Lucio Luiz (organizador)

Os Quadrinhos na Era Digital

HQtrônicas, webcomics e cultura participativa Introdução

A internet vem provocando uma revolução na forma como se produz e consome histórias em quadrinhos. Desde as primeiras HQtrônicas (neologismo criado por Edgar Franco para se referir ao quadrinhos digitais na época em que o CD-Rom era a mídia preferencial) até os atuais webcomics, são muitas as facetas existentes. Este livro reúne uma série de estudos sobre o tema, a começar pelo pioneiro Edgar Franco, que apresenta o que ele chama de “terceira geração” das HQtrônicas, quando as histórias em quadrinhos se aliam à hipermídia. Na sequência, Roberto Elísio dos Santos, Victor Corrêa e Marcel Luiz Tomé apresentam um perfil das webcomics brasileiras a partir de uma análise de todos seus elementos, traçando um paralelo com os quadrinhos “tradicionais” em papel. Esse tema também é seguido por Pedro de Luna, que elenca diversos aspectos dos quadrinhos digitais, analisando exemplos concretos de como essa produção tem suas próprias características. As tiras cômicas on-line são abordadas por Vítor Nicolau e Henrique Magalhães, que mostram como a forma de se produzir esse tipo de HQ vem sofrendo alterações, especialmente graças aos blogs. O assunto também é pontuado por Paulo Ramos, que desenvolve uma análise história das tiras cômicas na internet e de suas peculiaridades na construção da narrativa. Os memes (algo fortemente associado à Web) estão presentes na pesquisa de Lucio Luiz, que aborda as rage comics, um fenômeno que não poderia existir fora do contexto cultural do ciberespaço. Mudando um pouco o foco para as característica do humor gráfico na internet, Octavio Aragão mostra como as charges impressas e eletrônicas “funcionam” para o público-leitor. Para indicar as diferentes abordagens no uso dos quadrinhos on-line, Reinaldo Pereira de Moraes analisa os quadrinhos digitais publicados em banners publicitários em sites e blogs. Por fim, a cultura japonesa está presente no artigo de Renata Prado, que mostra através dos chamados fansub e scanlation novas formas de os fãs de mangás e interagirem com suas obras favoritas. Este livro pretende abrir caminho para novos estudos que abordem todas as múltiplas características dos quadrinhos na era digital e servir de base para que outros pesquisadores possam aprofundar os temas aqui presentes, especialmente se levarmos em conta a rapidez com que tudo muda na cibercultura. Sumário

Histórias em quadrinhos e hipermídia: as HQtrônicas chegam à sua terceira geração Edgar Franco

As webcomics brasileiraso Roberto Elísio dos Santos / Victor Corrêa / Marcel Luiz Tomé

HQs digitais e quadrinhos na interneto Pedro de Luna

As tirinhas e a cultura da convergência: um estudo sobre a adaptação deste gênero dos quadrinhos às novas mídiaso Vítor Nicolau / Henrique Magalhães

Tiras cômicas na Webo Paulo Ramos

Fffffffuuuuuuuuuuuu: o fenômeno das rage comics e sua relação com os quadrinhoso Lucio Luiz

O riso em rede: a conjunção disjuntiva nas charges impressas e eletrônicaso Octavio Aragão

Histórias em quadrinhos eletrônicas em banners publicitários na Webo Reinaldo Pereira de Moraes

Fansub e scanlation: caminhos da cultura pop japonesa na Webo Renata Prado HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E HIPERMÍDIA: As HQtrônicas Chegam à sua Terceira Geração Edgar Franco

Hipermídia e Histórias em Quadrinhos. No contexto contemporâneo a hipermídia congrega a conexão em rede telemática com as diversas características de outras mídias, como: histórias em quadrinhos, fotografia, cinema, TV e rádio –, promovendo o surgimento de linguagens multifacetadas que hibridizam características dessas várias mídias. Essa convergência de múltiplos meios foi chamada de “sinergia multimidiática” pelo pesquisador Julio Plaza (2000), quando ela promove o surgimento de uma nova linguagem, essa pode ser chamada de “linguagem intermídia”. Pude detectar através de uma extensa pesquisa exploratória em dezenas de CD-Roms e sites de quadrinhos na internet que os principais elementos agregados à linguagem tradicional dos quadrinhos nessas novas “HQs intermídia” podem ser divididos basicamente em: animação, diagramação dinâmica, trilha sonora, efeitos de som, tela infinita, tridimensionalidade, narrativa multilinear e interatividade. Para batizar essa nova linguagem intermídia propus o neologismo “HQtrônicas” – formado pela contração da abreviação “HQ” (Histórias em Quadrinhos), usada comumente para referir-se aos quadrinhos no Brasil, com o termo “eletrônicas”, referindo-se ao novo suporte – e homenageando também o termo “Arteônica”, criado pelo pioneiro da arte tecnologia brasileira Waldemar Cordeiro para batizar suas obras desenvolvidas com o auxílio de um computador ainda na década de 1970. Devo salientar que a definição do que nomeei HQtrônicas inclui efetivamente todos os trabalhos que unem um (ou mais) dos códigos da linguagem tradicional das HQs no suporte papel, com uma (ou mais) das novas possibilidades abertas pela hipermídia. A definição exclui, portanto, HQs que são simplesmente digitalizadas e transportadas para a tela do computador, sem usar nenhum dos recursos hipermídia destacados. A investigação desse fenômeno das HQtrônicas resultou no livro homônimo, que escrevi e teve sua segunda edição lançada em 2008. Além de minha pesquisa pioneira, as reflexões de pesquisadores do fenômeno das HQs na internet, como Scott McLoud (2005), e de teóricos das novas mídias e da convergência midiática, como Vilem Flusser (1985), Julio Plaza (2000), Henry Jenkins (2009) & Roy Ascott (2003), formam a fundamentação teórica dessa pesquisa. A pesquisa exploratória, iniciada em 1995, já mapeou centenas de sites de HQtrônicas e dividia-os, até o momento, em 2 gerações de sites: a primeira – que durou de 1991 a 2001 – foi marcada pelo surgimento do fenômeno, com trabalhos ainda muito experimentais e tecnologias limitadas pelos problemas de baixa conexão com a internet; a segunda foi marcada pela consolidação do software Flash e pela permanência de alguns dos novos códigos e exclusão de outros, durou até o ano de 2006. o artigo apresenta um breve panorama das duas primeiras gerações de HQtrônicas e destaca três trabalhos da terceira geração, marcados por um refinamento no uso dos códigos que caracterizam essa linguagem intermídia emergente, sendo eles as HQtrônicas brinGuedoTeCA 2.0, O Diário de Virgínia e NAWLZ.

As Características da linguagem das HQtrônicas. Destaco brevemente os principais elementos agregados à linguagem tradicional dos quadrinhos nessas novas HQs intermídia, apresentando suas características: Interatividade – Baseados nas pesquisas de formas de recepção apontadas por Norbert Wiener (1979), podemos definir a diferença entre meio passivo, reativo e interativo. As HQs eletrônicas veiculadas em CD- Rom ou na internet podem então ser divididas em vários níveis de interatividade, estes níveis podem ir desde o mais básico (passivo), em que o receptor tem como única opção os comandos avançar e retornar, repetindo o padrão do suporte papel, passando pelo nível intermediário (reativo), que envolve sites e CD-Roms, em que o receptor pode optar entre caminhos diversos já preestabelecidos, ou ainda pode acionar animações, efeitos sonoros e links que o levam a caminhos paralelos à narrativa, chegando finalmente ao nível mais avançado de interatividade, que seria classificado como “interatividade não trivial” – como na pioneira HQtrônica Impulse Freak – quando o leitor não só é convidado a navegar pela história que apresenta múltiplos caminhos como também tem a possibilidade de contribuir com a narrativa criando uma das páginas e participando efetivamente como cocriador de uma obra coletiva. Animação – é Tanto as animações em 2D, mais comuns, quanto as 3D podem ser encontradas nos sites de HQtrônicas que vasculhamos em nossa pesquisa exploratória, mas a forma como essas animações estão dispostas na narrativa pode ser basicamente dividida em quatro manifestações: animação de um dos quadrinhos da página/cena, objeto animado que se sobrepõem à página/ cena, sequência animada paralela à narrativa principal e ainda animação do enquadramento. Diagramação Dinâmica – Na hipermídia a tradicional divisão da página em requadros estáticos que comportam as cenas em seu interior ganhou mobilidade, em vez de simplesmente acionarmos um comando para saltar para a página seguinte, o criador de HQtrônicas pode fazer com que alguns quadrinhos da página movam-se para fora dela, ou para outra posição na sequência ou ainda que deem lugar a outros quadrinhos. Trilha Sonora – A primeira novidade nesse campo foi a ideia de dividir as HQtrônicas em capítulos e criar para cada um deles um tema musical instrumental que retratasse a atmosfera geral do capítulo, esse tema é tocado em loop. É claro que o efeito causado pela música não é tão dinâmico quanto no cinema, mas é um dado novo que pode ajudar o artista na elaboração geral da atmosfera de uma sequência. Efeitos Sonoros – Como no caso da trilha sonora, muitos artistas que têm experimentado criar HQs com recursos de hipermídia se recusam a utilizar efeitos sonoros, eles preferem usar as onomatopeias e insistem no seu valor como elemento da linguagem dos quadrinhos. A ocorrência desses efeitos sonoros na narrativa dependerá também do ritmo de leitura de quem navega pelo trabalho, desse modo, a opção mais usual é criar um comando ligado ao quadrinho e que quando clicado aciona o efeito sonoro, recurso semelhante ao usado para acionar as animações, mas algumas vezes o efeito sonoro pode também aparecer em loop. Tela Infinita – Com o advento de um novo suporte, ou seja, a migração do papel para o ambiente digital da tela do computador, as histórias em quadrinhos podem ver-se libertas das amarras do formato de diagramação tradicional, imposto pela veiculação impressa. Agora estamos diante de um novo ambiente com infinitas possibilidades de diagramação, a esse ambiente o quadrinhista e estudioso Scott McCloud (2005, p.72) nomeia como The Infinite Canvas. A “Tela Infinita” rompe com uma das limitações impostas pelo suporte impresso e inaugura um novo leque de possibilidades de diagramação e narração que certamente ainda não foram exploradas nem em uma pequena parte de seu enorme potencial. Aos poucos os webquadrinhistas vão tomando consciência desse potencial e experimentando novas diagramações, rompendo com o paradigma anterior. Narrativa Multilinear – A hipermídia promove estruturas narrativas multilineares que diferem da narrativa tradicional linear. As histórias em quadrinhos eletrônicas vêm, ao longo dos últimos anos, aproveitando-se de alguns dos recursos dessa multilinearidade, apresentando narrativas com bifurcações ao longo dos caminhos e links paralelos que levam o leitor a sites de assuntos correlatos aos tratados no roteiro da história.

A Primeira Geração de HQtrônicas. Os experimentos com o uso do computador para a criação de quadrinhos tiveram início durante a década de 1980, com o pioneirismo de quadrinhistas como o norte americano Mike Saenz, criador de Shatter, o alemão Michel Götze, desenhista de O Império dos Robôs. Esses experimentos que eram apenas de criação dos desenhos com o auxílio do computador tornaram-se, a partir dos anos 1990, experimentações voltadas para as possibilidades abertas pelos recursos de multimídia, definindo uma migração do suporte papel para a tela do computador. Antes da difusão das redes de computador, artistas egressos do universo das HQs já experimentaram criar trabalhos multimídiáticos para CD-Rom, como o italiano marco Patrito, criador do premiado CD-Rom Shinka, ainda em meados dos anos 1990. A partir da metade da década de 1990, a internet irá se popularizar e dezenas de experimentos de criação de HQs para esse ambiente hipermidiático irão iniciar-se, destacando-se trabalhos inovadores como Argon Zark, de Charley Parker, Carl Lives, de Scott McCloud, as criações do grupo Orbit Media, entre outros. A partir de então, o computador incorporou-se definitivamente a quase todos os processos de criação e produção das histórias em quadrinhos, desde aquelas ainda criadas para serem impressas, em que a colorização, letreiramento e editoração são feitas, na grande maioria dos casos, em softwares gráficos. A criação de HQs eletrônicas utilizando recursos hipermidiáticos também tem demonstrado ser mais do que uma tendência transitória, já que, desde a segunda metade dos anos 1990 esses experimentos intensificaram-se e a cada dia surgem novos sites, hibridizando códigos das HQs tradicionais com as hipermídias. A hibridização aponta para o surgimento de uma nova linguagem, englobando códigos fundamentais dos quadrinhos com os recursos da hipermídia, uma intermídia que guarda relações diretas com as histórias em quadrinhos, o cinema e a animação, incluindo ainda possibilidades interativas e a multilinearidade dos hipertextos.

Figura 1 – Tela da HQtrônica de 1ª geração, Argon Zark, de Charley Parker. Fonte: http://www.zark.com

A primeira geração de HQtrônicas aparece com o surgimento de trabalhos ainda difundidos em CD-Roms, obras como Shinka (1994), de marco Patrito, e Opération Teddy Bear (1996), de Edouard Lussan, chegando aos primeiros experimentos feitos em sites pioneiros, como Argon Zark (1995) e Impulse Freak (1993), e durou até o ano de 2001, quando a difusão e consolidação do software Flash abrirá novas possibilidades para as HQtrônicas e o aumento da largura de banda também permitiria o desenvolvimento gradativo de trabalhos com maiores recursos hipermidiáticos. Esse período que envolveu toda a década de 1990 foi marcado por muito experimentalismo por parte dos criadores, os artistas ainda estavam conhecendo os novos recursos, demonstrando, na maioria dos casos, mais interesse em propor novas soluções intermídiáticas para a linguagem emergente do que se envolverem com o conteúdo de seus trabalhos. Foram realizados múltiplos experimentos no sentido de melhor compreender os processos criativos englobando a gama de novos códigos e elementos, procurando avaliar a eficácia e poética das inovações propiciadas pela hipermídia. Muitos trabalhos apresentavam elementos redundantes como a insistência de inclusão de onomatopeias juntamente com os efeitos sonoros, outros tentaram – sem sucesso – substituir o balão de fala por vozes e diálogos das personagens ou não conseguiam se desvencilhar do paradigma de página do suporte papel, reproduzindo-o no novo suporte com possibilidades de uso da chamada tela infinita. A baixa largura de banda e os poucos softwares com aplicações para a web também restringiam muito a qualidade visual e sonora dos experimentos com animações e sons.

A segunda Geração de HQtrônicas. A partir de 2001, com a popularização do plug-in Flash – que ampliou as possibilidades de utilização de recursos hipermídia e a convergência midiática, dezenas de sites de quadrinhos utilizando essa tecnologia surgiram no mundo, incluindo o Brasil. Esse crescimento culminou no aparecimento de sites como o brasileiro FlasHQ – A casa da HQ em Flash Brasileira, criado em 2002 com o objetivo de disponibilizar links para mais de 50 HQtrônicas criadas utilizando como suporte o software Flash. Infelizmente o FlashHQ não está mais on-line, assim como alguns desses sites pioneiros, provando a volatilidade do conteúdo disponibilizado na Web. A HQtrônica Combo Rangers, pioneira do uso do software Flash no Brasil, foi o maior fenômeno das HQtrônicas brasileiras e gerou dezenas de clones. Foi uma série criada pelo jovem artista Fábio Yabu em 1998, inspirada pelo universo dos mangás juvenis japoneses com heróis no estilo Power Rangers, mas apesar dessa derivação, Yabu é um bom contador de histórias e soube utilizar o Flash para dar vida às suas personagens. o sucesso foi tanto que Combo Rangers foi uma das primeiras séries de HQtrônicas brasileira a migrar da internet para o suporte papel, a revista impressa foi publicada pela editora Panini Comics; além disso, a série integrava o UoL, um dos mais importantes portais da web brasileira. Combo Rangers foi um exemplo de que as HQtrônicas podem gerar sucesso de público e de que a linguagem híbrida de HQs e hipermídia é muito bem-vinda para as novas gerações criadas sob a égide do computador Yabu misturava animação com páginas divididas em requadros e mesmo utilizando dubladores, usava os tradicionais “recordatórios” e balões de fala, escritos em muitos pontos de seus episódios.

Figura 2 – Tela da HQtrônica de 2ª geração, Combo Rangers, de Fábio Yabu. Fonte: http://comborangersproject.wordpress.com/

Combo Rangers é um exemplo pioneiro das HQtrônicas de segunda geração, que é caracterizada principalmente pela eleição do software Flash como ferramenta de criação básica para o desenvolvimento dos trabalhos. As possibilidades de inclusão de animações, efeitos sonoros, trilha sonora, multilinearidade narrativa e diagramação dinâmica se potencializam enormemente com o uso do Flash, no entanto, nessa fase os trabalhos ainda careciam de um detalhamento mais requintado no que condiz ao desenho, já que a largura de banda ainda era pequena e o Flash investia quase que somente na geração e manipulação de imagens vetoriais. os desenhos vetoriais caracterizarão esse período, assim como uma tendência para maior estilização e menor detalhamento das artes. As tentativas infrutíferas de inclusão de vozes pré-gravadas irão ser deixadas de lado definitivamente e o balão de fala se firma como um dos elementos da linguagem tradicional dos quadrinhos em suporte papel a permanecer como forte elemento da linguagem das HQtrônicas. O Brasil apresentou inúmeros exemplos de HQtrônicas de segunda geração; dentre alguns que se destacaram pela hibridização de linguagens, estão A Brigada Ônix, Anima Zone, Quadrinhos On-line, NeoMaso Prometeu, Os 2 Mundos De Dante, e Central do Rato, esta última é talvez uma das mais bem acabadas séries de HQtrônicas de segunda geração feitas em Flash na Web brasileira, seu autor, Francisco Alexandre de Freitas Alves, o Falex, desenvolveu seus “websódios” entre 2001 e 2004. Também lançou um CD-Rom compilando mais de um ano de produção da série. O autor apresentou um bom domínio da ferramenta e usava-a a seu favor para enriquecer a narrativa de suas HQtrônicas recheadas de um humor inusitado e metalinguagem. Falex usava muito bem o recurso das cores vetorizadas e arriscava algumas trilhas sonoras interessantes para acompanhar certas histórias, criou um trabalho consistente que merece ser olhado com cuidado por aqueles que se interessam pelos caminhos das HQs na rede. Infelizmente o autor desativou o site em 2004. A tecnologia do software vetorial Flash solidificou-se como um dos mais utilizados para a criação de HQtrônicas no mundo. Até 2003, ainda predominava na Web a utilização de gifs e outras tecnologias para a criação de HQtrônicas. As facilidades e múltiplas possibilidades do Flash têm feito com que a maioria dos criadores migrem para esse software. Também porque hoje quase todos os computadores possuem o plug-in que permite assistir a produções em Flash, enquanto muitos outros softwares ainda dependem da instalação de plug-ins de difícil acesso. outra tendência atual importante, diz respeito não às HQtrônicas, mas sim às próprias HQs, ou seja, histórias em quadrinhos tradicionais simplesmente publicadas on-line. Muitos quadrinhistas antigos e novos descobriram que podem fidelizar um público leitor de seus trabalhos on-line em blogs ou sites que publiquem tiras diárias ou HQs seriadas, e esse tipo de proposta tem crescido.

HQtrônicas de terceira geração. A partir de 2005 muitas HQtrônicas saíram do ar, muitos artistas que criaram HQs hipermidiáticas como simples curiosidade ou experimentalismo momentâneo abandonaram a linguagem, migrando para a animação propriamente dita – agora facilitada pela enorme quantidade de softwares para desenvolvimento de animações 2D e 3D –, e outros retornaram para o formato tradicional dos quadrinhos em suporte papel, mas utilizando a internet como espaço para difusão de suas obras entretanto, alguns artistas continuaram a acreditar na linguagem emergente das HQtrônicas e a partir de 2006 vimos o surgimento de uma terceira geração de HQtrônicas, algumas delas com um refinamento e maturidade de utilização da linguagem e também de conteúdo sem precedentes. A seguir destacamos três trabalhos que se inserem nessa terceira geração e apresentam características diversas. A HQtrônica brinGuedoTeCA 2.0 foi a terceira narrativa hipermídia que eu, Edgar Franco, criei, e nesse trabalho busquei um refinamento e síntese de uso da linguagem emergente das HQtrônicas fruto de meus experimentos anteriores, as HQtrônicas NeoMaso Prometeu e Ariadne e o Labirinto Pós- humano. Essa terceira narrativa foi totalmente contextualizada com as reflexões suscitadas por minha pesquisa para a tese de doutorado que desenvolvia na ECA/USP à época. O trabalho foi criado entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2006. A HQtrônica insere-se no universo ficcional do chamado Crepúsculo Pós-humano, alguns séculos após a vigência da Aurora Pós-humana, quando preceitos éticos e morais estarão totalmente diluídos e transformados. o título do trabalho é um trocadilho/neologismo – utilizando o termo “brinquedoteca” e trocando o “Q” pelo “G”, criando “brinGuedoTeCA”, onde as letras G, T, C & A fazem referência explícita às bases de nucleotídeos do DNA, guanina, timina, citosina e adenina. Já o 2.0 refere-se à essa nova versão de uma “brinquedoteca infantil” – uma espécie de playground pós-humano, espaço em que se desenrola a narrativa. Figura 3 – Tela da HQtrônica brinGuedoTeCA 2.0, de Edgar Franco. Fonte: Nóisgrande – revista digital Objeto, 2006.

No trabalho, as criaturas híbridas “humanimais” (golens orgânicos) e os androides (golens de silício) são apresentados como produtos, objetos vivos patenteados para servirem como brinquedos para as crianças nesse contexto futuro. As brincadeiras desse novo playground são sádicas e cruéis, envolvendo sofrimento e dor das criaturas vivas – meros objetos de diversão para seus interlocutores –, elas metaforizam os brinquedos tecnológicos contemporâneos, sobretudo o universo dos games de computador, tão repleto de violência sanguinolenta coreografada e podem ser encaradas como uma evolução desses jogos para o mundo real da vida de base carbônica. A destruição sádica dos avatares inimigos nos games é substituída na brin-GuedoTeCA pela vivissecação dos novos brinquedos biotecnológicos patenteados pelas multinacionais. As antigas coreografias virtuais tornam-se novas experiências de crueldade divertida para essas crianças de moralidade reestruturada pelos processos tecnológicos. No final, o prazer do poder sobre as “vidas híbridas coisificadas” confunde-se com um orgasmo. O trabalho reflete sobre a aceleração da coisificação da vida por meio dos processos de criação e patenteamento de seres híbridos, trata também de possíveis reestruturações na ordem moral e ética humana a partir dos ditos avanços tecnológicos. Na HQtrônica vários aspectos visando uma síntese e dinâmica maior no uso dos recursos hipermídia foram implementados, o fundo branco e a quase ausência de cenários foi uma opção visando o maior impacto visual das personagens transgênicas do trabalho, o fluxo interativo trivial de navegação é corrompido pelo final inesperado que na verdade continua em um loop infinito, desconstruindo a ideia de um fim para a narrativa. As animações, os efeitos sonoros e a trilha sonora foram utilizadas de forma estruturada visando evitar redundâncias e intensificar as intenções conceituais da obra, por esses motivos considero o trabalho inserido no contexto das HQtrônicas de terceira geração apresentadas neste artigo. A concepção, animação, arte e trilha sonora de brinGuedoTeCA 2.0 é minha, a montagem em Flash foi feita pelo ciberartista Fábio oliveira Nunes. A HQtrônica brinGuedoTeCA 2.0 integra Nóisgrande, revista digital objeto organizada por Nunes e lançada em abril de 2006 no Espaço Cultural Casa das Rosas, em São Paulo/ SP. Nóisgrande hibridiza revista literária, CD- ROM e objeto de arte. Trata-se de uma “noz” produzida em resina poliéster transparente que possui em seu interior um CD-Rom com trabalhos produzidos por 10 artistas convidados. Foram produzidas apenas 70 unidades, cada uma delas assinada e numerada pelo organizador. Nóisgrande propõe um diálogo com as conquistas do grupo Noigandres que, a partir dos anos 1950, seria reconhecido por sua produção em poesia concreta – do qual foi tirada também a inspiração para o nome da nova revista. A revista digital objeto engloba 10 trabalhos nas mais distintas linguagens, alguns concebidos especialmente para ela e outros, trazidos e adaptados para a hipermídia. NAWLZ é uma HQtrônica de ficção científica criada pelo ilustrador e designer multimídia australiano Stu Campbell, que usa o pseudônimo de Sutu, e lançada na segunda metade de 2008. Trata-se de uma narrativa hipermídia cyberpunk que se desdobra em vários episódios. Uma HQtrônica que explora de maneira inovadora as possibilidades interativas e imersivas proporcionadas pelas ferramentas da internet, mesclando elementos tradicionais da história em quadrinhos – como quadros, balões de fala e onomatopeias – com as possibilidades criadas pelas novas mídias eletrônicas – como animação, trilha sonora e diagramação dinâmica, o requinte de utilização desses novos recursos hipermidiáticos caracterizados pela convergência midiática é impressionante, demonstrando uma maturidade grande da linguagem intermídia das HQtrônicas. A primeira temporada, batizada de Distortion Reigns Supreme, divide-se em 14 episódios. Ali se constrói uma trama complexa, que problematiza as possíveis aplicações para a tecnologia de Realidade Ampliada. Na sociedade em que se insere a cidade de Nawlz, as pessoas têm acesso a níveis sobrepostos de realidades simuladas, chamadas de real. Cada uma delas é uma espécie de alucinação tecnológica, numa referência que conecta este autor a William Gibson e à definição do ciberespaço enquanto uma alucinação consensual, tal qual manifesta em Neuromancer, romance escrito em 1984. A personagem principal, Harley Chambers, trabalha a alguns anos na projeção de um sonho recorrente que tinha durante a infância, um avatar por ele chamado de Sleeper. No desenrolar da trama, vemos a personagem descobrir uma conspiração tecnológica em que um conglomerado empresarial, chamado Mad Bionix, pretende se apossar dos subversos reais de todos os jovens que se dirigem a um festival de música. Enquanto desenvolve o enredo, Sutu abre possibilidades de discussão e reflexão sobre nossa sociedade, ao retratar uma juventude extremamente vinculada ao uso de novas tecnologias, o que acaba por distanciá-la do convívio social com pessoas de outras faixas etárias. o uso constante de substâncias e aparatos eletrônicos capazes de propiciar diferentes percepções da realidade também é marcante nessa narrativa. Através desses recursos, os mais jovens encontram uma forma de escape numa sociedade em que aparentemente tudo que havia para ser feito está pronto, e tudo que resta é consumir. As descrições e situações de Nawlz e em muito lembram as tribos rave e techno e os festivais de música eletrônica de nosso presente. Figura 4 – Tela da HQtrônica de 3ª geração, Nawlz, de Sutu. Fonte: http://www.nawlz.com

Mas o que mais impressiona no trabalho é perceber que esse roteiro instigante vem atrelado a um uso certeiro das possibilidades da linguagem das HQtrônicas, demonstrando requinte e refinamento jamais vistos ao utilizar recursos como os da diagramação dinâmica: superposição de requadros, uso de barras de rolagem aliados a um encadeamento equilibrado do surgimento dos balões de fala; os efeitos sonoros: substituem com dinâmica e precisão as onomatopeias e ampliam a sinestesia do trabalho; a trilha sonora ambiental aproveita-se muito bem dos avanços na narrativa como forma de deflagrar os sons que permanecerão em loop até o próximo clique. A riqueza estética, funcionalidade da interface e refinamento do uso dos elementos que demarcam a linguagem das HQtrônicas tornam NAWLZ um marco da nova geração de HQtrônicas, a terceira geração. Figura 5 – Tela da HQtrônica O Diário de Virgínia, de Cátia Ana. Fonte: http://www.odiariodevirginia.com

O Diário de Virgínia é uma HQtrônica concebida e desenvolvida pela quadrinhista brasileira Cátia Ana desde 2010, atualmente conta com 10 capítulos nas suas duas temporadas on-line. O trabalho narra as aventuras e desventuras da personagem Virgínia na forma de um diário traduzido em narrativa visual. A artista não se utiliza de recursos como som e animação, mas investe de forma primorosa no uso da “tela infinita”, lançando mão de forma criativa e inusitada das barras de rolagem como pontos para a navegação no trabalho e ainda de outros recursos da linguagem HTML dinâmico para que o navegador utilize o mouse como instrumento de leitura arrastando as imagens. A poeticidade de seus roteiros é intensificada pelo uso dessa navegação pela tela infinita, criando uma proposta narrativa que só pode se concretizar no ciberespaço. Alguns interessantes exemplos de uso da tela infinita na HQtrônica O Diário de Virgínia podem ser destacados: No capítulo 2, quando a personagem escava um buraco (metáfora de ir mais fundo em busca de seu talento) e a narrativa se desenrola a partir desse buraco que tem grande profundidade e segue continuamente pela tela com o rolar da barra lateral. No capítulo 3, o mesmo recurso é utilizado para criar um céu imenso e dinâmico. No capítulo 4, o HTML dinâmico é utilizado para possibilitar a navegação pela montanha-russa em que a personagem se encontra, a tela infinita é utilizada com maestria e a narrativa torna-se mais dinâmica pela utilização do recurso. As experimentações e aplicações do recurso continuam nos capítulos seguintes, o oitavo, em especial, faz uma homenagem a Scott McCloud, pesquisador e quadrinhista pioneiro no uso da tela infinita em suas obras. Em pesquisa de mestrado, orientada por mim e desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da UFG – Universidade Federal de Goiás, Jordana Inácio de Almeida Prado (2012) desenvolveu uma investigação de ordem teórico-prática intitulada: HQtrônicas e Realidade Aumentada: Novas Potencialidades Narrativas. No trabalho a artista e pesquisadora investigou as possibilidades de inserção da nova tecnologia da Realidade Aumentada (RA) como elemento narrativo das HQtrônicas, produzindo uma HQtrônica experimental chamada Libertação, na qual utilizou efeitos de RA como base de sua estrutura narrativa. O roteiro da HQtrônica é centrado na shakraterapeuta Cristal, de 30 anos, e na libertação de espíritos antigos de escravos que não conseguem sair do plano material e buscam a ajuda da personagem. O surgimento da Realidade Aumentada aconteceu nos anos 1990. Essa tecnologia de visualização utiliza uma câmera e o computador para sobrepor objetos virtuais ao ambiente da realidade ordinária, combinando objetos materiais e virtuais, e trazendo para o mundo físico elementos da virtualidade com a finalidade de enriquecer o acesso das pessoas à informação. O princípio básico de seu funcionamento é feito por rastreamento óptico do ambiente físico através de uma câmera de vídeo (C. KIRNER, 2007, p. 5, 10, 11, 23). O barateamento recente do hardware usado em aplicações de Realidade Aumentada e a acessibilidade da tecnologia possibilitaram sua incorporação em diversos setores da sociedade. Como consequência tivemos a criação do ARToolKit1, uma ferramenta de fácil entendimento e utilização capaz de desenvolver aplicações usando Realidade Aumentada. A tecnologia tem sido utilizada em múltiplos setores da sociedade, como em obras artísticas, científicas e peças publicitárias. Figura 6 - Interator executando a quarta e a quinta RAS da HQtrônica “libertação”, de Jordana Prado. Elas dão um desfecho à narrativa. Fonte: PRADO, 2012.

