na Pan-Amazônia

Ellen Sílvia Amaral Figueiredo Organizadora Biologia, conservação e manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia GOVERNO DO BRASIL

PRESIDENTE DA REPÚBLICA Dilma Vana Rousseff

MINISTRO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO – MCTI Marco Antonio Raupp

INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ IDSM/OS/MCTI

DIRETORIA GERAL Helder Queiroz

DIRETORIA ADMINISTRATIVA Selma Santos de Freitas

DIRETORIA TÉCNICO-CIENTÍFICA João Valsecchi do Amaral

DIRETORIA DE MANEJO E DESENVOLVIMENTO Isabel Soares de Sousa

COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE MANEJO DE PESCA Ana Cláudia Torres Gonçalves Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

Biologia, conservação e manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

Ellen Sílvia Amaral Figueiredo Organizadora

Tefé 2013 © Direito de cópia/ copyright por/by IDSM 2013

Foto capa (frente) Marilene Ribeiro

Foto capa (costa) Eduardo Coelho

Projeto editorial, Capa, Editoração Eletrônica, Normalização e Catalogação Eliete Amador Alves Silva

Revisão Sauer Teles

Figueiredo, Ellen Sílvia Amaral (Org.) Biologia, conservação e manejo participativo de pirarucus na Pan- Amazônia. Organizado por Ellen Amaral. Tefé: IDSM, 2013. 278 p. , il.

ISBN: 978-85-88758-29-2

1. Pesca - Pan-Amazônia 3. Arapaima gigas. 3. Pirarucu. I. Título.

CDD: 639.2 SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...... 09

PREFÁCIO ...... 13

PARTE I BASES CIENTÍFICAS PARA O MANEJO DE PIRARUCU: UMA DÉCADA DE CONHECIMENTOS GERADOS

O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia ...... 17 Leandro Castello, Donald J. Stewart, Caroline C. Arantes

Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu ...... 33 Caroline Arantes, Leandro Castello

Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822..... 43 Kelven Lopes, Rossineide Rocha, Maria Auxiliadora, Helder L. Queiroz

Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá ...... 59 Adriana Gomes Affonso, Helder L. Queiroz, Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo

Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá ...... 69 Juliana Araripe

Fauna Macrobentônica de Lagos de Várzea como Indicador de Impacto da Pesca Manejada de pirarucus ...... 87 Lorena Almeida, José Souto Rosa-Filho, Daiane Aviz; Helder L. Queiroz Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) ...... 103 Guido Miranda-Chumacero, Kelven Lopes, Yuba Sánchez, Helder L. Queiroz, Jaime Sarmiento

A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana: impactos nas pescarias, cadeias de valor emergentes e perspectivas para a gestão comunitária ...... 131 Fernando M. Carvajal - Vallejos, Alison Macnaughton, Claudia Coca, Selín Trujillo, Joachim Carolsfeld, Paul A Van Damme

Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das Reservas Amanã e Mamirauá ...... 151 Ellen Amaral, Oriana Almeida

A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas ...... 163 Rafael Castanheira

PARTE II APOIO TÉCNICO E GOVERNAMENTAL PARA O MANEJO DE PIRARUCUS

Visão do Ministério da pesca e aquicultura sobre a regulamentação da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) na Amazônia Brasileira ...... 191 Jeanne Gomes da Silva

O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao Manejo Participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais ...... 196 João Bosco Ferreira da Silva, Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior, Gelson da Silva Batista

Recuperando a pesca do pirarucu no baixo Amazonas, Brasil ...... 207 Leandro Castello, Caroline C. Arantes, Fabio Sarmento, David G. McGrath

A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) ...... 213 Ellen Amaral; Ana Cláudia Torres e Nelissa Peralta

6 PARTE III EXPERIÊNCIAS DE MANEJO PARTICIPATIVO DE PIRARUCUS NA PAN-AMAZÔNIA

A governança no manejo de pirarucu na Reserva Extrativista do Baixo Juruá, Amazonas ...... 239 Paula Soares Pinheiro, Raimundo Ferreira Lima, João da Silva Ferreira, Jusecleide Gomes Ferreira, Marcelo Costa Ferreira, Tatiana Maria Machado de Souza, Isaura de Oliveira Bredariol, Ana Luiza Castelo Branco Figueiredo

Manejo do pirarucu na RDS Piagaçu Purus: estratégias para conservação ...... 245 José Gurgel Rabello Neto

Programa de manejo de pesca de pirarucu como ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos na Reserva Nacional Pacaya Samiria ...... 249 Jorge Luis Gómez Noriega

A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no Manejo Comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil ...... 257 Edvaldo Tavares de Lira, Enrique Araújo de Salazar, Miguel Arantes

O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã ...... 267 Ana Cláudia Torres Gonçalves

7

APRESENTAÇÃO

É com enorme satisfação que atendo ao convite da organizadora para apresentar o livro que agora se encontra em suas mãos. Posso constatar que, enfim, podemos contar com um volume de informações mais consistentes sobre a biologia dos pirarucus, bem como sobre as iniciativas de manejo desta espécie desenvolvidas na Amazônia. Estas informações aparecem reunidas pelos principais estudiosos de pirarucus, por representantes das principais experiências de seu manejo na Amazônia, e por representantes das principais organizações de governo envolvidas no fomento desta atividade. Sem dúvida esta é uma grande conquista, que alegra a todos nós. A organização deste volume vem sendo planejada desde quando o sistema de manejo da pesca de pirarucus, sustentável e de base comunitária, desenvolvido na Reserva Mamirauá finalmente completou seu décimo aniversário. Desde aquele momento, ficou clara a necessidade de revisarmos e atualizarmos todo o conhecimento científico disponível sobre a espécie, particularmente, aquele conhecimento gerado nos últimos anos, a partir das experiências de manejo. Também era clara a necessidade de trocarmos as experiências adquiridas nestes distintos locais de manejo, de modo a adequarmos aquele conhecimento com esta prática, que já completa agora aproximadamente 15 anos. E, em última instância, também consideramos que há grande necessidade de provermos os técnicos e os tomadores de decisão na Amazônia de uma literatura especializada e de maior profundidade técnico-científica, mas em língua portuguesa. Todas estas compõem etapas da preparação do terreno para um processo mais acentuado e acelerado de multiplicação destas boas práticas, facilitando assim a construção de planos de manejo realistas e de qualidade. Planos que possam servir de base para novas e positivas experiências locais na Amazônia Brasileira, e também nos países vizinhos da Pan-Amazônia. Após quase 15 anos de vida do manejo participativo do pirarucu na Reserva Mamirauá, todos os indicadores disponíveis até o momento sugerem que este sistema tem se mostrado um sucesso. Já premiado no Brasil e, mais recentemente, também pela Organização das Nações Unidas (ONU), ele é reconhecido como

9 uma das mais relevantes experiências de uso sustentável de recursos naturais por populações locais em curso no momento na Amazônia. O sistema dá todas as indicações de que realmente atende aos seus pressupostos de sustentabilidade, participação, envolvimento e conservação. Foi a urgente necessidade de conservar esta importante espécie que motivou o início das pesquisas voltadas para o seu manejo, ainda em 1992. Posteriormente, foi a sua relevância social, política e econômica a responsável pela implantação, manutenção, consolidação, aperfeiçoamento e irradiação do manejo. O sistema de manejo consolidado mostrou-se capaz de, quando corretamente aplicado, conservar o recurso, gerar melhores condições de vida aos pescadores, e criar novas oportunidades para outros agentes econômicos regionais, auxiliando na construção de estratégias sustentáveis de desenvolvimento regional. Esta prática de manejo foi iniciada ainda em 1998/99 como resultado do esforço de vários pesquisadores, técnicos extensionistas, e pescadores comunitários que atuavam na Reserva Mamirauá à época. Hoje, esta prática já representa um caso exemplar de construção de cadeias produtivas sustentáveis e arranjos produtivos locais para a Amazônia. Após alguns anos de muita pesquisa científica e da implantação de alguns experimentos-piloto, principalmente baseados no Setor Jarauá da Reserva Mamirauá, o sistema de manejo criado passou por uma rápida fase de crescimento e multiplicação local e regional no Médio Solimões, observada entre 2002 e 2008. Neste mesmo período, a experiência demonstrou ter alcançado sua maturidade por ser capaz de identificar seus próprios erros, e de corrigi-los com presteza e eficácia. O adensamento destas experiências multiplicadas na Região do Médio Solimões gerou maior volume de produção deste pescado, e abriu a oportunidade para o estabelecimento de novos elos desta nascente cadeia, em experiências fomentadas pela ação do Estado. Hoje, existe um segmento da cadeia produtiva que busca explorar este maior volume de produção. Ele busca agregar novos valores à cadeia por meio de processos de beneficiamento que pretendem levar o produto a novos e mais amplos mercados, muito embora os resultados práticos desta abordagem ainda sejam questionáveis. Apesar de lidar com visões distintas, e muitas vezes conflitantes, aos poucos uma cadeia de valor vai se estruturando no interior da Amazônia, gerando benefício a seus membros. Tais benefícios são continuados a outros segmentos da sociedade, por meio da intensificação da atividade econômica regional, e da sua tributação. Hoje, é dever de todos nós fazer com que esta cadeia atente sempre para os interesses dos manejadores de pirarucu, que são os protagonistas principais deste processo de tanta relevância, e para a conservação desta importante espécie.

10 Uma vez consolidada regionalmente esta experiência, agora um maior esforço deve ser devotado na sua multiplicação em outras partes da Amazônia, a partir do seu centro irradiador, que é o Médio Solimões. Embora a consolidação regional no Estado do Amazonas já esteja bem assegurada, temos ainda um caminho longo buscando a consolidação local de experiências pioneiras nos Estados do Acre, Tocantins e Rondônia. E até mesmo no Estado do Pará, que conta com uma das mais antigas experiências de manejo comunitário do pirarucu, na região de Santarém, no Médio Amazonas, ainda há necessidade de consolidar as boas experiências de manejo dos pirarucus. Esforço adicional é, portanto, necessário para consolidar estas frentes de multiplicação, tanto no Brasil quanto em países vizinhos que já iniciaram o processo de manejo comunitário de pirarucus, como as Guianas, Peru, Colômbia e mesmo a Bolívia, país onde a espécie foi acidentalmente introduzida em fins do século passado, na bacia do rio Beni, e onde hoje já é objeto das primeiras experiências de manejo em algumas localidades (também visando o controle da população desta espécie que, naquela bacia, tem o perfil de uma invasora). Entretanto, nem tudo está completamente resolvido no centro irradiador do modelo de manejo. No Médio Solimões, ainda há dificuldades de aplicação de alguns dos mais importantes critérios técnicos para estabelecimento das atividades de manejo. Tais critérios, não apenas relacionados aos aspectos biológicos das populações manejadas da espécie, como também relacionados aos aspectos socioeconômicos e políticos das populações manejadoras, ainda são pouco considerados pelas instituições responsáveis por fomentar as ações replicadoras, o que coloca em risco a sustentabilidade e a credibilidade de todo o sistema. Outras dificuldades também persistem junto aos órgãos de licenciamento e controle, onde ainda há pouca compreensão acerca de aspectos básicos da biologia da espécie e acerca da prática de seu manejo, demandando uma discussão mais qualificada a respeito destes temas. Preencher estas lacunas é outro dos objetivos deste livro. E ainda há uma grande limitação à maior expansão do manejo, um grande desafio a ser superado nos próximos anos: a cuidadosa construção da qualidade sanitária do produto. Isto irá, finalmente, permitir uma maior democratização da cadeia produtiva, aumentando as opções de agregação de valor, permitindo que o pequeno produtor tenha maiores opções de venda e, consequentemente, melhores preços para seu produto. Esta mudança estrutural poderá, enfim, ampliar largamente o mercado deste produto mais valorizado e redefinir o papel dos elos da cadeia, empoderando os produtores. A possibilidade de venda do produto manejado in natura, resfriado ou

11 congelado, ainda é largamente limitada pela sua baixa qualidade sanitária. Este é, portanto, o principal desafio científico e tecnológico que devemos enfrentar nos próximos anos, para aperfeiçoar e democratizar esta nova cadeia produtiva. Para isto, contamos com a continuidade da parceira entre academia, os institutos de pesquisa, os órgãos representativos da categoria dos pescadores, e do governo, na sua capacidade de licenciador, controlador e fomentador de atividades econômicas sustentáveis. Juntos, todos podem colaborar para aprimorar esta iniciativa já importante na economia da Amazônia Brasileira. Este livro não poderia existir sem que um grande número de pessoas tivesse dedicado seu tempo e seu esforço no planejamento e na organização do mesmo. Quero, em nome do Instituto Mamirauá, agradecer profundamente a todos aqueles que colaboraram com este livro, especialmente a sua organizadora, Ellen Amaral, que esteve à frente de todas as fases de preparação e organização. A ela, nosso maior e mais representativo agradecimento. Eu estou certo de que este livro será saudado por todos os seus vários públicos, atingindo os diferentes alvos aos quais ele é dirigido. Para o bem da conservação da espécie, e para a perpetuação de uma atividade econômica tão antiga, tão expressiva, simbólica e representativa da cultura local e tão relevante para a vida das comunidades ribeirinhas da Amazônia.

Helder L. Queiroz Julho de 2013

12 PREFÁCIO

O Manejo participativo de pirarucus na Amazônia foi implementado pela primeira vez na Reserva Mamirauá, no estado do Amazonas, no ano de 1999. Desde então, a atividade tem sido replicada em diversas regiões da Pan-Amazônia devido a sua proposta inovadora de aliar a conservação de um recurso natural importante para a população ribeirinha e a sua exploração econômica. Realizado em ambientes de várzea por pescadores ribeirinhos com o apoio de técnicos, extensionistas e pesquisadores de organizações governamentais e não governamentais, o manejo tem gerado expressivos resultados nos âmbitos social, ecológico e econômico. Dentre os principais avanços alcançados estão a regularização da pesca comercial de pirarucu, proibida no estado do Amazonas a partir de 1996 (Portaria n° 8 de 2 de fevereiro de 1996); o aumento anual médio na população de pirarucu em cerca de 25%, nas áreas de manejo; o aumento anual médio na renda gerada em cerca de 29%; e o reconhecimento conferido ao grupo de pescadores pela prática de ações sustentáveis ecologicamente. Nesse sentido, considerando o ineditismo da proposta do manejo e a grande expansão da atividade para as demais regiões Amazônicas com contexto semelhante ao da Reserva Mamirauá, torna-se fundamental o desenvolvimento de estudos e a divulgação de seus resultados, assim como a promoção da discussão sobre os principais desafios a serem enfrentados, e a partilha da expertize adquirida na assessoria técnica / extensão nas áreas de manejo em desenvolvimento. Sendo assim, com o intuito de promover o encontro entre os pesquisadores, as lideranças de pescadores e os técnicos / extensionistas envolvidos no manejo participativo de pirarucu em ambientes naturais; socializar as informações científicas disponíveis; debater sobre o apoio técnico e governamental para o manejo da espécie; e disseminar as diferentes experiências de manejo desenvolvidas na Pan Amazônia foi realizado o 1° Seminário Internacional sobre Conservação e Manejo de pirarucu em ambientes naturais em Manaus, em agosto de 2012. Biologia, Conservação e Manejo Participativo de pirarucus na Pan-Amazônia reúne a publicação de 18 artigos elaborados pelos principais especialistas e técnicos ligados ao manejo de pirarucu na atualidade e que participaram do Seminário internacional em Manaus. Portanto, este documento tem como missão disponibilizar aos interessados as principais informações sobre o manejo de pirarucu geradas na última década, a fim de subsidiar suas ações em campo.

13 Para alcançar seus propósitos o presente livro foi organizado em três partes contendo artigos acerca dos estudos científicos realizados, das assessorias técnica e governamental prestadas e das experiências de manejo desenvolvidas. A Parte I “Bases Científicas para o Manejo de pirarucu: Uma década de Conhecimentos Gerados” traz 10 artigos sobre biologia, ecologia e genética do pirarucu, assim como sobre economia e documentação fotográfica do manejo. A Parte II “Apoio técnico e governamental para o manejo: realidade dos Estados do Amazonas e Pará”, por sua vez, reúne 4 artigos sobre a visão institucional do manejo, método de avaliação que auxilia o melhor desenvolvimento da atividade, e estratégias para a recuperação da população de pirarucus em áreas de manejo fora de Unidades de Conservação, como o caso do Baixo Amazonas. E, por fim, a Parte III “Experiências de manejo participativo de pirarucu na Pan-Amazônia” apresenta 4 experiências de manejo desenvolvidas em regiões do Amazonas, Pará e na Reserva Pacaya-Saimiria, no Perú. A realização deste livro foi possível graças à colaboração de inúmeras pessoas ligadas direta ou indiretamente ao manejo participativo de pirarucu em ambiente natural. Por esta razão, gostaria de agradecer enormemente a participação de cada um dos autores, que são inteiramente responsáveis pelos trabalhos que compõe esta obra, assim como dar o meu muito obrigada aos revisores que dedicaram seu precioso tempo na avaliação desses artigos. Gostaria também de fazer um agradecimento especial ao diretor do Instituto Mamirauá Dr. Helder Queiroz e a coordenadora Ana Cláudia Torres, representante da equipe do Programa de Manejo de Pesca desse Instituto, que não mediram esforços para a concretização do Seminário e deste livro. E agradeço também ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ao Instituto Mamirauá que tornaram realidade o Seminário e esta obra. Por fim, agradeço a Deus pelas infinitas bênçãos recebidas, a meus pais Dalmir e Ana Amélia Amaral e ao meu esposo Thiago Antônio de Sousa Figueiredo, pelo apoio incondicional. Sem mais, vamos aos artigos...

Ellen Sílvia Amaral Figueiredo

14 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes

Parte I

Bases científicas para o manejo de

pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

15

O QUE SABEMOS E PRECISAMOS FAZER A RESPEITO DA CONSERVAÇÃO DO PIRARUCU (Arapaima spp.) NA AMAZÔNIA

Leandro Castello1, 2 Donald J. Stewart3 Caroline C. Arantes4, 5

INTRODUÇÃO manejo, e conservação do pirarucu. Algumas populações de pirarucu foram Práticas insustentáveis de pesca têm bem estudadas e manejadas, o que nos impactado as populações de pirarucu permite avaliar o conhecimento atual (Arapaima spp.) na maior parte da sobre o pirarucu dentro do contexto da Amazônia (BAYLEY; PETRERE, 1989; Amazônia. Este capítulo faz uma síntese CASTELLO et al., 2013a). O pirarucu do conhecimento atual sobre o pirarucu, passou de peixe dominante das pescarias e tenta responder a seguinte pergunta: Amazônidas um século atrás, a ser um O que sabemos sobre o pirarucu, e o peixe cada vez mais raro (VERÍSSIMO, que precisamos fazer a respeito de sua 1895; ISAAC et al., 1993). Mas apesar conservação? disso, o pirarucu continua sendo um peixe símbolo da Amazônia. Embora muitos outros peixes sejam importantes, METODOLOGIA DE ANÁLISE como o curimatá (Prochilodus nigricans), Esta revisão da literatura cobriu tópicos por exemplo (CRAMPTON et al., 2004) relacionados à biologia, ecologia, e poucos peixes se destacam na sua manejo do pirarucu. Com relação à importância como o pirarucu, sendo biologia e ecologia, os tópicos revisados o peixe de maior interesse para as foram a taxonomia, habitat, história de populações ribeirinhas. vida, crescimento, e reprodução. Com Vários esforços de pesquisa e manejo relação ao manejo, os tópicos revisados têm nas últimas décadas avançado o foram a captura e comércio, medidas conhecimento da biologia, ecologia, de manejo, monitoramento, ameaças,

1 Woods Hole Research Center, Falmouth, Massachusetts, Estados Unidos 2 Department of Fish and Wildlife Conservation, Virginia Polytechnic Institute and State University, Blacksburg, Virginia, Estados Unidos 3 Department of Environmental and Forest Biology, College of Environmental Science and Forestry, State University of New York, Syracuse, New York, Estados Unidos 4 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Santarém, PA, Brasil 5 Department of Wildlife and Fisheries Sciences, Texas A&M University, College Station, Texas, Estados Unidos

17 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados e status das populações. A literatura tributários importantes da Amazônia utilizada foi aquela publicada em meios não possuem nem sequer um espécime. científicos reconhecidos. Com base na A noção taxonômica de várias espécies revisão desses tópicos discutimos o de pirarucu contrasta com alguns que precisamos fazer a respeito de sua estudos de variação genética. Hrbek . conservação. (2005) estudaram a variação no DNA mitocondrial do pirarucu coletado em BIOLOGIA E ECOLOGIA mercados regionais ao longo da calha do Solimões-Amazonas, incluindo Taxonomia um mercado na Bacia do Tocantins, O pirarucu tem sido considerado como e concluíram que suas amostras sendo um gênero monotípico há mais representavam uma única população de de 140 anos (e.g. FERRARIS, 2003), pirarucu. Araripe et al. (2013) estudaram incluindo apenas a espécie Arapaima variação genética de amostras de gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822). Isso pirarucu separadas por várias distâncias se deve a um resumo publicado em um —25, 100, e >1300 km— e concluíram catálogo, onde Günther (1868) listou as que há um alto grau de diferenciação três espécies descritas por Valenciennes genética entre amostras separadas por (em CUVIER; VALENCIENNES, 1847: mais de 1300 km de distância. Araripe A. agassizii, A. mapae e A. arapaima) na . não mencionam a possibilidade de sinonímia de A. gigas sem apresentar haver mais de uma espécie. No entanto, análise ou razão. No entanto, estudos Watson (2011) encontraram unidades recentes mostram evidência não só evolutivas distintas separadas pelas da validade da espécie A. agassizii bacias dos rios Branco e Essequibo, e (STEWART, 2013a), mas também concluiu que há mais de uma população descrevem uma espécie nova da de pirarucu na Guyana. Amazônia Central (STEWART, 2013b; Até hoje, o único exemplar conhecido Figura 1). Existem, portanto, no de A. gigas é o holótipo (i.e., espécime mínimo ,cinco espécies de pirarucu. usado para descrever originalmente Se considerarmos que a taxonomia do espécie), o qual foi coletado perto de pirarucu quase não tem sido estudada, Santarém, Pará, Brasil, em cerca de 1787 é provável que exista um número ainda (STEWART, 2013a). Outros exemplares maior de espécies. de A. gigas não foram encontrados em Hoje em dia, é possível determinar habitats naturais da bacia Amazônica. a distribuição geográfica apenas do A discrepância entre os estudos atuais gênero Arapaima e as localidades de e o alto nível de incerteza quanto coleta das espécies descritas (Figura 2). à taxonomia do pirarucu reforça a No entanto, a distribuição geográfica necessidade de estudos adicionais. A das espécies é impossível de ser falta de informações mais refinadas a determinada devido à falta de cerca da taxonomia do pirarucu requer informações. Coleções ictiológicas que este estudo considere apenas o possuem apenas um espécime de gênero Arapaima. pirarucu em poucas localidades, e vários

18 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes

Figura 1 – Comparação de diferenças morfológicas de três espécies de pirarucu: A) Arapaima leptosoma, foto tomada em um aquário em Sevastopol, Ucrânia (comprimento do peixe desconhecido, cabeça e cauda curvadas por efeito da foto; veja agradecimentos; B) Arapaima leptosoma , holotipo, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) 16847, 77.6 cm comprimento padrão, Estado do Amazonas, Rio Solimões, perto de Anori (STEWART, 2013b); C) juvenile Arapaima sp. incertae sedis, INPA 26582, 61.9 cm comprimento padrão, Estado do Amazonas, Reserva Mamirauá (Jarauá); D) Arapaima agassizii, holotipo, aproximadamente 98 cm comprimento padrão, Bacia Amazônica, Brasil (fonte STEWART, 2013a). Setas indicam diferenças importantes na forma das cavidades sensoriais preoperculares, orientação da base da nadadeira peitoral, e forma das nadadeiras dorsais, anais, e caudais. Peixes B e C também diferem na sua espessura. As manchas grandes nas nadadeiras caudais e ausência de manchas meio-laterais em A tornam esta espécie muito rara. As diferenças entre B e C indicam a presença de, pelo menos, duas espécies na Amazônia Central (STEWART, 2013b).

19 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Figura 2 – Resumo da informação disponível sobre a distribuição geográfica do gênero Arapaima no norte da América do Sul. Mapa modificado de Castello e Stewart (2010). Fronteiras políticas são mostradas com linhas pontilhadas. Estrelas indicam cidades mencionadas no texto. Áreas em azul indicam áreas alagá- veis (CASTELLO, et al., 2013). Área de introdução do pirarucu na Bolívia é de Miranda-Chumacero, et al. (2012). Localidades de coleta de espécies diferentes são indicadas por letras: G = A. gigas, M = A. mapae, A = A. arapaima, e L = A. leptosoma; a localidade para A. agassizii é desconhecida (Stewart 2013 a, b).

Habitat Migração, crescimento e reprodução O pirarucu habita principalmente Nas planícies de alagação dos rios de áreas de planícies alagadas na bacia água branca, chamadas de várzea (SIOLI, do Amazonas e Essequibo, incluindo 1984), o pirarucu faz migrações laterais florestas alagadas, rios, lagos, e ao longo do ano seguindo a inundação algumas drenagens costeiras do Brasil. das águas (LOWE-MCCONNELL, 1964; A distribuição geográfica do pirarucu CASTELLO, 2008a). O pirarucu vive nos geralmente é determinada por barreiras geográficas, como as quedas de água lagos de várzea, mas também pode ser que têm correnteza forte e impedem encontrado nas praias dos rios e em sua passagem (Figura 2). O pirarucu alguns canais durante a época de seca habita especialmente ambientes com (Figura 3). É nessa época que o pirarucu correnteza fraca ou nula como os lagos adulto forma o casal. Quando o nível do (QUEIROZ; SARDINHA, 1999; CASTELLO, rio sobe um pouco, o casal constrói o 2008a). ninho na beira das florestas de restinga

20 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes que circundam os ambientes de lago, descer, a prole mede cerca de 30-50 cm ressaca, e paraná (CASTELLO, 2008a; de comprimento, e a prole e o pirarucu CASTELLO, 2008b). O casal de pirarucu adulto começam a migrar para os canais deposita, fertiliza, e cuida dos ovos de paraná e cano, e depois migrando até que os ovos eclodam. Há indícios para dentro dos lagos. que o gênero possa fazer múltiplas Ao contrário do que alguns autores desovas em um mesmo ano (LÜLING, sugerem (ISAAC et al., 1993), o 1964; NEVES, 1995). O macho cuida da pirarucu cresce rápido e se reproduz prole, e migra para as florestas alagadas relativamente cedo. que oferecem um ambiente rico em Em condições onde não há pesca ou comida. Muitos peixes também migram nas quais os pescadores respeitam o lateralmente para as florestas alagadas tamanho mínimo de abate, o pirarucu da várzea em busca das frutas e insetos cresce até 88 cm de comprimento no seu que são fáceis de serem predados neste primeiro ano de vida, 123 cm no segundo ambiente. Alguns desses peixes são ano, 154 cm no terceiro ano, 174 no alimentos preferidos do pirarucu adulto, quarto ano, e 188 no seu quinto ano enquanto insetos e pequenos camarões de vida (ARANTES et al., 2010). Nessas são alimento preferido do pirarucu condições, a fêmea do pirarucu no Rio jovem (SÁNCHEZ, 1969; QUEIROZ, Solimões atinge maturidade sexual a 2000). Quando o nível da água começa a partir de 157 cm de comprimento total

Figura 3 – Diagrama esquemático das migrações do pirarucu no ambiente de várzea durante o ano (baseado em CASTELLO, 2008a, CASTELLO, 2008 b).

21 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados e aos três anos de idade (ARANTES Dieta e papel no ecossistema et al., 2010). Godinho et al., 2005 O pirarucu tem sido considerado um determinaram que o comprimento de predador de topo de cadeia trófica. primeira maturação do pirarucu no Rio Por isso, ele provavelmente regula a Tocantins é 145–154 cm e 115–124 cm, estabilidade do ecossistema que habita. de comprimento total para fêmeas e O pirarucu é prioritariamente piscívoro; machos, respectivamente. No entanto, suas presas são, geralmente, peixes Arantes et al. (2010) mostraram que a pequenos e abundantes, especialmente seletividade da pesca feita com arpão e redes malhadeiras tende a diminuir a os detritívoros e onívoros (SÁNCHEZ, velocidade de crescimento do pirarucu 1969; QUEIROZ, 2000). No entanto, um através da remoção da população estudo atual encontrou evidência de daqueles indivíduos que são maiores isótopos de nitrogênio que o pirarucu entre aqueles da mesma corte e que é um peixe onívoro (WATSON et al., (por isso) crescem mais rapidamente. 2013). Até o momento nenhum estudo Portanto, o crescimento do pirarucu é determinou o papel que o pirarucu afetado pelas práticas de pesca. exerce para o ecossistema. Dinâmica populacional Tamanhos populacionais As populações de pirarucu podem Usando uma análise genética, Hrbek se recuperar rapidamente da sobre- et al. (2005) estimaram que a população exploração em grande parte devido de pirarucu em uma área de aproxima- ao cuidado parental, crescimento e damente 100.000 km2 na bacia Ama- maturação sexual rápido. Cinco zônica seria de 300.000 indivíduos. No populações de pirarucu que se entanto, censos populacionais feitos na encontravam sobre-exploradas e que passaram a ser exploradas de maneira Reserva Mamirauá mostraram a existên- sustentável aumentaram em abundância cia de pelo menos 50.000 indivíduos a uma taxa média de 25% ao ano em uma área de cerca 1.000 km2 onde (ARANTES, 2006). Castello et al. (2011a) as populações de pirarucu estão sendo desenvolveram um modelo empírico da bem manejadas (ARANTES et al., 2006). dinâmica de uma população de pirarucu Castello et al. (2011a) propuseram uma e estima que populações bem manejadas classificação da densidade do pirarucu de pirarucu podem render anualmente por tipo de manejo, e estimaram que, cerca de 1.5 kg/ha de peixe inteiro. No atualmente, a população no ecossistema entanto, essa estimativa é cinco vezes de várzea é em torno de 800.000 indiví- maior que a estimativa de Sánchez duos maiores de 1 m de comprimento. (1969) de 0.3 kg/ha de várzea, a qual foi obtida com base na observação de séries No entanto, é difícil extrapolar dados históricas de dados de produção. Isso de censos populacionais existentes para indica a necessidade de entender melhor áreas grandes porque as densidades de a capacidade produtiva das populações pirarucu podem variar muito, de 0 a 200 de pirarucu, pois ela pode variar nas indivíduos/ha, dependendo do manejo. diferentes partes da bacia Amazônica.

22 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes

Tendências populacionais que está conservando o pirarucu Acredita-se que as populações de efetivamente, muito menos sobre as pirarucu estão seguindo uma tendência tendências nas populações de pirarucu geral de declínio na Bacia Amazônica. No na área dessas comunidades. século XIX e início do XX, o pirarucu era MANEJO E CONSERVAÇÃO responsável pela pesca mais importante da Amazônia (VERÍSSIMO,1895), mas Medidas de manejo a partir dos anos 1950 as capturas e o As tentativas governamentais de manejar comprimento dos indivíduos capturados a pesca do pirarucu na Amazônia não começaram a reduzir (ISAAC et al., 1993). foram efetivas. Na maioria dos países, Existem dados de captura disponíveis e existem regras de tamanho mínimo analisados para pouquíssimas regiões e de captura e defeso reprodutivo que todos os dados mostram predominância são amplamente desrespeitadas pelos de juvenis, um sinal comum de sobre- pescadores e, portanto, ineficazes exploração pesqueira. A série de dados em assegurar a sustentabilidade das mais completa e de longo prazo é para populações de pirarucu. Um exemplo o pirarucu seco e salgado desembarcado claro disso é o caso do Brasil, onde em Manaus, Estado do Amazonas, Brasil o órgão governamental responsável (CASTELLO; STEWART, 2010). Contudo, a (IBAMA) implementou um tamanho maior parte das capturas de pirarucu não mínimo de captura (1.5 m) em 1986 são registradas (VIANA , 2004; VIANA et (Portaria nº 14-N, de 15 de fevereiro al., 2007; CASTELLO et al., 2009) devido à de 1993) e um período de defeso ausência de esforços de monitoramento reprodutivo (de dezembro a maio) em e ao caráter descentralizado da pesca 1991 (Portaria Normativa no 489 de 05 na Amazônia. A única análise existente de Março de 1991). O IBAMA também de tendência populacional do pirarucu proibiu a pesca do pirarucu no Estado do foi feita por Queiroz e Sardinha (1999), Tocantins em 1990 (Portaria Normativa e os resultados sugeriram declínio de 23 de Março de 1990), e no Estado populacional. do Amazonas em 1996, e finalmente no Exceções a essa tendência de declínio Acre em 2008. No entanto, a pesca ilegal populacional existem em áreas onde é tão comum na Amazônia brasileira que comunidades praticam esforços de a grande maioria do pirarucu pescado manejo e conservação. Diversas e comercializado é proveniente de comunidades ribeirinhas atualmente pescarias ilegais (Figura 4). A fiscalização estão desenvolvendo iniciativas de das medidas de manejo é praticamente conservação do pirarucu (MCGRATH nula porque o IBAMA carece de recursos et al., 1993; CASTELLO et al., 2009; humanos e financeiros para fazer seu CASTELLO et al., 2011b). Entretanto, trabalho efetivamente, especialmente a efetividade e a extensão geográfica em uma área enorme e complexa como dessas iniciativas são incertas. Não a Bacia Amazônica (CASTELLO et al., existem dados consistentes disponíveis 2009). Por exemplo, em Tefé até 1999 sobre o número de comunidades apenas oito fiscais do IBAMA eram

23 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados responsáveis por fiscalizar uma área de SARDINHA, 1999; MARTINELLI; PETRERE 251.000 km2 (CRAMPTON et al., 2004). JR., 1999; CASTELLO, 2004). Métodos Hoje, em 2013, o escritório do IBAMA convencionais de marcação e recaptura em Tefé foi desativado e substituído são praticamente impossíveis de serem pelo ICMbio, que dedica-se apenas a usados para fins de estimação de questões pertinentes de Unidades de abundância em áreas abertas devido ao Conservação e não tem responsabilidade alto custo e demanda de trabalho, além pela atividade pesqueira fora de áreas das enormes áreas envolvidas. Em muitos dessas áreas. casos, os desembarques registraram Sistema de monitoramento: menos de 20% das reais capturas de pirarucu. O monitoramento efetivo da A ausência de informações sobre as captura pode ser feito pelos próprios populações e capturas de pirarucu tem pescadores, mas requer investimento sido um problema impedindo o manejo sustentável (ISAAC et al., 1998; QUEIROZ; em capacitação e continuidade.

Figura 4 - Estrutura de tamanho típico da pesca do pirarucu na Amazônia. Dados de captura são de Viana et al. (2004) para a reserva Mamirauá em 1998, e dado de primeira reprodução é de Arantes et al. (2010).

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Captura (CASTELLO; STEWART; ARANTES, 2013). A maior parte da pesca pirarucu A sobre-pesca ocorre em toda a bacia está concentrada na época da seca. Amazônica, com exceções das áreas Nesta época, os níveis baixo da água de algumas comunidades que estão restringem a área disponível para os conservando o pirarucu com diferentes peixes que ficam mais vulneráveis a níveis de sucesso. pesca (VERÍSSIMO, 1895; WELCOMME, A degradação de habitat pode ser uma 1979). A pesca é feita usando arpão ou ameaça ainda mais perigosa que a sobre- malhadeira, ou uma combinação dos pesca, mas a capacidade do pirarucu dois, embora as malhadeiras tenham sobreviver habitats degradados ainda sido cada vez mais usadas. No entanto, é desconhecida. Por exemplo, mesmo a pesca com arpão é tradicional, feita nas regiões do Baixo Amazonas perto desde os anos 1800, e é preferida pelos da cidade de Santarém onde as florestas pescadores experientes por ser mais da várzea tem sido amplamente seletiva. Outros métodos como anzol e desmatadas , existem populações bem linha de mão também são usados. manejadas de pirarucu (MCGRATH et al., A captura de juvenis de pirarucu para 2008; CASTELLO, 2013b), o que sugere suprir a aquicultura também é comum. certa resiliência por parte do gênero. Ainda não existe a tecnologia necessária Outra ameaça é a translocação de para reproduzir o pirarucu em cativeiro, indivíduos. A noção equivocada de então a maioria das empresas de que só existe uma espécie de pirarucu aquicultura dependem da coleta de e a ausência de regulamentação e indivíduos em ambiente natural. de fiscalização têm levado a uma Contudo, não existem dados oficiais translocação descontrolada de disponíveis sobre a quantidade total indivíduos jovens entre diversas partes de alevinos capturados, os locais de da bacia, quase sempre para abastecer translocação, a sustentabilidade dessa iniciativas de aquicultura. Um exemplo captura, e o impacto causado sobre claro de alterações ambientais e sociais as populações naturais (CASTELLO; causados por essa translocação é a STEWART, 2010). No entanto, o pirarucu invasão do pirarucu na Bolívia. Miranda- proveniente de cultivo é comercializado Chumacero et al. (2012) mostraram que muitas vezes como sendo “sustentável” iniciativas de aquicultura introduziram ou a solução para a sua sobre-exploração. o pirarucu no Rio Madre de Dios, na Amazônia Peruana onde o pirarucu não Principais ameaças existia (Figura 2). Em cerca de 20 anos, o A principal ameaça ao pirarucu é a sobre- pirarucu então colonizou o Rio Madre de pesca, ainda que haja outros fatores Dios, e sua presença tem provavelmente preocupantes, como a degradação dos causado vários impactos. A introdução habitats e a translocação de indivíduos de espécies novas de pirarucu que é para aquicultura. No Baixo Amazonas, causada pela translocação descontrolada em uma área de mais de 2.400 km2 de pode reduzir a variabilidade genética várzea, por exemplo, as populações e até mesmo levar espécies locais à estão criticamente sobre-exploradas extinção.

25 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Estado de conservação: pirarucu em toda a área de manejo. O pirarucu foi listado como em estado Depois, em colaboração com Instituto “vulnerável” na lista vermelha de Mamirauá e o IBAMA, os pescadores espécies ameaças de extinção da União usam os dados para determinar cotas Internacional para conservação da de pesca para o próximo ano (VIANA et natureza (IUCN) em 1986 e 1988. No al., 2004). O Instituto Mamirauá provê Brasil, a espécie A. gigas está incluída apoio institucional e assistência técnica como “Espécie Sobreexplotada ou aos pescadores, o IBAMA supervisiona Ameaçada de Sobreexplotação” no as ações de manejo e pode autorizar anexo 2 do Instrução Normativa número ou não autorizar as cotas de pesca, e 5 do IBAMA de 21 de maio de 2004. Nos os pescadores são responsáveis por termos deste regulamento, colheitas cumprir e fiscalizar as regras de manejo. de pirarucu são permitidas. Depois, Uma análise recente com base em passou a ser listado na categoria “dados dados de algumas comunidades bem insuficientes”. Isso significa que não é estudadas concluiu que esse modelo possível fazer uma avaliação criteriosa de manejo parece ser efetivo para a respeito dos riscos de extinção com conservação do pirarucu (CASTELLO et base na pouca informação existente. al., 2011b). Em muitas comunidades, Arapaima gigas é a única espécie de a renda dos pescadores mais do que peixe de água doce listada no Anexo II, dobrou, os pescadores engajaram no anexo este proposto pela Convenção processo, e as populações de pirarucu Internacional de Comércio de Espécies se recuperaram rapidamente (VIANA et Ameaçadas (CITES). O estado de al., 2004; ARANTES et al., 2006; VIANA conservação do pirarucu no Brasil não et al., 2007; CASTELLO et al., 2009; foi avaliado rigorosamente e ele consta CASTELLO et al., 2011b). Esse modelo na lista Brasileira de espécies ameaçadas de manejo foi incorporado na legislação de extinção proposta pelo Ministério o Estado do Amazonas 2004, criando uma Meio Ambiente do Brasil. exceção `a proibição local. Através dessa legislação e dos trabalhos de várias Avanços no manejo sustentável instituições, o modelo de manejo tem Um modelo novo de manejo do pirarucu se disseminado rapidamente. Enquanto foi desenvolvido na Reserva Mamirauá. em 1999 apenas quatro comunidades O modelo se embasa na capacidade manejavam o pirarucu, atualmente mais que alguns pescadores experientes de 100 comunidades e três municípios possuem de utilizar uma metodologia estão manejando somente no Estado do para contar o número de pirarucus Amazonas. No entanto, Castello et al. no momento que os indivíduos vêm (2011b) mostraram que não há evidência à superfície para respirar (CASTELLO, de sustentabilidade da pesca em várias 2004). No modelo de manejo, todos dessas áreas de manejo. Legislações os anos os pescadores realizam censos semelhantes foram implementadas no populacionais, ou sejam contam Acre em 2008 e na Guyana em 2006.

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O QUÊ SABEMOS? têm sido realmente cumpridas na Foi mostrado que o cuidado parental e prática devido a falta de fiscalização e rápido crescimento e maturação sexual a pesca ilegal e descontrolada. A falta do pirarucu permitem crescimento de monitoramento deixa os órgãos do populacional acelerado e capturas governo e os pescadores desprovidos de significantes. O hábito de respiração informação necessária para tomar ações aérea permite censos populacionais de prevenção e remediação. Em suma, acurados feitos pelos próprios a informação disponível indica que a pescadores. O comportamento falta de manejo é a principal causa da migratório lateral feito em escala insustentabilidade da pesca do pirarucu. geográfica pequena, permite o manejo O desenvolvimento do novo modelo de na escala das comunidades ribeirinhas. manejo de pirarucu na Reserva Mamirauá Por fim, o seu alto valor de mercado com base nas contagens de pirarucu permite retorno econômico significante. feitas pelos próprios pescadores Em suma, a informação disponível indica representa um avanço importante em que o pirarucu possui características direção a conservação do pirarucu. biológicas e ecológicas que permitem a Mas esse modelo de manejo sozinho sua exploração sustentada. não é suficiente. Castello et al. (2011b) No entanto, o conhecimento atual mostrou que a maioria dos problemas sobre o pirarucu ainda é deficiente. afetando o manejo de pirarucu feito por Como foi mostrado, há lacunas grandes com relação a quase todos os aspectos comunidades deve-se à falta de apoio relacionados a este gênero. A maioria institucional e técnico. Embora o modelo dos estudos existentes provém da de manejo desenvolvido seja efetivo, Amazônia Central e há uma carência de ele requer ações de monitoramento, estudos em outras regiões. É, portanto, fiscalização, resolução de conflito, provável que estudos futuros mostrarão entre outras. A participação ativa dos um alto grau de variação com relação a governos, além do estabelecimento parâmetros populacionais, devido a uma efetivo de estruturas de colaboração combinação de fatores de diversidade entre instituições, são fundamentais específica, populacional, ambiente para a conservação do pirarucu na Pan- ecológico e influências ambientais e Amazônia e precisam ser fortalecidos. antrópicas. Também foi mostrado que as medidas O QUÊ PRECISAMOS FAZER? de manejo de tamanho mínimo de 1.5 Os maiores avanços no manejo m de comprimento total e de defeso sustentado do pirarucu provêm da durante os meses de enchente e integração de ações de pesquisa e cheia são relativamente adequadas. É manejo. Pesquisa sobre a habilidade possível que apenas estas duas medidas de pescadores de contar pirarucu, sejam capazes de assegurar o manejo junto com pesquisas sobre a biologia e sustentado do pirarucu. No entanto, ecologia do pirarucu, proporcionaram essas duas medidas de manejo raramente os elementos básicos para que ações de

27 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados manejo pudessem desenvolver um novo o primeiro foco de atenção de qualquer modelo de manejo junto a comunidades iniciativa de manejo e conservação. ribeirinhas. Portanto, sugere-se que ambos, pesquisa e manejo devem ser AGRADECIMENTOS prioridades para garantir a conservação Nossas pesquisas foram financiadas do pirarucu. pelo Instituto de Desenvolvimen- Iniciativas de manejo sustentável to Sustentável Mamirauá, Conselho e conservação de pirarucu devem Nacional de Desenvolvimento Tecno- prestar atenção à ampla diversidade lógico e Pesquisa, Ministério da Ciên- de aspectos biológicos, ecológicos, e cia e Tecnologia, National Geographic humanos relacionados ao pirarucu e Society, Overbrook Foundation, sua pesca na Amazônia. Embora ainda Wildlife Conservation Society, e Applied existam poucos estudos, é de se esperar Biodiversity Science - NSF-IGERT que a diversidade de espécies de program. A imagem na Figura 1A foi pirarucu seja acompanhada de variações adaptado de G. Chernilevsky (Wikimedia de aspectos-chave da história de vida, Commons, Arapaima gigas 2009 G2.jpg). tais como crescimento e reprodução. REFERÊNCIAS Também é de se esperar que aspectos- chave da história de vida do pirarucu ARANTES, C. C.; GARCEZ, D. S.; CASTELLO, também variam mesmo quando se trata L. Densidades de pirarucu (Arapaima da mesma espécie, não só em função de gigas, Teleostei, Osteoglossidae) em fatores ambientais incluindo estrutura lagos das Reservas de Desenvolvimento de habitat e ciclos hidrológicos mas Sustentável Mamirauá e Amanã, Amazonas, também em função das práticas de Brasil. UAKARI, v. 2, p. 37-43, 2006. pesca. Portanto, não se pode assumir ARANTES, C. C.; CASTELLO, L.; STEWART, que características de vida do pirarucu D. J.; CETRA, M.; QUEIROZ, H. L. Population seja igual ao longo da bacia Amazônica, density, growth and reproduction of arapaima como por exemplo em regiões do in an Amazonian river-floodplain. Ecology Tocantins ou na Amazônia Central of Freshwater Fish, v. 19, p. 455-465, 2010. onde sabe-se que há duas espécies. ARANTES, C. C; CASTELLO, L.; CETRA, M.; Essa diversidade de histórias de vida SCHILLING, A. Environmental influences implica a importância da necessidade on the distribution of arapaima in Amazon de expandir significativamente o estudo floodplains. Environmental Biology of da biologia e ecologia do pirarucu assim Fishes, 2011. Disponível em:. Acesso em: 2012. sobre a biologia e ecologia do pirarucu ARARIPE, J; RÊGO, P. S.; QUEIROZ, H. L.; é essencial para promover o seu manejo SAMPAIO, I.; SCHNEIDER, H. Dispersal sustentado e conservação. No entanto, capacity and genetic structure of Arapaima regras de manejo simples como o gigas on different geographic scales using tamanho mínimo e defeso reprodutivo microsatellite markers. PloS One, v. 8, 2013. têm se mostrado efetivas, devendo ser

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30 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes

NEVES, A. M. B. Conhecimento atual sobre VERÍSSIMO, J. A pesca no Amazônia. Rio de o pirarucu, Arapaima gigas (Cuvier 1817). Janeiro: Livraria Clássica Alves. 1895, 206 p. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, VIANA. J. P.; CASTELLO, L.; DAMASCENO, J. M. Série Zoologia, v. 11, p. 33-56, 1995. B.; AMARAL, E. S. R.; ESTUPIÑÁN, G. M. B.; QUEIROZ, H. L. Natural History and ARANTES, C.; BATISTA, G. S.; GARCEZ, D. S.; Conservation of pirarucu, Arapaima gigas, at BARBOSA, S. Manejo comunitário do pirarucu the Amazonian Várzea: Red Giants in Muddy Arapaima gigas na Reserva de Desenvolvimento Waters. 226 p., Thesis (Doctorate), University Sustentável Mamirauá - Amazonas, Brasil. In: of St. Andrews, Scotland, 2000. Anonymous Áreas Aquáticas Protegidas Como Instumento De Gestão Pesqueira. Brasília: QUEIROZ, H. L.; SARDINHA, A. D. A Ministério do Meio Ambiente e IBAMA. p. 239- preservação e o uso sustentado dos pirarucus 261, 2007. em Mamirauá. In: QUEIROZ, H. L.; CRAMPTON, W. G. R. (Eds.). Estratégias para o manejo VIANA. J. P.; DAMASCENO, J. M. B., CASTELLO, de recursos pesqueiros em Mamirauá. Tefé, L.; CRAMPTON, W. G. R. Economic incentives Brazil: Conselho Nacional de Desenvolvimento for sustainable community management of Científico e Tecnológico, Sociedade Civil fishery resources in the Mamirauá Sustainable Mamirauá. p. 108-141, 1999. Development Reserve, Amazonas, Brazil. In: SILVIUS, K.; BODMER, R.; FRAGOSO, J. M. V. SÁNCHEZ, J. R. El “paiche:” aspectos de su (Eds.). People in nature: wildlife conservation historia natural y aprovechamiento. Revista de in South and Central America. New York: Caza y Pesca, v. 10, p. 17-61, 1969. Columbia University Press. p. 139-154, 2004. SIOLI, H. The Amazon and its main affluents: WATSON, L. C. Ecology and Conservation of hydrography, morphology of the river courses, Arapaima in Guyana: Recovery of a Giant Fish and river types. In: SIOLI, H. (Ed.). The Amazon: in Distress. 152 p., Thesis (Doctorate), SUNY limnology and landscape ecology of a mighty College of Environmental Science and Forestry, tropical river and its basin. Dordrecht: Dr. W. Syracuse, New York, 2011. Junk Publishers. p. 127-166, 1984. WATSON, L. C.; STEWART, D. J.; TEECE, M. STEWART, D. J. Re-description of Arapaima A. Trophic ecology of Arapaima in Guyana: agassizii (Valenciennes), a rare fish from Brazil giant omnivores in Neotropical floodplains. (Osteoglossomorpha, Osteoglossidae). Copeia, Neotropical Ichthyology, v. 11(2), p. 341-349, v. 2013, n. 1, p. 38-51, 2013a. 2013. STEWART, D. J. A new species of Arapaima WELCOMME, R. L. Fisheries ecology of (Osteoglossomorpha, Osteoglossidae) from floodplain rivers. London: Longman Press, the Solimões River, Amazonas State, Brazil. 1979. 317 p. Copeia, v. 2013, n. 3, p. 470-476, 2013b.

31

IMPLICAÇÕES DA BIOLOGIA, ECOLOGIA E CONTAGENS PARA O MANEJO DO PIRARUCU

Caroline Arantes1,2 Leandro Castello3,4

APRESENTAÇÃO sido que muitos aspectos importantes da biologia, ecologia, e contagens do As populações do pirarucu (Arapaima pirarucu não são considerados, ou spp.) estão em declínio na maior parte da até mesmo desconhecidos. Embora Amazônia. As exceções estão em algumas as informações relevantes estejam áreas que vem utilizando o modelo disponíveis na literatura, muitas de manejo de pirarucu originalmente vezes elas se encontram dispersas desenvolvido na Reserva Mamirauá em diferentes documentos e artigos (Figura 1, CASTELLO; STEWART; científicos dificultando sua aplicação ARANTES, 2013; CASTELLO; STEWART na prática. Este capítulo visa sintetizar 2010). Esse modelo Mamirauá de manejo vários estudos sobre a biologia, ecologia tem sido efetivo na conservação do e a avaliação dos estoques do pirarucu pirarucu em comunidades das Reserva e analisar as implicações desses estudos Mamirauá e Amanã, onde a abundância para o manejo. Primeiro, descrevemos das populações de pirarucu aumentou, os resultados de pesquisas sobre cinco em média, em 25% a cada ano (ARANTES aspectos-chave da ecologia e biologia et al., 2006). Entretanto, esse modelo de e avaliação dos estoques do pirarucu, manejo tem sido amplamente difundido sendo esses: migração, reprodução e na Amazônia e há dúvidas bem crescimento, contagens e distribuição. justificadas quanto a qualidade de sua Em seguida, discutimos como esses implementação (CASTELLO; STEWART; aspectos afetam manejo do pirarucu. ARANTES, 2013; ANDRADE et al., 2011, Acredita-se que esta análise pode melhorar a qualidade do manejo do ARANTES et al.,2007). Razão disso tem pirarucu.

1 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Santarém, PA, Brasil 2 Texas A&M University, College Station, TX, Estados Unidos 3 Department of Fish and Wildlife Conservation, Virginia Polytechnic Institute and State University, Blacksburg, Virginia, Estados Unidos 4 Woods Hole Research Center, Falmouth, MA, Estados Unidos

33 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Modelo de Manejo de Pirarucu

Contagem Cota de pesca Defeso Tamanho mínimo

Figura 1 – Modelo Mamirauá de manejo do pirarucu. As principais fases do manejo são: i) levantamento de estoques através das contagens, ii) estabelecimento de cotas de pesca, e iii) cumprimento das regras de tamanho mínimo e defeso reprodutivo.

O pirarucu habita as planícies de seca, o pirarucu habita principalmente alagação do Rio Amazonas, ecossistema os lagos, mas também os ambientes conhecido como várzea. Seu ciclo de de paraná e canais do rio (CASTELLO, vida é regido pelas variações do nível 2008b). Mesmo durante a seca, o nível da da água e pela diversidade de ambientes água segue variando e o pirarucu pode que compõe a várzea. Sua reprodução seguir migrando entre os ambientes, nesse ecossistema é complexa, incluindo diferentes lagos dependendo envolvendo desde a formação de casais da altura que a água alcançar. No início até ao cuidado com a prole. Na várzea, da enchente, os ambientes aquáticos abundante em alimento, o pirarucu começam a se conectar e o pirarucu cresce rapidamente, especialmente continua a habitar os lagos e paranás, no primeiro ano de vida. O pirarucu mas já pode migrar para os ambientes possui preferência marcada por habitats de canais dos lagos e ressacas. O nível específicos, sendo a importância desses da água continua subindo e o pirarucu habitats para seu ciclo de vida destacada. migra para as florestas alagadas Todos esses aspectos serão descritos durante a cheia, onde se alimenta com mais detalhes a seguir. nesses ambientes ricos em alimentos. Na vazante, o pirarucu é obrigado a ASPECTOS DA ECOLOGIA E BIOLOGIA migrar para fora das florestas alagadas DO PIRARUCU que se tornam secas. O pirarucu migra primeiro para os ambientes de canais Migração dos paranás e canais dos lagos e O pirarucu migra entre os ambientes da ressacas e depois para os lagos. Muitos várzea seguindo as flutuações do nível indivíduos podem migrar para os lagos, da água ao longo do ano, deslocamento mas outros podem também permanecer conhecido como migração lateral nos paranás, ressacas e canos dos lagos. (Tabela 1, FERNANDEZ, 1997, JUNK et O nível da água começa a subir e o ciclo al., 1989, CASTELLO, 2008a, CASTELLO; recomeça. STEWART; ARANTES, 2013). Durante a

34 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu • Caroline Arantes • Leandro Castello

Crescimento e Reprodução pesca, há grande chance de que toda Os pirarucus formam casais durante sua prole também não sobreviva. a seca nos lagos (FONTANELE 1948, Isso faz com que as populações sejam QUEIROZ; SARDINHA 1999, QUEIROZ, vulneráveis a pesca predatória. 2000; CASTELLO, 2008b). No início O pirarucu cresce rápido. Ao final do da enchente, quando a água está primeiro ano de vida, ele atinge mais de com aproximadamente 1 metro de 80 cm de comprimento e, ao quinto ano profundidade, os casais de pirarucus de vida, mede mais de 188 cm (ARANTES constroem ninhos nas margens dos et al., 2010) (Tabela 2). O pirarucu lagos, paranás e ressacas. Esses ninhos na Reserva Mamirauá se reproduz a são buracos escavados no solo com partir de 157 cm de comprimento, diâmetro médio de 57 cm e 16 cm de alcançado aos três anos de idade profundidade (CASTELLO, 2008b). A quando o tamanho mínimo de captura fêmea deposita os ovos no ninho e o é respeitado (Figura 2). Entretanto, macho os fecunda (QUEIROZ, 2000). quando o tamanho mínimo de captura Geralmente, o macho cuida da prole por não é respeitado e os pirarucus pescados cerca três meses nas florestas alagadas. são predominantemente juvenis, o Se o casal de pirarucus for morto pela pirarucu se reproduz mais tarde, aos cinco anos de idade. Isso acontece

Tabela 1 – Principais tipos de ambientes aquáticos e terrestres da várzea.

AMBIENTE DESCRIÇÃO

Canal principal com largura maior que 3 km, profundidade maior que 50m e com alto Rio fluxo de água (SIOLI, 1984). Canal que transporta água do rio ao longo do sistema de várzea e as suas extremidades Paraná são conectadas ao rio (SIOLI, 1984). Os lagos da várzea possuem diversas formas e tamanhos (SIOLI, 1984) e não secam Lagos durante o ciclo da água. Canais que conectam os lagos a qualquer outro corpo hídrico. Os canos podem secar Cano durante a seca, tornando os lagos completamente isolados (CRAMPTON, 1999). Um tipo de lago raso com saída larga e constantemente aberta. A maioria seca Ressaca durante a época da seca (classificação local) Áreas mais baixas da várzea. São compostas por extensas áreas de vegetação baixa, Chavascal arbustiva e pantanosa. Os solos ficam inundados por 6 a 8 meses, e o nível da água pode atingir 7 metros durante a cheia (AYRES, 1995) Terrenos mais altos compostas por florestas altas. As restingas baixas apresentam Restinga Baixa sub-bosque relativamente abertos, os solos ficam inundados por 4 a 6 meses, e o nível da água pode atingir 5 metros durante a cheia (AYRES, 1995). São como as restingas baixas, entretanto localizadas em terrenos ainda mais altos, as florestas são mais antigas, e tem maior diversidade de espécies e áreas basais das Restinga Alta árvores (AYRES, 1995). Os solos ficam inundados por 2 a 4 meses, e o nível da água pode atingir 1 a 2,5 metros durante a cheia.

35 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados porque a pesca ilegal de juvenis retira apenas 10% em torno do valor real. As da população natural indivíduos que contagens dos pescadores foram quase crescem mais rápido, deixando na idênticas (altamente correlacionadas, r população indivíduos com crescimento = 0.98) às estimativas de abundância. lento e reprodução tardia. Assim implica Por exemplo, em um primeiro lago, os que onde há pesca ilegal de juvenis pescadores contaram 9 indivíduos onde sexualmente imaturos, ocorre um havia 7 pirarucus, em um segundo lago, atraso na maturação sexual que tende os pescadores contaram 59 pirarucus, a diminuir as taxas de crescimento da onde havia 63 e assim por diante. população (CASTELLO et al., 2011). Isso Entretanto, quando as contagens dos prejudica ainda mais a recuperação de pescadores são feitas individualmente, populações sobre-exploradas (ARANTES as diferenças entre contagens e valor et al., 2010). real de abundância são maiores, em média 30% (ARANTES et al., 2007). A Contagens e distribuição acurácia das contagens de pirarucu feitas pelos pescadores individualmente O pirarucu é um peixe especial porque foi avaliada através da comparação das os pescadores podem contá-lo no contagens de 34 pescadores feitas em momento em que ele vem à superfície lagos pequenos e fechados da Reserva para respirar. Comparações de contagens Mamirauá com as capturas de todos os de pirarucu feitas por pescadores com pirarucus usando redes de arrasto nos estimativas de abundância obtidas mesmos lagos contados (ARANTES et através da marcação e recaptura al., 2007; metodologia conhecida por (CASTELLO, 2004) mostraram que os certificação de contadores). As contagens pescadores em grupos podem contar feitas pelo pescador individualmente o pirarucu com erros que variam em

Tabela 2 – Chave de idades por comprimento do pirarucu na Reserva Mamirauá para situações com e sem respeito ao tamanho mínimo de captura. Medianas dos comprimentos retrocalculados [Ln (cm)]; amplitudes interquartis [(Aiq (cm)]; tamanho da amostra (n). Tabela modificada de ARANTES et al., 2010.

Sem respeito ao tamanho mínimo Com respeito ao tamanho mínimo Idade (Ano) Ln (cm) Aiq nLn (cm) Aiq n

1 67,3 18,6 269 88,3 24,6 269

2 96,9 22,4 247 123,6 26,0 238

3 119,6 27,5 172 154,4 24,0 227

4 144,4 31,4 61 174,9 19,1 113

5 166,3 29,9 16 188,9 13,5 15

6 172,7 1

36 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu • Caroline Arantes • Leandro Castello são menos acuradas do que quando (conectividade) (ARANTES et al., 2011). feitas em grupos, porque em grupos as A abundância do pirarucu é maior em tendências individuais dos pescadores lagos com maior volume de água e com de sub ou sobre-estimar tendem a maior conectividade com outros corpos se anular. Por exemplo, quando um d’água. A conectividade é importante pescador conta indivíduos de pirarucu porque facilita o movimento dos peixes a mais, outro conta indivíduos a menos. entre ambientes. Canos compridos e As contagens são feitas todos os anos rasos secam rápido durante a vazante pelos pescadores durante o período e demoram mais tempo para receber da seca quando os lagos e outros água durante a enchente, assim os lagos ambientes aquáticos estão isolados. ficam isolados por mais tempo. Canos Atenção especial é dada a lagos ou locais curtos e profundos mantêm a água por dos paranás onde são encontradas as mais tempo durante o ciclo da água. maiores abundâncias de pirarucu. A A abundância de pirarucu nos paranás abundância de pirarucu nos lagos está relacionada à profundidade da coluna também é influenciada pela profundidade da água e área do lago (volume de destes. Quanto maior a profundidade, água disponível), e ao comprimento maior a abundância (ARANTES et al., e profundidade dos canos dos lagos 2011). A disponibilidade de vegetação

Figura 2 – Medianas dos comprimentos totais por classe de idade do pirarucu e L50 que representa o comprimento no qual 50% da população está sexualmente madura. As curvas representam situações com (círculos fechados) e sem (círculos abertos) respeito ao tamanho mínimo de captura. Figura modificada de ARANTES et al., 2010.

37 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados flutuante (ou macrófitas) durante o pescadores tenham experiência na pesca período da cheia também influencia a do pirarucu feita com arpão, porque abundância do pirarucu na seca do ano pescadores inexperientes podem fazer seguinte (AFFONSO; QUEIROZ; NOVO, contagens com erros bastantes altos, 2013). A preferência do pirarucu por embora, na média, esses erros sejam habitats amplos, profundos e com alta minimizados (ARANTES et al., 2007). conectividade determina que 75% de Atualmente, o único método de todo os pirarucus do sistema de 80 contagem validado é o de Castello lagos da Reserva Mamirauá concentre- (2004). Alterações do método sem se em apenas 15% dos lagos (ARANTES validação não asseguram contagens et al., 2011). acuradas, portanto, representam um No modelo de manejo de Mamirauá, risco a sustentabilidade do manejo. Isso todos os anos, os pescadores contam não significa que não possam existir o número de pirarucus na sua área outros métodos igualmente eficientes de manejo, e usam as contagens para para contar pirarucu. Alguns grupos determinar cotas de pesca (Figura de manejadores identificam limitações 1). A determinação das cotas é feita no uso das contagens causadas, em colaboração entre os pescadores, principalmente, pelas variações nas técnicos e o Instituto Brasileiro do características físicas do ambiente que Meio Ambiente e dos Recursos Naturais podem alterar o comportamento do Renováveis (IBAMA). Os pescadores pirarucu (por exemplo, características recebem autorizações para a pesca do físico-químicas da água, cobertura por pirarucu sob a condição de cumprir as diferentes tipos de capim, como aningais, regras de limite de cota de pirarucu, etc.). Seria interessante conhecer a de tamanho mínimo de captura, e validade de outros métodos que podem do período de “defeso” reprodutivo ser desenvolvidos e validados usando do recurso (Figura 1). Assim, o que os mesmos experimentos descritos em apresentamos sobre a bioecologia Castello (2004) e Arantes et al., (2007). e contagens de pirarucu devem ser Contudo, até que esses métodos incorporados nas quatro medidas sejam validados, aconselhamos o uso principais do modelo de seu manejo do método desenvolvido por Castello (Figura 1): contagens, cotas de pesca, (2004). tamanho mínimo de captura e período É importante conhecer e considerar de reprodução (Figura 1). as tendências nas contagens dos pescadores e dos grupos de pescadores COMO A BIOLOGIA, ECOLOGIA de sub ou sobre-estimar as contagens. CONTAGEM DEVEM SER INCORPORA- Para isso, a certificação de contadores DAS AO MANEJO DAS POPULAÇÕES DO (validação das contagens) é uma PIRARUCU? importante ferramenta (ARANTES et Contagem al., 2007). As contagens devem ser As contagens devem ser feitas por feitas preferencialmente em grupos, pescadores de pirarucu experientes e e não individualmente, porque, como capacitados na metodologia validada mencionado, quando as contagens por Castello (2004). É necessário que os são feitas em grupo as tendências dos

38 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu • Caroline Arantes • Leandro Castello pescadores de sub ou sobre-estimar taxas de captura de 25% do número tendem a se anular. de adultos contados no ano anterior Também é importante considerar a aparentam ser sustentáveis (CASTELLO migração do pirarucu. Por mais precisas et al., 2011). Cotas de pesca maiores do que as contagens sejam, elas sempre que 25%, até 40% também aparentam têm um erro associado. Esse erro é ser sustentáveis, mas por serem altas intrínseco da própria contagem feita requerem cautela, monitoramento e pelo grupo de pescadores que, em avaliação de acordo com o descrito situações ideais varia em torno de mais abaixo. Além disso, é provável 10% do valor real da abundância. Mas que outras populações de pirarucu de ocorre também porque durante a seca outras regiões possuam parâmetros o pirarucu continua migrando entre populacionais diferentes das do pirarucu os habitats da várzea. Para minimizar da região da Reserva Mamirauá, onde a os erros provenientes da migração, as simulação das principais fases do ciclo contagens precisam ser feitas durante de vida do pirarucu foi desenvolvida. a seca quando os ambientes estão Por isso, em geral deve haver precaução isolados. Assim, assegura-se que um e considerar os seguintes fatores: indivíduo de pirarucu contado em um 1) é importante assegurar a qualidade ambiente, não é o mesmo indivíduo e a veracidade das contagens, já que contado em outro ambiente. elas são a base para as cotas de pesca. Além disso, é importante considerar se Metodologias como as apresentadas houve expansão ou redução no tamanho em Arantes et al., (2007) e Andrade da área contada. A expansão da área et al., (2011) podem ajudar a garantir contada (e.g. aumentar o número de contagens mais acuradas. lagos ou corpos hídricos contados de 2) a pesca ilegal influencia negativamente um ano para o outro) geralmente é a abundância de pirarucu. Pesca de acompanhada por aumento no número juvenis, ou durante o período do defeso, de indivíduos contados. Parece bastante ou pesca em quantidades maiores do lógico que a quantidade de pirarucus que aquela cota autorizada devem ser aumenta quando a área contada também registradas e consideradas quando no aumenta. Uma maneira de corrigir esse momento de avaliar as cotas de pesca. problema é avaliando as tendências 3) as decisões sobre sua área de populacionais usando as densidades manejo devem ser tomadas não populacionais e não o número de somente com base nas contagens indivíduos contatos. A densidade feitas em um determinado ano, mas populacional pode ser facilmente obtida também com base na avaliação das dividindo-se o número de indivíduos tendências populacionais (Figura 3), contados pela área total do ecossistema além dos outros fatores já citados. As (em km2 ou ha) contado. tendências populacionais podem ser avaliadas observando-se os padrões nas Cotas densidades populacionais ao longo dos Uma simulação das principais fases do anos de contagens. O modelo de manejo ciclo de vida do pirarucu (processos de é adaptativo, isso implica que ele está crescimento, reprodução, mortalidades em constante avaliação: ou seja, todos natural e por pesca) mostrou que as os anos o grupo interessado avalia todo

39 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados o conjunto de informações disponíveis, velmente a medida mais importante e com base nessa avaliação, o grupo para assegurar a sustentabilidade do toma decisões sobre o manejo. O grupo pirarucu. São essas medidas que garan- interessado deve avaliar, por exemplo, tirão a reprodução. Quando bem mane- as tendências populacionais, se houve jadas, as populações de pirarucu podem pesca ilegal, se houve possíveis erros aumentar em 25% ao ano (ARANTES et nas contagens, expansão ou redução nas al., 2006). Assim, as regras de tamanho áreas contadas, além dos aspectos da mínimo e defeso reprodutivo possibili- organização coletiva detalhado em outro tam que haja aumentos nas abundâncias capítulo (AMARAL; TORRES; PERALTA et e nas cotas de pesca. al., 2013). Essa avaliação fornece a base A unidade de manejo do pirarucu deve para a adaptação das cotas de pesca e ser todo o sistema hídrico, ou sistemas para a melhoria do manejo (Figura 1). de lagos, e não somente os lagos (CAS- TELLO et al., 2008 a b, ARANTES et al., OUTRAS IMPLICAÇÕES PARA O 2011, ARARIPE et al., 2103). Geralmen- MANEJO E CONSIDERAÇÕES GERAIS te, manejadores falam em manejo de lagos, mas como demonstrado, o pira- Tamanho mínimo e defeso reprodutivo rucu habita a várzea e não somente os O cumprimento das regras de tamanho lagos (CASTELLO 2008a; ARANTES et al., mínimo e defeso reprodutivo é prova- 2011). Entretanto, porque a determina-

500

400 Aumentando

300 Estável

200

100

Densidade de pirarucus (Ind/ha) Diminuindo

0 1 2 3 4 5 6 Ano Figura 3 – Situação hipotética mostrando relações entre as densidades de pirarucu e três diferentes tendências populacionais ao longo dos anos (aumentando, estável e diminuindo). Populações diminuindo merecem cotas de captura reduzidas ou nula. Populações crescendo merecem cotas de captura maiores que aquelas de anos passados, e populações estáveis merecem cotas iguais aquelas de anos passados.

