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1 Pontifícia Universidade Católica De São Paulo PUC-SP Manoel Carlos

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Manoel Carlos Aguiar Kuhne

As estratégias de produção em The Ren & Stimpy Show: O reconhecimento pelo desenho animado da década de 1990.

Mestrado em Ciências Sociais

São Paulo 2020

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Manoel Carlos Aguiar Kuhne

As estratégias de produção em The Ren & Stimpy Show: O reconhecimento pelo desenho animado da década de 1990.

Mestrado em Ciências Sociais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais sob a orientação da Profª. Drª. Rita de Cássia Alves Oliveira.

São Paulo 2020

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Banca Examinadora:

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Dedicatórias: A minha família que sempre me demonstrou apoio, e alimentou meu imaginário com desenhos animados. Pai, Mãe e minha irmã. Dedico esse trabalho a vocês.

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Agradecimentos

Agradeço imensamente antes de tudo, a minha família que sempre me apoiou até o momento da conclusão deste trabalho, e sempre acreditou em meu potencial nos estudos. Manuel Carlos Vieira de Carvalho Kuhne, Maria Angélica Aparecida Aguiar Kuhne e Ana Carolina Aguiar Kuhne. Amo muito vocês três e sei que sempre poderei contar com vocês a meu lado. Agradeço também com muito reconhecimento de sua competência e companheirismo neste trabalho, a minha orientadora Rita de Cássia Alves Oliveira, que me apresentou a possibilidade interdisciplinar presente nos Estudos Culturais, como me fez crer que todo e qualquer objeto de estudo é relevante e potente em novas descobertas.

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Resumo Este trabalho tem o objetivo de identificar as estratégias de produção presente na produção animada da década de 1990, The Ren & Stimpy Show (1991), que resultaram em um fenômeno de público para sua época em conjunto de polêmicas referente a seu conteúdo. Por meio do repertório teórico-metodológico dos Estudos Culturais realiza-se um mapeamento sobre produtores envolvidos na série animada, de modo que revele as codificações que permitiram seu endereçamento de público. Através do entrelaçamento teórico com o objeto de estudo, houve a possibilidade de constatar diversas estratégias pelas quais se faz da produção, reconhecimento a seu público.

Palavras-chave: Estratégias – desenho animado – Televisão – Contexto histórico -

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Abstract This work aims to identify the production strategies present in the animated production of the 1990s, The Ren & Stimpy Show (1991), which resulted in an audience phenomenon for its time in a series of controversies regarding its content. Through the theoretical- methodological repertoire of Cultural Studies, a mapping of producers involved in the animated series is carried out, in order to reveal the encodings that allowed them to address the public. Through the theoretical intertwining with the object of study, it was possible to see several strategies by which production is done, recognition to its audience.

Keywords: Strategies - cartoon - Television - Historical context - Nickelodeon

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Sumário

Introdução 1. The Ren & STimpy Show: contextos históricos e televisivos

1.1. The Ren & Stimpy Show, um desenho animado da década de 1990 1.1.2. Controvérsias e conflitos sobre a produção 1.2. A TV nos anos 1990 nos Estados Unidos: desenhos animados nas TVs a cabo 1.2.1. O Contexto dos Estados Unidos no início da década de 1990 1.2.2. A tv a cabo no início da década de 1990 nos EUA

2. Produtoras e produtores de The Ren & Stimpy Show 2.1. Sobre a importância de mapear produtores e produções 2.2. Produtoras 2.2.1. Nickelodeon e MTV: Do sistema QUBE a canais da rede Viacom 2.2.2. A produção no estúdio Spumco 2.2.3. Estúdios de animação envolvidos na produção por temporadas 2.3. Produtores 2.3.1. Produtores-chave dos 2.4. Os criadores da série animada The Ren & Stimpy Show

3. Estratégias de produção da série animada 3.1. Estratégias de produção na indústria cultural

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3.2. A produção de The Ren & Stimpy Show 3.2.1. Estratégias do canal a cabo 3.2.2. Estratégias dos criadores 3.2. Antecedentes e referências visuais na construção da série animada 3.2.1. A criação dos protagonistas 3.2.2. Referencias visuais na história da animação 3.2.3. A técnica linguagem visual Gross Up Close Up

Introdução

O desenho animado surge como uma vertente da indústria cinematográfica durante a transição do século XIX para o século XX, época em que iria se consolidar a industrialização do cinema (Abel, 2010). Considerada como parte da nova magia do cinema, eram conteúdos transmitidos antes dos filmes com atores, como algo experimental. Em um período de dez anos, de 1908 a 1917, o desenho animado passaria a se tornar uma arte autônoma (Barbosa Junior, 2002).

Para Theodor W. Adorno e Max Horkheimer (2006), que consideravam o cinema como o expoente máximo da degradação cultural, o desenho animado é visto como uma produção de entretenimento da indústria cultural, esta que sujeita os indivíduos a dominação cultural por meio do consumo, sem que se reconciliem consigo mesmo, alienando-se pelo consumo. Os filósofos discutem sobre o fator surpresa presente nos filmes para se recorrer ao absurdo, e acrescentam que essa tendência se impõe totalmente nos cartoons, em que a personagem do filme de animação é tratada como um farrapo. A diversão organizada se converte em crueldade organizada, assim descrevem, por exemplo, o Pato Donald:

“Assim como o Pato Donald nos cartoons, assim também os desgraçados na vida real recebem a sua sova para que os espectadores possam se acostumar com a que eles próprios recebem (Adorno, 2006: 114). ”

Para esses autores, produções como os desenhos animados do Pato Donald, que fazem uso do absurdo e da violência como fator surpresa, cumprem a função racionalizar

10 o prazer pela comédia enquanto um prazer pela violência cometida contra a personagem animada, violência que lhe conformam em seus cotidianos, como algo consolidado e disciplinado.

Douglas Kellner (2001), por outro lado, estudou o caso da repercussão negativa gerada pelo desenho animado Beavis & Butt-head (1993), devido ao comportamento debochado das personagens diante de imagens televisivas enquanto apreciam conteúdo de teor sexual ou violento. Em sua época, essa produção incitou jovens a cometerem atitudes vistas no programa, queimando casas e torturando animais. No entanto, no lugar de extrair um comportamento conformista dos espectadores em relação ao conteúdo consumido, Kellner enxerga a expressão da irritação social de seus espectadores em relação a seu contexto social e histórico. Nessa concepção, a violência presente no desenho animado embora incite a reprodução, o excesso presente no conteúdo se reflete em uma reação violenta contra o próprio cotidiano. O que antes distanciava da realidade, reaproxima os indivíduos pelos quais determinado conteúdo se faz reconhecimento, pois vão de encontro a seu cotidiano e repertório próprio. As produções animadas do Pato Donald e Beavis & Butt-head aqui trazidas como exemplo são produções de suas épocas e codificam para o público de seu tempo o seu próprio contexto social.

Desse modo, há uma diversidade de trabalhos que fazem uso do desenho animado como objeto de investigação que buscam relacionar as produções com aspectos sociais e o cotidiano de seu público, dentre outras assimilações que nos permitem descobrir pela análise desse tipo de objeto.

Há um contingente majoritário de trabalhos acadêmicos sobre desenho animado na área da educação, como exemplo a tese A natureza no desenho animado ensinando sobre homem, mulher raça etnia e outras coisas mais... (2003) de Eunice Aita Isaia Kindel que faz uso da vertente dos Estudos Culturais para apresentar as representações de gênero, sexualidade, raça, etnia, nação, classe social e natureza produzida nos desenhos animados lançados na década de 1990 pelos estúdios Disney e Dreamworks, sendo cinco produzidos pela Disney: Vida de Inseto (1998), O Rei Leão (1994), Rei Leão II – o reino de Simba (1998), Pocahontas – o encontro de dois mundos (1995) e Tarzan (1999); e um filme produzido pela Dreamworks, FormiguinhaZ (1998). Outro trabalho da área da educação que faz uso dos desenhos animados como objeto de estudo é o artigo Os cientistas nos desenhos animados e os olhares das crianças (2005) de Maria Inês Petrucci Rosa, Bruna Eichenberger Ludwig, Ioli Gewehr Wirth, Paula Cardoso Franco e Tenile 11

Fiolo Duarte. Neste trabalho, os autores analisam imagens de cientistas presentes nos desenhos animados e programas infantis e investigam a respeito de suas influencias nas manifestações das crianças sobre o trabalho do cientista e suas maneiras de produzir conhecimento. Um terceiro trabalho, também da área da educação, é o artigo A recepção dos desenhos animados da TV e as relações entre a criança e o adulto: Desencontros e encontros (2005) de Adriana Hoffmann Fernandes e Maria Luiz Bastos Magalhães Oswald que discute a complexidade das relações entre adultos e crianças na contemporaneiadade por meio de um estudo da recepção dos desenhos animados e, assim como a tese de Kindel citada acima, faz uso teórico dos Estudos Culturais, mas em sua vertente latino americana. E por fim, um último artigo da área da Educação, Sincretismo em desenhos animados da TV: O Laboratório de Dexter (2005) de Analice Dutra Pillar em que a autora dá enfoque ao sincretismo presente no texto de um desenho animado, sobre como os conteúdos são desenvolvidos na interação de diferentes linguagens.

Nesses quatro trabalhos da área de educação que se dedicam a estudar desenhos animados, apresentam situações que estes servem como espaços educativos de diversos aspectos sociais como o primeiro trabalho, as representações de cientista nos desenhos animados e a forma como podem influenciar o imaginário infantil no segundo trabalho, as relações entre faixas etárias por meio da recepção entre adultos e crianças aos desenhos animados no terceiro trabalho, e por último, o sincretismo presente no texto de um desenho animado com as diferentes linguagens presentes na produção.

Em outras áreas vemos também uma concepção de didatismo, o uso dos desenhos animados enquanto uma ferramenta de educação informal direcionada aos espectadores. O artigo Visões de ciência em desenhos animados: uma alternativa para o debate sobre a construção do conhecimento científico em sala de aula (2008) de Nyuara Araújo da Silva Mesquita e Márlon Herbert Flora Barbosa Soares, cujas áreas de conhecimento dos pesquisadores correspondem a Química, desenvolvem esse trabalho acadêmico concentrado na Filosofia da Ciência. Investigam, por meio da uma análise documental, as visões de ciência veiculadas por desenhos animados. Os objetos escolhidos para análise são os episódios das produções Jimmy Neutron (2002), e O laboratório de Dexter (1995), desenhos animados protagonizados por jovens garotos interessados por ciência. Por meio deste trabalho, sugerem que o uso de desenhos animados serve de alternativa para motivar debates que privilegiam a construção do conhecimento cientifico em um universo familiar ao estudante. Ciência novamente se apresenta como temática na área da comunicação, no

12 artigo Ciência e poder no universo simbólico do desenho animado (2002) de Denise da Costa Oliveira Siqueira (2002), em que a autora propõe um exercício reflexivo sobre a veiculação da ciência em desenhos que fazem uso da violência como argumento narrativo. Outro artigo que remete a área da comunicação é O Double Coding na Animação: A construção do desenho animado contemporâneo para adultos e crianças (2007) de Luciana Andrade Gomes e Laura Torres S. dos Santos em que se problematiza as estratégias de linguagem presente nos desenhos animados contemporâneos, sobre como se codifica uma mesma produção para dois públicos de faixas etárias diferentes.

Há uma temática que se repete novamente nesse agrupamento de trabalhos, a noção de ciência e cientista nos desenhos animados, como representações sociais codificadas nessas produções impactam seu público, seja novamente na concepção de mundo que isso possa gerar a respeito da produção científica, seja do uso da violência em conjunto de um contexto de uso de conhecimento científico como meio de demonstração de poder no enredo de produções animadas. Novamente, discute-se a relação entre diferentes faixas etárias de recepção da produção, dessa vez sob a ótica de quem pensa a produção, e não a recepção de quem faz a leitura das animações.

Na área de conhecimento do audiovisual, como artes visuais e cinema, há uma relação direta com a produção dos desenhos animados, seja dedicado a um título específico, ou um apanhado generalizado da produção de séries e filmes de animação. Destaque para o trabalho de conclusão de curso de Fábio Luiz Gonçalves Mendes, O processo criativo em séries de animação brasileiras: O autor no cartoon do século XXI (2014) no qual faz um levantamento da história e produção de animações norte-americana e a produção nacional de desenhos animados, o livro Arte da animação. Técnica e estética através da história (2002) de Alberto Lucena Barbosa Junior que contribui para situar a história do surgimento da animação, desde os exercícios experimentais dos primórdios do cinema, ao processo evolutivo da mídia que garantiu seu próprio lugar no cinema, e transitou posteriormente para a televisão. Mesmo em sua especificidade direta, apresentam o seu potencial interdisciplinar, como o próprio objeto, o desenho animado que, com a metodologia adequada, pode oferecer uma interdisciplinaridade em seu processo investigativo.

Sobre a tabela

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Uma tabela, contendo a lista dos episódios, foi organizada em duas partes, cada uma contendo seis colunas, sendo que as três primeiras da esquerda se mantém, e as três últimas da direita se alteram para outros fatores a serem destacados nos episódios, em uma segunda parte da tabela.

Explica-se, respectivamente seus significados, nas colunas que se mantém: “Título” onde se apresenta o título do episódio, seguido por “Ano de transmissão”, “Minutagem” a duração total do episódio,

Nas colunas presentes apenas na primeira parte: “Direção”, o diretor responsável pelo episódio, “Animação”, o estúdio de animação terceirizado responsável pelo episódio, e “John K In”, a função que o cartunista desempenhou no episódio tendo sido ou não, diretor, tendo dublado ou não, a personagem Ren.

Nas colunas presentes apenas na segunda parte: “Dublagem Ren”, em que sinaliza qual foi o dublador responsável pela personagem Ren, um dos protagonistas do desenho animado, “Censura”, onde demonstra episódios que sofreram edição antes de serem transmitidos e “Descred” onde alguns episódios tiveram a participação de integrantes que não receberam o crédito pelo seu trabalho quando foi ao ar, dentre eles, John Kricfalusi e . Realiza-se essa tabela com a finalidade de que haja a possibilidade de uma síntese de análise sobre os dados disponibilizados dos episódios por temporada.

1. The Ren & Stimpy Show: contextos históricos e televisivos

1.1. The Ren & Stimpy Show, um desenho animado da década de 1990

The Ren & Stimpy Show (1991) foi um dos três primeiros desenhos animados encomendados para o bloco Nicktoons, junto de Doug (1991) e (1991), para a emissora Nickelodeon canal de tv a cabo voltado ao público infanto juvenil, propriedade da rede Viacom, em 11 de agosto de 1991.

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Figura 1: As personagens de The Ren & Stimpy Show em uma vinheta com o logotipo mutante da Nickelodeon servindo de objeto.

. Sua transmissão ocorria as manhãs de domingo e perdurou de 1991 ao ano de 1996. Houveram episódios de conteúdo considerado controverso, considerados como um dos fatores que contribuiu para o desligamento de seu criador John Kricfalusi da Nickelodeon, e o afastamento da produção de sua própria série animada. A produção voltava-se inicialmente a crianças entre seis e sete anos de idade. No entanto, também atraiu a audiência de um público mais velho (Stabile, 2003).

Figura 2: Promo de The Ren & Stimpy Show, apresentando o título da série, o dia e o horário de transmissão na Nickelodeon em 1991.

Uma pesquisa inicial de mercado indicava que The Ren & Stimpy Show havia dobrado a audiência da Nickelodeon entre crianças de dois a onze anos, e isso resultou em um número total de 1.2 milhões de espectadores. Junto disso, apresentou uma concentração de adultos maior que qualquer programa da emissora, com 35% da

15 audiência sendo um público com dezoito anos ou mais (Langer, 1993). De acordo com uma matéria do New York Times de 19921, esse percentual de audiência resultou em uma pontuação recorde de 5.8, considerado alto para um desenho animado voltado ao público infantil no horário de transmissão posicionado pela Nickelodeon.

Figura 3: Promo comercial de The Ren & Stimpy Show transmitida na MTV em 1993, mostrando a tela de apresentação do programa, sinalizando a transmissão em seu horário noturno aos fins de semana.

Os produtores, atentos a esses números, passaram a transmitir The Ren & Stimpy Show no canal de TV a cabo MTV, outra propriedade da rede Viacom, no entanto com o público – alvo destinado a jovens adultos, o que também contribuiu para a audiência da própria Nickelodeon.

O enredo de The Ren & Stimpy Show se constitui da interação entre as duas personagens principais, o cachorro Ren e o gato Stimpy. Ambas as personagens realizam trocas de reprovação e de compaixão, conflito e conciliação. Apesar de tudo, esses protagonistas, antagônicos entre si, como cão e gato, ranzinza e alegre, violento e dócil, apresentam amizade e companheirismo íntegros. Conciliam juntas um comportamento caótico e imprevisível respondendo e agindo de acordo com eventos decorrentes da relação entre ambas o que contribui para o desenvolvimento do roteiro.

As personagens criadas para protagonizar nesta produção, o cão e o gato, antropomorfos, de porte pequeno, próximos à altura de uma criança procedem de traços

1 Nessa matéria da New York Times, encontra-se dados sobre a audiência recorde alcançada por The Ren & Stimpy Show, além de seu percentual expressivo de público adulto. MEISLER, Andy. TELEVISION; Ren and Stimpy’s Tirumphant Return. Disponível em: https://www.nytimes.com/1992/08/16/arts/television-ren-and-stimpy-s-triumphant-return.html Data de acesso em: 20/02/2020. 16 autorais de diferentes origens, sendo representados com formas gráficas e aspectos opostos.

Figura 4: A personagem Ren, um cão da raça Chihuahua, com corpo magro, curvo, de temperamento ranzinza. Cena retirada do episódio Stimpy’s Invention (1992).

A primeira personagem é Ren, um cão da raça Chihuahua, é representado com traços disformes e grosseiros, um corpo bastante magro e curvo, com desproporções acentuadas nos tamanhos de suas mãos e pés, como sua cabeça, orelhas, seus grandes olhos de lente rosada e cauda que remete a de uma ratazana, caricatura distinta de se assimilar a um cão. Sua expressão facial se demonstra, na maior parte do tempo ranzinza e antipática, ou exausta, mas de forma caricatural. Seu comportamento é agressivo e dramático habitualmente utilizado como alívio cômico no roteiro, ou até mesmo uma situação de tragédia em certos momentos. Essa personagem possui sentimentos muito bem trabalhados, com fortes oscilações de humor, com momentos melancólicos de desespero e angústia, e também situações mais enérgicas ou antipáticas, de um sentimento de ira com grandes detalhismos. Mesmo cartunesco, seu lado emocional caótico e agressivo sugere uma representação bastante notória de uma personalidade psicótica.

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Figura 5: Stimpy, o gato sem rabo de nariz azul inchado, de corpo redondo, e temperamento alegre e entusiasmado. Essa cena foi retirada do episódio Stimpy’s Invention (1992).

O segundo protagonista é Stimpy, um gato vira-lata com ausência de rabo, que possui traços mais arredondados e agradáveis se comparado a Ren. De corpo inchado e nariz azul, possui um comportamento imprevisível que se reflete na oscilação de sua mentalidade. Possui uma expressão facial que transmite uma imagem de inocência e entusiasmo que, por vezes, se reflete em um comportamento débil, mas, em outras ocasiões demonstra habilidade inventiva de um gênio, ainda assim, inofensivo em comparação a seu parceiro. A ambiguidade presente na maturidade mental da personagem é decisiva para as propostas, como para o desenvolvimento do roteiro em cada episódio, as novidades diversas que costuma apresentar, seja em uma atrapalhada, seja em um novo invento. Sentimental, demonstra apego ao seu parceiro, embora seja, na maioria das vezes, a causa dos momentos de fúria de Ren, sendo o responsável pelas situações adversas que colocam ambos em apuros, dentre outras que seu companheiro é alvo de suas ações e, em resposta, este é alvo de uma punição por Ren, o que nos traz novamente a um alívio cômico, a vazão de um personagem temperamental que reage ao comportamento imprevisível de um segundo personagem.

Houve a produção de cinco temporadas ao todo no período de 1991 a 1995, sendo produzidos, ao todo, pelo estúdio Spumco, 52 episódios de vinte minutos com 94 segmentos, cada um desses segmentos com duração em média de dez minutos, o que significa que a maioria dos episódios possuíam dois títulos por programa. Contabilizando 12 episódios na primeira temporada, 18 na segunda temporada, 16 na terceira temporada, 27 na quarta temporada, e 19 na quinta temporada.

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Dois episódios da série animada foram tratados como avulsos a constituição do total de episódios que foram ao ar: Big House Blues (1991) e Man’s Best Friend (2003), ambos dirigidos por John Kricfalusi. Este primeiro, por se tratar de um episódio-piloto, não houve terceirização sob encomenda da produção de seu episódio. Por se tratar de uma única produção como amostra para ser avaliado pela Nickelodeon, sofreu edições necessárias para ser posteriormente exibido em conjunto com a primeira temporada em 1991. Possui a menor minutagem de todos os episódios produzidos. O outro episódio considerado “perdido” não foi ar devido a seu conteúdo se exceder ao convencional apresentado pelo programa. Embora não apresente data de transmissão, consta que o estúdio de animação encarregado foi a Carbunkle Cartoons e sua minutagem foi de 11 minutos, a duração comum de um episódio no programa.

