Brasília - DF 2015 Pró-ReitoriaBrasília Acadêmica - DF Escola de2015 Saúde ProgramaBrasília de - DF Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física 2015

Brasília - DF

2015

bbbPró-Reitoria Acadêmica Escola de Saúde Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física ESTÁDIO OLÍMPICO MONUMENTAL: O TEMPLOPró-Reitoria DA IMORTALIDADE Acadêmica Escola de Saúde Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física

Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Saúde Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física

Autor: João Batista Lopes da Silva Orientador: Luís Otávio Teles Assumpção JOÃO BATISTA LOPES DA SILVA

BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL 2018

JOÃO BATISTA LOPES DA SILVA

ESTÁDIO OLÍMPICO MONUMENTAL: O TEMPLO DA IMORTALIDADE

Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação Física, Área de Concentração Atividade Física, Saúde e Desempenho Humano, Linha de Pesquisa Aspectos Socioculturais e Pedagógicos Relacionados à Atividade Física e Saúde, junto ao Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Educação Física da Escola de Saúde da Universidade Católica de Brasília.

Orientador: Prof. Dr. Luís Otávio Teles Assumpção

Brasília 2018

S586e Silva, João Batista Lopes da. Estádio Olímpico Monumental: o templo da imortalidade / João Batista Lopes da Silva – 2018. 229 f. : il.; 30 cm

Tese (Doutorado) – Universidade Católica de Brasília, 2018. Orientação: Prof. Dr. Luís Otávio Teles Assumpção

1. Futebol . 2. Memória. 3. Memória c oletiva . 4. Identidade. 5. Grêmio FBPA. 6. Estádio Olímpico Monumental. I. Assumpção, Luís Otávio Teles, orient. II. Título.

CDU 796

Ficha elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da Universidade Católica de Brasília (SIBI/UCB)

Aos meus pais, Toríbio e Amélia (in memorian) pelo cuidado, educação e amor. O convívio com vocês me valeu o ingresso à esse mundo.

Aos meus filhos João Lucas, Giovana e Danilo André pelo imenso amor de todos os dias.

À Landa, companheira de vida, pela completude, cumplicidade e amor.

Aos meus irmãos, Jorge Luís, Paulo Roberto , José Tadeu (in memorian), Avani Terezinha, Maria Isabel e Carmem Luiza; e aos seus descendentes pela amizade e amor de uma vida inteira.

A meus sobrinhos e sobrinhas, em nome da Isabele, sobrinha e filha de coração, por significar o elo de afeto que dá sentido as com-vivências de nossa grande família.

A todos de minha grande família pelo afeto imensurável.

À Helio Volkmer Dourado (in memorian), o “Pai do Olímpico”, que, durante a construção deste trabalho, partiu para “Imortalidade”.

AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente à Mãe Celestial pelas bênçãos e amparo em todos os momentos.

Meus agradecimentos a todos que participaram, de forma direta ou indireta, ao longo de minha vida, de cada passo dado para chegar ao doutorado e concluir essa etapa acadêmica. Aos professores que participaram da construção da minha identidade enquanto professor e pesquisador, desde o percurso da educação formal; meu reconhecimento e carinho.

À Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, pelo apoio no estudo e possibilidade de desenvolvimento da pesquisa.

À Universidade Católica de Brasília - UCB, seus professores, funcionários e gestores que fizeram parte deste percurso, pelo apoio e dedicação no intuito de bem conduzir o programa.

Aos queridos atores sociais desta experiência gratificante para mim, na condição de pesquisador. Agradeço por compartilharem angústias, sorrisos, conquistas, alegrias, expressas em suas lembranças que envolvem o Estádio Olímpico Monumental. Obrigado também por cederem seu tempo e valiosas narrativas para que eu pudesse desenvolver a pesquisa.

Ao Prof. Dr. Luís Otávio Teles Assumpção pela orientação e relevantes contribuições na tessitura da tese.

Ao Prof. Dr. José Tarciso Grunennvaldt e Prof. Dr. Lino Castellani Filho – membros externos – pela amizade e por gentilmente dedicarem seu tempo para a leitura e aceitarem participar da banca de defesa com o propósito de colaborar com a pesquisa e o seu aprimoramento.

À Profa. Dra. Gislaine Ferreira de Melo, Prof. Dr. Élvio Marcos Boato e Profa. Dra. Elisa Pinheiro Ferrari por aceitarem participar da Banca de Defesa como membros internos e por dedicarem seu tempo à leitura e apontamentos para contribuição nesta pesquisa.

À Profa. Dra. Tânia Mara Vieira Sampaio e Profa. Dra Nanci Maria de França pela amizade e importantes questionamentos e apontamentos no debate de qualificação da tese.

À Profa. Ms. Cristine Savi Fontanivi, diretora da Escola de Saúde e Medicina pela atenção, disponibilidade e tratamento ético e pró-ativo dispensado no atendimento de trâmites burocráticos que foram necessários no período de finalização deste estudo.

Aos meus colegas do PPGEF pelos diálogos amistosos, em especial ao André, Leninha, Cláudia, Janaína, Caio, Rafael, Ivanete, Roberval, Edvaldo, Luís Carlos, Leyla, Irineu, Glauber, Demerson, Edilson, Eric, Suliane, Márcia, Marilda, Paula, Arilson, Iohane, Andréa, Higor, Brande, Thiago Belarmino, Marcelo, Geysiane e Joice, pela amizade, atenção, incentivo e companheirismo nas idas e vindas durante o curso.

Aos amigos que conquistei em Brasília ao longo desses quatro anos de estudos, especialmente, aqueles do núcleo da UCB, Espaço Com-Vivências: Soraya, Márcia, Augusto; e os “Gremistas do DF” e Consulado do Grêmio FBPA em Brasília: Cortês, Fogaça, Dionatan, Paíca, Dora e Giscard pelos convívios alegres e estusiasmados ao acompanharmos os jogos do Imortal.

Aos amigos Denizalde Pereira e Edgar Della Giustina, pelo apoio logístico e passeios culturais nas pesquisas que desenvolvi em e Curitiba, respectivamente.

Aos meus filhos Danilo André, Giovana e João Lucas, e à minha esposa Landa, por compreenderem minhas ausências e todo o apoio e incentivo dados para que eu pudesse concluir o estudo. Vocês dão luz à minha vida!

A memória é o perfume da alma.

[George Sand]

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Quadro Descritivo dos Sujeitos da Pesquisa ...... 49

LISTA DE SIGLAS

CEUB = Centro Universitário de Brasília

COB = Comitê Olímpico Brasileiro

DF = Distrito Federal

EOM = Estádio Olímpico Monumental

FBPA = Futebol Porto Alegrense

LEER = Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racionalismo de Discriminação

UCB = Universidade Católica de Brasília

EUA = Estados Unidos da América

RBS = Rede Brasil Sul

UNEMAT = Universidade do Estado de Mato Grosso

IPHAN = Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPHAE = Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (RS)

UFRGS = Universidade Federal do

URSS = União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

DF = Distrito Federal

FIFA = Fédération Internationale de Football Association (Federação Internacional de Futebol

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Drone captura imagens aéreas do Estádio Olímpico ...... 26

Figura 2 – Foto com alguns integrantes do grupo de torcedores “Gremistas do DF” juntamente com torcedores do Atlético Mineiro, acompanhando pela TV as semi-finais da 2016, em Brasília...... 52

Figura 03 - O torcedor Rafael mostra um pequeno acervo de lembranças do Grêmio que guarda com carinho, em especial, o autógrafo de Baidek ...... 98 Figura 04 – Autógrafo de Baidek ao então pequeno torcedor Rafael ...... 98

Figura 05: Manchete de uma matéria na Revista Placar sobre Iura...... 102 Figura 06 - Ilustração do primeiro gol marcado no Estádio Olímpico ...... 116 Fig. 07 – Hélio Devinar, um dos pioneiros em ilustrações e charges esportivas nos jornais brasileiros, mostrando à réplica do Estádio Olímpico de grandes recordações...... 116 Figura 08 – Fotografia do álbum de ilustrações de Hélio Devinar. Em destaque o craque Gessy...... 118 Figura 09 – Jornalista Laert Lopes no escritório de sua residência em Porto Alegre mostra a caricatura com o perfil do jogador Gessy...... 119

Figura 10 – Foto do pôster do time campeão da América de 1983...... 121 Fig 11 – Foto da Capa da Revista Placar do Hugo de León levantando a Taça de Campeão da América ...... 122 Figura 12 – André Catimba na tentativa frustrada de comemorar o gol do título com um salto mortal...... 129 Figura 13 - Werley, autor do último gol oficial no Estádio Olímpico ...... 131 Figura 14 - Coligay: apoio incondicional ao Grêmio...... 145

Figura 15 - Bandeira oficial do Grêmio FBPA ...... 150 Figura 16 – Hélio Devinar mostra com orgulho a ilustração do 2º gol do Grêmio na vitória contra o Nacional. Em destaque, uma caricatura de Vitor...... 160 Figura 17 – Gilberto Gil em um pôster com campanha contra o racismo promovido pelo Grêmio FBPA ...... 161 Figura 18 - Hélio Dourado contemplando a maquete do Estádio Olímpico Monumental ...... 171 Figura 19 - Hélio Dourado e o pesquisador fotografados pela Sra. Nina Rosa Lima Dourado, esposa do ex-presidente tricolor – Acervo particular do pesquisador .... 173

Figura 20 - Ema Coelho de Souza contempla a maquete do EOM ...... 171

Figura 21 - Danrlei no infantil, onde tudo começou...... 180

Figura 22 – Danrlei em foto de despedida do Olímpico ...... 180

Figura 23 – Helio Devinar mostra retrato de Danrlei ...... 181

Figura 24 - Gol do Grêmio retratado por Hélio Devinar – publicado em 10/04/1951 no Jornal Folha da Tarde ...... 200

Figura 25 – Gislaine Cardoso tendo à sua frente o túmulo de seu avô e ao fundo o Estádio Olímpico. Figura XX ...... 203

Figura 26 – Gislaine Cardoso ao lado do túmulo do avô Alfredo no Cemitério João XXIII ...... 203 Figura 27 – Estádio Olímpico visto do Cemitério João XXIII ...... 203 Figura 28 - Panorâmica do EOM vazio ...... 206 Figura 29 – Hélio Dourado em frente ao “Pórtico dos Campeões” no Estádio Olímpico Monumental...... 207

MARCADORES PARA TRANSCRIÇÃO DOS TEXTOS ORAIS

, = pausa breve

. = pausa mais longa, finalizadora

... = alongamento da sonoridade para prosseguir o turno, dúvida

MAIÚSCULAS = Ênfase na entonação

[risos] = Risos, risadas

[ ] = Comentário do pesquisador

(...) = Indicação de foi suprimida parte do turno

? = Entonação típica de pergunta

! = Entonação típica de posicionamento exclamativo

“ ” = inserção de discurso direto

.

RESUMO

SILVA, João Batista Lopes da. Estádio Olímpico Monumental: o templo da imortalidade. 181f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2018.

Este trabalho constitui-se em um resgate do sentido da memória do Estádio Olímpico Monumental, localizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, que foi o estádio oficial do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense de 1954 a 2013. Nesse último ano, iniciou um processo de demolição que se encontra em andamento. Por ser uma praça esportiva de grande repercussão cultural, assim como um patrimônio do futebol e possuir vínculo identitário de torcedores do Grêmio, justifica-se a presente pesquisa. O objetivo geral foi interpretar, analisar e buscar o sentido do Estádio Olímpico Monumental enquanto um “lugar de memória” - conceito desenvolvido pelo historiador francês Piere Nora - a partir das vozes de atores sociais que possuem um vínculo de pertencimento ao Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e ao próprio estádio. Para os objetivos específicos buscamos contribuir no registro da memória coletiva por meio da análise dos impactos que a demolição do Estádio Olímpico Monumental pode causar, já causam/causaram nas pessoas que fazem ou fizeram parte da história do estádio, especialmente àqueles que estão, de alguma forma, envolvidos com os desígnios e desmembramentos dos grandes acontecimentos ligados ao futebol. Aliados a Pierre Nora, constituem o aporte teórico desta investigação autores que corroboram os estudos da memória e identidade: Maurice Halbwachs, Joël Candau, Michel Pollak, Ecléa Bosi, Zygmunt Bauman; e autores que enquadram memórias do Estádio Olímpico Monumental a partir personagens que fizeram história naquele lugar, como Léo Gerchmann e Eduardo Bueno. A pesquisa tem caráter qualitativo de base etnográfica, utilizando-se das técnicas da história oral, uma vez que se caracteriza pela busca da compreensão dos sentidos narrados pelos vinte e dois entrevistados acerca de um patrimônio cultural concebido de forma particular e emotiva no imaginário desses atores sociais e recorre à descrição e interpretação dos dados em contexto natural em que o local de memória é caracterizado por ser um componente cultural presente na vida e experiências sociais do grupo envolvido. Além das entrevistas em profundidade que estimularam as narrativas dos atores sociais e, portanto, é o principal instrumento de coleta de dados, utilizamos como fontes empíricas um diário de campo do pesquisador, matérias jornalísticas e documentos oficiais do clube. Para o processo de análise, elencamos sete categorias de análise, escolhidas a posteriori. São elas: “O Estádio Olímpico como patrimônio”; “Memória e identidade: a noção de pertencimento”; “Os jogos monumentais no Estádio Olímpico”; “A personificação do lugar”; “O estádio como lugar de memória”; “Diversidade e gênero no campo e nas arquibancada” e “Da catarse coletiva ao drama da demolição”. Ao final do estudo, podemos considerar que as pessoas que têm relação de pertencimento com o Estádio Olímpico, ao mesmo tempo em que sofrem com a perda de uma estrutura física que remete a um lugar de memória com grande significado para construção de sua identidade e vínculos afetivos, alçam o Estádio Olímpico Monumental a uma dimensão que transcende a matéria, personifica o lugar e fortalece a caracterização de um lugar de memória que tem aura.

Palavras-chave: Futebol; Lugar de Memória; Memória Coletiva; Identidade; Grêmio FBPA; Estádio Olímpico Monumental.

ABSTRACT

SILVA, João Batista Lopes da. Estádio Olímpico Monumetal: o templo da imortalidade. 181f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2018.

This research constitutes a rescue of the sense of memory of the Monumental Olympic Stadium, located in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, , which was the official stadium of the Foot-Ball Porto Alegre Alegrense from 1954 to 2013. In that last year, has begun a demolition process that is under way. As it is a sport plaza with a great cultural repercussion, as well as a football heritage and has an identity bond of Grêmio supporters, this research is justified. The general aim was to understand, analyze and seek for the meaning of the Monumental Olympic Stadium as a "place of memory" - a concept developed by the French historian Piere Nora - from the voices of social actors who have a bond of belonging to the Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense and the stadium itself. For the specific aims we seek to contribute to the registration of collective memory by analyzing the impacts that the demolition of the Monumental Olympic Stadium can cause, already causes / caused in the people who make or were part of the history of the stadium, especially to those who are, in some way, involved in the design and dismemberment of major football events. The theoretical contribution, beyond Pierre Nora, are based on research authors that corroborate the studies of memory and identity such as Maurice Halbwachs, Joël Candau, Michel Pollak, Ecléa Bosi, Zygmunt Bauman; and authors who discuss the memories of the Monumental Olympic Stadium from characters who made history in that place, such as Léo Gerchmann and Eduardo Bueno. The research has a qualitative ethnographic basis, using oral history techniques, since it is characterized by the search for the understanding of the meanings narrated by the twenty-two interviewees about a cultural heritage conceived in a particular and emotional way in the imaginary of these social actors and it uses the description and interpretation of data in a natural context in which the place of memory is characterized as being a cultural component presented in the life and social experiences of the group involved. In addition to the in-depth interviews, that stimulated the narratives of the social actors and, therefore, is the main instrument of data collection, we use as empirical sources a field journal of the researcher, journalistic materials and official documents of the club. For the process of analysis, we list seven categories of analysis, chosen a posteriori. They are: "The Olympic Stadium as patrimony"; "Memory and identity: the notion of belonging"; "The monumental games at the Olympic Stadium"; "The personification of the place"; "The stadium as a place of memory"; "Diversity and gender in the field and in the stands" and "From collective catharsis to the drama of demolition". At the end of the study, we can consider that people who have a relation of belonging to the Olympic Stadium, at the same time, they suffer from the loss of a physical structure that refers to a place of memory with great significance for the construction of their identity and also affective bonds, they elevate the Monumental Olympic Stadium to a dimension that transcends matter, personifies the place and strengthens the characterization of a place of memory that has aura.

Mots-clés: Football; Mémoire collective Grêmio FBPA; Stade Olympique Monumental.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...... 24 2. METODOLOGIA DA PESQUISA ...... 37 2.1 O Contexto do Estudo ...... 37 2.1.1 O Grêmio de Foot-Ball Porto Alegrense ...... 38 2.1.2 O Estádio Olímpico Monumental ...... 40 2.2 Aproximação ao Método ...... 44 2.2.1 Pesquisa Qualitativa de Base Etnográfica ...... 44 2.3 Instrumentos de Coleta de Dados ...... 45 2.3.1 Entrevista Qualitativa ...... 45 2.3.2 Narrativas ...... 47 2.3.3 Análise Documental ...... 48 2.3.4 Observação Participante ...... 48 2.4 Os Atores Sociais ...... 49 2.4.1 Quadro Descritivo dos Sujeitos da Pesquisa ...... 49 2.4.2 O Grupo Focal “Gremistas do DF”...... 51 2.5 Abordagem Interpretativa dos Dados ...... 52 2.6 Categorias Analíticas ...... 53

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...... 54 3.1 O que é memória ? ...... 55

3.2 Memória Coletiva, Identidade e Sociedade ...... 58 3.3 Lugar de Memória ...... 67

3.3.1 Os lugares de memória são “restos” ...... 74 3.3.2 Domínios/Classificação dos lugares de memória ...... 76

4. MEMÓRIAS DO ESTÁDIO OLÍMPICO MONUMENTAL NAS VOZES DE SEUS PROTAGONISTAS ...... 78

4.1 O Estádio Olímpico como Patrimônio ...... 79 4.1.1 Ressonância ...... 85 4.1.2 Materialidade ...... 86

4.1.3 Subjetividade ...... 87 4.2 Memória e Identidade: a noção de pertencimento ...... 91

4.3 Os Jogos Monumentais ...... 113 4.4 Memória da Diversidade ...... 132

4.4.1 A mulher no Olímpico Monumental ...... 133 4.4.2 Coligay – a primeira torcida gay do Brasil ...... 142 4.4.3 O Grêmio em azul, preto e branco: o papel do negro na constituição da identidade gremista ...... 147 4.4.3.1 Everaldo ...... 143 4.4.3.2 Lupicínio ...... 153 4.4.3.3 O negro estádio ...... 157 4.5 A Personificação do Lugar ...... 161

4.5.1 Hélio Dourado – “O Pai do Olímpico” ...... 162 4.5.2 Ema Coelho de Souza – “A Mãe do Olímpico” ...... 173

4.5.3 Danrlei – “O Filho do Olímpico” ...... 179 4.6 O Olímpico Monumental como Lugar de Memória ...... 185

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 207

REFERÊNCIAS ...... 212

APÊNDICE A: Roteiro de Entrevista – Torcedores do Grêmio FBPA ...... 218 APÊNDICE B: Roteiro de Entrevista – Torcedores do Grêmio FBPA ...... 221 APÊNDICE C: Roteiro de Entrevista – Torcedores do Grêmio FBPA ...... 224 APÊNDICE D: Roteiro de Entrevista – Torcedores do Grêmio FBPA ...... 227 APÊNDICE E: Roteiro de Entrevista – Modelo de Termo de Concentimento dos Entrevistados ...... 230 APÊNDICE F: Roteiro de Entrevista – Termo de Anuência e conhecimento da pesquisa do Grêmio FBPA ...... 231

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1. INTRODUÇÃO

(...) Você pode racionalizar a paixão, e fazer teses sobre a bola, e observações sociológicas sobre a massa ou poesia sobre o passe, mas é sempre fingimento. É só camuflagem. Dentro do mais teórico e distante analista e do mais engravatado cartola aproveitador existe um guri pulando na arquibancada.

[Luís Fernando Veríssimo]

Em 2012 iniciou-se o processo de demolição do Estádio Olímpico Monumental, pertencente ao Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense1, clube fundado em 15 de setembro de 1903. Este processo ainda não se consolidou.

O Olímpico foi o segundo estádio do Grêmio. O primeiro, Estádio da Baixada, localizado no Bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, deu lugar a este como “casa” do tricolor em 1954, data de sua inauguração, no Bairro da Azenha, também na capital gaúcha.

Enquanto o estádio agoniza à espera da derrubada do útimo tijolo, da retirada dos últimos restos de entulho, registramos estas memórias ao passo que definimos a tese deste estudo: a dialética do viver para morrer, como enfatizou em seu parecer acerca do projeto que apresentamos em dezembro de 2016, o professor José Tarcísio Grunennvaldt, ao asseverar que:

(...) a tal dialética do morrer para viver, - mesmo para estrutura arquitetônica denominada Monumental – na memória dos torcedores gremistas, é a grande sacada do projeto de pesquisa ora em destaque que valida a assertiva do autor Valter Benjamin de que os fatos finais iluminam acontecimentos anteriores, ou nas palavras de Benjamin (1975, p 75) ao enfatizar que: “Um homem que morre aos trinta e cinco anos (...) um homem assim, aparecerá à recordação em cada instante de sua vida como um homem que aos trinta e cinco anos irá desaparecer”. De modo que, a oração que pode não se revestir sentido na vida real, assume-se inatacável na lembrança do passado. Com efeito, “...o sentido de sua vida apenas se revela partindo de sua

1 Apesar de muitos escritores, jornalistas e o público em geral aportuguesar o nome do clube para Grêmio de Futebol Porto Alegrense, ou Grêmio de Futebol Porto-Alegrense e, ainda Grêmio Football Pôrto Alegrense, utilizaremos o nome como consta nos documentos mais atuais do clube, asssim como no site da instituição.

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morte”. (p. 75). Eis aí a grandeza da pesquisa em auscultar os sentidos dos sujeitos da pesquisa com ênfase à História Oral. (GRUNENNVALDT, 2017, p. 2) A partir desta contribuição – entre outras - na avaliação do projeto que originou este manuscrito, avançamos na concepção de que a memória do Estádio Olímpico Monumental está para além de sua materialidade e ganha sentido a partir das reminiscências daqueles que por ele tem relação de pertencimento. Portanto, mesmo com a provável demolição, ganha uma “segunda vida” na perspectiva de Kirshenblatt- Gimblett2 (1998), como um patrimônio que é reinventado, neste caso, a partir da imaterialidade conquistada.

O objetivo geral deste fazer investigativo foi interpretar, analisar e buscar o sentido do Estádio Olímpico Monumental enquanto um “lugar de memória”, a partir das vozes de atores sociais que possuem um vínculo de pertencimento ao Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e ao próprio estádio.

Enquanto objetivos específicos buscamos contribuir no registro da memória coletiva a partir da análise dos impactos que a demolição do Estádio Olímpico Monumental pode causar ou já causaram/causam nas pessoas que fazem ou fizeram parte da história do estádio do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, especialmente aqueles e aquelas que estão de alguma forma envolvidos com os desígnios e desmembramentos dos grandes acontecimentos ligados ao futebol. Este estudo buscou, portanto compreender a dimensão social, cultural e simbólica do Estádio Olímpico Monumental para os sujeitos pesquisados assim como entender como a demolição deste estádio impacta na vida dos atores sociais que constituem-se em sujeitos deste estudo, também se constituem em objetivos deste estudo.

A demolição do Olímpico e construção de seu atual estádio, a Arena Grêmio, foi justificada pelos seus dirigentes como necessária por questões de logística, conforto aos torcedores, imprensa, atletas e tudo o mais que um empreendimento moderno poderia oferecer. Essa “necessidade” estampou as páginas dos principais periódicos esportivos do Rio Grande do Sul e do país. Quando iniciamos esta

2 Barbara Kirshenblatt-Gimblett é professora emérita na Universidade de Nova York. Pesquisadora na área de Antropologia.  Observo que doravante todos os teóricos e/ou autores que forem citados, serão apresentados em nota de rodapé na primeira vez que aparecerem neste texto.

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pesquisa, no segundo semestre de 2014, parecia iminente a demolição do Estádio Olímpico Monumental. Fato que até o fechamento desta tese, em meados de 2018 não se efetivou.

Cada vez mais próximo de sua implosão, o Olímpico ainda resiste no bairro da Azenha, em Porto Alegre. O estádio completou 60 anos de história em 2014 e perdura como o principal palco de treinamentos, entrevistas coletivas e decisões administrativas e eleitorais do Grêmio. Mesmo com parte de sua estrutura destruída, a antiga casa dos gremistas segue como um belo cenário na região central da capital gaúcha, como mostram as imagens aéreas captadas recentemente por um drone - um helicóptero não tripulado com uma câmera, que é comandado do solo.3

Figura 1 – Drone captura imagens aéreas do Estádio Olímpico (Drone Service Brasil/Divulgação)

Como a demolição do “velho casarão” do Grêmio ainda está em processo, analisamos este momento de transição, por meio da escuta e tentativa de compreensão dos significados das vozes que compõem as memórias de gerações que tem sentimento de pertença com este lugar que guarda memórias e está na lembrança de milhões de pessoas, quer por presença física, quer por construção de um imaginário a partir de fotos, vídeos, narrações de rádio ou por histórias contadas por quem conheceu e vivenciou o Olímpico, o qual obviamente significa muito mais do que uma simples construção arquitetônica.

A construção deste fazer investigativo surge da busca da compreensão do Estádio Olímpico Monumental, enquanto um “Lugar de Memória”, no sentido expresso

3Da Redação, http://globoesporte.globo.com/rs/futebol/times/gremio/noticia/2014/10/imagens-aereas- mostram-o-avanco-na-demolicao-do-olimpico-veja-o-video.html

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por Pierre Nora4, o qual assevera que para os estudos dos “lugares”, é prudente destacar que estes estão no limiar entre história e memória. O “tempo dos lugares é esse momento preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma memória, para só viver sob o olhar de uma história reconstituída” (NORA, 1993, p. 10). Isso posto, aduzimos que o Estádio Olímpico está presente na vida e no imaginário dos atores sociais que compõem o enredo e teias de relações que escrevem a história daquele lugar, do clube, da sociedade sul rio-grandense e dos aficionados por futebol. É um lugar, como diz Nora, onde “palpita algo de uma vida simbólica”.

São nas vozes desses atores sociais e nas narrativas de suas histórias que buscamos os registros das memórias os quais nos permitem a leitura da tessitura de interpretações, valores e imaginário sobre esse um local que se consagra como foco de nossa pesquisa.

O futebol, especialmente no Brasil, está presente na vida diária da maioria da população. De forma direta ou indireta, faz parte de suas vida mesmo aos alheios ao futebol e que não nutrem a paixão avassaladora que consome alguns aficionados por este esporte.

No nosso país, o futebol se constitui num dos principais aspectos culturalmente herdados de nossos antepassados, principalmente do universo masculino. Não é difícil encontrar famílias onde os recém-nascidos recebem como primeiro presente a camiseta do “seu” time do coração. Assim, é impossível ignorar a importância do futebol na cultura lúdica do brasileiro, tampouco desconsiderá-lo da vida social, cultural, política e econômica. O futebol é parte disso tudo e esse estudo é mais uma tentativa de também compreender melhor esse fenômeno.

Desde sua criação, até os dias atuais, a instituição futebol representa forte vínculo identitário, tanto individual, quanto coletivo.

(...) o futebol transfigurou-se, passando de uma instituição que, ainda no início do século XX, era pouco valorizada para uma instituição central de crescente valor. Uma instituição que, para grande parte da população, parece vir assumindo, cada vez mais, um significado religioso ou

4 Pierre Nora nasceu em Paris em 17 de novembro de 1931.Ocupa uma posição particular, que o qualifica como uma referência entre os historiadores franceses, contemporâneos. É conhecido pelos seus trabalhos sobre a identidade francesa e a memória, o ofício do historiador, e ainda pelo seu papel como editor em Ciências Sociais. O seu nome está associado à Nova História.

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quase religioso. E isso quando não tornou-se uma das principais fontes de identificação (senão a maior delas!), de significado e de gratificação na vida das pessoas. (GRUNENNVALDT et al, 2015, p. 161, g.n.).

Um esporte que tem essa dimensão (da “quase religiosidade”, como grifado na citação acima) não pode ser miniaturizado na esfera sociocultural, afinal, a paixão pelo futebol é tanta para alguns que, passional ou racionalmente, chegam ao ponto de manifestar esta relação de forma a perder a o sentido real de que o futebol é “apenas” um elemento da cultura esportiva historicamente construída e chegam ao ponto de adquirir um jazigo com “vistas” para aquilo que considera um templo sagrado. Foi o que aconteceu com Saturnino Vanzelotti, que presidiu o Grêmio de Futebol Porto- Alegrense entre os anos de 1949 e 1954 e escolheu ser enterrado de frente ao estádio que tantas emoções lhe proporcionou em vida. Sobre esse episódio, escreveu o jornalista Marinho Saldanha5:

O maior estádio particular do país no início da década de 50 nasceu na cabeça e no coração de um homem: Saturnino Vanzelotti. Presidente do Grêmio entre 1949 e 1954, foi com ele que o Olímpico surgiu. E o personagem fundamental nesta história que se encerra no próximo domingo - com o último jogo oficial do estádio gremista - antes de morrer, fez um pedido: queria ser sepultado de onde pudesse observar o estádio e por consequência o Grêmio, para eternidade. Foi atendido. Até hoje repousa no alto do Cemitério João XXIII, e certamente, de onde estiver, derramará as mesmas lágrimas de um mortal, apaixonado pelo imortal. (SALDANHA, Portal UOL em 28/11/2012)6 Assim como Saturnino Vanzelotti, outras pessoas também fizeram esta escolha, mesmo após anunciada a idéia de demolir o estádio. É o que ocorreu com o jornalista, recém falecido, Paulo Santana, um dos mais célebres torcedores do Grêmio. Santana, antes de morrer, escolheu ser enterrado, também no cemitério João XXIII e, de frente para o Estádio Olímpico, dado o grande vínculo de pertencimento a este lugar. Na manchete do Jornal Zero Hora do MEMÓRIA. Paulo Sant’Ana sepultado na capital, em túmulo com visão para o ‘Olímpico’, ex-estádio tricolor.

A ideia de demolição do Estádio olímpico jamais percorreu a massa cinzenta, “meio azulada”, de outro personagem da memória do Estádio Olímpico, o ex- presidente do clube, Hélio Volkmer Dourado, um dos vinte e dois atores sociais desse estudo.

5 Jornalista setorista no Grêmio pelo Portal UOL. 6 Fonte: http://noticias.bol.uol.com.br/esporte/2012/11/28/sepultado-de-frente-para-o-olimpico- idealizador-do-estadio-zela-pelo-gremio-ha-39-anos.jhtm. Acesso em 13 de janeiro de 2018.

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Foi ele o principal responsável pela conclusão do estádio, com a construção do “anel superior” (como é chamado o segundo nível de arquibancadas), no ano de 1980. Para o Dr. Hélio, como é chamado, demolir o Olímpico é como matar um pouco de cada torcedor, deletar emoções de suas memórias, apagar registros de vida em família, relações com os amigos e talvez, alguns dos momentos esportivos mais importantes na vida de milhares de pessoas.

Demolir o Olímpico é, de certa forma, uma das maneiras de sucumbir a sua existência meramente ao plano dos registros imagéticos e das memórias de seus frequentadores. Não obstante a isso e, apesar de atos contrários à demolição, como o “Abraço ao Olímpico”, movimento organizado por um grupo de torcedores tricolores no ano de 20127, os quais fizeram um grande círculo, de mãos dadas, em volta do estádio, a demolição do Olímpico é praticamente um fato consumado.

A nova Arena já existe, é a nova “casa” do Grêmio e o que fica do Olímpico são recordações das pessoas que tem uma relação de pertencimento com este monumento/patrimônio. O que antes era majestoso, encantava os torcedores gremistas e provocava o “desprezo” dos torcedores colorados (maiores rivais do Grêmio) num misto de sentimentos antagônicos, hoje pulsa lentamente, como se desse os últimos suspiros de uma vida que trouxe muitas alegrias e algumas tristezas, mas fundamentalmente emoções a um contingente de pessoas que amam, que respiram e vivem futebol.

Neste cenário, apontamos para relevância deste lugar, seus significados e valorações para uma camada extensa da sociedade que está direta ou indiretamente vinculada à cultura do futebol. Discutimos a questão central da demolição do Estádio Olímpico Monumental a partir da compreensão de que o estádio enquanto espaço social, cultural e simbólico é condição essencial para formação de uma memória coletiva, imaterial.

O Olímpico, enquanto “lugar de memória”, é um local que serve para evocação do passado de jogos, festas, vitórias e derrotas. Neste processo de demolição do estádio no qual percebemos uma transição do Olímpico - de um “lugar de memória” material, constituído de areia, cimento, pedra, cal (...) para um “lugar de memória” na

7 http://www.correiodopovo.com.br/Esportes/464717/Milhares-de-gremistas-se-concentram-para- abraco-ao-Olimpico.

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condição de imaterialidade - é imprescindível que as vozes de seus atores sejam ouvidas para que possam compor um conjunto de referências e narrativas acerca do Olímpico que, caso não sejam registradas, correm o risco de terem silenciadas suas memórias coletivas.

Para Nora, “tudo que hoje é chamado de memória não é, portanto, memória, mas já história” (NORA,1993, p.14). Sendo a memória imediata, enquanto a história é arquivista, emerge constantemente a necessidade de se resgatar memórias, especialmente a memória daqueles grupos que são deixados à margem da história oficial. E é através da historiografia que se produzem registros e arquivos como forma de inventariar os “lugares de memória”.

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há uma memória espontânea, que é preciso criar arquivos, organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque estas operações não são naturais. É por isso a defesa pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais do que levar a incandescência a verdade de todos lugares de memória, Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria, (NORA, 1993, p.13, g.n.). Tomando o ponto de vista de Nora na asserção acima e, na medida em que não há uma memória espontânea, avaliamos que este manuscrito é relevante também, no sentido de organizar e registrar as vozes e lembranças que se fundem ao se evocar acontecimentos e situações vivenciadas a partir do Estádio Olímpico Monumental, o “Lugar de Memória” que tratamos neste fazer investigativo.

Assim, o contexto é o Estádio Olímpico. No entanto, para além desse Lugar de Memória, agregam-se vivências, eventos e lembranças que perpassam as memórias de seus personagens e constituem-se em narrativas – singulares e universais ao mesmo tempo - que ligam o humano em sua dimensão da ludicidade a um de seus principais construtos da cultura historicamente produzida: o esporte.

Ao buscarmos experiências, não só no futebol, mas no esporte de um modo geral, na tentativa de estabelecer um marco temporal ou estado da arte no que concerne aos processos de demolição ou reconstrução de monumentos arquitetônicos vinculados ao esporte, observamos que a demolição de praças esportivas, principalmente estádios e ginásios é uma característica marcante do Novo Mundo.

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Nos Estados Unidos, por exemplo, impressiona a maneira “pródiga” que a sociedade tem em se desfazer de seus patrimônios. Estádios multiuso, mas que abrigaram principalmente o Futebol Americano. Exemplos8 são vários, apontamos apenas alguns como o Giants Stadium, em East Rutherford, New Jersey (inaugurado em 10/10/1976 e demolido em 04/02/2010); Veterans Stadium, na Philadelphia, Pennsylvania (inaugurado em 10/04/1969 e demolido em 21/05/2004); Memorial Stadium, localizdo em Baltimore, Maryland, com capacidade para 53.371 espectadores (Inaugurado em 20/04/1950 e demolido em 15/02/2002); Three Rivers Stadium, localizado em Pittsburgh, Pennsylvania, com capacidade para 59 mil espectadores (inaugurado em 16/07/1970 e demolido em 11/02/2001).

Mesmo assim e, apesar de todos os estádios citados no parágrafo anterior comporem um imenso acervo de lembranças e possibilidades de incursões em muitas histórias orais dos atores sociais que vivenciaram momentos marcantes do esporte nesses lugares, o que restaram foram escombros. Um descarte da memória.

Um processo de descarte de memória que Baumann9 (2005) vê como característica de uma “sociedade líquida” que está pouco apegada a seus descendentes e supervaloriza as novidades: a nova roupa, o celular de última geração, o novo carro, a nova casa, a nova arquitetura. Nesse modelo de sociedade até as pessoas são descartáveis: o novo affair, o novo empregado, o novo amigo.

Essa liquidez observada por Baumann se aplica também, e obviamente, à lugares que foram consagrados como “lugares de memória” (NORA, 1993), como é o caso do Estádio Olímpico. Nessa perspectiva, a pós-modernidade e o consumismo exacerbado literalmente implodem aquilo que não se torna economicamente viável, a partir do discurso de que os objetos e construções estão obsoletos, atrasados.

A demolição de patrimônios esportivos também ocorre no Velho Mundo. Alguns clubes de futebol da Europa, berço do futebol, tiveram e passam por processos de demolição, reforma ou restauração de seus estádios. Alguns que foram demolidos

8 https://www.nytimes.com/2010/06/27/sports/.../27mara.html 9Zygmunt Bauman (nasceu em Poznań, 19 de novembro de 1925 e morreu em Leeds - Inglaterra, 2017), sociólogo polonês. Serviu na Segunda Guerra Mundial pelo exército da União Soviética. Nos anos 40 e 50 foi militante entusiasmado do Partido Comunista Polaco até se desligar da organização devido ao fracasso da experiência socialistas no leste europeu.

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permaneceram nos locais de origem, outros desapareceram para dar lugar a outras atividades, entre estas parques, estacionamentos ou condomínios de prédios, na forma como é idealizada a proposta de demolição do Estádio olímpico Monumental.

O Estádio do Sarriá, que pertencia ao Espanyol, de Barcelona e foi o palco de uma da maiores desolações do futebol brasileiro quando, em 5 de julho de 1982, a seleção nacional perdeu para Itália por 3 a 2. O Brasil que tinha Falcão, Zico, Sócrates e o futebol mais vistoso, sucumbiu para a Itália de Paolo Rossi, que fez os três gols da azurra10. O Sarriá foi o estádio do segundo clube mais importante de Barcelona durante 1923 e 1997 e também recebeu a final da Copa da Uefa de 1988 e partidas de futebol dos Jogos Olímpicos de 1992. Vendido para melhorar a saúde financeira do Espanyol, o estádio deu lugar a condomínios de apartamentos de classe média alta.

Palco de uma das derrotas mais doloridas do Brasil em um Mundial – o 3 a 2 para a Itália, há quase 28 anos, pelas quartas de final -, o Sarrià foi vendido pelo Espanyol, que precisava sanar algumas dívidas, em 1997. E logo depois demolido. Em seu lugar, o que existe hoje encravado entre a avenida Sarrià e a rua General Mitré é um conjunto de prédios de classe média alta, com apartamentos que não saem por menos de € 600mil (...) em uma área nobre de Barcelona. Há também algumas lojas. (TRAVAGLIA, Julyana)11 No Uruguai, o estádio que viu o primeiro gol da história das Copas do Mundo (marcado pelo francês Lucien Laurent, na goleada por 4 a 1 sobre o México, em 13 de julho de 1930) teve vida curta. Construído em 1921 para ser a casa do Peñarol, foi abandonado 12 anos depois porque o time uruguaio passou a ocupar o Estádio Centenário, como o faz até hoje.

O estádio que viu o primeiro gol da história das Copas do Mundo já não existe mais. O palco do primeiro título mundial conquistado pela seleção brasileira, também não. Assim como as casas que presenciaram os melhores momentos de de Juventus, Arsenal e Atlético de Madri. O futebol está em constante processo de renovação, e isso leva ao abandono de antigos e tradicionais estádios em prol da

10 Apelido da Seleção Italiana, que joga com a cor azul predominando. Também é chamada de “Esquadra Azul” e é uma homenagem aos Savóias, família real que protagonizou a unificação da Itália no século 19. O azul, cor oficial da realeza italiana, passou a tingir o uniforme da seleção de futebol em 1911, quando o país ainda era uma monarquia. 11 Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2010/05/palco-de- tragedia-para-brasileiros-sarria-some-da-memoria-de-barcelona.html. Acessado em 30 de janeiro de 2018

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construção de novas, modernas e tecnológicas arenas multiusos12. (REIS, 2017)

No Brasil, recentemente, tivemos vários casos de demolição de estádios. Diferente do processo de demolição do Estádio Olímpico, está o fato de que a maioria dessas novas construções se deram no mesmo local do extinto estádio, guardando, de certa forma um sentimento de pertença ao espaço e à comunidade que o envolve. A seguir, situamos alguns destes episódios que contam um pouco dos processos de descarte da memória dos estádios brasileiros.

Em Salvador, o Estádio da Fonte Nova foi implodido no dia 29 de agosto de 2010. O estádio foi um dos doze palcos esportivos que sediaram jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, realizada no Brasil.

Às 10h26 do dia 29 de agosto de 2010, 700 quilos de explosivos derrubaram o velho Estádio Octávio Mangabeira, conhecido como Fonte Nova, em menos de dez segundos. Tinha capacidade para 80 mil pessoas, mas chegou a receber um recorcorde de 110 mil pagantes em um jogo entre Bahia e Fluminense. No seu lugar, foi erguida a Arena Fonte Nova, com capacidade para 50 mil. (UOL, Blog da Redação)13 Em Cuiabá, o Estádio José Fragelli, foi implodido para dar lugar à Arena Pantanal que sediou quatro partidas da Copa do Mundo de 2014.

O estádio José Fragelli, em Cuiabá, começou a ser demolido em 2010 para dar lugar à Arena Pantanal, um dos palcos da Copa do Mundo de 2014. Em maio daquele ano, as torres de iluminação foram implodidas, e o tradicional Verdão, como era conhecido, fazia sua despedida depois de 34 anos de história. (UOL, Blog da Redação)14

O Estádio Machadão, em Natal, não precisou de dinamites para ser demolido.

Antes de dar lugar à Arena das Dunas, em Natal, o estádio João Cláudio de Vasconcelos Machado, mais conhecido como Machadão, não precisou de explosivos para ser demolido. Cabos de aço levaram abaixo cada um dos módulos das arquibancadas. Em novembro de 2011, todo o complexo ficou em ruínas depois da desmontagem do último pedaço das tribunas.

12 Disponível em: https://blogdorafaelreis.blogosfera.uol.com.br/2017/11/02/7-estadios-historicos-do- futebol-mundial-que-ja-nao-existem-mais/ Acesso em 12/03/2018. 13 Disponível em https://uolesporte.blogosfera.uol.com.br/2016/05/22/veja-7-tradicionais-estadios-do- brasil-sendo-demolidos/ Acessado em 30 de janeiro de 2018 14 Disponível em https://uolesporte.blogosfera.uol.com.br/2016/05/22/veja-7-tradicionais-estadios-do- brasil-sendo-demolidos/ Acessado em 30 de janeiro de 2018

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Brasília já viveu a demolição de dois grandes estádios, o Estádio Mané Garrincha e o Estádio Pelezão. O Estádio Mané Garrincha foi demolido no mesmo lugar onde foi construído o Estádio Nacional de Brasília – Mané Garrincha, mantendo a homenagem à um dos mais célebres jogadores da Seleção Brasileira de Futebol.

A implosão do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, passou por um processo de demolição que ganhou contornos de dramaticidade. As dinamites não foram o suficientemente eficazes para tombar aquele lugar de memória.

Não é nada fácil implodir um estádio. E a tentativa fracassada de demolição do Mané Garrincha em maio 2011 foi prova disso. Cerca de 250 quilos de explosivos não foram suficientes para derrubar a arquibancada superior de 27 metros de altura, por causa de uma falha na linha de acionamento dos detonadores. A demolição acabou sendo feita de forma mecânica, com a ajuda de guindastes. O Estádio Edson Arantes do Nascimento, também conhecido como Estádio Municipal de Brasília ou popularmente Estádio Pelezão, tinha sede na cidade de Guará, Distrito Federal. Como parte das comemorações dos 5 anos de existência de Brasília, em 21 de abril de 1965, o então informalmente chamado Estádio Nacional de Brasília foi parcialmente inaugurado. A inauguração oficial se deu em estádio em 31 de março de 1966.

Desativado na década de 80 pela Federação de futebol local que até então era dona do estádio, ele é vendido para um grupo de empresas imobiliárias, agonizou até o ano de 2009, quando foi demolido.

Abandonado, inativo, todavia localizado em uma região altamente valorizada da capital, tão cedo o “Pelezão” tornou-se alvo privilegiado de ávidos especuladores financeiros e de empresas de construção civil. Acabou sendo repassado pelo Governo Distrital à Federação Metropolitana de futebol, que o vendeu a uma empresa do setor imobiliário. A transação chegou a ser investigada por deputados distritais. Por seu passado e seu significado, aquele que poderia ter sido transformado em um dos poucos ”lugares de memória” da capital nascente, acabou sendo vítima de um duro e trágico desfecho - “Pelezão” foi demolido. (ASSUMPÇÃO et al, 2014, p. 127) No Estádio Pelezão, jogou Paíca, defendendo o CEUB (Centro Universitário de Brasília). O ex-jogador do Grêmio e que vive em Brasília é um dos colaboradores deste estudo. Paíca, que fez a estréia com a camisa do Ceub no ano de 1972 compartilhou com seus companheiros do clube da capital dos méritos de vencer o Estudiantes, da Argentina, um clube multicampeão até os dias de hoje.

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O empresário uruguaio Juan Figer assinou contrato no dia 17 de julho de 1972 para uma série de amistosos do Estudiantes de La Plata, Argentina, no Brasil. O Estudiantes chegou com o cartaz de campeão da Taça Libertadores de 1968, 1969 e 1970 e de campeão mundial interclubes de 1968. A atração do Ceub foi o meia Paíca, vindo do Grêmio, de Porto Alegre, fazendo sua estreia com a camisa do clube brasiliense. (g.n)15 Situados os objetivos, justificativas, contexto e marco temporal deste estudo, passamos à estrutura da tese, que está dividida em cinco capítulos, que vão da Introdução (capítulo 1) às Considerações Finais (capítulo 5), seguidas das secções Referências, Anexos e Apêndices.

No capítulo 2 – Aproximação Metodológica, tratamos dos aspectos metodológicos e contextuais do extudo.

É no capítulo 3 – Fundamentação Teórica, que dialogamos com autores que tem trabalhado os conceitos de memória, em especial a memória coletiva e suas relações com a construção identitária: Maurice Halbwachs, Joël Candau, Michel Pollak, Ecléa Bosi, Zygmunt Bauman; e autores que enquadram memórias do Estádio Olímpico Monumental a partir personagens que fizeram história naquele lugar, como Léo Gerchmann, Marcelo Ferla e Eduardo Bueno.

No capítulo 4 analisamos categorias de pensamento extraídas a posteriori, (4.1) o Estádio Olímpico como patrimônio; (4.2) Memória e identidade: a noção de pertencimento, (4.3) Os jogos imortais do Estádio Olímpico, (4.4) Memória da Diversidade, (4.5) A personificação do lugar e (4.6) O estádio como lugar de memória.

Após as Considerações Finais (capítulo 5), apresentamos os Referenciais bibliográficos e eletrônicos da pesquisa seguida da secção de Apêndices.

É importante salientar que a apresentação deste estudo busca contribuir para preservação da memória do esporte, entendendo-a em sua dimensão coletiva, em especial o futebol e sua teia de relações socioculturais.

Também na forma de teia estão apresentados, ao longo do texto, os personagens – torcedores, ex-jogadores, dirigentes, funcionários e ex-funcionários do clube, jornalistas - que narram suas memórias relacionadas ao Estádio Olímpico

15 http://historiafutebolbrasiliense.blogspot.com.br/2014/12/jogos-inusitados-o-dia-em-que-o-ceub.html

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Monumental, num ir e vir de depoimentos que mexem com a fixidez da estrutura de um trabalho científico, no entanto sem perder, nem a fidedignidade de suas falas, nem a ternura de suas memórias.

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2. METODOLOGIA DA PESQUISA

Neste capítulo, apresentamos os detalhes do percurso da pesquisa, apoio teórico-metodológico e ações tomadas em relação à coleta e leitura dos dados.

Inicialmente, contextualizamos o estudo com a apresentação de informações sobre O Grêmio de Foot-Ball Porto Alegrense e do O Estádio Olímpico Monumental.

Na sequência discutimos sobre a pesquisa qualitativa de base etnográfica que se constituiu na abordagem do estudo. Apontamos, ainda, os instrumentos escolhidos para coletar os dados: entrevista qualitativa, narrativas, análise documental e observação participante e, posteriormente a abordagem interpretativa que serviu-nos para a leitura e interpretação dos dados.

Descrevemos, também, os atores sociais (ex-jogadores, dirigentes, jornalistas, torcedores e aficionados ou não pelo Grêmio) que contribuíram com o resgate da memória do Estádio Olímpico Monumental.

Finalmente, apresentamos as categorias de análise propostas com base na recorrência e importância dos dados apresentados para os registros da memória sobre o estádio.

2.1 O Contexto do Estudo

O contexto da pesquisa, muito embora, seja importante destacar que a ambiência da pesquisa não se deu num lugar específico. As entrevistas com os atores sociais foram realizadas em sua maioria em Porto Alegre. Brasília, Curitiba e Sinop completam o rol de lugares que percorremos, principalmente pelo critério de acessibilidade, para dialogar com pessoas que têm vínculo memorial e de pertencimento com o Estádio Olímpico Monumental e com o seu principal motivo de existência, o Grêmio FBPA.

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2.1.1 O Grêmio de Foot-Ball Porto Alegrense

O Grêmio de Foot-Ball Porto Alegrense foi fundado em 15 de setembro de 1903, por um grupo de 31 entusiastas do futebol16.

O primeiro troféu disputado pelo Grêmio FBPA foi contra um adversário somente, o Fussball. Para conhecer um pouco mais recorremos a um dos atores sociais deste estudo, o jornalista Laert Lopes17.

Devido ao hobby pela pesquisa estatística e fichas técnicas das partidas de futebol de Grêmio FBPA e , Laert Lopes alcançou credibilidade no meio jornalístico e até na Federação Gaúcha de Futebol. Os dados que colhe e registra em seu Banco de Dados foram organizados com auxílio de um programador de software . Quando a despedida oficial do Estádio Olímpico tornou-se pauta na mídia esportiva, Laert se tornou a pessoa mais procurada pelos demais jornalistas para tentar escrever a história do estádio e do clube. Os temas eram vastos, desde o primeiro gol do Grêmio, como o primeiro torneio oficial que o clube participou.

O registro mais aproximado do primeiro gol gremista vem dos arquivos preciosos do pesquisador e jornalista Laert Lopes. De acordo com seus números, é no 12º jogo da história do Grêmio que surge o registro

16 No início do século XX, o futebol vinha aos poucos se tornando conhecido no país, semeado por viajantes que levavam a novas fronteiras, suas rudimentares e valiosas bolas de couro. Foi justamente um destes desbravadores, o paulista Cândido Dias da Silva, quem apresentou a primeira bola de futebol a Porto Alegre. A novidade logo despertou curiosidade e uma turma de amigos se formou em sua volta. Muitos fins de semana se estenderam na convivência daquele grupo, em piqueniques e na prática empírica do esporte. Até que, no feriado de 7 de setembro de 1903, dois quadros de atletas do Sport Clube Rio Grande (cidade portuária e, não por acaso, o clube mais antigo do Brasil) vieram à cidade para uma demonstração, uma ótima oportunidade para os porto-alegrenses aprenderem mais sobre o esporte. O público lotou o campo improvisado para a apresentação e vibrava com as jogadas. Até que, para decepção geral, a bola murchou. Quando todos pensavam que a festa estava terminada, Cândido ofereceu sua bola para que a partida terminasse. Após o jogo, ele e o grupo de amigos puderam confraternizar com os jogadores, que lhe explicaram detalhes do esporte e principalmente, o que era necessário para fundar um clube. Entusiasmados com o que haviam aprendido, uma semana depois, ao entardecer do dia 15 de setembro de 1903, 31 rapazes se reuniram em um restaurante no centro da capital e escreveram a ata de fundação, que depois seria assinada por todos os presentes. Naquele momento, iniciou-se a trajetória de um clube vencedor. Carlos Luiz Bohrer foi eleito o primeiro Presidente, sem imaginar a projeção que o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense alcançaria. Acesso em 13/11/2017 em http://www.gremio.net/page/view.aspx?i=historia 17 Jornalista em Porto Alegre, Laert Lopes é um dos 22 atores sociais deste estudo.  Observo que todos os atores sociais estão qualificados no item “Descrição dos Atores Sociais”. Ao longo do texto, utilizamos falas desses atores para ilustrar a narrativa da tese. Essas falas, de cunho informativo e ilustrativo não serão objetos de análise. As análise propriamente ditas estão no capítulo 4.

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seminal de bola na rede. No único jogo de 1907, em 1º de dezembro. Mais um Wanderpreis, 4 a 1 sobre o Fussball. Aos 15 minutos, Alvaro Brochado, um dos sócios-fundadores, foi às redes. (RIZZATTI, 2013, sp, g.n.)18 Laert nos confirma informação que passara ao jornalista Lucas Rizzatti (Grupo RBS) de que o autor gol de título que o Grêmio conquistou, foi de Brochado na disputa do Troféu Wanderpreis19, a primeira competição disputada pelo clube que teve sua primeira edição em 6 de março de 1904, no Campo da Várzea, em Porto Alegre, com vitória do Grêmio por 1x0 sobre a equipe do Fussball, o outro time da cidade.