40 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu • Caroline Arantes • Leandro Castello

ção de lagos de preservação é uma das ANDRADE, L., AMARAL E., SILVA N., estratégias de conservação mais usadas QUEIROZ H. Re-counts pirarucu: a method da Amazônia, é interessante que esses for evaluating the quality of the pirarucu sejam os lagos mais amplos profundos counts, UAKARI, v. 7, n. 1, p. 29 – 40, 2011. e com alta conectividade com os canais ARANTES, C., GARCEZ, D.S., CASTELLO, L. principais. Population densities of pirarucu (Arapaima Duas questões são relevantes a esse gigas,Teleostei, Osteoglossidae) in lakes in capítulo. A primeira é que a maior parte the Sustainable Development Reserves of Mamirauá and Amanã, Amazonas, Brazil, das pesquisas gerando informações UAKARI, v. 2, p. 37-43, 2006. para serem aplicadas ao manejo são provenientes de uma área que representa ARANTES, C. CASTELLO, L, GARCEZ, D. menos de 1% da área de distribuição S. Variation among counts of Arapaima do pirarucu, a Reserva Mamirauá. Por gigas (Schinz) (Osteoglossomorpha, Osteoglossidae) done by fishers individually isso, alguns aspectos descritos, como o in Mamirauá, Brazil. Pan-American Journal tamanho de maturação sexual, podem of Aquatic Sciences, v. 2, n. 3, p. 263-269. ser diferentes para outras regiões. A 2006. segunda é que a taxonomia de Arapaima ARANTES, C. C., CASTELLO, L., STEWART, está em fase de revisão. As considerações D. J., QUEIROZ, H. L., CETRA, M. Population sobre a biologia e ecologia do pirarucu density, growth and reproduction of apresentadas neste capítulo foram feitas arapaima in an Amazonian river-floodplain. ao nível do gênero Arapaima porque há Ecology of Freshwater Fish, 19, p. 455-465, pouco conhecimento para as diversas 2010. espécies de Arapaima (CASTELLO; ARANTES, C. C., CASTELLO, L., CETRA, STEWART; ARANTES, 2013), e assim, M., SCHILLING, A. Environmental factors as informações apresentadas não são affecting the distribution of arapaima in referentes a nenhuma espécie em floodplains of the Amazon. Environmental particular. Biology of Fishes, 2011. REFERÊNCIAS ARARIPE, J., REGO, P. S. D, QUEIROZ, H., SAMPAIO, I., SCHNEIDER, H. Dispersal AFFONSO, A. G.; QUEIROZ, H. L.; NOVO, E. M. L. M. Influência da cobertura de Capacity and Genetic Structure of Arapaima macrófitas sobre a abundância de pirarucus gigas on Different Geographic Scales Using em lagos da Reserva de Desenvolvimento Microsatellite Markers. PLoS ONE 8,1, Sustentável Mamirauá. In: FIGUEIREDO, E. e54470. 2013. S. A. (Org.). Biologia, conservação e manejo AYRES, J. M. As Matas de Vázea do Mamirauá. participativo de pirarucus na Pan-Amazônia. Tefé (Brasil): Conselho Nacional de Tefé: IDSM, 2013. p. 213-236. Desenvolvimento Científico e Tecnológico, AMARAL, E.; TORRES, A. C.; PERALTA, N. Sociedade Civil Mamirauá. 1995. 123 p. Avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos CASTELLO, L. A method to count pirarucu de manejo de pirarucu (Arapaima gigas). Arapaima gigas: fishers, assessment and In: FIGUEIREDO, E. S. A. (Org.). Biologia, management. North American Journal of conservação e manejo participativo de Fisheries Management, v. 24, p. 379-389. pirarucus na Pan-Amazônia. Tefé: IDSM, 2004. 2013. p. 213-236.

41 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

CASTELLO, L. Lateral migration of Arapaima GODINHO, H. P., SANTOS, J. E., FORMAGIO, gigas in floodplains of the Amazon. Ecology P.S., GUIMARA˜ES-CRUZ, R. J. Gonadal of Freshwater Fish, v. 17, p. 38 - 46. 2008a. morphology and reproductive traits of the Amazonian fish Arapaima gigas (Schinz, CASTELLO, L. Nests of pirarucu Arapaima 1822). Acta Zoologica, v. 86, p. 289–294. gigas in floodplains of the Amazon: habitat 2005. and relation to spawner abundance. Journal of Fish Biology, v. 72, p. 1-9. 2008b. JUNK W. J., BAYLEY P.B., SPARKS R.E. The flood pulse concept in river floodplain CASTELLO, L., STEWART, D. J. Assessing systems. In: DODGE, D. P. (Ed.) Proceedings CITES non-detriment finding procedures of the international large river symposium. for Arapaima in Brazil. Journal of Applied Canadian Special Publication of Fisheries Ichthyology, v. 26, p. 49-56. 2010 and Aquatic Sciences, p. 110-127. 1989. CASTELLO, L., STEWART, D. J., ARANTES, LOPES, K. L., QUEIROZ, H. L. Uma revisão C.C. Modeling population dynamics and das fases de desenvolvimento gonadal de conservation of arapaima in the Amazon. pirarucus Arapaima gigas (schinz, 1822) por Reviews in Fish Biology and Fisheries, v. 21, meio da análise macroscópica como uma n. 3, p. 623-640. 2011 a. proposta para unificação destes conceitos e CASTELO; L.; STEWART, D.; ARANTES, C. C. O sua aplicação prática nas reservas Mamirauá que sabemos e precisamos fazer a respeito e Amanã. Uakari, v. 5, n. 1, p. 39-48. 2009. da conservação de pirarucu (Arapaima LULING, K. H. Zurbiologie und o¨kologie spp.) na Amazônia. In: FIGUEIREDI, E. S. von Arapaima gigas (Pisces, Osteoglossidae). A. (Org.). Biologia, conservação e manejo Zeitschriftfu¨r Morphologie und O¨ kologie participativo de pirarucus na pan-Amazônia. der Tiere, v. 54, p. 436–530. 1964. Tefé: IDSM, 2013 . p. 17-31. QUEIROZ, H. L., SARDINHA, A.D. A CRAMPTON, W. G. R. Os peixes da Reserva preservação e o uso sustentado dos Mamirauá: diversidade e história natural na pirarucus (Arapaima gigas, Osteoglossidae) planície alagável da Amazônia. In: Queiroz, em Mamirauá. In: Queiroz, H.L., Crampton, H.L., Crampton, W. (Ed.) Estratégias W. (Ed.) Estratégias para o manejo de para o manejo de recursos pesqueiros recursos pesqueiros em Mamirauá. Brasília: em Mamirauá. Brasília: Sociedade Civil Sociedade Civil Mamirauá/ Ministério de Mamirauá/ Ministério de Ciência e Tecnologia Ciência e Tecnologia /Conselho Nacional de /Conselho Nacional de Pesquisa. 197 p. 1999. Pesquisa. 1999. 197p. FERNANDEZ, C. C. Lateral migration of QUEIROZ, H. L. Natural history and fishes in Amazon floodplains. Ecology of conservation of pirarucu, Arapaima gigas, at Freshwater Fish, v. 6, p. 36–44. 1997. the Amazonian Várzea : Red giants in muddy FONTENELE, O. Contribuição para o waters. Tese de Doutorado, University of St conhecimento da biologia do pirarucu, Andrews. 226p. 2000. Arapaima gigas (Cuvier) em cativeiro SIOLI, H. The Amazon: Limnology and (, Osteoglossidae). Revista Landscape Ecology of a Mighty Tropical Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v.8, n. River and its Basin. Dordrecht, Junk Publ., 4, p. 445-459. 1948. 1984.

42 NOTAS SOBRE A BIOLOGIA REPRODUTIVA DO PIRARUCU Arapaima gigas Schinz 1822

Kelven Lopes Rossineide Rocha Maria Auxiliadora P. Ferreira Helder L. Queiroz

RESUMO II maturação inicial, III maturação Neste trabalho, apresentamos a escala avançada, IV maduro, V desovado e VII em de desenvolvimento das gônadas de repouso. Histologicamente, os ovários pirarucus construída por meio da sua são cobertos pela túnica do ovário, análise morfológica e histológica. Na composta de tecido conjuntivo, fibras análise macroscópica das gônadas musculares lisas e os vasos sanguíneos. das fêmeas, usamos os critérios Os ovócitos foram classificados em seis discriminatórios como coloração, grau de diferentes fases de desenvolvimento, turgidez, irrigação sanguínea periférica Cromatina-nucléolo, Perinucleolado, e diâmetro de ovócitos visíveis. No Alvéolos corticais, Vitelogênicos, Pós- caso dos machos, os mesmos critérios vitelogênicos e Atrésicos. A escala de discriminatórios foram adotados, com desenvolvimento gonadal macroscópica exceção do último, substituído pela para o sexo masculino é composto de presença de sêmen. Foram utilizados quatro fases diferentes, I imaturo, II em para a análise, ovários e testículos maturação, III maduro e V espermiado. de pirarucus pescados na Reserva A análise histológica das gônadas de Mamirauá, na Amazônia Central masculinas demonstrou a presença Brasileira, onde a pesca sustentável de uma túnica albuginean, células do desta espécie é realizada desde 1998. músculo liso, vasos sanguíneos, túbulos Fragmentos de gônadas foram removidas, seminíferos que apresentam variações de fixadas e submetidas à técnica de rotina acordo com o grau de desenvolvimento, histológica. Fatias de tecido foram falta a análise histológica. Finalmente, analisadas utilizando um microscópio de foram apontados algumas sugestões para luz. Ambos os sexos apresentaram uma a pesca manejada da espécie por meio única gônada, localizada no lado latero- do uso da escala de maturação sexual esquerdo da cavidade celomática. Para a proposta neste estudo, como ferramenta escala macroscópica de desenvolvimento auxiliar no monitoramento reprodutivo gonadal de fêmeas, seis estádios dos animais abatidos. gonadais foram descritos, I imaturo,

43 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

ABSTRACT albuginean, smooth muscle cells, blood We present the scale of development vessel tubules vary according to the of the gonads pirarucus Arapaima gigas development degree, lack histological built through its morphological and analysis. Finally, some suggestions were histological analysis. In the macroscopic pointed out to fish species managed by analysis of the gonads of females through the use of sexual maturity scale use discriminatory criteria such as proposed in this study, as an auxiliary color, degree of turgidity, peripheral tool in the monitoring of reproductive blood flow, and diameter of oocytes aminals slaughtered. visible. In the case of males, the same INTRODUÇÃO discriminatory criteria were adopted, except for the last, replaced by the Pertencente à família Arapaimatidae o presence of semen. Were used for pirarucu, Arapaima gigas (SCHINZ,1822), the analysis of ovaries and testicles é um teleósteo de grande porte que caught in pirarucus Mamirauá Reserve, pode alcançar em torno de 3m de the central Brazilian Amazonia where comprimento e pesar até 200-250 kg sustainable fishing of this species is (SOUZA; VAL, 1990; WOTTON, 1990; held since 1998. Fragments of gonads QUEIROZ, 2000), com endemismo were removed, fixed and subjected em grande parte da bacia Amazônica, to routine histological technique. ocorrendo no Brasil, nas Guianas, Tissue slices were analyzed using a Venezuela, Peru, Colômbia e Equador. light microscope. Both sexes showed a Entretanto, a espécie também tem single gonad, located on the lateral-left ocorrência moderna na Bolívia, onde coelomic cavity. For the macroscopic foi introduzido em meados dos anos scale of gonadal development of oitenta, através do Rio Madre de Dios, females, six gonadal stages were por meio da fuga acidental de animais described, I immature, II early maturing, numa estação de piscicultura da região III advanced maturation, IV mature, V da cidade de Puerto Maldonado, no Peru spawned and VII at rest. Histologically, (FARREL; AZURDUY, 2006). the ovaries are covered by the tunica Este fisóstomo apresenta ciclo ovarian, composed of connective reprodutivo longo, atingindo a tissue, smooth muscle cells and blood maturidade sexual com 4 a 5 anos, vessels. The oocytes were classified into com peso em torno de 40 a 45 kg com six different stages of development, aproximadamente 1,65 m (PONTES, Chromatin-nucleolus, Perinucleolus, 1977; QUEIROZ, 2000; LOPES, 2000). Cortical alveoli, Vitellogenic, Post- Outra característica marcante da espécie vitellogenic and Atretic. The scale of é que ambos os sexos apresentam macroscopic gonadal development in somente uma gônada localizada no males consists of four different phases, lado esquerdo da cavidade abdominal I immature, II maturing, III mature and (LOPES, 2005; LOPES; QUEIROZ, 2009). V At rest. Histological analysis male A época de desova está relacionada com gonads showed the presence of a tunic o início do período chuvoso, variando

44 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz

conforme acontecem as chuvas na sexual (L50) até estudos da história natural Amazônia (QUEIROZ; SARDINHA, 1999). da espécie, foram realizadas na Reserva O pirarucu não apresenta caracteres Mamirauá (QUEIROZ; SARDINHA, 1999; sexuais secundários que permitam a QUEIROZ, 2000). correta diferenciação entre os sexos Desde então, ensaios sobre a biologia por um observador, o que representa reprodutiva vêm sendo desenvolvidos. a primeira grande dificuldade para Lopes & Queiroz (2009 a) descreveram o desenvolvimento do manejo a escala de desenvolvimento gonadal reprodutivo da espécie em cativeiro. A para machos em três estádios, e, para discriminação entre os sexos por meio fêmeas, em cinco estádios por meio de critérios visuais só é possível de de atributos macroscópicos. Mais maneira eficiente nos dias antecedentes recentemente, e também de maneira à desova, quando a coloração vermelha macroscópica, Arantes e colaboradores do macho torna-se mais intensa, (2011) analisaram a maturação sexual e contrastando com o restante do corpo uma nova avaliação do tamanho médio escuro e deixando-o aparentemente à primeira maturação sexual da espécie. mais colorido em relação às fêmeas. Já Contudo, dúvidas e lacunas a respeito a coloração das fêmeas nesta mesma da biologia reprodutiva permanecem época torna-se mais pálida em relação sem resposta e demandam por serem ao macho (FONTENELE, 1948; LOPES, preenchidas. Nesta forma, o presente 2005). trabalho traz à tona uma contribuição As primeiras investigações tangentes para o maior conhecimento da biologia à reprodução se deram há pouco mais reprodutiva do pirarucu, por meio de 60 anos, e os primeiros relatos da de estudos histológicos das gônadas biologia reprodutiva do pirarucu foram de machos e fêmeas da espécie. reportados por Osmar Fontenele, anali- Cabe ressaltar que estes estudos sando o comportamento reprodutivo de subsidiaram a confecção de uma escala pirarucus em açudes na região nordeste macroscópica de maturação gonadal do Brasil (FONTENELE, 1948). de fácil visualização, que por meio de Após este período, outros estudos en- critérios claros e visuais caracterizam volvendo aspectos da biologia repro- os diferentes estádios gonadais. Esta caracterização tem por finalidade dutiva vieram à tona, principalmente auxiliar manejadores em programas a partir da observação de animais em de pesca manejada de pirarucus na vida livre, oriundos de áreas de reserva Amazônia, bem como padronizar os do Rio Pacaya no Peru (CEBRELLI, 1972; estádios gonadais. FLORES, 1980). Na década seguinte, outras investigações MATERIAIS E MÉTODOS mais aprofundadas envolvendo a biologia reprodutiva de fêmeas, desde Foram coletados 287 exemplares de os voltados ao estabelecimento de um Arapaima gigas, no período de outubro tamanho médio à primeira maturação a dezembro de 2003 a 2005. Os peixes

45 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados foram provenientes da pesca manejada observação dos aspectos macroscópicos de pirarucus do Setor Jarauá, da Reserva das gônadas como cor, grau de Mamirauá (Figura 1). turgidez, irrigação sanguínea periférica, Os peixes que serviram de base para e presença ou ausência de sêmen e/ou estes estudos foram capturados ovócitos visíveis a olho desarmado. pelos pescadores tradicionais, com o Para o estudo histológico, foram auxílio de arpões e malhadeiras com utilizados 43 espécimes de A. gigas, dos espaçamento entre nós de 30 cm. Foram quais 24 fêmeas e 19 machos. As gônadas obtidos os seguintes dados biométricos, foram coletadas e seções destas foram comprimento total em centímetros, retiradas e fixadas em ALFAC e mantidas peso total em quilogramas e peso das em álcool 70% até serem processadas, gônadas em gramas. Realizou-se uma posteriormente foram submetidas às incisão longitudinal no abdome de cada técnicas histológicas de rotina. animal, para identificação do sexo e

Figura 1 - Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá localizada na confluência dos rios Solimões e Japurá, no Estado do Amazonas, destacando o setor Jarauá.

46 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz

RESULTADOS caracterizados, Estes ovócitos foram encontrados em todas as fases de Histologia do Ovário desenvolvimento das gônadas. Histologia avalia os tecidos do ponto de vista de sua formação fisiológica, Ovócitos Alvéolo-corticais (fase III) - bem como a descrição de suas núcleo central aparente, e vacúolos estruturas microscopicamente, através localizados na periferia do citoplasma. da visualização através do microscópio Alvéolos corticais evidentes no eletrônico. citoplasma. Microscopicamente, o ovário do A. Ovócitos Vitelogênicos (fase IV) - gigas está envolto por uma cápsula de apresentam citoplasma presente tecido conjuntivo denso, denominada preenchido com grânulos de vitelo. túnica ovariana ou albugínea. Também A membrana vitelina tornou-se mais ocorrem fibras musculares lisas e vasos espessa. sanguíneos. Este tecido conjuntivo emite Ovócitos Pós-vitelogênicos (fase V) – ramificações, formando lamelas que Citoplasma completamente ocupado sustentam as células germinativas em pela presença de grânulos de vitelo, com diferentes fases do desenvolvimento. As alvéolos na parte cortical, quase sempre lamelas apresentaram grandes variações em uma forma esférica e de tamanhos de tamanho, dependendo da fase do ciclo variados, com um núcleo centralizado. reprodutivo. Observaram-se ovócitos Ovócitos Atrésicos (fase VI) - em diferentes fases de desenvolvimento, caracterizados pela fragmentação ou circundados por envoltórios de folículos, ruptura da zona pelúcida. Reabsorção conforme as descrições abaixo. dos conteúdos ovulares pelas Os ovócitos foram classificados células foliculares, e estes se tornam histologicamente em seis fases: hipotrofiados. Cromatina-nucléolo (fase I), Em relação à morfometria celular Perinucleolares (fase II), Alvéolos a Figura (3.) traz a evolução celular corticais (fase III), Vitelogênica (fase mensurada de acordo com o diâmetro IV), Pós-vitelogênica (fase V) e Atrésicos de cada célula individualmente. (fase VI), de acordo com a (Figura 2) e seguindo a descrição abaixo. MORFOLOGIA Ovócitos Cromatina-nucléolo (fase I) Morfologia é o estudo que descreve - Dispostos em ninhos, inseridos nas com detalhamento a forma geométrica, lamelas ovígeras, e são as menores a localização, a posição, bem como, a células encontradas. Eles apresentam coloração de um determinado órgão por um núcleo central, com nucléolo meio da observação. individual. Ovócitos Perinucleolares (fase II) - estabelecidos nas lamelas ovígeras, com núcleos evidentes e esféricos, bem

47 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Figura 2 - Fotomicrografia de ovários de Arapaima gigas (escala 500µm): A- Estádio I: Lamelas ovígeras (•) contendo ovogônias (*) e ovócitos na fase II ou perinucleolar (II). B- Estádio II: Lamelas ovígeras constituídas de ovogônias (*), ovócitos na fase II (II) e ovócitos na fase III ou vitelogênese lipídica (III) caracterizadas pelo núcleo volumoso e vacúolos na periferia do citoplasma. C- Estádio III: Presença de ovócitos na fase IV ou em vitelogênese lipídica protéica (IV) – em destaque aumento de vacúolos (v) no citoplasma e presença de material acidófilo na periferia da célula (seta grossa). D- Estádio IV: Predomínio de ovócitos na fase V ou vitelogênese completa (V) apresentando envoltório por células foliculares (cabeça de seta). Presença de ovócitos nas fases II, III e IV.

Morfologia do Ovário A reprodução nos peixes é um O ovário de A. gigas foi identificado fenômeno cíclico e dinâmico. O como um órgão singular, de forma desenvolvimento gonadal também laminada, localizado na parte posterior passa por transformações anatômicas esquerda do abdômen. Apresenta e fisiológicas, sendo assim, possível de fendas transversais em sua extensão ser mensurado. Desta forma e, como caracterizando sua forma foliácea demonstração do desenvolvimento, seguem as características morfométricas laminada. A forma, o volume, a coloração de peso nos ovários nos estádios e a irrigação sanguínea variaram nos I Imaturo, II Maturação inicial, III diferentes estágios de maturidade Maturação avançada, IV Maduro pode observados. ser vistas na (Tabela 1).

48 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz

Figura 3 – Valores médios do diâmetro dos ovócitos nos diferentes estádios gonadais de Arapaima gigas.

Tabela 1 – Distribuição dos parâmetros morfométricos da escala de desenvolvimento gonadal de A. gigas na RDSM. Estádio gonadal II Maturação III Maturação Média comprimento total (cm) I Imaturo IV Maduro inicial Avançada 139,6 166,54 177,73 187,14

Desvio padrão ±19,26 ±10,39 ±15,32 ±16,85

Média peso total (k) 26,5 43,31 52,21 62,08

Desvio padrão ±7,03 ±11,56 ±15,61 ±18,09

Média peso gonadal (g) 18 37 225,5 474

Desvio padrão ±9,04 ±28,5 ±174,8 ±275,2

Porcentagem da amostra (%) 14,6 32,8 27,7 24,8

Indivíduos avaliados (N) 20 45 38 34

49 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Estádios de maturação das fêmeas Estádio IV (Maduro) - Nessa fase, são descrito por meio dos aspectos também conhecida como Grávida, a macroscópicos maior parte dos ovócitos maduros têm coloração verde-escura, influenciando Estádio I (Imaturo) – Ovário pequeno, a coloração gonadal inteira. A gônada também denominado de Virgem, apresenta também outros ovócitos, de com coloração rosa, forma laminar, coloração rosa-amarelada, contudo, em com estruturas folheais transversais menor quantidade. Ovário com intensa pequenas, sem ovócitos visíveis a olho vascularização periférica. Nesse estádio, nu, pouco irrigado e de consistência o órgão apresenta a forma foliácea mais túrgida. A parte final da gônada funde- pronunciada que nos demais. (Figura 7). se ao oviduto, e por sua vez ao poro urogenital (Figura 4.). Estádio V (Desovado) - Ovário flácido, de coloração rosa-pálido, com aspecto Estádio II (Maturação Inicial) - Ovário hemorrágico na matriz ovariana, que de coloração rosa, de formato laminar, compõe marcas de desova, com trechos com estruturas lamelares transversais das membranas distendidas e esvaziadas. evidentes, com poucos ovócitos visíveis Estes trechos possuem apenas alguns de coloração opaca. Apresenta volume centímetros de comprimento e largura. maior que o de ovários do Estádio I. A Nesta fase, os ovócitos de coloração vascularização é mais evidenciada, e o rosa-amarelada estão em maior número, oviduto pequeno está ligado ao poro mas apresenta também ovócitos urogenital (Figura 5.) de diversos tamanhos e estados de Estádio III (Maturação Avançada) - maturidade, inclusive observam-se ainda Ovário de coloração matricial rosa, alguns grumos esbranquiçados. com espessura maior que a dos Estádio VI (Em repouso) - Ovário de estádios anteriores, com vascularização coloração rosa-claro, translúcido, apre- aumentada e presença de vasos sentando consistência mais rígida que sanguíneos periféricos de maior calibre. na fase anterior, vascularização pouco Neste estádio, ocorrem ovócitos evidente e corpos residuais não identi- heterogêneos, entretanto, os ovócitos ficados. de coloração verde-escuro predominam Os estádios V e VI foram observados e na parte final da gônada. Nesta fase, é evidencias em campo, entretanto, não nítida a forma folhosa que distingue o foi possível obter registros fotográficos órgão. (Figura 6.) que ilustrem estes estádios de desenvolvimento gonadal.

50 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz

Figura 4 - Ovário em estádio I, Imaturo.

Figura 5 - Ovário em estádio II, Maturação inicial.

Figura 6 - Ovário em estádio III, Maturação avançada.

Figura 7 - Ovário em estádio IV, Maduro.

51 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

HISTOLOGIA DO TESTÍCULO los seminíferos lobulados, dispostos A análise histológica do testículo em longitudinalmente em relação ao testí- A. gigas demonstrou que, ao longo do culo. O epitélio germinativo que cobre a desenvolvimento destas gônadas, elas parede interior dos túbulos seminíferos sempre são cobertas por uma túnica é organizado em cistos Os túbulos semi- albugínea. Esta é composta de tecido níferos apresentam grande variação no conjuntivo, com a presença de fibras seu diâmetro, dependendo da fase do musculares lisas e os vasos sanguíneos. ciclo reprodutivo (Figura 8.). Os testícu- Internamente, o órgão apresenta túbu- los foram classificados histologicamente em quatro fases.

Figura 8 - Fotomicrografia de testículos de Arapaima gigas (escala 50µm): A- Estádio 1: Túbulos seminíferos de parede espessa com presença de espermatogônias (e). Observe a organização de células indiferenciadas (*) próximas ao tubo. B- Estádio 2: Túbulos seminíferos com epitélio germinativo espesso apresentando células espermatogênicas (ep) e células espermiogênicas (g) na luz. C- Estádio 3: Túbulos seminíferos bem desenvolvidos com epitélio delgado apresentando células espermatogênicas (ep) e acentuada presença de células espermiogênicas (g) na luz.

52 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz

Fase I (Imaturo) - Apresenta túbulos espermatogênicas e indiferenciado em seminíferos, alguns com um sua luz. pequeno diâmetro, com ausência de Descrição Macroscópica do Testículo células em função dos túbulos. Eles O testículo de A. gigas, tal como o apresentam bordas grossas, feitas ovário, um órgão singular, longilíneo, por epitélio germinativo, contendo as espermatogônias e células semicilíndrico, apresenta bordas lisas, indiferenciadas dispostas em camadas. e está localizado na porção esquerda da cavidade abdominal. Sustentado Fase II (em desenvolvimento) - pelo peritônio, prolongando-se até o Apresenta maior quantidade de túbulos seminíferos, e estes maiores quando poro urogenital através de um ducto comparado com a fase anterior. Em espermático. alguns túbulos, há a presença de células A escala de maturidade macroscópica de espermatogênese no interior do aqui apresentada para os machos de A. espesso epitélio germinativo. gigas é composta por quatro estádios Fase III (Maduro) - Caracterizado de desenvolvimento identificados por apresentar grande diâmetro e nos exemplares avaliados: Estádio I desenvolvidos túbulos seminíferos, (Imaturo), Estádio II (Em maturação) com epitélio germinativo fino. À luz e Estádio III (Maduro) e Estádio V dos túbulos pode-se observar uma (Espermiado). grande quantidade de células de Conforme apresentado na (Tabela 2.) espermatogénese. observa-se o desenvolvimento em peso Fase IV (Em repouso) - Caracterizado por das gônadas masculinas de pirarucu uma acentuada redução do diâmetro por meio da mensuração dos primeiros dos túbulos seminíferos. Alguns estádios como forma de descrição da destes apresentam algumas células escala de desenvolvimento gonadal.

Tabela 2 - Pesos e comprimentos médios e desvio padrão dos testículos nos diferentes estádios gonadais de A. gigas.

Estádio gonadal

I Imaturo II Em maturação III Maduro

Média peso total (k) 26,5 43,31 52,21

Desvio padrão ±7,03 ±11,56 ±15,61

Média peso gonadal (g) 5 8 13

Desvio padrão ±1,57 ±2,03 ±4,67

Porcentagem da amostra (%) 26,17 36,24 37,58

Indivíduos avaliados (N) 39 54 56

53 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Os estádios de maturação dos machos Estádio III (Maduro) - Testículo de são descritos a seguir: coloração rosa, formato elíptico, Estádio I (Imaturo) - Testículo de apresentando intensa vascularização, coloração rosa, quase translúcido, de com estrutura geral firme e consistente forma fitácea, espessura fina, com pouca (Figura 11) irrigação sanguínea, com aspecto flácido Estádio V Em repouso - Órgão de e friável (Figura 9.) coloração rosa pálido, formato elíptico, Estádio II (Em maturação) - Testículo pouco irrigado, consistência flácida. opaco de coloração rosa, formato O estádio V foi observado e evidenciado elíptico mais evidente, espessura em campo, entretanto, não foi possível proeminente, com irrigação sanguínea obter registros fotográficos que ilustrem evidente, de aspecto consistente e este estádio de desenvolvimento estrutura lisa (Figura 10) gonadal.

Figura 9 - Testículo em estádio I, Imaturo.

Figura 10 - Testículo em estádio II, Em maturação.

Figura 11 - Testículo em estádio III, Maduro.

54 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz

CONCLUSÃO E DISCUSSÃO intimamente relacionada com o tamanho de maturidade sexual, uma vez que Características reprodutivas do pirarucu reflete o tamanho mínimo de captura As observações visuais da morfologia para a espécie (Castello, 2004). Na pesca externa dos pirarucus não mostram de sistemas como este, de pirarucus um dimorfismo sexual evidente que na Amazônia brasileira, onde há uma permitiria uma distinção entre machos maior necessidade de envolvimento e e fêmeas de A. gigas (FONTENELE, participação dos pescadores em todas 1948; QUEIROZ, 2000; LOPES, 2005). Só as fases de gestão (VIANA et al., 2007; depois de expor as gônadas, foi possível ARANTES et al., 2007; CASTELLO et al., determinar o sexo de cada indivíduo. 2009), compartilhar com os pescadores Outra característica marcante da espécie a informação sobre o tamanho é a ausência da gônada direita. Nenhum mínimo de captura é fundamental. vestígio de pareamento gonadal, ou A má aplicação desta ferramenta, mesmo de uma gônada direita atrofiada influenciando artificialmente o tamanho foram observados (CEBRELLI, 1972; da primeira maturação sexual, pode FLORES, 1980; QUEIROZ, 2000; LOPES, facilmente causar sérios problemas para 2005; LOPES; QUEIROZ, 2009 a, b). As a gestão das atividades de pesca. Isto é gônadas, em ambos os sexos, foram especialmente relevante em um sistema sempre encontradas na parte esquerda de pesca baseado em princípios de da cavidade abdominal. conservação e sustentabilidade, como é o caso da espécie de estudo. As Escalas macroscópicas das gônadas e A determinação dos estágios de de- sua importância para a pesca manejada senvolvimento gonadal permitiu uma É amplamente conhecido pela ciência melhor compreensão do processo re- pesqueira que não existe um tamanho produtivo e reduziu o número de erros fixo em que os peixes começam contidos nessas avaliações com base a se reproduzir. Mas a frequência apenas na observação macroscópica de indivíduos maduros aumenta (DIAS et al., 1998). Proporcionando as- gradualmente com o aumento do sim, uma ferramenta relevante ao pro- tamanho dos animais. O início da cesso de perpetuação sustentável da maturidade sexual varia muito entre as pesca manejada por meio de avaliações espécies, entre populações da mesma reprodutivas dos animais abatidos. Por espécie e mesmo entre indivíduos da meio da discriminação simples dos es- mesma população (VAZZOLER, 1996; tádios de desenvolvimento gonadal, FONTELES FILHO, 1989). Nesta ótica, através de uma escala padronizada. A outra grande ferramenta que a descrição padronização das escalas de desenvol- facilitada dos estádios gonadais das vimento gonadal subsidia a revisão dos fêmeas favorece é a determinação do tamanhos mínimos para a captura de pi- tamanho mínimo de captura. rarucus, não só para as análises de pesca Uma das bases para o sucesso da gestão no local de estudo, mas também para das pescas manejadas de A. gigas está aquelas que se desenvolvem em vários

55 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados outros locais onde esta atividade vem Grupo de Apoyo a la Biologia de Santa Cruz, sendo realizada recentemente na Ama- v. 1, 2006, p. 20 - 22. zônia Central Brasileira (VIANA et al., BARD. J.; IMBIRIBA, E.P. Piscicultura do 2007; CASTELLO, et al., 2009). pirarucu, Arapaima gigas. Belém: EMBRAPA Como o desenvolvimento gonadal e – CPATU, 1986. 17 p. (EMBRAPA-CPATU. ovocitáro descritos neste estudo, sugere- Circular Técnica, 52) se que estas descrições sejam utilizadas CASTELLO, L. A Method to Count pirarucu como ferramentas de fácil utilização Arapaima gigas: Fishers, Assessment, and Management. North American Journal of e que possam subsidiar propostas de Fisheries Management, v. 24 , 2004, p. 379 análise dos animais abatidos na pesca – 389. manejada como um indicativo de qual CASTELLO, L.; VIANA, J. P., WATKINS, G.; porcentagem dos animais estão sendo PINEDO-VASQUEZ, M.; LUZARDIS, V. A. capturados ainda imaturos. Bem como (2009). Lessons from integrating fisher o estabelecimento de medidas de of Arapaima in small-scale fisherires tamanhos mínimos e máximos de abate. management at the Mamirauá Reserve. A pesca orientada para retirada Environmental Management, v. 43, 2009, p. 197 - 209. apenas de indivíduos muito grandes poderia retirar das populações genes CEBRELLI, C. B. Estudio del factor de importantes que ocorrem naturalmente condición del “paiche” Arapaima gigas (Cuvier) em la zona reservada del Rio Pacaya nos indivíduos mais bem adaptados. entre los anos 1959 a 1969. 1972. 42p. (Tesis Bem como reprodutores grandes para o grado de bachiller, Universidade aumentam a resiliência da população Nacional Mayor de San Marcos, Lima, Peru) frente a dificuldades naturais e pressões DIAS, J. F.; PERES-RIOS; CHAVES, E. P. T. C.; antrópicas enfrentadas pelas populações ROSSI-WONGTSCHOWSKI, C. L. B. Análise de pirarucu nas diferentes partes da macroscópica dos ovários de teleósteos: Amazônia. problemas de classificação e recomendações de procedimentos. Revista Brasileira de Biologia, v. 58, 1998, p. 55 - 69. REFERÊNCIAS FLORES, H. G. Desarrollo sexual del paiche ARANTES, C. C.; CASTELLO, L.; GARCEZ, D. Arapaima gigas en las zonas reservadas S. Variações entre contagens de Arapaima del estado (Rios Pacaya y Samiria) 1971- gigas (Schinz) (Osteogrlossomorpha, 1975. IMARPE, Informe Instituto del Osteoglossidae) feitas por pescadores Mar del Peru, v. 67, 1980, 1 - 21p. individualmente em Mamirauá. Pan- American Journal of Aquatic Sciences. v. 2, FONTELES FILHO, A. A. Recursos pesqueiros 2007, p. 263 - 269. biologia e dinâmica Populacional. Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará, 1989. 295 p. ARANTES, C. C.; CASTELLO, L.; STEWART, D. J.; QUEIROZ, H. L.; CETRA, M. Population FONTENELE, O. Contribuição para o density, growth and reproduction of conhecimento da biologia do pirarucu, Arapaima in an Amazonian river-floodplain. Arapaima gigas (Cuvier) em cativeiro Ecology of Freshwater Fish, v. 19, 2010, p. (Actinopterygii, Osteoglossidae). Revista 455 - 465. Brasileira de Biologia, v. 8, n. 4, 1984, p. 445 - 459. FARREL, M. E.; AZURDUY, H. El Paiche (Arapaima gigas) ¿Depredador o depredado?

56 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz

GODINHO, H. P., SANTOS, J. E., FORMAGIO, QUEIROZ, H. L.; SARDINHA, A. D. A P. S.; GUIMARÃES-CRUZ, R. J. Gonadal preservação e o uso sustentado dos pirarucus morphology and reproductive traits of the (Arapaima gigas, Osteoglossidae) em Amazonian fish Arapaima gigas (Schinz, Mamirauá. In: QUEIROZ, H. L.; CRAMPTON, 1822). Acta Zoologica, v. 86, 2005, p. 289 – W. ( Ed. ). Estratégias para Manejo de 294. Recursos Pesqueiros em Mamirauá .Brasília: SCM-CNPq/MCT, 1999. 197 p. IMBIRIBA, E. P. Potencial da criação de pirarucu, Arapaima gigas em cativeiro. Acta QUEIROZ, H. L. Natural history and Amazônica, v. 31,n. 2, 2001, p. 299 - 316. conservation of pirarucu, Arapaima gigas, at the Amazonian Várzea : Red giants in muddy IMBIRIBA, E. P.; BARD, J.; MOURA CARVALHO, waters. 2000. 226p. Tese de Doutorado, L. O. D. de; NASCIMENTO, C. N. B.; SOUZA, University of St Andrews. J. C. M. Resultados preliminares de criação do pirarucu, Arapaima gigas (Cuvier) em SOUZA, R. H.; VAL, A. L. O gigante das águas cativeiro. Belém: EMBRAPA-CPATU. 1986.4 p. doces. Ciência Hoje, v. 11, n. 64, 1990, p. 9 - 12. LOPES, K. S. Ecologia reprodutiva e subsídios para o manejo da reprodução de TALOSA, E. M. C.; RODRIGUES, C. J.; BEHMER, pirarucus, Arapaima gigas cuvier, 1817. 2005. O.A.; NETO, A. S. F. Manual de técnicas 85 p. Dissertação ( Mestrado) - Universidade histológicas normal e patológica. São Paulo: Federal do Pará. Ed. Manole. 2003. LOPES, K. L.; QUEIROZ, H. L. Uma revisão VIANA, J. P.; CASTELLO, L.; DAMASCENO, das fases de desenvolvimento gonadal de J. M. B.; AMARAL, E. S. R.; ESTUPINAN, pirarucus Arapaima gigas (schinz, 1822) por G. M. B.; ARANTES, C. C.; BATISTA, G. meio da análise macroscópica como uma S.; GARCEZ, D. S.; BARBOSA, S. Manejo proposta para unificação destes conceitos e Comunitário do pirarucu Arapaima gigas na sua aplicação prática nas reservas Mamirauá Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Amanã. UAKARI, v. 5, n. 1, 2009 a, p. 39 - 48. Mamirauá – Amazonas Brasil. In: ÁREAS Aquáticas Protegidas como Instrumento LOPES, K. L.; QUEIROZ, H. L. Avaliação de Gestão Pesqueira. . Núcleo da Zona do conhecimento tradicional dos Costeira e Marinha. Brasília: DIFAP, CGREP, pescadores da RDSM aplicado à ProVárzea. IBAMA, 2001. p. 239 - 261. identificação do sexo de pirarucus. 2009. Série Áreas Protegidas do Brasil, n.4 UAKARI, v.5, n.2, 2009 b, p. 59 - 66. VAZZOLER, A. E. A. Biologia da reprodução PONTES, A. C. O pirarucu Arapaima gigas de peixes teleósteos: teoria e prática. Cuvier, nos açudes públicos do nordeste Maringá: EDUEM, 1996. 169 p. brasileiro.1977. 50 p. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências Agrárias, WOTOON, R. J. Ecology of Teleost fishes. Universidade Federal do Ceartá. Ceará/BR, London: Chapman & Hall, 1990. Fish and 1977. Fisheries Series, 1.

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INFLUÊNCIA DA COBERTURA DE MACRÓFITAS SOBRE A ABUNDÂNCIADE PIRARUCUS EM LAGOS DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ

Adriana Gomes Affonso¹ Helder L. Queiroz² Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo¹

RESUMO durante a FC em um determinado ano, Este artigo investiga a relação entre a maior a abundância de pirarucu 1,5 anos abundância do pirarucu e cobertura de mais tarde. A reprodução inicia-se com o macrófitas em lagos durante as fases aumento do nível da água, com cuidado de cheia (FC) e seca (FS) no período parental masculino durante a fase de compreendido entre 1999 e 2009. cheia, quando os indivíduos jovens se Para isso, foram utilizadas imagens TM alimentam exclusivamente de insetos, Landsat representativas da FC e da FS moluscos e crustáceos encontrados para calcular a cobertura de macrófitas nas raízes das macrófitas. O pirarucu (MCt) em 87 lagos a cada ano. A jovem, 1,5 anos depois, atinge o abundância total de pirarucus jovens tamanho de 100 a 120 cm e é incluído (pjA) (1,5-2 anos) e adultos (paA) (acima na estimativa da população. A cobertura de 3 anos) foi estimada pelo método de de macrófitas aumenta a probabilidade contagem durante o período de seca de sobrevivência das coortes mais de cada ano. Utilizou-se o método de jovens, proporcionando um excelente regressão linear para modelar a relação ambiente para os primeiros meses entre o MCt e ambas abundâncias (pjA do pirarucu. Este estudo sugere que e paA). Os resultados indicaram uma mudanças climáticas e pesca em larga relação linear entre MCt e pjA (r2 = escala podem afetar a extensão de 0,88, confiança de 95%) e MCt e paA macrófitas podendo representar uma (r2 = 0,81, a 95%) durante FC com uma ameaça para conservação do pirarucu defasagem (“time lag”) de 1,5 anos. Não e, consequentemente, para uma das foi encontrada relação entre ambos principais fontes de proteína e renda das os tipos de abundância e MCt na FS. populações ribeirinhas. O mapeamento Quanto maior a cobertura de macrófitas de cobertura de macrófitas através de

¹ Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Divisão de Sensoriamento Remoto, Avenida dos Astronautas, 1758, 12227-010, Jardim da Granja, São José dos Campos, SP, Brasil 2 Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Estrada do Bexiga, 2584, 69470-000, Fonte Boa,Tefé, AM, Brasil

59 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados imagens de sensoriamento remoto é might affect macrophyte extension and um componente-chave para identificar pose a threat to pirarucu conservation regiões prioritárias para a gestão and fishery. Macrophyte coverage sustentável do pirarucu. mapping through remote sensing images is a key component to identify ABSTRACT priority regions for pirarucu sustainable This paper investigates the relationship management and monitoring. between pirarucu abundance and macrophyte cover in lakes during high INTRODUÇÃO (HW) and low water (LW) phases from O pirarucu (Arapaima gigas) é o maior 1999 to 2009. TM Landsat images peixe de escamas vivendo em água acquired during HW and LW were used doce de todo o mundo (WOOTTON, to compute macrophyte cover (MCt) at 1990), atingindo mais de 3 m de 87 lakes each year. Total young pirarucu comprimento total, e mais de 200 kg abundance (pyA) (1.5-2 years) and total de peso vivo. Apesar de ser considerada adult pirarucu abundance (paA) (above 3 como uma espécie essencialmente years) were estimated using a counting piscívora (LOWEL-MCCONNEL, 1987), o method during LW of each year. The MCt pirarucu consome também outros itens was regressed against pyA and paA. The alimentares, como insetos, gastrópodes, results indicated a linear relationship micro e macro-crustáceos, durante as between both pyA (r2 =0,88, at 95% diferentes fases da vida e ao longo das confidence) and paA (r2 =0,81, at 95%) fases da hidrógrafa (QUEIROZ, 2000; with MCt during HW with 1.5 year lag. IMBIRIBA, 2001). No relationship was observed between Estudos mostram que quase todas as MCt and both types of abundance in LW. espécies de peixes e invertebrados The highest the macrophyte coverage consumidos pelos pirarucus são during HW in a given year the highest encontradas na zona das raízes de is the pirarucu abundance 1.5 year later. macrófitas aquáticas, galhos e outros Reproduction begins at the rising water substratos inundados (JUNK, 1984; level and proceeds with male parental CRAMPTON, 1999, PETRY et al., 2003; care during the high water phase, VILLABONA-GONZÁLEZ et al., 2011). when young feed exclusively of insects, As macrófitas aquáticas são ambientes- molluscs and found into chave para a proteção e conservação de macrophytes root zone. Around 1.5 year diversas espécies de peixes da várzea latter this young pirarucu reaches the amazônica (SANCHEZ-BOTERO; ARAÚJO- size of 100 to 120 cm and is included in LIMA, 2001), atuando ainda como abrigo the population estimates. Macrophyte e local de forrageamento para diversos cover increases the survivor probability organismos (JUNK, 1984) e com alta of younger cohorts, providing an riqueza de espécies de peixes (PETRY excellent environment during the first et al., 2003; HERCOS et al., 2012). A months. This study suggests that climate determinação da dinâmica da cobertura changes and also large scale fishery de macrófitas possibilita a estimativa de

60 Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá • Adriana Gomes Affonso •Helder L. Queiroz • Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo

um dos recursos mais importantes para utilizados dados referentes a 87 lagos o recrutamento de diversas espécies do Setor Jarauá inclusos no manejo de de peixe e é responsável por grande pirarucu no período compreendido parte da biomassa da fauna aquática entre 1999 e 2009 (Figura 1). Amazônica. No entanto, a natureza dinâmica e DADOS DE CONTAGEM DO PIRARUCU complexa do ecossistema aquático amazônico torna adverso o seu estudo. Foram utilizados os dados de estoque Deste modo, o sensoriamento remoto anual de pirarucu (indivíduos jovens e torna possível a análise espaço- adultos), estimados a partir da contagem temporal desse ecossistema complexo do pirarucu (realizada somente no e fragmentado, por permitir a visão período de seca), método baseado na sinóptica de grandes áreas em várias capacidade que os pescadores artesanais escalas. Diversos estudos demonstraram experientes possuem de contar os a aplicabilidade dos sensores remotos indivíduos quando estes emergem para no mapeamento na distribuição espacial respirar (CASTELLO, 2004; ARANTES et de macrófitas em diferentes fases al., 2006). A contagem foi realizada no do pulso de inundação (HESS et al., período de seca em 87 lagos no período 1995; COSTA, 2005; COSTA; TELMER, compreendido entre 1999 e 2009. 2006; SILVA et al., 2010; LIIRA et al., DETERMINAÇÃO DA COBERTURA DE 2010). ARRAUT (2010) demonstrou MACRÓFITAS ainda a forte associação entre o peixe- boi amazônico (Trichechus inunguis) Foram selecionadas 20 imagens do e os bancos de macrófitas aquáticas satélite Landsat/TM (órbita 001/ponto flutuantes determinados através de 62), com a menor cobertura de nuvens, dados de imagens de satélite. correspondentes às fases de cheia O objetivo desse trabalho foi analisar a e seca da hidrógrafa para cada ano relação entre a cobertura de macrófitas referente ao período compreendido nas fases de seca e de cheia em lagos da entre 1999 e 2009, com exceção do Reserva de Desenvolvimento Sustentável ano de 2003, porque as imagens Mamirauá e a abundância de pirarucus disponíveis sem cobertura de nuvens no período de 1999 a 2009, a partir de apresentaram ruídos. De modo a imagens de satélite e dados de campo. facilitar o mapeamento de lagos com dimensões próximas ao limite de MATERIAL E MÉTODOS resolução espacial do sensor, aplicou-se A área de estudo está localizada na aos dados o método de restauração que Reserva de Desenvolvimento Sustentável permitiu trazendo a resolução espacial Mamirauá, no Estado do Amazonas, na das imagens TM de 30 metros para 15 planície de inundação dos Rios Solimões metros (BOGGIONE, 2003). Com isso, e Japurá, próximo à cidade de Tefé, e a tornou-se mais precisa a definição e cerca de 600 km de Manaus (02° 49’S; mapeamento dos limites dos bancos 65° 00’W). Para esse estudo, foram de macrófitas em torno dos lagos.

61 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Legenda Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Setor Jarauá

Figura 1 - Imagem Landsat 10/9/2007 com a delimitação da área de estudo

62 Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá • Adriana Gomes Affonso •Helder L. Queiroz • Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo

Para o mapeamento, foi realizada uma RESULTADOS E DISCUSSÃO classificação supervisionada com base no Os resultados mostraram uma alta algoritmo de Máxima Verossimilhança, correlação entre a área de macrófita utilizando as bandas 3, 4 e 5 (BAYLEY; no período de cheia e a abundância MOREIRA, 1978; LIIRA et al., 2010; de pirarucu no ano posterior, tanto ARRAUT et al., 2010). As amostras para indivíduos jovens como para utilizadas para treinar o classificador adultos. No entanto, não foi observada foram selecionadas a partir da análise de nenhuma correlação significativa entre fotografias georreferenciadas obtidas a abundância de pirarucu e a área de macrófita do período de seca, fato durante as missões de campo e a partir também observado por Arantes et al., da análise do comportamento espectral (2011). No presente trabalho, a baixa de alvos semelhantes bem como correlação pode ser explicada pelo fato informações adicionais referentes à de que a área de macrófitas mapeada forma e localização (SILVA et al., 2009). no período de seca incluir aquelas nas As seguintes classes foram mapeadas: margens dos lagos, não sendo possível 1) Espelho d’água; 2) Mácrofitas; 3) separar, através das imagens de satélite, Nuvens; e 4) Solo exposto (áreas sem as macrófitas sob a água. Dessa forma, água ou vegetação, ocorrendo somente a área total das macrófitas no período na seca). Para cada lago, foi calculada a de seca tende a ser superestimada área de cada classe (espelho d’água, solo quando se usam dados de sensores exposto, macrófitas e nuvem). ópticos como é o caso do sensor TM/ Landat, incluindo as macrófitas que Os dados referentes à área de cobertura se desenvolvem sobre a superfície por macrófitas na seca e na cheia para da água (independentemente de sua cada um dos lagos foi então somada profundidade) e as macrófitas que se para se obter o total de cobertura por desenvolvem sobre o solo saturado de macrófitas na área focal em cada ano água; nesse caso, sem condições de para o qual se dispunha de informações abrigar populações viáveis de pirarucu sobre a contagem. Esses dados e sem influência direta sobre sua foram então submetidos à análise de sobrevivência. regressão linear simples, tendo como A análise de regressão entre a área variável dependente a abundância de macrófita na cheia e o número de anual de pirarucu (soma do número de indivíduos no ano posterior sugere indivíduos em todos os lagos para cada que a área de macrófita no período de cheia em um determinado ano explica ano) e independente, a área ocupada por a abundância de pirarucus (jovens e bancos de macrófitas em toda a várzea adultos) no ano subsequente (r²=0,88 (soma da área de macrófitas de todos para os jovens, e r²=0,80 para adultos). os lagos para cada ano) nos períodos de A figura 2 apresenta o modelo de cheia e seca. regressão linear para os jovens e a figura 3 para os adultos.

63 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

9000

8000

7000

6000

Bodego 5000

4000

3000

2000 02468101214

Área de macrófita na cheia (hectare) Figura 2 – Gráfico de regressão entre a área de macrófita na cheia do ano anterior e a abundância de jovens (número de indivíduos) no ano posterior.

8000

7000

6000

5000

4000 Pirarucu 3000

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0 02 4 6 8 10 12 14

Área de macrófitas na cheia (hectare) Figura 3 – Gráfico de regressão entre a área de macrófita na cheia do ano anterior e a abundância de pirarucu (número de indivíduos) no ano posterior.

64 Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá • Adriana Gomes Affonso •Helder L. Queiroz • Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo

Esses resultados sugerem que a área de durante os primeiros meses de vida. cobertura de macrófitas no período da Essas plantas atuam como berçário de cheia influencia o número de indivíduos diversas espécies de peixes, sendo que no ano posterior, o que está relacionado durante o período da cheia, a maior à ecologia reprodutiva da espécie. parte de sua fauna é composta por Durante o período de seca, os pirarucus indivíduos jovens (SANCHEZ-BOTERO; adultos formam seus pares (casais ARAÚJO-LIMA, 2001), atuando ainda monogâmicos) nos lagos e canais. Com como abrigo e local de forragem para o início da enchente (entre novembro diversos organismos (JUNK, 1984) e de dezembro) e o aumento do nível apresentando ainda uma alta riqueza de da água, eles constroem os ninhos no espécies de peixes (PETRY et al., 2003; fundo das partes mais rasas encontradas HERCOS et al., 2012). próximas às margens dos lagos. Dessa forma, 1,5 anos depois, esses Imediatamente após o término da indivíduos jovens que se beneficiaram construção dos ninhos, eles desovam. destes ambientes serão incluídos na Após a eclosão das larvas, as fêmeas contagem anual. Como foi revelado, deixam seus ninhos, e os machos cuidam quanto maior a área de cobertura por da prole por pelo menos três meses, macrófitas, maior será o número de ao longo da enchente. Nesse período, indivíduos no ciclo posterior. Com o o macho guia os jovens pela floresta comportamento de cuidado parental do alagada onde sua alimentação se baseia macho, o adulto também se beneficia exclusivamente de insetos, moluscos e aumentando sua sobrevivência ao microcrustáceos na zona de raízes das proteger seus filhotes e se protegendo macrófitas aquáticas. também de possíveis predadores. Com a descida das águas, o macho Os bancos de macrófitas representam adulto se separa dos jovens, mas ele e ambientes-chave para a proteção e todos os demais pirarucus vivendo no conservação (HERCOS et al., 2012), não interior da floresta dirigem-se de volta somente do pirarucu, mas da maioria das aos lagos, canais e rios. Nos lagos, eles espécies de peixes da várzea amazônica, permanecem durante todo o período de garantido ou incrementando o seu seca, iniciando um novo ciclo (QUEIROZ, recrutamento biológico. 2000; CASTELLO, 2008, 2008a). Mudanças climáticas e distúrbios Após 1,5, anos o pirarucu jovem relacionados à pesca em grande escala atinge aproximadamente de 100 a cm que possam afetar a extensão da de comprimento e é detectado pelos cobertura de macrófitas nos lagos de contadores, sendo então incluído várzea da Amazônia podem representar na estimativa anual da população. A uma ameaça imediata à conservação e a cobertura de macrófitas aumenta a pesca do pirarucu. probabilidade de sobrevivência dos No entanto, o mapeamento da cobertura recém-eclodidos (“yoy”, ou “young- de macrófitas por meio de dados of-the-year”), fornecendo proteção de sensoriamento remoto pode e uma excelente fonte de alimento ser uma ferramenta essencial no

65 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados estabelecimento de planos de manejo Anais... São José dos Campos: INPE, 1978. da pesca sustentável do pirarucu, não p. 854-865. Printed, On-line. ISBN 978- apenas na Reserva Mamirauá, mas 85-17-00045-4. (INPE-7731-PRE/3578). também em outras áreas de várzea com Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2012. AGRADECIMENTOS BOGGIONE, G. A. Restauração de imagens Os autores agradecem à FAPESP do satélite Landsat-7. 2003. 160 p. (INPE- (Processo 08/07537-1 e bolsa de 10462-TDI/929). Dissertação (Mestrado em doutorado, Processo: 2008/06661- Sensoriamento Remoto) - Instituto Nacional 0), ao CNPq (Projeto 477885/2007-1; de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, Processo 550373/2010-1), e a Reserva de 2003. Disponível em: . Acesso pelo suporte de infraestrutura e em: 03 set. 2012. logística. CASTELLO, L. A method to count pirarucu: REFERÊNCIAS fishers, assessment and management. North ARANTES, C.; GARCEZ, D. S.; CASTELLO, L. American Journal of Fisheries Management, Densidades de pirarucu (Arapaima gigas, v. 24, p. 379-389, 2004. Teleostei, Osteoglossidae) em lagos das CASTELLO, L. A. Lateral migration of Reservas de Desenvolvimento Sustentável Arapaima gigas in floodplains of the Amazon. Mamirauá e Amanã, Amazonas, Brasil. Ecology of Freshwater Fish, v. 17, n. 1, p. 38- UAKARI, v. 2, n. 1, p.37-43, 2006. 46, 2008. ARANTES C. C.; CASTELLO, L.; CETRA, M.; CASTELLO, L. A Nesting habitat of Arapaima SHILLING, A. 2011. Environmental factors gigas (Schinz) in Amazonian floodplains. and distribution of arapaima in floodplains Journal of Fish Biology, v. 72, n. 6, p. 1520- of the Amazon. Environmental Biology of 1528, 2008a. Fishes, DOI 10.1007/s10641-011-9917-9. CRAMPTON, W. G. R. Os peixes da Reserva ARRAUT, E. M.; MARMONTEL, M.; Mamirauá: diversidade e história natural na MANTOVANI, J.E.; NOVO, E.M.L.M.; planície alagável da Amazônia. In: QUEIROZ, MACDONALD, D.W.; KENWARD, R.E. The H. L.; CRAMPTON, W. G. R. (Ed.). Estratégias lesser of two evils: seasonal migrations para o manejo de recursos pesqueiros em of Amazonian manatees in the Western Mamirauá. Tefé: Conselho Nacional de Amazon. Journal of Zoology, v. 280, n. 3, p. Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 247–256, 2010. Sociedade Civil Mamirauá, 1999. p. 10-36. BAYLEY, P. B.; MOREIRA, J. C. Preliminary COSTA, M. Estimate of net primary interpretations of aquatic resources in productivity of aquatic vegetation of the the central amazon basin using Landsat Amazon floodplain using Radarsat and JERS- Multispectral imagery. SIMPÓSIO 1 imagery. International Journal of Remote BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, Sensing, v. 26, n. 20, p.4527-4536, 2005. 1. (SBSR), 1978, São José dos Campos.

66 Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá • Adriana Gomes Affonso •Helder L. Queiroz • Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo

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AVALIAÇÃO GENÉTICA DO MANEJO DO PIRARUCU (Arapaima gigas) NA RESERVA MAMIRAUÁ

Juliana Araripe1

RESUMO alelos, sem uma significante variação no número absoluto e na riqueza O pirarucu (Arapaima gigas) é um dos alélica entre os anos. Os índices de recursos pesqueiros mais importantes da região amazônica, com indícios de diversidade indicaram variabilidade sobrepesca histórica exercida sobre a similar às previamente descritas para espécie. Uma das estratégias que visam outras populações da bacia Amazônica e recuperar estas populações e manter essa superior à descrita para a localidade de atividade pelas populações ribeirinhas Tucuruí. Não foram observados indícios é a pesca manejada, que vem sendo de perda de variabilidade genética no desenvolvida desde 1999 na Reserva período estudado, o que sugere que Mamirauá. Apesar de alguns indicadores a pesca manejada desenvolvida pela apontarem para o sucesso deste manejo, Reserva Mamirauá está sendo capaz de nenhum estudo usando ferramentas manter essa diversidade na população. genéticas havia sido desenvolvido para Entretanto, é importante ressaltar que avaliar essa atividade. Neste estudo, foram estudo de monitoramento contínuo analisados sete loci microssatélites de e de longo prazo, utilizando nossos 314 pirarucus abatidos através de pesca resultados como referência, será de manejada ao longo de cinco anos (2002 grande importância para auxiliar no a 2006), buscando avaliar o efeito dessa direcionamento do manejo desta espécie atividade nas frequências dos alelos na na várzea amazônica. população. O número de alelos, riqueza e frequência alélica, assim como alelos INTRODUÇÃO exclusivos foram estimados para cada ano, enquanto a comparação entre os períodos O pirarucu (Arapaima gigas Cuvier, 1817) analisados foi realizada através da AMOVA é um dos mais importantes recursos e Fst par a par. Foram identificados 45 pesqueiros na região amazônica,

1 Instituto de Estudos Costeiros (IECOS), Universidade Federal do Pará, Alam. Leandro Ribeiro SN, Campus de Bragança, PA CEP 68.600-000 - [email protected]

69 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados apresentando uma grande biomassa e Aspectos biológicos peculiares da espé- agregando um alto valor de mercado cie, principalmente aqueles relacionados nas principais cidades da região norte à reprodução e dispersão, são de grande do Brasil. Atualmente, este peixe pode importância para estudos de dinâmica ser encontrado em grande parte da populacional e consequentemente con- Bacia Amazônica, além da bacia do servação e manejo dos mesmos. No caso Araguaia-Tocantins, ocorrendo até o do pirarucu, estes dois são intimamente cerrado brasileiro na porção sul do relacionados. Lowe-McConnell (1987) estado do Mato Grosso (KIRSTEN et cita dois tipos de migração desempe- al., 2012), onde permanecem em lagos nhados por peixes de planícies alaga- isolados e sujeitos à dinâmica hídrica das: a longitudinal e a lateral. O deslo- muito diferente daquela observada camento longitudinal, também referido nos ambientes de várzeas das planícies como migração, foi pouco estudado no amazônicas. pirarucu, o qual vem sendo tradicional- A grande exploração deste recurso próximo às grandes cidades da região mente classificado como uma espécie amazônica, como Belém, Santarém sedentária (ARARIPE et al., 2013; ISAAC e Manaus, durante os séculos XIX e et al., 1993; BARTHEN; FABRÉ, 2004). O XX levou a uma notável diminuição único estudo que quantificou essa dis- do estoque, com dados de estatística persão através de marcação e recaptu- pesqueira indicando uma significativa ra foi desenvolvido por Queiroz (2000), diminuição no desembarque desta que encontrou uma dispersão média de espécie nos principais portos da 13,7 km/ano para pirarucus recaptura- região amazônica neste período dos de 0,5 a 18 meses após a marcação, (VERÍSSIMO, 1895; MENEZES, 1951), entretanto, estes dados são prelimina- tendo este se tornado comercialmente res devido a pequena recaptura descri- extinto próximo a alguns centros ta pelo autor. A distância em linha reta urbanos amazônicos na década de 70 entre o ponto de soltura e de recaptura (GOULDING, 1980; BAYLEY; PETRETE JR., variou de 3,9 a 64,2 km, com registro 1989). Mesmo dentro de áreas em que de recuperação de dois indivíduos cin- a pressão de pesca foi historicamente co anos após a marcação somente a 400 menos significativa, como a Reserva m do local de soltura (QUEIROZ, 2000). Mamirauá (AM), muitos habitantes locais Estudos recentes usando a abordagem afirmam ter percebido uma diminuição genética para avaliar a capacidade de na produção deste peixe. Confirmando dispersão do pirarucu corroboram o pa- essa hipótese, o acompanhamento da drão sedentário da espécie, havendo di- captura de pirarucus dentro da área ferenciação genética entre os estoques focal da Reserva Mamirauá durante separados por distâncias a partir de cer- três anos consecutivos também sugeriu ca de 100 km em ambientes de várzea que esta população poderia está sendo submetida à sobrepesca (QUEIROZ; (ARARIPE et al., 2013). SARDINHA, 1999).

70 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe

Por outro lado, o deslocamento lateral recurso vem acontecendo em reservas de para a espécie em várzea foi detalha- desenvolvimento sustentável (RDS), como damente descrito por Castello (2008a), a Amanã, Piagaçu-Purus, assim como em sendo este intimamente relacionado às outras unidades de conservação como na suas atividades reprodutivas. Durante o Reserva Extrativista do Lago Cuniã (RO) período seco, os reprodutores encon- e na Ilha do Bananal (TO), que atuam tram-se principalmente nos lagos, la- seguindo, em diferentes graus, o mode- goas temporárias e canais de rios onde lo desenvolvido em Mamirauá. Além das ocorre a formação dos casais, que juntos normas federais que regulam a pesca do constroem o ninho durante o início da pirarucu, o manejo desta espécie dentro enchente (CASTELLO, 2008b). A fêmea da Reserva Mamirauá baseia-se ainda então libera uma grande quantidade de em medidas, como o estabelecimento gametas, os quais são fecundados pelo de cotas a serem anualmente pescadas macho, que cuida do ninho até a eclo- que correspondem a até 30 % do total de são dos ovos (LOPES, 2005). As larvas adultos contados segundo a metodologia permanecem no ninho até a completa certificada por Castello (2004). Além das absorção do vitelo, o que dura aproxi- cotas, ocorre um revezamento dos lagos madamente cinco dias (NEVES, 1995). anualmente explorados e um monitora- Os alevinos são gregários, nadando pró- mento do tamanho, peso e quantidade ximo à cabeça do macho, os quais mi- de peixe pescados. gram para as florestas alagadas, onde Apesar de estudos recentes indicarem este cuida dos filhotes por alguns me- que a atividade do manejo vem ses. Quando o nível das águas começa apresentando aspectos positivos, como a baixar, o pirarucu macho se separa aumento na quantidade de pirarucus dos juvenis, e todos, gradualmente, re- nos lagos manejados (ARANTES et al., tornam para as porções mais baixas da 2006), aumento no preço do pescado e várzea (CASTELLO, 2008a), sem que haja da renda per capita das famílias destas obrigatoriamente um retorno ao sítio comunidades (VIANA et al., 2007), de origem (ARARIPE et al., 2013). Desta nenhum estudo foi realizado para forma, o ciclo é anualmente reiniciado. avaliar geneticamente essas populações manejadas. Evidências relacionadas O MANEJO DO PIRARUCU NA RESERVA ao monitoramento de desembarque MAMIRAUÁ pesqueiro indicam que a cota utilizada O manejo dos pirarucus na Reserva está sendo capaz de manter a viabilidade Mamirauá foi implementado inicialmente do manejo, entretanto estudos no setor Jarauá, em 1999, e posterior- específicos a respeito do nível de mente ampliado para outras localidades impacto causado pela pesca manejada na Reserva Mamirauá (IDSM, 2008), assim de pirarucus na Reserva Mamirauá como para outras unidades de conserva- podem auxiliar no direcionamento ção dentro e fora do estado do Amazo- desta atividade. Neste contexto o uso de nas. Atualmente, a pesca manejada deste ferramentas moleculares em abordagens

71 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados relacionadas à biologia da conservação, 2002 e 2006 no setor Jarauá, na Reserva especialmente para espécies submetidas de Desenvolvimento Sustentável a algum tipo de ameaça, vem sendo Mamirauá - RDSM, Amazonas, Brasil. amplamente utilizada (HARTL; CLARK, O material genético foi obtido a partir 1997). de tecidos musculares de pirarucus Com pirarucus, particularmente, os capturados por pescadores da Reserva estudos desenvolvidos até o momento Mamirauá, os quais foram colocados abordam aspectos populacionais e em tubos com álcool para fixação. filogeográfico da espécie ao longo de sua Informações a respeito da procedência distribuição (HRBEK et al., 2005; 2007), de cada indivíduo, número do lacre, capacidade de dispersão (ARARIPE et assim como dados morfológicos dos al., 2013) e desenvolvimento de novos mesmos também foram registrados em marcadores genéticos (FARIAS et al., fichas de campo. Uma vez que todas as 2003; HRBEK; FARIAS, 2008). Dentre os amostras foram retiradas de indivíduos marcadores genéticos mais utilizados abatidos, foi descartada qualquer para avaliação de estoque destacam-se possibilidade de reamostragem. No os microssatélites (SALGUEIRO et al., Laboratório de Genética Aplicada 2003; FARIAS et al., 2003; MORGAN do Campus de Bragança (UFPA), as et al., 2008; LORENZEN et al., 2008). amostras foram tombadas e receberam Estes marcadores moleculares são uma identificação única correspondente regiões amplamente distribuídas no a seu registro na Coleção de Tecidos de genoma nuclear que apresentam alto pirarucus. poder discriminante e alto grau de O isolamento do DNA seguiu o protocolo informação, sendo utilizados para padrão sugerido por Sambrook et al. estudos populacionais e de identificação (1989) utilizando fenol-clorofórmio forense, dentre outras abordagens e Proteinase K. Para visualização (OLIVEIRA et al., 2006). Neste estudo da integridade e quantificação, foi objetivamos fazer a primeira avaliação realizada uma eletroforese em gel de genética temporal do manejo de agarose 1%. A partir da intensidade da pirarucu na Reserva Mamirauá, gerando banda, as amostras foram diluídas para informações relevantes para um aproximadamente 5 ng/μl e estocadas contínuo monitoramento das mesmas, em freezer até sua utilização na reação assim como fazer inferência sobre a de amplificação. Para amplificação da variabilidade genética desta espécie em região genômica contendo as repetições ambiente de várzea. microssatélites foi utilizada a técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) MATERIAL E MÉTODOS em um volume final de 10μl. Foram Para verificar se ocorreram mudanças amplificados sete locos (AgCTm7, significativas na diversidade genética AgCAm20, AgCTm4, AgCAm15, AgCAm2, de pirarucus, ao longo de cinco anos de AgCAm16, AgCAm26) desenvolvidos pesca manejada, foram utilizados 314 por Farias et al., (2003). Os iniciadores indivíduos coletados entre os anos de forward foram previamente marcados

72 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe com fluorescências (6-FAM, HEX ou erros de genotipagem mais frequentes NED). Em cada poço da placa, foi no programa MicroChecker (VAN adicionado 1,5 μl de uma solução de OOSTERHOUT et al., 2004) usando a dNTP (200 mM de cada nucleotídeo), 1 correção de Bonferroni. Para comparar μl de tampão 10X da Taq (100 mM Tris- os diferentes anos foram identificados

HCl, 500 mM KCl), 0,5 μl de MgCl2 (50 e quantificados o número absoluto, mM), 0,5 μl de cada iniciador (2 pmol), a riqueza e frequência dos alelos, a 0,25 μl de Taq DNA polimerase (5U/μl), presença de alelos exclusivos, além de 1 μl de DNA (cerca de 5 ng/μl) e 4,75 μl análises de variância molecular (AMOVA) de água destilada estéril. O programa e índices de diferenciação genética (Fst) de amplificação para todos os locos nos programas Genepop 1.2 (RAYMOND; consistiu de uma desnaturação inicial ROUSSET, 1995), Fstat (GOUDET, 2002) de 94 oC por 2 minutos, seguidos de 35 e Arlequin 3.01 (EXCOFFIER et al., ciclos de 94 oC por 10 segundos, 58 ºC 2005). Para avaliação do impacto da por 10 segundos, 72oC por 30 segundos pesca manejada sobre as populações, e uma extensão final de 72oC por 60 cada ano amostrado foi analisado minutos. Ao final da amplificação os individualmente e, posteriormente, produtos foram visualizados em gel de comparado. Para caracterização agarose 1% e diluídos de acordo com a genética e estimativa da variabilidade intensidade da banda visualizada após genética dos pirarucus da Reserva eletroforese. Mamirauá, foram estimados ainda os Foi preparada uma solução com níveis de heterozigosidade observada e 0,25 μl do ET-Rox 550 (Amersham esperada para os marcadores analisados Biosciences), 7,75 μl deTween 20 0,1% e comparados com os dados disponíveis e 2 μl do PCR diluído para cada amostra na literatura. a ser genotipada, sendo esta injetada no sequenciador automático MegaBace RESULTADOS 1000 por 80 minutos a 10 KV. Após Após a genotipagem, foi identificado o término da corrida, os padrões de um total de 45 alelos para os sete locos picos foram analisados pelo programa dos 314 pirarucus analisados no setor Fragment Profiler 1.2 (Amersham Jarauá. O número absoluto de alelos e Biosciences) com filtros de picos (peak a riqueza alélica estimada detectaram filter) e bins definidos para cada loco. uma pequena variação entre os cinco Uma planilha com os alelos identificados anos com estimativa de riqueza alélica para os sete locos de cada pirarucu para a população do Jarauá de 5,08 genotipado foi exportada e utilizada alelos em média para os cinco anos para criação dos formatos específicos analisados (Tabela 1). Não foi observada de acordo com os programas de análises significativa variação entre o número de populacionais utilizados. alelos observado em cada ano de pesca, Após a montagem de um banco de dados o que sugere que a retirada anual de para os sete locos de todos os indivíduos peixes adultos pela pesca não levou a analisados foi realizada a verificação dos uma perda de alelos na população.