1.1.2. Controvérsias e conflitos sobre a produção

O episódio-piloto Big House Blues (1991) que retratava a morte de uma personagem de forma implícita, e preocupou os executivos da Nickelodeon. De acordo com registro em uma entrevista realizada pelo Dan Persons, da revista de cinema Cinefantástique2, a executiva do departamento de animação, Vanessa Coffey, considerou que o teor da cena poderia facilmente ter sido captado pelas crianças. O episódio Man’s Best Friend3, denominado como o “episódio perdido” da série animada foi banido da segunda temporada devido ao conteúdo violento, em que introduz a personagem , o qual segundo Kricfalusi, contribuiria mais tarde para seu desligamento da emissora Nickelodeon, motivo também defendido por Dan L. Baldwin em seu artigo Flashimation: The context and culture of web animation em que afirma que o conteúdo dos desenhos de Kricfalusi havia se tornado inapropriado para o público jovem, após a introdução da terceira personagem (Sullivan, 1997; Furniss, 2007 apud Baldwin, 2006). Esse episódio posteriormente seria disponibilizado para o canal de entretenimento adulto Spike TV, voltado a um público majoriatamente masculino. Outro episódio, integrante do seis encomendados para teste, Space Madness (1991) era considerado

2 PERSONS, Dan. Spümcø’s Ren & Stimpy Revolution. In: Cinefantastique, v. 24, n. 1, p. 24-56, 1993. 3 Nessa entrevista John Kricfalusi menciona sobre o episódio Man’s Best Friend, que contribiu para seu desligamento da Nickelodeon. GOODMAN, Martin. “When Cartoons Were Cartoony” Disponível em https://www.awn.com/animationworld/when-cartoons-were-cartoony-john-kricfalusi-presents Data de acesso: 20/02/2020 19

“incompreensível” para as crianças, na perspectiva do editor de roteiro (Komoroski, 2013). Segundo ele, não conseguiriam acompanhar a sequência de acontecimentos, “as crianças precisariam de um apoio na realidade”.

Devido ao conteúdo considerado inadequado nos episódios, ocorriam atritos devido a prazos de entrega que não estavam sendo cumpridos. O material era devolvido a Spumco para ajustes, tendo seu conteúdo refeito na prancha e enviado novamente a Nickelodeon4 para a aprovação final. Com os atrasos, o pedido de vinte e seis episódios para a segunda temporada pela Nickelodeon foi reduzido para treze para que se adequasse ao ritmo e horários da equipe no estúdio da Spumco. Ambas, Nickelodeon e Spumco, dificilmente entravam em acordos ao discutir o conteúdo presente nos episódios em seus aspectos visuais, mecânicos (animados) e sonoros. Bob Camp, um dos autores do desenho, relata que pilhas (sic) de histórias eram descartadas; “É um atrito constante, e não se trata de dizer que é culpa apenas de Kricfalusi, mas nossa também”; o conteúdo produzido, segundo Camp, era um choque de visões, que ocasionaria conflitos eventualmente.

1.2. A TV nos anos 1990 nos Estados Unidos: desenhos animados nas TVs a cabo

1.2.1. O Contexto dos Estados Unidos no início da década de 1990

Segundo Valério Cruz Brittos (2000), neste período, os Estados Unidos se adaptavam ao contexto pós-Guerra-Fria. Com a queda da União Soviética, a concorrência ideológica oferece lugar a globalização da política, que coincide com a tradição e objetivo norte-americano de se fazer aceitar a sua concepção liberal de democracia como valor e prática (Villa, 2003). Atitude estadunidense característica do que se conceitua como a “síndrome da liderança mundial” cujas raízes, que Jesús Martín-Barbero (1997) traz de suas anotações sobre Herbert Schiller, baseiam-se “na fusão da força econômica e do controle da informação”, ao mesmo tempo que busca identificar a presença norte- americana com a liberdade: liberdade de comércio, liberdade de palavra, liberdade de empresa” (Martín-Barbero, 1997).

4 A emissora insistia em ter uma aprovação editorial completa, tanto nos outlines quanto nos storyboards, sujeito a mudanças que poderiam ocorrer em cada estágio do processo (Komorowski, 2013). 20

Paulo José dos Reis Pereira (2011) afirma que os Estados Unidos manifestavam interesse em manter a ordem pós-Guerra Fria, ainda com o uso de capacidade militar como sinônimo de garantia de sua própria segurança. Primeiro presidente após o fim da Guerra Fria, George H. Bush (1989-1992) demonstrou preocupação com o reforço de laços multilaterais com as democracias ocidentais para prevenir forças que pudessem contestar o status quo (Pereira, 2011). O governo de Bush marca a transição da antiga ordem internacional bipolar para uma suposta “nova” ordem mundial. Inicia-se uma nova agenda que passa a discutir ameaças oriundas de diversos setores sociais, visando a segurança hemisférica, em razão dos novos parâmetros regionais e mundiais. A ausência da identificação de ameaça externa com credibilidade, como se sinalizava no período da Guerra Fria, passa a dar lugar para o combate as ameaças de cada país, como organizações envolvidas com narcotráfico ou mesmo conflito entre países.

A guerra entre países figurava como principal ameaça para Bush, de modo que outros eventos fossem concebidos como questões secundárias. Organizações terroristas e narcotráfico eram diagnosticadas enquanto “conflitos de baixa intensidade”. Privilegiava- se a continuidade de políticas de segurança nacional elaboradas ainda no decorrer da Guerra Fria. Um balanço final de sua administração realizado pelo secretário de Estado, Lawrence Eagleburger, considerava os conflitos ditos de “baixa intensidade” como “desafios multifacetados de uma ordem mundial em desintegração:

“Muitos males que afligem o que era conhecido como o Terceiro mundo – os problemas de pobreza, dívida, subdesenvolvimento e superpopulação – ameaçam trazer o caos global na sua esteira e, assim, ameaçar a nossa própria segurança e prosperidade” (Pereira, 2011: 76)

A década de 1990 é vista como a fase da incerteza devido ao término da bipolaridade e o aumento dos movimentos globais (Brittos, 2000). Apesar dos problemas que se desenvolviam sob a estrutura bipolar da Guerra Fria, o tipo de confronto favorecia uma noção dicotômica no sistema internacional sendo possível aos governos e organizações subnacionais identificarem amigos e inimigos, guerra e paz, soldado e civil, lícito e ilícito. Sob essa perspectiva conturbada, como novos desafios que surgiam na década de 1990, o período da Guerra Fria passa a ser tratado com um sentimento de nostalgia. Esse sentimento se perdurou nesse período, uma vez que antigas certezas sofriam abalos na própria concepção de “objetividade” e imparcialidade da história norte- americana, tornando-se, segundo Arthur Lima de Avila (2016), um campo de batalha ideológico. Abala-se a ideia de nação, enquanto se alimenta a nostalgia pela antiga

21 história “menos complicada” centrada nos principais homens e eventos nacionais que desenvolviam o senso de patriotismo entre os cidadãos. Para críticos dessa “nova história”, cujas personagens, temas e objetos eram considerados outsiders, significava a desestruturação, através de posturas “politicamente corretas” ou “antiamericanas”, de um passado estável, estático e sem conflitos, conclui Avila:

“Portanto, se o presente era fonte e palco de incertezas e confrontos virulentos, o passado era tomado como uma forma de idade dourada, os good old’ days em que os homens eram homens, a civilização prosperava e os valores morais do Ocidente eram defendidos e respeitados” (Avila, 2016: 333)

O presidente seguinte, Bill Clinton (1992-2000) buscava assumir as premissas de seu antecessor, garantir a superioridade do país no sistema internacional como prioridade. Definia uma doutrina que deveria expandir os valores e instituições norte-americanas, como uma substituição da doutrina de contenção da Guerra Fria (Op cit, 2011). O foco da política externa de Clinton era a liderança da globalização econômica, através da ideia de livre mercado. Embora fosse um democrata, de acordo com Sean Purdy (2007), Clinton realizou cortes na previdência social de impactos mais profundos que outros promovidos por republicanos.

Por meio de seu discurso, buscava vender ideia do livre mercado atrelando-o a globalização, tema amplamente discutido na década de 1990, junto do avanço tecnológico e da revolução da informática. Para o presidente, assim como as conexões da internet, o comércio havia se tornado algo global, o mundo estava mais conectado do que nunca (Lopes, 2019). Associava-se, portanto, segundo Manuel Castells (2004) a globalização à emergência de um novo paradigma tecnológico. As novas tecnologias de comunicação e informação resultavam do surgimento de novas relações interativas (Martins, 2011).

As mídias, seja nas formas convencionais da imprensa, radio e televisão, seja na internet, consolida-se em enormes conglomerações, frequentemente sendo combinadas com corporações de outros setores. Um exemplo é a corporação General Eletric que produz de eletrodomésticos a armas nucleares, sendo dona da grande rede de TV NBC. Gigantes da mídia americana, preocupadas com a perda de patrocinadores, limitaram a diversidade do discurso político, de modo que refletissem os valores dominantes dos governos conservadores, o que intelectuais críticos como Noam Chomsky e Edward Herman nomearam como a “manufatura do consentimento” Essas enormes

22 conglormerações contriburiam como parte de um papel central no avanço da ideologia neoliberal, sob o argumento que o “mercado livre” seria a melhor maneira de resolver problemas sociais e políticos. Novas tecnologias passam a influenciar a produção cultural do fim do século XX, como o computador pessoal, a internet, o e-mail, o DVD e a televisão paga, revolucionando muitos aspectos da vida cotidiana (Purdy, 2007).

1.2.2. A tv a cabo no início da década de 1990 nos EUA

A política no início da década de 1990 se destaca a queda do muro de Berlim, que simboliza o final da Guerra Fria, e a cultura se destaca com o desenvolvimento de satélites comunicacionais. Por meio da televisão, a globalização se manifesta pelo redimensionamento do espaço local e proliferação de bens e canais transnacionais, com formatos de programação mundializados, conglomerados multimídia e intercambio entre empresas transnacionais (Brittos, 2000).

Ainda nessa mesma década, surgia a televisão por assinatura ou TV a cabo que Valério de Brittos (2001) define como:

“...a tecnologia mais difundida no mundo, que transmite, codificadamente ou não, até os domicílios, por cabos coaxiais ou de fibra ótica, caracterizando-se uma rede híbrida, normalmente” (Simões, 2006: 130).

Em seu livro A sociedade em rede, Manuel Castells (1999) aponta para a futura diversificação das ofertas de programas de TV que, posteriormente, seria segmentada. As tecnologias de televisão a cabo, promovida na década de 1990 pela fibra ótica e pela digitalização, o progresso da difusão direta por satélite, expandiam drasticamente. Segundo Sean Purdy (2007), nessa época as redes de televisão escolhem por segmentar suas audiências com programas específicos para mulheres, negros, imigrantes, residentes urbanos e rurais, realizados sob formatos convencionais, evitando críticas a sociedade enquanto expõe uma diversidade social, com exceção da vida dos trabalhadores norte- americanos; segundo esse autor, grande parte das personagens na televisão retratavam somente a classe média e alta, o que dava a entender que aflicção econômica e conflitos sociais fossem inexistentes, reproduzindo um escapismo e uma celebração do “jeito americano de viver”, propaganda muito comum nos anos 1950 (Purdy, 2007). No entanto, uma diferença apontada por Roseane Andrelo (2003) nas televisões a cabo era o fato de diferente das emissoras da TV aberta, que apresentavam programações generalistas

23 segmentadas apenas pelo horário, na TV a cabo, a segmentação se intensificava por canais inteiros. Quem gostava de desenhos animados, por exemplo, poderia assisti-los a qualquer hora do dia, ou mesmo o dia inteiro. A televisão por assinatura oferecia essa distinção pela segmentação do entretenimento e, no início da década de 1990, especialmente para o ramo do desenho animado, a TV a cabo ainda era visto como um campo inexplorado (Mendes, 2014).

- - - Segundo, Fábio Luiz Gonçalves Mendes, o contexto do ramo da animação na TV aberta da década de 1990 carregava o formato de produção herdado desde os meados da década de 1960, e ocupavam a programação das manhãs de sábado, o que gerou a denominação de Saturday Morning Cartoons. Esse formato se consolidou em uma fase da animação, na qual as produções animadas, ao serem transitarem do cinema para a televisão, passaram a ser utilizadas para ocupar espaços da grade de programação pouco valorizados por anunciantes e patrocinadores, muitas vezes endereçados a trações direcionadas ao público infantil. (Mendes, 2014).

As produções dos Saturday Morning Cartoonso ocupavam o horário das manhãs de sábado das emissoras e redes norte-americanas. Posteriormente atraiu anunciantes próprios para o público infantil. Nas décadas seguintes, em 1970 e 1980, a prática da terceirização de estúdios se torna recorrente para suprir a demanda dos canais de televisão. Estúdios, de outros países em sua maioria, encarregam-se de realizar fases mais trabalhosas, como Japão, China, Filipinas, Taiwan Coréia do Sul e Índia, que se tornam potencias nesse serviço, devido ao baixo custo de remuneração de profissionais. Nos Estados Unidos, os animadores realizavam os frames que iriam conter as poses principais das personagens. A animação terceirizada contribuiu para o desenvolvimento dessa indústria, no entanto, os estúdios envolvidos raramente se dedicavam a realizar peças próprias, o que resultou em muitas produções que castravam a originalidade em razão da demanda. (Mendes, 2014). Havia uma lacuna no ramo da animação da TV aberta quanto a produções originais de traço autoral.

Capítulo 2. Produtoras e produtores de The Ren & Stimpy Show 2.1. Sobre a importância de mapear produtores e produções

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Mikhail Bakhtin (1987), para compreender a linguagem semi-olvidada presentes nas paródias de Rabelais investigou a linguagem presente nas formas e símbolos carnavalescos. Bakhtin constatou que se fez necessário conhecer essa linguagem5 para compreender o sistema de imagens rabelasianas. Através da compreensão dessa linguagem, o autor pôde perceber que o carnaval foi uma produção cultural estrategicamente concebida para a praça pública. Havia uma linguagem familiar da praça pública, caracterizada pelo uso frequente de grosserias6, um gênero verbal em particular, da linguagem familiar7. No carnaval as grosserias mudavam de sentido, e adquiriam um caráter de profundidade;

“Durante o carnaval, essas grosserias mudavam consideravelmente de sentido: perdiam completamente o seu sentido mágico e sua orientação prática específica, e adquiriam um caráter e profundidade intrínsecos e universais. Graças a essa transformação, os palavrões contribuíam para a criação de uma atmosfera de liberdade...” (Bakhtin, 1987: 15)

Autores como Rabelais, exigem a reformulação de nossas concepções artísticas e ideológicas como desfazer-se das exigências do gosto literário profundamente arraigadas. Por meio da obra rabelaisiana, Bakhtin pôde compreender a dualidade presente na Idade Média, em que ritos e espetáculos cômicos e a formas do culto e cerimônias oficiais sérieda da Igreja eram vividas pelas mesmas pessoas. Essa dualidade já eixistia em civilizações primitivas contribuiu para compreender tanto a cultura da Idade Média como a civilização renascentista.

Douglas Kellner (2001), ao analisar a animação Beavis and Butt-head (1993), identificou uma denuncia de uma sociedade que não providencia apoio a seus cidadãos;

“...talvez, o fim do iluminismo na cultura da mídia de nossos dias. Reagem visceralmente aos vídeos, rindo com deboche diante das imagens, achando “legais” as representações de violência e sexo, enquanto qualquer coisa complexa, que exija interpretação, é um “saco”” (Kellner, 2001: 190).

5 Segundo Bakhtin, essa linguagem foi também empregada, de maneiras e proporções diversas, por autores como Erasmo de Rotterdam, William Shakespeare, Cervantes, Lope de Vega, Tirso de Molina, Guevara e Quevedo; assim como autores da “literatura dos bufões alemães”. 6 Trata-se especificamente das grosserias blasfematórias dirigidas às divindades, visto como um elemento necessário dos cultos cômicos antigos. Vistas como ambivalentes, degradavam e mortificavam enquanto simultaneamente regeneravam e renovavam. Essas blasfêmias ambivalentes determinam o caráter verbal típico das grosserias na comunicação familiar carnavalesca. 7 Do ponto de vista gramatical e semântico, Bakhtin afirma que as grosserias estão isoladas no contexto da linguagem, sendo consideradas formulas fixas do mesmo tipo dos provérbios. 25

Kellner evidenciou, na construção das personagens dessa animação, uma fonte de inspiração paa a agressividade e as frustrações de seu público. Essa produção, segundo o autor, se tornou popular porque foi capaz de expressar a irritação social incipiente. (Kellner, 2001)

Por meio da investigação da investigação de elementos da produção, torna-se possível compreender o contexto social e histórico daquela época através do objeto de estudo que se pretende analisar, de modo que contribua, também, para suas áreas de conhecimento, como a literatura e antropologia, por exemplo. Os detalhes da produção, como seus criadores envolvidas, nos trazem compreensões ocultas em um objeto de mídia ou de consumo, esses que se fazem ver ao serem mapeados, compreendidos em suas determinadas épocas.

2.2. Produtoras

2.2.1. Nickelodeon e MTV: Do sistema QUBE a canais da rede Viacom

Figura 6: Comercial que data de 1 de dezembro de 1977, sobre o sistema de televisão a cabo QUBE.

Em 1977, surgia um sistema de tv a cabo por demanda interativa denominado QUBE desenvolvido pela Warner-Amex Cabe, na cidade estadunidense de Columbus em

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Ohio (Mendes, 2014). A Nickelodeon surge em 1979, inicialmente como um bloco diurno desse sistema, transmitindo atrações infantis.

Figura 7: Logotipo da Nickelodeon durante sua época de lançamento, em 1979 enquanto um bloco integrante do sistema QUBE.

Do sistema QUBE, também se originou a MTV em 1º de agosto de 1981, as 12h01min, como um canal independente, a primeira emissora de televisão segmentada voltada para o público jovem de faixa etária de 12 a 34 anos de idade, sediado em Nova Iorque na Time Square.

Figura 8: Em 1 de agosto de 1981, a MTV entrava no ar com sua primeira vinheta em que mostra um astronauta cravando a bandeira com o logotipo do canal.

Sua primeira vinheta, de acordo com o artigo Diálogos interculturais: MTV e globalização de Rosana Martins (2011), mostrava um astronauta cravando a bandeira da MTV na Lua, e, em seguida, proferiam-se as palavras “Ladies and gentlemen, rock and roll” seguido por um riff de guitarra crunching realizado por Jonathan Elias e John Petersen.

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O formato da programação foi criado pelo executivo de mídia e visionário Bob Pittman. O primeiro slogan “I want my MTV”, frase que se fez presente em camisetas e na música “Money for nothing”, do grupo Dire Straits, inaugurou a primeira estratégia de marketing da emissora. Quatro meses após seu primeiro videoclipe Video Killed The Radio Star da banda The Buggles, a emissora já contava com 2.1 milhões de assinantes (Idem, 2011).

Em janeiro de 1985, a Nickelodeon se torna um canal independente tornando-se o primeiro canal de televisão direcionado especificamente ao público infantil, e se funde com o canal The Entertainment Channel, atualmente conhecido como o canal A&E. Posteriormente, a Nickelodeon sofre uma mudança operacional e passa fazer parte de um grupo próprio ao lado do canal MTV, chamado MTV Networks, ainda pertencente a operadora Warner/Amex (Mendes, 2014). A operadora venderia o grupo MTV Networks para a Viacom, em 1986. Após a venda, e Alan Goodman, criadores da identidade da MTV realizaram uma reformulação completa da identidade de ambos os canais, Nickelodeon e MTV.

Figura 9: Novo logotipo laranja da Nickelodeon originado após sua reformulação em 1986 por Fred Seibert e Alan Goodman, criadores da identidade da MTV.

Parte desse rebranding deu origem ao logotipo laranja em formato irregular e de animação mutante popularmente associado ao canal Nickelodeon, além de uma segmentação interna para o canal, com uma grade programação com produções direcionadas a diferentes faixas de infância (Mendes, 2014).

2.2.2. A produção no estúdio Spumco

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Spumco8 era um estúdio independente de animação fundado por John Kricfalusi, junto de Bob Camp, Jim Smith e Lynne Naylor9, de atuação entre 1988 e 2006, ano que declara falência. Experientes na rotina dos Saturday Morning Cartoons, Kricfalusi e seus colegas fundam esse estúdio, dispostos a romper com o modelo de suas antigas profissões, em prol de um trabalho no qual exerceriam suas liberdades criativas. Funcionava em média com quinze pessoas em Hollywood10 e muitos outros freelancers ao redor do mundo, além de contar com a terceirização de outras tarefas, primeiramente, realizado em dois estúdios canadenses, Carbunckle Cartoons e Lacewood (Mendes, 2014).

Figura 10: Logotipo do estúdio Spümco durante a década de 1990, com o slogan “the Danes call it “Quality””.

Houve a produção de comerciais animados pela Spumco no qual divulgaram bens de consumo como vestimentas e produtos alimentícios de cafeterias e pizzarias.

8 O cartunista afirma na entrevista em Cuernavaca, já mencionada neste trabalho, que encontrou o nome “Spumco” em uma lata de sardinhas, termo o qual ele atribui o significado de “qualidade” em dinamarquês, o que acabou sendo o slogan do estúdio, “The Danes call it Quality”. No entanto não encontramos uma tradução para essa palavra. 9 Informações presentes em uma entrevista ao site La Times já citada neste trabalho. 10 Havia uma alta demanda de artistas a procura do estúdio de animação para trabalhar em Hollywood (Komorowski, 2013). 29

Figura 11: Comercial de suéter da marca Old Navy divulgado por meio de uma animação da Spumco. Apresentam personagens animadas para divulgar o produto.

Neste comercial produzido como uma animação, trata-se uma garota tendo problemas para patinar no gelo é visitada por um poodle antropomorfo que se comporta como uma fada madrinha e a presenteia com um suéter que posteriormente a torna mais habilidosa na atividade. Trata-se de um suéter da marca Old Navy.

Figura 12: Logomarca da Old Navy, marca de roupas, em que divulga uma linha suéteres com uso da arte do estúdio Spumco.

O comercial é finalizado com a divulgação real dos suéteres em três cores, com a apresentação do logotipo e a personagem da Spumco produzida para esse fim de divulgação final.

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Figura 13: Comercial da franquia Aoki’s Pizza, com sua logomarca, com personagens da Spumco divulgando o produto.

Neste comercial vemos personagens da Spumco divulgando a pizzaria Aoki’s Pizza, com uma pizza desenhada ao centro. O personagem masculino se lambuza com a pizza, e depois é beijado pela personagem feminina do canto direito, demonstrando-se sujo de queijo e atordoado após esse ato.

