PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Elizete Menezes Messias

Os processos de comunicação da rede de lojas C&A e a construção do discurso em torno da moda acessível.

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO 2015

Elizete Menezes Messias

Os processos de comunicação da rede de lojas C&A e a construção do discurso em torno da moda acessível.

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa. Dra. Leda Tenório da Motta.

SÃO PAULO 2015

Elizete Menezes Messias

Os processos de comunicação da rede de lojas C&A e a construção do discurso em torno da moda acessível.

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa. Dra. Leda Tenório da Motta, e aprovada em sessão pública realizada em ___/___/2015.

Banca Examinadora

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______Profa. Dra. Leda Tenório da Motta - PUC-SP (presidente)

AGRADECIMENTOS

Neste trajeto, um tanto íngreme, tenho muito a agradecer à minha orientadora Leda Tenório da Motta, pelo incentivo constante, confiança e orientações durante esses desafiantes anos de trabalho. Minha imensa gratidão à professora Maria Lucia Bueno Ramos, pela generosidade e inestimável ajuda em toda a minha trajetória de pesquisadora. Meu muitíssimo obrigada à professora Maria Claudia Bonadio, por ajudar com sugestões para o crescimento da pesquisa, mostrando-me novas perspectivas. Obrigada ainda aos professores e colegas da PUC-SP, pelo compartilhamento de conhecimentos e contribuições para o trabalho. Sou grata às minhas amigas Eloá Verçosa, Maíra Carneiro e Marcela Calado, companheiras de viagem que tornam meu caminho mais leve. Ao José Pacato, meu parceiro das madrugadas. Sempre presente, sempre atento, sempre carinhoso. Agradeço ainda aos meus irmãos, Maria de Lourdes, Paulo Júnior e Carlos Henrique, pelo acolhimento, atenção e carinho. Aos meus pais, Paulo e Maria José, pelo incentivo e apoio em todos os meus projetos. A Nana, pelas intermináveis conversas sobre a C&A e sobre os rumos do trabalho, por me acompanhar nas frequentes visitas às lojas para coletar material de pesquisa e por seu entusiasmo diário. Por fim, agradeço ao César Darimann, o melhor leitor e crítico dos meus textos e das minhas ideias. Obrigada pela cobrança, mas também, e principalmente, por ser solidário aos meus momentos de crise e cansaço.

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar as estratégias de comunicação e marketing acionadas pela rede de lojas populares C&A, no sentido de fixar seu posicionamento como uma varejista que comercializa o melhor da moda por preços justos. Nesse sentido, examinamos os processos discursivos em questão nos diferentes materiais comunicacionais de divulgação da cadeia de lojas C&A, desvendando os recursos de persuasão e de sedução que esses materiais de comunicação colocam em prática para semear valores de originalidade, exclusividade e bom gosto no imaginário de seu consumidor. Em paralelo, o trabalho estudou a emergência de novos padrões de consumo dentro das redes de lojas populares. Jogamos aqui com a hipótese de que as ações de marketing e comunicação da rede varejista difundem valores calcados em padrões de qualidade, estética, inovação e feminilidade que repercutem tendências atuais de produção e consumo global de imagens de moda, com o intuito de se posicionar como uma moda global também. Metodologicamente, tratou-se de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental – com a reunião, organização e análise dos materiais comunicacionais das campanhas e no ponto de venda – e pesquisa de campo consistente na observação dos processos de consumo que se dão na C&A. Para tanto, o corpus do trabalho foi constituído pelos diferentes materiais de comunicação dispostos nas lojas, envolvendo a comunicação das campanhas – catálogos, revistas produzidas pela rede, cartazes, etiquetas das roupas, cabides e sacolas personalizados e manuais de instruções de uso –, a comunicação no ponto de venda – o merchandising visual e as vitrinas – e os releases de lançamento de campanhas, no período de 2010 a 2014. Os principais referenciais teóricos e conceituais da pesquisa envolveram um conjunto expressivo de autores que apreciam os valores da moda contemporânea globalizada, a exemplo de Diana Crane, Gilles Lipovetsky, Guillaume Erner e Enrico Cietta. Confere relevância à pesquisa a inexistência, nas reflexões sobre a comunicação de moda no Brasil, de trabalhos em torno das mensagens propostas por cadeias de lojas populares, sendo estas geralmente voltadas às marcas da alta moda.

Palavras-chave: Moda; Comunicação; Consumo; C&A; Globalização.

ABSTRACT

This research aims to analyze the communication and marketing strategies driven by C&A popular stores chain in order to ensure its commitment as a retailer that sells the best fashion for fair prices. Thus, we will examine the discursive processes concerned in the various C&A communicational disclosure materials, revealing the persuasion and seduction resources that these communication materials put into practice to spread values such as originality, exclusivity and good taste in the consumers’ minds. In parallel, this work investigates the emergence of new consumption patterns within the popular stores chain. We played here with the hypothesis that the marketing and communication actions spread values established on quality standards, aesthetics, innovation and femininity that reverberate current production and worldwide consumption of fashion images trends in order to position itself as a global fashion too. Methodologically, it is a bibliographic and documentary survey - gathering, organization and analysis of communication materials and campaigns and at the store - and consistent field research on the consumer processes observation that takes place at C&A. To do so, the work corpus consists of different communication materials arranged in stores, involving communication campaigns - catalogs, magazines produced by the retailer, posters, clothing labels, hangers and custom bags and manual operating instructions - the communication at the store - the visual merchandising and store windows - and the campaigns launching releases from 2010 to 2014. The research main theoretical and conceptual references involve a significant number of authors who appreciate the globalized contemporary fashion values, like Diana Crane, Gilles Lipovetsky, Guillaume Erner and Enrico Cietta. Relevance is given to this research, as there is a lack, among fashion communication studies in Brazil, of works about the messages proposed by popular chain stores, which are generally focused on high-end fashion brands.

Keywords: Fashion; Communication; Consumption; C&A; Globalization.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 8

1 UM OLHAR SOBRE A MODA CONTEMPORÂNEA

1.1 O percurso para a moda da multiplicação dos estilos...... 14 1.2 O sistema fast-fashion: respostas rápidas e eficazes aos desejos de consumo de moda...... 31

2 ESTUDO DE CASO: A C&A

2.1 A questão do produto básico...... 57 2.2 Figuras do fast-fashion nas estratégias da C&A ...... 72

3 A MODA GLOBAL E O DISCURSO DA C&A

3.1 Exame de dois acenos da sofisticação nas campanhas da marca...... 104 3.2 A função do design brasileiro de visibilidade internacional ...... 127

CONCLUSÃO...... 150

REFERÊNCIAS...... 155

APÊNDICE A - CRONOLOGIA DAS COLEÇÕES DA C&A ASSINADAS POR ESTILISTAS/MARCAS DE PRESTÍGIO ...... 168

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INTRODUÇÃO

Desde o início deste século, a empresa brasileira C&A passou a inserir-se no assim chamado sistema fast-fashion. Esse modelo de negócios é caracterizado por uma produção acelerada que visa disponibilizar uma grande variedade de produtos em tempos curtos nas lojas. A criatividade do modelo fast-fashion é direcionada às tendências de consumo e aos desejos dos clientes – medidos por dados de vendas provenientes das lojas e outras ferramentas de pesquisa de consumo – no sentido de reduzir a quantidade de produtos não desejados, evitando encalhe de mercadorias e remarcação de preços dos artigos, ocasionando maiores ganhos para o sistema. A atmosfera dos pontos de venda, incluindo a vitrina, é outro quesito relevante para a moda rápida, pois o modelo reconhece nesses ambientes uma capacidade produtiva, na medida em que esses espaços contribuem para a criação de valor dos artigos, transformando-os em “material de sonho” dos consumidores. As estratégias do sistema fast-fashion são um desenvolvimento das ideias de marketing das lojas de departamentos. Quando as lojas de departamentos surgiram – na segunda metade do século XIX –, trouxeram importantes avanços tanto para o comércio varejista quanto para os hábitos de consumo. Esses novos estabelecimentos inovaram as práticas comerciais ao propor uma margem de lucro pequena em cada produto que seria vendido em grandes quantidades1, um preço fixo para cada item e uma liberdade para o consumidor que poderia entrar na loja apenas para observar sem a obrigação de comprar2. Instaurou-se aqui a ideia da compra como um processo divertido no qual a exposição elaborada dos produtos, as

1 Quando questionado sobre o bom desempenho da empresa espanhola Zara, uma das maiores representantes mundiais do modelo de negócios da moda rápida, um dos gestores da companhia relatou: “a fórmula do bom negócio se apóia numa margem de lucro bem pequena. Preferimos ganhar pouco em cada item, mas vendê-lo aos montes.” (COVADONGA, 2014 p.19). 2 As revoluções das lojas de departamentos foram possibilitadas pela produção viabilizada pelas máquinas. Estas produziam em maior quantidade e velocidade, permitindo o negócio estruturado em torno da reduzida margem de lucro e do alto volume de vendas. Para praticar as vendas em grande número, fazia-se necessária uma quantidade maior de empregados e a estes não poderia ser dada a autonomia para negociar preços – processo comum exercido pelo dono do negócio antes das lojas de departamentos –, o que resultou nos preços fixos. Por fim, o estabelecimento de preços fixos retirava do cliente a compra obrigatória quando os preços eram livres e demandavam “esforços dramáticos” por parte dos vendedores.

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novidades e o caminhar despreocupado “tornavam a aquisição da mercadoria um mergulho em uma fantasia sociocultural.” (BONADIO, 2007, p. 48). Para atingir seus altos volumes de vendas, as lojas de departamentos precisavam atrair muitos clientes e estimulá-los ao consumo. Aderiram assim à estratégia de dotar os produtos de um interesse que eles poderiam não ter, como, por exemplo, criar uma ideia de escassez para um artigo produzido em massa. Outra ação de estímulo às compras era dar novos sentidos às mercadorias desvinculados de sua utilidade. Com esse propósito, as lojas de departamentos passaram a estabelecer uma teatralidade na apresentação dos seus produtos. Uma ferramenta privilegiada para a apresentação dessa teatralidade eram as vitrinas, que, nesse período, se configuraram como um espaço singular de atração, surpresa e entretenimento dos consumidores.3 Nesta pesquisa, vimos todas essas ações instituídas pelas primeiras lojas de departamentos serem desempenhadas pela fast-fashion C&A em seu processo de transformação de uma marca de produtos populares em uma marca de moda de qualidade a um preço acessível, sobretudo, a valorização simbólica dos produtos e da marca via ferramentas de marketing e comunicação dentro e fora das lojas. Essa mudança na imagem da C&A reflete as transformações sociais e econômicas do mercado brasileiro e, consequentemente, a mudança no padrão de consumo de seu público-alvo, a classe C, que se tornou mais exigente e foi potencializado pelo aumento dos postos de trabalho, políticas públicas e acessibilidade ao crédito. Para dar novos sentidos às suas mercadorias, a C&A, entre outras estratégias, passou a estabelecer parcerias com criadores e grifes consagradas (o projeto C&A Collection) e celebridades (o projeto C&A Pop Fashion), no intuito de envolver seus produtos “em novas simbologias, além daquelas utilitárias e conhecidas”, tal qual fizeram, segundo Bonadio, as primeiras lojas de departamentos. (BONADIO, 2007, p. 51).

3 Sennet explica que “os donos das lojas de departamentos começaram a trabalhar mais o caráter de espetáculo de suas empresas, de maneira quase deliberada. Vitrinas envidraçadas eram inseridas nos andares térreos das lojas, e o arranjo dos artigos dentro delas era feito com base no que havia de mais inusitado na loja, e não no que havia de mais comum. As próprias decorações das vitrinas tornaram-se cada vez mais fantásticas e elaboradas.” (SENNET, 1998, p. 183).

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Por um processo de empréstimo dos valores dos agentes reconhecidos citados, a C&A passou a oferecer produtos grifados4, contribuindo para a construção de sua imagem de marca com conteúdo de moda elevado. Nas campanhas das coleções assinadas por agentes renomados, a empresa elaborava cenários diferenciados nos pontos de venda com expositores, sinalização, banners e cabides personalizados para ratificar os valores simbólicos dos produtos. As vitrinas dessas campanhas também receberam um arranjo especial para atrair e seduzir o público além de comunicar o novo posicionamento da C&A. Com o mesmo propósito de espelhar uma imagem de marca que comercializa design, estilo e inovação, a C&A criou uma revista própria, a Vista, para celebrar seus projetos e enfatizar o vínculo da varejista com a moda e seus correlatos como tendências5, composição de looks, acessórios, comportamento, para citar alguns. Esses assuntos eram o conteúdo principal da revista. Veremos nesta pesquisa outras ações de marketing e comunicação, – setores para os quais a fast-fashion C&A destina “entre 2% e 3% do seu faturamento, o que dá um montante equivalente a R$125 milhões” (ABDALLAH, 2013, p. 47) –, que, somadas às estratégias citadas acima, ajudaram a construir a ideia de uma marca popular que vende produtos sintonizados com as tendências da moda global. A maioria dessas ações é direcionada ao público feminino, pois é este que concentra os esforços estratégicos da empresa. Esse recorte de gênero é dado pelo próprio campo da moda6 que privilegia as mulheres. “A esfera da moda e das roupas é, em nossa sociedade, assim como tudo que diz respeito às aparências e à vaidade,

4 Neste trabalho, chamaremos de produtos grifados aqueles marcados pela aura de um consagrado criador/marca ou celebridade, o qual detém um conjunto de capitais que lhe possibilitam transferir seu “renome da qualidade”, seu capital simbólico, aos produtos de outras empresas. 5 Erner nos apresenta uma definição para tendência: “usualmente, designa-se sob o nome de tendência qualquer fenômeno de polarização pelo qual um objeto – no sentido mais amplo da palavra – seduz simultaneamente um grande número de pessoas.” (ERNER, 2005, p. 104). 6 Tratando do campo da alta-costura, o Sociólogo Francês Pierre Bourdieu observa: “Chamo de campo um espaço de jogo, um campo de relações objetivas entre indivíduos ou instituições que competem por um mesmo objeto. Neste campo particular que é o campo da alta-costura, os dominantes são aqueles que detêm em maior grau o poder de constituir objetos raros pelo procedimento da ‘griffe’; aqueles cuja ‘griffe’ tem o maior preço. Num campo, e esta é a lei geral dos campos, os detentores da posição dominante, os que têm maior capital específico, se opõem por uma série de meios aos entrantes [...], recém chegados, chegados tarde, arrivistas, que chegaram sem possuir muito capital específico.” (BOURDIEU, 1983, p. 155).

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frequentemente associada ao feminino.” (BRESSER, 2007, p. 13). Nesse sentido, nossa pesquisa se deteve nas estratégias da C&A voltadas ao segmento feminino. No que respeita à pesquisa de campo, uma primeira observação cabível é a de que ela foi realizada em lojas da C&A nas cidades de Maceió, Salvador e São Paulo. Foram feitas visitas aos pontos de venda para observação e análise de ações de marketing e comunicação, lançamentos de coleções e para coleta de materiais de comunicação. As visitas para auferir os dados das coleções avalizadas por estilistas, marcas e celebridades foram feitas nos dias dos lançamentos e em dias posteriores com o objetivo de verificar a saída dos produtos grifados e assim averiguar o desempenho das campanhas. Nas visitas aos pontos de venda, observamos a movimentação das consumidoras, fizemos registros fotográficos e tomamos depoimentos informais sobre a qualidade dos produtos e da comunicação e sobre o conhecimento em relação aos parceiros de renome, quando em lançamento de coleções assinadas. Atuamos também como consumidores, provando as peças para emitir julgamentos de qualidade, efetivando compras e participando de ações de marketing e da experiência de consumo das coleções assinadas, o que nestas últimas envolvia disputa pelos produtos grifados, balbúrdia nos provadores e caixas e atendimento “personalizado” por parte dos vendedores. Nas pesquisas de campo das coleções em parceria com estilistas/marcas prestigiosas e celebridades, chegávamos antes de as lojas serem abertas para observar toda a movimentação. Já nesse momento, um aglomerado de pessoas estava formado. Após a abertura das lojas, ficávamos durante um período de aproximadamente uma hora, apenas observando e coletando dados para, em seguida, inserir-nos no processo de consumo. Todos os materiais de comunicação analisados no trabalho foram conseguidos nas lojas. As revistas de produção própria da C&A eram disponibilizadas nas entradas dos pontos de venda em períodos não regulares, o que nos requeria passagens constantes nos estabelecimentos da varejista para conferir a existência de novos materiais. Os catálogos específicos das coleções assinadas eram disponibilizados também nas entradas das lojas a partir da data dos lançamentos e tinham que ser coletados no mesmo dia, pois a saída desses era muito rápida. As sacolas

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personalizadas das campanhas com parceiros renomados só eram liberadas para quem comprasse os produtos das parcerias e não eram produzidas em grande quantidade, chegando a ser esgotadas em poucos dias após o lançamento. Essas nós conseguimos, quando não pela compra dos produtos, abordando os gerentes das lojas e explicando nossa pesquisa. Essa solicitação também precisava ser feita no dia do lançamento para não correr o risco de requisitá-las quando já estivessem esgotadas. Fizemos tentativas de entrevistas com os funcionários das lojas, mas não obtivemos sucesso sob a justificativa de que não possuíam autorização para concedê-las. Aqui vale uma ressalva: A C&A é uma empresa de capital fechado e tem por regra não divulgar informações nem dar entrevistas, o que dificultou a coleta de dados para a pesquisa. Em uma das raras reportagens sobre a fast-fashion, a jornalista da revista Época Negócios, Ariane Abdallah, faz um relato da dificuldade de conseguir entrevistas com os membros da empresa para a elaboração da matéria.

Conhecer a C&A é, antes de ser um prazer (como sugere o seu slogan), um tremendo desafio. Sabe-se dela apenas o que está à vista: as lojas sempre movimentadas, a profusão de roupas e acessórios para mulheres, homens, adolescentes e crianças, as intermináveis filas nos caixas [...]. Mas há outra C&A misteriosa, quase uma sociedade secreta, uma empresa com 172 anos de existência da qual se sabe muito pouco. A C&A sempre se empenhou em manter blindados do público, no mundo todo, seus resultados financeiros, assim como os bastidores da cultura paternalista e fortemente influenciada por princípios cristãos características que vem de três séculos atrás, quando os antepassados de Clemens e August Brenninkmeijer (o C e o A) vendiam produtos de porta em porta na pequena Mettingen, na Alemanha. (ABDALLAH, 2013, p, 46).

O trabalho foi estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo, Um olhar sobre a moda contemporânea, descreve e analisa os movimentos que caracterizam a moda atual. Traçamos um cenário do setor estruturado em torno da proliferação dos códigos de vestir e da moda com foco na expressão da individualidade. Abordamos ainda as características do sistema fast-fashion, ressaltando suas estratégias de gestão e ações para a produção de valor em seus produtos e marcas. Fazemos também um breve relato das principais cadeias internacionais de fast- fashion.

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O segundo capítulo, Estudo de caso: C&A, aborda a trajetória da varejista rumo à construção de uma imagem de marca que comercializa produtos com conteúdo de moda elevado a um bom preço, utilizando para isso estratégias de empresas internacionais de moda rápida, passando assim a ser considerada uma fast-fashion. Aqui fazemos uma leitura do desenvolvimento do campo da moda no Brasil quando passa da fabricação de produtos básicos para a criação de produtos de moda, com a C&A acompanhado essa reestruturação produtiva. Discorremos também sobre as inovadoras estratégias de marketing e comunicação implementadas pela rede de lojas, desde sua entrada no país, tais como a utilização do primeiro garoto-propaganda negro por uma marca no Brasil e a associação com a modelo mais bem paga do mundo, a brasileira Gisele Büdnchen. O terceiro capítulo, A moda global e o discurso da C&A, é dedicado à análise das quatro primeiras coleções desenvolvidas pela C&A em parceria com estilistas/marcas de fama internacional: a designer inglesa Stella McCartney, o estilista italiano Roberto Cavalli, a estilista brasileira Anne Fontaine e a marca inglesa Issa, que tinha como diretora de criação no período da parceria a designer brasileira Daniella Helayel. Nesse item, fazemos um exame dos materiais de comunicação dessas campanhas e analisamos os elementos acionados nesses materiais, no sentido de transferir para a moda da C&A a globalidade dos parceiros renomados bem como seus valores de originalidade, qualidade e consagração, promovendo assim uma valorização simbólica das mercadorias da fast-fashion e consequente rentabilidade econômica.

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1. UM OLHAR SOBRE A MODA CONTEMPORÂNEA. 1.1 O PERCURSO PARA A MODA DA MULTIPLICAÇÃO DOS ESTILOS.

“Já não há moda, há modas.” Gilles Lipovetsky

O sistema da moda centrado no gosto das elites, estabelecendo modelos de aparência concebidos para as classes superiores e que eram disseminados para as classes populares, pautou a organização do setor no século XIX e na primeira metade do século XX, a partir de uma cultura de moda de classe. Numa sociedade marcada por uma rígida fronteira entre as elites e os extratos populares, “a identificação com certa classe social era um dos principais fatores que afetavam o modo como os indivíduos percebiam sua identidade e suas relações com seu ambiente social” (CRANE, 2008, p. 163). Nesse contexto, a moda se comunicava por meio de normas rigorosas7 sobre os usos e comprimentos de algumas peças – chapéus, sapatos, luvas e o comprimento de saias – e se afirmava como expressão da distinção social. Numa tentativa de melhorar sua posição, buscando um reconhecimento social, as classes populares imitavam os trajes da elite. Dessa forma, estar conforme as regras impostas ao vestuário adotando determinados acessórios era pertencer ou desejar pertencer às classes superiores. A indústria da moda, que tinha como um dos objetivos expressar a posição social dos indivíduos, era bastante centralizada e pressupunha um alto grau de concordância entre os produtores e o público. Havia um consenso estético que celebrava a “elegância do luxo”, o “chique refinado” e uma “feminilidade preciosa e ideal” como parâmetros a serem obedecidos. A alta-costura parisiense dominava a produção dos modelos elegantes da moda feminina, enquanto que a alfaiataria londrina era a referência na confecção de trajes masculinos refinados. Um número reduzido de estabelecimentos dessas cidades, sobretudo de Paris, decidia o que estaria na moda para a maioria dos países ocidentais. Paris e Londres eram epicentros de novidades. O pequeno grupo

7 Implícitas nessas normas estavam regras de gênero e comportamento largamente aceitas. A sujeição a essas regras revelava o medo da rejeição pela não-conformidade a qual denotava, por exemplo, que uma mulher desconhecia a maneira correta de se comportar.

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de criadores dessas regiões elaborava um estilo específico largamente adotado que, de um ano para outro, sofria mudanças de forma ordenada (LIPOVESTSKY, 1989; CRANE, 2006). Por meio de revistas de moda, os grandes costureiros de Paris disseminaram sua influência sobre as mais variadas localidades. Nessa conjuntura, destacou-se um inglês radicado em Paris, Charles Frederick Worth. Worth foi o responsável por instituir a alta-costura, sistema da moda no qual as roupas eram feitas sob medida para clientes da elite, distribuídas em coleções por estação e apresentadas em manequins que, no princípio, foram chamadas de sósias. Worth não permitia que suas clientes, ainda que poderosas, interferissem em seu trabalho. Havia apenas um único árbitro em suas criações: ele mesmo. “A imperatriz Eugênia não gostava de brocados? Contudo, seguindo a ordem de seu marido, Napoleão III, ela usou o vestido de brocado florido que lhe propôs – desculpe: lhe impôs – Worth.” (ERNER, 2005, p. 32-33). Durante décadas, as novas gerações de costureiros em Paris, em sua maioria, se iniciavam em maisons já instituídas, o que contribuía para um compartilhamento de normas e valores que favorecia a propagação e concordância com as criações francesas. Era uma maneira de garantir a mudança dentro da continuidade.

Cardin, em 1946, passa de Paquin para Dior, deixando esta maison em 1949; Givenchy vai de Lelong para Piguet (1946), em seguida, para Jacques Fath (1948) e, finalmente, para Schiaparelli (1949) que ele abandona, em 1952, para fundar sua própria Maison. (BOURDIEU, 2004, p. 139).

A configuração da moda elaborada nesse circuito, que expressava o papel e a posição social das pessoas que as usavam, estava amparada num modelo preciso de apresentação amplamente aceito. A moda contemporânea, inserida em uma estrutura social altamente segmentada, transforma essa cultura padrão, largamente adotada, numa moda mais indefinida e com características variadas. Discorrendo a partir de um cenário ainda estruturado em torno da ideia de classe, a teoria do sociólogo Pierre Bourdieu expõe como os indivíduos competem por distinção social e capital cultural, tendo como referências padrões de gosto da classe alta, considerada a detentora da cultura de maior prestígio. Assim, os

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privilegiados em razão do capital cultural imporiam suas escolhas aos demais por meio da imitação. Essa imposição inconsciente das classes dominantes sobre o resto da população se daria mediante tendências, vistas aqui como uma estratégia de dominação. É também de forma inconsciente que as classes dominadas buscam tomar posse dessas tendências. A moda seria, então, “um aparelho de produção de instrumentos de distinção”, ou seja, “de objetos que podem desempenhar, além de sua função técnica, uma função social de expressão e legitimação das diferenças sociais.” (BOURDIEU, 2004, p. 181). Nessa concepção, a fabricação das tendências estaria subjugada à autoridade de um habitus8 de classe, sendo que os criadores de moda deveriam proceder da classe dominante ou a ela aderir, pois apenas dessa forma conseguiriam transferir para suas criações a legitimidade das camadas sociais superiores, bem como ter sua competência associada à posição social que ocupassem. Era imperioso que esses criadores, representantes do gosto legítimo, exprimissem estratégias comerciais e estéticas de conservação no sentido de “manter intacto o capital acumulado (o renome da qualidade).” (BOURDIEU, 2004, p. 117). As práticas comerciais contemporâneas, que têm como estratégias recorrentes a associação entre criadores renomados e produtos de redes de varejo, – como é o caso das parcerias de Karl Lagerfeld, diretor criativo da Chanel, ou Alber Elbaz, diretor criativo da Lanvin, com a varejista H&M, em 2004 e 2010 respectivamente – seriam ações impensáveis de serem exercidas no contexto da alta costura francesa dos anos 1960 e 1970, analisada por Pierre Bourdieu, pois resultariam no comprometimento da imagem de prestígio e exclusividade das maisons tradicionais. Sob a perspectiva da disseminação da moda em que os modestos imitam os dominantes, “um emblema da classe (em todos os sentidos do termo) é destituído quando perde seu poder distintivo, isto é, quando é divulgado. Quando a mini-saia chega aos bairros mineiros de Béthune, recomeça-se do zero”. (BOURDIEU,1983, p. 157).

8 Bourdieu define o habitus como um “sistema de disposições duráveis e transponíveis que exprime, sob a forma de preferências sistemáticas, as necessidades objetivas das quais ele é produto.” (BOURDIEU, apud ORTIZ, 2005, p. 84).

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Para Bourdieu,

a cada nível de distribuição, o que é raro e constitui um luxo inacessível ou uma fantasia absurda para os ocupantes do nível anterior ou inferior, torna-se banal ou comum, e se encontra relegado à ordem do necessário, do evidente, pelo aparecimento de novos consumos, mais raros e, portanto, mais distintivos. (BOURDIEU, apud ORTIZ, 2005, p.85).

Essa dinâmica de difusão vertical da moda de classe (CRANE, 2006), por meio do mimetismo dos dominados em relação aos dominantes, é quebrada na cultura de moda atual que procede de influencias originárias das mais diversas fontes, inclusive das classes populares e de diferentes subculturas, desconectando- se dos padrões de elegância impostos pelos grupos dominantes. Inovações lançadas por grupos marginais, por exemplo, são priorizadas pelos adolescentes, que se distanciam dos estilos dos “mauricinhos” e “patricinhas” da elite, preferem imitar os estilos mais ousados dos skatistas, rappers9 e rastas10. No universo analisado pelo sociólogo francês, o gosto dos indivíduos da classe operária tinha por base a cultura da necessidade, o que resultava em roupas desprovidas de uma estética agradável e de estilo, voltadas apenas a serem práticas, funcionais e duráveis. Sendo assim “as preferências dos operários recaem [...] nas roupas de corte clássico sem os riscos da moda que a necessidade econômica, em todo caso, lhes destina.” (BOURDIEU, apud ORTIZ, 2005, p.85). Somente as elites possuíam o capital cultural para apreender as nuances das roupas da moda, fazendo uso desse recurso para ostentar o seu status social, reafirmando as diferenças de classes. Bourdieu observa que

para ficar ao abrigo de interferências que traduzem o gosto pouco seguro [...] é preciso possuir os sistemas de classificação e as técnicas de identificação dos símbolos de distinção, o domínio

9 O rap é um gênero musical que teve sua origem na década de 1980 em bairros marginalizados de Nova York. Os cantores do rap recebem o nome de rappers e definem-se por um estilo de roupas largas associadas ao cenário esportivo do qual também adotam bonés e tênis. Correntes e colares no pescoço completam a produção desse estilo que no Brasil foi bem recepcionado nos bailes funk. 10 O termo rasta é uma redução da palavra rastafári que designa o indivíduo adepto do rastafarianismo, uma seita jamaicana que propaga “o retorno cultural dos negros à África”. Rasta foi o nome atribuído a um grupo negro que nos anos 60 defendia o resgate dos valores culturais africanos e deu origem a um estilo de moda caracterizado por trajes étnicos com estampas coloridas em tons quentes e cabelos em trancinhas. (CATELLANI, 2010, p. 382).

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prático dos índices da “classe”, da hierarquia social das pessoas e dos objetos, que define o que se chama bom gosto, o conhecimento das pessoas, autores, diretores, compositores, ou lugares, teatros, salas de concerto, editoras, revistas [...], ou títulos institucionais, universitários, acadêmicos, que são, como se diz, “garantias de qualidade”. (BOURDIEU, apud ORTIZ, 2005,p. 111, grifo nosso).

Ainda que a qualidade estética, o conforto e a novidade tenham sido disposições inicialmente difundidas na classe alta, posteriormente elas assumiram uma autonomia e uma legitimidade em todas as camadas da sociedade. A abordagem “moda de classes” conduzida por Bourdieu parece já não dar conta das sociedades contemporâneas pois, segundo Crane, nessas sociedades

em vez de uma cultura de classes, há uma fragmentação crescente de interesses culturais dentro das classes sociais. Em uma sociedade tão altamente fragmentada, o número de interesses particulares e individuais é impressionante demais para ser imaginado. Culturas institucionalizadas múltiplas e sobrepostas dependem de padrões muito diferentes e não podem ser reduzidas a “um único cálculo de distinção”, como foi proposto por Bourdieu. (CRANE, 2006, p. 36).

No fim da década de 1960, o sistema da moda passou por modificações que culminaram na transição da moda alicerçada na ideia de classe para a moda com foco na expressão da individualidade. A cultura do lazer aumentou sua influência, ofertando novas possibilidades para a descoberta e expressão de novas identidades baseadas na cultura popular. Com a expansão da sociedade de consumo, que passa a incluir novas parcelas da população, temos uma segmentação do mercado e uma alteração do seu perfil. As modas jovens, o sportswear11 e as modas marginais que rompiam com a moda estabelecida ganharam amplitude, colaborando grandemente para a proliferação de novos códigos de vestir e para a fragmentação do sistema da moda. A visibilidade na mídia e a popularidade de estilos oriundos das ruas diminuíram a influência dos modelos que vinham da França, que perderam o seu caráter paradigmático, para se converterem em um segmento (forte) do mercado.12

11 A moda das roupas esportivas, o sportswear, revela uma reivindicação do indivíduo por maior liberdade, conforto, praticidade e descontração na execução da aparência, deixando de lado o caráter de honorabilidade social. 12 Paris e a moda de luxo mantiveram perante a mídia a imagem de inovadores e lançadores de tendência, entretanto, a intensidade com que as criações dos estilistas, que representam

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O sucesso do estilo hippie nos anos 1960, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, sinalizando que variados estilos de roupas poderiam conviver – apontando que a presença de um estilo não excluía o outro – começou a desmontar o sistema de regras rígidas dominante na moda (CRANE, 2006, HOBSBAWN, 1995). As modas jovens impulsionaram a disseminação de valores hedonistas que se desenvolviam no momento e estimularam a construção da aparência por meio de ímpetos individualistas. Assim, parcelas da sociedade retomaram para si a estruturação de suas aparências, tornaram-se independentes na questão do parecer e se transformaram numa inesgotável fonte de influência para criação dos profissionais da moda (ERNER, 2005), os quais passaram a ser influenciados também pelos movimentos culturais que despontavam nas ruas, particularmente nas periferias das grandes cidades. A essa diversidade de tendências corresponde uma diversidade de públicos de moda ou, como observou Maria Celeste Mira, uma variedade de segmentos de mercado, que resultaram complexificação e desenvolvimento de novas práticas e estratégias de marketing:

Para os profissionais de marketing, segmentação é o último estágio de desenvolvimento do que chamam de “pensamento estratégico” e surge nos Estados Unidos, logo após a II Guerra Mundial. Ainda no auge do “mercado de massa” – considerado por eles a primeira fase do pensamento estratégico –, os empresários perceberam que não têm instrumentos adequados para enfrentar uma queda de vendas – o que já estava ocorrendo – devido à similaridade de seus produtos. Não sabendo bem onde se localizava o problema, o mercado entrou, ainda segundo seus analistas, numa segunda fase, a dos “produtos variados”. Como o nome praticamente já diz, procurava-se elevar as vendas oferecendo uma variedade maior ao consumidor. Logo esta estratégia se mostrou insuficiente, levando os empresários a buscar a da segmentação que consistia no deslocamento do enfoque do produto para o chamado “público- alvo”. Buscava-se então conhecer melhor o consumidor para oferecer-lhe o produto certo. As primeiras variáveis consideradas pelos homens de marketing para delinear segmentos foram, além este universo, são disseminadas entre um público mais amplo é relativamente tênue. O mercado de moda de luxo está fragmentado em diferentes estilos de vida e solicita aos seus criadores não mais uma unidade de estilo que será adotada e disseminada para baixo, e sim um conjunto de modelos que será incorporado por certas parcelas da classe alta e média alta. A falta de consenso sobre os rumos da moda e consequente produção de um grande número de estilos, entre outros fatores, contribuíram para a minimização da influência da moda de luxo e da França, sua maior representante, no sistema.

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da sua localização física, a classe social, o sexo e a idade. Mais tarde, a estas vão se acrescendo outras características como a etnia, a preferência sexual e outras nomeadas “sócio-psicológicas.” Algumas questões sociológicas podem ser extraídas do raciocínio mercadológico. A primeira delas diz respeito à segunda fase do “pensamento estratégico”, a dos “produtos variados”. Ela nos leva a concluir pela impossibilidade de criar necessidades de consumo unilateralmente. Caso isto fosse possível, não teria o mercado partido para uma nova estratégia, voltada para o conhecimento do público consumidor. Os próprios teóricos de marketing afirmam que a segmentação é uma estratégia gerada pelo desenvolvimento da demanda e pela percepção de que os consumidores têm necessidades diferentes, cujo atendimento por produtos específicos pode ser, dependendo do caso, mais lucrativo do que a atuação às cegas no mercado de massa. Conhecer o consumidor levaria a oferecer-lhe um produto que vem exatamente de encontro ao que ele deseja ou necessita. (MIRA, 2001, p.2).

Como resultado, a moda tornou-se uma criação extraída de variadas fontes, fornecendo diversas opções para a indústria do setor propagar. Foi nesse contexto, que a alta-costura e o prêt-à-porter13 passaram a conceber peças mais direcionadas à novidade, à juventude, à ousadia em detrimento da abordagem “classe”, com o intuito de se adaptar a essa segmentação do mercado. Essa mudança já transparece em 1967, num depoimento do costureiro francês Yves Saint Laurent:

Os costureiros de hoje já não devem reservar suas criações a algumas mulheres prestigiadas. [...] No presente, é a vida de todo mundo, em todos os dias, que nos apaixona. Passou o tempo em que os costureiros só conseguiam sobressair através da criação de modelos reservados a uma clientela de mulheres ricas. Quero dirigir-me às jovens, àquelas que levam, pela força das coisas e pelo ritmo da vida cotidiana, uma existência mais esportiva e, ao mesmo tempo, mais descontraída. Quero que minha loja esteja mais acessível e que os produtos à venda não sejam caros demais. É preciso ajustar preços de modo que não afugentem as estudantes. (LAURENT, apud BOURDIEU, 2004, p. 180).

As transformações sociais e culturais dos anos 1960 alteraram tão profundamente o setor da moda que o filósofo Lipovetsky chega a considerar a aparição de uma nova fase da história da moda no período:

13 Expressão lançada na França por Jean Claude Weill em 1949 – a partir da expressão norte-americana ready to wear –, o prêt-à-porter representou um tipo de produção que transformou a lógica da produção industrial: a produção não se limitava mais a confeccionar roupas em série disponíveis para todos, mas também oferecia conteúdo de moda inspirado nas tendências. “[...] O prêt-à-porter unifica indústria e moda, difunde pelas ruas estilos e gostos, estetizando a moda industrial e massificando a grife. (CALANCA, 2008, p. 203-204).

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O impulso de uma cultura jovem no decorrer dos anos 1950 e 1960 acelerou a difusão dos valores hedonistas, contribuiu para dar uma nova fisionomia à reivindicação individualista. Instalou-se uma cultura que exibe o não conformismo, que exalta valores da expressão individual, de descontração, de humor e de espontaneidade livre. (...) A agressividade das formas, as colagens e justaposições de estilos, o desalinho só puderam impor-se em seguida trazidos por uma cultura onde predominam a ironia, o jogo, a emoção-choque, a liberdade das maneiras. A moda ganhou uma conotação jovem, deve exprimir um estilo de vida antecipado, liberto de coações, desenvolto em relação aos cânones oficiais. (LIPOVETSKY, 1989, p. 120).

O parecer, agora mais independente das determinações oficiais da moda e com o vínculo com a estética da distinção social esfumaçado, tornou-se uma expressão de idades, de gênero, de valores existenciais e de estilos de vida. Nas sociedades “hipersegmentadas” atuais, a classe social diminuiu seu nível de importância na formação da identidade pessoal de um indivíduo, a condição de pertencer a uma classe social foi redirecionada à adoção de uma estilo de vida sendo este definido como “um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo adota não só porque essas práticas satisfazem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto-identidade”. (GIDDENS, 1991, p. 75). Para Giddens,

a noção de estilo de vida soa algo trivial porque é muitas vezes pensada apenas em termos de um consumismo superficial: os estilos de vida são sugeridos por revistas vistosas e imagens publicitárias. Mas passa-se qualquer coisa de muito mais fundamental do que uma tal concepção sugere: em condições de modernidade tardia, não só todos nós prosseguimos estilos de vida, como somos sobremaneira forçados a isso – não temos outra escolha senão escolher. (GIDDENS, 2001, p. 75).

