INFORMATIVO TÉCNICO Melhoramento genético da goiabeira-serrana (Acca sellowiana) em Karine Louise dos Santos¹, Marlise Nara Ciotta² e Rubens Onofre Nodari³

Resumo – A goiabeira-serrana, em virtude de seu sabor único e características de adaptabilidade às condições edafoclimáticas do estado de Santa Catarina (Brasil), tem sido alvo de pesquisas em diferentes áreas. Porém, mesmo frente ao seu potencial, no Brasil há poucos plantios em escala comercial. Nesse contexto, existem iniciativas que têm por objetivo avançar no conhecimento sobre a espécie, em especial no desenvolvimento e seleção de genótipos geneticamente melhorados. Diante desse cenário, o objetivo desse documento é descrever as estratégias de melhoramento genético para goiabeira-serrana desenvolvidas no estado de Santa Catarina.

Termos de indexação: Acca sellowiana; germoplasma; diversidade genética.

Breeding of goiabeira-serrana (Acca sellowiana) in Santa Catarina State

Abstract – Goiabeira-serrana (Acca sellowiana), has an unique flavor and characteristics of adaptability to soil and climatic conditions of Santa Catarina State (Brazil) what has raised different areas of research. However, even considering the potential of this species there is just a few orchards on a commercial scale in Brazil. In this context, initiatives have been designed to advance the knowledge about the species, in particular with regard to breeding. In this scenario, the manuscript aims to describe the genetic improvement strategies for Acca sellowiana developed in the State of Santa Catarina.

Index terms: Acca sellowiana; germplasm; genetic diversity.

Introdução outras instituições também começaram (DUCROQUET et al., 2000; KELLER & a desenvolver estudos com a goiabeira- TRESSENS, 2007). No Brasil ocorre com A Região Sul do Brasil, em especial serrana. maior frequência em áreas com altitu- o estado de Santa Catarina, é o centro Mesmo com o grande potencial de des que variam de 400 a 1800 metros de origem de diversas espécies alimen- cultivo para diversos usos, no Brasil (Morro do Campo dos Padres, SC). A es- tícias, dentre as quais frutíferas nativas existem poucos plantios em escala co- pécie é predominantemente alógama, com potencial de uso (CORADIN et al., mercial, embora a área plantada com sendo suas flores hermafroditas, apre- 2011) para alimentação e geração de a espécie venha crescendo nos últimos sentando auto-incompatibilidade tardia renda. Como exemplo dessas frutífe- anos. Nesse contexto, existem hoje li- (FINATTO, 2008). Floresce nos meses de ras nativas cita-se a goiabeira-serrana nhas de pesquisa que têm por objetivo outubro a dezembro, tendo suas flores [Acca sellowiana (O. Berg) Burret], que, avançar no conhecimento sobre a es- constituídas por quatro sépalas discre- em virtude de seu sabor único e carac- pécie, em especial no que se refere ao tas e quatro pétalas carnosas e recurva- terísticas de adaptabilidade às condi- melhoramento genético. Diante desse das (DUCROQUET et al., 2000; FINATTO, ções edafoclimáticas de Santa Catarina, cenário, objetiva-se descrever nesse 2008). tem recebido atenção em projetos de documento as estratégias de melhora- O fruto apresenta polpa de cor gelo, pesquisa. Tais projetos vêm propor- mento genético para a goiabeira-ser- possui sabor diferenciado, é doce-aci- cionando estudos multidisciplinares rana desenvolvidas no estado de Santa dulado e aromático. Devido à alta diver- desde 1986 pela Empresa de Pesquisa Catarina. sidade genética da espécie, podem ser Agropecuária e Extensão Rural de San- observados frutos de tamanhos distin- ta Catarina (Epagri), a qual tem firmado Características da espécie tos (quanto à massa seca), de 20 a 300 parceria com a Universidade Federal de gramas, e com formato variando de re- Santa Catarina (UFSC) desde 1996 (DU- A goiabeira-serrana é nativa do pla- dondo a oblongo. A casca pode ser lisa CROQUET et al., 2000). Posteriormente nalto meridional brasileiro, nordeste do ou rugosa, com todos os estádios inter- a essas iniciativas, pesquisadores de Uruguai, com dispersões na Argentina mediários de textura, sendo geralmen-

Recebido em 20/1/2016. Aceito para publicação em 14/12/2016. ¹ Engenheira-agrônoma, Dra., UFSC/CBS, Rod. Ulisses Gaboardi km 3, Caixa Postal 101, 89520-000 , SC, e-mail: [email protected] ² Engenheira-agrônoma, Dra., Epagri/Estação Experimental de São Joaquim, C.P. 81, 88600-000, São Joaquim, SC, fone: (49) 3233-8423, e-mail: [email protected]. ³ Engenheiro-agrônomo, Dr., Universidade Federal de Santa Catarina, Rodovia Admar Gonzaga, 1346, CEP 88.034-001, Florianópolis, SC.

