Universidade Federal Do Espírito Santo: a Repressão Política Em Tempos De Ditadura Militar E Os Desafios Do Negacionismo No Contexto Atual Brasileiro
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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO: A REPRESSÃO POLÍTICA EM TEMPOS DE DITADURA MILITAR E OS DESAFIOS DO NEGACIONISMO NO CONTEXTO ATUAL BRASILEIRO Dinoráh Lopes Rubim Almeida1 RESUMO Esta pesquisa tem por objetivo retratar a repressão política sofrida pela comunidade acadêmica (estudantes e servidores) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) no período da ditadura militar, em especial durante o governo do presidente Ernesto Beckmann Geisel (1974-1979). Busca também analisar a imagem construída em torno da figura do presidente Geisel como o estadista da distensão, ou seja, "da abertura política", bem como, analisar como esse perfil foi utilizado para a consolidação da transição democrática, onde há a passagem da política ditatorial militar para os civis, em 1985. Tudo isso nos antigos moldes da cultura política "conciliatória, elitista e autoritária", característica da história brasileira. O trabalho tem a vertente de desconstruir essa imagem de Geisel, a partir de argumentos devidamente documentados. Outro aspecto da pesquisa é fazer uma breve discussão sobre o negacionismo dessa história recente, que tem ganhado força a partir da ascensão de Jair Messias Bolsonaro à presidência da República. Palavras-chave: Geisel. Negacionismo. Universidades. Repressão 1. A MEMÓRIA CONSTRUÍDA: GEISEL, O PRESIDENTE “SACERTODE” DA ABERTURA POLÍTICA? Há 57 anos, o Golpe civil-militar de 1964 retirou da presidência do Brasil João Belchior Marques Goulart, conhecido popularmente como "Jango". Iniciava-se a Ditadura Militar que se estendeu por 21 anos (1964-1985) e teve 05 presidentes da alta patente do Exército Brasileiro2. De modo autoritário, foi imposto o controle político, econômico e social no país. 1 Doutora em História Social das Relações Políticas – UFES; Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, área de atuação: História, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES), Campus de Vitória/ES. E-mail: [email protected] 2 São eles: Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967); Marechal Arthur da Costa e Silva (1967-1969); General Emílio Garrastazu Médici (1969-1974); General Ernesto Beckmann Geisel (1974-1979); General João Baptista Figueiredo (1979-1985). 2 O meio científico e as universidades foram atingidos diretamente, considerados “nichos” de pensadores críticos “subversivos” que em sua maioria, desafiavam a autoridade do governo, sendo necessário acabar com essa profilaxia ideológica.3 Dentre os presidentes militares do período, esta pesquisa dedica-se a analisar a figura de Ernesto Beckmann Geisel. Ingressou na escola militar de Porto Alegre em 1921 e aos 17 anos foi para a Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, atual Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), formando-se aspirante militar na área de artilharia, em 1928. Era o início de uma longa carreira militar, contando com diversas promoções. No ano de 1960 chegou a general de brigada, e em 1964 foi promovido a general de divisão. Participou ativamente do movimento militar que impetrou o golpe civil-militar de 1964, recebendo do então presidente Castelo Branco o convite para a chefia da Casa Militar. Em 1966 foi promovido a General do Exército, em 1967 foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar, cargo que exerceu até 1969, quando saiu para assumir a presidência da Petrobras, a convite do presidente Costa e Silva, permanecendo até 1973. Por intermédio do Colégio Eleitoral, foi eleito indiretamente Presidente da República do Brasil, cumprindo o mandato de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979. Neste trabalho procuraremos refletir sobre dois momentos da construção da imagem “quase heroica” de Geisel como o estadista da distensão e o salvador da democracia: 1. logo após sua morte em 1996; 2. na década de 2000, nas obras Elio Gaspari. Em ambos momentos, o até então esquecido general, passou a ganhar um destaque sobre os demais presidentes- militares que governaram o país no período militar. 1.1 A EXALTAÇÃO DA IMPRENSA AO GENERAL GEISEL 3 Esclareço que todo artigo foi baseado e extraídos partes do texto da minha tese de doutorado: ALMEIDA, Dinoráh Lopes Rubim. A Vigilância e a Repressão Política Durante o Governo Ernesto Geisel (1974-1979): As Universidades Brasileiras Sob a Mira da Ditadura. 2019. 195 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2019. 