Figura 14: Comercial da cafeteria Village Pantry, uma animação feita pela Spumco onde vemos um galo sendo servido com um donuts e um copo de café do estabelecimento pelas mãos respestivamente, de um animal ovino e de um animal equino em estilo cartoon.

Neste comercial a personagem galo antropomórfica visita o celeiro como se visitasse uma firma de empresa exigindo postura e produtividade, demonstrando estresse. Após essa postura ele é surpreendido com donuts e café, da marca Village Pantry.

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Figura 15: Divulgação da logomarca e dos produtos da cafeteria Village Pantry, do mesmo comercial produzido pela Spumco. Essa segunda imagem divulga o logotipo da cafeteria, junto dos produtos apresentados no comercial animado pela Spumco. Vemos o logotipo do estabelecimento ao centro, faixas de cores laranja e amarelo de fundo, e a apresentação de um copo de café e um donuts.

1.2.2.1.Outras produções

Figura 16: Vídeo clipe I Miss You (1996) de Björk, reunindo filmagens da atriz, animações tradicionais, e em computação gráfica produzido pela Spumco.

Nesta imagem do vídeo clipe I Miss You (1996)11 dirigido por John Kricfalusi, cuja cliente é a cantora, atriz e compositora islandesa Björk. A artista aparece live-action,

11 Björk – i miss you. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ybDX_5hQ6So Data de acesso: 20/02/2020.

32 sendo filmada em um fundo escuro, dentro de um pequeno espaço mutante e ondulatório que integra o cenário, atuando enquanto canta, dando destaque ao contraste de luz apenas em um lado do corpo enquanto sombreia outra parte. Todos os outros elementos são parte de uma animação com o traço autoral do cartunista. Uma personagem em traje caricato de astronauta e pele esverdeada observa a cantora, acompanhado de outros dois seres em formato de cérebros com com um único olho ao centro.

Houveram produções das primeiras animações em flash produzidos exclusivamente para a internet sob a autoria do estúdio Spumco. The Goddamn George Liquor Program (1997), com oito episódios com durações de um minuto, denominou-se um novo estilo de animação sob a alcunha de “flashimation”. O flash seria amplamente utilizado na produção televisiva em dezenas de animações. O uso do Flashimation na televisão, particularmente na programação infantil, trabalha para substituí-lo como parte da animação televisiva geral, explicitamente uma versão benigna da animação que possui nem a sátira restrita, mas “sustentada nos costumes americanos” que Paul Wells atribui a desenhos animados na televisão como Os Simpsons, King of the Hill (1997) e (1997) (Wells, 2003, p.30 apud Baldwin).

Goddamn George Liquor Program (1997) foi o primeiro”flashmation” produzido pela Spumco, no qual seriamos apresentados as personagens George Liquor e Jimmy the Idiot Boy.

Figura 17: Goddamn George Liquor Program, primeira animação em flash produzida pela Spumco e a primeira produzida exclusivamente para a internet, em 1997.

A imagem ilustra a personagem George Liquor, um senhor de pele rosada e olhos azuis e cabelo grisalho calvo oferecendo um pires com vários bacons fritos envolvidos em formato de esfera, para a personagem Jimmy, que ao ver a refeição demonstra-se animado e bate as duas mãos como uma foca enquanto faz o som do animal com a boca.

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Nessa produção, com um episódio intitulado Babysitting the Idiot a personagem George Liquor cuida da personagem Jimmy, o alimentando, ensinando boas maneiras, oferecendo-lhe tarefas e o deixando sob cuidado de outros garotos, situações que promovem piadas no desenvolvimento do roteiro.

Weekend Pussy Hunt (2000) é a segunda animação contendo 14 episódios ao todo para se contar uma única história, com a introdução das personagens Cigarettes the Cat e Dirty Dog. O enredo envolve uma perseguição cômica e típica entre cachorro e gato dos desenhos animados, que se desenvolve ao longo do roteiro para um thriller de perseguição com um cachorro serial killer atrás de um gato que acaba se tornando paranoico.

Figura 18: Cena de Weekend Pussy Hunt segunda animação em flash produzida pelo estúdio Spumco.

Nessa imagem, uma típica perseguição entre gato e cachorro dos desenhos animados, sob os traços de John Kricfalusi produzido pela Spumco. A perseguição é realizada ao ar livre, em um cenário de calçada com vizinhança em gramado verde, pelas personagens introduzidas nessa animação, Cigarettes the Cat e Dirty Dog. No enredo o gato provoca o cachorro em uma cena típica de desenho animado clássico até que o instigue a perseguição. Após provoca-lo, o gato foge do cachorro até se esconder em uma lata de lixo onde encontra um de seus amigos, este que alerta que o cachorro é uma pessoa muito perigosa, e deixa o gato em estado de pânico com mania de perseguição. O cão se revela alguém que promete aterrorizar a vida do gato e depois dar fim a sua vida.

O estúdio chegou a produzir uma versão adulta de sua série principal, sendo intitulada The Ren & Stimpy: Adult Party Cartoon cujo conteúdo era repleto de piadas com mais escatologia que o habitual e outras de teor sexual, em que a relação dos protagonistas avança de um companheirismo para um vínculo amoroso. Após a série ter sido um fiasco, houve, segundo o jornalista Thad Komorowski, uma crise financeira no estúdio, o que levou ao estúdio Spumco declarar falência em 2006.

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Figura 19: Cena de The Ren & Stimpy: Adult Party Cartoon, do episódio Altruists (2003).

Nessa imagem do episódio Altruists, produzida para a versão adulta da série, vemos uma ação satírica que remete ao ato sexual entre as duas personagens, representadas de forma anedótica em que Ren amarra um serrote com um cinto em sua região abdominal e o utiliza em movimento pélvico, como se fosse um falo realizando uma penetração, para serrar um pedaço de madeira sobre a região das nádegas de Stimpy, o qual expressa sentir a ação do serrote demonstrada em sua expressão facial. As personagens realizam esse ato em um cenário diurno, ao ar livre, em um quintal, como se fosse um trabalho braçal.

Segundo John Kricfalusi o criador da série, a Spumco inovou a forma que se faziam desenhos animados voltados para as crianças transmitidos nas manhãs de sábado, sendo The Ren & Stimpy Show o programa criado para a televisão a cabo mais popular por dez anos. Títulos posteriores lançados pela Nickelodeon apresentariam elementos da obra de Kricfalusi como Rocko’s Modern Life (1992), The Angry Beavers (1997-2001), Catdog (1998- 2005) e o mais bem-sucedido entre eles Spongebob Squarepants (1999), este último, considerado por Kricfalusi um herdeiro de sua produção (Mendes, 2014).

Houve a consultoria do autor, como informa em seu , para a em que elegeu os melhores desenhos de uma seleção que dariam início ao que hoje são conhecidos como cartoons-cartoons, compostos por (1997), Dexter’s Lab (1995) e PowerPuff Girls (1998)12.

12 KRICFALUSI, John. Beautiful People 9 - yeesh - and Spumco's business acumen. John K. Stuff. Data de publicação: 13/03/2006. Disponível em: https://johnkstuff.blogspot.com/search/label/Spumco%20Innovations Data de acesso: 20/02/2020. 35

2.2.3 Estúdios de animação envolvidos na produção por temporadas

Os estúdios de animação que prevalecem na primeira temporada são Carbunckle Cartoons, Lacewood e Bonart Co. Sabe-se por Fabio Luiz Gonçalves Mendes que esses estúdios são ambos de origem canadense, país de origem do cartunista e também da integrante Lynne Naylor. Com a segunda temporada esses estúdios deixam de estar presentes nos créditos, dando lugar aos estúdios Rough Draft situado em Glendale na California13, de forma predominante, e o Color Key Studios em um único episódio, Haunted House (1992) dirigido pelo integrante Ron Hughart sendo esse um dos dois únicos episódios dirigido por ele, junto de The Cat That Laid the Golden Hairball (1993). Na terceira temporada prevalecem os serviços de animação da Rough Draft, ainda de forma predominante, novamente com exceção de um único episódio produzido por um estúdio diferente, a Wang Productions no título Lair of the Lummox (1994). A contribuição do estúdio Rough Draft se mantém, no entanto de forma equilibrada com outros estúdios se encarregando de outros episódios, A Wang Productions adquire mais episódios, e surgem mais dois estúdios inaugurantes nessa temporada, a Mr. Big Cartoons Toons Us-In Animations, sendo presentes quatro estúdios de animação ao todo nessa temporada, distribuídos de forma relativamente equilibrada por episódios que se responsabilizaram em animar. Com exceção da Wang Productions, todos os demais estúdios se fizeram presentes durante do desenvolvimento da quinta temporada em distribuição proporcional.

2.3. Produtores

2.3.1. Produtores-chave dos Nicktoons

Geraldine Laybourne foi presidente da Nickelodeon durante a década de 1990 que, junto com Vanessa Coffey, propuseram o conceito creator driven cartoon, conceito utilizado como base para trazer desenhos inéditos de traços autoral de estúdios iniciantes para a emissora, e formar o bloco Nicktoons, composto pelos primeiros desenhos animados do canal. Laybourne também foi a profissional responsável por posicionar os desenhos animados nas manhãs de domingo dia e horário distinto do usual para se

13 Essa informação da localização desse estúdio foi extraída de seu próprio site. . Studio Info. Disponível em: https://www.roughdraftstudios.com/studio_info.html#contact Data de acesso em: 20/02/2020. 36 transmitir desenhos animados(Greenstein, 1991 apud Stabile, 2003). Posteriormente, a presidente posiciona a série animada The Ren & Stimpy Show nos horários de sábado a noite na Nickelodeon para o bloco Snick.

Vanessa Coffey foi executiva do recém-criado departamento de animação nesse período, e, como dito acima, participou da formulação do conceito creator-driven junto de Laybourne. Coffey acompanhou de perto a produção de The Ren & Stimpy Show, sendo a encarregada, segundo a própria executiva, de empurrar de volta (sic) o cartunista, com intuito de que ele liberasse toda sua criatividade para produzir o desenho animado (Komoroski, 2013).

Editor de roteiro geral da programação dos Nicktoons, Mitchell Kriegman possuía um longo relacionamento com a série Doug e Rugrats, no entanto se envolveria com The Ren & Stimpy Show como editor de roteiro nos seis primeiros episódios, estima-se, segundo Komorowski, que talvez tenha atuado em menos. Kriegman fez uso de sua posição para editar a animação, e torna-la mais compreensível para as crianças. Inicialmente demonstrou relutância com o formato da animação, inspirada, segundo ele, em Rocky & Bullwinkle (1959), em que as personagens atuam em curtas, envolvendo-se em situações variadas.

1.3. Os criadores da série animada The Ren & Stimpy Show

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Figura 20: O autor John Kricfalusi em uma foto autografada, em uma montagem junto de suas criações, Stimpy, mais à esquerda e Ren, à direita, e sobre os ombros do autor.

De origem canadense, John Kricfalusi é o animador, roteirista e dublador responsável pela criação de The Ren & Stimpy Show (1991), assim como também pela fundação do estúdio Spumco, um estúdio independente de animação fundado por ele e seus colegas de profissão Bob Camp, Jim Smith e Lynne Naylor, no qual colocariam em prática sua liberdade criativa sob novos métodos de criação, com prioridade para a figura do autor no desenho animado.

Kricfalusi, em uma entrevista concedida ao site IGN em 2006, se define como “um homem típico” que, segundo ele, é gostar de coisa agressiva (sic):

“Eu gosto de coisa agressiva. Muitos caras gostam, ao menos que você seja um cristão ultraconservador ou algo do tipo”14.

Para o cartunista é considerado típico do entretenimento masculino produções cujo o conteúdo apresenta “sexo, agressividade e violência”. Diz que se sente convidado a fazer em seu trabalho tudo que a sociedade diz que não se é permitido fazer, o que atribui, novamente, a uma característica tipicamente masculina. Outro traço característico do autor é sobre procurar nunca se repetir no que faz, John Kricfalusi possuía a filosofia de nunca repetir uma piada, era necessário sempre inovar. Seu maior interesse em humor é o que envolve personalidade. O autor diz gostar do humor que pode sair das personagens.

Segundo a jornalista Karen Mazurkewich (1995), Kricfalusi frequentou o curso de Artes na Faculdade de Sheridan, em Ontário, no Canadá. No entanto, não chegou a concluir. Para Kricfalusi, seus anos na faculdade não foram considerados proveitosos:

“Não passei muito tempo lá. Eu era um estudante péssimo. Era uma combinação de coisas, eu era preguiçoso, tinha uma péssima atitude e não me ensinou nada. Foi mais um curso

14 O cartunista fez essas declarações sobre si em uma entrevista concedida ao site IGN. Embora tenha sido publicada em 2006, houveram atualizações até o ano de 2012. GLICHRIST, Todd. Interview: John Kricfalusi. Disponível em: https://www.ign.com/articles/2006/07/19/interview-john-kricfalusi Data de acesso em: 22/02/2020.

38 sobre propaganda, sobre como ingressar na religião Disney, do que aprender as habilidades básicas da animação”.

Segundo o jornalista Dan Persons, Kricfalusi nunca demonstrou interesse em competir com a Disney; “eu queria fazer as pessoas rirem mais do que qualquer outra coisa”. O cartunista demonstra um descontentamento recorrente em suas entrevistas, devido aos rumos tomados pela animação no final da década de 1970 para o decorrer da década de 1980, período que vigoravam os Saturday Morning onde exercia suas primeiras experiências profisionais. Ainda nessa entrevista, o cartunista relata que presenciou em 1979, a forma como os desenhos animados eram voltados, em suas palavras, para fins comerciais, e menos para fins artísticos da animação. Em uma entrevista concedida a um evento de animação em Cuernavaca, no estado de Morelo, no México, o cartunista define que a organização dos estúdios de animação da década de 1980 se assimilavam “mais a uma fábrica e foi subdividido em departamentos”15. Em uma outra entrevista concedida a revista Wired em 199516, comenta como “chutaram o cartunista para fora do estúdio de animação e o fizeram com as mãos de outras pessoas. Desenhos agora são criações corporativas”. Junto dessa crítica a indústria de animação dessa época, o cartunista também adota uma postura saudosista quanto ao modo de se produzir animação nos anos dourados da animação, sobretudo, na década de 1940:

“Não havia escritores ou executivos, no máximo um executivo em cada estúdio. Nos estúdios Warner era Leon Schlesinger, cujo critério do desenho animado era ser divertido e lucrativo. Segundo ele, os cartunistas possuíam mais liberdade de criação. Havia uma boa hierarquia e um sistema de unidade. Havia um diretor encarregado de todos os aspectos do desenho, e sua equipe de animadores, roteiristas, artistas de layout, todo no mesmo ambiente”

E ainda, demonstra na mesma entrevista o seu saudosismo com desenhos animados clássicos advindos de artistas como e ;

“Eu descobri os desenhos de Tex Avery da MGM, o qual não havia visto muitas vezes. Eu realmente gostei desses, e eu comecei a pensar, ‘Ei, Tex Avery é meu diretor favorito’”.

15 Entrevista realizada na cidade de Cuernava, no Estado de Morelo, no México com John Kricfaluci no evento Festival de animación de Cuernavaca em 2014. “¡ESPECIAL! Entrevista corta com John K. (Creador de Ren y Stimpy)”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jWjiTaoemlA Data de acesso em: 20/02/2020.

16 SULLIVAN, Jennifer. "In His Way, John K. Will Challenge the World" Disponível em: https://web.archive.org/web/20041220133513/http:/www.wired.com/news/culture/0,1284,7566,00.html Data de acesso em: 20/02/2020. 39

O cartunista ainda os descreve como “brilhantemente animados”, um roteiro bem elaborado, desenhos com personalidades. John Kricfalusi, se refere a Tex Avery e Bob Clampett como “mestres”. (Mazurkewich, 1995).

Em uma entrevista presente no conteúdo extra do DVD The First and Second Season (Uncut)17 (2004), John Kricfalusi relata que na década de 1980, quando já trabalhava com desenhos animados, sobre como desejava criar algo autoral sendo surpreendido quando a Nickelodeon entrou em contato lhe apresentando a proposta do conceito creator driven cartoon:

“Então, nove anos depois, a Nickelodeon veio até mim e foi bem aberta, sobre seu conceito “creator driven cartoon”, desenhos animados dirigidos pelo próprio cartunista. Promoveram essa ideia de fazer desenhos, desenhos feitos por desenhistas”.

Como afirma em uma recente entrevista concedida em julho de 201918, havia uma liberdade maior para se produzir, diferente do que ocorria quando trabalhava com os Saturday Morning Cartoons.

Kricfalusi também seria apontado como responsável por atritos com a Nickelodeon envolvendo atrasos para a entrega de episódios, pelo fato de serem constantemente devolvidos para alterarem seu conteúdo. O cartunista declarou ao jornal Times em 1992, que precisava de mais dinheiro para cobrir o orçamento da complexidade do produto. Como a Nickelodeon não aumentou o orçamento de 400.000 dólares por episódio como havia pedido, houve investimento do próprio dinheiro do cartunista para concluir alguns. Devido a desentendimentos com a emissora, como atrasos na entrega de novos episódios, John Kricfalusi é desligado da Nickelodoen em 26 de setembro de 199219. O cartunista é substituído por seu colega e co-roteirista Bob Camp, que passaria

17 Esta mídia foi utilizada para o mapeamento dos episódios e apresenta a primeira e a segunda temporada da série animada The Ren & Stimpy Show na íntegra de seu conteúdo, sem as censuras que haviam sido realizadas para sua transmissão no canal de tv a cabo Nickelodeon. Além disso, apresenta conteúdos extras como comerciais, e uma entrevista em que o cartunista John Kricfalusi revela mais detalhes sobre seu trabalho. 18 Entrevista realizada pelo canal #FAN360, considerada a mais recente concedida pelo cartunista até este momento. “Ultima entrevista a JOHN KRICFALUSI, el creador de REN & STIMPY. Data de publicação: 23/07/2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=KOI8uQMtlQc Data de acesso: 20/02/2020. 19 Consta nessa matéria que Kricfalusi foi desligado da emissora Nickelodeon, sendo afastado do envolvimento com sua própria produção. CERONE, Daniel. ‘ Ren & Stimpy’ and Its Creator: A Parting of Ways: Animation: John Kricfalusi fought with Nickelodeon over deadlines, finances and the ribald nature of his cartoon. Disponível em: https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1992-09-28-ca-180- story.html Acesso em 17/12/2019 40 a dar continuidade na produção na recém-criada Games Productions, estúdio diretamente relacionado a Viacom (Mendes, 2014).

Com a perda dos direitos sobre The Ren & Stimpy Show, John Kricfalusi busca outro território considerado livre, a internet. Em 15 de outubro de 1997, o cartunista produziria os primeiros desenhos animados produzidos exclusivamente para internet, The Goddamn George Liquor Program (1997), através do software de animação e desenvolvimento de interfaces, Macromedia Flash (Tanner, 2001 apud Baldwin, 2006), no entanto com os créditos concedidos a Spumco, disponibilizados no endereço eletrônico do estúdio20.

Devido à grande repercussão de The Ren & Stimpy Show, o trabalho de Kricfalusi obteve notoriedade midiática. Os traços estilísticos do cartunista seriam posteriormente encontrados na produção de comerciais de televisão, em trabalhos conjuntos como consultorias ou contribuições a outros artistas do ramo, além de vídeo clipes musicais. Houve produções realizadas com os créditos concedidos a Spumco, outras produções foram de realização singular pelo cartunista.

Figura 21: Traços de Kricfalusi no vídeo clipe SMS Bangerz (2015) de .

20 Este endereço atualmente encontra-se desativado, mas ter algumas de suas páginas acessadas via site Wayback Machine página que arquiva endereços eletrônicos da internet com suas respectivas datas de acesso quando o site esteve ativo. Encontra-se um dos primeiros templates do site da Spumco do ano de 1997, mas com maior parte dos links de acesso perdidos. WAYBACK MACHINE. Spümco’s Wonderful World of Cartoons. Disponível em: https://web.archive.org/web/19971013142957/http://www.spumco.com/home.html Data de acesso: 20/02/2020. 41

A Figura 21 é uma cena do vídeo clipe da música SMS Bangerz (2015) da artista Miley Cyrus21, cuja animação é creditada a John Kricfalusi; vemos uma caricatura da cantora com deformações em seu corpo, como o braço esticado sem uma proporção exata se dobrando para exibir uma representação de telefone celular de formato curvo, como a continuidade do design do braço, e a postura do pescoço. Partes extras do corpo humano são acrescentadas a sua caricatura, sendo olhos irritados posicionado na região do busto podendo ser partes vivas ou detalhes de um traje. Esse corpo disforme e magro, realça com estilos do autor, a cantora utilizando o celular enquanto escuta alguém ilustrado com um rosto no visor da tela. O celular se adapta as angulações e postura da caricatura como a forma que a cantora pega o objeto e exibe com a mão, essa com o dedo indicador esticado com uma unha comprida, junto ao formato do aparelho. Apesar do visual disforme, Kricfalusi cuida de apontar características que assimilam a identidade visual da cantora como o formato do penteado, a cor da pele, e o formato da boca com a gengiva que exibe um pouco os dentes da frente.

John Kricfalusi participou como roteirista na maioria dos episódios da primeira e da segunda temporada. No entanto, quando não participava nesse tipo de ofício, no mínimo, atuou como dublador de Ren, papel que se tornou irredutível até o início da terceira temporada. Há, no entanto, exceções ao longo do desenvolvimento da série animada. Embora ainda fizesse parte da equipe de produção durante a segunda temporada, houveram dois episódios em que o cartunista não exerceu nenhum ofício, sendo eles, Monkey See, Monkey Don’t (1993) e The Cat That Laid the Golden Hairball (1993). E, apesar de ter sido desligado da emissora Nickelodeon quando já veiculavam a transmissão da terceira temporada, houveram episódios produzidos durante esse processo de alterações no estúdio em que Kricfalusi foi creditado como roteirista ou consultor, ainda que poucos, sendo A Yard Too Far (1993), No Pants Today (1993), Stimpy’s Cartoon Show (1994), Bass Masters (1994) e Lair Of The Lummox (1994), ainda que não atuasse mais como dublador em nenhum deles, ou qualquer outra função, em qualquer episódio a ser produzido para a terceira temporada. Ocorre o seu papel como roteirista, também em um único episódio da quinta temporada.

