Relatividade Bem Comportada: Buracos Negros Regulares Well-Behaved Relativity: Regular Black Holes
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Revista Brasileira de Ensino de F´ısica, vol. 39, nº 3, e3303 (2017) Artigos Gerais www.scielo.br/rbef cb DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0288 Licenc¸aCreative Commons Relatividade bem comportada: buracos negros regulares Well-behaved relativity: regular black holes Juliano Neves∗1 1Instituto de Matem´aticaEstat´ıstica e Computa¸c˜aoCient´ıfica,Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. Recebido em 02 de Dezembro, 2016. Revisado em 17 de Janeiro, 2017. Aceito em 20 de Janeiro, 2017. A recente observa¸c˜aodas ondas gravitacionais corrobora uma das mais interessantes previs˜oes da relatividade geral: os buracos negros. Pois as ondas gravitacionais detectadas pela colabora¸c˜aoLIGO ajustam-se muito bem dentro da teoria da relatividade geral como um fenˆomenoproduzido pela colis˜ao de dois buracos negros. Sendo assim, a realidade f´ısicados buracos negros parece ainda mais ineg´avel hoje. Embora, uma mais contundente prova sobre a existˆenciade buracos negros seria dada pela observa¸c˜aodo seu horizonte de eventos, aquilo que o define. Neste artigo, ´eindicado que somente o horizonte de eventos define um buraco negro. Em sua defini¸c˜ao,n˜aoh´amen¸c˜ao`asingularidade em seu interior. Mostrar-se-´a, assim, que buracos negros sem singularidade s˜aoposs´ıveis. Tais s˜aohoje chamados de buracos negros regulares. Palavras-chave: Buracos Negros; Ondas Gravitacionais; Relatividade Geral; Singularidade The recent observation of gravitational waves confirms one of the most interesting predictions in general relativity: the black holes. Because the gravitational waves detected by LIGO fit very well within general relativity as a phenomenon produced by two colliding black holes. Then the reality of black holes seems almost undoubted today. However, a stronger proof on the reality of black holes would be indicated by the observation of the event horizon, which is what defines it. In this article, it is indicated that only the event horizon defines a black hole. There is no mention to the singularity in its definition. Thus, it will be shown that black holes without a singularity are possible. Such black holes are called regular black holes. Keywords: Black holes, Gravitational Waves, General Relativity, Singularity. 1. Introdu¸c˜ao gravitacionais. Se a astronomia, astrof´ısicae cos- mologia dependeram da radia¸c˜aoeletromagn´etica A colabora¸c˜aoLIGO (Laser Interferometer Gravita- para se desenvolverem at´eaqui, com as ondas gra- tional-Wave Observatory) anunciou o mais impac- vitacionais um novo tipo de radia¸c˜ao— a radia¸c˜ao tante resultado em f´ısicano ano de 2016: a detec¸c˜ao gravitacional — entra em cena, apresentando-nos o das ondas gravitacionais [1]. Sendo uma previs˜aoda mundo a partir de um novo olhar ou perspectiva. 1 relatividade geral, feita logo ap´osAlbert Einstein Com os resultados da colabora¸c˜aoLIGO sobre publicar sua teoria, tivemos que aguardar cerca de as ondas gravitacionais, outro resultado no mesmo um s´eculopara recebermos essa t˜aoesperada con- experimento, t˜aoimportante quanto, surge: a de- firma¸c˜ao.E tal confirma¸c˜aoabre as portas para uma tec¸c˜aode buracos negros. Conforme relatado pela prov´avel nova ´areana ciˆencia,a f´ısicadas ondas colabora¸c˜ao,a detec¸c˜aodas primeiras ondas gravi- tacionais foi poss´ıvel pois foram geradas pela colis˜ao ∗Endere¸code correspondˆencia:[email protected]. 1O artigo original, escrito por Einstein em alem˜ao,onde surge de dois buracos negros. E buracos negros s˜aouma o conceito de ondas gravitacionais na teoria da relatividade previs˜aoda teoria da relatividade geral t˜aoantiga geral, ´ea ref. [2]. Veja tamb´em[3], onde coment´ariossobre a quanto as ondas gravitacionais. O primeiro deles foi recente detec¸c˜aodas ondas gravitacionais s˜aofeitos na Revista proposto ainda em 1916. Foi o f´ısicoalem˜aoKarl Brasileira de Ensino de F´ısica. Copyright by Sociedade Brasileira de F´ısica.Printed in Brazil. e3303-2 Relatividade bem comportada: buracos negros regulares Schwarzschild [4] quem o propˆos,num famoso artigo assumem um valor “infinito”, ou seja, tendem ao infi- `aacademia prussiana de ciˆencias,onde as equa¸c˜oes nito. Em Reissner-Nordstr¨om,por ter carga el´etrica, do campo gravitacional (ent˜aorecentemente pro- pode-se descrever o conte´udode mat´eria/energia postas por Einstein na relatividade geral) de uma dessa solu¸c˜ao(conte´udodado por um campo eletro- massa pontual no v´acuoforam resolvidas. A solu¸c˜ao magn´etico que permeia o espa¸co-tempo) com o uso hoje ´econhecida como solu¸c˜aode Schwarzschild, de um tensor, o chamado tensor energia-momento. em homenagem ao seu autor. Tal