73 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

No período estudado foi observada, para vezes e o alelo 248, apareceu 47 vezes os sete locos analisados, uma variação entre os pirarucus coletados neste ano. de 3 a 12 alelos por loco (Tabela 2). A Da mesma forma, aconteceu com o loco comparação entre as frequências dos AgCAm16 para as amostras de 2004. A alelos em cada período de pesca indicou diferença do número de observações que os alelos mais frequentes para entre os dois alelos mais frequentes foi cada loco em cada ano estudado (em de somente duas em um total de 186 destaque) foi o mesmo para a maioria alelos analisados (93 indivíduos). Estes dos locos. Somente os locos AgCTm7, resultados sugerem que a flutuação AgCAm15 e AgCAm16 tiveram o alelo observada para estes três locos deve mais frequente variando ao longo do ter sido resultado de um viés amostral período, mas essa flutuação foi baixa, nestas populações, indicando que quando comparadas às frequências não houve grandes flutuações nas relativas destes alelos em cada ano frequências destes alelos. de despesca. Para o loco AgCTm7, os Foram identificados neste estudo quatro alelos mais frequentes foram os 281, alelos exclusivos, sendo um identificado 297 e 301, os quais se alternaram na somente nos pirarucus pescados posição de mais frequente ao longo do em 2002, dois alelos nos indivíduos período estudado. Para o AgCAm15, foi pescados em 2003 e um em 2004. Todos observada uma maior frequência para estes alelos exclusivos foram os alelos o alelo 248 em todos os anos, exceto de menor frequência para o referido 2002, quando o mais frequente foi o loco naquele ano, exceto o alelo 333 do 232. Entretanto, esta diferença foi de loco AgCAm2 que apresentou mais três somente um registro deste alelo, uma outros alelos também com frequência vez que o alelo 232 foi amostrado 48 de 0,0185 no ano de 2003.

Tabela 1 - Número de alelos (Na) e riqueza alélica (Ra) para a população de pirarucus do setor Jarauá nos anos de 2002 a 2006 para os sete locos microssatélites analisados.

Ano 2002 2003 2004 2005 2006 (N=65) (N=56) (N=93) (N=54) (N=46) Locos Na Ra Na Ra Na Ra Na Ra Na Ra

AgCTm4 3 3,000 3 3,000 3 2,995 3 3,000 3 3,000

AgCTm7 7 6,737 9 8,194 9 7,673 7 6,817 7 6,920

AgCAm2 8 7,446 10 9,267 10 8,317 10 9,227 7 7,000

AgCAm15 8 7,872 6 5,587 5 4,950 7 6,026 6 5,797

AgCAm16 5 4,962 5 4,874 5 4,627 4 3,991 5 4,992

AgCAm20 3 2,995 3 2,996 4 3,353 4 3,711 4 3,817

AgCAm26 3 3,000 3 2,963 3 2,995 3 3,000 3 3,000

TOTAL 37 - 39 - 39 - 38 - 35 -

Média 5,286 5,140 5,571 5,268 5,571 4,987 5,429 5,111 5,000 4,932

74 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe

Tabela 2: Frequências alélicas e alelos exclusivos para as populações de pirarucus do setor Jarauá coletadas entre os anos de 2002 e 2006. Em destaque (sombreado), os alelos mais frequentes para cada loco em cada ano.

Locos Alelos Frequência alélicas (ano) Alelos 2002 2003 2004 2005 2006 exclusivos

AgCTm7 273 0,0000 0,0089 0,0109 0,0000 0,0125

281 0,2328 0,2679 0,3261 0,2841 0,2625

283 0,0172 0,0536 0,0489 0,0568 0,0625

289 0,0172 0,0357 0,0489 0,0227 0,0250

295 0,0000 0,0000 0,0054 0,0000 0,0000 2004

297 0,3103 0,2589 0,2772 0,4432 0,2625

299 0,1293 0,0536 0,0870 0,0795 0,1000

301 0,2500 0,2946 0,1848 0,1023 0,2750

303 0,0431 0,0179 0,0109 0,0114 0,0000

305 0,0000 0,0089 0,0000 0,0000 0,0000 2003

AgCAm20 265 0,5703 0,5179 0,5376 0,4904 0,5444

267 0,0469 0,0446 0,0323 0,0577 0,0333

269 0,3828 0,4375 0,4247 0,4423 0,4111

271 0,0000 0,0000 0,0054 0,0096 0,0111

AgCTm4 279 0,0938 0,0893 0,0968 0,1019 0,1444

285 0,8281 0,8393 0,8495 0,7593 0,8000

287 0,0781 0,0714 0,0538 0,1389 0,0556

AgCAm15 230 0,0538 0,0089 0,0538 0,0278 0,0652

232 0,3692 0,3304 0,3011 0,4074 0,2609

234 0,0308 0,0000 0,0000 0,0093 0,0000

240 0,0385 0,0268 0,0323 0,0093 0,0326

242 0,0538 0,1161 0,1129 0,0833 0,0435

248 0,3615 0,4911 0,5000 0,4537 0,5870

250 0,0692 0,0268 0,0000 0,0093 0,0109

252 0,0231 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 2002

AgCAm2 299 0,1797 0,2222 0,1685 0,1667 0,2162

301 0,0078 0,0093 0,0054 0,0370 0,0000

305 0,0312 0,0185 0,0109 0,0370 0,0000

313 0,3047 0,2593 0,2337 0,2500 0,2162

315 0,0000 0,0000 0,0000 0,0093 0,0135

75 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Locos Alelos Frequência alélicas (ano) Alelos

317 0,0859 0,0648 0,1196 0,0741 0,1216

321 0,0000 0,0185 0,0054 0,0000 0,0000

323 0,3359 0,3426 0,3533 0,3704 0,3378

325 0,0000 0,0185 0,0272 0,0093 0,0135

327 0,0234 0,0000 0,0435 0,0278 0,0000

329 0,0312 0,0278 0,0326 0,0185 0,0811

333 0,0000 0,0185 0,0000 0,0000 0,0000 2003

AgCAm16 255 0,4077 0,4196 0,4462 0,4352 0,2717

257 0,0923 0,0357 0,0591 0,0741 0,0870

259 0,4231 0,4732 0,4355 0,4537 0,5652

261 0,0462 0,0179 0,0108 0,0000 0,0435

263 0,0308 0,0536 0,0484 0,0370 0,0326

AgCAm26 215 0,2462 0,3571 0,2957 0,2407 0,2717

217 0,1000 0,0268 0,0538 0,0926 0,1087

219 0,6538 0,6161 0,6505 0,6667 0,6196

A análise de variância molecular (AMOVA) DISCUSSÃO considerando cada ano separadamente Avaliação temporal da pesca do indicou que toda a variação genética pirarucu na Reserva Mamirauá do conjunto de pirarucus foi observada Estudos prévios usando indicadores dentro do total de indivíduos analisados ecológicos e sociais já indicavam um (99,99%), sugerindo não haver subestruturação temporal. O índice de significativo crescimento populacional fixação par a par (Fst) não foi significativo dos pirarucus da Reserva Mamirauá para nenhuma combinação entre os (VIANA et al., 2007; ARANTES et al., anos (dados não mostrados), reforçando 2006). Esta rápida recuperação do também a ausência de diferenças entre estoque superou a previsão inicialmente os períodos analisados. Os índices de feita por Queiroz; Sardinha (1999), heterozigosidade observada variaram que estimaram que esta população de 0,539 (ano de 2005) a 0,608 (ano de de pirarucus na Reserva Mamirauá 2002). poderia ser reduzida à metade do seu

76 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe tamanho em um período de seis anos provavelmente, são influenciados devido à sobrepesca que estava sendo também por fatores biológicos submetida antes da implementação do relevantes, dentre os quais aspectos manejo. Segundo as análises destes ecológicos e comportamentais, que autores, se a pesca fosse imediatamente podem estar colaborando efetivamente suspensa, a população precisaria de para isso, tais como a migração lateral pelo menos cinco anos para se recuperar e a capacidade de dispersão dos jovens e atingir novamente o equilíbrio e adultos. populacional. Entretanto, os dados de Neste contexto, o comportamento acompanhamento da pesca coletados de migração lateral desempenhado pelo Programa Manejo de Pesca (PMP) pelos pirarucus parece ter grande demonstram que o estoque não importância nos níveis elevados de somente se recuperou em um intervalo variabilidade genética e na similaridade de tempo menor que o previsto, como entre diferentes anos de exploração também aumentou em mais de 13 vezes por possibilitar a mistura entre em nove anos. indivíduos de lagos diferentes. Este Os processos que levaram a esse intenso comportamento parece explicar o e considerável aumento populacional grande compartilhamento de alelos certamente tiveram também efeitos observado por Araripe et al. (2013), na variabilidade e estrutura genética que indicaram uma ausência de desta população ao longo destes nove estruturação genética dentro do setor anos de pesca manejada. Estes índices, Jarauá evidenciado por valores de Fst

Tabela 3 - Índices de heterozigosidade observada (Ho) e esperada (He) para as populações de pirarucus do setor Jarauá nos anos de 2002 a 2006 para sete locos microssatélites. Asterisco (*) corresponde a diferenças significantes (p<0,01).

2002 2003 2004 2005 2006 Ano (N=65) (N=56) (N=93) (N=54) (N=46)

Locos Ho He Ho He Ho He Ho He Ho He

AgCTm7 0,879 0,775 0,768 0,774 0,717 0,778 0,568 0,720 0.825 0,788

AgCAm20 0,500 0,530 0,500 0,543 0,462 0,538 0,481 0,575 0,400 0,548

AgCTm4 0,344 0,315 0,321 0,300 0,280 0,268 0,315 0,398 0,289 0,340

AgCAm15 0,738 0,725 0,661 0,649 0,591 0,646 0,685 0,626 0,609 0,600

AgCAm2 0,750 0,758 0,722 0,767 0,717 0,782* 0,667 0,770 0,730 0,790

AgCAm16 0,585 0,648* 0,500 0,609 0,548 0,614 0,574 0,612 0,522 0,608

AgCAm26 0,462 0,516 0,482 0,508 0,495 0,492 0,481 0,494 0,609 0,536

Média 0,608 0,603 0,565 0,593 0,544 0,556 0,539 0,599 0,526 0,601

77 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados não significante. Segundo este estudo, de forma gradual, ao longo do tempo os lagos do Jarauá apresentam perfis e do espaço, levando à ausência de genéticos semelhantes causados pela diferenças genéticas entre os anos. mistura entre indivíduos ao longo de Para testar essa hipótese, sugerimos gerações, o qual pode ser determinado que sejam desenvolvidos estudos no momento de retorno aos lagos detalhados sobre a dispersão de adultos durante a vazante em cada ciclo anual. e juvenis de pirarucus usando marcação Esse processo, acontecendo anualmente, e acompanhamento remoto (GPS), além promoveria uma mistura genética que, do contínuo acompanhamento genético por sua vez, levaria a uma similaridade destes indivíduos. genética entre os diferentes anos de De acordo com os dados obtidos, a pesca, tais como observada na presente migração lateral parece ser a principal análise. causadora da homogeneização da Esse processo de migração lateral população de pirarucus no tempo e no em ambientes de várzea observado espaço (pequena escala; cerca de 25 promove uma mistura de indivíduos km), mas seu raio de alcance é limitado durante o período de cheia, quando pelo aspecto sedentário deste peixe. grande parte dos pirarucus (adultos e Essa limitação do deslocamento efetivo juvenis) ocupa a floresta recém-alagada para a dispersão genética é responsável em busca de proteção e alimento. No pela sutil diferença detectada entre retorno aos lagos, durante a vazante, localidade separadas por cerca de 100 segundo os dados genéticos, pode km, como Jarauá e Maraã (ARARIPE ocorrer sem que exista uma fidelidade et al., 2013), os maiores manejadores de retorno ao lago de origem, como deste pescado dentro da Reserva proposto por Araripe et al. (2013). Desta forma, anualmente, acontece uma Mamirauá, entretanto seria efetivo efetiva mistura de pirarucus jovens e para manter a variabilidade genética adultos de lagos próximos (fina escala), dentro do conjunto de lagos ao longo o que promove essa alta variabilidade do tempo. Neste cenário, a dispersão genética no setor e a similaridade dos juvenis parece desta forma facilitar genética ao longo dos anos analisados. a homogeneização ao longo da A Figura 1 ilustra a hipótese de retorno distribuição da espécie, minimizando ao lago sem fidelidade obrigatória os efeitos do sedentarismo. Este sugerida pelos dados genéticos. Nossos deslocamento, associado à distribuição achados corroboram a hipótese de contínua da espécie, possibilita o que pode ou não haver a fidelidade fluxo gênico na reserva ao longo do no retorno ao lago. Considerando tempo, mas a distância geográfica faz o aspecto sedentário do pirarucu, com que seja observada uma pequena acreditamos que esta conectividade diferenciação neste estoques em média entre as populações aconteça de forma escala (cerca de 100 km). efetiva nas várzeas da Amazônia, mas

78 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe

A

Lago Floresta seca Lago

B

Lago Floresta seca Lago

C

Lago Floresta seca Lago

Figura 1 - Representação da hipótese de retorno ao lago sem fidelidade obrigatória. Perfil do ambiente de várzea mostrando a dinâmica de dispersão dos pirarucus durante a seca (A e C) e cheia (B). Adaptado de Ayres (1995).

79 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

A variabilidade genética dos pirarucus diferenças geomorfológicas, hídricas e da Reserva Mamirauá de histórico de exploração desta sub- Comparando os índices de variabilidade bacia (HENDERSON, 1999; KIRSTEN genética estimada para os pirarucus et al., 2012). Uma vez que a capacidade do setor Jarauá com outras de dispersão, assim como aspectos populações previamente estudadas reprodutivos do pirarucu são foi possível observar que os estoques intimamente relacionados com esses da Reserva Mamirauá apresentam fatores ambientais, é possível que heterozigosidade elevadas, assim diferenças relacionadas à diversidade como outras populações da bacia genética entre as mesmas sejam Amazônica, enquanto a população do observadas. sistema hídrico Araguaia – Tocantins A heterozigosidade observada (Ho) é apresentou índices menores (Tabela 4). um dos índices mais utilizados para A comparação entre as populações da estimativa de variabilidade genética calha principal do Rio Amazonas usando de populações (HAUSER et al., 2002; os mesmos marcadores microssatélites PEREZ-ENRIQUEZ et al., 1999, HARTL; indicam valores de heterozigosidade CLARK, 1997). Entretanto, valores de muito semelhantes, exceto aquelas Ho estimados a partir de diferentes estudadas por Hamoy et al. (2008), que locos não podem ser diretamente desenvolveu novos iniciadores para comparados, uma vez que esta oito locos desenvolvidos por Farias et heterozigosidade depende diretamente al., 2003. Por outro lado, a população da quantidade de alelos do mesmo e do de Santarém estudada por Farias et al., número de indivíduos analisados. Desta 2003 mostrou uma Ho mais elevada forma, comparar a heterozigosidade (0,63) que a estimada para o setor Jarauá observada utilizando um conjunto (0,57) utilizando o mesmo conjunto de de locos no pirarucu com aqueles locos. Provavelmente, essa diferença estimados a partir de outro conjunto é um reflexo da diferença no tamanho de locos microssatélites (da mesma amostral nos dois estudos, já que em espécie ou não) requer cuidado, sendo estudos de desenvolvimento de primers necessário atentar para o número médio microssatélites, tal como de Farias de alelos por locos, pois quanto mais et al. (2003), o número de indivíduos informativo o marcador (ou seja, quanto analisados é menor do que o necessário mais alelos identificados), maior é a para estudos populacionais. Reforçando heterozigosidade esperada. essa hipótese, o estudo desenvolvido por O impacto do manejo na variabilidade Carvalho (2008) analisando populações genética dos pirarucus do Jarauá de pirarucus também de Santarém com os mesmos sete locos encontrou valores Uma pressão pesqueira exercida de semelhantes àqueles estimados no forma intensiva e prolongada sob presente trabalho. A baixa variabilidade uma população pode levar a uma genética na população de Tucuruí em diminuição no seu tamanho efetivo relação às da calha principal da bacia e, consequentemente a alterações Amazônica pode estar relacionada a na diversidade genética da mesma

80 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe

Tabela 4: Índices de diversidade genética estimados para populações de pirarucus usando marcadores microssatélites. São indicados número de indivíduos analisados (N), número de locos, médias de heterozigosidade observada (Ho) e esperada (He), número médio de alelos por loco e fonte.

Número Média Média Alelos Localidade N Fonte de locos de Ho de He por loco

Jarauá – RDSM – AM 314 7 0,56 0,59 6,4 Este trabalho

Jarauá e Maraã – RDSM – AM 463 7 0,57 0,60 7,1 ARARIPE (2008)

Juruti – PA 32 8 0,69 0,72 8,0 HAMOY et al. (2008)

Santarém – PA 60 7 0,55 0,59 4,9 CARVALHO (2008)

Santarém – PA 15 7 0,63 0,66 4,7 FARIAS et al. (2003)*

Santarém – PA 15 14 0,57 0,62 4,3 FARIAS et al. (2003)

Tucuruí – PA 38 7 0,48 0,49 3,1 SOUZA (2006)

* Dados de FARIAS et al. (2003) somente com os sete locos utilizados neste trabalho

(FRANKHAM et al., 2010). Estes efeitos destas populações podem ter um papel ameaçadores podem, entretanto, ser determinante para essa variabilidade. minimizado por estratégias como Dentre estes, a possibilidade de que a uma pressão de pesca direcionada e Reserva Mamirauá funcione como uma controlada, tal como ocorre com as fonte de pirarucus para outras áreas deve populações manejadas. Nestas situações, também ser considerada. A localização o monitoramento genético pode ser de geográfica da reserva, em uma região grande utilidade para avaliação destas plana e de baixa altitude, pode levar a atividades por estabelecer parâmetros uma tendência de migração de pirarucus comparáveis dentro das populações das áreas adjacentes para dentro da ou entre espécies. No caso da reserva ao longo do ciclo hídrico, a caracterização genética dos pirarucus qual funcionaria como um refúgio. Esse do Jarauá, foi constatada a presença mesmo padrão pode estar acontecendo de mais alelos identificados nesta ao longo da extensa área de várzea do localidade do que em outras localidades Rio Amazonas, que é o maior ambiente também na bacia amazônica usando os de floresta alagada da Amazônia, com mesmos marcadores. aproximadamente 200.000 Km2 (AYRES, É importante ressaltar que essa alta 1995). A região onde está inserida a variabilidade genética encontrada na Reserva Mamirauá, é uma das porções população de pirarucus da reserva pode onde este ambiente apresenta maior ser resultado de diferentes fatores, área e por isso poderia abrigar uma que podem e devem contribuir para a maior quantidade deste recurso. Essa diversidade genética observada nesta hipótese de que os pirarucus da várzea área, dentre eles o manejo. Fatores do Mamirauá estariam se comportando como a pressão pesqueira diferenciada, segundo um modelo fonte-sumidouro aspectos ambientais e demográficos ainda deve ser testado.

81 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

As pequenas flutuações nas frequências os índices de variabilidade, tais como a e composição alélica entre os anos heterozigosidade e o número de alelos, analisados indicaram que não houve possivelmente seriam mais baixos, significativa perda de variabilidade de uma vez que alelos de baixa frequência cinco anos de pesca no Jarauá. Entretanto, poderiam desaparecer dessa população é importante ressaltar que o intervalo de como efeito desta sobrepesca. Além tempo estudado é muito curto para que disso, estratégias como revezamento mudanças genéticas profundas possam ser dos lagos e a classificação de lagos que detectadas. Nós sugerimos fortemente a são ou não explorados também parecem continuidade do monitoramento genético, ter tido grande importância para que a usando como referência os parâmetros diversidade genética deste estoque se gerados neste estudo. O acompanhamento mantivesse em níveis satisfatórios. genético de populações vem sendo Desta forma, sugerimos que esta análise uma importante ferramenta aplicada seja continuada para acompanhamento em espécies de importância ecológica desses parâmetros de diversidade ao e econômica (FONTAINE et al., 1997). longo de um período maior, assim como A comparação de aspectos, tais como a já realizado com outras espécies de heterozigosidade e o número de alelos peixes submetidas à sobre-exploração, podem ser importantes indicativos de tal como o realizado com Pagrus auratus, que processos relacionados à diminuição na qual um monitoramento ao longo populacionais, como sobrepesca e efeito de 50 anos mostrou uma significante gargalo de garrafa (bottleneck) que estejam diminuição na heterozigosidade para agindo e possam ser diagnosticados nestas este recurso (HAUSER et al., 2002). Além populações (CHISTIAKOV et al., 2006). disso, a determinação da capacidade máxima de retirada de pirarucus nestas A cota de pesca do pirarucu áreas ainda precisa ser realizada através Os níveis de variabilidade genética do uso de diferentes ferramentas, ao longo destes cinco anos de uma vez que a cota de 30% do total monitoramento dos pirarucus da Reserva de adulto foi estabelecida sem que tenha havido um estudo avaliando Mamirauá sugerem que a cota de pesca sua eficiência. É importante lembrar anualmente autorizada pelo IBAMA ainda que outros aspectos, além desta parece ser eficiente no sentido de evitar capacidade máxima de retirada, devem uma diminuição da diversidade genética ser considerados no estabelecimento causada pela pesca anual. Análises de desta cota, tais como as condições produção máxima sustentável antes da logísticas desta atividade pesqueira e a implementação do manejo indicavam comercialização. Amaral (2007) coloca que, aparentemente, a quantidade a comercialização como o principal de pirarucus abatidos estava próxima gargalo no processo de produção ou acima dos limites que o modelo pesqueira da região e estas questões sustentável estabelecia (QUEIROZ; devem ser amplamente discutidas antes SARDINHA, 1999). Caso a pesca do de se manter ou aumentar o número de pirarucu tivesse se mantido neste nível, adultos anualmente retirados.

82 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe

CONCLUSÕES Caroline Arantes, assim como Simoni Através desta primeira análise genética Santos e Luciana Watanabe pelo auxílio de pirarucus manejados no setor no desenvolvimento do projeto. Jarauá (Reserva Mamirauá), foi possível REFERÊNCIAS determinar que esta população apresenta uma elevada variabilidade AMARAL, E. S. A comunidade e o mercado: genética e grande similaridade genética os desafios na comercialização de pirarucu entre os cinco anos de acompanhamento. manejado das Reservas Mamirauá e Amanã, Provavelmente, fatores ecológicos Amazonas – Brasil. UAKARI v. 3, n. 2, p. 7 - e ambientais como o processo de 17, 2007. migração lateral e de dispersão dos ARANTES, C. C.; GARCEZ, D. S.; CASTELLO, juvenis no retorno aos ambientes mais L. Densidades de pirarucu (Arapaima gigas, baixos têm um papel importante neste Teleostei, Osteoglossidae) nas Reservas de processo. Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Além disso, no presente estudo, foi e Amanã, Amazonas, Brasil. Instituto de possível fazer a primeira caracterização Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, genética dos pirarucus manejados, Amazonas. UAKARI, v. 2, p. 37 - 43, 2006. servindo estes dados como referência para monitoramento constante ARARIPE, J; RÊGO, P. S.; QUEIROZ, H; dos impactos da pesca sobre essas SAMPAIO, I.; SCHNEIDER, H. Dispersal populações. A cota que vem sendo capacity and genetic structure of Arapaima aplicada para pesca deste recurso não gigas on different geographic scales using causou alterações no perfil genético microsatellite markers. PloSOne, v. 8, n. 1, dos pirarucus neste estudo preliminar. 2013. Nós recomendamos, fortemente, que ARARIPE J. Genética de populações de seja realizado de forma contínua o pirarucus (Arapaima gigas) da Reserva monitoramento genético dos pirarucus Mamirauá e considerações sobre a estrutura da Reserva Mamirauá, uma vez que este genética para a espécie. 2008. 116 f. Tese mostrou ser uma importante ferramenta (Doutorado) – Universidade Federal do Pará; para o direcionamento das estratégias Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém. 2008. do manejo deste recurso pesqueiro. AYRES, J. M. C. As matas de várzea do Mamirauá. Brasília: CNPq, SCM. 1995. 123 p. AGRADECIMENTOS Este trabalho foi financiado pelo projeto BARTHEM, R. B.; FABRÉ, N. Biologia e PPG-7 (CNPq), e apoiado pelo PPGZool/ diversidade dos recursos pesqueiros da MPEG, IECOS/UFPA e CNPq pelo Amazônia. In: RUFFINO, M. L. (Ed.). A pesca consentimento da bolsa de doutorado. e os recursos pesqueiros na Amazônia Gostaríamos, também, da agradecer brasileira. Brasília: IBAMA/Provárzea, 2004. ao IDSM pelo apoio dado para coleta 272 p. do material biológico dos pirarucus na BAYLEY, P. B.; PETRERE JR., M. Amazon Reserva Mamirauá, em especial ao Saíde fisheries: Assessment methods, current Barbosa, Ellen Amaral, Kelven Lopes, status and management option. In DODGE,

83 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

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84 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe

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85 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

QUEIROZ, H. L. Natural history and SOUZA, J. O. Caracterização molecular conservation of pirarucu, Arapaima gigas, at de pirarucus (Arapaima gigas, Cuvier, the Amazonian Várzea: Red giants in muddy 1829) de Tucuruí utilizando marcadores waters. 2000. 226f. Tese-(Doutorado). microssatélites. Trabalho de Conclusão de University St. Andrews, Inglaterra, 2000. Curso (Graduação), Universidade Federal do Pará, Campus de Bragança, 30 p., 2006. QUEIROZ, H. L.; SARDINHA, A. D. A preservação e o uso sustentado dos VAN OOSTERHOURT C.; HUTCHINSON, W. F.; pirarucus em Mamirauá. In: QUEIROZ, H. WILLS, D. P. M.; SHIPLEY, P. MICROCHECKER: L. & CRAMPTON, W. G. R (Eds). Estratégias software for identifying and correcting para Manejo de Recursos Pesqueiros de genotyping errors in microsatellite data. Mamirauá. Brasília: SC M, CNPq, 1999. Molecular Ecology Notes, v. 4, p. 535 – 538, p.108-141. 2004. RAYMOND, M; ROUSSET, F. Genepop VERISSIMO, J. A pesca na Amazônia. . Rio de (version1.2): population software for exact Janeiro: Livraria Classica Alves & Cia, 1895. tests and ecumenicism. Journal of Heredity, (Monographias Brasileiras, 3). v. 86, p. 248 - 249. 1995. VIANA, J. P.; CASTELLO, L.; DAMASCENO, SALGUEIRO, P., CARVALHO, G., COLLARES- J. M. B.; AMARAL, E. S. R.; ESTUPIÑAN, PEREIRA, M. J.; COELHO, M. M. Microsatellite G. M. B.; ARANTES, C. C.; BATISTA, G. S.; analysis of genetic population structure of GARCEZ, D. S.; PEREIRA, S. B. Manejo de the endangered cyprinid Anaecypris hispanica pirarucus (Arapaima gigas) na Reserva de in Portugal: implications for conservation. Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, In: Biological Conservation, v. 109, p. 47 - 56. ÁREAS Aquáticas Protegidas como Instrumento 2003. de Gestão Pesqueira. Brasília: MMA, 2007. p. 239 - 261, 2007. (Série Áreas Protegidas do SAMBROOK, J., FRITSCH, E. F.; MANIATIS, Brasil, 4). T. Molecular Cloning. A Laboratory Manual. Cold Spring Harbor Laboratory Press. 1989.

86 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz FAUNA MACROBENTÔNICA DE LAGOS DE VÁRZEA COMO INDICADOR DE IMPACTO DA PESCA MANEJADA DE PIRARUCUS

Lorena Almeida José Souto Rosa-Filho Daiane Aviz Helder L. Queiroz

RESUMO que, em ambos os períodos hidrológicos, O objetivo deste trabalho foi estudar os lagos IAP foram mais ricos e diversos. as variações espaço-temporais das Os lagos PAP apresentaram as maiores associações macrobentônicas dos densidades em ambos o períodos. Os lagos de várzea da Reserva Mamirauá resultados da CCA demonstraram não (Amazonas, Brasil), correlacionando haver diferença entre os descritores tais flutuações às mudanças ambientais biológicos na estrutura da macrofauna naturais da região e aquelas advindas bentônica entre os lagos PAP e IAP em da retirada das macrófitas aquáticas ambos os períodos analisados. Dessa durante a pesca manejada do pirarucu forma, a variação espaço-temporal na (Araipamas gigas), utilizando como estrutura da macrofauna bentônica, é descritores a densidade, riqueza, provavelmente, mais bem explicada diversidade e equitatividade. As coletas pelo regime hidrológico e padrões ocorreram em novembro de 2009 espaciais naturais e não pela retirada (Seca – quando ocorre a pesca do das macrófitas aquáticas durante a pesca pirarucu) e maio de 2010 (Cheia – sem manejada do pirarucu (Araipamas gigas). pesca). Foram selecionados oito lagos, ABSTRACT sendo quatro classificados como lagos com pouca atividade da pesca (PAP) e The objective of this work was to study quatro classificados como lagos com the spatial and temporal variations of intensa atividade da pesca (IAP). Para associations macrobentônicas várzea a coleta,utilizou-se um pegador de floodplain lakes Mamirauá (Amazonas, fundo tipo VanVeen (20x20x20 cm). Em Brazil), correlating these fluctuations laboratório, as amostras foram lavadas the region’s natural environmental em malha de 0.3 mm e os organismos changes and those arising from the fixados em formol a 5% e identificados removal of macrophytes during the ao menor nível taxonômico possível. pirarucu fisheries managed (Araipamas A fauna foi composta por 38 taxa gigas), using descriptors such as density, pertencentes aos filos Annelida, richness, diversity and evenness. the Mollusca e Arthropoda. Observou-se collections occurred in November 2009 (low water period - occurs when

87 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados fishing for pirarucu) and May 2010 (high vivem em áreas afastadas do litoral e water period - no fishing). Eight were onde a criação de gado é difícil (BÖHLKE selected lakes, four classified as lakes et al., 1978). with little fishing activity (PAP) and four Dentre as espécies de peixes mais classified as lakes with intense fishing utilizadas na alimentação dos ribeirinhos, (IAP). To collect used a gripper bottom o pirarucu (Araipamas gigas) é um dos type VanVeen (20x20x20 cm). In the mais importantes recursos pesqueiros laboratory the samples were washed da Amazônia (QUEIROZ; SARDINHA, in 0.3 mm mesh and organisms fixed 1999). Sendo que a pesca manejada in 5% formalin and identified to the dessa espécie na Reserva Mamirauá é lowest possible taxonomic level. The feita pelas comunidades pescadoras fauna comprised of 38 taxa belonging que habitam o local, utilizando-se de to the phyla Annelida, Mollusca and um consórcio de redes de emalhar com Arthropoda. It was observed that in arpões (QUEIROZ; SARDINHA, 1999). both hydrological periods lakes IAP Nestes lagos, grande parte da vegetação were more rich and diverse. The PAP aquática litorânea, formada por espécies lakes had higher densities in both de macrófitas presas ao substrato e por periods. The results of the CCA showed algumas outras flutuantes, é retirada no difference between the biological para aumentar a vulnerabilidade dos descriptors in the structure of benthic peixes adultos, que ficam escondidos macroinvertebrates among lakes PAP sob as mesmas. Ao tentarem buscar and IAP in both periods. Thus, the novos refúgios, ou ao virem à superfície time-space variation in the structure of para respirar, os animais são arpoados, benthic macroinvertebrates, is probably trazidos até canoas (pequenos barcos best explained by the hydrological and sem motor) e abatidos com golpes na natural spatial patterns and not by the região craniana (VIANA et al., 2007). removal of aquatic weeds while fishing A retirada de macrófitas realizada na handled the pirarucu (Araipamas gigas). pesca do pirarucu pode contribuir para degradação do ambiente aquático INTRODUÇÃO devido modificações principalmente As áreas da Amazônia sujeitas à na região litorânea dos corpos d´água inundação periódica por rios de água (ESTEVES, 1998). Como consequências branca, como o Solimões e o Amazonas disso, mudanças na biota aquática são denominadas de várzeas. A pesca podem ocorrer, levando à perda de nas várzeas, e em especial nos lagos de diversidade do sistema (FIDELIS et al., várzea, é considerada uma das principais 2008). atividades responsáveis pela principal Dentre as comunidades biológicas po- fonte de proteínas e renda para muitas tencialmente afetadas pelas modifica- comunidades ribeirinhas (QUEIROZ; ções advindas dos artifícios da pesca do CRAMPTON, 1999). O que faz da pirarucu, está a dos macroinvertebrados várzea um ecossistema de fundamental aquáticos. Estes organismos são um im- importância para as populações que portante componente do sedimento de

88 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz rios e lagos, sendo fundamentais para peraturas entre 30 ºC e 33 ºC. As médias dinâmica de nutrientes, a transformação das temperaturas mínimas oscilam entre de matéria e o fluxo de energia (CALLIS- 21 ºC e 23 ºC, com pequena amplitude TO; ESTEVES, 1995), é também, reco- térmica mensal (entre 8 ºC e 10 ºC), e nhecidamente, um dos componentes alta precipitação pluviométrica (2200 biológicos mais adequados para estudos – 2400 mm/ano) (PROJETO Mamirauá, de impacto e para o monitoramento de 1996). Na região amazônica, as estações longo prazo destes (MONTEIRO, 2008). climáticas constituem dois períodos dis- Tendo em vista a grande importância da tintos pelos índices pluviométricos, um pesca manejada do pirarucu na Reserva período de cheia (maio a julho) e um de Desenvolvimento Sustentável de seca (outubro a dezembro). Sendo Mamirauá, e em várias outras partes que os meses de junho e outubro são da Amazônia, avaliações cuidadosas os meses de pico do período de cheia do impacto ambiental dessa atividade e do período de seca, respectivamente são extremamente importantes para o (RAMALHO et al., 2009). aperfeiçoamento e continuidade dos programas de manejo. Locais de Amostragem Este trabalho teve como objetivo As coletas foram realizadas nos perío- estudar as variações espaço-temporais dos seco (novembro/2009) e chuvoso das associações macrobentônicas dos (maio/2010) em oito lagos, do Setor Ja- lagos de várzea da Reserva Mamirauá, rauá, na Reserva Mamirauá, sendo qua- correlacionando tais flutuações às tro lagos considerados como Lagos com mudanças ambientais naturais da região Pouca Atividade de Pesca (PAP) e quatro e aquelas advindas da retirada das lagos considerados como Lagos com In- macrófitas aquáticas durante a pesca tensa Atividade de Pesca (IAP). Os lagos manejada do pirarucu (Araipamas gigas). escolhidos para a classe de intensidade PAP foram: Tucunarezinho do Panema, MATERIAL E MÉTODOS Ressaca do Panema, Ressaca do Tucuxi Área de Estudo e Baixo do rio. Os lagos definidos como A Reserva de Desenvolvimento Susten- IAP são: Poço do Matá-matá, Poção, Ce- tável Mamirauá (RDSM) está localizada drinho do Jaraqui e Curuçá do Centro na confluência dos rios Solimões e Japu- (Figura 2). rá, próxima à cidade de Tefé (Estado do A classificação dos lagos para cada Amazonas, Brasil) (Figura 1). Esta área categoria de intensidade de pesca foi é considerada uma das maiores unida- feita por meio da quantificação dos des de conservação em áreas alagadas pirarucus pescados em seu interior, e na do Brasil, sendo a única unidade de sua frequência de uso como ambiente de conservação completamente dedicada pesca manejada. Os lagos classificados à proteção de grandes áreas de várzea como PAP estão localizados na Zona de (QUEIROZ, 2007).O clima na Reserva Proteção Integral e de Manutenção da Mamirauá caracteriza-se por uma tem- Reserva Mamirauá, onde a pesca maneja peratura média do ar elevada, com tem- não ocorre, ou ocorre estritamente

89 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados para a alimentação e subsistência das Comercialização da reserva, onde a pesca comunidades ribeirinhas. Por sua vez, os manejada ocorre anualmente em larga lagos inseridos na classe IAP, localizam- escala. A tabela 1 apresenta a quantidade se na zona de Uso Sustentável ou de de pirarucus pescados em oito anos de pesca manejada em cada lago analisado.

Tabela 1 – Quantidade total de pirarucus (Araipamas gigas) pescados nos lagos estudados entre os anos 1999-2007. (Fonte: IDSM) Classes de Intensidade da Pesca Lagos Média de pirarucus pescados/ano

Ressaca do Panema 90

Ressaca do Tucuxi 82 PAP Tucunarezinho do Panema 88

Baixo do Rio 102

Poço do Matá-matá 244

IAP Cedrinho do Jaraqui 256 Curuçá do centro 160

Poção 598

Figura 1 – Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá localizada nas confluências dos rios Solimões e Japurá, Tefé, Amazonas, Brasil, destacando a área de estudo (pontos A, B, C, D, E, F, G e H). (Adaptado de LOPES; QUEIROZ, 2009).

90 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz

A pesca manejada do pirarucu (Araipama (mg/l) e condutividade elétrica (μS/cm), gigas) ocorre apenas durante o período utilizando-se a Sonda Multiparamétrica seco, ocasião em que os peixes se YSI 6600. Dados de nível da água dos concentram nos canais e lagos, que períodos analisados foram obtidos no se encontram isolados uns dos outros site do Instituto de Desenvolvimento (SAINT-PAUL et al., 2000; SILVANO et Sustentável Mamirauá. al., 2000; GALACATOS et al., 2004). Análise dos Dados Dessa forma, a primeira ocasião de Para cada amostra biológica, foi calculada coleta (período seco) ocorreu durante densidade (número de indivíduos por a pesca manejada do pirarucu. Sendo metro quadrado), riqueza (número de que é durante esse período que ocorre a táxons presentes), diversidade (índice intensa retirada das macrófitas aquáticas de Simpson) e equitatividade (índice fixas no substrato, que são arrancadas e de J´ de Pillou). Estes descritores abandonadas nos próprios lagos. foram comparados entre os lagos Coleta Biológica e das Variáveis das duas classes de intensidades de Ambientais pesca, utilizando análise de variância Em cada lago, foram definidos, de forma unifatorial e bifatorial (ANOVA). Anterior aleatória, quatro pontos de amostragem às análises de variância foi testada a na região litorânea, equidistantes entre normalidade da distribuição dos dados si o suficiente para que cada amostra (teste de Kolmogorov-Smirnov) e a fosse independente. Em cada ponto, homogeneidade das variâncias (teste em cada ocasião, foram coletadas três de Levene). Sendo que os dados, amostras biológicas com auxílio de sempre que necessário, sofreram um pegador de fundo tipo Van Veen transformação logarítmica (Log(x+1)) (20x20x20 cm). Após coletadas, as de acordo com Clarke e Warwick (1994). amostras foram passadas em malha de Nessas análises, foi utilizado o nível de 0.3 mm de abertura e o material retido significância de 5%. foi acondicionado em sacos plásticos Para descrever quais variáveis ambientais com solução de formol a 5% (LINCOLN; físicas e químicas analisadas melhor SHEALS, 1979). O material retido nas caracterizavam os períodos hidrológicos malhas foi triado em laboratório, e as classes de intensidade da pesca, sob microscópio estereoscópico e recorreu-se a Análise dos Componentes microscópio óptico; os espécimes Principais (PCA). Além disso, utilizou-se coletados foram identificados ao Análise de Correspondência Canônica menor grupo taxonômico possível e (CCA) para avaliar a correlação entre as conservados em álcool etílico a 70%. variáveis ambientais e biológicas. Paralelo à coleta biológica, para As análises dos dados biológicos e cada ponto, foi coletada uma abióticos foram realizadas empregando amostra de sedimento para análises os aplicativos Statistica 8.0, Primer 6.0 e granulométricas, além de variáveis Sysgran 3.0. físicas e químicas da água, tais como: temperatura (ºC), pH, oxigênio dissolvido

91 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

RESULTADOS pH, oxigênio dissolvido e temperatura Dados Ambientais da água. Enquanto que as amostras da cheia se diferenciam por apresentar Os períodos hidrológicos apresentaram maior condutividade elétrica. grande distinção com relação às variáveis ambientais. Como exemplo, observou-se Associações de macroinvertebrados que o nível da água apresentou variação bentônicos e impactos mensuráveis entre os períodos analisados (Figura 2). Composição Os lagos da classe IAP apresentaram os A macrofauna bentônica foi composta maiores valores de profundidade dos por 1198 indivíduos pertencentes a pontos em ambos os períodos (Figura 3). 38 taxa, distribuídos em três filos: Na figura 3, é possível observar a Annelida (dois taxa), Mollusca (seis distinção entre os períodos de seca taxa) e Arthropoda (30 taxa) (Tabela 2). e cheia com base nos resultados da O período da seca apresentou maior PCA utilizando variáveis ambientais número de taxa (12), sendo que entre as (parâmetros físico-químicos da água, classes de intensidade da pesca, os lagos texturais do sedimento e profundidade IAP apresentaram maior número de taxa das amostras coletadas). O Eixo 1 em ambos os períodos hidrológicos. explicou 49% da variação dos dados Durante o período da seca, apenas 3 ambientais, separando as amostras taxa foram exclusivos da classe PAP, do período da seca das amostras do 17 foram exclusivas da classe IAP e 9 período de cheia. Já o Eixo 2 não taxa estiveram presentes em ambas mostrou uma separação clara das as classes. Na cheia, nenhum taxa foi amostras, explicando apenas 29% da exclusivo da classe PAP, enquanto que variação encontrada. De acordo com 14 taxa foram exclusivos da classe IAP e o gráfico, as amostras do período de 5 taxa pertenceram a ambos os períodos seca apresentaram maiores valores de estudados.

Precipitação (mm) Nível da água (m)

14 37 12 35 10 33 31 8

29 6 27 4 Precipitação (mm) Nível da água (m) 25 2

23 0 mai/09 jun/09 jul/09 ago/09 set/09 out/09 nov/09 dez/09 jan/10 fev/10 mar/10 abr/10 mai/10

(Fonte: IDSM, 2011)

Figura 2 – Variação do nível da água entre os meses maio de 2009 e maio de 2010, na reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil.

92 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz

4 Seco - PAP Seco - IAP Cheia - PAP Cheia - IAP 2 Condutividade elétrica % Silte 0 PC2

-2 % Areia Oxigênio dissolvido -4 -6 -4 -2 0 24 PC1 Oxigênio dissolvido Profundidadede Condutividade elétrica Figura 3 – Resultado gráfico da Análise de Componentes Principais (PCA) das amostras dos lagos de várzea da reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil, durante a seca e a cheia (Legenda: PAP – Pouca Atividade Pesqueira; IAP – Intensa Atividade Pesqueira).

Tabela 2 – Presença e ausência de táxons da macrofauna bentônica em dois diferentes níveis de intensidade pesqueira nos lagos de várzea da Reserva Mamirauá (Tefé, Amazonas, Brasil) durante a Seca (novembro/2009) e Cheia (maio/2010). Seca Cheia Táxon PAP IAP PAP IAP Bivalvia (Mollusca)* XXXX Gastropoda (Mollusca)* X X Gastropoda 1 (Mollusca)* X Hidrobiinae (Mollusca) X X Physidae (Mollusca) X Planorbinae (Mollusca) X Tubificinae imaturo (Annelida, Clitellata)* XXXX Naidinae (Annelida, Clitellata) X Aulodrilus pigueti (Annelida, Clitellata) XXXX Pristina proboscidea (Annelida, Clitellata) X Pristina osborni (Annelida, Clitellata) X X Pristina americana (Annelida, Clitellata) XX Dero (Aulophorus) sp. (Annelida, Clitellata) X X Opistocysta funiculus (Annelida, Clitellata) X Nais pseudobtusa (Annelida, Clitellata) X Stephensoniana trivandrana (Annelida, Clitellata) X Hirudinea (Annelida, Clitellata) X X X

93 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Seca Cheia Táxon PAP IAP PAP IAP Polypedilum sp. A (Arthropoda, Insecta) X Polypedilum sp. B (Arthropoda, Insecta) X Labrundinia sp. (Arthropoda, Insecta) X X Cladopelma sp. (Arthropoda, Insecta) X Pelomus psamophilus (Arthropoda, Insecta) X X Axarus sp. (Arthropoda, Insecta) X Fissimentum sp. (Arthropoda, Insecta) X X Tanytarsus sp. A (Arthropoda, Insecta) X Tanytarsus sp. B (Arthropoda, Insecta) X Tanipus sp. (Arthropoda, Insecta) X Asheum sp. (Arthropoda, Insecta) XX Chironomus sp. A (Arthropoda, Insecta) X X Chironomus sp. C (Arthropoda, Insecta) X Chironomus sp. D (Arthropoda, Insecta) X Coelotanypus sp. 1 (Arthropoda, Insecta) XX Coelotanypus sp. 2 (Arthropoda, Insecta) XX Ablabesmya (Karelia) sp. (Arthropoda, Insecta) XX X Ablabesmya Gr. annulata (Arthropoda, Insecta) X Caladomyia ortoni (Arthropoda, Insecta) X Sarcophagidae (Arthropoda, Insecta) Ceratopogonidae (Arthropoda, Insecta) X Diptera (Arthropoda, Insecta) X Larva Diptera (Arthropoda, Insecta) X Ephemeptera (Arthropoda, Insecta) X X Polymitacidae (Arthropoda, Insecta) X Coleoptera (Arthropoda, Insecta) X Odonata (Arthropoda, Insecta) X Libellulidae (Arthropoda, Insecta) X Gomphidae (Arthropoda, Insecta) X Decapoda (Arthropoda, Crustacea) X X Ostracoda (Arthropoda, Crustacea) X Amphipoda (Arthropoda, Crustacea) X Riqueza (nº de taxa) 15 40 9 21 (*) Indivíduos juvenis ou imaturos não identificados

Descritores biológicos classes de intensidade da pesca e, a diversidade também não apresentou Os descritores biológicos apresentaram diferença significativa entre os variação significativa entre as classes períodos hidrológicos analisados. Para de intensidade da pesca (Tabela 3) e nenhum dos descritores, os fatores entre os períodos hidrológicos. Apenas agiram conjuntamente na estruturação a densidade e a equitatividade não da comunidade de invertebrados variaram significativamente entre as bentônicos.

94 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz

Tabela 3 – Resultado da ANOVA para os descritores densidade, riqueza, diversidade e equitatividade, utilizando os fatores lagos e períodos hidrológicos. Reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil. Densidade Riqueza Diversidade Equitatividade Variáveis (ind.m-2) (nº de taxa) (D) (J´) FPFPFpFP Classe de Intensidade da 0.03 0.85 7.50 0.00** 3.11 0.07 1.80 0.18 Pesca (1) Períodos 12.35 0.00** 16.57 0.00** 4.88 0.02* 7.51 0.00** Hidrológicos (2)

Interação (1 – 2) 0.01 0.89 1.37 0.24 0.01 0.90 0.15 0.69

(*) Valor significativo: p<0.05; (**) Valor altamente significativo: p<0.01(

A densidade foi mais alta durante A riqueza, diversidade e equitatividade o período seco, em praticamente foi relativamente mais alta no período todos os lagos amostrados. Já entre seco, em praticamente todos os lagos. as classes de intensidade da pesca, Os valores desses índices foram sempre houve pequena variação, sendo maiores nos lagos IAP em ambos os que os lagos PAP foram sempre os períodos hidrológicos, principalmente, mais densos, pela alta densidade de nos lagos Poço do Matá- matá e Poção, organismos no lago Baixo do Rio os mais densos dentro do grupo IAP (Figura 4). (Figura 4).

Figura 4 - Valores médios e erro padrão dos descritores densidade (A), riqueza (B), diversidade (C) e equitatividade (D) ao longo dos períodos hidrológicos e lagos amostrados na Reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil.

95 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Relação entre as variáveis ambientais e DISCUSSÃO as biológicas Embora tenham sido encontradas O resultado da CCA (Figura 5) apresenta diferenças significativas entre IAP e as correlações entre os parâmetros PAP para alguns parâmetros, estes não ambientais e os parâmetros biológicos, parecem ser relacionados a impacto entre as classes de intensidade da pesca, que estes sofreriam com a retirada das durante a seca. É possível observar que macrófitas. Por exemplo, locais onde os lagos IAP apresentaram correlações as macrófitas estão ausentes deveriam positivas com a profundidade e negativa apresentar maiores temperaturas na com a condutividade elétrica, enquanto água, pois os raios solares incidiram que os lagos PAP apresentaram diretamente na superfície dos lagos correlações positivas com parâmetros (PAYNE, 1986). Além disso, locais com granulométricos, como % de argila e % macrófitas era de se esperar maiores de silte. Durante a cheia (Figura 6), a taxas de oxigênio dissolvido, visto grande maioria das amostras dos lagos que tais organismos estão entre os PAP apresentou correlação negativa com que apresentam maior produtividade % de areia, enquanto que as amostras primária em ambientes aquáticos dos lagos IAP apresentaram correlações (ESTEVES, 1998). A retirada da vegetação positivas com a profundidade dos enraizada da região litorânea dos lagos pontos. poderiam ainda resultar na mudança da

Figura 5 - Resultado gráfico da Análise de Correspondência Canônica (CCA) realizada para o período da Seca (Nov/2009) nos lagos IAP e PAP, Reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil.

96 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz

Figura 6 – Resultado gráfico da Análise de Correspondência Canônica (CCA) realizada para o período da Cheia (mai/2010) nos lagos IAP e PAP, Reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil.

textura do sedimento, por processos de vegetais subsidiam grandes quantidades erosão e assoreamento (PAYNE, 1986). de oxigênio para a fauna, possibilitando Porém, nenhuma das situações ocorreu assim, a seus colonizadores, neste estudo, pois os lagos considerados local para postura de ovos, o que impactados pela retirada das macrófitas proporciona condições ótimas para a foram os que apresentaram maiores taxas sobrevivência de muitos grupos animais de oxigênio dissolvido e, além disso, a (MASTRANTUONO, 1986, WARD, 1992). temperatura da água e características Dessa forma, caso houvesse impacto dos sedimentos foram semelhantes da retirada das macrófitas nos locais entre as classes de intensidade da pesca. impactados (IAP), estes apresentariam Sendo assim, a retirada das macrófitas baixos valores de riqueza e diversidade, pareceu não alterar os parâmetros o que não foi verificado neste trabalho. físico-químicos da água, sendo que estes Os lagos impactados acabaram por variaram naturalmente pela flutuação serem os lagos mais ricos e mais anual no nível da água. diversos. Sabe-se que as macrófitas aquáticas são Os resultados do PCA para os parâmetros um dos componentes aquáticos mais ambientais demonstraram não haver importantes para as comunidades de uma separação dos lagos em classes macroinvertebrados bentônicos. Esses de intensidade da pesca em ambos os

97 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados períodos hidrológicos. Isto indica que Apesar de apresentarem parâmetros a retirada das macrófitas aquáticas não ambientais semelhantes no período altera significativamente as variáveis chuvoso, ocorreu a formação de ambientais dos lagos classificados agrupamentos entre os lagos no gráfico como IAP. Dessa forma, as maiores de PCA, do período chuvoso. Os lagos variações nos parâmetros ambientais que se agruparam, no geral, estão foram influenciadas principalmente geograficamente próximos uns dos pela flutuação anual do nível da água e outros e, dessa forma, estes podem localização geográficas dos lagos. estar mais conectados entre si do que Os lagos de várzea da Reserva Mamirauá, com os outros grupos durante o período apresentaram variações nas suas chuvoso. características ambientais, relacionadas A composição da macrofauna bentônica principalmente com a sazonalidade dos lagos de várzea da Reserva de local, ou seja, mudanças nas condições Mamirauá é semelhante à de várias hidrológicas devido ao aumento dos regiões lacustres do mundo (VOLKMER- índices de precipitação pluviométrica na RIBEIRO et al., 2006), do Brasil região. As chuvas na região amazônicas (CALLISTO; ESTEVES, 1998; RODRIGUES; são o principal agente modificador HARTZ, 2001) e a de lagos de várzea e das características ambientais dos de terra firme da Amazônia (FITTKAU ambientes aquáticos (PADOCH et al., et al., 1975; NESSIMIAN, 1998), com 2009). dominância numérica de Oligochaeta, Pelas análises, foi possível observar Mollusca e larvas de Diptera, que é que houve uma separação clara entre também típica de ambientes lênticos as amostras do período da seca e da (ESTEVES, 1998; ODUM, 2004). Os cheia, essa grande distinção se dá principalmente como consequência do principais táxons representantes dos pulso de inundação, o qual influencia, dípteros no presente trabalho foram principalmente, a variação dos os Chironomidae, que é caracterizada parâmetros físico-químicos dos lagos por apresentar espécies com grande de várzea (JUNK, 1989). Além disso, adaptação à variação do nível da água, as amostras da Seca apresentaram- sendo que algumas podem até suportar se mais dispersas que as amostras da condições hipóxicas (NESSIMIAN, 1998; Cheia. Isso ocorreu pelo fato de que, CALLISTO, 2000; BUSS et al., 2004). durante a seca, os lagos ficam isolados, O decréscimo na densidade e na riqueza apresentando assim características registrado durante o período chuvoso distintas uns dos outros. Fato diferente concorda com trabalhos realizados nos ocorre no período mais chuvoso, no qual lagos de várzea da Reserva Mamirauá os lagos se conectam uns aos outros, (QUEIROZ, 2007), no rio Guapimirim sendo caracterizados por apresentarem no sudeste do Brasil (BUSS et al., 2004) parâmetros ambientais semelhantes e nos lagos do baixo rio São Francisco (HENDERSON, 1999; THOMAZ et al., (DEWSON, 2007). A densidade e a 2007).

98 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz riqueza são influenciadas negativamente CONCLUSÃO pelo aumento das chuvas durante o Considerando que não foi possível período chuvoso, pois a grande descarga detectar mudanças nos parâmetros dos rios causa a desestruturação do sedimento, dificultando o assentamento ambientais, causadas possivelmente de espécies (HIGUTI; TAKEDA, 2002; pela retirada das macrófitas aquáticas BUSS et al., 2004). nos lagos intensamente pescados, a As maiores abundâncias de Chironomidae primeira hipótese foi a mais apoiada foram registradas durante o período pela análise dos dados biológicos. Não seco, o que concorda com estudos feitos ocorreram mudanças significativas na por Higuti e Takeda (2002), Aburaya; composição, abundância, riqueza e Callil (2007) e Silva et al. (2009), nos quais foi observado que houve incremento diversidade, e consequentemente na na quantidade indivíduos dessa família estrutura das associações bentônicas durante o período de estiagem. No entre os lagos intensamente pescados presente estudo, as maiores densidades (IAP) e aqueles sem a atividade (PAP). de Chironomidae foram observadas Dessa forma, a variação espaço- nos lagos Poço do Matá-matá e Poção, temporal na estrutura da macrofauna isso se deveu, provavelmente às altas bentônica é, provavelmente, mais bem taxas de oxigênio dissolvido presente explicada pelo regime hidrológico nesses lagos, o que proporcionou maior facilidade no estabelecimento de taxa e padrões espaciais naturais e não dessa família (ARMITAGE et al., 1995). pela retirada das macrófitas aquáticas No presente estudo, procurou-se durante a pesca manejada do pirarucu explicar as variações espaço-temporais (Araipamas gigas). Tal conclusão poderá na estrutura das comunidades ser mais bem embasada após estudos macrobentônicas por meio de duas e monitoramentos em longo prazo, hipóteses: (1) as variações na estrutura levando em consideração que diversas da comunidade são relacionadas principalmente pelas flutuações variáveis não analisadas nesse estudo ambientais naturais dos lagos, sem possam influenciar na distribuição efeito significativo da retirada das espacial e temporal da fauna bentônica. macrófitas durante a pesca manejada do pirarucu; e (2) as variações na estrutura AGRADECIMENTOS da comunidade são relacionadas À Drª Alice Takeda e seus orientandos principalmente às modificações de mestrado Gisele Pinha e Rômulo ambientais nos lagos, advindas da retida Behrend, pelo auxílio na identificação das macrófitas aquáticas para a pesca dos Oligochaeta e Chironomidae. manejada do pirarucu, pelo menos no período seco. Agradecemos ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

99 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

- IDSM pelo financiamento do projeto. E Decreased Flow for Instream Habita ande à Coordenação de Aperfeiçoamento de Macroinvertebrates. Journal of the North American Benthological Society, v. 26, p. Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela 401-415. 2007. bolsa de estudo concedida. ESTEVES, F. A. Fundamentos de Limnologia. Rio de Janeiro: Interciência, 1998. REFERÊNCIAS ABURAYA, F. H.; CALLIL, C. T. Variação FIDELIS, L.; NESSIMIAN, J. L.; HAMADA, N. Temporal de Larvas de Chironomidae Distribuição espacial de insetos aquáticos (Diptera) no Alto Rio Paraguai (Cáceres, em igarapés de pequena ordem na Amazônia Mato Grosso, Brasil). Revista Brasileira de Central. Acta Amazônica, v. 38, p. 127-134. Zoologia, v. 24, p. 565-572, 2007. 2008. ARMITAGE, P.; CRANSTON, P. S.; PINDER, L. FITTKAU, E. J.; IRMLER, U.; JUNK, J. W.; REISS, C. V. The Chironomidae: the Biology and F. SCHMIDT, G. W. Productivity, biomass Ecology of Non-biting Midges. London: and population dynamics in Amazonian Chapman & Hall, 1995. water bodies. In: GOLLEY, F. B.; MEDINA, BOHLKE, J. E.; WEITZMAN, S. H.; MENEZES, E. Tropical Ecological systems trends in N. A. Estado Atual da Sistemática de Peixes terrestrial and aquatic research. Berlim, de Água Doce da América do Sul. Acta 1975. p. 289-311. Amazônica, v.4, p. 657-677, 1978. GALACATOS, K.; BARRIGA-SALAZAR, R.; BUSS, D. F.; BAPTISTA, D. F.; NESSIMIAN, STEWART, D. J. Seasonal and habitat J. L.; EGLER, M. Substrate Specificity, influences on fish communities within the Environmental Degradation and Disturbance lower Yasuni River basin of the Ecuadorian Structuring Macroinvertebrate Assemblages Amazon. Environmental Biology of Fishes, v. in Neotropical Stream. Hydrobiologia, v. 71, p. 33-51. 2004. 518, p. 179-188, 2004. HENDERSON, P. A. O Ambiente Aquático CALLISTO, M.; ESTEVES, F. A. Distribuição da Reserva Mamirauá. In: QUEIROZ, H. da comunidade de macroinvertebrados bentônicos em um lago amazônico impactado L.; CRAMPTON, W. R. (Ed.) Estratégias por rejeito de bauxita, Lago Batata (Pará, de Manejo de Recursos Pesqueiros em Brasil). In: ESTEVES, F. A. (Ed.). Estrutura, Mamirauá. Brasília: Sociedade Civil Funcionamento e Manejo de Ecossistemas Mamirauá/MCT, 1999. Brasileiros. Rio de Janeiro: Universidade HIGUTI, J.; TAKEDA, A. M. Spatial and Federal do Rio de Janeiro, 1995. p. 281-291. Temporal Variation in Densities of CALLISTO, M.; ESTEVES, F. A. Categorização Chironomid Larvae (Diptera) in Two Lagoons Funcional dos Macroinvertebrados and Two Tributaries of the Upper Paraná Bentônicos em Quatro Ecossistemas Lóticos River Flooplain, Brazil. Brazilian Journal sob Influência das Atividades de uma Biology. v. 62, p. 807-818, 2002. Mineração de Bauxita na Amazônia Central (Brasil). Oecologia Brasiliensis, v. 5, p. 223- JUNK, W. J.; BAYLEY, P. B.; SPARKS, R. E. 234. 1998. The Flood Pulse Concept in River-Floodplain DEWSON, Z. S.; JAMES, A. B. W.; DEATH, Systems. In: DODGE, D. P. Proceedings of R. G. A Review of the Consequences of the International Large River Symposium.

100 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz

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101 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

VIANA, J. P.; CASTELLO, L.; DAMASCENO, J. M.; AMARAL, E. S.; ESTUPIÑAN, G. M. B., ARANTES, C.; BATISTA, G. S.; GARCEZ, D. S.; BARBOSA, S. Manejo comunitário do pirarucu Araipamas gigas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Amazonas, Brasil. In: MMA/IBAMA (Ed.). Áreas protegidas como instrumento de gestão pesqueira. Brasília, 2007. p. 239-261. VOLKMER-RIBEIRO, C.; ROSA-BARBOSA, R.; GUADAGNIN, D. L.; MOSTARDEIRO, C. C.; PEDROSO, A. P. S. Macroinvertebrados Bentônicos. In: BECKER, F. G.; RAMOS, R. A.; MOURA, L. A. (Ed.). Biodiversidade: Lagoa do Casamento e dos Buritizais de Tapes, Planície Costeira do Rio Grande do Sul. Brasília: MMA/SBF, 2006. p. 388. Ward, J. V. Aquatic Insect Ecology. New York: Wiley & Sons, 2006.

102 EFEITOS NA ICTIOFAUNA DA LAGOA TUMICHUCUA (NORTE DA BOLÍVIA) DEPOIS DA ENTRADA DO PIRARUCU Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822)

Guido Miranda-Chumacero1,3 Kelven Lopes2 Yuba Sánchez3 Helder L. Queiroz2 Jaime Sarmiento3

RESUMO 1,54 em 1981. Foi utilizado o modelo Este trabalho teve como principal paramétrico Chao 1 para estimar objetivo medir o impacto da introdução a estrutura da comunidade, que do pirarucu sobre as populações de calcula o número de espécies em uma peixes nativos da Lagoa Tumichucua comunidade com base nas espécies próxima a Riberalta (Departamento de raras. Em 1981, foi encontrado um valor Beni), ao norte da Bolívia. Foi utilizado de 90,6 espécies prováveis; em 2008, como parâmetro de comparação foi estimado um total de 97,3 espécies. um estudo de ictiofauna na mesma O coeficiente comunitário para ambos lagoa, realizado em 1981, antes do os anos indicou uma similaridade de aparecimento do pirarucu na região. 59%, entretanto outras estimativas de Para estimar as mudanças, foi aplicada similaridade, como a da similaridade a mesma metodologia de amostra proporcional e o índice de similaridade, usada em 1981. Utilizando indicadores chegaram a valores mais reduzidos (23 e de diversidade e de composição de 42%, respectivamente). espécies, foi comparada a estrutura Através de contagens visuais, foi da comunidade de peixes de ambos estimado o número de pirarucus, tendo os anos. No estudo de 1981, foram chegado a 76 indivíduos, distribuídos capturados 3.638 indivíduos, agrupados entre 27 adultos e 49 jovens. Pode- em 24 famílias e 88 espécies; em 2008, se observar que para lagoas grandes, foram capturados 8.774 indivíduos, como é o caso de Tumichucua, pouco agrupados em 24 famílias e 95 espécies. se percebe a mudança na riqueza, mas A semelhança na composição de sim uma grande mudança na estrutura espécies entre os estudos foi estimada da comunidade, com diferenças através do índice de Shannon-Weiner na abundância das espécies, sua (H*), que indica uma pequena redução importância relativa, e na predominância entre os estudos com 1,34 em 2008 e de diferentes guildas tróficas.

1 Wildlife Conservation Society (WCS–Bolívia) 2 Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - IDSM 3 Instituto de Ecologia e Coleção Boliviana de Fauna (IE-CBF-UMSA)

103 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

INTRODUÇÃO Este último cenário está vinculado às Entre os principais impactos que o ser flutuações naturais das comunidades humano causou e continua causando e perturbações simultâneas de outra na natureza, a entrada de espécies índole que podem causar mais mudanças exóticas invasoras é a mais devastadora que as mesmas espécies invasoras. pela incerteza do grau e do tipo de A situação se agrava em ambientes perturbação que pode vir a provocar aquáticos continentais, uma vez que, (COBLENTZ, 1990). Nas últimas décadas, por sua conectividade permanente a ameaça de invasores biológicos exigiu ou sazonal, facilitam a dispersão de mais atenção, gerando preocupações organismos invasores. Dessa maneira, principalmente nas sociedades a entrada de uma espécie em um orientadas para a previsão dos impactos. determinado lugar não garante que Experiências em muitos países e com somente fique nesse lugar e surge a diferentes espécies demonstram que os possibilidade de sua dispersão livre impactos têm sido muito negativos e por zonas limítrofes ao sistema hídrico que, na maioria das vezes, ainda se paga (AGOSTINHO et al., 2005). A introdução um preço muito alto por isso (SAKAI et de espécies é considerada como um dos al., 2001; PÉREZ et al., 2004; DRAKE, principais problemas para a conservação 2005). de peixes de água doce (COWX, 2002). Em muitos casos, as estimativas dos No caso dos peixes, um dos maiores impactos são difíceis de se calcular, motivos da dispersão e de fugas de principalmente pela falta de uma base espécies exóticas é causado pela de comparação e pela dificuldade de piscicultura, através de fugas acidentais, atribuir as causas da variação de uma rompimento de barreiras, ou também espécie invasora. Geralmente, são pela fuga de indivíduos pequenos pelo utilizados modelos comparativos entre fluxo de água dos próprios reservatórios lugares com presença do invasor e de criação (WELCOMME, 1988; ORSI; lugares similares sem a presença do AGOSTINHO, 1999; PATRICK, 2000). Na mesmo, e em muitos outros, somente maior parte dos casos, as entradas de se chega a aproximações gerais peixes não são rapidamente percebidas (COLAUTTI; MACISSAC, 2004; TRAVIS; nos primeiros anos de seu aparecimento. PARK, 2004; LATINI; PETRERE, 2004). Geralmente, são identificadas em A principal causa disso é que na quase estados avançados ou quando os totalidade desses casos de invasão não danos ambientais são irreversíveis. Em se têm registros prévios da comunidade alguns casos, as entradas nem sequer em que entraram e só há registros são consideradas ameaças, devido à depois da introdução. Em muitos casos, ausência de estudos sobre seus impactos isso significa que não se pode atribuir potenciais (CASAL, 2006). de forma conclusiva que as espécies O aparecimento do pirarucu (Arapaima invasoras tenham causado o impacto gigas) na Bolívia não é um caso muito de que são acusadas (HULME, 2003), ou diferente. No final dos anos 1970, de que são absolvidas (OJASTI, 2001). o pirarucu foi introduzido para fins

104 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento

comerciais em algumas lagoas da Bacia ele, foi possível estabelecer uma base do Madre de Dios, próxima a Puerto de comparação em dois momentos da Maldonado, no sudoeste do Peru comunidade presente na lagoa: antes (MIRANDA-CHUMACERO et al., 2012). e depois da entrada do pirarucu. Isso Acredita-se que depois, numa das poderia permitir descrever as mudanças grandes cheias do Rio Madre de Dios, na comunidade íctica da lagoa e ocorreu um processo de dispersão; após determinar se tais mudanças podem esse fato o pirarucu chegou à Bolívia estar relacionadas com a presença do (FARREL; AZURDUY, 2006; MIRANDA- pirarucu. CHUMACERO et al., 2012). O pirarucu também foi introduzido MATERIAL E MÉTODOS em outras regiões no interior do Área de Estudo Brasil, desde a região amazônica até o Lagoa Tumichucua noroeste. O principal motivo que levou O Rio Beni percorre grande parte do à introdução dos pirarucus nas lagoas norte da Bolívia, formando o limite do noroeste do Brasil foi a intenção de natural entre os departamentos de La Paz limitar a proliferação das populações de e de Beni. Nas suas margens, instalou-se piranha-vermelha, Pygocentrus nattereri. um grande número de populações que Principalmente, pelo fato de ser um vivem da pesca, entre outras atividades carnívoro de grande porte, ocupando (CIPTA/WCS, 2010). Perto de sua os primeiros lugares na cadeia alimentar confluência com o Rio Madre de Dios, a (CASTELLO, 2004). 22 km da localidade de Riberalta, está a Aparentemente, o pirarucu se Lagoa Tumichucua. Essa lagoa apresenta estabeleceu com êxito, apesar de sua um tamanho aproximado de 390 ha de entrada ser relativamente recente; espelho d’água. Em seu interior, há duas estando distribuído na maior parte regiões diferenciadas pelo tipo de água, dos rios, córregos e lagoas do norte ou seja, uma com águas brancas e outra da Bolívia. Atualmente, é encontrado com águas mistas (combinação de águas em várias sub-bacias dos rios Madre de brancas e água pretas), o que favorece Dios, Orthon, Heath, Manuripi, Beni, a presença de diferentes micro-hábitats Madidi, Mamoré e Iténez e, no fim da (SIOLI, 1984; Figura 1). década de 1990, foi encontrado na Lagoa Tumichucua, no Rio Beni (MIRANDA- Captura dos peixes CHUMACERO et al., 2012). Swing (1981) realizou coletas entre 25 de No início dos anos 1980, na Lagoa setembro e 10 de dezembro de 1981. No Tumichucua, foi realizado um presente estudo, a amostra foi realizada levantamento ictiofaunístico, antes da entre 23 de agosto e 4 de setembro de entrada do pirarucu na lagoa (SWING, 2008, nos mesmos pontos de amostra 1981; SWING; RAMSAY, 1987). Esse referidos por Swing, incluindo 15 estudo forneceu informação sobre pontos de amostra no decorrer da Lagoa a abundância e a diversidade das (A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N e O) espécies nativas de peixes. Graças a (Figura 1). Para as amostras de 2008,

105 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados foram usados os mesmos métodos altura com 5 mm de abertura de malha. de pesca mencionados para o estudo Para as espécies de maior tamanho, de 1981, com a finalidade de poder foram utilizadas espinelas com 15 compará-las. anzóis de diferentes tamanhos. Para Foram utilizadas redes de emalhar de efeitos de comparação mediante 20 a 25 m de comprimento e 2,5 m de Capturas Por Unidade de Esforço (CPUE), altura, com duas baterias de diferentes todos esses métodos foram aplicados aberturas de malha: 20, 30, 50, 60, com o mesmo esforço em cada um dos 65, 70, 75, 90 e 100 mm de nó a nó e lugares definidos. Os peixes capturados foram colocadas perpendicularmente foram preservados em formaldeído a 4% nas margens da lagoa durante 8 horas e transferidos para álcool a 75%, para por dia em cada ponto da amostra, em sua conservação definitiva na Coleção dois períodos: no começo do dia (entre Boliviana de Fauna (CBF) na Universidade 6h e 10h) e à noite (entre 19h e 23h). Maior de San Andrés. Como foram utilizadas duas baterias de malhas, em alguns dias foram analisados Identificação taxonômica dois pontos de amostra. Para capturar Para a determinação taxonômica do espécies pequenas e para cobrir os material colecionado, foram utilizadas diferentes hábitats que geralmente se chaves de identificação e descrições encontram próximos à margem, foram originais das espécies. As identificações realizados 30 arrastões com uma rede foram realizadas na Área de Peixes da de 4 m de comprimento por 1 m de CBF.

