Universidade do Estado do Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Sergio Luiz Monteiro Mesquita

A Sociedade Central de Imigração e a política imigratória brasileira (1883-1891)

Rio de Janeiro 2000

Sergio Luiz Monteiro Mesquita

A Sociedade Central de Imigração e a política imigratória brasileira (1883-1891)

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.

Orientadora: Prof.ª Dra. Lucia Maria Paschoal Guimarães

Rio de Janeiro 2000

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CCSA

M582 Mesquita, Sergio Luiz Monteiro. A Sociedade Central de Imigração e a política imigratória brasileira (1883-1891)/ Sergio Luiz Monteiro Mesquita. – 2000. 219 f.

Orientador: Lúcia Maria Paschoal Guimarães. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Bibliografia.

1. Imigrantes – Brasil – História – 1883-1891 – Teses. 2. Política migratória – Brasil – História – 1883-1891 – Teses. I. Guimarães, Lucia Maria Paschoal, 1946-. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDU 314.742(81)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

______Assinatura Data

Sergio Luiz Monteiro Mesquita

A Sociedade Central de Imigração e a política imigratória brasileira (1883-1891)

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de Concentração: História Política.

Aprovada em 16 de janeiro de 2012. Banca Examinadora:

______Prof.ª Dra. Lucia Maria Paschoal Guimarães Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ

______Prof.ª Dra. Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ

______Prof.ª Dra. Nanci Leonzo Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Rio de Janeiro 2000 DEDICATÓRIA

Ao meu pai Antonio Lopes de Mesquita Filho (in memoriam), que na sua simplicidade aguda, costumava dizer: “Todo brasileiro tinha que estudar a história do Brasil”.

AGRADECIMENTOS

Durante a elaboração de um trabalho como este, em que as dificuldades se multiplicam através do tempo, quase proporcionalmente mais curto, percebe-se que ele não pode ser realizado na solidão, que várias pessoas direta ou indiretamente acabam por participar dele. Também o número dos que nos auxiliam, com mais ou menos peso, com mais ou menos interesse, se estende como marcos ao longo de uma estrada trilhada passo a passo. Por isto, sei de antemão que cometerei injustiças e esquecimentos ao lembrar em poucas palavras aqueles a quem devo agradecer pela ajuda nessa tarefa. Agradeço principalmente à minha esposa Maria Angelica, cujo amor e paciência, tenacidade e otimismo, foram a luz acesa no meu gabinete de estudos, ao meu irmão Marcelo, anjo vigilante da informática e dos bons conselhos, aos amigos e companheiros de ofício Alexandre, Regina e Cleodon, orientações e estímulo sem par em cada momento do trabalho, especialmente os mais difíceis. Aos meus professores e colegas do curso de mestrado, que com observações e críticas, dentro e fora da sala de aula, enriqueceram a pesquisa e a reflexão aqui contidas. Aos professores Marilena Barbosa, Tania Bessone e Orlando de Barros, pela generosa atenção e auxílio em vários momentos da elaboração deste trabalho. Aos vários funcionários de arquivos e bibliotecas que visitei, solícitos e prestimosos, particularmente o senhor Praxedes, da Biblioteca Nacional, meu muito obrigado. E, especialmente, mais do que simples agradecimentos formais, devidos pela própria função que exerceu para a organização desta dissertação, desejo deixar aqui meu muito obrigado à minha orientadora, Profa. Dra. Luci Maria Paschoal Guimarães, cuja confiança no meu desempenho e disposição para ajudar na superação dos vários problemas com que nos deparamos, com competência, simpatia e bom-humor, serviram-me de valioso estímulo. A todos, então, citados ou não, o meu muito obrigado.

RESUMO

MESQUITA, Sergio Luiz Monteiro. A Sociedade Central de Imigração e a política imigratória brasileira (1883-1891). 2000. 219 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.

O presente trabalho tem como objeto o projeto imigrantista formulado pela Sociedade Central de Imigração, associação que existiu no Rio de Janeiro entre 1883 e 1891. Este projeto é abordado como proposta alternativa de política imigratória para o Brasil, formulada por pessoas da elite oriunda dos setores sociais médios do Brasil imperial. A análise dos documentos produzidos por esta associação mostra que seu discurso privilegia a formação da nação brasileira como tema geral, e o tema da imigração e da colonização como eixo da enunciação de todos os demais temas levantados na fala da entidade. A representação da imigração europeia é articulada com um projeto de colonização em pequenas propriedades, e é apontada como elemento deflagrador das grandes transformações pretendidas para a sociedade brasileira, numa perspectiva reformista.

Palavras-chave: Sociedade Central de Imigração. Discurso imigrantista. Elite imperial. Colonização.

ABSTRACT

MESQUITA, Sergio Luiz Monteiro Mesquita. Sociedade Central de Imigração and the brazilian immigratory politics. 2000. 219 f. Dissertação (Mestrado em História ) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.

The presente work has as object the immigrantist project formulated by the Sociedade Central de Imigração, association existente in Rio de Janeiro between 1883 and 1891. This Project is based in alternative proposal of immigratory politics formulated by elite peoples, originated from the midding social sectors of the imperial society. The analysis of the papers produced by this association show his discourse privileged the Brazilian nation’s formation in geral theme, and conceived the theme of immigration and the colonization as enunciation spindle of all the others themes, raised in the speeches of the entity. The European immigration representation is articulated wiyh a project of the colonization in the small properties. This approach is concerned as a deflagrating element of the big transformations which the association wanted for the Brazilian society, on a reformist perspective.

Keywords: Sociedade Central de Imigração. Immigrantist discourse. Imperial elite. Colonisation.

LISTA DE ILUSTRAÇÔES

Gráfico 1 - Principais ocupações dos membros da SCI fora do Governo...... 49 Gráfico 2 - Proporções das principais ocupações dos Membros da SCI fora do Governo...... 50 Tabela - Profissões e Ocupações Principais dos Primeiros Diretores da Sociedade Central de Imigração...... 52

INDICE

Agradecimentos ...... p.ii Resumo ...... p.iii Abstract ...... p.iv Lista de Gráficos ...... p.v Tabela ...... p.vi Considerações Iniciais ...... p.1 Capítulo I – As Migrações Internacionais e a “Colonização” no século XIX 1.1.A Emigração e a “Colonização” no Contexto Internacional ...... p.8 1.2. A Política Imigratória e Colonizadora Brasileira: Antecedentes e Desenvolvimento ...... p.21 1.3. O Imigrantismo e Suas Vertentes ...... p.33 Capítulo II – A Sociedade Central de Imigração 2.1. A Sociedade Central de Imigração na Sociabilidade e na Cultura Política das Elites Imperiais ...... p.43 2.2. A Atuação da Sociedade Central de Imigração: Limites de Uma Esfera Pública Moderna e do Quadro Institucional sob o Império ..... p.56 Capítulo III – A Sociedade Central de Imigração e o Imigrantismo como Intervenção 3.1. O Discurso da Sociedade Central de Imigração: Espelho Verbal de Um Imaginário de Nação ...... p.109 3.2. O Discurso da SCI: Características Gerais ...... p.134 3.3. A Questão Agrária ...... p.141 3.4. O Imigrante Ideal ...... p.153 3.5. Imigrantes Indesejáveis ...... p.162 3.6. Intervencionismo Étnico e Cultural ...... p.174 Considerações Finais ...... p.181 Fontes e Bibliografia ...... p.185 Anexos ...... p.201

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O tema da imigração ocupa, por sua importância considerável na formação de nossa sociedade, um espaço muito amplo nas atenções dos historiadores e demais estudiosos dos vários ângulos científicos pelos quais se pode abordá-lo. A elaboração de uma política imigratória para o Brasil, cujo fomento foi advogado por pessoas e grupos sociais diversos desde a época em que se desenrolou o processo de Independência, teve mais de uma ordem de interesses a indicá-la como solução para problemas nacionais. Assim, sua implementação tornou-se logicamente um ponto de embate ideológico entre esses interesses. O imigrantismo contou assim uma pluralidade de vertentes. A opção imigrantista conduzida por um setor da elite político-econômica de São Paulo, acabou por tomar a hegemonia do processo de implantação da política imigratória, processo este que culminaria na “grande imigração” de europeus para o Brasil, a partir de 1870, apoiando-se na subvenção fornecida pelo poder estatal. Contudo, outras propostas existiram. São as necessidades e as discussões travadas pelas elites em torno da imigração, bem como a busca de soluções através desta, num quadro sócio-econômico pautado pela incerteza ante o futuro político do país, e de problemas tão complexos como o seja a elaboração da idéia de nação brasileira, que serão abordados no estudo aqui proposto. Pretende-se abordar uma das vertentes ideológicas do imigrantismo, aquela que defendia, sob o nome de “colonização”, a introdução de imigrantes como pequenos proprietários rurais, com fins de povoamento, diversificação da produção e valorização fundiária. Isto se fará mediante o estudo de uma associação composta por membros da elite brasileira, destinada a fomentar a imigração no Brasil Imperial. Trata-se da Sociedade Central de Immigração, que existiu entre 1883 e 1891, no Rio de Janeiro, e cuja duração determina o corte temporal sobre o qual se trabalhará. Os fundadores desta Sociedade (daqui por diante também grafada como SCI), entre os quais se contavam o futuro Visconde de Taunay, o general Beaurepaire-Rohan e o engenheiro André Rebouças concentravam nela seus esforços em prol do imigrantismo, numa época em que com ele coexistiam e imbricavam-se outros movimentos políticos de grande envergadura, atingindo então maior intensidade: o abolicionismo e o republicanismo. Vivia-se a difícil transição do uso do trabalho escravo para o do trabalho livre, transição marcada pelo fim oficial do tráfico negreiro (1850) e as leis de abolição gradual da escravidão. Enquanto isto, em São Paulo, cresciam as iniciativas de imigração subvencionada. A modernização e a urbanização incipiente estimulavam iniciativas empresariais, fomentando interesses capitalistas e impulsos de reforma, esposados por setores “médios” da sociedade. Estes elementos “médios”, cujas atividades os ligavam às camadas dirigentes e forneciam-lhes acesso à elite intelectual, encontravam-se em ascenso numérico e de status à época. Desejavam, em geral, alargar os limites permanentemente acanhados do espaço público de debate e de decisão, a fim de nele obterem inserção maior. Quando a SCI veio à existência, já se encontrava em franco andamento a política imigratória que, atacando simplesmente o problema da escassez de braços para a grande lavoura, privilegiava os cafeicultores do “novo Oeste” paulista. No entanto, os componentes da associação que surgia se dispunham a defender uma proposta alternativa: a de uma imigração cujo caráter povoador e civilizador seria potencializado pela colonização em pequenas propriedades. Pretende-se identificar a proposta de imigração da Sociedade Central de Imigração como um projeto alternativo em relação às demais idéias vigentes na época, principalmente em relação ao projeto hegemônico representado pelas posições da cafeicultura do “Oeste novo” paulista. Neste sentido, buscar-se-á levantar as características principais do projeto defendido pela SCI, através do exame da documentação por ela produzida e pelas posturas individuais de seus membros mais destacados. Como ponto de partida, usar-se-á a caracterização dos seus associados, aqui percebidos como representantes e intelectuais dos setores “médios” da sociedade brasileira da segunda metade do século XIX, e, segundo a classificação utilizada por Maria Thereza S. Petrone e Giralda Seyferth, como ideólogos da colonização em pequenas propriedades fundiárias. Tentar-se-á caracterizar o teor das idéias de modernidade e progresso defendidas no discurso da SCI e utilizadas como parâmetros de sua argumentação. Quanto à idéia de espaço público, recorreremos como ponto de partida ao pensamento de Habermas a este respeito. Também privilegiar-se-á na análise dos boletins publicados pela Sociedade, tanto a busca dos autores e idéias que lhe serviam de referências intelectuais, quanto a necessária

2 articulação destas idéias com o tipo de imigrante e de colonização considerados ideais segundo a ótica desta associação. Outro dos objetivos será caracterizar o perfil do que seria o “imigrante ideal”, em contraponto com a representação do imigrante “indesejável”. Assim, tentar-se-á demonstrar, nas devidas proporções, a influência dos valores sócio-culturais dos membros da SCI sobre suas atitudes acerca da imigração, diante das opções disponíveis que se apresentavam, o que os levaria a preferências quanto à eleição do imigrante ideal para obter os fins desejados. Por outro lado, sendo qualquer seleção logicamente excludente, o nosso enfoque estará não só nos imigrantes preferidos para compor o movimento migratório, mas também naqueles que, por diversos motivos ou impedimentos, inclusive ideológicos, foram considerados indesejáveis ou inviáveis para realizá-lo. Também objetivamos identificar a representação do “imigrante ideal” com o papel a ser desempenhado de agente do progresso material e moral da sociedade brasileira. Pretendemos estabelecer os termos da ligação entre estas preferências e rejeições, e o anseio por uma sociedade brasileira diferente e “melhor”, conforme a ótica dos setores sociais dos quais os membros da Sociedade Central de Immigração eram representantes. Este anseio social estaria alicerçado em conceitos eurocêntricos, próprios dos setores dominantes. No limite, tal anseio espelharia a procura da máxima identificação com a Europa, identificação esta que passaria pela homogeneidade racial (no caso, mais em sentido propriamente étnico) e cultural. Destarte, seu imigrantismo seria afetado por este anseio, que se desdobraria na admiração pelos Estados Unidos e seu exemplo de progresso material. Contextualizar esta fase da política imigratória é indispensável não só para avaliarmos seus condicionamentos, possibilidades e realizações dentro deste período, como para compreendermos mais profundamente a ulterior evolução da mesma, tal como se desenvolveu no Brasil até os dias atuais. Serve também como contribuição às análises feitas pela historiografia, acerca do rico processo brasileiro de modernização na passagem do século passado para o atual. Tais análises, desenvolvidas a partir da interpretação de Caio Prado Junior, incluem proveitosas contribuições de Celso Furtado, Emília Viotti, Paula Beiguelman, José de Souza Martins,

3 Maria Tereza S. Petrone e outros. Estes estudiosos, mesmo com seus enfoques particulares, propiciam um avanço conjunto sobre a problemática brasileira da segunda metade do século XIX. Permite esmiuçar aspectos da composição e da atuação de setores da elites brasileiras, evidenciando melhor o seu caráter e suas aspirações, tal como o fazem e/ou fizeram José Murilo de Carvalho, Michael M. Hall, Lúcia M. Paschoal Guimarães e outros. Esta questão, aliás, interpenetra-se com a questão do processo de implantação de um espaço público moderno numa nação em formação como a nossa, na qual a independência oficial não implicava no rompimento automático com estruturas oriundas do passado colonial, questão cuja abordagem pode ser exemplificada, entre outros, pelos trabalhos de Ilmar Rohloff de Matos. Uma contribuição sobremaneira preciosa para o nosso trabalho foi a pesquisa da professora Irina Vassilieff sobre a própria Sociedade Central de Imigração. Esta pesquisadora, em sua tese de doutorado A Sociedade Central de Imigração nos fins do século XIX e a “democracia rural”1, pretendeu mostrar a SCI como reunião de indivíduos que tentavam identificar os aspectos e problemas que impediam o progresso da sociedade brasileira. Com o fito de prover a grandes soluções, esses indivíduos defenderam projetos de modernização. Entre estes, Irina Vassilieff privilegia o projeto da “Democracia Rural”. A autora concentra suas análises no pressuposto da “democracia rural” enquanto projeto, segundo as formas traçadas pelos membros da Sociedade Central. A Democracia Rural tinha presença em discursos da época, encontrando entre seus enunciadores mais destacados André Rebouças e Ennes de Souza. Por tudo que depreendemos das idéias em circulação sob este nome, a Democracia Rural pode ser conceituada grosso modo, como a ampliação do acesso à propriedade fundiária para aqueles que reunissem determinadas condições para cultivá-la. Vassilieff investiga a Democracia Rural como projeto, concentrando-se nas colocações de Rebouças, por ela considerado o grande mentor intelectual do mesmo. O projeto de Rebouças e a necessidade de sua realização foi assumido pela Sociedade Central em alguns pontos de relevância2. Esperava-se a conseqüente geração de uma pujante classe média rural, sustentada pela pequena propriedade e por atividades agrárias de moldes capitalistas. Ela se constituiria, no

1 Irina Vassilieff. A Sociedade Central de Imigração nos fins do século XIX e a “Democracia Rural”. Tese de doutoramento. São Paulo, USP, 1987. 2 Ibidem, p.4.

4 caso do Brasil, num instrumento de transformação sócio-econômica, predestinada pelos adeptos da “democracia rural” a romper a existente polarização social, que enfeixava as energias do país em volta da relação senhor-escravo e do monopólio virtual da propriedade por uma única classe3. A tese da professora Vassilieff teve extrema utilidade, principalmente pelo volume e organização das informações coletadas sobre os componentes da Sociedade Central. Aquelas informações de caráter coletivo receberam um tratamento que permitiu uma melhor caracterização das bases sociais da entidade, que utilizamos entre outras coisas para identificar que tipo de elite a compunha. No mesmo sentido, as informações biográficas preencheram lacunas no tratamento prosopográfico e ajudaram a confirmar dados por nós coletados nas mesmas ou em outras fontes. A própria coincidência dos personagens estudados possibilitou obter do texto da professora Vassilieff uma preciosa contribuição, embora nosso objeto fosse de outro teor. A perspectiva por nós adotada para abordar a SCI privilegia, por outro lado, o discurso como instância mediante a qual pretendemos estabelecer uma compreensão do seu projeto. Propondo teoricamente a existência de um projeto coletivo, necessária interseção e predominância entre os projetos de cada ideólogo atuante na Sociedade – projeto inclusive enunciado por um autor coletivo -, nele também se encontram as propostas da “democracia rural”. Este projeto coletivo, cuja explicitação buscaremos encontrar através do discurso da Sociedade, constitui-se na transformação capitalista do país. Transformação esta a ser provocada pelo que Michael Hall aponta como “meta principal” da SCI, ou seja, objetivo de sua ação substantiva: a criação de uma forte classe média rural composta de imigrantes europeus que seriam agricultores independentes.4 Para a consecução desses objetivos faz- se mister a análise do discurso veiculado pela Sociedade Central de Imigração. O corpus documental principal sobre o qual trabalharemos será a coleção dos boletins do jornal A Immigração, órgão da Sociedade Central, e os livros de propaganda publicados por esta. Alguns destes textos, ou partes deles, aparecem em edições dos boletins. Os boletins de que dispomos são os de números 1 a 76, com a falta do de número 75. Foram publicados entre Dezembro de 1883 e Março/Abril de 1891, de forma regular, sem deixar grandes

3 Ibidem, p.10. 4 Michael M. Hall. “Reformadores de classe média no império brasileiro: a Sociedade Central de Imigração”. Revista de História, 53(105), jan./mar.1976, p.153.

5 espaços de tempo entre as edições; mas sua periodicidade não foi uniforme: era geralmente mensal, mas às vezes surgiam edições bimestrais, como é o caso da última encontrada, e algumas poucas quinzenais. Variável também foi o número de páginas, entre uma edição e outra. Temos assim um corte temporal que contém dois fatos capitais da história brasileira do final do século passado: o final da erradicação do instituto escravista e o início da implantação do regime republicano. Também transcorre neste corte parte do processo da política de imigração subvencionada, sob a iniciativa da camada dirigente paulista, e que é acompanhado pelo boletim. A leitura, análise e interpretação dos textos contidos nestas fontes será feita através de métodos semiológicos. A principal inspiração para a metodologia adotada repousa nas sugestões de análise semiológica aplicada a fontes históricas, elaboradas e ministradas pelo professor Orlando de Barros, nas atividades desenvolvidas na disciplina Semiologia e História, do curso de mestrado em História Política. Também nos valeremos de indicações de análise de discurso contidas principalmente em trabalhos de Roland Barthes, como Mitologias e S/Z. Subsidiariamente, utilizar-se-ão contribuições de Greimas, Régine Robin e outros autores dedicados aos estudos semiológicos. Estamos tratando de uma documentação que é ao mesmo tempo fonte principal e locus material do objeto que estudamos: o discurso da Sociedade Central de Imigração, num esforço de identificá-lo, caracterizá-lo e analisá-lo como uma modalidade de discurso imigrantista brasileiro. Quanto ao fato de este objeto se constituir num discurso apresentado sob forma escrita, cremos não haver problemas metodológicos; a utilização destas fontes como continentes do discurso tem pertinência, conforme explica Benveniste. Quando enumera as diversas modalidades do discurso, este autor as distingue em duas grandes categorias: de um lado, o conjunto de todos os tipos de discursos orais, em todos os níveis, da simples conversa até a arenga mais sofisticada; e do outro, toda a variedade de escritos que reproduzem discursos orais, ou que imita o modo e os fins dos deste tipo de discursos. Entram neste segundo conjunto as correspondências, teatro, memórias, obras didáticas, em suma, todos os gêneros em que um ser se dirige a outrem, enunciando-se como locutor e organizando sua mensagem assumindo a categoria de pessoa. Assim, o discurso é tanto falado quanto escrito.5

5 Émile Benveniste. O homem na linguagem. Lisboa: Arcádia, 1976., p.39.

6 Sendo o Brasil um país onde se encontram populações de diferentes origens, produzindo talvez o maior caldeamento biológico e cultural de que se tem notícia na humanidade, é de suma importância ampliar o conhecimento sobre o significado real deste encontro e das condições em que ele se deu e se dá. Uma maior aproximação com a realidade desta composição, que ocorre até os dias atuais, torna-se possível esclarecendo o papel dos setores sociais envolvidos na política imigratória; colaborando no resgate do real posicionamento destes setores diante da formação da nossa população tal como é; e da maneira pela qual, através da imigração, empenharam-se em intervir nessa formação.

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CAPÍTULO I – AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E A “COLONIZAÇÃO” NO SÉCULO XIX

1.1 A EMIGRAÇÃO E A “COLONIZAÇÃO” NO CONTEXTO INTERNACIONAL

De 1871 a 1914, com intensificação notável a partir de 1880, ocorreram os grandes movimentos migratórios europeus, caracterizados pela saída de trinta e quatro milhões de homens do continente6, em sua quase totalidade a caminho das terras americanas. Constituíram-se estes deslocamentos num dos maiores movimentos demográficos já acontecidos na história mundial.7 Tiveram também, a par de sua grandeza substantiva, repercussões colossais nos rumos subsequentes das sociedades humanas, e cujo fulcro podemos apontar na chamada europeização do mundo. Mesmo delimitando nos anos citados o maior volume do fenômeno, a historiografia não deixa de assinalar a progressão do mesmo nos anos imediatamente anteriores, situando-o caracteristicamente como fato do século XIX. Em particular esta caracterização se faz visível no âmbito político. Conforme René Rémond:

“Entre o Antigo Regime, que pratica uma política populacionista, e o nacionalismo do século XX, que opõe restrições à emigração, para conservar seus dependentes, o século XIX abre uma brecha pela qual torna-se fácil a circulação dos homens, tornam-se possíveis as comunicações, enquanto os governos não se opõem absolutamente à partida dessas massas miseráveis, que para eles representam uma carga pesada”8.

6 Pierre Renouvin. “As forças profundas”. In: Renouvin, Pierre e Duroselle, Jean-Baptiste. Introdução à história das relações internacionais. São Paulo: Difel, 1972, p.48. 7 A periodização desta imensa movimentação demográfica tem várias extensões, dependendo do autor consultado. Há o caso de Magnus Morner, o qual afirma: “(...)la mayor parte de la emigración de masas tuvo lugar entre 1850 y 1930”; era encerrada pelos efeitos da Grande Depressão sobre o mercado mundial. Magnus Morner, Aventureros y proletarios. Madrid: Editorial MAPFRE,1992, p.14. 8 René Rémond. O século XIX - 1815-1914. 3a. ed. São Paulo: Cultrix, 1983, p.198.

8 Miseráveis, em sua grande maioria, decididas ao êxodo pela falta de oportunidades de sobrevivência material, embora também contassem entre os emigrantes os insatisfeitos e oprimidos religiosos, políticos e ideológicos. Se formos analisar o significado que essas transferências maciças de população teriam para os países envolvidos, poderemos dizer, no caso das potências européias, que, no geral, não se pensava que aquelas chegassem a constituir um dessangramento das energias dos países de emigração. Pelo contrário. Apesar das eventuais vozes discordantes, e até dos percalços à emigração vindos de medidas restritivas adotadas por alguns destes países, pelo menos durante este período a opinião predominante era no sentido de um caráter benéfico de tais deslocamentos. Daí a simpatia, apoio e até mesmo o estímulo disseminados pelos diversos setores das sociedades européias, que mereceu a emigração intercontinental durante estes anos. Do ponto de vista dos governos europeus, à época ainda internacionalmente detentores do maior poder de decisão, ponto de vista compartilhado provavelmente por parcelas expressivas da sociedade, as vantagens a serem trazidas pelas emigrações ultrapassavam de longe os possíveis prejuízos. Tais vantagens poderiam, com vistas à sua caracterização, ser agrupadas em relação aos planos interno e externo. No plano interno, as migrações para fora destes países colaborariam, do ponto de vista social, para reduzir o excesso de densidade populacional em algumas regiões agrícolas, aliviando em parte a miséria da população camponesa e por tabela as animosidades contra o regime agrário, sendo que nas áreas urbanas e industriais, elas ajudariam a mitigar o desemprego. Economicamente, elas resultariam, mediante as remessas de fundos pelos emigrados, num reforço ao orçamento dos familiares que haveriam de permanecer na pátria, possibilitando acréscimos ao patrimônio, melhorias nos estabelecimentos agrícolas, inclusive com a adoção de novas técnicas e investimento em material para a agricultura. Já do ponto de vista político, as emigrações eram incluídas entre os recursos para a obtenção da estabilidade política interna. Além de indicar uma porta de saída para os descontentes sociais, elas permitiriam afastar os inimigos e os indesejáveis ao status quo. Vantagens também poderiam ser arroladas no plano externo. Para os Estados europeus e suas respectivas burguesias, os emigrados, pelo menos por algum tempo – o tempo de sua possível absorção sócio-cultural nos países de destino – continuariam sendo consumidores, de preferência, de produtos de seus países natais, estimulando-lhes a

9 exportação. Além disto, serviriam como elementos de penetração comercial, ao propagarem mais ou menos intencionalmente o conhecimento e o uso destes produtos. Um foco de influência cultural e política, a vicejar dentre grupos de emigrados de uma dada nacionalidade, num país de imigração, não seria ausente nem desprezível no cálculo destas vantagens. A par dos bons resultados que a emigração poderia alcançar para os países que exportavam mão-de-obra para Estados estrangeiros, também esperava-se dela, mediante a colonização, um poderoso incremento ao desenvolvimento das áreas coloniais dominadas por estes países. Além desses fatores de estímulo à imigração, um outro pode ser agregado aos demais em termos de importância: a formação relativamente rápida, embora paulatina, de uma espécie de infraestrutura para a migração internacional a partir da Europa. A respeito disto, Eça de Queiroz, conhecido escritor português, a quem os assuntos de imigração interessavam não apenas pessoalmente como também devido à sua atividade como diplomata, registra, num relatório, suas observações sobre esta infraestrutura:

"O mundo transatlantico está organisado e policiado: os transportes são acessiveis a todas as bolsas, rapidos e seguros; as viações para os portos de embarque são perfeitas: as informações, profusamente espalhadas, habilitam o emigrante a conhecer o paiz do seu destino em todas as suas particularidades geographicas, climatericas, economicas e industriaes, a saber- lhe o custo da vida, a taxa do salario, o preço das terras: associações protectoras, agencias de emigração facilitam todos os passos: os governos velam pela legalidade dos contractos, pela perfeição dos transportes: utencilios, mobilias obtem-n'os por preços minimos e rapidamente: o systema de hospedagens e de depositos é completo: nas civilisações americanas, australianas encontra commissarios que o dirijam, consules que o protejam: as agencias proporcionam-lhe trabalho, o Estado dá-lhe terras baratas: e a emigração é hoje uma instituição organisada, regulamentada, aperfeiçoada onde o mais timido, o mais destituido encontra rapidamente, seguramente, a sua collocação material, e o emprego da sua força."9

Entre os grandes centros de atração de imigrantes, à parte o caso particular das colônias inglesas da Austrália e do Canadá, para onde a imigração se inscreve tipicamente num programa de ocupação e dominação colonial além-mar, os Estados Unidos exerceram a liderança em termos de intensidade e volume total na corrente imigratória. Sua estrutura

9 Eça de Queiroz. A Emigração como força civilizadora. Lisboa: Perspectivas & Realidades, 1979, pp.34-5.

10 de atendimento ao imigrante, amplamente divulgada pela propaganda eficiente e bem financiada, fica bem demonstrada pelos serviços de recepção. Desde que o navio tocava o porto de New York, o imigrante poderia começar a senti-la no Castle Garden, o enorme depósito onde se recolhiam os imigrantes desembarcados. De acordo com as necessidades previstas do imigrante, ele se dividia por repartições: Wash-Room, para o recém-chegado banhar-se, mudar de roupa, repousar; o Baggage Room, onde sua bagagem ficaria gratuitamente em segurança: General Information Office, para receber visitas; Town Warding Bureau, onde poderia receber principalmente fundos para ele enviados; Exchange Office, onde seu dinheiro poderia ser trocado por dólares; Litter Rilting Room, onde poderia escrever ou ditar suas cartas; Dining Room, um restaurante de preços módicos; e a repartição de maior importância desta estrutura: o Labour Exchange, onde o recém-chegado poderia avistar-se com os empresários vindos à procura de trabalhadores. Hospedado, tratado, informado e protegido, o imigrante iniciava assim seus dias na América, como ressaltava a propaganda oficial.10 Era uma organização como esta, ou pelo menos próxima em eficiência, que, em outros países americanos, pretendiam aqueles cidadãos prestantes engajados na defesa de uma política imigratória em proveito de suas nações. Era o caso da Sociedade Central de Imigração, no Brasil, em cujo âmbito se considerava dolorosamente a pujança dos norte-americanos na política imigratória, o que amesquinhava mais ainda as limitações do Brasil neste campo. Tal sentimento de inferioridade certamente estava no fundo do comentário melancólico do diretor Wenceslau Guimarães em 1885, acerca da notícia da criação de uma grande hospedaria de imigrantes em Nova Orleans, baseada no modelo do Castle Garden11. Como outro ponto a considerar neste capítulo, devemos observar que o grande movimento emigratório europeu desenvolveu seu fluxo sob a presença política e econômica do chamado neocolonialismo: o colonialismo exercido no século XIX pelas grandes potências do continente, cujo círculo mais tarde se ampliou para incluir Estados Unidos e Japão. Dado que este colonialismo, em suas variadas modalidades, conferiu à colonização em si um papel importante dentro do seu processo de desenvolvimento, abordá-lo é portanto necessário. Lembre-se, porém, que tal abordagem não pretende ser exaustiva nem global. O fito que a conduz é apenas colaborar na contextualização do nosso objeto;

10 Ibidem, pp.99-100.

11 destacar, em relação ao colonialismo, o impulso dado à atividade colonizadora e imigrantista em vários países, como o Brasil; e por extensão apresentar nas teorias e posturas ideológicas tipicamente colonialistas pontos de apoio que se fizeram presentes nas idéias imigrantistas-colonizadoras, focando, naturalmente, o Brasil da Sociedade Central de Imigração. O século XIX assistiu a dois momentos da presença colonial européia no mundo. Da segunda à quarta décadas do século, configurou-se o refluxo do anterior colonialismo europeu, sob duas ordens de acontecimentos: os efeitos das guerras napoleônicas e os movimentos independentistas das colônias ibero-americanas. Em 1815, a Grã-Bretanha aglutina a maior e melhor parte do mundo colonial que resta: despojara as potências rivais, como é o caso da Holanda, da qual retirara a colônia do Cabo e a ilha do Ceilão entre 1805 e 1815. A França perdera quase todas as suas possessões. Entre 1810 e 1825, Portugal e Espanha sofreram sérios desfalques em seus outrora vastos impérios. Assim, temos a partir de 1815 uma liderança isolada da Inglaterra na escala das potências coloniais. Mesmo assim, com expressivo número de territórios coloniais espalhados pelo globo, o domínio britânico se situa basicamente sobre áreas geograficamente marginais aos continentes, litorâneas e insulares, tendo como exceções apenas a Índia, ainda longe de ser efetivamente conquistada, e o Canadá, com seu interior pouco mais que nominalmente sob controle. Também como dado desfavorável aos impulsos colonialistas europeus, predominava dentro da opinião pública a consideração de que a era da conquista colonial esvaía-se.12 O segundo momento, porém, nos apresenta uma nova onda de expansão colonialista, cujas causas iniciais não são do interesse do nosso trabalho enveredar. De qualquer forma, cabe lembrar que este impulso expansionista recebe, no final do século, por volta de 1880, poderoso influxo das novas necessidades econômicas partidas do continente colonizador. O atendimento a estas necessidades inéditas levará ao redimensionamento das políticas coloniais. Embora uma característica básica do colonialismo seja o princípio da desigualdade entre a “metrópole” e suas “colônias”, a penetração econômica internacional que a Europa e novas potências expansionistas desenvolvem nesta época tem diversas modalidades. Aquela que nos interessa observar se refere à nova política colonizadora que se estabelece sobre áreas “vazias” de povoamento, como o são os territórios britânicos na

11 Sessão da diretoria em 5 de dezembro de 1885. A Immigração. Bol. N. 17, Jan. 1886.

12 Oceania e o Far West americano. Historicamente, esta política está contida no neocolonialismo desenvolvido no século. Colonizar aí significa povoar e desenvolver economicamente regiões, no sentido de que estas possam usufruir da maior parte das riquezas assim obtidas, com o mínimo possível de entraves e, no caso de uma ligação política com uma “metrópole”, desenvolver um crescente grau de autonomia. Algo radicalmente diverso do que se classificaria como a colonização de “exploração”, e que caracterizaria o destino da maioria dos países coloniais, do século XV até então. Aqui cumpre uma referência terminológica. No contexto do século XIX, e nele por excelência, a colonização esteve intimamente ligada ao colonialismo. Apesar da obviedade da diferença entre os significados de colonialismo e colonização, não é demais atentar para ambos, a fim de que a abordagem do colonialismo, a ser empreendida adiante, não desloque a compreensão do seu caráter subsidiário em relação à colonização como tema privilegiado deste trabalho. Em sentido lato, colonizar implica em estabelecer ocupação territorial e aproveitamento dos recursos de uma dada região. Já o colonialismo subentende toda uma política de subordinação - além de uma elaboração ideológica -, por parte de um Estado e de suas camadas dominadoras, sobre um território e seus habitantes, viabilizando uma exploração econômica pautada pela desigualdade político-jurídica. Portanto, no tocante a este último, adotamos uma concepção de colonialismo que engloba tanto a sua prática política como o seu aspecto ideológico. Embora Francisco Iglésias tome o colonialismo apenas pelo seu viés de ideologia, dando à colonização a mesma definição expressa logo acima, considerando o colonialismo como “a doutrina que justifica a colonização”13 e colocando toda a política de dominação de um povo por outro sob a rubrica de imperialismo, é válido utilizar sua definição devido à praticidade das subdivisões que estabelece na ideologia colonialista. Entende-se aqui a ideologia como elaboração de idéias e crenças para explicar e justificar uma certa situação contida no todo social, como veremos um pouco mais adiante. Na perspectiva da ideologia, pode-se divisar duas fundamentais correntes a perpassar o colonialismo nesse século: o liberalismo e o evolucionismo14. O século XIX

12 René Rémond. Op. cit., pp.184-5. 13 Francisco Iglésias. “Natureza e ideologia do colonialismo no século XIX” . In:______. História e ideologia. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1981, p.64. 14 Ibidem, p.91.

13 inaugurava-se sob o impulso do fortalecimento cada vez maior da burguesia européia, cuja ascensão ao poder político se consolidava e vinha se acrescentar à sua posição dominante nas profundas mudanças econômicas trazidas pela Revolução Industrial. Ao nível das idéias, esses processos correspondiam à pregação do pensamento liberal, expoente maior dos interesses capitalistas, em meio à diversidade de correntes de pensamento que fluíam então. Compreensivelmente prestigiado entre as burguesias européias, coube ao liberalismo traçar o significado, ao nível das idéias, do colonialismo, o que, é lógico, implicava em estabelecer juízos de valor baseados nos seus princípios norteadores. De início, a postura liberal frente ao colonialismo caracterizou-se pela reserva ou até pela condenação. O expansionismo representado pela conquista colonial foi visto como emanação do indesejado intervencionismo estatal e como menosprezo flagrante à liberdade de outros povos. Contudo, mesmo com tais alegações, particularmente esta última, a aversão de numerosas correntes liberais à conquista colonial originar-se-ia menos de uma consideração do ponto de vista dos povos submetidos do que dos inconvenientes apontados na manutenção da política de dominação e exploração destas populações. Esta maneira unilateral de considerar o problema certamente foi decisiva para o fortalecimento da idéia de que, como povos superiores, os europeus não poderiam furtar-se a influir na história das regiões colonizadas, conduzindo-as a um estágio evolutivo que elas ainda desconheciam. Assim é que um liberal menos ortodoxo como John Stuart Mill admite, embora com ressalvas, o domínio colonialista.15 Nesta construção ideológica que propiciou a ponte entre o liberalismo e o interesse do colonialismo é de importância dar destaque a Paul Leroy-Beaulieu. Este economista, em sua obra De la colonisation chez les peuples modernes, de 1874, bastante reeditada já no século XIX, constituiu-se talvez no melhor porta-voz do liberalismo econômico clássico, no trato da questão colonialista16. Suas idéias promoveram a justificação da política colonial sobre linhas de força do pensamento econômico liberal. Envoltas na defesa de Leroy-Beaulieu ao direito de intervenção dos “povos civilizados” sobre os demais, racionalizada pelo pretenso benefício geral da colonização tanto para seus agentes quanto para seus pacientes não-civilizados, as idéias acerca do caráter civilizador da colonização

15 Ibidem, pp.91-6.

14 européia em geral atraíram a adesão teórica de muitos, entre os quais se conta a da SCI. Diga-se de passagem que a condição de divulgador de idéias liberais, aplicando-as à problemática da colonização, revestiu Leroy-Beaulieu de uma autoridade a que recorreram os enunciadores do programa de colonização da Sociedade. A articulação do liberalismo à prática colonial encontrou um poderoso apoio do evolucionismo. A cultura do mundo ocidental, particularmente no que tange às concepções sobre a vida social e política, vivia o influxo de uma grande arrancada intelectual, característica da época, cujo impulso partia do desenvolvimento das ciências naturais. O grande marco científico constituiu-se na publicação de The Origin of Species, de Darwin (1850). Esta obra contribuiu poderosamente para imprimir ordem e coerência às Ciências Biológicas que foram aparecendo nos anos seguintes, destinadas a alterar radicalmente a atmosfera do pensamento ocidental. Vale a pena referir que os conceitos dos evolucionistas serão igualmente carreados de empréstimo para o campo das ciências sociais, levados por Spencer, por sinal um pensador bastante popular entre os intelectuais brasileiros de então. Particularmente as teorias racistas que brotaram do pensamento evolucionista assumiram importância para informar o arrazoado dos ideólogos do colonialismo, a partir da biologização da ciência social, pela qual se tende a aplicar ao social analogias com a vida orgânica. Assim, a luta das espécies pela sobrevivência, com a vitória dos mais fortes e capazes sobre aqueles incompetentes para suportar a inexorável competição pela vida, transfere-se para o estudo das sociedades, cujo modelo mais “natural” é a competitiva e individualista sociedade regida pelo capitalismo. Da mesma forma, a diferença e a competição entre as espécies forneceria o modelo para se representar as diferenças e as relações entre as populações humanas, agrupadas pela classificação racial, a qual, ao admitir uma hierarquização étnica, apresenta o homem branco como superior e apõe a pecha da inferioridade às demais raças. Cumpre destacar, inclusive para os fins específicos deste trabalho, o papel representado pelos estudos de geografia em tal contexto. Porém, é necessário esclarecer que não se pretende aqui analisar em profundidade o processo de formação e sistematização de um saber geográfico que então se alçou à categoria de científico. Apenas se introduzirão reflexões necessárias à compreensão dos aspectos da migração entre países e

16 Ibidem, p.96.

15 da colonização no contexto internacional do século XIX, mormente do seu último quartel. A importância destas reflexões reside não só em aguçar, pelo enfoque em um de seus componentes, uma visão de conjunto contextualizada do nosso tema, como também nos servirá, mais adiante, para discorrermos sobre ele num nível mais específico, qual seja, o da atuação e do pensamento da Sociedade Central de Imigração tal como se manifestam no seu discurso. Ora, no período histórico sobre o qual nos fixamos a geografia foi objeto de uma instrumentalização por parte dos governos e das burguesias dos países capitalistas europeus, servindo, por meio da política imperialista destes, para intervir nas questões de imigração e colonização da época. Tendo conhecido desde os seus primórdios uma aplicação que já era eminentemente pragmática, na recolha e organização de informações sobre regiões e povos, a geografia assumiu a partir do século XIX uma função amplificada, chamada não só a fornecer e sistematizar informações, mas também a colaborar com idéias para a resolução de novos problemas que se apresentavam às potências européias. Acerca de suas funções e da identidade de seus usuários na época imediatamente anterior, é importante notar, como assinala o geógrafo Pierre George, que a geografia aparece desde o século XVIII

“como uma emanação da ‘Estatística’ que, no movimento filosófico da época, constitui justamente a primeira ciência dos balanços. Nesse momento, a palavra indica muito mais um estudo descritivo das potencialidades nacionais e regionais que uma abordagem propriamente quantitativa para a qual inexistiam na ocasião os dados numéricos. Esta Estatística tinha um duplo objeto: informar a administração a respeito das virtualidades de suas circunscrições e revelar aos homens de negócio as probabilidades de especulações proveitosas, enquanto a cartografia topográfica e corográfica constitui uma das bases da arte militar”.17

Os principais destinatários do trabalho da geografia não mudaram substancialmente na segunda metade do século seguinte; mudaram, sim, as bases sobre as quais este trabalho era desempenhado, bem como a dimensão e a complexidade das demandas a que deve atender. De fato, os pressupostos históricos da sistematização da disciplina geográfica se delineavam no processo de avanço e dominação das relações capitalistas de produção através do mundo. Ao iniciar-se o século XIX, estes pressupostos encontravam-se

17 Pierre George. Os métodos da geografia. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972, p.16.

16 amadurecidos. Consolidava-se cada vez mais um espaço mundial de relações econômicas, onde o comércio estendia liames entre os lugares mais distanciados. Já existia, de posse dos europeus, uma gama ponderável de informações sobre a superfície da Terra. Disseminava-se o uso de representações cartográficas, continuamente aperfeiçoadas. Em termos filosóficos, a fé na razão humana firmava a busca de explicações racionais para todo tipo de fenômeno, ao passo que os temas geográficos se legitimavam como questões válidas para a indagação científica. Ademais, as bases da ciência moderna, já assentes, enriqueciam-se com a elaboração de conceitos e teorias dos quais a Geografia se serviria para estruturar seu método. O despontar do moderno imperialismo nas potências européias e de suas implicações neocolonialistas intensificava a necessidade de formalizar diversos ramos de conhecimento e dotá-los teoricamente. Com efeito, os conhecimentos passíveis de ser colocados sob as rubricas de geográficos, etnológicos e etnográficos tornavam-se cada vez mais necessários para que se desenvolvesse a expansão imperialista européia sobre o mundo. Por outro lado, se os dados assim classificáveis eram até então recolhidos e coligidos basicamente por cronistas isolados, pesquisadores diletantes, eruditos, funcionários coloniais, “viajantes”, como ocorrera nos séculos XVI, XVII e XVIII, esta função foi transferida, no século XIX, para sociedades científicas. Chamada a colaborar na expansão imperialista de nações que não se encontravam igualmente condicionadas para isto, a geografia não se formalizou univocamente dentro delas. Mesmo naquelas em que a etapa do desenvolvimento econômico demandava práticas que caracterizaram o imperialismo, e nas quais a estrutrura estatal e o predomínio social da burguesia já permitiam certo grau de segurança na orientação política em direção a ele, apresentavam-se diferenças, como entre os casos da França e da Inglaterra. Condições bastante outras envolviam a Alemanha e a Itália, países que tardiamente entravam para o concerto europeu como Estados unificados. Utilizada para atender diferentes circunstâncias nacionais, a geografia desenvolveu-se sob a égide de “escolas” nacionais, a saber, a “escola alemã”, a “escola francesa”, a “escola anglo-saxônia” etc.18 Não sendo necessário, para os nossos fins, analisar cada uma destas “escolas”, fixar-nos-emos na questão geográfica na Alemanha, e nela nosso interesse se fixará nas implicações atuantes sobre a emigração e colonização. Com efeito, é entre os alemães que a

17 geografia atingiu o status científico. A ela se recorreria para a resolução do grande problema a estorvar o desenvolvimento do capitalismo alemão: a falta de unidade política dentro do seu território, que ademais impedia a superação do atraso germânico diante dos níveis de capitalismo de Inglaterra e França. Duas vertentes se apresentam no debate interno: a “geografia político-estatística” que já caracterizamos, e a chamada “geografia pura”, que priorizaria as questões relativas aos limites naturais de um território. Esta problemática receberia todo um tratamento teórico por parte de Ratzel, no século XIX. No limite, a “geografia político-estatística” toma por base o problema da unidade interna do território alemão, numa perspectiva de unidade político-regional, enquanto que a “geografia pura” caminha para a definição do que Ratzel chamaria de Lebensraum, o “espaço vital”. Com esta segunda “geografia”, iniciava-se uma nova fase para o saber geográfico. Para adiante do simples fornecimento de subsídios “político-estatísticos”, esta é chamada a elaborar uma política espacial. E para que estivesse devidamente aparelhada para as novas tarefas que demandavam a elevação a um nível teórico, a geografia se constituirá como ciência dentro da Alemanha. Ela é tanto mais necessária para os alemães porque na medida em que o capitalismo inglês e o francês precisam dela para desenvolver a conquista colonial, no capitalismo alemão ela ainda deve atender a uma questão preliminar, a saber, a da sua unificação. Os teóricos considerados os pais da Geografia moderna, por estabelecerem uma linha de continuidade através desta disciplina, foram alemães: Alexander Humboldt e Karl Ritter. Pela primeira vez, ambos formalizaram o espírito da nova disciplina científica e vislumbraram os serviços futuros que ela prestaria. Além das tentativas teóricas pioneiras em geografia, consubstanciadas em seus livros, estes dois estudiosos investiram em ocupações extremamente úteis à implantação da disciplina no meio acadêmico e intelectual. Ritter, nos seus cursos na Universidade de Berlim, proveu entre outras coisas à própria reprodução do corpo de estudiosos, ajudando a suscitar, dentre seus alunos, geógrafos da maior importância da segunda metade do século XIX, como Elisée Reclus e Friedrich Ratzel.19

18 Veja-se a respeito do assunto: Ruy Moreira. O que é geografia. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, principalmente as páginas 20 a 47. 19 Manuel Correia de Andrade. “Introdução”. In: ______(org.). Elisée Reclus. São Paulo: Ática, 1985, pp.7- 9.

18 Estabelecendo-se inicialmente em Paris e depois em Berlim, Humboldt desenvolveu atividade intensa, insuflando decisivamente a constituição de sociedades de exploração geográfica. Tais associações, já com o nome de Sociedades Geográficas, realizaram expedições de pesquisa em diversas partes do globo. Ganharam o estímulo de grupos econômicos em crescimento, porque as informações por elas obtidas possuíam larga utilidade para o estabelecimento de companhias exploradoras. Dessa maneira, ingleses, franceses, belgas e logo depois os alemães levantaram dados sobre vastos territórios asiáticos e africanos, e organizaram suas colônias contando com o suporte da atividade exploradora e descritiva consubstanciada nesta geografia.20 Uma data significativa deste processo é 1830, assinalando a fundação da Royal Geographical Society, na Inglaterra. No entanto, num aspecto que poderíamos considerar compatível com os interesses imediatos que orientavam sua atividade, a Royal Society enxergava na figura do estudioso dos assuntos geográficos basicamente a imagem do explorador, aquele que em suas viagens trava experiência direta com os meios que estuda e dos quais irá recolher dados. Assim, esta sociedade promoveu ativamente, no seu primeiro meio século de existência, a exploração das terras africanas, num trabalho de descoberta e descrição preliminar que em pouco tempo entrou em fase de encerramento, visto que a configuração geral da superfície terrestre já se encontrava próxima de ser totalmente conhecida.21 Na Rússia, potência que realizava uma colonização por contiguidade territorial, a Sociedade Geográfica do Império Russo também desempenhou papel análogo ao das suas congêneres que se voltavam para além-mar, mais assinalado quando teve por secretário o Príncipe Pietr Kropotkin, cujos amplos conhecimentos da Sibéria acabaram por servir à expansão russa até o Pacífico, atingindo inclusive terras chinesas.22 Percebe-se, portanto, que os grandes usuários desta geografia do século XIX continuaram sendo praticamente os mesmos de períodos anteriores, levando-se em conta as inolvidáveis alterações trazidas pelo novo contexto. Administrações, homens de negócios, militares; Estados nacionais, empresas capitalistas com alto grau de poder político e econômico. Nesta nova fase do colonialismo, a utilidade da geografia encontrou na própria

20 Manuel Correia de Andrade. Caminhos e descaminhos da geografia. Campinas: Papirus, 1989, pp.12-3. 21 S. W. Wooldridge e W. Gordon East. Espírito e propósitos da Geografia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, pp.17-8. 22 Manuel Correia de Andrade. Op. cit., p.13.

19 aplicação prática a prova do reconhecimento internacional. Em todos os países colonizadores, houve geógrafos empenhados no apoio à conquista colonial, inclusive justificando-a cientificamente.23 O cientificismo evolucionista, como em outros campos, exerceu influência forte sobre a própria elaboração da Geografia Moderna, no quadro da contemporaneidade do desenvolvimento de ambos. Tanto Darwin quanto Lamarck e seu discípulo Haeckel aparecem copiosamente em alusões contidas nas obras dos primeiros geógrafos. Elementos conceituais, como por exemplo a idéia de “espaço vital”, se inspiram claramente em princípios emanados dos estudos da Biologia de inspiração evolucionista. O interesse imperialista pelo conhecimento e acesso às riquezas extra-européias se manifestou dentro da geografia, entre outros fatos, no prestígio da chamada “geografia comercial”. Para definir o caráter e as intenções desta vertente geográfica, tomamos a palavra de dois geógrafos, ao observar que a mesma

“não propõe problemas de ordem especial: sua finalidade é declaradamente prática e não filosófica, científica ou educativa, no sentido mais amplo. A Geografia Comercial apresenta sumários, periodicamente postos em dia, relativos à produção e ao comércio das principais mercadorias do mundo, no contexto de seus multiformes fundamentos de caráter geográfico. Raramente ensaia mais do que meras afirmações sobre fatos, repletas de dados estatísticos, acerca da situação, vulto e processos concernentes à produção e troca de mercadorias. E raramente procura fazer mais do que anotar, de passagem, as considerações econômicas e políticas que ocupam lugar substancial em qualquer explicação dos fatos expostos. Constitui, primordialmente, material de consulta e, na melhor das hipóteses, apóia-se numa avaliação sistemática dos principais fatos relativos à Geografia Geral do mundo.”24

Esta Geografia Comercial, pragmática, apoiando decisões passíveis de dispensar análises mais aprofundadas, tais como as de comerciantes num mercado em perpétuo movimento, comparecia como instância diretriz em associações estrangeiras – notadamente alemãs – que mantinham relações com a Sociedade Central de Imigração e foram indicadas por esta última como colaboradores e aliados na luta pela imigração européia no Brasil. Um detalhe a considerar nisto tudo é que, junto à verdadeira multidão de sociedades de geografia que proliferavam à época, na Europa, contavam-se também aquelas que faziam

23 Milton Santos. “Os fundadores: as pretensões científicas”. In: _____. Por uma geografia nova. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1982, pp.13-5.

20 da própria imigração e colonização – tanto nas áreas coloniais de cada país emissor quanto nos territórios de Estados soberanos – sua preocupação específica. Esta presença da geografia na movimentação política e econômica, e nas atividades intelectuais dos defensores da emigração nos países que, como a Alemanha e outros, cumulativamente ingressavam na aventura colonialista no final do século XIX, tem o seu reflexo, aqui, nas articulações intelectuais dos defensores do imigrantismo que enfocamos dentro da Sociedade Central de Imigração. Pois esta, se durante suas atividades demonstra buscar uma aliança com pelo menos algumas destas sociedades, seja de geografia comercial, seja com aquelas especificamente de imigração e colonização, existentes na Europa, toma também as formulações intelectuais que as informam como bases de seu próprio pensamento. A SCI, com efeito, procede em seu discurso particular a uma utilização assimilada do discurso que sustentava tanto a geografia como outras formas de saber científico então em voga. Mesmo voltando-se para objetivos específicos traçados no seu programa, distintos dos propósitos dos “emigrantistas” europeus, no caso, basicamente alemães, que visavam o Brasil, ela compartilha do discurso científico expressado pelos interesses da emigração. Algumas colocações sobre este discurso também mostram-se necessárias para a caracterização do discurso imigrantista da Sociedade Central de Imigração.

1.2. A POLÍTICA IMIGRATÓRIA E COLONIZADORA BRASILEIRA: ANTECEDENTES E DESENVOLVIMENTO

Observando-se o desenvolvimento da política imigratória brasileira, no período compreendido entre a segunda metade do século XIX e princípios do atual século, um fato aparece com bastante nitidez: ela é parte indissociável da transição de uma estrutura sócio- econômica para outra, na qual exercerá papel de primeira linha. A primeira, formada a fim de atender a um capitalismo comercial, vai dando lugar à segunda, mais apta a acompanhar

24 S. W. Wooldridge e W. Gordon East. Op. cit., pp.108-9.

21 o desenvolvimento de um capitalismo industrial, mesmo sem alterar o caráter meramente periférico do Brasil frente aos centros propulsores do capitalismo internacional. Das abordagens que a historiografia brasileira efetuou sobre a imigração, como tema geral, duas se destacam. Uma diz respeito à questão da presença do imigrante como fator essencial no florescimento da pequena propriedade em nosso país. A outra analisa a imigração pelo ângulo da questão, crucial para os setores dominantes à época, da substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre no Brasil. Note-se que ambas se fixam em realidades “novas” que vêm de encontro a dois da antiga estrutura, o latifúndio e a escravidão. Realidades que, à luz de um ideário modernizador da sociedade, trazem um potencial de contestação e mudança a esta estrutura; porém que, pelas formas empíricas em que se inseriram no processo de transição, interagiram com o preexistente e encontraram limites e direcionamentos particulares. Além destas, outras formas de tratar a temática são engendradas atualmente. Informadas por novos desenvolvimentos teóricos e perspectivas mais recentes, elas também buscam contribuir para o enriquecimento dos estudos neste campo. A primeira abordagem relaciona a imigração com a “colonização”, termo de época nomeador da prática de ocupação e aproveitamento agrário da terra, por povoadores que nela desenvolvessem atividades fixadoras de população e fomentadoras de integração econômica de espaços inaproveitados. Esta tendência historiográfica tem por objeto principal a utilização pelo Estado, de imigrantes europeus na colonização de áreas desocupadas, através do regime de pequena e média propriedade. Já tendo precedentes nas experiências do século XVIII com imigrantes açorianos, instalados em pontos litorâneos do sul, este sistema cominado de ocupação territorial se incrementaria com a chegada da Corte portuguesa no início do século XIX. O modelo de pequena propriedade dever-se-ia implantar não para concorrer com a grande propriedade, e sim para ajustar-se a esta e dar- lhe subsídios. Ela

“devia ocupar espaços vazios, promovendo a valorização fundiária, e criar condições para o aparecimento de uma camada social intermediária entre latifundiário e escravo, camada essa que pudesse ao mesmo tempo ser mercado consumidor, oferecer braços no mercado de trabalho

22 e diversificar a economia com a produção de gêneros para os quais a grande propriedade não se prestava”25.