O Wanderpreis,20, que em alemão significa Troféu Móvel, foi disputado apenas por Grêmio e Fussball, as únicas equipes da cidade naquela época. O campeão do troféu era conhecido como “O Campeão da Cidade”. No entanto, não há registros colhidos por Laert Lopes ou outro pesquisador de que esta competição, chamada posteriormente por Campeonato Citadino, tenha sido reconhecida oficialmente por alguma entidades federativa de futebol que tenha organizado a competição. O mais provável é que as próprias agremiações21 tenham organizado as disputas que valeram o Wanderpreis.

A partir de 1909, com a fundação do Sport Club Internacional, iniciou-se a construção de uma das maiores rivalidades do futebol mundial, apontado pela tradicional revista inglesa especializada em futebol FourFourTwo22 como um dos 10 maiores clássicos de futebol do mundo, dada a rivalidade e importância que cada um dos clubes representa.

18 http://globoesporte.globo.com/rs/futebol/times/gremio/noticia/2013/09/gremio-110-anos-clube-nasce- de-gol-anonimo-e-vira-fabrica-de-artilheiros.html Acesso em 12/02/2018. 19 Foi determinado pelos organizadores que, vencido três títulos consecutivos, o time campeão ficaria com a posse definitiva do troféu. Fato que ocorreu em 1906 com o Grêmio ficando com a posse definitiva da taça 20 www.gremiopedia.com/wiki/Troféu_Wanderpreis. Acessado em 28/01/2018. 21 Grêmio e do Fussball, as primeiras equipes fundadas em Porto Alegre, ambas fundadas no dia 15 de setembro de 1903. Com o fim da competição em 1912 o Grêmio foi definitivamente considerado o maior campeão do troféu. 22 Com a ajuda de jornalistas espalhados pelo mundo, a revista montou uma lista de quesitos, cada um com seu peso, e elencou os dez clássicos. O Gre-Nal se localiza em sétimo no Top 10, entre clássicos turco e alemão, destacando nos itens História, Atmosfera, Torcida e Competitividade. Conseguiu pontuação intermediária em Estrelas, Drama e Técnicos Famosos. O único quesito em que é mal cotado é o apelo global. Por fim, o Gre-Nal conquistou 54 de 80 pontos possíveis, igual a Lazio x Roma. Acesso em 13/11/2017 em http://globoesporte.globo.com/rs/noticia/2014/11/revista-inglesa-coloca-gre- nal-entre-os-dez-maiores-classicos-do-mundo.html

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Atualmente, com mais de cem mil sócios23, o Grêmio possui uma Arena, a Arena Grêmio, distante a aproximados dez quilômetros do Estádio Olímpico Monumental, onde joga como clube mandante e já conquistou dois títulos importantes: Copa do Brasil de 2016, quando fez a final contra o Atlético Mineiro, Recopa Sul- Americana – edição 2018, quando superou o Independiente, da Argentina.

2.1.2 O Estádio Olímpico Monumental

A pesquisa se desenvolve, tomando como ponto de partida o Estádio Olímpico Monumental, nosso locus de pesquisa.

O Estádio Olímpico, enquanto espaço geográfico, está localizado no Largo Patrono Fernando Kroeff nº 1, no Bairro Azenha. Foi estádio oficial do Grêmio de Futebol Porto-Alegrense, de 1954 até 2013. Seu processso de construção, mobilizou muitos profissionais, envolveu muitas empresas de materiais de construção, mas como a localidade escolhida era uma área pouco transitada, passou desapercebido para algumas pessoas, que nem imaginavam o quanto este lugar impactaria em suas vidas. Entre essas pessoas, uma das entrevistadas que colaboram neste estudo, Ema Coelho de Souza.

(...) Eu nasci na Medianeira, na Rui Carneiro com Niterói e passava de bonde para estudar e nunca percebi que estavam construindo o Estádio Olímpico. Em função talvez do muro que o circunda. Quando passava de bonde, o muro impedia que tu assistisses a obra. Engraçado que quando começou a inauguração, claro, ai veio a noticia, jornal e coisa, né, então meu namorado disse “vamos, vamos!”. Eu digo, vamos! E eu tive prazer em assistir a inauguração do estádio. Foi um dia muito especial. (EMA COELHO DE SOUZA)24

A importância do Estádio Olímpico transcende a categoria de uma simples praça esportiva. Mesmo fora de atividade e, em vias de demolição, mantém uma

23 Informação do colunista Luiz Zini Pires. http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/gremio/noticia/2015/10/luiz-zini-pires-gremio-mira-100-mil-socios- em-2016-4890172.html acesso em 13/06/2018. É importante destacar que o número de sócios de um clube de futebol, principalmente do Brasil é muito volátil, estando dependente da perfórmance destes nas competições em que participam.

24 Foi uma das fundadoras do Museu Hermínio Bittencourt e a responsável pela guarda de todo acervo memorialístico do Grêmio FPPA até a transição do Museu do Estádio Olímpico Monumental para Arena Grêmio.

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ligação afetiva com os torcedores do Grêmio, a cidade de Porto Alegre, o estado do Rio Grande do Sul e com os aficionados por futebol.

A mística do Estádio Olímpico, a “casa” mais famosa do clube chamado de “Imortal”, começou a ser construída bem antes de sua inauguração mas, para história, permanece o registro de datas que marcam os acontecimentos mais importantes na existência deste templo do futebol.

O Estádio Olímpico foi inaugurado no dia 19 de setembro de 1954, numa partida contra o Nacional, do Uruguai, convidado para a celebração. Nesta disputa, o Olímpico conheceu seu primeiro personagem histórico: Vitor, o autor do primeiro gol da vitória de 2 a 0 contra os uruguaios saiu da reserva para guardar um lugar cativo na galeria dos grandes heróis. E fez não somente o primeiro, mas também o segundo gol da inauguração do estádio sendo efusivamente aplaudido pelas 35.511 pessoas que pagaram 200,00 cruzeiros (cadeiras), 20 cruzeiros (meia entrada) ou 10 cruzeiros (colegiais e praças).

A cidade de Porto Alegre vivenciou um momento de grande euforia pela inauguração do novo estádio do Grêmio FBPA. Assim descreve o jornalista Marcelo Ferla25.

Desde o meio-dia, filas quilométricas tomaram forma desde o estádio e se estenderam até a Igreja do Menino Deus, na rua José de Alencar. Além dos que pagaram para entrar, o número real de espectadores era bem maior, se levarmos em conta a turma que burlou a segurança e pulou a cerca de madeira, sobretudo crianças, e a grande quantidade de pessoas que viu o jogo sentada no gramado do morro Teresópolis, atrás do estádio. (FERLA, 2012, p. 51)

O Olímpico, como o próprio nome indica, foi construído para servir, além do futebol, em competições olímpicas, particularmente, provas de atletismo. Projetado pelo arquiteto Plínio Oliveira Almeida, vencedor de um concurso realizado em 1950 para esse fim, foi considerado na época de sua construção o maior estádio particular do mundo.

25 Marcelo Ferla é jornalista especializado na área musical. Colabora para diversas publicações nacionais e é autor de Segredo rebelde (Futuro, 2006), Música eletrônica (Abril, 2004) e Imortal tricolor (L&PM, 2003), que conta a história centenária do Grêmio Foot-ball Porto-Alegrense.

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Pelo fato de ter a estrutura necessária para receber provas de atletismo, em 1963 o Estádio Olímpico foi fundamental para Porto Alegre ser escolhida para sediar as Universíades26 ou Jogos Mundiais Universitários na primeira e única edição dos Jogos até hoje no Hemisfério Sul.

Ter sido sede das Universíades consagrou-se como um dos momentos marcantes da história do Olímpico. Foram utilizadas as instalações do estádio nas provas de pista, saltos, arremessos e lançamentos. Relato a mim conferidos pela senhora Ema Coelho, que foi a responsável pelo Museu do Grêmio no Estádio Olímpico dão conta de que a Abertura dos Jogos Mundiais Universitários, o segundo maior evento esportivo do mundo, àquela época, “foi uma das maiores glórias do estádio e um dos eventos mais lindos que Porto Alegre já viveu”, segundo depoimento de Ema Coelho de Souza.

O Estádio Olímpico, no auge de sua estrutura, quando passou a Olímpico Monumental, em 1980, tinha formato oval das arquibancadas que circundam o campo, mediadas pela pista de atletismo, que separa o campo de futebol das arquibancadas. O maior público do Olímpico chegou 98.421 (85.751 pagantes) em 26 de abril de 1981 Grêmio 0 - 1 Ponte Preta - Campeonato Brasileiro de Futebol, ano em que o Grêmio foi campeão brasileiro pela primeira vez, tendo Hélio Dourado como presidente.

Na metade do ano de 1980, o Estádio Olímpico, com o fechamento da última parte do anel superior, teve sua construção concluída. O projeto final, sempre coordenado pelo seu autor original, arquiteto Plínio Almeida, teve também a participação dos arquitetos e co-autores Rogério de Castro Oliveira e Fabio Boni. Desde então, a casa gremista passou a ser conhecida como Olímpico Monumental. No dia 21 de junho de 1980, uma vitória de 1 a 0 sobre o Vasco da Gama, em partida amistosa, marcou a inauguração do Olímpico concluído.

26 A III Universíada de Verão foi realizada em Porto Alegre, Brasil entre 30 de Agosto e 8 de Setembro de 1963. A cidade precisou ser modificada porque as provas aconteceram em diversos locais, sendo até hoje considerado o maior evento realizado na história da cidade. Foi construída uma vila olímpica, hoje um bairro da cidade, com dezenas de prédios e mais de 450 apartamentos. Também foi construído um ginásio de esportes especialmente para o evento, o atual ginásio da Brigada Militar. Por volta de 700 atletas de 27 países participaram do evento. Pela primeira vez, a Universíada foi realizada no hemisfério sul e no período de inverno, o que causou um esvaziamento no evento.

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Sua capacidade era de 46.000 pessoas. Possuia dois anéis, sendo o anel superior composto por cadeiras. Também possui em seu centro um conjunto de camarotes. A distância do gramado até a torcida é de 40,7 metros na parte da social. A altura da última fileira de cadeiras do anel superior em comparação com o gramado é de 15 metros. A distância da última fileira de cadeiras do anel superior até o gramado é de 68,83 metros. O gramado possui 105x68m, dimensão determinada pela FIFA em jogos de Copa do Mundo.

O Olímpico foi o lar dos tricolores. Foi platéia e foi palco, independente de ser campo ou arquibancada. Os seus protagonistas estavam em todos os lugares do estádio. Cada um com sua função. Os jogadores “dando o suor e o sangue” pelo time, bem apropriado às tradições dos times gaúchos. Na torcida, exacerbavam-se os sentimentos, da raiva à alegria, do thânatos ao eros. Instintos de morte e vida. Mas, sobretudo, manifestações miméticas que reproduzem individual e coletivamente os sentimentos de uma massa humana que, em sua coletividade, tem fortes vínculos de pertença.

Uma torcida de futebol é uma soma de solidões abissais. Cada cabeça é uma sentença, uma certeza, um segredo, um refúgio, uma personalidade que se funde com tantas outras para formar uma massa humana uniforme em suas diferenças. Cada um com suas histórias. Em azul, preto e branco. (FERLA, 2012, p.12)

O Olímpico, lugar de tantos momentos épicos vividos principalmente pela torcida gremista, não será mais um espaço geográfico entre a Rua Carlos Barbosa e a Avenida Azenha, em Porto Alegre, provavelmente ocupará um espaço na memória coletiva, não só de gremistas ou porto-alegrenses, mas também de todos que até mesmo longe deste lugar de memória, vivenciaram, pelo rádio, tv ou por relatos de outrém, um pouco das acontecências deste estádio.

Estádios de futebol são uma usina de histórias reais que compõem o fantástico imaginário do esporte mais popular do universo. Os acontecimentos de dentro do campo de jogo são narrados e mostrados e analisados ao vivo e depois revistos em coberturas amplas com suas muitas câmeras e lentes e microfones e opiniões. Transformam jogadores em santos. O jogo invisível das

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arquibancadas é distante do grande público como um evento de massa, mas bem mais próximo de cada um de nós. Desenvolve-se dentro do coração do torcedor. (FERLA, 2012, p. 11)

Das alegrias e tristezas que emergiram do Estádio Olímpico, voltamos o olhar para o que mais aproxima o torcedor ao seu “clube de coração”: as tradicionais manifestações de uma coletividade aficionada por um clube: suas memórias.

Este resgate da memória se dá na interlocução com teóricos que buscam a compreensão científica do que é a memória e do quanto esta representa para a formação identitária de um povo.

2.2. Aproximação ao Método

2.2.1 Pesquisa Qualitativa de Base Etnográfica

Esta pesquisa tem caráter qualitativo de base etnográfica uma vez que se caracteriza pela busca da compreensão dos pontos de vista das pessoas acerca de um patrimônio cultural concebido de forma particular e emotiva no imaginário desses atores sociais e recorrer à descrição e interpretação dos dados em contexto natural em que o local de memória é caracterizado por ser um componente cultural presente na vida e experiências sociais do grupo envolvido.

A pesquisa não tem a amplitude de uma etnografia, mas se filia a essa tendência no sentido de que, conforme afirma Spradley (1980)27, a preocupação da etnografia é com o significado que têm as ações e os acontecimentos para as pessoas. Alguns desses significados são expressos pela linguagem, outros pelo comportamento. Para ele, em toda sociedade as pessoas fazem uso de sistemas complexos de significados para organizar seu comportamento, compreendê-lo em relação a si e às outras pessoas e para dar um sentido ao seu mundo. Estes sistemas de significados constituem sua cultura. Para esse autor, o trabalho de campo envolve um estudo disciplinado para descobrir como é o mundo para as pessoas que

27 James P. Spradley (1933-1982) foi professor universitário, antropólogo e etnógrafo. Escreveu livros sobre antropologia, etnografia e pesquisa qualitativa.

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aprenderam a ver, ouvir, falar, pensar e agir de formas diferentes. Nesse caso, estamos tratando de uma comunidade que compartilha entre seus membros sentimentos em relação ao um patrimônio cultural, resultado de um envolvimento que, ao longo de suas vidas, promoveu experiências com em relação a um clube de futebol.

Nesse percurso, percorrer a busca de uma visão êmica, definida por Duranti (1997)28 como a visão que favorece o ponto de vista de uma comunidade e objetiva descrever como as pessoas constróem o significado a um determinado ato. Assim, podemos dizer que a atitude é que constitui o imaginário dessas pessoas em relação ao um local que marca a cultura futebolística de um time de futebol do Sul do Brasil.

Dessa forma, o cenário que engendra uma cultura particular, pertinente às vivências em contato com um patrimônio público, cria e recria histórias, resgata memórias e fertiliza o imaginário desses atores sociais, que compartilham de sentimentos e comportamentos de um contingente de atores sociais que a pesquisa não consegue contemplar em número, mas estão representados nas vozes daqueles escolhidos para a coleta de dados.

Assim, elegemos a entrevista qualitativa para ouvirmos os atores sociais escolhidos a qual compreendemos ser pertinente a essa abordagem de pesquisa e que atenderia à qualidade que buscamos. Sobre suas características, tratamos no item a seguir.

2.3 Instrumentos de Coleta de Dados

A coleta de dados consiste em entrevistas qualitativas por meio das quais são registradas as narrativas dos atores sociais, conteúdo de diário de campo com observação participante e análise documental.

2.3.1 Entrevista Qualitativa

A coleta de dados consistiu em entrevistas qualitativas com os atores sociais que criaram vínculos emocionais com o Grêmio e a história do Estádio Olímpico e

28 Alessandro Duranti, nascido em 17/09/1950 em Roma, Itália e atualmente é professor na Universidade da Califórnia em Los Angeles (EUA). É estudioso da área da Antropologia.

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tiveram participação em campo ou fora dele: torcedores, jogadores, ex-jogadores, funcionários e dirigentes ativos ou inativos no clube (entre estes, treinadores e/ou ex- treinadores) e membros da imprensa que acompanharam a história do Estádio Olímpico Monumental. Foram realizadas com o intuito de compor as narrativas dos atores sociais e realizadas em espaços previamente combinados com os entrevistados, aos quais foram dadas ampla ciência dos objetivos do nosso estudo, da entrevista e os conteúdos ou temas a serem abordados. As entrevistas seguiram roteiros previamente estabelecidos, com questões abertas e que puderam ser retomadas conforme a necessidade.

Para Mason29 (2002), a entrevista qualitativa tende a envolver a construção e reconstrução do conhecimento mais do que a exploração dele, é fortemente dependente da capacidade do participante falar, interagir, conceituar e lembrar. Para a autora, a entrevista qualitativa é uma troca interacional; assemelha-se a uma conversa informal com um propósito; constitui-se em uma narrativa com um tópico-central ou temático – o pesquisador tem tópicos, pontos de discussão e temas a serem seguidos; baseia-se no pressuposto de que o conhecimento é situado e contextual.

Em convergência com a argumentação da autora, compreendemos que esse instrumento de coleta de dados proporciona meios de descobrirmos como os atores sociais constroem seus pontos de vista mediante a sua relação com um patrimônio cultural, quais os elementos que convergem para dizer que um estádio edificado se torna um local de memória que poderá existir apenas no plano da abstração ou em registro imagéticos.

Para Rubin30 & Rubin31 (1995), a entrevista qualitativa tem por princípio descobrir o que os outros pensam e sabem, evitando impor aos entrevistados o

29 Jennifer Mason é professor de Sociologia na University of Manchester (Reino Unido). Tem publicado livros que tratam sobre a pesquisa qualitativa e pesquisas sociais. 30 Herbert J. Rubin é professor emérito de Sociologia na Northern Illinois University. É autor de Pesquisa Social Aplicada juntamente com Irene S. Rubin. Escreve artigos baseados na entrevista em profundidade e observação participantes ligadas a estudos de organizações que defendem pessoas pobres. 31 Irene S. Rubin é professora aposentada de administração pública da Northern Illinois University. Seu campo de estudos é a política de orçamento público nos EUA, incluindo os governos federal, estadual e local. Ela também escreveu sobre metodologia qualitativa e entrevistas.

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mundo e os conceitos do pesquisador. Em outras palavras, os entrevistadores qualitativos estão interessados na compreensão e conhecimentos dos entrevistados.

Portanto, encontramos nessa modalidade de entrevista uma forma para conduzir nossa coleta de dados, considerando que são entrevistas individuais e que envolve homens e mulheres de diferentes regiões (Sul e Centro-Oeste), mas que compartilham entre si o conhecimento e sentimento de pertença ao Estádio Olímpico. Nada mais é do que uma conversa com o propósito de descobrir nas histórias contadas por torcedores, dando sentido a subjetividades e simbologias como as pessoas constroem sua cultura em relação ao seu clube de futebol e de seus Lugares de Memória.

A proposta de pesquisa que apresentamos terá uma abordagem qualitativa na análise dos dados coletados, pois se trata de “aferir” subjetividades e percepções que estão ligados à dimensão emocional dos sujeitos deste estudo, dando voz aos atores sociais que viveram a história do Olímpico e com esse tem vínculos afetivo e sócio- cultural, construindo assim um registro de sua relação de pertencimento com o estádio.

Com relação aos sujeitos, foram feitos contatos através de telefonemas ou mensagens de e-mail, seguidos de entrevistas formais e em profundidade com os atores sociais que compõem o elenco de entrevistados participantes dessa pesquisa (quadro descritivo no item 9.3).

2.3.2 Narrativas

As narrativas nas quais os atores sociais apresentam suas histórias e conecção afetivas e factuais que fazem parte das memórias em relação ao Estádio Olímpico e vivências relativas ao Grêmio, foram o conteúdo presentes nas entrevistas. No que se refere à narrativa, Barthes32 (1993, p. 251) afirma:

32 Roland Barthes (1915 – 1980) era francês. Foi pesquisador, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo.

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(...) Sob quase infinita diversidade de forma, a narrativa está presente em cada idade, cada lugar, em cada sociedade; ela começa com a própria história da humanidade e nunca existiu, em nenhum lugar e em tempo nenhum, um povo sem narrativa. Não se importa com boa ou má literatura, a narrativa é internacional, trans-histórica, transcultural: ela está simplesmente ali, como a própria vida.

Em consonância com o pensamento do autor, compreendemos que nas narrativas de atores sociais que trazem à superfície as memórias inerentes ao estádio aos fatos vivenciados ao longo de várias décadas permeados pelas apreciações pessoais constituídas nas experiências e aspectos emocionais.

2.3.3 Análise Documental

Foram analisados documentos que tratam do processo de construção e ampliação do estádio, registro imagético (filmes, documentários, gravações de jogos, fotos, gravuras, croquis e plantas do estádio), registro áudio-fônico (de jogos, entrevistas de personalidades ou pessoas comuns), registros dos que ajudaram a contar a construir a memória do Olímpico também foram usados como fontes de pesquisa.

Além dos dados mencionados, mais especificamente foram levados em consideração para análise: a) Conteúdo de reportagens dos jornais Correio do Povo e Zero Hora, ambos de Porto Alegre; b) Documentos que tratam da construção e ampliação do Olimpico (1954 – Olímpico e 1980 – Olímpico Monumental, respectivamente).

2.3.4 Observação Participante

Realizaramos observações com produção de notas de campo, anotadas em um diário de campo. Foram realizadas com o intuito de registrar episódios ou detalhes que contribuiram para reflexões importantes ao estudo.

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2.4 Os Atores Sociais

2.4.1 Quadro Descritivo dos Sujeitos da Pesquisa

Para compor o rol de narrativas que constituiram o resgate da memória do Estádio Olímpico, buscamos a interlocução através de entrevistas com atores sociais que apresentam uma ligação emocional ou que foram importantes na história do estádio, sendo ou não torcedores do Grêmio FBPA. Nesse sentido, apresentamos um quadro descritivo com os atores sociais que compõem o elenco deste estudo no intuito de construir a memória do Olímpico viva e presente no dia a dia.

Quadro 1 – Descrição dos Sujeitos de Pesquisa

Ator Social Qualificação do Ator Social / Perfil / Motivação da Escolha

01- Anderson Jogou no Grêmio em duas fases 2006/2007 e 2008/2009. Foi, Simas Luciano durante o tempo em que atuou no Grêmio, o principal jogador. () Querido pela torcida, simbolizava o misto de técnica refinada com garra. Atualmente é auxiliar técnico no Coritiba FC. 02- Antônio Carlos Supervisor de Futebol do Grêmio – Jogador do Grêmio da Verardi década de 50. Trabalha no Grêmio há 52 anos. É supervisor de futebol e um dos funcionários mais respeitados do clube. Atuou como jogador e, na condição de supervisor, foi durante muitos anos o chefe da delegação do clube, inclusive nos dois primeiros campeonatos mundiais interclubes em que o Grêmio participou. 03- Atílio Ancheta Uruguaio de Florida, foi considerado o melhor zagueiro da Copa do Mundo de 1970. Jogou no Grêmio na década de 70. Embaixador do Grêmio. Percorre o Brasil a convite de consulados do clube. Profundamente identificado com o Gremio FBPA e o Estádio Olímpico. 04- Danrley Jogador do Grêmio na década de 90. É chamado de filho do Hinterholz de Olímpico. Atuou no Grêmio desde as categorias de base, Deus chegando a morar nos alojamentos do Estádio Olímpico Monumental. Foi multi-campeão atuando pelo Tricolor Gaúcho. Atualmente é deputado federal, representando o estado do Rio Grande do Sul. 05- Ema Coelho de Foi responsável pela criação e organização do Museu do Souza Grêmio. Profunda conhecedora do acervo de conquistas do clube e a colaboradora que organizou o memorial do Grêmio FBPA. Acompanhou o nascimento do Estádio Olímpico.

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06- Fernando Jornalista. Atualmente é funcionário do Grupo RBS/Globo em Becker Porto Alegre. É setorista no Grêmio. Profundo conhecedor de futebol. Foi jogador nas cateforias de base do Guarany de Venâncio Aires, treinado por .

07- Giscard Torcedor e Cônsul do Grêmio em Madri quando o Stephanou entrevistamos. É funcionário público em Brasília. Atualmente é o Cônsul do Grêmio em Brasília – DF. 08- Gislaine Neta de torcedor gremista que ficou mais conhecido depois de Cardoso morrer ao ser sepultado de frente ao Olímpico. Torcedora do Internacional. Trabalha como motorista de uber. 09- Hélio Devinar Torcedor do Grêmio. Artista plástico, fotógrafo e caricaturista. Trabalhou nos Jornais Correio do Povo e Folha da Tarde. Atualmente, trabalha como colaborador do Museu do Grêmio.

10- Helio Wolkmer Foi presidente do Grêmio FBPA de 1976 à 1981. Deixou um Dourado grande legado no clube. É o terceiro Patrono da história do Grêmio. Foi o maior opositor à demolição do Olímpico. Foi o grande artífice da conclusão, em 1980, do Estádio Olímpico, transformado-o em “Olímpico Monumental”. Faleceu aos 87 anos no dia 1º de agosto de 2017.

11- João de Torcedor do Grêmio. Compositor, intérprete e crítico musical. Almeida Neto Canta músicas tradicionalistas gaúchas e MPB. Gravou clássicos de Nelson Gonçalves. É frequentador assíduo do Estádio Olímpico Monumental desde a sua juventude. 12- José Tarciso Jogador do Grêmio nas décadas de 70 e 80. Campeão do de Souza mundo pelo Grêmio em 1983, em Tóquio, no Japão, maior conquista do clube. Participou da campanha de construção do Olímpico Monumental no final da década de 70. Atualmente é vereador em Porto Alegre. 13- José Carlos Torcedor – membro do grupo “Gremistas do DF”. Frequentador Blanco Cortês assiduo do Estádio Olímpico desde a infância. Entusiasta pela história do clube. Economista em Brasilia.

14- Júlio César Jornalista e torcedor gremista. Cobriu jogos do Grêmio como Tábile jornalista e tem profunda identificação com o clube como torcedor. Atualmente é assessor de imprensa do Sinop Futebol Clube, na cidade de Sinop – MT.

15- Júlio Titow Jogador do Grêmio na década de 70. Campeão Gaúcho de (IURA) 1977. Como conselheiro do clube se posicionou contrário à demolição do Estádio Olímpico. Atualmente é empresário em Porto Alegre no ramo de próteses usadas na área da odontologia.

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16- Laert Lopes Jornalista em Porto Alegre. Desenvolveu um banco de dados com as fichas técnicas de todos os jogos de Grêmio e Inter. Torcedor de Grêmio e Corínthians, Laert Lopes frequentou o Estádio Olímpico desde a sua juventude até a desativação do estádio para jogos oficiais. 17- Maria das Torcedora do Grêmio. Empresária em Brasília. Faz parte do Dores dos Consulado do Grêmio em Brasília – DF. Faz parte do consulado Santos (DORA) do clube na capital federal. 18- Mário Jardel Jogador do Grêmio na década de 90. Fez carreira também na Almeida Ribeiro Europa. Jogou no Porto, de Portugal e por duas vezes conquistou o prêmio “Chuteira de Ouro da UEFA” como maior artilheiro do futebol europeu em 1999 e 2002. Um dos grandes exponentes do título brasileiro de 1996, do título da Copa do Brasil de 1997. Foi eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul em 2014. Em dezembro de 2016 teve o mandato de deputado cassado por falta de decoro parlamenta.

19- Paulo Fernando Foi jogador do Grêmio na década de 60. Em 72 saiu do Grêmio da Silva Bueno e foi contratado pelo CEUB, de Brasília. Participou das (PAÍCA) categorias de base do Grêmio FBPA e jogou como profissional no clube até 1972. Participa do grupo “Gremistas do DF” 20- Rafael Torcedor do Grêmio. Professor na Universidade Federal do Rio Arenhaldt Grande do Sul. Profundamente identificado com o clube. É frequentador da Geral, a parte mais fanática da torcida do Grêmio. 21- Túlio Lustosa Jogou no Grêmio, Corínthians e Botafogo, entre outros clubes. (GUERREIRO) Jogando pelo Grêmio, nunca perdeu uma partida no Estádio Olímpico. Atualmente é gerente de Futebol do Goiás e presidente licenciado do Gama Esporte Clube – DF. 22- Vilmar da Silva Torcedor do Grêmio. Cônsul do Grêmio em Brasília – DF, Fogaça quando concedeu-nos a entrevista. Frequentador do Estádio Olímpico. Atualmente é lider do grupo “Gremistas do DF”. É militar da reserva.

2.5. O Grupo Focal “Gremistas do DF”

Dos vinte e dois entrevistados, cinco (Cortês, Fogaça, Paíca, Dora e Giscard) fazem parte do grupo de torcedores – Paíca é também ex-jogador – que acompanhamos em Brasília.

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Figura 2 – Foto com alguns integrantes do grupo de torcedores “Gremistas do DF” juntamente com torcedores do Atlético Mineiro, acompahando pela TV as semi-finais da Copa do Brasil 2016, em Brasília. Da esquerda para direita: Cortês, Luís Fernando, Fogaça e João Batista.

Com o grupo de “Gremistas do DF” acompanhamos os jogos do time pela TV e em um jogo, em Goiania, no dia 02 de agosto de 2017, contra o Atlético Goianiense.

2.6 Abordagem interpretativa dos dados

Durante e após a coleta de dados e nas transcrições de entrevistas, ficamos atentos aos possíveis sentidos que podiam sinalizar temas recorrentes e relevantes ao resgate da memória social, como o fato de prestar atenção nos termos, nas metáforas e até no tom das vozes dos participantes do estudo. Essas questões constituíram-se em estratégias que utilizamos para estabelecer categorias e mapear os sentidos. Isto significa que ao ler os dados, enquanto pesquisadores, não pretendemos só descrevê-los, mas analisá-los e interpretá-los.

Por conseguinte, de todos os dados coletados e transcritos a partir das entrevistas e narrativas dos atores sociais e notas de campo, documentos investigados, artigos jornalísticos, notas das do diário de campo e outras publicações que ajudam a compor as memórias do Olímpico, organizamos em categorias de maneira a discutir pontualmente os dados recorrentes.

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2.7 Categorias Analíticas

Como forma de sistematizar e facilitar a compreensão da análise, construímos categorias de análise à posteriori, ou seja, a partir das entrevistas/narrativas coletadas, bem como diário de campo, artigos jornalísticos, documentos oficiais que tratam da história do Estádio Olímpico Monumental, construímos as categorias que compõem a interpretação e análise dos dados. Assim, sob a forma de análise em categorias a posteriori, apresentaremos no Capítulo 4, os temas que mais foram recorrentes os quais tranformamos em categorias, com base nas quais sustentamos a análise do trabalho. São elas: (4.1) o Estádio Olímpico como patrimônio; (4.2) Memória e identidade: a noção de pertencimento; (4.3) Os jogos monumentais; (4.4) Memória da Diversidade, (4.5) A personificação do lugar e (4.6) O Estádio Olímpico Monumental como lugar de memória.

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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A demolição do Estádio Olímpico, nosso objeto de pesquisa, perpassa fundamentalmente, pela discussão e análise das narrativas de autores sociais e suas lembranças situadas no tempo histórico que vem desde a construção do estádio, ou mais remotamente ainda, da existência do Grêmio enquanto clube de futebol.

Para o resgate da memória coletiva do Olímpico, a partir dessas narrativas, é preciso buscar a compreensão e apropriação dos conceitos de memória e sua relação com a identidade, o pertencimento e a força simbólica do futebol para a sociedade brasileira. Nesse sentido, organizamos este aporte teórico com três sub-títulos: (5.1) “O que é Memória?”, (5.2) “Memória Coletiva, Identidade e Sociedade” e (5.3) “Lugar de Memória”.

Para tratar do conceito de memória - apesar deste estudo referir-se à memória coletiva, ou seja a dimensão social e cultural da memória - não faremos uma abordagem do conceito neurológico de memória, mas situamos o contexto do estudo a partir um reconhecido autor que tornou seu trabalho reconhecido a partir de pesquisas acerca da memória individual. Trata-se do neurocientista Iván Ysquierdo33, que discorre sobre memória individual e neurológica sem deixar de fazer um elo com a memória social. O pesquisador parte do pressuposto de que a memória se constitui numa capacidade neurológica do ser humano, assim como de outras espécies, mas que nos humanos tem uma estreita ligação de interdependência com as emoções. Para Izquierdo, as emoções são evocadoras de lembranças e essas lembranças são produtos de nossas relações sociais.

Assim, para estudar a memória enquanto uma produção social, coletiva e que cria referências que evocam lembranças – os “Lugares de Memória” – a partir de uma dimensão cultural, simbólica e identitária, recorremos principalmente a Pierre Nora,

33 Naturalizado brasileiro em 1981, Iván Izquierdo é o pesquisador latino-americano com mais citações por seus pares e já recebeu mais de 60 premiações, como a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Científico, o Prêmio Conrado Wessel e a comenda da Ordem de Rio Branco. Todos os dias, antes de ir à PUC- RS, lê dezenas de trabalhos científicos recém publicados. Aos 78 anos, Izquierdo permanece pesquisando.

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Michael Pollak34, Ecléa Bosi35, Maurice Halbwacs36, Zigmunt Bauman, Nildo Viana37, Cláudia Aristimunha38.

3.1 O que é Memória?

A memória do medo nos mantém vivos.

[Iván Izquierdo]

No cotidiano, realizamos as mais diversas tarefas, interagimos com outros seres e expressamos múltiplas formas de linguagem em todas experiências que vivemos. Contudo, esquecemos a maioria das coisas que fazemos, dizemos, ouvimos, vemos. O dia de ontem é um bom exemplo disso e nos parece, muitas das vezes, tão distante quanto as acontecências de nossa infância.

Talvez possamos contar como foi o dia de ontem e as coisas mais importantes que nos aconteceram, em poucos minutos, afinal, temos a impressão de que o dia de ontem passou tão ou mais rápido do que os 10 minutos finais de uma partida de futebol para o time que está perdendo. São lembranças que fluem tão líquida e vagamente em nossa memória que temos que fazer um grande esforço para lembrar de situações que nos apresentam cotidianas e corriqueiras.

São amontoados de informações que, não tendo um significado latente na nossa dimensão afetiva, passam desapercebidos e não ficam registrados no conjunto de nossas lemmbranças.

34 Michel Pollak, sociólogo, nasceu na Austria em 1948 e faleceu em Paris em 1992. Foi pesquisador do Centre National de Recherches Scientifiques – CNRS. Conduziu estudos que enfocaram as relações entre política e ciências sociais, especialmente o problema da identidade social em situações limites. 35 Ecléa Bosi é professora emérita e titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 36 Maurice Halbwachs (Reims, 11 de março de 1877 — Buchenwald, 16 de maio de 1945) foi um sociólogo francês da escola durkheimiana. Escreveu uma tese sobre o nível de vida dos operários, e sua obra mais célebre é o estudo do conceito de memória coletiva, que ele criou. 37 Nildo Silva Viana é sociólogo e filósofo brasileiro. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás, é mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás e em Sociologia. 38 Cláudia Aristimunha é historiadora e desenvolve pesquisas no Núcleo de Estudos de Iconografia e Memória do LEER- Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação do Departamento de História da FFLCH/USP e pesquisadora do Grupo de Pesquisa no CNPq Memória e História da UFRGS.

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Ocorre que, diariamente absorvemos um universo cada vez maior de informações, graças às próteses que as novas tecnologias nos oferecem. Ao contrário do que o senso comum diria de um cientista, Iván Izquierdo trabalha com emoção e leva conceitos das artes para o laboratório.

Em entrevista a Bruno Felin39, Ysquierdo refere-se ao escritor Jorge Luis Borges, argentino como ele, e foi quem o colocou no caminho do estudo da memória, assunto em que é um dos maiores especialistas no mundo. Neste trecho da entrevista, relata a ligação com a literatura onde esclarece que a memória, mais do que uma capacidade neurológica, tem a ver com o conjunto de experiencias ou interações sociais que vivemos e o quanto estas experiências são capazes de marcar nossa história de vida.

Guardo lembranças de coisas que Borges falou. Por exemplo, uma coisa que ele mostrou claramente em um conto, e isso permeou minha vida na memória, é que não é possível nem conveniente ter uma memória perfeita. Se tem uma memória perfeita, não vai poder generalizar quase nunca, porque vai estar tudo perfeito na cabeça a todo tempo, e aí não tem como comparar uma coisa com a outra corretamente. Para comparar uma coisa com a outra, tem de esquecer algum detalhe de uma para poder encaixar o da outra. (YZQUIERDO, 2016, sp)

A partir dessa imperfeição ou imprecisão da memória, lembramos das experiencias que nos impactaram emocionalmente, sejam elas de curto, médio ou longo prazo. Por vezes, como dito anteriormente, lembramos mais de eventos que remontam à nossa mais tenra infância do que fatos corriqueiros que ocorreram recentemente pelo simples motivo de que tudo aquilo que se constitui em fato emocionalmente marcante fica registrado em nossa memória. Muito pouco do que experenciamos ou recebemos de informações, ficam na nossa lembrança.

E não sabemos para onde vai essa informação. Sabemos bioquimicamente, em detalhe, o que acontece quando a emoção faz a gente gravar uma memória. Vamos emocionar uma pessoa que está aprendendo algo para ver se ajuda? E depois, se não as emocionarmos, não vão lembrar? Já sabemos muito bem que as emoções ajudam a registrar melhor as memórias, mas com isso não fazemos mais nada. (YZQUIERDO, 2016, sp)

39 Jornalista. Reportagem obtida no Jornal Zero Hora, de Porto Alegre. http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/02/ivan-izquierdo-a-memoria-do-medo-nos-mantem- vivos-4979285.html

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Assim, fatos que marcaram positiva ou negativamente nossas vidas, constituem-se em fatores impulsionadores ou desencadeadores de lembranças que nos acompanham ao longo de anos.

Desse modo, “dá para dizer que memória e emoção andam de mãos dadas no vasto espaço de nosso cérebro e de nossas vivências” (BOUER, 2010 p.33).

Entendemos, portanto, que emoção e memória, têm uma relação de interdependência: lembro e me emociono ao mesmo tempo em que ao me emocionar, lembro mais facilmente.

Memória, portanto, para além de garantir a cada indivíduo as condições de sobrevivência no plano fisiológico, relaciona-se à construções do humano que vive em coletividade. Daí, extraímos que a memória está na categoria de linguagem que representa a dimensão social. Lembramos a partir das relações e interações com os outros, construíndo um acervo de informações acerca de experiências que nos dão uma localização na sociedade, num determinado grupo profissional, num grupo familiar, bem como na torcida de um clube de futebol.

A dimensão da memória e a dimensão afetiva estão imbricadas numa relação, como dito anteriormente, de interdependência. Sentimos e lembramos, assim como lembramos e sentimos. Às vezes, sentimos e buscamos esquecer. Lembramos e procuramos não sentir. É um ir e vir constante, que relaciona o indivíduo à sociedade e a sua noção de pertencimento.

Até aqui, constatamos que, para além da memória no âmbito da dimensão neurológica, o humano extrai de suas vivências tudo aquilo a que atribui importância e significado, especialmente na dimensão afetiva. Portanto, dessas vivências/convivências – sempre coletivas – produzem-se memórias.

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3.2 Memória Coletiva, Identidade e Sociedade

Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente,

somos habitados por uma memória

[José Saramago]

As discussões acerca do fenômeno memória, especialmente a memória coletiva, conduzem a estudos elaborados no âmbito de várias ciências como a Sociologia, Psicologia, História, Antropologia e algumas mais relacionadas ao campo de estudo em que desenvolvemos o presente fazer investigativo: a Antropologia e Sociologia do Esporte - no viés de estudo da Educação Física na linha sócio cultural.

São os próprios educadores que tomaram em mãos a história da educação, a começar pela educação física, até o ensino de filosofia. Com o abalo dos saberes constituídos, cada disciplina se colocou o dever de verificar os fundamentos pelo caminho retrospectivo de sua própria constituição. A sociologia parte em busca de seus pais fundadores, a etnologia, desde os cronistas do século XVI até os administradores coloniais se põe a explorar seu próprio passado. (NORA, 1993, p.17)

No campo de estudo da Sociologia do Esporte, território que também explora as manifestações catárticas dos protagonistas dos espetáculos – especialmente jogadores e torcedores – os estudos da memória coletiva ocupam-se de registrar as narrativas de seus atores sociais e que correspondem à evocações de lembranças de um passado mais ou menos remoto. Narrativas que se constituem em lembranças e percepções individuais de determinados eventos, mas que tem um significado coletivo.

Haveria então, na base de toda lembrança, o chamado a um estado de consciência puramente individual que - para distingui-lo das percepções onde entram elementos do pensamento social - admitiremos que se chame intuição sensível. (HALBWACHS, 2004: p.41)

Considerando-se o caráter emocional e social da memória é possível afirmar que existem memórias comuns dentro de um determinado grupo, como o caso de uma torcida de futebol. São memórias coletivas que se processam a partir do convívio entre

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seus pertencentes. Assim, buscamos a definição de memória coletiva em Paolo Jedlowski40 : Para o sociólogo, memoria coletiva trata-se de:

(...) um conjunto de representações sociais que têm a ver com o passado, produzidas, guardadas e transmitidas por um grupo pela interação com seus membros. [...] o que constitui propriamente uma “memória coletiva” [...] não é tanto o caráter comum dos seus conteúdos, mas o fato de que estes sejam produto de uma interação social, de uma comunicação que tenha a capacidade de escolher o que é importante e significativo no passado, em relação aos interesses e à identidade dos membros de um grupo. (JEDLOWSKI, 2003, p. 225- 226, apud FREIXO;TEIXEIRA, sd, p.2)

Viana (2006) parte da premissa da memória como sendo uma consciência virtual, que quando ativada “conduz” ao passado através de lembranças. Ao processo de ativação das lembranças, guardadas na consciência virtual, o autor chama de recordações as quais são selecionadas a partir de valores e sentimentos das pessoas. Valores estes que são constituídos socialmente a partir do que consideram importante, relevante ou significativo.

Além dos valores, os sentimentos também são fundamentais para a ativação da memória. Para Viana (2006) os sentimentos não significam o mesmo que emoções, pois estas são reações pontuais, momentâneas, enquanto que os sentimentos são duradouros e determinam as relações da pessoa com outros indivíduos ou coisas. Talvez essa constatação explique as manifestações explosivas de um torcedor até contra o próprio time e seus jogadores durante uma partida de futebol, pois são situações que afloram as emoções, inclusive de raiva, mas são pontuais. O que fica para o torcedor é o sentimento de amor e pertença ao time que torce.

As noções de memória e sociedade são ambíguas, pois ambas estão subsumidas no termo representações, um conceito operatório no campo das Ciências Humanas e Sociais, referindo-se a um estado em relação à primeira e a uma faculdade em relação à segunda. (CANDAU, 2016, p.21)

A ativação da memória, especialmente a memória coletiva, se dá também por pressão social quando os fatores que a evocam são produzidos por sua importância social, como casamentos e aniversários. Celebrações estas que são construções sociais com a finalidade de marcar datas que tem significação para o grupo e para a

40 Paolo Jedlowski (nasceu em Milão, 1952), sociólogo. É conhecido como “sociólogo da vida cotidiana”.

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memória coletiva. Ao historiador ou memorialista cabe explorar os detalhes lembrados por cada ator social. Os detalhes resultarão em um conjunto e estes se somarão a outros conjuntos. Todos com mesmo grau de importância e interesse.

Ora, um tal gênero de apreciação resulta de que não se considera o ponto de vista de nenhum dos grupos reais e vivos que existem, ou mesmo que existiram, para que, ao contrário, todos os acontecimentos, todos os lugares e todos os período estão longe de apresentar a mesma importância, uma vez que não foram por eles afetadas da mesma maneira” (HALBWACHS, 2004: pp. 89-90).

No entanto, a efemeridade produzida pela onda da modernidade líquida, distancia o humano do próprio humano, de seu tempo cronológico, da importância de datas para situar sua história de vida e de tudo o que causa vínculo de pertencimento. Talvez isso explique a falta de compromisso com as outras pessoas e até com as coisas, atribuindo-lhes pouca valoração. Não é diferente para os lugares. Um Lugar de Memória, dada a volatilidade do mundo pós-moderno, perde a importância enquanto uma referência de memórias, histórias e estórias e passa a ser um mero espaço geográfico. Aduz-se, desse modo, que um estádio, como o Olímpico, mesmo com todo o valor simbólico e aura que o identificam na memória das pessoas que o conheceram direta física ou virtualmente, é sucumbido justamente devido ao apelo por algo novo e que abrigue os desejos da contemporaneidade ou “modernidade líquida”.

Bauman (2005) critica a efemeridade da vida pós-moderna, onde tudo flui numa velocidade implacável, deixando para trás resquícios de vida que não se apercebem no mundo, não têm uma reflexão da própria existência, pois passam pela vida como seres automatizados que somente respondem aos estímulos induzidos pelas novas tecnologias.

Em aeroportos e outros espaços públicos, pessoas com telefones celulares equipados com fones de ouvido ficam andando prá lá e prá cá, falando sozinhas e em voz alta, como esquizofrênicos paranóicos, cegas ao ambiente ao seu redor. A introspecção é uma atitude em extinção. Defrontadas com momentos de solidão em seus carros , na rua ou nos caixas de supermercados, mais e mais pessoas deixam de se entregar a seus pensamentos para, em vez disso, verificarem as mensagens deixadas no celular em busca de algum tipo fiapo de evidência de que alguém, em algum lugar, possa desejá-las ou precisar delas. (BAUMAN, 2005, p. 31-32)

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Experiência típica àqueles indivíduos que vivenciaram comunidades circunstancialmente reconfiguradas ideologicamente ou que se reconfiguraram por influência doutras comunidades (ausente em membros de “sociedades fechadas”, com nível de integração pleno – noutras palavras, fenômeno tipicamente moderno). Bauman relata a experiência pessoal de ruptura e mobilidade entre comunidades a fim de exemplificar o processo identitário líquido moderno.

Ao referir-se a identidade coletiva Michel Pollak (1989), traz a ligação entre o que se constitui enquanto memória – individual ou coletiva e o processo de construção da identidade. O autor, no conjunto de sua obra, utilizou-se da história oral enquanto método de pesquisa por considerar que as histórias de vida são elementos fundamentais para formar uma tessitura da memória coletiva. Essa tessitura se constrói a partir do que o autor chama de pontos fixos que remetem a lembranças de mais de um ou vários indivíduos (atores sociais) apesar do mesmo reconhecer que a memória é flutuante, mutável e nunca se manifesta de forma cronológica nas lembranças do indivíduo.

Todos que já realizaram entrevista de história de vida percebem que no decorrer de uma entrevista muito longa, em que a ordem cronológica não está sendo necessariamente obedecida, em que os entrevistados voltam várias vezes aos mesmos acontecimentos, há nessas voltas a determinados períodos da vida, ou a certos fatos, algo de invariante (POLLAK, 1989, p. 2).

Nas entrevistas que realizou, buscando conhecer a história de vida dos sujeitos investigados, Pollak observou que as lembranças, sejam elas individuais ou coletivas representam acontecimentos vividos pelo próprio entrevistado ou acontecimentos vividos “por tabela”, ou seja experiências vivenciadas pelo seu grupo de identificação ou pertença. Para ilustrar a afirmação de Pollak, recorremos ao Maracanaço41, como ficou lembrada a derrota do Brasil para o Uruguai em 1950, no Estádio Maracanã, . A grande maioria dos brasileiros que gostam de futebol e que, mesmo não tendo vivenciado aquele acontecimento, sente frustração parecida, senão maior, devido à carga histórica, mesmo que “por tabela”, a partir dos relatos dos mais velhos,

41 Em 16 de julho de 1950, diante de um publico aproximado de duzentas mil pessoas, a Seleção Brasileira de Futebol, que precisava de um simples empate para sagrar-se campeã mundial, experimentou, até então a maior frustração ao perder para Seleção Uruguaia por 2 a 1.

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da repercussão da mídia e de todas formas de registros orais que passaram de geração a geração.

Pollak (1989) sugere que, muitas vezes, as pessoas relatam experiências vividas sem ter a certeza de terem realmente vivido essas experiências. Portanto, nesse caso o pesquisador não pode atribuir de maneira cabal todos relatos de eventos como se estes tivessem sido vivenciados pelo sujeito entrevistado. Além desta memória de acontecimentos vividos por tabela, Pollack discute também a memória herdada ou projetada, a partir da memória de acontecimentos vividos “por tabela”, que faz referência à transmissão de situações vivenciadas por uma coletividade e que são passados de uma geração para outra.

Na tentativa de avançar na compreensão do conceito de “memória herdada” de Pollak, buscamos a referência que o autor faz aos soldados alemães com “capacetes pontudos”. A partir de um trabalho de entrevista que o autor realizou com pessoas que vivenciaram a Segunda Guerra Mundial, estas relataram acontecimentos que faziam referência a soldados que utilizavam capacetes pontudos. Acontece que os capacetes pontudos não foram utilizados no segundo grande conflito do século XX, apenas no primeiro.

Numa série de entrevistas que fizemos sobre a guerra da Normandia, que foi invadida em 1940 pelas tropas alemãs e foi a primeira a ser libertada, encontramos pessoas que , na época do fato, deviam ter por volta de 15, 16, 17 anos, e se lembravam dos soldados alemães com capacetes pontudos (casques à pointe). Ora, os capacetes pontudos são tipicamente prussianos, do tempo da Primeira Guerra Mundial, e foram usados até 1916, 1917. Era portanto uma transferência característica, a partir da memória dos pais, da ocupação alemã da Alsácia e Lorena na Primeira Guerra, quando os soldados alemães eram apelidados de “capacetes pontudos”, para a Segunda Guerra (POLLAK, 1989, p. 3).

Projeções como a relatada acima podem ocorrer em relação a eventos, lugares e personagens (como ocorrera no Maracanaço!) e além disso, destaca que o problema dos vestígios datados da memória que refere-se ao que fica gravado como data precisa de um acontecimento em função da experiência pessoal ou pública de um sujeito. Pelos relatos do autor, datas pessoais tendem a ser mais precisas do que as datas públicas ou acontecimentos atrelados a vida política de uma coletividade.

Quando fizemos entrevista com donas de casa da Normandia que passaram pela guerra, pela Ocupação, pela libertação etc., as datas

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precisas que pudemos identificar em seus relatos eram as da vida familiar nascimento dos filhos, até mesmo datas muito precisas de nascimento dos primos, todas as primas, todos os sobrinhos e sobrinhas. Mas havia uma nítida imprecisão em relação às datas públicas, ligadas à vida política (POLLAK, 1989, p.51).

Por outro lado, o autor acrescenta que em entrevistas dirigidas a personagens públicas, a vida pessoal, em família, não aparece no relato. A esse fenômeno, podemos inferir que as grandes personalidades púbicas ou simplesmente pessoas que destinam a maior parte do seu tempo à esfera pública ou social, dispõe de menos lembranças de situações vivenciadas em família ou, pelo menos, não conseguem situar estas lembranças de forma cronológica.

Aduz-se, portanto, que uma personalidade pública, seja um político famoso, um jogador de futebol renomado ou um artista cultuado conservam muito mais lembranças de sua vida pública, especialmente por esta sempre ser evocada a partir do relacionamento com a mídia, registros imagéticos, interlocuções com os fãs e, provavelmente, questões subjetivas como a construção do ego enquanto uma personalidade, o que a distancia da percepção de si mesma enquanto pessoa comum, afinal, como cita Michael Pollak, “a memória é seletiva, nem tudo fica gravado” (p.4). Para Pollack, a memória é um fenômeno construído.

A memória é, em parte herdada, não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da memória. Isso é verdade também em relação à memória coletiva, ainda que esta seja bem organizada. Todos sabem que as datas oficiais são fortemente estruturadas do ponto de vista político. Quando se procura enquadrar a memória nacional por meio de datas oficialmente selecionadas para as festas nacionais há muitas vezes problemas de luta política. A memória organizadíssima, que é a memória nacional, constitui um objeto de disputa importante, e são muito comuns os conflitos para determinar que datas e que acontecimentos vão ser gravados na memória de um povo (1989, p. 3).

Nesse sentido, podemos também trazer os conceitos de “memória herdada” e “memória seletiva”, destacados por Pollak, à memória construída por torcedores de futebol. Afinal, na medida em que cultuam um ídolo, assim como os grandes feitos de seu time, assumem o papel de autores de um enredo que valoriza o herói e a vitória, separando e selecionando estes dos vilões e dos momentos de fracassos em competições proporcionados por seu clube.

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A memória é, portanto, seletiva. Escolhemos o que lembrar e o que esquecer, mesmo que num processo, muitas vezes inconsciente. Bouer (2015) corrobora com os estudos de Pollak, quando trata do caráter de seletividade da memória.

Lembrar pode ser bom, mas também pode ser pesado. Assim, fatos ou momentos complicados de nossa vida podem ser “abafados ou ter um acesso muito mais restrito ao nosso complexo sistema de memórias, até como que uma tentativa de nos preservar ou proteger. Freud, mesmo sem o apoio da neurociência, já havia claramente descrito esse fenômeno no final do século 19. Fica claro que o livro que prefiro, a paixão forte que tive, o filme que me marcou intensamente são muito mais facilmente acessados no meu cérebro, para o bem e para o mal, do que fatos que passaram batidos, porque não produziram fortes impactos. (BOUER, 2015, p.33)

Os aspectos positivos são ressaltados e transmitidos de geração a geração, proporcionando também a criação de mitos e lendas, num processo de construção coletiva de memória. Esse processo pode ser consciente ou inconsciente.

Constatada a memória enquanto um fenômeno construído individual e coletivamente, Pollak acrescenta que esta tem uma ligação muito estreita com o sentimento de identidade.

(...) a memória é um fenômeno construído. Quando falo em construção, em nível individual, quero dizer que os modos de construção podem tanto ser conscientes como inconscientes. O que a memória individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de organização (Pollak,1992, p. 3-4).