21 Vídeo-clipe da música SMS Bangerz de Miley Cirus. Miley Cyrus – Sms Bangerz ( Backdrop). Data de publicação: 30/12/2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xGiRuKOWoIw. Acesso em: 07/09/2018. 42

Bob Camp é um animador, ilustrador, artista de storyboard22, roteirista e diretor, considerado um co-criador de The Ren & Stimpy Show. Conforme consta em uma entrevista23 realizada na Comic Con em 2016, na Rhode Island, seu primeiro contato com artes foi no colégio, e ele considerava um desastre. Posteriormente fez cursos de arte, e depois de um semestre achou que estava perdendo seu tempo, e resolve estudar cinema na University of Texas. Camp declara em uma entrevista, através do canal de Youtube millchannel, que não possuía a intenção de entrar para a animação, tendo trabalhado com caricatura e retratos no parque de diversões Six Flags Over Texas, viajando através do circuito de rodeios. Em uma dessas viagens, conhece um cartunista chamado Gary Hallgren, que o convence a ir para Nova Iorque, e o ajuda a conseguir um emprego na . Na Marvel, Bob Camp conhece Larry Hama que o ensina a desenhar quadrinhos. Posteriormente mudaria-se para Los Angeles onde iria começar a trabalhar na Spumco.

Atualmente, Bob Camp leciona na School of Visual Arts, na cidade de Nova Iorque. Declara para o canal de Youtube, Screen Radar24 não assistir desenhos animados, seja por estar ocupado, ou por não ser facilmente impressionado pelos desenhos atuais;

“Eu trabalho com desenhos animados o tempo todo para outras pessoas, eu faço o trabalho, o envio, faço seus storyboards, e nunca vejo os desenhos atuais. Simplesmente entro na máquina. Não assisto tv a cabo. Não possuo tv a cabo., Voce vai me mandar uma cópia de um desenho que eu nunca vi”.

Jim Smith ingressa na Spumco, ainda em 1990 como diretor de arte e roteirista, e roteirista. Antes de fazer parte da produção de The Ren & Stimpy Show, declara em uma entrevista para o youtuber Rossiter, do canal Rossiter Meets25 que trabalhou para um programa da CBS chamado de The Get Along Gang (1983), um saturday morning que passava as 7 da manhã voltado para crianças pequenas. Em 1989, trabalhou no estúdio de animação da Warner Brothers, na produção de Tiny Toons (1990). Esse artista possui um

22 Trata-se da ordem sequencial de painéis, ou imagens individuais, ilustra a narrativa; um roteiro visual, que passa por muitas versões antes da definitiva. É utilizado para criar novas ideias visuais e narrativas, antes mesmo de se começar uma produção. Por meio do storyboard é possível organizar o conteúdo dos planos e do trabalho a ser feito, um ponto de partida que serve de referência durante todo o processo de produção (Wells, 2012). 23Bob Camp Interview at Rhode Island Comic Con. Data de publicação: 13/01/2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pmwcD00UuTQ Data de acesso: 20/02/2020. 24 Interview with “Ren & Stimpy’s” Bob Camp. Data de publicação: 11/01/2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nC25uQSbFp0. Data de acesso: 20/02/2020. 25 Jim Smith interview fourth one. Data de publicação: 02/08/2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mmeaBzG8PRk Data de acesso: 20/02/2020. 43 blog26 de sua autoria onde divulga materiais diversos de seu traço autoral, relacionado não somente a Ren & Stimpy mas outras produções como os quadrinhos da Dc Comics e as personagens de Peanuts. Há também storyboards, arte conceitual e layouts de The Ren & Stimpy Show. No entanto, a última postagem foi realizada no ano de 2016.

Lynne Naylor é uma artista de origem canadense. Em seu site pessoal27 “www.lynive.com” que divulga seu trabalho, é descrita como uma ícone premiada do mundo da TV e da animação, um talento estabelecido na arte da cena do “surrealismo pop”. Designer, animadora, diretora e produtora, frequentou a Sheridan Animation School em Ontario, no Canadá, junto com John Kricfalusi. Após seu período nessa faculdade, mudou-se para Los Angeles28. Antes de The Ren & Stimpy Show, atuou como designer de personagem, segundo o site IMDb29, em séries animadas como 65 episódios em Heathcliff & the Cattilac Cats (1984), oito episódios de (1965) em 1985, três episódios em Adventures of the Gummi Bears (1985) em 1991.

Segundo Thad Komorowski (2013), os trabalhos anteriores de Naylor serviram de orientação para outros artistas do estúdio. Sua atuação influênciou na produção da série, como a forma de organização do estúdio, de modo equivalente a Kricfalusi. Naylor teria uma relação amorosa com Kricfalusi desde a faculdade Sheridan, sendo sua colaboradora mais forte durante um período de treze anos. Contribuiu para a co-criação das personagens e suas identidades, tendo trabalhado com o cartunista inclusive no desenvolvimento das personagens em seus designs iniciais. Posteriormente ela seria vista como a expert para desenhar a personagem Stimpy, uma das protagonistas em The Ren & Stimpy Show, enquanto Kricfalusi seria o único que poderia desenhar Ren. Naylor também foi responsável por desenhar, segundo Komorowski, “personagens femininas bonitas” que aparecerem na produção, o que demonstrava uma compreensão sobre a forma feminina, cujo o objetivo seria de expressar “sensualidade e inocência ao mesmo tempo. Seu primeiro trabalho na série animada seria no episódio Stimpy’ s Big Day

26 SMITH, Jim. “Real Men Ain’t Afraid to wear Diapers”. Jim Smith Cartoons. Editor: Jim Smith. Data de publicação: 25/03/2016. Disponível em: http://jimsmithcartoons.blogspot.com/ Data de acesso: 20/02/2020. 27 NAYLOR, Lynne. About Lynne Naylor. Disponível em: http://www.lynive.com/files/pages/about.html Data de acesso em: 20/02/2020. 28 OUTRÉ GALLERY. Lynne Naylor. Disponível em: https://www.outregallery.com/collections/lynne- naylor Datade acesso em:; 20/02/2020. 29 IMDB. Lynne Naylor. Disponível em: https://www.imdb.com/name/nm0623292/ Data de acesso em: 20/02/2020. 44

(1991). Posterior a seu envolvimento com a produção de The Ren & Stimpy Show foi designer de personagens em Batman: Animated Series (1992), (1998), (2001), Clone Wars: The Micro-Series (2003) e Foster’s Home for Imaginary Friends (2004)30. Atualmente é diretora de arte na Cartoon Network.

Chris Reccardi foi animador, designer, roteirista, diretor, e músico em desenhos animados. Na parte musical, compôs a trilha sonora de The Ren & Stimpy Show por meio de seu trio musical Der Screamin Lederhosen (1990), sendo um dos fundadores e co- escritor das músicas, junto de Jim Smith e Scott Huml, conforme consta no site pessoal31, que apresenta o portfólio de Reccardi, na seção music. De acordo com o mesmo site, o grupo se dissolve após a demissão de John Kricfalusi de The Ren & Stimpy Show, sendo este um motivo para que Jim Smith abandonasse o trio musical, pondo fim a banda.

Houve uma entrevista realizada por Thad Komorowski, jornalista autor de Sick Little Monkeys (2013) , com em 2009, por meio de troca de e-mails, que se sintetiza em uma postagem, no blog pessoal de Komorowski32. O jornalista registra que Reccardi se descreve como alguém que “colocava a mão na massa”. Detestava escrever, mas quando se tratava de uma boa história, se dispunha a fazer um storyboard, que depois iria se tornar layout. “Timing para mim era algo crucial, então eu tentei olhar para todas as folhas de exposição. Eu escrevi muito para que eu pudesse coordenar layouts fortes com um bom timing” Reccardi depois verificava se a trilha sonora estava adequada, dedicando grande parte de seu tempo para efeitos sonoros apropriados. Após The Ren & Stimpy Show ir para o estúdio da Games Productions, Reccardi passa a assumir a direção por decisão dos produtores:

“...eu me juntei em novembro de 1990 como um artista de storyboard. Comecei fazendo storyboards, e mais tarde supervisionando layouts, e então dirigindo, o que veio em compasso com muitas outras responsabilidades: storyboard, layouts, alguma música e até vozes. Eu nunca escrevi em um material da Spumco, mas eu estava lá quando algumas ideias nasciam. ”

30 HAMEL, Ken. Lynne Naylor and Chris Reccardi at David B. Smith. Disponível em: http://denverarts.org/local_exhibits/lynne_naylor_and_chris_reccardi_at_david_b_smith Data de acesso: 20/02/2020. 31 RECCARDI, Chris. MUSIC. Disponível em: http://www.reccardi.com/music/ Data de acesso: 20/02/2020. 32 KOMOROWSKI, Thad. Chris Reccardi Interview. Disponível em: http://www.whataboutthad.com/chris-reccardi-interview/ Data em acesso: 20/02/2020. 45

Posterior a seu envolvimento com The Ren & Stimpy Show, Chris Reccardi informa em seu site pessoal na seção about33 que trabalhou junto de Lynne Naylor em Samurai Jack e The Powerpuff Girls. Atuou no design e na arte em Shrek The Third (2007) e (2010), Cloudy with a chance of meatballs (2009) e Cloudy with Chance of Meatballs 2 (2013), (2014) e The Lego Movie 2 (2019). No dia 2 de maio de 2019, Chris Reccardi falece aos 54 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco, em Ventura, Califórnia, enquanto praticava surfing34.

Ambos, Lynne Naylor e Chris Reccardi, foram premiados em 2001 com um NCS Division Award pela National Cartoonists Society35, na categoria Television Animation. No mesmo ano, Lynne Naylor ainda receberia um Annie Award por seu trabalho de design em Samurai Jack. Em 2005 é indicada novamente por um Annie devido a seu trabalho em Foster’s Home for Imaginary Friends.

Capítulo 3. Estratégias de produção da série animada

3.1. Estratégias de produção na indústria cultural

Para Theodor W. Adorno e Max Horkheimer (2006), a produção é inerente ao sistema que conceituam como indústria cultural36, este que visa, orientado pela

33 Reccardi, Chris. About. Disponível em: http://www.reccardi.com/about/ Data de acesso em 20/02/2020. 34 AMIDI, Amid. Chris Reccardi, Leading Animation Industry Artist, dies at 54. Data de publicação: 05/02/2019. Disponível em: https://www.cartoonbrew.com/rip/chris-reccardi-leading-animation-industry- artist-dies-at-54-173590.html Acesso em 20/02/2020. 35 Consta no site da National da Cartoonists Society que, ambos, Chris Reccardi e Lynne Naylor foram nomeados para a premiação no ano de 2001, na categoria Television Animation. National Cartoonists Society. Division Awards. Disponível em: https://www.nationalcartoonists.com/awards/division-awards/ Data de acesso em 20/02/2020. 36 Esse sistema apresentou-se para Adorno e Horkheimer como um fenômeno de massas presente em um país dito democrático, cujo potencial de aparato tecnológico, desenvolvido pela comunicação, apresenta o 46 racionalidade técnica, estrategicamente, a dominação cultural sobre os indivíduos. Esse sistema promove o fenômeno da mimese, um exercício de repetição que permite a autoidentificação dos consumidores com as mercadorias.

O fenômeno da mimese se deve ao caráter publicitário presente na indústria, cuja versatilidade de diferentes sentidos e discursos existentes nos diferentes bens de consumo, propagam a mesma mensagem ideológica do sistema. É por meio da adequação a diferentes gostos, que se destitui a mercadoria de um sentido único, dominando os indivíduos sob uma unidade37 que se sustenta pela diversidade de discursos e gostos que, embora haja versatilidade, estão sujeitas a uma padronização da lógica presente na indústria, cuja disseminação dos bens visa a satisfação de necessidades iguais. Aquilo que faz a diferença entre lógica da obra e a do sistema, ou seja, se vê fora do padrão imposto pelo sistema, é sacrificado. Para essa concepção de sistema, não podem haver riscos, assim tudo que não foi experimentado é descartado.

Para Edgar Morin (2005), a padronização, no entanto, coexiste em uma relação contraditória com o lado inventivo38 da indústria. O autor concebe uma contradição na indústria cultural que resulta na padronização ao mesmo tempo que busca a originalidade, o novo. Opera-se uma burocracia em busca do novo na indústria cultural que, por consequência, resulta na padronização. Esta padronização, no entanto, é acompanhada pela necessidade também da originalidade. É por meio da relação de contradição entre o padrão e o novo que a produção da cultura de massa se adapta ao público e o público adapta-se a ela;

“Em outras palavras, a indústria cultural precisa de um eletrodo negativo para funcionar positivamente. Esse eletrodo negativo vem a ser uma certa liberdade no seio de estruturas rígidas”. (Morin, 2005: 29)

Se por um lado, a cultura de massa, para se adaptar ao público já consolidado, recorre ao padrão, por outro lado, ao produzir a novidade, condiciona o público que aprovou para uma adaptação. A concentração técnico-burocrática pesa universalmente

mesmo potencial de controle e de produção de mentes, como visto na Alemanha nazista (Martín-Barbero, 1997). 37 Essa concepção de unidade é extraída por Adorno da noção hegeliana de Espírito, que se define como um ser abstrato que designa a união inexorável de todos os momentos e atos separados da sociedade civil pelo princípio de troca com o todo (Adorno, 2013, p.173). 38 É pela padronização presente no sistema que temos o equivalente industrial das “regras clássicas da arte”, as condições clássicas das três unidades que se impõem sobre as formas e temas, de modo que a produção não inviabiliza a criação artística (Idem, 2005). 47 sobre a produção cultural de massa, de modo que possa ocorrer a tendência, segundo Morin, a despersonalização do autor em relação a obra, uma vez que a organização racional de produção (técnica, comercial, política) predomina sobre a invenção. No entanto, mesmo essa tendência a despersonalização se choca com a exigência radicalmente contrária que surge do próprio consumo, em que se reclama sempre um produto individualizado e novo. Essa lógica contraditória é a garantia da criação não ser totalmente integrada ao sistema. A própria figura do autor39 tende a se desagregar com a introdução das técnicas industriais na cultura, e assim se multiplica o autor envergonhado de sua obra, aquele que não pode mais se identificar com sua criação, pois a criação tende a se tornar produção (Idem, 2005; Martín-Barbero, 1997). No entanto, a liberdade de jogo existente entre a padronização e a individualização, a relação padronização- invenção, nunca é estática, se modificando a cada nova obra, sob relações de forças singulares e detalhadas.

Em seu artigo A deflagração do sentido. Estratégias de produção e de captura da recepção, Antonio Fausto Neto (1995) afirma que se privilegia o campo da produção dos discursos nas tradições sócio – mercadológicas, posicionando o campo da recepção em uma região “ocultante”. Este é um reflexo das manobras em face das estratégias e da lógica do campo da produção; -

“...a emissão de discursos acerca de determinados “produtos” (atores políticos, campanhas institucionais etc.) é eficientemente cercada por “testes” e “controles” procedentes de técnicas sócio-comportamentais, visando-se o bom endereçamento do produto” (Fausto Neto, 1995: 193).

Segundo Fausto Neto, empresas especializadas se refinam no conhecimento e no domínio do perfil de seus “alvos”. As estratégias dos media consiste na “captura” do receptor, por meio do uso de “jogos” e “motivações”, para que se tenha como resultado, o índice de audiência desejado.

Para Jesús Martín-Barbero (1997), a concepção que Morin trabalha combina o pessimismo frankfurtiano com o otimismo dos teóricos norte-americanos. Ao desenvolver sobre a relação contraditória presente na indústria cultural, Morin aborda, segundo Martín-Barbero, sobre o risco presente na produção, que pode existir em manter

39 Segundo Edgar Morin (2005), o “criador”, da substancia e da forma de sua obra, emerge tardiamente na história da cultura: É o artista do século XIX. Este se afirma no momento em que se inicia a era industrial. 48 padrão como ousar o novo. O padrão concebido pela produção se beneficia do sucesso anterior, enquanto o novo é a garantia do novo sucesso. No entanto, o padrão corre risco de fatigar, enquanto o novo corre risco de desagradar (Morin, 2005).

Todo texto, segundo Umberto Eco (1985), é estrategicamente produzido com um leitor em mente, pelo qual o texto se apoia para ser construído. Ao escrever, o autor pensa em um leitor-modelo, o qual busca produzir por meio do texto;–

“Pensar em um leitor que irá superar as cem páginas, significa exatamente escrever cem páginas com o objetivo de construir um leitor adequado para as páginas seguintes” (Eco, 1985: 40) O risco também é abordado pelo autor em Pós-Escrito a O Nome da Rosa (1985) obra em que aborda sobre suas estratégias utilizadas para produzir seu romance O Nome da Rosa (1980). Eco afirma que o autor arrisca em saber diferenciar o texto que procura ir de encontro ao desejo dos leitores atuais e o texto que pretende se produzir um leitor novo. O primeiro caso trata da projeção, um formulário a ser preenchido, o autor produz uma espécie de análise de mercado e se adapta a mesma, análise pela qual busca um padrão para se contar histórias. O segundo caso projeta um leitor, cujo o escritor busca revela-lo seu zeitgeist, o espírito de seu tempo e, portanto, revela-lo a si próprio.

Ao arriscar a diferenciação entre ambos os casos expostos por Eco, o autor pode contemplar diferentes públicos, se tornando um fenômeno de público pois houve a intuição do autor em perceber que era aquilo que os leitores de seu tempo queriam e, dessa forma, se alcança os leitores-modelo que projetou.

Inovações também podem ser notadas pelos seus excessos, além do padrão esperado.

Excessos também apontam, segundo Kellner um aspecto de competição presente na cultura da mídia. Esta faz uso da violência e quebra de tabus para atrair o público, o que acaba por estabelecer uma situação de competição de mercado entre outras produções que passam a exibir esse tipo de conteúdo pois, embora seja considerado violento e extremado, garante um retorno lucrativo. Isso se aproxima ao que Adorno afirma sobre o absurdo ser um ingrediente legítimo da cultura popular, onde traz junto do exemplo da violência sofrida pela personagem animada Pato Donald cuja ação o sistema espera que se reflita no conformismo que os espectadores sofrem na vida real (Adorno, 2006).

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Ambas as produções, embora de épocas diferentes fazem uso do absurdo, do conteúdo violento que, em um primeiro momento são percebidas por seus excessos e, em um segundo momento, passam a ser parte de uma produção padronizada, a violência e quebra de tabus, se tornam fatores de competição em um novo nicho de mercado a ser estabelecido na indústria.

No entanto, na conclusão de Kellner, o contato com a violência presente em Beavis & Butt-Head se torna uma forma de vazão ao ódio incipiente dos problemas inerente ao cotidiano do indivíduo, diferente da conclusão de Adorno sobre a violência presente em Pato Donald que conforma seus espectadores a violência sofrida na vida real. Produções como Beavis & Butthead, e os desenhos do Pato Donald, embora considerados vulgares, ou mesmo arte menor por algumas vertentes, como Kellner demonstra, denunciam uma realidade por meio da ficção.

As palavras da linguagem familiar eram assimiladas a concepção carnavalesca do mundo, e adquiriam um tom cômico geral. Além da linguagem familiar, havia um tipo particular de imagens cômicas características cultura popular da Idade Média. Imagens grotescas que conservavam uma natureza original, diferenciavam-se das imagens da vida cotidiana, preestabelecidas e perfeitas. Essas imagens eram ambivalentes e contraditórias. Do ponto de vista da estética “clássica”, da vida cotidiana preestabelecida e completa, eram consideradas disformes, monstruosas e horrendas.

Um aspecto presente na perspectiva de Edgar Morin sobre é desfatalização de seu conceito. Jesús Martín-Barbero enxerga essa desfatalização do conceito, que passa a ser visto de forma operacional. Martín-Barbero aponta que Morin desenvolve a análise da cultura de massa em duas direções, a semântica e os modos de inscrição no cotidiano. É pela via semântica que se encontra a análise como um campo de operações de significação e significações arquetípicas e trabalha a operação de sentido. Pode-se inferir que encontramos por essa via semântica que opera o sentido, o viés pelo qual se trabalha a identificação e leitura dos códigos presentes nas produções culturais. É na operação de sentido que se constitui o dispositivo básico de funcionamento da indústria cultural, em que ocorre a fusão da informação com o imaginário ficcional.

Uma produção, seja um livro, a edificação de um prédio ou um discurso, pode apresentar, segundo Umberto Eco, ao menos dois códigos diferentes, endereçado cada qual a seu público correspondente. Para esse fenômeno, Eco formula um conceito

50 chamado double coding40 (Eco, 2003). Títulos com grande repercussão de público, nessa perspectiva, não transmite uma única mensagem a um único público, o que favorece a possibilidade de mais de uma leitura a mesma obra, que no mínimo exerce uma dupla codificação em sua produção e, consequentemente, um público diversificado e maior. Os códigos “codificam” determinado objeto pelo qual buscam transmitir seus significados e suas mensagens.