A diversidade de estilos de vida disponíveis na atualidade liberou os indivíduos contemporâneos da ordenação da vida ditada pela tradição, permitindo escolhas que constroem e reconstroem auto-identidades significativas. Num mundo com tamanha pluralidade de opções, as pessoas selecionam continuamente bens de consumo e atividades, avaliando suas prováveis influências sobre a identidade ou a imagem que desejam projetar.

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Num cenário em que as referências para a constituição das identidades não são mais preestabelecidas pela tradição, mas estão num processo constante de reconstrução, é possível considerar que “as classes sociais são menos homogêneas, pois estão fragmentadas em estilos de vida diferentes mas em contínua evolução, baseados em atividades de lazer, incluindo o consumo”. (CRANE, 2006, p. 37). 14 Vale salientar que o aumento do tempo dedicado às atividades de lazer no século XX proporcionou uma maior liberdade aos indivíduos para construir novas identidades, pois neste espaço as regras ditadas pelo trabalho, por obrigações familiares e por autoridades religiosas e políticas se enfraquecem. O vestuário de lazer, que em sua maioria consiste em roupas casuais que compõem o traje informal, não é regulado por normas – anteriormente aplicadas na sociedade de classes, uma vez que nessas sociedades os indivíduos se sentiam forçados a seguir determinadas regras, reivindicando um status social pelo uso de um traje formal – que digam como estas roupas devem ser usadas. As peças de roupas atualmente podem (e devem) ser alteradas, rasgadas, cortadas livremente para expressar a identidade pessoal de quem as veste. Na construção da aparência contemporânea a elegância deixou de ser o parâmetro principal. Hoje temos uma valorização do visual, do look, enquanto expressão de um estilo pessoal, numa cultura de moda pautada pela ênfase na identidade e nos estilos de vida, na qual a imitação do gosto das elites tornou-se um processo secundário. Valorizar a si mesmo, inovar, agradar, surpreender, aparentar menos idade agora é mais importante do que exibir uma estética de distinção social. Como observa Bueno:

Na sociedade contemporânea pós-industrial, evoluímos da moda centrada nas classes para a moda voltada para os diferentes estilos do público consumidor. Nessa atmosfera a roupa e a moda tendem a operar cada vez mais na desorganização das barreiras sociais como agentes de confusão. (BUENO, 2009, p. 15).

14 A autora ressalta que “pesquisas de mercado demonstraram que consumidores com características demográficas semelhantes (como, por exemplo, educação e renda) não necessariamente selecionam as mesmas atividades de lazer ou o mesmo vestuário, o que sugere que seus estilos de vida se sobrepõem a seu status de classe.” (CRANE, 2008, p. 174).

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De fato, a moda contemporânea é caracterizada pela multiplicação dos estilos que devem atender às variadas categorias de consumidores que fazem uso dela para estruturar e expressar suas identidades. A moda segmentada deixou de ser uma unidade de estilo exclusiva das classes altas e transformou-se em um universo amplamente fragmentado no qual atuam diferentes grupos e subculturas. O que antes era de poucos, hoje pode ser de muitos. Nas palavras da jornalista de moda Maria Prata15, “o mundo do ‘eu sei, você não sabe’, ‘eu tenho, você não tem’ nunca esteve tão em baixa. A moda saiu da área VIP e foi pra geral.” (PRATA, 2014). Nessa configuração, não há um consenso sobre o que está em voga, mas uma variedade de modelos direcionados aos gostos e interesses de grupos econômicos e sociais diversos, e não somente aos anseios ostentatórios de uma elite. O campo da moda atual promove uma consagração da criatividade e uma diversidade de critérios para a aparência. A estética homogênea da distinção social transformou-se num “patchwork de estilos”16. Estamos em tempos da multiplicação dos princípios da aparência juntamente com a sobreposição dos estilos mais extremos. Todos os estilos ganham legitimidade de moda, desde o refinado, clássico, minimalista17 até o desconstruído, rasgado, amassado, desfiado, sujo, gasto, sexy e exótico . Nesse amálgama de estilos, estão na moda o design sustentável de Stella McCartney, o minimalismo da Calvin Klein (atualmente sob a direção criativa do designer Francisco Costa), a sensualidade de Roberto Cavalli e da Versace (marca

15 Atualmente a jornalista de moda Maria Prata é apresentadora e editora do programa MODA S/A do canal GloboNews. Ela já foi diretora de redação da revista Harper’s Bazar Brasil e editora chefe do canal Fashion TV Brasil. 16 Patchwork significa o “trabalho artesanal resultante da união de pedaços de tecidos que podem ter diferentes formas, cores e estampas.” (SABINO, 2007, p. 482). Usa-se aqui combinado ao termo estilo para dar a ideia de sortimento de estilos da moda atual. 17 “O minimalismo foi evidenciado no trabalho de artistas plásticos e escultores americanos na década de 1960 e era sinônimo de um estio austero, simples e sóbrio. Anos depois de seu nascimento, foi resgatado pela arquitetura, música, dança, literatura e, mais tarde, também pela moda. Expressões como pureza geométrica, precisão técnica, essência estrutural, abstração, depuração ornamental e o célebre Menos é Mais passaram a integrar o conceito do minimalismo, que aconteceu na moda em meados dos anos 80 com a influência japonesa e nos anos 90, com a influência belga. O espírito minimalista persegue formas puras, adota frequentemente o negro, o cinza e o branco e costuma ter as palavras limpo, despojado e monacal associadas a ele. Calvin Klein, Jil Sander e Helmut Lang foram alguns dos estilistas que tiveram seus nomes ligados ao minimalismo.” (SABINO, 2007, p. 439).

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comandada pela estilista Donatella Versace), as estampas multicoloridas da Farm18, o classicismo redesenhado da Chanel (na atualidade conduzida pelo criador Karl Lagerfeld), a vanguarda de Rei Kawakubo, o pós-modernismo de Vivienne Westwood19, o artesanal de Ronaldo Fraga20, o cool21 da Osklen22 (grife conduzida pelo estilista Oskar Metsavaht ) e o casual de redes de varejo como Zara, H&M, Riachuelo e C&A. Não temos mais uma unidade de estilo perceptível nas coleções das marcas atuais como havia, por exemplo, nas coleções de Christian Dior, caracterizadas por silhuetas descritas pelas linhas “Zig-Zag (1948), Vertical (1950), Tulipa (1953) e as famosas linhas H, A e Y, de 1954-55”. (MENDES; HAYE, 2009, p. 129). Existem, sim, alguns modelos que retornam a cada coleção, mas voltam juntamente com novidades e pluralidade de silhuetas – formas em linha reta, trapézio, ampulheta, oval e ombros avolumados podem conviver em uma mesma coleção – e comprimentos – o curto, o midi23, o longo residem juntamente e a presença de um não exclui o outro.

18 A marca carioca Farm comercializa o estilo da “garota-carioca-zona sul”: descontração, cores vivas e estampas. A empresa teve sua origem em 1997, na feira hippie Babilônia, evento carioca no qual marcas alternativas se reuniam para vender seus produtos. A grife fundada pelos sócios Marcelo Barros e Kátia Barros alcançou a maior venda por metro quadrado de moda jovem feminina da história do shopping Iguatemi de São Paulo quando aí se instalou no mesmo em 2006. (SITE FARM). 19 São considerados estilistas de vanguarda aqueles criadores que subvertem normas sociais ao violar e dar novas definições às regras estéticas da moda. Já os estilistas pós- modernos não têm o propósito de oposição presente na vanguarda; eles intentam misturar códigos estéticos e gêneros de forma aparentemente desordenada. (CRANE, 2008, p. 169). 20 Estilista mineiro reconhecido por seu trabalho artesanal, Ronaldo Fraga faz uso de materiais por vezes inesperados, e resgata constantemente elementos que remetem às raízes brasileiras. A marca, de mesmo nome, foi fundada nos anos 90. No primeiro semestre de 2014 Ronaldo Fraga foi eleito um dos sete estilistas mais inovadores do mundo, pelo Design Museum, de Londres. (DINIZ, 2014). 21 Na moda, o estilo cool refere-se a um estilo discreto e correto para aqueles que não desejam chamar atenção. Cool é uma gíria americana que se traduz por bacana, legal. (SABINO, 2007). 22 A Osklen é uma marca carioca lançada em dezembro de 1989 pelo então médico, Oskar Metsavaht. Guiando-se pelo estilo de vida do médico/estilista/aventureiro, a Osklen posicionou-se no circuito da moda como uma grife que comercializa conforto associado à cultura da praia e aos esportes vinculados à natureza. Metsavaht “foi considerada a quarta pessoa mais inovadora do Brasil e uma das 100 pessoas de negócios mais criativas no mundo” pela revista Fast Company – importante publicação americana sobre tecnologia, negócios e design. (SITE OSKLEN). 23 O termo midi designa o comprimento de saias e vestidos femininos que vão até as canelas. Laçado no final da década de 1960, o midi é um comprimento entre o mini, que foi febre nas minissaias propostas em 1965, e o maxi. (SABINO, 2007).

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Como visto, na moda plural coabitam os estilos mais discordantes. Não é mais o medo da rejeição, pela não-conformidade com determinados modelos de apresentação, que leva os indivíduos a adotarem um certo estilo, mas o desejo, por um lado, de identificação com determinados grupos mediante bens de consumo e, por outro, da expressão da individualidade. Oscilando entre o conformismo e o individualismo, afinada com o caráter dualista do ser humano, a cultura das aparências na contemporaneidade continua sintonizada com a conceituação forjada pelo sociólogo Georg Simmel, no início do século XX, pela qual: “a moda é uma forma peculiar dentre aquelas formas de vida, por meio das quais se procura produzir um compromisso entre a tendência para a igualdade social e a tendência para marcar a distinção individual”. (SIMMEL, 1998, p. 163). A ideia que o indivíduo tem de sua identidade está em constante evolução e ele precisa expressar essa modificação contínua em estilos que, tal qual sua identidade pessoal, evoluem e multiplicam-se constantemente. Isso significa que as modificações dos estilos de roupas refletem as transformações sociais, assim como mudança do conceito que o consumidor tem do seu próprio “eu” nesse movimento. Nesse sentido, as variadas alternativas disseminadas pela indústria da moda atual não são impostas ao consumidor, pois ele não se apresenta mais como uma “vítima da moda” que copia fielmente os estilos adotados por líderes do setor. O consumidor pós-moderno deseja se projetar como um indivíduo autônomo, que seleciona e incorpora elementos que estão na moda a partir de seu próprio estilo pessoal. Como alguém capaz de elaborar uma aparência individualizada que exprima uma percepção de sua auto identidade, com base nas opções que estão em voga. Crane observa:

Tanto estilistas quanto confecções oferecem um amplo leque de opções, pelas quais o consumidor deve montar um look compatível com sua identidade. Uma diversidade de looks inconsistentes e contraditórios, frequentemente influenciados direta ou indiretamente pela moda de rua, está disponível a qualquer hora. (CRANE, 2006, p. 274).

O consumidor pode até conhecer relativamente os looks em voga, mas, quando não os ignora em favor de outro estilo, também não os observa com fidelidade. Procede a partir de adaptações. Um traço sobressalente da moda atual decorre da vontade de afirmação da autonomia do público em relação aos ditames e

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modelos de prestígio. Uma pseudo autonomização dos indivíduos a partir da sua identidade visual, que não significa a dissipação completa dos códigos sociais e dos movimentos de imitação, entretanto esses se apresentam mais sutis, menos uniformes, autorizando mais interferências e escolhas. Os mecanismos de imitação assumem novas dinâmicas e configurações, mas continuam uma tônica na cultura de moda. A imitação pode ser processada a partir de diferentes modelos e de maneiras muito distintas. Não há nenhuma exigência de coerência ou fidelização nessa prática. O público desloca a referência da imitação “do superior”, para os seus próximos, aqueles que estão no seu entorno, a seguir, volta a copiar a aparência daqueles que lhe são semelhantes, e não diferentes. Se existe uma tônica que aproxima toda a moda contemporânea são os trajes mais simples, descontraídos e não tão caros. Mais uma vez a presença do caráter dualista, destacado por Simmel, nessa oscilação entre diferença e uniformidade. A moda tornou-se sugestiva e o look é construído na mobilidade, na imitação dos variados modelos estéticos disponíveis. O indivíduo contemporâneo passou a ser um intérprete aprimorado dos códigos das novas modas, identificando, entre as múltiplas alternativas disponíveis, aquelas que melhor expressam sua identidade. Entretanto, há os que ainda acreditam no consumidor como uma “vítima da moda”. Sobre estes, Erner expõe:

Ao sair da sociedade tradicional organizada pelos religiosos, os homens substituíram a heteronomia pela autonomia: tornaram-se donos de seus atos e de suas escolhas. Contudo, continuam acreditando que um “clube misterioso” lhes impõe tendências que são obrigados a aceitar. Os indivíduos ainda não se reconhecem como a única fonte de organização social e persistem situando essa fonte em outro lugar enigmático, outro lugar em relação ao qual se situariam numa dependência radical. [...] De qualquer modo, os homens continuam fazendo a moda, mesmo ignorando que a fazem. (ERNER, 2008, p. 229).

A imposição das tendências sazonais, as quais orientavam e direcionavam as escolhas do público, foi substituída por um self-service de justaposição de modelos. O que guia os sujeitos na moda de hoje é o estímulo à sofisticação da aparência, a invenção e a mudança de sua imagem, a instigação da singularidade. Na “era do

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look”, todos, indistintamente, são convidados a misturar estilos e desfazer convenções24. Como formula Lipovetsky,

há aí o registro, na ordem da moda, da ética hedonista e hiperindividualista gerada pelos últimos desenvolvimentos da sociedade de consumo. O look e sua embriaguez dos artifícios, do espetáculo, da criação correspondem a uma sociedade em que os valores culturais primordiais são o prazer e a liberdade individuais. O que é valorizado é o desvio, a personalidade criativa, a imagem surpreendente e não mais a perfeição de um modelo. (LIPOVETSKY, 1989, p. 128).

É por meio do look que a moda mantém o seu frescor ao inovar e reinventar, de maneira constante e livre, sua própria imagem. Em tese, a moda está aí para todos os níveis sociais e cabe aos consumidores optar por criar estilos que expressem o seu eu ou seguir estilos propostos pelas marcas do setor. A vontade do público por roupas que exprimam sua identidade, em detrimento da imitação de um único estilo, teve como consequência a desestruturação do sistema da moda fortemente centralizado. Nessas condições, a atual indústria da moda não se apresenta mais altamente centralizada, como acontecia na “moda de classes”. A moda contemporânea pode emergir em qualquer espaço da hierarquia de classe. No passado, a produção era dominada pelos polos de moda formados por “criadores de cultura” os quais reivindicavam a aura glamourosa dos artistas. No final do século XX, o domínio se desfez, pois os estilos da moda procediam tanto dos polos de moda quanto das periferias. Londres e, principalmente, Paris deixaram de ser o centro de difusão de estilos largamente aceitos. Segundo Erner,

A alta-costura não representa mais que um punhado de grifes... e de clientes. Ela pode promover a imagem de uma marca, produzir um espetáculo esplêndido por meio de sua audácia ou sua criatividade, mas não pode mais ser considerada como laboratório da moda de amanhã. [...] Doravante, é ela que se inspira na rua. Nesse sentido, uma das maiores conquistas de Karl Lagerfeld foi ter permitido que as calças jeans chegassem aos desfiles da alta- costura. Da mesma maneira, em seus desfiles, Jean-Paul Gaultier

24 É importante esclarecer que as convenções desfeitas aludem àquelas relativas à distinção das classes sociais, pois os códigos que ditam a moda para os homens continuam mantidos. Às mulheres é permitido descoordenar critérios e fazer uso de roupas masculinas; aos homens resta uma normatização implacável.

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não hesita em utilizar tênis em vez de escarpim. (ERNER, 2009, p. 219-220).

A instituição alta-costura deixou de ditar as regras dos estilos que estão na moda. Foi a vez do prêt-à-porter e da rua erguerem-se como os polos autônomos de moda. A alta-costura trocou seu papel de pioneirismo, impulsionando a ponta do setor, pelo papel de uma instituição de prestígio que consagra criações oriundas de outros lugares. O jeans já era uma unanimidade das ruas quando o estilista de alta- costura Yves Saint-Laurent adotou o tecido em suas coleções de 1966. Laurent declarava: “É preciso vir para a rua”. (LAURENT apud BOURDIEU, 2004, p. 124).

Em uma época em que a arte do patchwork estava sendo revivida na Europa e nos EUA, Saint Laurent levou a técnica ao mercado de alto poder aquisitivo, criando não apenas sofisticados trajes de noite feitos de retalhos, mas também um vestido de casamento [...]. Em outro nível, usou chita não tingida e algodões estampados, despretensioso, para batas em camadas e estilos ciganos. (MENDES; HAYE, 2009, p. 203).

Nos desfiles de alta-costura do verão de 2014, exibidos em Paris, os estilistas Raf Simons e Karl Lagerfeld, criadores responsáveis pelas maisons Dior e Chanel respectivamente, levaram o tênis, calçado símbolo da moda esportiva que prega o conforto e a descontração em detrimento da honorabilidade social, para a passarela. Sobre a inserção do calçado, Simons declarou: “Como um designer você tem a responsabilidade de fazer os dois: instigar a imaginação e a fantasia das mulheres com o show, mas também dar a elas um pouco de realidade”. Lagerfeld, por sua vez, justificou a inclusão do acessório esportivo, afirmando: “Mulheres delirantemente ricas também precisam de roupas funcionais”. (LAGERFELD apud YAHN, 2014). A alta moda agora é mais uma fonte de inspiração para criação da moda juntamente com estilos de vida, o esporte, o cinema, entre outros, todos com grau de importância similar. Nesse cenário, Lipovetsky expõe que:

A alta-costura já não ocupa uma posição de líder inconteste. Evidentemente, isso não significa que as marcas sejam colocadas no mesmo plano: quem não conhece as variações importantes de preço que acompanham as diferentes grifes? Mas a despeito das

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diferenças de preço, mais nenhuma hierarquia homogênea comanda o sistema da moda, mais nenhuma instância monopoliza o gosto e a estética das formas. [...] Castas e hierarquias permanecem, mas com fronteiras menos nítidas, menos estáveis. (LIPOVETSKY, 1989, p. 117-118).

As afirmações de Lipovetsky sugerem que o luxo supremo que caracterizou a “moda de classes” já não é tão incisivo sobre a moda atual. Para o autor, “o luxo não é mais a encarnação privilegiada da moda e a moda já não se identifica com a manifestação efêmera do dispêndio ostensivo ainda que eufemizado”. Consequentemente, “a oposição criação original de luxo/reprodução industrial de massa já não comanda o funcionamento do novo sistema da moda”. O código para acessar a esfera da elegância não está mais restrito ao ponto “chique grande classe”; ele deslocou-se bem mais para “a novidade-choque, o espetacular, o afastamento das normas e o impacto emocional.” (LIPOVETSKY ,1989, p. 109-117). Presenciamos a multiplicação dos modelos da elegância na moda contemporânea, assim definidos segundo padrões das frações da sociedade que, agora autônomas para criarem seus critérios de aparência, fabricaram esses modelos. Nos dias de hoje, para cada parcela da sociedade, estar na moda pode ter um significado diferente. A moda da atualidade é criada tanto em organizações formais intrincadas e fragmentadas, localizadas nos polos de moda de Paris, Londres e também Milão, Tóquio, Nova Iorque, quanto em organizações informais25, caracterizadas por grupos de jovens, em sua maioria originários das classes populares, e por modas jovens marginais como os hippies, os punks, os rastas, os skas26, os new-waves27 e os grunges28.

25 Para que as modas alternativas originadas nas instituições informais sejam disseminadas, basta que indivíduos de qualquer nível social sejam expostos a tais tendências. O processo de disseminação não acontece de maneira sistemática seguindo das classes mais baixas para as mais altas e é acelerado a partir do momento em que os estilistas do setor incorporam as modas alternativas em seus trabalhos. 26 Skas são indivíduos pertencentes a um grupo social que, a partir da década de 1950, tinham como referência o modo de vestir e as músicas do povo jamaicano. “Os homens usam túnica e quepe estampado em cores vivas, com bordados e motivos étnicos em barras decorativas. As mulheres usam tecidos do mesmo tipo para os vestidos feitos com amarrações.” (CASTELLANI, 2010, p. 384). 27 Os New Waves são membros integrantes de um movimento musical e social que eclodiu nos anos 1980, “cujos seguidores adotavam roupas, bijuterias e acessórios em cores fluorescentes como pink e verde-limão, estampas de oncinha, gravatas finas, calças de

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Nesse modelo de diversificação dos polos criativos, a cultura popular do cinema, da música e dos esportes lança tendências amplamente copiadas e identifica-se, principalmente, com as classes populares. Se antes a classe alta fornecia os modelos de comportamento a serem seguidos, agora, caso exista algum modelo de comportamento como referencial, ele é extraído da cultura de mídia: celebridades da televisão, da música popular, do cinema e dos esportes. “No setor do vestuário, os subúrbios ditam certas modas, as popstars sugerem outras, mas nenhum líder de opinião parece se impor com absoluta certeza.” (ERNER, 2009, p. 220). Para Crane, a ideia da multiplicação das tendências

substituiu a noção de uma moda coerente ou de um único estilo seguido em larga escala. Em seu lugar, há várias tendências, frequentemente muito diferentes entre si, que podem ou não atrair tipos de consumidores bastante diversos. A indústria do vestuário como um todo é baseada em nichos, com segmentos distintos criados para atrair clientelas variadas. (CRANE, 2008, p. 170).

Quando a ambição da moda deixou de ser a elegância do luxo e a aparência desvinculou-se dos valores estéticos de distinção de classes, encarnados em um modelo único amplamente adotado, o indivíduo, gozando de mais autonomia, direcionou sua motivação de moda no sentido de exprimir uma individualidade e se dar prazer de forma constante por meio da mudança e da renovação do parecer. Na nova conformação da moda, o vestuário deixa de ser um meio para a separação nítida entre classes e torna-se um instrumento de expressão e diferenciação individual e estética, configurando-se numa fonte de prazer constante e de sedução.

comprimento mais curto com amplos casacos, gel nos cabelos, chapéus e muito xadrez em preto e branco.” (SABINO, 2007, p. 462). 28 O Grunge – sujo em inglês – foi um estilo rapidamente absorvido pela moda que surgiu no início dos anos 1990 no cenário musical de Seattle, Estados Unidos, com base nos trajes dos integrantes das bandas de rock pesado como Nirvana e Pearl Jam. “Camisetas super largas, gorros de lã, camisões em flanela xadrez e botinas com meias caídas faziam parte do estilo [...]” (SABINO, 2007, p. 305).

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1.2 O SISTEMA FAST-FASHION: RESPOSTAS RÁPIDAS E EFICAZES AOS DESEJOS DE CONSUMO DE MODA.

O consumo, entendido como uma atividade de lazer, torna-se cada vez mais significativo para o consumidor atual, pois dá forma às percepções que as pessoas têm de si mesmas. Os bens de consumo são constantemente acionados pelos indivíduos devido às suas potenciais contribuições às identidades ou às imagens que querem projetar. A exagerada preocupação com a identidade pessoal na atualidade está relacionada com a complexidade das sociedades pós-modernas. Nessas sociedades, “a preocupação com a identidade pessoal é um modo de se adaptar a novas formas de desorganização social e cultural.” (CRANE, 2006, p. 43). Os bens de consumo, em destaque as roupas de moda, além de servir às pessoas no sentido de colaborarem para as suas individualidades, configuram-se como uma permanente fonte de prazer. Numa sociedade mais e mais voltada à cultura hedonista que sacraliza a felicidade imediata, os indivíduos elegem o consumo de moda como um meio para alimentar os anseios de mudança, novidade e prazer que lhes são tão caros. Escreve Lipovetsky:

um número crescente de pessoas prefere comprar frequentemente a comprar caro, prefere comprar pequenas peças a “grandes roupas” – esta é uma expressão de vestuário típica da nova era do individualismo. Com a compra de pequenas peças, não só temos a ocasião de exercer a escolha mais frequentemente, como também nos damos prazer mais vezes. Mudar frequentemente pelo prazer da mudança, pela festa do disfarce e da metamorfose de si, não pelo desejo de ostentação. (LIPOVETSKY, 1989, p. 149-150).

É nesse cenário da moda contemporânea, que Lipovetsky vê caracterizado por uma busca constante de novidades as quais visam ao prazer da transformação, que o setor da moda propõe um modelo empresarial destinado a suprir as necessidades cada vez mais velozes de consumo de moda: o fast-fashion. Segundo Erner, esse sistema, para o qual ele dá o nome de “circuito curto”, foi desenvolvido por pequenos comerciantes que atuavam no Sentier, bairro localizado na área central de Paris, especializado na atividade têxtil. No Sentier, empresários que atuavam com roupa feminina jovem conceberam uma estrutura de

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negócio amparada na fabricação de séries curtas de produção associadas à capacidade de oferecer diversidade. O sistema inventado de maneira empírica por pequenos empresários franceses foi posteriormente adotado por concorrentes bem mais poderosos que eles, a exemplo das marcas Zara, H&M e Topshop. Para Erner, o sucesso de empresas como a Zara, H&M e Topshop “se baseia na conjugação entre o circuito curto e uma rede de distribuição diretamente controlada.” (ERNER, 2005, p. 146). O bairro parisiense, que de acordo com este autor deu início ao fast-fashion, é caracterizado pelo trabalho de imigrantes na atividade têxtil. “Nesse universo enfeitado, havia toda a energia desordenada que os estrangeiros podem empregar para se apropriar dos símbolos de sucesso de uma sociedade hospedeira.” (ERNER, 2005, p. 48). O local folclórico, achincalhado por seu mau gosto e paixão pela aparência, atraía a mão de obra de imigrantes com a documentação irregular. Esse trabalhador clandestino era “oportuno” ao excesso de trabalho às vezes necessário para o cumprimento dos curtos prazos de produção do método circuito curto que ocasionalmente desrespeitava as leis em vigor. Kontic nos fornece mais detalhes desse sistema de moda implantado no Sentier. O autor nos explica que, nos anos 70, uma crise expulsou para fora de Paris as empresas que trabalhavam com produtos de preço médio e difusão em massa. Essas empresas formavam um segmento de moda semelhante ao sportswear e casualwear29 americanos. Nessa parcela da moda parisiense, as empresas voltadas ao público masculino e infantil perderam mercado na indústria francesa ao terem suas demandas supridas por concorrentes externos. Entretanto, as empresas desse mesmo segmento que tinham por alvo a roupa jovem feminina permaneceram, reestruturaram-se e desenvolveram no Sentier uma indústria dinâmica semelhante ao prêt-à-porter – produção de grandes quantidades em pequenos lotes em ciclos reduzidos de tempo com conteúdo de moda inspirado nas tendências –, combinada a um preço acessível e à diversidade. Esta última aptidão marcaria fortemente a organização industrial dessa categoria. Para Kontic, as formas de organização e comercialização da produção ultrapassadas aplicadas no Sentier e a ausência de investimentos tecnológicos em

29 O casualwear é um segmento de moda que, desde o final dos anos 80, é sinônimo de roupas confortáveis adequadas a ocasiões eventuais, usadas tanto por homens quanto por mulheres.

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equipamentos resultaram no panorama anteriormente citado: de que essa parcela da moda francesa sustentou seu dinamismo baseado em formas mais arcaicas nas quais “o trabalho clandestino de imigrantes em espaços insalubres” era a maneira mais frequente de produção. (KONTIC, 2001, p. 35). Já utilizando a nomenclatura fast-fashion, Sull e Turconi discorrem sobre esse modelo empresarial:

Nas últimas décadas, varejistas incluindo Benetton, H&M, Topshop e Zara revolucionaram a indústria da moda seguindo uma estratégia conhecida como fast-fashion, democratizando a moda e trazendo produtos modernos e acessíveis para as massas. O fast- fashion descreve a estratégia de varejo de adaptar as mercadorias às tendências atuais e emergentes o mais rápido e efetivamente possível. Os varejistas do fast-fashion substituíram o tradicional modelo designer-push - no qual um estilista dita o que é “in” - por um modelo trazido pela oportunidade, no qual os varejistas respondem a mudanças no mercado em apenas algumas semanas, de encontro a uma média de seis meses da indústria. (SULL; TURCONI, 2008, p. 5, tradução nossa).

Um das estratégias do fast-fashion para captar as motivações de consumo dos clientes, que representam as oportunidades mencionadas na definição de Sull e Turconi, é amparar-se nas informações de vendas oriundas das lojas. Por meio dessas informações, as empresas identificam o tipo de vestuário mais solicitado, a cor mais vendida e adaptam sua oferta aos produtos de maior demanda. Pode-se dizer que aderir ao fast-fashion é aplicar um modelo de negócios alinhado aos desejos do cliente: se o mercado solicita, produz-se em ritmo acelerado. Nos processos de produção da Zara, podemos visualizar essa dinâmica: no início de cada estação, a empresa disponibiliza uma coleção inicial de tendências, na sequência a marca, observando as compras dos clientes, confecciona somente aquilo que os consumidores demandarem. Para produzir apenas o que seus clientes anseiam, a empresa é diariamente abastecida por informações das lojas. Os gerentes dos pontos de venda da Zara têm ampla liberdade para realizar os pedidos de seus estabelecimentos, já que bem conhecem seus clientes e melhor podem atendê-los.30

30 Para a Zara, é o consumidor que determina sua produção. É ele que está no comando. Sob esse fundamento, ao implantar lojas internacionais a empresa convoca junto com o apoio de seus funcionários, uma equipe local, visto que apenas esta última conhece em

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Essa habilidade da moda rápida em ajustar-se às preferências do mercado evita maiores perdas nas vendas, estoques cheios e remarcação de produtos não apreciados. “Um estudo pela Bain & Co. [empresa global de consultoria empresarial] estima que a média de remarcação de preços da indústria é de aproximadamente 50%, ao passo que os varejistas de fast-fashion remarcam os preços em apenas 15%.” (SULL;TURCONI, 2008, p. 5). As marcas da moda rápida também trabalham com uma produção muito próxima do momento do consumo e isso ocasiona um alto nível de informação sobre as vontades dos clientes e consequente redução de mercadorias não desejadas. As empresas terão uma maior capacidade de prever uma tendência de consumo quanto mais tardia for a produção dessa empresa. Uma mudança repentina de clima pode, por exemplo, alterar as cores e os tecidos desejados pelos consumidores. A aparição de uma celebridade como Beyonce31 pode estimular o consumo de determinada silhueta e estampa e apenas produzindo perto do momento do consumo é possível agregar essas novas vontades dos clientes aos produtos. Sobre essa característica do sistema, Miller observa:

no coração de qualquer varejista de fast-fashion está a velocidade. Uma maneira com a qual as empresas conseguem atingir menores tempos de ciclo é possibilitando que as tomadas de decisões possam ser feitas mais tardiamente ao longo do processo. [Por exemplo], a Topshop pode mudar a tonalidade de um jeans que está na produção em 24 horas, ou decidir mudar uma malha de manga curta para manga comprida com apenas uma ligação de último minuto para o fornecedor. (MILLER, 2006, tradução nossa).

Como é possível observar, o fast-fashion é um modelo de negócio que trabalha sempre na direção de diminuir os custos de produtos não apreciados pelos

profundidade os gostos de seus conterrâneos. Seguindo este princípio, os gerentes das lojas da Zara são quase sempre nativos. 31 Beyonce é uma cantora e atriz norte-americana de grande notoriedade nos dias atuais. A artista alcançou, em 2013, a décima sétima posição na lista das mulheres mais poderosas do mundo da revista de negócios americana Forbes. Seu faturamento chegou a US$53 milhões, impulsionado por contratos publicitários com a Pepsi e a H&M e pela criação da loja online da grife de Beyoncé, House Of Dereon. (HOWARD, 2013).

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consumidores. Para tanto, o sistema precisa perceber, interpretar e responder a curto prazo os desejos de consumo dos seus clientes. Em outubro de 2006, o filme Maria Antonieta da diretora norte-americana Sophia Coppola estreou nos cinemas da Europa e dos Estados Unidos. A ação do filme envolvia a vida da rainha francesa, o luxo da vida de corte na França do século XVIII e a compulsão da soberana por roupas e sapatos. A equipe de criação da Zara, empresa que faz uso das estratégias do fast-fashion, detectou no filme uma oportunidade de estimulação do consumo. Enquanto o filme ainda estava em exibição nas salas de cinema, as vitrinas e araras da Zara já estavam tomadas das tendências advindas da projeção. O que permite a uma empresa estar à frente das outras é tornar sua oferta eficaz em termos de oportunidade. A empresa precisa encontrar essas oportunidades em meio à dimensão dos fenômenos culturais, das tendências, das informações. No exemplo do filme Maria Antonieta, a Zara demonstrou a aptidão das marcas de fast-fashion de perceber e antecipar, numa ampla variedade de fontes, um novo estilo de consumo e disponibilizá-lo o mais rápido possível. Essa capacidade das empresas de moda rápida de apreender e oferecer rapidamente um desejo de consumo é meritório para o setor de moda, uma vez que “na origem de qualquer moda, encontramos o acaso. O arbitrário reina absoluto sobre a moda; decide a forma das roupas, o sucesso das marcas.”( ERNER, 2006, p. 110). As empresas inseridas no sistema da moda rápida têm ganho cada vez mais espaço no mercado da moda bem como na mídia. “Os sucessos empresariais mais significativos e as taxas de rentabilidade mais altas são todas reconduzíveis a empresas que adotam modelos de produção e distribuição rápidos.” (CIETTA, 2010, p. 29). As empresas de fast-fashion estão crescendo num ritmo 3 a 4 vezes maior que as empresas de outros segmentos da indústria do vestuário como um todo. (MILLER, 2006). Tais movimentos de penetração e expansão, facilitados por um contexto de consumo no qual as pessoas, além de já habituadas às compras frequentes para se dar prazer mais vezes, estão menos submissas ao domínio da alta moda e mais autônomas para selecionar os produtos que comporão suas aparências, têm ocasionado um aumento considerável na reputação das marcas de moda rápida.

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Miller chega a afirmar que a influência do modelo fast-fashion sobre o consumidor é tão forte que o converteu a uma modalidade de consumo “compre agora”. Essa modalidade de consumo deve-se grandemente à competência do sistema em ofertar diversidade, a uma produção contínua que gira em torno das exigências do consumidor. A moda rápida não lança no mercado um grande número de unidades com características semelhantes, ao contrário, ela introduz um vasto número de modelos a cada estação. Já que o fast-fashion não repõe um mesmo produto, o consumidor, ao gostar de determinada peça, deve comprá-la de imediato, pois pode não encontrá-la mais caso deixe a aquisição para um outro momento. A renovação constante do estoque para adaptar-se às solicitações dos clientes e estimulá-los ao consumo imediato – a Zara, por exemplo, reabastece seu estoque a cada três dias –, somada aos preços acessíveis, são propriedades do sistema que colaboram para o alto índice de vendas de produtos no preço cheio das empresas de moda rápida. Para Miller,

os consumidores sabem que um produto do fast-fashion não vai ser reposto, e, desde que esteja a um preço razoável, eles compram na hora. Os compradores não podem pensar ‘eu vou esperar até entrar em liquidação’. O produto vai se esgotar antes que isto aconteça. O resultado: um índice de venda significativamente maior de produtos vendidos pelo preço cheio. (MILLER, 2006, tradução nossa).

Nessa perspectiva de que as empresas de fast-fashion estão estimulando “novas” modalidades de consumo, uma jornalista, que em 1990 escreveu uma matéria intitulada Zaramania para uma revista feminina espanhola com a finalidade de relatar os porquês do sucesso da Zara, expôs: “Estamos começando a definir a Zaramania nas pessoas como um hábito de compras: comprar o que há de mais moderno para se vestir, e depois descartar no ano seguinte com a consciência tranqüila.” (COVADONGA, 2014, p. 21). Nos processos de consumo atuais temos visto com frequência os mundos do fast-fashion e do prêt-à-porter se sobreporem, uma vez que os consumidores de hoje adquiriram o hábito de consumir “transversalmente aos segmentos do mercado.” (CIETTA, 2010, p. 23). Como visto anteriormente, o indivíduo contemporâneo conquistou uma crescente liberdade nos seus processos de consumo de moda, ocasionando uma

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maior variabilidade dos consumos. O consumidor não é mais, por exemplo, submetido aos ditames de marcas notórias, desligando-se da imagem do indivíduo que entra em uma loja e sai do estabelecimento inteiramente vestido de uma única grife. Agora, a construção da aparência pode se fazer também por meio da mistura de peças de diferentes marcas e estas podem estar posicionadas tanto no segmento alto quanto nos mais baixos. Covadonga nos apresenta esse panorama de cruzamento de diferentes categorias de moda, ao relatar as consumidoras que estavam circulando na Europa com as sacolas de compras da Zara:

Mulheres que sempre vestiram as últimas novidades e peças de estilistas de moda carregavam-na [a sacola da Zara] com a mesma confiança de portar as últimas tendências da Prada, Gucci ou Dior. O mais surpreendente era a habilidade com que mulheres, que eram ícones de fama e glamour, começavam a combinar – e enaltecer – roupas de marca de luxo com peças básicas da Zara. [...] Mesmo matérias em revistas como a Elle, Marie Claire ou Vogue continham fotografias dessas mulheres emblemáticas com itens da marca. (COVADONGA, 2014, p. 18).

Sobre a justaposição de estilos opostos quanto ao preço, a autora complementa:

Entre as mulheres elegantes da Espanha que visitam a loja estão a Princesa Elena32, Beatriz de Orleans33 e Nati Abascal34, que se divertem misturando um par de calças Dolce & Gabbana com um paletó que acabou de chegar num caminhão de Arteixo35. (COVADONGA, 2014, p. 94).

Esse modelo de consumo que resulta na miscelânea de produtos de marcas caras com peças de marcas baratas deu origem a um estilo que muito contribuiu para a divulgação e reconhecimento das empresas de fast-fashion: o estilo Hi-Lo. A expressão do estilo é “formada pela abreviação das palavras inglesas high e low

32 Elena de Borbón é uma princesa da Espanha, filha mais velha do Rei Juan Carlos e da Rainha Sofia. 33 Beatriz de Orleans é uma princesa consorte, filha de um conde e uma marquesa. Nascida em Paris, por anos trabalhou na comunicação da marca Christian Dior na Espanha. 34 A espanhola Nati Abascal foi modelo de marcas prestigiosas como Valentino, Oscar de la Renta e Carolina Herrera. Ex-mulher de um duque, integra a lista das mais bem vestidas da Espanha. 35 Arteixo é um bairro de La Coruña onde fica localizada a sede central da Inditex (Indústria de Design Têxtil), grupo ao qual pertence a Zara.