solu¸c˜aopˆodeser E algumas componentes desse tensor, quando r = 0, interpretada (e foi depois) como descrevendo um divergem. Isto ´e,dependem da coordenada radial objeto astrof´ısico compacto, cujo campo gravitacio- na forma ∼ 1/r2. nal gerado por sua massa impede que mesmo a sua Foi somente na d´ecada de sessenta do s´eculopas- luz emitida escape para o exterior: nasce ent˜aoo sado quando uma poss´ıvel solu¸c˜aocome¸coua surgir conceito de buraco negro, termo popularizado por para o problema das singularidades no contexto da John Wheeler nos anos de 1950.2 teoria relatividade geral.4 O russo Andrei Sakharov, A solu¸c˜aoou m´etrica3 de Schwarzschild tem massa, num trabalho sobre a forma¸c˜aode estruturas num simetria esf´erica e n˜aopossui carga el´etrica. E´ tamb´em universo jovem [9], obteve um resultado interessante: uma boa aproxima¸c˜aopara descrever objetos as- conforme a mat´eriase aglomera, devido `agravita¸c˜ao, trof´ısicossem ou com pouca rota¸c˜aosobre o seu a densidade de energia n˜aodiverge no interior desse pr´oprioeixo, como o nosso Sol. Objetos imersos aglomerado de mat´eria,que pode ser uma gal´axia num espa¸co-tempo vazio, sem conte´udo de mat´eria. em forma¸c˜ao.Como veremos na se¸c˜aoIII, a n˜ao Uma similar solu¸c˜ao,mas com carga el´etrica,foi divergˆenciaou n˜aoocorrˆenciade uma singularidade proposta, independentemente, por Hans Reissner [6] somente ´esatisfeita caso o espa¸co-tempo, no interior e Gunnar Nordstr¨om[7] pouco tempo depois. Esta desse aglomerado, seja um espa¸co-tempo conhecido ´econhecida como m´etricade Reissner-Nordstr¨om como de Sitter, em homenagem ao seu criador, o ou buraco negro de Reissner-Nordstr¨om.E, assim holandˆesWillem de Sitter. Pouco tempo ap´oso re- como o buraco negro de Schwarzschild, n˜aotem um sultado de Sakharov, o inglˆesJames Bardeen [10] movimento de rota¸c˜ao,apresentando, ent˜ao,a sime- utiliza-o e constr´oia primeira m´etricade buraco tria esf´erica.Somente em 1963 Roy Kerr [8] propˆos negro sem singularidade. A solu¸c˜aoou m´etricade uma m´etricacom rota¸c˜aoou, de forma equivalente, Bardeen tem simetria esf´erica,n˜aopossui carga com simetria axial — nascia ent˜aoo primeiro buraco e difere da solu¸c˜aode Schwarzschild por possuir negro com rota¸c˜aono v´acuo,a primeira solu¸c˜aodas uma massa que n˜ao´euma constante m mas uma equa¸c˜oesde Einstein com tal caracter´ıstica. fun¸c˜ao m(r), que depende da coordenada radial. Seja no buraco negro de Schwarzschild, ou no de Sendo assim, a massa, que na solu¸c˜aode Schwarzs- Reissner-Nordstr¨om,ou no de Kerr, temos um pro- child ´epontual e localizada no centro do buraco, blema “aparentemente” sem solu¸c˜ao.E um problema em Bardeen espalha-se por todo espa¸co-tempo. Mas nada pequeno. As solu¸c˜oescitadas apresentam uma a fun¸c˜ao m(r) n˜aopode ser uma qualquer. Deve limita¸c˜ao`ateoria de Einstein ou, pelo menos, suas necessariamente fazer com que a m´etricade Bar- pr´opriaslimita¸c˜oes.Tais buracos negros apresentam deen seja, no seu n´ucleo,um espa¸co-tempo do tipo aquilo que ficou conhecido como uma singularidade. de Sitter. Com essa exigˆencia,o espa¸co-tempo no Nesse contexto, uma singularidade significa uma interior do buraco negro ´eregularizado, sendo ent˜ao falha, uma “fissura” nas equa¸c˜oese solu¸c˜oesda re- chamado de buraco negro regular. Isto ´e,um ob- latividade geral. No interior desses buracos negros, jeto compacto, com um horizonte de eventos e sem a singularidade significa o n˜aofuncionamento das uma singularidade. O buraco negro de Bardeen foi solu¸c˜oes.Por exemplo, no centro do buraco negro de o primeiro exemplo de um buraco negro sem uma Schwarzschild, quando a coordenada radial ´e r = 0, a m´etricaou solu¸c˜aoque o descreve diverge, e quanti- dades f´ısicase matem´aticastornam-se incalcul´aveis, 4Digo no contexto da relatividade geral porque h´auma sus- peita de que uma teoria quˆantica da gravidade, uma teoria do 2Cf. o artigo [5] sobre os 100 anos da solu¸c˜aode Schwarzschild campo gravitacional quantizado, poderia resolver o problema publicado recentemente na Revista Brasileira de Ensino de das singularidades em gravita¸c˜ao.Mas uma teoria completa, F´ısica. confi´avel e bem aceita pelos f´ısicosem geral ainda n˜aofoi apre- 3Solu¸c˜ao ou m´etrica, dentro da relatividade geral, s˜ao sentada. Mas, como veremos, mesmo no contexto einsteiniano, sinˆonimos. o da relatividade geral, ´eposs´ıvel resolver tal problema. Revista Brasileira de Ensino de F´ısica,vol. 39, nº 3, e3303, 2017 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0288 Neves e3303-3 singularidade.5 E, como veremos, h´aoutros tantos. do tipo espa¸coe do tipo luz. E quando somente a Porque matematicamente a defini¸c˜aode um buraco intera¸c˜aogravitacional ´elevada em conta, tais tra- negro n˜aoenvolve a no¸c˜aode singularidade.