O desenvolvimento, por Jordana Inácio de Almeida Prado, de uma HQtrônica com esse novo recurso de interface do usuário, a RA, agregou um valor cíbrido2 à sua linguagem. Ao experimentar a incorporação da RA como nova possibilidade narrativa das HQtrônicas, a artista-pesquisadora trouxe uma contribuição para a investigação das novas poéticas hipermidiáticas e ampliou o campo da Realidade Aumentada, pois traz uma perspectiva de aplicações dessa tecnologia dentro do universo dos quadrinhos eletrônicos. Por esses motivos, a HQtrônica desenvolvida por Prado é um trabalho que guarda certo pioneirismo, porque se propõe a unir duas áreas do conhecimento que já se mostravam passíveis de interconexão, mas que até o presente momento não foram discutidas como elementos intercambiáveis: a HQtrônica e a Realidade Aumentada. Muito mais que a apropriação de um mero recurso tecnológico, a HQtrônica Libertação apontou nas novas interfaces de usuário uma maneira de explicitar a mensagem e o conteúdo do trabalho artístico em mídias. As HQtrônicas passaram por três fases evolutivas até o momento, como foi apresentado neste texto elas também estão migrando para outros suportes, como tablets e telefones celulares, mas mantendo as mesmas características híbridas. Essas três fases denotam claramente o seu amadurecimento enquanto linguagem e destacam as suas características atuais marcadas por um refinamento no uso dos códigos que as caracterizam, no entanto, o desenvolvimento exponencial e gradativo de novas possibilidades tecnológicas, como a Realidade Aumentada, gera novos experimentalismos narrativos com essa linguagem intermídia e amplia o seu campo sintático e sinestésico.

Referências:

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1 O ARToolKit é um sistema que viabiliza o desenvolvimento de interfaces de realidade aumentada. Está disponível gratuitamente no site do laboratório hitl da universidade de Washington, http://www.hitl.washington.edu/artoolkit/. O software emprega métodos de visão computacional para detectar marcadores na imagem capturada por uma câmera. O rastreamento óptico do marcador permite o ajuste de posição e orientação para realizar a renderização do objeto virtual, de modo que esse objeto pareça estar “atrelado” ao marcador. 2 O termo cíbrido foi cunhado pelo arquiteto Peter Anders (apud DOMINGUES, 2008), designa um objeto híbrido em sua relação entre ciberespaço e o espaço físico que habitamos, então a arte que se utiliza de realidade aumentada no contexto da internet pode ser chamada de cíbrida. ASWEBCOMICS BRASILEIRAS Roberto Elísio dos Santos/Victor Corrêa/Marcel Luiz Tomé

Introdução Há quem aposte que a leitura de quadrinhos no suporte papel pode virar coisa do passado. Com o aprimoramento dos meios digitais e sua presença de forma cada vez mais constante no dia a dia das pessoas, parece que o caminho irreversível para os produtos culturais midiáticos – como a música, os programas de TV e as narrativas gráficas sequenciais – é o do ciberespeaço ou o da telefonia móvel. No que se refere especificamente aos quadrinhos, existem diferentes maneiras de adaptá-los às novas mídias, sendo a mais comum a digitalização de uma história produzida da forma convencional (com desenho a lápis e finalizadas com tinta), que pode ser enviada pelo autor por e-mail ou postada em um site ou blog. Mas há, também, artistas que elaboram suas HQs com ferramentas digitais e as veiculam na internet. Nesse caso, recebem o nome de HQtrônicas, webcomics, cybercomics ou net comics. Este trabalho é resultado de pesquisa de nível exploratório realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa - Gêneros Ficcionais e Cultura midiática, pertencente ao Programa de mestrado em Comunicação da Universidade municipal de São Caetano do Sul (USCS). Como objetivos desta pesquisa, pretende-se apresentar o referencial teórico existente sobre esse novo produto cultural e analisar exemplos dessa história em quadrinhos digital realizadas por artistas brasileiros, a fim de entender as características e as possibilidades das webcomics (termo que será empregado neste texto). A análise realizada levou em consideração os seguintes elementos constitutivos das narrativas sequenciais selecionadas: seus paradigmas temáticos, os elementos visuais (desenhos, cores, diagramação), os elementos verbais (textos, títulos, onomatopeias, etc.), os elementos narrativos (personagens, tempo, espaço, narração), os recursos (ou ferramentas) da mídia digital utilizados Narrativas gráficas e mídia digital Quando à história em quadrinhos são adicionados recursos como movimento e som (fala, música e ruídos) ou são oferecidas opções de interatividade para o usuário (avançar, voltar, escolher um final entre várias alternativas), ela se torna um produto híbrido, mesclando características das HQs e das animações. Essa concepção de quadrinhos que utilizam instrumentos próprios dos meios digitais é designada HQtrônicas (2004) pelo professor Edgar Franco. Diversos artistas e teóricos acreditam que a sobrevivência dos quadrinhos se dará no ambiente digital. Um dos que professa essa crença é o norte- americano Scott McCloud, que conta suas histórias por meio da ideia da tela infinita: o leitor usa a barra de rolagem para seguir a narrativa como se estivesse desenrolando um papiro. Na visão de McCloud, as novas tecnologias digitais podem ser usadas para fins artísticos, sendo decisivas para a produção e divulgação de quadrinhos, ajudando a superar os obstáculos atuais. Esse autor (2000, p 134-135) salienta, ainda, o fato de as novas gerações crescerem totalmente à vontade com a mídia digital, entre outros pontos positivos no uso dessa tecnologia. Com a superação das limitações que a mídia digital ainda apresenta (baixa resolução, preço alto e tamanho do equipamento, velocidade baixa, entre outras), McCloud acredita que o ambiente virtual seja adequado para o desenvolvimento das histórias em quadrinhos. Em sua opinião (2000, p 208- 209), desde o início da década de 1990, as experiências de vários artistas com o suporte CD-Rom “deram um primeiro olhar sobre as possibilidades criativas da mídia digital”, embora ainda ousassem pouco na utilização dos recursos oferecidos pela multimídia (adição de som, movimento e interatividade com o usuário), mantendo o mesmo formato e a mesma estrutura narrativa dos quadrinhos impressos. Mas, no final do século XX, essa situação foi se modificando, com propostas mais inovadoras e experimentais (que empregam imagens em 3D, distanciando-se da imagem impressa bidimensional). Quando a banda larga se popularizou, permitindo conexões mais rápidas e a transmissão de uma quantidade maior de informações, a internet se tornou o canal de veiculação de conteúdo multimídia já usado em CD-ROMs. Surgiram sites de artistas, que, segundo McCloud (2000, p. 213), “preservam a natureza silenciosa e estática dos quadrinhos enquanto exploram outras capacidades da mídia digital”. O hipertexto, característica da rede mundial de computadores, por exemplo, contribui para a interatividade do leitor com a narrativa. No seu entender (2000, p. 227), “a navegação por uma série de painéis embutidos no painel anterior pode criar uma sensação de mergulhar mais fundo na história”. A visão desse teórico tem sido compartilhada e questionada por outros artistas e pesquisadores. O principal ponto de discordância refere-se à utilização da mídia digital para superar a crise do mercado editorial e como forma de desenvolvimento artístico dos quadrinhos, como defende McCloud. o teórico inglês Roger Sabin, por exemplo, contesta esse postulado. Partindo da situação verificada na indústria de quadrinhos, Sabin (In: MAGNUSSEN e CHRISTIANSEN, 2000, p. 44), considera que essa é uma crise comercial, não artística, como prova o trabalho inovador de artistas reconhecidos como Chris Ware e Joe Sacco. Sabin critica a ideia de ver a mídia digital como uma panaceia milagrosa para os males que afligem o mercado editorial de quadrinhos:

Os argumentos relativos à rede têm se centrado nos net comics, e podem ser resumidos dessa forma: nós estamos no meio de uma revolução tecnológica, e um dia as pessoas vão ler quadrinhos na tela do computador tão naturalmente como fariam com uma publicação impressa hoje. E, como consequência, quadrinhos impressos serão redundantes […]. Na realidade, os quadrinhos já estão em todos os lugares da rede. Todo grande editor, por exemplo, possui um site. Além disso, há pequenos editores e autores com seus sites, assim como outras empresas usam quadrinhos em seus sites em campanhas publicitárias.

Embora considere a internet uma ferramenta poderosa, Sabin (2000, p. 46) considera que ambos os meios – digital e impresso – podem compartilhar suas propriedades. Mas eles possuem outras características que os tornam únicos, e que não são intercambiáveis. Para o autor inglês, o problema com o entusiasmo dominante pelos net comics é que ele se baseia em falsas assertivas, sendo a primeira delas uma definição de histórias em quadrinhos muito maleável, principalmente a proposta por Scott McCloud em seu primeiro livro (1995), que vê os quadrinhos como um mapa temporal. Segundo Sabin (2000, p 47-48), trata-se de uma definição ampla, podendo, por meio dela, atribuir a qualquer narrativa que utilize imagens sucessivas o nome de história em quadrinhos. Para Sabin, a definição de quadrinhos usada por McCloud é uma tentativa de dar a eles uma respeitabilidade a partir de seus antepassados (tapeçarias, murais, etc.) e de sua inserção na cibercultura, que aponta para o futuro. A segunda falsa assertiva, na visão de Sabin (2000, p. 49-50), pressupõe que, uma vez que os quadrinhos funcionam na página impressa, vão automaticamente funcionar na internet. No entanto, o autor pondera:

De maneira simplista, os quadrinhos [impressos] funcionam porque eles são “convenientes”. Podem-se ler quadrinhos em qualquer lugar: eles são extremamente portáteis, e não fixos em um determinado lugar. Um computador, entretanto, é raramente uma dessas coisas. Por exemplo, apesar de ser possível, não levamos um computador conosco em um ônibus. Igualmente, os quadrinhos permitem uma comunicação imediata; a internet nem sempre.

Outros pontos salientados por Sabin dizem respeito à perda de certas qualidades sensuais inerentes ao meio impresso (tato, cheiro) quando da transposição para a mídia digital. Essa experiência sensual faz parte da leitura da história em quadrinhos impressa: “Nós lemos – ou melhor, usamos – os quadrinhos de um jeito físico (nós pensamos neles como sendo bidimensionais, mas de fato eles existem em três dimensões)”. Outro problema estético apontado pelo autor é que, ao serem transpostos para a tela do computador, os quadrinhos são tirados de sua “integridade estrutural” tradicional. O pesquisador britânico enfatiza que até “os quadrinhos mais simples usam a página como uma unidade estrutural […], e os painéis [vinhetas] são desenhados para se relacionarem não só entre si, mas com a página como um todo”. E conclui: “Tudo isso é perdido se os quadrinhos forem lidos aos poucos na tela [de computador] ou se você tem que rolar a página”. Podem-se agregar às críticas feitas pelo teórico britânico à transposição dos quadrinhos à mídia digital mais três questões. A primeira delas, relativa à fruição do leitor, complementa as afirmações de Sabin: além da ausência de sensações táteis e olfativas, o público precisa encontrar em meio a uma quantidade enorme de sites aqueles que disponibilizam quadrinhos. A segunda refere-se ao ganho dos artistas, uma vez que o retorno financeiro (publicidade, pagamento pelo download de conteúdo) é difícil – a empresa do editor e roteirista norte-americano Stan Lee que disponibilizava quadrinhos na internet fechou. E o terceiro aspecto envolve a preservação e memória dos quadrinhos: se o produto impresso é guardado em coleções particulares ou em instituições públicas (bibliotecas, gibitecas, etc.), o mesmo não acontece com o material colocado na rede mundial de computadores. Quando um site é retirado da internet, a recuperação das informações torna-se uma tarefa complicada, se não impossível. Ainda na opinião de Sabin (2000, p. 55), “a emergência de um meio não leva necessariamente à extinção de outro”. Ele acredita que a mídia digital pode contribuir para garantir a continuidade dos quadrinhos impressos, ressaltando “o papel que a internet pode desempenhar na distribuição de quadrinhos […], envolvendo basicamente a divulgação e a venda de ‘quadrinhos impressos’ pela rede – em outras palavras, usando a internet como ferramenta de vendas”. Assim, a despeito das divergências existentes nas concepções teóricas de Sabin e McCloud, ambos apontam para o uso das novas tecnologias digitais para o desenvolvimento artístico e comercial dos quadrinhos. Se a tecnologia faculta experimentações como a de McCloud, ela, contudo, não garante o retorno financeiro para os autores de histórias em quadrinhos. Por este motivo, a viabilidade comercial das HQs no âmbito digital ainda é um desafio a ser vencido. A essa dificuldade se acrescenta também o perigo da pirataria. Como o futuro atualmente chega muito rapidamente, logo será possível saber se as iniciativas dos quadrinistas no mundo virtual terão êxito.

Webcomics A partir da década de 1980, alguns quadrinistas começaram a explorar os recursos abertos pela computação gráfica nas histórias em quadrinhos. As duas principais editoras de quadrinhos dos Estados Unidos, a Marvel e a DC, por exemplo, investiram em duas graphic novels que incorporavam as possibilidades criadas por programas que permitem gerar, editar e tratar imagens: O Homem de Ferro – Crash (com roteiro e arte de Mike Saens e produção de William Bates) e Batman – Digital Justice (escrita e produzida por Pepe moreno), ambas publicadas no Brasil pela Editora Abril. Artistas independentes também adotaram a tecnologia digital na produção de quadrinhos. Henrique Magalhães (2005, pp. 33-34) constata que,

(...) com os programas gráficos cheios de recursos e ferramentas, os fanzines com sua estética tradicional de recortes e colagens vieram a dar lugar a publicações que apresentavam uma programação visual mais limpa, aproximando-se da estética das revistas de mercado e, em alguns casos, criando novas feições que seriam depois utilizadas pelas publicações comerciais.

Ainda de acordo com Magalhães (2005, p. 35), o computador logo deixou de ser apenas um instrumento para a produção de fanzine e se tornou seu próprio veículo. Esse pesquisador localiza em 1995 o momento em que as produções independentes [brasileiras] começaram a explorar as muitas possibilidades da informática. Na mesma época, o uso da internet se disseminava no país, o que determinou a criação de fanzines virtuais, ou e- zines, mantendo as características dos fanzines impressos (contando com posições individuais ou de grupos sobre assuntos culturais e políticos), mas sendo feitos para veiculação na Web. No que tange à internet, Magalhães (2005, p 39-40) afirma ser a facilitadora de uma nova onda de cartunistas, que criam seus sítios e blogs para divulgação de seu trabalho. Na visão do autor, o dado relevante a se notar é o estabelecimento de uma eficiente rede de contatos pessoais promovida pela agilidade da internet. E salienta que, com o intercâmbio possibilitado pela rede mundial de computadores, o meio independente tem amadurecido com vistas à formação de um mercado paralelo. Entretanto, ele adverte que a rede eletrônica tem limitações (2005, p 46-47):

Um dos limites é a ainda baixa velocidade de transmissão de dados, que obriga os programadores visuais a utilizar o mínimo de imagens ou reduzir sua resolução ao máximo. Quanto menor o tamanho da imagem, mais fácil será sua transmissão e a abertura das páginas na tela do computador. […] Por outro lado, dada a fadiga que a leitura na tela do computador provoca, os textos normalmente tendem a ser curtos, sintéticos, apresentados em pequenos blocos e com informações esquematizadas. Dessa forma, não é adequado reproduzir um fanzine impresso no meio eletrônico, mantendo-se sua diagramação e densidade gráfica. A saída tem sido a busca de um formato próprio para a edição desses fanzines. Cada novo meio traz consigo uma série de possibilidades que podem e devem ser exploradas tendo como meta a criatividade e a eficiência do processo de comunicação.

A internet tornou-se um fator importante para a divulgação de quadrinhistas novos, principalmente para aqueles cujos trabalhos não se encaixam nos parâmetros estéticos e temáticos das editoras comerciais. Segundo Magalhães (2005, p. 63): “Toda uma onda de novos autores surgiu com a expansão de acesso aos microcomputadores e ainda mais com o advento comercial da internet”. Criar um e-zine ou um site pessoal para disponibilizar textos e histórias em quadrinhos – até como uma forma de portfólio eletrônico – pode ser um modo mais simples, barato e rápido de expor opiniões e narrativas sequenciais do que fazer uma publicação impressa. Atualmente, além de e-zines, existem sites que disponibilizam histórias em quadrinhos digitalizadas – inicialmente impressas ou que foram produzidas com a intenção de serem publicadas no suporte papel –, de quadrinhistas que apresentam mostras de seus trabalhos (e até permitem o download de histórias), de editoras de quadrinhos – a Editora Abril possui inclusive uma loja virtual que permite a compra de seus produtos –, de lojas especializadas, de gibitecas, de centros de pesquisa acadêmica (como o do Núcleo de Pesquisa de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), de informação jornalística a respeito de quadrinhos (Universo HQ, Blog dos Quadrinhos, etc.), de relacionamento entre fãs e colecionadores (chats e listas de discussão) e de artistas que criam suas histórias para serem acessadas na internet. Figura 1 – PVP (Player Versus Player), webcomic que aborda o universo dos games.

Esses quadrinhos feitos para a internet (webcomics) devem conjugar, para Withrow e Barber (2005, p. 10), duas propriedades: “Entrega e apresentação por uma mídia digital ou uma rede de mídia eletrônica digital, e incorporação de princípios de design gráfico de justaposição espacial e/ou sequencial, interdependência de palavra-imagem”. Esses autores definem esse novo produto cultural (webcomics) como histórias em quadrinhos que podem ser lidas na rede mundial de computadores, mas que, em seu desenvolvimento, estreitam os laços com a animação digital e os games on-line: Em outras palavras, webcomics existem como código binário e podem ser armazenadas como arquivos digitais e transferidas de pessoa a pessoa por uma rede digital de equipamentos como computadores on-line, PDAs e telefones celulares. A tela de computador exige formatos diferentes dos da tira e da página de uma revista ou álbum de quadrinhos, motivando os artistas a inovar na maneira de apresentar ou encadear as imagens das narrativas sequenciais. As histórias passam a incorporar recursos da mídia digital (colorização, som, movimento e efeitos, como a fusão de imagens e ilusão de espaço tridimensional), modificando do ponto de vista estético a história em quadrinhos e levando à criação de uma nova obra, que mescla a linguagem dos quadrinhos com a da animação e dos games, resultando em um produto híbrido. Nesse sentido, Franco (2004, p. 146) identifica “os principais elementos agregados à linguagem tradicional dos quadrinhos”, que podem ser encontrados nas “HQs hipermidiáticas”: “animação, diagramação dinâmica, trilha sonora, efeitos de som, tela infinita, tridimensionalidade, narrativa multilinear e interatividade”. Figura 2 – Webcomics pioneiras: Where the Buffalo Roam e Doctor Fun.

O surgimento das webcomics se dá no início dos anos 1990, com o desenvolvimento da hipermídia. Nessa época, de acordo com Campbell (2006, p. 13), a internet “estava limitada exclusivamente aos campi universitários, bases militares e centros de pesquisa”. As primeiras histórias em quadrinhos a utilizarem o ciberespaço tinham como público membros da comunidade científica e, na maior parte das vezes, como tema a vida acadêmica. São exemplos pioneiros as histórias Where the Buffalo Roam, criada em 1992 pelo estudante da Boulder University Hans Bjordahl, e Doctor Fun, lançada em setembro de 1993 por David Farley. Com a superação das dificuldades técnicas e aproveitando a disseminação da mídia digital1, a inexistência de restrições editoriais, a facilidade de manuseio e a quase ausência de custos, artistas passaram a colocar seu trabalho, inédito ou não, na rede. As histórias podem ser produzidas de maneira tradicional (desenhadas e artefinalizadas em papel) e digitalizadas e postadas na internet, ou feitas no computador com ferramentas digitais e agregando recursos como som, movimento, uso da barra de rolagem, etc. Mendo (2008, p 80-81) identifica cinco grupos de quadrinhos na Web, a partir do uso que fazem dos recursos digitais e do distanciamento que mantêm da linguagem e do formato dos quadrinhos impressos: “reprodução da página de HQ impressa, reprodução da HQ impressa adaptada ao formato da tela de computador, HQ com interface característica dos meios digitais, HQ com utilização moderada de recursos multimídia e interatividade e HQ com uso avançado de animação, som e interatividade”. Com uma postura crítica, Veronezi (2010, p. 136) considera que a entrada dos quadrinhos na internet é “uma continuação das transformações provocadas pela pós-modernidade desde a segunda metade do século XX”. E acrescenta:

Por isso, é possível constatar que os comics estão modificados em relação a seu formato original, mas que estas mudanças são uma continuação das experiências estéticas que já vinham sendo feitas por artistas de quadrinhos. Ao mesmo tempo em que as histórias estão se remodelando para existirem no ciberuniverso, formatos híbridos de comunicação visual animada estão surgindo e sendo chamados de quadrinhos, na falta de um termo mais apropriado. Assim, o que se pode dizer é que esses cybercomics situam-se na fronteira das histórias em quadrinhos por utilizarem-se de seus elementos gráficos para narrar determinadas situações. Análise de webcomics brasileiras Para entender esse produto cultural forjado no ambiente virtual, foram selecionadas como corpus de análise desta pesquisa duas webcomics realizadas por artistas brasileiros, Quadrinhos Rasos (www.quadrinhosrasos.com) e Aquarella (www.aquarella.com.br). A primeira está ativa desde setembro de 2010, inspira-se em animações e elementos consagrados dos quadrinhos, mesclando os estilos de Will Eisner e Jack Kirby ao mangá e a tiras de Calvin e Haroldo. Realizado pelos artistas mineiros Luiz Felipe e Eduardo Damasceno, o blog é atualizado semanalmente e as histórias possuem uma característica diferencial: seus temas e roteiros são trechos de músicas famosas, configurando uma relação intertextual, conforme a concepção de Bulhões (2009, p. 128). Para esse autor, a intertextualidade explícita se dá “quando um texto faz transparecer suas relações com outros textos; quando interage explicitamente com outro e quando a existência de um texto depende estritamente de outro, seu anterior”. Com uma percepção de espaço distante das páginas impressas, os autores utilizam a barra de rolagem, gerando um quadro único composto por diversos quadros pequenos que permitem uma apreciação da história como McCloud propunha (2005, p. 227). Os textos extraídos das músicas são colocados em um novo contexto e recebem uma nova roupagem criativa e artística. Normalmente, são curtos e simples, respeitando os limites que Magalhães (2005, p 45-46) aponta sobre as limitações da mídia eletrônica. A expressão de pós-modernidade da Arte se faz presente em Quadrinhos Rasos pelas colagens e somatória de técnicas artísticas, muitas produzidas a mão e digitalizadas e outras feitas diretamente no computador. As músicas são unidas à narração, criando algo similar a um clipe impresso, com elementos textuais, mas que não se limita a expressar a letra original, e sim suas ideias e temas em contextos originais a partir do repertório dos autores. Os trechos são retirados da narrativa original para que uma nova seja criada, na qual imagem e texto se confundem para gerar um conto curto, rápido e incisivo. O estilo artístico é derivado de vários modelos existentes sem se fixar em um específico e sem a criação ou uso de uma personagem ou grupo de personagens principais, criando protagonistas de acordo com a adaptação da ideia extraída da música. Nessas narrativas é comum a presença de personagens realistas mesclando-se a elementos artísticos surrealistas ou o uso de animais antropomorfizados e de estilos dos comics tradicionais e de desenhos animados mais modernos. Há tiras de quadrinhos rabiscadas, em preto em branco, ou colorizadas (com lápis de cor, giz pastel ou por computação gráfica com efeitos quase tridimensionais), de maneira a criar um determinado ambiente. Conforme o trabalho dos autores avança, novas expressões surgem em suas obras, como a eliminação dos requadros possibilitando uma arte contínua. Com a narrativa de um videoclipe ou semelhante a um storyboard, diversas histórias adaptadas possuem onomatopeias quase imperceptíveis em meio a quadros “silenciosos” para a impressão da ação contínua preenchida pela referência musical, ainda que se desvincule quase totalmente da obra original. Outro ponto em comum a essas histórias é a ausência de balões – elemento típico da linguagem dos quadrinhos – e a colocação dos textos dentro de quadros, algumas vezes sobre a imagem e, em outras, ligados aos personagens por um simples traço indicativo. Figura 3 – Página de Quadrinhos Rasos.

Em parceria com o músico Bruno Ito, os autores de Quadrinhos Rasos desenvolveram uma nova obra, Achados e Perdidos, que, de forma diferente da primeira, possui história própria, mais completa, com quadrinhos que respeitam o espaço e a diagramação das HQs impressas. A trama acompanha dois garotos, um dos quais possui um buraco negro dentro de si. O primeiro capítulo mostra diversos elementos de poesia, abordando questões filosóficas e da vida adolescente seguindo uma letra de música. A parceria com o compositor fez com que a história tenha uma música criada especificamente para acompanhar sua leitura, novamente como um clipe em quadrinhos. Ao contrário do blog, essa produção deve gerar um CD de áudio e uma publicação impressa sem vínculos com editoras. Embora siga o modelo dos fanzines, é um trabalho profissional que procura inovar quanto às alternativas editoriais, com custeio feito com contribuições voluntárias de leitores e colaboradores. A webcomic Aquarella, por sua vez, é um projeto de história em quadrinhos autoral do publicitário e ilustrador Leandro Estevam. Esse formato foi escolhido em função do baixo custo de produção se comparado com o das HQs impressas. A história começou a ser produzida em 2005 e foi inspirada na animação A Noiva Cadáver, do diretor Tim Burton. Leandro Estevam abordou o câncer como tema central de sua história devido à relevância do assunto e optou por apresentá-la pela ótica de uma menina de 10 anos que acompanha o tratamento da mãe em uma história fechada e dividida em oito capítulos. Segundo Estevam, os desenhos foram inspirados nos traços da animação, de Tim Burton com influências de outros artistas como Otis Frampton, Dani Jones, Kazu Kibuishi, Josh Howard e Grant Gould. os desenhos foram feitos com lápis 6B e digitalizados para coloração e finalização do material, feita em softwares de edição e tratamento de imagens. As cores do webcomic mesclam situações com cores vivas e alegres que representam a realidade e cores escuras em tons de cinza para as fantasias da personagem principal chamada Aquarella. Os recursos dos softwares de edição de imagens facilitam a aplicação constante de efeitos como clareamento, escurecimento, transparência, fusão e sobreposição de imagens. A produção da webcomic seguiu os procedimentos de uma publicação impressa: quatro dos oito capítulos que compõe a história (os capítulos 1, 2, 3 e 5) têm a estrutura de cadernos, com 24, 12, 20 e 16 páginas, respectivamente. Todas as páginas seguem um padrão de tamanho e numeração – os números são exibidos na parte inferior à direita , quando a página é ímpar, e à esquerda, quando é par.