Figura 1 - Lagoa e Comunidade Tumichucua e sua posição referencial. Os pontos nomeados com letras correspondem às áreas de amostra tanto em 1981 como em 2008. Na imagem, pode-se notar a predominância de águas pretas na zona sudeste e de águas brancas no extremo noroeste. Imagem de satélite Google Earth.

106 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento

Curvas de abundância relativa espécies compartilhadas entre ambos os estudos, a 1, quando nos dois estudos Para comparar a diversidade das se tem a mesma composição de espécies espécies e sua abundância, com base (MORENO, 2001). nos referidos por Swing em 1981 e nos obtidos no presente estudo, foram Estimativa da riqueza e abundância das utilizadas curvas de abundância relativa. comunidades nos estudos de 1981 e de Foi usado este método gráfico para 2008 descrever a riqueza da comunidade Para determinar a riqueza estrutural tanto em 1981 como em 2008, com possível em ambos os estudos, foi base no ordenamento das proporções empregado o modelo paramétrico Chao das espécies em cada estudo, da mais 1, que é uma estimativa do número de até a menos abundante. Foi levantado espécies em uma comunidade baseado o número de indivíduos capturados por no número de espécies raras, na amostra cada espécie (n ), dividido pelo número i (MORENO, 2001): total de indivíduos capturados (N), Chao 1= S + (a2/2b) obtida sua proporção (pi) e expressa como logaritmo (log p ). onde S é o número de espécies na i amostra do estudo, a é o número de Rarefação espécies que estão representadas por Para fazer uma comparação do um único indivíduo na amostra do número esperado de espécies entre estudo, e b é o número de espécies as comunidades presentes na Lagoa representadas por exatamente dois Tumichucua em 1981 e em 2008, indivíduos na amostra do estudo. O foi utilizado o método de rarefação. resultado desse método é um valor Esse método se baseia no cálculo do que representa o número máximo de número de espécies esperado em espécies prováveis existentes tanto cada estudo, em função do número de em 1981 como em 2008, de acordo indivíduos capturados. Para isso, foi com os dados das espécies registradas usado o programa informático ECOSIM (MORENO, 2001). (GOTELLI; ENTSMINGER, 2009). Índices de diversidade e equitatividade Similaridade da composição de espécies Foram calculados índices que medem a entre o estudo de 1981 e 2008 diversidade de uma comunidade como Para determinar a similaridade ou o de Shannon-Wiener (H) e sua versão dissimilaridade da diversidade de ponderada (H’). Com base nisso, foi espécies em cada estudo, foi empregado calculada a Equitatividade (E) dentro o Coeficiente Comunitário (CC): da comunidade com a finalidade de CC = 2c /(a + b) determinar as diferenças entre 1981 e onde a é o número de espécies 2008. Também foi calculada a similaridade presentes no ano de 1981, b é o número proporcional entre ambos os anos (SP) de espécies capturadas em 2008, e c é o e, com a finalidade de avaliar o grau de número de espécies comuns em ambos similaridade, com base no número de os estudos. O intervalo de valores para espécies compartilhadas, foi calculado esse índice vai de 0, quando não há o índice de Jaccard (MORENO, 2001).

107 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Contagem de pirarucus a dieta das mesmas. Foram usados Para a contagem dos pirarucus, a lagoa os dados referidos para as mesmas foi dividida em setores que mantêm espécies em estudos da área ou da correspondência com as áreas em que região (POUILLY et al., 2003; PEREIRA foram realizadas as amostras no estudo et al., 2007). A partir de então, foram de Swing (1981). Para a estimativa da realizadas análises para determinar quantidade de pirarucus, foi utilizado a variação, entre 1981 e 2008, da o método descrito por Castello (2004), abundância relativa de indivíduos e a que consiste na contagem dos peixes no riqueza por cada guilda trófica. momento em que saem para a superfície RESULTADOS para captar ar atmosférico. Com esse método, é possível também classificar, Composição taxonômica da comunida- individualmente, o animal como jovem de íctica de Tumichucua ou adulto. Os jovens são aqueles que não chegam a 1,5 m de comprimento, As ordens com maior proporção das e os que ultrapassam esse tamanho espécies da Lagoa Tumichucua, tanto em são considerados adultos (ARANTES et 1981 como em 2008, são al., 2007). Foram realizadas três séries (54,5% e 47,4%, respectivamen- de contagens com as quais foi possível te), Siluriformes (22,7% e 31,6%, obter a média e o desvio padrão para respectivamente) e Perciformes (12,5% e cada uma das áreas no interior da lagoa. 9,5%, respectivamente). Distinguiu-se, em 2008, a redução dos Characiformes Análise por Guilda em 7% e o acréscimo dos Siluriformes em Para realizar uma aproximação das 9%. Existem variações menos marcadas, mudanças no funcionamento ecológico como a redução dos Perciformes (por vol- da lagoa, as espécies foram agrupadas ta de 3%) e o acréscimo dos Gymnotifor- em guildas tróficas, de acordo com mes (em 1%) (Figura 2).

Figura 2 - Proporção das espécies de acordo com os principais grupos taxonômicos na Lagoa Tumichucua para os anos de 1981 (barras brancas) e de 2008 (barras pretas). Foram indicadas as proporções das ordens no Rio Mamoré como referência (barras cinzas) (POUILLY et al., 2004).

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Abundância e riqueza A família Characidae é a mais abundante Swing capturou um total de 3.638 tanto no estudo de 1981 como no indivíduos em 1981, identificando, a presente estudo. Segundo Swing, em partir desses, um total de 88 espécies, 1981, a família Cichlidae foi a segunda agrupadas em 24 famílias. No presente família mais abundante, e passa a ser estudo, foram capturados 8.774 a terceira em 2008. Por outro lado, a indivíduos (aproximadamente 240% a família Gasteropelecidae, de terceira, em mais que em 1981), agrupados em 95 1981, passa a ser a quinta em 2008. A espécies e 24 famílias. Em 1981, a família Engraulidae, que ocupava o nono família Characidae foi a que apresentou lugar em 1981, passa a ser a segunda a maior quantidade de indivíduos (n= mais abundante em 2008. A família 2486), seguida da família Cichlidae Pimelodidae passou do quinto lugar ao (n= 431) e da família Curimatidae (n= sexto. E a família Loricariidae mantém a 145), enquanto que em 2008 a maior mesma posição em ambos os estudos, proporção de indivíduos pertence às mas com um grande crescimento no famílias Characidae ( n= 5338), Engraulidae número de espécies (Figura 3). (n= 1378) e Cichlidae (n= 504).

Figura 3 - Variação da abundância total e do número de espécies para as famílias mais abundantes e diversas referidas entre 1981 e 2008 na Lagoa Tumichucua.

109 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

A análise em nível de espécies mostra Realizando esse mesmo cálculo com mudanças mais notáveis. Em 1981, as abundâncias das espécies que não a espécie claramente dominante em foram registradas em 2008, vemos que abundância era Hyphessobrycon rosaceus, seus valores são intermediários e muito que não está presente nas capturas do próximos do valor geral. Esse valor é estudo de 2008. Em 2008, dominam 3 muito similar ao valor intermediário espécies: Odontostilbe sp., Hemmigramus das abundâncias das espécies em lunatus e Anchoviella carrikeri. 2008. O valor mais baixo em relação As formas das curvas de abundância à abundância relativa corresponde às relativa variam entre 1981 e 2008. espécies que foram referidas somente Em 1981, percebe-se uma curva com em 2008 (Figura 5). maior equitatividade entre espécies e uma cauda mais comprida que poderia Rarefação indicar que muitas das espécies Mediante a análise de rarefação, podem- foram referidas pela captura de um só se observar duas curvas com cerca de indivíduo. Isso também é evidente em 10% de diferença entre 1981 e 2008. 2008, contudo com menos casos desse Nessas curvas, pode-se notar que, tipo. Os aspectos mais chamativos se em 2008 se capturasse a mesma dessa comparação são o grande quantidade de indivíduos que em 1981, crescimento de Odontostilbe sp. que, em teriam sido registradas somente 80 1981, ocupava um lugar intermediário, espécies. Fazendo a análise inversa, enquanto que em 2008 é uma das se em 1981 houvesse sido capturada a dominantes. Esse mesmo caso se vê na mesma quantidade de espécimes que terceira dominante em 2008, o pequeno em 2008, o número de espécies poderia Engraulidae, Anchoviella carrikeri, que, em chegar a 120. Esse número é próximo 1981, tinha uma abundância não muito do número total de espécies registradas alta. entre ambos os estudos (129 espécies) Pelo que se pode observar nas curvas (Tabela 1). Em nenhum dos casos as da categoria abundância, as espécies curvas chegam a uma assíntota, o que quer dizer que ainda que não se tenha que não foram registradas em 2008 conseguido capturar mais indivíduos em ocupavam lugares intermediários, 2008, há uma parte da comunidade que enquanto que as espécies que foram não foi registrada. registradas só em 2008 ocupam as Das espécies que não foram registradas posições mais baixas (Figura 4). Isso é em 2008, o que chama a atenção é comprovado pelo cálculo dos valores que a espécie com maior abundância intermediários da abundância relativa em 1981, Hyphessobrycon rosaceus, é (expressa como logaritmo da abundância uma das que não é mencionada. Entre relativa ou pi). Mediante esses cálculos, essas espécies “perdidas” se encontram pode-se observar que em 1981 a média as espécies com abundâncias geral de todas as espécies é maior que intermediárias, como Serrapinnus piaba, em 2008. Hyphessobrycon heterorhabdus, Parecbasis cyclolepis e Pyrrhulina brevis.

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1981 2008 -0.5 HYPROS † ODOSP HEMLUN § ANCCAR

-1 HEMUNI SERPIA †

PRIFIL

CTEHAU TRIANG APISP GASSTE MOEINT GASSTE -1.5 CURMEY MESFES MOEINT CTEHAU PRIFIL HYPHET † PSERUT § SATJUR PARCYC † PIMMAC PIMMAC PYRVIT GEOSUR SYNMAR† CHESP § -2 † PYRBRE § MOEOLI POTALT § PRONIG MOESAN ANCCAR APISP ROEMYE HOPMAL § APHSP HEMUNI DORPUN PRONIG SATJUR MESFES ODOSP CYPSPI † † LORMAC CRELEP PRICAL AUCAMB CURMEY THOSTE CREPUN † HYDSCO§ RHAVUL TRAGAL PHESP§ ACHACH HYPSP GYMTHA † MYLDUR DORSP SORLIM TRIPALB LEPFAS† -2.5 PIMSP §HEMUNI HYPSP LORMAC PTEMUL §PLASQUA RHAVUL ACHACH HYPMEG § CHAGIB BRAORB† CICPLE MOESAN TRAGAL † GEOSUR HOPMAL POTEIG HEMACI § PELFLA CICPLEI PIMSP SERSPI POTLAT † SCHFAS POTMOT CICBOL LEPPAR † TRAPAR § PSETIG § MYLDUR PSEUFAS §PYGNAT SERHUM § STEMAC POTMOT EIGVIR PTEDIS § TRIANG CRESEM HOPLIT † COLMAC HYPTHO § -3 HYPGUL CRESEM CRELEP † § LEPTRI SERRHO GYMCAR CHAERY EIGVIR TETARG HEMPLA † PLATCOS PTELIT † POTLAT § ANCSP § † STEELE OXYNIG § MOESP APHSP § HOPUNI PELFLA† LORCAT † § PTEGIB† PARALB † PIABRA ARAGIG SERRHO PTEGRA † POTEIG † -3.5 † BRYCSP RHAQUE† SALAFF † PYRVIT †GYMTER STEBIM † CHAGIB SCHFAS PSEFAS † MIKALT ACEFAL RHYLAU § PTESP EIGMAC PIABRA SORLIM † AGEINE TRIALB † METLIP AGEINE § COLMAC GYMCAR CICBOL BRYAMA POTHIS § PERPER § HYPEDE§RHAROS § HEMPLA PLASQU OPSBOU OCHSP PHRHEM AUCAMB THOSTE § PERPER § ROEMYE SERSP§ TRISP§ RHYLAU -4 § ROEAFF ROEBIS § PTEMUL BUNCOR § POTBRA LEIMAR § ACEFAL OTOVES § TETARG

-4.5 Posición de las especies según su abundancia

Figura 4 - Curvas de abundâncias relativas para as espécies referidas em 1981 (G) e em 2008 (u) na Lagoa Tumichucua. As espécies presentes em 1981 e que não foram registradas em 2008 estão marcadas com (†), e as espécies que foram registradas somente em 2008, com (§).

111 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Figura 5 - Valores intermediários da abundância (expressa como logaritmo da proporção relativa) de todas as espécies em 1981 e 2008, das espécies que não foram encontradas em 2008 (†) e das que somente foram registradas em 2008 (§).

Figura 6 - Rarefação da diversidade de peixes da Lagoa Tumichucua para os estudos de 1981 e 2008.

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Tabela 1 - Resumo dos indicadores comparativos entre 1981 e 2008. Indicador 1981 2008

Abundância total (número total de indivíduos capturados) 3638 8775

Total famílias 26 28

Total espécies 88 95 Número esperado de espécies com rarefação a 3638 ind. 88 81

Máximo de espécies possível (Chao1) 90,6 97,3

Índice de diversidade Shannon (H’) 1,34 1,15

H’ ponderado 1,33 1,15

Equitatividade (E) 0,69 0,58

Número de pirarucus registrados mediante contagens - ~ 76

Total Famílias (1981+2008) 31

Total Espécies (1981+2008) 129

Espécies próprias de 1981 34

Espécies próprias de 2008 41

Total famílias ausentes 1981 5

Total famílias ausentes 2008 3

Coeficiente Comunitário (1981-2008) (CC) 0,59 (59 %)

Similaridade proporcional entre 1981 e 2008 (SP) 0,23 (23%)

Índice de similaridade de Jaccard 0,42 (42%)

Índices de diversidade e composição de no Coeficiente Comunitário, é de 60% espécies (Tabela 1); por outro lado, levando Foram aplicados vários índices de em conta a similaridade, com base na diversidade para medir a variação quantidade de espécies próprias para entre os resultados de 1981 e 2008. O cada ano (Jaccard), chega-se a 42% de índice de Shannon-Weiner (H’) indica similaridade. Mediante a estimativa uma pequena redução da diversidade Chao1, com os dados do estudo de em 2008 de 1,34 para 1,15. O mesmo Swing (1981), pôde-se estimar o máximo ocorre, como consequência, com a de 90,6 espécies prováveis, com base em equitatividade (E) que diminui de 0,68 sua estrutura de espécies observadas, para 0,59. A Similaridade proporcional enquanto que, no estudo de 2008, foi (SS) indica que as comunidades estimado um máximo de 97,3 espécies. registradas em 1981 e em 2008 são similares em somente 23%. Enquanto Proporções das Guildas Tróficas que, levando em conta somente as Em ambos os anos, as proporções por espécies comuns e exclusivas em guildas tróficas, tanto no número de cada ano, a similaridade, com base

113 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados indivíduos como no de espécies, têm um um crescimento pequeno dos piscívoros, comportamento similar: predominância tanto primários como secundários dos invertívoros, seguidos dos (Figura 7). piscívoros e algívoros. Em ambos os anos, as guildas menos presentes são os Contagem de pirarucus por tipo de detritívoros e os parasitas. Em 2008, é água destacado um crescimento significativo Foi determinada a presença de apro- na abundância proporcional de algívoros/ ximadamente 76 pirarucus, dos quais iliófagos e de zooplantívoros com 27 ± 1 eram adultos (quer dizer, com relação a 1981. Por outro lado, há uma mais de 1,5 m de comprimento) e 49 ± redução na abundância proporcional 1 eram jovens (com menos de 1,5 m de dos invertívoros, principalmente na comprimento). Percebeu-se uma maior sua abundância proporcional. Quanto preferência dos pirarucus pela área me- à riqueza, não se observa uma grande diana da lagoa (entre os pontos J, N, I, diferença; somente uma redução no O, H e G) (Figura 8), com uma clara pre- número de espécies de invertívoros e dominância de águas mistas (Figura 8).

Figura 7 - Variação das proporções (%) na abundância total (acima) e no número de espécies (abaixo) por cada guilda trófica identificado na Lagoa Tumichucua entre 1981 (barras brancas) e 2008 (barras pretas).

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Figura 8 - Variação da média da riqueza entre 1981 (barras brancas) e 2008 (barras pretas) e do número de pirarucus observados (barras cinzas), de acordo com o tipo de água.

Relacionando essa variação com a Discussão riqueza intermediária observada entre Um dos pressupostos mais amplamente os pontos de amostra em águas brancas e entre os pontos com águas mistas, difundidos sobre os potenciais impactos pode-se observar que, em 1981, os das espécies invasoras sobre a ictiofauna pontos com águas mistas possuíam é a redução de espécies nativas (CETRA; maior riqueza que os pontos com águas PETRERE Jr., 2001; SCHOENER et al., brancas. O oposto ocorre em 2008, em 2001). Geralmente, as espécies invasoras que a riqueza é maior nos pontos com modificam a estrutura da comunidade, águas brancas. Essa variação poderia fazendo com que muitas espécies se estar vinculada à preferência do desloquem ou que sejam exterminadas pirarucu por águas pretas. de seu hábitat natural (DEJOUX; ILTIS, 1992; LATINI; PETRERE, 2004). Mudanças na abundância e riqueza de As espécies de peixes introduzidas espécies comerciais podem causar alterações no hábitat, Não foi observada uma redução da na estrutura das comunidades, podem abundância e da riqueza das espécies que produzir hibridação, seguida da perda têm importância comercial. Contudo, do patrimônio genético original, com pelo contrário, em geral, percebe-se um crescimento na proporção do número a consequente alteração trófica e a desse grupo em relação ao total de introdução de enfermidades e parasitas capturas entre 1981 e 2008 (Tabela 2). (TAYLOR et al., 1984; PATRICK, 2000).

115 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Tabela 2 – Capturas totais das espécies com maior importância comercial na Lagoa Tumichucua em 1981 e 2008. São indicadas as proporções (%) dessas espécies em relação ao total de indivíduos capturados em ambos os estudos. Espécie 1981 (%) 2008 (%) Brycon spp. 2 0,05 1 0,03 Chalceus erythrurus 3 0,08 --- 0,00 Cichla pleizona 7 0,19 25 0,69 Colossoma macropomun 1 0,03 10 0,27 Hemisorubim platyrhynchos 1 0,03 6 0,16 Leiarius marmoratus --- 0,00 1 0,03 Pellona flavipinnis 1 0,03 17 0,47 Phractocephalus hemioliopterus 1 0,03 --- 0,00 Piaractus brachypomun 1 0,03 5 0,14 Plagioscion squamosissimus 1 0,03 31 0,85 Prochilodus nigricans 24 0,66 62 1,70 Pseudoplatystoma punctifer 4 0,11 2 0,05 Pseudoplatystoma tigrinum --- 0,00 9 0,25 Sorubim lima 1 0,03 34 0,93 Salminus affinis 1 0,03 --- 0,00 Totais 48 1,32 203 5,58 Total Espécies 13 12

Sem dúvida, o tipo de dieta e a Bolívia, que, apesar de não ter um agressividade da espécie invasora ambiente totalmente propício para influem determinantemente no seu desenvolvimento, conseguiu se impacto sobre as espécies nativas estabelecer, talvez graças ao fato de (PATRICK, 2000; PÉREZ et al., 2004). que não existiam os fatores naturais Algumas espécies exóticas podem que controlassem seu crescimento. apresentar dificuldades para se adaptar De acordo com a rarefação calculada a um novo meio, principalmente pelas para 3.638 indivíduos, a quantidade suas características reprodutivas. capturada em 1981 se reduziu em Em outras, pela falta de estratégias cerca de 10% no número de espécies de proteção, restringindo sua estimadas em 2008. É necessário levar distribuição (FLEMING; GROSS, em conta, também, que a soma das 1993). Nesse sentido, uma espécie diferenças encontradas entre 1981 e introduzida para ser invasora deveria 2008 pode ser causada por três fatores: ter a capacidade de se estabelecer em a) artefatos da amostra, b) mudanças na um período de tempo inferior ao que comunidade íctica, e c) entrada contínua leva qualquer espécie da fauna nativa de indivíduos de diferentes espécies durante seu processo evolutivo. Este devido às cheias do Rio Beni. parece ser o caso do pirarucu na

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Artefatos de amostra que para 2008 esse máximo foi de 97. Os dados mostrados de 1981 não são Por isso, poderíamos assumir que as totalmente claros quanto à metodologia composições registradas em ambos usada e o detalhe de quais espécies os anos correspondem à riqueza da foram capturadas com cada tipo de comunidade que se poderia registrar. amostra e qual o esforço usado com Nesse sentido, fica faltando, portanto, cada artefato (SWING, 1985). Agrega-se decifrar o porquê das diferenças a isso o fato de que dificilmente se têm registradas. Segundo o índice de as mesmas condições de amostra, pelo diversidade de Shannon, existe uma que a amostra será sempre um fator a diminuição da diversidade de 1,34 (em se considerar nas variações observadas, 1981) para 1,15 (em 2008). É difícil apesar de que, para as comparações mensurar a significação dessa variação entre os dados de ambos os anos, foram sem levar em conta a abundância de cada usados os mesmos métodos em ambos uma das espécies. Em estudos da área, os estudos e foram respeitados os esse índice flutua entre 1,4 (TEDESCO et mesmos pontos de amostra. O tempo de al., 2005) e 3,8 (SAINT-PAUL et al., 2000). amostra poderia também ser um fator Então esses valores corresponderiam a determinante, uma vez que no estudo valores entre baixos e intermediários de 1981 ficou indicado que foram 75 em relação às comunidades de dias (baseados no tempo mencionado peixes na Amazônia. A equitatividade por Swing (1985), mas não indicam os também diminui entre ambos os anos, tempos e dias efetivos de pesca), e em de 0,69 para 0,58, mas fazendo um 2008 foram 10 dias inteiros; portanto, o cálculo para separar a contribuição tempo foi em torno de 65 dias a menos da riqueza específica e da estrutura que em 1981. Ainda assim, em 2008, foi da comunidade na diversidade alfa, capturado quase o dobro de indivíduos percebe-se que ambas as comunidades que em 1981. não apresentam grande variação (4,1 e 4,0, respectivamente). Essas análises Mudanças na comunidade íctica de diversidade não indicam grandes A rarefação indica que em ambos os diferenças de diversidade entre ambos os estudos, apesar da diferença no número estudos. Em alguns trabalhos, nos quais de indivíduos capturados, chegou-se se faz uso desses índices, constatou-se a um total de espécies de 88 e de 95, que em uma mesma lagoa a variação que diminuem em 7 espécies, contudo, entre sua diversidade entre uma e fazendo a análise em função do menor outra época de seca não foi significativa número de indivíduos capturados (ESPÍRITO-SANTO et al., 2009). No nosso (3836 em 1981), o número de espécies caso, a variação temporal não deveria ser esperadas se reduz em cerca de 10%. um fator determinante nas diferenças Isso está respaldado pela estimativa encontradas, uma vez que a amostra de de riqueza Chao 1, com a qual se pôde 2008 foi na mesma época em que foi determinar que o máximo de espécies realizada a amostra em 1981, a época prováveis para 1981 foi de 90, enquanto seca. Nessa época, a Lagoa Tumichucua

117 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados se caracteriza por seu isolamento As comunidades das lagoas são muito completo. Sem dúvida, para um melhor mais estáveis que as dos poços e rios, entendimento da estrutura natural das devido ao tipo de espécies que se comunidades de forma natural e com a hospedam e pela diferente conectividade presença de um fator externo como uma que têm e pelas facilidades de amostra. espécie exótica, seria ideal fazer um E essa conectividade é determinante seguimento por vários ciclos hídricos para a estabilidade das mesmas. Isso foi completos. mostrado em vários estudos em que se A proporção dos principais grupos percebeu que as lagoas mais distantes do taxonômicos com relação ao número leito principal dos rios são mais estáveis de espécies presentes na lagoa tanto quanto à sua composição (RODRÍGUEZ; em 1981 como em 2008 corresponde LEWIS, 1994; RODRIGUEZ; LEWIS JR., ao que geralmente se esperaria 1997; POUILLY; RODRÍGUEZ, 2004; encontrar em lagoas da região MIRANDA-CHUMACERO; BARRERA, (POUILLY et al., 2004). Entretanto, 2005). A Lagoa Tumichucua se é interessante notar que em 2008 a caracteriza por uma relativa constância proporção dos Characiformes se reduz no tempo, por estar um pouco acima em 7%, enquanto que a dos Siluriformes do leito principal. Em resumo, essas aumenta em quase 8%. Assim como os mudanças, se têm variações temporais Characiformes, os Perciformes diminuem fortes, a cada ano voltam a se estruturar proporcionalmente. Geralmente, esse de forma mais ou menos similar. tipo de variação pode estar muito Assumindo isso, e considerando que relacionado aos efeitos da amostra. a pressão de pesca tem sido similar Muitos dos Siluriformes eram pequenos. desde então, as diferenças que aqui As espécies mais abundantes em 2008 mostramos poderiam ser atribuídas a pertencem ao grupo dos caracídeos um fator externo. pequenos e os engraúlidos, geralmente De acordo com o que foi observado, invertívoros e zooplanctófagos, que existe uma maior preferência do se constituem em presas de piscívoros pirarucu por lugares com águas de porte médio (15 a 30 cm) a grande mistas, os quais refletem uma maior (>30 cm). Talvez esse aumento nesses quantidade de indivíduos registrados grupos se deva à diminuição da nesses lugares. Relacionando isso com abundância e/ou da riqueza de outras a abundância e a riqueza de espécies, espécies. De acordo com a análise por vemos também nos pontos com águas guildas tróficas, o mais destacável é o mistas que diminuem, contrariamente aumento da abundância de alguns dos ao que geralmente se tem encontrado grupos mais baixos das redes tróficas em outros estudos, naqueles em que (zooplantófagos e invertívoros). Essa a diversidade é ligeiramente maior em observação pode estar relacionada à águas pretas que em brancas (SAINT- redução dos predadores desses grupos PAUL et al., 2000). Isso poderia indicar (VITULE et al., 2009). uma regionalização ao interior da Lagoa As mudanças espaço-temporais das de Tumichucua, que corresponderia à comunidades estão, de certa forma, predominância dos tipos de água, em começando a ser estudadas e abordadas. função dos quais os pirarucus teriam

118 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento

maior ou menor influência sobre as da Amazônia?. A resposta a ambas as espécies nativas. perguntas pode estar relacionada ao Os índices de similaridade usados, afastamento evolutivo, produto das que levam em conta vários princípios corredeiras do Rio Madeira. Essas de comparação (número de espécies barreiras naturais isolaram as espécies comuns, número de espécies exclusivas nativas do rio acima da presença de em cada estudo ou número total Arapaima gigas por milhões de anos. de espécies), em geral indicam que Esse isolamento, certamente, fez com entre 1981 e 2008 a similaridade não que as espécies evoluíssem em seu supera 60%. O índice de similaridade comportamento de uma forma diferente proporcional que leva em conta as da das populações das mesmas espécies espécies que são exclusivas em cada rio abaixo. estudo é o que menor similaridade Os sistemas aquáticos em que A. gigas produz com somente 23%. evoluiu na Amazônia se caracterizam por enormes áreas de inundação, nas Entrada contínua de espécies pelas quais a água entra pelo bosque e no qual cheias a produtividade auxilia na existência de De acordo com a topografia da lagoa, centenas de espécies que fazem uso o extremo nordeste é o que entra em desses fenômenos anuais para chegar contato com as águas do Rio Beni, a lugares de alimentação e onde a mas somente em episódios de cheias disponibilidade de refúgios é muito extremas. Foi exatamente segundo maior que na bacia alta do Rio Madeira. a versão dos mesmos povoados de Esses fenômenos são menos marcados Tumichucua, que, na cheia de 1997, o na Amazônia Boliviana e menos ainda na pirarucu chegou à lagoa. Possivelmente, bacia do Rio Beni. em algumas cheias, ainda que Existe um princípio em ecologia que aparentemente não tenham sido consiste em que as comunidades com consideradas como cheias extremas maior diversidade são mais fortes a históricas, outras espécies pequenas perturbações frente às comunidades de peixes podem ter chegado do rio, com poucas espécies (MARCHETTI et permitindo que as espécies fossem al., 2004). Essa “fortaleza” pode ser sendo repostas constantemente. traduzida na resistência às espécies A riqueza aumenta, mas e a abundância? invasoras, mudanças na riqueza não significativa e modificações na sua Em função dos resultados encontrados, abundância (MARCHETTI et al., 2004). surgem duas perguntas: Por que a De acordo com os dados que foram presença do pirarucu deveria afetar as levantados nesse estudo, as espécies comunidades de peixes nativas?, se 1) que não estão presentes são geralmente é uma espécie que em outros lugares predadoras de espécies pequenas da Amazônia convive com as mesmas (POUILLY et al., 2004; POUILLY et espécies ou com outras similares e 2) é al., 2006). Essas espécies puderam uma espécie que tem exigências muito manter suas presas com abundâncias particulares em relação ao hábitat, relativamente baixas, e, pela presença que, com sua importância econômica, foi posta em perigo em outras regiões de populações de pirarucus, puderam

119 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados deixar este rol, fazendo com que, por No caso da região da Lagoa Tumichucua, uma questão de espaço e recursos, as a riqueza regional amazônica boliviana espécies presas aumentem e as posições é de até umas 900 espécies (IBISCH, de dominância mudem entre 1981 e 2003; POUILLY et al., 2010), dentre as 2008, por efeito da diminuição de suas quais 250 estão presentes no Rio Beni populações. (MIRANDA-CHUMACERO . in prep.) e se Outro aspecto que pode estar indicando estima que umas 140 a 150 pertencem um papel de controle sobre o pirarucu a sistemas lacustres (LAUZANNE; é o uso desse recurso pela comunidade LOUBENS 1985; LAUZANNE et al., de Tumichucua, por ser agora uma das 1991; POUILLY et al., 2004; MIRANDA- espécies mais valorizadas no comércio CHUMACERO; BARRERA, 2005). Na local (CARVAJAL-VALLLEJOS et al., 2011). Lagoa Tumichucua, foram registradas A estrutura de uma comunidade íctica 95 espécies, riqueza que, inclusive, responde a uma série de filtros que encontra-se acima de outras lagoas da determinam que espécies possam região com características similares estar presentes em uma determinada (POUILLY et al., 2004). área ou região (Figura 9). Isso foi A análise efetuada sobre a média das amplamente estudado e aplicado em abundâncias das espécies que se “per- vários estudos (TONN et al., 1990; deram” e as que “apareceram” em 2008 RAHEL, 2002; POUILLY et al., 2004). indica dois aspectos: 1) as espécies

Figura 9 - Representação esquemática sobre o suposto processo em que o pirarucu modificou a estrutura e a abundância das espécies nativas na Lagoa Tumichucua, levando em conta a série de filtros modificados a partir de Tonn et al. (1990) que determinam a riqueza local. O tamanho das gotas representa a abundância relativa das espécies.

120 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento

que não foram registradas se encon- Tumichucua. Ao revisar a lista original tram com abundâncias intermediárias das espécies de peixes mencionadas em relação a toda a comunidade – isso no estudo, que é a base de comparação demonstra que a mudança, não neces- do presente, nós nos encontramos com sariamente, se deu nas espécies menos espécies que, por revisões, mudarão abundantes ou mais raras; 2) o valor mé- de nome ou foram agrupadas a outras. dio das abundâncias das espécies que Essas mudanças foram rastreadas foram registradas somente em 2008 é o para cada uma das espécies e se mais baixo de todos, isso poderia signi- puseram os nomes válidos para efeitos ficar que em 2008 se pôde capturar uma de comparação. Neste momento, é maior proporção de espécies raras. necessário indicar que, se as espécies Essa análise leva a pensar que, apesar de foram bem identificadas, se ocorrer uma os valores de riqueza parecerem cons- mudança em sua sistemática, colocar o tantes entre ambos os anos, as espécies nome pode ser tão fácil como mudar que compõem esta comunidade são di- uma etiqueta, mas se houver mudanças ferentes. O mesmo se dá com as abun- nos que se dividem em espécies, nomear dâncias, que variam, de forma extrema, corretamente inclui a revisão de cada em alguns casos, contudo permanecen- indivíduo capturado. do e sendo parte da comunidade. CONCLUSÃO Dificuldades taxonômicas Estabelecer índices de medição dos Um dos grupos em que há os maiores impactos de uma espécie invasora problemas taxonômicos é nos peixes em uma comunidade íctica como a da (LUNDBERG, 2001). Isso se traduz em Lagoa Tumichucua não é tão fácil como constantes revisões que se agrupam, determinar as variações na riqueza da reagrupam, dividem, mudam, mesma em um antes e um depois, pelo renomeiam, descrevem e redescrevem que é necessário analisar a estrutura espécies constantemente. Essa dessas espécies quanto a seus Guilda, dinâmica, em muitos casos, chega a tal a abundância de cada espécie e, magnitude como a fusão de cerca de 50 sobretudo, as flutuações temporais. espécies nominais em uma só, Rhamdia Por conseguinte, pelos dados quelem (REIS et al., 2003) e a descrição mencionados neste trabalho, de uma média de 35 espécies por ano poderíamos concluir que: i) não foram na Amazônia (LUNDBERG, 2001). Para registradas 31 espécies que tinham efeitos de uma comparação sistemática sido registradas em 2008; ii) foram e que possam produzir conclusões observadas mudanças na abundância mais ou menos conclusivas e da qual das espécies; iii) poder-se-ia assumir possa surgir decisões, deve-se levar em que exista mais impacto em regiões conta uma grande suposição: de que os com águas pretas que com brancas; nomes das espécies refletem as espécies iv) é possível que estejam ocorrendo biológicas que estão presentes em modificações na abundância dos Guilda determinado lugar; neste caso, a Lagoa de peixes invertívoros; v) estar-se-ia

121 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados incrementando a abundância e a riqueza AGRADECIMENTOS de espécies zooplantófagas e iliófagas; Este projeto foi apoiado pelo Instituto vi) aparentemente não existiriam maiores de Desenvolvimento Sustentável mudanças na presença e na abundância Mamirauá - IDSM (Brasil) e WCS Bolívia, das espécies usadas tradicionalmente em colaboração com o Instituto de na pesca comercial; vii) características Ecologia da Universidade Maior de San biológicas como tamanho e idade da Andrés, graças ao financiamento da primeira maturação sexual aliada a Moore Foundation. Este projeto não grande pressão de pesca e viii) pode- teria sido possível sem a ajuda logística se concluir que os dois estudos são do Primeiro Distrito Naval de Riberalta. complementares quanto à determinação Um sincero agradecimento aos Caps. do número total de espécies que podem Calla e Pedraza e ao nosso querido, estar presentes na Lagoa Tumichucua. divertido e incondicional, Suboficial Por tudo isso, poderíamos admitir que Celso Quispe por seu valioso apoio na a presença do pirarucu, em algumas pesca e como motorista . Aos cidadãos lagoas grandes, como na de Tumichucua, que apoiaram a pesca: o Sr. Ricardo com grande quantidade de espécies e Yamara, Jesús Batte, Francisco Farfán, micro-hábitats e, portanto, uma elevada Jonás Yamara, Danny Farfán e Meraldo riqueza, uma conectividade cíclica, e Beyuma. Às diferentes autoridades com diferentes profundidades, produz da Comunidade Tumichucua por seu mudanças que não se traduzem na perda apoio: Armando Beyuma (Presidente da significativa da biodiversidade, mas sim OTB), Luis Melgar (Corregedor). À Sra. em fortes mudanças na estrutura da Ana Rivero, por sua deliciosa comida. comunidade de peixes. Essa mudança Ao Sr. Saúl Farfán, por nos apoiar com na estrutura da comunidade pode ter o gerador; e ao Sr. Gerardo Imanoreco, efeitos em longo prazo que dificilmente pela moradia durante nossa estada. E podem ser analisados com uma avaliação a toda a comunidade em geral, por seu inicial como a que foi feita neste estudo. apoio e colaboração no desenvolvimento Sem dúvida, a presença do pirarucu em do projeto e por ter compartilhado lagoas como esta pode ser benéfica conosco sua grande experiência. do ponto de vista econômico. A pesca controlada dessa espécie, além de gerar REFERÊNCIAS benefícios interessantes, como já ocorre na Comunidade de Tumichucua e na ARANTES, C.; CASTELLO, L.; GARCEZ, D. Va- TCO Tacana II, poderia ajudar a financiar riações entre contagens de Arapaima gigas sistemas de automonitoramento da (Schinz) (Osteoglossomorpha, Osteoglossi- pesca na comunidade, mediante o dae) feitas por pescadores individualmente qual poderiam ser tomadas decisões em Mamirauá, Brasil. Pan-American Journal temporais para conservar a ictiofauna of Aquatic Sciences, v. 2, p. 263 – 269, 2007. e manter um equilíbrio entre o COLAUTTI, R.; MACISAAC, H. A neutral aproveitamento das espécies nativas e terminology to define“invasive”species. de Arapaima gigas. Diversity and Distributions n. 10, p. 135 – 141, 2004.

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125 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Anexo 1 Lista das espécies de peixes capturadas tanto em 1981 como em 2008. Ressalta-se que as espécies que não foram capturadas em 2008 e em 1981 com (†), x significa que a espécie estava presente.

Familia Especie Codigo 1981 2008

Achiridae Achirus achirus ACHACH x x

Ageneiosidae Ageneiosus inermis AGEINE x x

Anostomidae Leporinus fasciatus LEPFAS x †

Leporinus trifasciatus LEPTRI † x

Rhytiodus lauzannei RHYLAU x x

Schizodon fasciatus SCHFAS x x

Arapaimidae Arapaima gigas ARAGIG † x

Aspredinidae Bunocephalus coracoideus BUNCOR † x

Auchenipteridae Auchenipterus ambyiacus AUCAMB x x

Trachelyopterus galeatus TRAGAL x x

Belonidae Potamorrhaphis eigenmanni POTEIG x x

Callichthyidae Hoplosternum littorale HOPLIT x †

Characidae Acestrorhynchus falcatus ACEFAL x x

Aphyocharax sp. APHSP x x

Brachychalcinus orbicularis BRAORB x †

Brycon amazonicus BRYAMA † x

Brycon sp. BRYSP x †

Chalceus erythrurus CHAERY x †

Charax gibbosus CHAGIB x x

Cheirodon sp. CHESP † x

Ctenobrycon hauxwellianus CTEHAU x x

Gymnocorymbus ternetzi GYMTER x†

Gymnocorymbus thayeri GYMTHA x†

Hemigrammus lunatus HEMLUN †x

Hemigrammus unilineatus HEMUNI xx

Hyphessobrycon heterorhabdus HYPHET x†

Hyphessobrycon megalopterus HYPMEG †x

Hyphessobrycon rosaceus HYPROS x†

Metynnis lippincottianus METLIP x†

Moenkhausia intermedia MOEINT xx

126 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento

Familia Especie Codigo 1981 2008

Moenkhausia oligolepis MOEOLI †x

Moenkhausia sanctaefilomenae MOESAN xx

Moenkhausia sp. MOESP †x

Odontostilbe sp. ODOSP xx

Paragoniates alburnus PARALB x†

Parecbasis cyclolepis PARCYC x†

Phenacogaster sp. PHESP †x

Prionobrama filigera PRIFIL xx

Pristobrycon calmoni PRICAL x†

Roeboides affinis ROEAFF †x

Roeboides biserialis ROEBIS †x

Roeboides myersii ROEMYE xx

Salminus affinis SALAFF x†

Serrapinnus piaba SERPIA x†

Serrasalmus sp. SERSP †x

Tetragonopterus argenteus TETARG xx

Triportheus albus TRIALB xx

Triportheus angulatus TRIANG xx

Cichlidae Apistogramma sp. APISP xx

Cichla pleizona CICPLE xx

Cichlasoma boliviense CICBOL xx

Crenicara punctulatum CREPUN x†

Crenicichla lepidota CRELEP xx

Crenicichla semicincta CRESEM xx

Geophagus surinamensis GEOSUR xx

Mesonauta festivus MESFES xx

Mikrogeophagus altispinosus MIKALT x†

Satanoperca jurupari SATJUR xx

Clupeidae Pellona flavipinnis PELFLA xx

Curimatidae Curimatella meyeri CURMEY xx

Cyphocharax spilurus CYPSPI x†

Potamorhina altamazonica POTALT †x

Potamorhina laticeps POTLAT x†

Potamorhina latior POTLAT x†

127 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Familia Especie Codigo 1981 2008

Psectrogaster rutiloides PSERUT †x Steindachnerina bimaculata STEBIM x † Steindachnerina elegans STEELE x † Cynodontidae Hydrolycus scomberoides HYDSCO † x Rhaphiodon vulpinus RHAVUL x x Doradidae Doras punctatus DORPUN † x Doras sp. DORSP † x Opsodoras boulengeri OPSBOU † x Oxydoras niger OXYNIG † x Platydoras costatus PLACOS x † Pterodoras granulosus PTEGRA x † Trachydoras paraguayensis TRAPAR † x Engraulidae Anchoviella carrikeri ANCCAR x x Erythrinidae Hoplerythrinus unitaeniatus HOPUNI x † Hoplias malabaricus HOPMAL x x Gasteropelecidae Gasteropelecus sternicla GASSTE x x Thoracocharax stellatus THOSTE x x Gymnotidae Gymnotus carapo GYMCAR x x Hemiodidae Hemiodus unimaculatus HEMUNI † x Hypophthalmidae Hypophthalmus edentatus HYPEDE † x Lebiasinidae Pyrrhulina brevis PYRBRE x † Pyrrhulina vittata PYRVIT x x Lepidosirenidae Lepidosiren paradoxa LEPPAR x † Loricariidae Ancistrus sp. ANCSP † x Hemiodontichthys acipenserinus HEMACI † x Hypoptopoma gulare HYPGUL x † Hypoptopoma thoracatum HYPTHOR † x Hypostomus sp. HYPSP x x Loricaria cataphracta LORCAT x † Loricariichthys maculatus LORMAC x x Otocinclus vestitus OTOVES † x Pterygoplichthys disjunctivus PTEDIS † x Pterygoplichthys gibbiceps PTEGIB x † Pterygoplichthys lituratus PTELIT † x

128 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento

Familia Especie Codigo 1981 2008

Pterygoplichthys multiradiatus PTEMUL x x Pterygoplichthys sp. PTESP † x Pimelodidae Hemisorubim platyrhynchos HEMPLA x x Leiarius marmoratus LEIMAR † x Perrunichthys perruno PERPER x x Phractocephalus hemioliopterus PHRHEM x † Pimelodella sp. PIMSP x x Pimelodus maculatus PIMMAC x x Pseudoplatystoma punctifer PSEPUN x x Pseudoplatystoma tigrinum PSETIG † x Rhamdia quelen RHAQUE x † Sorubim lima SORLIM x x Potamotrygonidae Potamotrygon brachyura POTBRA † x Potamotrygon histrix POTHIS † x Potamotrygon motoro POTMOT x x Prochilontidae Prochilodus nigricans PRONIG x x Scianidae Plagioscion squamosissimus PLASQU x x Colossoma macropomun COLMAC x x Mylossoma duriventre MYLDUR x x Piaractus brachypomun PIABRA x x Pygocentrus nattereri PYGNAT † x Serrasalmus humeralis SERHUM † x Serrasalmus rhombeus SERRHO x x Serrasalmus spilopleura SERSPI † x Sternopygidae Eigenmannia macrops EIGMAC x † Eigenmannia virescens EIGVIR x x Rhamphichthys rostratus RHAROS † x Sternopygus macrurus STEMAC † x Synbranchidae Synbranchus marmoratus SYNMAR x † Trichomycteridae Ochmacanthus sp. OCHSP † x Trichomycterus sp. TRICSP † x

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A INTRODUÇÃO DE Arapaima cf. gigas NA AMAZÔNIA BOLIVIANA: IMPACTOS NAS PESCARIAS, CADEIAS DE VALOR EMERGENTES E PERSPECTIVAS PARA A GESTÃO COMUNITÁRIA

Fernando M. Carvajal - Vallejos1, 3, Alison Macnaughton2, Claudia Coca1, Selín Trujillo4, Joachim Carolsfeld2, Paul A Van Damme1

RESUMO 25 espécies diferentes, com pirarucu contribuindo 80% dos desembarques O Arapaima cf. gigas (paiche em espanhol totais de base urbana, e 35% dos e pirarucu no Brasil) foi introduzido desembarques rurais. Foi constatado no norte da Amazônia boliviana nos que a cadeia de valor tem dois canais anos 70. Esta pesquisa apresenta uma principais inter-relacionados, um com visão geral de algumas das mudanças espécies nativas menores abastecendo que estão ocorrendo nas pescarias os mercados locais em Riberalta, comerciais locais 40 anos após essa e outro com o Arapaima e algumas introdução. As pescarias podem ser espécies nativas maiores exportados separadas em dois agrupamentos principalmente para os centros urbanos gerais – com base urbana e rural – na Bolívia (Santa Cruz, Cochabamba e La dependendo da tecnologia utilizada, Paz) e no Brasil. Pescarias artesanais da Amazônia boliviana estão em transição, as áreas de pesca e os pescadores em parte por causa da introdução do envolvidos. Foi realizado um estudo dos pirarucu, mas também devido a outros desembarques comerciais (composição fatores. A participação rural na pesca e volumes) e características da cadeia de comercial está aumentando à medida valor durante o período de baixo nível que o acesso rodoviário está sendo de água (agosto – setembro de 2011). aprimorado. Os resultados demonstram que a pesca Os conflitos estão emergindo enquanto comercial na região explorou mais de territórios indígenas exigem seu direito

1 FAUNAGUA (Instituto de Pesquisas Aplicadas em Recursos Aquáticos), final Av. Max Fernández, s/n, zona Arocagua Norte, Sacaba, Cochabamba, Bolívia. www.faunagua.org 2 World Fisheries Trust (WFT), 434, Russell St. Victoria B.C., Canadá V9A 3X3, telefone 1-250-380-7585. www.worldfish.org 3 Unidad de Limnologia y Recursos Acuáticos (ULRA), Facultad de Ciencias y Tecnología (FCyT), Universidad Mayor de San Simón (UMSS), Calle Sucre frente al parque La Torre, s/n, Cochabamba, Bolívia, telefone (591 4) 4.235.622 . lab-ulra.com 4 FEUPECOPINAB, Riberalta, Bolívia * Autor para correspondência: [email protected]

131 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados de pescar comercialmente, mudando comercial em pequena escala. O peixe o padrão de acesso a recursos. Um é a principal fonte de proteína em mui- projeto integrado de pesquisa e tas das áreas rurais (SALAS et al., 2011; desenvolvimento da pesca na região CARVAJAL-VALLEJOS et al., 2011b.). está em andamento. São consideradas O governo boliviano identificou a também algumas reflexões sobre Amazônia como uma região prioritária processos participativos na gestão de para desenvolver e reduzir a pobreza, pescarias e os meios de subsistência enquanto mantém a biodiversidade e locais em transição. Finalmente, são riqueza ambiental. Isso está expresso apresentadas algumas implicações e na Nova Constituição (CONSTITUCION futuras perspectivas relativas à gestão DEL ESTADO, 2009) e no Plano Nacional comunitária. de Desenvolvimento (PLAN NACIONAL DE DESARROLLO, 2006). Atualmente, INTRODUÇÃO as pescarias na região são todas em Pescarias artesanais de água doce são pequena escala; a maioria em situação extremamente importantes em muitas irregular, mal organizada, e sujeita a partes do mundo, particularmente em uma pressão crescente de exploração países em desenvolvimento, em que e conflitos entre usuários, além de eles fornecem sustento e emprego estarem ameaçadas pelo aumento para inúmeras pessoas, muitas vezes de urbanização e de projetos em economicamente marginalizadas. Na desenvolvimento em grande escala maioria das vezes, são projetos de (como propostas de hidrelétricas) que múltiplas espécies que dependem de irão degradar os hábitats aquáticos. vários elementos da biodiversidade Pescarias e meios de subsistência aquática local. A introdução das espécies, na região estão em transição devido embora seja uma das principais ameaças ao avanço do desenvolvimento, dos à biodiversidade, podem contribuir mercados emergentes e da evolução significativamente para essas pescarias, de políticas e leis governamentais. A às vezes mudando dramaticamente melhoria da segurança alimentar para seu caráter e benefícios sociais. a população local é um dos principais (CUCHEROUSSET; OLDEN, 2011). desafios. A Amazônia boliviana contém uma notá- Embora a introdução de peixes tenha vel riqueza de biodiversidade de peixes, estado presente na região de Altiplano com pelo menos 700 espécies (CARVA- por muitos anos, as pesquisas sobre JAL-VALLEJOS; ZEBALLOS FERNÁNDEZ, os impactos das espécies invasoras 2011), não incluindo a diversidade que, na Bolívia é relativamente nova, com provavelmente, existe nos lugares mais muito pouca informação sobre seus remotos e menos estudados da região. impactos ecológicos – particularmente Uma parte dessa biodiversidade são de na Amazônia. Felizmente, o número peixes de médio para grande porte que de espécies introduzidas na Amazônia suportam as tradicionais pescas de sub- boliviana aparenta ser bastante baixo sistência e, mais recentemente, a pesca (CARVAJAL-VALLEJOS et al., 2011a),

132 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme

quando comparado aos países vizinhos, incluindo algumas perspectivas locais; como o Brasil (por exemplo, ALVES et al., e descritos os conflitos que surgiram 2007). No entanto, como a preocupação entre os utilizadores dos recursos. São pública sobre como prevenir ou tratar apresentadas oportunidades para o espécies introduzidas para preservação desenvolvimento de modelos de gestão da biodiversidade existente é pouco e planos de extração, e também é expressada, e como a atual legislação abordada a potencial contribuição dos não regula adequadamente a venda processos participativos. Por fim, são ou o movimento de espécies não apresentadas algumas reflexões sobre nativas entre bacias hidrográficas, a pescaria e os meios de subsistência as taxas de introdução poderiam em transição, seguidos de conclusões e aumentar significativamente. Conforme perspectivas futuras. apresentado neste relatório, o pirarucu (Arapaima cf. gigas) é uma espécie que Pescarias da Amazônia boliviana foi introduzida na região nas últimas Agricultores rurais e periurbanos e as décadas e que está gerando impactos comunidades indígenas da Amazônia radicais socioeconômicos e políticos, boliviana envolvidos na pescaria ainda que as consequências ecológicas artesanal e na aquicultura são os mais não sejam bem compreendidas. pobres (INE, 2001) e têm os alimentos Esta pesquisa oferece uma visão geral mais inseguros (FAO, 2008) do país. Eles sobre as mudanças nas pescarias sobrevivem em condições muito básicas comerciais na Amazônia boliviana de vida, muitas vezes sem acesso à e algumas sugestões de direções e educação, saúde, água, saneamento, perspectivas futuras em relação às estradas, transporte e comunicações. oportunidades de desenvolver uma Em geral, eles não têm influência gestão comunitária. Isso começa com política com as autoridades regionais e algumas perspectivas sobre as principais nacionais, e são muito mais vulneráveis características da pescaria antes da a choques sociais, econômicos ou introdução do pirarucu, seguido por ambientais do que outros grupos. um breve histórico da introdução Antes da introdução do pirarucu, a dessa espécie na Bolívia. O Projeto atividade de pesca comercial na região “Peces para la Vida”, uma iniciativa de era praticada primeiramente nos cooperação internacional, com muitos principais canais fluviais e se concentrava interessados, cujo objetivo final é ajudar em peixes de médio a grande porte, a construir pescarias sustentáveis e como o pacu (Colossoma) e o tambaqui equitativas, incluindo espécies nativas (Piaractus), o bagre, o surubim e e introduzidas é aqui apresentado. São o caparari (Pseudoplatystoma spp.) apresentados também alguns dos dados (CDP, 1990). Esses peixes abasteciam coletados por meio deste projeto, mercados regionais em Riberalta, assim incluindo informações sobre a frota como algumas cidades no interior da comercial das pescarias regionais, e Bolívia e do Brasil. O volume de captura os desembarques urbanos e rurais em comercial total estimado era cerca de Riberalta. A pesca é caracterizada em 50% menor do que é hoje (VAN DAMME comunidades indígenas rurais da região, et al., 2011).

133 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Desde esse momento, a pesca comercial Maldonado, Peru, no Rio Madre de Dios tem aumentado e mudado devido a (CARVAJAL-VALLEJOS et al., 2011a). diversas razões, independentemente Antes disso, o pirarucu não era presente da chegada do pirarucu. A reforma na porção superior da Bacia do Madera, agrária no início dos anos 80 resultou possivelmente devido a uma série de no restabelecimento e fortalecimento cachoeiras nos 300 km de rio entre de comunidades tradicionais na região, Guayaramerín (Bolívia) e Porto Velho seguidos pelo estabelecimento de (Brasil). Após essa introdução, a espécie territórios indígenas promovendo com expandiu pela corrente ao longo do Rio mais clareza os direitos ao acesso e Madre de Dios e em bacias conectadas uso de recursos. Estradas de acesso no território boliviano (CARVAJAL- e disponibilidade de gelo, ainda em VALLEJOS et al., 2011a; MIRANDO- ambiente rústico, proporcionaram CHUMACERO et al., 2012). A falta de alguns canais para trazer os peixes para familiaridade com o pirarucu resultou o mercado, e a demanda por peixe local numa inicial falta de interesse de pesca, aumentou com a crescente população o que provavelmente contribuiu para o urbana. Assim, enquanto os recursos das povoamento, tornando-se rapidamente pescarias estavam cada vez mais sujeitos estabelecida e abundante (CARVAJAL- a uma variedade de ameaças antrópicas, VALLEJOS et al., 2011a). incluindo a perda ou modificação de Os primeiros relatos de pirarucu hábitat e a introdução de espécies não capturados na região ocorreram no nativas (CASAL, 2006), as pescarias início dos anos 80 (CARVAJAL-VALLEJOS continuam a expandir. Atualmente, et al., 2011a), quando os pescadores eles continuam, provavelmente, dentro foram surpreendidos pelo tamanho do potencial produtivo da região (VAN incrível e pelo comportamento estranho DAMME et al., 2011). dos peixes na superfície. Uma vez que não eram conhecidos anteriormente A introdução do pirarucu na Bolívia na região, foram inicialmente vendidos O pirarucu é um enorme peixe em filés como surubim-bagre, uma das de respiração aérea e de língua espécies mais procuradas na Bolívia, óssea, nativo do principal afluente assim como as outras espécies que do Amazonas e de outros rios do possuem características de textura e norte da América do Sul, onde é sabor semelhantes. Dessa maneira, o conhecido também como arapaima ou peixe começou a abastecer os mercados paiche. Sua distribuição natural é de regionais, bem como cidades no interior aproximadamente 2 milhões de km2, da Bolívia. Uma vez que foi descoberto incluindo porções Amazônicas no Peru, que o pirarucu era muito valorizado Colômbia, Equador, Brasil e Guiana nos mercados brasileiro e peruano, o (CASTELLO; STEWART, 2010). Mais de interesse na pesca comercial aumentou 40 anos atrás (nos anos 70), a espécie rapidamente e significativamente entre foi introduzida pelo governo peruano na pescadores urbanos e distribuidores em parte alta da Bacia do Madera em Puerto Riberalta (HERRERA, 2009). Atualmente,

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a carne do pirarucu é bem aceita nos O projeto “Peces para la Vida” 1 principais centros urbanos de Santa Em 2011, o “Projeto Peces para la Cruz, La Paz e Cochabamba, além Vida” (PPV) foi lançado para facilitar dos mercados regionais nas cidades as contribuições das pescarias para a amazônicas. Nos mercados bolivianos segurança alimentar local dentro do em geral, o pirarucu tem preenchido cenário em transição das pescarias e parte da demanda insatisfeita por peixes. sociedades. O objetivo final do projeto é Em alguns casos, o pirarucu substitui ajudar a construir uma gestão sustentável espécies nativas que são geralmente e equitativa das pescarias, incluindo menores e que, portanto, requerem espécies nativas e introduzidas, um esforço maior para conseguir um enquanto dados são coletados e peso comparável. O pirarucu também é ambientes sociais e organizacionais vendido em quantidades significativas de apoio são construídos, operando na fronteira do Peru e do Brasil. através de uma janela de oportunidades O pirarucu tornou-se um dos peixes e interesses criados em torno da mais importantes comercialmente avaliação e melhorias de uma cadeia na Amazônia boliviana. As poucas de valor integrada e participativa. estatísticas disponíveis indicam que Fundamentado nos princípios da gestão ele substituiu, de forma significativa ,as baseada na comunidade, o projeto espécies nativas comerciais mais caras enfrenta desafios semelhantes para o dos desembarques em Riberalta, um desenvolvimento de um tal regime, eixo de pesca regional dos últimos 10 conforme descrito por Thompson e anos, e que, atualmente, constitui mais Sultana (2007) e como descrito para o da metade de todo o desembarque da desenvolvimento da gestão do pirarucu cidade (VAN DAMME, 2006; CARVAJAL et brasileiro por Castello et al. (2009). al., 2011a). Crescentemente, a pescaria O local da área de estudo está no norte comercial foi levada dos rios para os da Amazônia boliviana (nas bacias lagos, onde o pirarucu vive. No entanto, hidrográficas do alto Madera), em torno muitos desses lagos estão localizados da cidade portuária de Riberalta, logo em terras recentemente designadas acima da confluência dos rios Orthon, como comunitárias, incluindo grandes territórios comunitários indígenas (Tierra Comunitaria de Orígenes – TCOs) e comunidades rurais menores, criando algumas tensões. A introdução do pirarucu na Amazônia boliviana, 1 O projeto “Peces para la Vida: Pescarias, portanto, não só catalisou uma Aquicultura e Segurança Alimentar na Amazônia mudança na composição das pescarias, boliviana” é uma iniciativa de 3 anos (2011- mas também na estrutura da cadeia 2014), coordenado por FAUNAGUA, World de valor das pescarias e das relações Fisheries Trust e AGUA SUSTENTABLE, com o socioeconômicas entre os pescadores apoio do IDRC (Centro International de Pesquisa de Desenvolvimento) e da Agência Canadense comerciais urbanos e das comunidades Internacional de Desenvolvimento (ACDI-CIDA) indígenas e rurais. através do Fundo Canadense Internacional de Pesquisa de Segurança Alimentar (CIFSRF).

135 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Madre de Dios e Beni e corredeiras que estão localizadas nas bacias baixas dos são consideradas como uma barreira rios Beni, Madre de Dios e Mamoré. para a expansão rio acima de uma série Trinta e cinco delas estão organizadas de espécies de peixes na Amazônia baixa em TCOs designados. Com recentes e central, incluindo o pirarucu. O Beni é direitos territoriais garantidos, os um típico rio andino de águas bravas, grupos indígenas estão agora lutando injetando mais sedimentos suspensos através de conflitos para resolver o do que qualquer outro afluente da Bacia acesso e utilização dos direitos de do Madera (MOLINA; VAUCHEL, 2011). recursos naturais. Oportunidades Na sua planície relativamente estreita, emergentes de pescaria comercial são o Beni formou lagos (lagos marginais), uma questão fundamental neste debate. que são sazonalmente isolados do Uma relativa proporção elevada de canal principal. O Orthon, que flui pessoas nas comunidades indígenas para o Beni abaixo da confluência com localizadas perto de lagos ou rios o Madre de Dios, é um rio de águas participa de alguma forma de pesca de mistas (NAVARRO; MALDONADO, 2002), subsistência ou de consumo de peixe, formado pela confluência dos rios baseado na tradição local. A participação Tahumanu e Manuripi. O Madre de Dios indígena na pescaria comercial (espécies flui dos Andes peruanos rio acima da nativas e mais recentemente o pirarucu) cidade de Puerto Maldonado. É um outro está aumentando, embora haja uma significante sistema de águas bravas variedade de barreiras, incluindo o que transporta grandes quantidades acesso aos mercados. de sedimentos em suspensos, e que O TCO Território Indígena Multiétnico II faz parte de um mosaico de corpos (TIM II), localizado ao sul de Riberalta e d’água, que inclui córregos e pequenos incluindo partes das bacias de Madre de afluentes. Dios e Beni, é um território onde o uso do A área de estudo coincide com a zona peixe está entre as principais atividades de pescaria da frota comercial de base econômicas e de subsistência. Quatro urbana em Riberalta. Consiste em comunidades nesta área (Trinidacito, pescadores periurbanos que exploram Flor de Octubre, Lago El Carmen, espécies nativas de peixes nos rios e 27 de Mayo) foram consideradas agem como intermediários para trazer representativas para coletar dados da os peixes de lagos (principalmente pescaria indígena para este estudo. o pirarucu) para o mercado. Esses pescadores estão organizados em duas A frota das pescarias regionais estruturas locais de pesca. Varejistas Na região estudada, a atividade de pesca de pequeno porte, muitos deles está focada nos lagos e outros elementos mulheres, também são organizados em aquáticos associados com os Rios Madre associações locais e ligados diretamente de Dios, Beni, Orthon, Biata, Ivón e às organizações de pesca, vendendo o Geneshuaya. A pesca é realizada por produto nos mercados urbanos. pescadores de base urbana de Riberalta, Quarenta e oito comunidades indígenas bem como por pescadores rurais das

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comunidades indígenas localizadas vez mais, participando da pescaria na região circundante de Riberalta, comercial, com um notável aumento nos a principal cidade portuária. Os últimos cinco anos. pescadores constituem a base produtiva Desembarques das pescarias de base para a cadeia de valor das pescarias e, urbana em Riberalta ao mesmo tempo, constituem o grupo Oitenta e quatro desembarques de base mais vulnerável e que recebe a menor urbana foram registrados em Riberalta, remuneração para a sua atividade. durante o período de estudo, 50 em O período de estudo correspondeu à agosto e 34 em setembro. Para ambos estação de baixo nível de água (alta os meses, apenas 15% (6 170 kg) do atividade de pescaria), entre agosto e desembarque correspondeu a barcos setembro de 2011. Durante o estudo, grandes (> 1.000 kg de capacidade), os pescadores foram divididos em dois enquanto que 52% (11 122 kg) grupos de acordo com a localização correspondeu a barcos de médio porte de residência e propriedade de terra: (501 – 1 000 kg de capacidade), 13% (5 1) urbano, e 2) rural (indígenas). Os 347 kg) a pequenas embarcações (201 – pescadores urbanos foram divididos 500 kg), e os 20% restantes (8 226 kg) a entre os que possuem barcos ou não: embarcações bem pequenas (< 200 kg 49 pescadores urbanos possuíam barcos de capacidade). próprios, 160 pescadores urbanos Os desembarques de base urbana não os possuíam. Além disso, 106 foram compostos de 25 espécies, pescadores indígenas em TCO TIM II representando quatro ordens. foram identificados na área de estudo. Characiformes (cinco famílias, 10 Isso representa um possível aumento espécies) e Siluriformes (quatro famílias, a partir dos dados apresentados em 12 espécies) foram os mais representados um censo nacional de 2001 que relata no nível de ordem, enquanto as 164 pescadores urbanos em Riberalta, famílias Pimelodidae (Siluriformes) e e 52 pescadores indígenas (somente Serrasalmidae (Characiformes) foram comunidade de Trinidacito) na região as mais diversas, com nove e cinco de estudo (INE, 2001, resumido por VAN espécies, respectivamente. A ordem DAMME et al., 2011). dos Osteoglossiformes foi representada Tradicionalmente, as comunidades por pirarucu, o único peixe não nativo indígenas da região estudada praticam nesses desembarques. Os desembarques pescaria de subsistência sazonal, com advindos de barcos de médio e grande estratégias de sustento que também porte são quase exclusivamente de incluem a colheita de nozes (castaña – pirarucu, enquanto que os barcos Castanha-do-Brasil) e outros produtos pequenos pescam uma variedade de florestais não madeireiros, caça e espécies, incluindo o pirarucu (COCA pequenas atividades agrícolas. Devido MENDEZ et al., 2012). a uma série de fatores, incluindo a O volume total de desembarque de peixe melhoria do acesso com novas estradas registrado durante o período de estudo e, possivelmente, a perda de plantio foi de 41.130 kg. Com base nessas pelo aumento de chuvas e inundações, informações, estimamos que 20.565 kg muitas dessas comunidades estão, cada / mês são pescados durante o período

137 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados de baixo nível de água. O pirarucu em caminhões regulares que fornecem representou 80% e as espécies nativas serviços às comunidades, ou, com menor 20% do peso total capturado (Figura frequência, de motocicleta. Quando o 1a). 70% por cento da captura (incluindo transporte de caminhão é utilizado, os quase exclusivamente o pirarucu – 86% peixes em caixas de isopor (às vezes do total de desembarque de pirarucu) com gelo) são entregues diretamente são vendidas para “maioristas” – nas casas dos maioristas e de alguns os distribuidores atacadistas que minoristas, com quem os pescadores têm primeiramente enviam o peixe por via contratos verbais para receber peixes. aérea para as principais cidades do Os peixes são classificados em pirarucu interior da Bolívia. Os 30% dos peixes e três classificações de peixes nativos, restantes (principalmente espécies dependendo da espécie, tamanho e nativas e alguns pirarucus) são vendidos nível de conservação, cada uma com (através dos maioristas, ou diretamente um valor diferente. Por exemplo, um pelos pescadores) para “minoristas” pacu (Colossoma) poderia ser classificado – varejistas locais (principalmente como de alta qualidade, se for de mais de mulheres) que vendem o peixe em um quilograma, mas com uma qualidade dois mercados locais em Riberalta e secundária, se menor. Maioristas e diretamente para restaurantes. Em alguns minoristas compram o peixe e alguns casos (principalmente em barcos também fornecem gelo e equipamentos muito pequenos), os peixes também são de pesca aos pescadores rurais (a preços vendidos diretamente pelos pescadores relativamente altos e, frequentemente, incluindo, uma taxa de serviço), criando aos consumidores. uma relação de dependência em longo Desembarques rurais comerciais em prazo. Riberalta No Mercado de Abasto em Riberalta, As pescarias indígenas rurais usam 22 380 kg/mês de desembarques equipamentos mais básicos e pesqueiros rurais foram registrados nos investem menos tempo e dinheiro dois meses de monitoramento, 65% (14 em comparação aos pescadores de 547 kg) foram de peixes nativos e 35% de pirarucu (Figura 1b). Dos 14.547 kg base urbana. Em geral, a pescaria rural de peixes nativos, 29% (4 252 kg) foram ocorre em lagos marginais e córregos classificados como de alta qualidade, próximos às comunidades. O principal 52% (7 609 kg), de segunda qualidade; tipo de equipamento utilizado é a rede e 18% (2 686 kg), de terceira qualidade. de espera, verificada duas ou três vezes ao longo de um período de pesca de A pesca em comunidades indígenas sete horas, geralmente no final da tarde rurais e durante a noite. Uma pesca média de A atividade pesqueira indígena (de 40 – 80 kg (acumulada ao longo de dois subsistência e comercial) foi ainda ou três dias) é, então, transportada para caracterizada por entrevistas e os mercados em Riberalta como carga observações em quatro comunidades.

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Figura 1 - Contribuição de pirarucu e de espécies nativas para os desembarques das pescarias urbanas e rurais na cidade de Riberalta durante agosto e setembro de 2011.