À parte o caráter de descoordenação e inconstância, entrevisto nas iniciativas da política de povoamento esboçada sob D. João VI, o pensamento que impulsionava esta política nem sempre resoluta merece atenção, visto que nele se instalam idéias as quais, entre o período joanino e o final do século, far-se-ão presentes nas preocupações da camada dirigente e de seus intelectuais, abarcadas sob a égide da modernização do país. Tal pensamento conheceria desdobramentos e recuos, à medida que os aspectos conjunturais do período exigissem destes setores tomadas de posição. Os parâmetros sob os quais se encaminharia a política imigratória se mostravam marcados pelos cuidados em introduzir elementos “novos” na sociedade - indivíduos com formação cultural e política diversa, regimes de propriedade e produção alternativos ao latifúndio monocultor, mercado de trabalho não-escravo - sem permitir que tais elementos contribuíssem para a contestação frontal às bases do status quo sócio-econômico - e por conseguinte, político26. Este caráter compreensivelmente acomodatício, ditado pela camada dirigente, se produziu num quadro geralmente consensual. Os interesses das classes dominantes brasileiras, de grande homogeneidade apesar de diferenças regionais e outras, a conduziam à solidariedade na manutenção das bases econômicas e sociais de sua dominação. Até o presente, a grande preocupação dos pesquisadores desta vertente historiográfica, que estuda os imigrantes como recursos humanos utilizados para a colonização via pequena propriedade, é o resgate da trajetória das comunidades fundadas por estes projetos governamentais. Ou seja, reconstituir os sucessos, os fracassos, os limites e os resultados dos implementos colonizadores de terras despovoadas e economicamente inativas. Os estudos mais expressivos são conduzidos em geral por pesquisadores dos estados do sul, dado que a concentração espacial dos projetos desse tipo de colonização se deu dentro de seus limites. Os próprios efeitos sócio-econômicos dessa atividade conduzida pelo governo foram mais vastos e duradouros no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo, sendo que também tiveram importância no Rio de

25 Maria Thereza S. Petrone. O imigrante e a pequena propriedade. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1984, pp.16-7. 26 Ibidem, pp. 16-7.

23 Janeiro, iniciativas como a que em 1818 levou à fundação de Nova Friburgo. Nessas áreas, as fontes tendem naturalmente a ser mais abundantes e acessíveis. O outro grande ponto de abordagem do tema se situa na questão da substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre no Brasil. Esta questão, de capital importância econômica, incluiu obviamente outros aspectos, de natureza política, social e cultural. Necessário seria, pelo exame destes aspectos, avaliar a grandeza dos mesmos, no espectro da questão toda. No entanto, boa parte deles, particularmente aqueles de cunho ideológico e cultural, tiveram que esperar por um tratamento mais aprofundado, dado o peso maior - não exatamente despropositado, porém necessitado de um redimensionamento – que o econômico teve nas preocupações dos pesquisadores. Assim, Caio Prado Junior, ao redigir um roteiro para o estudo e a pesquisa sobre o Segundo Reinado, aponta “naturalmente” como primeiro capítulo a questão da supressão do trabalho escravo, obra difícil e morosa do Império, para em seguida referir-se à questão “paralela” da imigração européia - questão inseparavelmente ligada à primeira, dentro da problemática global do trabalho, no Brasil desta época. Caio Prado Junior reconhecia não haver ainda em sua época um trabalho abrangente acerca da imigração européia, citando apenas uma súmula de Eduardo Prado, editada em 1889, como apta ao papel de referencial para tal estudo27. Sem muita dificuldade, vê-se nesta etapa da historiografia, ainda no pós- guerra, o parco volume de estudos sobre a matéria, ou pelo menos o parco conhecimento da existência destes, condição que se depreende da referência feita por um dos maiores historiadores em atividade em torno da metade deste século. Em outras obras deste autor, o tema “imigração e colonização” é visto como um processo onde se imbricam fatores ligados à expansão capitalista, dentro e fora do Brasil. Tal orientação analítica é coerente com a visão haurida do marxismo, que dá à produção de Caio Prado Junior um aspecto inovador na historiografia até ele, e do qual a influência se fez sentir por bastante tempo; tanto que mesmo ultrapassado muito de sua contribuição, ela ainda é, no geral, uma útil referência, uma contribuição clássica. Destarte, a Europa aparece como criadora de um excedente demográfico a partir de suas convulsões políticas e, numa etapa posterior, também de uma progressão da economia industrial que atinge os meios rurais e nem sempre absorve a mão-de-obra egressa do

24 campo. Quando faz menção ao esforço de atração de trabalhadores, na conjuntura brasileira a partir de 1870, onde figura, de um lado, a escassez paulatina de braços, tornada mais alarmante aos escravocratas pelos primeiros grandes golpes desfechados contra a escravidão, e de outro, o avultamento da cafeicultura registrado desde os anos 60, Caio Prado Junior aponta

“uma situação internacional favorável: de um lado, iniciava-se nos Estados Unidos uma política de restrições à imigração; esta tinha de procurar outras direções, e o Brasil, em pleno florescimento econômico, será uma delas. Doutro lado, entrava em cena um novo país de grande emigração, a Itália, como resultado das perturbações políticas e sociais por que atravessava”28.

Mais adiante, afirma que o “afluxo considerável de imigrantes” havido nos anos subsequentes “só foi possível graças ao aperfeiçoamento técnico da navegação, bem como ao próprio desenvolvimento econômico do país, de que ele seria um dos principais estimulantes. O entrelaçamento de causas e efeitos é neste caso, como sempre, completo”29. Na mesma perspectiva de articular transformações do capitalismo internacional à problemática interna da economia brasileira, Emília Viotti da Costa reitera o seu peso conjunto sobre a questão do trabalho, e também da terra:

“No século XIX, a expansão dos mercados e o desenvolvimento do capitalismo causaram uma reavaliação das políticas de terras e do trabalho em países direta ou indiretamente atingidos por esse processo. O crescimento da população, as migrações internas e/ou internacionais, os melhoramentos nos meios de transporte, a concentração populacional nos centros urbanos, o desenvolvimento da indústria e a acumulação de capital estimularam a incorporação da terra e do trabalho à economia comercial e industrial. Consequentemente, houve uma expansão das áreas cultivadas para fins comerciais (...). Nos lugares onde a terra tinha sido explorada apenas parcialmente, a expansão do mercado provocou a intensificação do uso da terra e do trabalho (...). Onde a terra virgem era disponível, houve uma expansão das fronteiras e novas áreas passaram a ser utilizadas, aumentando a demanda de trabalho agrícola.

27 Caio Prado Junior, “Roteiro para a historiografia do Segundo Reinado (1840-1889)” in Evolução política do Brasil e outros estudos. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1966, p. 186. 28 Idem, História econômica do Brasil. 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1963, p.192. 29 Ibidem, p.213.

25 Esta necessidade foi sentida mais intensamente em áreas onde a oferta de trabalho era inelástica”30.

Com estas linhas gerais, aplicáveis a diversas situações sincrônicas através do espaço internacional onde operava o capitalismo, está a classificação do processo que, desde meados do século XIX, se desenvolvia a olhos vistos na cafeicultura do Vale do Paraíba e dos sucessivos “Oestes” paulistas. Em outras passagens de Da Monarquia à República e também em Da senzala à colônia, Emilia Viotti lembra esta articulação de conjunturas. Tal articulação não operou apenas no momento em que a “solução imigratória” entrou a superar seus grandes percalços, mas também nas fases anteriores em que ela era tentada. Os fatores internos que propiciaram ou dificultaram sua viabilização são vistos num somatório, no qual as conjunturas do exterior participam do modelo explicativo que estes autores citados, influenciando outros, elaboram para o encaminhamento da questão. Avulta, nesta segunda grande tendência, a característica presente em grande parte dos autores, de basear o fio condutor de suas análises nas necessidades sentidas e nas tentativas empreendidas pelos grandes cafeicultores da Província e depois Estado de São Paulo, a fim de manter um suprimento razoável de mão-de-obra que sustentasse a demanda representada pelo impulso acelerado de produção. A cessação do tráfico transatlântico de escravos, determinada a partir de 1850, serviu como mais um toque de alarme para estes fazendeiros, no sentido de se precaverem contra o colapso esperado do próprio instituto escravista. Desde a década de 1840, já era sensível a movimentação entre os cafeicultores para aproveitar os imigrantes até então procurados para os projetos colonizadores governamentais. A política imigratória do governo, baseada na colonização em pequenas propriedades policultoras, é então firmemente redirecionada para atender prioritariamente às necessidades da grande propriedade, e especificamente do latifúndio cafeicultor. Quanto a este redirecionamento, José de Souza Martins alerta para a utilização do termo “colono”, no processo de inclusão do imigrante na problemática econômica do país nesta época, quando o termo lhe foi atribuído:

30 Emilia Viotti da Costa. “Política de terras no Brasil e nos Estados Unidos” in Da Monarquia à República: momentos decisivos. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1981, pp.139-40.

26 “A sua designação como colono já era parte de um ardil ideológico que o comprometia com a propriedade. Nos lugares de emigração, na Europa, colono era a denominação de quem ia colonizar as regiões novas dos Estados Unidos ou da Austrália. No Brasil, entretanto, colono passou a ser sinônimo de empregado. (...) Essa vinculação ideológica entre trabalho e propriedade, essa identificação básica entre a colônia e a casa-grande, terá repercussões na vida da fazenda e na elaboração das relações de produção com base no trabalho livre.”31

Ao iniciar-se o período da emancipação política do Brasil frente ao colonialismo português, as elites que haviam tomado nas mãos a direção do processo e procuravam mantê-la em prol de suas perspectivas e aspirações, viviam a necessidade de escolher quais estratégias utilizar para a necessária construção do Estado. Impunha-se também a necessidade de rearticular as relações de dominação política entre os segmentos da classe dominante, no novo contexto em que a idéia de nacionalidade avultava no imaginário. Aqueles que por sua formação intelectual e vivência política se dispunham a formular as novas diretrizes para a nação brasileira buscavam nas referências européias, entendidas como naturalmente indispensáveis, as bases para os planos de administração dos elementos herdados da ordem colonial, e a consecução dos recursos necessários para a criação de uma nova nação no meio americano. Um sério problema interno, cuja detecção pertencia já ao período joanino, e tocaria a qualquer governo sediado no país, constituía-se na fragilidade latente da sociedade que aqui se desenvolvia. Basicamente duas classes sociais distintas tinham vulto e significado: os senhores de verdadeiros rebanhos de escravos e de latifúndios contrapunham-se a uma massa de cativos e pessoas livres e pobres, despossuídos de terras. Entre estas duas condições, aqueles que nelas não se enquadravam apenas deixavam evidente, pela sua inexpressiva presença, que era de extremos a composição geral da sociedade para a qual se articulava um novo Estado. Tal sociedade correspondia a uma ordem econômica calcada nos velhos pilares da estrutura colonial que perduravam solidamente. A primazia do setor agro-exportador sobre o conjunto da economia, determinando seus rumos e negligenciando demandas de outros setores, internos, a estrutura fundiária assentada no latifúndio e a manutenção da escravidão determinavam, pelo componente de violência e de negação de melhorias sociais e econômicas mínimas, uma existência difícil tanto para os escravos

31 José de Souza Martins. O cativeiro da terra. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1986, p.61.

27 quanto para a população livre e pobre. Isto levava a que os controles políticos se mantivessem sempre tensos. Que o testemunhe o verdadeiro ciclo de rebeliões durante a Regência e o início do Segundo Reinado, embaladas pela decepção que a ordem imperial trouxera às expectativas majoritárias dos habitantes do Brasil. Uma agravante para esta situação era a grande heterogeneidade étnica e cultural da população brasileira. A população "de cor" escrava e livre não inspirava confiança nas elites. No período em que decorre o processo de independência nacional, e mais adiante, o instituto escravista não deixou de encontrar resistências. Às agitações dos escravos constantemente rebelados, ou rebeláveis, se somavam as notícias vindas do Haiti, cujo processo palpitante de rebelião anti-colonial e anti-escravista infundia temores aos colonos brancos através da América.32 Quanto à população livre e desprovida de terras, cuja liberdade se expressava basicamente na posição marginal que ocupava na economia e nos rumos políticos da sociedade, sua própria marginalidade obstava uma identificação razoável com qualquer projeto de existência nacional elaborado pelas elites. Acrescente-se a um tal diagnóstico interno as pressões exógenas, partidas das novas configurações internacionais do capitalismo, influenciando para imprimir características de obsoletismo e ineficiência a um quadro sócio-econômico de estreita dependência ao escravismo. Uma das pressões referidas partia da ascensão do movimento abolicionista britânico, em rota de colisão, a nível internacional, contra o tráfico negreiro entre África e América. Lembrando que todo este quadro existia perifericamente, destinado a cumprir funções necessárias ao desenvolvimento capitalista dos centros de um sistema que modificava-se radicalmente, não é difícil inferir que, para manter a continuidade de sua inserção no sistema, forçoso era, para a classe dominante, imprimir alterações neste quadro, mesmo parciais, mesmo a contragosto. Soluções foram apontadas para os dois grandes problemas, das mudanças do capitalismo internacional e da fragilidade da estrutura social brasileira, pelos intelectuais ligados aos interesses da elite brasileira. José Bonifácio, Hipólito da Costa, o Visconde de Cairu, Evaristo da Veiga e outros, discutiram procedimentos passíveis de construir a nacionalidade sobre o legado deixado pelo colonialismo. Um deles constituía-se em trazer para o país imigrantes europeus, no duplo intento de promover o acréscimo de novas áreas

32 Veja-se em Celia M. M. de Azevedo. Onda negra, medo branco. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.35.

28 ao ecúmeno nacional, com o seu aproveitamento econômico, e de injetar sangue europeu na composição racial de nossa população. Nas páginas do seu Correio Brasiliense, por exemplo, Hipólito da Costa propunha melhorar a população através da imigração, feita simultaneamente com a abolição gradual da escravidão. Na sua Representação à assembléia constituinte de 1823 sobre a escravidão, José Bonifácio preconizava, além daquelas especificamente voltadas para a mão-de-obra africana e a nacional, medidas para o aproveitamento dos imigrantes europeus. Embora suas aspirações gerais contemplassem a extinção do escravismo, seu objetivo imediato se constituía no encerramento do tráfico negreiro. Quanto ao instituto escravista em si, a sua dissolução aparecia como algo realizável apenas em prazo bastante dilatado. Posição esta que, tanto quanto a de Hipólito da Costa, por exemplo, poderíamos chamar emancipacionista, conforme a classificação ideológica adotada, entre outros historiadores, por Celia Marinho de Azevedo33; e, no caso de José Bonifácio e de outros menos audaciosos do que ele, refletia a cautela dos condutores do Estado perante uma questão de tal envergadura; de qualquer forma, diversa daquela que seria adotada décadas depois pelo movimento abolicionista. Se, pois, predominava no ambiente político ao tempo da separação de Portugal a intenção de romper decididamente com o passado colonial, segundo a representação que dele se fazia, a iconoclastia presente na retórica do tempo, da qual tomamos novamente como exemplo o discurso do citado Andrada, não podia deixar de constatar a dificuldade da remoção de um dos pilares que sustentavam a vida brasileira até então. Já foi bastante salientado na historiografia o vazio em que, à época, caíram propostas como a do estadista tão notabilizado nos primeiros momentos do Brasil independente. Discursos propondo reformar tão a fundo as características da ex-colônia, eivados de um pensamento de fundo iluminista e liberal, mesmo nos moldes mais modestos oferecidos pela ambientação ibérica, mostravam-se impraticáveis. Os redatores de artigos e memórias em que se propunha, entre outras coisas, atentar contra o tradicional domínio sobre escravos e também sobre as terras, em geral doutores da elite coimbrã e fazendeiros ilustrados por leituras e estudos europeus, não possuíam o poder de decisão concentrado, em última instância, nas mãos dos grandes fazendeiros e dos comerciantes, entre os quais os traficantes de escravos, virtuais detentores das rédeas do Estado que se formava. Estes

33 Ibidem, pp. 37-59.

29 setores, como tradicionais beneficiários do latifúndio e da escravidão, aferraram-se a ambos. No longo processo da suspensão do tráfico e depois da abolição da escravatura, deram um exemplo de procrastinação e resistência notáveis, se comparado com outros congêneres. Teóricos reformadores - ou, da “regeneração” do país, termo que se usava adotar - ao formular suas propostas, algumas vezes tocam na situação fundiária para desqualificá-la. O acúmulo e a reserva de terras em grandes propriedades passavam a ser apontados com crescente freqüência em termos de sua irracionalidade econômica. Este juízo desabonador se fazia em nome de uma lógica de progresso. Sendo que uma das condições deste progresso desejado passava pela ocupação e aproveitamento efetivo do território. Quanto a esta condição, fundamental para a ereção de uma nação poderosa e florescente, como a queriam os publicistas e políticos em suas arengas, o principal meio para alcançá-la se apresentava na implantação da pequena e média propriedades em projetos de povoamento, sendo que os recursos humanos mais convenientes se obteriam através da introdução de imigrantes europeus. A colonização assim compreendida passa pela iniciativa do Estado em tais projetos. Porém, a utilização deste recurso pelo Estado passava ao largo de qualquer pretensão erradicadora ou ao menos redutora do latifúndio. Retomada em 1824, após a independência, a colonização com imigrantes prosseguiu, com intervalos. Por outro lado, discursos propondo reformas profundas na propriedade da terra e na forma de exploração do trabalho resultaram inócuos. E se o final da escravidão se aproximava malgrado adiamentos e resistências, mais inacessível a mudanças se mostrou a grande propriedade rural, base do domínio sócio-econômico da classe dominante nacional. É da cafeicultura paulista, setor de ponta da economia agro-exportadora brasileira, que partiria o direcionamento decisivo da política imigratória a partir da crise final do escravismo. Este direcionamento teve sua origem nas tentativas paulistas com a introdução de imigrantes para o trabalho nas fazendas em regime de parceria, da qual é emblemático o episódio envolvendo os esforços do senador Vergueiro em Ibicaba. Num momento posterior, é o “novo Oeste” paulista que interveio com uma solução imigrantista, considerada mais conveniente aos seus interesses. Politicamente, esta solução ganha projeção nacional e é implementada através da movimentação do setor político imigrantista

30 liderado por Antônio Prado, durante os enfrentamentos em torno da questão servil nos anos 1880, que precederam a abolição da escravatura. Quando o gabinete Dantas assume o programa desejado pela Coroa para o encaminhamento desta questão, começando pela liberdade dos sexagenários, e se vê ameaçado de queda, e ambos os partidos imperiais manobram para, ao mesmo tempo, tocar a questão e não se indispor com a “lavoura” escravocrata, uma nova Câmara é convocada e nela os imigrantistas da cafeicultura paulista se pronunciam. Os deputados republicanos de São Paulo Prudente de Morais e Campos Salles, que haviam sido eleitos com a ajuda de Antônio Prado, chefe conservador que liderava o “setor imigrantista”, ao manifestar apoio a Dantas, declaram-se, em nome da lavoura paulista, indiferentes à escravidão e interessados exclusivamente na imigração. Assim, quase ao largo da questão central da pauta política no momento, “o ponto de vista da lavoura cafeeira mais próspera ganhava projeção no plano nacional”34. Pouco mais tarde, o grupo político imigrantista provê os elementos necessários à imigração subvencionada, assumindo o controle do Executivo paulista, através de João Alfredo e, em seguida, de Queiroz Telles, e constituindo a Sociedade Promotora de Imigração, em 2 de julho de 1886. Assumindo a direção da política imigratória, os cafeicultores paulistas relegaram a “colonização” a um plano secundário, e mais ainda, subordinado, dessa política. Por outro lado, é nos anos 1880 que se verifica mais um confronto ideológico entre duas grandes correntes de opinião acerca da política de substituição do trabalho. Na verdade, estas tendências gerais vinham competindo pela condução desta política desde os anos de implantação da independência, friccionando-se irritadamente. Em momentos decisivos da questão da supressão do trabalho escravo e do provimento de mão-de-obra que lhe tomasse o lugar no setor dinâmico da economia, elas chegaram ao choque na acrimônia dos discursos e nos embates dentro dos espaços públicos. O final da escravidão, decididamente empreendido desde o marco legal de 1850, com a proibição efetiva do tráfico negreiro, tornou estes choques cada vez mais manifestos e acirrados. Em relação às ilhas e enclaves antilhanos onde a classe dos fazendeiros escravistas buscava compensar a perda da mão-de-obra cativa lançando mão de expedientes como a introdução de chineses, o Brasil contava com uma circunstância particular, na

31 questão da mão-de-obra: os interesses de seu próprio Estado. No Brasil, avultava a presença de um Estado que precedera a nação e desde o seu surgimento estava imbuído da missão de erigi-la. Era toda uma situação praticamente inexistente em territórios apenas vistos, tanto pelos seus proprietários rurais quanto pelos Estados metropolitanos, como grandes unidades de produção agrícola para o circuito mercantil internacional. As opções de utilização de africanos livres a serem importados como imigrantes, de introdução de colonos europeus, de convocação da população nacional livre e liberta ao trabalho disciplinado e intensivo, de aproveitamento dos indígenas, ou qualquer outra das opções imaginadas pelos interessados em resolver a questão da substituição do trabalho. No entanto, como dissemos, duas correntes principais se faziam presentes no debate. A divergência entre ambas as correntes poderia ser explicada nestes termos:

"No fundo, antes de responder à pergunta: "Quem virá trabalhar em nosso país?", os responsáveis pela política governamental deveriam ter resolvido uma questão prévia: "Para quem se virá trabalhar em nosso país?". Se o imigrante viesse trabalhar por conta de outra pessoa, para os fazendeiros, poderia ser de qualquer raça. Em compensação, se viesse cultivar terras por conta própria, deveria preencher as características étnicas e culturais desejadas pelos funcionários do Império. Tais eram as alternativas que se apresentavam."35

Assim, configura-se um quadro ideológico em que se vê, como tendências de maior peso, duas correntes de opinião a disputar a orientação da política imigrantista e a indispensável postura do Estado. De um lado, os fazendeiros e o grande comércio, que muito lucrava com o tráfico de carne humana, determinados a manter e ampliar as bases da vigência da grande propriedade rural e da agricultura de exportação, e para isto preocupados em obter trabalhadores de qualquer etnia e nacionalidade. De outro, a burocracia imperial e a generalidade dos intelectuais, com a atenção voltada para a situação social e cultural do Brasil, pretendendo utilizar a imigração como instrumento de "civilização", contemplada para o embranquecimento da população brasileira e para, ao menos, a redução da heterogeneidade cultural, em favor de uma tendência europeizante.

34 Paula Beiguelman. “O Encaminhamento político do problema da escravidão no Império”. In: ____. Pequenos estudos de ciência política. 2ª ed. São Paulo: Pioneira, 1973, pp. 36-7. 35 Luiz Felipe de Alencastro (org.).História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.293.

32

1.3. O IMIGRANTISMO E SUAS VERTENTES

Um aspecto fundamental do pensamento das elites nacionais do período, frente às necessidades de ajustamento ao capitalismo internacional em expansão e à economia industrial em ascenso nos centros mais avançados do sistema, está na formulação da necessidade cada vez mais urgente de encetar reformas no modelo herdado do passado colonial. Tal postura ideológica é indicada por Maria Thereza S. Petrone:

“O país dos latifúndios escravocratas devia adequar-se às novas necessidades que o capitalismo industrial imprimia ao mundo e para os ideólogos do progresso daqueles tempos o binômio imigrante-pequena propriedade tornou-se ponto-chave de seus pensamentos e de seus programas”36.

Dentre estes citados “ideólogos” é possível distinguir alguns nomes. Desde o Visconde de Abrantes, o qual, em 1846, propunha “um sistema de venda de terras públicas aos imigrantes, regulamentado depois pela Lei 601”37, até publicistas brasileiros que se manifestaram em favor da colonização por meio da pequena propriedade e pela garantia do acesso à terra para os imigrantes, a exemplo de Aureliano C. Tavares Bastos, Augusto de Carvalho e J. C. de Menezes e Souza, vários foram partidários desta modalidade de povoamento e utilização da terra. Destarte, entre estes “ideólogos” pertencentes à elite brasileira, é legítimo incluir-se, senão todos, pelo menos parte expressiva dos membros da Sociedade Central de Imigração, em cujos boletins se detecta a crença no papel futuro da pequena propriedade para o “progresso” e “civilização” do Brasil. Esta alentada expectativa atingia por vezes a intensidade de uma verdadeira convicção, fazendo com que os adeptos deste tipo de povoamento tendessem a vê-lo como a “panacéia” nacional, tal como Petrone diz mais adiante em seu livro: “No pensamento de muitos, a colonização

36 Maria Thereza S. Petrone, op. cit., p.17.

33 baseada na pequena propriedade na qual seriam instalados imigrantes era a solução para todos os males econômicos e sociais do país”38. Na elite, o debate sobre os fins e a utilidade da colonização ocupou e dividiu os espíritos. Ele se tornou mais acirrado na década de 1840, por dois motivos: as dificuldades não definitivamente resolvidas de atrair imigrantes da Europa, e a cisão aprofundada na destinação da política imigratória. Uma ala expressiva dos cafeicultores paulistas tencionava aproveitar o imigrante para suprir de mão-de-obra seus cafezais, eis que se previa a extinção do tráfico negreiro. Os dois eixos em que se concentrava o debate sobre a política imigratória e de colonização eram a necessidade de se remover quanto antes a escravidão para que o seu reverso ideológico, o trabalho livre do imigrante, a sucedesse; e as formas de se enfrentar os problemas das colônias e seus componentes, no esforço de alcançar o sucesso econômico. Um trabalho publicado em 1846 pelo Visconde de Abrantes abordou as duas problemáticas. Este servidor governamental se inclinava para a colonização alemã, para ele a mais apta a superar as dificuldades e oferecer bons resultados. Mais inflamados, publicistas de décadas seguintes debruçar-se-iam sobre as sugestões de Abrantes. Aureliano C. Tavares Bastos, Augusto de Carvalho e J. C. de Menezes tornaram-se, junto a ele, expoentes da parcela da elite favorável à colonização mediante a pequena propriedade. Um alvo de suas críticas é o sistema de parceria, tentado pelos fazendeiros paulistas, inspirados no exemplo do Senador Vergueiro na década de 1850, a fim de viabilizar o uso do trabalho do imigrante. A par da condenação da escravatura, a grande propriedade também é representada por estes ideólogos como um estorvo ao desenvolvimento econômico a ser impulsionado pelo trabalho livre e europeu. Põem em relevo a necessidade de taxar com rigor os grandes proprietários que detinham largas extensões de terra sem nelas fazer cultivo, ao passo que ficavam reservadas às colônias de imigrantes pedaços de terra nem sempre apropriadas à agricultura. O modelo de estrutura agrária defendido por estes ideólogos se baseia no farmer norte-americano39.

37 Giralda Seyferth, “Construindo a nação; hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização”. In: Maio, Marcos Chor e Santos, Ricardo Ventura (orgs.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro, FIOCRUZ/CCBB, 1996, p.45. 38 Maria Thereza S. Petrone, op. cit., p.18. 39 Giralda Seyferth, op. cit., p.47.

34 Vale a pena observarmos mais de perto as posições tomadas por Tavares Bastos no tocante à imigração, e não apenas como recurso para ilustrarmos com mais detalhes a existência dessa corrente pró-colonização em pequena propriedade, na época. Interessa principalmente a forma articulada como o citado publicista a defendia dentro do conjunto de propostas que apresentou para o progresso do país, e que os testemunhos indicam haver alcançado repercussão tanto durante a breve vida pública deste parlamentar e jornalista, quanto posteriormente à sua morte prematura, em 1875. Outro motivo para isto reside na iniciativa de Tavares Bastos num sentido prático, no final dos anos de 1860, ao tentar aglutinar forças a favor da imigração, concorrendo decisivamente para a fundação de uma sociedade dedicada a promovê-la. Antes de mais nada, no entanto, é preciso ter em conta que o pensamento do publicista alagoano não atribuía a nenhuma das medidas por ele preconizadas, tais como a imigração européia e a colonização em pequenas propriedades, a qualidade de panacéia dos males brasileiros, diversamente a várias outras opiniões. Mais que isto, a implementação de cada uma delas era representada como eficaz na medida da sua interligação com outras a serem adotadas pela nação, num amplo programa reformista. A defesa da imigração européia (e também norte-americana) para o Brasil aparece jungida à apologia de outras providências, entre as quais cabe citar a disponibilização das terras devolutas aos imigrantes para a formação de pequenas propriedades, a redivisão da propriedade agrária e a emancipação dos escravos, diretamente associadas à política de imigração no esforço de alteração econômica, e de forma indireta a numerosas medidas ligadas a direitos civis, regime político, etc. Assim é que, além do trato específico tal como aparece em Reflexões sobre a imigração, palavras sobre o tema se fazem presentes em outras partes da obra desse autor, visto numa relação de dependência com outros. Conforme se lê à página 379 de O vale do Amazonas40:

“A imigração para o Brasil depende certamente de variadas condições: o casamento civil, a liberdade de culto exterior, a proteção e favores aos cultos dissidentes, a discriminação do domínio público, o regime das terras, o sistema administrativo, a escravidão e outras causas conspiram contra esse grande interesse do país.”

40 Apud Evaristo de Morais Filho. As idéias fundamentais de Tavares Bastos. Rio de Janeiro: Difel; Brasília: INL,1978, p.170.

35 E ainda liga à questão da imigração algo à primeira vista tão distinto desta: a questão do regime aduaneiro. A envergadura da presença pública de Tavares Bastos, que já era expressiva enquanto vivo, deu bastante ressonância ao conjunto de suas propostas, no qual se inclui o da imigração européia, eis que o parlamentar e publicista representou em sua época uma das vozes categorizadas do liberalismo e dos ideais de progresso, grandemente prestigiados. Outro imigrantista de relevo foi o médico francês Louis Couty, que se radicou no país e se tornou professor da Escola Politécnica e do Museu do Rio de Janeiro desde 1878. Trabalhando com uma nova disciplina, a “Biologia Industrial”, o francês pesquisou a realidade brasileira. Assumindo a postura do cientista com olhar objetivo, discriminou aqueles que considerava os grandes problemas nacionais e recomendou soluções para os mesmos. A par da defesa da imigração européia, demonstrando suas vantagens, ele instava com os senhores de escravos por uma melhoria da força de trabalho nas fazendas com a introdução de trabalhadores livres. A pequena propriedade parecia-lhe a forma agrária ideal para aproveitar os recursos da terra e do trabalho, e para isso sua fala aos grandes proprietários territoriais incluía a idéia da venda de terras aos imigrantes e a ligação mais estreita da fazenda com as técnicas de processamento e comercialização racionais da produção agrícola. Em relação aos negros, a opinião que Couty emite é a mais desfavorável possível: seriam incapazes de acompanhar o progresso social anunciado pelo liberalismo, não por sua condição sócio-cultural precária, e sim pela inferioridade da raça à qual pertenciam. Agrilhoados mais a um patamar insuperável na escala racial do que propriamente à escravidão, seriam eles até mesmo responsáveis pelo estado degradado em que viviam nesta. Devido à ociosidade e à sujeição a baixos instintos que os caracterizaria, depreende-se que a própria liberdade representaria para os negros uma vadiagem irremediável, conforme os exemplos e as imagens utilizadas na argumentação do pesquisador francês. A Sociedade Central de Imigração tomou os pressupostos de Couty como uma de suas grandes inspirações. Por ocasião de sua morte prematura, em 1884, cerca de um ano após a composição da sociedade, esta prestou-lhe homenagens, inclusive contribuindo e angariando fundos para erigir-lhe um túmulo monumental, em reconhecimento de sua importância para o encaminhamento da solução imigrantista baseada na pequena propriedade.

36 Esta seria, nas suas linhas principais, a descrição da corrente ideológica que preconizava a colonização em pequenas propriedades, aquela que julgava imprescindível tornar o imigrante europeu um proprietário rural no próprio momento de sua instalação no país. Não se pode esquecer que nas posturas imigrantistas havia nuances. É o caso daqueles que, embora reivindicassem a imigração européia, não se adentravam na defesa da disseminação da pequena propriedade, como forma de remoção da predominância da grande propriedade. Também é o daqueles que, mesmo reconhecendo a excelência da introdução de europeus, preconizavam, de olho na possibilidade de crise iminente pela falta de braços à lavoura, a utilização de imigrantes negros, ou de coolies indianos e chineses, como paliativos. Em relação ao setor agrícola e comercial cujo funcionamento representava a mais dinâmica e compensadora atividade da economia brasileira, a historiografia nos mostra, no entanto, que este modelo imigrantista de colonização em pequenas propriedades foi suplantado pela forma como os grandes fazendeiros, nomeadamente os cafeicultores paulistas, desejavam que se utilizasse o braço imigrante. Historiadora da imigração, e especificamente do imigrantismo, Paula Beiguelman, ao se debruçar sobre este movimento desenvolvido dentro do círculo das elites brasileiras, pôs em destaque aquela que seria a sua liderança mais conseqüente e poderosa. Esta era proveniente do setor de ponta da cafeicultura paulista, o “novo Oeste”, na época disputando o poder de decisão política e concentrando a primazia econômica na cafeicultura, em detrimento do “Oeste antigo” e do Vale do Paraíba, que caminhavam para a decadência. Em A crise do escravismo e a grande imigração, a autora desenvolve um raciocínio teórico a respeito dos efeitos da adoção do imigrante para o crescimento econômico e a emergência de uma industrialização, num contexto marcado também pelo fim da escravidão. Faz a crítica de uma explicação de certa forma corrente entre os historiadores, em que se aplica um esquema teórico identificando os imigrantes para o Brasil desta época a trabalhadores desenraizados, sem bens de produção e possuidores apenas de sua força de trabalho. A partir dessa premissa, resvala-se para uma analogia desses imigrantes com o proletariado submetido ao capitalismo manufatureiro inglês, massivamente originário dos camponeses atingidos pelo cercamento dos campos e sua transformação em pastagens,

37 igualmente desenraizados do meio rural. Paula Beiguelman estabelece que este esquema assim utilizado resulta inadequado, pois

“basta observar que a focalização do aparecimento de um proletariado dispondo unicamente de sua força de trabalho tem em vista, em termos de história econômica, explicar a passagem do artesanato à indústria capitalista, na sua etapa manufatureira. Não se trata, evidentemente, de uma chave pronta a ser extrapolada para a análise dos processos particulares de industrialização”41.

Ou seja, o processo de industrialização brasileiro, em especial o paulista, é dotado de uma especificidade que se deve ter sempre em vista. E a forma de instalação do mercado de trabalho livre e assalariado, via cafeicultura paulista, também. Em torno deste ponto, é ilustrativa a análise de Verena Stolcke e Michael Hall, sobre a introdução do trabalho livre nas fazendas cafeeiras de São Paulo. Esta introdução aparece como um processo não tão fácil. O entrechoque entre os interesses e as expectativas mútuas entre fazendeiros empregadores e imigrantes contratados permeia um verdadeiro jogo de acomodação, que inclui desde tentativas coercitivas por parte dos cafeicultores e eclosão de revoltas e tumultos da parte dos recém-chegados até acordos e concessões. No fundo, a classe latifundiária paulista desenvolve pela experiência concreta sua capacidade de lidar com o trabalho livre, cujo dinamismo e caráter contratual eram totalmente estranhos à sua vivência escravocrata. Passando pelas formas principais de contrato e pela disposição de mecanismos de compensação financeira do novo investimento, os fazendeiros mais empreendedores obtiveram para sua classe a solução necessária. A dupla de autores conclui:

“Os fazendeiros que inicialmente assumiram a tarefa de encontrar uma maneira de substituir o trabalho escravo foram os primeiros de um notável grupo de empresários agrícolas e comerciais. A sua decisão de reorganizar a produção mediante o emprego de trabalho livre é por si só sintomática”42.

41 Paula Beiguelman. A crise do escravismo e a grande imigração. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.26. 42 Verena Stolcke e Michael Hall, “A introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo” in Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, nº 6, 1984, p.120.

38 Outra contribuição importante consiste na análise da identidade dos atores da elite cafeicultora paulista envolvidos no projeto imigrantista. Beiguelman tenta discernir os setores que a formavam, dos quais nem todos estavam acordes na solução que se buscava dar para suprir de braços uma atividade econômica na qual o escravismo se tornava cada vez mais impraticável. Para proceder a esta distinção entre os cafeicultores, ela se apóia no critério geográfico, dividindo o espaço aberto pela fronteira agrícola que a sua atividade ia estendendo. Delineia três áreas econômicas: o Vale do Paraíba e os dois “Oestes” existentes na segunda metade do século passado: o Oeste antigo, centrado em Campinas, e o Oeste mais novo, centrado em Ribeirão Preto. É reiterado pela autora que, devido ao surgimento posterior de uma outra área a “oeste”, resultante de uma expansão maior da fronteira agrícola, alguns tenderam a designar conjuntamente como “Oeste velho” os dois “oestes” em questão. Isto produziria um equívoco capaz de comprometer todo o entendimento da situação, por confundir duas áreas diversas não só do ponto de vista econômico, mas político. Ela distingue:

“o Vale do Paraíba, de cultura velha, constitui a área proporcionalmente mais abastecida de escravos em termos de suas necessidades produtivas, e a menos rentável em termos relativos; o Oeste mais novo apresenta atributos opostos; e o Oeste campineiro situa-se intermediariamente”43.

Com efeito, é o Oeste novo, chamado por Octavio Ianni de “segundo Oeste”, que defende com mais veemência a solução imigrantista, na ótica de Paula Beiguelman:

“a lavoura mais nova do Oeste da Província de São Paulo, desenvolvida depois da lei de 1871 (quando decresce o interesse pelo investimento em escravos), tendia a se organizar na base do trabalho imigrante, e se voltava para as possibilidades propiciadas pelo surto imigratório italiano”44.

A autora indica que tal desinteresse evidenciava para o país a viabilidade de se assestar um golpe final na escravatura45. Enquanto outras propostas e tentativas de suprimento de mão-de-obra são derrotadas ou se mostram simples paliativos, a exemplo da

43 Paula Beiguelman, op. cit., p.11-2. 44 Ibidem, p.9.

39 introdução de coolies, ou do tráfico interprovincial, o escravismo seria golpeado através de leis, como a proibição do tráfico, e a liberdade dos nascituros. Na defesa da imigração européia em São Paulo, a liderança imigrantista manobraria nos escalões do governo central e provincial, ao mesmo tempo que realizava as suas experiências com o trabalho imigrante; suplantaria as pretensões das outras áreas dentro do espaço cafeeiro, inviabilizando suas propostas alternativas; e marcaria sua posição a nível nacional, como se deu no Congresso Agrícola de 1878. Alcançado o objetivo de iniciar a imigração subvencionada, proposta sua, o “novo Oeste” tornou-se o grande beneficiário das correntes imigratórias, atraindo-as com larga vantagem sobre as regiões congêneres da grande lavoura. Esta hábil exploração da influência política por parte do imigrantismo paulista se arrematou com a utilização do abolicionismo em seu auge, numa manobra em que, segundo a autora, o primeiro capitalizou o clima de catástrofe induzido pela agitação do movimento abolicionista. O contexto assim criado teria sido indispensável para abalar o equilíbrio de forças, naturalmente tendente a manter o instituto escravista46. Esta utilização de forma alguma significou uma aliança de irmãos, pois, subjetivamente, os dois movimentos não se identificavam. Joaquim Nabuco, crítico severo do imigrantismo, percebia os desígnios da grande lavoura de “pressionar o trabalho nacional livre e liberto e, principalmente, de perpetuar o sistema territorial e agrícola em que a escravidão se inseria”47. Assim é que, obtida a Abolição, a ascensão do abolicionismo pára bruscamente, sem obter as mudanças de caráter estrutural preconizadas por Joaquim Nabuco, o grande teórico do movimento48. A propósito, podemos, apoiados em Richard Graham49, acrescentar ao nome de Nabuco na pretensão destas mudanças o de André Rebouças, também abolicionista de destaque, além de secretário da Sociedade Central de Imigração, na qual também as defendia. Outro dado que não deve ser desprezado, num plano mais amplo, é que dentro do encaminhamento do processo político-institucional em que se colocou o problema da transformação do trabalho, mesmo sob pressões sociais exógenas à classe dos grandes

45 Ibidem, p.12. 46 Ibidem, p.16. 47 Ibidem, pp.14-5. 48 Ibidem, p.19. 49 Richard Graham. Escravidão, reforma e imperialismo. São Paulo: Perspectiva, 1979, p.94.

40 proprietários, a exeqüibilidade da solução imigrantista vinha ao encontro do cuidado geral da classe dominante em se manter como tal numa ordem sócio-econômica a ser modificada por esta transformação. Comparando os dois sistemas propostos para reger a política imigratória na segunda metade do século XIX, Caio Prado Junior analisa-os, arrolando as vantagens do “plano da ‘colonização’”: Ressalta as perspectivas “mais amplas” defendidas pelos partidários da colonização em pequenas propriedades. E conclui: “A razão última estava com estes, certamente. Mas nada puderam contra o interesse poderoso dos proprietários”50. Ou seja, na correlação de forças políticas envolvidas na questão, o peso daquelas voltadas para o atendimento às demandas da classe dominante compreensivelmente seria o decisivo, naquele momento histórico. Ilustrativo desta postura, reflexo da consciência de sua superioridade político-econômica, era o argumento dos maiores dirigentes da cafeicultura paulista contra o projeto concorrente de colonização: a falta de capitais necessários por parte dos imigrantes; isto tornaria inúteis as tentativas de estabelecê-los em núcleos coloniais nos quais tivessem a chance de obter propriedade de terras.51 Portadores de uma opinião vencida, estes partidários do chamado “plano da colonização”, que o autor não identifica explicitamente, mas que se depreende sejam ligados aos setores “progressistas” e de alguma forma não comprometidos com os interesses estritos da grande propriedade, certamente são ponto de interesse para o estudo a ser empreendido sobre um órgão em que se defendia a imigração e também a pequena propriedade, como o era a Sociedade Central de Imigração. Cabe lembrar igualmente, que, da mesma maneira como as proposições mais amplas e radicais do abolicionismo foram frustradas mas não perderam, para a história, o seu valor de fermentação ideológica e motor político, quaisquer outras vertentes do imigrantismo não endossados pela cafeicultura do “Oeste novo” merecem exame. No caso da SCI, estamos diante de um locus de formação de opinião e conjugação de esforços sediado na Corte fluminense. O caráter dessa associação pode nos apresentar um viés pouco explorado da visão imigrantista fora de São Paulo, mais próximo talvez à opinião do governo imperial em matéria de política de povoamento. A especificidade do Rio de

50 Caio Prado Junior, História econômica do Brasil, p.193. 51 Paula Beiguelman. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. 2a ed. rev. e ampl. São Paulo: Pioneira, 1977, pp.59-60.

41 Janeiro e sua perspectiva regional novamente podem enriquecer os estudos na área, como o demonstraram trabalhos tais como os de Mary Heisler Motta e Lucia Maria Guimarães. Por outro lado, a sua condição de capital do país e a presença de atores políticos e sociais com projetos para todo o conjunto da nação constituem fatores de interesse para a avaliação do pensamento norteador da SCI.

42

CAPÍTULO II – A SOCIEDADE CENTRAL DE IMIGRAÇÃO

2.1. A SCI NA SOCIABILIDADE E NA CULTURA POLÍTICA DAS ELITES IMPERIAIS

Estudar a presença da Sociedade Central de Imigração no panorama sócio-político de seu tempo implica, em primeiro lugar, em proceder à localização desta entidade civil no contexto onde atuou. Para isto, propusemo-nos a pensar a existência desta associação sob dois prismas: primeiro, marcando seu lugar na organização social brasileira sob o Império através da identificação social de seus membros; segundo, situando a própria associação, como entidade civil, dentro do espaço público que justificava sua existência e apresentava- lhe possibilidades efetivas de atuação. Para a identificação social do quadro de associados da SCI, recorremos inicialmente à proposição de caracterizá-los coletivamente como membros da elite intelectual e política brasileira. Acreditamos que elite intelectual e elite política não se reduziam mutuamente ao mesmo composto, embora se interpenetrassem profundamente, por dados comuns de origem social, educação e sociabilidade. Em suma, um membro de uma dessas elites normalmente se recomendava por excelência ao pertencimento à outra. As condições específicas do Brasil imperial, que determinavam as oportunidades de educação, de profissionalização, de acesso à participação política e aos postos de direção do Estado, atuavam como fatores poderosos deste entrelaçamento entre as várias modalidades – e níveis - das elites. Cremos ser válido caracterizar os membros da SCI como componentes da elite brasileira de seu tempo, usando o termo de maneira geral, apesar do fato de muitos deles não pertencerem à elite instalada no aparelho de Estado, a elite política analisada e identificada por, entre outros, Ilmar Rohlof e José Murilo de Carvalho. É forçoso lembrar que boa parte dos membros da SCI nem sempre se enquadra nesta elite imperial, principalmente no que tange aos seus setores mais elevados. Certamente a grande maioria deles não preenche as características apontadas para a cúpula da elite política, aquele setor mais elevado, distinto e influente de toda a elite brasileira. Em geral, eles pertenciam aos

43 grupos inferiores dela, e eram oriundos dos estratos médios da sociedade. Podemos incluí- los na elite tomando-a naquele sentido pelo qual, na evolução de seu esquema teórico das elites, Gaetano Mosca entendeu a “classe dirigente”: todas as minorias com funções de direção; funções políticas, econômicas, sociais, religiosas, tecnológicas, burocráticas, militares, intelectuais ou quaisquer outras, conforme explicou Giovanni Sartori.52 Entretanto, pode-se iniciar a identificação dos sócios da SCI como membros da elite partindo de parâmetros com os quais José Murilo de Carvalho trabalha para caracterizar a elite política imperial. Eles nos servirão para situar esses homens socialmente com maior precisão. Revelando por meio da observação destes parâmetros, assim escolhidos, os principais pontos identitários comuns à elite política e ao quadro social da entidade estudada, visamos não tanto as similaridades quanto às diferenças e nuances entre ambos. Estas similaridades, diferenças e nuances poderiam assim se converter em elementos desta identificação. Vamos a ver . José Murilo de Carvalho indica como traços do caráter coletivo da elite política imperial a homogeneidade ideológica e a de treinamento.53 Tal homogeneidade se constituiria em um efeito acima de tudo da socialização da elite, que por sua vez é analisada pelo autor através do levantamento empírico de dados sobre educação, ocupação e carreira política. São principalmente os dois primeiros destes aspectos que nos servem na presente tarefa. Quanto às constatações do autor no tocante à carreira política, elas apenas nos servirão para uma outra referência ocasional. A educação superior para Carvalho era o traço distintivo da elite política, em relação ao restante da população, já que quase todos os membros da elite a possuíam. Por outro lado, os estudos superiores atuavam como elemento altamente homogeneizador da elite, contribuindo para a unificação ideológica de seus membros. Outro fator desta homogeneização era o número reduzido de instituições onde essa formação era ministrada. Isto conduzia os estudantes a uma socialização que, iniciada desde os tenros anos nas lides acadêmicas, e até antes, nos estudos secundários, tinha todas as condições de prosseguir através da vida profissional e política. Mesmo com a independência brasileira, o aumento

52 Ettore A. Albertoni. Doutrina da classe política e teoria das elites. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p.68. 53 José Murilo de Carvalho. A construção da ordem; a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial. 2a ed. ver. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ-Relume-Dumará, 1998, pp.17-18.

44 de opções de ensino superior dentro do país não marchou na direção de uma efetiva pluralidade, nem sequer chegando à província como unidade de medida. O que se verificou no fim das contas foi a reformulação da concentração do meio estudantil de nível superior, sob critérios regionais. Assim prevalecia a tendência de unificação e uniformização. Em relação aos grupos inferiores dessa elite, a situação específica era praticamente igual. Aqueles estudantes menos favorecidos financeiramente, após obter a educação secundária nos seminários ou em escolas públicas, tinham a possibilidade de prosseguir os estudos seja nos seminários maiores, voltando-se para o sacerdócio, seja na Escola Militar, para uma carreira no exército, seja na Escola Politécnica ou na Escola de Minas, para se dedicar à área técnica.54 A escassez de locais de formação deste setor, por conseguinte, correspondia à escassez do todo. Um segundo aspecto residia na ocupação. O autor se deparou com um fenômeno com o qual também topamos em nossa pesquisa: o fenômeno da ocupação múltipla. O elevado índice de pessoas cuja vida profissional se dividia pelo exercício de dois ou mais misteres, conduziu à lembrança da relativa simplicidade da divisão do trabalho na sociedade da época, e das condições de uma estrutura econômica na sua maior parte dominada pelas atividades agrárias. Estes determinantes certamente promoviam uma precariedade constitutiva de certos setores profissionais, obrigando aqueles que neles se inseriam a variar suas atividades, a fim de obter uma sobrevivência razoável. Não só tais alternativas de ocupação eram reduzidas, como se mostravam normalmente insuficientes para isoladas permitirem a manutenção material de seus profissionais.55 Apesar de chegar à conclusão, diante das fontes pesquisadas, de que se pode considerar impraticável o estabelecimento da origem de classe da elite apenas através dos dados de ocupação, o autor nos fornece importantes dados. Informa que muito raros foram os integrantes da elite política que saíram do setor secundário da economia, e poucos eram proprietários rurais apenas. O grosso era oriundo do terciário, em particular dos serviços da administração pública e das profissões liberais. Apenas de forma subsidiária, havia capitalistas e proprietários. A vasta vinculação da elite política com o Estado se refletiu na tendência, que grandes implicações traria, de a elite política se fundir com a burocracia.56

54 Ibidem, p.65. 55 Ibidem, pp.83-4. 56 Ibidem, p.85.

45 Mais adiante, analisando a burocracia imperial, José Murilo de Carvalho discute afirmações de contemporâneos, como a de Joaquim Nabuco, o qual declarara a burocracia como vocação de todos, para defini-la em seu caráter sobre o pano de fundo das condições objetivas de um país. O Brasil de então era deficiente em termos de um setor privado com capacidade para absorver razoavelmente talentos e aptidões alheios às necessidades da economia agro-exportadora. Daí também, tendo em vista a própria dependência do Estado das rendas advindas desta economia, decorria que ele se encontrava permanentemente embaraçado para empreender as reformas econômicas e sociais que permitiriam, entre outras coisas, prover ao desenvolvimento deste setor privado. Desse modo, as críticas reformistas partidas da elite política e intelectual, particularmente daqueles indivíduos ligados à burocracia, corriam sobre um terreno marcado pelas contradições de um quadro histórico em que o Estado e sua elite política – e suas elites em geral – se engendraram.57 A partir da elaboração dos dados sobre ocupação da elite política e de sua apresentação, com a subsequente análise e conclusões, efetuadas pelo autor, consideramos dois pontos como tendo maior importância para nossos fins; muito embora ambos toquem tangencialmente na tarefa aqui desenvolvida. O primeiro reside na detecção nítida de uma alteração na predominância de uma certa categoria no leque de ocupações, passando-se do domínio da categoria Governo, presente no início do período imperial, para o domínio da categoria crismada como Profissões.58 Isto de acordo com a aplicação dos critérios usados por José Murilo de Carvalho para classificar os elementos da elite política por ocupação. Entre tais critérios, avulta o de priorizar, na definição profissional daqueles com ocupação múltipla, aquelas profissões que mais peso teriam nas atitudes de cada indivíduo perante o Estado e diante da sua própria capacidade de exercer cargos públicos. Não se deve esquecer que tal critério se liga estreitamente ao cerne do trabalho do autor, que está nas relações da elite política com o Estado.59 Assim, seguido este critério, o emprego público compreensivelmente adquiriria maior importância. O Grupo Governo era composto por empregados públicos em geral e um conjunto de pessoas que, mesmo sem depender visivelmente dos empregos do Estado, exerciam cargos e atividades na vida política. Já o Grupo Profissões abrangeria os profissionais liberais em geral: professores, advogados,

57 Ibidem, pp.129-153. 58 Ibidem, p.102. 59 Ibidem, p.87.

46 jornalistas, médicos e engenheiros.60 A constatação da “clara passagem de um domínio de funcionários públicos no início para um domínio de profissionais liberais no final (...)”, se fez notar marcadamente, embora, por outro lado, uma “certa continuidade na socialização da elite” se mantivesse.61 Encerrando a apresentação das principais contribuições de José Murilo de Carvalho que utilizamos em nossa tarefa, acrescentaremos mais uma observação sobre a elite política, que aponta para as pessoas que se agrupavam na Sociedade Central de Imigração. Diz ele que, dentro da elite não instalada na burocracia, sobretudo entre os profissionais liberais que vinham em massa tomando o lugar dos magistrados, existia uma facção cujos interesses se apartavam dos da grande propriedade, fosse ela escravista ou não. Eles se identificariam como “os radicais urbanos do Partido Liberal e do Partido Republicano do Rio de Janeiro, cujo mais típico representante foi André Rebouças”62, o qual, como já informamos, era um dos principais dirigentes da SCI. Olhando de relance para o quadro social da entidade, percebemos uma presença acentuada de pessoas oriundas dos estratos “médios” da sociedade brasileira de então. Formavam um conjunto com atividades profissionais diversificadas – tanto quanto era possível no quadro de ocupações em que se movia a elite a fim de garantir a sua sobrevivência econômica. Quase todas estas atividades, em boa parte típicas destes estratos, contavam com elementos representativos em termos de prestígio profissional e social. Ao lado de alguns proprietários rurais como José Vergueiro, filho do senador Nicolau Vergueiro, figura destacada do imigrantismo, vemos militares como Henrique de Beaurepaire-Rohan, presidente da SCI e um teórico da pequena propriedade, e o barão de Tefé, respeitado tanto em virtude dos feitos de sua carreira militar quanto pela atividade científica; engenheiros como o próprio André Rebouças e Ennes de Souza; outros funcionários do Estado como o Conselheiro Nicolau Moreira e o visconde de Barbacena; médicos como Vicente de Souza; professores como o barão de Tautphoeus; comerciantes da praça do Rio, como o comendador Malvino Reis; e até mesmo representantes de algumas empresas como a Companhia de Navegação do Amazonas e H. Laemmert e Cia. que na qualidade de pessoas jurídicas também se associaram ao novo empreendimento.

60 Ibidem, p.87-9. 61 Ibidem, p.90. 62 Ibidem, p.213.

47 Vários dos membros da entidade ostentavam, além de seus títulos acadêmicos ou técnicos, a condição de titulados do Império. Esta nata de setores profissionais diversos em que as camadas médias mormente se ocupavam dividia espaço com alguns raros proprietários rurais de envergadura, para nos referirmos aos representantes da oligarquia rural. Assim, delineiam-se grupos dentro do quadro de associados da entidade estudada: um grupo de profissionais ligados tanto ao setor público quanto ao privado da economia, e com ligações mais ou menos indiretas com o Estado e a carreira política, contando com um avultado conjunto de comerciantes; um outro grupo dedicado diretamente às carreiras burocráticas e políticas; e um bem menor dos chamados, pelo costume da época, de “lavradores”. Em duas ocasiões, a SCI apresentou a enumeração pública do seu quadro de associados.63 Na primeira vez, ao final do primeiro ano de sua existência, ela possuía 258 sócios, sendo 7 sócios beneméritos, 56 sócios remidos e 195 sócios contribuintes. Três anos depois, registra-se um aumento no número de membros, e concomitantemente um aumento ainda mais expressivo na qualidade e no status dos mesmos – índice do prestígio e dinamismo da associação. O total chegou a 382, divididos em 8 beneméritos, 101 remidos e 273 contribuintes. Detalhe a ser mencionado é que além dos constantes nas duas listagens, outros nomes comparecem como sócios nas matérias do boletim oficial. Também lançamos mão, para a tarefa de identificação do quadro social da Sociedade Central, num nível bem mais específico agora, do levantamento prosopográfico da própria Sociedade efetuado com rigor e minúcia por Irina Vassilieff.64 Esta pesquisadora relaciona e apresenta em quadros um perfil social dos membros. Contabiliza profissões, honrarias recebidas, atividades político-administrativas, empresariais e intelectuais, e também o grau de participação dos associados em outros movimentos além do imigrantista, nomeadamente o abolicionismo e o republicanismo. Não entraremos nos detalhes do método e das fontes adotados pela pesquisadora para o processamento de seus dados, o que se constituiria em tarefa meramente repetitiva,

63 “Lista dos Sócios da Sociedade Central de Immigração em 20 de Setembro de 1884”. A Immigração. Bol. nº 6, out. 1884, p.8. “Lista dos Sócios da Sociedade Central de Immigração em 15 de Janeiro de 1887”. A Immigração. Bol. nº 28, p.7. Cont. da lista: Bol. nº 29, p.2. 64 Irina Vassilieff. A Sociedade Central de Imigração nos fins do século XIX e a “democracia rural”. Tese de doutorado. São Paulo. USP, 1987, pp.128-132.