Figura 4 – A webcomc Aquarella segue as características das publicações impressas.

A estrutura mantém apenas a dimensão de base e altura: a webcomic não explora efeitos de profundidade com animação de alguns elementos. A animação é um elemento explorado apenas na entrada do site, em um banner de apresentação. A história foi produzida em um software de animação, mas nenhum tipo de animação aparece em qualquer um dos oito capítulos da história. o programa de animação utilizado contribuiu apenas para a interatividade do usuário, sem permitir que ele interfira na narrativa e determine o rumo que a história deve seguir. A interatividade atribuída permite apenas que os oito capítulos sejam organizados de forma contínua sem a necessidade de interrupção da leitura para a troca dos capítulos. As mudanças das páginas ocorrem com um botão que aparece do lado esquerdo para voltar para a página anterior ou direito para avançar para a próxima página. A movimentação do cursor na tela faz aparecerem os botões sobre as imagens dos quadrinhos, atrapalhando a leitura, que pode ser acompanhada por uma música tema escrita por Luiz Dias, efeitos sonoros, como efeitos especiais, falas e narrações, não foram utilizados pela webcomic. A música tema tem o objetivo de intensificar o drama da história com uma linguagem que ajuda a construir o enredo, como um trecho da música que é cantada por uma personagem em um dos capítulos. O projeto de criação do quadrinho digital Aquarella trouxe resultados positivos para seu idealizador, Leandro Estevam, com a possibilidade de expandi-lo para outras mídias, como um longa-metragem e uma série de TV.

Considerações finais Constata-se pela análise das webcomics brasileiras que, por um lado, o uso da mídia digital representa um avanço em relação às publicações impressas no que se refere a custos e à disseminação das histórias, mas, por outro lado, e a despeito da criatividade dos autores, nos dois casos selecionados, há pouca utilização das ferramentas disponíveis. Aquarella, por exemplo, apresenta uma série de elementos narrativos inovadores para os padrões dos quadrinhos brasileiros na internet, mas existem muitos recursos não explorados e que são importantes para quebrar alguns paradigmas a fim de que esse novo produto cultural midiático se desenvolva como um suporte inovador e independente se comparado às histórias em quadrinhos impressas. Apesar disso, o ciberespaço abre-se às histórias em quadrinhos para potencializar, além dos limites do mercado editorial, a produção autoral de HQs. Mas o desenvolvimento da linguagem própria da webcomic, como produto cultural híbrido, ainda depende do uso dos recursos por parte dos artistas da mídia digital, que devem adequá-los às necessidades da narrativa quadrinhográfica.

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Roberto Elísio dos Santos É jornalista, com pós-doutorado em Comunicação pela ECA-USP, professor da Escola de Comunicação e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade municipal de São Caetano do Sul (USCS) e vice-coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP.

Victor Correa Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade municipal de São Caetano do Sul (USCS).

Marcel Luiz Tomé É produtor editorial, com mestrado em Comunicação Social pela Universidade municipal de São Caetano do Sul (USCS) e professor dos cursos de Comunicação Social do Centro Social Universitário FIAM FAAM.

1 A mídia digital é composta por computador ligado à rede telefônica e possui um programa de navegação que possibilita acessar, produzir e/ou transmitir informações no ciberespaço. HQS DIGITAIS E QUADRINHOS NA INTERNET Pedro de Luna

Quando eu era criança, lá nos anos 1980, me oferecia para comprar pão pela manhã só para ficar com o troco dos meus pais e comprar uma revista em quadrinhos. Meus irmãos faziam a mesma coisa e trocávamos os títulos para conseguirmos ler a coleção toda. Já na casa do meu vizinho, pilhas de gibis se acumulavam em cima do bidê. Ir ao banheiro significava ler ao menos uma historinha. Com a popularização da internet, a forma de ler, publicar e consumir HQs mudou. E vai mudar ainda mais. As primeiras utilizações para a grande rede foram através de páginas pessoais, em sites gratuitos de hospedagem, e a divulgação por de e-mail. Os quadrinistas famosos rapidamente ganharam suas páginas nos principais portais, mas a maioria correu e ainda corre por fora para se divulgar em meio a tanto conteúdo. A possibilidade de se clicar com um botão do mouse, copiar um desenho, e enviar para alguém por e-mail foi uma grande revolução. Muito antes de se iniciar o debate nacional acerca do direito autoral, milhares de pessoas faziam tirinhas e histórias completas circularem pelo mundo, na maioria das vezes sem o conhecimento do autor, de uma forma simples. Afinal, não era mais necessário escanear as tiras recortadas de jornal, elas já estavam disponíveis e digitalizadas, a um clique de distância. Com o barateamento dos computadores pessoais e da conexão, mais e mais brasileiros tiveram acesso à internet. E neste campo os quadrinistas dividem espaço e disputam a atenção dos internautas com animadores, ilustradores, designers e artistas visuais em geral. Pesquisa realizada em 2009 para a minha dissertação de conclusão de MBA em Gestão Cultural1, 90% dos 22 artistas entrevistados declararam não viver exclusivamente de HQs, com outra ocupação criativa principal, que ia de storyboard, roteiro (inclusive para games) e criação de conteúdo para internet até direção de arte e dar aulas particulares ou em cursos livres. Curioso observar que há uma geração “romântica”, que vê maior importância no trabalho publicado em formato impresso, mas é fato que o crescimento da imprensa virtual ampliou ainda mais o mercado de trabalho. Há gente criando ilustrações, tiras e caricaturas apenas para jornais e revistas exclusivamente on-line. A remuneração desses veículos costuma ser menor que a dos tradicionais, mas o alcance muitas vezes é maior, por que o conteúdo permanece mais tempo disponível, e pode ser acessado por pessoas de outras cidades, estados e países. Vale destacar ainda que, mesmo quem não pode pagar por um site pessoal bacana, têm a sua disposição várias opções gratuitas, como mídias sociais (Facebook, Flickr, Tumblr, Fotolog, e tantas outras criadas o tempo todo) e os bons e velhos blogs. Inclusive para utilização como portfólio. Se a publicação na internet tem como benefícios a visibilidade global, a interatividade com o leitor e a redução de custos de impressão e distribuição, também possui uma exposição relativamente rápida. Um post numa mídia social, por exemplo, é sobreposto por outros em questão de segundos. Esse caráter “descartável”, uma vez que não há custos, aparece em projetos de curto prazo, como a criação de um blog para o lançamento de determinado título ou série, que depois de um tempo deixa de ser atualizado ou é simplesmente excluído.

Do telefone celular ao smartphone O pioneirismo muitas vezes cobra o seu preço. Em 2008 pouquíssimas pessoas criavam quadrinhos para o telefone celular, ou utilizavam-no como meio de divulgação. Naquele ano, a empresa de telefonia oi lançou um canal de quadrinhos multimídia2, num formato semianimado, para visualização gratuita no site mundo oi ou download por apenas R$ 1. o portal abriu também espaço para quadrinhos independentes e hospedou quase 50 gibis que podiam ser lidos on-line. A primeira HQ oficial do projeto de quadrinhos digitais chamava-se A Corporação e, segundo uma fonte ligada ao projeto na época, o número de leitores únicos3 por história era superior a 25 mil usuários4. Tratava-se de um projeto multiplataforma, integrando internet e celular, que foi encerrado em 2010. Apesar de novidade no Brasil, no exterior algumas empresas já faziam experiências nessa área, impulsionados, por exemplo, pelo sucesso do iPhone. Na primeira eleição disputada por Barack Obama nos Estados Unidos, uma editora criou a biografia em quadrinhos dos dois candidatos à presidência e, pela primeira vez na história, uma HQ foi disponibilizada ao mesmo tempo de forma impressa e para download em telefone celular, através do GoComics mobile comic book reader, uma espécie de leitor de quadrinhos para aparelhos móveis.

A concorrência na hora do lazer Nos últimos anos, o celular vem deixando de ser “apenas” um telefone para se transformar num objeto de comunicação e entretenimento. Afinal, além de telefonar, ele também serve como despertador, calculadora, videogame, rádio, TV e computador de mão. Ao possibilitar uma conexão robusta com a internet, o smartphone também se transforma num suporte para leitura de HQs. Se há muitos leitores novos graças à internet, infelizmente boa parte deles não compram quadrinhos, em parte por conta dos altos preços praticados nas livrarias. Mas há de se registrar que, dos anos 1980 para cá, a indústria criou - ou aperfeiçoou - outras formas de entretenimento que disputam espaço com os quadrinhos: o cinema, a TV a cabo, a internet, o videogame e, por que não, o celular. Logo, independente da escolha, o que importa no final é a experiência. No caso específico do cinema, há uma via de mão dupla, que renderia um artigo somente sobre o tema. Basta analisar casos de personagens que saíram dos gibis e viraram produtos e espetáculos. O Homem- Aranha, por exemplo, já inspirou música, filme, jogo eletrônico, conteúdo de internet e até shows com atores fantasiados. Adaptações de quadrinhos para a telona é um grande filão, pois utilizam personagens bem definidas, histórias prontas e comunidade de fãs. O papel e a tela não concorrem, mas se complementam e, de certa forma, dependem um do outro.

A internet como canal de venda “Vendo através do meu site. mas pouquíssima gente compra”. A frase poderia ser de qualquer quadrinista, mas ganha um peso maior quando vem de Adão Iturrusgarai, criador da personagem Aline, que inspirou desde minissérie na TV Globo o chinelo da marca Havaianas. Buscando ampliar o leque de produtos, fugindo apenas do livro, cada vez mais artistas buscam criar opções para venda on-line, como adesivos, canecas, camisetas, etc. A frase de Adão refere-se à venda de desenhos originais5. Como ele, há outros que investem em produtos alternativos. O carioca André Dahmer, por exemplo, vende originais emoldurados6, mas também travesseiro e cinzeiro da série Malvados, representada por flores de humor variável. No entanto, utiliza de outros recursos de divulgação, como o aplicativo gratuito para iPhone, iPod Touch e iPad que permite visualizar quase 2.000 tiras. Já em São Paulo, além de vender produtos já citados anteriormente, o veterano marcatti7 oferece um serviço bastante original: a construção de guitarras e baixos elétricos personalizados, como a guitarra havaiana em formato de peixe. o também paulista Marcio Baraldi vende, além do básico, bonecos dos suas personagens, documentário em DVD e até mesmo um game para PC8. Para aqueles que se dão por satisfeitos em lançar livros, a internet tem sido usada também para mostrar o making off do álbum, hospedar trailers em vídeo (teasers) e, mais recentemente, para a pré-venda. Um dos formatos mais populares no momento é a financiamento coletivo, através de sites especializados, ou seja, o artista cria uma página com o projeto, o custo total e o prazo para captar recursos, cada incentivador compra uma ou mais cotas, que dão direito a recompensas de acordo com o valor investido. O grupo mineiro de quadrinhos Kaplan Project Comics é um exemplo. Lançou uma webcomic acompanhada da distribuição gratuita de 3.500 cards no Festival Internacional de Quadrinhos, em Belo Horizonte/MG, e utilizou o crowdfunding para viabilizar a impressão de um jogo de cartas colecionáveis baseado nas personagens9. A meta era arrecadar quatro mil reais e a missão foi cumprida com louvor. Atentas a tudo, as editoras também utilizam lojas virtuais e seus próprios sites para venda de livros, mas investem cada vez mais em blogs dos autores e dos livros, listas de discussão, newsletters e principalmente sites de relacionamento. É o caso da Quadrinhópole, que começou como revista, se transformou numa editora e evoluiu para uma distribuidora de quadrinhos digitais. Além de oferecer HQs pagas e gratuitas, há uma rede social para autores e leitores de quadrinhos batizada de QD Comics10, onde os internautas podem comentar, dar notas, curtir, twittar, etc. Se de um lado há quem diga que o internauta se acostumou a acessar HQs sem pagar por ela, mesmo que os chamados scans11 sejam considerados ilegais, por outro a Web propiciou o crescimento da mídia especializada, inclusive de programas de TV, como HQ & Cia, HQ Além dos Balões e Pipoca e Nanquim12, cujo videocast é o carro-chefe. Além disso, a Web permite às editoras testar os produtos antes de investir. Será que o leitor trocaria seu livro impresso por e-books ou, numa via de mão dupla, compraria o livro após conhecê-lo pela internet? Para a editora Bia Willcox13, sim. “São públicos distintos. Quem lê e- book é um público mais jovem e formador de opinião”. O jornalista Caio Túlio Costa afirma que, “para tirar sustento da mídia digital, mesmo oferecendo seu produto de graça (ou aparentemente de graça), ele precisa entender como funcionam os links patrocinados e a publicidade on-line tradicional: banners e patrocínios”. Na opinião de Paulo Floro, “enquanto a mídia on-line não gerar lucro para quem produz as HQs, ela continuará sendo mais uma vitrine para novos autores do que uma alternativa viável de negócios”14. O professor Waldomiro Vergueiro, da USP, acredita que futuramente surgirão mais opções de produção e fruição das histórias em quadrinhos, e acredita que “quanto mais formas um autor tiver de chegar até o seu leitor, ainda que no primeiro momento não tenha uma retribuição financeira adequada, mais possibilidades ele terá de se firmar no futuro”15.

Interatividade, espaço e abrangência São três os principais motivos para o crescimento das webcomics. O primeiro, a interatividade. Ao postar algo na internet, o retorno é imediato. No caso de revistas publicadas em série, é possível até mesmo se comunicar com personagens, como faz a turma da Luluzinha Teen16, por exemplo. Sem contar a realização de enquetes, concurso de nomes, personagens e finais para história, entre outras tantas possibilidades. Em segundo lugar destaco a questão do espaço. Mesmo com a isenção de vários impostos, ainda é caro imprimir no Brasil. Sobretudo a quatro cores. E no mundo digital, não há limitação de cores, formatos e páginas. Além disso, é possível utilizar animações, sons e adicionar links clicáveis. Tudo isso abre, por exemplo, novas oportunidades comerciais, como a venda de publicidade escancarada ou disfarçada – através de merchandising, algo pouco explorado por aqui até o momento. O terceiro ponto é a questão da abrangência. Uma vez publicado na internet, acaba a barreira física das distâncias físicas. Não é mais necessário passar por intermediários, como distribuidoras, veículos ou pontos de venda. Qualquer pessoa no mundo pode ler a HQ, inclusive utilizando um tradutor on-line para compreender o que está escrito. E se gostar, com um clique é possível compartilhar o conteúdo. Mais viral que isso, impossível. Coleção x desapego Interessante refletir também sobre duas movimentações opostas. Enquanto cresce a quantidade de leilões de quadrinhos, há quem não vê a hora de vender sua coleção para ter mais espaço livre na estante. Em 2010, três leilões em sequência fizeram um grande estardalhaço nos Estados Unidos. Começou com a venda de um exemplar do gibi com a primeira aparição do Super-Homem por US$ 1 milhão. Dias depois, uma cópia rara de uma revista de 1939 sobre o Batman arrecadou um pouco mais. E pouco tempo depois, um exemplar da Action Comics Nº1 foi vendida por US$ 1,5 milhão17.

O mesmo aconteceu na Europa, onde a participação de HQs dobrou sua participação nas vendas públicas de arte. Segundo informações de um grande semanário francês, em 1998 elas representavam aproximadamente 2,5% do total, em 2010 já chegavam a 5%. Uma prancha dupla da primeira versão em preto e branco de um álbum de Tintim chamado O Cetro de Ottokar, lançado em 1938, teve seu valor estimado entre 250 e 300 mil euros18. Em terras brasileiras também há grandes colecionadores, como o empresário Kendi Sakamoto19, que guarda sua coleção de 70 mil exemplares numa chácara construída com essa finalidade. Entre os títulos mais valiosos destaca-se a edição de São João do Gibi20, da década de 1940, com apenas quatro unidades no país. Visando compartilhar sua coleção, esse senhor criou o site Gibi Raro21, que junta ao Guia dos Quadrinhos22 - que até o momento disponibiliza mais de 8.000 títulos e mais de 83.460 edições diferentes e se intitula “o maior banco de dados e acervo de capas de gibis publicados no Brasil”. A eles junta-se ainda o norte-americano Digital Comic museum23, com mais de 10.000 títulos para download gratuito. No entanto, há quem não vê a hora de transpor toda a sua coleção para CDs, pen drivers e HDs externos. É o caso do carioca Heitor Pitombo24, dono de aproximadamente 20.000 títulos, que ocupam praticamente todos os cômodos e armários do seu apartamento. Com a portabilidade, cresceu a quantidade de pessoas que estão se desapegando de suas coleções. Ele não vê mais sentido, por exemplo, em guardar quatro cópias diferentes de um mesmo título só por ter acabamento, capa ou editora diferente.

Mais alguns casos Seria impossível escrever um artigo definitivo sobre tema tão amplo e, principalmente, tão mutável como quadrinhos e internet. Mesmo que o foco seja em negócios através da rede. A cada dia surgem novidades. Compartilho aqui alguns casos recentes que considero interessantes até o momento e espero que possam inspirar o leitor. ACES WEEKLY – revista digital editada pelo britânico David Lloyd, com artistas novos e veteranos. O modelo de negócio é baseado em assinatura. O usuário paga US$ 9,99 pelo primeiro volume de sete edições, entregues a cada sexta-feira. São cinco séries diferentes por volume. O assinante pode entrar no site quando quiser, pois o material é disponibilizado on-line para sempre. A primeira edição teve seu conteúdo aberto gratuitamente25, como aperitivo para captar assinantes. GIBI DE BANDA – Nos últimos anos diversas bandas investiram em quadrinhos próprios, como é o caso da madre Cassino26, de São Paulo/SP, que de tempos em tempos posta um episódio gratuito em seu website. GIBI CLIPE – A banda Super Stereo Surf, de Brasília, criou um gibi- clipe27 que pode ser assistido em computadores ou tablets. PROJECT WONDERFUL – Iniciativa norte-americana que aproxima anunciantes dos editores. Ao invés de trabalhar com cliques ou exposições, você dá o preço para um dia inteiro de publicidade na sua página28. CURTIR NO FACEBOOK – As grandes editoras já criaram páginas para seus heróis no Facebook, mais recentemente foi com o herói The Flash29, da DC Comics. Uma das vantagens de curtir páginas como essa é ter acesso antecipado às edições, como é o caso da edição, onde 5 páginas da HQ foram colocadas gratuitamente na página da personagem30. Em duas semanas, 650 pessoas já tinham curtido o álbum. APLICATIVO DE SEGUNDA TELA - A Marvel, por sua vez, lançou um aplicativo de segunda tela31, que disponibilizará novos conteúdos do novo filme do Homem-Aranha até o lançamento do filme em Blu-Ray Disc. Disponível apenas para iPad e para o tablet da Sony, o aplicativo sincroniza apenas com o Blu-Ray Disc dando acesso por trás das cenas ao longo do filme. O usuário também pode interagir com os elementos-chave do filme (entrevistas, fotos, storyboards, artes, ensaios de dublês e curiosidades). Além da possibilidade da assistir em full HD na TV, é possível postar a experiência no Facebook e no Twitter diretamente do aplicativo. CROWDFUNDING EM ALTA – Autores famosos estão conseguindo atingir suas cotas e realizar projetos paralelos. O brasileiro Mike Deodato Jr., que bombou nos Estados Unidos, queria lançar um livro de cartuns. Precisava de US$ 10 mil e, em troca, daria desenhos personalizados e outras recompensas. Conseguiu o valor mínimo em menos de 48 horas32. Outro exemplo: Gail Simone e Jim Calafiore buscavam US$ 34 mil para o projeto Leaving Megalopolis. Conseguiram a grana em cinco dias. E até o momento33 já tinham captado US$ 117 mil. No Brasil, a solução atraiu nomes como Lourenço Mutarelli, que precisou de R$ 38 mil em até dois meses para fazer uma coleção de cinco cadernos de seus rascunhos. O filho de Laerte, Rafael Coutinho, precisava de R$ 32 mil para fazer a segunda temporada de “Beijo Adolescente”. Conseguiu R$ 36.73534. Mais um: Ricardo Tokumoto, autor das Ryotiras, sonhava com R$ 15 mil para lançar um livro das tirinhas que ele publica há cinco anos. Conseguiu mais que o dobro35.

Considerações finais O mundo está em constante mutação. Nem sempre pra melhor, nem sempre pra pior. Não podemos é ignorar as mudanças. A revista de quadrinhos mais antiga do mundo, que chegou a vender 2 milhões de cópias por semana nos anos 50, se rendeu ao virtual. A The Dandy36, com seus 75 anos, migrará para o formato digital. Líder entre aplicativos para distribuição e leitura de HQs em tablets, a ComiXology37 pretendia faturar US$ 70 milhões em 2012. Se a tecnologia permite adicionar trilha sonora, onomatopeias sonorizadas e desenhos em 360 graus, por que não tornar as HQs digitais mais dinâmicas, mais vivas, mais sensoriais? Quadrinhos digitais estão se tornando novos produtos, e não mais um PDF do impresso, uma mera adaptação do papel para o computador. No fim das contas, o que vale é a mesma coisa de sempre: uma boa história. Pedro de Luna É formado em Comunicação Social pela Univerdidade Federal Fluminense (UFF) com MBA em Gestão Cultural pela Universidade Cândido Mendes (UCAm). Sua principal característica é a versatilidade, com experiência nos vários ramos da comunicação. Publicou seus quadrinhos diariamente no Jornal do Brasil, onde ainda mantém um blog. E foi nesse Brasil que ele rodou pra lá e pra cá expondo suas HQs e cobrindo festivais alternativos de norte a sul. Em 2001, criou o projeto de reality show em quadrinhos Bandas Desenhadas. Desde 2006 é colaborador do JB e já escreveu para diversos jornais, sites e revistas. Em 2011 lançou o seu primeiro livro, Niterói Rock Underground (1990−2010).

1 A Tendência do Mercado de História em Quadrinhos no Brasil. 2 http://quadrinhos.oi.com.br/ 3 Número de pessoas que visitaram o site. Um unique visitor (ou visitante único) é definido por um IP ou id de cookie único. Se em um dia este IP ou cookie vier duas vezes no site, ele só será contado uma vez, porque o unique visitor não mede frequência, mas quantidade. 4 http://jblog.com.br/quadrinhos.php?itemid=10826 5 http://iturrusgarai.tanlup.com/ 6 www.malvados.com.br 7 www.marcatti.com.br 8 www.marciobaraldi.com.br/baraldi2/lojao.html 9 http://movere.me/projeto/86-card-game-mercenary-crusade/ 10 www.qdcomics.com/ 11 HQs que são escaneadas e disponibilizadas gratuitamente na rede , de leitores para leitores. 12 http://pipocaenanquim.com.br/videocast/ 13 www.jblog.com.br/quadrinhos.php?itemid=29035 14 Depoimentos extraídos de A Tendência do Mercado de História em Quadrinhos no Brasil. 15 www.jblog.com.br/quadrinhos.php?itemid=29035 16 www.luluteen.com.br/crieseupersonagem/ (Visualizado em 19/9/2012) 17 http://jblog.com.br/quadrinhos.php?itemid=20328 18 http://jblog.com.br/quadrinhos.php?itemid=21566 19 www.jblog.com.br/quadrinhos.php?itemid=22058 20 Revista brasileira lançada em 1939, que tornou o nome gibi sinônimo de “revista em quadrinhos”. 21 www.gibiraro.com.br 22 www.guiadosquadrinhos.com/ 23 http://digitalcomicmuseum.com/ 24 http://jblog.com.br/quadrinhos.php?itemid=11578 25 http://www.acesweekly.co.uk/home acessado em 05-10-2012 26 26 http://www.madrecassino.com/webcomics.html 27 http://jblog.com.br/quadrinhos.php?itemid=30369 28 https://www.projectwonderful.com/ 29 http://www.facebook.com/theflash (Visualizado em 05-10-2012) 30 http://www.facebook.com/media/set/?set=a.450695214982706.122277.147468921972005&type=1 31 http://marvel.com/news/story/19499/the_amazing_spider-man_second_screen_app 32 http://www.kickstarter.com/projects/mikedeodato/the-cartoon-art-of-mike-deodato-jr-volume-1-0 33 http://www.kickstarter.com/projects/2069222802/leaving-megalopolis (Visualizado em 05-10-2012) 34 http://catarse.me/pt/projects/767-o-beijo-adolescente-segunda-temporada 35 http://catarse.me/pt/projects/876-ryotiras-omnibus 36 http://www.dandy.com/ 37 http://www.comixology.com/ AS TIRINHAS E A CUlTURA DA CONVERGÊNCIA: um estudo sobre a adaptação deste gênero dos quadrinhos às novas mídias Vítor Nicolau / Henrique Magalhães

Introdução As novas tecnologias permitiram que vários gêneros midiáticos migrassem para a internet adaptando-se às exigências do seu público, principalmente procurando formas inovadoras de interação e participação no processo de produção de conteúdo. Surgiu então o conceito de cultura da convergência, trazido por Jenkins (2008) e que explora as possibilidades de confluência de dispositivos midiáticos e de produção de conteúdo como uma transformação cultural, à medida que os consumidores são incentivados a procurar novas formas de se comunicar. Nesse contexto, as tiras diárias (ou tirinhas) surgiram como um meio de expressão adaptado e atrativo, principalmente com a possibilidade de integração de todos os recursos disponíveis na hipermídia. Esse gênero, que habitava os jornais há mais de cem anos, teve suas perspectivas renovadas dentro da Web, mas o processo de criação das tirinhas ainda exigia habilidade dos seus autores que não permitia uma produção democrática, já que utilizar programas de edição de imagens era a única forma de criar tirinhas digitais. Contudo, uma revolução ocorreu quando alguns sites começaram a disponibilizar sistemas que permitiam aos usuários criar suas tirinhas com apenas alguns cliques. Assim, a produção desse modelo de arte sequencial tornou-se verdadeiramente democrática, bastando apenas ter boas ideias. Cada vez mais as tirinhas estão conquistando espaços nos blogs, consolidando também esse gênero dentro das mídias digitais. Objeto deste estudo é mostrar como o modelo de produção dentro das novas mídias está sendo modificado, sob a ótica dos sites que possibilitam a qualquer um criar suas tirinhas. Este trabalho está dividido em duas partes. Na primeira, traremos o conceito de tirinha, compreendida como gênero jornalístico opinativo e separada do conceito de quadrinhos, na ótica de autores como marcos Nicolau (2007) e Henrique Magalhães (2006). Já na segunda parte, discutiremos sobre as mídias digitais e as suas possibilidades de interação com o usuário, passeando por autores como Henry Jenkins (2008), John Thompson (2008), Lucia Santaella (2002), além dos estudiosos em quadrinhos nas mídias digitais Scott McCloud (2006) e Edgar Franco (2004). E, por fim, abordaremos as novas possibilidades de criação e veiculação de tirinhas nas mídias digitais.

As tirinhas Conceito A tirinha, também conhecida como tira diária, pode ser definida como uma sequência narrativa em quadrinhos humorística e satírica que utiliza a linguagem verbal e não verbal transmitindo, em sua grande maioria, uma mensagem de caráter opinativo. Através da utilização de metáforas, que a aproxima da sua representação do cotidiano, ela é capaz de burlar censuras e se afirmar dentro dos jornais impressos como um gênero jornalístico que apresenta as mesmas propriedades de uma crônica, artigo, editorial ou charge. Suas características básicas são definidas por Nicolau (2007), na obra Tirinha, pelo fato de ser:

(...) uma piada curta de um, dois, três ou até quatro quadrinhos, e geralmente envolve personagens fixos: uma personagem principal em torno do qual gravitam outros. Mesmo que se trate de personagens de épocas remotas, países diferentes ou ainda animais, representam o que há de universal na condição humana. (NICOLAU, 2007, p. 25)

A tirinha é uma excelente forma de expressão no jornal e na revista. A mídia impressa precisou se diversificar e atender a diversos públicos, dando a possibilidade de o autor colocar suas vivências, experiências e problemas da vida cotidiana de forma divertida e provocativa, em uma realidade metaforizada, como no exemplo da tirinha a seguir, com as personagens Calvin e Haroldo, produzida por Bill Watterson: Magalhães (2006) afirma que, mesmo com a economia de espaço e tempo, o humor gráfico consegue captar a atenção do leitor, muitas vezes a partir da proposta mordaz, irônica e com pluralidade de sentidos. Apesar de muitos jornais diários brasileiros praticamente ignorarem as tirinhas ou as localizarem dentro das páginas de entretenimento, o seu conceito continua fiel à sua condição crítica de reflexão sobre a condição humana, a vida do país e o nosso cotidiano.