Pollak toma o sentido de identidade de maneira volátil, não fixa, porque “é o que basta no momento, que é o sentido da imagem de si, para si e para os outros”. Assim, o sentido identitário se estabelece como uma imagem que uma pessoa constrói ao longo de sua existência e que reflete a maneira como ela quer ser percebida pelos outros. O autor acentua que memória e identidade apresentam processos maiores de consolidação em nações constituídas (enquanto Estado) há séculos, diferente do que acontece com estados nacionais recentes, onde memória e identidade coletiva apresentam, segundo o autor, “feições diferentes”.

Bauman (2004, p. 30) percorre a mesma seara ao afirmar que “quando a identidade perde as âncoras sociais que faziam parecer “natural”, predeterminada e inegociável, a identificação” se torna cada vez mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um nós a que possam pedir acesso.

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Ao tratar da “modernidade líquida”, onde a “acontecência” é volátil, aponta que as identidades se transformam constantemente. A identidade sexual, social, religiosa, familiar, profissional ou advinda de todas as formas de cultura, ganha aspectos que caracterizam singularidades, mas, que ao mesmo tempo buscam novas afiliações sociais, a busca do nós. Identidade, nesse sentido, é um retrato da vida na contemporaneidade. No futebol, especialmente, aflora-se o sentido de pertencimento. Buscamos no texto de Assumpção42 a sua percepção acerca do poder simbólico do futebol na construção da identidade.

O futebol acentua lealdades, estimula rivalidades e exprime símbolos de pertencimento a determinados grupos sociais. Em torno dos jogos, cristaliza-se o sentimento de grupo e projetam-se origens comuns e vivências coletivas. Ao torcermos pelo mesmo clube, ao compartilharmos as mesmas cores, ao cantarmos os mesmos hinos, vivemos uma história semelhante. (ASSUMPÇÃO, 2005, p.210)

Os vínculos de pertencimento em qualquer esfera da vida pública ou privada, desencadeiam memórias partilhadas. Ecléa Bosi considera que há, portanto, uma memória coletiva produzida no interior de uma classe, ou um grupo, mas com poder de difusão, que se alimenta de imagens, sentimentos, ideias e valores que dão identidade àquela classe.

A memória oral também tem seus desvios, seus preconceitos, sua inautenticidade. Exemplos não faltam: como o dos franceses que colaboraram com os nazistas durante a guerra. E dos alemães durante a assenção de Hitler. Quem aclamava o Führer nos estádios? Que multidão erguia milhares de braços? Seriam bonecos ou mascaras de Ensor? (BOSI, 2003, p. 18) Essa afirmação de Bosi, especialmente no que se refere a inautenticidade que pode ocorrer na memória coletiva ou oral, nos apresenta uma outra questão pertinente ao estudo da memória coletiva, o que Santos43 chamou de “Amnésia Coletiva”.

O mundo da amnésia coletiva é o mundo onde a competitividade, racionalidade e informação substituem sentimentos, práticas coletivas e vínculos interpessoais presentes em antigas comunidades. Homens e mulheres, portanto, desprovidos de conhecimento e experiências do passado,se tornam incapazes de sentir, julgar e defender seus

42 Luís Otávio Teles Assumpção é doutor em Sociologia, professor na Universidade Católica de Brasília, orientador deste estudo e, entre outras produções, destaca-se a obra “O temp(l)o das Geraes – a nova ordem do futebol brasileiro”, que trata da inauguração do Estádio do Mineirão. 43 Myrian Sepúlveda dos Santos é professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Entre outras atividades acadêmicas é a coordenadora do Grupo de Pesquisa registrado no CNPq “Arte, Cultura e Poder” (www.artecultpoder.org).

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direitos. Nestas condições, seja tradição, memória ou traços do passado, estes são aspectos, que,de uma maneira ou outra, representam uma defesa decisiva da humanidade na sua luta por autodeterminação e liberdade. (SANTOS, 1995, p.141)

Provavelmente as “máscaras de Ensor”44, citadas por Bosi, denotam o quão superficiais e voláteis são as construções identitárias a partir do que as pessoas escolhem lembrar ou não. Mais uma vez, expressa-se o caráter da seletividade da memória. Portanto, assim como elegemos situações que nos fazem bem e contribuem no processo de modelagem das máscaras com as quais queremos ser vistos e lembrados, também é certo que ocultamos, esquecemos ou simplesmente sublimamos aquilo que não nos convém lembrar.

De todo modo, como assevera Ecléa Bosi, é prudente ter um olhar crítico e desprovido de ingenuidade ao analisar a memória oral. Nem tudo que é “lembrado” é autêntico, talvez, em muitos casos, os pré-conceitos e as estereotipias representem aquilo que é contado pela “história oficial” ou, o que Bosi chama de “memória institucional”.

Ouvi numa mesa redonda, Michel Hall45 contar que quando entrevistaram um lider sindical que havia encabeçado um movimento operário, este, para o desespero do historiador, o atalhou: - ‘O senhor volte outro dia, estou despreparado. Quero ler o que se escreve sobre o movimento para me informar e responder direito as suas perguntas”. (BOSI, 2013, p.17, gn) Apesar dos vícios da memória oral, como estes apontados por Santos (1995) e Bosi (2013), respectivamente, no tocante à “amnésia coletiva” ou “memória institucional” existe, como aponta Nora (1993), “uma necessidade de memória”. Portanto, de maneira cuidadosa, deve o pesquisador buscar nas memórias que se entrecruzam, expressar as narrativas dos atores sociais, sem filtrar suas memórias e sem perder de vista o fato de que a memória, diferente da história, não tem compromisso tácito com a verdade documentada. Halbwachs define que “a história começa somente do ponto onde acaba a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória social. Enquanto uma lembrança subsiste, é inútil fixá-la por

44 James Ensor foi um dos percursores do expressionismo, corrente artística surgida na Alemanha no inicio do século XX. O artista pintava a superficialidade das pessoas, as "máscaras" que usam no quotidiano para encarar a sociedade. Dois dos seus mais reconhecidos trabalhos artísticos são a "Entrada de Cristo em Bruxelas" e o "Auto-Retrato com máscaras". 45 Michael McDonald Hall (1941) é um historiador estadunidense, radicado no Brasil. Em parceria com Paulo Sérgio Pinheiro, é autor de "A classe operária no Brasil - 1889-1930”.

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escrito” (HALBWACHS, 2004: p.85). Nesta direção é que imergiremos no registro do universo das memórias coletivas dos grupos de pertencimento ao Estádio Olímpico.

3.3 Lugar de Memória

Somos nossa memória, somos esse quimérico museu de formas

Inconstantes, esse montão de espelhos rompidos.

[Jorge Luís Borges]

A memória faz parte da história, mas com ela não se confunde, e é um elemento fundamental do patrimônio histórico e cultural de um povo. É através dela que é possível resgatar ou recontar a história, compreendendo melhor a realidade dos grupos, comunidades, nações. Dessa forma, colocando-a ao acesso de todos, caminhamos em direção ao conhecimento e reconhecimento, por parte destas, de sua identidade.

O termo “lugar de memória” foi cunhado pelo historiador francês Pierre Nora, a partir da obra Les Lieux de Mémoire, conforme aponta a pesquisadora Janice Gonçalves46.

A trajetória da recepção da noção de “lugares de memória” tornou-a atravessada por apropriações diversas, críticas e controvérsias. Apresentada de forma mais sistemática por Pierre Nora, em função da necessidade de esclarecer os leitores acerca do escopo da obra Les lieux de mémoire, extrapolou aquele projeto editorial e os objetos de estudo ali contemplados, ganhando novos usos. No caso francês, uso político, no âmbito das batalhas de memória, bem como uso jurídico e técnico, no campo institucional do patrimônio cultural, ou ainda uso turístico. (GONÇALVES, 2012, p.3)

Um dos aspectos que mais chamou a atenção de Nora ao imergir na tentativa de compreensão da memória coletiva, no que concerne aos lugares – em termos

46 Janice Gonçalves é doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. É professora efetiva da Universidade do Estado de - UDESC, vinculada ao Departamento de História do Centro de Ciências Humanas e da Educação e ao Programa de Pós-Graduação em História.

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espaciais ou não – foi a crescente perda de elementos que simbolizavam o registro da memória na sociedade francesa.

A rápida desaparição de nossa memória nacional me pareceu demandar um inventário dos lugares onde ela havia eletivamente se encarnado e que, por vontade dos homens ou pelo trabalho dos séculos, restaram como os mais ruidosos símbolos: festas, monumentos e comemorações, mas também elogios, dicionários e museus.” (NORA, 1984:8)

Destacamos também, os “lugares de memória” como um viés nos vários possíveis na História e o papel da fotografia na rememoração e identificação dos lugares de memória e consequentemente produção de história, como um vasto campo de pesquisa a ser explorado. Aristimunha (2005, p.43) que tem uma produção de pesquisa centrada no uso da fotografia como um dos principais evocadores de memórias, ressalta a necessidade da preservação de todas formas possíveis de memórias, “sejam elas lembranças, histórias, artefatos, prédios, costumes ou documentos.

A memória, enquanto um fenômeno social é uma construção do presente. Mesmo quando é evocada por um indivíduo, está atrelada a um contexto definido a partir das relações sociais estabelecidas onde participam familiares, amigos, colegas e todos com quem convivemos e partilhamos de vivências. Nesse sentido, Aristimunha (2005), assegura que o grupo ou é sempre a base da produção coletiva de memória, porém a lembrança é atribuída ao indivíduo, “desenrolando fios diversos e tecendo novas tramas a partir de provocações e ordenações do presente”. Mas a memória não tem somente a importância de nos reportar ao passado.

A memória tem grande relevância no nosso processo de construção de identidade. É principalmente ela que nos dá o sentimento de pertencimento a um grupo e alicerça nossos valores e princípios a partir das experiências vividas, assistidas, ouvidas... Experiências estas que podem ser esquecidas ou apagadas. As esquecidas são aquelas que não se constituíram em eventos marcantes na nossa trajetória de vida. Já, as memórias apagadas são aquelas geralmente ligadas à questões político-ideológicas, quando fica conveniente “esquecer” de um fato ou situação. Como exemplo, podemos citar a alteração de nomes de escolas, cidades, ruas, avenidas, entre outras edificações humanas que foram inicialmente homenageadas com nomes de personalidades de seu tempo, mas que atualmente

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tem seu nome atrelado a algo que se quer apagar, como a ditadura militar no Brasil, que batizou muitas obras públicas com os nomes de seus “heróis”. A partir da fotografia e outros artefatos que podem evocar a memória podemos reconstruir lembranças e vivências.

O pensamento, a reflexão, a criação inventaram as ‘próteses’ do olhar: o telescópio, o microscópio, os óculos, o binóculo, a fotografia. Fotografar se popularizou, tornou-se um hábito em festas, viagens, rituais religiosos e sociais, etc. Além de capturar o instante presente, alvo da ação, também o momento ausente, aquele que já foi, já passou, permanece na memória através da fotografia. (ARISTIMUNHA, 2005, p.48).

Segundo Aristimunha, alguns povos indígenas não se deixam ou deixavam fotografar, pois acreditavam ou acreditam que a captura de sua imagem pode roubar- lhes a alma. Assim, a expressão “Lugares de Memória” assume um sentido polissêmico que dá vazão a vários entendimentos.

Pode estar relacionado ao local onde está instalado o dispositivo biológico que permite que tenhamos memórias; em nossa psique, também temos um lugar de memória; os espaços previamente montados para abrigarem memórias ou para remeterem à memória; outros lugares há que remetem à memória de alguns ou de alguém; há também os espaços, lugares que sem serem físicos, guardam memórias (ARISTIMUNHA, 2005, p. 44).

Portanto, os espaços estão “recheados de memória”, porém quando são transformados em lugares, agregam a si outras memórias mais, ou seja o espaço pode transformar-se em lugar a medida em que se constitui com o desenrolar de ações humanas, do fluir da vida. O que converge com a relação que a autora faz entre memória e história, quando afirma que a memória “é constituída e ao mesmo tempo constituidora de História e histórias, histórias individuais, histórias coletivas, histórias de vida(s)” (ARISTIMUNHA, 2006, p. 44), numa relação de interdependência. Para o geógrafo Milton Santos, que não restringe o espaço a uma noção física, este “aparece como coordenador dessas diversas organizações do tempo, o que permite, por conseguinte, neste espaço tão diverso, essas temporalidades que coabitam no mesmo momento histórico” (Santos, 2002, p. 22; apud Aristimunha, 2005, p. 44).

Daí, extraímos que o espaço, registrado em fotografia, documentado, lembrado, pode constituir-se num lugar de memória, pois agrega sentido ao espaço e registra o fluir da vida, numa relação espaço-temporal.

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Mas, como que a memória, esta construção feita pelo sujeito a partir das evocações ou estímulos do presente, é desencadeada? Ao que a autora elucida que “o que leva à memória é a emoção que pode surgir a partir de sons, cheiros, imagens, palavras, gestos, presenças ou ausências e tantas outras evocações que podem nos remeter à lembrança de experiências do passado” (Aristimunha, 2005, p.45). Evocações essas que dependem de como atualmente interpretamos o passado ou como as imagens que construímos em nossa memória nos fazem lembrar do passado.

Os gregos antigos acreditavam que a memória provinha do mesmo local onde “brotava” a imaginação fruto da inspiração, ou seja, de mnemosyne. Concordemos ou não com eles, nossa memória agrega imaginação e depende de inspiração. Produzida no passado recente ou remoto, é criação no presente. Ou seja, é recriação, inspiração, pensamento, experiências do passado reinventadas com as condições atuais (ARISTIMUNHA: 2005, p.51).

A partir do olhar de cada um para o passado, munido dos instrumentos do presente é possível construir a memória individual, que está atrelada e é construída a partir do coletivo, que depende da imaginação e inspiração individuais, mas é importante e necessário pensar a memória de uma coletividade.

(...) queremos que esta recriação seja da coletividade e não da personalidade. Queremos que o patrimônio histórico cultural seja representativo de um povo e não de um grupo. Em troca, garantimos que a preservação será natural, pois aquilo que conhecemos e com que nos identificamos, cotidianamente cuidamos, protegemos (ARISTIMUNHA: 2005, p.51).

O cuidado e proteção do patrimônio cultural material e imaterial se constituem em condição imprescindível para situar o homem no mundo, para sabermos de onde viemos, o que fizemos e o que queremos na relação com a vida, com o planeta, com as pessoas, os animais e coisas.

Na contemplação ou na interação, na observação ou na pesquisa do passado, na preservação da memória através das diferentes leituras, na ligação do passado com o presente, foi sendo dado o sentido à história da humanidade. Nossa vida, nossa história, nossa identidade, nosso lugar no mundo. A história, a memória, como possibilidades e não como estagnação é nosso futuro (ARISTIMUNHA, 2005, p.51).

Ou seja, um povo sem memória, sem história, somente encontra-se no espaço, mas jamais encontrará seu lugar no mundo. De nada adiantam avanços na ciência, se não interpretamos e compreendemos a origem e evolução histórica do

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conhecimento. Mas também de nada adianta a apropriação de artefatos culturais se só os enxergamos a partir das lentes do opressor ou da história oficial.

A história da humanidade mostra a coleta e guarda de bens desde épocas remotas, como inerentes ao ser humano. A apropriação de artefatos significativos para uma cultura e seu colecionismo, caracterizando a dominação de um povo e sua colonização sempre estiveram vinculados ao poder político e à classe dominante que, ao longo dos séculos, impôs sua ideologia, exercendo uma influência substancial na cultura e na história da cultura (ARISTIMUNHA, 2005, p. 47).

Assim, extraímos das palavras da autora que é preciso dar vez, voz e identidade aos diversos atores sociais que constituem uma sociedade buscando a relação entre identidade e alteridade e partindo do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos e é a partir daí que se constroem suas singularidades.

Nessa seara, destaca a autora que o uso da fotografia como evocadora de memórias que edificam identidades, mas assevera que não propõe relatar a História da Fotografia, mas “lembrar que a imagem sempre foi objeto de fascínio para o ser humano”, sejam elas “presas ou libertas” ao que indica o que está ao alcance dos nossos olhos ou da imaginação.

Como o ser humano não podia ser imortal, sua imortalidade manifestava-se através de sua criatividade, suas “marcas” deixadas no ou para o tempo. Marcas quase sempre imagéticas como os desenhos rupestres, os hieróglifos egípcios, as pirâmides astecas e egípcias, os templos grego-romanos, as bandeiras nacionais, os escudos esportivos, logomarcas, e mais precisamente os álbuns de fotografia. (ARISTIMUNHA, 2005, p.48) A fotografia assume relevância tal, que o historiador Jacques Le Goff47 (2003, p.460) aponta que entre as manifestações mais significativas da memória coletiva estão dois momentos importantes na história da humanidade: no pós-primeira guerra mundial, com a construção de monumentos em homenagem aos mortos espalhados por todo mundo e a democratização da fotografia que vem a revolucionar a memória, expandindo-a.

47 Jacques Le Goff (nasceu em 01/01/1924, em Toulon e morreu em 01/04/2014 em Paris) foi um historiador francês especialista em Idade Média. Autor de dezenas de livros e trabalhos, era membro da Escola dos Annales, empregou-se em antropologia histórica do ocidente medieval.

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Nas palavras de Aristimunha (2005, p.48) a partir do “fascínio, tanto pela imagem quanto pela perpetuação, não bastava mais a imagem real, efêmera” por isso a criatividade humana inventou as “próteses” do olhar, ou seja, os instrumentos tecnológicos que permitem ao homem a ampliação e até “captura” do instante vivido. Telescópios, óculos, binóculos e especialmente a fotografia que após o “clique” já torna passado um instante a partir da imagem fixada bidimensionalmente.

Quando trata do afã da imortalidade motivado pela fotografia, a autora cita Custódio (1991) que relaciona este aos deuses gregos Narciso e Mnemosyne por entender que a admiração pela própria imagem e a possibilidade de transmitir os conhecimentos às próprias gerações são propulsoras da perpetuação de momentos pois tem o poder de trazê-los para o momento, de maneira que quem não viveu possa vê-lo e que viveu ou estava lá possa “vê-lo de novo, para recordar (Mnemosyne) ou se deleitar (Narciso)” (CUSTÓDIO, 1991, p. 128, apud ARISTIMUNHA, 2005, p.49).

Fotografias eternizam momentos, instantes, mas não são eternas e, assim como outros objetos que evocam memórias, estão sujeitos a destruição voluntária ou involuntária pelas pessoas ou por fenômenos naturais. Assim “devemos preservar suportes de memória – os bens patrimoniais, patrimônio histórico-cultural – sejam eles materiais ou imateriais” (ARISTIMUNHA, 2005, p.50), afinal de contas, o patrimônio histórico-cultural representativo de um povoe não de uma pessoa ou grupo.

Pierre Nora aponta para as diferenças conceituais entre História e Memória. Enquanto a primeira é acelerada e serve principalmente ao registro do que já ficou para trás, refere-se a algo que já desapareceu, que ficou no passado e que não tem mais volta, a segunda é a vida em permanente evolução e constitui-se sempre num fenômeno atual. A memória apresenta um sentimento de continuidade, diferente da história que representa uma ruptura do que é atual e do que é passado. A memória está associada ao que se lembra e ao que se deseja ou não lembrar.

O fenômeno da mundialização e seu processo de massificação, democratização e mediatização contribuiu para que a memória sofresse um processo de desmoronamento com o “fim das sociedades-memória, como todas aquelas que asseguravam a conservação e a transmissão dos valores, igreja ou escola, família ou Estado” (Nora, 1993, p.7).

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Nesse momento particular da história, surge a necessidade de se aguçar o olhar para a busca de referenciais de memória. Para Nora, fala-se tanto em memória, porque ela não existe mais por isso, existe a necessidade de eleger locais de memória, pois não há mais meios de memória.

Pensemos nessa mutilação sem retorno que representou o fim dos camponeses, esta coletividade-memória por excelência cuja voga como objeto da história coincidiu com o apogeu do crescimento industrial. Esse desmoronamento central de nossa memória só é, no entanto, um exemplo. E o mundo inteiro entrou na dança (...). (NORA, 1993, p.8)

Com o desaparecimento das sociedades-memórias a partir do que Nora chama de “despertar do sono etnológico pela violentação colonial”, que tinham fraca bagagem histórica, mas forte bagagem de memória, aumenta a necessidade de consagrar os Lugares de Memória.

Se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos a necessidade de lhe consagrar lugares. Não haveria lugares porque não haveria memória transportada pela história. Cada gesto, até o mais cotidiano, seria vivido como uma repetição religiosa daquilo que sempre se fez, numa identificação carnal do ato e do sentido. Desde que haja rastro, distância, não estamos mais dentro da verdadeira memória, mas dentro da história. (NORA, 1993, p.8-9)

Os conceitos de Memória e História se distanciam e se opõem. Enquanto a memória é vida e sempre carregada por grupos vivos, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, a história é a reconstrução sempre problemática do que não existe mais.

A história busca uma verdade, para alguns, até universal, é intelectualizada e laica, enquanto a memória é espontânea, coletiva e, por vezes, sacra. Por conseguinte, na busca por uma verdade universal, a história desqualifica a memória, pois esta associa-se aos significados e valorações de cada pessoa ou grupo. Justamente por isso, historiadores estabeleceram uma “memória explicativa”, contestada por Nora.

Nenhum dos grandes historiadores, desde Froissart, tinha, sem dúvida, o sentimento de só representar uma memória particular. Comynes não tinha consciência de recolher só uma memória dinástica, La Popelinière uma memória francesa, Bossuet uma memória monárquica e cristã, Voltaire a memória dos progressos do gênero humano, Michelet unicamente aquela do “povo” e Lavisse só a memória da nação. Muito pelo contrário, eles estavam imbuídos do

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sentimento que seu papel consistia estabelecer uma memória mais positiva do que as precedentes, mais globalizante e mais explicativa. (NORA, 1993, 10)

A cientificidade buscada pelos historiadores franceses do século XIX serviu, segundo Nora, para “alargar o campo da memória coletiva” e reforçou a criticidade em uma “memória verdadeira”. A história tornou-se uma ciência social enquanto a memória é um fenômeno puramente privado.

Para o estudo dos “Lugares”, é prudente destacar, como o faz Nora, que estes estão no limiar entre história e memória. Podem nem mesmo terem existido historicamente, mas podem existir como significado. O “tempo dos lugares, é esse momento preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma memória, para só viver sob o olhar de uma história reconstituída” (NORA, 1993, p.10).

3.3.1 Os lugares de memória são “restos”

Para Nora “tudo o que é chamado hoje de memória não é portanto, memória, mas já história” (NORA, 1993, p.14). Sendo a memória um fenômeno atual, enquanto a história é arquivista, emerge constantemente a necessidade de se resgatar memórias, especialmente a memória daqueles grupos que são deixados à margem da história oficial. E é através da historiografia que se produzem registros e arquivos como forma de inventariar os lugares de memória. Lugares “onde palpita ainda algo de uma vida simbólica”.

Com o desaparecimento da memória tradicional, das comunidades ou grupos afetivos, é imprescindível que as sociedades contemporâneas acumulem os objetos, vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos e toda a forma de patrimônio, material ou imaterial, produzidos nos diferentes grupos sociais. “A necessidade de memória é uma necessidade da história” (NORA, 1993, p.14)

A noção de patrimônio, segundo Pierre Nora, passou de uma concepção muito restritiva, como a do Dicionário Larousse de 1970 que limitava a definição de patrimônio como o “bem que vem do pai ou da mãe”, a uma concepção mais

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abrangente a partir da convenção da Unesco de 197248, pela qual, teoricamente, nada escapa da noção de patrimônio.

O imperativo da época era tudo guardar e conservar do que lembrava memória. O excessivo zelo na salvaguarda de tudo o que fosse possível “arquive-se, arquive- se, sempre sobrará alguma coisa!” (NORA, 1993, p.16). Produzir arquivo era o mote a guiar os estudos históricos de então. Surge o que Nora chama de “dever da memória”.

A passagem da memória para a história obrigou cada grupo a redefinir sua identidade pela revitalização de sua própria história. O dever de memória faz de cada um o historiador de si mesmo. O imperativo da história ultrapassou muito, assim o círculo dos historiadores profissionais. (NORA, 1993, p.17, g.n.)

Cada pessoa torna-se historiador de sua própria história. Nora aponta o crescimento das pesquisas genealógicas (árvores genealógica). Os eventos mais significativos de várias áreas do conhecimento e das respectivas profissões que abarcam são produzidos pelos profissionais da áreas.

Para complementar as transformações dos estudos da memória, Nora acrescenta que além da memória arquivo e da memória dever, é necessário um terceiro “traço” para completar ess quadro de metamorfoses: a memória distância. Este, ligado a nossa relação com o passado. A memória, ao contrário da história não nos leva à uma condução ao passado em uma continuidade restrospectiva, mas em forma descontínua – o mais importante aqui são os significados atribuídos.

3.3.2 Domínios / Classificação dos Lugares de Memória

Pierre Nora estabelece algumas formas de classificação dos Lugares de Memória.

Quanto à complexidade, divide lugares em dois domínios: simples e ambíguos, naturais e artificiais. São Lugares, se apresentarem o sentido das palavras material, simbólico e funcional. Mesmo um lugar de aparência material, física, como um

48 A Conferência Geral da UNESCO, ocorrida em Estocolmo, Suécia, aprovou, em 16 de novembro de 1972, a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural.

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depósito de arquivos ou uma edificação se a imaginação o revestir de uma “aura simbólica”. Um lugar puramente funcional como um “manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes”, só se categoriza enquanto um lugar de memória se obedecer alguma forma de rito. Na categoria simbólica, mesmo um “minuto de silêncio” pode não se configurar de uma simbologia que o torne um lugar de memória.

Os Lugares são constituídos a partir de um jogo da memória e da história. É necessária, segundo Nora, uma “Vontade de Memória”! Na falta dessa intenção, os lugares serão lugares de história. Os Lugares de Memória só vivem de sua aptidão para metamorfose. A memória dita, se reconstitui e a história escreve.

Nora ainda classifica os Lugares a partir do componente simbólico. Os Lugares dominantes e os Lugares dominados. Os Lugares dominantes são os Lugares impostos, representam autoridade, servem à solenidades ou cerimônias oficiais, como o Sacré-Coeur49. Enquanto os Lugares dominados são aqueles que representam santuários de fidelidades espontâneas, é a memória viva, têm um apelo popular como o funeral de um ídolo pop, o enterro Airton Senna ou de Jean-Paul Sartre. Nessa classificação de Nora, enfatizamos a ideia do Estádio Olímpico enquanto um lugar dominado.

49 A basílica do Sagrado Coração é um templo da Igreja Católica Romana em Paris, sendo, também, o símbolo do bairro de Monte Martre. A basílica está localizada no topo do Monte Martre, o ponto mais alto da cidade. É um dos principais símbolos culturais da capital francesa.

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4. MEMÓRIAS DO ESTÁDIO OLÍMPICO MONUMENTAL NAS VOZES DE SEUS PROTAGONISTAS

A experiência que passa de pessoa a pessoa é fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos.

Valter Benjamin

Neste capítulo apresentamos, face aos alicerces teóricos e metodológicos utilizados neste estudo, a análise da fala dos entrevistados e dos documentos coletados relacionados com as questõe teórico-conceituais que orientam esta tese. Dialogamos com narradores importantes que vivenciaram o Estádio Olímpico e, assim nos permite resgatar sua memória e importância.

Como forma de sistematizar o assunto estudado e a utilização dos dados coletados, fizemos a escolha da análise por categorias, nas quais elencamos as temáticas que mais se destacaram e foram recorrentes nos discursos coletados a partir das fontes orais, jornalísticas e documentos oficiais.

Categorias de análise são elementos metodológicos correspondentes à diferentes formas de classificação, sistematização e organização dos objetos estudados. Referem-se aos conceitos sobre o mundo, sobre nossas relações com os outros e com as coisas. Correspondem àquilo que a ciência utiliza para ordenar ações, sentimentos e pensamentos.

Ao definir e trabalhar categorias analíticas é possível seguir dois caminhos: a escolha a priori (antecede a coleta, sistematização e análise dos dados) ou escolha a posteriori (após a coleta de dados). Fizemos a opção pela segunda, a medida em que as principais categorias de análise foram se apresentando ao pesquisador de forma recorrente, sistemática e saturada.

Assim, sob a forma de análise em categorias a posteriori, extraímos seis categorias, com base nas quais sustentamos a análise do trabalho. São elas: (4.1) o

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Estádio Olímpico como patrimônio; (4.2) Memória e identidade: a noção de pertencimento; (4.3) Os jogos monumentais; (4.4) Memória da Diversidade; (4.5) A personificação do lugar e (4.6) O Estádio Olímpico Monumental como lugar de memória.

4. 1 O ESTÁDIO OLÍMPICO COMO PATRIMÔNIO

Às nossas sociedades, responsáveis ou vítimas de tragédias horríveis, aterrorizadas pelos efeitos da explosão demográfica, o desemprego e outros males, um apego renascente ao patrimônio, o contato que se esforçam para retomar com suas raízes (os exemplos são inumeráveis) dariam a ilusão, como a outras civilizações ameaçadas, que elas podem – de maneira totalmente simbólica, é óbvio – contrariar o curso da história e suspender o tempo” (Lévi- Strauss, 1983, p. 9-10, Apud Gonçaves) 50

“O Olímpico é um patrimônio”. Essa expressão, ouvida tão frequentemente entre torcedores e afficionados pelo Grêmio FBPA, possui um enorme significado social, cultural e simbólico no imaginário dos mais diferentes atores sociais, seja ela proferida ipsis litteris, ou não, de forma direta ou indireta, por praticamente todos os entrevistados.

Neste trabalho, buscaremos entender em que medida a ideia de patrimônio está articulada com a ideia de memória coletiva, extraindo dela seu principal elemento de sustentação. Ressaltamos que não discutiremos questões e justificativas referentes a patrimônio sob perspectiva de ordem jurídica ou seja, bases legais de sustentação do Estádio Olímpico Monumental na condição de um patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN ou qualquer outro órgão em esfera estadual ou municipal que tenha o poder legítimo e legal para tal chancela.

50 Do original: À nos sociétés responsables ou victimes destragédies horribles, éffrayées par les effets de l’explosion démographique, le chômage, les guerres et d’autres fléaux, un attachement renaissant au patrimoine, le contact qu’elles s’efforcent de reprendre avec leurs racines (on voit d’innombrables examples) donneraient l’illusion, comme a d’autres civilizations menaces qu’elles peuvent – il va sans dire, de façon toute symbolique – contrarier le cours de l’histoire et suspendre le temps. (Claude Lévi- Strauss – Tradução de José Reginaldo Santos Gonçalves)

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Nossa discussão sobre a questão da memória e do patrimônio ultrapassa largamente quaisquer questões associadas a reconhecimento de ordem oficial, de outra forma, se perfaz no reconhecimento social, cultural e simbólico daquelas pessoas que têm suas memórias vinculadas a um lugar socialmente aceito como patrimônio.

Portanto, evitamos adentrar na discussão patrimônio no sentido legal, de reivindicação patrimonial “oficial” do Estádio Olímpico Monumental. Atentamos mais à reverberação de sua importância no contexto social e cultural em que está inserido.

Gonçalves (2012), no estrato a seguir, chama a atenção para o fato de, muitas vezes, alguns grupos banalizarem a reivindicação de patrimônio a partir de propósitos que não atendem a interesses de ordem social e econômica, especialmente de memória coletiva ou narrativa histórica.

A palavra “patrimônio” transformou-se numa espécie de “grito de guerra” e qualquer espaço da cidade, qualquer atividade, qualquer lugar, qualquer objeto podem ser, de uma hora para outra, podem ser identificados e reivindicados como “patrimônio” por um ou mais grupos sociais. Em geral, trata-se de reivindicações identitárias, fundadas numa memória coletiva ou numa narrativa histórica, mas, evidentemente, envolvendo interesses muito concretos de ordem social e econômica. (GONÇALVES, 2012, p.59)

Patrimônio deve ser visto, fundamentalmente, como suportes materiais e/ou imateriais da memória coletiva. Desempenham um papel social, cultural e simbólico fundamental de passar de geração a geração aquilo que deve ser resgatado e mantido vivo no seio de uma comunidade.

Os processos de patrimonialização envolvem - além da ideia de manter a memória coletiva e preservar a identidade de uma comunidade – questões também de ordem financeira, motivadas principalmente pela indústria do turismo, que move a industria da construção, nos processos de restauração e assim sucessivamente. Lembramos que, muitas vezes, o patrimônio especialmente para o universo especulativo é visto como um bem de consumo, o que, absolutamente, não é o objeto de estudo deste trabalho.

Um bom exemplo se dá quando comparamos várias cidades brasileiras com históricas cidades europeias. É muito comum que, no Brasil não se dê o mesmo valor

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a paisagens que têm vínculo com os lugares, expressando sentidos e com importante simbologia.

Invejamos as cidades europeias sem perceber que, mesmo no pequeno lapso de tempo que ocorreu desde a formação do Brasil e de suas cidades, demolimos ao invés de tentar manter o que é importante para a sua identidade. Lembramos que esse fenômeno acontece da mesma maneira no indivíduo; sua formação depende de suas origens, antecedentes, educação e regras; quando esses fatores não estão presentes, foram destruídos ou não fazem parte de suas reminiscências (anamnese), o indivíduo perde parte de si mesmo. (BARDA, 2009, p. 24).

Conforme a autora citada acima, no Brasil, historicamente, têm se priorizado os processos de demolição em detrimento da salvaguarda de monumentos e lugares que contribuem para contar e preservar a história sociocultural. Talvez a mais importante justificativa de preservação do patrimônio seja justamente recriar e manter viva no presente o passado imemorial.

Gilberto Velho51, um dos mais importantes e citados antropólogos brasileiros, quando membro do Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi escolhido para ser o relator, em 1984, do tombamento do terreiro de candomblé Casa Branca, em Salvador, Bahia. Disse ele:

O terreiro de Casa Branca apresentava uma tradição de mais de 150 anos e, com certeza, desempenhava um importante papel na simbologia e no imaginário dos grupos ligados ao mundo do candomblé e aos cultos afro-brasileiros em geral. Do ponto de vista dessas pessoas o que importava era a sacralidade do terreno, o seu “axé”. Em termos de cultura material, encontrava-se um barco, importante nos rituais, um modesto casario, além da presença de arvoredo e pedras associados ao culto dos orixás. Não era nada que pudesse se assemelhar à Igreja de São Francisco em Ouro Preto, aos profetas de Aleijadinho em Congonhas, em Minas Gerais, ao Mosteiro de São Bento, ao Paço Imperial da Quinta da Boa Vista ou à Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Tratava-se, sem dúvida, de uma situação inédita e desafiante. (VELHO, 2006, P.237-238)

Um pequeno barco, o casario, arvoredo e pedras – como citado pelo autor, compunham o patrimônio imaterial, além do terreno. No entanto, o que importava para

51 Gilberto Cardoso Alves Velho foi um antropólogo brasileiro, pioneiro da Antropologia Urbana no país. Foi membro do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1983-93), tendo sido relator do primeiro tombamento de terreiro de candomblé realizado no Brasil - Casa Branca, em Salvador. Foi também membro do Conselho Federal de Cultura (1987-88). Foi colaborador e professor visitante em várias universidades brasileiras e estrangeiras.

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a comunidade que participava dos cultos aos Orixás era algo muito maior, que transcendia o plano material: “a sacralidade do terreno, o seu “axé”, a imaterialidade. Eis o que defendia Velho como valor patrimonial de uma sociedade.

Uma tendência mais ou menos recente entre os estudiosos do patrimônio, a qual tão bem se encontra estatutariamente posta no Portal do Instituto Nacional do Patrimônio Artístico e Cultural amplia o conceito de patrimônio, em particular com o objetivo de atender, abranger, valorizar e preservar não apenas os bens culturais de natureza material, mas também os de natureza imaterial, como manifestações lúdicas, comidas, danças, jogos, etc.

Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial. (IPHAN52)

Como exemplos, destacamos alguns bens imateriais registrados em estados brasileiros, por exemplo, no Mato Grosso, o “Modo de Fazer Viola de Cocho”, a “Roda de Capoeira” e o “Ritual Yaokwa do Povo Indígena Enawene Nawe”. No Distrito Federal, destacamos o “Teatro de Bonecos Popular do Nordeste”, registrado no Livro de Registro das Formas de Expressão, 04/03/2015. No Rio Grande do Sul o destaque é para a “Tava, um Lugar de Referência para o Povo Guarani” - Livro de Registro dos Lugares, 03/12/2014.

A noção de patrimônio não se confunde com a noção de propriedade. A literatura etnográfica está repleta de exemplos de culturas nas quais os bens materiais são classificados como objetos separados de seus proprietários. Esses bens, por sua vez, nem sempre “possuem atributos estritamente utilitários, em muitos casos, podem servir a propósitos práticos, mas possuem, ao mesmo tempo, significados mágico- religiosos e sociais.” (GONÇALVES, 2007, p. 110).

O Estádio Olímpico, nosso objeto de estudo, é um bom caso de patrimônio que perpassa o sentido de propriedade, transcendendo a sua condição de um patrimônio

52 www.portal.iphan.gov.br Acessado em 04 de fevereiro de 2018.

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material do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, da cidade, do Rio Grande do Sul e do futebol mundial.

O Olímpico, além de ser uma propriedade legal do Grêmio FBPA, tendo sido utilizado por 58 anos como sede dos jogos do clube, atende à ideia de patrimônio e espaço social e simbólico (e mágico-religioso como coloca Gonçalves na citação acima) com um significado que, procuramos mostrar em nossa tese, já beira a imaterialidade, uma vez que se encontra em processo de demolição. A apoteose do futebol - as partidas propriamente ditas – que ocorriam nesse cenário deixarão de existir materialmente mas continuarão vivas na memória daqueles que compartilharam vivências, emoções e sentimentos nesse lugar.

Sabemos o quanto é complexo e profundo este conceito mas arriscamos, com forte dose de convicção, a dizer que, embora o estádio deixará de no futuro existir materialmente, ele manterá viva sua “aura”, no sentido proposto pelo filósofo Walter Benjamin.

Ao definir aura como “a única aparição de uma realidade longínqua, por mais próxima que ela esteja”, nós simplesmente, fizemos a transposição para as categorias do espaço e do tempo da fórmula que designa o valor do culto da obra de arte. Longínquo opõe-se a próximo. O que está essencialmente longe é inatingível. De fato, a qualidade principal de uma imagem que serve para o culto é de ser inatingível. Devido à sua própria natureza, ela está sempre “longínqua, por mais próxima que possa estar”. Pode-se aproximar de sua realidade material, mas sem se alcançar o caráter longínquo que ela conserva, a partir de quando aparece. (BENJAMIN, 1983, p. 10)

Eis a ideia fundamental presente na preservação da memória e naturalmente nos patrimônios que buscam mantê-la viva.

O Estádio Olímpico Monumental foi um local utilizado por homens e mulheres, pobres e ricos, pessoas de diferentes etnias, religiões e coletividades diversas que partilharam emoções e vivências que configuraram esta “aura”.

Por intermédio dos recursos midiáticos que de forma instantânea transportam as emoções do estádio aos fãs do esporte espalhados pelo planeta, buscam preservar esses sentimentos. Por isso, podemos dizer não se tratar apenas de um patrimônio dos torcedores do Grêmio, mas de todas as pessoas que apresentam alguma forma

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de identificação cultural com o futebol e têm o Estádio Olímpico Monumental como uma referência onde ocorreram grandes epopéias futebolísticas.

Desse modo, os documentos e narrativas coletados e analisados asseveram que o Estádio Olímpico Monumental, independentemente da chancela de autoridades constituídas para inventariar e tombar um monumento cultural, não deixa de ser um patrimônio que, além de edificado, é um patrimônio imaterial e que habita o imaginário das pessoas que não conheceram ou não o conhecem presencialmente (já que ainda se mantém enquanto edificação). A partir de representações imagéticas ou narrativas dos que o conhecem, alimentam suas memórias instigados pelo vínculo identitário construído com o Olímpico Monumental.

Nas análises dos modernos discursos sobre o patrimônio cultural, a ênfase tem sido posta no seu caráter “construído” ou “inventado”. Cada nação, grupo, família, enfim cada instituição construiria no presente o seu patrimônio cultural, com o propósito de articular e de expressar sua identidade e sua memória. (GONÇALVES, 2007 p. 213)

Na entrevista que nos concedeu, um dos atores sociais desse estudo, o ex- jogador e campeão mundial pelo Grêmio em 1983, Tarciso, o “Flecha Negra”, expôs sua percepção da razão de considerar o Estádio Olímpico Monumental um patrimônio:

(...) falar sobre uma história linda de um patrimônio que eu não considero só do Grêmio, eu considero um patrimônio tanto gaúcho, como brasileiro e mundial. Eu quero evitar a comparação com o Coliseu, o Partenon, as pirâmides - que são patrimônio do mundo, mas o Estádio Olímpico que depois passou a ser “Monumental” - quando foi finalizado por um presidente, que eu considero um dos grandes presidentes no Brasil, que chama-se Hélio Dourado. Eu acho que tu já deves ter feito a entrevista com ele. É um patrimônio e é uma perda muito grande para o Rio Grande do Sul e não só para o Rio Grande do Sul, para aquelas pessoas no Mato Grosso que são gremistas, assim como tu, outras pessoas no Rio. Em Minas, na minha cidade mesmo, tem muito gremista. Isso [a demolição do estádio] machuca um pedacinho, um pedaço grande do Brasil. Principalmente o Rio Grande do Sul que é “meio a meio”. Tu podes ver, não gostaria de citar, mas a gente tem que citar, é aquela coisa, “as verdades tem que ser ditas”: nós temos aqui o co-irmão [Internacional] que restaurou o seu estádio [Estádio Beira Rio] e fez um lindo estádio e assim poderia ter sido também com o estádio Olímpico. (TARCÍSO).

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O ator social manifesta seu pensamento de que o estádio se configura como patrimônio local, nacional e mundial. Como monumento, representa e traduz uma história de conquistas protagonizadas por seu reconhecido ex-presidente. Ao mesmo tempo, estende-se como um patrimônio social e cultural de todos aqueles aficionados pelo clube, que se encontram em maior concentração no Rio Grande do Sul, porém estão espalhados pelo mundo. Tarciso evidencia a compreensão de uma relação afetuosa trilhada na história, tendo como um símbolo de identidade, pertencimento e representatividade patrimonial associada ao estádio.

Ao comparar, no final deste estrato da fala, Tarciso demonstra o respeito à atitude tomada pelo maior rival do Grêmio, o Internacional, que preservou o Estádio Beira-Rio e valorizou a memória, o lugar, o patrimônio, bases de sua identidade. Apesar de demonstrar, durante toda a entrevista existirem aspectos positivos na construção da Arena Grêmio (acessibilidade, mobilidade, conforto, etc), Tarciso questiona o porquê da direção do Grêmio não ter tomado atitude (de reforma e preservação do patrimônio) com relação ao Estádio Olímpico Monumental, um bem cultural.

Para melhor compreendermos o Olímpico como patrimônio cultural também recorremos a Gonçalves (2007) que, ao tratar de alguns limites da categoria de patrimônio, explora os espaços de análise desta noção enquanto um bem cultural. Para tanto, sugere categorias específicas: ressonância, materialidade e subjetividade, elementos que nos permitem melhor analisar nossa questão. Nessa seara, buscamos a compreensão dessas categorias específicas, ou sub-categorias, para análise do patrimônio, a partir de nosso objeto de estudo, o Estádio Olímpico.

4.1.1 Ressonância

O Olímpico, espaço que abriga a memória de grande parte da história do Grêmio Foot-Ball porto Alegrense, representado, entre outras, na voz de Tarciso, transpira53 múltiplos sentimentos coletivos, que vão do êxtase da vitória à frustração quase inconsolável de uma derrota do time, o qual representa uma grande

53 Insistimos na narrativa em tempo presente a partir da compreensão de que o Olímpico, ainda em processo de demolição, se configura num espaço-memória que também nunca deixará de ser um espaço geográfico ao qual poderá de apontar “ali é/foi o Estádio Olímpico”.

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comunidade de atores sociais que partilham de uma paixão pela qual tem cores, ídolos, memórias, amores e dissabores em comum.

Gonçalves (2007) coaduna com a visão de Greenblatt (1991) ao tratar da ressonância. Trata-se da capacidade do objeto, neste caso o Estádio Olímpico Monumental, alcançar uma dimensão muito mais ampla do que os limites físicos espaciais que ocupa. Vejamos a definição de ressonância por Stephen Greenblatt.

Por ressonância, quero dizer o poder do objeto exibido para alcançar além de seus limites formais para um mundo maior, evocar no espectador as forças culturais complexas e dinâmicas das quais emergiu e para as quais ele pode ser levado por um espectador para ficar.54 (GREENBLATT, 1991, p. 42, g.a.)

Em outras palavras, o autor reconhece o objeto além da concretude de seu formato, permitindo que seu sentido seja constituído na evocação de forças culturais complexas e dinâmicas de onde foi engendrado e representa aquele que visualiza sua imagem.

Nesse sentido, a ressonância torna-se um elemento essencial da memória (e, arriscamos dizer, da aura) na medida em que permite evocar processos históricos da vida de diferentes indivíduos. A ressonância permite o que podemos chamar de uma “acumulação de tempos”.

4.1.2 Materialidade

Com relação à segunda categoria – materialidade – trata-se da modalidade sob a qual o estádio se faz conhecer. Isto é, o estádio existe em sua concretude, cimento, aço, espaço onde as pessoas frequentaram, se emocionaram, tiveram alegrias e tristezas.

Lembramos que esta noção de “material” do patrimônio, não se limita ao que é edificado. Segundo Gonçalves (2007, p.217), “é curioso, no entanto, o uso dessa

54 No original: “By resonance I mean the power of the displayed object to reach out beyond its formal boundaries to a larger world, to evoke in the viewer the complex, dynamic cultural forces from which it has emerged and for which it may be taken by a viewer to stand”. (GREENBLATT, 1991, p. 42)

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noção para classificar bens tão tangíveis e materiais quanto lugares, festas, espetáculos e alimentos”.

Nora destaca a tendência a reduzir os lugares à materialidade e ao monumental (NORA, 1997, p. 2220). Reafirma a proposta inicial, mas surgem nuances:

O lugar de memória supõe, para início de jogo, a justaposição de duas ordens de realidades: uma realidade tangível e apreensível, às vezes material, às vezes menos, inscrita no espaço, no tempo, na linguagem, na tradição, (...) e uma realidade puramente simbólica, portadora de uma história. A noção é feita para englobar ao mesmo tempo os objetos físicos e os objetos simbólicos, com base em que eles tenham ‘qualquer coisa’ em comum. [...] Cabe ao historiadores analisar essa ‘qualquer coisa’, de desmontar-lhe o mecanismo, de estabelecer-lhe os estratos, de distinguir-lhe as sedimentações e correntes, de isolar- lhe o núcleo duro, de denunciar-lhe as falsas semelhanças e as ilusões de ótica, de colocá-la na luz, de dizer-lhe o não dito. [...] Lugar de memória, então: toda unidade significativa, de ordem material ou ideal, que a vontade dos homens ou o trabalho do tempo converteu em elemento simbólico do patrimônio memorial de uma comunidade qualquer. (NORA, 1997, 2226)

Coadunamos com o pensamento de Nora quando fazemos alusão ao Estádio Olímpico Monumental e sua possibilidade de inscrição da noção de lugar de memória a partir das dimensões espaço, tempo, linguagem e tradição. O que significa uma realidade para além da tangíbilidade.

4.1.3 Subjetividade

A compreensão de subjetividade como categoria de pensamento para delimitar a noção de patrimônio está relacionado à função mediadora e simbólica do Olímpico, que viveu o nascimento e a despedida de craques que desfilaram seu talento no seu gramado, assim como jogadores comuns cujas lembranças se esvaem na memória coletiva da torcida, mas que, seguramente tem, em sua trajetória de vida, uma passagem marcante pelo Olímpico Monumental.

Até mesmo a materialidade viva da grama, vendida aos fãs do Olímpico é carregada de subjetividade, de construção dos afetos, das emoções e do sujeito uma tentativa mesmo que precária e efêmera de se manter viva a “aura” que, nos ensina Benjamin “à mais perfeita reprodução falta sempre algo, a unidade de sua presença

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no próprio local onde se encontra. É a esta presença, e só a ela, que se acha vinculada toda a sua história” (BENJAMIN, 1983, p. 07)

A materialidade da grama constrói afetividades e o sujeito torcedor, apaixonado por um time de futebol e seu estádio (aceito carinhosamente como “templo”), elabora um uma forma de celebração quando transporta e planta em sua casa alguns centímetros quadrados do “tapete verde” (termo amplamente usado na linguagem do futebol) onde Tarciso desfilou seu futebol e foi, com 127 gols, o segundo maior artilheiro do estádio55. Um grande currículo para quem não só jogou, mas também morou no “Velho Casarão”.

Eu morei o ano de 73 na concentração que era bem embaixo ali da arquibancada social e eu tomava o café, ficava muito ali, sentava ali e tal, antes do treino, sentava (...) a hora que eu via que estava todo mundo a entrar em campo, eu só descia e já estava pronto. Morava na concentração e o lugar mais que eu gostava era no gramado, porque a minha vida correu toda no gramado do Estádio Olímpico, vibrando, ou chorando, ou gritando de alegria, mas foi tudo ali no gramado. (TARCISO).

Do excerto extraído da narrativa deste ator social, verificamos o vínculo de sua história com o estádio, que o acolheu como seu lar, um espaço de afetividade, mais do que um espaço de moradia onde se proteje da chuva e do calor. O conceito de lar no imaginário das pessoas, comumente está ligado a um espaço acolhedor, em que se encontra abrigado. Todavia, enfatiza o sentido que assume o gramado, está muito além de uma planta, de uma gramínea em que se pisa, que forra o local para a prática do esporte, converte-se, no imaginário, a um objeto de desejo que fez parte e representa o estádio. O gramado do Olímpico representa vínculos afetivos com o espaço onde a história constituída de conquistas e derrotas aconteceu.

Outro fato que chama a atenção do vínculo afetivo da torcida aconteceu por ocasião do transporte das traves do Estádio Olímpico para a Arena Grêmio (atual estádio do clube). As traves56 do campo do Olímpico foram alçadas de helicóptero e “voaram”, cruzando os céus de Porto Alegre até à Arena. Esse ato teve como

55 Tarciso só não fez mais gols que Alcindo, um dos grandes personagens da história do Grêmio e do Estádio Olímpico Monumental. Alcindo fez 129 gols no Olímpico em apenas 186 partidas. 56 Em http://www.correiodopovo.com.br/Esportes/?Noticia=479129 Jornal Correio do Povo, 07 de dezembro de 2012. Acesso em 17 de novembro de 2017.

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propósito preservar um objeto “sagrado”. É também um objeto “autêntico”, no sentido proposto por Benjamin:

O que caracteriza a autenticidade de uma coisa é tudo aquilo que ela contém e é originalmente transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico. Como este próprio testemunho baseia-se naquela duração, na hipótese da reprodução, onde o primeiro elemento (duração) escapa aos homens, o segundo – o testemunho da cois – fica identificadamente abalado. Nada demais certamente, mas o que fica assim abalado é a própria autoridade da coisa. (BENJAMIN, 1983, p. 08) Portanto, dotado de ressonância, materialidade e subjetividade, categorias que se entrelaçam ao definir o Olímpico como patrimônio, conclui Gonçalves (2007, p. 227) que “o sentido fundamental dos ‘patrimônios’ consiste talvez em sua natureza total e em sua função eminentemente mediadora”.

Os bens imateriais ou bens intangíveis constituem-se em saberes que são transmitidos de geração em geração. São constructos das identidades individuais e coletivas que fazem parte da memória de um grupo de pessoas. Nesse sentido, asseveram Pelegrini e Funari (2008, p. 09), “se a apreensão dos bens culturais imateriais como expressão máxima da ‘alma dos povos’ conjuga memórias e sentidos de pertencimento de indivíduos e de grupos, evidentemente fortalecem os seus vínculos identitários”.

O patrimônio cultural imaterial traz o significado de, apesar de que o “tempo não para”, algo intangível e imensurável fisicamente permanece vivo na memória individual ou coletiva de alguém ou de um povo. Podemos pois, afirmar que na condição de patrimônio cultural o “tempo não apaga”. Isso vale para uma dança tradicional, perpetuada e que percorre de gerações a gerações, uma língua que não tem representação gráfica e permanece viva graças à memória oral de uma coletividade e, um estádio de futebol.

O avanço da industrialização e meios de comunicação de massa gerou o que chamamos hoje de globalização ou mundialização (BAUMANN, 1995). Ao contrário do que poderia se supor em meados do século passado, as novas tecnologias fragilizaram as experiências narrativas (o que contribui para o enfraquecimento da aura no sentido de Benjamin) e não produziram a convergência esperada, mas fizeram surgir uma tomada de consciência de que a humanidade sempre vai produzir

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distinção cultural, nos modos de vida e costumes os mais variados de onde surgirão novos formatos de patrimônios culturais, materiais e imateriais. A modernidade também não evitou que a imaterialidade do Estádio Olímpico Monumental se manifestasse ao findar sua atividade como praça esportiva.

Assim se expressa Tarciso ao discorrer sobre o impacto emocional que tem quando visita ou passa pelo estádio que ajudou a construir e de onde guarda alguns dos momentos mais felizes de sua carreira esportiva.

Eu fui lá o ano passado [2016] duas vezes fazer reportagem com a [Rádio] Gaúcha e depois não voltei mais porque quando eu entrei no gramado, sabe, a gente escuta os deuses ainda gritando. Aí eu não fui mais, porque tem aquela tristeza, e se a gente vai para um jornal, e a gente vai falar o quê? Pode haver uma má interpretação de muita gente achando que é egoísmo, mas não é nada disso, é simplesmente considerar que é um monumento e teria que preservar. (TARCISO, g.n.)