A codificação é abordada por Stuart Hall (2003) em seu artigo Codificação/Decodificação presente na obra Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Durante sua vida como pesquisador, Hall evidenciou uma noção unilinear presente nas pesquisas de audiência, cujo o modelo empírico se baseia em um viés positivista de análise de conteúdo. Este modelo empírico considera a comunicação como um fluxo unidirecional, em que a mensagem parte apenas do emissor ao receptor, se refletindo em um único sentido de significado para uma mensagem o que corrobora para a ideia de que a comunicação é perfeita, pois as respostas destoantes do sentido esperado, são vistas como erradas, uma vez que não se encaixam no modelo empírico positivista. Segundo Hall, ocorrem disputas em diferentes áreas da vida social, domínios discursivos organizados de forma hierárquica que define como sentidos dominantes ou preferenciais. Nessas disputas, o poder atravessa o discurso e se consolidam posições de privilégio na comunicação, em razão dos interesses dos códigos dominantes, estes que visam o controle dos meios de comunicação. Há um modelo de análise elaborado pelo autor que busca analisar as relações entre as posições de emissor e receptor, enquanto participantes ativos do processo comunicativo. Chamado de codificação/decodificação (ou, do inglês, encoding/decoding), aborda a relação entre emissor e receptor em uma estrutura complexa de significados, produzida e sustentada pela articulação de momentos distintos, interligados em um processo comunicativo41. Nesse modelo de análise, o emissor assume

40 Terminologia adotada por Charles Jenks para se referir à arquitetura pós-moderna, definindo a estrutura que teria ao menos dois códigos destinados a diferentes públicos. Na mesma estrutura haveria códigos “altos”, destinados à elite, e códigos populares, voltados ao público de massa (Eco, 2003). 41 Hall busca referencias nos estudos de Karl Marx (1978) sobre a produção, para tratar sobre estudos da mídia e, de forma mais objetiva, formular sua teoria da comunicação. Em uma entrevista gravada da Universidade de Massachusetts, em fevereiro de 1989, o autor se preocupou em oferecer um novo olhar sobre seu modelo de análise, por considerar problemas enfrentados por quem se envolve com pesquisa de audiência. Em um momento da entrevista diz tomar como base o estudo marxiano sobre os momentos da produção. Fornece como referência a “Introdução de 1857” de Marx, onde se extrai o que chama de “articulação”, um circuito de momentos distintos, porém ligados da produção, consumo, distribuição e troca que se relacionam em uma articulação e se encontram em uma totalidade, sendo transpostos para uma compreensão de codificação e decodificação de mensagens.

51 a posição de codificador e faz uso de um código da estrutura e produz a “mensagem”, o discurso, que se vê presente em todos os momentos do processo comunicativo. Sua circulação se faz sob a forma discursiva para produzir efeito e, através do receptor, que assume a posição de decodificador, a ressignifica e traduz a mesma “mensagem” em práticas sociais42. Ocorrem três diferentes nesse modelo situações de comunicação que nomeia como hipotético típico-ideais em que busca comprovar o papel ativo de decodificação do receptor ao ler uma mensagem e assim, ressignifica-la. Essas posições apresentam gradações de maior ou menor oposição do receptor a mensagem que decodifica, sendo elas, a posição do hegemônica-dominante (ou código dominante), o código negociado, e o código de oposição. A primeira posição desse modelo, a hegemônica-dominante, é o próprio sentido dominante descrito anteriormente. Esta posição exprime as expectativas do emissor sobre a decodificação de sua mensagem nos mesmos termos que codificou ao receptor. Trata-se uma posição que se enfatiza a exigência de uma leitura transparente da mensagem emitida por quem a produziu, com o intuito de direciona-la a uma unidade de sentido. Nesta posição podemos assimilar o emissor ao papel de produtor, um autor, uma agencia de publicidade, ou mesmo uma emissora de televisão.

Essa postura do sentido dominante em que se consolida uma posição de privilégio na comunicação e admite-se um único sentido de significado para uma mensagem, se assimila ao exercício da publicidade presente na indústria cultural, seu caráter publicitário que também visam senão a unidade da mensagem ideológica do sistema, este que busca codificar as vontades e interesses de consumo do indivíduo com a expectativa de que lhe enderece a mensagem em sentido integral.

Há uma passagem que se faz necessário retomar. Martín-Barbero ao afirmar que é na operação de sentido que constitui o dispositivo básico de funcionamento da indústria cultural onde a informação se funde com o imaginário ficcional, infere a aproximação do real com a fantasia, sobre como o conteúdo presente na produção da indústria cultural vai de encontro com o repertório do indivíduo.

42 Stuart Hall formula esse modelo para denunciar a assimetria existente nos processos comunicativos na qual o emissor estima que o receptor decodifique a mensagem com os mesmos códigos utilizados por quem emitiu a mensagem, o que contribui para a noção de que o receptor é passivo. No entanto, neste trabalho não temos um estudo da recepção como objetivo, mas sobre como operam as estratégias de produção e, de certo modo, como isso é trabalhado pelo autor de uma produção, seja ela material ou semântica. 52

Outra produção que se aproximou das massas, também estudada por Martín-Barbero, foi o folhetim. O autor considera o folhetim como o primeiro tipo de texto escrito em um formato popular, um espaço estratégico para se estudar o modo de comunicação entre as classes. Frederic Soulié afirmava que havia uma estratégia no folhetim, a intenção de que “os personagens concentrem em si os interesses, as paixões, os costumes e os preconceitos de uma época”, havia um acompanhamento dessas produções com as evoluções dos movimentos trazidos pela sociedade43.

O folhetim surgiu inicialmente no “rodapé” da primeira página, local em que situavam as “variedades”, críticas literárias, resenhas teatrais, anúncios de receitas culinárias, etc;

O que não admitido no corpo do jornal podia, sem impedimentos, ser encontrado no folhetim, e essa condição original, assim como a mixórdia de literatura e política, deixou marcas profundas nesse formato. (Martín-Barbero, 1997: p171)

Posteriormente, as narrativas passam a ocupar todo o espaço do folhetim, fazendo jus ao nome do tipo de publicação. Além da comunicação expressa pela aproximação do texto com o cotidiano do leitor. Havia uma estruturação organizada no folhetim. Em Os mistérios de Paris de Eugene Sue “ trazer uma parte a mais”, havia também uma adaptação voltada para seu público. Este folhetim foi lido pelo proletariado como a descrição clara e honesta de sua opressão. Ao perceber isso, o autor continuou a escrevê- lo para esse mesmo público (Idem, 1997). Segundo Martín-Barbero, nota-se o mundo do leitor sendo incorporado ao processo de escritura. Isso se deve a estratégia folhetim de se comunicar com esse mundo do leitor e também de escritura, este que se categoriza em quatro dispositivos.

Os dispositivos de composição tipográfica que compreendiam o design, e a composição do texto. A letra grande clara e espacejada correspondia a leitores pouco habituados com a leitura que, durante os brancos do texto, encontravam descanso. Além de servir como estratégia para vender mais páginas, significava uma aproximação das condições culturais de leitura, incitando o desejo de ler.

43 No período que predominou o romântico social, havia o espaço folhetinesco no jornal que ocorria em consonância à vida das classes populares que dura até a revolução de 1848. Posteriormente, em um segundo período, as preocupações sociais são substituídas por aventura e intriga, e a estrutura do folhetim tem seus mecanismos narrativos ajustados aos requisitos industriais, que dura até 1870. Por último temos a época da Comuna de Paris, em que o folhetim entra em decadência, assumindo posições ideológicas reacionárias (Martín-Barbero, 1997). 53

Em um segundo nível temos os dispositivos de fragmentação de leitura visto na narrativa em episódios, esta que se sustenta junto a tipografia, em fragmentações que vão desde o tamanho da frase até a divisão do episódio em pares, capítulos e subcapítulos. A leitura é dividida em séries de episódios sem que se perca o sentido da narrativa, o que remete aos hábitos de leitura do público para o qual o folhetim se endereça.

Em um terceiro nível, encontramos os dispositivos de sedução na organização por episódios. Organizada por episódios a narrativa opera com duração e suspense. O sentimento de duração permite ao leitor popular passar do conto para o formato-romance, enquanto se identifica com personagens sendo construídos aos poucos, sem perder a continuidade da história. Os contos organizados em duração “confundem-se com a vida” e predispõem o leitor a participar da narração, se incorporando mediante o envio de cartas.

Por último, há um quarto nível, o dispositivo de reconhecimento. Os três apresentados possibilitam reconhecimento, permitir o leitor popular ter acesso à leitura e assim compreender o folhetim. Neste caso, porém, o reconhecimento é o dispositivo que produz a identificação do mundo narrado com o mundo do leitor popular. Reconhecimento que se revela na identificação do leitor com as personagens.

Esses quatro dispositivos apresentados por Martín-Barbero nos mostram como a forma de construir um texto, sua acessibilidade e aproximação da realidade do público serve como uma estratégia de produção para que se possa transmitir seu conteúdo de forma efetiva. Há não somente uma identificação do conteúdo da obra com seu leitor, mas um convite ao exercicio e continuidade de sua leitura, o que permite o endereçamento do texto a seu público.

O repertório do público instigado pelas produções favorece a captura do receptor. É uma parte das estratégias de produção que Antonio Fausto Neto menciona no começo dessa discussão conceitual. Por meio dessa captura, as estratégiasa permitem o endereçamento ao público que se almeja, ou mesmo mais de um público. As produções estão sujeitasa a padronização inerente ao sistema da indústria cultural, no entanto em um relação contraditória com o fato de se produzir sempre algo novo que tanto alimenta a padronização como a obra padronizada tende a aperfeiçoar a originalidade. As produções que alcançam a originalidade podem cometer riscos e excessos, e estes mesmos aspectos podem retroalimentar a padronização, mas estes excessos e novidades podem trazer

54 aquilo que se acreditava estar invisível ou inexistente na aparente padronização completa da indústria cultural, revelar, por meio de suas o zeitgeist o espírito de seu tempo.

3.2. A produção de The Ren & Stimpy Show

3.2.1. Estratégias do canal a cabo

A grade televisiva

A escolha de transmissão dos nicktoons para o horário das 9h30 às 11 horas das manhãs de domingo foi uma estratégia de posicionamento para a transmissão do programa, de modo que não corriam o risco de disputar audiência com o horário convencional dos desenhos animados transmitidos nas manhãs de sábado, os Saturday Morning Cartoons. Desse modo aproxima-se à concepção adorniana de risco na indústria cultural. Por outro lado, a escolha de determinado horário implica no risco de não alcançar o resultado esperado, um risco moriniano ao tentar o novo. O posicionamento da transmissão da série animada neste horário pode ser comparado de modo análogo ao exemplo que Martín-Barbero traz ao estudar o folhetim, pois a origem desse tipo texto era publicada inicialmente no rodapé da primeira página do jornal, este que não seria admitido inicialmente como uma prioridade e era admitido nas variedades com todos outros assuntos considerados “menores” como como anúncios de receitas culinárias, resenhas teatrais, etc. O espaço inicial destinado ao folhetim estaria para o horário inicial destinado aos nicktoons, como títulos do folhetim estão para os títulos dos nicktoons. Em ambos os casos, são produções que conquistaram espaço devido ao bom endereçamento para o público ao qual se destinava, ocasionando na expansão de seu alcance e espaço de veiculação. No caso dos nicktoons, isso se deu ao sucesso de público com The Ren & Stimpy Show.

As estratégias de audiência

O sucesso com a série animada entre adultos44, cuja concentração dessa faixa etária de público foi superior a qualquer outra produção da Nickelodeon na época, levou

44 Como mencionado no capítulo anterior, a produção apresentou 35% de audiência constituída por um público na faixa etária de dezoito anos ou mais, vide página__ do trabalho. 55 o departamento de animação da emissora a fazer um requerimento para sua proprietária Viacom para transmitir a série animada também para o canal MTV, outra emissora da proprietária, nas noites de sábado, cuja audiência compreendia adolescentes e adultos. O resultado, além de positivo para a MTV, causou uma “transferência” da audiência do público que assistiu o desenho animado no canal de videoclipes para somar aos números de audiência da mesma produção no horário de transmissão de seu canal de origem, a Nickelodeon, resultando em uma audiência de 2.2 milhões de espectadores com 45% da audiência com faixa etária de dezoito anos ou mais.

De modo análogo, podemos assimilar este evento com o caso da identificação do proletariado com o conteúdo presente no folhetim Os mistérios de Paris de Eugene Sue, cujo sucesso com este público não era esperado pelo autor, mas ao perceber este cenário, continuou a produzir pensando neste público atual. Os números de audiência adquiridos com o público adulto em The Ren & Stimpy Show levou ao departamento de animação da Nickelodeon a pensarem na estratégia de atrair o público adulto da MTV para o horário de transmissão original do desenho aos domingos. Faz-se necessário uma adaptação da emissora para o público que se consolida pela produção, ao recebe-la como uma novidade.

Na concepção moriniana, a inovação suscita uma adaptação de seu público e, por consequência, ocasiona em uma repercussão que vem a emissora como algo novo. Esta precisa adaptar ao público contemplado. É a relação contraditória presente na indústria cultural entre o padrão e o novo que faz a produção da cultura de massa se adaptar ao público e o público adaptar-se a ela. A produção se adapta, para se posicionar estrategicamente sobre como irá manter aquele público consolidado, uma vez que está sujeito a fatigar-se do conteúdo. É a “captura” do receptor que Antonio Fausto Neto menciona, pelo qual as empresas especializadas buscam, por meio de “jogos” e “motivações”, alcançar o índice de audiência desejado.

O sucesso da produção entre ambas as faixas etárias se deve ao fato da produção apresentar códigos em sua construção que se endereçam tanto ao adulto, quanto a criança, ocasionando no double coding cuja codificação na mesma produção permite a dois públicos diferentes de endereçamento, que se identificam com o conteúdo apresentado.

Posteriormente, a presidente da Nickelodeon, expande sua estratégia de horários de transmissão para competir com o surgimento da Cartoon Network, que transmitia desenhos animados 24 horas por dia. Assim como na MTV,

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Laybourne posicionou os Nicktoons também para as noites de sábado, na própria Nickelodeon com a criação do bloco Snick. Laybourne afirma, após essa medida que a inexistência da audiência de crianças e adolescentes nas noites de sábado é um mito. Em uma perspectiva adorniana, ao direcionar suas produções para este horário, orienta o consumo de seu público para um horário diferente, pois se faz uma autoidentificação dessa produção com os espectadores, o fenômeno mimético.

Anunciantes e produtos divulgados nos intervalos comerciais

Durante esse período de transmissão da emissora e, precisamente, no horário matutino, haviam anúncios comerciais, em sua maioria, de produtos alimentícios industrializados voltados para o público infantil exemplifique, justifique, dê as informações precisas. A maioria desses comerciais eram de cereais matinais que envolviam crianças como atores, muitas vezes interagindo com personagens de desenho animado, quando não eram apenas crianças, ou personagens interagindo entre si.

Figura 23: Da esquerda para a direita, as personagens Barney e Fred do desenho animado Flinstones (1960), interagem entre si em um comercial animado de cereal matinal da marca Pebbles.

Neste comercial as personagens Fred e Barney do desenho animado Flinstones realizam danças, percorrendo em um cenário animado com o cereal em mãos. As personagens se encontram e passam a divulgar o cereal, com Barney vestido como um dançarino de break dance com cores berrantes, óculos com armação rosa, e calças largas da mesma cor, junto de um colete verde-água, segurando a tigela preenchida, e Fred, com seu traje comum de seu design, vestindo uma pele laranja com manchas preta e gravata azul, que segura a caixa do produto.

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Figura 24: Uma criança consome o cereal matinal da marca Mini Frosted Wheats em um comercial.

Essa imagem divulga produzido para ser nutritivo e saudável, em que apresenta um menino em seu quarto, consumindo o produto com um copo de leite ao lado. Enquanto apresentam o produto, de modo a crer que ele é nutritivo e também de sabor atraente para as crianças.

Figura 25: Comercial de cereal matinal da marca Super Golden Crisp, em que a mascote animada do produto interage com uma criança feita também em cartoon, enquanto oferece uma tigela do cereal divulgado.

A terceira imagem de comercial de cereal matinal, ilustra a mascote do produto, da marca Super Golden Crisp, oferecendo o cereal para uma criança, também representada em desenho animado, que consome o cereal ilustrado em live-action. Encontram-se em um cenário de conto de fadas, um pé-de-feijão do conto João e o pé de feijão (1890).

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Figura 26: Comercial da rede de fast food Mc Donald’s, em que uma família consome os lanches dentro no estabelecimento. Abaixo segue o slogan da rede na época, “McDonald’s Today”.

Esse comercial ilustra uma família consumindo os lanches da rede Mc Donald’s dentro do estabelecimento da rede, após chegarem lá de carro. Uma família com três crianças junto da mãe, consomem o lanche no período de tarde.

Figura 27: Comercial da mesma rede de fast food, em que uma família consome os lanches na escada do prédio em que moram, enquanto elogiam os bons preços praticados pela rede.

O segundo comercial ilustra uma segunda família consumindo os lanches, no entanto fora do estabelecimento, nas escadarias de seu prédio, duas crianças, junto de seu pai acima. O irmão mais velho estabelece um diálogo com o mais novo sobre os bons preços praticados pela rede, enquanto fala sobre a importância do dinheiro, coisas que ele irá compreender quando for mais velho.

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Figura 28: Comercial da boneca Barbie divulgada por duas meninas que interagem entre si, enquanto ilustram uma brincadeira imaginativa com os bonecos.

Nessa imagem, duas garotas em um comercial de bonecas da marca Barbie interagem entre si, ilustrando uma brincadeira com o produto, com as personagens Barbie e Ken. Muitas falas das garotas são espontâneas e sincronizadas, demosntrando como se sentem ao possuir as bonecas.

Figura 29: Comercial de inseticida da marca Raid em que a atriz conversa com personagens animadas inseridas na cozinha. Logo após as personagens animadas irão interagir com o produto, sendo envenenadas e mostrando sua eficácia.

A imagem ilustra dois insetos de animação que invadem um ambiente real, uma cozinha, e são percebidos pela atriz do comercial que interage com eles. Ambos caçoam do produto inseticida da marca Raid que ela posicionou sobre a mesa da cozinha, e logo entram no inseticida. Em seguida, demonstra-se a eficácia do produto com as personagens “explodindo”, exterminadas pelo inseticida. O comercial avisa se tratar de um produto seguro do alcance e interação de crianças.

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Figura 30: Comercial de aspirador de móveis da marca Dirt Devil em que o ator divulga o produto em uma sala, ao lado de um cachorro da raça Golden.

Essa última imagem ilustra um comercial de aspirador de móveis da marca Dirt Devil. O ator divulga o produto ao lado de um cachorro da raça Golden. Demonstra em seguida que o produto é eficaz para reduzir o acúmulo de pelos causado pela interação do animal de estimação nos móveis.

Há diferentes tipos de publicidade nos canais Nickelodeon e MTV. Na emissora voltada ao público infanto-juvenil, veiculam em maioria, em razão do horário matutino, comerciais de cereais matinais açucarados, contracenados por crianças ou personagens de desenhos animados, ou variações desse tipo de comunicação em que a criança é representada como um desenho animado, junto da personagem que remete ao produto. A publicidade do canal se faz para a família, com comerciais do Mc Donald’ s transmitidos próximo ao horário do almoço, e comerciais de brinquedos, e utensílios domésticos como inseticidas e aspiradores de pó. Na MTV a publicidade é endereçada a adolescentes e jovens adultos, com comerciais da Coca-Cola que apresenta danças realizadas por um público jovem, e peças de roupa da marca Levi’s divulgadas por jovens adultos trajando a mercadoria. Pela perspectiva adorniana, as publicidades de cada emissora permitem a autoidentificação aos seus espectadores correspondentes pelo fenômeno mimético inerente ao caráter publicitário da indústria cultural, através da variedade de produtos veiculados no horário comercial. Para pensadores como Umberto Eco, há um endereçamento etário correspondente aos diferentes públicos de cada emissora e ocorre o double coding. A publicidade emite códigos inerente ao sentido dominante ou preferencial, conceito proposto por Stuart Hall, em que o discurso desse sentido dominante visa o controle dos meios de comunicação e demonstra expectativa de decodificação transparente do receptor, cujo intuito é codificar as vontades e interesses

61 de consumo do indivíduo, lhe endereçando a mensagem em seu sentido integral. É a estratégia que menciona Antonio Fausto Neto, em que as estratégias do media consiste em capturar o receptor e incita-lo a decodificação integral de sua mensagem.

O conceito creator-driven cartoon

Figura 31: Promo do bloco Nicktoons inaugurado em 11 de agosto de 1991, anunciando o dia e horário de transmissão, com imagem de The Ren & Stimpy Show ao fundo.

Figura 32: Anúncio de abertura do bloco dos Nicktoons em 1991, na emissora Nickelodeon, durante as manhãs de domingo.

A vinheta que anunciava o início da transmissão dos desenhos animados apresentava um pintor em frente sua tela, trabalhando em sua obra, fazendo uso de lápis, pincel e tinta, e por fim, abastece um bucaneiro com tinta laranja que oferece o toque final a tela, trata-se do anúncio e logotipo dos Nicktoons, apresentado em letras brancas escrita sobre uma mancha laranja espalhada, similar ao logotipo da emissora.

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O conceito creator-driven cartoon proposto pela presidente da emissora Geraldine Laybourne e por Vanessa Coffey, executiva do departamento de animação, para trazer produções animadas de traço autoral a emissora, foi uma estratégia para se adquirir algo distinto dos Saturday Morning Cartoons da tv aberta daquela época. Houve uma iniciativa para se propor algo novo para o canal, de modo que competisse com outras programações de desenhos animados já consagradas na televisão. Laybourne e Coffey propõem esse formato para competir com o padrão consolidado na indústria. Novamente, vemos operar a relação contraditória entre o padrão e o novo, em que a proposta de um novo formato de produção audiovisual vem a se tornar tendência e parte de um bloco de animações, que passa a integrar um padrão de qualidade da emissora. Neste caso, surge como uma resposta ao contexto de produção dos Saturday Morning Cartoons, modelo de produção de desenhos animados que o cartunista John Kricfalusi rememorou como algo mais comercial e menos artístico. O cartunista também a organização desses estúdios como uma “fábrica”; “subdividida em departamentos”. A concentração técnico- burocrática da indústria, segundo Morin, pesa universalmente sobre a produção cultural de massa, de modo que possa ocasionar em um fenômeno de despersonalização, no qual o autor não se identifica mais com sua obra, uma vez que a organização racional predomina sobre a invenção. Ao criarem o conceito creator-driven cartoon Laybourne e Coffey representam a exigência contrária que surge do consumo, esta que choca com a tendência da despersonalização, servindo um produto individualizado e novo como oposição. Assim como Morin afirma, essa lógica contraditória ser a garantia das criações não se integrarem totalmente ao sistema;

“Essa tendência exigida pelo sistema industrial se choca com uma exigência radicalmente contrária, nascida da natureza própria do consumo cultural, que sempre reclama um produto individualizado, e sempre novo” (Morin, 2005: 25).