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(alto e baixo) para fazer referência ao conceito de mixar astuciosamente peças do vestuário de alto custo com peças de baixo custo, obtendo um bom resultado final e sinalizando estilo e modernidade.” (SABINO, 2007, p. 322). Para Leitão, o Hi-Lo

trata-se essencialmente da ideia de mesclar peças que, separadas, seriam vistas como opostas. Esse mesmo termo é utilizado para designar a mistura entre tecidos finos (como a seda ou cetim) com outros mais rústicos (como o algodão cru, o jeans, ou a chita), a mistura entre o artesanal e o industrial, e “o refinado, elegante, com o pop”. [...] O pop mencionado abrange uma ampla gama de significados, podendo ser exemplificado pela “fitinha do Bonfim”, “o funk carioca”, ou por personagem de desenho animado, saídos da cultura de massas. (LEITÃO, 2007, p.317).

Podemos citar como exemplo de apropriação do estilo Hi-Lo a maneira de trajar da primeira-dama dos Estados Unidos Michelle Obama. Considerada uma autoridade nos quesitos de sofisticação e bom gosto, Michelle apresentou-se em diferentes momentos vestindo combinações que misturavam peças de alto valor com outras mais acessíveis, esfumaçando, de certa maneira, o preceito de que a elegância depende de roupas exclusivamente caras. Em um dos dias da campanha para presidente dos Estados Unidos, em 2008, Michelle usou um vestido de verão da cadeia de fast-fashion H&M no valor de US$34,90. Em 2011, a primeira-dama repetiu a “ação” e compareceu ao programa da televisão americana Today Show, exibido pela rede NBC, usando um vestido de poá azul marinho também da marca sueca que custava €29,90. (SIMON, 2011).

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Figuras 1a e 1b – Michelle Obama.

Na figura 1a, Michelle Obama exibe o vestido da rede de fast- fashion H&M usado durante a campanha para presidente dos Estados Unidos, em 2008, no valor de US$34,90. Na figura 1b, a primeira-dama traja o vestido de poá azul marinho também da rede sueca que custou €29,90 e foi usado durante sua apresentação no programa americano Today Show, em 2011. Fontes: figura 1a: ; figura 1b: .

A princesa britânica Kate Middleton, considerada uma referência em matéria de senso de moda, é mais uma adepta do estilo Hi-Lo. Middleton, por vezes, exibiu um estilo que combinava peças exclusivas de grifes de alta-costura com peças casuais de marcas de fast-fashion. Um dia após a realização de seu casamento com o príncipe William, em 2011, Middleton foi fotografada no jardim do palácio de Buckingham, na companhia de William, usando um vestido plissado de cor azul da rede de moda rápida espanhola Zara. A peça, no valor de US$89,90, era 100% de poliéster. (SIMON, 2011). Em abril de 2013, a duquesa de Cambridge, então grávida de seis meses, usou um vestido de poá da rede popular de fast-fashion Topshop em uma visita aos estúdios da produtora americana Warner Bros. Pictures, em Londres, acompanhada do marido, o príncipe William, e também do príncipe Harry. Middleton, com seu poder estético, transformou o vestido acessível da marca Topshop em objeto de desejo. A peça, com custo aproximado de R$117, esgotou-se no site da loja em menos de uma hora. (KATE..., 2013).

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Figuras 2a e 2b – Kate Middleton.

Na figura 2a, Kate Middleton aparece com o vestido plissado azul da cadeia de fast-fashion Zara, que custou US$89,90, usado um dia após seu midiático casamento com o príncipe William. Ao lado da imagem de Middleton e William, uma produção de moda divulgada pela Zara com o vestido que a princesa usou. Na figura 2b, a princesa, grávida de seis meses, exibe o vestido de poá da marca Topshop usado na visita aos estúdios da produtora americana Warner Bros. Pictures, em Londres. Fontes: figura 2a: ; figura 2b: .

Na cerimônia do Oscar de 2013, maior premiação do cinema internacional que se configura como um evento de indicações de estilo de renomados designers de moda e, como tal, tem grande relevância para a mídia, sobretudo aquela especializada em moda e seus receptores, a atriz americana Helen Hunt, que recebeu a indicação de melhor atriz coadjuvante pelo desempenho no filme As Sessões, desfilou pelo tapete vermelho da premiação trajando um vestido longo azul marinho, tomara que caia, da cadeia de varejo de moda rápida H&M. O vestido, que custou US$80, foi combinado a jóias no valor de US$700 mil do prestigioso designer americano Martin Katz, reconhecido por criar peças para as celebridades de Hollywood. (NEIVA, 2013). A proposta do estilo Hi-Lo, impressa em uma celebridade de Hollywood na cerimônia do Oscar, foi uma ação impactante para a rede H&M, para todo o sistema fast-fashion e para os consumidores em geral, pois, como colocou uma jornalista de moda no período da ação, “se nem as estrelas de Hollywood precisam usar grandes grifes nos eventos mais elegantes do planeta, as simples mortais podem seguir o

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mesmo caminho (o da moda acessível) sem um pinguinho de constrangimento.” (NEIVA, 2013).

Figura 3 – Helen Hunt.

As imagens trazem o estilo Hi-Lo que a atriz americana Helen Hunt exibiu no tapete vermelho na cerimônia do Oscar em 2013. A composição era feita por um vestido longo azul marinho, tomara que caia, da marca de fast- fashion H&M no valor de US$80, combinado a jóias do designer Martin Katz avaliadas em US$700 mil. Fonte: .

Como formula Lipovetsky, “o estilo original não é mais privilégio do luxo, todos os produtos são doravante repensados tendo em vista uma aparência sedutora.” (LIPOVETSKY, 1989, p. 189). Vemos essa ideia se realizar na atualidade por meio, por exemplo, do estilo Hi-Lo que seduz tanto mediante peças luxuosas quanto por meio de peças populares. Impõe-se aqui um histórico das principais cadeias internacionais de fast- fashion: Zara, Topshop e H&M. Fundada por Amancio Ortega Gaona, a Zara teve início em 1963, a partir da empresa GOA Confecciones, um negócio estruturado em parceria com o irmão, a cunhada e a primeira mulher do espanhol, no qual produziam roupões acolchoados. O negócio de Ortega prosperou e o empresário adquiriu várias fábricas as quais distribuíam seus produtos para outros países da Europa. Em 1975, Ortega abriu a

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primeira loja Zara na cidade de La Coruña, na Espanha – atualmente a cidade comporta a sede da empresa. A Zara tinha como público-alvo mulheres de classe média. O empreendimento alcançou êxito e ocasionou a ampliação da rede de lojas Zara para as principais cidades da Espanha. O empresário fundou o grupo gestor de empresas Inditex em 1985 e, nos dois anos seguintes, instituiu as bases da logística que tão bem caracteriza o sucesso da Zara: um sistema logístico que tem por meta deslocar um produto até uma loja, independentemente da localização do estabelecimento, em menos de duas semanas. Em 1988, a Zara inaugurou seu primeiro espaço fora da Espanha localizado na cidade do Porto, em Portugal. Um jornalista que visitou as instalações da Zara na Espanha descreve a dinâmica da empresa:

Impossível não ficar impressionado ao conhecer de perto as instalações da Zara, que é conhecida como uma das empresas de moda com a melhor logística. A fama não é gratuita, percebe-se ao entrar no centro de distribuição próprio da marca, no polo industrial de Arteixo. O complexo, espalhado em metragem equivalente a onze campos de futebol, é ligado às onze fábricas próximas através de túneis, que escoam toda a produção para o sistema automatizado responsável por separar os pedidos e entregas das 1800 lojas em 82 países. Depois de encaixotadas, as peças chegam às araras no prazo máximo de 36 horas (no caso de países distantes como o Brasil) ou até em 24 horas, em países próximos alcançáveis via caminhões. Esse processo se repete duas vezes por semana, calendário de entrada de novas roupas nos pontos de venda. São produzidas perto de 480 milhões de peças ao ano, fazendo o faturamento bater nos 14 milhões de euros (60% das vendas de toda a Inditex). (VIVEIROS, 2012).

Na atualidade, o Grupo Inditex é um dos principais varejistas do mundo com 6.249 lojas distribuídas em 86 países. O Inditex detém as marcas Zara, Zara Home, Pull & Bear (roupas casuais para um público jovem de menos de 25 anos de idade), Massimo Dutti (com foco em ambos os sexos, a marca é destinada para consumidores de classe média alta) , Bershka (direcionada a adolescestes, a marca tem um estilo street, hip-hop), Stradivarius (assim como a Bershka, destina-se a garotas que frequentam “baladas”), Oysho (marca do segmento de lingerie) e Uterque (voltada para acessórios). A Zara está presente em 400 cidades e possui uma rede de 1.808 lojas posicionadas em espaços privilegiados dessas cidades. (SITE INDITEX). O processo criativo da Zara está diretamente vinculado às vontades de seus

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consumidores. Das lojas da empresa, seguem as informações sobre os desejos e exigências dos clientes que inspiram e orientam a seção de design da marca constituída por “três mil e quinhentas pessoas de todos os cantos do globo.” (COVADONGA, 2014, p.149).

A Zara está em sintonia com seus clientes, que a ajudam a dar forma às ideias, tendências e gostos em desenvolvimento no mundo. Este é o segredo para o seu sucesso entre uma ampla variedade de pessoas, culturas e gerações, que, apesar de suas diferenças, todos compartilham de um carinho especial pela moda. (SITE INDITEX, tradução nossa).

Já a Topshop é uma empresa que pertence ao Grupo Arcadia fundado em Chesterfield, na Inglaterra, no início da década de 1900 pelo imigrante lituano Montague Burton. Burton começou seus negócios trabalhando com moda masculina e, em apenas seis anos, já possuía uma cadeia de lojas com foco em ternos prontos e sob medida. O imigrante lituano fez sua primeira incursão no cenário feminino, em 1946, com a aquisição da cadeia de lojas de moda feminina Peter Robinson. No ano de 1969, os negócios de Burton transformaram-se no The Burton Group e posteriormente no Grupo Arcadia que, no momento atual, detém as marcas BHS, Burton Menswear London, Dorothy Perkins, Evans, Miss Selfridge, Outfit, Topshop, Topman e Wallis. O Grupo Arcadia tornou-se parte da Taveta Investimentos, de propriedade de Philip Green36 e sua família, em 2002, transformando-se no maior grupo de varejo de propriedade privada da Grã- Bretanha. Na atualidade, o Grupo Arcadia, maior rede de varejo de moda do Reino Unido, possui mais de 550 lojas espalhadas por 37 países. (SITE ARCADIA). A empresa de fast-fashion Topshop surgiu no circuito da moda no ano de 1964, como uma marca destinada à moda jovem feminina dentro da cadeia de lojas de moda feminina Peter Robinson. Visando atender a um público jovem masculino, a rede introduziu também a marca Topman. Na década de 1970, a Topshop tornou-se uma loja independente e, em 1994, instalou-se em seu endereço permanente na Oxford Street, famosa rua de comércio de Londres. A empresa possui mais de 300

36 Philip Green é dono de um patrimônio que ocupa o décimo terceiro lugar na lista de maiores fortunas inglesas. Green amealhou nos negócios da moda uma fortuna que lhe possibilitou uma “vingança social sobre uma infância modesta”. Considerado um empresário excêntrico do setor têxtil, ele comemorou seus 50 anos em Mônaco, gastando na festa 7,5 milhões de dólares. (ERNER, 2005, p. 66-67).

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lojas em todo o Reino Unido e mais de 140 lojas em territórios internacionais. (SITE ARCADIA). Vista no circuito da moda como uma “fast-fashion à inglesa”, ou seja, uma empresa de moda rápida que disponibiliza, a um preço acessível, produtos mais ousados e irreverentes, a Topshop desfila na legitimada Semana de Moda de Londres e estende sua atuação até a vestidos de noiva que, seguindo a linha da marca, são “moderninhos e alternativos”.

Especializada em um estilo rápido e acessível, a visão corajosa e irreverente da Topshop encantou tanto consumidores quanto membros do setor com informação de moda. Todos eles se deliciam com o status cult da loja, enquanto desfrutam de sua acessibilidade e atmosfera moderna. (SITE ARCADIA, tradução nossa).

Fundada pelo empresário Erling Persson, a H&M é uma expansão da loja de roupas femininas Hennes, inaugurada em 1947 em Västerås, na Suécia. O primeiro espaço da empresa fora da Suécia foi aberto no ano de 1964 na Noruega. Em 1968, o fundador Persson comprou a loja de equipamentos de pesca e caça Mauritz Widforss, alterando o nome da empresa para Hennes & Mauritz (H&M). Nesse mesmo período, a H&M ampliou seu campo de atuação abrangendo também roupas masculinas e infantis. Já consolidada e disseminada como uma influente rede de varejo de moda, a H&M instituiu, em 2004, a colaboração de renomados designers. As parcerias com nomes de prestígio começaram com o estilista Karl Lagerfeld seguido das colaborações da designer Stella McCartney, dos criadores Viktor & Rolf, da cantora Madonna, do estilista Roberto Cavalli, da marca Comme des Garçons, do designer Jimmy Choo, da grife Lanvin, da marca Versace, do jogador de futebol David Beckham, da celebridade fashion Anna Dello Russo, da Maison Martin Margiela e da criadora Isabel Marant. Atualmente, a H&M está inserida no Grupo H&M Hennes & Mauritz, formado pelas marcas H&M, COS, Monki, Weekday, Cheap Monday, & Other Stories e H&M Home. O Grupo H&M possui aproximadamente 3.000 lojas e está presente em 53 países. (SITE H&M). A proposta da H&M é comercializar “Moda e qualidade no melhor preço”. A empresa pretende ter sempre a melhor oferta e produtos de qualidade nas coleções

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para os públicos masculino e feminino, adulto, jovem e infantil. Em 2013, a marca de moda rápida estreou na Semana de Moda de Paris com um desfile apresentado no museu Rodin.

Para nós, design, qualidade e sustentabilidade não são uma questão de preço: nós devemos sempre oferecer moda por um preço imbatível. Qualidade é um tema central, desde a ideia inicial até o produto final. O nosso objetivo é sempre superar as expectativas de qualidade dos nossos clientes. (SITE H&M, tradução nossa).

Diferentemente da Zara, a empresa não possui fábricas próprias. Ela trabalha com fornecedores que são parceiros de longo prazo. Em suas atividades, a H&M diz prezar por melhorias sociais e ambientais na cadeia de abastecimento, no ciclo de vida das peças do vestuário e nas comunidades em que atua. Tal realidade permite a Cietta vir a campo notar que o fast-fashion é “um modelo de criatividade em ciclo contínuo” que disponibiliza produtos nas lojas em quantidades pequenas e de maneira sucessiva de acordo com as necessidades do mercado (CIETTA, 2010, p. 21) 37. Essa qualidade de criação reduz o erro de coleções indesejadas, grande foco do sistema: primeiro porque a quantidade de peças disponíveis nos pontos de venda é reduzida, logo, caso haja rejeição, são poucas as mercadorias encalhadas; segundo, porque, como muitos modelos são postos no mercado de maneira acelerada, eles recolhem informações sobre a aceitação dos clientes, direcionando as próximas peças e eliminando rapidamente os produtos que resultaram em poucas vendas. O autor observa que, devido às coleções de fast-fashion serem imediatamente testadas no mercado, elas podem oferecer indicações importantes também para as marcas tradicionais38. Para ele, devido a essa peculiaridade das empresas inseridas no sistema fast-fashion de testar os produtos rapidamente no mercado e coletar indicações das vontades de consumo dos indivíduos, as

37 A inserção sucessiva de mercadorias na loja não significa necessariamente lançar produtos novos. Por vezes, os produtos são os mesmos, acrescidos de novas cores, novas estampas ou algum adorno aplicado. 38 Por marcas tradicionais defino as empresas que levam aproximadamente 6 meses entre a seleção de tendências, a escolha de matérias-primas, a confecção de produtos e a entrega das mercadorias nos pontos de venda. A essa coleção que durou seis meses para chegar nas lojas são realizadas atualizações, como, por exemplo, as pré-coleções e as coleções cápsulas.

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empresas de moda rápida passariam de marcas copiadoras do estilo das empresas tradicionais para marcas copiadas pela empresas tradicionais. Erner, por sua vez, afirma que o fast-fashion, que ele denomina circuito curto,

é uma maneira heterodoxa de pensar a moda que privilegia as tendências em prejuízo da criatividade. [...] Se a primeira preocupação das grandes maisons de costura é criar uma moda original, suscetível de chamar a atenção, o circuito curto se singulariza, ao contrário, pela obsessão oposta: produzir o mais tarde possível para fazê-lo como os demais e não errar a tendência. (ERNER, 2005, p. 147).

O autor acrescenta que

a Zara ou a H&M apenas aprimoraram esse sistema, vendendo em suas próprias lojas roupas produzidas segundo o sistema do circuito curto. Como antigamente no Sentier, mas de maneira industrial e sistemática, as tendências e as marcas que fazem sucesso são sinalizadas e copiadas de maneira mais ou menos literal. (ERNER, 2005, p. 147).

Os empresários da moda rápida esclarecem que não há copia, há sim uma inspiração em produtos solicitados e aceitos do mercado. Ortega, o fundador da Zara, explica o processo de adaptação: “Aqui estudamos, desmontamos e desenhamos as roupas, depois as preparamos novamente, adaptamos ao nosso estilo, produzimos e lançamos de volta no mercado.” (ORTEGA apud COVADONGA, 2014, p. 26). Nesse caminho pró fast-fashion, uma jornalista espanhola que foi diretora de uma importante revista feminina de seu país, faz um relato sobre o reconhecimento da qualidade e do design elaborado de uma rede de moda rápida:

“Você comprou uma jaqueta Armani sob medida!”, um profissional do ramo e especialista em marcas de luxo uma vez me disse, convencido de que estava certo, quando me viu vestindo uma jaqueta Zara perfeita, de corte impecável e características têxteis de grandes estilistas.(COVADONGA, 2014, p. 18).

Cietta acredita que o modelo fast-fashion desempenha uma criatividade difusa e não se limita a uma atividade de cópia, mas se estabelece como um complexo de ações com a finalidade de oferecer ao mercado da moda, cujo tempo é restrito, rapidez e qualidade, amplitude de opções e mercadorias desenvolvidas para públicos específicos.

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Segundo o autor, a criatividade na moda rápida, em geral, não é centralizada na figura do estilista; é responsabilidade de um grupo de pessoas as quais desenvolvem variadas atividades dentro das empresas. No fast-fashion, o produto desenvolvido pelo grupo de criadores traz, por exemplo, conhecimentos da equipe de produção e de distribuição: a mercadoria bem elaborada é pensada para tornar- se um produto de alto potencial comercial. As coleções desenvolvidas no sistema da moda rápida são concebidas num processo contínuo que envolve pesquisa – de cores, tecidos, aviamentos e elementos de estilo39 –, recolhimento de dados sobre as vendas, como visto anteriormente, e a participação do consumidor. Cietta afirma que

no modelo fast-fashion, o processo criativo é contínuo e as escolhas dos consumidores são imediatamente incorporadas ao design de novos produtos. Poderíamos chamar a isso de ‘moda adaptável’ ou ‘design adaptável’. O que seria perigoso é baixar a qualidade dos produtos para manter a frequência de consumo elevada.”(CIETTA apud MORAES, 2010).

Nesse contexto de criatividade difusa, um empresário do segmento do fast- fashion explica da seguinte maneira o processo de criação das coleções de sua marca: “As nossas coleções são 50% desenvolvidas pelos clientes, 40% por nossos estilistas e 10% pelas informações que obtemos em rede.” (CIETTA, 2010, p. 154). Erner classifica as empresas de fast-fashion como “empresas de baixa costura” que oferecem produtos resultantes de cópias de mercadorias de grifes de prestígio adaptadas ao menor preço. De um modo geral, o fast-fashion é classificado como um segmento de mercado que origina produtos de baixa qualidade quanto aos materiais e aos acabamentos, e, portanto, não pode ser comparável com a produção oriunda de um sistema com conteúdo de moda legítimo, com competência de qualidade e estética. Cietta refuta essa visão de falta de criatividade e baixa qualidade voltada à moda rápida e esclarece que o modelo fast-fashion tem direcionado sua oferta cada vez mais no caminho do aumento da qualidade, haja vista as parcerias que as empresas de moda rápida têm desenvolvido com estilistas de renome no circuito da moda.

39 Elementos de estilo são detalhes utilizados em uma coleção para dar unidade visual entre as peças. Pode ser uma padronagem como a estamparia floral, a presença maior de uma cor em relação às outras e ainda detalhes de modelagem e aviamentos. (TREPTOW, 2013).

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Sob este olhar que reconhece capacidade criativa e qualidade aos produtos propostos pela moda rápida, Cietta coloca que o sistema fast-fashion também pode ser aplicado a mercadorias de faixa de preço média-alta e alta e defende, mais uma vez nessas empresas, a atividade de criação.

Todas as empresas de sucesso do fast-fashion de alto preço se transformaram de puros copiadores de modelos best-seller da estação, a verdadeiros e próprios caçadores de tendência. A força destas empresas não está mais na imitação a baixo custo daquilo que outros haviam proposto no mercado. [...] Elas começaram a investir na criatividade, desenvolvendo coleções próprias que fossem coerentes com sua marca e estilo; a sua pesquisa criativa permaneceu diferente da dos grandes estilistas e designers; suas fontes de inspiração são frequentemente relacionadas a fenômenos de mídia (televisão e música), e sua criatividade é uma criatividade aplicada e orientada para o seu mercado-alvo. (CIETTA, 2010, p. 21).

Diante da suposição de que produzir com velocidade não significa produzir sem qualidade e autonomia estilística, é possível pensar em fast-fashion para diferentes segmentos de mercado envolvendo desde parcelas do primeiro preço até segmentos de preço elevado. A marca brasileira Le Lis Blanc é um exemplo do modelo de moda rápida aplicada a mercadorias de preço alto – na loja virtual da empresa encontramos vestidos que vão de R$259,50, um vestido básico, até R$3.550,00, um vestido de noite –. A grife é a marca mais lembrada pelas mulheres com renda acima de R$30 mil, segundo uma pesquisa de 2014 da LaClé, uma rede especializada na troca de conhecimento entre um seleto grupo de mulheres e marcas de luxo. Em entrevista para o jornal Valor Econômico, em 2009, Traudi Guida, uma das fundadoras da grife, declarou que a Le Lis Blanc era uma empresa de fast- fashion. Na matéria intitulada “Le Lis Blanc, sem vergonha de ser uma ‘fast-fashion’", Guida expôs: "Aqui no Brasil, dizer que é fast-fashion é depreciativo. Lá fora, isso não acontece e muita gente ganha dinheiro sendo 'fast-fashion' e seguimos essa trilha." (GUIDA apud KOIKE, 2009). A Le Lis Blanc é uma das empresas do grupo gestor de marcas premium de moda Restoque, fundado no Brasil em 1982. No site do grupo, encontramos a seguinte definição da Restoque:

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A Restoque é uma das principais empresas varejistas do setor de vestuário, acessórios de moda e cosméticos de alto padrão no Brasil. Nossas marcas estão associadas a produtos de alta qualidade e a um estilo de vida sofisticado e desejado. Atualmente, os clientes da Companhia são homens e mulheres com alto poder aquisitivo, de diferentes faixas etárias, que procuram produtos elegantes e sofisticados, inspirados nas últimas tendências internacionais. (SITE RESTOQUE).

O Grupo é formado pelas grifes: a) Le Lis Blanc, marca de moda feminina voltada para um público de alto poder aquisitivo que foi estendida aos segmentos de produtos para casa (Le Lis Casa), de cosméticos (Le Lis Beauté), de moda masculina (Noir, Le Lis) e de moda infantil (Le Lis Petit); b) Bo.Bô, marca direcionada a mulheres jovens requintadas; c) John John Denim, marca premium de jeans e d) Rosa Chá, grife sofisticada de moda praia. Sobre os processos de criação dos produtos, a Restoque esclarece:

A Restoque cria seus produtos de vestuário e acessórios e contrata fornecedores para sua produção no Brasil e no exterior. A empresa possui equipes de estilistas, divididas e organizadas por marca e linha de produto que reúnem seus talentos para a concepção de artigos de moda compatíveis com a imagem de cada uma de suas marcas. Cada equipe de estilistas identifica e analisa constantemente as tendências mais atuais da moda internacional e rapidamente as adapta de forma a refletir o gosto e o estilo de vida brasileiro moderno. Nossas marcas renovam suas coleções ao longo de cada coleção, introduzindo continuamente novos produtos nas lojas da companhia. (SITE RESTOQUE).

Em tais condições, não surpreende a multiplicação das estratégias para a produção de valor dos produtos e das marcas da moda rápida. Assim como a criatividade, por vezes questionada, a produção de valor das mercadorias de fast- fashion é realizada de forma difusa. Uma das estratégias de produção de valor dos produtos das marcas da moda rápida é a parceria que elas estabelecem com prestigiosos criadores. Em 2004, a empresa sueca de fast-fashion H&M desenvolveu uma coleção em parceria com o estilista alemão Karl Lagerfeld, designer que é o diretor criativo da grife francesa Chanel. Essa associação entre o designer alemão e a rede sueca deu início à estratégia de valorização dos produtos das empresas de moda rápida,

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por intermédio de coleções assinadas por criadores de renome, que se tornou corriqueira para muitas empresas de fast-fashion. Na ocasião, Lagerfeld discorreu sobre a questão da qualidade nas peças desenvolvidas em colaboração com a fast- fashion, ressaltando-lhes o valor estético: "Meu conceito de prêt-à-porter hoje em qualquer nível é que tem que ser tão bom quanto a marca mais cara. O design é muito importante e não é mais uma questão de preço. A H&M tornou o barato desejável. Hoje isto é moda”. ( NOVA MARCA..., 2004). A coleção, uma edição única e limitada, assinada por Lagerfeld provocou longas filas nas portas das lojas da H&M nos Estados Unidos e na Europa. Cinquenta itens entre roupas femininas, masculinas, um perfume unissex e acessórios receberam o aval do designer alemão e mais tarde foram parar em leilões da internet com preços inflacionados. A parceria disponibilizada em vinte países, ainda que com preços 20% a 30% mais caros que os normalmente praticados na H&M, tornou possível comprar uma peça assinada pelo criador da Chanel com apenas R$155. (ROGAR, 2014).

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Figura 4 – Imagens de peças da coleção desenvolvida por Karl Lagerfeld para a rede de fast-fashion H&M em 2004.

Fonte: .

Após a associação com Lagerfeld, a H&M disponibilizou variadas coleções desenvolvidas em parceria com designers influentes. São exemplos dessas ações colaborativas com criadores reconhecidos, como citado anteriormente, as criações da empresa sueca em parceria com as marcas Stella McCartney (2005), Roberto Cavalli (2007), Lanvin (2010) e Versace (2011). Julia Pinheiro Franco, correspondente do blog da jornalista Lilian Pacce, em Milão, descreve o alvoroço do lançamento da coleção em parceria com a grife Lanvin na cidade italiana:

Nem o frio da madrugada dessa terça espantou os ávidos fashionistas milaneses e os turistas que estavam pela cidade. Às 8h da manhã, a H&M de Milão abriu as portas com a fresquíssima coleção especial da Lanvin, mas a saga dos consumidores havia começado horas antes. Os primeiros entraram na fila ao redor das 4h enquanto muitos decidiram chegar pouco antes da abertura. Brioches, sucos e água foram dados àqueles que ali esperavam. Funcionários da loja passaram distribuindo pulseiras coloridas que davam acesso à área feminina, onde cada tom correspondia a um horário. 10 pessoas entravam por vez, com permanência máxima de 15 minutos e eram autorizadas a comprar apenas 1 peça de cada modelo. No final do dia, praticamente todas as peças estavam esgotadas, comprovando que a H&M acertou na parceria! (FRANCO, 2010).

Grifes com a representatividade das marcas citadas acima pretendem revestir

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os produtos das empresas de fast-fashion de valores simbólicos que são caros aos consumidores de moda, tais como originalidade e conteúdo de moda elevado. Na associação entre grifes e moda rápida, o fast-fashion ganha valor estético, conhecimento no processo criativo, pois interage com métodos de criação legitimados e certa aura de exclusividade que reveste o mundo da moda dos grandes designers, enquanto que as marcas renomadas ganham visibilidade e acessibilidade para seus produtos, o que parece ser relevante para alguns estilistas de prestígio. “ Essa parceria é uma ótima maneira de falar com uma audiência maior e fazê-los conhecer melhor minhas criações”, declarou Stella McCartney sobre sua colaboração com a H&M em 2005. (MCCARTNEY apud FRIENDS IN…, 2005, tradução nossa). Ainda sobre os ganhos das grandes grifes com as colaborações para as cadeias de fast-fashion, Flávio Rocha, presidente da rede brasileira de moda rápida Riachuelo expõe: "Marcas com design e assinaturas poderosas visam, nas parcerias com grandes redes de vestuário, ao fortalecimento dos negócios das próprias redes, que ganham com a grande visibilidade de mídia espontânea." (ROCHA apud MIRRIONE , 2011).

Figuras 5a e 5b – Lanvin e Versace para H&M.

As imagens revelam o fascínio que a estratégia de parcerias entre estilistas reconhecidos redes de fast-fashion exerce nos consumidores. À esquerda, a aglomeração em uma loja da H&M, em Milão, no dia do lançamento da coleção assinada pela marca Lanvin e, à direita, fila em uma loja de Paris também com distribuição de pulseiras para ter acesso aos produtos da H&M assinados pela grife Versace. Fontes: figura 5a: ; figura 5b: .

No sentido de agregar valor aos produtos e empresas de fast-fashion, além da associação com estilistas de sucesso, essas marcas de moda rápida também estabelecem vínculos com celebridades. Estas parecem pessoas mágicas ao olhar

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do público e isso se deve ao fato de que a sua presença é sempre encenada. Os critérios para a seleção das celebridades com as quais as empresas de fast-fashion irão se unir estão diretamente relacionados à capacidade dos personagens famosos de gerar vendas, o que incorre na sua popularidade no momento mais do que nas suas performances artísticas. A visibilidade das celebridades também favorece um maior espaço na mídia, meio de celebração fundamental à moda. A cantora Madonna tornou-se garota-propaganda e estilista da empresa sueca H&M, em 2006. O propósito da marca, ao associar-se com Madonna, era articular e comercializar uma imagem capaz de vincular o estilo pessoal da artista aos produtos da H&M, incorporando nesses produtos um valor simbólico manifestado no depoimento da gerente de design da empresa no período da parceria, Margareta van den Bosch: “Além de sermos grandes fãs da música e do senso de moda de Madonna, admiramos sua habilidade de sempre estar à frente das tendências em tudo o que faz." (MARCA H&M..., 2006, grifo nosso). Para enfatizar a transferência de seu capital simbólico para as peças da coleção com a H&M, a cantora declarou sobre a colaboração com a fast-fashion: “A parceria é perfeita. Vamos poder nos expressar do nosso jeito." (MARCA H&M..., 2006, grifo nosso). O jogador de futebol David Beckham foi outra celebridade acessada pela H&M. Segundo Rojek, Beckham é uma celebridade que “ressalta a conexão entre auto-disciplina, treinamento e sucesso material como ‘exemplos para todos nós’.” (ROJEK, 2008, p. 41). Em 2012, ele assinou uma linha de cuecas para a rede sueca e posou como modelo de sua coleção. A notoriedade de Beckham vai além do esportista; ela se sustenta na aparência do jogador – e no casamento midiático com a também celebridade e estilista Victoria Beckham – classificado como um metrossexual, “metro de metropolitano e sexual por causa de uma sexualidade paradoxal, a meio caminho entre o macho man e o efebo viciado no espelho” (ERNER, 2005, p. 226). Quando ele encerrou sua carreira no futebol, o jornal americano New York Times publicou uma matéria na primeira página dando ênfase aos seus penteados e não ao seu talento com a bola. Foi nesse “capital de imagem” que a H&M apostou para atrair os consumidores. Em um catálogo específico para a campanha (figura 6a), Beckham apresentava a parceria enfatizando a presença de sua autoridade estética: “Eu e minha equipe criamos uma coleção elegante e

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confortável que eu tenho prazer de vestir e orgulho de assinar. Espero que vocês gostem tanto quanto eu.” (Tradução nossa). As celebridades aproximam os consumidores dos produtos aos quais estão associados, pois, quando essas pessoas famosas adotam um objeto, elas possibilitam, via sua aura de autoridade, tantos outros anônimos a imitá-las. Os famosos parecem pessoas próximas dos consumidores, circulam no seu imaginário, possuem vínculo com alguns momentos de sua vida. É como se os consumidores conhecessem as celebridades e isso favorece o mimetismo. Nas parcerias que as redes de varejo estabelecem com prestigiosos criadores e com celebridades, percebemos ser uma prática comum de as empresas desenvolverem etiquetas, cabides, expositores, catálogos e sacolas específicos para as campanhas grifadas. É uma estratégia de comunicação que fortalece o vínculo com o notório.

Figuras 6a e 6b – David Beckham para H&M.

Imagens dos materiais de comunicação da primeira parceria de 2012 do jogador David Beckham com a rede H&M. À esquerda, um registro do mini catálogo da campanha. As páginas que introduzem o catálogo trazem o texto de apresentação – citado acima –, a assinatura do jogador e um recorte da sua face no qual se sobressai o aprumo do penteado, uma marca de Beckham. À direita, a sacola da parceria com uma foto que enquadra a parte superior do corpo do jogador na qual se concentram suas tatuagens, inscrições que bem representam o fascínio da imagem de Beckham. Fontes: figura 6a - Catálogo da campanha de David Beckham para a rede H&M em 2012; figura 6b - autora. Acervo pessoal, 2012.

O valor dos produtos desenvolvidos pela moda rápida é estabelecido também nos pontos de venda das empresas. Marcas como a Zara e H&M dispensam altos gastos com publicidade e investem mais nas lojas, ou seja, transformam-nas em

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ambientes que convertem as mercadorias, em princípio uma necessidade, em objetos de desejos. Como nota Cietta:

Tanto a H&M como a Zara escolheram uma estratégia de comunicação muito orientada ao ponto de venda. Em ambos os casos, as empresas fizeram uma escolha precisa para limitar investimentos de comunicação sobre a marca que não sejam ligados, especificamente, ao produto ou ao ponto de venda. (CIETTA, 2010, p. 105):

Os pontos de venda são tão importantes para a Zara que a empresa estabeleceu na sede central da Inditex, localizada no bairro Arteixo, em La Coruña, verdadeiras lojas piloto nas quais um grupo de profissionais de visual merchandising40 criam a atmosfera e o estilo característico que tomam o interior das lojas e as vitrinas da Zara no mundo todo. Covadonga expõe sobre as regras ditadas pelas lojas piloto da Zara:

Cada mercadoria nova é fotografada para ser mandada para cada uma das lojas Zara ao redor do globo, com algumas diretrizes sobre como e onde expô-lo. As diretrizes mencionam a essência e a inspiração cromática; no entanto, é preciso levar em conta que uma loja no Canadá não será igual a uma do México. Mesmo seguindo um padrão que identifica as lojas, é importante que cada país respeite suas particularidades. (COVADONGA, 2014, p. 142).

O tratamento visual dos expositores que exibem as peças, a iluminação acolhedora, o layout41 aconchegante e a criatividade de uma variedade de materiais de comunicação disponibilizados nesses espaços, todos convergindo para uma imagem coerente com a marca e os produtos, contribuem para a criação de valor das mercadorias. Na moda, o lugar de compra é parte do processo produtivo e não apenas do processo de distribuição, na medida em que esse espaço confere valor aos produtos fabricados. As peças chegam às lojas como produtos semitrabalhados e é nesses ambientes que se transformam em produtos finalizados.

40 Demetresco explica que o Visual Merchandising é uma arte comercial que tem por meta o engajamento de uma marca em sua comunicação visual. Para a autora, “o princípio do Visual Merchandising se baseia na atração do consumidor, com o intento de aumentar as vendas.” (DEMETRESCO, 2012, p. 53). 41 O layout compreende a disposição de móveis, equipamentos, iluminação, cores, vitrinas, displays e o arranjo dos produtos no interior da loja, tendo como objetivo a utilização correta dos espaços.

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Nesse cenário, as marcas de moda, principalmente as grifes de prestígio, destinam altos investimentos para a projeção dos espaços de venda. Em paralelo ao crescimento dos gastos na composição das lojas, vemos o aumento da velocidade de reestruturações e reformas dos ambientes de compra. “Uma loja de uma marca de alto nível, em uma rua muito importante do ponto de vista comercial, pode ter uma vida média de três anos” (CIETTA, 2010, p. 115) até que sejam necessárias reformas. As empresas de fast-fashion, que veem crescer sua relevância e intentam, por variadas ações, aproximar-se de segmentos de mercado alto, tendem a praticar estratégias semelhantes às estratégias das grifes e, nesse sentido, convergem cada vez mais para a valorização dos pontos de venda, dando ênfase ao visual merchandising e às vitrinas42 . As lojas das empresas de moda rápida, além de serem espaços que contribuem para a valorização dos produtos, são também ambientes que orientam os consumidores quanto à composição de seus looks. Os pontos de venda das fast- fashions são organizados em nichos que podem ser separados por diferentes marcas comercializadas na empresa e/ou arranjados no sentido de propor uma coordenação de peças que orientem o consumidor a compor um look e traduzir para o cliente como pode fazer uso de uma tendência no seu contexto diário. Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, discorre sobre a importância “didática” das lojas para os consumidores: “Na Riachuelo você vai perceber que tudo está organizado em torno de uma solução final para o cliente. Aí está o componente didático da nossa missão: incluir no mundo da moda esse aspecto didático de levar informação”(Informação verbal).43

42 Segundo Demetresco, a vitrina, “toda e qualquer disposição organizada de mercadorias no espaço frontal de uma loja, [...] é responsável por até 82% das vendas da loja. Assim, poderíamos dizer que a vitrina é um vendedor permanente ativo.” (DEMETRESCO, 2010, p. 206). 43 Entrevista concedida por Flávio Rocha ao programa Mundo S/A exibido no canal Globo News, em 22 de jul. 2014.