Nesse excerto, o ex-jogador manifesta sua angústia e sentimento de perda do que representa a “materialidade” do patrimônio e que suscita significados que vão além da materialidade. É um propulsor de memórias, por meio do qual reavivava a história do time de futebol e de sua própria vida. Há forças externas que ofuscam que expressam julgamentos e que, portanto, influenciam-no a calar-se. “A gente escuta os deuses gritando”, proferido por Tarciso, significa dizer que o Estádio Olímpico Monumental transcende à materialidade e se eterniza como um lugar-patrimônio. Um patrimônio que tem voz.

Nessa mesma direção, o ator social Fogaça compreende o estádio e defende que “O Olímpico é eterno”, ou seja, mesmo alçado a categoria de patrimônio imaterial, caso seja efetivamente demolido, não será compreendido como tempo passado. Pelo menos para Fogaça, torcedor e que foi cônsul do Grêmio em Brasília até setembro de 2016. Atual lider do grupo da torcida tricolor denominado “Gremistas do Distrito Federal”, que reunem-se para assistir, via televisão, em um bar localizado próximo ao Parque da Cidade, em Brasília, a praticamente todos os jogos do tricolor gaúcho.

O Estádio Olímpico faz parte da história, e vai fazer sempre. O Estádio Olímpico, assim como a gente diz que o Grêmio é “imortal”, o Olímpico é “eterno” para o gremista, porque é o estádio, é a casa do time da gente. É o local para o qual a gente se dirige para assistir o time da

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gente, é ali que a gente vibra, é ali que a gente sofre, é ali que a gente passa os melhores e os piores momentos do clube, são sentimentos que não se apagam. (FOGAÇA, g.n.).

Fogaça e outros atores sociais que apresentamos, possivelmente, representam o pensamento de milhares de profissionais e torcedores do Grêmio. Têm assim como milhares, ou talvez, milhões de torcedores têm o Olímpico como um patrimônio e um lugar presente, no tempo presente, pelo qual nutrem sentimentos “que não se apagam”, que ficarão eternizados na história, como enfatizou o torcedor.

Na relação memória, identidade e patrimônio observa-se um campo de tensão, disputas e defesas de idéias na construção de discursos e atribuição de significados ao patrimônio cultural e à memória pelos diversos segmentos sociais. Nesse contexto, não há informações suficientemente sistematizadas para o acesso ao patrimônio cultural, cujas fontes documentais são muito escassas, conjuntura que apresenta muita barreiras informacionais, quer seja para gestão patrimonial, quer seja para a pesquisa científica e para o usuário.

4.2 MEMÓRIA E IDENTIDADE: A NOÇÃO DE PERTENCIMENTO

A memória coletiva exerce papel fundamental na construção e preservação da identidade de um povo. Este é um ponto fundamental enfatizado e compartilhado pelos autores que têm estudado o assunto: Pollak (1992), Candau (2016), Halbwachs (2003), Nora (1993), Bosi (2003), Viana (2000).

Michael Pollak (1992) busca uma compreensão entre memória e identidade social. Para tal, apropria-se e valoriza o método ou área de pesquisa compreendida como história oral, a qual trata da história de vida dos sujeitos investigados, procurando estabelecer por estas narrativas o vínculo identidade-memória.

O autor relata a importância e o crescimento numeroso de estudos voltados às áreas da memória e da identidade. Cita, entre outros, Fernand Braudel57 e Pierre Nora,

57 Fernand Braudel foi um destacado Historiador do século XX e importante membro da Escola dos Annales. Nascido em Luméville-em-Ornois no dia 24 de agosto de 1902, o francês Fernand Braudel se formou em História pela importante Universidade de Sorbonne. (Por Antônio Gaspareto Junior, em www.infoescola.com/biografias/fernand-braudel/ acessado em 12/12/2017)

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autores de produções que tratam da identidade social e memória ao longo de suas reflexões.

Também ganha destaque e redimensionamento marcante as reflexões sobre memória de Maurice Halbwachs, na terceira e quarta década do século XX. Este autor compreende a memória enquanto um fenômeno social, construída a partir do coletivo e subordinada às constantes mudanças sociais; relacionada, portanto, ao sentimento de pertencimento cultural. Um de seus papeis essenciais é justamente esta possibilidade de formar o grupo, dar-lhe coesão e sentido de estabilidade e perenidade.

Halbwachs reflete no sentido proposto pelo sociólogo Emile Durkheim ao entender memória como um fato social, ou seja, exteriores em relação às consciências individuais. A memória não se origina em um processo individualista, como algo íntimo, de outra forma ela tem origem nos múltiplos grupos que a preservam, organizam, divulgam. Para Halbwachs os lugares de memória se constróem socialmente, por exemplo, na classe social, educação, família, em uma palavra: na história. As lembranças são estimuladas pelo mundo social e pelas histórias de vida das pessoas. As relações sociais são o suporte da memória.

O ato de recordar apresenta características flutuantes e mutáveis. A memória apresenta pontos fixos nas recordações, nas vivências, nas interações, o que assegura a noção de pertencimento e o sentido de estabilidade.

São representações ilustradas a partir de histórias de vida as quais observamos nos movimentos de idas e vindas a partir das falas dos entrevistados, constituem-se de forma irredutível como lembranças que se solidificaram. Nesse sentido, a ordem de acontecimentos lembrados não obedece uma ordem cronológica, como afirma Pollak.

Todos que já realizaram entrevista de história de vida percebem que no decorrer de uma entrevista muito longa, em que a ordem cronológica não está sendo necessariamente obedecida, em que os entrevistados voltam várias vezes aos mesmos acontecimentos, há nessas voltas a determinados períodos da vida, ou a certos fatos, algo de invariante (POLLAK, 1992, p. 2).

Um dos pontos fixos ou invariante que encontramos nas narrativas, conforme a perspectiva de Pollak é o fato de todos atores sociais / personagens deste fazer

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investigativo associarem o termo “imortal” ao referir-se ao Grêmio. Remete ao hino do clube, composto por Lupicínio Rodrigues no qual cita o lendário goleiro Eurico Lara e também as grandes epopéias tricolores, aquelas partidas que ficaram na história e ajudaram a construir e evocar a memória de uma possível ou pretensa “imortalidade”.

A gente tem que arrumar um jeito de levar todos os deuses do futebol para dentro da Arena. Agora temos a missão muito grande de construir a história do século na Arena que é onde estamos agora e continuar a escrever a grande história do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense que todos nós chamamos imortal. (TARCISO, g.n.)

O excerto acima, da narrativa de Tarciso, é consoante com a afirmação de Candau (2016, p.19) quando diz que “não há busca identitária sem memória e, inversamente, a busca memorial é sempre acompanhada de um sentimento de identidade”. Ou seja, o ator social se identifica com a história do clube, sente-se pertencido a este grupo (em mais de uma categoria, como ex-jogador, torcedor, embaixador do Grêmio FBPA) e identifica este clube como “imortal”, argumentando sobre esse rótulo a partir da busca memorial. Recorre ainda aos “deuses do futebol” para que ajudem a manter esta condição, mesmo que subjetiva, da imortalidade.

Essa alcunha de “imortal”, conferida a partir de jogos épicos como a “Batalha dos Aflitos”, que aconteceu longe do Estádio Olímpico Monumental, contada no livro “71 SEGUNDOS, O JOGO DE UMA VIDA: a tarde em que o Grêmio jogou, ganhou e foi campeão com sete jogadores”, escrito pelo jornalista Luiz Zini Pires que, criativa e etnograficamente descreve a angústia vivida por um dos vices presidentes do clube.

O cenário da narrativa de Pires tem como cenário o Estádio Olímpico Monumental, mesmo este não sendo o palco do jogo, que acontecia no Estádio dos Aflitos, em Recife – Pernambuco. Era a última partida do Grêmio na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro de 2005. O adversário era o Náutico58. Simultaneamente, jogavam Sport Recife59 e Portuguesa de Desportos60 no estádio do Arruda, também

58 Clube Náutico Capibaribe, conhecido por Náutico, é um clube desportivo brasileiro sediado na cidade do Recife, no estado de Pernambuco, fundado em 7 de abril de 1901, por um grupo de remadores. Começou a disputar partidas de futebol em 1905. Disponível em www.nautico-pe.com.br/. 59 O foi fundado no dia 13 de maio de 1905. Disponível em: http://www.sportrecife.com.br/o-clube/historia 60 A Associação Portuguesa de Desportos (inicialmente Associação Portuguesa de Esportes) foi fundada no dia 14 de agosto de 1920 a partir da fusão de cinco clubes portugueses da cidade de São Paulo: Lusíadas, Lusitano, 5 de Outubro, Marquês de Pombal e Portugal Marinhense. A data remete à

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em Recife. As duas partidas encerravam o quadrangular final da Série B. Somente duas equipes se classificariam.

No aprazível sábado, 26 de novembro de 2005, minutos antes das 16 horas, como fez em outros sábados, quando o Grêmio atuava distante de Porto Alegre, o vice-presidente de finanças, Túlio Macedo, foi novamente parceiro da sua sofrida rotina. Trancou-se na ampla sala da presidência do clube, atrás das sociais do Estádio Olímpico, próximo às cadeiras cativas, à esquerda de quem ancora no Pórtico dos Campeões.

Ele levou o compacto rádio no bolso, arrumou a poltrona, ajustou a almofada, tomou mais um gole d’água e se aproximou da televisão de tela ampla. Ligou os dois aparelhos ao mesmo tempo. Queria ver e ouvir. Precisava ter certeza de tudo no calor da decisão. Mais um ano na Segunda Divisão seria um desastre completo, talvez o clube não resistisse incólume dois anos seguidos na ante-sala do inferno. Porque inferno, inferno mesmo, deve ser a Terceira Divisão.

Túlio Macedo, vice-presidente pela quinta vez, afundou na poltrona, cruzou as pernas e esperou alguns segundos antes do árbitro carioca Djalma Beltrami mandar o jogo correr em Recife.

O que Túlio viu e ouviu a seguir jamais foi visível nos seus mais de 50 anos de Grêmio. O que ele sentiu em alguns momentos nunca mais vai sentir na vida. Suas testemunhas oculares são quadros com os retratos de 40 presidentes do Grêmio alinhados na sala. Túlio estava sozinho, isolado entre quatro paredes. O Estádio Olímpico experimentava naquela tarde inolvidável o seu maior silêncio em 51 anos de vida. Grande parte do Rio Grande do Sul albergou a mesma mudez. Depois de um sofrimento quase perpétuo, brotou o grito e então o urro, que calou o silêncio. (PIRES, 2006, 11-12) A ideia de “nunca morrer”, sociologicamente, parece povoar o universo dos gremistas e não gremistas (mas que têm ou tiveram vÍnculo com o clube) e provoca um sentimento neo-tribalista, que ganha adeptos que estão em busca de uma identidade, um grupo ao qual pertencer, um time para torcer.

Para o ex-jogador Tcheco, o sentimento da imortalidade se renova toda vez que acontece uma derrota. E daí vem o recomeço, a próxima partida, o próximo campeonato.

(...) tem várias histórias, mas uma delas que foi muito especial para mim também: em 2008 nós estávamos disputando o título brasileiro com o São Paulo até a última rodada e a gente ia jogar contra o Atlético Mineiro no Olímpico. O São Paulo ia jogar contra o Goiás. em Brasília se não me engano, e nós necessitávamos uma derrota do

Batalha de Aljubarrota, quando Portugal tornou-se independente da Espanha em 1385. Disponível em http://portuguesa.com.br/clube/historia/

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São Paulo. A gente tinha que vencer. Acabei fazendo um gol de penalty e nós vencemos o jogo por 2x1, mas o São Paulo acabou vencendo o Goiás. Só que quando faltava mais ou menos uns 4 minutos, porque que já estava no acréscimo, tinha acabado lá em Brasília, e o São Paulo se consagrou campeão brasileiro. Naquele momento não sabíamos do resultado ainda, dentro de campo, mas a torcida já sabia, eles estavam escutando o jogo pelo rádio. Anunciavam toda hora o resultado e foi um muito especial para nós porque a torcida parou de gritar os cânticos de jogo que eles normalmente cantavam e todo estádio, foi arrepiante, e todo o estádio começou a aplaudir, o nosso time naquele momento. Naquele momento eu deduzi que o São Paulo tinha sido campeão, mas não tinha total certeza. Assim que acabou o jogo a gente realmente confirmou que o São Paulo tinha sido campeão. Nos reunimos no meio de campo e a torcida aplaudiu reconhecendo nosso trabalho. O estádio todo batendo palma. Isso é difícil no Brasil, onde um vice-campeão é praticamente nada, mas foi um dos momentos marcantes para mim dentro do Olímpico. (TCHECO, g.n.) Os momentos que Tcheco vivera no Estádio Olímpico permanecem como imagens guardadas na memória, como lembra Alfredo Bosi, citado por Ecléa Bosi, “a memória resgata o tempo mediante as imagens” (BOSI: 2003, p.43), outro elemento de natureza social fundamental na construção da memória e da identidade. A respeito, Thiago Ingrassia Pereira61, fala da construção de sua identidade como torcedor gremista e sua relação com o Estádio Olímpico Monumental.

Foi no Olímpico que me “alfabetizei” como torcedor, como gremista. Não tenho a pretensão de explicar um sentimento que nasce com a gente, que é tão forte exatamente pela nossa incapacidade de explicá- lo. Torcemos por um clube que é representado por um time e pronto. Isso basta. É definitivo. (PEREIRA, 2015, p.58, g.n.)

O sentimento de ser torcedor, como asseverado acima “é definitivo”. A pessoa se Identifica com um clube, torce, e pronto.

Essa definição se dá a partir da densidade de acontecimentos vividos pessoalmente, como conta o torcedor Rafael ao lembrar de um episódio que acentuou o seu sentido de pertencimento com o Grêmio, suas cores, seus ídolos, seu estádio. Em depoimento, nos relata como foi impactante para o sertir-se gremista, o encontro

61 Sociólogo, doutor em educação e escritor. É professor adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. Entre outras publicações, é autor do livro “Os livros e a camiseta listrada: crônicas e memórias de um torcedor”.

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com o jogador Baidek62, um grande ídolo do Grêmio, que havia sido campeão mundial em Tóquio, três anos antes.

Em junho de 85 eu fui passar férias de uma semana na casa da minha tia. Era numa rua bem nos fundos do estádio. Dava pra ver o Olímplico, então eu olhava, era um monumento (...) eu ficava olhando. Eu tinha onze anos, eu não podia ir, em princípio, sozinho até lá, né? Do outro lado da rua morava o Baidek e a minha tia disse olha ali mora o jogador do Grêmio, não sabia me dizer quem era o jogador do Grêmio. E tinha um Monza preto estacionado na frente, e eu sempre olhando, ali olhando o Olímpico e vendo se não saía o jogador do Grêmio porque eu queria um autógrafo, né, e ai desce uma hora o Baidek, eu disse é o Baidek, eu conheço o Baidek, né, claro, obviamente, e aí ele, ela morava no segundo, terceiro andar, eu gritei oh Baidek, ele, oi, posso ir aí? E aí, imagina era um guri tímido, do interior, fazer isso era algo que não tava no, né, não era da minha, do meu fetio, né, até hoje sou uma pessoa tímida e tal... Escreveu isso: “Ao amigo Rafael um abraço. Com carinho, Baidek”.

Saí com esse negócio [mostra o papel autografado] aqui, era um ouro, né, um tesouro, cheguei na minha escola mostrei isso aqui [mostra o autógrafo digitalizado que está na sequência do texto]. Depois consegui do China, consegui de outros jogadores. Mostrei para meus colegas, né... Era o herói da turma, aquele que tinha conseguindo o autógrafo do Baidek!

Mas eu tenho que te contar mais uma coisa. É, então isso ai foi uma afirmação, mais importante, né, afinal de contas tava o Baidek era “meu amigo”, tinha me dado um autógrafo, mas ai, João, é, meses depois o, o Grêmio vai jogar contra o Lajeadense, lá em Lajeado, e, claro, eu tava lá, no alambrado, eu, esperando nas preliminares já tinha uma final do Camponato Gaúcho. Aí, os jogadores do Grêmio vão dar aquele reconhecimento de gramado antes do jogo e... aparece o Baidek! E eu: “Oi Baidek!” Daí ele vira e olha: “Oi Rafael”. E eu estava com com os “comprovantes” do meu lado, meus amigos ao meu lado, né. Estava com várias “testemunhas” e aí, bom, e aí, né, a relação com o Grêmio só cresceu. Encontrei o Baidek anos depois no elevador do Olímpico porque a gente foi numa atividade lá, num jogo e era uma coisa, um camarote da Tramontina de um amigo meu, encontro o Baidek no elevador, e eu não perco a oportunidade de dizer isso pra ele, né, disse: “Olha Baidek, tu morava aqui, tu morava ali, não sei o que, eu peguei um autógrafo de ti, tenho esse autografo guardado, e depois tu foi em Lajeado, e disse, Rafael (claro que ele não disse Rafael naquele

62 Baidek, ao lado de Hugo De León, compôs a dupla de zaga do Grêmio treinado por , campeões da América e mundial de clubes em 1983.

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momento), ele disse “qual é o teu nome mesmo?” Rafael. Ele me deu o cartão. (RAFAEL) A rememoração de Rafael pode ser interpretada com auxílio de Jöel Candau (2016), quando este autor trata da reconstrução das lembranças como uma maneira do narrador mostrar de si e de suas relações com os acontecimentos vividos. Para Bosi (2003, p.23) “existe, dentro da história cronológica, outra história mais densa de substância memorativa no fluxo do tempo”. Quanto mais distante estamos dos acontecimentos lembrados, parece que os fatos reais podem justaporem-se ao imaginado.

Quando Rafael narra que, no segundo encontro com o ídolo, este disse “Rafael” sem ter dito, fica evidente o roteiro estabelecido pelo narrador, o roteiro de um passado que está sob seu domínio. É um momento da narrativa em que a realidade se encontra com o imaginário, com a magia da experiência vivida e agora reportada na narrativa.

É o distanciamento do passado que o permite reconstruir para fazer uma mistura complexa de história e ficção, de verdade factual e verdade estética. Essa reconstrução tende à elucidação e à apresentação de si. De fato, o ato de memória se dá a ver nas narrativas de vida ou nas autobiografias coloca em evidência essa aptidão especificamente humana que consiste em dominar o próprio passado para inventariar não o vivido (...). (CANDAU, 2016, p.71) Rafael nos disponibilizou cópias, tanto do autógrafo de Baidek, que recebera quando criança, quanto do cartão profissional dele, recebido no segundo encontro com Baidek.

Figura 03 – (SILVA, 2018) O torcedor Rafael mostra um pequeno acervo de lembranças do Grêmio que guarda com carinho, em especial, o autógrafo de Baidek.

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Atualmente, Jorge Baidek - o zagueiro que formou dupla com Hugo de León na equipe que alcançou o título máximo da história do Grêmio, o mundial interclubes de 1983 - é um sucedido empresário do futebol brasileiro. Outros atores sociais deste estudo fazem menção à Baidek, como o músico João de Almeida Neto e o ex-jogador Iura. Falam com carinho e admiração ao homem e profissional, muito identificado com a história do Grêmio, o Olímpico e o futebol de um modo geral.

Abaixo, a materialização do que parece um pequeno gesto deste ídolo do menino Rafael e de incontáveis torcedores gremistas. Um gesto que encontra grande significado para quem recebe: “mostrei para meus colegas, né... era o herói da turma, aquele que tinha conseguindo o autógrafo do Baidek!” (Rafael).

Figura 04 – Autógrafo de Baidek ao então pequeno torcedor Rafael

Percebemos, na narrativa de Rafael que os laços que que unem os homens ao passado não são cortados, diferente da liquidez do mundo moderno apontado por Baumann (2005) tempo em que se vive numa espécie de “eterno presente”. Sentir-se gremista configura-se num elemento essencial para se trazer a idéia de identidade, foco desta categoria.

As narrativas de Júlio Titow, o Iura, remontam à sua infância que, quase num sentido lógico, foi povoada pelas vivências com o futebol e suas múltiplas relações, onde através do rádio em que ouvia os jogos do Grêmio, produzia seus sonhos.

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Quando eu pegava o radinho - eu era apaixonado por rádio, eu morava numa vila, e era através do rádio que eu comecei a acompanhar jogos de futebol. so e o rádio fez com que eu conhecesse o futebol por intermédio desse rádio e aquelas narrações fantásticas de Milton Jung... Jornalistas... Incrível naquela época. Aquilo me chamava à atenção e eu prestava sempre atenção nos jogos do Grêmio, principalmente com o Alcindo, com o João Severiano, Ortunho, o Airton - aqueles jogadores que viraram meus ídolos de uma maneira tão forte que quando eu cheguei no Grêmio e encontrei o Airton e o Alcindo passeando no pátio, naquele entorno do Olímpico, eu fui às lágrimas.

O Alcindo e o Airton depois se tornaram grandes amigos meus e eu dizia para eles “bah cara, eu vou para o banheiro com o radinho e narro as partidas de vocês depois dos jogos. Tudo eu ficava narrando e dizendo o que eu fazia, porque eu estava nas tabelas que vocês faziam nos lances em que participavam. Eu estava acompanhando os lances como se eu estivesse jogando do lado de vocês e agora vocês estão aqui, eu estou aqui”.

O Alcindo, eu tive o privilegio, depois, de jogar com ele. Ele foi embora para o Santos e voltou e eu cheguei a jogar com o Alcindo. Então, foi fantástico para mim aquele momento no Estádio Olímpico nunca mais esqueci daquilo.

O Alcindo e o Airton infelizmente hoje não estão com a gente, mas foram duas figuras que eu semanalmente me encontrava e semanalmente a gente estava sempre tomando uma cervejinha, batendo um papo de tão... [pausa e emoção do entrevistado] de uma amizade tão forte que nós construímos. (IURA)

Iura teve a oportunidade de jogar com Alcindo, o maior goleador da história do Grêmio e do Estádio Olímpico. Realizou o sonho projetado ao simular narrações de jogos em que tabelava com seus ídolos, em especial Alcindo. Foram campeões, comandados pelo treinador Telê Santana, no mais afamado Campeonato Gaúcho da história, contato no livro “Heróis de 77, a história do maior Campeonato Gaúcho de todos os tempos”63, de Daniel Sperb Rubin, onde Iura também é um dos protagonistas.

Iura atuava no meio de campo e tinha características incomuns para o futebol brasileiro que era de estilo cadenciado à epoca. Jogava de maneira vertical, sempre

63 (AGE Editora, 285 páginas, 2017.(http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/09/cultura/586682-livro- relembra-historia-a-historia-do-campeonato-gaucho-de-1977.html)

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em busca de alcançar a meta adversária. Era comparado pela mídia especializada com Johan Cruyff64, que foi considerado o melhor jogador da Copa do Mundo de 1974, sediado na antiga Alemanha Ocidental.

Eu até tinha o apelido de Cruyff. Meu estilo de jogo era para frente na vertical, eu não gostava de jogar para trás.

O Telê [Santana] falava para os meus companheiros e dizia “não adianta vocês pedirem a bola para o Iura, vocês sabem que ele não joga para trás. Então, passe para o lado dele para fazer uma tabela”, sabe?

Até que um dia eu encontrei o Alcindo e o André Catimba que sabiam que o futebol é para frente e eles já sabiam a maneira que eu ia jogar. Então, tem diversos gols aí: tem o título do Grêmio [Campeonato Gaúcho de 1977] com o André Catimba fazendo gol com meu passe, tem meu gol dos 14 segundos...

Para fazer o gol aos 14 segundos num , tem que jogar para frente mesmo e com rapidez. Eu já tinha essa mania de jogar o futebol mais para frente com mais taticamente bem estabelecido por aquilo que o treinador determinava e quando o Espanhol veio me buscar, na verdade o Espanol não veio para me contratar o Espanhol veio para ver um outro jogador e ai se encantou com a minha maneira de jogar e os caras vieram me procurar e disseram, “olha... queremos sua contratação imediata porque teu jogador entra em qualquer time da Europa”.

Então... e o Espanhol naquela época era maior que o Barcelona, entendeu? Era um time fantástico, eles me mostraram todo o estádio que eles tinham, tudo moderno, né? Claro que hoje mudou muito, daquela época... (IURA)

O Espanyol, como disse Iura, era maior que o Barcelona, ambos times da Catalunha, na Espanha. Além dessa lembrança, Iura marcou história em duas situações que descreveu em sua narrativa: é autor do gol mais rápido dos grenais, 14 segundos, no Grenal que aconteceu no Estádio Olímpico, em que o Grêmio venceu por 2 a 0 feito que já completou quarenta nos. Em entrevista ao jornalista Sérgio Villar,

64 Cruyff morreu dia 24 de março de 2016, aos 68 anos, de câncer, em Barcelona. Fonte: Esporte - iG @ http://esporte.ig.com.br/futebol/2016-03-24/lenda-do-futebol-holandes-johan-cruyff-morre-aos- 68-anos-de-idade.html

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do canal Gaúcha ZH65, Iúra relembra e manifesta satisfação e orgulho pelo recorde alcançado.

Nuvens cinzas dominam o céu do bairro Azenha e uma chuva fina persiste quando o carro prata passa devagar pelos arcos da entrada do que ainda resta do Estádio Olímpico. O vidro desce e surge o rosto rechonchudo e sorridente de um dos mais carismáticos ídolos do Grêmio: Iúra. O bigode espesso está branquinho. O cabelo, também. Aos 65 anos, o ex-jogador mostra-se com muita energia. Ainda mais quando é para falar do gol mais rápido em Gre-Nais, marcado por ele 40 anos atrás, num 14 de agosto.

– Podemos falar durante três horas sobre o gol. Faz bem, dá orgulho. Quarenta anos? Parece que foi ontem. Vamos conversar, sim, mas só não me coloca pra correr, aí maltrata o velho – brinca, ao ver que a reportagem tinha levado uma bola debaixo do braço.

Assistindo lances de Iura em canais como o Youtube66, percebemos o porquê da comparação com Cruyff. O lider do “carrossel holandês” ou “laranja mecânica”, a seleção que maravilhou o mundo em 1974, afirmava que “jogar na defesa é inútil – e além disso é feio”. Na curta carreira de jogador – Iura parou de jogar com 27 anos -, jogou assim: “pra frente”.

Figura 05: Iura é manchete de uma matéria na Revista Placar – 29 de julho de 1977.

65 https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/noticia/2017/08/gol-de-iura-o-mais-rapido-em-classicos- gre-nais-completa-40-anos-9868287.html 66 https://www.youtube.com/watch?v=o-yLD9_Mqwo www.lance.com.br/.../inesquecivel-gre-nal-1977-inspiracao-gremio.h... https://www.youtube.com/watch?v=F-Zke1vO7fo https://www.youtube.com/watch?v=tFYtEPBUL0M

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Pollak discute também a memória herdada ou projetada, a partir da memória de acontecimentos vividos “por tabela”, que faz referência à transmissão de situações vivenciadas por uma coletividade e que são passados de uma geração para outra.

Projeções como a relatada acima podem ocorrer em relação a eventos, lugares e personagens e além disso, destaca o autor, “há o problema dos vestígios datados da memória” (POLLAK, 1992, p.3) que refere-se ao que fica gravado como data precisa de um acontecimento em função da experiência pessoal ou pública de um sujeito. Pelos relatos do autor, datas pessoais tendem a serem mais precisas do que as datas públicas ou acontecimentos atrelados a vida política de uma coletividade.

Quando fizemos entrevista com donas de casa da Normandia que passaram pela guerra, pela ocupação, pela libertação etc., as datas precisas que pudemos identificar em seus relatos eram as da vida familiar nascimento dos filhos, até mesmo datas muito precisas de nascimento dos primos, todas as primas, todos os sobrinhos e sobrinhas. Mas havia uma nítida imprecisão em relação às datas públicas, ligadas à vida política (POLLAK, 1992, p.51).

Por outro lado, acrescenta o autor, que em entrevistas dirigidas à personagens públicas, a vida pessoal, em família, não aparece no relato. A esse fenômeno, podemos inferir que as grandes personalidades púbicas ou simplesmente pessoas que destinam a maior parte do seu tempo à esfera pública ou social, dispõe de menos lembranças de situações vivenciadas em família.

Aduz-se, portanto, que uma personalidade pública, seja um político famoso, um jogador de futebol renomado ou um artista cultuado conservam muito mais lembranças de sua vida pública, especialmente por esta sempre ser evocada a partir do relacionamento com a mídia, registros imagéticos, interlocuções com os fãs e, provavelmente, questões subjetivas como a construção do ego enquanto uma personalidade, o que a distancia da percepção de si mesma enquanto pessoa comum, afinal, como cita o autor “a memória é seletiva, nem tudo fica gravado” (p.4). Para Pollak, a memória é um fenômeno construído socialmente, pois está sempre vinculada às histórias de vida, às narrativa coletivas, ao contexto experienciado.

Podemos também trazer os conceitos de memória hereditária e memória seletiva, destacados por Pollak (1992), à memória construída por torcedores ou jogadores de futebol.

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A memória é, em parte herdada, não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da memória. Isso é verdade também em relação à memória coletiva, ainda que esta seja bem organizada. Todos sabem que as datas oficiais são fortemente estruturadas do ponto de vista político. Quando se procura enquadrar a memória nacional por meio de datas oficialmente selecionadas para as festas nacionais há muitas vezes problemas de luta política. A memória organizadíssima, que é a memória nacional, constitui um objeto de disputa importante, e são muito comuns os conflitos para determinar que datas e que acontecimentos vão ser gravados na memória de um povo (POLLAK, 1992, p. 3).

No excerto a seguir, o ex-jogador Túlio “Guerreiro”, declara que seleciona e preserva as lembranças dos clubes por onde passa. Estas comporão a memória da família, das próximas gerações.

Tenho camisa de todos os times que eu passei. A do Grêmio está lá também na minha parede, emoldurada, tenho várias fotos que eu guardo sempre digitalizei tudo também que está bem guardado aí para lembrança, para as minhas gerações. (TÚLIO GUERREIRO)

Observamos na fala de Túlio que a memória é sempre seletiva - dependendo do momento, do jogo de poder, das configurações politicas, as memórias são selecionadas – escolhe-se o que interessa naquele momento, valoriza-se o que se quer preservar. Afinal, na medida em que cultuam um ídolo, assim como os grandes feitos de seu time, assumem o papel de autores de um enredo que valoriza o herói e a vitória, separando e selecionando estes dos vilões e dos fracassos proporcionados por seu clube.

Os aspectos positivos são ressaltados e transmitidos de geração a geração, proporcionando também a criação de mitos e lendas, num processo de construção coletiva de memória. Esse processo pode ser consciente ou inconsciente, como assevera Pollak.

(...) a memória é um fenômeno construído. Quando falo em construção, em nível individual, quero dizer que os modos de construção podem tanto ser consciente como inconscientes. O que a memória individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de organização (POLLAK, 1992, p. 3-4).

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Constatada a memória enquanto um fenômeno construído individual e coletivamente, o autor acrescenta que esta tem uma ligação muito estreita com o sentimento de identidade.

Aqui o sentimento de identidade está sendo tomado no seu sentido mais superficial, mas que nos basta no momento, que é o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros . (POLLAK, 1992, p. 3-4).

A identidade, no caso da vinculação a um grupo ou um lugar, torna-se muito forte quando o ator social, além de pertencer a um grupo de torcedores, ainda tem a oportunidade de jogar pelo time que torce. É o caso do ex-jogador Paíca, que conta como se tornou gremista, de onde vem o sentimento de identificação e pertencimento com o “tricolor gaúcho”.

A minha mãe chamava-se Carminda e era torcedora do Grêmio já há algum tempo. Então, a gente - eu e meus irmãos – ia nascendo e cada vez essa torcida pelo Grêmio ficava maior, no núcleo da família.

A minha mãe era tão torcedora do Grêmio que chegou a brigar com o irmão dela que era torcedor do Internacional e ficou anos sem falar com ele. Eu tenho um irmão que se chama Sérgio por causa de um ex-jogador do Grêmio, que era goleiro, que era o Sérgio Moacyr Torres Nunes. (PAÍCA)

Mas essa identificação nem sempre supera as necessidades profissionais. O próprio goleiro Sérgio, citado por Paíca, que, devido o fato de ser gremista, teve seu nome escolhido para batizar o irmão de Paíca, “trocou” o Grêmio pelo Internacional no ano de 1956, após dez anos defendendo as cores azuis, pretas e brancas. No mesmo ano, Ségio defendeu a Seleção Brasileira de Futebol que conquistou o Pan- americano em 1956, quando a Seleção do Rio Grande do Sul representou o Brasil. Após aposentar-se como atleta, Sérgio Moacyr Torres Nunes, tornou-se treinador, vindo a dirigir Grêmio e Internacional por duas ocasiões cada clube. Na memorável decisão do Campeonato Gaúcho de 1977, a ser tratada no item “Jogos Monumentais”, Sérgio Moacyr era o treinador do Inter.

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O sentimento de pertença e identificação com o Estádio Olímpico não se restringe à jogadores, ex-jogadores, torcedores, funcionários do clube. Para o renomado jornalista Fernando Becker, que chegou a jogar futebol e atuando pelo Guarani de Venâncio Aires e sendo dirigido por um dos mais destacados treinadores de futebol no Brasil, Mano Menezes67. Becker, que era zagueiro, tem relações interessantes com o Olímpico. No gramado do estádio jogou futebol e atuou como reporter. Nas arquibancadas assistiu a jogos e também dormiu sob elas, no alojamento.

Dormi embaixo da arquibancada. Foi em um desses fins de semana. Como eu estudava de manhã, em Venâncio, o que eu fazia: meio-dia eu pegava um ônibus e vinha para Porto Alegre. Era quase duas horas de viagem e treinava de tarde nessa categoria que a gente chama Categoria 73, que é o ano do meu nascimento. Eu lembro que no início eram dois amigos e eu que vínhamos para cá, para Porto Alegre e esses meus dois amigos foram dispensados, não precisavam vir mais e eu continuei vindo sozinho.

Teve uma sexta-feira que eu vim e a tardinha, durante a tarde os motoristas e cobradores de ônibus fizeram greve dos ônibus intermunicipais e eu não tinha como voltar para Venâncio.

O diretor das categorias de base me chamou lá na secretaria me comunicou e disse assim “ a gente tem uma alternativa para ti, tu tem onde ficar aqui?”; “Eu até tenho minha tia”, respondi, “mas a gente tem uma alternativa, tu não quer dormir aqui no estádio, amanhã a gente tem um amistoso contra o Flamenguinho, tu participa, tu aproveita e participa do amistoso” eu disse: “ah, beleza”, fechei na hora, falei come meus pais coisa e tal e ele disse: “ a gente também, a gente consegue fazer isso porque a categoria 71 está indo para o interior jogar uma partida e vão dormir lá, e vai sobrar cama para ti no alojamento” e, coincidentemente a cama onde eu dormi, quem ocupava ela era o Luciano André um jogador que foi meu amigo que é meu amigo.

O Luciano André era ponteira direita, um negro. Coincidentemente, nós jogamos juntos na escolinha do Guarani lá em Venâncio e é meu amigo até hoje. Faz tempo que eu não o vejo... mas, ai ele disse

67 Luiz Antônio Venker Menezes dirigiu Guarani de Venâncio Aires no início de sua carreira e se destacou treinando Grêmio, Corínthians e Cruzeiro. Também foi treinador da Seleção Brasileira de Futebol. O treinador também é declarado do Grêmio.

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assim, o meu apelido é Becão, “Ah Becão dorme na minha cama lá” então foi muito legal dormir na cama dele, ele me emprestou, digamos assim. Vivi toda a rotina ali da concentração, das categorias de base, por uma noite pelo menos, por um dia, porque depois eu tive que ficar lá no Olímpico também. (FERNANDO BECKER)

No depoimento desse ator social, importante nome no jornalismo esportivo brasileiro ficou nítida a expressão de contentamento de um profissional que vive o futebol pelo ângulo da mídia, mas que nunca deixou de valorizar o chão do estádio, o cheiro da grama, o convívio com os colegas, o pertencimento a um grupo. Becker fala com emoção do período em que foi jogador e sente-se identificado com a tribo do futebol, tribo na qual o Estádio Olímpico Monumental exerce uma representação simbólica muito grande.

Provocados a completarem a frase “O Olímpico para mim é...”, os atores sociais os atores sociais que narraram suas memórias em relação ao estádio, se manifestaram, de forma nostálgica, demonstrando um forte vínculo de pertencimento a um lugar que, espacialmente, parece despedir-se, mesmo que eternizado em suas memórias afetivas.

Daqueles que trabalharam diuturnamente nas dependências do Estádio Olímpico Monumental durante as jornadas semanais e nos dias de jogos, torcendo ou trabalhando e torcendo, ouvimos que expressões que não deixam dúvidas sobre a relação de pertencimento com o Lugar. Hélio Dourado, Antônio Carlos Verardi, Ema Coelho de Souza e Hélio Devinar são os mais velhos entre os vinte e dois narradores que compõem essas narrativas. São, inquestionavelmente, quatro guardiães da memória do estádio. Dão um sentido familiar ao lugar.

É minha segunda casa, mas também é como um filho. (HÉLIO DOURADO)

A minha casa. A casa que ajudei a construir. (ANTÔNIO CARLOS VERARDI)

Meu filho! (EMA COELHO DE SOUZA)

Era meu cotidiano, minha vida. (HÉLIO DEVINAR)

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Dos representantes dos jogadores que jogaram nas décadas de 60, 70 e 80, Paíca, Iura, Tarciso e Ancheta percebemos que o vínculo identitário não se perde com o passar dos tempos. Todos referem-se ao Estádio Olímpico Monumental como um lugar especial, como se fora também suas casas. Paíca, o mais velho da turma, acrescenta o lamento pela perda e re-significa o estádio como um lugar de tristeza.

O Olímpico é o lugar onde vivi os momentos mais agradáveis da minha história no futebol e nunca vou esquecer. (IURA) É minha casa, o lugar onde me acolheram. (ANCHETA)

O estádio Olímpico para mim foi e é a minha casa. (TARCISO)

O Olímpico... nem se fala... Um lugar muito especial. Hoje significa tristeza. (PAÍCA)

Entre os ex-jogadores mais jovens, o sentimento de pertença ao lugar e relação familiar também são evidentes.

Uma parte da minha vida. Minha casa. (TCHECO)

Minha casa! Minha casa, não tem outra expressão quando falo do olímpico eu lembro de da casa onde eu morava, onde eu ia estudar e voltava, onde eu passava as alegrias, as dificuldades, maus momentos da minha vida tanto profissional quanto pessoal, então é minha casa foi a minha casa mesmo literalmente é a minha casa então não tem outra coisa pra dizer a não ser que no Olímpico é, sempre foi e sempre será a minha casa, estando em pé ou não. Faz parte da minha vida, não só da minha vida profissional, o Olímpico faz parte da minha vida igual a casa onde que nasci. (DANRLEI)

Amo o Olímpico e não gostaria que o Olímpico fosse destruído. Tem uma identidade muito grande com os gremistas. É o nosso lugar! (JARDEL)

O Olímpico é Glória! Você entrava no campo e sentia uma aura muito positiva. A torcida gremista sentia realmente que a sua casa era o Olímpico e transportava isso para os jogadores que estavam dentro de campo. Como eu falei antes, em 2009 nós não perdemos nenhum jogo dentro do estádio Olímpico. O Olímpico para mim foi marcante. Na minha passagem do Grêmio o

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Olímpico foi marcante e determinante para a nossa relação com o torcedor. Todos os jogos no estádio Olímpico eram lotados e a gente não tomava conhecimento do adversário. Essa frase de que “torcida não ganha jogo” cai por terra aí, porque o Grêmio de 2009 mostrou que a maior força vinha da arquibancada. Fora de casa a gente não era o mesmo time. (TÚLIO)

Danrlei, obviamente, pela longa passagem pelo Grêmio, diferente de Túlio Guerreiro e Jardel, tem uma relação de pertencimento muito grande como Estádio Olímpico Monumental. Foi, praticamente, criado no estádio. É chamado de “Filho do Olímpico” por ser o atleta mais jovem a morar nos alojamentos sob as arquibancadas do “Velho Casarão”, as mesmas que abrigaram Tarcício, Ancheta, Paíca, Iura, entre outros tantos personagens que “pertenceram” a este lugar.

Diferente de Danrley, Jardel conviveu menos no estádio, mas do tempo em que jogou pelo Grêmio, viveu de forma muito intensa a rotina do estádio. Afirmou, na entrevista que nos concedeu, que ama o Olímpico, de onde sentia o fervor das arquibancadas, a energia que emanava da Geral68 e contagiava os jogadores num período que o time conquistou grandes vitórias e títulos muito importantes sob o comando de Luís Felipe Scolari, o “Felipão”.

O “Olímpico foi marcante”, segundo Túlio Guerreiro, que mesmo tendo jogado pouco tempo no clube, nunca experimentou a derrota no estádio do tricolor. Ressalta a importância da torcida e do estádio, numa harmonia que mostrava e transmitia força

à equipe.

Entre os jornalistas entrevistados – um declaradamente gremista e outro que não declarou seu time pelo fato de resguardar a imparcialidade necessária para um reporter que foi e é setorista nos dois grandes clubes de Porto Alegre, dois grandes rivais.

Um lugar onde eu fui feliz. Nunca vi o Grêmio perder no Olímpico. (JÚLIO CÉSAR TÁBILE)

O Olímpico para mim foi um local onde eu vivi grandes emoções, fiz grandes amigos e não deixou de ser uma sala de aula para mim, porque ali eu aprendi, a cada dia, a fazer jornalismo, a lidar com as pessoas, a ser amigo, a ser profissional. Foi, além de uma

68 Nome da principal torcida organizada do Grêmio FBPA.

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casa, um palco de uma passagem muito legal na minha vida quando eu era adolescente. Quando eu lembrar do Olímpico eu vou lembrar de tudo isso. (FERNANDO BECKER)

Júlio César Tábile, que reside em Sinop, no Mato Grosso, faz questão de dizer que é torcedor e associado do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Tem somente lembranças felizes dos momentos em que esteve no estádio. Enfatiza que nunca viu o Grêmio perder no Estádio Olímpico Monumental.

Fernando Becker, em outros momentos de suas narrativas, lembra que também dormiu no alojamento do estádio. Dormiu no alojamento e também jogou no gramado. Assim como já fez muitas reportagens, cobriu jogos e treinos do Grêmio e de outras equipes. Além de tudo isso, um ponto que o ator social destaca é o fato de ser um lugar de aprendizado, uma sala de aula, onde muito aprendeu e criou muitos vínculos de amizade.

De uma torcedora do arqui-rival Internacional, ouvimos que o Olímpico traz saudade e boas lembranças.

Um lugar de saudade e boas lembranças. (GISLAINE CARDOSO)

Gislaine, que acompanhara o seu avô em muitos jogos do Grêmio, inclusive os clássicos Grenais, acabou se identificando com o vermelho e branco do Internacional e seus elencos fantásticos da década de 70. Fã de Falcão69 e companhia, não se fez de rogada ao aceitar o convite e falar da linda história do avô, que está sepuldado, no cemitério João XXIII, em um jazigo de frente para o Estádio Olímpico Monumental.

Do grupo focal de torcedores de Brasília70 que se reunem para assistir jogos do Grêmio pela televisão, aferimos que, mesmo distantes geograficamente de Porto Alegre e do Estádio Olímpico Monumental, os quatro representantes do grupo da capital federal, tem grandes vínculos com o lugar e já assistiram a muitos jogos, presentes no estádio.

O Olímpico fez parte da minha vida, faz parte da minha vida. (CORTÊS)

69 Paulo Roberto Falcão é considerado um dos maiores ídolos do Sport Club internacional, ao lado de Fernandão. 70 Estão descritos quando tratamos, no Capítulo 1, na metodologia do estudo, no item “Descrição dos Atores Sociais”.

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O Olímpico para mim sempre será o palco das grandes vitórias. O palco que fez o Grêmio ser campeão mundial. O Olímpico ficará para sempre nos corações dos gremistas. (FOGAÇA)

O palco das grandes glórias do Grêmio. (DORA)

O Olímpico pra mim é imortal é um estádio que para sempre vai ficar na nossa memória e, por mais que ele seja demolido amanhã ou depois, a gente vai sempre lembrar dos bons momentos, dos títulos, vitórias do Grêmio lá no estádio Olímpico Monumental. (GISCARD STEPHANOU) Dos atores sociais que são torcedores, entrevistados em Porto Alegre, obtivemos depoimentos que não se distanciam dos anteriores. Como assevera Halbwachs (2003) “a intuição sensível está sempre no presente”, pois o sentimento que esse personagem têm do Olímpico Monumental é um misto de saudade, nostalgia, mas ao mesmo tempo de algo perene, sólido, presente, “imortal”; como todo gremista gosta de falar sobre o time e que cabe bem ao estádio que foi seu “território de batalhas”.

O Olímpico foi uma casa que me acolheu, aonde eu frequentei com muito tempo, por muito tempo, aonde eu fui muito feliz, aonde eu vivi momentos maravilhosos de vitórias do Grêmio, aonde eu chorei algumas derrotas, o Estádio Olímpico é um pedaço da minha vida e da minha história aqui nessa cidade. (JOÃO DE ALMEIDA NETO)

O Olímpico é saudade... um suspiro e nunca vai deixar de existir em nossos corações. (LAERT LOPES) O Olímpico para mim é presença física e imaginária da imortalidade tricolor. (RAFAEL)

Um músico, um economista e um professor, três atores sociais que têm em comum o sentimento de pertença a um lugar que encantou sua torcida por mais de 58 anos. Um lugar presente nos cânticos da torcida tricolor, especificamente a Torcida Organizada Geral, que se postava, sempre em pé, na arquibancada norte (atrás de uma das traves) do Estádio Olímpico Monumental, e hoje frequenta a arquibancada norte da Arena. Mesmo no novo estádio, não deixou de gritar de onde vem e de onde que vem o sentimento de pertencimento.

Venho do bairro da Azenha Bairro do Monumental

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Grêmio é puro sentimento Somos a banda da Geral

Dale dale tricolor Dale dale tricolor Dale dale dale dale tricolor! (g.n.)71

Salman Rushdie, escritor indiano, certa vez afirmou que “cada time tem um hino, o futebol é um jogo cantado72”, pois, no caso das torcidas de futebol, em especial a que habitou o Olímpico, somente o hino oficial do clube é pouco, mesmo que composto por Lupicínio Rodrigues, gremista ilustre e reconhecido como um dos maiores artistas da Música Popular Brasileira – MPB. Para o torcedor que pula nas arquibancadas e jamais senta para assistir um jogo, é preciso criar, coletivamente, letras, medodias; soltar o grito motivador que vai reverberar nas quatro linhas que demarcam o campo de jogo.

Assim, percorremos um caminho de escuta e tentativa de compreensão dos significados das vozes que compõem as memórias de gerações de pessoas que tem sentimento de pertencimento com este “Lugar de Memória”. Este local, que integra as lembranças, quer por presença física, quer por construção de um imaginário a partir de fotos, vídeos, narrações de rádio ou por histórias contadas por quem conheceu e vivenciou o Olímpico, que obviamente significa muito mais do que uma simples construção arquitetônica.

Ao ouvir e relatar algumas narrativas de importantes atores sociais a respeito de seu sentimento identitário com o Estádio Olímpico Monumental, percebemos que, a partir de suas recordações encontramos as repostas para o processo de forja de suas identidades, ou seja a memória é condição para formação da identidade do sujeito, mas isso não implica que uma prevaleça sobre a outra. Esse processo é uma característica ontológica do humano, como vemos em Candau.

Ontologicamente a memória é necessariamente anterior à identidade – essa última não é mais do que uma representação ou um estado adquirido, enquanto que a memória é uma faculdade presente desde o nascimento e a aparição da espécie humana -, torna-se difícil

71 Letra de Domínio Público. 72 In: “Um século de futebol no Brasil” (p. 114) – Carlos Diestmann ee Pedro Hernesto Denardin.

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consentir sobre a preeminência de uma sobre a outra quando se considera o homem em sociedade. (CANDAU, 2016, p.19)

Desta relação de interdependencia entre memória e identidade, a primeira sendo uma faculdade ou propriedade do ser, enquanto a segunda é um estado, uma condição de reconhecimento, fruto de escolhas e vínculos afetivos de pertencimento, de acolhida. Tal como se identificaram os atores sociais que apresentamos nesta categoria de análise.

4.3 OS JOGOS MONUMENTAIS

“Jogos Monumentais” é a expressão que dá título ao livro do jornalista Marcelo Ferla. Escolhemos essa categoria dada a recorrência de menções à grandes jogos do Grêmio, especialmente no Estádio Olímpico.

As análises desta categoria estão fundamentadas principalmente em Maurice Halbwachs (2006, 2014). Para analisar estes jogos monumentais, partimos da ideia de que a memória não se refere a um esforço individual, pois, antes de ser um fenômeno individual, ela é social.

Também partimos da premissa de que nem todo jogo de futebol empolga ou traz grandes lembranças. Entretanto, alguns eternizam-se devido ao grau de importância para o clube, para o jogador, para o torcedor; como a disputa de um título, a quebra de um recorde, uma jogada fora do comum. Outros jogos não têm tanta importância como a decisão de um campeonato, mas marcam pela sua acontecência, pelo contexto e, principalmente pelas lembranças que ficam guardadas por quem viveu aqueles momentos. Correspondem, para construção da memória coletiva, aos “quadros” (suportes) que a sociedade fornece na qual se refere Halbwachs (2006). Esses suportes ou quadros da memória são classificados em linguagem, tempo, espaço e experiência.

Para os torcedores, as partidas de futebol disputadas no Estádio Olímpico não foram todas “monumentais”, contudo, de 19 de setembro de 1954 à 17 de fevereiro de 2013, alguns jogos não saem da memória afetiva de suas personagens, seja em

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campo ou fora dele. O estádio – espaço – é um quadro de manutenção da memória como nos ensina Halbwachs.

O primeiro, foi um jogo festivo, com ares de inauguração, já o último jogo oficial disputado no Estádio Olímpico foi um jogo com um final “quase secreto”, afinal, ninguém sabia que realmente seria o último jogo, como veremos adiante.

Para tratar dessa categoria, além do primeiro e do último jogo, escolhemos os jogos mais lembrados pelos atores sociais que ocorreram no Estádio Olímpico Monumental.

Com a maestria e capacidade de articulação que transita entre a qualidade técnica de um camisa dez e a arte da escrita de um etnólogo, o jornalista Marcelo Ferla, descreve magnifica e minuciosamente, o cenário do primeiro jogo do Olímpico, contra o Nacional, do Uruguai.

Na tarde de sol de domingo, dia 19 de setembro de 1954, antes de entrarem em campo para o jogo das 15h30min, os atletas do Grêmio Foot- Ball Porto Alegrense seguiram o ritual rotineiro de um jogo qualquer: lustraram impecavelmente suas botinas, receberam a massagem, aqueceram seus corpos, ouviram a preleção do treinador e, finalmente, vestiram o tradicional uniforme do clube, a camisa oficial desde 1928, com listras verticais em azul, preto e branco, no modelo com gola V branca, de polo, e uma faixa branca horizontal na parte inferior, o calção totalmente preto e as meias com listras horizontais em azul, preto e branco.

O roteiro daquela tarde, porém, que para a felicidade da nação gremista não seguiu a tendência do mau tempo que marcou toda a semana, avança com a saída de um vestiário moderno, imaculadamente limpo e ainda com cheiro de tinta fresca, o percurso por um túnel novinho em folha, a entrada solene em um gramado virgem, impecável e de grandes dimensões, com a bandeira oficial do tricolor nas mãos e sob a ovação de uma multidão jamais vista em jogos de futebol no Sul do país. Seu ápice são os fatos de um jogo formalmente comum, mas revestido por uma sucessão de ineditismos: o primeiro apito, o primeiro chute, o primeiro drible, o primeiro choque, a primeira defesa, o primeiro gol.

Não são apenas momentos inesquecíveis, porque estes se repetem nas vidas das pessoas, cidades, entidades. São acontecimentos absolutamente únicos, sem qualquer chance de replay. O Estádio Olímpico teria muitos grandes jogos e entradas em campo triunfais e multidões de fãs a partir de 19 de setembro de 1954, mas jamais uma outra primeira vez como aquele Grêmio x Nacional. (FERLA, 2012, p. 50, g.n.)

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Também um fato inédito foi a participação de Ema Coelho de Souza no jogo. Era sua primeira vez num jogo de futebol e sua primeira vez no Estádio Olímpico Monumental. O primeiro jogo no estádio que transformaria sua vida. Sobre essa primeira vez, nos relata:

Foi muito lindo, eu me lembro sim! Sabe o que eu posso te dizer que a gente era uma guria né... E, como eu não ia a futebol, o primeiro jogo que eu assisti foi a inauguração e a gente agora a gente vê a importância, mas na hora a gente não se fixa. Eu me lembro só da emoção da fila... tivemos que entrar numa fila gigantesca pra poder entrar no Estádio Olímpico. Conseguimos ficar nas arquibancadas inferiores. Estava superlotado o estádio, então teve o desfile... foi muito lindo. Banda, e eu me lembro que a torcida estava ensandecida. Olha, foi muito lindo! O Vitor fez dois gols né, eu me lembro, mas eu nem sabia quem era o jogador que fez dois gols. Agora que eu sei, claro, mas na hora... A inauguração foi contra o Nacional de Montevideo porque o grêmio tinha sido convidado pelo Nacional em quarenta e nove e ficou na área do nacional e ai o Grêmio retribuiu fazendo isso.