40 Agropecuária Catarinense, Florianópolis, v.30, n.1, p.40-42, jan./abr. 2017 te verde. A maturação se estende por vo de Germoplasma (BAG) da espécie se, período de maturação de frutos va- cerca de três a quatro semanas, sendo se deu inicialmente na Estação Experi- riável; e plantas de porte baixo a médio. que na Serra Catarinense ocorre entre o mental de , em Videira, SC, che- Considerando a dificuldade em agrupar final de fevereiro e o final de maio (DU- gando a ser composto por 160 acessos. tantas características desejáveis, uma CROQUET et al., 2000). Contudo, devido à severa incidência do alternativa é estabelecer objetivos e fungo Colletotrichum sp constatada já metas para cada cruzamento com base Histórico e material vegetal em 1990, o BAG foi transferido para a no conhecimento prévio dos parentais Estação Experimental de São Joaquim, envolvidos. No Brasil, a partir de 1986 a então em São Joaquim, SC, onde as condi- As progênies são obtidas de cru- Empasc, hoje Epagri, iniciou um pro- ções climáticas eram menos favoráveis zamentos controlados realizados por grama experimental com o objetivo de ao desenvolvimento do referido fungo meio de polinização manual. As flores viabilizar o cultivo comercial da goiabei- (DUCROQUET et al., 2000). Atualmente da planta mãe são emasculadas em ra-serrana em Santa Catarina, conside- o BAG é formado por cerca de 360 aces- botão e a deposição do pólen é realiza- rando o privilégio de estar localizado no sos, a maioria procedente do estado da entre 1 e 3 dias depois. Essas flores centro de origem dessa espécie. Fora do de Santa Catarina, além de exemplares são marcadas e protegidas, sendo pos- centro de origem, a goiabeira serrana vindos do exterior. Sementes de popula- teriormente os frutos colhidos para o foi introduzida inicialmente na Europa, ções naturais e de acessos do BAG tam- resgate das sementes F1. Os frutos são seguindo para Estados Unidos, Nova Ze- bém estão sendo mantidas na Embrapa despolpados e a polpa misturada com lândia e Colômbia, entre outros, sendo Recursos Genéticos e Biotecnologia – enzima pectolítica (200 µL Kg-1 de pol- esses últimos dois países líderes de pro- Cenargen/DF. pa por 12h) para facilitar a separação da dução no mundo atualmente (MORET- polpa das sementes. Posteriormente, as TO, 2014). Metodologia de seleção e sementes são limpas e secas por 48 ho- A oportunidade de viabilizar em ras sobre papel absorvente. É possível Santa Catarina o cultivo de uma espécie melhoramento genético manter 80% de poder germinativo das com potencial comercial já comprova- sementes por dois anos em armazena- do no exterior foi o grande estimulador Em parceria com a Universidade mento refrigerado (4 a 8oC), segundo para o desenvolvimento do projeto ini- Federal de Santa Catarina, desde 1995 Donazzolo et al. (2015). ciado com o levantamento da variabi- duas estratégias básicas de melhora- Posteriormente, é realizada semea- lidade genética. As pesquisas de recu- mento estão sendo utilizadas para o dura e manutenção das plantas em casa peração do material genético existente desenvolvimento de novas cultivares. de vegetação até atingirem o tamanho em seu estado natural, ou de cultivo do- A primeira consiste no estabelecimen- aproximado de 30 a 50cm (após 3 ou méstico, ocorreram a partir de um con- to de genótipos identificados por sele- 4 meses); quando são transplantadas curso organizado e divulgado em 1989 ção massal a campo e posteriormente para viveiro, onde permanecem apro- nos municípios do planalto serrano ca- avaliados quanto ao seu desempenho ximadamente 15 meses para posterior tarinense. Os objetivos foram manter a agronômico. A segunda consiste na ava- transplante a campo. Alternativamente, diversidade genética da espécie com a liação de populações F1 segregantes, para antecipar o início do período pro- finalidade de torná-la acessível para os oriundas do cruzamento de genitores dutivo as mudas podem ser submetidas programas de melhoramento e selecio- previamente selecionados, com seleção à enxertia. Todavia essa prática deve ser nar os clones aptos ao cultivo comercial das plantas superiores. avaliada em função do limitado percen- (DUCROQUET & RIBEIRO, 1991). Uma das etapas primordiais para o tual de pega e/ou da disponibilidade de Paralelamente foram introduzidas sucesso em programas de melhoramen- mão de obra. no Brasil cultivares da Nova Zelândia e to é a escolha de genitores para reali- No campo, as plantas são dispostas Estados Unidos. A posterior constatação zação de cruzamentos. Nesse processo, em espaçamento de 3 metros entre do baixo desempenho destas últimas o foco está em combinar indivíduos no plantas e de 4,5 a 5m entre filas. Após cultivares reforçou a conveniência de se sentido de que ao menos um ou ambos a implantação, as plantas são avaliadas implementar um programa de melho- apresentem as seguintes características quanto ao vigor, estrutura da planta, in- ramento genético com base nos genó- em relação aos frutos: regularidade da cidência de doenças e de pragas. Com tipos coletados no centro de origem e produção; massa média acima de 70 o início do período de produção, as adaptados às condições edafoclimáticas gramas; concentração de sólidos solú- avaliações contemplam índice de flo- de Santa Catarina, valendo-se também veis totais (SST) superior a 10o Brix; ren- rescimento, fenologia, produtividade, de cruzamentos com cultivares selecio- dimento em polpa superior a 30% ou regularidade da produção e qualidade nadas no exterior para acessar atributos com casca comestível; formato arredon- de fruto (indicadores físico- químicos). de interesse. dado; sabor agradável. Em relação às Após a identificação das plantas su- O estabelecimento do Banco Ati- plantas, busca-se tolerância a antracno- periores, essas são clonadas. Os genóti-

