O Caso Da Vila De Igarassu, Pernambuco – 1535-1632
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ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS DE IMPLANTAÇÃO DO URBANISMO E DA ADMINISTRAÇÃO PORTUGUESA NO BRASIL: O CASO DA VILA DE IGARASSU, PERNAMBUCO – 1535-1632 André Lemoine Neves Mestre em Desenvolvimento Urbano Doutorando em Desenvolvimento Urbano F. C. H. Esuda/MDU-UFPE [email protected] Resumo: A “Mui nobre, sempre Leal e mais antiga Vila da Santa Cruz e dos Santos Cosme e Damião” de Igarassu foi fundada em 1535 por Duarte Coelho, primeiro donatário de Pernambuco e administrada por um vianês chamado Afonso Gonçalves, preposto do donatário. Primeiro núcleo urbano de Pernambuco, Igarassu buscou, desde o seu surgimento, ser a materialização do modo de vida português tanto na sua forma física quanto na sua administração, mas apesar desse esforço, foi cedo substituída por Olinda, ficando relegada a um plano secundário no contexto da capitania e pouco se desenvolvendo política e fisicamente e, mesmo hoje, sendo pouco estudada nos meios acadêmicos, apesar de sua importância no contexto colonial em Pernambuco. Este artigo pretendeu analisar a implantação e desenvolvimento de Igarassu no seu “primeiro século” (1535-1632) e seu significado no processo de ocupação do território pernambucano, enfatizando seus elementos institucionais e sua materialização no espaço a partir da ótica da História e da Morfologia Urbana, obtendo resultados que parecem demonstrar que a forma de ocupação não advém de uma estrutura de colonização definida para o território hoje brasileiro, mas de um “transplante” dos modos lusos de ser e agir cristalizados ao longo da Idade Média e que não se alterariam instantaneamente porque instalados em outro meio. Palavras-chave: História do Brasil-colônia, História de Pernambuco, História urbana, Morfologia urbana. Abstract: The so called “Very noble, always loyal and older Town of Saint Cross and the Saint Cosmos and Saint Damian of Igarassu was established in 1535 by Duarte Coelho, first governor of Pernambuco and administrated by Afonso Gonçalves, governor’s agent. First urban settlement of Pernambuco, Igarassu searched, since its foundation to be the materialization of Portuguese way of life in its physical form and administration, but although this effort, the town was early substituted by Olinda, being relegated to a lower position in the context of colonization, with a little physical and political ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais development and very scarce academic researches about it, despite its importance in Pernambuco colonial context. This article aims to analyze the establishment and development of Igarassu in its “first century” (1535-1632) and its meaning in the process of occupation of Pernambuco territory, emphasizing its institutional elements and its materialization in space under the point of view of History and Urban Morphology, obtained results which seems to demonstrate that the way of occupation did not come from a defined structure of colonization specific to the territory currently knows as Brazil, but came from a “transplantation” of the Portuguese know-how defined along Middle Age and not altered only because used in other environment. Keywords: History of Colonial Brazil, History of Pernambuco, Urban History, Urban Morphology. Introdução Pesquisar os primórdios da ocupação portuguesa no território hoje conhecido como Brasil sempre resulta em um trabalho difícil pela falta de elementos substanciais para o desenvolvimento de algo cientificamente correto e substancial. Ainda assim, é preciso continuar as pesquisas e buscar o máximo de interpretações das informações disponíveis, sem, no entanto cair no “achismo” ou em ufanismos vazios. A intenção deste artigo é, exatamente lançar alguma luz sobre aspectos relativos à primeira experiência urbanística e, conseqüentemente administrativa dos portugueses no território hoje conhecido como Estado de Pernambuco que se materializa na Vila de Igarassu e sobre a qual, existem apenas citações dispersas em documentos coevos e um ou outro texto informativo mais recente, a despeito de sua importância histórica. A pesquisa aqui apresentada está, de certa forma, ligada à tese de doutorado intitulada, provisoriamente, “O processo de transposição da cidade portuguesa para o Brasil – Séculos XVI e XVII”, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano/MDU da Universidade federal de Pernambuco, onde se discute a permanência de elementos