48 simples reprodução de um texto que merece ser lido per si. Alguns resultados, eles sim, nos interessam como excelente suporte à tarefa de caracterização dos associados. É preciso, entretanto, frisar dois pontos, ambos estreitamente ligados e cujo teor é comum tanto ao nosso presente trabalho quanto à obra da professora Vassilieff. Não temos neste trabalho o objetivo de produzir uma exatidão numérica sobre os dados individuais dos membros do quadro social da SCI – postura idêntica em Vassilieff, ao dizer que “na sua pesquisa não se tinha pretensão de quantificar, mas apenas indicar”.65 No nosso caso, o foco de todo trabalho recai sobre o discurso da Sociedade Central, pondo-se em plano secundário as trajetórias e identidades individuais de seus componentes, perante um enfoque sobre o aspecto coletivo da interseção de suas atividades. Além disso – e aqui aparece o segundo ponto – as indefectíveis lacunas e inexatidões, inviabilizando tal exatidão, levam a que se busque obter conhecimento acerca da Sociedade Central com formas alternativas de se tratar os dados. Assim é que Irina Vassilieff, por exemplo, não contabiliza os dados profissionais por pessoa, mas por profissão, o que – lembrando o mesmo problema com que lidou José Murilo de Carvalho, no tocante à atividade profissional múltipla – denota uma preocupação menos ligada aos indivíduos que à coletividade para a qual estes trouxeram suas características. O tratamento dos dados fornecidos, utilizando os agrupamentos por ocupações efetivas, independente da formação profissional, resulta na situação descrita pelo esquema abaixo.

Gráfico n. 1- Principais Ocupações dos Membros da SCI fora do Governo.

120

100 Comerciantes

80 Profiss. Liberais

60 Funcionários Públicos Militares 40

Magistrados 20

0 Fonte: Dados fornecidos por Irina Vassilieff. Cf. Irina Vassilieff, op. cit., pp. 128-131.

65 Ibidem, p.131.

49

Atentando para o número de casos de exercício profissional e não para o número de indivíduos, eis que vários destes dedicavam-se a mais de uma profissão - , fica delineada uma prevalência da categoria dos comerciantes, com 118 casos, ou seja, quase 45% dos casos levantados, seguida pelos profissionais liberais (83), cerca de 31%; dos “funcionários” (29) – no caso, públicos – com 11%; militares (27), com 10%, e magistrados (7), com pouco mais de 2%, conforme mostra-nos o gráfico 2:

Gráfico n. 2 – Principais Ocupações dos Membros da SCI fora do Governo- Porcentagens

Comerciantes Profiss. Liberais Funcion. Públicos Militares Magistrados

Os traços ocupacionais delineados no primeiro quadro se reforçam nos dados referentes a atividades empresariais. Estes chamam-nos a atenção pelo reiterado peso do comércio na vida econômica daqueles sócios portadores da condição de empresários, considerando a autora o comércio como uma empresa.66 Podemos indicar com base nestes dados uma predominância numérica, em que pesem as incógnitas e a precariedade de certas informações, no todo pouco significativas. É a predominância, em número, de elites que não se ligam basicamente à propriedade da terra. Também os industriais, embora pouco numerosos, marcam só com sua presença o peso de interesses dos setores urbanos numa tentativa de influir no espaço político por meio deste associativismo. Esta predominância numérica dos comerciantes, reforçada pelo vulto dos advogados – profissionais liberais -, é bastante significativa perante a presença dos sócios ocupados no emprego do Estado – funcionários, militares, magistrados.

66 Ibidem, p.131.

50 Os comerciantes, sobretudo, se destacam do padrão ocupacional traçado por José Murilo de Carvalho para a elite política imperial. Esta se faz também bastante presente no quadro social da SCI. Mas é certo que o padrão ocupacional a ela atribuído não determina – ou melhor, não uniformiza – a questão ocupacional dos membros da associação, cujo leque é mais diversificado. Por conseguinte, o quadro social da entidade estudada está longe de se constituir somente por elementos da elite política, como demonstrou Vassilieff. Entendemos assim que outras elites se fazem presentes: econômica, intelectual, técnica, embora os representantes da elite política existentes na SCI tenham tido, por fortes motivos, uma fundamental importância. Quanto à divisão numérica dos envolvidos em atividades intelectuais, são apresentados 112 casos de homens de letras, incluídos 4 historiadores e 10 cientistas. Ou seja, um expressivo “poder de fogo” na batalha propagandística e retórica pela imigração de europeus. Dentre os “escritores”, categoria que tomamos de empréstimo de Irina Vassilieff, para designar os sócios que redigiam livros, artigos na imprensa, opúsculos, panfletos, relatórios administrativos, discursos na Câmara e no Senado, e também pareceres técnicos, destaca-se um subgrupo de “intelectuais” ou “teóricos” – ou, diríamos nós, os ideólogos. Estes seriam os produtores de definições, de uma forma mais extensa e analítica, dos vários projetos integrantes do grande projeto de modernização da entidade.67 Voltando à presença majoritária de comerciantes – dado que apontaria para um especial interesse dentro do corpo comercial da cidade do Rio de Janeiro pela introdução de imigrantes, dentre outros setores sociais representados na associação -, pode-se ver nela o principal suporte financeiro e uma importante contribuição, seja em termos potenciais, seja efetivos, de relações preciosas com os setores econômicos da urbe carioca. Não era a primeira vez que pelo comércio da Corte perpassava uma movimentação em favor do incremento da introdução de imigrantes europeus. Certamente, o transporte, a manutenção e a utilização do trabalho destes elementos que se procurava somar à força de trabalho nacional abririam possibilidades amplas de expansão de negócios e obtenção de lucros. Todavia, não residia neste grupo de sócios a orientação estratégica da Sociedade Central. Falamos em liderança e em coordenação dos procedimentos tendo em vista os objetivos traçados. O comando da associação concentrava-se na diretoria. Vejamos uma

67 Irina Vassilieff. Op. cit., p.132.

51 amostra de sua composição, considerando-a pelo prisma da ocupação profissional. Adotamos o mesmo critério de Vassilieff, discriminando as ocupações dos indivíduos sem priorizar os possíveis cargos governamentais que os mesmos pudessem exercer. Os nomes da primeira mesa diretora eleita foram: Henrique de Beaurepaire-Rohan, presidente; Alfredo d’Escragnolle Taunay, vice-presidente; André Rebouças, primeiro- secretário; Ennes de Souza, segundo-secretário; Fernando Schimidt, os barões de Irapuã, de Teffé e de Tautphoeus; Gustavo Trinks, Hugo Gruber, os Comendadores Oliveira Lisboa e Malvino Reis; o Conselheiro Nicolau Moreira; João Clapp, o Dr.Vicente de Souza, o Dr. Ferreira de Araújo e o Major Leite de Castro, escolhidos na sessão de 28 de outubro de 1883.68

TABELA : Profissões e Ocupações Principais dos Primeiros Diretores da Sociedade Central de Imigração PRIMEIRA DIRETORIA DA FORMAÇÃO OCUPAÇÃO SOCIEDADE CENTRAL DE IMIGRAÇÃO PROFISSIONAL PRINCIPAL 1 Henrique de Beaurepaire-Rohan Militar Militar 2 Alfredo d’Escragnolle Taunay Militar Político 3 André Pinto Rebouças Engenheiro Prof. Liberal 4 Ennes de Souza Engenheiro Funcionário P. 5 Fernando Schimidt Comerciante Comerciante 6 Barão de Irapuã S/Informação Proprietário 7 Barão de Teffé Militar Militar 8 Barão de Tautphoeus Professor Prof. Liberal 9 Gustavo Trinks Comerciante Comerciante 10 Hugo Gruber Comerciante Comerciante 11 Adolpho Paula de Oliveira Lisboa Comerciante Comerciante 12 Malvino da Silva Reis Comerciante Comerciante 13 Nicolau Moreira Médico Funcionário P. 14 João Fernandes Clapp Comerciante Comerciante 15 Vicente de Souza Médico Prof. Liberal 16 José Ferreira de Souza Araujo Médico Prof. Liberal 17 João Vicente Leite de Castro Militar Militar

Fontes: BLAKE, Augusto V. A. Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1970, 8v.; BITENCOURT, Liberato. Homens do Brasil. Rio de Janeiro: Gomes Pereira Editor, 1914, 12 v.; GUIMARÃES, Argeu. Diccionario Bio-bibliographico brasileiro; de diplomacia, política externa e direito internacional. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1938; e dados recolhidos em VASSILIEFF, Irina. Op. cit.

68 A Immigração, Bols. 1 a 4, Dez. 1883 a Ago. 1884, p.1.

52

Na composição deste ilustre grupo, nota-se de saída que, se não existe uma proporcionalidade análoga à existente no conjunto dos associados, pelo critério de ocupação, igualmente não há expressiva discrepância. O dado mais avultado no conjunto dos sócios, a presença dos comerciantes em maioria, também se verifica na diretoria. Taunay, militar que se retirara do Exército para dedicar-se à carreira política em primeiro lugar no rol de suas variadas atividades, aparece como caso especial, se pensarmos na visualização em separado que Vassilieff estabeleceu para mostrar, de um lado o peso das atividades não governamentais, de outro as demais ocupações dos membros da SCI. Mas situações como a dele não chegam a ser comuns a ponto de alterar profundamente as amostragens de teor geral que aquela autora elaborou. Contudo, o exercício da liderança nos quadros sociais da entidade não ficava nas mãos dos elementos que se ocupavam do comércio. Os principais artífices da ação política da Sociedade Central de Imigração incluíam-se em geral nas demais categorias profissionais citadas. O fato de pertencerem os principais líderes da SCI a estas últimas categorias devia-se certamente às credenciais que estes membros em particular possuíam para lidar tanto com o espaço público de debate e repercussão de idéias, quanto com os dirigentes do aparelho estatal. Afinal, tais credenciais pressupunham condições de formação intelectual e inserção social conferidas caracteristicamente aos profissionais das categorias em questão. Para nossos fins, poderemos observar mais detidamente um deles, o mais destacado de todos os membros da associação, aquele considerado com razão a alma da Sociedade e que se constituiu em seu verdadeiro homem-símbolo: Alfredo de Taunay. De sua própria origem familiar, Taunay trouxe dois liames decisivos em sua existência de homem público: a ligação sócio-cultural com os europeus e o contato estreito com o ocupante do trono imperial. Era filho do famoso pintor Barão Nicolau Antonio de Taunay, um dos fundadores da Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro, e que chegara a exercer a função de professor do então jovem imperador. Nasceu na capital imperial em 22 de fevereiro de 1843, nela falecendo em 25 de janeiro de 1899, quando já sede da República.69 Embora

69 Irina Vassilieff. Op. cit., p. 164-5

53 agraciada com títulos nobiliárquicos pelo governo, a família de Taunay poderia ser considerada tipicamente de classe média. Sua educação seguiu o estilo da formação dos membros daqueles setores da elite imperial ligados à burocracia. Estudou no Colégio Pedro II, com destaque. Entrou em 1859 na Escola Central de Engenharia, para adquirir formação técnica, e presenciou a reforma feita neste estabelecimento em 1861, donde surgiu a Escola Politécnica. Ingressando no oficialato do Exército, participou da guerra com o Paraguai. Voltando do conflito, alcançou nomeada com a publicação de seu A Retirada da Laguna, por sinal redigido originalmente em francês, e mais tarde vertido para a língua portuguesa. Foi deputado por Goiás em duas legislaturas, dedicando-se às questões militares, e utilizando a imprensa também como outra frente de suas lutas. Viajou para a Europa, tendo voltado em 1880. Empolgando-se cada vez mais com a política, disputou e venceu as eleições, por sinal, difíceis, do primeiro distrito de Santa Catarina em 1881. A esta altura, entrava na luta abolicionista, em aliança com Rebouças e Joaquim Nabuco70. Tendo a Câmara sido dissolvida a 3 de setembro de 1884, apresentou novamente sua candidatura pelo mesmo distrito, encontrando uma campanha eleitoral ainda mais dura, em 1885. Acabou derrotado, embora por ínfima diferença de sufrágios em relação ao seu vencedor, Duarte Paranhos Schutell, que mais tarde teria como seu correligionário no quadro da Sociedade Central71. Com os seus adversários ocupando a situação dominante, Taunay provavelmente temeu que eles tirassem proveito de sua condição de militar para o afastarem para alguma guarnição muito distante do Rio de Janeiro – estorvo poderoso para o prosseguimento de sua carreira política. Por isto resolveu demitir-se do serviço do Exército. No ano de 1876, foi nomeado para a presidência da província de Santa Catarina. Koseritz, amigo e co-associado de Taunay na SCI, atribui a essa passagem pelo sul o surgimento do interesse que dedicou daí por diante à imigração e à colonização72. Em 1886, tornou-se presidente do Paraná e se candidatou a deputado geral pelo primeiro distrito de Santa Catarina. Ainda naquele ano, especialmente decisivo para Taunay, ele se apresentou como candidato ao Senado, a 14 de junho, constando da lista tríplice da qual sairia o sucessor do Barão da Laguna. Sua carreira política então atinge o topo com a

70 Phocion, Serpa. Visconde de Taunay: ensaio biobliografico. Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1952, p.60-62. Gerson, Brasil. A escravidão no Império. Rio de Janeiro: Pallas, 1975, pp.271-2. 71 Sócio nº 73. A Immigração. Bol. nº 28, p.7. 72 Carlos von Koseritz. Alfredo d’Escragnolle Taunay - esboço característico. Trad. de R. P. B. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Tipografia Leuzinger & Filhos, 1886, p.7.

54 escolha de seu nome por D. Pedro II, em 6 de setembro do mesmo 1886. Sua escolha para senador por Santa Catarina, cargo vitalício além de eminente, muito se deveu ao apoio dos alemães ali residentes, notadamente dos distritos de colonização de Blumenau, Itajaí, Joinville e Gaspar. Esta vitória revestiu-se, assim, de um caráter de consagração da luta pela imigração e colonização, que adotara como bandeira. Ao mesmo tempo, revelava o apreço em que era tido pelo principal dirigente do Estado, fazendo-o inclusive superar o escrúpulo devido à pouca idade do aspirante, para figurar entre os senadores. A estima do imperador manifestou-se ainda quando agraciou o líder imigrantista com o título de Visconde com grandeza, em 1889.73 Quando exercera o cargo de presidente do Paraná, em 1886, Taunay visitara diversas localidades e travara contato direto com as populações, com o fito de conhecer seus problemas e necessidades, aos quais pretendia aplicar o remédio da colonização. Com este tipo de atividade pública, criou oportunidades para realizar conferências, promover manifestações e fundar sociedades de imigração.74 Estas sociedades eram filiais da Sociedade Central de Imigração, na qual desde o início, nos fins de 1883, trabalhava como vice-presidente. Inclusive, em seu governo utilizava como axioma o aforismo “Governar é povoar”.75 Característica eloqüente na atividade política de Taunay é a coerência em que se articulavam as causas que defendia. Ao iniciar sua luta imigrantista, também ele se batia pela abolição da escravatura no Brasil. Sua coerência, para lá da adesão ao esforço para a transformação do trabalho, onde ambas as lutas encontrariam seu campo comum, situava-se para uma mudança sócio-econômica geral no país, superando as estruturas construídas no passado colonial. O indicador máximo dessa articulação se constituía na luta pela difusão da pequena propriedade através do território brasileiro. Desde 1877, Taunay se pronunciara a favor de uma luta política pela imigração, e não a abandonou durante toda a sua carreira como parlamentar e presidente provincial. A SCI representou um grupo de pressão que, por meio da liderança e prestígio de Taunay, em primeiro lugar, e de outros personagens respeitados na sociedade imperial, buscou fazer predominar suas propostas.

73 Irina Vassilieff. Op. cit., p.167. 74 A Imigração. Bol. nº 21, Jun. 1886, p.4. 75 Phocion Serpa. Op. cit., p. 75.

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2.2. A ATUAÇÃO DA SCI: LIMITES DE UMA ESFERA PÚBLICA MODERNA E DO QUADRO INSTITUCIONAL SOB O IMPÉRIO

A história da política imigratória brasileira deixa transparecer - e os seus inícios não fogem desta característica - o quanto a intervenção do Estado para impulsioná-la e gerenciá-la acabou por não corresponder aos setores reformistas nas suas mais caras pretensões, inclusive aqueles presentes dentro da própria máquina estatal. Pelo menos na maioria dos casos, entretanto, esta decepção com a morosidade e ineficiência do Estado era fruto de avaliações de cunho ilusório. Mais grave do que a limitação ou má vontade das instâncias governamentais, provavelmente fosse a própria fraqueza dos elementos de pretensões reformadoras ou até revolucionárias, diante de um quadro social ainda tão fortemente vincado pelo poder das oligarquias e de um campo político com reduzido espaço de manobra disponível para o Estado. A tarefa de suscitar interesses e forças sociais que tomassem a seu cargo, seja a imigração, seja qualquer outra operação que trouxesse efetivas alterações no campo sócio-econômico, revelava-se muito dura, visto que tais interesses e tais forças naquela época não dispunham de recursos e oportunidades suficientes para defrontar as forças interessadas em manter o status quo da sociedade brasileira nos seus fundamentos. Um índice da fraqueza destes setores estaria na própria recorrência ao Estado, contrariando posturas de cunho liberal acalentadas por boa parte de seus integrantes, que se figuravam agentes particulares, habitantes de um espaço público moderno. A este propósito, José Murilo de Carvalho chama a atenção para a ambiguidade dos reformistas políticos, econômicos e sociais do Império, no tocante ao embasamento teórico e ao próprio conteúdo das suas propostas, quando confrontados com os meios efetivamente utilizados, ou pelo menos buscados, de sua realização:

“Exigia-se a liberalização do Estado pela redução do controle sobre a economia, pela redução da centralização, pela abolição do Poder Moderador, mas recorria-se a ele para resolver os

56 problemas da escravidão, da imigração, dos contratos de trabalho, do crédito agrícola, da proteção à indústria, etc.”76

Considerando a questão da abolição da escravatura, Joaquim Nabuco tocava nas raízes desta ambiguidade, ao considerar que o governo era uma sombra da “escravidão”, palavra esta significando todo um sistema so;cial e político, e também era a única força capaz de por-lhe fim. Quanto a esta consideração, não é demais lembrar a atuação da Coroa – leia-se D. Pedro II, com a colaboração de sua herdeira, apoiado principalmente no Poder Moderador – a qual, se não chegou a constituir politicamente o fiel da balança, não deixou de ser decisivo como viabilizador de espaços de manobras partidárias, no encaminhamento parlamentar da questão do elemento servil. Nabuco não foi caso isolado, é claro, e certamente não minoritário: esta ambiguidade encontrada entre os adeptos de reformas se fundamentava em uma idealização geral na elite brasileira acerca do Estado: agente histórico do qual poderia obter-se a aliança tanto para manter as estruturas sócio- econômicas quanto para alterá-las. No terreno da política imigratória, isto não foi diverso. O mesmo reformista Tavares Bastos que em A Província atacou rijamente a centralização imperial e sua ingerência sobre questões que deveriam, por direito, caber às unidades político- administrativas em que se dividia o império brasileiro, apelou, em diversas questões, para a indispensável intervenção do governo geral. Quando se encontrava à frente da Associação Internacional de Imigração, como seu secretário; e membro mais prestigioso, ele reconhecia as limitações da iniciativa particular na implant;ação de um programa imigrantista eficaz e consequente. A ilustração, entre outras, co;m a qual assinala a incapacidade desta modalidade de iniciativa no Brasil é a co;mparação com os Estados Unidos, ator repetidamente presente na generalidade dos disc;ursos imigrantistas brasileiros. Ao mesmo tempo em que seus princípios liberais, por ele de;nominados princípios “da ciência”, cediam à necessidade de o Estado intervir na qu;;estão imigratória, Tavares Bastos a justificava com uma outra necessidade, complementar; à primeira, e que corresponde a outra função para a qual a elite em bloco pretendia ;historicamente instrumentalizar o Estado:

76 José Murilo de Carvalho. Op. cit., p. 214.

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“Algumas pessoas opinam que tudo depende de uma boa lei de terras, da severa administração da justiça, do aumento da riqueza e do melhoramento das comunicações internas. Parece que não se deve ser exclusivo nesta matéria. Nos Estados Unidos, sim, a intervenção do governo é inútil. Aqui, porém, há um motivo poderoso, uma razão de alta política, para se recomendar que o governo continue a intervir, que as administrações geral e provinciais se apressem em criar a corrente de emigrantes para o Brasil. “Esse motivo é a crise que durante um certo período sucederá à inevitável abolição da escravidão. Será preciso, na verdade, auxiliar aqueles que reclamarem braços, facilitando-os, ou, pelo menos, será preciso que o governo (...) possa oferecer essa corrente como compensação dos escravos que gradualmente se forem emancipando. Os imigrantes (...) atenuarão os efeitos da crise. “Transposto esse período, a missão do governo simplificar-se-á; a imigração ficará dependente das causas naturais, que a promovem nos Estados Unidos. Entretanto, (...) o regímen servil exige este sacrifício dos princípios da ciência, a intervenção do Estado.”77

Tavares Bastos evidencia assim preocupações com uma transição pacífica do trabalho escravo para o trabalho livre no principal setor da economia. Era óbvio que o setor que mais sentiria a falta do braço escravo, tradicionalmente por ele utilizado, seria o agro- exportador, cuja carência de mão-de-obra efetivamente poderia ser crítica para toda a economia brasileira. O reformista, tecendo estas considerações, mantém-se à superfície na comparação com os Estados Unidos; “causas naturais” são signo de várias condições ali existentes, e das quais carecia o Brasil. Algumas destas condições haviam sido produzidas historicamente na grande nação do norte: um mercado de trabalho livre já constituído de antemão, e a existência de poderosos interesses capitalistas, com bases sociais sólidas, capazes de representá-los tanto num espaço público de atuação particular quanto num espaço ocupado pelo Estado, em suma. Outras seriam aquelas condições favoráveis que os Estados Unidos poderiam, mercê das primeiras, oferecer à imigração: acesso largo à propriedade da terra, direitos e liberdades civis, individuais, políticas e religiosas, por exemplo. Seriam estas “causas naturais” a trazer a “imigração espontânea”, espécie de correnteza humana, tão esperada pelos imigrantistas brasileiros para desaguar no país.

77 Apud Evaristo de Morais Filho. As idéias fundamentais de Tavares Bastos. Rio de Janeiro: Difel; Brasília: INL, 1978, pp.171-2.

58 Diante da necessidade, considerada pelo autonomeado Solitário, de se proporcionar a realização desta plácida transição, cujo indesejável mas necessário agente deveria ser o Estado, Tavares Bastos, como em outras questões, raciocinaria através de um mecanismo teórico pelo qual a preocupação fundamental está em reformar o Estado através da ação política parlamentar, o qual, por sua vez, já reformado, assumiria o papel principal numa reorganização mais eficiente e racional da sociedade brasileira78. Independente das opiniões apriorísticas que pudesse ter e que porventura o distinguissem de outros publicistas e políticos de seu tempo, a recorrência ao Estado surgia como um abrangente denominador comum em relação à generalidade deles. Constatou-se o fato de terem existido, no Rio de Janeiro, numerosas associações voltadas para a imigração ou a colonização com imigrantes europeus, sendo destacada a Sociedade Central de Imigração. Sem querer ver uma por uma, o que seria tarefa além dos nossos objetivos, queremos no entanto, seguindo a análise elaborada, entre outros, por Agenor de Roure79, assinalar a existência de algumas delas, mais destacadas. Faremos isto guiando o nosso olhar pela perspectiva das dificuldades referidas de participação dos particulares no empreendimento de fomentar a imigração, um empreendimento, em termos políticos, reformador. Lembremos a posição geográfica destas sociedades na Corte imperial, como um dado norteador de nossa exposição: surgindo na própria sede do poder central, intimamente relacionadas com ele, a sua trajetória traz a possibilidade de ilustrar a limitação do governo imperial em galvanizar esta iniciativa particular. Mais adiante, inseriremos a atuação da SCI neste quadro do imigrantismo na capital imperial, privilegiando alguns aspectos de sua atividade. Desde o início da vida política independente do Brasil, percebe-se uma relativa ausência de atitudes governamentais a propósito do incremento da imigração, embora nos discursos de todos os matizes produzidos pelas elites políticas, tanto na capital quanto nas províncias, a política imigratória apareça como medida de magna importância, discursos que seriam uma constante em todo o período imperial, embora a ação que preconizavam

78 Antonio M. J. F. da Silva. “Tavares Bastos: entre o realismo utópico e o romantismo político”. In: Maria Emília Prado (org.). O Estado como vocação: idéias e práticas políticas no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Access, 1999, p.234-5.

59 sempre permanecesse aquém deles. A lei de orçamento de 1830 ordenara a cessação das despesas com a colonização. Apenas em 1845 o parlamento começou a votar modestas verbas para este objetivo, sem vantagem. O principal fator da despreocupação para com a ampliação das fontes de mão-de-obra e de povoamento era o tráfico clandestino de escravos. Este abastecimento de trabalhadores escravos garantiu a tranquilidade dos senhores de terras até os anos 50 do passado século, quando a lei Eusebio de Queiroz marcou a decisão do aparelho governamental em debelar o tráfico negreiro. Apenas estando em vigor a lei anti-tráfico de 1850, é que o governo dedicou efetiva atenção ao assunto da imigração e colonização. O exemplo da Fala do Trono, na qual a necessidade de suprir a lavoura de braços através da imigração foi ocupando um espaço significativo80, ilustra esta atenção. A lei de terras de 1850 à primeira vista apresentava estímulos ao desenvolvimento da imigração e da colonização; no entanto, além de ter sido regulamentada só em 1854, ela fez muito mais predominar o anseio da classe dos fazendeiros de manter sob controle a propriedade fundiária, obstaculizando seu acesso a não-proprietários, incluindo-se os imigrantes que se desejava introduzir no país. Paralelamente, dentre os fazendeiros partiam iniciativas que demonstravam não só a hesitação, mas a disparidade de objetivos na questão da imigração, e da substituição do trabalho como um todo. A idéia de introduzir trabalhadores chineses, genericamente chamados coolies, o que poderia incluir outros asiáticos, era intermitentemente agitada. O final do tráfico africano foi o seu marco de intensificação nas propostas que se apresentavam. O governo mantinha normalmente o seu propósito de trazer mão-de-obra que se recomendasse também etnicamente. Mesmo quando em algum momento, afagasse a intenção de introduzir chineses ou africanos livres, rejeitava a idéia de injetar mais sangue de origem inferior nas veias já carregadas de sangue negro e indígena. Num debate parlamentar em 1857, sobre a imigração chinesa, respondendo a um deputado, o ministro do Império Couto Ferraz declarou que o governo não pretendia aumentar a população brasileira com contingentes chineses. Argumentava que o chinês só abandonava seu país a fim de reunir algum dinheiro, para, conforme os próprios contratos que costumava celebrar,

79 Agenor de Roure. “Importancia maior do Sul pelo rapido progresso de S. Paulo – Imigração e colonização”. In: Galvão, B. F. Ramiz (dir.). Contribuições para a biographia de D. Pedro II (parte 1ª). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, pp.708-738. 80 Ibidem, p.712-3.

60 voltar em cerca de quatro anos, sem criar raízes nos países onde trabalhava.81 Outro episódio desta disputa ocorreu no mesmo ano de 1857, ao ser derrotado na Assembléia Legislativa da Província do Rio de Janeiro um projeto visando a estimular a vinda de imigrantes africanos livres. O Jornal do Commercio, representativo da opinião contrária à introdução de raças inferiores para realizar entre outras coisas o trabalho agrícola, aplaudiu esta derrota com o argumento de que o atraso agrícola verificado no país devia-se aos africanos, o que apenas poderia ser remediado por colonos europeus.82 Depois de transcorrida metade desta década de 1850, num compasso de espera do governo de D. Pedro II por iniciativas dos partidos e do legislativo, e junto a elas, por iniciativas particulares, surgira em 1855 a Associação Central de Imigração, que se tentava impulsionar sob o signo da iniciativa particular, mas que se sustentava na boa vontade do governo imperial. Sob o ministério Paraná, esta associação recebera favores e auxílios expressivos, dos quais ressalta um empréstimo sem juros e a longo prazo, que corresponderia à metade do seu capital. Em 1858, um decreto reformou os estatutos desta associação, a fim de permitir a nomeação do seu presidente pelo governo: sinal de fragilidade da iniciativa particular dentro desta entidade, que assim perdia mais espaço num empreendimento já bastante dependente da intervenção do Estado. No mesmo ano, um regulamento estabeleceu regras de higiene e tratamento humanitário a se observar no transporte de imigrantes, a estes sendo assegurada a liberdade de escolher onde se estabelecer dentro do país. Pelo que se apurou, esta associação teve atuação pífia, mantendo-se em virtual inatividade. Obviamente, isto não somou para a política imigratória que o Estado pretendia ver impulsionada. Acresce-se a esta fraca atuação a repercussão negativa de fatos desabonadores no engajamento dos imigrantes na Europa. Este foi um problema que perdurou por bastante tempo, através de todas as fases iniciais da política imigratória sob o Império. Os principais envolvidos neste tipo de incidentes eram os agentes de imigração particulares, que contratavam com o governo ou com fazendeiros o recrutamento de imigrantes na Europa. Costumavam estes agentes celebrar contratos de trabalho antes dos embarques com os emigrados para o Brasil, o que acarretava numerosas vezes a decepção dos contratados, normalmente ignorantes das condições concretas do país

81 Luiz Felipe de Alencastro. História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.296. 82 Ibidem, p.297.

61 onde iriam se instalar. Por sua vez, no fito de obter o maior número possível de engajados, estes agentes frequentemente apelavam para falsas promessas, tais como as de vantagens financeiras, entrega gratuita ou quase gratuita de habitações, instrumentos de trabalho etc., ou de facilidades de se obter propriedade de terrenos. A decepção no cumprimento destas promessas, em torno das quais se acalentavam grandes esperanças, tornavam revoltantes para muitos imigrantes as circunstâncias já de si mesmas difíceis dos primeiros tempos no Brasil. Ao mesmo tempo, o Estado não atendia a certas condições consideradas por muitos essenciais para que se firmasse um fluxo imigratório crescente e consolidado. As terras alemãs destacavam-se como o principal berço dos imigrantes que os dirigentes do país pretendiam obter. Diferenças sócio-culturais entre o Brasil e os Estados alemães precisavam ser ao menos atenuadas, a fim de se prover à acomodação dos imigrantes germânicos, com seus usos e costumes próprios, à realidade de um país bem diferente. A predominância oficial da religião católica, determinada pela Constituição de 1824, criava embaraços à existência de muitos imigrados de religião protestante. O mais incômodo dos embaraços era a falta de reconhecimento do governo aos casamentos entre católicos e protestantes, os quais, devido à indefinição oficial, ficavam submetidos à pecha de virtuais concubinatos: situação que além de ser extremamente vexatória, ainda provocava diante da lei uma situação de insegurança, pela negação de vários direitos decorrentes do contrato matrimonial. Todos estes problemas repercutiam negativamente na Europa, como não deixavam de recordar os defensores mais interessados de uma política imigratória eficiente. Lembramos aqui como exemplo Teófilo Ottoni, prócer do partido liberal, o qual dedicou boa parte de sua atividade política a essa defesa, sobretudo por ter empreendido um projeto de colonização da região do Mucuri, até então praticamente selvagem. Este político mineiro assestou suas baterias contra a Associação Central, na sua opinião uma entidade nefasta para com as necessidades da política imigratória, inclusive por suas ligações com elementos do governo geral que no entender do então deputado, desviavam os esforços destinados à imigração para a satisfação de interesses pessoais e partidários, contando-se entre eles a promoção de perseguições políticas, das quais ele mesmo se julgava, através de

62 sua empresa, uma grande vítima83. A Câmara dos Deputados de Berlim aprovara em 1861 uma resolução para aconselhar o governo prussiano a proibir a emigração de seus súditos para o Brasil, enquanto o governo brasileiro se recusasse a aceitar as condições que então lhe eram impostas. Estas condições se resumiriam em: decretar a legalização dos casamentos entre protestantes e católicos, afastando deles a qualificação de concubinatos; declarar nulos os contratos de parceria em vigor, proibindo que se renovassem; regulamentar o direito de sucessão dos emigrados; estender aos emigrados de fé protestante o direito de construírem templos; e dissolver a Associação Central. Muito embora Teófilo, como outros políticos e publicistas, condenasse uma atitude que no seu entender denotava a arrogância do reino prussiano nas suas relações com o império brasileiro, nem por isso desculpava as falhas e os vícios constitutivos de um serviço que refletiria o estado de um sistema imperial corrompido. Os principais motivos do interesse prussiano em extinguir a associação prender-se-iam, no fundo, às distorções em um serviço de imigração que deveria ser minimamente eficaz, motivos esses representados em parte pelos abusos e erros no trabalho de agentes de imigração, em parte pela má administração da política imigratória, cujo fulcro estaria no ministério da Agricultura.84 A segunda grande tentativa de interessar e galvanizar a iniciativa particular para a causa da imigração se deu com a fundação da Associação Internacional de Imigração, cuja composição incluía brasileiros e estrangeiros domiciliados no Rio de Janeiro e comerciantes de importância na praça. Seus intentos eram: promover a imigração espontânea, construir uma hospedaria para os imigrantes recém-chegados ao Rio de Janeiro, e fazer a propaganda que fosse necessária nos centros de emigração. Tal propaganda, generalizada, sistemática e constante, destinava-se a alimentar uma corrente imigratória espontânea por facilitar, aos pretendentes à imigração, o conhecimento preliminar das coisas do Brasil. Recusava-se, assim, o chamado sistema a tanto por cabeça. Este expediente imigratório, movimentado por agentes que aliciavam no exterior os candidatos à imigração, mostrava-se inócuo para as necessidades de mão-de-obra colocadas basicamente pelos grandes proprietários, e até prejudicial a estes últimos, pois

83 Paulo Pinheiro Chagas. Teófilo Ottoni, ministro do povo. 3ª ed. rev.e aum. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; Brasília: INL,1978, pp.305-310.

84 Ibidem, pp.308.

63 trazia para o país indivíduos incapazes ou indispostos a trabalhar na agricultura. Também a tentativa corporificada na Associação Internacional de Imigração falhou, tendo como um dos motivos a falta de fundos. Sua contribuição ao esforço imigrantista, no entanto, deixou o efeito de algumas atividades, como o lançamento de publicações, consideradas bastante úteis à solução do problema de dar incremento satisfatório à imigração.85 Enquanto sua tentativa de utilizar a iniciativa particular, concentrada numa associação de indivíduos com o estímulo de favores oficiais, mormente financeiros, fracassava, o governo imperial continuava a recorrer à ação direta. Fundavam-se colônias por conta do Estado, prática mais ou menos esporádica que, principalmente no Rio Grande do Sul, retomara impulso a partir dos anos 1870. Atendendo à chegada de numerosos colonos italianos, principalmente do norte da Itália, inicialmente encaminhados para colônias já existentes, o governo imperial fundou novas colônias: Alfredo Chaves, em 1884, hoje Veranópolis; Antonio Prado, em 1885, e São Marcos, em 1887, no planalto gaúcho86. Também a iniciativa particular se manifestava em projetos pontuais de colonização, surgindo deles outras colônias, a maioria nas províncias sulinas.87 A instância legislativa constituía-se num espaço essencial para as demandas dos adeptos da imigração, ou seja, daqueles que efetivamente a privilegiavam nas medidas propostas. Na grandiloquente retórica política que envolvia os grandes problemas nacionais, e cujas caixas de ressonância nos espaços públicos eram a imprensa e o legislativo, ela sempre era recordada, de um modo menos ou mais superficial, como solução. A historiografia demonstra cada vez mais que o incremento à imigração, apesar da relativa lentidão em que era conduzido, ocupava lugar na consciência do sistema imperial como um integrante do mesmo processo que engendrava a demolição do escravismo. E este processo era difícil pela resistência da velha aristocracia escravista, a qual, mesmo já experimentando uma decadência econômica progressiva, ainda ocupava no governo central posições-chave, com as quais poderia, como o fez, emperrar e retardar as medidas reformadoras que aliviariam diversos problemas do país como um todo.

85 Agenor de Roure. Op cit., p.715.

86 Carlos H. Oberacker Jr. “A colonização baseada no regime da pequena propriedade agrícola”. In: Sergio Buarque de Hollanda (dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo II, 3º Vol, p.232. 87 Agenor de Roure. Idem, pp. 708-738.

64 Certamente os interesses dos propugnadores de medidas em prol da imigração não coincidiam, tendo em vista os resultados esperados por uns e outros. Do mesmo jeito, é de se pensar que cada grupo ou indivíduo empenhado pela imigração possuiria uma idéia mais ou menos definida dos verdadeiros objetivos dos demais correligionários da imigração, o que dirimiria dúvidas e possíveis ilusões sobre uma concordância total entre eles. Entretanto, as alianças entre eles se faziam, mais ou menos estreitas. Referimo-nos aos representantes da cafeicultura paulista que a certa altura dos trabalhos parlamentares e das manobras governamentais envidou esforços por viabilizar a sua opção pela transformação do trabalho substituindo o braço escravo pelo braço livre do imigrante europeu, e os demais imigrantistas, empenhados seja no parlamento, seja no associativismo do espaço público dos particulares, seja na imprensa, em fazer realizar sua aspiração. Antes mesmo da fundação da SCI, Alfredo de Taunay, que mais tarde se constituiria no principal braço parlamentar da Sociedade, mesmo havendo outros associados dela com assento nas Câmaras, já atuava em aliança com os cafeicultores do “novo Oeste” paulista, através de seus entendimentos com Antonio Prado, membros ambos do Partido Conservador. Depois, com o início das atividades da Sociedade Central, o político fluminense prosseguiu contando com o apoio de representantes da cafeicultura, em suas campanhas no legislativo. É possível que as divergências existentes entre o projeto da SCI, representado por Taunay, e os desígnios do grupo dirigente da cafeicultura do “novo Oeste”, que mais tarde se tornariam capitais, a princípio não tenham apresentado vulto devido às posições defendidas por Antonio Prado, principal interlocutor do vice-presidente da SCI. É o caso de uma das principais destas divergências, em torno da difusão da pequena propriedade. Esta difusão, em realidade, nunca foi desejo da cafeicultura paulista, dado aliás extensivo a toda a aristocracia territorial brasileira, e entretanto constituía ponto básico do ideário da Sociedade Central. Todavia, contrariamente a seus pares cafeicultores, o líder imigrantista de São Paulo demonstrava simpatia por esta difusão. Maria Thereza Petrone afirma:

“É interessante notar que Antônio Prado, apesar de pertencer à importante família de fazendeiros de São Paulo, defendeu quando Ministro da Agricultura e principalmente quando senador por São Paulo, a criação de núcleos coloniais e de uma legislação que favorecesse a divisão das grandes propriedades para possibilitar a aquisição de terras ao imigrante. Achava

65 que com o aumento da imigração e tendo os colonos acumulado capitais suficientes, seria vantajoso aos grandes proprietários subdividir suas terras para vendê-las aos mesmos.”88

Focalizaremos adiante os embates parlamentares e a política dos ministérios em torno do fomento da imigração no período entre 1883 e 1889, tempo de existência ativa da SCI sob o Império, e que é também o tempo de participação parlamentar do vice-presidente da Sociedade, antes do alijamento que a República lhe impôs. Uma observação importante, embora sobre ponto já bem assinalado por autores dedicados ao assunto, é o embricamento prático entre os esforços pela imigração e aqueles relacionados à emancipação dos escravos, o que configura na arena parlamentar e na política oficial o seu significado conjunto de elementos do processo maior de transformação do trabalho que acharia momentos decisivos neste período. Outra observação importante, no que se refere a nosso tema, e em relação a esta pugna parlamentar, é a constatação nítida da posição eminente do deputado Taunay na defesa dos interesses da imigração, antes mesmo da fundação da SCI, bem como de parlamentares que depois se filiaram à Sociedade liderada por ele. Taunay havia apresentado o plano de renovação do contrato celebrado pelo governo com a Sociedade Colonizadora de Hamburgo, ao qual só pôs uma restrição: não reeditar o sistema de pagamento a tanto por cabeça, mediante o qual fizera-se o recrutamento de homens apontados por ele como irresponsáveis, dispostos apenas a passear através do Atlântico, bebendo enormes quantidades de cerveja às expensas do governo, para depois tomar o caminho para Buenos Aires, sem se fixar no Brasil. Taunay recebera o apoio de alguns outros parlamentares, entre os quais Pereira da Silva. Este último defendia um programa para os imigrantes composto por distribuição de terras, garantia de pessoas e de seus bens, e liberdade civil, política e religiosa. ; Aqueles que viam em primeiro lugar os interesses da grande propriedade e ansiavam que a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre atendesse prioritariamente às fazendas, concentravam seus esforços num programa cuja medida preliminar se constituía numa nova lei de locação de serviços, já que a lei que então vigorava, de 1879, possuía um caráter tendente mais a afugentar do que atrair colonos. Este

88 Teresa Schorer Petrone. “Imigração assalariada”. In: Sergio Buarque de Hollanda (dir.). História geral da civilização brasileira, p.35.

66 instrumento legal não fora ainda regulamentado, e a penalidade contida nele, a prisão com trabalho, contemplava a possibilidade de não-cumprimento dos contratos pelos colonos, brandindo-se desta forma uma ameaça à sua liberdade, no caso de faltarem para com suas obrigações. A idéia de entregar às assembléias provinciais a tarefa de legislar sobre a locação de serviço agrícola, o que permitiria na opinião de alguns uma flexibilidade na solução de conflitos de acordo com os costumes e as condições locais, era obstaculizada pelo Ato Adicional. Para muitos partidários da introdução de imigrantes, esta lei exibia na parte penal um contra-senso perante a política imig;;ratória que se pregava – constando de liberdade civil, liberdade religiosa e liberdade política, ou seja, justamente a liberdade como um dos principais atrativos. ; No entanto, as disposições ;que concentravam os maiores elementos de repulsão do trabalhador livre ainda contavam;; com a simpatia de alguns elementos do parlamento. Assim, o parlamentar paulista, Dep;utado Almeida Nogueira, apresentou projeto regulando as relações entre locador e locatário; de serviços, que mantinha justamente a mais intragável das disposições: a prisão por ;dívida. O ano de 1883 se passou sem ;que o poder legislativo tivesse votado qualquer medida que pudesse fomentar a coloniz;ação estrangeira. A única questão discutida em relação a esta, era a da indenização devida; a um certo Savino Tripoti, com o qual o governo restringira um contrato. Os projetos; de reforma da lei de terras e de locação de serviços permaneceram arquivados na Câmara;. Entrementes, um fato novo, ocorrendo no seio da iniciativa privada, ou seja, no espaço ;público dos entes privados, veio concorrer para o andamento da questão imigratória da é;;poca. Falamos da fundação da Sociedade Central de Imigração. ; O impulso decisivo para a criação da SCI teria partido da iniciativa de dois dos mais ilustres imigrantes ale;;mães que o Brasil já acolheu: Karl von Koseritz, que muito se destacou no jornalismo ;e na política, bem como em diversas outras atividades intelectuais, radicado no Rio Grande; do Sul; e Hermann Blumenau, cujo próprio sobrenome já evoca a cidade catarinense da qu;al se celebrizou como fundador. Ambos já pugnavam há anos pela colonização através ;de imigrantes e por benefícios para os mesmos, nas províncias sulinas onde se haviam es;tabelecido. Koseritz e Blumenau encontravam-se, à época, de visita na capital do Impéri;o, com o intuito de despertar o interesse efetivo de setores das

67 elites imperiais para a “cau;sa” da imigração. Desejavam atraí-las ao debate e à formulação de uma política de imigração centrada no Rio de Janeiro e, em linhas gerais, aplicável para todo o país. Junto com o suíço Hugo Gruber, resolveram convocar uma reunião de burocratas, homens de letras e fazendeiros sobre o tema, combinando-se, para realizar este objetivo, com destacadas ;figuras da Corte, como Alfredo d’Escragnolle Taunay e André Rebouças89. Entrementes, um fato veio a reforçar a decisão dos três alemães de realizar uma intervenção na questão da imigração. Após os anos 1850, novas tentativas de introduzir imigrantes chineses, e asiáticos em geral, sofreram bloqueio.90 Contudo, o progressivo agravamento do problema de substituição de mão-de-obr;a, guardadas as numerosas nuanças de cada momento em que ela se desenrola, leva no f;inal dos anos 1870 e início dos 1880 a que novamente se contemple a alternativa asiá;tica. Concomitantemente à busca do Estado de regularizar a prestação de trabalho de mão-;;de-obra livre na agricultura, é empreendida uma aproximação com a China. Em març;o de 1879, é sancionado o decreto que dispunha, sobre os contratos de locação de ser;viços, e no mesmo ano, em setembro, a Câmara aprovou em meio a calorosos debates u;m crédito para enviar-se uma missão ao Império do Centro. O objetivo de seus promotores; constituía-se em estabelecer relações diplomáticas entre os dois impérios e promover a imi;gração dos súditos do império asiático ao Brasil.91 O estadista responsável pela idéi;a era o então Ministro da Agricultura e Presidente do Conselho de Ministros Cansansão de ;Sinimbu. Este, já preocupado com o problema da mão-de-obra, organizara em 1878 um C;ongresso das classes proprietárias de terra do país. Atrasados para o comparecimento ao loc;al do congresso no Rio de Janeiro, os senhores de terras do Norte realizaram seu próprio co;ngresso em Recife. No Congresso que reunira os representantes da lavoura do Sul, ocorrid;o na capital imperial, o recurso ao trabalhador da Ásia desfrutou de larga ressonância nos pr;onunciamentos dos debatedores. As simpatias de Sinimbu pela introdução de coolies, por ;outro lado, eram bem conhecidas. Entretanto,

89 C. von Koseritz. Alfredo d’Escragnolle Taunay, es;boço caracteristico por...2ª ed.Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1886, p.18. Também Eduard;o Silva. D. Obá II D’África, o príncipe do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp.97-102. 90 Leite, J. R. Teixeira. A China no Brasil. Campinas: Ed. Unicamp, 1999, pp.113-7. 91 Maria Lúcia Lamounier. Da escravidão ao trabalho livre. Campinas: Papirus, 1988, p.128.

68 como resultado da posterior missão à China, fora celebrado um tratado em 188192, apontando para a viabilização desta imigração. Mas o empenho acabou infrutífero. Finalmente, deu-se o fugaz mas significativo episódio envolvendo o cônsul chinês Tong-King-Sing e a Companhia Chinesa de Navegação Mercante no Rio de Janeiro. Em fevereiro de 1883, o governo imperial fundara a Companhia de Comércio e Imigração Chinesa. Esta se comprometia a trazer 21.000 coolies no prazo de três anos, a 35 mil réis a cabeça. Em outubro, o supracitado mandarim desembarcava no Rio de Janeiro, ostentando sua condição de diretor da companhia de navegação. Pretendia conhecer a agricultura brasileira in loco, e travou logo contatos cordiais com fazendeiros e autoridades. Seu objetivo maior, no entanto, consistia em estabelecer uma linha marítima regular entre o império asiático e o americano. A presença de Tong-King-Sing causou rebuliço, curiosidade e murmuração na capital93. Reações contrárias não faltaram. Aquela que mais chamou a atenção no espaço público imperial, e a que obviamente mais nos interessa, foi a que no seu desenrolar culminou na fundação da Sociedade Central de Imigração. Carl Koseritz chegou a conhecer, de passagem, Tong-King-Sing numa audiência com D. Pedro II a 13 de outubro deste ano. Sua repulsa a uma iminente imigração asiática, assim provocada, foi mais um fator decisivo para que lançasse mãos à obra na criação de uma sociedade de imigração européia. Foi no embalo do protesto de homens como Taunay, José do Patrocínio, Koseritz e outros que a fundação de um grêmio de paladinos pela imigração, acerbamente avessa à introdução de chineses, ganhou potência pelo seu caráter de oportunidade. De qualquer forma, o fracasso a mais esta iniciativa pela imigração chinesa não tardou: em poucas semanas, o cônsul chinês zarpou para Londres, sem advertência. Além das dificuldades do governo imperial em aceitar conceder uma subvenção que Tong pretenderia para sua empresa, pesou provavelmente com mais intensidade para a sua retirada a desaprovação da Inglaterra à repetição de um tráfico de homens no Atlântico, com um sucedâneo do extinto tráfico negreiro. De comum acordo, Blumenau, Gruber e Koseritz dirigiram uma circular a diversos indivíduos das elites: ministros de Estado, parlamentares, funcionários públicos de todos os setores, e membros da boa sociedade, com ocupações na indústria, comércio, letras e artes. De saída, trataram de valorizar no texto a importância do assunto a ser tratado, fixando

92 Leite, J. R. Teixeira. Op, cit, p.117.

69 verdades aos seus destinatários, através de pontos dos quais mostravam não admitir contestação: a crise do trabalho nacional, caracterizada como ameaça esmagadora; a necessidade de o sistema de produção baseado na grande propriedade rural ser substituído pelo da pequena propriedade; e a inadiável necessidade de participação da iniciativa privada na propaganda em prol da imigração européia. Para reforçar seu argumento lembravam os benefícios que a imigração trazia aos Estados Unidos, atribuindo-lhe o mérito de ter dado a esta nação o progresso com o qual impressionaria o mundo. Indicavam como um fato positivo para o desenvolvimento da imigração a medida do poder legislativo, equiparando em direitos políticos o cidadão naturalizado e não pertencente à religião oficial com o nacional católico, e acrescentavam que naquele momento já estavam sendo visadas outras medidas: a grande naturalização e a implantação do casamento civil, decisões estas cuja realização era essencial para que se formasse uma corrente de emigrantes com destino ao Brasil. Contudo, atos legislativos não bastariam. Tanto na Europa como no Brasil deveria haver propaganda. O motivo apontado para a intervenção da iniciativa privada era que se precisava aproveitar uma oportunidade que poderia se diluir. O trio germânico informava sobre o interesse da Sociedade Central de Geografia Comercial em Berlim, em fomentar a emigração para o Brasil. Ela inclusive estava promovendo, com o auxílio de suas filiais no Brasil, uma propaganda na Europa, e segundo os destinadores da mensagem, já conseguia despertar em seu país uma simpática atenção para com o Império Brasileiro. Seguia daí que, connforme propunham os três autores da circular, a iniciativa particular deveria se manifestar, e o Rio de Janeiro, capital do Brasil, deveria representar o principal papel nessa movimentação. A falta de uma correspondência do público brasileiro aos esforços empreendidos por aquela associação, afirmavam, envolvia o risco de fazê-la esmorecer. Ao mesmo tempo, desanimaria as pessoas que já se empenhavam, aqui, pelos interesses imigrantistas do Brasil, como era o caso dos três destinadores, há anos atuando junto à imprensa alemã. Justamente apresentando seus créditos como propagandistas pelo Brasil, estes últimos anunciavam assim sua iniciativa em convidar os destinatários para uma reunião. O objetivo dela seria apenas debater o problema da imigração, e após isto tomar a resolução que se mostrasse mais conveniente. A data marcada era 14 de outubro, às 11

93 Ibidem, pp. 119-121.

70 horas da manhã, num dos salões do Liceu de Artes e Ofícios. Além da circular, foram publicados na imprensa vários convites para esta reunião. Com grande afluência de público, que encheu a Sala “Affonso Celso” do respeitável estabelecimento destinado ao ensino técnico, realizou-se o evento94. Surgida em meio aos debates então realizados, a SCI adotou de pronto a defesa do modelo de colonização desejado pelos seus fundadores europeus, o mesmo modelo pretendido por imigrantistas brasileiros que participaram da sua fundação, ou filiaram-se posteriormente a ela. A descrição das principais passagens do desenrolar desta assembléia, a qual foi preparatória da organização da SCI, é útil porquanto nela se manifestam numerosos pontos de força da ideologia que a orientava, bem como se revelam projetos até então defendidos de forma quase dispersa e que entrariam para a agenda da associação. Detalhes que apontam para questões da sociabilidade dos seus membros e dos seus envolvimentos com o espaço público de agentes privados e com o aparelho estatal comparecem nas palavras e atitudes. Uma circunstância, que a leitura da ata da sessão e dos relatos outros feitos sobre esta, deixam estabelecida, é a vigência de uma conjugação de interesses, mais ou menos articulados, a cuja aliança a fundação da Sociedade Central deu oportunidade de ser efetuada. Tomou a palavra em primeiro lugar Koseritz, um dos signatários da circular, para coordenar os preparativos para a discussão: a indicação do Visconde de Barbacena, talvez um dos mais idosos participantes, para presidir a assembléia, o que foi aceito por todos; e a introdução em linhas gerais do tema em foco, para que se desse início ao debate. Os pontos principais das falas foram estes que seguem. Da parte de Koseritz houve a defesa de uma uniformidade nas medidas pró-imigração européia, bem como de um sistema harmônico de política imigratória em todo o país, ressaltando a importância nesta política da propaganda, a fim de influenciar a opinião pública. Tal como na circular, lembrou, como bom exemplo a ser observado, a política imigratória desenvolvida pelos Estados Unidos. Outro exemplo que ele apontou, agora no Brasil, foi o bom desempenho da imigração européia no sul. Por

94 Desta reunião, há relatos tanto n’A Immigração, nossa fonte por excelência, como no livro de Koseritz, Imagens do Brasil, que traz outras interessantes informações. Carl von Koseritz. Imagens do Brasil. Trad. Afonso Arinos de M. Franco. São Paulo: Martins/EDUSP, 1972. Também ver, de Eduardo Silva, D. Obá II d’África, o príncipe do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

71 outro lado, combateu a introdução de trabalhadores chineses - a propósito, um ponto dos mais importantes nas preocupações de todos estes imigrantistas. Em nova alusão aos termos da convocatória, externou sua opinião de que a Corte imperial deveria assumir a tarefa e reparti-la pelas províncias. José Vergueiro, falando em seguida, divergiu do imigrantista teuto-brasileiro. A ação oficial, para ele, era desnecessária e até nociva. Tudo deveria se empreender por iniciativa particular; mas que não se deixasse de lhe dar “base sólida”. Aproveitou o ensejo para elogiar Taunay por lutar pelas medidas legislativas necessárias à imigração. Como ilustração de suas opiniões, por sua vez, apontou um outro exemplo para a imigração brasileira: as iniciativas partidas de São Paulo, ao desenvolver a imigração espontânea. Koseritz retomou a palavra para novamente defender a propaganda, a fim de que as idéias pró-imigração entrassem no parlamento com força; também elogiou Taunay. A esta altura, chegou ao ponto que encerrava o seu maior desígnio ao reunir aquela assembléia. Afirmou querer a existência de uma sociedade ativa e numerosa, que não se colocasse à sombra do governo. Apresentou, também, o exemplo positivo da Argentina na imigração de europeus. O terceiro a falar foi o próprio Taunay, que começou citando seus esforços parlamentares em favor da imigração européia, desenvolvidos desde 1877. No seu entender, eles teriam sido pouco efetivos, o que se demonstrava pela não aceitação, pelas instâncias governamentais, da grande naturalização e pela idéia de substituir o trabalho do negro pelo do chinês, desígnio que ele condenava. Sua proposta era optar-se pela imigração européia, de preferência a qualquer outra. Assim como fizera Koseritz, também apontou o exemplo da Argentina e defendeu a necessidade da propaganda. De passagem, fez um elogio ao seu partido, o Conservador, atribuindo-lhe uma postura de ação e senso prático no trato das questões em que se debruçava. Condenou o “brasileirismo” enfatuado e os preconceitos que se levantavam contra a imigração. Mesmo assim, declarava, estava para emergir o “novo Brasil”, rompendo os obstáculos que se levantavam contra si. Em sua opinião, o europeu traria valores de trabalho e de família; além disto, constituir-se-ia em bom exemplo para os nacionais. Ennes de Souza, em sua fala, exaltou a “democracia rural”, que se realizaria por medidas como a do lançamento do imposto territorial. Posicionou-se de forma contrária à

72 agricultura extensiva no latifúndio, considerando que a mesma não permitia a imigração franca. Dando voz à opinião geral, perceptível nas pessoas presentes à reunião, Ennes igualmente condenou com ênfase a intodução de chineses. Partidário da imigração européia, ele a associava às “generosas idéias do abolicionismo”. Neste desfilar de vozes tão acordantes, tomou a palavra um certo senhor Azevedo. Este fez um reparo à redação, elaborada por Taunay, de um protesto recentemente lançado contra a tentativa de implantar a imigração chinesa, que então era tentada neste final de 1883. Segundo ele, o protesto, nos termos em que era formulado, ofenderia o caráter de “cosmopolitismo” do Brasil, e fecharia toda chance aos “filhos da China” que viessem espontaneamente ao país, ou seja, àqueles que viessem fora do sistema de exploração do coolie. Peremptoriamente, Taunay reafirmou os termos do protesto, retrucando-lhe que quem o subscrevera estava cônscio de que era exatamente ao caráter servil dessa imigração que o documento em questão se referira, por expor a opinião dos que a ela se opunham. Após outras falas, o debate culminou na decisão da assembléia de fundar a Sociedade Central de Imigração. Resolveu-se, neste sentido, eleger uma comissão para redigir os estatutos da nova sociedade. Em dois documentos iniciais aparecem registradas as primeiras declarações de intenções da SCI: nos Estatutos e num manifesto de 25 de novembro de 1883, sendo que este segundo documento quase que apenas esmiuça o conteúdo do primeiro. Assim, desponta como principal objetivo: promover o aumento da imigração européia para o Brasil. Para realizar este objetivo, a SCI se propunha a utilizar estes procedimentos: - criar um escritório de informações aos imigrantes e fiscalizar o tratamento recebido por estes durante sua viagem para o Brasil, a bordo dos navios, sua recepção, instalação e colocação; - influir para a decretação de reformas para que o estrangeiro achasse uma “pátria” no Brasil, recebendo-o e preparando-lhe terra para morar (e ser dela proprietário); - criar um órgão de propaganda “nesta corte”, para formar opinião em favor da imigração européia; - corresponder-se com sociedades estrangeiras de emigração para o Brasil, a fim de combinar-se com elas numa colaboração; promover propaganda direta nos países da Europa, “que melhores imigrantes forneçam”.