O jornalismo ilustrado foi uma estratégia para se alcançar um maior número de leitores e os quadrinhos serviram para consolidar a ampliação do público. Sua linguagem baseada na imagem e na síntese do texto foi, mormente, um fato de sedução que contribuiu para o acesso aos jornais por um público que estava fora do círculo restrito de letrados. (MAGALHÃES, p. 9)

A agilidade e imediatismo da tirinha nos faz entender que elas são imprescindíveis para a construção do pensamento crítico, quando elas não se dobram à massificação e se permitem à liberdade inventiva. Segundo Patati e Braga (2006) na sua obra Almanaque dos Quadrinhos, as tirinhas, assim como as histórias em quadrinhos, gibis, comics e todas as outras formas de arte sequencial estão perdendo espaço para os meios de expressão de impacto sensorial bem maior, como o cinema. Mas elas também servem de inspiração para essas mídias, que cada vez mais adotam o estilo narrativo dos quadrinhos em filmes, séries e jogos. Tirinha como Gênero Jornalístico As tirinhas habitam as páginas de jornal e folhetins do mundo há mais de 100 anos, mas foi apenas a partir da década de 1970 no Brasil que elas trouxeram consigo um conteúdo de crítica política, retratando com uma aguçada ironia os paradoxos da sociedade da época. As representações dos problemas diários ganharam forma dentro das tirinhas e ela é reconhecida como um gênero jornalístico opinativo. Hoje, deparamo-nos com um grande número de gêneros que ainda está para ser devidamente estudado, devido à instauração dos meios de comunicação de massa e das novas mídias digitais que criaram uma aldeia global e um número crescente de gêneros midiáticos. O que buscamos neste estudo é desvincular o conceito de gênero apenas como construções de texto literário e atualizá-lo, conforme sugere Nicolau (2007), a partir da organização dos textos na mídia contemporânea. Apesar das primeiras definições de gênero serem creditadas a Aristóteles e Platão, que organizaram uma distinção em três formas genéricas fundamentais: o lírico, o poético e o dramático, as primeiras tentativas de se classificar os gêneros jornalísticos foi feita, segundo Pena (2005), pelo editor inglês Samuel Buckeley no começo do século XVIII, procurando separar o jornal Daily Courant em notícias e comentários. A maioria dos autores segue essa dicotomia quando estuda os gêneros jornalísticos, gerando uma divisão por temas e pela relação do texto com a realidade, ou seja, um confronto entre a opinião e a informação.

Figura 1: Calvin & Haroldo, de Bill Watterson, é um exemplo de tirinha. Fonte: WATTERSON, 2007, p. 26

A formulação de gêneros jornalísticos, no Brasil, está ligada ao conceito de agrupamento da informação no espaço dos jornais e revistas. Na discussão entre opinar e informar, para Nicolau (2007), não há uma relação clara entre a formulação de gêneros, já que o processo de veiculação da informação é controlado pelas regras mercadológicas. A crônica é um dos gêneros mais discutidos dentro do Jornalismo. Pereira (2004) afirma que ela é classificada como pertencente à categoria de jornalismo opinativo devido às suas relações de angulagem e tempo. Ela fere todo o enquadramento da informação proposto pelas categorias do Jornalismo e, tomando como base estas considerações, inserimos as tirinhas nesse gênero, que, assim como a crônica, não segue a temporalidade exigida no campo jornalístico. Com formato midiático próprio, que representa práticas socioculturais dentro de outra prática sociocultural institucionalizada, como a imprensa, a tirinha pode ser entendida como um gênero jornalístico, segundo Nicolau (2007), através de contratos tácitos que relacionam os dois lados do processo de comunicação na produção de sentidos, e:

(...) foi nas páginas dos jornais que ela se consolidou como uma categoria estética de expressão de opinião sobre o cotidiano, representada por personagens que nos imitam. Ela traz humor, trata com ironia, satiriza e provoca reflexões, tanto as trivialidades do dia a dia quanto as questões mais sérias do país e do mundo. (NICOLAU, p. 24)

As tirinhas tornaram-se comuns e populares dentro dos jornais e revistas, principalmente no final do século XX, abordando temáticas do cotidiano de maneira crítica e reflexiva e se consolidando como um gênero jornalístico opinativo.

As tirinhas e a convergência midiática Convergência Midiática Estamos vivendo aquela que pode ser considerada a era do usuário. Graças à convergência midiática, as novas e velhas mídias se cruzam, fazendo com que o consumidor e o produtor de mídia interajam na produção de um conteúdo cada vez mais diversificado e imprevisível. Jenkins (2008), em Cultura da Convergência, define esta nova era através do fluxo contínuo de conteúdo entre múltiplos suportes, da cooperação entre os mercados midiáticos e do comportamento migratório do público em busca de novas experiências e formas de interagir. Mas Jenkins (2008) não se resume a analisar a convergência sobre uma ótica lógica. Ele nos mostra esse fenômeno como uma transformação cultural, à medida que os consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões entre os conteúdos midiáticos. Neste novo paradigma da convergência, as novas e as antigas mídias estão interagindo de forma cada vez mais complexa, principalmente devido às novas tecnologias midiáticas, que permitem que o mesmo conteúdo transite por vários canais e com diferentes pontos de recepção. A palavra mídia, de acordo com Santaella (2002), não pode mais ser considerada como um meio de comunicação de massa. O surgimento de novos equipamentos técnicos e da internet começou a minar o exclusivismo dos grandes meios. Ela considera que o termo “indústria” se tornou obsoleto nos dias de hoje. A convergência é na verdade um processo de mudança nos padrões dos meios de comunicação e impacta principalmente o modo como consumimos aquilo que é veiculado por esses meios. Ela não envolve apenas coisas materiais e serviços produzidos comercialmente, mas ocorre quando as pessoas começam a assumir o controle das mídias. Qualquer ser humano no globo, segundo Santaella (2002), está interagindo em uma rede de transmissões de dados e acesso que vem sendo chamada de ciberespaço. Há uma convergência para a constituição de um novo meio de comunicação, de pensamento e de trabalho, uma nova antropologia própria do ciberespaço, que prevê a fusão das telecomunicações e uma indústria unificada da multimídia. Se a ocupação do espaço era impossível nos meios de comunicação de massa, o ciberespaço está cheio de brechas, onde há um maior espaço para o hibridismo e uma mistura de formas, gêneros e atividades. As novas tecnologias estão reduzindo cada vez mais os custos de produção e de distribuição, permitindo que qualquer um crie, arquive, edite e redistribua conteúdo, possibilitando que o alternativo e o corporativo coexistam.

Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos. (JENKINS, p. 45)

A cultura da convergência representa uma mudança no modo como encaramos nossas relações com as mídias. O público que ganhou espaço com as novas tecnologias está exigindo o direito de participar intimamente da produção de conteúdo e da cultura. O uso dos meios de comunicação implica a criação de novas formas de ação e interação no mundo social, novos tipos de relações e novas maneiras de relacionamento do indivíduo com o outro e consigo mesmo, como afirma Thompson (2008). A era da convergência permite que modos de audiência comunitários existam, deixando de apresentar um maior vínculo com as antigas formas de comunicação. A nova cultura da convergência está menos arraigada a espaços geográficos e com laços estendidos entre os usuários, fazendo surgir novas formas de comunidade, onde o conhecimento não é mais só compartilhado, mas construído de maneira coletiva por todos os membros da comunidade.

O desenvolvimento dos meios de comunicação criou novas formas de interação, novos tipos de visibilidade e novas redes de difusão de informação no mundo moderno, e que alteraram o caráter simbólico da vida social. (THOMPSON, p. 72)

A interatividade é uma das peças-chave da convergência. Ela é compreendida por Jenkins (2008) como o modo que as novas tecnologias foram planejadas para responder às necessidades de se comunicar do consumidor. A participação por parte do usuário é ilimitada e cada vez menos controlada pelos produtores dos grandes meios de comunicação.

O processo de criação é muito mais divertido e significativo se você puder compartilhar sua criação com os outros, e a Web, desenvolvida para fins de cooperação dentro da comunidade científica, fornece uma infraestrutura para o compartilhamento das suas coisas que o americano médio1 vem criando em casa. (JENKINS, p. 186)

A Web está fornecendo um ponto de exibição para o produtor alternativo, além de servir de espaço para a experimentação e inovação, onde os amadores podem desenvolver novos métodos e temas, com o objetivo de atrair seguidores. E, algumas dessas produções independentes ainda podem ser absorvidas pelas grandes mídias de maneira comercial.

A Web 2.0 e os blogs O termo “participação” emergiu como um conceito dominante na cultura da convergência. À medida que se expande o acesso aos meios de distribuição pela Web, nossa compreensão do que significa ser autor começa a se modificar. As principais ferramentas de participação na Web de hoje são os blogs, fóruns e sites como o YouTube, Twitter, Flickr, que permitem o compartilhamento de conteúdo entre os usuários, sem depender das grandes mídias. Alguns desses sistemas são tão simples e fáceis de utilizar que crianças e pessoas pouco habituadas com a internet conseguem usufruir de suas ferramentas para se comunicar com outros indivíduos. Para o processo de divulgação, as comunidades virtuais são o grande diferencial na Web. Ela permite que os nichos sejam identificados e localizados em um espaço e o conhecimento seja compartilhado, abrindo espaço para discussões, sugestões e análises que, através de interesses mútuos, procuram construir uma nova forma de conhecimento e de entendimento da cultura. Jenkins (2008) considera que participar de uma dessas comunidades expande a maneira como cada um compreender o mundo à sua volta. Elas permitem compartilhar conhecimentos e consolidar normas sociais, conectando experiências e elevando a consciência em relação ao processo de venda e de consumo das mídias. O paradigma do emissor da informação ligado aos grandes meios de comunicação foi quebrado. A informação agora, como afirma Oliveira (2010) em Cultura Convergente e Participativa, não está mais ligada a grandes empresas. Na internet, qualquer pessoa ou coletivo pode criar novas soluções e conteúdos que possibilitem gerar audiências capazes de superar os grandes grupos. O conteúdo está cada vez mais passível de personalização e sem limites de veiculação, e o cartunista, quadrinhista ou desenhista agora tem o espaço que deseja para veicular os seus trabalhos, de maneira gratuita, sem vínculo com os grandes grupos de distribuição e com público certo, disposto a interagir com ele e a divulgar o seu trabalho.

A ideia de Web 2.0 nasce com o surgimento de novos aplicativos e ferramentas para a internet, proporcionando maior dinamismo no lado comercial da rede, além de novas formas de gerenciamento de conteúdo e participação do internauta. o termo se refere à ideia de segunda geração de uma internet que acabara de sofrer grande impacto com o estouro da bolha em 2001. (OLIVEIRA, 2010, p. 39)

A internet, no contexto da Web 2.0, adquire a característica de plataforma, principalmente com o desenvolvimento de aplicativos que aproveitam os efeitos da rede para se tornar cada vez melhores à medida que são manipulados pelos usuários. O desenvolvimento dos meios de comunicação, na ótica de Thompson (2008), criou novas formas de ação e de interação e novos tipos de relacionamento sociais, formas que são bastante diferentes das que tinham prevalecido na maior parte da história humana. Wolton (2004), apesar de considerar que o fim das distâncias físicas pode mostrar como são extensas as distâncias culturais, considera que a comunicação é uma necessidade fundamental, é uma característica essencial da modernidade. Cada vez mais os usuários estão procurando novas formas de se comunicar e encontrando na internet plataformas que permitem essa interação da maneira que eles imaginam que deva ser, seja através de um texto escrito, fotografias, vídeos ou até de uma tirinha.

As tirinhas nas mídias digitais Com o advento das mídias digitais, as histórias em quadrinhos e as tirinhas têm encontraram na Web um novo espaço, utilizando-se, inclusive, dos elementos disponíveis nas mídias digitais interativas, como considera McCloud (2006). A agilidade e o imediatismo da tirinha, características estas também presentes nas mídias digitais, nos faz entender que elas são imprescindíveis para a construção do pensamento crítico, quando elas não se dobram à massificação e se permitem à liberdade inventiva. As tirinhas estão passando por modificações e ajustes às novas mídias, utilizando o blog como principal suporte para sua divulgação. Agora a produção experimental é livre, ficando a critério do autor e não da formatação dos meios impressos, que tipo de estilo ele irá seguir na transmissão da sua mensagem. McCloud (2006) considera que o intercâmbio entre os quadrinhos e as novas tecnologias já é uma realidade e a partir desses cruzamentos uma reconfiguração do gênero tirinhas e um novo produto cultural podem estar surgindo. Edgar Franco (2004) traz a arte sequencial dos quadrinhos e das tirinhas para o contexto da Web, onde podemos encontrar os principais elementos agregados à linguagem dos quadrinhos clássicos, produzidos para serem veiculado em suporte de papel, nas mídias digitais, mas alguns deles apresentam inovações, como animações, diagramação dinâmica, efeitos sonoros, narrativas multilineares e interatividade, criando um gênero híbrido com a linguagem da hipermídia. Muitas das tirinhas digitais não são mais do que adaptações das impressas, levadas para o meio digital. Por mais de cem anos as tirinhas habitaram a imprensa e hoje a mídia digital está convergindo para um único suporte: o computador. A evolução da tirinha dependerá de sua capacidade de se adaptar a esse novo ambiente, que inclui tanto as novas tecnologias como os desejos do público de consumi-la. Nesse contexto, os blogs têm sido a principal plataforma de divulgação das tirinhas digitais. Eles proporcionaram a novos desenhistas expusessem seus trabalhos, sem depender, por exemplo, dos conhecidos Syndicates, que se encarregavam de espalhar tirinhas para jornais e revistas de todo o mundo, e selecionavam previamente as tirinhas que pareciam ser mais mercadológicas, assim como influenciavam o modelo de produção dos artistas. O blog, segundo oliveira (2010), é uma das principais ferramentas do processo de convergência midiática e também um espaço para a discussão sobre as mudanças de pensamento em relação à Cibercultura. Inúmeros debates, palestras e discussões on-line são travados diariamente por blogueiros e seus públicos, graças às possibilidades geradas pela Web 2.0 e a facilidade na conexão com a internet. Em 2008, o Technorati2 – um mecanismo de busca especializado em blogs divulgou que possui mais de 133 milhões de blogs cadastrados em seu sistema, desde 2002, com quase um milhão de informações cadastradas por dia. O blog tornou-se uma importante ferramenta como fonte de informação, entretenimento e opinião livre. Mesmo que a veiculação das tirinhas esteja cada vez mais simples, a produção ainda exige o domínio de programas de edição de imagens, como o Photoshop, o GIMP, entre outros. Essa necessidade ainda limita que alguns usuários publiquem suas ideias e faz da tirinha, mesmo que nas mídias digitais, um gênero com autores reduzidos. Contudo, alguns sites estão desenvolvendo softwares que permitem a todos aqueles que tenham boas ideias criar tirinhas de maneira simples e rápida. Bons exemplos são o StripGenerator3, o ToonLet4, o ToonDoo5, StripCreator6 e o Pixton7, esse último com suporte em português. Alguns sites ainda possibilitam, além das tirinhas, a criação de algumas histórias com animações ou histórias animadas, como é o caso do Go!Animate8.

Figura 2: Exemplo de tirinha extraído do StripGenerator, do usuário sulegnA. Fonte: http://stripgenerator.com/strip/532359/miss-tittletale-monster-tits/

Os programas de edição de tirinhas disponibilizados nestes sites são bastante simples e todos eles acompanham tutoriais que explicam a usuários leigos como criar suas próprias tirinhas. Eles disponibilizam a opção do usuário salvar a sua produção ou um link com um código para ser copiado e colado diretamente dentro do blog. os próprios sites também abrem espaço para a veiculação das tirinhas produzidas a partir dos seus sistemas, com galerias divididas por temas, língua, data etc. No Brasil, destaca-se o site da máquina de Quadrinhos9, criado por Mauricio de Sousa durante a comemoração de 50 anos da Turma da Mônica em 2009. Na página você pode criar histórias da Turma da Mônica e as melhores são publicadas em revistas e gibis.

Figura 3: Tirinha do site Máquina de Quadrinhos, do usuário Sol & Lua. Fonte:http://www.maquinadequadrinhos.com.br/historiaVisualizar.aspx?idhistoria=442948#

As grandes empresas produtoras de quadrinhos também não ficaram de fora. A Marvel lançou o site The Superhero Squad Show10 onde qualquer um pode criar tirinhas utilizando os personagens da Marvel, como Homem de Ferro, Hulk, Wolverine, com feições infantilizadas. Já a DC Comics lançou uma divisão de quadrinhos on-line, a Zuda Comics. No site, os usuários podem votar em histórias feitas por artistas e fazer alguns comentários em relação a eles, estabelecendo um canal direto entre quem produz e quem consome. Neste caso, estamos falando da produção de quadrinhos em si e não especificamente da produção de tirinhas, mas o site é um embrião do que pode se tornar uma rede social de produtores de quadrinhos e uma boa janela para a exposição de produções amadoras, tanto de histórias em quadrinhos como de tirinhas. Com a produção de tirinhas cada vez mais simples e acessível, além da facilidade de sua divulgação, uma nova geração de produtores está surgindo, com novas ideias e cada vez mais interessados em explorar as potencialidades das novas tecnologias das mídias digitais. Figura 4: Bayou, de Jeremy Love, um dos quadrinhos publicados no site Zuda Comics e também um dos primeiros vencedores do concurso. Fonte: https://comics.comixology.com/#/view/2584/Bayou-1

Considerações Finais As tirinhas são um gênero jornalístico opinativo consolidado dentro das páginas de jornal e revistas, principalmente devido ao seu caráter crítico e metafórico. Com o surgimento das novas tecnologias, não só a tirinha, mas todos os outros gêneros tiveram que se adaptar para acompanhar a rápida evolução das mídias digitais, encontrando novas formas de produção e veiculação, nunca antes vistas e exploradas. A convergência está longe de um fim. A cada dia surgem novas formas de se comunicar na Web, com novos níveis de interação e modelos de negócios, com os consumidores cada vez menos passivos e extremamente barulhentos, exigindo a sua participação nessa cultura da convergência. Como Jenkins (2008) define, chegamos à era dos usuários, com produtores culturais cada vez mais descentralizados em relação aos grandes meios de comunicação, interessados não apenas em assistir, mas em participar e compartilhar. Uma verdadeira mudança no modo como consumimos os meios de comunicação. As novas tecnologias estão reduzindo o custo de produção e de distribuição, possibilitando que novos produtores surjam, procurando uma melhor forma de expor suas ideias. E com o recurso ao alcance de todos, quem é que não vai querer produzir também? O que ocorre na atualidade é uma valorização das boas ideias, possibilitando que estruturas simples, mas bastante criativas, tenham sucesso dentro da internet. As tirinhas e os seus produtores estão se aproveitando muito bem das possibilidades proporcionadas por essas novas tecnologias e se firmando como uma forma de expressão típica das mídias digitais. A sua produção não está mais privilegiada nas mãos de poucos. As ferramentas de criação e veiculação das tirinhas proporcionam ao usuário criar uma forma de arte sequencial sem precisar saber desenhar ou dominar os programas complexos de edição de imagem. Basta ter apenas uma boa ideia. O teor crítico e metafórico das tirinhas não está perdendo espaço com tais novas produções. Elas não deixaram de ser uma representação do nosso cotidiano e são consideradas, assim como as outras formas de produção nas mídias digitais, uma forma de democratizar a comunicação e exercer o direito de livre expressão. O processo de criação na Web tornou-se mais divertido e significativo. Estamos descobrindo novas estruturas de narrativas, aproveitando as lacunas deixadas pela indústria de produção de conteúdo. A internet é um lugar de experimentação e inovação, um espaço criado pelos próprios usuários e as tirinhas são o exemplo dessas novas possibilidades de criação e veiculação nas mídias digitais.

Referências bibliográficas

FRANCO, E. S. HQtrônicas: do suporte papel à rede internet. São Paulo: Annablume, 2004.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência; tradução Susana Alexandria. São Paulo: Aleph, 2008.

MAGALHÃEs, Henrique. Humor em pílulas: a força criativa das tiras brasileiras. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2006.

MCCLOud, Scott. Reinventando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda, 2006.

NICOlAU, Marcos. Tirinha: a síntese criativa de um gênero jornalístico. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2007. OLIVEIRA, Ricardo. Blogs: cultura convergente e participativa. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2010.

PATATI, Carlos e Braga, Flávio. Almanaque dos quadrinhos: 100 anos de uma mídia popular. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: contexto, 2005.

SANTAELLA, Lucia. A crítica das mídias na entrada do século 21. In: PRADO, José Luiz Aidar (Org.). Crítica das práticas midiáticas: da sociedade de massa às ciberculturas. São Paulo: Hacker Editores, 2002.

THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

WATTERSON, Bill. O mundo é mágico: as aventuras de Calvin & Haroldo. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2007.

WOLTON, Dominique. Pensar a Comunicação. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.

Vítor Nicolau É professor do Curso Superior de Tecnologia em Design Gráfico do IFPB – Cabedelo, é mestre em Comunicação pelo PPGC – UFPB e graduado em Comunicação Social: Jornalismo, e Comunicação Social: Publicidade e Propaganda. Atualmente coordena MetaLab, Laboratório de Pesquisa em metáforas e Design, com bolsistas de Iniciação Científica e Extensão, desenvolvendo trabalhos nas áreas de Design Gráfico, Ensino, Comunicação, Fotografia, Semiótica e Imagens Digitais.

Henrique Magalhães Nasceu em 1957 em João Pessoa/PB. É mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris. Ensina no curso Comunicação em mídias Digitais e no mestrado em Comunicação da UFPB. Criou a editora marca de Fantasia, que publica álbuns, revistas e livros. É autor de livros sobre fanzines e histórias em quadrinhos.

1 As atividades do americano médio na cultura da convergência é o objeto de estudo de Jenkins (2008). 2 http://technorati.com/blogging/article/state-of-the-blogosphere-introduction/ 3 http://stripgenerator.com/ 4 http://toonlet.com 5 http://www.toondoo.com/ 6 http://www.stripcreator.com/ 7 http://pixton.com/br/ 8 http://goanimate.com/ 9 http://www.maquinadequadrinhos.com.br/ 10 http://superherosquad.marvel.com/ O PAPEL REVOLUCIONÁRIO DOS BLOGS NA CIRCULAÇÃO DE TIRAS NO BRASIL Paulo Ramos

Já se tornou lugar-comum registrar o impacto da internet na vida das pessoas. Firmam-se relações comerciais, marcam-se reuniões e compromissos, trocam-se informações e conteúdos. É impraticável hoje estar inserido no meio acadêmico ou profissional sem ter um e-mail. Era esperado, portanto, que a rede mundial trouxesse impactos também na área de quadrinhos. No caso específico do Brasil, alterou de forma significativa o modo de produção e de veiculação das histórias. Franco (2004), em estudo sobre o tema, via nas primeiras experiências virtuais um híbrido da linguagem dos quadrinhos com outros recursos, como a animação e o uso do som, produto que chamou de HQtrônica. De meados de 2005 em diante, no entanto, percebeu-se no Brasil outro processo: formatos tradicionais dos quadrinhos impressos, como a tira e a página, passaram a predominar na internet. Nesse contexto, os blogs se tornaram um veículo particularmente relevante. Por apresentarem uma tecnologia de fácil acesso e permitirem interação direta com o leitor, os blogs viabilizaram a criação de espaços temáticos sobre determinado desenhista, personagem ou série. As tiras, por terem um formato curto, relativamente fixo e de leitura mais rápida, algo próprio da internet, tenderam a ser a forma de quadrinhos mais explorada no meio virtual, a ponto de o maior volume de produções do gênero nos anos seguintes estar na internet, e não mais exclusivamente nos cadernos de cultura dos jornais impressos. Na transição que a internet impôs ao mercado de quadrinhos brasileiro, o casamento entre tiras e blogs parece ter sido o mais bem-sucedido. É o que será discutido nas linhas a seguir. Surgimento dos blogs Olhando pelo retrovisor, percebe-se que a estrada percorrida pelos blogs não é tão longa quanto a popularidade deles parece sugerir. Miller (2009) enxerga no ano de 1999 uma espécie de divisor de águas desse meio de expressão. Antes dessa data, o que havia eram poucas experiências feitas por programadores, os únicos que, até então, dominavam os labirintos técnicos necessários para a criação de uma página virtual. Os primeiros trabalhos se restringiam à menção de links para outras páginas, em ordem cronológica, seguidos de comentários. Em 1999, o modelo passou por uma revolução após ser apropriado por alguns sites, que facilitaram a criação, operacionalização e editoração dos blogs. Assim, com uma senha, qualquer usuário, programador ou não, teria condições de criar seu blog. E, de fato, foi o que ocorreu, em particular nos Estados Unidos. De acordo com a referida autora, houve um aumento de 600% no número de blogs nos dois anos seguintes. Ela chamou de blogs pessoais essa segunda etapa de produção. Tal qual um reality show, os internautas usavam a página virtual para expor a própria vida e as opiniões sobre os mais diversos temas a todos os que estivessem interessados em ler. Miller observa ainda uma terceira fase, também na primeira metade da década inicial deste século, na qual o acesso aos blogs se dá por meio de outras redes de relacionamento. Os anos seguintes registrariam uma diversidade nos temas e nas propostas dos blogs, muitas vezes reconhecida por meio dos adjetivos que passaram a acompanhar a palavra: blog jornalístico, blog corporativo, blog de viagem, para ficar em três casos. É um movimento que Miller nomeou de blogs de políticas públicas. Por apresentarem uma abordagem mais social, e menos particular, passaram a agregar um reconhecimento maior, principalmente por parte da mídia tradicional. Grandes portais de entretenimento e de imprensa criaram espaços específicos para os blogs em seus sites. O volume e a diversidade só aumentaram nos anos seguintes. No Brasil, o portal UOL, um dos principais do país, mantinha em 2006 seis blogs de cunho jornalístico vinculados à sua redação. Em março de 2013, o site apresentava 90, divididos entre as áreas de entretenimento, notícias e esportes. A página virtual da Folha de São Paulo, para citarmos outro exemplo, começou a apresentar blogs de jornalistas entre 2005 e 2006. De menos de dez, de início, passou a oferecer 42 nos meses iniciais de 2013. Apesar das mudanças rápidas no formato e nos temas abordados, podiam- se mapear algumas características recorrentes às novas páginas virtuais ao longo dos anos: ordem cronológica inversa dos textos apresentados, chamados de posts, seguidos de um espaço para que o internauta pudesse inserir seus próprios comentários. Criava-se, assim, uma nova forma de interação entre autor e leitor, mais direta, imediata, questionadora. Inclusive sobre a circulação de histórias em quadrinhos na internet.

Quadrinhos na internet Dado o grande volume de páginas existentes na internet, é difícil registrar com precisão qual seria a primeira história em quadrinhos a ter sido veiculada no meio virtual. Franco (2004) registra uma primeira experiência na França, em 1986, com o equipamento Minitel, um antecessor da rede mundial. Os responsáveis pela revista Circus reproduziram na tela do computador tiras da personagem Mafalda, do argentino Quino. O ingresso dos quadrinhos na internet ganhou força mesmo na década seguinte, nos Estados Unidos. Santos (2010) credita a Doctor Fun e Netboy, criadas por David Farley e a Stafford Huyler, respectivamente, as primeiras tiras a circularem especificamente na internet. Ambas são de 1993. Franco elenca outros três casos, surgidos nos dois anos seguintes: Megaton Man, uma sátira às histórias de super-heróis, feita por Don Simpson, Argon Zark, de Charley Parker, e Art Comics Syndicate. Este último circulava tiras vindas dos jornais ou produzidas especificamente para a página. No Brasil, houve projetos semelhantes, em datas diferentes. Um deles foi o Cyber Comix, que reunia trabalhos de autores de destaque, como Laerte, Adão Iturrusgarai e Spacca. O site foi criado em 1997 e encerrou as atividades em 2002. Nesse mesmo ano, surgia outra experiência, a página virtual da editora Nona Arte, do escritor e desenhista André Diniz. o site se tornou um agregador de histórias dele e de outros quadrinhistas. Um ano após o surgimento, segundo levantamento feito por Santos (2010), o site apresentava 177 produções para serem lidas em formato PDF e outras 144 disponíveis para serem acompanhadas on-line. Por volta de 2006, Diniz também pôs fim à página. Ocorreu no período que antecedeu e sucedeu a virada de século um duplo caminho de uso dos quadrinhos na rede: ou as produções se ancoravam no formato e nos modelos firmados no suporte impresso ou apresentavam um híbrido de linguagens, entre elas a dos quadrinhos. o primeiro caso se inspirava no que já havia sido criado e popularizado nas décadas anteriores. O segundo dialogava com o novo, algo próprio da internet e dos caminhos plurais, embora incertos, que ela oferecia. A esse “novo”, Franco optou por chamar de HQtrônica. o neologismo é uma aglutinação dos termos “HQ” (sigla de história em quadrinhos) e “eletrônica” (alusão ao meio em que é produzida). Um caso muito popular no Brasil foi a série de ação Combo Rangers, criada por Fábio Yabu, cujas histórias chegaram a ser publicadas no formato de revista em quadrinhos pelas editoras JBC (entre 2001 e 2002) e Panini (em 2003).