Foi descoberto que as pescarias nessas (Colossoma macropomum, Piaractus comunidades eram de quatro ordens brachypomus, Pseudoplatystoma fasciatum e status taxonômicos compostos de e P. tigrinum). Em todas as quatro 16 famílias, 38 gêneros e 43 espécies. comunidades, o pirarucu é uma das As ordens mais importantes para a espécies mais importantes para as pesca de sua subsistência e comercial, pescarias comerciais emergentes. As em número de espécies, foram os pescarias comerciais indígenas dessas Characiformes (23 espécies), Siluriformes comunidades fazem parte dos volumes (14 espécies) e Perciformes (5 espécies). de pesca estimados que foram descritos O pirarucu Osteoglossiforme não nativo no tópico anterior (Desembarques também estava presente. As famílias pesqueiros rurais em Riberalta). com mais espécies na criação de Pescadores da comunidade de peixes foram Serrasalmidae – nove Trinidacito (bacia do rio Madre de Dios) espécies (Characiformes), Pimelodidae – usam principalmente anzóis e linhas oito espécies (Siluriformes) e Cichlidae extrafortes e longas linhas para pescar – quatro espécies (Perciformes). A o pirarucu e, ocasionalmente, outros composição de espécies para a peixes nativos de grande porte (por subsistência era basicamente a mesma exemplo, a espécie Pseudoplatystoma). O nas quatro comunidades estudadas, mas uso de redes de espera não é permitido a composição de espécies comerciais era para a pescaria comercial, de acordo muito diferente em Trinidacito (bacia do com as regras informais da pesca local e Rio Madre de Dios). Nessa comunidade, da organização comunitária. As redes de 28 espécies são pescadas para consumo espera utilizadas para peixes pequenos, doméstico, enquanto a pescaria para consumo doméstico ou isca, são comercial explora quase exclusivamente permitidas. Existe pouco ou nenhum pirarucu e esporadicamente quatro uso de gelo para a conservação, e os outras espécies de grande porte pescadores vendem o peixe para um

139 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados minorista local que o transporta ou envia maioristas, processadores de peixe de moto para maioristas em Riberalta. (às vezes contratados pelos maioristas Em comparação, as três comunidades para limpar e preparar o pirarucu em do sul (bacia do Rio Beni) usam pedaços grandes ou filés), minoristas, principalmente redes de espera e diversos pequenos exportadores linhas, e às vezes, longas linhas para intermediários e consumidores finais. as pescarias comerciais, incluindo Tem-se observado que algumas tamanhos diferentes para fins espécies específicas do TCO TIM II, comerciais e de subsistência. Enquanto principalmente pirarucu, pacu e piraíba as comunidades também desenvolvem (Brachyplatystoma filamentosum) às vezes tecnologia e conhecimento para pescar são comercializadas para os mercados o pirarucu usando grandes redes de brasileiros no Estado de Rondônia, com espera especiais, chamados localmente a ajuda de intermediários na cidade de “mallón”, a captura de pirarucu fronteiriça de Guayaramerín (COCA continua a ser menos frequente do que a MENDEZ et al., 2012). A representação das espécies nativas, possivelmente por geral da cadeia de valor e sua principal causa do tamanho menor dos lagos. O relação entre os níveis são representadas anzol e a linha são usados para capturar na figura 2. espécies de pequeno a médio porte Opiniões da comunidade indígena para consumo doméstico. O gelo é mais sobre a gestão das pescarias acessível (devido ao tráfego constante nas estradas) e, consequentemente, Embora não se tenha informações sufi- utilizado com mais frequência para cientes para representar completamen- conservar os peixes. O transporte para te as opiniões dos pescadores rurais Riberalta é feito pelo caminhão de indígenas, os informantes-chave que abastecimento diário ou, no caso de foram entrevistados para este trabalho pirarucus particularmente grandes, de trouxeram uma série de perspectivas motocicleta. quanto ao seu interesse no desenvolvi- mento das pescarias comerciais. Estes A cadeia de valor regional de pescarias incluíram uma preocupação para a sus- A cadeia de valor da pesca comercial tentabilidade em longo prazo de re- cursos aquáticos, e a incerteza sobre a regional é composta basicamente de melhor forma de se conseguir isso, dado seis níveis, ligados em duas cadeias o impacto sem precedentes que o pira- relativamente diferenciadas, em que os rucu está tendo na pescaria de espécies pescadores (urbanos e rurais) fornecem nativas. peixes a uma série de intermediários para Aspectos positivos da introdução de três principais grupos de consumidores pirarucu que foram mencionados pelos finais, incluindo Riberalta (mercados entrevistados incluem: o importante Abasto e Central), principais centros valor econômico do pirarucu, a sua urbanos da Bolívia e do outro lado da abundância relativa em lagos e riachos, a fronteira para o Brasil. Os atuantes boa aceitação de sua carne em mercados incluem os pescadores (urbanos e rurais), comerciais, a captura relativamente

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Figura 2 - Mapa da representação geral da cadeia de valor das pescarias regionais de Riberalta*: O processamento de peixe refere-se à limpeza, desossa e embalagem em sacos plásticos (de 10 kg) para o transporte aéreo. As linhas pontilhadas enquadram dois papéis, muitas vezes realizados pelos próprios distribuidores atacadistas; embora às vezes o processamento seja subcontratado.

simples, a grande quantidade de carne peixes nativos, que são parte da dieta produzida e facilidade de processamento tradicional, estão diminuindo por causa (filetagem). Comentários negativos da predação do pirarucu. sobre o pirarucu não foram frequentes, Alguns entrevistados (pescadores mas incluiu o fato de que este peixe locais) foram a favor da busca de uma não faz parte da dieta tradicional, e estratégia para reduzir as populações uma percepção de que os estoques de gerais de pirarucu a fim de incentivar

141 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados a recuperação dos estoques dos peixes diferentes (Figura 3). O uso e acesso aos nativos para níveis históricos. Outros recursos terrestres, de propriedade legal (líderes comunitários) sugeriram uma e de acesso aos recursos pesqueiros e estratégia que permita a exploração em sua comercialização continua bastante longo prazo de pirarucu e ao mesmo indefinido. Por exemplo, enquanto uma tempo conserve a diversidade local. Eles comunidade indígena pode possuir as veem isso como garantia do bem-estar vias de acesso a um lago (de acordo das famílias que vivem em comunidades com a lei de territórios indígenas), indígenas em longo prazo, assegurando a propriedade legal dos recursos a segurança alimentar de espécies pesqueiros é incerta (a ser definida nativas e o desenvolvimento econômico com propostas de novos regulamentos do pirarucu. Em geral, embora nacionais). A comercialização hoje não é alguns atuantes não enxergassem praticada legalmente (de acordo com as a necessidade de uma gestão, a regras existentes definidas pelo governo perspectiva geral da comunidade sugeriu indígena TIM II). Essa incerteza jurídica, que a sustentabilidade do pirarucu juntamente com a dinâmica da cadeia de deveria ser gerida em longo prazo, da valor que está emergindo com a pesca do mesma forma que as espécies nativas. pirarucu e conflitos mais independentes, Avaliações adicionais são necessárias entre inerentes atuantes às cadeias de para determinar a viabilidade desta valor para outras pescarias na região, abordagem, uma vez que nós ainda não representam sérios riscos que poderiam entendemos completamente como o inviabilizar qualquer avanço em relação pirarucu irá afetar os estoques de peixes à gestão de recursos integrados e nativos, ou qual o impacto que ele terá de melhoria da segurança alimentar. nas relações socioeconômicas dentro O projeto PPV tem trabalhado na das comunidades e entre elas. criação e construção de instituições de interesses múltiplos com representação Conflitos emergentes transversal que estão mostrando uma Conflitos sobre o acesso e uso de direitos promessa substancial, mesmo na de recursos aquáticos no norte da Bolívia ausência de uma certeza jurídica. Uma representam, potencialmente, um dos abordagem de pesquisa participativa problemas mais significativos, tanto para para integrar o mapeamento da cadeia o fornecimento de peixe aos mercados, de valor está também ajudando a criar quanto para o bom planejamento de canais positivos de comunicação entre uso sustentável e de conservação. atuantes de potencial conflito – por Reformas agrárias e o estabelecimento exemplo, durante a recente revisão dos territórios indígenas têm colaborativa de uma proposta de nova transformado drasticamente a paisagem lei pesqueira. das propriedades rurais, criando Modelo de gestão proposto e plano de áreas significativas de propriedade extração comunitária, cercadas por terras públicas, cada uma com regras A fim de alavancar a gestão, uma série de medidas é necessária, além do

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consenso entre as partes interessadas. mais ampla não só do recurso em si, Alguns recursos naturais na Amazônia mas também das práticas tradicionais e boliviana (por exemplo, Caiman yacare) uso pela população local. Embora este são geridos através de um “plano de tipo de plano de gestão não seja exigido exploração de recursos”, que inclui por lei para os recursos de pescarias, uma série de requisitos para a coleta informações básicas sobre a biologia, a de dados, consulta, etc. Parte dessa genética, a distribuição, preferências de informação inclui uma compreensão hábitat e potenciais áreas de colonização

Figura 3 - Representação de áreas comunitárias (TCOs), cercadas por territórios públicos na área de estudo, no norte da Amazônia boliviana.

143 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados do pirarucu são urgentemente uma base de informação de pescarias, necessárias para fornecer informação incluindo as vias e volumes de extração, para tomada de decisão. Muito pouco distribuição e vendas em Riberalta, com dessa informação está disponível para entrevistas de informantes-chave. os ecossistemas aquáticos bolivianos. d) E, finalmente, um processo de O progresso está sendo feito nesta desenvolvimento de liderança orientado frente pelo projeto PPV, principalmente por atuantes foi baseado na introdução com abordagens apresentadas pelo de inovações técnicas e sociais através monitoramento participativo – como a de fóruns de diálogo, intercâmbio avaliação das unidades de pirarucu por técnico e oportunidades de aprendizado contagem de indivíduos quando eles mútuo. vêm à superfície para respirar o ar, uma Esses métodos foram aplicados no tecnologia adaptada a partir de uma desenvolvimento dos seguintes experiência brasileira (por exemplo, elementos: a) um levantamento CASTELLO, 2004). preliminar da participação rural e urbana no setor das pescarias, incluindo Contribuição dos processos participa- elementos de acesso e padrões de tivos utilização; b) um mapa qualitativo, Quatro focos metodológicos foram conceitual da cadeia de valor que integrados na maior parte da pesquisa: fornece informações sobre os diferentes a) Uma estratégia de compromisso atuantes, relações e fluxos, bem como das organizações e atuantes locais os principais pontos de gargalo, que que os envolve no projeto de pesquisa foram posteriormente discutidos em e coleta de dados de campo e em fóruns para identificar oportunidades de uma fase posterior na construção do uma forma que constrói a transparência, conhecimento e validação de dados. Isso confiança e colaboração entre os foi usado para a pesquisa em pescarias atuantes diretos e indiretos; c) uma linha e cadeias de valor, destinado também de base quantitativa de informação que a iniciar o processo de fortalecimento fornece informações-chave da cadeia técnico organizacional e de capital de valor e de produção das pescarias; social. e d) a integração e validação de dados b) Uma “Abordagem Integrada qualitativos e quantitativos em oficinas de Análise da Cadeia de Valor” participativas. qualitativa desenvolvida por M. John Atividades de formação, incluindo Wojciechowski no trabalho com as a monitorização do pirarucu com comunidades de pesca artesanal no base na tecnologia brasileira, têm Brasil (MACNAUGHTON et al., 2010) foi proporcionado ricas oportunidades de adaptada para o contexto local. Isso foi aprendizagem e troca mútua que vão implementado através de um workshop muito além da simples contagem de na comunidade com diversas partes peixes. Análises de cadeias de valor e interessadas e grupos de discussão. outros fóruns de partes interessadas c) Uma abordagem quantitativa para permitiram processos de reflexão caracterizar a cadeia de valor e construir

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crítica e transformadora de grupo de outras atividades para construir de aprendizagem sobre as pescarias. a capacidade de liderança e gestão. Apesar de não confrontar diretamente A situação da Bolívia mostrou suas o acesso existente e conflitos de uso, particularidades diferentes daquelas esses fóruns ajudaram a identificar previstas por Ostrom (2010) e Castello potenciais áreas de interesse comum et al. (2009) como elementos-chave para e problemas práticos ou gargalos. Isso a construção da gestão comunitária pode proporcionar novas oportunidades de sucesso. As pescarias ainda não para a construção de coalizões e, experimentaram também o nível de finalmente, gestões de conflito. escassez de recursos que tem sido um A abordagem contribuiu para o incentivo fundamental para a busca e fortalecimento e a comunicação entre os adoção de medidas de gestão na maioria atuantes locais, construindo condições dos casos, incluindo o Brasil. Um para a governança colaborativa e o desafio será conceber e implementar fortalecimento da gestão social da cadeia tais medidas preventivamente com de valor em longo prazo. No workshop, o suporte ao usuário. Nas entrevistas foco era sobre a participação conjunta com os principais informantes locais, de representantes do setor de pesca também é evidente que pode haver rural indígena e urbana, representando algumas éticas de conservação as duas perspectivas e seus gargalos inerentes nas comunidades, e que os associados em um fórum coletivo. processos participativos empregados no Todas essas atividades proporcionaram projeto até o momento podem ajudar uma oportunidade para o a fortalecer um propício ambiente desenvolvimento de liderança e o positivo para essas perspectivas se fortalecimento de capital social, desenvolverem ainda mais. processos que têm sido identificados como elementos críticos para iniciativas Pescarias e meios de subsistência em de gestão das pescarias com base na transição comunidade para ser bem-sucedida, contribuindo para o sucesso social, Há uma série de fatores que enriquecem econômico e ecológico por Gutierrez et e complicam a cadeia de valor e as al. (2011). situações de gestão das pescarias Ostrom (2010), ao descrever a no que diz respeito a pescarias de importância do envolvimento da pirarucu emergentes. Por exemplo, comunidade na gestão dos recursos em um levantamento preliminar de que dependem, também se dos impactos socioeconômicos da refere à importância de processos introdução de pirarucu e pescaria em participativos no sentido de garantir uma comunidade rural, foi identificado esse compromisso em longo prazo. que o novo potencial comercial de O projeto PPV tem empregado esta pirarucu estimulou pescadores da abordagem nas avaliações da cadeia de comunidade a formar uma associação valor, treinamentos, e uma variedade de pescarias. A associação trabalhou para garantir direitos exclusivos de

145 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados recursos, organização de gerenciamento também pode incluir outras atividades de licenças e aprimoramento da (como a coleta de castanha-do-Brasil), distribuição e vendas diretas do peixe que variam dependendo das condições em mercados regionais. No entanto, ambientais e de mercado; as relações apesar da estratégia organizacional dos entre as comunidades rurais da região, pescadores, as pescarias de pirarucu e o simbólico valor/retorno. Em nesta comunidade têm, até agora, Trinidacito, por exemplo, os períodos reforçado o sistema existente de em que os retornos do empenho na “habilito”, construído em relações de pesca de pirarucu são adequados, dependência entre os intermediários são atualmente épocas do ano muito e os pescadores locais. Altos custos de específicas e limitadas, que não são expedição, tecnologia de conservação explicadas apenas pela disponibilidade inadequada e gargalos para acesso aos do pirarucu. mercados regionais, presumivelmente, Conclusões e perspectivas futuras são fatores que favorecem tais relações (HERRERA, 2009). Desde a introdução do pirarucu na Bolívia, O mix de atividades de subsistência cerca de 40 anos atrás, as pescarias no em comunidades rurais também está Norte da Bolívia Amazônica têm mudado mudando, com uma variedade de significativamente, em parte devido à implicações. Em alguns casos, houve influência dessas espécies não nativas. uma transição de pescarias de diversas Além das mudanças estimuladas por espécies, que variam na intensidade uma melhoria de acesso aos mercados sazonalmente e são realizadas para a e novos direitos territoriais, o pirarucu subsistência e a atividade comercial contribuiu para mudanças sociais e em pequena escala, de uma forma econômicas significativas relacionadas mais intensiva, pescaria de espécie às pescarias na região de Riberalta. A única (pirarucu) que se concentra em cadeia de valor das pescarias é cada vendas comerciais. Isso pode estar vez mais complexa à medida que novos provocando o deslocando de algumas conflitos e obstáculos surgem entre os atividades pesqueiras de subsistência e diferentes interessados e em diferentes aumentando a interação da comunidade elos da cadeia. rural na economia baseada em dinheiro, Desembarques pesqueiros comerciais, possivelmente afetando a segurança urbanos e rurais são agora fortemente alimentar local por meio de mudanças dependentes do pirarucu, tendo na dieta e, talvez, um menor consumo deslocado outras espécies nativas de de peixe. médio a grande porte (principalmente Em geral, a atual tendência crescente characoids migratórias e de peixe-gato), nas aldeias rurais, como Trinidacito, que anteriormente eram a base para de priorizar a pesca de pirarucu sobre as pescarias comerciais na Amazônia outras estratégias de geração de boliviana. No passado, as pescarias renda é, provavelmente, parte de uma urbanas eram operadas nos principais estratégia adaptativa. Esta abordagem canais do rio, enquanto que agora elas estão mais concentradas nos lagos

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pertencentes às comunidades indígenas. c) Apoiar o diálogo para acordos e Esse novo recurso abundante, com regulamentos de pescarias para alto valor econômico, que habita otimizar o desenvolvimento preferencialmente os lagos, promoveu equitativo e sustentável da cadeia de novas relações entre usuários e, assim, valores das pescarias emergentes nas levou a conflitos e perguntas sobre comunidades indígenas. quem deveria manter os direitos de d) Desenvolver pesquisas da biologia e acesso aos recursos das pescarias. promover a distribuição de pirarucu na Essa situação nos leva a refletir sobre Bolívia e seu papel nos ecossistemas a necessidade de uma legislação para locais. regulamentar o uso e a exploração dos e) Explorar as experiências brasileiras recursos aquáticos naturais e como isso com a gestão do pirarucu para deve ser equilibrado com as iniciativas elementos que poderiam ser de gestão lideradas pela comunidade. adaptados à realidade boliviana. A Bolívia está enfrentando novas ameaças aos seus recursos naturais, AGRADECIMENTOS com a modificação do hábitat e Um agradecimento especial para as introduções, sendo as perturbações pessoas e organizações envolvidas mais evidentes que têm impactos nesta pesquisa, incluindo as associações sociais, ambientais e econômicos no de pesca locais de Riberalta e da norte da Amazônia. A extensa fronteira Federação (ASOPESAR, ASOCOPERY, entre a Bolívia, o Peru e o Brasil, sendo FEUPECOPINAB), organizações indígenas a grande maioria rios compartilhados, regionais (CIRABO, CIPOAP), membros destaca a vulnerabilidade do país a da equipe de pesquisa: Lesdy Antezana, novas introduções. Políticas internas Adalid Argote, Aldredo Arteaga, e externas deveriam ser desenvolvidas Federico Machicao, Tamara Pérez, para minimizar e preparar para possíveis Tiffanie Rainville, Gabriela Rico, Roxana efeitos causados por espécies invasoras Salas, M. John Wojciechowski, Veronica – sejam eles positivos ou negativos. Zambrana, e os vários pescadores e Com base nos resultados da pesquisa mulheres locais por compartilhar seus até a data, segue uma série de conhecimentos e perspectivas. recomendações: Este trabalho foi realizado com o auxílio a) Implementar monitoramento parti- de uma bolsa do Centro Internacional de cipativo das pescarias (por exemplo, Pesquisa e Desenvolvimento (IDRC) de tecnologia de contagem do pirarucu) Ottawa, Canadá, www.idrc.ca, e com o para fortalecer a capacidade local e o apoio financeiro do Governo do Canadá, conhecimento da base de recursos. oferecido através da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional b) Coletar informações para apoiar (CIDA), www.acdi-cida.gc.ca, e com o o desenvolvimento de planos de apoio financeiro do Programa Boliviano exploração da pesca que otimizem para Pesquisa Estratégica – Programa e garantam melhores retornos de de Investigación Estratégica en Bolivia subsistência e segurança alimentar. – PIEB.

147 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

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PRODUTIVIDADE E EFICIÊNCIA ECONÔMICA DA PESCA DE PIRARUCU (Arapaima gigas) NAS ÁREAS DE MANEJO DAS RESERVAS AMANÃ E MAMIRAUÁ

Ellen Amaral1 Oriana Almeida2

INTRODUÇÃO fins comerciais tem-se alcançado significativos avanços em relação ao As Reservas de Desenvolvimento estoque de pirarucus e à melhoria Sustentável Mamirauá - RDSM e das condições de vida da população Amanã - RDSA, localizadas na região ribeirinha local envolvida (VIANA et do Médio Solimões, Amazonas – al., 2007; CASTELLO, 2007; ARANTES Brasil, foram criadas em 1996 e 1998, et al., 2006; AMARAL, 2009; CASTELLO respectivamente, e desde então tem et al., 2011). Em resposta ao manejo, a funcionado como laboratório de população de pirarucus que encontrava experiências de manejo participativo bastante explorada aumentou em mais dos recursos naturais (QUEIROZ, 2005; de 425% em 10 anos (IDSM, 2011). A MOURA, 2007; VIANA et al., 2007). renda domiciliar das famílias, por sua O manejo é realizado por meio de vez, teve um incremento da ordem cogestão e consiste na combinação de 107% nas comunidades-alvo dos de sistemas de zoneamento para trabalhos de alternativas econômicas a conservação da biodiversidade e (QUEIROZ, 2005). normas de exploração sustentável de Ao longo do tempo, o modelo de recursos que gerem renda, orientados manejo de pirarucu expandiu para por bases técnicas e científicas, e pelo outras regiões do Amazonas. O volume conhecimento local (QUEIROZ, 2005). total de pirarucu manejado produzido A primeira experiência de manejo no Estado passou de três toneladas, participativo de pirarucus (Arapaima em 1999, para cerca de 650 toneladas, gigas) em Unidades de Conservação, por em 2007. Maior parte desta produção, exemplo, foi implementada na RDSM, no entanto, tem sido escoada para as em 1999. cidades de Manaus e Manacapuru, não Após mais de dez anos de conseguindo atingir mercados mais desenvolvimento deste manejo com atraentes economicamente, devido às

1 Superintendência Federal de Pesca e Aquicultura do Estado do Tocantins [email protected] 2 Núcleo de Altos Estudos da Amazônia - Universidade Federal do Pará - [email protected]

151 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados barreiras sanitárias. O aumento da oferta a atividade em quatro sistemas que de peixe manejado passou a concorrer manejaram pirarucu no ano de 2007. com à disponibilidade de pescado A coleta em campo foi realizada ilegal nas feiras e supermercados dessas entre setembro e dezembro de 2008, cidades, pela ineficiente fiscalização por durante o período de planejamento, parte das organizações competentes pesca e comercialização do pirarucu. (AMARAL, 2007; 2009). Participaram deste estudo pescadores A concorrência com a produção ilegal dos setores Jarauá, Tijuaca e Colônia de tem-se apresentado como um dos Pescadores Z-32 de Maraã, que tem suas principais obstáculos para a venda áreas de manejo localizadas na RDSM, e setor Coraci, que tem sua área de manejo de pirarucu manejado no estado do localizada na RDSA (Figura 1). Estas Amazonas, porque aumenta a oferta localidades serão referidas no texto e reduz o preço pago pelo produto como Jarauá, Tijuaca, Maraã e Coraci. manejado (VIANA et al. 2007; 2009). Este estudo faz parte da dissertação de Por esta razão, a comercialização é mestrado da primeira autora. apontada como um dos principais obstáculos ao manejo (VIANA et al., Amostra e Procedimentos de Coleta 2004; 2007).Poucos estudos tem O levantamento de informações sido feitos com objetivo de analisar o econômicas da pesca de pirarucu de impacto dessas mudanças (AMARAL, 2008 foi feito por meio de entrevistas 2009). Considerando que o manejo de estruturadas com pescadores. De pirarucu foi implementado nas RDSs um universo de 497 pescadores das Mamirauá e Amanã como alternativa localidades de Jarauá (312), Tijuaca econômica para minimizar os efeitos da (76), Coraci (40) e Maraã (69), que criação das Reservas para a população participaram da pesca em 2007, foi local, este estudo tem o objetivo avaliar sorteada uma amostra aleatória de 142 a rentabilidade econômica da atividade pescadores (29%), respeitando apenas a para a população envolvida. proporção de pescadores por localidade. Todos os pescadores sorteados foram MATERIAL E MÉTODOS convidados a participar da pesquisa. Para essa pesquisa, foram utilizados Destes, 104 (21% do universo) dados primários, através de pesquisa aceitaram participar e ou preencheram de campo e entrevistas, e dados corretamente os questionários secundários, fornecidos pelo Instituto entregues. Esta é considerada uma de Desenvolvimento Sustentável amostra relevante devido as limitações Mamirauá Programa de Manejo de Pesca desse tipo de levantamento tais como: (PMP - IDSM). grandes distâncias geográficas entre Para avaliar o desempenho econômico do um sistema de manejo e outro; elevado manejo de pirarucu nas RDS Mamirauá número de pescadores participantes e Amanã foi feito um levantamento e falta de uma cultura de registro do número de pescadores, das cotas de pesca estabelecidas por pescador, e controle financeiro por parte dos da pesca e dos custos relacionados pescadores.

152 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida

Figura 1 - Área das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - RDSM e Amanã - RDSA, região do Médio Solimões, Amazonas - Brasil.

A cada pescador da amostra foi entregue Análises Realizadas um caderno de anotações (questionário estruturado) para registrar o tipo de Os sistemas de manejo de pirarucu embarcação utilizada, os insumos foram analisados em termos de a) utilizados na pesca e seus custos, os produtividade pesqueira (captura por apetrechos utilizados e o tempo de unidade de esforço); b) desempenho pesca. Para os pescadores que não do sistema de manejo em relação as sabiam escrever, foi solicitado que as cotas autorizadas (relação entre cota anotações fossem feitas pelos filhos e captura) e c) a eficiência econômica ou esposa que soubessem escrever. conforme o estudo de Almeida et al. Ao final do período de pesca, todos os (2001). pescadores amostrados foram visitados a) Produtividade pesqueira novamente com objetivo de fazer uma A produtividade foi medida pela Captura revisão das anotações dos custos e por Unidade de Esforço (CPUE) em corrigir os erros encontrados a partir da termos de quilos de pirarucu capturados lembrança dos próprios pescadores. por dia, por pescador (PETRERE JR., Considerando que a unidade de 1978b). No caso de três das quatro áreas análise era o domicílio e os ribeirinhos estudadas, Jarauá, Coraci e Maraã, o trabalham sob o modo de produção sistema é relativamente homogêneo e familiar, no caso em que havia mais de são utilizados dois tipos de apetrechos uma cota por domicílio (por exemplo, de pesca de forma associada: arpão para a esposa e para marido), a soma e malhadeira. Assim, para avaliar a das duas foi considerada como uma cota produtividade, foi calculado CPUE única. dessas três áreas.

153 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados b) Desempenho em relação às cotas de c) Eficiência Econômica captura Para analisar a eficiência econômica A partir de 2000, as cotas de capturas do manejo de pirarucu foi calculado o autorizadas pelo IBAMA passaram a custo de produção das áreas de manejo, ser em número de peixes, devido ao a relação benefício-custo e a receita advento das contagens (VER CAPÍTULO líquida, com base no estudo de Almeida CAROL DESTE LIVRO). Desde então, a et al. (2001). relação entre cota e captura tem sido Para tal, foi levantada a composição dos utilizada como indicativo tanto da custos dos pescadores entrevistados. disponibilidade do recurso no ambiente, Os itens de custo analisados foram: quanto da organização dos pescadores combustível, alimentação, gelo, para a produção. Considerando isso, utensílios (faca, bota, lanterna, etc.), neste estudo foi elaborado o seguinte mensalidade ou outras despesas com índice para medir o desempenho dos a associação/colônia. Também foi sistemas de manejo em relação às cotas incluído o custo de oportunidade da de captura autorizadas: mão de obra do pescador com base IDP = P/C no salário mínimo. Contribuições para Em que: despesas adicionais das associações, IDP: é o Índice de desempenho da pesca; fornecido em caráter voluntário, não C: é o número de pirarucus da cota do foram considerados. Também não pescador; foi contabilizada a assessoria técnica P: é o número de pirarucus pescados oriunda de organizações sem fins pelo pescador; lucrativos que deram e dão apoio aos onde: sistemas de manejo. IDP entre 0,0 e 0,39 = Baixo; A renda líquida foi calculada subtraindo IDP entre 0,4 e 0,59 = Regular; os custos fixos e variáveis da receita IDP entre 0,6 e 0,89 = Bom; bruta (BUARQUE, 1991). Para identificar IDP entre 0,9 e 1,0 = Ótimo se havia diferenças entre a renda dos pescadores de cada região, foi calculado Um IDP baixo pode indicar que os o intervalo de confiança, e, para avaliar sistemas de manejo não estão sendo diferenças entre as áreas de manejo foi protegidos, pois os peixes não estão realizado o teste Kruskal Wallis e o teste disponíveis, ou mesmo que falta Mann Whitnney. organização do grupo de pescadores para pescar e vender a produção. Em Produtividade da pesca manejada e ambos os casos, o baixo IDP pode desempenho em relação às cotas representar prejuízos econômicos ao grupo por não conseguirem cumprir A cota dos pescadores é estabelecida cláusulas contratuais de venda. Em com base na cota geral da associação, contrapartida, um IDP entre bom e ótimo dividida pelo número de pescadores pode indicar que o sistema de manejo sócios e que possuem Registro Geral de possui recurso pesqueiro disponível e Pesca (RGP) naquele ano. A partir dessa capacidade de produzir, atendendo o média, a cota é ajustada em função mercado de forma satisfatória. da colaboração de cada pescador à

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associação ao longo do ano (presença efetivamente, mostrou que o Setor em reuniões, participação nos trabalhos, Jarauá teve o menor desempenho com respeito às normas), ou subtraída em um IDP=0,68, considerado “bom”. função das punições que o pescador O desempenho mais baixo de IDP tenha recebido por ter descumprido pode indicar que haja deficiência na alguma norma. organização produtiva dos pescadores Em 2008, a cota média foi de 7 peixes (Tabela 1). O alto IDP de Maraã, por por pescador, variando entre 6 peixes sua vez, mostra um processo de pesca por pescador em Maraã e 19 peixes mais eficiente, se comparado aos outros por pescador em Jarauá (Amaral, 2009). sistemas. Em relação ao CPUE, Jarauá obteve a O setor Coraci obteve a menor maior produtividade de todas as áreas, produtividade em relação às demais com 39,99 kg/pescador/dia, seguido áreas, de 26,10 kg/pescador/dia. Este de Maraã com 34,48 kg/pescador/dia, resultado se deu, provavelmente, pelo Tijuaca com 29,77 kg/pescador/dia e difícil acesso as áreas de pesca (Tabela Coraci, com 26,10 kg/pescador/dia. Essa 1), pois os pescadores tem que carregar alta produtividade do Jarauá pode ser o pescado manualmente em um trecho explicada pela abundância do pescado do caminho, aumentando o tempo e nos lagos (Tabela 1). A comparação entre esforço no deslocamento da produção. o desempenho de pesca (relação entre O setor Coraci obteve a menor cota autorizada e quantidade pescada) produtividade em relação às demais e a produtividade (Captura por Unidade áreas, de 26,10 kg/pescador/dia. Este de Esforço - CPUE) das áreas de pesca resultado se deu, provavelmente, pelo foi utilizada para avaliar o potencial difícil acesso as áreas de pesca (Tabela de produção dos diferentes grupos 1), fazendo com que os pescadores (disponibilidade de recurso, organização carreguem o pescado manualmente em para a pesca, etc) (Tabela 1). um trecho do caminho, aumentando o Nos sistemas estudados, o índice de tempo e esforço no deslocamento da desempenho da pesca, que mede produção. a relação entre a cota e o pescado

Tabela 1 – Potencial produtivo da pesca manejada de pirarucu das diferentes localidades de manejo, através dos índices de desempenho da pesca manejada (IDP) e Captura por Unidade de Esforço (CPUE).

IDP DP CPUE DP Tijuaca 0,85 0,14 29,77 26,19

Coraci 0,81 0,22 26,10 12,71

Jarauá 0,68 0,18 39,99 17,16

Maraã 1,00 0,00 34,48 13,26

155 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Eficiência Econômica da Pesca de da pesca de pirarucu, não têm direito pirarucu Manejado de ganhar a cota na íntegra. Essa regra foi estabelecida após diversas iniciativas a) Estrutura de Custos de facilitar o processo de retirada Os itens que compõem os custos de documentos dos que ainda não são: combustível, alimentação, gelo, estavam habilitados, mas apresentou depreciação, despesas com associação pouco sucesso. Assim, os pescadores e custo de oportunidade de mão de documentados deste sistema precisaram obra (Figura 2). Para as quatro áreas de pagar ajudantes para ajudar a retirada da manejo, a análise mostrou variação na cota. Apenas este setor não apresentou composição dos custos. custo com associação, pelo fato de as Nos setores Tijuaca, Coraci e Jarauá associações não cobrarem mensalidades o custo de oportunidade de mão de e funcionarem mediante um sistema obra se apresentou como o principal de contribuição voluntária quando custo. Os custos não apresentam uma necessita de algum recurso financeiro. estrutura idêntica entre regiões. Jarauá, No caso de Maraã, o custo mais alto (45%) por exemplo, teve como principal custo foi relativo às despesas com a Colônia após a mão de obra, o combustível, de pescadores, pois nessa região cada 17%, seguido de depreciação de pescador contribui com 15% do valor equipamentos. No caso do Setor total arrecadado, acrescido de R$20 Tijuaca, 33% do custo total foi gasto para pagar os tratadores de pirarucu e com pagamentos de ajudante. Esse é o os monitores que fazem o registro do único setor que tem muitos pescadores sem Registro Geral de Pesca e que, por peixe, além da anuidade, no valor de exigência dos órgãos regulamentadores R$120.

Figura 2 -Custo médio da pesca manejada de pirarucu em 2008 por item, nos setores Jarauá, Tijuaca, Coraci e Colônia de pescadores Z-32 de Maraã, nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá.

156 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida

O gelo é um custo somente em Maraã. Em todas as áreas estudadas os pesca- Boa parte desse gelo é utilizado porque dores tiveram retorno econômico positi- os pescadores acampam nas áreas vo (Tabela 2). A média da receita líquida próximas aos ambientes de pesca e dos pescadores amostrados foi de R$ levam suas famílias consigo. As demais 1.402,30 por ano. As receitas líquidas dos pescadores do Jarauá, Tijuaca, Co- áreas também utilizam gelo, mas não raci e Maraã foram comparadas através declaram como despesa, pois o gelo é do teste de Kruskal Wallis (a=0,05). fornecido pelo comprador. Assim, verificou-se que as mesmas não Desconsiderando o custo de oportuni- apresentaram distribuição normal apli- dade de mão de obra, as maiores des- cando-se o teste Lilliefors. Como foram pesas passam a ser pagamento de aju- verificadas diferenças significativas do dantes, no Tijuaca (56%); combustível, setor Jarauá para as demais áreas de ma- no Jarauá (36%); e despesas com associa- nejo, aplicou-se o teste Mann Whitnney ção/colônia, nos casos de Maraã (59%) e (a=0,05). A receita líquida do Jarauá foi Coraci (34%). significativamente diferente (p=0,003), sendo bem superior às demais. (Tabela 2 e Figura 3).

Tabela 2 – Intervalo de confiança das receitas líquidas médias dos pescadores por localidade de manejo.

Área de manejo Média Desvio Padrão IC Inferior IC superior Classificação

Tijuaca 1.040,26 507,76 896,61 1.183,91 A Coraci 2.709,93 1.554,86 2.123,43 3.296,43 B Jarauá 714,76 642,20 239,01 1.190,51 A Maraã 798,39 354,70 650,17 946,61 A

Figura 3 - Variação da receita média líquida por pescador das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, por área de manejo, no ano de 2008.

157 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Figura 4 - Lucratividade do manejo de pirarucu por área de manejo.

O custo médio por quilo de pirarucu a cada R$1,00 investido, retornam também variou entre as áreas sendo que R$2,00 líquido (Tabela 3). o maior custo de produção foi em Maraã, devido ao alto custo de despesas com a DISCUSSÃO Colônia (Tabela 3). Mesmo assim, essa De modo geral, as quatro áreas de área conseguiu negociar o maior preço, manejo estudadas apresentaram o R$ 4,50 por quilo, e obteve um lucro de desempenho produtivo positivo, pois 41% sobre a receita. O menor custo de todas estas áreas apresentaram entre produção por quilo foi no setor Coraci. bom e ótimo índice de desempenho. O maior saldo entre as áreas foi do setor Isso retrata tanto a disponibilidade do Jarauá, o que justifica sua alta receita recurso nos lagos quanto à capacidade líquida total. Isto se dá, provavelmente, organizacional dos grupos para pela abundância do recurso e pelas altas captura de suas cotas (AMARAL, 2009). cotas individuais. No Coraci, entretanto, Todavia, o baixo desempenho do

Tabela 3 - Custo, preço de venda e o receita líquida por quilo de pirarucu de cada área de manejo,

Custos DP Preço de venda * % do custo sobre a receita Tijuaca 2,49 0,54 3,50 29 Coraci 1,47 0,72 4,00 63 Jarauá 1,30 0,53 3,96 67 Maraã 2,64 0,58 4,50 * Sem desvio padrão porque somente um preço é estabelecido

158 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida

Jarauá em relação as demais áreas produção. Anteriormente, a pesca pode ser explicado pelos problemas ocorria de acordo com as iniciativas organizacionais que a associação individuais onde cada pescador pescava enfrentou no ano de 2008. um ou dois pirarucus e não tinha como Em relação ao CPUE das áreas de armazenar a produção. Mesmo sendo manejo, os resultados encontrados alto CPUE de 2008, quando comparado para o Jarauá, de 39,99 kg/pescador/ a dados anteriores, a cota é estabelecida dia, assim como dos CPUE das demais com base na população contada pelos regiões são muito superiores aos pescadores e representa cerca de 30% encontrados por Queiroz e Sardinha dos pirarucus adultos contados nos (1999), para os anos de 1993, 1994 e lagos (VIANA et al., 2004; 2007). 1995, nesta mesma área, de 1,28 kg/ Com relação a eficiência econômica, pescador/dia, 1,10 kg/pescador/dia, 1,06 a rentabilidade de uma pescaria em kg/pescador/dia, respectivamente. Esse sistema de manejo está fortemente aumento considerável pode ter ocorrido correlacionada com o sucesso desse em função do aumento populacional sistema de manejo. Para famílias que da espécie a partir do manejo iniciado dependem da pesca na região amazônica em 1999. Na década de 1990, Queiroz que se encontram, em geral, grande e Sardinha (1999) identificaram que parte abaixo da linha da pobreza, essa a população de pirarucus estava rentabilidade é fundamental (RAUDA bastante comprometida devido a pesca et al., Submetido; PERALTA et al., descontrolada e ao acesso que barcos 2009). Todas as áreas apresentaram geleiros tinham nos locais de pesca. lucratividade mostrando uma receita Desde então, em função das ações de média líquida de R$ 1.402,30 para dois manejo, as densidades populacionais meses de trabalho. Esse retorno, mostra de pirarucu apresentaram tendências de que o manejo de pirarucu tem trazido crescimento em cerca de quatro vezes uma contribuição significativa para a (ARANTES, 2009). população local comparado por exemplo, No manejo, ao contrário, a pesca é com a remuneração de pescadores restrita a um grupo que ordena a embarcados na região de Santarém que exploração do recurso e protege a área, são remunerados com uma proporção o que resulta no aumento da população menor que o salário mínimo por mês da espécie. Além desta razão, a pesca (ALMEIDA et al., 2003; 2001). Entre os do manejo ocorre de forma diferente anos de 2005 e 2006, Peralta et al. (2009) da pesca realizada na década de 1990. estimou a renda média anual bruta da Sua maior característica é a realização região em $ 3.319,00 (+ - US$ 1,040) da pesca em um período estabelecido para os moradores da RDS Mamirauá. de cerca de 20 a 40 dias, a organização Esse valor inclui a renda do pirarucu dos pescadores em grupo, a utilização dessas famílias. Isso significa que 42% da de apetrechos de pesca de forma renda vêm do pirarucu. Também pouco associada e uma maior capacidade mais da metade desse valor (58%) é de de escoamento e armazenamento da origem da produção doméstica. Assim,

159 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados significa que o pirarucu representa área também apresentou expressiva quase a totalidade de renda dessas parte dos custos com despesas com famílias (LIMA, 2006, PERALTA et al., a Colônia, o que poderia resultar em 2009). Também comparado com as uma certa acomodação por parte renda per capita anual médias do IBGE desta organização, uma vez que, para região, mesmo considerando as independente dos ganhos individuais, diferenças metodológicas, pode-se a porcentagem recebida pela Colônia notar um aumento relevante dos ganhos continua aumentando a cada ano, a dado que a renda anual varia entre R$ ponto de a manutenção dessa entidade 692,49 em Maraã e R$ 2.130,60 em girar principalmente em torno da renda Tefé, municípios onde as Reservas estão gerada pelo pirarucu e, em menor parte, inseridas (IBGE 2000) (VIANA et al. 2007) pelo contribuição dos sócios. e a renda do pirarucu se refere a uma Mesmo com a atual situação econômica renda para dois meses. favorável, em função sobretudo da Como colocado por Ruttan (1998) as disponibilidade do recurso e da gestão necessidade de conservação podem não participativa do recurso, torna-se ser a principal razão para conservação, fundamental que os pescadores e suas necessitando incentivos retorno das instituições continuem a monitorar seus atividades para sua sustentabilidade ao custos e a fazer planejamento financeiro, longo do tempo (ALMEIDA, 2009). de modo a diminuir custos dos insumos e dessa forma garantir a diminuição de CONCLUSÕES seus gastos. Isso porque, ainda nesse As análises apresentadas mostraram que mercado, o preço é em maior parte o manejo trouxe retorno econômico definido pelo comprador. positivo no ano de 2008 para os Além disso, atualmente o pirarucu tem pescadores envolvidos. Mais que isso. sido vendido inteiro eviscerado, não Considerando a importância da pesca da havendo processamento adicional que espécie para a renda das famílias, pode- agregue valor ao produto. Em parte, o se assumir que o manejo contribuiu para isolamento geográfico das comunidades o aumento na renda, alcançando parte e as barreiras naturais da várzea impedem de seus objetivos iniciais. que se obtenha um produto de melhor Apesar do aumento na receita, alguns qualidade, e a falta de infraestrutura e riscos foram identificados como de tecnologia adequadas, corroboram ameaças ao sucesso do manejo. Por para a não transformação desse produto. exemplo, o elevado número de sócios Mesmo assim, o aumento da produção na Colônia de Pescadores de Maraã, sem pesqueira como resultado dos sistemas a expansão das áreas de pesca, pode de manejo se tornou uma oportunidade significar menor retorno econômico fundamental de desenvolvimento local para os participantes do plano de para as famílias ribeirinhas das Reservas. manejo no futuro próximo. Essa

160 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida

AGRADECIMENTOS INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ. Balanço Social. IDSM: 2001-2010. Agradecemos aos pescadores de Tefé: IDSM, 2011. 34p. Peralta, N. (Coord.) pirarucu e associações que os LIMA, D. M. A economia doméstica na várzea representam pelo apoio na pesquisa, de Mamirauá. In: ADAMS, C. ; MURRIETA, R. S. S.; NEVES, W. A. (Org.). Sociedades caboclas a equipe do Programa de Pesca do Amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Instituto Mamirauá e ao Murilo Arantes, Paulo: Annablume, 2006. p. 141 - 168. pelo trabalho de campo. A Equipe do MOURA, E. A. F. 2007. Práticas socioambientais Programa de Manejo de Pesca. Ao Aldrin na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do SIG/IDSM. Ao Instituto Mamirauá, Mamirauá, Estado do Amazonas, Brasil. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Pará / Ministério da Ciência e Tecnologia Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, 2007. e Petrobrás pelo apoio logístico e Belém. 314f., il. financeiro a este estudo. PERALTA, N. ; MOURA, E. ; NASCIMENTO, A. C.; LIMA, D. M. 2009. Renda doméstica e sazonalidade REFERÊNCIAS em comunidades da RDS Mamirauá (1995-2005). ALMEIDA, O. T.; Mcgrath, D. G.; Ruffino, M. L. The UAKARI, v. 5, p. 7 - 19, 2009. commercial fisheries of the lower Amazon: an PETRERE JR., M. Pesca e esforço de pesca no estado economic analysis. Fisheries Management and do Amazonas. II. Locais e aparelhos de captura e Ecology, v. 8, p. 253 - 269, 2001 estatística de desembarque. Acta Amazonica, p. AMARAL, E. S. R. A comunidade e o mercado: os 1-54, 1978b. (Suplemento 2) desafios na comercialização de pirarucu manejado QUEIROZ, H. L.; SARDINHA, A. D. A preservação das Reservas Mamirauá e Amanã, Amazonas - e o uso sustentado dos pirarucus em Mamirauá. Brasil. UAKARI, v. 3, n. 2, p. 7 - 17, 2007. In: QUEIROZ, H. L.; CRAMPTON, W. G. R. (Ed.) Estratégias para o manejo de recursos AMARAL, E. S. R. O Manejo Comunitário de pesqueiros em Mamirauá. Brasília: pirarucu (Arapaima Gigas) como Alternativa Sociedade Civil Mamirauá/ Ministério de Econômica para os pescadores das Reservas Ciência e Tecnologia /Conselho Nacional de Amaná e Mamirauá, Brasil. Dissertação (Mestrado) Pesquisa, 1999. p. 108 - 141. - Universidade Federal do Pará, Belém, 2009. 85 p. QUEIROZ, H .L. A RDSM - um modelo de ARANTES, C. C.; SERQUEIRA, D. G.; CASTELLO, área protegida de uso sustentável. Estudos L. 2006. Densidades de pirarucu Arapaima gigas, Avançados. Dossiê Amazônia, São Paulo, v. Teleostei, Osteoglossidae) nas Reservas de 54, n. 2, p. 183 - 204, 2005. Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, Amazonas, Brasil. UAKARI, n. 2, p. 37- 43, 2006. VIANA, J. P. et al. Economic Incentives for Sustainable Community Management BUARQUE, C. Avaliação econômica de projetos of fishery Resourses in the Mamirauá : uma apresentação didática. Rio de Janeiro: Sustentainable Development Reserve, Campus, 1991. Amazonas, Brasil. In: SILVIUS, K.M.; BODMER, CASTELLO, L. A socio-ecological synthesis on the R.; FRAGOSO, J. M. V (Ed.). People in Nature: conservation of the pirarucu in floodplains of the wildlife conservation in South and Central Amazon. Tese (Doutorado) – State Univerisity of América. New York: Columbia University New York, New York, 2007. Press, 2004. p. 139 - 154. CASTELLO, L.; PINEDO-VASQUEZ, M.; VIANA, J. P. 2011. Participatory conservation and local VIANA, J. P. et al. Manejo Comunitário do knowledge in the Amazon várzea: The pirarucu pirarucu Arapaima gigas na Reserva de management scheme in Mamirauá. In:PINEDO- Desenvolvimento Sustentável Mamirauá VASQUEZ, M. A.; RUFFINO, M.; PADOCH, C. J.; - Amazonas, Brasil. In: ÁREAS Aquáticas BRONDÍZIO, E. S. (Ed.). The Amazon varzea: the Protegidas como Instumento de Gestão decade past and the decade ahead. R. Springer- Pesqueira. Brasília: Ministério do Meio Verlag, 2011. p. 261-176. Ambiente; IBAMA, 2007. p. 239 - 261. (Série Áreas Protegidas do Brasil, v. 4).

161

A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE DOCUMENTAÇÃO DO MANEJO DE PIRARUCU EM MARAÃ, NO AMAZONAS

Rafael Castanheira1

RESUMO documentation tries to (re) construct the Entre os anos de 2006 e 2010, o manejo management history, from the social, de pirarucu (Arapaima gigas) realizado economical and environmental point of pela Colônia de Pescadores Z-32 de view. This research has show that this Maraã, no Amazonas foi amplamente fisheries management has increasing documentado e fotografado. Através da the fisher’s income, holding the cultural documentação foi possível (re)construir values of this traditional fishing and a história dessa pesca do ponto de vista finally promoting the collectivity spirit social, econômico e ambiental, com foco between fisher and other social actors nas relações sociais entre os pescadores involved at this activity. e destes com o meio ambiente. O resultado dessa pesquisa mostrou O MANEJO DE PESCA NA RESERVA que esse modelo de pesca em Maraã MAMIRAUÁ E A COLÔNIA Z-32 DE não tem apenas aumentado o lucro e, MARAÃ consequentemente, o poder de escolha A Reserva de Desenvolvimento e consumo dos pescadores, mas tem Sustentável Mamirauá - RDSM foi criada também resgatado os valores culturais em 1990 pelo governo do Estado do da pesca tradicional e promovido Amazonas, compreendendo uma área o espírito de coletividade entre os de 1.124.000 hectares, delimitada pelos pescadores e demais atores envolvidos rios Solimões, Japurá e Uati-Paraná, na neste processo. região do médio Solimões, próxima a cidade de Tefé (600 km a oeste de ABSTRACT Manaus) (SCM, 1996). Trata-se de uma Since 2006 the pirarucu’s (Arapaima categoria de Unidade de Conservação gigas) fisheries management developed (UC)2 cuja área protegida é de uso by Fisher Colony Z-32 in the district sustentável com o objetivo de promover of Maraã, Amazonas, have been a conservação da biodiversidade e documented and photographed. This a exploração racional dos recursos

1 Rafael Castanheira é fotógrafo, doutorando em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Artes e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: rafaelcastanheira@ hotmail.com

163 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados naturais por parte de seus habitantes. moradores, mas também por frotas O manejo de pirarucu foi implementado pesqueiras comerciais das cidades de em 1999, pelo Projeto Mamirauá, Tefé e Alvarães e de outros municípios hoje Instituto de Desenvolvimento amazonenses, como Manaus e Sustentável Mamirauá - IDSM, daqui Manacapuru. em diante, Organização Social com Com a criação da Associação Contrato de Gestão assinado com o de Pescadores de Maraã (1998), Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT. transformada, no ano de 2002, em Juntamente com o Centro Estadual de Colônia de Pescadores Z-32 de Maraã Unidades de Conservação - CEUC/SDS, (COLPEMA, daqui em diante), a atividade o IDSM é responsável pela cogestão pesqueira tornou-se ainda mais da Reserva Mamirauá (Figura 1) e atua importante para a economia da cidade, no desenvolvimento de pesquisa, especialmente, após a implantação do monitoramento e extensão, visando manejo de pirarucu, que é realizado, à conservação da biodiversidade da desde 2002, no Complexo do Lago Amazônia pelo uso sustentável dos Preto– área pertencente ao município recursos naturais e participativo das de Maraã e inserida também nos limites comunidades ribeirinhas da região3. da Reserva Mamirauá (Figura 1). A pesca é uma das principais atividades O Complexo do Lago Preto está situado a praticadas na Reserva Mamirauá e, 17 km em linha reta da sede do município no município de Maraã, além de ser a de Maraã. É neste local, com cerca de 20 maior fonte de alimento e trabalho, km² e 37 lagos, que os pescadores da ela constitui a identidade do povo da COLPEMA começaram em 1999, os seus região. Pescadores locais afirmam que, trabalhos de preservação ambiental. no passado, os recursos pesqueiros Em 2001, a convite dos pescadores do município eram demasiadamente da COLPEMA, os pesquisadores do explorados não apenas por seus Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá foram ao Complexo do Lago Preto, fizeram o zoneamento da área, nomeando os lagos e desenhando, primeiramente à mão, o mapa que 2 Unidades de Conservação são áreas legalmente foi depois detalhado com a ajuda de definidas para a conservação dos recursos imagens de satélite e constataram que naturais. Existem duas categorias de Unidades de Conservação no Brasil: as de Uso Sustentável a região possuía quantidade suficiente e as de Proteção Integral. No caso das UCs de de pirarucus para o início do manejo. uso sustentável, posteriormente à proteção da A partir desta constatação, elaboraram diversidade biológica, dos recursos genéticos, das espécies ameaçadas e da diversidade dos o projeto de manejo de pirarucu para ecossistemas, o Sistema Nacional de Unidade a região, cuja proposta foi enviada e, de Conservação (SNUC) estabelece ainda outras posteriormente, aprovada pela Gerência regulamentações que procuram compatibilizar a conservação à ocupação humana (Lei no 9.985, Executiva do IBAMA no Amazonas para de 18 de julho de 2000 – Sistema Nacional de o ano de 2002. Unidades de Conservação - SNUC). 3 Ver www.mamiraua.org.br

164 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira

Fonte : Sistema de Informação Geográfica do Instituto Mamirauá (SIG-IDSM)

Figura 1 – Mapa da Reserva Mamirauá com Complexo do Lago Preto destacado.

A DOCUMENTAÇÃO DO MANEJO DE Firmou-se, naquele momento, PESCA uma parceria na qual o projeto de Inicialmente, o projeto de documentação documentação se beneficiaria com o do manejo de pirarucu realizado pela apoio logístico e, principalmente, com COLPEMA tinha o objetivo de registrar o consentimento dos pescadores que apenas as etapas desta atividade: as aceitaram a realização do trabalho. técnicas de captura do pirarucu, seu Em contrapartida, além da divulgação transporte e comercialização, ou seja, dos trabalhos da Colônia Z-32 por tal registrar a cadeia produtiva do pescado publicação, que muito interessou à proveniente do manejo de Maraã, tendo diretoria, o projeto previa o direito de em vista a publicação de uma reportagem. uso das fotografias em seus materiais de Para isso, além do serviço como divulgação institucional. Ou seja, para a fotógrafo, foi proposto o pagamento COLPEMA, a parceria representou uma dos gastos referentes aos equipamentos oportunidade de divulgação de seus fotográficos. Por outro lado, a COLPEMA trabalhos para a sociedade e, sobretudo, forneceria o apoio logístico necessário para as instituições que atuam no setor para a realização do trabalho, como pesqueiro do país, além de poder contar alimentação, acomodação e transporte com um banco de imagens sobre suas para o deslocamento nos lagos durante atividades, já que, após a realização a documentação das atividades do da documentação das atividades do manejo. manejo de pesca do ano de 2006,

165 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados foram enviados à sede da Colônia em da COLPEMA, técnicos em pesca e Maraã três álbuns com cerca de 1000 pesquisadores de diversas instituições fotografias impressas em formato 10 privadas e governamentais ligadas à por 15 cm, 50 pôsteres em formato 30 gestão da Reserva Mamirauá em Maraã, por 40 cm e um CD-ROOM contendo Tefé, Manaus e Brasília, além de donos todas as fotografias digitalizadas. de barcos, despachantes, comerciantes, Da cobertura fotojornalística para o empresários e consumidores. ensaio documental Em janeiro de 2007, depois de Durante a etapa de documentação revelados os filmes e transcritas as na região, entre os meses de julho e entrevistas, relatos e descrições dos dezembro de 2006, o tempo de trabalho cadernos de anotações, percebeu-se na cidade de Maraã foi dividido entre que havia sido produzido uma grande as leituras de textos sobre o manejo e quantidade de dados, reunindo um documentos da COLPEMA, as entrevistas conjunto de imagens e textos que, se nas casas dos pescadores e as coberturas melhor trabalhado, poderia não apenas fotográficas de diversas reuniões de descrever a cadeia produtiva do pescado organização para a pesca, bem como manejado de Maraã em uma reportagem de uma oficina de capacitação dos sucinta a ser publicada em um jornal ou pescadores para a comercialização revista, mas, sobretudo, (re)construir a do pescado oferecida pelo Instituto história do manejo de pesca do ponto Mamirauá. de vista social, econômico e ambiental, Além das pesquisas na cidade de Maraã, com foco nas relações sociais entre onde se pôde acompanhar a rotina de os pescadores e destes com o meio vida dos pescadores no dia-a-dia com ambiente. suas famílias e amigos. Realizaram- Usa-se o termo (re)construir, pois parte- se diversas viagens ao Complexo se do princípio de que toda forma de do Lago Preto para acompanhar as documentação fotográfica, ainda que se atividades do manejo como, por pretenda registrar a realidade tal como se exemplo, a fiscalização dos lagos, a vê, traz consigo a subjetividade do olhar contagem de pirarucus, a preparação do fotógrafo. Dessa forma, a câmera do acampamento e dos flutuantes fotográfica não é uma reprodutora de tratamento e monitoramento do neutra da realidade e toda fotografia é pescado, a pesca do tambaqui e pirarucu, autoral e traz, além de seu conteúdo, a o pré-beneficiamento dos peixes, seu expressão, a forma, a escrita por meio escoamento e comercialização nos da qual seu autor se exprime. Assim, mercados de Maraã, Tefé e Manaus. constrói-se aqui a história do manejo a O resultado do trabalho realizado no partir de fotografias e textos produzidos ano de 2006 é um acervo com mais de por um autor e sua maneira de olhá-lo. 3.000 fotografias em preto-e-branco, Diante deste contexto, decidiu-se partir textos em caderno de campo, cópias para a realização de um trabalho que de documentos e entrevistas gravadas envolvesse uma narrativa visual4, cujo com pescadores, membros da diretoria conteúdo abrangesse não somente

166 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira a cadeia produtiva do pescado da uma revisão bibliográfica sobre o tema COLPEMA (o objetivo inicial), mas, e da análise crítica do meu trabalho de principalmente, buscasse entender o documentação do manejo de pesca e que é para o pescador ser pescador (sua de outros trabalhos de fotógrafos que vida familiar, social e financeira), como atuaram na região amazônica, foram de é a sua relação com o meio ambiente muita importância para a conclusão da e com os colegas de pesca e como ele documentação do manejo de pesca em enxerga o manejo dentro do contexto Maraã. da preservação dos recursos ambientais No período de 2007 a 2010, retornava-se de seu município, visando finalmente à à região somente durante os meses de produção de uma exposição fotográfica5. outubro e novembro, período da pesca Ao se entrar em contato com bibliografia do pirarucu. A cada ano, permanecia- especializada sobre Antropologia, se em Maraã por cerca de 20 dias e Artes Visuais, Fotojornalismo e buscava-se colher novos dados por meio Fotografia Documental, decidiu-se dar de fotografias, entrevistas e relatos embasamento científico às experiências escritos em caderno de campo que que obtidas em campo ao longo desse abordassem diferentes aspectos sobre o trabalho. Para isso, os estudos realizados manejo que não haviam sido percebidos entre 2009 e 2011 no mestrado6 do e/ou coletados nos anos anteriores e Programa de Pós-Graduação em Cultura poderiam, assim, dar outra perspectiva à Visual da Universidade Federal de minha pesquisa. Ao longo destes quatro Goiás (FAV/UFG), cujo objetivo principal anos, não apenas vivenciou-se todo o era discutir o estatuto da fotografia processo de organização, produção e documental contemporânea a partir de comercialização da cadeia produtiva do pescado manejado do município de Maraã, mas também procurou- se conhecer a cultura da região e, 4 A narrativa visual da documentação do manejo sobretudo, a cultura do pescador: quem de pesca da Colônia Z-32 será apresentada ao é, onde vive, como se relaciona com final deste artigo e tem como objetivo mostrar amigos, família e o meio ambiente. um conjunto de fotografias que, organizadas em uma sequência específica visa dar unidade ao O TRABALHO DE CAMPO trabalho em sua apresentação do tema. 5 A exposição fotográfica intitulada pirarucu Z-32 A abordagem aos pescadores foi realizada na Potrich Galeria de Arte em Goiânia, Ter morado desde o início da pesquisa Goiás, entre os dias 12 de abril e 13 de maio e deve seguir como projeto itinerante por outras na sede da COLPEMA, em Maraã, capitais do Brasil. O vídeo sobre a exposição representou um fator muito importante está disponível em: http://www.youtube.com/ para a aceitação do trabalho por parte watch?v=ZkTgAW0H46U dos pescadores em sua comunidade, 6 A pesquisa, intitulada “Visualidades Amazônicas: pois, para desenvolver um trabalho a fotografia entre o documento e a expressão”, foi defendida em abril de 2013 e encontra-se de campo para a produção de um disponível em: http://www.academico.com/ ensaio documental, é necessário que artigo/visualidades-amazonicas-a-fotografia- os sujeitos fotografados não apenas entre-o-documento-e-a-expressao. aceitem a presença do pesquisador na

167 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados comunidade como também participem também o relacionamento com os da elaboração dos dados da pesquisa. pescadores mudaria. Em 2006, tinha- Afinal, como questiona Alves, “como se que se aproximar dos pescadores, o pesquisador poderá fotografar as explicar-lhes os motivos do projeto e pessoas se elas não o quiserem ali, junto os seus objetivos para, talvez, fazer as delas? Ou, mesmo se o aceitarem, e sua entrevistas e fotografias. Naquele ano, presença causar constrangimentos?” muitos deles mostraram-se receosos e (2004, p. 110). desconfiados com relação ao trabalho. Diante deste contexto, procurou-se Nos anos seguintes, os pescadores já o conhecer não apenas os pescadores conheciam e se sentiam, portanto, mais como todos os moradores da cidade confiantes no trabalho de documentação de Maraã. Para isso, foi fundamental fotográfica. Assim, o processo inverteu- a ajuda de dois dos principais se e, ao chegar aos lagos, houve informantes nesta pesquisa: Luiz situações em que os pescadores pediam Gonzaga (o “Luisão”) e Ruiter Braga, para serem fotografados. Naturalmente, respectivamente presidente e secretário alguns deles tornaram-se informantes e da COLPEMA em 2006. Na cidade de parceiros importantes nesse trabalho. Tefé, a Coordenadora do Programa de Acredita-se que muitos dos pescadores Manejo de Pesca do IDSM, Ellen Amaral, queriam ser fotografados, pois além de foi a principal informante ao longo poderem ter seus retratos expostos em desse trabalho, sobretudo com relação suas casas, os pôsteres que haviam sido às questões técnicas e burocráticas enviados a Maraã com suas imagens acerca do manejo na Reserva Mamirauá. em meio aos peixes foram fixados Além de o projeto ser apresentado nas paredes da sede da COLPEMA e informalmente aos pescadores nas todos que por lá passavam viam tais ruas da cidade por “Luisão” e Ruiter fotografias. É a visualidade do manejo Braga, houve sua apresentação formal materializada ajudando a (re)construir, a todos os sócios da COLPEMA durante de alguma forma, a história da instituição uma das reuniões de organização para no imaginário coletivo da cidade. a pesca. Nesta ocasião, o projeto de É importante ressaltar que o pesquisador documentação do manejo foi explicado, pode se envolver nas atividades que sendo que, para realizá-lo, acompanhar- está documentando, adquirindo o que se-ia as atividades nos lagos para fazer chama de recipe-knowlege (MONTEIRO, as entrevistas e fotografias. 2001,). Assim, procurava-se participar Como já foi comentado anteriormente, dos trabalhos da COLPEMA: remava- foram enviadas à sede da COLPEMA as se junto com pescadores nos fotografias que haviam sido produzidas deslocamentos pelos lagos e igarapés, no primeiro ano da pesquisa (2006). montava-se o acampamento à beira do Em 2007, ampliou-se muitos retratos lago, preparava-se a refeição do dia, que foram entregues pessoalmente aos ajudava-se na contagem dos pirarucus respectivos retratados. Dessa maneira, e até mesmo tentava-se pescar por nos anos que se seguiram (2008 a meio de técnicas que nunca havia 2010) não apenas a abordagem como

168 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira sido experimentadas antes, como, As entrevistas por exemplo, o arpão. Ao deixar de Ao longo dos seis anos de trabalho, lado a câmera fotográfica e o bloco de realizou-se cerca de 80 entrevistas notas para participar das atividades do com pescadores, membros da diretoria manejo, comportava-se dentro uma da COLPEMA, técnicos em pesca e metodologia caracterizada como aquilo pesquisadores de diversas instituições que o antropólogo Bronislaw Malinowski privadas e governamentais ligadas 7 chamou de observação participante . à gestão da Reserva Mamirauá em Isso, sem dúvida, trouxe proximidade Maraã, Tefé, Manaus e Brasília, além com os pescadores, aumentando a de donos de barcos, despachantes, cumplicidade, contribuindo de maneira comerciantes e empresários. Parte significativa para o avanço desta das entrevistas, especialmente as dos documentação fotográfica. técnicos e pesquisadores em pesca, Os tipos de registros foi previamente agendada e o roteiro das perguntas elaborado com base em Para o estudo da comunidade de pesquisa sobre o assunto abordado. pescadores da COLPEMA utilizaram-se No entanto, a maioria das entrevistas diferentes tipos de registros: diário de com pescadores eram abertas, sem campo, o registro de áudio por meio de roteiro, e as perguntas versavam sobre gravador e fita cassete (posteriormente as atividades que estavam sendo gravador digital, formato mp3) e, desenvolvidas no momento, cujo especialmente, o registro de imagens objetivo era explorar a espontaneidade por meio da fotografia. O trabalho e naturalidade dos entrevistados. Com de campo envolveu as observações e tempos de duração que variaram de 10 reflexões anotadas em cadernos, as minutos a quase 2 horas, dependendo do entrevistas e as sessões fotográficas entrevistado e da riqueza de detalhes do realizadas nos lagos e nas cidades de assunto abordado. As entrevistas foram Maraã, Tefé, Manaus e Brasília. A seguir, dividas em 3 grupos: a) pescadores e serão especificados quando e como membros da diretoria da Colônia Z-32; b) estes registros foram realizados. pesquisadores, técnicos e funcionários de órgãos ligados à gestão dos recursos pesqueiros no Brasil; c) empresários e comerciantes de pescado. Para escrever o Projeto de Documentação do Manejo de Pesca, realizou-se pesquisa em bibliografia especializada 7 A observação participante é um termo usado sobre o assunto. No entanto, muitas para definir um método de investigação social na qual o pesquisador se envolve nas ações informações, especialmente aquelas do grupo social que está analisando. Este tipo referentes à realidade do município de de observação implica na sua participação Maraã como, por exemplo, as histórias da na vida quotidiana da sociedade que se está pesquisando, sendo Bronislaw Malinowski um pesca na região e da criação da COLPEMA de seus maiores teóricos. Ver Malinowski (1976). não estão documentadas em livros e

169 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados relatórios e só poderiam ser obtidas momento, já com outro objetivo e uma por meio de entrevistas com pescadores melhor compreensão sobre a realidade e moradores antigos da cidade. Dessa da pesca em Maraã, os entrevistados forma, em 2006, realizaram-se as eram, exclusivamente, os pescadores e primeiras entrevistas com “Luisão”, suas famílias e as perguntas versavam, presidente da COLPEMA, e com alguns principalmente, sobre os seguintes pesquisadores do Instituto Mamirauá, temas: O que significa para o pescador com o objetivo de compreender o ser pescador? Qual é a sua visão sobre processo de implantação do manejo em a pesca manejada e sua importância Maraã para, então, finalizar o projeto para a preservação do meio ambiente? e iniciar a documentação fotográfica. Além do dinheiro que o pescador obtém As perguntas dessas entrevistas eram no manejo, o que também lhe motiva previamente elaboradas e visavam obter para os trabalhos da COLPEMA? Qual as informações básicas sobre a realidade é o papel das mulheres e da família no na região. manejo? Como os pescadores enxergam Há dois momentos e objetivos distintos o manejo para o futuro? na realização das entrevistas. Em 2006, Com essa perspectiva, as entrevistas quando o objetivo da documentação era foram realizadas com os pescadores nos a cadeia produtiva do pirarucu visando lagos, em sua maioria, entre os anos à publicação de uma reportagem, as 2008 e 2010 e tiveram como finalidade entrevistas traziam perguntas que não apenas conhecer a atividade enfocavam a pesca, os peixes e a pesqueira no manejo da COLPEMA (os administração da COLPEMA e a maioria métodos, técnicas e conhecimentos do dos entrevistados eram membros de sua pescador sobre o meio ambiente), mas, diretoria, comerciantes, empresários do sobretudo, entender o que a profissão ramo e, principalmente, pesquisadores de pescador representa para eles. Para de instituições ligadas à gestão dos a seleção dos pescadores entrevistados recursos pesqueiros na Amazônia, foram priorizados os seguintes aspectos: como, por exemplo, a Secretaria de a) presença nas reuniões da COLPEMA e Meio Ambiente de Maraã, o Instituto nos lagos durante a pesca; b) nível de Mamirauá, o IBAMA, a Secretaria envolvimento nas atividades do manejo. de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS – antiga Agroamazon), o Diário de campo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Para fazer as anotações durante as Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA atividades do manejo de pesca foram - antiga SEAP) e mais recentemente considerados os seguintes aspectos: a) o o Centro Estadual de Unidades de evento ou a etapa do manejo que estava Conservação (CEUC). sendo documentada; b) a data, horário e A partir de 2007, com a mudança da local da documentação; c) as ações e os reportagem para a produção de um atores envolvidos na cena observada; d) ensaio fotográfico documental, o foco os discursos e diálogos realizados pelos central do trabalho passou a ser o atores envolvidos na cena observada. pescador e suas relações sociais durante No diário de campo, anotava-se o dia, a as atividades do manejo. Nesse segundo hora e o local da pesquisa, os números

170 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira dos filmes usados e os nomes, quando e debate com alguns pescadores e, possível, dos pescadores fotografados. principalmente, com os informantes. Descrevia-se resumidamente o ambiente Diante das imagens produzidas no ano (as características geográficas, as cores anterior, podia-se discutir e refletir e os cheiros dos locais), os métodos e sobre as cenas registradas. Estas técnicas de pesca (arpão ou malhadeira), conversas se mostraram extremamente como os pescadores se distribuíam nos importantes para a definição dos temas lagos, como se posicionavam nas canoas, e categorias do roteiro de apresentação o que levavam, comiam e conversavam. das fotografias dessa pesquisa. Nele, também eram relatadas as Além das conversas com os pescadores impressões sobre a pesca e as conversas sobre as imagens, realizou-se, via entre os pescadores: registros que as internet, várias foto-entrevistas8 com fotografias não podiam captar. Sobre Ruiter Braga, ex-secretário da COLPEMA a “necessária complementaridade” e um dos principais informantes da (virtudes e potencialidades) da escrita e pesquisa. Atualmente, Ruiter vive em da visualidade fotográfica, o antropólogo Tefé (AM) e trabalha para o Instituto Etienne Samain, ao introduzir o livro Mamirauá. Ele recebia as fotografias Argonautas do Mangue, de André Alves e perguntas por e-mail, as analisava e (2004), explica que: respondia, fazendo comentários valiosos sobre as imagens, como, por exemplo, [...] Entre a escrita e a visualidade sobre as técnicas de posicionamento existem laços de cumplicidade das canoas durante as contagens de necessários. Uma e outra, à sua pirarucus, sobre as diferentes formas maneira e com a sua singularidade de produção dos instrumentos de (ora enunciativa, ora ilustrativa, pesca, como hastes e arpão, ou sobre ora despertadora), complementam- questões mais simples, como a correção se. A escrita indica e define o que dos nomes dos lagos ou dos nomes e a imagem é incapaz de mostrar. A sobrenomes dos pescadores, citando, fotografia mostra o que a escrita não por vezes, seus apelidos. pode enunciar claramente .

As fotografias Nesse trabalho, as fotografias são o principal instrumento de registro das atividades do manejo de pesca. Desde 8 Foto-entrevista é a entrevista feita pelo pesquisador com o seu informante na qual o início dessa documentação, elas se utilizam fotografias. Para Collier Junior, exerceram um papel fundamental na “as fotografias estimulam a memória e dão à tomada e, sobretudo, na apresentação entrevista um caráter de proximidade com os dos dados aos pescadores, já que objetos. O informante regressa a seu barco de pesca, a seu trabalho com as madeiras, ou à muitos deles não sabem ler, e os realização de uma habilidade. A oportunidade textos pouco adiantavam. A partir projetiva das fotografias oferece um sentido do segundo ano de documentação agradável de autoexpressão, enquanto o informante é capaz de explicar e identificar o (2007), as fotografias foram usadas conteúdo e instruir o entrevistador com o seu para análise das atividades do manejo conhecimento” (1973, p.70).