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2. ESTUDO DE CASO: A C&A 2.1 A QUESTÃO DO PRODUTO BÁSICO

Em 1841, os irmãos Clemens e August Brenninkmeijer 44 uniram as iniciais dos seus nomes para fundar a C&A. A primeira loja da empresa foi aberta na cidade de Sneek, na Holanda, e oferecia roupa pronta ao grande público. Já estabelecida na Holanda, a C&A deu início a sua expansão internacional em 1911, com a inauguração de uma loja na Alemanha, e, posteriormente, disseminou-se pela Europa. Atualmente a C&A é líder do varejo de moda no mercado nacional. A empresa possui 240 lojas no país, tem uma equipe de 18 mil funcionários e fatura o equivalente a R$5 bilhões. O faturamento da C&A está R$1,2 bilhão acima do faturamento da Renner, sua maior concorrente. Entre as empresas do grupo C&A, a filial brasileira só está atrás em lojas e faturamento da C&A alemã que possui 500 lojas e fatura cerca de R$11,9 bilhões. A amplitude da rede no âmbito local faz do Brasil uma prioridade para a companhia holandesa. No Brasil, a empresa comercializa vestuário feminino, masculino e infantil, acessórios, calçados, eletrônicos e produtos financeiros. Possui as marcas próprias: Yessica, para mulheres com mais de 25 anos, Angelo Litrico e Jinglers, para homens com mais de 25 anos e de 17 a 25 anos respectivamente, Clock House, para o público masculino de 17 a 25 anos (a diferença desta marca para a Jinglers é a oferta de produtos com mais informação de moda) e para o público feminino de 17 a 25 anos, Suncoast – uma marca de roupas de praia – e Ace – uma marca de roupas de esporte –, para homens e mulheres, aqui não há uma definição de idade. Para o público infantil a companhia oferta as marcas: Fifteen, para meninos de 10 a 16 anos, Miss Fifteen, para meninas de 10 a 16 anos, marcas licenciadas, como

44 Os Brenninkmeijer eram vendedores ambulantes desde 1600. Durante muitos anos, os membros masculinos da família que fundou a C&A eram obrigados a fazer uma escolha: ou entrar no sacerdócio católico, ou nos negócios. As mulheres Brenninkmeijer, entretanto, só foram liberadas para o trabalho há aproximadamente cinco anos. Há no Brasil mais ou menos 50 membros da família que formam a quinta geração. “Eles são menos tímidos e têm a mente mais aberta que os antigos, mas ainda são muito católicos”. Os Brenninkmeijer têm uma fortuna estimada em €23 bilhões. Eles são a terceira família mais rica da Suíça, país onde está localizada a sede da Cofra Holding AG, holding que controla a C&A desde 2001. O grupo desenvolve atividades nas áreas do varejo, serviços financeiros e negócios imobiliários. (ABDALLAH, 2013, p. 49).

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Barbie, Monster High, Hot Wheels e Marvel para crianças de 0 a 12 anos, Palomino, para crianças 4 a 10 anos, e Baby Club, para crianças de 0 a 36 meses. Estima-se que a companhia, hoje presente em 23 países, tenha um faturamento anual de mais de €9 bilhões, aproximadamente R$27,4 bilhões. (ABDALLAH, 2013). A empresa abriu sua primeira unidade brasileira e primeiro espaço fora da Europa em São Paulo, no Shopping Ibirapuera, no ano de 1976. No Brasil, quarto maior produtor mundial do vestuário (300 EM DEFESA..., 2013, p.7), a marca encontrou área fértil para se desenvolver e incitar o desenvolvimento de outras cadeias de varejo nacionais. No época em que a varejista instalou-se no país, a nação mantinha-se na marcha do progresso iniciada na década de 1950 com a industrialização, as migrações internas e a urbanização que estimularam novos padrões de produção e de consumo.

Vinda de suas bases na Holanda, no Brasil a C&A prosperou. Em menos de cinco anos de atuação, a empresa já havia se espalhado por quase todos os Estados do país. [...] A leveza, as linhas chamativas e a opção integral pela moda catapultaram a empresa no gosto do brasileiro. Com seu visual urbano, a C&A acomodou-se rapidamente num país em que as cidades incham de ano para ano. Na verdade, desde que se instalou no Brasil a cadeia de lojas holandesa pouco mudou – as outras empresas se viram obrigadas a acelerar seu ritmo para acompanhá-la. (UM BANHO..., 1987, p. 60).

Quando a C&A chegou ao Brasil, nos anos 1970, no setor têxtil e do vestuário no país, em processo de crescimento e modernização, sobressaía-se a lógica do produto rotineiro, ou produto básico, de pouca diversidade e grandes tiragens, baseado no jeans e na camiseta. No final da década de 1980, teve início uma reestruturação produtiva que rompeu com o padrão do produto básico. Essa reestruturação ganhou força nos anos 90 em razão da estagnação da atividade econômica nacional e da competitividade crescente do mercado externo que marcaram essa época45. A

45 De acordo com Mello e Novais, no início dos anos 90, “a estagnação econômica e a alta inflação vão rompendo lentamente os mecanismos básicos de reprodução da sociedade, a mobilidade social e a ampliação continuada do consumo moderno.” Nesse começo de década, “o desemprego nas áreas metropolitanas cresce assustadoramente, impulsionado por uma selvagem política de redução de custos e de modernização tecnológica posta em prática especialmente no setor industrial.” O resultado de tal situação para o campo da

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década de 90 foi decisiva para alavancar a moda no país, impondo limites à produção rotineira, ao determinar mudanças na qualidade do produto e oferta de diversidade a preços razoáveis para concorrer com os produtos importados. Kontic nos oferece um panorama das transformações do sistema nesse período:

A indústria local de vestuário se ajustou às mudanças econômicas, especialmente as provocadas pelos efeitos do plano Real, não pelo lado da demanda, pois essa não sofreu expansão contínua [...] nem foi alavancada pelo crédito pessoal. Ajustou-se pela oferta, ao ter criado, além de novos encadeamentos intra-industriais, possibilidades renovadas ao consumo, oferecendo alternativas com conteúdo de diferenciação e moda ao que era anteriormente, o padrão de produto rotineiro. (KONTIC, 2007, p. 59).

As mudanças econômicas advindas do plano Collor46 e do plano Real – implantado em julho de 1994 –, programas com foco na estabilização econômica, forçaram uma reformulação do setor por meio da diferenciação e diversificação que culminaram na generalização do produto de moda diferenciado como padrão de mercado para segmentos de todas as faixas de preços. Para Kontic, a diferenciação, como método, é

[...] o processo pelo qual as empresas introduzem qualidades de novidades e distinção em produtos e assessórios do vestuário, na forma de mudanças no design e na agregação de detalhes personalizados, em sintonia com as informações do mercado mundial de moda, em particular com os centros difusores mais avançados.( KONTIC, 2007, p. 29-30).

moda significou a decadência de uma parcela da indústria do vestuário e têxtil e, simultaneamente, ofereceu meios para a transformação de outros blocos. Estes últimos puseram em prática “os elementos de resistência e mecanismos de acomodação” para resistir à “avassaladora onda de globalização” do período que impôs aos produtos uma elevação nos padrões de qualidade, inovação e preços competitivos. (CARDOSO DE MELLO; NOVAIS,1998, p. 647-650). 46 O plano Collor, anunciado em março de 1990, além da tentativa frustrada de conter a hiperinflação do final da década anterior e do erro que representou o confisco, deu início à abertura comercial. O mercado nacional, agora aberto às importações, instaurou uma acirrada competição com bens e serviços inovadores num momento de recessão.

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Foi a assim chamada modinha47 – roupas casuais e de preço acessível inspiradas nas tendências do prêt-a-porter adaptadas aos gostos locais –, em ascensão na metade da década de 80 e ao longo dos anos 90, que deu início ao processo de diferenciação de peças por meio do acréscimo de detalhes fora dos padrões das grandes empresas de produtos básicos, ainda que por meio de uma produção com base na imitação e adaptação de modelos e tendências procedentes do exterior. As empresas que produziam a modinha abasteciam as butiques e as lojas de departamentos que, da mesma forma, precisaram se adaptar às novas regras do setor. As lojas de departamentos ajustaram-se no sentido de ofertar maior diversidade de produtos e ter maior requinte na escolha do mix de produtos48, pois estavam acostumados a disponibilizar linhas básicas e variedades limitadas. Em matéria publicada pela revista Veja em 1987, há um relato dessa mudança das varejistas a caminho da moda, mesmo sendo uma moda cópia “dos melhores figurinos internacionais”. Sob o título Um banho de butique nos magazines, a reportagem diz que “as grandes lojas de departamentos adotaram os artigos de moda como ponta-de-lança para manter os atuais clientes e conquistar milhares de outros numa população cada vez mais urbana, bem informada e jovem”. De acordo com a reportagem, C&A, Riachuelo, Mesbla e Pernambucanas “desfilam agora de minissaia, malhas sensuais, vestidos collant e bijuterias sem perder o rebolado”. A matéria informa ainda que as varejistas estavam seguindo uma tendência mundial já experimentada nas redes dos Estados Unidos e de Londres, pois, nesses países, “os magazines são mais ou menos cotados pelo que oferecem de moda.” (UM BANHO..., 1987, p. 60-66). Nesse cenário, “a C&A ganhava mercado com um conceito bem ordenado de oferta de variedade e diferenciação com marcas próprias49.” (KONTIC, 2007, p. 51). A empresa substituiu as araras com peças básicas por espaços que exibiam

47 Na década de 60, a modinha surge com vigor no vinculada às peças ícones da juventude: o jeans e a camiseta. Nos anos 70 está associada às roupas de preço razoáveis que têm por matéria prima tecidos e malhas de algodão. 48 Mix de produto, ou sortimento de produtos, é o conjunto de todos os produtos que uma empresa se propõe a comercializar. 49 A marca Ângelo Litrico, já no final dos anos 80, tinha uma identidade própria e até um pouco distinta da C&A. A grife, que no período marcava ternos, gravatas, calças socais e alguns jeans, era conhecida no mercado pela qualidade nos materiais e no corte.

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combinações de roupas com toques de design inspiradas nas pesquisas realizadas por coordenadores de moda, profissionais encarregados de buscar, no exterior, informações sobre tendências. Para ser possível a transição da oferta de produtos básicos a produtos de moda nas lojas da C&A, era necessário aos coordenadores de moda da companhia ter fornecedores com capacidade de executar os produtos diferenciados alinhados com as tendências internacionais50. Para contar com fornecedores aptos a abastecer a empresa com essas novas propostas, a C&A projetou um trabalho de doutrinamento dos seus fornecedores, instituindo rígidos padrões de qualidade para a época. A cadeia popular elaborou e distribuiu manuais que qualificavam desde condições de acabamento e tingimento, até o modelo da cola e do ponto que deveriam ser usados na confecção das peças. Os fornecedores também foram obrigados pela companhia a padronizar medidas. No depoimento abaixo, concedido em 1987, percebe-se o rigor no controle de qualidade que a C&A cobrava dos seus fornecedores. Devido a essa rigidez, a varejista ganhou a fama de quebradora de fornecedores.51

No inverno passado, uma confecção que fornecia para a loja quase foi à falência quando teve um lote inteiro de 5.000 peças recusado por um problema de tingimento mal executado. “As cores ficaram mais pálidas e não passaram no controle de qualidade”, lembra João José, diretor de moda masculina da C&A. (UM BANHO..., 1987, p. 67).

50 A C&A não possui fábricas próprias. Todos os artigos da empresa são produzidos por fornecedores. 51 Atualmente, com as acusações crescentes às fast-fashions de trabalho escravo, a C&A além de controlar a qualidade dos produtos de seus fornecedores passou a monitorar também as condições de trabalho nas cadeias de fornecedores. Em 2006, a varejista foi alertada pelo Ministério Público sobre a possibilidade de exploração de mão de obra de imigrantes ilegais por parte de algumas confecções terceirizadas contratadas da C&A. A companhia trouxe então para o Brasil uma empresa de auditoria que já monitorava as condições de trabalho da varejista na Europa, a Organização de Serviços para Gestão de Auditorias de Conformidade (SOCAM). A atuação da SOCAM no Brasil teve como consequência a redução de fornecedores da companhia. De 2009 a 2011 o número de fornecedores diminuiu de 556 para 274. A C&A foi a primeira empresa na sua área de atuação a assinar o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, em 2011. O documento é uma iniciativa da sociedade civil, que objetiva a implementação de ferramentas para que o setor empresarial e a sociedade não comercializem produtos de fornecedores que usaram ou usam trabalho escravo.

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Já na década de 1980, ouvia-se falar em coordenadores de moda. Entretanto, as tendências internacionais pesquisadas por esses profissionais não eram postas imediatamente nos cabides das lojas, pois os consumidores dos magazines, diante da limitação de informações sobre moda e comportamento, precisavam de um tempo de maturação para adaptar-se e desejar as novas tendências. Caso não fosse respeitado esse tempo, corria-se o risco de fracasso nas vendas com peças encalhadas. A ação dos coordenadores de moda passou a ser mais imediata apenas no final da década de 90, quando os consumidores mais exigentes – já informados da última novidade fashion por estarem cada vez mais abertos às influências dos grandes centros difusores de estilo e inovação por meio da evolução, barateamento e acessibilidade das tecnologias de comunicação que facilitaram um maior intercâmbio de informações e ideias – cobravam desse profissional uma busca desenfreada de tendências. A partir desse momento, pessoas com pouco dinheiro e alguma informação de moda poderiam entrar nos magazines e adquirir a tendência do momento. O coordenador registrava, principalmente em Paris, Londres, Nova York, Milão e Tóquio, as cores, tecidos, formas, texturas, estampas, modelos e até costuras dos modismos52 vigentes e reproduzia nas cadeias de varejo de moda nacional. O apanhado resultante das pesquisas no exterior era um referencial que deveria ser adaptado à cultura dos consumidores e a versões populares, na maior velocidade possível, e disponibilizado nas lojas. Assim, em poucas semanas, a roupa e o acessório mais atual detectado pelos coordenadores estariam, a preços acessíveis, nas redes de lojas populares. Aos coordenadores de moda expostos aos valores da moda internacional somaram-se novos agentes dos ramos de tendência, imagem e estilo – com algumas empresas implantando inclusive o setor de pesquisa e estilo – e novas mídias. Da interação de ambos multiplicou-se a acessibilidade às informações e aos conhecimentos necessários aos processos de criação e inovação no setor da moda.

52 “Fenômeno passageiro no mundo da moda que acontece em função de um fato, um personagem, um lançamento, um filme, um seriado de televisão ou uma novidade arrebatadora. Cortes de cabelo, determinadas peças de roupa, tipos de sapato, modelos de bijuteria e até mesmo, alguma cor de esmalte de unhas podem exercer grande poder de sedução, tornando-se modismos entre as pessoas de todo planeta.” (SABINO, 2007, p. 452).

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Após o movimento reestruturante do setor têxtil e do vestuário ocorrido no início dos anos 1990 que resultou em produtos com maior diferenciação para o consumidor local – ainda mantendo o padrão de imitação e adaptação de tendências internacionais com um esforço menor de inovação – e maior diversificação, deu-se um segundo movimento, desencadeado no final desta mesma década, que culminou em empresas com competência de criação de produtos de moda53. Segundo Kontic, a criação é um processo que significa

[...] a competência alcançada por algumas empresas na definição de novos produtos e tendências em simultaneidade ou competição com os centros difusores internacionais, em outras palavras, um processo que transcende a imitação e implica capacidades mais elevadas em design, marketing e desenvolvimento de produto.(KONTIC, 2007, p.30).

Nesse contexto, o caminho percorrido pelos variados segmentos do vestuário (primeiro um núcleo de vanguarda, acompanhado por um grupo de imitadores seguidos por empresas voltadas ao mercado de baixa renda) foi reinventar seu produto, inserir nele qualidades apropriadas da cultura dos consumidores, investir nos detalhes que marcassem os produtos, variar, ou seja, aumentar a gama de produtos ofertados e ter uma maior autonomia e inovação em produto e estilo. As redes de varejo também se adequaram a este novo momento da moda nacional em sintonia com a crescente importância da moda para expressão das individualidades e dos estilos de vida em todas as esferas sociais. A revista Veja registrou esse novo posicionamento das varejistas, rumo à criação e ao estilo, na matéria Viva a revolução popular: grandes redes põem estilo fashion ao alcance de todas, de 2001. A reportagem anunciava que as cadeias de varejo estavam provocando uma revolução no setor da moda: “em matéria de estilo, elas deram um formidável salto de qualidade.” (MOHERDAUI, 2001, p. 68).

53 Os movimentos que emergiram na década de 1990 e transformaram o setor da moda rumo à criatividade foram originados na Região Metropolitana de São Paulo e, posteriormente, generalizados para o resto do país. Essas transformações no campo da moda tiveram como epicentro a Região Metropolitana de São Paulo, porque aí estava presente um núcleo de empresas líderes com competência de diferenciação, em um primeiro momento, e criação, no momento seguinte. Esse grupo de empresas tinham a capacidade de propor tendências, estabelecer padrões de design e induzir modificações para todo o sistema.

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João Paulo Ribas, ex-coordenador da equipe de desenvolvimento de moda da C&A, relata que nesse contexto de ênfase na criação e no estilo, a C&A passou a vender “estilos de vida nas lojas”. (RIBAS apud ABDALLAH, 2013, p. 58). Esse posicionamento refletiu diretamente sobre o profissional do setor de compras da empresa. Antes, cada um dos profissionais desse departamento era responsável pela compra de um determinado tipo de produto. Havia, por exemplo, um responsável pela compra de vestidos, outro pela aquisição de saias, outro pela compra de camisas masculina e assim por diante. Após a opção da C&A pela comercialização de estilos de vida, os compradores passaram a adquirir o look completo de um estilo específico, pois agora eles precisavam expor peças coordenadas que sugerissem aos consumidores uma composição de roupas em consonância com seus estilos de vida reais ou pretendidos. O fluxo de reestruturação do campo da moda no Brasil, já motivado em adaptar-se às regras da moda global que cobravam competência de inovação pelo design, estilo, variedade e identidade de marca, necessitava agora de um cenário capaz de centralizar e divulgar esses novos processos advindos das mudanças da década de 1990 e necessários aos diferentes nichos e níveis do mercado da moda que estavam se apresentando com um novo arranjo. No referido cenário, também deveriam ser ditados os ritmos de produção da indústria e de renovação de produtos. É a partir dessa necessidade que se desenvolve a semana de moda do país. Durante a década de 1990, o produtor de desfiles Paulo Borges implantou a semana de moda nacional, mecanismo de importância fundamental na estruturação do setor. Em 2001, o evento foi batizado de Semana de Moda de São Paulo (SPFW)54. A SPFW tem como objetivo a divulgação da moda brasileira, mediante a

54 O percurso para a implantação de uma Semana de Moda Nacional teve início em 1994, com a primeira edição do Phytoervas Fashion. O evento, sob a coordenação do produtor de desfiles Paulo Borges, tinha a proposta de apresentar os trabalhos dos novos talentos da moda brasileira e nasceu sob o patrocínio da empresa de cosméticos naturais Phytoervas, de propriedade da empresária Cristiana Arcangeli. Depois de dois anos à frente do Phytoervas Fashion, Paulo Borges conseguiu amadurecer o desejo de um calendário organizado e adquirir experiência. O período de aprendizado possibilitou ao agente estabelecer em 22 de julho de 1996 o Morumbi Fashion Brasil – Calendário Oficial da Moda. O novo projeto era uma parceria entre o Shopping Morumbi e a produtora Luminosidade, sob o comando de Paulo Borges. Ainda que muito lucrativa, a parceria entre a Luminosidade e o Shopping Morumbi chegou ao fim, devido ao fato de o negócio ter tomado proporções maiores às que o Shopping estava disposto a comportar, e também por ter mudado o

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construção e a consagração das marcas de luxo. A semana opera como o espaço por excelência do campo da moda, ao reunir os agentes – instituições de produção, comercialização e difusão – que detêm capital simbólico capaz de construir a legitimidade da área. Esses agentes aprovam algumas tendências emergentes e inovações em produto, negócios e tecnologia sinalizadas para todo o resto do setor. A C&A, com o objetivo de firmar seu posicionamento como uma marca portadora dos valores da moda e do estilo e auferir legitimidade e consagração patrocinou, por diversas vezes, a SPFW. “Integrar arte, moda e comportamento. É assim que a C&A está presente na maior semana de moda da America Latina.” Esse era o texto da publicidade da C&A inserida no SPFW Journal da edição inverno 2009, uma publicação diária distribuída gratuitamente nos dias do evento. A comunicação reforçava o vínculo da companhia com a moda e a inserção da varejista numa esfera restrita que agrupa as marcas mais legitimadas do setor, que não são necessariamente as de maior porte econômico.55 A publicidade para o setor refletiu suas transformações. De fato, nos processos de reestruturação da moda no Brasil característicos da década de 1990, os esforços precisaram ser também direcionados para o marketing. Agora, qualquer empreendimento bem sucedido precisava reunir diferenciação, diversificação, criatividade e gestão da marca. Profissionais de publicidade e marketing, áreas em expansão no período, foram disponibilizados para o setor da moda. O campo despertou para a necessidade de criar uma imagem capaz de dar identidade para suas marcas e seus artigos, indo além dos procedimentos de imitação dos modelos gerados no circuito internacional. Essa imagem poderia ser construída por meio de estratégias de marketing desenvolvidas nas campanhas publicitárias que recebiam cada vez mais ênfase e inventividade.

formato, o qual não interessava mais ao Morumbi. O calendário oficial da moda brasileira abarcou um novo percurso, seguiu para o espaço da Fundação Bienal e foi batizado com o nome de São Paulo Fashion Week – Calendário Oficial da Moda Brasileira. O novo nome seguiu o padrão da imprensa internacional em batizar os calendários com o nome da cidade na qual eles são realizados, no caso do Brasil, em São Paulo. A São Paulo Fashion Week nasceu em janeiro de 2001, num cenário já reconhecido da moda brasileira, momento em que as modelos brasileiras alcançavam a fama internacional, e os estilistas brasileiros ganhavam notoriedade da imprensa estrangeira. 55 Um exemplo é o de Ronaldo Fraga, estilista responsável por desfiles primorosos, que articulam moda e cultura brasileira. Fraga dirige uma marca pequena, com volume de vendas pouco expressivo, mas uma das mais prestigiadas e aguardadas do evento.

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Nessa área, podemos considerar a C&A uma marca inovadora. “Muitas de suas campanhas criaram novos padrões na comunicação de varejo, sempre com o objetivo de apresentar a C&A como lançadora de modas.” (GARCIA; GRACIOSO, 2001, p. 5). O nível de importância da comunicação para a C&A percebe-se no fato de a empresa já ter tido uma agência de publicidade interna, a Avanti, na qual eram desenvolvidas as campanhas temáticas e do cotidiano do varejo e a criação dos materiais de visual merchandising. Em 2001, a agência era composta por 12 profissionais fixos e alguns free-lancers. A Avanti tinha a liberdade financeira de trabalhar com os melhores profissionais do mercado, entre os quais os fotógrafos Bob Wolfenson e J.R. Duran e os cineastas Fernando Meirelles e Walter Salles Jr. Atualmente a responsável pela publicidade da C&A é a agência de publicidade DM9DDB. Um dos primeiros impactos da atuação da C&A no cenário nacional foi a modernização das campanhas publicitárias. A marca trouxe para o mercado brasileiro uma publicidade em que os artigos eram sugeridos aos consumidores por meio de propagandas nas quais predominavam os temas de romance ou humor, e não expostos de forma direta acompanhados dos preços, modelo comumente praticado pelas concorrentes locais. A ideia da publicidade proposta pela C&A era fixar uma imagem da marca associando-a à jovialidade, descontração e moda. Podemos supor que há aqui um início das publicidades de moda comunicando e comercializando estilos de vida e não apenas produtos. Ainda em 1987, a empresa exibiu um campanha de milhões de dólares com comerciais de efeitos especiais desenvolvidos em Los Angeles. O comercial de maior sucesso dessa ação publicitária retratava uma antiga estação de trem com encontros e despedidas e mostrava ao público-alvo, os jovens, 40 tipos de malhas que eles poderiam encontrar na C&A. O sucesso do comercial verificou-se no fato de que o estoque dos produtos anunciados esgotou-se em apenas três dias nas lojas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Um ano antes, a C&A já havia surpreendido o setor publicitário alterando o tempo tradicional de duração dos anúncios. A varejista apresentou quatro comerciais, com duração de 3 minutos cada um, em intervalos consecutivos do Fantástico, programa das noites de domingo da Rede Globo. No período, o usual eram comerciais com apenas 30 segundos de duração. Os anúncios nos intervalos

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do programa dominical da emissora ofereciam 57 ofertas aos clientes, as quais foram esgotadas em 2 dias. A publicidade da C&A inovou também com a escalação do ator e bailarino Sebastian como garoto-propaganda. Era a primeira vez que um negro atuava como garoto-propaganda de uma marca no Brasil. Outro ponto relevante na comunicação da C&A foi a competência na criação de slogans eficientes que a acompanham até os dias atuais. O slogan Prazer em Conhecer,C&A, que por aproximadamente 10 anos determinou o conceito institucional da empresa teve origem em 1988. A expressão vem de um comercial de uísque no qual dois negros cantavam Jazz e, ao final da cena, os dois atores apertavam as mãos e falavam: “I’m glad to meet you”. Ralph Choate56 e Walmir Costa, membros do setor de marketing da C&A ficaram seduzidos pelo anúncio e propuseram a ideia do Prazer em Conhecer,C&A para a diretoria da empresa que a aprovou. Ainda sob influência do comercial de uísque, os marqueteiros propuseram uma nova campanha que seria dirigida pelo diretor de teatro José Possi Neto. Para essa campanha sugeriram a criação de outro slogan que virasse uma música e se transformasse na marca do personagem dos novos anúncios. Resgatou-se então o Abuse e Use, uma velha proposta ainda sem sucesso inspirada num comercial antigo do chá Matte Leão. Para ser o personagem da C&A, Choate e Costa procuravam um homem que fosse a junção da “postura da atriz jamaicana Grace Jones com o swing exagerado de Cab Calloway, no filme Os Irmãos Cara de Pau”. No período, José Possi Neto estava dirigindo a peça Emoções Baratas, um musical que expunha a atmosfera dos cabarés em New Orleans e Sebastião Fonseca, o Sebastian, era um ator/bailarino que fazia parte do elenco do musical. O diretor da peça convidou Sebastian para fazer um teste para o comercial da C&A. No dia da seleção para a campanha, Sebastian fez surgir “o negro de olhos arregalados”, o que levou Costa a afirmar: “Ele veio pronto.” (ABDALLAH, 2013, p. 60). Pouco a pouco a C&A foi modelando a imagem de Sebastian para transformá-lo em uma referência de moda e no personagem central da companhia.

56 Choate esteve no comando da agência de publicidade interna da C&A, a Avanti, durante três décadas.

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Márcio Castro Delgado, um dos profissionais de criação na antiga agência interna da C&A, a Avanti, nos fala desse processo:

Nós fizemos questão, nesses anos todos, de preservar a imagem do Sebastian, evitando sua superexposição, por isso, nós fomos transformando sua imagem, que era de personagem do show bizz para o de uma personalidade no mundo fashion. E ela continuará presente por muito tempo. (DELGADO apud ABDALLAH, 2013, p. 60).

A popularidade de Sebastian, a personalidade fashion da C&A, atraía pessoas para a loja. Nas inaugurações, a presença do bailarino movimentava as vendas. “Quando eu botava os pés, a média de venda de 8 mil peças, virava 10,15, 20 mil”, afirma Sebastian. (SEBASTIAN apud ABDALLAH, 2013, p. 60). O bailarino manteve-se como garoto-propaganda da companhia por 20 anos. No Brasil, a C&A comercializa produtos, sobretudo, para os públicos das classes B e C. Nos últimos anos, o crescimento econômico, a ampliação do emprego, do emprego formal inclusive57, e políticas públicas de redistribuição de renda geraram um avanço na renda e no consumo58 de parte da sociedade brasileira que ascendeu à classe C, tratada comumente pela expressão “nova classe média”. O crescimento econômico trouxe benefícios tanto para os privilegiados quanto para o populares, entretanto o crescimento mais dinâmico deu-se para os segundos. O sociólogo Jessé Souza, diretor do Centro de Pesquisa sobre a Desigualdade Social da Universidade Federal de Juiz de Fora, vai chamar essa nova classe média de nova classe trabalhadora e diz que sua emergência é tão importante quanto a criação de uma moderna classe média nas décadas de 1950 e 1960. Segundo Souza, os emergentes contemporâneos nem possuem o capital cultural da classe média verdadeira, nem o capital econômico das classes altas e

57 A crescente formalização do trabalho nos últimos anos, ainda que em postos de trabalho pouco qualificados, impulsionou a ascensão de milhões de brasileiros para a classe C. A carteira assinada além de garantir ao menos o salário mínimo, possibilita o direito a férias, décimo terceiro salário, FGTS e a comprovação de renda necessária à obtenção de crédito. O trabalho registrado em carteira também permite aos emergente pensar no futuro, pois representa mais estabilidade em relação ao trabalho informal. 58 O sociólogo Jessé Souza nos afirma que o contexto do golpe de 1964 construiu “um modelo de moderna sociedade de consumo para 20% da população”. Nos últimos 12 anos, programas sociais e a ampliação do emprego aumentaram o número de incluídos na esfera do consumo para 40% da população. (SOUZA, 2014).

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compensam essa ausência de capital com um extraordinário esforço pessoal, força de vontade e longas jornadas de trabalho. Os batalhadores, como Jessé define os membros da classe trabalhadora, têm incorporado e internalizado a tríade disciplina, capacidade de concentração e pensamento prospectivo, características assimiladas por vezes no núcleo familiar, por vezes na socialização religiosa. Os dois primeiros itens permitem a essa classe ter êxito na escola quando comparados aos desclassificados sociais – o autor chama estes excluídos de ralé59 – que pela ausência dessas características, não conseguem concentrar-se no ambiente de ensino. O pensamento prospectivo, por sua vez, ajuda os batalhadores na condução racional de suas vidas com planejamentos. “Essa tríade motivacional e disposicional conforma a ‘economia emocional’60 necessária para o trabalho produtivo e útil no mercado competitivo capitalista, aspecto que separa essa classe do destino dos excluídos brasileiros.” (SOUZA apud GARCIA, 2010). Em 2013, uma pesquisa realizada pela Serasa Experian61 e pelo Instituto Data Popular62, intitulada Faces da Classe Média, fez um levantamento dos perfis63,

59 Para Jessé, a classe média verdadeira e a classe alta formam as classes dominantes; já a classe trabalhadora e a ralé formam as classes populares. 60 Economia emocional é o nome que Jessé dá “ao conjunto de disposições afetivamente incorporadas na socialização familiar que formam o indivíduo diferencialmente aparelhado para a competição social mais tarde. Algumas classes desenvolvem a capacidade de concentração para o estudo, por exemplo, enquanto outras já chegam, por exemplo, na escola, sem essa disposição afetivamente construída e incorporada pelo exemplo – afinal imitamos a quem amamos –, o que dificulta o aprendizado enormemente.” (SOUZA apud GARCIA, 2010). 61 A Serasa Experian “é parte do grupo Experian, líder mundial em serviços de informação que fornece dados e ferramentas de análise a clientes ao redor do mundo. A empresa também auxilia as organizações em suas ações de marketing e vendas, a fim de que possam conhecer e localizar seu público-alvo, utilizar seus canais de comunicação e medir os resultados das suas ações para aprimorá-las continuamente.” (SITE SERASA EXPERIAN). 62 O Data Popular é um instituto de pesquisa de mercado e opinião pública que, desde 2001, acompanha o crescimento e o desenvolvimento das classes C, D e E. O instituto analisa os valores e a inserção no mercado consumidor dessas classes, tornando-se uma referência nos estudos dos mercados emergentes no país. O Data Popular tem em sua lista de clientes as empresas de fast-fashion C&A e Marisa. (SITE DATA POPULAR). 63 O estudo Faces da Classe Média dividiu este segmento em quatro grandes grupos. 1. Promissores (19%): grupo formado por jovens que na maioria tem ensino médio completo e emprego com carteira assinada. 72% dos Promissores acessam a internet. Eles consomem R$230,8 bilhões e são mais propensos a gastar com beleza, educação, entretenimento e tecnologia. 2. Batalhadores (39%): os integrantes do grupo têm idade média de 40,4 anos. 48% possuem ensino fundamental completo e 41% acessam a internet. Os batalhadores consomem R$388,9 bilhões e gastam seu dinheiro com eletroeletrônicos, imóveis, móveis e

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comportamento e intenção de consumo dessa classe que, em 2013, era composta por 108 milhões de pessoas, o que representava 54% da população, com previsão de alcançar, em 2023, 125 milhões (58% da população). Para essa pesquisa, a classe C é formada por famílias com renda mensal per capita de R$320 a R$1.120. Segundo o estudo, a classe C gastou mais de R$1,17 trilhão em 2013 e movimentou 58% do crédito no Brasil, dinamizando o mercado interno. (SITE SERASA EXPERIAN). Como é possível observar nos dados acima, a ampliação do emprego e os programas sociais provocaram o aumento da renda e do crédito dos emergentes da classe C e esse aumento gerou um novo padrão de consumo para essa classe. O consumidor de renda baixa, assim como os demais, intenta afirmar sua identidade pessoal ou de grupo pelo consumo e já é atendido por comércios de qualidade superior e diversidade, seja nas redes de varejo com maior qualidade e variedade, seja no atacado e pequeno comércio local, agora mais qualificados. Os emergentes tornaram-se aptos, pela condição econômica e pelo acesso à informação, a acompanhar a evolução da moda. A mídia contemplou esse interesse da nova classe média em consumir moda ao oferecer, por exemplo, publicações específicas para esse público. Publicações especializadas para a classe C começaram a se multiplicar. As revistas Máxima e Minha Casa são dois exemplos recentes de publicações destinadas aos emergentes. As duas revistas da editora Abril são voltadas para as classes populares, principalmente a classe C, e entraram no mercado em 2010. A revista Máxima é uma revista feminina que trata dos assuntos moda, beleza, comportamento e saúde. A outra publicação, Minha Casa, tem foco na decoração e oferece soluções, por exemplo, de reformas rápidas e baratas. Os gastos de R$61,6 bilhões com vestuário em 2013 – setor que ocupa o terceiro lugar nos gastos dos emergentes, ficando atrás das despesas com alimentação e saúde – e a elevação de gastos com serviços de beleza, mais do que eletrodomésticos. 3. Experientes (26%): os consumidores desse segmento têm idade média de 65,8 anos, 59% têm ensino fundamental completo e apenas 7% acessam regularmente a internet. Seu consumo é de R$274 bilhões e está relacionado aos eletroeletrônicos, serviços de saúde, móveis e eletrodomésticos. 4. Empreendedores (16%): os membros deste grupo são os mais escolarizados. Têm idade média de 43 anos e 60% acessam a internet. O consumo anual desse grupo é de R$276 bilhões e os maiores gastos se concentram em educação, tecnologia, veículos e entretenimento. (SITE SERASA EXPERIAN).

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motivaram a mídia desses setores a se interessar de modo crescente pela nova classe média. Outro exemplo da mídia contemplando a adesão dos valores de moda e estilo por parte de círculos mais amplos da sociedade é a inserção da consultora de estilo Glória Kalil no Fantástico, programa de variedades da Rede Globo. No programa dominical, Kalil presta consultoria sobre os assuntos moda, beleza e etiqueta. Nos temas moda e beleza, Kalil já discorreu sobre: dicas de moda para as diferentes estações, influência da moda dos anos 70 nos dias de hoje, análise do estilo de se vestir de personalidades como Michele Obama e Carla Bruni, peças que valem a pena comprar nas liquidações, a tendência dos esmaltes das personagens de novela, maquiagem e penteado para noivas. No tema etiqueta, a consultora apresentou matérias sobre: roupas adequadas aos ambientes de trabalho, que roupa vestir para procurar emprego, etiqueta para assistir aos jogos da copa do mundo no trabalho, como não cometer gafes com os homossexuais e como se comportar nos shoppings. Reconhecida entre os mais variados grupos sociais como uma referência na consultoria de moda, Glória Kalil também foi acessada pela varejista Riachuelo para participar de uma campanha do dia das mães, em 2011. Na ação, a empresa lançou uma coleção aprovada por Kalil, acompanhada de uma revista intitulada Chic. A publicação trazia dicas de produções de moda que a consultora abonava com o carimbo acho chic. No texto de apresentação da revista Chic, Kalil revelava uma ideia de chique distante de padrões de consumo e de estilo ligados à classe dominante e mais próxima de uma autonomia de qualquer classe para selecionar um look de acordo com o estilo de cada um:

Acho chic saber usar o dinheiro de forma inteligente. Acho chic comprar roupas que combinem com nosso estilo; acho chic saber colocar acessórios nessas roupas, para que elas se desdobrem em muitos looks diferentes. [...] Tudo isso sem gastar fortunas.

A emergência da nova classe média com poder de consumo, informada sobre tendências e comportamentos e interessada nas novidades de cada coleção, cobrava das empresas que tinham, ou pretendiam ter, a classe C como público-alvo, estratégias como a venda facilitada pelo parcelamento, desenvolvimento de serviços e produtos alinhados aos seus novos hábitos de consumo.

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O consumo das classes populares está associado ao parcelamento no cartão de crédito. O “dinheiro de plástico” é o meio para viabilizar o consumo dessa parcela da população. Em uma pesquisa realizada em 2009, o instituto Data popular constatou que 69% dos cartões de crédito estão sob o domínio das classes C, D e E. Para esses segmentos, o cartão de crédito é um capital de giro, diferentemente das classes A e B que utilizam o cartão como um meio de pagamento. Já em 1984, a C&A concebeu seu primeiro cartão de crédito, para facilitar o acesso a seus produtos por meio do parcelamento das compras. No sentido de facultar o crédito, a empresa criou em 2001 o Banco Ibi, que tinha entre outros propósitos, a função de administrar o cartão de crédito do grupo e oferecer crédito para a classe C. Para não desviar do foco da empresa como uma varejista de moda, o Banco Ibi foi vendido em 2009 para o Bradesco por R$1,4 bilhão. Hoje, o cartão de crédito C&A não se restringe apenas às compras na rede varejista, ele estende-se para diversos estabelecimentos e oferece até a opção internacional. As compras no cartão somam pontos para um programa de recompensas exclusivo da marca.