Figura 1 – capa de revista promocional dos Combo Rangers, da editora JBC.

As características das HQtrônicas, segundo Franco, seriam as presenças de:

animações, que substituíam as linhas de movimento ou cinéticas, próprias da linguagem dos quadrinhos; diagramação dinâmica, ou seja, permitia movimento a elementos dos quadrinhos, até então estáticos no suporte papel; trilha sonora; efeitos de som; tela infinita, expressão atribuída à leitura contínua, sem cortes, conduzida pela barra de rolagem no canto da tela; tridimensionalidade; narrativa multilinear, em que o leitor pode sugerir caminhos alternativos à continuidade da história; interatividade.

A última característica, a interatividade, era elemento comum também às histórias veiculadas na internet que se mantinham fiéis aos formatos tradicionais do papel, ou seja, a página e a tira. Santos (2010) acrescenta, além da participação da audiência, comum em particular nos blogs, outros dois elementos a esse rol de histórias virtuais: a publicação instantânea e o arquivamento das narrativas anteriores, disponíveis para serem recuperadas pelos leitores. Sobre esses dois modelos de produção de histórias em quadrinhos, Mendo (2008) enxergou neles uma espécie de continuum. A gradação de possibilidades tinha num extremo a reprodução da narrativa sem qualquer adaptação à tela do computador; no outro extremo, o uso farto de recursos de animação e interatividade. De acordo com o autor, haveria cinco situações:

reprodução de história em quadrinhos impressa sem adaptação; reprodução de história em quadrinhos impressa com adaptações ao formato da tela; história em quadrinhos com interface característica dos meios digitais (com botões próprios para troca de páginas, possibilidade de ampliação das imagens); história em quadrinhos com utilização moderada de recursos multimídia e interatividade (como recursos sonoros e animações); história em quadrinhos com uso avançado de animação, som e interatividade (algo próximo aos desenhos animados, aproximado aos quadrinhos pelo uso de elementos da linguagem, como o balão).

Até a primeira metade da década inicial deste século, a internet se firmava a passos largos e trazia mais dúvidas do que respostas sobre os rumos que ela daria aos quadrinhos. Tudo sinalizava que as HQtrônicas ou os webcomics, outro nome atribuído às produções de quadrinhos virtuais, iriam rumar para a hibridização de linguagens, criando novo(s) gênero(s). Ocorreu no Brasil nos anos seguintes, no entanto, o caminho inverso: houve um uso amplo dos formatos tradicionais, com particular destaque para o da tira, aproximando as produções aos itens iniciais do continuum proposto por Mendo (reprodução na tela dos formatos tradicionais).

Blogs de tiras no Brasil A facilidade no processo de criação de um blog, ocorrida nos Estados Unidos a partir de 1997 e vista no Brasil no início deste século, levou muitos quadrinistas a criar uma página virtual com produções suas. Por conta das restrições físicas do blog, que tem um espaço limitado em cada postagem, houve uma tendência à circulação de histórias curtas. Uma das que possui formato mais sintético é a tira, produzida no tamanho horizontal, tal qual ocorreu nos jornais desde o início do século 20. Santos (2010) aponta outro motivo para a popularização das tiras nos blogs nacionais: a circulação mais rápida delas pelos e-mails ou redes sociais. O texto curto tornaria mais rápida a leitura. A velocidade na recepção é apontada também por Magalhães (2005, p. 46): “dada a fadiga que a leitura na tela do computador provoca, os textos normalmente tendem a ser curtos, sintéticos, apresentados em pequenos blocos e com informações esquematizadas”. É difícil dizer com exatidão quantos blogs com tiras existem na internet brasileira. Sabe-se que passa seguramente de uma centena. Levantamento feito pelo Blog dos Quadrinhos, página jornalística especializada em informações sobre quadrinhos, somou de cem a 180 páginas virtuais em cada um dos anos em que a pesquisa foi feita (entre 2008 e 2011). Os links eram indicados voluntariamente pelos próprios autores, por e-mail, em 30 de janeiro, considerado o Dia do Quadrinho Nacional. A maior parte eram blogs de humor. Outro indício são alguns dos sites agregadores de tiras, como o Tiras Nacionais. A página apresentava, em março de 2013, trabalhos de 93 autores de blogs de tiras, a maioria delas cômica. A respeito das tiras cômicas, Ramos (2011, 2012) as enxerga como um dos gêneros dos quadrinhos. Para o autor, o que as diferencia e as singulariza é o formato tendencialmente curto, presença de personagens fixas ou não, com final inesperado, tal qual uma piada. O desfecho inusitado é o que levaria à produção do efeito de humor. Esse gênero parece ter sido o mais beneficiado com o ingresso dos quadrinhos na internet brasileira. No início da segunda década deste século, o maior volume de produções de tiras cômicas nacionais estava nos blogs, e não mais nos cadernos de cultura dos jornais, locus tradicional delas. Mesmo autores que possuem espaço nos diários de diversas partes do país tendem a reproduzir as histórias, depois, em suas páginas virtuais. São os casos, por exemplo, de Laerte e de Adão Iturrusgarai, dois dos autores da Folha de São Paulo. Um sinal concreto desse impacto dos blogs na produção de Tiras Nacionais pôde ser visto na lista de indicações do Troféu HQmix, tida como a principal premiação da área de quadrinhos do país. Em 2011, a categoria “tira nacional” apresentava tanto séries publicadas nos jornais quanto em blogs. Até o ano anterior, os autores selecionados eram exclusivamente dos diários jornalísticos. Magalhães (2005) vê semelhanças entre esse processo de produção virtual e os fanzines, produções autorais e independentes produzidas desde a década de 1970 no Brasil. Tais publicações circulavam às margens do meio editorial e muitas vezes eram a única maneira de dar visibilidade às histórias em quadrinhos dos quadrinhistas. o uso dos blogs manteria o princípio autoral e a liberdade temática, com o diferencial de ter a produção barateada em relação ao papel, que demanda impressão e reprodução. Isso também atribui ao quadrinista outra função, segundo Santos (2010): a de faz-tudo. Cabe ao autor a criação da história, a edição da página virtual, a periodicidade da circulação, dar atenção ao contato com os leitores e, tal qual o fanzine e as revistas independentes, trabalhar as diferentes maneiras de dar visibilidade à sua produção e de obter retorno financeiro com ela. Dos blogs ao papel Nos Estados Unidos, país onde é grande a importância e a influência dos blogs, ainda não foi suficientemente resolvida a equação de como obter remuneração com as páginas autorais de quadrinhos. Houve tentativas de venda do conteúdo, de doações por parte dos leitores, de circulação de publicidades. Os anúncios são também as principais apostas dos autores, somados, em alguns casos, à venda de produtos ligados à série. Essa foi a opção seguida, por exemplo, por André Dahmer, criador das tiras cômicas de Malvados, uma das mais populares do Brasil. Criada em 2001, a página do autor oferece aos leitores originais dos desenhos, camisetas com estampas das personagens e outros produtos, como bonecos e canecas. A estratégia comercial foi seguida também por Estêvão Ribeiro, autor das tiras de Os Passarinhos, veiculadas no blog homônimo. O quadrinista oferecia em junho de 2011 bonecos com as personagens-título, inclusive com um banner sobre o assunto, (figura 2). O blog, posteriormente, converteu-se num site homônimo, onde as histórias passaram a circular.

Figura 2 - Banner com produtos da série Os Passarinhos, de Estêvão Ribeiro.

Outro ponto comum une donos de blogs de tiras: a possibilidade de levar as histórias para o papel. Um caminho é via cadernos de cultura dos jornais. Alguns autores de blogs obtiveram repercussão tão grande na internet que geraram convites aos autores para integrar a seção de tiras de determinados jornais. O próprio Dahmer foi um caso desses. Publicou as histórias de Malvados no Jornal do Brasil e, depois, no concorrente O Globo. Este também circula a série Bichinho de Jardim, de Clara Gomes, também criada para a internet. Allan Sieber, autor do circuito independente e de um blog com tiras suas, assumiu um espaço semanal na página de quadrinhos da “Folha de S. Paulo”, que se tornou diário a partir de 2011. O mesmo jornal apostou no trabalho de João Montanaro, jovem de 13 anos, descoberto por conta de sua página de tiras na internet. Inicialmente, ele produziu uma tira para o caderno infantil e, posteriormente, passou a se revezar com os demais autores do prestigiado espaço de charges. Outro caminho para as séries virtuais de tiras é ser reunida em livro, algo até então restrito às séries publicadas nos jornais. O criador de Malvados, uma vez mais, serve de exemplo. André Dahmer foi um dos primeiros a lançar suas histórias, em coletânea publicada em 2005. Nos anos seguintes, publicou outras três, estas pela editora Desiderata.

Figuras 3 e 4 - Capas de coletâneas da série Malvados, de André Dahmer.

Estêvão Ribeiro publicou a primeira coletânea de Os Passarinhos num formato parecido com o de uma revista, porém feita no formato horizontal, como o de suas tiras. Parte do custo de impressão foi pago por meio de vendas prévias feitas com os leitores de sua página virtual. Rafael Sica, outro autor de blog, foi convidado a lançar suas tiras mudas (sem palavras) pelo selo de quadrinhos da Companhia das Letras, uma das editoras de maior projeção no país. Carlos Ruas foi mais um que condensou seus trabalhos no meio impresso. Sua série Um Sábado Qualquer foi reunida em livro homônimo, publicado pela editora Devir.

Figura 5 – coletânea de tiras da série Um Sábado Qualquer, criada por Rarlos Ruas.

Há outros exemplos, mas esses bastam para ilustrar o impacto que os blogs de tiras cômicas exerceram e exercem no Brasil. Em vez de ter a produção pautada exclusivamente pelos jornais, como vinha ocorrendo durante o século 20, houve uma inversão: o suporte virtual é que tem servido de base para a veiculação do gênero. Essa inversão é algo novo no cenário de produção de tiras no país no período pós-internet.

Conclusões parciais Procuramos neste artigo discutir o impacto dos blogs para a produção de tiras no Brasil. No caso do gênero tira cômica, pôde-se perceber que houve, na segunda metade da década inicial deste século, um aumento sensível no número de páginas dedicadas a essa forma de produção de história em quadrinhos. As tiras, por terem um formato curto, fixo e de leitura mais rápida, algo próprio da internet, tenderam a ser o gênero dos quadrinhos mais explorado no meio virtual. Na transição que a internet impôs ao mercado de quadrinhos brasileiro, o casamento entre tiras e blogs parece ter sido o mais bem-sucedido. Percebe-se uma tendência de reprodução do formato tradicional da tira. Dois fatores motivadores desse comportamento parecem ser o tamanho reduzido, adequado para a tela do computador, e a possibilidade de o autor, num segundo momento, editar as histórias na forma de livro impresso. Outra constatação é a de que o maior volume de tiras no Brasil, na virada da primeira para a segunda década deste século, encontrava-se na internet, e não mais nas páginas dos jornais. Isso é algo revolucionário no tocante ao processo de produção e de circulação de tiras no país, que retira do jornal a quase exclusividade sobre o tema. O uso do meio virtual já pauta parte das séries lidas nos jornais e reproduz outras, circuladas previamente nos cadernos de cultura dos diários jornalísticos. Além disso, os blogs permitem aos quadrinistas a oportunidade de publicar suas séries sem depender dos espaços tradicionais dos jornais, muitas com boa repercussão. Como dito, algo inovador, propiciado pela difusão da internet e dos blogs.

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Paulo Ramos Jornalista e professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo. É doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e possui pós-doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas. É autor de vários livros sobre histórias em quadrinhos, entre os quais se destacam A Leitura dos Quadrinhos (Contexto, 2009), Bienvenido - Um Passeio pelos Quadrinhos Argentinos (Zarabatana Books, 2010), Faces do Humor - Uma Aproximação entre Piadas e Tiras (Zarabatana Books, 2011) e Revolução do Gibi - A Nova Cara dos Quadrinhos no Brasil (Devir, 2012). Por seu trabalho teórico e jornalístico com quadrinhos, recebeu cinco troféus HQmix, principal premiação da área no Brasil. FFFFFFFUUUUUUUUUUUU: o fenômeno das rage comics e sua relação com os quadrinhos Lucio Luiz

Introdução A internet sempre foi um espaço muito utilizado por quadrinistas. Apesar de haver uma variedade muito grande de formatos e estilos nos quadrinhos disponibilizados na rede (além de recursos impossíveis de se reproduzir no papel, como uso de animações ou da chamada “tela infinita”), há uma certa predominância das tiras cômicas em seu formato tradicional: história curta, com poucos quadros, e um desfecho humorístico. Desde os anos 1980 há experiências ligadas à divulgação de quadrinhos em ambiente virtual, mas foi a partir de 1993, com o advento do Mosaic (primeiro navegador gráfico da internet), que passou a haver uma maior profusão de autores independentes disponibilizando seus trabalhos para um público antes difícil de se atingir por conta própria. Atualmente, uma forma de expressão relacionada aos quadrinhos são as rage comics. O termo significa algo como “quadrinhos irritados”, mas esse nome não deve ser entendido de forma literal, já que é derivado de rageguy (“sujeito irritado”), um meme da internet que também deu origem ao termo rage faces (“rostos irritados”). Portanto, as rage comics, em essência, são as tiras cômicas on-line que utilizam em sua composição as rage faces, que, por sua vez, não são necessariamente rostos demonstrando raiva, mas qualquer tipo de ilustração criada e propagada na internet que represente uma emoção ou estado de espírito.

Memes de internet Para analisar esse fenômeno, primeiro é necessário entender o conceito de meme. A primeira citação ao termo foi no livro O gene egoísta, escrito por Richard Dawkins em 1976. O autor definiu que a memória teria um elemento análogo ao gene, chamado por ele de “meme”, que se referiria a unidades de informação que se multiplicariam entre cérebros, livros e outros “locais” de armazenamento. Nesse contexto, os memes seriam replicadores de ideias e de comportamentos em uma sociedade.

Exemplos de memes são melodias, ideias, slogans, as modas no vestuário, as maneiras de fazer potes ou de construir arcos. Tal como os genes se propagam no pool gênico saltando de corpo para corpo através dos espermatozoides ou dos óvulos, os memes também se propagam no pool de memes saltando de cérebro para cérebro através de um processo que, num sentido amplo, pode ser chamado de imitação (DAWKINS, 2007, p. 330).

Na internet, o termo é utilizado de forma semelhante a seu conceito original, mas refere-se não apenas a ideias faladas ou pensadas, mas a toda e qualquer informação que seja replicada e ressignificada de forma constante e em diversos contextos. Isso pode envolver frases, ilustrações, fotografias, vídeos, músicas, etc. O que todos os memes, independente da origem, trazem em comum é o fato de surgirem e se multiplicarem de forma espontânea, além de se desenvolverem de maneira orgânica e colaborativa, geralmente se espalhando pela internet na mesma velocidade com que caem em desuso, podendo sua presença on-line variar de alguns anos até poucos dias. Um exemplo de meme é a expressão “menos Luiza, que está no Canadá”. Em 11 de janeiro de 2012, o comercial televisivo de um lançamento imobiliário veiculado no estado da Paraíba trazia o colunista social Gerardo Rabello e sua família. No final da propaganda, Rabello diz: “E é por isso que eu fiz questão de reunir toda a minha família, menos Luiza, que está no Canadá, para recomendar esse empreendimento que eu assino embaixo”1. Menos de 24 horas depois do comercial ir ao ar, o trecho do discurso de Rabello sobre sua filha que estava no exterior já era um dos assuntos mais comentados no Twitter e contava com diversas montagens no Facebook. A propaganda, que fora veiculada apenas na Paraíba, passou a ser conhecida no país inteiro. Durante vários dias era comum ouvir e ler pessoas acrescentando a frase ao final de qualquer sentença (por exemplo: “Todos fomos à escola ontem, menos Luiza, que está no Canadá”, e incontáveis variações). Outro exemplo de meme de internet são as montagens que utilizam ilustrações sobre as quais são acrescentados textos variados. É comum o uso de fotos de celebridades, desenhos, cenas congeladas de filmes ou animações, etc. À medida em que um meme desse tipo fica “famoso”, é comum surgirem variações nos textos e até nas imagens “originais”, mas sempre com a mesma referência, objetivando o humor (Figura 1). O meme (no contexto da internet) é uma expressão cultural típica da cibercultura. Sua criação é colaborativa e seu crescimento é espontâneo. Por isso mesmo, eles costumam surgir em redes sociais. Uma das principais é o 4chan2, um fórum de imagens com cerca de 13 milhões de visitantes mensais, conhecido por permitir postagens anônimas de, literalmente, qualquer tipo de imagem. A grande maioria dos memes mais conhecidos costumam ter sua origem em postagens desse site, normalmente começando como uma “piada interna” e se espalhando pela internet sem que se consiga precisar como ou por quê. Outro site importante para a divulgação de novos memes (e “sobrevivência” de alguns mais antigos) é o Reddit3, uma rede social com poucas restrições de conteúdo e que coloca postagens em evidência com base nas votações dos usuários. Seus fóruns temáticos, chamados de subreddits, contam com os mais variados assuntos, inclusive temas polêmicos. Figura 1 - Meme baseado em frame da animação Futurama e algumas de suas variações.

Além desses dois exemplos, também contribuem para o surgimento e propagação de memes os blogs, os fóruns, as redes sociais e até a TV (embora, nesse caso, de forma indireta, como no exemplo da frase “menos Luiza, que está no Canadá”).

Rage comics As rage comics surgiram graças a um meme baseado em uma ilustração publicada no subfórum /v/ (dedicado a videogames) do site 4chan em 17 de julho de 20074. O desenho, publicado por um usuário anônimo, representava um usuário desse subfórum irritado com quem utilizava outros sites dedicados ao tema (Figura 2). Essa personagem, que ganhou o apelido de rageguy, se tornou uma “piada interna” no 4chan e passou a ser utilizado em diversas montagens, quase sempre representando um usuário do subfórum /v/ irritado com alguma coisa ligada à experiência gamer. Uma “evolução” do uso do rageguy surgiu no ano seguinte no subfórum /b/. Esse espaço, denominado “random”, é dedicado a qualquer assunto que não tenha um subfórum próprio no site e é conhecido por praticamente não possuir regras sobre o que pode ser postado. Em 28 de agosto de 2008, um usuário anônimo publicou no /b/ um modelo de tira cômica com quatro quadros: os três primeiros estavam em branco e o último apresentava uma versão “rabiscada” do rageguy gritando “Fffffffuuuuuuuuuuuu”5 (Figura 3). A intenção era que esse modelo fosse usado para mostrar “coisas que você odeia”.

Figura 2 - Primeira “aparição” do rageguy.

Em seguida, o mesmo usuário apresentou um exemplo de tirinha feita com essa base, com desenhos propositalmente “malfeitos” e grotescos, fazendo inclusive uma referência gráfica a fezes humanas (Figura 4). Como a primeira imagem foi apenas um modelo (sendo apresentado como tal), essa tira pode então ser considerada a primeira rage comic divulgada na internet. Figura 3 - Modelo proposto para as primeiras rage comics.

Já nas primeiras 5 horas depois da publicação do modelo, mais de 130 tirinhas diferentes foram criadas e compartilhadas. A grande maioria seguia o mesmo padrão do exemplo: três quadros contando uma história que justificasse a irritação da personagem no final. Algumas poucas, contudo, traziam variações, como uma quantidade maior ou menor de quadros, uso de fotografias e até a modificação do quadro de encerramento (com o rageguy chorando ou com sangue nos olhos, por exemplo), mas todas tinham em comum o fato de apresentarem desenhos “toscos” e o formato de tira cômica. Figura 4 - Primeira rage comic completa publicada no 4chan.

Rage faces

Em janeiro de 2009, o site Reddit lançou o subreddit “f7u12”6 (referência à quantidade “certa” de letras para se escrever “fffffffuuuuuuuuuuuu”) com o objetivo de permitir que seus usuários publicassem rage comics em um sistema que as arquivasse, já que o 4chan não mantém registros7. Com o tempo, novos “personagens” foram surgindo, representando as mais diversas personalidades e comportamentos. Informalmente, essas novas criações ficaram conhecidas como rage faces em referência ao “pioneiro” rageguy. Algumas das rage faces mais conhecidas são o trollface (que representa os “trolls” da internet - pessoas que gostam de tirar sarro dos outros), o Forever Alone (“Sempre Sozinho” - que serve para indicar que a pessoa está solitária) e o Me Gusta (utilizado para mostrar que se gostou muito de alguma coisa, porém geralmente referindo-se a algo de que não é socialmente aceitável se gostar), entre outras. Figura 5 - Exemplo de rage comic em que uma mesma personagem assume diferentes rage faces dependendo da situação (quadros 1, 3 e 4).

Atualmente, é comum as rage comics trazerem mais de um desses rostos e não os limitarem ao último quadro da história. Além disso, ao invés de serem consideradas personagens individuais, diferentes rage faces passaram a representar uma mesma personagem, que poderia ter um “rosto” diferente a cada quadro sem perder sua individualidade (Figura 5). Em alguns casos, dois ou mais personagens diferentes podem “compartilhar” a mesma rage face. Isso costuma acontecer quando ambos demonstram a mesma reação a algum acontecimento da história. Quando isso ocorre, a opção mais comumente utilizada para diferenciá-los é acrescentar um detalhe visual, como cabelo (muito comum para indicar personagens femininas), óculos ou bigode (Figura 6). Um aspecto importante é que a maior parte das rage faces não possui um criador e, mesmo para aquelas cuja origem pode ser confirmada, os autores são ignorados pela “filosofia” de criação coletiva que existe na internet. Ou seja, todos os desenhos são percebidos como de “domínio público”, mesmo que alguns, tecnicamente, não o sejam. A quantidade atual de rage faces e suas variações é impossível de mensurar dada a velocidade com que “novidades” relacionadas a elas surgem na internet. Crescimento A grande diferença entre as tiras cômicas on-line “tradicionais” e as rage comics é a facilidade de produção. Além de não haver a expectativa de desenhos bem-feitos (pelo contrário: a essência de uma rage comic é exatamente ser “mal desenhada”), ainda há vários sites que permitem que se criem histórias a partir de modelos predefinidos: os Rage makers.

Figura 6 - Exemplo de rage comic em que os personagens são diferenciados por detalhes (no caso, a cor do cabelo das personagens femininas), já que “compartilham” rage faces.

Essa facilidade de se criar novas rage comics permitiu que elas se expandissem na internet de uma forma que não encontra paralelo nas tiras cômicas on-line “tradicionais”, já que essas demandam um trabalho de finalização maior. Naturalmente, há exceções (inclusive em relação a tiras cômicas de destaque no cenário nacional ou mundial, que possuem desenhos que poderiam ser classificados superficialmente como “toscos” ou infantis), mas geralmente isso ocorre por opção do quadrinista. Outra grande diferença é em relação à autoria. Enquanto os quadrinhos on-line normalmente indicam os autores, as rage comics, por essência, são criações coletivas e anônimas. Raramente há autoria explícita em uma rage comics e, mesmo quando há, costuma se limitar ao texto, já que os desenhos são os mesmos das demais. Atualmente, as rage comics deixaram de ser parte apenas de redes sociais como 4chan e Reddit e podem ser encontradas em diversos sites, blogs, fotologs, etc., muitos dedicados exclusivamente à sua divulgação. O crescimento das rage comics é tão forte que as pesquisas por esse termo no motor de buscas Google desde meados de 2011 supera o volume de pesquisas sobre comic strips (tiras cômicas, em inglês). Enquanto este último mantém uma certa regularidade há anos, a procura por rage comics cresceu bastante desde o final de 2010 até atingir seu volume máximo no início de 2012 (Figura 7).

Figura 7 - Quadro comparativo do volume de pesquisas no google pelos termos “comic strip” e “rage comics”8.

Influência As rage comics vêm sendo citadas vez por outra em tiras cômicas “tradicionais”, notadamente em tiras on-line. Dois exemplos são Dr. Pepper, de Daniel M.T., e Um Sábado Qualquer, de Carlos Ruas. Ambas seguem os conceitos tradicionais de tira cômica: história curta, com objetivo de humor, contada em poucos quadros. Elas também, apesar de distribuídas on-line, raramente utilizam recursos exclusivos da internet (a que mais faz isso é Dr. Pepper, com algumas tiras que utilizam movimento, mas ainda assim são exceções). Ambas as tiras já fizeram citações às rage comics, seguindo inclusive seu modelo original: uma história curta, assim como nas tiras tradicionais, com uma rage face tomando o lugar do rosto da personagem principal no quadro final (Figuras 8 e 9). Nos dois casos, assim como acontece nas rage comics, o conhecimento prévio do significado da rage face é fundamental para a compreensão da piada. Um raro exemplo de quadrinho “de papel” com citação direta às rage comics foi no gibi promocional O que aconteceu com a Turma da Mônica?, lançado em 2011 como parte da campanha de lançamento dos bonecos colecionáveis Gogo’s Turma da Mônica.

Figura 8 - Tira cômica on-line “Dr. Pepper” com o rosto do personagem substituído pelo trollface9.

A história, que dava continuidade a algumas tiras publicadas no Facebook que mostravam diversos personagens de Mauricio de Sousa sendo misteriosamente abduzidos, trazia os personagens Mônica, Cebolinha e Bloguinho tentando descobrir o que houve.

Figura 9 - Tira cômica on-line “um sábado qualquer” fazendo referência ao Forever Alone10. Em determinado momento da história, Bloguinho (personagem cujos balões de fala emulam a linguagem da internet, inclusive com emoticons11) tem seu rosto modificado para a rage face “Me Gusta” (Figura 10), sendo que o recordatório identifica a imagem apenas como “memeface”, um sinônimo menos usual de rage face. A despeito do uso do Me Gusta ter sido equivocado (essa rage face simboliza o fato de gostar de algo, contudo, nessa história, Bloguinho desaprovava a atitude de Cebolinha), é importante registrá-lo porque foi uma rara citação de meme de internet nos quadrinhos tradicionais “de papel” e, provavelmente, apenas ocorreu porque a ação promocional da qual esse gibi fazia parte estava fortemente ligada à internet e às redes sociais. Ainda assim, pode-se observar que as tiras on-line citadas anteriormente partem do pressuposto de que o leitor sabe do que se trata o rosto alterado da personagem, enquanto na história da Turma da Mônica a rage face surge apenas como uma referência irrelevante, sem obrigação de ser conhecida para que o contexto da história faça sentido.

Figura 10 - Quadro da página 7 do gibi promocional “O que aconteceu com a Turma da Mônica?”.

Ainda assim, pode-se observar que as tiras on-line citadas anteriormente partem do pressuposto de que o leitor sabe do que se trata o rosto alterado da personagem, enquanto na história da Turma da Mônica a rage face surge apenas como uma referência irrelevante, sem obrigação de ser conhecida para que o contexto da história faça sentido. Considerações finais As rage comics utilizam a linguagem dos quadrinhos, em especial das tiras cômicas. Pelas suas características peculiares, podem ser consideradas uma espécie de subgênero das tiras on-line. Apesar disso, quem lê e cria rage comics não necessariamente se interessa pelas tiras cômicas “tradicionais”, as utilizando principalmente como uma forma de expressão per se. Um dos aspectos mais importantes das rage comics e que as diferenciam das demais tiras cômicas é seu caráter colaborativo, caracterizado, principalmente, pela ausência de autoria formal. Nesse sentido, as rage comics não apenas ignoram direitos autorais como sequer se enquadram em direitos livres como o creative commons (que demandam a existência de um autor que “libere” os direitos). Elas são, literalmente, livres. Outro ponto que deve ser ressaltado é sua estética. Além de ilustrações “mal desenhadas” e montagens “toscas”, as rage comics se caracterizam pela presença recorrente das rage faces. Contudo, ao invés de serem personagens, elas são utilizadas como representações gráficas de emoções e estados de espírito, podendo uma mesma personagem ser representada por visuais completamente diferentes a cada quadro e, ainda assim, manter sua individualidade. As tiras cômicas “tradicionais” se pautam muitas vezes em personagens que apresentem estereótipos de fácil reconhecimento para “agilizar” a leitura e compreensão das piadas. As rage faces, em contrapartida, tornam a personagem “invisível” e, de certa forma, “personificam” os estereótipos, fazendo com que muitas vezes seja necessário um conhecimento prévio do significado de cada rage face para que se entenda a piada. Embora sejam parte da chamada “cultura da internet” (ou talvez até por essa razão), ainda é cedo para afirmar se as rage comics terão uma existência duradoura ou até mesmo qual sua influência sobre os quadrinhos em ambiente virtual. Mesmo as citações à sua estética em algumas tiras cômicas on-line, são apenas um indicativo de que as rage comics são bastante conhecidas por quem cria e lê quadrinhos na internet, embora o contrário não seja necessariamente verdade. Este artigo não pretende esgotar o assunto, mas, sim, apresentá-lo de forma detalhada e levantar essas questões com o objetivo de servir de base para novos estudos que acompanhem o desenvolvimento das rage comics, sua relação com a prática colaborativa na internet e o quanto podem influenciar a forma de se criar quadrinhos on-line.