171 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Com a câmera fotográfica, procurou- Da edição das fotografias se registrar as cenas que melhor Entende-se que o fotógrafo deva criar descrevessem as diferentes atividades mecanismos que facilitem a organização realizadas pelos pescadores no manejo. e edição de suas fotografias. Como Em 2006, foram produzidas cerca de haviam sido produzidas cerca de 5 3 mil fotografias. Nos anos seguintes mil fotografias ao longo do trabalho, este número diminui não apenas pela identificar todos os filmes com número diminuição do tempo de permanência e data de uso foi essencial para que se na região, mas, principalmente, pelo pudesse, meses depois, editá-las, criando fato de a maioria das atividades já terem e separando-as por temas e categorias. sido documentadas para a conclusão Pela numeração do filme e sua data de do trabalho. A cada ano, após analisar uso, pôde-se analisar simultaneamente as fotografias dos anos anteriores, fotografias, entrevistas e anotações percebia-se que determinadas feitas no diário de campo e contrapor as atividades não haviam sido registradas informações verbais com as visuais. ou precisavam ser muito bem detalhadas A interação das linguagens verbal (escrita) imageticamente. Assim, para o ano e visual (fotografia) contribuiu para o seguinte, antes de retornar aos lagos, trabalho de edição das imagens, já que, anotava-se no caderno de campo os ao fotografar, o olhar concentra-se no temas que deveriam ser fotografados e detalhe recortado pelo enquadramento abordados nas entrevistas. e ao escrever a observação voltava-se Houve, portanto, um refinamento na para o ambiente geral, os cheiros, as produção das fotografias, haja vista vozes e as sensações. Nesse contexto, que à medida que o trabalho evoluía, as entrevistas e anotações em diário de diminuíam-se as atividades a serem campo ampliaram a visão sobre o manejo, registradas. Assim, em 2007 e 2008, ou seja, estimularam a produção de o foco do trabalho estava na figura do fotografias de cenas que simplesmente pescador e, nesses dois anos, realizou- não haviam sido enxergadas, indicaram se a maior parte das entrevistas e algumas informações que as fotografias produzi-se, respectivamente, 1050 deveriam apresentar e possibilitaram, e 540 fotografias, sendo a maioria sobretudo, ver importantes informações retratos de pescadores. No ano de 2009 nas fotografias que já haviam sido feitas e 2010, apenas 216 fotografias foram nos primeiros anos deste trabalho e produzidas, pois a concentração da que, por vezes, tinham sido ignoradas. pesquisa voltou-se basicamente para Para o desenvolvimento da narrativa duas questões muito importantes: a visual, selecionou-se, inicialmente, 680 identificação dos nomes completos imagens e num segundo momento dos pescadores fotografados e a coleta 48 que, finalmente, compuseram a de suas assinaturas para a Cessão de exposição fotográfica. Essa seleção Direito de Uso das Imagens. priorizou não apenas a cadeia produtiva do pirarucu, mas principalmente, as

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Figura 2 – Reunião dos pescadores no Complexo do Lago Preto para definição final das regras do manejo.

Figura 3 – Com auxílio de motosserra, pescadores cortam e retiram tronco do igarapé de acesso aos lagos. A limpeza do igarapé é muito importante para facilitar o trânsito no local, diminuindo o tempo entre o momento da captura do pirarucu e o seu pré-beneficiamento.

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Figura 4 – Pescadores remam pelo igarapé em direção ao Lago Preto.

Figura 5 – No primeiro dia de pesca de 2006, formou-se uma fila de pescadores na entrada do Lago do Canivete. À frente, vê-se a canoa de alumínio dos agentes ambientais e fiscais que são responsáveis pelo acesso ao lago da pesca.

174 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira

Figura 6 – Pescadores se espalham com seus arpões pelo lago e aguardam a boiada do pirarucu para arpoá-lo.

Figura 7 – O pescador Marcelino Orguizes mantém-se atento para perceber qualquer movimento na água.

175 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Figura 8 – Pirarucu “boia” e pescadores jogam os arpões em sua direção.

Figura 9 – Pirarucu “boia” ao lado da canoa e pescador lança seu arpão para capturá-lo em seguida.

176 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira

Figura 10 – Pescador traz pela arpoeira o pirarucu para próximo da sua canoa e dá-lhe em sua cabeça o golpe final com a clava de madeira.

Figura 11 – Após cortar a lateral da boca do pirarucu, pescador puxa-o para dentro da canoa.

177 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Figura 12 – Pescador Hamilton Alves de Freitas puxa pirarucu para dentro de sua canoa.

Figura 13 – Pescadores, fiscais, monitores e tratadores de pirarucus se aglomeram no flutuante para acompanhar os trabalhos de pré-beneficiamento, onde os pirarucus são eviscerados antes do monitoramento.

178 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira

Figura 14 – pirarucus são eviscerados pelos tratadores em cima de cavaletes de madeira. Primeiramente, corta-se a garganta do peixe e retiram-se a língua e as guelras. Abre-se então o bucho do animal para a retirada das vísceras. Os tratadores são treinados para o serviço e recebem salário pela temporada de trabalho.

Figura 15 – Os pirarucus são levados para os barcos e acondicionados em câmaras frias com o gelo.

179 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Figura 16 – Ancorado na balsa da Feira da Panair, em Manaus, Amazonas, o barco tem em sua proa um exemplar de pirarucu que é exibido a fim de atrair os compradores. O pirarucu é vendido inteiro e eviscerado aos feirantes que tratam e cortam o peixe em partes para revendê-lo no comércio varejista.

Figura 17 – A comercialização de pescado na balsa da Feira da Panair, em Manaus, estende-se até o início da manhã. Aqui, pirarucus vendidos serão transportados pelos carregadores do porto até os veículos que os levarão para as diversas feiras da cidade.

180 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira

Figura 18 – pirarucus são vendidos em partes no comércio varejista da Feira Manaus Moderna. Os preços variam de acordo com a parte do peixe. A procura maior é pelo filé, parte mais cara do pirarucu, que pode ser vendido seco e salgado ou fresco. relações sociais entre os pescadores, dos europeus no continente americano, suas famílias e sua cidade. Por razões como os Miranha, Cambeba, Kanamarí, óbvias de tamanho, serão apresentadas Macu, Mura, Ticuna, Katuquina, a seguir neste artigo apenas parte das Carapanã, entre outros. Portanto, a fotografias que compuseram a exposição maioria dos habitantes do município pirarucu Z-32. de Maraã é formada pela miscigenação destas etnias com os brancos, negros Os pescadores da Colônia Z-32 de e mulatos vindos de outras partes Maraã9 do Brasil, principalmente da região Na composição da sociedade maraaense, Nordeste, para trabalhar na extração está presente a cultura indígena milenar do látex das seringueiras durante o representada por povos de etnias que ciclo da borracha na Amazônia entre os habitavam a região antes da chegada anos 1850 e 1920. Esta miscigenação deu origem aos chamados caboclos amazonenses. Os pescadores da Colônia Z-32, 9 Este tópico foi inscrito com base no livro História sobretudo os mais antigos, são de Maraã (no prelo), do professor e ex-Secretário geralmente os caboclos semianalfabetos de Meio Ambiente de Maraã, Edson Siqueira de vida simples e modesta. Pais e mães de Brito e também a partir de duas entrevistas de grandes famílias são pessoas sem realizadas com o seu autor, em Maraã, nos 10 de outubro de 2007 e 31 outubro de 2008. muitas ambições materiais e desprovidas

181 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados de vaidades. Como sua cultura é fruto do Instituto Mamirauá têm avaliado a dos costumes indígenas, preocupam- pesca manejada como positiva, tanto se com o básico para sobreviver: o que pelo volume da produção quanto pelo vão comer e os apetrechos necessários expressivo faturamento. Mas, além para a produção de seu alimento. do dinheiro, percebe-se que o manejo Mesmo morando na cidade, possuem significa algo muito mais importante suas benfeitorias nas margens dos para os pescadores. Como esta pesca rios. Alguns deles também vivem nas é realizada em grupo todos os anos comunidades ribeirinhas do município na mesma época, ela tornou-se um e vêm à cidade apenas receber evento ansiosamente esperado pelos benefícios do Governo e comprar alguns pescadores que também a enxergam mantimentos industrializados. São como uma grande “festa”, como dizem populações que, em sua grande maioria, alguns. Trata-se da realização de um encontram-se à margem das políticas sonho para o pescador, pois, além do públicas e do modo de produção lucro e da conservação dos estoques capitalista, enquadrando-se na categoria pesqueiros, este manejo apresenta de produtores camponeses ou do modo importantes aspectos socioculturais, de produção familiar. já que promove a sociabilidade dos Como as oportunidades de emprego pescadores e mantém vivos os saberes formal - com carteira assinada - são tradicionais sobre a pesca artesanal. poucas, tanto no pequeno comércio Apesar de sua importância social, local quanto na iniciativa pública, a econômica e cultural, a profissão de economia do município de Maraã pescador em Maraã (e no Amazonas é voltada principalmente para as de uma maneira geral) era cercada de atividades extrativistas, sendo a pesca preconceitos. Devido a sua situação e agricultura as mais praticadas por econômica muitas vezes precária, os seus moradores. Embora mais rentável pescadores eram ainda encarados como e prazerosa, a pesca é uma atividade pessoas fracas e sem importância no instável devido às características quadro social. Em Maraã, no entanto, sazonais da natureza, sendo o período este cenário vem mudando com os da seca, de agosto a novembro, a época avanços da atividade pesqueira após de maior produtividade. Além do lucro a implantação do sistema de manejo. incerto, a vida de pescador na Amazônia Atualmente, os pescadores se encontram é penosa e arriscada em razão das no centro de um movimento que os condições precárias de trabalho às quais valoriza e os remunera como nunca este profissional fica exposto. antes foram valorizados e remunerados. O manejo de pesca em Maraã tem Eles hoje percebem o seu real processo aumentado a renda dos pescadores de empoderamento social, o que pode associados à Colônia Z-32 que todos lhes proporcionar maior emancipação os anos sonham em tirar suas cotas individual e a necessária consciência para melhorar sua qualidade de vida, coletiva para lidarem com as questões comprando utensílios domésticos, técnicas, políticas, históricas e culturais material para reformar suas casas e que envolvem a pesca na Amazônia novos apetrechos de pesca. Ao longo Brasileira. dos anos, técnicos e pesquisadores

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Nesse sentido, os pescadores profissio- O tal de reumatismo que dá, né. É dor nais da Colônia Z-32 são importantes nas costas, antes de ficar véi o bicho tá atores sociais e têm consciência de seu tudo cheio de dor. [...] E tem a fome que papel transformador no que diz respei- o cabra sofre, né. Passa o dia todinho to às questões socioeconômicas e am- sem comer, porque não tem condição. É bientais de sua região. Apesar de alguns muito sol e, às vez, vai pela noite, sai aí a ainda continuarem com a pesca de es- noite todinha no sereno, ai vem a chuva, pécies de peixes proibidas ou durante o às vez não tem onde se esconder, a casa período de seu “defeso”, a implantação tá longe e só tem aquele plásticozinho, do manejo cumpre também o impor- aí o carapanã (mosquito) chega. Olha, o tante papel de educação ambiental na cabra passa a noite ó, todo molhado. É sociedade maraaense, porque os filhos o frio, né... aí não tem onde fazer uma de pescadores aprendem conceitos de comida, o cabra passa a noite com fome, preservação e conservação dos recursos o dia, a noite, às vez não tem comida naturais ao acompanharem seus pais na de dia, deixa pra come de noite, a chuva pesca do pirarucu, outrora proibida no cai e não sabe fazer fogo, né. Ai passa a Amazonas. noite todinha ali tremendo ali com frio, às vez a chuva arreia a noite todinha, você cansa de fazer isso, cansa, né amigão? (risadas)”. Raimundo Ramires dos Santos, o “Farinha”, pescador, 49 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de 2008.

Figura 19 – Raimundo Ramires dos Santos, o “Farinha”, pescador.

“Companheiro é meio russo ser pescador. Você vê o olho do pescador como é que é ó. É sono, é sol olhando por espelho d’água assim ó, que estraga muito a vista do pescador. Às vez ele não tá nem velho e já não enxerga mais. Eu não enxergo mais a letra dessa aqui ó. Eu tenho que botá nessa distância pra mim dizer como é esse nome aqui. Se botá bem aqui aí mistura tudo e eu não enxergo mais, ó. Tem um sinosite que dá Figura 20 – Ester Severiano de Oliveira é uma das na gente também, pelo sereno. Fora o poucas pescadoras que usam o arpão para pescar do olho, tem a resfriedade no corpo, né. pirarucu.

183 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

“Pra uma mulher pra ser pescadora, ela porque aqui pra nóis aqui no Amazonas tem que pescar e tem que fazer alguma é... é o emprego é o salário mínimo é... coisa, remendar a malhadeira, saber trezentos e oitenta, noventa, parece remenda, né. Sabe tratar um pirarucu. que é mais ou menos isso. Aí o pobre [...] A vida de pescador é muito sofrida pai de família não tem condição de né, mas eu acho bom, acho bom mesmo sustentar família nenhuma. Aí um pescar assim. Pra mim manter com meus pescador consegue fazer isso só num filhos, por que meu marido morreu né. dia! Ele consegue duzentos, trezentos Eu tem que pescar, ajudar meu filho.[...] reais só num dia, se ele tiver sorte de Além do dinheiro, eu vou por causa que pesca ele pega isso. [...] Um pescador eu gosto mesmo de pescar, por isso que profissional associado ele tem muita responsabilidade, não pode pescar um eu vou e eu acho animado assim. Pra ir peixe no clandestino. Ele tem que pescar assim, todos aqueles pessoal, né, pescar aquele peixe que tá fora de preservação. e eu gosto de tá pescando também. Isso É assim que representa mesmo. Eu é o motivo pra eu ir pra lá”. não entendo muito bem não, mas um Ester Severiano de Oliveira, pescadora, pescador profissional ele representa 39 anos, em entrevista a Rafael uma criatura assim social, né. Ele é da Castanheira. Maraã, 03 de novembro de sociedade com certeza! É uma pessoa 2010. que é reconhecida”. José de Souza Praiano, “Seu Zeca Praiano”, pescador e presidente da Colônia Z-32, 59 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de 2008.

Figura 21 – José de Souza Praiano, “Zeca Praiano”, pescador. “Eu digo: querer ser esse tipo gente, de pescador é... a gente acha mais fácil Figura 22 – Aloísio de Oliveira Veloso, pescador. porque o peixe dá mais dinheiro que a “Eu morava no interior, quando eu fui agricultura e qualquer outro emprego, tirar meu documento, eu tirei como

184 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira pescador, eu era pescador. Aí o tabelião falou o seguinte: ‘Por que você vai tirar seu documento como pescador? Você não acha que seria...fica meio chato isso daí porque o pescador é sem valor’, ele respondeu pra mim. Na época era mesmo, o pescador não era conhecido, né. Eu digo, realmente eu não sei. Então, ele disse: ‘tira como agricultor’. Eu digo jamais eu fazer isso como agricultor, porque eu não sou agricultor. Eu nasci Figura 23 – Paulo Sérgio de Jesus, o “Manaquiri”, e me criei na companhia do meu pai. pescador. Meu pai ele pescava, ele plantava roça, ele trabalhava na beira, né. Tinha essas “É muito importante o dinheiro que profissão, mas era mais a pesca. E vem do manejo. Eu já tenho uma casa toda de alvenaria que tô fazendo pra quando eu me criei, que eu já comecei a mim, tenho meus material, tenho ver o tipo da pesca, que eu achei bonito motor, tenho minha canoa. É uma coisa e gostei, eu me impatizei por aquilo e que pelo menos até hoje está sendo segui. Ai quando eu fui pelo documento, útil, né. Mas, além do dinheiro, é uma foi quando ele disse isso. Eu digo, coisa que eu acho também bonito é a pra mim é importante eu tirar como gente preservar, né. Porque eu gosto pescador. Eu vou tirar meu documento, de ver uma coisa Rafael, que seja bem tire e registre como pescador. Por que? organizado né, uma coisa que a gente Porque eu sou pescador, então tire meu possa fazer bonito e outra coisa que documento como pescador. ‘Aí tá bom me traz a vim aqui é porque eu acho depois você não vai se arrepender’, muito bonito; é porque nós estamos ele disse. Eu digo, não tem nenhum descansando o peixe aqui, eu acho problema, eu sou pescador. Só que eu bonito, acho animado a pescaria. É não entendia na época que o pescador uma coisa que qualquer um fica atraído ia ter um grande valor, como hoje por isso. Eu me alegro demais quando o pescador é conhecido, né. [...] No estou aqui, ver todo mundo unido, Amazonas todinho o pescador tem valor trabalhando. É amizade, todo mundo porque ele leva peixe às famílias que tem amizade aqui um com o outro, por ai você sabe é muito grande, né. um respeita um ao outro. Acontece as Por toda parte tem o consumo de peixe. falhas assim da nossa colônia, ninguém Quer dizer que nóis dá de comer a quem é perfeito, todo mundo falha, né? não pesca”. Ninguém é perfeito, mas é isso aí, é Aloísio de Oliveira Veloso, pescador, 52 uma grande alegria aqui dentro, tá todo mundo reunido aqui, né”. anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de Paulo Sérgio de Jesus, o “Manaquiri”, 2009. pescador, 40 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de 2009.

185 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

Figura 24 – Wanderlan Corrêa da Silva, o “Valdé”, Figura 25 – Luis Gonzaga Medeiros de Matos, o pescador “Luizão”, pescador “O que motiva nós além do dinheiro “Não existe mais aquela época do que ganhamo no manejo... eu acho patrão. Agora o patrão é cada um de que é o fato de você tá sempre vendo nós que juntos através do manejo alguma coisa assim diferente, né.Tipo, poderemos conservar a natureza e dela lá em Maraã a gente fica o tempo todo extrair o nosso sustento. [...] O futuro e quando abre isso aqui fica sendo dessa reserva é vocês [os pescadores da uma coisa assim diferente, né. Como Colônia Z-32]”. se fosse uma festa, né,... tipo assim, a Luis Gonzaga Medeiros de Matos, o comemoração de alguma coisa. Então “Luisão”, 47 anos, discursa em reunião é mais ou menos isso aí. Por exemplo, geral dos pescadores realizada no dia 26 no momento que a pesca é liberada, de outubro de 2006. Complexo do Lago o pessoal já tão ansioso pra vir pra se Preto, Maraã (AM). divertir e até mesmo pra encontrar os CONSIDERAÇÕES FINAIS amigos e sair da rotina de lá do dia-a- dia”. Entende-se a fotografia documental como aquela desenvolvida a partir de um Wanderlan Corrêa da Silva, o “Valdé”, projeto de longa duração previamente pescador, 38 anos, em entrevista a elaborado por um autor que possui Rafael Castanheira. Complexo do Lago conhecimento e envolvimento com Preto, outubro de 2008. o tema abordado, cujas fotografias são devidamente organizadas e apresentadas por meio de uma narrativa

186 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira que descreve, num determinado tempo de imagens que pudesse servir como e espaço, as ações e seus personagens. fonte de pesquisa para futuras gerações As fotografias revelam o pensamento de pesquisadores, como também e sentimento de seu autor frente às contribuir para a memória e a formação situações por ele vivenciadas. Sua do imaginário coletivo sobre a região. produção está diretamente ligada a Ao longo dos cinco anos de trabalho sua biografia: suas origens, os espaços realizando entrevistas com os atores sociais frequentados, suas referências sociais envolvidos no manejo, visuais e as práticas culturais do seu produzindo fotografias e coletando tempo. Ademais, para a compreensão dados sobre suas atividades, conclui- das escolhas técnicas e estéticas que se que esse modelo de pesca em moldam a linguagem visual de um Maraã não tem apenas promovido a fotógrafo é preciso conhecer o contexto conservação do pirarucu por meio no qual suas obras foram produzidas, a de uma atividade ambientalmente diversidade dos temas por ele abordados responsável, aumentando o lucro e, e a construção da sua narrativa visual. consequentemente, o poder de escolha Neste artigo, apresentou-se a e consumo dos pescadores, mas tem documentação realizada entre os também resgatado os valores culturais pescadores da Colônia Z-32 de Maraã. da pesca tradicional e promovido Situou-se o leitor sobre o ambiente, o espírito de coletividade entre os a colônia de pescadores e demais pescadores e demais atores envolvidos instituições envolvidas no manejo de neste processo. pesca, contextualizando geográfica e Acredita-se que esse modelo de manejo historicamente a atividade. Descreveu- de pesca deva ser estudado e divulgado se, então, como se deram a elaboração não somente para conservar os recursos do projeto de documentação, a naturais e melhorar as condições de abordagem dos pescadores, a mudança vida dos pescadores, trazendo-os para a de objetivos ao longo do trabalho, formalidade, mas também para agregar a logística na região, bem como os valor ao produto pirarucu em novos registros por utilizados e a edição dos mercados e promover o intercâmbio mesmos para, finalmente, se construir de conhecimentos e tecnologias e apresentar a narrativa visual que aplicadas no manejo entre pescadores, compôs o corpus fotográfico analisado pesquisadores e empresários de neste trabalho. outras regiões do Brasil e do mundo, Ao documentar esta atividade, estimulando-os a criar e implementar procurou-se reconstruir a história do novas técnicas que sejam eficazes tanto manejo de pesca e dos pescadores para as comunidades de pescadores da COLPEMA a partir de uma maneira quanto para a ciência e a indústria particular de olhar esta realidade a pesqueira. fim de não somente montar um banco

187 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados

REFERÊNCIAS MONTEIRO, Rosana H. Videografias do coração. Um estudo etnográfico do cateterismo cardíaco. ALVES, A. Os argonautas do mangue. São Paulo: Tese (Doutorado)- Instituto de Geociência, Editora da Unicamp, 2004. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: BRITO, E. S. História de Maraã. no prelo. Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, 2001. COLLIER JR., J. Antropologia visual: a fotografia como método de pesquisa. Tradução Iara Ferraz SCM - Sociedade Civil Mamirauá. Mamirauá e Solange Martins Couceiro. São Paulo, EPU, management plan. SCM, CNPq/MCT. Brasília, 1973. 1996. MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1976. (Coleção Os Pensadores, 43).

188 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes

Parte II

Apoio Técnico e Governamental

para o Manejo de pirarucus

189

VISÃO DO MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA PESCA DO PIRARUCU (Arapaima gigas) NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Jeanne Gomes da Silva1

INTRODUÇÃO O ordenamento pesqueiro é peça fundamental para o fortalecimento da A pesca na Amazônia brasileira data pesca e demais atividades pesqueiras, de épocas remotas, segundo Meggers pois através de tal ferramenta se (1977) e Roosevelt . (1991), há cerca estabelece as normas que regulamentam de oito mil anos quando a região era a pesca nos ambientes aquáticos que explorada apenas pelos índios, os peixes compõem uma bacia hidrográfica. já se constituíam em recursos naturais Neste contexto, a regulamentação da importantes para a manutenção das pesca manejada do pirarucu se torna populações humanas. peça fundamental para a continuidade No século XVII, os colonizados da atividade de forma a garantir a portugueses começaram a utilizar o sustentabilidade da pesca da referida pescado como moeda de pagamento e espécie. de troca (Furtado 1981). De acordo com Veríssimo, 1895 e Normas de Ordenamento do Uso Menezes, 1951, no século XIX e início Sustentável dos Recursos Pesqueiros no do século XX, mais de 3.000 ton/ano de Brasil pirarucu foram exportados da Amazônia Brasileira. As normas referentes ao ordenamento Pelo fato de dispor de uma imensa do uso sustentável dos recursos bacia hidrográfica, que apresenta rica pesqueiros no Brasil são elaboradas de diversidade de espécies ictiológicas, acordo com a Lei nº 11.959 de 29 de os ribeirinhos da Amazônia sempre junho 2009. tiveram na pesca uma de suas principais Elaboradas ainda baseadas no Decreto atividades econômicas. nº 6.981, de 13 de outubro de 2009, que Atualmente, a pesca com fins econômicos regulamentou o Art. 27, § 6º, inciso I, da envolve uma cadeia produtiva ampla, Lei nº 10.683, de 2003, dispondo sobre abrangendo do pescador até o a atuação conjunta do Ministério da consumidor final. A pesca do pirarucu Pesca e Aquicultura/MPA e do Ministério em Unidades de Conservação de uso do Meio Ambiente/MMA nos aspectos sustentável e áreas de Acordos de Pesca relacionados ao uso sustentável dos também se encontram dentro dessa recursos pesqueiros. cadeia produtiva.

191 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

Seguindo também a Portaria Interminis- De acordo com a Portaria Interministerial terial nº 2 de 13 de novembro de 2009, nº 7/2012, o CPG Bacia Amazônica integra que regulamentou o Sistema de Gestão o Sistema de Gestão Compartilhada do Compartilhada do uso sustentável dos Uso Sustentável dos Recursos Pesqueiros recursos pesqueiros, de acordo com o e vincula- se, com caráter consultivo e previsto no Decreto nº 6.981/2009. de assessoramento, à Comissão Técnica Portaria Interministerial nº 7 de 21 de da Gestão Compartilhada dos Recursos dezembro de 2012, que criou o Comitê Pesqueiros/CTGP, conforme o Decreto nº Permanente de Gestão da Pesca e do 6.981/ 2009. Uso Sustentável de Recursos da Bacia Amazônica/CPG Bacia Amazônica, com o Normas Vigentes relacionadas à Pesca objetivo de assessorar os Ministérios da do pirarucu na Amazônia Brasileira Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente A Norma Geral referente à pesca do no uso sustentável da pesca dos recursos pirarucu na Amazônia brasileira é a da Bacia Amazônica. Instrução Normativa IBAMA nº 34, de 18 de junho de 2004. Sistema de Gestão Compartilhada Os Estados do Amazonas, Acre e do Uso Sustentável dos Recursos Rondônia, além de seguirem a Instrução Pesqueiros Normativa nº 34/2004, elaboraram ainda O Sistema de Gestão Compartilhada é suas normas próprias, o Amazonas formado por comitês, câmaras técnicas e elaborou a Instrução Normativa IBAMA grupos de trabalho de caráter consultivo nº 1, de 1º de junho de 2005, Rondônia e de assessoramento, constituídos elaborou a Portaria Normativa IBAMA por órgãos do governo de gestão de nº 24 de 10 de junho 2005 e o Acre recursos pesqueiros e pela sociedade elaborou a Instrução Normativa IBAMA formalmente organizada. nº 1, de 30 de maio de 2008. O Sistema é coordenado pela Comissão Técnica de Gestão Compartilhada dos Regulamentação da Pesca do pirarucu Recursos Pesqueiros/CTGP, formada A regulamentação da pesca manejada pelo MPA, MMA, Instituto Brasileiro do pirarucu será um mecanismo de do Meio Ambiente e dos Recursos ordenamento e monitoramento da Naturais Renováveis/IBAMA e Instituto mesma. Ao longo do tempo a atividade Chico Mendes de Conservação da cresceu muito, o que requer melhor Biodiversidade/ICMBio. acompanhamento por partes das O Sistema de compartilhamento de instituições que emitem a autorização responsabilidades e atribuições entre para pesca e a deliberação das guias representantes do Estado e da sociedade para transporte e comercialização do civil organizada tem como objetivo pescado oriundo das áreas manejadas. subsidiar a elaboração e implementação O Ministério da Pesca e Aquicultura, das normas, critérios, padrões e medidas a Superintendência Federal de de ordenamento do uso sustentável dos Pesca e Aquicultura do Amazonas, recursos pesqueiros. conjuntamente com o Ministério do

192 Visão do ministério da pesca e aquicultura sobre a regulamentação da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) na Amazônia brasileira • Jeanne Gomes da Silva

Meio Ambiente através do Instituto vêm realizando a pesca manejada do Brasileiro dos Recursos Naturais pirarucu e o Estado de Roraima tem Renováveis, Superintendência do demonstrado interesse também em Amazonas iniciaram em meados de realizar tal atividade. 2010 as discussões visando à elaboração A elaboração da Norma que da Norma que regulamentará a pesca regulamentará a pesca manejada do manejada do pirarucu. pirarucu na bacia Amazônica continuará As reuniões de discussões a cerca sendo discutida agora no contexto do da Minuta de Instrução Normativa CPG Bacia Amazônica, desta forma os Interministerial que regulamentará a demais Estados estarão participando pesca manejada, apontaram que para das discussões, conjuntamente com o a realização da pesca manejada, seria Estado do Amazonas. necessário a elaboração de Plano de Manejo Sustentável da Pesca do pirarucu Visão Atual do Ministério da Pesca e nas áreas onde se pretende se realizar Aquicultura sobre a Regulamentação tal atividade. da Pesca do pirarucu De acordo ainda com as discussões, as Para o MPA que o ordenamento da questões referentes à elaboração do pesca é essencial para a manutenção da Plano de Manejo Sustentável da Pesca atividade pesqueira, pois entende que do pirarucu, deverão estar pautadas no para trabalhar os demais elos da cadeia uso sustentável do recurso, desta forma, produtiva, são de suma importância as o Plano deverá seguir determinados Normas que regulamentam a pesca. princípios gerais, como a conservação O MPA visualiza que através da dos recursos naturais, a conservação da regulamentação da pesca manejada estrutura dos ecossistemas aquáticos, do pirarucu, o pescador exercerá bem como o desenvolvimento suas atividades de pesca de acordo econômico, social e ambiental. com os procedimentos e critérios O Plano deverá ainda seguir estabelecidos, o que favorecerá a determinados fundamentos técnicos, melhoria da qualidade de vida do como o levantamento criterioso da pescador que se dedica a tal atividade. espécie disponível na área objeto do Para o MPA, a regulamentação da pesca Plano de Manejo, a caracterização do pirarucu é de suma importância, da estrutura do complexo de lagos pois através da mesma se estabelecerá e procedimentos de captura que melhor as questões relacionadas ao minimizem danos sobre o ecossistema acompanhamento, monitoramento, aquático. Será estabelecido que, no avaliação e fiscalização da pesca do mínimo, 70% dos pirarucus contados por pirarucu nas áreas de manejo. lago ficará como estoque remanescente, A visão atual do MPA é que a publicação visando assim garantir a exploração da Norma especifica regulamentando o sustentada da espécie. manejo da pesca do pirarucu na bacia As discussões iniciaram-se no Amazonas, Amazônica disciplinará a captura do mas os Estados do Acre, Rondônia, Pará mesmo, através do estabelecimento de

193 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus critérios e procedimentos que visam O Ministério da Pesca e Aquicultura garantir a conservação da espécie e conclui ainda, para o maior êxito da será de suma importância para que a pesca manejada do pirarucu e para que a atividade continue acontecendo de mesma continue acontecendo de forma forma sustentável. sustentável, além do estabelecimento da O MPA vislumbra ainda que a Norma que regulamentará o manejo, é regulamentação da pesca manejada fundamental o adequado funcionamento do pirarucu não somente promoverá o da cadeia produtiva como um todo. ordenamento da atividade, como também poderá contribuir para incentivar a REFERÊNCIAS organização das comunidades, para que BRASIL, Leis, Decretos. Lei nº 11.959 de 29 assim possam produzir os meios para a de junho de 2009. Dispõe sobre a Política implementação de um comércio melhor Nacional de Desenvolvimento Sustentável da com mercado consumidor em igualdade Aquicultura e da Pesca, regula as atividades de condições, aproveitando de forma pesqueiras, revoga a Lei nº 7.679, de 23 de novembro de 1988 e dispositivos do mais satisfatória a atividade em termos Decreto-Lei nº 221, de 28 de fevereiro de ambientais e socioeconômicos. 1967 e dá outras providências. CONCLUSÃO BRASIL, Leis, Decretos. Decreto nº 6.981, O MPA conclui que a falta de instrumento de 13 de outubro de 2009. Regulamenta o legal, referente à regulamentação da Art. 27, § 6º, inciso I, da Lei nº 10.683, de pesca manejada do pirarucu gerou de 2003. Dispõem sobre a atuação conjunta certa forma problemas em relação ao do Ministério da Pesca e Aquicultura/MPA e controle da mesma, portanto entende do Ministério do Meio Ambiente/MMA nos aspectos relacionados ao uso sustentável que a Norma que regulamentará o dos recursos pesqueiros. manejo será importante para solucionar determinados problemas enfrentados BRASIL, Leis, Decretos. Portaria no passado, contribuindo assim para a Interministerial nº 2 de 13 de novembro sustentabilidade da atividade. de 2009. Regulamenta o Sistema de Gestão Conclui ainda que a falta de equipamentos Compartilhada do uso sustentável dos e infraestruturas adequadas que recursos pesqueiros de que trata o Decreto possibilitem melhor conservação do nº 6.981, de 13 de outubro de 2009. pescado acaba obrigando o pescador BRASIL, Instrução Normativa IBAMA nº 34, a vendê-lo por valores de mercado de 18 de junho de 2004. Estabelece normas bem abaixo da média. Portanto gerais para o exercício da pesca do pirarucu entende como necessário investir em (Arapaima gigas) na Bacia Hidrográfica do Rio infraestrutura que garantam melhor Amazonas. acondicionamento e armazenamento BRASIL, Instrução Normativa IBAMA n º 1, de do pescado e a necessidade de 1º de junho de 2005. Estabelece a proibição proporcionar melhores condições de anual da pesca, o transporte, a armazenagem acampamento aos pescadores durante a e a comercialização do pirarucu (Arapaima pesca manejada do pirarucu. gigas) no Estado do Amazonas, durante o período de 1º de junho a 30 de novembro.

194 Visão do ministério da pesca e aquicultura sobre a regulamentação da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) na Amazônia brasileira • Jeanne Gomes da Silva

BRASIL, Instrução Normativa IBAMA nº MEGGERS, B. Amazonas: la ilusión de 1, de 30 de maio de 2008. Estabelece a un paraíso. Rio de Janeiro, la civilización proibição de 1º de junho a 30 de novembro Brasileira, 1977, 207 p. a captura, o transporte, a armazenagem e a MENEZES, RS., Notas biológicas e comercialização do pirarucu (Arapaima gigas) econômicas sobre o pirarucu Arapaima no Estado do Acre. gigas (Cuvier) (Actinopterygii. Arapaimidae). BRASIL, Portaria Normativa IBAMA nº 24 de Serviço de Informação Agrícola/Ministerio 10 de junho 2005. Estabelece a liberação da da Agricultura. Série estudos técnicos vol. 3, pesca da espécie Arapaima gigas (pirarucu) p. 9-39. 1951. anualmente no período de 01 de maio a 31 ROOSEVELT, C.; HOUSLEY, R. A; IMAZIO DA de outubro, na Reserva Extrativista do Lago SILVEIRA, M. ; MARANCA, S.; JOHNSON, do Cuniã, Estado de Rondônia. R. “Octavo Millenium Alfarería de un BRASIL, Portaria Interministerial nº 7 de Prehistóricos Medden Shell en el Amazonia 21 de dezembro de 2012, cria o Comitê Brasileña”. Ciencia, n. 254, 1991, p. 1621 - Permanente de Gestão da Pesca e do Uso 1624. Sustentável de Recursos da Bacia Amazônica/ VERÍSSIMO, J. A Pesca no Amazônia. Rio CPG Bacia Amazônica. de Janeiro: Livraria Clássica Alves e Cia. FURTADO, L. F. G. pesca: una delimitación (Monographias Brasileiras III), 206 p. 1895. de su historia en Sub. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Serie Antropologia, n. 79, 1981. 50 p.

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O PAPEL DA SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO AMAZONAS (SDS) NO APOIO AO MANEJO PARTICIPATIVO DE PIRARUCU (Arapaima gigas) NAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ESTADUAIS

João Bosco Ferreira da Silva1 Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior2 Gelson da Silva Batista3

INTRODUÇÃO O manejo de pirarucu se iniciou em 1999 O Estado do Amazonas tem se destacado em um dos setores (Jarauá) da Reserva de na utilização sustentável dos recursos Desenvolvimento Sustentável Mamirauá pesqueiros. As Unidades de Conservação (RDSM). Com a criação da SDS, em 2003, Estaduais de uso sustentável são as áreas essa atividade passou a ter suporte pioneiras no manejo desses recursos, (técnico e logístico) para a realização com destaque para o pirarucu (Arapaima das etapas do manejo. No entanto, gigas). Esta espécie de peixe apresenta com a criação do Centro Estadual de características peculiares que a torna Unidades de Conservação -CEUC, em apta a ser manejada, como respiração 2007, houve maior aporte de recursos aérea obrigatória, concentração de nessa atividade, fato este que ajudou espécimes em corpos d’água lacustres a consolidar o manejo de pirarucu durante o período de seca e, de acordo que vinha sendo realizado na RDSM com Queiroz (2000), possui grande pelos Institutos de Desenvolvimento porte, podendo atingir 3 metros de Sustentável Mamirauá - IDSM e Fonte comprimento e 200 quilogramas de Boa e na Amanã, pelo IDSM, assim peso. como auxiliar na implementação do O manejo se tornou efetivo com manejo na RDS Piagaçu-Purus (sob a o desenvolvimento do método de coordenação do Instituto Piagaçu) e, contagem visual para estimar a mais recentemente, na RDS Uacari, no abundância de pirarucu (CASTELLO, Médio rio Juruá. 2004), fundamentado na habilidade de Em 13 anos de manejo desta espécie, a pescadores artesanais experientes em atividade é desenvolvida atualmente em contar o número de pirarucus (tanto 20 setores de quatro reservas estaduais adultos quanto os jovens) no momento de uso sustentável, todas da categoria que vêm à superfície da água para RDS, e em 16 áreas em todo o Estado do realizar a respiração aérea. Amazonas.

1 Engenheiro de Pesca, Núcleo de Pesca SDS/CEUC 2 Graduando em Engenharia de Pesca – UFAM, Núcleo de Pesca SDS/CEUC 3 MSc., Analista Ambiental do IPAAM

197 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

Outras Unidades de Conservação de de janeiro de 2003, com reestruturação uso sustentável criadas pelo Estado do organizacional estabelecida pela Lei Amazonas têm grande potencial para Delegada n° 66, de 06 de maio de 2007, desenvolver o manejo de pirarucu, integrando a estrutura administrativa entre elas estão a RDS Cujubim, no do Poder Executivo do Governo do médio rio Jutaí e a Reserva Extrativista Estado do Amazonas, como órgão da de Canutama, no Médio rio Purus. Para Administração Direta. a atividade de manejo pesqueiro ser A SDS atua em articulação com Instituto implementada nestas áreas protegidas de Proteção Ambiental do Amazonas é fundamental ter a parceria de uma (IPAAM), Agência de Desenvolvimento instituição, pública ou da sociedade Sustentável do Amazonas (ADS) e civil organizada, que possa conduzir Companhia de Gás do Amazonas os trabalhos a ser realizados para (CIGÁS), que são as autarquias efetivamente consolidar a atividade vinculadas a SDS. A estrutura conta nestas UCs. O sucesso do manejo de também com a colaboração de órgãos pirarucu, nos primeiros anos, depende colegiados: Conselho Estadual de Meio dessas parcerias. Ambiente (CEMAAM); Conselho Estadual O objetivo deste trabalho é mostrar de Desenvolvimento Sustentável de o apoio que o Estado do Amazonas Povos e Comunidades Tradicionais do vem dando, através da SDS, para o Amazonas (CDSCPT/AM); Conselho desenvolvimento da atividade de Estadual de Reserva da Biosfera da manejo de pirarucu nas unidades Amazônia Central (CERBAC); Fórum de conservação de uso sustentável Amazonense de Mudanças Climáticas, gerenciadas pelo CEUC. Biodiversidade, Serviços Ambientais e Energia (FAMC) e Fórum Permanente DESENVOLVIMENTO das Secretarias Municipais de Meio Para tomar frente ao novo cenário Ambiente do Amazonas (FOPES-AM). político-econômico e ambiental que se No âmbito do Sistema SDS, foi criada configurou no Brasil, no início dos anos a Unidade Gestora do Centro Estadual 2000, o Governo do Estado do Amazonas, de Mudanças Climáticas e do Centro a partir de 2003, iniciou um processo de Estadual de Unidades de Conservação. adequação na estrutura governamental A SDS tem por finalidade atuar que incluiu a extinção de algumas na formulação, coordenação e secretarias de Estado e autarquias e a implementação da política estadual de criação de novas. Neste cenário, o Estado meio ambiente, dos recursos hídricos do Amazonas criou a Secretária de Estado e da fauna e flora, além da gestão de de Meio Ambiente e Desenvolvimento florestas e do ordenamento pesqueiro, Sustentável do Amazonas (SDS). visando à valorização econômica, a A SDS foi criada pela Lei n° 2.783, de 31 sustentabilidade dos produtos florestais

198 O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais •João Bosco Ferreira da Silva •Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior • Gelson da Silva Batista madeireiros e não madeireiros e com protegido por Unidades de ações de fortalecimento das cadeias Conservação, incluindo as federais produtivas, por meio da articulação (15%) e estaduais (12%), totalizando com a Secretaria de Estado de Produção 42.335.533,20 milhões de hectares. De Agropecuária, Pesca e Desenvolvimento 2003 a 2009, houve um incremento Rural Integrado (SEPROR), Instituto de 157% no número de unidades de de Desenvolvimento Agropecuário e conservação estaduais. Esse fato mostra Florestal Sustentável do Estado do a estratégia que o Governo do Estado Amazonas (IDAM) e ADS. adotou para promover a conservação Nesse contexto, a SDS possui atribuições da biodiversidade, reconhecimento e de melhorar a qualidade de vida das valorização das populações tradicionais pessoas; conservar a natureza; promover e controle do desmatamento ilegal. o crescimento econômico; e atenuar as As terras indígenas representam 27,7% mudanças climáticas. da área do Estado, o equivalente a 43,19 Sua missão é garantir a proteção da milhões de hectares, distribuídos em natureza e o uso dos recursos naturais, 173 terras indígenas de 66 etnias. O com valorização socioambiental, Estado do Amazonas possui 54,8% de visando o desenvolvimento sustentável seu território legalmente protegidos. do Amazonas. As Unidades de Conservação criadas Tem como visão ser referência nacional pelo poder público estadual, estão e internacional na formulação e gestão distribuídas em 32 Unidades de Uso de políticas ambientais e de desenvolvi- Sustentável e nove de Proteção Integral. mento sustentável. Aproximadamente, 81% das Unidades A partir de 2002, por meio da SDS, o Go- de Conservação estaduais são de Uso verno do Amazonas intensificou a cria- Sustentável, sendo quinze RDSs, oito ção de Unidades de Conservação como Florestas, cinco APAs e quatro Resex um instrumento estratégico de ordena- (Figura 1). mento territorial, objetivando conciliar A gestão das Unidades de Conservação a conservação dos recursos naturais Estaduais é realizada pelo Centro com o desenvolvimento socioeconômi- Estadual de Unidades de Conservação co das comunidades locais. A conser- (CEUC). O CEUC foi instituído pelo Decreto pela Lei Complementar n° 53, vação da biodiversidade e estímulo às de 5 de junho de 2007 - Sistema Estadual atividades econômicas sustentáveis em de Unidades de Conservação (SEUC). áreas protegidas são formas de assegu- Com sede em Manaus, o CEUC possui rar melhores condições às famílias que aproximadamente 50 técnicos (lotados residem nesses espaços protegidos. na capital e no interior) atuantes no O Estado do Amazonas possui, processo de criação, implementação e atualmente, 27% de seu território gestão das Unidades de Conservação Estaduais.

199 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

Figura 1 – Crescimento do número de Unidade de Conservação Estadual entre os anos de 2002 até 2009.

Desde 2003, a SDS priorizou o árduo gestão cooperativa ou compartilhada, processo de criação das Unidades de pois proporciona a participação direta, Conservação Estaduais. No entanto, nos na tomada de decisão, dos agentes últimos quatro anos, a SDS vem dando sociais da pesca (pescadores), sociedade civil organizada e órgãos do Poder ênfase na implementação dessas áreas Público que têm relação direta com protegidas. O que a SDS, através do a temática da pesca e instituições CEUC, vem fazendo é consolidar uma de pesquisa governamentais e não política de estado que proporciona o governamentais. desenvolvimento socioeconômico das Uma das estratégias adotadas pela SDS comunidades locais com a manutenção para implementar o manejo de pirarucu da qualidade ambiental. vem sendo o complexo processo de Com o propósito de promover o ordenar áreas dentro e no entorno das crescimento de atividades sustentáveis Unidades de Conservação. As ações a SDS vem apoiando e incentivando o de ordenamento pesqueiro que são uso adequado dos recursos naturais, realizadas pelo corpo técnico do CEUC, e com ênfase no ordenamento e manejo das instituições parceiras, nas Unidades dos recursos pesqueiros. de Conservação de Uso Sustentável, têm o objetivo de subsidiar a elaboração e ORDENAMENTO PESQUEIRO NO implementação de normas, critérios, ESTADO DO AMAZONAS padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros O processo de ordenamento que é para que sirvam como eficientes realizado pelo CEUC/SDS, e instituições instrumentos de gestão. parceiras, atende aos princípios da

200 O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais •João Bosco Ferreira da Silva •Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior • Gelson da Silva Batista

O Estado do Amazonas passou a ter de acordo de pesca, tal proposta foi competência plena para legislar sobre regulamentada através da Instrução o ordenamento pesqueiro nas águas Normativa SDS n° 03, em abril de 2011, de sua jurisdição, com o advento da Lei estabelecendo normas e procedimentos Federal n° 11.959, de 29 de junho de para a elaboração e regulamentação de 2009 (nova Lei da Pesca). Com essa nova Acordo de Pesca como instrumento de atribuição, a equipe técnica da SDS, em gestão pesqueira. 2010, montou um Grupo de Trabalho Com o advento desta norma estadual, e iniciou a discussão para a elaboração ainda em 2011, foram regulamentados de um instrumento de ordenamento os Acordos de Pesca da Ilha da Paciência, da pesca que contemplasse o manejo no município de Iranduba (Figura 2), e de pirarucu. Devido à legislação em do Mamori, no município de Careiro. vigor determinar que o pirarucu só As propostas desses Acordos já vinham pode ser retirado da natureza por meio sendo discutidas desde 2007, e foram de manejo de ambientes aquáticos em ajustadas para atender aos preceitos da áreas de Unidades de Conservação e IN SDS n° 03/2011.

Figura 2 – Acordo de pesca da Ilha da Paciência, no município de Iranduba.

201 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

A área do Acordo de Pesca da Ilha da do mesmo ano, a SDS regulamentou o Paciência é composta por 32 lagos de acordo de pesca dos setores Maiana e várzea, dos quais sete são destinados ao Solimões do Meio, na RDS Mamirauá manejo de pirarucu. A regulamentação (Figura 3). Nessa área, existe 136 lagos, desta área e a eficiente vigilância dos dos quais 54 estão destinados ao manejo lagos realizada pelos comunitários de pirarucu. O grande diferencial vêm proporcionando a recuperação do deste acordo foi o seu processo de estoque de pirarucu, principalmente elaboração, o qual seguiu integralmente nos ambientes que não sofrem pressão o que determina a IN SDS n° 03/11. O de pesca. Muito em breve, a área deste acordo iniciou com a instituição do acordo será a mais próxima de Manaus Comitê Condutor do Acordo (CCA), a ter manejo de pirarucu com cota regulamentado pela IN SDS n° 25, de autorizada. 14 de março de 2012, composto por Em julho de 2012, como resultado do 16 instituições representantes do Poder processo de discussão iniciado em março Público e da sociedade civil organizada.

Figura 3 - Acordo de pesca regulamentado pela SDS na RDS Mamirauá.

202 O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais •João Bosco Ferreira da Silva •Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior • Gelson da Silva Batista

As discussões para a elaboração novembro). A captura desta espécie é deste acordo foi uma das mais difíceis permitida apenas em áreas de manejo já realizadas por esta Secretaria, em Unidades de Conservação e Acordos pois envolvia a disputa por áreas, de Pesca, assim como em criações em tradicionalmente utilizadas por cativeiro devidamente regularizadas pescadores da sede do município de pelos órgãos competentes. Fonte Boa, dentro dos setores Maiana O manejo de pirarucu é uma das e Solimões do Meio, na RDS Mamirauá. atividades de maior destaque na geração Esse conflito existia desde o início da de renda nas UCs. Atualmente, essa criação da reserva, mas tomou maior atividade é realizada em quatro Reservas proporção a partir de 2004, quando de Desenvolvimento Sustentável do iniciou a atividade de manejo do pirarucu Estado (Mamirauá, Amanã, Piagaçu- naquela área. A intervenção do Estado, Purus e Uacari). através do CEUC/SDS, foi determinante O objetivo do manejo de pirarucu para o adequado zoneamento da área é proporcionar a recuperação dos e regulamentação de regras de uso dos estoques dessa espécie nas Unidades de ambientes aquáticos ali existentes. Conservação gerenciadas pelo Estado A regulamentação deste acordo fez e gerar renda para a manutenção das cessar o conflito entre pescadores populações usuárias e comunidades ribeirinhos e urbanos, pois esses tradicionais das áreas protegidas. dois grupos passaram a ter áreas Na metodologia empregada no manejo, diferenciadas para o uso dos recursos adota-se o resultado da contagem de pesqueiros. pirarucus adultos do ano anterior como base para solicitar a cota do ano corrente, MANEJO DOS RECURSOS PESQUEIROS prevendo-se a remoção de, no máximo, Dentre as ações de geração de renda 30% dos peixes adultos contados, que vêm sendo coordenadas pelo deixando-se os 70% do restante como CEUC nas UCs Estaduais de Uso forma de assegurar a reprodução e a Sustentável, através do Departamento continuidade da população (CASTELLO, de Manejo e Geração de Renda (DMGR) 2004; VIANA et al., 2007). e instituições parceiras, destaca-se A SDS, através do CEUC e instituições o manejo de ambientes aquáticos parceiras, vem apoiando o manejo de com ênfase na captura sustentável de pirarucu nas Reservas estaduais ao pirarucu (Arapaima gigas). Vale ressaltar longo de todas as etapas: organização que o manejo dessa espécie só pode comunitária, elaboração de regras de uso ser implementado em áreas onde o do recurso, capacitação de pescadores, ordenamento pesqueiro esteja definido. monitoramento dos estoques de A pesca comercial do pirarucu é pirarucus, vigilância e fiscalização dos proibida o ano todo no Estado do ambientes aquáticos, definição de Amazonas pelas Instruções Normativas plano de produção, contagem, pesca e do IBAMA 34/2004 (1 de dezembro a 31 comercialização da produção. de maio) e 01/2005 (1 de junho a 30 de A atividade vem sendo realizada nas

203 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

UCs estaduais e, a cada ano, está sendo autorizou cota de 12.045 peixes adultos aperfeiçoada pelos usuários desses para as reservas estaduais. No entanto, recursos (VIANA et al., 2007; AMARAL, et devido às dificuldades encontradas pelas al., 2011), através das diretrizes técnicas comunidades locais para realizarem a do CEUC e de instituições parceiras, pesca (difícil acesso aos lagos, petrecho e vem contribuindo diretamente na de pesca insuficiente, curto período geração de renda para as comunidades de tempo para a captura dos peixes, residentes, tendo impacto significativo entre outros), foram capturados 11.009 na melhoria da qualidade de vida dos pirarucus (eficiência de captura de beneficiários. 94%), tendo como beneficiados 2.112 Em 2011, o IBAMA (órgão que emite pescadores (1.072 famílias) de 115 a licença para a pesca desta espécie) comunidades ribeirinhas (Figura 4).

Figura 4 - Estimativa de produção de pirarucu para 2012.

A produção total foi de 592,6 toneladas RDS Mamirauá, a renda média foi de R$ e gerou um faturamento bruto de 1.690,65. R$ 2.883.108,58. Os beneficiários do Em 2012, a produção de pirarucu manejo de pirarucu, nas quatro reservas, manejado foi de 643 toneladas e gerou tiveram renda média de R$ 1.365,11. No faturamento de 3,1 milhões de reais entanto, para os 1.688 pescadores da (Figura 5).

204 O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais •João Bosco Ferreira da Silva •Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior • Gelson da Silva Batista

Fonte: SDS/CEUC, 2012. * Dados atualizados/safra 2012.

Figura 5 - Histórico da produção de pirarucu e receita gerada nas reservas estaduais.

Nos últimos seis anos, o Governo do sustentabilidade da pesca desenvolvida Estado e os diversos parceiros do pela SDS, através do CEUC e instituições Sistema SDS, com destaque para os parceiras. Institutos Mamirauá, Piagaçu e Fonte Boa, vêm implementando o manejo CONCLUSÃO de pirarucu nas reservas criadas pelo A partir de 2003, com a criação da Estado, e criando condições para que SDS, o Estado do Amazonas passou essa atividade tenha resultado efetivo a criar condições, juntamente com na geração de renda e melhoria da outras instituições, para que o manejo qualidade de vida das comunidades de pirarucu se tornasse uma atividade das áreas protegidas. O reflexo desse geradora de renda para as comunidades trabalho conjunto foi o aumento, em locais. 2012, em 7,8% no faturamento bruto O aumento significativo na criação gerado e de 20% no faturamento médio/ de Unidades de Conservação de Uso pescador (Figura 6). sustentável, a elaboração de instrumentos As Unidades de Conservação Estaduais, legais para a regulamentação de Acordos em 2012, foram responsáveis por 74% de Pesca, a elaboração e implementação da produção de pirarucu em todas de planos de manejo de recursos as áreas manejadas no Amazonas. pesqueiros e o apoio em todas as etapas Este desempenho extraordinário do manejo foram medidas decisivas se deve a uma política agressiva de para a ampliação no número de áreas

205 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus manejadas, para o aumento na produção CASTELLO, L. A method to count pirarucu: de pirarucu e na geração de renda fishers, assessment and management. North dos manejadores. Esses fatores vêm American Journal of Fisheries Management, proporcionando melhores condições de v. 24, p. 379 - 389, 2004. vida para os moradores e usuários das reservas onde é realizado o manejo de VIANA, J. P.; CASTELLO, L.; DAMASCENO, J. M. pirarucu. B.; AMARAL, E. S. R.; ESTUPIÑAN, G. M. B.; ARANTES, C. C., BATISTA, G. S.; GARCEZ, D. REFERÊNCIA S.; PEREIRA, S. B. (2007).Manejo Comunitário AMARAL, E.; SOUSA, I. S.; GONÇALVES, A. do pirarucu Arapaima gigas na Reserva de C. T.; BRAGA, R.; FERRAZ, P.; CARVALHO, Desenvolvimento Sustentável Mamirauá G. Manejo de pirarucus (Arapaima gigas) - Amazonas, Brasil. In: NÚCLEO DA ZONA em lagos de uso exclusivos de pescadores COSTEIRA E MARINHA - MINISTÉRIO DO urbanos: baseado na experiência do MEIO AMBIENTE (Org.). Áreas Aquáticas Instituto Mamirauá junto a Colônia de Protegidas como Instrumento de Gestão Pescadores Z-32 de Maraã na cogestão Pesqueira. Brasília: Ministério do Meio no complexo do Lago Preto, Reserva de Ambiente, p. 239 - 261. (Série Áreas Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – Protegidas do Brasil, 1). RDSM. Tefé: IDSM, 2011. QUEIROZ, H. L. Natural history and conservation of pirarucu, Arapaima gigas, at the Amazonian várzea: red giants in muddy waters. Tese (Doutorado) - St. Andrews: Universityof St. Andrews. 2000.

206 RECUPERANDO A PESCA DO PIRARUCU NO BAIXO AMAZONAS, BRASIL

Leandro Castello1,2 Caroline C. Arantes3,4 Fabio Sarmento3 David G. McGrath1,2

INTRODUÇÃO na região que envolve 140 comunidades e representa um bom ponto de partida A pesca do pirarucu (Arapaima spp.) está para o desenvolvimento de práticas em declínio na maior parte da Amazônia sustentáveis da pesca de pirarucu (CASTELO; STEWART; ARANTES et al., (MCGRATH et al., 2008). No entanto, 2013; CASTELLO ; STEWART, 2010). os acordos de pesca permitem apenas No Baixo Amazonas, Estado do Pará, a definição de regras de pesca, não Brasil, a situação é típica de áreas fora sendo possível excluir pescadores de reservas biológicas ou extrativistas. de outras comunidades do manejo. Lá, o pirarucu é ameaçado não só pela Essa deficiência fere um princípio da pesca, mas também pela degradação de sustentabilidade da pesca: o direito de habitat. Mais da metade dos habitats de quem investe no manejo do recurso floresta alagada que provêm condições a ter direito exclusivo de usufruir os de alimentação e reprodução ao pirarucu benefícios gerados pelas suas ações no Baixo Amazonas foram desmatados (OSTROM 1990; MCGRATH et al., (CASTELLO, 2011a; b; RENO et al., 2011). 2004). Além disso, os acordos de Visando promover a sustentabilidade pesca não se enfocam no pirarucu, da pesca no Baixo Amazonas, muitas deixando-o vulnerável à sobre- comunidades têm desenvolvido os exploração (CASTELLO et al., 2013). chamados acordos de pesca, nos quais os Por exemplo, os comprimentos médios pescadores negociam e implementam dos pirarucus capturados mostram regras de uso dos recursos pesqueir os que há predominância de indivíduos (CASTRO, 2000; FUTEMA, 2000; CASTRO; sexualmente imaturos (Figura 1), o que MCGRATH, 2002; MCGRATH et al., 2008; é um sinal típico de sobre-exploração ALMEIDA et al., 2009). Esses acordos de pesca têm levado ao desenvolvimento pesqueira (HILBORN; WALTERS 1992; de uma estrutura institucional grande CASTELLO et al., 2011a).

1 Woods Hole Research Center, Falmouth, Massachusetts, Estados Unidos 2 Endereço atual: Department of Fish and Wildlife Conservation, Virginia Polytechnic Institute and State University, Blacksburg, Virginia, Estados Unidos 3 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Santarém, PA, Brasil 4 Department of Fish & Wildlife, Texas A&M University, College Station, Texas, Estados Unidos

207 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

Figura 1 - Tamanho médio de captura atual de Martinelli e Petrere (1999) em Santarém, região do Baixo Amazonas. Tamanho de primeira maturação sexual é de Arantes et al. (2010) para o pirarucu na Reserva Mamirauá.

AVANÇOS RECENTES entrevistas indicaram que as regras de Os autores têm, nos últimos quatro anos, tamanho mínimo de captura e defeso se dedicado a implementar práticas não são respeitadas e que a maioria sustentáveis de pesca do pirarucu na das comunidades não realiza nenhuma região do Baixo Amazonas. Ao longo dos ação de manejo de pirarucu (Figura 2-B). anos, a equipe de trabalho tem variado Assim, a situação da pesca do pirarucu entre duas e três pessoas e contado com no Baixo Amazonas é crítica e requer, as instalações do Instituto de Pesquisas urgentemente, ações de manejo. Ambiental da Amazônia (www.ipam.org. A segunda parte do trabalho visa reverter br). A primeira parte do trabalho visou essa situação. Para isso, os autores têm avaliar o estado da pesca do pirarucu na adaptado à realidade regional o modelo região. Dados de abundância de pirarucu Mamirauá de manejo de pirarucu para foram coletados em comunidades, áreas protegidas, o qual se embasa no com base nas contagens de pirarucu cumprimento de três regras de manejo: (CASTELLO, 2004) e em entrevistas tamanho mínimo de captura (1,5 m), com pescadores e lideranças das período de defeso (Dezembro a Maio), comunidades. Os dados de abundância e determinação de cota de pesca com mostraram que os estoques de pirarucu base em dados de contagem (CASTELO; estão ‘esgotados’ (Figura 2-A; CASTELLO STEWART; ARANTES et al., 2013; et al., 2011b). Apenas cerca de 5% das CASTELLO, et al., 2011c). Três linhas de comunidades possuem populações de ação principal têm sido conduzidas na pirarucu que podem ser consideradas implementação desse modelo de manejo: ‘bem manejadas’. Além disso, as capacitação, organização comunitária,

208 Recuperando a pesca do pirarucu no baixo Amazonas, Brasil • Leandro Castello • Caroline C. Arantes • Fabio Sarmento • David G. McGrath e desenvolvimento de políticas de incentivar o cumprimento das regras de manejo. Até o momento, cerca de 240 manejo, resolver conflitos, e estabelecer pescadores de 25 comunidades foram sistemas de fiscalização, o qual não é capacitados com relação à lógica e os feito de maneira adequada pelos órgãos princípios ecológicos do manejo do ambientais competentes. Um plano de pirarucu. Além disso, 85 pescadores manejo está sendo desenvolvido em 5 foram treinados no método de contagem comunidades e uma proposta de política de pirarucu, e desses, 53 fizeram uma de manejo de pirarucu para a região do avaliação técnica da sua capacidade Baixo Amazonas foi submetida para de contar pirarucu. As atividades de consideração à Secretaria de Pesca e organização comunitária têm almejado Aquicultura do Pará (SEPAq-PA)

A

B

Cidades Corpos d’ água Área das comunidades Figura 2 - Mapas da abundância do pirarucu (A) e do grau de organização (B) em comunidades da região do Baixo Amazonas, do Estado do Pará, Brasil.

209 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

Estes resultados têm ajudado a criar do pirarucu e a falta de fiscalização agora um momento oportuno para das regras de manejo são os principais construir uma estrutura institucional e obstáculos para o desenvolvimento política efetiva para o manejo sustentado de práticas sustentáveis de pesca do do pirarucu no Baixo Amazonas. As pirarucu. A equipe de trabalho está há atividades de treinamento, organização, quatro anos tentando coordenar com a e manejo têm motivado atores-chave SEPAq-PA e com o MPA a regulamentação sobre a necessidade de manejar da pesca do pirarucu. Espera-se que o pirarucu. Embora nem todas as a implementação de uma política de comunidades da região tenham interesse manejo sustentado aumente, em muito, no manejo do pirarucu, algumas delas a demanda das comunidades tanto por têm. Membros do governo, incluindo fiscalização quanto por apoio técnico- a SEPAq-PA e o Ministério da Pesca e institucional aos órgãos competentes. Aquicultura (MPA), têm participado de A carência por trabalhos de organização discussões e workshops relacionados ao comunitária é muito grande e impossível tema, e têm demonstrado interesse em de ser atendida com base nas condições colaborar na implementação do manejo modestas financeiras, de infraestrutura do pirarucu. De forma complementar, e quantidade de pessoas atuando na a proibição da exclusão de pescadores, equipe. Órgãos regionais precisam estar que fere um princípio da ação coletiva, preparados para suprir essas demandas. poderá ser modificada através da Considerando os avanços e entraves dos implementação de uma nova política últimos anos, a equipe planeja continuar fundiária que transformou as áreas seus esforços nas três linhas principais de das comunidades da região do Baixo ação que têm sido conduzidas. Planeja- Amazonas em Projetos de Assentamento se complementar essas ações com uma Agroextrativista (PAEs). Os Planos expansão dos esforços de engajamento de Utilização dos PAEs, elaborados dos órgãos governamentais e não pelos moradores e aprovados pelo governamentais através da articulação INCRA, estabelece que os membros da política, formação de novas parcerias, e comunidade têm direito exclusivo sobre disseminação dos trabalhos realizados. os seus recursos pesqueiros, eliminando uma dificuldade do manejo pesqueiro. AGRADECIMENTOS O Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), PASSOS FUTUROS a Fundação Gordon e Betty Moore, e O desenvolvimento da pesca sustentável a WWF-UK proveram financiamento. de pirarucu nas comunidades D. Pinheiro e D. Gurdak ajudaram a interessadas no manejo depende, produzir a figura 2. Diversos pescadores principalmente ,da implementação de e lideranças comunitárias contribuíram um conjunto de condições necessárias. para o desenvolvimento do trabalho Do ponto de vista das comunidades, a aqui descrito. falta de uma política coerente de manejo

210 Recuperando a pesca do pirarucu no baixo Amazonas, Brasil • Leandro Castello • Caroline C. Arantes • Fabio Sarmento • David G. McGrath

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211

A AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA COMO FERRAMENTA PARA TOMADAS DE DECISÃO EM PROCESSOS DE MANEJO DE PIRARUCU (Arapaima gigas)

Ellen Amaral Ana Cláudia Torres Nelissa Peralta

A adequada gestão dos recursos de recursos naturais (POMEROY, 2 pesqueiros requer ações multilaterais 1998) . Mais recentemente, passou tanto por parte do Estado quanto por a ser entendida como um processo parte dos pescadores por envolver de negociação, de aprendizado sistemas de manejo socioecológicos e, principalmente, de solução de complexos e multiníveis (BERKES, 2007; problemas relacionados à gestão de 2008). O envolvimento de pescadores recursos naturais (CARLSSON; BERKES, no manejo tem sido reconhecido 2005). Uma situação onde dois ou mais como fator fundamental para sua agentes negociam, definem e garantem sustentabilidade (POMEROY, 1995; entre si uma divisão justa de tarefas e CASTELLO et al., 2008). Há também responsabilidades de manejo sobre o reconhecimento de que o Estado um território, ou conjunto de recursos deve continuar desempenhando papel naturais (BORRINI-FEYERABEND, 2000). importante no processo (RATNER, 2012), Um processo de governança, onde esses não apenas normatizando a pesca, mesmos agentes exercem atividades mas oferecendo assistência e serviços apoiadas em objetivos comuns, para que (administrativos, técnicos e financeiros) as pessoas e as organizações tenham para apoiar a sustentabilidade dos uma determinada conduta, satisfaçam arranjos institucionais e organizações suas necessidades e respondam às suas locais (POMEROY; BERKES, 1997). Por demandas (ROSENAU, 2000). isso, a gestão compartilhada1 tem sido Por assim ser, trata-se de uma “nova” considerada uma maneira eficaz de abordagem de manejo pesqueiro integrar interesses semelhantes, mas, participativo que vem sendo por vezes, divergentes. implementada em algumas regiões A gestão compartilhada já foi definida do Brasil, sobretudo na Amazônia, como uma divisão de poderes e que integra os aspectos biológicos responsabilidades sobre um sistema a aspectos políticos, institucionais e

1 Também chamada de manejo participativo ou comanejo 2 Fisheries co-management can be defined as a partnership arrangement in which government agencies, local communities, and other stakeholders share the responsibility and authority over a fishery (Pomeroy, 1998)

213 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus econômicos da população que explora taxas de extração anuais, deve-se o recurso pesqueiro. Podemos dizer levar em consideração não apenas ainda que esta seja uma evolução dos critérios biológicos como o tamanho sistemas convencionais de manejo da população, mas também critérios pesqueiro que se baseiam apenas em sociais, econômicos e políticos (RATNER informações biológicas e ecológicas et al., 2012). Como os ecossistemas para a determinação de cotas de e os grupos sociais que os utilizam captura, desconsiderando os processos respondem por vezes de forma sociais (CASTELLO, 2008). imprevisível à exploração de recursos, As incertezas sobre o tamanho, a para levar em consideração essas composição e a distribuição espacial mudanças socioecológicas, o manejo dos estoques pesqueiros, sua deve ser adaptativo, ou seja, deve ajustar- dinâmica e os consequentes erros se às incertezas e incluir diferentes na aplicação de normas de manejo perspectivas e tipos de conhecimentos podem ser obstáculos a um manejo disponíveis (conhecimentos locais, de pesca eficiente (HOLLAND, 2010). técnicos e científicos), incluindo os Segundo a FAO (2005), cerca de 25% usuários nos processos de solução de dos estoques pesqueiros do mundo problemas e na tomada de decisões estão sobre-explorados e depletados (CARLSSON; BERKES, 2005). No lugar de apesar das medidas convencionais de prescrições ou normas fixas, o manejo manejo implementadas. Muitos desses adaptativo foi formulado, originalmente, problemas poderiam ser mitigados se como forma de lidar com as incertezas o conhecimento ecológico tradicional e a complexidade desses sistemas dos pescadores fosse considerado (HOLLING, 1978). (POMEROY, 1995; CASTELLO, 2008), Para isso, formas de geração de como ocorreu com o método informações e de avaliação de participativo desenvolvido para os resultados são centrais e devem censos populacionais de pirarucu levar em consideração as diferentes (Arapaima gigas) (CASTELLO, 2004). Além perspectivas dos grupos envolvidos. disso, outras variáveis sociais, políticas Métodos de geração e troca de e econômicas, como o comportamento informações, avaliação e comunicação das lideranças, os sistemas de de resultados relacionados ao manejo acompanhamento de sanções, a adaptativo da pesca têm sido discutidos capacidade produtiva, os custos da em diversos contextos (SMITH et al. produção e os preços praticados no 1999; HOLLAND, 2010). Na Amazônia, mercado, as formas de distribuição estudos sobre manejo de recursos de benefícios, entre outros, são pesqueiros têm foco na construção dos importantes e devem ser consideradas acordos e dos arranjos institucionais. Os no processo de manejo participativo de acordos formais são meramente o ponto recursos pesqueiros. de partida. Os mecanismos de solução Por esta razão, para avaliar os resultados de problemas instalados e postos em do manejo de pesca e até para calcular prática na lida diária dos sistemas de

214 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta

manejo são responsáveis pelos níveis gerando retorno econômico aos de sucesso ou fracasso desses sistemas. pescadores (VIANA et al., 2007; AMARAL, Mas os estudos raramente tratam sobre 2009). No Brasil, a experiência difundiu- como os agentes colocam em prática se para outros municípios do estado do esses acordos, ou seja, dos seus modos Amazonas como Fonte Boa, Itacoatiara, de comunicação, de aplicação e sanção Jutaí, Juruá, Tonantins (BESSA; LIMA, das normas. Sendo assim, o objetivo 2010), e para outros estados como Pará, deste capítulo é descrever um método Rondônia, Roraima e Acre. Países como de avaliação participativa de sistemas Peru, Colômbia, Bolívia e Guiana Inglesa de manejo de recursos pesqueiros também utilizam em partes de sua na região do médio Solimões (AM) e região Amazônica, algumas ferramentas analisar seus efeitos sobre as ações desenvolvidas em Mamirauá para o dos grupos responsáveis pelo sistema manejo da espécie. (técnicos, pescadores e diretorias das Ao longo de mais de uma década, o organizações). manejo participativo do pirarucu tem Sendo assim, o capítulo está dividido gerado resultados sociais, ecológicos em três partes. A primeira apresenta um e econômicos bem expressivos. breve histórico do manejo participativo Dentre eles, os mais importantes são de pirarucu e do desenvolvimento do a regularização da pesca comercial de método de avaliação; a segunda descreve pirarucu; o aumento anual médio da o método em si, seus pressupostos, população de pirarucu nas áreas de critérios, modos de aplicação; e a terceira manejo em cerca de 25%, (ARANTES parte analisa alguns resultados da et al., 2006; CASTELLO et al., 2011); o aplicação do método em cinco sistemas aumento anual médio na renda gerada de manejo participativo na região do pela atividade em cerca de 29% (AMARAL, Médio Solimões, no Amazonas. 2009); e o reconhecimento conferido ao grupo de pescadores pela prática de Parte 1: Breve histórico do manejo de ações sustentáveis ecologicamente. pirarucu no Médio Solimões Para manejar o pirarucu, os pescadores A primeira pesca manejada do pirarucu realizam uma série de atividades ao aconteceu no estado do Amazonas em longo de um ano, estando envolvidos em 1999, na comunidade São Raimundo maior ou em menor grau nas mesmas, do Jarauá, Reserva de Desenvolvimento dependendo da época. Amaral . (2013) Sustentável Mamirauá - RDSM. concluíram ser sete as principais ações Assessorada pelo Instituto Mamirauá, responsáveis por uma implementação o manejo de pirarucu vem sendo efetiva do manejo participativo de desenvolvido e aperfeiçoado ao longo pirarucu em ambiente natural, que do tempo, como um manejo adaptativo, compõem o ciclo de atividades sempre seguindo princípios de realizadas ao longo de um ano, sendo sustentabilidade ecológica; princípios elas: 1) organizar, 2) estabelecer zonas de justiça e equidade na distribuição das de proteção e uso, 3) proteger a área, obrigações, benefícios e penalidades;

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4) estimar a população de pirarucus3, 5) Fóruns de avaliação participativa do pescar, 6) vender e 7) avaliar. As ações são manejo desenvolvidas tanto pelos pescadores, Os fóruns de avaliação participativa têm quanto pela diretoria das associações como objetivo acompanhar e avaliar de pescadores4 e pela assessoria técnica o andamento do sistema de manejo prestada pelo Instituto Mamirauá. Este como um todo, atentando-se para capítulo trata, especificamente, da todas as etapas do processo. Esses última etapa no ciclo de atividades dos fóruns baseiam-se nos princípios da democracia deliberativa: de igualdade, sistemas de manejo de pirarucu – a razoabilidade e publicidade. avaliação anual do sistema. A democracia deliberativa é uma forma de democracia onde a deliberação é central na tomada de decisões e onde a legitimidade das normas e das decisões advém da autêntica deliberação pública e não apenas das preferências agregadas, 3 As cotas de pirarucu manejado são estabelecidas como ocorre em processos de votação com base nas contagens, chegando até 30% dos adultos contados de um determinado lago. Até o (BOHNAN; REHG, 1997). A democracia ano de 2009, somente as contagens subsidiavam deliberativa envolve deliberação pública as cotas. Nos últimos anos, a assessoria técnica para atingir o bem coletivo, um processo vem discutindo junto aos pescadores sobre a necessidade de se incluir indicadores sociais e que requer igualdade entre seus econômicos na determinação das cotas. membros, e que também pode moldar 4 Optou-se por diferenciar os pescadores os próprios interesses dos envolvidos das diretorias de suas associações para de modo que contribua para a formação avaliar melhor a participação de cada sócio, considerando que existe uma tendência passiva de uma compreensão pública de bem dos mesmos em deixar que a diretoria assuma comum (COHEN, 1997). toda a responsabilidade do manejo, restando No contexto da democracia deliberativa, a eles apenas a pesca. A diretoria, por sua vez, toma para si a responsabilidade e também o todos os afetados têm a chance de poder de decisão, muitas vezes não consultando emitir opiniões, questionar decisões, os demais pescadores em tomadas de decisões e propor soluções. Os argumentos importantes. Isto é prejudicial ao sistema e passa devem ser apresentados, reconhecidos a haver um ruído na comunicação e já houve casos de os pescadores não terem conhecimento e legitimados coletivamente e de algumas regras acordadas com a equipe a argumentação deve ser feita técnica. Além disso, o pescador que não participa publicamente, assim os participantes das reuniões, não se sente comprometido com o devem justificar seus argumentos com ciclo de atividades e simplifica o manejo apenas a ação de pescar. Por esta razão, pode não base no interesse comum (ZACHRISSON, obedecer as regras. Outra vertente possível é 2010). a diretoria ficar sobrecarregada de atividades e Nas Reservas Mamirauá e Amanã, os desistir de sua função. Razão esta que promove uma alta rotatividade das equipes de liderança. fóruns de avaliação participativa foram Ou, na pior das hipóteses, pode haver desvio de criados para gerar os processos de verbas da associação em benefício de alguns. negociação entre diferentes grupos que Por essas razões acreditamos que deve haver um compartilham a responsabilidade sobre olhar nessa direção, para avaliar qual o grau de participação assim como o nível de organização um sistema de recursos pesqueiros e do grupo. precisam resolver em conjunto questões

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relacionadas ao seu uso sustentável. considerar outros aspectos do manejo e A solução de problemas envolve um não apenas o tamanho da população de aprendizado adaptativo que, ao levar pirarucus, para a determinação das cotas em consideração os diferentes tipos de de extração, pois havia a convicção entre conhecimento (de usuários, técnicos e os técnicos que outros aspectos sociais cientistas), produz estratégias de manejo e econômicos eram determinantes da que são deliberadas coletivamente, ou sustentabilidade do manejo e deveriam seja, são debatidas e discutidas de forma também ser considerados. a produzir opiniões bem informadas, Tal convicção nasceu, em parte, de onde participantes estão dispostos a experiências concretas onde as regras de revisar suas preferências à luz de novas manejo foram violadas e as populações informações e argumentos propostos de pirarucus foram afetadas devido aos pelos demais. resultados desastrosos em algumas etapas, como na comercialização O desenvolvimento do processo de do pescado, ou da baixa capacidade avaliação do manejo produtiva das associações, ou da A princípio, o fórum de avaliação fragilidade da proteção da área. Essas participativa recebeu o nome de reunião fragilidades do processo de manejo de “devolução de dados”, onde os não eram avaliadas sistematicamente técnicos apresentavam aos pescadores e só vinham à tona após o manejo. resultados de alguns indicadores que Havia necessidade de identificar tais eram monitorados, como o número fragilidades antes delas impactarem o de pirarucus contados, o tamanho dos sistema de forma definitiva. pirarucus pescados, a taxa de captura O pedido de cotas não era estabelecido em relação à cota5 liberada, etc. Essas meramente com base na população de informações eram discutidas com os pirarucus contada, pois o grupo avaliava pescadores e, a partir daí, havia uma o histórico de atuação dos pescadores deliberação sobre a cota que seria no que diz respeito às taxas de captura solicitada ao IBAMA. A ideia era tentar nos anos anteriores. Muitos sistemas não conseguiam pescar a cota em sua totalidade e isso sugeria que havia alguma fragilidade no sistema, como 5 A divisão das cotas de pesca é realizada pelas a baixa capacidade de pesca por falta associações de pescadores e obedecem a crité- de petrechos, ou baixa produtividade rios definidos coletivamente nas assembleias. devido ao método selecionado para Geralmente, a cota é dividida igualmente entre a pesca (individual ou coletivo), etc. os participantes. Aqueles que realizaram mais atividades em prol do sistema ganham uma por- Portanto, os técnicos tentavam mostrar centagem a mais (contadores, diretoria, vigilan- durante as “reuniões de devolução” de tes) e aqueles que descumpriram as regras, são dados que outros critérios deveriam penalizados com a redução de suas cotas. Dessa ser avaliados para o pedido da cota forma, os pescadores pescam suas cotas, entre- gam a produção para o comprador, e posterior- e não meramente os censos das mente, recebem sua parte quando a diretoria faz populações de pirarucus. Entretanto, a divisão do pagamento.