O novo embora corra o risco de desagradar, coube a presidente da emissora e a executiva do departamento de animação arriscar distinguir quais seriam os títulos que poderiam ir de encontro ao público compunha a audiência da emissora.

O traço autoral garante o aspecto de novidade, além servir de aval para oferecer liberdade criativa aos três estúdios independentes e iniciantes contratados, Klasky Csupó, Jumbo Pictures e Spümco para compor o bloco animado Nicktoons. O envolvimento autoral, segundo a experiência de Kricfalusi do estúdio Spumco, garantia além de maior

63 identificação do autor com sua obra, autonomia e liberdade criativa, o que só contribua para produções únicas.

Como dito anteriormente, a Nickelodeon e a MTV eram (ou são?) canais adquiridos pela rede Viacom. Com a devida atenção a esses números, o departamento de animação da Nickelodeon requereu a Viacom para que também transmitisse a produção The Ren & Stimpy Show? nas noites de sábado na MTV, também pertencente a rede, e que atendia ao público adolescente e adulto. Como resultado, houve uma “transferência” da audiência de público das faixas etárias da MTV para a Nickelodeon, em seu horário de transmissão, nas manhãs de domingo, o que duplicou, aproximadamente, a audiência de espectadores para 2.2 milhões, com 45% da audiência de faixa etária com dezoito anos ou mais (Stabile, 2003). Segundo Stabile, ao posicionar uma transmissão da série animada para esse horário noturno na MTV, também contribuiu para que a produção competisse com emissoras rivais pela audiência do horário nobre.

Na mesma década ainda surge o canal concorrente Cartoon Network que, em 1992, apresentava uma programação de desenhos animados 24 horas por dia nos EUA? (Mendes, 2014) contra horários específicos apresentados desse tipo de programa na Nickelodeon. Como uma outra medida, surge o bloco Snick, em que a programação da Nickelodeon, voltada ao público infantil, junto de seus Nicktoons também seria transmitido nas noites de sábado, no horário nobre, com The Ren & Stimpy Show as 21h, sendo o último programa do bloco (Brown, 1992:25 apud Stabile, 2003). Essa medida adicional para lidar com a concorrência apenas contribuiu para aumentar ainda mais a audiência de The Ren & Stimpy Show enquanto um programa de audiência mista, sendo transmitido, além das manhãs de domingo, nas noites de sábado do mesmo canal e na MTV. Geraldine Laybourne, presidente da Nickelodeon afirma em uma entrevista para a em 14 de agosto de 199245, que isso expõe “o mito de que não há audiência de crianças e adolescentes na programação das noites de sábado”. Laybourne refere-se ainda aos nichos de mercado existentes nas tvs a cabo, cujos programas são direcionados a grupos específicos definidos por idade, sexo, raça, educação, religião e

45 Matéria do jornal The Baltimore Sun, em que Geraldine Laybourne, comenta a respeito da medida em posicionar desenhos animados da Nickelodeon, também nas noites de sábado com o lançamento do bloco Snick. ZURAWIK, David. NICK’S KNACK WITH KIDS. Disponível em: https://www.baltimoresun.com/news/bs-xpm-1992-08-14-1992227163-story.html Acesso em 20/20/2020.

64 quaisquer outros fatores. Estratégia que torna a TV a cabo tão bem-sucedida, sendo imitada em redes de televisão tradicionais.

3.2.2. Estratégias ddos criadores

A metodologia de criação no estúdio Spumco

Houve a estratégia do cartunista e os demais artistas da equipe, de trazer a responsabilidade autoral de escrita para os mesmos que desempenham a capacidade autoral de desenhar. O lema “se você não pode desenhar, você não pode escrever” serviu como um método para atribuir o exercício da arte como uma forma de escrita ao se produzir desenhos animados, o cartoon ser também tratado como um texto, correspondente aos códigos do desenhista, a codificação pela escrita, através do repertório de desenhista. Estes seriam o que melhor poderiam codificar a linguagem de um desenho animado para seu público e para si mesmos. Alberto Lucena Barbosa Junior, ao abordar sobre a Era de Ouro da animação afirma que o público exigia uma manutenção de personagens para que pudessem se identificar com a produção, havia uma necessidade de representação cultural. Assim como na época descrita por Barbosa Junior, há uma codificação na produção do desenho animado pela qual se faz necessário aos artistas como para o público almejado, identifica-se, portanto, um dispositivo de reconhecimento na produção que Martín-Barbero pontua ao estudar o folhetim. Os criadores buscam, por meio de sua proximidade com a escrita e a habilidade de desenhar, uma identificação com sua obra o que corroborou de modo favorável, posteriormente, ao serem ofertados pela proposta creator-driven cartoon da Nickelodeon. Houve também um método de uma criação voltada a coletividade dos integrantes, todos convidados a contribuir com diferentes ideias que oferecia camadas de profundidade a obra, contando a história por meio das imagens. Codificam por meio das imagens, a mensagem que pretendem passar aos espectadores por meio de sua produção animada.

Haviam influencias de peso similares entre os artistas, no entanto, John Kricfalusi desempenhava o papel de ter controle sobre sua obra na medida do possível. Lynne Naylor atuava com influencia similar ao cartunista na produção.

Não se especifica quais eram os gestores do estúdio, no entanto, haviam as exigências de executivos da Nickelodeon sobre o conteúdo e formato do produto, o qual eram

65 responsáveis pela aprovação como reprovação do material. Ainda assim, o papel de Kricfalusi se faz como um líder para o funcionamento do estúdio.

O lema que era reverberado no estúdio era “ Se você não pode desenhar, você não pode escrever”, funcionando como uma instancia contra não-artistas (sic) encontrados nas produções de animação da época. Não se tratava de afirmar que cartunistas escreviam melhor, mas que estes seriam os únicos a compreender o que poderia ser alcançado na animação que, em comparação a escrita, consideravam desenhar um desafio maior (Komorowski, 2013).

Segundo o cartunista John Kricfalusi, os melhores desenhos animados, ao longo da história da animação, foram escritos por cartunistas, e não por escritores

Diferente de modelos usuais de storyboard, embora houvesse o diálogo, a atuação das personagens, Kricfalusi não utilizava os diálogos como pontos de partida, mas encorajava os demais integrantes de sua equipe de criação a contar a história por meios das imagens. Todos eram convidados a contribuir com ideias de modo que favorecia profundidade da obra (Idem, 2013). Em uma entrevista concedida para o site Decider46, em 17 de junho de 2016, Kricfalusi propunha que os cartunistas “escreviam”, sem o uso de scripts, o esboço de três ou quatro páginas, descrevendo as principais piadas e enredos. Vanessa Coffey, a executiva do departamento de animação da Nickelodeon, confirma nessa mesma entrevista The Ren & Stimpy Show, não fazia uso de scripts, passavam “da premissa do esboço ao storyboard”. Em seguida, pendurava-se um storyboard na parede contendo as imagens, e a equipe técnica era convidada a observar e propor ideias sem desviar da premissa principal, o que favorecia uma quantidade de elementos em uma variedade de níveis diferentes.

O uso de antecedentes visuais

A estratégia de se utilizar referencias visuais conhecidas, auxilia por despertar o interesse no público que detém daquele repertório, novamente ativa-se reconhecimento.

46 Matéria que apresenta mais informações sobre a série animada, desde seu processo de criação a referencias utilizadas na criação das personagens. GAINES, Cassen. The Oral History Of ‘Nicktoons’, Part IV: ‘The Ren & Stimpy Show’ Was A Triumph Of Cultural Subversion. Disponível em: https://decider.com/2016/06/17/the-oral-history-of-nicktoons-part-iv-the-ren-and-stimpy-show/ Data de acesso em: 20/02/2020.

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O anseio dos criadores de resgatar o período áureo da animação, houve a estratégia de criar algo que induzisse a identificação de um público que vivenciou essas épocas anteriores da animação, o que pode se associar a audiência composta por adultos. Fez-se reconhecimento com um público de faixa etária dos dezoito anos ou mais, como cativou o público infantil, realizando assim o endereçamento double coding entre duas faixas etárias diferentes.

Além da busca pelo passado da animação fizeram uso do repertório de seus respectivos passados profissionais na indústria dos Saturday Morning Cartoons, fazendo uso do estilo gráfico UPA que reúne códigos referentes a essas produções. Faz-se uso de outros detalhes que contribuem para o resultado final como o uso de performances cinematográficas de filmes e produções antigas, como o ator hollywoodiano de origem austríaca da década de 1930, , mencionado por Kricfalusi, como o emprego de uma dublagem que remete aos Três Patetas, o “J” no nome inteiro da personagem Stimpy, servem de códigos referenciais que são endereçadas a um público e compreendem enquanto estratégias de produção na criação do desenho animado. Da mesma forma que se fez uso de uma linguagem visual universalmente assimilável naquela época da Era de Ouro que garantiu um conjunto de códigos fundamentais como referencial.

O grotesco, violento e vulgar

Não se trata apenas de um aspecto presente na produção, mas de uma ideia pioneira na animação e intencionalmente colocada para obter um retorno de seu publico diante de imagens que lhe causariam asco. Esse recurso gráfico era visto como uma novidade na década de 1990, e embora, fosse produzido para causar incômodo, houve uma repercussão positiva do público, eles pediam, segundo relato de John Kricfalusi, por mais conteúdo desse tipo. Bob Camp, co-autor da série, declarou ser uma forma de se fazer “piada com o pincel”, novamente uma escrita com a imagem, por aqueles que podem escrever, porque podem desenhar. Camp também afirma que não havia nenhum outro artista do ramo desenvolvendo esse recurso, então se propuseram a fizer. Do mesmo modo, não havia nenhuma proibição para tal. Percebe-se, portanto, que foi uma atitude de risco dos criadores que ousaram produzir novo, o qual produz, por sua vez, o leitor novo de Umberto Eco. O autor projeta esse leitor e busca por meio de sua obra, revelar seu zeitgeist, o espírito de seu tempo, revelando a si próprio. Junto desse risco a obra pode esbarrar no excesso do que é concebido como norma pela época, cuja repercussão de 67 público tende a reafirmar esse espírito do tempo, pois os excessos vão de encontro a uma identificação com os espectadores, fazendo reconhecimento com as personagens, fenômeno similar que ocorreu com Beavis & Butthead, estudado por Douglas Kellner. Esse excesso é encontrado nas imagens grotescas rabelasianas, consideradas disformes e horrendas em comparação a vida cotidiana preestabelecida e completa, e iam de encontro ao popular. Martín-Barbero, ao tratar do pastiche, tipo de obra considerada vulgar, também ativou as vivencias da massa. Os estudos dessas produções demonstram como o vulgar, o grotesco, o violento, apesar de serem proibidas, ou execradas da sociedade, vão de encontro ao cotidiano e repertório das massas pela qual se faz reconhecimento, e endereçam, por meio de seu conteúdo um sentimento adormecido que venha a revelar o espírito daquele tempo.

A produção dos episódios

Um padrão para se produzir a animação sempre faz necessária,se expressa por meio de um formato estabelecido. Há um padrão no formato de estruturação da série em sua separação por episódios, como no folhetim, em que Martín-Barbero observa 4 dispositivos de comunicação com leitor, dentre elas, o de fragmentação de leitura que está associada a fragmentação narrativa da produção por episódios, e se expressa na divisão do episódio em pares, ou mesmo em séries de episódios, o que não resulta em uma experiência exaustiva para público ao qual se endereça.

Outro dispositivo do folhetim que pode ser assimilado é o dispositivo de composição tipográfica. Embora Martín-Barbero tenha categorizado se baseando em uma obra literária, com composição própria para leitura, vemos uma relação conjunta com o dispositivo de fragmentação, no entanto, pela leitura da imagens codificadas para o espectador. A quantidade de episódios transmitidos e separados por temporada tendem a estabelecer um número aproximado embora nunca idênticos. A primeira (12 episódios), a segunda (18 episódios), a terceira (16 episódios) e a quinta temporada (19 episódios) não agrupam um número superior a dezenove episódios, sendo que a temporada mais curta foi a inicial, a a segunda e a terceira temporada apresentavam uma estabilidade na quantidade de episódios produzidos por temporada devido as suas diferenças de quantidade de episódios ser de dois títulos. A quarta temporada no entanto apresentou uma diferença maior em relação a outras temporadas contando com 27 episódios, possuindo a maior diferença de quantidade de títulos em relação a outras quatro

68 temporadas. No entanto, na quinta e última temporada essa quantidade se conclui com 19 títulos produzidos.

Isso se demonstra também na minutagem dos episódios, em que existe uma duração média estabelecida. Na primeira temporada o episódio com maior duração alcança os doze minutos enquanto os mais curtos alcançam oito. Ainda assim há uma padronização na duração dos episódios da primeira temporada, em que a maioria apresentação a duração de 8 ou 9 minutos, com quatro exceções em que os episódios excedem de 10 a 12 minutos.

Na segunda temporada vemos um padrão, com a duração média agora alcançando de 10 a 11 minutos. No entanto, nessa temporada há episódios especiais de 15 a 21 minutos que fogem dessa padronização, ainda que não seja o contingente superior. Curiosamente isso se repete na terceira temporada, com o padrão de duração média dos episódios sendo também de 10 a 11 minutos, inclusive a produção de poucos episódios de longa duração, com os mais longos alcançando 19 minutos. A partir da quarta temporada a minutagem se torna mais estável, embora sendo a temporada que agrupou o maior número de episódios, estes se mantém na duração média de 10 a 11 minutos com exceção de um único episódio de 17 minutos sendo o episódio de longa duração com menor minutagem em relação as duas temporadas anteriores. Esse padrão também se repete da quinta temporada, com a mesma duração média, também com único episódio de longa duração que apresenta 17 minutos.

The Ren & Stimpy Show foi uma criação de John Kricfalusi, e isso se refletiu com os créditos dado ao autor como diretor em todos os episódios da primeira temporada com exceção de dois episódios que foram divididos em dois curtas, sendo eles, respectivamente Stimpy’s Big Day (1991) e The Big Shot (1991). Na segunda temporada, esse padrão ofereceu uma leve abertura para episódios dirigidos por outros integrantes do estúdio Spumco como Bob Camp, e Ron Hughart. Na terceira temporada, com o desligamento de Kricfalusi a direção assume uma maior flexibilidade de posto, sendo assumido por Bob Camp na maior parte mas ainda em competição equilibrada com outros integrantes da equipe, não havendo uma solidez na direção propriamente dita. Na quarta temporada, houveram mais episódios sob direção de Bob Camp, no entanto, ainda em equilíbrio com a participação de outros integrantes nesse papel, o que leva crer em um novo padrão estabelecido para direção após o desligamento do John Kriclufasi. Na

69 quinta temporada isso se mantém ainda mais diversificado com novos diretores, e uma variabilidade maior deles enquanto responsáveis pela direção do episódio.

Houve a padronização da produção dos episódios por estúdios de animação canadense de forma predominante na primeira temporada, sendo os estúdios Carbunkle Cartoons e Lacewood. Houve um afrouxamento a partir da segunda temporada para estúdios de estadunidense, sul-coreana e taiwanesa como exemplos respectivos a Rough Draft sediado na mas com um “irmão” sul coreano e a Wang Productions também metade estadunidense, mas com parte do estúdio taiwanesa.

Com exceção de poucos episódios como No Pants Today (1993) da terceira temporada e Ren’s Brain (1995) da quinta temporada Não houve episódios com a participação de John Kricfalusi após seu desligamento da produção da série animada. O padrão na lista de episódios, ainda que não fosse predominante, foi sua ausência em qualquer outra etapa de desenvolvimento da produção. A quarta temporada foi o momento em que a produção se estabilizou sem a contribuição de John Kricfalusi no desenvolvimento dos episódios, embora houvesse ainda uma única participação no episódio citado da quinta e última temporada.

A dublagem de Ren foi a alteração no formato da produção com estabilidade integral após a decisão do desligamento de Kricfalusi do desenho animado. Durante as duas primeiras temporadas em que esteve na ativa foi o dublador exclusivo da personagem, e após seu desligamento apenas um único dublador o substituiu, também dublador de Stimpy desde o início da série.

Embora não houvesse censura na primeira temporada, houve cortes nas temporadas seguintes para manter o padrão de faixa etária do canal. Antes não haviam cortes nos episódios, mas a partir do segundo episódio da segunda temporada, Powdered Toast Man (1992), a edição nos episódios se tornou algo randômico. A edição no conteúdo esteve recorrente mesmo após o desligamento de Kricfalusi, mas se estabilizou na quarta temporada, e ainda menor na quinta e última temporada, em que a maioria dos episódios não sofreram edição e foram transmitidos na íntegra.

A primeira temporada, possui, exclusivamente, os episódios com a menor minutagem, sendo em média de 9 minutos por episódio. O mais longo é o único que alcança 12 minutos. Na temporada seguinte, os episódios alcançam uma média de um minuto a mais por episódio, no entanto há outros que também duram 11 minutos distribuídos em

70 proporção. Produziram também, nessa temporada episódios especiais cuja duração alcança os 15, 17 ou mesmo 21 minutos de duração valendo por um segmento inteiro do programa, sendo o episódio Son of Stimpy (1993). A segunda temporada é a que possui mais episódios de grande duração. Na terceira temporada, a média de 10 minutos por episódio se mantém, possuindo poucos episódios de maior duração, alcançando no máximo 19 minutos, como Stimpy’s Cartoon Show (1994) e Hard Times For Haggis (1994). A quarta temporada, a mais extensa da série, possui um padrão de 10 a 11 minutos por episódio, não apresentando nenhum outro de maior duração. Na quinta temporda, esse padrão sofre duas exceções, um episódio por minutagem inferior a média, sendo o episódio Big Flakes (1995) e outro alcançando minutagem superior a média, de 17 minutos sendo A Scooter for Yaksmas (1995).

O envolvimento de John Kricfalusi, o criador da série animada, como diretor, perdurou durante a primeira e a segunda temporada, mas nunca de forma fixa. Havia episódios dirigidos por outros animadores da equipe como Vincent Waller, Bob Camp e Jim Smith, no entanto em parcelas raras em comparação aos títulos creditados a Kricfalusi, este que obteve o papel de diretor como ofício predominante durante as duas primeiras temporadas. Na primeira temporada, há um único episódio em que ele dirige junto de Bob Camp, o episódio Black Hole (1992), todos os demais ele é creditado como diretor singular. Houveram, na segunda temporada, mais cinco episódios nos quais John Kricfalusi dirigiu em dupla com outro integrante da equipe, Rubber Nipple Salesmen (1992) com Vincent Waller, Dog Show (1992) com Chris Reccardi, Fake Dad (1993) com Jim Smith, A Visit to Anthony (1993) também com Jim Smith, e The Royal Canadian Kilter Yaksmen (1993) outro com Chris Reccardi. No entanto, diferente da primeira temporada em que atuou como diretor em todos os episódios, na segunda temporada Kricfalusi dirigiu metade da quantidade de episódios da temporada, sendo que houveram cinco em que dirigiu com outro integrante. Nos episódios em que não atuou como diretor esteve presente como roteirista ou minimamente como dublador da personagem Ren, com exceção do episódio Monkey See, Monkey Don’t (1993) em que não aparece creditado em nenhuma etapa da produção. A partir da terceira temporada, John Kricfalusi não está mais envolvido como diretor e isso se torna evidente, com diversos outros integrantes estreantes e outros já creditados em seu lugar. No entanto, ainda houveram poucos episódios nos quais contribuiu como roteirista, tendo seu envolvimento descreditado em dois episódios nessa etapa, embora houvesse trabalhado, sendo A Yard Too Far (1993) e

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No Pants Today (1993). A maior parte dos episódios após a saída de Kricfalusi passam a ser dirigidos por Bob camp. Há um destaque para o episódio chamado Stimpy’s Cartoon Show (1994) em que os créditos aparecem com os nomes todos distorcidos (Bob Camp, nesse episódio é creditado na direção como Baughb Camp) enquanto o título do episódio se refere ao programa pertencer apenas a Stimpy, curiosamente, Kricfalusi dublava Ren. Depois desses episódios na terceira temporada, mais um único teria creditado Kricfalusi como roteirista na quarta temporada, Ren’s Brain (1995).

A dublagem da personagem Ren é realizada por John Kricfalusi em todos os episódios da primeira temporada e é predominante na segunda temporada, com exceção de três episódios, Monkey See, Monkey Don’t (1993), The Great OutDoors (1993) e The Cat That Laid the Golden Hairball (1993). Com o início da terceira temporada a dublagem dessa personagem passa a ficar a cargo do dublador Billy West47 de forma integral até o término da série animada, em sua quinta temporada.

A primeira temporada de The Ren & Stimpy Show não sofreu uma única censura, sendo transmitidos pela Nickelodeon em seu conteúdo integral. Os episódios que passam sofrer cortes em seu conteúdo surgem a partir do segundo título da segunda temporada com o episódio Powdered Toast Man (1992). A partir desse episódio, tornou oscilatório as situações de cortes em episódios, de modo que foi relativamente equilibrado com a quantidade dos episódios que não sofreram cortes (vide tabela). Na terceira temporada, mesmo com a mudança no estúdio, continuaram a ocorrer situações em que episódios necessitavam de edição do conteúdo, ainda de forma bastante balanceada em relação aos episódios que foram transmitidos em sua íntegra. A partir da quarta temporada os casos de censura ocorrem com menor frequência, no entanto ainda presentes, até que na quinta temporada ocorre menos casos que na temporada anterior, contendo episódios que, em sua maioria, foram transmitidos na integra.

