometidas com os objetivos que se pretende tirar delas. Em outras palavras, não há concepção artística que seja desconectada de sua concepção política.

Eisenstein substitui a montagem paralela de Griffith por uma montagem de oposições; a montagem convergente ou concorrente pela montagem de saltos qualitativos ("montagem por saltos"). Todas as espécies de novos aspectos da montagem a ela se aliam, ou melhor, dela decorrem, numa grande criação não só de operações práticas como de conceitos teóricos: nova concepção do primeiro plano, nova concepção da montagem acelerada, montagem vertical, montagem de atrações, montagem intelectual ou de consciência... (DELEUZE, 1983, p. 46)

Comparando as duas construções, uma delas pretende ser a extensão do real enquanto a outra (por duvidar do real) tenta mostrar a “realidade” não nas imagens, mas nas relações que essas imagens têm entre si e no que o espectador constrói em sua mente.

Além da montagem, outros elementos devem ser observados: o argumento, o roteiro, o figurino, a música, o enquadramento da câmera, o desenvolvimento dos planos, etc. Cada um desses procedimentos e características cria um sentido ao mostrar personagens ou ações. Mas será nos enquadramentos, nos cortes, nos movimentos da câmera que o sentido “não visível”, a qual Marc Ferro dá principal importância, como visto no Capítulo 1, irá se formar. 35

3. HISTÓRIA E CINEMA NO BRASIL

3.1 O GÊNERO HISTÓRICO NO BRASIL

A presença de temas históricos no cinema brasileiro é quase tão antiga como o cinema de ficção. Já em 1909, a empresa “Photo-Cinematographia Brasileira” produzia Dona Inês de Castro, seguida de A Restauração de Portugal em 1640 e A República Portuguesa. Mas, como se pode constatar pelo título, o que chamou a atenção do cineasta foi a História de Portugal (BERNARDET e RAMOS, 1994, p. 11). Segundo Bernadet e Ramos, Paulo Emílio Salles Gomes dizia que, no início do século, os cineastas brasileiros não consideravam a História do Brasil suficientemente digna para se tornar assunto de filmes: só a História da antiga metrópole tinha validade. Os filmes históricos aparecem com mais força a partir de 1917, onde são encontrados títulos como: O Grito do Ipiranga, Heróis Brasileiros na Guerra do Paraguai, Tiradentes ou O Mártir da Liberdade (GOMES, 1996). O curioso é que estes filmes não foram produzidos por brasileiros, mas sim por imigrantes italianos, que trataram temas históricos tentando se entrosar na cultura de seu novo país12.

Entre as décadas de 1910 e 1970 do século XX, o cinema brasileiro não teve nenhum outro grande momento de intensa produção de filmes históricos, embora o gênero se manifestasse esporadicamente. Uma tentativa de retomada da produção de filmes históricos, ainda segundo Gomes (1996), se daria apenas na década de 1950, com o lançamento de Sinhá Moça (1953) do cineasta Tom Payne13. O entanto, filmes históricos são de produção cara e o cinema nacional daquele período não tinha possibilidades econômicas para obras desse tipo. O Cinema Novo, movimento que transformou o cinema brasileiro nos anos 1960, não se voltou sistematicamente para o gênero histórico, excetuando-se Ganga Zumba (1963) de Cacá Diegues14.

12 Todos esses filmes desapareceram completamente, restando apenas anúncios dos mesmos em jornais da época ou apenas algumas fotos soltas. Pode-se supor, dado o pensamento da época, que os filmes tinham tom grandioso e patriótico, exaltando os grandes vultos da história e os grandes acontecimentos produzidos por eles. 13 Tom Payne era argentino e diretor de diversos filmes para a Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Sinhá Moça teve boa carreira internacional, ganhando prêmios em Veneza, Berlim, Punta del Este e Havana (FABRIS, 2007). 14 A rigor, nem Ganga Zumba nem Sinhá Moça são filmes históricos, uma vez que baseados em livros ficcionais. No entanto, Ganga Zumba retrata uma parte (romantizada) da vida de um personagem histórico. 36

Figura 7 – Cartaz do filme “Sinhá Moça”

Fonte: Cinemateca Brasileira

A partir da década de 1970, o Ministério da Educação tomou a iniciativa e aconselhou os cineastas a se voltarem para o filme histórico, manifestando explicitamente o seu desejo propondo temas: FEB, CAN, Borba Gato, Anhanguera, Paes Leme, Oswaldo Cruz, Santos Dumont, Delmiro Gouveia, Duque de Caxias, Marechal Rondon (DUBOIS, 2016, p. 260).

Em 1972 seria lançado o filme Independência ou Morte, de Carlos Coimbra que, embora produzido com financiamento privado, seguia as diretrizes governamentais com tal rigor que a crítica intelectual não hesitou em acusa-lo de ser encomendado pela ditadura15. O filme foi grande sucesso de público, ensejando a produção de novos filmes do gênero, como O Caçador de Esmeraldas (1979), de Osvaldo de Oliveira, Os Inconfidentes (1972),

15 Do material publicitário do filme consta o seguinte telegrama: “Acabo de ver o filme Independência ou Morte e desejo registrar a excelente impressão que me causou PT Está de parabéns toda a equipe diretor VG atores VG produtores e técnicos pelo trabalho realizado que mostra o quanto pode fazer o cinema brasileiro inspirado nos caminhos de nossa história PT Este filme abre amplo e claro horizonte para o tratamento cinematográfico de temas que emocionam e educam VG comovem e informam as nossas plateias PT Adequação na interpretação VG cuidadoso na técnica VG sério na linguagem VG digno nas intenções e sobretudo muito brasileiro Independência ou Morte responde à nossa confiança no cinema nacional PT Emilio G. Médici Presidente da República.” 37

de Joaquim Pedro de Andrade, Batalha de Guararapes (1978) de Paulo Thiago, Anchieta José do Brasil (1977) de Paulo José Sarraceni e Tiradentes, o Mártir da Independência (1976), de Geraldo Vietri16. Curiosamente, os remanescentes do Cinema Novo – e, portanto, opositores ao regime militar – foram os responsáveis pela maioria dos filmes históricos da década, como Os herdeiros (Carlos Diegues, 1969), Os deuses e os mortos (Ruy Guerra, 1970), Pindorama (Arnaldo Jabor, 1971), Coronel Delmiro Gouveia (Geraldo Sarno, 1977), o já citado Os inconfidentes (Joaquim Pedro de Andrade, 1972), Como era gostoso meu francês (Nelson Pereira dos Santos, 1971) e Xica da Silva (Carlos Diegues, 1976) (Figura 7).

Figura 8 – Cartazes de Os Inconfidentes, Xica da Silva e Como Era Gostoso meu Francês

Fonte: Cinemateca Brasileira

É notável nesses filmes a preocupação em desconstruir o discurso monumentalista oficial, assumindo na tela características históricas ausentes neste, como a herança indígena, negra e popular. Rebeldes por natureza, esses cineastas criaram produções denunciadoras e, por vezes, anárquicas e contestadoras.

Os anos 1980 foram pouco prolixos em filmes históricos, seja pela política adotada pela Embrafilme no período, seja pela crise econômica, que aumentou os custos de produção, seja pelo momento político de fim de ditadura e início de redemocratização do país. Segundo José Carlos Avellar (AVELLAR, 1991), “trata-se de dizer adeus ao país mesmo e ao cinema tal como ele vinha sendo feito no país até aquele momento”. Avellar ressalta que os realizadores na década de 80 estavam

16 A exceção de Os Inconfidentes, que teve premiada carreira em festivais internacionais, as outras produções foram fracasso de público e de crítica. (DUBOIS, 2016) 38

[...] preocupados mais com a técnica de filmar do que com a expressão de uma qualquer coisa sentida aqui e aqui mesmo. Mas sem dúvida o que predominou em nosso cinema foram as experiências de encenação aqui entendida como um exercício meio acadêmico, como a sofisticação da forma, como técnica mais ou menos desligada do que se pretende dizer, como fórmula para ser aplicada com rigor profissional, como dublagem bem-feita. (AVELLAR, 1991, p. 3)

Figura 9 – Cena de Quilombo

Fonte: www.mubi.com

Sendo assim, a produção da primeira metade dos anos 80 se concentrou em filmes mais sofisticados quanto à forma, tentando de certa maneira fugir dos estereótipos fixados pelo cinema dos anos 60 e 70. Ainda assim se pode encontrar alguns filmes do gênero, como O País dos tenentes (1987) de João Batista de Andrade, Quilombo (1984) de Cacá Diegues (figura 8) e Chico Rei (1985) de Walter Lima Jr.17

17 O período se caracterizou também pela produção de diversos documentários de teor histórico, como Os Anos JK – Uma Trajetória Política (1980), de Silvio Tendler, Jango (1984) também de Sílvio Tendler, Guerra do Brasil (1987), de Sylvio Back e Jânio a 24 Quadros (1981) de Luís Alberto Pereira. 39

Figura 10 – Cena de Carlota Joaquina

Fonte: www.wikicommons.org

Após a crise no final dos anos 80 e início dos anos 90, o chamado “cinema da retomada” foi marcado pela produção de vários filmes históricos. Não causa surpresa esse reaparecimento do filme histórico a partir do momento no qual o cinema nacional começou a se recuperar de sua grande crise e não deixa de ser significativo que o filme considerado como primeiro sinal claro da retomada seja Carlota Joaquina, princesa do Brasil, de Carla Camurati (1995). Depois de Carlota Joaquina (figura 9), vários foram os filmes mostrando interesse pela História do Brasil, como Lamarca (1994) e Guerra de Canudos (1997) de Sérgio Rezende, O que é isso, Companheiro (1995) de Bruno Barreto, Hans Staden (1999) de Luiz Alberto Pereira, Caramuru: a invenção do Brasil (2001) de Guel Arraes, A Paixão de Jacobina (2002) de Fábio Barreto e Desmundo (2002) de Alain Fresnot . O que se vê nessas produções não são histórias de amor ou melodramas nos moldes considerados por Doris Sommer (SOMMER, 2004), mas personagens apaixonados por suas batalhas contra o sistema e obstinados pela construção de sociedades utópicas e, também, vencidos, derrotados pelo sistema ou pela sociedade contra a qual se insurgiram. Mitos que se monumentalizam para que, quase imediatamente, serem vencidos, desconstruídos, desmonumentalizados. Segundo Miriam de Souza Rossini,