73 Esta Diretoria era composta de um presidente, um vice-presidente, um tesoureiro, um 1º secretário, um 2º secretário e doze diretores. Os sócios estavam divididos em três categorias: aqueles que haviam participado da fundação da Sociedade ou tivessem prestado a ela serviços altamente relevantes; sócios "beneméritos", aqueles que pagassem a quantia de 1:000$ para cima; e os sócios remidos, os que pagavam 100$. Houve pouca rotatividade de titulares nos cargos, mantendo-se, por exemplo, Beaurepaire e Taunay todo o tempo respectivamente nos cargos de presidente e vice- presidente da entidade. Da mesma forma, não temos mais notícias de assembléias reunindo a generalidade do quadro social. As reuniões das quais temos o registro são normalmente reuniões de diretoria. A entrada da SCI na esfera pública dos agentes privados representava um reforço ao empenho imigrantista em geral e da tendência baseada na pequena propriedade em particular. Cumulativamente, a presença deste novo personagem de espaço público reverberava na esfera do poder estatal. Por mais que Koseritz, José Vergueiro ou quaisquer outros membros da SCI manifestassem, fiéis a um ideário liberal, a necessidade de um movimento partido da iniciativa privada e conduzido por ela, e a inconveniência da presença do Estado a tolher esta iniciativa, a realidade brasileira não dava muito lugar a estas pretensões. A própria gangorra retórica com a qual se erguia primeiro o princípio da dispensa do Estado de intervir em certos setores, para logo em seguida dar lugar a solicitações destas ou daquelas medidas, mesmo que consideradas limitadas e restritas ao papel constitucional do governo, é reflexo desta situação histórica. No fundo, ela revelaria menos a hipertrofia e intervencionismo do Estado que a própria fraqueza e pouca consistência da iniciativa privada, econômica ou politicamente falando, e do espaço público onde naturalmente ela se situaria. Um espaço público ao qual as classes subalternas, escravas ou livres, todas não-proprietárias, não tinham acesso, nos limites estreitos concedidos à cidadania, e do qual as classes dominantes pouco precisavam para fazer valer seus interesses. A partir de um levantamento por nós efetuado, foi elaborada uma listagem dos deputados gerais filiados à SCI, colocada nos anexos deste trabalho. As ações de alguns deles aparecem nos próprios registros da associação. Personagem destacado é o político fluminense Alfredo Chaves, cuja atividade em prol do imigrantismo lhe valeu o batismo de

74 um antigo núcleo colonial com o seu nome. Outro lembrado é Ulhoa Cintra, representante de São Paulo. Também dignos de menção são os dois Jaguaribes; Domingos José Nogueira Jaguaribe e seu filho homônimo. De origem cearense, ambos fizeram carreira baseados em São Paulo. O seu apoio nesta província revelou-se importante, notadamente na viagem de caráter virtualmente apostólico que Ennes de Souza fez a terra paulista para conectar os interesses de sua elite aos da SCI. Ainda quanto a São Paulo, podem ser citados os dois futuros presidentes da república que então defendiam idéias imigrantistas na Câmara Geral: Prudente de Moraes e Campos Salles, os quais no âmbito da Sociedade aparecem ter tido uma fraca projeção. No entanto, no que concerne às iniciativas patrocinadas pelo grêmio imigrantista, a primazia na sua representação frente às duas casas do parlamento e aos gabinetes usualmente pertencia ao deputado Taunay. Um fato que denota esta disposição deu-se quando a Sociedade Central enviou uma petição ao Senado e à Câmara, durante a legislatura em que Taunay, não reeleito por Santa Catarina, encontrava-se fora da deputação. O emissário escolhido, Alfredo Chaves, leu a petição, não sem antes frisar que caberia a Taunay, se estivesse investido em mandato, cumprir a incumbência. A projeção de Taunay à testa da SCI desdobrava-se nos degraus por ele galgados na carreira política, bem como nas características próprias que esta assumia. Num período de entusiasmo e bons auspícios da associação, paralelamente à lembrança da vitória eleitoral de Taunay junto aos imigrantes no sul, e à sua atuação à frente do governo do Paraná, a figura do vice-presidente da SCI recebe a máxima exaltação na propaganda. Era o homem- símbolo, a “alma” da Sociedade. É praticamente fora de dúvida que sua ascensão, mais tarde coroada pela escolha de seu nome para compor o Senado, inspirava pretensões de arregimentar e estabelecer o controle de uma nova parcela do eleitorado. Este recente contingente, fruto das reformas eleitorais era formado a partir dos imigrados naturalizados, acrescido de seus descendentes aqui nascidos. Estas pretensões têm conexão lógica com a defesa que era feita da cessão dos direitos políticos e civis integrais aos imigrantes que viessem refazer a vida no Brasil. Afinal, Taunay e seus companheiros bateram-se pelo que ele chamava “nacionalização” ou “grande naturalização”, reivindicando a queda de toda e

75 qualquer dificuldade de o estrangeiro residente pudesse obter a condição de cidadão brasileiro, em equiparação com os nacionais, ou seja, os nascidos nos limites do Império.95 Concentrou-se, pois, em Taunay a ação parlamentar em prol dos desígnios da SCI. Sabe-se que ele a conduziu com a pertinácia e a laboriosidade que lhe eram peculiares. No entanto, fortes foram as resistências que se lhe depararam, mais acirradas ainda devido às próprias características do estilo de sua representação na Câmara. Afonso Celso Junior dá-nos um quadro desfavorável desse estilo de Taunay deputado:

“Orava com dicacidade, abundância e engenho, mas de ordinário não agradava na tribuna. Áspera a voz, com sotaque estrangeirado, o tom agressivo, a graça forçada. Proclamava-se conservador, e pregava idéias, mais que generosas e adiantadas, - revolucionárias. Descontentava assim seus correligionários, sem captar a confiança de seus adversários, a quem tratava com empáfia irritante.”96

Com a chegada de Dantas ao governo, em 1884, foram acalentadas esperanças de que as providências constantes da representação enviada pela SCI recebessem mais diligente atendimento. Embora no foco das preocupações de seu gabinete aparecesse a libertação dos sexagenários, havia no seu programa uma declarada atenção para com a questão imigratória. Duas medidas eram contempladas: o casamento civil e a desapropriação de terras às margens das estradas e vias fluviais de navegação, porém sua adoção não foi obtida pelo político baiano. Taunay continuava a se queixar do desinteresse que os assuntos da imigração encontravam nos debates do legislativo. Igualmente, tratava de agir. Em 23 de junho de 1884 apresentou na Câmara dos Deputados um projeto no qual se isentava do imposto de transmissão os terrenos da lavoura, até 100 hectares, com o fito de favorecer o surgimento de pequenas propriedades. No mesmo dia, proferiu discurso sobre leis de locação de serviços e o projeto n. 241 A. de 1882. Abordou as “gravissimas” acusações na Europa, contra o Brasil, feitas principalmente por causa das leis de locação de serviços de 13 de setembro de 1830, 11 de outubro de 1839 e 15 de março de 1879, esta ainda não regulamentada. A lei ainda não regulamentada de 1879, promulgada nos inícios deste ano e apelidada de Lei Sinimbu, tratava minuciosamente, à diferença das duas

95 Alfredo de Taunay. A nacionalisação ou grande naturalisação e... Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886. 96 Afonso Celso, Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, conde de. Oito anos de parlamento. Poder pessoal de D. Pedro II.Brasília: Ed. Universidade de Brasília,1981, p.73.

76 anteriores, em oitenta e seis artigos, das obrigações de locadores e locatários nacionais e estrangeiros. Continha artigos explícitos contra formas de resistência do trabalhador agrícola, com penalidades a descumprimentos dos contratos.97 A principal acusação que ele formulava é que o Brasil tentava reduzir o europeu a simples serviçal, próximo ao escravo. Dizia que a parte penal destas leis e do projeto em discussão era atentatória à liberdade humana. Num país onde não existia a prisão por dívidas, para a paga de serviços se recorria ao constrangimento corporal e à prisão. Taunay apelava deste proceder ao exemplo da legislação norte-americana, que abolira ao máximo os constrangimentos à liberdade pessoal. Além da lei de locação de serviços, o outro alvo de suas críticas era a ação dos agentes de imigração no exterior. Como credencial suplementar à pertinência de suas posições nestes assuntos, invoca sua participação na Sociedade Central de Imigração.

“Senhores, tenho a honra de fazer parte de uma associação que ultimamente se ha empenhado em combater com toda a energia esses contractos abusivos feitos na Europa, por verdadeiros alliciadores de gente incauta. Promettem-lhe mundos e fundos, acenam-lhe com mil promessas, e depois a entregam aos rigores de uma lei que poderá ser favoravel aos poderosos, mas nunca protectora dos fracos. (Apoiados.)”98

Os debates parlamentares em torno dos discursos de Taunay, nos boletins da SCI, mostram não apenas as posturas do parlamentar, ilustrando a ideologia imigrantista que representava, como também as dificuldades, reais ou ao menos alegadas, com as quais lidava. Ficam registradas as objeções e as discordâncias vindas de representantes da oligárquia fluminense; ainda apegada ao trabalho escravo e manifestando descrença no imigrante; e as reticências e a pouca disposição de representantes paulistas, como Martim Francisco Filho, cuja província já se conduzia decididamente na opção pelo imigrante europeu como substituto de sua força de trabalho escravizada. Na questão da lei de locação de serviços, Taunay fazia incidir suas críticas mais pesadas sobre a parte penal, utilizada contra o trabalhador, ou locador. Visava o deputado proteger a pessoa do imigrante que contratava seus serviços. Buscando entusiasmar os

97 Maria Lúcia Lamounier. Op. cit., p. 21. 98 A Immigração. Bol. N. 5, Set. 1884, p.5.

77 representantes paulistas para suas colocações em geral, ele faz a um só passo o elogio à atividade imigrantista de São Paulo e a reclamação por mais empenho de seus representantes, em apoiar a extensão deste tipo de esforço a todo o Brasil.

“Sr. Presidente, V. Ex. sabe que provincia alguma se tem occupado desta grande questão, mais do que a provincia de S. Paulo. “Há alli homens que, desde 1846, vão procurando encaminhar a sua solução e do melhor modo possivel esse grave problema da substituição do trabalho. “A este respeito, não posso deixar de mencionar com o mais fervoroso applauso o procedimento criterioso, verdadeiramente scientifico, daquella esperançosa zona brazileira. “É ella que, mais do que nenhuma outra, por seus proprios recursos e com uma iniciativa digna de toda a admiração, tem encarado por todas as suas faces a difficuldade que hoje tanto nos opprime, buscando para ella resolução salutar e completa. “Senhores, a provincia de S. Paulo, não tem, para assim dizer, de ha 20 annos para cá, desviado os intelligentes olhos desse momentoso escôpo; o que faz com que eu não possa deixar de estranhar o indifferentismo dos illustres representantes dessa provincia, que aqui no parlamento se conservam silenciosos em assumpto de immigração e colonisação.”

Diz que, no entanto, alguns dos representantes da provincia presentes às sessões em que discursava até contavam-se entre os propulsores desse grande “movimento”. Manifestava então sua estranheza diante disto, especulando sobre sua razão. Egoísmo? Insistindo no assunto, ele confessava crer que, “si este Imperio fôra uma confederação em que a autonomia dos Estados fosse bem pronunciada, a provincia de S. Paulo já teria adoptado medidas larguissimas (...), collocando-se resolutamente na vanguarda de todo o Brazil...” Informava, manobrando cifras e estatísticas, que, de um orçamento de 3.000.000$ , S. Paulo dedicava 600.000$ para a corrente imigratória. O Império, de 130.000.000$, só se destinavam 750.000$ para isto, em todo país. Acrescentava, acerca da imigração, que os norte-americanos davam a um imigrante em boas condições o valor de “1.500 dollares, isto é, 3.000$000.” Citava José Vergueiro, fazendeiro paulista e membro da SCI, como opinião contrária à lei de locação de serviços. Ele empregaria "as suas horas de lazer no estudo de todas essas questões, e vai-lhes dando applicação pratica.”. Leu trechos da carta que o

78 comendador José Vergueiro lhe enviara, resposta de carta de Taunay em que este lhe pedia pareceres sobre o assunto. Taunay criticou uma parte do projeto de Almeida Nogueira em que se punia qualquer perturbador das colônias. O deputado lembra que um jornalista que denuncie irregularidades pode ser punido assim. “Em um paiz de publicidade, como é o nosso, será possivel e acceitavel sujeitar a tal pena o cidadão prestante e corajoso que queira tomar a peito o interesse legitimo dos opprimidos? (Apoiados). “Não é, porventura, a imprensa um dos grandes meios de tornar conhecidos os abusos? Uma das armas mais poderosas contra os prepotentes? (Apoiados)”. “Entretanto, o fazendeiro (...). Não poderá exigir que seja punido e tratado [o hipotético jornalista] com o sublevador dos seus operários?”

Outro aspecto do projeto era a transferência do contrato do colono entre proprietários. “É ou não é verdadeiro servo da gleba?” Para ele, o colono seria tratado “como qualquer bem irracional semovente, sem consulta nenhuma, sem concurso da sua vontade, como cousa ligada ao immovel que fôr cedido ou vendido. (Apartes).” “Um trabalhador que tem dignidade, um europeu, não póde ser assim equiparado a um animal irracional.”

“Vamos, senhores, um momento de franqueza! Concordemos que assim pensam muitos. Reconhecem de certo o vicioso systema de trabalho em vigor entre nós; mas é tão doce mandar, ser obedecido, inspirar medo, terror, ser senhor de baraço e cutello, dispor da vontade e do corpo dos outros, pôr e dispor, ou ser condescendente, humano, benevolo, mas isto porque quer, visto que, si não quizesse, poderia ser tyranno, deshumano e cruel!”

Concluindo o andamento da proposta de Taunay de isenção de imposto de transmissão de terrenos, vê-se que o projeto “foi sepultado no Archivo da Camara, que sempre serviu de cemeterio para as idéas não baptizadas pelos ministros.”99

99 Agenor de Roure. “Importancia maior do Sul pelo rapido progresso de S. Paulo – Imigração e colonização”. In: B. F. Ramiz Galvão (dir.). Contribuições para a biographia de D. Pedro II (parte 1ª). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p.726.

79 O deputado insistia, e se destacava no combate às três leis de locação de serviços, centrando o fogo de suas críticas no dispositivo em que figurava a pena de prisão por dívidas. Repisava que tais leis haviam despertado indignação aos países de emigração: elas transmitiam a convicção de que os imigrantes contratados acabavam reduzidos à virtual condição de escravos, se não à de servos da gleba, algo totalmente contrário à sua dignidade de homens livres. Contando com a opinião concorde de Antonio Prado, o vice- presidente da SCI apresentou um substitutivo ao projeto Almeida Nogueira, propondo uma medida: deixar às assembléias provinciais o legislar sobre locação de serviços, com a restrição de não poderem estas impor a prisão por dívida. Almeida Nogueira opunha-se a esta medida, alegando que ela contrariava o Ato Adicional. Opôs-se também a Taunay o deputado Andrade Figueira, contrário ao abandono das leis de 1830 e 1839, e que considerava a lei de 1879 um regresso. Agenor de Roure estendeu-se sobre as opiniões deste parlamentar, interessando-nos pela descrição de suas posturas, significativas quando se pensa nas atitudes gerais dos que o apoiavam ou ao menos se identificavam com seu modo de encarar a questão das reformas. Seu conservadorismo costumava opor-se a reformas de feição liberal, sob a alegação de que continham elementos de atraso em relação a leis já em vigor. Foi um adversário de peso, articulado e de argumentação inteligente. Outras mostras de suas atitudes estão nas discussões da reforma da lei de terras, ao considerar a lei de 1850 muito melhor do que os projetos de reformá-la; quanto ao projeto da lei dos sexagenários, preferia que apenas vigorasse a do ventre livre, considerando que, libertando-se os nascituros, ninguém mais seria escravo, quando chegasse aos sessenta anos de idade.100 Taunay e Antonio Prado, tão próximos pelas idéias quanto pela filiação comum ao Partido Conservador, não obtiveram sucesso com as primeiras, mesmo tendo o apoio de Carneiro da Rocha, ministro da Agricultura do Gabinete Dantas. O projeto Almeida Nogueira passou à 3ª discussão, sem que lhe fosse arrancada a rigorosa parte penal. Era fato conhecido pelo legislativo e pelo executivo que ela estava sendo utilizada na Europa em prejuízo da opção de país imigracionista que o Brasil pretenderia representar. Era esta penalidade tanto mais intolerável quanto não existia na legislação comum, sendo só aplicada aos colonos. Correspondência recebida por Taunay de Frankfurt dava conta de

100 Ibidem, p.726-7.

80 que a lei servia de pretexto para a manutenção do aviso do ministro Von der Heydt, da Prússia, de 1859, contra a emigração alemã para o Brasil; assim como transmitia a impressão de que a Itália procederia de forma similar, perante a repercussão de uma notícia constrangedora: fora preciso a intervenção oficial para que os cônsules português e espanhol no Rio de Janeiro pudessem prover à soltura de dezenas de colonos destas duas nacionalidades, presos em Campos, sem processo, por denúncia de seus credores, fazendeiros da região.101 Diante de toda esta situação, Taunay apresentou outro projeto, proibindo a pena de prisão por dívidas entre locatários e locadores. Este também encontrou a imobilidade, nas gavetas do arquivo da Câmara. Por seu lado, o Gabinete Dantas dispusera-se a fazer algo pela imigração. A maneira como o fez, um tanto fora dos padrões institucionais costumeiros, sem anunciar nem discutir sua iniciativa na Câmara, é um sinal que pode demonstrar não só as dificuldades que este ministério experimentou em seu governo, como também as limitações postas a deterrminadas iniciativas, que apesar de reconhecidas em geral como úteis, a nível de discurso, eram constantemente travadas pelo desinteresse, ou por interesses contrários. Para os mais ardentes partidários da imigração européia, esta tentativa se constituiu num episódio que não podia deixar de despertar uma forte irritabilidade. Carneiro da Rocha tomou a iniciativa de atender ao pedido de colonos já instalados no país, desejosos de mandar vir parentes seus, determinando o pagamento das passagens destes, tendo seus nomes sido previamente arrolados em listas. As cartas dos colonos, chegando à Itália e à Alemanha, veicularam a notícia desta decisão, a qual repercutiu de uma forma que ultrapassou de longe qualquer resultado esperado pelo ministro. Acreditou-se que era geral a ordem de pagar-se as passagens de imigrantes, havendo milhares de candidatos à imigração se apresentado aos consulados e legações brasileiros nos citados países. As autoridades que ali serviam ficaram em grandes dificuldades, ainda mais que muitos destes estrangeiros tinham-se desfeito de seus imóveis e de outros bens, inviáveis ou não para o transporte, vendendo aquilo que podiam. Carneiro da Rocha, mais tarde filiado à SCI, informaria, quando já afastado do ministério da agricultura, que constavam nas listas dadas pelos colonos entre 25 e 30 mil nomes de “parentes”. Todavia, em junho de 1885 já se haviam apresentado, segundo os cálculos feitos pelos cônsules, além dos cerca de 30 mil

101 Ibidem, p.727.

81 “parentes”, mais de 44 mil “parentes dos parentes”. Aos olhos dos imigrantistas, tinha-se pela frente uma ocasião excelente de introduzir no país 60 mil italianos e 14 mil alemães. Ainda em maio, a diretoria da SCI enviara uma representação às duas casas do parlamento, a qual foi lida no Senado pelo senador Ignacio Martins, na sessão do dia 26, e publicada no Jornal do Commercio. A diretoria reclamava que, tendo apenas Carneiro da Rocha autorizado o pagamento das passagens, houvera grande alegria na Europa, e justamente “no momento em que em varios paizes ha falta de trabalho aconselhando o exodo da patria”, vinha uma contra-ordem do seu substituto no ministério.102 Ao mesmo tempo, enviava um ofício ao já ex-ministro, felicitando-o pelos atos a favor da imigração e pela consideração que ele demonstrava ter para com a Sociedade. Além de apetecível, a oportunidade seria ética e politicamente irrecusável. A palavra do governo fora empenhada, pelo menos no que concernia aos 30 mil “parentes”. A atitude mais correta a ser tomada pelo governo, na opinião dos imigrantistas em geral, era óbvia: tirar partido dos acontecimentos e absorver a corrente espontânea que se formava. Nesse ínterim, contudo, enquanto o governo parecia estar ainda se recuperando da surpresa, caiu o ministério Dantas, substituído com a volta de Saraiva à sua chefia. A missão a que o novo primeiro-ministro se propunha mais que tudo era a de realizar a abolição dos sexagenários, atendendo a prévios entendimentos com a Coroa. Ao expor seu programa de governo à Câmara, Saraiva omitiu qualquer referência à imigração. Prudente de Moraes, republicano paulista, manifestou sua estranheza diante desta omissão. Em resposta, o chefe de governo praticamente limitou-se a apenas reconhecer o fato. O deputado Ferreira de Moura, a quem fora entregue o cargo de ministro da Agricultura, já suspendia a ordem de pagar as passagens aos parentes dos colonos localizados no país. Sua justificativa era falta de verbas, a ameaça de déficit. Antonio Prado protestou contra a decisão adotada. Afonso Pena, ministro da Justiça, tomando a defesa de Ferreira de Moura, declarou que a reduzida verba disponível no orçamento destinava-se ao transporte de imigrantes no interior do país, e não para prover sua vinda do estrangeiro. Carneiro da Rocha explicou que a verba orçamentária de 200:000$ chegaria para as primeiras centenas de imigrantes, subvencionados nas passagens, que chegassem. Havia também o dado de que as passagens teriam de ser pagas no Brasil, depois de cada chegada, e não de uma só

102 “Representação ao parlamento”. A Immigração. Bol. n. 11, Maio/Jun. 1885, p.1.

82 vez e nos países de embarque. O próprio ministério Saraiva, assumindo o governo após o surgimento deste problema, teria oportunidade de comunicá-lo ao parlamento e conseguir o crédito necessário. Pelo fato de que nem todos os candidatos a vir para o Brasil poderiam embarcar de uma só vez, haveria tempo para solicitar ao parlamento o crédito necessário à subvenção das passagens seguintes – se o Gabinete Dantas não se visse obrigado a sair do poder. Todavia, o ministério Saraiva ignorou a palavra empenhada do gabinete anterior e as razões imigrantistas, mantendo a suspensão total do pagamento das passagens. Ferreira de Moura ordenou aos cônsules que informassem aos 74 mil europeus candidatos à imigração que, tendo havido um convite do governo brasileiro para eles neste sentido, este convite fora retirado, devendo os mesmos refazerem os seus lares na própria Europa. A desaprovação a esta atitude levantou uma reação forte no meio parlamentar. Aplaudindo a declaração de Duarte Azevedo, de que se devia economizar em tudo, menos na verba destinada à imigração, Andrade Figueira desenvolveu ataque aos liberais no governo. Considerou o deputado que a ação do governo neste assunto deveria chegar até à distribuição gratuita de terras aos imigrantes e ao pagamento de passagens, como declarou na sessão de 2 de junho de 1885. Para ele, a situação liberal sob Saraiva não contemplava satisfatoriamente a questão da imigração.103 Um grupo de vinte e quatro deputados liberais e republicanos, frisando a intenção de não fazer oposição a Saraiva, discordou de sua decisão e propôs um crédito de até 3 mil contos de réis para pagar as passagens dos imigrantes “convidados” e também para se medir lotes. A fim de que não se duvidasse que só seriam pagas as passagens dos “parentes”, Antonio Prado fez o crédito ser recolhido na comissão de orçamento. Quanto a Saraiva, seu desinteresse ou até má vontade pela imigração pareciam claros. Esta impressão de certa forma estendeu-se para o governo seguinte, ao ser Saraiva substituído pelo barão de Cotegipe, encerrando-se o ciclo de situações liberais que perdurava desde 1878. O deputado republicano Campos Sales interpelara Saraiva sobre o assunto da imigração, mas com sua saída e a ascensão dos conservadores, caberia ao novo presidente do conselho de ministros, Cotegipe, responder à interpelação. No entanto, o novo chefe do governo declarou nada ter com aquilo, recusando-se a dar resposta. Contrariado, o paulista protestou, sob a alegação de que interpelara o presidente do conselho, fosse ele Saraiva ou Cotegipe, sendo esta negativa um

103 Ibidem, p.728.

83 desrespeito à Câmara e um atentado à sua soberania. Também protestaram Joaquim Nabuco e outros políticos liberais. A sessão acabou suspensa devido ao clima de tumulto em que desandou. De qualquer maneira, nem ali na Câmara, nem no Senado, onde tocou no caso da interpelação, Cotegipe se julgou habilitado a responder. Partidário da imigração européia, Campos Sales teve neste episódio mais um motivo para desenvolver suas críticas. Segundo ele, os esforços para a transformação efetiva do trabalho deveriam ter começado em 1831, quando se tentara a repressão do tráfico negreiro. No caso da locação de serviços, o líder republicano considerava que as duas leis iniciais que a regularam haviam resultado de conjunturas políticas opressivas. Resultara a lei de 1830 do despotismo de D. Pedro I, e a de 1839 teria sido produzida pela reação conservadora de 1837. Elas duas, por seu caráter considerado bárbaro e desumano, apenas teriam servido como obstáculos à imigração, e esta barreira, em 1885, ainda não fora revogada, queixava-se ele. A apresentação destes fatos busca demonstrar que, assim como no período de situação liberal não constara nenhuma promulgação das leis que se julgava necessárias para fomentar o povoamento nacional, através da imigração, também a situação conservadora começava sem qualquer programa imigratório. Por outro lado, o desenvolvimento da legislação que desembocaria na abolição completa do regime servil apontava, no entender de numerosos membros da elite política, de muitos dirigentes do Estado, e também de setores da classe dos fazendeiros, para o desenvolvimento concomitante do processo de formação de uma corrente imigratória. Cotegipe apenas prometera dar atenção ao cumprimento dos objetivos traçados pela lei de 1850, além de buscar localizar os trabalhadores nacionais junto aos estrangeiros, como pequenos proprietários, nas terras públicas. Antonio Prado assumira o ministério da Agricultura no Gabinete Cotegipe com o intuito de aplicar estratégias para a sua opção imigrantista. Sua participação efetivamente lhe serviria para isto, mesmo convivendo com a política repressiva ao abolicionismo empreendida pelo barão, política esta que, pelo alento dado à resistência escravocrata, dificultava a implantação da solução que caracterizaria o novo Oeste paulista. Entre outras condições, o novo ministro da Agricultura tinha a seu favor um saldo de 800:000$ na verba de imigração e colonização. Começou cumprindo a promessa de Cotegipe. Prado elaborou um novo projeto de reforma da lei de terras, prevendo o aforamento e a venda a prazo. Mais tarde, em 1886,

84 preparava-se para lançar uma propaganda eficiente na Europa e pagar as passagens dos imigrantes espontâneos. As arengas dos parlamentares imigrantistas, espicaçando a ação governamental, continuavam insistindo em encetar medidas mais largas e arrojadas pela conquista de correntes migratórias e pelo condicionamento sócio-político do país para acolhê-las. Num discurso a 28 de julho de 1886, o Deputado Afonso Celso Junior enfatizava que nunca fora tão necessário firmar constância e unidade de ação em prol daquelas medidas. A Europa principiava a descortinar no continente africano um espaço vasto de atividade exploratória para a colonização européia. O Congo assistia à fundação de um novo Estado, dizia ele; a Itália punha em marcha um plano de obter colônia na África; da Alemanha esperava-se uma surpresa espetacular naquele continente, e assim por diante. A causa da obtenção de correntes migratórias européias perigava, portanto, e com ela a salvação econômica da nação. Jaguaribe, também voltado para a questão imigratória, contribuía com um plano de grandes proporções, para conceder-se ao governo uma autorização para colonizar uma área, com 50 quilômetros de cada lado, situada nas margens do Paranapanema, em São Paulo, e na serra dos Aimorés, no Espírito Santo. Estas terras, devolutas, seriam entregues pelo governo a uma empresa colonizadora que se comprometesse a instalar ali trabalhadores nacionais. Antonio Prado concordou com a idéia e aceitou-a como emenda ao orçamento. O plano falhou, apesar do apoio do ministro. Teria influído poderosamente para seu fracasso a opinião corrente entre os grupos dirigentes acerca da incapacidade do trabalhador nacional para a colonização. A identificação deste elemento da população como indolente e vadio, apático ante os estímulos econômicos e incapaz de desenvolver uma vida estável, constituía-se num forte preconceito, reforçado pela virtual inexistência histórica de tentativas consequentes de utilizá-lo em projetos do gênero. Predominava nos projetos de colonização a preferência por imigrantes europeus. Assim é que, para o ano de 1887, Antonio Prado conseguiu a verba de 4.500:000$ e empregou-a para prorrogar o contrato com a Sociedade Colonizadora de Hamburgo, a fim de introduzir 3.000 imigrantes por ano, durante cinco anos. A idéia tinha sido de Taunay, que saudou este acordo como verdadeira vitória de seu trabalho. A situação apresentava importantes alterações: no governo, movimentava-se mais o processo decisório em face da política imigratória; na sociedade formada pelos cidadãos, aqueles que podiam desfrutar de

85 alguma vez e de alguma voz na cena pública, os partidários da imigração cresciam em número e ímpeto. Havia resistências, mas pareciam produzir, apenas, atitudes de pouca consistência e vozes de pouco eco. O tamanho da despesa constituía-se na principal alegação de alguns. O Deputado João Penido, por exemplo, dizia preferir que se mandasse trazer 10.000 missionários capuchinhos para catequizar os índios. Já Coelho Rodrigues declarava sua oposição a gastar-se um só real a mais com imigrantes estrangeiros, principalmente para os louros de olhos azuis, inadequados para viver num solo e num clima mais apropriados aos índios, primitivos habitantes, e para os sertanejos racialmente mistos e aclimatados. A única medida que faltava para garantir o progresso ulterior do país, no juízo de Coelho Rodrigues, era coibir a vagabundagem. No entanto, os que assim se pronunciavam contariam pouco numericamente, seriam verdadeiras exceções. Não lograram impedir a votação da verba de 4.500:000$ e os trâmites, mesmo vagarosos, da nova lei de terras. Esta foi remetida ao Senado após reduzir-se os preços dos lotes demarcados. Pronunciando-se em 1887, o imperador aguardava que os senadores a aprovassem, a fim de facilitar a ação governamental para o desenvolvimento da colonização. Contudo, entre os resistentes ao incremento de uma política imigratória que se mostraram com maior visibilidade neste período, avultou a idéia da imigração como fator de enfraquecimento da nacionalidade. Esta relação traçada entre a introdução de imigrantes e a manutenção de uma identidade nacional pré-existente à era de grande imigração que se anunciava, interessa bastante na perspectiva que este trabalho pretende explorar concernente à questão da construção da nacionalidade brasileira. Lembremos que esta questão concentrou muita preocupação e muito arrazoado das elites brasileiras, particularmente as elites intelectuais. Foi, por exemplo, discussão privilegiada da chamada “geração de 1870”, com todas as implicações correlatas da questão racial e filiação cultural. Incontestavelmente ocupa boa parte da discussão contemporânea sobre os rumos brasileiros. O estudo desta tendência, que se apresentava como ordem de opiniões mais ou menos difusas na época de que tratamos, não tem como ser desenvolvido aqui; porém, no interesse deste trabalho, é válido mencionar e mostrar em linhas gerais o quanto a palavra nativismo tinha lugar nos debates sobre imigração, à época.

86 Dentro do molde em que a SCI vasava sua compreensão do que representaria o assim chamado nativismo, cabiam diversos de seus adversários e antipatizantes, cujas idéias a respeito de preservar atentamente a integridade, as tradições e os interesses do Brasil, eivadas de desconfiança para com a colaboração do elemento estrangeiro, seriam interpretadas como índice de emperramento e atraso – coisas do “velho Brasil”. Para aqueles que se declaravam nativistas ou afins, a palavra tinha um sentido eufórico, designando o zelo pela preservação de valores e interesses brasileiros. Ao termo, igualmente eufórico ou disfórico dependendo da posição contrária ou a favor deste, contrapunha-se o “estrangeirismo”: termo de oposição, lançado pejorativamente aos adeptos da necessidade do elemento estrangeiro para a solução dos grandes problemas nacionais. O deputado José de Alencar mostrou-se um personagem que bem se encaixaria na designação de nativista, como se percebe em declarações como esta, proferida na Assembléia Geral, em 1877, durante discussão acerca de uma lei de finanças: “Vejo na propaganda estrangeira um grande perigo para o Brasil, e entendo que é do meu dever protestar.” 104 Esta postura do deputado cearense se condensa mais ainda nas sérias objeções que faz à contribuição estrangeira para resolver especificamente a problemática da substituição do trabalho, como também para resolver outras questões, em detrimento de algum recurso alternativo. Conclamava o povo brasileiro a depositar confiança em suas próprias capacidades e ter fé no próprio destino, o que lhe bastaria para formar um grande Império, sem ser preciso recorrer ao que qualificava de “tráfico de europeus, muito mais odioso do que o de africanos, embora se disfarce com o nome de colonização.”105 Um dado circunstancial interessante, nestes pronunciamentos parlamentares do deputado e escritor, é que eles constituíram um dos “parênteses” que Alencar abriu no corpo deste discurso sobre a lei de finanças, e que estendeu em boa medida. Isto trairia, a nosso ver, não só uma verborragia comum entre parlamentares daquele tempo, mas também uma impressão um tanto difusa talvez, porém persistente e incômoda o bastante para se fazer presente, em palavras cheias de azedume.

104 Alencar, José de. Discursos parlamentares de José de Alencar. Brasília: Câmara dos Deputados, 1977, p.56. 105 Ibidem, p.55.

87 “Tem-se desenvolvido ultimamente uma espécie de fetichismo do estrangeiro. (Apoiados.) Se a nossa lavoura definha é porque faltam braços estrangeiros, enquanto a minha Província aí está exuberando de gente que até quer emigrar para outras. (...) Se a nossa indústria não se desenvolve, precisa de capitais estrangeiros. (Apoiados.) Se o nosso espírito público se abate, cumpre inocular-lhe sangue estrangeiro.”

E finaliza estas reclamações citando o então deputado por Goiás, que entenderia ter o Brasil necessidade até de estadistas e ministros estrangeiros que o viessem governar106. Alguns outros deputados, nos apartes ao discurso, concordam e acrescentam exemplos. Alencar, mesmo que talvez visse com lente de aumento esta tendência estrangeirista, acabou por formular, com a sua clara irritação, os sentimentos de uma parcela da elite brasileira avessa, em última análise, a uma possível deturpação das características em que identificava o espírito nacional. Ao mesmo tempo, ele aponta a existência de uma contraparte às suas idéias, que pelo seu teor bem seriam identificáveis sob a rubrica de nativismo. O deputado cearense inclusive nomeia tal tendência oposta, ao classificar a confiança que observava no elemento estrangeiro, para ele excessiva, como “estrangeirismo”, dispondo-se a mostrar os equívocos dos “apologistas do estrangeirismo”. Muito embora a própria Sociedade Central de Imigração ainda não existisse, nestes anos 1870, a tendência que Alencar, como outros, assim nomeava certamente incluía as posturas imigrantistas desta associação por nascer. Enquanto manifestações frontalmente contrárias a propostas ao tipo das da SCI, como a de Alencar, se apresentavam nos centros de decisões estatais, posturas idênticas em outros setores, pautadas por maior ou menor repercussão, também se colocavam. Foi na própria época de existência da SCI, fase marcada por perspectivas mais amplas de fomento da política colonizadora com a presença européia, que se registraram os ataques ruidosos de Silvio Romero contra as idéias imigrantistas que se começavam a aplicar. Na sua retórica agressiva, habitualmente usuária de afrontas de ordem pessoal, o crítico literário e advogado sergipano tomou Taunay como um dos grandes representantes destas idéias e portanto como alvo privilegiado das censuras que escreveu. A condenação proferida por Romero aos planos imigrantistas encontrava no vice-presidente da SCI um

106 Ibidem, p.56.

88 objeto visível, condição potencializada pelo renome público e pela insistente caracterização de Taunay como homem-símbolo destas idéias. A crítica de Romero não se referia à disseminação da pequena propriedade, nem a qualquer dos projetos defendidos pela corrente imigrantista que a preconizava, referentes à estrutura agrária do país. O núcleo de sua discordância situava-se no desequilíbrio étnico que decorreria da entrada maciça de europeus não-lusos no Brasil. Alarmado com o que já via se processar no Sul do país, situação que ele identificava como o início de uma germanização progressiva desta região, o crítico nordestino manifestava seus temores de uma extensão deste suposto processo ao Norte do império. O perigo se resumia no possível desaparecimento dos elementos de origem portuguesa que compunham a população do Brasil. O fulcro desta situação estaria na invasão de um espaço geográfico, étnico e cultural que os portugueses teriam conquistado e plasmado, o Brasil como um todo e o Nordeste em particular, por outros povos brancos. A afluência destes últimos, trazida pela imigração, acabaria por submergir o elemento português, já às voltas com negros, indígenas e mestiços numa luta pela sua predominância racial, conforme os termos de uma leitura social darwinista. Em outras palavras, estaria sob ameaça uma identidade nacional que se vinha forjando desde os tempos coloniais, pelo projeto de introdução massiva de novos elementos para conviver com a população brasileira e compartilhar de um mesmo espaço nacional. Os alemães com os quais Taunay e a Sociedade Central de Imigração tanto almejavam formar uma corrente imigratória, eram os principais elementos de perigo que Silvio Romero enxergava em uma grande imigração. A polêmica entre Taunay e Silvio Romero, então professor do Colégio Pedro II, ocupou algum espaço na arena pública brasileira, e é bastante significativa pelos aspectos da identificação de atores, nos discursos entrecruzados como espadas no debate acerca da política imigratória. Sem dúvida, ele se desenvolveu sob um fundo ocupado em larga escala sobre o problema da composição da nacionalidade. No artigo “Refutação cabal”, publicado em duas partes nos boletins 32 e 33, respectivamente do mês de maio e da primeira quinzena de junho de 1887, a diretoria transcreveu texto de Charles Morel, redator-chefe do jornal Étoile du Sud, sob o título “La philosophie de M. le Dr. Silvio Romero”, em que, defendendo Taunay “dos botes do nativismo e dos espiritos retrogrados que buscam fazer barreira ao real progresso do

89 Brazil”, dava uma resposta a seu ver “esmagadora ás idéas acanhadas e perigosas” de pretensos patriotas e “zeladores de velhas e imprestaveis tradições”.107 Embora de uma forma mais branda que a de Romero, o deputado José Marcelino também se mostrava contrário à concentração de imigrantes no Sul do país, preconizando o envio de uma parte dos imigrantes para o Norte. O obstáculo climático, fator comumente levantado em toda a retórica que negava ao Norte a condição de bom lugar de recepção de europeus, no entender deste parlamentar era uma alegação inconsistente, pois muitos nativos da Europa adaptavam-se bem ao clima de Pernambuco, Bahia, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte e Maranhão. Nestas províncias, a produção de algodão, açúcar e outros artigos poderia sustentar os custos da colonização. No entanto, avolumavam-se as acusações de que os ministros da Agricultura paulistas, nomeadamente Antonio Prado e seu sucessor Rodrigo Silva, dando a entender que se interessavam pela questão do povoamento, realmente só se preocupavam em conduzir imigrantes para as fazendas de café de São Paulo. Desprezariam a um só tempo a tarefa de estabelecer os recém-chegados como pequenos proprietários, radicando-os em definitivo na terra de adoção, e a de espalhá-los pela totalidade do território nacional. Esqueciam-se dessa forma das necessidades de mão-de-obra e de povoamento das províncias co-irmãs. As queixas e acusações vinham principalmente dos nortistas, embora alguns sulistas também as formulassem. Junto às acusações de deputados e periódicos nortistas de que o governo imperial tratava com favoritismo o Sul, apareciam algumas do Rio Grande do Sul de que os paulistas desviavam imigrantes com destino a Porto Alegre, fazendo-os saltar no porto de Santos. Por essa ocasião, começaram os problemas com a imigração italiana. Numa decisão que teve como fato deflagrador as queixas de maus-tratos a italianos em São Paulo, levadas ao parlamento da Itália por um deputado socialista, o governo daquele país proibiu a emigração de seus súditos para a província. Houve acerca desta decisão manifestações contrárias partidas dos próprios imigrantes já instalados, garantindo não apenas serem bem tratados na província bandeirante, como também estarem encontrando condições favoráveis de prosperidade.

107 A Immigração. Bol. n. 32, Março 1887, p.5.

90 Praticamente não se ouvia contestação ao mote de que o problema principal do Brasil era a imigração; mas o governo ainda se eximia de tomar iniciativas de maior amplitude, como esta, a de despender fundos para financiar uma introdução caudalosa de trabalhadores estrangeiros, como a que se lhe oferecia. Mostrava-se cauteloso, por mais que imigrantistas a defendessem sob o caráter de um investimento, ousado é certo, mas que em médio prazo seria resgataria pelo aumento da riqueza pública e consequentemente da receita do Estado. Por seu lado, a SCI continuava sua propaganda e suas iniciativas de animar toda e qualquer manifestação ou atitude a favor da imigração de europeus. Ela atuava em duas frentes: uma interna, voltada para a construção de uma estrutura de recepção e inserção dos imigrantes na sociedade brasileira; a outra externa, em demanda de atrair as correntes migratórias européias desejadas. Nesta frente externa, os objetivos imediatos eram obter a revogação do rescrito von der Heydt junto ao governo alemão e despertar a preferência dos dirigentes e capitalistas alemães pelo Brasil como destino dos emigrantes germânicos. Como objetivos permanentes e mais difusos, a médio e longo prazo, estavam a formação de correntes migratórias em outros países europeus, dos quais a Itália se tornou destaque, e a construção de uma imagem positiva do Brasil na opinião pública européia. A imagem de um país com política imigratória séria, constante e confiável, trabalhada pela propaganda das condições favoráveis que o país ofereceria à imigração e das atitudes dos brasileiros no sentido de criá-las ou ampliá-las, deveria ser difundida em todos os níveis da sociedade, desde as classes mais humildes até os intelectuais, empresários e estadistas. O relacionamento da Sociedade Central de Imigração com diversas sociedades de geografia e de colonização do Império Alemão é um bom exemplo ilustrativo para a história das relações econômicas do Brasil independente com as grandes potências européias. Numa época marcada pelo predomínio comercial da Inglaterra no país, é interessante entrever, num caso aparentemente fugaz, as considerações que o interesse comercial alemão em relação ao império americano entreteve nesta época de imperialismo e acirramento de disputas entre potências industriais colonialistas. Tirante os alemães, a SCI não deu espaço à idéia de atrair o interesse dos capitalistas europeus por investimentos no Brasil. Logicamente, tendo em vista as relações mais estreitas que entretinha com associações alemãs e os grupos empresariais que

91 participavam de sua direção, a SCI concentrou maior atenção e esforço em tentar conseguir inversão de capitais, pela formação de sociedades colonizadoras com fins lucrativos, entre empresários alemães. As relações de muitos associados da SCI com sociedades de geografia e de colonização alemãs indubitavelmente precedem a própria fundação da entidade. Indicadores disto estão na alusão que o trio de fundadores germânicos da SCI fizeram à Sociedade de Geografia Comercial berlinense, conforme consta da convocatória da sessão preliminar à fundação, e nas informações de que se dispõe sobre as atividades pregressas de Koseritz no Rio Grande do Sul. As atuações políticas e intelectuais de membros expressivos da Sociedade Central, principalmente as intelectuais, certamente davam ensejo para o estabelecimento destas relações. Ennes de Souza e Taunay caberiam neste caso. O periódico da Sociedade Central de Imigração, em 1887, registrou informações que o correspondente do periódico Brésil enviara de Frankfurt, acerca das sociedades dedicadas, na Alemanha, à colonização e à emigração108, relacionando as que se seguem: Deutscher Kolonialverein (Sociedade Colonial Alemã), criada na própria cidade em 1882 e transferida para Berlim em 1885, com filiais em diversas cidades do país. Contava, à época, 14000 aderentes, entre os quais homens de Estado, militares, sábios, comerciantes etc, “cujas contribuições annuaes sobem a perto de 100.000 marcos”. A comissão central de Berlim possuía homens de escol: o príncipe H. de Hohenlohe Logenburg era o presidente, e os vice-presidentes eram o Dr. Hammacher, membro do Reichstag, e o príncipe de Hortzfeldt. Encontramos o registro de correspondência entre o presidente desta associação e a SCI, da qual esperava colaboração e informações. Por não poder tratar diretamente de questões relativas a colonização, ou seja, à instalação no espaço agrário dos imigrantes que pretendia enviar, a Kolonialverein fundara a “sociedade Hermann”, com “um capital de um milhão de marcos”, a qual teria intentado a aquisição de uma ex-colônia, S. Feliciano, no Rio Grande do Sul. Um dos membros desta associação, H. Soyaux, visitara centros imigrantistas do sul do Brasil, a fim de relatar à sociedade, na volta à Alemanha, suas impressões. Igualmente, no final de 1885, foi instalada no Rio de Janeiro uma filial desta sociedade, com participação de brasileiros e estrangeiros residentes, sob a

108 A Immigração. Boletim nº 36, Agosto 1887, p.4.

92 presidência provisória do Dr. Vieira de Carvalho109. Também fundada pela Kolonialverein, foi citada a sociedade Witu, no Zanzibar, com um capital calculado em 500.000 marcos. Constava também a recente criação pela Sociedade Colonial de um escritório de informações em Frankfurt, com o fito de “indicar gratuita e exactamente, a toda a pessoa que quizer emigrar, aquillo que lhe fôr de utilidade, tanto á sua partida como á sua chegada”. Outra sociedade era a Centralverein fur Handelsgeographie und Foerderung Deustscher Interessen im Austande (Sociedade Central de Geografia Comercial para o desenvolvimento dos interesses alemães no estrangeiro). Era dirigida pelo Dr. R. Jannasch, o qual também manteve contatos com a Sociedade Central de Imigração. Uma de suas exposições sul-americanas, realizadas em Berlim, contou com a participação de Koseritz. A terceira sociedade relacionada pelo correspondente do Brésil foi a St. Raphaelverein zum Schutze Katholisch deutscher Auswandrer (Sociedade de São Rafael para proteger os emigrantes católicos alemães). Existindo já há vários anos, estaria empenhada na proteção a eles em todos os países. Tinha como presidente o príncipe de Isemburg Birstein, e como secretário M. Cahensly, membro do Landtag. A última sociedade citada foi a Deutsche Ost Afrikanische Gesellschaft (Sociedade Alemã do Este da África), presidida por um certo Dr. Peters, cujo raio de ação se concentrava neste continente, onde possuiria “vastos dominios”. Além destas sociedades basicamente voltadas para a emigração de seus compatriotas e para a colonização, também as Sociedades de Geografia, existentes segundo o boletim por todas as cidades da Alemanha, contribuíam a seu modo para os fins da emigração, pois além de se devotarem à parte científica, procuravam “ao mesmo tempo despertar o interesse e chamar a atenção para os paizes estrangeiros por meio de conferencias e pela palavra autorisada de viajantes de merito”. Alguns interesses dos promotores alemães da emigração aparecem claramente expostos neste artigo do correspondente do Brésil:

109 Idem. Boletim nº 15, Novembro 1885, p.5.

93 “Tendo obtido a Allemanha nestes ultimos tempos um desenvolvimento colossal em sua industria, sente a imperiosa necessidade de uma expansão no exterior para derramar seus productos por novos mercados. “A emigração do excesso de população para os paizes novos, em procura do bem estar torna- se, pois, uma medida de ordem economica e social”.

Aponta-se como alvissareira a existência de um “movimento favoravel á emigração para a America do Sul e principalmente para o Brazil”. É igualmente sinalizada a importância de outro critério para a escolha dos mais convenientes “países novos” de imigração, a saber: a existência nestes países de uma estrutura econômica passível de estabelecer uma complementariedade em relação à economia do país emissor de migração. Importante numa competição contemplada pela SCI para a atração de correntes imigratórias, este critério serviria, entre os alemães, para que fossem preteridos os Estados Unidos, grandes campeões da imigração européia. Assim, se comenta que “a America do Norte, tornando-se industrial, não offerece já as mesmas vantagens aos emigrantes”. É discutível se a economia industrializada dos Estados Unidos reduziria sofrivelmente as vantagens aos imigrantes alemães, mesmo àqueles de origem e formação rurais, e porventura interessados no trabalho com a terra e na sua apropriação, do que qualquer outra, seja até então, seja depois. De qualquer modo, no cálculo desses representantes das elites políticas e econômicas germânicas tal fator dificilmente pesaria quanto um outro: o inconveniente da inserção daqueles imigrantes numa economia onde poderiam prescindir do consumo de quase todos os artigos da indústria pátria, reduzindo desta forma o rol de seus compradores.110 No entanto, a iminência da efetivação de um promissor negócio (a compra da colônia de São Feliciano, Rio Grande do Sul) não despertou o mesmo júbilo em todos os membros da Sociedade. O sócio Zózimo Barroso, que vez por outra colaborava com artigos assinados para o periódico, redigiu na ocasião um artigo expondo suas apreensões quanto aos interesses alemães presentes no negócio, vendo-o como ponta-de-lança de projetos de dominação imperialista.111

110 Idem. Boletim nº 36, Agosto 1887, p.4. 111 A Immigração. Bol. n. 18, Fev. 1886, p.4.

94 De saída, visivelmente preocupado com a recepção de suas opiniões pelos confrades da Sociedade, Barroso declara que não pretende menosprezar nem desanimar a Sociedade nem a realização de sua obra, mas que é preciso acautelar-se – idéia-chave de sua enunciação. “A febre colonial (...), as idéas chamadas imperiaes”, elementos disfóricos, configurando-se na “moderna política colonial”, mereceriam toda a atenção dos países da América, “ricos pela variedade dos productos do solo, cobiçados pela industria e pelo commercio dos povos civilisados.” Apresenta casos de tentativa ou de efetivação de conquistas coloniais na África e na Oceania, todos efetuados sob a direção do governo alemão, como fatos que não deveriam passar despercebidos. Discorre sobre Bismarck, sua competência e poderio dentro do Estado, sua liderança européia, sob a qual “o Governo Allemão procura, e procura com o empenho e tenacidade proprias da raça Saxonia, crear um imperio colonial”. Zózimo atesta seu descontentamento com a notícia do empreendimento alemão no Rio Grande do Sul, para a introdução de imigrantes desta nacionalidade, justificando-o pela descrença que tinha de que “a boa” imigração pudesse ser realizada por associações de capitalistas, que visariam antes de tudo o máximo rendimento para seus capitais. Ainda menos por capitalistas pertencentes a um império fundado em princípios autoritários, senão “despoticos”, com impulsos de conquista colonial, chegando a ameaçar, segundo ele, “nacionalidades antigas e respeitadas” como Holanda e Bélgica. Ampliando as dimensões do risco em lidar com tal potência política, Barroso faz uma crítica pesada à administração pública brasileira, referindo-se aos seus erros e vícios, suas autoridades muitas vezes alheias ao patriotismo, muitas vezes arbitrárias e injustas. O articulista a contrapõe à organização meticulosa à orientação superior do “patriotismo fanatico” e da ambição de engrandecimento nacional emanada de Bismarck, dispondo de auxiliares cegamente obedientes e disciplinados. A tendência irresistível que Zózimo Barroso aponta é de se “azedarem” as divergências e questões porventura surgidas entre os dois governos no andar dos negócios da companhia colonizadora a ser criada e dos imigrantes que trouxesse, dadas as diferenças agudas que percebia existirem entre os dois povos. Lembrou que em memória apresentada ao seu parlamento em 2 de dezembro de 1885, o governo alemão expusera seus princípios de política colonial, declarando pretender proteger e superintender os interesses comerciais alemães no além-mar. Outra companhia

95 alemã pretenderia comprar terras e estabelecer imigrantes nas ilhas Galápagos, do Equador; segundo ele, o governo do Chile se esforçava no sentido de evitar que alemães se estabelecessem na costa do Pacífico. “A compra de terras para estabelecer immigrantes allemães é o primeiro passo, o protectorado do Imperio vem depois”. Embora alegasse não crer na desonestidade do grande Bismarck, provavelmente parte de um esforço de não ser excessivamente contundente e agressivo em suas colocações, Barroso ressaltava enfaticamente que o chanceler alemão sabia aproveitar-se bastante do desleixo, fraqueza e inexperiência de outros governos, dando a entender que este poderia ser o caso, para o futuro, do brasileiro. Discorreu sobre o episódio diplomático ligado às ilhas Carolinas, em cuja avaliação Bismarck teria arrancado vantagens enormes dos espanhóis, inclusive o direito reconhecido por estes últimos de manter nestas ilhas depósitos de carvão, além de benefícios comerciais, em troca de pouco mais do que promessas. Nisto, Zózimo utilizava a figura do ministro espanhol Canovas como personagem disfórico: exemplo de estadista medíocre, aludindo a outros, clara insinuação aos estadistas brasileiros, a quem ele atacara linhas acima. A incompatibilidade de um calmo entendimento entre os governos brasileiro e alemão, que se revelaria quando confrontados estes com relações estreitas como as estabelecidas pelo projeto em questão, parecia repousar para Barroso sobre as diversas orientações culturais dos dois impérios. O articulista, conjecturando sobre os elementos de uma possível dissenção entre eles, imaginava que a política alemã podia achar ajuda para o ódio nacional entre alemães e franceses, através da “influencia natural do elemento francez nos governos da nossa nação”. Trataremos mais detidamente desta questão em outra parte do nosso trabalho, ao considerar a aspiração do imigrantismo da SCI pelo europeu, e nas formas pelas quais o tipologizava. Quanto aos fatores que, do lado do Brasil, tornariam mais difícil sua situação num hipotético conflito com a Alemanha, Barroso aponta as rivalidades e intrigas dentro do continente americano, que poderiam ser exploradas contra o país; e acrescenta que até dentro dele existiriam elementos de desorganização. O argumento mais agudo, no entanto - pelo fato de que tocaria mais ao vivo os destinatários preferenciais de sua mensagem - de que ele se servia para aconselhar-lhes cautela, baseava-se na concepção daquele momento histórico tal como o compreendiam todos os imigrantistas, de todos os matizes, até mesmo os mais deslumbrados pelas suas perspectivas, como os da SCI, concepção do presente tal como delineada por Celia Marinho

96 de Azevedo. Nesta advertência que tem como destinatários os seus correligionários da Sociedade Central, Zozimo Barroso afirma:

“Vamos atravessando uma quadra difficil de renovação, que para ser salutar deve ser feita com reflexão e muita calma; é preciso não querermos tudo reformar em um só dia; destruir o passado é facil, mas edificar o presente, e preparar um bom futuro não é facil; sobretudo si se perde de vista que o presente e o futuro de uma nação, para serem seguros, só podem ser construidos com os fragmentos do passado. É a lição invariavel da historia. (...) Acautelemo- nos pois.”

