Afeto, Autenticidade E Socialidade: Uma Abordagem Do Rock Como Fenômeno Cultural
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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Afeto, Autenticidade e Socialidade: Uma abordagem do Rock como Fenômeno Cultural. Jeder Janotti Junior Resumo: O texto procura desenvolver ferramentas que possibilitem a análise do rock como um fenômeno cultural através das noções de afeto, autenticidade e socialidade. Dentro dessa abordagem o rock é compreendido como um processo cuja delimitação está vinculada não só aos aspectos históricos, mas antes de tudo às suas relações afetivas e sociais. A cartografia, a tensão entre os diferentes grupamentos rockeiros e as constituições dos gêneros acabam por demonstrar que as apropriações locais e suas relações com a cultura global são elementos fundamentais na compreensão do que é denominado rock. Rock e Afeto O afeto é um local privilegiado para a compreensão do rock e dos inúmeros investimentos sociais encontrados nos grupamentos rockeiros. Investir afetividade em uma banda ou em determinado gênero musical é um modo de vivenciar o cotidiano através de posicionamentos afetivos diante da cultura contemporânea. Quando escolhemos determinado gênero musical em detrimento de outros ou optamos por comprar um cd em uma loja especializada ao invés de adentrarmos os grandes shoppings estamos produzindo nichos específicos para nossas manifestações culturais. Consumir nas grandes redes ou nos pequenos mercados especializados são construções afetivas diferenciadas. Portanto, antes de localizar o rock nas intermináveis discussões situadas no âmbito das várias estratificações culturais ou nas armadilhas do vale tudo denominado "cultura pop", é preciso conectá-lo a ambientes mais precisos e análises pontuais, e talvez por isso, mais funcionais. O rock é sustentado pelo envolvimento afetivo e as manifestações sociais daí decorrentes. De acordo com Lawrence Groosberg: 'Afetar'1 aqui se refere à qualidade e quantidade de energia investida em determinados lugares, coisas, pessoas, sentidos e assim por diante. É o lugar que ancoramos e navegamos no mundo, mas não individualista e desestruturado; e 1 Lawrence Grossber utiliza o verbo Affect, literalmente afetar, no desenvolvimento deste trabalho utilizo o substantivo afeto para tentar traduzir a idéia do verbo afetar, daí a insistência na idéia de que afeto pressupõe o ato de afetar e ser afetado. Uma tentativa de compensar a transformação da ação verbal na nominação substantiva. Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação também não é somente pura energia psíquica escoando por entre as estruturas sociais de poder. O 'afeto', é articulado e estruturado de maneira complexa, produzindo configurações não só de prazer e desejo (através de narrativas econômicas), mas também de volição (ou de vontade), de disposições e paixões. Estas descrevendo a organização do que realmente importa. As paixões apontam para o fato de que as pessoas experimentam coisas, vivem diferentes identidades, práticas, relações, em diferentes níveis e de diferentes modos (1997:111). Os afetos são lugares privilegiados de percepção local. Investir afetividade em um bar ou em uma determinada loja é preencher as cidades com práticas afetivas. Os aspectos geográficos não podem ser subestimados. As cidades são os lugares onde se formam as intersecções entre a cultura global e suas apropriações locais. A manifestação do rock é ligada aos espaços urbanos idéia de autenticidade. Para citar um exemplo, em Salvador, diante da pressão da axé-music, os espaços para shows de rock são poucos, o mercado é pequeno e as possibilidades de viver como músico de rock são bastante reduzidas, mas a coesão grupal parece ser demarcada de maneira ainda mais feroz; como pode ser observado no depoimento de um rockeiro em Salvador: Rapaz, é extremamente difícil fazer heavy metal em Salvador, nada contribui, não existem produtores, casas especializadas, gravadoras, estúdios de gravação com técnicos que entendam de metal e apenas duas lojas especializadas em rock pesado. Quanto a particularidades eu acredito que o próprio fato de existir uma cena em Salvador, cidade do axé, com bandas de qualidade já é algo fantástico (Serafin, vocalista e tecladista da banda de heavy metal Carnifire, entrevista ao autor em junho de 2000). O rock é uma espiral de afetos. Os diversos gêneros e grupamentos urbanos afetam e são afetados pelo aparato denominado rock. Os rockeiros fazem significar o mundo nas diferenças. A demarcação dos lugares é construída em relação ao outro, que varia de acordo com diferentes contextos e diferentes situações: A história do rock é marcada por uma contínua disputa entre o que é na verdade rock autentico e que grupos são realmente dedicados a essa autenticidade. Para ser claro, eu não estou dizendo que o que importa de fato é a autenticidade, antes de mais nada, autenticidade é um efeito das diferenciações do rock, da lógica operacional na construção das relações entre cenas, diferentes aparatos, e, mais importante diferentes alianças (GROOSBERG 1997 :113). O rock é um mapa reconstruído constantemente, sujeito às forças do mercado, dos vazios entre gerações e das diferentes juventudes presentes em uma mesma geração. Reconstruir Recife na união do rock com o maracatu pode ser significativo para uma geração que procurava revitalizar suas raízes culturais, mas pode ser extremamente paralisante para grupamentos urbanos que querem proferir sua aderência ao rock como linguagem mundializada. O global pode ser o que permite o reconhecimento do regional como Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação diferencial ou o que permite que as raízes sejam relativizadas, possibilitando que certos grupamentos urbanos possuam uma caracterização mais preocupada com as relações mundializadas. O cotidiano é demarcado na tensão entre ser rockeiro e as pressões exercidas por outros espaços da vida social. Hoje, o rock dificilmente se coloca como uma opção entre um estilo de vida marginalizado ou cooptado. Ele abre espaços que permitem saltos dentro das práticas cotidianas: Apesar de não poder estar fora da vivência do dia-a dia, a trajetória de sua mobilidade pode ao menos (mesmo se isso não for definitivo) apontar um mundo transcendente, uma alternativa para o dia-a-dia. É como se o rock imaginasse que 'Saturday Night' estava fora das amarras da territorialização e projetasse um mundo em que a qualquer momento fosse possível de ser vivido como "Saturday Night" (GROSSBERG 1997: 115). O processo do rock não projeta mais uma vivência totalmente alternativa. A resistência ao modelo econômico e social é dada antes de tudo na possibilidade de vivências em meio ao turbilhão social e econômico do fim de século. É um modo de sobrevivência dinâmica, que propicia alguns ancoradouros em meio às incertezas da cultura contemporânea. Mas ao contrário do fim da década de sessenta e do início dos anos setenta, o rock não é o único e nem o mais proeminente aglutinador das idéias de autenticidade ligadas à juventude (Se é que podemos falar que ele realmente desempenhou esse papel em termos de Brasil). O rock sofre hoje externamente com o mesmo fenômeno que lhe é reconhecido internamente, o policentrismo: A nova formação pode certamente incluir grande parte do techno pop e até do hard rock, especialmente algumas cenas e aparatos alternativos. E eles devem ser colocados juntos ao lado de aparatos e cenas como o Festival Lollapalooza. Mas também deve incluir, de forma mais centralizada do que a formação do rock, textos televisivos e fílmicos e suas práticas (como também uma ampla camada de outros imaginários culturais) (GROOSBERG 1997:119). Rock e Socialidade O rock é um produto midiático surgido no pós-guerra. Podemos localizar suas raízes nas apropriações que músicos como Elvis Presley e Bill Halley fizeram do blues, rhythm blues negros em seu encontro com a música branca norte-americana. O rock carrega o peso da melancolia do blues negro, sua rebeldia e conotações sexuais. Mas também não se pode deixar de lado o peso mercadológico (e as tensões que aqui surgem) de ser a música utilizada como forma expressiva pelo novo segmento que se configura na América do Norte nos anos cinqüenta, a juventude. Segundo Roy Shuker (1994), o termo rock and roll já era popular na década de vinte. O bluesman Trixie Smith gravou em vinte e dois a música “My Daddy Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Rocks me (With One Steady Roll)”. Mas a expressão só veio a firmar-se depois que os músicos brancos, e a expansão mercadológica que isso representou, difundiram o gênero musical como um campo afetivo que interligava rebeldia, sexualidade e novas formas de socialidade na nova configuração cultural do pós-guerra. A afirmação do rock como expressão musical ligado ao espaço juvenil veio com o sucesso de Elvis Presley (cujo requebrado foi considerado indecente por parte dos adultos norte-americanos da época) e com os filmes Blackboard Jungle (cuja trama envolve um professor em uma escola nova-iorquina cheia de problemas com a rebeldia dos alunos) e Rock Around the Clock, que popularizou o termo rock and roll e o tema musical interpretado por Bill Halley. Vale ressaltar que em várias partes do mundo foram noticiadas confusões e comportamentos agressivos dos espectadores nas exibições desses filmes. Alguns países chegaram a proibir a exibição de Rock Around the Clock. O potencial econômico da música rock foi detectada imediatamente não só pelas gravadoras, como pela indústria midiática de uma maneira geral. Segundo Roy Shunker o filme¨ (…) era apenas um motivo para os números de rock da trilha sonora ¨(1994 :255). Desde o início o rock firmava-se como um processo midiático: ¨As gravadoras por natureza não ligam muito para as formas que as músicas tomam, desde que elas possam ter assegurada o controle dos lucros - música e músicos podem ser embalados e vendidos-qualquer que sejam seus estilos¨ (BENNET 1999 :32). Mas reduzir o rock a um espiral histórico é perder de vista as potencialidades que uma arqueologia afetiva pode proporcionar em torno da compreensão de termos chaves presentes nas manifestações rockeiras.