Aspectos Técnicos E Científicos Para a Produção De Bovinos Compostos, Tropicalmente Adaptados, Com O Uso De Recursos Genéticos Brasileiros1
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ISSN 0104-7647 FOTO COMUNICADO TÉCNICO Aspectos técnicos e científicos para a produção 253 de bovinos compostos, tropicalmente adaptados, Teresina, PI com o uso de recursos Outubro, 2019 genéticos brasileiros Geraldo Magela Côrtes Carvalho 2 Aspectos técnicos e científicos para a produção de bovinos compostos, tropicalmente adaptados, com o uso de recursos genéticos brasileiros1 1Geraldo Magela Côrtes Carvalho, zootecnista, doutor em Ciência Animal, pesquisador da Embrapa Meio-Norte, Teresina, PI Introdução brecendo a diversidade genética da espécie no País (Egito et al., 2007). As raças bovinas brasileiras lo- Muitas raças, outrora economi- cais, também denominadas de na- camente importantes, são atual- tivas, naturalizadas ou crioulas, ori- mente raras e, na maioria dos ca- ginaram-se de um longo processo sos, encontram-se em perigo de ex- de seleção natural a partir dos pri- tinção. A manutenção de tais raças, meiros bovinos ibéricos aportados além de garantir a conservação de no País. Tais raças caracterizam-se um patrimônio genético valioso, pela rusticidade, adaptabilidade e pode atender a demandas de mer- resistência, aspectos fundamentais cados especializados. para sobreviverem nos ambientes com as particularidades edafocli- máticas em que se estabeleceram. Em razão disso, constituem um im- portante recurso genético para sis- Raças brasileiras temas de produção sustentáveis de localmente carne bovina nas diversas regiões do Brasil. Nas últimas décadas, for- adaptadas ças de ordem econômica e social A diversidade ambiental exis- provocaram progressiva e impor- tente no Brasil, com o decorrer de tante redução do número e da área séculos, forjou animais e rebanhos de distribuição geográfica de bovi- que foram naturalmente seleciona- nos naturalizados, ameaçando sua dos em cada bioma. existência e preservação e empo- 3 Caracu: A raça Caracu é a única tura (MAPA) no ano de 1983. É con- que hoje não corre perigo de extin- siderada de dupla aptidão, ou seja, ção, com mais de 70 mil indivíduos produz carne e leite (Lima et al., no País. Desde 1976, o Instituto de 1990). Em regime exclusivo de pas- Zootecnia (IZ) do estado de São to, o peso médio das vacas varia de Paulo, localizado em Sertãozinho, 550 kg a 650 kg. Os touros pesam tem um programa de conservação e ao redor de 1.000 kg, podendo che- melhoramento genético que buscou gar a 1.200 kg. A produção de leite, exemplares no Paraná e em Minas em rebanhos de seleção leiteira, Gerais para aumentar o efetivo po- está em torno de 2.100 kg por lacta- pulacional e evitar o desapareci- ção (inclui novilhas de primeira cria) mento da raça. O Mocho Nacional em regime de pasto com pequena foi incorporado ao Caracu, o que suplementação (Lima et al., 1990). A aumentou a variabilidade genéti- ß-caseina do tipo A1 está relaciona- ca e a opção de animais mochos e da a processos alérgicos e intolerân- aspados disponíveis para o agrone- cia alimentar, doenças coronarianas, gócio (Mariante; Cavalcante, 2006). entre outras, além de, não ser ade- A Embrapa Gado de Corte possui quada ao processo de fabricação de um rebanho de conservação e me- queijos nobres. Lima e Lara (2015), lhoramento, com diversos animais apresentaram frequências genotí- inseridos e avaliados pelo Programa picas estimadas para o Caracu das Embrapa de Melhoramento de Gado variantes ß-caseina A1A1, A1A2 e de Corte - GENEPLUS (Sumário..., A2A2 de 0,08, 0,58 e 0,34, respec- 2017). Há sêmen e embriões dispo- tivamente, indicando a elevada fre- níveis em todas as grandes centrais quência do gene A2 na raça Caracu. de biotecnologias do País. Crioula Lageana: A raça Crioula Bem-adaptados às regiões do Lageana foi formada nos planaltos Cerrado, vêm sendo utilizados em e campos sulinos. A raça também cruzamentos terminais ou industriais é reconhecida pelo MAPA, de du- em diversos sistemas de produção. pla aptidão (leite e corte). Apresenta Essa foi a primeira raça nacional re- variedades aspada e mocha, com conhecida pelo Ministério da Agricul- animais de pelos longos ou tam- 4 bém curtos, produzindo animais com zebuínos e taurinos (Carvalho mais adaptados ao frio ou ao calor, et al., 2017). É adaptado a ambien- respectivamente. Já com diversos tes tórridos e hostis, com aguadas trabalhos de avaliações fenotípicas distantes e pastagens grosseiras, e moleculares, apresenta-se como arbustivas e cactáceas (Carvalho opção para cruzamentos com tauri- 2015). As fêmeas são boas produ- nos e zebuínos em diversos ambien- toras de leite e, embora os animais tes do Brasil. A Crioula Lageana, não sejam muito grandes, são utili- quando comparada à raça comercial zados com vantagem para corte e Nelore, apresentou características trabalho, prestando no sertão inesti- de carcaça, proporções de cortes, máveis serviços (Athanassof, 1957). composição química e textura, que Pela sua prolificidade e adaptabilida- a indicam