2.2 FIGURAS DO FAST-FASHION NAS ESTRATÉGIAS DA C&A

Em sintonia tanto com os movimentos do setor na década de 1990 que culminaram nos produtos de moda com inovações no design, quanto com as mudanças no padrão de consumo de parcela de seu público-alvo que, em razão da elevação do poder de compra, do maior acesso à informação e do conhecimento de moda, estabeleceu-se como um mercado interessado em consumir produtos de moda, a C&A definitivamente migrou da posição de uma varejista que comercializava produtos básicos para a postura de uma empresa que comercializa produtos de moda alinhados às tendências atuais com design e tecnologia, renovados em ciclos cada vez mais curtos e com oferta de grande variedade para atender aos gostos de grupos pertencentes a diferentes níveis sociais. Agora posicionada como uma companhia inovadora que comercializa produtos de moda, a C&A desenvolveu variadas estratégias empresariais para reafirmar sua imagem de marca que vende o melhor da moda por preços justos. Muitas estratégias acionadas pela C&A se assemelham às estratégias das principais

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cadeias internacionais de moda rápida, o que a fez ser considerada uma fast- fashion, assim como suas concorrentes Riachuelo e Renner. O sistema fast-fashion é qualificado, entre outras características, como vimos no capítulo anterior, pela agilidade na produção e renovação das peças. Norteando- se por essa prática, as lojas da C&A passaram a ser diariamente abastecidas com novos produtos. Em entrevista concedida em 2001, Ralph Choate, então diretor de publicidade e visual merchandising da C&A, declarou: “Entramos com artigos novos todos os dias.” (MOHERDAUI, 2001, p. 70). Além da velocidade na produção e abastecimento dos pontos de venda, a varejista ativou outra estratégia do modelo fast-fashion: a parceria das marcas com estilistas de prestígio. A C&A passou a desenvolver coleções grifadas por criadores brasileiros que em sua maioria estão ou já estiveram presentes na SPFW e são, portanto, criadores consagrados por um evento de moda que agrupa agentes portadores do capital simbólico capaz de construir a legitimidade do setor. As parcerias estabelecidas com estilistas estrangeiros seguem o mesmo padrão. Os criadores externos são, em sua maior parte, consagrados por semanas de moda que se portam como um meio restrito reunindo os estilistas mais legitimados da área. Walter Rodrigues foi o primeiro estilista a assinar uma coleção em parceria com a companhia, seguido por Raia de Goeye, ambos em 2005, e Marcelo Sommer, em 2006. A empresa abandonou por um tempo as parcerias retomando o projeto apenas em 2009 com o nome C&A Collection. “O C&A Collection é um projeto da C&A Brasil que firma parcerias com renomados estilistas e tem como objetivo democratizar a moda, oferecendo peças com informação fashion e preço acessível para todos.” (SITE C&A). Os produtos dessas coleções geralmente são vendidos em até três semanas, apresentando um giro 50% mais veloz do que o atingido pelas mercadorias das linhas comuns da C&A. (FALCÃO, 2013). A C&A explica o processo para a realização de uma parceria:

Para lançar uma Collection, a C&A utiliza constantemente pesquisas de mercado para identificar os desejos dos clientes em relação à moda e ao consumo e quais estilistas melhor expressam esse desejo. A partir daí, começa um processo de negociação e preparação que pode levar até um ano e meio. As escolhas levam em consideração a proximidade entre as propostas da C&A e da marca/estilista, viabilidade comercial e o desejo dos clientes, o que

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resulta em peças que combinam: alto apelo de moda, ótimo design e preço acessível. (SITE C&A).

As coleções autorais não são disponibilizadas para todas as lojas da rede, numa tentativa de imprimir uma ideia de exclusividade em consonância com a dinâmica da moda que conjuga o individualismo, diferenciando e por vezes elevando o indivíduo diante do grupo, como neste caso, e também o conformismo, assimilando o indivíduo como parte do grupo. Os artigos marcados por um nome de prestígio seguem para lojas localizadas nos pontos não tão populares das cidades em que a empresa atua. É valido dizer que esses produtos também são direcionados para um público com maior poder aquisitivo que não circula em lojas localizadas em regiões muito populares. Parece-nos que a C&A está pondo em prática dois movimentos: oferecer produtos grifados para seu público-alvo e atrair um outro público de poder aquisitivo maior, possivelmente clientes ou admiradores dos mentores das coleções autorais. Com a disseminação do estilo Hi-Lo – consagrado pela adesão de personalidades, com talento para manejar os signos do vestuário tais quais Michelle Obama e Kate Middleton, aos produtos da redes populares de moda rápida –, as consumidoras brasileiras das classes A e B tornaram-se mais receptivas ao sistema fast-fashion praticado por varejistas populares, vindo à tona um novo nicho de atuação para as empresas que lidam com o modelo de negócios da moda rápida. Sobre o bom desempenho no Brasil da associação da rede popular com criadores de moda célebres, o diretor de marketing da C&A no país, Elio França, revela: “Nossas investidas em linhas criadas por reconhecidos criadores de moda já são estudadas por nossos colegas da Holanda e de outros países.” (DOIS IRMÃOS..., 2011, p. 37). Semelhante ao C&A Collection, o C&A Pop Fashion é um projeto que estabelece parcerias, mas com artistas da música pop. O projeto tem a intenção de levar ao cliente C&A o glamour do cenário pop. Isso seria possível por meio de um empréstimo da aura das celebridades desse universo, aquelas mais midiáticas e cultuadas pelos consumidores da rede, para os produtos da marca. Inserida nesse contexto, a cantora e atriz norte-americana Beyoncé lançou, em 2010, duas parcerias com a empresa. As coleções autorais foram comercializadas em datas comemorativas: uma para o dia dos namorados e outra para o Natal. Sobre a coleção para o dia dos namorados, a C&A explicava: “A

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coleção Dereon by Beyoncé para C&A conta com opções para o dia a dia e peças glamourosas para a noite, tudo inspirado no estilo pessoal de Beyoncé.” (SITE C&A). Ao enfatizar que a coleção tem peças glamourosas, a empresa comunica ao cliente que este, supostamente, terá acesso ao esplendor da cantora internacional descrita nos seguintes termos na mídia nacional: “A forma física é impecável, a beleza é estonteante e um sorriso de 24 quilates […] consolidam uma fórmula pop esculpida à perfeição” (NASCIMENTO, 2013). A referência à inspiração no estilo pessoal de Beyoncé dá o aval do gosto da artista para as peças populares. No mesmo projeto, a cantora norte-americana Christina Aguilera assinou uma coleção em 2011. O destaque da coleção era a sensualidade da artista, que, segundo a C&A, estava muito próxima da sensualidade da mulher brasileira. O release sobre a parceria divulgava:

Inspirada no estilo pessoal de Christina, a coleção conta com roupas, lingerie, bolsas, calçados e cintos que compõem looks perfeitos para realçar o poder e sensualidade das mulheres. […] A grande aposta no vestuário fica por conta das modelagens diferenciadas e peças ajustadas ao corpo, com ênfase nos drapeados. […] O jeans aparece em modelos skinny, que valorizam o corpo curvilíneo das brasileiras. A linha de lingerie apresenta uma série de modelos que traduzem a sensualidade da mulher brasileira. Nos calçados totalmente sensuais, scarpins, sandália de tiras, ankle boots e a luxuosa bota acima do joelho, todos com saltos poderosos, têm a predominância da cor preta e um toque de vermelho deixando qualquer look glamouroso.

Mais uma vez, a inspiração no estilo pessoal da artista avaliza a qualidade dos produtos. A sensualidade, tão estimada da brasileira e na melhor versão autorizada pelo status glamouroso de uma celebridade, também foi cedida para os artigos populares. A sensualidade é uma característica recorrente na moda e na publicidade brasileiras, na medida em que refletem as tendências sociais, os valores e comportamentos que já estão em circulação. No livro, O corpo como capital, Goldenberg nos fala que no Brasil o corpo sexy, jovem e em boa forma é um capital físico, simbólico, econômico e social. O corpo, acrescido da felicidade, são símbolos carioca-brasileiros necessários para compreender a sociedade e cultura nacionais. Para a autora, “na cultura brasileira, determinado modelo de corpo é uma riqueza,

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talvez uma das mais desejadas pelos indivíduos das camadas médias urbanas e também das camadas mais pobres.” (Goldenberg, 2010, p. 9). Nesse sentido, acionar a sensualidade em uma comunicação dirigida às mulheres brasileiras é ativar algo disseminado e que tem significado para um grande número de consumidoras no Brasil. A sensualidade delegada à brasileira tem sua origem, sobretudo, na mulher carioca. Seguindo a mesma linha de Goldenberg que relaciona os valores cariocas aos brasileiros, Gontijo relata que o Rio de Janeiro é considerado a própria essência de brasilidade e a mulher carioca, por sua vez, personificaria “o espírito da cidade: corpo seminu, praia, sol, carnaval, festa, juventude, liberdade, sexualidade, alegria, irreverência, descontração, humor, informalidade, criatividade, hedonismo.” (GONTIJO, 2002, p. 42). Esse estereótipo sexy da carioca que se transfere para a brasileira será acionado repetidas vezes pela C&A, acrescido do requinte da parceria que a ele for associada. Outra ação da C&A que seguiu a mesma diretriz das coleções com chancela das celebridades foi a linha Special For You. É válido lembrar que associar-se a pessoas às quais é atribuído status glamouroso dentro da esfera pública, as celebridades, para agregar valores aos produtos e marcas, é outra estratégia recorrente das grandes redes de fast-fashion internacionais. Lançada em 2011, a linha foi um projeto direcionado a mulheres com uma silhueta mais ampla que vestem numerações do manequim 46 ao manequim 56. A cantora Preta Gil colaborou com a campanha da Special For You em 2012 e 2013. Essa linha, ao vincular-se com celebridades, afora promover uma atração motivada pela relação de proximidade que o público tem com os famosos – são rostos que povoam nosso dia a dia –, comunica que o produto da rede, ainda que massificado é atualizado e tem conteúdo de moda, tal qual seus parceiros estilistas ou celebridades. A ideia da linha Special For You era abranger um público não muito contemplado pelas outras redes de varejo de moda, devido a sua ampla silhueta. Entretanto, a comunicação da campanha da linha com a colaboração da Preta Gil, lançada em agosto de 2013, não foi coerente com esse público. Em uma das imagens produzidas, a cantora Preta Gil foi esculpida de maneira que sua face ficou esbranquiçada, a cintura reduzida e os ombros rebaixados, gerando distorções no corpo da artista (figura 7). A foto retocada excessivamente recebeu tantos

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comentários negativos nas redes sociais que forçou um posicionamento da marca:

Esclarecemos que a foto em questão explora um ângulo que causa a impressão de uso excessivo de recursos de edição de imagem, o que não foi feito. Admiramos a Preta Gil, que pelo segundo ano estrela nossa campanha da linha Special for you, e lamentamos a repercussão negativa dessa foto. (PORTUGAL, 2013).

Figura 7 – Preta Gil.

Na imagem, a cantora teve o rosto clareado, a cintura afunilada no lado esquerdo da foto e os ombros deslocados para baixo. Fonte: VISTA. São Paulo, n. 34, p. 31, ago. 2013.

O que levou a C&A a cometer esse exagero no tratamento da foto da artista? Pode-se pensar na necessidade de conceber uma comunicação que vá de encontro aos ideais estabelecidos de beleza dos consumidores, inclusive quando os próprios consumidores não se encaixam nesses padrões. No lançamento da primeira coleção Special For You, o jornal VISTA de maio de 2011 apresentava a linha desenvolvida para “mulheres reais”: “Quem disse que a moda não é democrática? A C&A acaba de lançar uma coleção pensando nas mulheres reais, que desfilam nas ruas e não apenas nas passarelas, mas adoram as últimas tendências”.

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A campanha retocada de Preta Gil fez o oposto da proposta da linha de oferecer “peças que valorizam o que você tem de melhor” e desconstruiu uma mulher real para construir um ideal de beleza próximo das imagens exibidas na mídia, mesmo que o resultado final tenha deformado mais que “embelezado” a artista. As modificações certamente foram feitas da maneira que a C&A supunha que serviria aos seus fins comerciais, com vistas a tornar a imagem mais desejável aos muitos brasileiros que se dedicam à busca de um corpo perfeito. O Brasil é um pais reconhecido pelo processo de culto ao corpo, que, segundo Castro,

é entendido como um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como preocupação básica o seu modelamento, a fim de aproximá-lo o máximo possível do padrão de beleza estabelecido. Assim, envolve não só a prática de atividade física, mas também, dietas, cirurgias plásticas, uso de cosméticos e tudo o mais que responda à preocupação em se ter um corpo bonito e/ou saudável. (CASTRO 2005, p. 137).

O padrão de beleza estabelecido, associado a um corpo belo e saudável do qual Castro fala, é bem representado aos olhos da mídia e de alguns consumidores, pela figura da modelo Gisele Bündchen, sobretudo no circuito da moda. A brasileira tem um corpo e uma imagem considerados como produtos de exportação de máxima qualidade, como veremos adiante. Com o desejo cada vez maior de que o consumidor percebesse o vínculo da empresa com a moda, a C&A criou em 2010 o jornal Exclusivo!. O nome da publicação vai ao encontro do “tipo de consumo do final do século XX, em que o vestuário é usado como meio de exprimir identidade pessoal”, uma individualidade que a exclusividade ajuda a contemplar. (CRANE, 2006, p. 462). O Exclusivo! era uma publicação mensal gratuita direcionada para o público feminino, editado pela Trip Editora. O jornal da C&A tinha o formato de tablóide, cerca de quarenta páginas e tiragem de 500 mil exemplares. Ele era distribuído nas lojas da rede, 400 mil exemplares, e pelo jornal Metro na capital de São Paulo, 100 mil exemplares. O conteúdo principal do jornal era a moda e seus correlatos como tendência, composição de roupas, acessórios, comportamento, entre outros. “Em cada edição, o Exclusivo! abordará a moda em seus mais diversos aspectos, de uma maneira democrática dentro de uma linguagem moderna, jovem e coloquial.” (SITE C&A). O jornal foi lançado no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, e apresentou o estilo

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de vida de três garotas: uma estilista, outra jornalista e uma última estudante – personagens próximas às consumidoras da C&A – para falarem de comportamento e moda. Trouxe ainda um editorial de moda com as tendências do momento. Na quarta edição, o jornal da C&A mudou o nome para VISTA e firmou-se como um importante veículo de informação de moda e de consagração dos projetos C&A Collection e C&A Pop Fashion. Continuou sendo uma publicação mensal – com publicações especiais esporádicas para falar sobre alguma coleção grifada da varejista ou sobre coleções para datas comemorativas como o dia das mães ou sobre produtos de grande venda como o jeans – com tiragem de 400 mil exemplares distribuídos gratuitamente nas lojas da C&A e editado pela Trip Editora até abril de 2014, quando atingiu o formato de uma revista e passou a ser editado pela Editora Abril. Com a mudança do formato e da editora, “o VISTA” deixou de ser um jornal para ser uma revista, “a VISTA C&A”. No texto de apresentação da primeira revista VISTA C&A de maio de 2014, a companhia discorreu sobre a nova proposta para o veículo de conteúdo de moda e de consagração das ações da C&A:

“A VISTA C&A mudou. E muito! Para começar, o artigo. Agora a gente fala a VISTA C&A, no feminino, porque somos uma revista, com tudo o que isso implica: ser bonita, ter muita informação de moda, dar dicas de beleza e contar sobre o melhor do cinema, da TV e da internet. [...] Porque a moda é assim. Ela muda e se reinventa o tempo todo. Como a gente e como você!

A publicação, tal qual uma revista, passou a apresentar seus colaboradores e a organizar seu conteúdo por seções. Na seção GIRO C&A, a empresa oferece aos leitores informações do que acontece no cinema, na música e nas ruas. Aqui percebemos os esforços da varejista para estreitar relações com os circuitos das artes, espetáculos e cultura, áreas de interesse de uma demanda que agora conta com maior acesso à informação. Na seção FAVORITOS, editores de moda de revistas reconhecidas propõem uma seleção de produtos de moda da rede alinhados com alguma tendência do momento. Dessa seção já participaram os editores de moda das revistas Elle, Nova, Capricho e Contigo. Nota-se que, com essa ação, a empresa acessa agentes de renome para consagrar sua moda.

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A seção BÊ-Á-BÁ FASHION conta a história de um produto da C&A que é tendência e faz sugestões para seu uso nos dias de hoje. Na seção DESAFIO, a companhia propõe a mulheres na faixa de 20 anos apresentar aos leitores diferentes looks, usando uma mesma peça, estampa, tendência. Na seção DESTINO, a C&A apresenta um lugar turístico e indica produções com peças da varejista para serem usadas na viagem. Constatamos nesses três últimos exemplos a rede de varejo “ensinando” os leitores a combinar produtos da C&A para compor um estilo que melhor expresse o seu eu. Outra estratégia comum às empresas de fast-fashion adotada pela C&A é a concentração de esforços de marketing nas lojas, uma vez que, nesses espaços de venda sedutores, os produtos adquirem a aura de objetos de desejo. Desde o período de implantação da varejista no país, a C&A inovou na atmosfera dos pontos de venda, na disposição dos produtos e na dinâmica dos vendedores. Flávio Rocha, presidente da concorrente Riachuelo, fala que “quando a C&A veio para o Brasil foi extremamente inovadora, principalmente com o sistema de self-service e o vendedor não comissionado. Foi uma quebra no paradigma do setor”. Rocha complementa: “A Riachuelo estava em transição. Ver a operação da C&A nos encorajou a adotar um modelo de loja mais moderna e autoexplicativa.” (ROCHA apud ABDALLAH, 2013, p. 48). Ao longo da história da C&A, a empresa sempre manteve um grande empenho e altos investimentos nos pontos de venda. Em 2010, uma mudança no conceito das lojas, sob a consultoria da empresa americana Chute Gerdeman64, resultou em pisos e paredes brancas nos espaços de venda, dando uma aparência mais limpa ao ambiente, e maior espaço entre as araras para melhorar a circulação. A C&A tem uma equipe de visual merchandising no escritório central da empresa que define a organização dos produtos no interior das lojas e nas vitrinas. Os profissionais desse setor determinam a coordenação de moda, ou seja, as combinações possíveis das roupas e acessórios de uma coleção. O layout elaborado pelo núcleo de visual merchandising segue como um modelo a ser adaptado às variações de espaços específicas de cada loja da companhia.

64 A Chute Gerdeman é uma premiada empresa que presta consultoria de branding e design para o varejo. A empresa é reconhecida por criar ambientes de varejo inovadores e eficientes. Ela foi responsável, por exemplo, pela reformulação das lojas da marca de chocolates M&M, nos Estados Unidos.

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A partir de uma pesquisa realizada com mulheres de todo o país a C&A recentemente fez mais modificações em suas lojas. A empresa reorganizou seu espaço por “mundos: mundo antenado (mulher despojada), mundo city (mulher que trabalha), mundo esporte, mundo infantil etc.” (ABDALLAH, 2013, p. 58). A equipe de visual merchandising da C&A atua lado a lado com outras ações de marketing. Quinze dias antes da exposição dos produtos de uma nova coleção na vitrina e nas araras, tem início a produção de um comercial dessa coleção para ser veiculado na TV. Sete dias após o início da produção do comercial, o vídeo é entregue na loja para que a equipe do ponto de venda tome conhecimento do conceito do anúncio. No dia de exibição do comercial, as vitrinas precisam mostrar exatamente as mesmas peças que apareceram na TV. A ordem é: o consumidor tem que entrar na loja e reconhecer a peça da TV. Em outubro de 2010, a C&A inaugurou a primeira loja com a concepção flagship65 no Brasil e a segunda no mundo – a primeira está localizada na China. A loja conceito foi posicionada no shopping Iguatemi de São Paulo66, centro de compras localizado em uma área nobre da cidade. Batizada de Espírito Brasileiro, a ambiência do empreendimento foi inspirada em todos os clichês que se aplicam à mulher brasileira: elegância, ousadia, brilho, calor e sensualidade. As primeiras flagships priorizavam mais o conceito das grifes que a venda dos produtos. As lojas tinham muito espaço vazio e poucas mercadorias e, por meio dessa disposição, procuravam se assemelhar a galerias de arte que transmitiam altacultura. Com a exigência por lojas lucrativas no mercado atual, as flagships precisaram ser adaptadas. Essa categoria de loja continua sendo uma vitrina, porém deixou de ser apenas conceitual. Na flagship da C&A, foram comercializados alguns produtos mais elaborados numa tentativa de se elevar ao conteúdo de moda das grifes ali presentes. No segundo piso da loja, eram vendidos objetos de design, quadros, livros de arte, moda e fotografia e revistas de moda importadas, difíceis de encontrar devido à reduzida distribuição.

65 O termo flagship significa a embarcação mais importante de uma esquadra. O termo foi adaptado para o varejo e passou a designar, nessa área, lojas amplas e inovadoras, onde o consumidor pode encontrar a linha completa dos produtos de uma marca. 66 O shopping Iguatemi de São Paulo foi o primeiro shopping Center do Brasil. Fundado em 1966, rapidamente estabeleceu-se como um templo de consumo e lazer. O Iguatemi São Paulo está localizado na Avenida Brigadeiro Faria Lima, uma região de elite da cidade.

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No início, os atendentes da loja conceito eram estudantes de moda e vestiam uniformes assinados pelo estilista Reinaldo Lourenço. O designer já tinha sido parceiro da rede em dois momentos anteriores67. Havia também um espaço no qual uma stylist68 ensinava os clientes a montar composições com as peças das novas coleções, além de responder a dúvidas sobre combinações de roupas. Nesse cenário, podemos dizer que a C&A estava ofertando aulas de produção de moda para o público. Para a inauguração da loja conceito, foram desfiladas as coleções de quatro parcerias do projeto C&A Collection. Os nomes conceituados que avalizavam os produtos eram: Maria Bonita Extra, marca estreante no projeto; Isabela Capeto, estilista que já assinava sua terceira coleção infantil; Espaço Fashion, grife que estava na segunda coleção autoral, e Glória Coelho, criadora que teve a linha Skynny Fashion, desenvolvida em associação com a C&A, exibida na novela global Passione como uma marca da personagem/estilista Melina Gouveia, representada pela atriz Mayana Moura. Seguindo os passos da concorrente, a Riachuelo inaugurou, em 2013, sua primeira loja conceito na rua Oscar Freire, uma conhecida área de consumo de luxo, na cidade de São Paulo. Para a inauguração da loja, a Riachuelo, em ação semelhante à C&A, lançou uma coleção especial, a Riachuelo Fashion Five, em parceria com estilistas e celebridades. As coleção grifada contou com a colaboração de 10 personalidade que criaram 50 itens de moda para a varejista com preços de R$29,90 até R$299. Entre as 10 personalidades estavam os estilistas Dudu Bertholini, Adriana Degreas e Helô Rocha, as blogueiras Camila Coutinho e Thássia Naves, o stylist Matheus Mazzafera, o designer de jóias Raphael Falci, o consultor inglês Robert Forrest, a cantora Cláudia Leite e a modelo Fernanda Motta. Essa coleção especial retomou o nome de um antigo projeto de parcerias, o Fashion Five, estabelecido pela Riachuelo em 2011. Na primeira coleção Fashion

67 Em julho de 2009 a coleção de Reinaldo Lourenço para C&A marcou o retorno das parcerias entre a empresa e os renomados criadores. Outra coleção do designer foi lançada em dezembro do mesmo ano. 68 O Stylist é um profissional responsável pela definição da imagem de um catálogo de moda, um editorial ou um desfile. Esse profissional seleciona as modelos, edita as peças que serão utilizadas e determina a maquiagem e o cabelo que comporão as imagens de moda. Nos desfiles, o stylist também faz interferências nos cenários, na trilha sonora e na atitude das modelos. (SABINO, 2007).

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Five colaboraram os criadores André Lima, Huis Clos – que participou com criações da marca de mesmo nome e da marca Maria Garcia –, Juliana Jabour e Martha Medeiros. A loja conceito de 1.200 metros quadrados tem 3 andares que ofertam aproximadamente 15.000 itens. Um estabelecimento desse porte e nessa localização confirma o movimento duplo das redes de varejo no país: a oferta de produtos com design elaborado para seu público-alvo e a inserção em outro nicho de mercado formado por consumidores de maior poder aquisitivo. Nas imagens abaixo, registradas no dia da inauguração da loja conceito da Riachuelo, em 2013, vislumbramos essa hipótese de atuação das cadeias populares na direção de dois públicos diferentes.

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Figuras 8a, 8b e 8c – Flagship Riachuelo, Oscar Freire.

A foto 8a registra consumidoras da classe popular trajando uniformes e botinas de borracha que dão indicação de um trabalho pouco qualificado. A imagem 8b mostra uma cliente da classe alta com uma sacola da grife carioca de elite Osklen junto à sacola da Riachuelo. A consumidora usa uma bolsa da marca francesa Louis Vuitton, mais uma indicação de sua posição social. Na foto 8c uma senhora com alto poder aquisitivo, a julgar pela bolsa da grife italiana Prada que ela está portando, observa o movimento do lançamento da loja conceito, sentada numa poltrona do estabelecimento. Fonte: autora. Acervo pessoal, fotos registradas em 28 de novembro de 2013 na loja conceito da Riachuelo localizada na rua Oscar Freire.

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Em razão de uma outra ação das empresas de moda rápida, a do completo alinhamento dos produtos aos desejos dos clientes com o propósito de produzir peças de alto potencial comercial, a C&A criou a ferramenta Conselho Fashion: um instrumento de pesquisa do consumidor que tem por meta auferir, entre outros quesitos, opiniões sobre a comunicação da C&A, pareceres sobre a qualidade dos produtos e coletar informações sobre hábitos de consumo. E, a partir dos resultados promover, melhoras no produto, na experiência em loja e na comunicação. A ação se dava da seguinte maneira: em intervalos de tempo relativamente regulares, os conselheiros fashion69, com participação voluntária, recebiam questionários por email para avaliar ações de comunicação e relatar hábitos de consumo e produtos pelo correio para testar a qualidade. Os questionários tinham um limite de tempo para serem respondidos, informado no email. Como bonificação pelo trabalho voluntário, os avaliadores eram presenteados com brindes. Um dos testes de qualidade dos produtos consistia na avaliação de um Kit lingerie. Um primeiro email era encaminhado à avaliadora, solicitando sua altura e medidas para enviar os produtos a serem postos à prova no tamanho correto. A avaliadora recebia em sua casa, pelo correio, um kit com as peças a serem testadas, acompanhado de um manual com instruções sobre o processo de avaliação dos produtos. Os critérios para julgamento eram conforto, modelagem, tamanho e deveriam ser descritas sensações, opiniões, sugestões e críticas. Ao final do período de testes estipulado nos procedimentos detalhados no manual, a conselheira receberia um segundo email com um questionário para relatar suas impressões. Em uma das análises da comunicação da C&A, um questionário enviado por email, pedia ao avaliador que, pensando na marca C&A, classificasse algumas qualificações sugeridas numa escala de 0 a 5, na qual 0 significava que a qualificação não combinava em nada com a C&A e 5 significava que a qualificação combinava muito com a C&A. As qualificações sugeridas, algumas acompanhadas de um detalhamento, eram nesta sequência: moderna (atual, visionária); ousada (permite experimentar,

69 Desconhece-se o critério de recrutamento para esse cargo. Em maio de 2012, a autora desta tese recebeu por email um convite para participar do Conselho Fashion. Manteve-se nesta posição até dezembro de 2012, quando recebeu um último email agradecendo a contribuição e anunciando o fim de sua atividade como “conselheira”.

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surpreender, busca constantemente ser a marca mais inovadora, ousada e conectada); vibrante (pulsante e viva – sua vibração se manifesta nas cores, na luz, no brilho e na atitude); eclética (vários gostos, que não segue um só sistema); novidadeira (traz as novidades antes de todo mundo); sensual; fashion; irreverente; democrática (traz a moda das passarelas para a vida real e para todos); aspiracional; moda com vida, moda com alma; divertida; colorida; gregária, agrupadora; tradicional; brega; baixa qualidade, modinha; vulgar; só para jovens; só para mulheres mais velhas; não vale o que eu pago. Com essas qualificações, a empresa oferecia ao avaliador olhares já direcionados à marca C&A. Os resultados permitiriam à companhia direcionar estratégias de comunicação para corrigir qualificações negativas e acionar em suas ações de comunicação as qualificações positivas. No mesmo questionário, para avaliar as propagandas da varejista, o mesmo critério de classificação era adotado, apenas a escala era estendida de 0 a 10, na qual 0 significava a discordância total com a indicação da campanha da marca e 10 significava a concordância total. As indicações sugeridas eram nesta sequência: as campanhas estão em linha com as percepções que eu tenho sobre a C&A; a propaganda de TV atual da C&A me desperta desejo de ir à loja; eu acho que as propagandas da C&A são diferentes das outras lojas de departamentos que eu frequento; as campanhas da C&A são muito bem feitas, mas não falam comigo; as propagandas da C&A são únicas, inesquecíveis; as propagandas da C&A me dizem que eu encontro roupas de moda com preços acessíveis; é uma propaganda fácil de entender. Tal qual a análise da marca, a avaliação das propagandas da rede servia para um melhor alinhamento das campanhas publicitárias aos propósitos da C&A e as ideias e crenças dos consumidores que, no modelo de negócios do fast-fashion, deveriam ser um só. É nesse processo que se entende Gisele Bündchen “a princesa perfeita para que o consumidor construa a sua própria fábula”, como formulou Silvio Matos, diretor da Idealista, uma empresa brasileira de mídia e marketing digital especializada em gestão de marcas. (MATOS apud ABDALLAH; GRISOTTO, 2014, p. 48). Em 2001, a C&A lançou uma campanha com a modelo brasileira Gisele Bündchen como garota-propaganda e o resultado para a empresa foi que, em três

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meses, as vendas aumentaram em 20%. (PEREIRA, 2001). Quando Bündchen, a maior top brasileira e modelo mais bem paga do mundo70, surgiu com seu belo rosto e curvas na campanha da C&A (figura 9), trajando roupas modernas e baratas, criou-se até lista de espera para as peças usadas pela brasileira.

Figura 9 – Foto da primeira campanha de Gisele Bündchen para C&A.

As peças que estão na imagem, de tão requisitadas pelas clientes, forçaram a empresa a criar lista de espera. A regata com estampa metalizada vendeu 10.000 peças em cinco semanas e a calça pantalona de pregas vendeu 8.100 peças no mesmo intervalo de tempo. Os números foram tão altos que a rede renovou o contrato de 6 meses com a modelo para mais 6 meses. Fonte: Revista Veja. São Paulo, p. 69, jun. 2001.

A campanha realizada em 2001 foi uma ação para comemorar os 25 anos da rede varejista e tinha o propósito de comunicar uma nova imagem capaz de atrair para a rede de lojas populares até consumidores da classe A. No período da campanha, Garcia e Gracioso fizeram um estudo de caso da ação de comunicação da C&A com Bündchen, no qual relatavam:

Para comemorar os 25 anos de sucesso da C&A no Brasil, nada melhor que a imagem de uma brasileira, com mais ou menos a mesma idade, e que mais destaque conquistou no mundo internacional da moda, tornando-se a número 1 entre as top models e – até mesmo – superando esta condição para tornar-se celebridade, com direito a reconhecimento mundial, namoro com

70 Gisele Bündchen tem um faturamento anual de mais de US$40 milhões e lidera o ranking da revista Forbes de modelos mais bem pagas do mundo há sete anos consecutivos. (FALCÃO, 2013).

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Leonardo DiCaprio, etc. E ainda: tudo isso, em um momento em que o estilo brasileiro, uma moda brasileira [...] ganha espaço pelo mundo. O nome: Gisele Bündchen. O cachê, não oficial, é estimado em torno de R$5.000.000 por seis meses de contrato. (GARCIA; GRACIOSO, 2001, p. 9).

No relato, os autores identificam alguns dos valores que a autoridade da imagem de Bündchen poderia transferir para a rede de lojas populares: a) A juventude, que se tornou um imperativo da moda atual na qual o “look jovem” é o novo foco de imitação. A moda contemporânea está voltada para a expressão de uma imagem jovem e livre. b) O modelo de Brasil bem sucedido, que, com talento, vigor e personalidade conquistou a proeminência no mundo da moda e na cultura pública. O sucesso apoteótico da parece tocar no orgulho de ser brasileiro. Como nos fala Maia,

Gisele se transformou numa espécie de ícone nacional, seu corpo e sua imagem são considerados como representante da nação em arenas transnacionais. Tanto na mídia brasileira, como na estrangeira, Gisele é apresentada como o novo ideal “universal” de beleza. (MAIA, 2012).

c) O status honorífico das celebridades. Para elevar ainda mais o valor simbólico transferido para os produtos da C&A, Bündchen era, no período da ação, namorada do ator Leonardo DiCaprio, uma celebridade do cinema norte-americano. Isso somava à imagem célebre da modelo multiplicando aura mágica e, consequentemente, seu poder de atração do consumidor. d) A ideia de uma moda brasileira internacional, uma vez que a modelo confere um caráter global à moda nacional devido à sua consagração nos polos globais da moda. Era como se, por meio de uma associação com Bündchen, a C&A, principal rede de varejo de moda popular no Brasil, disponibilizasse uma moda em sintonia com a tendência do momento nos principais centros de divulgação da moda. A brasileira supostamente transferiu à C&A a modernidade e a qualidade das modas de Paris, Milão, Londres e Nova York, que estão impregnadas na imagem da modelo, e todas as clientes e não clientes habituais da empresa queriam participar desse salto de qualidade da marca popular.

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O valor da ideia de uma moda nacional globalizada era considerável no momento em que se deu a campanha entre a varejista e a top model, pois, nessa época, o cenário da moda brasileira procurava com veemência se fazer global. O slogan dessa primeira coleção avalizada por Bündchen era O Brasil está na moda. E a moda está na C&A. A primeira frase do slogan corroborava com a concepção de uma moda nacional – aqui representada por Bündchen – consagrada mundialmente. A segunda frase enfatizava que essa moda brasileira, celebrada dentro e fora do país, estava presente na rede varejista. Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week, instituída com esse nome em 2001 - mesmo ano da primeira campanha de Bündchen para C&A – para assemelhar-se aos demais centros de moda do mundo, nos quais os calendários de moda levam o nome da cidade onde acontecem, relata-nos esse panorama da moda nacional, dizendo-se global:

Cada um com o seu trabalho, evoluíamos de forma perceptível. A indústria crescia, o cenário era muito promissor. Estávamos em janeiro de 2001. Modelos brasileiras estouravam na moda mundial. Estilistas brasileiros chamavam a atenção da imprensa internacional [...]. Tudo isso só reforçava a imagem de um país que criava, sim, uma roupa nova para ser vista e pesquisada pelo “circo” mundial da moda. (BIANCO; BORGES, 2002, p. 1002).

Diante do exposto, trazer Bündchen e toda a força estética, prestígio e credibilidade que ela corresponde foi uma estratégia para reforçar a imagem da C&A como uma rede de loja popular que vende moda de qualidade global a um bom preço. O incremento nas vendas foi um resultado da adequação entre a nova imagem que a empresa espelhava, viabilizada por Gisele Bündchen, e as aspirações dos consumidores direcionadas ao ideal de beleza, estilo, juventude, conquista e sucesso evocados pela top model brasileira. Associar-se à top model em 2001 foi uma estratégia tão promissora para a rede popular que a colaboração da modelo mais bem paga do mundo manteve-se até 2005, com aumento de 30% nas vendas da varejista durante este período. (ABDALLAH; GRISOTTO, 2014). Na época da campanha e já auferindo o bom desempenho da ação de comunicação com a participação de Bündchen, Ralph Choate, então diretor da agência de publicidade interna da C&A, a Avanti, declarou: “Foi um tiro certeiro. Como a Gisele vende! Conquistamos um novo consumidor e conseguimos fazer

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com que nossos clientes se sentissem mais valorizados, mais prestigiados.” (CHOATE apud GARCIA; GRACIOSO, 2001, p. 11). O conceito inicial para essa primeira campanha com a participação de Bündchen era comparar a vida de modelos à vida de jogadores de futebol. Em uma conversa entre a top model e a equipe de produção da C&A antes da sessão de fotos para a ação de comunicação, a modelo revelou, que no início de carreira, fazia uso das peças da varejista e, quando elogiada, respondia: “Comprei na C&A”. A partir dessa sua fala, a ideia da campanha foi redirecionada para depoimentos de Bündchen sobre a C&A. Com essa nova proposta de comunicação, a imagem de moda de qualidade da varejista era reforçada pelo testemunho da top model de uso próprio e de reconhecimento de qualidade, segundo padrões internacionais, pois são esses padrões que se ligam a Bündchen, dos produtos da C&A. A ideia do testemunho também corroborava para tornar a campanha mais verdadeira e convincente, potencializando os efeitos da mensagem. Dez anos depois da primeira colaboração de Gisele Bündchen para a varejista, a C&A exibiu três coleções em parceria com a modelo. A primeira colaboração foi lançada em abril, a segunda em agosto e a terceira em dezembro de 201171. Se de 2001 a 2005 a finalidade da empresa era usar Bündchen como garota-propaganda para associar a C&A ao modelo de moda global de qualidade e barata, pois o público não percebia a rede como um espaço que comercializava produtos de qualidade e em harmonia com as tendências mundiais do setor, em 2011 mantiveram-se os propósitos de 2001 acrescidos dos ideais de inovação, e exclusividade, com a modelo agora assinando peças junto à equipe de estilo da loja, estratégia já realizada com estilistas prestigiosos. Entretanto, as coleções assinadas pela modelo são mais acessíveis que as realizadas em parceria com estilistas de renome, pois possuem peças mais baratas e estão disponíveis em todas as lojas da rede, o que não acontece com as coleções assinadas por estilistas prestigiosos que são distribuídas em lojas selecionadas. Para a primeira coleção da top model, em 2011, foram criados 100 produtos diferentes entre roupas, sapatos e acessórios. Os preços iam de R$19,90, um anel, a R$349, uma bolsa. Dois banners localizados na entrada das lojas evocavam as

71 Nesse mesmo ano, Gisele Bündchen foi garota-propaganda da coleção de primavera- verão da cadeia de varejo sueca H&M. Em maio de 2013, a empresa de fast-fashion repetiu a parceria para a coleção outono-inverno.

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ideias de sofisticação, sedução, vínculo com o senso de estilo da modelo, exclusividade e poder da primeira coleção de 2011 assinada por Bündchen (figura 10). Num, a mensagem visual da sofisticada imagem da brasileira, noutro, a seguinte mensagem verbal:

“A coleção foi completamente inspirada no estilo da top, uma mulher que lança tendências no mundo inteiro e que deixa a sua marca por onde passa. Uma combinação perfeita entre o básico, o conforto e a sofisticação, que é a marca de Gisele. Edição limitada. C&A. Abuse do seu poder.”

Na mensagem visual, a construção da sofisticada sedução se faz: a) Sobre a própria modelo alta e magra dentro dos padrões de definição da elegância difundidos pelo circuito da moda; b) No olhar da top model que, ao encarar o leitor, parece instituir com este uma relação íntima de sedução; c) Sobre a roupa sensual com um decote que deixa as costas à mostra – marca característica do glamour da década de 3072, época em que as atrizes de Hollywood eram as soberanas da moda –, mas sem delinear o corpo para não triscar na vulgaridade; d) Na cor da peça. O preto, cor associada ao luto, transformou-se, sob a atuação de Chanel, em uma das cores de vestuário preferidas das mulheres elegantes. A ideia do poder, na mensagem visual, se constrói no recorte da foto e no tamanho do banner que ampliam a imagem da top model, deixando-a superior aos leitores. Na mensagem verbal, a ideia do vínculo com a percepção de moda de Bündchen revela-se na afirmação de que a coleção foi inspirada no estilo da mulher que é referência mundial de moda. Esse laço dos produtos com o estilo próprio da modelo é reforçado pelo jornal VISTA de maio de 2011 que trata da campanha. A publicação declara que as peças da parceria foram inspiradas nos itens favoritos do guarda-roupa de Bündchen e estimula o desejo sobre o status glamouroso da modelo brasileira, ao sugerir: “Quem não gostaria de entrar no armário de Gisele e

72 No início da década de 30, as costas “foram desnudadas até a cintura, e, de fato, muitos vestidos da época parecem ter sido criados para serem vistos por trás. Até os vestidos para o dia possuíam uma abertura nas costas [...]” (LAVER, 1989, p. 240 e 241).