217 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus durante esse processo, os técnicos indicadores no processo de avaliação responsáveis pela solicitação de cotas (Quadro 1), não resolvia ainda a questão para o manejo de pirarucus, não se da dificuldade de comunicação entre os sentiam confortáveis com a dinâmica grupos e a possibilidade de inclusão dos estabelecida durante a “devolução de próprios pescadores na formulação do dados”, quando a assessoria propunha pedido de cota. uma cota que era “negociada” com os Nesse sentido, havia a necessidade de pescadores, mas a palavra final ficava viabilizar a produção de informações por com os técnicos e essa avaliação era meio de aprendizado colaborativo entre considerada muito subjetiva. E os os técnicos e os usuários dos sistemas, técnicos sentiam a necessidade de considerando a efetiva participação dos procedimentos mais claros tanto para pescadores no processo, como vital para o pedido das cotas, quanto para uma se alcançar bons resultados. A partir do avaliação sistematizada, que também processo de “devolução dos dados” de levasse em consideração as informações 2011, foram mantidos os indicadores de qualitativas prestadas pelos pescadores avaliação nos campos ambiental, social e observasse todas as etapas do manejo. e econômico, com a inovação de incluir A metodologia e a linguagem da os próprios manejadores não só no reunião de devolução também eram debate, como a proposta anterior, mas questionadas pelos pescadores, no processo de tomada de decisão sobre que, algumas vezes, não entendiam a definição das cotas de captura. claramente o significado de alguns A adequação da avaliação das etapas conceitos usados por técnicos durante as do manejo junto aos pescadores, e reuniões, ou mesmo da importância do que resultou no método de avaliação cumprimento de determinada regra para participativa implementado para o o manejo. Em determinados momentos, manejo de 2011 e 2012 (descrito a havia uma falta de entendimento ou seguir), se deu, portanto, da necessidade clareza em relação aos temas discutidos, de avaliar as fragilidades do grupo, e e aos critérios de avaliação. Por essa propor estratégias a serem adotadas razão, havia a necessidade de melhorar tanto pela assessoria técnica quanto a linguagem e a comunicação para pelos manejadores para melhoria do que ambos os grupos se entendessem sistema de manejo, de forma a atender melhor. os princípios de sustentabilidade A partir de 2010, técnicos do programa de socioambiental e econômica. Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá começaram a formular uma proposta de Parte 2: Método de avaliação avaliação participativa mais sistemática participativa que incluía indicadores sociais e O método avalia etapas fundamentais econômicos e atribuía pontos a eles, de do processo de manejo, tais como: a forma que o nível de desempenho em organização coletiva; o respeito ao cada indicador impactava a cota a ser zoneamento; a eficácia do sistema de solicitada (AMARAL; QUEIROZ, 2011). proteção da área adotado pelo grupo; Embora, a proposta incluísse mais

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o estabelecimento e cumprimento e monitorá-las; e é resolutivo (3), pois das regras; a aplicação do método de seus resultados podem impulsionar contagem conforme artigo de Arantes a implementação de ações efetivas e e Castelo, 2013, no levantamento o grau de atendimento às normas de do estoque de pirarucu nas áreas e a manejo. A hipótese a ser testada é a qualidade das informações; a capacidade de que uma avaliação sistêmica pode do grupo na captura da cota estabelecida servir de “estímulo” ao melhoramento e no monitoramento da produção; dos sistemas de manejo, onde o o desempenho na comercialização; atendimento às regras e aos princípios a forma como se dá a distribuição do manejo6 sejam estimulados e dos benefícios obtidos no grupo e se premiados, promovendo, de fato, a este considera os esforços individuais conservação do recurso pesqueiro, no alcance dos objetivos coletivos; um melhor retorno econômico para os e se o grupo dedica-se a avaliar seu pescadores e a organização coletiva. desempenho no cumprimento destas etapas, com vistas a um planejamento Etapas de avaliação de estratégias que minimizem os riscos O método consiste em avaliar cada de imprevistos na atividade do manejo. etapa do manejo, buscando relacionar O novo método de avaliação pretende o que foi bom, o que foi ruim e como medir a evolução do sistema de manejo melhorar. Para avaliar cada etapa, ao longo dos anos, e é tratado como um foi necessário esclarecer por meio processo de capacitação continuada, de um roteiro de questões diretivas, uma vez que tem como preceito cada conceito, critério ou tema da básico estimular a transparência do avaliação. O que ajudou na comunicação processo de manejo e as relações de entre pescadores e técnicos. As confiança entre técnicos e pescadores. perguntas diretivas se transformam em Enquanto a equipe técnica se utiliza instrumento de investigação para saber do momento de avaliação para planejar como o grupo se organiza para execução as suas ações, como os cursos a serem das tarefas, como podemos observar no oferecidos, os grupos de manejadores Quadro 1. podem identificar na avaliação Para cada etapa do manejo a ser avaliada, uma oportunidade de compartilhar foi definido um peso que descreve a experiências, reconhecer suas importância da atividade, segundo a potencialidades e dificuldades, pensar experiência dos técnicos e pesquisadores em estratégias para aperfeiçoar os do Instituto Mamirauá que assessoram métodos de controle e o planejamento. os sistemas de manejo. Esse peso O método segue as seguintes premissas: ele é sistêmico (1), ao avaliar o manejo em seus aspectos sociais, ambientais e econômicos; é claro e acessível (2), o 6 Segundo Amaral et al., 2013, os princípios que possibilita aos pescadores facilidade fundamentais do manejo participativo de em visualizar suas fraquezas e fortalezas pirarucu são a sustentabilidade ecológica, a justiça e equidade social e o retorno econômico

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é definido em porcentagem e tem Quando todos os critérios de avaliação relação direta para o estabelecimento forem considerados BONS, a área de do pedido de cota que é de no máximo manejo terá sua cota máxima de 30% dos 30% dos pirarucus adultos contados adultos contados solicitada. Isto porque, durante o levantamento do estoque entende-se que os princípios do manejo realizado anualmente por uma equipe estão sendo respeitados e que estão garantindo a conservação da espécie de pescadores do grupo. (respeito ao tamanho mínimo, período do defeso, controle de exploração, etc.).

Quadro 1. Etapas do processo de manejo participativo sustentável de pirarucu nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã.

Critério de avaliação Conceito Peso Perguntas diretivas

5% O grupo se reúne? Com que frequência? Quantos sócios participam? Os sócios se sentem livres para opinar? Todos falam? Como a diretoria/ Avalia-se o nível de coordenação reage as críticas? Procura responder organização do grupo de as dúvidas dos sócios? As decisões mais manejo considerando a importantes são tomadas em assembleia? Os participação dos sócios nas sócios conhecem quais as atribuições de cada Organização atividades de manejo ao membro da diretoria/coordenação? Os diretores longo do ano, frequência Coletiva cumprem seu papel? O presidente representa a nas reuniões, trabalho opinião da maioria? O acordo mantém recurso da diretoria, união do alocado para pagar despesas c/ o manejo ao longo grupo, formas de controle do ano? Quem gerencia o dinheiro do acordo/ financeiro, entre outros. associação/colônia? A prestação de contas é feita? Com que frequência? As informações são repassadas de forma clara?

5%

Avalia-se se o Regimento Interno do sistema contempla as normas de Existe um Regimento Interno? As regras são uso, o grau de atendimento claras? Existem dúvidas? O grupo respeita as Obediência às dessas normas a partir normas? As penalidades previstas têm sido do trabalho de vigilância aplicadas? Quais regras são mais fáceis de serem regras feito pelos próprios controladas? Quais as mais difíceis? Por quê? manejadores e, para os O Regimento Interno já foi revisto? Com que casos de descumprimento frequência? desses acordos, se há devida aplicação das penalidades.

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Avalia-se o respeito ao ordenamento espacial proposto na fase de implementação do manejo e O grupo compreende o que é o zoneamento? Para ao zoneamento das Reservas, que serve? A categoria dos lagos está definida assim como a existência ou 4% Zoneamento adequadamente? Cumprem com seu objetivo? O não de conflitos com outros grupo respeitou o zoneamento definido? grupos e/ou comunidades do entorno e sua eficiência enquanto ferramenta de conservação do recurso.

Avalia-se a efetividade Existe uma estratégia de proteção da área? Como do sistema de vigilância é feito? A atividade envolve todos os sócios? O Sistema de implementado pelo grupo de que um vigilante pode fazer? Como a diretoria/ manejadores, a frequência 4% coordenação sabe quem participou da atividade? Vigilância do mesmo, a participação ou Existem Agentes Ambientais participando da não dos sócios nas rondas e atividade? Como eles participam? Qual o seu o custos da atividade. papel?

Avalia-se o tamanho da Os contadores que realizam as contagens são população, a qualidade das capacitados? As equipes de contagem são contagens realizadas pelos acompanhadas pelo menos de um contador Levantamento de contadores, por sistema de certificado? Todas as informações solicitadas nas 3% Estoque manejo, e dos registros nas fichas de contagem preenchidas? As contagens fichas. Avalia-se também a são feitas de acordo com as orientações do curso formação dos contadores de contagem? O resultado das contagens se em cursos, certificações, etc. reflete no momento da pescaria?

O grupo conseguiu capturar toda cota solicitada? Avalia-se a capacidade do Em quanto tempo? A que se justifica o sucesso/ grupo em capturar toda insucesso na pesca? O grupo se reúne com Capacidade a cota solicitada e se os antecedência para planejar a execução da pesca? apetrechos utilizados são 3% Há divisão de tarefas? Como foi essa organização? Produtiva adequados e em número Quantos bodecos morreram durante a pesca? suficiente para a produção A que se justifica isso? Qual o peso e tamanho daquele determinado ano. médio dos peixes capturados? Há uma razão pra isso?

Quantos atuaram como monitores? O nº é Avalia-se a qualidade do suficiente? Todos passaram por treinamento? registro das informações A execução da atividade foi planejada e se coletadas durante a pesca e a desenvolveu de forma organizada? As informações organização dos monitores, 2% da produção foram verificadas ao final de cada Monitoramento considerando que esta dia e antes da entrega das fichas? Se as fichas etapa é fundamental para de monitoramento foram bem preenchidas e com a emissão das guias de letra legível? Poucos erros são encontrados pela trânsito e a comercialização. equipe técnica?

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Avalia-se o trabalho 2% da diretoria na busca de compradores e O grupo negociou com alguns dos nas negociações, o compradores presentes na Rodada de cumprimento dos Negócios? A venda foi formalizada por Comercialização prazos, tanto da chegada contrato? A logística e o pagamento do barco, entrega da ocorreram conforme o combinado? O preço produção e pagamentos, negociado cobre os custos e gera renda? e se a negociação foi formalizada através de contrato. Avalia-se se a distribuição de benefícios foi feita de forma transparente Os sócios conhecem os critérios para e justa e se há controle divisão de cota/ganhos estabelecidos no Distribuição dos sistemático da Regimento? A divisão segue estes critérios? 1% benefícios participação dos sócios Existem dúvidas e insatisfações com a nas atividades. Avalia-se divisão? Quais? Por quê? O que fazer para também se a diretoria melhorar? presta contas de forma devida. Quantos dos sócios beneficiados estão Avalia-se o número de presentes na reunião? A maioria dos sócios presentes na presentes expressa sua opinião sobre Avaliação reunião e a qualidade os temas discutidos? As informações 1% Participativa da participação dos apresentadas pelos manejadores relatam mesmos nas discussões e a realidade dos fatos? Houve discordância na votação. entre a opinião de técnicos e manejadores? Como a situação foi resolvida.

Dinâmica da reunião de avaliação que foi ruim? Como melhorar? (Todos os participantes têm direito de expressar Durante a reunião de avaliação suas opiniões). participativa, a seguinte dinâmica é c. Ao final da discussão, um relator realizada: em primeiro lugar, a equipe apresenta um resumo dos debates. técnica apresenta como será feita a d. São distribuídos papeis em branco reunião, os itens a serem avaliados são para que os pescadores e técnicos explicados detalhadamente, assim como avaliem a atividade por meio de seu o processo de votação e,em seguida, voto. As notas podem ser 1, 2, 3 e 4, cada um dos critérios é posto em e correspondem a ruim, fraco, bom e discussão na seguinte sequência: ótimo, respectivamente. a. Manejadores avaliam como foi a atividade ao longo do ano. Tabela de desempenho das áreas de a. O técnico responsável pelo manejo e interpretação dos resultados acompanhamento da área se manifesta Após a votação, calcula-se a média dos e apresenta seu parecer técnico com votos dos pescadores, dos votos dos relação à mesma. técnicos e, em seguida, obtém-se a b. Há um debate com base em três média ponderada para aquele critério perguntas básicas: O que foi bom? O (MF).

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MF = MT + MM e 2.9, subtende-se que este critério foi Onde: considerado entre FRACO e BOM, ou MF = média final seja, apesar de haver problemas com MT = média dos técnicos este ponto, o grupo já está buscando MM = média dos manejadores formas de resolvê-lo, ou ainda está Caso a média final do critério seja entre em tempo de recuperá-lo e por isso, 1.0 e 1.9, isso significa que os votantes receberá 50% do valor referente aquele (pescadores e técnicos) avaliaram o critério (ver tabela I). atendimento do critério entre RUIM Com a média final entre 3.0 e 4.0, e FRACO, devendo o grupo repensar ganhará 100% do valor do critério (tabela suas estratégias referentes a esse I), visto que, na avaliação, este ponto ponto. Portanto, ele não receberá a foi considerado como BOM ou ÓTIMO, porcentagem do peso daquele critério e atendendo, portanto, grande parte do no placar ele ficará com a cor vermelha que é esperado para ele. Os valores e a e com o valor 0. cor correspondentes à média final podem Quando a média final estiver entre 2.0 ser observados nas tabelas 1 e 2.

Tabela 1. Valor (%) e cor atribuídos a cada critério de acordo com a média final. Média Final Valor da Cota Cor 1.0 a 1.9 0% Vermelho 2.0 a 2.9 50% Amarelo 3.0 a 4.0 100% Verde

Tabela 2. Resultado da avaliação participativa em um sistema de manejo. Valores Valores Média dos Média dos máximos referentes Média Critérios votos dos DP votos dos DP referentes aos pesos Final Sócios Técnicos aos pesos dos das médias Critérios fi nais 1 Organização Coletiva 2,00 0,00 3,00 0,45 2,50 5,00% 2,50%

2 Contagem 3,00 0,00 1,75 0,50 2,40 5,00% 2,50%

3 Vigilância 2,00 0,00 2,00 1,00 2,00 4,00% 2,50%

4 Obediência as normas 2,75 0,50 3,00 0,00 2,90 4,00% 2,00%

5 Divisão de Benefícios 3,00 0,50 3,40 0,55 3,20 3,00% 3,00%

6 Capacidade de Pesca 3,30 0,00 4,00 0,00 3,65 3,00% 3,00%

7 Monitoramento 3,00 0,00 3,00 0,00 3,00 2,00% 2,00%

8 Zoneamento 3,30 0,50 3,40 0,55 3,35 2,00% 2,00%

9 Comercialização 3,00 0,00 3,00 0,00 3,00 1,00% 1,00%

10 Avaliação Anual 3,00 0,00 3,40 0,55 3,20 1,00% 1,00%

Total 30,0% 21,50%

Cota de pirarucu para 2012 113 81

223 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

Cálculo da cota a ser solicitada grupo de pessoas, com perfil e ideias Para se fazer a somatória dos pontos diferentes, mas que se dispusera a e obter o valor da cota de pirarucu, é realizar uma atividade em conjunto, e preciso atribuir valores a cada critério sob a orientação de atores externos, de avaliação com base nas tabelas 1 e que propõem procedimentos diferentes 2. A somatória dos valores de todos os daqueles habitualmente vivenciados na critérios avaliados resultará na cota a pesca de caráter individual ou familiar. ser solicitada para a próxima safra. No Sendo assim, conhecer as fragilidades exemplo abaixo, o sistema de manejo desta atividade representa ser capaz de recebeu cota de 21,5% dos pirarucus analisar a situação e propor estratégias adultos contados nos corpos d’água. para melhoria. O manejo participativo de pirarucu Sistemas de manejo avaliados e período é uma medida de conservação de análise relativamente nova. Atualmente, o Neste capítulo, relata-se a experiência de direito de uso deste recurso está aplicação do novo método de avaliação garantido legalmente apenas àqueles participativa em cinco sistemas de que adotam um conjunto de medidas manejo participativo de pirarucu com regulatórias7. Como por exemplo, a pelo menos cinco anos de existência e organização do grupo de usuários para assessorados pelo Instituto Mamirauá, efetuar a proteção da área, o respeito nas RDS Mamirauá e Amanã. Os sistemas às leis de tamanho mínimo8 e defeso9, foram denominados de sistemas A, B, C, o uso de estratégias de pesca menos D e E. Os anos analisados foram 2011 e impactantes, a venda da produção a um 2012. melhor preço para melhorar a renda familiar e diminuir a pressão sobre o Parte 3: Efeitos da avaliação recurso. Propor uma avaliação nestes participativa sobre as ações dos agentes moldes significa estar disposto a correr do manejo riscos. O risco principal está no grupo A avaliação participativa é uma de manejo, não compreendendo o ferramenta metodológica aplicada a propósito da avaliação, procurar atribuir todas as etapas do sistema de manejo, notas que não traduzem o teor das detalhando os acontecimentos, na discussões, numa estratégia de alcançar tentativa de identificar os fatores que influenciam para o êxito ou insucesso das etapas num determinado momento. 7 O manejo de pirarucus é regulado pela Instrução As informações obtidas podem alarmar Normativa do IBAMA nº 1, de 1º de junho de o grupo em um primeiro momento, 2005. 8 Tamanho mínimo de captura de pirarucus no levando alguns a questionar a estado do Amazonas é regulado pela Portaria efetividade do manejo. No entanto, o do IBAMA, n0 8, de 2 de fevereiro de 1996 propósito de conhecer os problemas é e publicada no Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 fev. 1996. encará-los como fragilidades, inerentes 9 O período de defeso no estado do Amazonas é a uma atividade que envolve um regulado pela Instrução Normativa do IBAMA nº 34, de 18 de junho de 2004.

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uma média final que permita o ganho interno10 e do bom desempenho em da pontuação total em cada critério, e todas as etapas. Em 2012, houve a troca que resulte ao final, na obtenção da cota da diretoria da Associação Comunitária máxima de 30% dos pirarucus adultos e com isso a necessidade de repactuar contados. Ainda que isso ocorra, a nota os compromissos e fazer cumprir as dos técnicos será o fator de equilíbrio. normas estabelecidas pelo grupo, para Por exemplo, se a nota do grupo for 4,0 e ganhar a confiança e o respeito dos a dos técnicos 1,0 a soma corresponderá demais, fatores indispensáveis a uma a 5,0 e a média final a 2,5 que resultará boa gestão. Ademais, o distanciamento na obtenção da metade da porcentagem do representante da Colônia de daquele critério. O grupo já terá Pescadores que fazia parte do acordo discorrido sobre a etapa, levantando de pesca em 2012, em função de seu pontos positivos e negativos, e afastamento para candidatar-se a propondo medidas para melhoria, o que vereador, repercutiu negativamente no subsidiará o planejamento da assessoria processo de comercialização e na divisão para atuar no ano seguinte nos pontos dos benefícios. Em virtude disso, a cota de maior fragilidade. obtida pelo grupo na avaliação de 2012 A seguir fazemos uma descrição das caiu para 26,5% dos adultos contados, atividades de avaliação participativa em que correspondeu a uma cota de 1.247 cinco sistemas de manejo de pirarucu pirarucus (Tabela 3). nos anos de 2011 e 2012. Como a coordenação dos trabalhos ficou a cargo da Associação Comunitária, sem Sistema A que houvesse o devido acompanhamento O sistema de manejo A, envolve dos outros membros do grupo não se atualmente, pescadores de comunidades aplicaram as penalidades previstas no de uma unidade de conservação e regimento interno a quem descumprisse pescadores urbanos de uma colônia as regras. de pescadores que estão trabalhando A divisão de benefícios não foi feita de em conjunto por meio de um acordo forma adequada, porque não considerou de pesca. O acordo de pesca é aqui os adiantamentos dos sócios, o que entendido como os acertos formais ou resultou na necessidade de acessar parte informais entre grupos de usuários para do fundo de manutenção para pagar os o uso coletivo de recursos pesqueiros membros do grupo. de uma determinada área. Em 2011, A nota da avaliação do item o sistema de manejo beneficiou, por “comercialização” refletiu a condição decisão do grupo envolvido, apenas os do grupo da Associação Comunitária pescadores da Associação Comunitária e não da Colônia de Pescadores. Durante a avaliação participativa do manejo de 2011, o sistema A obteve 10 Documento que reúne as regras estabelecidas nota máxima e alcançou a cota total por um grupo para regulamentar o seu funcio- namento. No manejo, esse documento direciona permitida de 30% dos adultos contados. a execução do trabalho dos pescadores e de sua A nota representou o mérito do grupo coordenação e serve de mecanismo de controle, a partir da aprovação do regimento monitoramento e avaliação para a equipe técnica (AMARAL et al., 2013).

225 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

Tabela 3 - Avaliação do Sistema A. Critério Média 2011 Média 2012 Desempenho 1 Organização Coletiva 3,70 3,3 -0,4 2 Contagem 3,05 3,6 0,5 3 Vigilância 3,30 3,2 -0,1 4 Obediência às normas 3,35 2,8 -0,5 5 Divisão de Benefícios 3,35 2,9 -0,4 6 Capacidade de Pesca 3,70 3,7 0,0 7 Monitoramento 3,75 3,5 -0,3 8 Zoneamento 3,45 3,0 -0,5 9 Comercialização 3,30 3,0 -0,3 10 Avaliação Anual 3,60 3,59 0,0 Cota 30,00% 26,5% -3,5%

que esteve sozinho à frente desta etapa, que, além de participar do manejo da aceitando a repesagem da produção, área em questão, também realizam a mesmo havendo ficado acertado em pesca comercial em outros lugares. contrato que a produção seria paga pelo Na primeira avaliação participativa, o peso do monitoramento. debate demonstrou que havia grandes Nota-se que a avaliação participativa dificuldades na organização coletiva, demonstrou que na maioria dos critérios vigilância, obediência às normas e o Sistema A teve um pior desempenho divisão de benefícios (Tabela 4), o que de 2011 para 2012. Embora isso possa levou a assessoria a definir para 2012 parecer alarmante, na verdade era a realização do Curso Educação para esperado, pois foi apenas em 2012 que o Manejo, voltado principalmente aos todos os grupos envolvidos no Acordo diretores da organização, visto que, os foram avaliados, e, como foi o primeiro sócios atribuíam a eles, o pouco poder ano de trabalho conjunto entre os de mobilização do grupo e falta de zelo usuários, as dificuldades foram muito pelo bom cumprimento das etapas do maiores do que aquelas enfrentadas pela manejo, principalmente no que diz Associação Comunitária em 2011. De respeito à aplicabilidade das normas qualquer forma, a Tabela 1 mostra que o contidas no regimento interno. método também permite acompanhar a A partir da elaboração do regimento evolução do desempenho dos sistemas interno e dos treinamentos realizados de manejo ao longo dos anos. com o grupo foi possível perceber alguns avanços na organização coletiva. Sistema B No entanto, a avaliação permitiu Este sistema envolve uma Colônia de observar que poucos sócios se pescadores urbanos que maneja, há dez expressam nas reuniões; há decisões anos, um sistema de lagos dentro da do grupo que não estavam sendo RDSM. O sistema envolve um grande cumpridas pela diretoria, mas também número de pescadores (mais que 400) há críticas infundadas aos diretores, que

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adotam respostas duras que acirram avaliação. Também em função disso, em os conflitos internos; a comunicação 2011, o grupo de manejadores obteve entre diretoria e sócios para repasse nota baixa e apenas 22% da cota de de informações ainda é falho, gerando pirarucus (Tabela 4). muitas dúvidas, principalmente em A vigilância é um desafio para este relação aos investimentos feitos com o grupo, pois é custeada pela própria recurso de 15% do faturamento líquido colônia e não conta com a atuação de do manejo direcionado à Colônia. Na agentes ambientais. Ademais, o sistema avaliação de 2011, por exemplo, alguns de vigilância não consegue envolver a sócios que se opunham à diretoria eleita, totalidade dos que são beneficiados com tentaram prejudicá-la dando baixíssimas o manejo, havendo falhas no rodízio, no notas para alguns critérios que refletiam cumprimento integral do período e no exclusivamente a ação da diretoria, repasse de informações entre as equipes tentando manipular o resultado da no momento da troca.

Tabela 4 - Avaliação do Sistema A. Critério Média 2011 Média 2012 Desempenho

1 Organização Coletiva 2,70 3,1 0,4 2 Contagem 3,90 3,8 -0,07 3 Vigilância 2,80 2,7 -0,13 4 Obediência às normas 2,80 2,8 0,0 5 Divisão de Benefícios 2,80 2,9 0,1 6 Capacidade de Pesca 3,45 3,6 0,1 7 Monitoramento 3,15 3,4 0,3 8 Zoneamento 3,60 3,5 -0,1 9 Comercialização 3,60 2,7 -0,9 10 Avaliação Anual 3,55 3,2 -0,39 Cota 22,00% 24,0% 2,0%

Em 2012, os problemas persistiram, do grupo, resultando na definição de com um agravante na questão da um pedido de cota para 2013 de 3.196 comercialização, uma vez que, os peixes, equivalente a 24% do número de sócios da colônia demonstraram-se pirarucus adultos contados. insatisfeitos com a forma com que o No item obediência às normas, percebeu- processo de negociação da produção se que ainda houve o desrespeito por foi conduzido pelos diretores. Apesar parte de alguns sócios às regras do de, até o início da temporada de pesca, estatuto e do regimento, embora em ainda haver pendências no pagamento número bem menor, se comparado da produção de 2011 por parte do a outros anos. Um fato marcante em comprador, os diretores voltaram a 2012, que causou atrito na relação negociar com o mesmo. A falta de entre assessoria técnica e o grupo pagamento repercutiu, principalmente, de manejadores, foi a continuidade no enfraquecimento do sistema de da pesca depois da data de início do vigilância. Isso se refletiu na avaliação

227 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus defeso. Da parte dos manejadores ainda diferença muito grande no sistema houve manifestação de insatisfação com em questão (Tabela 5). Mesmo depois a forma de distribuição dos benefícios, de expostas todas as fragilidades do que afirmaram haver favorecimento sistema, as notas atribuídas aos critérios de alguns sócios mais próximos à pelos pescadores foram muito mais altas diretoria. No monitoramento, a nota que as notas de técnicos, mostrando que atribuída pela assessoria técnica refere- as notas não refletiram as discussões. se, principalmente, à demora na entrega Isso já havia ocorrido também em 2011. das fichas originais de monitoramento, Portanto, deve-se analisar melhor a necessárias para inserção dos dados adequação do método de avaliação complementares do banco de dados participativa para determinação que subsidia as análises e a elaboração de cotas em casos como este. do relatório técnico. A nota atribuída ao Neste sistema, o método de avaliação item comercialização foi resultante da participativa foi importante para venda da produção não haver se dado orientar as ações da assessoria técnica, por meio de contrato, bem como no que identificou a necessidade de mais atraso no pagamento. acompanhamento da diretoria da Na maioria das avaliações participativas Colônia de pescadores, e a realização realizadas em outros sistemas, não de mais cursos de “educação para o há uma diferença significativa entre manejo”, pois os técnicos notaram que os as notas atribuídas por técnicos e membros do sistema não se apropriaram pescadores, mas em 2012, há uma devidamente desses princípios.

Tabela 5 - Avaliação do Sistema B em 2012. Média Valores Valores dos Média dos máximos referentes Critérios votos DP votos dos DP Média Final referentes aos pesos das dos Técnicos aos pesos dos médias finais Sócios Critérios

1 Organização Coletiva 3,5 0,7 2,7 0,5 3,1 5,0% 5,0%

2 Contagem 3,9 0,4 3,8 0,4 3,8 5,0% 5,0%

3 Vigilância 3,1 0,8 2,2 0,6 2,7 4,0% 2,0%

4 Obediência as normas 3,4 0,6 2,1 0,6 2,8 4,0% 2,0%

5 Divisão de Benefícios 3,3 0,9 2,6 0,7 2,9 3,0% 1,5%

6 Capacidade de Pesca 3,7 0,6 3,4 0,5 3,6 3,0% 3,0%

7 Monitoramento 3,6 0,7 3,2 0,4 3,4 2,0% 2,0%

8 Zoneamento 3,7 0,6 3,3 0,7 3,5 2,0% 2,0%

9 Comercialização 3,2 0,8 2,2 0,4 2,7 1,0% 0,5%

10 Avaliação Anual 3,1 0,8 3,2 0,8 3,2 1,0% 10%

Total 30,0% 24,0%

Cota de pirarucu para 3.995 3.196 2012

Cota de pirarucu para 3.196 2013

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Sistema C do período estabelecido para a pesca Este sistema envolve um grupo de coletiva. 12 pescadores de diversas comunidades Com relação ao zoneamento , o situadas dentro da RDSM que maneja, debate que ocorreu durante a avaliação há mais de dez anos, um sistema de participativa de 2011 demonstrou que, lagos. O grupo historicamente se embora o grupo tivesse oficialmente destacou por ter uma forte organização lagos de preservação no sistema coletiva e pela atuação dos sócios nas de zoneamento, estes não estavam etapas do manejo e, por isso, em anos cumprindo com essa finalidade, anteriores, quase sempre conseguia visto que, os membros do grupo os obter a cota máxima de 30%. Mas com utilizavam para manutenção, pois as a avaliação participativa em 2011 e comunidades teriam poucos lagos a inclusão de todos os critérios do para sua alimentação. Além disso, manejo no diagnóstico do desempenho os manejadores recém-ingressados do grupo, algumas fragilidades foram ao grupo afirmavam desconhecer a detectadas nos itens vigilância e definição da categoria de uso dos lagos zoneamento. O problema identificado estabelecida pelo grupo. na vigilância devia-se ao fato de que No ano de 2012, o grupo não registrou a responsabilidade pela execução a morte incidental de bodecos desta atividade estava sendo atribuída (pirarucus juvenis) durante a pesca e unicamente aos agentes ambientais isso refletiu na perda de pontos no voluntários11. Os pescadores não se item “monitoramento”. Outro tema envolviam na atividade, tornando-a que resultou em perda de pontos foi a menos eficiente, uma vez que o grupo comercialização, pois o pagamento foi só atuava quando demandado com realizado além do prazo estabelecido bastante insistência pelos agentes, em contrato. Essas questões fizeram que também são manejadores e têm com que o grupo obtivesse na avaliação participação nos ganhos provenientes do 28,5% do número de pirarucus adultos manejo. Ao detectar essa fragilidade, os contados. próprios membros do grupo decidiram, Ainda que o grupo tenha alcançado posteriormente, ajustar o sistema de média satisfatória em 80% dos proteção da área, definindo como um critérios avaliados, confirmando o dos critérios para obtenção de cota, a bom desempenho organizacional, a participação nas rondas de vigilância, o avaliação serviu para que a assessoria que inclusive, diminuiu o uso dos lagos tomasse conhecimento de situações na categoria de comercialização fora que influenciaram a execução das

11 Os participantes de mutirões ambientais, 12 O zoneamento de lagos consiste em definir indicados por entidades civis ambientalistas ou três tipos de uso aos ambientes a partir afins, devidamente treinados e credenciados pela de suas características: preservação (não Coordenação Geral de Fiscalização Ambiental uso); manutenção (uso para subsistência) e do IBAMA que atuam na vigilância e proteção comercialização (uso coletivo na pesca comercial ambiental de um território. manejada).

229 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus etapas do manejo. Dentre elas, o fato As médias mais baixas atribuídas, tanto de que são poucos os comunitários pelos manejadores quanto pela equipe que complementam a renda com outra técnica foram nos itens monitoramento atividade, ocasionando uma pressão e comercialização. Foram reconhecidas maior sobre o recurso pesqueiro ao as fragilidades no monitoramento dos longo do ano e, consequentemente, o bodecos; e na comercialização, pois descumprimento das regras por parte o grupo não barganhou e negociou a de alguns membros do grupo. Outro produção com o primeiro comprador que problema encontrado, foi o alto índice demonstrou interesse pela produção. de inadimplência com a associação. Ademais, o pagamento não ocorreu de A não participação de mulheres nas acordo conforme o estabelecido em atividades de manejo de pesca do grupo contrato. também foi apontada como um fator O emprego do método de avaliação negativo. A estabilidade, ou possível participativa demonstrou resultados declínio nas contagens, é resultado de satisfatórios neste sistema, pois invasões e pesca feita por moradores possibilitou que os próprios pescadores durante a época da cheia e no período identificassem algumas falhas que antes anterior a contagem; devido à morte de não eram publicamente discutidas, bodecos durante a pesca de tambaqui; como o fato dos agentes ambientais e a vegetação presente nos ambientes ficarem com toda a responsabilidade que tem dificultado as contagens de sobre as rondas de vigilância. pirarucus nesses locais.

Tabela 6 - Avaliação do Sistema C. Critério Média 2011 Média 2012 Desempenho 1 Organização Coletiva 3,50 3,1 -0,4 2 Contagem 3,25 3,6 0,3 3 Vigilância 2,50 3,1 0,6 4 Obediência às normas 3,10 3,3 0,2 5 Divisão de Benefícios 3,80 3,4 -0,4 6 Capacidade de Pesca 3,65 3,5 -0,2 7 Monitoramento 3,75 2,8 -1,0 8 Zoneamento 2,50 3,4 0,9 9 Comercialização 3,50 2,8 -0,7 10 Avaliação Anual 3,50 3,9 0,4 Cota 27,00% 28,5% 1,5%

Sistema D Este sistema envolve um acordo de conjuntamente, protegem um sistema pesca entre grupo de pescadores de lagos historicamente usado na pesca urbanos e pescadores de comunidades comercial da região. O grupo fez sua residentes na RDS Amanã que, primeira pesca manejada em 2007.

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Em 2011, os debates mostraram grande que ocorreram na área de manejo; insatisfação dos membros do acordo isso fez com que alguns sócios não com a organização coletiva, atribuída tivessem clareza sobre as atribuições às informações contraditórias advindas das coordenações e as regras do de membros da coordenação do regimento. No que diz respeito ao acordo sobre a forma como realizar critério obediência às normas, muitas as atividades e também, devido a penalidades deixaram de ser aplicadas, falta de comando do grupo. Em 2012, devido à omissão dessas informações essa desarticulação da equipe de nos relatórios produzidos pelos coordenação das colônias de pescadores coordenadores das equipes de vigilância. fez com que a avaliação desse critério Ao avaliar a comercialização, as se mantivesse baixa. Os problemas com evidências eram de que a negociação a organização coletiva repercutiram em com o comprador da produção não problemas com a vigilância, a obediência havia sido exitosa, uma vez que, as às normas, comercialização e avaliação embarcações não foram disponibilizadas anual. A fragilidade em administrar na época prevista, resultando em a participação dos beneficiários do algumas interrupções na captura; e manejo na vigilância fez com que, principalmente, que o pagamento total em determinados momentos, a área da produção ainda estava pendente. tivesse 20 pessoas atuando e em outros Diante dessa situação, a colônia para momentos, apenas duas pessoas, sem efetuar o repasse aos pescadores teve intensificar esforço na vigilância noturna que acessar recursos próprios. Esses e sem a atuação de agentes ambientais. acontecimentos tiveram forte influência Isso pôs em risco a proteção da área, em todos os critérios avaliados, o que bastante visada por pescadores urbanos gerou o resultado final de 22,5%. alheios ao acordo. A fragilidade do O desempenho do sistema piorou em sistema de vigilância tem impactado a 2012 e isso está refletido na avaliação população de pirarucus que apresentou participativa que diminuiu em cinco uma redução nos últimos 02 anos. pontos percentuais a cota. Neste caso, O grupo relatou que houve reduzida as evidências mostram que o grupo não participação de sócios nas assembleias utilizou o método para definir estratégias

Tabela 7 - Avaliação do Sistema D. Critério Média 2011 Média 2012 Desempenho

1 Organização Coletiva 2,80 2,9 0,1 2 Contagem 3,25 3,5 0,3 3 Vigilância 3,50 2,9 -0,6 4 Obediência às normas 3,10 2,9 -0,2 5 Divisão de Benefícios 3,80 3,3 -0,5 6 Capacidade de Pesca 3,60 3,3 -0,3 7 Monitoramento 3,75 3,0 -0,7 8 Zoneamento 3,25 3,5 0,2 9 Comercialização 3,50 2,6 -0,9 10 Avaliação Anual 3,50 3,0 -0,5 Cota 27,50% 22,5% -5,0%

231 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus para mitigar os problemas encontrados já haviam flagrado por algumas vezes, em 2011. Além disso, a ausência de mais pescadores de áreas vizinhas tentando de 70% dos membros do grupo durante pescar nas áreas de manejo. a avaliação participativa demonstra que Em 2012, o problema com a vigilância os mesmos não consideraram essa uma não foi totalmente superado, embora ferramenta importante para o manejo. tenha melhorado. Fatores como a carência de atuação de agentes Sistema E ambientais e a presença de barcos O sistema E envolve um grupo de transportando produtos ilegais na área pescadores de quatro comunidades de do setor, ainda exige muito empenho e um mesmo setor da RDS Amanã que investimentos nesta etapa do manejo. compartilha o uso de um sistema de Na avaliação participativa em 2012, lagos desde 2008. Em 2011, a avaliação ficou evidente que os procedimentos participativa evidenciou fragilidades na equivocados adotados durante as contagem e no sistema de vigilância contagens anteriores haviam sido da área. Na contagem perceberam- corrigidos, mostrando os efeitos das se incertezas quanto à aplicação do ações de capacitação realizadas pela método, visto que, alguns contadores assessoria técnica. No que diz respeito estavam deixando de contar a totalidade ao zoneamento da área, veio à tona a dos pirarucus juvenis (de 100 a 149 cm), discussão sobre os novos ambientes uma vez que, estes não têm influência na listados e contados, que não haviam sido definição da cota. No entanto, é como descritos, nem ao menos mencionados base no número de indivíduos juvenis que durante a implementação do manejo. se analisa a sustentabilidade do sistema O grupo esclareceu que ao iniciar as ao longo dos anos de manejo, avaliação ações de manejo relacionou apenas de possíveis tendências de crescimento quatro ambientes, nos quais iniciou o ou estabilidade da população. Para levantamento do estoque de pirarucus. trabalhar essa fragilidade do grupo, No entanto, com o bom desempenho a assessoria promoveu um novo das ações de manejo, outros ambientes treinamento, para esclarecer dúvidas e que até então não continham pirarucus padronizar os procedimentos entre os começaram a apresentar indivíduos contadores do acordo. dessa espécie e em bom número, o Quanto à vigilância, o grupo só que levou os manejadores a incluíram estava atuando no período da seca, estes novos ambientes na contagem, considerando que durante a cheia, os sem relacioná-los no sistema de pirarucus dispõem de um número maior zoneamento. Portanto, seria necessário de áreas que servem de esconderijo, rever o sistema de zoneamento da dificultando sua captura. Entretanto, área, uma vez que, o grupo relatou ter durante a avaliação, os participantes dúvida em relação aos limites das áreas consideraram que o sistema não se de manutenção e comercialização, dada demonstrava eficiente, visto que, os a proximidade destas áreas com áreas agentes ambientais voluntários do setor utilizadas por outras comunidades do setor.

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Tabela 8 - Avaliação do Sistema E. Critério Média 2011 Média 2012 Desempenho 1 Organização Coletiva 3,35 3,4 0,1 2 Contagem 2,50 3,4 0,9 3 Vigilância 2,60 2,9 0,3 4 Obediência às normas 3,30 3,3 0,0 5 Divisão de Benefícios 3,50 3,8 0,3 6 Capacidade de Pesca 3,85 3,1 -0,7 7 Monitoramento 3,60 3,2 -0,4 8 Zoneamento 3,70 2,5 -1,2 9 Comercialização 3,85 3,7 -0,2 10 Avaliação Anual 3,10 3,6 0,5 Cota 25,50% 27,0% 1,5%

Ficou claro que a aplicação do método maneira a envolver e contemplar as de avaliação participativa teve efeitos três partes interessadas, uma vez que, positivos sobre este sistema de manejo, as coordenações estão estabelecidas servindo para orientar tanto a assessoria geograficamente distantes. técnica em relação às necessidades Mais importante foi notar que a de treinamento do grupo, quanto os aplicação do método de avaliação próprios pescadores que entenderam participativa possibilitou evidenciar que deveriam tomar medidas para fragilidades das organizações na melhorar o sistema de vigilância da execução de atividades que só tornam- área e sua atuação no levantamento de se exitosas quando envolvido o coletivo estoques. dos beneficiados com o manejo. E que não eram discutidas ou equacionadas pelo grupo porque eram enfrentadas por CONCLUSÕES uma pequena parte do mesmo, como no Os resultados da aplicação do método caso dos problemas de vigilância da área de avaliação participativa entre divulgados pelos agentes ambientais os anos de 2011 e 2012 nos cinco do sistema C. A publicidade desses sistemas tratados aqui mostram que problemas ou a inclusão deles na agenda três deles apresentaram melhorias de de discussão do grupo, possibilitou a desempenho. Dois sistemas tiveram formulação de estratégias endógenas pior desempenho, mas em relação ao que melhoraram o sistema de vigilância sistema A, esse resultado era esperado da área. já que apenas em 2012 todas as partes A avaliação participativa permitiu do acordo de pesca realmente se também uma discussão mais profunda envolveram no manejo, assim apenas sobre aspectos do processo de manejo no segundo ano, novos desafios foram considerados triviais, visto que, já impostos ao grupo, tais como: planejar, vinham sendo aplicados por muito comercializar e dividir benefícios de tempo, como a questão da aplicação

233 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus do método de contagem ou o próprio saber tradicional e do conhecimento zoneamento da área. Esses aspectos técnico-científico, na implementação eram pouco discutidos anteriormente, e execução do manejo. O método pois as avaliações se concentravam nos de avaliação participativa deve ser problemas mais importantes, como o considerado como uma ferramenta para sistema de vigilância e a organização auxiliar a cogestão e, por isso, deve ser coletiva. Uma avaliação sistêmica e totalmente adaptável ao contexto em detalhada de todos os aspectos do que se insere, mas sempre integrando os manejo possibilitou identificar os princípios básicos de sustentabilidade problemas e a definir estratégias para ecológica, social e econômica. abordá-lo. Temos observado nestes dois anos de REFERÊNCIAS aplicação do método, que as notas atribuídas pelos grupos de manejadores AMARAL, E. S. R. O Manejo comunitário de e pelos técnicos não destoaram, salvo pirarucu (Arapaima gigas) como alternativa em poucos casos, e algumas vezes a econômica para os pescadores das RDS’s avaliação dos grupos por intermédio das Amanã e Mamirauá, Amazonas, Brasil. notas parece ser ainda mais criteriosa Dissertação (Mestrado em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local que a avaliação dos técnicos. Isso nos na Amazônia) – Núcleo do Meio Ambiente, mostra que os grupos têm demonstrado Universidade Federal do Pará, Belém, 2009. interesse em usar a avaliação participativa para melhorar sua atuação. AMARAL, E.; GONÇALVES, A.; SOUSA, I. No sistema B, entretanto, nos dois Manejo de pirarucu (Arapaima gigas) em anos de aplicação do método, houve lagos de várzea de uso compartilhado entre pescadores urbanos e ribeirinhos: Baseado uma tendência dos membros do grupo na experiência de cogestão dos recursos de tentarem manusear os resultados pesqueiros na área do Complexo de Lagos da avaliação, seja para prejudicar a Pantaleão, na Reserva de Desenvolvimento diretoria, seja para aumentar a sua cota Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. Tefé: de pirarucus. Isso mostra que o método IDSM, 2013. (Série Protocolos de Manejo dos pode não ser adequado para definir as Recursos Naturais, 2) taxas de extração dos recursos naturais AMARAL, E.; QUEIROZ, H. Estabelecimento em alguns sistemas. No caso do sistema de cotas sustentáveis de pirarucu (Arapaima B, isso pode estar ocorrendo devido gigas) com base em outros indicadores além ao número elevado de pescadores das contagens. Seminário Anual de Pesquisa envolvidos. do IDSM. Tefé: IDSM, 2011. Os resultados positivos da aplicação do método de avaliação participativa ARANTES C. C., SERQUEIRA D. G. & CASTELLO também são frutos de uma relação L. Densidades de pirarucu (Arapaima gigas, de confiança construída ao longo de Teleostei, Osteoglossidae) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e anos, marcada por erros e acertos de Amanã, Amazonas, Brasil. UAKARI, v. 2, p. ambas as partes, e principalmente, pelo 37- 43, 2006. reconhecimento da importância do

234 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta

ARANTES, C.; CASTELLO, L.; CETRA, Amazon. Environmental Management, v. 43, M.; SCHILLING, A. 2011. Environmental n. 2, p.197 - 209, 2009. influences on the distribution of arapaima CASTELLO, L. 2008. Re-pensando o estudo e in Amazon floodplains. Environ Biology of o manejo da pesca no Brasil. Pan-American Fishes, p. 1-11, sep. 2011. Journal of Aquatic Sciences, v. 3, n. 1, p. 18 ARANTES, C.; CASTELLO, L. Implicações - 22, 2008. da biologia, ecologia e contagens para o COHEN, J. Deliberation and Democratic manejo do pirarucu. In: FIGUEIREDO, E. S. Legitimacy. IN: BOHMAN, J.; REHG, W. A. (Org.). Biologia, conservação e manejo Deliberative democracy: essays on reason participativo de pirarucus na pan-Amazônia. and politics. Cambridge, Massachusetts: The Tefé: IDSM, 2013. p. 33-42. MIT Press, 1997. BERKES, F. Community-based conservation HOLLAND, D. S. Management Strategy in a globalized world. PNAS. v. 104, n. 39, p. Evaluation and Management Procedures: 15188–15193, 2007. Tools for Rebuildingand Sustaining BERKES, F. Evolution of co-management: Fisheries”. OECD Food, Agriculture and Role of knowledge generation, bridging Fisheries Papers, n. 25, p. 1 - 65, 2010. organizations and social learning. Journal of Disponível em: http://www.oecd-ilibrary.org/ Environmental Management, v. 90, p. 1692 agriculture-and-food/oecd-food-agriculture- - 1702, 2009. and-fisheries-working-papers_18156797. BESSA, J. D. O.; LIMA, A. C. Manejo de Pesca LIMA-AYRES, D. The social category caboclo: do pirarucu (Arapaima Gigas) no Estado do history, social organization, identity and Amazonas: Erros, Acertos e Perspectivas outsider’s local social classification of the Futuras. Seminário Internacional de rural population of an Amazonian region. Ciências do Ambiente e Sustentabilidade PhD Thesis. Cambridge University. 1992. na Amazônia. Universidade Federal do 302f. Amazonas, Manaus. 2010. POMEROY, R. Community-based and co- BOHMAN, J.; REHG, W. Introduction. management institutions for sustainable Deliberative democracy: essays on reason coastal fisheries management in Southeast and politics. Cambridge, Massachusetts: The Asia. Ocean Costal Management, v. 27. n. 3, MIT Press, 1997. p. 143 - 162, 1995. BORRINI-FEYERABEND, G., Co-management POMEROY, R. S.; BERKES, F. Two to tango: of Natural Resources: Organising, the role of government in fisheries co- Negotiating and Learning by Doing, IUCN, management. Marine Policy, v. 21, n. 5, p. Yaoundé, Cameroon, 2000. 465 - 480, 1997. CARLSSON, L.; BERKES, F. Co-management: POMEROY, R. A process for community- concepts and methodological implications. based fisheries co-management. NAGA – The Journal of Environmental Management, v. ICLARM Quarterly, v. 21, n. p. 71 - 76, 1998 75, p. 65 -76, 2005. QUEIROZ, H. L.; PERALTA, N. Reservas de CASTELLO, L. A method to count pirarucu: Desenvolvimento Sustentável: Manejo fishers, assessment and management. North Integrado de Recursos Naturais e Gestão American Journal of Fisheries Management, Participativa. In: GATAY, I.; BECKER, B. (Org.). v. 24, p. 379 - 389, 2004. Dimensões Humanas da Biodiversidade. Petrópolis: Editora Vozes, 2006. CASTELLO, L. Lessons from Integrating Fishers of Arapaima in Small-Scale Fisheries QUEIROZ, H. L.; SARDINHA, A. D. A Management at the Mamiraua Reserve, preservação e o uso sustentado dos pirarucus (Arapaima gigas, Osteoglossidae) em

235 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus

Mamirauá. In: QUEIROZ, H. L.; CRAMPTON, VIANA, J. P. et al. Manejo Comunitário do W. G. R. (Org.). Estratégias para manejo dos pirarucu Arapaima gigas na Reserva de recursos pesqueiros em Mamirauá. Brasília: Desenvolvimento Sustentável Mamirauá SCM; CNPq/MCT, 1999. 208 p. - Amazonas, Brasil. In: ÁREAS Aquáticas RATNER, B. D; OH, E. J. V; POMEROY, R. S. Protegidas como Instrumento de Gestão Navigating change: Second-generation Pesqueira. Brasília: Ministério do Meio challenges of small-scalefisheries co- Ambiente; IBAMA, 2007. p. 239-261. (Série management in the Philippines and Vietnam. Áreas Protegidas do Brasil, v. 4) Journal of Environmental Management, v. ZACHRISSON, A. Deliberative democracy 107, p. 131 - 139, 2012. and co-management of natural resources: ROSENAU, J. N. Governança, ordem e snowmobile regulation in western Sweden. transformação na política mundial. In: International Journal of the Commons. v. 4, ROSENAU, J. N.; CZEMPIEL, E. O. Governança n. 1, p. 273 - 292, 2010. sem governo: ordem e transformação na política mundial. Brasília: Editora UnB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. SMITH, D. M; SAINSBURY, K. J.; STEVENS R. A. Implementing effective fisheries- management systems–management strategy evaluation and the Australian partnership approach. ICES Journal of Marine Science, v. 56, p. 967 – 979, 1999.

236 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes

Parte III

Experiências de manejo participativo

de pirarucus na Pan-Amazônia

237

A GOVERNANÇA NO MANEJO DE PIRARUCU NA RESERVA EXTRATIVISTA DO BAIXO JURUÁ, AMAZONAS

Paula Soares Pinheiro1, Raimundo Ferreira Lima2, João da Silva Ferreira2, Jusecleide Gomes Ferreira2, Marcelo Costa Ferreira2, Tatiana Maria Machado de Souza3, Isaura de Oliveira Bredariol3 e Ana Luiza Castelo Branco Figueiredo3

RESUMO para o sucesso do manejo é o repasse de poder às comunidades no processo Este artigo descreve a experiência de tomada de decisão, o qual deve ser de manejo de pirarucu da Reserva acompanhado do esforço conjunto Extrativista (RESEX) do Baixo Juruá, das comunidades, suas representações AM, com enfoque na governança pelas e governo na vigilância de lagos, comunidades e instituições cogestoras fiscalização e organização da atividade. da RESEX (associação-mãe e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). O manejo é realizado INTRODUÇÃO em seis áreas e envolve 95 pessoas O manejo de pirarucu é a principal de nove comunidades da RESEX. A estratégia de conservação dos recursos comparação da governança nos sistemas pesqueiros aliada à organização social e de manejo em relação ao aumento ou geração de renda na Reserva Extrativista diminuição nas populações de pirarucu (RESEX) do Baixo Juruá, no estado do ao longo do tempo sugere que a Amazonas. Um fator preponderante organização comunitária, respaldada e para o sucesso do manejo é o repasse apoiada pelas instituições, é essencial de poder às comunidades no processo para a conservação dos recursos de tomada de decisão. As comunidades pesqueiros. Um fator preponderante têm autonomia para elaborar regras

1 Escola de Recursos Naturais e Meio Ambiente, 103 Black Hall, Universidade da Flórida, PO Box 116455, Gainesville, FL 32611, Estados Unidos. E - mail: [email protected] 2 Associação dos Trabalhadores Rurais de Juruá, Rua Senador João Bosco, 36, Centro, Juruá-AM, 69.520- 000 3 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Rua Senador João Bosco, 36, Centro, Juruá -AM, 69.520-000

239 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia para proteção e vigilância dos lagos, na RESEX, compreendendo lagos de pesca e monitoramento, através da várzea do rio Juruá e outros ambientes Associação dos Trabalhadores Rurais aquáticos ao longo do rio Andirá, como de Juruá (ASTRUJ) e apoio do Instituto remansos, ressacas e lagos. O manejo, Chico Mendes de Conservação que começou com 16 pessoas de duas da Biodiversidade (ICMBio). Este comunidades, hoje envolve 95 pessoas empoderamento incentiva uma maior de nove comunidades. participação das comunidades, essencial para aumentar a governança dos lagos TRABALHO REALIZADO e recursos pesqueiros da RESEX. Em um A principal estratégia da ASTRUJ complexo de lagos vigiado diariamente para controlar invasões tem sido a pelos comunitários nos últimos sete vigilância comunitária, que conta com anos, o número de pirarucus aumentou flutuantes em pontos estratégicos e sete vezes, reforçando a relação entre rádiocomunicação. No complexo de governança comunitária e conservação. lagos do Planeta, onde a população O principal objetivo do manejo de pirarucus teve maior aumento, comunitário, iniciado em 2005, era 49 moradores de duas comunidades de impedir as frequentes invasões revezam-se em turnos semanais de de barcos de pesca e recuperar os vigilância. Nesta área, o ICMBio, com estoques pesqueiros para subsistência apoio da ASTRUJ, facilitou a elaboração e comercialização. Além de conflitos do regimento interno da pesca. Entre as com invasores, os manejadores regras elaboradas e monitoradas pelos ainda enfrentam dificuldades como manejadores, consta, por exemplo, resistência por parte de moradores que faltas na pesca e vigilância serão que não seguem as regras do manejo, descontadas do lucro de cada manejador, controle de territórios extensos e atrelando-se benefícios proporcionais ao falta de infraestrutura para vigilância e esforço individual, de modo a incentivar comercialização. uma maior participação no manejo. Em outras áreas, é necessário fortalecer ÁREA DE ESTUDO o processo organizativo, como no rio Na RESEX do Baixo Juruá, unidade de Andirá. O grupo de manejo é pequeno conservação federal com 187.982,31 (26 pessoas de cinco comunidades) e tem hectares localizada no interflúvio o desafio de controlar a pesca predatória Juruá-Purus, vivem aproximadamente em um rio que faz o limite da reserva 150 famílias em doze comunidades com a área de entorno, onde a pesca agroextrativistas, totalizando cerca por pescadores de fora é permitida. de 750 pessoas. A RESEX é cogerida Somam-se a isso o desinteresse e a pelo ICMBio e ASTRUJ, associação que resistência de parte dos moradores da representa os moradores, e possui região. Além disso, o grupo de manejo plano de manejo e conselho deliberativo aparentemente é frágil. A perda de poder atuante desde 2009. dos agentes ambientais voluntários e de Há seis sistemas de manejo de pirarucu uma importante liderança comunitária

240 A governança no manejo de pirarucu na Reserva Extrativista do Baixo Juruá, Amazonas • Paula Pinheiro • Raimundo Lima • João Ferreira • Jusecleide Ferreira • Marcelo Ferreira • Tatiana Souza • Isaura Bredariol • Ana Luiza Figueiredo em 2012 levou à descontinuidade do no ano de 2009, em que somente 44% trabalho de vigilância feito desde 2005. A da cota foi pescada por falta de gelo redução em 47% no número de pirarucus e em respeito aos manejadores que contados entre 2011 e 2012 no Andirá decidiram não pescar naquele ano. Ao sugere que as populações de pirarucu longo do manejo, houve aumento na são afetadas pela baixa governança. Para produção pesqueira de pirarucu (13 para contornar estas dificuldades, o ICMBio 19 toneladas) e redução no tamanho vem intensificando a fiscalização na área (1,86m para 1,81m) e peso médio (59 kg e a ASTRUJ está buscando melhorar as para 56kg) dos peixes. condições de vigilância e estimular o A comercialização do pirarucu tem trabalho através de convênios com a progredido desde 2007. O preço do Companhia Nacional de Abastecimento charuto aumentou de R$ 4,25 para R$ (CONAB). 6,00/kg e o do filé de R$ 5,00 para R$ Nos outros sistemas de manejo, as 7,00/kg. O faturamento líquido passou próprias comunidades definem as de R$ 56.000,00 para R$ 198.000,00, regras de uso e proteção de lagos, com devido ao aumento no número de pouca intervenção das instituições. áreas, crescentes cotas, adiantamento Os lagos são relativamente próximos da pesca e comercialização de outros às comunidades e dão acesso às áreas pescados. A ASTRUJ cobra uma taxa de de roçado, facilitando o zelo pelos 5% do faturamento pela coordenação moradores. As comunidades controlam, do manejo. A renda dos manejadores com maior ou menor eficiência, os também vem aumentando, variando de moradores que descumprem com as acordo com a produtividade das áreas: regras. Em três áreas, o número de no complexo do Planeta cada manejador pirarucus flutua ao longo dos anos, mas ganhou cerca de R$ 3.000,00 em 2012, continua superior ao início do manejo. enquanto no Andirá a renda foi de R$ Somente em um sistema, as contagens 800,00. vêm diminuindo continuamente. Neste, um pequeno grupo se interessa pela CONCLUSÃO preservação mas não consegue impedir A comparação da governança nos a pesca predatória no lago. Este grupo sistemas de manejo em relação ao necessita de maior apoio institucional aumento ou diminuição nas populações na organização social e incentivo à de pirarucu ao longo do tempo sugere vigilância permanente do lago, de modo que a organização comunitária, a recuperar os estoques pesqueiros. respaldada e apoiada pelas instituições, A pesca do pirarucu manejado, realizada é essencial para a conservação dos coletivamente pelos manejadores, recursos pesqueiros. O sucesso do teve início em 2007. Desde então, a manejo depende do esforço conjunto cota autorizada subiu de 229 para 371 na vigilância de lagos, fiscalização e pirarucus e a cota capturada de 222 organização da atividade. Há ainda que para 356. A relação cota capturada/ superar entraves à comercialização, autorizada variou entre 94 e 98%, exceto como a concorrência com pirarucu

241 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia ilegal e falta de estrutura de transporte, AGRADECIMENTOS armazenamento e processamento do À Fundação Inter-Americana (IAF) pescado, o que pode elevar muito a pelo apoio financeiro à pesquisa de renda dos manejadores e o interesse no doutorado de P.S. Pinheiro. As opiniões manejo por outros moradores da RESEX. expressas aqui não necessariamente representam a visão do IAF.

242 MANEJO DO PIRARUCU NA RDS PIAGAÇU PURUS: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO

José Gurgel Rabello Neto1

INTRODUÇÃO Nesta época, os exemplos de sucesso O manejo do pirarucu na Reserva de alcançados com o manejo do pirarucu Desenvolvimento Sustentável Piagaçu na RDS Mamirauá já eram bastante Purus, RDS-PP foi, inicialmente, pensado conhecidos no meio acadêmico e como uma possível estratégia a ser começavam a ser amplamente difundidos adotada, visando reverter o processo entre vários municípios do Estado. de exploração ilegal que ocorria na Dentro da RDS-PP no entanto, entre as reserva muito antes de sua criação, comunidades locais, o conhecimento em 2004. Os primeiros diagnósticos sobre esta alternativa de manejo, que feitos sobre a atividade pesqueira na aliava conservação do recurso e geração área da reserva indicaram uma série de renda, não era ainda muito bem de irregularidades, principalmente na compreendido. exploração do tambaqui, (Colossoma A ideia de se investir no manejo do macropomum) e do pirarucu, (Arapaima pirarucu, sensibilizando e incentivando gigas). O maior problema da exploração os pescadores locais sobre a das duas espécies era o grande número possibilidade de iniciar este trabalho, de indivíduos jovens comercializados. foi uma estratégia para poder envolver A pesca do pirarucu apresentava ainda as comunidades de pescadores locais no o agravante de ser também direcionada processo de zoneamento e construção aos adultos na época reprodutiva, de regras de uso dos recursos pesqueiros em uma pescaria que era conhecida que se iniciava naquela ocasião. localmente como a “pesca da choca”. Os primeiros intercâmbios entre os Durante a “choca”, o macho e a fêmea pescadores ocorreram em 2006 por que cuidam da ninhada ficam mais lentos, meio de visitas técnicas realizadas, mais visíveis e, consequentemente, mais inicialmente, por dois moradores vulneráveis, e suas capturas acabam da RDS PP (Sr. Sebastião Amorim e levando à perda de toda a ninhada. o Sr. Raimundo Duarte) às áreas de

1 Rua dos Marupás nº 85, Conjunto Acariquara, Bairro Coroado III. Manaus – AM, CEP 69082674. E - mail: [email protected]

243 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia manejo em Santarém – PA e na RDS reserva, barcos recreios, regatões e Mamirauá – AM. Na oportunidade, comunidades indígenas no entorno). esses dois pescadores realizaram curso Essa grande heterogeneidade permitiu de capacitação sobre a metodologia de que a mesma fosse delimitada contagem visual e auditiva de pirarucus em setores, o que possibilitou o proposta por Castelo (2004). A partir estabelecimento de unidades de manejo de então, essas duas pessoas, com a diferenciadas, restringindo as formas de orientação de um técnico, tornaram-se interações entre ambiente-usuário em os difusores desta ideia do manejo nas cada unidade de manejo. Os critérios suas comunidades locais e ajudaram a estabelecidos para a delimitação construir o processo de organização dos setores foram a fitofisionomia, a para o manejo do pirarucu, na RDS-PP. hidrografia, as áreas tradicionais de uso dos recursos e as rotas de acesso. ÁREA DE ESTUDO Foram definidos sete setores dentro A RDS-PP foi criada no ano de 2003, dos limites da RDS-PP, cujo produto pelo Governo do Estado do Amazonas e foi a sistematização espacial de localiza-se na região do baixo rio Purus, unidades manejáveis, com certo grau de entre as coordenadas geográficas 4°05’ e integridade ecossistêmica, aliada à uma 5°35’ S e 61°73’ e 63°35’ W. Esta Unidade forma de organização socioeconômica de Conservação (UC) faz limite com a existente na área. Reserva Biológica de Abufari, e com duas O manejo do pirarucu é desenvolvido áreas indígenas, Terra Indígena (TI) Lago em três setores da RDS-PP, setor Ayapuá do Ayapuá e TI Itixi-Mitari, compondo com duas comunidades participantes, a área de um novo corredor ecológico setor Itapuru com quatro comunidades na Amazônia Central, no sentido norte- e setor Caua/Cuiuanã com duas sul. Este mosaico de terras protegidas comunidades (Figura 1). Atualmente, o possui cerca de 1,3 milhões de hectares. manejo do pirarucu envolve cerca de A RDS-PP tem, atualmente, uma área de cem famílias. 827.317 hectares, que abrange quatro TRABALHO REALIZADO municípios: Anori, Tapauá,Coari e Com os pescadores das comunidades da Beruri. Sua fisionomia é composta por RDS-PP discutindo as bases do que seria 40% de áreas periodicamente alagáveis e o futuro Manejo Participativo do pirarucu o restante por terra firme. na Reserva, a concepção do objetivo do A área da RDS-PP apresenta grande zoneamento, e de como ele poderia heterogeneidade, tanto da diversidade ajudar nesta proposta de manejo que de habitats existentes (várzea do rio Solimões, várzea do rio Purus, lagos de se desenhava, foi de extrema valia para água branca e preta, igarapés, igapós, um zoneamento adequado. Da mesma florestas de várzea e de terra firme) forma, as propostas de regras de uso como da diversidade social, que envolve dos recursos foram também elaboradas 55 comunidades, diversos grupos sociais visando um ótimo aproveitamento do e níveis de interações socioeconômicas potencial de produção da várzea em (pescadores residentes e externos à termos de reprodução do pirarucu.