A crescente falência dos organismos tradicionais de representação política (partidos, sindicatos, etc.) [no final dos anos 80 e início dos anos 90] reforça as 40

tendências individualistas [...] Descrença e indiferença tornaram-se a ordem do dia. Daí a ambiguidade do olhar sobre o passado. [...] Ao mesmo tempo em que se quer levantar a bandeira da mobilização social, a constatação de que a sociedade está desmobilizada, indiferente já produz a descrença sobre o próprio discurso que se constrói. (ROSSINI, 2006, p. 120)

Há, então, uma crise de identidade do brasileiro nesse período (1985-1999) que se reflete na produção fílmica, que não é conciliadora nem condescendente com um passado heroico. Essa crise vem marcada por um exacerbado individualismo dos personagens dessas produções, uma vez que o momento histórico-político estava marcado pelo fracasso das ações coletivas e sociais.18

Os anos 2000 e 2010 vão encontrar o cinema brasileiro em busca de um modelo novo de produção e distribuição. As mudanças tecnológicas, a reafirmação do cinema de gênero e as aproximações com a televisão redefiniram nosso cinema nos últimos quinze anos. Além disso, a abertura para novos mercados audiovisuais (internet, canais a cabo), que possibilitou o trânsito de atores, atrizes, técnicos e diretores, fez com que a produção nacional definitivamente saísse do seu nicho. Hoje, além desses trânsitos pessoais, as coproduções internacionais não são mais raridades. Se antes o cinema sobre a margem ocupava o centro da cinematografia no País, fazendo com que houvesse quase que uma obrigação de se falar sobre os nossos problemas sociais, hoje a diversificação nos modelos de produção permitiu que também os modelos de representação e estético-narrativos pudessem se diversificar. Os anos de 1960 definiram para o nosso cinema a função de ser bem cultural, e não bem de consumo. Ou seja, a função crítica, pedagógica, reflexiva vinha antes da estética ou do entretenimento. O resultado foi a perda do público, apesar de haver uma lei que garantisse a sua exibição nas salas de cinema. Esse modelo ruiu na década de 1980 e 1990 e forçou o cinema a procurar novos meios de produção. Com isso as temáticas abordadas igualmente se expandiram. O resultado desse processo é que hoje, ao lado de filmes feitos para pequenas mostras ou salas, há aqueles que são feitos para as grandes plateias em salas de shoppings centers, ou com equipes internacionais e com personagens falando vários idiomas.

18 Note-se que Joaquim Pedro de Andrade intitulou seu filme de “Os Inconfidentes”, enquanto Oswaldo Caldeira já pensa apenas no “Tiradentes”, não remetendo ao coletivo da insurgência mineira, mas sim ao individual de seu mais conhecido participante. 41

Nesse ambiente e nessa contemporaneidade, o gênero histórico perde sua força: a produção cinematográfica brasileira cresce em número de filmes e em público, enquanto a produção de filmes históricos é quase inexistente. Segundo Rossini,

[...] o mundo contemporâneo, fragmentado e centrado no indivíduo, não comporta tão facilmente as narrativas heroicas e transformadoras do social: há um deslocamento das ações e dos conflitos coletivos para espaços do âmbito pessoal, o que exige que as escolhas narrativas e estéticas sejam também readequadas.[...] As mudanças estético-narrativas e temáticas são amparadas por modelos de produção que dão visibilidade a essas angústias pessoais, ajustando-se também aos novos tempos, em que não se pode negar o braço televisivo no campo do audiovisual cinematográfico, nem as coproduções entre países, e nem mesmo o fato de que baixo orçamento não é sinônimo de filme mal-acabado ou pobre. (ROSSINI, 2016, p. 10)

Entre 2000 e 2017 foram produzidos apenas os filmes Caramuru – A Invenção do Brasil, Desmundo, A Paixão de Jacobina (2002) de Fábio Barreto e Joaquim (2017), de Marcelo Gomes19.

3.2 A ESTÉTICA DO FILME HISTÓRICO BRASILEIRO

As características principais encontradas nos filmes históricos brasileiros, independentemente de qualquer pressão governamental, geralmente contemplam uma concepção individualista, heroica e empolada da História, destacando os grandes vultos e a concepção de uma História do Brasil pacífica e conciliatória. É fácil notar que os mesmos temas dos filmes anteriores ao Cinema Novo, que citamos acima, voltaram nas últimas décadas. Por exemplo: em 1917 foi lançado Tiradentes, ou O Mártir da Liberdade, em 1948 Inconfidência Mineira, de Carmen Santos, em 1977 Tiradentes O Mártir da Independência, de Geraldo Vietri e em 2017 Joaquim, de Marcelo Gomes. Diferenças técnicas à parte, é possível dizer que estes filmes trazem o mesmo tratamento em relação ao tema da Inconfidência Mineira: a formação e valorização/humanização do herói 20 . Por isso, não

19 Caramuru e Desmundo são filmes ficcionais e não retratam acontecimentos históricos. 20 Embora o filme de Vietri e o de Gomes apresentes visões ortogonais da origem do revolucionário Tiradentes, ambos se concentram no indivíduo, no personagem, enfim, no grande “vulto” da nação. 42

podemos dizer que as formulações da estética e da visão ideológica, que embasam a realização de filmes históricos, sejam de única responsabilidade dos governos.

Na verdade, existem complexos mecanismos através dos quais são impostas a visão histórica e a perspectiva estética presentes nos filmes. De um lado, esses mecanismos incluem a escola e o livro didático, transmitindo uma visão simplificada da História. Com isto, perdem-se as discussões, os debates, as divergências, o confronto. A prática do professor em sala de aula (ênfase na memorização de fatos, trabalho concentrado em questionários de respostas fechadas, ou testes de múltipla escolha, entre outros), salvo raras exceções, acaba por reforçar esse mecanismo, porque o conteúdo do livro didático, além de se mostrar como unitário, é apresentado ao aluno como a última palavra sobre o tema tratado. Assim, os estudantes são preparados para aceitar a visão presente em filmes naturalistas. De outro lado, encontram-se os críticos de cinema, que têm um papel importante neste complexo mecanismo de imposição das visões estética e ideológica. Na maioria dos casos, estes críticos, cumprindo papel complementar ao do professor de História e do livro didático, exigem dos filmes históricos uma visão estética naturalista21. Assim, o personagem tem que falar conforme se acredita que se falava na época22, o figurino deve ser o esperado pela época, a decoração, os artefatos de cena, a arquitetura devem refletir a época retratada (ou, pelo menos, como se acredita que eram na época retratada). O filme histórico naturalista oferece às pessoas a ilusão de estarem diante dos fatos narrados (em geral, toda a produção ficcional de estilo hollywoodiano é assim). Há, nessa modalidade narrativa, o esforço no sentido de ocultar a própria linguagem cinematográfica: a matéria narrada chega ao espectador por meio de artifícios que levam à sensação de transparência. Ela é mostrada como se fosse a única interpretação do fato, manipulando o conjunto dos elementos que compõem a linguagem cinematográfica: montagem orgânica clássica (montagem paralela e convergente, primeiro plano dramático), comportamento da câmera, noção de continuidade, construção do espaço, relações da imagem com o som e, por fim, interpretação dos atores. A essa linguagem Bernadet e Ramos (1994) e Ismail Xavier (1984) dão o nome de estética naturalista.

21 Para um aprofundamento acerca da questão do naturalismo no cinema cabe uma leitura atenta do texto intitulado “A Representação Naturalista de Hollywood” (XAVIER, 1984, p. 41-46). 22 Há que se destacar o filme Desmundo (2003), em que se tomou o cuidado de que todos os personagens falassem o português arcaico. O filme é, inclusive, apresentado com legendas. O início de Os Inconfidentes (1972) é todo falado em forma de poesia, com versos retirados de poemas dos inconfidentes e de Cecília Meireles. Neste caso o diretor usou desse recurso narrativo para criar um clima idílico, logo quebrado por um dos personagens que faz com que todos voltem ao mundo real. 43

Dentro desta linguagem, temos que as cenas são sempre mostradas de forma idêntica à que seria vista caso o espectador estivesse presente na cena: quase nunca a câmera assume um ângulo diferente. A continuidade de cena para cena também faz parte da estética naturalista. Nesses filmes há um criterioso tratamento na passagem de uma cena para outra: manutenção da mesma intensidade de luz, mesmo figurino, mesmo local, etc. Tenta-se criar empatia com o público, através da montagem paralela. Por exemplo, em Independência ou Morte, as cenas de D. Pedro saindo de São Paulo são intercaladas com as cenas de D. Leopoldina e Benjamin Constant discutindo sobre as ordens vindas da Coroa Portuguesa, criando um clima de suspense até o clímax, representado pela própria proclamação da Independência. Ou seja, as sequências filmadas (de acordo com os procedimentos de câmera anteriormente aludidos) foram cortadas e alinhadas (montadas) de modo a mostrar alternadamente as duas situações. Note-se que tal procedimento deixa poucas possibilidades de interpretação, por parte do espectador, dos acontecimentos ali narrados, pois tudo é entregue “pronto” pelo filme.