Com efeito, a expansão do império alemão e as tentativas de associar todos os alemães residentes nos países estrangeiros foram fatores que contribuíram, no Brasil, para que surgisse desde aquele final do século toda uma discussão a respeito do "perigo alemão". Este era potencialmente reconhecido como imperialismo ou expansionismo germânico, e observado como ameaça à integridade nacional brasileira112. A opinião de Zózimo Barroso, tributária evidente destas preocupações numa época de fortes nacionalismos e antagonismos imperialistas, provavelmente não encontrou eco ou acolhimento na associação. Em verdade, o cosmopolitismo confiante era marca registrada da SCI. Os contatos com as sociedades alemãs continuaram, de acordo com o testemunho dos boletins. Igualmente, os esforços para ver realizar-se alguma iniciativa colonizadora dos parceiros alemães. Este verdadeiro afã em consolidar uma aliança com estes e dela tirar proveito orientou evidentemente a atitude da associação quando da visita ao Brasil do político alemão Spielberg. Este redigira um relatório, publicado na imprensa alemã, fazendo diversas observações que despertaram o desgosto e a oposição da SCI. Zózimo Barroso escrevera a respeito um artigo informativo e crítico. No entanto, a SCI não o publicou durante certo tempo, discordando das opiniões do parlamentar prussiano e inquieta com a divulgação das mesmas junto a seu público. Mais tarde, publicou apenas trechos do artigo, sempre fazendo muitos reparos e avisando que os trechos com maiores erros e más apreciações sobre o Brasil haviam sido censurados. Ora, através das próprias notas da SCI aos extratos do artigo, podemos vislumbrar algumas das opiniões de Spielberg

112 Luiz Felipe de Alencastro e Maria Luiza Renaux. "Caras e modos dos migrantes e imigrantes". In: Alencastro, Luiz Felipe de (org.) História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.334.

97 sobre as condições do país em relação aos interesses alemães. Por exemplo, ele dissera que, com a abolição da escravatura, o país entraria em séria e inevitável crise - o oposto do que defendia a SCI. Além disso, acreditava que São Paulo, com toda a sua propalada pujança, participaria desta crise, sendo que abrir-se-ia aos capitais alemães excelente fonte de investimento nas atividades econômicas em bancarrota que apareceriam. A atitude de menosprezar as atitudes para ela negativas partidas dos capitalistas e políticos alemães, de olho na revogação do aviso von der Heydt, era completada com a obsequiosa atenção a suas solicitações. Um pedido dos capitalistas alemães que se tentou persistentemente atender foi a obtenção de indenização pelo incêndio de uma exposição de produtos alemães realizada em Porto Alegre. A SCI acompanhou como pode o processo para se descobrir os responsáveis, reivindicou a indenização e através de Taunay, pediu informes do andamento ao governo. Finalmente, a decepção, expressivamente registrada numa nota lacônica, o que não era muito do estilo dos redatores da Sociedade Central: uma referência a notícias de Berlim, anunciando que a Sociedade Hermann, até então disposta à aquisição de São Feliciano, acabara de renunciar ao projeto.113 Duroselle dá conta da efetiva fusão desta sociedade, que ele chama de Deutsche Kolonial Geselschaft, “com uma outra sociedade criada pelo célebre explorador, Dr. Peters.”114 Talvez esta fusão tivesse relação direta com a anunciada alteração nos planos elaborados pela Sociedade Hermann. A mais importante iniciativa da Sociedade Central para obter uma aliança efetiva com as elites paulistas foi a viagem de Ennes de Souza a São Paulo. O principal objetivo era a fundação de uma associação de imigração e colonização na província. Também a Sociedade esperava estimular, com a presença de um de seus dirigentes, a criação de sociedades imigrantistas-colonizadoras nos municípios paulistas visitados. Uma das primeiras medidas da Sociedade, e que lhe serviram para espalhar seu nome através do país, foi a solicitação enviada às municipalidades para que informassem da localização e situações específicas das terras devolutas porventura existentes nos limites de cada uma. A intenção era basicamente concorrer para a montagem de um cadastro territorial brasileiro sob a iniciativa e por conta da associação, mas que, dadas as estreitas

113 A Immigração. Bol. n. 37, Set. 1887, p.5. 114 Jean Baptiste Duroselle. A Europa de 1815 aos nossos dias. São Paulo: Pioneira, 1976, p.43.

98 ligações da SCI com as autoridades imperiais, compreensivelmente estaria disponível com toda a facilidade para fins governamentais. Este tipo de informação sobre terras, cuja obtenção segura e completa parecia extremamente impraticável para o próprio Estado, também interessava às sociedades estrangeiras de estudos geográficos e de colonização com quem a SCI tratava. As respostas enviadas por parte das municipalidades, através das suas câmaras, apontam no sentido de um acatamento à solicitação, sinal de prestígio, embora a Sociedade se queixasse do pequeno número de atendimentos a esta convocação. Também autoridades e outras pessoas enviavam informações. Não são raras as mensagens colocando terras à disposição da Sociedade Central para estabelecer iniciativas de colonização européia. Exemplo disto estava no próprio Município Neutro, onde foram declarados cedidos à SCI os terrenos de . Estes eram ligados à estação de Sapopemba (estrada de ferro D. Pedro II) e margeavam a estrada de ferro de Rio do Ouro, segundo informação do sócio Silva Netto, engenheiro115. Outra medida, desta feita de ordem fiscalizadora, da SCI, é descrita pelo seu diretor e 2º secretário, Ennes de Souza, em relação ao porto do Rio de Janeiro. Ali, a cada vapor que chegava transportando imigrantes, qualquer que fosse seu número, Saturnino Gomes, outro diretor da Sociedade, subia a bordo e examinava tudo, “auxiliado pelos Srs. guarda mór e ajudantes da guardamoria da alfandega”. Em seguida, relatava à diretoria da SCI sua impressão e propunha as medidas que julgasse necessárias, para que fossem tomadas pelo governo brasileiro ou pelas autoridades a cuja nacionalidade pertencesse o navio. Caberia então à diretoria se dirigir a um ou a outras, já inteirada do assunto, para louvar ou censurar o procedimento das companhias e de seus agentes. Em apoio a esta atividade, reconheceu que o transporte e o desembarque de imigrantes haviam melhorado muito, e atribuiu o fato tanto ao zelo da Inspetoria das Terras e Colonização, como à atividade deste seu colega da diretoria da entidade.116 Sabemos da preocupação da Sociedade em multiplicar os efeitos da propaganda através da imprensa mediante o lançamento dos boletins das sociedades filiais, os quais, em suas devidas proporções e circunstâncias seriam uma espécie de versões menores de A Immigração. Seriam boletins regionais, embora também seu raio de publicação também devesse se projetar até o exterior, em direção aos países emigrantistas. Testemunho disto

115 A Immigração. Bol. n. 6, Out. 1884, p.1.

99 nos vem de um informe da SCI relativo a um artigo intitulado “Bollettini Regionale d’Immigrazione”, em que se diz:

“La Societá Centrale d’Immigrazione, in una circolare a tutte le societá, figliali, raccomandó la creazione di piccoli periodici, destinati ad essere rimessi in Europa, contenendo le descrizione dei nuclei d’immigrazione, sua statistica, benessere degli immigranti, e tutto quanto pió interessare i loro parenti, amici e compatrioti del vecchio mondo. “Questi bollettini saranno pel momento settimanali e stampati nella lingua propria del nucleo regionale d’immigrazione. “Raccomandó specialmente la descrizione delle proprietá degli immigranti, delle bellezze naturali del Brasile (...) accompagnate da fotografie."

Atendendo à publicidade do boletim, verifica-se também a transcrição ipsis litteris de artigos ou partes de textos em idiomas estrangeiros. Este uso não se explica apenas pela despreocupação de que não pudessem ser lidos por um público culto no Brasil, mas se deve principalmente ao interesse em facultar a leitura de estrangeiros aqui residentes, incluindo os imigrantes que se esperava introduzir, bem como a sua divulgação no exterior. Assim, foi justificada a conservação na língua original de um editorial do jornal francês Le Messager du Brésil, transcrito na íntegra para as páginas do boletim, “principalmente por causa dos nossos leitores e delegados na Europa, pedindo a estes queiram fazel-o transcrever nas folhas européas de alguma circulação”117. É praticamente fora de dúvida que a predominância do francês - que além de outros títulos pelos quais se credenciava no panorama cultural do mundo à época, era a grande língua da diplomacia - entre as línguas estrangeiras utilizadas nos textos, concorria para universalizar a leitura entre um público de diversas nacionalidades, a quem se pretendia conquistar. O inglês, o alemão e o italiano também comparecem nos textos. Outro expediente que, concomitantemente à busca de penetração no público leitor que lhe interessava, introduzia-a nas esferas internacionais de discussão, em que atuavam as principais forças interessadas no movimento migratório para fora do continente europeu, constituía-se no debate de suas idéias com a imprensa e os publicistas internacionais que se dedicavam às questões de imigração e colonização. Por via destes contatos e debates, a

116 A Immigração. Bol. n. 9, Fev./Mar. 1885, p. 2. 117 A Immigração. Bol. n. 4, p.11.

100 SCI encontrou interlocutores, dos quais uns atuaram como partidários e aliados, e outros, pelas discordâncias, deram oportunidade para o exercício da prática discursiva da Sociedade Central. Se no Brasil a SCI contava com o apoio explícito da Gazeta de Notícias e do Jornal do Commercio, bem como da simpatia de periódicos das províncias e boletins de outras Sociedades de imigração, no exterior temos o Export, órgão alemão, e do Brésil, courier de l’Amérique du Sud. Assim é, que, no debate sobre a substituição do trabalho, A Immigração publicou a resposta a uma reclamação da Revue Sud-Americaine, de Paris, de que não recebia boletins da SCI, só tendo conhecimento das matérias por exemplares pertencentes aos seus confrades. Rebatendo, na mesma oportunidade, informes pretensamente equivocados veiculados pela Revue, A Immigração atestou a publicidade da Sociedade no exterior, declarando que esta revista poderia, para se informar sobre a SCI, consultar o que havia sobre esta em publicações várias, na França, Bélgica, Alemanha e Suíça.118 Em junho de 1889, a diretoria informava manter com a maior regularidade a troca do boletim publicado pela Sociedade,

“cuja tiragem é de 4,000 exemplares, com muitas folhas e jornaes das provincias e do exterior, figurando entre estes dous que são enviados de Athenas (Grecia) e de Iokohama (Japão). Do seu lado a Sociedade Central timbra em remetter as suas publicações todas com a maxima pontualidade, recebendo de varias associações pedidos constantes de folhetos e livros de propaganda.”119

Quanto aos livros de propaganda, a sua tiragem e venda parecem ter sido expressivas. No final de 1888, a Sociedade já publicara quatro livros: Casamento civil; outro sobre nacionalização de estrangeiros, de autoria de Taunay; um sobre ensino técnico, de Tarquinio Filho; e La petite propriété, “do sempre lembrado e genial Luiz Couty”. A diretoria solicitava ao ministério da Agricultura uma 3a edição do Casamento civil, para adicionar informações e atender com ela numerosos pedidos, por terem se esgotado as duas

118 A Immigração. Bol. n. 5, Set. 1884, p. 6. 119 A Immigração. Bol. n. 61, Set. 1889, p.7.

101 primeiras edições. Teriam sido distribuídos, até então, 3.000 exemplares deste último livro.120 Na qualidade de presidente em exercício da SCI, por impedimento de Beaurepaire- Rohan, Taunay enviara em janeiro de 1884 um ofício em que fazia propostas de mudança no método adotado pelo governo para medição de terras. Respondendo, o ministro da agricultura Carneiro da Rocha mostra-se contrário a substituir as medições regulamentadas pelo processo proposto por Taunay, por inconveniência. Afirma então que o governo imperial está resolvido a fazer as medições das terras devolutas mais convenientes às vias de transporte. Também pondera que, por ser um dos seus intuitos desenvolver tanto a colonização estrangeira quanto a colonização nacional, não poderia reservar exclusivamente para a primeira todas as terras disponíveis, que estavam para se medir no Paraná, Espírito Santo e Santa Catarina. Alega como motivo a legislação vigente.121 Este desígnio de não conceder, senão a primazia, pelo menos a exclusividade à colonização estrangeira, aparece como um dos principais anteparos, nas respostas das autoridades imperiais, às instâncias da SCI em agilizar e ampliar os projetos para a introdução de imigrantes-pequenos proprietários. Taunay apresentou a 13 de novembro de 1888, projeto de lei revogando todas as leis e disposições sobre contratos de locação de serviços. Pelo 2º artigo, cessaria a legislação penal, e os contratos deveriam ser registrados publicamente, sem direito a transferência de serviços contratados de um a outro locatário, e com disposições protegendo os menores de idade, no 3º artigo.122 O combate ao nativismo continuava. Sempre vigilante contra ele, a Sociedade pronuncia-se contra a exploração que setores desconfiados da presença de imigrantes tentavam fazer do atentado contra a carruagem do imperador, no Rio de Janeiro. Estando envolvido no incidente um português, apontado como seu autor, a SCI não deixou de pronunciar-se contra esta exploração, perante o soberano, e novamente apontou seu inimigo.123

120 A Immigração. Bol. n. 51, Dez. 1888, p.8. 121 A Immigração. Bol. n. 6, Out. 1884, p.5. 122 A Immigração. Bol. n. 51, Dez. 1888, p.8. 123 Ofício da Sociedade Central de Imigração ao Imperador, repudiando a exploração em torno do atentado de 15 de julho. Rio de Janeiro, 17 de julho de 1889.

102 No entanto, à medida em que o tempo passava e as iniciativas da Sociedade Central mostravam-se pouco produtivas em termos de uma orientação da política imigratória, cada vez mais inclinada aos interesses dos próceres paulistas, a entidade desanimava. Nem o apoio mais ou menos ostensivo do governo lhe valia para uma real vitória de suas propostas. Indicativo do desânimo da SCI em relação à política imigratória é a composição do último boletim da coleção d’A Immigração. Nele, não aparecem textos reveladores, ou seja, aqueles diretamente referentes aos títulos das matérias. Interessantes para esta questão são, por outro lado, as notas sitas nos pés de página, comentando os textos. Assim, o primeiro deles, um estudo de Oliveira Martins sobre a demografia portuguesa na história, destacava a emigração de Portugal como uma das causas da sua escassez populacional e desequilíbrio demográfico inter-regional (Norte/Sul), pelas condições em que se fizera e se fazia. Ora, comentando as partes deste texto, é de se notar como as notas estendem “pontes” para assuntos outros, estes de interesse direto da SCI. Critica-se fortemente o latifúndio, comenta-se a recente legalização da naturalização pelo governo, já republicano, os problemas da imigração agenciada e o cansaço - “lassidão” - da SCI na luta que empreendia. Que resultado temos então, ao final do Império, do esforço colonizador e da tentativa de estabelecer um fluxo imigratório expressivo? Colocando-se de lado as realizações provocadas pela imigração européia nas províncias do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, o resultado de todo o esforço de fomentá-la no Brasil é que, dentro das áreas mais prósperas do atual Sudeste, apenas São Paulo encaminhava-se para o aproveitamento substancial da implementação de uma política imigratória, desvirtuando embora a colonização intentada pelo governo geral em favor dos interesses da grande propriedade cafeicultora.

“Apesar da insistência dos governos em estimular a colonização, as Províncias de Minas e Rio de Janeiro chegaram às vésperas da Abolição sem que nada de importante tivesse sido feito nesse sentido. Generalizava-se a opinião de que era preferível comprar escravos a três contos de réis, ou deixar de ser fazendeiro, a se sujeitar ao serviço de colonos.

103 “Nas demais regiões do país, onde prevalecia a grande lavoura, as tentativas de colonização pelo sistema de parceria foram raras e, em geral, frustraram-se pelos mesmos motivos. Também fracassou a maioria dos núcleos coloniais.”124

Da mesma forma, consolidava-se o fracasso dos esforços governamentais de instaurar a colonização independente da grande lavoura e promotora do efetivo povoamento. Além disso, delineiam-se regionalmente os beneficiários das benesses da imigração, que se concentram no Sul imperial, delas ficando privadas as outras regiões.

“O governo do Império e as administrações provínciais procuraram de todas as maneiras estimular a colonização. Os presidentes das Províncias insistiam em seus discursos na necessidade de promover a substituição do escravo pelo trabalhador livre. As Assembléias legislavam com o fito de estimular e subsidiar a criação e o desenvolvimento de núcleos coloniais. Todas as medidas revelavam-se insuficientes. “A partir de 1885, quando se estabelece um fluxo imigratório importante, foi para as regiões do Sul do país, em plena expansão, que os colonos foram encaminhados. O Nordeste, às voltas com uma crise permanente, não conseguiu atrair a imigração espontânea, nem tinha condições para promovê-la em larga escala.”125

Embora esteja presente nos textos desde o início, indicando uma opinião anterior consolidada, a crítica da SCI vai se tornando cada vez mais acerba contra a ineficiência, o descaso, a mesquinharia, a indolência e mesmo a corrupção da administração em geral - serviços de imigração em particular, demais esferas em geral. Também se volta contra as instâncias do poder legislativo e os governos de gabinete, embora praticamente nunca decline nomes - sinal de seu acato à autoridade. Buscava sempre basear-se em critérios não só de probidade, mas de eficiência e racionalidade. Abordando seu combate à lei de locação de serviços de 1879, ela apóia-se na autoridade de Spencer para indicar uma tendência geral para o pouco cuidado na elaboração das leis, ao lembrar o ridículo de um projeto de locação de serviços domésticos, em que se propunha a pena de 15 dias de prisão para amas de leite que tivessem delinquido, ficando elas obrigadas a voltar a dar de mamar, findo aquele prazo. Terminava dizendo que

124 Emília Viotti da Costa. “O escravo na grande lavoura”. In: Sergio Buarque de Holanda (dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo II, 3º Vol., p.161. 125 Ibidem, p.163.

104 fora inclusive um médico que assinara semelhante disparate126. Embora a referência a Spencer não identifique a fonte que lhe serve de base, verificamos que seu teor corresponde a “Os pecados dos legisladores”, parte de O indivíduo contra o Estado - segundo Will Durant, o título original é The Man vs. the State127. Neste texto, o filósofo denuncia a imprevidência e a falta de conhecimento dos legisladores – mirando principalmente os ingleses – cujas interferências legais no livre desenvolvimento da vida social ocasionariam males piores do que os que pretenderiam combater ou prevenir. Em termos teóricos, Spencer temia que o nocivo “direito divino” dos reis acabasse por ter um mau substituto no “direito divino” do Parlamento128. Desta maneira, a SCI sustentava nele a sua crítica ao legislativo brasileiro. Da mesma forma, ao informar alguns números de emigrantes de portos europeus, a diretoria dá voz a um jornal “da Provincia de Minas Geraes”, cujo nome não cita, e que perguntara: “’Quantos destes nos vieram ter á casa?’”. Pergunta que o mesmo jornal comentara, afirmando que os argentinos não se embaraçariam de respondê-la, pois eles já teriam obtido uma corrente imigratória volumosa, “emquanto nos absorvemos em questões de lana caprina ou quasi, e entretemos um corpo diplomatico faustoso e em sua maioria inutil”. O jornal concluíra indagando: “’Quando nossos estadistas, imitando apenas nossos vizinhos do sul, curarão mais dos verdadeiros interesses do paiz, que de uma politica mesquinha e esteril?’” 129. Ao tratar de terras devolutas, no seu esforço para montar um cadastro, ou pelo menos um esboço dele, a SCI informou que, em Sorocaba, o engenheiro Leandro Dupré, sub-diretor da Fábrica de , oferecera medição dos arredores da fábrica, com gente e recursos da mesma, sem ônus para o Estado. Acrescentou a esta notícia que se o governo aceitasse, logo seriam medidos, também, os terrenos da localidade de Villeta, “por pessoal idoneo, não por commissões nominaes ou sinecuriaes”, e a SCI poderia enviar para estes dois locais imigrantes, com ajuda da sua filial na área.130

126 "Sessão da directoria em 27 de Junho de 1885". A Immigração. Bol. N. 11, Maio/ Jun. 1885, p.10. 127 Durant, Will. A filosofia de Herbert Spencer. Trad. Maria Theresa Miranda. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d. 128 Herbert Spencer. O indivíduo contra o Estado. São Paulo: Edições e Publicações Brasil, s/d, pp.71-121. 129 A Immigração. Bol. n. 9, Fev./Mar. 1885, p.8. 130 A Immigração. Boletim n. 10, Abr. 1885, p.1.

105 A oposição a qualquer sinal de assistencialismo ou estímulo à inércia encontrava argumento também numa associação desfavorável que era feita a medidas defendidas pelo socialismo. É o caso da opinião de Taunay acerca dos “burgos agrícolas” criados pelo governo imperial, e que ele relaciona ao socialismo chamado utópico:

“O Porto Real tornou-se então o typo do verdadeiro phalansterio, como a querer realizar as idéas de Fourier, trabalho dado a todos, mas concentração nas mãos de uma direcção do producto desse trabalho, para ser depois repartido proporcionalmente aos esforços de cada um (...)”.

Ele classifica esta prática, para ele caracterizada pelo paternalismo, além de vexatória e contrária ao que considerava as “verdadeiras forças expansivas do homem”, como sendo um oficialismo imigrantista. Definindo o Brasil de então como um país de “empregomania”, Taunay aponta nesse oficialismo a tendência nociva de aumentar sempre mais o número de empregados públicos já nele existentes.131 A discordância frente às diretrizes da política de São Paulo para o uso da mão-de- obra do imigrante seguia num crescendo. A relativa demora em formular uma reprovação frontal do modelo seguido pelos paulistas, especificamente pelos cafeicultores do “novo Oeste”, pode ser atribuída à possibilidade de uma guinada na orientação da política imigratória a partir das instâncias decisórias do governo imperial, talvez pressionado por um movimento de opinião pública a favor de uma imigração povoadora, ou à esperança de que as lideranças desses cafeicultores, entre os quais se encontrava o aliado de lutas parlamentares Antonio Prado, promovessem a difusão da pequena propriedade, mesmo que parcial, nas franjas de suas fazendas. De qualquer maneira, estas são conjecturas. É certo, porém, que a desaprovação da SCI aos senhores paulistas se tornava patente. No artigo “Difficuldades na immigração”132, de inícios de 1889, a Sociedade relatava ter enviado ao ministro da Agricultura ofício em que se manifestava impressionada com as notícias correntes de conflitos entre imigrantes e proprietários de terras, fossem em São Paulo, fossem em outro ponto qualquer do país, e que a seu ver acarretariam reclamações diplomáticas e complicações com potências estrangeiras. Opinava diante disso que o

131 A Immigração, Bol. n. 62, Out. 1889, p.5. 132 A Immigração. Bol. N. 54, Fev. 1889, p.1.

106 problema da imigração, por ser um problema humano, só poderia ter solução humanitária e altruísta quando os brasileiros pudessem garantir à Europa que os seus emigrantes, partidos para o Brasil, haviam se tornado proprietários de terras no país. A posse de um pedaço de terra, o “sonho dourado” do imigrante, dirimiria todas as dúvidas acerca da boa acolhida deste último, correndo sob sua única responsabilidade os resultados de sua atividade na terra. Caso fracassasse, só poderia censurar a si mesmo. A associação passava daí a criticar o sistema de utilização do imigrante em São Paulo. Para ela, o grande defeito desse sistema, e que lamentava muitos estarem pensando imitar, era colocar entre o imigrante e a terra, queria dizer, entre o recém-chegado e sua “nova patria”, uma “terceira pessoa”, o proprietário territorial. Daí resultariam todas as queixas e alegações de opressão e exploração formuladas pelo imigrante, quaisquer que fossem as formas que assumisse. Em cima disto, sentenciava que a ciência hodierna demonstrara em demasia, por meio da economia política, que o trabalho assalariado era uma forma de produção viciada e errônea. Sua serventia fora ter colaborado para a evolução da escravidão e da servidão da gleba para o trabalhador livre, colaborador espontâneo do capitalista e do dono de terras. Segundo a SCI, o sistema de São Paulo consistia no pagamento pelo fazendeiro de salários até exagerados aos trabalhadores, durante as colheitas ou na iminência delas; contudo, nos intervalos entre uma colheita e outra, o interesse do senhor de terras era ter o menor número de serviçais a salário fixo. O resultado funesto apontado pela SCI a este sistema era: ou o imigrante retornava a sua terra natal, formando uma corrente absenteísta de pessoas e capitais, ou se aglomerava nos núcleos urbanos, aumentando o proletariado e conturbando o contexto sócio-econômico das cidades. A SCI afirmava que o afluxo de imigrantes já produzia excesso de mão-de-obra para os fazendeiros paulistas, o que a fez considerar:

“Si, como tanto aconselhou a Sociedade Central de Immigração desde os primeiros dias da sua fundação, se tivesse cuidado seria e persistentemente do estabelecimento da pequena propriedade, comprando largas zonas e dividindo-as em lotes, não se contentando a provincia de São Paulo com informes ensaios, nenhum dos inconvenientes actuaes se teria manifestado. Os grandes proprietarios iriam aos centros immigrantistas buscar assalariados nas épocas de colheita e serviços extraordinarios, terminados os quaes voltariam os immigrantes

107 para os seus lotes a continuarem na faina domestica em terra sua, patrimonio seu, esperança solida de bem-estar e prosperidade para sua mulher, seus filhos e todos que lhe são caros.”133

133 Ibidem,p.1.

108

CAPÍTULO III – A SOCIEDADE CENTRAL DE IMIGRAÇÃO E O IMIGRANTISMO COMO INTERVENÇÃO

3.1. O DISCURSO DA SCI: ESPELHO VERBAL DE UM IMAGINÁRIO DE NAÇÃO

O campo da análise do discurso possui atualmente um âmbito largo e diversificado. Dentro deste domínio temos em vista a tentativa que empreendemos de uma leitura ideológica dos textos veiculados pela Sociedade Central de Imigração. Interessam-nos, sobretudo, os aspectos concernentes à tematização, à enunciação de interesses e concepções, bem como a justificação retórica dos mesmos por parte deste discurso. É útil recordar a advertência de Régine Robin, que nos leva a observar certos cuidados necessários ao trabalho, em história, com a análise de discurso, similares ao trabalho com a linguística em geral. Um deles é a atenção aos pressupostos teóricos subjacentes aos procedimentos metodológicos utilizados, e que invariavelmente incidirão sobre os resultados obtidos. Tendo-o como teor do nosso objeto, cabe, pelo menos funcionalmente, estabelecer alguma definição de discurso, sob a qual se trabalhe. A fim de explicitá-la, apóio-me, assim, em duas definições, entre as tantas que diversos autores da semiótica e de outros ramos da linguística explicitaram, o que atesta a sua ampla polissemia134. Uma vem do próprio Benveniste, o qual, discorrendo sobre o que chamava de “plano do discurso” nas questões da enunciação, apresentou sua idéia mais lata de discurso como sendo qualquer enunciação que supões um locutor e um receptor, sendo que aquele mostra intençãode exercer influência sobre o outro da maneira que for.135 Também referindo-se ao discurso, Greimas define-o, por um lado, como “a manifestação sintagmática, linear da linguagem e, por outro lado, a forma de sua organização que é levada em consideração e que compreende, além das unidades frásticas

134 Diana L. P. Barros. Teoria do discurso. Texto scaneado.

109 (lexemas, sintagmas, enunciados), as unidades transfrásticas (parágrafo, capítulo ou, então discurso - ocorrências)”136. Tzvetan Todorov o define assim:

“O discurso é uma manifestação concreta da língua e produz-se, necessariamente, num contexto particular, em que entram em linha de conta não só os elementos linguísticos mas também as circunstâncias da sua produção: interlocutores, tempo e lugar, e relações existentes entre esses elementos extralinguísticos.”137

Mediante uma tentativa de analisar o discurso, é possível traçar, pelo menos, as linhas gerais da ideologia que o informa. O discurso seria mesmo uma instância privilegiada desta apreensão, tal como Helena H. N. Brandão assevera:

“A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente (na medida em que está engajada numa intencionalidade) e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia.”138

Nessa linha, Terry Eagleton sugere que a ideologia é mais uma questão de discurso que de linguagem:

“Não se pode decidir se um enunciado é ideológico ou não examinando-o isoladamente de seu contexto discursivo (...). A ideologia tem mais a ver com a questão de quem está falando o quê, com quem e com que finalidade do que com as propriedades linguísticas inerentes de um pronunciamento. (...) a ideologia é uma função da relação de uma elocução com seu contexto 139 social.”

Uma outra questão, inseparável da problemática do discurso: a autoria. Os editores do boletim são indicados como “a Diretoria”. É a mesma Diretoria quem assume a autoria

135 Émile Benveniste. Op. cit, pp. 38-9. 136 Apud Monica Rector. Para ler Greimas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978, p.63. 137 Tzvetan Todorov. Simbolismo e interpretação. Lisboa: Edições 70, s/d, p.11. 138 Helena H. Nagamine Brandão. Introdução à análise do discurso. 7ª ed. Campinas: Ed. da UNICAMP, s/d, p.12.

110 de todos os artigos porventura assim designados, como também aqueles não-assinados do boletim. Juntando-se os chamados “artigos de propaganda”, os quais aparecem como uma espécie de editoriais, aos outros artigos, comentários e notas sem autor discriminado, constitui-se no corpus textual básico do discurso particular da Sociedade Central de Imigração. Isto imprime um teor coletivo das opiniões e colaborações publicadas, o que pode infelizmente turvar a observação de possíveis divergências particulares e nuances nos pontos-de-vista, entre os membros da sociedade que tiveram seus textos ou declarações publicados no boletim. Esta Diretoria era composta de um presidente, um vice-presidente, um tesoureiro, um 1º secretário, um 2º secretário e doze diretores. Pelo exame das listagens de diretores eventualmente publicadas ao longo da sucessão de boletins, nota-se ter havido pouca rotatividade de titulares nos cargos. Ademais, e isto é expressivo, mantiveram-se Henrique de Beaurepaire-Rohan e Alfredo de Taunay todo o tempo respectivamente nos cargos de presidente e vice-presidente da entidade. Eles e Rebouças, principalmente o autor de A Retirada da Laguna, estabeleceram uma espécie de núcleo identitário da Sociedade perante o público, o que fica comprovado com mais nitidez nas mensagens que autoridades, particulares e instituições dirigiam a ela. Acresce-se a isto que alguns dos dirigentes, como é o caso de Ennes de Souza, segundo-secretário, com sua constância nos cargos e na atividade da associação contribuíram para estabelecer este núcleo identitário. Esboçou-se também um outro problema: como considerar os demais textos publicados no boletim – e são muitos e de importância? Caso o estudo se limitasse estritamente ao discurso particular da Sociedade, seriam eles até dispensáveis para a análise deste trabalho. No entanto, como um dos objetivos dele é situar o discurso da SCI perante o imigrantismo e dentro da vertente voltada para a colonização em pequenas propriedades, torna-se relevante incluí-los no estudo. Tal consideração se reforça com o dado de que a própria Sociedade Central nunca teve a pretensão, nem poderia, de se apresentar como a única portadora do discurso desta vertente. De fato, os articulistas, correspondentes e outros autores que comparecem nestes últimos textos, no geral, acrescentam suas contribuições ao discurso imigrantista pela colonização em pequena propriedade, reforçando o discurso da Sociedade. Eles atestam a existência desta vertente em outras instâncias e em outros atores sociais. Há uma segunda ordem de fatores a favor do

139 Terry Eagleton. Ideologia. São Paulo: Unesp/Boitempo, 1997. Texto scaneado.

111 aproveitamento destes textos no trabalho. Além de reforçarem o discurso da SCI, o que se conta como apoio retórico aos seus intentos, as participações destes locutores permitem, pelas divergências e acréscimos em temas e enfoques, uma ampliação do discurso particular. Ao examinar cada um dos textos selecionados, atentou-se primeiro para uma visão de conjunto, tratando-o como uma unidade comunicativa. Seria preciso estabelecer com nitidez um tema geral, sendo que demais temas secundários nele presentes também mereceriam atenção. A natureza do texto foi levada em consideração, fosse ele político, como provavelmente se revelou a generalidade dos textos contidos nos boletins da SCI, e em seus textos de propaganda e artigos publicados em outros periódicos, doutrinário, científico etc. Foi necessário distinguir as temáticas de superfície, encontráveis à primeira leitura, das temáticas mais profundas, detectáveis pela observação de detalhes e pelo cruzamento de informações externas e internas ao próprio texto. Um exemplo genérico de tema superficial constante nos artigos publicados é a necessidade do país de instalar sem mais delongas e hesitações os imigrantes europeus como pequenos proprietários rurais. Temas mais profundos identificados até esta altura da pesquisa, nos textos, são: confrontos entre práticas capitalistas mais “avançadas” e práticas senhoriais, entre espírito empresarial e falta de iniciativa econômica, entre objetivos nacionais e manutenção de vantagens apenas particulares, modernidade e tradicionalismo; e a pregação de mudanças culturais e ideológicas, iniciativa particular e setorial para a modernização alegadamente pretendida para o país. De acordo com as funções desempenhadas por cada parte do texto, ele pôde ser dividido, usando-se como base os seus parágrafos à medida em que se observe a predominância da função retórica, ou noticiosa, o ponto onde se encontra a destinação principal, e quaisquer outras características. Preliminarmente, as partes que mais interessam à pesquisa constituem-se daquelas em que predomina a função argumentativa. Elas são um espaço privilegiado para a colheita de informações sobre pressupostos ideológicos e referências culturais e políticas dos ideólogos que os redigiam. Isto não exclui, naturalmente, a importância de outros setores do texto quanto a esta busca, pois também uma parte noticiosa, por exemplo, embora guarde uma característica própria, também pode oferecer dados à análise, pois além da simples bateria de argumentos explicitamente

112 utilizados como tal, a seleção de fatos e o ponto de vista prévio em que são apresentados participam da função argumentativa, que se constituiria basicamente de encaminhar o investimento principal do texto. A análise do discurso permite empreender uma exploração pertinente da questão da busca da identidade nacional, já que aquela tem como uma de suas preocupações a questão do sujeito, na perspectiva de sua construção a partir da sua interação com o outro: em outras palavras, nem o eu nem o tu seriam tão importantes quanto o espaço discursivo existente entre ambos.140 O discurso da Sociedade Central de Imigração expressou um projeto cujo horizonte se constituiu na formação de uma nação brasileira cujo estado, pela ação dos elementos identificados com o progresso do país, deveria se tornar bem diverso daquele que os enunciadores do discurso conheciam. A partir desta perspectiva adotada pelos principais ideólogos da SCI, deriva-se o fato de que a formação da nacionalidade brasileira é o grande tema de fundo de todo o discurso. O debate sobre o tema da imigração e da colonização funciona como eixo discursivo, em torno do qual gravita toda a gama de temas abordados nos textos da entidade: povoamento, transformação do trabalho, questão agrária, extensão de direitos políticos, transportes, saneamento, ensino, casamento civil, secularização de cemitérios, etc. A questão da imigração e da colonização é comparável a um nó górdio em que se enredam de algum modo todos estes problemas pois, segundo a associação, "a questão da immigração e colonisação exige que todos os problemas sociaes sejam abordados, tratados e resolvidos convenientemente, pois que ella tem interesse ou essencial na mór parte ou ao menos mediato em todos."141 Neste sentido, associa-se adequadamente a concepção de panacéia nacional, que de acordo com Maria Thereza Petrone, os defensores da colonização imigrantista em pequenas propriedades atribuíam à solução que preconizavam142. Para nos introduzirmos na análise do discurso desta associação, iniciaremos com um exame de representações que têm funções essenciais em toda a prática discursiva. Estas representações foram elaboradas a respeito: do Brasil como realidade no tempo e no espaço; das "nações civilizadas"; das noções, mesmo aparentemente esparsas, da história

140 Eni Orlandi. O discurso fundador. Campinas: Pontes, 1993, p.8. 141 A Immigração. Bol. N. 7, Nov. 1884, p.1. 142 Maria Thereza S. Petrone. O imigrante e a pequena propriedade. São Paulo: Brasiliense, 1982, p.18.

113 geral, americana e brasileira; da própria Sociedade Central de Imigração; e, como contraponto à auto-representação da Sociedade Central, a representação que esta fazia dos adversários dos seus projetos. O grande tema do discurso é, segundo nossa análise, a formação da nacionalidade brtasileira. A colocação em cena dessa formação nacional, no presente experimentado pelos porta-vozes da SCI, é feita através do conflito entre o “velho” e o “novo” Brasis: um que deveria ser evolutivamente ultrapassado, a fim de que despontasse o outro: a nação brasileira solta das amarras legadas por um passado colonial e marchando na fileira das nações civilizadas. A idéia deste conflito a ser resolvido pela superação evolutiva é expressada tanto no discurso individual de Taunay quanto nas elocuções da associação. Num longo comunicado relativo ao seu primeiro ano de existência, datado de 17 de Novembro de 1884, a diretoria opinava sobre o país:

“Considerando o Brazil como um paiz ainda em via de organização social, pois a mór parte dos problemas sociaes e economicos foram por occasião da independencia deixados sem solução conveniente, e de então para cá tem sido pelas classes dirigentes constantemente adiados pela incompetencia para aprofundal-os, senão por desamor a causa publica ou propositalmente pelo temor de não desmanchar-se o edificio olygarchico e acanhado do velho Brazil colonial, tem a sociedade Central de Immigração resolutamente posto em discussão todos os problemas nacionaes cuja solução nos deve conduzir ás expansões do novo Brazil, do Brazil americano.”143

Quanto às nações "civilizadas", que apresentavam aos olhos da Sociedade Central o espetáculo do progresso, da riqueza e da organização, não resta dúvida sobre a sua identidade: são os países europeus ocidentais e os Estados Unidos, especialmente aqueles que ocupavam a liderança do capitalismo, seguidos por todas as nações que seguiam modelos eurocêntricos de vida cultural. É a filiação às matrizes européias que dá o tom do caráter civilizado dos povos, condição evidenciada quando os textos declinam, aqui e ali, os nomes destas nações. França, Inglaterra, e mais que todos Alemanha e Estados Unidos, constituem os exemplos mais salientes. A este rol de “nações cultas” está agregado o Brasil, porém numa posição pouco segura. Pelo caráter de sua formação histórica, e pela

143 A Immigração. Bol. N. 7, Nov. 1884, p.1.

114 inserção no contexto internacional quando da sua independência, ele pertenceria ao conjunto das nações europeizadas. É esta ligação de origem com a Europa que o sócio Amoroso Lima ressalta em sua defesa do imigrantismo:

“É da imigração européa, e só desta, cheia de actividade, rica de tradições gloriosas, dessas mesmas tradições onde nós haurimos a vida como povo, trazidas e implantadas outr’ora por europeus e hoje alimentadas por addições insensiveis, que o incremento rapido de população assimilavel deve ser esperado.”144

Ao mesmo tempo, porém, dada a debilidade da existência de um sentimento nacional no Brasil e volume e diversidade dos graves problemas pelos quais o país passava naquele final de século, a sua condição de nação civilizada não se encontrava ainda consolidada. Na retórica dos imigrantistas ligados à SCI, a manutenção desta condição implicava para o Brasil um esforço ingente, com o fito de evitar a ameaça mais ou menos explícita da perda da mesma. Era preciso acompanhar os ritmos de modernização das outras nações. Desta forma, o risco de se descaracterizar como parte do mundo civilizado e a necessidade de se guardar desta ameaça, pelo menos na aparência, tornavam-se peças importantes no jogo ideológico em prol da imigração européia e da colonização povoadora. Comentando um artigo lançado na primeira coluna editorial do Jornal do Commercio, em abril de 1885, a diretoria da SCI reiterava críticas que já vinha fazendo a respeito de falhas no serviço estatal de imigração e colonização. Tanta ineficiência, detectada por ela, levava-a a concluir que a tarefa principal que se lhe antepunha seria mesmo interna: preparar o Brasil para receber a corrente imigratória. O perigo, no entanto, residiria justamente em não se obter tal preparação. Diante disso, a diretoria apelava dramaticamente ao parlamento e ao governo, para que salvassem o país de uma tal vergonha, tentando sensibilizá-los com a lembrança de ela seria até capaz de abalar os “creditos de nação civilisada” do Brasil.145 O momento histórico atravessado pelo país era representado na mesma bitola de necessidade de atuação social e política decidida e pronta. Havia um presente de desafios a ser enfrentado, a fim de se debelar as ameaças trazidas principalmente pela substituição do

144 A Immigração. Bol. n. 25, Out. 1886, p.6. 145 Idem. Bol. 10, Abril 1885, p.3.

115 trabalho no país, com a extinção da escravatura. Taunay, demonstrando impaciência com elementos que não aparentavam a atividade necessária, reclamava: “Os emperrados, e os tardigrados, quando tudo nos incita a caminhar depressa, acham isso difficillimo, quasi irrealizavel. Preferem a estagnação, comprazem-se na indolencia do queixume, ouvindo deitados as lugubres prophecias de desgraças imminentes e a voz rouquenha dos que bradam - está tudo perdido! - porque o tempo da escravidão vai terminar.” A representação do presente como momento histórico por excelência para aplicar soluções de grande vulto se demonstra logo nos inícios da existência da Sociedade, como no texto distribuído para comemorar o primeiro aniversário da associação, a 17 de Novembro de 1884.

“Inaugurada na noite de 17 de Novembro de 1883, ao mesmo tempo no meio dos pesadellos que têm assoberbado o paiz (como fructos necessarios da imprevidencia nacional, tanto social como economica) e aos applausos geraes da população, entra hoje a Sociedade Central de Immigração em seu segundo anno de existencia... E ella penetra nos umbraes do futuro cada vez mais confiante nos destinos deste paiz americano e cada vez mais cheia de fé em sua missão, tão humanitaria quanto patriotica, e tão moralmente elevada quanto economicamente previdente e verdadeira. Não é que á sociedade pareça tudo côr de rosa no horisonte nacional, nem que ella não veja o céo da patria ainda empanado por mais de uma nuvem negra ameaçadora, que só poderá ser dissipada pela acção combinada de todas as forças vivas do patriotismo, e que sem isso poderá resolver-se em tremenda borrasca! A Sociedade Central de Immigração, porém, encara sem temor o presente como cheia de confiança o futuro. Ella tem, como um maritimo consciente de sua posição e conhecedor das circumstancias, procurado o melhor rumo para seguir, de modo a concorrer para que a sociedade brazileira attinja á meta de suas mais nobres e liberaes aspirações. (...) A questão territorial, a questão dos lotes de terras, a questão do trabalho, a questão agricola e industrial, a grande nacionalisação, o estado civil, o direito das gentes e internacional, as garantias sociaes de liberdade e propriedade, as questões economicas, a recepção e a localisação dos immigrantes, as vias de communicação, os tratados e actos internacionaes, tudo, com effeito, tem sido posto em discussão. Alguns desses problemas têm já sido collocados em equação e não raros resolvidos do modo mais completo e decisivo. Hombridade, coragem e perseverança para fazer vingar os principios por ella abraçados assim como tenacidade e energia para passar das doutrinas á pratica não lhe tem faltado nem lhe faltarão: querer o justo é poder o bem.

116 Nisso está a sua esperança e a sua força. (...). Saudada por toda a imprensa independente e por quantos se interessam pela grande causa por ella abraçada, cauza (sic) que se identifica com as mais fagueiras esperanças pelo futuro do paiz, seria isso, por si só, motivo de incitamento á sua perseverança no caminho iniciado, si não bastara a inabalavel convicção de principios moraes, sociaes e economicos, que ella segue em suas resoluções geraes, como em seu expediente de todos os dias.”146

Seguem-se os agradecimentos da SCI às manifestações de adesão e de apreço no dia desse seu aniversário, sendo transcrito em seguida um artigo da Gazeta de Noticias, referente ao mesmo. A voz do colaborador estende a palavra da Sociedade, abrindo por este modo a via para o elogio do seu trabalho sem o risco de incorrer no pecado da auto- exaltação. Vemos expressa a conjuntura de crise e temores generalizados, pela qual a SCI passa, impávida tanto perante os pesadelos nacionais quanto perante os aplausos. No texto, têm presença pontual os dois principais elementos figurativos que formam o símbolo visual da entidade. Lá está “o céo da patria (...) empanado por mais de uma nuvem negra ameaçadora” passível de provocar, caso não dissipada em rasgos de patriotismo, “tremenda borrasca”; e a imagem da navegação, que é travessia, movimento e risco, na figura do “maritimo consciente (...) e conhecedor”. Para além destas vicissitudes de momento, manter o status de nação portadora de civilização representava, para os ideólogos da SCI, apenas o primeiro passo em um trajeto evolutivo da nação. Um senso de dinamismo inerente à sua visão de construção nacional fazia com que vislumbrassem no porvir uma colocação melhor para o Brasil no contexto internacional. Para eles, o lugar reservado pela Providência ao Brasil, dentro do mundo civilizado, era bem mais elevado do que o então ocupado por ele. Cabia aos brasileiros, renovando a organização sócio-econômica, e disseminando o progresso em todos os setores da vida social, conquistar esta posição eminente à qual o Brasil estava destinado. Dois anos mais tarde, no seu discurso de comemoração do quarto aniversário da Sociedade, o general Beaurepaire-Rohan revelava uma outra disposição de espírito da associação, embora não abandonasse a retórica da civilização. Na ocasião, ele manifestava otimismo com o

146 "O primeiro aniversario da sociedade". A Immigração. Bol. n. 7, Nov. 1884, pp.1-2.

117 andamento das propostas modernizadoras da abolição e da imigração. Esperava delas, quase no limiar de 1888, a vitória do progresso brasileiro em duas frentes: interna e externa.

“Finalmente, tudo vai marchando no sentido de nossas aspirações. A nuvem negra que ainda tolda a nossa atmosphera social tende a desapparecer, e não tardará muito que o sol da civilisação brilhe em todo o seu esplendor nas plagas abençoadas da terra de Santa Cruz. Então ficará aniquilado o maior obice da nossa prosperidade, e o Brazil, tornando-se a patria digna de homens livres, tomará o posta de honra que lhe compete na fileira das nações civilisadas.”147

Para justificar este merecimento do país de figurar em posição de honra entre as “nações cultas”, o discurso de que tratamos apontava duas razões. A primeira delas, de longe a mais destacada nas falas, era a forte potencialidade do território brasileiro, expressa na imensa superfície e nos incalculáveis recursos naturais. O segundo motivo deste otimismo em relação ao Brasil encontrava-se nas condições políticas correntes no país: apesar de ameaçado pela conjuntura social e afligido pelas incertezas no plano econômico, que marcaram o final do século, o Império Brasileiro afigurava-se aos imigrantistas da Sociedade Central um Estado consolidado, mantenedor competente da estabilidade institucional. Tal estabilidade, junto à efetiva ordem social, era fator muito necessário às profundas reformas que se anunciavam. De uma forma muito tênue, quase residual, é citada também a boa índole brasileira, a qual facilitaria a recepção do imigrante e a sua posterior adaptação no país. Porém, esta mesma boa índole sofre crítica pesada de Taunay, mordaz crítico dos costumes nacionais então observados. Na opinião dele, tal característica brasileira teria um lado prejudicial à nação. Sobre esta segunda razão de otimismo, nós a analisaremos mais tarde, quando abordarmos as posições políticas da SCI, em relação ao status quo imperial. Agora, faremos mais algumas colocações a respeito da primeira razão, qual seja, a privilegiada situação do Brasil num vasto e rico território. Este valioso trunfo do país era exibido pelo discurso da SCI desde os seus primórdios. Na circular convocatória da sessão de preparação para se fundar a entidade, Koseritz, Blumenau e Gruber asseveram aos seus destinatários a necessidade premente de que a “grande lavoura” cedesse espaço à pequena propriedade rural, “que, generalisando a

147 Idem. Bol. n. 40, Dez. 1887, p.2.

118 producção, aproveitará todos os thesouros occultos em nosso fertil sólo (...).”148 Concluindo um discurso pronunciado na sessão da diretoria de 11 de dezembro de 1884, o diretor Januário Candido de Oliveira asseverava aos colegas que se "com a ingente reforma social" que se avizinhava, fossem adotadas as grandes medidas aconselhadas pela SCI e propostas por Taunay, a pátria deles entraria "em uma era de prosperidade, que lhe consentirá representar, em futuro não remoto, o importante papel a que tem direito pelos inexhauriveis thesouros que lhe concedeu a Providencia."149 Este tipo de colocação se faz presente em outros pontos da malha do discurso. É quase inevitável escutar, em referências como esta à fertilidade e à riqueza da natureza brasileira, reserva de incalculáveis recursos, esperando a descoberta, a utilização e o desfrute, a reverberação de uma ancestral representação da Terra Brasilis, datada da carta de Pero Vaz de Caminha:

"Em se plantando tudo dá. Esse enunciado ressoa (...) em muitos outros, repercutindo sentidos variados no sentimento de brasilidade. Terra pródiga. Gigante pela própria natureza. Mas mal administrada, pilhada há séculos e que embora seja explorada continuamente não se esgota. Aí já se produziu um discurso sobre o Brasil, a partir de um enunciado fundador."150

O patrimônio territorial e a celebrada riqueza potencial de nossa natureza funcionaram retoricamente em diversas direções: ao público interno, afirmavam a vocação do país para a "terra", e por conseguinte, para a imigração, até porque deixavam evidente o parco povoamento até então verificado, o qual deveria ser acelerado em grande escala; diante dos interesses estrangeiros, tanto dos imigrantes quanto das empresas colonizadoras que se formassem no exterior, serviriam de atrativo; finalmente, nas reivindicações dos imigrantistas por apoio à imigração, da parte do Estado brasileiro e de suas classes dominantes, evidenciavam não apenas a necessidade do povoamento, como denunciavam a iniquidade da ordem agrária nacional. Taunay lembrava aos seus colegas deputados, em junho de 1884, esta disparidade:

148 “Acta da 1ª sessão preparatoria”. A Immigração. Bols. n. 1 a 4, Dez. 1883/Ago. 1884, p.7. 149 "Imigração e colonisação italiana". A Immigração. Bol n. 8, Fev. 1885, p.2. 150 Eni Orlandi. "Vão surgindo sentidos". In: ______(org.). Discurso fundador. Campinas: Pontes, 1993, p.14.

119 "Temos terras em quantidade enorme, capazes de sustentar 750.000.000 de habitantes; entretanto só contamos 12.000.000 espalhados por uma superficie vastissima e destes tão sómente 2.000.000, si tanto, possuem territorios que são verdadeiros reinos e que divididos acommodariam um mundo de gente."151

Consideração semelhante, partida de estrangeiros, também era veiculada. Num longo artigo transcrito, o periódico Semaine Industrielle, de Liège, Bélgica, afirma aos seus leitores que o Brasil é um país com excelentes condições para acolher e ser habitado por europeus: condições naturais. Haveria apenas obstáculos, que enumera: abusos administrativos, oficialismo da religião, restos e consequências da escravidão, etc.152 Também a Gazeta Luzitana, órgão português da Corte, publicou artigo de fundo, igualmente transcrito, em que declarava que o Brasil precisava de braços, precisava tornar productivos os terrenos em mata virgem à espera da "fouce civilizadora". Falou de suas riquezas, que não estariam nos metais, mas na força de sua natureza, necessitada de braços para extrair aquelas. Porém, acrescentava, "não braços materiaes inconscientes e incertos, mas braços intelligentes e certos, braços que se reproduzem pelo augmento da riqueza, braços que se prendem mais profunda e moralmente ao solo pela constituição da familia do que outr'ora se prendiam pela iniqua escravidão da gleba."153 A utilização do território e de sua natureza como trunfos na propaganda para a obtenção da imigração encontrava uma extensão, também de longa data presente nos discursos nacionais, na exaltação das belezas naturais brasileiras. Um exemplo excelente se encontra no manifesto dirigido pela SCI aos estrangeiros residentes no Brasil. Dirigindo-se a receptores em geral de pouca instrução, imigrados no país, o discurso utiliza sedutoramente a natureza brasileira como atrativo:

“É aos amantes apaixonados deste Eden inimaginavel de Céo azul, de palmeiras elegantissimas, de cascatas paradisiacas; de Guayras e de Paulo Affonsos; de montanhas altivas; de Itacolomis e de Itatiayas; de rios indescriptiveis; de S. Francisco e de Amazonas; é a esses que nós convidamos para vir completar a obra começada.”154

151 Discurso de Taunay na Câmara de Deputados sobre questões de imigração - sessão de 10 de Junho de 1884. A Immigração. Bol. N. 5, Set. 1884, p.5. 152 "Imigração no Brazil". A Immigração. Bol. N. 10, Abril 1885, p.6. 153 "Immigração portugueza". Idem, p. 7. 154 “Manifesto aos Immigrantes já estabelecidos no Brazil”. A Immigração. Bol. N. 17, Jan. 1886, s/p.