Agropecuária Catarinense, Florianópolis, v.30, n.1, p.40-42, jan./abr. 2017 41 pos considerados superiores são avalia- et al., 2008). As cultivares SCS412 Hele- co atual ou potencial: plantas para o futuro dos em diferentes locais. Assim é pos- na e SCS415 Nonante são provenientes – Região Sul. Brasília: MMA, 2011. sível coletar dados de várias caracterís- de cruzamentos; a SCS411 Alcântara DONAZZOLO, J.; SANCHES, T.O.; BIZZOCCHI, ticas de um conjunto de genótipos em foi obtida a partir da seleção de mudas L.; VILPERTE, V.; NODARI, R.O. O armazena- distintos ambientes edafoclimáticos. provenientes da coleta de sementes; e a mento refrigerado prolonga a viabilidade de Análises estatísticas permitem mensu- SCS414 Mattos caracteriza um clone de sementes de goiabeira-Serrana. Revista Bra- rar o efeito genotípico, o efeito ambien- um genótipo silvestre que se destacou sileira de Fruticultura, v.37, n.3, p.748-754, tal e a interação genótipo x ambiente. em avaliações no BAG. 2015. Essa interação se origina quando a per- Estratégias complementares de formance relativa de um genótipo (va- seleção de genótipos também foram DUCROQUET, J.P.H.J.; RIBEIRO, P.; A Goiabei- ra-serrana: velha conhecida, nova alternati- riedade) se altera, comparativamente realizadas na Estação Experimental da va. Revista Agropecuária Catarinense, v.4, a outros, em virtude das diferenças de Epagri em , SC, e em parcerias da n.3, p.27-29, 1991. ambiente. Esses tipos de ensaios tam- UFSC com instituições do Rio Grande do bém permitem identificar a estabilidade Sul, como o Centro Ecológico de Ipê, lo- DUCROQUET, J.P.H.J.; HICKEL, E.R.; NODARI, das características, como rendimento, calizado no mesmo município (SANTOS R.O. Goiabeira-serrana (Feijoa sellowiana). por exemplo. Os resultados auxiliam na et al., 2013). Isso vem favorecendo o Série Frutas nativas . 5 Jaboticabal: Funep, recomendação das distintas cultivares a avanço na qualidade dos genótipos dis- 2000. 66p. distintos ambientes. poníveis para cultivo. DUCROQUET, J.P.H.J.; SANTOS, K.L.; ANDRA- Os genótipos que forem considera- DE, E.R.; BONETI, J.I.S.; BONIN, V.; NODA- dos promissores passam ainda por uma Considerações finais RI, R.O. As primeiras cultivares brasileiras avaliação da capacidade de conserva- de goiabeira serrana: SCS411 Alcântara e ção pós-colheita dos frutos e da aceita- O trabalho de seleção de materiais SCS412 Helena. Revista Agropecuária Cata- ção dos frutos por meio de painéis de promissores e melhoramento genéti- rinense, v.20, p.77-80, 2007. degustação. As atividades de avaliação co da A. sellowiana tem demonstrado DUCROQUET, J.P.H.J; NUNES, E.C.; GUERRA, da capacidade de conservação pós-co- grande importância na evolução do M.P.; NODARI, R.O. Novas cultivares brasilei- lheita são realizadas em parceria com conhecimento sobre essa espécie, ao ras de goiabeira serrana: SCS414 Mattos e entidades como a Universidade do Es- mesmo tempo em que é etapa neces- SCS415 