3 O general Ernesto Geisel morreu em 12 de setembro de 1996, aos 89 anos, devido a um câncer. Logo após o anúncio de seu falecimento, grande parte da imprensa passou a descrevê- lo como o “herói da abertura”. A partir de então, Geisel passou a ser lembrado pela memória nacional como o presidente da “abertura política”, “Distensão política” ou da “transição política para a democracia”. A capa do Jornal Folha de São Paulo, em 13 de setembro de 1996, um dia após sua morte estampou: “Geisel, que fez a abertura, morre aos 88 anos” (na verdade tinha acabado de completar 89 anos). Na ocasião, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) e o vice-presidente Marco Maciel, divulgaram notas oficiais sobre o assunto: FHC disse que Geisel “marcou sua presença política no empenho pelo fim da repressão e da democratização do Brasil, na ótica que parecia mais adequada”. Maciel foi bem mais enfático. Segundo ele, a vida pública do presidente foi “um incontestável tributo à restauração democrática” (Folha de São Paulo, 13 set. 1996). Na mesma edição da Folha (13 set.1996, p. 6), Thomas Skidmore afirmava que Geisel seria lembrado como “o soldado austero que deu outra chance para a democracia”. Há nessas declarações uma perspectiva de exaltar a imagem política do ex-presidente como um homem de pulso forte, que impôs a democracia sobre a parcela dos militares que não aceitavam a abertura política. Outro veículo da grande imprensa brasileira, o jornal O Globo, trouxe reportagens de exaltação. Na edição matutina, do dia 13 de setembro de 1996, o presidente foi matéria de capa: “Morre Geisel, o patrono da distensão”. No interior do periódico, há reportagens com as seguintes manchetes: “A morte do pai da distensão lenta, gradual e segura”, em outra matéria: “O general que matou a ditadura no país: quando Ernesto Geisel deixou Brasília, o AI-5 não existia mais. Sua política de distensão lenta, gradual e segura triunfara” (O Globo, 13 set. 1996). No mesmo dia O Jornal do Brasil, também em reportagem de capa, exibiu a manchete: “Morre Ernesto Geisel, o ditador da abertura”. Esse foi o periódico que publicou a maior reportagem sobre Geisel (nove páginas), relatando a morte, a vida pública, toda carreira 4 militar e política, elementos de sua vida privada, além de depoimentos de historiadores (Thomas Skidmore e René Armand Dreifuss) e políticos, que enalteceram a imagem do ex- presidente. Na chamada da capa, o Jornal acrescentou: Governou o Brasil de 1974 a 1979 e passou ao sucessor um país liberto dos traços essenciais da ditadura: desestabilizou os aparelhos de tortura de presos políticos, abrandou a Lei de Segurança Nacional, eliminou a censura à imprensa e revogou o Ato Institucional nº 5, o instrumento do poder arbitrário. Usou o arbítrio, porém, quando julgou conveniente (Jornal do Brasil, 13 set. 1996, capa). Apesar da chamada jornalística da capa, o Jornal do Brasil foi o único entre os citados a descrever as medidas autoritárias de Geisel frente à Presidência da República, entre elas destacou: o fechamento do Congresso, a cassação de mandatos políticos, relatando através de textos e de um gráfico linear, os movimentos de contradição entre repressão e distensão do seu governo. Na página 3 da edição de 13 de setembro de 1996, lê-se a manchete: “A face cruel do ditador: Geisel conduziu a abertura usando o ato de ditadura para cassar mandatos”. Apesar do Jornal abordar os dois lados do Governo, no término da reportagem, cita: “Nos planos de Geisel, estava aplainando o caminho para a distensão que se faria no ano seguinte”, enfatizando que sua conquista “fora desmantelar o terror militar”. Portanto, a figura do presidente da abertura, acabou por abolir Geisel de todos os seus atos autoritários. Verificamos nesse ponto, a questão levantada pelo estudo da memória, pois quando se cria uma memória positiva em torno de algo ou alguém, a memória negativa tende a cair no esquecimento. É perceptível nas reportagens citadas como a imagem do presidente Geisel, enquanto “responsável” pelo fim da ditadura e pela redemocratização brasileira, foi sendo construída. A memória de um presidente benevolente, responsável por conduzir o Brasil à democracia foi acolhida pela mídia, transpassando-a para a sociedade. Adotando essa memória como “verdade”, parte da memória coletiva brasileira. A grande imprensa brasileira e a memória da Ditadura militar são analisadas por Carla Luciana Silva (2014). A autora destaca que a imprensa ao mesmo tempo que exerceu papel 5 ativo no processo de transição, acabou por assumir o discurso dos ditadores, apontando para a necessidade do esquecimento coletivo enquanto condição de construir um futuro próspero. A autora também salienta a construção midiática de versões edulcoradas sobre o que de fato foi a ditadura, “ em sintonia com a visão construída pelos militares”. Segundo Silva, Ao considerarmos os meios de comunicação como lugares de representação de interesses concretos de seus proprietários, anunciantes e intelectuais, percebemos que sua atuação não fica restrita a um estrato ideológico, mas que se amplia, tornando o discurso uma ação concreta, política e social.