120

A representação deste "país civilizado" na periferia do capitalismo, de passado colonial, que tenta acertar o passo com a modernidade, se completa com a caracterização, operada via discurso, dos grandes elementos que o compõem internamente. Referimo-nos à sua organização política e institucional, à sua estrutura econômica, ao seu meio físico e ao seu elemento humano, este último nos levando aos componentes sociais, biológicos e culturais. Sobre todos eles incidiu o discurso da Sociedade Central, tornando-os objetos de sua construção ideológica e alvos de suas propostas. Atendendo a este fato, capital sob o ponto de vista da análise de discurso, antes de abordar estes grandes elementos através das aparências que o discurso lhes conferiu, torna-se necessário introduzir reflexões mais aprofundadas acerca da auto-representação que, como sujeito do discurso, a Sociedade Central produziu, a fim de se credenciar como enunciadora de avaliações e de propostas modernizadoras para o Brasil. No capítulo anterior, a tarefa de identificação social dos membros da entidade tocou na forma de apresentação da Sociedade Central ao público e às instâncias estatais. Aprofundamos agora o exame dos termos pelos quais a associação se identificava politicamente, e a partir dos quais porfiava por inserir-se e a seu pensamento no espaço público de debate. O melhor procedimento nos parece ser partir da consciência e da representação, que os sócios da SCI cristalizaram, da sua condição de elite. Demonstramos o quanto a entidade exibia com orgulho os títulos e a capacitação do seu grêmio, caracterizando-o no geral como composto por homens de escol. A observação do valor também atribuído à performance destes homens nas atividades da associação, à luz da ideologia específica que a orientava, permite avançar mais no entendimento da sua auto- representação. As atividades de propaganda, de polemização, de interpelação direta de governos, entidades e setores sociais, de defesa de interesses alheios, de fiscalização, de relações públicas, de redação de textos, de consultoria e outras, sustinham-se em larga medida em predicados intelectuais e técnicos de seus agentes individuais. Averiguar e elaborar um relatório circunstanciado da situação sócio-econômica de uma colônia de libertos155, redigir pareceres sobre a medição de lotes para colonização156, apresentar

155 Idem. Bols. ns. 3 e 8. 156 Idem. Bols. nos. 4, 6, 10, 12, 57, 60 etc.

121 propostas de textos legislativos157, por exemplo, além de registrar e comentar com propriedade uma variada gama de assuntos com documentação pertinente e fartura de dados, são tarefas nas quais se evidencia a mão de conhecedores, quando não de especialistas. Esta especialização e conhecimento grande valor retórico, ainda mais se se tem em conta uma parcela indispensável do público a qual buscavam estes intelectuais atingir: elites políticas e intelectuais. Leitores exigentes e críticos, em relação aos quais a exibição de conhecimentos e o gabarito das idéias funcionavam como recursos retóricos para obter respaldo e adesão; mas também um segmento de cujo seio erros e equívocos mais ou menos relevantes, percebidos na atividade da associação, poderiam suscitar sobre ela críticas contundentes e, no limite, até o descrédito. Esta auto-representação de especialistas em questões de imigração e de colonização não chega a ser formulada massivamente, em termos diretos. Evidentemente, no entanto, ela se faz presente em todo o discurso, seja nas manifestações de outros personagens envolvidos, refletindo em atos e palavras o efeito desta auto-representação sobre os circunstantes da associação, seja em passagens pontuais. Assim é que, em declarações sobre a composição do grêmio associado, a diretoria da SCI enuncia esta representação, ao ressaltar “a co-participação nella de officiaes generaes de terra e mar, de representantes da nação no parlamento, de membros do magisterio superior e technico do paiz, de dignos negociantes e de notaveis industriaes nacionaes e estrangeiros (...).”158 É delineada assim, a nível de representação, uma faceta importante da SCI, tomando- se a característica de um grupo de sócios e estendendo-a a todo o grêmio por meio de uma identificação coletiva. A partir da condição de profundos conhecedores e especialistas, em questões direta ou indiretamente ligadas à imigração e à colonização, o discurso vem propor uma função intelectual. Esta função aparece consubstanciada na representação de uma instância de aconselhamento, idealmente imparcial e destacada dos particularismos e divisões políticas, presentes na sociedade à qual pretende prescrever soluções. A SCI declarava-se uma sociedade forte; contudo negava que estivesse alimentando pretensões a tornar-se um Estado dentro do Estado, como se poderia temer devido ao fato de receber a associação ampla deferência das instâncias governamentais. Pelo contrário; dissociava-se de lutas pelo poder no Estado, conforme alegava sua diretoria. Colocando-se “como um

157 Idem. Bols. nos. 5, 8, 10.

122 corpo consultivo perante o governo do paiz e como uma entidade iniciadora e aferidora perante a acção individual e social” ela preencheria “a mais elevada das funcções a que se poderia propor.”159 Haveria atribuições específicas para todos os envolvidos na tarefa de incrementar a imigração e a colonização. À iniciativa privada, tanto no país receptor quanto no país de procedência de imigrantes, caberia basicamente cuidar de seu traslado seguro e ordenado; às sociedades de colonização, tocariam a fixação e o desenvolvimento das colônias; e os poderes públicos se encarregariam de promover as reformas e as medidas gerais para garantir os direitos dos imigrantes, recepcioná-los e instalá-los no território de sua nova pátria. Quanto à Sociedade Central, sua função se definiria, “ao lado de todos”, em investigar, aconselhar e fiscalizar o andamento deste grande processo. Representando uma modalidade de reserva moral da nação, destinava-se a granjear credibilidade para esta última no exterior, ao mesmo passo em que, também respaldada pela força moral, garantiria aos colonos de qualquer nacionalidade, inclusive aos brasileiros, “os requisitos da liberdade e da economia social”160. Fica clara a postura geral enunciada pela SCI em relação ao universo sócio-político em que se desenvolvia sua atividade imigrantista. O posicionamento “perante” e “ao lado” é o signo da independência e da isenção, na medida em que faz visualizar a exterioridade e daí o não-envolvimento. Representado como estando do lado de fora das várias instâncias desse universo, constrói-se discursivamente um lugar especial para a SCI. A virtualidade deste lugar é ainda reforçada, conforme o texto, pela delimitação precisa da tarefa da entidade ao lado das dos demais agentes da política imigratória, como a evitar uma promiscuidade comprometedora. Retoricamente, o caráter isento da Sociedade Central, e por extensão de suas propostas e opiniões apontava para duas vantagens. No seio de seu quadro social, permitia a convivência entre pessoas com diferentes filiações partidárias e posições políticas, o que por sinal não seria tão difícil. Perante seus interlocutores e o público ao qual se dirigia, essa postura de isenção da Sociedade era bastante utilizada para significar duas coisas: uma integridade de propósitos digna de admiração, e uma recusa sobranceira a envolver-se em

158 “Á Revue Sud-Americaine”. A Immigração. Bol. n. 5, Set. 1884, p.6. 159 “O primeiro aniversario da sociedade”. A Immigração. Bol. n. 7, Nov. 1884, p.1. 160 Ibidem, p.1-2.

123 contendas consideradas menores – e desgastantes. Sua colaboradora, a Gazeta de Notícias, assim a caracterizava no dia de seu primeiro aniversário:

“Sociedade alheia á pequena politica e aos interesses dos partidos ou de grupos (...); tem ella sabido collocar os grandes e complexos problemas da immigração e da colonisação no verdadeiro terreno, que é o da união dos principios e da pratica. É que alheia ás suggestões de interesses privados tem ella sempre sabido manter-se na altura daquelles, dando a mais ampla satisfação ás exigencias desta.”161

Abnegados, idealistas, sinceros e perseverantes, os membros do forte grêmio constituído em prol da imigração, apresentavam-se, nas palavras de André Rebouças, como “um grupo de homens, que porfiadamente combatem pelas idéas mais generosas e philantropicas do seculo”162. São por conseguinte verdadeiros cruzados da modernidade, cujas crenças na evolução social e a certeza das melhores maneiras de apressá-la, a fim de abreviar transes dolorosos, dar-lhes-iam condições de triunfar sobre os obstáculos. Já em 1877, pronunciando-se em discurso na Câmara de Deputados Gerais, Taunay denunciara a existência de uma “barreira” contra a equiparação dos estrangeiros aos nacionais. Todavia, afirmara ele, esta barreira haveria de desabar “aos golpes de uma grande cruzada”, que se levantaria no seio da sociedade brasileira163. Hugo Gruber, em relatório entusiástico sobre sua viagem de negociações à Alemanha, pedia conselhos à SCI para ele, um colega "que de novo emprehende a cruzada na Europa em prol da immigração brazileira."164 Ennes de Souza, nos ardores de sua batalha campal pela fundação de sociedades filiais em São Paulo, enfatizava sua importância dentro da estratégia da SCI como "a parte activa, a que combate com arma branca nas fileiras belligerantes da immigração."165 Na sua sessão de 5 de abril de 1885, a diretoria da SCI adotou para a sociedade o emblema cuja descrição é a seguinte:

161 A Immigração. Bol. n. 7, Nov. 1884, p.2. 162 “Patriotismo e immigração”. A Immigração. Bol. 10, Abril 1885, p.3. 163 Discurso de Taunay a 16 de abril de 1877. Alfredo de Taunay. A nacionalisação ou Grande naturalisação e... Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886, p.76. 164 Extratos do relatório de Hugo A Gruber. Idem, Bol. N. 7, Nov. 1884, p.6. 165 "Manifesto á Provincia de São Paulo". Idem, Bol. N. 9, Fev./Março 1885, p.4.

124 “Um escudo oval bipartido horizontalmente, tendo na metade de cima o sol a raiar, afastando densas nuvens, na de baixo o mar sulcado por um vapor transatlantico, tudo atravessado por uma faxa com a divisa – Pro-Brasilia. Cerca o oval uma fita com o distico Sociedade Central de Immigração – Rio de Janeiro, tendo no laço em baixo a data da fundação – 17 de Novembro de 1883 – e nas pontas as palavras Libertate labor. As sociedades filiaes usarão do mesmo emblema, variando só de dizeres diversos na fita circular.”166

Indubitavelmente, a diretoria da associação procurava sintetizar neste símbolo a sua missão e o efeito esperado de suas atividades. Temos assim o sol do progresso desanuviando a existência nacional, através da imigração, que traria de além-mar os elementos aptos a tranquilizá-la. A adjetivação de densidade das nuvens, representação clara da situação de crise do presente, reitera o caráter de gravidade do momento político-social vivido. É interessante a feição que toma esta representação imagística, eis que ela surge como exemplo ideal de uma reflexão de Greimas167, acerca do campo imagístico que ela utiliza. Com efeito, este semiólogo observara, literariamente, a representação visual de situações através de campos semânticos, que às vezes são recorrentes. Ele chega a citar o campo imagístico ocupado pelas imagens do sol, nuvens, opacidade, luz, etc. Tal como o que aqui vemos, e que cuja ocorrência não está sozinha nos enunciados aqui analisados. No discurso da SCI, a caracterização do presente como tempo de perigo ou, pelo menos, de expectativa de acontecimentos graves, conduzia à crença de que ele era o tempo da ação, de atitudes inadiáveis, em que algo deveria ser feito, sob pena de a sociedade se tornar presa de situações desastrosas. Colocado ante um passado que permitira o crescimento de dificuldades e erros, um tempo de irreflexão e morosidade, a aceleração das conjunturas do presente poderia resultar inaceitavelmente revolucionária. Daí a necessidade de iniciativas, de assumir o controle do processo histórico vivido, para imprimir-lhe a necessária condução. Este senso de perigo era experimentado por boa parte da sociedade da época. O sol deste escudo, por isto, é preventivo: não brilha através da tempestade, afugentando chuva e raios; adianta-se, dispersando nuvens enquanto ainda se limitam a ameaçar. A atitude de esquivar-se de determinadas discussões demonstra claramente a cautela diante de polêmicas sujeitas a desandar em gestos deselegantes, tais como o recurso a agressões pessoais. Isto poderia degradar a imagem pública que a Sociedade Central

166 A Immigração, Bol. nº 11, Maio/Jun. 1885, p.4.

125 pretendia manter e comprometer o alto nível em que esta pretendia desenvolver a sua campanha. Vimos a maneira relativamente branda com que A Immigração tratou Silvio Romero, polemista temível a quem não repugnava chegar, no calor do debate, a atitudes análogas às de um gladiador antigo168. Além disso, lembremos que a SCI tomava a necessidade de uma política imigratória para europeus como verdade axiomática, ainda mais para aquele momento histórico brasileiro. Era, entre outras coisas, uma medida de natureza retórica, por elevar a opção pelo imigrante europeu à inquestionabilidade. Ela se conectava com a reserva, aqui analisada, em se envolver com certo tipo de debates, e de debatedores. Estrategicamente, essas posturas possibilitavam não só escolher interlocutores, como subsidiariamente desqualificar certos candidatos à interlocução, sob a aparência de uma elevação moral. A Sociedade Central exercitou esta última prática num artigo intitulado “Controversia baseada em factos e nas publicações da ‘Germania’ São Paulo”169. Ela utilizou a opinião expressa em dois artigos deste órgão da colônia alemã, que tratavam das questões de imigração e de colonização, e do papel da própria SCI. A razão alegada para tal utilização era a consideração da diretoria da associação de que ele era idôneo, além de insuspeito, por não estar ligado a ela por interesses materiais. Ou seja, ele servia como interlocutor. Contudo, o comentário feito a estes artigos servia como suporte a uma resposta que a SCI pretendia dar a críticas negativas diversas, veiculadas por duas outras folhas, publicadas na Corte. Declarou a diretoria da SCI acreditar na utilidade da controvérsia como uma prática; mas com a condição de ser sincera e respeitosa, já que da discussão nasceria a luz. Dispunha-se a debater sobre suas doutrinas e ações; porém eximia-se de discutir seus intuitos, segundo ela já conhecidos o suficiente através das publicações e atividades outras da entidade, e cuja sinceridade, patriotismo e humanitarismo seriam universalmente reconhecidos. Tanto os simpatizantes quanto aqueles que se tivessem constituído seus “desafectos expontaneos” ou se arvorassem em “gratuitos adversarios” saberiam desse fato170. Igualmente não discutiria a idoneidade e respeitabilidade de sua própria composição, por ser desnecessário. Quanto àquelas pessoas, grupos ou entidades dos quais a SCI tivesse despertado inimizade “pela força das cousas”,

167 Monica Rector. Para ler Greimas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978, p.57. 168 Roberto Ventura. Estilo tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, pp.78-80. 169 A Immigração. Bol. n. 8, Jan. 1885, p.7-8. 170 Ibidem, p.8.

126 também a diretoria as rejeitava para o debate com o argumento de sua desqualificação, implicitamente atribuída a causas morais. Inquiria:

“Que discussão, com effeito, póde sustentar com folhas encarregadas de defender a permanencia do statu quo social e economico? O que lucra em cruzar as armas com propugnadores da importação dos Chins? Que principios communs tem ella para ponto de partida com folhas que têm por muito a introducção de braços baratos de colonos presos a contratos em que (...) só depois de dura experiencia (...) é que vêm a reconhecer a fraude e o dolo (...)? Dispensa-se pois de entrar em discussão sobre seus intuitos emfim, quando, de um lado se acha, com a consciencia de que defende a verdade das transações economicas, obedecendo á lei fundamental da offerta e do pedido, não buscando torcel-a á bem de interesses privados, ao mesmo tempo que se constitue paladina de todos os direitos naturaes e civicos do immigrante, e de outro lado acham-se outros interessados em manter um regimen condemnado por todos os principios moraes, sociaes e economicos!”171

Tal foi a orientação comumente seguida pelo discurso da Sociedade Central em todos os seus textos. Evitar ao máximo declinar as identidades dos adversários e dos críticos mais contundentes, o que lhes daria um destaque a seu ver imerecido, constituía um procedimento jungido a toda uma estratégia, destinada a impor limites à ação dos opositores da Sociedade. No trato com os adversários do seu projeto, a Sociedade Central de Imigração necessariamente encaminhou-se para a estereotipação dos perfis daqueles que se lhe opunham. Dois grupos principais podem ser distinguidos, pelo ponto de vista dos discurso por nós analisado. Um é o dos beneficiários e partidários por interesses pessoais das mazelas do sistema sócio-econômico vigente, dos quais nós já estabelecemos uma aproximação linhas atrás. O outro seria composto pelos tradicionalistas e ignorantes das grandes questões da época, denominados pelo discurso “espíritos pirrônicos”, “estultos”, “misoneístas” etc. Dentro deste segundo grupo, o ponto mais interessante, em termos de toda essa construção de uma imagem de inimigo, é a detecção de um núcleo identitário formado por aqueles adversários e críticos do projeto da SCI classificados como nativistas. O nativismo já foi focalizado no capítulo anterior, quando seu nome e o significado a ele atribuído foram tomados como signo dos ataques e contestações aos desígnios do

171 Ibidem, p.8.

127 imigrantismo, no espaço público nacional. Aqui trataremos, numa perspectiva mais voltada à elaboração discursiva, da sua utilização como componente da construção dos inimigos do imigrantismo da SCI, que é o que agora nos interessa. As acusações ao nativismo espalham-se através dos boletins e dos demais textos da Sociedade Central. Esta última não poupou referências à ignorância, ao equivocado patriotismo, à prevenção contra o elemento estrangeiro benéfico e ao sectarismo que seriam próprios dos nativistas. O único exemplo explícito de nativista a que se faz menção é Silvio Romero, o que já foi referido. De resto, vigora nos textos o mesmo propósito de não dar publicidade a nomes deste como de quaisquer tipos de opositores. Os textos capitais para a identificação destes inimigos são dois artigos do boletim de abril de 1885. O primeiro, assinado por Taunay, intitulava-se “Nativismo e patriotismo”, e dava nome a toda a matéria envolvendo o par de artigos; o segundo, sob a autoria de Rebouças, tinha por título “Patriotismo e imigração”. Ambos incidem sobre a explicação do que seria verdadeiramente o bom e saudável patriotismo. Preferimos iniciar a apresentação e o comentário do segundo artigo, pensando nas articulações que ambos faziam entre o tema geral e o tempo histórico, as quais Rebouças traça em mais larga perspectiva. Com efeito, o grande engenheiro mulato faz um bordejo histórico com longo alcance cronológico da noção de patriotismo. Partindo da sinonímia entre “estrangeiro” e “inimigo” existente no chamado patriotismo antigo, ele pretende apresentar a evolução e o aperfeiçoamento da noção até a sua atualidade. Desde o tempo do patriotismo romano, passando pela Idade Média, quando teria o acréscimo da “barbaria das raças invasoras” até o Renascimento, com a obra emblemática O Príncipe, de Maquiavel, em que a diplomacia matrimonial figuraria como recurso a seu serviço, o senso de patriotismo teria sido exagerado e marcado pela violência e desejo de dominação opressora. Tal quadro sofreria uma inflexão nos seus termos com a descoberta do caminho marítimo para as Índias e a emergência da América no cenário do mundo ocidental. É que os assuntos comerciais teriam passado a ter peso determinante nas considerações do patriotismo. Priorizou-se então a doutrina da balança do comércio, do predomínio nos mares e do sistema colonial, causando guerras e mais guerras. O econômico prosseguiria ocupando um espaço fundamental no patriotismo do mundo em industrialização. “Para os proteccionistas, para os fanaticos da plutocracia, o estrangeiro passou a ser o inimigo industrial. Seu falso

128 patriotismo manda repellir o producto estrangeiro como um agente de miseria para a propria terra natal”172. André Rebouças afirma que esses erros de julgamento começaram a ser combatidos à “aurora de 1789”. Salientaram-se nesta luta os fisiocratas: Gournay, Turgot, Quesnay e “amigos”, pregando que é pela paz e pelo comércio que a pátria pode progredir. É então que a política da imigração adquire, via discurso, o seu lugar na história humana, referenciada espacialmente pelo seu campo na América, e dentro desta no Brasil. Ambos são vistos por Rebouças como espaço reservado à atividade da imigração. Lembra a figura de Benjamin Franklin, segundo ele o primeiro a entender “a America como terra predestinada para receber o excesso da população da Europa”. Quanto ao Brasil, este naturalmente compartilhava deste destino, com seu território vasto, por obra do “Omnipotente”. No entanto, havia percalços para a realização do feliz futuro a ser criado pela imigração e pela colonização. Assim, a primeira condição para o sucesso da imigração seria: “fazer calar todos os barbaros instinctos de mau patriotismo, de nativismo, exclusivo, tacanho e mesquinho”173. Concluía desta forma o esforço retórico a que se propusera no início do artigo: defender a associação à qual pertencia da repetida acusação de falta de patriotismo, em sua ótica a mais infundada das acusações a ela lançadas, ao mesmo passo em que desqualificava os acusadores. Nesta linha, ensinava haver naquela época dois patriotismos: o bom patriotismo, obviamente o da Sociedade Central e simpatizantes; e o mau patriotismo, chamado pela “expressão neologica – nativismo”174. No mesmo ponto, caracterizando desfavoravelmente e condenando o que considerava nativismo, incidia o artigo de Alfredo de Taunay. Enfatizando, por sua vez, a antinomia entre nativismo e patriotismo, enumerando suas diferenças, o vice-presidente da SCI mantém, afinado com Rebouças, a perspectiva americana do processo da imigração. Assevera que nada era mais contrário ao “progresso real das novas nações americanas do que o sentimento tacanho e pernicioso”, o nativismo, que muitos ainda confundiriam com o patriotismo. A perspectiva voltada para a representação da América como continente da imigração fornece a Taunay a base para fixar-se no exemplo dos Estados Unidos, a propósito de nativismo. Declara que lá, durante largos anos, fortaleceu-se o nativismo num “partido valente e disciplinado, que arvorou ousada bandeira, digna das aspirações que o

172 Ibidem, p.2. 173 Ibidem, p.3. 174 Ibidem, p.2.

129 agitaram – know-nothing, nada saber, nada querer saber.”175 Seria um agrupamento oposto às novidades, particularmente das idéias, prometidas pela imigração européia naquele país. Taunay reitera a existência, no Brasil, de pessoas identificadas com o ideário do "partido" know-nothing, embora disso não fizessem alarde. Esta constatação enunciada pelo então deputado ressoa através dos textos da associação, como uma virtual queixa, e isto é comprovado em outras passagens do discurso, visto como os seus propagandistas afligiam- se com as barreiras e a recusa de apoio, colocadas de uma forma mais ou menos velada, por pessoas e instituições: uma espécie de adversários secretos, difíceis de combater por conta da discrição com que envolviam sua hostilidade. Como a tentar vaticinar o resultado final do esforço destes seus adversários, Taunay conta a luta "tremenda" que nos Estados Unidos então se travara "entre o progresso e o obscurantismo". Exemplifica a ira dos know-nothing através do senador por Kentucky, Thompson, que em 1853 bradava contra os imigrantes e a entrega de terras a eles; que os desancava de várias maneiras, até por suas características físicas e lembrava, quanto aos alemães, a passada atuação militar de indivíduos dessa origem contra os norte-americanos, a serviço do poder colonial inglês. Toda esta grita, porém, foi baldada. Com a derrota do "obscurantismo" dos know-nothing, a imigração pôde prosseguir sem temores o seu desenvolvimento. "Eloquencia dos numeros!", é a exclamação que demonstra a admiração do líder da SCI, ao exibir os números do crescimento dessa imigração. Pode-se lê-la também como uma invocação, para auxiliá-lo na argumentação que desenvolve. Diz que a população levada pela imigração aos Estados Unidos atingia a mais de 12.000.000 de pessoas, ou seja, equivalente à população total do Império do Brasil, "com a diferença de que lá todos trabalham, se esforçam e se engrandecem..."176 Ambos os artigos, segundo a diretoria, formavam reunidos uma tese da SCI, inserida n'A Immigração, e oferecida às "illustradas redacções de jornaes" para que a publicassem, tomando todas elas a peito "a divulgação de tudo quanto seja educar, a bem do progresso geral, o povo brazileiro."177 Por conter aspectos discursivos de grande interesse para este trabalho, eles merecem ser analisados mais extensamente. Além da caracterização dos seus inimigos nativistas, há neles elementos de valor para a elucidação de outras características

175 Ibidem, p.2. 176 Idem. Bol. N. 7, Abril 1885, p.2. 177 Ibidem, p.2.

130 de sua ideologia: a representação geral da história do Ocidente, e em particular, das histórias americana e brasileira sob o signo da imigração, e seu liberalismo econômico. Para começar, é relevante deixar registrado o sentido de ignorância renitente atribuído ao nome know-nothing, tal como enunciado por Taunay: nada sabe, nada quer saber. Mais interessante ainda é o fato de que, de acordo com o quinteto de historiadores estadunidenses que escreveu América: passado e presente, a origem do nome tem outra conotação. Sendo muitas das primeiras entidades daquele movimento sigilosas, ter-se-ia dado o caso de que um desses grupos instruíra seus membros para que respondessem a quaisquer perguntas sobre a sua organização com a frase "Nada sei." Daí derivaria o nome do partido.178 Diante desta divergência de explicações, brotam as perguntas: Engano de Taunay? Ou interpretação arbitrária e interessada? Teria talvez se desdobrado, na ressonância política do movimento, o significado do seu nome? De qualquer maneira, a tradução que Taunay indica serve perfeitamente à caracterização de estupidez e fanatismo que se elabora para os adversários da Sociedade Central. Taunay trabalha, na sua tese sobre o nativismo, com o aspecto do discurso voltado para a expressão de uma consciência sobre a história, geral e brasileira. A referência aos know-nothing e a idéia de relacioná-los aos nativistas brasileiros participam, num plano mais amplo, de um esforço para escrever a história brasileira a partir do fenômeno da imigração. Isto é feito por se tentar seguir analogamente o mesmo percurso da história da imigração nos Estados Unidos, fonte principal dos grandes exemplos que a SCI ansiava por ver imitados. Nesse sentido, os know-nothing corresponderiam aos nativistas tupiniquins, como já foi visto; as medidas tomadas pelo governo e pela iniciativa particular nos Estados Unidos, em prol da imigração e da colonização de seus territórios “vazios”, deveriam ser em geral aplicadas às mesmas tarefas no Brasil. Tomar-se-ia a experiência histórica bem- sucedida da grande nação do norte como guia e elemento de previsão. O comum pertencimento ao continente americano, e à sua representação de terra de oportunidades, de rejuvenescimento das antigas formas européias de vida civilizada, enfim, como região por excelência do progresso futuro da civilização. A produção desta analogia entre situações históricas distintas, mesmo tendo entre si um dado comum que é o fato da imigração européia, destinava-se a dar suporte a toda uma ordem de argumentos. Igualmente,

131 convidava à pretensão de um caráter premonitório, pelo menos a médio prazo, acerca do conhecimento dos efeitos de uma política imigratória. Quanto a percepção histórica sustentada pelo discurso, ressalta imediatamente o senso de cosmopolitismo que a enfeixa. Vale dizer: não é um cosmopolitismo extensivo a todos os homens, como hoje entendemos. Trata-se de um cosmopolitismo restrito ao mundo civilizado, conferido basicamente por uma história geral e comum. O deslocamento da ênfase do patriotismo, da dominação pela violência para o cultivo da prosperidade pacífica tal como é representado, constitui-se num eixo evolutivo de primeira grandeza nesta visão histórica. Ele legitima as opiniões e os intentos dos imigrantistas, e nele a política imigratória se encaixa apropriadamente, como um acontecimento elevado na história do progresso humano. Bastante revelador se mostra o papel que Rebouças aponta aos fisiocratas. Podemos interpretá-los como signo da ciência social, à maneira como era vista pela intelectualidade da época. Intervindo na história pelo pioneirismo em erradicar antigos erros, estes economistas vêm desvelar para o mundo a nova modalidade de engrandecimento das nações trazida pela inflexão da economia, carreada pelo comércio. Eles são arautos do “bom patriotismo”. Este, por sua vez, tem por característica mais saliente a adoção dos valores ligados àquela percepção de cosmopolistismo e também de paz entre as nações. A SCI não admite outra distinção que não seja de grau entre os valores humanitários e os valores patrióticos. É ocioso avaliar, após estas considerações, quão está o nativismo, caracterizado como a vociferar contra o “estrangeirismo”, alijado deste processo, na contra-mão da história. É também expressivo que Rebouças tivesse indicado, citando-os pelo nome, justamente os fisiocratas, economistas que privilegiaram em seu pensamento não apenas o valor da paz como fator de prosperidade, mas também, e ainda mais enfaticamente, a importância das atividades agrárias para a vida econômica dos povos. A fisiocracia, etimologicamente “governo da natureza”, era um sistema que repousava sobre duas concepções essenciais: a concepção de uma ordem natural que se estende a todos os fatos sociais, e a concepção do produto líquido. Este último, segundo Quesnay, sendo igual à diferença entre as riquezas colhidas e as riquezas empregadas para obter as primeiras, resultaria do trabalho de apenas uma, entre as três classes que formariam a sociedade: a

178 Robert A. Divine et alii. América: passado e presente. Trad. Jaime Bernardes e Carlos Araújo. Rio de

132 classe produtora, composta de cultivadores. O produto líquido circularia no corpo social e o vivificaria como o sangue no corpo humano: expressiva imagem, produzida pelos fisiocratas, e que deve ter tido um particular impacto sobre Rebouças e seus correligionários, para quem as imagens ligadas à vida orgânica certamente faziam contato com suas concepções evolucionistas. Muito mais que isto, a influência destes “fundadores da ciência econômica”179 sobre Rebouças, e por conseguinte sobre a SCI, não se detém aí; como partícipes da Escola Liberal, certamente ajudaram a plasmar o liberalismo econômico abraçado pela associação. Através da precedência que deram à produção da terra, eles estiveram também presentes nas propostas que o insigne engenheiro formulou, junto com Ennes de Souza, Gustavo Trinks e outros, enfeixadas sob o nome de “democracia rural”; propostas essas relativas ao imposto territorial, desenvolvimento agrário, favorecimento aos trabalhadores do campo etc. Voltaremos a este assunto mais adiante, quando tratarmos da questão agrária na ótica da Sociedade Central; também tocaremos de novo seu ideário liberal ao enumerarmos as características gerais do discurso. Agora, continuaremos a pensar um outro ponto dos dois artigos enfocados, cuja análise nos é útil. Esse ponto reforça e ilustra concepções da história e da identidade brasileira. Diz respeito à utilização feita por André Rebouças de um personagem histórico como reforço à sua argumentação imigrantista. Com efeito, encontramos na enunciação da atitude pró-imigração de Benjamin Franklin a elaboração teoricamente desvelada por Roland Barthes quando analisa o mito político como evento semiológico180. Rebouças opera esta criação mitológica sobre a figura do estadista e intelectual norte-americano. O signo da criação do primeiro Estado independente da América, formado pelo homem Benjamin Franklin mais o seu significado de founding father, é agregado à sua própria postura perante a América e a imigração européia, para servir ao intuito retórico de formar um segundo signo: o da criação de uma nova América, gerada pelo acolhimento e a inserção sócio-econômica das populações excedentes da Europa. O “novo Brasil” presente no discurso da SCI participa deste mito político enunciado pelo inteligente mestiço, membro das elites brasileiras imigrantistas. Como exemplo de reiteração deste mito há uma outra passagem, na reunião dos textos de

Janeiro: Nórdica, 1992, p.316. 179 Henri Guitton. Economia política. Trad. Oscar Dias Corrêa. 2a. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. 1o. vol., p.46. 180 Roland Barthes. Mitologias. 2a. ed. São Paulo/ Rio de Janeiro: Difel, 1975, pp. 134-9.

133 Taunay sobre a grande naturalisação, publicada como livro de propaganda da Sociedade Central, em que o vice-presidente da SCI também cita a simpatia de Franklin pela imigração, citando uma carta do ilustre estadunidense a um amigo181. A SCI imprimiu uma autorepresentação construída a partir de sua consciência de ser elite. Assumindo sua causa imigrantista como cruzada, toma a postura de combatentes de escol, um conjunto destacado perante o restante da sociedade. Identificados com o que julgavam os mais elevados interesses do Brasil, os ideólogos da Sociedade Central colocavam-se numa posição de imparcialidade, acima dos interesses partidários e das classes sociais. Assumiam desta forma uma função de mentores intelectuais de uma política geral para a construção da nacionalidade. Expressavam pontos de vista liberais e cosmopolitas, mostrando-se contextualizados com sua época e imbuídos do significado do século e do mundo de então. Seu respaldo encontrava-se na racionalidade e na eficiência da formação técnica inconfundíveis com as paixões e os particularismos da sociedade. Especialistas dos assuntos de que tratavam, tiravam da pretensa superioridade do conhecimento científico a autoridade para elaborar as melhores soluções para os grandes problemas do país; expressando-as com a retórica do tecnicismo e do cientificismo.

3.2. O DISCURSO DA SCI: CARACTERÍSTICAS GERAIS

Procederemos aqui a uma exposição das características gerais do discurso da entidade que estudamos. Estas nos permitem penetrar profundamente na ideologia dos seus dirigentes, que tentaremos visualizar através das formulações da prática discursiva. Delineamos, à luz da análise que empreendemos, que este discurso tem características liberais, evolucionistas e cientificistas. De acordo com a caracterização geral que adotamos, ao pensar na problemática da imigração e da colonização daquela época, percebe-se que é um discurso de característica colonialista. Assim, conforme apresentamos

181 Alfredo de Taunay. A nacionalisação ou Grande naturalisação e...Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886, p.16.

134 no primeiro capítulo, ao abordarmos a ideologia colonialista, observou-se dentro dela a existência de uma ideologia de tipo liberal e da ideologia do evolucionismo. Ora, no discurso emanado do boletim da SCI e de suas obras de propaganda, também estão presentes tanto um discurso liberal quanto o discurso cientificista do evolucionismo, assentado na sua vertente spenceriana. Este último, nos fins do século XIX, já não se encontrava em posição de destaque na produção ideológica cujo ponto de origem era a Europa capitalista e colonialista, se formos pensar em termos do centros europeus do sistema capitalista. No entanto, como afirma Lilia Moritz Schwarcz, ele ainda era uma das grandes tendências da moda, a época, entre a intelectualidade do Brasil182. Aliás, a própria palavra “evolução” constitui-se numa preciosidade, como fica evidente na nota em que se comenta tangencialmente o nome do periódico Evolução, do Rio Grande do Sul, quando a diretoria da Sociedade Central fez o elogio de um artigo nele publicado: “Artigos desses devem com effeito apparecer num periodico que se chama Evolução. Em linguagem chã, é impossivel mais enthusiastico hymno á collaboração estrangeira, maior homenagem á verdade, menos vassalagem ao nativismo!”183 O pensamento evolucionista, pelo menos como se revela no discurso da SCI, não chega a apresentar dificuldades de identificação notáveis. Características suas aparecem com nitidez. Mais difícil se torna, porém, enxergar certas nuanças. O exemplo maior é a dificuldade de verificar, com base no seu viés racista, a explicitação do intuito de promover o branqueamento da população brasileira, não apenas pelo acréscimo de contingentes de etnias inteiramente europeias, racialmente brancas segundo os critérios da época, mas pela miscigenação com os brasileiros já existentes. O núcleo desta dificuldade, constatamos, é a imbricação discursiva do termo biológico e do termo social, característica marcante daquele evolucionismo que tem Spencer como um grande expoente. Discursivamente, isto fica muito marcado pelo uso de expressões que funcionam como metáforas, para comunicar idéias relativas aos contatos físicos e sociais entre raças diversas. Como um exemplo dessa colocação, tomamos uma declaração anotada no livro de Tarquinio Filho sobre o ensino técnico, em que, abordando a necessidade de trazer professores estrangeiros para o ensino dentro do Brasil, o autor utiliza aquela como sustentáculo de sua opinião. É uma declaração do sr. Cartuyvel, professor da universidade de Louvain: “Para evitar os inconvenientes que resultam da degeneração

182 Lilia Moritz Schwarcz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 37-40.

135 inevitável de toda a raça que se dobra sobre si mesma”, dizia ele, “e cujos efeitos são tão visíveis na ordem intelectual como na ordem physiologica, é necessário que todo corpo scientifico assimile intelligencias não formadas em sua esfera, injectando assim em suas veias um sangue novo que alimente a vida.”184 Desta forma, às vezes tratando de assuntos aparentemente tão estranhos à questão biológica, associando quase inextricavelmente o biológico às mais diversas instâncias da vida humana, as metáforas orgânicas tanto mostram o tipo de pensamento que as preside como turva certas colocações a respeito de como se faria o encontro entre os imigrantes europeus a serem trazidos ao Brasil, e a população nacional livre e liberta que aqui encontrariam. No entanto, podemos demonstrar que o discurso da SCI pelo menos apontava idealmente para o branqueamento, para o predomínio racial e cultural da matriz europeia sobre as demais que participaram da formação da população nacional. O cientificismo, com o viés tecnicista, se revela no apoio sempre procurado no que é chamado ciência. No vocabulário, ganha intenso poder eufórico o léxico ligado a "ciência", "científico", etc. Ideologicamente, a noção campeia pelos terrenos da verdade, elucidadora do mundo. O tecnicismo comparece também no uso do jargão técnico de algumas áreas de conhecimento, como a matemática, a engenharia etc. A formação politécnica de vários dos ideólogos associados, como Taunay, Ennes de Souza, Rebouças, Américo dos Santos, se faz saliente na utilização e análise de uma vasta gama de materiais informativos: dados estatísticos sobre passageiros de 3a. classe no porto do Rio de Janeiro, na hospedaria da Ilha das Flores185; tabela com dados sobre imigrantes e passageiros no porto de Buenos Aires durante nove meses de 1889186; estudos sobre estatísticas da imigração, de Favilla Nunes187; estatísticas sobre o movimento da hospedaria de São Paulo188, etc. Além disso, avulta o uso dos mapas e cartas topográficas189, entre outros instrumentos técnicos, sempre em busca da precisão e da exatidão. Recomendações técnicas e administrativas saíram em abundante número dos boletins da SCI e do livro de

183 A Immigração. Bol. n. 67, p.4. 184 Apud Tarquinio de Souza Filho. O ensino technico no Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, p.69. 185 A Immigração. Bol. N. 5, Set. 1884, p.7. 186 A Immigração. Bol. N. 62, Out. 1889, p. 4. 187 "Estudos curiosos". A Immigração. Bol. N. 12, Jul.?ago. 1885, pp.5-6. 188 A Immigração. Bol. N. 9, Fev./Março 1885, p.8. 189 A Immigração. Bol. N. 5, Set. 1884, pp.7-8.

136 propaganda Parecer sobre a nova lei de terras: o uso exclusivo do sistema métrico, o sistema de loteamento em parcelas alternadas, chamado “Uniacko”190, utilizado nos Estados Unidos; pareceres sobre a extensão apropriada para lotes de terras, etc. Neste sentido, percebe-se a fé na ciência e na técnica. O poder de desvendamento da verdade dos fatos atribuído por exemplo aos cálculos estatísticos, hoje em dia tão arraigado ao senso comum, como um pressuposto à apresentação de seus resultados, ainda parecia necessitar, diante de leitores pertencentes a uma sociedade tradicional, de ênfases por parte de seus usuários da SCI: “A logica irrefragável dos algarismos, que resulta de estatísticas conscienciosamente feitas...”191; “Eloquência dos algarismos!”; “Que reflexões sugerem estes algarismos (...)”192 Já indicamos as simpatias da SCI pelo liberalismo econômico, através do apreço dado aos economistas fisiocratas e à emergência histórica da era do liberalismo como etapa de superação do mercantilismo baseado no egoísmo nacional e na guerra. No entanto, há mais comprovações da orientação econômica liberal. Uma das ordens desta incidência está na citação respeitosa de pensadores de linha liberal como Leroy-Beaulieu, o argentino Emilio Gouchon, etc. Outra ordem de índices encontra-se na opinião geral a favor da liberdade comercial e contrária ao protecionismo alfandegário, tido como entrave ao livre fluxo econômico. Sobre sua posição de liberalismo, agora a nível político, observamos tangencialmente a valorização liberal moderada da Revolução Francesa. A Revolução Francesa é comumente referida como elemento eufórico, representando um momento da história em que eclode uma nova ordem, substituindo o feudalismo, e um fato épico. Os seus componentes mais marcadamente revolucionários, expressos na emergência de lutas populares contra as classes ricas, incluindo-se nelas a própria burguesia, de violência política, institucionalizada ou não, e de radicalismo, são abstraídos de sua contundência subversiva. Entram em linha de consideração apenas pelo prisma dos legados deixados pela revolução ao progresso do mundo moderno, deixando-se de lado o seu significado de contestação a valores que também eram compartilhados, no Brasil, pelos membros do grêmio da SCI, pessoas em geral amantes da ordem constituída sob o Império,

190 “Terras devolutas”. A Immigração. Bol. N. 8, Jan. 1885, p.1. 191 A Immigração. Bol. N.6, Out. 1884, p.7. 192 Tarquinio de Souza Filho. O ensino technico no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, p.153.

137 moderadamente liberal e fiador da paz social. A Revolução Francesa é louvada, em relação à França especificamente, por decisões que historicamente se constituíram em pontos de ruptura revolucionária mas que para a SCI resultaram em avanços sociais e econômicos. Tal é o caso da decretação de reforma nos campos franceses, que fez desmoronar a ordenação agrária feudal e suscitou o aparecimento de milhões de pequenos proprietários, fato aplaudido pela SCI na sua argumentação a favor da pequena propriedade brasileira. Também o marco factual do início da Revolução comparece euforicamente nas enunciações da Sociedade. Referindo-se à escravidão, Taunay representou-a sob a imagem de “nossa Bastilha moral”193. Ele mesmo, em outra ocasião, recorda o papel da Revolução em França como introdutora de dispositivos legais e instituições progressistas, apesar dos horrores e violências durante ela perpetrados. Desculpa-os, porém, por representar um desencadear temporário de paixões políticas194. A SCI defendeu o liberalismo moderado que em geral pautava o status quo brasileiro durante o Segundo Império. O sistema político imperial seria considerado não ideal, mas pelo menos razoável para a manutenção das liberdades dos cidadãos, para o respeito aos seus direitos constitucionais. Este sistema também seria propício, por uma certa maleabilidade, à ampliação da participação política dos cidadãos comuns. O discurso demonstra crença na força de uma esfera pública não-estatal, presidida pela “opinião” e contando com canais por onde a cidadania fazia ouvir sua voz. A liberdade de opinião – não necessariamente de toda a população, mas dos integrados à cidadania – seria tão ampla que permitiria a crítica franca às mazelas existentes. É claro que esta crítica teria seus limites. O limite mais expressivo é o respeito pela lei, pela ordem política e social e pela autoridade constituída. Neste sentido, a SCI encampa as regras da ação política sob o parlamentarismo do Segundo Império. Ela emite críticas até mordazes contra várias instâncias do aparelho estatal, exceto ao imperador. Este, numa efusiva alusão da Sociedade, próxima a seu fim, é felicitado como “- único entre todos os estadistas brasileiros –“ a realmente apoiar e prestigiar a associação e a preocupar-se decididamente com a imigração europeia195. Critica também a classe dominante dos fazendeiros.

193 “O Quarto anniversario...”. A Immigração. Bol. N. 40, Dez. 1887, p.2. 194 Alfredo de Taunay. Casamento civil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886, p.49. 195 Sessão da diretoria de 17 de Julho de 1889. A Immigração. Bol. N. 62, Out. 1889, p.5.

138 Dando total assentimento às palavras do publicista argentino Emilio Gouchon quanto ao Brasil em seu livro Apuntes sobre Immigración y Colonización, dando-as como verdadeiras, a SCI transcreveu-as, na desilusão de fins de 1889:

"Liberaes, conservadores e republicanos só cuidam da politicagem e teêm os membros da directoria em conta de utopistas e theoreticos. Não poucos até os consideram perigosos, anarchistas e anti-patriotas, porque ousam contradizer as opiniões da ignorancia, da rotina e do nativismo."

O fato de não expor à crítica o imperador e a própria instituição da monarquia é significativo. Em verdade, não era fato comum, numa época em que grande parte da imprensa era agressiva e afiada na crítica, além de gozar de relativa tolerância oficial, o soberano e seu trono se encontrarem a salvo desse tipo de projétil. Este respeito quase filial a D. Pedro II, somado às constantes manifestações de simpatia para com a família imperial – mais precisamente, para com a princesa Isabel, é uma das razões para identificar uma postura favorável à monarquia, por parte do grupo dirigente e porta-voz da Sociedade Central. Sabe-se que os três mais destacados líderes da SCI, Taunay, Rebouças e Beaurepaire-Rohan eram profundamente ligados tanto à monarquia quanto à pessoa do último imperador. Não é demais lembrar que o pai de Taunay fora professor de D. Pedro II. Esta vinculação tornou a queda da monarquia um desastre para cada um deles. Basta dizer que Taunay, sob a República, experimentou um severo ostracismo da vida pública, agravado pela diabete que pesou sobre ele em seus últimos anos. Ele e o imperador exilado mantiveram a amizade, registrada em uma correspondência posterior ao 15 de Novembro, o que obviamente não recomendaria o visconde à simpatia dos novos senhores do Estado. Rebouças, impelido por uma devoção algo mística ao imperador e à sua filha “redentora” dos escravos, auto-exilou-se, para acompanhar a família imperial. Não retornou mais ao Brasil, falecendo na África. É fundamental assinalar, na estrutura ideológica em que se move o discurso desta associação, a conjugação dos aspectos morais e econômicos, a qual surge como uma constante. Mais do que simplesmente a enunciação de dois vieses básicos do pensamento norteador, a conjugação do moral e do econômico forma um par binário em que ambos os termos mutuamente se reforçam. Isto se repete através de outras ocorrências do discurso,

139 sendo uma elaboração contínua às colocações de outros discursos liberais, como o de Leroy-Beaulieu e o de Spencer. Efetivamente, nota-se nestes autores citados uma preocupação em conjugar a racionalidade de seus argumentos de teor econômico e a justeza dos argumentos de fundo moral. Vemos assim, por exemplo, o economista francês mostrar-se preocupado não apenas com os aspectos econômicos das opções disponíveis no mundo colonial, para obtenção e utilização de mão-de-obra, mas também com seus aspectos morais. Isto inclusive o leva, pelo exame conjunto das duas ordens de aspectos, a definir a escravidão como iníqua, e a introdução de coolies como abusiva e viciosa196. São termos de fundo moral, mas cuja enunciação se prende a fortes considerações econômicas. Abordando filosoficamente a moral, Spencer a vincula indissoluvelmente à necessidade de manutenção e desenvolvimento da vida, que é para ele vida orgânica, seja ela individual, seja social. Segue que, invocando o ponto de vista sociológico, Spencer considera a moral como “uma nomenclatura exacta das formas de conducta convenientes ao estado de sociedade, de tal sorte que a vida de todos e cada um seja a mais completa possivel em direcção e intensidade.”197 Desta forma, qualquer pretensão de utopismo e abstração lançada sobre o princípio moral, tal como encarado pela ideologia da SCI, esbarraria na similaridade lógica entre este e o princípio econômico, fundado na racionalidade científica e no cálculo. Em sentido inverso, a crítica negativa à possível amoralidade do princípio econômico, erigido em guia da ação política e social, teria em contraposição a assertiva de que, assim como as suas convicções, a missão da SCI era “tão moralmente elevada quanto economicamente previdente e verdadeira”. É a moral spenceriana. Esta postura moral por si só conferiria poder, ou seja, capacidade de realização material: “querer o justo é poder o bem”. Ela mesma impele à discussão, pela qual se pode resolver os grandes problemas. Um aspecto muito importante da prática discursiva da SCI, em sua relação com a opinião pública, e que está além da declarada intenção de agitá-la e despertá-la para a causa da imigração, é o esforço de obter-lhe a ajuda no próprio processo de elaboração do discurso, de fazê-la falar junto com a Sociedade - reproduzir pelo menos os ecos do debate nacional, e num só movimento postular sua existência, importância, e nele destacar o fulgor

196 Paul Leroy-Beaulieu. De la colonisation chez les peuples modernes. Deuxième Édition. Paris: Guillaumin et Cie., 1882, pp.601-10. 197 Herbert Spencer. O que é a moral? Lisboa: José Bastos Editores, s/d, p.198.

140 das idéias que defende. Isto explica a utilização nos boletins da palavra de um grande número de pessoas e de instituições. Não são apenas os exemplos de adesão e de apoio à causa que ganharam espaço n’ A Immigração - e de certa forma estes também fazem parte do discurso, ilustrando-o.

3.3. A QUESTÃO AGRÁRIA

André Rebouças escrevia, alguns meses após a promulgação da "Lei Áurea", estas palavras, em defesa de uma lei que facultasse o acesso "democrático" à terra:

“Todos os paizes immigrantistas possuem hoje a lei de Homestead; lei que impede que o trabalhador na terra – o mais sagrado dos operarios – seja , (...) despejado da palhoça que construiu e do campo que fertilisou com o suor do seu rosto – o mais fertilisante de todos os fertilisantes (...)”.

Lei que não permitiria o surgimento e o crescimento de uma multidão de desclassificados rurais, massa sofredora, exposta à fome, à miséria e à prática do crime. Lei que contemplava, a partir de um tipo novo de fisiocracia, bem diverso do modelo clássico, inclusive nos itentos, mas semelhante em princípios, derrubar a chamada “landocracia”, o domínio senhorial na estrutura agrária. A grande imigração e a disseminação da pequena propriedade, de acordo com o projeto da Sociedade, far-se-iam sob uma concepção capitalista da terra, com as garantias legais e incentivos econômicos do Estado, porém basicamente pela iniciativa de agentes econômicos particulares, a saber: grandes proprietários esclarecidos, empresas agrícolas como os engenhos centrais, companhias ferroviárias etc. O preâmbulo do esboço do projeto de imposto territorial apresentado no periódico da associação, redigido pelo diretor Gustavo Trinks rezava: “As terras do Brazil representam um capital em que tem interesse igual cada habitante do paiz". A "democracia rural", projeto aglutinador das propostas agrárias da SCI, viria de uma evolução no sistema rural do Brasil, sob a ação de dois fatores: a emancipação dos escravos - e da terra -, e a imigração - claro, a européia.198

198 "Evolução Rural". A Immigração. Bol. N.3, p.8.

141 A propostas da SCI formam dois conjuntos, cada qual baseado numa dada tipologia das terras brasileiras passíveis de utilização pelos imigrantes. Assim, o primeiro se refere às terras devolutas e inexploradas do país. Para delinear que terras seriam estas, usaremos a enumeração das situações jurídicas de terras, definidas como devolutas, feita pela lei n. 601, de 18 de Setembro de 1850, marco legal da introdução de uma nova concepção sobre a propriedade da terra no Brasil oitocentista. Seriam: as que não estivessem sendo utilizadas pelo Estado; as que não se encontrassem sob legítimo domínio particular, nem houvessem sido recebidas por concessão governamental, desde que se cumprissem acerca destas as condições legais ou, em caso contrário, fossem revalidadas por esta própria lei, pelo fato de nelas haver algum cultivo; as que não estivessem ocupadas por posses legitimadas também pela própria lei. A apresentação desta definição como sendo a idéia que a SCI fazia das terras devolutas é tanto mais adequada quanto se mostra claro que a Sociedade pautava suas ações pelo respeito estrito à ordem legal, embora necessariamente a criticasse em alguns pontos. O modelo principal deste tipo de “colonização” seria essencialmente o norte- americano, com o qual à época se ocupava e se colonizava o Far-West. No caso dos imigrantistas dos quais tratamos, a presença da civilização, que a estes últimos deslumbrava nestas nações, ex citando-os com impulsos miméticos, ganhava extensão exemplar em algumas de suas dependências. Isto se devia ao fato de que certas áreas coloniais do mundo afiguravam-se como modelos ou campos de observação de políticas de ocupação econômica e povoamento de territórios “vazios” - quer dizer, políticas de colonização. As possessões britânicas da Austrália e do Canadá, bem como as regiões bravias do Oeste estadunidense, para os imigrantistas da SCI, assim como fora também, por exemplo, a Argélia francesa para os imigrantistas da Associação Internacional de Imigração199, - estes territórios compareciam nos argumentos expendidos nos textos dos imigrantistas em geral. Com a Sociedade Central não foi diferente. Sempre informados e atentos ao que ocorria nos países "civilizados"do mundo, era neles que os sócios da entidade iam buscar fontes de inspiração. Em relação à ocupação de terras devolutas, o maior inspirador foi o modelo de Wakefield e Torrens. Com o fito de montar um sistema auto-sustentado de imigração e colonização, o estadista colonial Wakefield coordenou várias idéias suas sobre a melhor forma de prover à ocupação de

199 Aureliano C. Tavares Bastos. “Reflexões sobre a imigração”. In: ______. Os males do presente e as

142 terras incultas. Formou assim o que foi chamado "escola de colonização sistemática."200 Comparando o modo de se distribuir essas terras nos Estados Unidos com o das colônias inglesas, Wakefield preferiu uma modalidade diversa de venda: enquanto na nação americana as terras eram vendidas a baixo preço, pela sua "colonização sistemática", as terras incultas deveriam ser postas à venda a preço alto. Segundo as fórmulas de sua teoria, colocadas aqui em traços gerais, a prosperidade das colônias novas dependeria da mão-de- obra abundante para os capitalistas, de acordo com o tamanho do território; trabalhadores da metrópole poderiam ser trazidos, como assalariados destes capitalistas; para impedi-los de obter terras nas colônias em pouco tempo, era preciso que o preço das mesmas fosse elevado. Ao mesmo tempo em que, estimulados pela possibilidade de tornarem proprietários, os trabalhadores se empenhariam em economizar e manter-se empregados, o total do produto da venda dessas terras se reverteria a um fundo de imigração. Com ele, se providenciaria o transporte de colônias de trabalhadores para as terras incultas, equilibrando-se os elementos terra cultivada, mão-de-obra e soma de capitais. Com isso, se atenderia ao objetivo de fazer a colonização com o mínimo gasto por parte do governo metropolitano inglês, e se teria o cuidado de evitar a dispersão dos colonos, concentrando- se a população. A formulação dessas idéias coube, como já dissemos, a Wakefield e especialmente a Torrens. Mercê de suas aplicações práticas, elas apresentaram falhas, o que levou o governo britânico e as autoridades coloniais a adaptá-las e alterá-las significativamente. O grande campo de aplicação desta "escola" foi a Austrália. Era este modelo, já modificado no final do século XIX, que os imigrantistas da SCI defenderam, nas suas propostas do que concerne à terra tendo, conexas a esta, outras medidas. Ao lado da defesa da transmissão da propriedade por endosso, cognominada "lei Torrens",201 por exemplo, comparecem as reivindicações pela implantação de leis de franca inspiração norte-americana, destacando-se a lei de homestead. Num artigo a respeito da colonização nos Estados Unidos, a SCI explicava, baseada num texto da Semaine Industrielle de Liège, Bélgica, as regras para os compradores de terras, com a legislação concernente: homestead, sobre o lar ; preemption; sobre derrubadas; e sobre territórios

esperanças do futuro. 2a. ed. São Paulo: Nacional; Brasília: INL, 1976, pp.63 e 75. 200 Paul Leroy-Beaulieu. De la colonisation chez les peuples modernes. Deuxième Édition. Paris: Guillarmin et Cie., 1882, p.470. 201 A Immigração. Boletim n.32, Maio 1887, p. 1

143 desertos, a desertland. Mostrava por meio dessas regras, as grandes facilidades dadas aos compradores, que até poderiam, sem se naturalizar, comprar terras de propriedade das ferrovias.202 O segundo conjunto de propostas tem como objeto de atuação as terras improdutivas possuídas pelos grandes fazendeiros. Elas estariam na situação tipicamente nomeada por “grande propriedade territorial”. Combatendo o “monopólio territorial”, além da escravidão, a Sociedade propôs medidas encabeçadas pela implantação do direito de desapropriação pelo Estado e o imposto territorial sobre terras incultas, principalmente à beira das estradas de ferro, vistas como necessárias à colonização. Embora tenha declarado, no artigo “Evolução Rural”, que sua “formula preferida – Immigrante-proprietario”, embora exigisse “a subdivisão do solo”, não indicaria, porém, “a destruição da grande propriedade territorial”203, a Sociedade Central de Imigração defendeu, mesmo que a longo prazo, a extinção do latifúndio e a implantação da pequena propriedade territorial, em seu lugar. A principal proposta para que estas terras participassem da chamada “Democracia Rural”, termo caro particularmente, entre os sócios-diretores, a Rebouças e Ennes de Souza, constituía-se na divisão das grandes propriedades pelos seus próprios proprietários, feita diretamente por eles ou por incumbência de empresas agrícolas e colonizadoras. Realmente, a parte do projeto global da SCI voltada para a questão agrária inclui-se no projeto cognominado "democracia rural". Este projeto aparece formulado em todos os seus contornos nas idéias e propostas de André Rebouças, embora não se deva subestimar a colaboração tanto propagandística quanto de formulação de seus companheiros. Estes também o levantaram como bandeira e enunciaram proposições que também o compõem. Sobre a idéia geral de redistribuir a propriedade da terra, abrindo acesso a ela para uma parcela maior da população, através da difusão das pequenas propriedades, propunha- se uma estratégia de conversão da ordem agrária de então. Esta estratégia foi construída levando-se em conta as circunstâncias econômicas e políticas de seu tempo. É óbvio que não se constituiria numa "reforma agrária" revolucionária, tal como se dera na França, cuja revolução de 1789 a entidade em geral considerava euforicamente, e cujos resultados na

202 A Immigração. Boletim n.8, p.5-6. 203 A Immigração, Bol. nº 3, Dez.1883/Ago.1884, p.8. Os boletins, de 1 a 5, foram republicados juntos, sob esta datação.