Nonante. Revista Agropecuária Ca- tado de Santa Catarina (Udesc). Quanto sária para promover o desenvolvimento tarinense, v.21, n.2, p.77-80, 2008. aos painéis de degustação, são realiza- de tecnologias de cultivo sustentáveis. dos em duas etapas, sendo a primeira É relevante mencionar que estudos FINATTO, T. Caracterização morfofisiológica de caráter eliminatório, que considera relacionados a conservação pós-colhei- do sistema de incompatibilidade atuan- as variáveis aparência geral e sabor dos ta dos frutos, nutrição das plantas, con- te em goiabeira-serrana (Acca sellowiana (Berg) Burret) (Myrtaceae). 2008. 80f. Dis- frutos. Essa etapa é realizada por pelo servação de germoplasma, fitossanida- sertação (mestrado em Recursos genéticos menos cinco pesquisadores e técnicos de, multiplicação in vitro, entre outros, Vegetais). Faculdade de Agronomia, Univer- diretamente envolvidos nas atividades vêm sendo desenvolvidos por equipe sidade Federal de Santa Catarina, Florianó- de avaliação das plantas em labora- multidisciplinar que, além de Epagri e polis, SC, 2008. tório e a campo. Na segunda etapa os UFSC, envolve a Udesc e instituições de critérios envolvem, além do sabor e da outros estados brasileiros, a exemplo da KELLER, H.A.; TRESSENS, S.G. Presencia en aparência, a suculência, o formato e o UTFPr, no Paraná, e do Centro Ecológico Argentina de dos especies de uso múltiple: tamanho dos frutos, sendo comumente de Ipê, no Rio Grande do Sul. Acca sellowiana (Myrtaceae) y Casearia la- convidados de 10 a 15 painelistas para siophylla (Flacourtiaceae).D arwiniana, v.45, a validação dos resultados. Nas avalia- Agradecimentos n.2, p.204-212, 2007. ções, para cada um dos atributos acima MORETTO, S.P. A domesticação e a dissemi- citados é utilizada uma escala hedônica Os autores agradecem o apoio à nação da feijoa (Acca sellowiana) do século de valores com pontuação de 1 a 5: 1 pesquisa do técnico agrícola Humberto XIX ao século XXI. 2014. 432f. Tese (Douto- (desagradou muito); 2 (desagradou), 3 Nunes Ribeiro, da Epagri / Estação Ex- rado em História) Programa de Pós gradu- (indiferente), 4 (agradou) e 5 (agradou perimental de São Joaquim, pela dedi- ação em História, Universidade Federal de muito). cação e relevante contribuição para os Santa Catarina, Florianópolis, SP, 2014. Com base nessa estratégia, até o mo- resultados obtidos pelo projeto. SANTOS, K.L.; PERONI, N.; GURIES, R.P.; mento quatro cultivares de goiabeira- NODARI, R.O. Participatory domestication of serrana desenvolvidas no Brasil foram Referências Bibliográficas the tree species feijoa (Acca sellowiana) in lançadas: SCS411 Alcântara, SCS412 He- Brazil. In: Community Biodiversity Manage- lena, SCS414 Mattos e SCS415 Nonante CORADIN, L.; SIMINSKI, A.; REIS, A. Espécies ment. 1.ed. Abingdon: Routledge, 2013. v.1, (DUCROQUET et al., 2007; DUCROQUET nativas da flora brasileira de valor econômi- p.240-245.

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