"Governos Das Mudanças" No Ceará: Um Populismo Weberiano?
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XIX ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E .~ PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS (ANPOCS) GT Políticas Públicas 95GT1613 Gondim, Linda o modelo de gestão dos "governos das mudanças" no estado do Ceará: um populismo weberiano? '------ -- ---- -- ---- OS "GOVERNOS DAS MUDANÇAS" NO CEARÁ: UM POPULISMO WEBERIANO? Linda M. P. Gondim Universidade Federal do Ceará Programa de Pós-Graduação em Sociologia Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais (NEPS) Caxambu - MO Outubro de 1995 StJMÁRIO TNTRODUçAo r. ANTECEDENTES: ENTRAM EM CENA OS JOVENS EMPRESÁRIOS CEARENSES 2. NOVO MODELO DE GEST Ao, NOVAS FORMAS DE FAZER POLíTICA 3. REFORMAS FTNANCEIRA, FISCAL E ADMTNISTRATIVA 4. ALGUNS ASPECTOS DA ATUAÇÃO DOS GOVERNOS SOCIAL-DEMOCRATAS NAS ÁREAS DE EDUCAÇÃO E DE SAÚDE 5. À GUISA DE CONCLUSÃO: O "POPULlSMO WEBERIANO" DA SOCIAL- DEMOCRACIA CEARENSE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 2 INTRODUÇÃO As eleições de 1986 significaram a ascensão política de uma nova elite no Ceará, a qual, em pouco tempo, viria a adquirir expressão nacional: o grupo liderado por Tasso Jereissati. Naquela ocasião, foram conduzidos aos governos dos três principais Estados nordestinos candidatos comprometidos com a superação de práticas políticas clientelistas: Valdir Pires, na Bahia, Miguel Arraes, en~ Pernambuco, e o próprio Tasso Jereissati, no Ceará. Contudo, apenas nesse último Estado consolidou-se o domínio político do novo grupo, na medida em que Tasso conseguiu eleger seu sucessor e reeleger-se, garantindo a supremacia de um partido político também novo, o PSDB, ao qual se ftliara em janeiro de 1990, e do qual viria a ser presidente. O objetivo desse trabalho é identificar os traços fundamentais do novo modelo de gestão proposto pelo "governo das mudanças" no Ceará, discutindo o seu significado em termos de transformações não apenas na máquina administrativa, mas no que se refere às relações entre o Estado e a sociedade civil. Na primeira seção, é feita uma rápida análise do processo de ascensão política dos "jovens empresários", personagens que constituíam o núcleo fundador do grupo. Em seguida, aborda-se o padrão de relacionamento entre o Estado e a sociedade civil introduzido pelos governos social-democratas no Ceará. Na terceira seção, são abordadas as reformas fiscal, financeira e administrativa apresentadas como o cerne do "projeto romancista", na própria Platafonna de governo de Tasso Jereissati (s. d., p.8). Ao lado das reformas mais "internas" à máquina governamental, os setores de educação e de saúde, juntamente com a "busca de oportunidades de trabalho para todos", foram considerados como "metas prioritárias" do Governo Tasso Jereissati' . Por esse motivo, julgou-se pertinente incluí-Ios como elementos-chave para uma caracterização do novo modelo de gestão, o que é feito na quarta seção. 1 ('0111 relação à meta de aumentar as oportunidades de trabalho, que não será abordada aqui, ver o artigo de MENELEU NETO (1993). necessidade de ceder um espaço aos jovens empresários, abrindo mão da presidência do ele. Esta foi então ocupada por Beni Veras, seguindo-se-lhe Amarílio Macedo (1980-81), Tasso Jereissati (1982-83), Sérgio Machado (1984-85), Assis Machado e Cândido Quinderé (1986-87), Fernando Cirino Gurgel (1989-90), Lauro Fiúza Jr. (1990-91) e Fred Saboya (1992-93). Estes empresários, em geral, tinham idade inferior a 40 anos; formação universitária e haviam assumido a direção das empresas de suas respectivas famílias. Sob sua liderança, o CIC transformou-se em importante fórum de debates, trazendo a Fortaleza nomes como José Mindlin e Claudio Bardela, do "grupo dos oito", e os economistas Maria da Conceição Tavares e Celso Furtado. Também organizou eventos de grande repercussão, como o seminário "O Nordeste no -Brasil: avaliação e perspectivas", em 1981, e o encontro com os governadores eleitos em 1992 (MARTIN, 1993). A entrada do grupo na política eleitoral não se deu por acaso, nem subitamente. Já nas eleições' de 1982, o CIC apoiou a candidatura de Luís Gonzaga Mota, o Totó, Secretário de Planejamento do Governo Yirgílio Távora. Ainda que apoiado pelos três "coronéis" que até então dominavam a política cearense - além de Virgilio Távora, Adauto Bezerra e César Cais 3_ a candidatura deste economista do Banco do Nordeste já sinalizava as condições para o início de um processo de mudanças, na medida que expressava o conhecimento de que sozinho, nenhum dos três "coronéis" teria condições de eleger o novo governador. Com efeito, foi necessário unir. as três forças políticas oligáquicas do Ceará num pacto sacramentado pelo presidente João Figueiredo, em abril de 1982. A administração de Gonzaga Mota já se inicia sob a égide do clientelismo, tendo ele assumido o compromisso de "lotear" cargos e verbas, com 33% para cada um dos coronéis que lhe deram apoio (PARENTE, t 989/90, p. 243). Esta política neopatrimonialista (SCHW ARTZMAN, 1982) é denunciada com veemência pela esquerda que consegue, em 1985, eleger a candidata do Partido dos Trabalhadores à Prefeitura de Fortaleza. Maria Luiza Fontenele, porém não logrou êxito em sua proposta de "novo", a qual viu-se cada vez mais J Valc salientar que os três eram coronéis do Exército. Sua dominação. apesar de fortemente apoiada em práticas c1ientclistas. 