144 estrutura agrária francesa seus diretores louvavam. Num dos animados debates incluídos nas sessões da diretoria, consta que Tarquinio de Souza Filho, Américo dos Santos, Taunay, Wenceslau Guimarães e Beaurepaire-Rohan concordaram ser a França o mais opulento e feliz entre os países europeus, onde o problema da divisão territorial e da miséria a ela ligada encontravam-se equacionadas de forma satisfatória204. Longe de ser um processo violento de ruptura com a ordem agrária herdada do Brasil Colônia, a "democracia rural" forçosamente teria que contar com o apoio de pelo menos uma parcela dos grandes proprietários. Nesse sentido, a transformação que os membros da SCI esperavam no meio rural e que necessariamente se refletiria no meio urbano onde se situavam, não poderia trazer a dissolução total do latifúndio, conservando-se aqueles que fossem considerados produtivos. Temos assim - e isto é da alçada do discurso - a busca de um convencimento de fazendeiros mais sensíveis aos conselhos ilustrados partidos da entidade, que fazia questão de se colocar como "amigo leal, vigilante e sobretudo perspicaz da lavoura"205, valorizando todo apoio que indivíduos e grupos dentre os fazendeiros lhe ofereciam. A primeira etapa do processo de "democracia" no meio rural se constituiria numa centralização de atividades ali realizadas. Os "engenhos centrais" e as "fazendas centrais" deveriam surgir, resultantes da subdivisão das grandes propriedades em lotes a serem vendidos ou arrendados a colonos, fossem libertos, nacionais ou imigrantes. Os proprietários inteligentes e aquinhoados em capital efetuariam bem esta mudança. Os demais dividiriam suas fazendas e as venderiam em lotes a imigrantes. A fazenda ou engenho central, aparecendo, consertaria o erro de se achar que a grande propriedade territorial seria a única capaz de reunir recursos e condições para a produção compatível com a oferta de produtos a baixo preço. Essas mesmas unidades produtivas, administradas por empresas, obteriam tudo isto e ainda proporcionariam aos agricultores vizinhos a propriedade territorial junto com a “liberdade e independência, indispensaveis nas relações sociaes hodiernas”206. A aquisição de máquinas e demais equipamentos permitiria que nas terras remanescentes em mãos dos antigos proprietários fossem montados, às expensas destes ou por empresas que com estes se combinassem os "engenhos centrais". Nestes, o

204 "Sessão da diretoria em 7 de Agosto de 1890". A Immigração. Bol. N. 69, Julho 1890, p.8. 205 "Imposto territorial". A Immigração. Bol. N. 67, Maio 1890, p.4. 206 “Evolução rural”. Idem, Bol. N. 3, pp.8-9.

145 produto das novas propriedades em derredor, receberia beneficiamento e embalagem, para ser vendido e repassado ao mercado que melhor pagasse. As vias de transporte, sobretudo o trem, exerceriam nessa organização um papel relevante. Para chamar a atenção para a viabilidade dos "engenhos centrais", especificamente voltados para as propriedades cultivadoras de açúcar, a SCI dava bons exemplos:

"Para o assucar, esta evolução já se está realisando no municipio de Campos, em torno do engenho central de Quissamã e dos circunvizinhos na antiga fazenda de Porto Real, que foi colonia do Estado, e hoje é engenho central e foco attrativo de immigrantes."207

Caso também acompanhado e noticiado copiosamente é o da colônia de libertos em Paraíba do Sul. Num momento evolutivamente posterior, estes engenhos e fábricas "centrais" produziriam um novo elemento: as "fábricas centrais", que representariam uma etapa industrializante a partir do meio rural. As "fábricas centrais" habilitar-se-iam a produzir para um circuito comercial internacional artigos agrícolas já prontos para o consumo direto. Coadjuvando esta transformação, reformas sociais e políticas far-se-iam necessárias. A mais visada pelo discurso é a lei de imposto territorial, um imposto que seria progressivo, lançado de acordo com a produtividade da terra em questão. Em 1884, a SCI colhera opiniões sobre o lançamento de um imposto territorial. Uma delas, proferida pelo dr. Rodrigues Peixoto, deputado geral e “lavrador” no município de Campos, manifestou-se favorável. Julgava este proprietário e político que convinha preparar a divisão da propriedade territorial, o que se obteria facilitando a transmissão de domínio - ponto sobre o qual, lembramos, Taunay já tentara legislar - à maneira do que praticava a Austrália. Assim, desapareceria o imposto de transmissão, boa fonte de receita no Brasil, mas seria substituído pelo imposto territorial, “que se recomenda pela conveniencia de compellir o proprietario, que é pouco diligente, a passar as suas terras, á quem as possa fecundar com proveito proprio e do paiz.” Fica óbvio o destaque dado a esta opinião de um membro da classe dos fazendeiros, e pelo qual se percebe quem eram os destinatários da mensagem nela implícita. Logo em seguida o mesmo Rodrigues Peixoto acrescenta a proposta,

207 "Evolução Rural". Idem. Bol. N. 3, p.8.

146 bandeira de reformistas da “democracia rural”, de uso do registro de terras, o qual até forneceria dados para lançar-se o preço sobre as terras a serem vendidas.208 Outra ordem de necessidades, esta em relação aos capitais, receberia satisfação com a instituição de um sistema de crédito, suportado por um eficiente sistema financeiro. Ainda outra providência seria o desenvolvimento do ensino técnico, tanto rural quanto urbano. Num projeto de imposto territorial desenvolvido pela SCI, parte da receita deste imposto teria destinação justamente para a manutenção de escolas através do país. Um ponto de valor em todo este projeto é a constatação de que embora tivesse como campo privilegiado e ponto de partida o meio rural, ainda o principal espaço de realização econômica do Brasil, ele se destinava a uma transformação geral no país, da qual meio urbano não ficaria excluído. Certamente, tanto Rebouças quanto outros partidários deste projeto se inspiravam na França, cujo capitalismo desenvolvia-se sobre uma organização agrária considerada mais racional, e na expansão capitalista que se dava nos novos estados agregados pela progressão da conquista econômica de terras agrícolas, pastoris e mineiras, inclusive ensejando o surgimento de prósperos centros urbanos. Com tais propostas, os membros da SCI mostravam-se desvinculados dos interesses específicos defendidos à época pelos grandes proprietários, fossem eles cafeicultores paulistas ou quaisquer grandes fazendeiros, embora seu discurso tenha-os constantemente como destinatários. A Sociedade tentava convencê-los e cooptá-los para seu projeto, reiterando-lhes as possíveis vantagens de uma reordenação fundiária. É um dos maiores indicadores de sua postura politicamente reformista. O principal agente humano desta transformação agrária seria o imigrante- proprietário, figura e slogan básico do pensamento da SCI a respeito da substituição do trabalho conjugada com o acesso à terra pelos cultivadores da mesma. A este respeito, vale a pena ler o texto que se segue:

“Immigrante-proprietario “A missão importantissima, complexa e múltipla da Sociedade Central de Immigração póde no emtanto, resumir-se assim: “- Dar ao Brazil a melhor população possivel; “- Collocar essa população nas melhores condições de progresso e felicidade.

208 “Imposto territorial”. A Immigração. Bol. N. 5, Set. 1884, p.7.

147 “A melhor população – está plenamente demonstrado, - só nos póde ser fornecida pelos paizes mais avançados da Europa, por immigrantes espontaneos, dirigindo-se ao Brazil na persuasão de aqui encontrarem elementos para melhorar a sua sorte. “Os europeus emigram, deixam patria, lar, familia, à procura principalmente da propriedade territorial. “O grande desideratum do emigrante – cumpre jamais esquecer – é possuir um lote de terra, perfeitamente demarcado e com o seu titulo de dominio. “Todas as formas de colonisação com salariado, parceria, arrendamento, etc, etc, podem provar mais ou menos bem; não satisfazem, porém, a grande aspiração do immigrante. “É preciso afastar toda idéa de tutela, de subserviencia, de dependencia. O immigrante livre, independente, perfeito senhor de suas acções, trabalhando, economisando, capitalizando para si, e para sua familia – eis o empenho maximo. “Cumpre não confundir o problema de immigração com o da substituição dos braços necessários á grande lavoura. Esta quer salariados e chega a preferir até os de raça inferior. O escopo da immigração, porém, é de ordem muitissimo mais elevada; busca organizar os elementos que devem formar a grande nacionalidade brazileira, senhora da maior e melhor parte do continente Sul-Americano. Exige por isso mesmo, a maior selecção nestes elementos. “Ora, para que o immigrante activo, laborioso, intelligente, progressivo, venha para o Brazil, é preciso que este paiz offereça condições de bem-estar para si e para sua familia, impossiveis de encontrar na Europa. “Evidentemente, a mór parte dessas condições acham-se grupadas em torno da propriedade rural, onde o immigrante póde quotidianamente accumular o producto dos seus esforços para si e para seus filhos. “Assim é que os Estados-Unidos – os grandes mestres nesta materia – dão ao immigrante, logo ao chegar, um titulo provisorio de propriedade territorial, que é substituido por outro definitivo, logo que o lote de terra apresente certo numero de bemfeitorias. “Mas aqui, no Brazil, onde achar terras para collocar immigrantes-proprietarios? “Todo o vastissimo território do Imperio está nominalmente possuido. Podeis ir aos ultimos sertões de Goyaz e de Mato Grosso; por toda parte encontrareis proprietarios nominaes de dezenas até centenas de leguas quadradas. “As terras realmente nacionaes, as terras ditas devolutas, são raras; ainda não demarcadas, e, quasi sempre, em situções impossiveis para os immigrantes. “No estado actual de propriedades ruraes illimitadas e indivisas, para estabelecer immigrantes de modo conveniente, assegurando-lhes um bem-estar, que attraia seus parentes da Europa, e produza uma corrente continua de immigração, indispensavel é recorrer á zona lateral das estradas de ferro. Cumpre (sic) desaproprial-a por lei especial, afim de dividil-a em prazos de facil venda aos immigrantes.

148 “Essa operação poderia ser feita directamente pelos proprietarios de terras, ou então por companhias e compradores, como tem acontecido nos suburbios desta capital. “Todos sabem como é lucrativo comprar uma propriedade rural e revendel-a, depois de retalhada em pequenos lotes. Na provincia ds (sic) Rio Grande do Sul, onde o problema da immigração está mais avançado, citam exemplo de uma fazenda de legua quadrada, que produziu 900:000$ vendida em prazos aos colonos. “Quizeramos poder convencer aos grandes proprietarios que, na crise actual de excessos de terras e de falta de braços para cultival-as, nada tem elles melhor a fazer do que dividirem suas fazendas em lotes, e vendel-as aos immigrantes. “Esse é realmente o maior serviço e o mais positivo concurso que podem prestar á immigração. Deste modo o grande problema do immigrante-proprietario teria a solução mais rapida e benefica pelo concurso immediato dos proprios interessados.”209

O estabelecimento de imigrantes se faria tanto nas terras devolutas a ser franqueadas pelo Estado por venda ou doação, ou nos lotes resultantes da autodivisão das grandes propriedades, visando o lucro das vendas e da implantação de engenhos centrais em suas antigas sedes. Loteando as terras, atrair-se-ia imigrantes europeus com preços acessíveis e crédito, a fim de que as adquirissem e cultivassem. A produção posterior destes lotes seria valorizada e sua sobrevivência econômica viabilizada através de acordos com engenhos centrais a ser fundados no interior de cada área loteada ou próximo a ela. O engenho central funcionaria como o ponto de contato entre as pequenas propriedades recém-nascidas e a economia, posto que nele se daria o processamento industrial dos produtos dos lotes, como o café, ao mesmo tempo que através dele surgiriam as possibilidades de transporte e de financiamento desta produção. Um instrumento poderoso para a realização deste objetivo de povoar e valorizar a terra, aproveitando-a economicamente, constituía-se na construção de estradas de ferro, tal como estava sendo feito nas imensidões antes "vazias" dos Estados Unidos. No terceiro manifesto da associação, endereçado à província de São Paulo, a SCI elogia o novo arranque da energia empreendedora paulista. Lembra o passado bandeirante. Diz que depois de um tempo de apatia a energia retornava nos empreendimentos econômicos de São Paulo, atribuindo-a ao estímulo dado pela estrada de ferro inglesa que ligou São Paulo a

209 A Immigração. Bol. n. 2, Dez. 1883/Ago. 1884, p.5.

149 Santos. Neste momento, São Paulo era a província com mais extensas ligações ferroviárias. Assim, o texto conclamava os paulistas a esforçar-se pelo bem do país todo, na solução dos problemas sociais e do trabalho que ameaçariam o futuro do Brasil, enquanto os louvava por já ter abrigado até então mais de 50.000 italianos. Para resolver o problema de São Paulo de receber mais operários para seu progresso, a SCI só via como saída a atração de imigrantes, através do acesso aos terrenos laterais das estradas de ferro. Propôs então a fundação de uma Sociedade Paulista de Immigração, convocando a elite proprietária paulista a fundá-la. Lembrava aí o exemplo dos EUA. A questão principal seria tornar o imigrante um proprietário de terra, citando várias nacionalidades européias como candidatas. Tal objetivo se tornaria mais fácil ao se valorizar o papel da “propaganda” e da estimulação do “espírito público”. Outro artigo de propaganda, sob o título "Immigração e estradas de ferro”, voltava ao tema. Explicava que, na América, a função da ferrovia é principalmente povoar, servir de instrumento à imigração. Toda empresa ferroviária deve ser ao mesmo tempo de colonização. No Brasil, elas devem ter direito de desapropriação das terras marginais, para loteá-las. Sem população e sem produtos, as ferrovias seriam impossíveis. Obstáculos às ferrovias estavam na escravidão e no monopólio territorial. O escravo não viajava, produzia menos que o homem livre e consomia muito menos; o controle das terras por parco número de fazendeiros mantinha as terras laterais, as que seriam mais adequadas à imigração, incultas. Ambos repeliriam o imigrante. As soluções que a SCI propunha eram, em primeiro lugar, o imposto territorial, pelo menos nas terras marginais; e em segundo, a legalização do direito de desapropriação de terras incultas marginais, para loteamento e venda a imigrantes. Este direito poderia ser do Estado; das compahias de estradas de ferro; e de empresas especiais de imigração. Ele faz cálculos de quantas terras, lotes e famílias a ser instaladas poderia se operar nas terras laterais às ferrovias. Prevê a formação de uma corrente imigratória só semelhante à que povoou a Far-West (exemplo dos EUA). Calcula os lucros possíveis dados pelos imigrantes ao Estado, usando impostos de exportação e importação como exemplos. Lembra que nos EUA, cada imigrante é computado como valendo pelo menos 3.500 dólares, sendo que imigrantes com habilidades especiais chegam a valer milhões de dólares.

150 Numa tentativa de fazer o ataque à ordem agrária tradicional, ao mesmo tempo em que defendia a coerência profunda e prática das suas propostas, estabelecendo relações com a história “geral” e com a história nacional, Rebouças lembrava que, no passado, existia nas antigas leis o homestead para o feudalismo e para a “teocracia”, como “bens de morgado” e “bens de mão morta”. Na evolução do direito moderno passou-se a visar uma legislação de segurança para os “operarios da terra”, a qual antes era “privilegio de classes dominantes.” Rebouças citou e transcreveu parte do artigo 179 da Constituição do Império, que fala da inviolabilidade da casa do cidadão, elogiando-o. Nele, Rebouças via existir “a cellula genesica do homestead.”210 No artigo “Homestead - Urgencia dessa lei civilisadora”, o engenheiro mulato falava de telegramas tristes, vindos de S. Paulo, dando conta de um despejo feito na localidade de Guarehy, numa fazenda chamada “Capella Velha”, feito por força de linha, no cumprimento de um mandado. Ali viviam libertos que tinham a posse da fazenda, há 50 anos. Houve mortes, queima de casas e depredações outras, pelos oficiais de justiça. Constava o fato se dera por razões político-partidárias. O autor disse que se houvesse lei de homestead, tal não teria ocorrido, tal “scena de barbaria, só comparavel às pungentes evicções da misera Irlanda”. Na sua opinião, o domicílio e o campo do cidadão eram invioláveis. O “poder social”, “justiça” e “força publica” não poderiam perpretar atos bárbaros, que até resultariam na “producção de vagabundos, miseraveis, de desesperados e de criminosos”. Eis aí um dos temores maiores e um dos principais cuidados dos reformadores deste final de século XIX e inícios do XX: a profilaxia social daqueles que se poderia considerar as fezes da sociedade humana, colocada no terreno da prática nas políticas sanitárias, médicas e até psiquiátricas tão intensas no Brasil do início da República. Um correlato linguístico a esse horror ao pauperismo massivo e ao seu expoente biológico, sob a forma das epidemias e uma generalizada insanidade na população, é a utilização de um vocabulário que nada deve às bases teóricas biológicas do evolucionismo spenceriano e darwinista em geral. Tal vocabulário é compreendido na observação de Roland Barthes que, ao analisar um conto de Edgar Poe, ressalta a busca literária de um efeito de horror justamente com o uso do código científico, influente demais naquele final de século, mais especificamente dos termos do código médico. Tal efeito de

210 A Immigração. Bol. n. 62, Out. 1889, p.2.

151 horror é claramente buscado por Rebouças, neste caso na retórica do texto, nas suas expressões sobre a prevenção a esta calamidade social que poderia se fazer presente no novo contexto social a ser inaugurado com a substituição do trabalho sem a conjunta abertura do acesso à terra para os camponeses:

“A sciencia, com as estatisticas em frente, demonstra que privar de terra e de casa a miseraveis, e negar a justa retribuição a quem trabalha, é fabricar vagabundos, mendigos e criminosos e fornecer materia bruta ás pestes e ás epidemias. “Os mendigos pesam sobre a sociedade pelas esmolas, pelos hospicios, pelos asylos e por todos os recursos da assistencia publica. Os criminosos, sobrecarregam as verbas da policia, juizes, tribunaes, cadêas, casas de correção, presidios, etc., etc. Os pestilentos são os liquidos e as placas de cultura dos microbios, os fornecedores inconscientes de leucomainas e de ptomainas que produzem a tisica, a escrophula, a variola, o beriberi, o cholera-morbus, o typho e a febre amarella; todas as epidemias e todas as pestes em uma só palavra. São elles que realizam a solidariedade da familia humana perante a morte: a previsão poetica do Pauperum tabernas regumque turres; porque rigorosamente nada escapa ás myriades de elementos pathogenicos suspensos no ar que respiramos e na agua que bebemos...211

O maior exemplo disfórico de país europeu, a infeliz vizinha da Inglaterra, é apresentado como signo do descalabro catastrófico de um sistema agrário injusto e irracional:

“O Brazil é cento e sessenta vezes maior do que a Irlanda... Se continuar a ser esphacelado por leis theocraticas, feudaes e barbaras, será cento e sessenta vezes mais miseravel; cento e sessenta vezes mais desgraçado!...”

No mesmo tom de advertência, à medida que a abolição se aproximava, Rebouças, principal expoente das propostas agrárias da SCI, repisava:

“Não sabemos quantos anos ainda serão demoradas as reformas territoriais pelas quaes urge o Brazil: o que podemos assegurar, em plena consciência, é que mais alguns anos de regimen

211 A Immigração. Bol. N. 62, Out. 1889, p.2.

152 landocratico ou de aristocracia territorial, com exploração da terra com escravisados e a ferro e fogo, e este Imperio ficará fatalmente reduzido á Irlanda do Novo Mundo.”212

3.4. O IMIGRANTE IDEAL

De fundamental importância para nossos fins é delinear a construção ideológica do novo trabalhador, o “imigrante-proprietário” apresentado pela SCI como agente da transformação do Brasil. Sim, pois ele não foi desejado apenas para suprir de braços a economia agro-exportadora tradicional; o discurso da entidade não deixa dúvidas quanto a este aspecto. Já foi afirmado que o imigrante-proprietário era o slogan e também a figura expoente de todo o pensamento imigrantista da SCI. José de Souza Martins observou as aspirações dos grandes fazendeiros refletidas em uma política de seleção de imigrantes, através da busca por trabalhadores regidos pelas virtudes da ética capitalista213. Aos imigrantes solteiros, preferiam-se as famílias. Também, estas aspirações refletiam-se nas preferências por nacionalidade. O italiano seria preferido por seu suposto caráter submisso e por se originar de regiões onde perduravam relações pré-capitalistas, quer dizer, áreas de economia ainda basicamente agrária: um dado que facilitaria sua adaptação às condições do Brasil à época e propiciaria um mais cômodo aproveitamento dentro das fazendas. Já os alemães encontrariam objeções de peso devido à sua preferência pelo trabalho autônomo; os portugueses sofriam rejeição porque tinham preferência pelo trabalho no pequeno comércio214. Porém, registra-se que no último quartel do século XIX, devido à própria naturalidade dos imigrantes, verifica-se um arrefecimento do debate nas elites sobre quem seriam os povos a fornecê-los. Os portugueses, os espanhóis e os italianos, componentes

212 “Transmissão da propriedade territorial...”. Idem. Bol. N. 35, Julho 1887, p.4. 213 Max Weber. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2ª ed. São Paulo:Pioneira, 1981, pp.29-51. 214 José de Souza Martins. “As relações de classe e a produção ideológica da noção de trabalho”. Contexto, São Paulo, 5: p.49, mar 1978.

153 dos maiores contingentes de imigrantes vindos para o Brasil, entre a Independência e a Primeira Guerra Mundial, revelavam-se satisfatórios, se não ideais, para contentar os dois grupos de pressão principais da política imigratória: grosso modo, os fazendeiros e a burocracia imperial. Na maioria desprovidos de posses, entravam na economia como substitutos dos escravos e como empregados nas áreas pós-escravistas, correspondendo a expectativas dos fazendeiros. Por um outro viés, como europeus e católicos, “não destoavam do bloco cultural e demográfico formado pela classe dominante imperial, confortando as perspectivas culturalistas da corrente ‘civilizatória’ presente no aparelho de Estado.”215 Se não se ligavam diretamente às classes dominantes e às suas atividades agro- exportadoras, menos ainda os vemos ligados aos interesses porventura nutridos pelas classes populares, embora a SCI reiterasse sempre sua postura de defensora intransigente do imigrante europeu, representado sempre sob a figura de um desvalido, embora dotado de excelentes qualidades, que precisa de apoio e proteção para ocupar um lugar digno na sociedade brasileira. Podemos considerar como um resumo do projeto da SCI, segundo suas próprias palavras, um artigo de propaganda, “Immigrante-proprietario”, em que se coloca como missão: “- Dar ao Brazil a melhor população possível” e “- Collocar essa população nas melhores condições de progresso e felicidade.” Estas condições estariam na maior parte reunidas “em torno da propriedade rural, onde o immigrante póde quotidianamente accumullar o producto dos seus esforços para si e para seus filhos.”216 A imigração se destinaria a “organizar os elementos que devem formar a grande nacionalidade brazileira (...). Exige por isso mesmo, a maior selecção nestes elementos.” Inspirado nas concepções racistas em voga, a SCI representaria no imigrante europeu as raças superiores e os atributos a ela inerentes, contando-se entre estes as típicas virtudes do espírito burguês. “O immigrante livre, independente, perfeito senhor de suas acções, trabalhando, economisando, capitalizando para si, e para sua familia – eis o empenho maximo.”217.

215 Luiz Felipe de Alencastro e Maria Luiza Renaux. “Caras e modos dos migrantes e imigrantes”. In: Alencastro, Luiz Felipe de (org.). Op. cit., pp.314-5. 216 A Immigração, Boletim nº2, Dez.1883/Ago.1884, p.5. 217 Ibidem, p.5.

154 Entretanto, faz-se ao critério racial o cruzamento com critérios individuais de aptidão e condições físicas para o trabalho. Num relatório enviado por Hugo Gruber à diretoria da SCI, fala-se na possibilidade do envio de imigrantes da Europa, a cargo de companhias colonizadoras. Eles deveriam ser

“naturalmente agricultores, trabalhadores ruraes e um numero limitado de artistas (...) somente individuos que se recomendem por sua moralidade e amor ao trabalho (...) em boas condições de saude. Deve-se preferir os que possuirem algum capital, mas tambem ao remediado e até ao pobre (não Pauper)”

dever-se-ia propiciar meios de vir218. Preliminarmente não se percebe uma preferência particular por certa nacionalidade européia, embora houvesse nos primeiros boletins o enaltecimento das qualidades do imigrante alemão, vistas como ideais para os fins do povoamento do país. No decurso das publicações, no entanto, com as notícias posteriores sobre o aproveitamento por parte dos cafeicultores paulistas dos imigrantes italianos, A Immigração foi concedendo espaço aos elogios a características próprias do italiano, que o recomendavam ao trabalho no Brasil, como a resistência, perseverança, bons hábitos familiares e sociais, bem como sua facilidade de assimilação à população dos países onde se estabelecia. Mas a definição de uma preferência entre as opções européias não se revelou clara e unívoca. Alguns artigos chegaram a demonstrar uma certa amplitude de aceitação no tocante aos países de origem dos imigrantes desejados, como é o caso de um assinado pelo sócio-diretor Saturnino Gomes, ao declarar que até então a propaganda só cuidara de Alemanha, Suíça e Itália; deveria estender-se a mesma à Espanha, Irlanda, Ilhas Canárias e Açorianas. Ele lembra a atuação do irlandês na "industria pastoril" e do "vasco hespanhol" na "industria da preparação de carnes", como se dava no Prata.219 Mesmo com tantas e quase unânimes simpatias pelo elemento germânico, havia ainda lugar para a valorização das virtudes da alma latina por parte de alguns. Diante, porém, da latinidade, poucas e ocasionais foram as referências colhidas do discurso. Taunay manifestava orgulho pela ascendência latina da civilização francesa - que também era muito sua - ao fazer o elogio do francês Louis Couty. Prefaciando a obra do ilustre

218 A Immigração. Bol. nº 6, Out.1884, pp.5-6. 219 Idem. Bol. N. 5, Set. 1884, pp.6-7.

155 médico, Petite proprieté..., o vice-presidente da SCI declarava ser a nacionalidade francesa a herdeira da civilização helênica, ou seja, um sustentáculo da civilização em geral. De uma forma mais radical, e voltando-se para as louvações constantes ao elemento germânico, Tarquinio Souza Filho dizia: “O mundo latino, por mais que affirmem o contrario as pretensões germanicas, continuará a conduzir o labaro da civilisação (...)” Os brasileiros, “descendentes desta nobre raça no solo da livre America”, teriam vocação de grandeza, já que aos povos, como aos indivíduos, estaria reservada uma vocação220. O Diario de Noticias se correspondera com a SCI sobre a imigração portuguesa, esperando da associação apoio para esta última. Transcreveu-se uma das missivas, em que o Diario lembra das repetidas reclamações da Sociedade em prol da imigração portuguesa, que classifica “o principal elemento de renovação de nossa nacionalidade.” Acrescentava: “O Brazil é a realização desse grande Imperio portuguez, ideal dos grandes homens de nossa lingua, igual em extensão e futuro á alma romana do pequeno povo do extremo occidente europeu.”221 Avulta a a necessidade da imigração espontânea. A sociedade era

“contra todo e qualquer contrato de locação de serviços com o emigrante na Europa, assim como contra todo e qualquer systema que não consagre a posse, no presente ou no futuro, do lote de terra pelo colono, e contra todo e qualquer systema de adiantamento de capitaes que não lhe permita a mais plena liberdade de ação e de locomoção ou mudança (...).”222

Com a mesma intransigência, nega-se vivamente qualquer intenção da SCI de aproveitamento do imigrante como mero substituto da mão-de-obra escrava. Os destinatários principais desta negação estão claramente situados no exterior, nos países de emigração. Por este recorte étnico e político, faziam assim estes ideólogos, congregados na Sociedade Central de Imigração, o desenho de um protótipo de homem brasileiro, cujas características esperavam que compusessem a figura da nacionalidade a ser construída para o país. Ao mesmo tempo, este protótipo assentaria as bases para a inserção da sociedade nacional numa ordem capitalista mais avançada.

220 Ibidem, 239. 221 “Sociedade Central de Immigração”. A Immigração. Bol. N. 40, Dez. 1887, p.4.

156 Contendo em si a identidade do imigrante ideal, o colono europeu não deve ser tolhido ou maltratado. A principal fonte de agressão a ele, e por isto acerbamente atacada pela SCI, é a lei de locação de serviços de 1879. Enfocando a parte penal deste lei, Taunay, em discurso na Câmara, denuncia a inabilidade e a persistência de comportamentos senhoriais por parte dos fazendeiros nas relações com seus locatários. Segundo ele, tais desacertos, consubstanciados no recurso aos dispositivos legais de punição, têm sua raiz nas formas de tratamento dispensadas a escravos e dependentes. Critica o poder desmedido do fazendeiro. Contra os deputados que o contestam, rebate perguntando o que lucra o fazendeiro com a prisão do colono descumpridor do contrato. Fazer uma vingançazinha, ele próprio replica; a disciplina não melhoraria. “Eis ahi sempre a idéa fatal, oriunda dos nossos habitos de lidar com escravos”. Querer-se-ia que os europeus substituíssem os negros. A utilização da metonímia - “nossos” - claramente faz parte de uma estratégia de abranger toda a classe dominante, inclusive os parlamentares presentes, nestes padrões comportamentais. Tenta induzir os deputados a reconhecer que “a aspiração única é viver- se do esforço dos outros para ter existencia de nababo, de sátrapa, no gozo do absenteismo e sem se importar com o suor dos trabalhadores.” Os “não apoiados” registrados indicam a recepção negativa que predominou na assistência, a estas palavras. De novo falando da mentalidade escravocrata, ele frisa que “a instituição da escravidão inocula pessimos habitos. Isto não soffre duvida.” Destaca as diferenças entre escravos e colonos, e lastima, diante da resistência a suas formulações: “Sempre o mesmo modo de encarar as cousas!”. Da mesma forma refere-se à prática de os fazendeiros colocarem em total dependência o trabalhador nacional rural, de o transformarem em capanga e pajem, numa total subordinação. Tal situação, a seu ver, poderia originar abusos. Como extensão a esta defesa do colono europeu frente à lei de locação de serviços, Taunay aduz uma crítica léxica ao uso dos termos “locador” e “locatário”. Para ele, este último lembraria algo inanimado, como um imóvel, e não uma pessoa viva.223 A seu respeito, Taunay tinha assomos de advogado de indefesos: "Dêm-lhe campo para sua acção muscular e intellectual; libertem-no da oppressão em que vivia na patria européa, cheia de restricções, vexames, desigualdades e preconceitos (...)"224

222 A Immigração. Bol. n. 5, Set. 1884, p.2. 223 A Immigração. Bol. n. 7, Nov. 1884, pp.2-3. 224A Immigração. Bol. N. 9, p.8.

157 Esta frente de defesa do imigrante, por conseguinte, definia-se na luta para extinguir os contratos de locação de serviços e coibir a ação dos “traficantes de colonos”, epíteto lançado sobre os contratadores de imigrantes na Europa. Este combate voltou-se significativamente para a Alemanha. Para isso a Sociedade Central criou um slogan, entre os outros que já lapidara, como instrumentos propagandísticos:

“Felizmente a formula economica Immigrante sem Contrato, (...) vai tendo a mesma acceitação, e entrando nos dominios praticos, exactamente como as suas predecessoras: - Nem escravos, nem chins nem servos da gleba - ; Immigrante-proprietario; Immigrante, livre e independente, perfeitamente senhor do seu destino. “(...) “Passar da exploração do homem pelo homem, na condemnada escravidão, para o immigrante-proprietario, livre e independente, é realizar uma evolução importantissima, que exige muito tempo e muito trabalho.”225

Mais adiante, ela resume neste texto o trabalho que já proclamava realizar em atenção aos imigrantes: melhorar as condições de vida dos que já se encontravam no país; facilitar a sua localização; dar a eles propriedade territorial; assegurar-lhes direitos civis e políticos; “livrando-os simultaneamente dos traficantes de colonos na Europa, e dos que aqui ousam pretender por meio de contratos dolosos reduzir o immigrante a um servo da gléba.”226 Praticamente toda esta assistência ao imigrante se assenta numa condenação ao sistema econômico e social brasileiro de então, de características coloniais. Porém, ela reflete também uma avaliação positiva das possibilidades do sistema capitalista de então, visto em sua configuração internacional, tanto em relação aos processos que se passavam nos seus centros propulsores, quanto nas projeções destes processos sobre o restante do mundo, sobretudo na América. Um exemplo destas projeções, que toca por excelência a SCI e sua atividade, foi justamente a emigração de contingentes humanos que não viam espaço na Europa, onde situações precedentes foram agravadas ou potencializadas pelas novas configurações do capitalismo europeu. Ora, um dos fatores mais possantes da saída de europeus de seu continente natal para uma ausência definitiva foi o feixe de dificuldades

225 “Immigrantes sem Contrato”. Idem. Bol. N. 8, Jan. 1885, p.1. 226 Ibidem, p.1.

158 que incidiam sobre os pobres, num espaço econômico marcado pelas repulsões experimentadas pelo campesinato no meio rural, a escassez de remuneração, a carestia, o desemprego e a exploração intensa do trabalho nas cidades industriais, e por outro lado a facilitação da emigração para outras paragens. Este fator econômico da emigração foi explorado pela SCI, à sua maneira, na representação que construiu do imigrante ideal, o europeu, como um ente desamparado a quem se deve proteger e auxiliar. Nesta operação retórica, o emissor induziu aos receptores brasileiros de sua mensagem a visualização de certas cenas da trajetória do imigrante. A mais valorizada delas foi a da partida. Aproveitando um trecho “commovente” de uma notícia sobre o desembarque de emigrantes para a América, veiculada pelo periódico Secolo, de Milão, A Immigração seguiu a prática, recorrente em seus boletins, de transcrevê-lo. Descrevia o texto a despedida de um grupo de italianos de sua localidade. Uma banda de música toca em sua honra na estação ferroviária, diante de uma numerosa assistência de parentes, amigos, vizinhos e simples curiosos. O momento da entrada no vagão é marcado pelo choro e as manifestações de carinho, prolongados dolorosamente. Então, o trem parte. Junto à transcrição, lê-se um arrazoado da diretoria, afirmando a utilidade de se tomar cuidados no trato do imigrante recém-chegado ao país, que lhe seria estranho. Informava a SCI, a propósito, que um aviso recente de governo brasileiro recomendava aos funcionários proporcionar um bom tratamento aos imigrantes.227 De certa forma, o discurso dá a entender, e as noções evolucionistas têm certamente aí um grande peso, que a luta pela vida intensificada sob a égide da sociedade industrial não deixava de resultar em situações fecundas. Derrotados em sua luta por subsistir decentemente na velha Europa, os europeus emigrados partiam em direção à jovem América a fim de travar uma nova luta, para a qual sua origem racial e seu grau civilizatório lhes forneceriam atributos de vencedores, e isto para o imigrantismo em geral era um fato positivo. Por outro lado, as mazelas observadas à época no capitalismo europeu não eram vistas como resultantes de uma ordem social que, por sua própria natureza, as teria como produtos ao mesmo tempo espúrios e necessários. Restringindo à escravidão a exploração do homem pelo homem, e não estendendo-a ao capitalismo, tal como o fizeram movimentos socialistas em atividade naquele tempo, a SCI privilegiava as

227 “Ao deixar a patria”. Idem. Bol. N. 40, Dez. 1887, p.2.

159 excelências do ideário burguês: a autonomia econômica do homem livre, as liberdades civis e políticas do liberalismo, as virtudes capitalistas de iniciativa, temperança, parcimônia, etc. Seriam estas excelências que comporiam o caráter do imigrante que ela defendia como agente de construção do “novo Brasil”. A elevação moral e econômica da população brasileira comparecia há muito no rol das aspirações da elite que desejava a imigração. Na corrente dos defensores da pequena propriedade, Tavares Bastos já a apontava, ao prever: “nós [o Brasil] daremos abrigo a homens industriosos, que comunicarão ao nosso povo as suas artes, a sua perícia e a sua atividade”228. Ao concluir a enunciação de uma proposta de fundação de novas províncias resultantes do povoamento de áreas desertas por imigrantes europeus, ele arrematou: “Essa população, melhor educada e superior à das antigas províncias, exerceria sobre a destas uma ação eficaz e irresistível.”229 Igualmente, tratando da situação social e econômica da bacia do Amazonas, cujo ponto catalisador estava na abertura da navegação do grande rio, o “solitário” considerava que a região era habitada por um povo reduzido, com poucos profissionais, e menos ainda especializados. Mas afirmava então que essa população, ajudada pelo colono europeu ou pelo americano, aprenderia a agricultura, "afeiçoar-se-ia à terra, abandonaria os hábitos da vida errante, engrandeceria o Estado e aumentaria as fôrças da nação.”230 Este papel pedagógico do imigrante não se limitaria à população comum do Brasil, mas também deveria ter efeito sobre as classes dominantes e sobre os cidadãos com vez e voz no sistema político. Taunay porfiava por se franquear a entrada dos imigrantes na vida política, "introduzindo nas municipalidades os estrangeiros para cuidarem seriamente da hygiene publica e levantarem as vereanças do estado de relaxação em que vivem para mal de todos e molestia e morte de nacionaes e estrangeiros."231 Dirigindo-se aos imigrados no Brasil, a SCI publicou um manifesto grandiloquente, com ares de combatividade e um tom sedutor. Ela ocupou boa parte do texto com uma função vocativa, em que fixava o alvo de sua elocução nos imigrados no país. Tomava-os

228 Aureliano C. Tavares Bastos. “Reflexões sobre a imigração”. In: Os males do presente e as esperanças do futuro. 2ª ed. São Paulo: Nacional; Brasília: INL, 1976, p.62. 229 Ibidem, p.70. 230 Idem. “Cartas do Solitário (Antologia)”. In: Tavares Bastos – Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1957, p.48. 231 Sessão diret. 4/7/1889, Boletim n.62, Out. 1889, p.5.

160 como destinatários de sua mensagem, inicialmente fazendo uma lista de rejeições de possíveis candidatos a esta destinação. Estes destinatários rejeitados são: os estrangeiros já domiciliados que não apóiam o imigrante recém-chegado; a “Plutocracia aristocratisada” pelo “ouro”, signo da corrupção no dinheiro; e os “senhores feudaes”, absenteístas e exploradores do trabalho alheio. Os destinatários verdadeiros são os “novos brazileiros”. Dirigindo-se a receptores em geral de pouca instrução, imigrados no país, o discurso utiliza sedutoramente a natureza brasileira como atrativo, como já demonstramos. Utilizando o Paraná governado pelo seu vice-presidente como uma imagem prévia e reduzida do sucesso da política de naturalização, que esperava obter em todo o Império, a SCI afirmava acerca desta província:

“Não há mais italianos, nem francezes, nem allemães, nem polacos; hoje são brazileiros; são compatriotas de Taunay, do apostolo da mais nobre e humanitaria propaganda, que se há realisado no Novo Mundo...”232

Pedia que os imigrados repetissem sempre, em sua correspondência aos parentes e amigos no estrangeiro, que existia no Brasil um homem, chamado Alfredo Taunay, líder da SCI e uma pessoa para quem a maior aspiração era o bem-estar e a prosperidade do imigrante.233 A declaração mais elucidativa, em termos de pensamento de matriz evolucionista aplicado à imigração para o Brasil, encontra-se nesta frase de Rebouças, que resume o mais largo objetivo da Sociedade Central:

“Anhelamos que esse Brazil do futuro seja ocupado pela raça actual melhorada, aperfeiçoada, acrysolada pela concurrencia com as raças mais activas e mais intelligentes da espécie humana; que todos juntos formem uma só família capaz de realizar os mais grandiosos projectos compatíveis com as condições naturaes do homem e do planeta em que vivemos.”234

232 “Manifesto aos Imigrantes já estabelecidos no Brazil”. A Immigração. Bol. N. 17, Jan. 1886, s/p. 233 Ibidem, s/p. 234 A Immigração. Bol. N. 10, Abril 1885, p.3.

161 3.5. IMIGRANTES INDESEJÁVEIS

Tão importante quanto discorrer sobre o tipo ideal de imigrante desejado pela Sociedade Central de Imigração, é identificar aqueles possíveis imigrantes que esta associação julgava indignos de participar da comunhão nacional que ela vislumbrava no horizonte do futuro. Logicamente, toda eleição é excludente, pela eliminação de todas as outras alternativas que porventura se apresentem. No caso das opções de imigração vistas pela Sociedade Central e ponderadas no seu pensamento, percebemos que, se a escolha do europeu saudável, trabalhador, ordeiro, empreendedor e morigerado conta com motivos muito fortes a determiná-la, a recusa a outras opções também tem razões poderosas. São estas razões, analisadas, que explicam grande parte do projeto da SCI e ao mesmo tempo, servem para definir, em negativo, o seu caráter. Procederemos a uma apresentação destes imigrantes indesejáveis agrupando-os em torno de dois critérios. Ao primeiro chamarei critério sócio-político, em verdade um termo bem geral; e ao segundo chamarei critério racial, ou étnico-cultural. É de se notar que estes dois critérios se interpenetram, nas muitas situações enunciadas no discurso, mas cremos que cada um deles funciona bem para classificar estes indesejáveis. Jungidos ao primeiro critério encontram-se os inaptos ao trabalho na agricultura e aqueles que por temperamento, hábitos ou postura política recusar-se-iam à aceitação da ordem vigente no país e às atitudes esperadas dos trabalhadores livres num novo Brasil. Por este prisma, nem os descendentes das “melhores raças” que estivessem nestes grupos mereceriam a oportunidade de tentar vida nova no país. Entre aqueles classificáveis como elementos de desordem reúnem-se quase indistintamente os simples arruaceiros, irresponsáveis, vadios e dados ao crime e ao deboche com os adeptos de movimentos sociais e políticos contestadores da ordem capitalista na Europa passíveis de trazer sua rebeldia para as plagas americanas. Este aspecto do discurso é matriz de outro argumento que podemos considerar ao estabelecer que a ideologia dos membros da SCI, a par de possuir um caráter reformista, bem longe de propugnar por mudanças radicais na ordem sócio-econômica, guardava também um teor de reacionarismo frente às posturas advindas do operariado.

162 Para Tarquinio de Souza Filho, sócio-diretor da entidade, a democracia era inevitável e invencível, constituindo insensatez resistir-lhe. Desenvolvendo este argumento a fim de provar a importância do ensino técnico para o Brasil, tema do livro de propaganda que redigiu para a Sociedade, ele postulava que o melhor procedimento em relação a ela, no fito de colher-se dela os benefícios, e de evitar-lhe os perigos e os inconvenientes, inclusive de que degenerasse em “demagogia ou socialismo”, seria imprimir-lhe um caráter moderado e contido, mediante a ilustração, a propagação do ensino. Os povos modernos, ensinava, estavam fazendo isto. Assim, a instrução representava uma condição básica de força, de progresso e de estabilidade social. No Brasil não existiria a "questão social", ou seja, a questão operária típica dos países industrializados. Porém, ele deveria prevenir-se, antecipando-se ao perigo pela utilização, entre outros recursos, do mesmo remédio.235 Na mesma linha de pensamento, a rejeição à intervenção estatal se articula com a inconveniência do assistencialismo aos operários. O Estado não deveria entrar em funções industriais. Tarquinio cita a propósito o exemplo dos ateliers de travail, definida por ele como concessão do Estado francês aos socialistas, porque buscava apaziguar tais elementos, que haviam arvorado a “esfarrapada bandeira do imaginario direito ao trabalho.” 236 No artigo “Emigração européa”, de 1887, Zózimo Barroso observou que, em vista de “factos de desordem e anarchia, indigencia ou estado de mendicidade e enfermidade de alguns emigrantes”, o governo e a opinião pública dos Estados Unidos, passaram a se preocupar muito com a “qualidade dos emigrantes”, para ele com razão.

“O ellemento socialista allemão, fructo natural do regimen do despotismo militar do Império, perseguido na mãe-pátria, procura quartel principalmente nos Estados-Unidos. A Italia, Bohemia, Polonia, o Egypto e até a Turquia, têm derramado ultimamente na Republica americana muitos homens violentos, descontentes e desmoralizados, que não são precisamente elementos de ordem e progresso social. Da Gran-Bretanha aconteceu virem idiotas e invalidos”,

235 Tarquinio de Souza Filho. O ensino technico no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, p.51. 236 Ibidem, p.185.

163 tendo havido reclamações de autoridades norte-americanas para com as da Grã-Bretanha, em relação à imigração irlandesa. Aproveita o articulista para considerar que, se tais coisas ocorriam nos Estados Unidos, como não seria no Brasil, onde o governo fazia contratos para introdução de imigrantes com prejuízos; onde há “carolice (não religião) ainda não havia casamento civil; onde os serviços públicos eram deficientes” por causa do favoritismo e dos empenhos que em geral determinavam a escolha dos empregados de todas as categorias?”; onde falta boa lei de naturalização; onde há lei de locação de serviços draconiana, e “autoridades partidárias enragées, sempre promptas a servirem aos mandões políticos, até com desumanidade, como se vê nas violências contra escravos, até no Rio de Janeiro.” Segundo ele, o governo fazia tais contratos havia talvez 50 anos. Ele diz que, com as portas abertas pelo Brasil, já sendo barrada nos Estados Unidos, tenderia a vir para cá “a corrente perigosa dos elementos da anarchia, vicios e miserias sociaes”, abundantes na Europa de então, e para países de administração frouxa e inexperiente”. Critica a idéia de usar a imigração para solucionar coisas limitadas como o suprimento de braços na atividade agrária, “a expensas do thesouro publico. Isto é favorecer o interesse particular de uma classe, e de uma classe abastada e bastante instruida, para cuidar de seu proprio interesse.” Para ele, a intervenção do Estado na imigração é justa e legitima, por ser “de interesse geral e vital do povoamento” do território e prover ao adiantamento nacional. “Os fazendeiros que precisam de trabalhadores para substituir os seus escravos, podem e devem ir procural-os por si mesmo e a sua custa, como fazem os chefes de fabricas e officinas industriaes.” Afirma: “A immigração de europeus pacificos e laboriosos é tão necessaria e será tão benefica ao Brazil, (...) como é nociva a escravidão do negro, que aviltou o trabalho, estragou as terras e amolleceu o proprietario.” Continuam as críticas ao aparelho estatal, chegando à própria modalidade do sistema:

“Ha bom numero de annos que o parlamentarismo se tornou omnipotente em nossa patria, e os partidos politicos degeneraram em bandos de pretendentes e subservientes ao serviço de um chefe occasional, que impõe á nação por meio da camara da sua feitura, as suas idéas particulares, seus preconceitos, seus sentimentos e até seus caprichos, sem outra preocupação, ao que parece, sinão a conservação do poder, a posse do cofre das graças e dos empregos.

164 Nestas condições, tudo naturalmente decahiu e atrazou-se, excepto a despeza publica e o funccionalismo, que apresentam progresso admiravel”.

Ele concluiu que a nação precisa de um “poder superior” para lembrar políticos e partidos de suas obrigações. Advertido por seu colega Rebouças da reação negativa da folha Germania, de São Paulo, às suas ponderações sobre a imigração oriunda da Alemanha, Zózimo Barroso comentou esta crítica em carta de dezembro de 1887, da qual A Immigração publicou trechos. Insistindo, perante a crítica, na sua aversão aos imigrantes alemães de tendência socialista, dizia:

“É possivel que trabalhadores socialistas sejam em geral mui robustos e intelligentes, mas que fariam em nosso paiz bom serviço como fermento tenho minhas duvidas. “Em todo caso não desejamos ver procurar o Brazil os socialistas (ou como melhor nome tenham) da ordem dos Lingg, Spies, Engel, Fischer, etc., ultimamente executados em Chicago, não obstante os rogos e as ameaças dos Kathedersozialisten, Sozialdemokraten, (e que sei mais?) do Velho Mundo. Estes assassinos politico, que atiraram bombas de dynamite n’um theatro e reunião de homens, mulheres e crianças inoffensivos, matando e ferindo a muitos, pertenciam quasi todos á Alemanha. Dos sete condemnados á morte cinco eram allemães. (...) “Não pretendemos, nem por sombra, tornar a Allemanha responsavel pelo acto perverso desses infelizes (...).”

Após assim se referir aos chamados “mártires de Chicago”, e ao episódio de Haymarket, marco do movimento anarquista então muito forte dentro do socialismo militante, ele continuava a missiva demonstrando, por outro lado, sua estima pelos bons imigrantes alemães, que ele esperava continuarem a vir para o Brasil, trabalhar junto com os brasileiros, em seu próprio benefício e no “engrandecimento moral e material de nossa patria”.237 Mais tarde, em outro artigo, “A boa immigração”, cuja redação data de dezembro de 1887, de Lausanne, Suíça, ele se reportou ao artigo anterior, lembrando que buscara, entre outras coisas, alertar a diretoria da Sociedade sobre os “serios inconvenientes” da possibilidade de ida para o Brasil, como emigrantes, de “homens invalidos, desmoralisados

237 “Germania de S. Paulo”. Idem. Bol. N. 43, Março 1888, pp.2-3.

165 ou violentos e incontentaveis, elementos de anarchia e depravação”, abundantes, segundo ele, na Europa de então. Era preciso verificar o “caracter moral” dos indivíduos que se propunham a ir para o país. Seu argumento básico eram os fatos ocorridos nos Estados Unidos, “paiz novo e americano”, como o Brasil, e que portanto - como de hábito nas falas da SCI - deveria servir a este último de modelo e estímulo. Informou que nos Estados Unidos houvera tentativas de barrar a entrada de imigrantes desprovidos das condições julgadas indispensáveis de “validez, moralidade, habitos de trabalho e de respeito á lei e á ordem.” Repetiu declarações do Presidente Cleveland, acerca dos prejuízos causados pelos interesses partidários que se sobrepõem aos interesses da nação, como reforço às suas críticas ao partidarismo e ao favoritismo presentes na administração pública brasileira. A prática de ambos fomentaria a incompetência administrativa, ao tolerar, em favor de interesses a eles ligados, a deficência profissional, a falta de experiência, e outras falhas. Citou, sem detalhar, manifestações de menosprezo no Senado brasileiro contra a SCI, por ele classificados de injustas e levianas, eis que se voltavam para pessoas que agiam em favor da imigração européia, “da infusão de sangue novo e puro no nosso organismo social e politico, anemiado e corrompido pelo virus deleterio do captiveiro, que fez de nossa jovem nação um povo bastardo, decadente, um povo de senhores e escravos.”238 Voltou aos exemplos norte-americanos para expor medidas propostas no Senado dos Estados Unidos, visando

“assegurar a boa immigração e impedir o influxo do fermento de vicios, da perversão das idéas, em individuos ou grupos soi-disant politicos – socialistas, anarchistas, nihilistas, que querem destruir – não reformar – a presente ordem social, para crear em logar della excessos, desordem e miseria.”239

Informou que no dia 14 daquele mesmo mês, um senador, Morill, propusera um projeto restringindo a imigração, explicando que se deveria examinar o caráter dos candidatos, pelos consules dos EUA, antes de deixarem os portos, mudando a prática menos cuidadosa dos comissários do Estado, relativa aos recém-chegados. Segundo este

238 A Immigração. Bol. n.45, Maio/Jun. 1888, p.1. 239 Ibidem, p.2.

166 senador, ao visitar Castle Garden, em New York, quando chegara um navio de Antuérpia, o parlamentar norte-americano duvidara, ao ver os imigrantes, que todos eles se tornariam válidos cidadãos para o seu país. A mesma proposta de Morill havia sido ventilada pelo próprio Zózimo, em janeiro do ano anterior, no artigo Bureaux d’Emigration. Ele propusera instalar estes bureaux nos países mais populosos da Europa, serviço público em que poderia “perfeitamente ser aproveitado o aparelho caro, e de utilidade, quasi nulla para fins praticos e progressos da Comunidade, como é o nosso corpo diplomatico e o consular”. Queria que se reformasse o corpo diplomático e o consular, cujas “legações e consulados, presentemente repartições estereis ou mortas” deveriam ter organização moderna, voltada para interesses econômicos e comerciais, como outras das grandes nações.240 No reverso da caracterização de imigrantes ideais, aparece o temor da introdução de elementos de raças inferiores. Aqui cabe a utilização do critério racial que, na nossa reconstituição do pensamento da SCI, afirmamos ter sido aplicado por seus ideólogos. Diante do problema posto da mão-de-obra, os setores da intelectualidade da elite empenhavam-se em sugerir as mais diversas fontes de obtenção dos novos braços para executar o trabalho no país: indígenas, libertos, ingênuos, europeus ou africanos imigrantes, asiáticos, nacionais. Em torno daquelas propostas que num determinado momento apresentavam maiores condições de exequibilidade, acirravam-se os seus opositores. Muitas vezes, as próprias características de um dado grupo, apontadas por alguns como vantajosas para seu aproveitamento no trabalho, eram as mesmas indicadas como perniciosas por aqueles que as desaconselhavam. Há rejeição manifesta pela imigração asiática ou africana, dentro do discurso aqui estudado. A própria SCI nasceu durante a agitação de um protesto frente à possibilidade de uma imigração chinesa, trazida em fins de 1883 pelo mandarim Tong King Sing, diretor da China Merchant’s Steam Navigation Company. O episódio dera azo à manifestação de um espírito de cruzada por parte dos futuros fundadores da SCI, espírito este que se mostrou útil para impulsionar seu iminente nascimento. Em vários artigos e notas, os dirigentes da sociedade demonstram a discordância e até uma ojeriza ante a formação de uma corrente imigratória dos chineses, identificados sob a noção de “coolies”, virtuais semi-escravos. Há numerosos artigos e

240 Ibidem, p.2.

167 notas especialmente dedicados a eles, no claro e persistente intuito de desclassificá-los do papel de trabalhadores braçais, quanto mais do papel de imigrantes: “Trabalhadores chinezes”; “Perigos da colonisação asiática”; “Manifesto contra a introducção de Chins”; “Com a China”; “Chins”; “Missão chineza”; “Chins no Brazil”; “Ainda chins”; “Chins e coolies”; “Chins na republica do Equador”; etc. Com efeito, chegou-se a dar início a uma imigração chinesa para o Brasil, em condições análogas às que regiam a imigração de “chins” para Cuba. Traficantes negreiros de nacionalidade portuguesa, de forma particular açorianos, articulavam remessas de chineses para o Brasil, lançando mão de contatos de que dispunham a partir de Macau. Neste esquema, algo em torno de dois milhares de chineses teria vindo ter ao Rio de Janeiro, entre 1854 e 1856.241 Contudo, este tráfico promissor não foi avante, pressionado por vários fatores, donde se destacam a reprovação inglesa e a recusa cultural e política a esses imigrantes. Num dos discursos de Taunay, proferido na Câmara, este critica Afonso Celso Jr., deputado por Minas, o qual, após viagem aos EUA, segundo ele elogiara o “trabalhador- machina”: o “chim”. Um dos argumentos usados por Taunay é o da “historia scientifica”, que já teria tranqüilamente provado a incapacidade do chinês para ser o vetor do progresso esperado pelo Brasil.242 Os chins são os grandes elementos disfóricos do discurso da SCI. Citando um publicista argentino, ela concordava plenamente em que a sua introdução nos países imigrantistas constituía "crime de lesa-patria"243. As numerosas caracterizações negativas dos chineses encontradas nos documentos da época têm nos artigos e nas notas d'A Immigração um consistente resumo. Depauperados fisicamente, carregados de vícios como o jogo, o uso do ópio, o infanticídio, a degradação da mulher, o desrespeito às leis e a completa inadaptabilidade à vida civilizada de matriz européia, eles são o retrato da praga social - a "praga amarela". Taunay, por exemplo, afirmava que então os Estados Unidos repeliam o chim como se fosse lepra244. As avaliações positivas da atuação dos chineses em diversas terras asiáticas vizinhos de sua terra natal - Java, Sumatra, Filipinas, etc. -, em ilhas caribenhas como Cuba e Guadalupe, no Oeste dos Estados Unidos, e nos países

241 Luiz Felipe de Alencastro e Maria Luiza Renaux. “Caras e modos dos migrantes e imigrantes”. In: Alencastro, Luiz Felipe de (org.), Op. cit., p.295. 242 A Immigração. Bol. n. 5, Set. 1884, p.4. 243 Idem. Bol. N. 3, p.10. 244 Ibidem, p.4.