A construção do espaço será feita de modo a não provocar estranheza no espectador. Portanto, o espaço deverá ser construído tal como ele apareceria para a nossa percepção imediata. Um quarto se parece com um quarto, uma floresta se parece com uma floresta. O som deve estar de acordo com a imagem e de acordo com o momento narrativo: cenas românticas terão músicas românticas de fundo, assim como músicas correspondentes para cenas de terror, suspense, etc. O som tem papel importante na estética naturalista. Por fim, a interpretação dos atores deve nos fazer acreditar que estamos diante de pessoas verdadeiramente incorporadas ao universo ficcional. As falas terão fluência e nível de complexidade compatíveis com a nossa experiência cotidiana. Por exemplo: o autor que interpreta o papel de um médico falaria como um médico normalmente fala. Os gestos serão o mais próximo possível daquilo que, para cada época, seria considerado correto.

Nos comentários críticos de jornais, que se referem aos filmes históricos, geralmente se encontram frases como: “as roupas usadas pelos atores não se parecem com as da época”, “as falas não são as da época e os atores usam muitas gírias da atualidade”. Como já foi visto, o discurso sobre a História está intimamente ligado ao presente e à luta política. Impor uma determinada interpretação histórica é, ao mesmo tempo, impor uma leitura do presente. Quem dominar a História, poderá impor a sua leitura do presente, tomando posição no jogo político em favor de um dos grupos em luta. Assim, não é difícil entender por qual motivo a crítica de cinema, na sua maioria, exige dos filmes históricos a utilização da estética 44

naturalista: estes críticos estão comprometidos, seja ideologicamente ou financeiramente (como empregados de veículos de imprensa) com aqueles que exercem a dominação: o governo, o partido, a empresa. O filme histórico naturalista, ao propor uma leitura única da História, tenta impor a visão do presente que interessa às pessoas que conceberam, financiaram, produziram e realizaram o filme23.

23 No entanto, segundo Barros (BARROS, 2008), “Ainda que determinada produção fílmica seja montada para a expressão de um modo de vida de alguma classe dominante, ou que o filme seja empregado como parte de estratégias políticas específicas – e mesmo que os diálogos principais postos em cena atendam ou expressem interesses socais e políticos específicos –, haverá sempre algo que se impõe ou se percebe por meio da imagem e que se pode revelar inesperadamente os demais modos de vida, ou algo que se há de impor como contradiscurso e entredito e que se constrói à sombra dos diálogos que entretecem o discurso principal.” (BARROS, 2008, p. 64) 45

4. REPRESENTAÇÕES CINEMATOGRÁFICAS DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Dentre os fatos da História do Brasil, a Inconfidência Mineira é o mais cinematografado, como já visto, desde 1917. Pelo menos duas podem ser as motivações para tal escolha. A primeira, porque as lacunas históricas sobre o evento permitem que ele seja constantemente ressignificado, dependendo do interesse em pauta. A segunda motivação talvez seja porque Tiradentes e sua luta malfadada permaneçam como um símbolo da opressão governamental contra o povo; símbolo esse que em vários momentos serviu como mediador do diálogo entre passado e presente, atualizando o debate sobre a liberdade individual dos membros de uma sociedade em contraposição aos interesses do Estado.

Figura 11 – Cena de Tiradentes (1917)

Fonte: Cinemateca Brasileira

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4.1 A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO TIRADENTES

A Inconfidência ou Conjuração Mineira ocorreu na região das Minas Gerais, no chamado “ciclo do ouro” no século XVIII, por diversas causas, sendo a mais importante o constante aumento de impostos da Coroa portuguesa e, em decorrência disso e da decadência das minas, no empobrecimento daquela região, conforme descrito em Simonsen (2005). Simonsen acrescenta que além dos impostos, Portugal havia proibido a instalação de manufaturas na colônia, causando endividamento dos produtores e proprietários. Dentre os vários impostos os mais importantes eram o “quinto”, ou seja, vinte por cento de toda a produção deveria ser endereçada diretamente para Portugal; a “finta”, que instituíra o rendimento médio de impostos não deveria ser inferior a 100 arrobas por ano; e, finalmente, a “derrama” decretara que se o imposto não atingisse a meta de 100 arrobas, os tributários deveriam compensar a meta com seus próprios bens.

Em julho de 1788, chegava a Vila Rica o novo governador, Luís Antônio Furtado de Mendonça, Visconde de Barbacena, com ordens expressas de lançar a derrama. Sérgio Buarque de Holanda ressalta que: “De 1774 a 1785 o rendimento médio do quinto havia sido de 68 arrobas por ano, para completar os impostos desses doze anos era necessário que a população contribuísse com equivalente a 384 arrobas de ouro” (HOLANDA, 1995, p. 98). Obviamente, a impossibilidade de pagamento da “dívida” exaltou uma população já bastante explorada pela metrópole.

A Inconfidência foi, sem dúvida, um movimento elitista e inspirada nas ideias do Iluminismo e da Independência dos Estados Unidos, republicana. Sabe-se que havia cópias da constituição de algum Estado Norte Americano, como forma de modelo para o novo regime e um exemplar de “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, publicado em 1776, citados nos Autos da Derrama24. O movimento apenas previa a participação popular no momento da decretação da derrama, quando a população supostamente sairia as ruas em revolta, momento no qual estaria propensa a aceitar a derrubada da monarquia e a proclamação de uma república.

24 Alguns especialistas no tema, principalmente Spalding (1955), citam até mesmo uma tentativa de aproximação, de um encontro de determinado inconfidente na Europa com Thomas Jefferson, futuro presidente americano, pedindo apoio em caso de reação portuguesa após a revolta. A resposta de Jefferson teria sido negativa, afirmando que naquele momento os Estados Unidos não poderiam intervir ou auxiliar outros países, estando voltados para seu mercado interno e recuperação da longa guerra de independência contra a Inglaterra. 47

Nesse processo, encabeçado por militares de alta patente como coronéis, magistrados como Tomás Gonzaga e o poeta Claudio Manoel da Costa, grandes proprietários, caberia a Joaquim José da Silva Xavier a função perigosa de divulgar o movimento em busca de novos adeptos. Tiradentes ocupava nesse período o posto militar de alferes ou subtenente e tinha um vasto conhecimento geográfico da região, assim como experiência com botânica e, claro, como dentista. De acordo com Kenneth Maxwell, em sua obra “A Devassa da Devassa” (MAXWELL, 1978), a Inconfidência Mineira foi um movimento cujos participantes eram, na sua maioria, muito ricos e influentes na região das Minas, movidos por motivos pessoais e que Tiradentes teria sido, de fato um “bode expiatório” do movimento. Segundo Maxwell (1978, p. 285), “Tiradentes teria sido um branco, ambicioso, sem propriedades, [...] produto típico da América portuguesa em busca de mobilidade vertical na estrutura social sem demonstrar especial preocupação quanto ao modo de consegui-la”.

A memória de Tiradentes foi quase esquecida durante o século XIX. Embora fosse popular, a Inconfidência era tema delicado após a chegada da Família Real ao Brasil em 1808 e em todo o período em que seus descendentes governaram o país, no Primeiro Império com D. Pedro I, e no Segundo com D. Pedro II. Afinal, o proclamador da Independência era neto de Maria I, rainha de Portugal, contra quem se tinham rebelados os inconfidentes. O Brasil era uma monarquia governada pela casa de Bragança, ao passo que os inconfidentes tinham pregado uma república. Dos diversos condenados no processo, muitos ao degredo na África e os padres à reclusão em conventos europeus, onze foram condenados à pena capital. Dentre eles Tiradentes e Tomás Gonzaga. Contudo, a condenação à morte de importantes aristocratas com vínculos políticos em Portugal deveria ser pouco aceitável para a época. O resultado do impasse foi a “clemência” da “generosa” rainha Maria aos condenados, menos um, Tiradentes. Nesse sentido ele foi, sem dúvida, muito mais um bode expiatório do que um herói25.

Quase nada se sabe sobre a imagem e a história pessoal de Tiradentes, pois a documentação é escassa. Sobre o dia do seu enforcamento existem dois relatos que apontam a multidão presente em compaixão com o réu prestes a morrer. O sentimento de que a pena fora excessiva e injusta se alastrou pelas cidades vizinhas de Vila Rica. A literatura brasileira contribuiu também para divulgar o acontecimento. As poesias líricas de

25 Para os objetivos desta dissertação pouco importa o verdadeiro papel de Tiradentes na revolta, seja como líder ou como mero coadjuvante. O determinante aqui é a interpretação que se fez a posteriori, da imagem do inconfidente pelo cinema. 48

Tomás Gonzaga foram publicadas em 1840, dentre elas se destacam Marília de Dirceu e a sátira ao então governador das Minas, o Visconde de Barbacena, intitulada Cartas Chilenas. Outro episódio que contribuiu para a construção da imagem de Tiradentes foi o que se sucedeu à publicação da obra de Joaquim Norberto de Souza Silva, História da Conjuração Mineira. Norberto teve acesso a documentos nunca antes estudados sobre a Inconfidência e apontou Tiradentes como figura secundária no movimento. Essa revelação inquietou as pessoas, principalmente os republicanos que chamaram Norberto de monarquista convicto (FRANCO, 2011).

Independente da sua posição política, o que mais causou irritação foi ele ter discorrido sobre as transformações na personalidade e no comportamento de Tiradentes durante o tempo em que este ficou preso. Segundo Norberto apud Carvalho(2003), o isolamento, os repetidos interrogatórios e a ação dos frades franciscanos fizeram com que o seu ardor patriótico se transformasse em altar de sacrifício. Os republicanos protestaram, pois negavam a ideia de que Tiradentes beijara as mãos e os pés do carrasco, que havia caminhado até a forca com um crucifixo no peito, ou seja, negavam a ideia de que Tiradentes tivesse perdido o seu impulso e rebeldia patriótica. Porém, diminuir a sua importância dentro do movimento inconfidente era aumentar a participação de Tomás Antônio Gonzaga, representante da elite brasileira. Logo o apelo popular de Gonzaga não era de mesmo impacto que o de Tiradentes e, portanto, estava longe de representar a nação (SOUSA, 2013).