Lá o grêmio ganhou também. É, o Grêmio tem sorte. Então, no Olímpico foi o primeiro jogo em que eu estive e fiquei encantada. Agora também tive essa emoção durante o festival de inauguração porque não foi só o primeiro jogo, teve aquela derrota do grenal, né. (EMA COELHO DE SOUZA)

Nas lembranças de Ema, fica evidente a ideia de que a memória é um fenômeno construído social e individualmente (POLLAK, 1992) mas, acima de tudo é topófila (CANDAU, 2016), está vinculada a um lugar, um lugar que evoca recordações de grandes jogos, de dias ensolarados, de multidões reunidas, de alguma primeira vez.

A trabalho pelo Jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre, estava o jovem Hélio Devinar, que ilustrou para o jornal, os gols feitos por Vitor. Essas ilustrações, o fotógrafo e artista organiza em álbuns.

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Figura 06 - (SILVA, 2018) - Ilustração do primeiro gol marcado no Estádio Olímpico e Fig. 07 – Hélio Devinar, um dos pioneiros em ilustrações e charges esportivas nos jornais brasileiros, mostrando à réplica do Estádio Olímpico de grandes recordações.

Hoje, do alto de seus 86 anos, Hélio Devinar recorre às lembranças provocadas pelo vasto acervo de fotos e desenhos que produziu por mais de 60 anos, cobrindo como fotógrafo contratado pelo Grêmio ou como funcionário de veículos de imprensa de Porto Alegre, como os jornais Folha da Tarde e Correio do Povo. Este narrador escolhe um clássico Grenal como um dos jogos mais impactantes que vivenciou, tanto como profissional da imprensa, como quanto torcedor do Grêmio FBPA.

Nesse sentido destacamos a categoria experiência para Halbwachs

Tem um jogo de cinco a três, um Grenal – não lembro o ano. Nesse jogo eu assisti um dos jogadores que, se jogasse hoje o que jogou naquela época, olha... é parecido com o Messi, para te dar uma ideia, era Gessy Lima.

O Grêmio tinha um timão naquele tempo: Airton, Milton, Juarez. E esse Grenal foi um Grenal jogado em abaixo d’água, com muita chuva. E o Gessy pegou a bola no grande círculo, no campo do Grêmio e entrou a área deles73 sozinho, e foi pelo meio do campo, e fez o quarto e o quinto gol do jogo. Espetacular. Esse Grenal foi fantástico! (HÉLIO DEVINAR)

73 A rivalidade Grenal é tão grande que muitos torcedores evitam pronunciar o nome do adversário, portanto “deles” se refere ao time do Internacional. Essa atitude é recíproca, por parte dos colorados.

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Com informações obtidas de outro ator social deste estudo, Laert Lopes, que possui um banco de dados de jogos com todos os jogos do Grêmio, desde sua fundação, confirmamos a data do Grenal citado por Hélio Devinar. Ocorreu em 1º de dezembro de 1957, Grenal de número 14374 (Grêmio 5 x 3 Inter) no Estádio Olímpico, com Gessy, comparado ao Messi dos dias atuais pelo Sr. Hélio Devinar, marcando três gols. Um deles antológico, assim descrito pelo ator social.

Quando Hélio Devinar compara Gessy à Messi é plausível esperar que um ar de dúvidas paire no ar e o ouvinte da narrativa pareça descrente ao narrador. Ajuda a entender a distância memória–história porque o mais significativo

No entanto, a fala do senhor Hélio foi tão contundente e honesta que este pesquisador jamais ousaria titubear ao acreditar em tão efervecente relato. Não. A história contada por aquele senhor de 86 anos não se tratava de mais uma das lendas do folclore futebolístico. Ecléa Bosi nos ajuda a compreender o quão é importante a arte de narrar, diferente da simples informação.

A informação pretende ser diferente das narrações dos antigos: atribui-se foros de verdade quando é tão inverificável quanto a lenda. Ela não toca no maravilhoso, se quer plausível.

A arte de narrar vai decaindo com o triunfo da informação. Ingurgitada de explicações, não permite que o receptor tire dela alguma lição. Os nexos psicológicos entre os eventos que a narração omite ficam por conta do ouvinte, que poderá reproduzi-la à sua vontade; daí o narrado possuir uma amplitude de vibrações que falta à informação. (BOSI, 1994, p. 86)

Portanto, do ponto de vista memorialístico - não histórico – Gessy é sim comparável à Messi. Cada um a seu tempo e contexto e sem procurar encontrar os nexos psicológicos que essa verdade implica.

Gessy não era jogador de aparecer de vez em quando, assim como me confirmaram a experiência e o tempo vivido por Hélio Dourado, Antônio Carlos Verardi, Ema Coelho de Souza – citando somente os entrevistados mais velhos e que melhor acompanharam a carreira do atleta; pelo contrário Gessy costumava jogar bem e protagonizava grandes jogos. Um desses foi na Bombonera, estádio do Boca

74 É costume por parte da mídia esportiva, jogadores e torcedores fazer referência ao número de ordem do clássico Grenal. O primeiro clássico no Campeonato Brasileiro de 2018, por exemplo, equivale ao Grenal 416.

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Juniors75,, o clube mais popular da Argentina. E o Grêmio de Gessy fez bonito. Gessy mais ainda: marcou os quatro gols da vitória gremista por 4 a 1 em pleno território do oponente. Um feito histórico.

Figura 08 – (SILVA, 2018) – Fotografia do álbum de ilustrações de Hélio Devinar. Em destaque, o craque Gessy.

Laert Lopes, no escritório de sua residência à Rua Curupaiti, no Bairro Cristal em Porto alegre – na foto em frente ao computador, tendo ao fundo uma parede repleta de chaveiros colecionados a partir de aquisição própria e outros de presentes, sempre acompanhado do gato de estimação, o Horácio - nos mostra seu acervo de informações sobre jogos, jogadores, reportagens jornalísticas. O banco de dados sobre Grêmio e Internacional que Laert Lopes possui é impressionante. Tem a ficha técnica de todos os jogos disputados pelos dois clubes. É exatamente o tempo social preservado, como assegura Bosi (1994).

75 O Club Atlético Boca Juniors, conhecido como Boca Juniors ou simplesmente Boca, é um clube de futebol argentino da cidade de Buenos Aires. Tem a maior torcida da Argentina e é considerado um dos maiores clubes do mundo devido ao seu sucesso internacional, com três títulos mundiais interclubes.

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Figura 09 – (SILVA, 2018) – Jornalista Laert Lopes no escritório de sua residência em Porto Alegre mostra a caricatura com o perfil do jogador Gessy.

Para o jornalista, todos os Grenais foram e são jogos inesquecíveis, dada a rivalidade muito forte entre os dois maiores clubes do Rio Grande do Sul.

O ex- jogador Tarciso lembra de alguns jogos em particular. Um deles é o inesquecível - no tempo e na experiência memorialística - contra a Ponte Preta, pelo fato de representar o maior público que compareceu ao Olímpico. Outro jogo inesquecível, pela importância histórica, é a final da Libertadores contra o Penarol, do Uruguai, em 1983.

Eu tive essa felicidade, essa oportunidade de jogar com o maior número de torcida do estádio Olímpico, do monumental, que foi de 98.000 pessoas contra a Ponte Preta. Foi o maior público que o estádio Olímpico, tinha gente na marquise e depois o jogo do Peñarol [final da Libertadores de 1983], tinha umas 90.000, 92.000. Então eu tive essa oportunidade, essa felicidade de jogar com um número enorme de público. No Rio, eu joguei contra o Flamengo, uma das decisões, antes da gente ir para Libertadores, para passar ou não, tinha 80 e poucos... Em 82, exatamente, era Zico, Junior... um timaço, e eu tive a felicidade de jogar nesses grandes estádios, lotados. Mas no Olímpico, foi o maior jogo que eu joguei na minha vida, foi de 98.000 pessoas. Então, é uma magia, é uma coisa de louco! Só não tem como eu te narrar o que a gente sente, porque são coisas, momentos que a gente vive quando entra em campo, quando faz um gol tem que vibrar, a empolgação da torcida, tudo isso aí acontece em frações de segundos. A adrenalina te joga para cima e naquele momento tu fica

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ali, cego de tanta adrenalina, mas é um espetáculo (...) isso aí que nós jogadores do Grêmio sentimos. (TARCISO)

A riqueza de experiências vividas por Tarciso ao serem relatadas demonstram o quanto este ator social tem de ensinamento para deixar aos jogadores mais jovens, confirmando o caráter social da memória, conforme trata Halbwachs no conjunto de sua obra. Jogar o Campeonato Brasileiro em três finais, uma no Maracanâ e duas no Olímpico, no ano de 1982 foram momentos que não pode viver mais, a não ser pela recordação.

Ao mesmo tempo em que recorda, dá seu testemunho de como é importante viver intensamente os grandes momentos que marcam a vida, especialmente de um atleta de futebol que exerce uma profissão pouco longeva.

Segundo Ecléa Bosi, quando vinculada a situações de forte impacto emocional "a recordação é tão viva, tão presente, que se transforma no desejo de repetir o gesto e ensinar a arte a quem o escuta" (BOSI, 1994, ´p.474), examente o que Halbwachs chama de que “quadro social da memória”. No entanto, como o “repetir” é praticamente impossível, afinal de contas uma experiência vivida nunca é igual a outra – pois tratam-se de memórias e não de fato histórico - restam os momentos de evocação de momentos e experiências que marcaram a vida de Tarciso e sua relação com o Grêmio e o Estádio Olímpico.

Tarciso, que foi vice-campeão brasileiro em 1982, viveu, em 1983, o ano em que o Grêmio tem até hoje como o mais vitorioso da sua história. O torcedor Cortês também vivenciou este grande momento. Ele estava presente nas arquibancadas do Olímpico na partida final da Taça Libertadores da América de 1983, que tinha o Flexa Negra em campo.

(...) o jogo mais importante de todos que assisti foi quando o Grêmio ganhou a Libertadores pela primeira vez contra o Peñarol. O Grêmio foi o terceiro clube brasileiro a ser campeão da América. O Flamengo tinha sido campeão um ano antes. O Santos tinha sido campeão da Libertadores nos anos 60 ainda. Nós, no Rio Grande do Sul dávamos um valor muito grande à Libertadores. Era um sonho chegar à Tóquio. E o jogo foi fantástico,

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foi um jogo que, de um lado tinha o Peñarol aguerrido e, de outro, o Olímpico lotado que transmitia uma energia mágica.

Os adversários ficavam com medo, os outros times sentiam que a torcida influenciava, e influenciava muito. Contra o Peñarol nesse jogo que o Grêmio ganhou de 2x1 e que o Renato fez uma jogada fantástica (...) isso é inesquecível para mim.

Foi o maior jogo de todos do Olímpico, o maior jogo, o maior momento que eu vivi e estava lá desde cedinho, era inverno, lembro bem, um frio danado. O Grêmio de Hugo De Leon, Baidek, Renato, Tarciso...

Mesmo no inverno, no Olímpico era o calor. O calor de pessoas gritando desde cedo. O jogo era as 21:30h e quando chegava à noite já estava todo mundo rouco de tanto cantar. Sem voz... (CORTÊS, g.n.).

A final da Libertadores de 1983 ficou na memória experenciada de milhões de gremistas e é essa vivência coletiva que marca a memória coletiva.

A principal publicação esportiva do país, Revista Placar, distribuiu o pôster do Campeão da América, que era vendido junto com a revista. Na janela do pôster está César, que entrou no decorrer da partida e marcou o gol da vitória tricolor, os demais são, em pé: Paulo Roberto, Mazaropi, Baidek, China, Casemiro e o capitão Hugo De León; sentados: Renato, Osvaldo, Caio, e Tarciso.

Figura 10 – Foto do pôster do time campeão da América de 1983 - Acervo particular de Hélio Devinar

O mais importante título conquistado no “Velho Casarão” foi regado a sangue, suor e lágrimas, como vemos na imagem a seguir. O capitão Hugo De León ergue a Taça Libertadores da América que tem esse nome em homenagem aos grandes

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mártires pela libertação da América Latina76. Os líderes homenageados, por sua luta pela independência dos países latino-americano, são: General Antonio Sucre (libertador da Bolivia), Bernardo O’Higgins (libertador do Chile), Dom Pedro I (proclamou a independência do Brasil), José de San Martín (libertador do Peru e a Argentina) e Simon Bolívar (libertador da Venezuela, Equador e Colômbia).

A primeira Taça Libertadores teve o seu primeiro campeão em 1958. O Peñarol se sagrou campeão contra o Olímpia do Paraguai.

Em 1983 foi a vez do Grêmio de Tarciso vencer a o Peñarol por 2 a 1. Caio marcou o primeiro gol do Grêmio, Morena empatou para os uruguaios e César anotou o segundo gol gremista, que deu ao clube o primeiro grande título internacional na fria Porto Alegre do dia 28 de julho de 1983. A Revista Placar, com a manchete “Grêmio Campeão da América” estampou a foto de Hugo De León na capa de agosto de 1983. A simbologia da foto deixa claro que a memória é forjada, selecionada e construída socialmente com os suportes sociais que garantem a sua legitimidade a partir de eventos memorialísticos como esse, que estão muito além de uma simples partida de de futebol.

Figura 11 – Foto da Capa da Revista Placar Grêmio Campeão da América (Julho de 1983) – Acervo Particular de Hélio Devinar

76 http://www.campeoesdofutebol.com.br/libertadores_historia.html

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A taça erguida por Hugo De León representa um aspecto da construção da identidade coletiva – a identificação com o clube - aproximando-se da ideia de Halbwachs acerca da referência a um grupo e as tradições partilhadas por seus membros e com o lugar de memória. Envolve diferentes elementos: mitos, lendas, heranças culturais, históricas, tradições, narrativas, sítios arqueológicos (Halbwachs destaca familia, religião e classe social). São os “baús da memória” (NAVA, 1996). A taça erguida tem uma representatividade maior que a “simples” conquista de um título, o sangue escorrido no rosto do capitão representa e reforça a herança social e cultural de um povo. A assertiva de Marcelo Ferla, a seguir, corrobora esse pensamento.

A imagem definitiva da madrugada mais feliz da história do Estádio Olímpico retrata o capitão do time vencedor saindo de campo com o troféu de campeão da Libertadores da América encravado em sua cabeça, feito uma coroa. E o sangue escorrendo pelo rosto. Não é cena para qualquer um protagonizar. É uma cena emblemática, carregada de significados. Mas, convenhamos, Hugo Leonardo De León Rodriguez não é nome para qualquer um carregar. Traz consigo a imponência dos bravos, sugere grandiosidade e liderança, remete a batalhas épicas e à garra charrua77. (FERLA, 2012, P.117)

Uma lembrança como esta contribui para a afirmação de uma posição de status e posição social do clube, do jogador, do torcedor. A imagem acima, reconstruíndo o passado, vincula pertencimento a um lugar de memória, cria raízes, funda tradições.

Outra final de Taça Libertadores da América, disputada com a partida final no Estádio Olímpico foi em 2007. Dessa vez, o Grêmio foi derrotado. Já havia perdido a partida de ida das finais, em Buenos Aires, Argentina. Lá, o adversário, Boca Juniors, liderado pelo craque Riquelme venceu o Grêmio por 3 a 0, no dia 13 de julho de 2007, em “La Bombonera”, o estádio do Boca. No Olímpico, 2 a 0 para o Boca, no dia 20 de julho de 2007. No resultado agregado, 5 a 0 para o Boca. Um jogo que a memória que selecionamos (POLLAK, 1992) coloca, para os torcedores do Grêmio FBPA, na gaveta do esquecimento.

Mesmo com a derrota o capitão e principal jogador do Grêmio de 2007, o meia- armador Tcheco, narra, com tristeza, sua experiência sem, contudo, perder a serenidade de um lider que assume responsabilidades também nos momentos de derrota. No excerto de sua narrativa, a seguir, fala de sua trajetória no Grêmio FBPA

77 Charrua corresponde a uma etnia ingígena, de característica nômade, que habitou as terras do Rio Grande do Sul e Uruguai, tendo bravamente lutado contra a dominação dos espanhóis e portugueses.

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e daquela derrota que, seguramente, foi o pior momento que viveu no Estádio Olímpico Monumental.

Eu tive inúmeras partidas especiais lá, até porque desde a minha primeira partida no Grêmio - na época o treinador era o Mano – e o Mano Menezes já me colocou como capitão. Isso já produz um vínculo forte. Acabei pegando os jogos do campeonato gaúcho, onde a gente foi campeão lá [no Olímpico], campeonatos brasileiro, Copa do Brasil, Taça libertadores, onde nós perdemos a final para o Boca no Olímpico. Eu tive inúmeras situações vivenciadas no Estádio Olímpico. Vou começar pelas tristezas para a gente sair por cima com alegria. Mas a maior tristeza realmente foi a final contra o Boca Juniors onde nós perdemos o primeiro jogo lá no “La Bombonera” e depois, na sequência, no Olímpico. Perdemos um título que poucos acreditavam na nossa equipe, para a chegada na final, mas nós conquistamos [o direito de jogar a final] muito pela atmosfera que o Olímpico tinha. Só para vocês entenderem, em 2005 o Grêmio estava disputando a segunda divisão que teve a famosa “Batalha dos Aflitos”. O Grêmio ficou muito abatido, o time recebeu muita chacota, com muita brincadeira o famoso “bullying” por parte dos torcedores rivais. Em 2006 quando eu cheguei o clube já estava na primeira divisão, estava tentando resgatar a autoestima novamente. Não tinha um poder financeiro muito grande, mas fez uma equipe competitiva. A gente conseguiu a classificação para a Libertadores em 2007, e como eu disse antes, poucos acreditavam que a gente poderia fazer uma campanha forte.

Quando a gente classificou, nos mata-mata da Libertadores, nós perdemos todos os jogos fora de casa, só que o que compensava era o nosso jogo dentro de casa. A diferença era o Olímpico mesmo e a torcida estava tão carente que ela fez daquela Taça Libertadores um momento especial fora de campo também. Você pode perguntar para a maioria deles que um dos diferenciais para nós, realmente foi a torcida e foi o Olímpico o que fez a gente chegar até a final. (TCHECO)

As lembranças de Tcheco demonstram que a memória, com os meios de expressão que se colocam a nossa disposição, une, independentemente de trazer bons ou maus sentimentos. O que é lembrado é o “acontecimento marcante – o caráter seletivo da memória”, apontado por Pollak (2000). Nesse caso, a lembrança da derrota fere, mas, mesmo que clame ao esquecimento, representou um marco

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temporal: a mais importante partida de futebol disputada pelo jogador que era o principal representante do grupo que foi vice-campeão da América em 2007. O jornalista Fernando Becker também trabalhou naquela final e tem recordações desse jogo histórico.

Aquela final da libertadores, foi um momento para mim muito legal, Grêmio e Boca, pena ter perdido, mas estar cobrindo aquele jogo ali foi muito legal, os personagens no caso o Riquelme de um lado e aquele time do Grêmio que tinha um conjunto interessante, a força do povo, a massa do Olímpico. (FERNANDO BECKER)

Finais de campeonato brasileiro de de Libertadores tem gosto especial, no entanto os Grenais - como já vimos nas afirmações de Hélio Devinar e Laert Lopes, - alheios à competição em que é disputada cada um desses clássicos, sempre são grandes jogos, com marcante conteúdo coletivo fornecendo às consciências individuais um conjunto de quadros que as ajuda a relembrar e reconstituir o passado. Os Grenais são “uma coisa de outro mundo”, como declara Túlio Guerreiro.

(...) eu acho que, tudo que gira em torno do Grenal, é uma coisa de outro mundo, eu tinha, um grande amigo, um irmão meu até. Eu fui padrinho de casamento dele e ele foi meu padrinho de casamento. Sou padrinho da filha dele, que é o Fernandão78, um grande amigo do futebol e da vida. Mas no grenal... parecia que dentro de campo éramos dois desconhecidos, nem cumprimentar um ao outro a gente podia, e por causa dessa rivalidade toda que transformava um simples jogo de futebol numa guerra. Eu tive a felicidade tenho o maior orgulho de dizer que eu pude viver isso aí e acho que vou guardar essas lembranças para o resto da vida. (TÚLIO GUERREIRO, g.n.)

Para o jornalista e torcedor Júlio Tábile, a maior lembrança experenciada de jogos no Estádio Olímpico foi a primeira partida da decisão de 1995, contra o Atlético Nacional. Neste jogo, Júlio trabalhou na cobertura da chegada à Porto Alegre e dos treinos do time Colombiano no Estádio Beira-Rio.

78 Fernando Lúcio da Costa, mais conhecido como Fernandão é um dos maiores ídolos do Internacional. Pelo Inter, foi campeão em 2006, disputando a final do Mundial Interclubes contra o Barcelona. Fernandão morreu em acidente de helicóptero na cidade de Aruanã, em 7 de junho de 2014. Além de jogador, foi treinador, dirigente e comentarista esportivo.

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A maior partida foi contra o Nacional. Lembro do segundo gol do Grêmio. Do Jardel, né, ele chutou a bola, cobriu o goleiro, o Higuita era o goleiro do Nacional. Eu estava trabalhando e fiz a matéria da chegada do Nacional no estádio Beira Rio. Fizeram o reconhecimento de campo... Até entrevistei o Higuita, goleiro do Nacional, que era o personagem principal. E o Inter tava numa fase baixa cara. Tu lembra quem era um centro- avante que chamavam de Leandro?, Leandro Machado. Eu lembro que o massagista e o jogador, esse Leandro, eles ficaram que nem torcedores assim, olhando pro time do Nacional. O Inter ia treinar no campo suplementar do Beir-Rio e o Nacional no outro. Eram onze horas da manhã, onze ou dez horas. E aí chegou o pessoal da delegação do Nacional, de “Adidas” tudo... era um uniforme azulão forte assim. Chegou o Higuita, então, tinha a imprensa toda nele, aquela imprensa tomando conta ali. É cinegrafista, fotógrafo e tudo.

O time do Inter ali treinando e os fotógrafos todos querendo ver o Nacional, não era o Inter, cara!!! E aquilo lá pra mim como torcedor... mas eu estava trabalhando, né. Como torcedor eu fiquei lá nas alturas... e aí o massagista me falou: “Cara, esse Grêmio, o jeito que eles estão vai ser difícil um dia o Inter chegar ao patamar deles”. Eu me lembro que aquilo marcou. Mas, era uma coisa que eles iram buscar né, a gente buscou. E o Inter também acabou se tornando campeão do mundo. (JÚLIO TÁBILE)

Da narrativa de Júlio Tábile, ao lembrar de um jogo épico do Grêmio, contra o Atlético Nacional - de Medelin, Colômbia - observamos o quanto o Grenal – que em princípio não teria nada a ver com aquela final - impacta na sensação de felicidade do torcedor com o próprio time, tanto entre gremistas como entre colorados. Para os torcedores não basta o seu time estar bem. Sempre há uma preocupação com o adversário. E isto é tão forte, que existe um termo específico, muito utilizado pelos agentes de mídia esportiva e pelos torcedores, principalmente no Rio Grande do Sul, para tratar dessa rivalidade, “o efeito gangorra”, pelo fato de que, se um time está por cima, o outro, inevitavel e cruelmente estará por baixo, mesmo que esse “por baixo” signifique um segundo lugar em uma grande competição.

Antônio Carlos Verardi, supervisor de futebol do Grêmio FBPA, lembra de um jogo inesquecível – tempo memorialístico a que se refere Halbwachs - que também a memória seletiva não apagou. Foi um jogo contra o Sport Club Corínthians, em que o

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Grêmio perdeu, mas que foi épico pela grandeza da derrota. Foi uma derrota que serviu de impulso para uma grande conquista que viria nos próximos meses: A Taça Libertadores da América, citada anteriormente e disputada contra o Atlético Nacional, do lendário goleiro Higuita.

O jogo foi Grêmio 0 e Corinthians 1... Jogo pela final da Copa do Brasil de 1995 onde ficamos vice- campeões. Éramos os campeões de 94 e queríamos repetir o feito.

Vou contar por que foi um jogo importante: jogamos a primeira partida em São Paulo e perdemos por 2 a 1 para o Corinthians. 1 a 0 nos daria o titulo em Porto Alegre. Ficamos naquele desespero jogando em cima do Corinthians, o jogo já estava terminando e os jogadores nossos se descuidaram então aconteceu no ultimo minuto um contra- ataque mortal do Corinthians e foi o Marcelinho que fez o gol.

O estádio lotado, aquela comemoração do Corinthians e os gaiatos da geral – naquele tempo não era geral ainda – e o pessoal começou a cantar o hino do Grêmio, o estádio inteiro cantava, até a torcida deles cantou o hino do Grêmio. Digo-lhe por que aconteceu isso, nós estávamos muito bem na Libertadores e naquele tempo disputava-se a libertadores e a Copa do Brasil ao mesmo tempo. E eu tenho o depoimento do Emerson e do Roger que afirmam que foi por causa daquele jogo que o Grêmio ganhou a libertadores. A torcida serviu de incentivo cantando, eu cantei o hino junto emocionado. O Felipão que tinha saído do campo voltou incrédulo com o que estava acontecendo, foi inesquecível.

Ninguém saia do estádio, todos cantando emocionados. Perdemos, mas saímos com orgulho do time. (ANTÔNIO CARLOS VERARDI)

Esse jogo, inesquecível para Verardi, foi em 21 de junho de 1995. Praticamente dois meses depois, em 30 de agosto, o Grêmio sagrava-se campeão da América no Estádio Atanasio Girardot, em Medelin, ao empatar a partida final contra o Atlético Nacional. O Grêmio havia vencido a primeira partida da final no Estádio Olímpico pelo placar de 3 a1, como lembrou Júlio Tábile. Para o grupo de jogadores, a direção e a torcida, essa Libertadores começou a ser vencida no jogo em que perdeu em casa para o Corínthians.

Viajando no tempo e, outra vez saindo da sistematicidade de uma régua cronológica para situar os grandes jogos do Olímpico Monumental, chegamos ao ano

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de 1977. Um ano em que o Grêmio estava a oito temporadas sem ganhar um título estadual que, naquele tempo, era o título mais importante, pois era preciso ser o dono da “aldeia”. Títulos fora do estado não tinham importância comparável aos feitos sobre o maior rival, mesmo que que o rival já tivesse dois títulos nacionais já conquistados, à época, os campeonatos brasileiros de 1975 e 1976.

Assim para encerrar a hegemonia do Internacional, era preciso organização dentro e fora de campo.

Com Hélio Dourado como presidente e Telê Santana como treinador, o time que tinha como protagonistas Iura, Tarciso, Tadeu Ricci, Eder e André Catimba conquistaram o Campeonato Gaúcho pelo placar de 1 a 0. Foi uma das mais comemoradas conquistas do tricolor.

Grêmio e Inter contavam com dois elencos muito técnicos. O Inter tinha Manga, Figueiroa, Falcão, Carpeggiani, Escurinho, jogadores de uma cepa diferenciada. Daqueles que fizeram história e povoam a memória, principalmente dos torcedores do Internacional. Mas aquela final seria em azul, preto e branco.

Aos 42 minutos, numa característica jogada rápida, Eurico esticou a bola para o cerebral Tadeu, que fez um brilhante corta-luz para Iúra. Na intermediária e de costas para o gol, O Passarinho dominou e, feito um Cruijff de azul, preto e branco, fez o giro e enveredou pelo meio. Caçapava saiu trotando em seu encalço, mas quando se aproximou a bola já havia sido enfiada com precisão matemática às costas de Gardel e longe do alcance de Marinho. Por ali, do lado esquerdo da grande área, surgiu André Catimba, o camisa 9, que dominou com o pé direito e com ele mesmo conseguiu um improvável chute de primeira, empurrando a bola, que por um momento parecia de mesclar com sua chuteira, para o ângulo de Benitez. (FERLA, 2012, p. 91)

O gol de André Catimba foi um dos mais antológicos que o Olímpico viu, pela importância e pelo conjunto da obra. Após marcar o gol, André, para comemorar, tentou dar um salto mortal. Impulsionou e subiu muito alto, mas não conseguiu completar o giro e “caiu estatelado na grama sagrada do Olímpico e acabou saindo de maca aos 46 minutos de jogo” (FERLA, 2012, p. 92).

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Figura 12 – (LAMAS, Olívio. 1977) - André Catimba na tentativa frustrada de comemorar o gol do título com um salto mortal. (Foto original em preto e branco publicada na Revista Placar)

Ancheta, que era um dos principais jogadores do Grêmio, estava lesionado e ficou fora da partida.

A final foi no Estádio Olímpico e nós tivemos uma vitória muito boa, com gol do André Catimba e tudo mais.

Eu não consegui jogar a final, porque, desgraçamente, em um jogo antes contra o Juventude eu arrebentei o joelho. Tiveram que operar meus meniscos.

Eu queria jogar porque já eram tantos anos esperando por isso, mas não deu, não deu... mas a gente ficou muito feliz, é, conquistamos o campeonato, o mais importante era isso, o grupo era muito unido, o grupo era muito amigo, então não me senti mal. (ANCHETA) O Olímpico de tantos Grenais, de final de Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores da América, foi despedindo-se aos poucos. Depois do “Abraço ao Olímpico”, organizado pela torcida gremista em 2012, parecia que o fim do estádio estava cada vez mais próximo.

Por ironia do destino, uma partida que não estava programada para ser a última, discretamente marcou a história da última vez em que ocorreu um jogo oficial no Estádio Olímpico Monumental. Para esse jogo não foi organizada nenhuma homenagem de despedida, nenhum ato solene. O Grêmio foi a campo, no dia 17 de fevereiro de 2013 para enfrentar o modesto Veranópolis, pelo campeonato Gaúcho.

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A última vez que o Grêmio foi a campo no Olímpico, portanto, se deu em 17 de fevereiro. Uma despedida secreta. Ninguém sabia que seria o confronto final. Nem os poucos mais de 13 mil tricolores que encararam um domingo nublado, carrancudo, quase sem graça. Muito menos Werley, que, longe de desconfiar da perenidade do ato, apenas fez o que de melhor sabe na área rival. Gol. Muitos gols. No total, são 14 gols em 99 jogos pelo clube gaúcho. (RIZZATTI, 2015, sp)

Convém explicar o porquê do jogo entre Grêmio e Veranópolis, mesmo sem ter tido o tratamento que deveria ser dado a uma solene despedida. Ocorre que o contrato de assinatura para passar definitivamente a escritura do Estádio Olímpico para a construtora OAS, que construiu a Arena Grêmio, não havia sido assinado, portanto, o jogo em que o Grêmio venceu o São Paulo Futebol Clube pelo placar de 2 a 1, com o último gol sendo marcado pelo jogador Moreno, decretando a virada do tricolor gaúcho sobre o tricolor paulista, não entrou para história como o último gol do Estádio olímpico. Nem mesmo o Grenal, que seria o último jogo no Olímpico, terminou em zero a zero, não teve o último gol e também não foi o último jogo.

(...) o atraso na assinatura do contrato com a OAS, que definiria a passagem do Olímpico às mãos da construtora, acabou atrasando. Não saiu em março, como o previsto. Soma-se a isso o gramado ainda em formação do novo estádio, que levou o clube a jogar mais algumas vezes no Velho Casarão.

Foram quatro oportunidades, na verdade. A maioria com o time B, sempre pelo Campeonato Gaúcho. Werley participou de todas as partidas já que estava suspenso dos primeiros jogos da Libertadores - tanto que anotara também contra o Santa Cruz-RS. (RIZZATTI, 2015, sp)

Júlio Tábile destaca sua experiência ao contar que assistiu aquele que seria o penúltimo jogo do Estádio Olímpico, contra o São Paulo, de São Paulo. Esse jogo, Júlio, que atualmente reside em Sinop – Mato Grosso, assistiu como torcedor, mas, como bom jornalista, registrou a “aventura” dos torcedores de Sinop à Porto Alegre, junto com mais oito amigos, também aficionados pelo Grêmio e que queriam se despedir do Olímpico Monumental.

Eu me despedi com uma vitória! Inclusive fiz um vídeo sobre aquela viagem à Porto Alegre. Nós fomos entre nove sinopenses pra lá. A gente comprou as passagens aéreas, num pacote e fomos assistir esse jogo.

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Foi emocionante. Acho que foi a última vitória do Grêmio no Olímpico... depois, empatou o Grenal. Então, foi dois a um. O estádio lotado e coisa, né.

Quando deu o segundo gol do Grêmio feito pelo André Lima - o Moreno fez o primeiro e o André Lima fez o segundo - aí quando fez o segundo eu tava na arquibancada.

Aí chegou um cara assim, me abraçou né e aí ele falou: “Cara, eu viajei trezentos quilômetros pra ver o Grêmio!”. E eu respondi: “Cara, eu viajei três mil quilômetros” [risos]. “Eu vim lá do Mato Grosso”. E o cara: “É serio, cara?”

Eu viajei três mil quilômetros pra ver o Grêmio e...Bah, eu tive lá. Dois a um! (JÚLIO TÁBILE)

Em virtude da finalização da Arena, o Estádio Olímpico ainda teve jogos até fevereiro de 2013. O último jogo foi contra Veranópolis, pelo Campeonato Gaúcho, no dia 17 de fevereiro de 2013, com placar de 1 a zero para o Grêmio, gol do zagueiro Werley.

Coube, portanto, a um zagueiro, o mineiro Werley, a honra de ter marcado o último gol no Estádio Olímpico Monumental. O gol de número 3510 do estádio, conforme o jornalista Laert Lopes, o “banco de dados” do futebol gaúcho.

Figura 13 - Werley, autor do último gol oficial no Estádio Olímpico saiu lesionado aos 30 minutos do segundo tempo (Foto: Lucas Uebel/Divulgação, Grêmio)

O feito de Werley constiui-se em honraria que coloca seu nome na história do clube e o transforma em referência coletiva, assim como Vitor, autor do gol que deu início à epopéia tricolor neste lugar que assistiu 1767 jogos em que 1159 foram vencidos pelo Grêmio, tendo tido 227 derrotas e 381 empates.

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4.4 MEMÓRIA DA DIVERSIDADE

O futebol, talvez pela sua capacidade de mexer com os instintos mais primitivos do ser humano, é pródigo em produzir “espetáculos” que, muitas vezes não correspondem a uma das principais funções sociais do esporte, a canalização da violência, que pode ocorrer a partir da manifestação de uma forma de agressividade79 socialmente aceita.

No tocante à diversidade interpretamos, nesse jogo de mémoria, a partir da interlocução com os 22 personagens que narram suas vivências no Estádio Olímpico Monumental, algumas situações que demonstram, ora processos de exclusão aos diferentes, ora manifestações de acolhimento e respeito às diferênças de gênero, étnicas ou de orientação sexual.

Casos de misoginia, homofobia e racismo não são raros no meio do futebol brasileiro e esses temas foram lembrados nas narrativas. Para tratá-los, tomamos empréstimo das palavras de Ecléa Bosi quando diz que a “memória opera com tanta liberdade escolhendo acontecimentos no espaço e no tempo, não arbitratriamente mas porque se relacionam através de índices comuns” (BOSI, 2013, p.31), justificando-se assim, o aspecto seletivo da memória e, nesta seara, o papel da mulher, do homossexual e do negro na construção da memória gremista e do Olímpico Monumental são muito importantes e definidores de novos olhares sobre o espaço masculinizado do futebol. Nas palavras do torcedor Cortês, o estádio do Grêmio era um lugar em que eram nítidas as diferenças no perfil dos torcedores.

E também ali a gente via diferenças nas torcidas no próprio Olímpico isso é uma coisa ate interessante, isso eu já falei diversas vezes, o perfil do pessoal da social do Grêmio era um, o perfil do pessoal das cadeiras era outro, o perfil do pessoal da Geral é outro, eu diria assim: a Geral eram mais jovens, tanto é que deu início a essa torcida fantástica, Geral do Grêmio, formada por jovens.

Na social já se misturavam. Era mais familiar, senhoras, crianças, classe média de Porto Alegre. O perfil de gente que dificilmente tu via xingando o Grêmio durante o jogo.

79 Agressividade no sentido da manifestação do Thânatus, na ótica freudiana.

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Das cadeiras já era o pessoal de mais dinheiro os gremistas lá... da sociedade. Pra ter cadeira cativa tinha que ter mais dinheiro, e era outro perfil... um pessoal que falava mal do time e a até hoje tem esse perfil.

Essas coisas não são à toa, tem a ver com a maneira de ser, com dinheiro, com a classe social, a gente via muito bem isso. (CORTÊS)

Como vimos na narrativa de Cortês, a diversidade no estádio já começava pelo setor de arquibancadas em que as pessoas frequentavam, conforme seus perfis.

Para melhor sistematizar as narrativas que tratam da diversidade, subdividimos esta categoria de análise em três sub-itens - (4.4.1) As mulheres no Olímpico Monumental, (4.4.2) Coligay: A primeira tocida gay do Brasil e (4.4.3.) O Grêmio em Azul, Preto e Branco: o papel do negro da constituição da identidade gremista - que discutimos na sequência.

4.4.1 A mulher no Olímpico Monumental

O esporte de um modo geral, no Brasil, não tem sido um espaço que privilegia a participação feminina. Tanto como atletas, quanto torcedoras.

Um aglomerado de torcedores produz aquilo que chamamos de torcida, substantivo feminino que designa um espaço que, durante muito tempo, foi compreendido como próprio para manifestações de masculinidades. (COSTA, 2006, p. 10) Apesar de “torcida” representar um adjetivo feminio, como diz a autora, este espaço tem sido um território pertencente aos homens. Não diferente, o campo de jogo ou o palco das apresentações esportivas também, historicamente, mostra-se reservado ao gênero masculino.

São insipientes os registros que detalham essa participação, escassez essa relacionada a determinadas representações culturais cuja circulação imputou às mulheres às várias restrições no que respeita à vivência esportiva. A mais significativa delas recai sobre a preservação de uma dada representação de feminilidade segundo a qual, a graciosidade, a suavidade, a beleza, o recato a maternidade eram dignificadas como atributos essenciais e constituintes de uma “verdadeira mulher”. (GOELLNER, 2013, p.71)

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Conforme asseveram as autoras, o esporte não é, ou era, pelo que vemos o espaço ideal para representação da feminilidade, o que restringia a participação da mulher nas modalidades esportivas.

Pelo menos quantitativamente, a participação feminina como atletas, tem aumentado consideravelmente ao longo dos anos. Vejamos o caso das Olimpíadas, onde as mulheres participam desde os Jogos Olímpicos de Paris, em 1900 – a segunda edição dos Jogos. Participaram nas modalidades de tênis e golfe, com 22 atletas, num total de 977 competidores, conforme dados oficiais do Comitê Olímpico Brasileiro – COB 80.

De 1900 para cá muito mudou e a participação feminina, enquanto atleta, aumentou significativamente, ao ponto de, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016, as potências Olímpicas, Estados Unidos e China, contarem com 52,6% e e 61,5%81 de atletas mulheres, respectivamente.

Apesar desses dados, acima citados, merecerem destaque quanto à participação feminina no esporte, historicamente, o esporte é incentivado nos ambientes, a priori, masculinos, como forma de demonstração de força e virilidade masculina. O esporte feminino, pouco incentivado ao longo do tempo, hoje, devido ao forte apelo comercial, inseriu a mulher em “campos de combate” que eram espaços somente masculinos, como o MMA82. Daí surge a questão, a mulher que adaptou-se e integrou-se ao universo masculinizado do esporte ou o esporte é que está passando por processos de inclusão?

O que acontece é que no futebol brasileiro, o universo masculino predomina, tanto dentro de campo, quanto fora dele. Nas arquibancadas, homens cantam os hinos de seus clubes, xingam o técnico, os jogadores, o time, a torcida adversária e, principalmente quando o xingamento é para o árbitro, o fazem desqualificando a figura feminina de sua mãe, como se a suposta incompetência do “homem de preto”, ou “homem do apito” – como culturalmente se faz referência ao árbitro, fosse culpa de

80 https://www.cob.org.br/ 81 https://www.cob.org.br/ 82 “Mixed Martial Arts”, que significa Artes Marciais Mistas, em português.

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sua progenitora. Ou seja, o insulto não é para o “homem” (de preto ou do apito!) é para mãe deste, a “mulher”.

Nunca na história, a mulher teve tanta liberdade para se autocriar em termos identitários. Nunca na história do futebol a participação das mulheres foi tão grande e significativa. Há um sensível desgaste na idéia de que “futebol é coisa de homem”, pois é muito difícil repetir essa sentença sem vê- la contestada pelo razoável número de mulheres que atuam como profissionais ou que fazem do futebol um lazer para os seus momentos de folga. Se ligarmos a TV ou o rádio, lá estão elas falando de futebol numa mesa redonda de domingo ou atuando como árbitras e jornalistas nos gramados do país e do mundo afora. Trata-se de um fenômeno mundial que já há algum tempo vem sendo tema de muitas pesquisas acadêmicas daqui e fora do Brasil. (COSTA, 2006, 01)

Nesse sentido, é importante fazer referência às relações de gênero que foram provocadas nas narrativas de alguns atores sociais ao tratarem de suas memórias no Estádio Olímpico Monumental. Afinal, das experiências relatadas por cada ator social, constrói-se uma teia não só de relações e experiências coletivas, mas, fundamentalmente, de valores e conceitos. Coadunamos, portanto, com as palavras de Valter Benjamin, destacadas na epigrafe deste capítulo, “a experiência que passa de pessoa a pessoa é fonte a que recorrem todos os narradores” (BENJAMIN, 1994, p.198).

Na busca dessas vivências, recorremos ao ator social Cortês, torcedor que, em suas narrativas, conta que conheceu o Estádio Olímpico através de uma figura feminina, sua mãe, que foi quem primeiro o levou ao estádio, juntamente com sua madrinha, ambas torcedoras do arqui-rival do Grêmio: o Sport Clube Internacional.

(...) O primeiro jogo no olímpico foi num Grenal e como eu gostava tanto de futebol a minha mãe me levou junto. Eu não tinha pai, ele já havia falecido, mas a minha mãe, que era colorada me levava junto, Minha madrinha, também colorada, ia conosco. (CORTÊS)

Depois de ser apresentado ao Olímpico pela mãe, Cortês não parou mais de frequentar o estádio. Já adulto, vivenciou ocasiões em que as estereotipias são rompidas, quando narra passagens em que velhas torcedoras, aparentemente calmas e incapazes de proferirem palavrão, se “transformavam” nas arquibancadas sociais do Estádio Olímpico.

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Eu fiz muitas relações lá no Olímpico. Com pessoas de idade, observava fatos fantásticos: senhoras velhinhas de 70, 80, 90 anos de idade. Via um grupo de senhoras que entrava antes – elas podiam entrar antes de abrir as bilheterias. De tanto sempre sentar na social, me acostumei com a presença dessas pessoas em grupos, onde tem aquelas senhoras jogando cartas, fazendo tricô, as “vovózinhas”. Ficava próximo delas.

Começava o jogo, elas eram as que mais diziam palavrão, “juiz filho da puta”. Viravam umas diabas, com todo respeito, aqueles anjinhos que tu olhavas antes [risos], olhava aquelas “coisinhas” no inicio (...) Era a paixão, o que o futebol produz. (CORTÊS, g.n.)

A “transformação” das velhas torcedoras e a participação efusiva das mulheres gremistas, relatada por Cortês, não é um fenômeno isolado do Estádio Olímpico, da cidade de Porto Alegre ou do Rio Grande do Sul.

As mulheres torcedoras quebraram tabús ao longo do tempo e tornaram-se protagonistas nos estádios. Algumas delas se notabilizaram e tornaram-se símbolos de suas torcidas. Vejamos alguns casos.

Em 1953, a torcedora-símbolo Elisa83, do Corinthians destacava-se na massa conquistando o prêmio de torcedora nº 1 do clube paulista, chegando a ganhar ingresso permanente concedido pela própria Federação Paulista de Futebol, com o intuito de incentivar outras torcedoras a frequentar os estádios de futebol.

Com o título “As arquibancadas da torcedora - a presença feminina nos estádios brasileiros”84, o jornalista Juca Kfouri dá outro exemplo de ícone feminino em seu clube: Dulce Rosalina, célebre torcedora do Vasco da Gama85, clube do Rio de Janeiro. Dulce, que acompanhava jogos de seu clube pelo país, ganhou um concurso de melhor torcedor (o prêmio era geral, torcedores e torcedoras) do país em 1961.

83 Mais informações em https://blogdojuca.uol.com.br/2016/07/as-arquibancadas-da-torcedora-a- presenca-feminina-nos-estadios-brasileiros/? . 84 Veja mais em https://blogdojuca.uol.com.br/2016/07/as-arquibancadas-da-torcedora-a-presenca-feminina- nos-estadios-brasileiros/ 85 Clube do Rio de Janeiro fundado em 1898 por um grupo de remadores. Daí o nome Clube de Regatas Vasxo da Gama.

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No Grêmio, a presença feminina é marcante, mesmo que acanhada com releção a grande maioria de torcedores do sexo masculino, como todas torcidas de clubes brasileiros.

Para o torcedor Cortês, no Grêmio e Inter, o número de mulheres é maior proporcionalmente do que na maioria das torcidas.

Algum fator histórico aconteceu... Talvez a própria rivalidade de Grêmio e de Inter que é fortíssima, porque não tem nenhuma cidade do Brasil, não tem estado que tu vá, que a mulher participa tanto do futebol quanto lá.

A mulher vai a jogo sozinha, é um fato social do futebol, não é um mero esporte e aquela rivalidade faz parte, é uma coisa que ultrapassa o limite de razão, então talvez por isso que traga mais mulheres ao estádio. (CORTÊS)

Talvez a realidade, reportada por Cortês no excerto acima, justifique um pouco do forte vínculo entre torcedora e clube que abordamos com as duas protagonistas a seguir.

Em Brasília, acompanhando o grupo focal dos torcedores gremistas do Distrito Federal, entrevistamos Maria das Dores dos Santos, conhecida como “Dora”, talvez a maior representante feminina em termos de animação sócio-cultural na capital federal. Dora participa do Consulado Gremista em Brasília e é muito identificada com o Grêmio. Por conseguinte, tem uma relação com o Estádio Olímpico como um lugar de ricas lembranças. Perguntada se é identificada com o Grêmio e o Estádio Olímpico, assim se manifesta:

Com certeza, minha casa é gremista, meu carro é gremista. Eu faço questão, por onde eu ando de mostrar que eu sou gremista, seja qual for o ambiente. Eu tenho tatuagem do Grêmio no meu corpo, eu uso cores do Grêmio praticamente todos os dias em brinco, pulseira, colar, relógio... Tudo que tu imaginar do Grêmio. Minha carteira é do Grêmio, ando com meus cartões, minha carteira de sócia, tudo, o cartão do consulado, eu uso também o cartão que foi ainda do ingresso do Olímpico. Eu carrego comigo. Para qualquer pessoa eu faço questão de mostrar que sou gremista e que eu amo o Grêmio. (DORA)

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Esse depoimento, recheado de vínculos de pertencimento, que é mais comum entre os homens com relação ao futebol, não tira, de forma alguma, as características de feminilidade, graciosidade, suavidade, beleza e recato como destacam Goellner e Mühlen, na citação do início deste item (4.4.1).

O esmalte e o baton – sempre na cor azul - usados por Dora nos dias dos jogos do Gêmio são testemunhados por todos e todas que participam do grupo de torcedores e torcedoras do Grêmio do Distrito Federal86, mas de nada diferem da menina que adorava colecionar figurinhas e álbuns de jogadores e clubes, hobby que era e é mais comum entre os meninos.

Eu colecionava álbum de figurinhas, tudo que era foto, qualquer notícia que tinha em jornal sobre o Grêmio; revista, qualquer que fosse eu guardada. Ainda tenho em casa bastante lembranças desse tipo. (DORA)

Certamente, Dora não é a única torcedora “fanática” pelo Gremio, existem outras tantas, mais ou menos anônimas, abrigadas “sob a pele de torcedores”, conforme Leda Maria da Costa assevera a seguir.

Se sob a pele do torcedor se abrigam indivíduos de diferentes classes sociais, faixa etária, grau de escolaridade e uma série de outros fatores que impedem que nós o vejamos como uma entidade homogênea, o gênero também constitui fator importante a ser levado em conta. O torcedor é uma figura que por diferentes modos experimenta o mundo através do futebol e experimenta o futebol através do mundo, vivenciando valores, sentimentos e hábitos despertados pelo quique da bola. Trata-se, portanto, de uma dimensão que põe em rotação uma constelação de signos cuja produção e leitura podem ganhar novas e diferentes perspectivas caso levemos em consideração o gênero de quem torce. (COSTA, 2006, p. 08)

Dessas incontáveis torcedoras, especialmente aquelas que possuem vínculo com o Grêmio e com o “eterno estádio” destacamos uma figura feminina, uma das personagens que coloborou neste estudo: Ema Coelho de Souza87.

86 Com sede no “Serpentina Zero Grau”, tradicional reduto de encontro de torcedores de Grêmio e também de Atlético Mineiro em Brasília. Ao final de 2017, o grupo se dividiu, tendo novo Consulado que se encontra para assistir jogos em bar no Sudoeste, também no Distrito Federal. 87 Na categoria de análise (4.5) “A Personificação do Lugar”, trataremos da relação “parental” de Ema Coelho de Souza com o Estádio Olímpico.

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“Dona Ema”, como é conhecida, é aquela pessoa que podemos chamar de “guardiã da memória” do Grêmio. Foi uma das responsáveis pela fundação e a principal responsável pela organização do Memorial Hermínio Bittencourt, nome em homenagem ao Hermínio Bittencourt, que foi presidente do Grêmio no ano da conquista do Hexacampeonato Estadual, em 1968.

Ema também foi conselheira do clube. Aos 79 anos de idade, orgulha-se em falar da sua relação com o tricolor e sobre suas memórias em momentos de alegrias, de conquistas e de sofrimentos e derrotas do time do coração. Quase tudo isso vivido no Estádio Olímpico.

A entrevista com Ema Coelho de Souza foi uma das oportunidades mais enriquecedoras deste estudo. Com desenvoltura para se expressar e demonstrando profundo conhecimento sobre o futebol, além de muito identificada com com o Grêmio e com o Estádio Olímpico Monumental, nos concedeu a entrevista em sua residência no Bairro Glória, em Porto Alegre, onde reside há mais de 50 anos.

Como nas entrevistas com Hélio Dourado, Hélio Devinar, Laert Lopes e João de Almeida Neto, em que fui às suas casas, todas em Porto Alegre, compreendi melhor as palavras de Ecléa Bosi quando afirma que, “se o local do encontro for a casa do depoente, estaremos mergulhados na sua atmosfera familiar e beneficiados pela sua hospitalidade” (BOSI, 2013, p.59). Foi o que aconteceu nesses lugares.

Na casa da “Dona Ema”, além excelente hospitalidade, ouvi narrativas de uma profunda conhecedora de futebol. Essa senhora é diferente. Num mundo em que a perspectiva dos homens é hegemônica, Ema representa o rompimento de uma dicotomia que separa mulheres e futebol.

Não se destaca, simplesmente por ser apaixonada por seu time, como Dulcelina, do Vasco ou Elisa, do Corínthians, citadas no preâmbulo deste subtítulo. Ema Coelho de Souza representa, de certa forma, o emponderamento feminino no âmbito do futebol. Além de torcedora, foi conselheira e gestora – papeis pouco ocupados pela mulher no meio futebolístico.

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Perguntada sobre a importância do Estádio Olímpico Monumental para sua vida, respirou fundo e, com a ternura de uma mãe que conta histórias para o filho, respondeu:

Olha meu filho... o que ele representa pra mim? Mais de cinquenta anos de futebol porque, desde a inauguração, eu assisto os jogos do Grêmio.

Eu conheci o meu marido, que na época era meu namorado, e ele era gremista. Mas eu já era gremista por influência de um tio meu.

O meu tio era muito gremista e ele tinha um armazém na esquina da casa onde eu nasci, no bairro Medianeira. Na outra esquina do quarteirão tinha um bar e, nesse bar, o dono - o Sr. Vicente - que era muito colorado.

Me lembro que o meu tio tinha um cachorro, e toda vez que tinha Grenal e, obviamente, quando o grêmio ganhava, ele amarrava papel crepom azul no pescoço e mandava o cachorro ir até o seu Vicente, né... [risos] e quando o Inter ganhava, o Sr. Vicente, que também tinha um cachorro, fazia a mesma coisa. Quando o grêmio ganhava ele ficava alegre, me levantava no colo e, naturalmente me passou a paixão pelo Grêmio. (EMA COELHO DE SOUZA)

Neste excerto, a partir de suas lembranças, a narradora esclarece que a paixão pelo clube se forjou no núcleo familiar, principalmente através do seu tio. A formação identitária da menina Ema, se produziu carregada de vínculo afetivo. Essa questão reforça o pensamento de Halbwachs (2003) quando declara que a memória é um conhecimento atual do passado, ou seja, no agora a narradora identifica o porquê da escolha pelo Grêmio.

Então, a gente ficou com aquela sementinha, mas eu [nessa época] não ia a futebol não. Eu nem sonhava com futebol, em ir ao estádio. Aí, conheci meu namorado que era meu vizinho e... gremista! (EMA COELHO DE SOUZA)

Com o namorado gremista à acompanhá-la aos jogos, a jovem Ema experiementou uma situação que hoje pode parecer contraditória: conquistou a possibilidade de ir ao estádio. É que para uma mulher assistir jogos na década de 50, era fundamental e “socialmente aceitável” estar acompanhada de de um homem, seja namorado, marido ou outro parente, preferencialmente. Mas sempre um acompanhante do sexo masculino.

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Eu assisti com meu namorado a inauguração do Estádio Olímpico!