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Lucio Luiz É jornalista, além de mestre e doutorando em Educação. Faz pesquisas nas áreas de quadrinhos, tecnologia (especialmente podcasting) e cultura participativa, tendo publicado diversos artigos científicos ligados a esses temas em congressos brasileiros e estrangeiros desde 2009. Seus trabalhos acadêmicos podem ser encontrados no site www.lucioluiz.com.br.

1 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=BVxcWbh9hWE (Acesso em: 25 jun. 2012.) 2 http://www.4chan.org 3 http://www.reddit.com 4 Arquivado em http://chanarchive.org/4chan/v/818/angry-v (Acesso em: 25 jun. 2012.) 5 Arquivado em http://chanarchive.org/4chan/b/4676/fffffffuuuuuuuuu-mspaint-style (Acesso em: 25 jun. 2012.) 6 Disponível em http://www.reddit.com/r/fffffffuuuuuuuuuuuu/ (Acesso em: 25 jun. 2012.) 7 Apesar disso, o 4chan possui um site dedicado exclusivamente ao arquivamento de postagens consideradas importantes ou populares - embora aparentemente não siga critérios sólidos - chamado Chanarchive (http://chanarchive.org). 8 Disponível em http://www.google.com/insights/search/- q=“comicstrip”,“ragecomics”&date=1%2F200856m&cmpt=q (Acesso em 25 jun. 2012). Os dados são normalizados e apresentados em uma escala de 0 a 100, portanto não representam os números absolutos de volume de pesquisas, servindo apenas como comparação entre os dois termos. 9 Disponível em http://blog.drpepper.uol.com.br/?p=3765 (Acesso em: 25 jun. 2012.) 10 Disponível em http://www.umsabadoqualquer.com/521-deus-o-primeiro-forever-alone/ (Acesso em: 25 jun. 2012.) 11 Representações de emoções utilizando caracteres tipográficos. Exemplo: “ :)” como representação de um rosto sorridente para indicar felicidade. O RISO EM REDE: a Conjunção Disjuntiva nas charges impressas e eletrônicas Octavio Aragão

I O riso e a reza De acordo com matéria publicada no jornal O Globo, em 31 de janeiro de 20061, o governo da Dinamarca avisou a respeito do perigo que poderia advir de uma viagem para Arábia Saudita ou Gaza. O motivo de tal alerta foram doze charges divulgadas em outubro de 2005 no jornal Jyllands-Posten retratando o profeta Maomé e que obrigaram o governo a recorrer ao apoio da União Européia após a reação negativa de diversos representantes de países árabes e grupos muçulmanos. As imagens ilustravam uma reportagem sobre auto-censura e liberdade de expressão a respeito do fato de nenhum artista se dispor a ilustrar um livro para crianças sobre a vida de Maomé. As doze charges contrariavam a tradição islâmica que diz que o profeta não deve ser retratado para evitar a idolatria e, em consequência, os chargistas responsáveis clamaram pelo anonimato temendo atentados, pois as ameaças foram potencializadas depois que uma revista norueguesa republicou as charges. A Líbia fechou sua embaixada na Noruega, o representante saudita foi retirado do país europeu e até sanções econômicas foram iniciadas, na forma de uma campanha de boicote de produtos dinamarqueses. Já o editor Flemming Rose, com o aval do primeiro-ministro Anders Fogh Rasmussen, negou-se a pedir desculpas, alegando defender a liberdade de expressão e de imprensa. Como resposta, houve protestos de homens armados diante da missão da UE, em Gaza, e grupos radicais ameaçaram atacar alvos de Dinamarca e Noruega. “Com sua ação, o jornal pisou deliberadamente nos valores éticos e morais do Islã, com o propósito de desprezo e ridicularizando os sentimentos de muçulmanos, seus símbolos e locais santos”, divulgou a nota oficial do grupo. “Os muçulmanos nunca aceitarão esse tipo de humilhação”, exclamou a coalizão islâmica, e até um dos cartunistas, Lars Refn, manifestou-se a favor dos religiosos e contra o jornal.2 Claro que, nesse caso, um elemento a mais se incorpora à equação “charge mais sociologia, mais política”: a religião. Mas percebe-se que surge uma problemática social, quando a Dinamarca apela para estatutos como a liberdade de expressão e imprensa como contraposição a dogmas religiosos. Até a imprensa parece perder o foco da situação ao analisar o conflito religioso/ideológico, esquecendo o poder da charge e depositando toda a responsabilidade da crise apenas nas características de cada facção.

“Quem julgasse só pelas manchetes dos jornais na semana passada poderia pensar que um choque amplo entre o Islã e o Ocidente já começou ou é iminente. Os terroristas da Al Qaeda apareceram na televisão com ameaças de novos atentados em sua jihad contra os ‘cruzados’ e judeus. O hamas, movimento islâmico conhecido por seus homens-bomba, ganhou as eleições nos territórios palestinos. o mundo tentava encontrar uma forma de conter o Irã e seu presidente-bomba, que ameaça desenvolver um arsenal nuclear. Para o ocidente, capitaneado pelos Estados Unidos e Europa, a possibilidade de o Irã, uma teocracia islâmica, ter um arsenal nuclear é o pior dos mundos. o terceiro foco da tensão foi a crise internacional iniciada por um motivo banal – as charges de Maomé – e que mostrou a imensidão das diferenças culturais entre ocidente e o mundo islâmico”3

O terceiro motivo não parece banal. A força das imagens, da disjunção humorística nas charges impressas e sua posterior divulgação por meios eletrônicos, TV e internet, aparentemente atingiu seu objetivo: transformar a realidade sociopolítica do mundo. Ou seja, a charge, por si própria, revela-se uma arma poderosa por ser, como afirma Roland Barthes, domínio dos significados de conotação ideológica.4

O ridículo como arma política Em 11 de fevereiro de 2006, no programa Painel, exibido no canal Globo News, foram reunidos um sociólogo, um teólogo e um filósofo para discutirem as implicações políticas das charges “antimuçulmanas”. Apesar das profundas considerações tecidas a respeito do fato e das consequências das publicações, foi estranho perceber que não estivesse ali um chargista profissional ou um estudioso de História da Arte. Por outro lado, essa ausência ressaltou o fato de que a grande imprensa e a opinião pública encaram o evento como um fato estritamente político, com pouca ou nenhuma relevância estética ou artística. Em nenhum momento da mesa-redonda levou-se em consideração que o poder transformador da sociedade seria inerente à própria charge, e não apenas da utilização, e eventual deturpação, de uma iconicidade reconhecida universalmente, no caso Maomé, ou uma imagem “genérica” do povo muçulmano. Porém, em um detalhe todos os participantes concordaram: independente do possível mau gosto, as charges foram de grande importância política ao, na opinião deles, ridicularizarem dogmas religiosos. Se considerarmos o pensamento de Mikhail Bakhtin, o satirista não coaduna, não se solidariza até o fundo com um “espírito oficial”, mantendo distância tanto dos grupos fundados dentro da classe dominante (incluindo a burguesia), quanto de suas medidas. Sua função é dar forma a um tipo de “senso comum imagético”, ressaltando elementos facilmente reconhecíveis tanto de um indivíduo, quanto de um grupo, tendo como objetivo o conhecimento rápido e inequívoco do maior número de pessoas. Segundo Chico Caruso, “Você tem de trabalhar em cima do conhecimento do leitor. Então o chargista entra como um surfista do conhecimento médio, não adianta você fazer uma charge sobre um cara que está aparecendo agora, que ninguém viu, porque não vão entender quem é. Você tem de estar um pouco atrás do conhecimento do leitor”.5 Conclui-se que há a necessidade de uma generalização para que a charge seja efetiva. Mas isso não quer dizer que o significado seja simplista ou superficial, como se, ao se mostrar um muçulmano com uma bomba sobre a cabeça, afirma-se que todo homem vestindo um turbante é um terrorista - essa seria uma visão redutora e pouco perceptiva. Um chargista, para atingir objetivos e significados mais complexos - inseridos no conceito de disjunção humorística - precisaria utilizar signos mais simples. O julgamento dos críticos, ao reduzir o alcance da charge enquanto peça artística, parece míope, tanto que apenas um apontou o fato de que cada charge era diferente uma das outras, com teor de acidez variado. Era como se todas as peças fossem iguais em forma e contexto. A charge ofende, atiça ou revoluciona não apenas por generalizar imagens, mas por utilizar estereótipos como ponte para um sentido mais amplo, emocionando o leitor e, como resultado, sensibilizando algumas instituições públicas. Nas charges políticas brasileiras publicadas no século 19 onde se via a representação de Dom Pedro II em poses ridículas jamais foram um retrato fiel, mas uma representação simbólica do imperador baseada no senso comum. Esse poder de enfraquecimento pode ser usado como arma política por funcionar como um canal para formatar impressões a respeito de pessoas e instituições, ou de pessoas enquanto representantes de instituições. Daí a relevância do posicionamento político de extrema-direita do jornal dinamarquês que primeiro publicou as charges “antimuçulmanas”. Independente da ideologia dos artistas, o veículo usou seus trabalhos como arma de ataque, pois o chargista funcionaria como pretenso porta-voz de interesses do grupo, mesmo que expressando com seu trabalho uma opinião particular, podendo assim ajudar a direcionar a opinião pública a respeito de determinados políticos, partidos ou situações. O público não tem como evitar o envolvimento emocional pela charge enquanto objeto estético e dialético, principalmente quando aquela alcança as redes de telecomunicações, a televisão e a internet, e isso abriria portas para um direcionamento ideológico.

II Cartum: narrativa sequencial e humor disjuntivo A origem do termo cartum em português merece uma explicação pormenorizada. Primeiro, segundo Camilo Riani, “é importante destacar que a utilização do termo cartum como categoria de humor gráfico/caricatura é essencialmente brasileira, uma vez que essa palavra, nas demais línguas, não é entendida no sentido que aqui trataremos”.6 Em termos narrativos, pode-se dizer que o cartum está situado entre a charge e a história em quadrinhos, apropriando-se de elementos de ambos. Pode ser confundido com a charge por tratar na maioria das vezes de situações de cunho social, mas, por outro lado, ao contrário da charge, o cartum não tem comprometimento com a temporalidade, com um fato ou personalidades reais, podendo ser compreendido muito depois de sua primeira publicação. Das histórias em quadrinhos, herda elementos sígnicos, tais como balões de fala em lugar de legenda e a possibilidade da decupagem da narrativa em várias cenas separadas e inseridas em requadros, uma narrativa sequencial. Muitas vezes, porém, seu significado pode ser depreendido apenas por intermédio do traço, sem auxílio de código linguístico. Violette Morin propõe uma “fórmula” para a estrutura de construção do humor gráfico e explica por que, em sua visão, a força humorística reside mais na parte ilustrativa que no texto.7 Sua definição para “humor gráfico” é clara: trata-se de desenhos, ancorados ou não por textos, que questionam as medidas do mundo, recusam a aparência das coisas e rompem com a fotogenia, virando pelo avesso as representações. Os desenhos funcionariam como anomalias gráficas que poderiam ser comparadas aos jogos de palavras das anedotas que rompem com o sentido inicial de uma proposição, produzindo uma ou mais possibilidades de interpretação. Os gatilhos que proporcionam tais rupturas são chamados pela autora de “disjunções”. São elas as reais motivadoras do processo que resultará no riso. Essas rupturas provocariam uma justaposição ou sucessão de elementos sêmicos originalmente incompatíveis, sendo que a percepção e racionalização de tais “impossibilidades” seriam a raiz do cômico. Ou seja: o humor nasce da justaposição ou sucessão de elementos incompatíveis que explodem uma unidade narrativa. De acordo com a autora, o riso no cartum dependeria da capacidade narrativa do ilustrador, assim como na anedota verbal o papel de guia fica sob a responsabilidade de quem conta a história. Porém, é necessário perceber que não seria o estilo do traço que provocaria o riso, mas a ação dos mecanismos disjuntivos. Tipos de mensagem A autora cita Roland Barthes ao enumerar os três tipos de mensagem – literal, simbólica e linguística – e encaixa a interpretação e a confecção bem- sucedidas do humor gráfico nessas três subdivisões. A mensagem, assim, poderia ser resumida à relação desenho/texto, sendo que o humor nasceria de uma ruptura na sequência narrativa. Em primeiro lugar, no topo da pirâmide, vem o cartum onde a imagem se sustenta sem o auxílio de texto, com a ruptura inserida apenas no desenho. os temas de tais obras, segundo Violette Morin, versariam principalmente sobre hábitos sociais, atualidades ou fatos científicos. Já naquelas onde o texto é imprescindível, a temática giraria em torno de psicologia, política e sociologia. Nesses casos, as disjunções ocorreriam numa justaposição entre texto e imagem. Essa linha poderia ser subdividida em quatro subgrupos: a. Texto serve à imagem (dominância de imagem); b. Texto e imagem são complementares (interdependência texto/imagem); c. Sequências complementares de desenhos e texto (cartum sequenciado); d. Imagem apoia o texto (dominância de texto). É interessante comparar esse sistema de Morin com aquele desenvolvido por Scott McCloud no livro Understanding Comics, quando o autor estabelece sete tipos de relação texto/imagem: Dominância de Texto, Dominância de Imagem, Dupla Dominância, Sistema Aditivo, Paralelismo, montagem e Interdependência.8 McCloud estabelece uma lista de interrelações mais complexa e detalhada que Morin, incluindo categorias que não têm paralelos na primeira lista, como Dupla Dominância, em que texto e imagem são redundantes; Sistema Aditivo, no qual o texto e a imagem amplificam o sentido um do outro, criando novas interpretações; Paralelismo, em que texto e imagem não têm qualquer conexão imediata, criando uma leitura surrealista ou próxima do dadaísmo e montagem, que apresenta textos caracterizados como ilustrações. Todos esses expedientes são utilizados em larga escala pela charge contemporânea.

Funções narrativas e os tipos de disjunção As articulações disjuntivas postuladas por Violette Morin, por sua vez, possuem três sistemas de análise: a. Bloqueio de articulação; b. Recorrência de articulação; c. Consequência de articulação por inversão antinômica dos signos. A inversão acontece de tal maneira que o senso de disjunção se opõe contraditoriamente ao senso de consequência, mas sem destruir por inteiro a lógica formal. Assim, o processo disjuntivo provoca um “reconstruir” da consequência. Quanto aos tipos de disjunção, existe a disjunção Física, onde há uma contraposição hábito vs. necessidade. Estabelece assim a quebra da lógica ou uma adaptação do inevitável. A disjunção Mental propõe o surgimento de um bloqueio no andamento de determinada situação, graças a uma contraposição ativa/passiva. Já a disjunção Físico-mental estabelece uma contraposição de inevitabilidade física vs. previsibilidade psicológica ou institui-se um novo sentido por meio de mudança de contexto.

Quem é o público do humor gráfico carioca? No início das publicações humorísticas brasileiras, quando artistas como Angelo Agostini, Henrique Fleuiss e Luigi Borgomainerio publicavam protocharges e ilustrações críticas em tabloides como A Revista Illustrada, A Semana Illustrada e A Vida Fluminense, seu público-alvo era a emergente burguesia que começava a prosperar à sombra da aristocracia imperial. Porém, como atestou Joaquim Nabuco, que teria apelidado A Revista Illustrada de Agostini, de “a Bíblia da Abolição aos que não sabem ler”9, as publicações, depois de cumprirem a missão de informar e divertir as classes mais abastadas, eram jogadas fora e caíam nas mãos dos escravos que, apesar de iletrados, riam dos desenhos engraçados, dos rostos deformados, das situações cômicas, mesmo sem reconhecer as eventuais personalidades citadas ali. Alguns teóricos brasileiros contemporâneos, como Moacy Cirne10, acreditam que revistas infantis, como Tico-Tico, onde vários chargistas e cartunistas brasileiros começaram suas carreiras, possam ter sido uma grande influência no que diz respeito às escolhas profissionais de seus leitores num processo de combate ao analfabetismo no país, mas não existem efetivamente provas que confirmem essa suposição. Porém, não há dúvidas de que as charges e cartuns ocupam um espaço privilegiado no imaginário brasileiro, já que, inseridos nos principais veículos jornalísticos, seja em mídia impressa ou audiovisual, há sempre uma área dedicada a esse tipo de expressão gráfica, geralmente com destaque. Chico Caruso, em entrevista cedida a nós, afirmou que o casamento jornalismo/charge é inevitável, mas ainda assim anseia por mais espaço.

“Onde tiver jornal, tem de ter charge. Como a televisão é uma coisa cada vez mais onipresente, então eu acho natural que a charge vá para a televisão também. Agora a gente tem de fazer ela avançar tanto em termos tecnológicos, quanto em termos de tempo também, nós temos de conquistar mais espaço, porque aquilo acabou sendo, como a charge na primeira página do Globo, meio um nicho, um gueto, que fica ali, entra, e tem ali aquele negócio, vinte segundos. Eu gosto quando você começa a poder imaginar um jornal só de charges com um textinho escrito... e eu acho que o jornal na TV podia ser isso, sei lá, só imagem, animação, meia hora de animação e cinco minutos para o speaker falar o que ele quiser.”11

A maioria dos principais jornais do Rio de Janeiro das últimas décadas, O Globo, Jornal do Brasil, O Dia, Extra, reservam um espaço na primeira página, o local mais nobre do jornal, para a charge diária de seus artistas – Chico Caruso, no Globo, Ique, no Jornal do Brasil, Aroeira, no Dia, Leonardo, no Extra – onde, lado a lado com as manchetes, fotografias e demais textos, são consideradas pelos produtores dos jornais como tendo a mesma força atrativa que todo o restante. Eventualmente, disputas foram travadas entres as diversas publicações para chamar para seu staff o chargista de um concorrente, visando atrair o público fiel a algum artista. Foi o caso de Chico Caruso, que em 1982, trocou uma carreira no Jornal do Brasil para publicar na primeira página de O Globo12, ou Aroeira, que inicialmente era suplente de Caruso no mesmo jornal e que foi para O Dia, em 1997, assumir um posto de chargista na primeira página daquela publicação. Levando em consideração que os públicos dos jornais O Dia e O Globo não são os mesmos, podemos concluir num primeiro momento que, independente da classe social à qual o jornal se dirige, todos partem do princípio que seu público aprecia as charges ao ponto de quererem vê-las na primeira página. Há restrições editoriais, porém. Por exemplo, apesar das afirmações de Caruso que “os jornais evoluíram tanto tecnicamente como politicamente”, “até hoje eu não acredito que estou no o Globo, pois ele melhorou muito” e “a independência é fundamental para a vendagem”13, nada impediu que Aroeira fosse demitido do mesmo jornal em 97, graças a uma charge que ironizava uma cerimônia da marinha – e isso vinte e um anos depois do fim do governo militar. Uma vez dentro de O Dia, onde foi contratado depois de uma passagem rápida pelo Jornal do Brasil e um breve retorno ao O Globo, sanções foram de outra natureza: apesar de ter carta-branca para criticar qualquer político que bem entendesse, Aroeira foi desencorajado a publicar uma charge retratando a apresentadora Xuxa Meneghel, pois isso poderia fechar portas aos demais jornalistas da casa. Ou seja, O Dia não se importaria em publicar críticas aos políticos, mas as celebridades da TV – terreno liberado para ironias e caricaturas no Globo – eram superprotegidas. Isso porque, segundo a visão do jornal em questão a respeito de como pensa ser o “leitor ideal”, matérias relativas à televisão e cultura de massa importariam mais que qualquer notícia de cunho político e, como “a credibilidade de um veículo vai depender do espaço que ele proporciona ao seu público-alvo”, O Dia não poderia correr o risco de perder as boas-graças da apresentadora por causa de uma charge que poderia potencialmente ofendê-la. Logo, há uma generalização e uma particularização simultânea no que diz respeito ao público do humor gráfico, se não no Brasil, ao menos no Rio de Janeiro. Considera-se que há uma demanda por charge ou cartuns nas primeiras páginas dos jornais, mas que os assuntos tratados ali devem obedecer a uma linha editorial que não entre em conflito com interesses comerciais ou até mesmo políticos internos aos próprios periódicos. Isso acontece porque, segundo Nelson Werneck Sodré, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, os jornais deixaram de ser artesanais e passaram a ser constituídos como “empresas nitidamente estruturadas em moldes capitalistas”.14

“[...] No fundo, entretanto, estavam as contradições da sociedade brasileira, traduzindo-se em forma compatível com a época. Essas contradições envolviam a ascensão burguesa em processo, trazendo a primeiro plano sua vanguarda, a pequena burguesia urbana, que assumia função política eminente. Acontece que nessa camada social estava a maioria do público da imprensa: esse público influenciava e era influenciado pelos jornais; e essa relação, na época, não era perturbada pelas forças econômicas que, mais adiante, tanto pesariam na orientação dos periódicos; a venda avulsa pesava, por outro lado, e muito, na vida deles, mais do que a publicidade: um grande jornal era, quase sempre, aquele que tinha tiragem grande.”15

Hoje, em termos comerciais, considera-se que um grande jornal é o que tem melhores anunciantes. O cuidado em não ofender possíveis patrocinadores é tão grande que eventualmente pode influir no conteúdo do material publicado. Isso inclui as charges. Ainda assim, a preocupação dos jornais com a charge nas primeiras páginas é tão grande que um dos tópicos preferidos das pesquisas realizadas pelo O Globo em 2007 dizia respeito ao entendimento das charges. Além disso, a tradição de se exibir as primeiras páginas dos jornais do lado de fora das bancas de rua expõe o trabalho dos chargistas a quem não compra o jornal todos os dias e, a partir da década de 1990, com o advento das charges eletrônicas veiculadas primeiro pela internet e depois pela televisão, em horário nobre, entre as 19h e 23h, a ampliação do público leitor é perceptível. Em 2003, por exemplo, tivemos dois chargistas exibidos todas as noites, dentro de telejornais de ampla visibilidade: Maurício Ricardo, que começou sua carreira com o site http://www.charges.uol.com.br, apresentava seu trabalho no programa TVFama, da Rede TV, e Chico Caruso, na Rede Globo, dentro do Jornal Nacional, o campeão de audiência do horário. Caruso, apesar de várias mudanças no formato de sua charge eletrônica, continua até hoje e começa a estabelecer uma tradição dentro da programação da emissora. Maurício Ricardo, por sua vez, acabou contratado pela mesma Rede Globo para assumir as charges animadas exibidas no programa Big Brother Brasil, um fenômeno de audiência. Caruso chega a profetizar que “o futuro da charge será a animação. Não sei se através da Internet ou do próprio papel do jornal, o que seria ideal”16 e, a continuar pelo caminho que ele mesmo está desbravando, parece que está correto, apesar de que, se seguirmos uma análise estrutural precisa, o que se vê na internet ou na TV não seria necessariamente charge, mas cartum animado, porque a força da charge reside no entendimento imediato, na possibilidade de se compreender a gag humorística, o duplo sentido, no momento em que se bate o olho no desenho associado ao texto. Na charge impressa, o mecanismo disjuntivo responsável pelo surgimento do humor reside na interdependência texto/imagem, enquanto, por uma questão de mídia, onde está ancorada a um determinado tempo de projeção, a charge animada adaptada à televisão precisa recorrer a um timing diferenciado, apelando para um mecanismo disjuntivo em que são necessárias sequências complementares de texto e desenho, mais comuns ao cartum. Com isso, muitas vezes o humor que funciona na charge impressa, se perde em sua versão animada, que se vê obrigada a estender uma gag além de sua funcionabilidade, apenas para suprir uma necessidade temporal midiática. Porém, mesmo essa pequena deficiência de adaptação não desmente a previsão de Caruso, que, com o acesso à televisão, é o único chargista que é exibido diariamente em todo território nacional. No que depender da visibilidade, na amplitude de públicos possíveis, que hoje está situado entre as classes C e B, o futuro da charge ou do cartum editorial reside nos meios de cultura de massa eletrônicos. O riso necessita da rede.

Referências:

BARTHES, R. O Óbvio e o Obtuso: Ensaios críticos III, Editora Nova Fronteira, 1982.

CARUSO, C. Entrevista ao autor. 2005.

CIRNE, M. História e Crítica dos Quadrinhos Brasileiros. Rio de Janeiro. Funarte – Europa, 1990.

Choque de culturas. In Veja, edição 1942, ano 39, número 5. São Paulo: Editora Abril, 2005. , in http://oglobo.globo.com/jornal/mundo/190127725.asp, 31 de Janeiro – acessado em: 31 de janeiro de 2006.

LAN e CARUSO, C. . In: http://www.comunitaitaliana.com.br/Entrevistas/caruso.html

LIMA, H. Rio de Janeiro. Livraria José Olympio Editora, 1963.

MCCLOUD, S. Kitchen Sink Press. USA. 1998.

MORIN, V. . In ê. França: Revista Communications, número 15, 1970.

RAMONE, Marcos. (14/10/05), in http://www.universohq.com/quadrinhos/2005/n14102005_02.cfm, 2005.

RIANI, C. . Editora Unicamp. 2005.

SODRÉ, Nelson Werneck. Mauad. Rio de Janeiro, 1999.

Octavio Aragão É designer gráfico, professor de Jornalismo Gráfico da ECO/UFRJ e pesquisador da PACC UFRJ. Doutor em Artes Visuais pela EBA UFRJ, foi editor de arte das revistas de informática da Ediouro, subeditor de arte de o Dia e coordenador de arte de O Globo. É autor dos romances A Mão que Cria (Mercuryo, 2006) e Reis de Todos os Mundos Possíveis (Draco, 2013).

1 Crise por charge de Maomé. 2 RAMONE, M. 3 Choque de culturas. 67 e 68 4 BARTHES, R. 40. 5 CARUSO, C. 6 RIANI, c. 29 7 7 MORIN, V. 110. 8 MCCLOUD, S. 53, 154 e155. 9 LIMA, H. 795. 10 CIRNE, M. 21. 11 CARUSO, C. 12 LAN e CARUSO, C. 13 ______14 SODRÉ, n. 355. 15 ______. 356 16 CARUSO, C. HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ELETRÔNICAS EM BANNERS PUBLICITÁRIOS NA WEB Reinaldo Pereira de Moraes

1 Introdução A facilidade de acessar informações, realizar transações, discutir e se aprofundar em assuntos de seu interesse, desenvolver relacionamentos, comunicar-se, entre tantas outras tem incentivado os consumidores a procurar os serviços disponibilizados na internet. Para Kumar e Sethi (2009, p. 1), “com o dramático crescimento do número de usuários da internet, os clientes on-line têm se tornado a maior força do mercado”. Este pensamento tem feito com que, como nas lojas físicas, as lojas virtuais na Web se utilizem de anúncios para atrair os clientes. Um dos espaços publicitários que podem ser percebidos em muitas páginas da Web é o banner. Embora existam diversos estudos referentes à interação do usuário com a interface gráfica na Web, não se tem conhecimento de dados sobre a influência das histórias em quadrinhos eletrônicas (HQtrônicas) na memorização de informações divulgadas em peças publicitária. Por isso, busca-se, através deste texto, descrever uma pesquisa sobre a aplicação da HQtrônica em um banner publicitário, a fim de avaliar a retenção de informação na memória do usuário.

2 Definição de Histórias em Quadrinhos e HQtrônicas 2.1 Características das Histórias em Quadrinhos Scott McCloud (1995) define histórias em quadrinhos (HQs) como “imagens pictóricas e outras justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta ao espectador”. Cagnin (1975) as define como “um sistema narrativo formado por dois códigos de signos gráficos: a imagem, obtida pelo desenho, [e] a linguagem escrita”. Essas duas definições se complementam porque enquanto a primeira se foca na estrutura narrativa da HQ, a segunda se dedica aos elementos que a compõe, embora a presença de texto não seja obrigatória em uma HQ. Além do texto, e da imagem, uma HQ traz consigo outros elementos característicos identificados por Franco (2004), tais como, percepção visual global, elipses, tempo, enquadramento, balão de fala, onomatopeias e linhas de movimento. 2.2 Características das Histórias em Quadrinhos Eletrônicas McCloud (2006) define os quadrinhos digitais como aqueles que existem como informação pura. Este novo formato de histórias em quadrinhos tem sido chamado de e-comics nos Estados Unidos, de BD Interative na França e apelidado de HQtrônica no Brasil (FRANCO, 2004). E, embora ainda não se tenha uma definição exata para uma HQtrônica, o uso da hipermídia colaborou para que a elas tenham sido agregadas algumas características, observadas por Franco, que não eram vistas nas histórias em quadrinhos impressas, tais como, animação, diagramação dinâmica, interatividade, trilha sonora, efeitos sonoros, tela infinita, tridimensionalidade e narrativa multilinear. Essa incorporação de recursos da hipermídia é um processo de transição que as histórias em quadrinhos impressas vêm sofrendo (FRANCO, 2004). Entretanto, esse processo não desvincula as HQtrônicas das HQs tradicionais. Uma HQtrônica continua sendo uma história em quadrinhos que tem outras características agregadas a si mesma, conforme representado na Figura 1. Figura 1. As histórias em quadrinhos e as HQtrônicas.