47 Ator profissional, voltado para dublagem. Atualmente possui um portfólio com trabalho em diversas mídias, principalmente séries animadas. Dentre elas, as personagens Philip J. Fry, Professor Huber J Farnsworth e Dr John Zoidberg em (1999), Doug e Roger em Doug (1991-1994), personagens diversas em (1997 – 2004) e produções atuais presentes na Netflix como Sorcerio, Mertz e The Jester em (Des)encanto (2018 – 2019) e Rasberry em Feliz! (2018). IMDB. Billy West. Disponível em: https://www.imdb.com/name/nm0921942/ Data de acesso em: 20/02/2020. 72

Nota-se uma tendência a padronização, quanto a duração dos episódios, sobretudo na temporada mais extensa que não conta mais com a presença de John Kricfalusi na produção. Isso não se associa a uma duração menor, uma vez que os episódios de menor duração se encontram na primeira temporada. Na segunda temporada é, junto da terceira, a que mais se diverge de um padrão apresentando episódios de minutagens diversas, no entanto é a segunda temporada que apresenta maior divergência de duração entre os episódios. Com isso, não há como associar uma tendência de episódios mais curtos ou mais divergentes com a ausência do cartunista, mas a uma padronização sobre sua duração. A mudança dos estúdios de animação não possuiu necessariamente uma ligação com o desligamento do cartunista, uma vez que os estúdios de origem de canadense estiveram mais presentes na primeira temporada e na temporada seguinte já apresentavam indícios que iriam aos poucos oferecer espaço para outros estúdios. No entanto, na terceira temporada não há mais a presença dos estúdios canadenses presentes nas temporadas anteriores, e o trabalho esteve a cargo da Rough Draft de forma predominante. As oscilações entre estúdios responsáveis por animar o desenho foram se intensificando nas próximas temporadas.

Um fator que se mostra decisivo após o desligamento de John Kricfalusi da emissora Nickelodeon é a substituição integral em todos os episódios a partir da terceira temporada pelo dublador Billy West, já encarregado de dublar Stimpy, estando também, responsável por dublar a maior parte das personagens. Este fica responsável por dublar os dois protagonistas do desenho. No entanto houveram episódios das duas primeiras temporadas que, por algum motivo, não deram créditos de roteiro a John Kricfalusi ainda que não estivesse desligado da emissora, e, em outros casos, a Bob Camp, ainda que não havia se encarregado de ser o diretor a maior parte do tempo.

Os episódios da primeira temporada são sofreram cortes, edição de seu conteúdo, sendo transmitidos na íntegra, embora tenham sido estes produzidos com maior envolvimento de John Kricfalusi na produção. A partir da segunda temporada, começaram a ter episódios com censura e edição do seu conteúdo, sendo esta a última temporada com o envolvimento oficial do cartunista. Na terceira temporada, embora já não houvesse a presença do cartunista houveram muitos episódios censurados, nos levando a crer que o conteúdo considerado inadequado não dependeu apenas do período da série em que esteve presente como diretor. Houveram ainda mais censuras na quarta temporada em que já não havia mais a presença de John Kricfalusi, no entanto na quinte

73 e última temporada houveram mais episódios transmitidos na íntegra, tendo menos censura que na segunda temporada. O episódio Ren’s Brain que contou com o envolvimento de Kricfalusi como roteirista não sofreu edição. Conclui-se, portanto, que haviam outros integrantes responsáveis pelo conteúdo controverso, característico da série.

23.2. Antecedentes e referências visuais na construção da série animada

3.2.1. A criação dos protagonistas

Figura 33: Chihuahua, Nova Iorque, 1946. Fotografia realizada por Elliott Erwitt. Imagem mencionada por Kricfalusi, vista em um cartão-postal entrevista presente no DVD The First and Second Season (Uncut) (2004).

A inspiração para criação da personagem Ren se deu por essa foto encontrada em um cartão postal de um cachorro da raça Chihuahua vestindo um suéter. Trata-se do registro realizado pelo fotógrafo Elliott Erwitt na cidade de Nova Iorque, em 1946. Para o cartunista John Kricfalusi, essa imagem era a junção de um monstro psicótico vestindo um lindo suéter, o que contribuiu para formular o conceito da personagem, um Chihuahua com traços de insanidade. O nome completo da personagem, Ren Höek, vem do nome de um síndico de apartamento em que o cartunista morava, como afirma em uma entrevista concedida para o site Decider48. Para a voz dessa personagem, dublada pelo próprio cartunista, John Kricfalusi diz ter se inspirado em Peter Lorre, ator hollywoodiano de origem austríaca da década de 1930, cuja atuação Kricfalusi considerava centrada e, em

48 Matéria da revista Decider que aborda sobre as referencias utilizadas na série, link já citado em um rodapé anterior. 74 outros momentos, extremada, oscilação de comportamento que sempre lhe despertou o interesse em personagens.

A inspiração para Stimpy surgiu dos gatos desenhados por Bob Clampett, muitas vezes retratados com olhos grandes e narizes redondos e inchados, precisamente da animação Gruesome Twosome (1945).

Figura 34: Gatos de Bob Clampett da animação Grusome Twosome (1945).

Nessa imagem vemos dois exemplos de gatos desenhados pelo cartunista Bob Clampett, ilustrados na tela de título do episódio com de cores amarelo e vermelho, e tamanhos diferenciados de nariz com suas respectivas sombras em tom roxo. O nariz redondo e inchado presente na personagem Stimpy se encontra presente no gato vermelho em formato similar.

O nome completo dessa personagem era Stimpy J. Cat, a escolha de seu nome foi devido a sonoridade que, segundo o cartunista, soava “como algo de outro lugar, que não era muito inteligente”. O “J.” é porque toda personagem de desenho animado, segundo o cartunista, “tem “J.” como sua inicial do nome do meio. É uma tradição”.

A dublagem ficou a cargo de Billy West, que acabou sendo contratado ao reproduzir uma voz próximo a de Larry de Os Três Patetas. Não era usual para uma personagem que muitas vezes possuía um comportamento infantil, mas encaixou como

75 uma voz adequada para uma personagem pateta, uma personalidade infantil com a voz de um homem adulto. Segundo Thad Komorowski (2013), desenhar Stimpy se tornou em grande parte a especialidade de Lynne Naylor, junto de Kricfalusi, uma das “artistas- chave” da produção, embora houvesse a coordenação do cartunista, o qual seria o único que poderia desenhar Ren49

A aparência de ambos os protagonistas remete ao relato de Barbosa Junior (2002) sobre a diferença de design entre as personagens da Disney e Warner. Enquanto as criações da Disney eram mais rotundas e visualmente agradáveis, as personagens da Warner apresentavam uma forma esguia e desengonçada, alinhando-se a uma postura de anti-herói. Da mesma forma, vemos essa disparidade de design entre Stimpy, rotundo e visualmente agradável, e Ren, esguio e desengonçado.

3.2.2. Referencias visuais na história da animação

Na entrevista realizada por Dan Persons, Jim Smith um dos roteiristas da equipe, declara que a produção dessa série animada foi intencional quanto a um retorno à época mais “teatral” da animação de quarenta anos atrás, quando se privilegiava a “pura narrativa visual”, época em que essas produções possuíam mais personalidade e humor visual, e as coordenadas eram dadas pelos animadores da Era de Ouro. Kricfalusi comenta nessa mesma entrevista sobre suas inspirações e referencias com base nos desenhistas daquela época, “...o trabalho de Clampett, me fez pensar sobre o que você pode fazer com outras emoções. Você pode ativar outros sentimentos com esta mídia, não apenas o humor. Você pode dar vida aos personagens.”.

Delimitada entre os anos 1930 e 1940, temos a Era de Ouro da animação, denominação utilizada para se referir ao avanço da técnica de produção dos desenhos animados no acabamento do estilo gráfico, a riqueza de detalhes e elementos. Apresentavam duração média de onze minutos, devido ao uso do rolo de filme 35mm utilizado em uma filmagem de vinte e quatro quadros por segundo50. O desenho animado passa a adquirir uma linguagem visual própria e universalmente assimilável, devido ao próprio processo de produção padronizado, que acabou se tornando necessário para

49 Era dito no estúdio que isso seria um reflexo da própria relação entre ambos, além de profissional, amorosa (Komorowski, 2013). 50 Fábio Luiz Gonçalves Mendes (2014) afirma que esse passou a ser o limite de tempo habitual para uma animação veiculada em uma sala de cinema para exercer sua principal função, ser a atração de espera antes dos filmes com atores. 76 garantir um conjunto de códigos fundamentais como referencial, permitindo uma comunicação suficiente para se aproximar do interesse do público (Barbosa Junior, 2002).

Segundo Alberto Lucena Barbosa Junior (2002), nesse período da animação, o público passa a exigir a manutenção de personagens para que ocorra um processo de identificação com uma produção sob demanda e uniformização. Evidencia-se uma necessidade de representação cultural pelos personagens criados entre 1930 e 1940, estes que já apresentavam um conteúdo antiquado.

“Se ativa um poderoso processo de retroalimentação, em que os anseios do publico influenciam a arte, e vice-versa. Se as séries se tornam a salvação econômica da animação e seu principal canal de comunicação com o publico, a instalação dessa operação industrial haveria de afetar a concepção e feitura dos filmes, com resultado direto na caracterização da personalidade das figuras desenhadas”. (Barbosa Junior, 2002: 74)

Ocorre uma substituição das antigas personagens de desenhos animados anteriores por outras novas, apresentadas pelos estúdios Warner Brothers e Metro Goldwyn Mayer (MGM). Essas personagens apresentavam comportamento imprevisível, adaptando-se aos eventos e transformações de roteiro, dada as potencialidades de criação de um corpo-personagem-animada tidas como infinitas, sendo exclusivamente dependente do quanto seu criador dominava a tecnologia para dar forma a sua criatura em um universo ficcional ilimitado (Rodrigues, 2014). Essa adaptação constante das personagens da Era de Ouro estava relacionada com o contexto das rápidas transformações sociais, culturais e políticas da Segunda Guerra Mundial, um período em que se situam eventos de grande impacto social dos Estados Unidos: a Grande Depressão, o New Deal e o período entre guerras, apresentando um conteúdo que faz jus para esses contextos e épocas, produções que incendiaram o mundo, até então moderado, dos desenhos animados (Barbosa Junior, 2002).

Animadores como Tex Avery, Bob Clampett, Bill Hanna e Joe Barbera, pertencentes a Era de Ouro, produziam animações com uso frequente da violência como recurso para piadas e comédias diversas, o famoso formato slapstick, cujo conteúdo, segundo o Cambridge Dictionary51 se trata de um tipo de ação que deve divertir, devido ao tempo de execução de ações físicas rápidas, comédia física e usualmente violenta.

51 Slapstick envolve comédia física e violenta com ações rápidas. SLAPSTICK. Cambrigde Dictionary. Disponível em: https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/slapstick Acesso em 21/02/2020. 77

Tex Avery é conhecido pela introdução das gags52 ricas em detalhe como os olhos esbugalhados53, interações com o cenário, e variedades de linguagem como sarcasmo, críticas políticas e conotações sexuais. Trabalhou junto de Bob Clampett e nos estúdios Warner Brothers onde desenvolveriam animações para personagens como Pernalonga (1940) e o Patolino (1937). Posteriormente é chamado por Fred Quimby para Metro Goldwyn Mayer (MGM) onde criaria personagens como o Droopy (1943), o Lobo (1942) e Red (1943).

Figura 35: A personagem Lobo, inaugurado na animação cinematográfica Blitz Wolf (1942).

Tex Avery produziu filmes de grandes conotações políticas como Blitz Wolf (1942). Nessa imagem do filme, realiza-se uma caricatura paródica de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, em conjunto com a fábula Os três porquinhos de Joseph Jacobs. Nessa paródia da fábula, a personagem Lobo representa uma caricatura de Adolf Hitler aparecendo em frente a uma das casas d’Os Três Porquinhos, a de palha que, no conto original, é a primeira a ser derrubada pelo lobo mau. Os porquinhos protagonistas armam-se para se defender do antagonista em uma versão cartunesca e fantasiosa da Segunda Guerra Mundial em que os Estados Unidos são tratados como os protagonistas principais e decisivos no combate aos nazistas.

52 No inglês britânico é utilizado para designar uma história divertida, normalmente contada por um comediante. No inglês norte-americano, gag é um termo utilizado para se referir a uma trapaça cômica. Em ambas as línguas se designa, também, para se referir a uma piada. Disponível em: https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/gag Acesso em 27/06/2019. 53 Essas informações sobre esse cartunista se encontram nesse trabalho acadêmico audiovisual produzido por Rodolfo Mieskalo. A Busca Pela Piada Perfeita. Data de publicação:07/10/2008. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qkTZbThfPVg Data de acesso: 21/02/2020. 78

Apesar das características herdadas de desenhos animados da Era de Ouro como os corpos mutáveis das personagens, o cenário que predomina The Ren & Stimpy Show apresenta ausência de profundidade, composto por geometrias e traços de linhas simples. Trata-se do estilo proveniente do estúdio United Productions of America, ou estilo UPA. Esse estilo gráfico esteve presente em animações norte-americanas da década de 1950 cujas configurações se apoiam, segundo Barbosa Junior (2002) nas conquistas da arte moderna inspiradas nas obras de Pablo Picasso, Henri Matisse e Paul Klee.

Muitos de seus artistas, assim como outros animadores que deram início a Warner e a MGM, eram provenientes dos estúdios Disney, e realizavam uma pesquisa estética com o mesmo cuidado concedido a pintura, com a diferença que essas produções poderiam atingir grandes massas de espectadores fazendo uso do avanço técnico mais recente promovido naquela época, onde se realizavam experiências envolvendo formas, cores, texturas, som e enredo. Barbosa Junior afirma que ambicionavam ainda, externar a livre exploração das formas gráficas contemporâneas, suas opiniões de caráter social e políticos, assim como os pintores modernos. Seguem alguns exemplos de comparação entre produções do estilo UPA e obras de arte moderna:

Figura 36: Rooty Toot Toot (1951)

Nesta produção UPA, vemos borros pretos que constituem o cenário chapado de fundo azul, enquanto linhas simples formam objetos integrados a cor de fundo, e o borrão preto, dando origem a portas, mesas e cadeiras.

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Figura 37: Paul Klee. Fish Magic, 1925.

Nessa obra de Paul Klee, há tons de borros amarelos e laranjas na tela, , pela qual o estilo UPA apresenta similaridade, junto de um fundo preto em que os elementos e objetos se encontram imersos formados por linhas simples e formas geometricas.

Figura 38: Abertura para os curtas UPA de Rod Scribner. A abertura que dava início as produções UPA, produzidas por Rod Scribner, apresentam nessa cena a transferência de ângulos geométricos da personagem para uma única perspectiva, similar, a grosso modo, a pinturas cubistas. Nota-se um aspecto diferenciado oferecido ao rosto contorcido e aos olhos, ambos posicionados de um único lado, enquanto podemos ver os dois braços e pernas das três personagens, em um fundo plano de cor do vinho.

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Figura 39: Pablo Picasso. Le baiser, 1969 No quadro Le baiser (O beijo), de Picasso vemos uma amostra dessa transferência de perspectiva para um único ângulo que os olhos das pessoas retratadas na imagem podem ser vistos no quadro, junto das vias nasais, certa medição do formato e comprimento da testa e do rosto, etc.

Figura 40: Cena de Gerald Mc Boing Boing (1951).

A produção Gerald Mc Boing Boing, apresenta o visual “chapado” com poucos elementos, traçados em linhas simples com mínimos detalhes, compondo a cena que ilustra a produção, com preenchimentos de cor que excedem ou não completa o contorno dos objetos de forma proposital, como manchas. Apresenta quatro tons de marrom perceptivos, os móveis, a pele da mãe, a pele do filho e do pai de modo que haja contraste, e o cenário de fundo, com uma leve iluminação da cor ao centro enquanto se escurece aos poucos nas bordas.

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Figura 41: Henri Matisse. O ateliê vermelho, 1911. Nesta obra de Matisse, vemos um fundo de uma cor só, como na produção citada acima, enquanto linhas simples e amarelas formam objetos domésticos, o que oferece destaque. Há inúmeros quadros que compõem a tela, que retrata um ateliê em um quadro.

Muitos títulos de animações da Era de Ouro seriam descontinuados, enquanto outras migrariam para a televisão. Nesse movimento, apresentariam gradualmente suas produções adaptadas ao estilo UPA, até que se consolida futuramente como animações inerentes ao conceito de Saturday Morning Cartoons, que perdura até a década de 1990 (Mendes, 2014).

Um exemplo é a franquia Tom & Jerry (1940), cujo formato sofre alterações, e atualiza-se em novas versões até os tempos atuais. Nota-se as diferenças gráficas entre elas como as características que definem ser da Era de Ouro, e outra que apresenta características do estilo UPA.

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Figura 42: Cena de Mouse in Manhattan (1945).

Nessa imagem, da animação Mouse in Manhattan (1945) dirigido por William Hanna e Joseph Barbera, vemos a personagem Jerry pendurada em uma vela, à beira da varanda do terraço de um edifício que se quebrou em duas partes conectadas apenas pelo fio do pavio de parafina. Nota-se pela noção de profundidade proporcionada pela imagem, que a personagem se encontra em apuros em uma distância profunda em relação ao solo, em que notamos pontos pretos e outros luminosos de um grande asfalto, o que suscita a interpretação de serem carros e luzes de cidade. Pela profundidade, percebe-se a distinção de altura entre outros edifícios ao fundo como as elevações da estrutura de cada demonstrada em degraus. Um misto de cinza, preto, branco e amarelo reluzente predominam na imagem para sinalizar as sombras nas edificações, contrastadas com iluminações artificiais de uma cidade em seu funcionamento noturno, com edificações que apresentam janelas com luzes, e outras apagadas.

Figura 43: Cena de O-Solar-Meow (1967).

Imagem da cena do episódio O-Solar-Meow (1967) da animação de Tom & Jerry que data da década de 1960, com estilo gráfico referente ao estilo UPA. Essa versão, produzida pelo animador Chuck Jones apresenta as personagens originais da Era de Ouro em um design simplificado com sem gradação de cores animadas em um cenário de fundo chapado com poucas linhas ao fundo sinalizando a região interna de uma tubulação espacial, enquanto ambas flutuam com mochilas propulsoras a jato, jetpacks, com um rastro de fogo com uma textura diferente dos demais elementos do cenário, encerrados em nuvens provenientes da propulsão. A personagem Tom se vê em uma situação de gag indicado pelo corpo contorcido, e expressão de irritabilidade encarando a personagem Jerry que ri de sua situação.

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O curta Mouse in Manhattan (1945) produzido durante o período áureo da animação, foi produzido para ser exibido no dispositivo cinema. Tom & Jerry sofreram releituras e uma readaptações aos moldes do estilo gráfico UPA, sendo produzida por animadores como Chuck Jones para ser transmitida para o dispositivo televisão. Ambas apresentam as devidas diferenças e características em razão de suas épocas, como o formato voltado para determinado dispositivo para o qual foi produzido. No entanto, mesmo o curta cinematográfico pôde posteriormente ser assistido na televisão.

3.2.3. A linguagem visual Gross Up Close Up

Uma caracterísitica estética que se demonstrou presente seu trabalho de forma inovadora, fazia uso de aspecto visual de pintura, com imagens mais detalhadas de objetos e personagens da animação, muitas vezes de seus rostos, um zoom. A escatologia presente chamada de gross up close up, são características marcantes na série The Ren & Stimpy Show. Trata-se de uma técnica estética de exposição aproximada e detalhada de rostos das personagens, na maior parte do tempo, ganhando aspecto de pintura, mas com detalhes realistas e, normalmente, escatológicos e grotescos apresentando olheiras, secreções, rugas etc. Esse estilo também se encontra presente em outras produções, posteriores e atuais em produções da Nickelodeon, dentre outras emissoras.

Esse tipo de recurso gráfico era visto como uma novidade na década de 1990, tendo se tornado um sucesso entre os telespectadores de acordo com John Kricfalusi em uma entrevista para a IGN publicada em 200654:

Nós fomos as primeiras pessoas a fazer isso e é claro que decolou e todas as crianças adoraram, então recebemos toneladas de correspondência dizendo “me dê uma verdadeiro história bruta”. Adultos escreviam, dizendo: “me dê mais coisa grotesca, cara! Faça isso por mim! ”

O co-autor Bob Camp, em uma entrevista concedida em 2015 na edição Comic Con daquele ano, em New England, explica intuito por trás desse recurso, e sobre como se tratou de um risco do estúdio, uma vez que não se tratava de algo comum na indústria:

54John Kricfalusi menciona detalhes a respeito da repercussão do recurso gráfico gross up close up, entrevista já citada neste trabalho.

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“Muitas coisas que buscamos olhar um pouco mais de perto se tornam coisas nojentas. E então pensamos em pinturas e então foi o que fizemos. Foi algo divertido para fazer, e para pintar foi mais divertido ainda, pois você esta fazendo a piada com seu pincel, isso é diversão e divertido. Isso fazem as coisas mais divertidas. Não havia ninguém dizendo para não fazer, então nós fizemos. ”

Figura 44: Cena de gross up close up presentes em The Ren & Stimpy Show extraído do episódio Space Madness (1991) em que apresenta a personagem Ren com uma aproximação que apresenta detalhes de seu rosto.

Nessa imagem a personagem Ren é apresentada com um enquadramento em primeiro plano de seu rosto com um aspecto de pintura, característico do gross up close up, onde se ilustra detalhes de um rosto aproximado, mas com aspectos que desperam asco, como a barba por fazer, ouvidos sujos, manchas na pele, olhos irritados e rusgas nos olhos e na testa.

Figura 45: Cena de gross up close up também extraído do episódio Space Madness (1991) em que apresenta a personagem Stimpy com uma aproximação que apresenta detalhes de seu rosto.

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O mesmo recurso utilizado na personagem Stimpy demonstra dobras de pele sobre sua cabeça, olhos realistas com irritações, verrugas no rosto, e pelos saltados em manchas no nariz.