Eu fui com ele em mil novecentos e cinquenta e quatro e eu casei em cinquenta e seis. Desde então, já em cinquenta e quatro, eu fui em alguns jogos. Também em cinquenta e cinco mas, a partir de cinquenta e seis, depois de casada - é que naquela época a gente era um pouco mais presa, né, não tinha muita liberdade - aí [depois de casada] não perdemos jogo nenhum.

E eu fiquei cada vez mais gremista por isso [ir ao estádio, acompanhar os jogos] e fui me envolvendo. Ele [o marido] trabalhava na prefeitura e eu também, mas os jogos do Grêmio eu nunca deixei de ir. (EMA COELHO DE SOUZA)

O vínculo de Ema Coelho de Souza com o Grêmio se estendeu para além da relação entre torcedora e clube. Depois de aposentada, em 1983, da prefeitura de Porto Alegre, ofereceu-se como voluntária para trabalhar no Estádio Olímpico.

Atualmente, a ex-conselheira e principal responsável pelo arquivamento da memória do Estádio Olímpico Monumental assume-se “somente” uma apaixonada torcedora e em suas memórias nos ajuda a desvendar a complexidade dos acontecimentos que não tem a ver somente com as sua história de vida, vai muito além e contribui para construção da memória coletiva.

Como arrancar do fundo do oceano das idades um “fato puro” memorizado? (...) Mais que o documento unilinear, a narrativa mostra complexidade do acontecimento. É via privilegiada para chegar até o ponto de articulação da História com a vida cotidiana. (BOSI, 1994:19)

Portanto, a partir das riquezas das narrativas de Dona Ema podemos, a partir da perspectiva apontada por Ecléa Bosi na citação acima, “articular História e vida”, sem que para isso tenhamos que nos apegar aos “fatos puros”, pois, provavelmente estes não existam em se tratando de memórias coletivas, ou memórias vivas, como aponta Candau (2016, p.191) “ toda memória petrificada tende ao fechamento em si”. Acresenta ainda, que o oposto à memória petrificada, a memória viva, carece de futuras interpretações, pois, “no decorrer das gerações, seleciona o que é admitido pelo grupo e o que deve ser rejeitado”, e esta é uma característica da memória viva.

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4.4.2 Coligay – A primeira tocida gay do Brasil

O jornalista Léo Gerchmann, no livro “Coligay - tricolor e de todas as cores” busca o resgate de memórias da primeira torcida organizada e assumidamente homossexual do Brasil. A Coligay era formada por torcedores do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e fez história no Estádio Olímpico Monumental.

Nas narrativas que alimentam a base empírica deste texto, encontramos alguns depoimentos que demonstram um sentido de orgulho pelo fato da torcida gremista ser vanguarda, de certa forma, na questão do combate à homofobia. É o caso da narrativa do uruguaio Ancheta, um dos principais jogadores do Grêmio na década de 70, período em que surgiu a Coligay.

A torcida do Grêmio sempre foi forte, jogava junto. E tinha a Coligay naquela época também, que é uma, uma torcida muito forte, não? Influenciou muito pra que toda a torcida se comportassem bem. A Coligay era uma uma torcida comportada. Muito eufórica, mas muito repeitosa. Isso fazia com que a valorizássemos. Era importante pro time. (ANCHETA)

Observamos que Ancheta trata com muito respeito aquela que foi, muitas vezes, motivo de vergonha para os demais torcedores gremistas que se sentiam ultrajados em sua masculinidade e, por vezes, eram “insultados” pelos rivais colorados por terem uma torcida organizada que se declarava gay, mesmo sendo essa uma torcida comportada, como declara Ancheta. Esse comportamento de civilidade, segundo o ator social, influenciava também o comportamento do restante da torcida “tricolor”.

Coincidência ou não, em 1977, no ano do surgimento da Coligay, o Grêmio saiu da fila de oito anos vendo o Internacional ser campeão e sagrou-se campeão gaúcho, o que era, sem dúvidas, tão ou mais importante que o campeonato nacional, dada a rivalidade Grenal.

Naquele período (década de 70, em plena ditadura militar no Brasil) não se discutia abertamente temas como a homossexualidade, por exemplo. A orientação sexual era, mais que hoje, assunto tabú na sociedade, escola, família. No entanto, Volmar Santos, um empresário da noite porto alegrense, proprietário da Boate Coliseu

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- que era frequentada não só pelo público gay, mas absorvia todas a diversidade de classes, etnias e comportamentos da época - resolveu reunir um grupo de amigos e fundou a torcida Coligay. O nome é a junção da palavra Coliseu (nome da boate) com a palavra gay, que, obviamente representava a orientação sexual dos integrantes do grupo liderado por Volmar.

O ano de 1977 marcou o Brasil em várias frentes. A lei do divórcio foi instituída, a escritora Raquel de Queiroz tornou-se a primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras, e o país ganhou mais um Estado, o Mato Grosso do Sul. No mundo do futebol, outros dois fatos marcantes. Enquanto Pelé anotava seu último gol pelo Cosmos sobre o Santos, nascia também a primeira torcida brasileira exclusivamente gay. Incomodado com a falta de agitação nas arquibancadas, o cantor e empresário Volmar Santos resolveu fundar uma falange que chamasse a atenção não só por seus trajes, faixas, bandeiras e instrumentos, mas também pela ousadia de reunir torcedores homossexuais do Grêmio em plena ditadura militar. Assim, no dia 10 de abril daquele ano, surgia a Coligay. (BREILLER PIRES, da redação, Jornal El País, g.n.)88

Em consonância com os fatos marcantes do ano de 1977, elencados na citação acima, que demonstram avanços no empoderamento feminino – a primeira mulher na Academia Brasileira de Letras; a lei do divórcio - que mudaria as relações civis entre homens e mulheres; o surgimento de uma torcida composta por homossexuais, representou, certamente, um divisor de águas na questão do combate à “homofobia”, palavra que provavelmente nem era pronunciada naquela década. A Coligay estava, portanto, à frente de seu tempo.

A Coligay compõe a memória do Estádio Olímpico Monumental, aprovem ou não os torcedores mais machistas que radicalizam dizendo que futebol é para homens. Ela representa um sentimento de libertação, de oposição à opressão que sentem os considerados “diferentes”.

Mas a aceitação de uma torcida organizada formada por homossexuais por parte dos demais torcedores do Grêmio FBPA não foi tão tranquila. Segundo Volmar Santos (em entrevista que transcrevemos a seguir) ao programa “História de Vida e Ação Política”89, ligado ao Grupo de Pesquisas “Laboratório de Políticas Públicas,

88 Jornal El Pais https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/07/deportes/1491595554_546896.html. Acesso em 05 de fevereiro de 2017. 89 Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúdes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS LAPPACS- Publicado em 12 de set de 2016

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Ações Coletivas e Saúdes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS”, o fato de chegarem aproximadamente 70 torcedores com “visual alegre”, no jogo contra o Santa Cruz, de Santa Cruz do Sul90, pelo Campeonato Gaúcho, no longínquo 10 de abril de 1977, causou um mal estar em alguns torcedores. Como forma de garantir a segurança do grupo de torcedores, eles começaram a aprender defesa pessoal.

No início houveram algumas tentativas de agressão para com os componentes da nossa torcida. Por isso, eu os matriculei em escola de karatê para eles se defenderem caso acontecesse alguma coisa. (SANTOS, depoimento ao Programa História de Vida e Ação Política 01 - Volmar Santos (Coligay) - Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúdes da UFRGS)91

Para o autor do livro “Coligay - tricolor e de todas as cores” - Léo Gerchmann, os anos de existência da Coligay representam a passagem mais plural do futebol brasileiro, mesmo que em tempos de Ditadura Militar92 (GERCHMANN, 2014). A Colygay chegou a contar com mais de 200 participantes. Esta passagem plural durou até 1983, quando Volmar Santos decidiu morar em Passo Fundo, interior do Rio Grande do Sul. Sem seu lider, a Coligay se dissolveu.

O ator social Cortês, na narrativa que segue destaca a alegria que emanava da Coligay e o fala do dia em que o Beijoqueiro, um português chamado José Alves de Moura que viajava o mundo dando beijos em celebridades.

Aquela turma era muito alegre! Eram festivos, não deixavam ninguém quietos por perto. Contagiava os outros torcedores. Claro, sempre tinha algumas atitudes de preconceito. Alguns xingavam: “seus putos!” Mas as pessoas foram se acostumando e aprendendo a respeitar. Mas tem uma situação que eu lembrei.

Lembras do Beijoqueiro? Aquele português que beijou o Papa, o Pelé... beijava tudo que é personalidade, beijou Frank Sinatra, .

Então, estavávamos eu e um amigo lá no Olímpico assistindo uma dessas finais, decisões (...) dali a pouco anunciaram no rádio - eu

90 O Futebol Clube Santa Cruz foi fundado em 26 de março de 1913, é um clube de Santa Cruz do Sul, interio do Rio Grande do Sul. Joga com as cores preto e branco. Não tem nenhum título de expressão. 91 https://www.youtube.com/watch?v=cJuHfIGkZEU 92 Período que iniciou em 1º de abril de 1964 com o Golpe Militar que depôs o presidente João Goulart, curiosamente gremista. A ditadura militar até 15 de março de 1985.

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escutava muito rádio: “O Beijoqueiro está no Olímpico. Quem será que ele vai beijar?” Logo depois passou o Beijoqueiro pelas sociais e eu disse: “vem cá” e nós estávamos lá tomando cerveja. Eu tinha um amigo gordo, que era amarrado no Roberto. Ele chegou e deu um beijo no Beijoqueiro e disse assim: “tu já beijou Frank Sinatra, beijou Roberto Carlos..., agora tu vai beijar Paulo Homero Rodrigues”. O pessoal da Coligay viu aquilo e foi à loucura. (CORTÊS)

Na foto abaixo, um registro de parte da Torcida Organizada Coligay.

Figua 14 - Coligay: apoio incondicional ao Grêmio. DIVULGAÇÃO/LIBRETOS

Como toda torcida organizada, a Coligay também tinha/tem um hino. Volmar Santos, em entrevista ao Programa História de Vida e Ação Política93 canta o hino, o qual transcrevemos a letra.

Nós somos a Coligay, Com o Grêmio eu sempre estarei É bola pra frente, campeão novamente É Gremio, força e tradição Sou tricolor pra valer Pra granhar e vencer Para o que der e vier Nós, tricolores de pé quente Estaremos presentes Onde o Grêmio estiver

Está claro que a letra acima é uma adaptação do hino oficial do Grêmio, composta por Lupicínio Rodrigues, mas tem o toque irreverente daquela que foi a torcida mais folclórica do clube. No documentário “História de Vida e Ação Política” da

93 Programa produzido pelo Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúdes da UFRGS.

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UFRGS, Volmar lembra de algumas canções feitas aos jogadores. Entre elas, uma homenagem ao centro-avante Baltazar, um dos grandes goleadores do futebol brasileiro na década de 80. Quando encontravam o Baltazar, que era muito religioso e costumava andar com a bíblia debaixo do braço, o grupo cantava:

Vamos todas para o altar Porque chegou o Baltazar!

O jogador, apelidado de “Artilheiro de Deus”, não ficava incomodado com as brincadeiras, segundo Volmar Santos. Outro personagem importante do Grêmio e que também não se incomodava com a Coligay, era o treinador Telê Santana. Inclusive, frequentava a Boate Coliseu (que também era frequentada pelo público heterossexual), reduto da torcida, para conferir se os atletas não estavam se excedendo nas madrugadas, quando fujiam da cancentração.

Telê Santana, técnico do tricolor gaúcho entre 1976 e 1978, costumava ir à boate de madrugada na tentativa de flagrar jogadores que escapavam da concentração. Mas, assim que tomava conhecimento da presença do treinador, Volmar escondia os fujões e agilizava a debandada pela porta dos fundos. (BREILLER PIRES, da redação, Jornal El País)94

Com o fato do Grêmio ter sido campeão, em 1977, depois de oito conquistas de títulos do campeonato gaúcho pelo maior rival, a Coligay ganhou fama nacional e inspirou o Sport Club, Corínthians, de São Paulo, a apostar na torcida “pé-quente”. O presidente corinthiano, Vicente Matheus, pagou passagem para integrantes da Coligay, os “coliboys”, torcerem na final do campeonato paulista, também em 1977. Deu resultado e o Corínthians foi campeão depois de 22 anos sem títulos. A fama de pé-quente da Coligay acabou chegando a São Paulo, e Vicente Matheus, folclórico presidente do Corinthians, convidou os coliboys para assistirem à final do Campeonato Paulista quando o Timão jogaria contra a Ponte Preta, no estádio do Morumbi. O time alvinegro também acabou quebrando um tabu depois de mais de 22 anos sem levantar taças, com um gol salvador de Basílio sobre o time pontepretano.

De volta aos seus domínios no sul, a Coligay ainda presenciaria as conquistas gremistas de outros dois Campeonatos Gaúchos, um

94 Jornal El Pais https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/07/deportes/1491595554_546896.html. Acesso em 05 de fevereiro de 2017.

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Brasileiro, uma Libertadores e um Mundial de Clubes, em 1983, ano em que a torcida encerrou suas atividades devido ao retorno de Volmar Santos à sua cidade natal. (BREILLER PIRES, da redação, Jornal El País)95

Volmar Santos, o lider da Coligay, voltou para Passo Fundo, sua terra natal, para cuidar da mãe doente. Atualmente trabalha na coordenadoria de cultura da prefeitura da cidade e é colunista social num jornal local.

4.4.3. O Grêmio em Azul, Preto e Branco – o papel do negro na constituição da identidade gremista

O racismo tem sido um tema bastante recorrente nos dias atuais. Com a inclusão digital e o favorecimento das diversas formas de expressão através da internet, especialmente nas redes sociais, o racismo parece aflorar. Os atos racistas talvez sejam mais contundentes pelo fato das pessoas que se valem de ofensas racistas se sentirem invisíveis atrás da tela de um computador, de um smartfone. Jogadores de futebol e torcidas promovem e ao mesmo tempo são vítimas de racismo.

O termo “macaco” utilizado de forma pejorativizada para expressar uma das formas de ódio racial aos negros, é utilizado também por parte da torcida do Grêmio FBPA se referir aos torcedores do Sport Club Internacional. Enquanto muitos destes torcedores que utilizam destas ofensas raciais, bem como jornalistas que cobrem o futebol e boa parcela da população vêem essa atitudes como algo que faz parte da “cultura” do futebol. Contudo, há uma preocupação por parte de torcedores mais engajados pela luta contra o racismo que também se utilizam de redes sociais e outros meios multimídia para se posicionar contra o racismo no futebol. Com o título da coluna “Pelo fim da ‘macacada’”, o torcedor Lucas Von fez um desabafo no Blog do Torcedor, no sitio do globo esporte

Sei que a esmagadora maioria dos gremistas que utilizam o termo “macaco” para se referir aos colorados não o fazem com o intuito de ser racista. Sei também que é histórico, é tradição. Sei que gremistas se referem inclusive a colorados brancos como macacos, não tem relação com a cor da pele. Sei até que gremistas negros cantam essas músicas. Ou seja, sei que a intenção de pelo menos 90% dos gremistas não é racista ao utilizar esse termo. Mas a origem, muito

95 https://brasil.elpais.com Acessado em 05 de fevereiro de 2017.

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provavelmente, é racista. Diz respeito ao Inter ter aceito negros antes do Grêmio. Há quem discorde e apresente outras teorias, mas, sinceramente, não vem ao caso. Hoje, por mais que não seja utilizada nesse contexto e com esse intuito, a palavra “macaco” tem um significado pejorativo e racista no MUNDO INTEIRO. Não dá pra separar o RS ou o Grêmio do mundo. Ou vamos morrer dando explicações de que “a intenção não era essa”. (“Pelo fim da ‘macacada’”; LUCAS VON, Blog do Torcedor)96

A indignação do torcedor se deve ao fato de episódios de injúria racial terem acontecidos nos últimos anos e atribuídos, de forma genérica “à torcida” do Grêmio, como o “Caso Aranha”97, discutido no livro “Somos Azuis, Pretos e Brancos”, de Leo Gerchmann, que, ao tentar comparar, acaba “grenalizando”98 o tema.

quando torcedores do Grêmio chamaram o jogador adversário de ‘macaco’, foram recuperadas todas as tolices difamadoras para classificar o Grêmio como um clube racista na comparação com o ‘suposto paraíso racial na terra’ o Sport Club Internacional. (GERCHMANN, 2016, p. 127)

A ironia do autor ao expressar “suposto paraíso na terra”, com alusão ao Internacional, é utilizada para tentar esclarecer que o racismo também está presente entre os torcedores do adversário e, muito além disso, é uma questão social no Brasil, perpassando o futebol e as cores clubísticas.

Nesse sentido, não seria honesto atribuir a uma determinada agremiação ou torcida, essa característica, que envergonha qualquer torcedor que tenha o mínimo de tolerância e espírito de alteridade. Do mesmo modo que não é ético a instituição Grêmio não assumir parcela de culpa, mesmo que as ofensas racistas tenham vindo de uma parcela pequena da torcida.

Pois bem, mesmo não sendo o tema principal deste estudo – nos ocupamos com os sentidos da memória do Estádio Olímpico Monumental - o racismo é um assunto que ganha uma dimensão na memória coletiva por possuir “suportes ou quadros sociais” (HALBWACHS, 2006) e que, mesmo muitas vezes sendo sublimado pelos torcedores em suas lembranças, afinal de contas, nenhuma torcida quer a pecha

96 Em http://globoesporte.globo.com/rs/torcedor-gremio/platb/tag/gremistas/ acessado em 05 de fevereiro de 2017. 97 No dia 27 de agosto de 2014, em partida entre Grêmio e Santos na Arena Grêmio, o goleiro da equipe santista, Aranha, sofreu injúrias raciais 98 Expressão muito usada, principalmente no Rio Grande do Sul, entre gremistas e colorados quando polarizam questões de vários temas. Nesse caso, pra discutir racismo na torcida do Grêmio, utiliza-se maus “exemplos” vindo do rival Internacional.

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de “racista”, pois, como afirma Lucas Von no blog retrocitado “a intenção de pelo menos 90% dos gremistas não é racista ao utilizar esse termo” (macacos). No entanto, como ainda existem (muitos) torcedores que se manifestam dessa forma, recorremos à memória coletiva para falar da fundamental importância que têm os negros na formação da identidade gremista.

Com o objetivo do resgate da memória do papel do negro na identidade gremista, recorremos a personagens negros que têm grande importância na história do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Dois, em especial, pela simbologia que envolve seus nomes: o ex-jogador Everaldo e o compositor Lupicínio Rodrigues.

Sem desmerecer a importância de outros grandes jogadores negros que vestiram a camisa tricolor ou outros atores sociais não jogadores, fizemos esta opção pelo grau de contribuição simbólica à identidade gremista, expressa no hino do clube – Lupicínio; e como representante da estrela dourada da bandeira oficial do tricolor – Everaldo.

Além de Lupicínio e Everaldo, com referências à parte, tratamos (no item 4.4.3.2), de outros personagens negros que também tiveram grande importância da constituição da identidade gremista e nas relações de pertencimento dos torcedores negros com o clube azul, preto e branco.

4.4.3.1 Everaldo

Para falar da importância – que podemos chamar de grande, pelo conteúdo simbólico - atribuída aos personagens negros da história do clube, vale considerar que o Grêmio FBPA é o único clube brasileiro que tem uma estrela99 na sua bandeira oficial em homenagem a um de seus jogadores: o negro Everaldo Marques da Silva.

Everaldo, que foi tri-campeão mundial, no México, em 1970 jogando pela Seleção Brasileira, representa a estrela dourada da bandeira tricolor. Vale dizer que bandeira, escudo e hino são os maiores símbolos de uma instiuição futebolística.

99 Cabe registrar que o São Paulo Futebol Clube tem duas estrelas em homenagem ao atleta Adhemar Ferreira da Silva, em homenagem aos recordes mundiais do salto triplo conquistados em 1952 (Olimpíadas de Helsinque) e 1955 (Jogos Panamericanos).

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Figura 15 - Bandeira oficial do Grêmio FBPA – Fonte: www.gremio.net

A homenagem se deu pelo fato de Everaldo ser o primeiro jogador gaúcho e que atuava num clube gaúcho, no caso o Grêmio, a se tornar campeão mundial de futebol.

Everaldo ingressou no Grêmio em 1957 e foi companheiro de Paíca que, em suas narrativas, fala da ligação com o ex-companheiro, desde os tempos das categorias de base do Grêmio. Segundo Paíca, Everaldo era o seu melhor amigo no elenco tricolor.

A ligação de amizade que eu tinha no Grêmio era mais forte com o Everaldo por que a gente subiu junto para o profissional.

Fomos muito tempo companheiros de quarto na concentração do estádio e sempre quando o Grêmio viajava a gente ficava no mesmo quarto. Houve uma amizade muito forte.

Me convidou para padrinho do casamento dele, o que orgulhosamente aceitei. Além dele, vários outros jogadores me chamaram para padrinho, porque a gente participava da vida um do outro, estávamos sempre junto, em tudo (...)

Naquela época a concentração era direto no próprio Estádio Olímpico, então qualquer partida de domingo a gente concentrava na quinta feira de noite e ficava “preso” lá dentro para esperar o domingo do jogo. (PAÍCA)

Em 1967, Everaldo foi convocado pela primeira vez para defender a seleção brasileira. Desde então não saiu mais do selecionado brasileiro até ser campeão no México em 1970.

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Foi hepta campeão gaúcho pelo Grêmio em 1968, junto com o amigo e compadre Paíca. Além de todos os prêmios conquistados, foi agraciado com o troféu “Belfort Duarte”, concedido aos jogadores mais leais de defesa.

No sítio eletrônico institucional do Grêmio FBPA, Everaldo tem posição destacada. É o jogador tri-campeão mundial pelo Brasil e que tem seu nome perpetuado na história do “Imortal Tricolor”.

A empolgação da torcida gremista com o êxito obtido pelo jogador que representou o Tricolor na vitoriosa campanha do Tricampeonato fora tanta que, em seu retorno à Porto Alegre logo depois da conquista, saiu às ruas da cidade para comemorar como se fosse um verdadeiro título alcançado pelo próprio Grêmio. Na época, o fato foi considerado uma das maiores demonstrações de carinho já dispensadas a uma personalidade do Estado.

No dia 30 de junho de 1970, seis dias após seu retorno do México, o Conselho Deliberativo do Grêmio, em uma sessão solene, perpetuou oficialmente a figura de Everaldo na história do Clube dedicando ao atleta a famosa estrela dourada na bandeira. Na ocasião, o jogador recebeu também o título de Atleta Laureado além de duas cadeiras quitadas no Estádio Olímpico. (s.p)100 Contudo, nem tudo foram flores na carreira de Everaldo. O tricampeão mundial ficou marcado por um momento de destempero emocional, quando agrediu um árbitro de futebol.

Testemunha ocular de um jogo que maculou a imagem do sempre discreto Everaldo, o torcedor Cortês narra o episódio de um jogo entre Grêmio e Cruzeiro, de Minas Gerais, cujo adversário não foi lembrado no momento da entrevista pelo ator sociall. De todo modo, Cortês ressalta os feitos do atleta e as honrarias que merecidamente recebeu, entre essas a homenagem com uma estrela na bandeira tricolor.

A estrela dourada da bandeira representa o Everaldo, todo gremista sabe disso. E também o pórtico que tem lá do Olímpico, foi feito em homenagem ao Everaldo. Ele morreu de acidente de carro, um Dodge Dart (...)

O Everaldo era um cara fino, educado, nunca levantava a voz nas entrevistas dele.

100 https://gremio.net/herois/heroi/5 - Da redação do site.

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O futebol dele era fino até na hora de dar pontapé.

Mas, como é o futebol... eu até hoje nunca entendi direito um jogo...

Eu acho que era José Favile Neto o nome do juiz. Era um jogo à noite. Não me lembro contra quem que, eu sei que o juiz deu uma marca, ele ficou tão irritado que não entendi bem o que aconteceu mas sei que o Everaldo deu um soco na cara do juíz e ficou quase um ano fora sem jogar.

Lembro que o Anchieta jogou com o Everaldo e ele também estava naquele jogo. (CORTÊS)

O próprio Ancheta fala, com muita admiração e respeito, do colega e amigo Everaldo.

Ah, [o Everaldo] é uma representação também, é uma pessoa que ficou marcada para nós que o conhecemos, não? Para as pessoas que estão vindo, é bom que saibam que ele tem uma representação muito grande na história do Grêmio.

Era uma excelente pessoa, um excelente jogador, que foi injustiçado em 74. Quando, quando teve o campeonato do mundo...

Ele foi uma pessoa maravilhosa, sim, ele e a família. Nós tínhamos muita amizade, porque, graças a Deus, naquelas épocas difíceis do Grêmio, nós criamos grupo com muita união, muita união em família, isso era muito importante.

O Everaldo, vai ficar representado sempre na nossa mente, na nossa memória. (ANCHETA, g.n.)

A injustiça feita a Everaldo, segundo o depoimento de Anchieta, se deve ao fato do lateral esquerdo não ter sido convocado pelo treinador Mario Jorge Lobo Zagallo, para a Copa do Mundo de Futebol de 1974, sediada na Alemanha. Nesta Copa, o Brasil foi eliminado pela Holanda, do craque Cruyff, pelo placar de 2 a 0.

A Copa do Mundo de 1974, ocorreu de 3 de junho até 7 de julho de 1974. Aproximados três meses depois (em 28 de outubro), com 30 anos de idade, retornar de uma viagem à Porto Alegre, Everaldo acabou falecendo em um acidente automobilístico perto de Santa Cruz do Sul, no interior do Rio Grande do Sul.

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A fatalidade e precocidade da morte de Everaldo não apagaram da memória, principalmente dos torcedores gremistas, um grande representante negro e que em muito contribuiu para construção identitária de um clube de futebol que já viveu as agruras de carregar a pecha de clube racista. Para além de ter um registro na história do Grêmio FBPA, Everaldo representa, na memória compartilhada por Cortês, Paíca e Ancheta, um homem e jogador “fino” e também um amigo que já partiu.

4.4.3.2 Lupicínio

Lupicínio Rodrigues compôs e cantou alguns dos maiores sucessos da Música Popular Brasileira – MPB. Era torcedor fanático do Grêmio. Frequentou o Estádio da Baixada, primeiro estádio do clube e depois participou da inauguração do Estádio Olímpico, quando este ainda não era “Monumental”, em 1954. Inclusive, um ano antes da inauguração do Olímpico, se inscreveu em um concurso para escolha do hino do clube. Venceu!

O poeta Lupicínio, acompanhou e participou de inúmeros momentos de conquistas do clube que amou, muitas destas, fora do campo esportivo. Era frequentador assíduo do clube, por exemplo, no período em que Saturnino Vanzelotti foi presidente do Grêmio FBPA, entre 1949 a 1954. Um período que Gerchmann (2016) considera a institucionalização da pluralidade do clube, com ênfase à tolerância racial.

A instituição oficializou que era plural, que essa abertura era sua alma, sua gênese e seu destino. O hino, “até a pé nós iremos”, que fala de perseverança e da “imortalidade tricolor”, tornou-se lema do clube composto por um aficionado negro, simplesmente o artista mais popular do estado.

Vanzelotti explicitou a aceitação de todas as cores e etnias, o que já era uma realidade apesar da resistência de alguns – como em todos os lugares e todas as instituições. O Estádio Olímpico foi inaugurado em seguida, em 1954, por iniciativa do mesmo Vanzelotti, um homem que enxergava as origens e desenhava o futuro. (GERCHMANN, 2016, p.126)

O dramaturgo Artur José Pinto que estudou a vida de Lupicinio Rodrigues para produzir o musical Lupi, que comemorou 100 anos de nascimento do artista, conta ao Jornal Zero Hora, algumas curiosidades sobre o cantor.

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Ele costumava ir ao restaurante de um português em Porto Alegre. Certo dia, o garçom se recusou a atendê-lo, informou que o dono não queria mais receber negros. Lupicínio protestou, chamou a polícia e citou a lei Afonso Arinos (assinada por Getúlio Vargas em 1951, que proíbe a discriminação racial no Brasil), que tinha sido aprovada havia pouco. Isso foi interessante, porque era quase inédito um negro protestar dessa maneira, como também era muito difícil que um delegado acatasse a queixa. O dono do restaurante foi citado judicialmente, respondeu processo. E a vingança do Lupi foi ir em um outro restaurante do mesmo dono, para ser servido por ele.101

A atitude de Lupicínio ao protestar contra discriminação, narrada acima, mostra um engajamento com a causa da pluralidade racial. O movimento negro no Brasil, que já vinha de uma construção desde Zumbi dos Palmares, o lider negro morto em 20 de novembro de 1695 – dia e mês que se fixaram como data em que o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra em homenagem à maior referência para resistência e luta dos negros por direitos iguais.

Na década de 60, o movimento tinha influências e referências mundiais. Destacam-se personalidades como Rosa Parks102, Martin Luther King103, Nelson Mandela104. No Brasil, o professor Abdias Nascimento105, que também era poeta como Lupicínio, era a maior referência nacional do movimento negro.

O fato que levou o negro Lupicínio a “se tornar” gremista, vem da memória de família. Seu pai, também negro, era jogador de futebol e passou para Lupicínio a paixão pelo clube azul, preto e branco.

Vejamos na narrativa de Cortês o quanto a influência intergeracional, ou “memória herdada”, na concepção de Pollak (1992) se torna importante na criação e fortalecimento de um um vínculo identitário.

101 https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2014/07/10-curiosidades-sobre-a-vida-de- Lupicinio-Rodrigues-4551816.html Acessado em 05 de fevereiro de 2018. 102 Rosa Louise McCauley, mais conhecida por Rosa Parks, foi uma costureira negra norte-americana, símbolo do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. 103 Martin Luther King (1929-1968) foi um ativista norte-americano, lutou contra a discriminação racial e tornou-se um dos mais importantes líderes dos movimentos pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. 104 Nelson Rolihlahla Mandela foi um advogado, líder rebelde e presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado como o mais importante líder da África Negra, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993, 105 Abdias do Nascimento foi um poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras.

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Vou contar uma história, que acho que é um fato muito importante, que eu estava contando para o pessoal e a maioria das pessoas não sabem disso.

O Lupicínio Rodrigues era um homem negro, e você sabe que no Grêmio não podia jogar jogador negro. Como é que no ponto de vista de vocês, como é que você pode explicar que um homem que é negro num time que não podia ter jogador negro e ainda fez o hino do Grêmio?

Você sabe o ano em que foi feito, 1953, por que ele fez o hino Grêmio, se ele é negro... Dá para entender isso? Sabe a razão? Vou contar a história então. Isso eu soube lendo o livro do Lupicínio Rodrigues.

É um livro muito interessante que tem todas as músicas dele, ele fez uns anos lá, tinha aquele jornal, Última Hora, Zero Hora, o Lupicínio fazia uma crônica semanal, então quem contava cada musica que ele fez, com a razão da Zero Hora, depois foi feito um livro disso, que até eu comprei na feira do livro, até esse livro não está comigo eu tenho que achar ele, emprestei para um amigo e ele não me devolveu, emprestei até foi para um Colorado.

Tem a história do Hino do Grêmio, é muito legal de ler esse livro, tu fica sabendo a história do Rio Grande do Sul, de Porto Alegre, como era aqueles anos de 50, 60 o machismo, a gente entender até o machismo. Ele sempre foi considerado um cara boêmio, mas era um boêmio, mas adorava estar em casa com a mulher, fazer comida, tocava uma musica e então justificava as noitadas em que ele saia, as coisinhas ás vezes até meia tolinhas...

Mas sobre o Hino do Grêmio... Ele contou que no início do século, e isso ele contou lá no Satélite Prontidão...

Satélite Prontidão é um clube que tem em Porto Alegre, no Partenon, que só entra negro, é tradicional. Satélite Prontidão é um clube que veio lá desde o tempo dos escravos, que até hoje existe, até um amigo meu da Caixa morreu agora do Carnaval Olívio Feijota, e eu nunca entrei, eles não deixam entrar, não pode entrar branco, bailes, festas.É um local histórico de Porto Alegre.

Ele [Lupicínio, no livro] conta que no início do século, o pai dele, jogava bola, era jogador e eles tinham um time e ele quis entrar no campeonato de Porto Alegre, isso lá em 1910, já tinha Grêmio, já tinha Inter, deve ser 1910, por aí [o SC Internacinal foi fundado em 1909]. Tem esse time dos negros que quiseram entrar lá no campeonato.

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Depois que foi criado e foi criado exatamente por isso, eles quiseram entrar no campeonato, na liga que jogava Inter, jogava Grêmio, e o Grêmio permitiu, o Inter não! O Inter não permitiu que eles entrassem no campeonato!

Aí que vai a história, vou dizer. Por que negro não podia jogar? Porque quem criou o Grêmio foram os alemães, que botaram no estatuto: não podia ter jogador preto, escreveram. Mas o Grêmio não se contrapôs a jogarem, e o Inter não permitiu. Os negros ficaram tão bravos, que eles fizeram um pacto, e todos viraram gremistas.

Criaram a Liga dos Canelas Pretas, que era para eles poderem disputar o campeonato deles, e fizeram um pacto que eles virariam gremistas e também seus filhos. O Lupicínio disse que o pai dele foi gremista por isso. “Sou gremista. Sou gremista porque eu nasci gremista, porque eu sei a história que meu pai contou”. (CORTÊS)

Após essa densa narrativa de Cortês, que relata a história de Lupicínio a partir do livro que lera – de autoria do próprio compositor; das histórias que ouvira e de suas interpretações sobre estas, agregando a sua própria história de vida e experiências como torcedor e conhecedor do passado do clube e das personagens que também contribuiram para sua construção identitária enquanto gremistas.

Das narrativas de Cortês e do livro – em forma de narrativa de Lupicínio - remetemos à Valter Benjamin quando pondera sobre a relação entre o romancista e o narrador.

O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes. O romancista segrega-se. A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los. (BENJAMIN, 2014, p. 5) Portanto, a Liga dos “Canelas Pretas“, recheada de conteúdo sociocultural poderia ser romancisada à mercê de fatos que sublimariam o papel do negro e as relações interraciais no ínicio do Século XX em Porto Alegre.

Nas narrativas memorialísticas de Cortês para essa pesquisa e nas narrativas publicadas por Lupicínio em livro, encontramos jogadores de futebol, negros, alijados de participar de campeonatos com atletas brancos e que resolveram criaram uma liga de futebol; empoderaram-se e desenvolveram uma cultura futebolística que atraiu os olhares da sociedade branca, que buscava a conformação eugênica.

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Entretanto, essa história não é um romance inspirado em fatos reais – até poderia sê-lo – mas, fundamentalmente está ligada à “cadeia da tradição” (BENJAMIN, 1994) onde a reminiscência funda a cadeia da tradição, que transmite os acontecimentos de geração em geração. Tal qual o fato do Internacional não ter aceitado os negros para participar do campeonato citadino de Porto Alegre, - “os negros ficaram tão bravos, que eles fizeram um pacto, e todos viraram gremistas” (Cortês).

O pacto, firmado entre os jogadores negros - entre estes o pai de Lupicínio - corroborou para que as gerações de jogadores e torcedores negros que os sucederam, manifestassem um sentido de pertencimento às cores do clube e o respeito às boas práticas humanas no que se refere à diversidade étnica.

4.4.3.3 O negro estádio

Além de Everaldo e Lupicínio, vários personagens negros ajudam a contar a importância do negro na construção da identidade gremista. Um deles é Tarciso, o Flexa-Negra. Segundo o jornalista Júlio Tábile, Tarciso foi “o ponteiro mais veloz que já jogou nos pampas”. É tido pela instiuição Grêmio como um dos maiores jogadores da história do clube.

O mineiro José Tarciso de Souza pode ser chamado de uma lenda viva do Grêmio. Por 13 anos defendendo as cores do Tricolor, tornou- se um símbolo de raça e dedicação ao Clube sendo indicado para a Calçada da Fama. Graças a sua velocidade, recebeu o apelido de "Flecha Negra" sendo peça fundamental nas conquistas do Brasileirão de 1981 e da Libertadores e Mundial de 1983. (Da redação – Gremionet)106 Quando foi agraciado com a honraria de gravar os pés - em baixo-relevo - na “calçada da fama” do Estádio Olímpico, manifestou-se, de forma grata ao reconhecimento do clube.

Foi maravilhoso, fiquei muito feliz com a indicação. É o desejo de todo mundo que realizou alguma coisa boa para o Clube. Assim como o Oscar para o Cinema, ter os pés na Calçada da Fama do Grêmio é o prêmio maior. É um reconhecimento e mostra que fui uma pessoa que marcou dentro da história de um time centenário. Além de ser bom

106 http://www.gremio.net/page/view.aspx?i=tarciso Acessado em 05 de fevereiro de 2018.

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para o ego, mostra que valeu a pena toda aquela dedicação de atleta. (Da redação – Gremionet)107.

Atualmente, Tarciso é vereador na cidade de Porto Alegre. Concedeu-nos entrevista em seu gabinete na Câmara de Vereadores da capital gaúcha. O objetivo da entrevista era estabelecer um diálogo com este ator social sobre a memória do Estádio Olímpico Monumental e tentar entender o quanto é significativo para alguém que construiu a sua história de vida praticamente dentro deste lugar, como já detalhado quando tratamos na categoria de análise Identidade e Pertencimento, o fato de o estádio estar passando pelo processo agonizante da demolição.

(...) 13 anos... eu joguei um total de 721 partidas, fazendo quase 240 gols, olha quantas pessoas eu conheci? Quantos jogadores passaram por mim? Quantas pessoas, torcedores? Quantas viagens ao interior? Quantas viagens pelo Brasil? Levando esse nome lindo que é o Grêmio Futebol Porto Alegrense. Através dele a gente conheceu o mundo, conheceu muita gente, conheceu muitos jogadores e quantos choros a gente teve dentro daquele campo, quantas lágrimas caíram, buscando o título que o torcedor tanto queria.

(...) não é egoísmo meu é só visão pelo que a gente construiu no Olímpico (...) eu acho que tem coisa que, tudo bem, que pode se terminar, mas o estádio Olímpico terminar dessa maneira que está terminando?

(...) isso aí que machuca, eu acho que, quando a gente foi lá deu um abraço no estádio Olímpico, todo mundo chorando, eu acho que aquele abraço ia marcar, ia ter um marco, um marco muito bonito ali, dizendo “aqui o Glorioso, o Monumental, o Imortal Grêmio, Tricolor” e teria algum marco.

A gente vê o Estádio Olímpico hoje, caindo aos pedaços...

Assim como Tarcíso, Gaúcho também contribuiu para a relação de pertencimento do negro com o Grêmio FBPA, assim como a relação de acolhimento do clube aos jogadores negros.

Ronaldo de Assis Moreira carrega no apelido a identidade de um povo. Gaúcho de nascimento, o menino habilidoso que vestiu a camisa da seleção brasileira

107 http://www.gremio.net/page/view.aspx?i=tarciso Acessado em 05 de fevereiro de 2018.

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profissional pela primeira vez aos 17 anos e já na estréia fez um belo gol contra a Venezuela, pela Copa América de 1999108.

Ronaldinho cresceu no Estádio Olímpico. Seu irmão mais velho, Assis, também foi jogador do Grêmio quando era uma promessa de craque deixou o Olímpico, Porto Alegre e transferiu-se para o futebol europeu109. O mesmo destino, a Europa foi escolhido por Ronaldinho Gaúcho. Através de seu irmão Assis, que tornou-se seu empresário assim como de outros atletas, forçou uma transferêmcia para o Paris Saint-German, da França, numa negociação que deixou a instiutição Grêmio, seu clube formador, sem receber nada pela transferência. A partir de então, Ronaldinho Gaúcho tornou-se persona non grata pela direção do clube e por grande parte dos torcedores. Iniciou-se uma relação de amor e ódio que “quase” foi apaziguada quando Ronaldinho, então jogador do Milan e já tendo conquistado quase110 tudo como jogador decidiu voltar ao Brasil, em 2011, para jogar no Flamengo, o que gerou grande insatisfação por parte dos torcedores gremistas que esperavam do jogador a opção pelo Grêmio.

Além de Lupicínio, Everaldo, Tarciso, Ronaldinho Gaúcho e outros tantos negros que honraram o preto das três cores do Imortal, seja como jogador ou torcedor, é importante lembrar de Tesourinha, o craque que vestiu a camisa 10 do Grêmio no período da transição do Estádio da Baixada para o Estádio Olímpico.

No estádio que já nasceu democrático – porque o negro mais emblemático do clube, Tesourinha, jogou na sua inauguração (e deu passes para outro negro, Vitor, marcar os dois primeiros gols) –, onde os atletas do time que nunca perdia, montado por Foguinho, subiam e desciam as arquibancadas das sociais para ganhar forma e fôlego, o Grêmio concebeu o seu futebol força. (FERLA, 2012, p.14)

Na visão do autor, o processo de empoderamento do negro no futebol, nesse caso, na sua presença enquanto protagonista em um palco histórico do futebol, é marcado pelo objetivo principal deste esporte: o gol. E os dois primeiros gols que aconteceram do Olímpico carregam são carregados de negritude: Milton, autor dos

108 Em 30 de junho de 1999, em Ciudad del Este, no Paraguai. 109 Assis foi contratado pelo Sion, da Suíça. 110 Ronaldinho Gaúcho, jogando pelo Barcelona, enfrentou o arqui-rival do Grêmio FBPA na final do Campeonato Mundial de Clubes em 2006, em Abu Dabi. O Inter venceu pelo placar de 1 a 0 e contou com a torcida de muitos gremistas, principalmente os “anti-Ronaldinho”.

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gols e Tesourinha, o jogador das assistências111. “O primeiro gol do Olímpico foi arquitetado e marcado por uma dupla de atletas negros, apenas dois anos depois de o clube abolir o preconceito racial” (RIZZATTI, 2012, s.p.112).

Ambos gols foram ilustrados por Hélio Devinar113.

Figura 16 – (SILVA, 2018) – Hélio Devinar mostra com orgulho a ilustração do 2º gol do Grêmio na vitória contra o Nacional. Em destaque, uma caricatura de Vitor.

Hélio Devinar aponta a impotância dos jogadores negros na história de conquistas do Grêmio FBPA.

Muitos jogadores negros compõem a história do Grêmio e do Estádio Olímpico, esse aqui (mostrando a ilustração com a caricatura de Vitor) é um deles – o primeiro a balançar as redes das goleiras do Olímpico. Além dele, tínhamos o Tesourinha, um ídolo que virou nome de Ginásio”114. (HÉLIO DEVINAR)

Os dois gols de Vitor, que recebeu os passes de Tesourinha, ambos negros, representam um momentos épico – na inauguração do Estádio Olímpico - que merece destaque histórico e memorial são emblemáticos no sentido de mostrar a importância da diversidade traduzida nas cores azul, preto e branco.

Aliás, as cores azul, preto e branco carregam uma simbologia que fez com que o compositor Gilberto Gil, conterrâneo e amigo do centro-avante André Catimba, autor

111 “Assistência” no jargão do futebol é o passe que precede o gol. 112 http://globoesporte.globo.com/rs/adeus-olimpico/noticia/2012/09/lotou-quando-98-mil-almas-viram- derrota-mais-saborosa-do-olimpico.html 113 Outras dessas ilustrações estão no sub-título deste capítulo “ Jogos Imortais no Estádio Olímpico”. 114 Ginásio Municipal Osmar Fortes Barcellos, mais conhecido como Ginásio Tesourinha, foi inaugurado em 1998 e tem capacidade para 8 mil espectadores.

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do título gaúcho de 1977, declarasse ser (também115) torcedor gremista: “porque o azul do céu, a paz é branca e eu sou negro116”.

Figura 17 – (Grêmio net - divulgação) Gilberto Gil num Pôster com campanha contra o racismo promovido pelo Grêmio FBPA Esta categoria de linguagem (diversidade étnica e de gênero), proposta a partir da interpretação e análise das entrevistas, não estava elencada nas questões que compunham o roteiro de entrevistas para o desenvolvimento desta pesquisa, contudo, dada à importância do tema num contexto mais abrangente, optamos por registrar estas narrativas e anáise que não poderiam ficar de fora te um trabalho que trata das memórias de um estádio de futebol, um lugar que constitui-se num laboratório para compreender a sociedade, num contexto macro.

A participação da mulher, dos homosexuais e dos negros, discutida nesta categoria de análise, de um modo geral, teve a intenção de mostrar a importância de se tratar com respeito e equidade, tanto as singularidades quando as diversidades que a vida em sociedade nos apresenta.

4.5 A PERSONIFICAÇÃO DO LUGAR

Na parede da memória Essa lembrança é o quadro que dói mais Belchior

O “quadro que dói mais”, “na parede da memória”, em epígrafe neste subtítulo é um bom exemplo do tempo significativo da figura de linguagem denominada

115 Bahiano, Gilberto Gil também é torcedor do Bahia, seu primeiro time. 116 Escreveu em seu twiter em 15 de setembro de 2017. @gilbertogil.

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prosopopéia, na qual as coisas ou seres irracionais ganham sentimentos, entre outras características humanas.

Para discutirmos esta categoria, destacamos três personagens (Hélio Dourado, Dona Ema e Danrlei) que marcam a existência do estádio, os quais tiveram e têm reconhecida uma ligação de profundo afeto com o lugar. Essa ligação transcende o conceito de um edifício e se torna membro da família. O objeto se humaniza e suscita sentimentos tão caros como aqueles atribuídos a um familiar próximo.

Essa relação “parental” estabelecida entre o objeto e as pessoas, reveste o Olímpico de características antropomórficas, o que chamaremos de a “personificação do lugar”, o que permite associar a ideia de família presente em Halbwachs feita de relações, imagens, eventos e lembranças. Nessa direção, o “Lugar” assume características inerentes a membros que constituem laços familiares. Hélio Dourado afirma que o Olímpico é “um filho”, pois o criou e o cuidou como pai provedor, que ama o filho acima de tudo. Dona Ema é compreendida como a mãe, dentro de uma visão patriarcal, ou seja, aquela que cuida do filho, dos seus pertences, torce por suas conquistas e reprime ações que no seu entendimento são prejudiciais. Danrlei, por sua vez, recebe o epíteto de “o filho do Olímpico”, primeiramente aceito e promulgado pelo senso comum, constituído de torcedores e aficionados pelo time e referendado pelos jornalistas esportivos e autores de livros.

4.5.1 Hélio Dourado – “O Pai do Olímpico”

A relação de Hélio Wolkmer Dourado com o Estádio Olímpico Monumental é uma relação para além do torcedor com o clube. Refere-se também, e principalmente, a uma relação do homem com o espaço, do idealizador com a obra, do pai com o filho.

A escolha por esta personagem para construção desta categoria – “A personificação do lugar” - fixando e extabelecendo o seu lugar coletivo, deve-se ao fato de Hélio Dourado ser o nome citado por todos os demais participantes das pesquisa. Ou seja, os entrevistados, em algum momento de suas lembranças e depoimentos sobre suas relações com o estádio, mencionavam o nome de Hélio Dourado como o grande protagonista da história deste lugar que abrigou por 58 anos

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o clube que hoje é tricampeão da América. O detalhe que mais valoriza esta lembrança é que os narradores não foram, no momento do contato com o pesquisador, estimulados a partir de nomes, mas de referências, entre jogadores e outras personalidades importantes que contribuiram para construção da memória do Estádio Olímpico Monumental.

O Estádio Olímpico, construído a partir das idealizações de Alberto Py, presidente do Grêmio FBPA em quatro ciclos: 1912/1913, 1915, 1919/1922 e 1929/1930 Saturnino Vanzellotti, que foi presidente do Grêmio entre 1949 e 1954 e foi o grande responsável pela construção e inauguração do estádio, em sua primeira etapa. Assim, poderíamos asseverar que o Olímpico tem muitos “pais”, muitos idealizadores e personagens que contribuíram para sua construção, que está para além do plano espacial.

Todos esses atores tiveram grande importância na história do clube e na realização do sonho de construir um grande estádio. Cada um a seu tempo e com a contribuição que lhe fora possível ante ao contexto sócio, cultural, político, econômico, que lhes era apresentado. Entretanto, é Hélio Dourado que se destaca, quando se fala de sua ligação visceral com o Estádio Olímpico, a quem chamava de casa e contribuiu como ninguém para transformá-lo em “Monumental”, no ano de 1980.

A entrevista que realizamos com Hélio Dourado foi no dia 09 de março de 2015, no apartamento dele no Bairro Moinho de Ventos, em Porto Alegre. No Diário de Campo, que me acompanhou neste estudo, escrevi, sem esconder os sentimentos, como foi o encontro com essa figura tão importante para a história do Estádio Olímpico Monumental, o motivo desta pesquisa.

Hoje conheci um dos personagens que mais se identificam com o Estádio Olímpico. O homem que transformou o estádio, o presidente que elevou o Grêmio a uma dimensão nacional e impulsionou as grandes conquistas internacionais do clube. Quando encontrei o Dr Hélio, a sua fisionomia e o jeito de falar me lembrou parentes muito próximos, especialmente meu pai, Toríbio e meu tio, Ângelo. A semelhança no semblante impressionou. Impressionou mais quando ele me disse que seu pai – que perdera aos cinco anos – era natural de Cruz Alta, a minnha cidade natal e tinha Pinheiro no sobrenome, assim como meu pai. O aperto de mão também foi firme e decidido.

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O “Seu Hélio” tinha um jeito de pai. E realmente, eu estava diante do “Pai do Olímpico”. (Diário de Campo, 09 de março de 2015)

Hélio Dourado recebeu homenagens que distinguem seu papel na história do Grêmio FBPA. Entre essas, empresta seu nome ao Centro de Treinamentos do Grêmio de Football Porto-Alegrense, em Eldorado do Sul, na região metropolitana da capital gaúcha. Foi escolhido, em 2014, pelo conselho do clube para ser patrono do Grêmio. Honraria somente concedida anteriormente a dois ex-presidentes do clube, Aurélio de Lima Py e Fernando Kroeff.

Abaixo, a íntegra da homenagem textual feita à Hélio Dourado no dia 03 de setembro de 2014, na Arena Grêmio, onde, na ocasião, pisou pela primeira vez no novo estádio. Nenhum título individual concedido pelo Grêmio é maior do que o de Patrono, trata-se da dimensão “ritual” – elemento fundamental para construção da memória coletiva

Na noite desta terça-feira, em eleição no Conselho Deliberativo do Tricolor, o ex-presidente Hélio Dourado foi nomeado como o terceiro patrono da história do Clube.

Hélio Volkmer Dourado tem uma vida dedicada ao Grêmio. Nascido em Santa Cruz do Sul no ano de 1930, tornou-se sócio do Clube aos 11 anos de idade. Chegou a atuar pelos aspirantes, mas decidiu seguir a carreira de médico. Porém, jamais abandonou o Tricolor. Aos 24 anos, comprou sua cadeira cativa no recém inaugurado Olímpico, estádio que ajudaria a concluir no início da década de 80.

Cada vez mais atuante no dia a dia do Clube, foi alçado ao cargo de Conselheiro em 1967 começando, efetivamente, seu trabalho nos bastidores. Após passar por diferentes vice-presidências, foi eleito presidente pela primeira vez em dezembro de 1975.

Exerceu seis anos consecutivos de mandato, até o final de 1981. Neste mesmo ano, levou o Tricolor ao título de Campeão Brasileiro, ultrapassando as fronteiras do Estado. Na sequência, sempre participando das principais decisões, passou a trabalhar em diferentes setores da instituição: no final da década de 90, foi vice-presidente de Patrimônio, de 1998 a 2000.

Na sequência, foi presidente da Comissão de Obras, até 2004. No mesmo ano, chegou a assumir a vice-presidência de futebol. Sua trajetória dentro do Clube rendeu inúmeras, e merecidas, homenagens: em 1997, foi agraciado com o título de Grande Benemérito, um feito para poucos. Em 2011, ao lado dos campeões Roger e Émerson, deixou sua

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marca na Calçada da Fama do Estádio Olímpico. Dá seu nome ao Centro de Treinamento que ajudou a construir, em Eldorado do Sul.

A história e a personalidade de Hélio Dourado se confundem com a própria história do Grêmio. Foram anos de dedicação e de entrega, que colocaram o Clube no patamar mais alto. Uma história que jamais será esquecida. (Da Redação, Grêmio.net117)

Hélio Dourado, que recebeu a homenagem acima ainda em vida, morreu de infarto aos 87 anos no dia 1º de agosto de 2017, no decorrer da produção desta tese.

David Coimbra, colunista do Jornal Zero Hora, de Porto Alegre dá um pouco da dimensão que tem a figura coletiva de Hélio Dourado para o futebol e da sua profunda ligação e referência com o Estádio Olímpico.

Em setembro de 2014, eu e meu colega Luís Henrique Benfica fomos entrevistar Hélio Dourado. Chegamos no começo da tarde ao seu apartamento na Rua Dona Laura, em Porto Alegre. A porta já estava aberta. Ele, com sorriso grande, nos aguardava vestido todo de azul e com incrível bom humor:

– Veio um batalhão só para falar comigo, mereço isso? – brincou ao ver também o fotógrafo.

Um firme, quase dolorido aperto de mão, me fez pensar que ali estava um homem forte, mesmo aos 84 anos na época. A ideia do bate papo era contar um pouco mais da grandiosa história de vida do dirigente no clube, iniciada em 1968. E, claro, falar sobre um assunto que o tirava do sério: a Arena.

– Não piso na Arena. Pelo menos enquanto ela não for realmente do Grêmio. O que fizeram com o Olímpico foi uma estupidez, uma tristeza sem fim – berrou o ex-presidente, campeão brasileiro com Grêmio em 1981.

Dourado era assim, incisivo. Gostava de uma discussão pegada – teve inúmeras com jogadores e imprensa. Mostrou-se talentoso e decidido desde jovem, quando brilhou também como médico-cirurgião.

