Mortu Nega (1988): Cinema E História Na Luta De Independência E O Pós-Colonial “Daqueles a Quem a Morte Foi Negada” Significação – Revista De Cultura Audiovisual, Vol

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Mortu Nega (1988): Cinema E História Na Luta De Independência E O Pós-Colonial “Daqueles a Quem a Morte Foi Negada” Significação – Revista De Cultura Audiovisual, Vol Significação – Revista de Cultura Audiovisual ISSN: 2316-7114 Escola de Comunicações e Artes-ECA - Universidade de São Paulo-USP Oliveira, Jusciele Conceição Almeida de Mortu nega (1988): cinema e história na luta de independência e o pós-colonial “daqueles a quem a morte foi negada” Significação – Revista de Cultura Audiovisual, vol. 44, núm. 47, 2017, Janeiro-Junho, pp. 71-89 Escola de Comunicações e Artes-ECA - Universidade de São Paulo-USP DOI: 10.11606/issn.2316-7114.sig.2017.125903 Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=609765224004 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Redalyc Mais informações do artigo Rede de Revistas Científicas da América Latina e do Caribe, Espanha e Portugal Site da revista em redalyc.org Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto DOI: 10.11606/issn.2316-7114.sig.2017.125903 Mortu nega (1988): cinema e história na luta de independência e o pós-colonial “daqueles a quem a morte foi // negada” Mortu nega (1988): cinema and history in the struggle for independence and the postcolonial “of those to whom death was denied” /////////////////// Jusciele Conceição Almeida de Oliveira1 1Doutoranda pelo Centro de Investigação em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve (CIAC-Ualg). Bolsista do Programa Doutorado Pleno no Exterior da Capes, proc. nº 0654/14-0. E-mail: [email protected] Significação, São Paulo, v. 44, n. 47, p. 71-89, jan-jun. 2017 | 71 /////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Mortu nega (1988): cinema e história na luta de independência e o pós-colonial “daqueles a quem a morte foi negada” | Jusciele Conceição Almeida de Oliveira Resumo: as relações entre Portugal e o território que corresponde à atual Guiné-Bissau datam do século XV. Com a chegada de Diogo Gomes na costa africana, as relações territoriais, políticas e culturais se intensificaram. Entre 1884 e 1885, após a Conferência de Berlim, foram delimitadas as fronteiras físicas do continente africano. Em janeiro de 1963, deflagrou-se a luta da Guiné pela independência contra o colonialismo português, que só será reconhecida oficialmente por Portugal depois do 25 de abril de 1974. Nesse sentido, a história de Portugal e da Guiné-Bissau se cruza, razão pela qual é feito neste texto um levantamento sobre as relações entre cinema e história, por meio das questões presentes no filme Mortu nega (1988), do cineasta bissau-guineense Flora Gomes. Salienta-se que este texto faz parte do primeiro capítulo da tese de doutorado, que está na fase de escrita, sobre a autoria na obra do cineasta. Palavras-chave: Cinema e história; Guiné-Bissau e Portugal; Cineasta Flora Gomes; Mortu nega. Abstract: relations between Portugal and the territory that currently corresponds to Guinea-Bissau date back to the 15th century. With the arrival of Diogo Gomes on the African coast, territorial, political, and cultural relations strengthened. Between 1884 and 1885, after the Berlin Conference, the physical borders of the African continent were delimited. In January of 1963, the Guinea’s struggle for independence against Portuguese colonialism began, which will only be officially recognized by Portugal after 25 April 1974. In this sense, the history of Portugal and Guinea-Bissau intersect, which is why, in this text, a survey on cinema and history is made, through issues portrayed in the filmMortu nega (1988), by Bissau-Guinean filmmaker Flora Gomes. It should also be noted that this article is part of the first chapter of the doctoral dissertation, which is in writing phase, on authorship in the work of filmmaker Flora Gomes. Keywords: Cinema and history; Guinea Bissau and Portugal; filmmaker Flora Gomes; Mortu nega. Significação, São Paulo, v. 44, n. 47, p. 79-81, jan-jun. 2017 | 72 /////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Mortu nega (1988): cinema e história na luta de independência e o pós-colonial “daqueles a quem a morte foi negada” | Jusciele Conceição Almeida de Oliveira A Guiné e Cabo Verde estão entre as primeiras colónias estabelecidas em África pelos Europeus. Pode dizer-se que a Guiné é a primeira de todas. Após a Conferência de Berlim, onde se fez a partilha da África entre as potências de então, passou-se o que se chamava a ocupação efectiva dos territórios africanos. Portugal estava já presente nos nossos países, tanto em Cabo Verde como na Guiné. Em Cabo Verde, a sua presença manifestava-se através dos chamados “donatários”, que tinham ocupado as ilhas e que tentaram explorá- las utilizando sobretudo pessoas vindas de Portugal ou da Guiné; e nesta última, através dos entrepostos comerciais da costa e das tentativas de penetração para o interior2. (CABRAL, 1974, p. 81) Eu sou Diminga da geração do sofrimento, mãe e irmã de combatentes. Sou eu a companheira