A partir da publicação de Norberto, intensificaram-se as alusões de Tiradentes com Cristo. Ter sido traído e morto por lutar pela salvação do povo/pátria foram características presentes na vida dessas duas figuras. A partir daí as representações imagéticas foram cada vez mais se assemelhando. Castro Alves escreveria, em 1867:

“Ei-lo, o gigante da praça, O Cristo da multidão! É Tiradentes quem passa… Deixem passar o Titão. ”26

Tiradentes já aqui aparece idealizado, mas a aura mítica e o resgate histórico da memória de Tiradentes só se deram com a transição do Império para a República em 1889.

26 Poema “Gonzaga ou a revolução de Minas”, de Castro Alves. 49

Após a proclamação da República intensificou-se o culto cívico e havia a necessidade de um panteão de heróis e símbolos que se identificassem com a mentalidade coletiva dos cidadãos. Diversos nomes rivalizaram com Tiradentes, como o próprio Marechal Deodoro da Fonseca, o líder dos republicanos; teóricos e intelectuais como Benjamin Constant; militares importantes como o Duque de Caxias, maior nome na Guerra do Paraguai, Bento Gonçalves, líder da Revolução Farroupilha ou ainda Frei Caneca, mártir da revolução pernambucana e da Confederação do Equador, fuzilado em 1823. Segundo Carvalho (2003, p. 60):

Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. [...] A falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de compensação, por meio da mobilização simbólica.

No entanto, apenas Tiradentes reuniria as qualidades do herói nacional, morrera com um crucifixo entre as mãos, beijando os pés do carrasco, com as barbas dos tempos de prisão tornando-o semelhante à figura do próprio Cristo:

Na figura de Tiradentes todos podiam identificar-se, ele operava a mística dos cidadãos, o sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a independência ou a república. Era o totem cívico. Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e as classes sociais, não dividia o país, não separava o presente do passado nem do futuro. Pelo contrário, ligava a república à independência [...] (CARVALHO, 2003, p. 68)

Tiradentes, então, deveria ser visto como herói cívico-religioso, como mártir integrador, portador da imagem do povo inteiro. Ele unia o país através do espaço, do tempo e das classes. Para isso, sua imagem precisava ser idealizada e a falta de documentos contribuiu para que esse processo fosse tranquilo. Nesse sentido, já em 1890 fora decretado feriado nacional no dia 21 de abril, aniversário da morte de Tiradentes. Nesse mesmo ano surgia a primeira imagem de Tiradentes, pintada por Décio Villares. O artista Décio Villares (1851 – 1931) era positivista e como tal defendia seus ideais, transmitindo-os em suas obras de arte. Observando mais detalhadamente a imagem da figura 12, pode-se perceber Tiradentes retratado com um olhar sereno, apaziguador, incitando a “ordem”, que é um dos dogmas do positivismo. Os traços, que se tornaram consagrados inclusive em monumentos, são de uma figura messiânica, com barba e cabelo comprido, parecido com Cristo. 50

Figura 12 – Litografia de Décio Villares

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

51

Figura 13 – Martírio de Tiradentes (Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, 1893, óleo sobre tela)

Fonte: Museu Histórico Nacional

Os positivistas buscaram em sua figura uma personificação da identidade republicana do Brasil, originando a iconografia tradicional de Tiradentes, sempre de barba e camisolão, à beira do cadafalso, vagamente assemelhada a de Jesus Cristo. Como militar, o máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto bigode. Na prisão, onde passou os últimos três anos de sua vida, os detentos eram obrigados a fazer a barba. Alguns dizem que Tiradentes teria sido enforcado com a barba feita e o cabelo raspado. (NACIONAL, 2017)

A representação na figura 13 é ainda mais emblemática: a corda da forca está frouxa, sem ameaçar o herói; a pomba e o céu azul com aves voando indicam paz e resignação, pois o sacrifico não será em vão; a imagem enaltece a paz que Tiradentes estaria buscando para Pátria, se sacrificando em prol de uma Nação independente de Portugal. Outro elemento bastante característico, já destacado na figura anterior, são a barba e o cabelo 52

longos fazendo alusão direta a Jesus Cristo. O carrasco chora, já arrependido por ter que sacrificar não um bandido, mas um herói, um defensor da Pátria, um mártir. A presença do padre reforça a alusão a Jesus Cristo e seu martírio.

Figura 14 – Tiradentes Esquartejado (Pedro Américo, 1893), óleo sobre tela

Fonte: Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora

No mesmo ano da obra anterior, 1893, o pintor Pedro Américo (1843 – 1905) faria sua versão de Tiradentes, o Tiradentes Esquartejado (figura 14). Mais uma vez faz-se alusão a semelhança entre Tiradentes e Jesus Cristo. Pedro Américo coloca propositalmente ao 53

lado da cabeça de Tiradentes o crucifixo com a imagem de Cristo. Todo o quadro remete ao sacrifício e a violência cometida contra aquele que desejava a libertação da Pátria. O corpo esquartejado é apresentado à semelhança do mapa do Brasil, com o objetivo de reforçar a busca do ideal da Identidade Nacional, cujas partes (os Estados) deveriam formar o todo.

No início do século XX, a imagem de Tiradentes solidificou-se como herói nacional, carregando todo o ideal cívico e religioso da Primeira República. Segundo Salgueiro (2002, p. 5), na primeira e segunda décadas do século houve, em todo país, uma febre de construção e reformas de prédios para abrigar as novas funções políticas e administrativas trazidas pela República. É dessa época, por exemplo, a reforma do Palácio do Catete, antiga residência aristocrática, para adaptar-se ao novo uso administrativo e de residência oficial do presidente da República. Para decorar os novos ou reformados prédios, foram encomendadas pinturas que exaltavam a nação e o culto patriótico. Entre os temas encomendados aos pintores estavam aqueles referentes a Tiradentes, o herói republicano. Assim, são desse período as telas A leitura da sentença, de Eduardo Sá (figura 15) e Resposta de Tiradentes à comutação da pena de morte dos inconfidentes, de Leopoldo de Farias (figura 16).

Figura 15 – “A leitura da sentença”, de Eduardo Sá, óleo sobre tela

Fonte: Museu Histórico Nacional 54

Figura 16 – “Resposta de Tiradentes à comutação da pena de morte dos inconfidentes”, de Leopoldo de Farias, óleo sobre tela.

Fonte: Museu Histórico Nacional

Figura 17 – Painel Tiradentes (detalhe), de Cândido Portinari, 1949, Memorial da América Latina

Fonte: www.memorial.org.br 55

A memória de Tiradentes continuou a ser ressignificada no decorrer do século XX pelos diversos regimes que se seguiram após a República Velha, pelo Estado Novo de Vargas, pelos militares no período de ditadura e pelos militantes pró-democracia27. Em 1949, Portinari ainda pintaria seu painel Tiradentes (figura 17), hoje no Memorial da América Latina. Como podemos perceber, desde o enforcamento de Tiradentes, a sua imagem e a sua história foram sendo recontadas por diferentes grupos. Os republicanos foram aqueles que mais se apropriaram e incorporaram no seu discurso a importância de Tiradentes na História brasileira, apontando-o como o principal responsável pela “salvação” do povo, para que nem ele e nem a república fossem esquecidos.

4.2 TIRADENTES NO CINEMA: O MÁRTIR DA INDEPENDÊNCIA (1977), DE GERALDO VIETRI

O Mártir da Independência: Tiradentes, de Geraldo Vietri (1977), propõe um conceito de história centrado sobre um personagem: Tiradentes. Sua ação é que faz evoluir a história. As motivações não decorrem da situação histórica na qual ele se encontra, mas a história apenas oferece o palco no qual Tiradentes representará o seu papel previamente definido.

Figura 18 – Menino Tiradentes solta passarinhos

Fonte: Canal Brasil

27 O governo republicano declarou o dia 21 de abril feriado. O governo militar em 1965 o declarou patrono cívico da nação brasileira e mandou colocar retratos seus em todas as repartições públicas. Os militantes pró-democracia o consideravam modelo de rebeldia contra o estado opressor. 56

Figura 19 – Tiradentes criança se revolta contra a escravidão

Fonte: Canal Brasil

Na primeira sequência do filme (figura 18), Tiradentes é uma criança que abre gaiolas para soltar passarinhos. Logo após, se revolta contra a escravidão (figura 19)28. Desde criança, Tiradentes tinha, portanto, uma vocação libertária e o transcurso de sua vida será a realização plena desta vocação. É essa vocação que, independentemente da história, vai impulsionar a sua ação.

Figura 20 – Tiradentes na recepção ao Visconde de Barbacena

Fonte: Canal Brasil

28 Não se sabe se Tiradentes soltava passarinhos, mas é sabido que possuía escravos (RODRIGUES, 2010). 57

Tiradentes é sempre representado de forma altiva, elegante e poderosa (figura 20). Os outros inconfidentes praticamente não são motivados para a ação, funcionando como meros coadjuvantes para a epopeia do herói, excetuando-se Joaquim Silvério, cuja dívida para com a Coroa justifica a traição. O vilão, o personagem negativo, tem as motivações mais pessoais e os interesses financeiros mais imediatos e mesquinhos, só pensa em si e em seus problemas, ao passo que o personagem positivo tem as motivações mais nobres e mais altruístas. Mesmo quando o alferes se mostra ressentido por ter sido excluído das promoções, devido à condição de brasileiro, não expõe uma preocupação apenas pessoal, mas expressa uma situação de injustiça imposta a todo um grupo. Não é ele o preterido para a promoção, mas é todo o povo brasileiro que não tem essa possibilidade. Na realidade, antes de Tiradentes aludir a este fato, já vários outros personagens, na apresentação a Barbacena, lançam o tema da nacionalidade brasileira. As motivações de Tiradentes não são pessoais e são nobres. São motivações morais, imperativas e independentes da fase da História. É um ideal atemporal de liberdade que move Tiradentes e a história lhe fornece apenas as circunstâncias para a concretização desse ideal.