168 abertos pela colonização européia na Oceania, como aquelas redigidas por publicistas como Tavares Bastos, são sistematicamente ignoradas pelos membros da SCI. Estes se empenhavam em convencer a "grande lavoura" fluminense, em primeiro lugar, que a imigração chinesa apenas agravaria o atraso do sistema de trabalho até o momento baseado no trabalhador escravo. Nascendo num momento de intensificação do “perigo” de introdução de chineses em grande número, quando da missão de Tong King Sing, a fim de combater este pretendido perigo, a Sociedade Central de Imigração tornou a ver outro momento desse tipo na fase que envolveu imediatamente a lei de abolição da escravatura. Por ocasião de sua promulgação, a SCI oficiou ao príncipe chinês de 1a. classe Ching, “presidente do Tsungli- Yamen”, o ministério dos negócios estrangeiros, e a membros de conselho, pedindo que não se consentisse a saída de nenhum súdito do “poderosissimo Imperador Kuang-Su dos portos do Imperio do Meio”, antes da nomeação e posse de enviados extraordinários e ministros plenipotenciários do Brasil na China e da China no Brasil, com suas credenciais aceitas.245 Com certeza, temia-se que o desenlace legal do processo de libertação dos escravos fizesse recrudescer no seio da classe proprietária rural, especialmente nos senhores de terra fluminenses, os esforços pela utilização dos trabalhadores asiáticos. No mesmo sentido, também em 1888, dá-se conta na mesma edição que a SCI oficiara também a Liu-ta-jen, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário da China em Londres, mostrando a ele os fins a que a associação se destinava, narrando também os acontecimentos da abolição e as consequências visíveis da lei de 13 de maio. Arvorando-se a interpretar, como dizia, os interesses da maioria dos fazendeiros do Brasil, arredava qualquer tentativa que pudesse se dar de escravização dos chins que porventura fossem introduzidos no país. Ela tentava evidenciar o quanto a lei de locaçãod de serviços de 15 de março de 1879, então vigente, se prestava a terríveis abusos. Poderia portantos ser motivo de graves injustiças contra os trabalhadores chineses, "cuja causa e direitos devem ser incessante e cuidadosamente vigiados por intelligentes e zelosos protectores". Assim, lembrava a conveniência de se impedir a saída de "filhos do Imperio do Meio" dos portos de sua terra natal, enquanto não fossem nomeados cônsules brasileiros lá e principalmente cônsules chineses no Rio de Janeiro e em várias cidades provinciais que introduzissem em

245 “Chins”. A Immigração. Bol. N. 51, Dez. 1888, p.8.

169 seu seio "aquelle elemento". Este caráter de proteção de que se alegava ocupar-se a associação é reforçado pela Gazeta de Notícias, ao relatar o fato, pela lembrança da publicação por este jornal, das contas e cadernetas de dívidas de colonos, com a qual eram denunciados os desmandos dos contratadores de "infelizes serviçaes, que viam indeterminadamente prorogado o tempo de sua libertação como servos da gleba, em que se haviam constituido." Encerrava o argumento perguntando, em vista disso, o que seria então dos "pobres e desprotegidos chins".246 Estas passagens revelam-se sumamente ilustrativas dos grandes suportes do discurso da SCI, discurso racista, é claro, mas sustentado pela perspectiva do colonialismo. É assim pois vemos, por trás do verniz de urbanidade e da polidez diplomática utilizada para dignatários de uma raça inferior, a decidida postura de rejeição a esta última, com quem se é obrigado a conviver num mundo hierarquizado mas de partes em comunicação. Em verdade, levando-se em conta a difícil situação histórica do Império Chinês, naquela época de espoliação imperialista mesclada de inferiorização frente ao concerto das nações "civilizadas", os pedidos de evitar-se a imigração, por conseguinte o contato do chinês com os brasileiros, junto às alegadas preocupações humanitárias com a proteção dos indefesos trabalhadores orientais, reveste-se de uma ácida ironia. Estes textos, provavelmente redigidos pelo autor de Inocência, grande detrator do elemento chinês, ilustram a ideologia colonialista, por agregar o racismo de viés evolucionista com o liberalismo de feições pretensamente humanitárias e favoráveis ao livre jogo de idéias e ações. Mas os chineses, grande ameaça do período, não foram os únicos elementos raciais cuja entrada no país, junto com a dos japoneses, apontados como uma espécie de fachada sua, na opinião da SCI, deveria ser impedida. Incluídos nesta desclassificação racial estão os eventuais imigrantes africanos, citando-se ainda, nos últimos boletins, os “turcos”. São, entre outros, grandes elementos disfóricos no discurso emanado dos boletins de “A Immigração” e de outros documentos oficiais da SCI. Fiscalizando o assunto, o periódico da entidade denunciava, neste 1888:

“Está averiguado que á rua do Hospicio existem dous grandes depositos de quinquilharias, bugigangas, bentinhos, rosarios, etc., cujos donos mandam vir, á sua custa, do Levante, por via Marselha, esses vendedores ambulantes, homens e mulheres, para darem sahida áquelle genero

246 "Com a China". Idem, p.8.

170 de negocio, inundando todos os nossos centros de população. Parece que os lucros teem sido muito avultados, de maneira que estamos litteralmente ameaçados de verdadeira praga.”

Anunciava ainda a chegada, no próximo vapor francês, de mais quinhentos desta malvista nacionalidade. Além disso, sempre fiel à sua posição contrária ao que seria puro assistencialismo, informava da presença de vinte e sete “turcos vagabundos” no asilo de mendigos, embora todos possuíssem dinheiro, “alguns de cem a duzentas libras esterlinas.” 247 A imigração indesejada assume imagens catastróficas, de praga, inundação, representada sempre escorrendo, em copiosa quantidade, nos textos. A caracterização reflete a intenção de retirar desses imigrantes indesejáveis a condição plenamente humana. No texto "A emigração turca" há uma interessante descrição destes recém-chegados do Oriente Médio. Segundo ele, em certo dia, percorria as ruas da cidade do Rio de Janeiro, numa vozearia confusa, uma multidão de "turcos", levando mulheres e filhos. Serviam-se de animais domésticos, amestrados, que utilizavam para conseguir recursos de modo a "manter-lhes a ociosidade". Traziam os filhos menores atados sobre estes animais "em posição deshumana", e com vozes de lamento, as mulheres os utilizavam para comover a multidão e assim obter sustento para o seu "amor pelo ocio". A partir disto o comentarista assevera que, embora muito se quisesse a imigração, esta deveria ser de famílias que se aplicassem ao trabalho e ensinassem novas técnicas aos brasileiros. Não de turcos, pessoas que saem pelas ruas dançando, vendendo objetos de significado supersticioso e exibindo animais para manter o seu "amor pela vagabundagem". Lembrava que diversos países se fechavam aos turcos. Diz que Taunay já pedira ao governo que trancasse as portas do país, "para que não infiltrassem em nosso organismo, em vez de sangue forte, o virus malefico de um povo indolente" que abusa da caridade e dos "bons sentimentos" para manter o seu vício, e "incutindo nos filhos os mesmos costumes e assim perpetuando a ociosidade." Considerações de especialistas no assunto atestam que a denominação “turcos” era genérica. A partir da constatação de que o nome “turcos” revestia uma variedade de populações submetidas ao Império Otomano à época, chegou-se à convicção de que quase todos os imigrados “turcos” no Brasil eram sírios e libaneses. Desde 1871, quando teriam chegado os primeiros “turcos” ao país, os sírios e libaneses deveriam constituir a imensa

171 maioria deste grupo. Os “verdadeiros turcos”, os otomanos, passaram a entrar em quota expressiva só a partir de 1920.248 Observado isto, vamos a uma análise deste texto, sobremodo interessante. Além de pecha, repisada, do amor daquela multidão de “turcos” pelo ócio, não se contempla, e isto é de se esperar, a possibilidade de haver “turcos” diferentes, valendo os espécimes vistos por todos os outros. O texto veicula de forma quase explícita a constatação de que os defeitos presentes na etnia fatalmente passarão aos seus descendentes, criados dentro de seus costumes, para isso não influindo quaisquer alterações nas condições ambientais, mesmo uma mudança para terras mais civilizadas. Esta opinião, circulando de forma mais ou menos difusa nas dobras do senso comum da época, como a testemunha do préstito dos “turcos”, publicada no Marianense, encontra uma expressão mais articulada teoricamente, nos boletins da Sociedade, nos arrazoados do engenheiro Amoroso Lima no seu artigo sobre a organização das indústrias. Rebatendo uma outra ordem de opiniões sobre a influência do ambiente – não social, como colocamos para o caso desses “turcos” de rua, mas ambiente natural, mais especificamente sobre a influencia climática -, o membro da SCI se mostrou adepto de um possibilismo geográfico. Declarava que não era tanto a partir da influência do clima que se deve explicar o grau de progresso dos povos. Reconhecia que as condições climáticas de uma região dada podem afetar os homens e as obras que nela fossem realizar. Inclusive, Spencer ensinara que a adequação entre o clima e o organismo humano dependia de certo grau de umidade do primeiro. No entanto, e é isso que nos interessa mais em relação à questão racial desses excluídos do caldeirão étnico brasileiro, só os fatores clima e umidade não impediriam o progresso, como Amoroso Lima tentava demonstrar lembrando que civilizações haviam se desenvolvido em climas menos secos. A umidade não impedira esforços industriais, nem os estorvara seriamente, como era o caso de Holanda e Inglaterra. Seriam o entusiasmo e as aspirações elevadas dos povos, que os conduziriam a grandes empreendimentos. Segundo ele, portanto, “não é tanto do clima que depende o progresso de um povo, elle está na razão das suas afinidades ethnicas.” Nestas últimas é que se faria presente o principal fator do

247 A Immigração. Bol. n. 61, Set. 1889, p. 8. 248 J. Fernando Domingues Carneiro. Imigração e colonização no Brasil. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1950, p.64.

172 progresso, da estagnação ou da decadência de um povo249. Voltando aos “turcos”, deparamo-nos com uma postura de mesmo sentido por parte do observador daquele bizarro espetáculo nas ruas do Rio de Janeiro. A transmissão das características, que nas populações humanas o evolucionismo vê operar-se num nó em que se confundem o social e o biológico, é representada em traços desses imigrantes levantinos. Ao ser declarada uma preferência por famílias laboriosas para a imigração, e não gente daquele jaez, é possível ver, em negativo, uma distância aberta entre os homens, mulheres e crinças “turcos”, e a concepção modelar da família tal como a percebia o emissor. As mulheres, que não pareciam mães, aproveitando-se dos filhos pequenos, lamentavam-se hipocritamente para retirar da caridade pública o sustento de seu vício. Note-se a definição de desumana aplicada á posição dos pequenos “turcos” aboletados sobre os animais, somada à imagem dos adultos dançando com estes últimos, homens e bichos aproximando-se promiscuamente, pelas margens da animalidade. Mais que tudo, um quadro naturalista, bem ao gosto do cientificismo então corrente. De novo, como no caso do imigrante ideal, comparece a metáfora quase homóloga ao fato a que alude, a metáfora sócio-biológica do sangue. Se da parte do imigrante europeu, preferencialmente germânico, deseja-se o sangue portador de virtudes elevadas, dos “turcos”, como de outros povos racialmente inferiores, degraus abaixo na escala evolutiva, teme-se a injeção do vírus deletério que transportam. Da mesma forma, esta ordem de considerações tem profunda influência nas formas como se via as populações brasileiras em geral, ingredientes de um caldeamento étnico iniciado junto com o Brasil, caldeamento esse que, infelizmente africanizado, deveria ser direcionado a um branqueamento e a uma europeização de hábitos, atitudes e perspectivas. As portas do "novo Brasil" deveriam permanecer cerradas aos membros das raças inferiores que atrapalhariam os acertos que os reformistas nacionais e seu remédio imigrantista operariam no organismo viciado e comprometido do país. Já bastava o elemento africano, que a história trouxera para a convivência com a população, e que infelizmente fazia parte desta, entranhada na sua estrutura biológica e cultural.

249 A Immigração. Bol. N. 25, Out. 1886, p.6.

173 3.6. INTERVENCIONISMO ÉTNICO E CULTURAL

A grande tarefa histórica da substituição do trabalho, que não seria a substituição de um tipo de trabalhador por outro tipo idêntico, é colocada pelo discurso em dois movimentos: a imigração européia e a abolição da escravatura. Quanto à escravatura, o discurso da SCI é abolicionista, embora evite prudentemente as colocações radicais à época defendidas pelos seus partidários mais exaltados; por exemplo, a abolição imediata e sem indenização, opinião de André Rebouças, José do Patrocínio e outros, para só ficar nos associados da entidade, embora considerando a manutenção prolongada da escravidão nociva sob todos os títulos. No entanto, talvez para evitar discussões desviantes de seu tema básico, ou por força de opiniões porventura divergentes de seus membros quanto ao assunto, apenas deixa registrado o apoio ao abolicionismo, que é tratado de forma tangencial, como foi hábito fazer-se com quase todos os assuntos que não se referiam diretamente à imigração e à colonização. Assim, classificando a escravatura como "lepra", Taunay declarava no final de 1887: "É preciso arrancar de nossos campos essa herva damninha, essa perigosa planta, que os esterilisa, e cujas raizes se cravam no coração brazileiro, para podermos offerecel-os ás fecundas sementes da admiravel immigração(...), como se fosse [a imigração] uma fada de poder tão benefico, quanto sobrenatural."250 Para os grandes problemas, que já tentava vislumbrar no presente, a serem trazidos pela transformação do regime de trabalho nos setores básicos da economia, a SCI prescrevia soluções em cuja apresentação buscava inserir num todo hierarquizado e sistemático, ou seja, num projeto. No topo desta hierarquia, tanto pela magnitude e eficácia, quanto pelo efeito dinâmico que dela se esperava para a realização das demais medidas regeneradoras do país, encontrava-se a criação de condições propícias à atração de uma caudalosa corrente migratória européia. Por outro lado, não apenas à propaganda em prol destas medidas e ao debate para a agitação do “espírito público” estavam reservados o papel pedagógico necessário ao objetivo maior, a formação de um novo Brasil: o efeito pedagógico perpassaria a própria

250 "O Quarto anniversario...". A Immigração. Bol. N. 40, Dez. 1887, p.2.

174 realização cotidiana destas soluções. No limite, pode-se dizer que não bastaria aos atores da transformação nacional assumirem os novos papéis que os esperavam; era preciso que eles os internalizassem, mudando hábitos e características, perspectivas e aspirações, preparando-se para se tornarem os membros de uma nacionalidade por se constituir no horizonte histórico. Neste sentido, o componente pedagógico que julgamos estar conscientemente embutido em várias propostas da SCI e que se esperava ver desencadeado na sua aplicação prática, junto a outros, configura para nós um desígnio de intervenção no corpo social brasileiro. Em relação ao “dia seguinte” da Abolição, a Sociedade mostra-se pessimista diante da possibilidade de aproveitamento imediato dos ex-escravos no trabalho. Taunay diz, em fala na Câmara, que a “vagabundagem” dos escravos a serem emancipados seria mais um problema para o país; e arremata classificando-a como mais uma consequência do “crime da escravidão” (A Immigração, Bol. nº 5, p.6). Mas não descarta a utilização da mão-de- obra emancipada no futuro, sob certas condições.

“O escravo não tem successor. Sujeitos ás leis economicas, não observadas pela escravidão, virão o liberto, como o europeu (...), e o homem livre do paiz estabelecer-se em nossas terras.” Assim, os escravos do campo de então “devem e podem continuar na agricultura sob outras leis sociaes, moraes e economicas. – Essa força não póde ser aniquilada. Ella deve ser dirigida (...).”251

No entanto, a Sociedade dedicava-se a apresentar exemplos bem-sucedidos da utilização da mão-de-obra. É o caso da colônia de Nossa Senhora da Piedade, formada por ex-escravos da falecida condessa do Rio Novo, libertos no seu testamento e a quem ela destinou a propriedade de lotes em sua antiga fazenda. Embora no relatório se diga que não se trataria das terras dos libertos, mas da área pertencente à irmandade de Nossa Senhora da Piedade, também herdeira da condessa, ele discorre sobre os libertos, sua colonia, produção, comportamento social, dos ingenuos, da divisão básica entre crioulos e africanos, nos agrupamentos dos lotes, etc. Dado importante é que o relatório enfatiza sempre que o afastamento dos libertos de sua colonia se dava por interesse de ganho. Exemplos: ele diz que oito recém-libertos, homens, se retiraram por terem ofícios e quererem exercê-los fora

251 A Immigração. Bol. n. 6, Out. 1884, p.6.

175 dali, por “mais rendosos. Foi interesse e não outro motivo que os fez emigrar”. Assim, com itálico. Da mesma forma, mais adiante, faz o mesmo ao dizer que outros oito, também tendo ofícios, apesar de não terem ido embora, exerciam-nos “temporariamente fóra, attrahidos pelo maior interesse que isso lhes traz”, continuando com a propriedade dos seus lotes, alternando os ofícios externos com o trabalho agrícola e/ou pagando outros para fazê-lo “durante sua laboriosa e interesseira ausencia”. Ele concluiu sobre isto: “Por estes factos fidedignos, se evidenciará que estamos na colonia de N. Sª. da Piedade um pouco longe da realisação das prophecias apocalypticas, que sempre precedem as reformas profundas”. E prossegue mostrando o excelente comportamento dos libertos colonos, sem roubos, mendicância, nem ociosidade etc, apenas queixando-se dos poucos meios para obter melhoramentos. Aponta o aumento das uniões matrimoniais após a libertação e a constituição da colonia, das oito iniciais para sessenta e duas a mais, perfazendo setenta ao todo. “A influencia da constituição da família entre nelles [sic] tem operado em todo sentido, do modo mais animador e salutar”. Faz-se presente a crença no valor da família como enraizadora do homem à terra e disciplinadora para o comportamento social e os hábitos de trabalho e parcimônia, de velha extração. Numa fase de crise entre a leitura do testamento e 20 de janeiro de 1883, quando da fundação da colônia, correram meses de desorganização, salvando a situação “a boa indole dos negros e a philantropica e previdente attituda [sic] da” irmandade. O mais importante neste e em outros relatórios relativos à situação e ao comportamento dos libertos, e por extensão dos ingênuos, é a tentativa de demonstrar que a liberdade destes indivíduos não degeneraria em desordens, violências, vandalismos e abandono massivo do trabalho. Em uma palavra, a reforma não mudaria as bases da diferença de classes e a ordem social advinda de épocas anteriores. Mesmo assim, não se demonstra fé na capacidade do trabalhador liberto ou livre nacional de desenvolver a economia e a vida social brasileira com a mesma presteza do imigrante. Aqueles precisariam do concurso do imigrante para atingirem um nível compatível ao do trabalhador estrangeiro, e isto dentro de parâmetros de verdadeira assimilação de um pelo outro. Quando a Abolição já se encontrava próxima, Rebouças comentava, numa sessão da diretoria, sobre o aumento das rendas da província do Ceará, onde o trabalho escravo fora, em relação ao restante do Império, antecipadamente abolido.

176 Sectário da superioridade do imigrante europeu, o engenheiro, embora afirmasse que tal fato se devia à expansão das “forças vitaes” da província pelo elemento nacional, concluía: “Qual não teria elle sido, se uma corrente espontânea de immigração européa se houvesse estabelecido a seu lado, já iniciando novas culturas, já introduzindo methodos aperfeiçoados para a exploração das que já existem?”252 Quanto aos trabalhadores já livres há gerações, apenas marginalmente aproveitados no setor mais dinâmico da economia, se tanto, o discurso opera em geral da mesma maneira. Eles são caracterizados como um segmento apartado do progresso pela velha ordem senhorial. Não eram os responsáveis pela situação em que se encontravam, principalmente no meio rural, onde vegetavam, e não viviam. O discurso da SCI, semelhantemente ao caso do imigrante, também é alçado em defesa dos

“filhos do paiz que, em grande numero, vegetam miseravelmente, por motivos de educação má, de erros economicos e de um meio social próprio á vadiagem, á vagabundagem e aos desmandos de toda sorte e ainda em boa parte contrario ás boas garantias do trabalho, da organisação da família, e da adquirição e desenvolvimento da propriedade e ao progresso das profissões mecânicas, agrícolas ou industriaes.”253

Declara-se assim uma igualdade de direitos entre o elemento europeu e o trabalhador nacional. A SCI inclusive declarava-se a favor do "avanço de capitaes e recursos de toda sorte, tanto ao colono nacional livre ou liberto como ao estrangeiro já residente ou ao immigrante expontaneo."254 A SCI reservava uma parte de suas formulações à defesa do trabalhador nacional frente às práticas de mandonismo de senhores rurais, e contra as exações e arbitrariedades das autoridades imperiais. Também visava à mudança de seus hábitos e visões da vida, através de intervenções no seu regime de trabalho e do estabelecimento virtual de seus direitos civis. O deputado Taunay clamava na Câmara, nas dobras do debate sobre a lei de locação de serviços, contra a tendência que via nela de agravar a dependência do assalariado rural ao fazendeiro, inclusive com a ameaça contida no recrutamento militar. Nas palavras do vice-presidente da SCI, ela faria "transformar os trabalhadores nesses

252 Sessão da diretoria em 28 de Julho de 1887. A Immigração. Bol. N. 36, Ago. 1887, p.7. 253 “Manifesto á Provincia de São Paulo”. A Immigração. Bol. N. 9, Feve./Março 1885, p.3. 254 "Ao 'Brésil ou Courier de l'Amérique du Sud' em Paris". A Immigração. Bol. N. 6, Nov. 1884, p.6.

177 capangas que rodearam os fazendeiros durante tantos annos e ainda os rodeiam. (Apartes)". Esta observação doeu nos ouvidos de vários circunstantes, enquanto o contundente deputado continuava: "De certo a lei eleitoral modificou isso; mas as condições especiaes em que nos vamos achar no paiz trará [sic] novamente a capangagem." Aos que diziam, como Paula Souza, que esta já havia acabado, Taunay replicava que ela reaparecia. O que mais desejaria o proletário rural era a isenção do serviço militar. Assim, estaria pronto para toda subserviência aos poderosos, coisa que Taunay considerava a pior de todas. O pequeno proprietário, segundo ele, precisava de independência, de autonomia, de usar sua dignidade, e jamais de uma proteção que o rebaixava. "Pois bem", dizia; "nós devemos modificar essa tendencia dos nossos proletarios. Vivem quase todos em uma dependencia horroroza dos fazendeiros, sujeitos a todas as imposições." A esta altura, desenhou um quadro desta dependência e de seu sucedâneo de violência e intimidação:

"Quem não assistiu, sobretudo nas antigas épocas eleitoraes, á entrada, nas cidades e villas do interior, de alguns ricassos, verdadeiros senhores feudaes, rodeados de pagens e capangas promptos para obedecerem, sem reluctancia, a todas as ordens de quem lhes dá, não o pão, mas a farinha e o feijão?!... (Apartes). É a verdade. Não exagero."255

O nacional também seria elevado a uma melhor condição pela influência benéfica do imigrante. Espera-se que ambos possam se dirigir aos trabalhos agrícolas e industriais com a mesma disposição e em condições iguais. No caso dos trabalhadores nacionais já livres do campo, cuja liberdade na prática era exercida numa existência geralmente marginal perante o sistema agro-exportador brasileiro, a palavra da Sociedade dá a entender um ceticismo em termos de sua integração a um “novo Brasil”, num prazo semelhante ao esperado para o próprio liberto. Eles são identificados coletivamente ao atraso das relações sociais e políticas do campo, dominado pelos grandes proprietários. Embora a SCI afirmasse não fazer distinção entre o nacional e o estrangeiro, desejando que ambos se dirigissem aos trabalhos agrícolas e industriais, dedicados ao trabalho por interesse e ligados à sociedade pelas afeições, o processo que ela traça no discurso para a inserção de ambos os colocaria pelo menos em princípio em desigualdade de condições. Isto de certa forma pareceu pouco importante para a SCI, que se preocupava

178 mais com o resultado final de suas ações, no horizonte da formação futura de um novo povo brasileiro. Quando três diretores formularam pareceres especializados sobre a melhor dimensão que deveriam ter os lotes de terra a ser demarcados para acolher imigrantes, um deles, o barão de Tautphoeus, alemão que lecionava no Colégio Pedro II, lembrou que as administrações públicas deveriam, ao fazer distribuições de terras, reservá-las “aos numerosos lavradores brazileiros que agora vegetam como agregados ou pequenos rendeiros, com posses precarias, e que em circunstancias mais próprias para estimular a sua actividade, contribuiriam tanto como colonos estrangeiros” para aumentar a riqueza do país. É significativo que logo em seguida, ao expor seu parecer, Gustavo Trinks desautorize o pronunciamento de seu consócio, através da recordação de que eles estavam trabalhando ali na entidade com prioridade para a imigração e o imigrante. A questão dos despossuídos territoriais não era assunto a ser ventilado nessa ocasião.256 Mesmo assim, a figura do nacional despossuído do campo está presente no discurso, normalmente de forma ocasional e superficial, como quando a SCI dá um voto de animação ás idéias de Lacerda Werneck na Assembléia Provincial, esperando que ele consiga vencer a “rotina escravocrata e nativista, que tem feito a desgraça não só dos imigrantes, como dos brazileiros que vivem sem terra, sem propriedade e sem direito algum, exatamente como os pariás da India.”257 Sempre alegando que sua criação e atividade estavam voltadas para o imigrante europeu, apesar de visto num processo que envolveria também a população já estabelecida no Brasil, a Sociedade Central comumente lhe deu o papel de sujeito privilegiado da transformação sócio-cultural e racial que desejava para o país. O próprio papel pedagógico que reivindicava para o europeu imigrado, seja ante a massa da população despossuída, seja ante as classes proprietárias, é de protagonista de um processo de mudança, mesmo que ele seja preparado e manipulado de uma instância estatal e intelectual como que pairando sobre as classes sociais e suas vicissitudes. Dessa forma, o discurso vai apontando soluções para praticamente todos os grandes segmentos da população brasileira, tendo em mira a sua transformação global, pela esperada afluência dos "novos brasileiros" que estariam a caminho para protagonizarem a construção da nova nacionalidade brasileira. É um projeto fundamentalmente

255 A Immigração. Bol. N. 7, Nov. 1884, p.5. 256 A Immigração. Bol. N. 4, p.12. 257 A Immigração. Bol. N. 15, Nov. 1885, p.5.

179 intervencionista, baseado de forma ampla sobre as tendências da época que viam nos publicistas e intelectuais elementos inseridos politicamente nas tarefas árduas, não apenas opinando, mas instando, polemizando, pressionando. É bem adequada a classificação dada a eles por Irina Vassilieff de "grupo de pressão". Outra consideração se impõe. Consoante ao que foi exposto neste capítulo, fica visível não apenas o caráter intervencionista das propostas da SCI e de sua linha de ação. Também aparece uma postura típica de uma elite perante as camadas subalternas da população. Praticamente elas não são chamadas a opinar, muito menos a propor alternativas, sobre a crise social em que elas também seriam vitimadas, e de forma certamente mais dramática, caso soluções eficientes não fossem adotadas. O discurso permite perceber isto, em positivo e em negativo. Ao passo em que o sujeito do discurso, o "eu" Sociedade Central de Imigração, se dirige a um "tu" composto por políticos, proprietários rurais, empresários, burocratas elevados, entidades e personagens de peso estrangeiros, e no limite aos possuidores da cidadania, ignoram-se tentativas de auscultar essas camadas mais humildes. Nem mesmo aos imigrantes se concede grande abertura de diálogo. Isso tudo não é de maneira nenhuma impressionante, levando-se em conta os atores sociais e sua época, e muito dificilmente poderia ser de outro modo - mas é básico. Assim, os ainda escravos, os libertos, os ingênuos, os homens livres e pobres nacionais, os pertencentes a raças inferiores, ficam reservados a um papel passivo de um "ele", de quem se fala, e que consequentemente não recebe lugar na interlocução.

180 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Sociedade Central de Imigração delineou um projeto alternativo de política imigratória, perante as principais orientações que presidiram esta política nos fins do século passado, época de sua atuação. Ora, a mais poderosa destas orientações foi aquela emanada dos cafeicultores do “novo Oeste” paulista. Com o tempo e as mudanças políticas consubstanciadas no advento da República, ela engolfou as instâncias decisórias do Estado e tornou oficiais as medidas que defendia para o andamento da política imigratória brasileira. Um dos pontos fundamentais da política então adotada, atendendo aos interesses comuns à classe dos fazendeiros, consistiu no cuidado de evitar que a imigração e a colonização, ao colaborar na transformação do trabalho nos setores mais dinâmicos da economia, abalassem os fundamentos do poder desta classe dominante, sustentados ainda na propriedade da terra. Especificamente para a cafeicultura paulista, esta política correspondeu satisfatoriamente aos interesses dos grandes fazendeiros de abastecimento de mão-de-obra, facilitando e subvencionando a imigração européia. Com a adoção deste desígnio norteador, foram ignoradas na política imigratória as propostas de povoamento e de alteração da estrutura fundiária, contidas nas idéias de disseminação da pequena propriedade e de uma efetiva reformulação dos dispositivos da Lei de Terras de 1850, reivindicações levantadas por imigrantistas da vertente em que se incluiu a SCI. Portanto, como conjunto alternativo de propostas para a imigração e a colonização, assentadas sobre a pequena propriedade, o projeto da Sociedade Central acabou por não se realizar. O acesso dos trabalhadores imigrantes e nacionais à propriedade da terra, exceção feita à colonização específica no Sul, continuou barrado por imensos obstáculos. Apresentamos o projeto reformador da Sociedade Central de Imigração como um composto de duas ordens de propostas para a ação política: uma ordem da transformação do trabalho e uma ordem em que se agrupam propostas ligadas à reestruturação agrária do Brasil, usualmente colocadas sob o rubrica de “Democracia Rural”. Ambas as ordens, contudo, apresentavam-se estreitamente articuladas. Na primeira, a abolição da escravatura, então realizada, e a imigração européia surgem como dois movimentos cuja complementariedade se constituía na substituição das formas de utilização do trabalho na

181 economia nacional. O discurso da SCI era claro a este respeito: a eliminação do escravismo deveria implicar a própria remoção das suas bases sociais de sustentação. O escravo não teria substituto sob quaisquer formas, fossem elas servis ou semi-servis, com imigrantes submetidos a qualquer modalidade de contrato que tolhesse a vontade do trabalhador agrícola, a sua liberdade de vendedor de força de trabalho, e o seu direito de tornar-se um capitalista rural. Daí o ferrenho combate às Leis de Locação de Serviços, consideradas todas prejudiciais, bem como aos agentes comissionados de imigração, apontados praticamente como sucessores dos traficantes negreiros. O discurso da Sociedade Central de Imigração apontava desse modo para a implantação exclusiva de um mercado de trabalho livre no campo e de uma nova classe média de capitalistas rurais. O destino dos velhos latifundiários, neste novo sistema, não traz dificuldades de previsão: deveriam render-se ao progresso, corrigir o descompasso de suas práticas econômicas tradicionais frente ao anunciado avanço das relações capitalistas, sob pena de tombarem junto com o antigo sistema econômico. O discurso da SCI demonstra nesta questão uma faceta reveladora do teor reformista de seu pensamento. A classe dos fazendeiros é uma destinatária privilegiada do discurso. Há o elogio e a valorização de toda iniciativa, partida dos grandes donos de terras, que venha ao encontro das doutrinas preconizadas pela entidade. Por outro lado, usa-se como identificação de interlocutores dissociados da postura esclarecida, a representação dos potentados territoriais, abusivos e insensíveis às necessidades materiais e morais do país. A estratégia do discurso, mais do que constatar as diferenciações de mentalidade no interior da classe dos senhores rurais, fustiga o adversário sem encurralá-lo, a fim de deixar aberta a possibilidade de ajustes em condições razoáveis. Ou seja, o discurso buscava a todo o transe o convencimento, não a abertura de hostilidades irreconciliáveis. O teor reformista do discurso também se faz nítido no projeto proposto para a questão agrária brasileira, que pode ser enfeixado em sua parte articulada sob o nome de “Democracia Rural”. O termo democracia exige um cuidado em sua interpretação, levando-se em conta o sem-número de sentidos em que o seu signo se desdobrou através do tempo. Para entendê-lo, tomamos como referência o ideário liberal em que se enuncia. Os valores de individualismo, eficiência, adaptabilidade e competição embutidos no projeto permitem sua compreensão como uma proposta restritiva e seletiva, cuja realização e usufruto estavam de antemão destinadas aos capazes e flexíveis. Àqueles que por

182 deficiência inata ou incapacidade de adquirir os requisitos necessários para exercer o papel de atores enquadrados do processo desta “democracia rural” estava reservada uma peremptória rejeição. Não é cogitada pela SCI a contribuição autônoma tanto dos imigrantes quanto dos nacionais – em suma, dos trabalhadores- nas decisões quanto a todo o processo global de transformação econômica e social. Esta postura exemplifica-se por excelência na preocupação de evitar a introdução de imigrantes contestadores da ordem constituída, tal como se fazia sentir nos Estados Unidos à época, os grandes líderes entre os países de imigração. Outro sinal de que não se esperava uma reação positiva dos grandes proprietários era o apelo aos poderes de pressão do Estado e da lei, através do imposto territorial, e o interesse em dispor das terras devolutas pela reforma da Lei de Terras de 1850, pelo recurso à desapropriação de terras marginais às ferrovias e outras medidas, entre as quais as inspiradas na Lei Torrens e na experiência de Wakefield, oriundas dos grandes países imigrantistas do mundo. Para esta parte do discurso, vemos o Estado como o maior destinatário. A virtual estreiteza do espaço público e a larga permeabilidade deste à presença do Estado não o tornava apenas o principal destinatário do discurso. A fragilidade da iniciativa particular e a marcante indefinição de limites entre o espaço público de atores individuais, o espaço do Estado e o espaço propriamente privado, obrigava a convocar o Estado no Brasil como agente imprescindível para o sucesso dos planos da SCI. A SCI imprimiu uma auto-representação construída a partir de sua consciência de elite. Assumindo a causa imigrantista como cruzada, tomaram a postura de combatentes de escol, um conjunto destacado perante o restante da sociedade. Identificados com o que julgavam ser os mais elevados interesses do Brasil, os ideólogos da Sociedade Central colocavam-se numa posição de imparcialidade, acima dos interesses partidários e das classes sociais. Assumiam desta forma uma função de mentores intelectuais de uma política geral para a construção da nacionalidade. Seu respaldo encontrava-se na racionalidade e na eficiência da formação técnica, inconfundíveis com as paixões e os particularismos existentes na sociedade. Especialistas dos assuntos de que tratavam, tiravam da pretensa superioridade do conhecimento científico a autoridade para elaborar as melhores soluções para os grandes problemas do país, expressando-as com a retórica da decisão ponderada, do tecnicismo e do cientificismo. Estes tecnicismo e cientificismo

183 adotados como fontes do pensamento da SCI são chaves para se explicar a verdadeira química social constante de seus planos, na qual a população brasileira estaria para ser forjada à sua (auto-)imagem e semelhança. O povo brasileiro, com seus negros e homens de cor, que a ciência evolucionista aplicada ao social considerava comprometidos com a inferioridade racial e, mercê desta, cultural, deveria receber o contributo europeu para a construção de uma nação de matriz verdadeiramente civilizada. Branqueamento étnico, aculturação européia, seriam os recursos tanto para a salvação de um Brasil em crise no presente, quanto para garantir a saúde de seu organismo social no futuro.

184

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200 ANEXOS

Segunda lista de sócios da Sociedade Central de Imigração Em 15 de Janeiro de 1887 (Fonte: A Immigração. Bol. N. 28, pp.7-9.)

Sócios beneméritos 1. Companhia de Navegação do Amazonas 2. Edward de Mornay 3. Fernando Augusto da Rocha 4. João Baptista da Fonseca, Comendador 5. José Ferreira de Souza Araujo, Dr. 6. J. Georg Repsold 7. Leopoldo Teixeira Leite, Dr. 8. Saturnino Candido Gomes

Sócios remidos A 1. A. Durieux 2. Adolpho de Barros, Dr. 3. Adolpho Paula de Oliveira Lisboa, Comendador 4. Affonso Celso de Assis Figueiredo, Conselheiro 5. Alfredo Camillo Valdetaro, Dr. 6. Alfredo Teixeira Leite, Major 7. Amphrisio Fialho, Dr. 8. André Augusto Paulo de Frontin, Dr. 9. André Rebouças, Dr. 10. Angelo Eloy da Camara, Conselheiro 11. Antonio da Costa Chaves Faria, Comendador

201 12. Antonio da Costa Pinto e Silva, Conselheiro 13. Antonio Januzzi 14. Antonio Joaquim Gomes do Amaral, Senador 15. Antonio Mendes Campos 16. Antonio dos Passos Miranda, Dr. 17. Antonio Paulo de Mello Barreto, Dr. 18. Antonio da Silva Prado, Conselheiro 19. Augusto Cesar de Paula Fleury, Dr.

B 20. Baasch (Herm.) 21. Barão de Bemposta 22. Barão de Guahy 23. Barão de Ibirá-Mirim 24. Barão de Irapuã 25. Barão do Rio Bonito 26. Barão de S. Geraldo 27. Barão de Teffé 28. Beaurepaire Rohan, (Tenente-General Henrique de) 29. Belisario Augusto Soares de Souza, Dr.

C 30. Candido Gaffré 31. Carlos Alberto Morsing 32. Carlos Gianelli 33. Casimiro Eugenio de Amoroso Lima, Dr. 34. Charles Robilard de Morigny 35. Costa Braga, Irmãos & Ca.

D 36. Domingos José Nogueira Jaguaribe, Senador

202

E 37. Eduardo P. Guinle 38. Escragnolle Taunay, (Senador Alfredo de) 39. Eugenio Teixeira Leite, Dr.

F 40. Fernandes Braga & Ca. 41. Firmino de Albuquerque Diniz, Dr. 42. Franckel

G 43. Galdino José de Bessa 44. Glaziou (Dr. A. H.) 45. Glette, (Friedrick)

H 46. Henrique Carlos Ribeiro Lisboa 47. Henrique David 48. Henrique Irinêo de Souza 49. Homem de Mello, Conselheiro

J 50. J. F. Russel, Coronel 51. Jacomo N. de Vincenzi 52. Januario Candido de Oliveira, Dr. 53. João Antonio Mendes Totta, Comendador 54. João Baptista Ferreira da Costa 55. João Carlos de Souza Ferreira 56. João E. Vianna

203 57. João Edmundo Leuzinger 58. João Fernandes Clapp 59. João Gomes Ribeiro d’Avellar, Dr. 60. João Loureiro 61. João da Matta Machado 62. Joppert, (Comendador H.) 63. José Americo dos Santos, Dr. 64. José Carlos do Patrocinio 65. José Carlos Rodrigues, Dr. 66. José J. de França Junior 67. José Joaquim de Carvalho Bastos 68. José Pinto de Oliveira, Comendador 69. José da Silva Costa, Dr. 70. José Vergueiro, Comendador 71. Julio Roberto Dunlop

K 72. Karl Valais 73. Kern, (Carl) 74. Koth, (Dr. J.)

L 75. Linklater (Charles) 76. Linklater (Thomas) 77. Lopo Diniz Cordeiro, Dr. 78. Luiz Augusto de Magalhães 79. Luiz Felipe Alves da Nobrega, Dr. 80. Luiz Rodrigues de Oliveira, Comendador

M 81. Malvino da Silva Reis, Comendador

204 82. Manoel José de Amoroso Lima Junior 83. Manoel de Oliveira Fausto, Dr. 84. Manoel Rodrigues Peixoto, Dr. 85. Manoel Vicente Lisboa 86. Mathiesen, (Augusto) 87. Miguel Antonio Dias 88. Miguel del Vecchio 89. Minch (H.)

N 90. Numa do Rego Macedo

O 91. Othon Leonardo

P 92. Paulo Freitas de Sá, Dr. 93. Pimenta Bueno, Conselheiro (M. A.)

S 94. Simão de Porciuncula

T 95. Trinks (Gustavo)

V-W 96. Visconde de Amoroso Lima 97. Visconde de Barbacena 98. Visconde de Mauá 99. Visconde de Nioac

205 100. Visconde de S. Salvador 101. Wenceslau de Souza Guimarães

Contribuintes A 1. A. Ilha Moreira, 1º. Tenente 2. A. P. Carneiro P. da Cunha 3. Adolpho Simonsen 4. Adriano Xavier de Oliveira Pimentel, Dr. 5. Agostinho José Rodrigues Torres 6. Alberto Rodrigues de Sá 7. Albino Augusto Bellieni 8. Alfredo Lopes 9. Alfredo Luiz de Mello 10. Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves, Conselheiro 11. Altsfasser (Franz.) 12. Alvaro Caminha Tavares da Silva, Dr. 13. Alves & Ca. 14. Amarilio Olinda de Vasconcellos, Dr. 15. Antero Teixeira Guimarães 16. Antonio de Alcantara Fonseca Guimarães 17. Antonio Alves do Banho 18. Antonio Aurelio Alves da Silva 19. Antonio Borges Sampaio, Tenente-Coronel 20. Antonio Carneira da Rocha, Conselheiro 21. Antonio Florencio Pereira do Lago, Coronel 22. Antonio Gonçalves Ferreira, Dr. 23. Antonio da Graça Araujo Bastos 24. Antonio José Barros Tinoco 25. Antonio José Corrêa Coima 26. Antonio José Gomes Brandão

206 27. Antonio José de Sampaio, Dr. 28. Antonio Leite Monteiro de Barros 29. Antonio Machado de Araujo 30. Antonio Martins Pinheiro, Dr. 31. Antonio Pinto Moreira 32. Antonio Rodrigues Lima, Dr. 33. Antonio da Silva Lisboa 34. Antonio da Silva Netto, Dr. 35. Antonio Teixeira da Cunha 36. Aristides de Souza Espindola 37. Arsenio Conrado Niemeyer 38. Arthur Americo Bernardo 39. Arthur Cardoso 40. Asterio de Castro Jobim, Dr. 41. Ataliba de Gomensoro, Dr. 42. Augusto Alves de Azevedo, Dr. 43. Augusto Carlos da Silva Telles, Dr. 44. Augusto Vinhaes 45. Aureliano Martins de Carvalho Mourão, Dr.

B 46. Barão de Diamantino 47. Barão de Escragnolle 48. Bernardo Affonso de Miranda 49. Biehn (Eugenio) 50. Blumenau (Dr. H.)

C 51. C. J. Alvares Vianna 52. Candido Luiz Maria de Oliveira, Conselheiro 53. Carl Berg

207 54. Carl Bolle 55. Carl F. A. Grelle & Ca. 56. Carl Pfuhl 57. Carlos Antonio de França Carvalho, Dr. 58. Carlos de Laet 59. Cesar Augusto Ribeiro 60. Christiano Hecksher 61. Cincinnato Americo Lopes 62. Claudio S. de Vincenzi 63. Collen (A. von) 64. Conrado Jacob Niemeyer 65. Cornelio de Souza Lima 66. Cresta, (Emmanuele) 67. Cruls, (Dr. Luiz) 68. Custodio Gonçalves Belchior 69. Custodio Martins de Souza

D 70. Delfino Pinheiro de Uchôa Cintra, Dr. 71. Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho, Dr. 72. Domingos L. da Cunha 73. Duarte Paranhos Schutel, Dr. 74. Duvivier, (Theodoro)

E 75. Eduardo José de Almeida e Silva 76. Eduardo Maria Campos 77. Emmanuel Y. Salomon 78. Ernesto Cybrão 79. Ernesto Krull 80. Ernesto de Albuquerque Galvão

208

F 81. F. A. Ferreira de Mello 82. F. Schmidt & Ca. 83. Faustino Alves Vianna 84. Felipe Simões dos Santos 85. Fernando Mendes de Almeida, Dr. 86. Francisco Antonio Gonçalves 87. Francisco Balthazar da Silveira, Conselheiro (Dom) 88. Francisco Carvalho Soares Brandão, Senador 89. Francisco Dias Carneiro, Dr. 90. Francisco Ferreira Saturnino Braga 91. Francisco Ildefonso Ribeiro de Menezes 92. Francisco José Thomaz 93. Francisco Octaviano de Almeida Rosa, Senador 94. Francisco de Paulo Gonçalves Moreira 95. Francisco Pinto R. de Brito 96. Francisco Pires de Carvalho Aragão, Dr. 97. Frederico Augusto Borges, Dr. 98. Frederico Bruesthein 99. Fritz Mack & Ca.

G 100. G. Joppert & Ca. 101. Gabriel Pinto da Motta 102. Germiniano Brazil de Oliveira Gomes, Dr. 103. Gerhard Heuer 104. Gioreli (Cesar) 105. Godofredo Silveira da Motta 106. Goffredo de Escragnolle Taunay, Dr. 107. Goldschmidt (B.)

209 108. Gross (C. W.) 109. Gustavo Herman Roeder

H 110. Haupt (Octavio) 111. Hausding (Otto) 112. Hector A. Ferreira 113. Hehl R. 114. Heitor Augusto Ferreira 115. Haming (Dr. Karl) 116. Henrique Chaves 117. Henrique Ed. Weaver Esq. 118. Henrique José Dias 119. Henrique J. Moreira 120. Henrique Lucas Laport 121. Henrique Marques Cavalcanti de Albuquerque 122. Herm. Petersen & Ca. 123. Hoonholtz, (D. von) 124. Horacio R. Antunes 125. Hurlemann (Adolpho)

I 126. Ignacio Antonio de Assis Martins, Senador

J 127. J. A. de Mattos Pitomba (Dr.) 128. J. P. de S. Meirelles 129. Januario de Figueiredo Pereira Barros (Dr.) 130. Jeronymo José Teixeira Junior (Senador) 131. Jeronymo R. de Moraes Jardim (Dr.) 132. Jeronymo Simões

210 133. João Affonso de Miranda 134. João Alfredo Corrêa de Oliveira (Senador) 135. João Baptista de Castro (Dr.) 136. João Baptista Mascarenhas 137. João Baptista Ortiz Monteiro (Dr.) 138. João Carlos de Souza Jacques (Capitão de Fragata) 139. João de Carvalho Borges Filho (Dr.) 140. João Francisco Fróes da Cruz (Tenente-Coronel) 141. João M. de Almeida Portugal 142. João Nepomuceno Baptista (Dr.) 143. João Soares Neiva (Tenente-Coronel) 144. João Vicente Leite de Castro (Major) 145. Joaquim Adolpho Pinto Pacca 146. Joaquim Candido Guimarães Junior 147. Joaquim Carneiro de Mendonça Junior 148. Joaquim Felicio Cavalcanti 149. Joaquim Gomes Pinto 150. Joaquim Moreira da Silva 151. Joaquim de Oliveira Fernandes, Dr. 152. Joaquim Rodrigues de Oliveira 153. Joaquim Tavares de Mello Barreto, Dr. 154. Jorge de Drusina 155. Jorge Franco 156. José Belmiro de França 157. José Bento da Cunha Figueiredo, Conselheiro 158. José Bernardes Silva, Comendador 159. José Bloem Filho 160. José Candido Teixeira 161. José Casimiro da Silva Pinto 162. José Evaristo da Cruz Gouvêa, Dr. 163. José Ferreira Cantão, Dr.

211 164. José Francisco Diana, Dr. 165. José Gomes Ribeiro de Avellar 166. José Gonçalves Chaves, Dr. 167. José Goursand Araujo 168. José Ignacio de Barros Cobra Junior, Dr. 169. José Leopoldo de Bulhões Jardim, Dr. 170. José Lourenço Bellieni, Tenente- Coronel 171. José Marcellino de Souza, Dr. 172. José Marcellino de Souza Bittencourt, Comendador 173. José Maria Albuquerque Bloem 174. José Maria Antunes Ramos, Dr. 175. José Mariano Carneiro da Cunha, Dr. 176. José Rufino Rodrigues Vasconcellos 177. Joseph Wolf, Senador 178. Joseph Fry & Ca. 179. Julio Arão de Souza Bastos 180. Julio Collaço de Magalhães Vidal 181. Julio Glech

K 182. Karl Valais & Ca. 183. Karl Nalter Kleine 184. Klingolhoefer, (Eduardo)

L 185. L. Laureys Junior 186. Laemmert & Ca. 187. Lafayette da Silva Maia 188. Lancia, (Dr. Ernesto) 189. Laurindo Abelardo de Brito, Conselheiro 190. Leandro C. de M. Ratisbona, Dr.

212 191. Leopoldo Cunha, Dr. 192. Leuba & Ca. (Augusto) 193. Lindsay (J.) 194. Lipos, (F. H.) 195. Lourenço Rangel, (Dr.) 196. Lucas da Costa Faria 197. Luiz Augusto de Miranda Valle 198. Luiz Chapot Prevost, Dr. 199. Luiz da Gama Berquó 200. Luiz Gomes Pereira 201. Luiz M. de Simoni 202. Luiz Malafaia 203. Luiz da 204. Luiz Schreiner

M 205. Manoel Bernardino da Costa Rodrigues 206. Manoel Cosme Pinto 207. Manoel Dantas Corrêa Góes, Dr. 208. Manoel Emilio Gomes Carvalho 209. Manoel Euphrasio Corrêa, Dr. 210. Manoel Ferraz de Campos Salles, Dr. 211. Manoel Gomes de Oliveira 212. Manoel Luiz de Castro 213. Manoel Tertuliano Thomaz Henrique, Desembargador 214. Manoel Thimotheo da Costa 215. Manoel da Trindade Peretti 216. Marianno Alves de Vasconcellos, Dr. 217. Max Krug & Ca. 218. Mayrink, (Comendador Francisco de Paula) 219. Michler, (Dr. Guilherme)

213 220. Milliet Francisco, (A)

N 221. Nicoláo Fachinetti 222. Nicoláo Malburg 223. Nicoláo Moreira 224. Nitsche, (Julius)

O 225. Olympio Valladão, Dr. 226. Orville A. Derby, (Professor) 227. Otto Simon

P 228. Paiva Baracha, Dr. 229. Paulino José Soares de Souza, Conselheiro 230. Paulino Tinoco 231. Paulo Augusto Tavares 232. Pedro Gracie, Comendador 233. Pedro J. da Rocha 234. Pedro Vellozo Rebello 235. Pena, (Erico A.) 236. Pfuhl, (Charles) 237. Pfuhl, (Gaspar) 238. Pires de Carvalho & Aragão 239. Prudente José de Moraes Barros, Dr.

R 240. Raynsford, (Ch. A.) 241. Rec., (Ludivig) 242. Reginaldo Candido da Silva

214 243. Richard Riechers & Ca. 244. Richard Riemer 245. Rodolpho E. de Souza Dantas, (Conselheiro) 246. Roth, Schanz & Ca.

S 247. Saltarel, (P. M.) 248. Saturnino Francisco de Freitas Villalva 249. Schlobach & Costa, (H.) 250. Scobell, (James) 251. Sebastião Pinto 252. Severiano Brandão, Dr. 253. Severino Conrado de Alcantara 254. Severino Ribeiro, Dr. 255. Silveira da Motta, Senador 256. Souto Mayor, (Dr. A.) 257. Stoltz, (Herman) 258. Symphronio Coutinho, Dr;.

T 259. Theophilo Rufino Bezerra de Menezes 260. Thomaz Alves Junior, Conselheiro 261. Trommel, (Adolf)

U 262. Uflacker, (Professor J. C.)

V 263. Vicente Alves de Paula Pessoa, Conselheiro 264. Vicente de Souza, Dr. 265. Vicente Xavier de Toledo, Dr.

215 266. Visconde de Embaré ; ;W 2;67. Weaver (Engenheiro Henrique Eduardo) 26;8. Weguelin, (A) 269;. Wellisch, (Alberto) 270.; Wellisch, (Hermann) 271. ;Winter, (Antonio) 272. ;Winter (Lourenço) ; ;Z 2;73. Zullig & Ca. ; ;Resumo 0;08 Sócios beneméritos 10;1 Sócios remidos 273;; Sócios contribuintes 382 S;ócios. ; ; ;

216 DEPUTADOS GERAIS ASSOCIADOS À SCI L E G I S L A T U R A S

6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 1 Adriano Xavier de Oliveira Pimentel – AM x 2 Afonso Celso de Assis Figueiredo – MG x x x x 3 Alfredo Camilo Valdetaro – RJ x 4 Alfredo d’Escragnolle Taunay – GO/SC x x x x 5 Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves – RJ x x x 6 Alvaro Caminha Tavares da Silva – CE x x x 7 Antonio Carneiro da Rocha – BA x x 8 Antonio da Costa Pinto e Silva – SP x x x x x x 9 Antonio da Silva Prado – SP x x x x 10 Antonio dos Passos Miranda – AM x x 11 Antonio Gonçalves Ferreira - PE x x x 12 Antonio Joaquim Gomes do Amaral – PA x x 13 Antonio Rodrigues Lima – BA x 14 Aristides de Souza Espínola – BA x x x 15 Augusto Cesar de Pádua Fleury – MT x x 16 Aureliano Martins de Carvalho Mourão – MG x x 17 Cândido Luiz Maria de Oliveira – MG x x x x 18 Carlos Antonio da França Carvalho – RJ x x 19 Delfino Pinheiro de Ulhoa Cintra – SP x x x x 20 Domingos José Nogueira Jaguaribe – CE x x x x x 21 Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho-CE x 22 Duarte Paranhos Schutell – SC x 23 D. Francisco Baltazar da Silveira – AM x 24 Francisco de Carvalho Soares Brandão – PE x 25 Francisco Dias Carneiro – MA x x x x 26 Francisco Ildefonso Ribeiro de Menezes - AL x x x x 27 Francisco Inacio Marcondes Homem de Melo –SP x x 28 Francisco Octaviano de Almeida Rosa - RJ x x x x 29 Frederico Augusto Borges – CE x 30 Germiniano Brasil de Oliveira Góes – SE x 31 Inácio Antonio de Assis Martins – MG x x x x 32 Jerônimo José Teixeira Junior – RJ x x x x 33 Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim – GO x x 34 João Alfredo Correia de Oliveira – PE x x x x 35 João da Mata Machado – MG x x 36 Joaquim Tavares de Melo Barreto – PE x x x 37 José Bento da Cunha Figueiredo – PE x x x x x x 38 José Evaristo da Cruz Gouveia – PB x x x x 39 José Ferreira Cantão – PA x x x x 40 José Francisco Diana – RS x x x x 41 José Inacio de Barros Cobra Junior – MG x x 42 José Leopoldo de Bulhões Jardim – GO x x 43 José Marcelino de Souza – BA x 44 José Mariano Carneiro da Cunha – PE x x x 45 Laurindo Abelardo de Brito – PR/SP x x x x

218 46 Leandro Chaves de Melo Ratisbona – CE x x x x x 47 Manoel Bernardino da Costa Rodrigues – MA x 48 Manoel Dantas Correia Góes – PB x 49 Manoel da Trindade Peretti – PE x 50 Manoel Eufrásio Correia - PR x x x x 51 Manoel Ferraz de Campos Sales – SP x 52 Manoel Rodrigues Peixoto – RJ x 53 Olímpio Oscar de Vilhena Valadão – MG x x 54 Paulino José Soares de Souza (2º) – RJ x x x x x x x 55 Prudente José de Morais Barros – SP x 56 Rodolfo Epifânio de Souza Dantas – BA x x 57 Severino Ribeiro Carneiro Monteiro - RS x x x

219