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usar o que ela usa? Afinal de contas, a über73 é considerada uma das mulheres mais lindas e ricas do planeta.” O conceito da diferenciação individual que dá destaque ao indivíduo diante do grupo mostra-se no uso da expressão “tiragem limitada” na mensagem verbal, ou seja, mesmo a um preço acessível não é para todos. Há uma pretensa exclusividade.

Figura 10 – Banners da campanha da primeira coleção de 2011 assinada por Bündchen para a C&A.

O material de divulgação da campanha estava posicionado na entrada da loja. Fonte: autora. Acervo pessoal, foto registrada em 5 de novembro de 2011, dia do lançamento da primeira parceria desse

73 A partir dos anos 70, as modelos começaram a adquirir status de celebridades. Nesse período, passaram a existir “profissionais com personalidade, capazes tanto de atrair a imprensa quanto de vender o produto.” As modelos começaram a ser selecionadas por sua capacidade de representar. No início dos anos 90, o estilista Gianne Versace colocou na passarela “Naomi Campbell, Christy Turlington, Linda Evangelista e Cindy Crawford [...] rebolando ao som de Freedom de George Michael”, uma estrela da música pop. Com esta ação que ligou a indústria de moda e o show business Versace abriu as portas para uma nova geração de modelos como estrelas: as supermodelos. (EVANS, 2002, p. 61). Em 2000, o jornal americano The New York Times, com o pretensão de criar uma categoria de profissional acima das supermodelos, conferiu a Gisele Bündchen o título de übermodel. Über, em alemão, quer dizer acima das demais. Bündchen seria a “rainha” das passarelas.

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ano com Gisele Bündchen, na loja C&A localizada no Shopping Iguatemi da cidade de São Paulo.

Para promover o lançamento da primeira coleção de 2011, a C&A montou um closet em uma vitrina da loja do Shopping Iguatemi de São Paulo (figura 11). Nessa vitrina, Bündchen posou durante 7 minutos exibindo duas produções com roupas assinadas por ela. A música “You got it” do cantor e compositor norte-americano Roy Orbison acompanhava a performance da modelo. No refrão, o artista canta: “Anything you want, You got it” (Qualquer coisa que você quiser, você consegue). Muito apropriada para o momento, a canção reforçava o poder de Bündchen, uma mulher que, pela competência, beleza e sedução74, consegue tudo o que quer. Como diz Portas, “assim como os olhos são as janelas da alma, as vitrinas revelam a alma da loja. Elas comunicam o que constitui sua essência.” (PORTAS, 2000). Sendo assim, usar a top model numa “vitrina viva” era comunicar a nova essência da C&A: o conteúdo de moda de Gisele Bündchen. Ao mesmo tempo, a ação provocava uma relativa acessibilidade do público à modelo e garantia uma ampla cobertura midiática para a divulgação da C&A, ancorada nos valores simbólicos da modelo. A vitrina selecionada para a ação ficava na calçada da Avenida Brigadeiro Faria Lima, um importante espaço comercial e financeiro da cidade de São Paulo. Para que a mídia fizesse uma cobertura eficiente, a empresa providenciou um cercado no qual os credenciados da imprensa poderiam se acomodar.

74 A Ilumeo, uma empresa que presta consultoria nas áreas de marketing, comunicação e comportamento do consumidor, estabeleceu como atributos de destaque de Gisele Bündchen, na percepção dos consumidores, as qualificações competência, beleza e sedução. Para determinar esses atributos, a empresa aplicou um método da análise de imagem de celebridades por meio de uma pesquisa quantitativa que alcança até 10.000 consumidores.

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Figura 11 – Vitrina da C&A do Shopping Iguatemi de São Paulo.

Gisele Bündchen posa com os produtos de sua primeira parceria de 2011 com a C&A, num cenário que remete a um closet. O espelho do closet reflete o amontoado da platéia formada pelos credenciados. Fonte: .

Semelhante objetivo de ênfase no vínculo da C&A com Bündchen, grande cobertura da imprensa e pretensa acessibilidade dos consumidores à magia da modelo brasileira tiveram as ações que lançaram a segunda e terceira campanhas da top model em associação com a C&A, em 2011. Bündchen ficou por cinco dias dando dicas de moda no site da empresa para promover a segunda parceria, e a terceira coleção autoral foi lançada por um desfile aberto ao público com passarela estruturada nos corredores do Shopping Iguatemi de São Paulo. Na apresentação, ocorrida em primeiro de dezembro de 2011, Bündchen e mais 15 modelos exibiam os produtos avalizados pela top model. Nessa terceira coleção, foram lançados 53 produtos entre roupas, acessórios e calçados. Os preços variavam entre R$39 um bracelete, a R$129 um vestido. A modelo fez apenas uma aparição na passarela e a peça escolhida para a apresentação foi um vestido tomara-que-caia vermelho, tom que evoca a beleza, a sedução e a proximidade (figura 12). Como nos fala Pastoureau, “há uma sinonímia entre bonito e vermelho. [...] Durante muito tempo, um vestido bonito, um objeto bonito foram vermelhos”. O vermelho é a “cor do amor e do erotismo: cor da paixão e de seus perigos, cor da atração e da sedução” e também “uma cor que mexe, que atrai, que parece estar próxima.” (PASTOUREAU, 1997, p.160-162). Sobre a ação do desfile aberto ao público, a brasileira declarou: “Foi a

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primeira vez que fiz isso na minha carreira, uma experiência muito boa. Meus fãs puderam me ver de perto e senti a energia deles.” (LAJE, 2011). Já Elio França, diretor de marketing da C&A no período, explicou: “O objetivo de promover um desfile aberto ao público com a Gisele Bündchen está totalmente em linha com a nossa missão de democratização da moda.” (LAJE, 2011). Os depoimentos acima ratificam a ideia da C&A de proporcionar ao consumidor o acesso a uma moda consagrada mundialmente, aqui representada pela top model.

Figura 12 – Desfile de Gisele Bündchen nos corredores do Shopping Iguatemi para o lançamento da terceira parceria de 2011 com a C&A.

Pela imagem, nesta ação da C&A o público conseguiu estar mais perto do glamour da übermodel brasileira. Fonte: .

Em março de 2012, uma quarta coleção avalizada por Bündchen foi lançada. A recorrente parceria entre a brasileira e a rede de lojas populares corrobora cada vez mais com a capacidade da modelo de emprestar para os produtos da rede popular valores como beleza, sedução, prestígio e qualidade global e, por conseguinte, estimular o consumo e promover um expressivo aumento nas vendas. No catálogo dessa nova coleção, além de Bündchen posar com as peças assinadas, uma segunda modelo – que poderia ser a representação de qualquer consumidora da rede popular – sugeria novas produções de moda, utilizando as roupas que a top model usou e outras peças também autorais (figura 13). Era quase

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uma revista de moda sugerindo às leitoras a composição de diferentes looks a partir de produtos que são tendência. Uma mensagem verbal no início do catálogo explicava a parceria: “Conheça a quarta coleção desenvolvida por Gisele Bündchen com exclusividade para a C&A. Uma coleção inspirada no estilo de vida da übermodel, que abusa da versatilidade”. A mensagem visual, ao assemelhar-se a uma revista de moda, dá o feitio fashion à comunicação, enquanto que a mensagem verbal indica a exclusividade, pois a coleção é um privilégio da cliente C&A. A afirmação de que a coleção é inspirada no estilo de vida da modelo atrai o público que deseja o modelo de vida bem sucedido da top model mais bem paga do mundo.

Figura 13 – Catálogo da quarta colaboração de Gisele Bündchen para C&A.

À esquerda, Bündchen posa com produtos de sua parceria. À direita, novas composições são propostas por outra modelo repetindo algumas peças utilizadas pela top model acrescidas de outras mercadorias da mesma coleção. Fonte: catálogo da quarta campanha de Gisele Bündchen para a C&A em 2012.

Todas as coleções com a colaboração de Bündchen dispõem de um material de comunicação diferenciado. As peças são identificadas por dois tipos de etiqueta, uma de tecido, costurada às roupas, outra de papel, anexada aos produtos (figura 14a). As primeiras têm o nome da modelo ao lado do nome da C&A. As segundas

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trazem uma foto da brasileira e um breve texto que apresenta cada parceria. Palavras como estilo, exclusividade e poder permeiam essas apresentações. As sacolas das coleções (figura 14b) se distinguem das sacolas comuns da C&A porque são feitas de papel e têm impresso o título Coleção Gisele Bündchen para C&A. São disponibilizadas somente para quem compra as peças autorais. As araras, por sua vez, são sinalizadas por placas com a imagem da modelo e sustentam cabides também identificados com o nome de Bündchen (figura 14b). Estes, o atendente do caixa gentilmente avisa que o cliente pode levar para casa75. Existem catálogos próprios para cada parceria com os principais produtos e os respectivos preços (figura 14b). Alguns deles trazem o mesmo breve texto de apresentação da coleção que está presente nas etiquetas de papel que acompanham os produtos.

Figuras 14a e 14b – Materiais de comunicação das parcerias de Bündchen para a C&A.

A imagem da figura 14a exibe as etiquetas duplas que acompanham as roupas das parcerias de Bündchen com a rede varejista. A peça registrada é da terceira coleção da modelo. Alguns materiais de comunicação das colaborações da top model são expostos na figura 14b como a sacola personalizada, os catálogos entregues nas lojas

75 Nas parcerias da C&A com a top model e no início das parcerias da varejista com renomados estilistas, os cabides com as identificações das campanhas eram oferecidos aos clientes como brinde. Agora, os clientes que compram os produtos avalizados podem levar os cabides para casa, mas eles não são mais ofertados verbalmente.

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e os cabides identificados com o nome Gisele Bündchen. Fonte: autora. Acervo pessoal, 2013.

Todos esses apuros na comunicação, responsáveis em grande parte pela criação dos valores das marcas e pela motivação do consumo, revelam uma intensa tentativa de personalização para ir ao encontro do desejo do consumidor de ser reconhecido como especial ou único. Como nos fala Crane, na moda atual, “a roupa em si é menos importante que as estruturas criadas para vendê-la [...]” (CRANE, 2006, p. 47). Bündchen também atuou como curadora de moda para a coleção Poderosas do Brasil desenvolvida pela C&A. Em setembro de 2012, a rede popular fez uma pesquisa em quatro capitais do país – Salvador, Belém, Rio de Janeiro e Porto Alegre –, recolhendo informações sobre as especificidades culturais de cada região para ressaltar essas particularidades em uma nova coleção. O dicionário Houaiss define uma poderosa como aquela “que tem poder; que tem força ou grande influência. Que produz efeito impressionante; intenso, enérgico, marcante. Que tem poder de dissuadir, de demover”. Na moda, a poderosa é um tipo insistentemente acessado pela imprensa especializada. Para Bergamo, as poderosas da moda “sempre fazem uso do corpo como instrumento direto de afirmação pessoal, onde a ‘sedução’ aparece como o principal traço distintivo.” (BERGAMO, 2007, p. 134). Sabendo-se que no Brasil o corpo é um capital determinante para atingir e manter ganhos nos campos afetivo, sexual e profissional, a poderosa é bastante significativa para a construção da aparência das consumidoras brasileiras. Bündchen é considerada uma poderosa. Em 2013, a modelo integrou pelo quarto ano consecutivo a lista das 100 mulheres mais poderosas do mundo da revista americana Forbes. Para a revista, o poder da top model se fazia na beleza, no corpo impecável, no cabelo invejável, na pisada sensual e inigualável na passarela e, sobretudo, na capacidade de vender o que anuncia. Em entrevista para a revista Forbes Brasil, na edição de junho de 2013, que trazia a modelo brasileira na capa e com uma matéria intitulada A mulher de 1 bilhão de reais, o economista americano Fred Fuld criador do Gisele Bündchen Index76 definiu as qualificações

76 O índice Gisele Bündchen revela que “se a top fosse uma empresa com ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York, hoje ela estaria avaliada entre US$250 milhões (R$530 milhões) e US$450 milhões (R$954 milhões). [...] Gisele seria uma espécie

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que fazem da modelo brasileira uma poderosa: “Beleza, capacidade de conquistar empresas como porta-voz e sua inteligência financeira são as três características que a tornam uma poderosa” (FULD apud TERZIAN, 2013, p. 65). Na campanha Poderosas do Brasil da C&A, o jornal VISTA de outubro de 2012 trazia estampada na capa a imagem de Gisele Bündchen e quatro meninas, uma de cada capital pesquisada, representantes da brasilidade. A imagem era acompanhada pelo texto:

C&A e Gisele Bündchen viajaram pelo Brasil para conhecer o guarda-roupa das mulheres dos quatro cantos do país. O resultado é uma coleção com a cara da mulher brasileira. [...] Tudo com curadoria da übermodel Gisele Bündchen.

Conhecer o comportamento e a moda desses lugares foi, por um lado, buscar elementos capazes de promover uma maior identificação com o consumidor dessas regiões e, por outro, comunicar que a C&A valoriza as tradições culturais brasileiras77. Os produtos tinham inspiração local e validação de Bündchen que viajou para as quatro capitais e visitou as quatro meninas para conhecer o guarda- roupa delas e conversar sobre as culturas das regiões. O fato de a top model literalmente entrar nas casas destas meninas78 dá uma ideia de aproximação entre a celebridade Gisele Bündchen e as pessoas comuns, as quatro meninas, exatamente a proposta que a C&A revisita em suas parcerias com estilistas de prestígio e famosos. Dentro do jornal VISTA, as quatro garotas selecionadas posavam com as peças da campanha sob o título De norte a sul elas são as poderosas!. O nome da coleção, Poderosas do Brasil, e o título citado acima refletem a intenção da C&A de

de blue chip, termo usado para designar as ações de alta capitalização, geralmente pertencentes às lideres de mercado e com retornos satisfatórios.” (TERZIAN, 2013, p 630). 77A tentativa de estabelecer um vínculo direto com as tradições culturais brasileiras já havia sido acionada em 2011, quando a rede varejista lançou a campanha C&A em Cores. A ação tinha como garotas-propaganda e representantes da brasilidade três cantoras da nova geração da música popular brasileira – Thalma Freitas, Juliana Kehl e Tié. No projeto, as cantoras espelhavam os caricaturizados elementos de brasilidade: a miscigenação cultural, o gingado, a natureza e a alegria do país. 78Foram produzidos quatro episódios sobre as visitas de Gisele Bündchen às garotas da campanha Poderosas do Brasil. Nesses episódios, é possível observar a modelo entrando na casa das garotas, conversando com elas e vasculhando os guarda-roupas das meninas. Os episódios foram exibidos na televisão e também disponibilizados nos canais da C&A na internet.

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emprestar, por meio de sua moda – autorizada por Bündchen em situações anteriores –, o poder da modelo a quatro garotas que representam o Brasil. Após duas páginas das garotas escolhidas para retratar o país, seguiam seis páginas de Bündchen também posando com produtos da campanha acompanhada da frase “Ela é brasileira”. Em um trocadilho, a C&A deu poder às brasileiras e brasilidade à poderosa modelo. Mais uma ênfase no intento recorrente nas estratégias da C&A de acessibilidade à magia e ao prestígio da top model pela mulher brasileira comum. Para o mesmo jornal, Elio França, diretor de marketing da empresa reforçava, nos artigos da campanha Poderosas do Brasil, a filosofia de trabalho da C&A que é vender o melhor da moda por preços justos: “De forma democrática, a C&A desenvolveu produtos para todas as pessoas que gostam de moda”. Em um estudo sobre as representações da top model brasileira nas mídias nacionais e internacionais, a antropóloga Suzana Maia constatou que o corpo da modelo é, em ambas as mídias, apresentado como um ideal de beleza universal associado ao corpo da nação brasileira. Na mídia externa, as qualidades do corpo da top model são associadas a traços estereotipados do Brasil: exotismo, sensualidade, “‘mistura brasileira’, capaz de produzir ‘faces globalizadas’”, (MAIA, 2012). Na mídia brasileira, a übermodel é exaltada pelo corpo “estilo europeu” – pele clara, olhos claros e aproximadamente 1,80 m de altura – que domina as passarelas e os editoriais de moda e pela sensualidade de modelo, “nada que evoque o estilo das dançarinas de axé e congêneres.” (MOHERDAUI, 2000, p.108). Goldenberg esclarece que esse novo modelo de corpo “nacional” que imita padrões estrangeiros estabeleceu-se entre nós nas duas últimas décadas e são bem representados nas celebridades Vera Fischer, Xuxa e Gisele Bündchen.

Os indivíduos imitam atos, comportamentos e corpos que obtiveram êxito e que têm prestígio em sua cultura. No caso brasileiro, as mulheres imitáveis, são, atualmente, as modelos, atrizes, cantoras e apresentadoras de televisão, todas elas tendo o corpo como seu principal capital, ou uma de suas mais importantes riquezas. (GOLDENBERG, 2010, p. 45).

Vale ressaltar que o corpo da übermodel não é uma unanimidade entre os consumidores da C&A. Uma matéria realizada em 2009 pela Folha de São Paulo sobre os comportamentos de consumo da classe C, principal público da C&A,

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mostra que “as tops magérrimas não são modelo para a compradora da classe C”. Em entrevista para a matéria, uma representante da classe C de 24 anos revela que seu referencial de beleza é a dançarina de axé Scheila Carvalho. (BALMANT; BALSEMÃO, 2009, p. 13). Podemos supor que se há algo em Bündchen que conquiste a atenção dessa parcela da população atraída pela beleza de mulheres mais “torneadas” como a dançarina mineira Scheila Carvalho é o vínculo com a moda e o estilo de vida de sucesso da top model. Retomando a alcunha de poderosa ligada à Bündchen – que se deve ao seu corpo mas não somente a ele – acionada nas campanhas da C&A, seja no uso direto da expressão, seja por meio do slogan Abuse de seu poder, utilizado nas três coleções de 2011 em parceria com a top model, a revista Forbes Brasil na edição de junho de 2013 citada anteriormente relatou:

Gisele é poderosa porque vende. Muito. Vende xampu, vende pasta de dentes, vende lingerie, vende assinatura de TV fechada. Sua influência perante o consumidor é surpreendente e as indústrias de consumo e entretenimento descobriram isso não é de hoje. (TERZIAN, 2003, p 65).

Atualmente a modelo brasileira mantém 10 grandes contratos: com a TV por assinatura SKY; com a empresa Procter & Gamble (P&G), mais especificamente com as marcas Pantene, de produtos de cabelo, e Oral-B 3D White, de produtos para higiene bucal; com as marcas francesas de moda Luis Vuitton e Chanel; com o grupo de lojas de departamentos chileno Falabela; com a marca brasileira de moda Colcci; com a marca italiana de moda Emilio Pucci; com a marca americana de materiais esportivos Under Armour79, com a marca brasileira de lingerie Hope e com a marca brasileira de sapatos Grendene. A variação dos públicos das empresas citadas acima revela a versatilidade da imagem de Bündchen, que serve tanto à comunicação do clássico perfume Chanel No 5, quanto à ampola para tratamento capilar da marca popular Pantene. Segundo Olivier Rose van Doorne, presidente da agência americana SelectNY especializada em avaliar a relação entre celebridades e marcas de luxo,

79 Estima-se que o contrato da modelo com a marca Under Armour, com a duração de 10 anos, alcançou o valor de US$250 milhões. Mesmo para uma celebridade no padrão da top model, a cifra foi considerada bem alta.

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“há hoje duas modelos com esse perfil [versátil]: ela [Gisele Bündchen] e Kate Moss” (DOORNE apud ABDALLAH; CRISOTTO, 2014, p. 40). Entretanto a imagem da modelo inglesa Kate Moss associada a drogas e confusões limita a atuação desta, o que não acontece com Bündchen. A top brasileira é um ideal de mulher perfeita. Como diz Rojek, “as celebridades simultaneamente encarnam tipos sociais e proporcionam modelo de papéis”, Bündchen alimenta o “mundo cotidiano com padrões honráveis de atração” apresentando-se como um modelo de papel adequado que as pessoas devem imitar (ROJEK, 2008, p.17-19). Nascida em Horizontina, cidade de 20 mil habitantes no Rio Grande do Sul, a modelo mais bem paga do mundo foi “descoberta” por um olheiro com 14 anos. Aos 16 anos, deu início à carreira internacional e consagrou-se mundialmente ao estampar a capa da Vogue Americana com a manchete The Return of the Sexy Model – O retorno da modelo Sexy80. Bem sucedida nos negócios e na família, atualmente Bündchen é “a moça de família” casada com o jogador e celebridade do futebol americano Tom Brady. A fama de Brady tem origem em realizações observadas em competições, o que traz ao jogador um reconhecimento público de alguém que possui talentos raros. A imagem do marido da top model também é positivada pelas qualificações da imprensa: “cara legal, humilde e confiante”. A modelo é mãe de dois filhos que nasceram de parto natural, em casa, e leva uma vida saudável sem os escândalos midiáticos tão comuns a celebridades do seu patamar – deixou de fumar e restringe sua presença em festas a 20 minutos. A top model desempenha a função de embaixadora da ONU para o meio ambiente e, antes de vincular sua imagem a uma marca, Bündchen examina se a empresa age de forma social e ambientalmente correta. Desta forma, a modelo brasileira encarna bem um valor caro ao seu tempo: a sustentabilidade.

80 No final da década de 90, um estilo batizado de “heroína chic” dominava o circuito da moda mundial. A modelo inglesa Kate Moss representava esse estilo que tinha por características olhos fundos, rostos angulados e corpo anoréxico. Esse visual foi questionado por médicos e feministas que acusavam o cenário da moda de estimular por meio das imagens do estilo “heroína chic” a anorexia, a bulimia e o uso de drogas como a heroína. Diante desses embates, a moda precisava propor uma nova referência que fomentasse as pessoas a seguir hábitos saudáveis. Nesse contexto, com ênfase no natural e no saudável, surgiu Gisele Bündchen. “Gisele foi um estouro [...]. Ela é sexy, mas ao mesmo tempo saudável e séria”, explica Doorne. (DOORNE apud ABDALLAH; CRISOTTO, 2014, p. 46).

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A imagem construída de Bündchen é um “sonho de conto de fadas”, e empresta para os produtos com os quais se associa essa qualidade de “material de sonho”. Para Campbell, “a natureza real dos produtos é de pouca consequência, comparada com o que é possível, aos consumidores, acreditar a respeito deles e, consequentemente, de seu potencial como ‘material de sonho’.” (CAMPBELL, 2001, p. 131). Bündchen permite que o consumidor ligue aos produtos por ela autorizados um pouco do prazer do sonho do consumidor. Ocorrendo esse liame, o produto será cobiçado e consumido. Assim parece dar-se o poder da top model de gerar consumo.

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3. A MODA GLOBAL E O DISCURSO DA C&A 3.1 EXAME DE DOIS ACENOS DA SOFISTICAÇÃO NAS CAMPANHAS DA MARCA

Nesta seção, analisaremos as duas primeiras coleções do projeto C&A Collection em parceria com criadores estrangeiros consagrados mundialmente: a estilista inglesa Stella McCartney e o estilista italiano Roberto Cavalli. Esses designers possuem capitais81 acumulados que possibilitam a transferência de seu valor simbólico, inclusive aquele ligado à globalidade, para outras marcas com as quais se associam. As parcerias estabelecidas com McCartney e Cavalli revelam o desejo da C&A de tomar emprestado o caráter global desses agentes legitimados na moda mundial. A globalidade é um valor mundialmente válido e, ainda que essas parcerias não sejam desenvolvidas com vistas ao mercado externo, os padrões de qualidade e consagração colados à globalidade são caros ao mercado interno. Além do mais, essa separação entre mercado mundial e mercado “doméstico” torna-se obsoleta no que se refere ao status de marca global, na medida em que, como coloca Michetti, “a globalidade é dada como um valor em todas as ‘escalas’ ou dimensões do mercado. (MICHETTI, 2012, p. 250). Nesse sentido, a C&A buscará ser reconhecida, via transferência de globalidade dos designers consagrados mundialmente, como uma varejista que comercializa uma moda global e todas as sua qualificações – profissionalismo, inovação, qualidade, consagração, para citar alguns – visando promover uma valorização simbólica de seus produtos e consequente rentabilidade econômica. Em março de 2011, a C&A apresentou às suas clientes uma coleção assinada pela estilista inglesa Stella McCartney. Essa foi a primeira vez que a cadeia de lojas se associou a um nome de prestígio da moda internacional. A parceria da designer com a empresa foi um marco importante do enlace da moda brasileira com a moda européia nas cadeias de fast-fashion nacional. Recentemente, a varejista Riachuelo aderiu às parcerias com designers internacionais lançando, em novembro de 2014,

81 Esses capitais, “no sentido de Bourdieu referem-se a habilidades, conhecimentos e conexões, trocados dentro do campo para estabelecer e reproduzir a posição” ocupada por determinado agente. (ENTWISTLE; ROCAMORA, 2006).

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uma coleção assinada pela estilista italiana Donatella Versace, diretora criativa da grife Versace, fundada por seu irmão Gianni Versace em 1978. A coleção de Stella McCartney para a C&A promoveu um corre-corre das consumidoras às lojas da rede para garantir uma peça de sua autoria.

A linha criada pela estilista Stella McCartney para a C&A brasileira faz jus ao título de fast-fashion. A coleção mal chegou [...] às lojas selecionadas pela rede em todo o país, e quase todas as peças voaram das araras. O furacão Stella arrastou centenas de fashionistas aos nove shoppings de São Paulo que receberam a coleção. (WHITEMAN, 2011b).

McCartney já havia realizado semelhante parceria com outra rede popular em novembro de 2005, a empresa sueca H&M. A influente criadora formou-se na renomada escola de design Central Saint Martins, em Londres. As prestigiadas modelos Kate Moss e Naomi Campbel participaram, de graça, de seu desfile de formatura. Antes de conceber a grife que leva seu nome, Stella Nina McCartney desenvolveu sua habilidade na moda, trabalhando com os célebres criadores Christian Lacroix e Tom Ford, na Gucci, e na marca Chloé, onde substituiu Karl Lagerfeld. Com a experiência adquirida nesses trabalhos, McCartney deixou de ser apenas a filha do ex-beatle Paul McCartney e se transformou numa importante estilista respeitada mundialmente que apresenta desfiles nas semanas de Moda de Paris e Nova York, circuitos restritos que reúnem as marcas mais legitimadas. Entre suas clientes fiéis estão as famosas atrizes de Hollywood Gwyneth Paltrow, Liv Tyler e Kate Hudson e a cantora Madonna. As informações mencionadas acima sobre o vínculo de McCartney com celebridades constam no jornal VISTA de março de 2011, meio de consagração das parcerias da C&A que, nessa edição, trouxe uma matéria apresentando o trabalho da estilista. Aqui, mais uma vez, o aval das celebridades é ressaltado para ajudar na cooptação do público. As celebridades possuem uma corrente de atração sobre o público, com o qual parecem estabelecer uma relação íntima que favorece o mimetismo. Vestir celebridades é uma garantia de incremento nas venda das marcas, pois a partir do momento em que essas celebridades adotam uma produção, no caso da estilista inglesa, a composição é reproduzida exaustivamente pela mídia de todo o mundo e isso eleva consideravelmente o desejo do público por McCartney. Na

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coleção Stella McCartney, a C&A comercializou roupas mais caras que as comumente vendidas pela rede. Uma parte do alto valor deve-se ao fato de os produtos serem grifados por uma criadora de importância internacional – vinculando a estes as qualificações da globalidade –, a outra parte cabe ao engajamento ambiental da estilista82. Ela desenvolveu 27 modelos produzidos com tecidos totalmente naturais, matéria prima de custos mais elevados que os tecidos sintéticos. Algumas peças foram fabricadas com algodão 100% orgânico e os zíperes, geralmente de metal, foram feitos de garrafa PET. Uma blusa no valor de R$69,90 era o item mais barato da coleção, enquanto um blazer que custava R$499 era o item mais caro. Ao consideramos o valor de um produto da loja original de McCartney, um vestido custa em média €1.000, pode-se afirmar que a coleção alcançou “um bom preço” necessário ao público de uma loja que comercializa produtos acessíveis. Em entrevista para o jornal VISTA que divulgava sua coleção, McCartney declarou que as roupas da parceria foram desenvolvidas a partir dos modelos favoritos de suas coleções, ajustados à silhueta das mulheres brasileiras. A designer enfatizava: “procurei manter minha marca registrada, com alfaiataria impecável e roupas que passam confiança e uma feminilidade sexy. Adaptamos tudo isso ao mercado brasileiro”. Ao afirmar que nos produtos feitos para a C&A, à elegância da alfaiataria tradicionalmente masculina, mas que a estilista adapta de forma impecável para o universo feminino, somava-se a sensualidade, clichê de brasilidade, McCartney supostamente “abrasileirava” seus produtos e intentava fazer de sua coleção um objeto de desejo para as brasileiras que aspiram a sofisticada sedução. Pode-se dizer que essa sensualidade estava presente mais no discurso das comunicações da parceria, uma presença necessária, pois essa ideia tem significado para as clientes da varejista, que nos produtos em si. O apelo à sensualidade parece-nos uma tentativa de incorporar uma ideia ao produto que o tornasse mais comercializável.

82 Stella McCartney é uma designer comprometida com as causas ambientais e não flexibiliza seus valores nas associações que estabelece com outras marcas. Tal quais os pais, a estilista é porta-voz dos direitos dos animais e jamais usa pele ou couro em suas produções.

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Na campanha para a C&A, os mini-vestidos em tecidos fluidos usados com blazer masculino (figura 15a), composição de peças característica dos trabalhos da estilista, eram a proposta de McCartney para designar a sensualidade, por sinal uma designação frágil. Os casacos da parceria com acabamento interno exímio significavam uma alfaiataria impecável. A qualidade destes era tamanha, quando comparados às mercadorias comercializadas na rede às vezes com costura aparente e zíperes falhando, que nos provadores as clientes diziam ser possível usá-los ao avesso. Os vestidos em tecidos nobres, por sua vez, significavam a delicadeza e a feminilidade. No intuito de assegurar a qualidade dos produtos que receberam sua assinatura, McCartney e suas assistentes acompanharam todo o processo de fabricação das mercadorias autorais que durou 18 meses. Sobre sua coleção para a C&A, a designer declarou:

Acredito que, quando um designer de alta moda se junta a uma empresa que oferece roupas baratas, está ajudando a quebrar as barreiras de classe. As pessoas passam a poder se expressar em suas roupas, tendo muito ou pouco dinheiro. Isso é uma grande coisa. (MCCARTNEY apud WHITEMAN, 2011a).

Essa quebra na barreira de classe e acessibilidade à moda da designer inglesa, possibilitando pessoas de diferentes classes tomar posse dessa moda e adaptá-la da maneira que melhor expressasse sua individualidade, fica evidente na confusão que se tornou adquirir uma peça da coleção para C&A.

Clientes faziam vigília antes mesmo de as portas serem abertas. Na C&A do shopping Bourbon, na Pompéia, zona oeste, as araras precisaram ser repostas 15 minutos após a abertura da loja. Nos provadores, clientes trocavam e destrocavam peças, na busca pelo melhor look "Stella". No início da tarde, das quase 300 peças que a loja recebeu, sobravam apenas 50. (WHITEMAN, 2011b).

Com o propósito de tentar manter a exclusividade cara aos consumidores que, como nos fala WAIZBORT, “procuram a diferenciação do indivíduo ante o grupo”, ou seja, “a emersão do singular em meio à universalidade” (WAIZBORT, 2008, p. 8), a rede varejista restringiu o número de lojas para as quais foram encaminhadas poucas peças da parceria sem reposição. A sentença “Edição limitada” ao final do texto de apresentação da parceria no catálogo da coleção

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também colaborava com esse ideal. Das quase 200 lojas da cadeia no Brasil, no período da parceria, apenas 38 receberam a coleção. Acredita-se que essas lojas estavam localizadas nos pontos mais elitizados das cidades onde a C&A atua. A rede varejista divulga que produtos autorais são distribuídos em pontos estratégicos do país, ou seja, aqueles que atingem o maior público. Porém, nas cidades em que essa coleção foi pesquisada, Salvador e Maceió, as lojas que dispunham dos modelos assinados eram as localizadas nos shoppings em que há circulação de pessoas com alto poder aquisitivo. Em Maceió, a coleção foi disponibilizada apenas no Maceió Shopping, espaço de compras que recebe públicos de bairros nobres da cidade. O mesmo se deu em Salvador. As peças em parceria com McCartney chegaram às lojas dos shoppings Iguatemi Salvador, Salvador Shopping e Shopping Barra, todos acessados por pessoas de regiões elitizadas da cidade. Essa distribuição direcionada para lojas da rede de varejo mais elitizadas justifica-se no fato de que a C&A produz essas coleções grifadas com dois propósitos: oferecer peças com maior conteúdo de moda para o seu público-alvo, as classe B e C, e, sobretudo, cooptar um nicho da classe A, cada vez mais interessado nos produtos das redes de fast-fahion, guiando-se por uma tendência internacional de adesão das classes altas à moda propostas pelas grandes cadeias internacionais de moda rápida. A comunicação com o cliente trouxe um catálogo elaborado, típico de uma moda de grife, que se assemelhava a um bloco de anotações. As fotografias para o catálogo foram realizadas em estúdio, num cenário completamente branco com destaque para os produtos. Nas imagens prevaleciam as cores frias e uma estética minimalista. (figura 15a). No verso da capa do catálogo, um texto introduzia a coleção com a colaboração da inglesa e, ao final do texto, após a assinatura de McCartney, seguia um recado: “Recicle: use este catálogo como bloco de anotações”. A húngara Barbara Palvin83, uma representante legítima da moda global, foi escolhida pela estilista para ser a modelo da campanha fotografada em Londres. Assim como nas coleções de Gisele Bündchen para a rede, duas etiquetas personalizadas acompanhavam as peças autorais de Stella McCartney (figura 15b).

83 Bárbara Palvin é uma modelo húngara que ganhou destaque no cenário da moda ao participar dos fashion shows da Victoria's Secret, uma famosa marca popular americana de roupas íntimas e produtos de beleza.

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Uma de tecido, costurada à roupa, e outra de papel, anexada ao produto, com um breve texto explicando a parceria: “Stella McCartney é uma das estilistas internacionais mais badaladas do mundo da moda. Suas coleções são naturalmente femininas, para mulheres poderosas e modernas. E agora criou uma coleção especial com exclusividade para a C&A”. Para se fazer eficiente, a mensagem verbal acima encarnava ideias que são comuns às mídias de moda e, portanto, às consumidoras de moda: feminilidade, poder e modernidade.

Figuras 15a e 15b – Materiais de comunicação da parceria de McCartney para a C&A.

Na figura 15a, vê-se o catálogo da coleção Stella McCartney para a C&A. As fotografias foram impressas apenas no anverso das folhas do catálogo, deixando o verso para as anotações dos clientes, pois a ideia era que as consumidoras utilizassem esse material como bloco de anotações. Para tal, as folhas eram destacáveis. A figura 15b registra as etiquetas de identificação da parceria, as quais traziam o título da coleção e um sucinto texto autorizado pela assinatura digital de McCartney. Fonte: autora. Acervo pessoal, 2011.

A sacola em três tamanhos (figura 16a), era de papelão grosso com a alça em corda e a identificação: Stella McCartney para C&A na cor marrom, tom “forte que denota honestidade e confiabilidade” (KOTLER, 2012, p. 369). A maioria das coleções assinadas tem sacolas personalizadas feitas em papelão fino com alça também em papelão. São muito fáceis de rasgar. As sacolas das coleções da parceria de Gisele Bündchen (figura 14b), por exemplo, não podiam comportar muitas peças, pois rasgavam de tão frágeis que eram. O nível das sacolas da coleção Stella McCartney assinalavam o alto grau de qualidade da parceria. Dentro

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das sacolas, as roupas iam envolvidas por um papel de seda fechado por um adesivo com o nome Stella na cor dourada (figura 16b). A sacola, o papel de seda e o adesivo grifado são poderosas ferramentas de comunicação na medida em que as embalagens afetam a percepção da qualidade dos produtos por parte dos consumidores. Todo o apuro da comunicação no produto e no ponto de venda, visando à transmissão da mensagem de que a C&A estava comercializando produtos mais elaborados e exclusivos, tal qual um produto de grife, era ressaltado no release divulgado da coleção: “a coleção exclusiva Stella McCartney para C&A chega a aproximadamente 40 lojas da rede no Brasil em 23 de março e conta com cabides, tags e sacolas, em 3 tamanhos especiais, personalizados”. O quesito personalização dos materiais de comunicação era mais uma qualidade da parceria, que aludia ao desejo do consumidor de diferenciação individual ante a universalidade. A aspiração ao produto de grife com alto conteúdo de moda vinha também do “Guia de cuidados”, um folheto com informações de limpeza a seco, lavagem, secagem e passadoria dos tecidos e recomendações de tratamento dos tecidos naturais lã, linho, algodão e seda (figura 16c). A presença do guia, próprio de roupas delicadas, pois estas precisam de instruções de uso, evidenciava o apuro dos produtos.

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Figuras 16a, 16b e 16c – Materiais de comunicação da parceria de McCartney para a C&A.

Na figura 16a, a imagem da sacola resistente da parceria de Stella McCartney com a C&A. A figura 16b expõe a elegante etiqueta dourada com o título da coleção selando o papel de seda que envolvia a peça grifada. A figura 16c traz o guia de cuidados contendo todas as informações necessárias à conservação das mercadorias fashions e delicadas. Fonte: autora. Acervo pessoal, 2011.

Nas lojas, as araras na cor bronze, uma cor nobre associada à liga metálica de mesmo nome, evocavam o requinte, e eram sinalizadas por uma placa na vertical com o nome Stella McCartney (figura 17a). Os cabides que sustentavam as peças autorais foram feitos de material reciclado para adequar-se à moda engajada, característica da estilista. Simulavam a madeira e eram mais largos que os normalmente utilizados pela rede. Eles acomodavam e exibiam melhor as roupas (figura 17b).

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Figuras 17a e 17b – Materiais de comunicação da parceria de McCartney para a C&A.

Araras com identificação de Stella McCartney e cabides da coleção Stella McCartney para C&A fabricados de material reciclado são registrados na figura 17a. A figura 17b compara a qualidade do cabide da parceria da designer inglesa à esquerda, mais largo e comportando melhor a peça, com o cabide de uma das campanhas de Gisele Bündchen à direita , mais fino e que, dependendo do tecido, deixa marcas nas roupas. O cabide da colaboração da modelo brasileira é o usual das parcerias da C&A. Fontes: figura 17a ; figura 17b: autora. Acervo pessoal, 2012.