– Sempre tive mãos firmes – disse, estendendo os braços para mostrar.

A campanha do cimento, nos anos 1980, para construção do anel superior do Estádio Olímpico nunca sairá da cabeça do torcedor. Foi uma de suas grandes sacadas e realizações. Por isso, Dourado e Olímpico se misturam. Por isso, a paixão do ex-presidente pelo estádio. Por isso, a birra com a Arena.

117 http://www.gremio.net/news/view.aspx?id=17690, acessado em 22/01/2018.

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Dourado pisou na Arena – por insistência de amigos – mesmo ainda que o negócio não tenha sido efetivado. Mas será sempre o Estádio Olímpico que estará em seu coração. (COIMBRA, 2017, g.n) Este excerto mostra atitudes de um pai que defende seu filho, que não aceita uma decisão de substituí-lo por outro. Na voz do jornalista, ao assinalar “Dourado e Olímpico se misturam”, remete-nos aos laços de sangue, à expressão “é sangue do meu sangue”, quer dizer, são as identidades constituídas entre gerações, que passam de pai para filho. São elementos biológicos e culturais que proveem uma explicação metaforizada para essa relação. Pensar o Estádio Olímpico Monumental sem lembrar de Hélio Dourado é praticamente impossível, também o inverso, elemento fundamental para melhor se compreender o caráter coletivo da memória.

Hélio Dourado se identificou com o Grêmio desde pequeno. Escolheu ser gremista por influência da mãe e nos contou o vínvulo inicial com o Grêmio. No excerto a seguir, conta sua trajetória desde um pequeno torcedor até receber a oportunidade de jogar na equipe profissional do clube.

Desde criança eu sou gremista, por causa da minha mãe.

Eu sempre gostei muito de futebol. Gostei e joguei futebol, eu joguei na seleção universitária, quando fiz o curso de medicina, na UFRGS.

Todos os campeonatos universitários que tiveram naquela época eu joguei. Joguei na Seleção Gaúcha e fui convidado pra jogar no grêmio.

Eu fiz um treino na baixada, e gostaram muito. Fui escolhido pra jogar em uma partida e joguei uma partida no profissional... Mas eu tinha passado pro primeiro ano de medicina. Eu tinha dezoito anos.

Dezoito anos... Daí me chamaram pra faculdade, ô rapaz.... parece que jogaram cinza no vento...

- Mas você vai ter que fazer uma escolha você entra na faculdade ou joga no Grêmio. Medicina ou o Grêmio.

Eu disse: olha, por mim seria Grêmio, claro! [Risos]

Eu adoro o Grêmio, mas pela minha vida eu tenho que ser “alguma coisa”.

Eu quero ser médico, ser cirurgião. Então eu larguei. [risos] (HÉLIO DOURADO)

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Depois de formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o médico Hélio Dourado exerceu por 30 anos a profissão atuando como cirurgião. Suas narrativas não estão situadas em uma ordem cronológica das informações, mas isso não é importante, como afirma Ecléa Bosi (1994, p. 39): "Se as lembranças às vezes afloram ou emergem, quase sempre são uma tarefa, uma paciente reconstituição" o que nos permite melhor compreender a diferença proposta por Halbwachs entre lembrança e sonho. E nesta reconstituição procuramos exercer o máximo de carinho humano para com um senhor octagenário que pautou sua vida profissional no amor ao próximo, principalmente quando do exercício de sua profissão.

Eu operei durante trinta anos.

É... seguidos... eu operei uma barbaridade. Eu me formei com a idade mínima, fui o mais novo da turma.

Ah, no inicio, naquela época a gente era convidado para trabalhar em enfermaria da Santa casa.

Então no segundo ano eu fui trabalhar lá na enfermaria... que o que eu queria era cirurgia e lá trabalhei no segundo, terceiro, quarto e o quinto ano do curso.

No fim do quinto... quando entrei para o sexto ano, Doutor Valter Guezi, uns dos médicos de lá disse-me que tem um médico que ele conhece e ele gostaria de falar comigo, que ele quer um auxiliar.

(...) ai comecei a trabalhar com o Dr. Humberto e Humberto era o melhor cirurgião que tinha em Porto Alegre sem dúvida nenhuma, e trabalhei com ele dois anos há vinte anos e meio nos últimos meses, antes de completar os trinta anos. (HÉLIO DOURADO)

Acompanhando a narrativa de Hélio Dourado, recorremos à Joël Candau para entender melhor a necessidade que o narrador tem de contextualizar – ajustando, simplificando, sublimando, ancorando – os seus depoimentos em fatos, tempos históricos e memorialísticos, escolhas profissionais e pessoais.

O narrador parece colocar em ordem e tornar coerente os acontecimentos de sua vida que julga significativos no momento mesmo da narrativa: restituições, ajustes, invenções, modificações, simplificações, “sublimações”, esquematizações, esquecimentos, censuras, resistências , não ditos, recusas, “vida sonhada”,

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ancorajens, interpretações e reinterpretações constituem a trama desse ato de memória que é sempre uma excelente ilustração das estratégias identitárias que operam em toda a narrativa. (CANDAU, 2016, p.71)

Hélio Dourado contínua a narrativa falando com muita paixão da profissão de médico.

Nós fazíamos cirurgia geral e ele [Dr. Humberto] viu que eu gostava muito de tórax aí ele disse: “Olha, Hélio, das nossas cirurgias você vai fazer a cirurgia de tórax”.

Tu vai pro Rio de Janeiro na casa do Doutor Miguel... fiquei lá um mês voltei fazendo pulmão e tórax.

Mas eu via que tinha uma doença que me dava uma tristeza muito grande em ver que morriam todos, quase todos, naquela época.

Não só a pela cirurgia, pela época... era câncer de esôfago e então quando comecei a fazer, fiz aquela cirurgia de tórax... passei para esôfago...

Fui pro necrotério, fiz um estudo completo e vi que tinha um negócio que era muito importante: o estômago tinha que ser elevado pra cima do tórax, subia o abdômen liberava o estomago, fechava e abria o tórax e puxava pra cima tirava o tumor e fazia a anastomose.

Tá, então esse negócio é que me chamou a atenção... pra levar pra cima tinha que cortar uma série de vasos inclusive e abusava em geral... um corte de vasos e depois necrosava e eu tive sorte de entender isso.

Meus últimos cinco anos na medicina eu me dediquei a esse tipo de cirurgia (...) e no fim de tudo, nesses cinco anos eu fiz cerca de oitocentas operações.

(...) a gente via a alegria do cara [paciente] comendo de novo, e isso ai me fez um bem muito grande, eu consegui fazer isso com muita gente. Não curava todos porque o câncer também tem um certo tempo.

(...) era muito triste ver o sujeito com o piniquinho na mão. Com a cirurgia que fazíamos melhorava a qualidade de vida dos pacientes. (HÉLIO DOURADO, g.n.)

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O homem que também era/é chamado de “Dr. Olímpico” mostra o lado humano de um profissional que buscou novas técnicas cirúrgicas para melhorar a qualidade de vida de seus pacientes, simplesmente porque isso aí lhe fazia “um bem muito grande”.

Depois de ouví-lo na densa narrativa sobre sua carreira profissional – fiz pequenas interrupções com o intuito de elucidar algum ponto mas com o cuidado de deixá-lo sempre à vontade para suas digressões enquanto lembrava e me contava sua história de vida na profissão. Quando eu disse: “O Seu Verardi me falou que o senhor foi e é um dos melhores cirurgiões do Brasil, na sua especialidade”. Pronta e modestamente, respondeu: - Ah... é amigo [risos]. Amigo fala assim mesmo!

Mesmo exercendo a profissão de médico, Hélio Dourado, nunca deixava de acompanhar o Grêmio. Logo que encerrou a carreira profissional, resolveu dedicar-se exclusivamente ao clube do coração. Logo virou presidente. Assumiu a presidencia em 1976.

Eu fui um presidente que teve sorte, pelo seguinte: eu fiquei seis anos.

Eu entrei presidente do Grêmio nos anos setenta. Eu fui presidente do Grêmio em setenta e seis, setenta e sete, setenta e oito, setenta nove, oitenta e oitenta e um (...)

Interrompo a fala de Hélio Dourado: - “E foi campeão brasileiro em 81”! Fiz questão de lembrar do primeiro título de expressão em nível nacional que o Grêmio conquistou, o que fortalece o seu caráter coletivo e referencial.

Isso! Ganhamos no Morumbi, em São Paulo! Três campeonatos gaúchos eu tive e um campeonato brasileiro...

Dono de uma empatia e senso de humor característico de pessoas que tem como filosofia de vida o “bem viver”, fazia questão de se relacionar bem com todos. Como alguém que viveu o futebol desde a infância, tinha facilidade para falar a linguagem dos jogadores e, como bom comandante, buscava equilibrar as situações de tensão vivida pelos atletas. Numa excursão que o clube fez à Itália, percebeu que os jogadores bebiam um “suco” diferente.

Logo que eu fui presidente, eu viajei com eles pra Itália a gente via que eles tomavam muito “suco” [risos].

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Aham, “suco”, misturavam... E eu sentei do lado de um jogador, no avião, pego o copo e digo: - deixa eu tomar isso... [risos].

E liberei pra eles a bebida!

Moderado. Falei pra eles: - É o seguinte: dois dias antes do jogo sem bebida nos outros dias... viajavam muito... podiam tomar. [risos]

Como presidente do Grêmio, Hélio Dourado concluiu a construção do Estádio Olímpico Monumental, o “espaço” de preservação dos quadros de memória, reinaugurado em 1980, após longo trabalho de arrecadação de materiais de construção para utilizar nas obras do estádio.

Eu era convidado pra ir em eventos em vários lugares, pra falar do Grêmio, mas todo mundo sabia que eu ia buscar dinheiro pra campanha de construção do Olímpico. Os jogadores ajudavam.

Nós pagamos tudo aquilo sem dever pra ninguém. Não devia pra ninguém... Chegavam caminhões lá com sacos de cimento ou davam o dinheiro do saco de cimento pro pessoal.

Nessa campanha eu conheci esse Brasil todo. Vi o tanto que tem de brasileiros que são gremistas...

A gente era bem recebido por todo lado, impressionante. Foi muito bonita a construção do estádio, viu. (HÉLIO DOURADO)

O uruguaio Ancheta, para muitos o melhor zagueiro que o Grêmio teve, fala com muito respeito da pessoa e da representatividade de Hélio Dourado para o Grêmio FBPA.

O Dr. Hélio foi muito importante para o Grêmio. Foi muito importante pra mim, me apoiou sempre. Na construção da segunda etapa do Olímpico ele nos “convocava” para contribuir. Nós jogávamos domingo, feriado. “Folgávamos” na segunda, porque terça voltávamos a treinar. Mas na segunda-feira nós saímos o dia todo pra procurar tijolos, cimento e tudo mais. É, nós éramos felizes, fazíamos isso por gostar do Grêmio e confiar no Dr. Hélio. (ANCHETA)

Em algumas situações, Hélio Dourado se mostrava instransigente. Foi o caso de jamais aceitar o ideia de demolição do Estádio Olímpico. O Gremio perderia um

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quadro importante de preservação da memória - o espaço – como nos ensina Maurice Halbwachs.

Figura 18 - Hélio Dourado contemplando a maquete do Estádio Olímpico Monumental RIZZATTI, Lucas (2017)

Polêmico e decidido em suas opiniões, não se fazia de rogado quando o assunto eram as suas maiores paixões no futebol: o Grêmio e o Olímpico. Ao re- inaugurar o Olímpico, Dourado não dava entrevista à imprensa, assim como a imprensa não queria entrevistá-lo. Protagonizava alguns momentos de intransigência rebelde. Pedro Ernesto Denardin, narrador e colunista esportivo conta um desses momentos.

Hélio Dourado inaugurou o Olímpico Monumental e tinha brigado com toda a imprensa do Rio Grande do Sul. O presidente se negava a dar entrevista e os homens de imprensa se negavam a entrevistá-lo. Na época, seu vice de futebol era Rafael Bandeira dos Santos. No jogo de inauguração, os dois passearam pelo campo. Apesar da presença do presidente, Rafael Bandeira dos Santos foi entrevistado. O presidente, não. (Pedro Denardin)118 O reporter Sérgio Boaz, da Rádio Gaúcha conta uma das histórias que considera uma das mais bonitas de Hélio Dourado.

(...) foi em 1977, quando nasceu a filha mais nova do Dr. Hélio. Foi no Gre-Nal de 1977 no Beira-Rio, o Grêmio venceu por dois a zero, gols de Tadeu Ricci e Tarciso. O Hélio Dourado estava no jogo, só foi conhecê-la à noite . Foi batizada como Fernanda Vitória . No domingo

118118 (DENARDIN, Pedro Ernesto. Denardin, narrador da Rádio Gaúcha e colunista de ZH. https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/gremio/noticia/2017/08/o-patrono-do-gremio-helio-dourado- em-oito-historias-9858370.html.

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seguinte, o Grêmio quebrou a hegemonia do Inter e sagrou-se campeão, gol do André Catimba." (Sérgio Boaz)119 O ex-presidente Fábio Koff, que assumiu o Grêmio em 1982, recebendo a presidencia de Hélio Dourado, assim se expressou no dia da morte do amigo Hélio Dourado.

O que mais me marcou era a coragem, a capacidade que ele tinha de decidir as coisas na hora. A contratação de Telê Santana foi um marco no período de vitórias do Grêmio. Ele mudou a história das conquistas do adversário na década de 1970. O doutor Hélio fez todo o empenho para trazer o Telê. No primeiro ano, não tivemos sucesso. Mas ponderei a ele a necessidade de permanência do Telê. E o Grêmio acabou conquistando o Gauchão de 1977. Depois, também com o doutor Hélio, conquistamos o primeiro título brasileiro. Era uma figura excepcional, lamento muito a perda dele. (FÁBIO KOFF)120

O funcionário mais antigo do Grêmio FBPA, Antônio Carlos Verardi, conta um pouco da trajetória de Hélio Dourado no clube e sua importância para recuperar a auto-estima da torcida, que já estava há oito anos sem comemorar títulos.

1966 foi um ano terrível (...) Então apareceu o Hélio Dourado que era jovem, cheio de vontade. O doutor Hélio era tão apixonado pelo Grêmio que abandonou [aposentou-se] até a medicina.

Mas só depois de 30 anos de trabalho. Ele era um cirurgião forte, o mais reputado do país, às vezes vinham pessoas de outros estados buscarem-no de avião para ele fazer cirurgias fora.

Um belo dia ele falou: “agora eu sou só Grêmio, larguei a medicina”. E largou mesmo, nunca mais fez nada relacionado com a medicina.

A partir dali, só se dedicou ao Grêmio... Então, dá para se entender o amor pelo Olímpio e de não querer sair de lá. (ANTÔNIO CARLOS VERARDI)

119 BOAZ, Pedro. Reporter da Rádio Gaúcha. https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/gremio/noticia/2017/08/o-patrono-do-gremio-helio-dourado- em-oito-historias-9858370.html. Acessado em 28/02/2018. 120 KOFF, Fábio. Ex-presidente do Grêmio. https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/gremio/noticia/2017/08/o-patrono-do-gremio-helio-dourado-em- oito-historias-9858370.html. Acessado em 28/02/2018.

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Ao final da entrevista com Hélio Dourado, seria inevitável deixar de registrar aquele momento, um momento coletivamente referencial – trata-se do esforço de consciência de fazer a memória surgir e permanecer.

Figura 19 - Hélio Dourado e o pesquisador fotografados pela Sra. Nina Rosa Lima Dourado, esposa do ex-presidente tricolor – Acervo particular do pesquisador

Dos depoimentos de Hélio Dourado, destacamos, para finalizar este item, a frase que mais caracteriza a sua relação parental com o Estádio Olímpico Monumental:

O Olímpico para mim é como um filho, eu cuidei daquele lugar; vê-lo abandonado dói muito.

4.5.2 Ema Coelho de Souza – “A Mãe do Olímpico”

Um pouco da história de Ema Coelho de Souza já foi contado no decorrer deste manuscrito, principalmente quando analisamos a categoria “Diversidade de Gênero – a mulher no Estádio Olímpico”. No entanto é imperioso registrar essa relação desta personagem com o estádio que ela tem como um filho: o viu nascer, o ajudou crescer, e viu aquele lugar se transformar num símbolo para torcida tricolor. Claramente associa-se sua história de vida como referência a um grupo e às tradições partilhadas por seus membros.

Ao nos referirmos à Ema, é imperioso revisitar a relação desta personagem com o estádio que tem como um filho: viu-o nascer, ajudou-o crescer, e viu aquele

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lugar se transformar em um símbolo para torcida tricolor. Com o local, estabelece vínculos afetivos e serve-lhe de espaço para resgatar memórias importantes para si e para o Grêmio. Iniciamos pela mais singela relação de afetividade apresentada por essa senhora acolhedora e atenciosa, adjetivos que caracterizam as boas mães.

Não vou esquecer o Olímpico. O Olímpico é um filho para mim. É um filho como seu eu pegasse cada trofeuzinho daqueles, para mim, era como se fosse uma fralda de um bebê. (EMA COELHO DE SOUZA)

A metáfora entre os troféus e as fraldas de bebês demonstra a relação afetiva, íntima, de cuidado com aqueles que dependem de uma mãe. Remete-nos à atitude materna de carinho, cuidado e proteção. O Olímpico, tal qual os bebês, precisa de cuidado e o amor materno, ou seja, demanda por cuidados especiais. Os troféus fazem parte do estádio, são necessários à sobrevivência do local e de sua história. O Olímpico tornou-se o filho para Ema ao qual se dedicou durante longos anos, cuidou do que lhe pertencia, zelou por seu bem-estar.

De fato, os cuidados com os troféus, a conquista de um local para guardar os materiais que levam a memórias sobre o estádio e o Grêmio, significativamente é mencionado pela atora social.

Dona Ema conta como iniciou seus trabalhos no estádio e fazia para trabalhar no processo de catalogação e organização do acervo de memória do Grêmio, especialmente os troféus. Seu começo foi em 1983, quando o Grêmio conquistou a Taça Libertadores da América, com a grande final no Estádio Olímpico Monumental e o Mundial Interclubes, em Tóquio, Japão.

Mas aí que começou a minha vida [no Grêmio, em 83]. (...)Me lembro que eu levei a cadeirinha da minha filha aquela pequenininha, um radinho e comecei a organizar os troféus. (...) Então, em 1984, se inaugurou a sala de troféus quando o Grêmio fazia um ano de campeão do mundo. Até então não tinha lugar específico para fazer. A gente inaugurou a sala de troféus em dezembro de 84. (EMA COELHO DE SOUZA)

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Ao tempo em que nos conta como organizou o acervo de memória do Grêmio FBPA, surge a informação sobre alguns troféus inusitados, como o de competições entre pombos mensageiros.

De futebol, o grêmio tinha, na época quando eu sai, novecentos e poucos troféus de quase três mil. Mas tinha futebol Junior, futebol de salão. Tinha troféus de vinte e duas modalidades esportivas, desde arco e flecha até columbofilia121 que a gente pegava o pombo correio, botava... em trinta e cinco foi isso, né...

Em trinta e cinco o internacional precisava do empate pra ser campeão. Já estava com a festa pronta.

Então... eles iriam amarrar no pezinho do bombo pra designer então o grêmio ganhou lá um torneio um troféu então a gente tem de boxe também a gente tem troféu então era, a primeira coisa que eu fiz foi separar por modalidade esportiva então depois tentei botar por ordem cronológica, só quando eu estava mais ou menos na metade, o tio Bita me faz o convite pra eu visitar todas as dependências do grêmio. Ah, meu filho ai cada sala tinha cem cinquenta troféus vinte troféus o salão nobre era todo decorado com troféus. (EMA COELHO DE SOUZA)

Ema lembra de uma conquista tricolor no exterior em que ganhara um troféu que era “diferente”. Trata-se de um troféu conquistado na antiga União das Repúblicas Socialista Soviéticas - URSS.

Então... tem um troféu que é muito engraçado... porque o Grêmio foi jogar na Rússia e ganhou um troféu, só que o símbolo era comunista: a foice e o martelo.

Naquela época, né... alteraram aquilo ali. Está lá o “trofeuzinho”, mas tiraram a foice e o martelo. [risos]

Foi quando o Grêmio fez a primeira ou a segunda excursão pra Europa. Foi em sessenta e um deve ser que ele fez a primeira excursão grande de noventa dias e depois uma de oitenta dias. Em

121 Trata-se de uma modalidade desportiva relacionada a corrida entre pombos-correio. Columbófilos (criadores de pombos-correio), potencializam capacidades físicas e de orientação, para participação de campeonatos. Eles desenvolvem velocidades máximas entre 87 km/h e 102 km/h, em distâncias que podem chegar a pouco mais de 1.200 quilômetros. No Brasil, competições são realizadas anualmente de maio a outubro. A inserção do pombo-correio no Brasil, começou pelo Exército Brasileiro para fins de "Comunicações". 1.000.000 de pombos-correio, é a população estimada de pombos-correio no Brasil. Os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Sergipe, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Mato Grosso e Espírito Santo; detém de columbófilos reconhecidos até internacionalmente. (Fonte: wikipédia)

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sessenta e dois eles fez duas grandes [excursões], e foi então que o Grêmio mudou o nome no escudo.

Porque quando ele viajou ficou todo esse tempo fora ele era conhecido como Grêmio. Na realidade o Grêmio é a agremiação, o antigo distintivo era G Football Porto Alegrense - PA. (EMA COELHO DE SOUZA)

Como mãe, Ema demonstra sentimentos opostos no que se refere à conquista da vitória pelo filho e a angústia da derrota.

Sim, ia a todos os jogos. Todos, só quando não tava em Porto Alegre, mas todos... nunca deixei de ir. (...) É, o Grêmio tem sorte. Então, no Olímpico foi o primeiro jogo em que eu estive e fiquei encantada. (...) Foi dois a zero no Nacional de Montevideo. (...) Foi muito lindo, eu me lembro. (EMA COELHO DE SOUZA)

Neste excerto, podemos evidenciar que Ema sempre teve uma participação ativa não apenas na organização do acervo do estádio, mas também nos eventos esportivos. É o retrato de uma “mãe” que se emociona e torce pelas vitórias do filho.

Sentimento opostos podem ocorrer nas derrotas, conforme excerto a seguir:

Foram seis a dois. Ah, foi horrível aquilo, eu me lembro que fui embora, fomos, meu marido era muito fanático também, foi horrível, mas foi uma tristeza acachapante, tipo a seleção brasileira tomou de sete e que a gente não acreditava que aquilo podia ter acontecido, mas eu acho que o Grêmio só cresce quando leva umas pauladas, né. (EMA COELHO DE SOUZA)

Essa mesma mãe sofre com as derrotas do filho, mas que entende essas perdas e tropeços como subsídio para o fortalecimento. “O Grêmio cresce quando leva umas pauladas”, é tomado como uma reprimenda ao modo de uma mãe quando aconselha um filho e ele age de forma alheia ao aconselhado.

Em manchete no site do Globo Esporte do dia 30 de novembro de 2012, intitulada “Responsável pela história do Grêmio sente perda do Olímpico: 'Meu filho'”, a ilustre gremista compara a possível demolição (prevista pela direção do Grêmio à epoca para 2013) à perda de uma pessoa querida com a qual tem laços afetivos, ou seja, a metáfora de um filho traduziria esses laços de afeto.

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Ema Coelho de Souza talvez seja também uma das torcedoras que mais sentirá a falta do Olímpico, que será demolido em meados de 2013. Dona Ema, como é conhecida, é diretora do museu que guarda a trajetória do clube, fundado em 1903, localizado no estádio. Apesar da transferência do memorial para a nova arena, em fase final de construção, ela compara o adeus à perda de um ente querido. “Eu sempre digo que o Olímpico é como se fosse o meu filho.” (http://globoesporte.globo.com, da redação)

A reportagem citada acima é ilustrada com uma fotografia de Ema contemplando a maquete do Estádio Olímpico Monumental. A foto, que apresentamos na sequência, solidifica a relação matéria e memória, em que a presença do estádio - materializada na maquete – contribui na evocação das memórias da torcedora como uma das principais guardiãs das lembranças do clube. O olhar lânguido e contemplativo remete a possíveis cenários, sentimentos e fatos resgatados pela memória de alguém que se inebria em lembranças de um local que considera seu filho, que pode desaparecer fisicamente, está em perigo.

Figura 20 - Ema Coelho de Souza contempla a maquete do Estádio Olímpico Monumental. (Foto: Reprodução SporTV)

Como aponta Paul Ricoeur, sem um recurso imagético ou outra forma materializada de produzir a evocação de lembranças, “posição de um real anterior” sobre o qual a memória se refere quando presentificada, ou seja, a memória é do passado e a referência ao passado garante a uma determinada lembrança em sua fidelidade.

Certamente, dissemos e repetimos que a imaginação e a memória tinham como traço comum a presença do ausente, e como traço diferencial, de um lado, a suspensão de toda posição de realidade e a visão de um irreal, do outro a posição de um real anterior (RICOEUR, 2007, p. 61)

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Nem tudo que Dona Ema lembra são fruto de evocações de fotos ou outras imagens materializadas. Quando trata da transferência do Museu do Grêmio do Estádio Olímpico para Arena, confrontou-se com a realidade da obsoletização das coisas – mesmo com relação à objetos que significam lugar de memória e que tem grande representação para construção da memória coletiva - e lembra que o zelo que sempre teve pelos objetos guardados no museu não foi o que encontrou por parte da empresa que ficou responsável para organização do Museu do Grêmio na Arena.

Ali [no Museu da Arena], contrataram uma empresa122 para fazer o projeto (...) uma empresa espanhola.

Vou dizer pra ti porque tu és gremista. Gosta das coisas do Grêmio. Eu acho que é uma gente que não sabe da história do Grêmio. Eles vieram, fizeram uma “revolução”.

Nessa equipe que veio de lá [da Espanha], tinha uma jornalista que nunca tinha ouvido falar em Grêmio, não sente a emoção que a gente sente.

Nós tínhamos exposta no nosso museu a máscara mortuária do Lara123. Havia uma senhora que ia em todos os jogos e sempre, antes de cada jogo, passava no museu, entrava se benzia e rezava. [Lara] Era um santo pra ela!

Quando cheguei no museu e eles estavam fazendo a mudança, a máscara do Lara estava jogada no chão... [diz emocionada]

Então, são essas coisas que essa gente [equipe da empresa espanhola] não sabe o que é isso, não. Eu, pelo menos, dava um valor louco... [EMA COELHO DE SOUZA], g.n.]

122 “A ideia do museu vem da Europa. Emílio Rocca, diretor de projetos da Muse - empresa que fez o novo museu - é espanhol. Mais precisamente da região da Catalunha. E não é ele o único do Velho Continente a trabalhar no local. Franceses e portugueses também dão outro sotaque aos detalhes do museu novo. ‘Vi no Rio Grande do Sul e principalmente no Grêmio um sentimento muito parecido com o que temos na Catalunha. Aqui se ama muito a terra, as tradições, como nós. Me senti em casa ao fazer este museu para a torcida gremista’, disse.” (Marinho Saldanha, UOL, em Porto Alegre, 19-12- 2012) 123 Goleiro do Grêmio de 1920 a 1935. É um dos maiores, senão o maior herói da história do tricolor. Antes de fazer carreira no futebol dividiu as atividades entre o futebol e o exército, aonde chegou a tenente e acompanhou as forças revolucionárias que, em 1930, escreveram uma página importante para a história do país. Lara foi imortalizado no hino do Grêmio, composto por Lupicínio Rodrigues.

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A principal guardiã das memórias do Grêmio por aproximados trinta anos não esconde em suas narrativas uma certa nostalgia em relação a sua vivências no lugar. A sua fala deixa transparecer a acontecência do tempo a partir das experiências que teve como responsável pelo Museu do Grêmio.

A sua fala denota a inquietude por saber que algo de tão valioso para a simbologia do clube - a máscara de Lara, do goleiro que representa a Imortalidade do Grêmio – estava desprezada (mesmo que em breves momentos durante a mudança do lugar do museu). Quando diz que “é uma gente que não sabe da história do Grêmio”, significa que são pessoas que não entendem a devoção de uma torcedora que se benze frente à um símbolo. É uma gente diferente de Dona Ema.

4. 5. 3 DANRLEI – “O Filho do Olímpico”

Danrlei cumpre um papel importante de o Homem-Memória, preservando nele memória coletiva.

Com a manchete “Danrlei, o 'filho' do Olímpico, queria ir além: 'Sonho era jogar aqui até hoje'.”, o jornalista Lucas Rizzatti publicou no site globosport.com, do dia 13 de novembro de 2012 uma reportagem que fizera com o ex-jogador Danrlei às vesperas do Grêmio FBPA “aposentar” o Estádio Olímpico considerando que a Arena Grêmio já estava construída e seria inaugurada no dia 8 de dezembro de 2012, quando jogou contra o Hamburgo, da Alemanha124 e se tornou campeão mundial pela primeira e única vez na sua história.

124 O adversário foi escolhido devido por ter sido adversário no Mundial Interclubes de 1983, em Tóquio, partida que foi vencida pelo Grêmio pelo placar de 2 a 1.

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Figura 21 - De óculos, Danrlei no infantil, onde tudo começou. (Foto: arquivo pessoal/reprodução de Danrlei, publicada por Rizzati em 13/11/2012)

O agora parlamentar Danrlei de Deus Hinterholz, que atualmente mora em Brasília e é deputado federal pelo Rio Grande do Sul, visitou o Olímpico, a convite do jornalista Lucas Rizzatti, no final de 2012 e contou que pretendia encerrar a carreira no ano de 2012 com mil jogos pelo Grêmio.

Danrlei pisa no gramado do Olímpico e ruma, resoluto, para as traves em que hoje, às costas delas, mora a Geral. Do nada, como que sugado por um imã de recordações. Cria da pequena Crissiumal, define aquele naco de campo à moda bem gaúcha: "É a minha goleira". Com Danrlei de Deus Hinterholz é assim. Fala do Grêmio no presente. (RIZZATTI, 2012, p.1) Ao jornalista, Danrlei conta o motivo por ser chamado de “Filho do Olímpico”.

Dos meus 14 aos 20 anos, não tenho outra lembrança que não seja o estádio Olímpico.

Eu perdi a minha mãe com um ano de Grêmio. O Grêmio foi quem abriu os braços, me acolheu, me tratou como filho. Eu me tornei um adulto aqui - conta. Duvido que tenha algum com mais amor ao Olímpico do que eu. Eu duvido. Desafio qualquer um. (Danrlei – entrevista a Rizzati, 2012)

Na entrevista que nos concedeu reafirma os dados apresentados acima.

Com quatorze anos eu tive a oportunidade de fazer o teste no Grêmio, não esperava não imaginei que isso pudesse acontecer e graças ao meu tio125 eu tive essa oportunidade. (...) Começou a minha história no Grêmio e principalmente no Olímpico. Minha vida no Olímpico

125 O tio de Danrlei era o goleiro Beto, reserva de Mazaropi e campeão mundial pelo Grêmio em 1983.

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começou ali, foi ali que eu comecei e ai e dali naquela brincadeira de ficar atrás do gol(...) Como eu era alto e grande e o Beto falou da minha idade que era doze, treze anos naquele tempo se eu não gostaria de fazer um teste no Grêmio como goleiro e eu, obvio né, como qualquer criança disse sim. (...) E eu com quatorze era proibido. (DANRLEI)

Figura 22 – (RIZZATTI, Lucas) - Danrlei se despedindo do Olímpico

Conforme evidenciado na fala de Danrlei, sua história como jogador de futebol e com o estádio começou mais cedo do que outros jogadores, aos quatorze anos. O filho do Olímpico nasceu profissionalmente dentro do estádio, “nasceu” como jogador e ali se formou ao longo de 8 anos. Após, se profissionalizou e permaneceu por mais 8 anos no clube.

Após questionarmos se foi a partir desse momento que ele começou a ser chamado de “Filho do Olímpico”, respondeu:

Exato, com isso então a minha história é em torno desse começo da minha vida no Olímpico.

O Paulo Lumunba126 foi no pessoal do Grêmio, na administração, e disse: - Olha, o menino Danlei é sobrinho do Beto que foi o goleiro nosso aqui ate o final do ano passado. Dá pra ele ficar pra fazer o teste? - e eles não deixaram, não podia ficar no Olímpico, até que o Paulo se irritou, bateu na mesa forte, firme, e disse: - Então tá bom. Vocês vão perder, já perderam um e vão perder mais um cara lá de Criciumal.

126 Paulo Otacílio de Souza, conhecido no futebol por Paulo Lumumba era o treinador de goleiros à época. Foi destaque como jogador do Grêmio na década de 60.

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O treinador de goleiros, Paulo Mulumba, referia-se a Cláudio Taffarel, outro jogador que era oriundo da cidade de Criciumal . O Taffarel, que mais tarde se notabilizaria como um dos maiores goleiros que o Brasil já teve, fez testes no Grêmio três vezes e não passou. Após a fala “convincente” de Paulo Lumumba, segundo Danrlei, “o cara atrás da mesa” mudou o discurso.

Ai deram um jeito e eu fui o primeiro menino com quatorze anos, abaixo da idade permitida lá no Grêmio a morar dentro do Olímpico, e foi ali que começou. Ali consegui passei no teste e fiquei e a minha vida dos quatorze aos vinte foi morando dentro do Estádio Olímpico. (DANRLEI)

O ex-goleiro prossegue com mais detalhes de sua vida e sua história vividas no estádio.

A minha vida, a minha pré- adolescência e a adolescência foram dentro do estádio. Ali foi a minha casa, o Estádio Olímpico é minha casa, foi minha casa tanto tempo, foi onde eu nasci. (...)Todas as notícias da minha vida que eu recebi, relacionadas à minha carreira principalmente foi dentro do Olímpico, desde a primeira que eu ia conseguir morar lá, passar no teste, vestir a camisa do grêmio, trabalhar lá dentro(...) - (DANRLEI)

Sobre o “Filho do Olímpico”, Ema Coelho de Souza confirma sobre o surgimento do epíteto do ex-goleiro no excerto a seguir:

O Danrlei era chamado de “Filho do Olímpico”, porque ele foi morar muito jovem no Olímpico. (EMA COELHO DE SOUZA)

Perguntei a Danrlei qual o sentimento que fica com a questão da demolição do Olímpico, a perda de um espaço memorial, que pra ele ainda tem uma conotação muito maior que para a maioria das pessoas que tem um arelação de pertencimento com o lugar, pois seu nome é atrelado ao nome do estádio, ao que me respondeu.

Para mim é algo duro.

É uma situação eu ainda não acredito. Falo bem a verdade, eu não quero acreditar, eu não quero porque todas as minhas memórias boas ou ruins, momentos bons, difíceis, perda da minha mãe tudo, todas as noticias da minha vida que eu recebi, relacionado a minha carreira principalmente foram dentro do Olímpico.

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Foi uma funcionaria no clube quem me deu a notícia que a minha mãe havia falecido, quando eu tinha dezesseis anos, foram eles que me acolheram,

Foram eles [funcionários do Grêmio] que me buscaram de volta quando eu não queria mais voltar depois de ter perdido minha mãe.

A minha vida toda está ali, diretamente ligada ao Olímpico. Então, eu não consigo e nunca, nunca vou deixar de lembrar. Pelo menos na minha memória o Olímpico nunca vai cair, pode até um dia virar escombro, até desaparecer, mas na minha memória vai existir sempre, esse local não tem como deixar de existir na minha cabeça.

É imaterial. É imaterial, pra mim o Olímpico sempre vai existir.

É impossível apagar da minha vida. Pode até ser que apague da memória de alguns, de algumas pessoas, mas da minha vida não posso apagar quinze, dezesseis anos da minha vida eu não consigo apagar.

Eu tenho quarenta e um anos hoje, desses quarenta e um anos dezesseis deles foram diariamente todos os dias noites morando lá [no Estádio Olímpico]. Metade desse tempo quase. Então, pra mim não tenho eu não consigo achar uma expressão que possa ser correta nesse momento em relação a demolição do olímpico.

Como fica perceptível nas palavras de Danrlei, a imaterialidade do Olímpico nos remete à preservação do tempo, não do espaço. Fica também preservada no suporte da linguagem e da experiência, conforme Halbwachs. O nome de Danrlei associado ao Olímpico, as suas experiências de vida a partir dos anos em que morou e trabalhou no estádio mantém a memória viva do lugar, mesmo que esse não exista mais enquanto objeto material.

Danrlei jogou 594 partidas pelo tricolor. Só foi superado por Tarciso, o campeão, que tem 721 jogos.

O goleiro mais prestigiado no tempo histórico do Grêmio, depois, obviamente de Lara – o craque imortal (cantado e imortalizado nos versos de Lupicínio) merece, para o artista Hélio Devinar, uma ilustração em seu álbum de memórias dos grandes ídolos do tricolor.

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Figura 23 – (SILVA, 2018) Hélio Devinar mostra o desenho de Danrlei.

Em conformidade como os dados aqui apresentados, mesmo que se constitua um vínculo familiar e determina-se a existência do pai, mãe e filho, não discriminam o laço entre os membros citados, mas ao lugar de memória.

Nessa direção, a relação de parentesco que se constrói entre o local e a pessoas como membros de uma família que estabelecem uma relação direta com o estádio, não entre si. Desta forma, personifica-se o lugar, torna-se um membro da família, possui pai, mãe e filho e assim, elementos mais significativos elevam permitem o resgate de memórias que, de fato, formam uma grande e inumerável família que se confraterniza em torno de ideais, desejos, desafios, sentimentos, conquistas, angústias de um time de futebol. Vivências e experiências comuns a toda e qualquer família.

Os laços de família são constituídos no imaginário como afetividade, intimidade e conceitos de vínculo estabelecidos no âmbito familiar. Das memórias dos atores sociais que narram sua relação com o Estádio Olímpico Monumental, os três que compõem esta categoria de análise formam uma teia de lembranças que são reconhecidas pelos membros do grupo de torcedores, dirigentes, jornalistas, assim como assevera Halbwachs.

Não basta reconstituir pedaço por pedaço a imagem de um acontecimento passado para obter uma lembrança. É preciso que esta reconstituição funcione a partir de dados ou de noções comuns que estejam em nosso espírito e também no dos outros, porque elas estão sempre passando destes para aqueles e vice-versa, o que será

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possível se somente tiverem feito e continuarem fazendo parte de uma mesma sociedade, de um mesmo grupo (HALBWACHS, 2013, p. 39). Nas narrativas de Hélio Dourado, Ema Coelho de Souza e Danrlei, encontramos pontos fixos na memória (POLLACK, 1995) que são reconhecidos pelos demais atores sociais os quais atribuem aos primeiros as características que os vinculam ao Estádio Olímpico Monumental e dão a este a ideia da personificação. O Estádio Olímpico Monumental passa de uma estrutura arquitetônica, de um lugar no espaço, passa de objeto a sujeito. Um sujeito que viveu grandes histórias, que teve/tem, metaforicamente, pai, mãe e filho.

4.6 O OLÍMPICO MONUMENTAL COMO LUGAR DE MEMÓRIA

Para finalizarmos esse processo de análise por categorias, escolhemos tratar daquela é a principal categoria no sentido de estabelecer a concepção de Lugar de Memória ao Estádio Olímpico Monumental, pois foi a partir deste lugar de memória que buscamos investigar, interpretar e analisar as necessidades humanas de identificação social e individual que estão relacionadas ao futebol enquanto um produto da cultura historicamente produzida.

Para além de um mero espaço, o Olímpico é um “Lugar”, pois, segundo o geógrafo chinês Yi-Fu Tuan127 existe diferença entre espaço e lugar, pelo fato do espaço ser qualquer ambiente, indiferenciado mas que pode tornar-se lugar “na medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor “ (TUAN, 1983, p.06). Essa afirmação ganha importância quando interpretamos as narrativas dos atores sociais que atribuem sentidos, valores a este lugar, pois como vimos no capítulo 2 e nas categorias anteriores, as necessidades de pertença, de cultuar ídolos, monumentos, e até contar a própria história, estão ancoradas nesses Lugares, sobrevivendo às distâncias de tempo e espaço.

Mas é preciso mais do que entender o que são e significam para nós os lugares de memória. É necessário consagrarmos Lugares de Memória, como afirma Nora (1993), e esta consagração está fundamentada no sentido de amenizar as rupturas

127 Yi-Fu Tuan (nasceu em 5 de dezembro de 1930 em Tianjin, China) é um geógrafo chinês. Atualmente é um dos pensadores mais influentes da área da Geografia. É autor do clássico “Topofilia”.

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com o passado. Rupturas estas potencializadas pela transição de uma sociedade mais tradicional – sólida, para modêlos de sociedade em que tudo é volátil, flui e desconstrói-se rapidamente – a modernidade líquida (BAUMANN, 2005). Portanto os “lugares de memória” correspondem a um misto de história e memória, um lugar onde as lembranças se ancoram e podem ser apreendidas pelos sentidos.

O tradicional Jornal Correio do povo, de Porto Alegre, estampou a seguinte manchete no dia 30 de novembro de 2012: “Especial Olímpico: Ídolos se emocionam na despedida”. Na matéria, apresenta depoimentos de alguns dos maiores personagens da história do Grêmio, sobretudo, do Estádio Olímpico Monumental. Reproduzimos abaixo, trecho da reportagem com o depoimento de dois desses ícones, o ex-goleiro Mazaropi e o maior goleador da história do Grêmio também maior goleador do Olímpico, Alcindo – o Bugre.

A dois dias do último jogo oficial do Olímpico Monumental, palco das glórias do Tricolor gaúcho durante 58 anos, o Correio do Povo ouviu jogadores da atual equipe e craques do passado. Antes do último refletor se apagar, todos fizeram verdadeiras declarações de amor à casa de todos os gremistas.

Um dos primeiros ídolos a se consagrar no estádio, Alcindo se emociona: “O Olímpico foi o palco do meu romance com o Grêmio. Posso dizer que ali eu namorei, noivei e casei com o clube”. O ex- atacante compara o momento a um drama pessoal. “A saída do Olímpico será como perder um parente, mas a vida precisa seguir”, conforma-se o Bugre.

Nem mesmo os 15 anos de Vasco da Gama impediram Mazaropi de se apaixonar pelo Olímpico e pelo clube. O sentimento, que por vezes cega o ser humano, falou mais alto e o ex-goleiro confessou a incredulidade com a saída da casa gremista. "A ficha ainda não caiu. A minha vida toda foi construída ali. Claro que o clube está indo para uma casa nova, mas quando derrubarem o Olímpico, eu não quero estar lá porque a lágrima vai correr”, se emociona. (Laion Espíndula - Jornal Correio Do Povo, 30/11/12, g.n.) Quando Mazaropi diz “a minha vida toda foi construída ali” implica em manifestar a escolha por um lugar que marca a própria existência. Não significa somente um espaço físico, transcende esta dimensão. É um lugar que, representa a mais fiel tradução do que Nora (1993) classifica como “lugar de memória”. É material, simbólico e funcional E nunca deixará de sê-lo, pois se manterá vivo, recontado e interpretado por muitos agentes da memória coletiva que estivera no estádio, vivenciaram importantes emoções.

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Alcindo, que morreria128 quatro anos depois dessa reportagem do Jornal Correio do Povo, afirmou, em tom de resignação, que demolir o Olímpico “será como perder um parente, mas a vida precisa seguir”. O maior goleador da história do Estádio Olímpico Monumental, certamente fez e faz parte do lugar, pertence ao estádio. Sua ligação com o estádio está para além de um registro na história. Vive na memória deste lugar. A este lugar atribui valoração.

Assim como Mazaropi e Alcindo, os entrevistados deste estudo lembram fatos vivenciados no Estádio Olímpico Monumental e falam dessa representação do estádio como um lugar que está imbricado em suas lembranças.

São lembranças - algumas remotas, outras mais recentes - porque, como já vimos em Pollak (1992) as lembranças não ocorrem numa ordem cronológica. Recordações vão e vem, independente de acontecimentos vividos mais recentemente ou há dias, meses, anos. É o caso do pesquisador e jornalista Laert Lopes, que relata fatos dos últimos jogos do Grêmio no Olímpico com a mesma intensidade e riqueza de detalhes dos fatos vivenciados há algumas décadas.

Jornalista de formação, pesquisador por hobby e aficionado pelo Tricolor Gaúcho e pelo Sport Club Corínthians, que foi seu primeiro time. Laert nos conta129 que o motivo de torcer pelo Corínthians é o fato da ligação do rádio – a principal mídia da época - com o futebol. Como as rádios ouvidas eram de São Paulo, isso acabou influenciando a escolha do time. Escolheu o Corínthians. Segundo ele, ouvia os jogos

128 “Um dos maiores goleadores da história do Grêmio, Alcindo Bugre morreu na noite deste sábado (27) aos 71 anos em Porto Alegre. Alcindo estava internado no Hospital São Lucas da PUCRS e faleceu devido a complicações envolvendo um quadro de diabetes. Com a camisa do Grêmio, Alcindo fez 264 gols, sendo 13 em Gre-Nais. No total, foram 636 gols na sua carreira. Alcindo nasceu no dia 31 de março de 1945, na cidade gaúcha de Sapucaia do Sul. Jogou no Grêmio de 1964 a 1971 e em 1977. Foi pentacampeão gaúcho em 1964/65/66/67 e ainda 1968. O jogador também passou pelo Santos, de 1971 a 1973, por Jalisco de Guadalajara, América-Mex e Francana, de Franca-SP, em 1979”. http://www.rduirapuru.com.br/obito/38443/morre+aos+71+anos++alcindo+ex- jogador+do+gremio+em+porto+alegre Acessado em 07 de fevereiro de 2018. 129 Como todos os atores sociais desta pesquisa, o Senhor Laert sempre se mostrou solícito e disposto a contribuir na pesquisa. No dia 07 de fevereiro de 2018, entrei em contato por telefone, para tirar algumas dúvidas que ficaram da narrativa “ao vivo” que fizemos em 14/08/2017 em sua residência, no Bairro Cristal, em Porto Alegre, especialmente sobre o registro mais remoto de autor do gol do Grêmio, entre outras, perguntei se ele ratificava a informação de ser “também” corinthiano, ao que me respondeu: com certeza, inclusive foi meu primeiro time nos tempos de guri. O que o motivou a torcer pelo Corínthians é o fato de o futebol era quando começou a torcer, ouvindo os jogos nas Rádio Tupi e Bandeirantes de São Paulo, com as narrações de Fiori Gigliotti e Pedro Luiz e respectivamente.

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nas Rádio Tupi e Bandeirantes de São Paulo, com as narrações de Fiori Gigliotti e Pedro Luiz.

Na entrevista que nos concedeu, esclarece que tem o Estádio Olímpico Monumental como um lugar de memória e lembra da primeira vez que esteve neste estádio, já como torcedor do Grêmio - que conhecera em jogo na cidade de Santo Angelo, interior do Rio Grande do Sul, onde morou antes de mudar para Porto Alegre - para assistir uma partida de futebol.

Esse dia foi, para ele, um “dia memorável”. Dia em que, acompanhado do seu pai, teve a oportunidade de viver a atmosfera do Olímpico pela primeira vez e, de lambuja, pode conhecer duas personalidades importantes, principalmente no meio cultural.

Eu me lembro que nós fomos na social [setor de arquibancada] e eu até não me lembro muito de sensação, mas uma coisa bonita que eu lembro é que numa mesma tarde eu encontrei com um coleguinha meu de Santo Ângelo que também foi com seu pai ver aquele jogo.

Logo abaixo de nós, na arquibancada, que era de cimento, o grande poeta Lupicínio Rodrigues estava sentado com o Hamilton Chaves e o meu pai, que os conhecia, cumprimentou-lhes e me disse: “Oh filho, esse é o poeta Lupicínio Rodrigues e esse é o grande jornalista Hamilton Chaves”. Foi o que me chamou atenção e ficou na memória da primeira vez no Olímpico. (LAERT LOPES)

Realmente, um dia histórico e memorável para Lart Lopes. Conheceu o Olímpico e um dos maiores símbolos da história do Grêmio.

Conhecer Lupicínio Rodrigues e Hamilton Chaves130, provavelmente, não causou grande impacto ao menino Laert naquele momento, mas esse registro de memória ficou gravado e foi se fortalecendo a medida em que Laert Lopes entendia o quanto esses senhores foram importantes para história do clube e estádio, assim

130 Hamilton Chaves (Lagoa Vermelha (Rio Grande do Sul), 17 de maio de 1925 - Porto Alegre (Rio Grande do Sul), 17 de maio de 1985, ) foi um jornalista, compositor, vereador, publicitário e cineasta brasileiro. Trabalhou na revista do Globo, no jornal Última Hora, no jornal O Clarim e na rádio Gaúcha (todos de Porto Alegre). Foi diretor cultural da Associação Rio-Grandense de Imprensa e diretor da Agência Nacional. Diretor também da Guaíba Filmes e produtor da Continental Discos, de São Paulo. Como compositor, foi parceiro de Lupicínio Rodrigues e venceu festivais de música popular. Ocupou diversos cargos no governo do estado do Rio Grande do Sul e do município de Porto Alegre, bem como no Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense.

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como a representação que tiveram e têm na dimensão sociopolítica e cultural da cidade e do país, especialmente Lupicínio Rodrigues, um dos maiores ícones da Música Popular Brasileira (MPB).

A partir dos depoimentos que obtivemos, também podemos assegurar que nem sempre é “a primeira impressão” ou lembrança que fica. Convidados a falar sobre a primeira vez que tiveram contato com o Olímpico, nem todos atores sociais conseguiram descrever o primeiro contato presencial com este lugar de memória.

Lembranças de acontecimentos vividos nas arquibancadas, por torcedores não tem grau de importância maior ou menor do que os vividos por jogadores, sejam grandes ídolos ou não, dentro ou fora do campo. Entretanto alguns jogadores, que se tornaram ídolos, ao olhar do “palco” para torcida, lembram de um dos lugares que mais marcaram o Olímpico: a arquibancada norte, situada atrás de uma das traves, onde ocorria a “avalanche”.

Nesse momento, o palco (campo), se torna lugar da platéia e a arquibancada é o lugar onde a torcida protagoniza a festa, o rito, a acontecência ao simular uma avalanche íngreme, onde o que desce e se esparrama não é terra, tampouco lama, são torcedores da Geral que descem freneticamente cada degrau da arquibancada norte, causando um espetáculo que jamais se viu em nenhum outro estádio brasileiro. Essa característica da torcida, ao comemorar os gols no Estádio Olímpico mostra uma forma de celebração típica de um lugar “dominado”, na concepção de Nora (1993) pois representa uma atitude que não foi imposta, tampouco produzida por um marqueteiro, a avalanche – uma das manifestações do Olímpico - tem um apelo popular por ser um ato simbólico e expontâneo.

A arquibancada norte do Estádio Olímpico, lugar da “avalanche”, lugar da efervecência, contrapõe o vestiário, lugar da concentração, da resenha. Diferentes, mas complementares, esses são os lugares do estádio que mais povoam a memória de Tcheco, o capitão e camisa 10 da final da Taça Libertadores da América de 2007.

Dentro do Olímpico a imagem que é muito viva na minha memória com certeza é o vestiário, por ter vivenciado muito tempo lá. Mas assim que a gente subia no túnel, a primeira coisa que a gente observava sempre era o lado onde ficava a avalanche. Mesmo vazio a primeira situação que eu olhava era para lá, era meio que uma

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força do hábito. Era o que mais me impressionava no Olímpico. (TCHECO, g.n.)

Para Tcheco, a “avalanche” contribuia em muito para a construção da atmosfera, para o clima que preparava os torcedores no estádio para ver mais uma grande partida do Imortal. A avalanche era o lugar que os procuravam, era o lugar que mais impressionava, seguramente, não só Tcheco, mas uma multidão de torcedores gremistas e até o adversário.

A propósito da “avalanche”, Ema Coelho de Souza, com nostalgia, sentencia: “Aquela maravilhosa avalanche no Olímpico (...) aquilo é inesquecível, não vai ter mais...”. Aquilo que ficou na lembrança de Ema, nas imagens construídas, no apelo sentimental que recorre ao movimento da avalanche, certamente contribuiu para o forjar de sua identidade como gremista. A lembrança “é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual” (BOSI, 2003). A lembrança da avalanche compõe o enredo de celebrações espontâneas do lugar de memória chamado Estádio Olimpico Monumental.

Com passagem marcante no Grêmio, Tcheco destaca o papel fundamental do Estádio Olímpico Monumental na construção das vitórias da equipe.

Eu passei três anos e meio lá, joguei cento oitenta partidas pelo Grêmio, perdi quatro partidas dentro do Olímpico. É um número “um pouquinho” baixo pelo tanto que eu joguei lá, mas o que mais me impressionava no Olímpico era a atmosfera que o estádio tinha, sabe? São poucos estádios que tem isso, e a gente conversava muito com os times adversários e a maioria sempre dizia isso: “jogar lá é muito complicado”.

A torcida, no Olímpico, realmente tinha um papel fundamental. Você já sentia uma atmosfera diferente, e isso não é da boca para fora não, realmente isso acontecia. Tem poucos estádios com essas peculiaridades, essas curiosidades que o Olímpico tinha. (TCHECO)

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Sobre o “fator Olímpico”, apontado por Tcheco, o também ex-jogador do Grêmio Túlio Guerreiro admite que jogar no “Velho Casarão” tinha grande influência no resultado das partidas.

Do período em que jogou no Grêmio, Túlio lembra que em 2009 o Grêmio jogou 33 partidas como mandante (jogando no Estádio Olímpico). Venceu 24 e empatou nove partidas, sem nenhuma derrota.