Isto se confirma pelo aparecimento (na parte final do filme) de um filho hipotético de Tiradentes, que além de ter o mesmo nome do pai, tem também o mesmo destino manifesto, a mesma vocação: soltar passarinhos, lutar pela liberdade de seu país. Assim, a não ser a óbvia citação da derrama (ou os aspectos que o filme nos apresenta dela), a história encontra-se, no filme de Vietri, totalmente idealizada. O filme é maniqueísta ao extremo: ou o personagem é bom ou é mau, ou luta por causas nobres e elevadas ou se encontra no mais baixo grau de vilania.

Na verdade, o filme parece partir do pressuposto de que o público já conhece esta história. Assim, não propõe nem a descrição detalhada, nem tampouco a interpretação de um movimento histórico, mas a simples ilustração de uma história já conhecida. Trata-se, podemos assim dizer, de uma confirmação iconográfica mais ou menos como acontece com as paixões de Cristo, que ilustram e confirmam o conhecimento prévio dos espectadores. Nelas, também, a linguagem cinematográfica, o roteiro e a encenação e caracterização dos atores tem esse viés dicotômico, essa polarização entre o bem e o mal.

A serviço do idealismo, o filme opta por uma representação naturalista da História, uma tentativa malsucedida de dar a ela um sabor de vida cotidiana. Diante do filme, deveríamos ver a História tal como se estivéssemos lá, diante dos fatos. Por um lado, a obra 58

tenta criar essa familiaridade com o passado histórico através da representação de cenas que seriam corriqueiras: beber numa taverna ou conhecer as ervas medicinais. Por outro lado, optando por uma linguagem cinematográfica familiar a um público acostumado a compreender as histórias fornecidas pela indústria do espetáculo audiovisual. Essa linguagem foi interpretada como a narrativa mais habitual no cinema comercial nas últimas décadas, ou como aquela que se utiliza na televisão29. Dessa forma, optando-se por uma representação naturalista, o filme quer atribuir a si próprio ou à história que está contando um tom de veracidade e de autenticidade. O trunfo não é pequeno, pois, de acordo com o filme, a História não se move graças aos conflitos, mas graças às boas atitudes e intenções de Tiradentes. Uma cena caraterística dessa linguagem é a sequência onde é lida a constituição americana: a câmera lentamente sai “voando” pela janela, representando a liberdade assim como a liberdade dos pássaros que Tiradentes soltava durante sua infância (figura 21).

Figura 21 – A leitura da constituição americana

Fonte: Canal Brasil

A representação naturalista, no entanto, é quebrada em vários momentos do filme: existem inverossimilhanças arquitetônicas30; o português usado é o moderno (quebrado pelo “Senhor meu marido”, que a Viscondessa Barbacena insiste em usar); em outro momento do filme, enquanto o tutor de Tiradentes lhe mostra o garimpo (e explica a espoliação de que

29 O diretor Geraldo Vietri é mais conhecido como diretor de telenovelas. Os atores do filme são seus atores preferidos da televisão, a maioria contratados da extinta TV. 30 A gaiola de pássaros, por exemplo, é fechada com uma tela de arame de aço que só apareceria no século XX. 59

o Brasil é vítima), uma caixa de eco repete a frase do tutor e primeiros planos descontínuos de Tiradentes criança vão se sucedendo numa montagem rápida. É um corte na narração que salienta o fim da formação de Tiradentes. Esse momento – em que Tiradentes compreende definitivamente a situação – marca, para ele, a passagem da vida infantil para a vida adulta. Logo depois, Tiradentes afirma que “uma revolução se faz nos quartéis”, uma evidente referência positiva à situação política da década de 1970 no Brasil. De fato, embora representando a história de um rebelde, de um revolucionário, o filme claramente faz sua opção pelo regime: Tiradentes é apresentado como um militar obediente e bom moço, que não acredita em revoluções populares, mas militares, afinal, como é dito no filme, eles é que possuem as armas (no sentido real e figurado) para a rebelião.

4.3 TIRADENTES NO CINEMA: TIRADENTES (1999), DE OSWALDO CALDEIRA

Os anos 1990 foram marcados por uma larga produção de filmes de reconstituição histórica, ou seja, baseados em eventos verídicos, e por filmes de época, quer dizer, localizados no passado, mas cuja história narrada não ocorreu de fato. Um exemplo do primeiro caso é Mauá, o Imperador e o Rei (1999) de Sérgio Rezende, que procura retratar a trajetória do Barão de Mauá, desde sua ascensão até seu declínio durante o império de D. Pedro II. Para o segundo caso, podemos citar O Quatrilho (1995) de Fábio Barreto, que usa o ambiente do início da colonização italiana no início do séc. XX, no Sul, para contar uma história de amor fictícia. No entanto, mais do que histórias de amor ou de sucesso, os anos 1990 focaram personagens obstinados com suas lutas contra algum sistema constituído, ou imbuídos de sonhos de construção de uma sociedade utópica, e que por isso mesmo foram vencidos, atropelados pelas sociedades em que surgiram.

Essa escolha por personagens rebeldes já remete a um olhar sobre a questão da identidade nacional, ou seja, há uma tomada de posição desde dentro desse uso do passado e esse olhar não é conciliador, nem condescendente com um passado heroico, tal qual se deu nas primeiras décadas do século XX. Também não é o Brasil dos excluídos, mas daqueles que tiveram sonhos e planos e empenharam suas existências em nome de suas ideias e fracassaram. Por outro lado, o modo como estes personagens e suas lutas vencidas foram retratados nos anos 1990 é muito diferente daquilo que se fazia nos anos 1960 e 1970. 60

O tratamento dado a esses personagens rebeldes vindos da História, recente ou não, e como eles dialogaram com os personagens reais deixa transparecer a marca do individualismo e da fragmentação próprios da década de 1990. As condições materiais em que foram produzidos esses filmes remetem a um momento em que o fracasso das ações coletivas já era perceptível. A desmobilização social em torno do político é apontada como a marca da sociedade dos anos 199031.

Figura 22 – Cartaz de Tiradentes (1999)

Fonte: http://www.adorocinema.com

Sob essa situação política e sociológica, a história de Tiradentes foi resgatada por Oswaldo Caldeira em seu Tiradentes (cujo cartaz promocional é mostrado na figura 22). No filme, o diretor busca um olhar diferenciado do fato histórico, procurando mostrar o dia a dia do personagem, de certa forma ensaiando uma desconstrução do mesmo. O diretor nos mostra um Brasil Colonial diferente, um local repleto de bandidos, bandoleiros, ladrões e vagabundos, onde grassa a fome, o abandono infantil, doenças tropicais e promiscuidade. A

31 Esta breve análise dos anos de 1990 foi feita com base nos trabalhos de Manuel Castells (CASTELLS, 1999) e Alain Touraine (TOURAINE, 2007). 61

elite, composta por meia dúzia de intelectuais sofisticados, brinca de inventar um país nas palavras que as imagens insistem em negar. Em vez de construir um mito, o diretor o descontrói e humaniza, com mais defeitos que qualidades, mais ingenuidade e inconsequência do que o “grande vulto da História”, abstendo-se de enfatizar o confronto entre projetos políticos diferentes ou de busca pela liberdade perdida. Seguindo o caminho traçado pelo filme Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (1995), de Carla Camurati, o filme se afasta de um realismo canônico para fazer uma abordagem mais original, desafiando o modelo mais comum de representação histórica apresentado em telenovelas e minisséries. Oswaldo Caldeira trabalha com uma convincente reconstituição de época e com uma minuciosa pesquisa na documentação original. O roteiro comentado, com as citações originais foi publicado junto com o lançamento do filme (CALDEIRA, 1999).

Figura 23 – Tiradentes dança sobre o muro

Fonte: Canal Brasil

A questão da individualidade já vem marcada desde o título, no singular e sem subtítulos. Tiradentes é apenas um apelido, um homem solitário e preso aos seus sonhos e delírios. O herói, o pai da Pátria, quase não aparece no filme: Tiradentes parece ingênuo demais. São apresentadas a esposa e a filha de Tiradentes, bem como seu primo, que é padre e biólogo; são mostradas suas relações pessoais e afetivas seja com outros militares e pessoas da comunidade, seja com as jovens de um bordel. O filme trabalha principalmente com o ressentimento, os personagens parecem perdidos, confusos diante de um país que não compreendem ou não querem compreender. Tiradentes é um idiota, um louco (vê 62

imagens que 'não existem', dança nas ruas32), promete prêmios republicanos irreais às prostitutas, como ruas de ouro e negligencia a esposa e a filha. Ao mesmo tempo, aparece como visionário, utópico, aventureiro e grande amante, desejado por muitas mulheres.

Figura 24 – O bordel

Fonte: Cine Brasil

Seus parceiros inconfidentes podem não ser ingênuos como ele, mas são todos covardes e aproveitadores, pelo pouco que sabemos através do filme. São mostradas suas agruras e alegrias particulares: o poeta apaixonado e que não pode se envolver com a amada, pois a família proíbe o relacionamento entre os dois; o outro poeta perdulário, que deve muito e vive fugindo dos credores; um terceiro poeta medroso, que é discriminado socialmente por viver com uma negra. Além disso, há uma infinidade de mulheres apaixonadas, sonhadoras, devassas, atrevidas, que desfilam pelo filme. Mulheres que enchem a tela com suas belezas nuas e modernas, e que nos filmes anteriores mal apareciam e quando apareciam era apenas como personagens castas e submissas (figura 24).