0110 deve ser confundida com o sistema coronelista, pois estc implica lima sujeição econômica que não mais caracterizava o quadro sócio-político nordestino na década de !lO. Ver, a respeito, ACCIOLY DE CARVALHO (1990) e BARREIRA (1992). 5 desgastada pelas acusações de inépcia administrativa. Estas partiam não só das elites e das classes médias, mas de parte dos próprios movimentos sociais, onde, supostamente, deveriam estar as bases de sustentação da "administração popular" (BARREIRA, Irlys, 1992). O "grupo das mudanças", ao apoiar a candidatura de Tasso Jereissati ao governo do Estado em 1986, numa coligação partidária integrada pelo PMDB, PDC e por setores da esquerda como o PC e o PC do B, apresenta-se como uma a1ternativa tanto ao cIientelismo e à corrupção dos "coronéis", como à inoperância da esquerda petista. Assim, constituem palavras- chave no discurso de Tasso Jereissati, "mudança", "miséria" e "clientelismo", numa articulação onde se enfatiza a eliminação desse último como a grande novidade que se faz necessária não apenas como um fim moralizador em si mesmo, mas como meio de acabar com a "pobreza absoluta": " O acordo de Brasília quando dividiu o Estado em três partes, cabendo 33% para cada coronel agravou o quadro de miséria do Estado. E só podemos mudar alguma coisa a partir da mudança das estruturas administrativas e políticas. Para isso, precisa mudar também a mentalidade que se estabeleceu nos últimos vinte e cinco anos por causa da ditadura, da falta de reflexão e liberdade de imprensa, entre outros fatores: a do c1ientelismo, do 'favor" (Conferência de Tasso Jereissati na Escola Técnica do Ceará em 05.09.86; apud MOTA, 1992, p. 31). É interessante contrastar esse discurso com aquele apresentado pelo opositor de Tasso Jereissati, Adauto Bezerra. Como mostrou LEMENHE (1994, pp. 91-94), para se contrapor à modernidade do seu concorrente, o "coronel" tentou apresentar como positivas justamente as noções tradicionais de "lealdade" e "gratidão", pilares do clientelismo denunciado por Tasso - a quem Adanto, por sua vez, denunciou como "comunista". A estratégia fracassou: a vitória da coligação liderada pelo PMDB foi esmagadora, tendo Tasso Jereissati derrotado Adauto Bezerra não só em Fortaleza, como nos municípios do interior, incluindo Juazeiro do Norte, tradicional reduto eleitoral da família Bezerra. Além disso, aquela coligação elegeu os dois senadores, 12 deputados federais e 24 deputados federais, enquanto que a coligação PDS/PFLlPTB conseguiu eleger apenas 9 deputados federais e 18 estaduais (ACCIOLY DE CARVALHO, 1990, p. 85). " · 6 2. NOVO MOnELO DE GESTÃO, NOVAS FORMAS DE FAZER POLíTICA o modelo de gestão iniciado por Tasso Jereissati caracteriza-se por uma proposta de modernização política que configura um novo paradigma nas relações entre Estado, economia e sociedade. Assim, ao contrário do neopatriamonialismo até então vigente, este novo paradigma demarca um setor público gerido por princípios universalistas, configurando um modelo legal de dominação, com o seu correlato modelo burocrático de administração (BENDIX, 1986): busca- se o equilíbrio orçamentário, a eficiência da "máquina administrativa" e a probidade no trato com a coisa pública. Apesar de compartilhar com o neoliberalismo a preocupação com a austeridade financeira e fiscal, os govemos de Tasso e Ciro alicerçam-se numa forte relação entre Estado e economia, propondo um modelo de desenvolvimento onde o setor público atua como indutor de investimentos (AMARAL, )993). Um aspecto interessante desse modelo, que não será aprofundado aqui, é a ruptura com o discurso regionalista calcado na idéia de um Nordeste espoliado. Como notaram MELO et a1. (1994), a tônica agora recai, de um lado, na questão da pobreza absoluta e, de outro, no reconhecimento das potencial idades e estratégias de desenvolvimento diferenciadas entre os Estados nordestinos, entre os quais o Ceará é apontado como exemplo a ser seguido pelo resto do Pais. A constituição de uma esfera pública burguesa no Ceará terá como um de seus elementos-chave a eliminação dos políticos profissionais como intermediários, sobretudo na primeira gestão de Tasso Jereissati. A própria ascensão ao poder, calcada no discurso empresarial da eficiência, constitui o cerne da novidade trazida à cena política do Ceará pelos "jovens empresários".