Vestindo a camisa do Grêmio teve grandes jogos que nós fizemos lá. O time de 2009 tinha o como treinador. Nós éramos muito felizes no estádio Olímpico porque jogamos o ano inteiro sem perder um jogo sequer dentro do estádio Olímpico. (TÚLIO GUERREIRO)

Para um jogador de futebol profissional que jogou um ano em um estádio e nunca sentiu o gosto da derrota, este lugar remete, obviamente, a boas lembranças, lembranças que a memória seleciona e que repercutem em todas as vezes que citar o lugar. Por isso, Túlio afirma “éramos felizes lá”. Provavelmente não só pelas vitórias, mas pela atmostefa, pela aura do lugar.

O Estádio Olímpico é, portanto, para Túlio, um lugar de vitórias e, sem dúvidas, um lugar de memória que tem aura, “uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja” (BENJAMIN, 1994, p. 170).

O conceito de aura, em Benjamim – expresso acima - foi utilizado, em princípio para designar o valor “aurístico” de uma obra de arte, que tem em seus principais elementos a autenticidade e a unicidade. A autenticidade é constituída pelo “aqui e agora” da obra de arte (BENJAMIN, 1994), ou seja, pela substância da obra, localizada no espaço e no tempo, a partir da qual sua tradição é formada. A autenticidade para Benjamin, é a qualidade que nos permite reconhecer que o objeto é, até nossos dias, aquele objeto único sempre idêntico a ele mesmo (BENJAMIN, 1994, p. 167), ou seja, mesmo que existam milhares de estádios de futebol mundo agora, cada um é único, uns com mais história que outros, e, por que não dizer mais “autenticidade” que o outro. Assim como a arte surgiu para servir a rituais, a cultos (BENJAMIN, 1994, p.

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171), os estádios surgiram para celebrar um elemento da cultura esportiva muito latente nas diversas sociedades.

Portanto, cada estádio tem suas peculiariedades dentro do contexto sociocutural em que se encontra. Cada estádio, assim como uma obra de arte para Benjamin, tem uma valoração única, pois “o valor único da obra de arte ‘autêntica’ tem sempre um fundamento teológico, por mais remoto que seja (...)” pois o valor de culto eram características da obra de arte (BENJAMIN, 1994, p. 173). O Olímpico, que fora local de “culto” aos “deuses do futebol” agora passa a ser cultuado por seus torcedores.

Um destes torcedores, Fogaça, cônsul do Grêmio em Brasília até novembro de 2017 e representante de um grupo de torcedores do Grêmio no Distrito Federal, declara que nem o tempo e nem a possível demolição conseguirão destruir a memória construída no Olímpico.

O Olímpico nunca vai deixar de existir, sempre vai estar na mente, no coração do torcedor. Vai estar presente em uma réplica em casa, porque foi ali que nós fomos campeões da América, foi ali que nós fomos campeões brasileiros, foi ali que a gente foi campeão da Copa do Brasil, foi ali que nós conquistamos vários campeonatos Gaúchos. O Grêmio se tornou grande no Olímpico! Ele se tornou mundialmente conhecido dentro do Olímpico. Não tem nada, não tem demolição, não tem destruição que vá apagar isso da memória do torcedor. O Olímpico sempre será um lugar onde estão guardadas as memórias do torcedor. (FOGAÇA)

O valor de culto, expresso por Benjamin (1994), fica evidente nas palavras de Fogaça quando relata as grandes conquistas do Grêmio no Estádio Olímpico. Momentos ímpares que fizeram aumentar o grau de autenticidade deste lugar que abrigou um clube apelidado de Imortal.

Sentimento de imortalidade do estádio compartilhado com a torcedora Dora, também de Brasília e consulesa do Grêmio na capital federal. Para Dora, o Olímpico é mais que um lugar físico que sediou jogos do ‘tricolor imortal”. O Olímpico abriga a alma do clube.

O Estádio Olímpico é o palco de histórias do Grêmio. Todos os títulos que o Grêmio teve, praticamente até hoje, de campeonatos

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Brasileiros, Libertadores, de goleadas que nós demos no Inter, jogos que a gente estava perdendo e viramos, mesmo contra os times lá do Sul - os times do interior do estado - tudo isso é muito marcante no Olímpico. O Olímpico parece que tem a alma do Grêmio. (DORA)

Do grupo focal de torcedores de Brasília, que contribuiram neste estudo, importantes depoimentos obtivemos do ex-jogador Paíca que, pelo Grêmio, no Olímpico, disputou grandes jogos. Jogou, inclusive, contra aquele que é considerado o maior jogador de todos os tempos, o “atleta do século”131 Edson Antes do Nascimento, o Pelé. E não perdeu!

Paíca, gremista desde criança, teve a oportunidade de jogar no “time do coração” e destaca que sua história de vida está totalmente vinculada ao Grêmio e ao estádio onde viveu grandes emoções e lugar onde teve sua formação como atleta e como ser humano. Contou-nos um pouco de sua trajetória.

Eu, desde a época do Juvenil em que comecei a jogar no juvenil [categoria da base] do Grêmio, estudava no colégio Duque de Caxias de Porto Alegre. Treinava de dia, estudava de noite e voltava para dormir lá na concentração do Estádio Olímpico.

Então, foi um período muito forte na minha vida, eu não tenho como esquecer. Isso aí ficou muito marcado, não só pela minha família, mas, também pelo que o Grêmio fez para mim. Eu reconheço que tudo que eu tenho hoje em dia eu consegui através do Grêmio. (PAÍCA)

Giscard Stephanou, torcerdor “fánatico”, como se auto-declara, durante os anos em que morou em PortoAlegre, sua terra natal, era frequentador assíduo do Estádio Olímpico Monumental. Nesse tempo, aproximados 15 anos (começou a frequentar o Olímpico em meados da década de 80, Giscard passou por uma espécie peregrinação dentro do estádio, tendo ocupado vários lugares, em diferentes setores.

Quando eu era menor, digamos assim, quando eu era estudante, né, é, eu ficava na geral, né, eu fui até da torcida organizada da super

131 Jornalistas das 20 mais importantes publicações de esportes do mundo elegeram Pelé o atleta do século. O resultado da votação foi publicado, em sete páginas, pelo jornal francês L''Equipe no dia 12 de julho de 1980. Fonte: esportes.estadao.com.br/.../futebol,ha-30-anos-pele-era-eleito-o-atleta-do- seculo,579758

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raça gremista por um tempo, cheguei até a viajar com eles para o Uruguai, por exemplo, pra ver jogo da Libertadores. Aí eu costumava a ficar ali na geral, ali na arquibancada.

Depois quando eu já fiquei maior, né, já tinha como pagar ingresso mais caro... aí eu fui pras cadeiras, fiquei numa cadeira central, depois lateral, e depois nos últimos anos do Olímpico (...) eu já loquei uma cadeira. Daí eu tinha uma cadeira no lado, claro, em cima da social, já com o meu nome. (GISCARD )

Conforme Giscard, ele passou por um processo de mudança de lugares onde assistia os jogos, nos vários setores, desde as arquibancadas até as cadeiras cativas do Olímpico. Da mesma forma em que passou de ficar em pé para assistir os jogos, até sentar e ter o próprio assento nas cadeiras numeradas, foi mudando os valores. Ficar em pé, que era condição de quem não dispunha de dinheiro para pagar pelos melhos assentos, nos melhores setores do estádio, hoje é a situação em que o próprio Giscard mais assiste aos jogos: em pé, vibrando e cantando os cânticos da torcida. O ator social, reviu as atitudes experenciadas no passado. O que não tinha valor, hoje é quase que a manifestação de um ritual. Essa mudança de valores corresponde a construção identitária. Ora pois, um “verdadeiro gremista”, no estádio, tem que assistir aos jogos em pé. Vejamos em Bosi (2003), como ocorre esse processo de mudança de juízo e de valores.

Por mais nítida que nos pareça, a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou- se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista (BOSI, 2003, p. 55). O músico João de Almeida Neto, outro assíduo frequentador do Olímpico, tinha seus lugares preferidos no Olímpico, mas às vezes se deslocava, inquieto, quando o Grêmio estava perdendo, ou num jogo difícil, “amarrado”.

Eu gostava de ficar, é, ali no Estádio Olímpico tinha um, tinha uma espécie de “boca de lobo” dessas em que a gente entra pro estádio que saia embaixo da tribuna de honra.

Então eu saía na boca de lobo virava a direita e subia uma escada muito curtinha de uns 10 degraus no máximo e ali fazia uma esquina com a parede da tribuna. Ali chamavam cantinho do Tio Bitenca que

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era o seu Hermínio Bittencourt um gremista histórico que gostava de assistir jogos em pé ali. E eu tomei conta daquele, daquele cantinho... Hoje não deixam mais a gente ficar parado nas escadarias, mas naquela época deixavam.

E eu assistia os jogos ali.

Ali eu vi o Grêmio ser campeão da América, ali eu vi o Grêmio ser campeão brasileiro 2 vezes, vi o Grêmio ser campeão da América 2 vezes, ser campeão da Copa do Brasil 4 vezes, porque essa quinta agora já foi lá na Arena. Mas eu sempre fui muito inquieto, sabe? E eu, eu gostava de caminhar, eu ficava ali assistia um pouco ali, aí se o jogo não tava dando certo, se o Grêmio não tava jogando bem eu já me mudava ia pra um outro, pra um outro lugar.

Eu tinha e tenho até hoje uma superstição: quando o Grêmio não ta jogando bem, não ta conseguindo marcar eu saio dali do meio do campo onde eu costumo assistir e vou pra trás do gol do adversário. Eu digo, bom, o Grêmio não ta conseguindo fazer gol, eu vou lá fazer por eles. Aí vou lá pra trás do gol do, da equipe adversária e gostava de ir também aqui do Olímpico, no intervalo principalmente, caminhar, fazer a volta no, no, no estádio porque da tribuna de honra pra esquerda quase na linha da grande área assim do lado esquerdo da tribuna é que ficavam os ex atletas do Grêmio, ali ficava o (Yura), Mazaropi, o China, esses caras aí que, que pararam de jogar futebol... Paulo César Magalhães, essa turma aí que o Paulo César e o China foram campeões do mundo. Danrlei, às vezes, também assistia jogos por ali. E, eu ia lá pra, pra conversar um pouco com eles bater papo com aquela turma ali. Então meu lugar de assistir jogos era nesse cantinho do Bitenca aí. (JOÃO DE ALMEIDA NETO)

Um lugar de memória, dentro de um lugar de memória, este era o “Cantinho do Tio Bitenca” onde João de Almeida Neto assistiu os jogos do Grêmio no Olímpico. Um lugar que o cantor de vertente tradicionalista escolheu para chamar de seu. Cultuou aquele lugar como um amuleto que dava sorte nos jogos. O “Cantinho do Tio Bitenca” tinha uma simbologia. Era um lugar de afetuosidades.

(...) afetiva e mágica, enraizada no concreto, no gesto, na imagem e no objeto, a memória se compõe dos detalhes que a confortam; nutre- se de lembranças vagas, globais, flutuantes, particulares e simbólicas, sensíveis a todas as formas de transmissão, censura ou projeções (CANDAU, 2016, p. 132) Para Ancheta, que assim como João de Almeida Neto tem gosto apurado pela música. Além de ter sido um dos maiores zagueiros da Seleção Uruguaia de todos os

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tempos - assim como o fora no Grêmio - Ancheta interpreta e tem CDs gravados. O rítmo é o bolero, música para se ouvir, principalmente à noite. Mas quando jogava era regrado nas atitudes e prezava muito pelo descanso para recarregar as energias para enfrentar os atacantes adversários. Talvez por isso, tem como lugar das melhores lembranças, a concentração do Olímpico.

Olha, eu queria ficar na concentração, porque aí que eu sabia que eu ia jogar, não? (risos). Fui ficar muito triste quando não consegui mais jogar e, e quando eu ficava na torcida, não? Mas, é, é, eu acho que a concentração sempre foi muito importante, foi muito, muito, muito valor nisso aí, muitos falam hoje em dia, a concentração, que não sei o que, não sei o que, mas acho que é muito importante a concentração. (ANCHETA)

Um dos motivos que fazia com que Ancheta gostasse mais de ficar na concentração é porque ali tinha relações de afeto com integrantes da equipe de bastidores do Grêmio FBPA, o roupeiro, o massagista Banha, folclórico funcionário do clube e o único não jogador que faz parte da foto do título mundial interclubes conquistado em 1983.

Foi uma, uma época maravilhosa, não só dentro do campo, com meus colegas, era uma parceira muito boa, com técnico, com roupeiro, com o massagista – o Banha, com as pessoas que estavam dentro do Grêmio, pois mesmo com as dificuldades que tínhamos em ganhar campeonato, mas era uma parceria muito, muito sincera, sabe?

O Verardi que foi um pai que pra todos nós, que foi uma pessoa que nos, nos acolheu, a Verinha que trabalhava com o Verardi, que era sua secretária, já falecida. E também o Tio Hélio, roupeiro, brincávamos todo dia e era ele que nos garantia que a conservação das chuteiras naquela época que eram difíceis, mais duras. Naquela época chuteira muito difícil, né, chuteira de, de trava de madeira, de sola.

O Banha, nosso massagista, é também outra pessoa sensacional.

O doutor Hélio Dourado foi muito importante, um grande amigo. Ele nos dava muita cobertura, assistência. (ANCHETA)

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Assim como Ancheta, Tarciso também gostava de estar na concentração do Estádio Olímpico Monumental, mas era a grama do Olímpico que fascinava o atacante chamado de Flexa Negra.

Eu fiquei muito tempo na concentração, quando cheguei aqui eu morei o ano de 73 na concentração que era bem embaixo ali da social e eu tomava o café, ficava muito ali, sentava ali e tal, antes do treino, sentava a hora que eu via que estava todo mundo já começar a entrar em campo, eu só descia e já estava pronto. Morava na concentração e o lugar mais que eu gostava era no gramado, porque a minha vida correu toda no gramado do Estádio Olímpico, vibrando, ou chorando, ou gritando de alegria, mas foi tudo ali no gramado. (TARCISO)

“A minha vida correu, toda, no gramado do Estádio Olímpico” manifesta por Tarcíso tem, sem dúvidas, um apelo emocional muito grande a um lugar. Por isso, Tarciso é à demolição do estadio que o viu crescer. Assim como o professor Rafael,

É, tornei sócio logo depois da caída, né, 2005, 2006, ali, né, e, não, portanto, quando a gente voltou, ta, to naquele período ali, 2005, 2006, é, nesse período de 95, esses dez anos, eu ia muito conforme as possibilidades, então entrava ali pela geral porque era o que eles permitiam, né, na, no portão 10 ali, né, e era o espaço que a gente podia entrar, quando eu assistia os jogos, é, pago, porque os jogos é final da libertadores, semi final da libertadores, eu decidi obviamente que valia, tinha como investir, né, e aí, é, a gente ia na arquibancada que era o mais barato, né, arquibancada, mas aí não tinha o lugar antes. Eu fui criar um vínculo com o espaço, com a, quando eu me tornei sócio, né, porque aí efetivamente eu tinha uma carteirinha e acompanhar. E eu acompanhava de dois lugares, sobretudo, das duas goleiras, né, ou da goleira do lado de cá quando eu queria um pouco mais de, de tranquiliadade, encontrar os amigos, né, ou quando a gente ia com os amigos para a movimentação da geral, que aí em 2005, 2006 a geral já era, né, uma...

Iura, outro frequentador do “Cantinho do Bitenca”, mencionado por João de Almeida Neto, cita os companheiros de torcida. É uma busca de marcas de proximidade com outros atores sociais, como João de Almeida Neto, Cacalo, com o intuito de dividir as mesmas recordações e afirmação de que fazem parte de um mesmo grupo (Halbwachs, 2006), o que forja a identidade e impede que desapareça uma memória coletiva.

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Eu gostava de ficar atrás da goleira onde eu tinha uma visão ampla: dos dois lados e de frente para a geral...

Eu ficava nessa goleira, então por isso que eu via de frente a geral no momento mágico quando eles entravam no Estádio...

Momento quando os torcedores giravam ali para conversar como Cacalo, Cabral,, o próprio João de Almeida Neto... era um encontro de gremistas. (IURA)

Hélio Dourado, buscando resignar-se com a atitude tomada pela direção gremista que resolveu construir um novo estádio, admite que a demolição do Estádio Olímpico Monumental é praticamente um fato consumado.

Já estão demolindo, há inclusive quem está tomando todas as atitudes, o Fabio Koff que é presidente é que tá lutando lá pra ficar com aquele estádio nosso, aquele estádio não é nosso, aquilo lá olha, é da OAS132. (HÉLIO DOURADO)

Jardel, que nos recebeu em seu gabinete, quando era deputado estadual no Rio Grande do Sul fala com alegria de sua participação na história do tricolor e da sua relação com o Estádio Olímpico.

É bom poder falar de um clube histórico. Um clube que tem uma história muito bonita. O Olímpico representa momentos inesquecíveis na minha carreira e é graças ao torcedor gremista, entre aspas né, logicamente que contribui com esses gols, (risos) – que eu estou como deputado estadual com o apoio dos gremistas e o Olímpico está na minha memória e vai ficar pro resto da vida, por todos os gols, todas caminhadas, todos os treinamentos, todas as amizades que eu tive e ainda tenho lá dentro, por isso é impossível esquecer de todos os momentos inesquecíveis que eu tive e que ficarão guardados. Eu vou levar pro resto da minha vida. É um prazer estar te recebendo e

OAS é a empreiteira que assumiu parceria com o Grêmio para construção do novo Estádio, a Arena Grêmio. “Grupo OAS é um conglomerado brasileiro fundado em Salvador, Bahia em dezembro de 19763 4 com sede em São Paulo que atua em diversos países do mundo no ramo da engenharia civil. Ela é formada pela Construtora OAS, que opera na construção civil e pesada, OAS Empreedimentos, que opera no segmento do mercado imobiliário e OAS Investimentos que é responsável por investimentos privados em infraestrutura e concessões de serviços públicos e privados. O Grupo presta serviços de Engenharia e Construção em 22 países na América do Sul, América Central, Caribe e no continente Africano. Através da OAS Arenas, a empresa administra três estádios no Brasil: Arena do Grêmio, em Porto Alegre; Arena Fonte Nova, em Salvador; e Arena das Dunas, em Natal”. (fonte: Wikipédia)

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poder estar falando de um clube da grandeza que é o Grêmio. (JARDEL)

Constatamos, pois, que o Estádio Olímpico Monumental se configura como um “lugar de memória”, na concepção desenvolvida pelo sociólogo e historiador Pierre Nora (1993), principal aporte teórico deste estudo. Para esse autor, os lugares de memória são, antes de tudo, lugares que apresentam uma tríplice acepção: lugares materiais, lugares funcionais e lugares simbólicos; classificação que corrobora para aprofundarmos na compreensão do Estádio Olímpico enquanto um Lugar de Memória.

Um lugar que está na lembrança de milhões de pessoas, quer por presença física, quer por construção de um imaginário a partir de fotos, vídeos, narrações de rádio ou por histórias contadas por quem conheceu e vivenciou o Olímpico. O Olímpico existe até para quem não o conheceu presencialmente, pois é simbólico. Um lugar que possui aura, no sentido conferido por Benjamin e que desperta um significado para além do plano físico.

Consolidando-se ou não o processo de demolição desse estádio, torna-se fundamental, no campo acadêmico, especialmente da Antropologia, Sociologia e História do Esporte buscar a compreensão do Estádio Olímpico Monumental, enquanto um “Lugar de Memória”, tão presente na vida e no imaginário dos atores sociais que compõem o enredo e as teias de relações que escrevem a história daquele lugar, do clube, da sociedade sul rio-grandense e dos aficionados por futebol de todo o mundo.

No excerto a seguir, conto um pouco da participação na final da Copa do Brasil de 2016 entre Grêmio e Atlético Mineiro que aconteceu em duas partidas, a primeira em Belo Horizonte, Estádio Mineirão no dia 23 de novembro e a segunda no dia 07 de dezembro daquele ano, na Arena Grêmio, em Porto Alegre. A partida final, que estava marcada para acontecer no dia 30 de novembro, foi adiada devido ao trágico acidente aéreo que vitimou 71 pessoas entre atletas, dirigentes, tripulantes e jornalistas do vôo 2933 da Companhia Aérea LaMia.

A euforia dos torcedores preenche todos os espaços da Arena Grêmio. O juiz dá o apito final. O silvo do apito é a senha que decreta o Grêmio campeão da Copa do Brasil de 2016. As pessoas freneticamente pulam; e cantam; e gritam; e se abraçam.

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Sou um daqueles 55 mil e 337 torcedores. É um sentimento indescritível de profunda felicidade e uma ocasião para expurgar das vísceras a angústia de 15 anos sem título nacional. É a catarse.

Infelizmente não vivi isso no Estádio Olímpico. As vezes em que lá estive foram em partidas sem muita expressão, em nenhuma delas havia um grande título em disputa, tampouco era contra o arqui-rival Inter. Mesmo assim, a final da Copa do Brasil foi um momento mágico.

A Arena tomada por uma imensa maioria de torcedores gremistas viveu seu primeiro grande momento, seu primeiro título, e eu estava lá. Vivi intensamente o título. Pulei, cantei, gritei e abracei pessoas que 90 minutos antes de começar o jogo eram completamente desconhecidas. Na saída da Arena não encontrei nenhum torcedor adversário, mas na chegada ao hotel me deparei com um grupo de oito torcedores do Atlético Mineiro que, apesar de profundamente tristes, me parabenizaram pelo título. E foi um parabéns sincero. O Grêmio jogou melhor – tanto na partida em Minas Gerais como na Arena - mereceu vencer, mereceu o título. Eu disse pra eles que a Arena ganhou alma. A alma que o Olímpico sempre teve. A Arena viveu a catarse. (Diário de Campo, 07 de dezembro de 2016)

As manifestações miméticas vivenciadas no Estádio Olímpico ficaram eternizadas de várias maneiras, além da memória social. Com o uso de elementos evocadores dessa memória como os registros imagéticos, Hélio Devinar recorda do primeiro desenho que fez para o Jornal Folha da Tarde. Trata-se da ilustração do único gol da partida entre Grêmio FBPA e Cruzeiro de Porto Alegre, marcado pelo jogador Damião,

Figura 19 – Gol do Grêmio retratado por Hélio Devinar – publicado em 10/04/1951 no Jornal Folha da Tarde – Acervo particular de Hélio Devinar

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Iura aponta que quando jogava no Olímpico e diz sentia o torcedor, em tempo real, até mesmo “as batidas do coração do torcedor”.

(...) jogar no Olímpico era uma coisa diferenciada era uma coisa fantástica. Ele era aconchegante. O torcedor estava no nosso ouvido, o torcedor estava junto com a gente, a gente sentia o torcedor... O coração do torcedor batia, a gente sentia, tudo aquilo que o torcedor sentia a gente sentia dentro do campo porque eles transmitiam no tempo real das coisas. Então, quando havia uma vaia a gente sentia essa vaia, quando havia a vibração a gente sentia essa vibração. Acho que é a maneira que o Estádio Olímpico foi construído. Não sei quem teve essa ideia, mas foi fantástica. (IURA)

(...) quando o doutor Hélio Dourado fez com que o anel principal fosse construído por intermédio até de diversos jogadores como eu outros que íamos degraça para o interior buscar e cimento. A gente jogava até sábado ou domingo, mas na segunda a gente viajava para o interior com o doutor Hélio Dourado e com outras figuras ilustres... Hoje o jogador de futebol não faz isso pelo clube. (IURA, g.n.)

Um aspecto relevante na narrativa de Iura, remete, novamente à figura de Hélio Dourado, o “Pai do Olímpico” e sua busca incessante de tornar o Grêmio um grande clube de futebol e o Olímpico o seu “templo sagrado”. Depoimentos como o de Iura coadunam com os demais atores sociais que conviveram com aquele que carinhosamente chamavam de Dr. Hélio. Não que fosse necessário cruzar esses depoimentos, afinal, como assevera Halbwachs: “para confirmar ou recordar uma lembrança, não são necessários testemunhos no sentido literal da palavra, ou seja, indivíduos presentes sob uma forma material e sensível” (HALBWACHS, 2006: 31), mas é importante descatacar o importante papel desempenhado por Hélio Dourado na construção do estádio e da memória do Olímpico e do Grêmio FBPA.

Por ter o Estádio Olímpico Monumental como um lugar de memória, o jornalista Júlio Tábile, considerou o conselho de seu pai, para que Júlio levasse seu neto ao Estádio Olímpico Monumental antes que este seja implodido.

Meu pai que é gremista, me disse: “Leve o filho né, antes que o estádio acabe” (risos). Eu e meu filho nós fomos lá foi em 2012 é 2012 nós estivemos lá em Porto Alegre, levei ele pra conhecer, o Hércules, ele conheceu o Olímpico, conheceu a Arena .

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Não sei se vai ficar marcado na vida dele. Ele tem apenas oito anos. Mas, que ele entrou lá... entrou! Eu não sei se ele vai lembrar disso. A Arena vai estar ali, vai poder ver mais vezes, mas o Olímpico talvez nunca mais. (JULIO TÁBILE)

A motorista de aplicativo de celular, Gislaine Cardoso, é a personagem com a participação mais inusitada deste estudo. Encontrei-a ao sair da entrevista com o jornalista Fernando Becker, do grupo RBS de Porto Alegre. Na saída do Morro Santa Tereza, onde se localiza a emissora de TV do grupo, solicitei um carro por aplicativo de celular. Eis que, muito simpática e comunicativa, a senhora Gislaine perguntou-me se eu era jornalista, provavelmente pelo fato de eu estar saindo da rede de TV. Informei-lhe que era professor e estava fazendo uma pesquisa sobre a demolição do Estádio Olímpico Monumental. De pronto, Gislaine Cardoso me falou que seu avô, já falecido, era gremista fanático e estava sepultado de frente para o Estádio Olímpico Monumental, em túmulo que escolhera em vida, no Cemitério João XXIII, que fica próximo ao estádio e num plano mais elevado, o que facilita a visão do Olímpico. O senhor Alfredo Soares Cardoso e a senhora Maria Cecília Soares Cardoso, também gremista, tiveram seus pedidos atendidos e têm visão privilegiada do “Velho Casarão”.

Fiquei supreso com a coincidência, pois estava pensando que um dos argumentos que mais corroboravam para a compreensão do Olímpico enquanto um Lugar de Memória (Nora, 1993) era justamente o fato de Saturnino Vanzellotti, que foi o presidente e principal entusiasta e articulador da construção do Olímpico e que inaugurara como presidente em 1954, ter feito a mesma solicitação a seus familiares: ser sepultado de frente para o Olímpico.

Com a história contada por Gislaine Cardoso, convidei-a para participar da pesquisa, nos concedendo uma entrevista. Convite aceito, alteramos o trajeto da corrida, que seria para o hotel onde eu estava instalado, passando antes no Cemitério João XXIII, com a finalidade de visitar o túmulo dos avós de Gislaine Cardoso. Após a visita ao túmulo, colhemos suas narrativas no hall do hotel.

Hoje casualmente estava pensando até fazer uma homenagem para o meu vô e passando por ali ainda pensei: “vou ter que colocar na lápide do meu vô uma homenagem para ele”, além de um cigarrinho que ele era fumante, eu vou colocar um símbolo do Grêmio para ele, porque ele comprou este túmulo em função de quando ele fosse

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embora, ele poderia ficar assistindo sempre os jogos, virado para o Olímpico.

Ele deve estar dando voltas no túmulo agora, em função do Olímpico estar no estado que está. Então, pensei: “pelo menos eu vou ter que fazer uma foto do Olímpico para ele e botar dentro da lápide” pois agora lavaram o time dele lá para a Arena, infelizmente, não tem o que fazer.

Lá no cemitério já tiraram até uma árvore, que a gente tinha pedido para tirar porque que tapava a visão dele.

Mito ou não, para nós é importante porque a gente quer preservar o que ele gostava. Ele faleceu em 82 e tinha vivido muitos títulos do Grêmio.

A visão dele é privilegiada (...) tanto é que ele comprou o túmulo perpétuo, que era a “cadeira cativa” dele, perpétuo e virado para o Olímpico.

O meu avô era assim: quando não tinha dinheiro, porque nós somos 4 netos da minha mãe, mais 3 da minha tia e mais 4 meninas, de outra tia (...) Então o meu vô fazia questão de levar todos os netos para torcer pelo Grêmio. Então, nos levava em um morro que tinha próximo e a gente assistia os jogos de lá. (GISLAINE CARDOSO)

A motorista que atende por chamada de aplicativo de celular mostrou-se muito gentil e feliz com a possibilidade de registrar um pouco da memória afetiva do seu avô e toda sua ligação com o Estádio Olímpico como um lugar de memória.

Figura 25 – (SILVA, 2018) –À esquerda a participante Gislaine Cardoso tendo à sua frente o túmulo de seu avô e ao fundo o Estádio Olímpico. Figura 26 – (SILVA, 2018) À direita, Gislaine Cardoso ao lado do túmulo do avô Alfredo no Cemitério João XXIII.

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Na foto abaixo, uma visão aproximada do Estádio Olímpico vista do Cemitério João XXIII, onde estão sepultado gremistas como o Sr. Alfredo, avó de Gislaine Cardoso; o ex-presidente Saturnino Vanzellotti e o jornalista Paulo Sant’ana.

Figura 27 – (SILVA, 2018) - Estádio Olímpico visto do Cemitério João XXIII.

Retomamos parte da narrativa de Tarciso com a intenção de mostrar o quanto é significativo para alguém que construiu a sua história de vida praticamente dentro deste lugar – o Olímpico Monumental -, o fato social estar passando pelo processo agonizante da demolição.

(...) 13 anos... eu joguei um total de 721 partidas, fazendo quase 240 gols, olha quantas pessoas eu conheci? Quantos jogadores passaram por mim? Quantas pessoas, torcedores? Quantas viagens ao interior? Quantas viagens pelo Brasil? Levando esse nome lindo que é o Grêmio Futebol Porto Alegrense. Através dele a gente conheceu o mundo, conheceu muita gente, conheceu muitos jogadores e quantos choros a gente teve dentro daquele campo, quantas lágrimas caíram, buscando o título que o torcedor tanto queria.

(...) não é egoísmo meu é só visão pelo que a gente construiu no Olímpico (...) eu acho que tem coisa que, tudo bem, que pode se terminar, mas o estádio Olímpico terminar dessa maneira que está terminando?

(...) isso aí que machuca, eu acho que, quando a gente foi lá deu um abraço no estádio Olímpico, todo mundo chorando, eu acho que aquele abraço ia marcar, ia ter um marco, um marco muito bonito ali, dizendo “aqui o Glorioso, o Monumental, o Imortal Grêmio, Tricolor” e teria algum marco.

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A gente vê o Estádio Olímpico hoje, caindo aos pedaços... . (TARCISO)

Para o jogador que atuou 1767 vezes com a camisa do Grêmio FBPA e é o segundo maior artilheiro do clube, o Olímpico será sempre um lugar especial em suas lembranças.

É perceptível na fala de Tarciso, o vínculo que tem com a identidade do Grêmio e do Olímpico que, para ele, é sem dúvidas, um lugar de memória. Um lugar que tem a marca do grupo, de jogadores como, Paíca, Iura, Danrlei, Tcheco, Túlio Guerreiro, Ancheta, que não só têm o Olímpico como um lugar de vínculo afetivo, mas que também nele deixaram o suor do trabalhador, da profissão que escolheram por paixão e que puderam exercer pelo talento num universo laboral tão concorrido. O Olímpico é um lugar do músico João de Almeida Neto, do professor Rafael Arendt, da motorista de uber Gislaine Cardoso, do militar Fogaça, da empresária Dora, dos jornalistas Júlio Tábile, Fernando Becker, Helio Devinar, Laert Lopes; do médico Hélio Dourado, da guardiã de memórias Ema Coelho de Souza, do eterno funcionário do Grêmio Antônio Carlos Verardi. Pessoas que pelo talento esportivo, amor ao clube ou capacidade de liderança ou, todas essas características juntas, carregam, na memória, marcas de sua relação com o lugar, da mesma forma que deixaram suas marcas e construíram as memórias do Estádio Olímpico Monumental.

O local recebeu a marca do grupo e vice-versa. Todas as ações do grupo podem ser traduzidas em termos espaciais, o lugar por ele ocupado é apenas a reunião de todos os termos. Cada aspecto, cada detalhe desse lugar tem um sentido que só é inteligível para os membros do grupo, porque todas as partes do espaço que ele ocupou correspondem a outros tantos aspectos diferentes da estrutura de vida de sua sociedade, pelo menos o que nele havia de mais estável. (HALBWACHS, 2003, p. 159-160, g.n.)

Para além do futebol, o Olímpico foi lugar de grandes eventos, de momentos que fixam na memória coletiva de vários grupos. O Olímpico foi um lugar de shows.

Nele, além dos artistas da bola, grandes artistas da música, local e internacional, se apresentaram no Estádio Olímpico, entre os mais famosos se destacam Sting, Rod Stewart, Eric Clapton, Roger Waters, Rush, Lenny Kravitz e, finalmente Madonna com The MDNA Tour, em 9 de dezembro de 2012, sendo esse o

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“último show” realizado no Olímpico. Depois disso, o Olímpico Monumental só experimentou o silêncio da espera de um fim, ao que parece, cada vez mais próximo.

Figura 23 - Panorâmica do EOM vazio Fonte: http://www.gremiopedia.com/wiki/Arquivo:Panorama_Est%C3%A1dio_Ol%C3%ADmpico.jpg

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 24 – GOMES, Fernando (Agência RBS) > Hélio Dourado em frente ao “Pórtico dos Campeões” no Estádio Olímpico Monumental

O tempo vai repontando Jaime Caetano Braum

(...)Tempo é alguém que permanece / Misterioso impenetrável Num outro plano imutável / Que o destino desconhece Por isso a gente envelhece / Sem ver como envelheceu Quando sente aconteceu / E depois de acontecido Fala de um tempo perdido / Que a rigor nunca foi seu.

Pensamento complicado / Do índio que chimarreia Bombeando na volta e meia / Do presente no passado Depois sigo ensimesmado / Mateando sempre na espera O fim da estrada é a tapera / O não se sabe do eterno Mas a esperança do inverno / É a volta da primavera.

Os sonhos são estações / Em nossa mente de humanos Que muitas vezes profanos / Buscamos compensações Na realidade as razões / Onde encontramos saída Nessa carreira perdida / Que contra o tempo corremos Já que, a rigor, não sabemos / O que haverá além da vida.

Dentro das filosofias / Dos confúcios galponeiros Domadores, carreteiros / Que escutei nas noites frias Acho que a fieira dos dias / Não vale a pena contar E chego mesmo a pensar / Olhando o brasedo perto Que a vida é um crédito aberto / Que é preciso utilizar. (...)133

133 Estes versos correspodem a uma parte do poema “O Tempo”, do poeta gaúcho Jaime Caetano Braum.

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A imagem que introduz essas Considerações Finais retrata a estreita ligação de um ser humano com um lugar. Uma ligação que criou raízes e um vínculo de pertencimento que explicam a característica topófila da memória.

Hélio Dourado, um dos maiores, senão o maior personagem da história/memória do Estádio Olímpico Monumental, após seu passamento (porque, afinal, é imortal) no primeiro dia de agosto de 2017, foi cremado e teve sua cinzas espalhadas no pórtico do Olímpico e no Centro de Treinamentos que leva seu nome, em Eldorado do Sul, conforme manifestara esse pedido às pessoas próximas.

Este ato simbólico de ter suas cinzas espalhadas no pórtico do Olímpico e no CT que ajudou a construir coaduna com a noção de memória colocada por Pierre Nora (1993), pelo fato de a partir deste ato simbólico contribuir ainda mais para re- significação deste Lugar, que, a partir demolição – se esta fatidicamente ocorrer – amplia sua dimensão da sua aura.

No ano em que o Estádio Olímpico Monumental, ainda “em pé”, completa 64 anos de existência, este manuscrito constitui-se numa contribuição à lembrança e ao resgate da memória coletiva que conta a vida deste e de personagens como Hélio Dourado.

Um estádio que traz em sua “aura”, a representação de manifestações lúdicas de um dos mais importantes veículos de cultura, o futebol. Para os apaixonados por este esporte, este não se traduz em termos técnicos e táticos, mas antes, emocionais.

O principal objetivo deste estudo se constituiu em Interpretar, analisar e buscar o resgate do Estádio Olímpico Monumental enquanto um “lugar de memória”, a partir das vozes de atores sociais que possuem um vínculo de pertencimento ao Grêmio de Futebol Porto-Alegrense e ao próprio estádio.

Procuramos mostrar que este “espaço” é um “suporte social da memória, a qual, entendemos, origina-se em uma dimensão social, não se reduzindo a incursões individuais.

Observamos que o os objetivo específico de contribuir no registro da memória coletiva a partir da análise dos impactos que a demolição do Estádio Olímpico

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Monumental causam e causaram nas pessoas que fazem ou fizeram parte da história do estádio do Grêmio de Futebol Porto-Alegrense e na sociedade de um modo geral, especialmente aqueles que estão de alguma forma envolvidos com os desígnios e desmembramentos dos grandes acontecimentos ligados ao futebol, foi alcançado a medida que as narrativas dos atores sociais que participaram desta pesquisa clarificaram a noção de lugar de memória dos quadros sociais da memória – tempo, espaço, experiência e linguagem, conforme trabalhado por Maurice Halbwachs e a importância destes na constituição cultural e identitária das pessoas.

Foi possivel estabelecer o quanto o Estádio Olímpico Monumental representa enquanto dimensão social, cultural e simbólica para os sujeitos pesquisados, interpretando e melhor compreendeendo como a demolição do Estádio Olímpico impacta na vida dos atores sociais que constituem-se em sujeitos deste estudo.

Com base nas narrativas e apontamentos dos atores sociais, do diálogo teórico com os autores que estudaram e estudam as noções de patrimônio e sua relação com a memória coletiva e construção da identidade, consideramos que, para demolir o “Lugar de Memória” onde se manifestaram, mimeticamente, profundas emoções, em um estádio com 58 anos de história e produção de muitas outras histórias/memórias a partir de seus frequentadores, que presentificaram relações e até aqueles mesmo distantes do estádio, mas que, a partir da capacidade de ressonância, criaram vínculos de pertencimento, mesmo sem estarem presentes; entendemos que o correto seria promover uma consulta popular com a participação de todos adeptos desta “catedral”.

Até o momento isso não aconteceu e o Estádio Olímpico Monumental agoniza à espera do último golpe. O golpe de misericórdia. Um golpe na memória coletiva, mas jamais um golpe capaz de apagar o sentido de imaterialidade de um lugar que transborda aura.

Na construção deste fazer investigativo, visitamos lugares, atores sociais, teóricos, analisamos reportagens, documentos oficiais e tudo que esteve ao nosso alcance, para construir um sentido à memória do Estádio Olímpico Monumental.

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Confirmamos a questões de pesquisa elencadas no projeto que deu origem a este manuscrito e constatamos também as asseverações que seguem:

A memória coletiva sempre tem origem social! Ela nunca é espontânea ou com origem no indivíduo. Sua origem é coletiva, ancorada nas lembranças de sentimentos grupais, inscritas no tempo, no espaço, na experiência e na linguagem, sempre. De outra forma não seria coletiva. Portanto, o que faz do Grêmio um importante clube, com uma forte identidade e uma memória a ser preservada é o seu reconhecimento social – a identidade sempre vem da aprovação e do reconhecimento social.

A identidade está sempre atrelada à memória. O reconhecimento histórico e social do Grêmio e do Olímpico – expressos nos títulos, torcida, grandes jogadores, espaço midiático, patrimônio – é o que garante a identidade. Por isso a memória tem origem no grupo, por isso ela é coletiva. Se não houvesse esse lastro social ela perderia sua força. Por isso a aura e a necessidade de preservar tradições, ou até inventá-las. Por isso se preservam as memórias: para garantir e sustentar as identidades.

O Estádio Olímpico é um patrimônio em toda assepção da palavra, pois transcende a esfera do material. Tem as características de resonância, materialidade e subjetividade, características que definem, segundo os autores que ancoram teoricamente esse trabalho.

O “lugar” – Estádio Olímpico Monumental – assim como a personificação dos que os gregos deram aos fenômenos da natureza ganha características de personificação a medida em que é largamente referenciado como tendo características humanas ou de papeis sociais do humano, em especial ligados à família: pai, mãe, filho. Essas características, que foram tratadas como categoria de análise ganharam estão expostas nas personagens de três atores sociais deste estudo: Hélio Dourado, Ema Coelho de Souza e Danrlei de Deus.

Um estádio de futebol constitui-se de parte da sociedade a qual pertence ao mesmo tempo em que é reflexo desta, reproduzindo, inventando ou reinventando as mesmas situações vividas num contexto social maior.

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Fernand Braudel apontou que "o historiador nunca se evade do tempo da história: o tempo adere ao seu pensamento como a terra à pá do jardineiro." (1986. p.33), pois, assim, encerramos este manuscrito, sem assistir ao último golpe na demolição do estádio, sem ouvir o último estrondo de dinamites, tal qual acontecera nas implosões ocorridas com vários outros “templos” do futebol e também, sem nos evadirmos do tempo da história.

Aguardemos o desfecho da história/memória do Estádio Olímpico, que virou Monumental a partir das mãos de um sem número de pessoas, capitaneados por aquele que homenageamos nessas considerações finais, Hélio Dourado, o “Pai do Olímpico”, que vive na memória de todos que tiveram e/ou tem um vínculo afetivo com o Estádio Olímpico Monumental, afinal, “tempo é alguém que permanece”.

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APÊNDICES

Apêndice A - Roteiro de Entrevista

Categorização dos sujeitos: Torcedores do GFPA

Local e Data

Objetivos:

 Conhecer as crenças e percepções de torcedores do Grêmio acerca de jogos importantes na história do Grêmio e do Estádio Olímpico, buscando a rememoração de momentos que constituíram e constituem a memória do Estádio Olímpico.

 Oportunizar a lembrança de fatos que estão alheios à história oficial ou que ficaram encobertos pelas grandes conquistas ou derrotas marcantes.

 Aferir o significado do Olímpico para a memória coletiva a partir da interpretação de torcedores quanto ao impacto da demolição do estádio.

Justificativa:

A fala de torcedores do Grêmio, que acompanharam os jogos do Grêmio no estádio ou pelos canais de mídia e sua relação com o Estádio Olímpico Monumental, que está na iminência de ser demolido, assume grande relevância na pesquisa proposta, haja vista que as vozes de protagonistas e coadjuvantes são fundamentais para buscar a rememoração dos sentimentos vividos por esses atores que são os principais responsáveis pela perpetuação do sentimento de amor e existência do clube..

A partir de um apanhado de informações coletadas das entrevistas concedidas por torcedores que viveram a história do Estádio Olímpico, tornar-se-á possível

217

retratar na pesquisa um pouco da memória do estádio e do clube dando voz e visibilidade àqueles que viveram momentos que contam a história do Grêmio, de Porto Alegre e do futebol brasileiro, seja no próprio estádio ou à distância, mas sem perder a noção do Olímpico enquanto um lugar de memória.

O contexto atual, permeado pela troca do Olímpico, o antigo casarão gremista pela a nova Arena Grêmio é campo fértil para se estabelecer as similitudes e diferenças dos significados de patrimônio material e imaterial.

Estrutura da entrevista

1. Apresentação

Motivo da entrevista;

Importância da entrevista;

2. Dados Pessoais: Nome: Cortez

Idade:1956

Naturalidade; Porto Alegre

Formação\Profissão; economista

Endereço Atual;

3. A identificação com o Grêmio

- Escolhi o Grêmio por... (influências, aspectos familiares, lugares onde viveu, identificação com as cores, uniforme, hino....);

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- De que forma acompanhava e acompanha o clube (no estádio, rádio, tv, jornal, reunião com amigos, associação, etc.);

- Relação com o Olímpico Monumental. O que este lugar representa prá você?

4. O contato com o Estádio Olímpico Monumental e a história do Grêmio:

- Quantos jogos, aproximadamente, assistiu no Estádio Olímpico?

- Momento mais importante vivido no Estádio Olímpico;

- Acervo de memória (dispõe de registros imagéticos, recortes de jornais, medalhas, diplomas, camisas, contra-cheque....);

- Acredita que tem alguns jogadores ou ex-jogadores que foram injustiçados ou não reconhecidos na história do Grêmio;

- Atualmente frequenta a Arena ou algum estádio para assistir jogos do Grêmio ou de outro?

- Já teve, e se teve, como foi o contato pessoal com jogadores ou ex-jogadores do Grêmio?

- Cobertura jornalística (como vê a percepção da mídia de um modo geral sobre o Grêmio, Olímpico, Arena e a torcida tricolor);

- A relação do Grêmio com as Federações (Gaúcha, CBD ou CBF).

- Conselhos aos jovens torcedores e aos gremistas de um modo geral;

- “O Grêmio para mim é...”

- “O Olímpico para mim é...”

- Uma frase para posteridade (ou IMORTALIDADE).

Finaliza-se a entrevista com agradecimentos ao ator social e solicitação de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Assistido.

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Apêndice B - Roteiro de Entrevista

Categorização dos sujeitos: Ex- jogadores e jogadores do GFPA Local e Data

Objetivos:

 Buscar, entre os atletas que participaram de jogos importantes na história do Grêmio e do Estádio Olímpico, a rememoração de momentos que constituíram e constituem a memória do Estádio Olímpico.

 Oportunizar a lembrança de fatos que estão alheios à história oficial ou que ficaram encobertos pelas grandes conquistas ou derrotas marcantes.

 Aferir o significado do Olímpico para a memória coletiva a partir da interpretação de ex-atletas quanto ao impacto da demolição do estádio.

Justificativa:

A fala de ex-jogadores do Grêmio, dos mais famosos aos que não foram perpetuados na memória do clube, mas que participaram de jogos num estádio que, literal e fisicamente vai virar pó, assume grande relevância na pesquisa proposta, haja vista que as vozes de protagonistas e coadjuvantes são fundamentais para buscar a rememoração dos sentimentos vividos por esses atores que desfilaram seu talento futebolístico ou simplesmente fizeram parte do elenco tricolor e derramaram o suor de seu trabalho no gramado do Estádio Olímpico.

A partir de um apanhado de informações coletadas das entrevistas concedidas por jogadores que viveram a história do Estádio Olímpico, tornar-se-á possível retratar na pesquisa um pouco da memória do estádio e do clube dando voz e visibilidade àqueles que efetivamente viveram momentos que contam a história do Grêmio, de Porto Alegre e do futebol brasileiro.

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O contexto atual, permeado pela troca do Olímpico, o antigo casarão gremista pela a nova Arena Grêmio é campo fértil para se estabelecer as similitudes e diferenças dos significados de patrimônio material e imaterial.

Estrutura da entrevista

5. Apresentação:

Motivo da entrevista;

Importância da entrevista;

6. Histórico:

- O Grêmio no contexto do futebol brasileiro (ontem e hoje);

- O início no futebol;

- Tempo de atuação no clube;

- Equipes em que atuou;

- Foi convocado ou lembrado para seleção¿ Quando e como¿

- Principais eventos, torneios, campeonatos, copas que participou;

- Os grandes jogos.

7. O futebol da época em que atuou:

As grandes equipes;

As rivalidades;

Cobertura jornalística;

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As Federações (Gaúcha, CBD ou CBF).

8. O Grêmio da época em que atuou: - Jogadores (colegas) que faziam parte da Seleção; - Gols pelo Grêmio; - O prestígio - Momento mais atuante vivido no Estádio Olímpico

9. A relação atual com o clube e com o esporte

- Acervo de memória (dispõe de registros imagéticos, recortes de jornais, medalhas, diplomas, camisas, contra-cheque....);

- O esquecimento da sociedade (ou não) – a relação com os torcedores do clube e mídia;

- Participa de eventos máster ou encontros entre ex-jogadores;

- Frequenta o estádio, algum estádio, jogos de que time (...);

- O exemplo de sucesso ou experiências vividas (as pessoas solicitam informações, consultas, palestras, autógrafos);

- Um agradecimento especial ao clube ou alguém que lhe foi muito importante no futebol e/ou no Grêmio.;

- O reconhecimento;

- Conselhos aos jovens jogadores e aos gremistas de um modo geral;

- “O Grêmio para mim é...”

- “O Olímpico para mim é...”

- Uma frase para posteridade (ou IMORTALIDADE).

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Apêndice C - Roteiro de Entrevista

Categorização dos sujeitos: Ex-funcionários do GFPA

Local e Data

Objetivos:

 Buscar, entre ex-funcionários que trabalharam no Estádio olímpico, a rememoração de momentos que constituíram e constituem a memória do Estádio Olímpico.

 Oportunizar a lembrança de fatos que estão alheios à história oficial ou que ficaram encobertos pelas grandes conquistas ou derrotas marcantes.

 Aferir o significado do Olímpico para a memória coletiva a partir da interpretação de colaboradores (remunerados ou não) quanto ao impacto da demolição do estádio.

Justificativa:

As percepções de ex-funcionários do Grêmio e que trabalharam no Estádio Olímpico, independente de posição hierárquica no clube, mas que participaram de jogos num estádio que, literal e fisicamente vai virar pó, assume grande relevância na pesquisa proposta, haja vista que as vozes de protagonistas e coadjuvantes são fundamentais para buscar a rememoração dos sentimentos vividos por esses atores que desfilaram seu talento futebolístico ou simplesmente fizeram parte do elenco tricolor e derramaram o suor de seu trabalho no gramado do Estádio Olímpico.

A partir de um apanhado de informações coletadas das entrevistas concedidas ex-funcionários que viveram a história do Estádio Olímpico, tornar-se-á possível retratar na pesquisa um pouco da memória do estádio e do clube dando voz e

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visibilidade àqueles que efetivamente viveram momentos que contam a história do Grêmio, de Porto Alegre e do futebol brasileiro.

O contexto atual, permeado pela troca do Olímpico, o antigo casarão gremista pela a nova Arena Grêmio é campo fértil para se estabelecer as similitudes e diferenças dos significados de patrimônio material e imaterial.

Estrutura da entrevista

10. Apresentação:

Motivo da entrevista;

Importância da entrevista;

11. Histórico:

- O Grêmio no contexto do futebol brasileiro (ontem e hoje);

- O início no futebol;

- Tempo de atuação no clube;

- Função desempenhada no clube;

- Principais eventos, torneios, campeonatos, copas que vivenciou;

- Os grandes jogos.

12. O futebol da época em que trabalhou no Olímpico:

As grandes equipes;

As rivalidades;

Cobertura jornalística;

As Federações (Gaúcha, CBD ou CBF).

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13. O Grêmio da época em que trabalhou: - Jogadores e colegas funcionários que compunham o elenco ou trabalhavam no Grêmio; - Momento mais atuante vivido no Estádio Olímpico

14. A relação atual com o clube e com o esporte

- Acervo de memória (dispõe de registros imagéticos, recortes de jornais, medalhas, diplomas, camisas, contra-cheque....);

- O reconhecimento do clube por seus serviços prestados;

- Participa de eventos promovidos pelo clube?;

- Frequenta o estádio, algum estádio, jogos de que time (...);

- Um agradecimento especial ao clube ou alguém que lhe foi muito importante no futebol e/ou no Grêmio.;

- Conselhos aos jovens torcedores e aos gremistas de um modo geral;

- “O Grêmio para mim é...”

- “O Olímpico para mim é...”

- Uma frase para posteridade (ou IMORTALIDADE).

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Apêndice D - Roteiro de Entrevista

Categorização dos sujeitos: Jornalistas – Setoristas Esportivos

Local e Data

Objetivos:

 Buscar, entre jornalistas que trabalharam como setoristas no Estádio Olímpico, as recordações que podem contribuir no registro da memória do Estádio Olímpico.

 Oportunizar a lembrança de fatos que estão alheios à história oficial ou que ficaram encobertos pelas grandes conquistas ou derrotas marcantes.

 Aferir o significado do Olímpico para a memória coletiva a partir do olhar e da interpretação dos atores sociais que compõem a mídia esportiva quanto ao impacto da demolição do estádio.

Justificativa:

A compreensão dos jornalistas esportivos que cobriram as atividades do Grêmio quando tinha como sede o Estádio Olímpico será de grande valia para registrar as memórias do estádio a partir de um olhar especializado e que tem, grosso modo, uma relação de “imparcialidade” no tocante à escolha e identificação com um clube de fuutebol.

Estrutura da entrevista

Apresentação:

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Motivo da entrevista;

Importância da entrevista;

15. Histórico:

- O Grêmio no contexto do futebol brasileiro (ontem e hoje);

- O início no jornalismo;

- Empresa em que atua;

- O início no jornalismo esportivo;

- Tempo de atuação no jornalismo e como setorista do clube;

- Principais eventos, torneios, campeonatos, copas que vivenciou;

- Os grandes jogos que cobriu.

16. O futebol da época em que trabalhou no Olímpico:

As grandes equipes;

As rivalidades;

Cobertura jornalística;

As Federações (Gaúcha, CBD ou CBF).

17. O Grêmio da época em que trabalhou:

- Jogadores e colegas funcionários que compunham o elenco ou trabalhavam no Grêmio; - Momento mais atuante vivido no Estádio Olímpico

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18. A relação atual com o clube e com o esporte

- Acervo de memória (dispõe de registros imagéticos, recortes de jornais, medalhas, diplomas, camisas, contra-cheque....);

- Frequenta o estádio, algum estádio, jogos de que time (...);

- Lembrança especial de algum jogador ou funcionário do clube com quem tiveste um bom convívio;

- “O Grêmio para mim é...”

- “O Olímpico para mim é...”

- Uma frase para posteridade (ou IMORTALIDADE).

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APÊNDICE E – Modelo de Termo de Concentimento e Participação em Pesquisa

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APÊNDICE F – Termo de anuência da instituição Grêmio FBPA

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