As vitrinas da coleção foram elaboradas bem ao estilo da designer (figura 18). Elas traziam poucas informações em um cenário limpo com total predomínio da cor branca, que simboliza inovação e modernidade. Manequins na cor branca e sem cabeça, utilizados para dar mais destaque aos produtos em detrimento da identificação com a forma humana própria de manequins pintados em tons da pele humana e com feições bem definidas, compunham a vitrina com alguns banners de fotos da campanha e com o nome da estilista em letras bem grandes e também na cor branca. O minimalismo inerente à designer dominava a composição. Segundo a classificação de vitrinas de Demetresco, as letras grandes da montagem de McCartney a caracterizam como um tipo de encenação Desenho, HQ. Nessa categoria, a informação é emitida de maneira direta por meio das letras aumentadas “que gritam o que se vende”. Demetresco enfatiza que

o desenho das letras gigantes é muito representativo,

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principalmente nas liquidações, como sale, e nas vitrinas de bancos, quando com o uso de algumas letras indicam a ação a ser comprada, por exemplo, SAFT, ou na promoção de uma marca de moda, como Vogue. (DEMETRESCO, 2012, p. 179).

No caso da vitrina da C&A em parceria com a estilista inglesa, parece-nos que as letras gigantes serviam para promover e gritar que uma rede popular estava vendendo o valor estético de Stella McCartney.

Figura 18 – Vitrina da Coleção Stella McCartney para C&A.

A vitrina foi registrada no shopping Center Norte, em São Paulo. Fonte: .

O estilista italiano Roberto Cavalli foi o segundo criador estrangeiro e quarto parceiro consagrado internacionalmente da C&A. A estratégia, como nas demais parcerias, era potencializar o posicionamento da C&A como provedora de informação de moda global, por meio de uma transferência simbólica do fashion capital84 do estilista para a cadeia de lojas populares. Nesse sentido, o site da varejista divulgava sobre a parceria: “essa coleção promete ser objeto de desejo entre fashionistas, das mais descoladas às que gostam de peças que são referência no mundo da moda”.

84 Entwistle e Rocamona denominam de fashion capital o capital específico que vale em relação ao campo da moda. Como os capitais relativos a outros campos, o fashion capital é constituído de capital simbólico, cultural, social e econômico.

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Assim como Stella McCartney, o designer já havia desenvolvido peças para uma cadeia popular em 2007, a H&M, e repetiu o feito com a C&A, em outubro de 2013. Sobre a sociedade com a H&M, Cavalli declarou:

Fui um dos primeiros a criar para a H&M. Quando a primeira coleção fast-fashion saiu, foi uma loucura. De Hong Kong a Nova York, havia fila antes das lojas abrirem. Em poucas horas, esgotou tudo. Depois, muita coisa vai ser vendida mais cara na internet, mas tudo bem. Assim é o fashion. (CAVALLI apud GUERRA, 2013).

Na expectativa de alcançar semelhante êxito na parceria com a C&A, Cavalli conduziu a coleção para a rede que atua no Brasil, baseando-se em seus modelos clássicos qualificados pela costura detalhista, pelos tecidos nobres, pelas estampas, sobretudo as de tigre, leopardo e zebra, e pelos vestidos de fendas acentuadas e cintura marcada, caracteres que evocavam um conceito muito significativo para as mulheres brasileiras – a sensualidade –, uma vez que, no Brasil, o corpo sexy é um importante capital “no mercado do casamento, no mercado sexual e no mercado profissional” (GOLDENBERG, 2010, p. 10). Aqui, como na coleção de McCartney, o release disponibilizado pela varejista deu ênfase à reprodução na C&A dos melhores modelos do criador ajustados às consumidoras nacionais: “a linha foi desenvolvida a partir dos best sellers do estilista italiano, adaptados à silhueta da mulher brasileira”. As criações de Cavalli, que deixam sexys as celebridades em premiações de importante projeção midiática, como, por exemplo, o Oscar norte-americano e o Festival de Cannes na França, fazem do italiano um designer conhecido mundialmente por um trabalho com o traço marcante da sensualidade. A aura do artista acrescida da autorização por meio das celebridades, “figuras exaltadas e extraordinárias” e da sensualidade, um estereótipo da mulher brasileira, é mais uma vez a “fórmula” perfeita para transformar outra parceria internacional da C&A na ambição mais urgente das consumidoras que circulam pela rede popular. Segundo o estilista italiano, “as brasileiras representam, sem dúvida, a sensualidade e o poder feminino” (CAVALLI apud DINIZ, 2013). Com base nesses clichês de brasilidade, o designer oferece às brasileiras seu conceito de sensualidade que remete à declaração do poder feminino e é protegido pelo verniz do glamour. Esse discurso pretende preservar a ideia de sensualidade de Cavalli, afastando-a da vulgaridade e comunicar à consumidora que ela pode ser ao mesmo

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tempo sensual e elegante, caso seja esse o seu desejo. Para Cavalli:

Sensualidade tem a ver com personalidade, com charme e glamour. Já a vulgaridade, é algo que toda mulher tem dentro de si. Faço o melhor que posso para mostrar na passarela como evitá-la, mas, infelizmente, algumas mulheres não estão aptas para isso. O problema é que peito grande virou sinônimo de beleza. Daí, quando a mulher tenta ser sexy demais, perde o glamour. Quando vejo alguém usando uma roupa minha de um jeito vulgar, fico mal. Tenho vontade de chegar nela e dizer tire isso. (CAVALLI apud DINIZ, 2013).

Essa declaração faz-se necessária para firmar a condição de requinte do ofício do criador que se considera um artista e requisita o status do campo das artes para seu trabalho. "Minha arte é vestir mulheres. Sou um artista que fala sobre beleza e feminilidade.” (CAVALLI apud DINIZ, 2013). Os produtos da parceria do designer com a rede varejista atingiram os preços mais altos quando comparados aos valores das criações de outros renomados colaboradores da C&A. Foram produzidas 57 roupas e 28 acessórios. A peça mais acessível era um anel no valor de R$39,90 e o produto mais caro era um vestido longo que custava R$799. Nenhuma outra parceria, até então, alcançou o preço mais alto dessa coleção. Da mesma forma que nenhum outro estilista, até o momento, pareceu tão exigente com a qualidade das mercadorias e da comunicação. No intuito de amenizar o impacto financeiro das mercadorias, os vendedores da rede popular circulavam entre as clientes anunciando que as compras podiam ser parceladas em 10 vezes sem juros no cartão C&A, e algumas placas com o mesmo informe estavam distribuídas no espaço destinado à coleção dentro da loja. Essa estratégia nunca foi vista nas pesquisas em campo das coleções assinadas passadas. Talvez assim fosse realizado o desejo de Cavalli que dizia: “Eu quero ver minha moda na rua. Adoro ser para todos. Quem acha que a moda tem de ser exclusiva dos mais ricos, quem é elitista, é egoísta.” (CAVALLI apud GUERRA, 2013). Um banner digital na página online da empresa divulgava a mesma informação sobre o parcelamento no cartão C&A (figura 19). Para adquirir a suntuosidade de um Cavalli – na marca original Roberto Cavalli um vestido curto custa aproximadamente €1.000 – bastava ter ou conhecer alguém que tinha um

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cartão C&A. O número de parcelas aumentava significativamente o acesso aos produtos. Na pesquisa de campo, observou-se que, na fila do caixa, as clientes mais atentas aos preços das mercadorias autorais e ao valor total das compras iam se desfazendo de algumas peças, largando-as no percurso até o caixa, ao mesmo tempo em que negociavam os produtos assinados remanescentes nas parcelas máximas dos cartões C&A dos conhecidos que possuíam crédito.

Figura 19 – Banner digital de divulgação da coleção Roberto Cavalli para C&A.

Na imagem, a informação do parcelamento no cartão em um “balão” dourado, destacando-se do resto da composição visual, designa-o como uma zona privilegiada de atenção que comunica ao público a acessibilidade à estética consagrada de Cavalli. Além disso, o tamanho dos caracteres do número de parcelamento no cartão C&A dá a hierarquia das mensagens verbais contidas na imagem. Fonte: SITE C&A.

Ao visar à expressão da qualidade, nas roupas assinadas por Cavalli prevaleceram os tecidos nobres. As peças em seda pura eram enaltecidas por etiquetas nas araras (figura 20). Essa foi uma ação inédita, pois não houve caso de outra parceria que deu tamanho destaque aos tecidos do qual eram feitos os produtos. Provavelmente porque, segundo o release da coleção, os tecidos eram o diferencial dessa parceria: “todas as peças são de seda pura, jersey de seda, cotton alfaiataria e cotton satin, que foram escolhidos a dedo pelo estilista”. Os acabamentos das roupas assemelhavam-se à alta qualidade dos acabamentos das criações de Stella McCartney para a rede popular. A modelagem, no que era possível avaliar ao experimentar as roupas e ao observar os comentários das clientes nos provadores, era exímia. Nas criações do italiano, às duas etiquetas usuais das demais coleções assinadas – uma de tecido, costurada à peça, e outra de papel, incorporada ao

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produto – foi acrescentada uma terceira de metal na cor dourada, presa à roupa por duas correntes também douradas (figura 21), todas com a identificação Roberto Cavalli para C&A. O dourado é um tom que alude ao poder do ouro e será uma cor exageradamente acessada na comunicação e nos produtos da coleção. Em um texto intitulado Da Jóia à Bijuteria, Barthes nos revela o poder do signo ouro. Para o semiólogo, o ouro

é o signo por excelência [...], ele é o valor absoluto, dotado de todos os poderes, inclusive dos que eram outrora poderes da magia: por acaso ele não pode apoderar-se de tudo, dos bens e das virtudes, das vidas e dos corpos? Não pode converter tudo em seu contrário, abaixar, elevar, aviltar, glorificar? [...] Uma vez que, bem depressa, deixou de ser amoedável, utilitário, e foi retirado da ordem prática, esse ouro puro, cujo uso como que se fechou em si mesmo, tornou- se um ouro superlativo, uma riqueza absoluta. (BARTHES, 2005, p. 337).

Os cabides traziam a mesma identificação. Nas laterais dos cabides, foram colados adesivos de superfície esponjosa para que as roupas de tecidos finos não escorregassem. A eles foi anexada uma imponente estrutura dourada em metal com duas presilhas para sustentar peças de baixo. Esses cabides eram mais largos, tais quais os utilizados na coleção Stella McCartney. O apuro nos expositores das peças davam a medida das exigências do estilista e da qualidade dos produtos. As semelhanças com a parceria de McCartney foram além do acabamento das peças e dos cabides. As sacolas exclusivas para quem comprasse alguma criação do italiano foram as únicas que apresentaram a mesma qualidade das sacolas da estilista inglesa. De fundo preto, cor clássica e forte que evoca o poder, a sofisticação e a autoridade, alça marrom, tom que significa força e confiança e com o título da coleção em dourado, elas eram resistentes em estrutura de papelão grosso e alça de corda. O interior das sacolas, assim como das caixas dos sapatos, era revestido por uma estampa de tigre, marca do glamour de Cavalli (figura 22a). As roupas, assim como as peças de Stella McCartney, eram embrulhadas em papel de seda que recebeu como incremento o título da coleção impresso. O papel de seda era lacrado por um adesivo identificado (figura 22b). O apuro nas embalagens mais uma vez significava produtos mais elaborados. As araras também foram personalizadas por uma pintura, como aconteceu com as araras das peças da designer inglesa, mas divergiram na cor. No caso do

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estilista italiano, foi dourado. Outro ponto similar entre Cavalli e McCartney foi a maior restrição na distribuição das mercadorias autorais. Apenas 47 lojas da rede popular receberam as criações do italiano, número próximo às 38 lojas com produtos da estilista inglesa. Nas demais parcerias analisadas, esses números se alargaram. A coleção Anne Fontaine foi disponibilizada em 80 estabelecimentos e as peças da Issa chegaram a 74 pontos de venda, como veremos mais adiante. Os acessórios, por sua vez, eram embalados em sacos de oxford85 acetinado, em três tamanhos diferentes, fechados por fitas douradas. Nesses sacos, a identificação Roberto Cavalli para C&A foi impressa em dourado brilhante. Todos esses suportes de comunicação exprimiam a qualidade da coleção de Cavalli.

85 Nome de uma cidade na Inglaterra que dá nome ao tecido de aspecto bicolor a partir do entrelaçamento de um fio tingido e um fio branco muito usado na confecção de camisas masculinas. (SABINO, 2007, p. 475).

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Figura 20 – Expositor dos produtos assinados por Cavalli.

A arara dourada e curva além de ajudar na identificação das peças autorais, evocava o requinte da campanha. No mesmo caminho, seguiam as placas de sinalização da nobreza dos tecidos de seda pura, composta com os elementos repetidamente acionados na comunicação: o título da campanha em letras douradas e a estampa de bicho. Na extremidade dos cabides, devidamente identificados com o título da coleção, podemos perceber o adesivo esponjoso que impedia que as roupas finas caíssem. Fonte: autora. Acervo pessoal, foto registrada em 5 de novembro de 2013, dia do lançamento da parceria com Cavalli, na loja C&A localizada no Maceió Shopping.

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Figura 21 – Peça da coleção Roberto Cavalli para C&A com três etiquetas identificadas pelo título da parceria com o italiano.

Fonte: autora. Acervo pessoal, 2013.

Figuras 22a e 22b – Materiais de comunicação da parceria de Cavalli para a C&A.

A figura 22a registra a sacola de alta qualidade da coleção e a tampa e a base de uma caixa de sapato da parceria revestidas pela estampa de tigre. Os produtos autorais eram todos envolvidos em papel de seda lacrado com um adesivo, ambos identificados, como observamos na figura 22b. Fontes: autora. Acervo pessoal, 2013.

Na parceria de Cavalli para C&A, percebia-se um reforço constante na validação das mercadorias e consequente transferência de fashion capital por parte do consagrado estilista italiano, visto o exagero de identificação com o nome Roberto Cavalli nos produtos e nos materiais de comunicação. As roupas, por exemplo, traziam três etiquetas, das quais duas eram fixas às peças, referendando a associação e, na comunicação com o cliente, até o papel de seda que embrulhavam as peças eram assinalados pelo carimbo Roberto Cavalli.

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Aproveitando-se do prestígio do colaborador internacional, a C&A lançou ao mesmo tempo da coleção Cavalli uma linha de acessórios com estampas de bicho. Os catálogos dessa linha de acessórios da rede popular, intitulado de Necessários, foram disponibilizados ao lado dos catálogos do parceiro renomado (figura 23), bem como os acessórios da C&A estavam próximos ao espaço destinados às mercadorias do estilista. Essa estratégia fez com que as consumidoras menos atentas adquirissem os produtos não avalizados pelo italiano como tal. Na pesquisa de campo, registramos casos nos quais as consumidoras sabiam que os produtos não eram da parceria com Cavalli, mas, diante da semelhança estética com as peças grifadas pelo designer e dos preços mais baixos, adquiriam-nas com o mesmo entusiasmo.

Figura 23 – Catálogos da parceria com Cavalli e de acessórios da C&A

Na imagem vemos à esquerda o catálogo da coleção Roberto Cavalli para C&A e à direita o catálogo de acessórios da C&A com estampas de bicho. Posicionados lado a lado, os dois catálogos parecem pertencer à mesma coleção. Fonte: autora. Acervo pessoal, 2013.

Uma estampa de tigre com o título da coleção ilustrava a capa do catálogo da campanha de Cavalli. O verso da capa era ocupado pelo requinte de um dourado acetinado e na primeira página o texto, também em dourado, apresentando a coleção:

Um dos maiores ícones do mundo fashion chegou para transformar você em símbolo de sofisticação e ousadia. Cavalli para C&A é

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uma coleção única, como o estilo que consagrou o italiano. Prepare-se para abusar com os vestidos mais ousados e o toque inconfundível do animal print. Todas as peças misturam sensualidade e bom gosto para você criar looks arrasadores. Cavalli e C&A se juntam para fazer você se sentir cada vez mais sexy, poderosa e abusada.

A mensagem verbal ressaltava a capacidade de Cavalli, um criador que representa por analogia (ícone) o mundo da moda, de transformar consumidoras de qualquer classe em representantes por convenção (símbolo) da sofisticação, sensualidade, bom gosto e poder, características que assinalam o consagrado trabalho do criador italiano. As imagens do catálogo exultavam a requintada sensualidade proposta por Cavalli (figura 24), encarnando satisfatoriamente as ideias necessárias para o sucesso da comunicação. No cenário paradisíaco de Ibiza, ilha na Espanha, destino de turistas endinheirados, a modelo russa , outra representante legítima da moda mundial tal qual a modelo utilizada na campanha de McCartney, então namorada do jogador de futebol português de fama internacional, Cristiano Ronaldo, fotografou em poses provocantes. O fato de a modelo manter um relacionamento com uma celebridade do esporte mais popular do Brasil e que ainda tem interação com o setor da moda – em 2010 o jogador já foi garoto-propaganda do consagrado estilista italiano Giorgio Armani e, atualmente, possui uma linha própria de roupas íntimas masculinas – acrescentou tanto na divulgação da campanha86 quanto no prestígio da parceria, pois à modelo e à coleção por ela apresentada somou-se o capital simbólico do jogador português. A fotografia a seguir que integra o catálogo da parceria, a pele bronzeada e os grossos lábios entreabertos da modelo russa corroboram na construção da ideia de sensualidade. O olhar da modelo encarando o leitor, parece estabelecer com este um jogo de sedução. Como nos fala Martine Joly: “encarando o espectador ‘olhos nos olhos’, o personagem dá-lhe a impressão de ter com ele uma relação interpessoal, instaurada entre um eu e um você.” (JOLY, 2010, p. 106). O cabelo

86 Na página do programa Globo Esporte exibido pela rede globo, emissora de maior penetração nacional, a parceria foi divulgada com o título “Namorada de CR7 posa para nova coleção de Roberto Cavalli para C&A”. Nesse momento, todo o prestígio da coleção estava associado ao jogado Cristiano Ronaldo, retratado no meio esportivo pela sigla CR7 composta das iniciais do nome do português acrescida do número da camisa do jogador no time espanhol Real Madrid. (NAMORADA..., 2013).

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desalinhado e molhado afasta a modelo das convenções da mulher enquadrada e espelha um semblante um tanto selvagem que tão bem compunha com as recorrentes estampas de bicho de Cavalli. O plano de fundo com a nitidez reduzida dá destaque à modelo e a transforma em um zona privilegiada de atenção. O enquadramento da foto em plano americano – do joelho para cima – confere proximidade com a imagem ao mesmo tempo em que amplia a proporção. Esta é ainda mais aumentada em razão de a imagem ocupar duas páginas do catálogo. Esse “agigantamento” da modelo atribui poder à sua imagem. O poder que a sensualidade de Cavalli evoca.

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Figura 24 – Fotografia do catálogo da campanha Roberto Cavalli para C&A.

A modelo russa Irina Shayk exala sensualidade posando num cenário que remete ao sol, calor humano, nudez e volúpia. A pele bronzeada, os lábios avantajados entreabertos, o vestido curto de seda pura que, com o decote aberto, escorrega por um ombro enquanto é levemente erguido acima da coxa numa postura de pernas maliciosamente abertas conferem o conceito sensual do estilista italiano. O olhar fixo e sedutor sobre o leitor e os cabelos em desalinho retratam a mulher poderosa e dominadora que usa Cavalli. E, por fim, a estampa de leopardo da grife, os muitos colares, anéis e pulseiras dourados que compõem a produção e o biótipo da própria modelo desprovida dos seios fartos e pernas grossas que, nas palavras do estilista, poderiam rentear a vulgaridade, espelham o glamour e o bom gosto que o designer diz ser garantido em suas criações. Fonte: catálogo da campanha de Roberto Cavalli para a C&A em 2013.

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No interior da loja, as estampas de bicho dominavam a cena. Aos banners, com fotos da campanha e placas suspensas com o título da coleção, foi incorporado um espaço decorado com tapete e puffs estampados com os desenhos de pele de tigre (figura 25). Nessa área, que foi destinada à exposição de calçados, alguns atendentes da rede popular educadamente abordavam as clientes mostrando os modelos com assinatura do italiano e oferecendo-se para pegar o calçado escolhido no estoque. Essa foi outra ação única da parceria, pois jamais qualquer coleção autoral teve um espaço reservado para prova de calçados e um atendimento relativamente personalizado como foi possível observar na associação com Cavalli.

Figura 25 – Cena do lançamento da coleção Roberto Cavalli para C&A.

Os puffs e tapete com estampa de tigre delimitam a área de exposição e prova dos calçados assinados. No canto direito da foto, uma atendente da rede varejista, de blusa vermelha, apresenta para a cliente, de blusa azul, os modelos de calçados arrumados no expositor em forma de degraus na cor dourado. No canto esquerdo da imagem duas clientes conversam sobre a coleção. A cliente que está em pé, trajando branco, tem três sacolas apoiadas nas pernas, das disponibilizadas pela loja para carregar mercadorias, abarrotada de produtos da parceria. Ao lado delas, cabides são largados sobre o puff e no chão da loja. Fonte: autora. Acervo pessoal, foto registrada em 5 de novembro de 2013, dia do lançamento

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da parceria com Cavalli, na loja C&A localizada no Maceió Shopping, na cidade de Maceió.

A estampa de tigre também foi usada de forma exaustiva na vitrina das lojas da C&A (figura 26a), enquanto o desenho da pele do leopardo foi sugerido em três painéis nas cores dourado, branco e marrom suspensos ao fundo da vitrina (figura 26b). O cenário era completado por banners que, com moldura dourada, representavam quadros e traziam imagens da campanha de Cavalli assinados pela linha C&A collection. Esses quadros evocavam o status de artista do estilista. Um manequim branco e sem cabeça, que além de destacar as roupas permite a cada um conferir-lhe os traços que desejar, inclusive os seus próprios, produzido com as peças finas criadas pelo italiano, era posicionado ao lado de expositores dourados que exibiam os acessórios autorais. O título Roberto Cavalli para C&A foi impresso em dourado numa placa de acrílico transparente. Suspensos em fios de nylon e posicionados em diferentes profundidades, os painéis de referências às peles de bichos, os quadros com fotografias da campanha e a placa de identificação da parceria do italiano proporcionavam movimento ao cenário da vitrina. A montagem carregada de estampas de bichos, a repetição da cor dourado e a acumulação de materiais – banners, painéis, expositores, manequim e nichos – no cenário que comunicava as criações de Cavalli aproximavam a construção visual da vitrina à corrente de montagem Barroca. Demetresco nos fala que a corrente de montagem Barroca “se desenvolve com cenografias em que imperam a acumulação, a repetição e a overdose de materiais”. E completa que “o barroco prevalece nas lojas de marcas sofisticadas, [...] pelo custo financeiro de tal expressão.” (DEMETRESCO, 2012, p. 119).

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Figuras 26a e 26b – Fotografias da vitrina da campanha Roberto Cavalli para C&A.

Na composição da figura 26a sobressai-se a estampa de tigre que foi utilizada na cobertura do piso do cenário, na sapatilha em destaque no expositor mais alto e que está no centro da vitrina e no vestido duplamente apresentado na manequim e no banner ao fundo da cena. O vestido de exibição repetida é a peça mais cara da coleção, custava R$799 reais. O cenário da vitrina expõe as três estampas de bicho usadas na parceria: a estampa de tigre empregada nos locais já mencionados, a estampa de leopardo trabalhada nos painéis e a estampa de zebra aplicada no tecido da roupa visível no banner do canto direito da cena. O glamour dos desenhos das peles dos bichos, marca maior de Cavalli, estava exaustivamente expresso na vitrina. Na figura 26b, é possível visualizar melhor os painéis baseados na estampa de leopardo. Fonte: .

3.2 A FUNÇÃO DO DESIGN BRASILEIRO DE VISIBILIDADE INTERNACIONAL

Aqui analisaremos as parcerias estabelecidas pela C&A com criadores brasileiros de visibilidade internacional. Esses designers são pouco conhecidos no país, o que nos leva a supor que eles só foram acessados pela varejista devido a sua consagração internacional, ou seja, para conferir à moda nacional um caráter global. Essas associações, com estilistas pouco visíveis internamente, mas com reconhecimento externo, que será superdimensionado pela C&A, são motivadas

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pela estratégia de divulgação no mercado interno de uma suposta moda brasileira mundializada. É um modo de legitimar internamente a moda nacional, e portanto a moda da C&A, por meio do reconhecimento e valorização internacional de alguns criadores portadores dos valores da globalidade. Bresser nos fala “que se a moda brasileira vai ao exterior [a autora refere-se a marcas brasileiras que exportam] ela retorna ao Brasil ainda mais legitimada”. No caso das parcerias da C&A, a moda “brasileira” se fez no exterior (tanto Anne Fontaine quanto Daniella Helayel erigiram suas carreiras fora do país), então supõe-se que ela é ainda mais legitimada, pois construiu-se nas instâncias do mercado global de moda localizadas nas capitais mundiais da moda – Anne Fontaine, em Paris, e Daniella Helayel em Londres. (LEITÃO, 2007a, p. 345). A aceitação das parcerias por parte de criadores renomados internacionalmente, sejam eles brasileiros ou não, é outro quesito de valoração para a moda da C&A, uma vez que designers desse porte, ao escolherem as empresas com as quais se associam, promovem uma classificação positivada destas. Para sua segunda parceria internacional, a C&A trouxe a estilista brasileira radicada em Paris, Anne Fontaine. A designer fundou sua marca de moda feminina em 1993, em Paris. Conhecida pela excelência no trabalho com camisas brancas, peça para a qual criou inúmeras variações – para a primeira coleção de sua marca foram criadas mais de 500 modelos –, a estilista assinou uma coleção disponibilizada nas lojas da rede popular em abril de 2013. Após os resultados satisfatórios alcançados na colaboração com a cadeia varejista, Fontaine, que possui mais de 80 lojas espalhadas pelo mundo, abriu, em junho de 2013, sua primeira loja no Brasil. O Rio de Janeiro, cidade natal da estilista, foi o lugar escolhido para o empreendimento. No período do lançamento da parceria da designer com a C&A, a revista Vogue divulgou, em um publieditorial (editorial pago), o reconhecimento do trabalho de Fontaine pelas celebridades. A revista revelava que a carioca que deu novas possibilidades às camisas brancas cativou clientes de prestígio tais como a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey, a atriz também norte-americana Catherine Zeta Jones e a atriz francesa Catherine Deneuve. Outra vez o recurso do aval das celebridades era usado para atrair o público. As celebridades realizam um empréstimo de valor simbólico que, sem alterar a qualidade dos produtos, promove

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sua apreciação social. Elas parecem poder mudar as coisas e nos encher de estímulos e anseios de consumo. O release divulgado pela assessoria de imprensa da C&A anunciava à mídia toda a reivindicação ao chique – fazendo uso desta palavra em francês para reforçar a representação de Paris – da parceria e também reforçava a aprovação e adesão de celebridades ao trabalho de Fontaine:

Estilista brasileira radicada em Paris, mostra a essência da mulher clássica e chic para o universo da rede fast-fashion. [...] A C&A lança sua segunda parceria internacional por meio do projeto C&A Collection, desta vez trazendo o requinte da estilista Anne Fontaine. [...] Anne fez com que a camisa [branca] se tornasse uma peça chave de um visual chic, marcante e dotado de muita personalidade, que conquistou muitas celebridades, e que também promete reforçar o lado sofisticado da mulher brasileira.

Desejando comunicar o laço com uma das categorias mais consagradas no campo da moda, a rede popular publicou em seu site que “a estilista recebeu prêmios importantes pelos serviços prestados à alta-costura francesa.” O valor da marca Anne Fontaine, não tão conhecida do público, poderia ser garantido por sua associação com a alta-costura. A própria criadora desenvolveu uma ilustração e um tema exclusivos para a campanha da C&A. O desenho criado por Fontaine retratava uma mulher magra de cabelos curtos, corpo alongado e salto alto, conduzindo um cachorro, possivelmente um bulldog francês. Abaixo do desenho, a assinatura digital da estilista autorizava a figura. A imagem da mulher esguia e bem vestida, muito próxima de um croqui, era a expressão da própria elegância voluntária – atribuída aos franceses em geral, desde o reinado de Luiz XIV –, e sem apego exagerado às tendências da mulher francesa. Françoise Hardy, uma cantora parisiense famosa pelas canções e pelo bom gosto e estilo na década de 60, a qual tão bem personifica o senso de moda da mulher parisiense, foi inspiração para a coleção de Fontaine. Essa parece ter sido a parceria da C&A mais direcionada para um público de alto poder aquisitivo. A comunicação que exaltava a elegância e o chique da alta moda de Paris, sem tanto apelo à sensualidade, e era inspirada na figura de Hardy, estava mais em sintonia com a sensibilidade dos consumidores dessa parcela da sociedade que passou a

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consumir as coleções grifadas dentro da C&A, seguindo um padrão de consumo legitimado globalmente pelo estilo Hi-Lo. O mito do requinte da mulher francesa foi e ainda é tão soberano que, como nos fala Dejean,

um comentarista do final do século XVII preparava os estrangeiros que planejavam uma viagem a Paris para vivenciar novas experiências: “Até mesmo a parisiense comum estará mais magnificamente vestida do que as mais elegantes senhoras em seus países natais.” (DEJEAN, 2010, P. 12).

O cachorro de raça francesa e preço elevado contribuíam com a evocação do disseminado estilo de vida parisiense. A imagem era toda em preto e branco, combinação de cores mais associada à sofisticação. O tema, muito apropriado à designação do chique da campanha de Fontaine para C&A, era Paris Chic para o meu Brasil. Essa mensagem verbal servia para determinar “o nível correto de leitura” da imagem, pois, sem essa legenda, a mulher magra de cabelos curtos, corpo alongado e salto alto, conduzindo um cachorro seria uma “cadeia flutuante de sentido”. (JOLY, 2010, p. 109). A cidade luz é mundialmente reconhecida como o lugar onde encontrar glamour, requinte e moda e fazer menção a essa cidade duplamente – além de citar o nome da cidade o “a” de Paris foi substituído pela Torre Eiffel, uma imagem estereotipada da cidade luz – é acionar algo de muito significativo para os consumidores que aspiram estar na moda. A ilustração e a frase foram impressos na cor preto, cor que tem conotação de nobreza (Farina,1990, p. 133), nas sacolas personalizadas da parceria (figura 27a), de alças tão frágeis quanto às sacolas das coleções de Gisele Bündchen, e nas etiquetas de papel anexadas às peças (figura 27b). Nestas últimas, um texto reforçava o poder de representação de mulheres do país que determinou as normas do viver com elegância, pela coleção: “Nesta coleção, Anne Fontaine criou peças que representam a essência da mulher parisiense e suas muitas facetas, com exclusividade para a C&A.”

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Figuras 27a e 27b – Materiais de comunicação da parceria de Fontaine para a C&A.

A figura 27a exibe as sacolas personalizadas da parceria da rede popular com Fontaine. De um lado da sacola, estava impresso o título da coleção Anne Fontaine para C&A; do outro lado, o tema Paris Chic para meu Brasil e a gravura da elegante mulher francesa com a assinatura digital da designer. O título, o tema, a gravura e a assinatura também estavam presentes nos cabides e etiquetas costuradas às roupas e anexadas às peças, como vemos na figura 27b. Fonte: autora. Acervo pessoal, 2013.

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No verso da capa do catálogo da campanha fotografada em Paris, um texto apresentava a designer e confirmava seu vínculo com a cidade luz e, consequentemente, a veracidade do espírito parisiense vinculado ao bom gosto nos produtos desenvolvidos em parceria com a C&A:

Como sou filha de pai francês e mãe brasileira, Paris sempre fez parte da minha vida. Da cidade, onde vivo desde a adolescência, saiu minha inspiração para esta coleção exclusiva para C&A. Entre as peças apresento o principal hit, a camisa branca, que traduz todo o DNA do meu trabalho como estilista. Outro destaque é o couro ecológico que está presente em shorts, saias, calças e jaquetas. Além de tudo isso, você vai encontrar também calçados e acessórios com muito charme e bom gosto.

Na penúltima página do catálogo, Fontaine se despedia bem ao estilo francês com um “Au revoir, Brésil”. No interior do catálogo, as fotografias propunham uma naturalização da representação da essência da mulher parisiense como uma tentativa de transformar as peças de Fontaine numa associação legítima do estilo de vestir de Paris. Vemos este propósito na imagem a seguir que faz parte do catálogo (figura 28). Essa fotografia parece naturalizar uma representação da mulher parisiense. A imagem da modelo em movimento, sem posar, sugere um registro da própria realidade da mulher parisiense circulando por Paris elegantemente vestida num dia qualquer e esfumaça o caráter construído da fotografia. Outra característica da foto que favorece a naturalização da cena é o ângulo de tomada. “O ângulo à altura do homem e de frente é aquele que dá com maior facilidade a impressão de realidade e naturaliza a cena, pois imita a visão natural.” (JOLY, 2010, p. 95). A evocação à realidade na foto também se dá pela profundidade que sugere “um espaço real de três dimensões”. (JOLY, 2010, p. 95 - 97). A imagem em preto e branco reforça a evocação da sofisticação que essa combinação de tons confere.

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Figura 28 – Fotografia do catálogo da campanha Anne Fontaine para C&A.

Fonte: catálogo da campanha de Anne Fontaine para a C&A em 2013.

No catálogo, às fotos das produções de moda com as peças autorais juntavam-se repetidas imagens da Torre Eiffel, em fotografias ou ilustração igual ao desenho que substituiu o “a” de Paris. O desenho da elegante mulher posando com o bulldog francês também foi revisitado no catálogo. Os objetos representados no catálogo remetiam às ideias clichês de Paris e, por serem largamente difundidas, eram de fácil leitura. Na comunicação do ponto de venda, as araras, com aparência similar às araras comuns da rede, eram sinalizadas por placas cinzas com o título Anne Fontaine para C&A escrito em preto (figura 29). O espaço das peças autorais tinha sinalização reforçada por uma placa em acrílico transparente, suspensa por fios de nylon, na qual também estava impresso o título da coleção. Os cabides, na cor branca, recebiam a assinatura digital da designer. O cenário da vitrina, em preto e branco, combinação cromática predominante nos materiais de comunicação, era composto de manequins brancos sem cabeça, semelhantes aos manequins utilizados nas parcerias com Stella McCartney e

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Roberto Cavalli e por ilustrações referências de Paris como a bicicleta transportando a baguete, os postes de iluminação pública e a recorrente Torre Eiffel (figura 30). A composição visual da vitrina exibia, de maneira clara, seus componentes com vistas a uma melhor leitura. Uma placa de acrílico transparente, similar à placa de sinalização dos produtos assinados no interior da loja, identificava a parceria. O visual limpo e leve espelhava-se na construção da cenografia das grifes de luxo. Na montagem de Anne Fontaine, o cenário construído por imagens desenhadas ao fundo sugeria um tema como a mulher parisiense desfilando sua clássica elegância nas ruas da cidade que domina o bom gosto e o estilo. A vitrina também era um suporte de evocação de ideias estereotipadas de Paris. A vitrina da campanha da designer brasileira enquadra-se no tipo de encenação Grandes Temas - Cidade, segundo a sistematização de Demetresco. Para a autora, “as vitrinas que compõem essa tipologia vendem o mundo com cenas que cantam os lugares e seus charmes, de onde surgem temas como Viva a França!, a fascinação pelo Japão, Bravo, Itália!, Paris na Alemanha [...]”, e completa:

algumas vezes, as representações parecem um catálogo de produtos de um país, outras vezes são clichês facilmente reconhecíveis, como a torre Eiffel ou a festa italiana com bandeirolas, pizza e cozinheiros que entram em cena. (DEMETRESCO, 2012, p. 229-231).

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Figura 29 – Espaço da parceria Anne Fontaine para C&A no interior das lojas da cadeia.

Com uma interferência “acanhada” no ambiente, os produtos de Fontaine se perdiam em meio aos demais produtos da rede popular. Fonte: .

Figura 30 – Vitrina da coleção Anne Fontaine para C&A.

Fonte: .

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Para a colaboração de Fontaine com a C&A, foram produzidos 90 modelos distribuídos entre roupas, acessórios e calçados. Os preços variavam de R$15,90, um anel ou brinco, até R$299, uma bota over the knee (acima do joelho). O fato de esse calçado, no período do lançamento da coleção, não ser usual no Brasil era insignificante, pois ele cabia ao propósito da coleção de associação com o estilo de vestir das francesas. Na loja da estilista no Shopping Village Mall, no Rio de Janeiro, uma camisa branca, peça chave da designer, custa a partir de R$763. Na C&A, as camisas brancas estavam na média de R$70. Nota-se que a parceria com a cadeia popular tornou os produtos da brasileira mais acessíveis, o que é a proposta de moda das lojas de departamentos: vender a um preço acessível uma mercadoria com conteúdo de moda e qualidade. “Faz um ano que me aproximei da C&A e gostei da ideia de democratização da moda. Como minhas clientes fazem parte de um grupo reduzido, é excitante poder criar para um público maior”, declarou Fontaine. (ANNE..., 2013). A moda democrática comercializada pela estilista na C&A pecou no quesito qualidade. Na pesquisa de campo realizada no lançamento da coleção, as clientes reclamaram que algumas blusas de algodão estavam com a costura repuxando dando a aparência de um leve franzido, e com as golas pendendo para trás, sem acomodar devidamente ao pescoço. Havia também vestidos com forros muito curtos. Tentando manter a ideia de exclusividade que reverbera no desejo de distinção individual do consumidor, mais uma vez a rede utilizou o recurso de restringir a poucas lojas os produtos autorais, assim como fez na coleção de Stella McCartney e Roberto Cavalli. As peças foram para 80 unidades selecionadas pela localização em áreas de maior circulação de clientes das classes altas. Em sua terceira parceria internacional, lançada em julho de 2013, a C&A chegou à marca Issa London. A Issa é uma empresa fundada em fevereiro de 2001, em Londres, pela designer carioca Daniella Helayel. O nome da marca teve origem na gíria utilizada pelos surfistas cariocas quando alcançavam um bom desempenho em manobras desse esporte. Ao explicar a expressão que foi usada como referência para o nome da grife, Helayel fala: “Eles [os surfistas] levantavam a mão e gritavam

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‘Issa’. Um som de felicidade com a conquista, muita adrenalina e controle.” (HELAYEL, 2010, p. 89-93). Os produtos autorais desenvolvidos para a rede popular foram a última coleção de Helayel no cargo de diretora criativa da Issa, pois a grife foi vendida para Camilla Al-Fayed, sócia inglesa da designer brasileira. Camilla é filha do milionário egípcio Mohamed Al-Fayed, ex-proprietário da Harrods, uma tradicional e luxuosa loja de departamentos de Londres. A sociedade com a herdeira inglesa muito contribuiu para a construção da imagem de grife consagrada da Issa. A estilista carioca formada no Instituto de Tecnologia de Moda de Nova York – FIT, instituição influente no circuito da moda, tornou-se uma designer renomada no cenário fashion e até fora desse circuito quando as celebridades começaram a usar as roupas da sua marca. Em 2006, a cantora Madonna aderiu à moda estampada de Helayel e foi seguida pela socialite Paris Hilton e pelas atrizes de Hollywood Scarlett Johansson, Keira Knightley e Eva Mendes. Entretanto, o impulso maior para fama da Issa aconteceu em 2010, quando a atual princesa Kate Middleton usou um vestido da grife em seu noivado com o príncipe britânico William. A peça utilizada pela princesa esgotou em menos de 24 horas nas lojas da marca de Helayel (SERJEANT, 2011). Além da magia de ser uma princesa, Middleton é uma referência para o mundo da moda e isso faz com que uma marca usada por ela seja duplamente favorecida nos quesitos suntuosidade e senso de estilo. A partir desse momento, a Issa passou a ser uma amostra da moda da realeza britânica. Sob o título C&A Collection Issa London une o charme inglês à irreverência brasileira, o release de apresentação da parceria da C&A com a grife comunicava a mistura do estilo inglês com o brasileiro, um discurso bem atrativo para o consumidor contemporâneo que constrói sua aparência com base por vezes na sobreposição de estilos bem distintos. A comunicação também fez apelo à aura das celebridades e deu ênfase ao fato de que a marca faz sucesso em todo o mundo, destacando a consagração mundial da Issa, bem como o caráter global da moda brasileira.