2.3 Definição de Histórias em Quadrinhos Eletrônicas O que é uma HQtrônica? Charley Parker apud Franco (2004) considera os recursos de animação e de interatividade importantes para fazer dos quadrinhos na Web uma versão única dessa forma de arte. Sem esses recursos, seria como publicar on-line quadrinhos impressos. Embora Parker diga que existe um limite no qual uma produção deixa de ser quadrinho e passa a ser desenho animado, ele não o define em palavras. O limite é proposto por ele, na prática de sua arte, ao usar a animação para efeitos específicos, não para a visão geral da história. Utilizar pouca animação garante a classificação da produção como uma HQtrônica? Doze produções foram analisadas e em cada uma delas foi investigada a presença das características incorporadas às histórias em quadrinhos pelo uso da hipermídia e outros dois recursos da linguagem cinematográfica – movimentação de câmera e Zoom. A característica “animação” foi subdividida em “animação de cenários” e “animação de personagens”; e, além dos “efeitos sonoros”, optou-se, também, por observar a presença de “diálogos escritos ou sonoros” na narrativa. Como resultado dessa observação, apresenta-se no Quadro 1 uma discriminação das características encontradas em cada produção analisada. Quadro 1: Análise de características apresentadas nas HQtrônicas.

Ao observar as HQtrônicas, desenhos animados e animações disponíveis no mercado, percebe-se que, em maior ou menor quantidade e/ou qualidade, os recursos da hipermídia estão sendo utilizados. Percebe-se que não é obrigatória a apresentação de todas as características observadas por Franco (2004) para que a produção seja considerada uma HQtrônica. Por outro lado, também não se pode afirmar que as produções que utilizam alguns ou todos esses recursos são, de fato, HQtrônicas. Para definir uma HQtrônica, pode-se pensar na definição de HQs de McCloud apresentada anteriormente. Na sua definição, a estrutura narrativa de uma HQ é formada pela justaposição das imagens em sequência deliberada. Segundo McCloud, um filme ou uma animação pode ser considerada uma longa HQ se os fotogramas forem impressos, no entanto, no momento da exibição, os fotogramas sempre são apresentados ocupando a mesma área (tela de exibição). Este fato diferencia filmes e animações de HQs, ou seja, HQs não utilizam exibição sobreposta de quadros. Entretanto, outros questionamentos surgem para auxiliar na busca por uma diferenciação clara entre HQtrônica e animação. Uma HQtrônica poderia apresentar seus quadros de imagens de forma sobreposta sem que isso a definisse como uma animação? Qual seria a diferença entre uma HQtrônica e uma animação? Uma definição técnica do que é uma animação a caracteriza como uma ilusão de ótica gerada pela apresentação de uma série de imagens (não filmadas), o que ocasiona a impressão de movimento devido ao fenômeno da retenção retiniana, no qual os olhos retêm qualquer imagem no intervalo de tempo que vai de 1/10 a 1/17 segundos (WEBSTER, 2005). A partir dessa definição, é possível afirmar que uma HQtrônica pode apresentar seus quadros de imagens de forma sobrepostas sem que sejam definidas como uma animação, ou seja, sem que ocorra uma retenção retiniana. Assim, é falha a definição de HQtrônica somente como um conjunto de imagens apresentadas de forma justaposta. A sobreposição de imagens sem que ocorra a retenção retiniana pode possibilitar o processo de elipse na transição entre um quadro e outro. Outra questão a ser observada em relação à composição de uma HQtrônica é que nada impede que uma HQtrônica contenha um ou mais elementos animados, ou até mesmo seja composta inteiramente por uma animação e ainda seja considerada uma HQtrônica, mas não se pode afirmar o contrário. Uma representação gráfica dessa afirmação pode ser visualizada na Figura 2.

Figura 2 – Relação entre HQtrônica e animação. Uma animação não poderia conter a estrutura de uma HQtrônica, que pode apresentar outras informações e recursos de hipermídia, além das imagens, a cada quadro. Apesar da organização de sua estrutura permitir o uso de recursos variados, não se pode confundir a estrutura de uma HQtrônica com a estrutura de um aplicativo com recursos de hipermídia. A mesma relação aplicada entre a HQtrônica e a animação pode ser verificada entre a HQtrônica e a hipermídia, pois nada impede que uma HQtrônica contenha um ou mais elementos hipermidiáticos, ou até mesmo seja composta inteiramente por uma aplicação hipermídia e ainda seja considerada uma HQtrônica, mas não se pode afirmar o contrário. Não se pode afirmar que as HQtrônicas são um conjunto de imagens justapostas, pois existe a possibilidade de apresentar imagens sobrepostas umas às outras. Também não se pode definir HQtrônicas baseado-se na definição de animação, pois, apesar de um quadro ou mais de uma HQtrônica apresentar animações, a percepção do leitor não é baseada exclusivamente na retenção retiniana. Nem se pode definir HQtrônicas baseando-se na definição de hipermídia ou de qualquer outro recurso que ela possa utilizar, assim como não se definem histórias em quadrinhos pelo uso de balões, de elipses ou de onomatopeias. Nesse contexto, as HQtrônicas adquirem o caráter de uma estrutura narrativa que abrange várias outras mídias. Então, tomando emprestada a ideia da definição de histórias em quadrinhos de McCloud, uma possível definição de HQtrônica que abarca as considerações feitas anteriormente é “a combinação de mídias, apresentada em meio digital, de forma justaposta e/ou sobreposta, em uma sequência deliberada a fim de transmitir informações e/ou a produzir uma resposta ao espectador”.

3 A mensagem publicitária Para Beatrice e Laurindo (2009, p. 31), nas mensagens publicitárias, “os textos estão cada vez menores e sem rodeios, indo direto ao assunto, de maneira inusitada e diferente” e o “consumidor está cada vez mais participativo, exigente e crítico”. Para estimular cada vez mais o consumidor, há a tendência de transformar a publicidade em conteúdo e entretenimento e, nesta situação, “o que a mensagem busca transmitir é o conceito, os sentimentos e as sensações embutidas à marca, produto ou serviço, sem o tradicional apelo de vendas, sendo cada vez mais provida de interatividade” (Idem, p. 32). A fim de compreender melhor as diferentes abordagens da linguagem publicitária, Carrascoza (2004) divide as mensagens em dois grupos: a apolínea e a dionisíaca. A apolínea tem suas mensagens focadas na razão, enquanto a dionisíaca tem suas mensagens focadas na emoção e humor. O modelo de persuasão, caracterizado pela argumentação lógica, em que se pretende influenciar o consumidor através de argumentos racionais, é chamado de Apolíneo (Carrascoza, 2006, p. 1) e se apoia predominantemente numa estrutura dissertativa, defendendo um ponto de vista, enquanto “o viés dionisíaco se apóia nos pressupostos da emocionalidade (human interest), e, em geral, é construído no formato de narrativa”. Adicionalmente, o autor afirma que “o texto que visa influenciar o leitor por meio de mecanismos emocionais é, em geral, um relato. E, como tal, é constituído por foco narrativo, enredo, personagens, ambiente e tempo” (Idem, p. 4).

4 Desenvolvimento da HQtrônica A partir da definição de HQtrônica e do modelo dionisíaco de mensagem publicitária apresentados, buscou-se desenvolver a HQtrônica necessária para a realização do experimento. Considerando que a HQtrônica desenvolvida deveria ser utilizada como um meio publicitário na Web, o tempo de execução é de 34 segundos e o tamanho dos quadros está relacionado com o espaço disponível no layout da Webpage do experimento. Dessa forma, a HQtrônica Os Espiões foi produzida em tiras de 728x90 pixels. Observa-se nas Figuras 3, 4, 5 e 6 alguns dos quadros da HQtrônica desenvolvida.

Figura 3 – Quadrinho de abertura da HQtrônica.

Figura 4 – Quadrinho inicial da cena 1. Figura 5 – Quadrinho final da cena 1.

Figura 6 – Quadrinho final da HQtrônica.

A história apresentada é sobre dois amigos que tentam espionar o inimigo e acabam sendo espionados. Os três personagens foram criados com características físicas diferentes para não caracterizar uma propaganda direcionada a um público-alvo específico.

5 O Experimento O objetivo geral da pesquisa é avaliar a retenção de informações na memória do usuário sobre os produtos divulgados na Web através de banners tradicionais animados e de HQtrônicas embutidas em banners. Para este fim, o experimento consiste em um teste de memorização no qual se utiliza um computador para a transmissão da informação ao participante e quatro questionários impressos. Assim, foram utilizados dois banners cujas dimensões compreendem um espaço de 728 pixels de largura x 90 pixels de altura e cuja localização é centralizada horizontalmente no topo da página. Um deles foi selecionado dentre os vários banners tradicionais animados existentes na Web e o outro foi criado, a partir das informações divulgadas pelo primeiro em formato de história em quadrinhos eletrônica. Os participantes da pesquisa são 52 alunos de diversos cursos da Universidade Federal do Paraná. A fim de evitar a aplicação do experimento em grupos vulneráveis, buscou-se pessoas com idade superior a 18 anos, experiência de mais de um ano com a internet e frequência de acesso à rede pelo menos quinzenal. Os 52 participantes foram divididos em dois grupos e cada grupo foi submetido ao experimento que teve duas fases de aplicação. A primeira foi chamada de fase de tarefa e a segunda, de fase de coleta. Os participantes dos grupos tiveram acesso às mesmas informações, durante o mesmo período de tempo. A única diferença entre o layout dos dois grupos é em relação ao conteúdo do banner, apresentado no formato tradicional ou no formato de HQtrônica, conforme o grupo de pesquisa. Os dois banners foram disponibilizados na mesma posição (topo da página), ocupando o mesmo espaço físico na tela (728x90 pixels). A fase de tarefas teve duração de 120 segundos. os participantes dos grupos 1 (Experimental, banner em formato de HQtrônica) e 2 (Controle, banner em formato tradicional) visualizaram a página do experimento, a fim de responder quatro perguntas objetivas com quatro alternativas de respostas disponíveis em um cartão de tarefas. Essas perguntas se referem ao conteúdo apresentado no layout e têm o objetivo de manter o participante interagindo com o website. A fase de coleta é composta de quatro ciclos de aproximadamente dois minutos cada. Essa coleta utilizou quatro questionários distintos que foram respondidos em momentos separados para garantir que as questões de um questionário não interferissem na resposta das questões do questionário seguinte. O objetivo dessa fase é verificar se o participante memorizou alguma informação transmitida pelo banner visualizado no website durante a fase anterior, além de verificar os níveis de intensidade emocional, atração e satisfação proporcionados pela visualização dos dois banners. Outras questões importantes foram estudadas com essa pesquisa, mas não são abordadas neste trabalho. O website foi apresentado aos participantes através de notebook e de computadores desktop nas dependências da Universidade Federal do Paraná. Para garantir a validade externa, buscou-se não interferir no ambiente de realização do experimento; portanto, não houve controle de luminosidade, de ruídos sonoros, ou de acesso de outras pessoas à sala de estudo. Mas tomou- se o cuidado de não interromper o participante durante sua interação com o experimento.

6 Análise dos dados A abordagem analítica na pesquisa é quantitativa, e os dados foram analisados através de ferramentas estatísticas com o auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17. Após a realização do teste de normalidade de Shapiro-Wilk nos dados coletados, observou-se que para a maioria dos indicadores e variáveis envolvidas não havia indicação de normalidade na distribuição da amostra de dados. Diante deste resultado, optou-se por analisar todos os indicadores através de testes não-paramétricos e se aceita uma margem de erro (p) de até 0,05. Considerando-se que as amostras de dados foram coletadas a partir de dois grupos de pesquisa (Grupo 1 - Experimental e Grupo 2 - Controle) atuando sobre uma variável independente (o banner publicitário), os testes estatísticos realizados foram:

Diferença entre as amostras: Testes de Mann-Whitney e Chi-Quadrado; Correlação entre os indicadores: Testes de Spearmann e Kendall.

7 Discussão dos resultados Observou-se que o teste de Mann-Whitney não apresentou diferenças significativas entre as amostras coletadas, e a discussão dos resultados apresentados pelos indicadores para esse teste é desnecessária neste contexto. Entretanto, foi possível testar, através do Chi-Quadrado, se houve diferenças significativas entre as amostras quanto ao agrupamento de perguntas. Nesse caso, buscou-se identificar que tipo de informação foi mais memorizado pelos participantes. Na Tabela 1, observa-se o resultado do teste realizado no agrupamento das perguntas dos questionários Q1 e Q2 em quatro áreas (características do produto, promoção, marca, e nome e marca). Tabela 1 – Resultado do chi-quadrado por agrupamento de perguntas.

Em relação às características do produto, três perguntas foram feitas aos participantes (Q1P1 – sobre a cor do produto, Q1P3 – sobre a característica de filmagem e Q1P5 – sobre o recurso tecnológico embutido no produto). Observou-se através do teste Chi-Quadrado que há diferença entre as amostras. Optou-se, então, por comparar as amostras, duas a duas. Assim, descobriu-se que existe diferença significativa entre as perguntas Q1P1 e Q1P3 e entre as perguntas Q1P1 e Q1P5, mas não há diferença entre as perguntas Q1P3 e Q1P5. Portanto, a partir dos dados representados no Gráfico 1, considera-se que os participantes memorizaram mais a cor do produto do que a característica de filmagem e o recurso tecnológico embutido nele. No gráfico, P1, P3 e P5 se referem à cor do produto, às características de filmagem e ao recurso tecnológico, respectivamente. Considerando-se que as pessoas memorizam informações por afinidade, conforme a valência afetiva dos fatos ou do momento da recordação, seria possível sugerir que a cor do produto foi considerada mais importante do que as outras características do produto. Porém, essa afirmação seria um pouco arriscada, porque com os dados coletados, não se pode descobrir por que os participantes se lembraram mais da cor do que das funcionalidades principais do produto – filmagem e gravação de áudio e vídeo colorido. Em relação à promoção do produto, verificou-se que, entre as amostras de dados sobre a data de validade da promoção (Q1P2) e o valor do frete (Q1P6), também não houve diferença significativa. Assim, não se pode sugerir que uma informação foi mais importante do que outra no processo de memorização. Gráfico 1 – Informações memorizadas sobre as características do produto.

Em relação à marca, foi perguntado aos participantes sobre o nome da marca (Q2P1) e sobre o logotipo (Q2P2). Descobriu-se que entre as amostras de dados, também não foi encontrada diferença significativa. Assim, não se pode sugerir qual das duas informações deve ser priorizada numa campanha. Em relação ao nome do produto, optou-se por compará-lo à divulgação da marca e descobriu-se que há diferença significativa entre as duas amostras de dados. Estes dados estão representados no Gráfico 2. O nome do produto foi mais memorizado do que a marca do produto. Neste gráfico, P4 se refere ao nome do produto e P1 se refere à marca. Outra análise quanto à memorização pode ser feita nos dados quando se considera a quantidade de participantes que memorizou as informações referentes a cada pergunta. As perguntas foram analisadas uma a uma, comparando os grupos de pesquisa, e encontrou-se que, nas oito perguntas, não há diferença significativa entre os grupos. Embora não tenha sido encontrada nenhuma diferença significativa entre as amostras dos grupos 1 e 2, a análise da amostra, desconsiderando os grupos de pesquisa, apresenta diferenças significativas entre as perguntas. Assim, observa-se, a partir das informações apresentadas no Gráfico 3, que as informações mais memorizadas foram a cor do produto (Q1P1), seguida pelo nome do produto (Q1P4) e pela característica da filmagem (Q1P3). Gráfico 2 – Informações memorizadas sobre marca e logomarca.

Por outro lado, as informações menos memorizadas foram o valor do frete (Q1P6), o logotipo da empresa (Q2P2) e a data de validade da promoção (Q1P2). Observa-se que, no caso de uma propaganda na Web, as três últimas informações podem ser consultadas a qualquer momento, após se decidir pela compra de um produto.

Gráfico 3 – Quantidade de participantes que memorizaram as informações.

Com base nos dados coletados, das oito informações perguntadas, a marca e o logotipo ficaram, respectivamente, em quarto e em sétimo lugares no ranking das informações mais memorizadas. Assim, a ideia de Zeff e Aronson (2000) de utilizar a Web para divulgar as marcas é boa, embora a divulgação da marca através dos banners não parece ser a melhor opção. Da mesma forma, questiona-se a postura de Calisir e Karaali (2008), que indicavam como uma das utilidades do banner a obtenção do reconhecimento da marca através da exposição, e de Zeff e Aronson (2000), que dizem que uma parte dos banners serve para disseminar a imagem da marca. No entanto, não se descarta a possibilidade da elaboração de banners através de um estudo muito criterioso de seu público-alvo e com um apelo estético, adequado a tal público, de tal forma que cause uma impressão significativa. Nesta pesquisa, optou-se por utilizar um banner já desenvolvido para a divulgação de um produto real, e não se teve a preocupação com o público-alvo. Até aqui, foi discutida a memorização das informações divulgadas a partir de cada pergunta. Mas qual foi o grupo de pesquisa que memorizou mais informações? A partir dos dados coletados e analisados, conclui-se que houve boa memorização das informações divulgadas através dos banners, pois, das oito questões respondidas, os participantes obtiveram uma média de acerto de 4,4, conforme apresentado no Gráfico 4. Entretanto, não houve diferença significativa entre as amostras dos grupos 1 (Experimental) e 2 (Controle).

Gráfico 4 – Média de respostas certas.

Portanto, a discussão necessária não se refere à média geral de memorização. Busca-se entender e argumentar sobre a memorização possibilitada pelo uso da HQtrônica na transmissão da informação. Esperava- se que o uso de uma HQtrônica influenciasse o processo de memorização ao ponto de interferir na quantidade de informações memorizadas. O resultado obtido foi uma média de 4,3 para o indicador “Informação memorizada” para o grupo que recebeu informações através da HQtrônica e 4,4 para o grupo que recebeu informações através de um banner tradicional animado. Se o uso de HQtrônica não apresenta um resultado diferente do resultado obtido pelo uso de banners tradicionais, considera-se que, em relação à memorização de informações transmitidas, no contexto desta pesquisa, um banner contendo uma HQtrônica tem a mesma eficácia que um banner tradicional animado. Embora não tenha sido encontrada diferença entre as amostras de dados no que se refere ao indicador Intensidade Emocional, Atração e Satisfação é possível discutir os resultados encontrados desconsiderando a divisão em grupos. Assim, a média geral do indicador Intensidade Emocional apontada pelos participantes é 3,7. Considera-se uma intensidade emocional fraca, já que o resultado obtido está muito abaixo do valor máximo de dez pontos para esse indicador. Já se esperava que o banner tradicional animado despertasse pouca ou nenhuma emoção, mas não se esperava que a HQtrônica testada obtivesse um desempenho igualmente baixo. A interação do participante com o objeto banner despertou uma Atração moderada, com uma média de 4,4, e a interação com o evento visualização de informações, resultou em uma Satisfação também moderada, com média de 5,1. No entanto, não se pode pensar que, quanto mais altas a atração, a satisfação e a intensidade emocional envolvidas, maior será a memorização de informações. Os testes de correlação não permitem esse tipo de associação. Os testes de correlação também não permitem dizer que, se um banner tradicional animado ou um banner com HQtrônica forem tão atraentes quanto satisfatórios para o usuário, a memorização das informações será melhor.

8 Conclusão Embora as características tecnológicas das HQtrônicas sejam compatíveis com as dos banners animados e interativos, a realização deste experimento traz à tona algumas discussões relevantes sobre o uso das HQtrônicas como um meio de divulgação de campanhas publicitárias. Uma das contribuições tidas como mais importantes foi a definição de HQtrônica. Nas buscas realizadas por fontes de referências não foi encontrada uma definição clara do que é HQtrônica, considerando-a como um processo de transição através da apropriação de características da hipermídia. A partir disso, foram pesquisadas as diferenças e semelhanças entre as características de várias produções animadas e achou-se que não é obrigatória a apresentação de todas as características possibilitadas pelo uso da hipermídia para que a produção seja considerada uma HQtrônica e se pode afirmar que as produções que utilizam alguns ou todos esses recursos sejam, de fato, HQtrônicas. Considerando que as HQtrônicas possuem uma estrutura narrativa que abrange várias outras mídias, optou-se por defini-las como uma combinação de mídias, apresentada em meio digital, de forma justaposta e/ou sobreposta, em uma sequência deliberada, a fim de transmitir informações e/ou a produzir uma resposta ao espectador. A HQtrônica apresentada em formato de banner não foi capaz de despertar suficientemente a emoção dos participantes ao ponto de interferir no processo de memorização. Assim, não há vantagens em se utilizar HQtrônicas na divulgação de informações publicitárias se comparadas com os banners tradicionais animados, pois o uso desse modelo, não auxiliou os participantes no processo de memorização. Este artigo descreveu o uso de HQtrônicas como meio publicitário e observa-se que as suas características tecnológicas permitem que ela seja desenvolvida e usada como um meio publicitário na Web. Entretanto, ao optar por esta utilização, é necessário avaliar a relação custo-benefício do contexto, considerando as dificuldades de se desenvolver uma HQtrônica e os resultados apresentados por esta pesquisa. Apesar das HQtrônicas serem uma opção a mais de entretenimento quando usadas como meio publicitário, o tempo e o esforço gasto no desenvolvimento delas é muito maior do que aqueles empregados no desenvolvimento de um banner tradicional animado.

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Reconhecimentos: Trabalho desenvolvido na Universidade Federal do Paraná. Ilustração de Agnes L. Tsukuda. Reinaldo Pereira de Moraes Nasceu em 10 de Junho de 1978 na cidade de Registro/SP. É o sexto filho de João Carioca e Dona Ermelinda e viveu sua infância e adolescência em Cajati/SP. Formou-se Tecnólogo em Informática pela UTFPR (2007) e aperfeiçoou-se em Análise e Projeto de Sistemas OO pela UFPR (2008). Concluiu o Mestrado em Design pela UFPR (2011), tem cinco artigos publicados em eventos e hoje atua como docente do ensino superior. FANSUB E SCANLATION: caminhos da cultura pop japonesa na Web Renata Prado

Consumidores não são mais passivos na era da internet. Sua atuação ativa para a distribuição de conteúdo midiático, chamada Cultura de Convergência, caminha paralelamente à Cultura de Participação (JENKINS, 2006), caracterizada pela interação entre produtores e consumidores através de um novo conjunto de regras ainda pouco compreendido, em constante desenvolvimento e mudança. As companhias que usam Web 2.0, por exemplo, incorporaram componentes participatórios em seu plano de negócios. Foram da simples criação de fóruns a convites para produção de conteúdo. Muitos serviços on- line de Web 2.0 construíram seus planos de negócios exclusivamente com base em conteúdo gerado pelos usuários (YouTube, Wikipedia e muitos outros). Além disso, vemos cooperação entre múltiplas indústrias de mídia e o incessante fluxo de conteúdo através de múltiplas plataformas. Na indústria do entretenimento pode-se dizer que alguns produtores têm conseguido aproveitar a cultura de participação, apoiando-se nela em favor de seus interesses comerciais. Muitos outros continuam sem reação às mudanças por ela ocasionadas, ou adotaram uma cultura proibicionista – gerada pelo medo de perder o controle sobre os canais de produção e distribuição. Entre 1980 e 1990, de maneira geral, fãs eram constituídos como audiência de resistência, conhecidos por ativamente se apropriar e transformar a cultura de massa em seus próprios produtos culturais. Apesar de já serem atuantes, os fãs viviam às sombras na cultura de massas e as empresas de mídia viam seus gostos como não representativos em relação à população em geral (JENKINS, 2008). No século 21, os fãs estão sendo redefinidos como condutores de uma rica produção dentro da nova economia digital. Sua participação e comprometimento agora são buscados por empresas. Não tardou para a intensificação de diversos conflitos. [...] media companies are being forced to reassess the nature of consumer engagement and the value of audience participation in response to a shifting media environment characterized by digitalization and the flow of media across multiple platforms, the further fragmentation and diversification of the media market, and the increased power and capacity of consumers to shape the flow and reception of media content (GREEN; JENKINS, 2008)1.

A economia moral que controlava a velha mídia se quebrou e há conflitos sobre como deverá ser essa nova relação. A economia moral que forma as relações entre produtores e consumidores tem que lidar agora com expectativas sociais, investimentos emocionais e transações culturais, que criam uma compreensão compartilhada entre todos os participantes dentro da troca econômica. O resultado disso são duas vozes dissonantes sobre o estado atual da cultura: a dos produtores e a dos produsers. O termo produser (BRUNS, 2008) tenta dar conta de uma realidade em que a palavra produção não é capaz de representar com precisão o contexto atual e introduz um novo conceito:

To overcome the terminological dilemma which faces us as we attempt to examine processes of user-led content creation, we must introduce new terms into the debate. The concept of produsage is such a term: it highlights that within the communities which engage in the collaborative creation and extension of information and knowledge […] the role of ‘consumer’ and even that of ‘end user’ have a long disappeared, and the distinctions between producers and users of content have faded into comparative insignificance (BRUNS, 2006, p. 2)2.

Apesar das mudanças tecnológicas desempenharem papel fundamental nessas transformações, a convergência é um fenômeno ainda mais cultural que tecnológico, como Jenkins afirma em Convergence Culture (2006). Trata-se de um processo que encoraja a inteligência coletiva: na sociedade em rede, as pessoas geram conhecimento através de comunidades e trabalham juntas para resolver problemas que não poderiam confrontar individualmente. E a capacidade de se trabalhar em conjunto, mesmo a distância, está no coração dos debates sobre os fansubs e os scanlations. Nessas duas manifestações culturais que se desenvolveram paralelamente à internet – e ao seu potencial de produção colaborativa e distribuição de conteúdo sem fronteiras –, encontramos os conflitos e tentativas de conciliação entre produtores e produsers, uma vez que estes últimos, os fãs, tomaram o controle sobre a produção e distribuição dos animes e mangás através da Web.

Animes e mangás Tanto os mangás quanto os animes são fenômenos de comunicação de massa que já fazem parte do cotidiano de jovens e adultos de diversas faixas etárias também no Ocidente. Sua origem remonta à Idade Média japonesa. A partir do século 11 começou-se a produzir desenhos de origem sacra em rolos de papel. Com o país passando por guerras até o século 15, também eram produzidos cartuns de humor e outros temas, muito populares (LUYTEN, 2003, p 1). As gravuras em madeira do Período Edo representaram um grande salto para os quadrinhos japoneses, uma vez que estavam mais livres da arte tradicional, com as obras do artista Katsuchita Hokusai, que criou 15 volumes designados Hokusai Manga, entre 1814 e 1849. A temática era a vida urbana, com humanos desenhados de forma caricatural. Com a abertura dos portos do Japão, ocorrida na Era Meiji, em 1853, as influências estrangeiras começavam a entrar no país. Os quadrinhos começaram a mudar e a se configurar como os mangás que conhecemos hoje. Um dos fatores decisivos foi a chegada dos jornalistas europeus, que faziam charges políticas nos periódicos daquela época. Uma linguagem única começava a se configurar no Japão. O nome mangá foi adotado posteriormente e consagrado com o desenhista Rakuten Kitazawa. Em 1920 foi iniciada a produção de publicações para crianças, e em 1930 já havia uma segmentação nítida de públicos. No entanto, durante a Segunda Grande Guerra mundial a produção de mangás foi praticamente extinta. A liberdade de expressão só era possível através de pequenos livros de capa vermelha, muito baratos, chamados akai hon. Eles traziam histórias desenhadas por artistas mal-remunerados. Só não lhes era permitido atacar, no conteúdo dos desenhos, as forças norte-americanas de ocupação. Foi nesse período que apareceu ozamu Tezuka, que trabalhou com os akai hon e recriou a linguagem do mangá. Autor de obras como Astro Boy e A Princesa e o Cavaleiro, Ozamu Tezuka, junto com outros artistas importantes, deu início à era moderna do mangá, em 1960. Foi também após a Segunda Guerra mundial que a produção para adolescentes foi iniciada, assim como a segmentação por sexo. O papel jornal utilizado nas revistas foi a alternativa disponível devido à escassez de recursos, assim como a impressão monocromática, características que se mantiveram. Atualmente cada revista contém de 400 a 500 páginas, trazendo diferentes histórias, de diferentes autores, com diferentes durações. Essas publicações são geralmente semanais. os autores, chamados de mangakás, detêm os direitos de suas histórias e recebem participação pelas vendas de produtos e criação de animes, por exemplo. Cada história é reeditada separadamente em tanko hon, livros de bolso mais caros, geralmente publicados bimestralmente para coleção, com papel e impressão de melhor qualidade. As editoras japonesas atuam em segmentos de mercado com uma classificação detalhada que engloba temática, faixa etária e gênero. Essa classificação foi extremamente importante para a difusão dos mangás em outros países. As principais categorias hoje são: Shogaku (para crianças, normalmente didáticas, com a abordagem de uma grande variedade de temas), Shoujo (para adolescentes do sexo feminino, com enredos melodramáticos e romantismo), e Shonen (para adolescentes do sexo masculino, com a temática constante dos valores da rigidez moral e força de espírito, com a violência como principal característica). Há produção editorial para todos os públicos, como, por exemplo, para mulheres e homens que já saíram da adolescência, assim como para a terceira idade (LUYTEN, 2003). Alguns quadrinistas de destaque no ocidente, como Frank Miller, inspiraram-se fortemente na estética dos mangás, divulgando assim os quadrinhos japoneses. Entretanto,

[...] foram os desenhos animados, os animes, que deram grande difusão ao conhecimento dos mangás, cujas séries penetraram primeiramente pela TV e mais tarde pelo cinema. Foi também a época em que as editoras japonesas e os estúdios de cinema e animação começaram a fazer contratos em grande escala com vários países ocidentais (LUYTEN, 2003, p 7).