244 Manejo do pirarucu na RDS Piagaçu Purus: estratégias para conservação • José Gurgel Rabello Neto

Figura 1 - Mapa da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu Purus, RDS-PP, indicando a setorização da Reserva.

O melhor exemplo para isto foi a escolha Cada setor foi elaborando e dos lagos prioritários para proteção, implementando seu manejo de forma que eram adequados como refúgio de diferenciada, tanto nas iniciativas de grandes peixes na seca e como área de vigilância, com serviços pagos pelas reprodução do pirarucu na subida da comunidades e/ou com serviços água. Da mesma forma, foi discutido o voluntários dos pescadores, como no fato de que o uso dos lagos na várzea, nível de envolvimento das comunidades mesmo para a pesca de peixes menores, com as demais atividades do manejo. durante a vazante, poderia espantar os As contagens e a vigilância, juntamente pirarucus antes que os lagos perdessem com a suspensão da pesca ilegal de a conexão com os canais principais. pirarucus por parte das comunidades Assim, esta foi a justificativa para que teve início em 2007, primeiramente no a pesca neste período fosse suspensa, setor Ayapuá, onde quatro comunidades sendo liberada quando os lagos faziam parte do manejo na época, e perdessem a conexão e os pirarucus não onde o aumento do número de peixes pudessem mais se dispersar. Este fato, possibilitou que uma primeira cota de junto com a vigilância voluntária dos exploração controlada fosse sugerida pescadores que se fortalecia na época, e solicitada ao IBAMA, ainda em 2009, garantiram um grande e rápido aumento (Tabela 1). Entretanto, enquanto a na quantidade de pirarucus nos três autorização estava tramitando entre setores trabalhados. o órgão gestor da reserva, CEUC e o

245 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

IBAMA, duas comunidades da parte (2009). O setor Itapuru na RDS-PP foi o sul do setor pescaram uma grande primeiro local no Rio Purus, no Estado quantidade de pirarucus. O Instituto do Amazonas, a receber autorização Piagaçu comunicou o fato ao CEUC e para a pesca manejada de pirarucus. IBAMA e a solicitação foi, então, negada. Neste setor, os principais problemas A partir de então, apenas a parte norte apresentados em todos os anos são a do setor, com outras duas comunidades falta de apoio na vigilância e fiscalização permaneceram trabalhando no manejo, da área, a grande facilidade de acesso na continuando a preservar a espécie área por invasores na época da cheia, e a e fazendo uma vigilância efetiva. O necessidade de uma maior organização setor, então, foi dividido através das nas atividades do manejo, que crescem à áreas de uso correspondentes destas medida que cresce também o número de comunidades, e a pesca autorizada vem pirarucus nos lagos e na cota autorizada. sendo realizada desde 2011. À medida que o setor vizinho (Caua/ O setor Itapuru, com quatro Cuiuanã) foi se envolvendo no manejo, comunidades, foi o que mais evoluiu ações conjuntas de vigilância foram a partir de então, com uma liderança sendo incentivadas e isto aumentou, forte que ajudava a organizar grupos de de certa forma, a proteção da área. vigilantes voluntários e com uma área de Todos os anos, parte da renda obtida proteção que mostrou um crescimento com a venda dos peixes é também exponencial no número de pirarucus em destinada à vigilância, e desta forma poucos anos (tabela – 01). foram adquiridos um flutuante base Neste setor, as contagens e a vigilância de vigilância, combustível para ações tiveram início em 2008, e já em 2010 de fiscalização e o pagamento de vigia uma primeira cota foi solicitada e local no tempo de maior pressão de autorizada para a pesca manejada, o invasores. que ocorreu também em 2011 e 2012. O setor Caua/Cuiuanã foi o último a Para o devido monitoramento da se envolver no manejo do pirarucu, produção e da própria pesca manejada, iniciando as contagens somente em 2009, pescadores foram treinados para embora tenha trabalhado na proteção registrar as informações pertinentes à de sua área devido à pesca de outras pesca, como aparelhos de pesca, tempo espécies. Com o início das contagens de pesca e local de pesca, bem como neste setor, ficou evidente a efetividade as características do pescado, como das áreas de proteção escolhidas, e a comprimento, peso inteiro e eviscerado. resposta ao respeito às regras de uso Os mesmos pescadores foram treinados através do aumento rápido do número a reconhecerem e registrarem de peixes contados (tabela – 01). Apesar características macroscópicas das de ter sido o último setor a se envolver gônadas dos pirarucus pescados, para no manejo, e de ter apresentado grande classificá-los entre machos e fêmeas dificuldade no primeiro ano em contar e quanto aos estádios gonadais, com trabalho voluntário dos moradores, conforme proposto por Lopes e Queiroz principalmente no primeiro ano de

246 Manejo do pirarucu na RDS Piagaçu Purus: estratégias para conservação • José Gurgel Rabello Neto contagem, hoje é o setor que mostra Estas decisões estão regulamentadas maior união e envolvimento, com em regimentos internos por setor, grande número de pessoas dedicadas onde várias regras e regulamentos ao manejo. Além da vigilância mais bem ajudam a organizar as etapas do manejo estruturada, que conta com flutuante de com um todo, desde a vigilância, as vigilância e sistema de rádio com vigia contagens, a pesca, o monitoramento, pago pela comunidade (com recursos a comercialização e a repartição dos advindos da venda do pirarucu), o setor benefícios e investimento em estrutura, iniciou por conta própria um sistema fiscalização e materiais de pesca. de monitoramento de pesca, que foi Uma característica que não pode ser apoiado pelo Instituto Piagaçu, através negligenciada quando falamos em manejo de pirarucus, é o fato de que de capacitação de monitores e material além do pirarucu, outras espécies adequado para medir, pesar e registrar são protegidas através do manejo, informações, bem como para divulgar e que muitos ilícitos que ocorriam internamente estes resultados na anteriormente, por usuários internos comunidade. e externos da reserva, deixaram de Um problema que ocorreu nos três ocorrer ou passaram a ocorrer com setores e que vem sendo trabalhado e uma intensidade bem menor. Uma contornado, é com relação ao poder de prática que era comumente observada pesca e material de pesca adequado para na região do Itapuru e do Caua/Cuiuanã a pesca manejada. O fato é que a pesca até o ano de 2008, era a captura ilegal como era feita anteriormente, de forma de botos. Esta captura era realizada por ilegal, não fazia distinção entre peixes pescadores externos, que vinham em grandes e pequenos, e os materiais barcos do município de Manacapuru, de pesca que estavam disponíveis e capturavam dezenas de botos para nas comunidades não se mostravam distribuir para os barcos que realizavam adequados para a captura de peixes a pesca da piracatinga em outros locais, adultos, acima do tamanho mínimo utilizando os botos como isca. Relatos permitido. Este problema é, em parte, de moradores afirmam que cerca de 80 contornado à medida que os recursos botos foram abatidos somente em 2008 obtidos são destinados à aquisição de nesta região. materiais de pesca adequados, solução Com o início do manejo do pirarucu, os que foi adotada pelos três setores. moradores não permitiram mais que isto ocorresse, assim como a invasão da área Os três setores foram estruturando o por barcos de passeio que, anualmente, manejo de forma comunitária, dividindo procuravam o local para caçar patos custos e atividades e, mais tarde, e não frequentam mais estes setores. quando conseguiram a autorização para Isto mostra que o manejo de pirarucus a pesca e comercialização decidiram deve ser encarado como um manejo do realizar a pesca de forma comunitária, ambiente como um todo, garantindo dividindo os lucros conforme o nível a conservação da paisagem com seus de envolvimento e dedicação que cada componentes, servindo como um meio pescador ou morador apresentava. eficaz de conservação.

247 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

Tabela 1 - Evolução das contagens de bodecos e pirarucus nas áreas de manejo dos setores Ayapuá. Itapuru e Caua/Cuiuanã, entre 2007 e 2012.

Setor Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Bodeco 0 0 31 245 263 852 Ayapuá pirarucu 7 20 60 239 326 920

Bodeco - 188 1239 2473 3440 3990 Itapuru pirarucu - 267 769 1969 3100 3375

Bodeco - - 347 804 1419 1989 Caua/Cuiuanã pirarucu - - 135 408 532 1101

CONCLUSÃO dos envolvidos e transparência na O manejo do pirarucu traz consigo um comercialização, repartição dos poder de conservação e organização do benefícios e investimentos no manejo. uso de diversos recursos, não somente Uma busca constante por fortalecer o pirarucu, mas indo além do manejo e avaliar a acuidade e veracidade de uma só espécie. É também um ganho nas contagens, seguida de apoio para a conservação da paisagem e seus necessário para um programa interno componentes. de vigilância de cada setor devem ser Como um peixe-símbolo da bacia preocupações basilares para o contínuo amazônica, o manejo do pirarucu se desenvolvimento do manejo. apresenta como um resgate à cultura tradicional, fortalecendo e divulgando REFERÊNCIAS o valor dos conhecimentos tradicionais CASTELLO, L. A method to count pirarucu dos pescadores dentro e fora da área de Arapaima gigas: fi- shers, assessment, and atuação do manejo. management. North American Journal of Acreditando que o manejo participativo Fisheries Management, v. 24, n. 2, p. 379- do pirarucu é um processo ainda 389, 2004. em desenvolvimento na RDS-PP, entendemos que a cota de abate a ser LOPES, K. S.; QUEIROZ, H. L. Uma revisão solicitada aos órgão competentes, das fases de desenvolvimento gonadal de deve levar em consideração todos os pirarucus Arapaima gigas (Schinz, 1822) por problemas e fortalezas existentes em meio da análise macroscópica como uma cada setor, principalmente questões proposta para unificação destes conceitos e ligadas ao poder de pesca, organização sua aplicação prática nas reservas Mamirauá e Amanã. UAKARI, v. 5, n. 1, p. 39 - 48, 2009.

248 PROGRAMA DE MANEJO DE PESCA DE PIRARUCU COMO FERRAMENTADE GESTÃO PARTICIPATIVA DOS RECURSOS HIDROBIOLÓGICOS NA RESERVA NACIONAL PACAYA SAMIRIA

Jorge Luis Gómez Noriega1

RESUMO a área de bosque inundável protegido mais extenso da Amazônia (INRENA, Esta experiência tem como objetivo 2000). evidenciar e propor aos programas O “pirarucu” é uma espécie de manejo de pesca uma ferramenta hidrobiológica de grande importância de gestão participativa dos ecológica, social e econômica para a recursos hidrobiológicos baseados RNPS e seu povo. Essa espécie é muito na implementação do manejo do valorizada pelos povos amazônicos por Arapaima gigas “pirarucu” na Reserva causa da qualidade e do rendimento de Nacional Pacaya Samiria. Entre os sua carne, assim como pelas grandes principais êxitos, podemos mencionar: possibilidades que oferece para seu o envolvimento da população local manejo em meio natural. organizada no controle e na vigilância da Ancestralmente, essa espécie área natural protegida (14 organizações hidrobiológica era explorada de comuns participando); a recuperação maneira irracional e desordenada, das populações de pirarucu da Cocha El tanto por povos forasteiros como Dorado (de 10 espécimes em 1994 a 500 pelos da própria RNPS, gerando uma espécimes adultas em média, por ano, diminuição drástica de suas populações na atualidade), representando benefícios naturais, em particular da Cocha El diretos e indiretos para a população Dorado, chegando a estimarem-se, no local, produto da comercialização de ano de 1994, apenas 10 exemplares. produto manejado nos mercados locais Essa situação fez com que a Fundação e, ainda, gerando informações biológica Peruana para a Conservação da e socioeconômica relevantes para a Natureza – ProNaturaleza – explorasse tomada de decisões desta importante alternativas viáveis para a proteção, o espécie na Amazônia peruana. manejo e a recuperação dessa espécie. INTRODUÇÃO Em 2004, através de um processo A Reserva Nacional Pacaya Samiria (RNPS) participativo que envolveu a população é a segunda área natural protegida em local assentada na RNPS, foi aprovado extensão geográfica do Peru e constitui o primeiro programa de manejo de

1 Fundación Peruana para la Conservación de la Naturaleza-ProNaturaleza; Director Regional de Loreto.

249 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

“pirarucu”, constituindo o primeiro Amazônia Peruana – IIAP, a Universidade Plano de Manejo Pesqueiro para a Nacional da Amazônia Peruana – UNAP, Amazônia peruana. a Fundação Peruana para a Conservação Este documento técnico contém os da Natureza – ProNaturaleza, a alinhamentos de manejo que tornaram Sociedade Peruana de Direito Ambiental possíveis a recuperação e o uso SPDA, entre outras. sustentável da espécie, como: tamanhos Atualmente, essa experiência vem sendo mínimos de captura, períodos de replicada em outros setores da Reserva interdição, quotas de pesca, delimitação e da região Loreto. das áreas de manejo, entre outros que vêm sendo implementados pela MATERIAIS E MÉTODOS população local organizada em grupos A experiência baseada na implementação de manejo nas bacias do Rio Yanayacu do programa de manejo de pesca de Pucate e Pacaya no interior da RNPS. “pirarucu” na RNPS foi realizada desde Os grupos de manejo reconhecem seu início de maneira participativa a importância do mesmo para a e complementando o conhecimento sustentabilidade do recurso, já que, científico com o conhecimento ancestral, com o tempo, eles puderam perceber em todas as fases da implementação que as populações de ambas as espécies do programa de manejo, oferecendo aumentou, o que lhes permitiu também assistência técnica e aproximação às aumentar sua receita do produto da instituições do estado competentes na comercialização desses recursos. É gestão do recurso pesqueiro na região. por isso que elas se organizaram, em A respeito da metodologia para coordenação com a administração da contagem e determinação da quota área protegida, para realizar o controle e de pesca anual, foi utilizado o censo a vigilância, evitando assim a entrada de por boiadas, o que permitiu estimar forasteiros que pretendessem realizar a o número de exemplares adultos na pesca indiscriminada. Cocha El Dorado anualmente. Além A implantação do programa de manejo disso, foi realizado o acompanhamento para o “pirarucu” na Cocha El Dorado da das temporadas de pesca, durante o RNPS, permitiu, então, à administração qual foram registradas informações da área protegida ordenar a pescaria de capturas, esforço, tamanhos, dessa espécie assim como reforçar pesos, sexo, entre outros parâmetros o controle e a vigilância através da necessários para o manejo da espécie. participação organizada da população Para caracterizar a pesca do “pirarucu”, local. realizamos o acompanhamento Além disso, conseguiu-se uma melhor aos pescadores que trabalham na coordenação entre as instituições região, durante um ciclo hidrológico, públicas e privadas que têm competência registrando a seleção das áreas de sobre esses recursos, como a Direção pesca, os tipos de arte, a frequência Regional da Produção de Loreto – de uso, a eficiência e o processamento DIREPRO, o Instituto de Pesquisas da das capturas, determinando as rotas

250 Programa de manejo de pesca de pirarucu como ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos na Reserva Nacional Pacaya Samiria • Jorge Luis Gómez Noriega de comercialização, quantidades oportunidades, capturando um total comercializadas e preços obtidos nas de 394 indivíduos de pirarucus adultos. campanhas de pesca anual. É preciso assinalar que 100% dos exemplares capturados ultrapassaram RESULTADOS E DISCUSSÃO o tamanho mínimo de captura, que é 1. Sobre a Participação dos atores na de 160 cm. Esses dados confirmam que gestão da RNPS as populações de pirarucu na Cocha El Atualmente, trabalham 14 organizações Dorado se mantiveram estáveis e que de 4 comunidades nas bacias dos Rios o aproveitamento atual não afetou as Yanayacu Pucate e Pacaya. Elas realizam populações. atividades de controle e vigilância em A densidade de exemplares adultos coordenação com o pessoal da área que contabilizados na Cocha El Dorado permitiu diminuir a pressão de pesca durante os últimos 12 anos de manejo ilegal nesses dois setores. apresenta flutuações entre 0.49 e 2.46 Conseguiram-se o envolvimento e ind/Ha, com uma média de 1.11 ind/Ha, a participação ativa das instituições do estado peruano nas atividades os mesmos que em conjunto percebem contempladas no programa de manejo uma tendência positiva do recurso, pesqueiro através do Comitê de Gestão assim como um comportamento cíclico da RNPS, validando a ferramenta de das densidades com intervalos de 2 a 3 gestão e contribuindo para que seja anos. replicada em outros setores da Reserva Na figura 4, pode-se observar os e da região Loreto. tamanhos médios de captura dos exemplares coletados durante a 2. Sobre a Recuperação da população implementação do programa de manejo e Geração de Informação biológica da espécie manejada pesqueiro, o que evidencia o respeito dos alinhamentos de conservação da Foram possíveis a recuperação e a espécie que regula sua extração em manutenção da população de “pirarucu” um tamanho estabelecido pelo estado na Cocha El Dorado da RNPS, começando peruano, que é de 160 cm e que garante com 10 exemplares adultos contados a manutenção das populações naturais. em 1994 até 500, em média, nos últimos A proporção calculada entre os sexos anos. com base nos exemplares capturados Tem-se a informação biológica da na Cocha El Dorado entre os anos espécie que data desde a aprovação de 2004 e 2012 foi de 0.84, com uma da primeira versão do programa de composição de 45.63% de machos e manejo pesqueiro de pirarucu, no ano 54.37% de fêmeas, o que nos permite de 2004, até o ano de 2011. Como afirmar que a população mantém seu resultado da aplicação dos alinhamentos equilíbrio com relação à proporção de de manejo e respeitando a legislação sexos em populações naturais estáveis, pesqueira a respeito do uso racional garantindo a sobrevivência da espécie. desta espécie, foram aproveitadas seis

251 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

Figura 1 - Exemplares adultos contados na Cocha El Dorado 1994 – 2012. Indivíduos

Comprimento (m)

Fonte: Fichas de capturas de pirarucu, 2004 – 2011, ProNaturaleza, Programa Regional Loreto – PRL

Figura 2 - Frequência de tamanhos de pirarucus capturados na Cocha El Dorado RNPS 2004 – 2011.

252 Programa de manejo de pesca de pirarucu como ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos na Reserva Nacional Pacaya Samiria • Jorge Luis Gómez Noriega

Fonte: Fichas de censos, anos 2000 – 2012, ProNaturaleza, Programa Regional Loreto – PRL.

Figura 3 - Densidade de pirarucus adultos recenseados na Cocha El Dorado, 2000 – 2012.

Figura 4 - Tamanho médio de captura de exemplares de pirarucu 2003 – 2011.

253 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

Figura 5 - Proporção de exemplares Machos contrastados com Fêmeas capturados na Cocha El Dorado 2004 – 2012.

3. Sobre os benefícios econômicos e de trabalho remunerado, o que permite sociais dinamizar a economia comum. Além disso, 2% dos ganhos gerados com a 3.1. Benefícios Diretos atividade são destinados a fins sociais Os benefícios econômicos recebidos que a comunidade em assembleia por cada pescador, produto da comum decide, com o que se consegue comercialização de carne de pirarucu, sensibilizar o povo de que o manejo e aumentam para S/. 3500 nuevos soles ($ o uso sustentável dos recursos naturais 1300, aproximadamente) por pescador se apresentam como uma alternativa por temporada de pesca, o que lhes que contribui para o desenvolvimento permite adquirir alguns bens e serviços, das populações locais envolvidas no além da capitalização da organização. processo. Além disso, eles utilizam parte da pesca de exemplares como alimento para suas CONCLUSÕES famílias, o que contribui para diminuir os níveis de deficiência de proteína nas Após a implementação do programa de mesmas. manejo pesqueiro na sua primeira fase e, atualmente, em sua segunda fase, 3.2. Benefícios Indiretos podemos concluir o seguinte: A atividade de pesca e proteção do Os programas de manejo pesqueiro são pirarucu tem um impacto social na uma poderosa ferramenta de gestão comunidade devido à geração de postos participativa dos recursos naturais

254 Programa de manejo de pesca de pirarucu como ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos na Reserva Nacional Pacaya Samiria • Jorge Luis Gómez Noriega quando existe o compromisso dos local e as diferentes instituições atores envolvidos em todas as etapas públicas e privadas. do processo. A acessibilidade aos recursos de ma- O conhecimento oferecido pelas neira ordenada é um fator fundamental organizações comuns é importante em para consolidar organizações de mane- um desenho de propostas de manejo e jo. ordenação dos recursos naturais. As atividades de conservação têm que As ações de manejo lideradas por ser rentáveis para que sejam sustentá- organizações comuns de manejo veis. devem conjugar o conhecimento científico e o ancestral (conhecimento RECOMENDAÇÕES local). O êxito e a sustentabilidade dos A população local recebe e adota as programas de manejo dependem, em técnicas e os alinhamentos de manejo grande parte, do envolvimento das sempre e quando esses sejam gerados instituições competentes do estado e das em coordenação entre a população populações locais que as implementam.

255

A EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO AGROEXTRATIVISTA DE AUATÍ-PARANÁ NO MANEJO COMUNITÁRIO DE PIRARUCU NA RESEX AUATÍ-PARANÁ, AMAZONAS, BRASIL

Edvaldo Tavares de Lira1 Enrique Araújo de Salazar2 Miguel Arantes3

RESUMO the neighboring Mamirauá Reserve for A Reserva Extrativista Auatí-Paraná Sustainable Development. (RESEX Auatí-Paraná) é uma Unidade de The present work aims to present Conservação Federal de uso sustentável, questions of fisheries management in situada na região do médio Solimões. the reserve. Possui como foco principal o manejo INTRODUÇÃO comunitário de pirarucu, atividade esta que vem sendo realizada desde 2004, A Reserva Extrativista Auatí-Paraná em áreas desta RESEX e da vizinha (RESEX Auatí-Paraná) foi criada Reserva Desenvolvimento Sustentável por Decreto Presidencial em 7 de Mamirauá (RDSM). agosto de 2001, atendendo a uma O presente trabalho teve por objetivo demanda das comunidades locais, apresentar, de forma sintética, a questão sendo estas incentivadas pela igreja do manejo dentro da reserva. católica e pelo Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS). ABSTACT Dentre as atividades desenvolvidas na The Auatí-Paraná Extractive Reserve região da RESEX, destaca-se o Manejo (RESEX Auatí-Paraná) is a Federal Comunitário do pirarucu, que teve início Conservation Unit located in the middle no ano 2004, com apoio do Instituto Solimões region, permitting sustainable Brasileiro do Meio Ambiente e dos resource use. The reserve establishes Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) community-based pirarucu fishing e do Instituto de Desenvolvimento management as a primary activity, Sustentável de Fonte Boa (IDS- which has been implemented since 2004 FB). A partir de 2008, a Associação in areas of the Reserve, in addition to Agroextrativista de Auatí-Paraná (AAPA)

1 Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná (AAPA) – Fonte Boa (AM) 2 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – Tefé (AM) 3 Acadêmico Curso Superior em Tecnologia em Produção Pesqueira/ Universidade Estadual do Amazonas/ Fonte Boa (AM)

257 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia passou a responsabilizar-se pelo Unidades de Conservação (CEUC). manejo, que atualmente é apoiado pelo A população atual está estimada em Instituto Chico Mendes de Conservação 1.376 pessoas, distribuídas em 284 da Biodiversidade (ICMBio), órgão famílias. gestor da Unidade de Conservação (UC). Geograficamente, a RESEX Auatí- O ICMBio vem apoiando o manejo Paraná encontra-se localizada entre com auxílio dos programas Áreas as coordenadas - 02º 23’ 09” S; - 66º Protegidas da Amazônia (ARPA) e 40’ 55” W e - 02º 00’ 28” S ; - 66º 59’ Programa das Nações Unidas para o 55.16” W (pontos referentes aos limites Desenvolvimento (PNUD). Esse apoio Oeste e Leste, na margem esquerda tem se dado através do fornecimento do canal Auatí-Paraná). O canal Auatí- de combustível para reuniões de Paraná é o corpo d’água que divide mobilização pré-manejo, através da a RESEX da RDS Mamirauá (RDSM). viabilização de participação comunitária Cerca de 25.950 ha (17,65 %) da área em capacitações, na colaboração total da RESEX são constituídos por para resolução ou minimização de terras alagáveis, onde predominam conflitos, bem como na fiscalização ambientes de igapó e várzea. visando a coibição da pesca ilegal. Diversos lagos, igarapés e canais, O objetivo deste trabalho é apresentar tanto os situados ao norte da margem o Manejo do pirarucu na RESEX Auatí- esquerda do canal Auatí-Paraná (RESEX), Paraná, utilizando dados de 2007 a como ao sul da margem direita (RDSM) 2012. Embora o manejo na RESEX representam os ambientes de pesca tenha se iniciado em 2004, não se manejada do pirarucu. O manejo tem dados sistematizados do período comunitário de pirarucu é a atividade compreendido entre aquele ano e 2006. produtiva mais importante da reserva, envolvendo hoje 14 das 16 comunidades MATERIAL E MÉTODOS (ICMBio, 2012). Descrição da UC MÉTODO A RESEX Auatí-Paraná (Figura 1) está Para a edição do presente trabalho, contida em uma área aproximada de utilizou-se da revisão de dados 146.950,82 ha, abrangendo terras constantes no Plano de manejo inseridas nos territórios dos municípios pesqueiro da RESEX (DAMASCENO ., de Fonte Boa, Japurá e Maraã. 2006/2007), no Plano de Manejo da Atualmente, abriga 13 comunidades RESEX Auatí-Paraná (ICMBio, 2012), situadas no interior da Unidade de bem como nos Relatórios de Manejo Conservação (UC) e mais 3 comunidades dos Recursos Pesqueiros da RESEX consideradas usuárias, situadas na Auatí-Paraná: Manejo Comunitário do Reserva de Desenvolvimento Sustentável pirarucu (ARANTES, 2008 - 2011) e em Mamirauá (RDSM, UC Estadual Arantes, 2012. gerenciada pelo Centro Estadual de

258 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no manejo comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil • Edvaldo Tavares de Lira • Enrique Araújo de Salazar • Miguel Arantes

Figura 1 – Localização da RESEX Auatí-Paraná.

RESULTADOS E DISCUSSÃO da atividade, com apoio do ICMBio. Introdução Geral ao Processo de Manejo A AAPA foi fundada em fevereiro de 1998, O manejo do pirarucu em Auatí-Paraná tendo inicialmente o objetivo principal tem sido realizado desde 2004, com de representação das comunidades autorização do IBAMA e regulamentado associadas na luta pela criação da RESEX por duas Instruções Normativas (IN) e, posteriormente, o acompanhamento deste órgão ambiental mesmo: IN 34, de da implementação e consolidação da UC. 18 de junho de 2004; IN 01, de 10 de No âmbito do manejo de pirarucu, a junho de 2005. Inicialmente, o Instituto AAPA organiza as atividades do manejo, de Desenvolvimento Sustentável de a elaboração de relatórios, a solicitação Fonte Boa (IDS-FB), órgão ambiental do de cotas, a compra dos lacres, a município de Fonte Boa, acompanhava solicitação de guias de transporte e o o processo do manejo na RESEX. cadastramento dos barcos envolvidos Com o fortalecimento do manejo nas na pesca. O ICMBio acompanha as comunidades, a partir do ano de 2008, atividades relativas ao manejo junto à a Associação Agroextrativista de Auatí- AAPA, monitora e fiscaliza o manejo Paraná (AAPA) passou a responsabilizar- do pirarucu, apoiando na articulação se pela coordenação da atividade e de parcerias e na busca de recursos pela representação das comunidades para realização de capacitações, além frente ao órgão que avalia e autoriza de atuar na moderação de possíveis as cotas, bem como aos parceiros conflitos.

259 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

Durante o período que antecede feita, normalmente, entre setembro e a pesca, quando se inicia a época novembro. Algumas comunidades fazem da vazante e os lagos se isolam do uso de redes (malhadeiras), outras curso d’água principal, é realizado o utilizam apenas a pesca com arpão e levantamento de estoque de todos os outras utilizam ambos os apetrechos. ambientes aquáticos manejados através Os peixes, assim que pescados, da contagem, normalmente realizada são abertos e eviscerados, sendo entre agosto e setembro. O resultado posteriormente realizada a sexagem, da contagem é a base para liberação através da visualização das gônadas; a das cotas do ano seguinte. A cota é pesagem e a medição dos “charutos”, disponibilizada por comunidade e pode com auxílio de balança e fita métrica, ser de, no máximo, 30% da quantidade respectivamente. Todas as informações de pirarucus ADULTOS contados na área obtidas são registradas através das de manejo. fichas usuais de monitoramento e dos As contagens de pirarucu são feitas relatórios finais da pescaria (ARANTES, a partir de uma técnica que agrega 2012). os conhecimentos tradicionais dos O monitoramento da pesca é uma pescadores e o conhecimento científico. exigência do IBAMA para liberação Para a contagem são formadas equipes do manejo. Sendo assim, também são de contadores. Atualmente, são 31 capacitados monitores comunitários, contadores capacitados, sendo que 2 que ficam responsáveis pela coleta serão certificados. Os corpos d’água de todas as informações exigidas envolvidos são divididos em setores; pelo IBAMA referentes a cada peixe. cada equipe fica responsável por contar Essas informações são enviadas para a a quantidade de peixes que vão à AAPA, que faz a compilação dos dados, superfície no seu setor. elaboração do relatório e envia para Através da observação visual e auditiva, o IBAMA. Este relatório é o subsídio os pescadores constatam quantos utilizado pelo IBAMA para liberação do peixes sobem à superfície para respirar manejo do ano seguinte. (boiada), num intervalo de 20 minutos. Cada comunidade possui regras próprias Observando a boiada, os pescadores para a organização do manejo. Em geral, podem avaliar se é um bodeco (peixe as comunidades pescam coletivamente com menos de 1,50 m) ou adulto (acima e dividem o recurso pelas famílias que de 1,50 m) e assim estimar a população participaram da pesca. O monitoramento do peixe no ambiente aquático. e a vigilância dos corpos d’água também Após a contagem é iniciado o processo de são realizados pelos comunitários. pesca, que dura, em média, uma a duas Geralmente, são realizados a partir semanas, dependendo da comunidade, de rodízios estabelecidos entre os da quantidade de pescadores envolvidos, manejadores. Algumas comunidades da cota que deverão tirar e da distância contratam vigias. dos lagos até a beira do Auatí-Paraná, A comercialização do pirarucu onde fica a embarcação. A pesca é manejado é feita de forma direta entre

260 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no manejo comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil • Edvaldo Tavares de Lira • Enrique Araújo de Salazar • Miguel Arantes

a comunidade e o comerciante. A AAPA A diferença entre as cotas autorizadas tem atuado no auxílio na identificação e capturadas pode ser explicada pelo dos compradores, na identificação da baixo esforço de pesca de algumas documentação dos barcos de pesca e comunidades em função do número de na elaboração dos contratos de compra pescadores utilizados, devendo-se aqui e venda. A AAPA tem, ainda, realizado ressaltar que algumas comunidades a busca por melhores mercados para resolvem não pescar comercialmente o pirarucu da RESEX, entretanto tem todos os anos, preferindo guardar seus encontrado grandes dificuldades na tentativa de obter maiores valores, lagos por períodos de um ano ou mais, devido a intensa pesca ilegal do peixe visando garantir estoques futuros. Assim na região. mesmo, fazem contagem. Resumo dos resultados do manejo Obs.: Algumas comunidades não pescam comercialmente todos os anos, Na figura 2 abaixo, são mostrados os resultados das contagens realizadas preferindo guardar seus lagos por entre 2007 e 2012. O período 2007/2008 períodos de 1 ano ou mais, visando não apresenta a contagem de bodecos garantir estoques futuros. Por isso da porque os dados não foram repassados diferença entre cotas autorizadas e pelo IDS-FB. capturadas. A figura 3 mostra a Relação Cota Autorizada/Cota Capturada entre 2007 e 2012.

Figura 2 – Dados da Contagem Anual de pirarucu na RESEX Auatí-Paraná. Fonte: AAPA.

261 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

Figura 3 – Relação entre cotas autorizadas e capturadas entre 2007 e 2012. Fonte: AAPA.

Resultados Econômicos

Tabela 1 - Dados referentes ao peso e ao valor bruto obtido na venda de pirarucu na RESEX Auatí-Paraná nos anos de 2008 a 2012 (Fonte: ARANTES, 2012)

Ano Quantidade Peso (Kg) Valor Bruto (R$)

2008 2068 102.276 362.394,00

2009 1949 93.197 356.357,00

2010 1991 99.252 328.393,60

2011 673 33.595 154.982,00

2012 1419 69.948 287.397,00

Total 8100 398.268 1.489.523,60

Principais problemas enfrentados pessoal do órgão gestor dificulta a Pesca ilegal – A captura de pirarucu atividade de fiscalização. O peixe ilegal ilegal é intensa na região, pois se trata é vendido livremente nas cidades do de espécie muito demandada pelo interior do Amazonas e até mesmo nas mercado. A ausência de uma base do feiras de Manaus. IBAMA na região, bem como uma base Desrespeito aos acordos de uso – Ainda local do ICMBio e do baixo efetivo de são comuns as invasões dos lagos e

262 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no manejo comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil • Edvaldo Tavares de Lira • Enrique Araújo de Salazar • Miguel Arantes

demais corpos d’água por pessoas de posicionamento do Estado do amazonas fora da UC ou mesmo por moradores através do Centro Estadual de Unidades das comunidades locais, que protegem de Conservação (CEUC), que é o gestor seus ambientes de manejo, mas da área. pescam nos das outras comunidades, Escassez de recursos financeiros – O manejo desrespeitando acordos internos. de pirarucu demanda a realização de Mesmo que não acessem as áreas com o uma série de atividades, principalmente objetivo de pescar pirarucu, as invasões para capacitações dos grupos sociais com o objetivo de pescar outras envolvidos, tanto para planejamento das espécies acaba prejudicando o manejo, ações pré-manejo, como para a execução espantando a espécie-alvo. da contagem, da pesca e da avaliação de Observa-se que o plano de manejo cada ciclo de pesca. Para que isso ocorra pesqueiro da RESEX (DAMASCENO ., é necessário apoio financeiro, que nem 2006 – 2007), que inclui o zoneamento sempre está acessível. dos ambientes de pesca, não tem sido respeitado. Diversos “lagos” Mortandade de indivíduos jovens – A zoneados como de manutenção ou de mortalidade de filhotes de pirarucu preservação estão sendo manejados. (budecos ou bodecos) ainda é Pelo que foi apurado em várias reuniões considerável na pesca, notadamente realizadas com as comunidades, muitos naquelas áreas onde são utilizadas desconhecem os termos dos acordos e malhadeiras. É preciso estudar formas do zoneamento. de diminuir esta mortalidade. Conflitos pelo uso de recursos – Neste caso, Baixo preço pago aos pescadores – O valor tem-se especificamente o conflito entre pago aos pescadores tem sido bastante as comunidades Itaboca e Santa União. baixo. Em 2012, por exemplo, o quilo do Esta última solicitou reconhecimento pirarucu inteiro e eviscerado foi vendido indígena e, estimulada por uma a R$ 4,50 e R$ 5,00, valor este que não associação indígena e pelo escritório paga o árduo trabalho realizado nas regional da Fundação Nacional do Índio atividades do manejo. (FUNAI-Tefé), bloqueou o acesso a um complexo de lagos denominado Buiuçu, DISCUSSÃO situado da RDSM, no entorno imediato Como soluções ou ações para da RESEX, mesmo sem ter se tornado minimização dos problemas, pode-se efetivamente uma terra indígena. Este resumir o seguinte: complexo de lagos era manejado em Pesca ilegal – Intensificação da conjunto por ambas as comunidades fiscalização na região, incluindo ações (que são aparentadas), mas atualmente nos mercados das cidades amazonenses, Santa União impede o manejo por parte particularmente naquelas localizadas de Itaboca, mesmo a comunidade em na região do alto e médio Solimões, questão tendo autorização do IBAMA bem como em Manaus. A presença para realizá-la. Como se trata de uma mais constante do ICMBio na reserva, área situada na RDSM, é necessário um o fortalecimento do órgão em termos

263 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia de número de analistas e/ou técnicos bem sucedida tem sido realizada pela ambientais; a presença mais constante comunidade Cordeiro por incentivo do do IBAMA e do Instituto de Proteção comprador. Parte do lago é isolada por Ambiental do Amazonas (IPAAM) nas rede de malha grossa e de pequeno cidades são ações fundamentais para diâmetro. Os budecos capturados são coibir a pesca ilegal do pirarucu. colocados neste cercado e liberados após o término da pesca. Desrespeito aos acordos de uso – Estabelecer novos acordos e novo zoneamento Baixo preço pago aos pescadores – O das áreas de pesca, deixando material baixo valor pago ao pescador reflete impresso para as comunidades e muito a concorrência com o pirarucu sensibilizando a população das ilegal. O combate à pesca ilegal nas comunidades para a necessidade do áreas de manejo, bem como uma respeito ao que foi acordado. intensa fiscalização nas cidades poderá colaborar bastante com a melhoria do Zoneamento – Revisar tecnicamente valor do peixe. Além disso, observa- o zoneamento a categorização dos se que as comunidades não costumam corpos d’água destinados ao manejo. realizar a contabilidade da atividade, Sugere-se, ainda, rever a pertinência da não computando o investimento existência de lagos de manutenção, pois realizado para a realização do manejo se observa que também têm sido usados como um todo. na pesca comercial, tanto de pirarucu, como de outras espécies. CONCLUSÃO Conflitos pelo uso de recursos – No caso O manejo de pirarucu em Auatí-Paraná de Itaboca e Santa União, far-se-á vem se desenvolvendo e melhorando necessária a intervenção do Estado e ao longo dos anos. Trata-se de um da FUNAI-DF, caso contrário, o conflito processo adaptativo, em que pescadores tende a piorar. Vale ressaltar que novos e instituições vão aprendendo e conflitos como este estão latentes. Em procurando melhorar. caso de omissão do Estado e da FUNAI- É preciso investimento na atividade, DF, torna-se necessária a comunicação principalmente de investimento em pes- ao Ministério Público e/ou ao Ministério soal técnico capacitado para acompa- da Justiça. nhar o processo. Deve haver esforço no aumento de pessoal certificado. Escassez de recursos – Sensibilizar as Considerando que do pirarucu se fontes financiadoras, procurando aproveita quase tudo; considerando que viabilizar a participação de técnicos seu couro possui bom valor de mercado; do ARPA e do PNUD em atividades de considerando que o pescador recebe campo relacionadas ao manejo. muito pouco pelo pescado, torna- Mortandade de indivíduos jovens – Buscar se necessário estudar uma maneira formas de diminuir a mortalidade de de garantir uma maior remuneração indivíduos jovens de pirarucu durante aos comunitários participantes do a pesca. Uma estratégia aparentemente manejo, agregando valor em seu

264 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no manejo comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil • Edvaldo Tavares de Lira • Enrique Araújo de Salazar • Miguel Arantes

produto (considerando aqui o valor dos ARANTES, M. 2011. Relatório Final do subprodutos). Manejo do Participativo do pirarucu É preciso fazer com que o pirarucu manejado na RESEX Auatí-Paraná. 2011. 5-43 p. manejado consiga superar o produto clandestino. Para isso, torna-se ARANTES, M. Caracterização do peso e necessário um maior esforço na comprimento do pirarucu (Arapaima gigas) manejado na Reserva extrativista de Auati- fiscalização. Paraná, Fonte Boa, Amazonas. 2012. 28 p. O investimento na conservação e Trabalho de Conclusão de Curso (Tecnólogo na preservação dos ambientes de em Produção Pesqueira), Universidade reprodução e desenvolvimento do Estadual do Amazonas (UEA). Fonte Boa, pirarucu é necessário. Para tanto, é 2012. preciso que as comunidades sejam DAMASCENO, J. M. B.; NETO, J. O. M; constantemente conscientizadas da ALMEIDA, L. H.; MELO, W. O; CORRÊA, G. importância da proteção de seus lagos D.; RODRIGUES, A. E. C.; SANTOS, A. D. e igarapés para sua sustentabilidade Plano de manejo pesqueiro da Reserva e que o órgão gestor intensifique sua Extrativista Auatí-Paraná. Fonte Boa: 2006. presença na reserva, principalmente 91p. Relatório preliminar. com atividade de fiscalização. DAMASCENO, J. M. B.; NETO, J. O. M; ALMEIDA, L. H.; MELO, W. O; CORRÊA, G. REFERÊNCIAS D.; RODRIGUES, A. E. C.; SANTOS, A. D. ARANTES, M. Relatório Final do Manejo Plano de manejo pesqueiro da Reserva do Participativo do pirarucu manejado na Extrativista Auatí-Paraná. Fonte Boa: 2007. RESEX Auatí-Paraná. 2008. 1-14 p. 68p. Relatório preliminar. ARANTES, M. 2009. Relatório Final do Manejo do Participativo do pirarucu manejado ICMBio. Plano de Manejo da Reserva na RESEX Auatí-Paraná. 2009. 1-25 p. Extrativista Auatí-Paraná. Tefé, AM: ICMBio, 2012. ARANTES, M. Relatório Final do Manejo do Participativo do pirarucu manejado na RESEX Auatí-Paraná. 2010. 3-25 p.

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O MANEJO PARTICIPATIVO DE PIRARUCU (Arapaima gigas) NAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ E AMANÃ

Ana Cláudia Torres Gonçalves1

INTRODUÇÃO Em função disso, o Instituto Mamirauá Assim como em toda a região amazônica, iniciou pesquisas sobre aspectos a pesca é uma das principais atividades da pesca, biologia e ecologia da praticadas nas RDSs Mamirauá e Amanã, espécie, com vistas na elaboração de fonte de alimentação, comércio e renda uma proposta de manejo. Por haver para grande parte de sua população, a disposição dos pescadores em sendo o pirarucu a espécie de maior trabalhar de forma legalizada, isso importância econômica. Na década de possibilitou que pesquisadores do 70 do século passado, em decorrência Instituto Mamirauá encaminhassem ao da intensa exploração, a população de IBAMA – Amazonas em 1999 um projeto pirarucus entrou em declínio levando o solicitando a autorização para a pesca Instituto Brasileiro do Meio Ambiente do pirarucu em caráter experimental, e dos Recursos Naturais Renováveis a partir da adoção de medidas de (IBAMA) a estabelecer em 1989, um exploração sustentável, que consistia tamanho mínimo de captura (150 na adequação do tamanho das malhas cm) e, em 1990, o período de defeso das malhadeiras, no estabelecimento reprodutivo (1° de dezembro a 31 de uma porcentagem de retirada com de maio). Devido a grande extensão o devido controle e monitoramento e a geográfica da Amazônia e à ineficiência identificação dos pirarucus capturados. da fiscalização, essas medidas surtiram O projeto adotava o sistema de rodízio pouco efeito prático, e em 1996, qualquer de lagos; a comercialização em mantas; tipo de captura e venda de pirarucu foi e a definição da cota em toneladas, proibida no Amazonas (Portaria IBAMA utilizando como base de cálculo a 8/96), sendo permitida apenas em áreas estimativa da produção de pirarucu manejadas ou provenientes de cultivo, em várzeas da Amazônia Peruana, que o que afetou inúmeras famílias que é da ordem de 0,3 kg/ha/ano (BAYLEY residem em áreas de várzea. et al., 1992). O projeto foi aprovado e, em 1999, ocorreu a primeira pesca

1 Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - IDSM

267 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia manejada, envolvendo 42 pescadores os estoques na área da RDSM e para do Setor Jarauá/RDS Mamirauá e estimar a quantidade de pirarucu a ser uma produção de pouco mais de três capturado na área do Setor Jarauá. O toneladas. A quantidade autorizada número de pirarucus adultos contados correspondia a aproximadamente 1/3 do em 1999 serviu de base para o pedido de número de pirarucus existentes na área, cota para o ano de 2000, encaminhado estando sob baixa pressão de pesca. para o IBAMA/AM, solicitando o abate Embora impondo uma redução drástica de aproximadamente 30% do número de na produção, essa solução satisfez os adultos contados, o que corresponderia pescadores, que passariam a explorar a aproximadamente 120 peixes ou o pirarucu em sua área de uso com cerca de três toneladas (assumindo-se o autorização do IBAMA, além de estarem tamanho médio de captura de 155 cm, em conformidade com as normas do 40-50 kg de peso total ou 20-25 kg de Plano de Manejo da RDSM, pois esses se carne por peixe). comprometiam a respeitar a legislação Os pescadores, por sua vez, propuseram existente que regulamenta a pesca na que a cota fosse estabelecida em região. número de peixes ao invés de Em 2000, disponibilizou-se uma nova tonelagem, o que facilitaria a partilha da ferramenta para o monitoramento dos cota entre os pescadores, levando em estoques de pirarucu, um método de consideração o grau de envolvimento/ contagem com base no conhecimento comprometimento dos pescadores nos dos pescadores de pirarucu, de avaliar trabalhos da associação e do manejo a quantidade de peixes nos ambientes (participação em reuniões e rondas antes de iniciar a pesca. Esse método está de vigilância dos lagos, bem como, fundamentado ainda no comportamento a adimplência com o pagamento da do pirarucu, que tem a necessidade contribuição mensal, entre outros). A de vir à superfície da água com certa proposta foi aceita pelo IBAMA/AM e, regularidade para respirar, e é quando desde então, as autorizações emitidas são detectados visualmente ou através estabelecem a cota em número de da audição por pescadores experientes. peixes. Comparações entre as estimativas A partir de então, a experiência de obtidas a partir de experimentos de manejo consolidou-se, expandindo-se marcação e recaptura e as contagens dos para outras áreas das RDSs Mamirauá pescadores demonstraram que esses e Amanã, bem como, para diversas pescadores conseguem contar com regiões no Estado do Amazonas, em grande precisão o número de pirarucus outros estados e até em outros países. maiores do que 1 m de comprimento Assim, este artigo pretende descrever total existentes em lagos durante os os principais resultados alcançados, meses de seca (CASTELLO, 2004). em 14 anos de experiência nessa Esse método passou, desde então, a ser região, enfatizando algumas estratégias utilizado pelos pescadores e técnicos adotadas pelo Instituto Mamirauá em do Instituto Mamirauá para monitorar sua assessoria aos grupos de manejo.

268 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves

Figura 1 - Área das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) e Amanã (RDSA).

Figura 2 - Localização dos sistemas de manejo de pirarucu nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) e Amanã (RDSA), assessorados pelo Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá.

269 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

ÁREA DE ATUAÇÃO A área de Mamirauá está sobreposta em Inserida na planície de alagação dos rios partes dos municípios de Uarini, Fonte de água branca da Amazônia, a Reserva Boa e Maraã e, a área de Amanã está de Desenvolvimento Sustentável sobreposta em partes dos municípios Mamirauá – RDSM é delimitada pelos de Maraã, Coari, Codajás e Barcelos. Rios Solimões, Japurá e pelo Auati- Estas duas Unidades de Conservação Paraná, e abrange uma área de 1.124.000 têm influência ainda em mais quatro ha. A principal característica ambiental municípios do entorno: Tefé, Alvarães, da RDS Mamirauá é a grande variação Jutaí e Tonantins (MOURA, 2007). O no nível das águas dos rios, que ocorre principal centro urbano mais próximo todos os anos. Os alagamentos sazonais é Tefé, com uma população de 61.453 dos rios Solimões e Japurá causam uma habitantes (IBGE 2010), situada a 516 elevação do nível da água de dez a doze km de Manaus. metros da estação seca para a cheia, O Programa de Manejo de Pesca do anualmente, o que a denomina como Instituto Mamirauá assessora sete ecossistema de várzea (IDSM, 2006). sistemas de manejo assim distribuídos, A Reserva de Desenvolvimento na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã – RDSA foi criada Sustentável Mamirauá: Setor Jarauá, em 1998, com uma área de 2.350.000 Setor Tijuaca, Complexo de Lagos Jutaí- ha. Está localizada entre a bacia do Cleto (Setor Aranapú) e Complexos de Rio Negro e a bacia do Rio Solimões Lagos Preto, Tigre e Itaúba (Colônia de na região do baixo curso do rio Pescadores Z-32 de Maraã); e na Reserva Japurá. A biodiversidade é fortemente de Desenvolvimento Sustentável Amanã: determinada pela influência dos tipos Setor Coraci, Complexo de Lagos de água, branca e preta, presentes na Pantaleão (Setor São José e Colônias área, e é composta principalmente por de Pescadores Z-4 de Tefé e Z-23 de ambientes de terra firme, igapó e de matas Alvarães) e Complexo de Lagos Paraná de várzea (VALSECCHI; AMARAL, 2009). Velho (Setor Amanã). A população destas duas Reservas RESULTADOS é de aproximadamente 13.382 habitantes entre moradores localizados Ao longo de 14 anos, o manejo dentro de seus limites e moradores participativo do pirarucu assessorado do entorno, reconhecidos como pelo Instituto Mamirauá tem gerado usuários. Essa população está resultados sociais, ecológicos e distribuída em aproximadamente 264 econômicos bem expressivos. Dentre localidades, organizadas em 23 Setores eles: i) a regularização da pesca comercial políticos2(Banco de Dados IDSM, 2011). de pirarucu, proibida no Estado do Amazonas em 1996; ii) a recuperação dos estoques de pirarucu em seus ambientes naturais, aumentando em 1 Os Setores são agrupamentos humanos organi- zados em comunidades, localidades e sítios que aproximadamente 447% em média o compartilham a gestão e o uso de recursos natu- estoque natural da espécie nas áreas rais de uma determinada área das Reservas.

270 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves manejadas, uma vez que, a cota de pesca Alvarães e Maraã) vem absorvendo mais é estabelecida a partir do resultado das de 90% da produção. Isso é resultado contagens; iii) o estabelecimento de das inúmeras estratégias de divulgação uma exploração racional, prevendo-se a do produto, que vão desde a realização remoção de aproximadamente 30% dos de feiras nos municípios do entorno das adultos, deixando-se os 70% restantes áreas de manejo até eventos envolvendo para assegurar a reprodução da espécie; a participação de comerciantes e iv) a melhoria da renda dos pescadores; compradores locais. e v) o reconhecimento conferido aos Um resultado social expressivo no manejo grupos de pescadores pela prática de em Mamirauá e Amanã é a participação ações sustentáveis. de pescadores urbanos de Tefé, Alvarães A renda proveniente da pesca desta e Maraã, municípios do entorno das espécie, além de contribuir para a reservas, em iniciativas de manejo dos composição da renda doméstica, tem recursos pesqueiros de uma Unidade de possibilitado investimentos na aquisição Conservação, uma vez que, até 2001 o de apetrechos de pesca e melhoria uso dos recursos naturais das Reservas das embarcações. Em 2012, a pesca Mamirauá e Amanã estava restrito às proporcionou aos mais de mil pescadores comunidades de moradores. Essas em 27 comunidades ribeirinhas e três colônias vêm tentando garantir áreas colônias dos municípios do entorno da de pesca dentro das áreas protegidas reserva um faturamento bruto médio de para uso de seus sócios, visto que, R$ 1.586,92 com valores individuais que estes pescadores sofreram uma redução variaram de R$ 126,40 a R$ 6.130,00. significativa de suas áreas de pesca nos O Programa de Manejo de Pesca do últimos 20 anos devido à criação de Instituto Mamirauá (PMP/IDSM) é várias Unidades de Conservação e Terras responsável-técnico por duas de onze Indígenas. Diferentemente, da Colônia áreas de manejo de pirarucu no Estado Z-32 de Maraã, as Colônias Z-4 de Tefé do Amazonas (IBAMA, 2012), atuando e Z-23 de Alvarães enfrentaram maior em parte da RDS Mamirauá e na RDS resistência para acessar os recursos Amanã, na região próxima a Tefé. A das Reservas. Apoiado pelo Instituto participação destas duas áreas foi da Mamirauá e a Gerência Executiva do ordem de 34% do total da produção IBAMA – Tefé, os acordos consolidaram- de 910.594 kg capturados no estado, se e têm gerado resultados positivos em 2011. Ao longo de 14 anos de em diversos aspectos que vão desde a manejo já foram produzidas mais de recuperação dos estoques de peixe na 2.286 toneladas de pirarucu gerando área até amenizar conflitos de décadas um faturamento bruto de mais de dez entre pescadores urbanos e ribeirinhos. milhões de reais. Até 2008, a produção Além de atuar no âmbito local, quase que em sua totalidade estava a experiência tem estimulado a sendo comercializada para o mercado implementação de novas iniciativas regional (Manaus e Manacapuru). Nos de manejo dos recursos pesqueiros últimos dois anos, o mercado local (Tefé, em diversas regiões da Pan-Amazônia.

271 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

Tabela 1 - Indicadores gerais do manejo de pirarucu nas RDS Mamirauá e Amanã.

Indicadores 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Produção (toneladas) 3,2 3,5 6,5 32,9 58,5 128,6 215

Local 87% 0% 0% 0% 0% 8% 16%

Mercado Estadual 13% 100% 25% 93% 100% 90% 82%

Nacional 0% 0% 75% 7% 0% 2% 2%

Faturamento Bruto (R$) 10.801 20.262 52.042 146.940 146.609 601.041 733.357

Nº Benefi ciados 42 46 107 235 277 429 565

Nº Comunidades 4 4 11 18 18 18 16

Nº Colônias 0 0 0 1 1 1 1 Indicadores 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Produção (toneladas) 221,8 228,2 241,3 323,9 217,8 301,2 304,2

Local 11% 5% 18% 63% 32% 94% 90%

Mercado Estadual 89% 95% 82% 37% 68% 6% 10%

Nacional 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

Faturamento Bruto (R$) 834.331 851.757 1.031.771 1.490.270 967.257 1.510.993 1.683.721

Nº Benefi ciados 642 682 718 1.013 922 959 1.061

Nº Comunidades 16 16 23 25 20 21 27

‘ 113333 3

No Brasil, a experiência difundiu-se DESAFIOS para outros municípios do estado do Entre os desafios atuais do manejo em Amazonas como Fonte Boa, Itacoatiara, Mamirauá e Amanã estão: i) a valorização Jutaí, Juruá, Tonantins (BESSA; LIMA, do produto; ii) o fortalecimento das 2010), e para outros estados como Pará, organizações de pescadores para Rondônia, Roraima e Acre. Países como que desenvolvam a autogestão e Peru, Colômbia, Bolívia e Guiana Inglesa assumam integralmente a condução também utilizam algumas ferramentas desenvolvidas em Mamirauá para o e o custeio das etapas do manejo; iii) manejo da espécie, em partes de sua o desenvolvimento de ferramentas de região Amazônica. A contribuição desta controle, monitoramento e avaliação experiência também pode ser verificada da atividade, que desconstruam a na influência de políticas públicas locais concepção de que o manejo se resume e nacionais como a Instrução Normativa a contar e pescar; e iv) a capacidade (IN) n°1, de 1° de junho de 2005, que de influenciar políticas públicas, regulamenta a pesca do pirarucu participando ativamente das discussões manejado; a IN n° 29 de 1° de janeiro que visam definir de uma Instrução de 2003, que regulamenta os Acordos Normativa Estadual que regulamente de Pesca; e a IN n° 19 de 24 de junho de o manejo, buscando fazer com que 2009, que oficializa o Acordo de Pesca contemplem as especificidades de cada do Pantaleão, na Reserva Amanã. região.

272 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves

Na tentativa de contribuir para a de desembarque de pescado visando valorização do pirarucu do manejo, que absorver toda a produção, promovendo em 2012, alcançou o preço médio de R$ maior competitividade de mercado para 5,32/kg, a assessoria realiza anualmente este produto. uma Rodada de Negócios, onde Objetivando fortalecer as organizações pescadores, potenciais compradores de pescadores, a assessoria realiza de pirarucu e fornecedores de anualmente o Encontro de Manejadores, insumos, reúnem-se para estabelecer que oportuniza aos manejadores de possibilidades de negociação. O evento pirarucu, a troca de experiências com ganha repercussão e a cada ano registra- pescadores de outras áreas de manejo, se a presença de maior quantidade identificando problemas e propondo de pessoas interessadas em comprar soluções para o seu melhor desempenho. pirarucu. No entanto, o fator que Em, 2012, o encontro reuniu mais de interfere decisivamente na negociação 100 pescadores e ainda representantes é a disponibilidade de infraestrutura do Instituto de Proteção Ambiental do e logística por parte do comprador, Amazonas – IPAAM e do Centro Estadual visto que, a maioria dos grupos de de Unidades de Conservação – CEUC manejo não dispõe de barco para o que apresentaram propostas de ações transporte da produção e a exigência, visando o combate ao comércio ilegal em especial dos representantes de redes de pirarucu, que disputa mercado com de supermercado e compradores de o produto do manejo. outros estados é que a produção possa Em relação à dificuldade das organizações ser entregue em Manaus, onde poderia em desenvolver a autogestão e assumir ser processada, atendendo as exigências integralmente a condução e o custeio sanitárias do Ministério da Agricultura. das etapas do manejo, o PMP/IDSM Neste sentido, os grupos de diagnosticou a fragilidade de algumas manejadores pleiteiam junto às organizações em transmitir aos seus agências financiadoras e à Fundação associados os princípios do manejo, Amazonas Sustentável recurso para etapas cujo cumprimento é fundamental investir nas unidades de recepção e para que o manejo alcance plenamente pré-beneficiamento (evisceração) e na a sustentabilidade ambiental e aquisição de barcos transportadores socioeconômica. Em alguns grupos, em que permitam transportar a produção 10 anos de manejo, o nº de beneficiários até centros comerciais que ofereçam cresceu mais de 900%. No entanto, melhores preços pela produção. O a maioria do grupo não reconhece a governo do estado, por sua vez, instalou importância da organização, ao qual uma Unidade de Beneficiamento estão vinculados, para obtenção do em Maraã, área que detém maior manejo; bem como, da participação porcentagem da cota das áreas individual para o bom andamento do assessoradas pelo Instituto Mamirauá, e grupo em algumas etapas do manejo que pretende construir outras unidades em são avaliadas pela equipe técnica, como: Fonte Boa, Tefé e importantes centros organização coletiva, zoneamento e vigilância do complexo de lagos.

273 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

Outra fragilidade identificada é quanto à dos que executam o manejo, atribuindo gestão da organização, pagamentos de nota aos critérios avaliados e que tributos, gerenciamento e prestação de reunidos embasam as cotas de pesca, contas, dada a falta de conhecimento, que não ultrapassam 30% dos pirarucus habilidade e aptidão dos dirigentes. adultos contados. Então, nestes casos, traçamos uma Nesta avaliação, a equipe técnica abordagem diferente, empenhando avalia o desempenho organizacional esforços para trabalhar as fragilidades do grupo; a partir do cumprimento da organização, a partir da retomada das normas e aplicação de penalidades destes princípios junto à diretoria, que estabelecidas pelo regimento interno, nem sempre é a mesma que iniciou e da iniciativa do grupo em lidar com o processo de manejo. O propósito os imprevistos. Avalia-se também se é capacitar os diretores para que o grupo implementou um sistema de estes trabalhem a sensibilização dos vigilância que promova a colaboração associados. A iniciativa, normalmente, dos beneficiários e se este é eficiente exige da equipe um aprimoramento da a ponto de garantir a proteção da área. metodologia do curso, que aborda as Em relação à contagem (levantamento temáticas: organizar, zonear, proteger, de estoque), avalia-se a segurança contar, pescar, vender e avaliar, em e a responsabilidade do grupo na três módulos ao longo de nove aplicabilidade do método. Avalia-se dias. Já se começa a perceber uma flexibilidade maior dos diretores na também se houve controle da produção hora de negociarmos com eles algumas e se esta foi devidamente monitorada mudanças de postura e adequações pelos manejadores. Não menos na forma de gestão; e a compreensão importante, é avaliar o que os dados de que o desempenho obtido pelo da contagem revelam em relação à grupo nas etapas do manejo influencia saúde dos ambientes e a possibilidade/ decisivamente para o pedido de cota eficiência de captura da cota. Por fim, apoiado pela assessoria técnica. E outros fatores como a forma como mais, que a falta de planejamento e os ganhos são distribuídos e se esta é mobilização comprometem a execução justa, considerando o envolvimento e do manejo e encarecem o processo. comprometimento dos beneficiados Para desconstruir a concepção errônea com a execução das etapas do manejo, disseminada de que o manejo se resume a contar e pescar e desenvolver também são avaliados. mecanismos de controle, monitoramento Influenciar políticas públicas talvez e avaliação do manejo, o programa, em seja o maior e mais complexo desafio 2011, evidenciou todas estas etapas do vivenciado pela equipe técnica que manejo, quando aperfeiçoou a forma de assessora os sistemas de manejo, pois avaliar, desenvolvendo um método de envolve uma variedade de instituições, avaliação participativa que considera com pontos de vista e diretrizes quase tanto o parecer técnico quanto a opinião sempre divergentes. Desde 2011, o PMP/

274 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves

IDSM vem participando da discussão ambientes só podem ser explorados da Instrução Normativa Estadual após o recebimento das autorizações para regulamentação do manejo e após a realização das contagens que sustentável de pirarucu em Unidades de subsidiam as cotas do ano seguinte. Conservação de Uso Sustentável e em Em 2012, a convite do Instituto de Pesos áreas de Acordos de Pesca, pois com o e Medidas do Estado do Amazonas – fechamento dos escritórios do IBAMA IPEM/AM, órgão delegado do Instituto no interior do estado e a publicação Nacional de Metrologia, Qualidade e da Lei Complementar nº 140 de 08 de Tecnologia – INMETRO o PMP/IDSM dezembro de 2011, que altera a Lei tem participado ativamente do GT de no 6.938, de 31 de agosto de 1981 e discussão que visa à elaboração de uma fixa normas para a cooperação entre Instrução Normativa específica para a a União, os Estados e os Municípios certificação do produto pirarucu Salgado nas ações administrativas decorrentes Seco, no Programa Selo Amazônico do exercício da competência comum do INMETRO. Alguns ajustes já foram relacionada à proteção do meio realizados, visando à consolidação ambiente, combatendo a poluição em dos comentários recebidos durante a qualquer de suas formas e promovendo Consulta Pública da Instrução Normativa, a preservação das florestas, da fauna divulgada por meio da Portaria Inmetro e da flora. O licenciamento do manejo nº 364 de 16 de julho de 2012. A passa a ser atribuição do estado. comissão é formada pela Fundação A primeira proposta de minuta indicou Centro de Análise, Pesquisa e Inovação que se considerasse a contagem do Tecnológica – FUCAPI; Superintendência mesmo ano para o estabelecimento da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA; da cota a ser capturada, isto seria Secretaria Executiva de Pesca e interessante, se as regiões que fazem Aquicultura/Secretaria de Produção Rural manejo no estado não apresentassem do Estado do Amazonas – SEPA/SEPROR; realidades tão diferentes quanto ao Secretaria de Estado do Meio Ambiente período de cheia e vazante e se os e Desenvolvimento Sustentável – Centro departamentos de análise dos processos Estadual de Unidades de Conservação – pudessem atuar de forma ágil na SDS/CEUC e Ministério da Agricultura, emissão dos pareceres. Essa proposta Produção e Abastecimento – MAPA. ocasionaria redução do tempo hábil Nossa participação garantiu que para a pesca, pois na região assessorada a IN contivesse exigências de pelo Instituto Mamirauá, os ambientes procedimentos para obtenção do só apresentam condições ideais para pirarucu, como matéria-prima do contagem, ou seja, isolamento dos produto a ser certificado, prezando mesmos, a partir da segunda quinzena pela sustentabilidade socioambiental de setembro, o que possibilitaria, na do manejo em meio a um processo melhor das hipóteses, trinta dias para produtivo de grande escala, que tende a a execução da pesca, visto que, os exigir produção a qualquer custo.

275 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia

CONSIDERAÇÕES cadeia produtiva do pirarucu, para Lidar com pessoas em meio aos que a oferta de preço e as condições princípios do associativismo sempre foi tornem-se mais atraentes, aumentando e continuará sendo um enorme desafio, assim, a competição de mercado pelo porém uma medida necessária em se pirarucu, exigindo dos compradores tratando de manejo de recursos naturais, investimentos em infraestrutura e que são bem de uso comum, mas que logística adequados ao comércio de precisam ser usados de forma moderada pirarucu desta e demais regiões. Isso e racional, pois são recursos renováveis exige que haja participação ativa de até certo ponto, vulneráveis à extinção todos nas discussões que visam definir quando explorados em demasia. políticas públicas que contemplem as Ainda que a equipe técnica adote os especificidades de cada região. 2 mesmos procedimentos de trabalho Entende-se como manejo participativo para todos os sistemas, o manejo ganha o uso sustentável de um sistema de contornos diferentes a partir de fatores bens, cujo acesso exclusivo é permitido como: a localização da área; a disposição apenas a um grupo de atores sociais, dos ambientes; o potencial produtivo e que é por este grupo protegido e do sistema; o perfil dos pescadores gerenciado através de um sistema envolvidos, a capacidade produtiva do de zoneamento e de normas de uso, grupo, o nível de comprometimento do ambos definidos com base em uma grupo com as etapas do processo e a aliança entre conhecimento científico habilidade em negociar a produção. e saberes tradicionais (IDSM, 2011). Tal O bom desempenho do manejo de aliança é considerada parte fundamental pirarucu em Mamirauá e Amanã se deve do manejo participativo, por subsidiar ao caráter participativo2 com que vem o estabelecimento de normas de sendo conduzido, fomentando uma uso sustentável. Exemplo disso foi o gestão ambiental compartilhada entre desenvolvimento de um método de pescadores, pesquisadores, técnicos levantamento populacional do pirarucu e instituições. E para que o manejo realizado através das contagens feitas continue a atender o princípio social, pelos pescadores (CASTELLO, 2004). é fundamental que haja controle, O método permitiu a apropriação das monitoramento e avaliação, pois é na ações de manejo por parte dos usuários avaliação onde é possível identificar do sistema (VIANA et al., 2007). conjuntamente as potencialidades e REFERÊNCIAS fragilidades do grupo, para definir estratégias para se trabalhar as fraquezas BAYLEY, P. B.; VÁZQUEZ, F.; GHERSI, P.; SOINI, de cada sistema. P.; PIÑEDO, M. Environmental review of the A perspectiva é que os atores envolvidos Pacaya-Samiria National Reserve in Peru and no processo do manejo possam unir assessment of Project (527-0341). Report to forças e trabalhar uma proposta the Nature Conservancy. Washington, 1992. conjunta de gestão socioeconômica dos empreendimentos de apoio à BESSA, J. D. O.; LIMA, A.C. 2010. Manejo de Pesca do pirarucu (Arapaima Gigas) no Estado

276 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves do Amazonas: Erros, Acertos e Perspectivas QUEIROZ, H. L.; PERALTA, N. Reserva de Futuras. Seminário Internacional de Desenvolvimento Sustentável: manejo Ciências do Ambiente e Sustentabilidade integrado dos recursos naturais e gestão na Amazônia, 1, 2010. Anais. Manaus: participativa. In: GARAY, I.; BECKER, Universidade Federal do Amazonas, 2010. B. K. (Org.). Dimensões Humanas da Biodiversidade. Petrópolis: Vozes, 2006. p. CASTELLO L. A method to count pirarucu 447-476. Arapaima gigas: fishers, assessment and management. North American Journal of VALSECCHI, J.; AMARAL, P. V. Perfil da Fisheries Management, v. 24, n. 2, p.379- caça e dos caçadores na Reserva de 389, 2004. Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas – Brasil. UAKARI, v. 5, n. 2, p. 33- IBAMA. Memorando Circular Nº 01/2012/GT 48. 2009. FAUNA/SUPES/AM. VIANA, J. P.; CASTELLO, L.; DAMASCENO, J. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e M. B.; AMARAL, E. S. R.; ESTUPIÑÁN, G. M. Estatístico. Censo demográfico 2010. B.; ARANTES, C.; BATISTA, G. S.; GARCEZ, IDSM. Plano Diretor do IDSM: 2006-2009. D. S. BARBOSA, S. Manejo Comunitário Brasília: IDSM, 2006. 64 p. do pirarucu Arapaima gigas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - MOURA, E. A. F. Práticas socioambientais na Amazonas, Brasil, pp. 239-261. In: ÁREAS Reserva de Desenvolvimento Sustentável aquáticas protegidas como instrumento de Mamirauá, Estado do Amazonas, Brasil, gestão pesqueira. Brasília: Ministério do 2007, 314 f. Il. Tese (Doutorado) – Meio Ambiente e IBAMA, 2007. (Série Áreas Universidade Federal do Pará, Núcleo de Protegidas do Brasil, 4) Altos Estudos Amazônicos.

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