como uma candidata a de, talvez tenha melhor relação cus- oferecer um produto diferenciado, to/benefício para a região Nordeste permitindo a consolidação da cadeia do que outras raças comerciais. Cru- produtiva da carne dessa raça e, por zamentos envolvendo vacas Nelore consequência, promovendo a con- e touros Curraleiro Pé-Duro mos- servação desse importante recurso traram elevados níveis de heterose genético (Daltoé, 2010). no produto, com melhoria do peso ao abate, rendimento de carcaça e Curraleiro Pé-Duro: O Curralei- qualidade da carne (Carvalho et al., ro Pé-Duro se formou pelo interior 2012, 2017). Trabalho realizado no nordestino e por todo o Vale do Rio Maranhão em pastagens artificiais São Francisco até sua nascente em de capim-mombaça a pleno sol e em Minas Gerais, de onde se expandiu sistema integrado com babaçu mos- para o restante do Sudeste e Cen- trou boa performance; e o mestiço tro-Oeste do Brasil. Possui aptidões F1, por atingir terminação e ponto para corte, leite e trabalho, com bom de abate antes das raças parentais, rendimento de carcaça e carne ma- produziu menos gases de efeito es- cia (Carvalho et al., 2012a). Apresen- tufa proporcionalmente (Frota et al., ta bons resultados em cruzamentos 2017). 5 Indicação de reira, 2018). O mapeamento de QTL foi fundamental para a identificação dupla aptidão das de genes responsáveis por carac- raças locais terísticas de interesse em animais domésticos, entre eles o diacilgli- Por quase 500 anos de seleção cerol O-acetiltransferase (DGAT1), natural, as raças brasileiras fornece- que controla a composição e a pro- ram carne, leite e trabalho para as dução de leite em bovinos (Silva et famílias que colonizaram o Brasil, al., 2011). As raças locais brasileiras até a introdução e absorção pelas ra- têm aptidão leiteira, sobressaindo ças zebuínas. Os genes que esses a raça Caracu, provavelmente por animais carregam, expressam dupla ter programas de melhoramento há aptidão. Diversos trabalhos foram mais tempo (Figura 1). Todavia os realizados quanto ao potencial da animais produtos de cruzamentos produção leiteira e da qualidade da para leite entre Caracu + Jérsei e carne das raças locais brasileiras Curraleiro Pé-Duro + Jérsei ainda (Anon, 1989; Daltoé, 2010; Carvalho estão em andamento na Fase 1. et al., 2012, 2017; Silva, 2012; Pe- Figura 1. Fre- quência alélica do gene DGAT1 em raças bovinas no Brasil. Fonte: Adaptado de Egito (2007). 6 Distância genética criadores ou associações de cria- dores, como sêmen ou sangue. Ao entre raças para receber amostras do sêmen ou do formação do sangue, estes foram congelados até realização das genotipagens. Boi Tropical Ao se quantificar a diversidade Carvalho et al. (2013) e Carvalho genética dentro e entre populações (2015) avaliaram 19 raças bovinas, nas 19 raças bovinas investigadas, locais e exóticas, criadas no Bra- usando-se dados de frequências sil e nos Estados Unidos. As raças alélicas obtidas da análise de mar- foram escolhidas por sua raridade cadores moleculares microssatéli- ou por sua importância econômica. tes, constatou-se que 25% da va- Das raças brasileiras analisadas, riação total foi entre raças e 75% duas são locais de origem portugue- dentro de raça. sa, Curraleiro Pé-Duro e Caracu; e Todos os 34 loci investigados se duas são zebuínas, Nelore e Gir. As mostraram polimórficos, com um amostras brasileiras foram coleta- total de 438 alelos distintos nas 19 das em cartões FTA e enviadas para raças investigadas. O número de genotipagem nos Estados Unidos alelos por locus variou de 5 a 29, (ARS/USDA). Já entre as raças nor- com média de 13, utilizando-se um te-americanas, foram analisadas as painel de microssatélites recomen- de origem espanhola, como Texas dados pela FAO/ISAG para estudos Longhorn, Crioulo do Novo México, de biodiversidade em bovinos (Hof- Flórida Cracker e Piney Woods; as fmann, 2009). A raça Caracu apre- de origem francesa, Saler, Limousin, sentou a menor diversidade [hete- Charolês, Simental e Tarantase; as rozigosidade esperada (He) = 0,54], britânicas, Hereford, Angus Preto, fato também observado por Egito et Angus Vermelho, Shorthorn, Esco- al. (2007), enquanto a raça Gir e o cês de Montanha; e a da Ilha Chi- Crioulo do Novo México apresenta- rikof no Alaska, os bovinos Chirikof. ram a maior diversidade (He = 0,68). Amostras das raças norte-america- Já a distância entre as raças locais nas foram obtidas diretamente de criadas no Brasil e as criadas nos 7 Estados Unidos se mostrou mode- tanto o Caracu se posicionou de ma- rada, variando de 0,70 entre o Cur- neira intermediária entre o Curraleiro raleiro Pé-Duro e o Caracu até 0,96 Pé-Duro mais próximo aos zebuínos. entre o Curraleiro Pé-Duro e o Texas Segundo Primo (1992), as raças lo- Longhorn. cais do Brasil apresentam genes zebuínos desde os seus primórdios, Como esperado, os zebuínos se podendo-se afirmar também que as mostraram próximos entre si (Fst = raças locais serviram de base para 0,56) e distantes das demais. De a formação das raças zebuínas no outro lado, as raças locais brasilei- País.