Posteriomente essa técnica de recurso gráfico seria utilizada em outras produções da própria Nickelodeon, como séries animadas de outras emissoras, sendo utilizada um estilo que foi desenvolvido primeiramente em The Ren & Stimpy Show.

Figura 46: Cena de gross up close up no episódio Whatever Happened to SpongeBob? (2008) de Sponge Bob Square Pants (1999), outra produção da Nickelodeon. Nessa imagem, a personagem Bob Esponja do desenho animado Sponge Bob Square Pants também faz uso do recurso gráfico, onde vemos se aplicar não somente no corpo da personagem, mas em todo o cenário, onde vemos lixo como uma lata com líquido escorrido e dejetos podres em uma calçada rachada e suja. O corpo da personagem apresenta fios de cabelo irregulares e espalhados sobre sua cabeça, cavidades oculares inchadas para frente com pequenas aberturas de globos oculares irregulares. Há suor e saliva e muco secretados pela personagem em um rosto enrugado e com manchas, que esbanja um sorriso de dentes irregulares e amarelados. Além disso, veste roupas envelhecidas.

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Figura 47: Cena de gross up close up no episódio Babyssiter Blues (1996) de Dexter Laboratory (1996), da Cartoon Network. Nessa cena trata-se de um recurso mais ameno em relação aos desenhos animados anteriores, sendo minimalista nos detalhes. A imagem ilustra a personagem Dexter do desenho Dexter Laboratory com enquadramento em primeiro plano de uma parte de seu rosto com olhos fechados vistos por dentro das lentes de uns óculos vestidos pela personagem. A pele, em tons de rosado, apresenta cravos e espinhas em seu rosto enquanto apresenta secreção nasal.

Considerações finais

John Kricfalusi deu uma identidade ou contribuiu para a construção desta identidade cultural daquela época através do desenho animado. O autor soube captar o zeitgeist daquele período por meio de uma produção cultural que não havia sido atualizada desde a década de 1960 na televisão. Apesar de sua queixa quanto a determinado modelo de produção, ocasionalmente houveram terceirizações durante a produção de The Ren & Stimpy Show por meio de outros estúdios de animação de origem canadense, e outros países como Estados Unidos e Coréia do Sul.

As animações limitadas herdadas do estilo UPA presentes nos Saturday Morning Cartoons eram vistas com desprestígio na época. Um deles foi Kricfalusi que, utilizou inspirações da Era de Ouro como antítese ao modelo vigente de sua época. No entanto, até os tempos atuais, Kricfalusi faz uso do visual que remonta ao estilo UPA.

Integrantes de alto escalão da emissora preocuparam-se em oferecer desenhos animados distintos do que era oferecido pela TV aberta, produções que seriam transmitidas as manhãs de domingo, e exigiam um conceito de traço autoral diferente da proposta dos Saturday Mornings, o creator-driven cartoon.

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A produção The Ren & Stimpy Show (1991) faz uso de referencias gráficas e visuais de diferentes épocas da animação. Embora o desenho animado, ao longo de sua construção como entretenimento midiático, foi tratado historicamente como algo destinado a crianças, há crianças de diversas épocas que hoje contemplam, em sua vida adulta, as mesmas produções que seus filhos. No entanto, consomem uma obra que remonta a suas infâncias, fazendo reconhecimento. Além disso, houveram recursos visuais inovadores que, embora houvesse início de uma apreciação entre criadores, acabou por influenciar em novas tendências gráficas e uma cultura da imagem do desenho animado. O uso do grotesco enquanto uma transgressão visual choca, mas ao mesmo tempo aproxima o público de seu próprio repertório.

O uso do conteúdo violento, transgressor, grotesco, permite reconhecimento não somente a apreciação de piadas. Mas a apreciação de desenhos animados que remontam a uma nostalgia pelo seu público também se entrelaça com a revolta social em meio a uma realidade política que não oferece perspectiva de progresso e, portanto, observa-se para o passado, enquanto a identificação com o presente surge com desforra popular.

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DEXTER LABORATORY. Babysitter Blues. Direção: Craig McCracken, . Roteiro: , Butler Rote. , 1996. (23 min).

GERALD Mc BOING-BOING. Direção: Robert Cannon. Roteiro: Dr Seuss, Bill Scott, Phil Eastman. United Productions of America, 1950. (8 min).

MILEY CIRUS. SMS Bangerz. Direção: John Kricfalusi. Spumco, 2015. (2 min).

ROLLING STONES, The. . Direção , John Kricfalusi. Bakshi Animation, 1986. (5 min).

ROOTY Toot Toot. Direção: John Hubley. [S. l.: s. n.], 1951. (7min).

SPONGE BOB SQUARE PANTS. Whatever Happened to SpongeBob? Direção: Vincent Walter. Roteiro: , Casey Alexander, Zeus Cervas, , Dani Michaeli, Richard Pursel, Eric Shaw, , Derem m ak Drymon, . United Plankton Pictures, 2008. (24 min).

REN & Stimpy - The Lost Episodes. Direção: John Kricfalusi. [S. l.]: Paramount, 2006. 2 DVDS. (198 min).

THE GODDAMN George Liquor Program. Direção: John Kricfalusi. [S. l.: s. n.], 1997. (15min)

THE REN & Stimpy Show - Season Five and Some More of Four. Direção: John Kricfalusi. [S. l.]: Paramount, 2005. 3 DVDs (390 min).

92

THE REN and Stimpy Show - Seasons Three and a Half-ish. Direção: John Kricfalusi. [S. l.]: Paramount, 2005. 4 DVDs (373 min).

THE REN & Stimpy Show: The First and Second Season (Uncut). Direção: John Kricfalusi. [S. l.]: Paramount, 2004. 2 DVDs (418 min).

TOM & JERRY. Mouse in Manhattan. Direção: Joseph Barbera, William Hanna. Metro- Goldwyn-Mayer, 1945. (8 min).

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WEEKEND pussy hunt. Direção: John Kricfalusi. [S. l.: s. n.], 2000. (23 min).

Anexo I:

Lista de episódios por temporada

Episódio-piloto e “episódio perdido”

Título Ano de produção Minutagem Direção Animação John K In

Big House Blues 15/09/1991 6 minutos John Kricfalusi Não houve Roteirista

Man’s Best Friend Não foi ao ar 11 minutos John Kricfalusi Carbunkle Cartoons Roteirista

Primeira temporada

Título Ano de produção Minutagem Direção Animação John K In

Stimpy’s Big Day 11/08/1991 10 minutos John Kricfalusi Lacewood Roteirista

The Big Shot 11/08/1991 8 minutos John Kricfalusi Lacewood Roteirista

SSL: Robin Höek 25/08/1991 9 minutos John Kricfalusi Bonart Co. Roteirista

Nurse Stimpy 25/08/1991 8 minutos John Kricfalusi Lacewood Roteirista

Space Madness 08/09/1991 11 minutos John Kricfalusi Carbunkle Cartoons Roteirista

The Boy Who Cried Rat! 08/09/1991 9 minutos John Kricfalusi Lacewood Roteirista

SSL: The Littlest Giant 15/09/1991 9 minutos John Kricfalusi Bonart Co. Roteirista

Fire Dogs 29/09/1991 9 minutos John Kricfalusi Carbunkle Cartoons Roteirista

Marooned 29/12/1991 11 minutos John Kricfalusi Bonart Co. Roteirista

A C (Untamed World) 29/12/1991 9 minutos John Kricfalusi Lacewood Roteirista

93

Black Hole 23/02/1992 8 minutos John K. e Bob Camp Bonart Co. Dublador

Stimpy’s Invention 23/02/1992 12 minutos John Kricfalusi Carbunkle Cartoons Roteirista

Segunda temporada

Título Ano de produção Minutagem Direção Animação John K In

In the Army 15/08/1992 11 minutos Bob Camp Rough Draft Dublador

Powdered Toast Man 15/08/1992 10 minutos John Kricfalusi Rough Draft Roteirista

Ren’ Toothache 22/08/1992 11 minutos John Kricfalusi Rough Draft Roteirista

Out West 29/08/1992 10 minutos Bob Camp Carbunkle Cartoons Roteirista

Rubber Nipple Salesmen 29/08/1992 9 minutos John K. e Vincent Waller Rough Draft Roteirista

Svën Höek 07/11/1992 15 minutos John Kricfalusi Carbunkle Cartoons Roteirista

Haunted House 21/11/1992 9 minutos Ron Hughart Color Key Studios Roteirista

Mad Dog Höek 21/11/1992 11 minutos Bob Camp Rough Draft Roteirista

Big Baby Scam 12/12/1992 10 minutos Vincent Waller Rough Draft Dublador

Dog Show 12/12/1992 11 minutos John K. e Chris Reccardi Rough Draft Dublador

Son of Stimpy 14/01/1993 21 miuntos John Kricfalusi Carbunkle Cartoons Roteirista

Monkey See, Monkey Don’t 13/02/1993 11 minutos Bob Camp Rough Draft Ausente

Fake Dad 27/02/1993 11 minutos John K. e Jim Smith Rough Draft Roteirista

The Great Outdoors 27/03/1993 10 minutos Vincent Waller e Ken Bruce Rough Draft Roteirista

The Cat That Laid the Golden Hairball 03/04/1993 11 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

Stimpy’s Fan Club 24/04/1993 19 minutos Peter Avanzino Rough Draft Roteirista

A Visit to Anthony 08/05/1993 18 minutos John K. e Jim Smith Rough Draft Roteirista

The Royal Canadian Kilted Yaksmen 23/05/1993 17 minutos John K. e Chris Reccardi Carbunkle Cartoons Roteirist

Terceira temporada

Título Ano de produção Minutagem Direção Animação John K In

To Salve and Salve Not! 20/11/1993 10 minutos Bob Camp Rough Draft Ausente

A Yard Too Far 20/11/1993 10 minutos Bob Camp Rough Draft Roteirista

Circus Midgets 26/11/1993 10 minutos Bob Camp e Jim Gomez Rough Draft Ausente

No Pants Today 26/11/1993 10 minutos Bob Camp e Bill Wray Rough Draft Roteirista

Ren’s Pecs 18/12/1993 11 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

An Abe Divided 18/12/1993 11 minutos Jim Gomez Rough Draft Ausente

94

Stimpy’s Cartoon Show 08/01/1994 19 minutos Baughb Camp (Bob Camp) Rough Draft Roteirista

Jimminy Lummox 19/02/1994 10 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

Bass Masters 19/02/1994 11 minutos Bob Camp Rough Draft Consultor

Road Apples 12/03/1994 11 minutos Howard E. Baker Rough Draft Ausente

Ren’s Retirement 02/04/1994 16 minutos Bob Camp Rough Draft Ausente

Jerry The Bellybutton Elf 09/04/1994 11 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

Hard Times For Haggis 30/04/1994 19 minutos Chris Reccardi Rough Draft Ausente

Eat My Cookies 04/06/1994 10 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

Ren’s Bitter Half 04/06/1994 10 minutos Michael Kim Rough Draft Ausente

Lair Of The Lummox 30/07/1994 16 minutos Bob Camp Wang Productions Roteirista

Quarta temporada

Título Ano de produção Minutagem Direção Animação John K In

Hermit Ren 01/10/1994 17 minutos Chris Reccardi Rough Draft Ausente

House of Next Tuesday 08/10/1994 11 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

A Friend in Your Face! 08/10/1994 11 minutos Bob Camp Rough Draft Ausente

Blazing Entrails 15/10/1994 11 minutos Bob Camp Mr. Big Cartoons Ausente

Lumber-Jerks 15/10/1994 11 minutos Bob Camp e Bill Wray Rough Draft Ausente

Prehistoric Stimpy 05/11/1994 11 minutos Bob Camp Mr. Big Cartoons Ausente

Farm Hands 05/11/1994 11 minutos Bob Camp Rough Draft Ausente

Magical Golden Singing Cheeses 12/11/1994 11 minutos Michael Kim Toon Us-In Animations Ausente

A Hard Day’s Luck 12/11/1994 11 minutos Chris Reccardi Rough Draft Ausente

I Love Chicken 19/11/1994 11 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

Powdered Toast Man VS. Waffle Woman 19/11/1994 11 minutos Chris Reccardi’ Rough Draft Ausente

It’s a Dog’s Life 03/12/1994 11 minutos Ken Bruce Wang Productions Ausente

Ren & Stimpy presente Eggyölkeo 03/12/1994 11 minutos Bob Camp Wang Productions Ausente

Double Header 07/01/1995 11 minutos Michael Kim Toon-Us-In Animations Ausente

The Scotsman In Space 07/01/1995 11 minutos Bob Camp Rough Draft Ausente

Pixie King 14/01/1995 11 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

Aloha Höek Bomb 14/01/1995 11 minutos Bill Wray Mr Big Cartoons Ausente

Imsomniac Ren 21/01/1995 11 minutos Steve Loter Rough Draft Ausente

My Shiny Friend 21/01/1995 11 minutos Bill Wray Toon-Us-In Animations Ausente

95

Cheese Rush Days 11/02/1995 11 minutos Mark Marren (as Kirk Field) Rough Draft Ausente

Wiener Barons 11/02/1995 10 minutos Bob Camp Mr. Big Cartoons Ausente

Galoot Wranglers 04/03/1995 10 minutos Rough Draft Ausente

Ren Needs Help 04/03/1995 11 minutos Bob Camp Toon-Us-In Animations Ausente

Ol’ Blue Nose 18/03/1995 11 minutos Steve Lotter Toon-Us-In Animations Ausente

Stupid Sidekick Union 18/03/1995 11 minutos Tom McGrath Rough Draft Ausente

Superstitious Stimpy 01/04/1995 11 minutos Bob Camp Rough Draft Ausente

Travelogue Bomb 01/04/1995 10 minutos Arthur Filloy Mr. Big Cartoons Ausente

Quinta temporada

Título Ano de produção Minutagem Direção Animação John K In

Space Dogged 03/06/1995 11 minutos Steve Loter Rough Draft Ausente

Feud For Sale 03/06/1995 11 minutos Ron Hughart Rough Draft Ausente

Hair of the Cat 01/07/1995 10 minutos Ken Bruce Rough Draft Ausente

City Hicks 01/07/1995 11 minutos Ken Bruce Toon-Us-In Animations Ausente

Stimpy’s Pet 07/10/1995 10 minutos Steve Loter Rough Draft Ausente

Ren’s Brain 07/10/1995 11 minutos Chris Reccardi Toon-Us-In AnimationsRoteirist

BellHops 28/10/1995 10 minutos Ken Bruce Mr Big Ausente

Dog Tags 28/10/1995 10 minutos Ken Bruce Rough Draft Ausente

I was A Teenage Stimpy 04/11/1995 11 minutos Tom McGrath Rough Draft Ausente

Who’s Stupid Now? 04/11/1995 11 minutos Michael Kim Toon-Us-In Animations Ausente

School Mates 11/11/1995 10 minutos Mark Marren (Kirk Field) Rough Draft Ausente

Dinner Party 11/11/1995 10 minutos Sem crédito a diretor Rough Draft Ausente

Big Flakes 18/11/1995 9 minutos Ken Bruce Mr. Big Cartoons Ausente

Pen Pals 18/11/1995 10 minutos Tom Owens e Craig Bartlett Toon-Us-In Animations

Terminal Stimpy 09/12/1995 11 minutos Arthur Filloy Mr. Big Cartoons Ausente

Reverend Jack 09/12/1995 11 minutos Craig Bartlett Rough Draft Ausente

A Scooter for Yaksmas 16/12/1995 17 minutos Bob Camp Rough Draft Ausente

Sammy And Me 20/10/1996 11 minutos Bill Wray Mr Big Cartoons Ausente

The Last Temptation 20/10/1996 11 minutos Bob Camp Toons-Us-In AnimationsAusente

Episódio-piloto e “episódio perdido”

96

Título Ano de produção Minutagem Dublagem Ren Cenaura Descred

Big House Blues 15/09/1991 6 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Man’s Best Friend Não foi ao ar 11 minutos John Kricfalusi Não foi ao ar Não houve

Primeira temporada

Título Ano de produção Minutagem Dublagem Ren Censura Descred

Stimpy’s Big Day 11/08/1991 10 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

The Big Shot 11/08/1991 8 minutos Não informa Não houve John k;Vw

SSL: Robin Höek 25/08/1991 9 minutos John Kricfalusi Não houve. Não houve

Nurse Stimpy 25/08/1991 8 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

Space Madness 08/09/1991 11 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

The Boy Who Cried Rat! 08/09/1991 9 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

SSL: The Littlest Giant 15/09/1991 9 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

Fire Dogs 29/09/1991 9 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

Marooned 29/12/1991 11 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

A C (Untamed World) 29/12/1991 9 minutos John Kricfalusi Não houve Bob Camp

Black Hole 23/02/1992 8 minutos Não mencionado Não houve JohnK; BC

Stimpy’s Invention 23/02/1992 12 minutos John Kricfalusi Não houve Bob Camp

Segunda temporada

Título Ano de produção Minutagem Dublagem Ren Censura Descred

In the Army 15/08/1992 11 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

Powdered Toast Man 15/08/1992 10 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Ren’ Toothache 22/08/1992 11 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Out West 29/08/1992 10 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Rubber Nipple Salesmen 29/08/1992 9 minutos John Kricfalusi Não houve Greg Man

Svën Höek 07/11/1992 15 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Haunted House 21/11/1992 9 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Mad Dog Höek 21/11/1992 11 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

Big Baby Scam 12/12/1992 10 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Dog Show 12/12/1992 11 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Son of Stimpy 14/01/1993 21 miuntos John Kricfalusi Houve Não houve

Monkey See, Monkey Don’t 13/02/1993 11 minutos Billy West Não houve Não houve

97

Fake Dad 27/02/1993 11 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

The Great Outdoors 27/03/1993 10 minutos Billy West Não houve Não houve

The Cat That Laid the Golden Hairball 03/04/1993 11 minutos Billy West Houve Não houve

Stimpy’s Fan Club 24/04/1993 19 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

A Visit to Anthony 08/05/1993 18 minutos John Kricfalusi Não houve Não houve

The Royal Canadian Kilted Yaksmen 23/05/1993 17 minutos John Kricfalusi Houve Não houve

Terceira temporada

Título Ano de produção Minutagem Dublagem Ren Censura Descred

To Salve and Salve Not! 20/11/1993 10 minutos Billy West Não houve Não houve

A Yard Too Far 20/11/1993 10 minutos Billy West Não houve John K.

Circus Midgets 26/11/1993 10 minutos Billy West Não houve Não houve

No Pants Today 26/11/1993 10 minutos Billy West Houve John K.

Ren’s Pecs 18/12/1993 11 minutos Billy West Não houve John K.

An Abe Divided 18/12/1993 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Stimpy’s Cartoon Show 08/01/1994 19 minutos Billy West Houve Não houve

Jimminy Lummox 19/02/1994 10 minutos Billy West Houve Bob Camp

Bass Masters 19/02/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

Road Apples 12/03/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

Ren’s Retirement 02/04/1994 16 minutos Billy West Houve Bob Camp

Jerry The Bellybutton Elf 09/04/1994 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Hard Times For Haggis 30/04/1994 19 minutos Billy West Não houve Não houve

Eat My Cookies 04/06/1994 10 minutos Billy West Houve Não houve

Ren’s Bitter Half 04/06/1994 10 minutos Billy West Houve Não houve

Lair Of The Lummox 30/07/1994 16 minutos Billy West Não houve Não houve

Quarta temporada

Título Ano de produção Minutagem Dublagem Ren Censura Descred

Hermit Ren 01/10/1994 17 minutos Billy West Não houve Não houve

House of Next Tuesday 08/10/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

A Friend in Your Face! 08/10/1994 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Blazing Entrails 15/10/1994 11 minutos Billy West Não houve Não houve

98

Lumber-Jerks 15/10/1994 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Prehistoric Stimpy 05/11/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

Farm Hands 05/11/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

Magical Golden Singing Cheeses 12/11/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

A Hard Day’s Luck 12/11/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

I Love Chicken 19/11/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

Powdered Toast Man VS. Waffle Woman 19/11/1994 11 minutos Billy West’ Houve Não houve

It’s a Dog’s Life 03/12/1994 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Ren & Stimpy presente Eggyölkeo 03/12/1994 11 minutos Billy West Houve Não houve

Double Header 07/01/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

The Scotsman In Space 07/01/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Pixie King 14/01/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Aloha Höek Bomb 14/01/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Imsomniac Ren 21/01/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

My Shiny Friend 21/01/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Cheese Rush Days 11/02/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Wiener Barons 11/02/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

Galoot Wranglers 04/03/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

Ren Needs Help 04/03/1995 11 minutos Billy West Houve Não houve

Ol’ Blue Nose 18/03/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Stupid Sidekick Union 18/03/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Superstitious Stimpy 01/04/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Travelogue Bomb 01/04/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

Quinta temporada

Título Ano de produção Minutagem Dublagem Ren Censura Descred

Space Dogged 03/06/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Feud For Sale 03/06/1995 11 minutos Billy West Houve Não houve

Hair of the Cat 01/07/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

City Hicks 01/07/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Stimpy’s Pet 07/10/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

Ren’s Brain 07/10/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

99

BellHops 28/10/1995 10 minutos Billy West Houve Não houve

Dog Tags 28/10/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

I was A Teenage Stimpy 04/11/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Who’s Stupid Now? 04/11/1995 11 minutos Billy West Houve Não houve

School Mates 11/11/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

Dinner Party 11/11/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

Big Flakes 18/11/1995 9 minutos Billy West Não houve Não houve

Pen Pals 18/11/1995 10 minutos Billy West Não houve Não houve

Terminal Stimpy 09/12/1995 11 minutos Billy West Não houve Não houve

Reverend Jack 09/12/1995 11 minutos Billy West Houve Não houve

A Scooter for Yaksmas 16/12/1995 17 minutos Billy West Não houve Não houve

Sammy And Me 20/10/1996 11 minutos Billy West Houve Não houve

The Last Temptation 20/10/1996 11 minutos Billy West Houve Não houve

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