sócio-econômico-culturais e da morfologia urbana na ocupação do Brasil entre 1532 – ano de fundação de São Vicente e 1640 – ano da restauração portuguesa e início do processo de centralização administrativa que resultará na mudança na forma da cidade colonial, que se afastará de seus modelos lusitanos de forma mais evidente (TEIXEIRA e VALLA, 1999; VAINFAS et al., 2000). As informações e as discussões parecerão vagas, mas isto resulta exatamente da intenção de demonstrar, indiretamente, a necessidade do prosseguimento e ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais aprofundamento das pesquisas, especificamente sobre Igarassu e a região norte de Pernambuco – pesquisas essas que demandarão cada vez mais o auxílio de outras Disciplinas, dentre elas e, principalmente, a Arqueologia. O artigo procura evidenciar que o processo de urbanização da colônia, em especial da Vila de Igarassu não resultou de um plano pré-definido na metrópole, mas de uma transferência de um “saber-fazer” português, surgido na Idade Média, que se aplicou tanto na administração do novo território quanto da forma dos espaços urbanos surgidos aqui, já que tais conhecimentos não poderiam ser alterados de forma drástica porque utilizados em outro meio ou porque, a posteriori, definiu-se que a colonização portuguesa no Brasil se deu na “Idade Moderna” (LE GOFF, 2008). 1. Os antecedentes da ocupação em Pernambuco: as feitorias Segundo Pereira da Costa (1983, v. 1, p. 31), Pernambuco teria sido visitado por Vicente Yañez Pinzón em 20 de fevereiro de 1500 no lugar hoje conhecido como Cabo de Santo Agostinho. Esse episódio, extremamente valorizado pelos promotores culturais do Estado na atualidade, não possui relevância no processo de colonização das terras pernambucanas. Posteriormente, em fins de 1516, as escaramuças entre a flotilha de Juan Dias de Solis e portugueses no Porto de Pernambuco, desembocadura do canal de Santa Cruz, dão conta da existência da Feitoria de Pernambuco, situado no local hoje conhecido como Sítio dos Marcos, município de Igarassu. Novamente, segundo Pereira da Costa (1983, v. 1, p. 83), seria esta a mais antiga menção à feitoria e, obviamente, a mais antiga ocupação portuguesa em território pernambucano, que teria sido fundada por Cristóvão Jaques em viagem exploratória, naquele mesmo ano. Explorações arqueológicas recentes atestaram a existência da feitoria no local tradicionalmente indicado (ALBUQUERQUE, 2006). As feitorias representavam um modelo de ocupação, ligado à exploração de produtos naturais ou ao comércio, e utilizado desde a Idade Média. Em Portugal, as feitorias tinham um caráter de grandes e organizados entrepostos comerciais como a feitoria estabelecida pelos portugueses em Bruges em 1499. Mas as feitorias estabelecidas no Brasil no início da colonização estavam mais afeitas, de um modo geral às feitorias estabelecidas na África, como a primeira, erguida em Arguim em 1448 e cujo modelo mais conhecido ficou materializado pelo castelo de São Jorge da Mina, erguido em 1482 no golfo da Guiné (VAINFAS, et al., 2000). A principal diferença entre as feitorias portuguesas erguidas na África e as do Brasil, em especial a Feitoria de Pernambuco, é a precariedade dessas: enquanto as feitorias africanas eram entrepostos de pedra e cal, bem armados e guarnecidos de soldados, ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais as feitorias “brasileiras” eram casas de taipa cercadas por paliçadas de madeira, com poucos homens para defendê-la. Obviamente tal precariedade está relacionada ao fato de que no Brasil, até aquele momento não havia sido encontrado metais ou pedras preciosas e a extração do pau-brasil e das especiarias não seria suficientemente lucrativa para justificar gastos com estruturas mais sólidas e permanentes. Há que considerar que a Feitoria de Pernambuco durou tempo suficiente para servir de abrigo provisório para Duarte Coelho, sua família e aliados como será visto adiante. Segundo Santos (1968, p. 72), “ignora-se como teriam sido as feitorias”, mas pelas descrições de alguns cronistas, provavelmente teriam um alojamento, armazéns, um pátio e seriam cercadas por paliçadas de madeira ou muros de taipa. Tais instalações não foram as precursoras das vilas coloniais já que, de um modo geral – como no caso da Feitoria de Pernambuco – não passariam de acampamentos provisórios sem os elementos físicos e sociais presentes em aglomerados urbanos, por menores que fossem (SANTOS, 1968). 2. As capitanias hereditárias ou o senhorio medieval português