de todas as horas que amamentou as pedras sagradas de Boé. Com as minhas lágrimas, com o calor do meu sofrimento, reguei palmeiras, poilões, bissilons e pau-sangui que dão sombras às almas dos que partiram. Não se zanguem por só agora recorrer a vós. Não reparem na minha cara enrugada pelo vento que sopra contra mim3. A partir das palavras de Amílcar Cabral, líder da revolução contra o colonialismo português e da luta pela independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, e do cineasta bissau-guineense Florentino (Flora) Gomes, através da personagem Diminga em uma das cenas finais deMortu nega (1988), quando clama por chuva a seus ancestrais, estabelecem-se os marcos históricos nos quais cruzam- se a história, a política e o cinema da Guiné-Bissau e de Portugal. Por essa razão, este artigo tratará de algumas questões de cinema, história, cultura e memória da Guiné-Bissau, presentes no filme Mortu nega, com destaque para temas como o início da luta de libertação e seu último ano, Amílcar Cabral, 25 de abril de 1974, descolonização e a situação pós-colonial. Os encontros entre o território da Guiné4 e Portugal datam de mais de quinhentos anos – segundo Monteiro e Rocha (2004, p. 65), “em meados do século XV os navegadores portugueses atingiram a Costa da Guiné, sendo a terra, propriamente dita, descoberta em 1446”. A dita colônia mais antiga de Portugal será 2Trecho originalmente publicado como parte do texto “Guiné: o poder das armas”, na revista Triconti- nental (n. 3, 1969). 3Interlocução da personagem Diminga, interpretada por Bia Gomes. 4O termo “Guiné” provém do português, sendo provavelmente derivado de Akal n’Iguinawen, palavra berbere que significa “país dos negros” (SILVA, 2010, p. 19). Significação, São Paulo, v. 44, n. 47, p. 71-89, jan-jun. 2017 | 73 /////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Mortu nega (1988): cinema e história na luta de independência e o pós-colonial “daqueles a quem a morte foi negada” | Jusciele Conceição Almeida de Oliveira o palco da primeira independência dos territórios ultramarinos da África portuguesa. Em 24 de setembro de 1973, a Guiné portuguesa declara-se Guiné-Bissau, nas Colinas de Boé, “território livre e sagrado”, de acordo com as palavras da personagem Diminga (Bia Gomes), proclamando unilateralmente sua independência, a qual só será reconhecida por Portugal depois do 25 de abril de 1974, com o fim da ditadura salazarista que perdurou por mais de 40 anos (1933-1974). É a partir dessa perspectiva que o drama de Diminga encena-se, no território da chamada “Guiné Portuguesa”, que passou a ser conhecida como tal “na sequência da Conferência de Berlim, quando foram delimitadas as fronteiras e abandonadas as reivindicações territoriais sobre a Gâmbia e a Zona de Casamansa” (SILVA, 1997, p. 21), assim como também para diferenciar da Guiné-Conacri de colonização francesa e da Guiné Equatorial de colonização espanhola, já que para os europeus o território não possuía nem nome próprio, o qual era denominado como: Costa da Guiné, Rios da Guiné do Cabo Verde, Senegâmbia. E ainda no começo do século XIX, a presença de Portugal na Guiné era limitada, visto que se restringia a “uma Praça (Bissau), quatro Presídios (Cacheu, Geba, Farim e Ziguinchor), um Posto (Bolor) e a Ilha de Bolama” (SILVA, 2010, p. 21). Mortu nega: a história daqueles que a quem a morte foi negada O cineasta Flora Gomes nasceu em 31 de dezembro de 1949, em Cadique, na antiga Guiné Portuguesa, sob o jugo colonial português, e estudou cinema em Cuba, no Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica (1967-1972), e no Senegal (1972-1974), sob orientação de um dos mestres dos cinemas africanos, Paulin Soumanou-Vieyra. Trabalhou como repórter para o Ministério da Informação por três anos (1975-1977), o que deve tê-lo influenciado em sua produção cinematográfica, principalmente a relacionada com o fator histórico e a luta pela independência da Guiné-Bissau, presentes no filme Mortu nega e no documentário As duas faces da guerra (2007), que assina em coautoria com a diretora portuguesa Diana Andringa, no qual narram-se as histórias da guerra de independência da Guiné contra o colonialismo português (1963-1974) e a luta dos portugueses contra o regime ditatorial Salazarista (1933-1974) vivido em Portugal. É diretor dos filmes de ficçãoMortu nega (Morte negada, 1988), Odju azul di Yonta (Olhos azuis de Yonta, 1992), Po di sangui (Pau de sangue, 1996), Nha fala (Minha fala, 2002) e Republica di mininus (República de meninos, 2012). Significação, São Paulo, v. 44, n. 47, p. 71-89, jan-jun. 2017 | 74 /////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Mortu nega (1988): cinema e história na luta de independência e o pós-colonial “daqueles a quem a morte foi negada” | Jusciele Conceição Almeida de Oliveira Lançado em 1988, o filme Mortu nega, que na tradução para o português pode ser entendido “Morte negada” ou “E a morte o negou”, é o primeiro longa-metragem de ficção de Flora Gomes e o primeiro da Guiné-Bissau. Esse longa narra a trajetória de luta e de vida de Diminga (Bia Gomes), que perderá seus filhos na guerra.
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