Presente nos guarda-roupas de celebridades internacionais e da realeza britânica (a Duquesa de Cambridge, Kate Middleton, usou um vestido da marca em seu noivado com o príncipe William), a Issa tem feito cada vez mais sucesso em todo o mundo. Dentro de sua proposta de democratização da moda, a C&A e Daniella

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prepararam essa coleção pensando no público brasileiro, mas sem deixar o charme londrino de lado. [...] O lifestyle londrino pode ser visto nas diferentes estampas e nos cortes leves e femininos, misturado à bossa de seu DNA brasileiro.

Foram aproximadamente 57 modelos assinados, distribuídos entre roupas, calçados e acessórios, e com preços que variavam de R$39,90, um cinto, até R$299, um vestido. O esforço de acessibilidade da coleção é comprovado na redução significativa dos preços, pois, para comparação, a peça usada por Middleton no noivado custou €385, aproximadamente R$995. Na parceria com a C&A, os vestidos foram as peças de destaque. Alguns ressaltavam o laço com os ingleses por meio das estampas das fardas da guarda real; outros pelo uso das cores da bandeira da Grã-Bretanha: vermelho, azul e branco. Uma das peças mais solicitadas pelas clientes era uma clutch87 com estampa da bandeira britânica. As estampas são uma característica de destaque da Issa e foram acessadas várias vezes na colaboração com a rede popular. Não por acaso, a coleção Issa para C&A foi lançada em 11 de julho de 2013, período em que a imprensa mundial estava voltada para o nascimento do filho de Kate e William, que aconteceu em 22 de julho de 2013. A imagem de Middleton e discussões sobre os trajes que ela estava usando eram recorrentes e deixavam a consumidora brasileira bem informada e desejosa de todo senso de moda da Duquesa de Cambridge. Era o estímulo ideal para deixar as compradoras prontas para devorar toda a coleção da Issa – a marca brasileira que vestia uma princesa! – em parceria com a C&A. Na loja em que a análise da coleção da Issa para a rede popular foi realizada, no Maceió Shopping na cidade de Maceió, quando questionadas sobre conhecimentos da nova marca parceira, poucas clientes sabiam dar informações sobre a Issa. Muitas nem conheciam a marca. A resposta mais comum era: “não é aquela grife que veste a princesa Kate?” O catálogo da campanha, fotografada em Londres, mais parecia um mostruário de símbolos da cidade, valia-se deliberadamente desses signos para indicar o vínculo com o estilo de vida londrino (figura 31a). Na foto da capa, as modelos passeavam no andar superior do ônibus de dois andares da cidade com o

87 Clutch em inglês significa agarrar. A palavra dá nome a uma bolsa pequena que se carrega pela mão e geralmente é usada em eventos especiais.

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Big Ben ao fundo. As cabines telefônicas também foram cenários para os registros fotográficos. O vermelho, o azul e o branco coloriam toda a produção que se desdobrava em um grande pôster (figura 31b) de duas modelos em posição de sentido prestando continência, cada uma de um lado de um guarda real. Nessa imagem, todos os personagens da foto olham para o espectador, estabelecendo com ele uma relação de proximidade, tal qual a coleção pretende fazer entre Londres e Brasil. A ideia do catálogo era estabelecer uma comunicação inteligível por meio de signos formados com o objetivo de uma leitura fácil ligados ao saber preexistente do leitor. Aqui a comunicação se fazia acionando saberes mais ou menos interiorizados do público que circula na C&A.

Figuras 31a e 31b – Catálogo da coleção Issa para C&A.

O catálogo da coleção Issa para C&A foi concebido numa única folha com as dimensões de 80cm de altura e 60cm de largura. Quando dobrada a folha, o lado preenchido por imagens, figura 31a, constituía as páginas de um catálogo. E quando desdobrada a folha, o outro lado formava em um pôster, figura 31b. Fonte: catálogo da campanha da Issa para a C&A em 2013.

Junto à sobrecarga de referências à Londres, da mensagem visual, uma mensagem verbal estimulava o sonho de princesa das clientes C&A, corretamente acrescido das qualificações irreverência – que pode ser lida como o estereótipo de um “verdadeiro caráter nacional” erigido com base na alegria do brasileiro que reflete a criatividade, os ritmos e o espírito festivo do nosso povo – e sensualidade – aqui

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evocada pela palavra abusada – desejadas pelas brasileiras.

A marca que consagrou a moda brasileira na Inglaterra chegou para misturar a tradição britânica com a nossa irreverência. Favorita de it girls pelo mundo e até de jovens da Família Real, ISSA, traz peças inspiradas em ícones do Reino Unido. Só que de um jeito bem brasileiro. ISSA para C&A. Seus looks com toque de realeza. E cada vez mais abusados.

Assim como nas outras parcerias, os produtos autorais eram acompanhados por cabide com a identificação da grife colaboradora (figura 32b), sacolas personalizadas, dando-nos uma ideia de singularização (figura 32a) – para os compradores da Issa as sacolas eram brancas de alça azul marinho com o título da campanha impresso na mesma cor e, para completar as cores da bandeira britânica, traziam o vermelho do logo da C&A – e duas etiquetas (figura 32b). A etiqueta de tecido que era presa na roupa tinha as bordas da bandeira da Grã-Bretanha e a identificação da coleção. A segunda etiqueta, de papel e anexada às peças, era dupla. Em uma parte estava impressa a bandeira britânica; na outra, a ilustração de uma coroa seguida de um texto sucinto que destacava mais uma vez a mistura de estilos da parceria. A mensagem verbal, reproduzida no próximo parágrafo, era assinada pelo título Issa para C&A.

ISSA é a marca que levou a moda do Brasil para a Inglaterra, e agora traz um pouco da Inglaterra para o Brasil através desta coleção elegante e divertida. [...] Issa chega na C&A com senso de humor inglês e ares de realeza, para vestir as brasileiras com charme e ousadia.

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Figuras 32a e 32b – Materiais de comunicação da parceria da Issa para a C&A.

As sacolas personalizadas com o título da coleção Issa para C&A e as cores da bandeira britânica são mostradas na figura 32a. A figura 32b expõe os cabides e as etiquetas que também são identificados pelo título da campanha e pelas cores da bandeira britânica. Fonte: autora. Acervo pessoal, 2013.

A cenografia da vitrina da campanha, toda nas cores azul, vermelho e branco, expunha banners com imagens do catálogo e manequins brancos produzidos com as peças autorais (figura 33). Como visto anteriormente, manequins brancos dão destaque às mercadorias e deixam a critério de o consumidor conferir-lhes os traços. Estruturas que espelhavam a desconstrução da bandeira da Grã-Bretanha complementavam a decoração. Eram elas cubos com adesivos de frações da bandeira, nos quais os acessórios eram expostos, e lâminas em acrílico com fragmentos da revisitada bandeira. Uma placa de acrílico transparente com o título Issa para C&A – estrutura semelhante à placa de sinalização da coleção de Roberto Cavalli e Anne Fontaine – identificava e validava o cenário. Essa é uma vitrina também enquadrada na tipologia Grandes Temas – Cidade. Como vimos na análise da cenografia de Fontaine, as vitrinas dessa categoria comercializam montagens que celebram os lugares e dessas composições surgem, como nos fala Demetresco (2012, p. 231), “interpretações geométricas da bandeira da Grã-Bretanha muitas vezes visitadas nas vitrinas.”

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Figura 33 – Vitrina da campanha Issa para C&A.

Os símbolos da Grã-Bretanha são insistentemente acionados nas cores e segmentos da bandeira da região e nas fotos do Big Ben, do andar aberto do ônibus de dois andares. Fonte: .

No interior da loja, o espaço da parceria era indicado por araras que traziam no topo placas em vermelho com bordas da bandeira britânica (figura 34a). Um banner da mesma imagem do pôster no qual se transformava o catálogo também sinalizava aos clientes a localização dos produtos da Issa. As peças avalizadas por Helayel foram distribuídas somente em 74 lojas da rede popular, repetindo a estratégia de restrição, exclusividade e distinção individual das outras associações com os estilistas consagrados. Os produtos assinados por prestigiosos criadores portam-se como estímulos emocionais que produzem um estado de excitação nas clientes da C&A, proporcionando o prazer que alimenta o consumo. Esse processo pode ser um caminho para explicar a balbúrdia gerada pelas desvairadas consumidoras da varejista que aproxima o cenário dos lançamentos das parcerias de uma liquidação das Casa Bahia. As filas já se formam antes mesmo de a loja abrir. Quando as portas são liberadas, há uma correria para as araras onde estão os produtos autorais que fascinam as consumidoras com promessas de beleza, criatividade, originalidade e diferenciação individual via exclusividade, disparadas pela comunicação das

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campanhas antes dos lançamentos, quer pelos releases divulgados na imprensa, quer pelas propagandas veiculadas na mídia. Essas mensagens divulgadas podem ser vistas como fornecedoras de “material de sonho”, enfeitiçando os produtos grifados que serão identificados como algo dos sonhos das consumidoras. As peças autorais serão assim empregadas no que Campbell denomina de “prazer imaginativo do consumido moderno”. Para o autor, “a atividade fundamental do consumo [...] não é a verdadeira seleção, a compra, o uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo a que a imagem do produto se empresta, sendo o consumo verdadeiro, em grade parte, um resultante desse hedonismo ‘mentalístico’.” (CAMPBELL, 2001, p. 134). Em aproximadamente 10 minutos, pouca coisa resta nos expositores. As clientes avançam sobre os funcionários encarregados de colocar os modelos nas araras (figura 35d). São poucos os que conseguem driblá-las e “jogar”, arrumar seria impossível, as peças nos espaços devidos. Nas lojas analisadas na pesquisa de campo, era comum o abastecimento das mercadorias autorais após a abertura das lojas. Os produtos assinados iam sendo disponibilizados aos poucos às frenéticas consumidoras da rede. As compradoras disputam os produtos a empurrões, cotoveladas, pisão no pé e arranhões (figura 35b). Algumas clientes chegam a encher de roupas três sacolas, das que a rede disponibiliza para levar as peças aos provadores e depois ao caixa (figura 34b). Outras montam pilhas das roupas assinadas no chão da loja devidamente vigiadas por uma amiga, familiar ou companheiro (figura 36c). A seleção dos modelos não é pelo tamanho que a consumidora usa, mas pelo que ela consegue pegar no alvoroço que se forma no espaço da coleção (figura 35a). Muitas já ficam postadas nas portas de descarga das mercadorias e se lançam sobre as caixas dos produtos ainda lacradas. Com a oferta constante de parcerias, a C&A já conta com um grupo de consumidoras assíduas nos lançamentos das coleções autorais. Para algumas, é irrelevante não conhecer o criador de renome que assina a coleção. O importante é ter uma prazerosa experiência imaginativa alimentada pela imagem dos produtos divulgada na comunicação. Elas já sabem as regras que regem a aquisição das mercadorias grifadas, então posicionam-se nos lugares estratégicos. Essas compradoras conhecem as

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portas de descarga da loja, as portas por onde as peças descartadas nos provadores retornam às araras (figura 35c) e, principalmente, conhecem os vendedores. Com estes negociam os produtos de seus gostos e tamanhos. Há casos em que o vendedor as conhece tão bem que já antecipa os pedidos entregando em portas estratégicas as mercadorias corretas na numeração exata. Após o ataque das compradoras vorazes, o local destinado à coleção assinada assemelha-se à um espaço saqueado ou vitimado por um furação. São araras vazias, manequins despidos, produtos jogados ao chão, cabides espalhados (figuras 34a e 36a) e novas clientes esperando uma reposição para reiniciar o processo voraz. Nos provadores, formam-se filas imensas e desordem. Então, para dinamizar o atendimento, o provador masculino também fica disponível (figura 36b). Como há um limite de produtos para entrar no provador, as várias peças que ficaram de fora são postas em sacolas identificadas por etiquetas duplas. Uma etiqueta é entregue à cliente e a outra marca a sacola que fica reservada. O uso de etiquetas com identificação é um procedimento recente que se fez necessário, uma vez que, em coleções autorais passadas, as sacolas não identificadas que estavam na reserva eram “roubadas” por outras clientes. Esse produtos tornam-se objetos de desejo, na medida em que se ligam ao prazer dos sonhos das clientes, alimentados pelo poder mágico do criador, pela alardeada onipotência – baseada no mito de sua originalidade e autonomia criativa – dos designers parceiros da C&A. Como nos explica Campbell,

“Tão logo ocorra essa identificação [do produto grifado com o prazer dos sonhos das consumidoras], o produto será ‘desejado’ [...]. A prática visível do consumo, portanto, não é mais do que uma pequena parte de um modelo complexo de comportamento hedonista, cuja maior parte se dá na imaginação do consumidor”. (CAMPBELL, 2001, p. 131).

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Figuras 34a e 34b – Lançamento da coleção Issa para C&A.

Na figura 34a, roupas e cabides jogados ao chão da loja denunciam a euforia de algumas compradoras ao passar na arara da coleção Issa para C&A. A figura 34b traz um comportamento que se repete nas consumidoras das parcerias: lotar ao menos três sacolas de circulação interna da C&A de produtos autorais e levá-las ao provador. Fonte: autora. Acervo pessoal, fotos registradas em 11 de julho de 2013, dia do lançamento da parceria com a marca Issa na loja C&A localizada no Maceió Shopping, na cidade de Maceió.

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Figuras 35a, 35b, 35c e 35d – Lançamento da coleção Dress To para a C&A.

As quatro fotos retratam cenas do lançamento da coleção Dress To, uma grife que comercializa signos do estilo de vida da mulher carioca, para C&A. Na figura 35a, as consumidoras atacam uma arara da coleção Dress To para C&A. Após o ataque, a mão de uma cliente arranhada e sem uma parte da pele acima do dedo mindinho é capturada na imagem da figura 35b. A figura 35c registra a aglomeração de compradoras na porta em que as peças descartadas no provador retornam para as araras. Na figura 35d, um tumulto se forma em torno de uma atendente da C&A, de camisa laranja e com os cabides na mão esquerda, que tentava levar alguns produtos assinados do provador às araras. Fonte: autora. Acervo pessoal, fotos registradas em 12 de novembro de 2012, dia do lançamento da parceria da C&A com a marca Dress TO na loja da rede localizada no Shopping Salvador, na cidade de Salvador.

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Figuras 36a, 36b, 36c e 36d – Lançamento da coleção Pat Bo para a C&A.

Imagens do lançamento da campanha Pat Bo, grife da estilista mineira Patrícia Bonaldi que veste celebridades nacionais, para a rede popular, em novembro de 2013. A figura 36a registra a voracidade com a qual as clientes desnudaram o espaço destinado à coleção Pat Bo na loja em apenas 10 minutos da abertura do estabelecimento. Os manequins foram despidos, as araras ficaram vazias e a parede ao fundo com o banner da divulgação da

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campanha e alguns expositores das peças foi completamente devastada. De toda a coleção restaram apenas 5 peças e cabides largados sobre uma mesa usada como expositor e jogados ao chão. Como vemos na figura 36b, em lançamentos de parcerias renomadas, o provador masculino costuma ser liberado para as mulheres como uma maneira de amenizar o tumulto e a perda de controle sobre os produtos, por parte dos atendentes da C&A, no provador feminino. Na figura 36c, uma compradora sentada ao chão vigia uma montanha de roupas grifadas. A imagem capturada na figura 36d exibe duas consumidoras que provavelmente não são clientes habituais da C&A, a julgar pelas bolsas da luxuosa grife francesa Louis Vuitton que elas usam, possivelmente verdadeiras devido as suas aparências mais refinadas, analisando e selecionando algumas peças autorais. Esse é um movimento, como vimos anteriormente, que as coleções avalizadas por criadores de prestígio está trazendo para a C&A. Compradoras que não são o público-alvo da marca, em razão da condição financeira elevada, estão participando de experiências da rede popular por causa do atrativo das mercadorias assinadas. Fontes: autora. Acervo pessoal, fotos registradas em 19 de novembro de 2013, dia do lançamento da parceria da C&A com a marca Pat Bo na loja da rede localizada no Maceió Shopping, na cidade de Maceió.

Como é possível observar, em geral as parcerias com nomes de prestígio são bem sucedidas nas vendas. Os estoques se esgotam com maior rapidez que os estoques das coleções normais da rede. Poucos produtos seguem para a remarcação de preços e demora um tempo razoável entre o lançamento da campanha e a liquidação das mercadorias encalhadas. Essa é uma estratégia bem ao padrão do modelo fast-fashion que se orienta no sentido de reduzir a remarcação de produtos não apreciados. Na associação com a Issa, o triunfo nas vendas não foi alcançado. Em aproximadamente duas semanas após o lançamento da parceria, os produtos assinados estavam com preço remarcado e descontos de até 60%. Possivelmente o excesso de coleções autorais88 ocasionou uma indiferença do público porque não havia a motivação da novidade para produzir objetos de desejo para alimentar o prazer imaginativo que guia o consumo, sobretudo no caso de uma marca não tão consagrada. O desinteresse também pode ter sido motivado pela falta de dinheiro, pois as peças chanceladas por criadores renomados são mais caras que as comumente vendidas pela C&A e, na sucessão que elas foram oferecidas, mesmo parcelando no cartão da rede, o consumidor pode ter ficado descapitalizado. Outra hipótese é um defeito de modelagem dos vestidos. Eles estavam exageradamente pequenos. Os comentários nos provadores era de que eles não vestiam bem nem

88 Só no primeiro semestre de 2013 a cadeia popular laçou as campanhas: 284 para C&A, em fevereiro, Santa Lolla para C&A e Carina Duek para C&A, em março, Isabela Giobbi para C&A e Anne Fontaine para C&A, em abril e Agatha para C&A em maio.

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em um corpo inserido nos padrões da moda, ou seja, um corpo mais magro que o usual. A remarcação de preço tão imediata desagradou o comprador que pagou o valor original e ainda esmoreceu o conceito de especial da coleção. Talvez por essa razão, em algumas lojas, o desconto só era percebido quando o consumidor levava o produto ao caixa. Foi uma maneira que a C&A encontrou para não alertar a baixa de preço para o consumidor que comprou os produtos nos primeiros dias da campanha e ainda não enfraquecer o potencial de objeto de desejo dos produtos grifados. Outros estabelecimentos, ao contrário, sinalizaram a liquidação tão recente (figura37). Figura 37 – Arara da coleção Issa para C&A.

Arara com os produtos da coleção Issa para C&A com a sinalização de 60% de desconto. Fonte: .

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CONCLUSÃO

Segundo Kontic, no decorrer dos anos 1990, a indústria de moda no Brasil caracterizou-se pelo desenvolvimento de novos produtos amparados por recursos de imitação e adaptação de tendências internacionais. Já no início do século XXI, o setor alcançou um outro estágio no qual houve uma maior autonomia e inovação em design que resultaram em empresas com competência de criação de produtos de moda. (KONTIC, 2007). As redes varejistas acompanharam essas transformações na moda nacional e, assim como outros segmentos do setor, migraram da oferta de produtos básicos para a oferta de produtos com conteúdo de moda. Inserida nesse contexto, a cadeia de lojas C&A passou a se posicionar como uma varejista portadora dos valores da moda e do estilo que comercializava produtos de qualidade com design elaborado a um preço acessível. Esse posicionamento da C&A alinhava-se também a mudanças no padrão de consumo de parte de seu público-alvo: a classe C. Essa parcela da sociedade, intitulada “nova classe média”, teve uma elevação do poder de compra viabilizado pelo crescimento econômico dos últimos anos, por programas sociais e pela ampliação do emprego. Este aumento da renda, associada ao acesso à informação, tornou a referida classe um mercado interessado em acompanhar a evolução da moda e consumir produtos de moda. Agora, com a imagem de uma companhia que vende produtos ajustados às tendências internacionais da moda, com qualidade e inovação, ofertados em ciclos curtos e com grande diversidade para atender aos múltiplos estilos que caracterizam a moda atual, a varejista passou a aderir a estratégias semelhantes àquelas aplicadas pelas cadeias internacionais de moda rápida, o que fez a C&A ser considerada uma fast-fashion. Tal quais as cadeias internacionais de moda rápida, a C&A acelerou sua produção com uma reposição diária de peças nas lojas, vinculou sua área de criação aos desejos dos clientes, percebidos nas informações de vendas dos estabelecimentos e em ferramentas próprias que auferem hábitos de consumo como o Conselho Fashion. Isso provocou uma redução da remarcação de preço dos produtos não apreciados. A companhia investiu também na atmosfera de seus pontos de venda, tornando-os ambientes sedutores que participam do processo

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produtivo, uma vez que conferem valor aos produtos fabricados e os transforma em objetos de desejos e passou a associar sua marca e produtos a estilistas e grifes consagrados – em sua maioria inseridos em eventos de moda reconhecidos por reunirem os agentes mais legitimados do setor – e celebridades. A parceria estabelecida entre a C&A e os criadores/marcas prestigiosas e celebridades tem por objetivo promover uma valorização simbólica e consequente êxito econômico dos produtos da companhia via empréstimo do capital simbólico dos agentes consagrados. No caso das parcerias estabelecidas com designers ou marcas reconhecidas, a valorização se dá pela transferência do renome de qualidade, da autoridade estética, da capacidade inventiva e do “gênio criador” destes para os produtos da rede popular. Como escreve Erner, “como no milagre da transubstanciação, todas as roupas contêm a aura de seu criador”, e neste caso as peças em parceria também. (ERNER, 2005, p. 57). Já as celebridades promovem a valorização dos artigos da C&A por meio de um empréstimo de seu status glamouroso e honorífico, tão disseminado e, por isso mesmo, aspirado por muitos. Além disso, associar-se aos famosos ocasiona um maior espaço na mídia, meio de celebração primordial à moda. A C&A também aciona de forma recorrente as celebridades porque elas favorecem o mimetismo ao estabelecer com o público uma relação de intimidade: ao adotarem um objeto, os famosos estimulam outros anônimos a imitá-los. Por sua presença constante na mídia, as celebridades permeiam o dia-a-dia das pessoas e, como sabemos, se há na moda atual uma referência de imitação, esta se faz naqueles que estão no entorno, que são próximos, semelhantes. Assim, as pessoas famosas passam a fornecer modelos de comportamentos a serem seguidos, e essa capacidade de influência corrobora na cooptação do público e no processo de consumo. Para Rojek,

as celebridades podem mesmo mudar as coisas e nos encher de fortes inclinações e anseios. Essa é uma das razões pelas quais o endosso de celebridades é um aspecto procurado no mercado, e corporações pagam vultuosas quantias para adquiri-lo. (ROJEK, 2008, p. 101).

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Nesse sentido, a C&A pagou R$5 milhões para ter o endosso da modelo Gisele Bündchen na sua imagem de marca que comercializa moda de padrão global em 2001. A ação com a top model brasileira também refletia a construção de uma comunicação capaz de atrair para a varejista popular consumidores da classe A. Tanto as ações com Bündchen quanto as com estilistas renomados parecem ter um duplo propósito: por um lado, comunicar a oferta de artigos com conteúdo de moda para o público-alvo da C&A, as classes B e C; por outro, cooptar uma parcela da classe A que aderiu ao consumo nas fast-fahions, uma tendência internacional motivada pela disseminação e consagração do estilo Hi-Lo – caracterizado pela mistura de peças de alto valor com produtos de preço acessível. A escolha da top model brasileira como garota-propaganda da imagem de moda da C&A, no início do século XXI, deve-se aos valores de competência, beleza, feminilidade, sedução, poder, prestígio e qualidade de padrão internacional que estão colados a Bündchen. A figura da übermodel é construída por meio do uso de qualidades gerais difíceis de serem discordadas. Ela é um modelo de papel adequado que as pessoas devem seguir. Essas qualificações de Bündchen foram insistentemente acionadas nas comunicações das parcerias que a top model realizou com a varejista, ora como garota-propaganda, ora como estilista, ora como curadora. As mensagens encarnavam o corpo, o estilo de vida, o exemplo de Brasil bem sucedido, o título de poderosa e a consagração nos polos globais da moda da modelo. O conceito de exclusividade, caro ao consumidor que busca a distinção individual ante o grupo, é outra ideia recorrente nas parcerias com a top model, bem como nas parcerias com criadores de prestígio, seja no uso da expressão “edição limitada”, seja na personalização dos catálogos, sacolas, etiquetas e expositores – via identificação dos parceiros renomados – que visam atender ao desejo dos clientes de serem reconhecidos como únicos, especiais. Na associação da C&A com os estilistas, essa ideia de exclusividade é ainda mais reforçada pelo número restrito de lojas que recebem os produtos grifados. Segundo a varejista, a seleção dos designers renomados com os quais a empresa desenvolve parcerias se dá por meio de pesquisa com seus clientes sobre qual estilista melhor expressa seus desejos de consumo.

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Em nossa pesquisa, selecionamos para análise as quatro primeiras parcerias internacionais realizadas pela C&A, pois percebemos nestas os maiores esforços de comunicação da companhia no sentido de posicionar-se como uma rede de lojas populares que comercializa produtos de moda de qualidade global a um preço acessível. Observamos nessas associações dois movimentos: um se refere aos desejo da C&A de se dizer uma moda com valores globais e o outro se relaciona com a ideia de consagração internacional da moda brasileira. No sentido de emprestar globalidade aos seus artigos – e todas as qualificações desta globalidade, tais como profissionalismo, inovação e qualidade –, a C&A associou-se aos criadores de fama mundial Stella McCartney e Roberto Cavalli. Da primeira, a comunicação explorou principalmente o reconhecimento por parte das celebridades e a elegância do trabalho com a alfaiataria, ao qual tentou colar um toque de sensualidade em razão de esta ser uma ideia tão relevante na moda nacional. Do segundo, a comunicação encarnou a sofisticada sensualidade celebrada mundialmente. Para reverberar um moda nacional reconhecida internacionalmente a C&A lançou parcerias com as marcas Anne Fontaine e Issa, fundadas por estilistas brasileiras e estruturadas nos polos globais da moda, Paris e Londres, respectivamente. Na associação com Fontaine, as mensagens construídas pela C&A exploravam o vínculo do trabalho da estilista brasileira com a moda de Paris, dando-lhe legitimidade. Já a comunicação da parceria com a Issa propunha uma mescla dos estilos inglês – elegante – com o brasileiro – irreverente – e repercutiu o uso por parte da princesa Kate Middleton de peças da marca, garantindo uma consagração duplamente favorecida: além da magia de ser uma princesa, Middleton é uma referência para o cenário da moda. Nas quatro parcerias internacionais, a comunicação evocou a qualidade de padrão global na criação, nos tecidos, nos acabamentos e nas modelagens dos produtos assinados. Por meio dessas ações, a C&A, empresa líder do varejo de roupas no Brasil, fixou sua imagem de marca acessível, com apelo tanto à classe popular quanto à classe dominante, que fascina as consumidoras com promessas de beleza, modernidade, criatividade, inovação, qualidade e diferenciação individual, via a pretensa exclusividade de algumas ações, disparadas por suas estratégias de

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marketing e comunicação que, desde sua implantação no Brasil, impactaram o setor da moda nacional. A comunicação da C&A se faz eficaz porque se liga a signos já inseridos no sistema cultural do público ao qual a mensagem é destinada. Aqui, a comunicação não concebe novas ideias, mas evoca conceito pré-existentes. Por fim, é válido lembrar que a comunicação da C&A, rede de lojas populares que vende moda legítima, só pode ser percebida como plausível se aceita a hipótese de que, na sociedade atual, já não vigoram antigos princípios de hierarquização da distinção e do gosto. Em suma, num cenário contemporâneo que reconhece como autênticos variados estilos, os produtos populares comercializados na C&A podem, sim, ser pensados como moda.

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Associação Brasileira de Estilistas - ABEST http://www.abest.com.br/

Arcadia https://www.arcadiagroup.co.uk

C&A http://www.cea.com.br

Data Popular http://www.datapopular.com.br

O Estado de São Paulo http://www.estadao.com.br

Exame http://exame.abril.com.br

Farm http://www.farmrio.com.br

Fashion Forward - FFW http://ffw.com.br

Folha de São Paulo http://www.folha.uol.com.br

H&M http://www.hm.com

Hoje vou assim http://www.hojevouassimoff.com.br

Idealista http://www.idealista.net.br/

Ilumeo Brasil http://www.ilumeobrasil.com.br

Inditex http://www.inditex.com

Lojas Renner http://www.lojasrenner.com.br

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Osklen http://osklen.com

Riachuelo http://www.riachuelo.com.br

Restoque http://www.restoque.com.br

Serasa Experian http://www.serasaexperian.com.br

Valor Econômico http://www.valor.com.br

Vogue Brasil http://vogue.globo.com

Catálogos

Catálogo da coleção Amir Slama para C&A – 14/10/2010.

Catálogo da coleção Glória Coelho – Skinny Fashion para C&A – 25/11/2010.

Catálogo da coleção Stella McCartney para C&A – 23/03/2011.

Catálogo da coleção Carina Duek para C&A – 17/11/2011.

Catálogo da coleção Gisele Bündchen para C&A – 01/12/2011.

Catálogo da coleção Fashion Five para Riachuelo – 04/12/2011.

Catálogo da coleção David Beckham para H&M – 02/02/2012.

Catálogo da coleção Maria Filó para C&A – 15/03/2012.

Catálogo da coleção Gisele Bündchen para C&A – 29/03/2012.

Catálogo da coleção Andrea Marques para C&A – 23/08/2012.

Catálogo da coleção Dress To para C&A – 12/11/2012.

Catálogo da coleção Mixed para C&A – 22/11/2012.

Catálogo da coleção 284 para C&A – 26/02/2013.

Catálogo da coleção Carina Duek para C&A – 26/03/2013.

Catálogo da coleção Anne Fontaine para C&A – 23/04/2013.

166

Catálogo da coleção Ágatha para C&A – 21/05/2013.

Catálogo da coleção Issa para C&A – 11/07/2013.

Catálogo da coleção Adriana Barra para C&A – 15/10/2013.

Catálogo da coleção Roberto Cavalli para C&A – 05/11/2013.

Catálogo da coleção PatBo para C&A – 19/11/2013.

Catálogo da coleção Fashion Five para Riachuelo – 28/11/2013.

Catálogo da coleção Lenny Niemeyer para C&A – 03/12/2013.

Catálogo da coleção Mob para C&A – 13/03/2014.

Catálogo da coleção Francisco Costa – Calvin Klein para C&A – 10/04/2014.

Catálogo da coleção Lilly Sarti para C&A – 22/05/2014..

Catálogo da coleção Giuliana Romano para C&A – 19/08/2014.

Catálogo da coleção PatBo Barbie para C&A – 23/09/2014.

Catálogo da coleção Billabong para C&A – 07/10/2014.

Catálogo da coleção Atten para C&A – 21/10/2014.

Catálogo da coleção La Estampa para C&A – 03/11/2014.

Catálogo da coleção Stella McCartney para C&A – 18/11/2014.

Catálogo da coleção Água de Coco para C&A – 02/12/2014.

Jornais e revistas produzidos pela C&A

EXCLUSIVO. São Paulo, n. 02, abr. 2010.

VISTA. São Paulo, n. 10, out/nov. 2010.

VISTA. São Paulo, n. 13, jan. 2011.

VISTA. São Paulo, n. 15, mar. 2011.

VISTA. São Paulo, n. 16, abr. 2011.

VISTA. São Paulo, n. 17, maio 2011.

VISTA. São Paulo, n. 21, out. 2011.

167

VISTA. São Paulo, n. 26, ago. 2012.

VISTA. São Paulo, n. 27, out. 2012.

VISTA. São Paulo, n. 29, fev. 2013.

VISTA. São Paulo, n. 33, jul. 2013.

VISTA. São Paulo, n. 34, ago. 2013.

VISTA. São Paulo, n. 35, set. 2013.

VISTA. São Paulo, n. 37, nov. 2013.

VISTA. São Paulo, n. 38, dez. 2013.

VISTA. São Paulo, n. 40, abr. 2014.

VISTA. São Paulo, n. 41, abr. 2014.

VISTA. São Paulo, n. 42, maio 2014.

VISTA. São Paulo, n. 43, jun. 2014.

VISTA. São Paulo, n. 44, jul. 2014.

VISTA. São Paulo, n. 45, ago. 2014.

VISTA. São Paulo, n. 46, set. 2014.

VISTA. São Paulo, n. 47, out. 2014.

VISTA. São Paulo, n. 48, nov. 2014.

Jornais e revistas produzidos pela Riachuelo

CHIC. São Paulo, maio 2011.

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APÊNDICE A - CRONOLOGIA DAS COLEÇÕES DA C&A ASSINADAS POR ESTILISTAS/MARCAS DE PRESTÍGIO.

ANO: 2005

DATA: 25/04/2005 COLEÇÃO WALTER RODRIGUES PARA C&A.

DATA: 12/06/2005 COLEÇÃO RAIA DE GOEYE PARA C&A.

ANO: 2006

DATA: 06/06/2006 MARCELO SOMMER PARA C&A.

DATA: 21/09/2006 MARCELO SOMMER PARA C&A (Segunda coleção).

ANO: 2009 – Ano no qual as parcerias ganharam o nome de C&A Collection.

DATA: 16/07/2009 REINALDO LOURENÇO PARA C&A.

DATA: 19/11/2009 ISABELA CAPETO PARA C&A (Coleção infantil).

DATA: 03/12/2009 REINALDO LOURENÇO PARA C&A (Segunda coleção).

DATA: 26/12/2009 AMIR SLAMA PARA C&A.

ANO: 2010

DATA: 01/04/2010 COLEÇÃO ESPAÇO FASHION PARA C&A.

DATA: 20/05/2010 COLEÇÃO ALEXANDRE HERCHCOVITCH PARA C&A (Coleção infantil).

DATA: 27/05/2010 COLEÇÃO AMIR SLAMA PARA C&A (Segunda coleção).

DATA: 22/07/2010 COLEÇÃO SERGIO K PARA C&A.

169

DATA: 16/09/2010 COLEÇÃO ISABELA CAPETO PARA C&A (Segunda coleção infantil).

DATA: 14/10/2010 COLEÇÃO AMIR SLAMA PARA C&A (Terceira coleção).

DATA: 28/10/2010 COLEÇÃO RENATO KHERLAKIAN PARA C&A.

DATA: 11/11/2010 COLEÇÃO MARIA BONITA EXTRA PARA C&A.

DATA: 18/11/2010 COLEÇÃO ISABELA CAPETO PARA C&A (Terceira coleção infantil).

DATA: 25/11/2010 COLEÇÃO GLORIA COELHO - SKINNY FASHION PARA C&A.

DATA: 02/12/2010 COLEÇÃO ESPAÇO FASHION PARA C&A (Segunda coleção).

ANO: 2011

DATA: 03/03/2011 COLEÇÃO AMIR SLAMA PARA C&A (Quarta coleção – exclusiva para a loja flagship da varejista).

DATA: 23/03/2011 COLEÇÃO STELLA MCCARTNEY PARA C&A.

DATA: 17/11/2011 COLEÇÃO CARINA DUEK PARA C&A.

ANO: 2012

DATA: 15/03/2012 COLEÇÃO MARIA FILÓ PARA C&A.

DATA: 23/08/2012 COLEÇÃO ANDRÉA MARQUES PARA C&A.

DATA: 11/09/2012 COLEÇÃO MORMAII PARA C&A.

DATA: 08/11/2012 COLEÇÃO SANTA LOLLA PARA C&A.

DATA: 12/11/2012 COLEÇÃO DRESS TO PARA C&A.

170

DATA: 22/11/2012 COLEÇÃO MIXED PARA C&A.

ANO: 2013

DATA: 26/02/2013 COLEÇÃO 284 PARA C&A.

DATA: 12/03/2013 COLEÇÃO SANTA LOLLA PARA C&A.

DATA: 26/03/2013 COLEÇÃO CARINA DUEK PARA C&A (Segunda coleção).

DATA: 09/04/2013 COLEÇÃO ISABELLA GIOBBI PARA C&A.

DATA: 23/04/2013 COLEÇÃO ANNE FONTAINE PARA C&A.

DATA: 21/05/2013 COLEÇÃO ÁGATHA PARA C&A.

DATA: 11/07/2013 COLEÇÃO ISSA PARA C&A.

DATA: 15/10/2013 COLEÇÃO ADRIANA BARRA PARA C&A.

DATA: 05/11/2013 COLEÇÃO ROBERTO CAVALLI PARA C&A.

DATA: 19/11/2013 COLEÇÃO PATBO PARA C&A.

DATA: 03/12/2013 COLEÇÃO LENNY PARA C&A.

ANO: 2014

DATA: 13/03/2014 COLEÇÃO MOB PARA C&A.

DATA: 27/03/2014 COLEÇAO J. CHERMANN PARA C&A.

DATA: 10/04/2014 COLEÇÃO FRANCISCO COSTA - CALVIN KLEIN PARA C&A.

171

DATA: 22/05/2014 COLEÇÃO LILLY SARTI PARA C&A.

DATA: 19/08/2014 COLEÇÃO GIULIANA ROMANO PARA C&A.

DATA: 02/09/2014 COLEÇÃO SWAROVSKI PARA C&A.

DATA: 23/09/2014 COLEÇÃO PATBO BARBIE PARA C&A.

DATA: 07/10/2014 COLEÇÃO BILLABONG PARA C&A.

DATA: 21/10/2014 COLEÇÃO ATEEN PARA C&A.

DATA: 03/11/2014 COLEÇÃO LA ESTAMPA PARA C&A.

DATA: 18/11/2014 COLEÇÃO STELLA MCCARTNEY PARA C&A (Segunda coleção).

DATA: 02/12/2014 COLEÇÃO ÁGUA DE COCO PARA C&A.