A cena do batismo do filho de Alvarenga é emblemática: todos os grandes amigos de Alvarenga comparecem à festa do batizado em São João Del Rei. Os homens presentes brindam Bárbara, sua esposa, como a nova Rainha do Brasil. Marília entra triunfal pelos braços do pai, que finalmente cede sua mão a Gonzaga. A euforia vai aumentando e já se

32 A cena crucial do filme mostra o personagem dançando literalmente em cima de um muro, ao som da m;usica Blowin’in the wind, de Bob Dylan (figura 23). 63

fala em promover o Padre Toledo a Papa e cortar, imediatamente, a cabeça do governador (figura 25). Tudo fantasia, remetendo à cena idílica inicial do filme, uma alegoria do Paraíso tropical, em toda a elite se banqueteia na mata entre fontes naturais, mulheres nuas e jovens, como sátiros, se entregando aos prazeres mundanos. Parece que ninguém sabe direito o que fazer nesse país que parece inviável ao cidadão, tanto na época da Inconfidência quanto na época de produção do filme.

Figura 25 – O batizado

Fonte: Canal Brasil

O debate político, fortemente apresentado no filme de Geraldo Vietri, neste filme é apenas um pano de fundo para o desenrolar das pequenas tragédias da vida íntima de cada um. A agitação social, os descontentamentos com as cobranças de impostos pouco aparecem na tela. Dentro da onda de esvaziamento dos projetos e dos discursos políticos, culturais e sociais que tomou corpo nos anos 1990, a sexualidade ganhou o primeiro plano nesse filme. O privado ocupou o espaço do público e quase nada se vê do movimento revolucionário. Tiradentes, sem um plano concreto para a insurreição, fala com pessoas alienadas e desinteressadas no debate político, mais interessadas em festas, orgias e bebedeiras.

O personagem de Tiradentes, tão esvaziado dos significados sociais e históricos que lhe foram atribuídos, termina o filme gritando para o público: “Meu nome é Joaquim José” (figura 26), tentando resgatar pelo menos sua identidade pessoal e intransferível. Um personagem traído por todos, mas também sem projetos, sem condições de lutar ou de amar. Um mito sem propósito e que de seu tem apenas o nome. Sequer sua realização máxima, 64

dar a vida pela liberdade do seu país, seu enforcamento, é mostrado no filme, que termina com o personagem sozinho e abandonado. É bem visível no filme o esvaziamento da causa da independência: a rebeldia parece sem sentido nenhum (pela visão dos anos de 1990) e seria preferível a busca individual de uma satisfação de certa forma narcisista, abandonando as ações coletivas.

Figura 26 – Final do filme

Fonte: Canal Brasil

O filme não reconstrói linearmente a história, usa por vezes de realismo, por vezes de alegorias, por vezes até mesmo de metalinguagem, como nas cenas em que Joaquim Silvério dos Reis rompe a quarta parede e conversa com o espectador, que se torna, então, cúmplice de sua traição. O filme apresenta sequências que parecem apontar para vários gêneros diferentes: a cena inicial parece uma pornochanchada, há uma cena onírica e hermética onde Tiradentes vê uma mulher nua sobre um cavalo, belíssima, que se transforma em um monstro, há sequências de ação e sequências de suspense. A opção por uma narrativa descontínua e intertextual se deve, segundo Caldeira, à própria organização caótica dos Autos da Devassa:

Acredito eu que é uma típica, nítida narrativa polifônica [...]. Refletindo sobre sua transposição para um filme, creio impor-se aqui, de forma imediata e flagrante, um tipo de narrativa que não avança em linha reta. Não se trata de 65

uma narrativa épica, escorreita, que avança inexorável, avassaladora, em sucessões causais, convertendo-se em efeitos e resultados absolutamente necessários na direção de seu alvo final [...]. Aqui tudo roda, rodeia, circula e circunda, numa ciranda, num rodamoinho permanente [...]. Os fatos – se é que existem – chegam aos pedaços, às golfadas, fragmentos de sonhos. Aqui, somos habitantes das catacumbas sombrias, onde as formações mal se circunscrevem e já dissolvem, inundam-se confundidas e entrelaçadas entre si, sem contorno, num colorido e polifônico barroco. (CALDEIRA, 1999, p. 36-37)

Essa ausência de unidade estética, embora justificada por Caldeira como consequência das fontes disponíveis de informação, parece estar mais ligada a uma vontade intrínseca de não interpretar o sentido da Inconfidência Mineira, mas limitar-se a espalhar ideias e inquietações, o que soa muito natural em tempos difíceis, confusos e desesperançosos que se seguiram à derrocada traumática do período Collor 33 . O ressentimento e a amargura representada pelos personagens desses filmes dos anos 90 são analisados por Ismail Xavier:

Dirigindo-se às complexidades da vida social atual, os filmes enfatizam encontros individuais, singularidades, tendem a deixar de lado as formas narrativas mais diretamente preocupadas com a exposição das forças histórico-sociais que condicionam a ação humana. Há, em todo caso, um diagnóstico social sugestivo feito por essas estruturas relacionadas ao motivo do encontro inesperado que considero uma característica significativa do cinema atual em geral, não só no Brasil. Além disso, a figura recorrente do personagem ressentido pode ser vista como o sintoma social mais revelador, pois produz um forte efeito quando observamos a interação dos filmes com seu contexto. Cada um desses filmes tende a adotar, de forma peculiar e às vezes problemática, uma abordagem psicológica ou estritamente moralista das experiências sociais e políticas. Mas quando se considera o efeito geral produzido pelo filme após o filme, percebe-se como este novo cinema expressa ansiedades genuínas provenientes da própria textura de nossa vida cotidiana na situação contemporânea. Percebe-se como esse cinema se refere, de maneiras diferentes, a sentimentos pessoais permeados por uma sensação de impotência diante de máquinas complexas de poder que parecem estar fora de alcance. Deve dizer "fora de vista", às vezes distantes no espaço fora da tela. Talvez seja assim porque são alienígenas, não estão disponíveis para a

33 O filme foi bastante criticado pelo status quo mineiro da época. O então governador de Minas Gerais, Itamar Franco, teria saído decepcionado com o filme, conforme escreve a revista Época de 13/12/2010, o que nos remete a decepção dos franceses com o Danton (1983) de A. Wajda (NAPOLITANO, 2007). 66

representação visual, pelo menos dentro das estruturas dramáticas escolhidas pelos filmes atuais. (XAVIER, 2003, p. 62)

Figura 27 – Cartaz de Joaquim

Fonte: www.adorocinema.com

4.4 TIRADENTES NO CINEMA: JOAQUIM (2017) DE MARCELO GOMES

As versões de Tiradentes de Geraldo Vietri e de Oswaldo Caldeira trazem, cada uma a seu modo, o personagem como um mito, um herói nacional, um monumento pela causa da independência do país. Não é este o caso da produção Joaquim (2017), de Marcelo Gomes (figura 27), que remete à condenação e sofrimento do personagem apenas em seu início e final, quando apresenta sua cabeça (falante) fincada em uma estaca diante de uma igreja, iniciando e encerrando o filme. Todo o filme é dedicado a acompanhar a formação de sua consciência política, da descoberta de seu lugar real no mundo e de como é impossível sua progressão pelos meios legais da época. 67

Figura 28 – Joaquim perseguindo contrabandistas

Fonte: www.adorocinema.com

Assim, o roteiro traz o alferes Joaquim José trabalhando em um remoto posto de cobrança de pedágio e perseguindo contrabandistas de ouro (figura 28). Tiradentes aparece como um homem que cumpre corretamente com o dever ao qual foi incumbido, e a prática dessa sua ética no trabalho está relacionada a ambição de alcançar não só uma patente maior e a possibilidade de ter uma vida melhor e mais farta, mas também com o esforço para conseguir o respeito perante os outros brasileiros e portugueses com quem se relaciona. Porém, Joaquim acaba sendo enganado sucessivamente por seus superiores, cumprindo missões inúteis em lugares inóspitos, como, por exemplo, quando o comandante da tropa o envia para o sertão proibido em busca de ouro. Convencido de que o sucesso da jornada lhe traria reconhecimento e a promoção a segundo-tenente, o personagem-título também pretende usar sua parte do ouro para mandar procurar a escrava fugida Preta, por quem se apaixonara. O Tiradentes de Joaquim é um herói às avessas: homem simples, até mesmo ordinário, e com interesses idênticos aos dos seus conterrâneos e contemporâneos. Tiradentes é mostrado muito mais interessado em riqueza material, promoção profissional e em ter para si a escrava da sua preferência do que em ser o líder de uma revolta popular e libertária. Aliás, é somente no momento em que os seus interesses mais imediatos não saem de acordo com o planejado e as pessoas nas quais confiava o traem, que ele decide direcionar a sua raiva pessoal para os abusos da corte portuguesa, tentando transformar o sentimento íntimo em ponto de partida de uma reação coletiva contra um inimigo comum. 68

Figura 29 – Joaquim e comitiva no “sertão proibido” procurando ouro

Fonte: www.adorocinema.com

A narrativa é concentrada na jornada empreendida por ele e seus companheiros em busca de ouro (figura 29). Para cumprir essa missão específica, Joaquim vai com uma equipe composta por João, o seu escravo negro, Januário, soldado e brasileiro, Matias, que é um português vindo especificamente para acompanhá-los e um índio, que vai como guia para orientar a trilha. Esse pequeno grupo expressa claramente a mistura de raças e culturas que foi concebido o povo brasileiro.

Figura 30 – A canção do índio e do negro

Fonte: Divulgação

Uma das cenas mais bonitas do filme acontece justamente durante essa missão, quando os brasileiros e o português ainda dormem pela manhã bem cedo. O índio começa a cantar uma música no seu dialeto. O negro olha para ele e começa a bater uma palma cadenciada. Em seguida, também canta uma música no dialeto do seu país. Os dois dançam e sorriem cantando cada um a sua música, percebendo que, embora em línguas e culturas diferentes, as canções se misturam de forma natural, compondo uma nova música a partir 69

da união das duas, enquanto os seus “donos” brancos dormem após uma noite bebendo cachaça para relaxarem da exaustiva busca pelo ouro. E eles, escravos e sem nenhuma ambição material, estão felizes entoando cânticos que remetem às suas origens, das quais foram retirados (figura 30).