No Japão, o mais comum é que um mangá de sucesso dê origem a um animê e, a partir daí, diversos produtos sejam licenciados. Os animes começaram a entrar no mercado estrangeiro na década de 1960, diferenciando-se bastante das animações já existentes, tanto nas características visuais quanto na narrativa. Já na década de 1970 faziam sucesso desenhos como Speed Racer e Astro Boy. Apesar de bem-aceitos no ocidente, até a década de 1980 tanto o mangá quanto o não estavam consolidados o suficiente para uma exportação expressiva. Mas em 1994 a indústria japonesa receberia um expressivo investimento que possibilitaria o começo da era moderna da cultura pop japonesa e sua difusão. Foi o boom dos animes e mangás no ocidente. Graças à internet, a popularidade dos fansubs (tradução e inserção amadora de legendas em animes) e scanlations (escaneamento, tradução e editoração de mangás) cresceu de forma exponencial. A conexão banda larga mudou a forma de distribuição desse material, que passou a trafegar de qualquer lugar para qualquer lugar, de fãs para fãs em todas as partes do mundo.

Portas de entrada para o Ocidente Há pouco mais de uma década, o acesso a animes no ocidente era bastante restrito. Mesmo nos Estados Unidos, poucos títulos eram licenciados, geralmente por empresas de pequeno porte e de capacidade de distribuição limitada.

As a way to popularize anime programs and also to encourage certain titles to be distributed in the USA, and beyond, some anime fans decided to create their own fansubs in the early-90s. At the time, Internet had not as many users as it has nowadays, and these pioneers used to distribute fansubbed anime on videotapes rather than in digital format (CINTAS; SÁNCHEZ, 2006, p. 8)3.

Um scanlation é uma tradução do mangá para outra língua, feita por fãs utilizando uma versão escaneada das páginas da revista, na qual as falas em japonês são substituídas. A popularização dos equipamentos utilizados foi fundamental nesse caso, assim como o aparecimento dos editores de imagem. Um fansub é a produção de um programa japonês traduzido e legendado por fãs. Trata-se de uma tradição que tem suas raízes na criação dos primeiros clubes de anime nas universidades americanas. Ao fim da década de 1980, esses clubes de estudantes já possuíam um grande volume de material - legal e pirata. Já no começo da década de 1990, surgiram os fansubs como conhecemos hoje, que começavam a traduzir e legendar de forma amadora, sem fins lucrativos e para livre distribuição, os animes japoneses.

Time-synchronized VHS and S-VHS systems allowed fansubbers to dub tapes while retaining accurate alignment of text and image. The high costs of the earliest machines meant that fansubbing would remain a collective effort: Clubs pooled time and resources to ensure their favorite series reached a wider viewership. As costs fell, fansubbing spread outward. Soon clubs were using the Internet to coordinate their activities, divvying up series to subtitle and tapping a broader community for would-be translators (JENKINS, 2008)4.

Grandes eventos sobre animes começavam a ser realizados no mundo, principalmente nos Estados Unidos, trazendo artistas e empresas japonesas, estas últimas com uma primeira chance real de bons resultados no mercado americano, que seria a primeira grande porta de entrada para o conteúdo japonês no ocidente. A disponibilidade do computador pessoal e a internet foram os dois fatores que, já na década de 1990, revolucionaram as atividades dos fãs, potencializando o fenômeno por todo o mundo. Atribui-se à atividade dos fansubs e scanlators a popularização do conteúdo japonês.

The global sales of Japan’s animation industry reached an astonishing $80 billion in 2004, 10 times what they were a decade before. It has won this worldwide success in part because Japanese media companies paid little attention to the kinds of grassroots activities — call it piracy, unauthorized duplication and circulation, or simply file-sharing — that American media companies seem so determined to shut down. Much of the risk of entering Western markets and many of the costs of experimentation and promotion were borne by dedicated consumers (JENKINS, 2008)5. Os fansubs e os scanlations são exemplos de produsage. Ambas as manifestações surgiram para atender demandas pessoais e coletivas. Seu papel foi fundamental para a disseminação da cultura pop japonesa no Ocidente. Assim, as grandes companhias foram seguindo o rastro da popularidade dos animes e mangás distribuídos pelos fansubers e scanlators, demonstrando um grau de tolerância às atividades dos fãs. Uma regra informal imperava para equilibrar a relação entre estes e os detentores dos direitos autorais: assim que um determinado anime ou mangá fosse licenciado, a distribuição dos conteúdos dos fansubs era encerrada. Isso porque sua intenção não era lucrar com a distribuição de animes, ou atrapalhar sua vendagem, mas apenas expandir esse mercado e distribuir as produções em locais nos quais não haveria outra forma de acesso (JENKINS, 2008). Esse foi o início da relação entre os produtores e os produsers que já começa a sofrer desgaste.

De fãs para fãs Apesar da afirmação de alguns que versões comerciais de animes legendados sejam consideradas de melhor qualidade em relação aos fansubs, tanto tecnicamente quanto comercialmente (CINTAS; SÁNCHEZ, 2006, p. 8), há forte crítica ao resultado final das produções exibidas na TV, por exemplo no Brasil. A série , muito popular dentro e fora do Japão, foi exibida no Brasil pelo SBT em um programa infantil a partir de julho de 2007. As críticas dos fãs em relação à sua qualidade vão das dublagens aos cortes feitos para a adequação à faixa etária – reclamação comum sobre qualquer anime exibido na TV brasileira, aberta ou fechada. As questões culturais têm um impacto significativo nesse sentido. No Brasil, a versão classificada para a faixa etária de 10 anos possui muitos cortes. Na França, com a mesma classificação, Naruto pode ser exibido de forma integral. No caso da publicação do mangá Naruto no Brasil, pela editora Panini, os fãs também têm criticado algumas traduções, assim como censura (também resultado da adequação à classificação). Apesar de os fãs não desejarem um material incompleto em relação ao original japonês (que pode ser encontrado na íntegra em diversos sites de scanlations), a série alcançou bons resultados no Brasil. O sucesso do mangá de Naruto, publicado pela linha Planet mangá da editora Panini, rendeu ao título uma nova tiragem, já que a primeira leva encontrava-se em falta devido ao sucesso de vendas do mesmo. Tal fato foi informado pela editora Beth Kodama pela seção de cartas do nono volume, que acaba de chegar às bancas. Ainda segundo a editora, nessa 2ª edição foi feita uma “ampla revisão (corrigindo, inclusive aquelas censuras polêmicas) (ANIMEPRO, 2008)”6. Sobre o sucesso de vendas no Brasil, dois fatores devem ser analisados. Enquanto no Japão o anime e mangá Naruto são voltados para o público adolescente masculino, no ocidente as produções são voltadas para crianças, um mercado potencialmente mais lucrativo no que diz respeito ao licenciamento de produtos. Essa adaptação ao público desagrada aos fãs, que compram os produtos para coleções, mas continuam acompanhando o trabalho dos fansubers e scanlators, mais fiéis ao conteúdo original japonês e sem as restrições de censura encontradas pelas grandes distribuidoras. Situação parecida com a de Naruto pode ser observada em outro anime no Brasil. One Piece, mais um grande sucesso mundial, foi também exibido em um programa infantil no SBT. As cenas mais violetas foram cortadas. Um dos personagens, que é fumante compulsivo, aparece com um pirulito na mão no lugar do cigarro.

Distribuído pela 4Kids Entertainment, One Piece teve cortes de cenas com excesso de sangue ou violência, modificações de diálogos, além de censura nas cenas que tinham álcool ou cigarro. Todas as mudanças foram feitas pela própria Toei Animation. A edição de animes, infelizmente, não inclui somente One Piece, e outros títulos já vem sofrendo a chamada política da “americanização”7.

Considerando que ambas as séries, Naruto e One Piece, são do gênero Shonen, ou seja, para adolescentes do sexo masculino, a tendência é que esse público prefira o material distribuído pelos fansubs, sem cortes e legendados, para que também possam continuar a ouvir as vozes originais das personagens8. Essas limitações dos conteúdos licenciados figuram entre os fatores pelos quais os grupos de fansubs e scanlators continuarão ganhando terreno mesmo com o licenciamento dos produtos em diversos países. Já é do conhecimento, tanto dos fansubers, quanto dos detentores de copyright das referidas obras, que a livre distribuição dos fansubs pode ser extremamente positiva para a promoção das séries.

It would be no exaggeration to state that fansubs are nowadays the most important manifestation of fan translation, having turned into a mass social phenomenon on Internet, as proved by the vast virtual community surrounding then such websites, chat rooms, and forums (CINTAS; SÁNCHEZ, 2006, p.2)9.

Entretanto, há alguns anos, tem crescido a insatisfação das companhias em relação a essa atividade, agora vista como prejudicial ao mercado. Essa mudança de atitude deve-se ao aumento da popularidade dos animes em todo o mundo (o que significa que há um grande mercado pronto para receber os produtos licenciados, sem a necessidade de fansubs ou scanlators para sua promoção), e à venda ilegal do material dos fansubers em alguns lugares, em detrimento do produto licenciado. Além disso, a prática de fansub tem se estendido a filmes e crescido exponencialmente em diversos países e línguas. Esse desenvolvimento tem colocado os produtores em alerta para o que consideram uma nova instância da pirataria, de difícil controle. No Japão a cultura de fãs sempre foi valorizada. Por exemplo, o gigante mercado editorial de mangás desse país não só autoriza como incentiva (inclusive com patrocínio) a venda de mangás feitos por fãs (dojinshi) utilizando os personagens das revistas oficiais, dando liberdade para a criação de histórias sobre elas. O dojinshi é um fenômeno massivo no Japão, com feiras que atraem até 150 mil pessoas por dia. Trata-se de um caso de produsage incentivado pela própria indústria. No caso dos grupos que fazem scanlations e fansubs, as questões comerciais têm falado mais alto e a tolerância vem se reduzindo. Alguns fatores ganham destaque nesse contexto, dando ampla vantagem para os produsers, que se organizaram para a produção colaborativa de materiais de qualidade. A atividade dos scanlators possui uma cadeia de tarefas fixa, com arquivos finais distribuídos para os fãs inicialmente em IRC10 e posteriormente em sites. A qualidade dos scanlations11, como são chamados os mangás produzidos por estes fãs, varia de grupo para grupo, assim como a divisão de tarefas. As atividades são basicamente a de conseguir a revista original, desmontá-la e escanear página por página (ou conseguir esses arquivos prontos através de outros grupos); traduzir todos os textos; editar as imagens das páginas, removendo os caracteres japoneses e limpando as marcas de compressão deixadas pelo escaneamento, ou imperfeições do papel; inserir os textos; gerar as imagens finais em resolução adequada; e distribuir o resultado na internet – muitas vezes com o logotipo do grupo de scanlators que realizou o trabalho. Os fansubs também atuam em equipe, geralmente com a seguinte divisão de tarefas: raw-hunter, tradutor, timer, styler, typesetter, karaoke-maker, revisor, encoder, uploader e quality checker. O raw-hunter é uma pessoa que procura animes sem legenda para que todos os fansubs possam usar. Esse trabalho é comumente feito por uma pessoa que more no Japão e tenha acesso aos episódios originais e DVDs. O tradutor é responsável pela adaptação em outro idioma. Esta é considerada a função mais importante na equipe. O timer é quem sincroniza as falas com a legenda. O styler edita as cores usadas e o estilo de legenda. O typesetter faz um trabalho polêmico, que é a inserção de logotipos do fansubs e traduções na própria animação (por exemplo, em letreiros de estabelecimentos comerciais que apareçam no animê; o typesetter coloca a tradução abaixo dos caracteres japoneses). O karaoke-maker faz os karaokês de abertura, encerramento e algumas vezes dentro do próprio anime, em cenas que tenham música de fundo. o revisor lê todo o script e corrige erros. O encoder junta o anime sem legenda (o raw fornecido pelo raw- hunter) com os scripts, gerando o arquivo final. Dependendo da tecnologia utilizada, para que o trabalho do encoder fique satisfatório, cada episódio pode levar até 14 horas para ser finalizado. O quality-checker é responsável por assistir ao anime completo em busca de erros, ajudando a corrigi-los. O final da cadeia é o uploader, que divulga o resultado final na internet. Em síntese, podemos dizer que as atividades realizadas pelos grupos de scanlation e fansubs são trabalhosas. A maioria desses grupos se orgulha do resultado do trabalho desenvolvido, prezando pela qualidade final, assim como a agilidade na produção dos mangás e animes que são distribuídos pela internet. Alguns grupos crescem e se destacam tanto que ganham status de corporações, com sites que chegam a ter grande volume de acesso em todo o mundo. Um bom exemplo é o Dattebayo Fansub, que forneceu semanalmente, a partir de 2004, episódios legendados de Naruto com poucos dias de diferença da exibição na TV japonesa. O site teve milhares de acessos mensais, sendo por muito tempo o mais popular dentre os que fazem fansubs dessa série. No entanto, em 21 de dezembro de 2008, o Dattebayo anunciou que pararia, definitivamente, de produzir os fansubs de Naruto. A decisão deveu- se ao anúncio da TV japonesa sobre a disponibilização via internet de episódios de Naruto legendados em inglês uma hora após a exibição no Japão, como um serviço de assinatura mensal. Após uma semana, os episódios poderiam ser assistidos no site gratuitamente. O mesmo modelo de negócios seria colocado em prática pela Viz Media, empresa que detém os direitos sobre Naruto nos Estados Unidos. Em apoio à iniciativa inovadora dessas companhias, um primeiro passo para uma competição com os fansubs, o Dattebayo decidiu não mais distribuir fansubs de Naruto.

Why did Dattebayo start subbing Naruto? Because we loved it, and because we felt the fans deserved to see a good-quality subtitled version promptly after the Japanese release. And come January, you can do that legally for a small fee, or for free after a week. Viz’s subtitling work on the show is respectable, though a little stiff. And sure, it’s not the same having a nice AVI that you can watch on your TV or whatnot, but its going to have to do. If we continued to sub Naruto, it would be a direct affront to Viz, a company that, for the most part, has been pretty amazing to us as fans. Sure, you can say that their dub sucks, or whatever other axe you have to grind, but never once did they ask us to stop subbing Naruto or , something that is well within their rights and power to do. We have episodes that have gotten almost a million downloads. We’ve had episodes that have gotten more downloads in their first 24 hours than they had viewers when they showed on Cartoon Network. I’ve often asked people I know in the anime industry why they think Viz never asked us to stop, and they say, “Well, Viz isn’t really into the whole C&D thing, they just don’t do that.” That may be true to some extent, but I’ve always liked to think it was because we had a silent symbiotic relationship. We only did things that helped the popularity of their shows, and they turned a blind eye to us. But like any symbiosis, you have to know when its time to move on. That time has come. Viz and Crunchyroll have gotten their acts together and are trying something new, with one of the most popular shows in anime today. I, and the rest of the staff, know that if we continue to subtitle it, they will have to ask us to stop. […] So with that being said, Dattebayo will be dropping Naruto Shippuuden permanently on 1/15/2009, which, interestingly enough, will probably be around episode 91. This is not a joke or a troll. The staff voted in favor of it, and I’ve notified the international groups (DATTEBAYO, 2009)12.

Questões éticas como essa sobre o trabalho dos fansubs e scanlators, bem como sua relação com os produtores e distribuidores dos mangás e animes, têm sido levantadas dentro da própria comunidade de fãs.

I guess the ultimate message I’m trying to convey is that no one is entitled to free entertainment, I do see a lot of fans who keep on taking and taking and never give back to the system. Then these fans have the nerve to complain when somebody takes away that free download. So what I’m preaching is that we all need to be a little more humble when it comes to anime, and we should make any effort we can to respect the people trying to make a living doing it. I went to a rather radical extreme of showing my respects when I stopped downloading fansubs. […] The only “moral” advice I can give to anyone is that if the show is available in a legal and legit way, then please don’t go for the pirated version. Piracy and illegal downloads should only be used as a last resort for anything, and should never be considered as your preferred option (ANIME ALMANAC, 2009)13.

O crescimento exponencial de grupos de fansubs e scanlations está se refletindo nas vendas, ocasionando crise no setor de produção de animes e mangás. Uma vez que a mídia tradicional não consegue atender aos fãs de todas as partes do mundo, o material licenciado tem qualidade fortemente questionada por eles, o controle da distribuição do material dos produsers é extremamente complexo em escala global e diversos grupos de fãs continuam dispostos a dedicar tempo à essa atividade. É possível que caiba à comunidade de fãs a reflexão sobre o assunto, como já vem acontecendo. Ao mesmo tempo, a indústria parece dar os primeiros passos no sentido de criar soluções para atender satisfatoriamente à demanda dos fãs. Além disso, os detentores de direitos autorais começam a agir contra alguns sites agregadores de mangás e animes. O site one mangá, outrora mais popular do mundo entre os fãs (chegou a fazer parte da lista dos mil sites mais visitados do mundo14), encerrou suas atividades em 2010 após notificações das autoridades a seus detentores.

Efeitos da consolidação do mercado A mudança na forma de se enxergar os fãs – aqui especificamente os da cultura pop japonesa espalhados pelo mundo – é um reflexo da cultura de participação, em que os fãs se transformam em produsers. Vivemos um momento em que a lógica comunitária de reutilização e permissão impera, principalmente na internet, sobre a lógica comercial de propriedade e restrição. Com tamanho e diversidade suficientes, a comunidade de fãs atua como um time de profissionais que conhece o público para o qual produz. Essa comunidade é organizada de forma flexível e permite a fluidez de participação. Não apenas os usuários passam de produtores a consumidores o tempo todo como também participam o quanto estiverem aptos, dependendo de habilidades, tempo, desejo, interesse e conhecimento. No caso de animes e mangás, os consumidores efetivamente tomaram a mídia em suas mãos e retrabalharam seu conteúdo em favor de interesses pessoais e coletivos. mas as empresas detentoras dos direitos autorais das obras começam a dificultar a distribuição desse conteúdo e a acionar legalmente os proprietários dos sites de compartilhamento e os próprios integrantes dos maiores grupos de fansubs e scanlations, na medida em que conseguem localizá-los. Foi a partir de 2007 que a pirataria se tornou uma ameaça para as editoras de mangás (PUBLISHINGTRENDS.COM, 2012). Com o aumento dos esforços de retirar da internet os sites de compartilhamento utilizados pelos fansubs e scanlators, além dos sites de torrentes, pode-se perceber que foi ultrapassada a fase em que se pensava que os detentores de copyright dos animes e mangás viam a livre distribuição destes produtos como extremamente positiva para a promoção das séries e títulos.

Taking a more organized stance than they had preiously, 38 Japanese manga publishers and a hadful of US publishers, including VIZ media, Vertical Inc, and Yen Press, formed The Manga Multi-National Anti- Piracy Coalition in 2010, but the didn’t issue their first official cease-and- desist orders to the 10 largest piracy websites until a couple of weeks ago (PUBLISHINGTRENDS.Com, 2012).15

A partir do momento em que ocorre a consolidação do mercado de animes e mangás no ocidente, essa promoção alternativa não é mais necessária, e a atividade dos fansubers e scanlators vai, na visão dos grandes produtores e distribuidores, tornando-se tão prejudicial quanto a pirataria convencional. Além de um maior controle, pode-se perceber um esforço em adentrar a nova era de distribuição de conteúdo na internet, fornecendo qualidade e imediatismo aos leitores de mangás. A Viz media, por exemplo, cria, em agosto de 2012, uma inovadora plataforma digital de distribuição de mangás que permite acesso universal para que os fãs leiam seus mangás em iPads, iPhones e smartphones com Android, ou em computadores pessoais – após, naturalmente, a compra do conteúdo desejado (VIZ.COM, 2012). Com a adaptação das produtoras oficiais de conteúdo às novas potencialidades das plataformas digitais, os próximos meses dirão se movimentos de fãs, com os fansubs e scanlations, tendem a persistir como resistência, ou se realmente perderão o destaque que tiveram na metade da década de 2010.

Referências

ANIMEPRO

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DATTEBAYO FANSUBS

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Renata Prado Atua há 10 anos como jornalista e designer na iniciativa privada. É bacharel em Jornalismo, especialista em marketing e mestre em Tecnologias da Comunicação. Reside em Juiz de Fora/MG, onde coordena cursos de graduação em Jornalismo e Publicidade e Propaganda. Trabalha com pesquisas na área de Mídias Digitais, em especial design editorial em plataformas interativas e jogos eletrônicos. 1 Tradução do autor: “... as companhias midiáticas estão sendo forçadas a reavaliar a natureza do envolvimento do consumidor e o valor da participação da audiência em resposta a um deslocamento dos ambientes midiáticos caracterizado pela digitalização e pelo fluxo dos meios através das múltiplas plataformas, além da fragmentação e da diversificação do mercado e do aumento do poder e da capacidade dos consumidores em dar forma ao fluxo e à recepção do conteúdo midiático”. 2 Tradução do autor: “Para superar o dilema terminológico com o qual nos deparamos ao tentar examinar os processos de criação de conteúdo conduzidos pelo usuário, devemos introduzir novos termos ao debate. O conceito de produsage é o termo que destaca aquele que, dentro das comunidades, se engaja na criação e distribuição colaborativa da informação e do conhecimento […] O papel do ‘consumer’ e mesmo do usuário final desapareceu e as distinções entre produtores e usuários do conteúdo desvaneceram-se na insignificância comparativa”. 3 Tradução do autor: “como forma de popularizar os animes e também incentivar a distribuição de determinados títulos nos EUA e outros países, alguns fãs de animes decidiram criar seus próprios fansubs no começo da década de 90. até então, a internet não tinha tantos usuários como hoje, e estes pioneiros usavam fitas de vídeo para distribuir os animes legendados pelos fansubs em detrimento do formato digital”. 4 Tradução do autor: “Os sistemas de sincronização de tempo para VHS e S-VHS permitiram que os fansubbers dublassem as fitas ao reter o alinhamento exato do texto e da imagem. Os custos elevados dos equipamentos mais avançados significaram que o fansubbing permaneceria um esforço coletivo: os clubes aliavam o tempo e os recursos para assegurar que sua série favorita alcançasse um público amplo. como os custos caíram, a atividade de fansubbing se espalhou. rapidamente os clubes passaram a usar a internet para coordenar suas atividades, copiar série em DVD, e assim alcançar uma comunidade mais ampla para tradutores em potencial”. 5 Tradução do autor: “as vendas globais da indústria da animação japonesa alcançaram surpreendentes $80 bilhões em 2004, dez vezes o valor alcançado uma década antes. Esse sucesso mundial em parte foi alcançado porque as companhias japonesas prestaram pouca atenção aos tipos de atividades de base – chamada de pirataria, duplicação e circulação desautorizada, ou simplesmente a compartilhamento de arquivos – que as companhias midiáticas americanas parecem tão determinadas a interromper. Muitos dos riscos relacionados à entrada nos mercados ocidentais e muitos dos custos de experimentação e promoção foram assumidos por consumidores dedicados”. 6 Notícia publicada pelo site anime Pró: http://ww.animepro.com.br/noticias.php? idnoticia=5&data=022008#, acesso em: 20 dez. 2008. 7 Fonte: http://madeinjapan.uol.com.br/2006/05/03/desenho-animado-one-piece-estreia-em- versaoeditada-no-brasil/, acesso em: 20 de dez. 2008. 8 Os dubladores no Japão têm status de ídolos pop, uma vez que a bons dubladores são motivo para que uma série seja acompanhada ou não pelos fãs. 9 Tradução do autor: “não seria exagero afirmar que os fansubs são, atualmente, a manifestação mais importante de tradução feita por fãs, tendo se transformado em um fenômeno social massivo na internet, como atestado pela vasta comunidade virtual que os cerca em websites, salas de chat e fóruns”. 10 Internet relay chat (IRC) é um protocolo de comunicação bastante utilizado na internet. Ele é utilizado basicamente como bate-papo (chat) e troca de arquivos, permitindo a conversa em grupo ou privada. Fonte: Wikipedia. 11 O termo Scanlation é originado da junção da palavra scan com translation. 12 Comunicado oficial do Dattebayo Fansubs. Fonte: Dattebayo to Drop Naruto Effective 1/15/2009 , acesso em 15 de dezembro de 2008. Tradução do autor: “Por que Dattebayo começou a legendar Naruto? Porque nós o amamos, e porque nós sentimos que os fãs mereciam uma versão com legendas de boa qualidade disponível rapidamente após a exibição japonesa. E a partir de janeiro, você pode ter isso legalmente por uma taxa pequena, ou de graça após uma semana. O trabalho da Viz é respeitável, embora um pouco inflexível. E, certo, não é o mesmo que ter um (arquivo em formato) AVI que você possa assistir na sua TV ou onde quiser, mas é assim que vai ser. se nós continuarmos a legendar Naruto, será uma afronta direta a uma companhia que, geralmente, é ótima para com os fãs. claro, você pode dizer que a dublagem deles é ruim, mas em momento algum a empresa pediu para que parássemos de legendar Naruto, algo que estaria em seu direito e poder. nós temos episódios que tiveram quase um milhão downloads. tivemos episódios que tiveram mais downloads em suas primeiras 24 horas do que tiveram expectadores em sua exibição na cartoon network. tenho perguntado frequentemente a pessoas da indústria de anime que conheço por que a Viz nunca nos pediu para parar, e eles dizem: “Bem, ela não quer dominar o C&D inteiro”. Mas sempre gostei de pensar que era porque nós tínhamos um relacionamento simbiótico silencioso. nós fizemos somente coisas que ajudaram a popularização de seus shows e eles fingiram não nos enxergar. Mas como toda o simbiose, é preciso saber a hora de ir adiante. E a hora chegou. a Viz e a Crunchyroll estão tentando algo novo com um dos animes mais populares da atualidade. Eu e resto da equipe sabemos que, se nós continuamos a legendar Naruto, eles terão que pedir para que nós paremos. […] desta forma, Dattebayo interrompe a produção de Naruto Shippuuden permanentemente em 1/15/2009, por volta do episódio 91. Este não é um comunicado falso. a equipe do fansub votou em favor desta decisão e eu notifiquei os grupos internacionais”. 13 Fonte: http://animealmanac.com/2009/01/07/an-email-about-fansubs-and-morality/, acesso em: 10 de jan. 2009. Tradução do autor: “creio que a mensagem final que eu estou tentando entregar é que ninguém tem direito a entretenimento livre, e vejo muitos fãs que tiram do sistema e nunca devolvem nada a ele. Então estes fãs têm a coragem para reclamar quando alguém retira um download gratuito. Todos precisamos ser um pouco mais humildes no que diz respeito a animes. devemos fazer todo o esforço que nós pudermos para respeitar aqueles que ganham a vida na produção deles. Eu fui ao extremo radical ao mostrar meu respeito quando parei de baixar fansubs. […] O único conselho “moral” que posso dar a qualquer um é que, se o show está disponível de forma legal e legítima, então não procure a versão pirateada. a pirataria e os downloads ilegais devem somente ser usados como último recurso para qualquer coisa, e nunca ser considerados como primeira opção”. 14 http://www.google.com/adplanner/static/top1000/# 15 Tradução do autor: “assumindo uma maior organização do que tinha antes, 38 empresas japonesas produtoras de mangás e algumas norte-americanas, incluindo a Viz Media, Vertical Inc e Yen Press, formaram a liga Multinacional anti-pirataria de Mangás, em 2010. Mas apenas há algumas semanas inciaram ações contra os dez maiores sites de pirataria”. Título da Obra OS QUADRINHOS NA ERA DIGITAL HQtrônicas, webcomics e cultura participativa

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Os Quadrinhos na era digital : Hqtrônicas,webcomics e cultura participativa / Lucio Luiz, (organizador). -- Nova Iguaçu, RJ : MarsupialEditora, 2013.

Vários autores.

Bibliografia.

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1. Cibercultura 2. Hipermídia 3. Histórias em quadrinhos - História e crítica 4. Histórias em quadrinhos - Inovações tecnológicas 5. Internet

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