Essa viagem é um percurso da consciência, de mostrar a degradação daquele homem junto à busca pela riqueza para se adequar aos padrões do sistema daquela época. Aos poucos o espectador compreende o caminho de formação da consciência política e revolucionária de Joaquim, tentando transmitir as sensações e sentimentos do mesmo, a fim de que se entenda a transformação desse homem de um militar que tenta subir de vida cumprindo aquilo que lhe é esperado para um homem que volta a sua terra completamente desiludido com o status quo reinante e sedento por mudanças radicais. A alteração da visão do protagonista não se dá de maneira didática ou influenciada por outras pessoas, são situações naturais que surgem e que modificam a visão do personagem perante àquela realidade.

Joaquim faz então sua formação, instruído por um intelectual chamado apenas de “o Poeta”, que lhe mostra um exemplar da constituição americana. Empolgando-se com as virtudes da Revolução Norte-Americana, supondo que na “América” havia democracia, liberdade e direitos iguais para todos, faz da possibilidade de se fazer uma revolta e instaurar tal regime a razão de sua vida. Assim, se alia ao movimento pela independência do Brasil. Sendo os conspiradores integrantes das classes mais abastadas, Joaquim é usado como massa de manobra, tarefeiro, um homem tosco que pode levar a mensagem da independência às classes mais baixas, principalmente os pequenos agricultores, criadores de gado e mineradores do interior das Minas Gerais, que o ouvem com desdém.

No final do filme, há o primeiro encontro de Joaquim com a nata dos conspiradores, todos eles bem compostos, partilhando lauta refeição e rindo daquele semisselvagem revolucionário que manipulam. A sequência final dá a entender que Joaquim está disposto a trair a coroa e provocar uma revolução, porém aqueles que o incentivam talvez não sejam tão diferentes dos que estão no poder e seus interesses não estão vinculados necessariamente ao bem do povo e da nação, mas deles próprios. Enquanto Joaquim vibra com a futura nova empreitada, eles riem e se entreolham saboreando suas bebidas certos de que se algo der errado, não serão eles que, literalmente, irão perder suas cabeças. 70

Figura 31 – Escrava Preta corta os cabelos de Joaquim

Fonte: www.adorocinema.com

Retratando a época (o final do século 18) sem romantismo, o filme apresenta o período como um lugar sujo e hostil: as pessoas têm dentes apodrecidos, cabelos cobertos de piolhos, peles marcadas por carrapatos e, no caso dos escravos, por roupas imundas e rasgadas. Cadáveres insepultos proliferam pelo sertão e ataques de índios e escravos fugidos e rebelados em quilombos são um perigo constante.

O filme procura “desmonumentalizar” o herói mitificado e reconstruí-lo como homem político. Há dois momentos-chave para entender essa situação, a primeira logo na cena de abertura, em que uma narração comenta, sob a imagem da cabeça decapitada de Tiradentes, a própria figura criada em torno de seu mito, questionando-se o porquê daquele homem de raízes mais populares ter sido o único a ser morto entre tantos conspiradores. Em outro momento, Joaquim está com piolhos e tem seus cabelos longos cortados de forma tosca: o personagem tira, por um motivo asqueroso e comum, o visual com o qual é comumente retratado, antecipando sua transformação em novo homem (figura 31). Ambas as situações são políticas, a segunda desconstruindo o herói através de uma causalidade recorrente na época e a primeira, através de uma consciência histórica, questionando o discurso oficial.

O final histórico (condenação e enforcamento) é conhecido, de maneira que o filme põe o final no começo, com a cabeça já esquartejada de Joaquim, em suas memórias póstumas, se reconhecendo como o herói com direito a feriado nacional, depois de ter sido 71

o único inconfidente condenado à morte por enforcamento e ter seu corpo esquartejado distribuído pelas estradas em que transitava o ouro da colônia para a metrópole portuguesa. O filme Joaquim, por esses motivos, tem um forte caráter político em sua ficção e dialoga com o presente de forma muito clara. Os personagens funcionam como metáforas de um tipo social: um padre torna-se o clero, o Poeta é o porta-voz dos intelectuais e a escrava pela qual Joaquim se apaixona e que foge e se transforma em uma líder de quilombo é a encarnação da luta popular. Joaquim é o lado da história relacionado ao povo brasileiro: posto à margem, cumpridor de tarefas, humilhado e ofendido, porém crente em uma teórica meritocracia que o fará “subir de vida” desde que se submeta às ordenanças da elite. Ironicamente, será ele posto no papel de herói da independência, em uma virada demagógica das “elites” que o condenaram ao martírio, enquanto protegeram os demais integrantes da conspiração, todos bem-postos no mundo colonial.

Logo no final da primeira hora do filme, Joaquim diz a frase “Nessa terra só tem bandido, corrupto ou vadio”, a que seu interlocutor, o Poeta, responde: “Isso é o que os portugueses dizem sobre nós, quando na verdade são eles os bandidos, corruptos e vadios”. Esse momento sintetiza o Brasil daquela época e o Brasil contemporâneo: a elite insiste em declarar que o pior da nação, a razão dela não se desenvolver, é seu povo, mas o fato é que essas “elites” lucram com o subdesenvolvimento, e continuam a alimentar as metrópoles, na época de Tiradentes, mercantilistas, hoje imperialistas, e a condenar o país ao mercado de matérias-primas, devolvidas na forma de produtos industrializados, mantendo-nos assim em eterna dependência e dívida. O filme Joaquim retrabalha a figura histórica de Tiradentes nos colocando diante de sua origem, sua função de alferes dedicado ao combate do tráfico ilegal de ouro, objetivando tão somente o próprio enriquecimento e promoção à condição de tenente, sem perceber muito bem que, dada sua condição obscura, ainda que portuguesa, privilégios e promoções não lhe eram devidos, mas apenas àqueles bem-nascidos e relacionados com as esferas mais altas do poder. O filme aponta como o Brasil já deu início à sua independência sem se preocupar com os erros estruturais mais graves de sua sociedade, cuja desigualdade manteve-se intocada, mas cuja classe dominante sempre teve um talento particular para convencer os menos favorecidos de que os interesses da elite eram os mais importantes.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo central deste trabalho foi oferecer uma contribuição no estudo de filmes históricos, no sentido de elucidar os relacionamentos possivelmente entre cinema e História, principalmente no que tange ao gênero conhecido como filme histórico e, primordialmente, não em sua capacidade de recriação de fatos passados ou de fidelidade a épocas do passado, mas sim em sua capacidade de, olhando o passado, descrever o presente.

Para tanto, foram analisadas as obras de um conjunto de autores da área de História que, recusando o viés positivista que ainda domina o ensino de História nos bancos escolares, abriram novos caminhos para a valorização de objetos diferentes para o estudo da História, além dos documentos oficiais. Para tanto, foram estudados os trabalhos de vários autores, com destaque a Jacques Le Goff e Marc Ferro, o primeiro pelas suas análises das relações entra história oficial e memória social, monumentalização e desmonumentalização e o segundo pelo seu extenso trabalho em relacionar Cinema e História. Assim, foi visto que outros tipos de informações fazem parte do processo de produção social de significados, sendo a imagem uma destas formas e, estre estas, o cinema, que, como imagem em movimento e acreditada pelo espectador como tentativa de reprodução “fiel” da realidade, tem papel importante no desenvolvimento do conhecer histórico.

Por outro lado, também o estudioso de cinema tem um campo fértil de estudos ao analisar uma obra não apenas pelo seu conteúdo em si, pelas articulações internas do filme, roteiro, análise fílmica e outros aspectos, mas também analisando o contexto político, econômico e social de produção da obra. A compreensão da obra, do ponto de vista acadêmico, só é totalmente conseguida através de sua contextualização em um espaço e em um tempo. Tal argumentação é válida para qualquer obra de arte, qualquer gênero cinematográfico ou mesmo qualquer tipo de produção audiovisual. No entanto, a relação apresentada aparece de maneira mais clara em produções do gênero filme histórico. De fato, percebe-se que o filme histórico não deve ser encarado como uma janela para o passado, mas sim como uma reconstrução do mesmo, manipulando as evidências desse passado a partir de uma determinada estrutura de possibilidades, tradições e conhecimentos. Não há uma história literal nem para o historiador, nem para o diretor ou produtor de um filme. O filme de reconstituição histórica propõe uma forma de aproximação do passado e, tanto 73

quanto o historiador, não pode simplesmente replicá-lo. No entanto, diferente do historiador, o diretor do filme não informa isso. É fato que alguns cineastas estão realmente preocupados com a verossimilhança entre seu filme e a História; muitos buscam historiadores para elaborar uma pesquisa, outros preferem eles mesmos ir até os arquivos e realizá-la, como fez Oswaldo Caldeira em seu filme (CALDEIRA, 1999). A grande questão é que a maioria deles cometem abusos em situações-limite (mesmo que autênticas) para agradar a si próprio e aos seus espectadores e acabam anulando esse caráter de semelhança verdadeira com a História. O filme pode incluir imagens inventadas que podem ser consideradas verossímeis porque ajudam a condensar uma série de eventos, representando, ainda que de forma resumida ou até alegórica, um passado documentado e avaliado historicamente. Sob esse argumento, todos os filmes históricos são filmes de ficção, ou seja, os cineastas, mesmo se baseando em documentos, devem reconstruir de maneira ficcional a maior parte do que é exibido na tela. Assim, percebemos que a construção fílmica de uma produção histórica é facilmente influenciada pelo contexto, tanto em termos de censura, de perspectivas mercadológicas, de forças ideológicas e outros. Portanto, um filme de reconstituição histórica não é apenas um livro de História transferido para as telas e não está sujeito às mesmas regras e práticas do fazer historiográfico (ROSENSTONE, 1992) mas é tão influenciado por este fazer quanto pelo contexto de produção. Conforme Bernadet e Ramos:

[...] não é difícil compreender que o discurso sobre a História está intimamente ligado ao presente e à luta política. Impor uma determinada interpretação histórica é, ao mesmo tempo, impor uma leitura do presente. Portanto, quem dominar a História poderá impor a sua leitura do presente, tomando posição no jogo político em favor de um dos grupos em luta. (RAMOS, 2002, p. 17)

Nesse mesmo assunto, Nóvoa e Barros argumentam:

A realidade-ficção do cinema promove, de fato, as leituras e interpretações das camadas sociais que, direta ou indiretamente, controlam os meios de produção cinematográfica. [...] É preciso examinar a fundo o cinema como veículo de ideologias formadoras das grandes massas da população e que pode ser utilizado, com plena consciência de causa, como meio de propaganda. (BARROS, 2008, p. 25)

A intenção deste trabalho foi, de acordo com os pressupostos teóricos apresentados nos capítulos iniciais, investigar os filmes enquanto produtos de sua época e de seu contexto. Tal análise é, para o autor, mais relevante do que fazer uma análise puramente histórica da obra. Sob esse prisma, foram analisados três filmes cujo 74

roteiro versa sobre o mesmo personagem histórico nacional, participante de uma revolução fracassada do século XVIII. Analisando os três filmes sob esse olhar (analisar o filme e o contexto de sua produção, ao invés de apenas o filme como reprodução histórica), percebe-se claramente a influência da situação político-econômica e social e dos costumes sobre a “história” contada e, adicionalmente, sobre o modo de contar a história.

Tiradentes, o Mártir da Independência, de Geraldo Vietri, conta uma versão heroica e tradicional dos acontecimentos, onde seu protagonista é um iluminado, um predestinado desde criança a ser o “grande vulto da História”, refletindo a condição político-econômica do país naquele momento, onde a propaganda oficial insistia em uma ideia de Brasil-grande, de país predestinado ao progresso, de povo ordeiro, unido e valoroso. Tiradentes é mostrado como um grande herói, um semideus enviado para instigar no Brasil a ideia de Pátria, de nacionalismo e de resignação, por ter certeza que seu sacrifício não era em vão, que mesmo sob a ameaça de traidores a ação se ergueria firme e forte no futuro, assim como era o pensamento propagandeado pelo governo militar. Já Caldeira tem uma leitura completamente diferente em seu Tiradentes: um personagem aflito, confuso, ora eufórico, ora depressivo. A história também é contada dessa forma: não é filmada como no cinema americano, não tem a carga dramática deste, não transcorre num crescendo dramático até um clímax final. Sob esse olhar e contextualizando a produção, os anos 1990 foram anos confusos, com o surgimento de novos caminhos sociais e políticos, alguns sem saída, como o governo Collor. Assim, produzido em um período em que o país tentava se reerguer e duvidava que um dia poderia ter sido o Brasil-grande apregoado na década de 1970, o herói apresentado parece um Brancaleone brasileiro, destinado a comandar um exército apolítico e sem muita noção da realidade. Já Joaquim, de Marcelo Gomes, apresenta um terceiro Tiradentes, inicialmente ingênuo, enganado por seus colegas, individualista e ambicioso, crendo que a obediência às instituições e o mérito por ter conseguido realizar trabalhos árduos poderiam levá-lo adiante em suas pretensões amorosas e profissionais. Esse homem é desconstruído durante o filme quando percebe que, “meritocraticamente”, não chegará a lugar algum, que a organização estratificada da sociedade não o permite e que ele tem duas alternativas: ou se mantém conformado com aquela realidade ou se rebela contra a mesma, associando-se a pessoas que supostamente querem o melhor para todos mas que, percebemos no filme, apenas 75

estão preocupadas em resolver os problemas de sua classe e usam as classes inferiores para tentar atingir esse objetivo. Nada mais parecido com a situação brasileira dos anos de 2010.

Para terminar, cabe ressaltar que esse processo de contextualização do filme histórico, embora torne possível entender melhor os dilemas enfrentados pelo autor do filme e os motivos pelos quais a história foi contada daquela forma, suscita uma série de perguntas: não seria uma forma de determinismo usar essa metodologia? Não estamos colocando significados na obra que na realidade não existem? Essas dúvidas não desaparecerão, mas podem ser amenizadas, ou pelo menos questões novas podem ser levantadas para essa mesma obra. Outras características não exploradas por este trabalho podem ser levadas em conta para que a pertinência dessa análise seja mais satisfatória, por exemplo: as relações entre o que foi filmado e o roteiro original (caso disponível), a reação da crítica especializada na época, a resposta do público à exibição da obra, as declarações e entrevistas do diretor.

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Apêndice A

Filmografia

A Paixão de Jacobina. Direção: Fabio Barreto. Produção: Lucy Barreto e Luiz Carlos Barreto. Intérpretes: Letícia Spiller e Thiago Lacerda. [S.l.]: L.C. Barreto e Filmes do Equador. 2002.

Anchieta, José do Brasil. Direção: Paulo Cesar Sarraceni. Produção: Paulo Cesar Sarraceni. Intérpretes: Ney Latorraca; Luiz Linhares e Joel Barcellos. [S.l.]: Embrafilme. 1977.

Batalha dos Guararapes. Direção: Paulo Thiago. Produção: Carlos Henrique Braga. Intérpretes: José Wilker; René de Vielmond e Joel Barcelos. [S.l.]: Sagitarius Filmes. 1978.

Caramuru: a invenção do Brasil. Direção: Guel Arraes. Produção: Anna Barroso. Intérpretes: Camila Pitanga; Débora Bloch e Selton Mello. [S.l.]: Globo Filmes. 2001.

Carlota Joaquina, Princesa do Brasil. Direção: Carla Camurati. Produção: Carla Camurati. Intérpretes: Marieta Severo. [S.l.]: Copacabana Filmes. 1995.

Como Era Gostoso Meu Francês. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Produção: Klaus Manfred Eckstein; Nelson Pereira dos Santos, et al. Intérpretes: Arduíno Colassanti e Ana Maria Magalhães. [S.l.]: Condor Filmes; Produções Cinematográficas L.C. Barreto Ltda. 1971.

Coronel Delmiro Gouveia. Direção: Geraldo Sarno. Produção: Geraldo Sarno. Intérpretes: ; Nildo Parente e Jofre Soares. [S.l.]: Saruê Filmes Ltda. 1977.

Ganga Zumba. Direção: Carlos Diegues. Produção: Antônio Claudio Maciel. Intérpretes: Eliezer Gomes; Luiza Maranhão e Tereza Raquel. [S.l.]: Copacabana Filmes. 1963.

Guerra de Canudos. Direção: Sergio Rezende. Produção: Mariza Leão e José Wilker. Intérpretes: José Wilker; Cláudia Abreu e Paulo Betti. [S.l.]: Morena Filmes. 1997.

Hans Staden. Direção: Luiz Alberto Pereira. Produção: Luiz Alberto Pereira. Intérpretes: Carlos Evelyn; Ariana Messias e Darcy Figueiredo. [S.l.]: Lapfilme do Brasil. 1999. 80

Inconfidência Mineira. Direção: Carmen Santos. Produção: Carmen Santos. Intérpretes: Rodolfo Mayer; Carmen Santos e Oswaldo Louzada. [S.l.]: Brasil Vita Filmes. 1938-1948.

Joaquim. Direção: Marcelo Gomes. Produção: Pandora da Cunha Telles; Pablo Iraola e João Vieira Jr. Intérpretes: Julio Machado; Isabel Zuaa e Rômulo Braga. [S.l.]: UKBAR FIlmes. 2017.

Lamarca. Direção: Sérgio Rezende. Produção: Marisa eão e José Joffily. Intérpretes: Paulo Betti e Carla Camurati. [S.l.]: Morena Filmes; Cinema Filmes. 1994.

O País dos Tenentes. Direção: João Batista de Andrade. Produção: Eliane Bandeira; Roberto Bianchi, et al. Intérpretes: e Buza Ferraz. [S.l.]: Raiz Produções Cinematográficas Ltda.; Embrafilme. 1987.

O Que É Isso Companheiro. Direção: Bruno Barreto. Produção: Lucy Barreto. Intérpretes: Pedro Cardoso; Alan Arkin e Fernanda Torres. [S.l.]: Produções Cinematográficas L.C. Barreto Ltda.; Filmes do Equador Ltda.;. 1997.

Os Deuses e os Mortos. Direção: Ruy Guerra. Produção: Paulo José. Intérpretes: Othon Bastos e Norma Bengell. [S.l.]: Companhia Cinematográfica de Filmes Brasileiros - Rio; Daga Filmes Produções Cinematográficas - Rio. 1970.

Os Inconfidentes. Direção: Joaquim Pedro de Andrade. Produção: Carlos Alberto Prates Correia. Intérpretes: José Wilker; Luis Linhares e Paulo Cesar Pereio. [S.l.]: Filmes do Sêrro. 1972.

Quilombo. Direção: Carlos Diegues. Produção: Augusto Arraes. Intérpretes: Antônio Pompeo; Zezé Motta e Toni Tornado. [S.l.]: CDK Produções Cinematográficas Ltda.; Embrafilme ; Gaumont. 1984.

Tiradentes ou o Mártir da Liberdade. Direção: Perass Felice. Produção: Paulo Aliano. Intérpretes: Paulo Aliano e Santino Giannastasio. [S.l.]: Aliano Filmes. 1917.

Tiradentes, o Mártir da Independência. Direção: Geraldo Vietri. Intérpretes: Adriano Reys. [S.l.]: Art Filmes. 1977.

Xica da Silva. Direção: Carlos Diegues. Produção: Jarbas Barbosa. Intérpretes: Zezé Motta e Walmor Chagas. [S.l.]: J.B. Produções Cinematográficas Ltda.; Distrifilmes Ltda.; Embrafilme. 1976.